Upload
mario-aguirre-rayo
View
621
Download
154
Embed Size (px)
Citation preview
Parte 1
Conjuntos finitos, enumer aveis e
nao-enumer aveis Georg Ferdinand Ludwig
Philipp Cantor
(1845-1818) Russia.
Para saber mais sobre os nume-
ros cardinais, consulte:
Halmos , Paul R., Teoria Ingenuados Conjuntos, Editora Polıgono,Sao Paulo, 1970.
Giuseppe Peano
(1858-1932) Italia.
Julius Wihelm
Richard Dedekind
(1831-1916) Braunschweig,
hoje Alemanha.
A descoberta de que ha diversos tipos de infinito deve-se a Georg
Cantor . Mas, para os objetivos do nosso curso, sera necessario distin-
guir os conjuntos, quanto ao numero de elementos, apenas em tres ca-
tegorias: os conjuntos finitos; os conjuntos enumeraveis e os conjuntos
nao-enumeraveis.
A nocao de conjunto enumeravel, como veremos, esta estritamente
ligada ao conjunto N dos numeros naturais. Por isso iniciamos o curso
com uma breve apresentacao da teoria dos numeros naturais a partir dos
axiomas de Peano, que exibem os numeros naturais como numeros ordi-
nais, isto e, objetos que ocupam lugares determinados numa sequencia
ordenada. Depois, empregaremos os numeros naturais para a contagem
dos conjuntos finitos, mostrando que eles podem ser considerados como
numeros cardinais.
Dedekind definiu o conjunto N dos numeros naturais a partir da teoria
dos conjuntos e demonstrou os axiomas de Peano (ver [Halmos]).
Do ponto de vista de Peano, os numeros naturais nao sao definidos.
E apresentada uma lista de propriedades (axiomas) que eles satisfazem
e tudo o mais decorre daı. Nao interessa o que os numeros sao, mas
apenas as suas propriedades.
Instituto de Matematica - UFF 1
J. Delgado - K. Frensel2
Os numeros naturais
1. Os numeros naturais
Toda a teoria dos numeros naturais pode ser deduzida dos tres axi-
omas abaixo, conhecidos como axiomas de Peano.
Sao dados, como objetos nao-definidos, um conjunto, que se de-
signa pela letra N, cujos elementos sao chamados numeros naturais, e
uma funcao s : N −→ N. Para cada n ∈ N, o numero natural s(n) e
chamado o sucessor de n.
A funcao s satisfaz aos seguintes axiomas:
(I) s : N −→ N e injetiva, ou seja, se s(m) = s(n), entao m = n.
(II) N − s(N) consiste de um unico elemento, ou seja, existe um
unico numero natural que nao e sucessor de outro numero natural. Este
numero, chamado um, e representado pelo sımbolo 1.
Assim, s(n) 6= 1 para todo n ∈ N e, se n 6= 1, existe um unico m ∈ Ntal que s(m) = n.
Uma demonstracao na qual o axi-
oma (III) e empregado, chama-seuma demonstracao por inducao.Ver exemplo 1.1.
(III) (Princıpio de Inducao) Se X ⊂ N e tal que 1 ∈ X e, para todo
n ∈ X tem-se s(n) ∈ X, entao X = N.
Exemplo 1.1 Demonstrar por inducao que s(n) 6= n para todo n ∈ N.
Solucao: Seja X = {n ∈ N | s(n) 6= n} .
(1) 1 ∈ X, pois, pelo axioma (II), s(n) 6= 1 para todo n ∈ N. Em particular
s(1) 6= 1.
(2) Seja n ∈ X, ou seja, s(n) 6= n.
Como s e injetiva, pelo axioma (I), s(s(n)) 6= s(n). Isto e, s(n) ∈ X.
Entao, pelo princıpio de inducao, axioma (III), X = N, ou seja, s(n) 6= n
para todo n ∈ N. �
Nao menos importante do que de-monstrar proposicoes usando o
princıpio de inducao e saber de-finir objetos por inducao.
As definicoes por inducao baseiam-se na possibilidade de se iterar
uma funcao f : X −→ X um numero arbitrario, n, de vezes.
Mais precisamente, sejam X um conjunto e f : X −→ X uma funcao.
A cada n ∈ N podemos associar, de modo unico, uma funcao fn : X −→ X
tal que:
Instituto de Matematica - UFF 3
Analise na Reta
f1 = f e fs(n) = f ◦ fn .
Usando as iteradas da funcao s : N −→ N vamos definir por inducao
a adicao de numeros naturais.
Numa exposicao sistematica dateoria dos numeros naturais, aexistencia do n−esimo iterado fn
de uma funcao f : X −→ X eum teorema, chamado Teoremada Definicao por Inducao.
A operacao de adicao de
numeros naturais e uma funcaoque a cada par de numerosnaturais (m, n) ∈ N × N faz
corresponder o numero natu-ral sn(m) designado m + n e
chamado a soma de m e n.
Isto e,
+ : N× N −→ N(m, n) 7−→ m + n = sn(m)
Definicao 1.1 Sejam m,n ∈ N. O numero natural sn(m) e chamado a
soma de m e n e e designado por m+ n. Isto e,
m+ n = sn(m) .
A operacao que consiste em somar numeros naturais e denominada adicao,
e e designada pelo sımbolo +.
Assim,
• m+ 1 = s(m) (somar m com 1 significa tomar o sucessor de m).
• m+ s(n) = ss(n)(m) = s(sn(m)) = s(m+ n),
ou seja,
m+ (n+ 1) = (m+ n) + 1 .
Proposicao 1.1 A adicao de numeros naturais possui as seguintes pro-
priedades:
(a) Associatividade: m+ (n+ p) = (m+ n) + p .
(b) Comutatividade: m+ n = n+m .
(c) Tricotomia: dados m,n ∈ N, exatamente uma das seguintes tres alter-
nativas ocorre: ou m = n , ou existe p ∈ N tal que m = n + p, ou existe
q ∈ N tal que n = m+ q.
(d) Lei de cancelamento: m+ n = m+ p =⇒ n = p .
Prova.
(a) Sejam m,n ∈ N numeros naturais arbitrarios e seja
X = {p ∈ N |m+ (n+ p) = (m+ n) + p} .
Entao 1 ∈ X e se p ∈ X, tem-se que
m+ (n+ s(p)) = m+ s(n+ p) = s(m+ (n+ p)) = s((m+ n) + p)
= (m+ n) + s(p) .
Logo, s(p) ∈ X e, portanto, X = N, ou seja, m + (n + p) = (m + n) + p,
quaisquer que sejam m,n, p ∈ N.
J. Delgado - K. Frensel4
Os numeros naturais
(b) • Seja X = {m ∈ N |m+ 1 = 1+m} . Entao, 1 ∈ X e se m ∈ X, tem-se
1+ s(m) = s(1+m) = s(m+ 1) = s(s(m)) = s(m) + 1 ,
ou seja, s(m) ∈ X. Logo, X = N, isto e, m+ 1 = 1+m, qualquer que seja
m ∈ N.
• Seja Y = {m ∈ N |m+ n = n+m}, onde n ∈ N.
Entao, pelo provado acima, 1 ∈ Y. E se m ∈ Y, tem-se que
n+ s(m) = s(n+m) = s(m+ n) = m+ s(n)
= m+ (n+ 1) = m+ (1+ n) = (m+ 1) + n
= s(m) + n ,
ou seja, s(m) ∈ Y. Logo, Y = N, isto e, m + n = n +m quaisquer que
sejam m,n ∈ N.
(c) Seja m ∈ N e seja
X = {n ∈ N |n e m satisfazem a propriedade de tricotomia } .
(1) 1 ∈ X. De fato, ou m = 1 ou m 6= 1 e, neste caso, m e o sucessor de
algum numero n0 ∈ N, ou seja, existe n0 ∈ N tal que
1+ n0 = n0 + 1 = s(n0) = m .
(2) Seja n ∈ X. Entao, ou n = m, ou existe p ∈ N tal que n = m + p, ou
existe q ∈ N tal que m = n+ q.
Vamos provar que s(n) ∈ X.
De fato,
• se n = m =⇒ s(n) = s(m) = m+ 1 .
• se n = m+ p =⇒ s(n) = s(m+ p) = (m+ p) + 1 = m+ (p+ 1) .
• se m = n + q =⇒ ou q = 1 ou q 6= 1. Se q = 1, m = n + 1, ou seja,
s(n) = m. Se q 6= 1, existe q0 ∈ N tal que q0 + 1 = q.
Logo,
m = n+ q = n+ (q0 + 1) = n+ (1+ q0) = (n+ 1) + q0 = s(n) + q0 .
Em qualquer caso, provamos que ou s(n) = m, ou existe r ∈ N tal que
s(n) = m+ r, ou existe ` ∈ N tal que m = s(n) + `.
Logo, X = N, ou seja, dados m,n ∈ N temos que, ou m = n, ou existe
p ∈ N tal que m = n+ p, ou existe q ∈ N tal que n = m+ q.
Exercıcio 1: Para provar que valeexatamente uma das tres alterna-
tivas ao lado, verifique antes quen + p 6= n quaisquer que sejamn, p ∈ N.
Instituto de Matematica - UFF 5
Analise na Reta
(d) Sejam m,n, p ∈ N tais que m+ n = m+ p.
Pela propriedade de tricotomia, temos que ou p = n ou existe q ∈ N tal
que n = p+ q, ou existe ` ∈ N tal que p = n+ `.
Entao, se p 6= n, temos que:
• n = p + q =⇒ m + (p + q) = m + p =⇒ (m + p) + q = m + p, o que e
uma contradicao (ver o exercıcio 1 acima).
ou
• p = n + ` =⇒ m + n = m + (n + `) = (m + n) + ` que e tambem uma
contradicao.
Logo, p = n. �
A relacao de ordem no conjunto dos numeros naturais e definida em
termos da adicao.
Definicao 1.2 Dados m,n ∈ N, dizemos que m e menor do que n (ou
que n e maior do que m) e escrevemos m < n (ou n > m) se existir
p ∈ N tal que n = m+ p.
A notacao m ≤ n significa que m
e menor do que ou igual a n.
Proposicao 1.2 A relacao < possui as seguintes propriedades:
(a) Transitividade: se m < n e n < p, entao m < p.
(b) Tricotomia: dados m,n ∈ N, ocorre exatamente uma das alternativas
seguintes:
m = n , ou m < n , ou n < m .
(c) Monotonicidade: se m < n entao m+ p < n+ p para todo p ∈ N.
Prova.
(a) Se m < n e n < p, existem q1 ∈ N e q2 ∈ N tais que n = m + q1
e p = n+ q2.
Logo,
p = n+ q2 = (m+ q1) + q2 = m+ (q1 + q2).
Entao, m < p.
(b) Sejam m,n ∈ N. Entao, ocorre exatamente uma das seguintes alter-
nativas:
J. Delgado - K. Frensel6
Os numeros naturais
• ou m = n;
• ou existe p ∈ N tal que m = n+ p, ou seja n < m;
• ou existe q ∈ N tal que n = m+ q, ou seja m < n.
(c) Sejam m,n, p ∈ N. Se m < n, existe q ∈ N tal que n = m+ q.
Logo,
n+ p = (m+ q) + p = m+ (q+ p) = m+ (p+ q) = (m+ p) + q ,
ou seja, m+ p < n+ p. �
Definiremos, agora, a multiplicacao de numeros naturais.
Definicao 1.3 Para cada m ∈ N, seja fm a funcao definida por
fm : N −→ Np 7−→ fm(p) = p+m.
O produto de dois numeros naturais e definido por:
• m · 1 = m ,
• m · (n+ 1) = (fm)n(m) .
A operacao de multiplicacao ea funcao que a cada par denumeros naturais associa o seu
produto:
· : N× N −→ N(m, n) 7−→ m · n
Multiplicar dois numeros naturaissignifica calcular o produto entreeles.
O produto de m e n e designado
por m · n ou por m n.
Assim, multiplicar um numero m por 1 nao o altera, e multiplicar m
por um numero maior que 1, ou seja, por um numero da forma n + 1, e
iterar n−vezes a operacao de somar m, comecando com m.
Por exemplo:
m · 2 = fm(m) = m+m;
m · 3 = (fm)2(m) = fm(fm(m)) = fm(m+m) = m+m+m.
Observacao 1.1 Pela definicao acima, temos que
m · (n+ 1) = m · n+m, ∀m,n ∈ N
De fato, se n = 1, entao
m · n+m = m · 1+m = m+m = (fm)1(m) = m · (1+ 1) .
Se n 6= 1, existe n0 ∈ N tal que s(n0) = n. Logo,
m · n+m = m · (n0 + 1) +m = (fm)n0(m) +m
= fm((fm)n0)(m) = (fm)s(n0)(m)
= (fm)n(m) = m · (n+ 1) .
Instituto de Matematica - UFF 7
Analise na Reta
Proposicao 1.3 A multiplicacao de numeros naturais satisfaz as se-
guintes propriedades:
(a) Distributividade: m · (n+p) = m ·n+m ·p e (m+n) ·p = m ·p+n ·p.
(b) Associatividade: m · (n · p) = (m · n) · p.
(c) Comutatividade: m · n = n ·m.
(d) Monotonicidade: m < n =⇒ m · p < n · p.
(e) Lei de cancelamento: m · p = n · p =⇒ m = n.
Prova.
(a) Sejam m,n ∈ N e seja X = {p ∈ N |m · (n+ p) = m · n+m · p} .
Ja vimos que 1 ∈ X. Suponhamos que p ∈ X. Entao,
m · (n+ (p+ 1) = m · ((n+ p) + 1) = m · (n+ p) +m · 1= (m · n+m · p) +m = m · n+ (m · p+m)
= m · n+m · (p+ 1) , ou seja, p+ 1 ∈ X .
Logo, X = N. Isto e, m · (n + p) = m · n + m · p quaisquer que sejam
m,n, p ∈ N.
Seja, agora, Y = {p ∈ N | (m+ n) · p = m · p+ n · p} . Entao,
• 1 ∈ Y, pois (m+ n) · 1 = m+ n = m · 1+ n · 1.
• Se p ∈ Y, temos:
(m+ n) · (p+ 1) = (m+ n) · p+ (m+ n) = m · p+ n · p+m+ n
= m · p+m+ n · p+ n = m · (p+ 1) + n · (p+ 1) ,
ou seja, p+1 ∈ Y. Logo, Y = N, isto e, (m+n) ·p = m ·p+n ·p quaisquer
que sejam m,n, p ∈ N.
(b) Sejam m,n ∈ N e seja X = {p ∈ N |m · (n · p) = (m · n) · p} . Entao,
• 1 ∈ X, pois m · (n · 1) = m · n = (m · n) · 1.
• Se p ∈ X, temos
m · (n · (p+ 1)) = m · (n · p+ n) = m · (n · p) +m · n= (m · n) · p+m · n = (m · n) · (p+ 1) ,
ou seja, p+ 1 ∈ X .
Logo, X = N, isto e,m·(n·p) = (m·n)·p quaisquer que sejamm,n, p ∈ N.
J. Delgado - K. Frensel8
Os numeros naturais
(c) Seja X = {m ∈ N |m · 1 = 1 ·m} . Entao, 1 ∈ X e se m ∈ X temos que
(m+ 1) · 1 = m · 1+ 1 · 1 = 1 ·m+ 1 · 1 = 1 · (m+ 1) ,
ou seja, m+ 1 ∈ X.
Logo, X = N, isto e, m · 1 = 1 ·m, ∀m ∈ N.
Seja, agora, Y = {m ∈ N |m · n = n ·m} , onde n ∈ N. Entao, pelo que
acabamos de provar acima, 1 ∈ Y.
Se m ∈ Y, temos
(m+ 1) · n = m · n+ 1 · n = n ·m+ 1 · n = n ·m+ n = n · (m+ 1) ,
ou seja, m+ 1 ∈ Y.
Logo, Y = N, ou seja, m · n = n ·m quaisquer que sejam m,n ∈ N.
(d) Sejamm,n ∈ N tais quem < n. Entao, existe q ∈ N tal que n = m+q.
Logo,
n · p = (m+ q) · p = m · p+ q · p ,
ou seja, m · p < n · p.
(e) Sejam m,n, p ∈ N tais que m · p = n · p.
Entao, m = n, pois, caso contrario, terıamos que:
• m < n =⇒ m · p < n · p (absurdo),
ou
• n < m =⇒ n · p < m · p (absurdo) . �
Definicao 1.4 Seja X ⊂ N. Dizemos que p ∈ X e o menor elemento de
X, ou o elemento mınimo de X, se p ≤ n para todo n ∈ X.
Observacao 1.2 • 1 e o menor elemento de N, pois se n 6= 1, existe
n0 ∈ N tal que n0 + 1 = n. Entao, n > 1.
• Se X ⊂ N e 1 ∈ X, entao 1 e o menor elemento de X.
• O menor elemento de um conjunto X ⊂ N, se existir, e unico. De fato, se
p e q sao menores elementos de X, entao p ≤ q e q ≤ p. Logo, p = q.
Existe X ⊂ N sem menor ele-
mento?
Definicao 1.5 Seja X ⊂ N. Dizemos que p ∈ X e o maior elemento de
X, ou o elemento maximo de X, se p ≥ n para todo n ∈ X.
Instituto de Matematica - UFF 9
Analise na Reta
Observacao 1.3 • Nem todo subconjunto de N possui um maior ele-
mento. Por exemplo, N nao tem um maior elemento, pois se n ∈ N, entao
n+ 1 = s(n) ∈ N e n+ 1 > n.
• Se existir o maior elemento de um conjunto X ⊂ N, ele e unico.
Teorema 1.1 (Princıpio da Boa Ordenacao)
Todo subconjunto nao-vazio A ⊂ N possui um elemento mınimo.
Prova.
Seja X = {n ∈ N | {1, . . . , n} ⊂ N −A} .
Se 1 ∈ A, entao 1 e o menor elemento de A. Se 1 6∈ A, entao 1 ∈ X.
Como A 6= ∅ e X ⊂ N −A, temos que X 6= N.
Logo, pelo princıpio de inducao, existe n0 ∈ X tal que n0 + 1 6∈ X, ou seja,
1, . . . , n0 6∈ A e n0 + 1 ∈ A.
Assim, n0 + 1 ≤ n, para todo n ∈ A.
Outra demonstrac ao.
Suponha, por absurdo, que A nao tem um menor elemento. Seja
X = {p ∈ N |p ≤ n , ∀n ∈ A} .
Entao:
(1) 1 ∈ X, pois 1 ≤ n ∀n ∈ N.
(2) Seja p ∈ X, ou seja, p ∈ N e p ≤ n ∀n ∈ A.
ComoA nao tem um menor elemento, temos que p 6∈ A. Logo, p < n para
todo n ∈ A, ou seja, para todo n ∈ A existe qn ∈ N tal que n = p+ qn.
Entao, p < p+ qn =⇒ p+ 1 ≤ p+ qn = n , ∀n ∈ A =⇒ p+ 1 ∈ X.
Pelo princıpio de inducao, temos que X = N, o que e um absurdo, pois,
como A 6= ∅, existe n0 ∈ A. Sendo X = N, n0 + 1 ∈ X e, portanto,
n0 + 1 ≤ n0. �
Teorema 1.2 (Segundo Princıpio de Inducao)
Seja X ⊂ N um conjunto com a seguinte propriedade: dado n ∈ N, se
X contem todos os numeros naturais m tais que m < n, entao n ∈ X.
Nestas condicoes, X = N.
J. Delgado - K. Frensel10
Os numeros naturais
Prova.
E obvio que 1 ∈ X, pois, caso contrario, existiria algum numero natural
n 6∈ X tal que n < 1.
Suponha que n ∈ X. Vamos provar que n+ 1 ∈ X.
De fato, se n+ 1 6∈ X, existe p0 < n+ 1 tal que p0 6∈ X.
Seja A = {q ∈ N |q < n+ 1 e q 6∈ X}.
Entao, como A 6= ∅, A possui um menor elemento q0 ∈ A, ou seja,
q0 < n+ 1 e q0 6∈ X.
Se p < q0, temos que p ∈ X, ja que p < q0 < n + 1 e q0 e o menor
elemento nao pertencente a X com esta propriedade.
Logo, como p < q0 implica que p ∈ X, temos, pela hipotese, que q0 ∈ X,
o que e uma contradicao.
Assim, se n ∈ X, temos que n+ 1 ∈ X.
Entao, pelo Primeiro Princıpio de Inducao, X = N.
Outra demonstrac ao.
Seja A = N − X. Se X 6= N, entao A 6= ∅.
Pelo Princıpio da Boa Ordenacao, existe p ∈ A tal que p ≤ n para todo
n ∈ A.
Assim, se q < p, temos que q 6∈ A, ou seja q ∈ X. Pela hipotese, p ∈ X, o
que e uma contradicao. Logo, X = N. �
Exemplo 1.2 Um numero natural p e chamado primo quando p 6= 1 e
nao pode se escrever na forma p = m · n com m < p e n < p.
O Teorema Fundamental da Aritmetica diz que todo numero natural maior
do que 1 se decompoe, de modo unico, como um produto de fatores pri-
mos.
Podemos provar a existencia desta decomposicao utilizando o Segundo
Princıpio de Inducao.
De fato, dado n ∈ N, suponhamos que todo numero natural m < n pode
ser decomposto como um produto de fatores primos ou m = 1.
Se n e primo, nao ha nada a provar.
Instituto de Matematica - UFF 11
Analise na Reta
Se n nao e primo, existem p < n e q < n tais que n = pq.
Pela hipotese de inducao, p e q sao produtos de fatores primos. Logo,
n = pq e tambem um produto de fatores primos.
Pelo Segundo Princıpio de Inducao, obtemos que todo numero natural,
n > 1, e produto de numeros primos. �
Teorema 1.3 (Definicao por Inducao)
Seja X um conjunto qualquer. Suponhamos que nos seja dado o valor
f(1) e seja dada tambem uma regra que nos permite obter f(n) a partir do
conhecimento dos valores f(m), para todo m < n. Entao, existe uma, e
somente uma funcao f : N −→ X que toma esses valores.
Para ver uma prova do Teoremade Definicao por Inducao, con-sulte Fundamentals of Abstract
Analysis de A.M. Gleason, p. 145.
Exemplo 1.3 Dado a ∈ N, definamos uma funcao f : N −→ N por
inducao, pondo f(1) = a e f(n+ 1) = a · f(n).
Entao, f(2) = a · f(1) = a · a, f(3) = a · f(2) = a · a · a etc.
Logo, f(n) = an. Definimos, assim, por inducao, a n−esima potencia do
numero natural a. �
Exemplo 1.4 Seja f : N −→ N a funcao definida indutivamente por
f(1) = 1 e f(n+ 1) = f(n) · (n+ 1).
Entao, f(1) = 1, f(2) = 1 · 2, f(3) = f(2) · 3 = 1 · 2 · 3 etc.
Assim, f(n) = 1 · 2 · . . . · n = n! e o fatorial de n. �
Exemplo 1.5 Definir por inducao a soma de uma n−upla de numeros
naturais.A multiplicacao de uma n−uplade numeros naturais pode ser de-finida, tambem, por inducao comofazemos para a adicao no exem-plo ao lado.
Solucao: Seja X o conjunto das funcoes tomando valores em N e seja
f : N −→ X a funcao definida indutivamente por f(1) : N −→ N tal que
f(1)(a) = a, e f(n+ 1) : Nn+1 −→ N tal que
f(n+ 1)(a1, . . . , an+1) = f(n)(a1, . . . , an) + an+1 .
Entao, f(1)(a) = a, f(2)(a1, a2) = f(1)(a1)+a2 = a1+a2, f(3)(a1, a2, a3) =
f(2)(a1, a2) + a3 = a1 + a2 + a3 etc.
Assim, f(n)(a1, . . . , an) = f(n−1)(a1, . . . , an−1)+an = a1+. . .+an−1+an.
�
J. Delgado - K. Frensel12
Conjuntos finitos e infinitos
2. Conjuntos finitos e infinitos
Definicao 2.1 Seja In = {p ∈ N | 1 ≤ p ≤ n} = {1, 2, . . . n}.
Um conjunto X chama-se finito quando e vazio ou quando existe uma
bijecao ϕ : In −→ X, para algum n ∈ N.
No primeiro caso dizemos que X tem zero elementos, e no segundo caso,
dizemos que X tem n elementos.
Observacao 2.1 Intuitivamente, uma bijecaoϕ : In −→ X significa uma
contagem dos elementos de X.
Pondo ϕ(1) = x1, ϕ(2) = x2,. . . ,ϕ(n) = xn, temos X = {x1, x2, . . . , xn} .
Observacao 2.2
• Cada conjunto In e finito e possui n elementos.
• Se f : X −→ Y e uma bijecao, entao X e finito se, e so se, Y e finito.
Para verificar que o numero de elementos de um conjunto esta bem
definido, devemos provar que se existem duas bijecoes ϕ : In −→ X e
ψ : Im −→ X, entao n = m.
Considerando a funcao f = ψ−1 ◦ϕ : In −→ Im, basta provar que se
existe uma bijecao f : In −→ Im, entao m = n. Podemos supor, tambem,
que m ≤ n, ou seja Im ⊂ In.
Teorema 2.1 Seja A ⊂ In um subconjunto nao vazio. Se existe uma
bijecao f : In −→ A, entao A = In.
Prova.
Provaremos o resultado por inducao em n.
Se n = 1, I1 = {1} e A ⊂ {1}.
Logo A = {1} = I1.
Suponhamos que o teorema seja valido para n e consideremos uma bijecao
f : In+1 −→ A.
A restricao de f a In fornece uma bijecao f ′ : In −→ A − {f(n + 1)}. Se
A−{f(n+1)} ⊂ In, temos, pela hipotese de inducao, queA−{f(n+1)} = In.
Instituto de Matematica - UFF 13
Analise na Reta
Entao, f(n+ 1) = n+ 1 e A = In+1.
Se, porem, A− {f(n+ 1)} 6⊂ In, entao n+ 1 ∈ A− {f(n+ 1)}. Neste caso,
existe p ∈ In tal que f(p) = n+ 1, e f(n+ 1) = q ∈ In.
Definimos, entao, uma nova bijecao g : In+1 −→ A pondo g(x) = f(x) se
x 6= p e x 6= n+ 1, g(p) = q e g(n+ 1) = n+ 1.
Agora, a restricao de g a In nos da uma bijecao g ′ : In −→ A − {n + 1}.
Como A− {n+1} ⊂ In, temos, pela hipotese de inducao, que A− {n+1} =
In, ou seja A = In+1. �
Corolario 2.1 Se existir uma bijecao f : Im −→ In entao m = n. Con-
sequentemente, se existem duas bijecoes ϕ : In −→ X e ψ : Im −→ X
entao m = n.
Prova.
Se n ≤ m, temos que In ⊂ Im.
Logo, m = n, pelo teorema anterior.
Se n ≥ m, temos que f−1 : In −→ Im e uma bijecao tal que Im ⊂ In.
Portanto, Im = In. �
Corolario 2.2 Nao existe uma bijecao f : X −→ Y de um conjunto finito
X sobre uma parte propria Y ⊂ X.
Prova.
Sendo X finito, existe uma bijecao ϕ : In −→ X para algum n ∈ N.
Seja A = ϕ−1(Y).
Entao, A e uma parte propria de In e a restricao de ϕ a A fornece uma
bijecao f ′ : A −→ Y.
X −−−→f
Y
ϕ
x xϕ ′
In −−−→g
A
A composta g = (ϕ ′)−1 ◦ f ◦ ϕ : In −→ A seria entao uma bijecao de Insobre sua parte propria A, o que e uma contradicao pelo teorema anterior.
Logo, nao existe a bijecao f : X −→ Y. �
J. Delgado - K. Frensel14
Conjuntos finitos e infinitos
Teorema 2.2 Se X e um conjunto finito entao todo subconjunto Y ⊂ X e
finito. Alem disso, o numero de elementos de Y e menor do que ou igual
a o numero de elementos de X e e igual se, e somente se, Y = X.
Designaremos por #(A) o numero
de elementos de um conjunto A.
Prova.
Seja f : In −→ X uma bijecao e seja f ′ : A −→ Y a restricao de f a
A = f−1(Y) ⊂ In.
Se provarmos que A e finito, que #(A) e menor do que ou igual a n e e
igual a n se, e somente se,A = In, teremos que Y e finito, que #(Y) = #(A)
e menor do que ou igual a #(In) = #(X), e e igual se, e somente seA = In,
ou seja, se, e somente se, Y = X.
Basta, entao, provar o teorema no caso em que X = In.
Se n = 1, entao Y = ∅ ou Y = {1}.
Assim, #(Y) ≤ 1 e #(Y) = 1 se, e so se, Y = {1} = I1.
Suponhamos que o teorema seja valido para In e consideremos um sub-
conjunto Y ⊂ In+1.
Se n + 1 6∈ Y, entao Y ⊂ In. Logo, pela hipotese de inducao, Y e um
conjunto finito com #(Y) ≤ n e, portanto, #(Y) < n+ 1.
Se, porem, n+ 1 ∈ Y, temos que Y − {n+ 1} ⊂ In. Logo, Y − {n+ 1} e um
conjunto finito com p elementos, onde p ≤ n.
Se Y − {n+ 1} 6= ∅, existe uma bijecao ψ : Ip −→ Y − {n+ 1}.
Definimos, entao, a bijecao ϕ : Ip+1 −→ Y pondo ϕ(x) = ψ(x) para x ∈ Ipe ϕ(p+ 1) = n+ 1.
Segue-se que Y e finito e que #(Y) = p+ 1 ≤ n+ 1.
Resta, agora, mostrar que se Y ⊂ In tem n elementos entao Y = In.
Se #(Y) = n, existe uma bijecao f : In −→ Y.
Como Y ⊂ In temos, pelo Teorema 1.4, que Y = In. �
Corolario 2.3 Seja f : X −→ Y uma funcao injetiva. Se Y e finito, entao
X tambem e finito, e o numero de elementos de X nao excede o de Y.
Prova.
Sendo f : X −→ Y injetiva, temos que f : X −→ f(X) e uma bijecao.
Instituto de Matematica - UFF 15
Analise na Reta
Como f(X) ⊂ Y e Y e finito, temos que f(X) e finito e #(f(X)) ≤ #(Y).
Logo, o conjunto X e finito e #(X) = #(f(X)) ≤ #(Y). �
Corolario 2.4 Seja g : X −→ Y uma funcao sobrejetiva. Se X e finito,
entao Y e finito e o seu numero de elementos nao excede o de X.
Designamos por IA : A −→ A afuncao identidade do conjunto A.
Prova.
Como g : X −→ Y e sobrejetiva, existe uma funcao f : Y −→ X tal que
g ◦ f = IY, ou seja, g possui uma inversa a direita.
De fato, dado y ∈ Y, existe x ∈ X tal que g(x) = y. Definimos, entao,
f(y) = x.
Alem disso, como g ◦ f(y) = y para todo y ∈ Y, temos que se f(y) = f(y ′)
entao y = y ′, ou seja, f e injetiva.
Entao, pelo corolario anterior, Y e um conjunto finito e o seu numero de
elementos nao excede o de X. �
Exercıcio 2: Prove que dada umafuncao f : X −→ Y injetiva, existeuma funcao g : Y −→ X tal queg ◦ f = IX, ou seja, f possuiuma inversa a esquerda. Verifi-que, tambem, que se g ◦ f = IX,entao g e sobrejetiva.
Definicao 2.2 Um conjunto X e infinito quando nao e finito. Ou seja,
X 6= ∅ e seja qual for n ∈ N, nao existe uma bijecao ϕ : In −→ X.
Exemplo 2.1 O conjunto dos numeros naturais e infinito.
De fato, dada qualquer funcao ϕ : In −→ N, n > 1, tome
p = ϕ(1) + . . .+ϕ(n) .
Entao, p ∈ N e p > ϕ(j) para todo j = 1, . . . , n. Logo, p 6∈ ϕ(In), ou seja,
ϕ nao e sobrejetiva.
Outra maneira de verificar que N e infinito e considerar o conjunto dos
numeros naturais pares
P = {2n = n+ n |n ∈ N}
e a bijecao ϕ : N −→ P dada por ϕ(n) = 2n.
Como P e um subconjunto proprio de N, temos, pelo corolario 2.2, que Ne infinito. �
Observacao 2.3 Como consequencia dos fatos provados acima para
conjuntos finitos, segue que:
• se X e infinito e f : X −→ Y e injetiva, entao Y e infinito.
J. Delgado - K. Frensel16
Conjuntos finitos e infinitos
• se Y e infinito e f : X −→ Y e sobrejetiva, entao X e infinito. Segue da observacao ao ladoque os conjuntos Z e Q, dosnumeros inteiros e dos numeros
racionais, respectivamente, saoinfinitos, pois ambos contem N.
• se X admite uma bijecao sobre uma de suas partes proprias, entao X e
infinito.
Definicao 2.3 Um conjunto X ⊂ N e limitado se existe p ∈ N tal que
n ≤ p para todo n ∈ X.
Teorema 2.3 Seja X ⊂ N nao-vazio. As seguintes afirmacoes sao equi-
valentes:
(a) X e finito;
(b) X e limitado;
(c) X possui um maior elemento.
Prova.
(a)=⇒(b) Seja X = {x1, . . . , xn} e seja a = x1 + . . . + xn. Entao a > xi
para todo i = 1, . . . , n, ou seja, X e limitado.
(b)=⇒(c) Como X e limitado, existe a ∈ N tal que a ≥ n para todo n ∈ X.
Entao, o conjunto
A = {p ∈ N |p ≥ n ∀n ∈ X}
e nao-vazio. Pelo Princıpio da Boa Ordenacao, existe p0 ∈ A que e o
menor elemento de A.
Se p0 6∈ X, temos que p0 > n ∀n ∈ X e p0 > 1, pois X 6= ∅.
Logo, existe q0 ∈ N tal que p0 = 1+ q0.
Assim, p0 ≥ n+ 1 ∀n ∈ X, ou seja, q0 + 1 ≥ n+ 1 ∀n ∈ X. Entao q0 ≥ n∀n ∈ X, ou seja, q0 ∈ A, o que e absurdo, pois q0 < p0 e p0 e o menor
elemento de A.
Logo, p0 ∈ X e p0 ≥ n ∀n ∈ X, ou seja, p0 e o maior elemento de X.
(c)=⇒(a) Seja p o maior elemento de X. Entao, p ∈ X e p ≥ n ∀n ∈ X.
Logo, X ⊂ Ip e e, portanto, finito. �
Observacao 2.4 Um conjunto X ⊂ N e ilimitado quando nao e limitado,
ou seja, para todo p ∈ N existe n ∈ X tal que n > p.
Note que: pelo teorema 2.3, an-terior, X e infinito se, e somentese, X e ilimitado.
Instituto de Matematica - UFF 17
Analise na Reta
Teorema 2.4 Sejam X, Y conjuntos finitos disjuntos, com m e n ele-
mentos respectivamente. Entao, X ∪ Y e finito e possui m+ n elementos.
Prova.
Sejam f1 : Im −→ X e f2 : In −→ Y bijecoes.
Definamos a funcao f : Im+n −→ X ∪ Y pondo
f(x) = f1(x) se 1 ≤ x ≤ mf(m+ x) = f2(x) se 1 ≤ x ≤ n .
Como X ∩ Y = ∅, e facil verificar que f e uma bijecao.
Logo, X ∪ Y e finito e possui m+ n elementos. �
Corolario 2.5 Sejam X1, . . . , Xk conjuntos finitos, dois a dois disjuntos,
com n1, . . . , nk elementos, respectivamente. Entao X1 ∪ . . . ∪ Xk e finito e
possui n1 + . . .+ nk elementos.
Exercıcio 3: Use o teorema 2.4 e
o Princıpio de Inducao para pro-
var o corolario 2.5, ao lado.
Corolario 2.6 Sejam Y1, . . . , Yk conjuntos finitos (nao necessariamente
disjuntos) com n1, . . . , nk elementos, respectivamente.
Entao Y1 ∪ . . . ∪ Yk e finito e possui no maximo n1 + . . .+ nk elementos.
Prova.
Para cada i = 1, . . . , k, seja Xi = {(x, i) | x ∈ Yi} e seja ϕi : Yi −→ Xi
a funcao definida por ϕi(x) = (x, i).
Como ϕi e uma bijecao, temos que Xi e finito e possui ni elementos,
i = 1, . . . , k. Alem disso, os conjuntos finitos X1, . . . , Xk sao disjuntos dois
a dois.
Logo, pelo corolario anterior, X1 ∪ . . . ∪ Xk e finito e possui n1 + . . . + nk
elementos.
Seja
f : X1 ∪ . . . ∪ Xk −→ Y1 ∪ . . . ∪ Yk
a funcao definida por f(x, i) = x.
Como f e sobrejetiva, X1 ∪ . . .∪Xk finito e possui n1 + . . .+nk elementos,
temos que Y1∪ . . .∪Yk e finito e possui no maximo n1 + . . .+nk elementos.
�
J. Delgado - K. Frensel18
Conjuntos finitos e infinitos
Corolario 2.7 Sejam X1, . . . , Xk conjuntos finitos com n1, . . . , nk elemen-
tos respectivamente. Entao o produto cartesiano X1 × . . . × Xk e finito e
possui n1 · . . . · nk elementos.
Prova.
Basta provar o corolario para k = 2, pois o caso geral segue por inducao
em k.
Sejam X e Y conjuntos finitos com m e n elementos, respectivamente.
Se Y = {y1, . . . , yn}, entao X × Y = X1 ∪ . . . ∪ Xn, onde Xi = X × {yi},
i = 1, . . . , n.
Como X1, . . . , Xn sao disjuntos dois a dois e todos possuemm elementos,
temos que X× Y e finito e possui m · n elementos. �
Corolario 2.8 Sejam X e Y conjuntos finitos com m e n elementos res-
pectivamente. Entao o conjunto F(X; Y) de todas as funcoes de X em Y e
finito e possui nm elementos.
Prova.
Seja ϕ : Im −→ X uma bijecao. Entao, a funcao
H : F(X; Y) −→ F(Im; Y)
f 7−→ f ◦ϕ
e uma bijecao. De fato, a funcao
L : F(Im; Y) −→ F(X; Y)
g 7−→ g ◦ϕ−1
e a inversa da funcao H.
Logo, basta provar que F(Im; Y) e um conjunto finito e que possui nm
elementos.
Seja a funcao
F : F(Im; Y) −→ Y × . . .× Y (m fatores)
definida por
F(f) = (f(1), . . . , f(n)) .
Como F e uma bijecao e Y× . . .×Y (m fatores) possui nm elementos pelo
corolario anterior, temos que F(Im; Y) e finito e possui nm elementos. �
Instituto de Matematica - UFF 19
Analise na Reta
3. Conjuntos enumer aveis
Definicao 3.1 Um conjunto X e enumeravel quando e finito ou quando
existe uma bijecao f : N −→ X. Neste caso, X diz-se infinito enumeravel e
pondo-se xi = f(i), i ∈ N, tem-se uma enumeracao de X:
X = {x1, . . . , xn, . . .} .
Exemplo 3.1 O conjunto P dos numeros naturais pares e o conjunto
I = N − P dos numeros naturais ımpares sao conjuntos infinitos enu-
meraveis.
De fato, as funcoes
ϕ1 : N −→ Pn 7−→ ϕ1(n) = 2n
eϕ2 : N −→ I
n 7−→ ϕ2(n) = 2n− 1
sao bijecoes. �
Exemplo 3.2 O conjunto Z dos numeros inteiros e infinito enumeravel.
De fato, a funcao ϕ : Z −→ N definida por
ϕ(n) =
2n se n ≥ 1
−2n+ 1 se n ≤ 0
e uma bijecao. Logo, ϕ−1 : N −→ Z e uma enumeracao de Z. �
Teorema 3.1 Todo conjunto infinito X contem um subconjunto infinito
enumeravel.
Prova.
Basta provar que existe uma funcao f : N −→ X injetiva, pois, assim,
f : N −→ f(N) e uma bijecao, sendo, portanto, f(N) um subconjunto infi-
nito enumeravel de X.
Para cada subconjunto A nao-vazio de X podemos escolher um elemento
xA ∈ A.
Vamos definir por inducao uma funcao f : N −→ X.
Tome f(1) = xX e suponhamos que f(1), . . . , f(n) ja foram definidos.
Seja An = X− {f(1), . . . , f(n)}.
J. Delgado - K. Frensel20
Conjuntos enumeraveis
Como X nao e finito, An nao e vazio.
Defina, entao f(n+ 1) = xAn .
A funcao f : N −→ X e injetiva.
Com efeito, se m 6= n, digamos m < n, entao f(m) ∈ {f(1), . . . , f(n− 1)} e
f(n) 6∈ {f(1), . . . , f(n− 1)}. Logo, f(m) 6= f(n). �
Corolario 3.1 Um conjunto X e infinito se, e somente se, existe uma
bijecao f : X −→ Y de X sobre uma parte propria Y ⊂ X.
Prova.
Se uma tal bijecao existir, pelo corolario 2.2, X nao e finito.
Reciprocamente, se X e infinito, X contem um subconjunto infinito enu-
meravel A = {a1, . . . , an, . . .}.
Seja Y = (X−A) ∪ {a2, a4, . . . , a2n, . . .}.
Entao Y e uma parte propria de X, pois
X− Y = {a1, a3, . . . , a2n−1, . . .}.
Alem disso, a funcao f : X −→ Y definida por f(x) = x se x ∈ X − A e
f(an) = a2n, n ∈ N, e uma bijecao de X sobre Y. �
Observacao 3.1 Como consequencia do teorema anterior, temos que:
Um conjunto e finito se, e somente se, nao admite uma bijecao sobre uma
parte sua propria.
Obtem-se, assim, uma caracterizacao dos conjuntos finitos que independe
do conjunto N.
Teorema 3.2 Todo subconjunto X ⊂ N e enumeravel.
Prova.
Se X e finito, entao X e enumeravel, por definicao.
Suponhamos que X e infinito.
Vamos definir por inducao uma bijecao f : N −→ X.
Tome f(1) =menor elemento de X, e suponha que f(1), . . . , f(n) foram
definidos satisfazendo as seguintes condicoes:
Instituto de Matematica - UFF 21
Analise na Reta
(a) f(1) < f(2) < . . . < f(n) ;
(b) Se Bn = X− {f(1), . . . , f(n)}, tem-se x > f(n), para todo x ∈ Bn.
Como Bn 6= ∅, pois X e infinito, seja f(n + 1) =menor elemento de
Bn. Entao, f(n + 1) > f(n) e x > f(n + 1) para todo x ∈ Bn+1 =
X− {f(1), . . . , f(n+ 1)}.
Como f : N −→ X e crescente, f e injetiva.
Alem disso, f e sobrejetiva, pois se existisse algum x ∈ X− f(N), terıamos
que
x ∈ X− f(N) ⊂ X− {f(1, . . . , f(n)} = Bn ,
para todo n ∈ N, e, portanto, x > f(n) para todo n ∈ N. Assim, f(N) ⊂ Nseria infinito e limitado, o que e absurdo. �
Exemplo 3.3 O conjunto dos numeros primos e infinito (fato conhecido)
e enumeravel. �
Corolario 3.2 Dado um subconjunto X ⊂ N infinito, existe uma bijecao
crescente ϕ : N −→ X.
Corolario 3.3 Um subconjunto de um conjunto enumeravel e enumeravel.
Corolario 3.4 Se f : X −→ Y e uma funcao injetiva e Y e enumeravel,
entao X e enumeravel.
Prova.
Como f(X) ⊂ Y e enumeravel e f : X −→ f(X) e uma bijecao, temos
que X e enumeravel. �
Corolario 3.5 Se f : X −→ Y e uma funcao sobrejetiva e X e enu-
meravel, entao Y e enumeravel.
Prova.
Como f : X −→ Y e sobrejetiva, f possui uma inversa a direita, ou seja,
existe g : Y −→ X tal que f ◦ g = IY. Entao, g e injetiva. Logo, Y e
enumeravel. �
Teorema 3.3 Se X e Y sao conjuntos enumeraveis, entao o produto
cartesiano X× Y e enumeravel.
J. Delgado - K. Frensel22
Conjuntos nao-enumeraveis
Prova.
Sendo X e Y finitos ou infinitos enumeraveis, existem funcoes f : X −→ Ne g : Y −→ N injetivas.
Seja f× g : X× Y −→ N× N definida por f× g(x, y) = (f(x), g(y)). Como
f e g sao injetivas, f× g tambem e injetiva.
Basta, entao, provar que N × N e enumeravel. Para isso, definimos a
funcao h : N × N −→ N, pondo h(m,n) = 2m · 3n. Pela unicidade da
decomposicao em fatores primos, f e injetiva e, portanto, N × N e enu-
meravel. �
Corolario 3.6 O conjunto Q dos numeros racionais e enumeravel.
Designamos Z? = Z − {0} .
Prova.
Sabemos que Q =
{p
q
∣∣∣∣ p ∈ Z e q ∈ Z?
}, e que Z× Z? e enumeravel.
Como a funcao f : Z × Z? −→ Q, definida por f(p, q) =p
qe sobrejetiva,
segue-se do corolario 3.5 que Q e enumeravel. �
Corolario 3.7 Sejam X1, X2, . . . , Xn, . . . conjuntos enumeraveis. Entao a
reuniao X =
∞⋃n=1
Xn e enumeravel. Ou seja, uma reuniao enumeravel de
conjuntos enumeraveis e enumeravel.
Prova.
Tomemos, para cada m ∈ N, uma funcao fm : N −→ Xm sobrejetiva, e
definamos a funcao f : N × N −→ X pondo f(m,n) = fm(n). Como f e
sobrejetiva e N× N e enumeravel, tem-se que X e enumeravel. �
Observacao 3.2 Uma reuniao finita X = X1 ∪ . . . ∪ Xk de conjuntos
enumeraveis e enumeravel.
Observacao 3.3 Se X1, . . . , Xk sao conjuntos enumeraveis, seu pro-
duto cartesiano X1 × . . .× Xk e enumeravel.
Porem, nem sempre, o produto cartesiano X =
∞∏n=1
Xn de uma sequencia
de conjuntos enumeraveis e enumeravel.
Instituto de Matematica - UFF 23
Analise na Reta
4. Conjuntos n ao-enumer aveis
Veremos, agora, que existem conjuntos nao-enumeraveis. Mais ge-
ralmente, mostraremos que, dado qualquer conjunto X, existe sempre um
conjunto cujo numero cardinal e maior do que o de X.Ao lado, estamos designando
card(X) o numero cardinal do
conjunto X. Quando X e um con-junto finito, card(X) e o numero
de elementos de X, que anterior-mente designamos #(X).
• Nao vamos definir o que e o numero cardinal de um conjunto. Diremos,
apenas, que card(X) = card(Y) se, e somente se, existe uma bijecao
f : X −→ Y.
• Assim, dois conjuntos finitos tem o mesmo numero cardinal, se, e so-
mente se, tem o mesmo numero de elementos. E se X e infinito enu-
meravel, entao card(X) = card(N) e card(Y) = card(X) se, e somente se,
Y e infinito enumeravel.
• Dados os conjuntos X e Y, diremos que card(X) < card(Y) quando existir
uma funcao injetiva f : X −→ Y, mas nao existir uma funcao sobrejetiva
g : X −→ Y.
• Como todo conjunto X infinito contem um subconjunto enumeravel, tem-
se que card(N) ≤ card(X), ou seja, o numero cardinal de um conjunto
infinito enumeravel e o menor dos numeros cardinais dos conjuntos infini-
tos.
• Dados dois conjuntos A e B quaisquer, vale uma e somente uma, das
seguintes alternativas:
card(A) = card(B) , card(A) < card(B) , ou card(B) < card(A) .
• Se existirem uma funcao injetiva f : A −→ B e uma funcao injetiva
g : B −→ A, existira tambem uma bijecao h : A −→ B.
Para ver as demonstracoes dosfatos citados ao lado e obter mais
informacoes sobre numeros car-dinais de conjuntos, veja o livro:Teoria Ingenua dos Conjuntos dePaul Halmos.
Teorema 4.1 (Teorema de Cantor)
Sejam X um conjunto arbitrario e Y um conjunto contendo pelo menos dois
elementos. Entao, nenhuma funcao ϕ : X −→ F(X; Y) e sobrejetiva.
Prova.
Seja ϕ : X −→ F(X; Y) uma funcao e seja ϕx : X −→ Y o valor da funcao
ϕ no ponto x ∈ X.
Construiremos uma funcao f : X −→ Y tal que f 6= ϕx para todo x ∈ X.
J. Delgado - K. Frensel24
Conjuntos nao-enumeraveis
Para cada x ∈ X, seja f(x) ∈ Y tal que f(x) 6= ϕx(x), o que e possıvel, pois
Y tem pelo menos dois elementos.
Assim, f 6= ϕx para todo x ∈ X, pois f(x) 6= ϕx(x) para todo x ∈ X.
Logo, f 6∈ ϕ(X), ou seja, ϕ nao e sobrejetiva. �
Observacao 4.1 Sejam y1, y2 ∈ Y tais que y1 6= y2, e seja ψ : X −→F(X; Y) a funcao definida por ψx(x) = y1 e ψx(z) = y2 se z 6= x.
Entao ψ e injetiva. Logo, card(X) < card(F(X; Y)).
Provamos, assim, que dado qualquer conjunto X, existe sempre um con-
junto cujo numero cardinal e maior do que o de X
Corolario 4.1 Sejam X1, X2, . . . , Xn, . . . conjuntos infinitos enumeraveis.
Entao, o produto cartesiano∞∏i=1
Xi nao e enumeravel.
Prova.
Basta considerar o caso em que todos os Xn sao iguais a N. De fato,
para cada n ∈ N, existe uma bijecao fn : N −→ Xn. Entao, a funcao
F :
∞∏i=1
Ni −→ ∞∏i=1
Xi
(x1, x2, . . . , xn, . . .) 7−→ (f1(x1), f2(x2), . . . , fn(xn), . . .) ,
e uma bijecao, onde Ni = N, para todo i ∈ N. Como a funcao
H :
∞∏i=1
Ni −→ F(N; N)
x = (x1, . . . , xn, . . .) 7−→ hx : N −→ Ni 7−→ xi
e uma bijecao e F(N; N) nao e enumeravel pelo teorema anterior, o con-
junto∞∏i=1
Ni nao e enumeravel. �
• O argumento usado na demonstracao do teorema acima, chama-se
metodo da diagonal de Cantor, devido ao caso particular X = N.
Os elementos de F(N; Y) sao as sequencias de elementos de Y.
Para provar que nenhuma funcao ϕ : N −→ F(N; Y) e sobrejetiva, escre-
Instituto de Matematica - UFF 25
Analise na Reta
vemos ϕ(1) = s1, ϕ(2) = s2, . . . etc., onde s1, s2, . . . sao sequencias de
elementos de Y, ou seja,
s1 = (y11, y12, y13, . . .)
s2 = (y21, y22, y23, . . .)
s3 = (y31, y32, y33, . . .)...
...
Para cada n ∈ N, podemos escolher yn ∈ Y tal que yn 6= ynn, onde
ynn e o n−esimo termo ynn da diagonal.
Entao a sequencia s = (y1, y2, y3, . . .) 6= sn para todo n ∈ N, pois
o n−esimo termo yn da sequencia s e diferente do n−esimo termo da
sequencia sn.
Assim, nenhuma lista enumeravel pode esgotar todas as funcoes em
F(N; Y).
Exemplo 4.1 Seja Y = {0, 1}. Entao, o conjunto {0, 1}N = F(N; Y) das
sequencias cujos termos sao 0 ou 1 nao e enumeravel. �
• Seja P(A) o conjunto cujos elementos sao todos os subconjuntos do
conjunto A.
Vamos mostrar que existe uma bijecao
ξ : P(A) −→ F(A; {0, 1}) .
Para cada X ⊂ A, consideremos a funcao caracterıstica de X:
ξX : A −→ {0, 1}
x 7−→ ξX(x) =
1, se x ∈ X
0, se x 6∈ X
A funcao
ξ : P(A) −→ F(A; {0, 1})
X 7−→ ξX
e uma bijecao, cuja inversa associa a cada funcao f : A −→ {0, 1} o con-
junto X dos pontos x ∈ A tais que f(x) = 1.
Como {0, 1} tem dois elementos, segue-se do teorema 4.1 que ne-
nhuma funcao ϕ : A −→ F(A, {0, 1}) e sobrejetiva. Logo, nenhuma
J. Delgado - K. Frensel26
Conjuntos nao-enumeraveis
funcao ψ : A −→ P(A) e sobrejetiva. Mas existe uma funcao injetiva
f : A −→ P(A) definida por f(x) = {x}.
Entao, card(A) < card(P(A)) para todo conjunto A.
No caso particular em que A = N, temos que
card(N) < card(P(N))
ou seja, P(N) nao e enumeravel.
Instituto de Matematica - UFF 27
J. Delgado - K. Frensel28
Parte 2
O conjunto dos numeros reais
Neste capıtulo, adotaremos o metodo axiomatico para apresentar os
numeros reais. Isto e, faremos uma lista dos axiomas que apresentam o
conjunto R dos numeros reais como um corpo ordenado completo.
Mas surge, naturalmente, uma pergunta: Existe um corpo ordenado
completo? Ou melhor: partindo dos numeros naturais, seria possıvel, por
meio de extensoes sucessivas do conceito de numero, chegar a construcao
dos numeros reais? A resposta e afirmativa e a passagem crucial e dos
racionais para os reais. Por exemplo: Dedekind construiu o conjunto dos
numeros reais por meio de cortes (de Dedekind), cujos elementos sao
colecoes de numeros racionais; e Cantor obteve um corpo ordenado com-
pleto cujos elementos sao as classes de equivalencia de sequencias de
Cauchy de numeros racionais.
Provada a existencia, surge uma outra pergunta relevante: sera que
existem dois corpos ordenados completos com propriedades diferentes?
A resposta e negativa, ou seja, dois corpos ordenados completos diferem
apenas pela natureza de seus elementos, mas nao pela maneira como os
elementos se comportam. A maneira adequada de responder a questao
da unicidade e a seguinte: Dados K e L corpos ordenados completos,
existe um unico isomorfismo f : K −→ L, ou seja, existe uma unica bijecao
f : K −→ L tal que f(x+y) = f(x)+f(y) e f(x ·y) = f(x) ·f(y). Como, alem
disso, o fato de f preservar a soma implica que x < y ⇐⇒ f(x) < f(y),
K e L sao indistinguıveis no que diz respeito as propriedades de corpos
ordenados completos (ver exercıcios 55 e 56).
Instituto de Matematica - UFF 29
J. Delgado - K. Frensel30
Corpos
1. Corpos
Um corpo e um conjunto K munido de duas operacoes:
Adic ao + : K×K −→ K(x, y) 7−→ x+ y
Multiplicac ao · : K×K −→ K(x, y) 7−→ x · y ,
que satisfazem as seguintes condicoes, chamadas axiomas de corpo:
Axiomas de corpo para a adicao:
(1) Associatividade: (x+ y) + z = x+ (y+ z) , para todos x, y, z ∈ K.
(2) Comutatividade: x+ y = y+ x , para todos x, y ∈ K.
(3) Elemento neutro: existe um elemento designado 0 ∈ K e chamado
zero, tal que x+ 0 = x, para todo x ∈ K.
(4) Simetrico: para todo x ∈ K existe um elemento designado −x ∈ K e
chamado o simetrico de x, tal que x+ (−x) = 0.
Observacao 1.1
• 0+ x = x e (−x) + x = 0 , para todo x ∈ K.
A soma x + (−y) sera indicada
apenas por x − y e chamadaa diferenca entre x e y. A
operacao (x, y) 7−→ x−y chama-
se subtracao.
• x− y = z se, e so se, x = y+ z. De fato,
x− y = z ⇐⇒ x+ (−y) = z ⇐⇒ x+ (−y) + y = z+ y⇐⇒ x+ 0 = y+ z ⇐⇒ x = y+ z .
• O zero e unico, ou seja, se x + θ = x para todo x ∈ K, entao θ = 0. De
fato,
x+ θ = x ⇐⇒ θ = x− x = 0 .
• Todo x ∈ K possui apenas um simetrico. De fato,
x+ y = 0 =⇒ y = 0+ (−x) = −x .
• −(−x) = x , pois (−x) + x = 0 .
• Lei de cancelamento: x+ z = y+ z =⇒ x = y. De fato,
x+ z+ (−z) = y+ z+ (−z) =⇒ x+ 0 = y+ 0 =⇒ x = y .
Axiomas de corpo para a multiplicacao:
(5) Associatividade: (x · y) · z = x · (y · z) , para todos x, y, z ∈ K.
(6) Comutatividade: x · y = y · x , para todos x, y ∈ K.
Instituto de Matematica - UFF 31
Analise na Reta
(7) Elemento neutro: existe um elemento designado 1 ∈ K − {0} e cha-
mado um, tal que x · 1 = x, para todo x ∈ K.
(8) Inverso multiplicativo: para todo x ∈ K − {0} existe um elemento
designado x−1 ∈ K e chamado o inverso de x, tal que x · x−1 = 1.
Observacao 1.2
• x · 1 = 1 · x = x para todo x ∈ K.
• x · x−1 = x−1 · x = 1 para todo x ∈ K − {0}.
• Dados x, y ∈ K, com y 6= 0, escrevemos x · y−1 =x
y. A operacao
(x, y) 7−→ x
y, x ∈ K, y ∈ K − {0}, chama-se divisao e o numero
x
ye o
quociente de x por y.
A multiplicacao de x por y
sera designada, tambem, pelajustaposicao xy.
• Se y 6= 0,x
y= z ⇐⇒ x = yz. De fato,
x
y= z ⇐⇒ (xy−1)y = zy ⇐⇒ x(y−1y) = yz ⇐⇒ x · 1 = yz ⇐⇒ x = yz .
• Lei de Cancelamento: se xz = yz e z 6= 0, entao x = y.
• Se xy = x para todo x ∈ K, entao, tomando x = 1, temos y = 1. Isto
prova a unicidade do elemento neutro multiplicativo 1.
• Seja xy = x. Se x 6= 0, pela lei de cancelamento, temos que y = 1.
Se x = 0, y pode ser qualquer elemento de K, pois, como provaremos
depois, 0 · y = 0 para todo y ∈ K.
• se xy = 1, entao, como veremos depois, x 6= 0 e y 6= 0. Logo,
xy = 1 =⇒ x−1 · 1 = x−1(xy) = (x−1 · x) · y = 1 · y =⇒ y = x−1 .
Isso prova a unicidade do elemento inverso multiplicativo de x.
Por fim, as operacoes de adicao e multiplicacao num corpo K acham-
se relacionadas pelo axioma:
(9) Distributividade: x·(y+z) = x·y+x·z quaisquer que sejam x, y, z ∈ K.
Observacao 1.3
• (x+ y) · z = x · z+ y · z para todos x, y, z ∈ K.
• x · 0 = 0 para todo x ∈ K. De fato,
x · 0+ x = x · 0+ x · 1 = x · (0+ 1) = x · 1 = x ,
J. Delgado - K. Frensel32
Exemplos de corpos
logo, x · 0 = 0.
• se x · y = 0 entao x = 0 ou y = 0. De fato, se x 6= 0, entao x−1 · (x · y) =
x−1 · 0. Logo, y = 0.
Assim, se x 6= 0 e y 6= 0, entao x · y 6= 0.
• Regras dos sinais: (−x) · y = x · (−y) = −(x · y) e (−x) · (−y) = x · y .
De fato, temos que (−x) · y + x · y = (−x + x) · y = 0 · y = 0, ou seja,
(−x)·y = −(x·y). Analogamente, podemos verificar que x·(−y) = −(x·y).
Logo,
(−x) · (−y) = −(x · (−y)) = −(−(x · y)) = x · y .
Em particular, (−1) · (−1) = 1.
2. Exemplos de corpos
Exemplo 2.1 O conjunto Q dos numeros racionais, com as operacoes
p
q+p ′
q ′=pq ′ + p ′q
qq ′ep
q· p
′
q ′=p · p ′
q · q ′, e um corpo.
De fato, lembrando quep
q=p ′
q ′⇐⇒ pq ′ = p ′q, vamos provar primeiro
que a soma e a multiplicacao de numeros racionais estao bem definidas.
Sejamp
q=p1
q1ep ′
q ′=p ′1q ′1
. Entao
• pq
+p ′
q ′=pq ′ + p ′q
qq ′=p1q
′1 + p ′1q1
q1q′1
=p1
q1+p ′1q ′1
, pois, como pq1 = p1q e
p ′q ′1 = p ′1q′, segue-se que
(pq ′ + p ′q)(q1q′1) = pq ′q1q
′1 + p ′qq1q
′1
= (pq1)(q′q ′1) + (p ′q ′1)(qq1)
= p1qq′q ′1 + p ′1q
′qq1
= (p1q′1 + p ′1q1)(qq
′) .
• pq· p
′
q ′=pp ′
qq ′=p1p
′1
q1q′1
=p1
q1· p
′1
q ′1, pois
(pp ′)(q1q′1) = p1qp
′1q
′ = (p1p′1)(qq
′) .
Instituto de Matematica - UFF 33
Analise na Reta
• O elemento neutro da adicao e0
p ′, para todo p ′ 6= 0, pois
p
q+0
p ′=pp ′ + 0q ′
qp ′=pp ′
qp ′=p
q.
• O elemento neutro da multiplicacao e1
1=p ′
p ′, p ′ ∈ Z?, pois
p
q· 11
=p · 1q · 1
=p
q.
• sejap
q∈ Q. Entao
−p
qe o simetrico de
p
q, pois
p
q+
−p
q=p · q+ (−p) · q
q · q=
0
q · q= 0.
• Sejap
q∈ Q, com p 6= 0. Entao
q
pe inverso de
p
q, pois
p
q· qp
=p · qq · p
= 1.
�
Exercıcio 1: Verificar as propri-edades comutativa, associativa ea distributividade das operacoesdefinidas no exemplo 2.1 sobre osnumeros racionais.
Exemplo 2.2 O conjunto Z2 = {0, 1} com as operacoes de adicao e
multiplicacao definidas nas tabuadas abaixo e um corpo.
+ 0 1
0 0 1
1 1 0
· 0 1
0 0 0
1 0 1
Pela definicao, a adicao e a multiplicacao sao comutativas; o elemento
neutro da adicao e o 0; o elemento neutro da multiplicacao e o 1; o
simetrico do 0 e o 0 e do 1 e 1; o inverso do 1 e 1. �
Exercıcio 2: Verificar a associ-
atividade e a distributividade das
operacoes definidas no exemplo2.2 sobre Z2.
Exemplo 2.3 O conjunto Q(i) = {(x, y) | x, y ∈ Q} e um corpo com as
operacoes de adicao e multiplicacao definidas por
(x, y) + (x ′, y ′) = (x+ x ′, y+ y ′)
(x, y) · (x ′, y ′) = (xx ′ − yy ′, xy ′ + x ′y) ,
De fato, a comutatividade e a associatividade da adicao seguem-se direto
do fato que Q e um corpo.
O elemento neutro da adicao e (0, 0) e o simetrico de (x, y) e (−x,−y).
A comutatividade da multiplicacao sai direto da definicao e da comutativi-
dade da multiplicacao de numeros racionais.
J. Delgado - K. Frensel34
Exemplos de corpos
O elemento neutro da multiplicacao e (1, 0), pois
(x, y) · (1, 0) = (x · 1− y · 0, x · 0+ 1 · y) = (x, y) .
O inverso multiplicativo de (x, y) 6= (0, 0) e(
x
x2 + y2,
−y
x2 + y2
), pois
x2 + y2 6= 0 e
(x, y) ·(
x
x2 + y2,
−y
x2 + y2
)=
(x2
x2 + y2+
y2
x2 + y2,
−xy
x2 + y2+
xy
x2 + y2
)=
(x2 + y2
x2 + y2,
0
x2 + y2
)= (1, 0)
Exercıcio 3: Verificar a proprie-dade associativa da multiplicacaoe propriedade distributiva dasoperacoes definidas no exemplo
2.2 sobre Q(i).
• Representando (x, 0) por x e (0, 1) por i, temos que
◦ iy = (0, 1)(y, 0) = (0, y) ;
◦ ii = (0, 1)(0, 1) = (0 · 0− 1 · 1, 0 · 1+ 1 · 0) = (−1, 0) = −1 ;
◦ (x, y) = (x, 0) + (0, y) = x+ iy .
O corpo Q(i) chama-se o corpo dos numeros complexos racionais. �
Exemplo 2.4 O conjunto Q(t) das funcoes racionais r(t) =p(t)
q(t), onde
p e q sao polinomios com coeficientes racionais, sendo q(t) nao identica-
mente nulo, com as operacoes de adicao e multiplicacao definidas abaixo
e um corpo.
p(t)
q(t)+p ′(t)
q ′(t)=p(t) · q ′(t) + p ′(t) · q(t)
q(t) · q ′(t)p(t)
q(t)· p
′(t)
q ′(t)=p(t) · p ′(t)q(t) · q ′(t)
.
�
Observacao 2.1 Num corpo K tem-se:
x2 = y2 =⇒ x = ±y .
Com efeito,
x2 = y2 =⇒ x2 − y2 = 0
=⇒ (x− y)(x+ y) = 0
=⇒ x− y = 0 ou x+ y = 0
=⇒ x = y ou x = −y
=⇒ x = ±y .
Instituto de Matematica - UFF 35
Analise na Reta
3. Corpos ordenados
Um corpo ordenado e um corpo K no qual existe um subconjunto
P ⊂ K, chamado o conjunto dos elementos positivos de K, com as se-
guintes propriedades:
(1) A soma e o produto de elementos positivos sao elementos posi-
tivos. Ou seja, x, y ∈ P =⇒ x+ y ∈ P e x · y ∈ P.
(2) Dado x ∈ K, exatamente uma das tres alternativas seguintes
ocorre:
ou x = 0 ; ou x ∈ P ; ou −x ∈ P .
• Assim, sendo −P = {x ∈ K | − x ∈ P}, temos
K = P ∪ (−P) ∪ {0} ,
onde P, −P e {0} sao subconjuntos de K disjuntos dois a dois.
Os elementos de −P chamam-se negativos.
• Num corpo ordenado, se a 6= 0 entao a2 ∈ P.
De fato, sendo a 6= 0, temos que a ∈ P ou −a ∈ P. No primeiro caso,
a2 = a · a ∈ P, e no segundo caso, a2 = a · a = (−a) · (−a) ∈ P.
Em particular, num corpo ordenado, 1 = 1 · 1 e sempre positivo e,
portanto, −1 ∈ −P.
Logo, num corpo ordenado, −1 nao e quadrado de elemento algum.
Exemplo 3.1 Q e um corpo ordenado no qual P =
{p
q
∣∣∣∣pq ∈ N}
.
• De fato, sep
q,p ′
q ′∈ P, entao pq, p ′q ′ ∈ N e, portanto,
◦ p
q+p ′
q ′=pq ′ + p ′q
qq ′∈ P, pois
(pq ′ + p ′q)(qq ′) = (pq)q ′2 + (p ′q ′)q2 ∈ N .
◦ p
q· p
′
q ′=pp ′
qq ′∈ P, pois pp ′qq ′ = (pq)(p ′q ′) ∈ N.
• Sejap
q∈ Q. Entao, pq = 0 ou pq ∈ N ou −(pq) ∈ N, ou seja,
p
q=0
q= 0
oup
q∈ P ou
−p
q= −
p
q∈ P. �
J. Delgado - K. Frensel36
Corpos ordenados
Exemplo 3.2 Q(t) e um corpo ordenado no qual
Lembre que o coeficiente lıder deum polinomio e o coeficiente doseu termo de maior grau.
P =
{p(t)
q(t)
∣∣∣∣ pq e um polinomio cujo coeficiente lider e positivo}
.
De fato:
• Sep(t)
q(t),p ′(t)
q ′(t)∈ P, entao os coeficientes an e bm dos termos de maior
grau de pq e p ′q ′, respectivamente, sao positivos.
Logo,
◦ o coeficiente cj do termo de maior grau de (pq ′ + p ′q)qq ′ =
pqq ′2 + p ′q ′q2 e positivo, pois cj = anq′2i + bmq
2i ou cj = anq
′2i ou
cj = bmq2i , onde qi e q ′i sao os coeficientes dos termos de maior grau
de q e q ′, respectivamente.
◦ o coeficiente do termo de maior grau de pp ′qq ′ = (pq)(p ′q ′) e
anbm > 0.
• Sep(t)
q(t)∈ Q(t), entao ou pq = 0 (e, neste caso, p = 0) ou o coeficiente
do termo de maior grau de pq e positivo ou o coeficiente do termo de
maior grau de pq e negativo. Logo, oup(t)
q(t)= 0 ou
p(t)
q(t)∈ P ou −
p(t)
q(t)∈ P
�
Exemplo 3.3 O corpo Z2 nao e ordenado, pois 1 + 1 = 0, e num corpo
ordenado 1 e positivo e a soma 1 + 1 de dois elementos positivos e um
elemento positivo. �
Exemplo 3.4 O corpo Q(i) nao e ordenado, pois i2 = −1, e num corpo
ordenado −1 e negativo e o quadrado de qualquer elemento diferente de
zero e positivo. �
Definicao 3.1 Num corpo ordenado K, dizemos que x e menor do que
y, e escrevemos x < y, se y− x ∈ P, ou seja, y = x+ z, z ∈ P. Podemos,
tambem, dizer que y e maior do que x e escrever y > x.
