332
Parte 1 Conjuntos finitos, enumer ´ aveis e ao-enumer ´ aveis Georg Ferdinand Ludwig Philipp Cantor (1845-1818) R ´ ussia. Para saber mais sobre os n´ ume- ros cardinais, consulte: Halmos, Paul R., Teoria Ing´ enua dos Conjuntos, Editora Pol´ ıgono, ao Paulo, 1970. Giuseppe Peano (1858-1932) It ´ alia. Julius Wihelm Richard Dedekind (1831-1916) Braunschweig, hoje Alemanha. A descoberta de que h´ a diversos tipos de infinito deve-se a Georg Cantor. Mas, para os objetivos do nosso curso, ser´ a necess´ ario distin- guir os conjuntos, quanto ao n´ umero de elementos, apenas em trˆ es ca- tegorias: os conjuntos finitos; os conjuntos enumer ´ aveis e os conjuntos ao-enumer ´ aveis. A noc ¸˜ ao de conjunto enumer ´ avel, como veremos, est´ a estritamente ligada ao conjunto N dos n´ umeros naturais. Por isso iniciamos o curso com uma breve apresentac ¸˜ ao da teoria dos n ´ umeros naturais a partir dos axiomas de Peano, que exibem os n´ umeros naturais como umeros ordi- nais, isto ´ e, objetos que ocupam lugares determinados numa sequ ˆ encia ordenada. Depois, empregaremos os n´ umeros naturais para a contagem dos conjuntos finitos, mostrando que eles podem ser considerados como umeros cardinais. Dedekind definiu o conjunto N dos n ´ umeros naturais a partir da teoria dos conjuntos e demonstrou os axiomas de Peano (ver [Halmos]). Do ponto de vista de Peano, os n ´ umeros naturais n ˜ ao s ˜ ao definidos. ´ E apresentada uma lista de propriedades (axiomas) que eles satisfazem e tudo o mais decorre da´ ı. N˜ ao interessa o que os n´ umeros s˜ ao, mas apenas as suas propriedades. Instituto de Matem ´ atica - UFF 1

Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Parte 1

Conjuntos finitos, enumer aveis e

nao-enumer aveis Georg Ferdinand Ludwig

Philipp Cantor

(1845-1818) Russia.

Para saber mais sobre os nume-

ros cardinais, consulte:

Halmos , Paul R., Teoria Ingenuados Conjuntos, Editora Polıgono,Sao Paulo, 1970.

Giuseppe Peano

(1858-1932) Italia.

Julius Wihelm

Richard Dedekind

(1831-1916) Braunschweig,

hoje Alemanha.

A descoberta de que ha diversos tipos de infinito deve-se a Georg

Cantor . Mas, para os objetivos do nosso curso, sera necessario distin-

guir os conjuntos, quanto ao numero de elementos, apenas em tres ca-

tegorias: os conjuntos finitos; os conjuntos enumeraveis e os conjuntos

nao-enumeraveis.

A nocao de conjunto enumeravel, como veremos, esta estritamente

ligada ao conjunto N dos numeros naturais. Por isso iniciamos o curso

com uma breve apresentacao da teoria dos numeros naturais a partir dos

axiomas de Peano, que exibem os numeros naturais como numeros ordi-

nais, isto e, objetos que ocupam lugares determinados numa sequencia

ordenada. Depois, empregaremos os numeros naturais para a contagem

dos conjuntos finitos, mostrando que eles podem ser considerados como

numeros cardinais.

Dedekind definiu o conjunto N dos numeros naturais a partir da teoria

dos conjuntos e demonstrou os axiomas de Peano (ver [Halmos]).

Do ponto de vista de Peano, os numeros naturais nao sao definidos.

E apresentada uma lista de propriedades (axiomas) que eles satisfazem

e tudo o mais decorre daı. Nao interessa o que os numeros sao, mas

apenas as suas propriedades.

Instituto de Matematica - UFF 1

Page 2: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

J. Delgado - K. Frensel2

Page 3: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Os numeros naturais

1. Os numeros naturais

Toda a teoria dos numeros naturais pode ser deduzida dos tres axi-

omas abaixo, conhecidos como axiomas de Peano.

Sao dados, como objetos nao-definidos, um conjunto, que se de-

signa pela letra N, cujos elementos sao chamados numeros naturais, e

uma funcao s : N −→ N. Para cada n ∈ N, o numero natural s(n) e

chamado o sucessor de n.

A funcao s satisfaz aos seguintes axiomas:

(I) s : N −→ N e injetiva, ou seja, se s(m) = s(n), entao m = n.

(II) N − s(N) consiste de um unico elemento, ou seja, existe um

unico numero natural que nao e sucessor de outro numero natural. Este

numero, chamado um, e representado pelo sımbolo 1.

Assim, s(n) 6= 1 para todo n ∈ N e, se n 6= 1, existe um unico m ∈ Ntal que s(m) = n.

Uma demonstracao na qual o axi-

oma (III) e empregado, chama-seuma demonstracao por inducao.Ver exemplo 1.1.

(III) (Princıpio de Inducao) Se X ⊂ N e tal que 1 ∈ X e, para todo

n ∈ X tem-se s(n) ∈ X, entao X = N.

Exemplo 1.1 Demonstrar por inducao que s(n) 6= n para todo n ∈ N.

Solucao: Seja X = {n ∈ N | s(n) 6= n} .

(1) 1 ∈ X, pois, pelo axioma (II), s(n) 6= 1 para todo n ∈ N. Em particular

s(1) 6= 1.

(2) Seja n ∈ X, ou seja, s(n) 6= n.

Como s e injetiva, pelo axioma (I), s(s(n)) 6= s(n). Isto e, s(n) ∈ X.

Entao, pelo princıpio de inducao, axioma (III), X = N, ou seja, s(n) 6= n

para todo n ∈ N. �

Nao menos importante do que de-monstrar proposicoes usando o

princıpio de inducao e saber de-finir objetos por inducao.

As definicoes por inducao baseiam-se na possibilidade de se iterar

uma funcao f : X −→ X um numero arbitrario, n, de vezes.

Mais precisamente, sejam X um conjunto e f : X −→ X uma funcao.

A cada n ∈ N podemos associar, de modo unico, uma funcao fn : X −→ X

tal que:

Instituto de Matematica - UFF 3

Page 4: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

f1 = f e fs(n) = f ◦ fn .

Usando as iteradas da funcao s : N −→ N vamos definir por inducao

a adicao de numeros naturais.

Numa exposicao sistematica dateoria dos numeros naturais, aexistencia do n−esimo iterado fn

de uma funcao f : X −→ X eum teorema, chamado Teoremada Definicao por Inducao.

A operacao de adicao de

numeros naturais e uma funcaoque a cada par de numerosnaturais (m, n) ∈ N × N faz

corresponder o numero natu-ral sn(m) designado m + n e

chamado a soma de m e n.

Isto e,

+ : N× N −→ N(m, n) 7−→ m + n = sn(m)

Definicao 1.1 Sejam m,n ∈ N. O numero natural sn(m) e chamado a

soma de m e n e e designado por m+ n. Isto e,

m+ n = sn(m) .

A operacao que consiste em somar numeros naturais e denominada adicao,

e e designada pelo sımbolo +.

Assim,

• m+ 1 = s(m) (somar m com 1 significa tomar o sucessor de m).

• m+ s(n) = ss(n)(m) = s(sn(m)) = s(m+ n),

ou seja,

m+ (n+ 1) = (m+ n) + 1 .

Proposicao 1.1 A adicao de numeros naturais possui as seguintes pro-

priedades:

(a) Associatividade: m+ (n+ p) = (m+ n) + p .

(b) Comutatividade: m+ n = n+m .

(c) Tricotomia: dados m,n ∈ N, exatamente uma das seguintes tres alter-

nativas ocorre: ou m = n , ou existe p ∈ N tal que m = n + p, ou existe

q ∈ N tal que n = m+ q.

(d) Lei de cancelamento: m+ n = m+ p =⇒ n = p .

Prova.

(a) Sejam m,n ∈ N numeros naturais arbitrarios e seja

X = {p ∈ N |m+ (n+ p) = (m+ n) + p} .

Entao 1 ∈ X e se p ∈ X, tem-se que

m+ (n+ s(p)) = m+ s(n+ p) = s(m+ (n+ p)) = s((m+ n) + p)

= (m+ n) + s(p) .

Logo, s(p) ∈ X e, portanto, X = N, ou seja, m + (n + p) = (m + n) + p,

quaisquer que sejam m,n, p ∈ N.

J. Delgado - K. Frensel4

Page 5: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Os numeros naturais

(b) • Seja X = {m ∈ N |m+ 1 = 1+m} . Entao, 1 ∈ X e se m ∈ X, tem-se

1+ s(m) = s(1+m) = s(m+ 1) = s(s(m)) = s(m) + 1 ,

ou seja, s(m) ∈ X. Logo, X = N, isto e, m+ 1 = 1+m, qualquer que seja

m ∈ N.

• Seja Y = {m ∈ N |m+ n = n+m}, onde n ∈ N.

Entao, pelo provado acima, 1 ∈ Y. E se m ∈ Y, tem-se que

n+ s(m) = s(n+m) = s(m+ n) = m+ s(n)

= m+ (n+ 1) = m+ (1+ n) = (m+ 1) + n

= s(m) + n ,

ou seja, s(m) ∈ Y. Logo, Y = N, isto e, m + n = n +m quaisquer que

sejam m,n ∈ N.

(c) Seja m ∈ N e seja

X = {n ∈ N |n e m satisfazem a propriedade de tricotomia } .

(1) 1 ∈ X. De fato, ou m = 1 ou m 6= 1 e, neste caso, m e o sucessor de

algum numero n0 ∈ N, ou seja, existe n0 ∈ N tal que

1+ n0 = n0 + 1 = s(n0) = m .

(2) Seja n ∈ X. Entao, ou n = m, ou existe p ∈ N tal que n = m + p, ou

existe q ∈ N tal que m = n+ q.

Vamos provar que s(n) ∈ X.

De fato,

• se n = m =⇒ s(n) = s(m) = m+ 1 .

• se n = m+ p =⇒ s(n) = s(m+ p) = (m+ p) + 1 = m+ (p+ 1) .

• se m = n + q =⇒ ou q = 1 ou q 6= 1. Se q = 1, m = n + 1, ou seja,

s(n) = m. Se q 6= 1, existe q0 ∈ N tal que q0 + 1 = q.

Logo,

m = n+ q = n+ (q0 + 1) = n+ (1+ q0) = (n+ 1) + q0 = s(n) + q0 .

Em qualquer caso, provamos que ou s(n) = m, ou existe r ∈ N tal que

s(n) = m+ r, ou existe ` ∈ N tal que m = s(n) + `.

Logo, X = N, ou seja, dados m,n ∈ N temos que, ou m = n, ou existe

p ∈ N tal que m = n+ p, ou existe q ∈ N tal que n = m+ q.

Exercıcio 1: Para provar que valeexatamente uma das tres alterna-

tivas ao lado, verifique antes quen + p 6= n quaisquer que sejamn, p ∈ N.

Instituto de Matematica - UFF 5

Page 6: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

(d) Sejam m,n, p ∈ N tais que m+ n = m+ p.

Pela propriedade de tricotomia, temos que ou p = n ou existe q ∈ N tal

que n = p+ q, ou existe ` ∈ N tal que p = n+ `.

Entao, se p 6= n, temos que:

• n = p + q =⇒ m + (p + q) = m + p =⇒ (m + p) + q = m + p, o que e

uma contradicao (ver o exercıcio 1 acima).

ou

• p = n + ` =⇒ m + n = m + (n + `) = (m + n) + ` que e tambem uma

contradicao.

Logo, p = n. �

A relacao de ordem no conjunto dos numeros naturais e definida em

termos da adicao.

Definicao 1.2 Dados m,n ∈ N, dizemos que m e menor do que n (ou

que n e maior do que m) e escrevemos m < n (ou n > m) se existir

p ∈ N tal que n = m+ p.

A notacao m ≤ n significa que m

e menor do que ou igual a n.

Proposicao 1.2 A relacao < possui as seguintes propriedades:

(a) Transitividade: se m < n e n < p, entao m < p.

(b) Tricotomia: dados m,n ∈ N, ocorre exatamente uma das alternativas

seguintes:

m = n , ou m < n , ou n < m .

(c) Monotonicidade: se m < n entao m+ p < n+ p para todo p ∈ N.

Prova.

(a) Se m < n e n < p, existem q1 ∈ N e q2 ∈ N tais que n = m + q1

e p = n+ q2.

Logo,

p = n+ q2 = (m+ q1) + q2 = m+ (q1 + q2).

Entao, m < p.

(b) Sejam m,n ∈ N. Entao, ocorre exatamente uma das seguintes alter-

nativas:

J. Delgado - K. Frensel6

Page 7: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Os numeros naturais

• ou m = n;

• ou existe p ∈ N tal que m = n+ p, ou seja n < m;

• ou existe q ∈ N tal que n = m+ q, ou seja m < n.

(c) Sejam m,n, p ∈ N. Se m < n, existe q ∈ N tal que n = m+ q.

Logo,

n+ p = (m+ q) + p = m+ (q+ p) = m+ (p+ q) = (m+ p) + q ,

ou seja, m+ p < n+ p. �

Definiremos, agora, a multiplicacao de numeros naturais.

Definicao 1.3 Para cada m ∈ N, seja fm a funcao definida por

fm : N −→ Np 7−→ fm(p) = p+m.

O produto de dois numeros naturais e definido por:

• m · 1 = m ,

• m · (n+ 1) = (fm)n(m) .

A operacao de multiplicacao ea funcao que a cada par denumeros naturais associa o seu

produto:

· : N× N −→ N(m, n) 7−→ m · n

Multiplicar dois numeros naturaissignifica calcular o produto entreeles.

O produto de m e n e designado

por m · n ou por m n.

Assim, multiplicar um numero m por 1 nao o altera, e multiplicar m

por um numero maior que 1, ou seja, por um numero da forma n + 1, e

iterar n−vezes a operacao de somar m, comecando com m.

Por exemplo:

m · 2 = fm(m) = m+m;

m · 3 = (fm)2(m) = fm(fm(m)) = fm(m+m) = m+m+m.

Observacao 1.1 Pela definicao acima, temos que

m · (n+ 1) = m · n+m, ∀m,n ∈ N

De fato, se n = 1, entao

m · n+m = m · 1+m = m+m = (fm)1(m) = m · (1+ 1) .

Se n 6= 1, existe n0 ∈ N tal que s(n0) = n. Logo,

m · n+m = m · (n0 + 1) +m = (fm)n0(m) +m

= fm((fm)n0)(m) = (fm)s(n0)(m)

= (fm)n(m) = m · (n+ 1) .

Instituto de Matematica - UFF 7

Page 8: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Proposicao 1.3 A multiplicacao de numeros naturais satisfaz as se-

guintes propriedades:

(a) Distributividade: m · (n+p) = m ·n+m ·p e (m+n) ·p = m ·p+n ·p.

(b) Associatividade: m · (n · p) = (m · n) · p.

(c) Comutatividade: m · n = n ·m.

(d) Monotonicidade: m < n =⇒ m · p < n · p.

(e) Lei de cancelamento: m · p = n · p =⇒ m = n.

Prova.

(a) Sejam m,n ∈ N e seja X = {p ∈ N |m · (n+ p) = m · n+m · p} .

Ja vimos que 1 ∈ X. Suponhamos que p ∈ X. Entao,

m · (n+ (p+ 1) = m · ((n+ p) + 1) = m · (n+ p) +m · 1= (m · n+m · p) +m = m · n+ (m · p+m)

= m · n+m · (p+ 1) , ou seja, p+ 1 ∈ X .

Logo, X = N. Isto e, m · (n + p) = m · n + m · p quaisquer que sejam

m,n, p ∈ N.

Seja, agora, Y = {p ∈ N | (m+ n) · p = m · p+ n · p} . Entao,

• 1 ∈ Y, pois (m+ n) · 1 = m+ n = m · 1+ n · 1.

• Se p ∈ Y, temos:

(m+ n) · (p+ 1) = (m+ n) · p+ (m+ n) = m · p+ n · p+m+ n

= m · p+m+ n · p+ n = m · (p+ 1) + n · (p+ 1) ,

ou seja, p+1 ∈ Y. Logo, Y = N, isto e, (m+n) ·p = m ·p+n ·p quaisquer

que sejam m,n, p ∈ N.

(b) Sejam m,n ∈ N e seja X = {p ∈ N |m · (n · p) = (m · n) · p} . Entao,

• 1 ∈ X, pois m · (n · 1) = m · n = (m · n) · 1.

• Se p ∈ X, temos

m · (n · (p+ 1)) = m · (n · p+ n) = m · (n · p) +m · n= (m · n) · p+m · n = (m · n) · (p+ 1) ,

ou seja, p+ 1 ∈ X .

Logo, X = N, isto e,m·(n·p) = (m·n)·p quaisquer que sejamm,n, p ∈ N.

J. Delgado - K. Frensel8

Page 9: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Os numeros naturais

(c) Seja X = {m ∈ N |m · 1 = 1 ·m} . Entao, 1 ∈ X e se m ∈ X temos que

(m+ 1) · 1 = m · 1+ 1 · 1 = 1 ·m+ 1 · 1 = 1 · (m+ 1) ,

ou seja, m+ 1 ∈ X.

Logo, X = N, isto e, m · 1 = 1 ·m, ∀m ∈ N.

Seja, agora, Y = {m ∈ N |m · n = n ·m} , onde n ∈ N. Entao, pelo que

acabamos de provar acima, 1 ∈ Y.

Se m ∈ Y, temos

(m+ 1) · n = m · n+ 1 · n = n ·m+ 1 · n = n ·m+ n = n · (m+ 1) ,

ou seja, m+ 1 ∈ Y.

Logo, Y = N, ou seja, m · n = n ·m quaisquer que sejam m,n ∈ N.

(d) Sejamm,n ∈ N tais quem < n. Entao, existe q ∈ N tal que n = m+q.

Logo,

n · p = (m+ q) · p = m · p+ q · p ,

ou seja, m · p < n · p.

(e) Sejam m,n, p ∈ N tais que m · p = n · p.

Entao, m = n, pois, caso contrario, terıamos que:

• m < n =⇒ m · p < n · p (absurdo),

ou

• n < m =⇒ n · p < m · p (absurdo) . �

Definicao 1.4 Seja X ⊂ N. Dizemos que p ∈ X e o menor elemento de

X, ou o elemento mınimo de X, se p ≤ n para todo n ∈ X.

Observacao 1.2 • 1 e o menor elemento de N, pois se n 6= 1, existe

n0 ∈ N tal que n0 + 1 = n. Entao, n > 1.

• Se X ⊂ N e 1 ∈ X, entao 1 e o menor elemento de X.

• O menor elemento de um conjunto X ⊂ N, se existir, e unico. De fato, se

p e q sao menores elementos de X, entao p ≤ q e q ≤ p. Logo, p = q.

Existe X ⊂ N sem menor ele-

mento?

Definicao 1.5 Seja X ⊂ N. Dizemos que p ∈ X e o maior elemento de

X, ou o elemento maximo de X, se p ≥ n para todo n ∈ X.

Instituto de Matematica - UFF 9

Page 10: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Observacao 1.3 • Nem todo subconjunto de N possui um maior ele-

mento. Por exemplo, N nao tem um maior elemento, pois se n ∈ N, entao

n+ 1 = s(n) ∈ N e n+ 1 > n.

• Se existir o maior elemento de um conjunto X ⊂ N, ele e unico.

Teorema 1.1 (Princıpio da Boa Ordenacao)

Todo subconjunto nao-vazio A ⊂ N possui um elemento mınimo.

Prova.

Seja X = {n ∈ N | {1, . . . , n} ⊂ N −A} .

Se 1 ∈ A, entao 1 e o menor elemento de A. Se 1 6∈ A, entao 1 ∈ X.

Como A 6= ∅ e X ⊂ N −A, temos que X 6= N.

Logo, pelo princıpio de inducao, existe n0 ∈ X tal que n0 + 1 6∈ X, ou seja,

1, . . . , n0 6∈ A e n0 + 1 ∈ A.

Assim, n0 + 1 ≤ n, para todo n ∈ A.

Outra demonstrac ao.

Suponha, por absurdo, que A nao tem um menor elemento. Seja

X = {p ∈ N |p ≤ n , ∀n ∈ A} .

Entao:

(1) 1 ∈ X, pois 1 ≤ n ∀n ∈ N.

(2) Seja p ∈ X, ou seja, p ∈ N e p ≤ n ∀n ∈ A.

ComoA nao tem um menor elemento, temos que p 6∈ A. Logo, p < n para

todo n ∈ A, ou seja, para todo n ∈ A existe qn ∈ N tal que n = p+ qn.

Entao, p < p+ qn =⇒ p+ 1 ≤ p+ qn = n , ∀n ∈ A =⇒ p+ 1 ∈ X.

Pelo princıpio de inducao, temos que X = N, o que e um absurdo, pois,

como A 6= ∅, existe n0 ∈ A. Sendo X = N, n0 + 1 ∈ X e, portanto,

n0 + 1 ≤ n0. �

Teorema 1.2 (Segundo Princıpio de Inducao)

Seja X ⊂ N um conjunto com a seguinte propriedade: dado n ∈ N, se

X contem todos os numeros naturais m tais que m < n, entao n ∈ X.

Nestas condicoes, X = N.

J. Delgado - K. Frensel10

Page 11: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Os numeros naturais

Prova.

E obvio que 1 ∈ X, pois, caso contrario, existiria algum numero natural

n 6∈ X tal que n < 1.

Suponha que n ∈ X. Vamos provar que n+ 1 ∈ X.

De fato, se n+ 1 6∈ X, existe p0 < n+ 1 tal que p0 6∈ X.

Seja A = {q ∈ N |q < n+ 1 e q 6∈ X}.

Entao, como A 6= ∅, A possui um menor elemento q0 ∈ A, ou seja,

q0 < n+ 1 e q0 6∈ X.

Se p < q0, temos que p ∈ X, ja que p < q0 < n + 1 e q0 e o menor

elemento nao pertencente a X com esta propriedade.

Logo, como p < q0 implica que p ∈ X, temos, pela hipotese, que q0 ∈ X,

o que e uma contradicao.

Assim, se n ∈ X, temos que n+ 1 ∈ X.

Entao, pelo Primeiro Princıpio de Inducao, X = N.

Outra demonstrac ao.

Seja A = N − X. Se X 6= N, entao A 6= ∅.

Pelo Princıpio da Boa Ordenacao, existe p ∈ A tal que p ≤ n para todo

n ∈ A.

Assim, se q < p, temos que q 6∈ A, ou seja q ∈ X. Pela hipotese, p ∈ X, o

que e uma contradicao. Logo, X = N. �

Exemplo 1.2 Um numero natural p e chamado primo quando p 6= 1 e

nao pode se escrever na forma p = m · n com m < p e n < p.

O Teorema Fundamental da Aritmetica diz que todo numero natural maior

do que 1 se decompoe, de modo unico, como um produto de fatores pri-

mos.

Podemos provar a existencia desta decomposicao utilizando o Segundo

Princıpio de Inducao.

De fato, dado n ∈ N, suponhamos que todo numero natural m < n pode

ser decomposto como um produto de fatores primos ou m = 1.

Se n e primo, nao ha nada a provar.

Instituto de Matematica - UFF 11

Page 12: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Se n nao e primo, existem p < n e q < n tais que n = pq.

Pela hipotese de inducao, p e q sao produtos de fatores primos. Logo,

n = pq e tambem um produto de fatores primos.

Pelo Segundo Princıpio de Inducao, obtemos que todo numero natural,

n > 1, e produto de numeros primos. �

Teorema 1.3 (Definicao por Inducao)

Seja X um conjunto qualquer. Suponhamos que nos seja dado o valor

f(1) e seja dada tambem uma regra que nos permite obter f(n) a partir do

conhecimento dos valores f(m), para todo m < n. Entao, existe uma, e

somente uma funcao f : N −→ X que toma esses valores.

Para ver uma prova do Teoremade Definicao por Inducao, con-sulte Fundamentals of Abstract

Analysis de A.M. Gleason, p. 145.

Exemplo 1.3 Dado a ∈ N, definamos uma funcao f : N −→ N por

inducao, pondo f(1) = a e f(n+ 1) = a · f(n).

Entao, f(2) = a · f(1) = a · a, f(3) = a · f(2) = a · a · a etc.

Logo, f(n) = an. Definimos, assim, por inducao, a n−esima potencia do

numero natural a. �

Exemplo 1.4 Seja f : N −→ N a funcao definida indutivamente por

f(1) = 1 e f(n+ 1) = f(n) · (n+ 1).

Entao, f(1) = 1, f(2) = 1 · 2, f(3) = f(2) · 3 = 1 · 2 · 3 etc.

Assim, f(n) = 1 · 2 · . . . · n = n! e o fatorial de n. �

Exemplo 1.5 Definir por inducao a soma de uma n−upla de numeros

naturais.A multiplicacao de uma n−uplade numeros naturais pode ser de-finida, tambem, por inducao comofazemos para a adicao no exem-plo ao lado.

Solucao: Seja X o conjunto das funcoes tomando valores em N e seja

f : N −→ X a funcao definida indutivamente por f(1) : N −→ N tal que

f(1)(a) = a, e f(n+ 1) : Nn+1 −→ N tal que

f(n+ 1)(a1, . . . , an+1) = f(n)(a1, . . . , an) + an+1 .

Entao, f(1)(a) = a, f(2)(a1, a2) = f(1)(a1)+a2 = a1+a2, f(3)(a1, a2, a3) =

f(2)(a1, a2) + a3 = a1 + a2 + a3 etc.

Assim, f(n)(a1, . . . , an) = f(n−1)(a1, . . . , an−1)+an = a1+. . .+an−1+an.

J. Delgado - K. Frensel12

Page 13: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Conjuntos finitos e infinitos

2. Conjuntos finitos e infinitos

Definicao 2.1 Seja In = {p ∈ N | 1 ≤ p ≤ n} = {1, 2, . . . n}.

Um conjunto X chama-se finito quando e vazio ou quando existe uma

bijecao ϕ : In −→ X, para algum n ∈ N.

No primeiro caso dizemos que X tem zero elementos, e no segundo caso,

dizemos que X tem n elementos.

Observacao 2.1 Intuitivamente, uma bijecaoϕ : In −→ X significa uma

contagem dos elementos de X.

Pondo ϕ(1) = x1, ϕ(2) = x2,. . . ,ϕ(n) = xn, temos X = {x1, x2, . . . , xn} .

Observacao 2.2

• Cada conjunto In e finito e possui n elementos.

• Se f : X −→ Y e uma bijecao, entao X e finito se, e so se, Y e finito.

Para verificar que o numero de elementos de um conjunto esta bem

definido, devemos provar que se existem duas bijecoes ϕ : In −→ X e

ψ : Im −→ X, entao n = m.

Considerando a funcao f = ψ−1 ◦ϕ : In −→ Im, basta provar que se

existe uma bijecao f : In −→ Im, entao m = n. Podemos supor, tambem,

que m ≤ n, ou seja Im ⊂ In.

Teorema 2.1 Seja A ⊂ In um subconjunto nao vazio. Se existe uma

bijecao f : In −→ A, entao A = In.

Prova.

Provaremos o resultado por inducao em n.

Se n = 1, I1 = {1} e A ⊂ {1}.

Logo A = {1} = I1.

Suponhamos que o teorema seja valido para n e consideremos uma bijecao

f : In+1 −→ A.

A restricao de f a In fornece uma bijecao f ′ : In −→ A − {f(n + 1)}. Se

A−{f(n+1)} ⊂ In, temos, pela hipotese de inducao, queA−{f(n+1)} = In.

Instituto de Matematica - UFF 13

Page 14: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Entao, f(n+ 1) = n+ 1 e A = In+1.

Se, porem, A− {f(n+ 1)} 6⊂ In, entao n+ 1 ∈ A− {f(n+ 1)}. Neste caso,

existe p ∈ In tal que f(p) = n+ 1, e f(n+ 1) = q ∈ In.

Definimos, entao, uma nova bijecao g : In+1 −→ A pondo g(x) = f(x) se

x 6= p e x 6= n+ 1, g(p) = q e g(n+ 1) = n+ 1.

Agora, a restricao de g a In nos da uma bijecao g ′ : In −→ A − {n + 1}.

Como A− {n+1} ⊂ In, temos, pela hipotese de inducao, que A− {n+1} =

In, ou seja A = In+1. �

Corolario 2.1 Se existir uma bijecao f : Im −→ In entao m = n. Con-

sequentemente, se existem duas bijecoes ϕ : In −→ X e ψ : Im −→ X

entao m = n.

Prova.

Se n ≤ m, temos que In ⊂ Im.

Logo, m = n, pelo teorema anterior.

Se n ≥ m, temos que f−1 : In −→ Im e uma bijecao tal que Im ⊂ In.

Portanto, Im = In. �

Corolario 2.2 Nao existe uma bijecao f : X −→ Y de um conjunto finito

X sobre uma parte propria Y ⊂ X.

Prova.

Sendo X finito, existe uma bijecao ϕ : In −→ X para algum n ∈ N.

Seja A = ϕ−1(Y).

Entao, A e uma parte propria de In e a restricao de ϕ a A fornece uma

bijecao f ′ : A −→ Y.

X −−−→f

Y

ϕ

x xϕ ′

In −−−→g

A

A composta g = (ϕ ′)−1 ◦ f ◦ ϕ : In −→ A seria entao uma bijecao de Insobre sua parte propria A, o que e uma contradicao pelo teorema anterior.

Logo, nao existe a bijecao f : X −→ Y. �

J. Delgado - K. Frensel14

Page 15: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Conjuntos finitos e infinitos

Teorema 2.2 Se X e um conjunto finito entao todo subconjunto Y ⊂ X e

finito. Alem disso, o numero de elementos de Y e menor do que ou igual

a o numero de elementos de X e e igual se, e somente se, Y = X.

Designaremos por #(A) o numero

de elementos de um conjunto A.

Prova.

Seja f : In −→ X uma bijecao e seja f ′ : A −→ Y a restricao de f a

A = f−1(Y) ⊂ In.

Se provarmos que A e finito, que #(A) e menor do que ou igual a n e e

igual a n se, e somente se,A = In, teremos que Y e finito, que #(Y) = #(A)

e menor do que ou igual a #(In) = #(X), e e igual se, e somente seA = In,

ou seja, se, e somente se, Y = X.

Basta, entao, provar o teorema no caso em que X = In.

Se n = 1, entao Y = ∅ ou Y = {1}.

Assim, #(Y) ≤ 1 e #(Y) = 1 se, e so se, Y = {1} = I1.

Suponhamos que o teorema seja valido para In e consideremos um sub-

conjunto Y ⊂ In+1.

Se n + 1 6∈ Y, entao Y ⊂ In. Logo, pela hipotese de inducao, Y e um

conjunto finito com #(Y) ≤ n e, portanto, #(Y) < n+ 1.

Se, porem, n+ 1 ∈ Y, temos que Y − {n+ 1} ⊂ In. Logo, Y − {n+ 1} e um

conjunto finito com p elementos, onde p ≤ n.

Se Y − {n+ 1} 6= ∅, existe uma bijecao ψ : Ip −→ Y − {n+ 1}.

Definimos, entao, a bijecao ϕ : Ip+1 −→ Y pondo ϕ(x) = ψ(x) para x ∈ Ipe ϕ(p+ 1) = n+ 1.

Segue-se que Y e finito e que #(Y) = p+ 1 ≤ n+ 1.

Resta, agora, mostrar que se Y ⊂ In tem n elementos entao Y = In.

Se #(Y) = n, existe uma bijecao f : In −→ Y.

Como Y ⊂ In temos, pelo Teorema 1.4, que Y = In. �

Corolario 2.3 Seja f : X −→ Y uma funcao injetiva. Se Y e finito, entao

X tambem e finito, e o numero de elementos de X nao excede o de Y.

Prova.

Sendo f : X −→ Y injetiva, temos que f : X −→ f(X) e uma bijecao.

Instituto de Matematica - UFF 15

Page 16: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Como f(X) ⊂ Y e Y e finito, temos que f(X) e finito e #(f(X)) ≤ #(Y).

Logo, o conjunto X e finito e #(X) = #(f(X)) ≤ #(Y). �

Corolario 2.4 Seja g : X −→ Y uma funcao sobrejetiva. Se X e finito,

entao Y e finito e o seu numero de elementos nao excede o de X.

Designamos por IA : A −→ A afuncao identidade do conjunto A.

Prova.

Como g : X −→ Y e sobrejetiva, existe uma funcao f : Y −→ X tal que

g ◦ f = IY, ou seja, g possui uma inversa a direita.

De fato, dado y ∈ Y, existe x ∈ X tal que g(x) = y. Definimos, entao,

f(y) = x.

Alem disso, como g ◦ f(y) = y para todo y ∈ Y, temos que se f(y) = f(y ′)

entao y = y ′, ou seja, f e injetiva.

Entao, pelo corolario anterior, Y e um conjunto finito e o seu numero de

elementos nao excede o de X. �

Exercıcio 2: Prove que dada umafuncao f : X −→ Y injetiva, existeuma funcao g : Y −→ X tal queg ◦ f = IX, ou seja, f possuiuma inversa a esquerda. Verifi-que, tambem, que se g ◦ f = IX,entao g e sobrejetiva.

Definicao 2.2 Um conjunto X e infinito quando nao e finito. Ou seja,

X 6= ∅ e seja qual for n ∈ N, nao existe uma bijecao ϕ : In −→ X.

Exemplo 2.1 O conjunto dos numeros naturais e infinito.

De fato, dada qualquer funcao ϕ : In −→ N, n > 1, tome

p = ϕ(1) + . . .+ϕ(n) .

Entao, p ∈ N e p > ϕ(j) para todo j = 1, . . . , n. Logo, p 6∈ ϕ(In), ou seja,

ϕ nao e sobrejetiva.

Outra maneira de verificar que N e infinito e considerar o conjunto dos

numeros naturais pares

P = {2n = n+ n |n ∈ N}

e a bijecao ϕ : N −→ P dada por ϕ(n) = 2n.

Como P e um subconjunto proprio de N, temos, pelo corolario 2.2, que Ne infinito. �

Observacao 2.3 Como consequencia dos fatos provados acima para

conjuntos finitos, segue que:

• se X e infinito e f : X −→ Y e injetiva, entao Y e infinito.

J. Delgado - K. Frensel16

Page 17: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Conjuntos finitos e infinitos

• se Y e infinito e f : X −→ Y e sobrejetiva, entao X e infinito. Segue da observacao ao ladoque os conjuntos Z e Q, dosnumeros inteiros e dos numeros

racionais, respectivamente, saoinfinitos, pois ambos contem N.

• se X admite uma bijecao sobre uma de suas partes proprias, entao X e

infinito.

Definicao 2.3 Um conjunto X ⊂ N e limitado se existe p ∈ N tal que

n ≤ p para todo n ∈ X.

Teorema 2.3 Seja X ⊂ N nao-vazio. As seguintes afirmacoes sao equi-

valentes:

(a) X e finito;

(b) X e limitado;

(c) X possui um maior elemento.

Prova.

(a)=⇒(b) Seja X = {x1, . . . , xn} e seja a = x1 + . . . + xn. Entao a > xi

para todo i = 1, . . . , n, ou seja, X e limitado.

(b)=⇒(c) Como X e limitado, existe a ∈ N tal que a ≥ n para todo n ∈ X.

Entao, o conjunto

A = {p ∈ N |p ≥ n ∀n ∈ X}

e nao-vazio. Pelo Princıpio da Boa Ordenacao, existe p0 ∈ A que e o

menor elemento de A.

Se p0 6∈ X, temos que p0 > n ∀n ∈ X e p0 > 1, pois X 6= ∅.

Logo, existe q0 ∈ N tal que p0 = 1+ q0.

Assim, p0 ≥ n+ 1 ∀n ∈ X, ou seja, q0 + 1 ≥ n+ 1 ∀n ∈ X. Entao q0 ≥ n∀n ∈ X, ou seja, q0 ∈ A, o que e absurdo, pois q0 < p0 e p0 e o menor

elemento de A.

Logo, p0 ∈ X e p0 ≥ n ∀n ∈ X, ou seja, p0 e o maior elemento de X.

(c)=⇒(a) Seja p o maior elemento de X. Entao, p ∈ X e p ≥ n ∀n ∈ X.

Logo, X ⊂ Ip e e, portanto, finito. �

Observacao 2.4 Um conjunto X ⊂ N e ilimitado quando nao e limitado,

ou seja, para todo p ∈ N existe n ∈ X tal que n > p.

Note que: pelo teorema 2.3, an-terior, X e infinito se, e somentese, X e ilimitado.

Instituto de Matematica - UFF 17

Page 18: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Teorema 2.4 Sejam X, Y conjuntos finitos disjuntos, com m e n ele-

mentos respectivamente. Entao, X ∪ Y e finito e possui m+ n elementos.

Prova.

Sejam f1 : Im −→ X e f2 : In −→ Y bijecoes.

Definamos a funcao f : Im+n −→ X ∪ Y pondo

f(x) = f1(x) se 1 ≤ x ≤ mf(m+ x) = f2(x) se 1 ≤ x ≤ n .

Como X ∩ Y = ∅, e facil verificar que f e uma bijecao.

Logo, X ∪ Y e finito e possui m+ n elementos. �

Corolario 2.5 Sejam X1, . . . , Xk conjuntos finitos, dois a dois disjuntos,

com n1, . . . , nk elementos, respectivamente. Entao X1 ∪ . . . ∪ Xk e finito e

possui n1 + . . .+ nk elementos.

Exercıcio 3: Use o teorema 2.4 e

o Princıpio de Inducao para pro-

var o corolario 2.5, ao lado.

Corolario 2.6 Sejam Y1, . . . , Yk conjuntos finitos (nao necessariamente

disjuntos) com n1, . . . , nk elementos, respectivamente.

Entao Y1 ∪ . . . ∪ Yk e finito e possui no maximo n1 + . . .+ nk elementos.

Prova.

Para cada i = 1, . . . , k, seja Xi = {(x, i) | x ∈ Yi} e seja ϕi : Yi −→ Xi

a funcao definida por ϕi(x) = (x, i).

Como ϕi e uma bijecao, temos que Xi e finito e possui ni elementos,

i = 1, . . . , k. Alem disso, os conjuntos finitos X1, . . . , Xk sao disjuntos dois

a dois.

Logo, pelo corolario anterior, X1 ∪ . . . ∪ Xk e finito e possui n1 + . . . + nk

elementos.

Seja

f : X1 ∪ . . . ∪ Xk −→ Y1 ∪ . . . ∪ Yk

a funcao definida por f(x, i) = x.

Como f e sobrejetiva, X1 ∪ . . .∪Xk finito e possui n1 + . . .+nk elementos,

temos que Y1∪ . . .∪Yk e finito e possui no maximo n1 + . . .+nk elementos.

J. Delgado - K. Frensel18

Page 19: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Conjuntos finitos e infinitos

Corolario 2.7 Sejam X1, . . . , Xk conjuntos finitos com n1, . . . , nk elemen-

tos respectivamente. Entao o produto cartesiano X1 × . . . × Xk e finito e

possui n1 · . . . · nk elementos.

Prova.

Basta provar o corolario para k = 2, pois o caso geral segue por inducao

em k.

Sejam X e Y conjuntos finitos com m e n elementos, respectivamente.

Se Y = {y1, . . . , yn}, entao X × Y = X1 ∪ . . . ∪ Xn, onde Xi = X × {yi},

i = 1, . . . , n.

Como X1, . . . , Xn sao disjuntos dois a dois e todos possuemm elementos,

temos que X× Y e finito e possui m · n elementos. �

Corolario 2.8 Sejam X e Y conjuntos finitos com m e n elementos res-

pectivamente. Entao o conjunto F(X; Y) de todas as funcoes de X em Y e

finito e possui nm elementos.

Prova.

Seja ϕ : Im −→ X uma bijecao. Entao, a funcao

H : F(X; Y) −→ F(Im; Y)

f 7−→ f ◦ϕ

e uma bijecao. De fato, a funcao

L : F(Im; Y) −→ F(X; Y)

g 7−→ g ◦ϕ−1

e a inversa da funcao H.

Logo, basta provar que F(Im; Y) e um conjunto finito e que possui nm

elementos.

Seja a funcao

F : F(Im; Y) −→ Y × . . .× Y (m fatores)

definida por

F(f) = (f(1), . . . , f(n)) .

Como F e uma bijecao e Y× . . .×Y (m fatores) possui nm elementos pelo

corolario anterior, temos que F(Im; Y) e finito e possui nm elementos. �

Instituto de Matematica - UFF 19

Page 20: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

3. Conjuntos enumer aveis

Definicao 3.1 Um conjunto X e enumeravel quando e finito ou quando

existe uma bijecao f : N −→ X. Neste caso, X diz-se infinito enumeravel e

pondo-se xi = f(i), i ∈ N, tem-se uma enumeracao de X:

X = {x1, . . . , xn, . . .} .

Exemplo 3.1 O conjunto P dos numeros naturais pares e o conjunto

I = N − P dos numeros naturais ımpares sao conjuntos infinitos enu-

meraveis.

De fato, as funcoes

ϕ1 : N −→ Pn 7−→ ϕ1(n) = 2n

eϕ2 : N −→ I

n 7−→ ϕ2(n) = 2n− 1

sao bijecoes. �

Exemplo 3.2 O conjunto Z dos numeros inteiros e infinito enumeravel.

De fato, a funcao ϕ : Z −→ N definida por

ϕ(n) =

2n se n ≥ 1

−2n+ 1 se n ≤ 0

e uma bijecao. Logo, ϕ−1 : N −→ Z e uma enumeracao de Z. �

Teorema 3.1 Todo conjunto infinito X contem um subconjunto infinito

enumeravel.

Prova.

Basta provar que existe uma funcao f : N −→ X injetiva, pois, assim,

f : N −→ f(N) e uma bijecao, sendo, portanto, f(N) um subconjunto infi-

nito enumeravel de X.

Para cada subconjunto A nao-vazio de X podemos escolher um elemento

xA ∈ A.

Vamos definir por inducao uma funcao f : N −→ X.

Tome f(1) = xX e suponhamos que f(1), . . . , f(n) ja foram definidos.

Seja An = X− {f(1), . . . , f(n)}.

J. Delgado - K. Frensel20

Page 21: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Conjuntos enumeraveis

Como X nao e finito, An nao e vazio.

Defina, entao f(n+ 1) = xAn .

A funcao f : N −→ X e injetiva.

Com efeito, se m 6= n, digamos m < n, entao f(m) ∈ {f(1), . . . , f(n− 1)} e

f(n) 6∈ {f(1), . . . , f(n− 1)}. Logo, f(m) 6= f(n). �

Corolario 3.1 Um conjunto X e infinito se, e somente se, existe uma

bijecao f : X −→ Y de X sobre uma parte propria Y ⊂ X.

Prova.

Se uma tal bijecao existir, pelo corolario 2.2, X nao e finito.

Reciprocamente, se X e infinito, X contem um subconjunto infinito enu-

meravel A = {a1, . . . , an, . . .}.

Seja Y = (X−A) ∪ {a2, a4, . . . , a2n, . . .}.

Entao Y e uma parte propria de X, pois

X− Y = {a1, a3, . . . , a2n−1, . . .}.

Alem disso, a funcao f : X −→ Y definida por f(x) = x se x ∈ X − A e

f(an) = a2n, n ∈ N, e uma bijecao de X sobre Y. �

Observacao 3.1 Como consequencia do teorema anterior, temos que:

Um conjunto e finito se, e somente se, nao admite uma bijecao sobre uma

parte sua propria.

Obtem-se, assim, uma caracterizacao dos conjuntos finitos que independe

do conjunto N.

Teorema 3.2 Todo subconjunto X ⊂ N e enumeravel.

Prova.

Se X e finito, entao X e enumeravel, por definicao.

Suponhamos que X e infinito.

Vamos definir por inducao uma bijecao f : N −→ X.

Tome f(1) =menor elemento de X, e suponha que f(1), . . . , f(n) foram

definidos satisfazendo as seguintes condicoes:

Instituto de Matematica - UFF 21

Page 22: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

(a) f(1) < f(2) < . . . < f(n) ;

(b) Se Bn = X− {f(1), . . . , f(n)}, tem-se x > f(n), para todo x ∈ Bn.

Como Bn 6= ∅, pois X e infinito, seja f(n + 1) =menor elemento de

Bn. Entao, f(n + 1) > f(n) e x > f(n + 1) para todo x ∈ Bn+1 =

X− {f(1), . . . , f(n+ 1)}.

Como f : N −→ X e crescente, f e injetiva.

Alem disso, f e sobrejetiva, pois se existisse algum x ∈ X− f(N), terıamos

que

x ∈ X− f(N) ⊂ X− {f(1, . . . , f(n)} = Bn ,

para todo n ∈ N, e, portanto, x > f(n) para todo n ∈ N. Assim, f(N) ⊂ Nseria infinito e limitado, o que e absurdo. �

Exemplo 3.3 O conjunto dos numeros primos e infinito (fato conhecido)

e enumeravel. �

Corolario 3.2 Dado um subconjunto X ⊂ N infinito, existe uma bijecao

crescente ϕ : N −→ X.

Corolario 3.3 Um subconjunto de um conjunto enumeravel e enumeravel.

Corolario 3.4 Se f : X −→ Y e uma funcao injetiva e Y e enumeravel,

entao X e enumeravel.

Prova.

Como f(X) ⊂ Y e enumeravel e f : X −→ f(X) e uma bijecao, temos

que X e enumeravel. �

Corolario 3.5 Se f : X −→ Y e uma funcao sobrejetiva e X e enu-

meravel, entao Y e enumeravel.

Prova.

Como f : X −→ Y e sobrejetiva, f possui uma inversa a direita, ou seja,

existe g : Y −→ X tal que f ◦ g = IY. Entao, g e injetiva. Logo, Y e

enumeravel. �

Teorema 3.3 Se X e Y sao conjuntos enumeraveis, entao o produto

cartesiano X× Y e enumeravel.

J. Delgado - K. Frensel22

Page 23: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Conjuntos nao-enumeraveis

Prova.

Sendo X e Y finitos ou infinitos enumeraveis, existem funcoes f : X −→ Ne g : Y −→ N injetivas.

Seja f× g : X× Y −→ N× N definida por f× g(x, y) = (f(x), g(y)). Como

f e g sao injetivas, f× g tambem e injetiva.

Basta, entao, provar que N × N e enumeravel. Para isso, definimos a

funcao h : N × N −→ N, pondo h(m,n) = 2m · 3n. Pela unicidade da

decomposicao em fatores primos, f e injetiva e, portanto, N × N e enu-

meravel. �

Corolario 3.6 O conjunto Q dos numeros racionais e enumeravel.

Designamos Z? = Z − {0} .

Prova.

Sabemos que Q =

{p

q

∣∣∣∣ p ∈ Z e q ∈ Z?

}, e que Z× Z? e enumeravel.

Como a funcao f : Z × Z? −→ Q, definida por f(p, q) =p

qe sobrejetiva,

segue-se do corolario 3.5 que Q e enumeravel. �

Corolario 3.7 Sejam X1, X2, . . . , Xn, . . . conjuntos enumeraveis. Entao a

reuniao X =

∞⋃n=1

Xn e enumeravel. Ou seja, uma reuniao enumeravel de

conjuntos enumeraveis e enumeravel.

Prova.

Tomemos, para cada m ∈ N, uma funcao fm : N −→ Xm sobrejetiva, e

definamos a funcao f : N × N −→ X pondo f(m,n) = fm(n). Como f e

sobrejetiva e N× N e enumeravel, tem-se que X e enumeravel. �

Observacao 3.2 Uma reuniao finita X = X1 ∪ . . . ∪ Xk de conjuntos

enumeraveis e enumeravel.

Observacao 3.3 Se X1, . . . , Xk sao conjuntos enumeraveis, seu pro-

duto cartesiano X1 × . . .× Xk e enumeravel.

Porem, nem sempre, o produto cartesiano X =

∞∏n=1

Xn de uma sequencia

de conjuntos enumeraveis e enumeravel.

Instituto de Matematica - UFF 23

Page 24: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

4. Conjuntos n ao-enumer aveis

Veremos, agora, que existem conjuntos nao-enumeraveis. Mais ge-

ralmente, mostraremos que, dado qualquer conjunto X, existe sempre um

conjunto cujo numero cardinal e maior do que o de X.Ao lado, estamos designando

card(X) o numero cardinal do

conjunto X. Quando X e um con-junto finito, card(X) e o numero

de elementos de X, que anterior-mente designamos #(X).

• Nao vamos definir o que e o numero cardinal de um conjunto. Diremos,

apenas, que card(X) = card(Y) se, e somente se, existe uma bijecao

f : X −→ Y.

• Assim, dois conjuntos finitos tem o mesmo numero cardinal, se, e so-

mente se, tem o mesmo numero de elementos. E se X e infinito enu-

meravel, entao card(X) = card(N) e card(Y) = card(X) se, e somente se,

Y e infinito enumeravel.

• Dados os conjuntos X e Y, diremos que card(X) < card(Y) quando existir

uma funcao injetiva f : X −→ Y, mas nao existir uma funcao sobrejetiva

g : X −→ Y.

• Como todo conjunto X infinito contem um subconjunto enumeravel, tem-

se que card(N) ≤ card(X), ou seja, o numero cardinal de um conjunto

infinito enumeravel e o menor dos numeros cardinais dos conjuntos infini-

tos.

• Dados dois conjuntos A e B quaisquer, vale uma e somente uma, das

seguintes alternativas:

card(A) = card(B) , card(A) < card(B) , ou card(B) < card(A) .

• Se existirem uma funcao injetiva f : A −→ B e uma funcao injetiva

g : B −→ A, existira tambem uma bijecao h : A −→ B.

Para ver as demonstracoes dosfatos citados ao lado e obter mais

informacoes sobre numeros car-dinais de conjuntos, veja o livro:Teoria Ingenua dos Conjuntos dePaul Halmos.

Teorema 4.1 (Teorema de Cantor)

Sejam X um conjunto arbitrario e Y um conjunto contendo pelo menos dois

elementos. Entao, nenhuma funcao ϕ : X −→ F(X; Y) e sobrejetiva.

Prova.

Seja ϕ : X −→ F(X; Y) uma funcao e seja ϕx : X −→ Y o valor da funcao

ϕ no ponto x ∈ X.

Construiremos uma funcao f : X −→ Y tal que f 6= ϕx para todo x ∈ X.

J. Delgado - K. Frensel24

Page 25: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Conjuntos nao-enumeraveis

Para cada x ∈ X, seja f(x) ∈ Y tal que f(x) 6= ϕx(x), o que e possıvel, pois

Y tem pelo menos dois elementos.

Assim, f 6= ϕx para todo x ∈ X, pois f(x) 6= ϕx(x) para todo x ∈ X.

Logo, f 6∈ ϕ(X), ou seja, ϕ nao e sobrejetiva. �

Observacao 4.1 Sejam y1, y2 ∈ Y tais que y1 6= y2, e seja ψ : X −→F(X; Y) a funcao definida por ψx(x) = y1 e ψx(z) = y2 se z 6= x.

Entao ψ e injetiva. Logo, card(X) < card(F(X; Y)).

Provamos, assim, que dado qualquer conjunto X, existe sempre um con-

junto cujo numero cardinal e maior do que o de X

Corolario 4.1 Sejam X1, X2, . . . , Xn, . . . conjuntos infinitos enumeraveis.

Entao, o produto cartesiano∞∏i=1

Xi nao e enumeravel.

Prova.

Basta considerar o caso em que todos os Xn sao iguais a N. De fato,

para cada n ∈ N, existe uma bijecao fn : N −→ Xn. Entao, a funcao

F :

∞∏i=1

Ni −→ ∞∏i=1

Xi

(x1, x2, . . . , xn, . . .) 7−→ (f1(x1), f2(x2), . . . , fn(xn), . . .) ,

e uma bijecao, onde Ni = N, para todo i ∈ N. Como a funcao

H :

∞∏i=1

Ni −→ F(N; N)

x = (x1, . . . , xn, . . .) 7−→ hx : N −→ Ni 7−→ xi

e uma bijecao e F(N; N) nao e enumeravel pelo teorema anterior, o con-

junto∞∏i=1

Ni nao e enumeravel. �

• O argumento usado na demonstracao do teorema acima, chama-se

metodo da diagonal de Cantor, devido ao caso particular X = N.

Os elementos de F(N; Y) sao as sequencias de elementos de Y.

Para provar que nenhuma funcao ϕ : N −→ F(N; Y) e sobrejetiva, escre-

Instituto de Matematica - UFF 25

Page 26: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

vemos ϕ(1) = s1, ϕ(2) = s2, . . . etc., onde s1, s2, . . . sao sequencias de

elementos de Y, ou seja,

s1 = (y11, y12, y13, . . .)

s2 = (y21, y22, y23, . . .)

s3 = (y31, y32, y33, . . .)...

...

Para cada n ∈ N, podemos escolher yn ∈ Y tal que yn 6= ynn, onde

ynn e o n−esimo termo ynn da diagonal.

Entao a sequencia s = (y1, y2, y3, . . .) 6= sn para todo n ∈ N, pois

o n−esimo termo yn da sequencia s e diferente do n−esimo termo da

sequencia sn.

Assim, nenhuma lista enumeravel pode esgotar todas as funcoes em

F(N; Y).

Exemplo 4.1 Seja Y = {0, 1}. Entao, o conjunto {0, 1}N = F(N; Y) das

sequencias cujos termos sao 0 ou 1 nao e enumeravel. �

• Seja P(A) o conjunto cujos elementos sao todos os subconjuntos do

conjunto A.

Vamos mostrar que existe uma bijecao

ξ : P(A) −→ F(A; {0, 1}) .

Para cada X ⊂ A, consideremos a funcao caracterıstica de X:

ξX : A −→ {0, 1}

x 7−→ ξX(x) =

1, se x ∈ X

0, se x 6∈ X

A funcao

ξ : P(A) −→ F(A; {0, 1})

X 7−→ ξX

e uma bijecao, cuja inversa associa a cada funcao f : A −→ {0, 1} o con-

junto X dos pontos x ∈ A tais que f(x) = 1.

Como {0, 1} tem dois elementos, segue-se do teorema 4.1 que ne-

nhuma funcao ϕ : A −→ F(A, {0, 1}) e sobrejetiva. Logo, nenhuma

J. Delgado - K. Frensel26

Page 27: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Conjuntos nao-enumeraveis

funcao ψ : A −→ P(A) e sobrejetiva. Mas existe uma funcao injetiva

f : A −→ P(A) definida por f(x) = {x}.

Entao, card(A) < card(P(A)) para todo conjunto A.

No caso particular em que A = N, temos que

card(N) < card(P(N))

ou seja, P(N) nao e enumeravel.

Instituto de Matematica - UFF 27

Page 28: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

J. Delgado - K. Frensel28

Page 29: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Parte 2

O conjunto dos numeros reais

Neste capıtulo, adotaremos o metodo axiomatico para apresentar os

numeros reais. Isto e, faremos uma lista dos axiomas que apresentam o

conjunto R dos numeros reais como um corpo ordenado completo.

Mas surge, naturalmente, uma pergunta: Existe um corpo ordenado

completo? Ou melhor: partindo dos numeros naturais, seria possıvel, por

meio de extensoes sucessivas do conceito de numero, chegar a construcao

dos numeros reais? A resposta e afirmativa e a passagem crucial e dos

racionais para os reais. Por exemplo: Dedekind construiu o conjunto dos

numeros reais por meio de cortes (de Dedekind), cujos elementos sao

colecoes de numeros racionais; e Cantor obteve um corpo ordenado com-

pleto cujos elementos sao as classes de equivalencia de sequencias de

Cauchy de numeros racionais.

Provada a existencia, surge uma outra pergunta relevante: sera que

existem dois corpos ordenados completos com propriedades diferentes?

A resposta e negativa, ou seja, dois corpos ordenados completos diferem

apenas pela natureza de seus elementos, mas nao pela maneira como os

elementos se comportam. A maneira adequada de responder a questao

da unicidade e a seguinte: Dados K e L corpos ordenados completos,

existe um unico isomorfismo f : K −→ L, ou seja, existe uma unica bijecao

f : K −→ L tal que f(x+y) = f(x)+f(y) e f(x ·y) = f(x) ·f(y). Como, alem

disso, o fato de f preservar a soma implica que x < y ⇐⇒ f(x) < f(y),

K e L sao indistinguıveis no que diz respeito as propriedades de corpos

ordenados completos (ver exercıcios 55 e 56).

Instituto de Matematica - UFF 29

Page 30: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

J. Delgado - K. Frensel30

Page 31: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Corpos

1. Corpos

Um corpo e um conjunto K munido de duas operacoes:

Adic ao + : K×K −→ K(x, y) 7−→ x+ y

Multiplicac ao · : K×K −→ K(x, y) 7−→ x · y ,

que satisfazem as seguintes condicoes, chamadas axiomas de corpo:

Axiomas de corpo para a adicao:

(1) Associatividade: (x+ y) + z = x+ (y+ z) , para todos x, y, z ∈ K.

(2) Comutatividade: x+ y = y+ x , para todos x, y ∈ K.

(3) Elemento neutro: existe um elemento designado 0 ∈ K e chamado

zero, tal que x+ 0 = x, para todo x ∈ K.

(4) Simetrico: para todo x ∈ K existe um elemento designado −x ∈ K e

chamado o simetrico de x, tal que x+ (−x) = 0.

Observacao 1.1

• 0+ x = x e (−x) + x = 0 , para todo x ∈ K.

A soma x + (−y) sera indicada

apenas por x − y e chamadaa diferenca entre x e y. A

operacao (x, y) 7−→ x−y chama-

se subtracao.

• x− y = z se, e so se, x = y+ z. De fato,

x− y = z ⇐⇒ x+ (−y) = z ⇐⇒ x+ (−y) + y = z+ y⇐⇒ x+ 0 = y+ z ⇐⇒ x = y+ z .

• O zero e unico, ou seja, se x + θ = x para todo x ∈ K, entao θ = 0. De

fato,

x+ θ = x ⇐⇒ θ = x− x = 0 .

• Todo x ∈ K possui apenas um simetrico. De fato,

x+ y = 0 =⇒ y = 0+ (−x) = −x .

• −(−x) = x , pois (−x) + x = 0 .

• Lei de cancelamento: x+ z = y+ z =⇒ x = y. De fato,

x+ z+ (−z) = y+ z+ (−z) =⇒ x+ 0 = y+ 0 =⇒ x = y .

Axiomas de corpo para a multiplicacao:

(5) Associatividade: (x · y) · z = x · (y · z) , para todos x, y, z ∈ K.

(6) Comutatividade: x · y = y · x , para todos x, y ∈ K.

Instituto de Matematica - UFF 31

Page 32: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

(7) Elemento neutro: existe um elemento designado 1 ∈ K − {0} e cha-

mado um, tal que x · 1 = x, para todo x ∈ K.

(8) Inverso multiplicativo: para todo x ∈ K − {0} existe um elemento

designado x−1 ∈ K e chamado o inverso de x, tal que x · x−1 = 1.

Observacao 1.2

• x · 1 = 1 · x = x para todo x ∈ K.

• x · x−1 = x−1 · x = 1 para todo x ∈ K − {0}.

• Dados x, y ∈ K, com y 6= 0, escrevemos x · y−1 =x

y. A operacao

(x, y) 7−→ x

y, x ∈ K, y ∈ K − {0}, chama-se divisao e o numero

x

ye o

quociente de x por y.

A multiplicacao de x por y

sera designada, tambem, pelajustaposicao xy.

• Se y 6= 0,x

y= z ⇐⇒ x = yz. De fato,

x

y= z ⇐⇒ (xy−1)y = zy ⇐⇒ x(y−1y) = yz ⇐⇒ x · 1 = yz ⇐⇒ x = yz .

• Lei de Cancelamento: se xz = yz e z 6= 0, entao x = y.

• Se xy = x para todo x ∈ K, entao, tomando x = 1, temos y = 1. Isto

prova a unicidade do elemento neutro multiplicativo 1.

• Seja xy = x. Se x 6= 0, pela lei de cancelamento, temos que y = 1.

Se x = 0, y pode ser qualquer elemento de K, pois, como provaremos

depois, 0 · y = 0 para todo y ∈ K.

• se xy = 1, entao, como veremos depois, x 6= 0 e y 6= 0. Logo,

xy = 1 =⇒ x−1 · 1 = x−1(xy) = (x−1 · x) · y = 1 · y =⇒ y = x−1 .

Isso prova a unicidade do elemento inverso multiplicativo de x.

Por fim, as operacoes de adicao e multiplicacao num corpo K acham-

se relacionadas pelo axioma:

(9) Distributividade: x·(y+z) = x·y+x·z quaisquer que sejam x, y, z ∈ K.

Observacao 1.3

• (x+ y) · z = x · z+ y · z para todos x, y, z ∈ K.

• x · 0 = 0 para todo x ∈ K. De fato,

x · 0+ x = x · 0+ x · 1 = x · (0+ 1) = x · 1 = x ,

J. Delgado - K. Frensel32

Page 33: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Exemplos de corpos

logo, x · 0 = 0.

• se x · y = 0 entao x = 0 ou y = 0. De fato, se x 6= 0, entao x−1 · (x · y) =

x−1 · 0. Logo, y = 0.

Assim, se x 6= 0 e y 6= 0, entao x · y 6= 0.

• Regras dos sinais: (−x) · y = x · (−y) = −(x · y) e (−x) · (−y) = x · y .

De fato, temos que (−x) · y + x · y = (−x + x) · y = 0 · y = 0, ou seja,

(−x)·y = −(x·y). Analogamente, podemos verificar que x·(−y) = −(x·y).

Logo,

(−x) · (−y) = −(x · (−y)) = −(−(x · y)) = x · y .

Em particular, (−1) · (−1) = 1.

2. Exemplos de corpos

Exemplo 2.1 O conjunto Q dos numeros racionais, com as operacoes

p

q+p ′

q ′=pq ′ + p ′q

qq ′ep

q· p

q ′=p · p ′

q · q ′, e um corpo.

De fato, lembrando quep

q=p ′

q ′⇐⇒ pq ′ = p ′q, vamos provar primeiro

que a soma e a multiplicacao de numeros racionais estao bem definidas.

Sejamp

q=p1

q1ep ′

q ′=p ′1q ′1

. Entao

• pq

+p ′

q ′=pq ′ + p ′q

qq ′=p1q

′1 + p ′1q1

q1q′1

=p1

q1+p ′1q ′1

, pois, como pq1 = p1q e

p ′q ′1 = p ′1q′, segue-se que

(pq ′ + p ′q)(q1q′1) = pq ′q1q

′1 + p ′qq1q

′1

= (pq1)(q′q ′1) + (p ′q ′1)(qq1)

= p1qq′q ′1 + p ′1q

′qq1

= (p1q′1 + p ′1q1)(qq

′) .

• pq· p

q ′=pp ′

qq ′=p1p

′1

q1q′1

=p1

q1· p

′1

q ′1, pois

(pp ′)(q1q′1) = p1qp

′1q

′ = (p1p′1)(qq

′) .

Instituto de Matematica - UFF 33

Page 34: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

• O elemento neutro da adicao e0

p ′, para todo p ′ 6= 0, pois

p

q+0

p ′=pp ′ + 0q ′

qp ′=pp ′

qp ′=p

q.

• O elemento neutro da multiplicacao e1

1=p ′

p ′, p ′ ∈ Z?, pois

p

q· 11

=p · 1q · 1

=p

q.

• sejap

q∈ Q. Entao

−p

qe o simetrico de

p

q, pois

p

q+

−p

q=p · q+ (−p) · q

q · q=

0

q · q= 0.

• Sejap

q∈ Q, com p 6= 0. Entao

q

pe inverso de

p

q, pois

p

q· qp

=p · qq · p

= 1.

Exercıcio 1: Verificar as propri-edades comutativa, associativa ea distributividade das operacoesdefinidas no exemplo 2.1 sobre osnumeros racionais.

Exemplo 2.2 O conjunto Z2 = {0, 1} com as operacoes de adicao e

multiplicacao definidas nas tabuadas abaixo e um corpo.

+ 0 1

0 0 1

1 1 0

· 0 1

0 0 0

1 0 1

Pela definicao, a adicao e a multiplicacao sao comutativas; o elemento

neutro da adicao e o 0; o elemento neutro da multiplicacao e o 1; o

simetrico do 0 e o 0 e do 1 e 1; o inverso do 1 e 1. �

Exercıcio 2: Verificar a associ-

atividade e a distributividade das

operacoes definidas no exemplo2.2 sobre Z2.

Exemplo 2.3 O conjunto Q(i) = {(x, y) | x, y ∈ Q} e um corpo com as

operacoes de adicao e multiplicacao definidas por

(x, y) + (x ′, y ′) = (x+ x ′, y+ y ′)

(x, y) · (x ′, y ′) = (xx ′ − yy ′, xy ′ + x ′y) ,

De fato, a comutatividade e a associatividade da adicao seguem-se direto

do fato que Q e um corpo.

O elemento neutro da adicao e (0, 0) e o simetrico de (x, y) e (−x,−y).

A comutatividade da multiplicacao sai direto da definicao e da comutativi-

dade da multiplicacao de numeros racionais.

J. Delgado - K. Frensel34

Page 35: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Exemplos de corpos

O elemento neutro da multiplicacao e (1, 0), pois

(x, y) · (1, 0) = (x · 1− y · 0, x · 0+ 1 · y) = (x, y) .

O inverso multiplicativo de (x, y) 6= (0, 0) e(

x

x2 + y2,

−y

x2 + y2

), pois

x2 + y2 6= 0 e

(x, y) ·(

x

x2 + y2,

−y

x2 + y2

)=

(x2

x2 + y2+

y2

x2 + y2,

−xy

x2 + y2+

xy

x2 + y2

)=

(x2 + y2

x2 + y2,

0

x2 + y2

)= (1, 0)

Exercıcio 3: Verificar a proprie-dade associativa da multiplicacaoe propriedade distributiva dasoperacoes definidas no exemplo

2.2 sobre Q(i).

• Representando (x, 0) por x e (0, 1) por i, temos que

◦ iy = (0, 1)(y, 0) = (0, y) ;

◦ ii = (0, 1)(0, 1) = (0 · 0− 1 · 1, 0 · 1+ 1 · 0) = (−1, 0) = −1 ;

◦ (x, y) = (x, 0) + (0, y) = x+ iy .

O corpo Q(i) chama-se o corpo dos numeros complexos racionais. �

Exemplo 2.4 O conjunto Q(t) das funcoes racionais r(t) =p(t)

q(t), onde

p e q sao polinomios com coeficientes racionais, sendo q(t) nao identica-

mente nulo, com as operacoes de adicao e multiplicacao definidas abaixo

e um corpo.

p(t)

q(t)+p ′(t)

q ′(t)=p(t) · q ′(t) + p ′(t) · q(t)

q(t) · q ′(t)p(t)

q(t)· p

′(t)

q ′(t)=p(t) · p ′(t)q(t) · q ′(t)

.

Observacao 2.1 Num corpo K tem-se:

x2 = y2 =⇒ x = ±y .

Com efeito,

x2 = y2 =⇒ x2 − y2 = 0

=⇒ (x− y)(x+ y) = 0

=⇒ x− y = 0 ou x+ y = 0

=⇒ x = y ou x = −y

=⇒ x = ±y .

Instituto de Matematica - UFF 35

Page 36: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

3. Corpos ordenados

Um corpo ordenado e um corpo K no qual existe um subconjunto

P ⊂ K, chamado o conjunto dos elementos positivos de K, com as se-

guintes propriedades:

(1) A soma e o produto de elementos positivos sao elementos posi-

tivos. Ou seja, x, y ∈ P =⇒ x+ y ∈ P e x · y ∈ P.

(2) Dado x ∈ K, exatamente uma das tres alternativas seguintes

ocorre:

ou x = 0 ; ou x ∈ P ; ou −x ∈ P .

• Assim, sendo −P = {x ∈ K | − x ∈ P}, temos

K = P ∪ (−P) ∪ {0} ,

onde P, −P e {0} sao subconjuntos de K disjuntos dois a dois.

Os elementos de −P chamam-se negativos.

• Num corpo ordenado, se a 6= 0 entao a2 ∈ P.

De fato, sendo a 6= 0, temos que a ∈ P ou −a ∈ P. No primeiro caso,

a2 = a · a ∈ P, e no segundo caso, a2 = a · a = (−a) · (−a) ∈ P.

Em particular, num corpo ordenado, 1 = 1 · 1 e sempre positivo e,

portanto, −1 ∈ −P.

Logo, num corpo ordenado, −1 nao e quadrado de elemento algum.

Exemplo 3.1 Q e um corpo ordenado no qual P =

{p

q

∣∣∣∣pq ∈ N}

.

• De fato, sep

q,p ′

q ′∈ P, entao pq, p ′q ′ ∈ N e, portanto,

◦ p

q+p ′

q ′=pq ′ + p ′q

qq ′∈ P, pois

(pq ′ + p ′q)(qq ′) = (pq)q ′2 + (p ′q ′)q2 ∈ N .

◦ p

q· p

q ′=pp ′

qq ′∈ P, pois pp ′qq ′ = (pq)(p ′q ′) ∈ N.

• Sejap

q∈ Q. Entao, pq = 0 ou pq ∈ N ou −(pq) ∈ N, ou seja,

p

q=0

q= 0

oup

q∈ P ou

−p

q= −

p

q∈ P. �

J. Delgado - K. Frensel36

Page 37: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Corpos ordenados

Exemplo 3.2 Q(t) e um corpo ordenado no qual

Lembre que o coeficiente lıder deum polinomio e o coeficiente doseu termo de maior grau.

P =

{p(t)

q(t)

∣∣∣∣ pq e um polinomio cujo coeficiente lider e positivo}

.

De fato:

• Sep(t)

q(t),p ′(t)

q ′(t)∈ P, entao os coeficientes an e bm dos termos de maior

grau de pq e p ′q ′, respectivamente, sao positivos.

Logo,

◦ o coeficiente cj do termo de maior grau de (pq ′ + p ′q)qq ′ =

pqq ′2 + p ′q ′q2 e positivo, pois cj = anq′2i + bmq

2i ou cj = anq

′2i ou

cj = bmq2i , onde qi e q ′i sao os coeficientes dos termos de maior grau

de q e q ′, respectivamente.

◦ o coeficiente do termo de maior grau de pp ′qq ′ = (pq)(p ′q ′) e

anbm > 0.

• Sep(t)

q(t)∈ Q(t), entao ou pq = 0 (e, neste caso, p = 0) ou o coeficiente

do termo de maior grau de pq e positivo ou o coeficiente do termo de

maior grau de pq e negativo. Logo, oup(t)

q(t)= 0 ou

p(t)

q(t)∈ P ou −

p(t)

q(t)∈ P

Exemplo 3.3 O corpo Z2 nao e ordenado, pois 1 + 1 = 0, e num corpo

ordenado 1 e positivo e a soma 1 + 1 de dois elementos positivos e um

elemento positivo. �

Exemplo 3.4 O corpo Q(i) nao e ordenado, pois i2 = −1, e num corpo

ordenado −1 e negativo e o quadrado de qualquer elemento diferente de

zero e positivo. �

Definicao 3.1 Num corpo ordenado K, dizemos que x e menor do que

y, e escrevemos x < y, se y− x ∈ P, ou seja, y = x+ z, z ∈ P. Podemos,

tambem, dizer que y e maior do que x e escrever y > x.

Observacao 3.1

• Em particular, x > 0 se, e so se, x ∈ P e x < 0 se, e so se, −x ∈ P, ou

seja, x ∈ −P.

Instituto de Matematica - UFF 37

Page 38: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

• Se x ∈ P e y ∈ −P, tem-se x > y, pois x+ (−y) ∈ P.

Proposicao 3.1 A relacao de ordem x < y num corpo ordenado satis-

faz as seguintes propriedades:

(1) Transitividade: x < y e y < z =⇒ x < z ;

(2) Tricotomia: dados x, y ∈ K, ocorre exatamente uma das seguintes

alternativas:

ou x = y , ou x < y , ou y < x .

(3) Monotonicidade da adic ao: Se x < y, entao x + z < y + z para todo

z ∈ K.

(4) Monotonicidade da multiplicac ao: Se x < y, entao xz < yz para

todo z > 0, e xz > yz para todo z < 0.

Prova.

(1) Se x < y e y < z, entao y−x ∈ P e z−y ∈ P. Logo, (y−x)+ (z−y) =

z− x ∈ P, ou seja, x < z.

(2) Dados x, y ∈ K, ocorre exatamente uma das seguintes alternativas:

ou y− x = 0 , ou y− x ∈ P , ou y− x ∈ −P ,

ou seja,

ou x = y , ou x < y , ou y < x .

(3) Se x < y entao y− x ∈ P. Logo, (y+ z) − (x+ z) = y− x ∈ P, ou seja

x+ z < y+ z, para todo z ∈ K.

(4) Se x < y e z > 0, entao y−x ∈ P e z ∈ P. Logo, (y−x)z = yz−xz ∈ P,

ou seja xz < yz. Se, porem, x < y e z < 0, entao y − x ∈ P e −z ∈ P,

donde (y− x)(−z) = xz− yz ∈ P, ou seja, xz > yz.

• Em particular, x < y e equivalente a −x > −y, pois (−1)x > (−1)y,ou

seja, −x > −y, ja que −1 ∈ −P, ou seja −1 < 0.

• Se x < x ′ e y < y ′ entao x+ y < x ′ + y ′.

De fato, por (3), se x < x ′, entao x + y < x ′ + y, e se y < y ′, entao

x ′ + y < x ′ + y ′. Logo, por (1), x+ y < x ′ + y ′.

• Se 0 < x < x ′ e 0 < y < y ′, entao xy < x ′y ′.

De fato, por (4), x · y < x ′y e x ′y < x ′y ′, e por (1), xy < x ′y ′.

J. Delgado - K. Frensel38

Page 39: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Corpos ordenados

• se x > 0 e y < 0, entao xy < 0.

De fato, como x ∈ P e −y ∈ P, temos x(−y) = −(xy) ∈ P, ou seja, xy < 0.

• Se x > 0 entao x−1 > 0, pois xx−1 = 1 > 0.

• Se x > 0 e y > 0, entaox

y> 0, pois

x

y= xy−1 e y−1 > 0.

• Se x < y, x > 0 e y > 0, entao1

y<1

x.

De fato, como y − x > 0 e xy > 0, entao x−1 − y−1 =1

x−1

y=y− x

xy> 0,

ou seja, x−1 > y−1. �

Definicao 3.2 Num corpo ordenado, dizemos que x e menor ou igual a

y, e escrevemos x ≤ y, se x < y ou x = y, ou seja, y − x ∈ P ∪ {0}. Os

elementos do conjunto P∪ {0} = {x ∈ K | x ≥ 0} chamam-se nao-negativos.

• Dados x, y ∈ K, tem-se x = y se, e so se, x ≤ y e y ≤ x.

• Com excecao da tricotomia, que e substituıda pelas propriedades:

Reflexiva: x ≤ x,

Anti-sim etrica: x ≤ y e y ≤ x ⇐⇒ x = y,

todas as outras propriedades acima demonstradas para a relacao x < y

sao validas, tambem, para a relacao x ≤ y.

• Num corpo ordenado K, 0 < 1, logo 1 < 1 + 1 < 1 + 1 + 1 < . . ., e o

subconjunto de K formado por estes elementos e infinito, e se identifica

de maneira natural ao conjunto N dos numeros naturais.

Indiquemos por 1 ′ o elemento neutro da multiplicacao de K e defina-

mos por inducao a funcao f : N −→ K, pondo

f(1) = 1 ′ e f(n+ 1) = f(n) + 1 ′ .

Por inducao, podemos verificar que f(m+n) = f(m)+ f(n) e que se

m < n entao f(m) < f(n). De fato:

• Seja m ∈ N e seja X = {n ∈ N | f(m+ n) = f(m) + f(n)}.

Assim, 1 ∈ X e se n ∈ X, entao

f(m+ (n+ 1)) = f((m+ n) + 1) = f(m+ n) + 1 ′

= f(m) + f(n) + 1 ′ = f(m) + f(n+ 1) .

Instituto de Matematica - UFF 39

Page 40: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

ou seja, n+ 1 ∈ X. Logo, X = N.

• Seja Y = {n ∈ N | f(n) ∈ P} . Entao:

◦ 1 ∈ Y, pois f(1) = 1 ′ ∈ P ,

◦ se n ∈ Y, entao n+ 1 ∈ Y, pois f(n+ 1) = f(n) + 1 ′ ∈ P.

Logo, Y = N.

Temos, assim, que se m < n entao f(m) < f(n), pois, como existe

p ∈ N tal que n = m + p, segue-se que f(n) = f(m) + f(p), ou seja,

f(n) − f(m) = f(p) ∈ P.

Exercıcio 4: Verifique quef(mn) = f(m)f(n) , ∀m, n ∈ N .

Portanto, f : N −→ f(N) = N ′ ⊂ K e uma bijecao, onde N ′ e o

subconjunto de K formado pelos elementos 1 ′, 1 ′ + 1 ′, 1 ′ + 1 ′ + 1 ′, . . . que

preserva a soma, o produto e a relacao de ordem. Podemos, entao, iden-

tificar N ′ com N e considerar N contido em K, voltando a escrever 1, em

vez de 1 ′.

Em particular, um corpo ordenado K e infinito e tem caracterıstica

zero, ou seja, 1 + 1 + 1 + . . . + 1 6= 0 qualquer que seja o numero de

parcelas 1.

Considere o conjunto Z ′ = N ∪ {0} ∪ (−N), onde −N = {−n |n ∈ N}.

Entao, Z ′ e um subgrupo abeliano de K com respeito a operacao de

adicao.

De fato, 0 ∈ Z ′ e se x ∈ Z ′ entao −x ∈ Z ′. Resta verificar que se

x, y ∈ Z ′ entao x+ y ∈ Z ′.

• Se x, y ∈ N entao x+ y ∈ N ⊂ Z ′.

• Se x, y ∈ −N entao (−x)+(−y) = −(x+y) ∈ N, ou seja, x+y ∈ −N ⊂ Z ′.

• Se x ∈ N e y ∈ −N entao, fazendo y = −z, com z ∈ N, temos que, ou

x + y = x − z = 0 ∈ Z ′, ou x + y = x − z > 0 e, portanto, x + y ∈ N, ou

x+ y = x− z < 0 e, portanto, x+ y ∈ −N.

Exercıcio 5: Verifique que se

m, n ∈ N ′ e m − n > 0 entaom − n ∈ N ′ .

Exercıcio 6: Verifique que xy ∈Z ′ quaisquer que sejam x, y ∈Z ′ .

• Se x ∈ N ∪ {0} ∪ (−N) e y = 0 entao x+ y = x ∈ Z ′.

Podemos, assim, identificar Z ′ com o grupo Z dos numeros inteiros.

Seja, agora, Q ′ ={m

n

∣∣∣ m ∈ Z e n ∈ Z?}

. Entao, Q ′ e um subcorpo

de K, pois:

J. Delgado - K. Frensel40

Page 41: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Corpos ordenados

◦ 0, 1 ∈ Q ′ ,

◦ sem

n∈ Q ′ entao −

m

n=

−m

n∈ Q ′.

◦ sem

n∈ Q ′? entao

n

m∈ Q ′.

◦ sem

n,m ′

n ′∈ Q ′ entao

m

n+m ′

n ′∈ Q ′. De fato, como

nn ′(m

n+m ′

n ′

)=mnn ′

n+m ′nn ′

n ′= mn ′ +m ′n ,

temos que

m

n+m ′

n ′=mn ′ +m ′n

nn ′∈ Q ′ ,

pois, como ja vimos, mn ′ +m ′n ∈ Z e nn ′ ∈ Z?.

• Q ′ e o menor subcorpo de K.

Com efeito, todo subcorpo de K deve conter pelo menos 0 e 1; por

adicoes sucessivas de 1, todo subcorpo de K deve conter N; tomando os

simetricos, deve conter Z e por divisoes em Z, deve conter o conjunto das

fracoesm

n, m ∈ Z e n ∈ Z?.

Este menor subcorpo de K se identifica, de maneira natural, com o

corpo Q dos numeros racionais.

Assim, dado um corpo ordenado K, podemos considerar, de modo

natural, as inclusoes

N ⊂ Z ⊂ Q ⊂ K .

Exemplo 3.5 O corpo ordenado Q(t) contem todas as fracoes do tipop

q, onde p e q sao polinomios constantes, inteiros, com q 6= 0. Logo,

Q ⊂ Q(t). �

Proposicao 3.2 (Desigualdade de Bernoulli)

Seja K um corpo ordenado e seja x ∈ K. Se n ∈ N e x ≥ −1 entao

(1+ x)n ≥ 1+ nx

Johann Bernoulli

(1667-1748) Suıca.

Prova.

Faremos a demonstracao por inducao em n.

Instituto de Matematica - UFF 41

Page 42: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Para n = 1 a desigualdade e obvia.

Se (1+ x)n ≥ 1+ nx, entao

(1+ x)n+1 = (1+ x)n(1+ x) ≥ (1+ nx)(1+ x)

= 1+ nx+ x+ nx2 = 1+ (n+ 1)x+ nx2

≥ 1+ (n+ 1)x .