Observacao 3.1
• Em particular, x > 0 se, e so se, x ∈ P e x < 0 se, e so se, −x ∈ P, ou
seja, x ∈ −P.
Instituto de Matematica - UFF 37
Analise na Reta
• Se x ∈ P e y ∈ −P, tem-se x > y, pois x+ (−y) ∈ P.
Proposicao 3.1 A relacao de ordem x < y num corpo ordenado satis-
faz as seguintes propriedades:
(1) Transitividade: x < y e y < z =⇒ x < z ;
(2) Tricotomia: dados x, y ∈ K, ocorre exatamente uma das seguintes
alternativas:
ou x = y , ou x < y , ou y < x .
(3) Monotonicidade da adic ao: Se x < y, entao x + z < y + z para todo
z ∈ K.
(4) Monotonicidade da multiplicac ao: Se x < y, entao xz < yz para
todo z > 0, e xz > yz para todo z < 0.
Prova.
(1) Se x < y e y < z, entao y−x ∈ P e z−y ∈ P. Logo, (y−x)+ (z−y) =
z− x ∈ P, ou seja, x < z.
(2) Dados x, y ∈ K, ocorre exatamente uma das seguintes alternativas:
ou y− x = 0 , ou y− x ∈ P , ou y− x ∈ −P ,
ou seja,
ou x = y , ou x < y , ou y < x .
(3) Se x < y entao y− x ∈ P. Logo, (y+ z) − (x+ z) = y− x ∈ P, ou seja
x+ z < y+ z, para todo z ∈ K.
(4) Se x < y e z > 0, entao y−x ∈ P e z ∈ P. Logo, (y−x)z = yz−xz ∈ P,
ou seja xz < yz. Se, porem, x < y e z < 0, entao y − x ∈ P e −z ∈ P,
donde (y− x)(−z) = xz− yz ∈ P, ou seja, xz > yz.
• Em particular, x < y e equivalente a −x > −y, pois (−1)x > (−1)y,ou
seja, −x > −y, ja que −1 ∈ −P, ou seja −1 < 0.
• Se x < x ′ e y < y ′ entao x+ y < x ′ + y ′.
De fato, por (3), se x < x ′, entao x + y < x ′ + y, e se y < y ′, entao
x ′ + y < x ′ + y ′. Logo, por (1), x+ y < x ′ + y ′.
• Se 0 < x < x ′ e 0 < y < y ′, entao xy < x ′y ′.
De fato, por (4), x · y < x ′y e x ′y < x ′y ′, e por (1), xy < x ′y ′.
J. Delgado - K. Frensel38
Corpos ordenados
• se x > 0 e y < 0, entao xy < 0.
De fato, como x ∈ P e −y ∈ P, temos x(−y) = −(xy) ∈ P, ou seja, xy < 0.
• Se x > 0 entao x−1 > 0, pois xx−1 = 1 > 0.
• Se x > 0 e y > 0, entaox
y> 0, pois
x
y= xy−1 e y−1 > 0.
• Se x < y, x > 0 e y > 0, entao1
y<1
x.
De fato, como y − x > 0 e xy > 0, entao x−1 − y−1 =1
x−1
y=y− x
xy> 0,
ou seja, x−1 > y−1. �
Definicao 3.2 Num corpo ordenado, dizemos que x e menor ou igual a
y, e escrevemos x ≤ y, se x < y ou x = y, ou seja, y − x ∈ P ∪ {0}. Os
elementos do conjunto P∪ {0} = {x ∈ K | x ≥ 0} chamam-se nao-negativos.
• Dados x, y ∈ K, tem-se x = y se, e so se, x ≤ y e y ≤ x.
• Com excecao da tricotomia, que e substituıda pelas propriedades:
Reflexiva: x ≤ x,
Anti-sim etrica: x ≤ y e y ≤ x ⇐⇒ x = y,
todas as outras propriedades acima demonstradas para a relacao x < y
sao validas, tambem, para a relacao x ≤ y.
• Num corpo ordenado K, 0 < 1, logo 1 < 1 + 1 < 1 + 1 + 1 < . . ., e o
subconjunto de K formado por estes elementos e infinito, e se identifica
de maneira natural ao conjunto N dos numeros naturais.
Indiquemos por 1 ′ o elemento neutro da multiplicacao de K e defina-
mos por inducao a funcao f : N −→ K, pondo
f(1) = 1 ′ e f(n+ 1) = f(n) + 1 ′ .
Por inducao, podemos verificar que f(m+n) = f(m)+ f(n) e que se
m < n entao f(m) < f(n). De fato:
• Seja m ∈ N e seja X = {n ∈ N | f(m+ n) = f(m) + f(n)}.
Assim, 1 ∈ X e se n ∈ X, entao
f(m+ (n+ 1)) = f((m+ n) + 1) = f(m+ n) + 1 ′
= f(m) + f(n) + 1 ′ = f(m) + f(n+ 1) .
Instituto de Matematica - UFF 39
Analise na Reta
ou seja, n+ 1 ∈ X. Logo, X = N.
• Seja Y = {n ∈ N | f(n) ∈ P} . Entao:
◦ 1 ∈ Y, pois f(1) = 1 ′ ∈ P ,
◦ se n ∈ Y, entao n+ 1 ∈ Y, pois f(n+ 1) = f(n) + 1 ′ ∈ P.
Logo, Y = N.
Temos, assim, que se m < n entao f(m) < f(n), pois, como existe
p ∈ N tal que n = m + p, segue-se que f(n) = f(m) + f(p), ou seja,
f(n) − f(m) = f(p) ∈ P.
Exercıcio 4: Verifique quef(mn) = f(m)f(n) , ∀m, n ∈ N .
Portanto, f : N −→ f(N) = N ′ ⊂ K e uma bijecao, onde N ′ e o
subconjunto de K formado pelos elementos 1 ′, 1 ′ + 1 ′, 1 ′ + 1 ′ + 1 ′, . . . que
preserva a soma, o produto e a relacao de ordem. Podemos, entao, iden-
tificar N ′ com N e considerar N contido em K, voltando a escrever 1, em
vez de 1 ′.
Em particular, um corpo ordenado K e infinito e tem caracterıstica
zero, ou seja, 1 + 1 + 1 + . . . + 1 6= 0 qualquer que seja o numero de
parcelas 1.
Considere o conjunto Z ′ = N ∪ {0} ∪ (−N), onde −N = {−n |n ∈ N}.
Entao, Z ′ e um subgrupo abeliano de K com respeito a operacao de
adicao.
De fato, 0 ∈ Z ′ e se x ∈ Z ′ entao −x ∈ Z ′. Resta verificar que se
x, y ∈ Z ′ entao x+ y ∈ Z ′.
• Se x, y ∈ N entao x+ y ∈ N ⊂ Z ′.
• Se x, y ∈ −N entao (−x)+(−y) = −(x+y) ∈ N, ou seja, x+y ∈ −N ⊂ Z ′.
• Se x ∈ N e y ∈ −N entao, fazendo y = −z, com z ∈ N, temos que, ou
x + y = x − z = 0 ∈ Z ′, ou x + y = x − z > 0 e, portanto, x + y ∈ N, ou
x+ y = x− z < 0 e, portanto, x+ y ∈ −N.
Exercıcio 5: Verifique que se
m, n ∈ N ′ e m − n > 0 entaom − n ∈ N ′ .
Exercıcio 6: Verifique que xy ∈Z ′ quaisquer que sejam x, y ∈Z ′ .
• Se x ∈ N ∪ {0} ∪ (−N) e y = 0 entao x+ y = x ∈ Z ′.
Podemos, assim, identificar Z ′ com o grupo Z dos numeros inteiros.
Seja, agora, Q ′ ={m
n
∣∣∣ m ∈ Z e n ∈ Z?}
. Entao, Q ′ e um subcorpo
de K, pois:
J. Delgado - K. Frensel40
Corpos ordenados
◦ 0, 1 ∈ Q ′ ,
◦ sem
n∈ Q ′ entao −
m
n=
−m
n∈ Q ′.
◦ sem
n∈ Q ′? entao
n
m∈ Q ′.
◦ sem
n,m ′
n ′∈ Q ′ entao
m
n+m ′
n ′∈ Q ′. De fato, como
nn ′(m
n+m ′
n ′
)=mnn ′
n+m ′nn ′
n ′= mn ′ +m ′n ,
temos que
m
n+m ′
n ′=mn ′ +m ′n
nn ′∈ Q ′ ,
pois, como ja vimos, mn ′ +m ′n ∈ Z e nn ′ ∈ Z?.
• Q ′ e o menor subcorpo de K.
Com efeito, todo subcorpo de K deve conter pelo menos 0 e 1; por
adicoes sucessivas de 1, todo subcorpo de K deve conter N; tomando os
simetricos, deve conter Z e por divisoes em Z, deve conter o conjunto das
fracoesm
n, m ∈ Z e n ∈ Z?.
Este menor subcorpo de K se identifica, de maneira natural, com o
corpo Q dos numeros racionais.
Assim, dado um corpo ordenado K, podemos considerar, de modo
natural, as inclusoes
N ⊂ Z ⊂ Q ⊂ K .
Exemplo 3.5 O corpo ordenado Q(t) contem todas as fracoes do tipop
q, onde p e q sao polinomios constantes, inteiros, com q 6= 0. Logo,
Q ⊂ Q(t). �
Proposicao 3.2 (Desigualdade de Bernoulli)
Seja K um corpo ordenado e seja x ∈ K. Se n ∈ N e x ≥ −1 entao
(1+ x)n ≥ 1+ nx
Johann Bernoulli
(1667-1748) Suıca.
Prova.
Faremos a demonstracao por inducao em n.
Instituto de Matematica - UFF 41
Analise na Reta
Para n = 1 a desigualdade e obvia.
Se (1+ x)n ≥ 1+ nx, entao
(1+ x)n+1 = (1+ x)n(1+ x) ≥ (1+ nx)(1+ x)
= 1+ nx+ x+ nx2 = 1+ (n+ 1)x+ nx2
≥ 1+ (n+ 1)x .
�
Exercıcio 7: Mostre que se n ∈N, n > 1, x > −1 e x 6= 0, entaoa desigualdade de Bernoulli e es-
trita, isto e,(1 + x)n > 1 + nx .
Observacao 3.2 (Sobre a Boa Ordenacao)
Existem conjuntos nao-vazios de numeros inteiros que nao possuem um
menor elemento.
Exemplo 3.6 O conjunto Z nao possui um menor elemento.
De fato, dado n0 ∈ Z, temos que n0 − 1 ∈ Z e n0 − 1 < n0, pois n0 − (n0 −
1) = 1 > 0. �
Exemplo 3.7 O conjunto A = {2n |n ∈ Z} dos inteiros pares nao possui
um menor elemento.
De fato, dado 2n0 ∈ A, 2n0 − 2 = 2(n0 − 1) ∈ A e 2(n0 − 1) < 2n0. �
Exemplo 3.8 Se X ⊂ N e um conjunto infinito de numeros naturais,
entao −X = {−n |n ∈ X} e um conjunto nao-vazio de numeros inteiros
que nao possui um menor elemento.
Com efeito, suponha que existe n0 ∈ X tal que −n0 ≤ −n para todo n ∈ X.
Entao, n0 ≥ n para todo n ∈ X, o que e absurdo, pois, como X e infinito,
X nao e limitado superiormente. �
Mas, se um conjunto nao-vazio X ⊂ Z e limitado inferiormente, entao
X possui um menor elemento.
Seja a ∈ Z tal que a < x para todo x ∈ X. Entao, x−a > 0 para todo
x ∈ X, ou seja x− a ∈ N para todo x ∈ X.
Seja A = {(x− a) | x ∈ X}.
Como A ⊂ N, temos, pelo Princıpio da Boa Ordenacao, que existe
n0 ∈ A tal que n0 ≤ x− a para todo x ∈ X.
J. Delgado - K. Frensel42
Intervalos
Seja x0 ∈ X tal que n0 = x0 − a. Entao, x0 − a ≤ x − a para todo
x ∈ X.
Logo, x0 ≤ x para todo x ∈ X.
4. Intervalos
Num corpo ordenado, existe a importante nocao de intervalo.
• Intervalos limitados: Dados a, b ∈ K, a < b, definimos os intervalos
limitados de extremos a e b como sendo os conjuntos:
◦ Intervalo fechado: [a, b] = {x ∈ K |a ≤ x ≤ b} ;
◦ Intervalo fechado a esquerda: [a, b) = {x ∈ K |a ≤ x < b} ;
◦ Intervalo fechado a direita: (a, b] = {x ∈ K |a < x ≤ b} ;
◦ Intervalo aberto: (a, b) = {x ∈ K |a < x < b} ;
• Intervalos ilimitados: Dado a ∈ K, definimos os intervalos ilimitados
de origem a como sendo os conjuntos:
◦ Semi-reta esquerda fechada de origem a: (−∞, a] = {x ∈ K | x ≤ a} ;
◦ Semi-reta esquerda aberta de origem a: (−∞, a) = {x ∈ K | x < a} ;
◦ Semi-reta direita fechada de origem a: [a,+∞) = {x ∈ K |a ≤ x} ;
◦ Semi-reta direita aberta de origem a: (a,+∞) = {x ∈ K |a < x} ;
◦ (−∞,+∞) = K , este intervalo pode ser considerado aberto ou fechado.
Observacao 4.1 Ao considerar o intervalo fechado [a, b] e conveniente
admitir o caso a = b em que o intervalo [a, a] consiste apenas do unico
ponto a. Tal intervalo chama-se intervalo degenerado.
Observacao 4.2 Todo intervalo nao-degenerado e um conjunto infinito.
Com efeito, se a, b ∈ K e a < b entao a <a+ b
2< b, pois
a+ b
2− a =
b− a
2> 0 , e b−
a+ b
2=b− a
2> 0 .
Faca x1 =a+ b
2, e defina por inducao, xn+1 =
a+ xn
2.
Instituto de Matematica - UFF 43
Analise na Reta
Entao, a < . . . < xn+1 < xn < . . . < x2 < x1 < b.
Como a funcao ϕ : N −→ ϕ(N) ⊂ (a, b), dada por i 7−→ xi , e uma bijecao,
ϕ(N) e um conjunto infinito enumeravel.
Fig. 1: Construcao da sequencia x1, x2, . . . , xn, . . ..
Definicao 4.1 Num corpo ordenado K, definimos o valor absoluto ou
modulo de um elemento x ∈ K, designado |x|, como sendo x, se x ≥ 0, e
−x, se x < 0. Assim,
|x| =
x , se x > 0
0 , se x = 0
−x , se x < 0
Observacao 4.3 Tem-se
|x| = max{x,−x} ,
e, portanto, |x| ≥ x e |x| ≥ −x, ou seja, −|x| ≤ x ≤ |x|.
Proposicao 4.1 Seja K um corpo ordenado e a, x ∈ K. As seguintes
afirmacoes sao equivalentes:
(1) −a ≤ x ≤ a ;
(2) x ≤ a e −x ≤ a ;
(3) |x| ≤ a.
Prova.
Temos que
−a ≤ x ≤ a ⇐⇒ −a ≤ x e x ≤ a⇐⇒ a ≥ −x e a ≥ x⇐⇒ a ≥ max {−x, x} = |x| .
�
Corolario 4.1 Dados a, b, x ∈ K, tem-se
|x− a| ≤ b se, e so se, a− b ≤ x ≤ a+ b .
J. Delgado - K. Frensel44
Intervalos
Prova.
De fato, |x−a| ≤ b se, e so se, −b ≤ x−a ≤ b, ou seja, a−b ≤ x ≤ a+b
(somando a). �
Observacao 4.4 Todas as afirmacoes da proposicao e do seu corolario
sao verdadeiras com < em vez de ≤.
Em particular,
x ∈ (a− ε, a+ ε) ⇐⇒ a− ε < x < a+ ε ⇐⇒ |x− a| < ε .
Assim, o intervalo aberto (a − ε, a + ε), de centro a e raio ε, e formado
pelos pontos x ∈ K cuja distancia, |x− a|, de a e menor do que ε.
Fig. 2: x ∈ (a − ε, a + ε) ⇐⇒ |x − a| < ε.
Na figura ao lado, representa-mos os elementos do conjunto emquestao, no caso, a, x ∈ (a −
ε, a + ε), por um ponto cheio. Os
pontos sem preenchimento repre-sentam pontos que nao perten-cem ao conjunto em questao.
Proposicao 4.2 Para elementos arbitrarios de um corpo ordenado K,
valem as relacoes:
(1) |x+ y| ≤ |x| + |y| ;
(2) |x · y| = |x| · |y| ;
(3) |x| − |y| ≤ | |x| − |y| | ≤ |x− y| ;
(4) |x− y| ≤ |x− z| + |z− y| .
Prova.
(1) Como −|x| ≤ x ≤ |x| e −|y| ≤ y ≤ |y|, temos que
−(|x| + |y|) ≤ x+ y ≤ |x| + |y| .
Logo, |x+ y| ≤ |x| + y|.
(2) Seja qual for x ∈ K, |x|2 = x2, pois se |x| = x, entao |x|2 = x2, e se
|x| = −x, tambem |x|2 = (−x)2 = x2. Logo,
|xy|2 = (xy)2 = x2y2 = |x|2 |y|2 = (|x| |y|)2 .
Entao, |xy| = ±|x| |y|. Como |xy| ≥ 0 e |x| |y| ≥ 0, temos que |xy| = |x| |y|.
(3) Por (1), |x| = |x− y+ y| ≤ |x− y| + |y|, ou seja, |x− y| ≥ |x| − |y|.
De modo analogo, |y− x| ≥ |y| − |x|.
Como |y− x| = |x− y|, temos que −|x− y| ≤ |x| − |y|.
Instituto de Matematica - UFF 45
Analise na Reta
Assim,
−|x− y| ≤ |x| − |y| ≤ |x− y| .
Logo, pela proposicao 4.1,
| |x| − |y| | ≤ |x− y| .
A outra desigualdade, |x| − |y| ≤ | |x| − |y| | segue da definicao de valor
absoluto.
(4) Por (1), |x− y| = |x− z+ z− y| ≤ |x− z| + |z− y| . �
Definicao 4.2 Seja X um subconjunto de um corpo ordenado K.
• X e limitado superiormente quando existe b ∈ K tal que x ≤ b para todo
x ∈ X, ou seja X ⊂ (−∞, b]. Cada b com esta propriedade e uma cota
superior de X.
• X e limitado inferiormente quando existe a ∈ K tal que x ≥ a para todo
x ∈ X, ou seja, X ⊂ [a,+∞). Cada a com esta propriedade e uma cota
inferior de X.
• X e limitado quando e limitado superior e inferiormente, ou seja, quando
existem a, b ∈ K, a < b, tais que X ⊂ [a, b].
Exemplo 4.1 No corpo Q dos numeros racionais, o conjunto N dos
numeros naturais e limitado inferiormente, pois N ⊂ [1,+∞), mas nao
e limitado superiormente.
De fato, sep
q∈ Q, entao |p| + 1 ∈ N e |p| + 1 >
p
q, pois
|p| + 1−p
q=
|p|q+ q− p
q
e
(|p|q+ q− p)q = |p|q2 + q2 − pq = |p| |q|2 + |q|2 − pq
≥ |p| |q| + |q|2 − pq ≥ |q|2 ≥ 1 > 0 .
�
Exemplo 4.2 No corpo Q(t) das fracoes racionais, o conjunto N dos
numeros naturais e limitado inferior e superiormente, pois N ⊂ [0,+∞) e
n < t para todo n ∈ N, ja que o coeficiente do termo de maior grau de
t− n e 1 > 0 �
J. Delgado - K. Frensel46
Numeros reais
Teorema 4.1 Num corpo ordenado K, as seguintes afirmacoes sao equi-
valentes:
(a) N ⊂ K e ilimitado superiormente;
(b) dados a, b ∈ K, com a > 0, existe n ∈ N tal que na > b.
(c) dado a > 0 em K, existe n ∈ N tal que 0 <1
n< a .
Prova.
(a)=⇒(b) Como N e ilimitado superiormente, dados a, b ∈ K, com a > 0,
existe n ∈ N tal que n >b
a. Logo, na > a · b
a= b.
(b)=⇒(c) Dado a > 0, existe, por (b), n ∈ N tal que na > 1. Entao
0 <1
n< a.
(c)=⇒(a) Seja b ∈ K. Se b ≤ 0, entao b < 1 e, portanto, b nao e cota
superior de N.
Se b > 0, existe, por (c), n ∈ N tal que 0 <1
n<1
b. Logo, b < n e nao e,
portanto, uma cota superior de N. �
Definicao 4.3 Dizemos que um corpo ordenado K e arquimediano se
N ⊂ K e ilimitado superiormente.
Exemplo 4.3 O corpo Q dos numeros racionais e arquimediano, mas o
corpo Q(t), com a ordem introduzida no exemplo 3.2, nao e arquimediano.
�
5. Numeros reais
Definicao 5.1 Seja K um corpo ordenado e X ⊂ K um subconjunto
limitado superiormente. Um elemento b ∈ K chama-se supremo de X
quando b e a menor das cotas superiores de X em K.
Assim, b ∈ K e o supremo de X se, e so se, b satisfaz as duas
condicoes abaixo:
Instituto de Matematica - UFF 47
Analise na Reta
S1: b ≥ x para todo x ∈ X.
S2: Se c ∈ K e tal que c ≥ x para todo x ∈ X, entao c ≥ b.
A condicao S2 e equivalente a condicao:
S2’: Dado c ∈ K, c < b, existe x ∈ K tal que x > c.
Observacao 5.1 O supremo de um conjunto, quando existe, e unico.
De fato, se b e b ′ em K cumprem as condicoes S1 e S2, entao, b ≤ b ′ e
b ′ ≤ b, ou seja, b ′ = b.
O supremo de um conjunto X sera denotado por supX.
Observacao 5.2 O conjunto vazio ∅ nao possui supremo em K, pois
todo elemento de K e uma cota superior do conjunto vazio e K nao possui
um menor elemento.
Definicao 5.2 Um elemento a ∈ K e o ınfimo de um subconjunto Y ⊂ Klimitado inferiormente quando a e a maior das cotas inferiores de Y.
Assim, a ∈ K e o ınfimo de Y se, e so se, a satisfaz as duas
condicoes abaixo:
I1: a ≤ y para todo y ∈ Y.
I2: Se c ∈ K e tal que c ≤ y para todo y ∈ Y, entao c ≤ a.
A condicao I2 e equivalente a condicao:
I2’: Dado c ∈ K, c > a, existe y ∈ Y tal que y < c.
Observacao 5.3 O ınfimo de um conjunto X, quando existe, e unico, e
sera denotado por infX
Observacao 5.4 O conjunto ∅ nao possui ınfimo em K, pois todo ele-
mento de K e uma cota inferior do conjunto vazio e K nao possui um maior
elemento.
Exemplo 5.1
• Se X ⊂ K possui um elemento maximo b ∈ X, entao b = supX. De fato:
(1) b ≥ x para todo x ∈ X.
(2) Se c ≥ x para todo x ∈ X, entao c ≥ b, pois a ∈ X.
J. Delgado - K. Frensel48
Numeros reais
• Se X ⊂ K possui um elemento mınimo a ∈ X, entao a = infX. De fato:
(1) a ≤ x para todo x ∈ X.
(2) Se c ≤ x para todo x ∈ X, entao c ≤ a, pois a ∈ X.
• Se b = supX ∈ X, entao supX e o maior elemento de X, pois b ≥ x para
todo x ∈ X e b ∈ X.
• Se a = infX ∈ X, entao infX e o menor elemento de X, pois a ≤ x para
todo x ∈ X e a ∈ X.
Em particular, se
◦ X e finito, entao o supX e o infX existem e pertencem a X.
◦ X = [a, b], entao supX = b e infX = a.
◦ X = (−∞, b], entao supX = b.
◦ X = [a,+∞), entao infX = a. �
Exemplo 5.2 Se X = (a, b), entao infX = a e supX = b.
Com efeito, b e uma cota superior de X. Seja c < b em K. Se c ≤ a,
existe x =a+ b
2∈ X, por exemplo, tal que c <
a+ b
2. Se a < c < b, entao
c+ b
2∈ X e c <
c+ b
2. Assim, b = supX.
De modo analogo, podemos provar que a = infX.
Observe que, neste exemplo, supX 6∈ X e infX 6∈ X. �
Exemplo 5.3 Seja Y ⊂ Q o conjunto das fracoes do tipo1
2n, n ∈ N.
Entao, supY =1
2e infY = 0.
• Como1
2∈ Y e
1
2n<1
2para todo n > 1, n ∈ N, temos que
1
2e o maior
elemento de Y e, portanto, o supremo de Y.
• Sendo1
2n≥ 0 para todo n ∈ N, 0 e cota inferior de Y.
Seja b > 0 em Q. Como Q e um corpo arquimediano, existe n0 ∈ N tal
que n0 >1
b− 1. Logo, n0 + 1 >
1
b.
Pela desigualdade de Bernoulli, temos que
Instituto de Matematica - UFF 49
Analise na Reta
2n0 = (1+ 1)n0 ≥ 1+ n0 >1
b,
ou seja, b >1
2n0. Assim, 0 = infX. �
Mostraremos, agora, que alguns conjuntos limitados de numeros ra-
cionais nao possuem ınfimo ou supremo em Q.
Lema 5.1 (Pitagoras)
Nao existe um numero racional cujo quadrado seja igual a 2.
Prova.
Suponhamos, por absurdo, que existep
q∈ Q tal que(
p
q
)2
= 2 ,
ou seja p2 = 2q2.
O fator 2 aparece um numero par de vezes na decomposicao de p2 e de
q2 em fatores primos.
Como p2 possui um numero par de fatores iguais a 2 e 2q2 possui um
numero ımpar de fatores iguais a 2, chegamos a uma contradicao. �
Exemplo 5.4 Sejam
X = {x ∈ Q | x ≥ 0 e x2 < 2} e Y ={x ∈ Q |y > 0 e y2 > 2
}.
Como X ⊂ [0, 2], pois x > 2 implica que x2 > 4, X e um subconjunto
limitado.
Sendo Y ⊂ [0,+∞), Y e limitado inferiormente.
Mostraremos que X nao possui um supremo em Q e que Y nao possui um
ınfimo em Q.
(1) O conjunto X nao possui elemento maximo.
Seja b ∈ X, ou seja b ≥ 0 e b2 < 2. Como2− b2
1+ 2b> 0 e Q e arquimediano,
existe n ∈ N tal que1
n<2− b2
1+ 2b.
Faca r =1
n. Entao 0 < r < 1 e
J. Delgado - K. Frensel50
Numeros reais
(b+ r)2 = b2 + 2rb+ r2 < b2 + 2rb+ r
= b2 + (2b+ 1)r < b2 + (2b+ 1)2− b2
2b+ 1
= b2 + 2− b2 = 2 .
Logo, b + r ∈ X e b + r > b. Assim, dado b ∈ X existe b + r ∈ X tal que
b+ r > b.Logo, X nao possui maior elemento.
(2) O conjunto Y nao possui elemento mınimo.
Seja b ∈ Y, ou seja, b > 0 e b2 > 2. Sendo Q arquimediano e b2 − 2 > 0,
existe n ∈ N tal que
0 < r =1
n<b2 − 2
2b.
Logo,
(b− r)2 = b2 − 2br+ r2 > b2 − 2br > b2 − b2 + 2 = 2
e
b− r > b−b2 − 2
2b= b−
b
2+1
b=b
2+1
b> 0 ,
ou seja, b− r ∈ Y e b− r < b. Assim, X nao possui menor elemento.
(3) Se x ∈ X e y ∈ Y, entao x < y.
De fato, x2 < 2 < y2 =⇒ x2 < y2 =⇒ y2 − x2 > 0 =⇒ (y − x)(y + x) >
0 =⇒ y− x > 0, ou seja, y > x, pois y+ x > 0.
• Usando (1), (2) e (3) vamos provar que nao existem supX e infY em Q.
◦ Suponhamos, primeiro, que existe a = supX, a ∈ Q. Entao, a > 0
e a2 ≥ 2, pois se a2 < 2, a pertenceria a X e seria seu maior elemento.
Se a2 > 2, entao a ∈ Y. Como a nao e o menor elemento de Y, existe
b ∈ Y tal que b < a. Por (3), x < b < a para todo x ∈ X, o que contradiz
ser a = supX.
Assim, se existir a = supX, a2 = 2 e a ∈ Q, o que e absurdo pelo Lema
de Pitagoras.
◦ Suponhamos, agora, que existe b = inf Y, b ∈ Q. Entao, b > 0,
pois y > 0 e y2 > 2 > 1 para todo y ∈ Y, ou seja, y > 1 para todo y ∈ Y.
Se b2 > 2 e b > 0, b ∈ Y e seria o seu menor elemento, o que e absurdo
por (2).
Instituto de Matematica - UFF 51
Analise na Reta
Logo, b2 ≤ 2. Se b2 < 2, entao b ∈ X. Como b nao e o maior elemento de
X, existe a ∈ X tal que b < a. Por (3), b < a < y para todo y ∈ Y, o que
contradiz ser b = inf Y.
Assim, b2 = 2 e b ∈ Q, o que e absurdo pelo Lema de Pitagoras. �
Observacao 5.5 Estes argumentos mostram que se existir um corpo
ordenado K no qual todo subconjunto nao-vazio limitado superiormente
possui supremo, existira neste corpo um elemento a > 0 tal que a2 = 2.
De fato, K, sendo ordenado, contem Q e, portanto, contem o conjunto
X, que e limitado superiormente. Entao, existira a = supX em K, cujo
quadrado devera ser igual a 2.
Exemplo 5.5 Seja K um corpo ordenado nao arquimediano.
Entao, N ⊂ K e limitado superiormente, mas nao possui supremo.
De fato, seja b ∈ K uma cota superior de N. Entao, n + 1 ≤ b para todo
n ∈ N. Logo, n ≤ b−1 para todo n ∈ N, ou seja, b−1 e uma cota superior
de N menor do que b. �
Definicao 5.3 Um corpo ordenado K chama-se completo quando todo
subconjunto de K nao-vazio e limitado superiormente possui supremo em
K.
Observacao 5.6 Num corpo ordenado K completo, todo subconjunto
Y ⊂ K nao-vazio limitado inferiormente possui ınfimo em K.
De fato, considere X = −Y = {−y |y ∈ Y}. Seja b ∈ K uma cota inferior de
Y, ou seja, b ≤ y para todo y ∈ Y. Entao, −b ≥ −y para todo y ∈ Y, ou
seja, −b e uma cota superior de X e, portanto, X e limitado superiormente.
Sendo K completo, existe a = supX.
Vamos mostrar que −a = inf Y:
◦ a ≥ −y para todo y ∈ Y =⇒ −a ≤ y para todo y ∈ Y.
◦ Se c ≤ y para todo y ∈ Y, entao −c ≥ −y para todo y ∈ Y. Logo,
a ≤ −c, ou seja, c ≤ −a.
Observacao 5.7 Pelo exemplo 5.5, temos que todo corpo ordenado
completo e arquimediano.
J. Delgado - K. Frensel52
Numeros reais
Exemplo 5.6
• Q nao e completo, pois o conjunto X = {x | x ≥ 0 e x2 < 2} ⊂ Q nao-vazio
e limitado superiormente nao possui supremo em Q.
• Q(t) nao e completo, pois Q(t) nao e arquimediano. �
Enunciaremos, agora, o axioma fundamental da Analise Matematica.
Axioma: Existe um corpo ordenado completo, R, chamado o corpo
dos numeros reais.
Observacao 5.8 Existe em R um numero positivo a tal que a2 = 2, que
e representado pelo sımbolo√2, e e unico.
De fato, se b > 0 em R e b2 = 2, entao
a2 − b2 = 0 =⇒ (a− b)(a+ b) = 0 =⇒ a = b ou a = −b.
Logo, a = b, pois a > 0 e b > 0.
Alem disto, a ∈ R − Q.
Definicao 5.4 O conjunto I = R − Q e o conjunto dos numeros irracio-
nais.
Exemplo 5.7√2 ∈ I .�
Exemplo 5.8 Dados a > 0 em R e n ∈ N, n ≥ 2, existe um unico
numero real b > 0 tal que bn = a. O numero b chama-se raiz n−esima
de a e e representado pelo sımbolo n√a.
Consideremos os conjuntos:
X = {x ∈ R | x ≥ 0 e xn < a} e Y = {y ∈ R |y > 0 e yn > a}
O conjunto Y e limitado inferiormente pelo zero.
O conjunto X nao e vazio, pois 0 ∈ X, e e limitado superiormente. De fato:
• se a ≤ 1, entao 1 e cota superior de X, pois se z ≥ 1, tem-se que
zn ≥ 1 ≥ a, ou seja, z 6∈ X. Logo, X ⊂ [0, 1].
• se a > 1, entao an > a para todo n ≥ 2. Logo, se z ≥ a, tem-se
zn ≥ an > a, ou seja, z 6∈ X. Assim, X ⊂ [0, a).
Como R e completo, existe b = supX. Vamos provar que bn = a.
Instituto de Matematica - UFF 53
Analise na Reta
(1) X nao possui elemento maximo.
Dado x ∈ X, mostremos que existe d > 0 tal que (x + d)n < a, ou seja,
x+ d ∈ X e x+ d > x.
Afirmac ao: Dado x > 0 existe, para cada n, um numero real positivo An,
que depende de x, tal que (x+ d)n ≤ xn +And seja qual for 0 < d < 1.
Vamos provar esta afirmacao por inducao em n.
Para n = 1, basta tomar A1 = 1. Supondo verdadeiro para n, temos que
(x+ d)n+1 = (x+ d)n(x+ d) ≤ (xn + and)(x+ d)
= xn+1 +Andx+ dxn +And2
= xn+1 + (Anx+ xn +And)d
< xn+1 + (Anx+ xn +An)d ,
ja que 0 < d < 1. Tomando An+1 = Anx+ xn +An, temos que
(x+ d)n+1 ≤ xn+1 +An+1d.
Dado x ∈ X, isto e, x ≥ 0 e xn < a, tome d ∈ R tal que
0 < d < min{1,a− xn
An
}.
Entao,
(x+ d)n ≤ xn +And < xn +
An(a− xn)
An= a ,
ou seja, x + d ∈ X e x + d > x, o que prova que X nao possui elemento
maximo.
(2) O conjunto Y nao possui elemento mınimo.
Seja y ∈ Y. Mostremos que existe d ∈ R tal que 0 < d < y e (y−d)n > a,
ou seja, y− d ∈ Y e y− d < y.
Seja 0 < d < y. Entao, 0 <d
y< 1, ou seja, −1 < −
d
y< 0.
Pela desigualdade de Bernoulli, temos
(y− d)n = yn
(1−
d
y
)n
≥ yn
(1− n
d
y
)= yn − ndyn−1 .
Se tomarmos 0 < d < min{y,yn − a
nyn−1
}, teremos que
(y− d)n ≥ yn − ndyn−1 > yn − nyn−1 (yn − a)
nyn−1= yn − yn + a = a ,
J. Delgado - K. Frensel54
Numeros reais
ou seja, y− d > 0 e (y− d)n > a.
(3) Se x ∈ X e y ∈ Y entao x < y.
De fato, como xn < a < yn, x ≥ 0 e y > 0, temos que x < y, pois xn < yn
e, portanto,
yn − xn = (y− x)(yn−1 + yn−2x+ . . .+ yxn−2 + xn−1) > 0 .
Como
yn−1 + yn−2x+ . . .+ yxn−2 + xn−1 > 0,
temos que y− x > 0, ou seja, x < y.
Exercıcio 8: Prove que
yn − xn = (y − x)`yn−1 + yn−2x
+ . . . + yxn−2 + xn−1´
,
quaisquer que sejam x, y ∈ R en ∈ N.Vamos provar, agora, usando (1), (2) e (3), que se b = supX, entao
bn = a.
Se bn < a, temos que b ∈ X, o que e absurdo, pois
b = supX e, portanto, o elemento maximo de X, o que contradiz (1).
Se bn > a, entao b ∈ Y, pois b > 0.
Como, por (2), Y nao possui um elemento mınimo, existe c ∈ Y tal que
c < b.
Exercıcio 9: Mostrar que Y 6= ∅e bn = a, onde b = inf Y .
Exercıcio 10: Mostrar que existeum unico b > 0 em R tal quebn = a (ver observacao 5.9).
Por (3), x < c < b para todo x ∈ X, ou seja, c e uma cota superior de X
menor do que b = supX, o que e absurdo. Logo, bn = a. �
Observacao 5.9 Dado n ∈ N, a funcao f : [0,+∞) −→ [0,+∞) definida
por f(x) = xn e sobrejetiva, pois, pelo que acabamos de ver, para todo
a ≥ 0 existe b ≥ 0 tal que bn = a, e e injetiva, pois se 0 < x < y, entao,
pela monotonicidade da multiplicacao, 0 < xn < yn.
Logo, f e uma bijecao de [0,+∞) sobre si mesmo, e sua inversa
f−1 : [0,+∞) −→ [0,+∞) e dada por y −→ n√y, a unica raiz n−esima
nao-negativa de y.
Observacao 5.10 (Generalizacao do Lema de Pitagoras)
Dado n ∈ N. Se um numero natural m nao possui uma raiz n−esima
natural, tambem nao possui uma raiz n−esima racional.
De fato, sejam p, q numeros naturais primos entre si tais que(p
q
)n
= m.
Entao, pn = mqn.
Instituto de Matematica - UFF 55
Analise na Reta
Como pn e qn sao primos entre si e qn divide pn, temos que q = 1, ou
seja,p
q∈ N, o que e absurdo.
Entao, dados m,n ∈ N, se n√m 6∈ N entao n
√m ∈ I = R − Q, ou seja, n
√m
e um numero irracional.
Exemplo 5.9
•√2 ∈ I, pois 12 = 1 e 22 = 4 > 2, ou seja,
√2 6∈ N.
• 3√3 ∈ I, pois 13 = 1 e 23 = 8 > 3, ou seja, 3
√3 6∈ N.
• 3√6 ∈ I, pois 13 = 1 e 23 = 8 > 6, ou seja, 3
√6 6∈ N. �
Mostraremos, agora, que os numeros irracionais se acham espa-
lhados por toda parte entre os numeros reais e que ha mais numeros
irracionais do que racionais.
Definicao 5.5 Um conjunto X ⊂ R chama-se denso em R quando todo
intervalo aberto (a, b) contem algum ponto de X.
Exemplo 5.10 O conjunto X = R − Z e denso em R.
De fato, seja (a, b), a < b, um intervalo aberto de R. Entao, existe n0 ∈ Ztal que n0 < a e existe m0 ∈ Z, m0 > b. Logo,
(a, b) ∩ Z ⊂ {n0, . . . , n0 + (m0 − n0)} ,
que e um conjunto finito.
Como ja provamos que (a, b) e um conjunto infinito, temos que o conjunto
(a, b) ∩ (R − Z) e, tambem, infinito e, em particular, e nao-vazio. �
Teorema 5.1 O conjunto Q dos numeros racionais e o conjunto R − Qdos numeros irracionais sao densos em R.
Prova.
Seja (a, b), a < b, um intervalo aberto qualquer em R.
Afirmativa 1: Existe um numero racional em (a, b).
Como b− a > 0, existe p ∈ N tal que1
p< b− a.
Seja A =
{m ∈ Z
∣∣∣∣ mp ≥ b}
.
J. Delgado - K. Frensel56
Numeros reais
Como R e arquimediano, A e um conjunto nao-vazio de numeros inteiros,
limitado inferiormente por pb ∈ R, e, portanto limitado inferiormente por
um numero inteiro.
Entao, pelo Princıpio de Boa Ordenacao (ver pag. 42), existe m0 ∈ A tal
que m0 ≤ m para todo m ∈ A.
Logo, como m0 − 1 < m0, temos que m0 − 1 6∈ A, ou seja,m0 − 1
p< b.
Temos, tambem, que a <m0 − 1
p< b, pois, caso contrario,
m0 − 1
p≤ a < b ≤ m0
p,
o que acarretaria b− a ≤ m0
p−m0 − 1
p=1
p, uma contradicao.
Logo, a <m0 − 1
p< b, ou seja,
m0 − 1
p∈ (a, b) ∩Q.
Afirmativa 2: Existe um numero irracional em (a, b).
Vamos considerar primeiro o caso em que 0 6∈ (a, b), ou seja, 0 < a < b
ou a < b < 0.
Seja p ∈ N tal que1
p<b− a√2
, ou seja,√2
p< b− a.
Seja A =
{m ∈ Z
∣∣∣∣ √2mp ≥ b}
.
Como R e arquimediano, A e nao-vazio, limitado inferiormente porbp√2∈ R. Entao, existe m0 ∈ A tal que m0 ≤ m para todo m ∈ A. Sendo
m0 − 1 < m0, m0 − 1 6∈ A, ou seja,√2 (m0 − 1)
p< b .
Alem disso,√2 (m0 − 1)
p> a, pois, caso contrario,
√2 (m0 − 1)
p≤ a < b ≤
√2m0
p.
Entao, b − a ≤√2
p, o que e absurdo. Assim a <
√2 (m0 − 1)
p< b e
m0 − 1 6= 0, pois 0 6∈ (a, b).
Instituto de Matematica - UFF 57
Analise na Reta
Logo,√2(m0 − 1)
p∈ (R − Q) ∩ (a, b).
• Suponhamos, agora, que 0 ∈ (a, b). Neste caso, basta tomar p ∈ N tal
que1
p<
b√2
, ou seja,√2
p< b.
Como a < 0 <√2
p< b, temos que
√2
p∈ (R − Q) ∩ (a, b). �
Teorema 5.2 (Princıpio dos Intervalos Encaixados)
Seja I1 ⊃ I2 ⊃ . . . ⊃ In ⊃ . . . uma sequencia decrescente de intervalos
In = [an, bn] limitados e fechados.
Entao a intersecao⋂n∈N
In nao e vazia. Mais precisamente,
⋂n∈N
In = [a, b] ,
onde a = supan e b = infbn.
Prova.
Para cada n ∈ N, an ≤ an+1 ≤ bn+1 ≤ bn, pois In+1 = [an+1, bn+1] ⊂[an, bn] = In. Segue-se, entao, que
a1 ≤ a2 < . . . ≤ an ≤ . . . ≤ bm ≤ . . . ≤ b2 ≤ b1 ,
pois an ≤ bm quaisquer que sejam m,n ∈ N.
De fato, se m = n, an ≤ bn. Se n < m, an ≤ am ≤ bm, e se n > m,
an ≤ bn ≤ bm.
Sejam A = {an |n ∈ N} e B = {bn |n ∈ N}. Entao A e B sao subconjuntos
limitados de R, ja que: a1 e uma cota inferior e bm e uma cota superior de
A, para todo m ∈ N; e b1 e uma cota superior e am e uma cota inferior de
B, para todo m ∈ N.
Sejam a = supA e b = infB.
Como, para todo m ∈ N, bm e uma cota superior de A e am e uma cota
inferior de B, temos a ≤ bm e b ≥ am.
Logo, como a ≤ bm para todo m ∈ N, temos a ≤ b.
Entao, [a, b] ⊂ In, pois an ≤ a ≤ b ≤ bn, para todo n ∈ N.
J. Delgado - K. Frensel58
Numeros reais
Portanto, [a, b] ⊂⋂n∈N
In.
Precisamos ainda provar que⋂n∈N
In ⊂ [a, b]. Suponhamos que existe
x < a tal que x ∈ In para todo n ∈ N.
Sendo x ≥ an para todo n ∈ N, x e cota superior de A e, portanto, x ≥ a,
o que e uma contradicao.
De modo analogo, suponhamos que existe y > b tal que y ∈ In para todo
n ∈ N. Como y ≤ bn para todo n ∈ N, y e uma cota inferior de B. Logo,
b ≥ y, o qual e absurdo.
Temos, entao, que [a, b] =⋂n∈N
In. �
Teorema 5.3 O conjunto R dos numeros reais nao e enumeravel.
Prova.
Precisamos, antes, provar a seguinte:
Afirmac ao: Dados um intervalo limitado e fechado I = [a, b], a < b, e um
numero real x0, existe um intervalo limitado e fechado J = [c, d], c < d, tal
que J ⊂ I e x0 6∈ J.
De fato:
• se x0 6∈ I, tome J = I.
• suponha que x0 ∈ I. Se
◦ x0 = a, tome J =[a+ b
2, b]
;
◦ x0 = b, tome J =[a,a+ b
2
];
◦ a < x0 < b, tome J =[a,a+ x0
2
].
• Seja X = {x1, . . . , xn, . . .} um subconjunto enumeravel de R.
Vamos mostrar que existe x ∈ R tal que x 6∈ X.
Seja I1 um intervalo limitado, fechado e nao-degenerado tal que x1 6∈ I1.
Supondo que e possıvel obter intervalos I1 ⊃ I2 ⊃ . . . ⊃ In limitados,
fechados e nao-degenerados com xi 6∈ Ii para todo i = 1, . . . , n, podemos
Instituto de Matematica - UFF 59
Analise na Reta
obter um intervalo Ii+1 limitado, fechado e nao-degenerado tal que In+1 ⊂In e xn+1 6∈ In+1.
Isto nos fornece uma sequencia decrescente I1 ⊃ I2 ⊃ . . . ⊃ In ⊃ . . . de
intervalos fechados e limitados. Pelo teorema anterior, existe x ∈ In para
todo n ∈ N.
Como xn 6∈ In, para todo n ∈ N, temos que x 6= xn para todo n ∈ N.
Logo x ∈ R − X, ou seja, R nao e enumeravel. �
Corolario 5.1 Todo intervalo nao-degenerado de numeros reais e nao-
enumeravel.
Prova.
• Primeiro vamos provar que R =⋃n∈N
(n,n + 1], isto e, dado x ∈ R existe
n ∈ N tal que n < x ≤ n+ 1.
Seja A = {n ∈ Z | x ≤ n + 1}. Como A e um subconjunto nao-vazio de Zlimitado inferiormente, A possui um elemento mınimo n0.
Logo, n0 < x ≤ n0 + 1, pois n0 ∈ A e n0 − 1 6∈ A.
• Precisamos, tambem, verificar que a funcao f : (0, 1) −→ R definida por
f(x) = (b− a)x+ a e uma bijecao sobre o intervalo aberto (a, b). De fato:
◦ se 0 < x < 1, entao a < (b− a)x+ a < b .
◦ se f(x) = f(y), entao (b−a)x+a = (b−a)y+a, donde (b−a)x =
(b− a)y, ou seja, x = y.
◦ se y ∈ (a, b), entao x =y− a
b− a∈ (0, 1) e f(x) = y.
• Portanto, se provarmos que (0, 1) nao e enumeravel, entao todo intervalo
nao-degenerado e nao-enumeravel.
Suponhamos, por absurdo, que (0, 1) e enumeravel.
Entao, o intervalo (n,n + 1] tambem seria enumeravel, pois a funcao fn :
(0, 1] −→ (n,n + 1] definida por f(x) = x + n e uma bijecao para todo
n ∈ N.
Mas, assim, R =⋃n∈N
(n,n + 1] seria enumeravel por ser uma reuniao
J. Delgado - K. Frensel60
enumeravel dos conjuntos enumeraveis (n,n+ 1]. �
Corolario 5.2 O conjunto dos numeros irracionais nao e enumeravel.
Prova.
Como Q e enumeravel e R = Q ∪ (R − Q), entao R − Q nao e enu-
meravel, pois, caso contrario, R seria enumeravel por ser reuniao de dois
conjuntos enumeraveis. �
Instituto de Matematica - UFF 61
J. Delgado - K. Frensel62
Parte 3
Sequencias e s eries de numeros
reais
A nocao de limite tem um papel central no estudo da Analise Ma-
tematica, pois todos os conceitos e resultados importantes se referem a
limites direta ou indiretamente.
Instituto de Matematica - UFF 63
J. Delgado - K. Frensel64
Sequencias
1. Sequ encias
Definicao 1.1 Uma sequencia de numeros reais e uma funcao definida
no conjunto N dos numeros naturais e tomando valores no conjunto R dos
numeros reais.
Se x : N −→ R e uma sequencia de numeros reais, o valor x(n) sera
representado por xn e chamado o termo de ordem n ou n−esimo termo
da sequencia x.
Escreveremos (x1, x2, . . . , xn, . . .) ou (xn)n∈N ou (xn) para indicar a
sequencia x.
Observacao 1.1
• Nao se deve confundir a sequencia x com o conjunto de seus termos:
x(N) = {x1, x2, . . . , xn, . . .} ,
que pode ser finito, pois a sequencia x : N −→ R nao e necessariamente
injetiva.
Definicao 1.2 Quando a sequencia a : N −→ R for injetiva, ou seja,
xn 6= xm, se n 6= m, diremos que x e uma sequencia de termos dois a
dois distintos.
Definicao 1.3 Dizemos que uma sequencia (xn)n∈N e
• limitada superiormente quando existe um numero real b tal que xn ≤ bpara todo n ∈ N, ou seja, xn ∈ (−∞, b] para todo n ∈ N.
• limitada inferiormente quando existe um numero real a tal que a ≤ xn
para todo n ∈ N, ou seja, xn ∈ [a,+∞) para todo n ∈ N.
• limitada quando e limitada superior e inferiormente, ou seja, quando
existem a, b ∈ R tais que xn ∈ [a, b] para todo n ∈ N.
• ilimitada quando nao e limitada.
Observacao 1.2
• Todo intervalo [a, b] esta contido num intervalo centrado em 0 da forma
[−c, c] para algum c > 0. Basta tomar c = max{|a|, |b|}, pois −c ≤ a < b ≤c, ja que c ≥ |b| ≥ b e c ≥ |a| ≥ −a, ou seja −c ≤ a.
Instituto de Matematica - UFF 65
Analise na Reta
• Assim, uma sequencia e limitada se, e so se, existe c ∈ R?+ tal que
|xn| ≤ c para todo n ∈ N.
• Entao, (xn)n∈N e uma sequencia limitada se, e so se, (|xn|)n∈N e uma
sequencia limitada.
Definicao 1.4 Uma subsequencia da sequencia x = (xn)n∈N e a restricao
da funcao x : N −→ R a um subconjunto infinito N ′ = {n1 < n2 <
. . . < nk < . . .} de N. Escreve-se x ′ = (xn)n∈N ′ ou (xnk)k∈N ou
(xn1, xn2
, . . . , xnk) para indicar a subsequencia x ′ = x|N ′ .
Observacao 1.3 Lembremos que um subconjunto N ′ ⊂ N e infinito
se, e so se, e ilimitado, isto e, para todo m ∈ N existe n ∈ N ′ tal que
m < n. Neste caso, dizemos que N ′ contem numeros naturais arbitraria-
mente grandes.
Em particular, se existe n0 ∈ N tal que n ≥ n0 para todo n ∈ N ′, entao
N − N ′ e finito e, portanto, N ′ e infinito. Dizemos, neste caso, que N ′
contem todos os numeros naturais suficientemente grandes.
Observacao 1.4 Toda subsequencia de uma sequencia limitada e limi-
tada
Definicao 1.5
• Uma sequencia (xn)n∈N e crescente quando xn < xn+1 para todo n ∈ N,
ou seja, x1 < x2 < . . . < xn < . . .. Se xn ≤ xn+1 para todo n ∈ N, a
sequencia e nao-decrescente.
Note que: Uma sequencia cres-cente ou nao-decrescente e limi-
tada inferiormente pelo seu pri-meiro termo.
Note que: Uma sequencia de-crescente ou nao-crescente e li-
mitada superiormente pelo seuprimeiro termo.
• Uma sequencia (xn)n∈N e decrescente quando xn > xn+1 para todo
n ∈ N, ou seja, x1 > x2 > . . . > xn > . . .. Se xn ≥ xn+1 para todo n ∈ N, a
sequencia e nao-crescente.
• As sequencias crescentes, nao-decrescentes, decrescentes e nao-crescentes
sao chamadas sequencias monotonas.
Observacao 1.5 Uma sequencia monotona (xn)n∈N e limitada se, e so
se, possui uma subsequencia limitada.
Com efeito, vamos supor que x = (xn)n∈N e nao-decrescente e (xn)n∈N ′
e uma subsequencia limitada de x, ou seja, existe b ∈ R tal que xn ≤ b
J. Delgado - K. Frensel66
Sequencias
para todo n ∈ N ′. Como N ′ e ilimitado, dado n ∈ N existe m ∈ N ′ tal que
m > n.
Logo, x1 ≤ xn ≤ xm ≤ b. Assim, x1 ≤ xn ≤ b para todo n ∈ N.
Analisaremos agora alguns exemplos de sequencias.
Exemplo 1.1 xn = 1 para todo n ∈ N, ou seja, (xn)n∈N e uma sequencia
constante. Entao, ela e limitada nao-decrescente e nao-crescente. �
Exemplo 1.2 Se xn = n para todo n ∈ N, a sequencia (xn)n∈N e limi-
tada inferiormente, ilimitada superiormente e monotona crescente. �
Exemplo 1.3 xn = 0 para todo n par e xn = 1 para n ımpar. Essa
sequencia e limitada e nao e monotona. Observe que a sequencia se
define, tambem, pelas formulas xn =1+ (−1)n
2ou xn = sen2
(nπ
2
).�
Exemplo 1.4 Se xn =1
npara todo n ∈ N, entao x =
(1,1
2, . . . ,
1
n, . . .
)e uma sequencia limitada e decrescente, pois xn ∈ (0, 1] e xn+1 < xn para
todo n ∈ N.�
Exemplo 1.5 Seja x = (xn)n∈N, onde xn =n(1+ (−1)n+1)
2para todo
n ∈ N. Entao xn = 0 para n par e xn = n para n ımpar, ou seja, x =
(1, 0, 3, 0, 5, . . .). Ela e ilimitada superiormente, limitada inferiormente e
nao e monotona, mas seus termos de ındice ımpar x2n−1 = 2n−1 formam
uma subsequencia monotona crescente ilimitada superiormente e seus
termos de ındice par x2n = 0 formam uma subsequencia constante. �
Exemplo 1.6 Seja a ∈ R e consideremos a sequencia xn = an, n ∈ N.
• se a = 0 ou a = 1, entao xn = 0 para todo n ∈ N ou xn = 1 para todo
n ∈ N, respectivamente. Nestes casos, (xn)n∈N e constante.
• Se 0 < a < 1, entao an+1 < an e 0 < an < 1 para todo n ∈ N, ou seja,
(xn)n∈N e decrescente e limitada.
• Se −1 < a < 0, entao a sequencia nao e monotona, pois seus termos
sao alternadamente positivos e negativos, mas continua sendo limitada,
pois |an| = |a|n, com 0 < |a| < 1.
Instituto de Matematica - UFF 67
Analise na Reta
• Se a = −1, entao a sequencia (an)n∈N e (−1, 1,−1, 1, . . .) e e, portanto,
limitada, mas nao e monotona.
• Se a > 1, entao a sequencia (an)n∈N e monotona crescente e ilimitada
superiormente.
De fato:
◦ Como a > 1 e an > 0, temos que a ·an > 1 ·an, ou seja, an+1 > an
para todo n ∈ N.
◦ Seja h > 0 tal que a = 1 + h. Entao, pela desigualdade de Ber-
noulli, an = (1+h)n ≥ 1+nh. Dado b ∈ R, existe n ∈ N, tal que n >b− 1
h.
Logo, an ≥ 1+ nh > b.
• se a < −1, a sequencia nao e monotona, pois seus termos sao al-
ternadamente positivos e negativos, e nao e limitada superiormente nem
inferiormente.
De fato:
◦ Os termos de ordem par x2n = a2n = (a2)n formam uma sub-
sequencia monotona crescente ilimitada superiormente pois a2 > 1.
◦ Os termos de ordem ımpar x2n−1 = a2n−1 =a2n
aformam uma
subsequencia decrescente ilimitada inferiormente, pois a < 0 e (a2n)n∈N
e uma sequencia crescente ilimitada superiormente. �
Exemplo 1.7 Dado a ∈ N, 0 < a < 1, seja
xn = 1+ a+ . . .+ an =1− an+1
1− a
para todo n ∈ N.
Entao, (xn)n∈N e uma sequencia crescente, pois xn+1 = xn + an+1 > xn
para todo n ∈ N; e e limitada, pois 1 < xn <1
1− apara todo n ∈ N.
Em particular, se a =1
2, temos que 1+
1
2+. . .+
1
2n=1−
1
2n+1
1−1
2
<1
1−1
2
= 2
para todo n ∈ N. �
J. Delgado - K. Frensel68
Sequencias
Exemplo 1.8 Seja an = 1 +1
1!+1
2!+ . . . +
1
n!, n ∈ N. A sequencia
(an)n∈N e crescente e e limitada, pois
an < 1+ 1+1
2+
1
2 · 2+ . . .+
1
2n−1< 1+ 2 = 3 ,
para todo n ∈ N. �
Exemplo 1.9 Seja bn =(1+
1
n
)n
, n ∈ N. A formula do binomio de
Newton (que pode ser provada por inducao) nos da
bn =(1+
1
n
)n
= 1+ n · 1n
+n(n− 1)
2!· 1n2
+n(n− 1)(n− 2)
3!· 1n3
+ . . .+n(n− 1) . . . 2 · 1
n!· 1nn,
ou seja,
bn = 1+ 1+1
2!
(1−
1
n
)+1
3!
(1−
1
n
)(1−
2
n
)+ . . .
+1
n!
(1−
1
n
)(1−
2
n
). . .(1−
n− 1
n
).
Como 1 −j
n> 0, para 1 ≤ j ≤ n − 1, temos que cada bn e uma
soma de parcelas positivas. Alem disso,cada parcela cresce com n, pois(1−
j
n+ 1
)>(1−
j
n
), 1 ≤ j ≤ n − 1, e, tambem, o numero de parcelas
cresce com n.
Logo, bn+1 > bn para todo n ∈ N, ou seja, (bn)n∈N e uma sequencia
crescente.
Observe ainda que (bn)n∈N e uma sequencia limitada, pois
0 < bn < 1+ 1+1
2!+1
3!+ . . .+
1
n!< 3 ,
para todo n ∈ N. �
Importante: Provaremos depoisque as sequencias (an)n∈N e
(bn)n∈N dos exemplos 1.8 e 1.9
convergem para o numero e.
Nota: Dados a, b ∈ R, a < b,
sua media aritmetica a+b2
e ob-
tida somando-se ao numero a ametade da distancia b−a
2de a a
b, ou subtraindo-se b−a2
de b.
Exemplo 1.10 Seja x1 = 0, x2 = 1 e xn+2 =1
2(xn + xn+1), para todo
n ∈ N. A sequencia que se obtem e(0 , 1 ,
1
2,3
4,5
8,11
16, . . .
).
Instituto de Matematica - UFF 69
Analise na Reta
Segue-se que os termos desta sequencia sao:
x1 = 0 ,
x2 = 1 ,
x3 = 1−1
2=1
2,
x4 = 1−1
2+1
4= 1−
1
4,
x5 = 1−1
2+1
4−1
8=1
2+1
8=1
2
(1+
1
4
),
x6 = 1−1
2+1
4−1
8+1
16= 1−
1
4−1
16= 1−
(1
4+1
42
),
etc
Provaremos alguns fatos para obter a formula geral dos termos de ordem
par e de ordem ımpar.
Afirmac ao 1: xn+1 − xn = (−1)n+1 · 1
2n−1, para todo n ∈ N.
De fato:
◦ Se n = 1, x2 − x1 = 1− 0 = 1 = (−1)2 · 120
.
◦ Suponhamos que a afirmacao seja valida para n. Entao
xn+2 − xn+1 =1
2(xn + xn+1) − xn+1 =
1
2(xn − xn+1)
= −1
2(xn+1 − xn) = −
1
2(−1)n+1 · 1
2n−1
= (−1)n+2 · 12n
= (−1)(n+1)+1 1
2(n+1)−1.
Note que:
• Se n e par, xn+1 < xn e, portanto, xn+1 < xn+2 < xn, pois
xn+1 − xn = (−1)n+1 · 1
2n−1< 0 .
• Se n e ımpar, xn < xn+1, e, portanto, xn < xn+2 < xn+1, pois
xn+1 − xn = (−1)n+1 1
2n−1> 0 .
Fig. 1: Posicionamento dos pontos da sequencia (xn)n∈N.
J. Delgado - K. Frensel70
Sequencias
Afirmac ao 2: x2n+1 =1
2
(1+
1
4+ . . .+
1
4n−1
)para todo n ∈ N.
De fato:
◦ Se n = 1, x3 =0+ 1
2=1
2=1
2· 1 .
◦ Suponhamos a afirmacao verdadeira para n.
Entao, como x2n+1 < x2n+3 < x2n+2, temos que
x2(n+1)+1 = x2n+3 = x2n+1 +1
2(x2n+2 − x2n+1)
=1
2
(1+
1
4+ . . .+
1
4n−1
)+1
2· (−1)2n+2
22n
=1
2
(1+
1
4+ . . .+
1
4n−1
)+1
2· 14n
=1
2
(1+
1
4+ . . .+
1
4n−1+1
4n
).
Afirmac ao 3: x2n = 1−(1
4+ . . .+
1
4n−1
)para todo n ∈ N, n ≥ 2.
De fato:
◦ Se n = 2, x4 = 1−1
4.
◦ Suponhamos que a igualdade seja valida para n.
Entao, como x2n+1 < x2(n+1) < x2n, temos que
x2n+2 = x2n −1
2(x2n − x2n+1) = x2n +
1
2(x2n+1 − x2n)
= 1−(1
4+ . . .+
1
4n−1
)+
(−1)2n+1
2 · 22n−1= 1−
(1
4+ . . .+
1
4n−1
)−1
4n
= 1−(1
4+ . . .+
1
4n−1+1
4n
).
• Assim, como
1+1
4+ . . .+
1
4n−1+1
4n=1−
1
4n+1
1−1
4
<1
1−1
4
=4
3,
para todo n ∈ N, temos que
0 ≤ x2n+1 <1
2· 43
=4
6< 1 ,
para todo n ≥ 0, e
1 ≥ x2n > 1+(1−
4
3
)=2
3, para todo n ≥ 1.
Instituto de Matematica - UFF 71
Analise na Reta
Logo, 0 ≤ xn ≤ 1 para todo n ∈ N, ou seja, a sequencia (xn)n∈N e limi-
tada, sendo (x2n+1)n∈N uma subsequencia crescente e (x2n)n ∈ N uma
subsequencia decrescente. �
Exemplo 1.11 Seja xn = n√n para todo n ∈ N.
A sequencia (xn)n∈N e decrescente a partir do seu terceiro termo, pois,
como(1+
1
n
)n
< 3 para todo n ∈ N,(1+
1
n
)n
< n para todo n ≥ 3.
Logo,(n+ 1)n
nn< n, ou seja, (n+ 1)n < nn+1.
Assim, n+1√n+ 1 < n
√n para todo n ≥ 3.
Como 1 = x1 <√2 = x2 <
3√3 = x3 e 0 < xn ≤ x3 =
3√3 para todo n ∈ N,
concluımos tambem que (xn)n∈N e limitada. �
2. Limite de uma sequ encia
Definicao 2.1 Dizemos que o numero real a e limite da sequencia (xn)n∈N
de numeros reais, e escrevemos
a = limn→∞ xn ,
quando para cada numero real ε > 0 e possıvel obter um numero natural
n0 tal que
|xn − a| < ε ,
para todo n > n0.
Simbolicamente, temos que
a = limn→∞ ⇐⇒ ∀ ε > 0 ∃n0 ∈ N ; |xn − a| < ε , ∀n > n0
ou seja,
a = limn→∞ ⇐⇒ ∀ ε > 0 ∃n0 ∈ N ; xn ∈ (a− ε, a+ ε) , ∀n > n0
Assim, a = limn→∞ xn se, e so se, todo intervalo aberto de centro a
contem todos os termos xn da sequencia, salvo, talvez, para um numero
finito de ındices n.
J. Delgado - K. Frensel72
Limite de uma sequencia
Observacao 2.1
• Quando limn→∞ xn = a, dizemos que a sequencia (xn)n∈N converge para a
ou tende para a e escrevemos, tambem, xn −→ a.
•Uma sequencia que possui limite chama-se convergente. Caso contrario,
chama-se divergente, ou seja, uma sequencia (xn)n∈N e divergente se,
para nenhum numero real a, e verdade que limn→∞ xn = a.
• limn→∞ xn 6= a se, e so se, existe ε0 > 0 tal que para todo n0 ∈ N existe
n1 > n0 com |xn1− a| ≥ ε0.
Teorema 2.1 (Unicidade do Limite)
Se a = limn→∞ xn e b = lim
n→∞ xn, entao a = b.
Prova.
Suponhamos a 6= b e seja ε =1
2|b− a| > 0. Temos que:
• (a − ε, a + ε) ∩ (b − ε, b + ε) = ∅, pois se existisse x ∈ (a − ε, a + ε) ∩(b− ε, b+ ε), terıamos que:
|b− a| = |b− x+ x− a| ≤ |b− x| + |x− a| < ε+ ε = 2ε = |b− a| .
• Existe n0 ∈ N tal que xn ∈ (a− ε, a+ ε) para todo n > n0.
Logo, xn 6∈ (b− ε, b+ ε) para todo n > n0. Entao limn→∞ xn 6= b. �
Teorema 2.2 Se limn→∞ xn = a entao toda subsequencia de (xn)n∈N con-
verge para a.
Prova.
Seja (xnk)k∈N uma subsequencia de (xn)n∈N. Dado ε > 0, existe n0 ∈ N
tal que |xn − a| < ε para todo n > n0.
Como o conjunto N ′ = {n1 < n2 < . . . < nk < . . .} e ilimitado, existe k0 ∈ Ntal que nk0
> n0.
Logo, nk > nk0> n0 e |xnk
− a| < ε para todo k > k0. �
Corolario 2.1 Se limn→∞ xn = a entao, para todo k ∈ N, lim
n→∞ xn+k = a.
Instituto de Matematica - UFF 73
Analise na Reta
Prova.
De fato, ( x1+k , x2+k , . . . , xn+k , . . . ) e uma subsequencia de (xn)n∈N e,
portanto, converge para a.�
Observacao 2.2
• O limite de uma sequencia nao se altera quando dela se omite um
numero finito de termos. Ou melhor, pelo teorema 2.2, o limite se mantem
quando se omite um numero infinito de termos desde que reste ainda um
numero infinito de ındices.
Exercıcio 12: Se (xn+k)n∈Nconverge para a, para algum k ∈N, entao xn −→ a.
• Se (xn)n∈N possui duas subsequencias com limites distintos entao (xn)n∈N
e divergente.
• Se (xn)n∈N converge e a subsequencia (xnk)k∈N converge para a, entao
xn −→ a.
Teorema 2.3 Toda sequencia convergente e limitada.
Prova.
Seja a = limn→∞ xn e tome ε = 1. Entao, existe n0 ∈ N tal que xn ∈
(a− 1, a+ 1) para todo n > n0.
Sejam A = {a − 1, a + 1, x1, . . . , xn0}, M = maxA e m = minA. Entao
m ≤ xn ≤M para todo n ∈ N, ou seja, (xn)n∈N e limitada.�
Observacao 2.3 A recıproca do teorema anterior nao e verdadeira. Por
exemplo, a sequencia (0, 1, 0, 1, 0, 1, . . .) e limitada, mas nao e conver-
gente, pois x2n = 1 −→ 1 e x2n−1 = 0 −→ 0, ou seja (xn)n∈N possui
duas subsequencias que convergem para limites diferentes.
Observacao 2.4 Se uma sequencia nao e limitada, ela nao e conver-
gente.
Teorema 2.4 Toda sequencia monotona limitada e convergente.
Prova.
Suponhamos que (xn)n∈N e nao-decrescente, isto e, xn ≤ xn+1 para todo
n ∈ N.
Seja b ∈ R tal que xn ≤ b para todo n ∈ N e seja a = sup{xn |n ∈ N}.
J. Delgado - K. Frensel74
Limite de uma sequencia
Vamos mostrar que a = limn→∞ xn.
Dado ε > 0, como a − ε < a, a − ε nao e cota superior do conjunto dos
termos da sequencia. Logo, existe n0 ∈ N tal que a− ε < xn0≤ a. Como
xn ≥ xn0, para todo n ≥ n0, temos
a− ε < xn0≤ xn ≤ a < a+ ε para todo n ≥ n0.
Assim, limn→∞ xn = a.
De modo analogo, podemos provar que se (xn)n∈N e nao-crescente, entao
limn→∞ xn = inf{xn |n ∈ N}.�
Corolario 2.2 Se uma sequencia monotona (xn)n∈N possui uma sub-
sequencia convergente, entao (xn)n∈N e convergente.
Prova.
Pela observacao 1.5, temos que a sequencia monotona (xn)n∈N e limi-
tada porque possui uma subsequencia convergente e, portanto limitada.
Entao, pelo teorema anterior, (xn)n∈N e convergente.�
Reexaminaremos os exemplos anteriores quanto a convergencia.
Exemplo 2.1 Toda sequencia constante, xn = a, n ∈ N, e convergente
e tem limite a.�
Exemplo 2.2 A sequencia de termo geral xn = n, n ∈ N, nao e conver-
gente porque nao e limitada.�
Exemplo 2.3 A sequencia (1, 0, 1, 0, . . .), onde xn =1+ (−1)n+1
2, n ∈ N,
e divergente porque possui duas subsequencias (x2n)n∈N e (x2n−1)n∈N que
convergem para limites diferentes.�
Exemplo 2.4 A sequencia(1
n
)n∈N
tem limite zero.
De fato, dado ε > 0 existe n0 ∈ N tal que1
n0< ε.
Entao, −ε <1
n<
1
n0< ε, para todo n > n0. �
Instituto de Matematica - UFF 75
Analise na Reta
Exemplo 2.5 A sequencia (1, 0, 2, 0, 3, 0, . . . , 0, n, 0, n + 1, 0, . . .) nao e
convergente porque possui uma subsequencia, (x2n−1)n∈N , ilimitada.�
Exemplo 2.6 Sejam a ∈ R e a sequencia (an)n∈N. Entao:
• Se a = 1 ou a = 0, a sequencia constante (an)n∈N converge e tem limite
1 e 0, respectivamente.
• Se a = −1, a sequencia (−1, 1,−1, 1, . . .) e divergente, pois possui duas
subsequencias, (x2n)n∈N e (x2n−1)n∈N, que convergem para limites dife-
rentes.
• Se a > 1, a sequencia (an)n∈N e divergente, pois e crescente e ilimitada
superiormente.
• Se a < −1, a sequencia (an)n∈N e divergente, pois nao e limitada supe-
riormente nem inferiormente.
• Se 0 < a < 1, a sequencia (an)n∈N e decrescente e limitada, logo,
convergente. Alem disso, limn→∞an = 0.
Com efeito, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que1
an>1
εpara todo n ≥ n0,
pois a sequencia((
1
a
)n)
n∈Ne crescente e ilimitada superiormente, ja
que1
a> 1. Logo, −ε < an < ε ∀n ≥ n0.
• Se −1 < a < 0, limn→∞an = 0, pois lim
n→∞ |an| = limn→∞ |a|n = 0, ja que
0 < |a| < 1.�
Observacao 2.5 limn→∞ xn = 0 ⇐⇒ lim
n→∞ |xn| = 0.
Exemplo 2.7 Se 0 < a < 1, a sequencia (xn)n∈N, onde
xn = 1+ a+ . . .+ an =1− an+1
1− a,
e convergente porque e crescente e limitada superiormente. Alem disso,
limn→∞ xn =
1
1− a.
De fato, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que |an| < ε(1−a) para todo n > n0.
Logo,∣∣∣xn −
1
1− a
∣∣∣ = |an+1|
|1− a|< ε para todo n ≥ n0.
J. Delgado - K. Frensel76
Limite de uma sequencia
O mesmo vale para a tal que 0 ≤ |a| ≤ 1, ou seja, limn→∞ xn =
1
1− a, apesar
de (xn)n∈N nao ser monotona para −1 < a < 0. �
Exemplo 2.8 Sejam an = 1+1
1!+1
2!+ . . .+
1
n!+ . . . e bn =
(1+
1
n
)n
,
para todo n ∈ N.
Como as sequencias (an)n∈N e (bn)n∈N sao crescentes e limitadas, elas
sao convergentes.
Mostraremos depois que limn→∞an = lim
n→∞bn = e, onde e e a base dos
logaritmos naturais.�
Exemplo 2.9 Seja (xn)n∈N a sequencia dada por
x1 = 0 , x2 = 1 e xn+2 =xn + xn+1
2, n ∈ N.
Ja vimos que:
x2n+1 =1
2
(1+
1
4+ . . .+
1
4n−1
)=1
2
1−
(1
4
)n
1−1
4
=2
3
(1−
1
4n
),
e
x2n = 1−(1
4+ . . .+
1
4n−1
)= 2−
(1+
1
4+ . . .+
1
4n−1
)= 2−
1−1
4n
1−1
4
= 2−4
3
(1−
1
4n
)=2
3+4
3· 14n.
Entao a subsequencia (x2n−1)n∈N e crescente limitada superiormente e a
subsequencia (x2n)n∈N e decrescente limitada inferiormente.
Afirmac ao 1: limn→∞ x2n−1 =
2
3.
Com efeito, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que1
4n< ε, para todo n > n0,
pois limn→∞ 1
4n= 0, ja que 0 <
1
4< 1 .
Logo,∣∣∣x2n+1 −
2
3
∣∣∣ = 2
3
(1
4n
)< ε para todo n > n0.
Afirmac ao 2: limn→∞ x2n =
2
3.
Instituto de Matematica - UFF 77
Analise na Reta
Dado ε > 0 , ∃n0 ∈ N tal que1
4n<3
4ε para todo n ≥ n0.
Assim,∣∣∣x2n −
2
3
∣∣∣ = 4
3· 14n< ε para todo n ≥ n0.
Afirmac ao 3: Se limn→∞ x2n+1 = lim
n→∞ x2n = a entao limn→∞ xn = a.
De fato, dado ε > 0 existem n1, n2 ∈ N tais que |xn − a| < ε se n > n1, n
par, e |xn − a| < ε se n > n2, n ımpar.
Seja n0 = max{n1, n2}. Entao, |xn − a| < ε para todo n > n0, pois n >
n0 ≥ n1 e n > n0 ≥ n2.
Pelas 3 afirmacoes acima, temos que a sequencia (xn)n∈N e convergente
e limn→∞ xn =
2
3. �
Exemplo 2.10 Como a sequencia ( n√n)n∈N e decrescente a partir do
terceiro termo e e limitada inferiormente por 0, temos que ( n√n)n∈N e con-
vergente. Mostraremos depois que limn→∞ n
√n = 1 .�
3. Propriedades aritm eticas dos limites
Teorema 3.1 Se limn→∞ xn = 0 e (yn)n∈N e uma sequencia limitada, entao
limn→∞(xn yn) = 0.
Prova.
Seja c ∈ R, c > 0, tal que |yn| < c para todo n ∈ N.
Dado ε > 0 existe n0 ∈ N tal que |xn| <ε
cpara todo n > n0. Logo,
|xn yn| < c · εc
= ε para todo n > n0.
Isso mostra que limn→∞(xn yn) = 0. �
Exemplo 3.1 Para todo x ∈ N, limn→∞ sen(nx)
n= 0, pois a sequencia
(sen(nx))n∈N e limitada ja que | sen(nx)| ≤ 1, e a sequencia(1
n
)n∈N
con-
verge para zero. �
J. Delgado - K. Frensel78
Propriedades aritmeticas dos limites
Observacao 3.1 Se limn→∞yn = b e b 6= 0, entao existe n0 ∈ N tal que
yn 6= 0 para todo n > n0.
De fato, seja ε = |b| > 0. Entao existe n0 ∈ N tal que yn ∈ (b− |b|, b+ |b|)
para todo n > n0, ou seja, b − |b| < yn < b + |b| para todo n > n0. Logo,
yn > b − |b| = b − b = 0 para todo n > n0, se b > 0, ou yn < b + |b| =
b− b = 0 para todo n > n0, se b < 0. Assim, yn 6= 0 para todo n > n0, se
b 6= 0.
No item 3 do teorema abaixo, vamos considerar a sequencia(xn
yn
)n∈N
a partir de seu n0−esimo termo, onde n0 ∈ N e tal que yn 6= 0 se n ≥ n0.
Teorema 3.2 Se limn→∞ xn = a e lim
n→∞yn = b, entao:
(1) limn→∞(xn + yn) = a+ b ; lim
n→∞(xn − yn) = a− b ;
(2) limn→∞(xn · yn) = a · b ;
(3) limxn
yn=a
b, se b 6= 0.
Prova.
(1) Dado ε > 0 existem n1, n2 ∈ N tais que
|xn − a| <ε
2para n > n1 ,
|yn − b| <ε
2para n > n2 .
Seja n0 = max{n1, n2}. Entao,
|(xn + yn) − (a+ b)| = |(xn − a) + (yn − b)|
≤ |xn − a| + |yn − b|
<ε
2+ε
2= ε
para todo n > n0.
Se prova, de modo analogo, que (xn − yn) −→ (a− b) .
(2) Como xnyn − ab = xnyn − xnb + xnb − ab = xn(yn − b) + (xn − a)b,
limn→∞(xn −a) = lim
n→∞(yn −b) = 0 e (xn)n∈N e limitada, por ser convergente,
temos que limn→∞ xn(yn − b) = lim
n→∞(xn − a)b = 0, pelo teorema 3.1.
Instituto de Matematica - UFF 79
Analise na Reta
Logo, pelo item (1),
limn→∞(xnyn − ab) = lim
n→∞ xn(yn − b) + limn→∞(xn − a)b = 0 .
Assim, limn→∞ xnyn = ab .
(3) Pelo item (2), limn→∞ynb = b2. Entao, dado ε =
b2
2, existe n0 ∈ N tal que
ynb > b2 −
b2
2=b2
2> 0 para todo n > n0.
Segue-se que 0 <1
ynb<2
b2para todo n > n0.
Logo, a sequencia(
1
ynb
)n∈N
e limitada.
Assim,
limn→∞
(xn
yn−a
b
)= lim
n→∞ xnb− yna
ynb= 0
pelo teorema 3.1, pois limn→∞(xnb − yna) = ab − ba = 0, pelos itens (1) e
(2), e(
1
ynb
)n≥n0
e limitada.
Logo, limn→∞ xnyn =
a
b. �
Observacao 3.2 Resultados analogos aos itens (1) e (2) do teorema
anterior valem, tambem, para um numero finito qualquer de sequencias.
Mas, o resultado nao se aplica para somas, ou produtos, em que o numero
de parcelas, ou fatores, e variavel e cresce acima de qualquer limite.
Por exemplo, seja sn =1
n+ . . .+
1
n(n parcelas).
Entao, sn = 1 para todo n ∈ N e, portanto, limn→∞ sn = 1.
Assim, limn→∞ sn 6= lim
n→∞ 1
n+ . . .+ lim
n→∞ 1
n= 0+ . . .+ 0 = 0.
Exemplo 3.2 Seja a sequencia (xn)n∈N, onde xn = n√a , a > 0.
• Se a = 1, n√a = 1 para todo n ∈ N, logo, lim
n→∞ n√a = 1.
Sejam b = n+1√a e c = n
√a, ou seja, bn+1 = cn = a .
J. Delgado - K. Frensel80
Propriedades aritmeticas dos limites
• Se a > 1, entao n√a e decrescente e limitada.
De fato, b = n+1√a > 1, pois bn+1 = a > 1, e bn < bnb = bn+1 = cn.
Logo, b < c, ou seja, n+1√a < n
√a, e n
√a > 1 para todo n ∈ N.
• Se 0 < a < 1, entao n√a e crescente e limitada.
De fato, b = n+1√a < 1, pois bn+1 = a < 1, e bn > bnb = bn+1 = cn.
Logo, b > c, ou seja, n+1√a > n
√a e n
√a < 1 para todo n ∈ N.
Como, para todo a > 0, a sequencia ( n√a)n∈N e monotona e limitada,
temos, pelo teorema 2.4, que existe limn→∞ n
√a = `.
Afirmac ao: limn→∞ n
√a = ` > 0.
Se a > 1, limn→∞ n
√a = inf{ n
√a |n ∈ N} ≥ 1, pois ( n
√a)n∈N e decrescente e 1
e uma cota inferior.
Se 0 < a < 1, limn→∞ n
√a = sup{ n
√a |n ∈ N} ≥ a, pois ( n
√a)n∈N e crescente
e n√a ≥ a para todo n ∈ N.
Afirmac ao: limn→∞ n
√a = 1.
Consideremos a subsequencia (a1
n(n+1) )n∈N = (a1n
− 1n+1 )n∈N. Pelo teorema
2.2 e pelo item (3) do teorema 3.2, obtemos:
` = limn→∞a
1n(n+1) = lim
n→∞a1n
− 1n+1 = lim
n→∞ a1n
a1
n+1
=`
`= 1 .
�
Exemplo 3.3 Podemos, agora, mostrar que limn→∞ n
√n = 1.
Como ( n√n)n∈N e uma sequencia decrescente a partir de seu terceiro
termo e n√n ≥ 1 para todo n ∈ N, temos que
` = limn→∞ n√n = inf{ n
√n |n ≥ 3} ≥ 1 .
Tomando a subsequencia ((2n)1
2n )n∈N, obtemos que
`2 = limn→∞
[(2n)
12n
]2= lim
n→∞(2n)1n = lim
n→∞[2
1n · n
1n
]= lim
n→∞ 21n · lim
n→∞n1n = 1 · ` = ` .
Sendo ` 6= 0 e `2 = `, temos que ` = 1. �
Instituto de Matematica - UFF 81
Analise na Reta
Exemplo 3.4 Seja limn→∞yn = 0.
• Se a sequencia(xn
yn
)n∈N
e convergente ou, pelo menos, limitada, entao
limn→∞ xn = 0, pois
limn→∞ xn = lim
n→∞[yn
xn
yn
]= 0 .
Portanto, se limn→∞yn = 0 e a sequencia (xn)n∈N diverge ou converge para
um limite diferente de zero, entao a sequencia(xn
yn
)n∈N
e divergente e
ilimitada.
• Suponhamos agora que limn→∞ xn = lim
n→∞yn = 0. Neste caso, a sequencia(xn
yn
)n∈N
pode ser convergente ou nao. Por exemplo:
◦ se xn =1
ne yn =
1
an, a 6= 0, entao
xn
yn= a −→ a.
◦ se xn =(−1)n
ne yn =
1
n, entao a sequencia
(xn
yn
)n∈N
e diver-
gente, poisxn
yn= (−1)n.
◦ se xn =1
ne yn =
1
n2, entao a sequencia
(xn
yn
)n∈N
nao converge,
poisxn
yn= n. �
Teorema 3.3 (Permanencia do sinal)
Se limn−→∞ xn = a > 0, existe n0 ∈ N tal que xn > 0 para todo n ≥ n0.
Prova.
Dado ε =a
2> 0, existe n0 ∈ N tal que a −
a
2< xn < a +
a
2para todo
n ≥ n0. Logo, xn > a−a
2=a
2> 0 para todo n ≥ n0. �
Observacao 3.3 De modo analogo, se xn −→ a < 0, existe n0 ∈ N tal
que xn < 0 para todo n ≥ 0.
J. Delgado - K. Frensel82
Propriedades aritmeticas dos limites
Corolario 3.1 Sejam (xn)n∈N e (yn)n∈N sequencias convergentes. Se
xn ≤ yn para todo n ∈ N, entao limn→∞ xn ≤ lim
n→∞yn
Prova.
Suponhamos, por absurdo, que limn→∞ xn > lim
n→∞yn.
Entao, limn→∞(xn − yn) = lim
n→∞ xn − limn→∞yn > 0. Logo, existe n0 ∈ N tal
que xn − yn > 0, ou seja, xn > yn para todo n ≥ n0. o que contradiz a
hipotese.�
Observacao 3.4 Quando xn < yn para todo n ∈ N, nao se pode ga-
rantir que limn→∞ xn < lim
n→∞yn.
Por exemplo, tome xn = 0 e yn =1
n, ou xn =
1
n2e yn =
1
n.
Corolario 3.2 Se (xn)n→∞ uma sequencia convergente. Se xn ≥ a para
todo n ∈ N, entao limn→∞ xn ≥ a .
Teorema 3.4 (Teorema do Sandwiche)
Se xn ≤ zn ≤ yn para todo n ∈ N e limn→∞ xn = lim
n→∞yn = a , entao
limn→∞ zn = a.
Prova.
Dado ε > 0, existem n1, n2 ∈ N tais que a − ε < xn < a + ε para todo
n ≥ n1 e a− ε < yn < a+ ε para todo n ≥ n2.
Seja n0 = max{n1, n2}. Entao,a − ε < xn ≤ zn ≤ yn < a + ε para todo
n ≥ n0.
Logo, limn→∞ zn = a. �
Exemplo 3.5 Sejam an = 1+1
1!+1
2!+ . . .+
1
n!e bn =
(1+
1
n
)n
, n ∈ N.
Ja provamos antes que as sequencias (an)n∈N e (bn)n∈N sao crescentes
e limitadas, e que bn < an para todo n ∈ N.
Entao, limn→∞bn ≤ lim
n→∞an = e. Por outro lado, fixando p ∈ N, temos, para
todo n > p,
Instituto de Matematica - UFF 83
Analise na Reta
bn = 1+ 1+1
2!
(1−
1
n
)+1
3!
(1−
1
n
)(1−
2
n
)+ . . .
+1
n!
(1−
1
n
)(1−
2
n
). . .(1−
n− 1
n
)≥ 1+ 1+
1
2!
(1−
1
n
)+1
3!
(1−
1
n
)(1−
2
n
)+ . . .
+1
p!
(1−
1
n
). . .(1−
p− 1
n
).
Fazendo n −→ ∞ e mantendo p fixo, o lado direito da desigualdade acima
tende para ap.
Logo, limn→∞bn ≥ ap para todo p ∈ N e, portanto, lim
n→∞bn ≥ limp→∞ap .
Obtemos, entao, que
limn→∞
(1+
1
n
)n
= limn→∞
(1+
1
1!+1
2!+ . . .+
1
n!
)= e .
�
Notac ao: no seguinte, escrevere-
mos as sequencias na forma (xn)
mais simples do que (xn)n∈N e
os limites limn→∞ xn, tambem, na
forma mais simples lim xn, desdeque nao surjam ambiguidades.
4. Subsequ encias
O numero real a e o limite da sequencia x = (xn) se, e so se, para
todo ε > 0 o conjunto
x−1(a− ε, a+ ε) = {n ∈ N | xn ∈ (a− ε, a+ ε) }
tem complementar finito em N.
Para subsequencias, temos o seguinte resultado:
Teorema 4.1 Um numero real a e o limite de uma subsequencia de
(xn) se, e so se, para todo ε > 0, o conjunto dos ındices n tais que xn ∈(a− ε, a+ ε) e infinito.
Prova.
(=⇒) Seja a = limn∈N ′
xn, onde N ′ = {n1 < n2 < . . . < nk < . . .}. Entao,
para todo ε > 0, existe k0 ∈ N tal que xnk∈ (a−ε, a+ε) para todo k > k0.
Como o conjunto {nk | k > k0} e infinito, existem infinitos n ∈ N tais que
xn ∈ (a− ε, a+ ε).
(⇐=) Para ε = 1, existe n1 ∈ N tal que xn1∈ (a− 1, a+ 1).
J. Delgado - K. Frensel84
Subsequencias
Suponhamos, por inducao, que n1 < n2 < . . . < nk foram escolhidos de
modo que xni∈(a−
1
i, a+
1
i
), para i = 1, . . . , k.
Seja ε =1
k+ 1> 0. Como o conjunto
{n ∈ N | xn ∈
(a−
1
k+ 1, a+
1
k+ 1
)}e infinito, existe nk+1 ∈ N, tal que nk+1 > nk e xnk
∈(a−
1
k+ 1, a+
1
k+ 1
).
Entao, N ′ = {n1 < n2 < . . . < nk < . . .} e infinito e como |xnk− a| <
1
k
para todo k ∈ N , temos que limk→∞ xnk
= a, ou seja, a e o limite de uma
subsequencia de (xn)n∈N. �
Definicao 4.1 Um numero real a e valor de aderencia da sequencia
(xn) quando a e o limite de uma subsequencia de (xn).Terminologia: na literatura,ponto de acumulacao, valor deacumulacao, valor limite, pontolimite e ponto aderente saosinonimos de valor de aderencia.Observacao 4.1 Como um subconjunto de N e infinito se, e so se, e
ilimitado, temos que as seguintes afirmacoes sao equivalentes:
• a ∈ R e valor de aderencia da sequencia (xn) ;
• para todo ε > 0 e todo n0 ∈ N, existe n ∈ N, tal que n > n0 e
xn ∈ (a− ε, a+ ε) ;
• todo intervalo de centro a contem termos xn com ındices arbitrariamente
grandes.
Observacao 4.2 Se lim xn = a, entao a e o unico valor de aderencia
de (xn). Mas a recıproca nao e verdadeira.
Por exemplo, a sequencia (0, 1, 0, 3, 0, 5, . . .) so possui o zero como valor
de aderencia, mas e divergente, ja que e ilimitada.
Exemplo 4.1 A sequencia (1, 0, 1, 0, . . .) tem apenas o zero e o um como
valores de aderencia. �
Exemplo 4.2 Seja {r1, r2, . . . , rn, . . .} uma enumeracao dos numeros ra-
cionais de termos dois a dois distintos.
Como todo intervalo aberto (a− ε, a+ ε), a ∈ R e ε > 0, contem uma infi-
nidade de numeros racionais, pois Q e denso em R, temos que o conjunto
{n ∈ N | rn ∈ (a− ε, a+ ε)}
Instituto de Matematica - UFF 85
Analise na Reta
e infinito e, portanto, a e valor de aderencia de (rn). Ou seja, todo numero
real a e valor de aderencia da sequencia (rn). �
Exemplo 4.3 A sequencia (xn), xn = n, nao possui valor de aderencia,
pois toda subsequencia de (xn) e ilimitada.�
• Seja (xn) uma sequencia limitada de numeros reais, onde γ ≤ xn ≤ β
para todo n ∈ N.
Seja Xn = {xn, xn+1, . . .}. Entao,
[γ, β] ⊃ X1 ⊃ X2 ⊃ . . . ⊃ Xn ⊃ . . .
Sendo an = infXn e bn = supXn, temos que an+1 ≥ an e bn+1 ≤ bn,
pois, como Xn+1 ⊂ Xn, temos
an = infXn ≤ xj e bn = supXn ≥ xj ,
para todo j ≥ n, e, portanto, para todo j ≥ n+ 1.
Ou seja, an e cota inferior de Xn+1 e bn e cota superior de Xn+1.
Logo, an ≤ an+1 e bn+1 ≤ bn.
Alem disso, an ≤ bn para todo n ∈ N. Assim, an ≤ bm quaisquer
que sejam n,m ∈ N, pois:
◦ se m > n =⇒ an ≤ am ≤ bm ,
◦ se m ≤ n =⇒ an ≤ bn ≤ bm .
Logo,
γ ≤ a1 ≤ a2 ≤ . . . ≤ an ≤ . . . ≤ bm ≤ . . . ≤ b2 ≤ b1 ≤ β .
Existem, portanto, os limites
a = liman = supn∈N
an = supn∈N
infXn ,
e
b = limbn = infn∈N
bn = infn∈N
supXn .
Dizemos que a e o limite inferior e b e limite superior da sequencia
limitada (xn), e escrevemos
a = lim inf xn e b = lim sup xn .
Notac ao: em alguns livros de
Analise, pode ser encontrada
a notacao lim xn em vez delim sup xn e lim xn em vez delim inf xn . Temos, tambem, que sup
n∈Nan ≤ bm para todo m ∈ N, ou seja, sup
n∈Nan
e uma cota inferior do conjunto {bm |m ∈ N}.
J. Delgado - K. Frensel86
Subsequencias
Logo, supnan ≤ inf
nbn, ou seja,
a = lim inf xn ≤ b = lim sup xn .
Exemplo 4.4 Seja a sequencia (xn), onde x2n−1 = −1
ne x2n = 1 +
1
n,
n ∈ N. Entao,
◦ X2n−2 ={1+
1
n− 1,−1
n, 1+
1
n,−
1
n+ 1, . . .
},
◦ X2n−1 ={
−1
n, 1+
1
n,−
1
n+ 1, 1+
1
n+ 1, . . .
},
◦ X2n ={1+
1
n,−
1
n+ 1, 1+
1
n+ 1,−
1
n+ 2, . . .
},
Assim, infX2n−2 = infX2n−1 = −1
ne supX2n−1 = supX2n =
1
1+ n.
Logo, a = lim inf xn = supn
infXn = 0 e b = lim sup xn = infn
supXn = 1.
Como (x2n−1) e (x2n) sao subsequencias convergentes de (xn), e
lim x2n−1 = 0 6= 1 = lim x2n, segue-se que 0 e 1 sao seus unicos valo-
res de aderencia. �
Teorema 4.2 Seja (xn) uma sequencia limitada. Entao, a = lim inf xn e
o menor valor de aderencia de (xn) e b = lim sup xn e o maior valor de
aderencia de (xn).
Prova.
Vamos provar primeiro que a = lim inf xn e valor de aderencia de (xn).
Dados ε > 0 e n0 ∈ N, como a = liman, existe n1 > n0 tal que
an1∈ (a − ε, a + ε). Sendo an1
= infXn1e a + ε > an1
, existe n ≥ n1 tal
que a− ε < an1≤ xn < a+ ε.
Provamos, entao, que dados ε > 0 e n0 ∈ N, existe n > n0 tal que
xn ∈ (a−ε, a+ε). Logo, pelo teorema 4.1, a e valor de aderencia de (xn).
Vamos, agora, provar que a e o menor valor de aderencia de (xn).
Seja c < a. Como a = liman, existe n0 ∈ N, tal que c < an0≤ a. Ou seja,
c < an0≤ xn , para todo n ≥ n0,
pois an0= inf{xn0
, xn0+1, . . .}.
Instituto de Matematica - UFF 87
Analise na Reta
Tomando ε = an0− c, temos que c + ε = an0
. Logo, xn ≥ c + ε, ou seja,
xn 6∈ (c− ε, c+ ε) para todo n ≥ n0.
Assim, c nao e valor de aderencia de (xn).
A demonstracao de que b = lim sup xn e o maior valor de aderencia de
(xn) se faz de modo analogo. �
Corolario 4.1 Toda sequencia limitada de numeros reais possui uma
subsequencia convergente.
Prova.
Como a = lim inf xn e valor de aderencia de (xn), (xn) possui uma sub-
sequencia que converge para a. �
Corolario 4.2 Uma sequencia limitada de numeros reais (xn) e conver-
gente se, e so se, lim inf xn = lim sup xn, isto e, se, e so se, (xn) possui
um unico valor de aderencia.
Prova.
(=⇒) Se (xn) e convergente e lim xn = c, entao c e o unico valor de
aderencia de (xn).
Logo, lim inf xn = lim sup xn = lim xn .
(⇐=) Suponhamos que a = lim inf xn = lim sup xn.
Como liman = limbn = a, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que
a− ε < an0≤ a ≤ bn0
< a+ ε.
Mas, an0≤ xn ≤ bn0
para todo n ≥ n0. Logo,
a− ε < an0≤ xn ≤ bn0
< a+ ε ,
para todo n ≥ n0 .
Assim, lim xn = a . �
Teorema 4.3 Sejam a = lim inf xn e b = lim sup xn, onde (xn) e uma
sequencia limitada.
Entao, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que a − ε < xn < b + ε para
todo n > n0. Alem disto, a e o maior e b e o menor numero com esta
propriedade.
J. Delgado - K. Frensel88
Subsequencias
Prova.
Seja ε > 0. Suponha que existe uma infinidade de ındices n tais que
xn < a− ε. Estes ındices formam um subconjunto N ′ ⊂ N infinito.
Entao, a subsequencia (xn)n∈N ′ possui um valor de aderencia c ≤ a − ε,
pois xn < a − ε para todo n ∈ N ′, o que e absurdo, pois c < a e a e o
menor valor de aderencia de (xn).
Logo, dado ε > 0, existe n1 ∈ N tal que xn > a− ε para todo n > n2.
De modo analogo, suponha que existe uma infinidade de ındices n tais
que xn > b + ε. Entao estes ındices formam um subconjunto N ′ ⊂ Ninfinito. A subsequencia (xn)n∈N ′ possui um valor de aderencia c ≥ b+ ε,
ja que xn > b + ε para todo n ∈ N ′, o que e absurdo, pois c ≥ b + ε > b
e b e o maior valor de aderencia de (xn). Logo, existe n2 ∈ N tal que
xn < b+ ε para todo n > 1.
Seja n0 = max{n1, n2}. Entao a− ε < xn < b+ ε para todo n > n0.
• Seja a < a ′ e tome ε =1
2(a ′ − a). Entao, a+ ε = a ′ − ε.
Sendo a um valor de aderencia de (xn), existe uma infinidade de ındices
n tais que a− ε < xn < a+ ε = a ′ − ε. Logo, nenhum numero real a ′ > a
goza da propriedade acima.
• Seja b ′ < b e tome ε =1
2b− b ′. Entao, b ′ + ε = b− ε.
Como b e valor de aderencia de (xn), existe uma infinidade de ındices n
tais que b ′ + ε = b − ε < xn < b + ε. Logo, nenhum numero real b ′ < b
goza da propriedade. �
Corolario 4.3 Se c < lim inf xn, entao existe n1 ∈ N tal que c < xn para
todo n > n1. Analogamente, se d > lim sup xn, entao existe n2 ∈ N tal
que xn < d para todo n > n2.
Prova.
Se c < a = lim inf xn, entao c = a − ε, com ε = a − c > 0. Entao,
pelo teorema 4.3, existe n1 ∈ N tal que xn > a− ε = c para todo n > n1.
De modo analogo, podemos provar a afirmacao com respeito ao
lim sup xn = b, tomando ε = d− b > 0. �
Instituto de Matematica - UFF 89
Analise na Reta
Corolario 4.4 Dada uma sequencia limitada (xn), sejam a e b numeros
reais com as seguintes propriedades:
◦ se c < a, entao existe n1 ∈ N tal que xn > c para todo n > n1;
◦ se b < d, entao existe n2 ∈ N tal que xn < d para todo n > 2.
Nestas condicoes a ≤ lim inf xn e lim sup xn ≤ b.
Os corolarios acima apenas repetem, com outras palavras, as afir-
macoes do teorema 4.3.
• Sem usar as nocoes de limites inferior e superior de uma sequencia
limitada vamos provar que:
Toda sequencia limitada de numeros reais possui uma sub-
sequencia convergente.Veja, tambem, o exercıcio 15.
Prova.
Suponhamos que xn ∈ [a, b] para todo n ∈ N. Seja
A = {t ∈ R | t ≤ xn para uma infinidade de ındices n} .
Como a ≤ xn ≤ b para todo n ∈ N, temos que a ∈ A e nenhum elemento
de A pode ser maior do que b.
Assim, A 6= ∅ e e limitado superiormente por b.
Portanto, existe c = supA.
Vamos usar o teorema 4.1 para provar que c e valor de aderencia da
sequencia (xn).
Dado ε > 0, existe t ∈ A tal que c− ε < t ≤ c. Logo, ha uma infinidade de
ındices n tais que c− ε < xn.
Por outro lado, como c+ ε 6∈ A, existe apenas um numero finito de ındices
n tais que xn ≥ c+ ε.
Assim, existe um numero infinito de ındices n tais que c−ε < xn < c+ε.�
Observacao 4.3 c = lim sup xn .
• Sejam Xn = {xn, xn+1, . . .} e bn = supXn , n ∈ N . Por definicao,
lim sup xn = infbn .
Afirmac ao: c ≤ bn para todo n ∈ N, ou seja, c e uma cota inferior do
conjunto {bn |n ∈ N}.
J. Delgado - K. Frensel90
Sequencias de Cauchy
Seja n ∈ N. Como bn ≥ xm para todo m ≥ n, temos que se t ≥ bn, entao
t ≥ xm para todo m ≥ n.
Logo, A ⊂ (−∞, bn), ou seja, c = supA ≤ bn.
• Como c ≤ bn para todo n ∈ N e α = lim sup xn = infn∈N
bn, temos que
c ≤ α. Suponhamos, por absurdo, que c < α.
Logo, α 6∈ A, ou seja, existe n1 ∈ N tal que α > xn para todo n ≥ n1.
Entao, α ≥ bn para todo n ≥ n1. Mas, α = infn∈N
bn, ou seja, α ≤ bn para
todo n ∈ N.
Assim, α = bn = supXn para todo n ≥ n1 .
Tome ε =1
2(α − c) . Entao, para todo n ≥ n1, existe m > n tal que
α− ε < xm , ou seja, xm >1
2(α+ c) > c .
Portanto, o conjunto dos ındices n tais que1
2(α + c) < xn e ilimitado,
logo, infinito.
Entao1
2(α+ c) ∈ A e
1
2(α+ c) > c = supA , o que e uma contradicao.
Logo, c = supA = α = lim sup xn.
5. Sequ encias de Cauchy
Definicao 5.1 Dizemos que uma sequencia (xn) e de Cauchy quando
para todo ε > 0 dado, existir n0 ∈ N, tal que |xm − xn| < ε quaisquer que
sejam m,n > n0.
Teorema 5.1 Toda sequencia convergente e de Cauchy.
Prova.
Seja a = lim xn. Dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que |xm − a| <ε
2e
|xn − a| <ε
2, quaisquer que sejam m,n > n0.
Logo, |xm − xn| ≤ |xm − a| + |xn − a| <ε
2+ε
2= ε para todos m,n > n0. �
Instituto de Matematica - UFF 91
Analise na Reta
Antes de provarmos a recıproca do teorema acima, vamos demons-
trar dois lemas importantes.
Lema 5.1 Toda sequencia de Cauchy e limitada.
Prova.
Seja ε = 1 > 0. Entao, existe n0 ∈ N tal que |xm − xn| < 1, quaisquer
que sejam m,n ≥ n0.
Em particular, |xm − xn0| < 1, ou seja, xn0
− 1 < xn < xn0+ 1 para todo
n ≥ n0.
Sejam a o menor e b o maior elementos do conjunto
{xn0− 1, xn0
+ 1, xn1, . . . , xn0−1} .
Entao, a ≤ xn ≤ b para todo n ∈ N, ou seja, a sequencia (xn) e limitada.�
Lema 5.2 Se uma sequencia de Cauchy (xn) possui uma subsequencia
convergindo para a ∈ R, entao lim xn = a.
Prova.
Dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que |xm − xn| ≤ ε
2quaisquer que sejam
m,n > n0.
Como a e limite de uma subsequencia de (xn), existe, pelo teorema 4.1,
n1 ∈ N, n1 > n0, tal que |xn1− a| <
ε
2.
Logo,
|xn − a| ≤ |xn − xn1| + |xn1
− a| <ε
2+ε
2= ε,
para todo n > n0.
Com isto, provamos que a = lim xn.�
Teorema 5.2 Toda sequencia de Cauchy de numeros reais converge.
Prova.
Seja (xn) uma sequencia de Cauchy.
Pelo lema 5.1, (xn) e limitada e, portanto, pelo corolario 4.1, (xn) possui
uma subsequencia convergente. Entao, pelo lema 5.2, (xn) e conver-
gente.�
J. Delgado - K. Frensel92
Sequencias de Cauchy
Observacao 5.1 (Metodo das aproximac oes sucessivas)
Seja 0 ≤ λ < 1 e suponhamos que a sequencia (xn) satisfaz a seguinte
condicao:
|xn+2 − xn+1| ≤ λ|xn+1 − xn| , para todo n ∈ N.
Entao, |xn+1 − xn| ≤ λn−1|x2 − x1| , para todo n ∈ N .
De fato, se n = 1, a desigualdade e valida, e se |xn+1 −xn| ≤ λn−1|x2 −x1|,
entao
|xn+2 − xn+1| ≤ λ|xn+1 − xn| ≤ λn|x2 − x1| .
Assim, para m,p ∈ N arbitrarios, temos:
|xn+p − xn| ≤ |xn+p − xn+p−1| + . . .+ |xn+1 − xn|
≤ (λn+p−2 + λn+p−1 + . . .+ λn−1) |x2 − x1|
= λn−1(λp−1 + λp−2 + . . .+ λ+ 1) |x2 − x1|
= λn−1 1− λp
1− λ|x2 − x1| ≤
λn−1
1− λ|x2 − x1| .
Como limn→∞ λn−1
1− λ|x2 − x1| = 0 , dado ε > 0 , existe n0 ∈ N tal que
0 ≤ λn−1
1− λ|x2 − x1| < ε para todo n > n0 .
Logo, |xn+p − xn| < ε para todo p ∈ N e todo n > n0, ou seja, |xm − xn| < ε
quaisquer que sejam m,n > n0.
Entao, (xn) e de Cauchy e, portanto, converge.
Aplicacao: Aproximacoes sucessivas da raiz quadrada
Seja a > 0 e seja a sequencia definida por x1 = c, onde c e um
numero real positivo arbitrario, e xn+1 =1
2
(xn +
a
xn
), para todo n ∈ N.
Se provarmos que a sequencia e convergente e lim xn = b > 0,
entao teremos que
b = lim xn+1 = lim1
2
(xn +
a
xn
)=1
2
(b+
a
b
).
Logo, b =a
b, ou seja, b2 = a.
Instituto de Matematica - UFF 93
Analise na Reta
Para isto, precisamos provar antes o seguinte lema:
Lema 5.3 Para todo x > 0, tem-se1
2
(x+
a
x
)>
√a
2.
Prova.
1
2
(x+
a
x
)>
√a
2⇐⇒ x +
a
x>2√a√2
⇐⇒ x2 + 2a +a2
x2> 2a, o que e
verdadeiro, pois x2 ≥ 0 ea2
x2≥ 0.�
• Pelo lema, temos que xn >
√a
2, para todo n > 1. Portanto, xn xn+1 >
a
2,
ou seja,a
2 xn xn+1< 1 para todo n > 1 .
Afirmac ao: |xn+2 − xn+1| ≤1
2|xn+1 − xn| para todo n > 1.
De fato, como
xn+2 − xn+1 =1
2
(xn+1 +
a
xn+1
)−1
2
(xn +
a
xn
)=
1
2(xn+1 − xn) +
a
2
(1
xn+1−1
xn
)=
1
2(xn+1 − xn) +
a
2
(xn − xn+1
xn+1 xn
),
temos que
|xn+2 − xn+2|
|xn+1 − xn|=
∣∣∣∣12 −a
2 xn xn+1
∣∣∣∣ ≤ 1
2,
pois 0 <a
2 xn xn+1< 1.
• Pela observacao 5.1, (xn) e de Cauchy e, portanto, convergente, e
lim xn = b > 0, pois xn >
√a
2, para todo n > 1.
6. Limites infinitos
Definicao 6.1 Dizemos que uma sequencia (xn) tende para mais infi-
nito, e escrevemos lim xn = +∞, quando para todo numero real A > 0
dado, existir n0 ∈ N tal que xn > A para todo n > n0.
J. Delgado - K. Frensel94
Limites infinitos
Exemplo 6.1 Se xn = n, entao lim xn = +∞, pois dado A > 0, existe
n0 ∈ N tal que n0 > A. Logo xn = n > A para todo n > n0.�
Exemplo 6.2 Seja a sequencia (an), onde a > 1.
Como a > 1, existe h > 0 tal que a = 1+ h. Dado A > 0, existe n0 ∈ N tal
que n0 >A− 1
h. Logo, pela desigualdade de Bernoulli,
an = (1+ h)n ≥ 1+ nh > 1+ n0h > A ,
para todo n > n0.
Logo, liman = +∞ se a > 1. �
• Mais geralmente, uma sequencia nao-decrescente (xn) ou e conver-
gente, se for limitada, ou lim xn = +∞, se for ilimitada.
De fato, se (xn) e nao-decrescente ilimitada, dado A > 0, existe
n0 ∈ N tal que xn0> A. Logo, xn ≥ xn0
> A para todo n ≥ n0.
Observacao 6.1 Se lim xn = +∞, entao (xn) e ilimitada superiormente,
mas e limitada inferiormente.
Observacao 6.2 Se lim xn = +∞, entao toda subsequencia de (xn)
tambem tende para +∞.
Exemplo 6.3 Para todo p ∈ N, limn→∞np = +∞, pois (1p, 2p, . . . , np, . . .)
e uma subsequencia da sequencia (1, 2, . . . , n . . .) que tende para +∞ .�
Exemplo 6.4 A sequencia ( p√n)n∈N, para todo p ∈ N, tende para +∞,
pois e crescente e ilimitada superiormente, ja que ( p√np)n∈N = (n)n∈N e
uma subsequencia ilimitada superiormente da sequencia ( p√n)n∈N .�
Exemplo 6.5 A sequencia (nn)n∈N tende para +∞, pois nn ≥ n para
todo n ∈ N e a sequencia (n) tende para +∞.�
Definicao 6.2 Dizemos que uma sequencia (xn) tende para −∞, e es-
crevemos lim xn = −∞, quando para todo A > 0 existir n0 ∈ N tal que
xn < −A para todo n > n0.
Observacao 6.3 lim xn = +∞ ⇐⇒ lim(−xn) = −∞ .
Instituto de Matematica - UFF 95
Analise na Reta
Observacao 6.4 Se lim xn = −∞ entao (xn) e ilimitada inferiormente,
mas e limitada superiormente.
Exemplo 6.6 A sequencia ((−1)nn)n∈N nao tende para +∞ nem para
−∞, pois ela e ilimitada superiormente e inferiormente.�
Exemplo 6.7 A sequencia (0, 1, 0, 2, 0, 3, . . .) e ilimitada superiormente
e limitada inferiormente, mas nao tende para +∞, pois possui uma sub-
sequencia (x2n−1 = 0) que nao tende para +∞ por ser constante.�
Teorema 6.1 (Operacoes aritmeticas com limites infinitos)
(1) Se lim xn = +∞ e a sequencia (yn) e limitada inferiormente, entao
lim(xn + yn) = +∞ .
(2) Se lim xn = +∞ e existe c > 0 tal que yn > c para todo n ∈ N, entao
lim(xn yn) = +∞ .
(3) Seja xn > 0 para todo n ∈ N. Entao lim xn = 0 ⇐⇒ lim1
xn= +∞ .
(4) Sejam (xn) e (yn) sequencias de numeros positivos. Entao:
(a) se existe c > 0 tal que xn > c para todo n ∈ N e se limyn = 0,
entao limxn
yn= +∞ .
(b) se (xn) e limitada e limyn = +∞, entao limxn
yn= 0 .
Prova.
(1) Existe b < 0 tal que yn ≥ b para todo n ∈ N. Dado A > 0, temos
que A − b > 0. Logo, existe n0 ∈ N tal que xn > A − b para todo n > n0.
Assim, xn + yn > A − b + b = A para todo n > n0 e, portanto
lim(xn + yn) = +∞ .
(2) Dado A > 0 existe n0 ∈ N tal que xn >A
cpara todo n > n0. Logo,
xnyn >A
cc = A para todo n > n0. Portanto, lim xnyn = +∞ .
(3) Suponhamos que lim xn = 0 . Dado A > 0, existe n0 ∈ N tal que
0 < xn <1
Apara todo n > n0. Logo,
1
xn> A para todo n > n0. Assim,
lim1
xn= +∞.
J. Delgado - K. Frensel96
Limites infinitos
Suponhamos, agora, que lim1
xn= +∞ .
Dado ε > 0 existe n0 ∈ N tal que1
xn>1
εpara todo n > n0.
Entao −ε < 0 < xn < ε para todo n > n0.
Logo, lim xn = 0.
(4) (a) Dado A > 0 , existe n0 ∈ N tal que 0 < yn <c
A.
Entao,xn
yn>
c
c/A= A para todo n > n0.
Logo, limxn
yn= +∞ .
(b) Seja b > 0 tal que 0 < xn < b para todo n ∈ N. Dado ε > 0, existe
n0 ∈ N tal que yn >b
εpara todo n > n0.
Entao, 0 <xn
yn<
b
b/ε= ε para todo n > n0 e, portanto, lim
xn
yn= 0 .�
Observacao 6.5 ∞ − ∞ e indeterminado, ou seja, se lim xn = +∞ e
limyn = −∞, nada se pode afirmar sobre lim(xn + yn).
Pode ser que a sequencia (xn + yn) seja convergente, tenda para +∞,
tenda para −∞ ou nao tenha limite algum.
Exemplo 6.8 Se xn = n + a e yn = −n , entao lim xn = +∞ ,
limyn = −∞ e lim(xn + yn) = a.�
Exemplo 6.9 Se xn =√n+ 1 e yn = −
√n, entao lim xn = +∞ e
limyn = −∞, mas
limn→∞(xn + yn) = lim
n→∞(√n+ 1−
√n) = lim
n→∞ (√n+ 1−
√n)(
√n+ 1+
√n)√
n+ 1+√n
= limn→∞ 1√
n+ 1+√n
= 0 .
�
Exemplo 6.10 Se xn = n2 e yn = −n, entao lim xn = +∞, limyn = −∞e lim(xn + yn) = lim(n2 −n) = +∞ , pois n2 −n = n(n− 1) > n se n ≥ 2.E, portanto, lim(n− n2) = −∞ .�
Instituto de Matematica - UFF 97
Analise na Reta
Exemplo 6.11 Se xn = n e yn = (−1)n − n, entao lim xn = +∞ e
limyn = −∞, mas a sequencia (xn + yn) = ((−1)n) nao possui limite
algum.�
Observacao 6.6 ∞∞ e indeterminado, ou seja, se lim xn = +∞ e
limyn = +∞ , nada se pode dizer sobre o limite da sequencia(xn
yn
).
Pode ser que essa sequencia convirja, que tenha limite +∞ ou que nao
tenha limite algum.
Exemplo 6.12 Se xn = n+1 e yn = n−1, entao lim xn = limyn = +∞,
e
limxn
yn= lim
n+ 1
n− 1= lim
1+ 1/n
1− 1/n= 1 .
�
Exemplo 6.13 Se xn = n2 e yn = n, entao lim xn = limyn = +∞ e
limxn
yn= limn = +∞ .�
Exemplo 6.14 Se xn = (2+ (−1)n)n e yn = n , entao, lim xn = +∞ ,
limyn = +∞ , mas a sequencia(xn
yn
)= (2+ (−1)n) nao possui limite.�
Exemplo 6.15 Se xn = an , a > 0 e yn = n , entao lim xn = +∞limyn = +∞ e lim
xn
yn= lima = a .�
Exemplo 6.16 Se a > 1 , entao liman
np= +∞ , para todo p ∈ N .
Como a > 1, a = 1+ h, onde h > 0. Logo, para todo n ≥ p,
an = (1+ h)n =
n∑j=0
(n
j
)1n−jhj ≥
p+1∑j=0
(n
j
)hj
= 1+ nh+n(n− 1)
2!h2 + . . .+
n(n− 1) . . . (n− p)
p!hp .
Daı,
an
np≥ 1
np+
h
np−1+1
2
(1−
1
n
)h2
np−2+ . . .
+1
(p− 1)!
(1−
1
n
). . .(1−
p− 1
n
)hp−1 +
n
p!
(1−
1
n
). . .(1−
p
n
)hp .
J. Delgado - K. Frensel98
Series numericas
Como
limn→∞
(1
np+
h
np−1+1
2
(1−
1
n
)h2
np−2+ . . .+
1
(p− 1)!
(1−
1
n
). . .
(1−
p− 1
n
)hp−1
+n
p!
(1−
1
n
). . .(1−
p
n
)hp
)= +∞ ,
temos que limn→∞ an
np= +∞ , qualquer que seja p ∈ N.
Isto significa que as potencias an, a > 1, crescem com n mais rapida-
mente do que qualquer potencia de n de expoente fixo. �
Exemplo 6.17 Mas, limn→∞ an
nn= 0 , a > 0 .
De fato, seja n0 ∈ N tal quea
n0<1
2.
Entao, 0 <an
nn=(a
n
)n
≤(a
n0
)n
<1
2n; para todo n ≥ n0.
Logo, 0 ≤ liman
nn≤ lim
1
2n= 0 , ou seja, lim
an
nn= 0.�
Exemplo 6.18 Para todo numero real a > 0, tem-se limn!
an= +∞ .
De fato, seja n0 ∈ N tal quen0
a> 2. Logo, para todo n > n0, temos que
n!
an=n0!
an0
n0 + 1
a. . .
n0 + (n− n0)
a>n0!
an0
2n−n0 ,
ou seja,n!
an>
n0!
(2a)n02n . Como lim 2n = +∞, temos que lim
n!
an= +∞ .
Isso significa que n! cresce mais rapido do que an, para a > 0 fixo.�
7. Series num ericas
• A partir de uma sequencia de numeros reais (an) formamos uma nova
sequencia (sn), cujos termos sao as somas:
sn = a1 + . . .+ an , n ∈ N ,
que chamamos as reduzidas da serie∞∑
n=1
an .
Instituto de Matematica - UFF 99
Analise na Reta
A parcela an e chamada o n−esimo termo ou termo geral da serie.
Se existe o limite
s = limn→∞ sn = lim
n→∞(a1 + . . .+ an) ,
dizemos que a serie e convergente e que s e a soma da serie. Escreve-
mos, entao,
s =
∞∑n=1
an = a1 + a2 + . . .+ an + . . . .
Se a sequencia das reduzidas nao converge, dizemos que a serie∑an e divergente ou que diverge.
Notac ao: Usaremos tambem a
notacao∑
an para designar a
serie∞∑
n=1
an.
Observacao 7.1 Toda sequencia (xn) pode ser considerada como a
sequencia das reduzidas de uma serie.
De fato, basta tomar a1 = x1 e an+1 = xn+1 − xn , para todo n ∈ N, pois,
assim, teremos:
s1 = x1 ,
s2 = a1 + a2 = x1 + x2 − x1 = x2 ,...
...sn = x1 + (x2 − x1) + . . .+ (xn − xn−1) = xn .
Assim, a serie x1 +
∞∑n=1
(xn+1 −xn) converge se, e so se, a sequencia (xn)
converge. E, neste caso, a soma da serie e igual a lim xn.
Teorema 7.1 Se∑an e uma serie convergente, entao, liman = 0.
Prova.
Seja s = lim sn, onde sn = a1 + . . .+ an.
Entao, lim sn−1 = s. Logo, como an = sn − sn−1, temos que
liman = lim(sn − sn−1) = lim sn − lim sn−1 = 0.
�
Exemplo 7.1 A recıproca do teorema acima e falsa.
De fato, basta considerar a serie harmonica∞∑
n=1
1
n. Seu termo geral
1
n
tende para zero, mas a serie diverge.
J. Delgado - K. Frensel100
Series numericas
Com efeito, para todo n ≥ 1, temos
s2n = 1+1
2+(1
3+1
4
)+(1
5+1
6+1
7+1
8
)+ . . .+
(1
2n−1 + 1+ . . .+
1
2n
)> 1+
1
2+2
4+4
8+ . . .+
2n−1
2n= 1+ n
1
2,
Logo, a subsequencia (s2n) tende a +∞. Como a sequencia (sn) e cres-
cente e ilimitada superiormente, temos que sn −→ +∞, ou seja, a serie
harmonica∞∑
n=1
diverge. �
• Como consequencia, para 0 < r < 1, a serie∞∑
n=1
1
nrdiverge, pois
1
nr>1
n
para todo n > 1.Lembre que: nr = er log n <
elog n = n .
Exemplo 7.2 A serie geometrica∞∑
n=0
an e
◦ divergente, se |a| ≥ 1, pois, neste caso, seu termo geral an nao
tende para zero.
◦ convergente, se |a| < 1, pois, neste caso, a sequencia das reduzi-
das e
sn = 1+ a+ . . .+ an =1− an+1
1− a,
que tende para1
1− a. Isto e,
∞∑n=0
an =1
1− a, se |a| < 1.�
Observacao 7.2 Das propriedades aritmeticas dos limites de sequencias,
resulta que:
• se∑an e
∑bn sao series convergentes, entao a serie
∑(an + bn) e
convergente e∑
(an + bn) =∑an +
∑bn.
• se∑an e convergente, entao a serie
∑(ran) e convergente e
∑(ran) =
r∑an, para todo r ∈ R.
• se as series∑an e
∑bn convergem, entao a serie
∑cn cujo termo
geral e cn =
n∑i=1
aibn +
n−1∑j=1
anbj converge e∑cn = (
∑an) (
∑bn).
Instituto de Matematica - UFF 101
Analise na Reta
De fato, sejam sn = a1 + . . . + an e tn = b1 + . . . + bn as reduzidas das
series∑an e
∑bn.
Como sn −→ s e tn −→ t, temos que
(∑an) (
∑bn) = s · t = lim
n→∞ sn tn = limn→∞
n∑i,j=1
aibj .
Afirmacao:n∑
`=1
c` =
n∑i,j=1
aibj, para todo n ∈ N.
◦ Se n = 1,1∑
`=1
c` = c1 = a1b1 =
1∑i,j=1
aibj .
◦ Suponhamos, por inducao, quen∑
`=1
c` =
(n∑
i=1
ai
) (n∑
j=1
bj
).
Entao,
n+1∑`=1
c` =
n∑`=1
c` + cn+1 =
(n∑
i=1
ai
) (n∑
j=1
bj
)+ cn+1
=
(n∑
i=1
ai
) (n∑
j=1
bj
)+
n+1∑i=1
aibn+1 +
n∑j=1
an+1bj
=
(n∑
i=1
ai
) (n∑
j=1
bj
)+
n∑i=1
aibn+1 + an+1bn+1 +
n∑j=1
an+1bj
=
(n∑
i=1
ai
) (n+1∑j=1
bj
)+
n+1∑j=1
an+1bj
=
(n+1∑i=1
ai
) (n+1∑j=1
bj
).
◦ Veremos depois que, em casos especiais,
(∑an) (
∑bn) =
∑pn ,
onde pn =
n∑i=1
aibn+1−i = a1bn + a2bn−1 + . . .+ anb1.
Exemplo 7.3 A serie∞∑
n=1
1
n(n+ 1)e convergente e sua soma e 1.
J. Delgado - K. Frensel102
Series numericas
De fato, como1
n(n+ 1)=1
n−
1
n+ 1, a reduzida de ordem n da serie e
sn =(1−
1
2
)+(1
2−1
3
)+ . . .+
(1
n−
1
n+ 1
)= 1−
1
n+ 1.
Logo,∑ 1
n(n+ 1)= lim sn = 1.�
Exemplo 7.4 A serie∑
(−1)n+1 = 1− 1+ 1− 1+ . . . e divergente, pois
seu termo geral nao tende para zero. Suas reduzidas de ordem par sao
iguais a zero e as de ordem ımpar sao iguais a um.�
Observacao 7.3 A serie∞∑
n=1
an converge se, e somente se,∞∑
n=n0
an
converge, onde n0 ∈ N e fixo.
De fato, as reduzidas da primeira serie sao sn = a1 + . . . + an e as da
segunda serie sao tn = an0+ an0+1 . . .+ an0+n−1, ou seja, tn+1 = sn0+n −
sn0−1. Logo, sn converge se, e somente se, tn converge.
• Isto significa que a convergencia de uma serie se mantem quando dela
retiramos ou acrescentamos um numero finito de termos.
Teorema 7.2 Seja an ≥ 0 para todo n ∈ N. A serie∑an converge se, e
somente se, a sequencia das reduzidas e limitada, ou seja, se, e somente
se, existe k > 0 tal que sn = a1 + . . .+ an < k para todo n ∈ N.
Prova.
Como an ≥ 0 para todo n, a sequencia (sn) e monotona nao-decrescente.
Logo, (sn) converte se, e somente se, (sn) e limitada.�
Corolario 7.1 (Criterio de comparacao)
Sejam∑an e
∑bn series de termos nao-negativos. Se existem c > 0
e n0 ∈ N tais que an ≤ cbn para todo n ≥ n0, entao a convergencia de∑bn implica a convergencia de
∑an, enquanto a divergencia de
∑an
acarreta a de∑bn.
Prova.
Sejam s ′n = an0+ . . .+ an e t ′n = bn0
+ . . .+ bn para todo n ≥ n0.
Instituto de Matematica - UFF 103
Analise na Reta
◦ Se a serie∑bn converge, existe k > 0 tal que b1 + . . . + bn < k
para todo n ∈ N. Logo, a sequencia crescente (s ′n) converge, pois s ′n < k
para todo n ≥ n0.
Assim, a serie∑n≥n0
an converge, e, portanto,∞∑
n=1
an e uma serie conver-
gente.
◦ Se a serie∑an diverge, a sequencia (sn) de suas reduzidas,
tende a ∞. Como s ′n = sn −sn0−1, temos que a sequencia (s ′n) tende a ∞.
Entao a serie∑bn diverge, pois tn ≥ t ′n ≥
1
cs ′n, para todo n ≥ n0, ja que
bn ≥ anc para todo n ≥ n0.�
Exemplo 7.5 Se r > 1, a serie∞∑
n=1
1
nre convergente.
Como os termos1
nrda serie sao positivos, a sequencia (sn) de suas re-
duzidas e crescente.
Entao, para provar que (sn) converge, basta mostrar que (sn) possui uma
subsequencia limitada.
Para m = 2n − 1,
s2n−1 = 1+(1
2r+1
3r
)+(1
4r+1
5r+1
6r+1
7r
)+ . . .
+
(1
(2n−1)r+ . . .+
1
(2n − 1)r
)< 1+
2
2r+4
4r+ . . .+
2n−1
(2n−1)r
=
n−1∑i=0
(2
2r
)i
,
pois1
(2n − 1)r=
1
(2n−1 + 2n−1 − 1)r.
Como r > 1, temos2
2r< 1. Logo, a serie
∞∑n=0
(2
2r
)n
converge e e, portanto,
limitada. Assim, sm < c para todo m = 2n − 1, ou seja, a subsequencia
(s2n−1)n∈N e limitada.�
J. Delgado - K. Frensel104
Series numericas
Teorema 7.3 (Criterio de Cauchy para series)
Uma serie∑an e convergente se, e somente se, para cada ε > 0 dado,
existe n0 ∈ N tal que
|an+1 + . . .+ an+p| < ε ,
quaisquer que sejam n > n0 e p ∈ N.
Prova.
Seja (sn) a sequencia das reduzidas da serie∑an.
Como sn+p − sn = an+1 + . . . + an+p, basta aplicar a sequencia (sn) o
criterio de Cauchy para sequencias.�
Definicao 7.1 Uma serie∑an chama-se absolutamente convergente
quando a serie∑
|an| e convergente.
Exemplo 7.6 Toda serie convergente cujos termos nao mudam de sinal
e absolutamente convergente.�
Exemplo 7.7 Se −1 < a < 1, a serie geometrica∑an e absolutamente
convergente.�
Mas nem toda serie convergente e absolutamente convergente.
Exemplo 7.8 A serie∞∑
n=1
(−1)n+1
ne convergente, mas nao e absoluta-
mente convergente.
Ja provamos que a serie ∞∑n=1
∣∣∣∣(−1)n+1
n
∣∣∣∣ = ∞∑n=1
1
n,
e divergente. Vamos mostrar agora que a serie∑ (−1)n+1
ne convergente.
◦ Suas reduzidas de ordem par sao:
s2 = 1−1
2; s4 =
(1−
1
2
)+(1
3−1
4
); . . . ;
s2n =(1−
1
2
)+(1
3−1
4
)+ . . .+
(1
2n− 1−
1
2n
); . . .
Instituto de Matematica - UFF 105
Analise na Reta
Como(
1
j− 1−1
j
)> 0, para todo j > 1, temos que a subsequencia (s2n)
e crescente.
Alem disso, (s2n) e limitada superiormente.
Com efeito, existe c > 0 tal que
s2n =1
2× 1+
1
3× 4+ . . .+
1
(2n− 1)× (2n)
< 1+1
32+ . . .+
1
(2n− 1)2< c ,
para todo n ∈ N, pois a serie∑ 1
n2e convergente e, portanto, limitada.
Logo, existe lim s2n = s ′.
◦ Suas reduzidas de ordem ımpar sao:
s1 = 1 ; s3 = 1−(1
2−1
3
); . . . ;
s2n−1 = 1−(1
2−1
3
)+ . . .+
(1
2n− 2−
1
2n− 1
); . . .
Entao a subsequencia (s2n−1) e decrescente.
Alem disso, como, para todo n ∈ N,
s2n−1 = 1−1
2× 3−
1
4× 5− . . .−
1
(2n− 2)(2n− 1)
> 1−1
22−1
42− . . .−
1
(2n− 1)2
> 1−
(1+
1
22+1
32+ . . .+
1
(2n− 1)2
).
e a serie∑ 1
n2e convergente, temos que a subsequencia (s2n−1) con-
verge, pois (s2n−1) e limitada inferiormente.
Seja s ′′ = lim s2n−1 .
Como s2n+1 − s2n =1
2n+ 1−→ 0, temos que s ′ = s ′′. Logo, a sequencia
(sn) converge, e s = s ′ = s ′′ =
∞∑n=1
(−1)n
n. �
Definicao 7.2 Se a serie∑an e convergente, mas a serie
∑|an| e
divergente, dizemos que∑an e condicionalmente convergente.
J. Delgado - K. Frensel106
Series numericas
Teorema 7.4 Toda serie absolutamente convergente e convergente.
Prova.
Se a serie∑
|an| converge, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que
|an+1| + . . .+ |an+p| < ε ,
quaisquer que sejam n > n0 e p ∈ N. Logo, como
|an+1 + . . .+ an+p| ≤ |an+1| + . . .+ |an+p| < ε ,
temos, pelo criterio de Cauchy para series, que a serie∑an converge.�
Corolario 7.2 Seja∑bn uma serie convergente com bm ≥ 0 para todo
n ∈ N.
Se existem k > 0 e n0 ∈ N tais que |an| ≤ kbn para todo n > n0, entao a
serie∑an e absolutamente convergente.
Prova.
Dado ε > 0, existe n1 ∈ N tal que
|bn+1 + . . .+ bn+p| = bn+1 + . . .+ bn+p <ε
k,
quaisquer que sejam n > n1 e p ∈ N.
Tome n2 = max{n1, n0}. Entao,
|an+1| + . . .+ |an+p| ≤ k (bn+1 + . . .+ bn+p) < ε ,
quaisquer que sejam n > n0 e p ∈ N.�
Corolario 7.3 Se, para todo n > n0 tem-se |an| ≤ kcn, onde 0 < c < 1
e k > 0, entao a serie∑an e absolutamente convergente.
Prova.
Basta aplicar o corolario anterior, ja que a serie geometrica∑cn con-
verge se 0 < c < 1.�
Observacao 7.4 Tomando k = 1 no corolario anterior, temos que
|an| ≤ cn se, e somente se, n√
|an| ≤ c.
Mas, se n√
|an| ≤ c < 1 para todo n > n0, entao sup{ n√
|an| |n ≥ n1} ≤ c
para todo n1 > n0.
Logo, lim sup n√
|an| ≤ c < 1.
Instituto de Matematica - UFF 107
Analise na Reta
E reciprocamente, se lim sup n√
|an| < 1, entao existe n0 ∈ N e 0 < d < 1
tal que n√
|an| < d < 1 para todo n > n0.
De fato, seja 0 < d < 1 tal que lim sup xn < d. Entao, pelo corolario —,
existe n0 ∈ N tal que n√
|an| < d < 1 para todo n > n0.
Corolario 7.4 (Teste da raiz)
Se existe c tal que n√
|an| ≤ c < 1 para todo n > n0, entao a serie∑an
e absolutamente convergente. Ou seja, se lim sup xn < 1, entao a serie∑an e absolutamente convergente.
Corolario 7.5 Se lim n√
|an| < 1, entao a serie∑an e absolutamente
convergente.
Observacao 7.5 Se existe uma infinidade de ındices n para os quaisn√
|an| ≥ 1, entao a serie∑an e divergente, pois seu termo geral nao
tende para zero. Em particular, isto ocorre quando lim n√
|an| > 1 ou
lim inf n√
|an| > 1.
Observacao 7.6 Se lim n√
|an| = 1 e liman = 0, a serie∑an pode
convergir ou nao.
Por exemplo, para ambas as series∑ 1
ne
∑ 1
n2temos que liman = 0 e
lim n√
|an| = 1, pois lim1
n√n
= 1 e, portanto lim n
√1
n2= lim
(1
n√n
)2
= 1.
No entanto, a serie∑ 1
ndiverge e a serie
∑ 1
n2converge.
Exemplo 7.9 Consideremos a serie∞∑
n=1
nran, onde a, r ∈ R. Temos
limn→∞ n
√|nran| = lim
n→∞(
n√n)r
|a| = |a|(lim n
√n)r
= |a|.
Logo, a serie converge se |a| < 1.
Como |nran| ≥ 1 para todo n ∈ N, se |a| ≥ 1 e r ≥ 0, o termo geral da
serie nao tende para zero.Exercıcio 13: Determine quandoa serie
∑nran diverge ou con-
verge, se |a| = 1 e r < 0.Logo, a serie
∑nran diverge se |a| ≥ 1 e r ≥ 0.
J. Delgado - K. Frensel108
Series numericas
Se |a| > 1 e r < 0, temos que limn→∞ an
n−r= +∞. Logo, neste caso, tambem,
a serie∑nran diverge.�
Exemplo 7.10 Seja a serie 1+2a+a2+2a3+a4+. . .+2a2n−1+a2n+. . .,
cujos termos de ordem par sao b2n = 2a2n−1 e os de ordem ımpar sao
b2n−1 = a2n−2.
• Se |a| = 1, temos que lim |bn| = +∞, pois, neste caso, |b2n = 2 e
|b2n−1| = 1. Assim, a serie diverge se |a| = 1.
• Como lim 2n√
|b2n| = lim 2n√2
|a|2n√
|a|= |a| , e
lim 2n−1√
|b2n−1| = lim 2n−1√
|a|2n−2 = lim|a|
2n−1√
|a|= |a| ,
temos que a serie converge absolutamente se |a| < 1 e diverge se |a| > 1.
Portanto, a serie converge (absolutamente) se, e somente se, |a| < 1.�
Teorema 7.5 (Teste da razao)
Sejam∑an uma serie de termos nao nulos e
∑bn uma serie conver-
gente com bn > 0 para todo n. Se existe n0 ∈ N tal que|an+1|
|an|≤ bn+1
bn
para todo n > n0, entao∑an e absolutamente convergente.
Prova.
Seja n > n0. Entao,
|an0+2|
|an0+1|≤ bn0+2
bn0+1,
|an0+3|
|an0+2|≤ bn0+3
bn0+2, . . . ,
|an|
|an−1|≤ bn
bn−1.
Multiplicando membro a membro essas desigualdades, obtemos
|an|
|an0+1|≤ bn
bn0+1,
ou seja, |an| ≤ kbn , onde k =|an0+1|
bn0+1. Entao, pelo corolario —-, a serie∑
an e absolutamente convergente.�
Corolario 7.6 Se existe uma constante c tal que 0 < c < 1 e|an+1|
|an|≤ c
para todo n ≥ n0, entao a serie∑an e absolutamente convergente.
Instituto de Matematica - UFF 109
Analise na Reta
Ou seja, se lim sup|an+1|
|an|< 1, a serie
∑an converge absolutamente.
Prova.
Basta tomar bn = cn no teorema anterior, pois a serie geometrica∑cn
converge se 0 < c < 1.�
Corolario 7.7 Se lim|an+1|
|an|< 1 entao a serie
∑an e absolutamente
convergente.
Exemplo 7.11 Seja a serie∑nan. Como
lim|(n+ 1)an+1|
|nan|= lim |a|
(n+ 1
n
)= |a| ,
temos que a serie∑an converge.
Neste caso, o teste da raiz e da razao levam ao mesmo resultado, pois,
como ja vimos, lim n√nan = |a|.�
Exemplo 7.12 Considere a serie
1+ 2a+ a2 + 2a3 + a4 + . . .+ 2a2n−1 + a2n + . . .
Para n par,|an+1|
|an|=
|a|
2, e, para n ımpar
|an+1|
|an|= 2|a|.
Logo, lim sup|an+1|
|an|= 2|a| e, pelo teste da razao, temos que a serie con-
verge se |a| <1
2.
Mas, como vimos antes, lim n√
|bn| = |a|, onde bn e o termo geral da serie.
Logo, pelo teste da raiz, a serie converge se |a| < 1.�
Veremos, depois, que o teste da raiz sempre e mais eficaz do que o
da razao, pois
lim sup n√
|an| ≤ lim sup|an+1|
|an|
e, se existe lim|an+1|
|an|, entao existe tambem lim n
√|an| e, mais ainda,
esses limites coincidem.
J. Delgado - K. Frensel110
Series numericas
Exemplo 7.13 Seja a serie∞∑
n=0
xn
n!, onde x ∈ R.
Como|x|n+1
(n+ 1)!· n!
|x|n=
|x|
n+ 1−→ 0, temos que a serie
∞∑n=0
xn
n!e absoluta-
mente convergente para todo x ∈ R.�
Observacao 7.7 Quando lim|an+1|
|an|= 1 nada se pode afirmar, ou seja,
a serie∑an pode convergir ou divergir. Por exemplo,
• a serie harmonica∑ 1
ndiverge e lim
|an+1|
|an|= lim
n+ 1
n= 1 ;
• a serie∑ 1
n2converge e lim
|an+1|
|an|= lim
(n+ 1
n
)2
= 1 .
Observacao 7.8 Quando|an+1|
|an|≥ 1 para todo n ≥ n0, a serie
∑an
diverge, pois seu termo geral nao tende para zero.
Mas, ao contrario do teste da raiz, nao se pode concluir que a serie∑an
diverge apenas pelo fato de se ter|an+1|
|an|≥ 1 para “uma infinidade de
valores de n”.
Com efeito, se∑an e uma serie convergente qualquer e an > 0 para todo
n ∈ N, a serie a1 +a1 +a2 +a2 + . . .+an +an + . . . tambem e convergente,
pois s ′2n = 2sn e s ′2n−1 = 2sn − an e, portanto,
lim s ′2n = lim s ′2n−1 = 2s = 2∑an ,
onde s ′n e sn sao as reduzidas de ordem n das series a1 + a1 + a2 + a2 +
. . .+ an + an + . . . e∑an, respectivamente.
Mas, se bn e o termo geral da serie a1 +a1 +a2 +a2 + . . .+an +an + . . .,
temos quebn+1
bn= 1 para todo n ımpar.
Teorema 7.6 Seja (an) uma sequencia limitada de numeros reais posi-
tivos. Entao,
lim infan+1
an≤ lim inf n
√an ≤ lim sup n
√an ≤ lim sup
an+1
an.
Em particular, se existir liman+1
an, existira, tambem, lim n
√an e os dois limi-
Instituto de Matematica - UFF 111
Analise na Reta
tes serao iguais.
Prova.
Vamos provar que
lim infan+1
an≤ lim inf n
√an .