Exercıcio 7: Mostre que se n ∈N, n > 1, x > −1 e x 6= 0, entaoa desigualdade de Bernoulli e es-

trita, isto e,(1 + x)n > 1 + nx .

Observacao 3.2 (Sobre a Boa Ordenacao)

Existem conjuntos nao-vazios de numeros inteiros que nao possuem um

menor elemento.

Exemplo 3.6 O conjunto Z nao possui um menor elemento.

De fato, dado n0 ∈ Z, temos que n0 − 1 ∈ Z e n0 − 1 < n0, pois n0 − (n0 −

1) = 1 > 0. �

Exemplo 3.7 O conjunto A = {2n |n ∈ Z} dos inteiros pares nao possui

um menor elemento.

De fato, dado 2n0 ∈ A, 2n0 − 2 = 2(n0 − 1) ∈ A e 2(n0 − 1) < 2n0. �

Exemplo 3.8 Se X ⊂ N e um conjunto infinito de numeros naturais,

entao −X = {−n |n ∈ X} e um conjunto nao-vazio de numeros inteiros

que nao possui um menor elemento.

Com efeito, suponha que existe n0 ∈ X tal que −n0 ≤ −n para todo n ∈ X.

Entao, n0 ≥ n para todo n ∈ X, o que e absurdo, pois, como X e infinito,

X nao e limitado superiormente. �

Mas, se um conjunto nao-vazio X ⊂ Z e limitado inferiormente, entao

X possui um menor elemento.

Seja a ∈ Z tal que a < x para todo x ∈ X. Entao, x−a > 0 para todo

x ∈ X, ou seja x− a ∈ N para todo x ∈ X.

Seja A = {(x− a) | x ∈ X}.

Como A ⊂ N, temos, pelo Princıpio da Boa Ordenacao, que existe

n0 ∈ A tal que n0 ≤ x− a para todo x ∈ X.

J. Delgado - K. Frensel42

Page 43: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Intervalos

Seja x0 ∈ X tal que n0 = x0 − a. Entao, x0 − a ≤ x − a para todo

x ∈ X.

Logo, x0 ≤ x para todo x ∈ X.

4. Intervalos

Num corpo ordenado, existe a importante nocao de intervalo.

• Intervalos limitados: Dados a, b ∈ K, a < b, definimos os intervalos

limitados de extremos a e b como sendo os conjuntos:

◦ Intervalo fechado: [a, b] = {x ∈ K |a ≤ x ≤ b} ;

◦ Intervalo fechado a esquerda: [a, b) = {x ∈ K |a ≤ x < b} ;

◦ Intervalo fechado a direita: (a, b] = {x ∈ K |a < x ≤ b} ;

◦ Intervalo aberto: (a, b) = {x ∈ K |a < x < b} ;

• Intervalos ilimitados: Dado a ∈ K, definimos os intervalos ilimitados

de origem a como sendo os conjuntos:

◦ Semi-reta esquerda fechada de origem a: (−∞, a] = {x ∈ K | x ≤ a} ;

◦ Semi-reta esquerda aberta de origem a: (−∞, a) = {x ∈ K | x < a} ;

◦ Semi-reta direita fechada de origem a: [a,+∞) = {x ∈ K |a ≤ x} ;

◦ Semi-reta direita aberta de origem a: (a,+∞) = {x ∈ K |a < x} ;

◦ (−∞,+∞) = K , este intervalo pode ser considerado aberto ou fechado.

Observacao 4.1 Ao considerar o intervalo fechado [a, b] e conveniente

admitir o caso a = b em que o intervalo [a, a] consiste apenas do unico

ponto a. Tal intervalo chama-se intervalo degenerado.

Observacao 4.2 Todo intervalo nao-degenerado e um conjunto infinito.

Com efeito, se a, b ∈ K e a < b entao a <a+ b

2< b, pois

a+ b

2− a =

b− a

2> 0 , e b−

a+ b

2=b− a

2> 0 .

Faca x1 =a+ b

2, e defina por inducao, xn+1 =

a+ xn

2.

Instituto de Matematica - UFF 43

Page 44: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Entao, a < . . . < xn+1 < xn < . . . < x2 < x1 < b.

Como a funcao ϕ : N −→ ϕ(N) ⊂ (a, b), dada por i 7−→ xi , e uma bijecao,

ϕ(N) e um conjunto infinito enumeravel.

Fig. 1: Construcao da sequencia x1, x2, . . . , xn, . . ..

Definicao 4.1 Num corpo ordenado K, definimos o valor absoluto ou

modulo de um elemento x ∈ K, designado |x|, como sendo x, se x ≥ 0, e

−x, se x < 0. Assim,

|x| =

x , se x > 0

0 , se x = 0

−x , se x < 0

Observacao 4.3 Tem-se

|x| = max{x,−x} ,

e, portanto, |x| ≥ x e |x| ≥ −x, ou seja, −|x| ≤ x ≤ |x|.

Proposicao 4.1 Seja K um corpo ordenado e a, x ∈ K. As seguintes

afirmacoes sao equivalentes:

(1) −a ≤ x ≤ a ;

(2) x ≤ a e −x ≤ a ;

(3) |x| ≤ a.

Prova.

Temos que

−a ≤ x ≤ a ⇐⇒ −a ≤ x e x ≤ a⇐⇒ a ≥ −x e a ≥ x⇐⇒ a ≥ max {−x, x} = |x| .

Corolario 4.1 Dados a, b, x ∈ K, tem-se

|x− a| ≤ b se, e so se, a− b ≤ x ≤ a+ b .

J. Delgado - K. Frensel44

Page 45: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Intervalos

Prova.

De fato, |x−a| ≤ b se, e so se, −b ≤ x−a ≤ b, ou seja, a−b ≤ x ≤ a+b

(somando a). �

Observacao 4.4 Todas as afirmacoes da proposicao e do seu corolario

sao verdadeiras com < em vez de ≤.

Em particular,

x ∈ (a− ε, a+ ε) ⇐⇒ a− ε < x < a+ ε ⇐⇒ |x− a| < ε .

Assim, o intervalo aberto (a − ε, a + ε), de centro a e raio ε, e formado

pelos pontos x ∈ K cuja distancia, |x− a|, de a e menor do que ε.

Fig. 2: x ∈ (a − ε, a + ε) ⇐⇒ |x − a| < ε.

Na figura ao lado, representa-mos os elementos do conjunto emquestao, no caso, a, x ∈ (a −

ε, a + ε), por um ponto cheio. Os

pontos sem preenchimento repre-sentam pontos que nao perten-cem ao conjunto em questao.

Proposicao 4.2 Para elementos arbitrarios de um corpo ordenado K,

valem as relacoes:

(1) |x+ y| ≤ |x| + |y| ;

(2) |x · y| = |x| · |y| ;

(3) |x| − |y| ≤ | |x| − |y| | ≤ |x− y| ;

(4) |x− y| ≤ |x− z| + |z− y| .

Prova.

(1) Como −|x| ≤ x ≤ |x| e −|y| ≤ y ≤ |y|, temos que

−(|x| + |y|) ≤ x+ y ≤ |x| + |y| .

Logo, |x+ y| ≤ |x| + y|.

(2) Seja qual for x ∈ K, |x|2 = x2, pois se |x| = x, entao |x|2 = x2, e se

|x| = −x, tambem |x|2 = (−x)2 = x2. Logo,

|xy|2 = (xy)2 = x2y2 = |x|2 |y|2 = (|x| |y|)2 .

Entao, |xy| = ±|x| |y|. Como |xy| ≥ 0 e |x| |y| ≥ 0, temos que |xy| = |x| |y|.

(3) Por (1), |x| = |x− y+ y| ≤ |x− y| + |y|, ou seja, |x− y| ≥ |x| − |y|.

De modo analogo, |y− x| ≥ |y| − |x|.

Como |y− x| = |x− y|, temos que −|x− y| ≤ |x| − |y|.

Instituto de Matematica - UFF 45

Page 46: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Assim,

−|x− y| ≤ |x| − |y| ≤ |x− y| .

Logo, pela proposicao 4.1,

| |x| − |y| | ≤ |x− y| .

A outra desigualdade, |x| − |y| ≤ | |x| − |y| | segue da definicao de valor

absoluto.

(4) Por (1), |x− y| = |x− z+ z− y| ≤ |x− z| + |z− y| . �

Definicao 4.2 Seja X um subconjunto de um corpo ordenado K.

• X e limitado superiormente quando existe b ∈ K tal que x ≤ b para todo

x ∈ X, ou seja X ⊂ (−∞, b]. Cada b com esta propriedade e uma cota

superior de X.

• X e limitado inferiormente quando existe a ∈ K tal que x ≥ a para todo

x ∈ X, ou seja, X ⊂ [a,+∞). Cada a com esta propriedade e uma cota

inferior de X.

• X e limitado quando e limitado superior e inferiormente, ou seja, quando

existem a, b ∈ K, a < b, tais que X ⊂ [a, b].

Exemplo 4.1 No corpo Q dos numeros racionais, o conjunto N dos

numeros naturais e limitado inferiormente, pois N ⊂ [1,+∞), mas nao

e limitado superiormente.

De fato, sep

q∈ Q, entao |p| + 1 ∈ N e |p| + 1 >

p

q, pois

|p| + 1−p

q=

|p|q+ q− p

q

e

(|p|q+ q− p)q = |p|q2 + q2 − pq = |p| |q|2 + |q|2 − pq

≥ |p| |q| + |q|2 − pq ≥ |q|2 ≥ 1 > 0 .

Exemplo 4.2 No corpo Q(t) das fracoes racionais, o conjunto N dos

numeros naturais e limitado inferior e superiormente, pois N ⊂ [0,+∞) e

n < t para todo n ∈ N, ja que o coeficiente do termo de maior grau de

t− n e 1 > 0 �

J. Delgado - K. Frensel46

Page 47: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Numeros reais

Teorema 4.1 Num corpo ordenado K, as seguintes afirmacoes sao equi-

valentes:

(a) N ⊂ K e ilimitado superiormente;

(b) dados a, b ∈ K, com a > 0, existe n ∈ N tal que na > b.

(c) dado a > 0 em K, existe n ∈ N tal que 0 <1

n< a .

Prova.

(a)=⇒(b) Como N e ilimitado superiormente, dados a, b ∈ K, com a > 0,

existe n ∈ N tal que n >b

a. Logo, na > a · b

a= b.

(b)=⇒(c) Dado a > 0, existe, por (b), n ∈ N tal que na > 1. Entao

0 <1

n< a.

(c)=⇒(a) Seja b ∈ K. Se b ≤ 0, entao b < 1 e, portanto, b nao e cota

superior de N.

Se b > 0, existe, por (c), n ∈ N tal que 0 <1

n<1

b. Logo, b < n e nao e,

portanto, uma cota superior de N. �

Definicao 4.3 Dizemos que um corpo ordenado K e arquimediano se

N ⊂ K e ilimitado superiormente.

Exemplo 4.3 O corpo Q dos numeros racionais e arquimediano, mas o

corpo Q(t), com a ordem introduzida no exemplo 3.2, nao e arquimediano.

5. Numeros reais

Definicao 5.1 Seja K um corpo ordenado e X ⊂ K um subconjunto

limitado superiormente. Um elemento b ∈ K chama-se supremo de X

quando b e a menor das cotas superiores de X em K.

Assim, b ∈ K e o supremo de X se, e so se, b satisfaz as duas

condicoes abaixo:

Instituto de Matematica - UFF 47

Page 48: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

S1: b ≥ x para todo x ∈ X.

S2: Se c ∈ K e tal que c ≥ x para todo x ∈ X, entao c ≥ b.

A condicao S2 e equivalente a condicao:

S2’: Dado c ∈ K, c < b, existe x ∈ K tal que x > c.

Observacao 5.1 O supremo de um conjunto, quando existe, e unico.

De fato, se b e b ′ em K cumprem as condicoes S1 e S2, entao, b ≤ b ′ e

b ′ ≤ b, ou seja, b ′ = b.

O supremo de um conjunto X sera denotado por supX.

Observacao 5.2 O conjunto vazio ∅ nao possui supremo em K, pois

todo elemento de K e uma cota superior do conjunto vazio e K nao possui

um menor elemento.

Definicao 5.2 Um elemento a ∈ K e o ınfimo de um subconjunto Y ⊂ Klimitado inferiormente quando a e a maior das cotas inferiores de Y.

Assim, a ∈ K e o ınfimo de Y se, e so se, a satisfaz as duas

condicoes abaixo:

I1: a ≤ y para todo y ∈ Y.

I2: Se c ∈ K e tal que c ≤ y para todo y ∈ Y, entao c ≤ a.

A condicao I2 e equivalente a condicao:

I2’: Dado c ∈ K, c > a, existe y ∈ Y tal que y < c.

Observacao 5.3 O ınfimo de um conjunto X, quando existe, e unico, e

sera denotado por infX

Observacao 5.4 O conjunto ∅ nao possui ınfimo em K, pois todo ele-

mento de K e uma cota inferior do conjunto vazio e K nao possui um maior

elemento.

Exemplo 5.1

• Se X ⊂ K possui um elemento maximo b ∈ X, entao b = supX. De fato:

(1) b ≥ x para todo x ∈ X.

(2) Se c ≥ x para todo x ∈ X, entao c ≥ b, pois a ∈ X.

J. Delgado - K. Frensel48

Page 49: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Numeros reais

• Se X ⊂ K possui um elemento mınimo a ∈ X, entao a = infX. De fato:

(1) a ≤ x para todo x ∈ X.

(2) Se c ≤ x para todo x ∈ X, entao c ≤ a, pois a ∈ X.

• Se b = supX ∈ X, entao supX e o maior elemento de X, pois b ≥ x para

todo x ∈ X e b ∈ X.

• Se a = infX ∈ X, entao infX e o menor elemento de X, pois a ≤ x para

todo x ∈ X e a ∈ X.

Em particular, se

◦ X e finito, entao o supX e o infX existem e pertencem a X.

◦ X = [a, b], entao supX = b e infX = a.

◦ X = (−∞, b], entao supX = b.

◦ X = [a,+∞), entao infX = a. �

Exemplo 5.2 Se X = (a, b), entao infX = a e supX = b.

Com efeito, b e uma cota superior de X. Seja c < b em K. Se c ≤ a,

existe x =a+ b

2∈ X, por exemplo, tal que c <

a+ b

2. Se a < c < b, entao

c+ b

2∈ X e c <

c+ b

2. Assim, b = supX.

De modo analogo, podemos provar que a = infX.

Observe que, neste exemplo, supX 6∈ X e infX 6∈ X. �

Exemplo 5.3 Seja Y ⊂ Q o conjunto das fracoes do tipo1

2n, n ∈ N.

Entao, supY =1

2e infY = 0.

• Como1

2∈ Y e

1

2n<1

2para todo n > 1, n ∈ N, temos que

1

2e o maior

elemento de Y e, portanto, o supremo de Y.

• Sendo1

2n≥ 0 para todo n ∈ N, 0 e cota inferior de Y.

Seja b > 0 em Q. Como Q e um corpo arquimediano, existe n0 ∈ N tal

que n0 >1

b− 1. Logo, n0 + 1 >

1

b.

Pela desigualdade de Bernoulli, temos que

Instituto de Matematica - UFF 49

Page 50: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

2n0 = (1+ 1)n0 ≥ 1+ n0 >1

b,

ou seja, b >1

2n0. Assim, 0 = infX. �

Mostraremos, agora, que alguns conjuntos limitados de numeros ra-

cionais nao possuem ınfimo ou supremo em Q.

Lema 5.1 (Pitagoras)

Nao existe um numero racional cujo quadrado seja igual a 2.

Prova.

Suponhamos, por absurdo, que existep

q∈ Q tal que(

p

q

)2

= 2 ,

ou seja p2 = 2q2.

O fator 2 aparece um numero par de vezes na decomposicao de p2 e de

q2 em fatores primos.

Como p2 possui um numero par de fatores iguais a 2 e 2q2 possui um

numero ımpar de fatores iguais a 2, chegamos a uma contradicao. �

Exemplo 5.4 Sejam

X = {x ∈ Q | x ≥ 0 e x2 < 2} e Y ={x ∈ Q |y > 0 e y2 > 2

}.

Como X ⊂ [0, 2], pois x > 2 implica que x2 > 4, X e um subconjunto

limitado.

Sendo Y ⊂ [0,+∞), Y e limitado inferiormente.

Mostraremos que X nao possui um supremo em Q e que Y nao possui um

ınfimo em Q.

(1) O conjunto X nao possui elemento maximo.

Seja b ∈ X, ou seja b ≥ 0 e b2 < 2. Como2− b2

1+ 2b> 0 e Q e arquimediano,

existe n ∈ N tal que1

n<2− b2

1+ 2b.

Faca r =1

n. Entao 0 < r < 1 e

J. Delgado - K. Frensel50

Page 51: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Numeros reais

(b+ r)2 = b2 + 2rb+ r2 < b2 + 2rb+ r

= b2 + (2b+ 1)r < b2 + (2b+ 1)2− b2

2b+ 1

= b2 + 2− b2 = 2 .

Logo, b + r ∈ X e b + r > b. Assim, dado b ∈ X existe b + r ∈ X tal que

b+ r > b.Logo, X nao possui maior elemento.

(2) O conjunto Y nao possui elemento mınimo.

Seja b ∈ Y, ou seja, b > 0 e b2 > 2. Sendo Q arquimediano e b2 − 2 > 0,

existe n ∈ N tal que

0 < r =1

n<b2 − 2

2b.

Logo,

(b− r)2 = b2 − 2br+ r2 > b2 − 2br > b2 − b2 + 2 = 2

e

b− r > b−b2 − 2

2b= b−

b

2+1

b=b

2+1

b> 0 ,

ou seja, b− r ∈ Y e b− r < b. Assim, X nao possui menor elemento.

(3) Se x ∈ X e y ∈ Y, entao x < y.

De fato, x2 < 2 < y2 =⇒ x2 < y2 =⇒ y2 − x2 > 0 =⇒ (y − x)(y + x) >

0 =⇒ y− x > 0, ou seja, y > x, pois y+ x > 0.

• Usando (1), (2) e (3) vamos provar que nao existem supX e infY em Q.

◦ Suponhamos, primeiro, que existe a = supX, a ∈ Q. Entao, a > 0

e a2 ≥ 2, pois se a2 < 2, a pertenceria a X e seria seu maior elemento.

Se a2 > 2, entao a ∈ Y. Como a nao e o menor elemento de Y, existe

b ∈ Y tal que b < a. Por (3), x < b < a para todo x ∈ X, o que contradiz

ser a = supX.

Assim, se existir a = supX, a2 = 2 e a ∈ Q, o que e absurdo pelo Lema

de Pitagoras.

◦ Suponhamos, agora, que existe b = inf Y, b ∈ Q. Entao, b > 0,

pois y > 0 e y2 > 2 > 1 para todo y ∈ Y, ou seja, y > 1 para todo y ∈ Y.

Se b2 > 2 e b > 0, b ∈ Y e seria o seu menor elemento, o que e absurdo

por (2).

Instituto de Matematica - UFF 51

Page 52: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Logo, b2 ≤ 2. Se b2 < 2, entao b ∈ X. Como b nao e o maior elemento de

X, existe a ∈ X tal que b < a. Por (3), b < a < y para todo y ∈ Y, o que

contradiz ser b = inf Y.

Assim, b2 = 2 e b ∈ Q, o que e absurdo pelo Lema de Pitagoras. �

Observacao 5.5 Estes argumentos mostram que se existir um corpo

ordenado K no qual todo subconjunto nao-vazio limitado superiormente

possui supremo, existira neste corpo um elemento a > 0 tal que a2 = 2.

De fato, K, sendo ordenado, contem Q e, portanto, contem o conjunto

X, que e limitado superiormente. Entao, existira a = supX em K, cujo

quadrado devera ser igual a 2.

Exemplo 5.5 Seja K um corpo ordenado nao arquimediano.

Entao, N ⊂ K e limitado superiormente, mas nao possui supremo.

De fato, seja b ∈ K uma cota superior de N. Entao, n + 1 ≤ b para todo

n ∈ N. Logo, n ≤ b−1 para todo n ∈ N, ou seja, b−1 e uma cota superior

de N menor do que b. �

Definicao 5.3 Um corpo ordenado K chama-se completo quando todo

subconjunto de K nao-vazio e limitado superiormente possui supremo em

K.

Observacao 5.6 Num corpo ordenado K completo, todo subconjunto

Y ⊂ K nao-vazio limitado inferiormente possui ınfimo em K.

De fato, considere X = −Y = {−y |y ∈ Y}. Seja b ∈ K uma cota inferior de

Y, ou seja, b ≤ y para todo y ∈ Y. Entao, −b ≥ −y para todo y ∈ Y, ou

seja, −b e uma cota superior de X e, portanto, X e limitado superiormente.

Sendo K completo, existe a = supX.

Vamos mostrar que −a = inf Y:

◦ a ≥ −y para todo y ∈ Y =⇒ −a ≤ y para todo y ∈ Y.

◦ Se c ≤ y para todo y ∈ Y, entao −c ≥ −y para todo y ∈ Y. Logo,

a ≤ −c, ou seja, c ≤ −a.

Observacao 5.7 Pelo exemplo 5.5, temos que todo corpo ordenado

completo e arquimediano.

J. Delgado - K. Frensel52

Page 53: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Numeros reais

Exemplo 5.6

• Q nao e completo, pois o conjunto X = {x | x ≥ 0 e x2 < 2} ⊂ Q nao-vazio

e limitado superiormente nao possui supremo em Q.

• Q(t) nao e completo, pois Q(t) nao e arquimediano. �

Enunciaremos, agora, o axioma fundamental da Analise Matematica.

Axioma: Existe um corpo ordenado completo, R, chamado o corpo

dos numeros reais.

Observacao 5.8 Existe em R um numero positivo a tal que a2 = 2, que

e representado pelo sımbolo√2, e e unico.

De fato, se b > 0 em R e b2 = 2, entao

a2 − b2 = 0 =⇒ (a− b)(a+ b) = 0 =⇒ a = b ou a = −b.

Logo, a = b, pois a > 0 e b > 0.

Alem disto, a ∈ R − Q.

Definicao 5.4 O conjunto I = R − Q e o conjunto dos numeros irracio-

nais.

Exemplo 5.7√2 ∈ I .�

Exemplo 5.8 Dados a > 0 em R e n ∈ N, n ≥ 2, existe um unico

numero real b > 0 tal que bn = a. O numero b chama-se raiz n−esima

de a e e representado pelo sımbolo n√a.

Consideremos os conjuntos:

X = {x ∈ R | x ≥ 0 e xn < a} e Y = {y ∈ R |y > 0 e yn > a}

O conjunto Y e limitado inferiormente pelo zero.

O conjunto X nao e vazio, pois 0 ∈ X, e e limitado superiormente. De fato:

• se a ≤ 1, entao 1 e cota superior de X, pois se z ≥ 1, tem-se que

zn ≥ 1 ≥ a, ou seja, z 6∈ X. Logo, X ⊂ [0, 1].

• se a > 1, entao an > a para todo n ≥ 2. Logo, se z ≥ a, tem-se

zn ≥ an > a, ou seja, z 6∈ X. Assim, X ⊂ [0, a).

Como R e completo, existe b = supX. Vamos provar que bn = a.

Instituto de Matematica - UFF 53

Page 54: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

(1) X nao possui elemento maximo.

Dado x ∈ X, mostremos que existe d > 0 tal que (x + d)n < a, ou seja,

x+ d ∈ X e x+ d > x.

Afirmac ao: Dado x > 0 existe, para cada n, um numero real positivo An,

que depende de x, tal que (x+ d)n ≤ xn +And seja qual for 0 < d < 1.

Vamos provar esta afirmacao por inducao em n.

Para n = 1, basta tomar A1 = 1. Supondo verdadeiro para n, temos que

(x+ d)n+1 = (x+ d)n(x+ d) ≤ (xn + and)(x+ d)

= xn+1 +Andx+ dxn +And2

= xn+1 + (Anx+ xn +And)d

< xn+1 + (Anx+ xn +An)d ,

ja que 0 < d < 1. Tomando An+1 = Anx+ xn +An, temos que

(x+ d)n+1 ≤ xn+1 +An+1d.

Dado x ∈ X, isto e, x ≥ 0 e xn < a, tome d ∈ R tal que

0 < d < min{1,a− xn

An

}.

Entao,

(x+ d)n ≤ xn +And < xn +

An(a− xn)

An= a ,

ou seja, x + d ∈ X e x + d > x, o que prova que X nao possui elemento

maximo.

(2) O conjunto Y nao possui elemento mınimo.

Seja y ∈ Y. Mostremos que existe d ∈ R tal que 0 < d < y e (y−d)n > a,

ou seja, y− d ∈ Y e y− d < y.

Seja 0 < d < y. Entao, 0 <d

y< 1, ou seja, −1 < −

d

y< 0.

Pela desigualdade de Bernoulli, temos

(y− d)n = yn

(1−

d

y

)n

≥ yn

(1− n

d

y

)= yn − ndyn−1 .

Se tomarmos 0 < d < min{y,yn − a

nyn−1

}, teremos que

(y− d)n ≥ yn − ndyn−1 > yn − nyn−1 (yn − a)

nyn−1= yn − yn + a = a ,

J. Delgado - K. Frensel54

Page 55: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Numeros reais

ou seja, y− d > 0 e (y− d)n > a.

(3) Se x ∈ X e y ∈ Y entao x < y.

De fato, como xn < a < yn, x ≥ 0 e y > 0, temos que x < y, pois xn < yn

e, portanto,

yn − xn = (y− x)(yn−1 + yn−2x+ . . .+ yxn−2 + xn−1) > 0 .

Como

yn−1 + yn−2x+ . . .+ yxn−2 + xn−1 > 0,

temos que y− x > 0, ou seja, x < y.

Exercıcio 8: Prove que

yn − xn = (y − x)`yn−1 + yn−2x

+ . . . + yxn−2 + xn−1´

,

quaisquer que sejam x, y ∈ R en ∈ N.Vamos provar, agora, usando (1), (2) e (3), que se b = supX, entao

bn = a.

Se bn < a, temos que b ∈ X, o que e absurdo, pois

b = supX e, portanto, o elemento maximo de X, o que contradiz (1).

Se bn > a, entao b ∈ Y, pois b > 0.

Como, por (2), Y nao possui um elemento mınimo, existe c ∈ Y tal que

c < b.

Exercıcio 9: Mostrar que Y 6= ∅e bn = a, onde b = inf Y .

Exercıcio 10: Mostrar que existeum unico b > 0 em R tal quebn = a (ver observacao 5.9).

Por (3), x < c < b para todo x ∈ X, ou seja, c e uma cota superior de X

menor do que b = supX, o que e absurdo. Logo, bn = a. �

Observacao 5.9 Dado n ∈ N, a funcao f : [0,+∞) −→ [0,+∞) definida

por f(x) = xn e sobrejetiva, pois, pelo que acabamos de ver, para todo

a ≥ 0 existe b ≥ 0 tal que bn = a, e e injetiva, pois se 0 < x < y, entao,

pela monotonicidade da multiplicacao, 0 < xn < yn.

Logo, f e uma bijecao de [0,+∞) sobre si mesmo, e sua inversa

f−1 : [0,+∞) −→ [0,+∞) e dada por y −→ n√y, a unica raiz n−esima

nao-negativa de y.

Observacao 5.10 (Generalizacao do Lema de Pitagoras)

Dado n ∈ N. Se um numero natural m nao possui uma raiz n−esima

natural, tambem nao possui uma raiz n−esima racional.

De fato, sejam p, q numeros naturais primos entre si tais que(p

q

)n

= m.

Entao, pn = mqn.

Instituto de Matematica - UFF 55

Page 56: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Como pn e qn sao primos entre si e qn divide pn, temos que q = 1, ou

seja,p

q∈ N, o que e absurdo.

Entao, dados m,n ∈ N, se n√m 6∈ N entao n

√m ∈ I = R − Q, ou seja, n

√m

e um numero irracional.

Exemplo 5.9

•√2 ∈ I, pois 12 = 1 e 22 = 4 > 2, ou seja,

√2 6∈ N.

• 3√3 ∈ I, pois 13 = 1 e 23 = 8 > 3, ou seja, 3

√3 6∈ N.

• 3√6 ∈ I, pois 13 = 1 e 23 = 8 > 6, ou seja, 3

√6 6∈ N. �

Mostraremos, agora, que os numeros irracionais se acham espa-

lhados por toda parte entre os numeros reais e que ha mais numeros

irracionais do que racionais.

Definicao 5.5 Um conjunto X ⊂ R chama-se denso em R quando todo

intervalo aberto (a, b) contem algum ponto de X.

Exemplo 5.10 O conjunto X = R − Z e denso em R.

De fato, seja (a, b), a < b, um intervalo aberto de R. Entao, existe n0 ∈ Ztal que n0 < a e existe m0 ∈ Z, m0 > b. Logo,

(a, b) ∩ Z ⊂ {n0, . . . , n0 + (m0 − n0)} ,

que e um conjunto finito.

Como ja provamos que (a, b) e um conjunto infinito, temos que o conjunto

(a, b) ∩ (R − Z) e, tambem, infinito e, em particular, e nao-vazio. �

Teorema 5.1 O conjunto Q dos numeros racionais e o conjunto R − Qdos numeros irracionais sao densos em R.

Prova.

Seja (a, b), a < b, um intervalo aberto qualquer em R.

Afirmativa 1: Existe um numero racional em (a, b).

Como b− a > 0, existe p ∈ N tal que1

p< b− a.

Seja A =

{m ∈ Z

∣∣∣∣ mp ≥ b}

.

J. Delgado - K. Frensel56

Page 57: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Numeros reais

Como R e arquimediano, A e um conjunto nao-vazio de numeros inteiros,

limitado inferiormente por pb ∈ R, e, portanto limitado inferiormente por

um numero inteiro.

Entao, pelo Princıpio de Boa Ordenacao (ver pag. 42), existe m0 ∈ A tal

que m0 ≤ m para todo m ∈ A.

Logo, como m0 − 1 < m0, temos que m0 − 1 6∈ A, ou seja,m0 − 1

p< b.

Temos, tambem, que a <m0 − 1

p< b, pois, caso contrario,

m0 − 1

p≤ a < b ≤ m0

p,

o que acarretaria b− a ≤ m0

p−m0 − 1

p=1

p, uma contradicao.

Logo, a <m0 − 1

p< b, ou seja,

m0 − 1

p∈ (a, b) ∩Q.

Afirmativa 2: Existe um numero irracional em (a, b).

Vamos considerar primeiro o caso em que 0 6∈ (a, b), ou seja, 0 < a < b

ou a < b < 0.

Seja p ∈ N tal que1

p<b− a√2

, ou seja,√2

p< b− a.

Seja A =

{m ∈ Z

∣∣∣∣ √2mp ≥ b}

.

Como R e arquimediano, A e nao-vazio, limitado inferiormente porbp√2∈ R. Entao, existe m0 ∈ A tal que m0 ≤ m para todo m ∈ A. Sendo

m0 − 1 < m0, m0 − 1 6∈ A, ou seja,√2 (m0 − 1)

p< b .

Alem disso,√2 (m0 − 1)

p> a, pois, caso contrario,

√2 (m0 − 1)

p≤ a < b ≤

√2m0

p.

Entao, b − a ≤√2

p, o que e absurdo. Assim a <

√2 (m0 − 1)

p< b e

m0 − 1 6= 0, pois 0 6∈ (a, b).

Instituto de Matematica - UFF 57

Page 58: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Logo,√2(m0 − 1)

p∈ (R − Q) ∩ (a, b).

• Suponhamos, agora, que 0 ∈ (a, b). Neste caso, basta tomar p ∈ N tal

que1

p<

b√2

, ou seja,√2

p< b.

Como a < 0 <√2

p< b, temos que

√2

p∈ (R − Q) ∩ (a, b). �

Teorema 5.2 (Princıpio dos Intervalos Encaixados)

Seja I1 ⊃ I2 ⊃ . . . ⊃ In ⊃ . . . uma sequencia decrescente de intervalos

In = [an, bn] limitados e fechados.

Entao a intersecao⋂n∈N

In nao e vazia. Mais precisamente,

⋂n∈N

In = [a, b] ,

onde a = supan e b = infbn.

Prova.

Para cada n ∈ N, an ≤ an+1 ≤ bn+1 ≤ bn, pois In+1 = [an+1, bn+1] ⊂[an, bn] = In. Segue-se, entao, que

a1 ≤ a2 < . . . ≤ an ≤ . . . ≤ bm ≤ . . . ≤ b2 ≤ b1 ,

pois an ≤ bm quaisquer que sejam m,n ∈ N.

De fato, se m = n, an ≤ bn. Se n < m, an ≤ am ≤ bm, e se n > m,

an ≤ bn ≤ bm.

Sejam A = {an |n ∈ N} e B = {bn |n ∈ N}. Entao A e B sao subconjuntos

limitados de R, ja que: a1 e uma cota inferior e bm e uma cota superior de

A, para todo m ∈ N; e b1 e uma cota superior e am e uma cota inferior de

B, para todo m ∈ N.

Sejam a = supA e b = infB.

Como, para todo m ∈ N, bm e uma cota superior de A e am e uma cota

inferior de B, temos a ≤ bm e b ≥ am.

Logo, como a ≤ bm para todo m ∈ N, temos a ≤ b.

Entao, [a, b] ⊂ In, pois an ≤ a ≤ b ≤ bn, para todo n ∈ N.

J. Delgado - K. Frensel58

Page 59: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Numeros reais

Portanto, [a, b] ⊂⋂n∈N

In.

Precisamos ainda provar que⋂n∈N

In ⊂ [a, b]. Suponhamos que existe

x < a tal que x ∈ In para todo n ∈ N.

Sendo x ≥ an para todo n ∈ N, x e cota superior de A e, portanto, x ≥ a,

o que e uma contradicao.

De modo analogo, suponhamos que existe y > b tal que y ∈ In para todo

n ∈ N. Como y ≤ bn para todo n ∈ N, y e uma cota inferior de B. Logo,

b ≥ y, o qual e absurdo.

Temos, entao, que [a, b] =⋂n∈N

In. �

Teorema 5.3 O conjunto R dos numeros reais nao e enumeravel.

Prova.

Precisamos, antes, provar a seguinte:

Afirmac ao: Dados um intervalo limitado e fechado I = [a, b], a < b, e um

numero real x0, existe um intervalo limitado e fechado J = [c, d], c < d, tal

que J ⊂ I e x0 6∈ J.

De fato:

• se x0 6∈ I, tome J = I.

• suponha que x0 ∈ I. Se

◦ x0 = a, tome J =[a+ b

2, b]

;

◦ x0 = b, tome J =[a,a+ b

2

];

◦ a < x0 < b, tome J =[a,a+ x0

2

].

• Seja X = {x1, . . . , xn, . . .} um subconjunto enumeravel de R.

Vamos mostrar que existe x ∈ R tal que x 6∈ X.

Seja I1 um intervalo limitado, fechado e nao-degenerado tal que x1 6∈ I1.

Supondo que e possıvel obter intervalos I1 ⊃ I2 ⊃ . . . ⊃ In limitados,

fechados e nao-degenerados com xi 6∈ Ii para todo i = 1, . . . , n, podemos

Instituto de Matematica - UFF 59

Page 60: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

obter um intervalo Ii+1 limitado, fechado e nao-degenerado tal que In+1 ⊂In e xn+1 6∈ In+1.

Isto nos fornece uma sequencia decrescente I1 ⊃ I2 ⊃ . . . ⊃ In ⊃ . . . de

intervalos fechados e limitados. Pelo teorema anterior, existe x ∈ In para

todo n ∈ N.

Como xn 6∈ In, para todo n ∈ N, temos que x 6= xn para todo n ∈ N.

Logo x ∈ R − X, ou seja, R nao e enumeravel. �

Corolario 5.1 Todo intervalo nao-degenerado de numeros reais e nao-

enumeravel.

Prova.

• Primeiro vamos provar que R =⋃n∈N

(n,n + 1], isto e, dado x ∈ R existe

n ∈ N tal que n < x ≤ n+ 1.

Seja A = {n ∈ Z | x ≤ n + 1}. Como A e um subconjunto nao-vazio de Zlimitado inferiormente, A possui um elemento mınimo n0.

Logo, n0 < x ≤ n0 + 1, pois n0 ∈ A e n0 − 1 6∈ A.

• Precisamos, tambem, verificar que a funcao f : (0, 1) −→ R definida por

f(x) = (b− a)x+ a e uma bijecao sobre o intervalo aberto (a, b). De fato:

◦ se 0 < x < 1, entao a < (b− a)x+ a < b .

◦ se f(x) = f(y), entao (b−a)x+a = (b−a)y+a, donde (b−a)x =

(b− a)y, ou seja, x = y.

◦ se y ∈ (a, b), entao x =y− a

b− a∈ (0, 1) e f(x) = y.

• Portanto, se provarmos que (0, 1) nao e enumeravel, entao todo intervalo

nao-degenerado e nao-enumeravel.

Suponhamos, por absurdo, que (0, 1) e enumeravel.

Entao, o intervalo (n,n + 1] tambem seria enumeravel, pois a funcao fn :

(0, 1] −→ (n,n + 1] definida por f(x) = x + n e uma bijecao para todo

n ∈ N.

Mas, assim, R =⋃n∈N

(n,n + 1] seria enumeravel por ser uma reuniao

J. Delgado - K. Frensel60

Page 61: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

enumeravel dos conjuntos enumeraveis (n,n+ 1]. �

Corolario 5.2 O conjunto dos numeros irracionais nao e enumeravel.

Prova.

Como Q e enumeravel e R = Q ∪ (R − Q), entao R − Q nao e enu-

meravel, pois, caso contrario, R seria enumeravel por ser reuniao de dois

conjuntos enumeraveis. �

Instituto de Matematica - UFF 61

Page 62: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

J. Delgado - K. Frensel62

Page 63: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Parte 3

Sequencias e s eries de numeros

reais

A nocao de limite tem um papel central no estudo da Analise Ma-

tematica, pois todos os conceitos e resultados importantes se referem a

limites direta ou indiretamente.

Instituto de Matematica - UFF 63

Page 64: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

J. Delgado - K. Frensel64

Page 65: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Sequencias

1. Sequ encias

Definicao 1.1 Uma sequencia de numeros reais e uma funcao definida

no conjunto N dos numeros naturais e tomando valores no conjunto R dos

numeros reais.

Se x : N −→ R e uma sequencia de numeros reais, o valor x(n) sera

representado por xn e chamado o termo de ordem n ou n−esimo termo

da sequencia x.

Escreveremos (x1, x2, . . . , xn, . . .) ou (xn)n∈N ou (xn) para indicar a

sequencia x.

Observacao 1.1

• Nao se deve confundir a sequencia x com o conjunto de seus termos:

x(N) = {x1, x2, . . . , xn, . . .} ,

que pode ser finito, pois a sequencia x : N −→ R nao e necessariamente

injetiva.

Definicao 1.2 Quando a sequencia a : N −→ R for injetiva, ou seja,

xn 6= xm, se n 6= m, diremos que x e uma sequencia de termos dois a

dois distintos.

Definicao 1.3 Dizemos que uma sequencia (xn)n∈N e

• limitada superiormente quando existe um numero real b tal que xn ≤ bpara todo n ∈ N, ou seja, xn ∈ (−∞, b] para todo n ∈ N.

• limitada inferiormente quando existe um numero real a tal que a ≤ xn

para todo n ∈ N, ou seja, xn ∈ [a,+∞) para todo n ∈ N.

• limitada quando e limitada superior e inferiormente, ou seja, quando

existem a, b ∈ R tais que xn ∈ [a, b] para todo n ∈ N.

• ilimitada quando nao e limitada.

Observacao 1.2

• Todo intervalo [a, b] esta contido num intervalo centrado em 0 da forma

[−c, c] para algum c > 0. Basta tomar c = max{|a|, |b|}, pois −c ≤ a < b ≤c, ja que c ≥ |b| ≥ b e c ≥ |a| ≥ −a, ou seja −c ≤ a.

Instituto de Matematica - UFF 65

Page 66: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

• Assim, uma sequencia e limitada se, e so se, existe c ∈ R?+ tal que

|xn| ≤ c para todo n ∈ N.

• Entao, (xn)n∈N e uma sequencia limitada se, e so se, (|xn|)n∈N e uma

sequencia limitada.

Definicao 1.4 Uma subsequencia da sequencia x = (xn)n∈N e a restricao

da funcao x : N −→ R a um subconjunto infinito N ′ = {n1 < n2 <

. . . < nk < . . .} de N. Escreve-se x ′ = (xn)n∈N ′ ou (xnk)k∈N ou

(xn1, xn2

, . . . , xnk) para indicar a subsequencia x ′ = x|N ′ .

Observacao 1.3 Lembremos que um subconjunto N ′ ⊂ N e infinito

se, e so se, e ilimitado, isto e, para todo m ∈ N existe n ∈ N ′ tal que

m < n. Neste caso, dizemos que N ′ contem numeros naturais arbitraria-

mente grandes.

Em particular, se existe n0 ∈ N tal que n ≥ n0 para todo n ∈ N ′, entao

N − N ′ e finito e, portanto, N ′ e infinito. Dizemos, neste caso, que N ′

contem todos os numeros naturais suficientemente grandes.

Observacao 1.4 Toda subsequencia de uma sequencia limitada e limi-

tada

Definicao 1.5

• Uma sequencia (xn)n∈N e crescente quando xn < xn+1 para todo n ∈ N,

ou seja, x1 < x2 < . . . < xn < . . .. Se xn ≤ xn+1 para todo n ∈ N, a

sequencia e nao-decrescente.

Note que: Uma sequencia cres-cente ou nao-decrescente e limi-

tada inferiormente pelo seu pri-meiro termo.

Note que: Uma sequencia de-crescente ou nao-crescente e li-

mitada superiormente pelo seuprimeiro termo.

• Uma sequencia (xn)n∈N e decrescente quando xn > xn+1 para todo

n ∈ N, ou seja, x1 > x2 > . . . > xn > . . .. Se xn ≥ xn+1 para todo n ∈ N, a

sequencia e nao-crescente.

• As sequencias crescentes, nao-decrescentes, decrescentes e nao-crescentes

sao chamadas sequencias monotonas.

Observacao 1.5 Uma sequencia monotona (xn)n∈N e limitada se, e so

se, possui uma subsequencia limitada.

Com efeito, vamos supor que x = (xn)n∈N e nao-decrescente e (xn)n∈N ′

e uma subsequencia limitada de x, ou seja, existe b ∈ R tal que xn ≤ b

J. Delgado - K. Frensel66

Page 67: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Sequencias

para todo n ∈ N ′. Como N ′ e ilimitado, dado n ∈ N existe m ∈ N ′ tal que

m > n.

Logo, x1 ≤ xn ≤ xm ≤ b. Assim, x1 ≤ xn ≤ b para todo n ∈ N.

Analisaremos agora alguns exemplos de sequencias.

Exemplo 1.1 xn = 1 para todo n ∈ N, ou seja, (xn)n∈N e uma sequencia

constante. Entao, ela e limitada nao-decrescente e nao-crescente. �

Exemplo 1.2 Se xn = n para todo n ∈ N, a sequencia (xn)n∈N e limi-

tada inferiormente, ilimitada superiormente e monotona crescente. �

Exemplo 1.3 xn = 0 para todo n par e xn = 1 para n ımpar. Essa

sequencia e limitada e nao e monotona. Observe que a sequencia se

define, tambem, pelas formulas xn =1+ (−1)n

2ou xn = sen2

(nπ

2

).�

Exemplo 1.4 Se xn =1

npara todo n ∈ N, entao x =

(1,1

2, . . . ,

1

n, . . .

)e uma sequencia limitada e decrescente, pois xn ∈ (0, 1] e xn+1 < xn para

todo n ∈ N.�

Exemplo 1.5 Seja x = (xn)n∈N, onde xn =n(1+ (−1)n+1)

2para todo

n ∈ N. Entao xn = 0 para n par e xn = n para n ımpar, ou seja, x =

(1, 0, 3, 0, 5, . . .). Ela e ilimitada superiormente, limitada inferiormente e

nao e monotona, mas seus termos de ındice ımpar x2n−1 = 2n−1 formam

uma subsequencia monotona crescente ilimitada superiormente e seus

termos de ındice par x2n = 0 formam uma subsequencia constante. �

Exemplo 1.6 Seja a ∈ R e consideremos a sequencia xn = an, n ∈ N.

• se a = 0 ou a = 1, entao xn = 0 para todo n ∈ N ou xn = 1 para todo

n ∈ N, respectivamente. Nestes casos, (xn)n∈N e constante.

• Se 0 < a < 1, entao an+1 < an e 0 < an < 1 para todo n ∈ N, ou seja,

(xn)n∈N e decrescente e limitada.

• Se −1 < a < 0, entao a sequencia nao e monotona, pois seus termos

sao alternadamente positivos e negativos, mas continua sendo limitada,

pois |an| = |a|n, com 0 < |a| < 1.

Instituto de Matematica - UFF 67

Page 68: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

• Se a = −1, entao a sequencia (an)n∈N e (−1, 1,−1, 1, . . .) e e, portanto,

limitada, mas nao e monotona.

• Se a > 1, entao a sequencia (an)n∈N e monotona crescente e ilimitada

superiormente.

De fato:

◦ Como a > 1 e an > 0, temos que a ·an > 1 ·an, ou seja, an+1 > an

para todo n ∈ N.

◦ Seja h > 0 tal que a = 1 + h. Entao, pela desigualdade de Ber-

noulli, an = (1+h)n ≥ 1+nh. Dado b ∈ R, existe n ∈ N, tal que n >b− 1

h.

Logo, an ≥ 1+ nh > b.

• se a < −1, a sequencia nao e monotona, pois seus termos sao al-

ternadamente positivos e negativos, e nao e limitada superiormente nem

inferiormente.

De fato:

◦ Os termos de ordem par x2n = a2n = (a2)n formam uma sub-

sequencia monotona crescente ilimitada superiormente pois a2 > 1.

◦ Os termos de ordem ımpar x2n−1 = a2n−1 =a2n

aformam uma

subsequencia decrescente ilimitada inferiormente, pois a < 0 e (a2n)n∈N

e uma sequencia crescente ilimitada superiormente. �

Exemplo 1.7 Dado a ∈ N, 0 < a < 1, seja

xn = 1+ a+ . . .+ an =1− an+1

1− a

para todo n ∈ N.

Entao, (xn)n∈N e uma sequencia crescente, pois xn+1 = xn + an+1 > xn

para todo n ∈ N; e e limitada, pois 1 < xn <1

1− apara todo n ∈ N.

Em particular, se a =1

2, temos que 1+

1

2+. . .+

1

2n=1−

1

2n+1

1−1

2

<1

1−1

2

= 2

para todo n ∈ N. �

J. Delgado - K. Frensel68

Page 69: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Sequencias

Exemplo 1.8 Seja an = 1 +1

1!+1

2!+ . . . +

1

n!, n ∈ N. A sequencia

(an)n∈N e crescente e e limitada, pois

an < 1+ 1+1

2+

1

2 · 2+ . . .+

1

2n−1< 1+ 2 = 3 ,

para todo n ∈ N. �

Exemplo 1.9 Seja bn =(1+

1

n

)n

, n ∈ N. A formula do binomio de

Newton (que pode ser provada por inducao) nos da

bn =(1+

1

n

)n

= 1+ n · 1n

+n(n− 1)

2!· 1n2

+n(n− 1)(n− 2)

3!· 1n3

+ . . .+n(n− 1) . . . 2 · 1

n!· 1nn,

ou seja,

bn = 1+ 1+1

2!

(1−

1

n

)+1

3!

(1−

1

n

)(1−

2

n

)+ . . .

+1

n!

(1−

1

n

)(1−

2

n

). . .(1−

n− 1

n

).

Como 1 −j

n> 0, para 1 ≤ j ≤ n − 1, temos que cada bn e uma

soma de parcelas positivas. Alem disso,cada parcela cresce com n, pois(1−

j

n+ 1

)>(1−

j

n

), 1 ≤ j ≤ n − 1, e, tambem, o numero de parcelas

cresce com n.

Logo, bn+1 > bn para todo n ∈ N, ou seja, (bn)n∈N e uma sequencia

crescente.

Observe ainda que (bn)n∈N e uma sequencia limitada, pois

0 < bn < 1+ 1+1

2!+1

3!+ . . .+

1

n!< 3 ,

para todo n ∈ N. �

Importante: Provaremos depoisque as sequencias (an)n∈N e

(bn)n∈N dos exemplos 1.8 e 1.9

convergem para o numero e.

Nota: Dados a, b ∈ R, a < b,

sua media aritmetica a+b2

e ob-

tida somando-se ao numero a ametade da distancia b−a

2de a a

b, ou subtraindo-se b−a2

de b.

Exemplo 1.10 Seja x1 = 0, x2 = 1 e xn+2 =1

2(xn + xn+1), para todo

n ∈ N. A sequencia que se obtem e(0 , 1 ,

1

2,3

4,5

8,11

16, . . .

).

Instituto de Matematica - UFF 69

Page 70: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Segue-se que os termos desta sequencia sao:

x1 = 0 ,

x2 = 1 ,

x3 = 1−1

2=1

2,

x4 = 1−1

2+1

4= 1−

1

4,

x5 = 1−1

2+1

4−1

8=1

2+1

8=1

2

(1+

1

4

),

x6 = 1−1

2+1

4−1

8+1

16= 1−

1

4−1

16= 1−

(1

4+1

42

),

etc

Provaremos alguns fatos para obter a formula geral dos termos de ordem

par e de ordem ımpar.

Afirmac ao 1: xn+1 − xn = (−1)n+1 · 1

2n−1, para todo n ∈ N.

De fato:

◦ Se n = 1, x2 − x1 = 1− 0 = 1 = (−1)2 · 120

.

◦ Suponhamos que a afirmacao seja valida para n. Entao

xn+2 − xn+1 =1

2(xn + xn+1) − xn+1 =

1

2(xn − xn+1)

= −1

2(xn+1 − xn) = −

1

2(−1)n+1 · 1

2n−1

= (−1)n+2 · 12n

= (−1)(n+1)+1 1

2(n+1)−1.

Note que:

• Se n e par, xn+1 < xn e, portanto, xn+1 < xn+2 < xn, pois

xn+1 − xn = (−1)n+1 · 1

2n−1< 0 .

• Se n e ımpar, xn < xn+1, e, portanto, xn < xn+2 < xn+1, pois

xn+1 − xn = (−1)n+1 1

2n−1> 0 .

Fig. 1: Posicionamento dos pontos da sequencia (xn)n∈N.

J. Delgado - K. Frensel70

Page 71: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Sequencias

Afirmac ao 2: x2n+1 =1

2

(1+

1

4+ . . .+

1

4n−1

)para todo n ∈ N.

De fato:

◦ Se n = 1, x3 =0+ 1

2=1

2=1

2· 1 .

◦ Suponhamos a afirmacao verdadeira para n.

Entao, como x2n+1 < x2n+3 < x2n+2, temos que

x2(n+1)+1 = x2n+3 = x2n+1 +1

2(x2n+2 − x2n+1)

=1

2

(1+

1

4+ . . .+

1

4n−1

)+1

2· (−1)2n+2

22n

=1

2

(1+

1

4+ . . .+

1

4n−1

)+1

2· 14n

=1

2

(1+

1

4+ . . .+

1

4n−1+1

4n

).

Afirmac ao 3: x2n = 1−(1

4+ . . .+

1

4n−1

)para todo n ∈ N, n ≥ 2.

De fato:

◦ Se n = 2, x4 = 1−1

4.

◦ Suponhamos que a igualdade seja valida para n.

Entao, como x2n+1 < x2(n+1) < x2n, temos que

x2n+2 = x2n −1

2(x2n − x2n+1) = x2n +

1

2(x2n+1 − x2n)

= 1−(1

4+ . . .+

1

4n−1

)+

(−1)2n+1

2 · 22n−1= 1−

(1

4+ . . .+

1

4n−1

)−1

4n

= 1−(1

4+ . . .+

1

4n−1+1

4n

).

• Assim, como

1+1

4+ . . .+

1

4n−1+1

4n=1−

1

4n+1

1−1

4

<1

1−1

4

=4

3,

para todo n ∈ N, temos que

0 ≤ x2n+1 <1

2· 43

=4

6< 1 ,

para todo n ≥ 0, e

1 ≥ x2n > 1+(1−

4

3

)=2

3, para todo n ≥ 1.

Instituto de Matematica - UFF 71

Page 72: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Logo, 0 ≤ xn ≤ 1 para todo n ∈ N, ou seja, a sequencia (xn)n∈N e limi-

tada, sendo (x2n+1)n∈N uma subsequencia crescente e (x2n)n ∈ N uma

subsequencia decrescente. �

Exemplo 1.11 Seja xn = n√n para todo n ∈ N.

A sequencia (xn)n∈N e decrescente a partir do seu terceiro termo, pois,

como(1+

1

n

)n

< 3 para todo n ∈ N,(1+

1

n

)n

< n para todo n ≥ 3.

Logo,(n+ 1)n

nn< n, ou seja, (n+ 1)n < nn+1.

Assim, n+1√n+ 1 < n

√n para todo n ≥ 3.

Como 1 = x1 <√2 = x2 <

3√3 = x3 e 0 < xn ≤ x3 =

3√3 para todo n ∈ N,

concluımos tambem que (xn)n∈N e limitada. �

2. Limite de uma sequ encia

Definicao 2.1 Dizemos que o numero real a e limite da sequencia (xn)n∈N

de numeros reais, e escrevemos

a = limn→∞ xn ,

quando para cada numero real ε > 0 e possıvel obter um numero natural

n0 tal que

|xn − a| < ε ,

para todo n > n0.

Simbolicamente, temos que

a = limn→∞ ⇐⇒ ∀ ε > 0 ∃n0 ∈ N ; |xn − a| < ε , ∀n > n0

ou seja,

a = limn→∞ ⇐⇒ ∀ ε > 0 ∃n0 ∈ N ; xn ∈ (a− ε, a+ ε) , ∀n > n0

Assim, a = limn→∞ xn se, e so se, todo intervalo aberto de centro a

contem todos os termos xn da sequencia, salvo, talvez, para um numero

finito de ındices n.

J. Delgado - K. Frensel72

Page 73: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Limite de uma sequencia

Observacao 2.1

• Quando limn→∞ xn = a, dizemos que a sequencia (xn)n∈N converge para a

ou tende para a e escrevemos, tambem, xn −→ a.

•Uma sequencia que possui limite chama-se convergente. Caso contrario,

chama-se divergente, ou seja, uma sequencia (xn)n∈N e divergente se,

para nenhum numero real a, e verdade que limn→∞ xn = a.

• limn→∞ xn 6= a se, e so se, existe ε0 > 0 tal que para todo n0 ∈ N existe

n1 > n0 com |xn1− a| ≥ ε0.

Teorema 2.1 (Unicidade do Limite)

Se a = limn→∞ xn e b = lim

n→∞ xn, entao a = b.

Prova.

Suponhamos a 6= b e seja ε =1

2|b− a| > 0. Temos que:

• (a − ε, a + ε) ∩ (b − ε, b + ε) = ∅, pois se existisse x ∈ (a − ε, a + ε) ∩(b− ε, b+ ε), terıamos que:

|b− a| = |b− x+ x− a| ≤ |b− x| + |x− a| < ε+ ε = 2ε = |b− a| .

• Existe n0 ∈ N tal que xn ∈ (a− ε, a+ ε) para todo n > n0.

Logo, xn 6∈ (b− ε, b+ ε) para todo n > n0. Entao limn→∞ xn 6= b. �

Teorema 2.2 Se limn→∞ xn = a entao toda subsequencia de (xn)n∈N con-

verge para a.

Prova.

Seja (xnk)k∈N uma subsequencia de (xn)n∈N. Dado ε > 0, existe n0 ∈ N

tal que |xn − a| < ε para todo n > n0.

Como o conjunto N ′ = {n1 < n2 < . . . < nk < . . .} e ilimitado, existe k0 ∈ Ntal que nk0

> n0.

Logo, nk > nk0> n0 e |xnk

− a| < ε para todo k > k0. �

Corolario 2.1 Se limn→∞ xn = a entao, para todo k ∈ N, lim

n→∞ xn+k = a.

Instituto de Matematica - UFF 73

Page 74: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Prova.

De fato, ( x1+k , x2+k , . . . , xn+k , . . . ) e uma subsequencia de (xn)n∈N e,

portanto, converge para a.�

Observacao 2.2

• O limite de uma sequencia nao se altera quando dela se omite um

numero finito de termos. Ou melhor, pelo teorema 2.2, o limite se mantem

quando se omite um numero infinito de termos desde que reste ainda um

numero infinito de ındices.

Exercıcio 12: Se (xn+k)n∈Nconverge para a, para algum k ∈N, entao xn −→ a.

• Se (xn)n∈N possui duas subsequencias com limites distintos entao (xn)n∈N

e divergente.

• Se (xn)n∈N converge e a subsequencia (xnk)k∈N converge para a, entao

xn −→ a.

Teorema 2.3 Toda sequencia convergente e limitada.

Prova.

Seja a = limn→∞ xn e tome ε = 1. Entao, existe n0 ∈ N tal que xn ∈

(a− 1, a+ 1) para todo n > n0.

Sejam A = {a − 1, a + 1, x1, . . . , xn0}, M = maxA e m = minA. Entao

m ≤ xn ≤M para todo n ∈ N, ou seja, (xn)n∈N e limitada.�

Observacao 2.3 A recıproca do teorema anterior nao e verdadeira. Por

exemplo, a sequencia (0, 1, 0, 1, 0, 1, . . .) e limitada, mas nao e conver-

gente, pois x2n = 1 −→ 1 e x2n−1 = 0 −→ 0, ou seja (xn)n∈N possui

duas subsequencias que convergem para limites diferentes.

Observacao 2.4 Se uma sequencia nao e limitada, ela nao e conver-

gente.

Teorema 2.4 Toda sequencia monotona limitada e convergente.

Prova.

Suponhamos que (xn)n∈N e nao-decrescente, isto e, xn ≤ xn+1 para todo

n ∈ N.

Seja b ∈ R tal que xn ≤ b para todo n ∈ N e seja a = sup{xn |n ∈ N}.

J. Delgado - K. Frensel74

Page 75: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Limite de uma sequencia

Vamos mostrar que a = limn→∞ xn.

Dado ε > 0, como a − ε < a, a − ε nao e cota superior do conjunto dos

termos da sequencia. Logo, existe n0 ∈ N tal que a− ε < xn0≤ a. Como

xn ≥ xn0, para todo n ≥ n0, temos

a− ε < xn0≤ xn ≤ a < a+ ε para todo n ≥ n0.

Assim, limn→∞ xn = a.

De modo analogo, podemos provar que se (xn)n∈N e nao-crescente, entao

limn→∞ xn = inf{xn |n ∈ N}.�

Corolario 2.2 Se uma sequencia monotona (xn)n∈N possui uma sub-

sequencia convergente, entao (xn)n∈N e convergente.

Prova.

Pela observacao 1.5, temos que a sequencia monotona (xn)n∈N e limi-

tada porque possui uma subsequencia convergente e, portanto limitada.

Entao, pelo teorema anterior, (xn)n∈N e convergente.�

Reexaminaremos os exemplos anteriores quanto a convergencia.

Exemplo 2.1 Toda sequencia constante, xn = a, n ∈ N, e convergente

e tem limite a.�

Exemplo 2.2 A sequencia de termo geral xn = n, n ∈ N, nao e conver-

gente porque nao e limitada.�

Exemplo 2.3 A sequencia (1, 0, 1, 0, . . .), onde xn =1+ (−1)n+1

2, n ∈ N,

e divergente porque possui duas subsequencias (x2n)n∈N e (x2n−1)n∈N que

convergem para limites diferentes.�

Exemplo 2.4 A sequencia(1

n

)n∈N

tem limite zero.

De fato, dado ε > 0 existe n0 ∈ N tal que1

n0< ε.

Entao, −ε <1

n<

1

n0< ε, para todo n > n0. �

Instituto de Matematica - UFF 75

Page 76: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Exemplo 2.5 A sequencia (1, 0, 2, 0, 3, 0, . . . , 0, n, 0, n + 1, 0, . . .) nao e

convergente porque possui uma subsequencia, (x2n−1)n∈N , ilimitada.�

Exemplo 2.6 Sejam a ∈ R e a sequencia (an)n∈N. Entao:

• Se a = 1 ou a = 0, a sequencia constante (an)n∈N converge e tem limite

1 e 0, respectivamente.

• Se a = −1, a sequencia (−1, 1,−1, 1, . . .) e divergente, pois possui duas

subsequencias, (x2n)n∈N e (x2n−1)n∈N, que convergem para limites dife-

rentes.

• Se a > 1, a sequencia (an)n∈N e divergente, pois e crescente e ilimitada

superiormente.

• Se a < −1, a sequencia (an)n∈N e divergente, pois nao e limitada supe-

riormente nem inferiormente.

• Se 0 < a < 1, a sequencia (an)n∈N e decrescente e limitada, logo,

convergente. Alem disso, limn→∞an = 0.

Com efeito, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que1

an>1

εpara todo n ≥ n0,

pois a sequencia((

1

a

)n)

n∈Ne crescente e ilimitada superiormente, ja

que1

a> 1. Logo, −ε < an < ε ∀n ≥ n0.

• Se −1 < a < 0, limn→∞an = 0, pois lim

n→∞ |an| = limn→∞ |a|n = 0, ja que

0 < |a| < 1.�

Observacao 2.5 limn→∞ xn = 0 ⇐⇒ lim

n→∞ |xn| = 0.

Exemplo 2.7 Se 0 < a < 1, a sequencia (xn)n∈N, onde

xn = 1+ a+ . . .+ an =1− an+1

1− a,

e convergente porque e crescente e limitada superiormente. Alem disso,

limn→∞ xn =

1

1− a.

De fato, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que |an| < ε(1−a) para todo n > n0.

Logo,∣∣∣xn −

1

1− a

∣∣∣ = |an+1|

|1− a|< ε para todo n ≥ n0.

J. Delgado - K. Frensel76

Page 77: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Limite de uma sequencia

O mesmo vale para a tal que 0 ≤ |a| ≤ 1, ou seja, limn→∞ xn =

1

1− a, apesar

de (xn)n∈N nao ser monotona para −1 < a < 0. �

Exemplo 2.8 Sejam an = 1+1

1!+1

2!+ . . .+

1

n!+ . . . e bn =

(1+

1

n

)n

,

para todo n ∈ N.

Como as sequencias (an)n∈N e (bn)n∈N sao crescentes e limitadas, elas

sao convergentes.

Mostraremos depois que limn→∞an = lim

n→∞bn = e, onde e e a base dos

logaritmos naturais.�

Exemplo 2.9 Seja (xn)n∈N a sequencia dada por

x1 = 0 , x2 = 1 e xn+2 =xn + xn+1

2, n ∈ N.

Ja vimos que:

x2n+1 =1

2

(1+

1

4+ . . .+

1

4n−1

)=1

2

1−

(1

4

)n

1−1

4

=2

3

(1−

1

4n

),

e

x2n = 1−(1

4+ . . .+

1

4n−1

)= 2−

(1+

1

4+ . . .+

1

4n−1

)= 2−

1−1

4n

1−1

4

= 2−4

3

(1−

1

4n

)=2

3+4

3· 14n.

Entao a subsequencia (x2n−1)n∈N e crescente limitada superiormente e a

subsequencia (x2n)n∈N e decrescente limitada inferiormente.

Afirmac ao 1: limn→∞ x2n−1 =

2

3.

Com efeito, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que1

4n< ε, para todo n > n0,

pois limn→∞ 1

4n= 0, ja que 0 <

1

4< 1 .

Logo,∣∣∣x2n+1 −

2

3

∣∣∣ = 2

3

(1

4n

)< ε para todo n > n0.

Afirmac ao 2: limn→∞ x2n =

2

3.

Instituto de Matematica - UFF 77

Page 78: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Dado ε > 0 , ∃n0 ∈ N tal que1

4n<3

4ε para todo n ≥ n0.

Assim,∣∣∣x2n −

2

3

∣∣∣ = 4

3· 14n< ε para todo n ≥ n0.

Afirmac ao 3: Se limn→∞ x2n+1 = lim

n→∞ x2n = a entao limn→∞ xn = a.

De fato, dado ε > 0 existem n1, n2 ∈ N tais que |xn − a| < ε se n > n1, n

par, e |xn − a| < ε se n > n2, n ımpar.

Seja n0 = max{n1, n2}. Entao, |xn − a| < ε para todo n > n0, pois n >

n0 ≥ n1 e n > n0 ≥ n2.

Pelas 3 afirmacoes acima, temos que a sequencia (xn)n∈N e convergente

e limn→∞ xn =

2

3. �

Exemplo 2.10 Como a sequencia ( n√n)n∈N e decrescente a partir do

terceiro termo e e limitada inferiormente por 0, temos que ( n√n)n∈N e con-

vergente. Mostraremos depois que limn→∞ n

√n = 1 .�

3. Propriedades aritm eticas dos limites

Teorema 3.1 Se limn→∞ xn = 0 e (yn)n∈N e uma sequencia limitada, entao

limn→∞(xn yn) = 0.

Prova.

Seja c ∈ R, c > 0, tal que |yn| < c para todo n ∈ N.

Dado ε > 0 existe n0 ∈ N tal que |xn| <ε

cpara todo n > n0. Logo,

|xn yn| < c · εc

= ε para todo n > n0.

Isso mostra que limn→∞(xn yn) = 0. �

Exemplo 3.1 Para todo x ∈ N, limn→∞ sen(nx)

n= 0, pois a sequencia

(sen(nx))n∈N e limitada ja que | sen(nx)| ≤ 1, e a sequencia(1

n

)n∈N

con-

verge para zero. �

J. Delgado - K. Frensel78

Page 79: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Propriedades aritmeticas dos limites

Observacao 3.1 Se limn→∞yn = b e b 6= 0, entao existe n0 ∈ N tal que

yn 6= 0 para todo n > n0.

De fato, seja ε = |b| > 0. Entao existe n0 ∈ N tal que yn ∈ (b− |b|, b+ |b|)

para todo n > n0, ou seja, b − |b| < yn < b + |b| para todo n > n0. Logo,

yn > b − |b| = b − b = 0 para todo n > n0, se b > 0, ou yn < b + |b| =

b− b = 0 para todo n > n0, se b < 0. Assim, yn 6= 0 para todo n > n0, se

b 6= 0.

No item 3 do teorema abaixo, vamos considerar a sequencia(xn

yn

)n∈N

a partir de seu n0−esimo termo, onde n0 ∈ N e tal que yn 6= 0 se n ≥ n0.

Teorema 3.2 Se limn→∞ xn = a e lim

n→∞yn = b, entao:

(1) limn→∞(xn + yn) = a+ b ; lim

n→∞(xn − yn) = a− b ;

(2) limn→∞(xn · yn) = a · b ;

(3) limxn

yn=a

b, se b 6= 0.

Prova.

(1) Dado ε > 0 existem n1, n2 ∈ N tais que

|xn − a| <ε

2para n > n1 ,

|yn − b| <ε

2para n > n2 .

Seja n0 = max{n1, n2}. Entao,

|(xn + yn) − (a+ b)| = |(xn − a) + (yn − b)|

≤ |xn − a| + |yn − b|

2+ε

2= ε

para todo n > n0.

Se prova, de modo analogo, que (xn − yn) −→ (a− b) .

(2) Como xnyn − ab = xnyn − xnb + xnb − ab = xn(yn − b) + (xn − a)b,

limn→∞(xn −a) = lim

n→∞(yn −b) = 0 e (xn)n∈N e limitada, por ser convergente,

temos que limn→∞ xn(yn − b) = lim

n→∞(xn − a)b = 0, pelo teorema 3.1.

Instituto de Matematica - UFF 79

Page 80: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Logo, pelo item (1),

limn→∞(xnyn − ab) = lim

n→∞ xn(yn − b) + limn→∞(xn − a)b = 0 .

Assim, limn→∞ xnyn = ab .

(3) Pelo item (2), limn→∞ynb = b2. Entao, dado ε =

b2

2, existe n0 ∈ N tal que

ynb > b2 −

b2

2=b2

2> 0 para todo n > n0.

Segue-se que 0 <1

ynb<2

b2para todo n > n0.

Logo, a sequencia(

1

ynb

)n∈N

e limitada.

Assim,

limn→∞

(xn

yn−a

b

)= lim

n→∞ xnb− yna

ynb= 0

pelo teorema 3.1, pois limn→∞(xnb − yna) = ab − ba = 0, pelos itens (1) e

(2), e(

1

ynb

)n≥n0

e limitada.

Logo, limn→∞ xnyn =

a

b. �

Observacao 3.2 Resultados analogos aos itens (1) e (2) do teorema

anterior valem, tambem, para um numero finito qualquer de sequencias.

Mas, o resultado nao se aplica para somas, ou produtos, em que o numero

de parcelas, ou fatores, e variavel e cresce acima de qualquer limite.

Por exemplo, seja sn =1

n+ . . .+

1

n(n parcelas).

Entao, sn = 1 para todo n ∈ N e, portanto, limn→∞ sn = 1.

Assim, limn→∞ sn 6= lim

n→∞ 1

n+ . . .+ lim

n→∞ 1

n= 0+ . . .+ 0 = 0.

Exemplo 3.2 Seja a sequencia (xn)n∈N, onde xn = n√a , a > 0.

• Se a = 1, n√a = 1 para todo n ∈ N, logo, lim

n→∞ n√a = 1.

Sejam b = n+1√a e c = n

√a, ou seja, bn+1 = cn = a .

J. Delgado - K. Frensel80

Page 81: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Propriedades aritmeticas dos limites

• Se a > 1, entao n√a e decrescente e limitada.

De fato, b = n+1√a > 1, pois bn+1 = a > 1, e bn < bnb = bn+1 = cn.

Logo, b < c, ou seja, n+1√a < n

√a, e n

√a > 1 para todo n ∈ N.

• Se 0 < a < 1, entao n√a e crescente e limitada.

De fato, b = n+1√a < 1, pois bn+1 = a < 1, e bn > bnb = bn+1 = cn.

Logo, b > c, ou seja, n+1√a > n

√a e n

√a < 1 para todo n ∈ N.

Como, para todo a > 0, a sequencia ( n√a)n∈N e monotona e limitada,

temos, pelo teorema 2.4, que existe limn→∞ n

√a = `.

Afirmac ao: limn→∞ n

√a = ` > 0.

Se a > 1, limn→∞ n

√a = inf{ n

√a |n ∈ N} ≥ 1, pois ( n

√a)n∈N e decrescente e 1

e uma cota inferior.

Se 0 < a < 1, limn→∞ n

√a = sup{ n

√a |n ∈ N} ≥ a, pois ( n

√a)n∈N e crescente

e n√a ≥ a para todo n ∈ N.

Afirmac ao: limn→∞ n

√a = 1.

Consideremos a subsequencia (a1

n(n+1) )n∈N = (a1n

− 1n+1 )n∈N. Pelo teorema

2.2 e pelo item (3) do teorema 3.2, obtemos:

` = limn→∞a

1n(n+1) = lim

n→∞a1n

− 1n+1 = lim

n→∞ a1n

a1

n+1

=`

`= 1 .

Exemplo 3.3 Podemos, agora, mostrar que limn→∞ n

√n = 1.

Como ( n√n)n∈N e uma sequencia decrescente a partir de seu terceiro

termo e n√n ≥ 1 para todo n ∈ N, temos que

` = limn→∞ n√n = inf{ n

√n |n ≥ 3} ≥ 1 .

Tomando a subsequencia ((2n)1

2n )n∈N, obtemos que

`2 = limn→∞

[(2n)

12n

]2= lim

n→∞(2n)1n = lim

n→∞[2

1n · n

1n

]= lim

n→∞ 21n · lim

n→∞n1n = 1 · ` = ` .

Sendo ` 6= 0 e `2 = `, temos que ` = 1. �

Instituto de Matematica - UFF 81

Page 82: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Exemplo 3.4 Seja limn→∞yn = 0.

• Se a sequencia(xn

yn

)n∈N

e convergente ou, pelo menos, limitada, entao

limn→∞ xn = 0, pois

limn→∞ xn = lim

n→∞[yn

xn

yn

]= 0 .

Portanto, se limn→∞yn = 0 e a sequencia (xn)n∈N diverge ou converge para

um limite diferente de zero, entao a sequencia(xn

yn

)n∈N

e divergente e

ilimitada.

• Suponhamos agora que limn→∞ xn = lim

n→∞yn = 0. Neste caso, a sequencia(xn

yn

)n∈N

pode ser convergente ou nao. Por exemplo:

◦ se xn =1

ne yn =

1

an, a 6= 0, entao

xn

yn= a −→ a.

◦ se xn =(−1)n

ne yn =

1

n, entao a sequencia

(xn

yn

)n∈N

e diver-

gente, poisxn

yn= (−1)n.

◦ se xn =1

ne yn =

1

n2, entao a sequencia

(xn

yn

)n∈N

nao converge,

poisxn

yn= n. �

Teorema 3.3 (Permanencia do sinal)

Se limn−→∞ xn = a > 0, existe n0 ∈ N tal que xn > 0 para todo n ≥ n0.

Prova.

Dado ε =a

2> 0, existe n0 ∈ N tal que a −

a

2< xn < a +

a

2para todo

n ≥ n0. Logo, xn > a−a

2=a

2> 0 para todo n ≥ n0. �

Observacao 3.3 De modo analogo, se xn −→ a < 0, existe n0 ∈ N tal

que xn < 0 para todo n ≥ 0.

J. Delgado - K. Frensel82

Page 83: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Propriedades aritmeticas dos limites

Corolario 3.1 Sejam (xn)n∈N e (yn)n∈N sequencias convergentes. Se

xn ≤ yn para todo n ∈ N, entao limn→∞ xn ≤ lim

n→∞yn

Prova.

Suponhamos, por absurdo, que limn→∞ xn > lim

n→∞yn.

Entao, limn→∞(xn − yn) = lim

n→∞ xn − limn→∞yn > 0. Logo, existe n0 ∈ N tal

que xn − yn > 0, ou seja, xn > yn para todo n ≥ n0. o que contradiz a

hipotese.�

Observacao 3.4 Quando xn < yn para todo n ∈ N, nao se pode ga-

rantir que limn→∞ xn < lim

n→∞yn.

Por exemplo, tome xn = 0 e yn =1

n, ou xn =

1

n2e yn =

1

n.

Corolario 3.2 Se (xn)n→∞ uma sequencia convergente. Se xn ≥ a para

todo n ∈ N, entao limn→∞ xn ≥ a .

Teorema 3.4 (Teorema do Sandwiche)

Se xn ≤ zn ≤ yn para todo n ∈ N e limn→∞ xn = lim

n→∞yn = a , entao

limn→∞ zn = a.

Prova.

Dado ε > 0, existem n1, n2 ∈ N tais que a − ε < xn < a + ε para todo

n ≥ n1 e a− ε < yn < a+ ε para todo n ≥ n2.

Seja n0 = max{n1, n2}. Entao,a − ε < xn ≤ zn ≤ yn < a + ε para todo

n ≥ n0.

Logo, limn→∞ zn = a. �

Exemplo 3.5 Sejam an = 1+1

1!+1

2!+ . . .+

1

n!e bn =

(1+

1

n

)n

, n ∈ N.

Ja provamos antes que as sequencias (an)n∈N e (bn)n∈N sao crescentes

e limitadas, e que bn < an para todo n ∈ N.

Entao, limn→∞bn ≤ lim

n→∞an = e. Por outro lado, fixando p ∈ N, temos, para

todo n > p,

Instituto de Matematica - UFF 83

Page 84: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

bn = 1+ 1+1

2!

(1−

1

n

)+1

3!

(1−

1

n

)(1−

2

n

)+ . . .

+1

n!

(1−

1

n

)(1−

2

n

). . .(1−

n− 1

n

)≥ 1+ 1+

1

2!

(1−

1

n

)+1

3!

(1−

1

n

)(1−

2

n

)+ . . .

+1

p!

(1−

1

n

). . .(1−

p− 1

n

).

Fazendo n −→ ∞ e mantendo p fixo, o lado direito da desigualdade acima

tende para ap.

Logo, limn→∞bn ≥ ap para todo p ∈ N e, portanto, lim

n→∞bn ≥ limp→∞ap .

Obtemos, entao, que

limn→∞

(1+

1

n

)n

= limn→∞

(1+

1

1!+1

2!+ . . .+

1

n!

)= e .

Notac ao: no seguinte, escrevere-

mos as sequencias na forma (xn)

mais simples do que (xn)n∈N e

os limites limn→∞ xn, tambem, na

forma mais simples lim xn, desdeque nao surjam ambiguidades.

4. Subsequ encias

O numero real a e o limite da sequencia x = (xn) se, e so se, para

todo ε > 0 o conjunto

x−1(a− ε, a+ ε) = {n ∈ N | xn ∈ (a− ε, a+ ε) }

tem complementar finito em N.

Para subsequencias, temos o seguinte resultado:

Teorema 4.1 Um numero real a e o limite de uma subsequencia de

(xn) se, e so se, para todo ε > 0, o conjunto dos ındices n tais que xn ∈(a− ε, a+ ε) e infinito.

Prova.

(=⇒) Seja a = limn∈N ′

xn, onde N ′ = {n1 < n2 < . . . < nk < . . .}. Entao,

para todo ε > 0, existe k0 ∈ N tal que xnk∈ (a−ε, a+ε) para todo k > k0.

Como o conjunto {nk | k > k0} e infinito, existem infinitos n ∈ N tais que

xn ∈ (a− ε, a+ ε).

(⇐=) Para ε = 1, existe n1 ∈ N tal que xn1∈ (a− 1, a+ 1).

J. Delgado - K. Frensel84

Page 85: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Subsequencias

Suponhamos, por inducao, que n1 < n2 < . . . < nk foram escolhidos de

modo que xni∈(a−

1

i, a+

1

i

), para i = 1, . . . , k.

Seja ε =1

k+ 1> 0. Como o conjunto

{n ∈ N | xn ∈

(a−

1

k+ 1, a+

1

k+ 1

)}e infinito, existe nk+1 ∈ N, tal que nk+1 > nk e xnk

∈(a−

1

k+ 1, a+

1

k+ 1

).

Entao, N ′ = {n1 < n2 < . . . < nk < . . .} e infinito e como |xnk− a| <

1

k

para todo k ∈ N , temos que limk→∞ xnk

= a, ou seja, a e o limite de uma

subsequencia de (xn)n∈N. �

Definicao 4.1 Um numero real a e valor de aderencia da sequencia

(xn) quando a e o limite de uma subsequencia de (xn).Terminologia: na literatura,ponto de acumulacao, valor deacumulacao, valor limite, pontolimite e ponto aderente saosinonimos de valor de aderencia.Observacao 4.1 Como um subconjunto de N e infinito se, e so se, e

ilimitado, temos que as seguintes afirmacoes sao equivalentes:

• a ∈ R e valor de aderencia da sequencia (xn) ;

• para todo ε > 0 e todo n0 ∈ N, existe n ∈ N, tal que n > n0 e

xn ∈ (a− ε, a+ ε) ;

• todo intervalo de centro a contem termos xn com ındices arbitrariamente

grandes.

Observacao 4.2 Se lim xn = a, entao a e o unico valor de aderencia

de (xn). Mas a recıproca nao e verdadeira.

Por exemplo, a sequencia (0, 1, 0, 3, 0, 5, . . .) so possui o zero como valor

de aderencia, mas e divergente, ja que e ilimitada.

Exemplo 4.1 A sequencia (1, 0, 1, 0, . . .) tem apenas o zero e o um como

valores de aderencia. �

Exemplo 4.2 Seja {r1, r2, . . . , rn, . . .} uma enumeracao dos numeros ra-

cionais de termos dois a dois distintos.

Como todo intervalo aberto (a− ε, a+ ε), a ∈ R e ε > 0, contem uma infi-

nidade de numeros racionais, pois Q e denso em R, temos que o conjunto

{n ∈ N | rn ∈ (a− ε, a+ ε)}

Instituto de Matematica - UFF 85

Page 86: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

e infinito e, portanto, a e valor de aderencia de (rn). Ou seja, todo numero

real a e valor de aderencia da sequencia (rn). �

Exemplo 4.3 A sequencia (xn), xn = n, nao possui valor de aderencia,

pois toda subsequencia de (xn) e ilimitada.�

• Seja (xn) uma sequencia limitada de numeros reais, onde γ ≤ xn ≤ β

para todo n ∈ N.

Seja Xn = {xn, xn+1, . . .}. Entao,

[γ, β] ⊃ X1 ⊃ X2 ⊃ . . . ⊃ Xn ⊃ . . .

Sendo an = infXn e bn = supXn, temos que an+1 ≥ an e bn+1 ≤ bn,

pois, como Xn+1 ⊂ Xn, temos

an = infXn ≤ xj e bn = supXn ≥ xj ,

para todo j ≥ n, e, portanto, para todo j ≥ n+ 1.

Ou seja, an e cota inferior de Xn+1 e bn e cota superior de Xn+1.

Logo, an ≤ an+1 e bn+1 ≤ bn.