Suponhamos, por absurdo, que
a = lim infan+1an > lim inf n√an = b .
Entao, existe c ∈ R, tal que b < c < a, ou seja,
b = lim inf n√an < c < lim inf
an+1
an= a .
Pelo corolario —, existe p ∈ N tal quean+1
an> c para todo n ≥ p. Assim,
ap+1
ap> c ,
ap+2
ap+1> c , . . . ,
an
an−1> c ,
para todo n > p. Multiplicando membro a membro as n−p desigualdades,
obtemos quean
ap> cn−p, ou seja, n
√an > c
n√k para todo n > p, onde
k =ap
cp. Logo,
inf { n√an, n+1
√an+1, . . . } ≥ inf
{c
n√k, c
n+1√k, . . .
}pois,
inf{c
n√k, c
n+1√k, . . .
}≤ c m
√k < m
√am ,
para todo m ≥ n e n > p. Ou seja, inf{c
n√k, c
n+1√k, . . .
}e uma cota
inferior do conjunto { n√an, n+1
√an+1, . . . }.
Assim, temos que
lim inf n√an ≥ lim inf c n
√k = lim c n
√k = c ,
o que e absurdo, pois estamos supondo que lim inf n√an < c.
A desigualdade
lim sup n√an ≤ lim sup
an+1
an
prova-se de modo analogo.�
Exemplo 7.14 Consideremos a sequencia (xn), onde
x2n−1 = anbn−1 e x2n = anbn , n ∈ N ,
J. Delgado - K. Frensel112
Series numericas
ou seja, x = (a, ab, a2b, a2b2, a3b2, . . .), onde a, b ∈ R.
Comoxn+1
xn= b, se n e ımpar, e
xn+1
xn= a, se n e par, temos que nao
existe limxn+1
xn.
Mas,
• lim 2n−1√x2n−1 = lim(anbn−1)
12n−1
= liman
2n−1 bn−1
2n−1
= lima12+ 1
2(2n−1) b12− 1
2(2n−1)
=√a(
lima1
2(2n−1)
) √b(
limb− 12(2n−1)
)=
√ab
• lim 2n√x2n = lim 2n
√an bn = lim
√ab =
√ab
Logo, lim n√xn =
√ab .�
Este exemplo mostra que pode existir o limite da raiz sem que exista
o limite da razao.
Exemplo 7.15 Seja xn =1
n√n!
. Tome yn =1
n!. Entao, xn = n
√yn.
Como
limyn+1
yn= lim
1
(n+ 1)!n! = lim
1
n+ 1= 0 ,
temos que lim n√yn tambem existe e
lim n√yn = lim
yn+1
yn= 0 .
Logo, lim xn = lim n√yn = 0.�
Exemplo 7.16 Seja xn =n
n√n!
e considere yn =nn
n!. Entao, n
√yn = xn.
Comoyn+1
yn=
(n+ 1)n+1
(n+ 1)!· n!
nn=
(n+ 1)(n+ 1)nn!
n!(n+ 1)nn=(1+
1
n
)n
−→ e ,
temos que existe lim n√yn. Logo,
Instituto de Matematica - UFF 113
Analise na Reta
lim xn = lim n√yn = lim
yn+1
yn= e .
�
Teorema 7.7 (Teorema de Dirichlet)
Seja∑an uma serie cujas reduzidas sn = a1 + . . . + an formam uma
sequencia limitada. Seja (bn) uma sequencia nao-crescente de numeros
positivos com limbn = 0. Entao a serie∑anbn e convergente.
Prova.
Vamos mostrar, primeiro, por inducao, que, para todo n ≥ 2,
a1b1 + a2b2 + a3b3 + . . .+ anbn =
n∑i=2
si−1 (bi−1 − bi) + snbn ,
ou seja,
a1b1 + a2b2 + . . .+ anbn = a1(b1 − b2) + (a1 + a2)(b2 − b3)
+ (a1 + a2 + a3)(b3 − b4)
+ . . .+ (a1 + . . .+ an)bn .
De fato
• Se n = 2, a1b1 + a2b2 = a1(b1 − b2) + (a1 + a2)b2.
• Suponhamos que a igualdade e verdadeira para n. Entao,
a1b1 + a2b2 + . . .+ anbn + an+1bn+1
=
n∑i=2
si−1(bi−1 − bi) + snbn + an+1bn+1
=
n∑i=2
si−1(bi−1 − bi) + sn(bn − bn+1) + snbn+1 + an+1bn+1
=
n+1∑i=2
si−1(bi−1 − bi) + sn+1bn+1 .
Como a sequencia (sn) e limitada, existe k > 0 tal que |sn| ≤ k para todo
n ∈ N.
Temos tambem que a reduzida de ordem n da serie de termos nao-
negativos∞∑
n=2
(bn−1 − bn) e b1 − bn+1, que converge para b1.
J. Delgado - K. Frensel114
Series numericas
Logo, a serie∞∑
n=2
sn−1(bn−1−bn) e convergente, pois a serie∞∑
n=2
(bn−1−bn)
converge e
|sn−1(bn−1 − bn)| ≤ k(bn−1 − bn) , para todo n ≥ 2.
Entao a serie∞∑
n=1
anbn e convergente, pois lim snbn = 0, ou seja, a redu-
zidan∑
i=2
si−1(bi−1 − bi) + snbn de ordem n da serie∑anbn converge.�
Corolario 7.8 (Criterio de Abel)
Se a serie∑an e convergente e (bn) e uma sequencia nao-crescente e
limitada inferiormente, entao a serie∑anbn e convergente.
Prova.
Como a sequencia (bn) e nao-crescente e limitada inferiormente, existe
limbn = b e b ≤ bn para todo n ∈ N.
Logo, lim(bn − b) = 0 e (bn − b) e uma sequencia nao-crescente.
Entao, pelo teorema de Dirichlet, a serie∑an(bn − b) e convergente e,
portanto, a serie∑anbn tambem e convergente, ja que a serie
∑bnan
converge.�
Corolario 7.9 (Criterio de Leibniz)
Se a sequencia (bn) e nao-crescente e limbn = 0, entao a serie∑
(−1)nbn
e convergente.
Prova.
Pelo teorema de Dirichlet, a serie∑
(−1)nbn converge, pois as reduzidas
da serie∑
(−1)n sao limitadas por 1.�
Exemplo 7.17 A serie∑ (−1)n
nre convergente para todo r > 0, pois a
sequencia1
nre decrescente e tende para zero.
Logo, a serie∑ (−1)n
nre condicionalmente convergente para 0 < r ≤ 1,
pois ja provamos que a serie∑ 1
nrnao converge quando r ≤ 1.�
Instituto de Matematica - UFF 115
Analise na Reta
Exemplo 7.18 Se x 6= 2πk , k ∈ Z, as series∞∑
n=1
cos(nx)
ne
∑ sen(nx)
n,
sao convergentes.
Como a sequencia(1
n
)e decrescente e tende para zero, basta mostrar
que as reduzidas sn = cos(x) + cos(2x) + . . . + cos(nx) e tn = sen(x) +
sen(2x) + . . .+ sen(nx) das series∑
cos(nx) e∑
sen(nx) sao limitadas.
Temos que 1 + sn e tn sao, respectivamente, a parte real e imaginaria do
numero complexo
1+ eix + . . .+ einx =1− (eix)n+1
1− eix.
Logo, como eix 6= 1, pois x 6= 2πk, k ∈ Z, temos que∣∣∣∣∣1−(eix)n+1
1− eix
∣∣∣∣∣ ≤ 2
|1− eix|, para todo n ∈ N.
Ou seja, a sequencia(1+ eix + . . .+ einx
)n∈N e limitada e, portanto, as
sequencias de suas partes reais e imaginarias sao, tambem, limitadas.�
Observacao 7.9 Dada uma serie∑an, definimos
pn =
an se an > 0
0 se an ≤ 0 .
O numero pn e chamado parte positiva de an.
Analogamente, definimos a parte negativa de an como sendo o numero
qn =
0 se an ≥ 0
−an se an < 0 .
Entao, para todo n ∈ N temos pn ≥ 0 , qn ≥ 0 e
an = pn − qn ; |an| = pn + qn ; |an| = an + 2qn ; |an| = 2pn − an .
• Se∑an e absolutamente convergente entao, para todo k ∈ N, temos:
∞∑n=1
≥k∑
n=1
|an| =
k∑n=1
pn +
k∑n=1
qn .
Logo, as series∑pn e
∑qn sao convergentes, pois suas reduzidas for-
J. Delgado - K. Frensel116
Aritmetica de series
mam sequencias nao-decrescentes limitadas superiormente por∞∑
n=1
|an|.
E, reciprocamente, se as series∑pn e
∑qn sao convergentes, entao a
serie∑an e absolutamente convergente.
• Mas, se a serie∑an e condicionalmente convergente, entao as series∑
pn e∑qn divergem. De fato, se pelo menos uma dessas series con-
verge, a serie∑an tambem converge.
Suponha, por exemplo, que a serie∑qn converge.
Entao, a serie∑
|an| converge, poisk∑
n=1
|an| =
k∑n=1
an + 2
k∑n=1
qn −→ ∞∑n=1
an + 2
∞∑n=1
qn .
O caso em que a serie∑pn converge, prova-se que a serie
∑|an| con-
verge de modo analogo usando a relacao |an| = 2pn − an, para todo
n ∈ N.
Exemplo 7.19 Ja sabemos que a serie∞∑
n=1
(−1)n+1
n= 1−
1
2+1
3−1
4+. . . e
condicionalmente convergente. Logo, a serie das partes positivas∑pn =
1+0+1
3+0+ . . . e a serie das partes negativas
∑qn = 0+
1
2+0+
1
4+ . . .
divergem.�
8. Aritm etica de s eries
Vamos investigar, agora, se as propriedades aritmeticas, tais como
associatividade e comutatividade, se estendem das somas finitas para as
series.
• Associatividade: Dada uma serie∑an convergente, ao inserirmos
parenteses entre seus termos, formamos uma nova serie cuja sequencia
(tn) das reduzidas e uma subsequencia da sequencia (sn) das reduzidas
da serie∑an.
Como (sn) e uma sequencia convergente, (tn) tambem o e, ou seja,
Instituto de Matematica - UFF 117
Analise na Reta
a nova serie e convergente e sua soma e igual a s =
∞∑n=1
an.
Por exemplo, a reduzida tn da serie
(a1 + a2) + (a3 + a4) + (a5 + a6) + . . .
e igual a s2n.
• Dissociatividade: Ao dissociarmos os termos de uma serie conver-
gente, podemos obter uma serie divergente, pois a serie original pode ser
obtida da nova serie por associacao de seus termos. Logo, a sequencia
das reduzidas (sn) da serie original e uma subsequencia das reduzidas
(tn) da nova serie. Assim, (sn) pode convergir sem que (tn) convirja.
Por exemplo, dada a serie∑an convergente, podemos dissociar
seus termos da forma an = an + 1− 1. Entao, a nova serie
a1 + 1− 1+ a2 + 1− 1+ a3 + 1− 1+ . . .
diverge, pois seu termo geral nao converge para zero.
Mas, quando a serie∑an e absolutamente convergente e dissocia-
mos seus termos como somas finitas an = a1n + . . .+ ak
n de parcelas com
o mesmo sinal, a nova serie obtida converge e converge para a mesma
soma.
Suponhamos, primeiro, que an ≥ 0 para todo n ∈ N. Se escre-
vermos cada an como uma soma finita de numeros nao-negativos, obte-
mos uma nova serie∑bn, com bn ≥ 0, cuja sequencia das reduzidas
(tn) e uma sequencia nao-decrescente, que possui como subsequencia a
sequencia (sn) das reduzidas da serie∑an.
Como a subsequencia (sn) e limitada superiormente, por ser conver-
gente, entao (tn) e, tambem, limitada superiormente. Logo, (tn) converge
e converge para o mesmo limite da subsequencia (sn). Ou seja, a nova
serie∑bn converge e tem soma
∑bn =
∑an.
Seja, agora, uma serie∑an absolutamente convergente.
Se pn e qn sao, respectivamente, a parte positiva e a parte nega-
tiva de an, temos que as series∑pn e
∑qn tem todos os termos nao-
negativos, sao convergentes, e∑an =
∑pn −
∑qn .
J. Delgado - K. Frensel118
Aritmetica de series
Como toda dissociacao dos an em somas finitas de parcelas com
o mesmo sinal determina uma dissociacao em∑pn e outra em
∑qn,
temos, pelo visto acima, que esta dissociacao mantem a convergencia e
o valor da soma das series∑pn e
∑qn.
Logo, a nova serie e convergente e tem a mesma soma que∑an.
Exemplo 8.1 Sejam∑an e
∑bn series convergentes com somas s e
t, respectivamente. Ja sabemos que a serie∑
(an + bn) = (a1 + b1) +
(a2 + b2) + . . . converge para s+ t.
Vamos provar que a serie a1 + b1 + a2 + b2 + . . ., obtida pela dissociacao
dos termos da serie∑
(an + bn) converge e sua soma e s+ t.
Observamos primeiro, que esta afirmacao nao decorre do provado acima,
pois nao estamos supondo que as series∑an e
∑bn sejam absoluta-
mente convergentes e nem que os seus termos an e bn tenham o mesmo
sinal.
Sejam sn e tn as reduzidas das series∑an e
∑bn respectivamente.
Entao, a serie a1+b1+a2+b2+a3+b3+. . . tem como reduzidas de ordem
par r2n = sn+tn e como reduzidas de ordem ımpar r2n−1 = sn−1+tn−1+an.
Logo, lim rn = s+ t , ou seja, a serie a1 + b1 + a2 + b2 + . . . e convergente
e tem soma s+ t.�
• Comutatividade: Dada uma serie∑an, mudar a ordem de seus termos
significa considerar uma bijecao ϕ : N −→ N para formar uma nova serie∑bn, cujo termo geral e bn = aϕ(n), para todo n ∈ N.
Definicao 8.1 Uma serie∑an e comutativamente convergente quando,
para toda bijecaoϕ : N −→ N, a serie∑bn, cujo termo geral e bn = aϕ(n),
e convergente e∑an =
∑bn.
Exemplo 8.2 A serie∞∑
n=1
(−1)n+1
n= 1 −
1
2+1
3−1
4+ . . . e convergente,
mas nao e absolutamente convergente.Provaremos depois que a soma s
da serie do exemplo 8.2 e igual a
log 2 , usando a serie de Taylor dafuncao logaritmo.
Seja s =
∞∑n=1
(−1)n+1
n. Multiplicando os termos da serie por
1
2, obtemos
Instituto de Matematica - UFF 119
Analise na Reta
s
2=
∞∑n=1
(−1)n+1
2n=1
2−1
4+1
6−1
8+1
10. . .
Entao,s
2= 0+
1
2+ 0−
1
4+ 0+
1
6+ 0−
1
8+ 0+
1
10. . . ,
pois, se incluirmos zeros entre os termos de uma serie, nao alteramos a
sua convergencia e nem a sua soma.
• De fato, se sn e tn sao as reduzidas da serie∑an e da serie
∑bn,
obtida acrescentando zeros entre os seus termos an, temos que, dado
n0 ∈ N, existe m0 ∈ N tal que tm0= sn0
.
Assim, se |sn − s| < ε para todo n ≥ n0, entao |tn − s| < ε para todo
m ≥ m0, existe n ≥ n0 tal que m = n.
Entao, somando termo a termo as seriess
2= 0+
1
2+ 0−
1
4+ 0+
1
6+ 0−
1
8+ 0+
1
10. . . ,
e
s = 1−1
2+1
3−1
4+1
5−1
6+1
7−1
8+1
9−1
10+ . . . ,
obtemos a serie3s
2= 1+ 0+
1
3−1
2+1
5+ 0+
1
7−1
4+1
9+1
11−1
6+ . . .
Pela propriedade associativa, pois retiramos os termos zeros de uma serie
sem alterar sua convergencia nem a sua soma. Logo,3s
2= 1+
1
3−1
2+1
5+1
7−1
4+1
9+1
11−1
6+ . . .
• Precisamos ainda provar que os termos da serie∑
(an + bn), onde∑an = 0+
1
2+ 0−
1
4+ 0+
1
6+ . . .
e ∑bn = 1−
1
2+1
3−1
4+1
5−1
6+ . . .
sao os termos da serie∑bn, depois de eliminarmos os zeros, so que
numa ordem diferente!
◦ De fato, como a2n−1 = 0, a2n =(−1)n+1
2ne bn =
(−1)n+1
n, temos:
a2n−1 + b2n−1 = b2n−1
J. Delgado - K. Frensel120
Aritmetica de series
e
a2n + b2n =(−1)n+1
2n+
(−1)2n+1
n=
(−1)n+1 + (−1)2n+1
2n.
Logo, a2n + b2n =−2
2n=
(−1)n+1
nse n e par, e a2n + b2n = 0 se n e ımpar.
• Provamos, assim, que os termos da serie
1+1
3−1
2+1
5+1
7−1
4+1
9+1
11−1
6+ . . .
cuja soma e3s
2sao os mesmos da serie original, cuja soma e s, apenas
com uma mudanca de ordem.
Assim, uma reordenacao dos termos de uma serie convergente pode al-
terar o valor da sua soma!�
Teorema 8.1 Toda serie absolutamente convergente e comutativamente
convergente.
Prova.
• Suponhamos, primeiro que∑an e uma serie convergente com an ≥ 0
para todo n.
Seja ϕ : N −→ N uma bijecao e tomemos bn = aϕ(n).
Vamos provar que a serie∑bn e convergente e que
∑bn =
∑an.
Sejam sn = a1 + . . .+ an e tn = aϕ(1) + . . .+ aϕ(n) as reduzidas de ordem
n das series∑an e
∑bn, respectivamente.
Afirmacao 1: Para cada n ∈ N existe m ∈ N tal que tn ≤ sm.
De fato, seja m = max {ϕ(1), . . . , ϕ(n)}. Entao
{ϕ(1), . . . , ϕ(n)} ⊂ {1, 2, . . . ,m} .
Logo,
tn =
n∑n=1
aϕ(i) ≤m∑
i=1
aj = sm .
Afirmacao 2: Para cada m ∈ N, existe n ∈ N tal que sm ≤ tn.
De fato, dado m ∈ N, temos que sm =
m∑i=1
ai =
m∑i=1
bϕ−1(i) .
Instituto de Matematica - UFF 121
Analise na Reta
Seja n = max{ϕ−1(1), . . . , ϕ−1(m)
}. Entao,{
ϕ−1(1), . . . , ϕ−1(n)}⊂ {1, 2, . . . , n} .
Logo,
sm =
m∑i=1
bϕ−1(i) ≤n∑
j=1
= tn .
Afirmacao 3: lim sn = lim tn = s , ou seja,∑bn e convergente e∑
bn =∑an .
De fato, como s = lim sm = supm∈N
sm e t = lim tn = supn∈N
tn , temos que
sm ≤ s para todo m ∈ N e tn ≤ t, para todo n ∈ N.
Assim, pelas afirmacoes (1) e (2), tn ≤ s para todo n ∈ N e sm ≤ t para
todo m ∈ N.
Portanto, t ≤ s e s ≤ t, ou seja, s = t.
• No caso em que a serie∑an e absolutamente convergente, temos que∑
an =∑pn−
∑qn, onde pn e qn sao a parte positiva e a parte negativa
de an, respectivamente.
Afirmacao 4: Toda reordenacao (bn) dos termos an da serie original da
lugar a uma reordenacao (un) para os pn e uma reordenacao (vn) para
os qn, de tal modo que cada un e a parte positiva e cada vn e a parte
negativa de bn.
De fato, se bn = aϕ(n), sendo ϕ : N −→ N uma bijecao, temos que:un = aϕ(n) = pϕ(n) = bn , se aϕn = bn < 0
vn = 0 = qϕ(n) , se aϕ(n) = bn ≥ 0 .
• Pelo provado anteriormente, as series∑un e
∑vn convergem, sendo∑
un =∑pn e
∑vn =
∑qn .
Logo, a serie∑bn e absolutamente convergente e
∑bn =
∑un −
∑vn.
Alem disso,∑an =
∑pn −
∑qn =
∑un −
∑vn =
∑bn.�
Teorema 8.2 Seja∑an uma serie condicionalmente convergente. Dado
qualquer numero real c, existe uma reordenacao (bn) dos termos de∑an,
de modo que∑bn = c.
J. Delgado - K. Frensel122
Aritmetica de series
Prova.
sejam pn a parte positiva e qn a parte negativa de an. Como a serie∑an e condicionalmente convergente, temos que liman = 0, e, portanto,
limpn = limqn = 0, mas∑pn = +∞ e
∑qn = +∞.
Vamos reordenar os termos da serie∑an da seguinte maneira:
Sejam
◦ n1 ∈ N o menor ındice tal que p1 + . . .+ pn1> c .
◦ n2 ∈ N o menor ındice tal que
p1 + . . .+ pn1− q1 − . . .− qn−2 < c .
◦ n3 ∈ N o menor ındice tal que
p1 + . . .+ pn1− q1 − . . .− qn−2 + pn1+1 + . . .+ pn3
> c .
◦ n4 ∈ N o menor ındice tal que
p1 + . . .+ pn1− q1 − . . .− qn−2 + pn1+1 + . . .+ pn3
− qn2+1 − . . .− qn4< c .
Esses ındices existem, pois∑pn = +∞ e
∑qn = +∞.
Prosseguindo desta maneira, obtemos uma reordenacao da serie tal que
as reduzidas tn da nova serie tendem para c.
De fato, para todo i ≥ 3 ımpar, temos
tni+ni+1=
ni∑j=1
pj −
ni+1∑`=1
q` < c <
ni∑j=1
pj −
ni−1∑`=1
q` = tni−1+ni,
0 < tni−1+ni− c < pni
, e 0 < c− tni+ni+1< qni+1
,
pois ni e o menor inteiro tal queni∑j=1
pn −
ni−1∑`=1
q` < c e ni+1 e o menor
inteiro tal queni∑j=1
pj −
ni−1∑`=1
q` > c.
Sendo limpni= limqni+1
= 0, temos que lim tni+ni+1= lim tni−1+ni
= 0 .
Alem disso, dado n ∈ N, existe i ımpar, tal que
◦ ni−1 + ni < n < ni + ni+1 =⇒ tni+ni+1≤ tn ≤ tni−1+ni
,
ou
◦ ni + ni+1 < n < ni+1 + ni+2 =⇒ tni+ni+1≤ tn ≤ tni+1+ni+2
.
Logo, lim tn = c, ou seja, a nova serie tem soma c.�
Instituto de Matematica - UFF 123
Analise na Reta
Observacao 8.1 Podemos reordenar uma serie∑an condicionalmente
convergente de modo que a serie reordenada tenha soma +∞ ou −∞.
De fato, sejam
◦ n1 ∈ N tal que p1 + . . .+ pn1> 1+ q1 ,
◦ n2 ∈ N tal que n2 > n1 e
p1 + . . .+ pn1− q1 + pn1+1 + . . .+ pn2
> 2+ q2 ,
◦ n3 ∈ N tal que n3 > n2 e
p1 + . . .+ pn1− q1 + pn1+1 + . . .+ pn2
− q2 + pn2+1 + . . .+ pn3> 3+ q3 .
Prosseguindo desta maneira, obtemos uma reordenacao da serie∑an,
de modo que as reduzidas tn da nova serie satisfazem:
tni+(i−1) > i+ qi > i e tni+i > i , para todo i ∈ N .
Alem disso, se n ≥ ni + (i − 1), existe j ≥ i tal que n = nj + (j − 1) ou
n = nj + j ou nj + j < n < nj+1 + j.
Logo, tn > j ≥ i, pois tnj+1+j = tnj+j + pnj+1 + pnj+1.
Como, dado A > 0, existe i0 ∈ N, tal que i0 > A, temos que tn > i0 > A
para todo n ≥ ni0+(i0−1)
Portanto, as reduzidas da nova serie tendem para +∞.
Para provar que existe uma reordenacao dos termos da serie∑an de
modo que a nova serie tenha soma −∞, basta trocar pi por qi no argu-
mento acima.
Corolario 8.1 Uma serie∑an e absolutamente convergente se, e so-
mente se, e comutativamente convergente.
Teorema 8.3 Se∑n≥0
an e∑n≥0
bn sao series absolutamente convergen-
tes, entao
(∑an) (
∑bn) =
∑cn ,
onde cn = a0bn + a1bn−1 + . . .+ anb0 para todo n ≥ 0.
Prova.
Ja sabemos que, para todo n ≥ 0,
J. Delgado - K. Frensel124
(n∑
i=0
ai
) (n∑
j=0
bj
)=
n∑i,j=0
aibj = x0 + x1 + . . .+ xn ,
onde
xn =
n∑i=0
aibn +
n−1∑j=0
anbj
= a0bn + a1bn + . . .+ anbn + anbn − 1+ . . .+ anb0 .
E, portanto, (∑an) (
∑bn) =
∑xn .
Pela dissociacao dos termos xn, obtemos a serie∑aibj, cujos termos
sao ordenados de modo que as parcelas de xn precedem as de xn + 1.
Para cada k ≥ 0, a reduzida de ordem (k+ 1)2 da serie∑
|aibj| ek∑
i,j=0
|ai| |bj| =
(k∑
i=0
|ai|
) (k∑
j=0
|bj|
)≤
(∑n≥0
|an|
) (∑n≥0
|bn|
),
ou seja, a subsequencia das reduzidas de ordem (k+1)2 da serie∑
|aibj|
e limitada.
Logo, a sequencia das reduzidas da serie∑
|aibj| e convergente, por ser
nao-decrescente e limitada, ja que possui uma subsequencia limitada.
Assim, a serie∑aibj e absolutamente convergente.
Reordenando e depois associando os termos da serie∑aibj, obtemos a
nova serie∑cn, onde cn = a0bn + . . .+ anb0 =
∑i+j=n
aibj .
Como a serie∑aibj e absolutamente convergente, temos que(∑
n≥0
an
) (∑n≥0
bn
)=
∑n≥0
xn =∑
aibj =∑n≥0
cn .
�
Instituto de Matematica - UFF 125
J. Delgado - K. Frensel126
Conjuntos abertos
Parte 4
Topologia da reta
Nesta parte estudaremos as propriedades topologicas do conjunto
dos numeros reais, de modo a estabelecer os conceitos de limite e conti-
nuidade de funcoes reais de variavel real.
1. Conjuntos abertos
Definicao 1.1 Sejam X ⊂ R e x ∈ X. Dizemos que x e um ponto interior
de X quando existe um intervalo aberto (a, b) tal que x ∈ (a, b) ⊂ X.
Isto significa que todos os pontos suficientemente proximos de x ainda
pertencem ao conjunto X.
Observacao 1.1 x e um ponto interior do conjunto X se, e so se, existe
ε > 0 tal que (x− ε, x+ ε) ⊂ X.
De fato, se x ∈ (a, b) ⊂ X, tome ε = min{x− a, b− x} > 0.
Entao, a ≤ x − ε < x + ε ≤ b, ou seja, (x − ε, x + ε) ⊂ (a, b). Logo,
(x− ε, x+ ε) ⊂ X.
Fig. 1: Intervalo centrado em x de raio ε contido em X.
Observacao 1.2 x e um ponto interior de X se, e so se, existe ε > 0 tal
que |y− x| < ε =⇒ y ∈ X.
Instituto de Matematica - UFF 127
Analise na Reta
De fato,
|y− x| < ε ⇐⇒ −ε < y− x < ε ⇐⇒ x− ε < y < x+ ε ⇐⇒ y ∈ (x− ε, x+ ε).
Definicao 1.2 O interior do conjunto X, representado por intX, e o con-
junto dos pontos x ∈ X que sao interiores a X.
Observacao 1.3
• intX ⊂ X.
• X ⊂ Y entao intX ⊂ int Y.
• Se intX 6= ∅, X contem um intervalo aberto, sendo, portanto, infinito
nao-enumeravel.
Logo, intX = ∅, se X e finito ou infinito enumeravel.
Em particular int N = int Z = int Q = ∅.
• O conjunto R − Q dos numeros irracionais, apesar de ser infinito nao-
enumeravel, tambem possui interior vazio, pois todo intervalo aberto contem
um numero racional.
Exemplo 1.1 Se X = (a, b) ou X = (−∞, b) ou X = (a,+∞), entao
intX = X.
De fato, no primeiro caso, para todo x ∈ X, temos x ∈ (a, b) ⊂ X. No
segundo caso, dado x ∈ X, temos x ∈ (x − 1, b) ⊂ X, e, no terceiro caso,
dado x ∈ X, temos x ∈ (a, x+ 1) ⊂ X.
Logo, X ⊂ intX, ou seja, X = intX.�
Exemplo 1.2 Sejam X = [c, d], Y = [c,+∞) e Z = (−∞, d]. Entao,
intX = (c, d) , int Y = (c,+∞) , intZ = (−∞, d) .
De fato, se x ∈ (c, d), temos que x ∈ (c, d) ⊂ X. Logo, (c, d) ⊂ intX.
Alem disso, como para todo intervalo aberto (a, b) contendo c, (a, c) 6⊂ X,
temos que c 6∈ intX.
Do mesmo modo, d 6∈ intX, pois para todo intervalo aberto (a, b) que
contem d, temos que (d, b) 6⊂ X. Entao, intX ⊂ (c, d). Logo, intX = (c, d).
Analogamente, podemos provar os outros casos e, tambem, que
int(c, d] = int[c, d) = (c, d).
�
J. Delgado - K. Frensel128
Conjuntos abertos
Definicao 1.3 Dizemos que um subconjuntoA ⊂ R e um conjunto aberto
quando todos os seus pontos sao interiores, isto e, quando intA = A.
Assim, A ⊂ R e aberto se, e somente se, para cada x ∈ A existe um
intervalo aberto (a, b) tal que x ∈ (a, b) ⊂ A.
Exemplo 1.3 O conjunto vazio e aberto, pois um conjunto X so deixa
de ser aberto se existir algum ponto de X que nao esta em seu interior.�
Exemplo 1.4 A reta R e um conjunto aberto.�
Exemplo 1.5 Um intervalo e um conjunto aberto se, e so se, e um in-
tervalo aberto. Ou seja, os intervalos da forma (a, b), (a,+∞), (−∞, b)sao os unicos tipos de intervalos que sao conjuntos abertos (ver exemplo
1.2).�
Exemplo 1.6 Todo conjunto aberto nao-vazio e nao-enumeravel.
Em particular, todos os subconjuntos de Q e todos os subconjuntos finitos
de R nao sao abertos.�
Exemplo 1.7 Nenhum subconjunto do conjunto dos numeros irracio-
nais e aberto, pois todo intervalo aberto contem um numero racional.�
Teorema 1.1 A intersecao de um numero finito de conjuntos abertos e
um conjunto aberto.
Prova.
Sejam A1, . . . , An ⊂ R conjuntos abertos e seja
A = A1 ∩ . . . ∩An .
Se x ∈ A, entao x ∈ Ai para todo i = 1, . . . , n.
Logo, para cada i = 1, . . . , n existe um intervalo aberto (ai, bi) tal que
x ∈ (ai, bi) ⊂ Ai.
Sejam a = max{a1, . . . , an} e b = min{b1, . . . , bn}.
Como para todo i = 1, . . . , n ai < x < bi, temos que ai ≤ a < x < b ≤ bi.
Ou seja x ∈ (a, b) ⊂ (ai, bi) ⊂ Ai para todo i = 1, . . . , n.
Logo, x ∈ (a, b) ⊂ A.�
Instituto de Matematica - UFF 129
Analise na Reta
Teorema 1.2 Se (Aλ)λ ∈ L e uma famılia arbitraria de subconjuntos
abertos na reta R, entao a reuniao:
A =⋃λ∈L
Aλ
e um conjunto aberto.
Prova.
Se x ∈ A =⋃
λ∈LAλ, entao existe λ0 ∈ L tal que x ∈ Aλ0.
Como Aλ0e aberto, existe um intervalo aberto (a, b) tal que
x ∈ (a, b) ⊂ Aλ0.
Logo, x ∈ (a, b) ⊂ A, pois Aλ0⊂ A.�
Observacao 1.4 Se (a1, b1) ∩ (a2, b2) 6= ∅, entao
(a1, b1) ∩ (a2, b2) = (a, b),
onde a = max{a1, a2} e b = min{b1, b2}.
De fato, como existe x ∈ (a1, b1) ∩ (a2, b2), temos
a1 < x < b1 e a2 < x < b2.
Logo, a1 < b1, a1 < b2 e a2 < b1, a2 < b2.
Entao, a = max{a1, a2} < b = min{b1, b2}, ou seja, (a, b) e realmente um
intervalo.
Se y > a, entao y > a1 e y > a2, e se y < b, entao y < b1 e y < b2.
Logo, se y ∈ (a, b), entao y ∈ (a1, b1) ∩ (a2, b2).
E, reciprocamente, se y ∈ (a1, b1) ∩ (a2, b2), entao y > a1, y > a2 e
y < b1, y < b2. Logo, a < y < b, ou seja y ∈ (a, b) .
Observacao 1.5 A intersecao de uma infinidade de conjuntos abertos
pode nao ser um conjunto aberto.
Por exemplo, considere, para cada n ∈ N, o conjunto abertoAn =(−1
n,1
n
)e seja A =
⋂n∈NAn.
Entao, A = {0} e, portanto, A nao e aberto.
De fato, como 0 ∈ An para todo n ∈ N, temos que 0 ∈ A.
Seja, agora, x 6= 0. Como |x| > 0, existe n0 ∈ N tal que 0 <1
n0< |x|, ou
J. Delgado - K. Frensel130
Conjuntos abertos
seja, x 6∈ An0=
(−1
n0,1
n0
).
Logo, se x 6= 0, entao x 6∈ A.
Exemplo 1.8 Mais geralmente, se a < b, entao
A =
∞⋂n=1
(a−
1
n, b+
1
n
)= [a, b] .
De fato, se x ∈ [a, b], entao a −1
n≤ a ≤ x ≤ b < b +
1
npara todo n ∈ N,
ou seja, x ∈∞⋂
n=1
(a−
1
n, b+
1
n
). Assim [a, b] ⊂ A.
Se x > b, existe n0 ∈ N tal que1
n0< x − b, ou seja, x > b +
1
n0. Entao
x 6∈(a−
1
n0, b+
1
n0
)e, portanto, x 6∈
∞⋂n=1
(a−
1
n, b+
1
n
).
De modo analogo, se x < a, existe n0 ∈ N tal que1
n0< a − x, ou seja,
x < a−1
n0. Logo, x 6∈
(a−
1
n0, a+
1
n0
)e, portanto, x 6∈ A.
Entao,∞⋂
n=1
(a−
1
n, b+
1
n
)⊂ [a, b]. Logo,
∞⋂n=1
(a−
1
n, b+
1
n
)= [a, b].�
Exemplo 1.9 Seja X = {x1, . . . , xn} um conjunto finito de numeros reais,
com x1 < x2 < . . . < xn.
Entao, R−X = (−∞, x1)∪(x1, x2)∪. . .∪(xn−1, xn)∪(xn,+∞) e um conjunto
aberto.
Ou seja, o complementar de um conjunto finito de numeros reais e um
conjunto aberto.�
Exemplo 1.10 O complementar R−Z do conjunto dos numeros inteiros
e aberto, pois
R − Z =⋃n∈Z
(n,n+ 1)
e uma reuniao de conjuntos abertos.�
Instituto de Matematica - UFF 131
Analise na Reta
Observacao 1.6 Todo conjunto aberto A ⊂ R e uniao de intervalos
abertos.
De fato, para todo x ∈ A existe um intervalo aberto Ix tal que x ∈ Ix ⊂ A.
Logo,
A =⋃x∈A
{x} ⊂⋃x∈A
Ix ⊂ A ,
ou seja, A =⋃a∈A
Ix.
Lema 1.1 Seja (Iλ)λ∈L uma famılia de intervalos abertos, todos con-
tendo o ponto p ∈ R.
Entao, I =⋃λ∈L
Iλ e um intervalo aberto.
Prova.
Para cada λ ∈ L, seja Iλ = (aλ, bλ). Entao, aλ < bµ quaisquer que se-
jam λ, µ ∈ L, pois aλ < p < bµ.
Sejam a = inf{aλ | λ ∈ L} e b = sup{bλ | λ ∈ L}.
Entao, a ≤ aλ < p < bλ ≤ b, ou seja, a < b.
Pode, ainda, ocorrer que seja a = −∞ ou b = +∞, ou seja, pode ocorrer
que o conjunto {aλ | λ ∈ L} seja ilimitado inferiormente ou que o conjunto
{bλ | λ ∈ L} seja ilimitado superiormente.
Afirmacao: (a, b) =⋃λ∈L
Iλ.
Como a ≤ aλ < bλ ≤ b para todo λ ∈ L, temos que⋃λ∈L
Iλ ⊂ (a, b).
Suponhamos que x ∈ (a, b).
Entao, como a = inf{aλ | λ ∈ L} e b = sup{bλ | λ ∈ L}, existem λ0, µ0 ∈ Ltais que aλ0
< x < bµ0.
Se x < bλ0, entao x ∈ (aλ0
, bλ0) ⊂
⋃λ∈L
Iλ. Se x ≥ bλ0, entao aµ0
< bλ0≤
x < bµ0, ou seja, x ∈ (aµ0
, bµ0) ⊂
⋃λ∈L
Iλ. Logo, (a, b) ⊂⋃λ∈L
Iλ. �
J. Delgado - K. Frensel132
Conjuntos abertos
Teorema 1.3 (Estrutura dos intervalos da reta)
Todo subconjunto aberto nao-vazio A ⊂ R se exprime, de modo unico,
como uma reuniao enumeravel de intervalos abertos dois a dois disjuntos.
Prova.
Para cada x ∈ A, seja Ix a reuniao de todos os intervalos abertos que
contem x e estao contidos em A. Cada Ix, pelo lema anterior, e um inter-
valo aberto tal que x ∈ Ix ⊂ A.
Se I e um intervalo aberto qualquer que contem x e esta contido em A,
entao, I ⊂ Ix. Isto e, Ix e o maior intervalo aberto que contem x e esta
contido em A.
Afirmacao 1: Se x, y ∈ A, entao Ix = Iy ou Ix ∩ Iy = ∅.
• Suponhamos que existe z ∈ Ix ∩ Iy, ou seja, Ix ∩ Iy 6= ∅. Entao, pelo
lema anterior, I = Ix ∪ Iy e um intervalo aberto contido em A que contem
os pontos x e y. Logo, I ⊂ Ix e I ⊂ Iy. Mas, como I ⊃ Ix e I ⊃ Iy, temos
que I = Ix = Iy.
Existe, portanto, um subconjunto L ⊂ A, tal que A =⋃x∈L
Ix e Ix ∩ Iy = ∅
se x, y ∈ L e x 6= y.
Afirmacao 2: Se A =⋃λ∈L
Jλ e uma uniao de intervalos abertos dois a
dois disjuntos, entao L e enumeravel.
• Para cada λ ∈ L, seja r(λ) ∈ Jλ ∩Q.
Como Jλ ∩ Jλ ′ = ∅ se λ 6= λ ′, temos que r(λ) 6= r(λ ′) se λ 6= λ ′.
Ou seja, a funcao
r : L −→ Qλ 7−→ r(λ)
e injetiva. Logo, L e enumeravel, pois Q e enumeravel.
Unicidade
Seja A =⋃
m∈N
Jm, onde os Jm = (am, bm) sao intervalos abertos dois a
dois disjuntos.
Instituto de Matematica - UFF 133
Analise na Reta
Afirmacao 3: am e bm nao pertencem a A.
De fato, se am ∈ A, existiria p 6= m tal que am ∈ Jp = (ap, bp). Entao,
pondo b = min{bm, bp}, terıamos que (am, b) ⊂ Jm ∩ Jp o que e absurdo,
pois Im ∩ Ip = ∅.
De modo analogo, podemos provar que bm 6∈ A.
Afirmacao 4: Se x ∈ Jm e x ∈ I ⊂ A, onde I = (a, b) e um intervalo
aberto, entao I ⊂ Jm. Ou seja, Im e a reuniao de todos os intervalos
abertos contidos em A e contendo x, para todo x ∈ Jm, ou melhor, Im = Ix
e o maior intervalo aberto contido em A que contem x, onde x ∈ Jm.
• De fato, am < a < b < bm, pois se a ≤ am (ver figura 2) ou bm ≤ b
(ver figura 3), terıamos, respectivamente, que am ∈ A ou bm ∈ A, o que e
absurdo.�
Fig. 2: a ≥ am.
Fig. 3: bm ≤ b.
Corolario 1.1 Seja I um intervalo aberto. Se I = A ∪ B, onde A e B
sao conjuntos abertos disjuntos, entao um desses conjuntos e igual a I e
o outro e vazio.
Prova.
Se A 6= ∅ e B 6= ∅, as decomposicoes de A e B em intervalos aber-
tos disjuntos dariam origem a uma decomposicao de I com pelo menos
dois intervalos, o que e absurdo, pela unicidade da decomposicao, ja que
I e um intervalo aberto.�
2. Conjuntos fechados
Definicao 2.1 Dizemos que um ponto a ∈ R e aderente a um conjunto
X ⊂ R quando a e limite de uma sequencia de pontos xn ∈ A.
J. Delgado - K. Frensel134
Conjuntos fechados
Observacao 2.1
• Todo ponto a ∈ X e aderente a X.
Basta tomar a sequencia constante xn = a, n ∈ N.
• Mas a ∈ R pode ser aderente a X sem pertencer a X.
Por exemplo, 0 e aderente ao conjunto X = (0,+∞), pois1
n∈ X, para todo
n ∈ N e1
n−→ 0.
Observacao 2.2 Todo valor de aderencia de uma sequencia (xn) e um
ponto aderente ao conjunto X = {x1, x2, . . . , xn, . . .}. Mas a recıproca nao
e verdadeira. Por exemplo, se xn −→ a e (xn) nao e uma sequencia
constante, entao a e o unico valor de aderencia da sequencia, mas todos
os pontos xn, por pertencerem a X, sao pontos aderentes a X.
Teorema 2.1 Um ponto a ∈ R e aderente a um conjunto X ⊂ R se, e so
se, (a− ε, a+ ε) ∩ X 6= ∅ para todo ε > 0.
Prova.
(=⇒) Seja (xn) uma sequencia de pontos de X tal que xn −→ a.
Entao, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que xn ∈ (a − ε, a + ε) para todo
n > n0.
Assim, (a− ε, a+ ε) ∩ X 6= ∅ para todo ε > 0.
(⇐=) Para cada n ∈ N, seja xn ∈ X ∩(a−
1
n, a+
1
n
). Entao (xn) e uma
sequencia de pontos de X tal que xn −→ a, pois |xn − a| <1
npara todo
n ∈ N, e1
n−→ 0.�
Corolario 2.1 Um ponto a ∈ R e aderente a um conjunto X ⊂ R se, e
so se, I ∩ X 6= ∅ para todo intervalo aberto I contendo a.
Prova.
Basta observar que para todo intervalo aberto contendo a existe ε > 0
tal que (a− ε, a+ ε) ⊂ I.�
Instituto de Matematica - UFF 135
Analise na Reta
Corolario 2.2 Sejam X ⊂ R um conjunto limitado inferiormente e Y ⊂ Rum conjunto limitado superiormente. Entao, a = infX e aderente a X e
b = supY e aderente a Y.
Prova.
Dado ε > 0, existem x ∈ X e y ∈ Y tais que a ≤ x < a+ ε e b− ε < y ≤ b.
Logo, (a− ε, a+ ε) ∩ X 6= ∅ e (b− ε, b+ ε) ∩ Y = ∅.�
Definicao 2.2 O fecho do conjunto X ⊂ R e o conjunto X formado pelos
pontos aderentes a X.
Observacao 2.3
• X ⊂ X .
• Se X ⊂ Y =⇒ X ⊂ Y .
Definicao 2.3 Dizemos que um conjunto X ⊂ R e fechado quando
X = X, ou seja, quando todo ponto aderente a X pertence a X.
Assim, X ⊂ R e fechado se, e so se, para toda sequencia conver-
gente (xn) de pontos de X tem-se lim xn = a ∈ X.
Observacao 2.4 Se X ⊂ R e limitado, fechado e nao-vazio, entao supX
e infX pertencem a X.
Exemplo 2.1 O fecho do intervalo aberto (a, b) e o intervalo fechado
[a, b].
• De fato, a, b ∈ (a, b), pois a+1
n, b−
1
n∈ (a, b), para n suficientemente
grande, e a+1
n−→ a, b−
1
n−→ b. Logo, [a, b] ⊂ (a, b).
Por outro lado, se (xn) e uma sequencia de pontos do intervalo (a, b) que
converge para c ∈ (a, b), entao a ≤ c ≤ b pois a < xn < b para todo
n ∈ N. Logo, (a, b) ⊂ [a, b]. �
Observacao 2.5
• De modo analogo, podemos provar que
J. Delgado - K. Frensel136
Conjuntos fechados
[a, b) = [a, b] ; (a, b] = [a, b] ;
[a, b] = [a, b] ; (a,+∞) = [a,+∞) ;
[a,+∞) = [a,+∞) ; (+∞, b) = (+∞, b] ;(−∞, b] = (−∞, b] e (−∞,+∞) = (−∞,+∞) = R .
• Assim, os intervalos fechados [a, b], (−∞, b] e [a,+∞) sao conjuntos
fechados e R tambem o e.
• Em particular, se a = b, o conjunto [a, b] = [a, a] = {a} e um conjunto
fechado. Ou seja, todo conjunto unitario e fechado.
Exemplo 2.2 Q = R − Q = R, pois todo intervalo da reta contem numeros
racionais e irracionais. Em particular, Q e R − Q nao sao conjuntos fecha-
dos.�
Teorema 2.2 Um conjunto F ⊂ R e fechado se, e somente se, seu com-
plementar R − F e aberto.
Prova.
De fato, F e fechado
⇐⇒ todo ponto aderente a F pertence a F⇐⇒ se a ∈ R − F entao a nao e aderente a F⇐⇒ se a ∈ R − F entao existe um intervalo aberto I tal que
a ∈ I e I ∩ F = ∅⇐⇒ se a ∈ R − F entao existe um intervalo aberto I tal que
a ∈ I e I ⊂ R − F⇐⇒ se a ∈ R − F entao a pertence ao interior de R − F⇐⇒ R − F e aberto.
�
Corolario 2.3 (a) R e o conjunto vazio sao fechados.
(b) Se F1, . . . , Fn sao conjuntos fechados, entao F1 ∪ . . . ∪ Fn e fechado.
(c) Se (Fλ)λ∈L e uma famılia qualquer de conjuntos fechados, entao a
intersecao F =⋂λ∈L
Fλ e um conjunto fechado.
Instituto de Matematica - UFF 137
Analise na Reta
Prova.
(a) Como R − R = ∅ e R − ∅ = R sao conjuntos abertos, temos que
R e ∅ sao conjuntos fechados.
(b) Como R − (F1 ∪ . . .∪ Fn) =
n⋂i=1
(R − Fi) e um conjunto aberto, pois cada
R − Fi, i = 1, . . . , n, e aberto, temos que F1 ∪ . . . ∪ Fn e fechado.
(c) Como R −⋂λ∈L
Fλ =⋃λ∈L
(R − Fλ) e um conjunto aberto, por ser a reuniao
dos conjuntos abertos da famılia (R − Fλ)λ∈L, temos que⋂λ∈L
Fλ e um con-
junto fechado.�
Observacao 2.6 A reuniao de uma famılia arbitraria de conjuntos fe-
chados pode nao ser um conjunto fechado.
De fato, como todo conjunto X e a reuniao de seus pontos, ou seja,
X =⋃x∈X
{x} , e os conjuntos {x} sao fechados, basta considerar um con-
junto X que nao e fechado.
Teorema 2.3 O fecho de todo conjunto X ⊂ R e um conjunto fechado.
Isto e, X = X.
Prova.
Seja x ∈ R − X, ou seja, x nao e aderente a X. Entao, existe um intervalo
I tal que x ∈ I e I ∩ X = ∅, ou seja, x ∈ I ⊂ R − X.
Isto mostra que R − X ⊂ int(R − X), ou seja, R − X e um conjunto aberto.
Logo, X e um conjunto fechado.�
Exemplo 2.3 Todo conjunto F = {x1, . . . , xn} finito e fechado, pois
F =
n⋃i=1
{xi} e a reuniao finita dos conjuntos {xi}, i = 1, . . . , n, fechados,
ou porque R − F e aberto, como ja vimos anteriormente.�
Exemplo 2.4 Z e um conjunto fechado, pois R − Z =⋃n∈Z
(n,n+ 1) e um
J. Delgado - K. Frensel138
Conjuntos fechados
conjunto aberto.�
Exemplo 2.5 Q, R − Q, [a, b) e (a, b] nao sao conjuntos abertos nem
fechados.�
Observacao 2.7 Um conjunto X ⊂ R e aberto e fechado ao mesmo
tempo se, e so se, X = R ou X = ∅.
• De fato, ja provamos que R e ∅ sao conjuntos abertos e fechados ao
mesmo tempo.
Se X ⊂ R e aberto e fechado, entao R − X e aberto e fechado. Logo,
R = X ∪ (R − X) e a reuniao de dois conjuntos abertos disjuntos. Assim,
pelo corolario 1.1, X = ∅ ou X = R.
Exemplo 2.6 (O conjunto de Cantor)
O conjunto de Cantor e um subconjunto fechado do intervalo [0, 1], obtido
como complementar de uma reuniao enumeravel de intervalos abertos,
da seguinte maneira.
Primeiro, retira-se do intervalo [0, 1] seu terco medio(
13, 2
3
). Depois, retira-
se os tercos medios abertos(
19, 2
9
)e(
79, 8
9
)dos intervalos restantes
[0, 1
3
]e[
23, 1], sobrando, assim, os intervalos fechados
[0, 1
9
],[
29, 1
3
],[
23, 7
9
]e[
79, 1]
.
Em seguida, retira-se o terco medio aberto de cada um desses quatro
intervalos. Repetindo-se esse processo indefinidamente, o conjunto de
Cantor e o conjunto K que consiste dos pontos nao retirados.
Fig. 4: Construcao do conjunto de Cantor.
Se indicarmos por I1, I2, . . . , In, . . . os intervalos abertos omitidos, temos
K = [0, 1] −
∞⋃n=1
In = [0, 1] ∩
(R −
∞⋃n=1
In
).
Logo, K e um conjunto fechado, pois [0, 1] e R −
∞⋃n=1
In sao conjuntos fe-
chados. Observe que os pontos extremos dos intervalo retirados, como 13,
23, 1
9, 2
9, 7
9, 8
9etc., pertencem ao conjunto de Cantor, pois, em cada etapa
Instituto de Matematica - UFF 139
Analise na Reta
da construcao, sao retirados apenas pontos interiores dos intervalos res-
tantes da etapa anterior.
Esses pontos extremos dos intervalos omitidos formam um subconjunto
infinito enumeravel de K, mas, como veremos depois, K nao e enumeravel.
Vamos provar, agora, que K nao contem nenhum intervalo aberto, ou seja,
intK = ∅.
De fato, na n−esima etapa da construcao de K, sao retirados 2n−1 in-
tervalos abertos de comprimento 13n , restando 2n intervalos fechados de
comprimento 13n .
Sejam I um intervalo aberto de comprimento ` > 0 e n0 ∈ N tal que1
3n0< `.
Se I ⊂ K, entao I ⊂2n0⋃k=1
Jk, onde Jk, k = 1, . . . , 2n0 , sao os intervalos
fechados de comprimento 13n0
restantes da n0−esima etapa.
Logo, existe k0 ∈ {1, . . . , 2n0} (verifique!) tal que I ⊂ Jk0, o que e absurdo,
pois 13n0
< `.�
Definicao 2.4 Sejam X e Y subconjuntos de R tais que X ⊂ Y. Dizemos
que X e denso em Y quando todo ponto de Y e aderente a X, ou seja,
quando Y ⊂ X.
Observacao 2.8 X ⊂ Y e denso em Y ⇐⇒ todo ponto de Y e limite de
uma sequencia de pontos de X.
Observacao 2.9 X e denso em R se X = R. Em particular, Q e R − Q
sao densos em R, pois, como ja vimos, Q = R − Q = R.
Observacao 2.10 Se J e um intervalo nao-degenerado, entao J ∩ Q e
J∩(R−Q) sao densos em J, ou seja, para todo a ∈ J existe uma sequencia
(xn) de pontos de J ∩ Q e uma sequencia (yn) de pontos de J ∩ (R − Q)
que convergem para a (verifique!).
Observacao 2.11
J. Delgado - K. Frensel140
Conjuntos fechados
• X ⊂ Y e denso em Y se, e so se, para todo y ∈ Y e todo ε > 0 tem-se
(y− ε, y+ ε) ∩ X 6= ∅.
• X ⊂ Y e denso em Y se, e so se, todo intervalo aberto que contem algum
ponto de Y contem, necessariamente, algum ponto de X.
Em particular, X ⊂ R e denso em R se, e so se, I ∩ X 6= ∅ para todo
intervalo aberto I.
Assim, dizer que X e denso em R a partir da definicao acima, coincide
com a definicao dada anteriormente.
Teorema 2.4 Todo conjunto X de numeros reais contem um subcon-
junto enumeravel E denso em X.
Prova.
• Se X e finito, entao X e denso em si mesmo, pois X = X.
• Suponhamos, agora, que X nao e finito.
Dado n ∈ N, podemos exprimir R como uniao enumeravel de intervalos
de comprimento1
n:
R =⋃p∈Z
[p
n,p+ 1
n
).
Se X ∩[p
n,p+ 1
n
)6= ∅, escolhemos um ponto xpn nessa intersecao.
Afirmacao: O conjunto E dos pontos xpn assim obtidos e enumeravel.
De fato, como o conjunto A ={(p, n) ∈ Z× N |X ∩
[pn, p+1
n
)6= ∅
}e enu-
meravel e a funcao
ϕ : A −→ X
(p, n) 7−→ xpn
e injetiva, temos que E = ϕ(A) e enumeravel.
Afirmacao: E e denso em X.
Seja I = (a, b) um intervalo aberto contendo algum ponto de X e seja
x ∈ I ∩ X.
Instituto de Matematica - UFF 141
Analise na Reta
Sejam n0 ∈ N tal que1
n0< max{d(a, x), d(b, x)} e p0 ∈ Z tal que
x ∈[p0
n0,p0 + 1
n0
). Entao,
[p0
n0,p0 + 1
n0
)⊂ I, pois, caso contrario, terıamos
que1
n0> d(a, x) ou
1
n0> d(b, x).
Fig. 5: x ∈h
p0n0
, p0+1n0
”∩ (a, b) .
Logo, como x ∈[p0
n0,p0 + 1
n0
)∩ X 6= ∅, existe o ponto xp0n0
∈ E, que
tambem pertence a I, pois xp0n0∈[p0
n0,p0 + 1
n0
)⊂ I.
Fig. 6: xp0n0 ∈h
p0n0
, p0+1n0
”⊂ I = (a, b) .
Mostramos, assim, que todo intervalo aberto I que contem um ponto de
X, tambem contem um ponto xpn ∈ E.
Logo, E e denso em X.�
Observacao 2.12 O conjunto enumeravel E dos extremos dos interva-
los omitidos na construcao do conjunto de Cantor K e denso em K.
Com efeito, sejam x ∈ K e 0 < ε ≤ 1
2. Assim, pelo menos um dos inter-
valos (x − ε, x] ou [x, x + ε) esta contido em [0, 1], pois, caso contrario, 2ε
seria maior que 1.
Suponhamos, entao, que [x, x+ ε) ⊂ [0, 1].
Seja n0 ∈ N tal que1
3n0< ε. Como depois da n0−esima etapa da
construcao de K restam apenas intervalos de comprimento menor que1
3n0, alguma parte do intervalo [x, x+ ε) e retirada na n0−esima etapa, ou
foi retirada antes.
Alem disso, como x ∈ K, o extremo inferior y da parte retirada (que pode
ser x, se x ∈ E) pertence ao intervalo [x, x + ε), pois, caso contrario, x
seria retirado.
J. Delgado - K. Frensel142
Pontos de acumulacao
Logo, y ∈ E ∩ [x, x+ ε) ⊂ E ∩ (x− ε, x+ ε).
Mostramos, assim, que (x− ε, x+ ε) ∩ E 6= ∅, para todo x ∈ K e ε > 0.
3. Pontos de acumulac ao
Definicao 3.1 Seja X ⊂ R. Um numero a ∈ R e ponto de acumulacao
do conjunto X quando todo intervalo aberto (a − ε, a + ε), de centro a e
raio ε > 0, contem algum ponto x ∈ X diferente de a.
O conjunto dos pontos de acumulacao de X, tambem chamado o derivado
de X, sera representado por X ′.
Simbolicamente, temos que a ∈ X ′ se, e so se,
• ∀ ε > 0 , ∃ x ∈ X ; 0 < |x− a| < ε
ou
• ∀ ε > 0 , (a− ε, a+ ε) ∩ (X− {a}) 6= ∅ .
Teorema 3.1 Dado X ⊂ R e a ∈ R, as seguintes afirmacoes sao equi-
valentes:
(1) a ∈ X ′;
(2) a = lim xn, onde (xn) e uma sequencia de elementos de X, dois a dois
distintos;
(3) todo intervalo aberto contendo a possui uma infinidade de elementos
de X.
Prova.
(1) =⇒ (2) Seja x1 ∈ X tal que 0 < |x1 − a| < 1.
Suponhamos que foi possıvel determinar pontos x1, x2, . . . , xn ∈ X tais que
0 < |xj − a| < |xj−1 − a| e 0 < |xj − a| <1
j, j = 2, . . . , n.
Existe, entao, xn+1 ∈ X tal que 0 < |xn+1 − a| < ε, onde
ε = min{
1
n+ 1, |xn − a|
}.
Instituto de Matematica - UFF 143
Analise na Reta
Com isso, construımos uma sequencia (xn) de pontos de X dois a dois
distintos que converge para a, pois |xn+1 − a| < |xn − a| e |xn − a| <1
n,
para todo n ∈ N.
(2) =⇒ (3) Seja (xn) uma sequencia de pontos de X dois a dois distintos
que converge para a e seja I um intervalo aberto que contem a.
Entao, existem ε > 0 tal que (a − ε, a + ε) ⊂ I e n0 ∈ N tal que
xn ∈ (a− ε, a+ ε) para todo n ≥ n0.
Logo, {xn |n ≥ n0} ⊂ I. Assim I contem uma infinidade de pontos de X,
pois os termos xn da sequencia sao dois a dois distintos.
(3) =⇒ (1) E trivial verificar esta implicacao.�
Corolario 3.1 Se X ′ 6= ∅, entao X e infinito.
Exemplo 3.1 Se xn 6= a para um numero infinito de ındices n ∈ N e
lim xn = a, entao X ′ = {a}, onde X = {x1, x2, . . . , xn, . . .} e o conjunto
formado pelos termos da sequencia (xn).
De fato, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que |xn − a| < ε para todo n ≥ n0.
Entao, existe n1 ≥ n0 tal que 0 < |xn1− a| < ε, ou seja, existe n1 ≥ n0 tal
que xn1∈ (a − ε, a + ε) − {a}, pois, caso contrario, terıamos xn = a para
todo n ≥ n0. Logo, a ∈ X ′.
Seja b 6= a. Como xn → a, existe n0 ∈ N tal que |xn − a| <|b− a|
2para
todo n ≥ n0.
Logo, |xn − b| >|b− a|
2para todo n ≥ n0.
Ou seja, o intervalo (b − ε, b + ε), onde ε =|b− a|
2> 0, contem apenas
um numero finito de elementos de X. Logo, b 6∈ X ′.
Assim, X ′ = {a}.
Em particular, X ′ = {0}, onde X ={1 ,1
2, . . . ,
1
n, . . .
}, pois
1
n→ 0 e
1
n6= 0
para todo n ∈ N, e Y ′ = {a}, onde Y ={a, a+ 1, a, a+
1
2, . . . , a, a+
1
n, . . .
},
pois a sequencia cujos termos sao yn = a para n ımpar e yn = a +1
n,
J. Delgado - K. Frensel144
Pontos de acumulacao
para n par, converge para a e yn 6= a para todo n par.
• Observe que, se xn = a para todo n ∈ N, entao X ′ = ∅, pois X = {a} e
um conjunto finito.�
Exemplo 3.2 Todo ponto x do conjunto de Cantor K e um ponto de
acumulacao de K, ou seja, K ⊂ K ′.
Suponhamos, primeiro, que x nao pertence ao conjunto E das extremida-
des dos intervalos retirados. Como E e denso em X, dado ε > 0, existe
y ∈ E tal que y ∈ (x− ε, x+ ε). Entao, existe y ∈ K tal que 0 < |y− x| < ε.
Logo, x ∈ K ′.
Suponhamos, agora, que x ∈ E e que x e a extremidade direita do in-
tervalo (a, x) retirado na n0−esima etapa da construcao do conjunto de
Cantor K, restando um intervalo da forma [x, b1]. Na etapa seguinte, sera
omitido o terco medio do intervalo [x, b1], sobrando um intervalo [x, b2] ⊂[x, b1]. Assim, nas outras etapas, sobrarao [x, b3] , [x, b4] , . . . , [x, bn] , . . .,
com b1 > b2 > b3 > . . . > bn > . . . pertencentes a E ⊂ K e limbn = x ,
pois |x− bn| =1
3n0+n−1, para todo n ∈ N. Logo, x ∈ K ′.
De modo analogo, podemos provar que se x ∈ E e a extremidade es-
querda de um intervalo retirado durante a construcao do conjunto de Can-
tor, entao x ∈ K ′.
Observe, tambem, que 0, 1 ∈ K ′, pois1
3n, 1 −
1
3n∈ E ⊂ K, para todo
n ∈ N, e1
3n−→ 0 e 1−
1
3n−→ 1.
Assim, todo ponto de K e um ponto de acumulacao de K.�
Exemplo 3.3 Q ′ = (R − Q) ′ = R ′ = R, pois todo intervalo aberto de Rcontem uma infinidade de numeros racionais e irracionais (por que?).�
Exemplo 3.4 (a, b) ′ = [a, b) ′ = (a, b] ′ = [a, b] ′ = [a, b] (verifique!).�
Definicao 3.2 Um ponto a ∈ X que nao pertence a X ′ e um ponto iso-
lado de X.
Assim, a ∈ X e um ponto isolado de X se, e so se, existe ε > 0 tal que
(a− ε, a+ ε) ∩ X = {a}.
Instituto de Matematica - UFF 145
Analise na Reta
Exemplo 3.5 Todo ponto a ∈ Z e um ponto isolado de Z, pois
(a− 1, a+ 1) ∩ Z = {a}.
�
Observacao 3.1 X nao possui ponto isolado se, e somente se, X ⊂ X ′.
Em particular, Q e o conjunto de Cantor K nao possuem pontos isolados,
pois Q ⊂ Q ′ = R e K ⊂ K ′.
Teorema 3.2 Para todo X ⊂ R, tem-se X = X ∪ X ′.
Ou seja, o fecho de um conjunto X e obtido acrescentando-se a X os seus
pontos de acumulacao.
Prova.
Pela definicao de ponto aderente e de ponto de acumulacao, temos que
X ⊂ X e X ′ ⊂ X. Logo, X ∪ X ′ ⊂ X.
Seja, agora, a ∈ X tal que a 6∈ X.
Entao, dado ε > 0, existe x ∈ X tal que x ∈ (a − ε, a + ε), ou seja,
x ∈ (a− ε, a+ ε) ∩ X.
Como a 6∈ X, temos que x 6= a. Logo, (a− ε, a+ ε) ∩ X− {a} 6= ∅.
Assim, se a ∈ X, entao a ∈ X ou a ∈ X ′, isto e, X ⊂ X ∪ X ′.�
Observacao 3.2 X e X ′ podem ter intersecao nao-vazia. Por exemplo,
se X = (0, 1), entao X ′ = [0, 1].
Corolario 3.2 X e fechado se, e somente se, X ′ ⊂ X.
Prova.
X e fechado ⇐⇒ X = X ⇐⇒ X = X ∪ X ′ ⇐⇒ X ′ ⊂ X.�
Exemplo 3.6 Se K e o conjunto de Cantor, entao K = K ′, pois K e
fechado, ou seja, K ′ ⊂ K, e tambem K ⊂ K ′, pelo exemplo 3.2.�
Corolario 3.3 Um conjunto X ⊂ R e fechado sem pontos isolados se, e
somente se, X ′ = X.
J. Delgado - K. Frensel146
Pontos de acumulacao
Corolario 3.4 Se todos os pontos do conjunto X sao isolados, entao X
e enumeravel.
Prova.
Seja E ⊂ X um subconjunto enumeravel denso em X, ou seja, X ⊂ E.
Seja x ∈ X. Entao x ∈ E. Como x 6∈ X ′, temos, tambem, que x 6∈ E ′, pois
E ⊂ X.
Logo, x ∈ E. Assim, X = E e, portanto, X e enumeravel.�
Definicao 3.3 Dizemos que a e ponto de acumulacao a direita de X
quando (a, a+ ε) ∩ X 6= ∅ para todo ε > 0.
Indicaremos X ′+ o conjunto dos pontos de acumulacao a direita de X.
Observacao 3.3 a e ponto de acumulacao a direita de X ⇐⇒ todo in-
tervalo da forma (a, a + ε), ε > 0, contem uma infinidade de pontos de
X ⇐⇒ a e ponto de acumulacao de X ∩ [a,+∞) ⇐⇒ a e limite de uma
sequencia decrescente de pontos de X ⇐⇒ todo intervalo aberto (a, b)
contem algum ponto de X.
Verifiquemos apenas que a e ponto de acumulacao a direita de X se, e so
se, a e limite de uma sequencia decrescente de pontos de X.
• De fato, seja (xn) uma sequencia decrescente de pontos de X que con-
verge para a e seja ε > 0.
Entao, existe n0 ∈ N tal que a ≤ xn < a + ε para todo n ≥ n0, pois
a = inf{xn |n ∈ N}, ja que (xn) e decrescente e converge para a.
Alem disso, xn > a para todo n ∈ N, pois xn > xn+1 ≥ a para todo n ∈ N.
Logo, {xn |n ≥ n0} ⊂ X ∩ (a, a+ ε), ou seja, X ∩ (a, a+ ε) e infinito.
Suponhamos, agora, que a e ponto de acumulacao a direita de X.
Seja x1 ∈ (a, a+ 1) ∩ X. Suponhamos que seja possıvel encontrar pontos
x1, . . . , xn ∈ X tais que xn < xn−1 < . . . < x1 e a < xj < a+1
j, j = 1, . . . , n.
Seja ε = min{
1
n+ 1, xn − a
}> 0.
Entao, existe xn+1 ∈ X tal que a < xn+1 < a+ ε.
Instituto de Matematica - UFF 147
Analise na Reta
Logo, a < xn+1 < a+1
n+ 1e xn+1 < a+ xn − a = xn.
Isto completa a definicao, por inducao, da sequencia (xn) decrescente de
pontos de X tal que a < xn < a+1
npara todo n ∈ N.
Logo, lim xn = a.
Definicao 3.4 Dizemos que a e ponto de acumulacao a esquerda de X,
quando (a− ε, a) ∩ X 6= ∅, para todo ε > 0.
Indicaremos por X ′− o conjunto dos pontos de acumulacao a esquerda de
X.
Observacao 3.4 a ∈ X ′− ⇐⇒ todo intervalo aberto da forma (a− ε, a),
ε > 0, contem uma infinidade de pontos de X⇐⇒ a e ponto de acumulacao
do conjunto X ∩ (−∞, a] ⇐⇒ a e limite de uma sequencia crescente de
pontos de X ⇐⇒ todo intervalo aberto (c, a) contem algum ponto de X.
Exemplo 3.7 Se X ={1, 1
2, . . . , 1
n, . . .
}, entao 0 e ponto de acumulacao
a direita de X, mas nao e ponto de acumulacao a esquerda de X. �
Exemplo 3.8 Todo ponto x ∈ X = (a, b) e ponto de acumulacao a es-
querda e a direita de X, mas a e apenas ponto de acumulacao a direita de
X e b e apenas ponto de acumulacao a esquerda de X.�
Exemplo 3.9 Seja K o conjunto de Cantor. Ja provamos que K = K ′.
• O ponto 0 e apenas ponto de acumulacao a direita e o ponto 1 e apenas
ponto de acumulacao a esquerda de K.
• se a ∈ K e extremidade inferior de algum dos intervalos retirados, entao
a e apenas ponto de acumulacao a esquerda de K.
De fato, se (a, x) e o intervalo aberto retirado na n0−esima etapa, vai
restar, nesta etapa, um intervalo do tipo [b1, a] de comprimento1
3n0. E,
nas etapas seguintes, vao sobrar intervalos [b2, a], [b3, a], . . . , [bn, a], . . .,
tais que [bn+1, a] ⊂ [bn, a] e a− bn =1
3n0+n+1para todo n ∈ N.
Assim, (bn) e uma sequencia crescente de pontos de K tais que bn → a.
Logo, a ∈ K ′−.
J. Delgado - K. Frensel148
Pontos de acumulacao
Como (a, x) ∩ K = ∅, temos que a 6∈ K ′+.
• Se a e extremidade superior de algum intervalo aberto retirado, entao a
e apenas ponto de acumulacao a direita de K. A demonstracao e analoga
a anterior.
• Se a ∈ K e a 6∈ E ∪ {0, 1}, entao a e ponto de acumulacao a esquerda e
a direita de K.
De fato, suponhamos, por absurdo, que existe ε > 0 tal que
(a− ε, a) ∩ X = ∅.
Entao, (a−ε, a) ⊂ (c, d), onde (c, d) e um dos intervalos abertos retirados.
Logo, como a ∈ K, devemos ter d = a, ou seja, a ∈ E, o que e absurdo.
Assim, a e ponto de acumulacao a esquerda de K.
De modo analogo, podemos provar que a e ponto de acumulacao a direita
de K.�
Lema 3.1 Seja F ⊂ R nao-vazio, fechado e sem pontos isolados. Para
todo x ∈ R, existe Fx limitado, nao-vazio, fechado e sem pontos isolados
tal que x 6∈ Fx ⊂ F.
Prova.
Como F ′ = F e F 6= ∅, temos que F ′ 6= ∅. Logo, F = F ′ e infinito. Entao,
existe y ∈ F tal que y 6= x.
Seja [a, b] um intervalo fechado tal que x 6∈ [a, b] e y ∈ (a, b).
Seja G = (a, b) ∩ F. Entao, G e limitado e nao-vazio, pois y ∈ G. Alem
disso, G nao possui pontos isolados.
De fato, se c e um ponto isolado de G, existe ε > 0 tal que
(c− ε, c+ ε) ∩ (a, b) ∩ F = {c}.
Entao, para ε ′ = min{ε, b− c, c− a}, temos
(c− ε ′, c+ ε ′) ⊂ (a, b) ∩ (c− ε, c+ ε)
e, portanto, (c − ε ′, c + ε ′) ∩ F = {c}, o que e absurdo, pois F nao possui
pontos isolados.
Se G e fechado, basta tomar Fx = G, pois x 6∈ G.
Suponhamos que G nao e fechado.
Instituto de Matematica - UFF 149
Analise na Reta
Como G ⊂ [a, b] ∩ F, entao ou a ∈ G ′ ou b ∈ G ′.
Acrescentamos, entao esse(s) ponto(s) a G para obter Fx.
Assim, x 6∈ Fx, Fx e fechado e nao e vazio, pois Fx = G. Alem disso, Fx nao
possui pontos isolados.
De fato, ja provamos que se c ∈ G = (a, b)∩F, entao c nao e ponto isolado
de G, e, portanto, nao e ponto isolado de G.
Suponhamos que a ∈ G e ponto isolado de G. Entao a ∈ G ′, e, portanto,
a e ponto de acumulacao de G, o que e absurdo.
De modo analogo, prova-se que b nao e ponto isolado de G, caso b ∈ G.
Logo, Fx = G nao possui pontos isolados.�
Teorema 3.3 Se F e um conjunto nao-vazio, fechado e sem pontos iso-
lados, entao F e nao-enumeravel.
Prova.
Seja X = {x1, x2, . . . , xn, . . .} um subconjunto enumeravel de F.
Pelo lema anterior, existe um conjunto F1 nao-vazio, limitado, fechado, e
sem pontos isolados tal que x1 6∈ F1 ⊂ F.
Suponhamos que existem subconjuntos F1, F2, . . . , Fn, nao-vazios, limita-
dos, fechados e sem pontos isolados tais que
Fn ⊂ . . . ⊂ F2 ⊂ F1 ⊂ F e xj 6∈ Fj, para todo j = 1, . . . , n.
Entao, pelo lema, existe Fn+1 nao-vazio, limitado, fechado e sem pontos
isolados tal que xn+1 6∈ Fn+1 ⊂ Fn.
Obtemos, assim, uma sequencia decrescente (Fn) de conjuntos nao-vazios,
fechados, limitados e sem pontos isolados tais que xn 6∈ Fn para todo
n ∈ N.
Como Fn 6= ∅, para todo n ∈ N, existe yn ∈ Fn. A sequencia (yn) e
limitada, pois yn ∈ Fn ⊂ F1 para todo n ∈ N e F1 e limitado.
Logo, a sequencia (yn)n∈N possui uma subsequencia (ynk)k∈N conver-
gente.
Seja y = limk→∞ynk
.
J. Delgado - K. Frensel150
Conjuntos compactos
Dado j ∈ N, temos que ynk∈ Fj para todo nk ≥ j. Logo, y ∈ Fj, para todo
j ∈ N, pois Fj e fechado e ynk→ y.
Assim, y ∈ F e y 6= xn para todo n ∈ N. Ou seja, y ∈ F e y 6∈ X. Logo, F
nao e enumeravel.�
Corolario 3.5 Todo conjunto fechado nao-vazio enumeravel possui al-
gum ponto isolado.
Corolario 3.6 O conjunto de Cantor e nao-enumeravel.
4. Conjuntos compactos
Definicao 4.1 Uma cobertura de um conjunto X ⊂ R e uma famılia
C = (Cλ)λ∈L de subconjuntos Cλ ⊂ R tais que X ⊂⋃λ∈L
Cλ.
Uma subcobertura de C e uma subfamılia C ′ = (Cλ)λ∈L ′, L ′ ⊂ L, tal que
X ⊂⋃
λ∈L ′
Cλ.
Exemplo 4.1 Seja X =[1
3,3
4
]e seja C = {C1, C2, C3} uma famılia de
subconjuntos de R, onde
C1 =(0,2
3
), C2 =
(1
3, 1)
e C3 =(1
2,9
10
).
Entao, C e uma cobertura de X, pois X ⊂ C1 ∪ C2 ∪ C3 = (0, 1) e
C ′ = {C1, C2} e uma subcobertura de C, pois X ⊂ C1 ∪ C2 = (0, 1).�
Exemplo 4.2 C = (Cn)n∈Z, onde Cn = [n,n+1), n ∈ Z, e uma cobertura
de R que nao possui uma subcobertura propria, pois os conjuntos Cn sao
dois a dois disjuntos.�
Exemplo 4.3 Seja X ={1,1
2, . . . ,
1
n, . . .
}. Entao X e infinito e todos os
seus pontos sao isolados, pois X ′ = {0} e, portanto, X ∩ X ′ = ∅.
Assim, para cada x ∈ X, existe um intervalo de centro x tal que Ix∩X = {x}.
Instituto de Matematica - UFF 151
Analise na Reta
Como X =⋃x∈X
{x} ⊂⋃x∈X
Ix ⊂ X, temos que X =⋃x∈X
Ix, ou seja C = (Ix)x∈X e
uma cobertura de X.
Mas C nao possui uma subcobertura propria, pois se x ∈ X, entao x 6∈ Iy,
para todo y 6= x, y ∈ X, ja que Iy ∩ X = {y}.�
Teorema 4.1 (Borel-Lebesgue)
Seja [a, b] um intervalo limitado e fechado. Dada uma famılia (Iλ)λ∈L de
intervalos abertos tais que [a, b] ⊂⋃λ∈L
Iλ, existe um numero finito deles
Iλ1, . . . , Iλn , tais que I ⊂ Iλ1
∪ . . . ∪ Iλn . Ou seja, toda cobertura de [a, b]
por meio de intervalos abertos possui uma subcobertura finita.
Prova.
Seja
X = {x ∈ [a, b]∣∣ [a, x] pode ser coberto por um numero finito dos intervalos Iλ} .
Como X e limitado e nao-vazio, pois X ⊂ [a, b] e a ∈ X, existe c = supX.
Afirmacao: c ∈ X.
Como a ≤ x ≤ b para todo x ∈ X, temos que a ≤ c ≤ b, ou seja, c ∈ [a, b].
Entao existe λ0 ∈ L tal que c ∈ Iλ0= (α,β).
Sendo α < supX = c, existe x ∈ X tal que α < x ≤ c < β. Como x ∈ X,
existem λ1, . . . , λn ∈ L tais que [a, x] ⊂ Iλ1∪ . . . ∪ Iλn .
Entao, [a, c] ⊂ Iλ1∪ . . . ∪ Iλn ∪ Iλ0
, pois [x, c] ⊂ (α,β) = Iλ0. Logo, c ∈ X.
Afirmacao: c = b.
Suponhamos que c < b. Entao existe c ′ ∈ Iλ0tal que c < c ′ < b.
Assim, [a, c ′] ⊂ Iλ1∪ . . . ∪ Iλn ∪ Iλ0
, ou seja, c ′ ∈ X, o que e absurdo, pois
c ′ > c = supX.
Logo, b ∈ X, ou seja, o intervalo [a, b] esta contido numa uniao finita dos
Iλ.�
Teorema 4.2 (Borel-Lebesgue)
Toda cobertura de [a, b] por meio de conjuntos abertos admite uma sub-
cobertura finita.
J. Delgado - K. Frensel152
Conjuntos compactos
Prova.
Seja C = (Aλ)λ∈L uma cobertura de [a, b], onde cada Aλ e aberto.
Seja x ∈ [a, b]. Entao existe λx ∈ L tal que x ∈ Aλx . Sendo Aλx aberto,
existe um intervalo aberto Ix tal que x ∈ Ix ⊂ Aλx .
Logo, [a, b] ⊂⋃
x∈[a,b]
Ix. Pelo teorema anterior, existem x1, . . . , xn ∈ [a, b]
tais que [a, b] ⊂ Ix1∪ Ix2
∪ . . . ∪ Ixn . Assim, [a, b] ⊂ Aλx1∪ . . . ∪Aλxn
.�
Teorema 4.3 (Borel-Lebesgue)
Seja F ⊂ R um conjunto fechado e limitado. Entao toda cobertura
F ⊂⋃λ∈L
Aλ de F por meio de conjuntos abertos admite uma subcobertura
finita.
Prova.
Sejam A = R− F e [a, b] um intervalo fechado e limitado tal que F ⊂ [a, b].
Logo, [a, b] ⊂
(⋃λ∈L
Aλ
)∪ A. Como A e aberto, temos, pelo teorema
anterior, que existem λ1, . . . , λn ∈ L tais que [a, b] ⊂ Aλ1∪ . . . ∪Aλn ∪A .
Entao, F ⊂ Aλ1∪ . . . ∪Aλn , pois F ∩A = ∅.�
Observacao 4.1 As tres formas do teorema de Borel-Lebesgue anteri-
ores sao equivalentes.
Exemplo 4.4 A cobertura aberta C = ( (−n,n) )n∈N de R nao possui
uma subcobertura finita, pois uma reuniao finita de intervalos abertos da
forma (−n,n) coincide com o maior deles e, portanto, nao pode ser R.
Observe, neste caso, que R e fechado, mas nao e limitado.�
Exemplo 4.5 O intervalo (0, 1] possui a cobertura aberta((
1
n, 2))
n∈N
que nao possui subcobertura finita, pois uma reuniao finita de intervalos
da forma(1
n, 2)
e o maior deles e, portanto, nao pode conter (0, 1].
Neste exemplo, o intervalo (0, 1] e limitado, mas nao e um conjunto fe-
chado.�
Instituto de Matematica - UFF 153
Analise na Reta
Teorema 4.4 As seguintes afirmacoes a respeito de um conjunto K ⊂ Rsao equivalentes.
(1) K e fechado e limitado.
(2) Toda cobertura de K por conjuntos abertos possui uma subcobertura
finita.
(3) Todo subconjunto infinito de K possui um ponto de acumulacao per-
tencente a K.
(4) Toda sequencia de pontos de K possui uma subsequencia que con-
verge para um ponto de K.
Prova.
(1) =⇒ (2) Segue do teorema de Borel-Lebesgue.
(2) =⇒ (3) Seja X ⊂ K um conjunto sem pontos de acumulacao em K.
Vamos provar que X e finito.
Seja x ∈ K. Como x 6∈ X ′, existe um intervalo aberto Ix tal que Ix ∩X = {x}
se x ∈ X, e Ix ∩ X = ∅, se x 6∈ X.
Como K ⊂⋃x∈K
Ix, existem x1, . . . , xn ∈ K, tais que K ⊂ Ix1∪ . . .∪Ixn . Entao,
X ⊂ (Ix1∩ X) ∪ . . . ∪ (Ixn ∩ X) ⊂ {x1, . . . , xn} .
Logo, X e finito.
(3) =⇒ (4) Seja (xn) uma sequencia de pontos de K.
Entao X = {x1, x2, . . . , xn, . . .} e um conjunto finito ou infinito.
Se X e finito, entao existe a ∈ R tal que xn = a para uma infinidade de
ındices n ∈ N, ou seja, existe N ′ ⊂ N infinito tal que xn = a para todo
n ∈ N ′. Logo, a subsequencia (xn)n∈N ′ e convergente.
Se X e infinito, existe a ∈ K que e ponto de acumulacao de X. Entao,
para todo ε > 0, o intervalo aberto (a − ε, a + ε) contem infinitos pontos
de X e, portanto, contem termos xn com ındices arbitrariamente grandes.
Logo, a e valor de aderencia da sequencia (xn) ou seja, a e limite de uma
subsequencia de (xn).
(4) =⇒ (1) Suponhamos que K nao e limitado superiormente. Entao, para
todo n ∈ N, existe xn ∈ K tal que xn > n.
J. Delgado - K. Frensel154
Conjuntos compactos
Seja (xn)n∈N ′ uma subsequencia de (xn). Como N ′ ⊂ N e ilimitado, para
todo n ∈ N existe n ′ ∈ N ′ tal que n ′ > n.
Logo, xn ′ > n ′ > n. Entao, a subsequencia (xn)n ∈ N ′ nao e limitada
superiormente e, portanto, nao e convergente.
Assim, a sequencia (xn)n∈N de pontos de K nao possui uma subsequencia
convergente, o que e absurdo. Logo, K e limitado superiormente.
De modo analogo, podemos provar que K e limitado inferiormente. Entao,
K e limitado.
Seja (xn) uma sequencia convergente de pontos de K com lim xn = x.
Como (xn) possui uma subsequencia (xnk)k∈N que converge para um
ponto de K e limk→∞ xnk
= x, temos que x ∈ K.
Logo, K e fechado.�
Corolario 4.1 Toda sequencia limitada de numeros reais possui uma
subsequencia convergente.
Prova.
Seja (xn) uma sequencia limitada de numeros reais e seja
X = {x1, x2, . . . , xn, . . .}.
Como X e limitado, existem a, b ∈ R, a < b, tais que X ⊂ [a, b].
Entao, X ⊂ [a, b]. Ou seja, X e fechado e limitado. Logo, pelo teorema
anterior, a sequencia (xn) de pontos de X possui uma subsequencia con-
vergente.�
Corolario 4.2 (Bolzano-Weierstrass)
Todo conjunto limitado e infinito de numeros reais possui um ponto de
acumulacao.
Prova.
Seja X um conjunto limitado e infinito de numeros reais. Entao, existem
a, b ∈ R, a < b, tais que X ⊂ [a, b].
Logo, X ⊂ [a, b]. Entao, X e fechado, limitado, e X ⊂ X e infinito. Assim,
pelo teorema anterior, X possui um ponto de acumulacao.�
Instituto de Matematica - UFF 155
Analise na Reta
Definicao 4.2 Dizemos que um conjunto K ⊂ R e compacto se toda
cobertura aberta de K possui uma subcobertura finita.
Observacao 4.2 K e compacto se, e somente se, satisfaz uma (e, por-
tanto todas) as afirmacoes do teorema 4.4.
Exemplo 4.6
• O conjunto Y ={0, 1,
1
2, . . . ,
1
n, . . .
}e compacto, pois Y = X = X ∪ X ′,
onde X ={1,1
2, . . . ,
1
n, . . .
}.
• O conjunto de Cantor e compacto.
• Os intervalos do tipo [a, b] sao compactos.
• R, Q e Z nao sao compactos porque nao sao limitados.
• Q ∩ [0, 1] nao e compacto, pois Q ∩ [0, 1] = [0, 1] e, portanto, Q ∩ [0, 1]
nao e fechado.�
Teorema 4.5 Seja K1 ⊃ K2 ⊃ . . . ⊃ Kn ⊃ Kn+1 ⊃ . . . uma sequencia
decrescente de compactos nao-vazios. Entao K =⋂n∈N
Kn e nao-vazio e
compacto.
Prova.
O conjunto K e fechado, pois e intersecao de uma famılia de conjuntos
fechados, e e limitado, pois K ⊂ K1 e K1 e limitado (por ser compacto).
Logo, K e compacto.
Para cada n ∈ N, tome xn ∈ Kn. Entao, xn ∈ Kj para todo n ≥ j. Em
particular, xn ∈ K1 para todo n ∈ N.
Como K1 e compacto, a sequencia (xn) de pontos de K1 possui uma sub-
sequencia convergente (xnk). Seja x = lim
k→∞ xnk.
Dado j ∈ N, existe k0 ∈ N tal que nk0≥ j. Entao, xnk
∈ Kj, para todo
k ≥ k0, ja que nk ≥ nk0≥ j.
Logo, xnk−→ x ∈ Kj para todo j ∈ N, pois Kj e fechado para todo j ∈ N.
Ou seja, x ∈ K.�
Aplicacao do Teorema de Borel-Lebesgue
J. Delgado - K. Frensel156
Conjuntos compactos
Definicao 4.3 O comprimento dos intervalos [a, b] , (a, b) , (a, b] e
[a, b) e o numero b− a.
Proposicao 4.1 Se [a, b] ⊂n⋃
i=1
(ai, bi), entao b− a <
n∑i=1
(bi − ai).
Prova.
Podemos supor, sem perda de generalidade, que (ai, bi)∩ [a, b] 6= ∅ para
todo i.
Sejam c1 < c2 < . . . < ck os numeros ai e bj ordenados de modo cres-
cente.
Entao {a1, . . . , an, b1, . . . , bn} ∩k−1⋃j=1
(cj, cj+1) = ∅, ou seja, ai 6∈ (cj, cj+1) e
bk 6∈ (cj, cj+1) para quaisquer i, k = 1, . . . , n e j = 1, . . . , k− 1.
Alem disso, c1 < a e ck > b. Logo, b− a < ck − c1, ou seja,
b− a < (ck − ck−1) + . . .+ (c3 − c2) + (c2 − c1) = ck − c1 .
Mostraremos, agora, que cada intervalo (cj, cj+1) esta contido em algum
intervalo (ai, bi).
• cj ∈ [a, b]
Neste caso, cj ∈ (ai, bi) para algum i = 1, . . . , n. Como bi nao esta entre
cj e cj+1, temos que (cj, cj+1) ⊂ (ai, bi).
Fig. 7: Caso cj ∈ [a, b] .
• cj < a
Neste caso, cj nao pode ser um dos bi, pois, caso contrario, (ai, bi) ∩[a, b] = ∅. Logo, cj = ai para algum i = 1, . . . , n. Como bi nao pode estar
entre cj e cj+1, temos que (cj, cj+1) ⊂ (ai, bi)
Fig. 8: Caso cj < a .
• cj > b
Instituto de Matematica - UFF 157
Analise na Reta
Neste caso, temos cj+1 > b. Logo, cj+1 = bi para algum i = 1, . . . , n,
pois, caso contrario, (ai, bi) ∩ [a, b] = ∅. Como ai 6∈ (cj, cj+1), temos que
ai ≤ cj e, portanto, (cj, cj+1) ⊂ (ai, bi).
Para cada i = 1, . . . , n, existem p ∈ {1, . . . , k} e q ∈ N tais que ai = cp ,
bi = cp+q e p+ q ∈ {1, . . . , k}. Entao,
bi − ai = (cp+q − cp+q−1) + . . .+ (cp+1 − cp) .
Logo,n∑
i=1
(bi − ai) e uma soma de parcelas do tipo cj+1 − cj, sendo que
cada parcela cj+1 − cj, j = 1, . . . , k− 1, aparece pelo menos uma vez, pois
cada intervalo (cj, cj+1) esta contido em algum intervalo (ai, bi).
Fig. 9: Posicao relativa do intervalo (a, b) entre os (ai, bi) .
Assim, b− a <
k−1∑j=1
(cj+1 − cj) ≤n∑
i=1
(bi − ai) .�
Proposicao 4.2 Se [a, b] ⊂∞⋃
n=1
(an, bn) entao (b− a) <
∞∑n=1
(bn − an) .
Prova.
Pelo teorema de Borel-Lebesgue, existem n1, . . . , nk ∈ N tais que
[a, b] ⊂ (an1, bn1
) ∪ . . . ∪ (ank, bnk
) .
Entao, pela proposicao anterior, b− a < (bn1− an1
) + . . .+ (bnk− ank
) .
Portanto, b− a <
∞∑n=1
(bn − an) .�
Proposicao 4.3 Se∞∑
n=1
(bn − an) < b− a, entao o conjunto
X = [a, b] −
∞⋃n=1
(an, bn)
e nao-enumeravel.
J. Delgado - K. Frensel158
Prova.
Seja c = (b− a) −
∞∑n=1
(bn − an) > 0, e suponha que X = {x1, . . . , xn, . . .} e
enumeravel.
Tome, para cada n ∈ N, um intervalo Jn de centro xn e raioc
2n+2. Logo,
[a, b] ⊂
( ∞⋃n=1
(an, bn)
)∪
( ∞⋃n=1
Jn
). (?)
Mas,∞∑n=1
(bn − an) +
∞∑n=1
|Jn| =
∞∑n=1
(bn − an) + c
∞∑n=1
1
2n+1= (b− a) − c+
c
2
∞∑n=1
1
2n
= (b− a) − c+c
2= (b− a) −
c
2< b− a ,
o que contradiz (?), pela proposicao anterior.�
Aplicacoes
(A) Existe uma colecao de intervalos abertos cujos centros sao todos
os numeros racionais do intervalo [a, b] que nao e uma cobertura de [a, b].
• Seja X = {r1, r2, . . . , rn, . . .} uma enumeracao dos racionais contidos no
intervalo [a, b].
Para cada n ∈ N, seja (an, bn) o intervalo aberto de centro rn e raiob− a
2n+2.
Entao,∞∑
n=1
(bn − an) =b− a
2< b − a . Logo, [a, b] −
∞∑n=1
(an, bn) nao
e vazio, pois nao e enumeravel, ou seja, [a, b] 6⊂∞⋃
n=1
(an, bn).
(B) Existe um conjunto fechado, nao-enumeravel, formado apenas
por numeros irracionais.
Com efeito, sejam (an, bn), n ∈ N, os intervalos do exemplo anterior.
Entao
X = [a, b] −
∞⋃n=1
(an, bn) = [a, b] ∩
(R −
∞⋃n=1
(an, bn)
)
e fechado, nao enumeravel e formado apenas por numeros irracionais.
Instituto de Matematica - UFF 159
J. Delgado - K. Frensel160
Definicao e propriedades do limite
Parte 5
Limites de func oes
Voltaremos a nocao de limite sob uma forma mais ampla, conside-
rando, agora, funcoes reais de variavel real, f : X −→ R, com X ⊂ R, em
vez de sequencias.
1. Definic ao e propriedades do limite
Definicao 1.1 Seja f : X −→ R uma funcao definida num subconjunto
X ⊂ R e seja a ∈ X ′ um ponto de acumulacao.
Dizemos que o numero real L e o limite de f(x) quando x tende para a e
escrevemos
limx→a
f(x) = L
quando para cada ε > 0 dado, existe δ > 0 tal que
x ∈ (X− {a}) ∩ (a− δ, a+ δ) =⇒ |f(x) − L| < ε
Assim, simbolicamente escrevemos:
limx→a
f(x) = L ⇐⇒ ∀ ε > 0∃ δ > 0 ; x ∈ X e 0 < |x− a| < δ =⇒ |f(x) − L| < ε⇐⇒ ∀ ε > 0∃ δ > 0 ; f ( (a− δ, a+ δ) ∩ (X− {a}) ) ⊂ (L− ε, L+ ε) .
Ou seja, limx→a
f(x) = L quando e possıvel tornar f(x) arbitrariamente
proximo de L, desde que se tome x ∈ X suficientemente proximo de a e
diferente de a.
Instituto de Matematica - UFF 161
Analise na Reta
Observacao 1.1 So tem sentido escrever limx→a
f(x) = L quando a ∈ X ′,
pois se a 6∈ X ′, todo numero real L seria limite de f(x) quando x tende
para a.
De fato, como a 6∈ X ′, existe δ0 > 0 tal que (X− {a})∩ (a− δ0, a+ δ0) = ∅.
Entao, para cada ε > 0 dado, existe δ = δ0 > 0, tal que
∅ = f ( (X− {a}) ∩ (a− δ0, a+ δ0) ) ⊂ (L− ε, L+ ε) ,
qualquer que seja L ∈ R.
Observacao 1.2 O ponto a pode pertencer ou nao ao domınio X. Mesmo
quando a ∈ X, o valor f(a) nao interfere na determinacao de limx→a
f(x), pois
tal limite, quando existe, depende apenas dos valores f(x) para x proximo
e diferente de a.
E possıvel ter-se limx→a
f(x) 6= f(a).
Por exemplo, se f : R → R e a funcao definida por f(x) =
1 , se x ∈ R − {0}
0 , se x = 0 ,
entao limx→0
f(x) = 1 6= 0 = f(0).
Observacao 1.3 Se limx→a
f(x) = L entao L e aderente ao conjunto f(X−
{a}), pois todo intervalo aberto de centro L contem pontos deste conjunto.
Tem-se, tambem, que L ∈ f(Vδ), onde Vδ = (a − δ, a + δ) ∩ (X − {a}) e
δ > 0.
Teorema 1.1 (Unicidade do limite)
Sejam X ⊂ R, f : X −→ R e a ∈ X ′.
Se limx→a
f(x) = L1 e limx→a
f(x) = L2, entao L1 = L2.
Prova.
Dado ε > 0, existem δ1 > 0 e δ2 > 0 tais que:
• x ∈ X− {a} e 0 < |x− a| < δ1 =⇒ |f(x) − L1| <ε
2;
• x ∈ X− {a} e 0 < |x− a| < δ2 =⇒ |f(x) − L2| <ε
2.
J. Delgado - K. Frensel162
Definicao e propriedades do limite
Seja δ = min{δ1, δ2}. Como a ∈ X ′, existe x0 ∈ (X − {a}) ∩ (a − δ, a + δ).
Logo,
|L1 − L2| ≤ |L1 − f(x0)| + |f(x0) − L2| <ε
2+ε
2= ε .
Ou seja, |L1 − L2| < ε para todo ε > 0. Logo, L1 = L2, pois, se L1 6= L2,
terıamos que |L1−L2| <|L1 − L2|
2, para ε =
|L1 − L2|
2> 0, o que e absurdo.�
Teorema 1.2 Sejam X ⊂ R, f : X −→ R, a ∈ X ′. Seja Y ⊂ X tal que
a ∈ Y ′ e seja g = f|Y.
Se limx→a
f(x) = L, entao limx→a
g(x) = L .
O teorema 1.2 e analogo aafirmacao de que toda sub-
sequencia de uma sequenciaconvergente e tambem conver-tente e tem o mesmo limite.
Prova.
Dado ε > 0, existe δ > 0 tal que |f(x) − L| < ε qualquer que seja
x ∈ (X− {a}) ∩ (a− δ, a+ δ) .
Entao, |g(x) − L| = |f(x) − L| < ε para todo x ∈ (Y − {a}) ∩ (a− δ, a+ δ).
Logo, limx→a
g(x) = L.�
Teorema 1.3 Sejam X ⊂ R, f : X −→ R e a ∈ X ′. Se I e um intervalo
aberto que contem a, Y = I∩X, g = f|Y e limx→a
g(x) = L, entao limx→a
f(x) = L.O teorema 1.3 diz que aexistencia e o valor do limite
de uma funcao f depende apenasdo comportamento de f numavizinhanca de a.Prova.
Seja δ0 > 0 tal que (a − δ0, a + δ0) ⊂ I. Dado ε > 0 existe δ > 0 tal
que |g(x) − L| < ε para todo x ∈ (I ∩ X− {a}) ∩ (a− δ, a+ δ).
Tome δ ′ = min{δ, δ0}. Entao,
(I ∩ X− {a}) ∩ (a− δ ′, a+ δ ′) = (X− {a}) ∩ (a− δ ′, a+ δ ′) ,
pois (a− δ ′, a+ δ ′) ⊂ I.
Logo, |f(x) − L| = |g(x) − L| < ε para todo x ∈ (X− {a}) ∩ (a− δ ′, a+ δ ′).
Portanto, limx→a
f(x) = L.�
Teorema 1.4 Sejam X ⊂ R, f : X −→ R e a ∈ X ′. Se existe limx→a
f(x),
entao f e limitada numa vizinhanca de a, ou seja, existem A > 0 e δ > 0
tais que |f(x)| < A para todo x ∈ (X− {a}) ∩ (a− δ, a+ δ).
Instituto de Matematica - UFF 163
Analise na Reta
Prova.
Seja L = limx→a f(x). Dado ε = 1 > 0, existe δ > 0 tal que |f(x) − L| < 1
para todo x ∈ (X− {a}) ∩ (a− δ, a+ δ).
Entao, |f(x)| ≤ |f(x) − L| + |L| < 1 + |L| = A para todo x ∈ (X − {a}) ∩ (a −
δ, a+ δ).�
Teorema 1.5 (Princıpio do Sandwiche)
Sejam X ⊂ R, f, g, h : X −→ R e a ∈ X ′. Se limx→a f(x) = limx→a h(x) = L
e f(x) ≤ g(x) ≤ h(x) para todo x ∈ X− {a}, entao limx→a g(x) = L .
Prova.
Dado ε > 0, existem δ1 > 0 e δ2 > 0 tais que:
• |f(x) − L| <ε
2se x ∈ X e 0 < |x− a| < δ1.
• |h(x) − L| <ε
2se x ∈ X e 0 < |x− a| < δ2.
Tome δ = min{δ1, δ2}. Entao,
L− ε ≤ f(x) ≤ g(x) ≤ h(x) ≤ L+ ε ,
para todo x ∈ (X− {a}) ∩ (a− δ, a+ δ). Logo, limx→a
g(x) = L. �
Teorema 1.6 Sejam X ⊂ R, f, g : X → R e a ∈ X ′.
Se limx→a
f(x) = L < limx→a
g(x) = M, entao existe δ > 0 tal que x ∈ X,
0 < |x− a| < δ =⇒ f(x) < g(x).
Prova.
Seja ε =M− L
2> 0. Entao, L + ε =
L+M
2= M − ε e existe δ > 0
tal que L − ε < f(x) < L + ε = M − ε e M − ε < g(x) < M + ε para todo
x ∈ (X− {a}) ∩ (a− δ, a+ δ).
Logo, f(x) <M+ L
2< g(x), ou seja, f(x) < g(x) para todo x ∈ (X − {a}) ∩
(a− δ, a+ δ).�
Corolario 1.1 Se limx→a
f(x) = L > 0, entao existe δ > 0 tal que x ∈ X,
0 < |x− a| < δ =⇒ f(x) > 0.
J. Delgado - K. Frensel164
Definicao e propriedades do limite
Corolario 1.2 Se limx→a
f(x) = L, limx→a
g(x) = M e f(x) ≤ g(x) para todo
x ∈ X− {a}, entao L ≤M.
Teorema 1.7 Sejam X ⊂ R, f : X −→ R e a ∈ X ′. Entao limx→a
f(x) = L
se, e so se, limn→∞ f(xn) = L para toda sequencia (xn) ⊂ X − {a} tal que
limn→∞ xn = a.
Prova.
Suponhamos que limx→a
f(x) = L e que limn→∞ xn = a, com xn ∈ X − {a}
para todo n ∈ N. Entao, dado ε > 0, existe δ > 0, tal que |f(x) − L| < ε
para todo x ∈ X, 0 < |x− a| < δ.
Como limn→∞ xn = a e xn 6= a para todo n ∈ N, existe n0 ∈ N tal que
0 < |xn − a| < δ para todo n > n0.
Logo, |f(xn) − L| < ε para todo n > n0. Assim, limn→∞ f(xn) = L.
Suponhamos, agora, que limx→a
f(x) 6= L. Entao existe ε0 > 0 tal que para
todo n ∈ N podemos obter xn ∈ X tal que 0 < |xn−a| <1
ne |f(xn)−L| ≥ ε0.
Logo, limn→∞ xn = a, mas lim
n→∞ f(xn) 6= L.�
Corolario 1.3 Existe limx→a
f(x)se, e so se, limn→∞ f(xn) existe e independe
da sequencia (xn) ⊂ X− {a} com limn→∞ xn = a.
Corolario 1.4 Se existe limn→∞ f(xn) para toda sequencia (xn) ⊂ X − {a}
tal que limn→∞ xn = a, entao existe lim
x→af(x).
Prova.
Basta provar que limn→∞ f(xn) independe da sequencia (xn) ⊂ X − {a} com
limn→∞ xn = a.
Suponhamos, por aburdo, que existem duas sequencias (xn) e (yn) de
pontos de X − {a} tais que limn→∞ xn = lim
n→∞yn = a, mas limn→∞ f(xn) = L 6=
M = limn→∞ f(yn).
Instituto de Matematica - UFF 165
Analise na Reta
Entao, a sequencia (zn) ⊂ X− {a}, dada por z2n = xn e z2n−1 = yn, e uma
sequencia de pontos de X− {a} que converge para a, mas que (f(zn)) nao
converge, porque possui duas subsequencias (f(z2n)) e (f(z2n−1)) que
convergem para limites diferentes.
Logo, o valor de limn→∞ f(xn) independe da sequencia (xn) com xn ∈ X− {a}
e limn→∞ xn = a. Entao, pelo corolario 1.3, existe lim
x→af(x).�
Teorema 1.8 Sejam X ⊂ R, a ∈ X ′, f, g : X −→ R.
Se limx→a
f(x) = L e limx→a
g(x) = M, entao:
(1) limx→a
(f(x)± g(x)) = L±M .
(2) limx→a
(f(x)g(x)) = LM .
(3) limx→a
f(x)
g(x)=L
M, se M 6= 0.
(4) Se limx→a
f(x) = 0 e existe A > 0 tal que |g(x)| ≤ A para todo x ∈ X− {a},
entao limx→a
f(x)g(x) = 0.
Prova.
Seja (xn) uma sequencia de pontos de X− {a} com limn→∞ xn = a.
• Entao, limn→∞ (f(xn)± g(xn)) = L ±M e lim
n→∞ (f(xn)g(xn)) = LM, pois
limn→∞ f(xn) = L e lim
n→∞g(xn) = M.
Logo, pelo teorema 1.7
limx→a
(f(x)± g(x)) = L±M e limx→a
(f(x)g(x)) = LM .
• Se M 6= 0, temos, pelo teorema 1.6, que existe δ > 0 tal que g(x) 6= 0
para todo x ∈ (X− {a}) ∩ (a− δ, a+ δ). Como limn→∞ xn = a e xn ∈ X− {a},
existe n0 ∈ N tal que 0 < |xn − a| < δ para todo n > n0. Logo, g(xn) 6= 0
para todo n > n0 e limn→∞ f(xn)
g(xn)=L
M.
Assim, pelo teorema 1.7,f(x)
g(x)tem sentido para todo x suficientemente
proximo e diferente de a e limx→a
f(x)
g(x)=L
M.
J. Delgado - K. Frensel166
Definicao e propriedades do limite
• Se limx→a
f(x) = 0 e |g(x)| ≤ A para todo x ∈ X − {a}, entao limn→∞ f(xn) = 0
e (g(xn)) e uma sequencia limitada. Logo, limn→∞ (f(xn)g(xn)) = 0. Assim,
pelo teorema 1.7, limx→a
(f(x)g(x)) = 0.�
Observacao 1.4 Se limx→a
g(x) = 0 e existe limx→a
f(x)
g(x)ou o quociente
f(x)
g(x)
e limitado numa vizinhanca de a, entao, pelo teorema acima,
limx→a
f(x) = limx→a
(g(x)
f(x)
g(x)
)= 0 .
Logo, se limx→a
g(x) = 0 e limx→a
f(x) 6= 0 ou nao existe limx→a
f(x), entao o quoci-
entef(x)
g(x)nao e sequer limitado numa vizinhanca de a.
Teorema 1.9 (Criterio de Cauchy para limites de funcoes)
Sejam X ⊂ R, a ∈ X ′ e f : X −→ R. Entao existe limx→a
f(x) se, e so se, para
todo ε > 0 dado, existe δ > 0, tal que |f(x)−f(y)| < ε quaisquer que sejam
x, y ∈ (X− {a} ) ∩ (a− δ, a+ δ) .
Prova.
(=⇒) Se limx→a
f(x) = L, entao, dado ε > 0 existe δ > 0 tal que |f(x)−L| <ε
2
para todo x ∈ X, 0 < |x− a| < δ.
Logo,
|f(x) − f(y)| ≤ |f(x) − L| + |f(y) − L| <ε
2+ε
2= ε ,
quaisquer que sejam x, y ∈ X, 0 < |x− a| < δ e 0 < |y− a| < δ.
(⇐=) Seja (xn) uma sequencia de pontos de X− {a} com limn→∞ xn = a.
Dado ε > 0, existe δ > 0 tal que |f(x)−f(y)| < ε para x, y ∈ X, 0 < |x−a| <
δ e 0 < |y− a| < δ.
Como limn→∞ xn = a e xn ∈ X − {a}, existe n0 ∈ N tal que 0 < |xn − a| < δ
para todo n > n0.
Logo, |f(xn) − f(xm)| < ε para todos n,m > n0. Ou seja, a sequencia
(f(xn)) e de Cauchy e, portanto, converge.
Entao, pelo corolario 1.4, existe limx→a
f(x).�
Instituto de Matematica - UFF 167
Analise na Reta
• Sejam X ⊂ R, Y ⊂ R, a ∈ X ′, b ∈ Y ′, f : X −→ R e g : Y −→ R tais que
f(X) ⊂ Y, limx→a
f(x) = b e limy→b
g(y) = c.
Entao, para x proximo de a, f(x) esta proximo de b, mas pode ocor-
rer que f(x) = b para x arbitrariamente proximo de a. Neste caso, b ∈ Y e
limx→a
(g ◦ f)(x) pode existir ou nao. Caso exista, deve ser igual a g(b), que
pode ser diferente de c.
Exemplo 1.1 Seja f : R −→ R a funcao identicamente nula e seja
g : R −→ R a funcao definida por g(x) =
1 , se x 6= 0
0 , se x = 0 .
Entao, limx→0
f(x) = 0, limy→0
g(y) = 1 e limx→0
(g ◦ f)(x) = 0, que e diferente de
1.�
Exemplo 1.2 Sejam f : R −→ R e g : R −→ R as funcoes definidas da
seguinte maneira:
f(x) =
0 , se x ∈ Q
x , se x ∈ R − Q ,e g(x) =
0 , se y 6= 0
1 , se y = 0 .
Entao, limx→0
f(x) = 0 e limy→0
g(y) = 0, mas nao existe limx→0
g(f(x)), pois
g ◦ f(x) =
1 , se x ∈ Q
0 , se x ∈ R − Q .�
Teorema 1.10 Sejam X, Y ⊂ R, f : X −→ R, g : Y −→ R, com f(X) ⊂ Y,
a ∈ X ′ e b ∈ Y ∩ Y ′.
Se limx→a
f(x) = b e limy→b
g(y) = g(b), entao, limx→a
(g ◦ f)(x) = g(b).
Prova.
Dado ε > 0 existe η > 0 tal que |g(y) − g(b)| < ε para todo y ∈ Y,
|y− b| < η.
Sendo limx→a
f(x) = b, existe δ > 0 tal que |f(x) − b| < η para todo x ∈ X,
0 < |x− a| < δ.
Logo, |g(f(x)) − g(b)| < ε para todo x ∈ X, 0 < |x− a| < δ.�
J. Delgado - K. Frensel168
Exemplos de limites
2. Exemplos de limites
Exemplo 2.1 Seja f : R −→ R a funcao identidade, ou seja, f(x) = x
para todo x ∈ R.
Entao, limx→a
f(x) = limx→a
x = a para todo a ∈ R.
Por inducao, limx→a
xn = an para todo n ∈ N, porque se limx→a
xj = aj, temos,
pelo teorema 1.8, que
limx→a
xj+1 =(
limx→a
xj) (
limx→a
x)
= aj a = aj+1
Logo, pelo teorema 1.8, temos que se
p(x) = anxn + an−1x
n−1 + . . .+ a1x+ a0
e um polinomio, entao, para a ∈ R,
limx→a
p(x) = an limx→a
xn + an−1 limx→a
xn−1 + . . .+ a1 limx→a
x+ a0
= an an + an−1 a
n−1 + . . .+ a1 a+ a0 = p(a) .
Assim, se f(x) =p(x)
q(x)e o quociente de dois polinomios, ou seja, f e uma
funcao racional, entao limx→a
f(x) = f(a), se q(a) 6= 0.
Se q(a) = 0, entao a e uma raiz de q(x) e, portanto, x− a divide q(x).
Seja m ≥ 1 tal que q(x) = (x − a)mq1(x), com q1(a) 6= 0, e seja n ≥ 0 tal
que p(x) = (x− a)np1(x), com p1(a) 6= 0.
Se m = n, limx→a
f(x) = limx→a
p1(x)
q1(x)=p1(a)
q1(a), pois f(x) =
p1(x)
q1(x)para todo
x 6= a.
Se m < n, limx→a
f(x) = 0, pois f(x) = (x− a)n−mp1(x)
q1(x)para todo x 6= a.
Se m > n, entao limx→a
f(x) nao existe, pois f(x) =p1(x)
(x− a)m−nq1(x), onde o
denominador tem limite zero e o numerador nao (ver observacao 1.4).�
Exemplo 2.2 Seja f : R −→ R a funcao definida por
f(x) =
0 , se x ∈ Q
1 , se x ∈ R − Q .
Instituto de Matematica - UFF 169
Analise na Reta
Entao, nao existe limx→a
f(x) para todo a ∈ R.
De fato, existe uma sequencia (xn) de numeros racionais, xn 6= a, tal que
xn −→ a e existe uma sequencia (yn), yn 6= a, de numeros irracionais tal
que yn −→ a. Entao, limn→∞ f(xn) = 0 e lim
n→∞ f(yn) = 1. Logo, pelo corolario
1.3, nao existe limx→a
f(x).
Mas, se g(x) = (x− a)f(x), temos que limx→a
g(x) = 0, pois limx→a
(x− a) = 0 e
f e limitada.�
Exemplo 2.3 Seja f : Q −→ R a funcao definida por
f(x) =
1/q , se p/q e uma fracao irredutıvel com q > 0
1 , se x = 0 .
Como Q ′ = R, tem sentido falar em limx→a
f(x) para todo a ∈ R.
Vamos provar que limx→a
f(x) = 0 para todo a ∈ R.
Afirmacao: Seja a ∈ R fixo. Dado ε > 0 existe δ > 0 tal que 0 <∣∣∣∣pq − a
∣∣∣∣ < δ =⇒ 0 <1
q< ε, ou seja, q >
1
ε.
Seja F = {q ∈ N |q ≤ 1
ε} . Entao, F e um conjunto fiinito. Para cada q ∈ F
fixo, as fracoesm
q, m ∈ Z, decompoem a reta em intervalos juxtapostos
de comprimento1
q, pois
R =⋃
m∈Z
[m
q,m+ 1
q
).
Para cada q ∈ F, seja mq ∈ Z o maior inteiro tal quemq
q< a. Seja
m ′q
q ′a
maior das fracoesmq
q, com q ∈ F, a qual existe, pois F e finito.
De modo analogo, para cada q ∈ F, seja nq ∈ Z o menor inteiro tal quenq
q> a. Como F e finito, existe nq ′′ ∈ Z tal que
nq ′′
q ′′e a menor das fracoes
nq
q, com q ∈ F.
J. Delgado - K. Frensel170
Exemplos de limites
Assim,mq ′
q ′e a maior fracao que tem denominador em F e e menor do que
a, enq ′′
q ′′e a menor fracao com denominador em F que e maior do que
a. Entao, salvo possıvelmente a, nenhum numero racional do intervalo(mq ′
q ′,nq ′′
q ′′
)pode ter denominador em F.
Seja δ = min{a−
mq ′
q ′,nq ′′
q ′′− a
}. Entao,
0 <
∣∣∣∣ pq − a
∣∣∣∣ < δ =⇒ a− δ <p
q< a+ δ ,
p
q6= a
=⇒ mq ′
q ′<p
q<nq ′′
q ′′,p
q6= a
=⇒ q 6∈ F =⇒ q >1
ε=⇒ 0 <
1
q< ε
=⇒ ∣∣∣∣ f(pq)
− 0
∣∣∣∣ < ε .Logo, provamos que dado ε > 0, existe δ > 0 tal que
∣∣∣∣ f(pq)
− 0
∣∣∣∣ < ε para
todop
q∈ Q, 0 <
∣∣∣∣ pq − a
∣∣∣∣ < δ. Assim, limx→a
f(x) = 0 para todo a ∈ R.�
Observacao 2.1 Seja g : R −→ R a funcao definida por
g(x) =
0 , se x ∈ R − Q
1 , se x = 0
1
q, se
p
qe irredutıvel com q > 0 .
Entao, limx→a
g(x) = 0 para todo a ∈ R.
Exemplo 2.4 Seja f : R − {0} −→ R definida por f(x) = x+x
|x|, ou seja,
f(x) =
x+ 1 , se x > 0
x− 1 , se x < 0 .
Entao, nao existe limx→0
f(x), pois
limn→∞ f
(1
n
)= lim
n→∞(1
n+ 1
)= 1 e lim
n→∞ f(−1
n
)=(1
n− 1
)=1
n− 1 = −1 .
�
Instituto de Matematica - UFF 171
Analise na Reta
Exemplo 2.5 Seja f : R − {0} −→ R a funcao definida por f(x) = sen1
x.
Entao nao existe limx→0
f(x).
De fato, seja c ∈ [−1, 1] e b ∈ R tal que senb = c.
Entao, a sequencia(
1
b+ 2πn
)n∈N
tende para zero e
limn→∞ f
(1
2πn+ b
)= lim
n→∞ sen(2πn+ b) = senb = c .
Mas, como a funcao f e limitada, temos que limx→0
g(x) sen1
x= 0 para toda
funcao g : R − {0} −→ R tal que limx→0
g(x) = 0.
Em particular limx→0
xn sen1
x= 0 para todo n ∈ N.�
3. Limites laterais
Definicao 3.1 Sejam X ⊂ R, a ∈ X ′+ e f : X −→ R. Dizemos que L ∈ Re o limite a direita de f(x) quando x tende para a, e escrevemos
L = limx→a+
f(x) ,
quando, para todo ε > 0 dado, existe δ > 0 tal que |f(x) − L| < ε para todo
x ∈ X, a < x < a+ δ
Simbolicamente, temos:
limx→a+
f(x) = L ⇐⇒ "∀ ε > 0∃ δ > 0 ; x ∈ X , a < x < a+ δ =⇒ |f(x) − L| < ε" .
ou
limx→a+
f(x) = L ⇐⇒ ∀ ε > 0∃ δ > 0 ; f(x) ∈ (L− ε, L+ ε) ∀ x ∈ X ∩ (a, a+ δ) .
Definicao 3.2 Sejam X ⊂ R, a ∈ X ′− e f : X −→ R. Dizemos que L ∈ Re o limite a esquerda de f(x) quando x tende para a, e escrevemos
L = limx→a−
f(x) ,
quando, para todo ε > 0 dado, existe δ > 0 tal que |f(x) − L| < ε para todo
x ∈ X, a− δ < x < a.
Simbolicamente, temos:
J. Delgado - K. Frensel172
Limites laterais
limx→a−
f(x) = L ⇐⇒ "∀ ε > 0∃ δ > 0 ; x ∈ X , a− δ < x < a =⇒ |f(x) − L| < ε" ,
ou
limx→a−
f(x) = L ⇐⇒ ∀ ε > 0∃ δ > 0 ; f(x) ∈ (L− ε, L+ ε)∀ x ∈ X ∩ (a− ε, a) .
Teorema 3.1 Sejam X ⊂ R, a ∈ X ′+, f : X −→ R, Y = X ∩ (a,+∞) e
g = f|Y. Entao, limx→a+
f(x) = L se, e so se, limx→a
g(x) = L.Um resultado analogo ao teorema
3.1 vale para o limite a esquerda.
Prova.
(=⇒) Dado ε > 0, existe δ > 0 tal que f(x) ∈ (L − ε, L + ε) para todo
x ∈ X ∩ (a, a+ δ).
Como (Y − {a}) ∩ (a − δ, a + δ) = X ∩ (a, a + δ), temos que |g(x) − L| < ε
para todo x ∈ (Y − {a}) ∩ (a− δ, a+ δ).
(⇐=) Dado ε > 0, existe δ > 0 tal que |g(x) − L| = |f(x) − L| < ε para todo
x ∈ (Y − {a}) ∩ (a− δ, a+ δ) = X ∩ (a, a+ δ).�
Observacao 3.1 Pelo teorema acima, o limite a direita e o limite a es-
querda sao o limite de uma restricao de f. Assim, os teoremas 1.1 a
1.10 valem tambem para os limites laterais, substituindo nos enunciados
(a− δ, a+ δ) por (a, a+ δ) no caso de limite a direita, e (a− δ, a+ δ) por
(a− δ, a) no caso de limite a esquerda.
Exemplo 3.1 Sejam X, Y ⊂ R, f : X −→ R, g : Y −→ R, f(X) ⊂ Y,
a ∈ X ′+, b ∈ Y ′ ∩ Y.
Se limx→a+
f(x) = b e limy→b
g(y) = g(b) entao limx→a+
g(f(x)) = g(b).�
Teorema 3.2 Sejam X ⊂ R, f : X −→ R e a ∈ X ′+ ∩ X ′−. Entao existe
limx→a
f(x) se, e so se, existem e sao iguais os limites laterais limx→a+
f(x) e
limx→a−
f(x). Neste caso,
limx→a
f(x) = limx→a+
f(x) = limx→a−
f(x) .
Prova.
(=⇒) Suponhamos que L = limx→a
f(x). Sejam Y = (a,+∞) ∩ X e g = f|Y.
Instituto de Matematica - UFF 173
Analise na Reta
Como a ∈ Y ′, pois a ∈ X ′+, temos, pelo teorema 1.2, que limx→a
g(x) = L.
Entao, pelo teorema 3.1, existe limx→a+
f(x) e e igual a L.
De modo analogo, podemos provar que o limx→a−
f(x) existe e e igual a L.
(⇐=) Suponhamos que L = limx→a−
f(x) = limx→a+
f(x).
Dado ε > 0, existem δ1 > 0 e δ2 > 0 tais que
• |f(x) − L| < ε para todo x ∈ X ∩ (a, a+ δ1) ,
e
• |f(x) − L| < ε para todo x ∈ X ∩ (a− δ2, a).
Tomando δ = min{δ1, δ2}, temos que |f(x) − L| < ε para todo x tal que
x ∈ (X ∩ (a, a+ δ)) ∪ (X ∩ (a− δ, a)) = (X− {a}) ∩ (a− δ, a+ δ) .
Logo, limx→a
f(x) = L. �
Exemplo 3.2 Seja f : R − {0} −→ R definida por f(x) = x +x
|x|. Como
f(x) = x+ 1 para x ∈ (0,+∞) e f(x) = x− 1 para x ∈ (−∞, 0), temos que
limx→0+
f(x) = 1, limx→0−
f(x) = −1 e nao existe limx→0
f(x).�
Exemplo 3.3 Seja f : R − {0} −→ R definida por f(x) =1
x.
Entao, 0 ∈ (R − {0}) ′+ ∩ (R − {0}) ′−, mas nao existem os limites laterais a
direita e a esquerda no ponto 0.�
Exemplo 3.4 Seja f : R − {0} −→ R definida por f(x) = e− 1x .
Entao, limx→0+
f(x) = 0, mas nao existe limx→0−
f(x), pois f(x) nao e limitada
para x negativo proximo de 0.�
Definicao 3.3 Seja f : X ⊂ R −→ R. Dizemos que f e
• crescente quando x, y ∈ X, x < y =⇒ f(x) < f(y).
• nao-decrescente quando x, y ∈ X, x < y =⇒ f(x) ≤ f(y).
• decrescente quando x, y ∈ X, x < y =⇒ f(x) > f(y).
• nao-crescente quando x, y ∈ X, x < y =⇒ f(x) ≥ f(y).
J. Delgado - K. Frensel174
Limites laterais
• monotona quando f e de algum dos quatro tipos acima.
Teorema 3.3 Sejam X ⊂ R, a ∈ X ′+, b ∈ X ′− e f : X −→ R, uma funcao
monotona limitada. Entao, existem os limites laterais
L = limx→a+
f(x) e M = limx→b−
f(x).
Prova.
Suponhamos que f : X −→ R e nao-decrescente.
Seja a ∈ X ′+ e seja A = {f(x) | x ∈ X e x > a}.
Como a ∈ X ′+ e f e limitada, temos que A e nao-vazio e limitado inferior-
mente. Entao, existe L = infA.
Afirmacao: L = limx→a+
f(x) .
Dado ε > 0, existe x ∈ X, x > a, tal que L ≤ f(x) < L+ ε.
Seja δ = x − a > 0. Entao, para x ∈ X, a < x < a + δ = x temos que
L− ε < L ≤ f(x) ≤ f(x) < L+ ε. Logo, limx→a+
f(x) = L.
Sejam, agora, b ∈ X ′− e B = {f(x) | x ∈ X e x < b}. Entao, existe M =
supB, pois B 6= ∅ e e limitado superiormente.
Dado ε > 0, existe x ∈ X, x < b, tal que M− ε < f(x) ≤M.
Tome δ = b− x > 0. Entao, para x ∈ X, x = b− δ < x < b, temos que
M− ε < f(x) ≤ f(x) ≤M <M+ ε.
Logo, limx→b−
f(x) = M.�
Observacao 3.2 Se a ∈ X, entao nao e preciso supor que f e limitada,
pois, se f e nao decrescente, por exemplo, f(a) e uma cota inferior para
o conjunto {f(x) | x ∈ X e x > a} e e uma cota superior para o conjunto
{f(x) | x ∈ X e x < a}.
Observacao 3.3 Uma sequencia monotona limitada e convergente, mas
para uma funcao monotona limitada pode nao existir limx→a
f(x) quando
a ∈ X ′. Isso acontece, por exemplo, com a funcao f(x) = x +x
|x|, para
x ∈ (R − {0}) ∩ (−1, 1), porque o limite de uma sequencia e um limite
lateral a esquerda, pois quando n → +∞, tem-se n < +∞.
Instituto de Matematica - UFF 175
Analise na Reta
4. Limites no infinito, limites infinitos e express oes
indeterminadas
Definicao 4.1 Sejam X ⊂ R um conjunto ilimitado superiormente e f :
X −→ R. Dizemos que L e o limite de f(x) quando x → +∞, e escrevemos
limx→+∞ f(x) = L ,
quando
∀ ε > 0∃A > 0 ; x ∈ X , x > A =⇒ |f(x) − L| < ε .
Definicao 4.2 Sejam X ⊂ R um conjunto ilimitado inferiormente e f :
X −→ R. Dizemos que L e o limite de f(x) quando x → −∞, e escrevemos
limx→−∞ f(x) = L ,
quando
∀ ε > 0∃A > 0 ; x ∈ X , x < −A =⇒ |f(x) − L| < ε .
Os resultados do teorema 1.1 ao
teorema 1.9 sao validos para li-mites no infinito com as devidas
adaptacoes.
Observacao 4.1 O limite quando x tende a +∞ e, de certo modo, um
limite lateral a esquerda, e o limite quando x tende a −∞, um limite lateral
a direita.
Assim, o resultado do teorema 3.3 continua valido. Mais precisamente:
• Seja f : X −→ R uma funcao monotona limitada e X ⊂ R um conjunto
ilimitado superiormente.
◦ Se f e nao-decrescente, entao limx→+∞ f(x) = L, onde L = sup{f(x) | x ∈ X}.
◦ Se f e nao-crescente, entao limx→+∞ f(x) = L, onde L = inf{f(x) | x ∈ X}.
• Seja, agora, X ⊂ R ilimitado inferiormente.
◦ Se f e nao-decrescente, entao limx→−∞ f(x) = L, onde L = inf{f(x) | x ∈ X}.
◦ Se f e nao-crescente, entao limx→−∞ f(x) = L, onde L = sup{f(x) | x ∈ X}.
Observacao 4.2 O limite de uma sequencia f : N → R e um caso
particular de limite de uma funcao no infinito, pois limx→+∞ f(x) = lim
n→∞ f(n).
J. Delgado - K. Frensel176
Limites no infinito, limites infinitos e expressoes indeterminadas
Exemplo 4.1 limx→±∞ 1
x= 0, pois dado ε > 0 existe A =
1
ε> 0 tal que
0 <1
x< ε, para todo x >
1
ε= A, e −ε <
1
x< 0, para todo x < −A = −
1
ε.�
Exemplo 4.2 Nao existe limx→+∞ sen x, pois 2πn → +∞ e sen(2πn) → 0,
enquanto(2πn+
π
2
)→ +∞ e sen(2πn+
π
2
)→ 1.
De modo analogo, podemos verificar que nao existe limx→−∞ sen x.�
Exemplo 4.3 limx→−∞ ex = 0, mas nao existe lim
x→+∞ ex.�
Definicao 4.3 Sejam X ⊂ R, a ∈ X ′ e f : X −→ R. Dizemos que f(x)
tende para +∞ quando x tende para a e escrevemos
limx→a
f(x) = +∞ ,
quando para todo A > 0 dado, existe δ > 0 tal que
x ∈ X, 0 < |x− a| < δ =⇒ f(x) > A .
Exemplo 4.4 limx→a
1
(x− a)2= +∞, pois dado A > 0 existe δ =
1√A> 0
tal que
0 < |x− a| < δ =⇒ 0 < (x− a)2 <1
A=⇒ 1
(x− a)2> A .
�
Definicao 4.4 Sejam X ⊂ R, a ∈ X ′ e f : X −→ R. Dizemos que f(x)
tende para −∞ quando x tende para a e escrevemos
limx→a
f(x) = −∞ ,
quando para todo A > 0 dado, existe δ > 0 tal que
x ∈ X, 0 < |x− a| < δ =⇒ f(x) < −A .
Exemplo 4.5 limx→a
−1
(x− a)2= −∞ .�
Outros casos possıveis
Definicao 4.5 Sejam X ⊂ R, a ∈ X ′+ e f : X −→ R. Dizemos que:
Instituto de Matematica - UFF 177
Analise na Reta
• limx→a+
f(x) = +∞ ⇐⇒ ∀A > 0, ∃δ > 0 ; x ∈ X, a < x < a+ δ =⇒ f(x) > A.
• limx→a+
f(x) = −∞ ⇐⇒ ∀A > 0, ∃δ > 0 ; x ∈ X, a < x < a+ δ =⇒ f(x) < −A.
De modo analogo, podemos definir limx→a−
f(x) = +∞ e limx→a−
f(x) = −∞,
quando a ∈ X ′− .
Definicao 4.6 Sejam X ⊂ R ilimitado superiormente e f : X −→ R.
Dizemos que:
• limx→+∞ f(x) = +∞ ⇐⇒ ∀A > 0, ∃B > 0 ; x ∈ X, x > B =⇒ f(x) > A.
• limx→+∞ f(x) = −∞ ⇐⇒ ∀A > 0, ∃B > 0 ; x ∈ X, x > B =⇒ f(x) < −A.
Definicao 4.7 Sejam X ⊂ R ilimitado inferiormente e f : X −→ R. Dize-
mos que:
• limx→−∞ f(x) = +∞ ⇐⇒ ∀A > 0, ∃B > 0 ; x ∈ X, x < −B =⇒ f(x) > A.
• limx→−∞ f(x) = −∞ ⇐⇒ ∀A > 0, ∃B > 0 ; x ∈ X, x < −B =⇒ f(x) < −A.
Exemplo 4.6 limx→a+
1
x− a= +∞ ; lim
x→a−
1
x− a= −∞ ; lim
x→+∞ ex = +∞ ;
limx→+∞ xk = +∞ , k ∈ N.�
•Modificacoes que devem sofrer os teoremas provados para limites finitos
de modo a continuarem validos no caso de limites infinitos.
(1) Unicidade. Se limx→a
f(x) = +∞, entao f e positiva e ilimitada supe-
riormente numa vizinhanca de a. Logo, nao se pode ter limx→a
f(x) = L, pois,
neste caso, f seria limitada numa vizinhanca de a, nem limx→a
f(x) = −∞,
pois f seria negativa numa vizinhanca de a.
(2) Sejam Y ⊂ X com a ∈ Y ′ e g = f|Y.
Se limx→a
f(x) = +∞ =⇒ limx→a
g(x) = +∞.
Sejam Y = (a− δ, a+ δ) ∩ X, δ > 0, e g = f|Y.
Se limx→a
g(x) = +∞ =⇒ limx→a
f(x) = +∞.
J. Delgado - K. Frensel178
Limites no infinito, limites infinitos e expressoes indeterminadas
(3) Se limx→a
f(x) = +∞ entao f e ilimitada superiormente em qualquer
vizinhanca de a.
(4) Se f(x) ≤ g(x)∀ x ∈ X e limx→a
f(x) = +∞, entao limx→a
g(x) = +∞.
(5) Se limx→a
f(x) = L e limx→a
g(x) = +∞, entao existe δ > 0 tal que
x ∈ X, 0 < |x− a| < δ =⇒ f(x) < g(x).
(6) limx→a
f(x) = +∞ ⇐⇒ limn→+∞ f(xn) = +∞ para toda sequencia (xn)
de pontos de X− {a} com limn→∞ xn = a.
(7) ◦ Se limx→a
f(x) = +∞ e g(x) > c ∀ x ∈ (X − {a}) ∩ (a − δ, a + δ),
entao limx→a
(f(x) + g(x)) = +∞.
◦ Se limx→a
f(x) = +∞ e g(x) > c > 0∀ x ∈ (X − {a}) ∩ (a − δ, a + δ),
entao limx→a
(f(x)g(x)) = +∞.
◦ Se f(x) > 0∀ x ∈ (X − {a}) ∩ (a − δ, a + δ), entao limx→a
f(x) = 0 ⇐⇒limx→a
1
f(x)= +∞.
◦ Sendo f(x) > c > 0 e g(x) > 0 para todo x ∈ (X−{a})∩(a−δ, a+δ),
temos que se limx→a
g(x) = 0 entao limx→a
f(x)
g(x)= +∞.
◦ Sendo |f(x)| ≤ c para todo x ∈ (X− {a})∩ (a− δ, a+ δ), temos que
se limx→a
g(x) = +∞, entao limx→a
f(x)
g(x)= 0.
(8) Nao existe algo semelhante ao criterio de Cauchy para limites
infinitos.
(9) ◦ Se limx→a
f(x) = ±∞ e limy→±∞g(y) = L, entao lim
x→ag(f(x)) = L.
◦ Se limx→a
f(x) = ±∞ e limy→±∞g(y) = +∞, entao lim
x→ag(f(x)) = +∞.
◦ Se limx→a
f(x) = ±∞ e limx→±∞g(x) = −∞, entao lim
x→ag(f(x)) = −∞ .
(10) Sejam a ∈ X ′+ e f : X −→ R monotona.
◦ limx→a+
f(x) existe se, e so se, existe δ > 0 tal que f e limitada no
conjunto X ∩ (a, a+ δ).
Instituto de Matematica - UFF 179
Analise na Reta
◦ Se f e ilimitada superiormente em X ∩ (a, a + δ) para todo δ > 0,
entao limx→a+
f(x) = +∞.
De fato, dado A > 0, existe x ∈ X ∩ (a, a+ 1) tal que f(x) > A.
Se f e nao-crescente ou decrescente, temos que f(x) ≥ f(x) > A
para todo x ∈ X ∩ (a, a+ δ), onde δ = x− a > 0.
Observe que, neste caso, f nao pode ser nao-decrescente ou cres-
cente, pois, dado x > a, x ∈ X, existiria x ∈ (a, x) tal que f(x) > f(x).
◦ De modo analogo, podemos provar que se f e ilimitada inferior-
mente em X ∩ (a, a + δ) para todo δ > 0, entao limx→a+
f(x) = −∞ e f tem
que ser crescente ou nao-decrescente.
Observacao 4.3 No entanto, se a ∈ X ′−, temos que:
• limx→a−
f(x) existe se, e so se, existe δ > 0 tal que f e limitada no conjunto
X ∩ (a− δ, a).
• Se f e ilimitada superiormente em X ∩ (a − δ, a) para todo δ > 0, entao
limx→a−
f(x) = +∞ e f e nao-decrescente ou crescente.
• Se f e ilimitada inferiormente em X ∩ (a − δ, a) para todo δ > 0, entao
limx→a−
f(x) = −∞ e f e nao-crescente ou decrescente.
Exercıcio: Se f : X → R
e monotona, entao ou existelim
x→+∞ f(x) ou limx→+∞ f(x) =
±∞.De modo analogo, ou existe
limx→−∞ f(x) ou lim
x→−∞ f(x) =
±∞.
Agora, vamos falar um pouco sobre expressoes indeterminadas do
tipo0
0, ∞ − ∞, 0×∞,
∞∞ , 00, ∞0, 1∞ .
• Indeterminacao do tipo0
0.
Sejam X ⊂ R, a ∈ X ′, f, g : X −→ R tais que limx→a
f(x) = limx→a
g(x) = 0.
Se a ∈ Y ′, onde Y = {x ∈ X |g(x) 6= 0}, entao o quocientef(x)
g(x)esta
definido em Y e faz sentido indagar se existe limx→a
f(x)
g(x). Mas nada se pode
afirmar sobre esse limite, pois, dependendo das funcoes f e g, ele pode
assumir qualquer valor ou nao existir.
Por exemplo, se f(x) = cx e g(x) = x, temos
J. Delgado - K. Frensel180
Limites no infinito, limites infinitos e expressoes indeterminadas
limx→0
f(x) = 0, limx→0
g(x) = 0 e limx→0
f(x)
g(x)= c.
Por outro lado, se f(x) = x sen1
x, x 6= 0, e g(x) = x, entao lim
x→0f(x) =
limx→0
g(x) = 0, mas nao existe limx→0
f(x)
g(x)= lim
x→0sen
1
x.
• Dizer que ∞−∞ e indeterminado, significa que, dependendo das esco-
lhas para f e g, tais que limx→a
f(x) = limx→a
g(x) = +∞, o limite limx→a
(f(x)−g(x))
pode ser um valor real c arbitrario ou pode nao existir.
Por exemplo, se f, g : R− {a} −→ R sao dados por f(x) = c+1
(x− a)2
e g(x) =1
(x− a)2, entao lim
x→af(x) = lim
x→ag(x) = +∞ e lim
x→a(f(x) − g(x)) = c.
E se f(x) = sen1
x− a+
1
(x− a)2e g(x) =
1
(x− a)2, temos que
limx→a
f(x) = limx→a
g(x) = +∞,
mas nao existe limx→a
(f(x) − g(x)).
• Para a indeterminacao do tipo 00, dado qualquer c > 0, existem funcoes
f, g : X −→ R, com a ∈ X ′, limx→a
f(x) = limx→a
g(x) = 0 e f(x) > 0 para todo
x ∈ X, tais que limx→a
f(x)g(x) = c.
Por exemplo, para as funcoes f, g : (0,+∞) −→ R dadas por f(x) = x
e g(x) =log clog x
, temos que
limx→0
f(x) = limx→0
g(x) = 0 e limx→0
f(x)g(x) = limx→0
eg(x) log f(x) = limx→0
elog c = c .
Podemos, tambem, escolher f e g de modo que o limite de f(x)g(x)
nao existe. Basta tomar, por exemplo, as funcoes dadas por f(x) = x e
g(x) = log(1+
∣∣∣ sen1
x
∣∣∣) · (log x)−1, x > 0, para termos
limx→0
f(x) = limx→0
g(x) = 0,
mas o limite
limx→0
f(x)g(x) = limx→0
eg(x) log f(x) = limx→0
(1+
∣∣∣ sen1
x
∣∣∣)nao existe.
Instituto de Matematica - UFF 181
Analise na Reta
5. Valores de ader encia de uma func ao, limsup
e liminf
Sejam X ⊂ R, a ∈ X ′ e f : X −→ R. Para cada δ > 0, indicaremos
por Vδ o conjunto
Vδ = {x ∈ X | 0 < |x− a| < δ} = (X− {a}) ∩ (a− δ, a+ δ) .
Definicao 5.1 Dizemos que f e limitada numa vizinhanca de a quando
existe δ > 0 tal que f|Vδe limitada, ou seja, existe K > 0 tal que |f(x)| ≤ K
para todo x ∈ Vδ.
Definicao 5.2 Dizemos que c ∈ R e um valor de aderencia de f no
ponto a quando existe uma sequencia (xn) de pontos de X − {a} tal que
limn→+∞ xn = a e lim
n→+∞ f(xn) = c.
Indicaremos por VA(f;a) o conjunto dos valores de aderencia de f no
ponto a.
Observacao 5.1 Pelo teorema 1.7, temos que se L = limx→a
f(x), entao L
e o unico valor de aderencia de f no ponto a.
Mostraremos, mais adiante, que se f e limitada numa vizinhanca de
a e L e o unico valor de aderencia de f no ponto a, entao limx→a
f(x) = L.
Mas se f nao e limitada numa vizinhanca de a, pode ocorrer que nao
exista limx→a
f(x), mesmo quando f possui um unico valor de aderencia no
ponto a.
Exemplo 5.1 Seja f : R −→ R a funcao f(x) =
1 , se x ∈ Q1
x, se x ∈ R − Q
.
Entao, 1 e o unico valor de aderencia de f no ponto 0, mas nao existe
limx→0
f(x), pois f nao e limitada numa vizinhanca de 0.�
Teorema 5.1 Um numero real c e valor de aderencia de f no ponto a
se, e so se, c ∈ f(Vδ) para todo δ > 0.