Alem disso, an ≤ bn para todo n ∈ N. Assim, an ≤ bm quaisquer

que sejam n,m ∈ N, pois:

◦ se m > n =⇒ an ≤ am ≤ bm ,

◦ se m ≤ n =⇒ an ≤ bn ≤ bm .

Logo,

γ ≤ a1 ≤ a2 ≤ . . . ≤ an ≤ . . . ≤ bm ≤ . . . ≤ b2 ≤ b1 ≤ β .

Existem, portanto, os limites

a = liman = supn∈N

an = supn∈N

infXn ,

e

b = limbn = infn∈N

bn = infn∈N

supXn .

Dizemos que a e o limite inferior e b e limite superior da sequencia

limitada (xn), e escrevemos

a = lim inf xn e b = lim sup xn .

Notac ao: em alguns livros de

Analise, pode ser encontrada

a notacao lim xn em vez delim sup xn e lim xn em vez delim inf xn . Temos, tambem, que sup

n∈Nan ≤ bm para todo m ∈ N, ou seja, sup

n∈Nan

e uma cota inferior do conjunto {bm |m ∈ N}.

J. Delgado - K. Frensel86

Page 87: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Subsequencias

Logo, supnan ≤ inf

nbn, ou seja,

a = lim inf xn ≤ b = lim sup xn .

Exemplo 4.4 Seja a sequencia (xn), onde x2n−1 = −1

ne x2n = 1 +

1

n,

n ∈ N. Entao,

◦ X2n−2 ={1+

1

n− 1,−1

n, 1+

1

n,−

1

n+ 1, . . .

},

◦ X2n−1 ={

−1

n, 1+

1

n,−

1

n+ 1, 1+

1

n+ 1, . . .

},

◦ X2n ={1+

1

n,−

1

n+ 1, 1+

1

n+ 1,−

1

n+ 2, . . .

},

Assim, infX2n−2 = infX2n−1 = −1

ne supX2n−1 = supX2n =

1

1+ n.

Logo, a = lim inf xn = supn

infXn = 0 e b = lim sup xn = infn

supXn = 1.

Como (x2n−1) e (x2n) sao subsequencias convergentes de (xn), e

lim x2n−1 = 0 6= 1 = lim x2n, segue-se que 0 e 1 sao seus unicos valo-

res de aderencia. �

Teorema 4.2 Seja (xn) uma sequencia limitada. Entao, a = lim inf xn e

o menor valor de aderencia de (xn) e b = lim sup xn e o maior valor de

aderencia de (xn).

Prova.

Vamos provar primeiro que a = lim inf xn e valor de aderencia de (xn).

Dados ε > 0 e n0 ∈ N, como a = liman, existe n1 > n0 tal que

an1∈ (a − ε, a + ε). Sendo an1

= infXn1e a + ε > an1

, existe n ≥ n1 tal

que a− ε < an1≤ xn < a+ ε.

Provamos, entao, que dados ε > 0 e n0 ∈ N, existe n > n0 tal que

xn ∈ (a−ε, a+ε). Logo, pelo teorema 4.1, a e valor de aderencia de (xn).

Vamos, agora, provar que a e o menor valor de aderencia de (xn).

Seja c < a. Como a = liman, existe n0 ∈ N, tal que c < an0≤ a. Ou seja,

c < an0≤ xn , para todo n ≥ n0,

pois an0= inf{xn0

, xn0+1, . . .}.

Instituto de Matematica - UFF 87

Page 88: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Tomando ε = an0− c, temos que c + ε = an0

. Logo, xn ≥ c + ε, ou seja,

xn 6∈ (c− ε, c+ ε) para todo n ≥ n0.

Assim, c nao e valor de aderencia de (xn).

A demonstracao de que b = lim sup xn e o maior valor de aderencia de

(xn) se faz de modo analogo. �

Corolario 4.1 Toda sequencia limitada de numeros reais possui uma

subsequencia convergente.

Prova.

Como a = lim inf xn e valor de aderencia de (xn), (xn) possui uma sub-

sequencia que converge para a. �

Corolario 4.2 Uma sequencia limitada de numeros reais (xn) e conver-

gente se, e so se, lim inf xn = lim sup xn, isto e, se, e so se, (xn) possui

um unico valor de aderencia.

Prova.

(=⇒) Se (xn) e convergente e lim xn = c, entao c e o unico valor de

aderencia de (xn).

Logo, lim inf xn = lim sup xn = lim xn .

(⇐=) Suponhamos que a = lim inf xn = lim sup xn.

Como liman = limbn = a, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que

a− ε < an0≤ a ≤ bn0

< a+ ε.

Mas, an0≤ xn ≤ bn0

para todo n ≥ n0. Logo,

a− ε < an0≤ xn ≤ bn0

< a+ ε ,

para todo n ≥ n0 .

Assim, lim xn = a . �

Teorema 4.3 Sejam a = lim inf xn e b = lim sup xn, onde (xn) e uma

sequencia limitada.

Entao, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que a − ε < xn < b + ε para

todo n > n0. Alem disto, a e o maior e b e o menor numero com esta

propriedade.

J. Delgado - K. Frensel88

Page 89: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Subsequencias

Prova.

Seja ε > 0. Suponha que existe uma infinidade de ındices n tais que

xn < a− ε. Estes ındices formam um subconjunto N ′ ⊂ N infinito.

Entao, a subsequencia (xn)n∈N ′ possui um valor de aderencia c ≤ a − ε,

pois xn < a − ε para todo n ∈ N ′, o que e absurdo, pois c < a e a e o

menor valor de aderencia de (xn).

Logo, dado ε > 0, existe n1 ∈ N tal que xn > a− ε para todo n > n2.

De modo analogo, suponha que existe uma infinidade de ındices n tais

que xn > b + ε. Entao estes ındices formam um subconjunto N ′ ⊂ Ninfinito. A subsequencia (xn)n∈N ′ possui um valor de aderencia c ≥ b+ ε,

ja que xn > b + ε para todo n ∈ N ′, o que e absurdo, pois c ≥ b + ε > b

e b e o maior valor de aderencia de (xn). Logo, existe n2 ∈ N tal que

xn < b+ ε para todo n > 1.

Seja n0 = max{n1, n2}. Entao a− ε < xn < b+ ε para todo n > n0.

• Seja a < a ′ e tome ε =1

2(a ′ − a). Entao, a+ ε = a ′ − ε.

Sendo a um valor de aderencia de (xn), existe uma infinidade de ındices

n tais que a− ε < xn < a+ ε = a ′ − ε. Logo, nenhum numero real a ′ > a

goza da propriedade acima.

• Seja b ′ < b e tome ε =1

2b− b ′. Entao, b ′ + ε = b− ε.

Como b e valor de aderencia de (xn), existe uma infinidade de ındices n

tais que b ′ + ε = b − ε < xn < b + ε. Logo, nenhum numero real b ′ < b

goza da propriedade. �

Corolario 4.3 Se c < lim inf xn, entao existe n1 ∈ N tal que c < xn para

todo n > n1. Analogamente, se d > lim sup xn, entao existe n2 ∈ N tal

que xn < d para todo n > n2.

Prova.

Se c < a = lim inf xn, entao c = a − ε, com ε = a − c > 0. Entao,

pelo teorema 4.3, existe n1 ∈ N tal que xn > a− ε = c para todo n > n1.

De modo analogo, podemos provar a afirmacao com respeito ao

lim sup xn = b, tomando ε = d− b > 0. �

Instituto de Matematica - UFF 89

Page 90: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Corolario 4.4 Dada uma sequencia limitada (xn), sejam a e b numeros

reais com as seguintes propriedades:

◦ se c < a, entao existe n1 ∈ N tal que xn > c para todo n > n1;

◦ se b < d, entao existe n2 ∈ N tal que xn < d para todo n > 2.

Nestas condicoes a ≤ lim inf xn e lim sup xn ≤ b.

Os corolarios acima apenas repetem, com outras palavras, as afir-

macoes do teorema 4.3.

• Sem usar as nocoes de limites inferior e superior de uma sequencia

limitada vamos provar que:

Toda sequencia limitada de numeros reais possui uma sub-

sequencia convergente.Veja, tambem, o exercıcio 15.

Prova.

Suponhamos que xn ∈ [a, b] para todo n ∈ N. Seja

A = {t ∈ R | t ≤ xn para uma infinidade de ındices n} .

Como a ≤ xn ≤ b para todo n ∈ N, temos que a ∈ A e nenhum elemento

de A pode ser maior do que b.

Assim, A 6= ∅ e e limitado superiormente por b.

Portanto, existe c = supA.

Vamos usar o teorema 4.1 para provar que c e valor de aderencia da

sequencia (xn).

Dado ε > 0, existe t ∈ A tal que c− ε < t ≤ c. Logo, ha uma infinidade de

ındices n tais que c− ε < xn.

Por outro lado, como c+ ε 6∈ A, existe apenas um numero finito de ındices

n tais que xn ≥ c+ ε.

Assim, existe um numero infinito de ındices n tais que c−ε < xn < c+ε.�

Observacao 4.3 c = lim sup xn .

• Sejam Xn = {xn, xn+1, . . .} e bn = supXn , n ∈ N . Por definicao,

lim sup xn = infbn .

Afirmac ao: c ≤ bn para todo n ∈ N, ou seja, c e uma cota inferior do

conjunto {bn |n ∈ N}.

J. Delgado - K. Frensel90

Page 91: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Sequencias de Cauchy

Seja n ∈ N. Como bn ≥ xm para todo m ≥ n, temos que se t ≥ bn, entao

t ≥ xm para todo m ≥ n.

Logo, A ⊂ (−∞, bn), ou seja, c = supA ≤ bn.

• Como c ≤ bn para todo n ∈ N e α = lim sup xn = infn∈N

bn, temos que

c ≤ α. Suponhamos, por absurdo, que c < α.

Logo, α 6∈ A, ou seja, existe n1 ∈ N tal que α > xn para todo n ≥ n1.

Entao, α ≥ bn para todo n ≥ n1. Mas, α = infn∈N

bn, ou seja, α ≤ bn para

todo n ∈ N.

Assim, α = bn = supXn para todo n ≥ n1 .

Tome ε =1

2(α − c) . Entao, para todo n ≥ n1, existe m > n tal que

α− ε < xm , ou seja, xm >1

2(α+ c) > c .

Portanto, o conjunto dos ındices n tais que1

2(α + c) < xn e ilimitado,

logo, infinito.

Entao1

2(α+ c) ∈ A e

1

2(α+ c) > c = supA , o que e uma contradicao.

Logo, c = supA = α = lim sup xn.

5. Sequ encias de Cauchy

Definicao 5.1 Dizemos que uma sequencia (xn) e de Cauchy quando

para todo ε > 0 dado, existir n0 ∈ N, tal que |xm − xn| < ε quaisquer que

sejam m,n > n0.

Teorema 5.1 Toda sequencia convergente e de Cauchy.

Prova.

Seja a = lim xn. Dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que |xm − a| <ε

2e

|xn − a| <ε

2, quaisquer que sejam m,n > n0.

Logo, |xm − xn| ≤ |xm − a| + |xn − a| <ε

2+ε

2= ε para todos m,n > n0. �

Instituto de Matematica - UFF 91

Page 92: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Antes de provarmos a recıproca do teorema acima, vamos demons-

trar dois lemas importantes.

Lema 5.1 Toda sequencia de Cauchy e limitada.

Prova.

Seja ε = 1 > 0. Entao, existe n0 ∈ N tal que |xm − xn| < 1, quaisquer

que sejam m,n ≥ n0.

Em particular, |xm − xn0| < 1, ou seja, xn0

− 1 < xn < xn0+ 1 para todo

n ≥ n0.

Sejam a o menor e b o maior elementos do conjunto

{xn0− 1, xn0

+ 1, xn1, . . . , xn0−1} .

Entao, a ≤ xn ≤ b para todo n ∈ N, ou seja, a sequencia (xn) e limitada.�

Lema 5.2 Se uma sequencia de Cauchy (xn) possui uma subsequencia

convergindo para a ∈ R, entao lim xn = a.

Prova.

Dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que |xm − xn| ≤ ε

2quaisquer que sejam

m,n > n0.

Como a e limite de uma subsequencia de (xn), existe, pelo teorema 4.1,

n1 ∈ N, n1 > n0, tal que |xn1− a| <

ε

2.

Logo,

|xn − a| ≤ |xn − xn1| + |xn1

− a| <ε

2+ε

2= ε,

para todo n > n0.

Com isto, provamos que a = lim xn.�

Teorema 5.2 Toda sequencia de Cauchy de numeros reais converge.

Prova.

Seja (xn) uma sequencia de Cauchy.

Pelo lema 5.1, (xn) e limitada e, portanto, pelo corolario 4.1, (xn) possui

uma subsequencia convergente. Entao, pelo lema 5.2, (xn) e conver-

gente.�

J. Delgado - K. Frensel92

Page 93: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Sequencias de Cauchy

Observacao 5.1 (Metodo das aproximac oes sucessivas)

Seja 0 ≤ λ < 1 e suponhamos que a sequencia (xn) satisfaz a seguinte

condicao:

|xn+2 − xn+1| ≤ λ|xn+1 − xn| , para todo n ∈ N.

Entao, |xn+1 − xn| ≤ λn−1|x2 − x1| , para todo n ∈ N .

De fato, se n = 1, a desigualdade e valida, e se |xn+1 −xn| ≤ λn−1|x2 −x1|,

entao

|xn+2 − xn+1| ≤ λ|xn+1 − xn| ≤ λn|x2 − x1| .

Assim, para m,p ∈ N arbitrarios, temos:

|xn+p − xn| ≤ |xn+p − xn+p−1| + . . .+ |xn+1 − xn|

≤ (λn+p−2 + λn+p−1 + . . .+ λn−1) |x2 − x1|

= λn−1(λp−1 + λp−2 + . . .+ λ+ 1) |x2 − x1|

= λn−1 1− λp

1− λ|x2 − x1| ≤

λn−1

1− λ|x2 − x1| .

Como limn→∞ λn−1

1− λ|x2 − x1| = 0 , dado ε > 0 , existe n0 ∈ N tal que

0 ≤ λn−1

1− λ|x2 − x1| < ε para todo n > n0 .

Logo, |xn+p − xn| < ε para todo p ∈ N e todo n > n0, ou seja, |xm − xn| < ε

quaisquer que sejam m,n > n0.

Entao, (xn) e de Cauchy e, portanto, converge.

Aplicacao: Aproximacoes sucessivas da raiz quadrada

Seja a > 0 e seja a sequencia definida por x1 = c, onde c e um

numero real positivo arbitrario, e xn+1 =1

2

(xn +

a

xn

), para todo n ∈ N.

Se provarmos que a sequencia e convergente e lim xn = b > 0,

entao teremos que

b = lim xn+1 = lim1

2

(xn +

a

xn

)=1

2

(b+

a

b

).

Logo, b =a

b, ou seja, b2 = a.

Instituto de Matematica - UFF 93

Page 94: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Para isto, precisamos provar antes o seguinte lema:

Lema 5.3 Para todo x > 0, tem-se1

2

(x+

a

x

)>

√a

2.

Prova.

1

2

(x+

a

x

)>

√a

2⇐⇒ x +

a

x>2√a√2

⇐⇒ x2 + 2a +a2

x2> 2a, o que e

verdadeiro, pois x2 ≥ 0 ea2

x2≥ 0.�

• Pelo lema, temos que xn >

√a

2, para todo n > 1. Portanto, xn xn+1 >

a

2,

ou seja,a

2 xn xn+1< 1 para todo n > 1 .

Afirmac ao: |xn+2 − xn+1| ≤1

2|xn+1 − xn| para todo n > 1.

De fato, como

xn+2 − xn+1 =1

2

(xn+1 +

a

xn+1

)−1

2

(xn +

a

xn

)=

1

2(xn+1 − xn) +

a

2

(1

xn+1−1

xn

)=

1

2(xn+1 − xn) +

a

2

(xn − xn+1

xn+1 xn

),

temos que

|xn+2 − xn+2|

|xn+1 − xn|=

∣∣∣∣12 −a

2 xn xn+1

∣∣∣∣ ≤ 1

2,

pois 0 <a

2 xn xn+1< 1.

• Pela observacao 5.1, (xn) e de Cauchy e, portanto, convergente, e

lim xn = b > 0, pois xn >

√a

2, para todo n > 1.

6. Limites infinitos

Definicao 6.1 Dizemos que uma sequencia (xn) tende para mais infi-

nito, e escrevemos lim xn = +∞, quando para todo numero real A > 0

dado, existir n0 ∈ N tal que xn > A para todo n > n0.

J. Delgado - K. Frensel94

Page 95: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Limites infinitos

Exemplo 6.1 Se xn = n, entao lim xn = +∞, pois dado A > 0, existe

n0 ∈ N tal que n0 > A. Logo xn = n > A para todo n > n0.�

Exemplo 6.2 Seja a sequencia (an), onde a > 1.

Como a > 1, existe h > 0 tal que a = 1+ h. Dado A > 0, existe n0 ∈ N tal

que n0 >A− 1

h. Logo, pela desigualdade de Bernoulli,

an = (1+ h)n ≥ 1+ nh > 1+ n0h > A ,

para todo n > n0.

Logo, liman = +∞ se a > 1. �

• Mais geralmente, uma sequencia nao-decrescente (xn) ou e conver-

gente, se for limitada, ou lim xn = +∞, se for ilimitada.

De fato, se (xn) e nao-decrescente ilimitada, dado A > 0, existe

n0 ∈ N tal que xn0> A. Logo, xn ≥ xn0

> A para todo n ≥ n0.

Observacao 6.1 Se lim xn = +∞, entao (xn) e ilimitada superiormente,

mas e limitada inferiormente.

Observacao 6.2 Se lim xn = +∞, entao toda subsequencia de (xn)

tambem tende para +∞.

Exemplo 6.3 Para todo p ∈ N, limn→∞np = +∞, pois (1p, 2p, . . . , np, . . .)

e uma subsequencia da sequencia (1, 2, . . . , n . . .) que tende para +∞ .�

Exemplo 6.4 A sequencia ( p√n)n∈N, para todo p ∈ N, tende para +∞,

pois e crescente e ilimitada superiormente, ja que ( p√np)n∈N = (n)n∈N e

uma subsequencia ilimitada superiormente da sequencia ( p√n)n∈N .�

Exemplo 6.5 A sequencia (nn)n∈N tende para +∞, pois nn ≥ n para

todo n ∈ N e a sequencia (n) tende para +∞.�

Definicao 6.2 Dizemos que uma sequencia (xn) tende para −∞, e es-

crevemos lim xn = −∞, quando para todo A > 0 existir n0 ∈ N tal que

xn < −A para todo n > n0.

Observacao 6.3 lim xn = +∞ ⇐⇒ lim(−xn) = −∞ .

Instituto de Matematica - UFF 95

Page 96: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Observacao 6.4 Se lim xn = −∞ entao (xn) e ilimitada inferiormente,

mas e limitada superiormente.

Exemplo 6.6 A sequencia ((−1)nn)n∈N nao tende para +∞ nem para

−∞, pois ela e ilimitada superiormente e inferiormente.�

Exemplo 6.7 A sequencia (0, 1, 0, 2, 0, 3, . . .) e ilimitada superiormente

e limitada inferiormente, mas nao tende para +∞, pois possui uma sub-

sequencia (x2n−1 = 0) que nao tende para +∞ por ser constante.�

Teorema 6.1 (Operacoes aritmeticas com limites infinitos)

(1) Se lim xn = +∞ e a sequencia (yn) e limitada inferiormente, entao

lim(xn + yn) = +∞ .

(2) Se lim xn = +∞ e existe c > 0 tal que yn > c para todo n ∈ N, entao

lim(xn yn) = +∞ .

(3) Seja xn > 0 para todo n ∈ N. Entao lim xn = 0 ⇐⇒ lim1

xn= +∞ .

(4) Sejam (xn) e (yn) sequencias de numeros positivos. Entao:

(a) se existe c > 0 tal que xn > c para todo n ∈ N e se limyn = 0,

entao limxn

yn= +∞ .

(b) se (xn) e limitada e limyn = +∞, entao limxn

yn= 0 .

Prova.

(1) Existe b < 0 tal que yn ≥ b para todo n ∈ N. Dado A > 0, temos

que A − b > 0. Logo, existe n0 ∈ N tal que xn > A − b para todo n > n0.

Assim, xn + yn > A − b + b = A para todo n > n0 e, portanto

lim(xn + yn) = +∞ .

(2) Dado A > 0 existe n0 ∈ N tal que xn >A

cpara todo n > n0. Logo,

xnyn >A

cc = A para todo n > n0. Portanto, lim xnyn = +∞ .

(3) Suponhamos que lim xn = 0 . Dado A > 0, existe n0 ∈ N tal que

0 < xn <1

Apara todo n > n0. Logo,

1

xn> A para todo n > n0. Assim,

lim1

xn= +∞.

J. Delgado - K. Frensel96

Page 97: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Limites infinitos

Suponhamos, agora, que lim1

xn= +∞ .

Dado ε > 0 existe n0 ∈ N tal que1

xn>1

εpara todo n > n0.

Entao −ε < 0 < xn < ε para todo n > n0.

Logo, lim xn = 0.

(4) (a) Dado A > 0 , existe n0 ∈ N tal que 0 < yn <c

A.

Entao,xn

yn>

c

c/A= A para todo n > n0.

Logo, limxn

yn= +∞ .

(b) Seja b > 0 tal que 0 < xn < b para todo n ∈ N. Dado ε > 0, existe

n0 ∈ N tal que yn >b

εpara todo n > n0.

Entao, 0 <xn

yn<

b

b/ε= ε para todo n > n0 e, portanto, lim

xn

yn= 0 .�

Observacao 6.5 ∞ − ∞ e indeterminado, ou seja, se lim xn = +∞ e

limyn = −∞, nada se pode afirmar sobre lim(xn + yn).

Pode ser que a sequencia (xn + yn) seja convergente, tenda para +∞,

tenda para −∞ ou nao tenha limite algum.

Exemplo 6.8 Se xn = n + a e yn = −n , entao lim xn = +∞ ,

limyn = −∞ e lim(xn + yn) = a.�

Exemplo 6.9 Se xn =√n+ 1 e yn = −

√n, entao lim xn = +∞ e

limyn = −∞, mas

limn→∞(xn + yn) = lim

n→∞(√n+ 1−

√n) = lim

n→∞ (√n+ 1−

√n)(

√n+ 1+

√n)√

n+ 1+√n

= limn→∞ 1√

n+ 1+√n

= 0 .

Exemplo 6.10 Se xn = n2 e yn = −n, entao lim xn = +∞, limyn = −∞e lim(xn + yn) = lim(n2 −n) = +∞ , pois n2 −n = n(n− 1) > n se n ≥ 2.E, portanto, lim(n− n2) = −∞ .�

Instituto de Matematica - UFF 97

Page 98: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Exemplo 6.11 Se xn = n e yn = (−1)n − n, entao lim xn = +∞ e

limyn = −∞, mas a sequencia (xn + yn) = ((−1)n) nao possui limite

algum.�

Observacao 6.6 ∞∞ e indeterminado, ou seja, se lim xn = +∞ e

limyn = +∞ , nada se pode dizer sobre o limite da sequencia(xn

yn

).

Pode ser que essa sequencia convirja, que tenha limite +∞ ou que nao

tenha limite algum.

Exemplo 6.12 Se xn = n+1 e yn = n−1, entao lim xn = limyn = +∞,

e

limxn

yn= lim

n+ 1

n− 1= lim

1+ 1/n

1− 1/n= 1 .

Exemplo 6.13 Se xn = n2 e yn = n, entao lim xn = limyn = +∞ e

limxn

yn= limn = +∞ .�

Exemplo 6.14 Se xn = (2+ (−1)n)n e yn = n , entao, lim xn = +∞ ,

limyn = +∞ , mas a sequencia(xn

yn

)= (2+ (−1)n) nao possui limite.�

Exemplo 6.15 Se xn = an , a > 0 e yn = n , entao lim xn = +∞limyn = +∞ e lim

xn

yn= lima = a .�

Exemplo 6.16 Se a > 1 , entao liman

np= +∞ , para todo p ∈ N .

Como a > 1, a = 1+ h, onde h > 0. Logo, para todo n ≥ p,

an = (1+ h)n =

n∑j=0

(n

j

)1n−jhj ≥

p+1∑j=0

(n

j

)hj

= 1+ nh+n(n− 1)

2!h2 + . . .+

n(n− 1) . . . (n− p)

p!hp .

Daı,

an

np≥ 1

np+

h

np−1+1

2

(1−

1

n

)h2

np−2+ . . .

+1

(p− 1)!

(1−

1

n

). . .(1−

p− 1

n

)hp−1 +

n

p!

(1−

1

n

). . .(1−

p

n

)hp .

J. Delgado - K. Frensel98

Page 99: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Series numericas

Como

limn→∞

(1

np+

h

np−1+1

2

(1−

1

n

)h2

np−2+ . . .+

1

(p− 1)!

(1−

1

n

). . .

(1−

p− 1

n

)hp−1

+n

p!

(1−

1

n

). . .(1−

p

n

)hp

)= +∞ ,

temos que limn→∞ an

np= +∞ , qualquer que seja p ∈ N.

Isto significa que as potencias an, a > 1, crescem com n mais rapida-

mente do que qualquer potencia de n de expoente fixo. �

Exemplo 6.17 Mas, limn→∞ an

nn= 0 , a > 0 .

De fato, seja n0 ∈ N tal quea

n0<1

2.

Entao, 0 <an

nn=(a

n

)n

≤(a

n0

)n

<1

2n; para todo n ≥ n0.

Logo, 0 ≤ liman

nn≤ lim

1

2n= 0 , ou seja, lim

an

nn= 0.�

Exemplo 6.18 Para todo numero real a > 0, tem-se limn!

an= +∞ .

De fato, seja n0 ∈ N tal quen0

a> 2. Logo, para todo n > n0, temos que

n!

an=n0!

an0

n0 + 1

a. . .

n0 + (n− n0)

a>n0!

an0

2n−n0 ,

ou seja,n!

an>

n0!

(2a)n02n . Como lim 2n = +∞, temos que lim

n!

an= +∞ .

Isso significa que n! cresce mais rapido do que an, para a > 0 fixo.�

7. Series num ericas

• A partir de uma sequencia de numeros reais (an) formamos uma nova

sequencia (sn), cujos termos sao as somas:

sn = a1 + . . .+ an , n ∈ N ,

que chamamos as reduzidas da serie∞∑

n=1

an .

Instituto de Matematica - UFF 99

Page 100: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

A parcela an e chamada o n−esimo termo ou termo geral da serie.

Se existe o limite

s = limn→∞ sn = lim

n→∞(a1 + . . .+ an) ,

dizemos que a serie e convergente e que s e a soma da serie. Escreve-

mos, entao,

s =

∞∑n=1

an = a1 + a2 + . . .+ an + . . . .

Se a sequencia das reduzidas nao converge, dizemos que a serie∑an e divergente ou que diverge.

Notac ao: Usaremos tambem a

notacao∑

an para designar a

serie∞∑

n=1

an.

Observacao 7.1 Toda sequencia (xn) pode ser considerada como a

sequencia das reduzidas de uma serie.

De fato, basta tomar a1 = x1 e an+1 = xn+1 − xn , para todo n ∈ N, pois,

assim, teremos:

s1 = x1 ,

s2 = a1 + a2 = x1 + x2 − x1 = x2 ,...

...sn = x1 + (x2 − x1) + . . .+ (xn − xn−1) = xn .

Assim, a serie x1 +

∞∑n=1

(xn+1 −xn) converge se, e so se, a sequencia (xn)

converge. E, neste caso, a soma da serie e igual a lim xn.

Teorema 7.1 Se∑an e uma serie convergente, entao, liman = 0.

Prova.

Seja s = lim sn, onde sn = a1 + . . .+ an.

Entao, lim sn−1 = s. Logo, como an = sn − sn−1, temos que

liman = lim(sn − sn−1) = lim sn − lim sn−1 = 0.

Exemplo 7.1 A recıproca do teorema acima e falsa.

De fato, basta considerar a serie harmonica∞∑

n=1

1

n. Seu termo geral

1

n

tende para zero, mas a serie diverge.

J. Delgado - K. Frensel100

Page 101: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Series numericas

Com efeito, para todo n ≥ 1, temos

s2n = 1+1

2+(1

3+1

4

)+(1

5+1

6+1

7+1

8

)+ . . .+

(1

2n−1 + 1+ . . .+

1

2n

)> 1+

1

2+2

4+4

8+ . . .+

2n−1

2n= 1+ n

1

2,

Logo, a subsequencia (s2n) tende a +∞. Como a sequencia (sn) e cres-

cente e ilimitada superiormente, temos que sn −→ +∞, ou seja, a serie

harmonica∞∑

n=1

diverge. �

• Como consequencia, para 0 < r < 1, a serie∞∑

n=1

1

nrdiverge, pois

1

nr>1

n

para todo n > 1.Lembre que: nr = er log n <

elog n = n .

Exemplo 7.2 A serie geometrica∞∑

n=0

an e

◦ divergente, se |a| ≥ 1, pois, neste caso, seu termo geral an nao

tende para zero.

◦ convergente, se |a| < 1, pois, neste caso, a sequencia das reduzi-

das e

sn = 1+ a+ . . .+ an =1− an+1

1− a,

que tende para1

1− a. Isto e,

∞∑n=0

an =1

1− a, se |a| < 1.�

Observacao 7.2 Das propriedades aritmeticas dos limites de sequencias,

resulta que:

• se∑an e

∑bn sao series convergentes, entao a serie

∑(an + bn) e

convergente e∑

(an + bn) =∑an +

∑bn.

• se∑an e convergente, entao a serie

∑(ran) e convergente e

∑(ran) =

r∑an, para todo r ∈ R.

• se as series∑an e

∑bn convergem, entao a serie

∑cn cujo termo

geral e cn =

n∑i=1

aibn +

n−1∑j=1

anbj converge e∑cn = (

∑an) (

∑bn).

Instituto de Matematica - UFF 101

Page 102: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

De fato, sejam sn = a1 + . . . + an e tn = b1 + . . . + bn as reduzidas das

series∑an e

∑bn.

Como sn −→ s e tn −→ t, temos que

(∑an) (

∑bn) = s · t = lim

n→∞ sn tn = limn→∞

n∑i,j=1

aibj .

Afirmacao:n∑

`=1

c` =

n∑i,j=1

aibj, para todo n ∈ N.

◦ Se n = 1,1∑

`=1

c` = c1 = a1b1 =

1∑i,j=1

aibj .

◦ Suponhamos, por inducao, quen∑

`=1

c` =

(n∑

i=1

ai

) (n∑

j=1

bj

).

Entao,

n+1∑`=1

c` =

n∑`=1

c` + cn+1 =

(n∑

i=1

ai

) (n∑

j=1

bj

)+ cn+1

=

(n∑

i=1

ai

) (n∑

j=1

bj

)+

n+1∑i=1

aibn+1 +

n∑j=1

an+1bj

=

(n∑

i=1

ai

) (n∑

j=1

bj

)+

n∑i=1

aibn+1 + an+1bn+1 +

n∑j=1

an+1bj

=

(n∑

i=1

ai

) (n+1∑j=1

bj

)+

n+1∑j=1

an+1bj

=

(n+1∑i=1

ai

) (n+1∑j=1

bj

).

◦ Veremos depois que, em casos especiais,

(∑an) (

∑bn) =

∑pn ,

onde pn =

n∑i=1

aibn+1−i = a1bn + a2bn−1 + . . .+ anb1.

Exemplo 7.3 A serie∞∑

n=1

1

n(n+ 1)e convergente e sua soma e 1.

J. Delgado - K. Frensel102

Page 103: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Series numericas

De fato, como1

n(n+ 1)=1

n−

1

n+ 1, a reduzida de ordem n da serie e

sn =(1−

1

2

)+(1

2−1

3

)+ . . .+

(1

n−

1

n+ 1

)= 1−

1

n+ 1.

Logo,∑ 1

n(n+ 1)= lim sn = 1.�

Exemplo 7.4 A serie∑

(−1)n+1 = 1− 1+ 1− 1+ . . . e divergente, pois

seu termo geral nao tende para zero. Suas reduzidas de ordem par sao

iguais a zero e as de ordem ımpar sao iguais a um.�

Observacao 7.3 A serie∞∑

n=1

an converge se, e somente se,∞∑

n=n0

an

converge, onde n0 ∈ N e fixo.

De fato, as reduzidas da primeira serie sao sn = a1 + . . . + an e as da

segunda serie sao tn = an0+ an0+1 . . .+ an0+n−1, ou seja, tn+1 = sn0+n −

sn0−1. Logo, sn converge se, e somente se, tn converge.

• Isto significa que a convergencia de uma serie se mantem quando dela

retiramos ou acrescentamos um numero finito de termos.

Teorema 7.2 Seja an ≥ 0 para todo n ∈ N. A serie∑an converge se, e

somente se, a sequencia das reduzidas e limitada, ou seja, se, e somente

se, existe k > 0 tal que sn = a1 + . . .+ an < k para todo n ∈ N.

Prova.

Como an ≥ 0 para todo n, a sequencia (sn) e monotona nao-decrescente.

Logo, (sn) converte se, e somente se, (sn) e limitada.�

Corolario 7.1 (Criterio de comparacao)

Sejam∑an e

∑bn series de termos nao-negativos. Se existem c > 0

e n0 ∈ N tais que an ≤ cbn para todo n ≥ n0, entao a convergencia de∑bn implica a convergencia de

∑an, enquanto a divergencia de

∑an

acarreta a de∑bn.

Prova.

Sejam s ′n = an0+ . . .+ an e t ′n = bn0

+ . . .+ bn para todo n ≥ n0.

Instituto de Matematica - UFF 103

Page 104: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

◦ Se a serie∑bn converge, existe k > 0 tal que b1 + . . . + bn < k

para todo n ∈ N. Logo, a sequencia crescente (s ′n) converge, pois s ′n < k

para todo n ≥ n0.

Assim, a serie∑n≥n0

an converge, e, portanto,∞∑

n=1

an e uma serie conver-

gente.

◦ Se a serie∑an diverge, a sequencia (sn) de suas reduzidas,

tende a ∞. Como s ′n = sn −sn0−1, temos que a sequencia (s ′n) tende a ∞.

Entao a serie∑bn diverge, pois tn ≥ t ′n ≥

1

cs ′n, para todo n ≥ n0, ja que

bn ≥ anc para todo n ≥ n0.�

Exemplo 7.5 Se r > 1, a serie∞∑

n=1

1

nre convergente.

Como os termos1

nrda serie sao positivos, a sequencia (sn) de suas re-

duzidas e crescente.

Entao, para provar que (sn) converge, basta mostrar que (sn) possui uma

subsequencia limitada.

Para m = 2n − 1,

s2n−1 = 1+(1

2r+1

3r

)+(1

4r+1

5r+1

6r+1

7r

)+ . . .

+

(1

(2n−1)r+ . . .+

1

(2n − 1)r

)< 1+

2

2r+4

4r+ . . .+

2n−1

(2n−1)r

=

n−1∑i=0

(2

2r

)i

,

pois1

(2n − 1)r=

1

(2n−1 + 2n−1 − 1)r.

Como r > 1, temos2

2r< 1. Logo, a serie

∞∑n=0

(2

2r

)n

converge e e, portanto,

limitada. Assim, sm < c para todo m = 2n − 1, ou seja, a subsequencia

(s2n−1)n∈N e limitada.�

J. Delgado - K. Frensel104

Page 105: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Series numericas

Teorema 7.3 (Criterio de Cauchy para series)

Uma serie∑an e convergente se, e somente se, para cada ε > 0 dado,

existe n0 ∈ N tal que

|an+1 + . . .+ an+p| < ε ,

quaisquer que sejam n > n0 e p ∈ N.

Prova.

Seja (sn) a sequencia das reduzidas da serie∑an.

Como sn+p − sn = an+1 + . . . + an+p, basta aplicar a sequencia (sn) o

criterio de Cauchy para sequencias.�

Definicao 7.1 Uma serie∑an chama-se absolutamente convergente

quando a serie∑

|an| e convergente.

Exemplo 7.6 Toda serie convergente cujos termos nao mudam de sinal

e absolutamente convergente.�

Exemplo 7.7 Se −1 < a < 1, a serie geometrica∑an e absolutamente

convergente.�

Mas nem toda serie convergente e absolutamente convergente.

Exemplo 7.8 A serie∞∑

n=1

(−1)n+1

ne convergente, mas nao e absoluta-

mente convergente.

Ja provamos que a serie ∞∑n=1

∣∣∣∣(−1)n+1

n

∣∣∣∣ = ∞∑n=1

1

n,

e divergente. Vamos mostrar agora que a serie∑ (−1)n+1

ne convergente.

◦ Suas reduzidas de ordem par sao:

s2 = 1−1

2; s4 =

(1−

1

2

)+(1

3−1

4

); . . . ;

s2n =(1−

1

2

)+(1

3−1

4

)+ . . .+

(1

2n− 1−

1

2n

); . . .

Instituto de Matematica - UFF 105

Page 106: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Como(

1

j− 1−1

j

)> 0, para todo j > 1, temos que a subsequencia (s2n)

e crescente.

Alem disso, (s2n) e limitada superiormente.

Com efeito, existe c > 0 tal que

s2n =1

2× 1+

1

3× 4+ . . .+

1

(2n− 1)× (2n)

< 1+1

32+ . . .+

1

(2n− 1)2< c ,

para todo n ∈ N, pois a serie∑ 1

n2e convergente e, portanto, limitada.

Logo, existe lim s2n = s ′.

◦ Suas reduzidas de ordem ımpar sao:

s1 = 1 ; s3 = 1−(1

2−1

3

); . . . ;

s2n−1 = 1−(1

2−1

3

)+ . . .+

(1

2n− 2−

1

2n− 1

); . . .

Entao a subsequencia (s2n−1) e decrescente.

Alem disso, como, para todo n ∈ N,

s2n−1 = 1−1

2× 3−

1

4× 5− . . .−

1

(2n− 2)(2n− 1)

> 1−1

22−1

42− . . .−

1

(2n− 1)2

> 1−

(1+

1

22+1

32+ . . .+

1

(2n− 1)2

).

e a serie∑ 1

n2e convergente, temos que a subsequencia (s2n−1) con-

verge, pois (s2n−1) e limitada inferiormente.

Seja s ′′ = lim s2n−1 .

Como s2n+1 − s2n =1

2n+ 1−→ 0, temos que s ′ = s ′′. Logo, a sequencia

(sn) converge, e s = s ′ = s ′′ =

∞∑n=1

(−1)n

n. �

Definicao 7.2 Se a serie∑an e convergente, mas a serie

∑|an| e

divergente, dizemos que∑an e condicionalmente convergente.

J. Delgado - K. Frensel106

Page 107: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Series numericas

Teorema 7.4 Toda serie absolutamente convergente e convergente.

Prova.

Se a serie∑

|an| converge, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que

|an+1| + . . .+ |an+p| < ε ,

quaisquer que sejam n > n0 e p ∈ N. Logo, como

|an+1 + . . .+ an+p| ≤ |an+1| + . . .+ |an+p| < ε ,

temos, pelo criterio de Cauchy para series, que a serie∑an converge.�

Corolario 7.2 Seja∑bn uma serie convergente com bm ≥ 0 para todo

n ∈ N.

Se existem k > 0 e n0 ∈ N tais que |an| ≤ kbn para todo n > n0, entao a

serie∑an e absolutamente convergente.

Prova.

Dado ε > 0, existe n1 ∈ N tal que

|bn+1 + . . .+ bn+p| = bn+1 + . . .+ bn+p <ε

k,

quaisquer que sejam n > n1 e p ∈ N.

Tome n2 = max{n1, n0}. Entao,

|an+1| + . . .+ |an+p| ≤ k (bn+1 + . . .+ bn+p) < ε ,

quaisquer que sejam n > n0 e p ∈ N.�

Corolario 7.3 Se, para todo n > n0 tem-se |an| ≤ kcn, onde 0 < c < 1

e k > 0, entao a serie∑an e absolutamente convergente.

Prova.

Basta aplicar o corolario anterior, ja que a serie geometrica∑cn con-

verge se 0 < c < 1.�

Observacao 7.4 Tomando k = 1 no corolario anterior, temos que

|an| ≤ cn se, e somente se, n√

|an| ≤ c.

Mas, se n√

|an| ≤ c < 1 para todo n > n0, entao sup{ n√

|an| |n ≥ n1} ≤ c

para todo n1 > n0.

Logo, lim sup n√

|an| ≤ c < 1.

Instituto de Matematica - UFF 107

Page 108: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

E reciprocamente, se lim sup n√

|an| < 1, entao existe n0 ∈ N e 0 < d < 1

tal que n√

|an| < d < 1 para todo n > n0.

De fato, seja 0 < d < 1 tal que lim sup xn < d. Entao, pelo corolario —,

existe n0 ∈ N tal que n√

|an| < d < 1 para todo n > n0.

Corolario 7.4 (Teste da raiz)

Se existe c tal que n√

|an| ≤ c < 1 para todo n > n0, entao a serie∑an

e absolutamente convergente. Ou seja, se lim sup xn < 1, entao a serie∑an e absolutamente convergente.

Corolario 7.5 Se lim n√

|an| < 1, entao a serie∑an e absolutamente

convergente.

Observacao 7.5 Se existe uma infinidade de ındices n para os quaisn√

|an| ≥ 1, entao a serie∑an e divergente, pois seu termo geral nao

tende para zero. Em particular, isto ocorre quando lim n√

|an| > 1 ou

lim inf n√

|an| > 1.

Observacao 7.6 Se lim n√

|an| = 1 e liman = 0, a serie∑an pode

convergir ou nao.

Por exemplo, para ambas as series∑ 1

ne

∑ 1

n2temos que liman = 0 e

lim n√

|an| = 1, pois lim1

n√n

= 1 e, portanto lim n

√1

n2= lim

(1

n√n

)2

= 1.

No entanto, a serie∑ 1

ndiverge e a serie

∑ 1

n2converge.

Exemplo 7.9 Consideremos a serie∞∑

n=1

nran, onde a, r ∈ R. Temos

limn→∞ n

√|nran| = lim

n→∞(

n√n)r

|a| = |a|(lim n

√n)r

= |a|.

Logo, a serie converge se |a| < 1.

Como |nran| ≥ 1 para todo n ∈ N, se |a| ≥ 1 e r ≥ 0, o termo geral da

serie nao tende para zero.Exercıcio 13: Determine quandoa serie

∑nran diverge ou con-

verge, se |a| = 1 e r < 0.Logo, a serie

∑nran diverge se |a| ≥ 1 e r ≥ 0.

J. Delgado - K. Frensel108

Page 109: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Series numericas

Se |a| > 1 e r < 0, temos que limn→∞ an

n−r= +∞. Logo, neste caso, tambem,

a serie∑nran diverge.�

Exemplo 7.10 Seja a serie 1+2a+a2+2a3+a4+. . .+2a2n−1+a2n+. . .,

cujos termos de ordem par sao b2n = 2a2n−1 e os de ordem ımpar sao

b2n−1 = a2n−2.

• Se |a| = 1, temos que lim |bn| = +∞, pois, neste caso, |b2n = 2 e

|b2n−1| = 1. Assim, a serie diverge se |a| = 1.

• Como lim 2n√

|b2n| = lim 2n√2

|a|2n√

|a|= |a| , e

lim 2n−1√

|b2n−1| = lim 2n−1√

|a|2n−2 = lim|a|

2n−1√

|a|= |a| ,

temos que a serie converge absolutamente se |a| < 1 e diverge se |a| > 1.

Portanto, a serie converge (absolutamente) se, e somente se, |a| < 1.�

Teorema 7.5 (Teste da razao)

Sejam∑an uma serie de termos nao nulos e

∑bn uma serie conver-

gente com bn > 0 para todo n. Se existe n0 ∈ N tal que|an+1|

|an|≤ bn+1

bn

para todo n > n0, entao∑an e absolutamente convergente.

Prova.

Seja n > n0. Entao,

|an0+2|

|an0+1|≤ bn0+2

bn0+1,

|an0+3|

|an0+2|≤ bn0+3

bn0+2, . . . ,

|an|

|an−1|≤ bn

bn−1.

Multiplicando membro a membro essas desigualdades, obtemos

|an|

|an0+1|≤ bn

bn0+1,

ou seja, |an| ≤ kbn , onde k =|an0+1|

bn0+1. Entao, pelo corolario —-, a serie∑

an e absolutamente convergente.�

Corolario 7.6 Se existe uma constante c tal que 0 < c < 1 e|an+1|

|an|≤ c

para todo n ≥ n0, entao a serie∑an e absolutamente convergente.

Instituto de Matematica - UFF 109

Page 110: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Ou seja, se lim sup|an+1|

|an|< 1, a serie

∑an converge absolutamente.

Prova.

Basta tomar bn = cn no teorema anterior, pois a serie geometrica∑cn

converge se 0 < c < 1.�

Corolario 7.7 Se lim|an+1|

|an|< 1 entao a serie

∑an e absolutamente

convergente.

Exemplo 7.11 Seja a serie∑nan. Como

lim|(n+ 1)an+1|

|nan|= lim |a|

(n+ 1

n

)= |a| ,

temos que a serie∑an converge.

Neste caso, o teste da raiz e da razao levam ao mesmo resultado, pois,

como ja vimos, lim n√nan = |a|.�

Exemplo 7.12 Considere a serie

1+ 2a+ a2 + 2a3 + a4 + . . .+ 2a2n−1 + a2n + . . .

Para n par,|an+1|

|an|=

|a|

2, e, para n ımpar

|an+1|

|an|= 2|a|.

Logo, lim sup|an+1|

|an|= 2|a| e, pelo teste da razao, temos que a serie con-

verge se |a| <1

2.

Mas, como vimos antes, lim n√

|bn| = |a|, onde bn e o termo geral da serie.

Logo, pelo teste da raiz, a serie converge se |a| < 1.�

Veremos, depois, que o teste da raiz sempre e mais eficaz do que o

da razao, pois

lim sup n√

|an| ≤ lim sup|an+1|

|an|

e, se existe lim|an+1|

|an|, entao existe tambem lim n

√|an| e, mais ainda,

esses limites coincidem.

J. Delgado - K. Frensel110

Page 111: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Series numericas

Exemplo 7.13 Seja a serie∞∑

n=0

xn

n!, onde x ∈ R.

Como|x|n+1

(n+ 1)!· n!

|x|n=

|x|

n+ 1−→ 0, temos que a serie

∞∑n=0

xn

n!e absoluta-

mente convergente para todo x ∈ R.�

Observacao 7.7 Quando lim|an+1|

|an|= 1 nada se pode afirmar, ou seja,

a serie∑an pode convergir ou divergir. Por exemplo,

• a serie harmonica∑ 1

ndiverge e lim

|an+1|

|an|= lim

n+ 1

n= 1 ;

• a serie∑ 1

n2converge e lim

|an+1|

|an|= lim

(n+ 1

n

)2

= 1 .

Observacao 7.8 Quando|an+1|

|an|≥ 1 para todo n ≥ n0, a serie

∑an

diverge, pois seu termo geral nao tende para zero.

Mas, ao contrario do teste da raiz, nao se pode concluir que a serie∑an

diverge apenas pelo fato de se ter|an+1|

|an|≥ 1 para “uma infinidade de

valores de n”.

Com efeito, se∑an e uma serie convergente qualquer e an > 0 para todo

n ∈ N, a serie a1 +a1 +a2 +a2 + . . .+an +an + . . . tambem e convergente,

pois s ′2n = 2sn e s ′2n−1 = 2sn − an e, portanto,

lim s ′2n = lim s ′2n−1 = 2s = 2∑an ,

onde s ′n e sn sao as reduzidas de ordem n das series a1 + a1 + a2 + a2 +

. . .+ an + an + . . . e∑an, respectivamente.

Mas, se bn e o termo geral da serie a1 +a1 +a2 +a2 + . . .+an +an + . . .,

temos quebn+1

bn= 1 para todo n ımpar.

Teorema 7.6 Seja (an) uma sequencia limitada de numeros reais posi-

tivos. Entao,

lim infan+1

an≤ lim inf n

√an ≤ lim sup n

√an ≤ lim sup

an+1

an.

Em particular, se existir liman+1

an, existira, tambem, lim n

√an e os dois limi-

Instituto de Matematica - UFF 111

Page 112: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

tes serao iguais.

Prova.

Vamos provar que

lim infan+1

an≤ lim inf n

√an .

Suponhamos, por absurdo, que

a = lim infan+1an > lim inf n√an = b .

Entao, existe c ∈ R, tal que b < c < a, ou seja,

b = lim inf n√an < c < lim inf

an+1

an= a .

Pelo corolario —, existe p ∈ N tal quean+1

an> c para todo n ≥ p. Assim,

ap+1

ap> c ,

ap+2

ap+1> c , . . . ,

an

an−1> c ,

para todo n > p. Multiplicando membro a membro as n−p desigualdades,

obtemos quean

ap> cn−p, ou seja, n

√an > c

n√k para todo n > p, onde

k =ap

cp. Logo,

inf { n√an, n+1

√an+1, . . . } ≥ inf

{c

n√k, c

n+1√k, . . .

}pois,

inf{c

n√k, c

n+1√k, . . .

}≤ c m

√k < m

√am ,

para todo m ≥ n e n > p. Ou seja, inf{c

n√k, c

n+1√k, . . .

}e uma cota

inferior do conjunto { n√an, n+1

√an+1, . . . }.

Assim, temos que

lim inf n√an ≥ lim inf c n

√k = lim c n

√k = c ,

o que e absurdo, pois estamos supondo que lim inf n√an < c.

A desigualdade

lim sup n√an ≤ lim sup

an+1

an

prova-se de modo analogo.�

Exemplo 7.14 Consideremos a sequencia (xn), onde

x2n−1 = anbn−1 e x2n = anbn , n ∈ N ,

J. Delgado - K. Frensel112

Page 113: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Series numericas

ou seja, x = (a, ab, a2b, a2b2, a3b2, . . .), onde a, b ∈ R.

Comoxn+1

xn= b, se n e ımpar, e

xn+1

xn= a, se n e par, temos que nao

existe limxn+1

xn.

Mas,

• lim 2n−1√x2n−1 = lim(anbn−1)

12n−1

= liman

2n−1 bn−1

2n−1

= lima12+ 1

2(2n−1) b12− 1

2(2n−1)

=√a(

lima1

2(2n−1)

) √b(

limb− 12(2n−1)

)=

√ab

• lim 2n√x2n = lim 2n

√an bn = lim

√ab =

√ab

Logo, lim n√xn =

√ab .�

Este exemplo mostra que pode existir o limite da raiz sem que exista

o limite da razao.

Exemplo 7.15 Seja xn =1

n√n!

. Tome yn =1

n!. Entao, xn = n

√yn.

Como

limyn+1

yn= lim

1

(n+ 1)!n! = lim

1

n+ 1= 0 ,

temos que lim n√yn tambem existe e

lim n√yn = lim

yn+1

yn= 0 .

Logo, lim xn = lim n√yn = 0.�

Exemplo 7.16 Seja xn =n

n√n!

e considere yn =nn

n!. Entao, n

√yn = xn.

Comoyn+1

yn=

(n+ 1)n+1

(n+ 1)!· n!

nn=

(n+ 1)(n+ 1)nn!

n!(n+ 1)nn=(1+

1

n

)n

−→ e ,

temos que existe lim n√yn. Logo,

Instituto de Matematica - UFF 113

Page 114: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

lim xn = lim n√yn = lim

yn+1

yn= e .

Teorema 7.7 (Teorema de Dirichlet)

Seja∑an uma serie cujas reduzidas sn = a1 + . . . + an formam uma

sequencia limitada. Seja (bn) uma sequencia nao-crescente de numeros

positivos com limbn = 0. Entao a serie∑anbn e convergente.

Prova.

Vamos mostrar, primeiro, por inducao, que, para todo n ≥ 2,

a1b1 + a2b2 + a3b3 + . . .+ anbn =

n∑i=2

si−1 (bi−1 − bi) + snbn ,

ou seja,

a1b1 + a2b2 + . . .+ anbn = a1(b1 − b2) + (a1 + a2)(b2 − b3)

+ (a1 + a2 + a3)(b3 − b4)

+ . . .+ (a1 + . . .+ an)bn .

De fato

• Se n = 2, a1b1 + a2b2 = a1(b1 − b2) + (a1 + a2)b2.

• Suponhamos que a igualdade e verdadeira para n. Entao,

a1b1 + a2b2 + . . .+ anbn + an+1bn+1

=

n∑i=2

si−1(bi−1 − bi) + snbn + an+1bn+1

=

n∑i=2

si−1(bi−1 − bi) + sn(bn − bn+1) + snbn+1 + an+1bn+1

=

n+1∑i=2

si−1(bi−1 − bi) + sn+1bn+1 .

Como a sequencia (sn) e limitada, existe k > 0 tal que |sn| ≤ k para todo

n ∈ N.

Temos tambem que a reduzida de ordem n da serie de termos nao-

negativos∞∑

n=2

(bn−1 − bn) e b1 − bn+1, que converge para b1.

J. Delgado - K. Frensel114

Page 115: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Series numericas

Logo, a serie∞∑

n=2

sn−1(bn−1−bn) e convergente, pois a serie∞∑

n=2

(bn−1−bn)

converge e

|sn−1(bn−1 − bn)| ≤ k(bn−1 − bn) , para todo n ≥ 2.

Entao a serie∞∑

n=1

anbn e convergente, pois lim snbn = 0, ou seja, a redu-

zidan∑

i=2

si−1(bi−1 − bi) + snbn de ordem n da serie∑anbn converge.�

Corolario 7.8 (Criterio de Abel)

Se a serie∑an e convergente e (bn) e uma sequencia nao-crescente e

limitada inferiormente, entao a serie∑anbn e convergente.

Prova.

Como a sequencia (bn) e nao-crescente e limitada inferiormente, existe

limbn = b e b ≤ bn para todo n ∈ N.

Logo, lim(bn − b) = 0 e (bn − b) e uma sequencia nao-crescente.

Entao, pelo teorema de Dirichlet, a serie∑an(bn − b) e convergente e,

portanto, a serie∑anbn tambem e convergente, ja que a serie

∑bnan

converge.�

Corolario 7.9 (Criterio de Leibniz)

Se a sequencia (bn) e nao-crescente e limbn = 0, entao a serie∑

(−1)nbn

e convergente.

Prova.

Pelo teorema de Dirichlet, a serie∑

(−1)nbn converge, pois as reduzidas

da serie∑

(−1)n sao limitadas por 1.�

Exemplo 7.17 A serie∑ (−1)n

nre convergente para todo r > 0, pois a

sequencia1

nre decrescente e tende para zero.

Logo, a serie∑ (−1)n

nre condicionalmente convergente para 0 < r ≤ 1,

pois ja provamos que a serie∑ 1

nrnao converge quando r ≤ 1.�

Instituto de Matematica - UFF 115

Page 116: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Exemplo 7.18 Se x 6= 2πk , k ∈ Z, as series∞∑

n=1

cos(nx)

ne

∑ sen(nx)

n,

sao convergentes.

Como a sequencia(1

n

)e decrescente e tende para zero, basta mostrar

que as reduzidas sn = cos(x) + cos(2x) + . . . + cos(nx) e tn = sen(x) +

sen(2x) + . . .+ sen(nx) das series∑

cos(nx) e∑

sen(nx) sao limitadas.

Temos que 1 + sn e tn sao, respectivamente, a parte real e imaginaria do

numero complexo

1+ eix + . . .+ einx =1− (eix)n+1

1− eix.

Logo, como eix 6= 1, pois x 6= 2πk, k ∈ Z, temos que∣∣∣∣∣1−(eix)n+1

1− eix

∣∣∣∣∣ ≤ 2

|1− eix|, para todo n ∈ N.

Ou seja, a sequencia(1+ eix + . . .+ einx

)n∈N e limitada e, portanto, as

sequencias de suas partes reais e imaginarias sao, tambem, limitadas.�

Observacao 7.9 Dada uma serie∑an, definimos

pn =

an se an > 0

0 se an ≤ 0 .

O numero pn e chamado parte positiva de an.

Analogamente, definimos a parte negativa de an como sendo o numero

qn =

0 se an ≥ 0

−an se an < 0 .

Entao, para todo n ∈ N temos pn ≥ 0 , qn ≥ 0 e

an = pn − qn ; |an| = pn + qn ; |an| = an + 2qn ; |an| = 2pn − an .

• Se∑an e absolutamente convergente entao, para todo k ∈ N, temos:

∞∑n=1

≥k∑

n=1

|an| =

k∑n=1

pn +

k∑n=1

qn .

Logo, as series∑pn e

∑qn sao convergentes, pois suas reduzidas for-

J. Delgado - K. Frensel116

Page 117: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Aritmetica de series

mam sequencias nao-decrescentes limitadas superiormente por∞∑

n=1

|an|.

E, reciprocamente, se as series∑pn e

∑qn sao convergentes, entao a

serie∑an e absolutamente convergente.

• Mas, se a serie∑an e condicionalmente convergente, entao as series∑

pn e∑qn divergem. De fato, se pelo menos uma dessas series con-

verge, a serie∑an tambem converge.

Suponha, por exemplo, que a serie∑qn converge.

Entao, a serie∑

|an| converge, poisk∑

n=1

|an| =

k∑n=1

an + 2

k∑n=1

qn −→ ∞∑n=1

an + 2

∞∑n=1

qn .

O caso em que a serie∑pn converge, prova-se que a serie

∑|an| con-

verge de modo analogo usando a relacao |an| = 2pn − an, para todo

n ∈ N.

Exemplo 7.19 Ja sabemos que a serie∞∑

n=1

(−1)n+1

n= 1−

1

2+1

3−1

4+. . . e

condicionalmente convergente. Logo, a serie das partes positivas∑pn =

1+0+1

3+0+ . . . e a serie das partes negativas

∑qn = 0+

1

2+0+

1

4+ . . .

divergem.�

8. Aritm etica de s eries

Vamos investigar, agora, se as propriedades aritmeticas, tais como

associatividade e comutatividade, se estendem das somas finitas para as

series.

• Associatividade: Dada uma serie∑an convergente, ao inserirmos

parenteses entre seus termos, formamos uma nova serie cuja sequencia

(tn) das reduzidas e uma subsequencia da sequencia (sn) das reduzidas

da serie∑an.

Como (sn) e uma sequencia convergente, (tn) tambem o e, ou seja,

Instituto de Matematica - UFF 117

Page 118: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

a nova serie e convergente e sua soma e igual a s =

∞∑n=1

an.

Por exemplo, a reduzida tn da serie

(a1 + a2) + (a3 + a4) + (a5 + a6) + . . .

e igual a s2n.

• Dissociatividade: Ao dissociarmos os termos de uma serie conver-

gente, podemos obter uma serie divergente, pois a serie original pode ser

obtida da nova serie por associacao de seus termos. Logo, a sequencia

das reduzidas (sn) da serie original e uma subsequencia das reduzidas

(tn) da nova serie. Assim, (sn) pode convergir sem que (tn) convirja.

Por exemplo, dada a serie∑an convergente, podemos dissociar

seus termos da forma an = an + 1− 1. Entao, a nova serie

a1 + 1− 1+ a2 + 1− 1+ a3 + 1− 1+ . . .

diverge, pois seu termo geral nao converge para zero.

Mas, quando a serie∑an e absolutamente convergente e dissocia-

mos seus termos como somas finitas an = a1n + . . .+ ak

n de parcelas com

o mesmo sinal, a nova serie obtida converge e converge para a mesma

soma.

Suponhamos, primeiro, que an ≥ 0 para todo n ∈ N. Se escre-

vermos cada an como uma soma finita de numeros nao-negativos, obte-

mos uma nova serie∑bn, com bn ≥ 0, cuja sequencia das reduzidas

(tn) e uma sequencia nao-decrescente, que possui como subsequencia a

sequencia (sn) das reduzidas da serie∑an.

Como a subsequencia (sn) e limitada superiormente, por ser conver-

gente, entao (tn) e, tambem, limitada superiormente. Logo, (tn) converge

e converge para o mesmo limite da subsequencia (sn). Ou seja, a nova

serie∑bn converge e tem soma

∑bn =

∑an.

Seja, agora, uma serie∑an absolutamente convergente.

Se pn e qn sao, respectivamente, a parte positiva e a parte nega-

tiva de an, temos que as series∑pn e

∑qn tem todos os termos nao-

negativos, sao convergentes, e∑an =

∑pn −

∑qn .

J. Delgado - K. Frensel118

Page 119: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Aritmetica de series

Como toda dissociacao dos an em somas finitas de parcelas com

o mesmo sinal determina uma dissociacao em∑pn e outra em

∑qn,

temos, pelo visto acima, que esta dissociacao mantem a convergencia e

o valor da soma das series∑pn e

∑qn.

Logo, a nova serie e convergente e tem a mesma soma que∑an.

Exemplo 8.1 Sejam∑an e

∑bn series convergentes com somas s e

t, respectivamente. Ja sabemos que a serie∑

(an + bn) = (a1 + b1) +

(a2 + b2) + . . . converge para s+ t.

Vamos provar que a serie a1 + b1 + a2 + b2 + . . ., obtida pela dissociacao

dos termos da serie∑

(an + bn) converge e sua soma e s+ t.

Observamos primeiro, que esta afirmacao nao decorre do provado acima,

pois nao estamos supondo que as series∑an e

∑bn sejam absoluta-

mente convergentes e nem que os seus termos an e bn tenham o mesmo

sinal.

Sejam sn e tn as reduzidas das series∑an e

∑bn respectivamente.

Entao, a serie a1+b1+a2+b2+a3+b3+. . . tem como reduzidas de ordem

par r2n = sn+tn e como reduzidas de ordem ımpar r2n−1 = sn−1+tn−1+an.

Logo, lim rn = s+ t , ou seja, a serie a1 + b1 + a2 + b2 + . . . e convergente

e tem soma s+ t.�

• Comutatividade: Dada uma serie∑an, mudar a ordem de seus termos

significa considerar uma bijecao ϕ : N −→ N para formar uma nova serie∑bn, cujo termo geral e bn = aϕ(n), para todo n ∈ N.

Definicao 8.1 Uma serie∑an e comutativamente convergente quando,

para toda bijecaoϕ : N −→ N, a serie∑bn, cujo termo geral e bn = aϕ(n),

e convergente e∑an =

∑bn.

Exemplo 8.2 A serie∞∑

n=1

(−1)n+1

n= 1 −

1

2+1

3−1

4+ . . . e convergente,

mas nao e absolutamente convergente.Provaremos depois que a soma s

da serie do exemplo 8.2 e igual a

log 2 , usando a serie de Taylor dafuncao logaritmo.

Seja s =

∞∑n=1

(−1)n+1

n. Multiplicando os termos da serie por

1

2, obtemos

Instituto de Matematica - UFF 119

Page 120: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

s

2=

∞∑n=1

(−1)n+1

2n=1

2−1

4+1

6−1

8+1

10. . .

Entao,s

2= 0+

1

2+ 0−

1

4+ 0+

1

6+ 0−

1

8+ 0+

1

10. . . ,

pois, se incluirmos zeros entre os termos de uma serie, nao alteramos a

sua convergencia e nem a sua soma.

• De fato, se sn e tn sao as reduzidas da serie∑an e da serie

∑bn,

obtida acrescentando zeros entre os seus termos an, temos que, dado

n0 ∈ N, existe m0 ∈ N tal que tm0= sn0

.

Assim, se |sn − s| < ε para todo n ≥ n0, entao |tn − s| < ε para todo

m ≥ m0, existe n ≥ n0 tal que m = n.

Entao, somando termo a termo as seriess

2= 0+

1

2+ 0−

1

4+ 0+

1

6+ 0−

1

8+ 0+

1

10. . . ,

e

s = 1−1

2+1

3−1

4+1

5−1

6+1

7−1

8+1

9−1

10+ . . . ,

obtemos a serie3s

2= 1+ 0+

1

3−1

2+1

5+ 0+

1

7−1

4+1

9+1

11−1

6+ . . .

Pela propriedade associativa, pois retiramos os termos zeros de uma serie

sem alterar sua convergencia nem a sua soma. Logo,3s

2= 1+

1

3−1

2+1

5+1

7−1

4+1

9+1

11−1

6+ . . .

• Precisamos ainda provar que os termos da serie∑

(an + bn), onde∑an = 0+

1

2+ 0−

1

4+ 0+

1

6+ . . .

e ∑bn = 1−

1

2+1

3−1

4+1

5−1

6+ . . .

sao os termos da serie∑bn, depois de eliminarmos os zeros, so que

numa ordem diferente!

◦ De fato, como a2n−1 = 0, a2n =(−1)n+1

2ne bn =

(−1)n+1

n, temos:

a2n−1 + b2n−1 = b2n−1

J. Delgado - K. Frensel120

Page 121: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Aritmetica de series

e

a2n + b2n =(−1)n+1

2n+

(−1)2n+1

n=

(−1)n+1 + (−1)2n+1

2n.

Logo, a2n + b2n =−2

2n=

(−1)n+1

nse n e par, e a2n + b2n = 0 se n e ımpar.

• Provamos, assim, que os termos da serie

1+1

3−1

2+1

5+1

7−1

4+1

9+1

11−1

6+ . . .

cuja soma e3s

2sao os mesmos da serie original, cuja soma e s, apenas

com uma mudanca de ordem.

Assim, uma reordenacao dos termos de uma serie convergente pode al-

terar o valor da sua soma!�

Teorema 8.1 Toda serie absolutamente convergente e comutativamente

convergente.

Prova.

• Suponhamos, primeiro que∑an e uma serie convergente com an ≥ 0

para todo n.

Seja ϕ : N −→ N uma bijecao e tomemos bn = aϕ(n).

Vamos provar que a serie∑bn e convergente e que

∑bn =

∑an.

Sejam sn = a1 + . . .+ an e tn = aϕ(1) + . . .+ aϕ(n) as reduzidas de ordem

n das series∑an e

∑bn, respectivamente.

Afirmacao 1: Para cada n ∈ N existe m ∈ N tal que tn ≤ sm.

De fato, seja m = max {ϕ(1), . . . , ϕ(n)}. Entao

{ϕ(1), . . . , ϕ(n)} ⊂ {1, 2, . . . ,m} .

Logo,

tn =

n∑n=1

aϕ(i) ≤m∑

i=1

aj = sm .

Afirmacao 2: Para cada m ∈ N, existe n ∈ N tal que sm ≤ tn.

De fato, dado m ∈ N, temos que sm =

m∑i=1

ai =

m∑i=1

bϕ−1(i) .

Instituto de Matematica - UFF 121

Page 122: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Seja n = max{ϕ−1(1), . . . , ϕ−1(m)

}. Entao,{

ϕ−1(1), . . . , ϕ−1(n)}⊂ {1, 2, . . . , n} .

Logo,

sm =

m∑i=1

bϕ−1(i) ≤n∑

j=1

= tn .

Afirmacao 3: lim sn = lim tn = s , ou seja,∑bn e convergente e∑

bn =∑an .

De fato, como s = lim sm = supm∈N

sm e t = lim tn = supn∈N

tn , temos que

sm ≤ s para todo m ∈ N e tn ≤ t, para todo n ∈ N.

Assim, pelas afirmacoes (1) e (2), tn ≤ s para todo n ∈ N e sm ≤ t para

todo m ∈ N.

Portanto, t ≤ s e s ≤ t, ou seja, s = t.

• No caso em que a serie∑an e absolutamente convergente, temos que∑

an =∑pn−

∑qn, onde pn e qn sao a parte positiva e a parte negativa

de an, respectivamente.

Afirmacao 4: Toda reordenacao (bn) dos termos an da serie original da

lugar a uma reordenacao (un) para os pn e uma reordenacao (vn) para

os qn, de tal modo que cada un e a parte positiva e cada vn e a parte

negativa de bn.

De fato, se bn = aϕ(n), sendo ϕ : N −→ N uma bijecao, temos que:un = aϕ(n) = pϕ(n) = bn , se aϕn = bn < 0

vn = 0 = qϕ(n) , se aϕ(n) = bn ≥ 0 .

• Pelo provado anteriormente, as series∑un e

∑vn convergem, sendo∑

un =∑pn e

∑vn =

∑qn .

Logo, a serie∑bn e absolutamente convergente e

∑bn =

∑un −

∑vn.

Alem disso,∑an =

∑pn −

∑qn =

∑un −

∑vn =

∑bn.�

Teorema 8.2 Seja∑an uma serie condicionalmente convergente. Dado

qualquer numero real c, existe uma reordenacao (bn) dos termos de∑an,

de modo que∑bn = c.

J. Delgado - K. Frensel122

Page 123: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Aritmetica de series

Prova.

sejam pn a parte positiva e qn a parte negativa de an. Como a serie∑an e condicionalmente convergente, temos que liman = 0, e, portanto,

limpn = limqn = 0, mas∑pn = +∞ e

∑qn = +∞.

Vamos reordenar os termos da serie∑an da seguinte maneira:

Sejam

◦ n1 ∈ N o menor ındice tal que p1 + . . .+ pn1> c .

◦ n2 ∈ N o menor ındice tal que

p1 + . . .+ pn1− q1 − . . .− qn−2 < c .

◦ n3 ∈ N o menor ındice tal que

p1 + . . .+ pn1− q1 − . . .− qn−2 + pn1+1 + . . .+ pn3

> c .

◦ n4 ∈ N o menor ındice tal que

p1 + . . .+ pn1− q1 − . . .− qn−2 + pn1+1 + . . .+ pn3

− qn2+1 − . . .− qn4< c .

Esses ındices existem, pois∑pn = +∞ e

∑qn = +∞.

Prosseguindo desta maneira, obtemos uma reordenacao da serie tal que

as reduzidas tn da nova serie tendem para c.

De fato, para todo i ≥ 3 ımpar, temos

tni+ni+1=

ni∑j=1

pj −

ni+1∑`=1

q` < c <

ni∑j=1

pj −

ni−1∑`=1

q` = tni−1+ni,

0 < tni−1+ni− c < pni

, e 0 < c− tni+ni+1< qni+1

,

pois ni e o menor inteiro tal queni∑j=1

pn −

ni−1∑`=1

q` < c e ni+1 e o menor

inteiro tal queni∑j=1

pj −

ni−1∑`=1

q` > c.

Sendo limpni= limqni+1

= 0, temos que lim tni+ni+1= lim tni−1+ni

= 0 .

Alem disso, dado n ∈ N, existe i ımpar, tal que

◦ ni−1 + ni < n < ni + ni+1 =⇒ tni+ni+1≤ tn ≤ tni−1+ni

,

ou

◦ ni + ni+1 < n < ni+1 + ni+2 =⇒ tni+ni+1≤ tn ≤ tni+1+ni+2

.

Logo, lim tn = c, ou seja, a nova serie tem soma c.�

Instituto de Matematica - UFF 123

Page 124: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Observacao 8.1 Podemos reordenar uma serie∑an condicionalmente

convergente de modo que a serie reordenada tenha soma +∞ ou −∞.

De fato, sejam

◦ n1 ∈ N tal que p1 + . . .+ pn1> 1+ q1 ,

◦ n2 ∈ N tal que n2 > n1 e

p1 + . . .+ pn1− q1 + pn1+1 + . . .+ pn2

> 2+ q2 ,

◦ n3 ∈ N tal que n3 > n2 e

p1 + . . .+ pn1− q1 + pn1+1 + . . .+ pn2

− q2 + pn2+1 + . . .+ pn3> 3+ q3 .

Prosseguindo desta maneira, obtemos uma reordenacao da serie∑an,

de modo que as reduzidas tn da nova serie satisfazem:

tni+(i−1) > i+ qi > i e tni+i > i , para todo i ∈ N .

Alem disso, se n ≥ ni + (i − 1), existe j ≥ i tal que n = nj + (j − 1) ou

n = nj + j ou nj + j < n < nj+1 + j.

Logo, tn > j ≥ i, pois tnj+1+j = tnj+j + pnj+1 + pnj+1.

Como, dado A > 0, existe i0 ∈ N, tal que i0 > A, temos que tn > i0 > A

para todo n ≥ ni0+(i0−1)

Portanto, as reduzidas da nova serie tendem para +∞.

Para provar que existe uma reordenacao dos termos da serie∑an de

modo que a nova serie tenha soma −∞, basta trocar pi por qi no argu-

mento acima.

Corolario 8.1 Uma serie∑an e absolutamente convergente se, e so-

mente se, e comutativamente convergente.

Teorema 8.3 Se∑n≥0

an e∑n≥0

bn sao series absolutamente convergen-

tes, entao

(∑an) (

∑bn) =

∑cn ,

onde cn = a0bn + a1bn−1 + . . .+ anb0 para todo n ≥ 0.

Prova.

Ja sabemos que, para todo n ≥ 0,

J. Delgado - K. Frensel124

Page 125: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

(n∑

i=0

ai

) (n∑

j=0

bj

)=

n∑i,j=0

aibj = x0 + x1 + . . .+ xn ,

onde

xn =

n∑i=0

aibn +

n−1∑j=0

anbj

= a0bn + a1bn + . . .+ anbn + anbn − 1+ . . .+ anb0 .

E, portanto, (∑an) (

∑bn) =

∑xn .

Pela dissociacao dos termos xn, obtemos a serie∑aibj, cujos termos

sao ordenados de modo que as parcelas de xn precedem as de xn + 1.

Para cada k ≥ 0, a reduzida de ordem (k+ 1)2 da serie∑

|aibj| ek∑

i,j=0

|ai| |bj| =

(k∑

i=0

|ai|

) (k∑

j=0

|bj|

)≤

(∑n≥0

|an|

) (∑n≥0

|bn|

),

ou seja, a subsequencia das reduzidas de ordem (k+1)2 da serie∑

|aibj|

e limitada.

Logo, a sequencia das reduzidas da serie∑

|aibj| e convergente, por ser

nao-decrescente e limitada, ja que possui uma subsequencia limitada.

Assim, a serie∑aibj e absolutamente convergente.

Reordenando e depois associando os termos da serie∑aibj, obtemos a

nova serie∑cn, onde cn = a0bn + . . .+ anb0 =

∑i+j=n

aibj .

Como a serie∑aibj e absolutamente convergente, temos que(∑

n≥0

an

) (∑n≥0

bn

)=

∑n≥0

xn =∑

aibj =∑n≥0

cn .

Instituto de Matematica - UFF 125

Page 126: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

J. Delgado - K. Frensel126

Page 127: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Conjuntos abertos

Parte 4

Topologia da reta

Nesta parte estudaremos as propriedades topologicas do conjunto

dos numeros reais, de modo a estabelecer os conceitos de limite e conti-

nuidade de funcoes reais de variavel real.

1. Conjuntos abertos

Definicao 1.1 Sejam X ⊂ R e x ∈ X. Dizemos que x e um ponto interior

de X quando existe um intervalo aberto (a, b) tal que x ∈ (a, b) ⊂ X.

Isto significa que todos os pontos suficientemente proximos de x ainda

pertencem ao conjunto X.

Observacao 1.1 x e um ponto interior do conjunto X se, e so se, existe

ε > 0 tal que (x− ε, x+ ε) ⊂ X.

De fato, se x ∈ (a, b) ⊂ X, tome ε = min{x− a, b− x} > 0.

Entao, a ≤ x − ε < x + ε ≤ b, ou seja, (x − ε, x + ε) ⊂ (a, b). Logo,

(x− ε, x+ ε) ⊂ X.

Fig. 1: Intervalo centrado em x de raio ε contido em X.

Observacao 1.2 x e um ponto interior de X se, e so se, existe ε > 0 tal

que |y− x| < ε =⇒ y ∈ X.

Instituto de Matematica - UFF 127

Page 128: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

De fato,

|y− x| < ε ⇐⇒ −ε < y− x < ε ⇐⇒ x− ε < y < x+ ε ⇐⇒ y ∈ (x− ε, x+ ε).

Definicao 1.2 O interior do conjunto X, representado por intX, e o con-

junto dos pontos x ∈ X que sao interiores a X.

Observacao 1.3

• intX ⊂ X.

• X ⊂ Y entao intX ⊂ int Y.

• Se intX 6= ∅, X contem um intervalo aberto, sendo, portanto, infinito

nao-enumeravel.

Logo, intX = ∅, se X e finito ou infinito enumeravel.

Em particular int N = int Z = int Q = ∅.

• O conjunto R − Q dos numeros irracionais, apesar de ser infinito nao-

enumeravel, tambem possui interior vazio, pois todo intervalo aberto contem

um numero racional.

Exemplo 1.1 Se X = (a, b) ou X = (−∞, b) ou X = (a,+∞), entao

intX = X.

De fato, no primeiro caso, para todo x ∈ X, temos x ∈ (a, b) ⊂ X. No

segundo caso, dado x ∈ X, temos x ∈ (x − 1, b) ⊂ X, e, no terceiro caso,

dado x ∈ X, temos x ∈ (a, x+ 1) ⊂ X.

Logo, X ⊂ intX, ou seja, X = intX.�

Exemplo 1.2 Sejam X = [c, d], Y = [c,+∞) e Z = (−∞, d]. Entao,

intX = (c, d) , int Y = (c,+∞) , intZ = (−∞, d) .

De fato, se x ∈ (c, d), temos que x ∈ (c, d) ⊂ X. Logo, (c, d) ⊂ intX.

Alem disso, como para todo intervalo aberto (a, b) contendo c, (a, c) 6⊂ X,

temos que c 6∈ intX.

Do mesmo modo, d 6∈ intX, pois para todo intervalo aberto (a, b) que

contem d, temos que (d, b) 6⊂ X. Entao, intX ⊂ (c, d). Logo, intX = (c, d).

Analogamente, podemos provar os outros casos e, tambem, que

int(c, d] = int[c, d) = (c, d).

J. Delgado - K. Frensel128

Page 129: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Conjuntos abertos

Definicao 1.3 Dizemos que um subconjuntoA ⊂ R e um conjunto aberto

quando todos os seus pontos sao interiores, isto e, quando intA = A.

Assim, A ⊂ R e aberto se, e somente se, para cada x ∈ A existe um

intervalo aberto (a, b) tal que x ∈ (a, b) ⊂ A.

Exemplo 1.3 O conjunto vazio e aberto, pois um conjunto X so deixa

de ser aberto se existir algum ponto de X que nao esta em seu interior.�

Exemplo 1.4 A reta R e um conjunto aberto.�

Exemplo 1.5 Um intervalo e um conjunto aberto se, e so se, e um in-

tervalo aberto. Ou seja, os intervalos da forma (a, b), (a,+∞), (−∞, b)sao os unicos tipos de intervalos que sao conjuntos abertos (ver exemplo

1.2).�

Exemplo 1.6 Todo conjunto aberto nao-vazio e nao-enumeravel.

Em particular, todos os subconjuntos de Q e todos os subconjuntos finitos

de R nao sao abertos.�

Exemplo 1.7 Nenhum subconjunto do conjunto dos numeros irracio-

nais e aberto, pois todo intervalo aberto contem um numero racional.�

Teorema 1.1 A intersecao de um numero finito de conjuntos abertos e

um conjunto aberto.

Prova.

Sejam A1, . . . , An ⊂ R conjuntos abertos e seja

A = A1 ∩ . . . ∩An .

Se x ∈ A, entao x ∈ Ai para todo i = 1, . . . , n.

Logo, para cada i = 1, . . . , n existe um intervalo aberto (ai, bi) tal que

x ∈ (ai, bi) ⊂ Ai.

Sejam a = max{a1, . . . , an} e b = min{b1, . . . , bn}.

Como para todo i = 1, . . . , n ai < x < bi, temos que ai ≤ a < x < b ≤ bi.

Ou seja x ∈ (a, b) ⊂ (ai, bi) ⊂ Ai para todo i = 1, . . . , n.

Logo, x ∈ (a, b) ⊂ A.�

Instituto de Matematica - UFF 129

Page 130: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Teorema 1.2 Se (Aλ)λ ∈ L e uma famılia arbitraria de subconjuntos

abertos na reta R, entao a reuniao:

A =⋃λ∈L

e um conjunto aberto.

Prova.

Se x ∈ A =⋃

λ∈LAλ, entao existe λ0 ∈ L tal que x ∈ Aλ0.

Como Aλ0e aberto, existe um intervalo aberto (a, b) tal que

x ∈ (a, b) ⊂ Aλ0.

Logo, x ∈ (a, b) ⊂ A, pois Aλ0⊂ A.�

Observacao 1.4 Se (a1, b1) ∩ (a2, b2) 6= ∅, entao

(a1, b1) ∩ (a2, b2) = (a, b),

onde a = max{a1, a2} e b = min{b1, b2}.

De fato, como existe x ∈ (a1, b1) ∩ (a2, b2), temos

a1 < x < b1 e a2 < x < b2.

Logo, a1 < b1, a1 < b2 e a2 < b1, a2 < b2.

Entao, a = max{a1, a2} < b = min{b1, b2}, ou seja, (a, b) e realmente um

intervalo.

Se y > a, entao y > a1 e y > a2, e se y < b, entao y < b1 e y < b2.

Logo, se y ∈ (a, b), entao y ∈ (a1, b1) ∩ (a2, b2).

E, reciprocamente, se y ∈ (a1, b1) ∩ (a2, b2), entao y > a1, y > a2 e

y < b1, y < b2. Logo, a < y < b, ou seja y ∈ (a, b) .