J. Delgado - K. Frensel182
Valores de aderencia de uma funcao, limsup e liminf
Prova.
(=⇒) Seja c um valor de aderencia de f no ponto a e seja (xn) uma
sequencia de pontos de X− {a} tal que xn −→ a e f(xn) −→ c.
Como xn −→ a, dado δ > 0, existe n0 ∈ N tal que xn ∈ Vδ para todo
n > n0. Logo, f(xn) ∈ f(Vδ) para todo n > n0, ou seja, (f(xn))n>n0e uma
sequencia de pontos de Vδ que converge para c.
Entao, c ∈ f(Vδ) .
(⇐=) Suponhamos que c ∈ f(Vδ) para todo δ > 0.
Entao, c ∈ f(V 1n) para todo n ∈ N.
Assim, para todo n ∈ N, existe xn ∈ V 1n
tal que |f(xn) − c| <1
n.
Como xn ∈ X, 0 < |xn − a| <1
ne |f(xn) − c| <
1
npara todo n ∈ N,
temos que (xn) e uma sequencia de pontos de X − {a} tal que xn −→ a e
f(xn) −→ c. Logo, c e um valor de aderencia de f no ponto a.�
Corolario 5.1 VA(f;a) =⋂δ>0
f(Vδ) .
Corolario 5.2 VA(f;a) =⋂n∈N
f(V 1n) .
Prova.
Se c ∈⋂δ>0
f(Vδ), entao c ∈ f(Vδ) para todo δ > 0. Em particular, c ∈ f(V 1n)
para todo n ∈ N. Logo, c ∈⋂n∈N
f(V 1n) .
Suponhamos, agora, que c ∈⋂n∈N
f(V 1n).
Dado δ > 0, existe n ∈ N, tal que1
n< δ. Logo, V 1
n⊂ Vδ e, portanto,
f(V 1n) ⊂ f(Vδ). Assim, f(V 1
n) ⊂ f(Vδ) .
Como c ∈ f(V 1n) para todo n ∈ N, temos que c ∈ f(Vδ) para todo δ > 0.
Portanto,
Instituto de Matematica - UFF 183
Analise na Reta
c ∈⋂δ>0
f(Vδ) = VA(f;a) ,
ou seja, c e um valor de aderencia de f no ponto a.�
Corolario 5.3 O conjunto dos valores de aderencia de f num ponto a ∈X ′ e fechado. Se f e limitada numa vizinhanca de a, entao VA(f;a) e
compacto e nao-vazio.
Prova.
Como VA(f;a) e uma intersecao de conjuntos fechados, temos que VA(f;a)
e fechado.
Suponhamos que f e limitada numa vizinhanca de a. Entao existe n0 ∈ N
tal que f(V 1n0
) e limitado. Logo, f(V 1n0
) e fechado e limitado e, portanto,
compacto.
Seja Kn = f(V 1n), n ∈ N. Como Kn ⊂ Kn0
para todo n ≥ n0, temos
que (Kn)n≥n0e uma sequencia decrescente de conjuntos compactos nao-
vazios tal que VA(f;a) =⋂
n≥n0
Kn. Logo, pelo teorema 4.5 da parte 4,
temos que VA(f;a) e compacto e nao-vazio.�
Observacao 5.2 Se f e ilimitada em qualquer vizinhanca de a, isto e,
f(Vδ) e ilimitado para todo δ > 0, entao VA(f;a) pode nao ser compacto.
Exemplo 5.2 Se f : R−{0} −→ R e a funcao definida por f(x) =1
xsen
1
x,
entao f e ilimitada em toda vizinhanca de 0 e VA(f; 0) = R, que nao e
compacto, pois e ilimitado.
De fato, 0 ∈ VA(f; 0), pois xn =1
2nπ−→ 0 e
f(xn) = 2πn sen(2πn) = 0 −→ 0.
Seja, agora, c > 0.
Afirmacao: Dado n ∈ N, existe xn > 0 tal que xn <1
ne sen
1
xn= xn c .
De fato, como1
nπc− sen(nπ) =
1
nπc− 0 =
c
nπ> 0 e
1
2πn+ (4kn − 3)π2
c− sen(2πn+ (4kn − 3)π2) =
c
2πn+ (4kn − 3)π2
− 1 < 0
J. Delgado - K. Frensel184
Valores de aderencia de uma funcao, limsup e liminf
para algum kn ∈ N, temos, pelo teorema do valor intermediario para
funcoes contınuas, que provaremos na proxima parte, que existe
xn ∈(
1
2πn+ (4kn − 3)π2
,1
nπ
)tal que xnc− sen
1
xn= 0.
Logo, 0 < xn <1
ne f(xn) = c para todo n ∈ N. Assim, xn −→ 0 e
f(xn) −→ c, ou seja, c ∈ VA(f; 0).
De modo analogo, se c < 0, dado n ∈ N, temos que1
nπc− sen(nπ) =
c
nπ< 0
e1
2πn+ (4kn + 3) π2
c− sen(2πn+ (4kn + 3)
π
2
)=
c
2πn+ (4k+ 3)π2
+ 1 > 0
para algum kn ∈ N.
Logo, pelo teorema do valor intermediario para funcoes contınuas, existe
xn ∈(
1
2πn+ (4kn + 3)π2
,1
nπ
)tal que xnc− sen
1
xn= 0.
Assim, c ∈ VA(f; 0), pois xn −→ 0, f(xn) = c −→ c e xn = 0 para todo
n ∈ N.�
Observacao 5.3 Tambem pode ocorrer que VA(f;a) seja vazio quando
f e ilimitada em toda vizinhanca de a. Por exemplo, se f : R − {0} −→ R e
a funcao definida por f(x) =1
x, entao VA(f;a) = ∅.
Observacao 5.4 Como VA(f;a) e compacto e nao-vazio quando f e
limitada numa vizinhanca de a, VA(f;a) possui um maior elemento e um
menor elemento.
Definicao 5.3 Chamamos limite superior de f no ponto a ao maior valor
de aderencia L de f no ponto a, e escrevemos:
lim supx−→a
f(x) = L .
Chamamos limite inferior de f no ponto a ao menor valor de aderencia `
de f no ponto a, e escrevemos:
lim infx−→a
f(x) = ` .
Instituto de Matematica - UFF 185
Analise na Reta
Exemplo 5.3 Seja f : R − {0} −→ R a funcao definida por f(x) = sen1
x.
Entao, pelo visto no exemplo 2.5, VA(f; 0) = [−1, 1].
Logo, lim supx−→0
f(x) = +1 e lim infx−→0
f(x) = −1 .�
Observacao 5.5 As vezes escrevemos lim supx−→a
f(x) = +∞ para indi-
car que f e ilimitada superiormente em toda vizinhanca de a, e escreve-
mos lim infx−→a
f(x) = −∞ para indicar que f e ilimitada inferiormente em toda
vizinhanca de a. Por exemplo, para f(x) =1
xsen
1
x, x 6= 0, do exemplo
5.2, terıamos lim supx−→0
f(x) = +∞ e lim infx−→0
f(x) = −∞.
Tambem, quando limx→a
f(x) = ±∞, terıamos
lim supx−→a
f(x) = lim infx−→a
f(x) = +∞ .
Consideraremos, agora, o valor de aderencia de f quando x → +∞ou x → −∞.
• Dizemos que c ∈ VA(f; +∞), ou seja, que c e um valor de aderencia
de f em +∞, quando existe uma sequencia (xn) de pontos de X tal que
xn → +∞ e f(xn) → c.
• Dizemos que c ∈ VA(f; −∞), ou seja, que c e um valor de aderencia
de f em −∞, quando existe uma sequencia (xn) de pontos de X tal que
xn → −∞ e f(xn) → c.
Seja Vδ = X ∩ (δ,+∞), δ > 0, e Wδ = X ∩ (−∞, δ), δ < 0. Entao,
VA(f; +∞) =⋂δ>0
f(Vδ) =⋂n∈N
f(Vn) e VA(f; −∞) =⋂δ<0
f(Wδ) =⋂n∈N
f(Wn) .
A demonstracao destes fatos faz-se de modo analogo ao caso finito.
• Dizemos que f e limitada numa vizinhanca de +∞ quando existe δ > 0
e K > 0 tais que x ∈ X , x > δ =⇒ |f(x)| ≤ K, ou seja, |f(x)| ≤ K para todo
x ∈ Vδ = X ∩ (δ,+∞).
• E dizemos que f e limitada numa vizinhanza de −∞ quando existe δ < 0
e K > 0 tais que x ∈ X , x < δ =⇒ |f(x)| ≤ K, ou seja, |f(x)| ≤ K para todo
x ∈Wδ = X ∩ (−∞, δ).J. Delgado - K. Frensel186
Valores de aderencia de uma funcao, limsup e liminf
Como no caso finito, podemos provar que VA(f; +∞) e VA(f; −∞)
sao compactos nao-vazios quando f e limitada numa vizinhanca de +∞e −∞, respectivamente. Entao, nestes casos, temos, tambem, o maior
e o menor valor de aderencia, que serao denotados por lim supx−→±∞ f(x) e
lim infx−→±∞ f(x), respectivamente.
Os fatos que serao provados a seguir para VA(f;a) se estendem aos
valores de aderencia no infinito com as devidas adaptacoes.
• Seja f limitada numa vizinhanca Vδ0de a, ou seja, f(Vδ0
) e um conjunto
limitado. Entao f(Vδ) e limitado para todo δ ∈ (0, δ0].
Sejam as funcoes
L : (0, δ0] −→ Rδ 7−→ Lδ = sup
x∈Vδ
f(x) e` : (0, δ0] −→ R
δ 7−→ `δ = infx∈Vδ
f(x)
Como Vδ ⊂ Vδ0para δ ∈ (0, δ0], temos que `δ0
≤ `δ ≤ Lδ ≤ Lδ0para
todo δ ∈ (0, δ0].
Se 0 < δ ′ < δ ′′ ≤ δ0, entao Vδ ′ ⊂ Vδ ′′ e, portanto, `δ ′′ ≤ `δ ′ e
Lδ ′ ≤ Lδ ′′, ou seja, δ 7−→ `δ e uma funcao monotona nao-crescente e
δ 7−→ Lδ e uma funcao monotona nao-decrescente.
Logo, pelo teorema 3.3, existem os limites limδ→0
`δ e limδ→0
Lδ, e
limδ→0
`δ = sup{`δ | δ ∈ (0, δ0]} e limδ→0
Lδ = inf{Lδ | δ ∈ (0, δ0]} .
Teorema 5.2 Se f e limitada numa vizinhanca de a, entao
lim supx−→a
f(x) = limδ→0
Lδ e lim infx−→a
f(x) = limδ→0
`δ .
Prova.
Sejam L = lim supx−→a
f(x) e L0 = limδ→0
Lδ. Como L e valor de aderencia de
f no ponto a, entao L ∈ f(Vδ) para todo δ > 0. Logo, L ≤ Lδ para todo
δ ∈ (0, δ0], ou seja, L e uma cota inferior do conjunto {Lδ | δ ∈ (0, δ0]}.
Assim, L ≤ L0 = inf{Lδ | δ ∈ (0, δ0]}.
Vamos provar, agora, que L0 e valor de aderencia de f no ponto a.
Como L 1n
= sup{f(x) | x ∈ V 1n}, existe xn ∈ V 1
n= X ∩
(a−
1
n, a+
1
n
)tal
Instituto de Matematica - UFF 187
que L 1n
−1
n< f(xn) ≤ L 1
n.
Entao xn → a, xn ∈ X − {a}, e f(xn) → L0, pois limn→∞L 1
n= lim
δ→0Lδ = L0.
Logo, L0 e valor de aderencia de f no ponto a e, portanto, L0 ≤ L.
Provamos, assim, que L = L0.
A igualdade lim infx−→a
f(x) = limδ→0
`δ se demonstra de maneira analoga.�
Teorema 5.3 Se f e limitada numa vizinhanca de a, entao
∀ ε > 0 ∃ δ > 0 ; x ∈ X, 0 < |x− a| < δ =⇒ `− ε < f(x) < L+ ε,
onde ` = lim infx−→a
f(x) e L = lim supx−→a
f(x).
Prova.
Pelo teorema anterior, ` = limδ→0
`δ e L = limδ→0
Lδ. Entao, dado ε > 0,
existem δ1 > 0 e δ2 > 0 tais que `− ε < `δ1≤ ` e L ≤ Lδ2
< L+ ε.
Tomando δ = min{δ1, δ2}, temos que ` − ε ≤ `δ1≤ `δ ≤ f(x) ≤ Lδ ≤ Lδ2
<
L+ ε ,
para todo x ∈ (X− {a}) ∩ (a− δ, a+ δ).�
Observacao 5.6 Como no caso de sequencias, L e o menor numero
que goza da propriedade acima, e ` e o maior numero com a propriedade
acima.
Corolario 5.4 Seja f limitada numa vizinhanca de a. Entao existe limx→a
f(x)
se, e so se, f possui um unico valor de aderencia no ponto a.
Prova.
(=⇒) Se limx→a
f(x) = L entao L e o unico valor de aderencia de f no ponto
a, pois se (xn) e uma sequencia de pontos de X − {a} que converge para
a, temos, pelo teorema 1.7, que f(xn) −→ L.
(⇐=) Se f possui um unico valor de aderencia no ponto a, entao L = `.
Assim, pelo teorema anterior, para todo ε > 0 dado, existe δ > 0 tal que
L − ε < f(x) < L + ε para todo x ∈ (X − {a}) ∩ (a − δ, a + δ). Logo,
L = limx→a
f(x).�
Instituto de Matematica - UFF 189
J. Delgado - K. Frensel190
A nocao de funcao contınua
Parte 6
Func oes contınuas
1. A noc ao de func ao contınua
Definicao 1.1 Dizemos que uma funcao f : X −→ R e contınua no ponto
a ∈ X, quando para todo ε > 0 dado, existe δ > 0 tal que |f(x) − f(a)| < ε
para todo x ∈ X, |x− a| < ε.
Simbolicamente, f : X −→ R e contınua no ponto a se, e somente
se:
∀ ε > 0∃ δ > 0 ; x ∈ X , |x− a| < δ =⇒ |f(x) − f(a)| < ε
Observacao 1.1 Em termos de intervalos, temos que f e contınua no
ponto a se, e so se:
• ∀ ε > 0∃ δ > 0 ; f(I ∩ X) ⊂ J, onde I = (a− δ, a+ δ) e J = (f(a) − ε, f(a) + ε) .
ou
• Para todo intervalo aberto J contendo f(a) existe um intervalo aberto I
contendo a tal que f(I ∩ X) ⊂ J.
Definicao 1.2 Dizemos que uma funcao f : X −→ R e contınua quando
e contınua em todos os pontos de X.
Observacao 1.2 Se a e um ponto isolado de X, entao toda funcao
f : X −→ R e contınua no ponto a.
De fato, seja δ0 > 0 tal que (a− δ0, a+ δ0) ∩ X = {a}.
Instituto de Matematica - UFF 191
Analise na Reta
Entao, dado ε > 0, existe δ = δ0 > 0, tal que |f(x) − f(a)| < ε para todo
x ∈ X ∩ (a− δ0, a+ δ0) = {a}.
Em particular, se todos os pontos de X sao isolados, entao toda funcao
f : X −→ R e contınua.
Observacao 1.3 Seja a ∈ X ∩ X ′. Entao f e contınua no ponto a se, e
so se, limx→a
f(x) = f(a).
Entao, se a ∈ X ′, temos que limx→a
f(x) = L se, e so se, a funcao
g : X ∪ {a} −→ R dada por g(x) =
f(x), se x ∈ X− {a}
L, se x = a
e contınua no ponto a.
Observacao 1.4 Sejam Y ⊂ X e f : X −→ R. Se f e contınua num ponto
a ∈ Y, entao f|Y e contınua no ponto a. Mas a recıproca nao e verdadeira.
Basta tomar f descontınua no ponto a e Y ⊂ X finito ou discreto com
a ∈ Y.
Exemplo 1.1 Toda funcao f : Z −→ R e contınua, pois todo ponto de Ze isolado, ou seja, Z e um conjunto discreto.
Pela mesma razao, toda funcao f :{1,1
2,1
3, . . . ,
1
n. . .
}−→ R e contınua.
Mas se Y ={0, 1,
1
2,1
3, . . . ,
1
n. . .
}, uma funcao f : Y −→ R e contınua se,
e so se, e contınua no ponto 0, ou seja, se, e so se, f(0) = limn→∞ f
(1
n
).�
Os resultados enunciados abaixo decorrem dos fatos analogos ja
demonstrados para limites na parte anterior e das observacoes 1.2 e 1.3
acima.
Teorema 1.1 Seja f : X −→ R contınua no ponto a ∈ X.
Se a ∈ Y ⊂ X e g = f|Y, entao g e contınua no ponto a.
Em particular, toda restricao de uma funcao contınua e contınua.
Teorema 1.2 Sejam a ∈ X, f : X −→ R e g = f|Y, onde Y = I ∩ X e I e
um intervalo aberto que contem a.
J. Delgado - K. Frensel192
A nocao de funcao contınua
Entao f e contınua no ponto a se, e so se, g e contınua no ponto a.
Observacao 1.5 Este resultado diz que a continuidade de uma funcao
f e uma propriedade local, ou seja, se f coincide com uma funcao contınua
no ponto a numa vizinhanca do ponto a, entao f tambem e contınua no
ponto a.
Teorema 1.3 Se f e contınua no ponto a ∈ X, entao f e limitada numa
vizinhanca de a, ou seja, existe δ > 0 tal que f(Uδ) e limitado, onde
Uδ = X ∩ (a− δ, a+ δ).
Teorema 1.4 Se f, g : X −→ R sao contınuas no ponto a ∈ X, e f(a) <
g(a), entao existe δ > 0 tal que f(c) < g(x) para todo x ∈ X∩ (a−δ, a+δ).
Corolario 1.1 Sejam K ∈ R e f : X −→ R uma funcao contınua no
ponto a ∈ X. Se f(a) < K, entao existe δ > 0 tal que f(x) < K para todo
x ∈ X ∩ (a− δ, a+ δ).
Prova.
Dado ε = K− f(a) > 0, existe δ > 0 tal que f(a) − ε < f(x) < f(a) + ε = K
para todo x ∈ X ∩ (a− δ, a+ δ).�
Observacao 1.6 De modo analogo, podemos provar que:
• se f(a) > K, entao existe δ > 0 tal que f(x) > K ∀ x ∈ X ∩ (a− δ, a+ δ).
• se f(a) 6= K, entao existe δ > 0 tal que f(x) 6= K ∀ x ∈ X ∩ (a− δ, a+ δ).
Observacao 1.7 Sejam f : X −→ R uma funcao contınua e K ∈ R.
Entao, A = {x ∈ X | f(x) > K} e a intersecao de X com um conjunto U
aberto em R.
De fato, seja a ∈ A, ou seja, f(a) > K. Entao, pelo corolario acima, existe
δa > 0 tal que f(x) > K para todo x ∈ X ∩ Ia, onde Ia = (a− δa, a+ δa).
Seja U =⋃a∈A
Ia. Entao, U e aberto e A = U ∩ X, pois U ∩ X ⊂ A e
A ⊂ U ∩ X.
• Em particular, se X e aberto, entao A e aberto.
Instituto de Matematica - UFF 193
Analise na Reta
Teorema 1.5 Uma funcao f : X −→ R e contınua no ponto a ∈ X se,
e so se, limn→∞ f(xn) = f(a) para toda sequencia (xn) de pontos de X que
converge para a.
Corolario 1.2 Uma funcao f : X −→ R e contınua no ponto a ∈ X se,
e so se, limx→∞ f(xn) existe e independe da sequencia (xn) de pontos de X
com limn→∞ xn = a.
Corolario 1.3 Uma funcao f : X −→ R e contınua no ponto a ∈ X se,
e so se, existe limn→∞ f(xn) para toda sequencia (xn) de pontos de X com
limn→∞ xn = a.
Teorema 1.6 Se f, g : X −→ R sao contınuas no ponto a ∈ X, entao
f ± g e f · g sao contınuas em a. Se g(a) 6= 0, entaof
g: X0 −→ R e
contınua em a, onde X0 = {x ∈ X |g(x) 6= 0}.
Em particular, se f e contınua no ponto a ∈ X, entao cf e contınua
em a, onde c ∈ R. E, se f(a) 6= 0, entao1
fe contınua em a.
Teorema 1.7 Se f : X −→ R e contınua no ponto a ∈ X e g : Y −→ R e
contınua no ponto b = f(a) e f(X) ⊂ Y, entao g ◦ f : X −→ R e contınua
no ponto a.
Em particular, a composta de duas funcoes contınuas e contınua no
seu domınio de definicao.
Observacao 1.8 A restricao de uma funcao f : X −→ R a um subcon-
junto Y ⊂ X e um caso particular de funcao composta, pois f|Y = f ◦ i :
Y −→ R, onde i : Y −→ R e a inclusao, ou seja, i(y) = y para todo y ∈ Y.
Observacao 1.9 Como a funcao identidade x 7−→ x e contınua, temos,
pelo teorema 1.6, que a funcao x 7−→ xn e contınua para todo n ∈ N.
Pelo mesmo teorema, temos que toda funcao polinomial p : R −→ R,
p(x) = anxn + . . .+ a1x+ a0, e contınua, e, portanto, toda funcao racional
J. Delgado - K. Frensel194
A nocao de funcao contınua
f(x) =p(x)
q(x), onde p e q sao funcoes polinomiais, e contınua nos pontos
onde o denominador q nao se anula.
Exemplo 1.2 Seja f : R −→ R dada por f(x) =
x+ 1, se x ≥ 5
16− 2x, se x < 5
Entao, f e contınua em todos os pontos do conjunto (−∞, 5) ∪ (5,+∞),
pois f restrita ao conjunto aberto (−∞, 5) coincide com a funcao contınua
x 7−→ x+ 1 e f restriga ao conjunto aberto (5,+∞) coincide com a funcao
contınua x 7−→ 16− 2x.
Alem disso, f tambem e contınua no ponto 5, pois
limx→5+
f(x) = limx→5−
f(x) = 6 = f(5) .
�
Exemplo 1.3 Seja f : R −→ R definida por
f(x) =
x
|x|, se x 6= 0
1 , se x = 0 .
Entao f e contınua em todos os pontos do conjunto (−∞, 0) ∪ (0,+∞),
mas nao e contınua em x = 0, pois limx→0+
f(x) = 1 6= limx→0−
f(x) = −1, ou
seja, nao existe limx→0
f(x).�
Observacao 1.10 O motivo que assegura a continuidade da funcao do
exemplo 1.2, mas permite a descontinuidade da funcao do exemplo 1.3, e
fornecido pelo teorema abaixo.
Teorema 1.8 Sejam f : X −→ R e X ⊂ F1∪F2, onde F1 e F2 sao conjuntos
fechados. Se f|X∩F1e f|X∩F2
sao contınuas entao f e contınua.
Prova.
Sejam a ∈ X e ε > 0 dados. Precisamos analisar tres casos:
(1) a ∈ F1 ∩ F2
Como f|X∩F1e f|X∩F2
sao contınuas no ponto a, existem δ1 > 0 e δ2 > 0
tais que:
Instituto de Matematica - UFF 195
Analise na Reta
|f(x) − f(a)| < ε se x ∈ (X ∩ F1) ∩ (a− δ1, a+ δ1) ,
e
|f(x) − f(a)| < ε se x ∈ (X ∩ F2) ∩ (a− δ2, a+ δ2) .
Seja δ = min{δ1, δ2} > 0. Entao,
|f(x) − f(a)| < ε
∀ x ∈ (X ∩ F1) ∩ (a− δ), a+ δ)
e
∀ x ∈ (X ∩ F2) ∩ (a− δ), a+ δ) .
Mas, como X ⊂ F1 ∩ F2, temos que
( (X ∩ F1) ∪ (X ∩ F2) ) ∩ (a− δ, a+ δ) = (X ∩ (F1 ∪ F2) ) ∩ (a− δ, a+ δ)
= X ∩ (a− δ, a+ δ)
Logo, |f(x) − f(a)| < ε para todo x ∈ X ∩ (a− δ, a+ δ) .
(2) a ∈ F1 e a 6∈ F2 .
Como f|X∩F1e contınua no ponto a, existe δ1 > 0 tal que |f(x) − f(a)| < ε
para todo x ∈ (X ∩ F1) ∩ (a− δ1, a+ δ1).
Alem disso, como a 6∈ F2 e F2 e fechado, existe δ2 > 0 tal que (a − δ2, a +
δ2) ∩ F2 = ∅.
Seja δ = min{δ1, δ2} > 0. Entao, se x ∈ X ∩ (a − δ, a + δ) temos que
|f(x) − f(a)| < ε, pois
X ∩ (a− δ, a+ δ) = ((X ∩ F1) ∩ (a− δ, a+ δ)) ∪ ((X ∩ F2) ∩ (a− δ, a+ δ))
= (X ∩ F1) ∩ (a− δ, a+ δ),
ja que (X ∩ F2) ∩ (a− δ, a+ δ) = ∅ .
(3) a ∈ F2 e a 6∈ F1 .
Este caso prova-se de modo analogo ao anterior.�
Corolario 1.4 Sejam f : X −→ R e X = F1 ∪ F2, onde F1 e F2 sao conjun-
tos fechados. Se f|F1e f|F2
sao contınuas entao f e contınua.
Observacao 1.11 O teorema 1.8 e o corolario 1.4 sao validos tambem
quando se tem um numero finito de conjuntos fechados. Mas, para uma
infinidade de conjuntos, o resultado e, em geral, falso.
Por exemplo, para uma funcao f : X −→ R que nao e contınua num ponto
J. Delgado - K. Frensel196
A nocao de funcao contınua
x0 ∈ X, temos X =⋃x∈X
{x}, com {x} fechado, e f|{x} contınua em x, para
todo x ∈ X.
Observacao 1.12 No exemplo 1.2, R = F ∪ G, onde F = (−∞, 5] e
G = [5,+∞) sao fechados. Como f|F e f|G sao contınuas, temos que f e
contınua.
Mas, no exemplo 1.3, R = A ∪ B, onde A = (−∞, 0) e B = [0,+∞), f|Ae f|B sao contınuas e f nao e contınua no ponto 0. Isso ocorre porque A
nao e fechado.
Teorema 1.9 Sejam f : X −→ R e X ⊂⋃λ∈L
Aλ uma cobertura de X por
meio de abertos Aλ, λ ∈ L. Se f|Aλ∩X e contınua para todo λ ∈ L, entao f
e contınua.
Prova.
Sejam a ∈ X e ε > 0 dados. Entao existe λ0 ∈ L tal que a ∈ Aλ0.
Como Aλ0e aberto, existe δ1 > 0 tal que (a− δ1, a+ δ1) ⊂ Aλ0
.
Alem disso, como f|X∩Aλ0e contınua no ponto a, existe δ2 > 0 tal que
|f(x) − f(a)| < ε , ∀ x ∈ (X ∩Aλ0) ∩ (a− δ2, a+ δ2) .
Seja δ = min{δ1, δ2} > 0. Entao,
|f(x) − f(a)| < ε , ∀ x ∈ (X ∩Aλ0) ∩ (a− δ, a+ δ) = X ∩ (a− δ, a+ δ),
pois (a− δ, a+ δ) ⊂ Aλ0. Logo, f e contınua no ponto a.�
Corolario 1.5 Sejam f : X −→ R e X =⋃λ∈L
Aλ, onde cada Aλ e aberto.
Se f|Aλe contınua para todo λ ∈ L, entao f e contınua.
Exemplo 1.4 Seja f : R − {0} −→ R a funcao definida por:
f(x) =
1, se x ∈ (0,+∞)
−1, se x ∈ (−∞, 0) .Entao f : R − {0} −→ R e contınua, pois R − {0} = (−∞, 0) ∪ (0,+∞), os
conjuntos A = (−∞, 0) e B = (0,+∞) sao abertos e as funcoes f|A e f|Bsao contınuas.�
Instituto de Matematica - UFF 197
Analise na Reta
2. Descontinuidades
Definicao 2.1 Dizemos que uma funcao f : X −→ R e descontınua no
ponto a ∈ X quando f nao e contınua no ponto a.
Ou seja, f e descontınua no ponto a se existe ε0 > 0 tal que para
todo δ > 0 existe xδ ∈ X ∩ (a− δ, a+ δ) tal que |f(xδ) − f(a)| ≥ ε0.
Exemplo 2.1 Seja f : R −→ R a funcao f(x) =
0, se x ∈ Q
1, se x ∈ R − Q .
Entao f e descontınua em todos os pontos de R, pois nao existe limx−→a
f(x)
qualquer que seja a ∈ R.�
Exemplo 2.2 Seja f : R −→ R a funcao
f(x) =
0, se x ∈ R − Q
1, se x = 0
1q, se x = p
q∈ Q e uma fracao irredutıvel, com q > 0 .
Pela observacao 2.1 da parte 5, temos que limx→a
g(x) = 0 para todo a ∈ R.
Logo, g e contınua nos numeros irracionais e descontınua nos racionais.
Ver o exercıcio 18 do livro.Mas nao existe uma funcao f : R −→ R que seja contınua nos pontos
raiconais e descontınua nos pontos irracionais. �
Exemplo 2.3 Seja f : R −→ R definida por f(x) =
0, se x = 0
x+x
|x|, se x 6= 0 .
Entao o ponto 0 e o unico ponto de descontinuidade de f.�
Exemplo 2.4 Sejam K ⊂ [0, 1] o conjunto de Cantor e f : [0, 1] −→ R a
funcao definida por
f(x) =
0, se x ∈ K
1, se x 6∈ K .
Entao o conjunto dos pontos de descontinuidade de f e K.
J. Delgado - K. Frensel198
Descontinuidades
De fato, como A = [0, 1] −K e aberto e f|A ≡ 1 e constante, temos que f e
contınua em todos os pontos de A.
Mas, como intK = ∅, para cada x ∈ K, existe uma sequencia (xn) de
pontos de A com limn→∞ xn = x.
Entao, limn→∞ f(xn) = 1 6= 0 = f(x).
Logo, f e descontınua em todos os pontos de K.�
Definicao 2.2 Dizemos que f : X −→ R possui uma descontinuidade
de primeira especie no ponto a ∈ X quando f e descontınua em a, mas
existe limx→a+
f(x) se a ∈ X ′+ e existe limx→a−
f(x) se a ∈ X ′−.
Definicao 2.3 Dizemos que f : X −→ R possui uma descontinuidade de
segunda especie no ponto a ∈ X se f e descontınua no ponto a quando
• a ∈ X ′+ e limx→a+
f(x) nao existe
ou• a ∈ X ′− e lim
x→a−f(x) nao existe.
Exemplo 2.5 Seja f : R −→ R a funcao
f(x) =
0, se x ∈ R − Q
1, se x = 0
1q, se x = p
q∈ Q e uma fracao irredutıvel, com q > 0 .
Como limx→a
f(x) = 0 para todo a ∈ R, todas as descontinuidades de f sao
de primeira especie.
Neste exemplo, os limites laterais nos pontos de descontinuidade existem
e sao iguais, mas sao diferentes do valor da funcao nesses pontos.�
Exemplo 2.6 No exemplo 2.3, o zero e um ponto de descontinuidade
de primeira especie, pois, os limites laterais existem nesse ponto, embora
sejam diferentes.�
Exemplo 2.7 No exemplo 2.1, todos os numeros reais sao desconti-
nuidades de segunda especie, pois nao existem os limites limx−→a+
f(x) e
limx−→a−
f(x) para todo a ∈ R.�
Instituto de Matematica - UFF 199
Analise na Reta
Exemplo 2.8 No exemplo 2.4, todos os pontos do conjunto de Cantor
sao descontinuidades de segunda especie, pois ou nao existe limx→a+
f(x)
ou nao existe limx→a−
f(x), para todo a ∈ K.
De fato:
• se a e a extremidade superior de um dos intervalos abertos retirados na
construcao do conjunto de Cantor K, temos que a ∈ K ′+ e a ∈ A ′+, pois
intK = ∅ (lembre que A = [0, 1] − K), entao, existem sequencias (xn) e
(yn) tais que xn ∈ K, xn > a, yn ∈ [0, 1] − K = A, yn > a, xn → a e
yn → a.
Logo, f(xn) → 0 e f(yn) → 1. Portanto, nao existe limx→a+
f(x), apesar
de existir limx→a−
f(x) = 1, pois a e a extremidade superior de um intervalo
aberto contido em A.
• se a = 0, nao existe o limite limx→0+
f(x) pelo mesmo motivo exposto acima,
e limx→0−
f(x) nao faz sentido, pois 0 6∈ [0, 1] ′− e o domınio da funcao.
• se a e a extremidade inferior de um dos intervalos retirados na cons-
trucao do conjunto K, temos que a ∈ K ′− e a ∈ A ′−, pois intK = ∅, entao,
existem sequencias (xn) de pontos de K e (yn) de pontos de A tais que
xn < a, yn < a, xn → a e yn → a. Logo, limn→∞ f(xn) = 0 e lim
n→∞ f(yn) = 1.
Portanto, nao existe limx→a−
f(x), mas existe limx→a+
f(x) = 1, pois a e a extre-
midade inferior de um intervalo aberto contido em A.
• se a = 1, o limite limx→1−
f(x) nao existe pelo mesmo motivo exposto acima,
e limx→1+
f(x) nao faz sentido, pois 1 6∈ ([0, 1]) ′+.
• se a nao e extremidade de intervalo algum retirado na construcao de K,
entao a ∈ K ′− ∩ K ′+ e a ∈ A ′− ∩A ′
+, pois intK = ∅.
Logo, nao existem limx→a+
f(x) e limx→a−
f(x).�
Exemplo 2.9 Seja f : R −→ R a funcao
f(x) =
sen 1x, se x 6= 0
a, se x = 0 .
J. Delgado - K. Frensel200
Descontinuidades
Entao, para qualquer a ∈ R, o zero e um ponto de descontinuidade de
segunda especie, pois os limites laterais a esquerda e a direita em 0 nao
existem.�
Exemplo 2.10 Seja f : R −→ R a funcao
f(x) =
sen
1
1+ e1x
, se x 6= 0
0, se x = 0 .
Entao, 0 e o unico ponto de descontinuidade de f e e de primeira especie,
pois limx→0+
f(x) = 0 = f(0) e limx→0−
f(x) = sen 1 6= f(0).�
Exemplo 2.11 Seja f : R −→ R a funcao f(x) =
sen( 1
x)
1+ e1x
, se x 6= 0
0, se x = 0 .
Entao, 0 e a unica descontinuidade de f e e de segunda especie, pois
limx→0+
f(x) = 0 = f(0), mas limx→0−
f(x) nao existe, ja que f(−
1
2πn
)−→ 0 e
f
(−
1
2πn+ π2
)−→ −1 .�
Exemplo 2.12 Seja f : R −→ R a funcao dada por
f(x) =
0, se x ∈ R− ∪ (R+ ∩Q)
1, se x ∈ (R+ − Q).
Entao limx→0−
f(x) = f(0) = 0, mas nao existe limx→0+
f(x). Logo, 0 e um ponto
de descontinuidade de segunda especie, no qual um dos limites laterais
existe.�
Teorema 2.1 Uma funcao monotona f : X −→ R nao admite desconti-
nuidades de segunda especie.
Prova.
Se a ∈ X e um ponto isolado, entao f e contınua em a. Seja a ∈ X ∩ X ′.
Se a ∈ X ∩ X ′+, entao existe δ > 0 tal que a + δ ∈ X. Logo, f|X∩[a,a+δ] e
limitada e monotona e, portanto, existe limx→a+
f(x).
Instituto de Matematica - UFF 201
Analise na Reta
Se a ∈ X ∩ X ′−, entao existe δ > 0 tal que a − δ ∈ X. Logo f|X∩[a−δ,a] e
limitada e monotona e, portanto, existe limx→a−
f(x).
Logo, para todo a ∈ X ∩ X ′, existem os limites laterais que facam sentido
nesse ponto.�
Teorema 2.2 Seja f : X −→ R monotona. Se f(X) e denso em algum
intervalo I, entao f e contınua.
Prova.
Se a e ponto isolado de X, entao f e contınua em a.
Seja a ∈ X ∩ X ′. Se a ∈ X ∩ X ′+, existe limx→a+
f(x) = f(a+) e se a ∈ X ∩ X ′−,
existe limx→a−
f(x) = f(a−), pelo teorema anterior.
Afirmacao: f(a+) = f(a) se a ∈ X ∩ X ′+ e f(a−) = f(a) se a ∈ X ∩ X ′−.
Suponhamos que f e nao-decrescente.
Nesse caso, f(a+) = inf{f(x) | x > a}. Como f(a) ≤ f(x) para todo x > a,
x ∈ X, temos que f(a) ≤ f(a+).
Vamos supor, por absurdo, que f(a) < f(a+).
Seja I um intervalo que contem f(X), ou seja, f(X) ⊂ I.
Como a ∈ X ′+, existe x > a tal que x ∈ X. Sendo f(x) ≥ f(a+), temos que
( f(a), f(a+) ) ⊂ I, pois ( f(a), f(a+) ) ⊂ ( f(a), f(x) ) e f(a), f(x) ∈ f(X).
Mas ( f(a), f(a+) ) ∩ f(X) = ∅, pois se x < a, f(x) ≤ f(a) e se x > a,
f(x) ≥ f(a+).
Entao, se f(X) e denso em I, ou seja, f(X) ⊂ I e I ⊂ f(X), chegamos
a uma contradicao, pois1
2( f(a) + f(a+) ) ∈ I e ( f(a), f(a+) ) e um inter-
valo aberto que contem1
2( f(a) + f(a+) ) tal que ( f(a), f(a+) )∩ f(X) = ∅.
Logo, f(a+) = f(a).
De modo analogo, podemos provar que f(a−) = f(a) se a ∈ X ′−.
Logo, f e contınua em todos os pontos de X.�
Corolario 2.1 Se f : X −→ R e monotona e f(X) e um intervalo, entao f
e contınua.
J. Delgado - K. Frensel202
Descontinuidades
Exemplo 2.13 Seja f : R −→ R a funcao dada por
f(x) =
x, se x ∈ Q
−x, se x ∈ R − Q .
Entao f e contınua apenas no ponto 0, pois:
• se a ∈ Q − {0}, existe uma sequencia (xn), xn ∈ R − Q, tal que xn −→ a
e f(xn) = −xn −→ −a 6= a = f(a) ,
e
• se a ∈ R − Q, existe uma sequencia (xn), xn ∈ Q, tal que xn → a e
f(xn) = xn → a 6= −a = f(a).
Alem disso, f e uma bijecao, ou seja, f e injetiva e f(R) = R. Em particular,
f(R) e um intervalo. Isto so e possıvel porque f nao e monotona.�
• Seja f : X −→ R uma funcao cujas descontinuidades sao todas de
primeira especie. Seja σ : X −→ R a funcao definida por
σ(x) =
max { |f(x) − f(x+)| , |f(x) − f(x−)| } , se x ∈ X ′+ ∩ X ′−|f(x) − f(x+)|, se x ∈ X ′+ e x 6∈ X ′−|f(x) − f(x−)|, se x ∈ X ′− e x 6∈ X ′+0, se x e um ponto isolado de X ,
onde f(a+) = limx→a+
f(x) e f(a−) = limx→a−
f(x).
O valor σ(x) e chamado o salto de f no ponto x.
Observacao 2.1 Se a ≤ f(x) ≤ b para todo x ∈ X, entao 0 ≤ σ(x) ≤b− a. De fato:
• Se x0 ∈ X ′+, existe uma sequencia (xn), xn > x0, xn ∈ X, tal que
f(xn) −→ f(x+0 ).
Logo, |f(x0) − f(x+0 )| ≤ b− a, pois |f(x0) − f(xn)| ≤ b− a para todo n ∈ N.
• Se x0 ∈ X ′−, existe uma sequencia (xn), xn < x0, xn ∈ X, tal que f(xn) →f(x−
0 ).
Logo, |f(x0) − f(x−0 )| ≤ b− a, pois |f(x0) − f(xn)| ≤ b− a para todo n ∈ N.
Observacao 2.2 σ(x) > 0 se, e so se, x e uma descontinuidade de f.
Instituto de Matematica - UFF 203
Analise na Reta
Teorema 2.3 Seja f : X −→ R uma funcao cujas descontinuidades sao
todas de primeira especie. Entao o conjunto dos pontos de descontinui-
dade de f e enumeravel.
Prova.
Para cada n ∈ N, seja Dn ={x ∈ X
∣∣∣σ(x) ≥ 1
n
}.
Entao o conjunto dos pontos de descontinuidade de f e
D =⋃n∈N
Dn .
Se provamos que, para todo n ∈ N, o conjunto Dn so possui pontos isola-
dos, entao Dn e enumeravel e, portanto, D sera enumeravel.
Afirmacao: Para todo n ∈ N, Dn so possui pontos isolados.
Seja a ∈ Dn, ou seja, σ(a) ≥ 1
n. Entao a ∈ X ′, pois f e descontınua em a.
Suponhamos que a ∈ X ′+.
Pela definicao de limite lateral a direita, existe δ > 0 tal que
f(a+) −1
4n< f(x) < f(a+) +
1
4n,
para todo x ∈ (a, a+ δ) ∩ X.
Entao, σ(x) <1
2n<1
npara todo x ∈ (a, a+δ)∩X. Logo, (a, a+δ)∩Dn = ∅.
Se a 6∈ X ′+, existe δ > 0 tal que (a, a+δ)∩X = ∅. Logo, (a, a+δ)∩Dn = ∅.
Assim, para todo a ∈ X ′, existe δ > 0 tal que (a, a+ δ) ∩Dn = ∅.
De modo analogo, podemos provar que para todo a ∈ X ′ existe δ > 0 tal
que (a− δ, a) ∩Dn = ∅.
Entao, se a ∈ Dn, existe δ > 0 tal que (a− δ, a+ δ) ∩Dn = {a}, ou seja a
e um ponto isolado de Dn.�
Corolario 2.2 Seja f : X −→ R uma funcao monotona. Entao o conjunto
dos pontos de descontinuidade de f e enumeravel.
Prova.
Pelo teorema 2.1, todas as descontinuidades de f sao de primeira especie.�
J. Delgado - K. Frensel204
Funcoes contınuas em intervalos
3. Func oes contınuas em intervalos
Teorema 3.1 (Teorema do valor intermediario)
Seja f : [a, b] −→ R contınua. Se f(a) < d < f(b) entao existe c ∈ (a, b)
tal que f(c) = d.
Prova.
Primeira demonstracao.
Como f e contınua no ponto a, dado ε = d − f(a) > 0, existe δ > 0,
δ < b− a, tal que f(x) < f(a) + ε = d para todo x ∈ [a, a+ δ).
Entao A = { x ∈ (a, b) | f(x) < d } 6= ∅, pois (a, a+δ) ⊂ A, e e aberto, pela
observacao 1.7.
Como f tambem e contınua no ponto b, dado ε = f(b)−d > 0 existe δ > 0,
δ < b − a, tal que d = f(b) − ε < f(x) para todo x ∈ (b − δ, b]. Entao o
conjunto B = {x ∈ (a, b) | f(x) > d} e nao-vazio, pois (b − δ, b) ⊂ B, e e
aberto, pela observacao 1.7.
Se nao existir c ∈ (a, b) tal que f(c) = d, terıamos (a, b) = A ∪ B, o que e
absurdo pela unicidade da decomposicao de um aberto como reuniao de
intervalos abertos dois a dois disjuntos, ja que A 6= ∅, B 6= ∅ e (a, b) e
um intervalo aberto (ver corolario 1.1 da parte 4).
Segunda demonstracao.
Seja A = {x ∈ [a, b] | f(x) < d}. Entao, A e limitado e nao-vazio, ja que
f(a) < d. Seja c = supA.
Afirmacao: c 6∈ A.
Suponhamos, por absurdo, que c ∈ A, ou seja, que f(c) < d.
Como c ≤ b e f(b) > d, temos que a ≤ c < b. Sendo f contınua em c,
dado ε = d − f(c) > 0, existe δ > 0, δ < b − c, tal que f(x) < f(c) + ε = d
para todo x ∈ [c, c + δ) ⊂ [a, b), o que e absurdo, pois c e o supremo de
A e (c, c+ δ) ⊂ A.
Alem disso, como c e o limite de uma sequencia de pontos xn ∈ A, temos
f(c) = limn→∞ f(xn) ≤ d.
Logo, f(c) = d, pois c 6∈ A, ou seja, f(c) ≥ d.�
Instituto de Matematica - UFF 205
Analise na Reta
Observacao 3.1 O teorema continua valido quando f(b) < d < f(a).
Corolario 3.1 Seja f : I −→ R uma funcao contınua num intervalo I
qualquer. Se a < b pertencem a I e f(a) < d < f(b) (ou f(b) < d < f(a)),
entao existe c ∈ (a, b) tal que f(c) = d.
Prova.
Basta restringir f ao intervalo [a, b] e aplicar o teorema anterior.�
Corolario 3.2 Seja f : I −→ R uma funcao contınua num intervalo I.
Entao f(I) e um intervalo.
Prova.
Sejam α = inf{f(x) | x ∈ I} e β = sup{f(x) | x ∈ I}.
Podemos ter α = −∞ se f e ilimitada inferiormente, e β = +∞ se f e
ilimitada superiormente.
Afirmacao: f(I) e um intervalo, cujos extremos sao α e β.
Seja α < y < β. Entao, pelas definicoes de sup e inf, ou pela definicao
de conjunto ilimitado, quando um dos extremos α ou β e infinito ou ambos
sao infinitos, existem a, b ∈ I tais que f(a) < y < f(b). Pelo Teorema do
Valor Intermediario, existe x entre a e b tal que f(x) = y, ou seja, y ∈ f(I).
�
Observacao 3.2 No corolario acima, podemos ter f(I) = [α,β], f(I) =
(α,β], f(I) = [α,β) ou f(I) = (α,β).
Exemplo 3.1 Seja f : (−1, 3) −→ R dada por f(x) = x3. Entao, f((−1, 3)) =
[0, 9).�
Observacao 3.3 Se I e um intervalo e f : I −→ R e uma funcao
contınua tal que f(I) ⊂ Z, entao f e constante, pois todo intervalo con-
tido em Z e degenerado. Mais geralmente:
• Se f : X −→ R e contınua, f(X) ⊂ Y e int Y 6= ∅, entao f e constante em
cada intervalo contido em X.
Observacao 3.4 Seja p : R −→ R, p(x) = anxn + . . .+a1x+a0, an 6= 0
J. Delgado - K. Frensel206
Funcoes contınuas em intervalos
um polinomio de grau n ımpar. Entao, p possui uma raız real, ou seja,
existe c ∈ R tal que p(c) = 0.
Suponhamos que an > 0. Se a0 = 0, temos p(0) = 0. Caso contrario,
para todo x 6= 0, p(x) = an xn r(x), onde
r(x) = 1+an−1
an
1
x+ . . .+
a1
an
1
xn−1+a0
an
1
xn.
Como limx→±∞ r(x) = 1, lim
x→∞anxn = +∞ e lim
x→−∞anxn = −∞, temos que
limx→+∞p(x) = +∞ e lim
x→−∞p(x) = −∞. Logo, p(R) = R, pois p(R) e um
intervalo ilimitado superior e inferiormente.
Ou seja, p e sobrejetiva. Entao para todo d ∈ R existe c ∈ R tal que
p(c) = d. Em particular, existe c ∈ R tal que p(c) = 0.
Exemplo 3.2 Para cada n ∈ N, seja f : [0,+∞) −→ [0,+∞) a funcao
definida por f(x) = xn.
Como f e contınua, f(0) = 0 e limx→+∞ xn = +∞, temos que
f([0,+∞)) = [0,+∞),
ou seja, f e sobrejetiva. Alem disso, f e crescente e, portanto, injetiva.
Entao f : [0,+∞) −→ [0,+∞) e uma bijecao contınua.
Assim, dado y ≥ 0 existe um unico x ≥ 0, que denotamos por x = n√y, tal
que xn = y.
A inversa g da funcao f, g : [0,+∞) −→ [0,+∞), g(y) = n√y, e tambem
contınua e crescente, pelo teorema que provaremos abaixo.�
Teorema 3.2 Seja f : I −→ R uma funcao contınua, injetiva, definida
num intervalo I. Entao f e monotona, sua imagem J = f(I) e um intervalo
e sua inversa f−1 : J −→ I e contınua.
Prova.
Para verificar que f e monotona, basta provar que f e monotona em todo
intervalo limitado e fechado [a, b] ⊂ I.
Como f e injetiva, temos f(a) 6= f(b).
Vamos supor que f(a) < f(b).
Afirmacao: A funcao f e crescente.
Instituto de Matematica - UFF 207
Analise na Reta
Suponhamos, por absurdo, que existem x, y ∈ [a, b] tais que x < y e
f(x) > f(y). Ha, entao, duas possibilidades: f(a) < f(y) ou f(a) > f(y).
1o caso: f(a) < f(y) < f(x).
Pelo Teorema do Valor Intermediario, existe c ∈ (a, x) tal que f(c) = f(y),
o que e absurdo, pois c < y e f e injetiva.
2o caso: f(y) < f(a) < f(b).
Pelo Teorema do Valor Intermediario, existe c ∈ (y, b) tal que f(c) = f(a),
o que e absurdo, pois c > a e f e injetiva.
Logo, f e monotona e J = f(I) e um intervalo, pois f e contınua. Entao,
f : I −→ J e uma bijecao contınua e monotona.
Alem disso, f−1 : J −→ I e tambem monotona, pois se y < z, y, z ∈ J, entao
f−1(y) < f−1(z) se f e crescente e f−1(y) > f−1(z) se f e decrescente, ja
que y = f(f−1(y)) < z = f(f−1(z)).
Entao, pelo corolario 2.1, f−1 : J −→ I e contınua, pois f−1 e monotona e
f−1(J) = I e um intervalo.�
Observacao 3.5 Se f : I −→ R e contınua, injetiva e, portanto, monotona,
entao o intervalo J = f(I) e do mesmo tipo (aberto, fechado, semi-aberto)
do intervalo I.
Mas, um dos intervalos I e J pode ser ilimitado e o outro limitado.
Por exemplo, para a funcao f : (0, 1] −→ R dada por f(x) =1
x, temos
f((0, 1]) = [1,+∞).
Definicao 3.1 Sejam X, Y ⊂ R. Uma bijecao contınua f : X −→ Y, cuja
inversa f−1 : Y −→ X tambem e contınua, chama-se um homeomorfısmo
entre X e Y
• Pelo teorema anterior, se f : I −→ R e uma bijecao contınua definida
num intervalo I, entao f(I) = J e um intervalo e f−1 : J −→ I e tambem
contınua, ou seja f : I −→ J e um homeomorfismo.
Mas, nem toda bijecao contınua f : X −→ Y tem inversa contınua.
Por exemplo, seja f : X = [0, 1)∪[2, 3] −→ Y = [1, 3] definida por f(x) = x+1
se x ∈ [0, 1) e f(x) = x se x ∈ [2, 3).
J. Delgado - K. Frensel208
Funcoes contınuas em conjuntos compactos
Entao, f e uma bijecao contınua e crescente, mas a funcao inversa
f−1 : [1, 3] −→ [0, 1) ∪ [2, 3] e descontınua no ponto 2. De fato, como
f−1(y) = y se y ∈ [2, 3) e f−1(y) = y − 1 se y ∈ [1, 2), entao f−1(2) = 2 e
limy−→2−
f−1(y) = 1 6= f−1(2).
4. Func oes contınuas em conjuntos compac-
tos
Teorema 4.1 Seja f : X −→ R uma funcao contınua. Se X e compacto
entao f(X) e compacto.
Prova.
Primeira demonstracao.
Seja (Aλ)λ ∈ L uma cobertura aberta de f(X), ou seja, f(X) ⊂⋃λ∈L
Aλ e
cada Aλ, λ ∈ L, e aberto.
Entao, para todo x ∈ X, existe λx ∈ L tal que f(x) ∈ Aλx .
Como f e contınua, para cada x ∈ I, existe um intervalo aberto Ix centrado
em x tal que f(Ix ∩ X) ⊂ Aλx .
Logo, como X ⊂⋃x∈X
Ix e X e compacto, existem x1, . . . , xn ∈ X tais que
X ⊂ Ix1∪ . . . ∪ Ixn .
Assim, f(X) ⊂ Aλx1∪ . . . ∪Aλxn
, o que prova a compacidade de f(X).
Segunda demonstracao.
Seja (yn) uma sequencia de pontos de f(X).
Para cada n ∈ N, existe xn ∈ X tal que f(xn) = yn. Como X e compacto,
(xn) possui uma subsequencia (xnk)k∈N que converge para um ponto x ∈
X.
Entao, pela continuidade de f, temos que ynk= f(xnk
) −→ f(x), ou
seja, (yn) possui uma subsequencia que converge para um ponto de f(X).
Logo, f(X) e compacto.�
Instituto de Matematica - UFF 209
Analise na Reta
Corolario 4.1 (Weierstrass)
Toda funcao contınua f : X −→ R definda num compacto X e limitada e
atinge seus valores extremos, ou seja, existem x1, x2 ∈ X tais que
f(x1) ≤ f(x) ≤ f(x2) ,
para todo x ∈ X.
Prova.
Pelo teorema acima, f(X) e compacto e, portanto, limitado e fechado.
Entao, inf f(X) e sup f(X) existem e pertencem a f(X), ou seja, existem
x1, x2 ∈ X tais que f(x1) = inf f(X) e f(x2) = sup f(X).�
Exemplo 4.1 A funcao f : (−1, 1) −→ R definida por f(x) =1
1− x2e
contınua, mas nao e limitada, pois f((−1, 1)) = [1,+∞). Isto e possıvel,
porque o domınio (−1, 1) nao e compacto, pois, apesar de ser limitado,
nao e fechado.�
Exemplo 4.2 A funcao f : (−1, 1) −→ R definida por f(x) = x e contınua
e limitada, mas nao possui um ponto de maximo nem de mınimo em seu
domınio. Observe que, nesse exemplo, o domınio (−1, 1) nao e compacto,
ja que nao e fechado.�
Exemplo 4.3 A funcao f : [0,+∞) −→ R definida por f(x) =1
1+ x2
e contınua e limitada, pois f([0,+∞)) = (0, 1]. A funcao f assume seu
maximo 1 no ponto zero, mas nao existe x ∈ [0,+∞) tal que
f(x) = 0 = inf{f(x) | x ∈ [0,+∞)}.
Isto e possıvel porque o domınio de f nao e compacto, pois, apesar de ser
fechado, nao e limitado.�
Observacao 4.1 Dados a ∈ R e um subconjunto fechado nao-vazio
F ⊂ R, existe x0 ∈ F tal que |a− x0| ≤ |a− x| para todo x ∈ F.
Seja n ∈ N tal que K = [a−n, a+n]∩F 6= ∅. Como K e limitado e fechado,
K e compacto.
Seja f : K −→ R a funcao definida por f(x) = |a− x|. Sendo f contınua e K
compacto, existe x0 ∈ K tal que f(x0) = |a − x0| ≤ f(x) = |a − x| para todo
x ∈ K.
J. Delgado - K. Frensel210
Continuidade Uniforme
Se x 6= K e x ∈ F, temos que |a− x| > n > |a− x0|. Logo, |a− x0| ≤ |a− x|
para todo x ∈ F.
Observacao 4.2 Se F nao e fechado e a ∈ F− F, entao
inf{|a− x| | x ∈ F} = 0.
De fato, como a ∈ F, existe uma sequencia (xn) de pontos de F tal que
xn −→ a.
Logo, |a− xn| −→ 0 e, portanto inf{|a− x| | x ∈ F} = 0.
Mas, como a 6∈ F, nao existe x0 ∈ F tal que |a − x0| ≤ |a − x| para todo
x ∈ F, pois, neste caso, |a− x0| = inf{|a− x| | x ∈ X} = 0, ou seja, a = x0, o
que e absurdo, pois a 6∈ F e x0 ∈ F.
Teorema 4.2 Seja X ⊂ R compacto. Se f : X −→ R e contınua e
injetiva, entao Y = f(X) e compacto e f−1 : Y −→ R e contınua.
Prova.
Seja b = f(a) ∈ f(X) = Y e seja yn −→ b, onde yn = f(xn) ∈ f(X).
Afirmacao: xn = f−1(yn) −→ f−1(b) = a.
Como X e compacto e xn ∈ X para todo n ∈ N, a sequencia (xn) e
limitada. Entao, basta mostrar que a e o unico valor de aderencia da
sequencia (xn).
Seja (xnk)k∈N uma subsequencia de (xn) que converge para a ′ ∈ R. Como
X e compacto, a ′ ∈ X. Logo, ynk= f(xnk
) −→ b e ynk= f(xnk
) −→ f(a ′),
pois f e contınua em a ′. Entao, b = f(a ′) = f(a) e, portanto, a ′ = a, pois
f e injetiva. �
5. Continuidade Uniforme
Definicao 5.1 Dizemos que uma funcao f : X −→ R e uniformemente
contınua quando, para cada ε > 0 dado, existe δ > 0 tal que x, y ∈ X,
|x− y| < δ =⇒ |f(x) − f(y)| < ε.
Observacao 5.1 Toda funcao uniformemente contınua e contınua.
De fato, dado ε > 0 existe δ > 0 tal que
Instituto de Matematica - UFF 211
Analise na Reta
x, y ∈ X, |x− y| < δ =⇒ |f(x) − f(y)| < ε.
Se a ∈ X, temos que |f(x)−f(a)| < ε para todo x ∈ X, |x−a| < δ. Observe
que o numero real positivo δ nao depende do ponto a ∈ X, apenas de ε.
Observacao 5.2 Uma funcao f : X −→ R nao e uniformemente contınua
se, e so se, existe ε0 > 0 tal que para todo δ > 0 existem xδ, yδ ∈ X tais
que |xδ − yδ| < δ e |f(xδ) − f(yδ)| ≥ ε0.
Observacao 5.3 Nem toda funcao contınua e uniformemente contınua.
Por exemplo, seja f : (0,+∞) −→ R dada por f(x) =1
x. Entao, f e
contınua, mas nao e uniformemente contınua em (0,+∞).
De fato, sejam ε > 0 e δ > 0 dados.
Sejam aδ ∈ R tal que 0 < aδ < δ e 0 < aδ <1
3εe bδ = a +
δ
2. Entao,
|bδ − aδ| =δ
2< δ e
|f(bδ) − f(aδ)| =
∣∣∣∣ 1
aδ + δ2
−1
aδ
∣∣∣∣ = ∣∣∣∣ 2
2aδ + δ−1
aδ
∣∣∣∣=
δ
aδ(2aδ + δ)>
δ
3δaδ=
1
3aδ> ε .
Exemplo 5.1 Seja f : R −→ R definida por f(x) = ax+ b, a 6= 0.
Dado ε > 0, existe δ =ε
|a|> 0 tal que
x, y ∈ R, |x− y| < δ =⇒ |f(x) − f(y)| = |c| |x− y| < |c|ε
|c|= ε.
Logo, f e uniformemente contınua em R.�
Definicao 5.2 Dizemos que uma funcao f : X −→ R e lipschitziana
quando existe uma constante c > 0 tal que |f(x)−f(y)| ≤ c |x−y| quaisquer
que sejam x, y ∈ X. A menor de tais constantes c > 0 e chamada a
constante de Lipschitz de f.
Exemplo 5.2 A funcao f : R −→ R, f(x) = ax + b, a 6= 0 e lipschitziana
em toda a reta com constante de Lipschitz c = |a|.�
J. Delgado - K. Frensel212
Continuidade Uniforme
Observacao 5.4 Toda funcao f : X −→ R lipschitziana e uniforme-
mente contınua, pois dado ε > 0, existe δ =ε
c> 0 tal que
x, y ∈ X, |x− y| < δ =⇒ |f(x) − f(y)| ≤ c|x− y| < c · εc
= ε.
Exemplo 5.3 Se X ⊂ R e limitado, a funcao f : X −→ R, f(x) = x2, e
lipschitziana. De fato, seja A > 0 tal que |x| ≤ A para todo x ∈ X. Entao,
|f(x) − f(y)| = |x2 − y2| = |x− y| |x+ y| ≤ 2A|x− y| ,
quaisquer que sejam x, y ∈ A.
Mas, se X = R, a funcao f(x) = x2 nao e sequer uniformemente contınua.
De fato, dados ε = 1 e δ > 0, sejam xδ >1
δe yδ = xδ +
δ
2. Entao,
|xδ − yδ| =δ
2< δ e |f(xδ) − f(yδ)| =
(xδ +
δ
2
)2
− x2δ = xδ δ+
δ2
4> xδ δ > 1 .
�
Exercıcio.
Mostrar que a funcao f : R −→ Rdada por f(x) = xn nao e uni-
formemente contınua para todon > 1.
Teorema 5.1 Seja f : X −→ R uniformemente contınua. Se (xn) e uma
sequencia de Cauchy em X, entao ( f(xn)) e uma sequencia de Cauchy.
Prova.
Dado ε > 0 existe δ > 0 tal que
x, y ∈ X, |x− y| < δ =⇒ |f(x) − f(y)| < ε .
Como (xn) e de Cauchy, existe n0 ∈ N tal que |xm−xn| < δ param,n > n0.
Logo, |f(xn)−f(xm)| < ε param,n > n0, ou seja, (f(xn)) e uma sequencia
de Cauchy.�
Corolario 5.1 Se f : X −→ R e uniformemente contınua, entao existe
limx→a
f(x) para todo a ∈ X ′.
Prova.
Seja (xn) uma sequencia de pontos de X − {a} tal que xn −→ a. Entao,
pelo teorema anterior, (f(xn)) e de Cauchy e, portanto, convergente. Logo,
pelo corolario 1.4 da parte 5, existe limx→a
f(x).�
Observacao 5.5 Para provar o corolario acima podemos usar tambem
o Criterio de Cauchy para funcoes(teorema 1.9, parte 5).
Instituto de Matematica - UFF 213
Analise na Reta
De fato, dado ε > 0, existe δ > 0 tal que
x, y ∈ X, |x− y| <δ
2=⇒ |f(x) − f(y)| < ε .
Entao, se x, y ∈ X,
|x− a| <δ
2e |y− a| <
δ
2=⇒ |x− y| ≤ |x− a| + |a− y| < δ
=⇒ |f(x) − f(y)| < ε .
Logo, existe limx→a
f(x) para todo a ∈ X ′.
Exemplo 5.4 As funcoes f, g : (0, 1] −→ R, f(x) = sen(1
x
)e g(x) =
1
x,
nao sao uniformemente contınuas, pois nao existem limx→0
g(x) e limx→0
f(x),
no ponto 0 ∈ (0, 1] ′.�
Observacao 5.6 Uma funcao f : X −→ R nao e uniformemente contınua
se, e so se, existem ε0 > 0 e duas sequencias (xn), (yn) de pontos de X
tais que |xn − yn| −→ 0 e |f(xn) − f(yn)| ≥ ε0 para todo n ∈ N.
Exemplo 5.5 A funcao f : R −→ R, f(x) = x3, nao e uniformemente
contınua em R. De fato, existem ε = 3 e duas sequencias xn = n +1
ne
yn = n tais que |xn − yn| =1
n−→ 0 e
|f(xn) − f(yn)| =
∣∣∣∣ (n+1
n
)3
− n3
∣∣∣∣ = ∣∣∣∣n3 + 3n2
n+ 3
n
n2+1
n3− n3
∣∣∣∣= 3n+
3
n+1
n3≥ 3 , para todo n ∈ N .
�
Teorema 5.2 Seja X compacto. Entao toda funcao contınua f : X −→ Re uniformemente contınua.
Prova.
Primeira demonstracao.
Dado ε > 0. Para cada x ∈ X existe δx > 0 tal que
y ∈ X, |y− x| < 2δx =⇒ |f(y) − f(x)| <ε
2
J. Delgado - K. Frensel214
Continuidade Uniforme
Seja Ix = (x− δx, x+ δx). Entao a cobertura aberta X ⊂⋃x∈X
Ix admite uma
subcobertura finita X ⊂ Ix1∪ . . . ∪ Ixn .
Seja δ = min{δx1, . . . , δxn} > 0. Se x, y ∈ X e |x−y| < δ, tome j ∈ {1, . . . , n}
tal que x ∈ Ixj.
Entao, |x− xj| < δxje |y− xj| ≤ |y− x| + |x− xj| < δ+ δxj
≤ 2δxj.
Logo, |f(x) − f(xj)| <ε
2e |f(y) − f(xj)| <
ε
2, donde |f(x) − f(y)| < ε.
Segunda demonstracao.
Suponhamos que f nao e uniformemente contınua.
Entao existe ε0 > 0 tal que, para todo n ∈ N existem xn, yn ∈ X com
|xn − yn| <1
ne |f(xn) − f(yn)| ≥ ε0.
Como X e compacto, a sequencia (xn) possui uma subsequencia (xnk)k∈N
que converge para um ponto x ∈ X.
Entao ynk−→ x, pois (xnk
− ynk) −→ 0.
Sendo f contınua, temos que limk→+∞ f(xnk
) = limk→+∞ f(ynk
) = f(x), o que
contradiz a desigualdade |f(xnk) − f(ynk
)| ≥ ε0, para todo k ∈ N.
Logo, f e uniformemente contınua.�
Exemplo 5.6 A funcao f : [0, 1] −→ R, f(x) =√x, e contınua e, portanto
uniformemente contınua, pois [0, 1] e compacto.
Mas, f nao e lipschitziana, pois o quociente|√x−
√y|
|x− y|=
1√x+
√y
nao e
limitado, ja que limx→0+
1√x+
√y
= +∞.
Por outro lado, a funcao g : [0,+∞) −→ R, g(x) =√x, da qual f e uma
restricao, e uniformemente contınua, embora seu domınio [0,+∞) nao
seja compacto.
De fato, g|[1,+∞) e lipschitziana, pois
|g(x) − g(y)| =|x− y|√x+
√y≤ 1
2|x− y|, para x, y ∈ [1,+∞) .
Como g|[0,1] e g|[1,+∞) sao uniformemente contınuas, temos que g|[0,+∞) e
Instituto de Matematica - UFF 215
Analise na Reta
uniformemente contınua, pois dado ε > 0 existem δ1, δ2 > 0 tais que:
• x, y ∈ [0, 1], |x− y| < δ1 =⇒ |g(x) − g(y)| <ε
2;
• x, y ∈ [1,+∞), |x− y| < δ2 =⇒ |g(x) − g(y)| <ε
2.
Seja δ = min{δ1, δ2} > 0 e sejam x, y ∈ [0,+∞), |x− y| < δ.
Assim, se
• x, y ∈ [0, 1] =⇒ |g(x) − g(y)| <ε
2< ε ;
• x, y ∈ [1,+∞) =⇒ |g(x) − g(y)| <ε
2< ε ;
• x ∈ [0, 1] e y ∈ [1,+∞) =⇒ |x− 1| < δ e |y− 1| < δ
=⇒ |g(x)−g(1)| <ε
2e |g(y)−g(1)| <
ε
2=⇒ |g(x)−g(y)| <
ε
2+ε
2≤ ε .�
Definicao 5.3 Dizemos que uma funcao ϕ : Y −→ R e uma extensao
da funcao f : X −→ R, quando f e uma restricao de g, ou seja, X ⊂ Y e
ϕ(x) = f(x) para todo x ∈ X.
Quando ϕ e contınua, dizemos que f se estende continuamente a funcao
ϕ.
Teorema 5.3 Toda funcao uniformemente contınua f : X −→ R admite
uma extensao contınua ϕ : X −→ R. A funcao ϕ e a unica extensao
contınua de f a X e e uniformemente contınua.
Prova.
Vamos definir ϕ no conjunto X = X ∪ X ′.
Como f e uniformemente contınua, pelo Corolario 5.1, existe limx→x ′
f(x) para
todo x ′ ∈ X ′.
Definimos, entao, ϕ da seguinte maneira:
ϕ(x ′) = limx→x ′
f(x) se x ∈ X ′ e ϕ(x) = f(x) se x ∈ X.
Se x ′ ∈ X ′ ∩ X, entao ϕ(x ′) = limx→x ′
f(x) = f(x ′), pois f e contınua em x ′.
Logo, ϕ esta bem definida em X.
Observe que se x ∈ X, xn −→ x, xn ∈ X, entao ϕ(x) = limn→+∞ f(xn).
J. Delgado - K. Frensel216
Continuidade Uniforme
Afirmacao: ϕ : X −→ R e uniformemente contınua.
Instituto de Matematica - UFF 217
Analise na Reta
De fato, como f e uniformemente contınua em X, dado ε > 0 existe δ > 0
tal que x, y ∈ X, |x− y| < δ =⇒ |f(x) − f(y)| <ε
2.
Sejam x, y ∈ X tais que |x− y| < δ.
Entao existem sequencias (xn) e (yn) em X tais que xn −→ x e yn −→ y.
Como |xn − yn| −→ |x− y| e |x− y| < δ, existe n0 ∈ N tal que |xn − yn| < δ
para todo n ≥ n0. Entao, |f(xn) − f(yn)| <ε
2para todo n ≥ n0 e, portanto,
|ϕ(x) −ϕ(y)| = limn→+∞ |f(xn) − f(yn)| ≤ ε
2< ε .
Unicidade: Seja ψ : X −→ R outra extensao contınua de f e seja x ∈ X.
Entao existe uma sequencia (xn) em X com limn→+∞ xn = x.
Logo,
ψ(x) = limn→+∞ψ(xn) = lim
n→+∞ f(xn) = limn→+∞ϕ(xn) = ϕ(x) .
�
Corolario 5.2 Seja f : X −→ R uniformemente contınua. Se X e limi-
tado, entao f(X) e limitado, ou seja, f e limitada.
Prova.
Seja ϕ : X −→ R a extensao contınua de f.
Como X e limitado, X e compacto. Logo, ϕ(X) e compacto e, portanto,
f(X) e limitado, pois f(X) ⊂ ϕ(X).�
J. Delgado - K. Frensel218
A derivada de uma funcao
Parte 7
Derivadas
1. A derivada de uma func ao
Definicao 1.1 Sejam X ⊂ R, a ∈ X ∩ X ′ e f : X −→ R. Dizemos que f e
derivavel no ponto a quando existe o limite
f ′(a) = limx→a
f(x) − f(a)
x− a
Neste caso, f ′(a) chama-se a derivada de f no ponto a
Observacao 1.1 Seja q : X− {a} −→ R definida por q(x) =f(x) − f(a)
x− a.
Geometricamente, q(x) e a inclinacao, ou coeficiente angular, da reta se-
cante ao grafico de f que passa pelos pontos (a, f(a)) e (x, f(x)).
Definicao 1.2 A reta r : y = f ′(a)(x − a) + f(a) que passa pelo ponto
(a, f(a)) e tem inclinacao f ′(a) e chamada de reta tangente ao grafico de
f no ponto a.
Observacao 1.2 A inclinacao da reta tangente e, portanto, o limite,
quando x −→ a, das inclinacoes das retas secantes que passam pelos
pontos (a, f(a)) e (x, f(x))
Observacao 1.3 Seja h = x− a, ou x = a+ h, h 6= 0. Entao
f ′(a) = limh→0
f(a+ h) − f(a)
h
Instituto de Matematica - UFF 217
Analise na Reta
onde a funcao h 7−→ f(a+ h) − f(a)
hesta definida no conjunto
Y = {h ∈ R − {0} |a+ h ∈ X} ,
que tem o zero como ponto de acumulacao.
Definicao 1.3 Sejam X ⊂ R, a ∈ X ∩ X ′+ e f : X −→ R. Dizemos que f e
derivavel a direita no ponto a quando existe o limite
f ′(a+) = limx→a+
f(x) − f(a)
x− a= lim
h→0+
f(a+ h) − f(a)
h.
No caso afirmativo, f ′(a+) e a derivada a direita de f no ponto a.
Seja a ∈ X∩X ′−. Dizemos que f e derivavel a esquerda no ponto a quando
existe o limite
f ′(a−) = limx→a−
f(x) − f(a)
x− a= lim
h→0−
f(a+ h) − f(a)
h.
Neste caso, f ′(a−) e a derivada a esquerda de f no ponto a.
Observacao 1.4 Se a ∈ X ∩ X ′+ ∩ X ′−, f ′(a) existe se, e so se, existem
e sao iguais as derivadas laterais f ′(a+) e f ′(a−).
Observacao 1.5 Dizer que uma funcao f : [c, d] −→ R e derivavel no
ponto a significa que:
• f possui as duas derivadas laterais no ponto a e elas sao iguais quando
a ∈ (c, d).
• f possui derivada lateral a direita no ponto a quando a = c.
• f possui derivada lateral a esquerda no ponto a quando a = d.
Observacao 1.6 Pelas propriedades gerais do limite, temos que f e
derivavel no ponto a ∈ X ∩ X ′ se, e so se,
limn→+∞ f(xn) − f(a)
xn − a= f ′(a)
para qualquer sequencia (xn) de pontos de X− {a} com limn→∞ xn = a.
Mais geralmente, f e derivavel no ponto a ∈ X∩X ′ se, e so se, dada
uma funcao g : Y −→ R, com b ∈ Y ′, tal que limy→b
g(y) = a e g(y) 6= a para
y 6= b, temos que
f ′(a) = limy→b
f(g(y)) − f(a)
g(y) − a.
J. Delgado - K. Frensel218
A derivada de uma funcao
Exemplo 1.1 Seja f : R −→ R constante, ou seja, existe c ∈ R tal que
f(x) = c para todo x ∈ R. Entao f ′(a) = 0 para todo a ∈ R.�
Exemplo 1.2 Seja f : R −→ R dada por f(x) = cx + d e seja a ∈ R.
Entao f ′(a) = c, poisf(x) − f(a)
x− a=c(x− a)
x− a= c para todo x 6= a.�
Exemplo 1.3 Seja f : R −→ R, f(x) = x2 e seja a ∈ R. Entao,
f(a+ h) − f(a)
h=a2 + 2ah+ h2 − a2
h= 2a+ h −→ 2a
quando h −→ 0. Assim, f ′(a) = 2a para todo a ∈ R.�
Exemplo 1.4 Seja f : R −→ R, f(x) = xn, n ∈ N e seja a ∈ R.
Entao, pela formula do binomio de Newton, temos que
f(a+ h) − f(a) = (a+ h)n − an =
n∑j=0
(n
j
)ajhn−j − an
=
(n−2∑j=0
(n
j
)ajhn−j−1
)h+
(n
n−1
)an−1h .
Logo,
limh→0
f(a+ h) − f(a)
h= lim
h→0
(n−2∑j=0
(n
j
)ajhn−j−1
)+ nan−1
= nan−1 , pois n− j− 1 ≥ 1 para 0 ≤ j ≤ n− 2 .
Entao, f ′(a) = nan−1 para todo a ∈ R.
Se p(x) = anxn + . . .+a1x+a0 e um polinomio, entao, usando as proprie-
dades conhecidas do limite, temos
p ′(x) = nanxn−1 + . . .+ 2a2x+ a1 ,
para todo x ∈ R.�
Exemplo 1.5 Seja f : R −→ R a funcao definida por f(x) = |x|.
Entao,f(x) − f(0)
x− 0=
|x|
x. Logo,
f ′(0+) = limx→0+
|x|
x= lim
x→0+1 = 1 e f ′(0−) = lim
x→0−
|x|
x= lim
x→0−(−1) = −1 .
Como f ′(0+) 6= f ′(0−), f nao e derivavel no ponto 0, mas e derivavel nos
demais pontos da reta, com f ′(a) = 1 se a > 0 e f ′(a) = −1 se a < 0.�
Instituto de Matematica - UFF 219
Analise na Reta
Exemplo 1.6 Seja f : [0,+∞) −→ R definida por f(x) =√x. Entao,
para a ∈ [0,+∞), h 6= 0 e a+ h ≥ 0, temos√a+ h−
√a
h=
h
h(√a+ h+
√a) =
1√a+ h+
√a
.
Logo, f e derivavel em todo ponto a > 0 e f ′(a) =1
2√a
, mas f nao e
derivavel no ponto zero, pois o quociente√0+ h−
√0
h=
√h
h=
1√h
e ilimitado numa vizinhanca de zero e, portanto, nao existe limh→0+
1√h
.�
Exemplo 1.7 Seja f : R −→ R a funcao definida por
f(x) = inf { |x− n| |n ∈ Z } ,
ou seja, f(x) e a distancia de x ao inteiro mais proximo. Temos que
f(x) =
x− n se x ∈[n,n+
1
2
]n+ 1− x se x ∈
[n+
1
2, n+ 1
].
Entao, f(n) = 0 e f(n+
1
2
)=1
2, para todo n ∈ Z, e o grafico de f e uma
serra cujos dentes tem pontas nos pontos(n+
1
2,1
2
).
A funcao f e derivavel em todo x ∈ R, x 6= n, x 6= n+1
2, n ∈ Z, sendo
f ′(x) =
1 se x ∈(n,n+
1
2
)−1 se x ∈
(n+
1
2, n+ 1
).
Mas f nao e derivavel nos pontos n e n +1
2, n ∈ N, porque f ′(n+) = 1 6=
f ′(n−) = −1 e f ′((n+
1
2
)+)
= −1 6= f ′((n+
1
2
)−)
= 1 .�
J. Delgado - K. Frensel220
A derivada de uma funcao
Observacao 1.7 A derivada, sendo um limite, satisfaz aos seguintes
resultados, provados para limite de uma funcao:
• Se f : X −→ R possui derivada no ponto a ∈ X ∩ X ′, entao, dado
Y ⊂ X com a ∈ Y ∩ Y ′, a funcao g = f|Y tambem e derivavel no ponto a e
g ′(a) = f ′(a).
• Se Y = I∩X, onde I e um intervalo aberto contendo o ponto a, e g = f|Y
e derivavel no ponto a, entao f e derivavel no ponto a e f ′(a) = g ′(a).
Este resultado mostra o carater local da derivada.
Definicao 1.4 Dizemos que uma funcao f : X −→ R e derivavel no
conjunto X quando f e derivavel em todos os pontos a ∈ X ∩ X ′ .
Observacao 1.8 Seja f : X −→ R derivavel no ponto a ∈ X∩X ′. Seja r
a funcao dada por
r(h) = f(a+ h) − f(a) − f ′(a)h
definida no conjunto Da = {h ∈ R |a+ h ∈ X}.
Entao, para todo h ∈ Da − {0}, temos
f(a+ h) = f(a) + f ′(a)h+ r(h) , com limh→0
r(h)
h= 0 . (1)
Sendo limh→0
r(h)
h= 0, dizemos que o resto r(h) tende para zero mais rapi-
damente que h, ou que r(h) e um infinitesimo (=funcao com limite zero)
de ordem superior a 1, relativamente a h.
Reciprocamente, se existe L ∈ R tal que
f(a+ h) = f(a) + Lh+ r(h) , com limh→0
r(h)
h= 0 , (2)
entao f e derivavel no ponto a ∈ X ∩ X ′ e f ′(a) = L, pois
limh→0
f(a+ h) − f(a)
h= lim
h→0
(L+
r(h)
h
)= L .
• A condicao (1) pode ser escrita sob a forma
f(a+ h) = f(a) + (f ′(a) + ρ(h))h , com limh→0
ρ(h) = 0 , (3)
onde ρ(0) = 0 e ρ(h) =r(h)
h=f(a+ h) − f(a)
h− f ′(a) para todo h 6= 0 tal
que a+ h ∈ X.
Instituto de Matematica - UFF 221
Analise na Reta
Assim, a continuidade da funcao ρ no ponto 0 equivale a existencia da
derivada f ′(a) de f no ponto a.
Observacao 1.9 As condicoes (1), (2) e (3) tambem sao validas para
as derivadas laterais, supondo h > 0 para a derivada a direita e h < 0
para a derivada a esquerda.
Exemplo 1.8 Seja f(x) = x2. Entao, dados a ∈ R e h 6= 0, temos
r(h) = (a+ h)2 − a2 − 2ah = h2.�
Exemplo 1.9 Sabemos do Calculo que a funcao f : R −→ R dada por
f(x) = sen x e derivavel na reta e f ′(a) = cosa para todo a ∈ R. Entao,
sen(a+ h) = sena+ h cosa+ r(h) , com limh→0
r(h)
h= 0.
Usando a formula da trigonometria
sen(a+ h) = sena cosh+ senh cosa ,
obtemos que
r(h) = sena cosh+ senh cosa− sena− h cosa
= sena(cosh− 1) + cosa(senh− h) .
Isto confirma que limh→0
r(h)
h= 0, pois
limh→0
cosh− 1
h= cos ′(0) = − sen(0) = 0 ,
e
limh→0
senh− h
h= lim
h→0
senh− sen 0h− 0
− 1 = cos 0− 1 = 0 .
�
Definicao 1.5 Seja f : X −→ R uma funcao derivavel no ponto a. A
diferencial de f no ponto a e a transformacao linear df(a) : R −→ Rdefinida por df(a)h = f ′(a)h.
Se f e derivavel em todo X, definimos a diferencial de f como sendo a
funcao df : X −→ L(R; R), a 7−→ df(a), onde L(R; R) e o espaco vetorial
dos operadores lineares de R em R.
Teorema 1.1 Sejam a ∈ X ∩ X ′ e f : X −→ R. Se f e derivavel no ponto
a, entao f e contınua no ponto a.
J. Delgado - K. Frensel222
A derivada de uma funcao
Prova.
Como o limite limx→a
f(x) − f(a)
x− aexiste e lim
x→a(x− a) = 0, temos que
limx→a
( f(x) − f(a) ) = limx→a
(f(x) − f(a)
x− a
)(x− a)
= limx→a
f(x) − f(a)
x− a· lim
x→a(x− a) = 0 ,
ou seja, limx→a
f(x) = f(a). Logo, f e contınua no ponto a.�
Observacao 1.10
• Se a ∈ X ∩ X ′+ e f : X −→ R e derivavel a direita no ponto a, entao f e
contınua a direita no ponto a, ou seja, limx→a+
f(x) = f(a) .
• E se a ∈ X∩X ′− e f e derivavel a esquerda no ponto a, entao f e contınua
a esquerda no ponto a, ou seja, limx→a−
f(x) = f(a) .
Estes resultados demonstram-se de modo analogo quando f e derivavel
no ponto a.
• Entao, f e contınua no ponto a, se f possui derivada a direita e a es-
querda no ponto a, mesmo sendo diferentes.
Exemplo 1.10 Seja f : R −→ R dada por f(x) =
{1 se x ≥ 0
−1 se x < 0 .
Entao f e contınua a direita no ponto zero e f ′(0+) = 0, mas f nao e
contınua a esquerda no ponto 0 nem existe a derivada a esquerda de f no
ponto 0. Portanto, f nao e contınua no ponto 0.�
Exemplo 1.11 Os exemplos 1.5, 1.6 e 1.7, mostram que uma funcao
pode ser contınua em toda a reta e nao ser derivavel em alguns pontos.
Na realidade, a maioria das funcoes contınuas em R nao possuem de-
rivada em ponto algum (ver E. Lima, Espacos Metricos, exemplo 33 do
capıtulo 7).�
Teorema 1.2 Sejam f, g : X −→ R funcoes derivaveis no ponto
a ∈ X ∩ X ′. Entao, f ± g, f · g ef
g(quando g(a) 6= 0) sao derivaveis
no ponto a e valem as seguintes formulas:
Instituto de Matematica - UFF 223
Analise na Reta
(f± g)(a) = f ′(a)± g ′(a)
(f · g) ′(a) = f ′(a)g(a) + f(a)g ′(a)(f
g
) ′
(a) =f ′(a)g(a) − f(a)g ′(a)
(g(a) )2
Prova.
Vamos demonstrar a formula de derivacao do quociente, deixando as ou-
tras como exercıcio.
Sendo g(x) 6= 0 para todo x ∈ (X− {a}) ∩ (a− δ, a+ δ), para algum δ > 0,
a funcaof
gesta definida nesta vizinhanca de a.
Como, para x ∈ (X− {a}) ∩ (a− δ, a+ δ),
f(x)
g(x)−f(a)
g(a)
x− a=
f(x)g(a) − f(a)g(x)
x− a· 1
g(x) · g(a)
=
((f(x) − f(a)
x− a
)g(a) − f(a)
(g(x) − g(a)
x− a
))1
g(x)g(a),
temos que
limx→a
f(x)
g(x)−f(a)
g(a)
x− a=
(g(a) lim
x→a
f(x) − f(a)
x− a− f(a) lim
x→a
g(x) − g(a)
x− a
)· lim
x→a
1
g(x)g(a)
= (g(a) f ′(a) − f(a)g ′(a) ) · 1
(g(a) )2.
pois g e contınua no ponto a, ja que g e derivavel no ponto a.�
Corolario 1.1
• Se c ∈ R entao (c · f) ′(a) = c · f ′(a) .
• Se f(a) 6= 0 entao(1
f
) ′(a) = −
f ′(a)
f(a)2.
Teorema 1.3 (Regra da cadeia)
Sejam f : X −→ R, g : Y −→ R, f(X) ⊂ Y, a ∈ X ∩ X ′, b = f(a) ∈ Y ∩ Y ′.
Se f e derivavel no ponto a e g e derivavel no ponto b = f(a), entao
g ◦ f : X −→ R e derivavel no ponto a e tem-se a regra da cadeia:
(g ◦ f ) ′(a) = g ′(b) · f ′(a)
J. Delgado - K. Frensel224
A derivada de uma funcao
Prova.
Sejam ρ e σ funcoes definidas numa vizinhanca de 0, tais que
f(a+ h) = f(a) + ( f ′(a) + ρ(h) )h , onde limh→0
ρ(h) = 0 ,
g(b+ k) = g(b) + (g ′(b) + σ(k) )k , onde limk→0
σ(k) = 0 .
Tomando k = f(a+ h) − f(a) = ( f ′(a) + ρ(h) )h, temos que
f(a+ h) = f(a) + k = b+ k
e
(g ◦ f)(a+ h) = g(f(a+ h)) = g(b+ k) = g(b) + (g ′(b) + σ(k) )k
= g(b) + (g ′(b) + σ(k) ) ( f ′(a) + ρ(h) )h
= g ◦ f(a) + (g ′(b) f ′(a) + θ(h) )h ,
onde θ(h) = σ( f(a+ h) − f(a) ) ( f ′(a) + ρ(h) ) + g ′(b) ρ(h) .
Como f e contınua no ponto a, σ e ρ sao contınuas no ponto 0, com
σ(0) = ρ(0) = 0, temos que
limh→0
θ(h) = 0 ,
pois limh→0
σ(f(a+ h) − f(a)) = σ(0) = 0 e limh→0
ρ(h) = ρ(0) = 0 .
Logo, g ◦ f e derivavel no ponto a e (g ◦ f) ′(a) = g ′(b) f ′(a) .�
Corolario 1.2 (Derivada da inversa de uma funcao)
Seja f : X −→ Y uma funcao que possui inversa g = f−1 : Y −→ X. Se f e
derivavel no ponto a ∈ X ∩ X ′ e g e contınua no ponto b = f(a), entao g e
derivavel no ponto b se, e so se, f ′(a) 6= 0. Neste caso,
g ′(b) =1
f ′(a)
Prova.
Como g e contınua no ponto b = f(a) e e injetiva, temos que
limy→b
g(y) = g(b) = a ,
e g(y) 6= a quando y ∈ Y − {b}.
Alem disso, b ∈ Y ∩ Y ′, pois f e contınua no ponto a, e injetiva em X e
a ∈ X ∩ X ′.
Logo, se f ′(a) 6= 0, entao
Instituto de Matematica - UFF 225
Analise na Reta
limy→b
g(y) − g(b)
y− b= lim
y→b
g(y) − g(b)
f(g(y)) − f(a)
= limy→b
(f(g(y)) − f(a)
g(y) − a
)−1
=1
f ′(a),
ou seja, g e derivavel no ponto b e g ′(b) =1
f ′(a).
Reciprocamente, se g e derivavel no ponto b, entao, pela regra da cadeia,
g ◦ f = idX e derivavel no ponto a e g ′(b) f ′(a) = 1, ou seja, f ′(a) 6= 0 e
g ′(b) =1
f ′(a).�
Exemplo 1.12 A funcao f : R −→ R, dada por f(x) = x3, e uma bijecao
contınua com inversa contınua g : R −→ R com g(y) = 3√y.
Como f ′(a) = 3a2 6= 0 para todo a 6= 0 e f(0) = 0, temos que g e derivavel
em todo ponto b ∈ R − {0} e g ′(b) =1
f ′(g(b))=
1
3(g(b))2=
1
33√b2.�
Definicao 1.6 Dizemos que uma funcao f : X −→ R possui um maximo
local no ponto a ∈ X, quando existe δ > 0 tal que f(x) ≤ f(a) para todo
x ∈ X ∩ (a− δ, a+ δ).
E quando existe δ > 0 tal que f(x) < f(a) para todo x ∈ (a − δ, a + δ) ∩(X− {a}), dizemos que f possui um maximo local estrito no ponto a ∈ X.
Ha definicoes analogas para os conceitos de mınimo local e mınimo local
estrito de uma funcao.
Exemplo 1.13 A funcao f : R −→ R, dada por f(x) = x2, possui um
mınimo local estrito no ponto 0, pois f(x) = x2 > f(0) = 0 para todo
x ∈ R − {0}.�
Exemplo 1.14 A funcao g : R −→ R, g(x) = sen x , possui maximos
locais estritos nos pontos (4k + 1)π
2, pois g
((4k+ 1)
π
2
)= 1 > g(x)
para todo x ∈(4k−
π
2, 4k+ 3
π
2
)−
{(4k+ 1)
π
2
}, e possui mınimos locais
estritos nos pontos (4k−1)π
2, pois g
((4k− 1)
π
2
)= −1 < g(x) , para todo
x ∈(4k−
3π
2, 4k+
π
2
)−
{(4k− 1)
π
2
}.�
J. Delgado - K. Frensel226
A derivada de uma funcao
Exemplo 1.15 Uma funcao constante possui maximo local e mınimo
local nao-estritos em cada ponto do seu domınio.�
Exemplo 1.16 A funcao h : R −→ R, dada por h(x) =
{1 se x ≥ 0
−1 se x < 0 ,
possui um maximo local nao-estrito no ponto 0.�
Exemplo 1.17 A funcao ϕ : R −→ R, ϕ(x) = x2(1+ sen
1
x
)se x 6= 0
e ϕ(0) = 0, e contınua em toda a reta e possui um mınimo local nao
estrito no ponto 0, pois ϕ(x) ≥ 0 = ϕ(0) para todo x ∈ R e, em toda
vizinhanca de 0, ha pontos x tais que ϕ(x) = 0, ja que1
(4k− 1)π
2
−→ 0 e
ϕ
1
(4k− 1)π
2
= 0 para todo k ∈ Z.�
Observacao 1.11 Se f : X −→ R e nao-decrescente e derivavel no
ponto a ∈ X∩X ′, entao f ′(a) ≥ 0, poisf(x) − f(a)
x− a≥ 0 para todo x ∈ X−{a}.
• Analogamente, se f : X −→ R e nao-crescente e derivavel no ponto
a ∈ X ∩ X ′, entao f ′(a) ≤ 0.
• Se f : X −→ R e crescente (decrescente) e derivavel no ponto a ∈ X∩X ′,nao temos necessariamente f ′(a) > 0 (< 0).
Por exemplo, a funcao f(x) = x3 e crescente e f ′(0) = 0.
• Se a ∈ X ∩ X ′ ∩ X ′− e existe δ > 0 tal que f(y) ≤ f(a) ≤ f(x) para
a − δ < y < a < x < a + δ, entao f ′(a) ≥ 0, mas nao implica que f seja
nao-decrescente (ver exemplo 1.18).
Teorema 1.4 Seja f : X −→ R uma funcao derivavel a direita no ponto
a ∈ X∩X ′+. Se f ′(a+) > 0, entao existe δ > 0 tal que f(a) < f(x) para todo
x ∈ X ∩ (a, a+ δ).
Prova.
Como limx−→a+
f(x) − f(a)
x− a= f ′(a+) > 0, existe δ > 0 tal que
f(x) − f(a)
x− a> 0
para todo x ∈ X ∩ (a, a+ δ), ou seja, f(x) > f(a) ∀ x ∈ X ∩ (a, a+ δ).�
Instituto de Matematica - UFF 227
Analise na Reta
Observacao 1.12 Valem tambem os seguintes resultados, que podem
ser provados de modo analogo ao teorema anterior:
• Se a ∈ X ∩ X ′+ e f ′(a+) < 0, entao existe δ > 0 tal que f(x) < f(a) para
todo X ∩ (a, a+ δ).
• Se a ∈ X ∩ X ′− e f ′(a+) > 0, entao existe δ > 0 tal que f(x) < f(a) para
todo x ∈ X ∩ (a− δ, a).
• Se a ∈ X ∩ X ′− e f ′(a−) < 0, entao existe δ > 0 tal que f(x) > f(a) para
todo x ∈ X ∩ (a− δ, a).
Corolario 1.3 Seja a ∈ X ∩ X ′+ ∩ X ′−. Se f : X −→ R possui no ponto
a derivada f ′(a) > 0 (f ′(a) < 0), entao existe δ > 0 tal que x, y ∈ X,
a− δ < x < a < y < a+ δ =⇒ f(x) < f(a) < f(y) (f(y) < f(a) < f(x)).
Corolario 1.4 Seja a ∈ X∩X ′+∩X ′−. Se f : X −→ R e derivavel no ponto
a e possui um maximo ou um mınimo local nesse ponto, entao f ′(a) = 0.
Prova.
Se f ′(a) > 0 ou f ′(a) < 0, temos, pelo corolario anterior, que a nao e
ponto de maximo nem de mınimo local.�
Observacao 1.13 O teorema 1.4 nao diz que existe um intervalo a di-
reita de a no qual f e crescente quando f ′(a+) > 0, nem o corolario 1.3
diz que f e crescente numa vizinhanca de a quando f ′(a) > 0.
Exemplo 1.18
• Antes de dar o exemplo de uma funcao que ilustre a observacao acima,
faremos o estudo de algumas funcoes.
• A funcao f : R −→ R, f(x) = x sen1
xse x 6= 0 e f(0) = 0, e contınua
em toda a reta e possui derivada f ′(x) = sen1
x−1
xcos
1
xem todo x 6= 0,
mas nao e derivavel no ponto zero, pois nao existe o limite def(x) − f(0)
x− 0=
sen1
xquando x −→ 0.
• A funcao g : R −→ R, g(x) = x2 sen1
xse x 6= 0 e g(0) = 0, e contınua
J. Delgado - K. Frensel228
A derivada de uma funcao
em toda a reta e possui derivada g ′(x) = 2x sen1
x− cos
1
xem todo ponto
x 6= 0. Alem disso, como limx→0
g(x) − g(0)
x− 0= lim
x→0x sen
1
x= 0, temos que g e
derivavel no ponto 0 e g ′(0) = 0.
Assim, g : R −→ R possui derivadas em todos os pontos da reta, mas
g ′ : R −→ R nao e contınua no ponto zero, pois nao existe limx→0
g ′(x) =
limx→0
(2x sen
1
x− cos
1
x
).
• Seja a funcao ϕ : R −→ R definida por ϕ(x) = x2 sen1
x+x
2se x 6= 0 e
ϕ(0) = 0. Como ϕ e contınua e derivavel em toda a reta, e ϕ ′(0) =1
2> 0,
temos, pelo corolario 1.3, que existe δ > 0 tal que 0 < x < δ =⇒ ϕ(x) > 0
e −δ < x < 0 =⇒ ϕ(x) < 0.
Mas, ϕ nao e crescente em vizinhanca alguma do ponto 0, pois, como
ϕ ′(x) = 2x sen1
x− cos
1
x+1
2, para x 6= 0,
dado δ > 0 existe n0 ∈ N tal que1
2n0π< δ. Entao,
1
2n0π∈ (0, δ) e
ϕ ′(
1
2n0π
)< 0, −
1
2n0π∈ (−δ, 0), e ϕ ′
(−
1
2n0π
)< 0,
1
4n0π+ π2
∈ (0, δ) e
ϕ ′(
1
4n0π+ π2
)> 0, −
1
4n0π+ π2
∈ (−δ, 0) e ϕ ′(
−1
4n0π+ π2
)> 0 .
Ou seja, dado δ > 0, existem pontos xδ, xδ ∈ (0, δ) e yδ, yδ ∈ (−δ, 0) tais
que ϕ ′(xδ) > 0, ϕ ′(xδ) < 0 , ϕ ′(yδ) > 0 e ϕ ′(yδ) < 0.
Logo, ϕ nao pode ser monotona em intervalo algum do tipo (0, δ) ou
(−δ, 0), δ > 0, pelas observacoes feitas antes do teorema 1.4. Isto so
foi possıvel, porque ϕ ′ nao e contınua no ponto zero (por que?).
Alem disso, ϕ nao pode ser injetiva em intervalo algum do tipo (0, δ) ou
(−δ, 0), δ > 0, pois, caso contrario, ϕ seria monotona, por ser contınua e
injetiva num intervalo (ver teorema 3.2 da parte 6).�
Observacao 1.14
• A recıproca do corolario 1.4 nao e verdadeira.
Por exemplo, a funcao f : R −→ R, f(x) = x3, apesar de ter derivada zero
Instituto de Matematica - UFF 229
Analise na Reta
no ponto 0, tal ponto nao e de maximo nem de mınimo local, pois f e uma
funcao crescente em toda a reta.
• No corolario 1.4, nao basta que f possua derivadas laterais no ponto de
maximo ou de mınimo para podermos concluir que as derivadas laterais
sao nulas nesse ponto. Por exemplo, a funcao g : R −→ R, g(x) = |x|,
possui um mınimo no ponto 0, mas as derivadas laterais neste ponto
g ′(0+) = 1 e g ′(0−) = −1 nao sao nulas.
• E, tambem, a condicao de a ∈ X ′+∩X ′− e necessaria para que o corolario
1.4 seja valido. Por exemplo, a funcao h : [0,+∞) −→ R, h(x) = x2 + x
possui um mınimo local no ponto 0, mas h ′(0) = 1 6= 0.
2. Func oes deriv aveis num intervalo
Seja X ⊂ R um conjunto compacto tal que todo x ∈ X e ponto de
acumulacao a esquerda e a direita de X, com excecao de a = infX e
b = supX, e, alem disso, X 6= {a, b}. Entao, X = [a, b].
De fato, o aberto R − X e reuniao de intervalos abertos dois a dois
disjuntos, sendo (−∞, a) e (b,+∞) dois deles. Se (c, d), c < d fosse outro
intervalo componente de R−X, entao c e d pertenceriam a X. Como c nao
e ponto de acumulacao a direita de X, terıamos c = a ou c = b, e, como
d nao e ponto de acumulacao a esquerda de X, terıamos d = a ou d = b.
Sendo c < d e a < b, terıamos (c, d) = (a, b) e, portanto, X = {a, b}, o
que e absurdo.
Definicao 2.1 Quando a funcao f : I −→ R possui derivada em todos os
pontos do intervalo I, podemos considerar a funcao derivada f ′ : I −→ Rdada por x 7−→ f ′(x).
E quando f ′ : I −→ R e uma funcao contınua, dizemos que f e uma funcao
continuamente derivavel, ou uma funcao de classe C1.
Observacao 2.1 Mas nem sempre a funcao derivada e uma funcao
contınua. Por exemplo, a funcao f : R −→ R, f(x) =
x2 sen1
xse x 6= 0
0 se x = 0 ,
J. Delgado - K. Frensel230
Funcoes derivaveis num intervalo
e derivavel em todos os pontos da reta, com f ′(x) = 2x sen1
x− cos
1
xse
x 6= 0 e f ′(0) = 0.
Mas f ′ : R −→ R nao e contınua no ponto zero e, portanto, f nao e de
classe C1 em toda a reta.
Observacao 2.2 Seja f : I −→ R uma funcao de classe C1 no intervalo
I e sejam a < b em I, tais que f ′(a) < d < f ′(c).
Entao, pelo teorema do valor intermediario (TVI) para funcoes contınuas
aplicado a derivada f ′, existe c ∈ (a, b) ⊂ I tal que f ′(c) = d.
Jean Gaston Darboux
(1842-1917) Franca.
Mas o teorema abaixo, devido a Darboux, nos diz que se f e derivavel em
[a, b], entao f ′ satisfaz o TVI, mesmo sendo descontınua.
Teorema 2.1 (Valor intermediario para a derivada)
Se f : [a, b] −→ R e derivavel no intervalo [a, b] e f ′(a) < d < f ′(b), entao
existe c ∈ (a, b) tal que f ′(c) = d.
Prova.
Suponhamos, primeiro, que d = 0, ou seja, f ′(a) < 0 < f ′(b). Como
f ′(a) < 0, existe δ > 0 tal que f(x) < f(a) para todo x ∈ (a, a+ δ), e como
f ′(b) > 0, existe δ ′ > 0 tal que f(y) < f(b) para todo y ∈ (b− δ ′, b).
Alem disso, como f e contınua no compacto [a, b], temos, pelo teorema
de Weierstrass, que f possui um ponto de mınimo e um ponto de maximo
no intervalo [a, b].
Logo, o ponto de mınimo c pertence ao intervalo (a, b), pois, pelo visto
acima, a e b nao sao pontos de mınimo.
Assim, pelo corolario 1.4, f ′(c) = 0, pois c ∈ (a, b) e ponto de acumulacao
a direita e a esquerda do conjunto [a, b].
No caso geral, basta considerar a funcao g(x) = f(x) − dx, x ∈ [a, b].
Entao, g ′(x) = f ′(x) − d e f ′(a) < d < f ′(b) se, e so se, g ′(a) < 0 < g ′(b).
Logo, se f ′(a) < d < f ′(b), existe c ∈ (a, b) tal que g ′(c) = 0, ou seja,
f ′(c) = d.�
Corolario 2.1 Se f : I −→ R e derivavel no intervalo I, entao f ′ nao tem
descontinuidade de primeira especie em I.
Instituto de Matematica - UFF 231
Analise na Reta
Prova.
Seja c ∈ I um ponto de acumulacao a direita de I, isto e, c nao e a
extremidade superior de I.
Afirmacao: Se existe limx→c+
f ′(x) = L, entao L = f ′(c).
Suponhamos, por absurdo, que f ′(c) < L.
Seja d ∈ R tal que f ′(c) < d < L.
Para ε = L − d > 0, existe δ > 0 tal que f ′(x) > L − ε = d para todo
x ∈ (c, c+ δ).
Em particular, f ′(c) < d < f ′(c+
δ
2
), mas nao existe x ∈
(c, c+
δ
2
)tal
que f(x) = d, o que contradiz o teorema 2.1.
De modo analogo, podemos provar que L nao pode ser menor que f ′(c).
Logo, L = f ′(c).
• Se c e um ponto de acumulacao a esquerda, podemos mostrar, tambem,
que se existe limx→c−
f ′(x) = M entao M = f ′(c).
Logo, f nao possui descontinuidade de primeira especie, pois se os li-
mites laterais existem num ponto a, f e necessariamente contınua neste
ponto.�
Exemplo 2.1 A funcao f : R −→ R, f(x) = |x|, nao e um contra-exemplo
para o corolario acima, pois, apesar de f ′ : R − {0} −→ R, ser dada por
f ′(x) = −1 se x < 0 e f ′(x) = 1 se x > 0, 0 nao e uma descontinuidade de
primeira especie de f ′, ja que f ′(0) nao existe.
Mas, o corolario 2.1 nos diz que nao existe uma funcao g : R −→ Rderivavel em toda a reta tal que g ′ = f ′ em R − {0}, pois, nesse caso, g ′
teria uma descontinuidade de primeira especie no ponto 0.�
Exemplo 2.2 A funcaoϕ : R −→ R, dada porϕ(x) =
{0 se x ∈ Q1 se x ∈ R − Q ,
nao e a derivada de uma funcao ξ : R −→ R, pois, embora suas descon-
tinuidades sejam todas de segunda especie, ela nao satisfaz ao teorema
do valor intermediario para funcoes derivaveis.�
J. Delgado - K. Frensel232
Funcoes derivaveis num intervalo
Teorema 2.2 (Rolle)
Seja f : [a, b] −→ R contınua em [a, b] e derivavel em (a, b). Se f(a) =
f(b), entao existe c ∈ (a, b) tal que f ′(c) = 0.
Prova.
Se f e constante em [a, b], entao f ′(c) = 0 para todo c ∈ (a, b).
Suponhamos, entao, que f nao e constante em [a, b]. Como f e contınua
no compacto [a, b], o maximo e o mınimo de f sao atingidos em pontos do
intervalo [a, b]. Entao, existe c ∈ (a, b) tal que f(c) = M ou f(c) = m, pois
se o maximoM e o mınimom fossem ambos atingidos nas extremidades,
terıamos M = m, pois f(a) = f(b), e f seria, portanto, constante.
Logo, pelo corolario 1.4, f ′(c) = 0, pois c e um ponto de acumulacao a
direita e a esquerda do intervalo [a, b] e f e derivavel no ponto c.�
Exemplo 2.3 Seja f : [0, 1] −→ R definida por f(x) = x se x ∈ [0, 1) e
f(1) = 0. Entao f(0) = f(1) = 0 e f e derivavel em (0, 1), mas f ′(x) = 1 6= 0
para todo x ∈ (0, 1). Isto ocorre porque f nao e contınua em [0, 1].�
Exemplo 2.4 Seja g : [−1, 1] −→ R dada por g(x) = |x|. Entao g e
contınua em [−1, 1] e g(−1) = g(1) = 1, mas nao existe c ∈ (−1, 1) tal que
g ′(c) = 0. Isto ocorre porque g nao e derivavel no intervalo aberto (−1, 1),
ja que nao e derivavel no ponto 0.�
Exemplo 2.5 Seja h : [−1, 1] −→ R definida por h(x) = (1−x2) sen1
1− x2
se x 6= ±1 e h(±1) = 0. Entao, h e contınua em [−1, 1] e derivavel apenas
no intervalo aberto (−1, 1). Neste exemplo, podemos aplicar o teorema de
Rolle para garantir que existe c ∈ (−1, 1) tal que f ′(c) = 0. Na realidade,
f ′(0) = 0, pois f ′(x) = −2x sen1
1− x2+
2x
1− x2cos
1
1− x2para x 6= ±1.�
Exemplo 2.6 Apesar do teorema de Rolle nao se aplicar a funcao ϕ :
[−1, 1] −→ R definida por ϕ(x) = sen1
1− x2se x 6= ±1 e ϕ(±1) = 0, por ϕ
nao ser contınua no intervalo fechado [−1, 1], existem infinitos pontos em
(−1, 1) nos quais a derivada de ϕ se anula.�
Instituto de Matematica - UFF 233
Analise na Reta
Teorema 2.3 (valor medio de Lagrange)
Seja f : [a, b] −→ R contınua em [a, b] e derivavel em (a, b). Entao existe
c ∈ (a, b) tal que
f ′(c) =f(b) − f(a)
b− a.
• Um enunciado equivalente ao teorema acima e o seguinte:
Seja f : [a, a + h] −→ R contınua no intervalo [a, a + h] e derivavel
em (a, a+ h). Entao existe t ∈ (0, 1) tal que
f(a+ h) = f(a) + f ′(a+ th)h .
Prova.
Seja g : [a, b] −→ R definida por g(x) =
(f(b) − f(a)
b− a
)(x− a) + f(a).
Como g e contınua e derivavel em [a, b], g(a) = f(a) e g(b) = f(b), temos
que a funcao ϕ : [a, b] −→ R, ϕ(x) = f(x) − g(x) satisfaz as hipoteses
do teorema de Rolle, pois ϕ e contınua em [a, b], derivavel em (a, b) e
ϕ(a) = ϕ(b) = 0.
Logo, existe c ∈ (a, b) tal que ϕ ′(c) = 0. Mas, como ϕ ′(x) = f ′(x) − g ′(x)
e g ′(x) =f(b) − f(a)
b− apara todo x ∈ (a, b), temos que
f ′(c) = g ′(c) =f(b) − f(a)
b− a.
�
Observacao 2.3 Geometricamente, o teorema de valor medio de
Lagrange nos diz que existe um ponto c ∈ (a, b) tal que a reta tangente
ao grafico de f no ponto (c, f(c)) e paralela a reta secante ao grafico que
liga os pontos (a, f(a)) e (b, f(b)).
Corolario 2.2 Se uma funcao contınua f : [a, b] −→ R possui derivada
nula em todos os pontos x ∈ (a, b), entao f e constante.
Prova.
Seja x ∈ (a, b). Entao existe cx ∈ (a, b) tal que
0 = f ′(cx) =f(x) − f(a)
x− a.
Logo, f(x) = f(a) para todo x ∈ (a, b).
J. Delgado - K. Frensel234
Funcoes derivaveis num intervalo
Entao, f(a) = limx→b
f(x) = f(b), pois f e contınua em [a, b].
Assim, f(x) = f(a) para todo x ∈ [a, b], ou seja, f e constante em [a, b].�
Corolario 2.3 Se f, g : [a, b] −→ R sao contınuas em [a, b], derivaveis
em (a, b) e f ′(x) = g ′(x) para todo x ∈ (a, b), entao existe c ∈ R tal que
g(x) = f(x) + c para todo x ∈ [a, b].
Prova.
Como a funcao g − f : [a, b] −→ R e contınua em [a, b], derivavel em
(a, b) e (g − f) ′(x) = g ′(x) − f ′(x) = 0 para todo x ∈ (a, b), temos, pelo
corolario anterior, que g− f e constante em [a, b], ou seja, existe c ∈ R tal
que g(x) − f(x) = c para todo x ∈ [a, b].�
Observacao 2.4 A funcao f : R − {0} −→ R, definida por f(x) =x
|x|, nao
e constante, apesar de f ′(x) = 0 para todo x ∈ R − {0}. Isto ocorre porque
o domınio de f nao e um intervalo.
Corolario 2.4 Seja f : I −→ R derivavel no intervalo aberto I. Se existe
k ∈ R tal que |f ′(x)| ≤ k para todo I ∈ I, entao
|f(x) − f(y)| ≤ k|x− y| ,
quaisquer que sejam x, y ∈ I.
Prova.
Sejam x, y ∈ I, x < y. Como f e contınua em [x, y] e derivavel em (x, y),
existe z ∈ (x, y) tal que
f(x) − f(y) = f ′(z)(x− y) .
Logo, |f(x) − f(y)| = |f ′(z)| |x− y| ≤ k|x− y| .
O mesmo vale se y < x.�
Observacao 2.5 Podemos concluir que se f possui derivada limitada
num intervalo aberto I, entao f e lipschitziana e, portanto, uniformemente
contınua em I. Em particular, se I = (a, b), entao existem limx→b−
f(x) e
limx→a+
f(x).
Por exemplo, a funcao f : (0,+∞) −→ R, definida por f(x) = sen1
x, nao
Instituto de Matematica - UFF 235
Analise na Reta
tem limite a direita no ponto 0 e tem derivada ilimitada em qualquer inter-
valo do tipo (0, δ], pois f ′(x) = −1
x2cos
1
xpara x 6= 0.
Observacao 2.6 Se f e uma funcao contınua em [a, b], derivavel em
(a, b) e |f ′(x)| ≤ k para todo x ∈ (a, b), entao |f(x) − f(y)| ≤ k|x − y|
quaisquer que sejam x, y ∈ [a, b].
De fato, sejam (xn) e (yn) sequencias de pontos do intervalo (a, b) tais
que xn −→ a e yn −→ b.
Como |f(x)− f(y)| ≤ k|x−y| para todos os pontos x, y ∈ (a, b), temos que
|f(xn) − f(yn)| ≤ k|xn − yn|
para todo n ∈ N.
Logo,
|f(a) − f(b)| = limn→+∞ |f(xn) − f(yn)| ≤ k lim
n→+∞ |xn − yn| = k|a− b| .
E, se x ∈ (a, b), entao,
• |f(a) − f(x)| = limn→+∞ |f(xn) − f(x)| ≤ k lim
n→+∞ |xn − x| = k|a− x| ,
• |f(x) − f(b)| = limn→+∞ |f(x) − f(yn)| ≤ k lim
n→+∞ |x− yn| = k|x− b| .
Logo, |f(x) − f(y)| ≤ k|x− y| para todos x, y ∈ [a, b].
Corolario 2.5 Seja f contınua em [a, b] e derivavel em (a, b). Se existe
limx→a+
f ′(x) = L, entao existe f ′(a+) e L = f ′(a+).
Prova.
Basta provar que limn→+∞ f(xn) − f(a)
xn − a= L , para toda sequencia (xn) de pon-
tos de (a, b) com limn→+∞ xn = a.
Pelo teorema do valor medio, para todo n ∈ N, existe yn ∈ (a, xn) tal que
f ′(yn) =f(xn) − f(a)
xn − a.
Como yn −→ a e limn→+∞ f ′(yn) = lim
x→a+f ′(x) = L, temos que
limn→+∞ f(xn) − f(a)
xn − a= L .
Logo, f e derivavel a direita no ponto a e f ′(a+) = L.�
J. Delgado - K. Frensel236
Funcoes derivaveis num intervalo
Observacao 2.7 De modo analogo, podemos provar que se f e contınua
em [a, b], derivavel em (a, b) e existe limx→b−
f ′(x) = L, entao existe f ′(b−) e
L = f ′(b−).
Corolario 2.6 Seja f : (a, b) −→ R derivavel, exceto, possivelmente,
num ponto c ∈ (a, b), onde f e contınua. Se existe limx→c
f ′(x) = L, entao f e
derivavel no ponto c e f ′(c) = L.
Prova.
Seja δ > 0 tal que [c− δ, c+ δ] ⊂ (a, b).
Como a funcao f e contınua em [c − δ, c], derivavel em (c − δ, c) e existe
limx→c−
f ′(x) = L, entao f e derivavel a esquerda no ponto c e f ′(c−) = L.
E, tambem, como f e contınua em [c, c+δ], derivavel em (c, c+δ) e existe
limx→c+
f(x) = L, entao f e derivavel a direita no ponto c e f ′(c+) = L.
Logo, f e derivavel no ponto c e f ′(c) = L.�
Corolario 2.7 Seja f : I −→ R derivavel no intervalo I. Entao, f ′(x) ≥ 0para todo x ∈ I se, e so se, f e nao-decrescente em I.
E se f ′(x) > 0 para todo x ∈ I, entao f e crescente. Neste caso, f possui
uma inversa, definida no intervalo J = f(I), que e derivavel no intervalo J
com (f−1) ′(y) =1
f ′(f−1(y)), para todo y ∈ J.
Prova.
(=⇒) Sejam x, y ∈ I, x < y. Pelo teorema do valor medio, existe
z ∈ (x, y) tal quef(y) − f(x)
y− x= f ′(z). Como f ′(z) ≥ 0 e y − x > 0, te-
mos que f(y) ≥ f(x).
(⇐=) Se f e nao-decrescente e derivavel em a ∈ I, entao f ′(a) ≥ 0, pois
f(a+ h) − f(a)
h≥ 0 , para todo h 6= 0 tal que a+ h ∈ I.
• Se f ′(x) > 0 para todo x ∈ I, temos que se a < b, a, b ∈ I, entao existe,
pelo teorema do valor medio, c ∈ (a, b) tal que f(b) − f(a) = f ′(c)(b− a).
Logo, f(b) > f(a), ja que f ′(c)(b− a) > 0.
Note que: a recıproca deste re-sultado nao e verdadeira, pois
f(x) = x3 e crescente e derivavel
em toda a reta, mas f ′(0) = 0.
Instituto de Matematica - UFF 237
Analise na Reta
Como f e contınua e injetiva no intervalo I, entao, pelo teorema 3.2 da
parte 6, J = f(I) e um intervalo e f−1 : J −→ I e contınua.
Alem disso, como f ′(x) 6= 0 para todo x ∈ I, temos, pelo corolario 1.2, que
f−1 e derivavel em J e (f−1) ′(y) =1
f ′(f−1(y))para todo y ∈ J.�
Observacao 2.8 Vale um resultado analogo para funcoes nao-crescentes
e decrescentes com ≤ e <, respectivamente.
Exemplo 2.7 Seja f : R −→ R definida por f(x) = ex. Sabemos do
Calculo que f e derivavel em toda a reta e f ′(x) = ex para todo x ∈ R.
Dado x > 0, existe, pelo teorema do valor medio, c ∈ (0, x) tal que f(x) =
f(0) + f ′(c)x = 1 + ecx. Como c > 0 temos que ec > 1. Logo, ex > 1 + x
para todo x > 0.
Aplicacao: limx→+∞ xn
ex= 0 para todo n ∈ N.
Com efeito, como ex
n+1 > 1 +x
n+ 1>
x
n+ 1para todo x > 0 e n ∈ N,
temos que ex >xn+1
(n+ 1)n+1.
Entao,ex
xn>x
A, ou seja, 0 <
xn
ex<A
xpara todo x > 0, onde A = (n+1)n+1.
Logo, limx→+∞ xn
ex= 0.
Mais geralmente: limx→+∞ p(x)
ex= 0 para todo polinomio p(x) = anx
n +
an−1xn−1 + . . .+ a1x+ a0.
De fato, como p(x) = anxnq(x), onde q(x) = 1+
an−1
anx+ . . .+
a0
anxn, temos
que limn→+∞ p(x)
xn= an e, portanto,
limx→+∞ p(x)
ex= lim
x→+∞ p(x)
xn· x
n
ex= lim
x→+∞ p(x)
xn· lim
x→+∞ xn
ex= an · 0 = 0 .
�
Exemplo 2.8 Seja f : R −→ R definida por f(x) = e− 1
x2 se x 6= 0 e
f(0) = 0. Como limx→0
e− 1
x2 = 0, f e contınua em R. Alem disso, f e derivavel
J. Delgado - K. Frensel238
Funcoes derivaveis num intervalo
em R − {0}, com f ′(x) =2
x3e
− 1
x2 para x 6= 0.
Pondo y =1
x2, temos, pelo exemplo acima, que lim
x→0|f ′(x)| = lim
y→+∞ 2y32
ey=
0, ja quey
ey<y
32
ey<y2
ey, para todo y > 1, e lim
y→+∞ y
ey= lim
y→+∞ y2
ey= 0.
Logo, pelo corolario 2.6, f e derivavel no ponto 0 e f ′(0) = 0.�
Exemplo 2.9 Seja f : R −→ R a funcao f(x) =
e− 1x se x 6= 0
0 se x = 0.
Como limx→0+
e− 1x = 0 = f(0) e lim
x→0−e− 1
x = +∞, f nao e contınua no ponto
zero, mas e contınua a direita nesse ponto.
Sendo f ′(x) = 1x2e
− 1x para todo x 6= 0 e lim
x→0+f ′(x) = lim
y→+∞ y2
ey= 0, onde
y =1
x, temos, pelo corolario 2.5, que f e derivavel a direita no ponto 0 e
f ′(0+) = 0.
Observe que limx→0−
f ′(x) = limx→0−
1
x2e1x
= +∞.�
Observacao 2.9 Ha duas situacoes nas quais vale o teorema do valor
medio sem supor que a funcao f : [a, b] −→ R seja contınua nos pontos a
e b:
Primeira: Suponhamos que existem limx→a+
f(x) = L e limx→b−
f(x) = M. Entao,
a funcao g : [a, b] −→ R definida por g(x) = f(x) se x ∈ (a, b), g(a) = L e
g(b) = M e contınua em [a, b] e derivavel em (a, b). Logo, pelo teorema
do valor medio, existe c ∈ (a, b) tal que
g(b) − g(a) = g ′(c)(b− a) ,
ou seja, existe c ∈ (a, b) tal que (M− L) = f ′(x)(b− a).
Temos f(b) − f(a) = f ′(c)(b− a) se, e so se, M− L = f(b) − f(a).
Segunda: Se f : [a, b] −→ R e limitada em [a, b], derivavel em (a, b)
e pelo menos um dos limites nas extremidades, digamos limx→a+
f(x), nao
existe, entao existe c ∈ (a, b) tal que f ′(c) =f(b) − f(a)
b− a.
Instituto de Matematica - UFF 239
Analise na Reta
De fato, como nao existe limx→a+
f(x), temos, pela observacao feita apos o
corolario 2.4, que f ′ nao e limitada em (a, b).
Afirmacao: f ′ e ilimitada inferior e superiormente.
De fato, suponhamos, por absurdo, que f ′(x) ≥ A para todo x ∈ (a, b).
Entao, a funcao g(x) = f(x) − Ax seria nao-decrescente em (a, b), pois
g ′(x) ≥ 0 em (a, b), e limitada. Existiria, portanto, limx→a+
g(x), o que e
absurdo, pois isto implicaria na existencia de limx→a+
f(x).
De modo analogo, podemos provar que f ′ nao e limitada superiormente
em (a, b).
Seja d =f(b) − f(a)
b− a. Entao existem pontos x1, x2 ∈ (a, b) tais que f ′(x1) <
d < f ′(x2). Logo, pelo teorema do valor intermediario para a derivada,
existe c ∈ (a, b) tal que f ′(c) = d =f(b) − f(a)
b− a.
Definicao 2.2 Dizemos que uma funcao f : I −→ R e uniformemente
derivavel no intervalo I quando f e derivavel em I e para cada ε > 0 dado,
existe δ > 0 tal que
0 < |h| < δ =⇒ ∣∣∣∣ f(x+ h) − f(x)
h− f ′(x)
∣∣∣∣ < ε ,seja qual for x ∈ I, x+ h ∈ I.
• Uma condicao equivalente seria:
∀ ε > 0 ∃ δ > 0 ; 0 < |h| < δ =⇒| (f(x+ h) − f(x) − f ′(x)h | < ε |h| ∀ x, x+ h ∈ I
Teorema 2.4 Uma funcao f : [a, b] −→ R e uniformemente derivavel se,
e so se, f e de classe C1.
Prova.
(=⇒) Suponhamos que f e de classe C1 em [a, b], ou seja, f e derivavel
em [a, b] e f ′ e contınua em [a, b]. Entao, f ′ e uniformemente contınua em
[a, b], ja que [a, b] e compacto.
∀ ε > 0 , ∃ δ > 0 tal que x, y ∈ [a, b], |x− y| < δ =⇒ |f ′(x) − f ′(y)| < ε .
J. Delgado - K. Frensel240
Funcoes derivaveis num intervalo
Sejam x, x + h ∈ [a, b] com 0 < |h| < δ. Entao, pelo teorema do valor
medio, existe y entre x e x+ h tal que f(x+ h) − f(x) = f ′(y)h. Logo,
|f(x+ h) − f(x) − f ′(x)h| = |f ′(y) − f ′(x)| |h| < ε|h|,
pois |(x+ h) − x| = |h| < δ e, portanto, |y− x| < δ.
Assim, f e uniformemente derivavel em [a, b].
(⇐=) Suponhamos, agora, que f e uniformemente derivavel em [a, b].
Provaremos que a derivada f ′ e contınua em todos os pontos do intervalo
compacto [a, b].
Seja x0 ∈ (a, b) e tome δ = min{b− x0, x0 − a} > 0.
Dado ε > 0, existe 0 < δ ′ <δ
2tal que se x ∈ [a, b], x + h ∈ [a, b] e
0 < |h| < δ ′, entao ∣∣∣∣ f(x+ h) − f(x)
h− f ′(x)
∣∣∣∣ < ε
3.
Sejam h > 0 fixo tal que h < δ ′.
Entao,
∣∣∣∣ f(x+ h) − f(x)
h− f ′(x)
∣∣∣∣ < ε
3para todo x ∈ [a, x0 + h], pois
(x0 + h) + h < x0 + δ ≤ x0 + (b− x0) = b.
• Mostraremos que f ′ e contınua em x0.
Seja x tal que |x − x0| < h. Entao, x ∈ (x0 − h, x0 + h) ⊂ (a, b) , pois,
x0 − h > x0 − (x0 − a) = a e x0 + h < x0 + b− x0 = b , e
|f ′(x) − f ′(x0)| ≤∣∣∣∣ f ′(x) −
f(x+ h) − f(x)
h
∣∣∣∣+
∣∣∣∣ f(x+ h) − f(x)
h−f(x0 + h) − f(x0)
h
∣∣∣∣+
∣∣∣∣ f(x0 + h) − f(x0)
h− f ′(x0)
∣∣∣∣<
ε
3+
∣∣∣∣ f(x+ h) − f(x)
h−f(x0 + h) − f(x0)
h
∣∣∣∣+ ε
3.
Como a funcao g : [a, x0 + h] −→ R definida por g(x) =f(x+ h) − f(x)
he
contınua em x0, existe 0 < δ ′′ < h tal que
|x− x0| < δ′′ =⇒ |g(x) − g(x0)| <
ε
3.
Instituto de Matematica - UFF 241
Analise na Reta
Entao, |f ′(x) − f ′(x0)| <ε
3+ε
3+ε
3= ε para todo x ∈ (x0 − δ ′′, x0 + δ ′′).
• Mostraremos, agora, que f ′ e contınua no ponto a.
Dado ε > 0, existe 0 < δ <b− a
2tal que
x, x+ h ∈ [a, b] e 0 < |h| < δ =⇒ ∣∣∣∣ f(x+ h) − f(x)
h− f ′(x)
∣∣∣∣ < ε3.Seja h > 0 fixo tal que h < δ. Entao,∣∣∣∣ f(x+ h) − f(x)
h− f ′(x)
∣∣∣∣ < ε3 ,para todo x ∈
[a,a+ b
2
], pois a <
a+ b
2+ h <
a+ b
2+b− a
2= b.
Como a funcao g :[a,a+ b
2
]−→ R definida por g(x) =
f(x+ h) − f(x)
he
contınua no ponto a, existe 0 < δ ′′ < h tal que
a ≤ x < a+ δ ′′ =⇒ |g(x) − g(a)| <ε
3.
Logo,
|f ′(x) − f ′(a)| ≤ |f ′(x) − g(x)| + |g(x) − g(a)| + |g(a) − f ′(a)|
<ε
3+ε
3+ε
3= ε ,
para todo x ∈ [a, a+ δ ′′).
Assim, f ′ e contınua no ponto a.
• Finalmente, mostraremos que f ′ e contınua no ponto b.
Seja 0 < δ <b− a
2tal que
x, x+ h ∈ [a, b] e 0 < |h| < δ =⇒ ∣∣∣∣ f(x+ h) − f(x)
h− f ′(x)
∣∣∣∣ < ε
3.
Seja h < 0 fixo tal que h > −δ. Entao,∣∣∣∣ f(x+ h) − f(x)
h− f ′(x)
∣∣∣∣ < ε
3,
para todo x ∈[a+ b
2, b], pois b >
a+ b
2+ h >
a+ b
2−b− a
2= a.
Como a funcao g :[a+ b
2, b]−→ R , g(x) =
f(x+ h) − f(x)
h, e contınua
no ponto b, existe 0 < δ ′′ < |h| tal que
J. Delgado - K. Frensel242
Formula de Taylor
|g(x) − g(b)| <ε
3para todo x ∈ (b− δ ′′, b] ⊂
[a+ b
2, b].
Logo,
|f ′(x) − f ′(b)| ≤ |f ′(x) − g(x)| + |g(x) − g(b)| + |g(b) − f ′(b)|
<ε
3+ε
3+ε
3= ε ,
para todo x ∈ (b− δ ′′, b] . Assim, f ′ e contınua no ponto b.�
Para uma demonstracao mais
sintetica, veja Curso de Analise,Vol. I de Elon Lima
3. Formula de Taylor
Seja n ∈ N. A n−esima derivada, ou derivada de ordem n, da
funcao f no ponto a e indicada por f(n)(a) e e definida por inducao da
seguinte maneira:
f ′′(a) = f(2)(a) = [f ′] ′(a) ,
f ′′′(a) = f(3)(a) = [f ′′] ′(a) ,
· · · · · ·f(n)(a) = [f(n−1)] ′(a) .
• E conveniente considerar f como a sua propria derivada de ordem zero
e escrever f(0)(a) = f(a), para simplificar as formulas.
• A derivada de ordem n, f(n)(a), de f no ponto a so faz sentido quando
f(n−1)(x) existe para todo x num conjunto ao qual a pertence e do qual e
ponto de acumulacao. Em todos os casos que estudaremos, tal conjunto
sera um intervalo contendo a.
Definicao 3.1 Dizemos que f : I −→ R e n−vezes derivavel no intervalo
I quando existe f(n)(x) para todo x ∈ I. Quando x e uma das extremidades
de I, f(n)(x) e uma derivada lateral.
Definicao 3.2 Dizemos que f : I −→ R e n−vezes derivavel no ponto
a ∈ I, quando existe um intervalo aberto J contendo a tal que f e
(n− 1)−vezes derivavel em I ∩ J e, alem disso, existe f(n)(a).
Definicao 3.3 Dizemos que f : I −→ R e de classe Cn, e escrevemos
f ∈ Cn, ou f ∈ Cn(I; R), quando f e n−vezes derivavel em I e a derivada
de ordem n, x 7−→ f(n)(x), e contınua em I.
Instituto de Matematica - UFF 243
Analise na Reta
Observacao 3.1 Em particular, dizer que f ∈ C0 significa que f e contı-
nua em I.
Exemplo 3.1 Para cada n = 0, 1, 2, . . ., seja ϕn : R −→ R a funcao
definida por ϕn(x) = |x|nx .
Entao, ϕn(x) = xn+1, se x ≥ 0 e ϕn(x) = −xn+1 se x ≤ 0.
Afirmacao: ϕ ′n(x) = (n+ 1)ϕn−1(x) para todo x ∈ R e n ∈ N.
De fato,
• Se x > 0, ϕ ′n(x) = (n+ 1)xn = (n+ 1)xn−1|x| = (n+ 1)ϕn−1(x) .
• Se x < 0, ϕ ′n(x) = −(n+ 1)xn(n+ 1)xn−1|x| = (n+ 1)ϕn−1(x) .
• ϕ ′n(0+) = ϕ ′
n(0−) = 0 , pois limx→0±
ϕ ′n(x) = lim
x→0±(n+ 1)xn−1|x| = 0 .
Logo ϕ ′n(0) = 0 = (n+ 1)ϕn−1(0) .
Afirmacao: ϕ(n)n (x) = (n+ 1)!ϕ0(x) para todo x ∈ R.
• Se n = 1, ϕ ′1(x) = 2ϕ0(x) = 2!ϕ0(x) , ∀ x ∈ R.
• Suponhamos, por inducao, queϕ(n)n (x) = (n+1)!ϕ0(x), para todo x ∈ R.
Entao, como ϕ ′n+1(x) = (n+ 2)ϕn(x), temos que
ϕ(n+1)n+1 (x) = [ϕ ′
n+1](n)(x) = (n+ 2)ϕ
(n)n (x)
= (n+ 2) (n+ 1)!ϕ0(x)
= (n+ 2)!ϕ0(x) ,
para todo x ∈ R.
Como ϕ0(x) = |x|, x ∈ R, e contınua, mas nao e derivavel no ponto zero,
temos que ϕ ∈ Cn, mas nao e (n + 1)−vezes derivavel no ponto zero.
Entao, ϕ 6∈ Cn+1.�
Exemplo 3.2
• Sejam as funcoes fn, hn : R −→ R definidas por:
fn(x) =
x2n sen
1
x, se x 6= 0
0 se x = 0
e hn(x) =
x2n cos
1
x, se x 6= 0
0 se x = 0 .
Entao fn e hn sao n−vezes derivaveis em R, mas f(n)n e h(n)
n nao sao
contınuas no ponto zero. Logo, fn 6∈ Cn e hn 6∈ Cn.
J. Delgado - K. Frensel244
Formula de Taylor
Em particular, fn e hn nao sao (n+ 1)−vezes derivaveis.
• Sejam as funcoes gn, ϕn : R −→ R definidas por:
gn(x) =
x2n+1 sen
1
xse x 6= 0
0 se x = 0 ,
e ϕn(x) =
x2n+1 cos
1
xse x 6= 0
0 se x = 0 .
Entao, gn ∈ Cn e ϕn ∈ Cn, mas nao sao (n + 1)−vezes derivaveis no
ponto zero.
Vamos provar as afirmacoes feitas acima por inducao sobre n.
Caso n = 1: Como
f ′1(x) = 2x sen1
x− cos
1
xse x 6= 0 e f ′1(0) = 0 ,
h ′1(x) = 2x cos1
x+ sen
1
xse x 6= 0 e h ′1(0) = 0 ,
temos que f1 e h1 sao derivaveis em R, mas f ′1 e h ′1 nao sao contınuas no
ponto zero.
• Como
g ′1(x) = 3x2 sen1
x− x cos
2
x, x 6= 0 e g ′1(0) = 0,
g ′′1 (x) = 6x sen1
x− 4 cos
1
x+1
xsen
1
x, x 6= 0,
ϕ ′1(x) = 3x2 cos
1
x+ x sen
1
x, x 6= 0 , e ϕ ′
1(0) = 0,
ϕ ′′1 (x) = 6x cos
1
x+ 4 sen
1
x−1
xcos
1
x, x 6= 0 ,
temos que g1 e ϕ1 sao de classe C1, mas nao sao 2−vezes derivaveis no
ponto zero, pois nao existem limx→0
g ′1(x) − g ′1(0)
x− 0e lim
x→0
ϕ ′1(x) −ϕ ′
1(0)
x− 0.
Caso geral: Suponhamos que as afirmacoes feitas sejam validas para fn,
hn, gn e ϕn.
Sendo
f ′n+1(x) = (2n+ 2)x2n+1 sen1
x− x2n cos
1
x, x 6= 0, e f ′n+1(0) = 0 ,
temos que
f ′n+1(x) = (2n+ 2)gn(x) − hn(x) para todo x ∈ R .
Como as funcoes gn e hn sao n−vezes derivaveis na reta, mas a derivada
de ordem n de hn nao e contınua na origem e a derivada da funcao gn e
Instituto de Matematica - UFF 245
Analise na Reta
contınua em R, temos que fn+1 e (n+ 1)−vezes derivavel em R, mas sua
derivada de ordem n+ 1 nao e contınua no ponto 0.
De modo analogo, temos que:
h ′n+1(x) = (2n+ 2)x2n+1 cos1
x+ x2n sen
1
x, x 6= 0 , e h ′n+1(0) = 0
ou seja,
h ′n+1(x) = (2n+ 2)ϕn(x) + fn(x) para todo x ∈ R .
Logo, hn+1 e (n + 1)−vezes derivavel em R, pois ϕn e fn sao n−vezes
derivaveis em R, mas h(n+1)n+1 nao e contınua no ponto zero, ja que f(n)
n nao
e contınua no ponto zero e ϕ(n)n e contınua em toda a reta.
• Sendo
g ′n+1(x) = (2n+ 3)x2n+2 sen1
x− x2n+1 cos
1
x, x 6= 0 , e g ′n+1(0) = 0 ,
temos que
g ′n+1(x) = (2n+ 3)fn+1(x) −ϕn(x) para todo x ∈ R .
Como ϕn ∈ Cn e fn+1 ∈ Cn, pois fn+1 e (n + 1)−vezes derivavel em
R, temos que gn+1 ∈ Cn+1, mas gn+1 nao e (n + 2)−vezes derivavel no
ponto zero, pois ϕn nao e (n+ 1)−vezes derivavel no ponto zero e fn+1 e
(n+ 1)−vezes derivavel em R.
De modo analogo, temos que
ϕ ′n+1(x) = (2n+ 3)x2n+2 cos
1
x+ x2n+1 sen
1
x, x 6= 0 , e ϕ ′
n+1(0) = 0 ,
ou seja,
ϕ ′n+1(x) = (2n+ 3)hn+1(x) + gn(x) .
Logo, ϕn+1 ∈ Cn+1, pois hn+1, gn ∈ Cn ,mas nao e (n+2)−vezes derivavel
no ponto zero, pois gn nao e (n+ 1)−vezes derivavel no ponto 0 e hn+1 e
(n+ 1)−vezes derivavel em R.�
Definicao 3.4 Dizemos que f : I −→ R e de classe C∞ em I quando
f ∈ Cn para todo n = 0, 1, 2, . . . ,ou seja, pode-se derivar f tantas vezes
quantas se deseje, em todos os pontos do intervalo I.
Exemplo 3.3
• Todo polinomio e uma funcao C∞ em R.
J. Delgado - K. Frensel246
Formula de Taylor
• Uma funcao racional, quociente de dois polinomios, e de classe C∞ em
todo intervalo onde e definida.
• As funcoes trigonometricas, a funcao logaritmica e a funcao exponencial
sao de classe C∞ em cada intervalo onde sao definidas.�
Exemplo 3.4 A funcao f : R −→ R, f(x) =
e− 1
x2 se x 6= 0
0 se x = 0e de
classe C∞.
E claro que existem as derivadas de todas as ordens num ponto x 6= 0.
Vamos provar que existe f(n)(0) para todo n ∈ N.
Afirmacao: Para cada n ∈ N, fn(x) = pn
(1
x
)e
− 1
x2 , x 6= 0, onde pn(x) e
um polinomio.
• Para n = 1, f ′(x) =2
x3e
− 1
x2 = p1
(1x
)e
− 1
x2 , x 6= 0, onde p1(y) = 2y3.
• Suponha que f(n)(x) = pn
(1
x
)e
− 1
x2 , x 6= 0, onde
pn(y) = akyk + . . .+ a1y+ a0
e um polinomio, ou seja,
f(n)(x) =(ak
xk+ . . .+
a1
x+ a0
)e
− 1
x2 , x 6= 0.
Entao, para x 6= 0,
f(n+1)(x) =(−kak
xk+1− . . .−
a1
x2
)e−1/x2
+2
x3
(ak
xk+ . . .+
a1
x+ a0
)e−1/x2
= pn+1
(1
x
)e−1/x2
,
onde pn+1(y) = −kakyk+1 − . . .− a1y
2 + 2akyk+3 + . . .+ 2a1y
4 + 2a0y3 , e
um polinomio de grau k+ 3.
Afirmacao: f(n)(0) existe e e igual a zero para todo n ∈ N.
• Fazendo y =1
x, temos que
limx→0±
f(x) − f(0)
x− 0= lim
x→0±
1/x
e1/x2 = limx→±∞ y
ey2 .
Logo, f ′(0) existe e e igual a zero, pois f ′(0+) = f ′(0−) = 0.
Instituto de Matematica - UFF 247
Analise na Reta
• Suponhamos que f(n)(0) existe e e igual a zero.
Como f(n)(x) = p(1
x
)e−1/x2
, x 6= 0 , para algum polinomio p, fazendo
y =1
x, obtemos que
limx→0±
f(n)(x) − f(n)(0)
x− 0= lim
x→0±
1
xp(1
x
)e−1/x2
= limy→±∞ yp(y)
ey2 = 0 .