Observacao 1.5 A intersecao de uma infinidade de conjuntos abertos

pode nao ser um conjunto aberto.

Por exemplo, considere, para cada n ∈ N, o conjunto abertoAn =(−1

n,1

n

)e seja A =

⋂n∈NAn.

Entao, A = {0} e, portanto, A nao e aberto.

De fato, como 0 ∈ An para todo n ∈ N, temos que 0 ∈ A.

Seja, agora, x 6= 0. Como |x| > 0, existe n0 ∈ N tal que 0 <1

n0< |x|, ou

J. Delgado - K. Frensel130

Page 131: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Conjuntos abertos

seja, x 6∈ An0=

(−1

n0,1

n0

).

Logo, se x 6= 0, entao x 6∈ A.

Exemplo 1.8 Mais geralmente, se a < b, entao

A =

∞⋂n=1

(a−

1

n, b+

1

n

)= [a, b] .

De fato, se x ∈ [a, b], entao a −1

n≤ a ≤ x ≤ b < b +

1

npara todo n ∈ N,

ou seja, x ∈∞⋂

n=1

(a−

1

n, b+

1

n

). Assim [a, b] ⊂ A.

Se x > b, existe n0 ∈ N tal que1

n0< x − b, ou seja, x > b +

1

n0. Entao

x 6∈(a−

1

n0, b+

1

n0

)e, portanto, x 6∈

∞⋂n=1

(a−

1

n, b+

1

n

).

De modo analogo, se x < a, existe n0 ∈ N tal que1

n0< a − x, ou seja,

x < a−1

n0. Logo, x 6∈

(a−

1

n0, a+

1

n0

)e, portanto, x 6∈ A.

Entao,∞⋂

n=1

(a−

1

n, b+

1

n

)⊂ [a, b]. Logo,

∞⋂n=1

(a−

1

n, b+

1

n

)= [a, b].�

Exemplo 1.9 Seja X = {x1, . . . , xn} um conjunto finito de numeros reais,

com x1 < x2 < . . . < xn.

Entao, R−X = (−∞, x1)∪(x1, x2)∪. . .∪(xn−1, xn)∪(xn,+∞) e um conjunto

aberto.

Ou seja, o complementar de um conjunto finito de numeros reais e um

conjunto aberto.�

Exemplo 1.10 O complementar R−Z do conjunto dos numeros inteiros

e aberto, pois

R − Z =⋃n∈Z

(n,n+ 1)

e uma reuniao de conjuntos abertos.�

Instituto de Matematica - UFF 131

Page 132: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Observacao 1.6 Todo conjunto aberto A ⊂ R e uniao de intervalos

abertos.

De fato, para todo x ∈ A existe um intervalo aberto Ix tal que x ∈ Ix ⊂ A.

Logo,

A =⋃x∈A

{x} ⊂⋃x∈A

Ix ⊂ A ,

ou seja, A =⋃a∈A

Ix.

Lema 1.1 Seja (Iλ)λ∈L uma famılia de intervalos abertos, todos con-

tendo o ponto p ∈ R.

Entao, I =⋃λ∈L

Iλ e um intervalo aberto.

Prova.

Para cada λ ∈ L, seja Iλ = (aλ, bλ). Entao, aλ < bµ quaisquer que se-

jam λ, µ ∈ L, pois aλ < p < bµ.

Sejam a = inf{aλ | λ ∈ L} e b = sup{bλ | λ ∈ L}.

Entao, a ≤ aλ < p < bλ ≤ b, ou seja, a < b.

Pode, ainda, ocorrer que seja a = −∞ ou b = +∞, ou seja, pode ocorrer

que o conjunto {aλ | λ ∈ L} seja ilimitado inferiormente ou que o conjunto

{bλ | λ ∈ L} seja ilimitado superiormente.

Afirmacao: (a, b) =⋃λ∈L

Iλ.

Como a ≤ aλ < bλ ≤ b para todo λ ∈ L, temos que⋃λ∈L

Iλ ⊂ (a, b).

Suponhamos que x ∈ (a, b).

Entao, como a = inf{aλ | λ ∈ L} e b = sup{bλ | λ ∈ L}, existem λ0, µ0 ∈ Ltais que aλ0

< x < bµ0.

Se x < bλ0, entao x ∈ (aλ0

, bλ0) ⊂

⋃λ∈L

Iλ. Se x ≥ bλ0, entao aµ0

< bλ0≤

x < bµ0, ou seja, x ∈ (aµ0

, bµ0) ⊂

⋃λ∈L

Iλ. Logo, (a, b) ⊂⋃λ∈L

Iλ. �

J. Delgado - K. Frensel132

Page 133: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Conjuntos abertos

Teorema 1.3 (Estrutura dos intervalos da reta)

Todo subconjunto aberto nao-vazio A ⊂ R se exprime, de modo unico,

como uma reuniao enumeravel de intervalos abertos dois a dois disjuntos.

Prova.

Para cada x ∈ A, seja Ix a reuniao de todos os intervalos abertos que

contem x e estao contidos em A. Cada Ix, pelo lema anterior, e um inter-

valo aberto tal que x ∈ Ix ⊂ A.

Se I e um intervalo aberto qualquer que contem x e esta contido em A,

entao, I ⊂ Ix. Isto e, Ix e o maior intervalo aberto que contem x e esta

contido em A.

Afirmacao 1: Se x, y ∈ A, entao Ix = Iy ou Ix ∩ Iy = ∅.

• Suponhamos que existe z ∈ Ix ∩ Iy, ou seja, Ix ∩ Iy 6= ∅. Entao, pelo

lema anterior, I = Ix ∪ Iy e um intervalo aberto contido em A que contem

os pontos x e y. Logo, I ⊂ Ix e I ⊂ Iy. Mas, como I ⊃ Ix e I ⊃ Iy, temos

que I = Ix = Iy.

Existe, portanto, um subconjunto L ⊂ A, tal que A =⋃x∈L

Ix e Ix ∩ Iy = ∅

se x, y ∈ L e x 6= y.

Afirmacao 2: Se A =⋃λ∈L

Jλ e uma uniao de intervalos abertos dois a

dois disjuntos, entao L e enumeravel.

• Para cada λ ∈ L, seja r(λ) ∈ Jλ ∩Q.

Como Jλ ∩ Jλ ′ = ∅ se λ 6= λ ′, temos que r(λ) 6= r(λ ′) se λ 6= λ ′.

Ou seja, a funcao

r : L −→ Qλ 7−→ r(λ)

e injetiva. Logo, L e enumeravel, pois Q e enumeravel.

Unicidade

Seja A =⋃

m∈N

Jm, onde os Jm = (am, bm) sao intervalos abertos dois a

dois disjuntos.

Instituto de Matematica - UFF 133

Page 134: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Afirmacao 3: am e bm nao pertencem a A.

De fato, se am ∈ A, existiria p 6= m tal que am ∈ Jp = (ap, bp). Entao,

pondo b = min{bm, bp}, terıamos que (am, b) ⊂ Jm ∩ Jp o que e absurdo,

pois Im ∩ Ip = ∅.

De modo analogo, podemos provar que bm 6∈ A.

Afirmacao 4: Se x ∈ Jm e x ∈ I ⊂ A, onde I = (a, b) e um intervalo

aberto, entao I ⊂ Jm. Ou seja, Im e a reuniao de todos os intervalos

abertos contidos em A e contendo x, para todo x ∈ Jm, ou melhor, Im = Ix

e o maior intervalo aberto contido em A que contem x, onde x ∈ Jm.

• De fato, am < a < b < bm, pois se a ≤ am (ver figura 2) ou bm ≤ b

(ver figura 3), terıamos, respectivamente, que am ∈ A ou bm ∈ A, o que e

absurdo.�

Fig. 2: a ≥ am.

Fig. 3: bm ≤ b.

Corolario 1.1 Seja I um intervalo aberto. Se I = A ∪ B, onde A e B

sao conjuntos abertos disjuntos, entao um desses conjuntos e igual a I e

o outro e vazio.

Prova.

Se A 6= ∅ e B 6= ∅, as decomposicoes de A e B em intervalos aber-

tos disjuntos dariam origem a uma decomposicao de I com pelo menos

dois intervalos, o que e absurdo, pela unicidade da decomposicao, ja que

I e um intervalo aberto.�

2. Conjuntos fechados

Definicao 2.1 Dizemos que um ponto a ∈ R e aderente a um conjunto

X ⊂ R quando a e limite de uma sequencia de pontos xn ∈ A.

J. Delgado - K. Frensel134

Page 135: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Conjuntos fechados

Observacao 2.1

• Todo ponto a ∈ X e aderente a X.

Basta tomar a sequencia constante xn = a, n ∈ N.

• Mas a ∈ R pode ser aderente a X sem pertencer a X.

Por exemplo, 0 e aderente ao conjunto X = (0,+∞), pois1

n∈ X, para todo

n ∈ N e1

n−→ 0.

Observacao 2.2 Todo valor de aderencia de uma sequencia (xn) e um

ponto aderente ao conjunto X = {x1, x2, . . . , xn, . . .}. Mas a recıproca nao

e verdadeira. Por exemplo, se xn −→ a e (xn) nao e uma sequencia

constante, entao a e o unico valor de aderencia da sequencia, mas todos

os pontos xn, por pertencerem a X, sao pontos aderentes a X.

Teorema 2.1 Um ponto a ∈ R e aderente a um conjunto X ⊂ R se, e so

se, (a− ε, a+ ε) ∩ X 6= ∅ para todo ε > 0.

Prova.

(=⇒) Seja (xn) uma sequencia de pontos de X tal que xn −→ a.

Entao, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que xn ∈ (a − ε, a + ε) para todo

n > n0.

Assim, (a− ε, a+ ε) ∩ X 6= ∅ para todo ε > 0.

(⇐=) Para cada n ∈ N, seja xn ∈ X ∩(a−

1

n, a+

1

n

). Entao (xn) e uma

sequencia de pontos de X tal que xn −→ a, pois |xn − a| <1

npara todo

n ∈ N, e1

n−→ 0.�

Corolario 2.1 Um ponto a ∈ R e aderente a um conjunto X ⊂ R se, e

so se, I ∩ X 6= ∅ para todo intervalo aberto I contendo a.

Prova.

Basta observar que para todo intervalo aberto contendo a existe ε > 0

tal que (a− ε, a+ ε) ⊂ I.�

Instituto de Matematica - UFF 135

Page 136: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Corolario 2.2 Sejam X ⊂ R um conjunto limitado inferiormente e Y ⊂ Rum conjunto limitado superiormente. Entao, a = infX e aderente a X e

b = supY e aderente a Y.

Prova.

Dado ε > 0, existem x ∈ X e y ∈ Y tais que a ≤ x < a+ ε e b− ε < y ≤ b.

Logo, (a− ε, a+ ε) ∩ X 6= ∅ e (b− ε, b+ ε) ∩ Y = ∅.�

Definicao 2.2 O fecho do conjunto X ⊂ R e o conjunto X formado pelos

pontos aderentes a X.

Observacao 2.3

• X ⊂ X .

• Se X ⊂ Y =⇒ X ⊂ Y .

Definicao 2.3 Dizemos que um conjunto X ⊂ R e fechado quando

X = X, ou seja, quando todo ponto aderente a X pertence a X.

Assim, X ⊂ R e fechado se, e so se, para toda sequencia conver-

gente (xn) de pontos de X tem-se lim xn = a ∈ X.

Observacao 2.4 Se X ⊂ R e limitado, fechado e nao-vazio, entao supX

e infX pertencem a X.

Exemplo 2.1 O fecho do intervalo aberto (a, b) e o intervalo fechado

[a, b].

• De fato, a, b ∈ (a, b), pois a+1

n, b−

1

n∈ (a, b), para n suficientemente

grande, e a+1

n−→ a, b−

1

n−→ b. Logo, [a, b] ⊂ (a, b).

Por outro lado, se (xn) e uma sequencia de pontos do intervalo (a, b) que

converge para c ∈ (a, b), entao a ≤ c ≤ b pois a < xn < b para todo

n ∈ N. Logo, (a, b) ⊂ [a, b]. �

Observacao 2.5

• De modo analogo, podemos provar que

J. Delgado - K. Frensel136

Page 137: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Conjuntos fechados

[a, b) = [a, b] ; (a, b] = [a, b] ;

[a, b] = [a, b] ; (a,+∞) = [a,+∞) ;

[a,+∞) = [a,+∞) ; (+∞, b) = (+∞, b] ;(−∞, b] = (−∞, b] e (−∞,+∞) = (−∞,+∞) = R .

• Assim, os intervalos fechados [a, b], (−∞, b] e [a,+∞) sao conjuntos

fechados e R tambem o e.

• Em particular, se a = b, o conjunto [a, b] = [a, a] = {a} e um conjunto

fechado. Ou seja, todo conjunto unitario e fechado.

Exemplo 2.2 Q = R − Q = R, pois todo intervalo da reta contem numeros

racionais e irracionais. Em particular, Q e R − Q nao sao conjuntos fecha-

dos.�

Teorema 2.2 Um conjunto F ⊂ R e fechado se, e somente se, seu com-

plementar R − F e aberto.

Prova.

De fato, F e fechado

⇐⇒ todo ponto aderente a F pertence a F⇐⇒ se a ∈ R − F entao a nao e aderente a F⇐⇒ se a ∈ R − F entao existe um intervalo aberto I tal que

a ∈ I e I ∩ F = ∅⇐⇒ se a ∈ R − F entao existe um intervalo aberto I tal que

a ∈ I e I ⊂ R − F⇐⇒ se a ∈ R − F entao a pertence ao interior de R − F⇐⇒ R − F e aberto.

Corolario 2.3 (a) R e o conjunto vazio sao fechados.

(b) Se F1, . . . , Fn sao conjuntos fechados, entao F1 ∪ . . . ∪ Fn e fechado.

(c) Se (Fλ)λ∈L e uma famılia qualquer de conjuntos fechados, entao a

intersecao F =⋂λ∈L

Fλ e um conjunto fechado.

Instituto de Matematica - UFF 137

Page 138: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Prova.

(a) Como R − R = ∅ e R − ∅ = R sao conjuntos abertos, temos que

R e ∅ sao conjuntos fechados.

(b) Como R − (F1 ∪ . . .∪ Fn) =

n⋂i=1

(R − Fi) e um conjunto aberto, pois cada

R − Fi, i = 1, . . . , n, e aberto, temos que F1 ∪ . . . ∪ Fn e fechado.

(c) Como R −⋂λ∈L

Fλ =⋃λ∈L

(R − Fλ) e um conjunto aberto, por ser a reuniao

dos conjuntos abertos da famılia (R − Fλ)λ∈L, temos que⋂λ∈L

Fλ e um con-

junto fechado.�

Observacao 2.6 A reuniao de uma famılia arbitraria de conjuntos fe-

chados pode nao ser um conjunto fechado.

De fato, como todo conjunto X e a reuniao de seus pontos, ou seja,

X =⋃x∈X

{x} , e os conjuntos {x} sao fechados, basta considerar um con-

junto X que nao e fechado.

Teorema 2.3 O fecho de todo conjunto X ⊂ R e um conjunto fechado.

Isto e, X = X.

Prova.

Seja x ∈ R − X, ou seja, x nao e aderente a X. Entao, existe um intervalo

I tal que x ∈ I e I ∩ X = ∅, ou seja, x ∈ I ⊂ R − X.

Isto mostra que R − X ⊂ int(R − X), ou seja, R − X e um conjunto aberto.

Logo, X e um conjunto fechado.�

Exemplo 2.3 Todo conjunto F = {x1, . . . , xn} finito e fechado, pois

F =

n⋃i=1

{xi} e a reuniao finita dos conjuntos {xi}, i = 1, . . . , n, fechados,

ou porque R − F e aberto, como ja vimos anteriormente.�

Exemplo 2.4 Z e um conjunto fechado, pois R − Z =⋃n∈Z

(n,n+ 1) e um

J. Delgado - K. Frensel138

Page 139: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Conjuntos fechados

conjunto aberto.�

Exemplo 2.5 Q, R − Q, [a, b) e (a, b] nao sao conjuntos abertos nem

fechados.�

Observacao 2.7 Um conjunto X ⊂ R e aberto e fechado ao mesmo

tempo se, e so se, X = R ou X = ∅.

• De fato, ja provamos que R e ∅ sao conjuntos abertos e fechados ao

mesmo tempo.

Se X ⊂ R e aberto e fechado, entao R − X e aberto e fechado. Logo,

R = X ∪ (R − X) e a reuniao de dois conjuntos abertos disjuntos. Assim,

pelo corolario 1.1, X = ∅ ou X = R.

Exemplo 2.6 (O conjunto de Cantor)

O conjunto de Cantor e um subconjunto fechado do intervalo [0, 1], obtido

como complementar de uma reuniao enumeravel de intervalos abertos,

da seguinte maneira.

Primeiro, retira-se do intervalo [0, 1] seu terco medio(

13, 2

3

). Depois, retira-

se os tercos medios abertos(

19, 2

9

)e(

79, 8

9

)dos intervalos restantes

[0, 1

3

]e[

23, 1], sobrando, assim, os intervalos fechados

[0, 1

9

],[

29, 1

3

],[

23, 7

9

]e[

79, 1]

.

Em seguida, retira-se o terco medio aberto de cada um desses quatro

intervalos. Repetindo-se esse processo indefinidamente, o conjunto de

Cantor e o conjunto K que consiste dos pontos nao retirados.

Fig. 4: Construcao do conjunto de Cantor.

Se indicarmos por I1, I2, . . . , In, . . . os intervalos abertos omitidos, temos

K = [0, 1] −

∞⋃n=1

In = [0, 1] ∩

(R −

∞⋃n=1

In

).

Logo, K e um conjunto fechado, pois [0, 1] e R −

∞⋃n=1

In sao conjuntos fe-

chados. Observe que os pontos extremos dos intervalo retirados, como 13,

23, 1

9, 2

9, 7

9, 8

9etc., pertencem ao conjunto de Cantor, pois, em cada etapa

Instituto de Matematica - UFF 139

Page 140: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

da construcao, sao retirados apenas pontos interiores dos intervalos res-

tantes da etapa anterior.

Esses pontos extremos dos intervalos omitidos formam um subconjunto

infinito enumeravel de K, mas, como veremos depois, K nao e enumeravel.

Vamos provar, agora, que K nao contem nenhum intervalo aberto, ou seja,

intK = ∅.

De fato, na n−esima etapa da construcao de K, sao retirados 2n−1 in-

tervalos abertos de comprimento 13n , restando 2n intervalos fechados de

comprimento 13n .

Sejam I um intervalo aberto de comprimento ` > 0 e n0 ∈ N tal que1

3n0< `.

Se I ⊂ K, entao I ⊂2n0⋃k=1

Jk, onde Jk, k = 1, . . . , 2n0 , sao os intervalos

fechados de comprimento 13n0

restantes da n0−esima etapa.

Logo, existe k0 ∈ {1, . . . , 2n0} (verifique!) tal que I ⊂ Jk0, o que e absurdo,

pois 13n0

< `.�

Definicao 2.4 Sejam X e Y subconjuntos de R tais que X ⊂ Y. Dizemos

que X e denso em Y quando todo ponto de Y e aderente a X, ou seja,

quando Y ⊂ X.

Observacao 2.8 X ⊂ Y e denso em Y ⇐⇒ todo ponto de Y e limite de

uma sequencia de pontos de X.

Observacao 2.9 X e denso em R se X = R. Em particular, Q e R − Q

sao densos em R, pois, como ja vimos, Q = R − Q = R.

Observacao 2.10 Se J e um intervalo nao-degenerado, entao J ∩ Q e

J∩(R−Q) sao densos em J, ou seja, para todo a ∈ J existe uma sequencia

(xn) de pontos de J ∩ Q e uma sequencia (yn) de pontos de J ∩ (R − Q)

que convergem para a (verifique!).

Observacao 2.11

J. Delgado - K. Frensel140

Page 141: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Conjuntos fechados

• X ⊂ Y e denso em Y se, e so se, para todo y ∈ Y e todo ε > 0 tem-se

(y− ε, y+ ε) ∩ X 6= ∅.

• X ⊂ Y e denso em Y se, e so se, todo intervalo aberto que contem algum

ponto de Y contem, necessariamente, algum ponto de X.

Em particular, X ⊂ R e denso em R se, e so se, I ∩ X 6= ∅ para todo

intervalo aberto I.

Assim, dizer que X e denso em R a partir da definicao acima, coincide

com a definicao dada anteriormente.

Teorema 2.4 Todo conjunto X de numeros reais contem um subcon-

junto enumeravel E denso em X.

Prova.

• Se X e finito, entao X e denso em si mesmo, pois X = X.

• Suponhamos, agora, que X nao e finito.

Dado n ∈ N, podemos exprimir R como uniao enumeravel de intervalos

de comprimento1

n:

R =⋃p∈Z

[p

n,p+ 1

n

).

Se X ∩[p

n,p+ 1

n

)6= ∅, escolhemos um ponto xpn nessa intersecao.

Afirmacao: O conjunto E dos pontos xpn assim obtidos e enumeravel.

De fato, como o conjunto A ={(p, n) ∈ Z× N |X ∩

[pn, p+1

n

)6= ∅

}e enu-

meravel e a funcao

ϕ : A −→ X

(p, n) 7−→ xpn

e injetiva, temos que E = ϕ(A) e enumeravel.

Afirmacao: E e denso em X.

Seja I = (a, b) um intervalo aberto contendo algum ponto de X e seja

x ∈ I ∩ X.

Instituto de Matematica - UFF 141

Page 142: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Sejam n0 ∈ N tal que1

n0< max{d(a, x), d(b, x)} e p0 ∈ Z tal que

x ∈[p0

n0,p0 + 1

n0

). Entao,

[p0

n0,p0 + 1

n0

)⊂ I, pois, caso contrario, terıamos

que1

n0> d(a, x) ou

1

n0> d(b, x).

Fig. 5: x ∈h

p0n0

, p0+1n0

”∩ (a, b) .

Logo, como x ∈[p0

n0,p0 + 1

n0

)∩ X 6= ∅, existe o ponto xp0n0

∈ E, que

tambem pertence a I, pois xp0n0∈[p0

n0,p0 + 1

n0

)⊂ I.

Fig. 6: xp0n0 ∈h

p0n0

, p0+1n0

”⊂ I = (a, b) .

Mostramos, assim, que todo intervalo aberto I que contem um ponto de

X, tambem contem um ponto xpn ∈ E.

Logo, E e denso em X.�

Observacao 2.12 O conjunto enumeravel E dos extremos dos interva-

los omitidos na construcao do conjunto de Cantor K e denso em K.

Com efeito, sejam x ∈ K e 0 < ε ≤ 1

2. Assim, pelo menos um dos inter-

valos (x − ε, x] ou [x, x + ε) esta contido em [0, 1], pois, caso contrario, 2ε

seria maior que 1.

Suponhamos, entao, que [x, x+ ε) ⊂ [0, 1].

Seja n0 ∈ N tal que1

3n0< ε. Como depois da n0−esima etapa da

construcao de K restam apenas intervalos de comprimento menor que1

3n0, alguma parte do intervalo [x, x+ ε) e retirada na n0−esima etapa, ou

foi retirada antes.

Alem disso, como x ∈ K, o extremo inferior y da parte retirada (que pode

ser x, se x ∈ E) pertence ao intervalo [x, x + ε), pois, caso contrario, x

seria retirado.

J. Delgado - K. Frensel142

Page 143: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Pontos de acumulacao

Logo, y ∈ E ∩ [x, x+ ε) ⊂ E ∩ (x− ε, x+ ε).

Mostramos, assim, que (x− ε, x+ ε) ∩ E 6= ∅, para todo x ∈ K e ε > 0.

3. Pontos de acumulac ao

Definicao 3.1 Seja X ⊂ R. Um numero a ∈ R e ponto de acumulacao

do conjunto X quando todo intervalo aberto (a − ε, a + ε), de centro a e

raio ε > 0, contem algum ponto x ∈ X diferente de a.

O conjunto dos pontos de acumulacao de X, tambem chamado o derivado

de X, sera representado por X ′.

Simbolicamente, temos que a ∈ X ′ se, e so se,

• ∀ ε > 0 , ∃ x ∈ X ; 0 < |x− a| < ε

ou

• ∀ ε > 0 , (a− ε, a+ ε) ∩ (X− {a}) 6= ∅ .

Teorema 3.1 Dado X ⊂ R e a ∈ R, as seguintes afirmacoes sao equi-

valentes:

(1) a ∈ X ′;

(2) a = lim xn, onde (xn) e uma sequencia de elementos de X, dois a dois

distintos;

(3) todo intervalo aberto contendo a possui uma infinidade de elementos

de X.

Prova.

(1) =⇒ (2) Seja x1 ∈ X tal que 0 < |x1 − a| < 1.

Suponhamos que foi possıvel determinar pontos x1, x2, . . . , xn ∈ X tais que

0 < |xj − a| < |xj−1 − a| e 0 < |xj − a| <1

j, j = 2, . . . , n.

Existe, entao, xn+1 ∈ X tal que 0 < |xn+1 − a| < ε, onde

ε = min{

1

n+ 1, |xn − a|

}.

Instituto de Matematica - UFF 143

Page 144: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Com isso, construımos uma sequencia (xn) de pontos de X dois a dois

distintos que converge para a, pois |xn+1 − a| < |xn − a| e |xn − a| <1

n,

para todo n ∈ N.

(2) =⇒ (3) Seja (xn) uma sequencia de pontos de X dois a dois distintos

que converge para a e seja I um intervalo aberto que contem a.

Entao, existem ε > 0 tal que (a − ε, a + ε) ⊂ I e n0 ∈ N tal que

xn ∈ (a− ε, a+ ε) para todo n ≥ n0.

Logo, {xn |n ≥ n0} ⊂ I. Assim I contem uma infinidade de pontos de X,

pois os termos xn da sequencia sao dois a dois distintos.

(3) =⇒ (1) E trivial verificar esta implicacao.�

Corolario 3.1 Se X ′ 6= ∅, entao X e infinito.

Exemplo 3.1 Se xn 6= a para um numero infinito de ındices n ∈ N e

lim xn = a, entao X ′ = {a}, onde X = {x1, x2, . . . , xn, . . .} e o conjunto

formado pelos termos da sequencia (xn).

De fato, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que |xn − a| < ε para todo n ≥ n0.

Entao, existe n1 ≥ n0 tal que 0 < |xn1− a| < ε, ou seja, existe n1 ≥ n0 tal

que xn1∈ (a − ε, a + ε) − {a}, pois, caso contrario, terıamos xn = a para

todo n ≥ n0. Logo, a ∈ X ′.

Seja b 6= a. Como xn → a, existe n0 ∈ N tal que |xn − a| <|b− a|

2para

todo n ≥ n0.

Logo, |xn − b| >|b− a|

2para todo n ≥ n0.

Ou seja, o intervalo (b − ε, b + ε), onde ε =|b− a|

2> 0, contem apenas

um numero finito de elementos de X. Logo, b 6∈ X ′.

Assim, X ′ = {a}.

Em particular, X ′ = {0}, onde X ={1 ,1

2, . . . ,

1

n, . . .

}, pois

1

n→ 0 e

1

n6= 0

para todo n ∈ N, e Y ′ = {a}, onde Y ={a, a+ 1, a, a+

1

2, . . . , a, a+

1

n, . . .

},

pois a sequencia cujos termos sao yn = a para n ımpar e yn = a +1

n,

J. Delgado - K. Frensel144

Page 145: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Pontos de acumulacao

para n par, converge para a e yn 6= a para todo n par.

• Observe que, se xn = a para todo n ∈ N, entao X ′ = ∅, pois X = {a} e

um conjunto finito.�

Exemplo 3.2 Todo ponto x do conjunto de Cantor K e um ponto de

acumulacao de K, ou seja, K ⊂ K ′.

Suponhamos, primeiro, que x nao pertence ao conjunto E das extremida-

des dos intervalos retirados. Como E e denso em X, dado ε > 0, existe

y ∈ E tal que y ∈ (x− ε, x+ ε). Entao, existe y ∈ K tal que 0 < |y− x| < ε.

Logo, x ∈ K ′.

Suponhamos, agora, que x ∈ E e que x e a extremidade direita do in-

tervalo (a, x) retirado na n0−esima etapa da construcao do conjunto de

Cantor K, restando um intervalo da forma [x, b1]. Na etapa seguinte, sera

omitido o terco medio do intervalo [x, b1], sobrando um intervalo [x, b2] ⊂[x, b1]. Assim, nas outras etapas, sobrarao [x, b3] , [x, b4] , . . . , [x, bn] , . . .,

com b1 > b2 > b3 > . . . > bn > . . . pertencentes a E ⊂ K e limbn = x ,

pois |x− bn| =1

3n0+n−1, para todo n ∈ N. Logo, x ∈ K ′.

De modo analogo, podemos provar que se x ∈ E e a extremidade es-

querda de um intervalo retirado durante a construcao do conjunto de Can-

tor, entao x ∈ K ′.

Observe, tambem, que 0, 1 ∈ K ′, pois1

3n, 1 −

1

3n∈ E ⊂ K, para todo

n ∈ N, e1

3n−→ 0 e 1−

1

3n−→ 1.

Assim, todo ponto de K e um ponto de acumulacao de K.�

Exemplo 3.3 Q ′ = (R − Q) ′ = R ′ = R, pois todo intervalo aberto de Rcontem uma infinidade de numeros racionais e irracionais (por que?).�

Exemplo 3.4 (a, b) ′ = [a, b) ′ = (a, b] ′ = [a, b] ′ = [a, b] (verifique!).�

Definicao 3.2 Um ponto a ∈ X que nao pertence a X ′ e um ponto iso-

lado de X.

Assim, a ∈ X e um ponto isolado de X se, e so se, existe ε > 0 tal que

(a− ε, a+ ε) ∩ X = {a}.

Instituto de Matematica - UFF 145

Page 146: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Exemplo 3.5 Todo ponto a ∈ Z e um ponto isolado de Z, pois

(a− 1, a+ 1) ∩ Z = {a}.

Observacao 3.1 X nao possui ponto isolado se, e somente se, X ⊂ X ′.

Em particular, Q e o conjunto de Cantor K nao possuem pontos isolados,

pois Q ⊂ Q ′ = R e K ⊂ K ′.

Teorema 3.2 Para todo X ⊂ R, tem-se X = X ∪ X ′.

Ou seja, o fecho de um conjunto X e obtido acrescentando-se a X os seus

pontos de acumulacao.

Prova.

Pela definicao de ponto aderente e de ponto de acumulacao, temos que

X ⊂ X e X ′ ⊂ X. Logo, X ∪ X ′ ⊂ X.

Seja, agora, a ∈ X tal que a 6∈ X.

Entao, dado ε > 0, existe x ∈ X tal que x ∈ (a − ε, a + ε), ou seja,

x ∈ (a− ε, a+ ε) ∩ X.

Como a 6∈ X, temos que x 6= a. Logo, (a− ε, a+ ε) ∩ X− {a} 6= ∅.

Assim, se a ∈ X, entao a ∈ X ou a ∈ X ′, isto e, X ⊂ X ∪ X ′.�

Observacao 3.2 X e X ′ podem ter intersecao nao-vazia. Por exemplo,

se X = (0, 1), entao X ′ = [0, 1].

Corolario 3.2 X e fechado se, e somente se, X ′ ⊂ X.

Prova.

X e fechado ⇐⇒ X = X ⇐⇒ X = X ∪ X ′ ⇐⇒ X ′ ⊂ X.�

Exemplo 3.6 Se K e o conjunto de Cantor, entao K = K ′, pois K e

fechado, ou seja, K ′ ⊂ K, e tambem K ⊂ K ′, pelo exemplo 3.2.�

Corolario 3.3 Um conjunto X ⊂ R e fechado sem pontos isolados se, e

somente se, X ′ = X.

J. Delgado - K. Frensel146

Page 147: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Pontos de acumulacao

Corolario 3.4 Se todos os pontos do conjunto X sao isolados, entao X

e enumeravel.

Prova.

Seja E ⊂ X um subconjunto enumeravel denso em X, ou seja, X ⊂ E.

Seja x ∈ X. Entao x ∈ E. Como x 6∈ X ′, temos, tambem, que x 6∈ E ′, pois

E ⊂ X.

Logo, x ∈ E. Assim, X = E e, portanto, X e enumeravel.�

Definicao 3.3 Dizemos que a e ponto de acumulacao a direita de X

quando (a, a+ ε) ∩ X 6= ∅ para todo ε > 0.

Indicaremos X ′+ o conjunto dos pontos de acumulacao a direita de X.

Observacao 3.3 a e ponto de acumulacao a direita de X ⇐⇒ todo in-

tervalo da forma (a, a + ε), ε > 0, contem uma infinidade de pontos de

X ⇐⇒ a e ponto de acumulacao de X ∩ [a,+∞) ⇐⇒ a e limite de uma

sequencia decrescente de pontos de X ⇐⇒ todo intervalo aberto (a, b)

contem algum ponto de X.

Verifiquemos apenas que a e ponto de acumulacao a direita de X se, e so

se, a e limite de uma sequencia decrescente de pontos de X.

• De fato, seja (xn) uma sequencia decrescente de pontos de X que con-

verge para a e seja ε > 0.

Entao, existe n0 ∈ N tal que a ≤ xn < a + ε para todo n ≥ n0, pois

a = inf{xn |n ∈ N}, ja que (xn) e decrescente e converge para a.

Alem disso, xn > a para todo n ∈ N, pois xn > xn+1 ≥ a para todo n ∈ N.

Logo, {xn |n ≥ n0} ⊂ X ∩ (a, a+ ε), ou seja, X ∩ (a, a+ ε) e infinito.

Suponhamos, agora, que a e ponto de acumulacao a direita de X.

Seja x1 ∈ (a, a+ 1) ∩ X. Suponhamos que seja possıvel encontrar pontos

x1, . . . , xn ∈ X tais que xn < xn−1 < . . . < x1 e a < xj < a+1

j, j = 1, . . . , n.

Seja ε = min{

1

n+ 1, xn − a

}> 0.

Entao, existe xn+1 ∈ X tal que a < xn+1 < a+ ε.

Instituto de Matematica - UFF 147

Page 148: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Logo, a < xn+1 < a+1

n+ 1e xn+1 < a+ xn − a = xn.

Isto completa a definicao, por inducao, da sequencia (xn) decrescente de

pontos de X tal que a < xn < a+1

npara todo n ∈ N.

Logo, lim xn = a.

Definicao 3.4 Dizemos que a e ponto de acumulacao a esquerda de X,

quando (a− ε, a) ∩ X 6= ∅, para todo ε > 0.

Indicaremos por X ′− o conjunto dos pontos de acumulacao a esquerda de

X.

Observacao 3.4 a ∈ X ′− ⇐⇒ todo intervalo aberto da forma (a− ε, a),

ε > 0, contem uma infinidade de pontos de X⇐⇒ a e ponto de acumulacao

do conjunto X ∩ (−∞, a] ⇐⇒ a e limite de uma sequencia crescente de

pontos de X ⇐⇒ todo intervalo aberto (c, a) contem algum ponto de X.

Exemplo 3.7 Se X ={1, 1

2, . . . , 1

n, . . .

}, entao 0 e ponto de acumulacao

a direita de X, mas nao e ponto de acumulacao a esquerda de X. �

Exemplo 3.8 Todo ponto x ∈ X = (a, b) e ponto de acumulacao a es-

querda e a direita de X, mas a e apenas ponto de acumulacao a direita de

X e b e apenas ponto de acumulacao a esquerda de X.�

Exemplo 3.9 Seja K o conjunto de Cantor. Ja provamos que K = K ′.

• O ponto 0 e apenas ponto de acumulacao a direita e o ponto 1 e apenas

ponto de acumulacao a esquerda de K.

• se a ∈ K e extremidade inferior de algum dos intervalos retirados, entao

a e apenas ponto de acumulacao a esquerda de K.

De fato, se (a, x) e o intervalo aberto retirado na n0−esima etapa, vai

restar, nesta etapa, um intervalo do tipo [b1, a] de comprimento1

3n0. E,

nas etapas seguintes, vao sobrar intervalos [b2, a], [b3, a], . . . , [bn, a], . . .,

tais que [bn+1, a] ⊂ [bn, a] e a− bn =1

3n0+n+1para todo n ∈ N.

Assim, (bn) e uma sequencia crescente de pontos de K tais que bn → a.

Logo, a ∈ K ′−.

J. Delgado - K. Frensel148

Page 149: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Pontos de acumulacao

Como (a, x) ∩ K = ∅, temos que a 6∈ K ′+.

• Se a e extremidade superior de algum intervalo aberto retirado, entao a

e apenas ponto de acumulacao a direita de K. A demonstracao e analoga

a anterior.

• Se a ∈ K e a 6∈ E ∪ {0, 1}, entao a e ponto de acumulacao a esquerda e

a direita de K.

De fato, suponhamos, por absurdo, que existe ε > 0 tal que

(a− ε, a) ∩ X = ∅.

Entao, (a−ε, a) ⊂ (c, d), onde (c, d) e um dos intervalos abertos retirados.

Logo, como a ∈ K, devemos ter d = a, ou seja, a ∈ E, o que e absurdo.

Assim, a e ponto de acumulacao a esquerda de K.

De modo analogo, podemos provar que a e ponto de acumulacao a direita

de K.�

Lema 3.1 Seja F ⊂ R nao-vazio, fechado e sem pontos isolados. Para

todo x ∈ R, existe Fx limitado, nao-vazio, fechado e sem pontos isolados

tal que x 6∈ Fx ⊂ F.

Prova.

Como F ′ = F e F 6= ∅, temos que F ′ 6= ∅. Logo, F = F ′ e infinito. Entao,

existe y ∈ F tal que y 6= x.

Seja [a, b] um intervalo fechado tal que x 6∈ [a, b] e y ∈ (a, b).

Seja G = (a, b) ∩ F. Entao, G e limitado e nao-vazio, pois y ∈ G. Alem

disso, G nao possui pontos isolados.

De fato, se c e um ponto isolado de G, existe ε > 0 tal que

(c− ε, c+ ε) ∩ (a, b) ∩ F = {c}.

Entao, para ε ′ = min{ε, b− c, c− a}, temos

(c− ε ′, c+ ε ′) ⊂ (a, b) ∩ (c− ε, c+ ε)

e, portanto, (c − ε ′, c + ε ′) ∩ F = {c}, o que e absurdo, pois F nao possui

pontos isolados.

Se G e fechado, basta tomar Fx = G, pois x 6∈ G.

Suponhamos que G nao e fechado.

Instituto de Matematica - UFF 149

Page 150: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Como G ⊂ [a, b] ∩ F, entao ou a ∈ G ′ ou b ∈ G ′.

Acrescentamos, entao esse(s) ponto(s) a G para obter Fx.

Assim, x 6∈ Fx, Fx e fechado e nao e vazio, pois Fx = G. Alem disso, Fx nao

possui pontos isolados.

De fato, ja provamos que se c ∈ G = (a, b)∩F, entao c nao e ponto isolado

de G, e, portanto, nao e ponto isolado de G.

Suponhamos que a ∈ G e ponto isolado de G. Entao a ∈ G ′, e, portanto,

a e ponto de acumulacao de G, o que e absurdo.

De modo analogo, prova-se que b nao e ponto isolado de G, caso b ∈ G.

Logo, Fx = G nao possui pontos isolados.�

Teorema 3.3 Se F e um conjunto nao-vazio, fechado e sem pontos iso-

lados, entao F e nao-enumeravel.

Prova.

Seja X = {x1, x2, . . . , xn, . . .} um subconjunto enumeravel de F.

Pelo lema anterior, existe um conjunto F1 nao-vazio, limitado, fechado, e

sem pontos isolados tal que x1 6∈ F1 ⊂ F.

Suponhamos que existem subconjuntos F1, F2, . . . , Fn, nao-vazios, limita-

dos, fechados e sem pontos isolados tais que

Fn ⊂ . . . ⊂ F2 ⊂ F1 ⊂ F e xj 6∈ Fj, para todo j = 1, . . . , n.

Entao, pelo lema, existe Fn+1 nao-vazio, limitado, fechado e sem pontos

isolados tal que xn+1 6∈ Fn+1 ⊂ Fn.

Obtemos, assim, uma sequencia decrescente (Fn) de conjuntos nao-vazios,

fechados, limitados e sem pontos isolados tais que xn 6∈ Fn para todo

n ∈ N.

Como Fn 6= ∅, para todo n ∈ N, existe yn ∈ Fn. A sequencia (yn) e

limitada, pois yn ∈ Fn ⊂ F1 para todo n ∈ N e F1 e limitado.

Logo, a sequencia (yn)n∈N possui uma subsequencia (ynk)k∈N conver-

gente.

Seja y = limk→∞ynk

.

J. Delgado - K. Frensel150

Page 151: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Conjuntos compactos

Dado j ∈ N, temos que ynk∈ Fj para todo nk ≥ j. Logo, y ∈ Fj, para todo

j ∈ N, pois Fj e fechado e ynk→ y.

Assim, y ∈ F e y 6= xn para todo n ∈ N. Ou seja, y ∈ F e y 6∈ X. Logo, F

nao e enumeravel.�

Corolario 3.5 Todo conjunto fechado nao-vazio enumeravel possui al-

gum ponto isolado.

Corolario 3.6 O conjunto de Cantor e nao-enumeravel.

4. Conjuntos compactos

Definicao 4.1 Uma cobertura de um conjunto X ⊂ R e uma famılia

C = (Cλ)λ∈L de subconjuntos Cλ ⊂ R tais que X ⊂⋃λ∈L

Cλ.

Uma subcobertura de C e uma subfamılia C ′ = (Cλ)λ∈L ′, L ′ ⊂ L, tal que

X ⊂⋃

λ∈L ′

Cλ.

Exemplo 4.1 Seja X =[1

3,3

4

]e seja C = {C1, C2, C3} uma famılia de

subconjuntos de R, onde

C1 =(0,2

3

), C2 =

(1

3, 1)

e C3 =(1

2,9

10

).

Entao, C e uma cobertura de X, pois X ⊂ C1 ∪ C2 ∪ C3 = (0, 1) e

C ′ = {C1, C2} e uma subcobertura de C, pois X ⊂ C1 ∪ C2 = (0, 1).�

Exemplo 4.2 C = (Cn)n∈Z, onde Cn = [n,n+1), n ∈ Z, e uma cobertura

de R que nao possui uma subcobertura propria, pois os conjuntos Cn sao

dois a dois disjuntos.�

Exemplo 4.3 Seja X ={1,1

2, . . . ,

1

n, . . .

}. Entao X e infinito e todos os

seus pontos sao isolados, pois X ′ = {0} e, portanto, X ∩ X ′ = ∅.

Assim, para cada x ∈ X, existe um intervalo de centro x tal que Ix∩X = {x}.

Instituto de Matematica - UFF 151

Page 152: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Como X =⋃x∈X

{x} ⊂⋃x∈X

Ix ⊂ X, temos que X =⋃x∈X

Ix, ou seja C = (Ix)x∈X e

uma cobertura de X.

Mas C nao possui uma subcobertura propria, pois se x ∈ X, entao x 6∈ Iy,

para todo y 6= x, y ∈ X, ja que Iy ∩ X = {y}.�

Teorema 4.1 (Borel-Lebesgue)

Seja [a, b] um intervalo limitado e fechado. Dada uma famılia (Iλ)λ∈L de

intervalos abertos tais que [a, b] ⊂⋃λ∈L

Iλ, existe um numero finito deles

Iλ1, . . . , Iλn , tais que I ⊂ Iλ1

∪ . . . ∪ Iλn . Ou seja, toda cobertura de [a, b]

por meio de intervalos abertos possui uma subcobertura finita.

Prova.

Seja

X = {x ∈ [a, b]∣∣ [a, x] pode ser coberto por um numero finito dos intervalos Iλ} .

Como X e limitado e nao-vazio, pois X ⊂ [a, b] e a ∈ X, existe c = supX.

Afirmacao: c ∈ X.

Como a ≤ x ≤ b para todo x ∈ X, temos que a ≤ c ≤ b, ou seja, c ∈ [a, b].

Entao existe λ0 ∈ L tal que c ∈ Iλ0= (α,β).

Sendo α < supX = c, existe x ∈ X tal que α < x ≤ c < β. Como x ∈ X,

existem λ1, . . . , λn ∈ L tais que [a, x] ⊂ Iλ1∪ . . . ∪ Iλn .

Entao, [a, c] ⊂ Iλ1∪ . . . ∪ Iλn ∪ Iλ0

, pois [x, c] ⊂ (α,β) = Iλ0. Logo, c ∈ X.

Afirmacao: c = b.

Suponhamos que c < b. Entao existe c ′ ∈ Iλ0tal que c < c ′ < b.

Assim, [a, c ′] ⊂ Iλ1∪ . . . ∪ Iλn ∪ Iλ0

, ou seja, c ′ ∈ X, o que e absurdo, pois

c ′ > c = supX.

Logo, b ∈ X, ou seja, o intervalo [a, b] esta contido numa uniao finita dos

Iλ.�

Teorema 4.2 (Borel-Lebesgue)

Toda cobertura de [a, b] por meio de conjuntos abertos admite uma sub-

cobertura finita.

J. Delgado - K. Frensel152

Page 153: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Conjuntos compactos

Prova.

Seja C = (Aλ)λ∈L uma cobertura de [a, b], onde cada Aλ e aberto.

Seja x ∈ [a, b]. Entao existe λx ∈ L tal que x ∈ Aλx . Sendo Aλx aberto,

existe um intervalo aberto Ix tal que x ∈ Ix ⊂ Aλx .

Logo, [a, b] ⊂⋃

x∈[a,b]

Ix. Pelo teorema anterior, existem x1, . . . , xn ∈ [a, b]

tais que [a, b] ⊂ Ix1∪ Ix2

∪ . . . ∪ Ixn . Assim, [a, b] ⊂ Aλx1∪ . . . ∪Aλxn

.�

Teorema 4.3 (Borel-Lebesgue)

Seja F ⊂ R um conjunto fechado e limitado. Entao toda cobertura

F ⊂⋃λ∈L

Aλ de F por meio de conjuntos abertos admite uma subcobertura

finita.

Prova.

Sejam A = R− F e [a, b] um intervalo fechado e limitado tal que F ⊂ [a, b].

Logo, [a, b] ⊂

(⋃λ∈L

)∪ A. Como A e aberto, temos, pelo teorema

anterior, que existem λ1, . . . , λn ∈ L tais que [a, b] ⊂ Aλ1∪ . . . ∪Aλn ∪A .

Entao, F ⊂ Aλ1∪ . . . ∪Aλn , pois F ∩A = ∅.�

Observacao 4.1 As tres formas do teorema de Borel-Lebesgue anteri-

ores sao equivalentes.

Exemplo 4.4 A cobertura aberta C = ( (−n,n) )n∈N de R nao possui

uma subcobertura finita, pois uma reuniao finita de intervalos abertos da

forma (−n,n) coincide com o maior deles e, portanto, nao pode ser R.

Observe, neste caso, que R e fechado, mas nao e limitado.�

Exemplo 4.5 O intervalo (0, 1] possui a cobertura aberta((

1

n, 2))

n∈N

que nao possui subcobertura finita, pois uma reuniao finita de intervalos

da forma(1

n, 2)

e o maior deles e, portanto, nao pode conter (0, 1].

Neste exemplo, o intervalo (0, 1] e limitado, mas nao e um conjunto fe-

chado.�

Instituto de Matematica - UFF 153

Page 154: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Teorema 4.4 As seguintes afirmacoes a respeito de um conjunto K ⊂ Rsao equivalentes.

(1) K e fechado e limitado.

(2) Toda cobertura de K por conjuntos abertos possui uma subcobertura

finita.

(3) Todo subconjunto infinito de K possui um ponto de acumulacao per-

tencente a K.

(4) Toda sequencia de pontos de K possui uma subsequencia que con-

verge para um ponto de K.

Prova.

(1) =⇒ (2) Segue do teorema de Borel-Lebesgue.

(2) =⇒ (3) Seja X ⊂ K um conjunto sem pontos de acumulacao em K.

Vamos provar que X e finito.

Seja x ∈ K. Como x 6∈ X ′, existe um intervalo aberto Ix tal que Ix ∩X = {x}

se x ∈ X, e Ix ∩ X = ∅, se x 6∈ X.

Como K ⊂⋃x∈K

Ix, existem x1, . . . , xn ∈ K, tais que K ⊂ Ix1∪ . . .∪Ixn . Entao,

X ⊂ (Ix1∩ X) ∪ . . . ∪ (Ixn ∩ X) ⊂ {x1, . . . , xn} .

Logo, X e finito.

(3) =⇒ (4) Seja (xn) uma sequencia de pontos de K.

Entao X = {x1, x2, . . . , xn, . . .} e um conjunto finito ou infinito.

Se X e finito, entao existe a ∈ R tal que xn = a para uma infinidade de

ındices n ∈ N, ou seja, existe N ′ ⊂ N infinito tal que xn = a para todo

n ∈ N ′. Logo, a subsequencia (xn)n∈N ′ e convergente.

Se X e infinito, existe a ∈ K que e ponto de acumulacao de X. Entao,

para todo ε > 0, o intervalo aberto (a − ε, a + ε) contem infinitos pontos

de X e, portanto, contem termos xn com ındices arbitrariamente grandes.

Logo, a e valor de aderencia da sequencia (xn) ou seja, a e limite de uma

subsequencia de (xn).

(4) =⇒ (1) Suponhamos que K nao e limitado superiormente. Entao, para

todo n ∈ N, existe xn ∈ K tal que xn > n.

J. Delgado - K. Frensel154

Page 155: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Conjuntos compactos

Seja (xn)n∈N ′ uma subsequencia de (xn). Como N ′ ⊂ N e ilimitado, para

todo n ∈ N existe n ′ ∈ N ′ tal que n ′ > n.

Logo, xn ′ > n ′ > n. Entao, a subsequencia (xn)n ∈ N ′ nao e limitada

superiormente e, portanto, nao e convergente.

Assim, a sequencia (xn)n∈N de pontos de K nao possui uma subsequencia

convergente, o que e absurdo. Logo, K e limitado superiormente.

De modo analogo, podemos provar que K e limitado inferiormente. Entao,

K e limitado.

Seja (xn) uma sequencia convergente de pontos de K com lim xn = x.

Como (xn) possui uma subsequencia (xnk)k∈N que converge para um

ponto de K e limk→∞ xnk

= x, temos que x ∈ K.

Logo, K e fechado.�

Corolario 4.1 Toda sequencia limitada de numeros reais possui uma

subsequencia convergente.

Prova.

Seja (xn) uma sequencia limitada de numeros reais e seja

X = {x1, x2, . . . , xn, . . .}.

Como X e limitado, existem a, b ∈ R, a < b, tais que X ⊂ [a, b].

Entao, X ⊂ [a, b]. Ou seja, X e fechado e limitado. Logo, pelo teorema

anterior, a sequencia (xn) de pontos de X possui uma subsequencia con-

vergente.�

Corolario 4.2 (Bolzano-Weierstrass)

Todo conjunto limitado e infinito de numeros reais possui um ponto de

acumulacao.

Prova.

Seja X um conjunto limitado e infinito de numeros reais. Entao, existem

a, b ∈ R, a < b, tais que X ⊂ [a, b].

Logo, X ⊂ [a, b]. Entao, X e fechado, limitado, e X ⊂ X e infinito. Assim,

pelo teorema anterior, X possui um ponto de acumulacao.�

Instituto de Matematica - UFF 155

Page 156: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Definicao 4.2 Dizemos que um conjunto K ⊂ R e compacto se toda

cobertura aberta de K possui uma subcobertura finita.

Observacao 4.2 K e compacto se, e somente se, satisfaz uma (e, por-

tanto todas) as afirmacoes do teorema 4.4.

Exemplo 4.6

• O conjunto Y ={0, 1,

1

2, . . . ,

1

n, . . .

}e compacto, pois Y = X = X ∪ X ′,

onde X ={1,1

2, . . . ,

1

n, . . .

}.

• O conjunto de Cantor e compacto.

• Os intervalos do tipo [a, b] sao compactos.

• R, Q e Z nao sao compactos porque nao sao limitados.

• Q ∩ [0, 1] nao e compacto, pois Q ∩ [0, 1] = [0, 1] e, portanto, Q ∩ [0, 1]

nao e fechado.�

Teorema 4.5 Seja K1 ⊃ K2 ⊃ . . . ⊃ Kn ⊃ Kn+1 ⊃ . . . uma sequencia

decrescente de compactos nao-vazios. Entao K =⋂n∈N

Kn e nao-vazio e

compacto.

Prova.

O conjunto K e fechado, pois e intersecao de uma famılia de conjuntos

fechados, e e limitado, pois K ⊂ K1 e K1 e limitado (por ser compacto).

Logo, K e compacto.

Para cada n ∈ N, tome xn ∈ Kn. Entao, xn ∈ Kj para todo n ≥ j. Em

particular, xn ∈ K1 para todo n ∈ N.

Como K1 e compacto, a sequencia (xn) de pontos de K1 possui uma sub-

sequencia convergente (xnk). Seja x = lim

k→∞ xnk.

Dado j ∈ N, existe k0 ∈ N tal que nk0≥ j. Entao, xnk

∈ Kj, para todo

k ≥ k0, ja que nk ≥ nk0≥ j.

Logo, xnk−→ x ∈ Kj para todo j ∈ N, pois Kj e fechado para todo j ∈ N.

Ou seja, x ∈ K.�

Aplicacao do Teorema de Borel-Lebesgue

J. Delgado - K. Frensel156

Page 157: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Conjuntos compactos

Definicao 4.3 O comprimento dos intervalos [a, b] , (a, b) , (a, b] e

[a, b) e o numero b− a.

Proposicao 4.1 Se [a, b] ⊂n⋃

i=1

(ai, bi), entao b− a <

n∑i=1

(bi − ai).

Prova.

Podemos supor, sem perda de generalidade, que (ai, bi)∩ [a, b] 6= ∅ para

todo i.

Sejam c1 < c2 < . . . < ck os numeros ai e bj ordenados de modo cres-

cente.

Entao {a1, . . . , an, b1, . . . , bn} ∩k−1⋃j=1

(cj, cj+1) = ∅, ou seja, ai 6∈ (cj, cj+1) e

bk 6∈ (cj, cj+1) para quaisquer i, k = 1, . . . , n e j = 1, . . . , k− 1.

Alem disso, c1 < a e ck > b. Logo, b− a < ck − c1, ou seja,

b− a < (ck − ck−1) + . . .+ (c3 − c2) + (c2 − c1) = ck − c1 .

Mostraremos, agora, que cada intervalo (cj, cj+1) esta contido em algum

intervalo (ai, bi).

• cj ∈ [a, b]

Neste caso, cj ∈ (ai, bi) para algum i = 1, . . . , n. Como bi nao esta entre

cj e cj+1, temos que (cj, cj+1) ⊂ (ai, bi).

Fig. 7: Caso cj ∈ [a, b] .

• cj < a

Neste caso, cj nao pode ser um dos bi, pois, caso contrario, (ai, bi) ∩[a, b] = ∅. Logo, cj = ai para algum i = 1, . . . , n. Como bi nao pode estar

entre cj e cj+1, temos que (cj, cj+1) ⊂ (ai, bi)

Fig. 8: Caso cj < a .

• cj > b

Instituto de Matematica - UFF 157

Page 158: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Neste caso, temos cj+1 > b. Logo, cj+1 = bi para algum i = 1, . . . , n,

pois, caso contrario, (ai, bi) ∩ [a, b] = ∅. Como ai 6∈ (cj, cj+1), temos que

ai ≤ cj e, portanto, (cj, cj+1) ⊂ (ai, bi).

Para cada i = 1, . . . , n, existem p ∈ {1, . . . , k} e q ∈ N tais que ai = cp ,

bi = cp+q e p+ q ∈ {1, . . . , k}. Entao,

bi − ai = (cp+q − cp+q−1) + . . .+ (cp+1 − cp) .

Logo,n∑

i=1

(bi − ai) e uma soma de parcelas do tipo cj+1 − cj, sendo que

cada parcela cj+1 − cj, j = 1, . . . , k− 1, aparece pelo menos uma vez, pois

cada intervalo (cj, cj+1) esta contido em algum intervalo (ai, bi).

Fig. 9: Posicao relativa do intervalo (a, b) entre os (ai, bi) .

Assim, b− a <

k−1∑j=1

(cj+1 − cj) ≤n∑

i=1

(bi − ai) .�

Proposicao 4.2 Se [a, b] ⊂∞⋃

n=1

(an, bn) entao (b− a) <

∞∑n=1

(bn − an) .

Prova.

Pelo teorema de Borel-Lebesgue, existem n1, . . . , nk ∈ N tais que

[a, b] ⊂ (an1, bn1

) ∪ . . . ∪ (ank, bnk

) .

Entao, pela proposicao anterior, b− a < (bn1− an1

) + . . .+ (bnk− ank

) .

Portanto, b− a <

∞∑n=1

(bn − an) .�

Proposicao 4.3 Se∞∑

n=1

(bn − an) < b− a, entao o conjunto

X = [a, b] −

∞⋃n=1

(an, bn)

e nao-enumeravel.

J. Delgado - K. Frensel158

Page 159: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Prova.

Seja c = (b− a) −

∞∑n=1

(bn − an) > 0, e suponha que X = {x1, . . . , xn, . . .} e

enumeravel.

Tome, para cada n ∈ N, um intervalo Jn de centro xn e raioc

2n+2. Logo,

[a, b] ⊂

( ∞⋃n=1

(an, bn)

)∪

( ∞⋃n=1

Jn

). (?)

Mas,∞∑n=1

(bn − an) +

∞∑n=1

|Jn| =

∞∑n=1

(bn − an) + c

∞∑n=1

1

2n+1= (b− a) − c+

c

2

∞∑n=1

1

2n

= (b− a) − c+c

2= (b− a) −

c

2< b− a ,

o que contradiz (?), pela proposicao anterior.�

Aplicacoes

(A) Existe uma colecao de intervalos abertos cujos centros sao todos

os numeros racionais do intervalo [a, b] que nao e uma cobertura de [a, b].

• Seja X = {r1, r2, . . . , rn, . . .} uma enumeracao dos racionais contidos no

intervalo [a, b].

Para cada n ∈ N, seja (an, bn) o intervalo aberto de centro rn e raiob− a

2n+2.

Entao,∞∑

n=1

(bn − an) =b− a

2< b − a . Logo, [a, b] −

∞∑n=1

(an, bn) nao

e vazio, pois nao e enumeravel, ou seja, [a, b] 6⊂∞⋃

n=1

(an, bn).

(B) Existe um conjunto fechado, nao-enumeravel, formado apenas

por numeros irracionais.

Com efeito, sejam (an, bn), n ∈ N, os intervalos do exemplo anterior.

Entao

X = [a, b] −

∞⋃n=1

(an, bn) = [a, b] ∩

(R −

∞⋃n=1

(an, bn)

)

e fechado, nao enumeravel e formado apenas por numeros irracionais.

Instituto de Matematica - UFF 159

Page 160: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

J. Delgado - K. Frensel160

Page 161: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Definicao e propriedades do limite

Parte 5

Limites de func oes

Voltaremos a nocao de limite sob uma forma mais ampla, conside-

rando, agora, funcoes reais de variavel real, f : X −→ R, com X ⊂ R, em

vez de sequencias.

1. Definic ao e propriedades do limite

Definicao 1.1 Seja f : X −→ R uma funcao definida num subconjunto

X ⊂ R e seja a ∈ X ′ um ponto de acumulacao.

Dizemos que o numero real L e o limite de f(x) quando x tende para a e

escrevemos

limx→a

f(x) = L

quando para cada ε > 0 dado, existe δ > 0 tal que

x ∈ (X− {a}) ∩ (a− δ, a+ δ) =⇒ |f(x) − L| < ε

Assim, simbolicamente escrevemos:

limx→a

f(x) = L ⇐⇒ ∀ ε > 0∃ δ > 0 ; x ∈ X e 0 < |x− a| < δ =⇒ |f(x) − L| < ε⇐⇒ ∀ ε > 0∃ δ > 0 ; f ( (a− δ, a+ δ) ∩ (X− {a}) ) ⊂ (L− ε, L+ ε) .

Ou seja, limx→a

f(x) = L quando e possıvel tornar f(x) arbitrariamente

proximo de L, desde que se tome x ∈ X suficientemente proximo de a e

diferente de a.

Instituto de Matematica - UFF 161

Page 162: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Observacao 1.1 So tem sentido escrever limx→a

f(x) = L quando a ∈ X ′,

pois se a 6∈ X ′, todo numero real L seria limite de f(x) quando x tende

para a.

De fato, como a 6∈ X ′, existe δ0 > 0 tal que (X− {a})∩ (a− δ0, a+ δ0) = ∅.

Entao, para cada ε > 0 dado, existe δ = δ0 > 0, tal que

∅ = f ( (X− {a}) ∩ (a− δ0, a+ δ0) ) ⊂ (L− ε, L+ ε) ,

qualquer que seja L ∈ R.

Observacao 1.2 O ponto a pode pertencer ou nao ao domınio X. Mesmo

quando a ∈ X, o valor f(a) nao interfere na determinacao de limx→a

f(x), pois

tal limite, quando existe, depende apenas dos valores f(x) para x proximo

e diferente de a.

E possıvel ter-se limx→a

f(x) 6= f(a).

Por exemplo, se f : R → R e a funcao definida por f(x) =

1 , se x ∈ R − {0}

0 , se x = 0 ,

entao limx→0

f(x) = 1 6= 0 = f(0).

Observacao 1.3 Se limx→a

f(x) = L entao L e aderente ao conjunto f(X−

{a}), pois todo intervalo aberto de centro L contem pontos deste conjunto.

Tem-se, tambem, que L ∈ f(Vδ), onde Vδ = (a − δ, a + δ) ∩ (X − {a}) e

δ > 0.

Teorema 1.1 (Unicidade do limite)

Sejam X ⊂ R, f : X −→ R e a ∈ X ′.

Se limx→a

f(x) = L1 e limx→a

f(x) = L2, entao L1 = L2.

Prova.

Dado ε > 0, existem δ1 > 0 e δ2 > 0 tais que:

• x ∈ X− {a} e 0 < |x− a| < δ1 =⇒ |f(x) − L1| <ε

2;

• x ∈ X− {a} e 0 < |x− a| < δ2 =⇒ |f(x) − L2| <ε

2.

J. Delgado - K. Frensel162

Page 163: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Definicao e propriedades do limite

Seja δ = min{δ1, δ2}. Como a ∈ X ′, existe x0 ∈ (X − {a}) ∩ (a − δ, a + δ).

Logo,

|L1 − L2| ≤ |L1 − f(x0)| + |f(x0) − L2| <ε

2+ε

2= ε .

Ou seja, |L1 − L2| < ε para todo ε > 0. Logo, L1 = L2, pois, se L1 6= L2,

terıamos que |L1−L2| <|L1 − L2|

2, para ε =

|L1 − L2|

2> 0, o que e absurdo.�

Teorema 1.2 Sejam X ⊂ R, f : X −→ R, a ∈ X ′. Seja Y ⊂ X tal que

a ∈ Y ′ e seja g = f|Y.

Se limx→a

f(x) = L, entao limx→a

g(x) = L .

O teorema 1.2 e analogo aafirmacao de que toda sub-

sequencia de uma sequenciaconvergente e tambem conver-tente e tem o mesmo limite.

Prova.

Dado ε > 0, existe δ > 0 tal que |f(x) − L| < ε qualquer que seja

x ∈ (X− {a}) ∩ (a− δ, a+ δ) .

Entao, |g(x) − L| = |f(x) − L| < ε para todo x ∈ (Y − {a}) ∩ (a− δ, a+ δ).

Logo, limx→a

g(x) = L.�

Teorema 1.3 Sejam X ⊂ R, f : X −→ R e a ∈ X ′. Se I e um intervalo

aberto que contem a, Y = I∩X, g = f|Y e limx→a

g(x) = L, entao limx→a

f(x) = L.O teorema 1.3 diz que aexistencia e o valor do limite

de uma funcao f depende apenasdo comportamento de f numavizinhanca de a.Prova.

Seja δ0 > 0 tal que (a − δ0, a + δ0) ⊂ I. Dado ε > 0 existe δ > 0 tal

que |g(x) − L| < ε para todo x ∈ (I ∩ X− {a}) ∩ (a− δ, a+ δ).

Tome δ ′ = min{δ, δ0}. Entao,

(I ∩ X− {a}) ∩ (a− δ ′, a+ δ ′) = (X− {a}) ∩ (a− δ ′, a+ δ ′) ,

pois (a− δ ′, a+ δ ′) ⊂ I.

Logo, |f(x) − L| = |g(x) − L| < ε para todo x ∈ (X− {a}) ∩ (a− δ ′, a+ δ ′).

Portanto, limx→a

f(x) = L.�

Teorema 1.4 Sejam X ⊂ R, f : X −→ R e a ∈ X ′. Se existe limx→a

f(x),

entao f e limitada numa vizinhanca de a, ou seja, existem A > 0 e δ > 0

tais que |f(x)| < A para todo x ∈ (X− {a}) ∩ (a− δ, a+ δ).

Instituto de Matematica - UFF 163

Page 164: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Prova.

Seja L = limx→a f(x). Dado ε = 1 > 0, existe δ > 0 tal que |f(x) − L| < 1

para todo x ∈ (X− {a}) ∩ (a− δ, a+ δ).

Entao, |f(x)| ≤ |f(x) − L| + |L| < 1 + |L| = A para todo x ∈ (X − {a}) ∩ (a −

δ, a+ δ).�

Teorema 1.5 (Princıpio do Sandwiche)

Sejam X ⊂ R, f, g, h : X −→ R e a ∈ X ′. Se limx→a f(x) = limx→a h(x) = L

e f(x) ≤ g(x) ≤ h(x) para todo x ∈ X− {a}, entao limx→a g(x) = L .

Prova.

Dado ε > 0, existem δ1 > 0 e δ2 > 0 tais que:

• |f(x) − L| <ε

2se x ∈ X e 0 < |x− a| < δ1.

• |h(x) − L| <ε

2se x ∈ X e 0 < |x− a| < δ2.

Tome δ = min{δ1, δ2}. Entao,

L− ε ≤ f(x) ≤ g(x) ≤ h(x) ≤ L+ ε ,

para todo x ∈ (X− {a}) ∩ (a− δ, a+ δ). Logo, limx→a

g(x) = L. �

Teorema 1.6 Sejam X ⊂ R, f, g : X → R e a ∈ X ′.

Se limx→a

f(x) = L < limx→a

g(x) = M, entao existe δ > 0 tal que x ∈ X,

0 < |x− a| < δ =⇒ f(x) < g(x).

Prova.

Seja ε =M− L

2> 0. Entao, L + ε =

L+M

2= M − ε e existe δ > 0

tal que L − ε < f(x) < L + ε = M − ε e M − ε < g(x) < M + ε para todo

x ∈ (X− {a}) ∩ (a− δ, a+ δ).

Logo, f(x) <M+ L

2< g(x), ou seja, f(x) < g(x) para todo x ∈ (X − {a}) ∩

(a− δ, a+ δ).�

Corolario 1.1 Se limx→a

f(x) = L > 0, entao existe δ > 0 tal que x ∈ X,

0 < |x− a| < δ =⇒ f(x) > 0.

J. Delgado - K. Frensel164

Page 165: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Definicao e propriedades do limite

Corolario 1.2 Se limx→a

f(x) = L, limx→a

g(x) = M e f(x) ≤ g(x) para todo

x ∈ X− {a}, entao L ≤M.

Teorema 1.7 Sejam X ⊂ R, f : X −→ R e a ∈ X ′. Entao limx→a

f(x) = L

se, e so se, limn→∞ f(xn) = L para toda sequencia (xn) ⊂ X − {a} tal que

limn→∞ xn = a.

Prova.

Suponhamos que limx→a

f(x) = L e que limn→∞ xn = a, com xn ∈ X − {a}

para todo n ∈ N. Entao, dado ε > 0, existe δ > 0, tal que |f(x) − L| < ε

para todo x ∈ X, 0 < |x− a| < δ.

Como limn→∞ xn = a e xn 6= a para todo n ∈ N, existe n0 ∈ N tal que

0 < |xn − a| < δ para todo n > n0.

Logo, |f(xn) − L| < ε para todo n > n0. Assim, limn→∞ f(xn) = L.

Suponhamos, agora, que limx→a

f(x) 6= L. Entao existe ε0 > 0 tal que para

todo n ∈ N podemos obter xn ∈ X tal que 0 < |xn−a| <1

ne |f(xn)−L| ≥ ε0.

Logo, limn→∞ xn = a, mas lim

n→∞ f(xn) 6= L.�

Corolario 1.3 Existe limx→a

f(x)se, e so se, limn→∞ f(xn) existe e independe

da sequencia (xn) ⊂ X− {a} com limn→∞ xn = a.

Corolario 1.4 Se existe limn→∞ f(xn) para toda sequencia (xn) ⊂ X − {a}

tal que limn→∞ xn = a, entao existe lim

x→af(x).

Prova.

Basta provar que limn→∞ f(xn) independe da sequencia (xn) ⊂ X − {a} com

limn→∞ xn = a.

Suponhamos, por aburdo, que existem duas sequencias (xn) e (yn) de

pontos de X − {a} tais que limn→∞ xn = lim

n→∞yn = a, mas limn→∞ f(xn) = L 6=

M = limn→∞ f(yn).

Instituto de Matematica - UFF 165

Page 166: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Entao, a sequencia (zn) ⊂ X− {a}, dada por z2n = xn e z2n−1 = yn, e uma

sequencia de pontos de X− {a} que converge para a, mas que (f(zn)) nao

converge, porque possui duas subsequencias (f(z2n)) e (f(z2n−1)) que

convergem para limites diferentes.

Logo, o valor de limn→∞ f(xn) independe da sequencia (xn) com xn ∈ X− {a}

e limn→∞ xn = a. Entao, pelo corolario 1.3, existe lim

x→af(x).�

Teorema 1.8 Sejam X ⊂ R, a ∈ X ′, f, g : X −→ R.

Se limx→a

f(x) = L e limx→a

g(x) = M, entao:

(1) limx→a

(f(x)± g(x)) = L±M .

(2) limx→a

(f(x)g(x)) = LM .

(3) limx→a

f(x)

g(x)=L

M, se M 6= 0.

(4) Se limx→a

f(x) = 0 e existe A > 0 tal que |g(x)| ≤ A para todo x ∈ X− {a},

entao limx→a

f(x)g(x) = 0.

Prova.

Seja (xn) uma sequencia de pontos de X− {a} com limn→∞ xn = a.

• Entao, limn→∞ (f(xn)± g(xn)) = L ±M e lim

n→∞ (f(xn)g(xn)) = LM, pois

limn→∞ f(xn) = L e lim

n→∞g(xn) = M.

Logo, pelo teorema 1.7

limx→a

(f(x)± g(x)) = L±M e limx→a

(f(x)g(x)) = LM .

• Se M 6= 0, temos, pelo teorema 1.6, que existe δ > 0 tal que g(x) 6= 0

para todo x ∈ (X− {a}) ∩ (a− δ, a+ δ). Como limn→∞ xn = a e xn ∈ X− {a},

existe n0 ∈ N tal que 0 < |xn − a| < δ para todo n > n0. Logo, g(xn) 6= 0

para todo n > n0 e limn→∞ f(xn)

g(xn)=L

M.

Assim, pelo teorema 1.7,f(x)

g(x)tem sentido para todo x suficientemente

proximo e diferente de a e limx→a

f(x)

g(x)=L

M.

J. Delgado - K. Frensel166

Page 167: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Definicao e propriedades do limite

• Se limx→a

f(x) = 0 e |g(x)| ≤ A para todo x ∈ X − {a}, entao limn→∞ f(xn) = 0

e (g(xn)) e uma sequencia limitada. Logo, limn→∞ (f(xn)g(xn)) = 0. Assim,

pelo teorema 1.7, limx→a

(f(x)g(x)) = 0.�

Observacao 1.4 Se limx→a

g(x) = 0 e existe limx→a

f(x)

g(x)ou o quociente

f(x)

g(x)

e limitado numa vizinhanca de a, entao, pelo teorema acima,

limx→a

f(x) = limx→a

(g(x)

f(x)

g(x)

)= 0 .

Logo, se limx→a

g(x) = 0 e limx→a

f(x) 6= 0 ou nao existe limx→a

f(x), entao o quoci-

entef(x)

g(x)nao e sequer limitado numa vizinhanca de a.

Teorema 1.9 (Criterio de Cauchy para limites de funcoes)

Sejam X ⊂ R, a ∈ X ′ e f : X −→ R. Entao existe limx→a

f(x) se, e so se, para

todo ε > 0 dado, existe δ > 0, tal que |f(x)−f(y)| < ε quaisquer que sejam

x, y ∈ (X− {a} ) ∩ (a− δ, a+ δ) .

Prova.

(=⇒) Se limx→a

f(x) = L, entao, dado ε > 0 existe δ > 0 tal que |f(x)−L| <ε

2

para todo x ∈ X, 0 < |x− a| < δ.

Logo,

|f(x) − f(y)| ≤ |f(x) − L| + |f(y) − L| <ε

2+ε

2= ε ,

quaisquer que sejam x, y ∈ X, 0 < |x− a| < δ e 0 < |y− a| < δ.

(⇐=) Seja (xn) uma sequencia de pontos de X− {a} com limn→∞ xn = a.

Dado ε > 0, existe δ > 0 tal que |f(x)−f(y)| < ε para x, y ∈ X, 0 < |x−a| <

δ e 0 < |y− a| < δ.

Como limn→∞ xn = a e xn ∈ X − {a}, existe n0 ∈ N tal que 0 < |xn − a| < δ

para todo n > n0.

Logo, |f(xn) − f(xm)| < ε para todos n,m > n0. Ou seja, a sequencia

(f(xn)) e de Cauchy e, portanto, converge.

Entao, pelo corolario 1.4, existe limx→a

f(x).�

Instituto de Matematica - UFF 167

Page 168: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

• Sejam X ⊂ R, Y ⊂ R, a ∈ X ′, b ∈ Y ′, f : X −→ R e g : Y −→ R tais que

f(X) ⊂ Y, limx→a

f(x) = b e limy→b

g(y) = c.

Entao, para x proximo de a, f(x) esta proximo de b, mas pode ocor-

rer que f(x) = b para x arbitrariamente proximo de a. Neste caso, b ∈ Y e

limx→a

(g ◦ f)(x) pode existir ou nao. Caso exista, deve ser igual a g(b), que

pode ser diferente de c.

Exemplo 1.1 Seja f : R −→ R a funcao identicamente nula e seja

g : R −→ R a funcao definida por g(x) =

1 , se x 6= 0

0 , se x = 0 .

Entao, limx→0

f(x) = 0, limy→0

g(y) = 1 e limx→0

(g ◦ f)(x) = 0, que e diferente de

1.�

Exemplo 1.2 Sejam f : R −→ R e g : R −→ R as funcoes definidas da

seguinte maneira:

f(x) =

0 , se x ∈ Q

x , se x ∈ R − Q ,e g(x) =

0 , se y 6= 0

1 , se y = 0 .

Entao, limx→0

f(x) = 0 e limy→0

g(y) = 0, mas nao existe limx→0

g(f(x)), pois

g ◦ f(x) =

1 , se x ∈ Q

0 , se x ∈ R − Q .�

Teorema 1.10 Sejam X, Y ⊂ R, f : X −→ R, g : Y −→ R, com f(X) ⊂ Y,

a ∈ X ′ e b ∈ Y ∩ Y ′.

Se limx→a

f(x) = b e limy→b

g(y) = g(b), entao, limx→a

(g ◦ f)(x) = g(b).

Prova.

Dado ε > 0 existe η > 0 tal que |g(y) − g(b)| < ε para todo y ∈ Y,

|y− b| < η.

Sendo limx→a

f(x) = b, existe δ > 0 tal que |f(x) − b| < η para todo x ∈ X,

0 < |x− a| < δ.

Logo, |g(f(x)) − g(b)| < ε para todo x ∈ X, 0 < |x− a| < δ.�

J. Delgado - K. Frensel168

Page 169: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Exemplos de limites

2. Exemplos de limites

Exemplo 2.1 Seja f : R −→ R a funcao identidade, ou seja, f(x) = x

para todo x ∈ R.

Entao, limx→a

f(x) = limx→a

x = a para todo a ∈ R.

Por inducao, limx→a

xn = an para todo n ∈ N, porque se limx→a

xj = aj, temos,

pelo teorema 1.8, que

limx→a

xj+1 =(

limx→a

xj) (

limx→a

x)

= aj a = aj+1

Logo, pelo teorema 1.8, temos que se

p(x) = anxn + an−1x

n−1 + . . .+ a1x+ a0

e um polinomio, entao, para a ∈ R,

limx→a

p(x) = an limx→a

xn + an−1 limx→a

xn−1 + . . .+ a1 limx→a

x+ a0

= an an + an−1 a

n−1 + . . .+ a1 a+ a0 = p(a) .

Assim, se f(x) =p(x)

q(x)e o quociente de dois polinomios, ou seja, f e uma

funcao racional, entao limx→a

f(x) = f(a), se q(a) 6= 0.

Se q(a) = 0, entao a e uma raiz de q(x) e, portanto, x− a divide q(x).

Seja m ≥ 1 tal que q(x) = (x − a)mq1(x), com q1(a) 6= 0, e seja n ≥ 0 tal

que p(x) = (x− a)np1(x), com p1(a) 6= 0.

Se m = n, limx→a

f(x) = limx→a

p1(x)

q1(x)=p1(a)

q1(a), pois f(x) =

p1(x)

q1(x)para todo

x 6= a.

Se m < n, limx→a

f(x) = 0, pois f(x) = (x− a)n−mp1(x)

q1(x)para todo x 6= a.

Se m > n, entao limx→a

f(x) nao existe, pois f(x) =p1(x)

(x− a)m−nq1(x), onde o

denominador tem limite zero e o numerador nao (ver observacao 1.4).�

Exemplo 2.2 Seja f : R −→ R a funcao definida por

f(x) =

0 , se x ∈ Q

1 , se x ∈ R − Q .

Instituto de Matematica - UFF 169

Page 170: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Entao, nao existe limx→a

f(x) para todo a ∈ R.

De fato, existe uma sequencia (xn) de numeros racionais, xn 6= a, tal que

xn −→ a e existe uma sequencia (yn), yn 6= a, de numeros irracionais tal

que yn −→ a. Entao, limn→∞ f(xn) = 0 e lim

n→∞ f(yn) = 1. Logo, pelo corolario

1.3, nao existe limx→a

f(x).

Mas, se g(x) = (x− a)f(x), temos que limx→a

g(x) = 0, pois limx→a

(x− a) = 0 e

f e limitada.�

Exemplo 2.3 Seja f : Q −→ R a funcao definida por

f(x) =

1/q , se p/q e uma fracao irredutıvel com q > 0

1 , se x = 0 .

Como Q ′ = R, tem sentido falar em limx→a

f(x) para todo a ∈ R.

Vamos provar que limx→a

f(x) = 0 para todo a ∈ R.

Afirmacao: Seja a ∈ R fixo. Dado ε > 0 existe δ > 0 tal que 0 <∣∣∣∣pq − a

∣∣∣∣ < δ =⇒ 0 <1

q< ε, ou seja, q >

1

ε.

Seja F = {q ∈ N |q ≤ 1

ε} . Entao, F e um conjunto fiinito. Para cada q ∈ F

fixo, as fracoesm

q, m ∈ Z, decompoem a reta em intervalos juxtapostos

de comprimento1

q, pois

R =⋃

m∈Z

[m

q,m+ 1

q

).

Para cada q ∈ F, seja mq ∈ Z o maior inteiro tal quemq

q< a. Seja

m ′q

q ′a

maior das fracoesmq

q, com q ∈ F, a qual existe, pois F e finito.

De modo analogo, para cada q ∈ F, seja nq ∈ Z o menor inteiro tal quenq

q> a. Como F e finito, existe nq ′′ ∈ Z tal que

nq ′′

q ′′e a menor das fracoes

nq

q, com q ∈ F.

J. Delgado - K. Frensel170

Page 171: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Exemplos de limites

Assim,mq ′

q ′e a maior fracao que tem denominador em F e e menor do que

a, enq ′′

q ′′e a menor fracao com denominador em F que e maior do que

a. Entao, salvo possıvelmente a, nenhum numero racional do intervalo(mq ′

q ′,nq ′′

q ′′

)pode ter denominador em F.

Seja δ = min{a−

mq ′

q ′,nq ′′

q ′′− a

}. Entao,

0 <

∣∣∣∣ pq − a

∣∣∣∣ < δ =⇒ a− δ <p

q< a+ δ ,

p

q6= a

=⇒ mq ′

q ′<p

q<nq ′′

q ′′,p

q6= a

=⇒ q 6∈ F =⇒ q >1

ε=⇒ 0 <

1

q< ε

=⇒ ∣∣∣∣ f(pq)

− 0

∣∣∣∣ < ε .Logo, provamos que dado ε > 0, existe δ > 0 tal que

∣∣∣∣ f(pq)

− 0

∣∣∣∣ < ε para

todop

q∈ Q, 0 <

∣∣∣∣ pq − a

∣∣∣∣ < δ. Assim, limx→a

f(x) = 0 para todo a ∈ R.�

Observacao 2.1 Seja g : R −→ R a funcao definida por

g(x) =

0 , se x ∈ R − Q

1 , se x = 0

1

q, se

p

qe irredutıvel com q > 0 .

Entao, limx→a

g(x) = 0 para todo a ∈ R.

Exemplo 2.4 Seja f : R − {0} −→ R definida por f(x) = x+x

|x|, ou seja,

f(x) =

x+ 1 , se x > 0

x− 1 , se x < 0 .

Entao, nao existe limx→0

f(x), pois

limn→∞ f

(1

n

)= lim

n→∞(1

n+ 1

)= 1 e lim

n→∞ f(−1

n

)=(1

n− 1

)=1

n− 1 = −1 .

Instituto de Matematica - UFF 171

Page 172: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Exemplo 2.5 Seja f : R − {0} −→ R a funcao definida por f(x) = sen1

x.

Entao nao existe limx→0

f(x).

De fato, seja c ∈ [−1, 1] e b ∈ R tal que senb = c.

Entao, a sequencia(

1

b+ 2πn

)n∈N

tende para zero e

limn→∞ f

(1

2πn+ b

)= lim

n→∞ sen(2πn+ b) = senb = c .

Mas, como a funcao f e limitada, temos que limx→0

g(x) sen1

x= 0 para toda

funcao g : R − {0} −→ R tal que limx→0

g(x) = 0.

Em particular limx→0

xn sen1

x= 0 para todo n ∈ N.�

3. Limites laterais

Definicao 3.1 Sejam X ⊂ R, a ∈ X ′+ e f : X −→ R. Dizemos que L ∈ Re o limite a direita de f(x) quando x tende para a, e escrevemos

L = limx→a+

f(x) ,

quando, para todo ε > 0 dado, existe δ > 0 tal que |f(x) − L| < ε para todo

x ∈ X, a < x < a+ δ

Simbolicamente, temos:

limx→a+

f(x) = L ⇐⇒ "∀ ε > 0∃ δ > 0 ; x ∈ X , a < x < a+ δ =⇒ |f(x) − L| < ε" .

ou

limx→a+

f(x) = L ⇐⇒ ∀ ε > 0∃ δ > 0 ; f(x) ∈ (L− ε, L+ ε) ∀ x ∈ X ∩ (a, a+ δ) .

Definicao 3.2 Sejam X ⊂ R, a ∈ X ′− e f : X −→ R. Dizemos que L ∈ Re o limite a esquerda de f(x) quando x tende para a, e escrevemos

L = limx→a−

f(x) ,

quando, para todo ε > 0 dado, existe δ > 0 tal que |f(x) − L| < ε para todo

x ∈ X, a− δ < x < a.

Simbolicamente, temos:

J. Delgado - K. Frensel172

Page 173: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Limites laterais

limx→a−

f(x) = L ⇐⇒ "∀ ε > 0∃ δ > 0 ; x ∈ X , a− δ < x < a =⇒ |f(x) − L| < ε" ,

ou

limx→a−

f(x) = L ⇐⇒ ∀ ε > 0∃ δ > 0 ; f(x) ∈ (L− ε, L+ ε)∀ x ∈ X ∩ (a− ε, a) .

Teorema 3.1 Sejam X ⊂ R, a ∈ X ′+, f : X −→ R, Y = X ∩ (a,+∞) e

g = f|Y. Entao, limx→a+

f(x) = L se, e so se, limx→a

g(x) = L.Um resultado analogo ao teorema

3.1 vale para o limite a esquerda.

Prova.

(=⇒) Dado ε > 0, existe δ > 0 tal que f(x) ∈ (L − ε, L + ε) para todo

x ∈ X ∩ (a, a+ δ).

Como (Y − {a}) ∩ (a − δ, a + δ) = X ∩ (a, a + δ), temos que |g(x) − L| < ε

para todo x ∈ (Y − {a}) ∩ (a− δ, a+ δ).

(⇐=) Dado ε > 0, existe δ > 0 tal que |g(x) − L| = |f(x) − L| < ε para todo

x ∈ (Y − {a}) ∩ (a− δ, a+ δ) = X ∩ (a, a+ δ).�

Observacao 3.1 Pelo teorema acima, o limite a direita e o limite a es-

querda sao o limite de uma restricao de f. Assim, os teoremas 1.1 a

1.10 valem tambem para os limites laterais, substituindo nos enunciados

(a− δ, a+ δ) por (a, a+ δ) no caso de limite a direita, e (a− δ, a+ δ) por

(a− δ, a) no caso de limite a esquerda.

Exemplo 3.1 Sejam X, Y ⊂ R, f : X −→ R, g : Y −→ R, f(X) ⊂ Y,

a ∈ X ′+, b ∈ Y ′ ∩ Y.

Se limx→a+

f(x) = b e limy→b

g(y) = g(b) entao limx→a+

g(f(x)) = g(b).�

Teorema 3.2 Sejam X ⊂ R, f : X −→ R e a ∈ X ′+ ∩ X ′−. Entao existe

limx→a

f(x) se, e so se, existem e sao iguais os limites laterais limx→a+

f(x) e

limx→a−

f(x). Neste caso,

limx→a

f(x) = limx→a+

f(x) = limx→a−

f(x) .

Prova.

(=⇒) Suponhamos que L = limx→a

f(x). Sejam Y = (a,+∞) ∩ X e g = f|Y.

Instituto de Matematica - UFF 173

Page 174: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Como a ∈ Y ′, pois a ∈ X ′+, temos, pelo teorema 1.2, que limx→a

g(x) = L.

Entao, pelo teorema 3.1, existe limx→a+

f(x) e e igual a L.

De modo analogo, podemos provar que o limx→a−

f(x) existe e e igual a L.

(⇐=) Suponhamos que L = limx→a−

f(x) = limx→a+

f(x).

Dado ε > 0, existem δ1 > 0 e δ2 > 0 tais que

• |f(x) − L| < ε para todo x ∈ X ∩ (a, a+ δ1) ,

e

• |f(x) − L| < ε para todo x ∈ X ∩ (a− δ2, a).

Tomando δ = min{δ1, δ2}, temos que |f(x) − L| < ε para todo x tal que

x ∈ (X ∩ (a, a+ δ)) ∪ (X ∩ (a− δ, a)) = (X− {a}) ∩ (a− δ, a+ δ) .

Logo, limx→a

f(x) = L. �

Exemplo 3.2 Seja f : R − {0} −→ R definida por f(x) = x +x

|x|. Como

f(x) = x+ 1 para x ∈ (0,+∞) e f(x) = x− 1 para x ∈ (−∞, 0), temos que

limx→0+

f(x) = 1, limx→0−

f(x) = −1 e nao existe limx→0

f(x).�

Exemplo 3.3 Seja f : R − {0} −→ R definida por f(x) =1

x.

Entao, 0 ∈ (R − {0}) ′+ ∩ (R − {0}) ′−, mas nao existem os limites laterais a

direita e a esquerda no ponto 0.�

Exemplo 3.4 Seja f : R − {0} −→ R definida por f(x) = e− 1x .

Entao, limx→0+

f(x) = 0, mas nao existe limx→0−

f(x), pois f(x) nao e limitada

para x negativo proximo de 0.�

Definicao 3.3 Seja f : X ⊂ R −→ R. Dizemos que f e

• crescente quando x, y ∈ X, x < y =⇒ f(x) < f(y).

• nao-decrescente quando x, y ∈ X, x < y =⇒ f(x) ≤ f(y).

• decrescente quando x, y ∈ X, x < y =⇒ f(x) > f(y).

• nao-crescente quando x, y ∈ X, x < y =⇒ f(x) ≥ f(y).

J. Delgado - K. Frensel174

Page 175: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Limites laterais

• monotona quando f e de algum dos quatro tipos acima.

Teorema 3.3 Sejam X ⊂ R, a ∈ X ′+, b ∈ X ′− e f : X −→ R, uma funcao

monotona limitada. Entao, existem os limites laterais

L = limx→a+

f(x) e M = limx→b−

f(x).

Prova.

Suponhamos que f : X −→ R e nao-decrescente.

Seja a ∈ X ′+ e seja A = {f(x) | x ∈ X e x > a}.

Como a ∈ X ′+ e f e limitada, temos que A e nao-vazio e limitado inferior-

mente. Entao, existe L = infA.

Afirmacao: L = limx→a+

f(x) .

Dado ε > 0, existe x ∈ X, x > a, tal que L ≤ f(x) < L+ ε.

Seja δ = x − a > 0. Entao, para x ∈ X, a < x < a + δ = x temos que

L− ε < L ≤ f(x) ≤ f(x) < L+ ε. Logo, limx→a+

f(x) = L.

Sejam, agora, b ∈ X ′− e B = {f(x) | x ∈ X e x < b}. Entao, existe M =

supB, pois B 6= ∅ e e limitado superiormente.

Dado ε > 0, existe x ∈ X, x < b, tal que M− ε < f(x) ≤M.

Tome δ = b− x > 0. Entao, para x ∈ X, x = b− δ < x < b, temos que

M− ε < f(x) ≤ f(x) ≤M <M+ ε.

Logo, limx→b−

f(x) = M.�

Observacao 3.2 Se a ∈ X, entao nao e preciso supor que f e limitada,

pois, se f e nao decrescente, por exemplo, f(a) e uma cota inferior para

o conjunto {f(x) | x ∈ X e x > a} e e uma cota superior para o conjunto

{f(x) | x ∈ X e x < a}.

Observacao 3.3 Uma sequencia monotona limitada e convergente, mas

para uma funcao monotona limitada pode nao existir limx→a

f(x) quando

a ∈ X ′. Isso acontece, por exemplo, com a funcao f(x) = x +x

|x|, para

x ∈ (R − {0}) ∩ (−1, 1), porque o limite de uma sequencia e um limite

lateral a esquerda, pois quando n → +∞, tem-se n < +∞.

Instituto de Matematica - UFF 175

Page 176: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

4. Limites no infinito, limites infinitos e express oes

indeterminadas

Definicao 4.1 Sejam X ⊂ R um conjunto ilimitado superiormente e f :

X −→ R. Dizemos que L e o limite de f(x) quando x → +∞, e escrevemos

limx→+∞ f(x) = L ,

quando

∀ ε > 0∃A > 0 ; x ∈ X , x > A =⇒ |f(x) − L| < ε .

Definicao 4.2 Sejam X ⊂ R um conjunto ilimitado inferiormente e f :

X −→ R. Dizemos que L e o limite de f(x) quando x → −∞, e escrevemos

limx→−∞ f(x) = L ,

quando

∀ ε > 0∃A > 0 ; x ∈ X , x < −A =⇒ |f(x) − L| < ε .

Os resultados do teorema 1.1 ao

teorema 1.9 sao validos para li-mites no infinito com as devidas

adaptacoes.

Observacao 4.1 O limite quando x tende a +∞ e, de certo modo, um

limite lateral a esquerda, e o limite quando x tende a −∞, um limite lateral

a direita.

Assim, o resultado do teorema 3.3 continua valido. Mais precisamente:

• Seja f : X −→ R uma funcao monotona limitada e X ⊂ R um conjunto

ilimitado superiormente.

◦ Se f e nao-decrescente, entao limx→+∞ f(x) = L, onde L = sup{f(x) | x ∈ X}.

◦ Se f e nao-crescente, entao limx→+∞ f(x) = L, onde L = inf{f(x) | x ∈ X}.

• Seja, agora, X ⊂ R ilimitado inferiormente.

◦ Se f e nao-decrescente, entao limx→−∞ f(x) = L, onde L = inf{f(x) | x ∈ X}.

◦ Se f e nao-crescente, entao limx→−∞ f(x) = L, onde L = sup{f(x) | x ∈ X}.

Observacao 4.2 O limite de uma sequencia f : N → R e um caso

particular de limite de uma funcao no infinito, pois limx→+∞ f(x) = lim

n→∞ f(n).

J. Delgado - K. Frensel176

Page 177: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Limites no infinito, limites infinitos e expressoes indeterminadas

Exemplo 4.1 limx→±∞ 1

x= 0, pois dado ε > 0 existe A =

1

ε> 0 tal que

0 <1

x< ε, para todo x >

1

ε= A, e −ε <

1

x< 0, para todo x < −A = −

1

ε.�

Exemplo 4.2 Nao existe limx→+∞ sen x, pois 2πn → +∞ e sen(2πn) → 0,

enquanto(2πn+

π

2

)→ +∞ e sen(2πn+

π

2

)→ 1.

De modo analogo, podemos verificar que nao existe limx→−∞ sen x.�

Exemplo 4.3 limx→−∞ ex = 0, mas nao existe lim

x→+∞ ex.�

Definicao 4.3 Sejam X ⊂ R, a ∈ X ′ e f : X −→ R. Dizemos que f(x)

tende para +∞ quando x tende para a e escrevemos

limx→a

f(x) = +∞ ,

quando para todo A > 0 dado, existe δ > 0 tal que

x ∈ X, 0 < |x− a| < δ =⇒ f(x) > A .

Exemplo 4.4 limx→a

1

(x− a)2= +∞, pois dado A > 0 existe δ =

1√A> 0

tal que

0 < |x− a| < δ =⇒ 0 < (x− a)2 <1

A=⇒ 1

(x− a)2> A .

Definicao 4.4 Sejam X ⊂ R, a ∈ X ′ e f : X −→ R. Dizemos que f(x)

tende para −∞ quando x tende para a e escrevemos

limx→a

f(x) = −∞ ,

quando para todo A > 0 dado, existe δ > 0 tal que

x ∈ X, 0 < |x− a| < δ =⇒ f(x) < −A .

Exemplo 4.5 limx→a

−1

(x− a)2= −∞ .�

Outros casos possıveis

Definicao 4.5 Sejam X ⊂ R, a ∈ X ′+ e f : X −→ R. Dizemos que:

Instituto de Matematica - UFF 177

Page 178: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

• limx→a+

f(x) = +∞ ⇐⇒ ∀A > 0, ∃δ > 0 ; x ∈ X, a < x < a+ δ =⇒ f(x) > A.

• limx→a+

f(x) = −∞ ⇐⇒ ∀A > 0, ∃δ > 0 ; x ∈ X, a < x < a+ δ =⇒ f(x) < −A.

De modo analogo, podemos definir limx→a−

f(x) = +∞ e limx→a−

f(x) = −∞,

quando a ∈ X ′− .

Definicao 4.6 Sejam X ⊂ R ilimitado superiormente e f : X −→ R.

Dizemos que:

• limx→+∞ f(x) = +∞ ⇐⇒ ∀A > 0, ∃B > 0 ; x ∈ X, x > B =⇒ f(x) > A.

• limx→+∞ f(x) = −∞ ⇐⇒ ∀A > 0, ∃B > 0 ; x ∈ X, x > B =⇒ f(x) < −A.

Definicao 4.7 Sejam X ⊂ R ilimitado inferiormente e f : X −→ R. Dize-

mos que:

• limx→−∞ f(x) = +∞ ⇐⇒ ∀A > 0, ∃B > 0 ; x ∈ X, x < −B =⇒ f(x) > A.

• limx→−∞ f(x) = −∞ ⇐⇒ ∀A > 0, ∃B > 0 ; x ∈ X, x < −B =⇒ f(x) < −A.

Exemplo 4.6 limx→a+

1

x− a= +∞ ; lim

x→a−

1

x− a= −∞ ; lim

x→+∞ ex = +∞ ;

limx→+∞ xk = +∞ , k ∈ N.�

•Modificacoes que devem sofrer os teoremas provados para limites finitos

de modo a continuarem validos no caso de limites infinitos.

(1) Unicidade. Se limx→a

f(x) = +∞, entao f e positiva e ilimitada supe-

riormente numa vizinhanca de a. Logo, nao se pode ter limx→a

f(x) = L, pois,

neste caso, f seria limitada numa vizinhanca de a, nem limx→a

f(x) = −∞,

pois f seria negativa numa vizinhanca de a.

(2) Sejam Y ⊂ X com a ∈ Y ′ e g = f|Y.

Se limx→a

f(x) = +∞ =⇒ limx→a

g(x) = +∞.

Sejam Y = (a− δ, a+ δ) ∩ X, δ > 0, e g = f|Y.

Se limx→a

g(x) = +∞ =⇒ limx→a

f(x) = +∞.

J. Delgado - K. Frensel178

Page 179: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Limites no infinito, limites infinitos e expressoes indeterminadas

(3) Se limx→a

f(x) = +∞ entao f e ilimitada superiormente em qualquer

vizinhanca de a.

(4) Se f(x) ≤ g(x)∀ x ∈ X e limx→a

f(x) = +∞, entao limx→a

g(x) = +∞.

(5) Se limx→a

f(x) = L e limx→a

g(x) = +∞, entao existe δ > 0 tal que

x ∈ X, 0 < |x− a| < δ =⇒ f(x) < g(x).

(6) limx→a

f(x) = +∞ ⇐⇒ limn→+∞ f(xn) = +∞ para toda sequencia (xn)

de pontos de X− {a} com limn→∞ xn = a.

(7) ◦ Se limx→a

f(x) = +∞ e g(x) > c ∀ x ∈ (X − {a}) ∩ (a − δ, a + δ),

entao limx→a

(f(x) + g(x)) = +∞.

◦ Se limx→a

f(x) = +∞ e g(x) > c > 0∀ x ∈ (X − {a}) ∩ (a − δ, a + δ),

entao limx→a

(f(x)g(x)) = +∞.

◦ Se f(x) > 0∀ x ∈ (X − {a}) ∩ (a − δ, a + δ), entao limx→a

f(x) = 0 ⇐⇒limx→a

1

f(x)= +∞.

◦ Sendo f(x) > c > 0 e g(x) > 0 para todo x ∈ (X−{a})∩(a−δ, a+δ),

temos que se limx→a

g(x) = 0 entao limx→a

f(x)

g(x)= +∞.

◦ Sendo |f(x)| ≤ c para todo x ∈ (X− {a})∩ (a− δ, a+ δ), temos que

se limx→a

g(x) = +∞, entao limx→a

f(x)

g(x)= 0.

(8) Nao existe algo semelhante ao criterio de Cauchy para limites

infinitos.

(9) ◦ Se limx→a

f(x) = ±∞ e limy→±∞g(y) = L, entao lim

x→ag(f(x)) = L.

◦ Se limx→a

f(x) = ±∞ e limy→±∞g(y) = +∞, entao lim

x→ag(f(x)) = +∞.

◦ Se limx→a

f(x) = ±∞ e limx→±∞g(x) = −∞, entao lim

x→ag(f(x)) = −∞ .

(10) Sejam a ∈ X ′+ e f : X −→ R monotona.

◦ limx→a+

f(x) existe se, e so se, existe δ > 0 tal que f e limitada no

conjunto X ∩ (a, a+ δ).

Instituto de Matematica - UFF 179

Page 180: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

◦ Se f e ilimitada superiormente em X ∩ (a, a + δ) para todo δ > 0,

entao limx→a+

f(x) = +∞.

De fato, dado A > 0, existe x ∈ X ∩ (a, a+ 1) tal que f(x) > A.

Se f e nao-crescente ou decrescente, temos que f(x) ≥ f(x) > A

para todo x ∈ X ∩ (a, a+ δ), onde δ = x− a > 0.

Observe que, neste caso, f nao pode ser nao-decrescente ou cres-

cente, pois, dado x > a, x ∈ X, existiria x ∈ (a, x) tal que f(x) > f(x).

◦ De modo analogo, podemos provar que se f e ilimitada inferior-

mente em X ∩ (a, a + δ) para todo δ > 0, entao limx→a+

f(x) = −∞ e f tem

que ser crescente ou nao-decrescente.

Observacao 4.3 No entanto, se a ∈ X ′−, temos que:

• limx→a−

f(x) existe se, e so se, existe δ > 0 tal que f e limitada no conjunto

X ∩ (a− δ, a).

• Se f e ilimitada superiormente em X ∩ (a − δ, a) para todo δ > 0, entao

limx→a−

f(x) = +∞ e f e nao-decrescente ou crescente.

• Se f e ilimitada inferiormente em X ∩ (a − δ, a) para todo δ > 0, entao

limx→a−

f(x) = −∞ e f e nao-crescente ou decrescente.

Exercıcio: Se f : X → R

e monotona, entao ou existelim

x→+∞ f(x) ou limx→+∞ f(x) =

±∞.De modo analogo, ou existe

limx→−∞ f(x) ou lim

x→−∞ f(x) =

±∞.

Agora, vamos falar um pouco sobre expressoes indeterminadas do

tipo0

0, ∞ − ∞, 0×∞,

∞∞ , 00, ∞0, 1∞ .

• Indeterminacao do tipo0

0.

Sejam X ⊂ R, a ∈ X ′, f, g : X −→ R tais que limx→a

f(x) = limx→a

g(x) = 0.

Se a ∈ Y ′, onde Y = {x ∈ X |g(x) 6= 0}, entao o quocientef(x)

g(x)esta

definido em Y e faz sentido indagar se existe limx→a

f(x)

g(x). Mas nada se pode

afirmar sobre esse limite, pois, dependendo das funcoes f e g, ele pode

assumir qualquer valor ou nao existir.

Por exemplo, se f(x) = cx e g(x) = x, temos

J. Delgado - K. Frensel180

Page 181: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Limites no infinito, limites infinitos e expressoes indeterminadas

limx→0

f(x) = 0, limx→0

g(x) = 0 e limx→0

f(x)

g(x)= c.

Por outro lado, se f(x) = x sen1

x, x 6= 0, e g(x) = x, entao lim

x→0f(x) =

limx→0

g(x) = 0, mas nao existe limx→0

f(x)

g(x)= lim

x→0sen

1

x.

• Dizer que ∞−∞ e indeterminado, significa que, dependendo das esco-

lhas para f e g, tais que limx→a

f(x) = limx→a

g(x) = +∞, o limite limx→a

(f(x)−g(x))

pode ser um valor real c arbitrario ou pode nao existir.

Por exemplo, se f, g : R− {a} −→ R sao dados por f(x) = c+1

(x− a)2

e g(x) =1

(x− a)2, entao lim

x→af(x) = lim

x→ag(x) = +∞ e lim

x→a(f(x) − g(x)) = c.

E se f(x) = sen1

x− a+

1

(x− a)2e g(x) =

1

(x− a)2, temos que

limx→a

f(x) = limx→a

g(x) = +∞,

mas nao existe limx→a

(f(x) − g(x)).

• Para a indeterminacao do tipo 00, dado qualquer c > 0, existem funcoes

f, g : X −→ R, com a ∈ X ′, limx→a

f(x) = limx→a

g(x) = 0 e f(x) > 0 para todo

x ∈ X, tais que limx→a

f(x)g(x) = c.

Por exemplo, para as funcoes f, g : (0,+∞) −→ R dadas por f(x) = x

e g(x) =log clog x

, temos que

limx→0

f(x) = limx→0

g(x) = 0 e limx→0

f(x)g(x) = limx→0

eg(x) log f(x) = limx→0

elog c = c .

Podemos, tambem, escolher f e g de modo que o limite de f(x)g(x)

nao existe. Basta tomar, por exemplo, as funcoes dadas por f(x) = x e

g(x) = log(1+

∣∣∣ sen1

x

∣∣∣) · (log x)−1, x > 0, para termos

limx→0

f(x) = limx→0

g(x) = 0,

mas o limite

limx→0

f(x)g(x) = limx→0

eg(x) log f(x) = limx→0

(1+

∣∣∣ sen1

x

∣∣∣)nao existe.

Instituto de Matematica - UFF 181

Page 182: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

5. Valores de ader encia de uma func ao, limsup

e liminf

Sejam X ⊂ R, a ∈ X ′ e f : X −→ R. Para cada δ > 0, indicaremos

por Vδ o conjunto

Vδ = {x ∈ X | 0 < |x− a| < δ} = (X− {a}) ∩ (a− δ, a+ δ) .

Definicao 5.1 Dizemos que f e limitada numa vizinhanca de a quando

existe δ > 0 tal que f|Vδe limitada, ou seja, existe K > 0 tal que |f(x)| ≤ K

para todo x ∈ Vδ.

Definicao 5.2 Dizemos que c ∈ R e um valor de aderencia de f no

ponto a quando existe uma sequencia (xn) de pontos de X − {a} tal que

limn→+∞ xn = a e lim

n→+∞ f(xn) = c.

Indicaremos por VA(f;a) o conjunto dos valores de aderencia de f no

ponto a.

Observacao 5.1 Pelo teorema 1.7, temos que se L = limx→a

f(x), entao L

e o unico valor de aderencia de f no ponto a.

Mostraremos, mais adiante, que se f e limitada numa vizinhanca de

a e L e o unico valor de aderencia de f no ponto a, entao limx→a

f(x) = L.

Mas se f nao e limitada numa vizinhanca de a, pode ocorrer que nao

exista limx→a

f(x), mesmo quando f possui um unico valor de aderencia no

ponto a.

Exemplo 5.1 Seja f : R −→ R a funcao f(x) =

1 , se x ∈ Q1

x, se x ∈ R − Q

.

Entao, 1 e o unico valor de aderencia de f no ponto 0, mas nao existe

limx→0

f(x), pois f nao e limitada numa vizinhanca de 0.�

Teorema 5.1 Um numero real c e valor de aderencia de f no ponto a

se, e so se, c ∈ f(Vδ) para todo δ > 0.

J. Delgado - K. Frensel182

Page 183: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Valores de aderencia de uma funcao, limsup e liminf

Prova.

(=⇒) Seja c um valor de aderencia de f no ponto a e seja (xn) uma

sequencia de pontos de X− {a} tal que xn −→ a e f(xn) −→ c.

Como xn −→ a, dado δ > 0, existe n0 ∈ N tal que xn ∈ Vδ para todo

n > n0. Logo, f(xn) ∈ f(Vδ) para todo n > n0, ou seja, (f(xn))n>n0e uma

sequencia de pontos de Vδ que converge para c.

Entao, c ∈ f(Vδ) .

(⇐=) Suponhamos que c ∈ f(Vδ) para todo δ > 0.

Entao, c ∈ f(V 1n) para todo n ∈ N.

Assim, para todo n ∈ N, existe xn ∈ V 1n

tal que |f(xn) − c| <1

n.

Como xn ∈ X, 0 < |xn − a| <1

ne |f(xn) − c| <

1

npara todo n ∈ N,

temos que (xn) e uma sequencia de pontos de X − {a} tal que xn −→ a e

f(xn) −→ c. Logo, c e um valor de aderencia de f no ponto a.�

Corolario 5.1 VA(f;a) =⋂δ>0

f(Vδ) .

Corolario 5.2 VA(f;a) =⋂n∈N

f(V 1n) .

Prova.

Se c ∈⋂δ>0

f(Vδ), entao c ∈ f(Vδ) para todo δ > 0. Em particular, c ∈ f(V 1n)

para todo n ∈ N. Logo, c ∈⋂n∈N

f(V 1n) .

Suponhamos, agora, que c ∈⋂n∈N

f(V 1n).

Dado δ > 0, existe n ∈ N, tal que1

n< δ. Logo, V 1

n⊂ Vδ e, portanto,

f(V 1n) ⊂ f(Vδ). Assim, f(V 1

n) ⊂ f(Vδ) .

Como c ∈ f(V 1n) para todo n ∈ N, temos que c ∈ f(Vδ) para todo δ > 0.

Portanto,

Instituto de Matematica - UFF 183

Page 184: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

c ∈⋂δ>0

f(Vδ) = VA(f;a) ,

ou seja, c e um valor de aderencia de f no ponto a.�

Corolario 5.3 O conjunto dos valores de aderencia de f num ponto a ∈X ′ e fechado. Se f e limitada numa vizinhanca de a, entao VA(f;a) e

compacto e nao-vazio.

Prova.

Como VA(f;a) e uma intersecao de conjuntos fechados, temos que VA(f;a)

e fechado.

Suponhamos que f e limitada numa vizinhanca de a. Entao existe n0 ∈ N

tal que f(V 1n0

) e limitado. Logo, f(V 1n0

) e fechado e limitado e, portanto,

compacto.

Seja Kn = f(V 1n), n ∈ N. Como Kn ⊂ Kn0

para todo n ≥ n0, temos

que (Kn)n≥n0e uma sequencia decrescente de conjuntos compactos nao-

vazios tal que VA(f;a) =⋂

n≥n0

Kn. Logo, pelo teorema 4.5 da parte 4,

temos que VA(f;a) e compacto e nao-vazio.�

Observacao 5.2 Se f e ilimitada em qualquer vizinhanca de a, isto e,

f(Vδ) e ilimitado para todo δ > 0, entao VA(f;a) pode nao ser compacto.

Exemplo 5.2 Se f : R−{0} −→ R e a funcao definida por f(x) =1

xsen

1

x,

entao f e ilimitada em toda vizinhanca de 0 e VA(f; 0) = R, que nao e

compacto, pois e ilimitado.

De fato, 0 ∈ VA(f; 0), pois xn =1

2nπ−→ 0 e

f(xn) = 2πn sen(2πn) = 0 −→ 0.

Seja, agora, c > 0.

Afirmacao: Dado n ∈ N, existe xn > 0 tal que xn <1

ne sen

1

xn= xn c .

De fato, como1

nπc− sen(nπ) =

1

nπc− 0 =

c

nπ> 0 e

1

2πn+ (4kn − 3)π2

c− sen(2πn+ (4kn − 3)π2) =

c

2πn+ (4kn − 3)π2

− 1 < 0

J. Delgado - K. Frensel184

Page 185: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Valores de aderencia de uma funcao, limsup e liminf

para algum kn ∈ N, temos, pelo teorema do valor intermediario para

funcoes contınuas, que provaremos na proxima parte, que existe

xn ∈(

1

2πn+ (4kn − 3)π2

,1

)tal que xnc− sen

1

xn= 0.

Logo, 0 < xn <1

ne f(xn) = c para todo n ∈ N. Assim, xn −→ 0 e

f(xn) −→ c, ou seja, c ∈ VA(f; 0).

De modo analogo, se c < 0, dado n ∈ N, temos que1

nπc− sen(nπ) =

c

nπ< 0

e1

2πn+ (4kn + 3) π2

c− sen(2πn+ (4kn + 3)

π

2

)=

c

2πn+ (4k+ 3)π2

+ 1 > 0

para algum kn ∈ N.

Logo, pelo teorema do valor intermediario para funcoes contınuas, existe

xn ∈(

1

2πn+ (4kn + 3)π2

,1

)tal que xnc− sen

1

xn= 0.

Assim, c ∈ VA(f; 0), pois xn −→ 0, f(xn) = c −→ c e xn = 0 para todo

n ∈ N.�

Observacao 5.3 Tambem pode ocorrer que VA(f;a) seja vazio quando

f e ilimitada em toda vizinhanca de a. Por exemplo, se f : R − {0} −→ R e

a funcao definida por f(x) =1

x, entao VA(f;a) = ∅.

Observacao 5.4 Como VA(f;a) e compacto e nao-vazio quando f e

limitada numa vizinhanca de a, VA(f;a) possui um maior elemento e um

menor elemento.

Definicao 5.3 Chamamos limite superior de f no ponto a ao maior valor

de aderencia L de f no ponto a, e escrevemos:

lim supx−→a

f(x) = L .

Chamamos limite inferior de f no ponto a ao menor valor de aderencia `

de f no ponto a, e escrevemos:

lim infx−→a

f(x) = ` .

Instituto de Matematica - UFF 185

Page 186: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Exemplo 5.3 Seja f : R − {0} −→ R a funcao definida por f(x) = sen1

x.

Entao, pelo visto no exemplo 2.5, VA(f; 0) = [−1, 1].

Logo, lim supx−→0

f(x) = +1 e lim infx−→0

f(x) = −1 .�

Observacao 5.5 As vezes escrevemos lim supx−→a

f(x) = +∞ para indi-

car que f e ilimitada superiormente em toda vizinhanca de a, e escreve-

mos lim infx−→a

f(x) = −∞ para indicar que f e ilimitada inferiormente em toda

vizinhanca de a. Por exemplo, para f(x) =1

xsen

1

x, x 6= 0, do exemplo

5.2, terıamos lim supx−→0

f(x) = +∞ e lim infx−→0

f(x) = −∞.

Tambem, quando limx→a

f(x) = ±∞, terıamos

lim supx−→a

f(x) = lim infx−→a

f(x) = +∞ .

Consideraremos, agora, o valor de aderencia de f quando x → +∞ou x → −∞.

• Dizemos que c ∈ VA(f; +∞), ou seja, que c e um valor de aderencia

de f em +∞, quando existe uma sequencia (xn) de pontos de X tal que

xn → +∞ e f(xn) → c.

• Dizemos que c ∈ VA(f; −∞), ou seja, que c e um valor de aderencia

de f em −∞, quando existe uma sequencia (xn) de pontos de X tal que

xn → −∞ e f(xn) → c.

Seja Vδ = X ∩ (δ,+∞), δ > 0, e Wδ = X ∩ (−∞, δ), δ < 0. Entao,

VA(f; +∞) =⋂δ>0

f(Vδ) =⋂n∈N

f(Vn) e VA(f; −∞) =⋂δ<0

f(Wδ) =⋂n∈N

f(Wn) .

A demonstracao destes fatos faz-se de modo analogo ao caso finito.

• Dizemos que f e limitada numa vizinhanca de +∞ quando existe δ > 0

e K > 0 tais que x ∈ X , x > δ =⇒ |f(x)| ≤ K, ou seja, |f(x)| ≤ K para todo

x ∈ Vδ = X ∩ (δ,+∞).

• E dizemos que f e limitada numa vizinhanza de −∞ quando existe δ < 0

e K > 0 tais que x ∈ X , x < δ =⇒ |f(x)| ≤ K, ou seja, |f(x)| ≤ K para todo

x ∈Wδ = X ∩ (−∞, δ).J. Delgado - K. Frensel186

Page 187: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Valores de aderencia de uma funcao, limsup e liminf

Como no caso finito, podemos provar que VA(f; +∞) e VA(f; −∞)

sao compactos nao-vazios quando f e limitada numa vizinhanca de +∞e −∞, respectivamente. Entao, nestes casos, temos, tambem, o maior

e o menor valor de aderencia, que serao denotados por lim supx−→±∞ f(x) e

lim infx−→±∞ f(x), respectivamente.

Os fatos que serao provados a seguir para VA(f;a) se estendem aos

valores de aderencia no infinito com as devidas adaptacoes.

• Seja f limitada numa vizinhanca Vδ0de a, ou seja, f(Vδ0

) e um conjunto

limitado. Entao f(Vδ) e limitado para todo δ ∈ (0, δ0].

Sejam as funcoes

L : (0, δ0] −→ Rδ 7−→ Lδ = sup

x∈Vδ

f(x) e` : (0, δ0] −→ R

δ 7−→ `δ = infx∈Vδ

f(x)

Como Vδ ⊂ Vδ0para δ ∈ (0, δ0], temos que `δ0

≤ `δ ≤ Lδ ≤ Lδ0para

todo δ ∈ (0, δ0].

Se 0 < δ ′ < δ ′′ ≤ δ0, entao Vδ ′ ⊂ Vδ ′′ e, portanto, `δ ′′ ≤ `δ ′ e

Lδ ′ ≤ Lδ ′′, ou seja, δ 7−→ `δ e uma funcao monotona nao-crescente e

δ 7−→ Lδ e uma funcao monotona nao-decrescente.

Logo, pelo teorema 3.3, existem os limites limδ→0

`δ e limδ→0

Lδ, e

limδ→0

`δ = sup{`δ | δ ∈ (0, δ0]} e limδ→0

Lδ = inf{Lδ | δ ∈ (0, δ0]} .

Teorema 5.2 Se f e limitada numa vizinhanca de a, entao

lim supx−→a

f(x) = limδ→0

Lδ e lim infx−→a

f(x) = limδ→0

`δ .

Prova.

Sejam L = lim supx−→a

f(x) e L0 = limδ→0

Lδ. Como L e valor de aderencia de

f no ponto a, entao L ∈ f(Vδ) para todo δ > 0. Logo, L ≤ Lδ para todo

δ ∈ (0, δ0], ou seja, L e uma cota inferior do conjunto {Lδ | δ ∈ (0, δ0]}.

Assim, L ≤ L0 = inf{Lδ | δ ∈ (0, δ0]}.

Vamos provar, agora, que L0 e valor de aderencia de f no ponto a.

Como L 1n

= sup{f(x) | x ∈ V 1n}, existe xn ∈ V 1

n= X ∩

(a−

1

n, a+

1

n

)tal

Instituto de Matematica - UFF 187

Page 188: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

que L 1n

−1

n< f(xn) ≤ L 1

n.

Entao xn → a, xn ∈ X − {a}, e f(xn) → L0, pois limn→∞L 1

n= lim

δ→0Lδ = L0.

Logo, L0 e valor de aderencia de f no ponto a e, portanto, L0 ≤ L.

Provamos, assim, que L = L0.

A igualdade lim infx−→a

f(x) = limδ→0

`δ se demonstra de maneira analoga.�

Teorema 5.3 Se f e limitada numa vizinhanca de a, entao

∀ ε > 0 ∃ δ > 0 ; x ∈ X, 0 < |x− a| < δ =⇒ `− ε < f(x) < L+ ε,

onde ` = lim infx−→a

f(x) e L = lim supx−→a

f(x).

Prova.

Pelo teorema anterior, ` = limδ→0

`δ e L = limδ→0

Lδ. Entao, dado ε > 0,

existem δ1 > 0 e δ2 > 0 tais que `− ε < `δ1≤ ` e L ≤ Lδ2

< L+ ε.

Tomando δ = min{δ1, δ2}, temos que ` − ε ≤ `δ1≤ `δ ≤ f(x) ≤ Lδ ≤ Lδ2

<

L+ ε ,

para todo x ∈ (X− {a}) ∩ (a− δ, a+ δ).�

Observacao 5.6 Como no caso de sequencias, L e o menor numero

que goza da propriedade acima, e ` e o maior numero com a propriedade

acima.

Corolario 5.4 Seja f limitada numa vizinhanca de a. Entao existe limx→a

f(x)

se, e so se, f possui um unico valor de aderencia no ponto a.

Prova.

(=⇒) Se limx→a

f(x) = L entao L e o unico valor de aderencia de f no ponto

a, pois se (xn) e uma sequencia de pontos de X − {a} que converge para

a, temos, pelo teorema 1.7, que f(xn) −→ L.

(⇐=) Se f possui um unico valor de aderencia no ponto a, entao L = `.

Assim, pelo teorema anterior, para todo ε > 0 dado, existe δ > 0 tal que

L − ε < f(x) < L + ε para todo x ∈ (X − {a}) ∩ (a − δ, a + δ). Logo,

L = limx→a

f(x).�

Instituto de Matematica - UFF 189

Page 189: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

J. Delgado - K. Frensel190

Page 190: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

A nocao de funcao contınua

Parte 6

Func oes contınuas

1. A noc ao de func ao contınua

Definicao 1.1 Dizemos que uma funcao f : X −→ R e contınua no ponto

a ∈ X, quando para todo ε > 0 dado, existe δ > 0 tal que |f(x) − f(a)| < ε

para todo x ∈ X, |x− a| < ε.

Simbolicamente, f : X −→ R e contınua no ponto a se, e somente

se:

∀ ε > 0∃ δ > 0 ; x ∈ X , |x− a| < δ =⇒ |f(x) − f(a)| < ε

Observacao 1.1 Em termos de intervalos, temos que f e contınua no

ponto a se, e so se:

• ∀ ε > 0∃ δ > 0 ; f(I ∩ X) ⊂ J, onde I = (a− δ, a+ δ) e J = (f(a) − ε, f(a) + ε) .

ou

• Para todo intervalo aberto J contendo f(a) existe um intervalo aberto I

contendo a tal que f(I ∩ X) ⊂ J.

Definicao 1.2 Dizemos que uma funcao f : X −→ R e contınua quando

e contınua em todos os pontos de X.

Observacao 1.2 Se a e um ponto isolado de X, entao toda funcao

f : X −→ R e contınua no ponto a.

De fato, seja δ0 > 0 tal que (a− δ0, a+ δ0) ∩ X = {a}.

Instituto de Matematica - UFF 191

Page 191: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Entao, dado ε > 0, existe δ = δ0 > 0, tal que |f(x) − f(a)| < ε para todo

x ∈ X ∩ (a− δ0, a+ δ0) = {a}.

Em particular, se todos os pontos de X sao isolados, entao toda funcao

f : X −→ R e contınua.

Observacao 1.3 Seja a ∈ X ∩ X ′. Entao f e contınua no ponto a se, e

so se, limx→a

f(x) = f(a).

Entao, se a ∈ X ′, temos que limx→a

f(x) = L se, e so se, a funcao

g : X ∪ {a} −→ R dada por g(x) =

f(x), se x ∈ X− {a}

L, se x = a

e contınua no ponto a.

Observacao 1.4 Sejam Y ⊂ X e f : X −→ R. Se f e contınua num ponto

a ∈ Y, entao f|Y e contınua no ponto a. Mas a recıproca nao e verdadeira.

Basta tomar f descontınua no ponto a e Y ⊂ X finito ou discreto com

a ∈ Y.

Exemplo 1.1 Toda funcao f : Z −→ R e contınua, pois todo ponto de Ze isolado, ou seja, Z e um conjunto discreto.

Pela mesma razao, toda funcao f :{1,1

2,1

3, . . . ,

1

n. . .

}−→ R e contınua.

Mas se Y ={0, 1,

1

2,1

3, . . . ,

1

n. . .

}, uma funcao f : Y −→ R e contınua se,

e so se, e contınua no ponto 0, ou seja, se, e so se, f(0) = limn→∞ f

(1

n

).�

Os resultados enunciados abaixo decorrem dos fatos analogos ja

demonstrados para limites na parte anterior e das observacoes 1.2 e 1.3

acima.

Teorema 1.1 Seja f : X −→ R contınua no ponto a ∈ X.

Se a ∈ Y ⊂ X e g = f|Y, entao g e contınua no ponto a.

Em particular, toda restricao de uma funcao contınua e contınua.

Teorema 1.2 Sejam a ∈ X, f : X −→ R e g = f|Y, onde Y = I ∩ X e I e

um intervalo aberto que contem a.

J. Delgado - K. Frensel192

Page 192: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

A nocao de funcao contınua

Entao f e contınua no ponto a se, e so se, g e contınua no ponto a.

Observacao 1.5 Este resultado diz que a continuidade de uma funcao

f e uma propriedade local, ou seja, se f coincide com uma funcao contınua

no ponto a numa vizinhanca do ponto a, entao f tambem e contınua no

ponto a.

Teorema 1.3 Se f e contınua no ponto a ∈ X, entao f e limitada numa

vizinhanca de a, ou seja, existe δ > 0 tal que f(Uδ) e limitado, onde

Uδ = X ∩ (a− δ, a+ δ).

Teorema 1.4 Se f, g : X −→ R sao contınuas no ponto a ∈ X, e f(a) <

g(a), entao existe δ > 0 tal que f(c) < g(x) para todo x ∈ X∩ (a−δ, a+δ).

Corolario 1.1 Sejam K ∈ R e f : X −→ R uma funcao contınua no

ponto a ∈ X. Se f(a) < K, entao existe δ > 0 tal que f(x) < K para todo

x ∈ X ∩ (a− δ, a+ δ).

Prova.

Dado ε = K− f(a) > 0, existe δ > 0 tal que f(a) − ε < f(x) < f(a) + ε = K

para todo x ∈ X ∩ (a− δ, a+ δ).�

Observacao 1.6 De modo analogo, podemos provar que:

• se f(a) > K, entao existe δ > 0 tal que f(x) > K ∀ x ∈ X ∩ (a− δ, a+ δ).

• se f(a) 6= K, entao existe δ > 0 tal que f(x) 6= K ∀ x ∈ X ∩ (a− δ, a+ δ).

Observacao 1.7 Sejam f : X −→ R uma funcao contınua e K ∈ R.

Entao, A = {x ∈ X | f(x) > K} e a intersecao de X com um conjunto U

aberto em R.

De fato, seja a ∈ A, ou seja, f(a) > K. Entao, pelo corolario acima, existe

δa > 0 tal que f(x) > K para todo x ∈ X ∩ Ia, onde Ia = (a− δa, a+ δa).

Seja U =⋃a∈A

Ia. Entao, U e aberto e A = U ∩ X, pois U ∩ X ⊂ A e

A ⊂ U ∩ X.

• Em particular, se X e aberto, entao A e aberto.

Instituto de Matematica - UFF 193

Page 193: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Teorema 1.5 Uma funcao f : X −→ R e contınua no ponto a ∈ X se,

e so se, limn→∞ f(xn) = f(a) para toda sequencia (xn) de pontos de X que

converge para a.

Corolario 1.2 Uma funcao f : X −→ R e contınua no ponto a ∈ X se,

e so se, limx→∞ f(xn) existe e independe da sequencia (xn) de pontos de X

com limn→∞ xn = a.

Corolario 1.3 Uma funcao f : X −→ R e contınua no ponto a ∈ X se,

e so se, existe limn→∞ f(xn) para toda sequencia (xn) de pontos de X com

limn→∞ xn = a.

Teorema 1.6 Se f, g : X −→ R sao contınuas no ponto a ∈ X, entao

f ± g e f · g sao contınuas em a. Se g(a) 6= 0, entaof

g: X0 −→ R e

contınua em a, onde X0 = {x ∈ X |g(x) 6= 0}.

Em particular, se f e contınua no ponto a ∈ X, entao cf e contınua

em a, onde c ∈ R. E, se f(a) 6= 0, entao1

fe contınua em a.

Teorema 1.7 Se f : X −→ R e contınua no ponto a ∈ X e g : Y −→ R e

contınua no ponto b = f(a) e f(X) ⊂ Y, entao g ◦ f : X −→ R e contınua

no ponto a.

Em particular, a composta de duas funcoes contınuas e contınua no

seu domınio de definicao.

Observacao 1.8 A restricao de uma funcao f : X −→ R a um subcon-

junto Y ⊂ X e um caso particular de funcao composta, pois f|Y = f ◦ i :

Y −→ R, onde i : Y −→ R e a inclusao, ou seja, i(y) = y para todo y ∈ Y.

Observacao 1.9 Como a funcao identidade x 7−→ x e contınua, temos,

pelo teorema 1.6, que a funcao x 7−→ xn e contınua para todo n ∈ N.

Pelo mesmo teorema, temos que toda funcao polinomial p : R −→ R,

p(x) = anxn + . . .+ a1x+ a0, e contınua, e, portanto, toda funcao racional

J. Delgado - K. Frensel194

Page 194: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

A nocao de funcao contınua

f(x) =p(x)

q(x), onde p e q sao funcoes polinomiais, e contınua nos pontos

onde o denominador q nao se anula.

Exemplo 1.2 Seja f : R −→ R dada por f(x) =

x+ 1, se x ≥ 5

16− 2x, se x < 5

Entao, f e contınua em todos os pontos do conjunto (−∞, 5) ∪ (5,+∞),

pois f restrita ao conjunto aberto (−∞, 5) coincide com a funcao contınua

x 7−→ x+ 1 e f restriga ao conjunto aberto (5,+∞) coincide com a funcao

contınua x 7−→ 16− 2x.

Alem disso, f tambem e contınua no ponto 5, pois

limx→5+

f(x) = limx→5−

f(x) = 6 = f(5) .

Exemplo 1.3 Seja f : R −→ R definida por

f(x) =

x

|x|, se x 6= 0

1 , se x = 0 .

Entao f e contınua em todos os pontos do conjunto (−∞, 0) ∪ (0,+∞),

mas nao e contınua em x = 0, pois limx→0+

f(x) = 1 6= limx→0−

f(x) = −1, ou

seja, nao existe limx→0

f(x).�

Observacao 1.10 O motivo que assegura a continuidade da funcao do

exemplo 1.2, mas permite a descontinuidade da funcao do exemplo 1.3, e

fornecido pelo teorema abaixo.

Teorema 1.8 Sejam f : X −→ R e X ⊂ F1∪F2, onde F1 e F2 sao conjuntos

fechados. Se f|X∩F1e f|X∩F2

sao contınuas entao f e contınua.

Prova.

Sejam a ∈ X e ε > 0 dados. Precisamos analisar tres casos:

(1) a ∈ F1 ∩ F2

Como f|X∩F1e f|X∩F2

sao contınuas no ponto a, existem δ1 > 0 e δ2 > 0

tais que:

Instituto de Matematica - UFF 195

Page 195: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

|f(x) − f(a)| < ε se x ∈ (X ∩ F1) ∩ (a− δ1, a+ δ1) ,

e

|f(x) − f(a)| < ε se x ∈ (X ∩ F2) ∩ (a− δ2, a+ δ2) .

Seja δ = min{δ1, δ2} > 0. Entao,

|f(x) − f(a)| < ε

∀ x ∈ (X ∩ F1) ∩ (a− δ), a+ δ)

e

∀ x ∈ (X ∩ F2) ∩ (a− δ), a+ δ) .

Mas, como X ⊂ F1 ∩ F2, temos que

( (X ∩ F1) ∪ (X ∩ F2) ) ∩ (a− δ, a+ δ) = (X ∩ (F1 ∪ F2) ) ∩ (a− δ, a+ δ)

= X ∩ (a− δ, a+ δ)

Logo, |f(x) − f(a)| < ε para todo x ∈ X ∩ (a− δ, a+ δ) .

(2) a ∈ F1 e a 6∈ F2 .

Como f|X∩F1e contınua no ponto a, existe δ1 > 0 tal que |f(x) − f(a)| < ε

para todo x ∈ (X ∩ F1) ∩ (a− δ1, a+ δ1).

Alem disso, como a 6∈ F2 e F2 e fechado, existe δ2 > 0 tal que (a − δ2, a +

δ2) ∩ F2 = ∅.

Seja δ = min{δ1, δ2} > 0. Entao, se x ∈ X ∩ (a − δ, a + δ) temos que

|f(x) − f(a)| < ε, pois

X ∩ (a− δ, a+ δ) = ((X ∩ F1) ∩ (a− δ, a+ δ)) ∪ ((X ∩ F2) ∩ (a− δ, a+ δ))

= (X ∩ F1) ∩ (a− δ, a+ δ),

ja que (X ∩ F2) ∩ (a− δ, a+ δ) = ∅ .

(3) a ∈ F2 e a 6∈ F1 .

Este caso prova-se de modo analogo ao anterior.�

Corolario 1.4 Sejam f : X −→ R e X = F1 ∪ F2, onde F1 e F2 sao conjun-

tos fechados. Se f|F1e f|F2

sao contınuas entao f e contınua.

Observacao 1.11 O teorema 1.8 e o corolario 1.4 sao validos tambem

quando se tem um numero finito de conjuntos fechados. Mas, para uma

infinidade de conjuntos, o resultado e, em geral, falso.

Por exemplo, para uma funcao f : X −→ R que nao e contınua num ponto

J. Delgado - K. Frensel196

Page 196: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

A nocao de funcao contınua

x0 ∈ X, temos X =⋃x∈X

{x}, com {x} fechado, e f|{x} contınua em x, para

todo x ∈ X.

Observacao 1.12 No exemplo 1.2, R = F ∪ G, onde F = (−∞, 5] e

G = [5,+∞) sao fechados. Como f|F e f|G sao contınuas, temos que f e

contınua.

Mas, no exemplo 1.3, R = A ∪ B, onde A = (−∞, 0) e B = [0,+∞), f|Ae f|B sao contınuas e f nao e contınua no ponto 0. Isso ocorre porque A

nao e fechado.

Teorema 1.9 Sejam f : X −→ R e X ⊂⋃λ∈L

Aλ uma cobertura de X por

meio de abertos Aλ, λ ∈ L. Se f|Aλ∩X e contınua para todo λ ∈ L, entao f

e contınua.

Prova.

Sejam a ∈ X e ε > 0 dados. Entao existe λ0 ∈ L tal que a ∈ Aλ0.

Como Aλ0e aberto, existe δ1 > 0 tal que (a− δ1, a+ δ1) ⊂ Aλ0

.

Alem disso, como f|X∩Aλ0e contınua no ponto a, existe δ2 > 0 tal que

|f(x) − f(a)| < ε , ∀ x ∈ (X ∩Aλ0) ∩ (a− δ2, a+ δ2) .

Seja δ = min{δ1, δ2} > 0. Entao,

|f(x) − f(a)| < ε , ∀ x ∈ (X ∩Aλ0) ∩ (a− δ, a+ δ) = X ∩ (a− δ, a+ δ),

pois (a− δ, a+ δ) ⊂ Aλ0. Logo, f e contınua no ponto a.�

Corolario 1.5 Sejam f : X −→ R e X =⋃λ∈L

Aλ, onde cada Aλ e aberto.

Se f|Aλe contınua para todo λ ∈ L, entao f e contınua.

Exemplo 1.4 Seja f : R − {0} −→ R a funcao definida por:

f(x) =

1, se x ∈ (0,+∞)

−1, se x ∈ (−∞, 0) .Entao f : R − {0} −→ R e contınua, pois R − {0} = (−∞, 0) ∪ (0,+∞), os

conjuntos A = (−∞, 0) e B = (0,+∞) sao abertos e as funcoes f|A e f|Bsao contınuas.�

Instituto de Matematica - UFF 197

Page 197: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

2. Descontinuidades

Definicao 2.1 Dizemos que uma funcao f : X −→ R e descontınua no

ponto a ∈ X quando f nao e contınua no ponto a.

Ou seja, f e descontınua no ponto a se existe ε0 > 0 tal que para

todo δ > 0 existe xδ ∈ X ∩ (a− δ, a+ δ) tal que |f(xδ) − f(a)| ≥ ε0.

Exemplo 2.1 Seja f : R −→ R a funcao f(x) =

0, se x ∈ Q

1, se x ∈ R − Q .

Entao f e descontınua em todos os pontos de R, pois nao existe limx−→a

f(x)

qualquer que seja a ∈ R.�

Exemplo 2.2 Seja f : R −→ R a funcao

f(x) =

0, se x ∈ R − Q

1, se x = 0

1q, se x = p

q∈ Q e uma fracao irredutıvel, com q > 0 .

Pela observacao 2.1 da parte 5, temos que limx→a

g(x) = 0 para todo a ∈ R.

Logo, g e contınua nos numeros irracionais e descontınua nos racionais.

Ver o exercıcio 18 do livro.Mas nao existe uma funcao f : R −→ R que seja contınua nos pontos

raiconais e descontınua nos pontos irracionais. �

Exemplo 2.3 Seja f : R −→ R definida por f(x) =

0, se x = 0

x+x

|x|, se x 6= 0 .

Entao o ponto 0 e o unico ponto de descontinuidade de f.�

Exemplo 2.4 Sejam K ⊂ [0, 1] o conjunto de Cantor e f : [0, 1] −→ R a

funcao definida por

f(x) =

0, se x ∈ K

1, se x 6∈ K .

Entao o conjunto dos pontos de descontinuidade de f e K.

J. Delgado - K. Frensel198

Page 198: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Descontinuidades

De fato, como A = [0, 1] −K e aberto e f|A ≡ 1 e constante, temos que f e

contınua em todos os pontos de A.

Mas, como intK = ∅, para cada x ∈ K, existe uma sequencia (xn) de

pontos de A com limn→∞ xn = x.

Entao, limn→∞ f(xn) = 1 6= 0 = f(x).

Logo, f e descontınua em todos os pontos de K.�

Definicao 2.2 Dizemos que f : X −→ R possui uma descontinuidade

de primeira especie no ponto a ∈ X quando f e descontınua em a, mas

existe limx→a+

f(x) se a ∈ X ′+ e existe limx→a−

f(x) se a ∈ X ′−.

Definicao 2.3 Dizemos que f : X −→ R possui uma descontinuidade de

segunda especie no ponto a ∈ X se f e descontınua no ponto a quando

• a ∈ X ′+ e limx→a+

f(x) nao existe

ou• a ∈ X ′− e lim

x→a−f(x) nao existe.

Exemplo 2.5 Seja f : R −→ R a funcao

f(x) =

0, se x ∈ R − Q

1, se x = 0

1q, se x = p

q∈ Q e uma fracao irredutıvel, com q > 0 .

Como limx→a

f(x) = 0 para todo a ∈ R, todas as descontinuidades de f sao

de primeira especie.

Neste exemplo, os limites laterais nos pontos de descontinuidade existem

e sao iguais, mas sao diferentes do valor da funcao nesses pontos.�

Exemplo 2.6 No exemplo 2.3, o zero e um ponto de descontinuidade

de primeira especie, pois, os limites laterais existem nesse ponto, embora

sejam diferentes.�

Exemplo 2.7 No exemplo 2.1, todos os numeros reais sao desconti-

nuidades de segunda especie, pois nao existem os limites limx−→a+

f(x) e

limx−→a−

f(x) para todo a ∈ R.�

Instituto de Matematica - UFF 199

Page 199: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Exemplo 2.8 No exemplo 2.4, todos os pontos do conjunto de Cantor

sao descontinuidades de segunda especie, pois ou nao existe limx→a+

f(x)

ou nao existe limx→a−

f(x), para todo a ∈ K.

De fato:

• se a e a extremidade superior de um dos intervalos abertos retirados na

construcao do conjunto de Cantor K, temos que a ∈ K ′+ e a ∈ A ′+, pois

intK = ∅ (lembre que A = [0, 1] − K), entao, existem sequencias (xn) e

(yn) tais que xn ∈ K, xn > a, yn ∈ [0, 1] − K = A, yn > a, xn → a e

yn → a.

Logo, f(xn) → 0 e f(yn) → 1. Portanto, nao existe limx→a+

f(x), apesar

de existir limx→a−

f(x) = 1, pois a e a extremidade superior de um intervalo

aberto contido em A.

• se a = 0, nao existe o limite limx→0+

f(x) pelo mesmo motivo exposto acima,

e limx→0−

f(x) nao faz sentido, pois 0 6∈ [0, 1] ′− e o domınio da funcao.

• se a e a extremidade inferior de um dos intervalos retirados na cons-

trucao do conjunto K, temos que a ∈ K ′− e a ∈ A ′−, pois intK = ∅, entao,

existem sequencias (xn) de pontos de K e (yn) de pontos de A tais que

xn < a, yn < a, xn → a e yn → a. Logo, limn→∞ f(xn) = 0 e lim

n→∞ f(yn) = 1.

Portanto, nao existe limx→a−

f(x), mas existe limx→a+

f(x) = 1, pois a e a extre-

midade inferior de um intervalo aberto contido em A.

• se a = 1, o limite limx→1−

f(x) nao existe pelo mesmo motivo exposto acima,

e limx→1+

f(x) nao faz sentido, pois 1 6∈ ([0, 1]) ′+.

• se a nao e extremidade de intervalo algum retirado na construcao de K,

entao a ∈ K ′− ∩ K ′+ e a ∈ A ′− ∩A ′

+, pois intK = ∅.

Logo, nao existem limx→a+

f(x) e limx→a−

f(x).�

Exemplo 2.9 Seja f : R −→ R a funcao

f(x) =

sen 1x, se x 6= 0

a, se x = 0 .

J. Delgado - K. Frensel200

Page 200: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Descontinuidades

Entao, para qualquer a ∈ R, o zero e um ponto de descontinuidade de

segunda especie, pois os limites laterais a esquerda e a direita em 0 nao

existem.�

Exemplo 2.10 Seja f : R −→ R a funcao

f(x) =

sen

1

1+ e1x

, se x 6= 0

0, se x = 0 .

Entao, 0 e o unico ponto de descontinuidade de f e e de primeira especie,

pois limx→0+

f(x) = 0 = f(0) e limx→0−

f(x) = sen 1 6= f(0).�

Exemplo 2.11 Seja f : R −→ R a funcao f(x) =

sen( 1

x)

1+ e1x

, se x 6= 0

0, se x = 0 .

Entao, 0 e a unica descontinuidade de f e e de segunda especie, pois

limx→0+

f(x) = 0 = f(0), mas limx→0−

f(x) nao existe, ja que f(−

1

2πn

)−→ 0 e

f

(−

1

2πn+ π2

)−→ −1 .�

Exemplo 2.12 Seja f : R −→ R a funcao dada por

f(x) =

0, se x ∈ R− ∪ (R+ ∩Q)

1, se x ∈ (R+ − Q).

Entao limx→0−

f(x) = f(0) = 0, mas nao existe limx→0+

f(x). Logo, 0 e um ponto

de descontinuidade de segunda especie, no qual um dos limites laterais

existe.�

Teorema 2.1 Uma funcao monotona f : X −→ R nao admite desconti-

nuidades de segunda especie.

Prova.

Se a ∈ X e um ponto isolado, entao f e contınua em a. Seja a ∈ X ∩ X ′.

Se a ∈ X ∩ X ′+, entao existe δ > 0 tal que a + δ ∈ X. Logo, f|X∩[a,a+δ] e

limitada e monotona e, portanto, existe limx→a+

f(x).

Instituto de Matematica - UFF 201

Page 201: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Se a ∈ X ∩ X ′−, entao existe δ > 0 tal que a − δ ∈ X. Logo f|X∩[a−δ,a] e

limitada e monotona e, portanto, existe limx→a−

f(x).

Logo, para todo a ∈ X ∩ X ′, existem os limites laterais que facam sentido

nesse ponto.�

Teorema 2.2 Seja f : X −→ R monotona. Se f(X) e denso em algum

intervalo I, entao f e contınua.

Prova.

Se a e ponto isolado de X, entao f e contınua em a.

Seja a ∈ X ∩ X ′. Se a ∈ X ∩ X ′+, existe limx→a+

f(x) = f(a+) e se a ∈ X ∩ X ′−,

existe limx→a−

f(x) = f(a−), pelo teorema anterior.

Afirmacao: f(a+) = f(a) se a ∈ X ∩ X ′+ e f(a−) = f(a) se a ∈ X ∩ X ′−.

Suponhamos que f e nao-decrescente.

Nesse caso, f(a+) = inf{f(x) | x > a}. Como f(a) ≤ f(x) para todo x > a,

x ∈ X, temos que f(a) ≤ f(a+).

Vamos supor, por absurdo, que f(a) < f(a+).

Seja I um intervalo que contem f(X), ou seja, f(X) ⊂ I.

Como a ∈ X ′+, existe x > a tal que x ∈ X. Sendo f(x) ≥ f(a+), temos que

( f(a), f(a+) ) ⊂ I, pois ( f(a), f(a+) ) ⊂ ( f(a), f(x) ) e f(a), f(x) ∈ f(X).

Mas ( f(a), f(a+) ) ∩ f(X) = ∅, pois se x < a, f(x) ≤ f(a) e se x > a,

f(x) ≥ f(a+).

Entao, se f(X) e denso em I, ou seja, f(X) ⊂ I e I ⊂ f(X), chegamos

a uma contradicao, pois1

2( f(a) + f(a+) ) ∈ I e ( f(a), f(a+) ) e um inter-

valo aberto que contem1

2( f(a) + f(a+) ) tal que ( f(a), f(a+) )∩ f(X) = ∅.

Logo, f(a+) = f(a).

De modo analogo, podemos provar que f(a−) = f(a) se a ∈ X ′−.

Logo, f e contınua em todos os pontos de X.�

Corolario 2.1 Se f : X −→ R e monotona e f(X) e um intervalo, entao f

e contınua.

J. Delgado - K. Frensel202

Page 202: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Descontinuidades

Exemplo 2.13 Seja f : R −→ R a funcao dada por

f(x) =

x, se x ∈ Q

−x, se x ∈ R − Q .

Entao f e contınua apenas no ponto 0, pois:

• se a ∈ Q − {0}, existe uma sequencia (xn), xn ∈ R − Q, tal que xn −→ a

e f(xn) = −xn −→ −a 6= a = f(a) ,

e

• se a ∈ R − Q, existe uma sequencia (xn), xn ∈ Q, tal que xn → a e

f(xn) = xn → a 6= −a = f(a).

Alem disso, f e uma bijecao, ou seja, f e injetiva e f(R) = R. Em particular,

f(R) e um intervalo. Isto so e possıvel porque f nao e monotona.�

• Seja f : X −→ R uma funcao cujas descontinuidades sao todas de

primeira especie. Seja σ : X −→ R a funcao definida por

σ(x) =

max { |f(x) − f(x+)| , |f(x) − f(x−)| } , se x ∈ X ′+ ∩ X ′−|f(x) − f(x+)|, se x ∈ X ′+ e x 6∈ X ′−|f(x) − f(x−)|, se x ∈ X ′− e x 6∈ X ′+0, se x e um ponto isolado de X ,

onde f(a+) = limx→a+

f(x) e f(a−) = limx→a−

f(x).

O valor σ(x) e chamado o salto de f no ponto x.

Observacao 2.1 Se a ≤ f(x) ≤ b para todo x ∈ X, entao 0 ≤ σ(x) ≤b− a. De fato:

• Se x0 ∈ X ′+, existe uma sequencia (xn), xn > x0, xn ∈ X, tal que

f(xn) −→ f(x+0 ).

Logo, |f(x0) − f(x+0 )| ≤ b− a, pois |f(x0) − f(xn)| ≤ b− a para todo n ∈ N.

• Se x0 ∈ X ′−, existe uma sequencia (xn), xn < x0, xn ∈ X, tal que f(xn) →f(x−

0 ).

Logo, |f(x0) − f(x−0 )| ≤ b− a, pois |f(x0) − f(xn)| ≤ b− a para todo n ∈ N.

Observacao 2.2 σ(x) > 0 se, e so se, x e uma descontinuidade de f.

Instituto de Matematica - UFF 203

Page 203: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Teorema 2.3 Seja f : X −→ R uma funcao cujas descontinuidades sao

todas de primeira especie. Entao o conjunto dos pontos de descontinui-

dade de f e enumeravel.

Prova.

Para cada n ∈ N, seja Dn ={x ∈ X

∣∣∣σ(x) ≥ 1

n

}.

Entao o conjunto dos pontos de descontinuidade de f e

D =⋃n∈N

Dn .

Se provamos que, para todo n ∈ N, o conjunto Dn so possui pontos isola-

dos, entao Dn e enumeravel e, portanto, D sera enumeravel.

Afirmacao: Para todo n ∈ N, Dn so possui pontos isolados.

Seja a ∈ Dn, ou seja, σ(a) ≥ 1

n. Entao a ∈ X ′, pois f e descontınua em a.

Suponhamos que a ∈ X ′+.

Pela definicao de limite lateral a direita, existe δ > 0 tal que

f(a+) −1

4n< f(x) < f(a+) +

1

4n,

para todo x ∈ (a, a+ δ) ∩ X.

Entao, σ(x) <1

2n<1

npara todo x ∈ (a, a+δ)∩X. Logo, (a, a+δ)∩Dn = ∅.

Se a 6∈ X ′+, existe δ > 0 tal que (a, a+δ)∩X = ∅. Logo, (a, a+δ)∩Dn = ∅.

Assim, para todo a ∈ X ′, existe δ > 0 tal que (a, a+ δ) ∩Dn = ∅.

De modo analogo, podemos provar que para todo a ∈ X ′ existe δ > 0 tal

que (a− δ, a) ∩Dn = ∅.

Entao, se a ∈ Dn, existe δ > 0 tal que (a− δ, a+ δ) ∩Dn = {a}, ou seja a

e um ponto isolado de Dn.�

Corolario 2.2 Seja f : X −→ R uma funcao monotona. Entao o conjunto

dos pontos de descontinuidade de f e enumeravel.

Prova.

Pelo teorema 2.1, todas as descontinuidades de f sao de primeira especie.�

J. Delgado - K. Frensel204

Page 204: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Funcoes contınuas em intervalos

3. Func oes contınuas em intervalos

Teorema 3.1 (Teorema do valor intermediario)

Seja f : [a, b] −→ R contınua. Se f(a) < d < f(b) entao existe c ∈ (a, b)

tal que f(c) = d.

Prova.

Primeira demonstracao.

Como f e contınua no ponto a, dado ε = d − f(a) > 0, existe δ > 0,

δ < b− a, tal que f(x) < f(a) + ε = d para todo x ∈ [a, a+ δ).

Entao A = { x ∈ (a, b) | f(x) < d } 6= ∅, pois (a, a+δ) ⊂ A, e e aberto, pela

observacao 1.7.

Como f tambem e contınua no ponto b, dado ε = f(b)−d > 0 existe δ > 0,

δ < b − a, tal que d = f(b) − ε < f(x) para todo x ∈ (b − δ, b]. Entao o

conjunto B = {x ∈ (a, b) | f(x) > d} e nao-vazio, pois (b − δ, b) ⊂ B, e e

aberto, pela observacao 1.7.

Se nao existir c ∈ (a, b) tal que f(c) = d, terıamos (a, b) = A ∪ B, o que e

absurdo pela unicidade da decomposicao de um aberto como reuniao de

intervalos abertos dois a dois disjuntos, ja que A 6= ∅, B 6= ∅ e (a, b) e

um intervalo aberto (ver corolario 1.1 da parte 4).

Segunda demonstracao.

Seja A = {x ∈ [a, b] | f(x) < d}. Entao, A e limitado e nao-vazio, ja que

f(a) < d. Seja c = supA.

Afirmacao: c 6∈ A.

Suponhamos, por absurdo, que c ∈ A, ou seja, que f(c) < d.

Como c ≤ b e f(b) > d, temos que a ≤ c < b. Sendo f contınua em c,

dado ε = d − f(c) > 0, existe δ > 0, δ < b − c, tal que f(x) < f(c) + ε = d

para todo x ∈ [c, c + δ) ⊂ [a, b), o que e absurdo, pois c e o supremo de

A e (c, c+ δ) ⊂ A.

Alem disso, como c e o limite de uma sequencia de pontos xn ∈ A, temos

f(c) = limn→∞ f(xn) ≤ d.

Logo, f(c) = d, pois c 6∈ A, ou seja, f(c) ≥ d.�

Instituto de Matematica - UFF 205

Page 205: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Observacao 3.1 O teorema continua valido quando f(b) < d < f(a).

Corolario 3.1 Seja f : I −→ R uma funcao contınua num intervalo I

qualquer. Se a < b pertencem a I e f(a) < d < f(b) (ou f(b) < d < f(a)),

entao existe c ∈ (a, b) tal que f(c) = d.

Prova.

Basta restringir f ao intervalo [a, b] e aplicar o teorema anterior.�

Corolario 3.2 Seja f : I −→ R uma funcao contınua num intervalo I.

Entao f(I) e um intervalo.

Prova.

Sejam α = inf{f(x) | x ∈ I} e β = sup{f(x) | x ∈ I}.

Podemos ter α = −∞ se f e ilimitada inferiormente, e β = +∞ se f e

ilimitada superiormente.

Afirmacao: f(I) e um intervalo, cujos extremos sao α e β.

Seja α < y < β. Entao, pelas definicoes de sup e inf, ou pela definicao

de conjunto ilimitado, quando um dos extremos α ou β e infinito ou ambos

sao infinitos, existem a, b ∈ I tais que f(a) < y < f(b). Pelo Teorema do

Valor Intermediario, existe x entre a e b tal que f(x) = y, ou seja, y ∈ f(I).

Observacao 3.2 No corolario acima, podemos ter f(I) = [α,β], f(I) =

(α,β], f(I) = [α,β) ou f(I) = (α,β).

Exemplo 3.1 Seja f : (−1, 3) −→ R dada por f(x) = x3. Entao, f((−1, 3)) =

[0, 9).�

Observacao 3.3 Se I e um intervalo e f : I −→ R e uma funcao

contınua tal que f(I) ⊂ Z, entao f e constante, pois todo intervalo con-

tido em Z e degenerado. Mais geralmente:

• Se f : X −→ R e contınua, f(X) ⊂ Y e int Y 6= ∅, entao f e constante em

cada intervalo contido em X.

Observacao 3.4 Seja p : R −→ R, p(x) = anxn + . . .+a1x+a0, an 6= 0

J. Delgado - K. Frensel206

Page 206: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Funcoes contınuas em intervalos

um polinomio de grau n ımpar. Entao, p possui uma raız real, ou seja,

existe c ∈ R tal que p(c) = 0.

Suponhamos que an > 0. Se a0 = 0, temos p(0) = 0. Caso contrario,

para todo x 6= 0, p(x) = an xn r(x), onde

r(x) = 1+an−1

an

1

x+ . . .+

a1

an

1

xn−1+a0

an

1

xn.

Como limx→±∞ r(x) = 1, lim

x→∞anxn = +∞ e lim

x→−∞anxn = −∞, temos que

limx→+∞p(x) = +∞ e lim

x→−∞p(x) = −∞. Logo, p(R) = R, pois p(R) e um

intervalo ilimitado superior e inferiormente.

Ou seja, p e sobrejetiva. Entao para todo d ∈ R existe c ∈ R tal que

p(c) = d. Em particular, existe c ∈ R tal que p(c) = 0.

Exemplo 3.2 Para cada n ∈ N, seja f : [0,+∞) −→ [0,+∞) a funcao

definida por f(x) = xn.

Como f e contınua, f(0) = 0 e limx→+∞ xn = +∞, temos que

f([0,+∞)) = [0,+∞),

ou seja, f e sobrejetiva. Alem disso, f e crescente e, portanto, injetiva.

Entao f : [0,+∞) −→ [0,+∞) e uma bijecao contınua.

Assim, dado y ≥ 0 existe um unico x ≥ 0, que denotamos por x = n√y, tal

que xn = y.

A inversa g da funcao f, g : [0,+∞) −→ [0,+∞), g(y) = n√y, e tambem

contınua e crescente, pelo teorema que provaremos abaixo.�

Teorema 3.2 Seja f : I −→ R uma funcao contınua, injetiva, definida

num intervalo I. Entao f e monotona, sua imagem J = f(I) e um intervalo

e sua inversa f−1 : J −→ I e contınua.

Prova.

Para verificar que f e monotona, basta provar que f e monotona em todo

intervalo limitado e fechado [a, b] ⊂ I.

Como f e injetiva, temos f(a) 6= f(b).

Vamos supor que f(a) < f(b).

Afirmacao: A funcao f e crescente.

Instituto de Matematica - UFF 207

Page 207: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Suponhamos, por absurdo, que existem x, y ∈ [a, b] tais que x < y e

f(x) > f(y). Ha, entao, duas possibilidades: f(a) < f(y) ou f(a) > f(y).

1o caso: f(a) < f(y) < f(x).

Pelo Teorema do Valor Intermediario, existe c ∈ (a, x) tal que f(c) = f(y),

o que e absurdo, pois c < y e f e injetiva.

2o caso: f(y) < f(a) < f(b).

Pelo Teorema do Valor Intermediario, existe c ∈ (y, b) tal que f(c) = f(a),

o que e absurdo, pois c > a e f e injetiva.

Logo, f e monotona e J = f(I) e um intervalo, pois f e contınua. Entao,

f : I −→ J e uma bijecao contınua e monotona.

Alem disso, f−1 : J −→ I e tambem monotona, pois se y < z, y, z ∈ J, entao

f−1(y) < f−1(z) se f e crescente e f−1(y) > f−1(z) se f e decrescente, ja

que y = f(f−1(y)) < z = f(f−1(z)).

Entao, pelo corolario 2.1, f−1 : J −→ I e contınua, pois f−1 e monotona e

f−1(J) = I e um intervalo.�

Observacao 3.5 Se f : I −→ R e contınua, injetiva e, portanto, monotona,

entao o intervalo J = f(I) e do mesmo tipo (aberto, fechado, semi-aberto)

do intervalo I.

Mas, um dos intervalos I e J pode ser ilimitado e o outro limitado.

Por exemplo, para a funcao f : (0, 1] −→ R dada por f(x) =1

x, temos

f((0, 1]) = [1,+∞).

Definicao 3.1 Sejam X, Y ⊂ R. Uma bijecao contınua f : X −→ Y, cuja

inversa f−1 : Y −→ X tambem e contınua, chama-se um homeomorfısmo

entre X e Y

• Pelo teorema anterior, se f : I −→ R e uma bijecao contınua definida

num intervalo I, entao f(I) = J e um intervalo e f−1 : J −→ I e tambem

contınua, ou seja f : I −→ J e um homeomorfismo.

Mas, nem toda bijecao contınua f : X −→ Y tem inversa contınua.

Por exemplo, seja f : X = [0, 1)∪[2, 3] −→ Y = [1, 3] definida por f(x) = x+1

se x ∈ [0, 1) e f(x) = x se x ∈ [2, 3).

J. Delgado - K. Frensel208

Page 208: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Funcoes contınuas em conjuntos compactos

Entao, f e uma bijecao contınua e crescente, mas a funcao inversa

f−1 : [1, 3] −→ [0, 1) ∪ [2, 3] e descontınua no ponto 2. De fato, como

f−1(y) = y se y ∈ [2, 3) e f−1(y) = y − 1 se y ∈ [1, 2), entao f−1(2) = 2 e

limy−→2−

f−1(y) = 1 6= f−1(2).

4. Func oes contınuas em conjuntos compac-

tos

Teorema 4.1 Seja f : X −→ R uma funcao contınua. Se X e compacto

entao f(X) e compacto.

Prova.

Primeira demonstracao.

Seja (Aλ)λ ∈ L uma cobertura aberta de f(X), ou seja, f(X) ⊂⋃λ∈L

Aλ e

cada Aλ, λ ∈ L, e aberto.

Entao, para todo x ∈ X, existe λx ∈ L tal que f(x) ∈ Aλx .

Como f e contınua, para cada x ∈ I, existe um intervalo aberto Ix centrado

em x tal que f(Ix ∩ X) ⊂ Aλx .

Logo, como X ⊂⋃x∈X

Ix e X e compacto, existem x1, . . . , xn ∈ X tais que

X ⊂ Ix1∪ . . . ∪ Ixn .

Assim, f(X) ⊂ Aλx1∪ . . . ∪Aλxn

, o que prova a compacidade de f(X).

Segunda demonstracao.

Seja (yn) uma sequencia de pontos de f(X).

Para cada n ∈ N, existe xn ∈ X tal que f(xn) = yn. Como X e compacto,

(xn) possui uma subsequencia (xnk)k∈N que converge para um ponto x ∈

X.

Entao, pela continuidade de f, temos que ynk= f(xnk

) −→ f(x), ou

seja, (yn) possui uma subsequencia que converge para um ponto de f(X).

Logo, f(X) e compacto.�

Instituto de Matematica - UFF 209

Page 209: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Corolario 4.1 (Weierstrass)

Toda funcao contınua f : X −→ R definda num compacto X e limitada e

atinge seus valores extremos, ou seja, existem x1, x2 ∈ X tais que

f(x1) ≤ f(x) ≤ f(x2) ,

para todo x ∈ X.

Prova.

Pelo teorema acima, f(X) e compacto e, portanto, limitado e fechado.

Entao, inf f(X) e sup f(X) existem e pertencem a f(X), ou seja, existem

x1, x2 ∈ X tais que f(x1) = inf f(X) e f(x2) = sup f(X).�

Exemplo 4.1 A funcao f : (−1, 1) −→ R definida por f(x) =1

1− x2e

contınua, mas nao e limitada, pois f((−1, 1)) = [1,+∞). Isto e possıvel,

porque o domınio (−1, 1) nao e compacto, pois, apesar de ser limitado,

nao e fechado.�

Exemplo 4.2 A funcao f : (−1, 1) −→ R definida por f(x) = x e contınua

e limitada, mas nao possui um ponto de maximo nem de mınimo em seu

domınio. Observe que, nesse exemplo, o domınio (−1, 1) nao e compacto,

ja que nao e fechado.�

Exemplo 4.3 A funcao f : [0,+∞) −→ R definida por f(x) =1

1+ x2

e contınua e limitada, pois f([0,+∞)) = (0, 1]. A funcao f assume seu

maximo 1 no ponto zero, mas nao existe x ∈ [0,+∞) tal que

f(x) = 0 = inf{f(x) | x ∈ [0,+∞)}.

Isto e possıvel porque o domınio de f nao e compacto, pois, apesar de ser

fechado, nao e limitado.�

Observacao 4.1 Dados a ∈ R e um subconjunto fechado nao-vazio

F ⊂ R, existe x0 ∈ F tal que |a− x0| ≤ |a− x| para todo x ∈ F.

Seja n ∈ N tal que K = [a−n, a+n]∩F 6= ∅. Como K e limitado e fechado,

K e compacto.

Seja f : K −→ R a funcao definida por f(x) = |a− x|. Sendo f contınua e K

compacto, existe x0 ∈ K tal que f(x0) = |a − x0| ≤ f(x) = |a − x| para todo

x ∈ K.

J. Delgado - K. Frensel210

Page 210: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Continuidade Uniforme

Se x 6= K e x ∈ F, temos que |a− x| > n > |a− x0|. Logo, |a− x0| ≤ |a− x|

para todo x ∈ F.

Observacao 4.2 Se F nao e fechado e a ∈ F− F, entao

inf{|a− x| | x ∈ F} = 0.

De fato, como a ∈ F, existe uma sequencia (xn) de pontos de F tal que

xn −→ a.

Logo, |a− xn| −→ 0 e, portanto inf{|a− x| | x ∈ F} = 0.

Mas, como a 6∈ F, nao existe x0 ∈ F tal que |a − x0| ≤ |a − x| para todo

x ∈ F, pois, neste caso, |a− x0| = inf{|a− x| | x ∈ X} = 0, ou seja, a = x0, o

que e absurdo, pois a 6∈ F e x0 ∈ F.

Teorema 4.2 Seja X ⊂ R compacto. Se f : X −→ R e contınua e

injetiva, entao Y = f(X) e compacto e f−1 : Y −→ R e contınua.

Prova.

Seja b = f(a) ∈ f(X) = Y e seja yn −→ b, onde yn = f(xn) ∈ f(X).

Afirmacao: xn = f−1(yn) −→ f−1(b) = a.

Como X e compacto e xn ∈ X para todo n ∈ N, a sequencia (xn) e

limitada. Entao, basta mostrar que a e o unico valor de aderencia da

sequencia (xn).

Seja (xnk)k∈N uma subsequencia de (xn) que converge para a ′ ∈ R. Como

X e compacto, a ′ ∈ X. Logo, ynk= f(xnk

) −→ b e ynk= f(xnk

) −→ f(a ′),

pois f e contınua em a ′. Entao, b = f(a ′) = f(a) e, portanto, a ′ = a, pois

f e injetiva. �

5. Continuidade Uniforme

Definicao 5.1 Dizemos que uma funcao f : X −→ R e uniformemente

contınua quando, para cada ε > 0 dado, existe δ > 0 tal que x, y ∈ X,

|x− y| < δ =⇒ |f(x) − f(y)| < ε.

Observacao 5.1 Toda funcao uniformemente contınua e contınua.

De fato, dado ε > 0 existe δ > 0 tal que

Instituto de Matematica - UFF 211

Page 211: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

x, y ∈ X, |x− y| < δ =⇒ |f(x) − f(y)| < ε.

Se a ∈ X, temos que |f(x)−f(a)| < ε para todo x ∈ X, |x−a| < δ. Observe

que o numero real positivo δ nao depende do ponto a ∈ X, apenas de ε.

Observacao 5.2 Uma funcao f : X −→ R nao e uniformemente contınua

se, e so se, existe ε0 > 0 tal que para todo δ > 0 existem xδ, yδ ∈ X tais

que |xδ − yδ| < δ e |f(xδ) − f(yδ)| ≥ ε0.

Observacao 5.3 Nem toda funcao contınua e uniformemente contınua.

Por exemplo, seja f : (0,+∞) −→ R dada por f(x) =1

x. Entao, f e

contınua, mas nao e uniformemente contınua em (0,+∞).

De fato, sejam ε > 0 e δ > 0 dados.

Sejam aδ ∈ R tal que 0 < aδ < δ e 0 < aδ <1

3εe bδ = a +

δ

2. Entao,

|bδ − aδ| =δ

2< δ e

|f(bδ) − f(aδ)| =

∣∣∣∣ 1

aδ + δ2

−1

∣∣∣∣ = ∣∣∣∣ 2

2aδ + δ−1

∣∣∣∣=

δ

aδ(2aδ + δ)>

δ

3δaδ=

1

3aδ> ε .

Exemplo 5.1 Seja f : R −→ R definida por f(x) = ax+ b, a 6= 0.

Dado ε > 0, existe δ =ε

|a|> 0 tal que

x, y ∈ R, |x− y| < δ =⇒ |f(x) − f(y)| = |c| |x− y| < |c|ε

|c|= ε.

Logo, f e uniformemente contınua em R.�

Definicao 5.2 Dizemos que uma funcao f : X −→ R e lipschitziana

quando existe uma constante c > 0 tal que |f(x)−f(y)| ≤ c |x−y| quaisquer

que sejam x, y ∈ X. A menor de tais constantes c > 0 e chamada a

constante de Lipschitz de f.

Exemplo 5.2 A funcao f : R −→ R, f(x) = ax + b, a 6= 0 e lipschitziana

em toda a reta com constante de Lipschitz c = |a|.�

J. Delgado - K. Frensel212

Page 212: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Continuidade Uniforme

Observacao 5.4 Toda funcao f : X −→ R lipschitziana e uniforme-

mente contınua, pois dado ε > 0, existe δ =ε

c> 0 tal que

x, y ∈ X, |x− y| < δ =⇒ |f(x) − f(y)| ≤ c|x− y| < c · εc

= ε.

Exemplo 5.3 Se X ⊂ R e limitado, a funcao f : X −→ R, f(x) = x2, e

lipschitziana. De fato, seja A > 0 tal que |x| ≤ A para todo x ∈ X. Entao,

|f(x) − f(y)| = |x2 − y2| = |x− y| |x+ y| ≤ 2A|x− y| ,

quaisquer que sejam x, y ∈ A.

Mas, se X = R, a funcao f(x) = x2 nao e sequer uniformemente contınua.

De fato, dados ε = 1 e δ > 0, sejam xδ >1

δe yδ = xδ +

δ

2. Entao,

|xδ − yδ| =δ

2< δ e |f(xδ) − f(yδ)| =

(xδ +

δ

2

)2

− x2δ = xδ δ+

δ2

4> xδ δ > 1 .

Exercıcio.

Mostrar que a funcao f : R −→ Rdada por f(x) = xn nao e uni-

formemente contınua para todon > 1.

Teorema 5.1 Seja f : X −→ R uniformemente contınua. Se (xn) e uma

sequencia de Cauchy em X, entao ( f(xn)) e uma sequencia de Cauchy.

Prova.

Dado ε > 0 existe δ > 0 tal que

x, y ∈ X, |x− y| < δ =⇒ |f(x) − f(y)| < ε .

Como (xn) e de Cauchy, existe n0 ∈ N tal que |xm−xn| < δ param,n > n0.

Logo, |f(xn)−f(xm)| < ε param,n > n0, ou seja, (f(xn)) e uma sequencia

de Cauchy.�

Corolario 5.1 Se f : X −→ R e uniformemente contınua, entao existe

limx→a

f(x) para todo a ∈ X ′.

Prova.

Seja (xn) uma sequencia de pontos de X − {a} tal que xn −→ a. Entao,

pelo teorema anterior, (f(xn)) e de Cauchy e, portanto, convergente. Logo,

pelo corolario 1.4 da parte 5, existe limx→a

f(x).�

Observacao 5.5 Para provar o corolario acima podemos usar tambem

o Criterio de Cauchy para funcoes(teorema 1.9, parte 5).

Instituto de Matematica - UFF 213

Page 213: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

De fato, dado ε > 0, existe δ > 0 tal que

x, y ∈ X, |x− y| <δ

2=⇒ |f(x) − f(y)| < ε .

Entao, se x, y ∈ X,

|x− a| <δ

2e |y− a| <

δ

2=⇒ |x− y| ≤ |x− a| + |a− y| < δ

=⇒ |f(x) − f(y)| < ε .

Logo, existe limx→a

f(x) para todo a ∈ X ′.

Exemplo 5.4 As funcoes f, g : (0, 1] −→ R, f(x) = sen(1

x

)e g(x) =

1

x,

nao sao uniformemente contınuas, pois nao existem limx→0

g(x) e limx→0

f(x),

no ponto 0 ∈ (0, 1] ′.�

Observacao 5.6 Uma funcao f : X −→ R nao e uniformemente contınua

se, e so se, existem ε0 > 0 e duas sequencias (xn), (yn) de pontos de X

tais que |xn − yn| −→ 0 e |f(xn) − f(yn)| ≥ ε0 para todo n ∈ N.

Exemplo 5.5 A funcao f : R −→ R, f(x) = x3, nao e uniformemente

contınua em R. De fato, existem ε = 3 e duas sequencias xn = n +1

ne

yn = n tais que |xn − yn| =1

n−→ 0 e

|f(xn) − f(yn)| =

∣∣∣∣ (n+1

n

)3

− n3

∣∣∣∣ = ∣∣∣∣n3 + 3n2

n+ 3

n

n2+1

n3− n3

∣∣∣∣= 3n+

3

n+1

n3≥ 3 , para todo n ∈ N .

Teorema 5.2 Seja X compacto. Entao toda funcao contınua f : X −→ Re uniformemente contınua.

Prova.

Primeira demonstracao.

Dado ε > 0. Para cada x ∈ X existe δx > 0 tal que

y ∈ X, |y− x| < 2δx =⇒ |f(y) − f(x)| <ε

2

J. Delgado - K. Frensel214

Page 214: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Continuidade Uniforme

Seja Ix = (x− δx, x+ δx). Entao a cobertura aberta X ⊂⋃x∈X

Ix admite uma

subcobertura finita X ⊂ Ix1∪ . . . ∪ Ixn .

Seja δ = min{δx1, . . . , δxn} > 0. Se x, y ∈ X e |x−y| < δ, tome j ∈ {1, . . . , n}

tal que x ∈ Ixj.

Entao, |x− xj| < δxje |y− xj| ≤ |y− x| + |x− xj| < δ+ δxj

≤ 2δxj.

Logo, |f(x) − f(xj)| <ε

2e |f(y) − f(xj)| <

ε

2, donde |f(x) − f(y)| < ε.

Segunda demonstracao.

Suponhamos que f nao e uniformemente contınua.

Entao existe ε0 > 0 tal que, para todo n ∈ N existem xn, yn ∈ X com

|xn − yn| <1

ne |f(xn) − f(yn)| ≥ ε0.

Como X e compacto, a sequencia (xn) possui uma subsequencia (xnk)k∈N

que converge para um ponto x ∈ X.

Entao ynk−→ x, pois (xnk

− ynk) −→ 0.

Sendo f contınua, temos que limk→+∞ f(xnk

) = limk→+∞ f(ynk

) = f(x), o que

contradiz a desigualdade |f(xnk) − f(ynk

)| ≥ ε0, para todo k ∈ N.

Logo, f e uniformemente contınua.�

Exemplo 5.6 A funcao f : [0, 1] −→ R, f(x) =√x, e contınua e, portanto

uniformemente contınua, pois [0, 1] e compacto.

Mas, f nao e lipschitziana, pois o quociente|√x−

√y|

|x− y|=

1√x+

√y

nao e

limitado, ja que limx→0+

1√x+

√y

= +∞.

Por outro lado, a funcao g : [0,+∞) −→ R, g(x) =√x, da qual f e uma

restricao, e uniformemente contınua, embora seu domınio [0,+∞) nao

seja compacto.

De fato, g|[1,+∞) e lipschitziana, pois

|g(x) − g(y)| =|x− y|√x+

√y≤ 1

2|x− y|, para x, y ∈ [1,+∞) .

Como g|[0,1] e g|[1,+∞) sao uniformemente contınuas, temos que g|[0,+∞) e

Instituto de Matematica - UFF 215

Page 215: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

uniformemente contınua, pois dado ε > 0 existem δ1, δ2 > 0 tais que:

• x, y ∈ [0, 1], |x− y| < δ1 =⇒ |g(x) − g(y)| <ε

2;

• x, y ∈ [1,+∞), |x− y| < δ2 =⇒ |g(x) − g(y)| <ε

2.

Seja δ = min{δ1, δ2} > 0 e sejam x, y ∈ [0,+∞), |x− y| < δ.

Assim, se

• x, y ∈ [0, 1] =⇒ |g(x) − g(y)| <ε

2< ε ;

• x, y ∈ [1,+∞) =⇒ |g(x) − g(y)| <ε

2< ε ;

• x ∈ [0, 1] e y ∈ [1,+∞) =⇒ |x− 1| < δ e |y− 1| < δ

=⇒ |g(x)−g(1)| <ε

2e |g(y)−g(1)| <

ε

2=⇒ |g(x)−g(y)| <

ε

2+ε

2≤ ε .�

Definicao 5.3 Dizemos que uma funcao ϕ : Y −→ R e uma extensao

da funcao f : X −→ R, quando f e uma restricao de g, ou seja, X ⊂ Y e

ϕ(x) = f(x) para todo x ∈ X.

Quando ϕ e contınua, dizemos que f se estende continuamente a funcao

ϕ.

Teorema 5.3 Toda funcao uniformemente contınua f : X −→ R admite

uma extensao contınua ϕ : X −→ R. A funcao ϕ e a unica extensao

contınua de f a X e e uniformemente contınua.

Prova.

Vamos definir ϕ no conjunto X = X ∪ X ′.

Como f e uniformemente contınua, pelo Corolario 5.1, existe limx→x ′

f(x) para

todo x ′ ∈ X ′.

Definimos, entao, ϕ da seguinte maneira:

ϕ(x ′) = limx→x ′

f(x) se x ∈ X ′ e ϕ(x) = f(x) se x ∈ X.

Se x ′ ∈ X ′ ∩ X, entao ϕ(x ′) = limx→x ′

f(x) = f(x ′), pois f e contınua em x ′.

Logo, ϕ esta bem definida em X.

Observe que se x ∈ X, xn −→ x, xn ∈ X, entao ϕ(x) = limn→+∞ f(xn).

J. Delgado - K. Frensel216

Page 216: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Continuidade Uniforme

Afirmacao: ϕ : X −→ R e uniformemente contınua.

Instituto de Matematica - UFF 217

Page 217: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

De fato, como f e uniformemente contınua em X, dado ε > 0 existe δ > 0

tal que x, y ∈ X, |x− y| < δ =⇒ |f(x) − f(y)| <ε

2.

Sejam x, y ∈ X tais que |x− y| < δ.

Entao existem sequencias (xn) e (yn) em X tais que xn −→ x e yn −→ y.

Como |xn − yn| −→ |x− y| e |x− y| < δ, existe n0 ∈ N tal que |xn − yn| < δ

para todo n ≥ n0. Entao, |f(xn) − f(yn)| <ε

2para todo n ≥ n0 e, portanto,

|ϕ(x) −ϕ(y)| = limn→+∞ |f(xn) − f(yn)| ≤ ε

2< ε .

Unicidade: Seja ψ : X −→ R outra extensao contınua de f e seja x ∈ X.

Entao existe uma sequencia (xn) em X com limn→+∞ xn = x.

Logo,

ψ(x) = limn→+∞ψ(xn) = lim

n→+∞ f(xn) = limn→+∞ϕ(xn) = ϕ(x) .

Corolario 5.2 Seja f : X −→ R uniformemente contınua. Se X e limi-

tado, entao f(X) e limitado, ou seja, f e limitada.

Prova.

Seja ϕ : X −→ R a extensao contınua de f.

Como X e limitado, X e compacto. Logo, ϕ(X) e compacto e, portanto,

f(X) e limitado, pois f(X) ⊂ ϕ(X).�

J. Delgado - K. Frensel218

Page 218: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

A derivada de uma funcao

Parte 7

Derivadas

1. A derivada de uma func ao

Definicao 1.1 Sejam X ⊂ R, a ∈ X ∩ X ′ e f : X −→ R. Dizemos que f e

derivavel no ponto a quando existe o limite

f ′(a) = limx→a

f(x) − f(a)

x− a

Neste caso, f ′(a) chama-se a derivada de f no ponto a

Observacao 1.1 Seja q : X− {a} −→ R definida por q(x) =f(x) − f(a)

x− a.

Geometricamente, q(x) e a inclinacao, ou coeficiente angular, da reta se-

cante ao grafico de f que passa pelos pontos (a, f(a)) e (x, f(x)).

Definicao 1.2 A reta r : y = f ′(a)(x − a) + f(a) que passa pelo ponto

(a, f(a)) e tem inclinacao f ′(a) e chamada de reta tangente ao grafico de

f no ponto a.

Observacao 1.2 A inclinacao da reta tangente e, portanto, o limite,

quando x −→ a, das inclinacoes das retas secantes que passam pelos

pontos (a, f(a)) e (x, f(x))

Observacao 1.3 Seja h = x− a, ou x = a+ h, h 6= 0. Entao

f ′(a) = limh→0

f(a+ h) − f(a)

h

Instituto de Matematica - UFF 217

Page 219: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

onde a funcao h 7−→ f(a+ h) − f(a)

hesta definida no conjunto

Y = {h ∈ R − {0} |a+ h ∈ X} ,

que tem o zero como ponto de acumulacao.

Definicao 1.3 Sejam X ⊂ R, a ∈ X ∩ X ′+ e f : X −→ R. Dizemos que f e

derivavel a direita no ponto a quando existe o limite

f ′(a+) = limx→a+

f(x) − f(a)

x− a= lim

h→0+

f(a+ h) − f(a)

h.

No caso afirmativo, f ′(a+) e a derivada a direita de f no ponto a.

Seja a ∈ X∩X ′−. Dizemos que f e derivavel a esquerda no ponto a quando

existe o limite

f ′(a−) = limx→a−

f(x) − f(a)

x− a= lim

h→0−

f(a+ h) − f(a)

h.

Neste caso, f ′(a−) e a derivada a esquerda de f no ponto a.

Observacao 1.4 Se a ∈ X ∩ X ′+ ∩ X ′−, f ′(a) existe se, e so se, existem

e sao iguais as derivadas laterais f ′(a+) e f ′(a−).

Observacao 1.5 Dizer que uma funcao f : [c, d] −→ R e derivavel no

ponto a significa que:

• f possui as duas derivadas laterais no ponto a e elas sao iguais quando

a ∈ (c, d).

• f possui derivada lateral a direita no ponto a quando a = c.

• f possui derivada lateral a esquerda no ponto a quando a = d.

Observacao 1.6 Pelas propriedades gerais do limite, temos que f e

derivavel no ponto a ∈ X ∩ X ′ se, e so se,

limn→+∞ f(xn) − f(a)

xn − a= f ′(a)

para qualquer sequencia (xn) de pontos de X− {a} com limn→∞ xn = a.

Mais geralmente, f e derivavel no ponto a ∈ X∩X ′ se, e so se, dada

uma funcao g : Y −→ R, com b ∈ Y ′, tal que limy→b

g(y) = a e g(y) 6= a para

y 6= b, temos que

f ′(a) = limy→b

f(g(y)) − f(a)

g(y) − a.

J. Delgado - K. Frensel218

Page 220: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

A derivada de uma funcao

Exemplo 1.1 Seja f : R −→ R constante, ou seja, existe c ∈ R tal que

f(x) = c para todo x ∈ R. Entao f ′(a) = 0 para todo a ∈ R.�

Exemplo 1.2 Seja f : R −→ R dada por f(x) = cx + d e seja a ∈ R.

Entao f ′(a) = c, poisf(x) − f(a)

x− a=c(x− a)

x− a= c para todo x 6= a.�

Exemplo 1.3 Seja f : R −→ R, f(x) = x2 e seja a ∈ R. Entao,

f(a+ h) − f(a)

h=a2 + 2ah+ h2 − a2

h= 2a+ h −→ 2a

quando h −→ 0. Assim, f ′(a) = 2a para todo a ∈ R.�

Exemplo 1.4 Seja f : R −→ R, f(x) = xn, n ∈ N e seja a ∈ R.

Entao, pela formula do binomio de Newton, temos que

f(a+ h) − f(a) = (a+ h)n − an =

n∑j=0

(n

j

)ajhn−j − an

=

(n−2∑j=0

(n

j

)ajhn−j−1

)h+

(n

n−1

)an−1h .

Logo,

limh→0

f(a+ h) − f(a)

h= lim

h→0

(n−2∑j=0

(n

j

)ajhn−j−1

)+ nan−1

= nan−1 , pois n− j− 1 ≥ 1 para 0 ≤ j ≤ n− 2 .

Entao, f ′(a) = nan−1 para todo a ∈ R.

Se p(x) = anxn + . . .+a1x+a0 e um polinomio, entao, usando as proprie-

dades conhecidas do limite, temos

p ′(x) = nanxn−1 + . . .+ 2a2x+ a1 ,

para todo x ∈ R.�

Exemplo 1.5 Seja f : R −→ R a funcao definida por f(x) = |x|.

Entao,f(x) − f(0)

x− 0=

|x|

x. Logo,

f ′(0+) = limx→0+

|x|

x= lim

x→0+1 = 1 e f ′(0−) = lim

x→0−

|x|

x= lim

x→0−(−1) = −1 .

Como f ′(0+) 6= f ′(0−), f nao e derivavel no ponto 0, mas e derivavel nos

demais pontos da reta, com f ′(a) = 1 se a > 0 e f ′(a) = −1 se a < 0.�

Instituto de Matematica - UFF 219

Page 221: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Exemplo 1.6 Seja f : [0,+∞) −→ R definida por f(x) =√x. Entao,

para a ∈ [0,+∞), h 6= 0 e a+ h ≥ 0, temos√a+ h−

√a

h=

h

h(√a+ h+

√a) =

1√a+ h+

√a

.

Logo, f e derivavel em todo ponto a > 0 e f ′(a) =1

2√a

, mas f nao e

derivavel no ponto zero, pois o quociente√0+ h−

√0

h=

√h

h=

1√h

e ilimitado numa vizinhanca de zero e, portanto, nao existe limh→0+

1√h

.�

Exemplo 1.7 Seja f : R −→ R a funcao definida por

f(x) = inf { |x− n| |n ∈ Z } ,

ou seja, f(x) e a distancia de x ao inteiro mais proximo. Temos que

f(x) =

x− n se x ∈[n,n+

1

2

]n+ 1− x se x ∈

[n+

1

2, n+ 1

].

Entao, f(n) = 0 e f(n+

1

2

)=1

2, para todo n ∈ Z, e o grafico de f e uma

serra cujos dentes tem pontas nos pontos(n+

1

2,1

2

).

A funcao f e derivavel em todo x ∈ R, x 6= n, x 6= n+1

2, n ∈ Z, sendo

f ′(x) =

1 se x ∈(n,n+

1

2

)−1 se x ∈

(n+

1

2, n+ 1

).

Mas f nao e derivavel nos pontos n e n +1

2, n ∈ N, porque f ′(n+) = 1 6=

f ′(n−) = −1 e f ′((n+

1

2

)+)

= −1 6= f ′((n+

1

2

)−)

= 1 .�

J. Delgado - K. Frensel220

Page 222: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

A derivada de uma funcao

Observacao 1.7 A derivada, sendo um limite, satisfaz aos seguintes

resultados, provados para limite de uma funcao:

• Se f : X −→ R possui derivada no ponto a ∈ X ∩ X ′, entao, dado

Y ⊂ X com a ∈ Y ∩ Y ′, a funcao g = f|Y tambem e derivavel no ponto a e

g ′(a) = f ′(a).

• Se Y = I∩X, onde I e um intervalo aberto contendo o ponto a, e g = f|Y

e derivavel no ponto a, entao f e derivavel no ponto a e f ′(a) = g ′(a).

Este resultado mostra o carater local da derivada.

Definicao 1.4 Dizemos que uma funcao f : X −→ R e derivavel no

conjunto X quando f e derivavel em todos os pontos a ∈ X ∩ X ′ .

Observacao 1.8 Seja f : X −→ R derivavel no ponto a ∈ X∩X ′. Seja r

a funcao dada por

r(h) = f(a+ h) − f(a) − f ′(a)h

definida no conjunto Da = {h ∈ R |a+ h ∈ X}.

Entao, para todo h ∈ Da − {0}, temos

f(a+ h) = f(a) + f ′(a)h+ r(h) , com limh→0

r(h)

h= 0 . (1)

Sendo limh→0

r(h)

h= 0, dizemos que o resto r(h) tende para zero mais rapi-

damente que h, ou que r(h) e um infinitesimo (=funcao com limite zero)

de ordem superior a 1, relativamente a h.

Reciprocamente, se existe L ∈ R tal que

f(a+ h) = f(a) + Lh+ r(h) , com limh→0

r(h)

h= 0 , (2)

entao f e derivavel no ponto a ∈ X ∩ X ′ e f ′(a) = L, pois

limh→0

f(a+ h) − f(a)

h= lim

h→0

(L+

r(h)

h

)= L .

• A condicao (1) pode ser escrita sob a forma

f(a+ h) = f(a) + (f ′(a) + ρ(h))h , com limh→0

ρ(h) = 0 , (3)

onde ρ(0) = 0 e ρ(h) =r(h)

h=f(a+ h) − f(a)

h− f ′(a) para todo h 6= 0 tal

que a+ h ∈ X.

Instituto de Matematica - UFF 221

Page 223: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Assim, a continuidade da funcao ρ no ponto 0 equivale a existencia da

derivada f ′(a) de f no ponto a.

Observacao 1.9 As condicoes (1), (2) e (3) tambem sao validas para

as derivadas laterais, supondo h > 0 para a derivada a direita e h < 0

para a derivada a esquerda.

Exemplo 1.8 Seja f(x) = x2. Entao, dados a ∈ R e h 6= 0, temos

r(h) = (a+ h)2 − a2 − 2ah = h2.�

Exemplo 1.9 Sabemos do Calculo que a funcao f : R −→ R dada por

f(x) = sen x e derivavel na reta e f ′(a) = cosa para todo a ∈ R. Entao,

sen(a+ h) = sena+ h cosa+ r(h) , com limh→0

r(h)

h= 0.

Usando a formula da trigonometria

sen(a+ h) = sena cosh+ senh cosa ,

obtemos que

r(h) = sena cosh+ senh cosa− sena− h cosa

= sena(cosh− 1) + cosa(senh− h) .

Isto confirma que limh→0

r(h)

h= 0, pois

limh→0

cosh− 1

h= cos ′(0) = − sen(0) = 0 ,

e

limh→0

senh− h

h= lim

h→0

senh− sen 0h− 0

− 1 = cos 0− 1 = 0 .

Definicao 1.5 Seja f : X −→ R uma funcao derivavel no ponto a. A

diferencial de f no ponto a e a transformacao linear df(a) : R −→ Rdefinida por df(a)h = f ′(a)h.

Se f e derivavel em todo X, definimos a diferencial de f como sendo a

funcao df : X −→ L(R; R), a 7−→ df(a), onde L(R; R) e o espaco vetorial

dos operadores lineares de R em R.

Teorema 1.1 Sejam a ∈ X ∩ X ′ e f : X −→ R. Se f e derivavel no ponto

a, entao f e contınua no ponto a.

J. Delgado - K. Frensel222

Page 224: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

A derivada de uma funcao

Prova.

Como o limite limx→a

f(x) − f(a)

x− aexiste e lim

x→a(x− a) = 0, temos que

limx→a

( f(x) − f(a) ) = limx→a

(f(x) − f(a)

x− a

)(x− a)

= limx→a

f(x) − f(a)

x− a· lim

x→a(x− a) = 0 ,

ou seja, limx→a

f(x) = f(a). Logo, f e contınua no ponto a.�

Observacao 1.10

• Se a ∈ X ∩ X ′+ e f : X −→ R e derivavel a direita no ponto a, entao f e

contınua a direita no ponto a, ou seja, limx→a+

f(x) = f(a) .

• E se a ∈ X∩X ′− e f e derivavel a esquerda no ponto a, entao f e contınua

a esquerda no ponto a, ou seja, limx→a−

f(x) = f(a) .

Estes resultados demonstram-se de modo analogo quando f e derivavel

no ponto a.

• Entao, f e contınua no ponto a, se f possui derivada a direita e a es-

querda no ponto a, mesmo sendo diferentes.

Exemplo 1.10 Seja f : R −→ R dada por f(x) =

{1 se x ≥ 0

−1 se x < 0 .

Entao f e contınua a direita no ponto zero e f ′(0+) = 0, mas f nao e

contınua a esquerda no ponto 0 nem existe a derivada a esquerda de f no

ponto 0. Portanto, f nao e contınua no ponto 0.�

Exemplo 1.11 Os exemplos 1.5, 1.6 e 1.7, mostram que uma funcao

pode ser contınua em toda a reta e nao ser derivavel em alguns pontos.

Na realidade, a maioria das funcoes contınuas em R nao possuem de-

rivada em ponto algum (ver E. Lima, Espacos Metricos, exemplo 33 do

capıtulo 7).�

Teorema 1.2 Sejam f, g : X −→ R funcoes derivaveis no ponto

a ∈ X ∩ X ′. Entao, f ± g, f · g ef

g(quando g(a) 6= 0) sao derivaveis

no ponto a e valem as seguintes formulas:

Instituto de Matematica - UFF 223

Page 225: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

(f± g)(a) = f ′(a)± g ′(a)

(f · g) ′(a) = f ′(a)g(a) + f(a)g ′(a)(f

g

) ′

(a) =f ′(a)g(a) − f(a)g ′(a)

(g(a) )2

Prova.

Vamos demonstrar a formula de derivacao do quociente, deixando as ou-

tras como exercıcio.

Sendo g(x) 6= 0 para todo x ∈ (X− {a}) ∩ (a− δ, a+ δ), para algum δ > 0,

a funcaof

gesta definida nesta vizinhanca de a.

Como, para x ∈ (X− {a}) ∩ (a− δ, a+ δ),

f(x)

g(x)−f(a)

g(a)

x− a=

f(x)g(a) − f(a)g(x)

x− a· 1

g(x) · g(a)

=

((f(x) − f(a)

x− a

)g(a) − f(a)

(g(x) − g(a)

x− a

))1

g(x)g(a),

temos que

limx→a

f(x)

g(x)−f(a)

g(a)

x− a=

(g(a) lim

x→a

f(x) − f(a)

x− a− f(a) lim

x→a

g(x) − g(a)

x− a

)· lim

x→a

1

g(x)g(a)

= (g(a) f ′(a) − f(a)g ′(a) ) · 1

(g(a) )2.

pois g e contınua no ponto a, ja que g e derivavel no ponto a.�

Corolario 1.1

• Se c ∈ R entao (c · f) ′(a) = c · f ′(a) .

• Se f(a) 6= 0 entao(1

f

) ′(a) = −

f ′(a)

f(a)2.

Teorema 1.3 (Regra da cadeia)

Sejam f : X −→ R, g : Y −→ R, f(X) ⊂ Y, a ∈ X ∩ X ′, b = f(a) ∈ Y ∩ Y ′.

Se f e derivavel no ponto a e g e derivavel no ponto b = f(a), entao

g ◦ f : X −→ R e derivavel no ponto a e tem-se a regra da cadeia:

(g ◦ f ) ′(a) = g ′(b) · f ′(a)

J. Delgado - K. Frensel224

Page 226: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

A derivada de uma funcao

Prova.

Sejam ρ e σ funcoes definidas numa vizinhanca de 0, tais que

f(a+ h) = f(a) + ( f ′(a) + ρ(h) )h , onde limh→0

ρ(h) = 0 ,

g(b+ k) = g(b) + (g ′(b) + σ(k) )k , onde limk→0

σ(k) = 0 .

Tomando k = f(a+ h) − f(a) = ( f ′(a) + ρ(h) )h, temos que

f(a+ h) = f(a) + k = b+ k

e

(g ◦ f)(a+ h) = g(f(a+ h)) = g(b+ k) = g(b) + (g ′(b) + σ(k) )k

= g(b) + (g ′(b) + σ(k) ) ( f ′(a) + ρ(h) )h

= g ◦ f(a) + (g ′(b) f ′(a) + θ(h) )h ,

onde θ(h) = σ( f(a+ h) − f(a) ) ( f ′(a) + ρ(h) ) + g ′(b) ρ(h) .

Como f e contınua no ponto a, σ e ρ sao contınuas no ponto 0, com

σ(0) = ρ(0) = 0, temos que

limh→0

θ(h) = 0 ,

pois limh→0

σ(f(a+ h) − f(a)) = σ(0) = 0 e limh→0

ρ(h) = ρ(0) = 0 .

Logo, g ◦ f e derivavel no ponto a e (g ◦ f) ′(a) = g ′(b) f ′(a) .�

Corolario 1.2 (Derivada da inversa de uma funcao)

Seja f : X −→ Y uma funcao que possui inversa g = f−1 : Y −→ X. Se f e

derivavel no ponto a ∈ X ∩ X ′ e g e contınua no ponto b = f(a), entao g e

derivavel no ponto b se, e so se, f ′(a) 6= 0. Neste caso,

g ′(b) =1

f ′(a)

Prova.

Como g e contınua no ponto b = f(a) e e injetiva, temos que

limy→b

g(y) = g(b) = a ,

e g(y) 6= a quando y ∈ Y − {b}.

Alem disso, b ∈ Y ∩ Y ′, pois f e contınua no ponto a, e injetiva em X e

a ∈ X ∩ X ′.

Logo, se f ′(a) 6= 0, entao

Instituto de Matematica - UFF 225

Page 227: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

limy→b

g(y) − g(b)

y− b= lim

y→b

g(y) − g(b)

f(g(y)) − f(a)

= limy→b

(f(g(y)) − f(a)

g(y) − a

)−1

=1

f ′(a),

ou seja, g e derivavel no ponto b e g ′(b) =1

f ′(a).

Reciprocamente, se g e derivavel no ponto b, entao, pela regra da cadeia,

g ◦ f = idX e derivavel no ponto a e g ′(b) f ′(a) = 1, ou seja, f ′(a) 6= 0 e

g ′(b) =1

f ′(a).�

Exemplo 1.12 A funcao f : R −→ R, dada por f(x) = x3, e uma bijecao

contınua com inversa contınua g : R −→ R com g(y) = 3√y.

Como f ′(a) = 3a2 6= 0 para todo a 6= 0 e f(0) = 0, temos que g e derivavel

em todo ponto b ∈ R − {0} e g ′(b) =1

f ′(g(b))=

1

3(g(b))2=

1

33√b2.�

Definicao 1.6 Dizemos que uma funcao f : X −→ R possui um maximo

local no ponto a ∈ X, quando existe δ > 0 tal que f(x) ≤ f(a) para todo

x ∈ X ∩ (a− δ, a+ δ).

E quando existe δ > 0 tal que f(x) < f(a) para todo x ∈ (a − δ, a + δ) ∩(X− {a}), dizemos que f possui um maximo local estrito no ponto a ∈ X.

Ha definicoes analogas para os conceitos de mınimo local e mınimo local

estrito de uma funcao.

Exemplo 1.13 A funcao f : R −→ R, dada por f(x) = x2, possui um

mınimo local estrito no ponto 0, pois f(x) = x2 > f(0) = 0 para todo

x ∈ R − {0}.�

Exemplo 1.14 A funcao g : R −→ R, g(x) = sen x , possui maximos

locais estritos nos pontos (4k + 1)π

2, pois g

((4k+ 1)

π

2

)= 1 > g(x)

para todo x ∈(4k−

π

2, 4k+ 3

π

2

)−

{(4k+ 1)

π

2

}, e possui mınimos locais

estritos nos pontos (4k−1)π

2, pois g

((4k− 1)

π

2

)= −1 < g(x) , para todo

x ∈(4k−

2, 4k+

π

2

)−

{(4k− 1)

π

2

}.�

J. Delgado - K. Frensel226

Page 228: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

A derivada de uma funcao

Exemplo 1.15 Uma funcao constante possui maximo local e mınimo

local nao-estritos em cada ponto do seu domınio.�

Exemplo 1.16 A funcao h : R −→ R, dada por h(x) =

{1 se x ≥ 0

−1 se x < 0 ,

possui um maximo local nao-estrito no ponto 0.�

Exemplo 1.17 A funcao ϕ : R −→ R, ϕ(x) = x2(1+ sen

1

x

)se x 6= 0

e ϕ(0) = 0, e contınua em toda a reta e possui um mınimo local nao

estrito no ponto 0, pois ϕ(x) ≥ 0 = ϕ(0) para todo x ∈ R e, em toda

vizinhanca de 0, ha pontos x tais que ϕ(x) = 0, ja que1

(4k− 1)π

2

−→ 0 e

ϕ

1

(4k− 1)π

2

= 0 para todo k ∈ Z.�

Observacao 1.11 Se f : X −→ R e nao-decrescente e derivavel no

ponto a ∈ X∩X ′, entao f ′(a) ≥ 0, poisf(x) − f(a)

x− a≥ 0 para todo x ∈ X−{a}.

• Analogamente, se f : X −→ R e nao-crescente e derivavel no ponto

a ∈ X ∩ X ′, entao f ′(a) ≤ 0.

• Se f : X −→ R e crescente (decrescente) e derivavel no ponto a ∈ X∩X ′,nao temos necessariamente f ′(a) > 0 (< 0).

Por exemplo, a funcao f(x) = x3 e crescente e f ′(0) = 0.

• Se a ∈ X ∩ X ′ ∩ X ′− e existe δ > 0 tal que f(y) ≤ f(a) ≤ f(x) para

a − δ < y < a < x < a + δ, entao f ′(a) ≥ 0, mas nao implica que f seja

nao-decrescente (ver exemplo 1.18).

Teorema 1.4 Seja f : X −→ R uma funcao derivavel a direita no ponto

a ∈ X∩X ′+. Se f ′(a+) > 0, entao existe δ > 0 tal que f(a) < f(x) para todo

x ∈ X ∩ (a, a+ δ).

Prova.

Como limx−→a+

f(x) − f(a)

x− a= f ′(a+) > 0, existe δ > 0 tal que

f(x) − f(a)

x− a> 0

para todo x ∈ X ∩ (a, a+ δ), ou seja, f(x) > f(a) ∀ x ∈ X ∩ (a, a+ δ).�

Instituto de Matematica - UFF 227

Page 229: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Observacao 1.12 Valem tambem os seguintes resultados, que podem

ser provados de modo analogo ao teorema anterior:

• Se a ∈ X ∩ X ′+ e f ′(a+) < 0, entao existe δ > 0 tal que f(x) < f(a) para

todo X ∩ (a, a+ δ).

• Se a ∈ X ∩ X ′− e f ′(a+) > 0, entao existe δ > 0 tal que f(x) < f(a) para

todo x ∈ X ∩ (a− δ, a).

• Se a ∈ X ∩ X ′− e f ′(a−) < 0, entao existe δ > 0 tal que f(x) > f(a) para

todo x ∈ X ∩ (a− δ, a).

Corolario 1.3 Seja a ∈ X ∩ X ′+ ∩ X ′−. Se f : X −→ R possui no ponto

a derivada f ′(a) > 0 (f ′(a) < 0), entao existe δ > 0 tal que x, y ∈ X,

a− δ < x < a < y < a+ δ =⇒ f(x) < f(a) < f(y) (f(y) < f(a) < f(x)).

Corolario 1.4 Seja a ∈ X∩X ′+∩X ′−. Se f : X −→ R e derivavel no ponto

a e possui um maximo ou um mınimo local nesse ponto, entao f ′(a) = 0.

Prova.

Se f ′(a) > 0 ou f ′(a) < 0, temos, pelo corolario anterior, que a nao e

ponto de maximo nem de mınimo local.�

Observacao 1.13 O teorema 1.4 nao diz que existe um intervalo a di-

reita de a no qual f e crescente quando f ′(a+) > 0, nem o corolario 1.3

diz que f e crescente numa vizinhanca de a quando f ′(a) > 0.

Exemplo 1.18

• Antes de dar o exemplo de uma funcao que ilustre a observacao acima,

faremos o estudo de algumas funcoes.

• A funcao f : R −→ R, f(x) = x sen1

xse x 6= 0 e f(0) = 0, e contınua

em toda a reta e possui derivada f ′(x) = sen1

x−1

xcos

1

xem todo x 6= 0,

mas nao e derivavel no ponto zero, pois nao existe o limite def(x) − f(0)

x− 0=

sen1

xquando x −→ 0.

• A funcao g : R −→ R, g(x) = x2 sen1

xse x 6= 0 e g(0) = 0, e contınua

J. Delgado - K. Frensel228

Page 230: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

A derivada de uma funcao

em toda a reta e possui derivada g ′(x) = 2x sen1

x− cos

1

xem todo ponto

x 6= 0. Alem disso, como limx→0

g(x) − g(0)

x− 0= lim

x→0x sen

1

x= 0, temos que g e

derivavel no ponto 0 e g ′(0) = 0.

Assim, g : R −→ R possui derivadas em todos os pontos da reta, mas

g ′ : R −→ R nao e contınua no ponto zero, pois nao existe limx→0

g ′(x) =

limx→0

(2x sen

1

x− cos

1

x

).

• Seja a funcao ϕ : R −→ R definida por ϕ(x) = x2 sen1

x+x

2se x 6= 0 e

ϕ(0) = 0. Como ϕ e contınua e derivavel em toda a reta, e ϕ ′(0) =1

2> 0,

temos, pelo corolario 1.3, que existe δ > 0 tal que 0 < x < δ =⇒ ϕ(x) > 0

e −δ < x < 0 =⇒ ϕ(x) < 0.

Mas, ϕ nao e crescente em vizinhanca alguma do ponto 0, pois, como

ϕ ′(x) = 2x sen1

x− cos

1

x+1

2, para x 6= 0,

dado δ > 0 existe n0 ∈ N tal que1

2n0π< δ. Entao,

1

2n0π∈ (0, δ) e

ϕ ′(

1

2n0π

)< 0, −

1

2n0π∈ (−δ, 0), e ϕ ′

(−

1

2n0π

)< 0,

1

4n0π+ π2

∈ (0, δ) e

ϕ ′(

1

4n0π+ π2

)> 0, −

1

4n0π+ π2

∈ (−δ, 0) e ϕ ′(

−1

4n0π+ π2

)> 0 .

Ou seja, dado δ > 0, existem pontos xδ, xδ ∈ (0, δ) e yδ, yδ ∈ (−δ, 0) tais

que ϕ ′(xδ) > 0, ϕ ′(xδ) < 0 , ϕ ′(yδ) > 0 e ϕ ′(yδ) < 0.

Logo, ϕ nao pode ser monotona em intervalo algum do tipo (0, δ) ou

(−δ, 0), δ > 0, pelas observacoes feitas antes do teorema 1.4. Isto so

foi possıvel, porque ϕ ′ nao e contınua no ponto zero (por que?).

Alem disso, ϕ nao pode ser injetiva em intervalo algum do tipo (0, δ) ou

(−δ, 0), δ > 0, pois, caso contrario, ϕ seria monotona, por ser contınua e

injetiva num intervalo (ver teorema 3.2 da parte 6).�

Observacao 1.14

• A recıproca do corolario 1.4 nao e verdadeira.

Por exemplo, a funcao f : R −→ R, f(x) = x3, apesar de ter derivada zero

Instituto de Matematica - UFF 229

Page 231: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

no ponto 0, tal ponto nao e de maximo nem de mınimo local, pois f e uma

funcao crescente em toda a reta.

• No corolario 1.4, nao basta que f possua derivadas laterais no ponto de

maximo ou de mınimo para podermos concluir que as derivadas laterais

sao nulas nesse ponto. Por exemplo, a funcao g : R −→ R, g(x) = |x|,

possui um mınimo no ponto 0, mas as derivadas laterais neste ponto

g ′(0+) = 1 e g ′(0−) = −1 nao sao nulas.

• E, tambem, a condicao de a ∈ X ′+∩X ′− e necessaria para que o corolario

1.4 seja valido. Por exemplo, a funcao h : [0,+∞) −→ R, h(x) = x2 + x

possui um mınimo local no ponto 0, mas h ′(0) = 1 6= 0.

2. Func oes deriv aveis num intervalo

Seja X ⊂ R um conjunto compacto tal que todo x ∈ X e ponto de

acumulacao a esquerda e a direita de X, com excecao de a = infX e

b = supX, e, alem disso, X 6= {a, b}. Entao, X = [a, b].

De fato, o aberto R − X e reuniao de intervalos abertos dois a dois

disjuntos, sendo (−∞, a) e (b,+∞) dois deles. Se (c, d), c < d fosse outro

intervalo componente de R−X, entao c e d pertenceriam a X. Como c nao

e ponto de acumulacao a direita de X, terıamos c = a ou c = b, e, como

d nao e ponto de acumulacao a esquerda de X, terıamos d = a ou d = b.

Sendo c < d e a < b, terıamos (c, d) = (a, b) e, portanto, X = {a, b}, o

que e absurdo.

Definicao 2.1 Quando a funcao f : I −→ R possui derivada em todos os

pontos do intervalo I, podemos considerar a funcao derivada f ′ : I −→ Rdada por x 7−→ f ′(x).

E quando f ′ : I −→ R e uma funcao contınua, dizemos que f e uma funcao

continuamente derivavel, ou uma funcao de classe C1.

Observacao 2.1 Mas nem sempre a funcao derivada e uma funcao

contınua. Por exemplo, a funcao f : R −→ R, f(x) =

x2 sen1

xse x 6= 0

0 se x = 0 ,

J. Delgado - K. Frensel230

Page 232: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Funcoes derivaveis num intervalo

e derivavel em todos os pontos da reta, com f ′(x) = 2x sen1

x− cos

1

xse

x 6= 0 e f ′(0) = 0.

Mas f ′ : R −→ R nao e contınua no ponto zero e, portanto, f nao e de

classe C1 em toda a reta.

Observacao 2.2 Seja f : I −→ R uma funcao de classe C1 no intervalo

I e sejam a < b em I, tais que f ′(a) < d < f ′(c).

Entao, pelo teorema do valor intermediario (TVI) para funcoes contınuas

aplicado a derivada f ′, existe c ∈ (a, b) ⊂ I tal que f ′(c) = d.

Jean Gaston Darboux

(1842-1917) Franca.

Mas o teorema abaixo, devido a Darboux, nos diz que se f e derivavel em

[a, b], entao f ′ satisfaz o TVI, mesmo sendo descontınua.

Teorema 2.1 (Valor intermediario para a derivada)

Se f : [a, b] −→ R e derivavel no intervalo [a, b] e f ′(a) < d < f ′(b), entao

existe c ∈ (a, b) tal que f ′(c) = d.

Prova.

Suponhamos, primeiro, que d = 0, ou seja, f ′(a) < 0 < f ′(b). Como

f ′(a) < 0, existe δ > 0 tal que f(x) < f(a) para todo x ∈ (a, a+ δ), e como

f ′(b) > 0, existe δ ′ > 0 tal que f(y) < f(b) para todo y ∈ (b− δ ′, b).

Alem disso, como f e contınua no compacto [a, b], temos, pelo teorema

de Weierstrass, que f possui um ponto de mınimo e um ponto de maximo

no intervalo [a, b].

Logo, o ponto de mınimo c pertence ao intervalo (a, b), pois, pelo visto

acima, a e b nao sao pontos de mınimo.

Assim, pelo corolario 1.4, f ′(c) = 0, pois c ∈ (a, b) e ponto de acumulacao

a direita e a esquerda do conjunto [a, b].

No caso geral, basta considerar a funcao g(x) = f(x) − dx, x ∈ [a, b].

Entao, g ′(x) = f ′(x) − d e f ′(a) < d < f ′(b) se, e so se, g ′(a) < 0 < g ′(b).

Logo, se f ′(a) < d < f ′(b), existe c ∈ (a, b) tal que g ′(c) = 0, ou seja,

f ′(c) = d.�

Corolario 2.1 Se f : I −→ R e derivavel no intervalo I, entao f ′ nao tem

descontinuidade de primeira especie em I.

Instituto de Matematica - UFF 231

Page 233: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Prova.

Seja c ∈ I um ponto de acumulacao a direita de I, isto e, c nao e a

extremidade superior de I.

Afirmacao: Se existe limx→c+

f ′(x) = L, entao L = f ′(c).

Suponhamos, por absurdo, que f ′(c) < L.

Seja d ∈ R tal que f ′(c) < d < L.

Para ε = L − d > 0, existe δ > 0 tal que f ′(x) > L − ε = d para todo

x ∈ (c, c+ δ).

Em particular, f ′(c) < d < f ′(c+

δ

2

), mas nao existe x ∈

(c, c+

δ

2

)tal

que f(x) = d, o que contradiz o teorema 2.1.

De modo analogo, podemos provar que L nao pode ser menor que f ′(c).

Logo, L = f ′(c).

• Se c e um ponto de acumulacao a esquerda, podemos mostrar, tambem,

que se existe limx→c−

f ′(x) = M entao M = f ′(c).

Logo, f nao possui descontinuidade de primeira especie, pois se os li-

mites laterais existem num ponto a, f e necessariamente contınua neste

ponto.�

Exemplo 2.1 A funcao f : R −→ R, f(x) = |x|, nao e um contra-exemplo

para o corolario acima, pois, apesar de f ′ : R − {0} −→ R, ser dada por

f ′(x) = −1 se x < 0 e f ′(x) = 1 se x > 0, 0 nao e uma descontinuidade de

primeira especie de f ′, ja que f ′(0) nao existe.

Mas, o corolario 2.1 nos diz que nao existe uma funcao g : R −→ Rderivavel em toda a reta tal que g ′ = f ′ em R − {0}, pois, nesse caso, g ′

teria uma descontinuidade de primeira especie no ponto 0.�

Exemplo 2.2 A funcaoϕ : R −→ R, dada porϕ(x) =

{0 se x ∈ Q1 se x ∈ R − Q ,

nao e a derivada de uma funcao ξ : R −→ R, pois, embora suas descon-

tinuidades sejam todas de segunda especie, ela nao satisfaz ao teorema

do valor intermediario para funcoes derivaveis.�

J. Delgado - K. Frensel232

Page 234: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Funcoes derivaveis num intervalo

Teorema 2.2 (Rolle)

Seja f : [a, b] −→ R contınua em [a, b] e derivavel em (a, b). Se f(a) =

f(b), entao existe c ∈ (a, b) tal que f ′(c) = 0.

Prova.

Se f e constante em [a, b], entao f ′(c) = 0 para todo c ∈ (a, b).

Suponhamos, entao, que f nao e constante em [a, b]. Como f e contınua

no compacto [a, b], o maximo e o mınimo de f sao atingidos em pontos do

intervalo [a, b]. Entao, existe c ∈ (a, b) tal que f(c) = M ou f(c) = m, pois

se o maximoM e o mınimom fossem ambos atingidos nas extremidades,

terıamos M = m, pois f(a) = f(b), e f seria, portanto, constante.

Logo, pelo corolario 1.4, f ′(c) = 0, pois c e um ponto de acumulacao a

direita e a esquerda do intervalo [a, b] e f e derivavel no ponto c.�

Exemplo 2.3 Seja f : [0, 1] −→ R definida por f(x) = x se x ∈ [0, 1) e

f(1) = 0. Entao f(0) = f(1) = 0 e f e derivavel em (0, 1), mas f ′(x) = 1 6= 0

para todo x ∈ (0, 1). Isto ocorre porque f nao e contınua em [0, 1].�

Exemplo 2.4 Seja g : [−1, 1] −→ R dada por g(x) = |x|. Entao g e

contınua em [−1, 1] e g(−1) = g(1) = 1, mas nao existe c ∈ (−1, 1) tal que

g ′(c) = 0. Isto ocorre porque g nao e derivavel no intervalo aberto (−1, 1),

ja que nao e derivavel no ponto 0.�

Exemplo 2.5 Seja h : [−1, 1] −→ R definida por h(x) = (1−x2) sen1

1− x2

se x 6= ±1 e h(±1) = 0. Entao, h e contınua em [−1, 1] e derivavel apenas

no intervalo aberto (−1, 1). Neste exemplo, podemos aplicar o teorema de

Rolle para garantir que existe c ∈ (−1, 1) tal que f ′(c) = 0. Na realidade,

f ′(0) = 0, pois f ′(x) = −2x sen1

1− x2+

2x

1− x2cos

1

1− x2para x 6= ±1.�

Exemplo 2.6 Apesar do teorema de Rolle nao se aplicar a funcao ϕ :

[−1, 1] −→ R definida por ϕ(x) = sen1

1− x2se x 6= ±1 e ϕ(±1) = 0, por ϕ

nao ser contınua no intervalo fechado [−1, 1], existem infinitos pontos em

(−1, 1) nos quais a derivada de ϕ se anula.�

Instituto de Matematica - UFF 233

Page 235: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Teorema 2.3 (valor medio de Lagrange)

Seja f : [a, b] −→ R contınua em [a, b] e derivavel em (a, b). Entao existe

c ∈ (a, b) tal que

f ′(c) =f(b) − f(a)

b− a.

• Um enunciado equivalente ao teorema acima e o seguinte:

Seja f : [a, a + h] −→ R contınua no intervalo [a, a + h] e derivavel

em (a, a+ h). Entao existe t ∈ (0, 1) tal que

f(a+ h) = f(a) + f ′(a+ th)h .

Prova.

Seja g : [a, b] −→ R definida por g(x) =

(f(b) − f(a)

b− a

)(x− a) + f(a).

Como g e contınua e derivavel em [a, b], g(a) = f(a) e g(b) = f(b), temos

que a funcao ϕ : [a, b] −→ R, ϕ(x) = f(x) − g(x) satisfaz as hipoteses

do teorema de Rolle, pois ϕ e contınua em [a, b], derivavel em (a, b) e

ϕ(a) = ϕ(b) = 0.

Logo, existe c ∈ (a, b) tal que ϕ ′(c) = 0. Mas, como ϕ ′(x) = f ′(x) − g ′(x)

e g ′(x) =f(b) − f(a)

b− apara todo x ∈ (a, b), temos que

f ′(c) = g ′(c) =f(b) − f(a)

b− a.

Observacao 2.3 Geometricamente, o teorema de valor medio de

Lagrange nos diz que existe um ponto c ∈ (a, b) tal que a reta tangente

ao grafico de f no ponto (c, f(c)) e paralela a reta secante ao grafico que

liga os pontos (a, f(a)) e (b, f(b)).

Corolario 2.2 Se uma funcao contınua f : [a, b] −→ R possui derivada

nula em todos os pontos x ∈ (a, b), entao f e constante.

Prova.

Seja x ∈ (a, b). Entao existe cx ∈ (a, b) tal que

0 = f ′(cx) =f(x) − f(a)

x− a.

Logo, f(x) = f(a) para todo x ∈ (a, b).

J. Delgado - K. Frensel234

Page 236: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Funcoes derivaveis num intervalo

Entao, f(a) = limx→b

f(x) = f(b), pois f e contınua em [a, b].

Assim, f(x) = f(a) para todo x ∈ [a, b], ou seja, f e constante em [a, b].�

Corolario 2.3 Se f, g : [a, b] −→ R sao contınuas em [a, b], derivaveis

em (a, b) e f ′(x) = g ′(x) para todo x ∈ (a, b), entao existe c ∈ R tal que

g(x) = f(x) + c para todo x ∈ [a, b].

Prova.

Como a funcao g − f : [a, b] −→ R e contınua em [a, b], derivavel em

(a, b) e (g − f) ′(x) = g ′(x) − f ′(x) = 0 para todo x ∈ (a, b), temos, pelo

corolario anterior, que g− f e constante em [a, b], ou seja, existe c ∈ R tal

que g(x) − f(x) = c para todo x ∈ [a, b].�

Observacao 2.4 A funcao f : R − {0} −→ R, definida por f(x) =x

|x|, nao

e constante, apesar de f ′(x) = 0 para todo x ∈ R − {0}. Isto ocorre porque

o domınio de f nao e um intervalo.

Corolario 2.4 Seja f : I −→ R derivavel no intervalo aberto I. Se existe

k ∈ R tal que |f ′(x)| ≤ k para todo I ∈ I, entao

|f(x) − f(y)| ≤ k|x− y| ,

quaisquer que sejam x, y ∈ I.

Prova.

Sejam x, y ∈ I, x < y. Como f e contınua em [x, y] e derivavel em (x, y),

existe z ∈ (x, y) tal que

f(x) − f(y) = f ′(z)(x− y) .

Logo, |f(x) − f(y)| = |f ′(z)| |x− y| ≤ k|x− y| .

O mesmo vale se y < x.�

Observacao 2.5 Podemos concluir que se f possui derivada limitada

num intervalo aberto I, entao f e lipschitziana e, portanto, uniformemente

contınua em I. Em particular, se I = (a, b), entao existem limx→b−

f(x) e

limx→a+

f(x).

Por exemplo, a funcao f : (0,+∞) −→ R, definida por f(x) = sen1

x, nao

Instituto de Matematica - UFF 235

Page 237: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

tem limite a direita no ponto 0 e tem derivada ilimitada em qualquer inter-

valo do tipo (0, δ], pois f ′(x) = −1

x2cos

1

xpara x 6= 0.

Observacao 2.6 Se f e uma funcao contınua em [a, b], derivavel em

(a, b) e |f ′(x)| ≤ k para todo x ∈ (a, b), entao |f(x) − f(y)| ≤ k|x − y|

quaisquer que sejam x, y ∈ [a, b].

De fato, sejam (xn) e (yn) sequencias de pontos do intervalo (a, b) tais

que xn −→ a e yn −→ b.

Como |f(x)− f(y)| ≤ k|x−y| para todos os pontos x, y ∈ (a, b), temos que

|f(xn) − f(yn)| ≤ k|xn − yn|

para todo n ∈ N.

Logo,

|f(a) − f(b)| = limn→+∞ |f(xn) − f(yn)| ≤ k lim

n→+∞ |xn − yn| = k|a− b| .

E, se x ∈ (a, b), entao,

• |f(a) − f(x)| = limn→+∞ |f(xn) − f(x)| ≤ k lim

n→+∞ |xn − x| = k|a− x| ,

• |f(x) − f(b)| = limn→+∞ |f(x) − f(yn)| ≤ k lim

n→+∞ |x− yn| = k|x− b| .

Logo, |f(x) − f(y)| ≤ k|x− y| para todos x, y ∈ [a, b].

Corolario 2.5 Seja f contınua em [a, b] e derivavel em (a, b). Se existe

limx→a+

f ′(x) = L, entao existe f ′(a+) e L = f ′(a+).

Prova.

Basta provar que limn→+∞ f(xn) − f(a)

xn − a= L , para toda sequencia (xn) de pon-

tos de (a, b) com limn→+∞ xn = a.

Pelo teorema do valor medio, para todo n ∈ N, existe yn ∈ (a, xn) tal que

f ′(yn) =f(xn) − f(a)

xn − a.

Como yn −→ a e limn→+∞ f ′(yn) = lim

x→a+f ′(x) = L, temos que

limn→+∞ f(xn) − f(a)

xn − a= L .

Logo, f e derivavel a direita no ponto a e f ′(a+) = L.�

J. Delgado - K. Frensel236

Page 238: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Funcoes derivaveis num intervalo

Observacao 2.7 De modo analogo, podemos provar que se f e contınua

em [a, b], derivavel em (a, b) e existe limx→b−

f ′(x) = L, entao existe f ′(b−) e

L = f ′(b−).

Corolario 2.6 Seja f : (a, b) −→ R derivavel, exceto, possivelmente,

num ponto c ∈ (a, b), onde f e contınua. Se existe limx→c

f ′(x) = L, entao f e

derivavel no ponto c e f ′(c) = L.

Prova.

Seja δ > 0 tal que [c− δ, c+ δ] ⊂ (a, b).

Como a funcao f e contınua em [c − δ, c], derivavel em (c − δ, c) e existe

limx→c−

f ′(x) = L, entao f e derivavel a esquerda no ponto c e f ′(c−) = L.

E, tambem, como f e contınua em [c, c+δ], derivavel em (c, c+δ) e existe

limx→c+

f(x) = L, entao f e derivavel a direita no ponto c e f ′(c+) = L.

Logo, f e derivavel no ponto c e f ′(c) = L.�

Corolario 2.7 Seja f : I −→ R derivavel no intervalo I. Entao, f ′(x) ≥ 0para todo x ∈ I se, e so se, f e nao-decrescente em I.

E se f ′(x) > 0 para todo x ∈ I, entao f e crescente. Neste caso, f possui

uma inversa, definida no intervalo J = f(I), que e derivavel no intervalo J

com (f−1) ′(y) =1

f ′(f−1(y)), para todo y ∈ J.

Prova.

(=⇒) Sejam x, y ∈ I, x < y. Pelo teorema do valor medio, existe

z ∈ (x, y) tal quef(y) − f(x)

y− x= f ′(z). Como f ′(z) ≥ 0 e y − x > 0, te-

mos que f(y) ≥ f(x).

(⇐=) Se f e nao-decrescente e derivavel em a ∈ I, entao f ′(a) ≥ 0, pois

f(a+ h) − f(a)

h≥ 0 , para todo h 6= 0 tal que a+ h ∈ I.

• Se f ′(x) > 0 para todo x ∈ I, temos que se a < b, a, b ∈ I, entao existe,

pelo teorema do valor medio, c ∈ (a, b) tal que f(b) − f(a) = f ′(c)(b− a).

Logo, f(b) > f(a), ja que f ′(c)(b− a) > 0.

Note que: a recıproca deste re-sultado nao e verdadeira, pois

f(x) = x3 e crescente e derivavel

em toda a reta, mas f ′(0) = 0.

Instituto de Matematica - UFF 237

Page 239: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Como f e contınua e injetiva no intervalo I, entao, pelo teorema 3.2 da

parte 6, J = f(I) e um intervalo e f−1 : J −→ I e contınua.

Alem disso, como f ′(x) 6= 0 para todo x ∈ I, temos, pelo corolario 1.2, que

f−1 e derivavel em J e (f−1) ′(y) =1

f ′(f−1(y))para todo y ∈ J.�

Observacao 2.8 Vale um resultado analogo para funcoes nao-crescentes

e decrescentes com ≤ e <, respectivamente.

Exemplo 2.7 Seja f : R −→ R definida por f(x) = ex. Sabemos do

Calculo que f e derivavel em toda a reta e f ′(x) = ex para todo x ∈ R.

Dado x > 0, existe, pelo teorema do valor medio, c ∈ (0, x) tal que f(x) =

f(0) + f ′(c)x = 1 + ecx. Como c > 0 temos que ec > 1. Logo, ex > 1 + x

para todo x > 0.

Aplicacao: limx→+∞ xn

ex= 0 para todo n ∈ N.

Com efeito, como ex

n+1 > 1 +x

n+ 1>

x

n+ 1para todo x > 0 e n ∈ N,

temos que ex >xn+1

(n+ 1)n+1.

Entao,ex

xn>x

A, ou seja, 0 <

xn

ex<A

xpara todo x > 0, onde A = (n+1)n+1.

Logo, limx→+∞ xn

ex= 0.

Mais geralmente: limx→+∞ p(x)

ex= 0 para todo polinomio p(x) = anx

n +

an−1xn−1 + . . .+ a1x+ a0.

De fato, como p(x) = anxnq(x), onde q(x) = 1+

an−1

anx+ . . .+

a0

anxn, temos

que limn→+∞ p(x)

xn= an e, portanto,

limx→+∞ p(x)

ex= lim

x→+∞ p(x)

xn· x

n

ex= lim

x→+∞ p(x)

xn· lim

x→+∞ xn

ex= an · 0 = 0 .

Exemplo 2.8 Seja f : R −→ R definida por f(x) = e− 1

x2 se x 6= 0 e

f(0) = 0. Como limx→0

e− 1

x2 = 0, f e contınua em R. Alem disso, f e derivavel

J. Delgado - K. Frensel238

Page 240: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Funcoes derivaveis num intervalo

em R − {0}, com f ′(x) =2

x3e

− 1

x2 para x 6= 0.

Pondo y =1

x2, temos, pelo exemplo acima, que lim

x→0|f ′(x)| = lim

y→+∞ 2y32

ey=

0, ja quey

ey<y

32

ey<y2

ey, para todo y > 1, e lim

y→+∞ y

ey= lim

y→+∞ y2

ey= 0.

Logo, pelo corolario 2.6, f e derivavel no ponto 0 e f ′(0) = 0.�

Exemplo 2.9 Seja f : R −→ R a funcao f(x) =

e− 1x se x 6= 0

0 se x = 0.

Como limx→0+

e− 1x = 0 = f(0) e lim

x→0−e− 1

x = +∞, f nao e contınua no ponto

zero, mas e contınua a direita nesse ponto.

Sendo f ′(x) = 1x2e

− 1x para todo x 6= 0 e lim

x→0+f ′(x) = lim

y→+∞ y2

ey= 0, onde

y =1

x, temos, pelo corolario 2.5, que f e derivavel a direita no ponto 0 e

f ′(0+) = 0.

Observe que limx→0−

f ′(x) = limx→0−

1

x2e1x

= +∞.�

Observacao 2.9 Ha duas situacoes nas quais vale o teorema do valor

medio sem supor que a funcao f : [a, b] −→ R seja contınua nos pontos a

e b:

Primeira: Suponhamos que existem limx→a+

f(x) = L e limx→b−

f(x) = M. Entao,

a funcao g : [a, b] −→ R definida por g(x) = f(x) se x ∈ (a, b), g(a) = L e

g(b) = M e contınua em [a, b] e derivavel em (a, b). Logo, pelo teorema

do valor medio, existe c ∈ (a, b) tal que

g(b) − g(a) = g ′(c)(b− a) ,

ou seja, existe c ∈ (a, b) tal que (M− L) = f ′(x)(b− a).

Temos f(b) − f(a) = f ′(c)(b− a) se, e so se, M− L = f(b) − f(a).

Segunda: Se f : [a, b] −→ R e limitada em [a, b], derivavel em (a, b)

e pelo menos um dos limites nas extremidades, digamos limx→a+

f(x), nao

existe, entao existe c ∈ (a, b) tal que f ′(c) =f(b) − f(a)

b− a.

Instituto de Matematica - UFF 239

Page 241: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

De fato, como nao existe limx→a+

f(x), temos, pela observacao feita apos o

corolario 2.4, que f ′ nao e limitada em (a, b).

Afirmacao: f ′ e ilimitada inferior e superiormente.

De fato, suponhamos, por absurdo, que f ′(x) ≥ A para todo x ∈ (a, b).

Entao, a funcao g(x) = f(x) − Ax seria nao-decrescente em (a, b), pois

g ′(x) ≥ 0 em (a, b), e limitada. Existiria, portanto, limx→a+

g(x), o que e

absurdo, pois isto implicaria na existencia de limx→a+

f(x).

De modo analogo, podemos provar que f ′ nao e limitada superiormente

em (a, b).

Seja d =f(b) − f(a)

b− a. Entao existem pontos x1, x2 ∈ (a, b) tais que f ′(x1) <

d < f ′(x2). Logo, pelo teorema do valor intermediario para a derivada,

existe c ∈ (a, b) tal que f ′(c) = d =f(b) − f(a)

b− a.

Definicao 2.2 Dizemos que uma funcao f : I −→ R e uniformemente

derivavel no intervalo I quando f e derivavel em I e para cada ε > 0 dado,

existe δ > 0 tal que

0 < |h| < δ =⇒ ∣∣∣∣ f(x+ h) − f(x)

h− f ′(x)

∣∣∣∣ < ε ,seja qual for x ∈ I, x+ h ∈ I.

• Uma condicao equivalente seria:

∀ ε > 0 ∃ δ > 0 ; 0 < |h| < δ =⇒| (f(x+ h) − f(x) − f ′(x)h | < ε |h| ∀ x, x+ h ∈ I

Teorema 2.4 Uma funcao f : [a, b] −→ R e uniformemente derivavel se,

e so se, f e de classe C1.

Prova.

(=⇒) Suponhamos que f e de classe C1 em [a, b], ou seja, f e derivavel

em [a, b] e f ′ e contınua em [a, b]. Entao, f ′ e uniformemente contınua em

[a, b], ja que [a, b] e compacto.

∀ ε > 0 , ∃ δ > 0 tal que x, y ∈ [a, b], |x− y| < δ =⇒ |f ′(x) − f ′(y)| < ε .

J. Delgado - K. Frensel240

Page 242: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Funcoes derivaveis num intervalo

Sejam x, x + h ∈ [a, b] com 0 < |h| < δ. Entao, pelo teorema do valor

medio, existe y entre x e x+ h tal que f(x+ h) − f(x) = f ′(y)h. Logo,

|f(x+ h) − f(x) − f ′(x)h| = |f ′(y) − f ′(x)| |h| < ε|h|,

pois |(x+ h) − x| = |h| < δ e, portanto, |y− x| < δ.

Assim, f e uniformemente derivavel em [a, b].

(⇐=) Suponhamos, agora, que f e uniformemente derivavel em [a, b].

Provaremos que a derivada f ′ e contınua em todos os pontos do intervalo

compacto [a, b].

Seja x0 ∈ (a, b) e tome δ = min{b− x0, x0 − a} > 0.

Dado ε > 0, existe 0 < δ ′ <δ

2tal que se x ∈ [a, b], x + h ∈ [a, b] e

0 < |h| < δ ′, entao ∣∣∣∣ f(x+ h) − f(x)

h− f ′(x)

∣∣∣∣ < ε

3.

Sejam h > 0 fixo tal que h < δ ′.

Entao,

∣∣∣∣ f(x+ h) − f(x)

h− f ′(x)

∣∣∣∣ < ε

3para todo x ∈ [a, x0 + h], pois

(x0 + h) + h < x0 + δ ≤ x0 + (b− x0) = b.

• Mostraremos que f ′ e contınua em x0.

Seja x tal que |x − x0| < h. Entao, x ∈ (x0 − h, x0 + h) ⊂ (a, b) , pois,

x0 − h > x0 − (x0 − a) = a e x0 + h < x0 + b− x0 = b , e

|f ′(x) − f ′(x0)| ≤∣∣∣∣ f ′(x) −

f(x+ h) − f(x)

h

∣∣∣∣+

∣∣∣∣ f(x+ h) − f(x)

h−f(x0 + h) − f(x0)

h

∣∣∣∣+

∣∣∣∣ f(x0 + h) − f(x0)

h− f ′(x0)

∣∣∣∣<

ε

3+

∣∣∣∣ f(x+ h) − f(x)

h−f(x0 + h) − f(x0)

h

∣∣∣∣+ ε

3.

Como a funcao g : [a, x0 + h] −→ R definida por g(x) =f(x+ h) − f(x)

he

contınua em x0, existe 0 < δ ′′ < h tal que

|x− x0| < δ′′ =⇒ |g(x) − g(x0)| <

ε

3.

Instituto de Matematica - UFF 241

Page 243: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Entao, |f ′(x) − f ′(x0)| <ε

3+ε

3+ε

3= ε para todo x ∈ (x0 − δ ′′, x0 + δ ′′).

• Mostraremos, agora, que f ′ e contınua no ponto a.

Dado ε > 0, existe 0 < δ <b− a

2tal que

x, x+ h ∈ [a, b] e 0 < |h| < δ =⇒ ∣∣∣∣ f(x+ h) − f(x)

h− f ′(x)

∣∣∣∣ < ε3.Seja h > 0 fixo tal que h < δ. Entao,∣∣∣∣ f(x+ h) − f(x)

h− f ′(x)

∣∣∣∣ < ε3 ,para todo x ∈

[a,a+ b

2

], pois a <

a+ b

2+ h <

a+ b

2+b− a

2= b.

Como a funcao g :[a,a+ b

2

]−→ R definida por g(x) =

f(x+ h) − f(x)

he

contınua no ponto a, existe 0 < δ ′′ < h tal que

a ≤ x < a+ δ ′′ =⇒ |g(x) − g(a)| <ε

3.

Logo,

|f ′(x) − f ′(a)| ≤ |f ′(x) − g(x)| + |g(x) − g(a)| + |g(a) − f ′(a)|

3+ε

3+ε

3= ε ,

para todo x ∈ [a, a+ δ ′′).

Assim, f ′ e contınua no ponto a.

• Finalmente, mostraremos que f ′ e contınua no ponto b.

Seja 0 < δ <b− a

2tal que

x, x+ h ∈ [a, b] e 0 < |h| < δ =⇒ ∣∣∣∣ f(x+ h) − f(x)

h− f ′(x)

∣∣∣∣ < ε

3.

Seja h < 0 fixo tal que h > −δ. Entao,∣∣∣∣ f(x+ h) − f(x)

h− f ′(x)

∣∣∣∣ < ε

3,

para todo x ∈[a+ b

2, b], pois b >

a+ b

2+ h >

a+ b

2−b− a

2= a.

Como a funcao g :[a+ b

2, b]−→ R , g(x) =

f(x+ h) − f(x)

h, e contınua

no ponto b, existe 0 < δ ′′ < |h| tal que

J. Delgado - K. Frensel242

Page 244: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Formula de Taylor

|g(x) − g(b)| <ε

3para todo x ∈ (b− δ ′′, b] ⊂

[a+ b

2, b].

Logo,

|f ′(x) − f ′(b)| ≤ |f ′(x) − g(x)| + |g(x) − g(b)| + |g(b) − f ′(b)|

3+ε

3+ε

3= ε ,

para todo x ∈ (b− δ ′′, b] . Assim, f ′ e contınua no ponto b.�

Para uma demonstracao mais

sintetica, veja Curso de Analise,Vol. I de Elon Lima

3. Formula de Taylor

Seja n ∈ N. A n−esima derivada, ou derivada de ordem n, da

funcao f no ponto a e indicada por f(n)(a) e e definida por inducao da

seguinte maneira:

f ′′(a) = f(2)(a) = [f ′] ′(a) ,

f ′′′(a) = f(3)(a) = [f ′′] ′(a) ,

· · · · · ·f(n)(a) = [f(n−1)] ′(a) .

• E conveniente considerar f como a sua propria derivada de ordem zero

e escrever f(0)(a) = f(a), para simplificar as formulas.

• A derivada de ordem n, f(n)(a), de f no ponto a so faz sentido quando

f(n−1)(x) existe para todo x num conjunto ao qual a pertence e do qual e

ponto de acumulacao. Em todos os casos que estudaremos, tal conjunto

sera um intervalo contendo a.

Definicao 3.1 Dizemos que f : I −→ R e n−vezes derivavel no intervalo

I quando existe f(n)(x) para todo x ∈ I. Quando x e uma das extremidades

de I, f(n)(x) e uma derivada lateral.

Definicao 3.2 Dizemos que f : I −→ R e n−vezes derivavel no ponto

a ∈ I, quando existe um intervalo aberto J contendo a tal que f e

(n− 1)−vezes derivavel em I ∩ J e, alem disso, existe f(n)(a).

Definicao 3.3 Dizemos que f : I −→ R e de classe Cn, e escrevemos

f ∈ Cn, ou f ∈ Cn(I; R), quando f e n−vezes derivavel em I e a derivada

de ordem n, x 7−→ f(n)(x), e contınua em I.

Instituto de Matematica - UFF 243

Page 245: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Observacao 3.1 Em particular, dizer que f ∈ C0 significa que f e contı-

nua em I.

Exemplo 3.1 Para cada n = 0, 1, 2, . . ., seja ϕn : R −→ R a funcao

definida por ϕn(x) = |x|nx .

Entao, ϕn(x) = xn+1, se x ≥ 0 e ϕn(x) = −xn+1 se x ≤ 0.

Afirmacao: ϕ ′n(x) = (n+ 1)ϕn−1(x) para todo x ∈ R e n ∈ N.

De fato,

• Se x > 0, ϕ ′n(x) = (n+ 1)xn = (n+ 1)xn−1|x| = (n+ 1)ϕn−1(x) .

• Se x < 0, ϕ ′n(x) = −(n+ 1)xn(n+ 1)xn−1|x| = (n+ 1)ϕn−1(x) .

• ϕ ′n(0+) = ϕ ′

n(0−) = 0 , pois limx→0±

ϕ ′n(x) = lim

x→0±(n+ 1)xn−1|x| = 0 .

Logo ϕ ′n(0) = 0 = (n+ 1)ϕn−1(0) .

Afirmacao: ϕ(n)n (x) = (n+ 1)!ϕ0(x) para todo x ∈ R.

• Se n = 1, ϕ ′1(x) = 2ϕ0(x) = 2!ϕ0(x) , ∀ x ∈ R.

• Suponhamos, por inducao, queϕ(n)n (x) = (n+1)!ϕ0(x), para todo x ∈ R.

Entao, como ϕ ′n+1(x) = (n+ 2)ϕn(x), temos que

ϕ(n+1)n+1 (x) = [ϕ ′

n+1](n)(x) = (n+ 2)ϕ

(n)n (x)

= (n+ 2) (n+ 1)!ϕ0(x)

= (n+ 2)!ϕ0(x) ,

para todo x ∈ R.

Como ϕ0(x) = |x|, x ∈ R, e contınua, mas nao e derivavel no ponto zero,

temos que ϕ ∈ Cn, mas nao e (n + 1)−vezes derivavel no ponto zero.

Entao, ϕ 6∈ Cn+1.�

Exemplo 3.2

• Sejam as funcoes fn, hn : R −→ R definidas por:

fn(x) =

x2n sen

1

x, se x 6= 0

0 se x = 0

e hn(x) =

x2n cos

1

x, se x 6= 0

0 se x = 0 .

Entao fn e hn sao n−vezes derivaveis em R, mas f(n)n e h(n)

n nao sao

contınuas no ponto zero. Logo, fn 6∈ Cn e hn 6∈ Cn.

J. Delgado - K. Frensel244

Page 246: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Formula de Taylor

Em particular, fn e hn nao sao (n+ 1)−vezes derivaveis.

• Sejam as funcoes gn, ϕn : R −→ R definidas por:

gn(x) =

x2n+1 sen

1

xse x 6= 0

0 se x = 0 ,

e ϕn(x) =

x2n+1 cos

1

xse x 6= 0

0 se x = 0 .

Entao, gn ∈ Cn e ϕn ∈ Cn, mas nao sao (n + 1)−vezes derivaveis no

ponto zero.

Vamos provar as afirmacoes feitas acima por inducao sobre n.

Caso n = 1: Como

f ′1(x) = 2x sen1

x− cos

1

xse x 6= 0 e f ′1(0) = 0 ,

h ′1(x) = 2x cos1

x+ sen

1

xse x 6= 0 e h ′1(0) = 0 ,

temos que f1 e h1 sao derivaveis em R, mas f ′1 e h ′1 nao sao contınuas no

ponto zero.

• Como

g ′1(x) = 3x2 sen1

x− x cos

2

x, x 6= 0 e g ′1(0) = 0,

g ′′1 (x) = 6x sen1

x− 4 cos

1

x+1

xsen

1

x, x 6= 0,

ϕ ′1(x) = 3x2 cos

1

x+ x sen

1

x, x 6= 0 , e ϕ ′

1(0) = 0,

ϕ ′′1 (x) = 6x cos

1

x+ 4 sen

1

x−1

xcos

1

x, x 6= 0 ,

temos que g1 e ϕ1 sao de classe C1, mas nao sao 2−vezes derivaveis no

ponto zero, pois nao existem limx→0

g ′1(x) − g ′1(0)

x− 0e lim

x→0

ϕ ′1(x) −ϕ ′

1(0)

x− 0.

Caso geral: Suponhamos que as afirmacoes feitas sejam validas para fn,

hn, gn e ϕn.

Sendo

f ′n+1(x) = (2n+ 2)x2n+1 sen1

x− x2n cos

1

x, x 6= 0, e f ′n+1(0) = 0 ,

temos que

f ′n+1(x) = (2n+ 2)gn(x) − hn(x) para todo x ∈ R .

Como as funcoes gn e hn sao n−vezes derivaveis na reta, mas a derivada

de ordem n de hn nao e contınua na origem e a derivada da funcao gn e

Instituto de Matematica - UFF 245

Page 247: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

contınua em R, temos que fn+1 e (n+ 1)−vezes derivavel em R, mas sua

derivada de ordem n+ 1 nao e contınua no ponto 0.

De modo analogo, temos que:

h ′n+1(x) = (2n+ 2)x2n+1 cos1

x+ x2n sen

1

x, x 6= 0 , e h ′n+1(0) = 0

ou seja,

h ′n+1(x) = (2n+ 2)ϕn(x) + fn(x) para todo x ∈ R .

Logo, hn+1 e (n + 1)−vezes derivavel em R, pois ϕn e fn sao n−vezes

derivaveis em R, mas h(n+1)n+1 nao e contınua no ponto zero, ja que f(n)

n nao

e contınua no ponto zero e ϕ(n)n e contınua em toda a reta.

• Sendo

g ′n+1(x) = (2n+ 3)x2n+2 sen1

x− x2n+1 cos

1

x, x 6= 0 , e g ′n+1(0) = 0 ,

temos que

g ′n+1(x) = (2n+ 3)fn+1(x) −ϕn(x) para todo x ∈ R .

Como ϕn ∈ Cn e fn+1 ∈ Cn, pois fn+1 e (n + 1)−vezes derivavel em

R, temos que gn+1 ∈ Cn+1, mas gn+1 nao e (n + 2)−vezes derivavel no

ponto zero, pois ϕn nao e (n+ 1)−vezes derivavel no ponto zero e fn+1 e

(n+ 1)−vezes derivavel em R.

De modo analogo, temos que

ϕ ′n+1(x) = (2n+ 3)x2n+2 cos

1

x+ x2n+1 sen

1

x, x 6= 0 , e ϕ ′

n+1(0) = 0 ,

ou seja,

ϕ ′n+1(x) = (2n+ 3)hn+1(x) + gn(x) .

Logo, ϕn+1 ∈ Cn+1, pois hn+1, gn ∈ Cn ,mas nao e (n+2)−vezes derivavel

no ponto zero, pois gn nao e (n+ 1)−vezes derivavel no ponto 0 e hn+1 e

(n+ 1)−vezes derivavel em R.�

Definicao 3.4 Dizemos que f : I −→ R e de classe C∞ em I quando

f ∈ Cn para todo n = 0, 1, 2, . . . ,ou seja, pode-se derivar f tantas vezes

quantas se deseje, em todos os pontos do intervalo I.

Exemplo 3.3

• Todo polinomio e uma funcao C∞ em R.

J. Delgado - K. Frensel246

Page 248: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Formula de Taylor

• Uma funcao racional, quociente de dois polinomios, e de classe C∞ em

todo intervalo onde e definida.

• As funcoes trigonometricas, a funcao logaritmica e a funcao exponencial

sao de classe C∞ em cada intervalo onde sao definidas.�

Exemplo 3.4 A funcao f : R −→ R, f(x) =

e− 1

x2 se x 6= 0

0 se x = 0e de

classe C∞.

E claro que existem as derivadas de todas as ordens num ponto x 6= 0.

Vamos provar que existe f(n)(0) para todo n ∈ N.

Afirmacao: Para cada n ∈ N, fn(x) = pn

(1

x

)e

− 1

x2 , x 6= 0, onde pn(x) e

um polinomio.

• Para n = 1, f ′(x) =2

x3e

− 1

x2 = p1

(1x

)e

− 1

x2 , x 6= 0, onde p1(y) = 2y3.

• Suponha que f(n)(x) = pn

(1

x

)e

− 1

x2 , x 6= 0, onde

pn(y) = akyk + . . .+ a1y+ a0

e um polinomio, ou seja,

f(n)(x) =(ak

xk+ . . .+

a1

x+ a0

)e

− 1

x2 , x 6= 0.

Entao, para x 6= 0,

f(n+1)(x) =(−kak

xk+1− . . .−

a1

x2

)e−1/x2

+2

x3

(ak

xk+ . . .+

a1

x+ a0

)e−1/x2

= pn+1

(1

x

)e−1/x2

,

onde pn+1(y) = −kakyk+1 − . . .− a1y

2 + 2akyk+3 + . . .+ 2a1y

4 + 2a0y3 , e

um polinomio de grau k+ 3.

Afirmacao: f(n)(0) existe e e igual a zero para todo n ∈ N.

• Fazendo y =1

x, temos que

limx→0±

f(x) − f(0)

x− 0= lim

x→0±

1/x

e1/x2 = limx→±∞ y

ey2 .

Logo, f ′(0) existe e e igual a zero, pois f ′(0+) = f ′(0−) = 0.

Instituto de Matematica - UFF 247

Page 249: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

• Suponhamos que f(n)(0) existe e e igual a zero.

Como f(n)(x) = p(1

x

)e−1/x2

, x 6= 0 , para algum polinomio p, fazendo

y =1

x, obtemos que

limx→0±

f(n)(x) − f(n)(0)

x− 0= lim

x→0±

1

xp(1

x

)e−1/x2

= limy→±∞ yp(y)

ey2 = 0 .

Logo, f(n+1)(0+) = f(n+1)(0−) = 0. Entao, f(n+1)(0) existe e e igual a zero.�

• Quando f e derivavel num ponto a,

f(a+ h) = f(a) + f ′(a)h+ r(h) , onde limh→0

r(h)

h= 0 ,

ou seja, o resto r(h) e um infinitesimo de ordem maior do que 1 em relacao

a h.

Mostraremos que quando f e n−vezes derivavel no ponto a, existe

um polinomio p de grau ≤ n, polinomio de Taylor de f no ponto a, tal que

f(a+ h) = p(h) + r(h) , onde limh→0

r(h)

hn= 0 ,

ou seja, o resto r(h) e um infinitesimo de ordem superior a n em relacao

a h.

Isto e, uma funcao n−vezes derivavel num ponto pode ser aproxi-

mada por um polinomio de grau ≤ n na vizinhanca daquele ponto.

No caso n = 1, a existencia de um polinomio p(h) = f(a) + Lh de

grau ≤ 1 tal que limh→0

r(h)

h= 0, onde r(h) = f(a+h)−p(h), e uma condicao

necessaria e suficiente para que f seja derivavel no ponto a.

Mas, quando n > 1, a existencia de um polinomio p(h) de grau

≤ n tal que limh→0

r(h)

hn= 0, onde r(h) = f(a + h) − p(h), decorre de f ser

n−vezes derivavel no ponto a, mas nao e suficiente para garantir que f

seja n−vezes derivavel no ponto a.

Exemplo 3.5 Seja f : R −→ R definida por

f(x) =

1+ x+ (x− a)2 + (x− a)3 sen1

x− a, se x 6= a

1+ a , se x = a .

J. Delgado - K. Frensel248

Page 250: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Formula de Taylor

Entao,

f(a+ h) = 1+ a+ h+ h2 + h3 sen1

h, h 6= 0 ,

ou seja,

f(a+ h) = p(h) + r(h) ,

onde p(h) = 1 + a + h + h2 e um polinomio de grau 2 e o resto

r(h) = h3 sen1

hcumpre a condicao lim

h→0

r(h)

h2= 0.

Temos que f e derivavel em toda a reta com

• f ′(x) = 1+ 2(x− a) + 3(x− a)2 sen1

x− a− (x− a) cos

1

x− a, para x 6= a

e

• f ′(a) = limx→a

f(x) − f(a)

x− a= lim

x→a

(x− a) + (x− a)2 + (x− a)3 sen1

x− ax− a

= limx→a

1+ (x− a) + (x− a)2 sen1

x− a= 1 ,

mas f nao e duas vezes derivavel no ponto a, pois nao existe

limx→0

f ′(x) − f ′(a)

x− a= lim

x→a

[2+ 3(x− a) sen

1

x− a− cos

1

x− a

].

Observacao 3.2 Um polinomio de grau ≤ np(x) = b0 + b1x+ . . .+ bnx

n

fica determinado quando se conhecem o seu valor e o de suas derivadas

ate a ordem n no ponto 0, ou seja, o conhecimento de p(0), p ′(0),. . .,p(n)(0)

determina os valores de b0, b1, . . . , bn.

De fato, p(0) = b0, p ′(0) = b1, p ′′(0) = 2 !b2,. . .,p(n)(0) = n !bn, ou seja,

bj =p(j)

j !, j = 0, 1, . . . , n.

Definicao 3.5 Se f : I −→ R e n−vezes derivavel no ponto a ∈ I, o

polinomio de grau ≤ n

p(h) = f(a) + f ′(a)h+f ′′(a)

2 !h2 + . . .+

f(n)(a)

n !hn

e o polinomio de Taylor de ordem n de f no ponto a.

Instituto de Matematica - UFF 249

Page 251: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Observacao 3.3 O polinomio de Taylor de ordem n de f no ponto a

e o unico polinomio p de grau ≤ n cujas derivadas p(0), p ′(0),. . .,p(n)(0)

no ponto 0 coincidem com as derivadas correspondentes de f no ponto

a, pois, nesse caso o coeficiente de ordem j de p ep(j)(0)

j !=

f(j)(a)

j !,

j = 0, 1, . . . , n.

Lema 3.1 Seja r : I −→ R uma funcao n−vezes derivavel, n ≥ 1, no

ponto 0 ∈ I. Entao,

r(0) = r ′(0) = . . . = r(n)(0) = 0 ⇐⇒ limx→0

r(x)

xn= 0 .

Prova.

(=⇒) Mostraremos, por inducao sobre n, que se r e n−vezes derivavel,

n ≥ 1, no ponto 0 ∈ I e r(0) = r ′(0) = . . . = r(n)(0) = 0, entao limx→0

r(x)

xn= 0.

Caso n = 1: Se r(0) = r ′(0) = 0, entao

limx→0

r(x)

x= lim

x→0

r(x) − r(0)

x− 0= r ′(0) = 0 .

Caso geral: Suponhamos o resultado valido para n− 1, n ≥ 2.

Seja r : I −→ R n−vezes derivavel no ponto 0 ∈ I com r(0) = r ′(0) =

. . . = r(n)(0) = 0.

Entao, a hipotese de inducao, aplicada a r ′, nos da que limx→0

r ′(x)

xn−1= 0.

Logo, dado ε > 0, existe δ > 0, tal que

x ∈ I , 0 < |x| < δ =⇒ ∣∣∣∣r ′(x)xn−1

∣∣∣∣ < ε .

Como r e pelo menos uma vez derivavel numa vizinhanca do ponto zero,

pois n ≥ 2, existe 0 < δ ′ < δ, tal que r e derivavel em I ∩ (−δ ′, δ ′).

Entao, pelo teorema do valor medio, para cada 0 < |x| < δ ′, x ∈ I, existe

cx ∈ I, 0 < |cx| < |x|, tal que

r(x) = r(x) − r(0) = r ′(cx)x .

Logo, ∣∣∣∣r(x)xn

∣∣∣∣ = ∣∣∣∣r ′(cx)xn−1

∣∣∣∣ = ∣∣∣∣r ′(cx)cn−1x

∣∣∣∣ · ∣∣∣cxx ∣∣∣n−1

< ε .

J. Delgado - K. Frensel250

Page 252: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Formula de Taylor

Provamos, assim, que dado ε > 0 existe δ ′ > 0 tal que

x ∈ I, 0 < |x| < δ ′ =⇒ ∣∣∣∣r(x)xn

∣∣∣∣ < ε .Logo, lim

x→0

r(x)

xn= 0.

(⇐=) Mostraremos, agora, por inducao, que se r : I −→ R e n−vezes

derivavel, n ≥ 1, no ponto 0 ∈ I e limx→0

r(x)

xn= 0, entao r(0) = r ′(0) =

r ′′(0) = . . . = r(n)(0) = 0 .

Caso n = 1: Se limx→0

r(x)

x= 0, entao

r(0) = limx→0

r(x) = limx→0

r(x)

xx = lim

x→0

r(x)

xlimx→0

x = 0 ,

e r ′(0) = limx→0

r(x) − r(0)

x− 0= lim

x→0

r(x)

x= 0 .

Caso geral: Suponhamos o resultado valido para n− 1, n ≥ 2, e conside-

remos uma funcao r : I −→ R n−vezes derivavel no ponto 0 ∈ I tal que

limx→0

r(x)

xn= 0.

Seja ϕ : I −→ R definida por ϕ(x) = r(x) −r(n)(0)

n !xn .

Entao, ϕ e n−vezes derivavel no ponto 0 ∈ I e

limx→0

ϕ(x)

xn−1= lim

x→0

[r(x)

xnx−

r(n)(0)

n!x

]= 0 .

Pela hipotese de inducao, temos que

ϕ(0) = ϕ ′(0) = . . . = ϕ(n−1)(0) = 0 .

Entao, r(0) = 0 e como

ϕ(k)(x) = r(k)(x) −r(n)(0)

n !n (n− 1) . . . (n− (k− 1)) xn−k ,

para todo x ∈ I e k = 1, 2, . . . , n, temos r(j)(0) = 0, para todo

j = 1, . . . , n− 1, e ϕ(n)(0) = r(n)(0) −r(n)(0)n !

n != 0 .

Logo, pela parte do lema ja demonstrada, temos que limx→0

ϕ(x)

xn= 0, ja que

ϕ(0) = ϕ ′(0) = . . . = ϕ(n−1)(0) = ϕ(n)(0) = 0 .

Instituto de Matematica - UFF 251

Page 253: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Entao, como limx→0

r(x)

xn= 0, temos que

r(n)(0)

n != lim

x→0

r(n)(0)

n !

xn

xn= lim

x→0

(r(x)

xn−ϕ(x)

xn

)= lim

x→0

r(x)

xn− lim

x→0

ϕ(x)

xn= 0 ,

ou seja, r(n)(0) = 0, o que completa a demonstracao.�

• Sejam f : I −→ R uma funcao definida no intervalo I, a ∈ I e p : R −→ Rum polinomio. Se fizermos

f(a+ h) = p(h) + r(h) ,

obtemos uma funcao r : J −→ R definida no intervalo J = −a + I = {h ∈R |a+ h ∈ I} que contem o ponto 0.

Como p ∈ C∞, temos que f e n−vezes derivavel no ponto a se, e so

se, r e n−vezes derivavel no ponto 0.

Suponhamos que f e n−vezes derivavel no ponto a. Segue-se do

lema anterior, que limh→0

r(h)

hn= 0 se, e so se, r(j)(0) = 0 , 0 ≤ j ≤ n, ou seja,

limh→0

r(h)

hn= 0 se, e so se, f(j)(a) = p(j)(0), para todo j = 0, 1, . . . , n.

Se, alem disso, impusermos que grau(p) ≤ n, temos que limh→0

r(h)

hn=

0 se, e so se, p e o polinomio de Taylor de ordem n para f no ponto a.

Com estas observacoes, provamos o seguinte:

Teorema 3.1 (Formula de Taylor infinitesimal)

Seja f : I −→ R uma funcao n−vezes derivavel no ponto a ∈ I.

Entao, para todo h tal que a+ h ∈ I, tem-se

f(a+ h) = f(a) + f ′(a)h+ . . .+f(n)(a)

n !hn + r(h)

onde limh→0

r(h)

hn= 0 .

Alem disso, p(h) =

n∑j=0

f(j)(a)

j !hj e o unico polinomio de grau ≤ n tal que

f(a+ h) = p(h) + r(h) , com limh→0

r(h)

hn= 0

J. Delgado - K. Frensel252

Page 254: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Aplicacoes da formula de Taylor

• Este teorema nos diz que o polinomio de Taylor de ordem n para f

no ponto a aproxima f, numa vizinhanca do ponto a, a menos de um

infinitesimo de ordem superior a n.

Exemplo 3.6 Seja p : R −→ R um polinomio de grau ≤ n. Dados

a, h ∈ R, a formula de Taylor infinitesimal nos diz que

p(a+ h) = p(a) + p ′(a)h+ . . .+p(n)(a)

n !hn + r(h) ,

onde limh→0

r(h)

hn= 0.

Como r e um polinomio de grau ≤ n e r(j)(0) = 0, 0 ≤ j ≤ n, temos que

r = 0, ou seja,

p(a+ h) = p(a) + p ′(a)h+ . . .+p(n)(a)

n !hn ,

quaisquer que sejam a, h ∈ R.

Poderıamos, tambem, chegar ao mesmo resultado observando que q(h) =

p(a + h) e um polinomio de grau ≤ n tal que r(h) = p(a + h) − q(h) = 0

satisfaz, trivialmente, a condicao limh→0

r(h)

hn= 0. Entao, pela unicidade do

polinomio de Taylor, temos que

p(a+ h) = q(h) = p(a) + p ′(a)h+ . . .+p(n)(a)

n !hn .

4. Aplicac oes da f ormula de Taylor

4.1 Maximos e mınimos locais

Seja f : I −→ R uma funcao n−vezes derivavel no ponto a perten-

cente ao interior do intervalo I. Dizemos que a e um ponto crıtico de f

quando f ′(a) = 0.

Suponhamos que f ′(a) = f ′′(a) = . . . = f(n−1)(a) = 0 , mas

f(n)(a) 6= 0. Entao:

(1) Se n e par, entao a e ponto de maximo local quando f(n)(a) < 0, e um

Instituto de Matematica - UFF 253

Page 255: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

ponto de mınimo local quando f(n)(a) > 0.

(2) Se n e ımpar, o ponto a nao e de maximo nem de mınimo local.

De fato, pela formula de Taylor infinitesimal, temos que

f(a+ h) = f(a) +

(f(n)(a)

n !+ ρ(h)

)hn ,

onde ρ(0) = 0 e ρ(h) =r(h)

hnse h 6= 0, a+ h ∈ I.

Como limh→0

ρ(h) = 0 e f(n)(a) 6= 0, temos que, para h suficientemente

pequeno, o sinal def(n)

n !+ ρ(h) e o mesmo de

f(n)(a)

n !.

Entao, se n e par e f(n)(a) > 0, temos que f(a+ h) > f(a) para todo

h 6= 0 pertencente a uma vizinhanca do ponto zero, pois hn > 0 para todo

h 6= 0. Ou seja, a e um ponto de mınimo local estrito.

E, se n e par e f(n)(a) < 0, temos que f(a + h) < f(a) para todo

h 6= 0 suficientemente pequeno, ja que hn > 0 para todo h 6= 0. Ou seja,

a e um ponto de maximo local estrito.

Agora, se n e ımpar e f(n)(a) > 0, como existe δ > 0 tal que

(a− δ, a+ δ) ⊂ I ef(n)(a)

n !+ ρ(h) > 0 ∀ h ∈ (−δ, δ) − {0}, temos que

f(a+ h) − f(a) =

(f(n)(a)

n !+ ρ(h)

)hn < 0 , se −δ < h < 0 ,

e f(a+ h) − f(a) =

(f(n)(a)

n !+ ρ(h)

)hn > 0 , se 0 < h < δ .

Ou seja, a nao e ponto de maximo nem de mınimo local de f.

De modo analogo, podemos provar que se n e ımpar e f(n)(a) < 0,

entao a nao e ponto de maximo nem de mınimo local de f.

• Em particular, temos que se f : I −→ R e n−vezes derivavel no ponto

a ∈ int I, f ′(a) = . . . = f(n−1)(a) = 0 e f(n)(a) 6= 0, entao existe δ > 0 tal

que f(a+ h) 6= f(a) para todo h ∈ (−δ, δ) , h 6= 0.

Como consequencia, temos que se (xn) e uma sequencia de pontos

de X − {a} tal que limn→+∞ xn = a e f(xn) = f(a) para todo n ∈ N, entao

todas as derivadas de f que existam no ponto a sao nulas.

J. Delgado - K. Frensel254

Page 256: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Aplicacoes da formula de Taylor

Exemplo 4.1 A funcao f : R −→ R, f(x) = xn, tem um ponto de mınimo

no ponto zero se n e par, pois f ′(0) = . . . = f(n−1)(0) = 0 e f(n)(0) = n ! >

0 , e e crescente se n e ımpar, pois f ′(x) = nxn−1 > 0 para todo x 6= 0,

f(x) < 0 para x < 0 e f(x) > 0 para x > 0.�

4.2 Indeterminac ao do tipo 0

0.

Sejam f, g : I −→ R funcoes n−vezes derivaveis no ponto a ∈ I. Su-

ponhamos que f(a) = f ′(a) = . . . = f(n−1)(a) = 0 e g(a) = g ′(a) = . . . =

g(n−1)(a) = 0, mas f(n)(a) 6= 0 ou g(n)(a) 6= 0. Alem disso, suponhamos

que g(x) 6= 0 para todo x 6= a suficientemente proximo de a. Entao,

limx→a

f(x)

g(x)=f(n)(a)

g(n)(a), se g(n)(a) 6= 0 ,

e

limx→a

∣∣∣∣ f(x)g(x)

∣∣∣∣ = +∞ , se g(n)(a) = 0 ,

Para provar este resultado, basta observar, fazendo h = (x−a), que

f(x)

g(x)=

f(a+ h)

g(a+ h)=

(f(n)(a)

n !+ ρ(h)

)hn

(g(n)(a)

n !+ σ(h)

)hn

=f(n)(a) + n ! ρ(h)

g(n)(a) + n !σ(h), onde lim

h→0ρ(h) = lim

h→0σ(h) = 0 .

• Veremos, agora, outra formula de Taylor, que nos da uma estimativa

da diferenca f(a + h) − f(a) para um valor fixo de h, isto e, sem supor

h −→ 0. A formula de Taylor que iremos obter nos da uma generalizacao

do Teorema do Valor Medio para funcoes n−vezes derivaveis.

Teorema 4.1 (Formula de Taylor com resto de Lagrange)

Seja f : [a, b] −→ R uma funcao de classe Cn−1, n−vezes derivavel no

intervalo aberto (a, b). Entao existe c ∈ (a, b) tal que

f(b) = f(a) + f ′(a) (b− a) + . . .+f(n−1)(a)

(n− 1) !(b− a)n−1 +

f(n)(c)

n !(b− a)n

Instituto de Matematica - UFF 255

Page 257: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Pondo b = a+ h, isto equivale a dizer que existe θ ∈ (0, 1) tal que

f(a+ h) = f(a) + f ′(a)h+ . . .+f(n−1)(a)

n !hn−1 +

f(n)(a+ θh)

n !hn

Prova.

Seja ϕ : [a, b] −→ R definida por

ϕ(x) = f(b) − f(x) − f ′(x) (b− x) − . . .−f(n−1)(x)

(n− 1) !(b− x)n−1 −

k

n !(b− x)n ,

onde a constante k e escolhida de modo que ϕ(a) = 0.

Entao, ϕ e contınua em [a, b], derivavel em (a, b), ϕ(a) = ϕ(b) = 0.

Alem disso, temos que

ϕ ′(x) = −f ′(x) +

n∑j=2

(−f(j)(x)

(j− 1) !(b− x)j−1 +

f(j−1)(x)

(j− 2) !(b− x)j−2

)+

k

(n− 1) !(b− x)n−1

= −f ′(x) −

n−1∑j=1

f(j+1)(x)

j !(b− x)j +

n−2∑j=0

f(j+1)(x)

j !(b− x)j + k

(b− x)n−1

(n− 1) !

=k− f(n)(x)

(n− 1) !(b− x)n−1 .

Pelo teorema de Rolle, existe c ∈ (a, b) tal que ϕ ′(c) = 0, ou seja, k =

f(n)(c) .

Entao, como ϕ(a) = 0, temos que

f(b) = f(a) + f ′(a)(b− a) + . . .+f(n−1)(a)

(n− 1) !(b− a)n−1 +

f(n)(c)

n !(b− a)n .

4.3 Func oes convexas

Dizemos que uma funcao f : I −→ R, definida num intervalo I, e

convexa, quando para a < x < b arbitrarios em I, o ponto (x, f(x)) do

grafico de f esta situado abaixo da secante que liga os pontos (a, f(a)) e

(b, f(b)).

Como a equacao da reta secante e

J. Delgado - K. Frensel256

Page 258: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Aplicacoes da formula de Taylor

y =f(b) − f(a)

b− a(x− a) + f(a) , ou y =

f(b) − f(a)

b− a(x− b) + f(b) ,

dizer que, para a < x < b o ponto (x, f(x)) do grafico de f esta abaixo da

secante, significa que

f(x) ≤ f(b) − f(a)

b− a(x− a) + f(a) ,

e

f(x) ≤ f(b) − f(a)

b− a(x− b) + f(b) ,

ou seja,

f(x) − f(a)

x− a≤ f(b) − f(a)

b− a≤ f(b) − f(x)

b− x

Na realidade, basta que uma dessas desigualdades ocorra para que

a funcao seja convexa.

Teorema 4.2 Seja f : I −→ R uma funcao duas vezes derivavel no

intervalo aberto I. Entao, f e convexa se, e so se, f ′′(x) ≥ 0 para todo

x ∈ I.

Prova.

(⇐=) Suponhamos que f ′′(x) ≥ 0 para todo x ∈ I.

Sejam a, a+ h ∈ I, h 6= 0. Entao, pelo teorema anterior, existe c ∈ I entre

a e a+ h tal que f(a+ h) = f(a) + f ′(a)h+f ′′(c)

2 !h2.

Como f ′′(a) ≥ 0, temos que

f(a+ h) − f(a)

h≥ f ′(a) se h > 0,

ef(a+ h) − f(a)

h≤ f ′(a) se h < 0.

Logo, se a < x < b, a, b, x ∈ I, temos que

f(a) − f(x)

a− x≤ f ′(x) ≤ f(b) − f(x)

b− x,

isto e,f(x) − f(a)

x− a≤ f(b) − f(x)

b− x.

Somando (f(x) − f(a))(x− a) a ambos os membros da desigualdade,

(f(x) − f(a))(b− x) ≤ (f(b) − f(x))(x− a) ,

Instituto de Matematica - UFF 257

Page 259: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

obtemos que

(f(x) − f(a))(b− a) ≤ (f(b) − f(a))(x− a) ,

ou seja,

f(x) − f(a)

x− a≤ f(b) − f(a)

b− a,

Logo, f e convexa no intervalo I.

(=⇒) Suponhamos que f e convexa em I. Entao, dados a < x < b em I,

temos que

f(x) − f(a)

x− a≤ f(b) − f(a)

b− a≤ f(x) − f(b)

x− b.

Fazendo x −→ a na primeira desigualdade e x −→ b na segunda, obte-

mos que:

f ′(a) ≤ f(b) − f(a)

b− a≤ f ′(b) ,

ou seja, f ′(a) ≤ f ′(b).

Como f ′ e nao-decrescente e derivavel em I, temos que f ′′(x) ≥ 0 para

todo x ∈ I.�

Observacao 4.1 Tomando a desigualdade estrita < em vez de ≤ 0 na

definicao de funcao convexa, obtemos o conceito de funcao estritamente

convexa.

Usando a mesma demonstracao que fizemos acima, podemos pro-

var que se f : I −→ R e duas vezes derivavel no intervalo aberto I e

f ′′(x) > 0 para todo x ∈ I, entao f e estritamente convexa.

Mas a recıproca nem sempre e verdadeira.

Exemplo 4.2 A funcao f : R −→ R, f(x) = x4, e estritamente convexa,

pois se a < x < b, entao

x4 − a4

x− a=

(x2 − a2)(x2 + a2)

x− a= (x+ a)(x2 + a2)

< (b+ a)(b2 + a2) =b4 − a4

b− a,

mas f ′′(x) = 12x2 nao e positiva em todo x, pois f ′′(0) = 0.�

J. Delgado - K. Frensel258

Page 260: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Aplicacoes da formula de Taylor

4.4 Serie de Taylor — func oes analıticas

Seja f : I −→ R uma funcao de classe C∞ no intervalo I. Entao,

dados a ∈ int I e a+ h ∈ I, podemos escrever, para todo n ∈ N,

f(a+ h) = f(a) + f ′(a)h+ . . .+f(n−1)(a)

(n− 1)!hn−1 + rn(h) ,

onde rn(h) =f(n)(a+ θnh)

n !hn, com 0 < θn < 1.

A serie∞∑

n=0

f(n)(a)

n !hn

chama-se serie de Taylor da funcao f em torno do ponto a.

Observacao 4.2 Toda funcao C∞ definida num intervalo I possui uma

serie de Taylor em torno de cada ponto a ∈ int I. Mas tal serie pode con-

vergir ou divergir e, mesmo quando converge, sua soma pode ser diferente

de f(a+ h).

Definicao 4.1 Dizemos que uma funcao f : I −→ R de classe C∞ no

intervalo aberto I e analıtica quando, para cada a ∈ I existe εa > 0 tal

que a serie de Taylor∞∑

n=0

f(n)(a)

n !hn converge para f(a + h) para todo

h ∈ (−εa, εa).

Observacao 4.3 A serie de Taylor∞∑

n=0

f(n)(a)

n !hn converge para f(a+h)

se, e so se, limn→+∞ rn(h) = 0.

Exemplo 4.3 Todo polinomio p : R −→ R e uma funcao analıtica, pois,

se p tem grau ≤ n, entao

p(a+ h) = p(a) + p ′(a)h+ . . .+p(n)(a)

n !hn =

∞∑j=0

p(j)(a)

j !hj ,

para todo a, h ∈ R.�

Instituto de Matematica - UFF 259

Page 261: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Observacao 4.4 Costuma-se usar a unicidade do polinomio de Taylor

para se obter as derivadas de ordem superior de uma funcao f.

Exemplo 4.4 Seja a funcao racional f : R −→ R definida por f(x) =

1

1+ x2. Entao, f ∈ C∞ e, como

1− yn

1− y= 1+ y+ y2 + . . .+ yn−1 ,

ou seja,1

1− y= 1+ y+ . . .+ yn−1 +

yn

1− y,

para todo y 6= 1, temos, fazendo 1+ x2 = 1− (−x2), que

f(x) = f(x+ 0) =1

1+ x2= 1− x2 + x4 − x6 + . . .+ (−1)n−1x2n−2 +

(−1)n x2n

1+ x2,

para todo x ∈ R e n ∈ N.

Sejam p(x) = 1 − x2 + x4 − x6 + . . . + (−1)n−1x2n−2 e r(x) =(−1)n x2n

1+ x2.

Como p e um polinomio de grau ≤ 2n − 1 e limx→0

r(x)

x2n−1= lim

x→0

(−1)n x

1+ x2= 0,

temos que p e o polinomio de Taylor de ordem 2n− 1 de f no ponto zero.

Logo, f(2n−1)(0) = 0 e f(2n−2)(0) = (−1)n−1(2n− 2) ! para todo n ∈ N.

Alem disso, como r2n−1(x) = r2n(x) =(−1)n x2n

1+ x2, e lim

n→0rn(x) = 0 se, e so

se, limn→+∞ rn(x) = 0 se, e so se, lim

n→+∞ r2n−1(x) = limn→+∞ r2n(x) = 0 temos

que, limn→+∞ rn(x) = 0 se, e so se, |x| < 1.

Entao a serie de Taylor de f em torno de zero,∞∑

n=0

(−1)nx2n , converge

para f(x) se |x| < 1 e diverge se |x| ≥ 1, pois, neste caso, o termo geral

(−1)nx2n nao tende a zero quando n −→ ∞.

Apesar disto, como veremos depois, f e analıtica em toda a reta. O que

acontece e que a serie de Taylor de f em torno de um ponto a 6= 0 e

diferente da serie acima.�

Exemplo 4.5 Seja f : R −→ R a funcao f(x) =

e−1/x2se x 6= 0

0 se x = 0 .

J. Delgado - K. Frensel260

Page 262: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Aplicacoes da formula de Taylor

Ja vimos, no exemplo 3.4, que f e de classe C∞ e que f(n)(0) = 0 para

todo n ∈ N.

Logo, a serie de Taylor∞∑

n=0

f(n)(0)

n !xn de f em torno do ponto 0 e identi-

camente nula e, portanto, converge para zero, para todo x ∈ R. Como

f(x) 6= 0 para todo x 6= 0, a serie de Taylor de f em torno do ponto 0

nao converge para f(x) para todo x 6= 0. Em particular, f nao e analıtica

em intervalo algum que contem o zero. Mas, como veremos depois, f e

analıtica em (0,∞) e em (−∞, 0).�Exemplo 4.6 Seja f : R −→ R dada por f(x) = sen x.

Como f(2n+1)(x) = (−1)n cos x e f(2n)(x) = (−1)n sen x, para todo x ∈ Re n ∈ N, temos que a formula de Taylor de f com resto de Lagrange em

torno do zero e

sen x = x−x3

3 !+x5

5 !+ . . .+

(−1)n x2n+1

(2n+ 1) !+ r2n+2(x) ,

onde rn(x) =sen(n)(c)

n !xn e |c| < |x|.

Logo, |rn(x)| ≤ |x|n

n !para x ∈ R e n ∈ N.

Entao, como limn→+∞ |x|n

n != 0, temos que lim

n→+∞ rn(x) = 0 para todo x ∈ R.

Ou seja, a serie de Taylor da funcao seno em torno do ponto 0 converge

para sen x, para todo x ∈ R.

De modo analogo, podemos provar que a serie de Taylor

sena+ h cosa−h2

2 !sena−

h3

3 !cosa+

h4

4 !sena+ . . .

da funcao seno em torno de um ponto a ∈ R tambem converge para

sen(a+h) para todo h ∈ R, pois o resto rn(h) =sen(n)(c)

n !hn, onde c esta

entre a e a + h, da formula de Taylor com resto de Lagrange da funcao

seno em torno do ponto a tambem converge para zero quando n → +∞para todo h ∈ R.

Assim, a funcao seno e analıtica em toda a reta e sua serie de Taylor em

torno de qualquer ponto a converge para sen(a+ h) para todo h ∈ R.

Instituto de Matematica - UFF 261

Page 263: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

De modo analogo, podemos provar que o mesmo vale para a funcao cos-

seno.�

Exemplo 4.7 Seja f : R −→ R a funcao exponencial f(x) = ex. Como

f(n)(x) = ex para todo x ∈ R e n ∈ N, temos que a formula de Taylor com

resto de Lagrange de f em torno de um ponto a ∈ R e dada por

ea+h = ea + ea h+ ea h2

2 !+ . . .+ ea h

n

n !+ rn+1(h) ,

onde rn+1(h) =ecn hn+1

n !, para algum cn entre a e a+ h.

Como ecn < ea+|h| e limn→+∞ hn+1

(n+ 1)!= 0, temos que lim

n→+∞ rn+1(h) = 0.

Logo, a serie de Taylor∞∑

n=0

eahn

n !da funcao exponencial em torno do ponto

a converge para ea+h para todo h ∈ R.

Assim, a funcao exponencial e analıtica em toda a reta e

ex =

∞∑n=0

ea

n !(x− a)n

para todo x ∈ R e a ∈ R.�

Instituto de Matematica - UFF 263

Page 264: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

J. Delgado - K. Frensel264

Page 265: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Integral superior e integral inferior

Parte 8

Integral de Riemann

1. Integral superior e integral inferior

Seja f : [a, b] −→ R uma funcao limitada no intervalo compacto [a, b].

Entao, existem m,M ∈ R tais que m ≤ f(x) ≤ M para todo x ∈ [a, b], ou

seja, f(x) ∈ [m,M] para todo x ∈ [a, b].

O menor intervalo [m,M] que contem f([a, b]) e dado por

m = inf{f(x) | x ∈ [a, b]} = inf f e M = sup{f(x) | x ∈ [a, b]} = sup f .

Definicao 1.1 Uma particao do intervalo [a, b] e um subconjunto finito

P = {t0, t1, . . . , tn} de [a, b] tal que a = t0 < t1 < . . . < tn = b.

Os intervalos [ti−1, ti], i = 1, . . . , n, sao os intervalos da particao P.

• Sejam f : [a, b] −→ R uma funcao limitada e P = {t0, t1, . . . , tn} uma

particao de [a, b]. Para cada i = 1, . . . , n, tome

mi = inf{f(x) | x ∈ [ti−1, ti]} e Mi = sup{f(x) | x ∈ [ti−1, ti]} .

Definicao 1.2 Os numeros reais

s(f;P) =

n∑i=1

mi (ti − ti−1) e S(f;P) =

n∑i=1

Mi (ti − ti−1)

sao chamados, respectivamente, a soma inferior e a soma superior da

funcao f relativa a particao P.

• Se m = inf{f(x) | x ∈ [a, b]} e M = sup{f(x) | x ∈ [a, b]}, temos

Instituto de Matematica - UFF 265

Page 266: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

m(b− a) ≤ s(f;P) ≤ S(f;P) ≤M(b− a) ,

para toda particao P do intervalo [a, b].

Observacao 1.1 Se f e positiva no intervalo [a, b], s(f;P) e S(f;P) sao,

respectivamente, a area de um polıgono inscrito e a area de um polıgono

circunscrito e, portanto, valores aproximados, por falta, e por excesso, da

area compreendida entre o grafico de f e o eixo das abscissas.

Definicao 1.3 Sejam P e Q particoes do intervalo [a, b].

Quando P ⊂ Q, dizemos que a particao Q e mais fina do que a particao

P, ou que a particao Q e um refinamento da particao P.

Seja Q = {t0, t1, . . . , ti−1, r, ti, . . . , tn} um refinamento da particao

P = {t0, t1, . . . , ti−1, ti, . . . , tn}, obtido acrescentando apenas um ponto

J. Delgado - K. Frensel266

Page 267: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Integral superior e integral inferior

r ∈ (ti−1, ti) a particao P.

Sejam

mi = inf{f(x) | x ∈ [ti−1, ti]}

m ′ = inf{f(x) | x ∈ [ti−1, r]}

m ′′ = inf{f(x) | x ∈ [r, ti]} .

Entao, mi ≤ m ′ e mi ≤ m ′′.

Assim,

s(f;Q) − s(f;P) = m ′′(ti − r) +m ′(r− ti+1) −mi(ti − ti−1)

= m ′(ti − r) +m ′′(r− ti−1) −mi(ti − r) −mi(r− ti−1)

= (m ′ −mi)(ti − r) + (m ′′ −mi)(r− ti−1) ≥ 0 ,

ou seja, s(f;Q) ≥ s(f;P).

Podemos, entao, provar por inducao que s(f;Q) ≥ s(f;P) para toda

particao Q mais fina do que P.

De modo analogo, podemos mostrar que se Q e um refinamento de

P, isto e, P ⊂ Q, entao S(f;Q) ≤ S(f;P).

Teorema 1.1 Sejam f : [a, b] −→ R uma funcao limitada e P,Q particoes

de [a, b]. Se P ⊂ Q, entao

s(f,P) ≤ s(f;Q) e S(f;P) ≥ S(f;Q) .

Corolario 1.1 Seja f : [a, b] −→ R uma funcao limitada.

Entao s(f;P) ≤ S(f;Q) quaisquer que sejam P e Q particoes de [a, b].

Prova.

Como P ∪Q refina P e Q, temos

s(f;P) ≤ s(f;P ∪Q) ≤ S(f;P ∪Q) ≤ S(f;Q) .

Definicao 1.4 Seja f : [a, b] −→ R limitada. Chamamos integral inferior

de f no intervalo [a, b] o numero real∫b

a

f(x)dx = supPs(f;P)

e integral superior de f no intervalo [a, b] o numero real

Instituto de Matematica - UFF 267

Page 268: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

∫b

a

f(x)dx = infPS(f;P)

Ou seja,∫b

a

f(x)dx e∫b

a

f(x)dx sao caracterizados pelas proprieda-

des abaixo:

(1)∫b

a

f(x)dx ≥ s(f;P) para qualquer particao P de [a, b]

(2) Dado ε > 0, existe uma particao P de [a, b] tal que

s(f;P) >

∫b

a

f(x)dx− ε .

(1’)∫b

a

f(x)dx ≤ S(f;P) para qualquer particao P de [a, b]

(2’) Dado ε > 0, existe uma particao P de [a, b] tal que

S(f;P) <

∫b

a

f(x)dx+ ε .

Entao, se m ≤ f(x) ≤M para todo x ∈ [a, b], temos que

m(b− a) ≤∫b

a

f(x)dx ≤∫b

a

f(x)dx ≤M(b− a) ,

pois

m(b− a) ≤ s(f;P) ≤ S(f;Q) ≤M(b− a) ,

quaisquer que sejam as particoes P e Q de [a, b].

Em particular, se |f(x)| ≤ K, ou seja, −K ≤ f(x) ≤ K, para todo

x ∈ [a, b], entao∣∣∣∣∣∫b

a

f(x)dx

∣∣∣∣∣ ≤ K(b− a) e

∣∣∣∣∣∫b

a

f(x)dx

∣∣∣∣∣ ≤ K(b− a) .

Exemplo 1.1 Seja f : [a, b] −→ R definida por f(x) =

1 se x ∈ Q

0 se x ∈ R − Q .

Dada uma particao P de [a, b], temos mi = 0 e Mi = 1, para todo

i = 1, . . . , n, pois todo intervalo [ti−1, ti] de P contem numeros racionais e

irracionais.

J. Delgado - K. Frensel268

Page 269: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Integral superior e integral inferior

Logo, s(f;P) = 0 e S(f;P) = (b− a), para toda particao P de [a, b].

Portanto,∫b

a

f(x)dx = 0 e∫b

a

f(x)dx = b− a.�

Exemplo 1.2 Seja f : [a, b] −→ R a funcao constante f(x) = c para todo

x ∈ [a, b]. Entao mi = Mi = c em todo intervalo [ti−1, ti] de uma particao

P de [a, b]. Logo, s(f;P) = S(f;P) = c(b − a) para toda particao P de

[a, b]. Daı, ∫b

a

f(x)dx =

∫b

a

f(x)dx = c(b− a) .

Teorema 1.2 Sejam a < c < b e f : [a, b] −→ R limitada. Entao,∫b

a

f(x)dx =

∫ c

a

f(x)dx+

∫b

c

f(x)dx

e ∫b

a

f(x)dx =

∫ c

a

f(x)dx+

∫b

c

f(x)dx

Lema 1.1 Seja a < c < b. Entao,∫b

a

f(x)dx = sup { s(f;P) |P e particao de [a, b] com c ∈ P }

∫b

a

f(x)dx = inf {S(f;P) |P e particao de [a, b] com c ∈ P }

Prova.

Dada uma particao P de [a, b], seja P ′ = P∪ {c}. Entao, s(f;P) ≤ s(f;P ′) .

Como∫b

a

f(x)dx ≥ s(f;P) para toda particao P de [a, b], temos que

∫b

a

f(x)dx ≥ s(f;Q) ,

para toda particao Q de [a, b] que contem c. Entao,

sup { s(f;Q) |Q particao de [a, b] com c ∈ Q } ≤∫b

a

f(x)dx .

Por outro lado, dada uma particao P de [a, b], temos que

Instituto de Matematica - UFF 269

Page 270: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

s(f;P) ≤ s(f;P ′) ≤ sup { s(f;Q) |Q particao de [a, b] com c ∈ Q } ,

onde P ′ = P ∪ {c}. Logo,∫b

a

f(x)dx ≤ sup { s(f;Q) |Q particao de [a, b] com c ∈ Q }.

Assim,∫b

a

f(x)dx = sup { s(f;Q) |Q particao de [a, b] com c ∈ Q} .

De modo analogo, podemos provar a outra igualdade.�

Observacao 1.2 Usando o mesmo tipo de argumento feito na demons-

tracao do lema acima, podemos mostrar que, para calcular as integrais

superior e inferior de uma funcao, basta considerar as particoes de [a, b]

que refinam uma particao P0 dada. Ou seja,∫b

a

f(x)dx = supP⊃P0

s(f;P) e∫b

a

f(x)dx = infP⊃P0

S(f;P) .

Lema 1.2 Sejam A e B conjuntos nao-vazios limitados de numeros re-

ais. Entao,

sup(A+ B) = supA+ supB e inf(A+ B) = infA+ infB ,

onde A+ B = { x+ y | x ∈ A e y ∈ B }.

Prova.

Como x ≤ supA para todo x ∈ A e y ≤ supB para todo y ∈ B, te-

mos x + y ≤ supA + supB. Logo, supA + supB e uma cota superior do

conjunto A+ B.

Alem disso, dado ε > 0, existem x ∈ A e y ∈ B tais que x ≥ supA −ε

2e

y > supB−ε

2.

Entao, x + y > (supA + supB) − ε. Logo, supA + supB e a menor cota

superior de A+ B, ou seja,

sup(A+ B) = supA+ supB .

De modo analogo, podemos provar que inf(A+ B) = infA+ infB. �

Corolario 1.2 Sejam f, g : [a, b] −→ R funcoes limitadas. Entao,

sup(f+ g) ≤ sup f+ supg e inf(f+ g) ≥ inf f+ infg.

J. Delgado - K. Frensel270

Page 271: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Integral superior e integral inferior

Prova.

Sejam A = { f(x) | x ∈ [a, b] } , B = {g(y) |y ∈ [a, b] } e C = { f(x) +

g(x) | x ∈ [a, b] }. Como C ⊂ A+ B, temos, pelo lema anterior, que

• sup(f+ g) = supC ≤ sup(A+ B) = supA+ supB = sup f+ supg ,

e

• inf(f+ g) = infC ≥ inf(A+ B) = infA+ infB = inf f+ infg. �

Exemplo 1.3 Sejam f, g : [−1, 1] −→ R dadas por f(x) = x e g(x) = −x.

Entao, sup f = 1 = supg e sup(f + g) = 0, pois f(x) + g(x) = 0 para todo

x ∈ [−1, 1]. Logo, neste exemplo, sup(f+ g) < sup f+ supg. �

Prova. (do Teorema 1.2)

Sejam

A = {s(f|[a,c] ;P) |P e particao de [a, c] }

B = {s(f|[c,b] ;P) |P e particao de [c, b] } .

Entao, A+ B = {s(f;P) |P e particao de [a, b] com c ∈ P } .

Logo, pelos lemas 1.1 e 1.2, temos que∫b

a

f(x)dx = sup(A+ B) = supA+ supB =

∫ c

a

f(x)dx+

∫b

c

f(x)dx .

De modo analogo, temos que∫b

a

f(x)dx = inf(A ′ + B ′) = infA ′ + infB ′ =∫ c

a

f(x)dx+

∫b

c

f(x)dx ,

onde

A ′ = {S(f|[a,c] ;P) |P e particao de [a, c] }

e B ′ = {S(f|[c,b] ;P) |P e particao de [c, b] } . �

Observacao 1.3 Sejam a < c < b e seja f : [a, b] −→ R a funcao dada

por f(x) =

α , a ≤ x < c

β , c ≤ x ≤ b.

Entao, ∫b

a

f(x)dx =

∫b

a

f(x)dx = α(c− a) + β(b− c) .

Instituto de Matematica - UFF 271

Page 272: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

De fato, como f|[c,b] ≡ β, temos, pelo teorema anterior e pelo exemplo —,

que ∫b

a

f(x)dx =

∫ c

a

f(x)dx+

∫b

c

f(x)dx =

∫ c

a

f(x)dx+ β(b− c) ,

e ∫b

a

f(x)dx =

∫ c

a

f(x)dx+

∫b

c

f(x)dx =

∫ c

a

f(x)dx+ β(b− c) .

Suponhamos, para fixar as ideias, que α ≤ β. Entao, α ≤ f(x) ≤ β para

todo x ∈ [a, b].

Logo, para todo ε > 0 tal que a < c − ε < c, temos que∫ c

c−ε

f(x)dx ≤ βε

e, portanto,

α(c− a) ≤∫ c

a

f(x)dx =

∫ c−ε

a

f(x)dx+

∫ c

c−ε

f(x)dx

≤ α(c− ε− a) + βε

= α(c− a) + (β− α)ε ,

Assim, fazendo ε tender a zero, temos que∫ c

a

f(x)dx = α(c− a)

e, portanto,∫b

a

f(x)dx = α(c− a) + β(b− c) .

Alem, disso, como s(f|[a, c] ;P) = α(c − a) para toda particao P de [a, c],

pois α ≤ β, temos que∫ c

a

f(x)dx = α(c− a) e, portanto,

∫b

a

f(x)dx = α(c− a) + β(b− c) .

Observacao 1.4 Observe, pela demonstracao feita acima, que o valor

da funcao f|[a,c] no ponto c nao influencia nos valores das integrais, ou

seja, se g(x) =

α , se x ∈ [a, c)

M, se x = c, entao, para todo M ∈ R , temos

∫ c

a

f(x)dx =

∫ c

a

g(x)dx e∫ c

a

f(x)dx =

∫ c

a

g(x)dx .

J. Delgado - K. Frensel272

Page 273: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Integral superior e integral inferior

De modo analogo, podemos povar que∫ c

a

f(x)dx =

∫ c

a

h(x)dx e∫ c

a

f(x)dx =

∫ c

a

h(x)dx

onde h(x) =

α , se x ∈ (a, c]

M, se x = a ,e M ∈ R e um numero qualquer.

Logo,∫ c

a

f(x)dx = α(c−a) e∫ c

a

f(x)dx = α(c−a) quaisquer que sejam os

valores de f nos pontos a e c, onde f|(a,c) ≡ α.

Definicao 1.5 Dada uma particao P = {t0, t1, . . . , tn} de [a, b], uma

funcao f : [a, b] −→ R constante, igual a ci, em cada intervalo aberto

(ti−1, ti), i = 1, . . . , n, chama-se uma funcao escada.

Repetindo o argumento feito acima um numero finito de vezes, temos

que ∫b

a

f(x)dx =

∫b

a

f(x)dx =

n∑i=1

ci (ti − ti−1) ,

quaisquer que sejam os valores que f assume nos pontos t0, t1, . . . , tnda particao P.

Lema 1.3 Seja A um conjunto limitado nao-vazio de numeros reais.

Dado c ∈ R, seja cA = {cx | x ∈ A}. Entao,

• sup cA = c supA e inf cA = c infA se c > 0,

• sup cA = c infA e inf cA = c supA se c < 0.

Prova.

Seja c > 0. Como x ≤ supA para todo x ∈ A, temos que cx ≤ c supA

para todo cx ∈ cA. Logo, c supA e uma cota superior de cA.

Alem disso, dado ε > 0, existe x ∈ A tal que x > supA −ε

c. Logo,

cx > c supA − ε. Entao supA e a menor cota superior de cA, ou seja,

c supA = sup cA.

Seja, agora, c < 0. Como x ≤ supA para todo x ∈ A, temos cx ≥ c supA

para todo cx ∈ cA. Logo, c supA e uma cota inferior de cA.

Instituto de Matematica - UFF 273

Page 274: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Alem disso, dado ε > 0, existe x ∈ A tal que x > supA+ε

c, pois

ε

c< 0.

Logo, cx < c supA+ ε. Portanto, c supA e a maior cota inferior de cA, ou

seja, inf cA = c supA.

De modo analogo, podemos provar que

inf cA = c infA se c > 0 e sup cA = c infA se c < 0. �

Teorema 1.3 Sejam f, g : [a, b] −→ R limitadas. Entao:

(1)∫b

a

f(x)dx+

∫b

a

g(x)dx ≤∫b

a

(f(x) + g(x))dx ≤∫b

a

(f(x) + g(x))dx

≤∫b

a

f(x)dx+

∫b

a

g(x)dx .

(2) Quando c > 0,∫b

a

c f(x)dx = c

∫b

a

f(x)dx e∫b

a

c f(x)dx = c

∫b

a

f(x)dx .

Quando c < 0,∫b

a

c f(x)dx = c

∫b

a

f(x)dx e∫b

a

c f(x)dx = c

∫b

a

f(x)dx .

Em particular,∫b

a

− f(x)dx = −

∫b

a

f(x)dx e∫b

a

− f(x)dx = −

∫b

a

f(x)dx .

(3) Se f(x) ≤ g(x) para todo x ∈ [a, b], entao∫b

a

f(x)dx ≤∫b

a

g(x)dx e∫b

a

f(x)dx ≤∫b

a

g(x)dx .

Prova.

(1) Ja sabemos que∫b

a

(f(x) + g(x))dx ≤∫b

a

(f(x) + g(x))dx .

Vamos provar que∫b

a

f(x)dx+

∫b

a

g(x)dx ≤∫b

a

(f(x) + g(x))dx .

Sejam P = {t0, t1, . . . , tn} uma particao de [a, b] e mi(f), mi(g), mi(f+ g)

os ınfimos das funcoes f, g e f+ g no intervalo [ti−1, ti], i = 1, . . . , n.

Como, pelo corolario 1.2, mi(f+ g) ≥ mi(f) +mi(g), temos que

s(f+ g;P) ≥ s(f;P) + s(g;P)

para toda particao P de [a, b].

J. Delgado - K. Frensel274

Page 275: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Integral superior e integral inferior

Logo, ∫b

a

(f(x) + g(x))dx ≥ s(f;P) + s(g;P) ,

para toda particao P de [a, b].

Entao, dadas particoes P e Q arbitrarias de [a, b], temos que

s(f;P) + s(g;Q) ≤ s(f;P ∪Q) + s(g;P ∪Q) ≤∫b

a

(f(x) + g(x))dx

Assim, pelo lema 1.2,∫b

a

f(x)dx+

∫b

a

g(x)dx = sup{s(f;P) + s(g;Q) |P , Q particoes de [a, b] }

≤∫b

a

(f(x) + g(x))dx .

A ultima desigualdade de (1) mostra-se de modo analogo.

(2) Pelo lema 1.3, mi(c f) = cmi(f) e Mi(c f) = cMi(f) se c > 0 , e

mi(c f) = cMi(f) e Mi(c f) = cmi(f) se c < 0 .

Entao, pelo lema 1.3, novamente, temos

•∫b

a

c f(x)dx = supPs(c f;P) = sup

Pc s(f;P)

= c supPs(f;P) = c

∫b

a

f(x)dx , se c > 0 ,

•∫b

a

c f(x)dx = infPS(c f;P) = inf

Pc S(f;P)

= c infPS(f;P) = c

∫b

a

f(x)dx , se c > 0 ,

•∫b

a

c f(x)dx = supPs(c f;P) = sup

Pc S(f;P)

= c infPS(f;P) = c

∫b

a

f(x)dx , se c < 0 ,

•∫b

a

c f(x)dx = infPS(c f;P) = inf

Pc s(f;P)

= c supPs(f;P) = c

∫b

a

f(x)dx , se c < 0 ,

(3) Como f(x) ≤ g(x) para todo x ∈ [a, b], temos que

Instituto de Matematica - UFF 275

Page 276: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

mi(f) ≤ mi(g) e Mi(f) ≤Mi(g)

para todo intervalo [ti−1, ti] de uma particao P de [a, b].

Logo,

s(f;P) ≤ s(g;P) e S(f;P) ≤ S(g;P)

para toda particao P de [a, b].

Assim, ∫b

a

f(x)dx ≤∫b

a

g(x)dx e∫b

a

f(x)dx ≤∫b

a

g(x)dx .

Corolario 1.3 Se f(x) ≥ 0 para todo x ∈ [a, b], entao∫b

a

f(x)dx ≥ 0 e∫b

a

f(x)dx ≥ 0 .

2. Func oes integr aveis

Definicao 2.1 Uma funcao limitada f : [a, b] −→ R e integravel quando∫b

a

f(x)dx =

∫b

a

f(x)dx

Este valor comum, indicado por∫b

a

f(x)dx ou∫b

a

f , e chamado a integral

de f.

Exemplo 2.1 Toda funcao constante, f(x) = c e integravel e∫b

a

f(x)dx = c(b− a) .

Exemplo 2.2 Toda funcao escada f : [a, b] −→ R e integravel e∫b

a

f(x)dx =

n∑i=1

ci(ti − ti−1),

onde f|(ti−1,ti) ≡ ci, i = 1, . . . , n, a = t0 < t1 < . . . < tn = b.�

J. Delgado - K. Frensel276

Page 277: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Funcoes integraveis

Exemplo 2.3 A funcao f : [a, b] −→ R, f(x) =

0 , x ∈ [a, b] ∩ (R − Q)

1 , x ∈ [a, b] ∩Q

nao e integravel, pois∫b

a

f(x)dx = 0 6= 1 =

∫b

a

f(x)dx .�

Observacao 2.1 Suponhamos que f(x) ≥ 0 para todo x ∈ [a, b] e seja

A = { (x, y) ∈ R2 |a ≤ x ≤ b e 0 ≤ y ≤ f(x) }

a regiao do plano limitada pelo grafico de f, pelo segmento [a, b] e pelas

retas verticais x = a e x = b. Como em∫b

a

f(x)dx usamos areas de

polıgonos contidos em A como aproximacao por falta da area de A e em∫b

a

f(x)dx tomamos polıgonos que contem A, isto e, aproximacoes por

excesso, podemos dizer que∫b

a

f(x)dx e a area interna do conjunto A e

∫b

a

f(x)dx e a area externa de A.

Dizer, entao, que f e integravel, significa que a area interna e a area ex-

terna de A sao iguais, ou seja, que A possui uma area igual a∫b

a

f(x)dx.

Observacao 2.2 Sejam f : [a, b] −→ R limitada,

σ = { s(f;P) |P particao de [a, b] } e Σ = {S(f;P) |P particao de [a, b] } .

Como s ≤ S para todo s(f;P) ∈ σ e para todo S = S(f;P) ∈ Σ, temos que

supσ ≤ infΣ, ou seja, ∫b

a

f(x)dx ≤∫b

a

f(x)dx .

Dizer, entao, que f e integravel, significa afirmar que supσ = infΣ.

Lema 2.1 Sejam σ, Σ conjuntos limitados nao-vazios de numeros reais

tais que s ≤ S quaisquer que sejam s ∈ σ e S ∈ Σ.

Entao, supσ = infΣ se, e so se, para todo ε > 0 existem s ∈ σ e S ∈ Σ tais

que S− s < ε.

Instituto de Matematica - UFF 277

Page 278: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Prova.

Ja sabemos que supσ ≤ infΣ.

(⇐=) Suponhamos que supσ < infΣ e tomemos ε = infΣ − supσ > 0.

Como s ≤ supσ ≤ infΣ ≤ S quaisquer que sejam s ∈ σ e S ∈ Σ, temos

que S− s ≥ infΣ− supσ = ε para todo S ∈ Σ e todo s ∈ σ, o que contradiz

a hipotese.

(=⇒) Suponhamos que supσ = infΣ. Seja ε > 0. Entao existem s ∈ σ e

S ∈ Σ tais que s > supσ−ε

2e S < infΣ+

ε

2.

Logo, S− s < infΣ+ε

2−(

supσ−ε

2

)= ε. �

Definicao 2.2 Seja f : [a, b] −→ R limitada. Sua oscilacao no conjunto

X e definida por

ω(f;X) = sup f(X) − inf f(X) .

Lema 2.2 Seja Y ⊂ R limitado nao-vazio. Se m = inf Y e M = supY,

entao

M−m = sup{ |x− y| | x, y ∈ Y }.

Prova.

Seja A = { |x − y| | x, y ∈ Y }. Dados x, y ∈ Y, podemos supor que x ≥ y.

Entao,

|x− y| = x− y ≤M−m,

ou seja, M−m e uma cota superior de A.

Alem disso, dado ε > 0, existem x, y ∈ Y tais que x > M−ε

2e y < m+

ε

2.

Logo,

|x− y| ≥ x− y > M−ε

2−m−

ε

2= M−m− ε ,

ou seja, M−m e a menor cota superior de A. Entao, M−m = supA.�

Corolario 2.1 Seja f : [a, b] −→ R limitada. Entao, para todo X ⊂ [a, b]

nao-vazio tem-se

ω(f;X) = sup{ |f(x) − f(y)| | x, y ∈ Y } .

Observacao 2.3 Dadas f : [a, b] −→ R limitada e uma particao P de

[a, b], indicaremos porωi = Mi −mi a oscilacao de f no intervalo [ti−1, ti].

J. Delgado - K. Frensel278

Page 279: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Funcoes integraveis

Teorema 2.1 Seja f : [a, b] −→ R limitada. As seguintes afirmacoes

sao equivalentes:

(1) f e integravel.

(2) Para todo ε > 0 existem particoes P e Q de [a, b] tais que

S(f;Q) − s(f;P) < ε .

(3) Para todo ε > 0 existe uma particao P de [a, b] tal que

S(f;P) − s(f;P) < ε .

(4) Para todo ε > 0 existe uma particao P = {t0, t1, . . . , tn} de [a, b] tal quen∑

i=1

ωi(ti − ti−1) < ε.

Prova.

Pelo lema 2.1, temos que (1)⇐⇒(2). E (3)⇐⇒(4), pois, pelo corolario

2.1,

S(f;P) − s(f;P) =

n∑i=1

ωi(ti − ti−1).

E obvio que (3)=⇒(2), e (2)=⇒(3), pois se S(f;Q) − s(f;P) < ε, entao

S(f;P ∪Q) − s(f;P ∪Q) < ε, ja que

s(f;P) ≤ s(f;P ∪Q) ≤ S(f;P ∪Q) ≤ S(f;Q) . �

Observacao 2.4 Sejam f, g : [a, b] −→ R funcoes limitadas que dife-

rem apenas num subconjunto finito de [a, b]. Entao, f e integravel se, e so

se, g e integravel. E, neste caso, tem-se∫b

a

f(x)dx =

∫b

a

g(x)dx .

De fato, seja X = { x ∈ [a, b] | f(x) 6= g(x) }. Entao P = X ∪ {a, b} e uma

particao de [a, b] tal que f− g e constante igual a zero no interior de cada

intervalo dessa particao.

Logo, f−g e integravel e∫b

a

(f−g)dx = 0, pois f−g e uma funcao escada.

Como f = g+ f− g, segue-se do Teorema abaixo, que f e integravel se, e

so se, g e integravel com∫b

a

f(x)dx =

∫b

a

g(x)dx+

∫a

(f(x) − g(x))dx =

∫b

a

g(x)dx .

Instituto de Matematica - UFF 279

Page 280: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Teorema 2.2 Sejam f, g : [a, b] −→ R integraveis. Entao:

(1) Para a < c < b, f|[a,c] e f|[c,b] sao integraveis e∫b

a

f(x)dx =

∫ c

a

f(x)dx+

∫b

c

f(x)dx

Reciprocamente, se f|[a,c] e f|[c,b] sao integraveis, entao f e integravel e

vale a igualdade acima.

(2) Para cada c ∈ R, cf e integravel e∫b

a

(cf(x))dx = c

∫b

a

f(x)dx .

(3) f+ g e integravel e∫b

a

(f(x) + g(x))dx =

∫b

a

f(x)dx+

∫b

a

g(x)dx .

(4) Se f(x) ≤ g(x) para todo x ∈ [a, b], entao∫b

a

f(x)dx ≤∫b

a

g(x)dx .

Em particular, se f(x) ≥ 0 para todo x ∈ [a, b], entao∫b

a

f(x)dx ≥ 0.

(5) |f(x)| e integravel e ∣∣∣∣ ∫b

a

f(x)dx

∣∣∣∣ ≤ ∫b

a

|f(x)| dx .

Segue-se de (4) e (5) que se |f(x)| ≤ K para todo x ∈ [a, b], entao∣∣∣∣ ∫b

a

f(x)dx

∣∣∣∣ ≤ k(b− a) .

(6) O produto f · g e integravel.

Prova.

(1) Sejam

α =

∫ c

a

f(x)dx, β =

∫b

c

f(x)dx, A =

∫ c

a

f(x)dx, e B =

∫b

c

f(x)dx.

Como∫b

a

f(x)dx = α+β,∫b

a

f(x)dx = A+B, α ≤ A e β ≤ B, temos que f

e integravel, ou seja, α+ β = A+ B, se, e so se, α = A e β = B, ou seja,

se, e so se, f|[a,c] e f|[c,b] sao integraveis.

J. Delgado - K. Frensel280

Page 281: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Funcoes integraveis

E, neste caso,∫b

a

f(x)dx =

∫b

a

f(x)dx =

∫ c

a

f(x)dx+

∫b

c

f(x)dx =

∫ c

a

f(x)dx+

∫b

c

f(x)dx .

(2) Seja c > 0. Entao, pelo teorema 1.3,∫b

a

cf(x)dx = c

∫b

a

f(x)dx = c

∫b

a

f(x)dx

e∫b

a

cf(x)dx = c

∫b

a

f(x)dx = c

∫b

a

f(x)dx .

Logo, cf e integravel e∫b

a

cf(x)dx = c

∫b

a

f(x)dx .

De modo analogo, se c < 0, temos que∫b

a

cf(x)dx = c

∫b

a

f(x)dx = c

∫b

a

f(x)dx

e∫b

a

cf(x)dx = c

∫b

a

f(x)dx = c

∫b

a

f(x)dx .

Logo, cf e integravel e∫b

a

cf(x)dx = c

∫b

a

f(x)dx .

O caso c = 0 e trivial.

(3) Pelo teorema 1.3, temos que∫b

a

f(x)dx+

∫b

a

g(x)dx =

∫b

a

f(x)dx+

∫b

a

g(x)dx ≤∫b

a

( f(x) + g(x) ) dx

≤∫b

a

( f(x) + g(x) ) dx ≤∫b

a

f(x)dx+

∫b

a

g(x)dx

=

∫b

a

f(x)dx+

∫b

a

g(x)dx .

Logo,∫b

a

f(x)dx+

∫b

a

g(x)dx =

∫b

a

( f(x) + g(x) ) dx =

∫b

a

( f(x) + g(x) ) dx ,

ou seja, f+ g e integravel e∫b

a

( f(x) + g(x) ) dx =

∫b

a

f(x)dx+

∫b

a

g(x)dx.

(4) Pelo teorema 1.3, temos

Instituto de Matematica - UFF 281

Page 282: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

∫b

a

f(x)dx =

∫b

a

f(x)dx ≤∫b

a

g(x)dx =

∫b

a

g(x)dx ,

ou seja,∫b

a

f(x)dx ≤∫b

a

g(x)dx .

(5) Provaremos, primeiro, que |f| e integravel.

Para x, y ∈ [a, b], temos |f(x)| − |f(y)| ≤ |f(x) − f(y)|.

Logo, para todo X ⊂ [a, b],

ω(|f|, X) = sup{ | |f(x)| − |f(y)| | | x, y ∈ X }

≤ sup{ |f(x) − f(y)| | x, y ∈ X }

= ω(f, X) .

Entao, dada uma particao P de [a, b], ωi(|f|) ≤ ωi(f) , ∀ i = 1, . . . , n.

Como f e integravel, dado ε > 0, existe uma particao P de [a, b] tal quen∑

i=1

ωi(f)(ti − ti−1) < ε. Entao,

n∑i=1

ωi(|f|)(ti − ti−1) ≤n∑

i=1

ωi(f)(ti − ti−1) < ε .

Segue-se, entao, do teorema 2.1, que |f| e integravel.

Alem disso, como −|f(x)| ≤ f(x) ≤ |f(x)| para todo x ∈ [a, b], temos, por

(2) e (4), que

∫b

a

|f(x)|dx =

∫b

a

−|f(x)|dx ≤∫b

a

f(x)dx ≤∫b

a

|f(x)|dx ,

ou seja, ∣∣∣∣ ∫b

a

f(x)dx

∣∣∣∣ ≤ ∫b

a

|f(x)dx .

(6) Como f e g sao limitadas no intervalo [a, b], existe K > 0 tal que

|f(x)| ≤ K e |g(x)| ≤ K para todo x ∈ [a, b].

Seja P = {t0, t1, . . . , tn} uma particao de [a, b]. Para x, y ∈ [ti−1, ti] quais-

quer, temos

|f(x)g(x) − f(y)g(y)| ≤ |f(x)| |g(x) − g(y)| + |g(y)| |f(x) − f(y)|

≤ K ( |g(x) − g(y)| + |f(x) − f(y)| )

≤ K (ωi(f) +ωi(g) ) ,

J. Delgado - K. Frensel282

Page 283: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Funcoes integraveis

e, portanto,

ωi(f+ g) ≤ K (ωi(f) +ωi(g) ) ,

ondeωi(f+g),ωi(f),ωi(g) sao as oscilacoes dessas funcoes no intervalo

[ti−1, ti].

Logo, como f e g sao integraveis, dado ε > 0, existem particoes P e Q de

[a, b], tais que

S(f;P) − s(f;P) <ε

2Ke S(g;Q) − s(g;Q) <

ε

2k.

Entao, sendo P ′ = P ∪Q, temos que

S(f;P ′) − s(f;P ′) <ε

2Ke S(g;P ′) − s(g;P ′) <

ε

2K.

Daı, para a particao P ′ = {t0, t1, . . . , tn},n∑

i=1

ωi(f+ g)(ti − ti−1) ≤ K

n∑i=1

ωi(f)(ti − ti−1) + K

n∑i=1

ωi(g)(ti − ti−1)

= K (S(f;P ′) − s(f;P ′) ) + K (S(g;P ′) − s(g;P ′) )

< Kε

2K+ K

ε

2K= ε .

Provamos, assim, que dado ε > 0, existe uma particao P ′ de [a, b] tal quen∑

i=1

ωi(f+ g)(ti − ti−1) < ε .

Logo, pelo teorema 2.1, f+ g e integravel.�

Observacao 2.5 A igualdade∫b

a

f(x)dx =

∫ c

a

f(x)dx +

∫b

c

f(x)dx so

tem sentido quando a < c < b.

Para torna-la verdadeira quaisquer que sejam a, b, c ∈ R, precisamos

fazer as seguintes convencoes:

•∫a

a

f(x)dx = 0

e •∫b

a

f(x)dx = −

∫a

b

f(x)dx .

Com essas convencoes, vale, para toda funcao f integravel, a igualdade:∫b

a

f(x)dx =

∫ c

a

f(x)dx+

∫b

c

f(x)dx , ∀a, b, c ∈ Dom(f) ⊂ R

Instituto de Matematica - UFF 283

Page 284: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Ha seis possibilidades:

a ≤ b ≤ c ; a ≤ c ≤ b ; b ≤ c ≤ a ;

b ≤ a ≤ c ; c ≤ a ≤ b ; c ≤ b ≤ a .

Por exemplo, se a ≤ b ≤ c, entao∫ c

a

f(x)dx =

∫b

a

f(x)dx+

∫ c

b

f(x)dx.

Logo, ∫b

a

f(x)dx =

∫ c

a

f(x)dx−

∫ c

b

f(x)dx =

∫ c

a

f(x)dx+

∫b

c

f(x)dx .

De modo analogo, podemos verificar a igualdade nos outros casos.

Teorema 2.3 Toda funcao contınua f : [a, b] −→ R e integravel.

Prova.

Como [a, b] e compacto, f e limitada e uniformemente contınua no in-

tervalo [a, b]. Entao, dado ε > 0, existe δ > 0 tal que

x, y ∈ [a, b], |x− y| < δ =⇒ |f(x) − f(y)| <ε

b− a.

Seja n ∈ N tal queb− a

n< δ e considere a particao P = {t0, t1, . . . , tn},

onde ti = a+i(b− a)

n, i = 0, . . . , n.

Para x, y ∈ [ti−1, ti], temos |x− y| ≤ |ti − ti−1| =b− a

n< δ.

Logo, |f(x) − f(y)| <ε

b− a, para x, y ∈ [ti−1, ti].

Assim,

ωi(f) = sup { |f(x) − f(y)| | x, y ∈ [ti−1, ti] } ≤ε

b− a, i = 1, . . . , n,

e, portanto,n∑

i=1

ωi(f)(ti − ti−1) ≤ ε.

Logo, pelo teorema 2.1, f e integravel.�

Teorema 2.4 Seja f : [a, b] −→ R limitada. Se, para todo c ∈ [a, b),

f|[a,c] e integravel, entao f e integravel.

J. Delgado - K. Frensel284

Page 285: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Funcoes integraveis

Prova.

Seja K > 0 tal que |f(x)| ≤ K para todo x ∈ [a, b].

Dado ε > 0, tome c ∈ (a, b) tal que b− c <ε

4K.

Como f|[a,c] e integravel, existe uma particao {t0, t1, . . . , tn} de [a, c] tal quen∑

i=1

ωi(f)(ti − ti−1) <ε

2.

Pondo tn+1 = b, obtemos uma particao {t0, t1, . . . , tn, tn+1} de [a, b] tal quen+1∑i=1

ωi(f)(ti − ti−1) < ε, pois ωn+1(f)(tn+1 − tn) <ε

2, ja que

ωn+1(f) ≤ 2K e tn+1 − tn = b− c <ε

4K.

Logo, pelo teorema 2.1, f e integravel no intervalo [a, b]. �

Observacao 2.6 De modo analogo, temos que se f : [a, b] −→ R e

limitada e f|[c,b] e integravel para todo c ∈ (a, b], entao f e integravel.

Corolario 2.2 Seja f : [a, b] −→ R limitada. Se, para a < c < d < b

quaisquer, f|[c,d] e integravel, entao f e integravel.

Prova.

Seja p ∈ (a, b) fixo. Como f|[q,p] e integravel para todo q ∈ (a, p] e f|[p,r] e

integravel para todo r ∈ [p, b), temos, pela observacao 2.6 e pelo teorema

2.4, que f|[a,p] e f|[p,b] sao integraveis.

Logo, pelo item (1) do teorema 2.2, f e integravel em [a, b].�

Corolario 2.3 Seja f : [a, b] −→ R limitada com um numero finito de

descontinuidades. Entao, f e integravel.

Prova.

Seja {t0, t1, . . . , tn} = X ∪ {a, b}, onde t0 = a, tn = b e X e o conjunto

dos pontos de [a, b] onde f e descontınua.

Entao, pelo corolario acima, f|[ti−1,ti] e integravel para cada i = 1, . . . , n,

pois f e contınua e, portanto, integravel em todo intervalo [c, d], com

ti−1 < c < d < ti. Logo, pelo teorema 2.2, f e integravel em [a, b].�

Instituto de Matematica - UFF 285

Page 286: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Exemplo 2.4 A funcao f : [−1, 1] −→ R , f(x) =

sen1

x, se x 6= 0

0 , se x = 0 ,

e integravel, pois f e limitada e descontınua apenas no ponto 0. �

Observacao 2.7 A observacao 2.4 nao contem o corolario 2.3, pois

uma funcao pode ser descontınua num numero finito de pontos sem coin-

cidir com uma funcao contınua fora desses pontos.

Exemplo 2.5 Seja f : [a, b] −→ R definida por f(x) = 0 se x ∈ R − Q ou

x = 0 e f(p

q

)=1

qse

p

qe uma fracao irredutıvel com q > 0 e p 6= 0.

Ja provamos, anteriormente, que f e descontınua em todos os pontos do

conjunto [a, b] ∩ Q − {0}. Alem disso, f e limitada, pois f(x) ∈ [0, 1] para

todo x ∈ [a, b].

Mostraremos, agora, que f e integravel e∫b

a

f(x)dx = 0.

De fato, dado ε > 0, o conjunto F =

{x ∈ [a, b] | f(x) ≥ ε

2(b− a)

}e finito,

pois F e o conjunto das fracoes irredutıveis pertencentes a [a, b] cujos

denominadores sao > 0 e ≤ 2(b− a)

ε.

Tomemos, entao, uma particao P de [a, b] tal que a soma dos comprimen-

tos dos intervalos de P que contem algum ponto de F seja <ε

2.

Observe que se F ∩ [ti−1, ti] = ∅, entao 0 ≤ f(x) <ε

2(b− a)para todo

x ∈ [ti−1, ti] e, portanto, Mi(f) ≤ε

2(b− a).

Entao, podemos decompor a soma superior S(f;P) =

n∑i=1

Mi(ti − ti−1)

relativa a particao P em duas parcelas:

S(f;P) =

n∑i=1

Mi(ti − ti−1) =∑

M ′i(t

′i − t ′i−1) +

∑M ′′

i (t ′′i − t ′′i−1)

onde [t ′i−1, t′i] sao os intervalos de P que contem algum ponto de F e

[t ′′i−1, t′′i ] sao os intervalos de P disjuntos de F.

J. Delgado - K. Frensel286

Page 287: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

O teorema fundamental do Calculo

Como,∑

M ′i(t

′i − t ′i−1) ≤

∑(t ′i − t ′i−1) <

ε

2, pois M ′

i ≤ 1 e∑M ′′

i (t ′′i − t ′′i−1) ≤ε

2(b− a)· (b− a) ≤ ε

2,

temos que 0 ≤ S(f;P) < ε.

Logo, 0 e a maior cota inferior do conjunto {S(f;Q) |Q particao de [a, b]},

ou seja,∫b

a

f(x)dx = 0.

Alem disso,

0 ≤∫b

a

f(x)dx ≤∫b

a

f(x)dx = 0 .

Logo, f e integravel e∫b

a

f(x)dx = 0. �

3. O teorema fundamental do C alculo

Seja f : [a, b] −→ R integravel. Como, para todo x ∈ [a, b], f|[a,x] e

integravel, podemos definir a funcao F : [a, b] −→ R pondo

F(x) =

∫x

a

f(t)dt

Seja K > 0 tal que |f(x)| ≤ K para todo x ∈ [a, b]. Entao,

|F(y) − F(x)| =

∣∣∣∣ ∫y

x

f(t)dt

∣∣∣∣ ≤ K|y− x| .

Logo, F e lipschitziana e, portanto, uniformemente contınua no inter-

valo [a, b].

Exemplo 3.1 Seja f : [0, 2] −→ R definida por f(t) = 0 se 0 ≤ t < 1 e

f(t) = 1 se 1 ≤ t ≤ 2. Entao, f e integravel e F : [0, 2] −→ R e a funcao

F(x) =

∫x

0

f(t)dt = 0 , se x ∈ [0, 1]

∫x

0

f(t)dt =

∫x

1

f(t)dt =

∫x

1

1 dt = x− 1 , se x ∈ [1, 2] .

Instituto de Matematica - UFF 287

Page 288: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Logo, F e contınua em [0, 2] e derivavel em [0, 2]− {1}, onde x = 1 e o unico

ponto de descontinuidade de f. �

Definicao 3.1 A funcao F(x) =

∫x

a

f(t)dt chama-se uma integral indefi-

nida de f.

Note que: o processo de passarde f para F melhora, ou amacia,as qualidades da funcao f.

Teorema 3.1 Seja f : [a, b] −→ R integravel. Se f e contınua no ponto

c ∈ [a, b], entao a funcao F : [a, b] −→ R , definida por F(x) =

∫x

a

f(t)dt, e

derivavel no ponto c com F ′(c) = f(c).

Prova.

Sendo f contınua no ponto c, dado ε > 0 existe δ > 0 tal que

t ∈ [a, b], |t− c| < δ =⇒ |f(t) − f(c)| < ε.

Entao, se 0 < h < δ e c+ h ∈ [a, b], temos∣∣∣∣F(c+ h) − F(c)

h− f(c)

∣∣∣∣ =1

h

∣∣∣∣∫ c+h

c

f(t)dt− h f(c)

∣∣∣∣=

1

h

∣∣∣∣∫ c+h

c

(f(t) − f(c))dt

∣∣∣∣≤ 1

h

∫ c+h

c

|f(t) − f(c)| dt ≤ 1

hε h = ε ,

pois |f(t) − f(c)| < ε para todo t ∈ [c, c+ h] ⊂ [a, b].

Logo, F e derivavel a direita no ponto c e F ′(c+) = f(c).

Analogamente, podemos provar que se −δ < h < 0 e c+ h ∈ [a, b], entao∣∣∣∣ F(c+ h) − F(c)

h− f(c)

∣∣∣∣ ≤ ε .Logo, F e derivavel a esquerda no ponto c e F ′(c−) = f(c).

Assim, F e derivavel no ponto c e F ′(c) = f(c). �

J. Delgado - K. Frensel288

Page 289: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

O teorema fundamental do Calculo

Corolario 3.1 Dada f : [a, b] −→ R contınua, existe F : [a, b] −→ Rderivavel tal que F ′ = f.

Prova.

Basta tomar F(x) =

∫x

a

f(t)dt.�

Definicao 3.2 Dizemos que uma funcao F : [a, b] −→ R e uma primitiva

da funcao f : [a, b] −→ R quando F e derivavel e F ′ = f.

Observacao 3.1 Toda funcao contınua num intervlao compacto possui

primitiva.

Mas nem toda funcao integravel possui primitiva, pois se f = F ′, para

alguma funcao F derivavel, entao f nao pode ter descontinuidades de pri-

meira especie.

Exemplo 3.2 A funcao integravel f do exemplo 3.1 nao possui primitiva

em intervalo algum que contem o ponto 1 no seu interior, pois o ponto 1 e

uma descontinuidade de primeira especie de f. �

Exemplo 3.3 A funcao f : [−1, 1] −→ R, definida por f(x) = 2x sen1

x−

cos1

xse x 6= 0 e f(0) = 0, possui a primitiva F(x) = x2 sen

1

xse x 6= 0 e

F(0) = 0 e uma descontinuidade de segunda especie no ponto 0. �

Observacao 3.2 Se f : [a, b] −→ R possui uma primitiva F, entao F+ c

e tambem uma primitiva de f para todo c ∈ R.

E, reciprocamente, se G e uma primitiva de f, entao G = f+ c para algum

c ∈ R, pois F ′ = G ′ = f em [a, b], ou seja, (F−G) ′ = 0 em [a, b].

Observacao 3.3 Se F : [a, b] −→ R e de classe C1, entao∫b

a

F ′(t)dt = F(b) − F(a) .

De fato, como F ′ e contınua, a funcao ϕ(x) =

∫x

a

F ′(t)dt e a funcao F sao

ambas primitivas de F ′ em [a, b]. Logo, ϕ(x)−F(x) = c para todo x ∈ [a, b],

para algum c ∈ R.

Instituto de Matematica - UFF 289

Page 290: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Como ϕ(a) = 0, temos que −F(a) = c, ou seja, ϕ(x) = F(x) − F(a) para

todo x ∈ [a, b]. Em particular, para x = b,

ϕ(b) =

∫b

a

F ′(t)dt = F(b) − F(a) .

• Mostraremos que nao e preciso supor F ′ contınua.

Teorema 3.2 (Teorema Fundamental do Calculo)

Se uma funcao integravel f : [a, b] −→ R tem uma primitiva F : [a, b] −→ R,

entao ∫b

a

f(x)dx = F(b) − F(a)

Isto e, se uma funcao F : [a, b] −→ R possui derivada integravel, entao∫b

a

F ′(t)dt = F(b) − F(a)

Prova.

Seja P = {t0, t1, . . . , tn} uma particao de [a, b]. Pelo teorema do valor

medio, para todo i = 1, . . . , n, existe ξi ∈ (ti−1, ti) tal que

F(ti) − F(ti−1) = F ′(ξi)(ti − ti−1).

Entao,

F(b) − F(a) =

n∑i=1

[ F(ti) − F(ti−1) ] =

n∑i=1

F ′(ξi)(ti − ti−1) .

Sendo

mi = inf { F ′(x) | x ∈ [ti−1, ti] } e Mi = sup { F ′(x) | x ∈ [ti−1, ti] } ,

temos que mi ≤ F ′(ξi) ≤Mi para todo i = 1, . . . , n e, portanto,

s(F ′;P) ≤ F(b) − F(a) ≤ S(F ′;P)

Logo, ∫b

a

F ′(t)dt ≤ F(b) − F(a) ≤∫b

a

F ′(t)dt ,

ou seja, ∫b

a

F ′(t)dt = F(b) − F(a). �

J. Delgado - K. Frensel290

Page 291: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

O teorema fundamental do Calculo

Observacao 3.4 Este teorema nos diz que as unicas primitivas de uma

funcao integravel f : [a, b] −→ R, caso existam, sao da forma∫x

a

f(t)dt+ Const ,

e reduz a avaliacao de∫b

a

f(t)dt a obtencao de uma primitiva.

Exemplo 3.4 Determinemos, agora, o desenvolvimento de Taylor da

funcao log em torno do ponto 1, ou de log(1 + x) em torno do ponto 0,

usando o teorema fundamental do Calculo.

Sendo

1+ t = 1− (−t) e1− tn

1− t= 1+ t+ . . .+ tn−1 ,

temos que

1

1+ t= 1− t+ t2 − . . .+ (−1)n−1tn−1 +

(−1)ntn

1+ t, ∀ t 6= −1 .

Como log(1+ t) e uma primitiva de1

1+ teti+1

i+ 1e uma primitiva de ti,

sendo1

1+ te ti , i ∈ N , integraveis, por serem contınuas, temos que:

log(1+ t) =

∫x

0

1

1+ tdt

=

∫x

0

[1− t+ t2 − . . .+ (−1)n−1tn−1 +

(−1)ntn

1+ t

]dt

= x−x2

2+x3

3+ . . .+ (−1)n−1 x

n

n+ (−1)n

∫x

0

tn

1+ tdt ,

para todo x > −1.

Fazendo rn(x) = (−1)n

∫x

0

tn

1+ tdt , observamos que se:

• 0 ≤ x =⇒ |rn(x) ≤∫x

0

tn dt =xn+1

n+ 1, pois 1+ x ≥ 1 ;

• −1 < x ≤ 0 =⇒ |rn(x)| ≤∫ 0

x

|t|n

1+ x=

∫ 0

x

(−t)n

1+ xdt =

∫ 0

x

(−1)n tn

1+ xdt

=(−1)n+1 xn+1

(1+ x)(n+ 1)=

|x|n+1

(1+ x)(n+ 1),

Instituto de Matematica - UFF 291

Page 292: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

pois 0 < 1+ x ≤ 1+ t para t ∈ [x, 0]. Logo limx→0

rn(x)

xn= 0.

Entao, pn(x) = x −x2

2+x3

3− . . . + (−1)n−1 x

n

ne o polinomio de Taylor

de ordem n para a funcao log(1+ x) em torno do ponto zero, ou, fazendo

a mudanca de variavel u = 1 + x, o polinomio pn(u) = pn(u − 1), e o

polinomio de Taylor de ordem n para a funcao logu em torno do ponto

1.

Alem disso, como limn→∞ rn(x) = 0 para todo x ∈ (−1, 1], o desenvolvimento

de Taylor

log(1+ x) = x−x2

2+x3

3− . . .+ (−1)n−1x

n

n+ . . .

vale para todo x ∈ (−1, 1].

Em particular, para x = 1, obtemos que:

log 2 = log(1+ 1) = 1−1

2+1

3− . . .+

(−1)n−1

n+ . . . =

∞∑n=1

(−1)n−1

n. �

4. Formulas cl assicas do C alculo Integral

Teorema 4.1 (Mudanca de variavel)

Seka, f : [a, b] −→ R uma funcao contınua, g : [c, d] −→ R uma funcao

derivavel, com g ′ integravel e g([c, d]) ⊂ [a, b]. Entao,∫g(d)

g(c)

f(x)dx =

∫d

c

f(g(t))g ′(t)dtFormula de mudanca de variavel.

Prova.

Como f e contınua, f possui uma primitiva F : [a, b] −→ R. Entao, pelo

teorema fundamental do Calculo, temos:∫g(d)

g(c)

f(x)dx = F(g(d)) − F(g(c)) .

Por outro lado, usando a regra da cadeia, temos

(F ◦ g) ′(t) = F ′(g(t))g ′(t) = f(g(t))g ′(t) , ∀ t ∈ [c, d] .

J. Delgado - K. Frensel292

Page 293: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Formulas classicas do Calculo Integral

Assim, F ◦ g : [c, d] −→ R e uma primitiva da funcao integravel

t 7−→ f(g(t))g ′(t) ,

pois f ◦ g e contınua e g ′ e integravel.

Logo, pelo teorema fundamental do Calculo, temos∫d

c

f(g(t))g ′(t)dt = F ◦ g(d) − F ◦ g(c) .�

Observacao 4.1 No teorema acima, nao exigimos que para todo

t ∈ [c, d], o ponto g(t) pertenca ao intervalo cujos extremos sao g(c) e

g(d), o que ocorreria se a funcao g fosse monotona, por exemplo. Em

compensacao, supomos f contınua.

Na realidade, a demonstracao usa apenas o fato de f ser integravel e

possuir primitiva e que f ◦ g e g ′ sao integraveis.

No exercıcio 11, e dada uma outra versao do teorema 4.1, onde supomos

f apenas integravel, mas g monotona:

Seja f : [a, b] −→ R integravel e g : [c, d] −→ R monotona, com

g ′ integravel tal que g([c, d]) ⊂ [a, b]. Entao,∫g(d)

g(c)

f(x)dx =

∫d

c

f(g(t))g ′(t)dt

Observacao 4.2 A notacao∫b

a

f(x)dx, em vez de∫b

a

f, encontra uma

boa justificativa no teorema anterior, pois se tomarmos x = g(t), teremos

dx = g ′(t)dt, x = g(c) e x = g(d) quando t assume os valores c e d,

respectivamente.

Essas substituicoes nos dao, entao, a formula de mudanca de variavel.

Teorema 4.2 (Integracao por partes)

Se f, g : [a, b] −→ R possuem derivadas integraveis, entao∫b

a

f(t)g ′(t)dt = (f · g)∣∣ba

∫b

a

f ′(t)g(t)dt

onde f · g∣∣ba

= f(b)g(b) − f(a)g(a).

Instituto de Matematica - UFF 293

Page 294: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Prova.

Como (f · g) ′(t) = f ′(t)g(t) + f(t)g ′(t) para todo t ∈ [a, b], temos que

f◦g e uma primitiva de f ′ g+ f g ′. Alem disso, como f ′g e g ′f, e, portanto,

f ′g + fg ′, sao integraveis, temos, pelo teorema fundamental do Calculo,

que ∫b

a

( f ′(t)g(t) + f(t)g ′(t) ) dt = (f · g)(b) − (f · g)(a) .

Logo, ∫b

a

f ′(t)g(t)dt+

∫b

a

f(t)g ′(t)dt = (f · g)∣∣ba

. �

Teorema 4.3 (Formulas do valor medio para integrais)

Sao dadas as funcoes f, p : [a, b] −→ R, com f contınua. Entao:

A. Existe c ∈ (a, b) tal que∫b

a

f(x)dx = f(c)(b− a) .

B. Se p e integravel e nao muda de sinal, existe c ∈ [a, b] tal que∫b

a

f(x)p(x)dx = f(c)

∫b

a

p(x)dx.

C. Se p e positiva, decrescente, com derivada integravel, existe c ∈ [a, b]

tal que∫b

a

f(x)p(x)dx = p(a)

∫ c

a

f(x)dx.

Prova.

A. Como f e contınua, f possui uma primitiva F. Entao, pelo teorema

do valor medio, existe c ∈ (a, b) tal que∫b

a

f(x)dx = F(b) − F(a) = F ′(c)(b− a) = f(c)(b− a) .

B. Sendo m = inf{ f(x) | x ∈ [a, b] } e M = sup{ f(x) | x ∈ [a, b] }, temos

m ≤ f(x) ≤ M para todo x ∈ [a, b] e existem x0, y0 ∈ [a, b] tais que

f(x0) = m e f(y0) = M.

Suponhamos que p(x) ≥ 0 para todo x ∈ [a, b]. Entao,

mp(x) ≤ p(x) f(x) ≤Mp(x) , ∀ x ∈ [a, b] .

Logo,

J. Delgado - K. Frensel294

Page 295: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Formulas classicas do Calculo Integral

m

∫b

a

p(x)dx ≤∫b

a

p(x) f(x)dx ≤M∫b

a

p(x)dx .

Se∫b

a

p(x)dx = 0, temos∫b

a

p(x) f(x)dx = 0, e se∫b

a

p(x)dx > 0, temos

m ≤

∫b

af(x)p(x)dx∫b

ap(x)dx

≤M.

Em qualquer caso, existe d ∈ [m,M] tal que

d

∫b

a

p(x)dx =

∫b

a

f(x)p(x)dx .

E, como f e contınua, existe c entre x0 e y0 tal que f(c) = d, ou seja,∫b

a

f(x)p(x)dx = f(c)

∫b

a

p(x)dx .

C. Seja F : [a, b] −→ R dada por F(x) =

∫x

a

f(t)dt .

Entao, F ′ = f e F(a) = 0.

Integrando por partes, obtemos∫b

a

f(x)p(x)dx =

∫b

a

F ′(x)p(x)dx = F(b)p(b) −

∫b

a

F(x)p ′(x)dx .

Como p ′(x) ≤ 0 para todo x ∈ [a, b] e p ′ e integravel, temos, pelo item B,

que existe ξ ∈ [a, b] tal que∫b

a

F(x)p ′(x)dx = F(ξ)

∫b

a

p ′(x)dx .

Logo, ∫b

a

f(x)p(x)dx = F(b)p(b) − F(ξ)

∫b

a

p ′(x)dx

= F(b)p(b) − F(ξ)p(b) + F(ξ)p(a)

=

(F(ξ)

p(a) − p(b)

p(a)+ F(b)

p(b)

p(a)

)p(a)

= (αF(ξ) + βF(b) ) p(a) ,

Instituto de Matematica - UFF 295

Page 296: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

onde α =p(a) − p(b)

p(a)≥ 0 , β =

p(b)

p(a)≥ 0 e α+ β = 1.

Como αF(ξ) + βF(b) pertence ao intervalo cujos extremos sao F(ξ) e

F(b) , temos, pela continuidade de F, que existe c ∈ [ξ, b] ⊂ [a, b] tal que

αF(ξ) + βF(b) = F(c) .

Provamos, entao, que existe c ∈ [a, b] tal que∫b

a

f(x)p(x)dx = p(a) F(c) = p(a)

∫ c

a

f(x)dx.�

Observacao 4.3 No item B, podemos sempre obter c ∈ (a, b).

De fato, como∫b

a

f(x)p(x)dx = f(c ′)

∫b

a

p(x)dx = 0 para um certo c ′ ∈

[a, b], temos que, se∫b

a

p(x)dx = 0, entao∫b

a

f(x)p(x)dx = f(c)

∫b

a

p(x)dx , ∀ c ∈ (a, b) .

Suponhamos que p(x) ≥ 0 para todo x ∈ [a, b].

Assim,∫b

a

p(x)dx > 0 se∫b

a

p(x)dx 6= 0.

Sejam L =

∫b

a

p(x)dx > 0 e M ′ > 0 tal que 0 ≤ p(x) ≤M ′ , ∀ x ∈ [a, b] .

Seja 0 < δ < min{b− a

2,L

4M ′

}. Entao,

0 ≤∫a+δ

a

p(x)dx ≤M ′δ <L

4e 0 ≤

∫b

b−δ

p(x)dx ≤M ′δ <L

4.

Logo,

L =

∫b

a

p(x)dx =

∫a+δ

a

p(x)dx+

∫b−δ

a+δ

p(x)dx+

∫b

b−δ

p(x)dx

<L

2+

∫b−δ

a+δ

p(x)dx .

Entao, ∫b−δ

a+δ

p(x)dx >L

2.

J. Delgado - K. Frensel296

Page 297: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Formulas classicas do Calculo Integral

Sejam

m = f(x0) = inf{ f(x) | x ∈ [a, b] } e M = f(y0) = sup{ f(x) | x ∈ [a, b] } ,

onde x0, y0 ∈ [a, b].

Seja

d =

∫b

af(x)p(x)dx∫b

ap(x)dx

.

Entao, como foi provado no item B, m ≤ d ≤M.

• Se m < d < M, existe, pela continuidade de f, um numero c entre x0 e

y0, e, portanto, c ∈ (a, b), tal que f(c) = d.

• Suponhamos que d = m e f(x) 6= m para todo x ∈ (a, b), ou seja,

f(x) > m para todo x ∈ (a, b).

Entao, ∫b

a

f(x)p(x)dx = m

∫b

a

p(x)dx ,

ou seja, ∫b

a

(f(x) −m)p(x)dx = 0 .

Mas, como f e contınua em [a, b] e f(x) > m para x ∈ (a, b), existe K > 0

tal que f(x) ≥ K+m para todo x ∈ [a+ δ, b− δ].

Logo, ∫b−δ

a+δ

(f(x) −m)p(x)dx ≥ K∫b−δ

a+δ

p(x)dx >KL

2> 0 .

Assim, sendo (f(x) −m)p(x) ≥ 0 para todo x ∈ [a, b],

0 =

∫b

a

(f(x) −m)p(x)dx =

∫a+δ

a

(f(x) −m)p(x)dx

+

∫b−δ

a+δ

(f(x) −m)p(x)dx+

∫b

b−δ

(f(x) −m)p(x)dx > 0 ,

o que e um absurdo.

• Suponhamos, agora, que d = M e f(x) 6= M para todo x ∈ (a, b), ou

seja, f(x) < M para todo x ∈ (a, b).

Instituto de Matematica - UFF 297

Page 298: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Logo, ∫b

a

f(x)p(x)dx = M

∫b

a

p(x)dx ,

e, portanto, ∫b

a

(M− f(x))p(x)dx = 0 .

Como f e contınua em [a, b] e f(x) < M para todo x ∈ (a, b), existe K > 0

tal que f(x) < M− K para todo x ∈ [a+ δ, b− δ].

Assim,∫b−δ

a+δ

(M− f(x))p(x)dx ≥ KL

2> 0 e, portanto,

0 =

∫b

a

(M− f(x))p(x)dx =

∫a+δ

a

(M− f(x))p(x)dx

+

∫b−δ

a+δ

(M− f(x))p(x)dx+

∫b

b−δ

(M− f(x))p(x)dx > 0 ,

o que e um absurdo.

• Deduziremos, agora, a Formula de Taylor com resto integral, usando

integracao por partes.

Lema 4.1 Seja ϕ : [0, 1] −→ R uma funcao que possui derivada de

ordem n+ 1, n ≥ 1, integravel em [0, 1]. Entao,

ϕ(1) = ϕ(0) +ϕ ′(0) +ϕ ′′(0)

2 !+ . . .+

ϕ(n)(0)

n !+

∫ 1

0

(1− t)n

n !ϕ(n+1)(t)dt .

Prova.

Provaremos este lema por inducao sobre n.

• Caso n = 1: Seja ϕ : [0, 1] −→ R uma funcao que possui derivada de

ordem 2 integravel em [0, 1].

Como ϕ ′ e contınua, temos que ϕ(1) = ϕ(0) +

∫ 1

0

ϕ ′(t)dt .

Fazendo f(t) = 1− t e g(t) = ϕ ′(t), obtemos, integrando por partes, que∫ 1

0

ϕ ′(t)dt =

∫ 1

0

(−f ′(t)g(t))dt = f g∣∣01+

∫ 1

0

f(t)g ′(t)dt

= ϕ ′(0) +

∫ 1

0

(1− t)ϕ ′′(t)dt ,

J. Delgado - K. Frensel298

Page 299: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Formulas classicas do Calculo Integral

ou seja,

ϕ(1) = ϕ(0) +ϕ ′(0) +

∫ 1

0

(1− t)ϕ ′′(t)dt

• Caso geral: Suponhamos o resultado valido para funcoes que possuem

derivada de ordem n+ 1, n ≥ 1, integravel em [0, 1].

Seja ϕ : [0, 1] −→ R uma funcao (n + 2)−vezes derivavel, com ϕ(n+2)

integravel em [0, 1].

Sejam f(t) =(1− t)n+1

(n+ 1) !e g(t) = ϕ(n+1)(t) . Entao, f ′(t) = −

(1− t)n

n !e

g ′(t) = ϕ(n+2)(t) , para todo t ∈ [0, 1].

Como f ′ e g ′ sao integraveis, temos∫ 1

0

(1− t)n

n !ϕ(n+1)(t)dt = −

∫ 1

0

f ′(t)g(t)dt = f g∣∣01+

∫ 1

0

f(t)g ′(t)dt

=ϕ(n+1)(0)

(n+ 1) !+

∫ 1

0

(1− t)n+1

(n+ 1) !ϕ(n+2)(t)dt .

Alem disso, sendo ϕ (n + 1)−vezes derivavel, com ϕ(n+1) integravel, ob-

temos, pela hipotese de inducao, que

ϕ(1) = ϕ(0) +ϕ ′(0) + . . .+ϕ(n)(0)

n !+

∫ 1

0

(1− t)n

n !ϕ(n+1)(t)dt .

Logo,

ϕ(1) = ϕ(0)+ϕ ′(0)+ . . .+ϕ(n)(0)

n !+ϕ(n+1)(0)

(n+ 1) !+

∫ 1

0

(1− t)n+1

(n+ 1) !ϕ(n+2)(t)dt .

Teorema 4.4 (Formula de Taylor com resto integral)

Se f : [a, a+ h] −→ R possui derivada de ordem n+ 1 integravel, entao

f(a+ h) = f(a) + f ′(a)h+f ′′(a)

2 !h2 + . . .+

f(n)(a)

n !hn

+

[ ∫ 1

0

(1− t)n

n !f(n+1)(a+ th)dt

]hn+1

Formula de Taylor com resto inte-gral.

Prova.

Seja ϕ : [0, 1] −→ R definida por ϕ(t) = f(a+ th), t ∈ [0, 1].

Instituto de Matematica - UFF 299

Page 300: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Entao, ϕ(j)(t) = f(j)(a + th)hj para todo 1 ≤ j ≤ n + 1. Logo, ϕ possui

derivada de ordem n + 1 integravel (por que?) e ϕ(j)(0) = f(j)(a)hj para

todo 1 ≤ j ≤ n+ 1.

Assim, pelo lema anterior,

ϕ(1) = ϕ(0) +ϕ ′(0) +ϕ ′′(0)

2 !+ . . .+

ϕ(n)(0)

n !+

∫ 1

0

(1− t)n

n !ϕ(n+1)(t)dt ,

ou seja,

f(a+ h) = f(a) + f ′(a)h+f ′′(a)

2 !h2 + . . .+

f(n)(a)

n !hn

+

[ ∫ 1

0

(1− t)n

n !f(n+1)(a+ th)dt

]hn+1 ,

como querıamos.�

Observacao 4.4 Ao usarmos a notacao [a, a + h], estamos admitindo

h ≥ 0. Mas a mesma formula vale para h < 0, pois a definicao de ϕ nao

leva isto em conta.

Observacao 4.5 Fazendo b = a+h e realizando a mudanca de variavel

x = a+ th, t ∈ [0, 1], obtemos que:

f(b) = f(a) + f ′(a)(b− a) + . . .+f(n)(a)

n !(b− a)n

+

∫b

a

(b− x)n

n !f(n+1)(x)dx ,

ja que∫b

a

(b− x)n

n !f(n+1)(x)dx =

∫ 1

0

(b− a− th)n

n !f(n+1) (a+ th)hdt

=

∫ 1

0

(h− th)n

n !f(n+1) (a+ th)hdt

=

∫ 1

0

(1− t)n

n !f(n+1) (a+ th)hn+1 dt .

J. Delgado - K. Frensel300

Page 301: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

A integral como limite de somas

5. A integral como limite de somas

Definicao 5.1 Seja P = {t0, t1, . . . , tn} uma particao do intervalo [a, b].

Chamamos norma de P ao numero

|P | = max{

| ti − ti−1 |∣∣ i = 1, . . . , n

}.

Mostraremos que ∫b

a

f(x)dx = lim|P |→0

S(f;P),

onde f : [a, b] −→ R e uma funcao limitada.

Teorema 5.1 Seja f : [a, b] −→ R limitada. Entao, para todo ε > 0,

existe δ > 0 tal que∫b

a

f(x)dx ≤ S(f;P) <

∫b

a

f(x)dx+ ε ,

qualquer que seja a particao P com norma menor do que δ .

Prova.

Suponhamos, primeiro, que f(x) > 0, para todo x ∈ [a, b].

Seja M = sup { f(x) | x ∈ [a, b] } > 0.

Dado ε > 0, existe uma particao P0 = { t0, t1, . . . , tn } de [a, b] tal que∫b

a

f(x)dx ≤ S(f;P0) <

∫b

a

f(x)dx+ε

2.

Tome 0 < δ <ε

2Mne seja P uma particao arbitraria de [a, b] com |P | < δ.

Indiquemos por [rα−1, rα] os intervalos de P contidos em algum intervalo

[ti−1, t1] de P0, e escrevemos α ⊂ i para indicar que [rα−1, rα] ⊂ [ti−1, t1] .

Chamemos [rβ−1, rβ] os intervalos restantes. Como cada um destes in-

tervalos contem pelo menos um ponto ti em seu interior, ha, no maximo,

n− 1 intervalos do tipo [rβ−1, rβ].

Se α ⊂ i, entao Mα ≤Mi e∑α⊂i

(rα − rα−1) ≤ ti − ti−1 , onde

Mα = supx∈[rα−1,rα]

f(x) e Mi = supx∈[ti−1,ti]

f(x) .

Portanto,

Instituto de Matematica - UFF 301

Page 302: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

∑α⊂i

Mα(rα − rα−1) ≤Mi(ti − ti−1) .

Alem disso, Mβ(rβ − rβ−1) ≤ Mδ , pois Mα , Mβ e Mi sao numeros

positivos.

Assim,

S(f;P) =∑

α

Mα(rα − rα−1) +∑

β

Mβ(rβ − rβ−1)

≤n∑

i=1

Mi(ti − ti−1) +Mδ(n− 1)

< S(f;P0) +ε

2<

∫b

a

f(x)dx+ ε .

No caso geral, como f e limitada, existe c ∈ R tal que f(x) + c > 0 para

todo x ∈ [a, b].

Tomando g(x) = f(x) + c, temos que g(x) > 0 para todo x ∈ [a, b],

Mi(g) = Mi(f) + c , S(g;P) = S(f;P) + c(b− a) ,

e, portanto, ∫b

a

g(x)dx =

∫b

a

f(x)dx+ c(b− a) .

Logo, dado ε > 0, existe δ > 0 tal que

|P | < δ =⇒ S(g;P) <

∫b

a

g(x)dx+ ε ,

ou seja,

S(f;P) + c(b− a) <

∫b

a

f(x) + c(b− a) + ε .

Entao, ∫b

a

f(x)dx ≤ S(f;P) <

∫b

a

f(x)dx+ ε . �

Corolario 5.1 Seja f : [a, b] −→ R limitada. Entao,∫b

a

f(x)dx = lim|P |−→0

s(f,P),

ou seja: dado ε > 0, existe δ > 0 tal que

|P | < δ =⇒ ∫b

a

f(x)dx− ε < s(f;P) ≤∫b

a

f(x)dx .

J. Delgado - K. Frensel302

Page 303: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

A integral como limite de somas

Prova.

Pelo teorema anterior, dado ε > 0, existe δ > 0 tal que |P | < δ, entao∫b

a

− f(x)dx ≤ S(−f;P) <

∫b

a

− f(x)dx+ ε .

Logo, ∫b

a

f(x)dx− ε < s(f;P) ≤∫b

a

f(x)dx ,

pois S(−f;P) = −s(f;P) e∫b

a

− f(x)dx = −

∫b

a

f(x)dx . �

• Vamos, agora, caracterizar as funcoes integraveis exprimindo suas inte-

grais em termos de limites de somas.

Definicao 5.2 Seja P = {t0, t1, . . . , tn} uma particao de [a, b]. Pontilhar

a particao P e escolher um ponto ξi ∈ [ti−1, ti] para todo i = 1, . . . , n.

Se f : [a, b] −→ R e limitada e P? e uma particao pontilhada de [a, b],

chamamos

Σ(f;P) =

n∑i=1

f(ξ)(ti − ti−1)

de soma de Riemann de f relativa a particao pontilhada P? de [a, b].

Observacao 5.1 Seja qual for a maneira de pontilhar a particao P,

temos s(f;P) ≤ Σ(f;P?) ≤ S(f;P) , ja que ξi ∈ [ti−1, ti] e, portanto,

mi ≤ f(ξi) ≤Mi para todo i = 1, . . . , n.

Definicao 5.3 Dada f : [a, b] −→ R limitada, dizemos que I ∈ R e o

limite de Σ(f;P?) quando |P | tende a zero e escrevemos

I = lim|P |→0

Σ(f;P?)

quando, para tdo ε > 0, existe δ > 0, tal que |Σ(f;P?) − I | < ε, seja qual

for a particao pontilhada P? de [a, b], com |P | < δ.

Teorema 5.2 Seja f : [a, b] −→ R limitada. Entao, existe o limite

I = lim|P |→0

Σ(f;P?) se, e so se, f e integravel. Neste caso, I =

∫b

a

f(x)dx .

Instituto de Matematica - UFF 303

Page 304: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Prova.

(⇐=) Seja f integravel. Pelo teorema 5.1 e pelo corolario 5.1, temos:∫b

a

f(x)dx = lim|P |→0

S(f;P) = lim|P |→0

s(f;P) .

Mas, como s(f;P) ≤ Σ(f;P?) ≤ S(f;P) para toda particao pontilhada P?

de [a, b], temos que o limite lim|P |→0

Σ(f;P?) existe e e igual a∫b

a

f(x)dx.

(=⇒) Suponhamos que existe o limite I = lim|P |→0

Σ(f;P?).

Dado ε > 0, existe uma particao P = {t0, t1, . . . , tn} tal que

|Σ(f;P?) − I | <ε

4,

seja qual for a maneira de pontilhar P.

Vamos pontilhar P de duas maneiras:

• Em cada intervalo [ti−1, ti], existe ξi tal que

f(ξi) < mi +ε

4n(ti − ti−1).

Isto nos da uma particao pontilhada P? tal que

Σ(f;P?) =

n∑i=1

f(ξi)(ti − ti−1) <

n∑i=1

mi(ti − ti−1) +ε

4= s(f;P) +

ε

4.

• Em cada intervalo [ti−1, ti], existe ηi tal que

f(ηi) > Mi −ε

4n(ti − ti−1).

Isto nos da uma particao pontilhada P# tal que

Σ(f;P#) =

n∑i=1

f(ηi)(ti − ti−1) >

n∑i=1

Mi(ti − ti−1) −ε

4= S(f;P) −

ε

4.

Logo,

Σ(f;P?) −ε

4< s(f;P) ≤ S(f;P) < Σ(f;P#) +

ε

4.

Mas, como Σ(f;P?) e Σ(f;P#) pertencem ao intervalo(I −

ε

4, I +

ε

4

),

temos que

I −ε

2< s(f;P) ≤ S(f;P) < I +

ε

2,

e, portanto, S(f;P) − s(f;P) < ε .

J. Delgado - K. Frensel304

Page 305: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

A integral como limite de somas

Entao, f e integravel e, pela parte ja provada do teorema,∫b

a

f(x)dx = lim|P |→0

Σ(f;P?) . �

Exemplo 5.1 Seja f : [a, b] −→ R uma funcao integravel. Entao, dada

uma sequencia (P?n) de particoes pontilhadas com lim

n→∞ |P?n| = 0, temos

que ∫b

a

f(x)dx = limn→∞Σ(f;P?

n) .

Consideremos, por exemplo, a funcao f : [1, 2] −→ R dada por f(x) =1

x.

Entao, f e integravel, pois f e de classe C∞, e, como veremos depois,∫ 2

1

dx

x= log 2.

Para cada n ∈ N, seja Pn ={1,n+ 1

n,n+ 2

n, . . . ,

n+ n

n

}a particao que

subdivide o intervalo [1, 2] em n intervalos, cada um com comprimento

1

n. Pontilhemos Pn tomando em cada intervalo

[n+ i− 1

n,n+ i

n

]o ponto

ξi =n+ i

n, i = 1, . . . , n.

Como f(ξi) = f(n+ i

n

)=

n

n+ i, temos que f(ξi)(ti − ti−1) =

1

n+ ie,

portanto,

Σ(f;P?n) =

1

n+ 1+

1

n+ 2+ . . .+

1

2n

e a soma de Riemann da particao pontilhada P?n.

Logo,

log 2 =

∫ 2

1

dx

x= lim

n→∞Σ(f;P?n) = lim

n→∞ = limn→∞

(1

n+ 1+

1

n+ 2+ . . .+

1

2n

).

Exemplo 5.2 Valor medio de uma funcao num intervalo

Seja f : [a, b] −→ R uma funcao integravel. Dividindo o intervalo [a, b]

em n partes iguais, obtemos a particao Pn = {a, a+ h, . . . , a+ nh}, onde

h =b− a

n.

Instituto de Matematica - UFF 305

Page 306: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

A media aritmetica dos n numeros f(a+h), f(a+2h), . . .,f(a+nh) = f(b)

e indicada pela notacao M(f;n) =1

n

n∑i=1

f(a + ih). E definimos o valor

medio de f no intervalo [a, b] como sendo o limite

M(f; [a, b]) = limn→∞M(f;n)

Escolhendo o ponto a + ih em cada intervalo [a + (i − 1)h, a + ih],

i = 1, . . . , n, obtemos uma particao pontilhada P?n tal que

Σ(f;P?n) =

n∑i=1

f(a+ ih)h =b− a

n

n∑i=1

f(a+ ih) = (b− a)M(f;n) ,

ou seja,

M(f;n) =1

b− aΣ(f;P?

n) .

Logo,

M(f; [a, b]) = limn→∞ 1

b− aΣ(f;P?

n) =1

b− a

∫b

a

f(x)dx .

Em particular, se f esta definida no intervalo [a, a + 1], seu valor medio

nesse intervalo e∫a+1

a

f(x)dx . �

6. Caracterizac ao das func oes integr aveis

Indiquemos com |I| = b − a o comprimento de um intervalo I cujos

extremos sao a e b.

Definicao 6.1 Seja X ⊂ R. Dizemos que X tem conteudo nulo e escre-

vemos c(X) = 0, quando, para todo ε > 0, existe uma colecao finita de

abertos I1, . . . , Ik tal que

X ⊂ I1 ∪ I2 ∪ . . . ∪ Ik ek∑

j=1

|Ij| < ε

Observacao 6.1 Na definicao acima, nao foi exigido que os intervalos

abertos Ii, . . . , Ik sejam disjuntos.

J. Delgado - K. Frensel306

Page 307: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Caracterizacao das funcoes integraveis

Mas, o conjunto aberto I1∪. . .∪Ik pode ser expresso, de modo unico, como

uma reuniao finita de intervalos abertos disjuntos J1, . . . , Jr, com r ≤ k.

De fato, como I1 ∪ . . .∪ Ik e um conjunto aberto, existe uma unica colecao

(Jn) enumeravel de intervalos abertos disjuntos tais que

I1 ∪ . . . ∪ Ik =

∞⋃n=1

Jn .

Como, para todo j = 1, . . . , k, Ij =

∞⋃n=1

Ij ∩ Jn e Ij ∩ Jn e vazio ou e um

intervalo aberto, temos que existe um unico nj tal que Ij ∩ Jnj6= ∅, pois,

caso contrario, o intervalo aberto Ij se escreveria como reuniao de dois

conjuntos abertos disjuntos e nao-vazios.

Logo, Ij ⊂ Jnj, e, portanto,

I1 ∪ . . . ∪ Ik = Jn1∪ . . . ∪ Jnk

.

Assim, a colecao (Jnk) e finita e tem no maximo k elementos, pois podem

existir j 6= `, j, ` = 1, . . . , k, tais que Jnj= Jn`

.

Entao, existe r ≤ k tal que

I1 ∪ . . . ∪ Ik = J1 ∪ . . . ∪ Jr ,

onde J1, . . . , Jr sao intervalos abertos disjuntos.

Lema 6.1 Sejam I1, . . . , Ik e J1, . . . , Jr intervalos abertos, tais que os in-

tervalos Ji sao dois a dois disjuntos

Se I1 ∪ . . . ∪ Ik = J1 ∪ . . . ∪ Jr, entao

|J1| + . . .+ |Jr| ≤ |I1| + . . .+ |Ik| ,

ocorrendo a igualdade somente quando os intervalos Ij sao tambem dois

a dois disjuntos. Nesse caso, k = r e os intervalos I1, . . . , Ik coincidem

com os intervalos J1, . . . , Jk a menos da enumeracao.

Prova.

Seja ξX : R −→ R a funcao caracterıstica de um conjunto X ⊂ R, ou

seja ξX(x) =

1 se x ∈ X

0 se x 6∈ X .

Instituto de Matematica - UFF 307

Page 308: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Afirmacao 1: Se Y = X1 ∪ . . . ∪ Xk, entao ξY ≤k∑

j=1

ξXj, ocorrendo a

igualdade se, e so se, os conjuntos Xj sao dois a dois disjuntos.

De fato, se x ∈ Y, existe j ∈ {1, . . . , k} tal que x ∈ Xj.

Logo, ξY(x) = 1 = ξXj(x) ≤

k∑i=1

ξXi(x), pois ξXi

(y) ≥ 0 para todo y ∈ R.

Se x 6∈ Y, entao x 6∈ Xj para todo j = 1, . . . , k. Assim, ξY(x) = ξXj(x) = 0

para todo j = 1, . . . , k, ou seja,

ξY(x) =

k∑j=1

ξXj(x) = 0 .

Suponhamos, agora, que os conjuntos X1, . . . , Xk sao dois a dois disjun-

tos. Entao, para todo x ∈ Y, existe um unico j = 1, . . . , k tal que x ∈ Xj.

Logo, ξY(x) = 1 = ξXj(x) =

k∑i=1

ξXi(x), ja que ξXi

(x) = 0 para todo i 6= j.

Suponhamos que ξY =

n∑j=1

ξXj. Entao, os conjuntos Xj sao disjuntos,

pois se existisse x ∈ Xj ∩ Xi, j 6= i, terıamos que

2 = ξXj(x) +ξXi

(x) ≤k∑

`=1

ξX`(x) = ξY(x) = 1 ,

o que e absurdo.

• No caso em que X e um intervalo contido no intervalo [a, b], temos que

ξX : [a, b] −→ R e uma funcao escada e, portanto,∫b

a

ξX(x)dx = |X|

• Logo, se [a, b] e um intervalo tal que Y = I1∪. . .∪Ik = J1∪. . .∪Jr ⊂ [a, b],

onde I1, . . . , Ik e J1, . . . , Jr sao intervalos abertos, sendo os intervalos Jidois a dois disjuntos, entao

ξY =

r∑i=1

ξJi≤

k∑i=1

ξIJ,

J. Delgado - K. Frensel308

Page 309: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Caracterizacao das funcoes integraveis

e, portanto,r∑

i=1

|Ji| =

r∑i=1

∫b

a

ξJi=

∫a

r∑i=1

ξJi≤

∫b

a

k∑j=1

ξIj=

k∑j=1

∫b

a

ξIj=

k∑j=1

|Ij| .

Suponhamos, agora, que existem i 6= j , i, j ∈ {1, . . . , k}, tais que Ii∩Ij 6= ∅.

Entao, existe um intervalo aberto I0 = (c, d) ⊂ Ii ∩ Ij.

Logo, ξY(x) <

k∑`=1

ξI`(x) para todo x ∈ I0, ou seja,

k∑`=1

ξI`(x)−ξY(x) ≥ 1

para todo x ∈ I0 .

Assim,

k∑`=1

|I`| −∑s=1

|Js| =

∫b

a

(k∑

`=1

ξI`(x) −

r∑s=1

ξJs(x)

)dx

=

∫b

a

(k∑

`=1

ξI`(x) −ξY(x)

)dx =

∫ c

a

(k∑

`=1

ξI`(x) −ξY(x)

)dx

+

∫d

c

(k∑

`=1

ξI`(x) −ξY(x)

)dx +

∫b

d

(k∑

`=1

ξI`(x) −ξY(x)

)dx

≥∫d

c

1 dx = d− c = |I0| > 0 .

Provamos, entao, que se os intervalos abertos I1, . . . , Ik nao sao disjuntos,

entaok∑

`=1

|I`| >

r∑s=1

|Js| . �

Corolario 6.1 Seja X ⊂ [a, b] um conjunto de conteudo nulo. Entao,

dado ε > 0, existe uma particao P de [a, b] tal que a soma dos compri-

mentos dos intervalos de P que contem algum ponto de X e < ε.

Prova.

Dado ε > 0, existem intervalos abertos I1, . . . , Ik tais que X ⊂ I1 ∪ . . . ∪ Ik

ek∑

j=1

|Ij| < ε. Pela observacao 6.1 e pelo lema 6.1, existem intervalos

abertos J1, . . . , Jr, r ≤ k, disjuntos tais que X ⊂ I1 ∪ . . . ∪ Ik = J1 ∪ . . . ∪ Jr

er∑

i=1

|Ji| < ε.

Instituto de Matematica - UFF 309

Page 310: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

As extremidades dos Ji contidas em [a, b], juntamente com os pontos a e

b, formam uma particao P = {t0, t1, . . . , tn} de [a, b].

Seja i = 1, . . . , n, tal que X ∩ [ti−1, ti] 6= ∅. Entao, existe x ∈ X ∩ [ti−1, ti]

e, portanto, existe ` = 1, . . . , r tal que x ∈ J`.

Suponhamos que 0 < ε ≤ b−a. Assim, uma das extremidades de J` esta

contida em [a, b], pois, caso contrario, terıamos |J`| > b − a ≥ ε, ja que

J` ∩ [a, b] 6= ∅.

Logo, se:

• ti−1 = a =⇒ [a, t1) ⊂ J` e t1 e a extremidade superior de J` .

ou

• ti−1 6= a e ti 6= b =⇒ (ti−1, ti) = J` .

• ti = b =⇒ (tn−1, b] ⊂ J` e tn−1 e a extremidade inferior de J`.

ou

Em qualquer caso, temos que ti − ti−1 ≤ |J`|. Entao,

∑X∩[ti−1,ti] 6=∅

|ti − ti−1| ≤r∑

s=1

|Js| < ε . �

Observacao 6.2 Os conjuntos de conteudo nulo gozam das seguintes

propriedades:

1. Se c(X) = 0, entao X e limitado.

De fato, como X esta contido numa uniao finita de intervalos limitados,

temos que X e limitado.

2. Se c(X) = 0 e Y ⊂ X, entao c(Y) = 0.

3. Se c(X1) = c(X2) = . . . = c(Xn) = 0, entao c(X1 ∪ . . . ∪ Xn) = 0.

De fato, dado ε > 0, existem, para cada k = 1, . . . , n, intervalos abertos

Ik1, . . . , Ikjk

tais que

J. Delgado - K. Frensel310

Page 311: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Caracterizacao das funcoes integraveis

Xk ⊂ Ik1 ∪ . . . ∪ Ikjk ejk∑

i=1

|Iki | <ε

n.

Logo,

X1 ∪ . . . ∪ Xn ⊂n⋃

k=1

jk⋃i=1

Iki en∑

k=1

jk∑i=1

|Iki | < n×ε

n= ε .

4. Se para cada ε > 0 existem intervalos abertos I1, . . . , Ik e um subcon-

junto finito F ⊂ X tais que

X− F ⊂ Ii ∪ . . . ∪ Ik e |I1| + . . .+ |Ik| < ε ,

entao c(X) = 0 .

De fato, dado ε > 0, existem intervalos abertos I1, . . . , Ik e F ⊂ X finito tais

que

X− F ⊂ Ii ∪ . . . ∪ Ik e |I1| + . . .+ |Ik| <ε

2.

Sejam F = {x1, . . . , xr} e Ik+i =(xi −

ε

4r, xi +

ε

4r

), i = 1, . . . , r. Entao,

F ⊂r⋃

i=1

Ik+i er∑

i=1

|Ik+i| =2εr

4r=ε

2.

Logo, X ⊂ I1 ∪ . . . ∪ Ik ∪ Ik+1 ∪ . . . ∪ Ik+r ek+r∑j=1

|Ij| <ε

2+ε

2= ε .

5. c(X) = 0 ⇐⇒ dado ε > 0, existem intervalos fechados J1, . . . , Jk tais

que X ⊂ J1 ∪ . . . ∪ Jk ek∑

i=1

|Ji| < ε.

De fato, se c(X) = 0, dado ε > 0, existem intervalos abertos I1, . . . , Ik tais

que X ⊂ I1 ∪ . . . ∪ Ik ek∑

i=1

|Ii| < ε. Seja Ji = Ii, ou seja, Ji = [ai, bi]

se Ii = (ai, bi). Entao, |Ji| = |Ii|, i = 1, . . . , k. Logo, X ⊂ J1 ∪ . . . ∪ Jk ek∑

i=1

|Ji| =

k∑i=1

|Ii| < ε .

Reciprocamente, dado ε > 0, existem intervalos fechados Ji = [ai, bi],

i = 1, . . . , k , tais que X ⊂ J1 ∪ . . . ∪ Jk ek∑

i=1

|Ji| < ε.

Instituto de Matematica - UFF 311

Page 312: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Sejam F = {a1, b1, a2, b2, . . . , an, bn} e Ii = (ai, bi), i = 1, . . . , n.

Entao, X − F ⊂ I1 ∪ . . . ∪ Ik ek∑

i=1

|Ii| < ε . Logo, pela propriedade 4,

c(X) = 0.

• Em particular, vale a recıproca do corolario 6.1: Se X ⊂ [a, b] e, para

cada ε > 0 existe uma particao P de [a, b] tal que a soma dos comprimen-

tos dos intervalos de P que contem pontos de X e < ε, entao c(X) = 0.

Exemplo 6.1 Seja X = Q ∩ [a, b], com a < b. Entao, X e enumeravel,

mas nao tem conteudo nulo.

De fato, se c(X) = 0, entao, dado 0 < ε < b − a, existiria uma particao Pde [a, b] tal que a soma dos comprimentos dos intervalos de P contendo

pontos de P seria < ε. Mas, como Q ∩ [ti−1, ti] 6= ∅ para todo i, terıamos

que∑

[ti−1,ti]∩X6=∅

(ti − ti−1) = b − a, o que e um absurdo. Logo, X nao tem

conteudo nulo. �

Exemplo 6.2 Todo intervalo nao-degenerado nao tem conteudo nulo.

De fato, os intervalos do tipo (a,+∞), [a,+∞), (−∞, b) e (−∞, b] nao

tem conteudo nulo, pois sao ilimitados.

E os intervalos do tipo (a, b) e [a, b] nao tem conteudo nulo, pois (a, b)∩Qnao tem conteudo nulo e (a, b) ∩Q ⊂ (a, b) ⊂ [a, b]. �

Exemplo 6.3 Se X tem conteudo nulo, entao X tem interior vazio.

De fato, se x0 ∈ intX, existiria um intervalo aberto I tal que x0 ∈ I ⊂ X.

Logo, como c(X) = 0, I teria conteudo nulo, o que e um absurdo. �

Exemplo 6.4 Seja K ⊂ [0, 1] o conjunto de Cantor. Entao K nao e enu-

meravel e tem conteudo nulo.

De fato, depois da n−esima etapa da construcao do conjunto de Cantor,

foram omitidos intervalos abertos cuja soma dos comprimentos e

1

3+2

32+22

33+ . . .+

2n−1

3n=1

3

n−1∑i=0

(2

3

)i

= 1−(2

3

)n

.

J. Delgado - K. Frensel312

Page 313: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Caracterizacao das funcoes integraveis

Entao, K esta contido numa uniao finita de 2n intervalo fechados, cada um

de comprimento1

3n. Como a soma dos comprimentos desses intervalos

fechados e(2

3

)n

, dado ε > 0, basta tomar n ∈ N tal que(2

3

)n

< ε.

Portanto, c(X) = 0. �

• Sejam f : [a, b] −→ R uma funcao limitada e X ⊂ [a, b]. A oscilacao de f

no conjunto X e

ω(f;X) = sup f(X) − inf f(X) = sup{ |f(x) − f(y)| | x,∈ X } .

Logo, se X ⊂ Y, entao ω(f;X) ≤ ω(f; Y) .

Definiremos, agora, a oscilacao de f num ponto x ∈ [a, b]:

Para cada δ > 0, escrevemos

ωx(δ) = ω(f; (x− δ, x+ δ) ∩ [a, b]) .

• se a < x < b, existe δ0 > 0 tal que (x − δ0, x + δ0) ⊂ [a, b]. Logo,

ωx(δ0) = ω(f; (x− δ0, x+ δ0)) .

• Se x = a e 0 < δ0 ≤ b− a, entao ωx(δ0) = ω(f; [a, a+ δ0)) .

• Se x = b e 0 < δ0 ≤ b− a, entao ωx(δ0) = ω(f; (b− δ0, b]) .

Entao a funcao ω : (0, δ0) −→ R e monotona nao-decrescente e e

limitada, pois f e limitada.

Existe, portanto, o limite

ω(f; x) = limδ→0+

ωx(δ) = inf {ω(δ) | δ ∈ (0, δ0) }

que chamamos a oscilacao de f no ponto x .

Observacao 6.3 Seja Vδ(x) = (x− δ, x+ δ) ∩ ( [a, b] − {x} ).

Entao, se 0 < δ < δ0, temos que Vδ(x) = (x − δ, x + δ) − {x} quando

a < x < b, Vδ(a) = (a, a+ δ) e Vδ(b) = (b− δ, b) .

Como ja provamos, as funcoes

`x : (0, δ0) −→ Rδ 7−→ `xδ = infδ∈(0,δ0) f(Vδ)

e

Instituto de Matematica - UFF 313

Page 314: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Lx : (0, δ0) −→ Rδ 7−→ Lx

δ = supδ∈(0,δ0) f(Vδ) ,

sao monotonas nao-crescente e nao-decrescente, respectivamente,

L(x) = limδ→0

Lxδ e o limite superior de f no ponto x e `(x) = lim

δ→0`xδ e o

limite inferior de f no ponto x.

Observe que, ao calcularmos os limites `(x) e L(x), nao levamos em conta

o valor de f no ponto x. Por isso, nao se tem, em geral, ω(f; x) igual a

L(x) − `(x).

Mas, como ω(δ) = max {Lxδ , f(x) } − min { `xδ , f(x) }, temos que

ω(f; x) = limδ→0+

ωxδ = lim

δ→0+

Lxδ + f(x) + |Lx

δ − f(x)|

2− lim

δ→0+

`xδ + f(x) − |`xδ − f(x)|

2

=L(x) + f(x) + |L(x) − f(x)|

2−`(x) + f(x) − |`(x) − f(x)|

2

= max {L(x), f(x) } − min { `(x), f(x) } .

Alem disso, temos que f e contınua em x se, e so se, limt→x

f(t) = f(x), ou

seja, se, e so se, L(x) = `(x) = f(x). Logo,

f e contınua em x se, e so se, ω(f; x) = 0 .

De fato, se f e contınua em x, entao ω(f; x) = 0, pois

max {L(x), f(x) } − min { `(x), f(x) } = 0 ,

ja que L(x) = `(x) = f(x).

Suponhamos, entao, que ω(f; x) = 0.

• Se f(x) ≤ `(x) ≤ L(x), entao

0 = ω(f; x) = max {L(x), f(x) } − min { `(x), f(x) } = L(x) − f(x) ,

ou seja, L(x) = f(x), e, portanto, f(x) = `(x) = L(x).

• Se `(x) ≤ L(x) ≤ f(x), entao

0 = ω(f; x) = max {L(x), f(x) } − min { `(x), f(x) } = f(x) − `(x) ,

ou seja, `(x) = f(x), e, portanto, `(x) = L(x) = f(x) .

• Se `(x) ≤ f(x) ≤ L(x), entao

0 = ω(f; x) = max {L(x), f(x) } − min { `(x), f(x) } = L(x) − `(x) ,

ou seja, `(x) = L(x), e, portanto, `(x) = f(x) = L(x) .

J. Delgado - K. Frensel314

Page 315: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Caracterizacao das funcoes integraveis

Em qualquer caso, temos que L(x) = `(x) = f(x). Logo, f e contınua em x

se ω(f; x) = 0.

Daremos, agora, uma outra demonstracao deste resultado, sem usar

as nocoes de limite superior e inferioir de uma funcao num ponto x.

Teorema 6.1 Seja f : [a, b] −→ R limitada. Entao, f e contınua no ponto

x0 ∈ [a, b] se, e so se, ω(f; x0) = 0 .

Prova.

(=⇒) Suponhamos f contınua no ponto x0 ∈ [a, b]. Dado ε > 0, existe

δ > 0 tal que

x ∈ [a, b] , |x− x0| < δ =⇒ f(x0) −ε

2< f(x) < f(x0) +

ε

2.

Entao, |f(x) − f(y)| < ε quaisquer que sejam x, y ∈ [a, b] ∩ (x0 − δ, x0 + δ)

e, portanto, 0 ≤ ωδ ≤ ε.

Logo, ω(f; x0) = limδ→0+

ωδ = 0.

(⇐=) Suponhamos, agora, que ω(f; x0) = limδ→0+

ωδ = 0 .

Dado ε > 0, existe δ > 0 tal que 0 ≤ ωδ < ε, ou seja, |f(x) − f(y)| < ε

quaisquer que sejam x, y ∈ (x0 − δ, x0 + δ) ∩ [a, b].

Em particular,

x ∈ [a, b] , |x− x0| < δ =⇒ |f(x) − f(x0)| < ε.

Logo, f e contınua no ponto x0. �

• O proximo teorema diz que a oscilacao x 7−→ ω(f; x) e uma funcao se-

micontınua superiormente no intervalo [a, b], e os corolarios estabelecem

propriedades gerais das funcoes semicontınuas superiormente.

Teorema 6.2 Seja f : [a, b] −→ R limitada. Dado x0 ∈ [a, b], para todo

ε > 0, existe δ > 0, tal que

x ∈ [a, b] , |x− x0| < δ =⇒ ω(f; x) < ω(f; x0) + ε .

Prova.

Dado ε > 0 existe δ > 0 tal que ωx0(δ) < ω(f; x0) + ε, pois

limδ→0

ωx0(δ) = ω(f; x0).

Instituto de Matematica - UFF 315

Page 316: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Como

ωx0(δ) = ω(f; (x0 − δ, x0 + δ) ∩ [a, b]),

temos que para todo x ∈ X = (x0 − δ, x0 + δ) ∩ [a, b] , existe δx > 0 tal

que (x− δx, x+ δx) ∩ [a, b] ⊂ X .

Logo,

ω(f; (x− δx, x+ δx) ∩ [a, b]) ≤ ω(f;X) = ωx0(δ) < ω(f; x0) + ε.

Mas, como

ω(f; x) ≤ ω(f; (x− δx, x+ δx) ∩ [a, b]),

ja que

ω(f; x) = limδ ′→0

ωxδ ′ = inf {ωx(δ ′) | δ ′ > 0 },

ondeωx(δ ′) = ω(f; (x−δ ′, x+δ ′)∩[a, b]), temos queω(f; x) < ω(f; x0)+ε.

Corolario 6.2 Se ω(f; x0) < α entao existe δ > 0 tal que

x ∈ [a, b] , |x− x0| < δ =⇒ ω(f; x) < α .

Prova.

Pelo teorema acima, dado ε = α−ω(f; x0) > 0, existe δ > 0 tal que

x ∈ [a, b] , |x− x0| < δ =⇒ ω(f; x) < ω(f; x0) + ε = α . �

Corolario 6.3 Para todo α > 0, o conjunto

Eα = { x ∈ [a, b] |ω(f; x) ≥ α }

e compacto.

Prova.

Seja

Aα = [a, b] − Eα = { x ∈ [a, b] |ω(f; x) < α } .

Pelo corolario anterior, para todo x ∈ Aα, existe δx > 0, tal que (x− δx, x+

δx) ∩ [a, b] ⊂ Aα .

Logo,

Aα = [a, b] ∩⋃

x∈Aα

(x− δx, x+ δx) = [a, b] ∩Uα,

onde Uα =⋃

x∈Aα

(x− δx, x+ δx) e aberto.

J. Delgado - K. Frensel316

Page 317: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Caracterizacao das funcoes integraveis

Entao, Eα = [a, b]∩ (R−Uα) e fechado e limitado, pois [a, b] e R−Uα sao

fechados e [a, b] e limitado. Portanto, Eα e compacto. �

Corolario 6.4 Seja (xn) uma sequencia de pontos de [a, b] que con-

verge para x. Se o limn→∞ω(f; xn) = L existe, entao L ≤ ω(f; x), ou seja

limn→∞ω(f; xn) ≤ ω(f; lim

n→∞ xn) .

Prova.

Suponhamos, por absurdo, que ω(f; x) < L e seja ε =L−ω(f; x)

2> 0,

isto e, ω(f; x) + ε = L− ε. Pelo teorema 6.2, existe δ > 0 tal que

y ∈ [a, b] ∩ (x− δ, x+ δ) =⇒ ω(f;y) < ω(f; x) + ε = L− ε .

Mas, como xn −→ x, existe n0 ∈ N tal que xn ∈ [a, b] ∩ (x− δ, x+ δ) para

todo n ≥ n0.

Logo, ω(f; xn) < L − ε para todo n ≥ n0, o que e um absurdo, pois

limn→∞ω(f; xn) = L. �

Exemplo 6.5 Seja a funcao f : R −→ R dada por f(x) =x

|x|, x 6= 0, e

f(0) = 0. Entao, ω(f; x) = 0 para todo x 6= 0, pois f e contınua nesses

pontos, e ω(f; 0) = 2, pois ω0δ = sup { |f(x) − f(y)| | x, y ∈ (−δ, δ) } = 2,

para todo δ > 0. �

Exemplo 6.6 Seja g : R −→ R definida por g(x) = 0 se x ∈ (R−Q)∪ {0}

e g(p

q

)=1

qse

p

qe irredutıvel e q > 0.

Como limx→x0

g(x) = 0 para todo x0 ∈ R, temos que L(x0) = `(x0) = 0,

onde L(x0) e `(x0) e o limite superior e o limite inferior de g no ponto x0,

respectivamente.

Entao, ω(g; x0) = 0 para todo x0 ∈ (R − Q) ∪ {0} e ω(g; x0) = g(x0) para

todo x0 ∈ Q − {0}, ja que, pela observacao 6.3,

ω(g; x0) = max {L(x0), g(x0) } − min { `(x0), g(x0) } . �

Exemplo 6.7 Seja h : R −→ R dada por h(x) = 0 para x ∈ Q e h(x) = 1

para x ∈ R − Q. Entao, ω(h; x) = 1 para todo x ∈ R, pois

Instituto de Matematica - UFF 317

Page 318: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

ωx(δ) = sup { |h(y) − h(z)| |y, z ∈ (x− δ, x+ δ) } = 1

para todo δ > 0. �

Teorema 6.3 Seja f : [a, b] −→ R uma funcao limitada. Se ω(f; x) <

ε para todo x ∈ [a, b], entao existe uma particao P de [a, b] tal que

ωi = Mi −mi < ε em todos os intervalos [ti−1, ti] da particao.

Prova.

Como ω(f; x) = limδ→0+

ωx(δ) = inf {ωx(δ) | δ > 0 } < ε, para todo x ∈ [a, b],

existe δx > 0 tal que ωx(δx) = ω(f; (x− δx, x+ δx) ∩ [a, b] } < ε.

Seja Ix =(x−

δx

2, x+

δx

2

), x ∈ [a, b]. Como [a, b] ⊂

⋃x∈[a,b]

Ix e uma cober-

tura aberta do compacto [a, b], existem x1, . . . , xn ∈ [a, b], pelo teorema

de Borel-Lebesgue, tais que [a, b] ⊂ Ix1∪ . . . ∪ Ixn .

Os pontos a, b, juntamente com as extremidades dos intervalos Ixjque

pertencem a [a, b], deterrminam uma particao P = {t0, t1, . . . , tn} de [a, b].

Afirmacao: ωi = ω(f; [ti−1, ti]) < ε, i = 1, . . . , n.

• i = 1: Como [a, t1] ⊂ Ix1∪ . . . ∪ Ixn , existe j ∈ {1, . . . , n}, tal que a

extremidade inferior de Ixje < a e sua extremidade superior e ≥ t1 e,

portanto, [a, t1) ⊂ Ixj. Assim, [a, t1] ⊂ (xj − δxj

, xj + δxj), e

ω1 = ω(f; [a, t1]) ≤ ω(f; (xj − δxj, xj + δxj

) ∩ [a, b]) < ε .

• i 6= 1, n: Como [ti−1, ti] ⊂ Ix1∪ . . . ∪ Ixn , existe j ∈ {1, . . . , n} tal que a

extremidade inferior de Ixje < ti−1 e sua extremidade superior e ≥ ti, ou

seja, (ti−1, ti) ⊂ Ixj. Assim, [ti−1, ti] ⊂ (xj − δxj

, xj + δxj) e

ωi = ω(f; [ti−1, ti]) ≤ ω(f; (xj − δxj, xj + δxj

) ∩ [a, b]) < ε .

• i = n: Como [tn−1, b] ⊂ Ix1∪ . . . ∪ Ixn , existe j ∈ {1, . . . , n}, tal que a

extremidade superior de Ixje > b e sua extremidade inferior e ≤ tn−1, ou

seja, (tn−1, b] ⊂ Ixj. Assim, [tn−1, b] ⊂ (xj − δxj

, xj + δxj) e

ωn = ω(f; [tn−1, b]) ≤ ω(f; (xj − δxj, xj + δxj

) ∩ [a, b]) < ε .�

Teorema 6.4 Uma funcao limitada f : [a, b] −→ R e integravel se, e so

se, para todo δ > 0, o conjunto Eδ = { x ∈ [a, b] |ω(f; x) ≥ δ } tem conteudo

nulo.

J. Delgado - K. Frensel318

Page 319: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Caracterizacao das funcoes integraveis

Prova.

(=⇒) Sejam f integravel e δ > 0. Dado ε > 0, existe uma particao

P = {t0, . . . , tn} de [a, b] tal quen∑

i=1

ωi(ti − ti−1) < εδ.

Se (ti−1, ti) ∩ Eδ 6= ∅, existe x ∈ (ti−1, ti) ∩ Eδ e δx > 0 tal que

(x− δx, x+ δx) ⊂ (ti−1, ti).

Logo,

ωi = ω(f; [ti−1, ti]) ≥ ω(f; (x− δx, x+ δx)) ≥ ω(f; x) ≥ δ .

Seja I = { i ∈ {1, . . . , n} |Eδ ∩ (ti−1, ti) 6= ∅ }.

Entao,

δ∑i∈I

(ti − ti−1) ≤∑i∈I

ωi(ti − ti−1) < εδ.

Isto e, ∑i∈I

(ti − ti−1) < ε ,

ou seja, a soma dos comprimentos dos intervalos de P que contem algum

ponto de Eδ em seu interior e < ε.

Portanto, Eδ − (Eδ ∩ P ) ⊂⋃i∈I

(ti−1, ti) e∑i∈I

(ti − ti−1) < ε .

Assim, como Eδ ∩ P e finito, temos que c(Eδ) = 0.

(⇐=) Suponhamos que c(Eδ) = 0 para todo δ > 0.

Dado ε > 0, tomemos δ0 =ε

2(b− a).

Como Eδ0⊂ [a, b] e c(Eδ0

) = 0, temos, pelo corolario 6.1, que existe uma

particao P0 de [a, b] tal que a soma dos comprimentos dos intervalos de

P0 que contem algum ponto de Eδ0e <

ε

2(M−m), onde M = sup f e

m = inf f. Observe que M−m > 0 se f nao e constante.

Nos outros intervalos, onde [tk−1, tk] ∩ Eδ0= ∅, temos que ω(f; x) < δ0

para todo x ∈ [tk−1, tk]. Logo, pelo teorema anterior, podemos subdividir

cada um dos intervalos [tk−1, tk] que nao intersectam Eδ0de modo a se

obter uma particao P que e um refinamento de P0, com ωi < δ0 nos

intervalos que nao contem pontos de Eδ0.

Instituto de Matematica - UFF 319

Page 320: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Relativamente a P, podemos escrever∑ωi(ti − ti−1) =

∑ω ′

i(t′i − t ′i−1) +

∑ω ′′

i (t ′′i − t ′′i−1) ,

onde o primeiro somatorio refere-se aos intervalos de P que contem um

ponto de Eδ0.

Entao,

ω ′i ≤M−m e

∑(t ′i − t ′i−1) <

ε

2(M−m).

Logo,∑

ω ′i(t

′i − t ′i−1) <

ε

2.

O segundo somatorio corresponde aos intervalos de P que nao contem

pontos de Eδ0. Logo, ω ′′

i < δ0 e, portanto,∑ω ′′

i (t ′′i − t ′′i−1) < δ0(b− a) =ε

2.

Assim,∑

ωi(ti − ti−1) < ε e f e integravel. �

• Vamos introduzir agora a nocao de conjunto de medida nula para obter-

mos a forma definitiva de caracterizar as funcoes integraveis.

Definicao 6.2 Dizemos que um conjunto X ⊂ R tem medida nula (a

Lebesgue) e escrevemos m(X) = 0, quando, para todo ε > 0, existe

uma colecao enumeravel de intervalos abertos I1, I2, . . . , In, . . . tais que

X ⊂ I1 ∪ I2 ∪ . . . ∪ In ∪ . . . e∞∑

n=1

|In| < ε.

• Em particular, se X tem conteudo nulo, entao X tem medida nula.

• Valem as seguintes propriedades:

1. Se m(X) = 0 e Y ⊂ X entao m(Y) = 0. Em particular m(∅) = 0.

2. Se X e compacto e m(X) = 0, entao c(X) = 0.

De fato, dado ε > 0, existe uma colecao enumeravel de intervalos

abertos I1, . . . , In, . . . tais que X ⊂ I1 ∪ . . . ∪ In ∪ . . . e∞∑

n=1

|In| < ε.

Pelo teorema de Borel-Lebesgue, existem k1, . . . , kn ∈ N tais que

X ⊂ Ik1∪ . . . ∪ Ikn .

J. Delgado - K. Frensel320

Page 321: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Caracterizacao das funcoes integraveis

Logo,n∑

i=1

|Iki| ≤

∞∑j=1

|Ij| < ε e, portanto, c(X) = 0.

3. Se Y = X1 ∪ X2 ∪ . . . ∪ Xn ∪ . . ., onde m(X1) = m(X2) = . . . =

m(Xn) = . . . = 0, entao, m(Y) = 0. Ou seja, uma reuniao enumeravel de

conjuntos de medida nula tem medida nula.

De fato, para cada n ∈ N, existe uma colecao (In,j)j∈N de intervalos

abertos tal que Xn ⊂⋃j∈N

In,j e∑j∈N

|In,j| <ε

2n.

Logo, Y ⊂⋃

n,j∈N

In,j , onde

∑n

∑j

|In,j| <

∞∑n=1

ε

2n= ε .

Assim, m(Y) = 0.

• Em particular, como um conjunto formado por um unico ponto tem me-

dida nula, todo conjunto enumeravel tem medida nula.

Assim, m(Q) = 0 e, portanto m(Q ∩ [a, b]) = 0, mas, como ja vimos,

Q ∩ [a, b] nao tem conteudo nulo.

4. Se, para cada ε > 0, existem intervalos abertos I1, . . . , In, . . . e

um subconjunto enumeravel E ⊂ X tais que X− E ⊂⋃n∈N

In e∑n∈N

|In| < ε,

entao m(X) = 0.

De fato, dado ε > 0, existem intervalos abertos I1, . . . , In, . . . e E ⊂ X

enumeravel tais que X− E ⊂⋃n∈N

In e∑n∈N

|In| <ε

2.

Mas, como E tem medida nula (por ser enumeravel), existem inter-

valos abertos J1, . . . , Jn, . . . tais que E ⊂⋃n∈N

Jn e∑n∈N

|Jn| <ε

2.

Logo, X ⊂⋃n∈N

In ∪⋃k∈N

Jk e∑n∈N

|In|+∑k∈N

|Jk| < ε e, portanto, X tem

medida nula.

5. m(x) = 0 ⇐⇒ para todo ε > 0, existe uma colecao enumeravel de

intervalos fechados F1, F2, . . . , Fn, . . . tal que X ⊂⋃n∈N

Fn e∑n∈N

|Fn| < ε.

Instituto de Matematica - UFF 321

Page 322: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

De fato, se m(X) = 0, dado ε > 0, existe uma colecao (In)n∈N de

intervalos abertos tal que

X ⊂⋃n∈N

In e∑n∈N

|In| < ε .

Entao, Fn = In e um intervalo fechado tal que |Fn| = |In| e In ⊂ Fn

para todo n ∈ N.

Logo, X ⊂⋃n∈N

Fn e∑n∈N

|Fn| < ε .

Reciprocamente, dado ε > 0, existe uma colecao (Fn)n∈N de interva-

los fechados tal que X ⊂⋃n∈N

Fn e∑n∈N

|Fn| < ε.

Entao, int(Fn) = In e um intervalo aberto e |In| = |Fn| para todo

n ∈ N, e o conjunto E das extremidades dos intervalos Fn e enumeravel.

Logo, X− E ⊂⋃n∈N

In e∑n∈N

|In| < ε e, portanto, pela propriedade 4,

X tem medida nula.

Teorema 6.5 Uma funcao limitada f : [a, b] −→ R e integravel se, e so

se, o conjunto D dos seus pontos de descontinuidade tem medida nula.

Prova.

Para cada δ > 0, seja Eδ = {x ∈ [a, b] |ω(f; x) ≥ δ}.

Entao, D =⋃δ>0

Eδ =⋃n∈N

E1/n, ja que f e contınua num ponto x ∈ [a, b] se,

e so se, ω(f; x) = 0.

(⇐=) Se m(D) = 0 entao m(Eδ) = 0 para todo δ > 0. Como Eδ e

compacto, pelo corolario 6.3, temos que c(Eδ) = 0 para todo δ > 0. Logo,

pelo teorema 6.4, f e integravel.

(=⇒) Se f e integravel, entao, pelo teorema 6.4, para todo n ∈ N,

c(E1/n) = 0 e, portanto, m(E1/n) = 0.

Logo, D tem medida nula, pois D =⋃n∈N

E1/n e uma reuniao enumeravel

de conjuntos de medida nula. �

J. Delgado - K. Frensel322

Page 323: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Caracterizacao das funcoes integraveis

Corolario 6.5 Se f, g : [a, b] −→ R sao integraveis, entao o produto f · g

e integravel. Se, alem disso, f(x) 6= 0 para todo x ∈ [a, b] e1

fe limitada,

entao1

fe integravel.

Prova.

Se f e g sao limitadas, existem K > 0 e M > 0 tais que |f(x)| ≤ K e

|g(x)| ≤ M para todo x ∈ [a, b] e, portanto, |f(x) · g(x)| ≤ KM para todo

x ∈ [a, b], ou seja, f · g e limitada.

Alem disso, como D(f · g) ⊂ D(f)∪D(g), temos que m(D(f · g)) = 0, pois

m(D(f)) = m(D(g)) = 0.

Logo, f · g e integravel.

Se f(x) 6= 0 para todo x ∈ [a, b] e1

fe limitada, temos que

1

fe integravel,

ja que D(1/f) = D(f) e m(D(f)) = 0. �

Corolario 6.6 Seja f : [a, b] −→ R limitada. Se o conjunto dos seus

pontos de descontinuidade e enumeravel, entao f e integravel.

Corolario 6.7 Seja f : [a, b] → R limitada. Se existem os limites laterais

de f em todos os pontos de [a, b], ou seja, se f so possui decontinuidades

de primeira especie, entao f e integravel.

Prova.

Se todas as descontinuidades de f sao de primeira especie, entao D e

enumeravel e, portanto, tem medida nula. �

Corolario 6.8 Se f : [a, b] −→ R e monotona, entao f e integravel.

Prova.

Se f e monotona em [a, b], entao f e limitada e todas as suas descon-

tinuidades sao de primeira especie. Logo, pelo corolario anterior, f e in-

tegravel. �

Instituto de Matematica - UFF 323

Page 324: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

7. Logarıtmos e exponenciais

Vamos definir primeiro a funcao Logarıtmo e a partir dela a funcao

Exponencial como sendo sua inversa, pois , desta maneira, as proprieda-

des de ambas funcoes sao provadas de forma mais simples.

O contrario tambem pode ser feito, mas torna as coisas mais difıceis

(ver exercıcios 2 e 60 da parte 2 e exercıcios 11 e 12 da parte 5).

Definicao 7.1 Seja R+ o conjunto dos numeros reais positvos. Defini-

mos a funcao real log : R+ −→ R pondo, para cada x > 0,

log x =

∫x

1

1

tdt

O numero log x e chamado o logarıtmo natural de x ou o logarıtmo de x.

Observacao 7.1 log x =

∫x

1

1

tdt ≥ x− 1

x> 0 para todo x > 1, ja que,

1

t≥ 1

xpara todo t ∈ [1, x].

Observacao 7.2 log 1 =

∫ 1

1

1

tdt = 0 e

log x =

∫x

1

1

tdt = −

∫ 1

x

1

tdt ≤ −(1− x) = x− 1 < 0 ,

para todo 0 < x < 1, pois1

t≥ 1 para todo t ∈ [x, 1].

Observacao 7.3 Como (log) ′(x) =1

x> 0 para todo x > 0, a funcao

log : R+ −→ R e monotona crescente.

Alem disso, log ∈ C∞, ja que a funcao x 7−→ 1

xe de classe C∞.

Observacao 7.4 Quando x > 1, log x e a area da faixa de hiperbole

Hx1 =

{(t, y)

∣∣ 1 ≤ t ≤ x e 0 ≤ y ≤ 1

t

}E quando 0 < x < 1, logx e a area da faixa H1

x com o sinal trocado.

J. Delgado - K. Frensel324

Page 325: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Logarıtmos e exponenciais

Fig. 1: Area Hx1 delimitada pelo grafico de 1

xno intervalo [1, x] .

Teorema 7.1 Sejam x, y ∈ R+. Entao, log xy = log x+ logy.

Prova.

Temos

log xy =

∫xy

1

1

tdt =

∫x

1

dt

t+

∫xy

x

dt

t

= log x+

∫y

1

x

xsds = log x+

∫y

1

ds

s

= log x+ logy ,

onde, na integral∫xy

x

dt

t, realizamos a mudanca de variavel t = xs. �

Corolario 7.1 Seja x > 0. Entao, log(xr) = r log x para todo r ∈ Q.

Prova.

Seja n ∈ N. Entao, podemos provar, por inducao, usando o teorema

acima, que log(xn) = n log x , ja que log x = log(x1) = 1 log x e, se

log(xn) = n log x , entao

log(xn+1) = log(xn · x) = log(xn) + log x = n log x+ log x = (n+ 1) log x .

Como xn · x−n = x0 = 1, temos

0 = log 1 = log(xn · x−n) = log(xn) + log(x−n) ,

e, portanto, log(x−n) = − log(xn) = −n log x.

Provamos, assim, que log(xr) = r log x para todo r ∈ Z.

Instituto de Matematica - UFF 325

Page 326: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

No caso geral, r =p

q, p ∈ Z e q ∈ Z?. Como por definicao, (xp/q)q = xp,

temos que

p log x = log(xp) = log((xp/q)q) = q log(xp/q) .

Assim, log(xp/q) =p

qlog x . �

Corolario 7.2 A funcao log : R+ −→ R e um homeomorfismo de R+

sobre R .

Prova.

Ja sabemos que a funcao log e contınua e crescente, donde injetiva.

Como, pelo corolario 3.2 da parte 6, log(R+) e um intervalo, para provar

que log(R+) = R, basta mostrar que

limx→∞ log x = +∞ e lim

x→0+log x = −∞ .

Sendo limn→∞ log(2n) = lim

n→∞n log 2 = +∞ e a funcao log crescente, temos

que limx→∞ log x = +∞, ja que dado A > 0 existe B = 2n0 > 0, onde

n0 >A

log 2, tal que

x > B =⇒ log x > log(2n0) = n0 log 2 > A .

Temos, tambem, que limx→0+

log x = −∞, pois, dado A > 0, existe

δ = 2−n0 > 0, onde n0 >A

log 2, tal que

0 < x < δ =⇒ log x < log(2−n0) = −n0 log 2 < −A .

Alem disso, como log : R+ −→ R e uma bijecao contınua definida no

intervalo R+ = (0,∞), temos, pelo teorema 3.2 da parte 6, que sua funcao

inversa log−1 : R −→ R+ e contınua em R. �

Observacao 7.5 O teorema acima, juntamente com o teorema 7.1, nos

da que log : R+ −→ R e um isomorfismo contınuo do grupo multiplica-

tivo R+ sobre o grupo aditivo R e que seu isomorfismo inverso tambem e

contınuo.

Exemplo 7.1 Os unicos homomorfısmos contınuos f : R+ −→ R sao os

da forma f(x) = c log x, onde c ∈ R (exercıcio 33 do livro). �

J. Delgado - K. Frensel326

Page 327: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Logarıtmos e exponenciais

Observacao 7.6 Sendo log R+ −→ R uma bijecao, existe um unico

numero real, indicado pelo sımbolo e, cujo logarıtmo e 1, ou seja, log e = 1.

O numero e e chamado de base dos logarıtmos naturais.

Mostraremos, depois, que

e = limn→∞

(1+

1

n

)n

Definicao 7.2 A funcao exponencial exp : R −→ R+ e, por definicao, a

inversa da funcao logarıtmo, ou seja,

exp(x) = y ⇐⇒ logy = x .

Em particular, exp(logy) = y e log(exp x) = x .

Teorema 7.2 A funcao exponencial e uma bijecao crescente de R sobre

R+. Ela e infinitamente diferenciavel, com (exp) ′(x) = exp(x). Alem disso,

exp(x+ y) = exp(x) · exp(y) , ∀x, y ∈ R e exp(r) = er , ∀ r ∈ Q .

Prova.

A funcao exp : R → R+ e uma bijecao contınua crescente de R sobre

R+, pois ela e a inversa de uma bijecao contınua crescente de R+ sobre

R.

Alem disso, pela regra de derivacao da funcao inversa, temos que exp e

derivavel, ja que a funcao exp e contınua e (log) ′(y) =1

y6= 0 para todo

y > 0, e

(exp) ′(x) =1

log ′(exp x)=

1

1

exp(x)

= exp(x) , ∀ x ∈ R .

Logo, exp e uma funcao de classe C∞.

Sejam x, y ∈ R e x ′ = exp(x), y ′ = exp(y). Entao,

log(x ′) = x e log(y ′) = y.

Assim

exp(x+ y) = exp(log(x ′) + log(y ′)) = exp(log(x ′y ′)) = x ′y ′ = exp(x) · exp(y) .

Seja, agora, r ∈ Q. Entao, pelo corolario 7.2,

exp(rx) = exp(r log(x ′)) = exp(log((x ′)r)) = (x ′)r = (exp(x))r .

Em particular, se x = 1, temos que exp(r) = exp(r · 1) = (exp(1))r = er .�

Instituto de Matematica - UFF 327

Page 328: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Observacao 7.7

• limx→∞ exp x = +∞ .

De fato, dado A > 0, existe D = max{logA, 1} > 0, tal que

x > D =⇒ exp x > expD ≥ exp logA = A.

• limx→−∞ exp x = 0

De fato, dado ε > 0, existe D = max{

log1

ε, 1

}> 0, tal que

x < −D =⇒ 0 < exp x < exp(−D) ≤ exp(− log

1

ε

)= exp log ε = ε .

Observacao 7.8 A igualdade exp r = er, quando r ∈ Q, juntamente

com a relacao exp(x + y) = exp x · expy, nos indicam que exp x se com-

porta como uma potencia de base e e expoente x.

Portanto, vamos escrever

exp x = ex .

Com a nova notacao, temos

ex+y = ex · ey , e0 = 1 , e−x =1

ex,

x < y ⇐⇒ ex < ey , log(ex) = x e elog x = x .

Observacao 7.9 Como y = ex e y = log x sao funcoes inversas uma

da outra, os seus graficos sao simetricos relativamente a diagonal y = x .

Fig. 2: Simetria entre os graficos de y = ex e y = log x em relacao a diagonal y = x .

Pelos graficos, podemos observar que a funcao ex tende mais rapida-

J. Delgado - K. Frensel328

Page 329: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Logarıtmos e exponenciais

mente para +∞, quando x −→ +∞, do que a funcao x 7−→ x, e que a

funcao log x tende mais lentamente para +∞, quando x −→ +∞, do que

a funcao x 7−→ x.

De fato, ja provamos, na parte 7, exemplo 2.7, que limx→+∞ p(x)

ex= 0 para

todo polinomio p(x). E provaremos, agora, o seguinte resultado com res-

peito ao crescimento logarıtmico.

Teorema 7.3 limx→+∞ log x

x= 0 .

Prova.

Pelo teorema do valor medio, para todo x > 1, existe cx ∈ (1, x) tal que

log x = log x− log 1 = log ′(cx) (x− 1) =x− 1

cx.

Logo, log x < x para todo x > 1 e, portanto, 0 < log(x12 ) < x

12 para todo

x > 1.

Assim, como log(x12 ) = 1

2log x , temos, elevando ao quadrado a ultima

desigualdade, que 0 <(log x)2

4< x , ou seja, 0 <

log xx

<4

log xpara todo

x > 1.

Logo, limx→+∞ log x

x= 0, pois lim

x→+∞ 4

log x= 0. �

Corolario 7.3 limx→0+

(x log x) = 0 .

Prova.

Fazendo x =1

y, temos

limx→0+

x log x = limy→+∞ log(1/y)

y= lim

y→+∞ − logyy

= 0 . �

Observacao 7.10 Se c, k ∈ R, a funcao f(x) = c ekx tem como deri-

vada f ′(x) = k c ekx = k f(x) para todo x ∈ R, ou seja, a derivada de f e

proporcional a si propria.

Mostraremos, agora, que tal propriedade e exclusiva das funcoes do tipo

acima.

Instituto de Matematica - UFF 329

Page 330: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

Teorema 7.4 Seja f : R −→ R uma funcao derivavel tal que

f ′(x) = k f(x) para todo x ∈ R. Se f(x0) = c , para um certo x0 ∈ R,

entao f(x) = c ek(x−x0) para todo x ∈ R.

Prova.

Seja ϕ : R −→ R definida por ϕ(x) = f(x) e−k(x−x0) .

Entao

ϕ ′(x) = f ′(x)e−k(x−x0) − kf(x)e−k(x−x0) = kf(x)e−k(x−x0) − kf(x)e−k(x−x0) = 0

para todo x ∈ R.

Logo, como ϕ(x) e constante e ϕ(x0) = c, temos que ϕ(x) = c para todo

x ∈ R , ou seja, f(x) = cek(x−x0) para todo x ∈ R. �

Definicao 7.3 Sejam a > 0 e x ∈ R. Definimos a potencia ax por

ax = ex log a

ou seja, ax e o unico numero real cujo logarıtmo e x loga.

Propriedades da funcao f : R −→ R definida por f(x) = ax:

(1) Se x =p

q∈ Q entao f(x) = q

√ap .

De fato, f(x) = epq

log a = elog q√ap= q√ap .

(2) ax+y = ax · ay .

De fato, ax+y = e(x+y) log a = ex log a ey log a = ax · ay .

(3) a0 = 1 .

De fato a0 = e0 log a = e0 = 1 .

(4) a−x =1

ax.

De fato, 1 = a0 = ax−x = ax · a−x, ou seja, a−x =1

ax.

(5) (ax)y = axy .

De fato, (ax)y = (ex log a)y = exy log a = axy , ja que

log(ex log a)y = y log ex log a = yx loga e log(exy log a) = xy loga .

(6) A funcao f : x 7−→ ax e derivavel com f ′(x) = (loga)ax .

J. Delgado - K. Frensel330

Page 331: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Logarıtmos e exponenciais

De fato, como f(x) = exp(x loga), temos que

f ′(x) = loga exp ′(x loga) = loga exp(x loga) = (loga)ax .

(7) A funcao f : x 7−→ ax e de classe C∞.

(8) A funcao f : x 7−→ ax e crescente se a > 1, decrescente se

0 < a < 1 e constante se a = 1.

De fato, sendo f ′(x) = (loga)ax > 0, temos f ′(x) > 0 se a > 1,

f ′(x) < 0 se 0 < a < 1 e f ′(0) = 0 se a = 1, para todo x ∈ R.

(9) limx→+∞ax = +∞ e lim

x→−∞ax = 0 quando a > 1.

De fato, limx→+∞ax = lim

x→+∞ ex log a = +∞, pois limx→+∞ x loga = +∞ e

limx→−∞ax = lim

x→−∞ ex log a = 0 , ja que limx→−∞ x loga = −∞.

• De modo analogo, podemos provar que limx→+∞ax = 0 e lim

x→−∞ax = +∞quando 0 < a < 1.

(10) Para todo a > 0, a 6= 1, a funcao f : x 7−→ ax e uma bijecao

contınua de R sobre R+.

Definicao 7.4 A funcao inversa da funcao f : R −→ R+, f(x) = ax,

a 6= 1, indica-se com loga : R+ −→ R e o seu valor num ponto x > 0

chama-se o logarıtmo de x na base a.

Assim, loga x = y ⇐⇒ ay = x.

Observacao 7.11 Quando a = e, loga x = log x coincide com o

logarıtmo natural.

Observacao 7.12 Para todo x > 0, temos que

elog x = x = aloga x = eloga x · log a , se a 6= 1 ,

e, portanto, log x = loga x · loga, ou seja,

loga x =log xloga

Desta relacao entre o logarıtmo de base a e o logarıtmo natural, resultam

propriedades para loga x analogas as de log x.

Por exemplo,

Instituto de Matematica - UFF 331

Page 332: Análise Na Reta (Jorge Delgado - Katia Frensel)

Analise na Reta

(1) loga(xy) = loga x+ loga y .

(2) loga(1) = 0 .

(3) A funcao loga e de classe C∞ e

(loga) ′(x) =1

x loga.

Observacao 7.13 Mostraremos, agora, que

limx→0

(1+ x)1/x = e

De fato, como log ′(x) =1

x, a derivada da funcao log no ponto 1 e igual a

1, ou seja,

limx→0

log(1+ x) − log 1x

= limx→0

log(1+ x)

x= 1 .

Entao,

limx→0

log(1+ x)1/x = 1 ,

e, portanto,

limx→0

(1+ x)1/x = limx→0

exp(log(1+ x)1/x) = e .

Fazendo y =1

x, temos

limy→+∞

(1+

1

y

)y

= e

e, em particular, se n ∈ N, temos

limn→+∞

(1+

1

n

)n

= e

J. Delgado - K. Frensel332