Logo, f(n+1)(0+) = f(n+1)(0−) = 0. Entao, f(n+1)(0) existe e e igual a zero.�
• Quando f e derivavel num ponto a,
f(a+ h) = f(a) + f ′(a)h+ r(h) , onde limh→0
r(h)
h= 0 ,
ou seja, o resto r(h) e um infinitesimo de ordem maior do que 1 em relacao
a h.
Mostraremos que quando f e n−vezes derivavel no ponto a, existe
um polinomio p de grau ≤ n, polinomio de Taylor de f no ponto a, tal que
f(a+ h) = p(h) + r(h) , onde limh→0
r(h)
hn= 0 ,
ou seja, o resto r(h) e um infinitesimo de ordem superior a n em relacao
a h.
Isto e, uma funcao n−vezes derivavel num ponto pode ser aproxi-
mada por um polinomio de grau ≤ n na vizinhanca daquele ponto.
No caso n = 1, a existencia de um polinomio p(h) = f(a) + Lh de
grau ≤ 1 tal que limh→0
r(h)
h= 0, onde r(h) = f(a+h)−p(h), e uma condicao
necessaria e suficiente para que f seja derivavel no ponto a.
Mas, quando n > 1, a existencia de um polinomio p(h) de grau
≤ n tal que limh→0
r(h)
hn= 0, onde r(h) = f(a + h) − p(h), decorre de f ser
n−vezes derivavel no ponto a, mas nao e suficiente para garantir que f
seja n−vezes derivavel no ponto a.
Exemplo 3.5 Seja f : R −→ R definida por
f(x) =
1+ x+ (x− a)2 + (x− a)3 sen1
x− a, se x 6= a
1+ a , se x = a .
J. Delgado - K. Frensel248
Formula de Taylor
Entao,
f(a+ h) = 1+ a+ h+ h2 + h3 sen1
h, h 6= 0 ,
ou seja,
f(a+ h) = p(h) + r(h) ,
onde p(h) = 1 + a + h + h2 e um polinomio de grau 2 e o resto
r(h) = h3 sen1
hcumpre a condicao lim
h→0
r(h)
h2= 0.
Temos que f e derivavel em toda a reta com
• f ′(x) = 1+ 2(x− a) + 3(x− a)2 sen1
x− a− (x− a) cos
1
x− a, para x 6= a
e
• f ′(a) = limx→a
f(x) − f(a)
x− a= lim
x→a
(x− a) + (x− a)2 + (x− a)3 sen1
x− ax− a
= limx→a
1+ (x− a) + (x− a)2 sen1
x− a= 1 ,
mas f nao e duas vezes derivavel no ponto a, pois nao existe
limx→0
f ′(x) − f ′(a)
x− a= lim
x→a
[2+ 3(x− a) sen
1
x− a− cos
1
x− a
].
�
Observacao 3.2 Um polinomio de grau ≤ np(x) = b0 + b1x+ . . .+ bnx
n
fica determinado quando se conhecem o seu valor e o de suas derivadas
ate a ordem n no ponto 0, ou seja, o conhecimento de p(0), p ′(0),. . .,p(n)(0)
determina os valores de b0, b1, . . . , bn.
De fato, p(0) = b0, p ′(0) = b1, p ′′(0) = 2 !b2,. . .,p(n)(0) = n !bn, ou seja,
bj =p(j)
j !, j = 0, 1, . . . , n.
Definicao 3.5 Se f : I −→ R e n−vezes derivavel no ponto a ∈ I, o
polinomio de grau ≤ n
p(h) = f(a) + f ′(a)h+f ′′(a)
2 !h2 + . . .+
f(n)(a)
n !hn
e o polinomio de Taylor de ordem n de f no ponto a.
Instituto de Matematica - UFF 249
Analise na Reta
Observacao 3.3 O polinomio de Taylor de ordem n de f no ponto a
e o unico polinomio p de grau ≤ n cujas derivadas p(0), p ′(0),. . .,p(n)(0)
no ponto 0 coincidem com as derivadas correspondentes de f no ponto
a, pois, nesse caso o coeficiente de ordem j de p ep(j)(0)
j !=
f(j)(a)
j !,
j = 0, 1, . . . , n.
Lema 3.1 Seja r : I −→ R uma funcao n−vezes derivavel, n ≥ 1, no
ponto 0 ∈ I. Entao,
r(0) = r ′(0) = . . . = r(n)(0) = 0 ⇐⇒ limx→0
r(x)
xn= 0 .
Prova.
(=⇒) Mostraremos, por inducao sobre n, que se r e n−vezes derivavel,
n ≥ 1, no ponto 0 ∈ I e r(0) = r ′(0) = . . . = r(n)(0) = 0, entao limx→0
r(x)
xn= 0.
Caso n = 1: Se r(0) = r ′(0) = 0, entao
limx→0
r(x)
x= lim
x→0
r(x) − r(0)
x− 0= r ′(0) = 0 .
Caso geral: Suponhamos o resultado valido para n− 1, n ≥ 2.
Seja r : I −→ R n−vezes derivavel no ponto 0 ∈ I com r(0) = r ′(0) =
. . . = r(n)(0) = 0.
Entao, a hipotese de inducao, aplicada a r ′, nos da que limx→0
r ′(x)
xn−1= 0.
Logo, dado ε > 0, existe δ > 0, tal que
x ∈ I , 0 < |x| < δ =⇒ ∣∣∣∣r ′(x)xn−1
∣∣∣∣ < ε .
Como r e pelo menos uma vez derivavel numa vizinhanca do ponto zero,
pois n ≥ 2, existe 0 < δ ′ < δ, tal que r e derivavel em I ∩ (−δ ′, δ ′).
Entao, pelo teorema do valor medio, para cada 0 < |x| < δ ′, x ∈ I, existe
cx ∈ I, 0 < |cx| < |x|, tal que
r(x) = r(x) − r(0) = r ′(cx)x .
Logo, ∣∣∣∣r(x)xn
∣∣∣∣ = ∣∣∣∣r ′(cx)xn−1
∣∣∣∣ = ∣∣∣∣r ′(cx)cn−1x
∣∣∣∣ · ∣∣∣cxx ∣∣∣n−1
< ε .
J. Delgado - K. Frensel250
Formula de Taylor
Provamos, assim, que dado ε > 0 existe δ ′ > 0 tal que
x ∈ I, 0 < |x| < δ ′ =⇒ ∣∣∣∣r(x)xn
∣∣∣∣ < ε .Logo, lim
x→0
r(x)
xn= 0.
(⇐=) Mostraremos, agora, por inducao, que se r : I −→ R e n−vezes
derivavel, n ≥ 1, no ponto 0 ∈ I e limx→0
r(x)
xn= 0, entao r(0) = r ′(0) =
r ′′(0) = . . . = r(n)(0) = 0 .
Caso n = 1: Se limx→0
r(x)
x= 0, entao
r(0) = limx→0
r(x) = limx→0
r(x)
xx = lim
x→0
r(x)
xlimx→0
x = 0 ,
e r ′(0) = limx→0
r(x) − r(0)
x− 0= lim
x→0
r(x)
x= 0 .
Caso geral: Suponhamos o resultado valido para n− 1, n ≥ 2, e conside-
remos uma funcao r : I −→ R n−vezes derivavel no ponto 0 ∈ I tal que
limx→0
r(x)
xn= 0.
Seja ϕ : I −→ R definida por ϕ(x) = r(x) −r(n)(0)
n !xn .
Entao, ϕ e n−vezes derivavel no ponto 0 ∈ I e
limx→0
ϕ(x)
xn−1= lim
x→0
[r(x)
xnx−
r(n)(0)
n!x
]= 0 .
Pela hipotese de inducao, temos que
ϕ(0) = ϕ ′(0) = . . . = ϕ(n−1)(0) = 0 .
Entao, r(0) = 0 e como
ϕ(k)(x) = r(k)(x) −r(n)(0)
n !n (n− 1) . . . (n− (k− 1)) xn−k ,
para todo x ∈ I e k = 1, 2, . . . , n, temos r(j)(0) = 0, para todo
j = 1, . . . , n− 1, e ϕ(n)(0) = r(n)(0) −r(n)(0)n !
n != 0 .
Logo, pela parte do lema ja demonstrada, temos que limx→0
ϕ(x)
xn= 0, ja que
ϕ(0) = ϕ ′(0) = . . . = ϕ(n−1)(0) = ϕ(n)(0) = 0 .
Instituto de Matematica - UFF 251
Analise na Reta
Entao, como limx→0
r(x)
xn= 0, temos que
r(n)(0)
n != lim
x→0
r(n)(0)
n !
xn
xn= lim
x→0
(r(x)
xn−ϕ(x)
xn
)= lim
x→0
r(x)
xn− lim
x→0
ϕ(x)
xn= 0 ,
ou seja, r(n)(0) = 0, o que completa a demonstracao.�
• Sejam f : I −→ R uma funcao definida no intervalo I, a ∈ I e p : R −→ Rum polinomio. Se fizermos
f(a+ h) = p(h) + r(h) ,
obtemos uma funcao r : J −→ R definida no intervalo J = −a + I = {h ∈R |a+ h ∈ I} que contem o ponto 0.
Como p ∈ C∞, temos que f e n−vezes derivavel no ponto a se, e so
se, r e n−vezes derivavel no ponto 0.
Suponhamos que f e n−vezes derivavel no ponto a. Segue-se do
lema anterior, que limh→0
r(h)
hn= 0 se, e so se, r(j)(0) = 0 , 0 ≤ j ≤ n, ou seja,
limh→0
r(h)
hn= 0 se, e so se, f(j)(a) = p(j)(0), para todo j = 0, 1, . . . , n.
Se, alem disso, impusermos que grau(p) ≤ n, temos que limh→0
r(h)
hn=
0 se, e so se, p e o polinomio de Taylor de ordem n para f no ponto a.
Com estas observacoes, provamos o seguinte:
Teorema 3.1 (Formula de Taylor infinitesimal)
Seja f : I −→ R uma funcao n−vezes derivavel no ponto a ∈ I.
Entao, para todo h tal que a+ h ∈ I, tem-se
f(a+ h) = f(a) + f ′(a)h+ . . .+f(n)(a)
n !hn + r(h)
onde limh→0
r(h)
hn= 0 .
Alem disso, p(h) =
n∑j=0
f(j)(a)
j !hj e o unico polinomio de grau ≤ n tal que
f(a+ h) = p(h) + r(h) , com limh→0
r(h)
hn= 0
J. Delgado - K. Frensel252
Aplicacoes da formula de Taylor
• Este teorema nos diz que o polinomio de Taylor de ordem n para f
no ponto a aproxima f, numa vizinhanca do ponto a, a menos de um
infinitesimo de ordem superior a n.
Exemplo 3.6 Seja p : R −→ R um polinomio de grau ≤ n. Dados
a, h ∈ R, a formula de Taylor infinitesimal nos diz que
p(a+ h) = p(a) + p ′(a)h+ . . .+p(n)(a)
n !hn + r(h) ,
onde limh→0
r(h)
hn= 0.
Como r e um polinomio de grau ≤ n e r(j)(0) = 0, 0 ≤ j ≤ n, temos que
r = 0, ou seja,
p(a+ h) = p(a) + p ′(a)h+ . . .+p(n)(a)
n !hn ,
quaisquer que sejam a, h ∈ R.
Poderıamos, tambem, chegar ao mesmo resultado observando que q(h) =
p(a + h) e um polinomio de grau ≤ n tal que r(h) = p(a + h) − q(h) = 0
satisfaz, trivialmente, a condicao limh→0
r(h)
hn= 0. Entao, pela unicidade do
polinomio de Taylor, temos que
p(a+ h) = q(h) = p(a) + p ′(a)h+ . . .+p(n)(a)
n !hn .
�
4. Aplicac oes da f ormula de Taylor
4.1 Maximos e mınimos locais
Seja f : I −→ R uma funcao n−vezes derivavel no ponto a perten-
cente ao interior do intervalo I. Dizemos que a e um ponto crıtico de f
quando f ′(a) = 0.
Suponhamos que f ′(a) = f ′′(a) = . . . = f(n−1)(a) = 0 , mas
f(n)(a) 6= 0. Entao:
(1) Se n e par, entao a e ponto de maximo local quando f(n)(a) < 0, e um
Instituto de Matematica - UFF 253
Analise na Reta
ponto de mınimo local quando f(n)(a) > 0.
(2) Se n e ımpar, o ponto a nao e de maximo nem de mınimo local.
De fato, pela formula de Taylor infinitesimal, temos que
f(a+ h) = f(a) +
(f(n)(a)
n !+ ρ(h)
)hn ,
onde ρ(0) = 0 e ρ(h) =r(h)
hnse h 6= 0, a+ h ∈ I.
Como limh→0
ρ(h) = 0 e f(n)(a) 6= 0, temos que, para h suficientemente
pequeno, o sinal def(n)
n !+ ρ(h) e o mesmo de
f(n)(a)
n !.
Entao, se n e par e f(n)(a) > 0, temos que f(a+ h) > f(a) para todo
h 6= 0 pertencente a uma vizinhanca do ponto zero, pois hn > 0 para todo
h 6= 0. Ou seja, a e um ponto de mınimo local estrito.
E, se n e par e f(n)(a) < 0, temos que f(a + h) < f(a) para todo
h 6= 0 suficientemente pequeno, ja que hn > 0 para todo h 6= 0. Ou seja,
a e um ponto de maximo local estrito.
Agora, se n e ımpar e f(n)(a) > 0, como existe δ > 0 tal que
(a− δ, a+ δ) ⊂ I ef(n)(a)
n !+ ρ(h) > 0 ∀ h ∈ (−δ, δ) − {0}, temos que
f(a+ h) − f(a) =
(f(n)(a)
n !+ ρ(h)
)hn < 0 , se −δ < h < 0 ,
e f(a+ h) − f(a) =
(f(n)(a)
n !+ ρ(h)
)hn > 0 , se 0 < h < δ .
Ou seja, a nao e ponto de maximo nem de mınimo local de f.
De modo analogo, podemos provar que se n e ımpar e f(n)(a) < 0,
entao a nao e ponto de maximo nem de mınimo local de f.
• Em particular, temos que se f : I −→ R e n−vezes derivavel no ponto
a ∈ int I, f ′(a) = . . . = f(n−1)(a) = 0 e f(n)(a) 6= 0, entao existe δ > 0 tal
que f(a+ h) 6= f(a) para todo h ∈ (−δ, δ) , h 6= 0.
Como consequencia, temos que se (xn) e uma sequencia de pontos
de X − {a} tal que limn→+∞ xn = a e f(xn) = f(a) para todo n ∈ N, entao
todas as derivadas de f que existam no ponto a sao nulas.
J. Delgado - K. Frensel254
Aplicacoes da formula de Taylor
Exemplo 4.1 A funcao f : R −→ R, f(x) = xn, tem um ponto de mınimo
no ponto zero se n e par, pois f ′(0) = . . . = f(n−1)(0) = 0 e f(n)(0) = n ! >
0 , e e crescente se n e ımpar, pois f ′(x) = nxn−1 > 0 para todo x 6= 0,
f(x) < 0 para x < 0 e f(x) > 0 para x > 0.�
4.2 Indeterminac ao do tipo 0
0.
Sejam f, g : I −→ R funcoes n−vezes derivaveis no ponto a ∈ I. Su-
ponhamos que f(a) = f ′(a) = . . . = f(n−1)(a) = 0 e g(a) = g ′(a) = . . . =
g(n−1)(a) = 0, mas f(n)(a) 6= 0 ou g(n)(a) 6= 0. Alem disso, suponhamos
que g(x) 6= 0 para todo x 6= a suficientemente proximo de a. Entao,
limx→a
f(x)
g(x)=f(n)(a)
g(n)(a), se g(n)(a) 6= 0 ,
e
limx→a
∣∣∣∣ f(x)g(x)
∣∣∣∣ = +∞ , se g(n)(a) = 0 ,
Para provar este resultado, basta observar, fazendo h = (x−a), que
f(x)
g(x)=
f(a+ h)
g(a+ h)=
(f(n)(a)
n !+ ρ(h)
)hn
(g(n)(a)
n !+ σ(h)
)hn
=f(n)(a) + n ! ρ(h)
g(n)(a) + n !σ(h), onde lim
h→0ρ(h) = lim
h→0σ(h) = 0 .
• Veremos, agora, outra formula de Taylor, que nos da uma estimativa
da diferenca f(a + h) − f(a) para um valor fixo de h, isto e, sem supor
h −→ 0. A formula de Taylor que iremos obter nos da uma generalizacao
do Teorema do Valor Medio para funcoes n−vezes derivaveis.
Teorema 4.1 (Formula de Taylor com resto de Lagrange)
Seja f : [a, b] −→ R uma funcao de classe Cn−1, n−vezes derivavel no
intervalo aberto (a, b). Entao existe c ∈ (a, b) tal que
f(b) = f(a) + f ′(a) (b− a) + . . .+f(n−1)(a)
(n− 1) !(b− a)n−1 +
f(n)(c)
n !(b− a)n
Instituto de Matematica - UFF 255
Analise na Reta
Pondo b = a+ h, isto equivale a dizer que existe θ ∈ (0, 1) tal que
f(a+ h) = f(a) + f ′(a)h+ . . .+f(n−1)(a)
n !hn−1 +
f(n)(a+ θh)
n !hn
Prova.
Seja ϕ : [a, b] −→ R definida por
ϕ(x) = f(b) − f(x) − f ′(x) (b− x) − . . .−f(n−1)(x)
(n− 1) !(b− x)n−1 −
k
n !(b− x)n ,
onde a constante k e escolhida de modo que ϕ(a) = 0.
Entao, ϕ e contınua em [a, b], derivavel em (a, b), ϕ(a) = ϕ(b) = 0.
Alem disso, temos que
ϕ ′(x) = −f ′(x) +
n∑j=2
(−f(j)(x)
(j− 1) !(b− x)j−1 +
f(j−1)(x)
(j− 2) !(b− x)j−2
)+
k
(n− 1) !(b− x)n−1
= −f ′(x) −
n−1∑j=1
f(j+1)(x)
j !(b− x)j +
n−2∑j=0
f(j+1)(x)
j !(b− x)j + k
(b− x)n−1
(n− 1) !
=k− f(n)(x)
(n− 1) !(b− x)n−1 .
Pelo teorema de Rolle, existe c ∈ (a, b) tal que ϕ ′(c) = 0, ou seja, k =
f(n)(c) .
Entao, como ϕ(a) = 0, temos que
f(b) = f(a) + f ′(a)(b− a) + . . .+f(n−1)(a)
(n− 1) !(b− a)n−1 +
f(n)(c)
n !(b− a)n .
�
4.3 Func oes convexas
Dizemos que uma funcao f : I −→ R, definida num intervalo I, e
convexa, quando para a < x < b arbitrarios em I, o ponto (x, f(x)) do
grafico de f esta situado abaixo da secante que liga os pontos (a, f(a)) e
(b, f(b)).
Como a equacao da reta secante e
J. Delgado - K. Frensel256
Aplicacoes da formula de Taylor
y =f(b) − f(a)
b− a(x− a) + f(a) , ou y =
f(b) − f(a)
b− a(x− b) + f(b) ,
dizer que, para a < x < b o ponto (x, f(x)) do grafico de f esta abaixo da
secante, significa que
f(x) ≤ f(b) − f(a)
b− a(x− a) + f(a) ,
e
f(x) ≤ f(b) − f(a)
b− a(x− b) + f(b) ,
ou seja,
f(x) − f(a)
x− a≤ f(b) − f(a)
b− a≤ f(b) − f(x)
b− x
Na realidade, basta que uma dessas desigualdades ocorra para que
a funcao seja convexa.
Teorema 4.2 Seja f : I −→ R uma funcao duas vezes derivavel no
intervalo aberto I. Entao, f e convexa se, e so se, f ′′(x) ≥ 0 para todo
x ∈ I.
Prova.
(⇐=) Suponhamos que f ′′(x) ≥ 0 para todo x ∈ I.
Sejam a, a+ h ∈ I, h 6= 0. Entao, pelo teorema anterior, existe c ∈ I entre
a e a+ h tal que f(a+ h) = f(a) + f ′(a)h+f ′′(c)
2 !h2.
Como f ′′(a) ≥ 0, temos que
f(a+ h) − f(a)
h≥ f ′(a) se h > 0,
ef(a+ h) − f(a)
h≤ f ′(a) se h < 0.
Logo, se a < x < b, a, b, x ∈ I, temos que
f(a) − f(x)
a− x≤ f ′(x) ≤ f(b) − f(x)
b− x,
isto e,f(x) − f(a)
x− a≤ f(b) − f(x)
b− x.
Somando (f(x) − f(a))(x− a) a ambos os membros da desigualdade,
(f(x) − f(a))(b− x) ≤ (f(b) − f(x))(x− a) ,
Instituto de Matematica - UFF 257
Analise na Reta
obtemos que
(f(x) − f(a))(b− a) ≤ (f(b) − f(a))(x− a) ,
ou seja,
f(x) − f(a)
x− a≤ f(b) − f(a)
b− a,
Logo, f e convexa no intervalo I.
(=⇒) Suponhamos que f e convexa em I. Entao, dados a < x < b em I,
temos que
f(x) − f(a)
x− a≤ f(b) − f(a)
b− a≤ f(x) − f(b)
x− b.
Fazendo x −→ a na primeira desigualdade e x −→ b na segunda, obte-
mos que:
f ′(a) ≤ f(b) − f(a)
b− a≤ f ′(b) ,
ou seja, f ′(a) ≤ f ′(b).
Como f ′ e nao-decrescente e derivavel em I, temos que f ′′(x) ≥ 0 para
todo x ∈ I.�
Observacao 4.1 Tomando a desigualdade estrita < em vez de ≤ 0 na
definicao de funcao convexa, obtemos o conceito de funcao estritamente
convexa.
Usando a mesma demonstracao que fizemos acima, podemos pro-
var que se f : I −→ R e duas vezes derivavel no intervalo aberto I e
f ′′(x) > 0 para todo x ∈ I, entao f e estritamente convexa.
Mas a recıproca nem sempre e verdadeira.
Exemplo 4.2 A funcao f : R −→ R, f(x) = x4, e estritamente convexa,
pois se a < x < b, entao
x4 − a4
x− a=
(x2 − a2)(x2 + a2)
x− a= (x+ a)(x2 + a2)
< (b+ a)(b2 + a2) =b4 − a4
b− a,
mas f ′′(x) = 12x2 nao e positiva em todo x, pois f ′′(0) = 0.�
J. Delgado - K. Frensel258
Aplicacoes da formula de Taylor
4.4 Serie de Taylor — func oes analıticas
Seja f : I −→ R uma funcao de classe C∞ no intervalo I. Entao,
dados a ∈ int I e a+ h ∈ I, podemos escrever, para todo n ∈ N,
f(a+ h) = f(a) + f ′(a)h+ . . .+f(n−1)(a)
(n− 1)!hn−1 + rn(h) ,
onde rn(h) =f(n)(a+ θnh)
n !hn, com 0 < θn < 1.
A serie∞∑
n=0
f(n)(a)
n !hn
chama-se serie de Taylor da funcao f em torno do ponto a.
Observacao 4.2 Toda funcao C∞ definida num intervalo I possui uma
serie de Taylor em torno de cada ponto a ∈ int I. Mas tal serie pode con-
vergir ou divergir e, mesmo quando converge, sua soma pode ser diferente
de f(a+ h).
Definicao 4.1 Dizemos que uma funcao f : I −→ R de classe C∞ no
intervalo aberto I e analıtica quando, para cada a ∈ I existe εa > 0 tal
que a serie de Taylor∞∑
n=0
f(n)(a)
n !hn converge para f(a + h) para todo
h ∈ (−εa, εa).
Observacao 4.3 A serie de Taylor∞∑
n=0
f(n)(a)
n !hn converge para f(a+h)
se, e so se, limn→+∞ rn(h) = 0.
Exemplo 4.3 Todo polinomio p : R −→ R e uma funcao analıtica, pois,
se p tem grau ≤ n, entao
p(a+ h) = p(a) + p ′(a)h+ . . .+p(n)(a)
n !hn =
∞∑j=0
p(j)(a)
j !hj ,
para todo a, h ∈ R.�
Instituto de Matematica - UFF 259
Analise na Reta
Observacao 4.4 Costuma-se usar a unicidade do polinomio de Taylor
para se obter as derivadas de ordem superior de uma funcao f.
Exemplo 4.4 Seja a funcao racional f : R −→ R definida por f(x) =
1
1+ x2. Entao, f ∈ C∞ e, como
1− yn
1− y= 1+ y+ y2 + . . .+ yn−1 ,
ou seja,1
1− y= 1+ y+ . . .+ yn−1 +
yn
1− y,
para todo y 6= 1, temos, fazendo 1+ x2 = 1− (−x2), que
f(x) = f(x+ 0) =1
1+ x2= 1− x2 + x4 − x6 + . . .+ (−1)n−1x2n−2 +
(−1)n x2n
1+ x2,
para todo x ∈ R e n ∈ N.
Sejam p(x) = 1 − x2 + x4 − x6 + . . . + (−1)n−1x2n−2 e r(x) =(−1)n x2n
1+ x2.
Como p e um polinomio de grau ≤ 2n − 1 e limx→0
r(x)
x2n−1= lim
x→0
(−1)n x
1+ x2= 0,
temos que p e o polinomio de Taylor de ordem 2n− 1 de f no ponto zero.
Logo, f(2n−1)(0) = 0 e f(2n−2)(0) = (−1)n−1(2n− 2) ! para todo n ∈ N.
Alem disso, como r2n−1(x) = r2n(x) =(−1)n x2n
1+ x2, e lim
n→0rn(x) = 0 se, e so
se, limn→+∞ rn(x) = 0 se, e so se, lim
n→+∞ r2n−1(x) = limn→+∞ r2n(x) = 0 temos
que, limn→+∞ rn(x) = 0 se, e so se, |x| < 1.
Entao a serie de Taylor de f em torno de zero,∞∑
n=0
(−1)nx2n , converge
para f(x) se |x| < 1 e diverge se |x| ≥ 1, pois, neste caso, o termo geral
(−1)nx2n nao tende a zero quando n −→ ∞.
Apesar disto, como veremos depois, f e analıtica em toda a reta. O que
acontece e que a serie de Taylor de f em torno de um ponto a 6= 0 e
diferente da serie acima.�
Exemplo 4.5 Seja f : R −→ R a funcao f(x) =
e−1/x2se x 6= 0
0 se x = 0 .
J. Delgado - K. Frensel260
Aplicacoes da formula de Taylor
Ja vimos, no exemplo 3.4, que f e de classe C∞ e que f(n)(0) = 0 para
todo n ∈ N.
Logo, a serie de Taylor∞∑
n=0
f(n)(0)
n !xn de f em torno do ponto 0 e identi-
camente nula e, portanto, converge para zero, para todo x ∈ R. Como
f(x) 6= 0 para todo x 6= 0, a serie de Taylor de f em torno do ponto 0
nao converge para f(x) para todo x 6= 0. Em particular, f nao e analıtica
em intervalo algum que contem o zero. Mas, como veremos depois, f e
analıtica em (0,∞) e em (−∞, 0).�Exemplo 4.6 Seja f : R −→ R dada por f(x) = sen x.
Como f(2n+1)(x) = (−1)n cos x e f(2n)(x) = (−1)n sen x, para todo x ∈ Re n ∈ N, temos que a formula de Taylor de f com resto de Lagrange em
torno do zero e
sen x = x−x3
3 !+x5
5 !+ . . .+
(−1)n x2n+1
(2n+ 1) !+ r2n+2(x) ,
onde rn(x) =sen(n)(c)
n !xn e |c| < |x|.
Logo, |rn(x)| ≤ |x|n
n !para x ∈ R e n ∈ N.
Entao, como limn→+∞ |x|n
n != 0, temos que lim
n→+∞ rn(x) = 0 para todo x ∈ R.
Ou seja, a serie de Taylor da funcao seno em torno do ponto 0 converge
para sen x, para todo x ∈ R.
De modo analogo, podemos provar que a serie de Taylor
sena+ h cosa−h2
2 !sena−
h3
3 !cosa+
h4
4 !sena+ . . .
da funcao seno em torno de um ponto a ∈ R tambem converge para
sen(a+h) para todo h ∈ R, pois o resto rn(h) =sen(n)(c)
n !hn, onde c esta
entre a e a + h, da formula de Taylor com resto de Lagrange da funcao
seno em torno do ponto a tambem converge para zero quando n → +∞para todo h ∈ R.
Assim, a funcao seno e analıtica em toda a reta e sua serie de Taylor em
torno de qualquer ponto a converge para sen(a+ h) para todo h ∈ R.
Instituto de Matematica - UFF 261
De modo analogo, podemos provar que o mesmo vale para a funcao cos-
seno.�
Exemplo 4.7 Seja f : R −→ R a funcao exponencial f(x) = ex. Como
f(n)(x) = ex para todo x ∈ R e n ∈ N, temos que a formula de Taylor com
resto de Lagrange de f em torno de um ponto a ∈ R e dada por
ea+h = ea + ea h+ ea h2
2 !+ . . .+ ea h
n
n !+ rn+1(h) ,
onde rn+1(h) =ecn hn+1
n !, para algum cn entre a e a+ h.
Como ecn < ea+|h| e limn→+∞ hn+1
(n+ 1)!= 0, temos que lim
n→+∞ rn+1(h) = 0.
Logo, a serie de Taylor∞∑
n=0
eahn
n !da funcao exponencial em torno do ponto
a converge para ea+h para todo h ∈ R.
Assim, a funcao exponencial e analıtica em toda a reta e
ex =
∞∑n=0
ea
n !(x− a)n
para todo x ∈ R e a ∈ R.�
Instituto de Matematica - UFF 263
J. Delgado - K. Frensel264
Integral superior e integral inferior
Parte 8
Integral de Riemann
1. Integral superior e integral inferior
Seja f : [a, b] −→ R uma funcao limitada no intervalo compacto [a, b].
Entao, existem m,M ∈ R tais que m ≤ f(x) ≤ M para todo x ∈ [a, b], ou
seja, f(x) ∈ [m,M] para todo x ∈ [a, b].
O menor intervalo [m,M] que contem f([a, b]) e dado por
m = inf{f(x) | x ∈ [a, b]} = inf f e M = sup{f(x) | x ∈ [a, b]} = sup f .
Definicao 1.1 Uma particao do intervalo [a, b] e um subconjunto finito
P = {t0, t1, . . . , tn} de [a, b] tal que a = t0 < t1 < . . . < tn = b.
Os intervalos [ti−1, ti], i = 1, . . . , n, sao os intervalos da particao P.
• Sejam f : [a, b] −→ R uma funcao limitada e P = {t0, t1, . . . , tn} uma
particao de [a, b]. Para cada i = 1, . . . , n, tome
mi = inf{f(x) | x ∈ [ti−1, ti]} e Mi = sup{f(x) | x ∈ [ti−1, ti]} .
Definicao 1.2 Os numeros reais
s(f;P) =
n∑i=1
mi (ti − ti−1) e S(f;P) =
n∑i=1
Mi (ti − ti−1)
sao chamados, respectivamente, a soma inferior e a soma superior da
funcao f relativa a particao P.
• Se m = inf{f(x) | x ∈ [a, b]} e M = sup{f(x) | x ∈ [a, b]}, temos
Instituto de Matematica - UFF 265
Analise na Reta
m(b− a) ≤ s(f;P) ≤ S(f;P) ≤M(b− a) ,
para toda particao P do intervalo [a, b].
Observacao 1.1 Se f e positiva no intervalo [a, b], s(f;P) e S(f;P) sao,
respectivamente, a area de um polıgono inscrito e a area de um polıgono
circunscrito e, portanto, valores aproximados, por falta, e por excesso, da
area compreendida entre o grafico de f e o eixo das abscissas.
Definicao 1.3 Sejam P e Q particoes do intervalo [a, b].
Quando P ⊂ Q, dizemos que a particao Q e mais fina do que a particao
P, ou que a particao Q e um refinamento da particao P.
Seja Q = {t0, t1, . . . , ti−1, r, ti, . . . , tn} um refinamento da particao
P = {t0, t1, . . . , ti−1, ti, . . . , tn}, obtido acrescentando apenas um ponto
J. Delgado - K. Frensel266
Integral superior e integral inferior
r ∈ (ti−1, ti) a particao P.
Sejam
mi = inf{f(x) | x ∈ [ti−1, ti]}
m ′ = inf{f(x) | x ∈ [ti−1, r]}
m ′′ = inf{f(x) | x ∈ [r, ti]} .
Entao, mi ≤ m ′ e mi ≤ m ′′.
Assim,
s(f;Q) − s(f;P) = m ′′(ti − r) +m ′(r− ti+1) −mi(ti − ti−1)
= m ′(ti − r) +m ′′(r− ti−1) −mi(ti − r) −mi(r− ti−1)
= (m ′ −mi)(ti − r) + (m ′′ −mi)(r− ti−1) ≥ 0 ,
ou seja, s(f;Q) ≥ s(f;P).
Podemos, entao, provar por inducao que s(f;Q) ≥ s(f;P) para toda
particao Q mais fina do que P.
De modo analogo, podemos mostrar que se Q e um refinamento de
P, isto e, P ⊂ Q, entao S(f;Q) ≤ S(f;P).
Teorema 1.1 Sejam f : [a, b] −→ R uma funcao limitada e P,Q particoes
de [a, b]. Se P ⊂ Q, entao
s(f,P) ≤ s(f;Q) e S(f;P) ≥ S(f;Q) .
Corolario 1.1 Seja f : [a, b] −→ R uma funcao limitada.
Entao s(f;P) ≤ S(f;Q) quaisquer que sejam P e Q particoes de [a, b].
Prova.
Como P ∪Q refina P e Q, temos
s(f;P) ≤ s(f;P ∪Q) ≤ S(f;P ∪Q) ≤ S(f;Q) .
�
Definicao 1.4 Seja f : [a, b] −→ R limitada. Chamamos integral inferior
de f no intervalo [a, b] o numero real∫b
a
f(x)dx = supPs(f;P)
e integral superior de f no intervalo [a, b] o numero real
Instituto de Matematica - UFF 267
Analise na Reta
∫b
a
f(x)dx = infPS(f;P)
Ou seja,∫b
a
f(x)dx e∫b
a
f(x)dx sao caracterizados pelas proprieda-
des abaixo:
(1)∫b
a
f(x)dx ≥ s(f;P) para qualquer particao P de [a, b]
(2) Dado ε > 0, existe uma particao P de [a, b] tal que
s(f;P) >
∫b
a
f(x)dx− ε .
(1’)∫b
a
f(x)dx ≤ S(f;P) para qualquer particao P de [a, b]
(2’) Dado ε > 0, existe uma particao P de [a, b] tal que
S(f;P) <
∫b
a
f(x)dx+ ε .
Entao, se m ≤ f(x) ≤M para todo x ∈ [a, b], temos que
m(b− a) ≤∫b
a
f(x)dx ≤∫b
a
f(x)dx ≤M(b− a) ,
pois
m(b− a) ≤ s(f;P) ≤ S(f;Q) ≤M(b− a) ,
quaisquer que sejam as particoes P e Q de [a, b].
Em particular, se |f(x)| ≤ K, ou seja, −K ≤ f(x) ≤ K, para todo
x ∈ [a, b], entao∣∣∣∣∣∫b
a
f(x)dx
∣∣∣∣∣ ≤ K(b− a) e
∣∣∣∣∣∫b
a
f(x)dx
∣∣∣∣∣ ≤ K(b− a) .
Exemplo 1.1 Seja f : [a, b] −→ R definida por f(x) =
1 se x ∈ Q
0 se x ∈ R − Q .
Dada uma particao P de [a, b], temos mi = 0 e Mi = 1, para todo
i = 1, . . . , n, pois todo intervalo [ti−1, ti] de P contem numeros racionais e
irracionais.
J. Delgado - K. Frensel268
Integral superior e integral inferior
Logo, s(f;P) = 0 e S(f;P) = (b− a), para toda particao P de [a, b].
Portanto,∫b
a
f(x)dx = 0 e∫b
a
f(x)dx = b− a.�
Exemplo 1.2 Seja f : [a, b] −→ R a funcao constante f(x) = c para todo
x ∈ [a, b]. Entao mi = Mi = c em todo intervalo [ti−1, ti] de uma particao
P de [a, b]. Logo, s(f;P) = S(f;P) = c(b − a) para toda particao P de
[a, b]. Daı, ∫b
a
f(x)dx =
∫b
a
f(x)dx = c(b− a) .
�
Teorema 1.2 Sejam a < c < b e f : [a, b] −→ R limitada. Entao,∫b
a
f(x)dx =
∫ c
a
f(x)dx+
∫b
c
f(x)dx
e ∫b
a
f(x)dx =
∫ c
a
f(x)dx+
∫b
c
f(x)dx
Lema 1.1 Seja a < c < b. Entao,∫b
a
f(x)dx = sup { s(f;P) |P e particao de [a, b] com c ∈ P }
∫b
a
f(x)dx = inf {S(f;P) |P e particao de [a, b] com c ∈ P }
Prova.
Dada uma particao P de [a, b], seja P ′ = P∪ {c}. Entao, s(f;P) ≤ s(f;P ′) .
Como∫b
a
f(x)dx ≥ s(f;P) para toda particao P de [a, b], temos que
∫b
a
f(x)dx ≥ s(f;Q) ,
para toda particao Q de [a, b] que contem c. Entao,
sup { s(f;Q) |Q particao de [a, b] com c ∈ Q } ≤∫b
a
f(x)dx .
Por outro lado, dada uma particao P de [a, b], temos que
Instituto de Matematica - UFF 269
Analise na Reta
s(f;P) ≤ s(f;P ′) ≤ sup { s(f;Q) |Q particao de [a, b] com c ∈ Q } ,
onde P ′ = P ∪ {c}. Logo,∫b
a
f(x)dx ≤ sup { s(f;Q) |Q particao de [a, b] com c ∈ Q }.
Assim,∫b
a
f(x)dx = sup { s(f;Q) |Q particao de [a, b] com c ∈ Q} .
De modo analogo, podemos provar a outra igualdade.�
Observacao 1.2 Usando o mesmo tipo de argumento feito na demons-
tracao do lema acima, podemos mostrar que, para calcular as integrais
superior e inferior de uma funcao, basta considerar as particoes de [a, b]
que refinam uma particao P0 dada. Ou seja,∫b
a
f(x)dx = supP⊃P0
s(f;P) e∫b
a
f(x)dx = infP⊃P0
S(f;P) .
Lema 1.2 Sejam A e B conjuntos nao-vazios limitados de numeros re-
ais. Entao,
sup(A+ B) = supA+ supB e inf(A+ B) = infA+ infB ,
onde A+ B = { x+ y | x ∈ A e y ∈ B }.
Prova.
Como x ≤ supA para todo x ∈ A e y ≤ supB para todo y ∈ B, te-
mos x + y ≤ supA + supB. Logo, supA + supB e uma cota superior do
conjunto A+ B.
Alem disso, dado ε > 0, existem x ∈ A e y ∈ B tais que x ≥ supA −ε
2e
y > supB−ε
2.
Entao, x + y > (supA + supB) − ε. Logo, supA + supB e a menor cota
superior de A+ B, ou seja,
sup(A+ B) = supA+ supB .
De modo analogo, podemos provar que inf(A+ B) = infA+ infB. �
Corolario 1.2 Sejam f, g : [a, b] −→ R funcoes limitadas. Entao,
sup(f+ g) ≤ sup f+ supg e inf(f+ g) ≥ inf f+ infg.
J. Delgado - K. Frensel270
Integral superior e integral inferior
Prova.
Sejam A = { f(x) | x ∈ [a, b] } , B = {g(y) |y ∈ [a, b] } e C = { f(x) +
g(x) | x ∈ [a, b] }. Como C ⊂ A+ B, temos, pelo lema anterior, que
• sup(f+ g) = supC ≤ sup(A+ B) = supA+ supB = sup f+ supg ,
e
• inf(f+ g) = infC ≥ inf(A+ B) = infA+ infB = inf f+ infg. �
Exemplo 1.3 Sejam f, g : [−1, 1] −→ R dadas por f(x) = x e g(x) = −x.
Entao, sup f = 1 = supg e sup(f + g) = 0, pois f(x) + g(x) = 0 para todo
x ∈ [−1, 1]. Logo, neste exemplo, sup(f+ g) < sup f+ supg. �
Prova. (do Teorema 1.2)
Sejam
A = {s(f|[a,c] ;P) |P e particao de [a, c] }
B = {s(f|[c,b] ;P) |P e particao de [c, b] } .
Entao, A+ B = {s(f;P) |P e particao de [a, b] com c ∈ P } .
Logo, pelos lemas 1.1 e 1.2, temos que∫b
a
f(x)dx = sup(A+ B) = supA+ supB =
∫ c
a
f(x)dx+
∫b
c
f(x)dx .
De modo analogo, temos que∫b
a
f(x)dx = inf(A ′ + B ′) = infA ′ + infB ′ =∫ c
a
f(x)dx+
∫b
c
f(x)dx ,
onde
A ′ = {S(f|[a,c] ;P) |P e particao de [a, c] }
e B ′ = {S(f|[c,b] ;P) |P e particao de [c, b] } . �
Observacao 1.3 Sejam a < c < b e seja f : [a, b] −→ R a funcao dada
por f(x) =
α , a ≤ x < c
β , c ≤ x ≤ b.
Entao, ∫b
a
f(x)dx =
∫b
a
f(x)dx = α(c− a) + β(b− c) .
Instituto de Matematica - UFF 271
Analise na Reta
De fato, como f|[c,b] ≡ β, temos, pelo teorema anterior e pelo exemplo —,
que ∫b
a
f(x)dx =
∫ c
a
f(x)dx+
∫b
c
f(x)dx =
∫ c
a
f(x)dx+ β(b− c) ,
e ∫b
a
f(x)dx =
∫ c
a
f(x)dx+
∫b
c
f(x)dx =
∫ c
a
f(x)dx+ β(b− c) .
Suponhamos, para fixar as ideias, que α ≤ β. Entao, α ≤ f(x) ≤ β para
todo x ∈ [a, b].
Logo, para todo ε > 0 tal que a < c − ε < c, temos que∫ c
c−ε
f(x)dx ≤ βε
e, portanto,
α(c− a) ≤∫ c
a
f(x)dx =
∫ c−ε
a
f(x)dx+
∫ c
c−ε
f(x)dx
≤ α(c− ε− a) + βε
= α(c− a) + (β− α)ε ,
Assim, fazendo ε tender a zero, temos que∫ c
a
f(x)dx = α(c− a)
e, portanto,∫b
a
f(x)dx = α(c− a) + β(b− c) .
Alem, disso, como s(f|[a, c] ;P) = α(c − a) para toda particao P de [a, c],
pois α ≤ β, temos que∫ c
a
f(x)dx = α(c− a) e, portanto,
∫b
a
f(x)dx = α(c− a) + β(b− c) .
Observacao 1.4 Observe, pela demonstracao feita acima, que o valor
da funcao f|[a,c] no ponto c nao influencia nos valores das integrais, ou
seja, se g(x) =
α , se x ∈ [a, c)
M, se x = c, entao, para todo M ∈ R , temos
∫ c
a
f(x)dx =
∫ c
a
g(x)dx e∫ c
a
f(x)dx =
∫ c
a
g(x)dx .
J. Delgado - K. Frensel272
Integral superior e integral inferior
De modo analogo, podemos povar que∫ c
a
f(x)dx =
∫ c
a
h(x)dx e∫ c
a
f(x)dx =
∫ c
a
h(x)dx
onde h(x) =
α , se x ∈ (a, c]
M, se x = a ,e M ∈ R e um numero qualquer.
Logo,∫ c
a
f(x)dx = α(c−a) e∫ c
a
f(x)dx = α(c−a) quaisquer que sejam os
valores de f nos pontos a e c, onde f|(a,c) ≡ α.
Definicao 1.5 Dada uma particao P = {t0, t1, . . . , tn} de [a, b], uma
funcao f : [a, b] −→ R constante, igual a ci, em cada intervalo aberto
(ti−1, ti), i = 1, . . . , n, chama-se uma funcao escada.
Repetindo o argumento feito acima um numero finito de vezes, temos
que ∫b
a
f(x)dx =
∫b
a
f(x)dx =
n∑i=1
ci (ti − ti−1) ,
quaisquer que sejam os valores que f assume nos pontos t0, t1, . . . , tnda particao P.
Lema 1.3 Seja A um conjunto limitado nao-vazio de numeros reais.
Dado c ∈ R, seja cA = {cx | x ∈ A}. Entao,
• sup cA = c supA e inf cA = c infA se c > 0,
• sup cA = c infA e inf cA = c supA se c < 0.
Prova.
Seja c > 0. Como x ≤ supA para todo x ∈ A, temos que cx ≤ c supA
para todo cx ∈ cA. Logo, c supA e uma cota superior de cA.
Alem disso, dado ε > 0, existe x ∈ A tal que x > supA −ε
c. Logo,
cx > c supA − ε. Entao supA e a menor cota superior de cA, ou seja,
c supA = sup cA.
Seja, agora, c < 0. Como x ≤ supA para todo x ∈ A, temos cx ≥ c supA
para todo cx ∈ cA. Logo, c supA e uma cota inferior de cA.
Instituto de Matematica - UFF 273
Analise na Reta
Alem disso, dado ε > 0, existe x ∈ A tal que x > supA+ε
c, pois
ε
c< 0.
Logo, cx < c supA+ ε. Portanto, c supA e a maior cota inferior de cA, ou
seja, inf cA = c supA.
De modo analogo, podemos provar que
inf cA = c infA se c > 0 e sup cA = c infA se c < 0. �
Teorema 1.3 Sejam f, g : [a, b] −→ R limitadas. Entao:
(1)∫b
a
f(x)dx+
∫b
a
g(x)dx ≤∫b
a
(f(x) + g(x))dx ≤∫b
a
(f(x) + g(x))dx
≤∫b
a
f(x)dx+
∫b
a
g(x)dx .
(2) Quando c > 0,∫b
a
c f(x)dx = c
∫b
a
f(x)dx e∫b
a
c f(x)dx = c
∫b
a
f(x)dx .
Quando c < 0,∫b
a
c f(x)dx = c
∫b
a
f(x)dx e∫b
a
c f(x)dx = c
∫b
a
f(x)dx .
Em particular,∫b
a
− f(x)dx = −
∫b
a
f(x)dx e∫b
a
− f(x)dx = −
∫b
a
f(x)dx .
(3) Se f(x) ≤ g(x) para todo x ∈ [a, b], entao∫b
a
f(x)dx ≤∫b
a
g(x)dx e∫b
a
f(x)dx ≤∫b
a
g(x)dx .
Prova.
(1) Ja sabemos que∫b
a
(f(x) + g(x))dx ≤∫b
a
(f(x) + g(x))dx .
Vamos provar que∫b
a
f(x)dx+
∫b
a
g(x)dx ≤∫b
a
(f(x) + g(x))dx .
Sejam P = {t0, t1, . . . , tn} uma particao de [a, b] e mi(f), mi(g), mi(f+ g)
os ınfimos das funcoes f, g e f+ g no intervalo [ti−1, ti], i = 1, . . . , n.
Como, pelo corolario 1.2, mi(f+ g) ≥ mi(f) +mi(g), temos que
s(f+ g;P) ≥ s(f;P) + s(g;P)
para toda particao P de [a, b].
J. Delgado - K. Frensel274
Integral superior e integral inferior
Logo, ∫b
a
(f(x) + g(x))dx ≥ s(f;P) + s(g;P) ,
para toda particao P de [a, b].
Entao, dadas particoes P e Q arbitrarias de [a, b], temos que
s(f;P) + s(g;Q) ≤ s(f;P ∪Q) + s(g;P ∪Q) ≤∫b
a
(f(x) + g(x))dx
Assim, pelo lema 1.2,∫b
a
f(x)dx+
∫b
a
g(x)dx = sup{s(f;P) + s(g;Q) |P , Q particoes de [a, b] }
≤∫b
a
(f(x) + g(x))dx .
A ultima desigualdade de (1) mostra-se de modo analogo.
(2) Pelo lema 1.3, mi(c f) = cmi(f) e Mi(c f) = cMi(f) se c > 0 , e
mi(c f) = cMi(f) e Mi(c f) = cmi(f) se c < 0 .
Entao, pelo lema 1.3, novamente, temos
•∫b
a
c f(x)dx = supPs(c f;P) = sup
Pc s(f;P)
= c supPs(f;P) = c
∫b
a
f(x)dx , se c > 0 ,
•∫b
a
c f(x)dx = infPS(c f;P) = inf
Pc S(f;P)
= c infPS(f;P) = c
∫b
a
f(x)dx , se c > 0 ,
•∫b
a
c f(x)dx = supPs(c f;P) = sup
Pc S(f;P)
= c infPS(f;P) = c
∫b
a
f(x)dx , se c < 0 ,
•∫b
a
c f(x)dx = infPS(c f;P) = inf
Pc s(f;P)
= c supPs(f;P) = c
∫b
a
f(x)dx , se c < 0 ,
(3) Como f(x) ≤ g(x) para todo x ∈ [a, b], temos que
Instituto de Matematica - UFF 275
Analise na Reta
mi(f) ≤ mi(g) e Mi(f) ≤Mi(g)
para todo intervalo [ti−1, ti] de uma particao P de [a, b].
Logo,
s(f;P) ≤ s(g;P) e S(f;P) ≤ S(g;P)
para toda particao P de [a, b].
Assim, ∫b
a
f(x)dx ≤∫b
a
g(x)dx e∫b
a
f(x)dx ≤∫b
a
g(x)dx .
�
Corolario 1.3 Se f(x) ≥ 0 para todo x ∈ [a, b], entao∫b
a
f(x)dx ≥ 0 e∫b
a
f(x)dx ≥ 0 .
2. Func oes integr aveis
Definicao 2.1 Uma funcao limitada f : [a, b] −→ R e integravel quando∫b
a
f(x)dx =
∫b
a
f(x)dx
Este valor comum, indicado por∫b
a
f(x)dx ou∫b
a
f , e chamado a integral
de f.
Exemplo 2.1 Toda funcao constante, f(x) = c e integravel e∫b
a
f(x)dx = c(b− a) .
�
Exemplo 2.2 Toda funcao escada f : [a, b] −→ R e integravel e∫b
a
f(x)dx =
n∑i=1
ci(ti − ti−1),
onde f|(ti−1,ti) ≡ ci, i = 1, . . . , n, a = t0 < t1 < . . . < tn = b.�
J. Delgado - K. Frensel276
Funcoes integraveis
Exemplo 2.3 A funcao f : [a, b] −→ R, f(x) =
0 , x ∈ [a, b] ∩ (R − Q)
1 , x ∈ [a, b] ∩Q
nao e integravel, pois∫b
a
f(x)dx = 0 6= 1 =
∫b
a
f(x)dx .�
Observacao 2.1 Suponhamos que f(x) ≥ 0 para todo x ∈ [a, b] e seja
A = { (x, y) ∈ R2 |a ≤ x ≤ b e 0 ≤ y ≤ f(x) }
a regiao do plano limitada pelo grafico de f, pelo segmento [a, b] e pelas
retas verticais x = a e x = b. Como em∫b
a
f(x)dx usamos areas de
polıgonos contidos em A como aproximacao por falta da area de A e em∫b
a
f(x)dx tomamos polıgonos que contem A, isto e, aproximacoes por
excesso, podemos dizer que∫b
a
f(x)dx e a area interna do conjunto A e
∫b
a
f(x)dx e a area externa de A.
Dizer, entao, que f e integravel, significa que a area interna e a area ex-
terna de A sao iguais, ou seja, que A possui uma area igual a∫b
a
f(x)dx.
Observacao 2.2 Sejam f : [a, b] −→ R limitada,
σ = { s(f;P) |P particao de [a, b] } e Σ = {S(f;P) |P particao de [a, b] } .
Como s ≤ S para todo s(f;P) ∈ σ e para todo S = S(f;P) ∈ Σ, temos que
supσ ≤ infΣ, ou seja, ∫b
a
f(x)dx ≤∫b
a
f(x)dx .
Dizer, entao, que f e integravel, significa afirmar que supσ = infΣ.
Lema 2.1 Sejam σ, Σ conjuntos limitados nao-vazios de numeros reais
tais que s ≤ S quaisquer que sejam s ∈ σ e S ∈ Σ.
Entao, supσ = infΣ se, e so se, para todo ε > 0 existem s ∈ σ e S ∈ Σ tais
que S− s < ε.
Instituto de Matematica - UFF 277
Analise na Reta
Prova.
Ja sabemos que supσ ≤ infΣ.
(⇐=) Suponhamos que supσ < infΣ e tomemos ε = infΣ − supσ > 0.
Como s ≤ supσ ≤ infΣ ≤ S quaisquer que sejam s ∈ σ e S ∈ Σ, temos
que S− s ≥ infΣ− supσ = ε para todo S ∈ Σ e todo s ∈ σ, o que contradiz
a hipotese.
(=⇒) Suponhamos que supσ = infΣ. Seja ε > 0. Entao existem s ∈ σ e
S ∈ Σ tais que s > supσ−ε
2e S < infΣ+
ε
2.
Logo, S− s < infΣ+ε
2−(
supσ−ε
2
)= ε. �
Definicao 2.2 Seja f : [a, b] −→ R limitada. Sua oscilacao no conjunto
X e definida por
ω(f;X) = sup f(X) − inf f(X) .
Lema 2.2 Seja Y ⊂ R limitado nao-vazio. Se m = inf Y e M = supY,
entao
M−m = sup{ |x− y| | x, y ∈ Y }.
Prova.
Seja A = { |x − y| | x, y ∈ Y }. Dados x, y ∈ Y, podemos supor que x ≥ y.
Entao,
|x− y| = x− y ≤M−m,
ou seja, M−m e uma cota superior de A.
Alem disso, dado ε > 0, existem x, y ∈ Y tais que x > M−ε
2e y < m+
ε
2.
Logo,
|x− y| ≥ x− y > M−ε
2−m−
ε
2= M−m− ε ,
ou seja, M−m e a menor cota superior de A. Entao, M−m = supA.�
Corolario 2.1 Seja f : [a, b] −→ R limitada. Entao, para todo X ⊂ [a, b]
nao-vazio tem-se
ω(f;X) = sup{ |f(x) − f(y)| | x, y ∈ Y } .
Observacao 2.3 Dadas f : [a, b] −→ R limitada e uma particao P de
[a, b], indicaremos porωi = Mi −mi a oscilacao de f no intervalo [ti−1, ti].
J. Delgado - K. Frensel278
Funcoes integraveis
Teorema 2.1 Seja f : [a, b] −→ R limitada. As seguintes afirmacoes
sao equivalentes:
(1) f e integravel.
(2) Para todo ε > 0 existem particoes P e Q de [a, b] tais que
S(f;Q) − s(f;P) < ε .
(3) Para todo ε > 0 existe uma particao P de [a, b] tal que
S(f;P) − s(f;P) < ε .
(4) Para todo ε > 0 existe uma particao P = {t0, t1, . . . , tn} de [a, b] tal quen∑
i=1
ωi(ti − ti−1) < ε.
Prova.
Pelo lema 2.1, temos que (1)⇐⇒(2). E (3)⇐⇒(4), pois, pelo corolario
2.1,
S(f;P) − s(f;P) =
n∑i=1
ωi(ti − ti−1).
E obvio que (3)=⇒(2), e (2)=⇒(3), pois se S(f;Q) − s(f;P) < ε, entao
S(f;P ∪Q) − s(f;P ∪Q) < ε, ja que
s(f;P) ≤ s(f;P ∪Q) ≤ S(f;P ∪Q) ≤ S(f;Q) . �
Observacao 2.4 Sejam f, g : [a, b] −→ R funcoes limitadas que dife-
rem apenas num subconjunto finito de [a, b]. Entao, f e integravel se, e so
se, g e integravel. E, neste caso, tem-se∫b
a
f(x)dx =
∫b
a
g(x)dx .
De fato, seja X = { x ∈ [a, b] | f(x) 6= g(x) }. Entao P = X ∪ {a, b} e uma
particao de [a, b] tal que f− g e constante igual a zero no interior de cada
intervalo dessa particao.
Logo, f−g e integravel e∫b
a
(f−g)dx = 0, pois f−g e uma funcao escada.
Como f = g+ f− g, segue-se do Teorema abaixo, que f e integravel se, e
so se, g e integravel com∫b
a
f(x)dx =
∫b
a
g(x)dx+
∫a
(f(x) − g(x))dx =
∫b
a
g(x)dx .
Instituto de Matematica - UFF 279
Analise na Reta
Teorema 2.2 Sejam f, g : [a, b] −→ R integraveis. Entao:
(1) Para a < c < b, f|[a,c] e f|[c,b] sao integraveis e∫b
a
f(x)dx =
∫ c
a
f(x)dx+
∫b
c
f(x)dx
Reciprocamente, se f|[a,c] e f|[c,b] sao integraveis, entao f e integravel e
vale a igualdade acima.
(2) Para cada c ∈ R, cf e integravel e∫b
a
(cf(x))dx = c
∫b
a
f(x)dx .
(3) f+ g e integravel e∫b
a
(f(x) + g(x))dx =
∫b
a
f(x)dx+
∫b
a
g(x)dx .
(4) Se f(x) ≤ g(x) para todo x ∈ [a, b], entao∫b
a
f(x)dx ≤∫b
a
g(x)dx .
Em particular, se f(x) ≥ 0 para todo x ∈ [a, b], entao∫b
a
f(x)dx ≥ 0.
(5) |f(x)| e integravel e ∣∣∣∣ ∫b
a
f(x)dx
∣∣∣∣ ≤ ∫b
a
|f(x)| dx .
Segue-se de (4) e (5) que se |f(x)| ≤ K para todo x ∈ [a, b], entao∣∣∣∣ ∫b
a
f(x)dx
∣∣∣∣ ≤ k(b− a) .
(6) O produto f · g e integravel.
Prova.
(1) Sejam
α =
∫ c
a
f(x)dx, β =
∫b
c
f(x)dx, A =
∫ c
a
f(x)dx, e B =
∫b
c
f(x)dx.
Como∫b
a
f(x)dx = α+β,∫b
a
f(x)dx = A+B, α ≤ A e β ≤ B, temos que f
e integravel, ou seja, α+ β = A+ B, se, e so se, α = A e β = B, ou seja,
se, e so se, f|[a,c] e f|[c,b] sao integraveis.
J. Delgado - K. Frensel280
Funcoes integraveis
E, neste caso,∫b
a
f(x)dx =
∫b
a
f(x)dx =
∫ c
a
f(x)dx+
∫b
c
f(x)dx =
∫ c
a
f(x)dx+
∫b
c
f(x)dx .
(2) Seja c > 0. Entao, pelo teorema 1.3,∫b
a
cf(x)dx = c
∫b
a
f(x)dx = c
∫b
a
f(x)dx
e∫b
a
cf(x)dx = c
∫b
a
f(x)dx = c
∫b
a
f(x)dx .
Logo, cf e integravel e∫b
a
cf(x)dx = c
∫b
a
f(x)dx .
De modo analogo, se c < 0, temos que∫b
a
cf(x)dx = c
∫b
a
f(x)dx = c
∫b
a
f(x)dx
e∫b
a
cf(x)dx = c
∫b
a
f(x)dx = c
∫b
a
f(x)dx .
Logo, cf e integravel e∫b
a
cf(x)dx = c
∫b
a
f(x)dx .
O caso c = 0 e trivial.
(3) Pelo teorema 1.3, temos que∫b
a
f(x)dx+
∫b
a
g(x)dx =
∫b
a
f(x)dx+
∫b
a
g(x)dx ≤∫b
a
( f(x) + g(x) ) dx
≤∫b
a
( f(x) + g(x) ) dx ≤∫b
a
f(x)dx+
∫b
a
g(x)dx
=
∫b
a
f(x)dx+
∫b
a
g(x)dx .
Logo,∫b
a
f(x)dx+
∫b
a
g(x)dx =
∫b
a
( f(x) + g(x) ) dx =
∫b
a
( f(x) + g(x) ) dx ,
ou seja, f+ g e integravel e∫b
a
( f(x) + g(x) ) dx =
∫b
a
f(x)dx+
∫b
a
g(x)dx.
(4) Pelo teorema 1.3, temos
Instituto de Matematica - UFF 281
Analise na Reta
∫b
a
f(x)dx =
∫b
a
f(x)dx ≤∫b
a
g(x)dx =
∫b
a
g(x)dx ,
ou seja,∫b
a
f(x)dx ≤∫b
a
g(x)dx .
(5) Provaremos, primeiro, que |f| e integravel.
Para x, y ∈ [a, b], temos |f(x)| − |f(y)| ≤ |f(x) − f(y)|.
Logo, para todo X ⊂ [a, b],
ω(|f|, X) = sup{ | |f(x)| − |f(y)| | | x, y ∈ X }
≤ sup{ |f(x) − f(y)| | x, y ∈ X }
= ω(f, X) .
Entao, dada uma particao P de [a, b], ωi(|f|) ≤ ωi(f) , ∀ i = 1, . . . , n.
Como f e integravel, dado ε > 0, existe uma particao P de [a, b] tal quen∑
i=1
ωi(f)(ti − ti−1) < ε. Entao,
n∑i=1
ωi(|f|)(ti − ti−1) ≤n∑
i=1
ωi(f)(ti − ti−1) < ε .
Segue-se, entao, do teorema 2.1, que |f| e integravel.
Alem disso, como −|f(x)| ≤ f(x) ≤ |f(x)| para todo x ∈ [a, b], temos, por
(2) e (4), que
−
∫b
a
|f(x)|dx =
∫b
a
−|f(x)|dx ≤∫b
a
f(x)dx ≤∫b
a
|f(x)|dx ,
ou seja, ∣∣∣∣ ∫b
a
f(x)dx
∣∣∣∣ ≤ ∫b
a
|f(x)dx .
(6) Como f e g sao limitadas no intervalo [a, b], existe K > 0 tal que
|f(x)| ≤ K e |g(x)| ≤ K para todo x ∈ [a, b].
Seja P = {t0, t1, . . . , tn} uma particao de [a, b]. Para x, y ∈ [ti−1, ti] quais-
quer, temos
|f(x)g(x) − f(y)g(y)| ≤ |f(x)| |g(x) − g(y)| + |g(y)| |f(x) − f(y)|
≤ K ( |g(x) − g(y)| + |f(x) − f(y)| )
≤ K (ωi(f) +ωi(g) ) ,
J. Delgado - K. Frensel282
Funcoes integraveis
e, portanto,
ωi(f+ g) ≤ K (ωi(f) +ωi(g) ) ,
ondeωi(f+g),ωi(f),ωi(g) sao as oscilacoes dessas funcoes no intervalo
[ti−1, ti].
Logo, como f e g sao integraveis, dado ε > 0, existem particoes P e Q de
[a, b], tais que
S(f;P) − s(f;P) <ε
2Ke S(g;Q) − s(g;Q) <
ε
2k.
Entao, sendo P ′ = P ∪Q, temos que
S(f;P ′) − s(f;P ′) <ε
2Ke S(g;P ′) − s(g;P ′) <
ε
2K.
Daı, para a particao P ′ = {t0, t1, . . . , tn},n∑
i=1
ωi(f+ g)(ti − ti−1) ≤ K
n∑i=1
ωi(f)(ti − ti−1) + K
n∑i=1
ωi(g)(ti − ti−1)
= K (S(f;P ′) − s(f;P ′) ) + K (S(g;P ′) − s(g;P ′) )
< Kε
2K+ K
ε
2K= ε .
Provamos, assim, que dado ε > 0, existe uma particao P ′ de [a, b] tal quen∑
i=1
ωi(f+ g)(ti − ti−1) < ε .
Logo, pelo teorema 2.1, f+ g e integravel.�
Observacao 2.5 A igualdade∫b
a
f(x)dx =
∫ c
a
f(x)dx +
∫b
c
f(x)dx so
tem sentido quando a < c < b.
Para torna-la verdadeira quaisquer que sejam a, b, c ∈ R, precisamos
fazer as seguintes convencoes:
•∫a
a
f(x)dx = 0
e •∫b
a
f(x)dx = −
∫a
b
f(x)dx .
Com essas convencoes, vale, para toda funcao f integravel, a igualdade:∫b
a
f(x)dx =
∫ c
a
f(x)dx+
∫b
c
f(x)dx , ∀a, b, c ∈ Dom(f) ⊂ R
Instituto de Matematica - UFF 283
Analise na Reta
Ha seis possibilidades:
a ≤ b ≤ c ; a ≤ c ≤ b ; b ≤ c ≤ a ;
b ≤ a ≤ c ; c ≤ a ≤ b ; c ≤ b ≤ a .
Por exemplo, se a ≤ b ≤ c, entao∫ c
a
f(x)dx =
∫b
a
f(x)dx+
∫ c
b
f(x)dx.
Logo, ∫b
a
f(x)dx =
∫ c
a
f(x)dx−
∫ c
b
f(x)dx =
∫ c
a
f(x)dx+
∫b
c
f(x)dx .
De modo analogo, podemos verificar a igualdade nos outros casos.
Teorema 2.3 Toda funcao contınua f : [a, b] −→ R e integravel.
Prova.
Como [a, b] e compacto, f e limitada e uniformemente contınua no in-
tervalo [a, b]. Entao, dado ε > 0, existe δ > 0 tal que
x, y ∈ [a, b], |x− y| < δ =⇒ |f(x) − f(y)| <ε
b− a.
Seja n ∈ N tal queb− a
n< δ e considere a particao P = {t0, t1, . . . , tn},
onde ti = a+i(b− a)
n, i = 0, . . . , n.
Para x, y ∈ [ti−1, ti], temos |x− y| ≤ |ti − ti−1| =b− a
n< δ.
Logo, |f(x) − f(y)| <ε
b− a, para x, y ∈ [ti−1, ti].
Assim,
ωi(f) = sup { |f(x) − f(y)| | x, y ∈ [ti−1, ti] } ≤ε
b− a, i = 1, . . . , n,
e, portanto,n∑
i=1
ωi(f)(ti − ti−1) ≤ ε.
Logo, pelo teorema 2.1, f e integravel.�
Teorema 2.4 Seja f : [a, b] −→ R limitada. Se, para todo c ∈ [a, b),
f|[a,c] e integravel, entao f e integravel.
J. Delgado - K. Frensel284
Funcoes integraveis
Prova.
Seja K > 0 tal que |f(x)| ≤ K para todo x ∈ [a, b].
Dado ε > 0, tome c ∈ (a, b) tal que b− c <ε
4K.
Como f|[a,c] e integravel, existe uma particao {t0, t1, . . . , tn} de [a, c] tal quen∑
i=1
ωi(f)(ti − ti−1) <ε
2.
Pondo tn+1 = b, obtemos uma particao {t0, t1, . . . , tn, tn+1} de [a, b] tal quen+1∑i=1
ωi(f)(ti − ti−1) < ε, pois ωn+1(f)(tn+1 − tn) <ε
2, ja que
ωn+1(f) ≤ 2K e tn+1 − tn = b− c <ε
4K.
Logo, pelo teorema 2.1, f e integravel no intervalo [a, b]. �
Observacao 2.6 De modo analogo, temos que se f : [a, b] −→ R e
limitada e f|[c,b] e integravel para todo c ∈ (a, b], entao f e integravel.
Corolario 2.2 Seja f : [a, b] −→ R limitada. Se, para a < c < d < b
quaisquer, f|[c,d] e integravel, entao f e integravel.
Prova.
Seja p ∈ (a, b) fixo. Como f|[q,p] e integravel para todo q ∈ (a, p] e f|[p,r] e
integravel para todo r ∈ [p, b), temos, pela observacao 2.6 e pelo teorema
2.4, que f|[a,p] e f|[p,b] sao integraveis.
Logo, pelo item (1) do teorema 2.2, f e integravel em [a, b].�
Corolario 2.3 Seja f : [a, b] −→ R limitada com um numero finito de
descontinuidades. Entao, f e integravel.
Prova.
Seja {t0, t1, . . . , tn} = X ∪ {a, b}, onde t0 = a, tn = b e X e o conjunto
dos pontos de [a, b] onde f e descontınua.
Entao, pelo corolario acima, f|[ti−1,ti] e integravel para cada i = 1, . . . , n,
pois f e contınua e, portanto, integravel em todo intervalo [c, d], com
ti−1 < c < d < ti. Logo, pelo teorema 2.2, f e integravel em [a, b].�
Instituto de Matematica - UFF 285
Analise na Reta
Exemplo 2.4 A funcao f : [−1, 1] −→ R , f(x) =
sen1
x, se x 6= 0
0 , se x = 0 ,
e integravel, pois f e limitada e descontınua apenas no ponto 0. �
Observacao 2.7 A observacao 2.4 nao contem o corolario 2.3, pois
uma funcao pode ser descontınua num numero finito de pontos sem coin-
cidir com uma funcao contınua fora desses pontos.
Exemplo 2.5 Seja f : [a, b] −→ R definida por f(x) = 0 se x ∈ R − Q ou
x = 0 e f(p
q
)=1
qse
p
qe uma fracao irredutıvel com q > 0 e p 6= 0.
Ja provamos, anteriormente, que f e descontınua em todos os pontos do
conjunto [a, b] ∩ Q − {0}. Alem disso, f e limitada, pois f(x) ∈ [0, 1] para
todo x ∈ [a, b].
Mostraremos, agora, que f e integravel e∫b
a
f(x)dx = 0.
De fato, dado ε > 0, o conjunto F =
{x ∈ [a, b] | f(x) ≥ ε
2(b− a)
}e finito,
pois F e o conjunto das fracoes irredutıveis pertencentes a [a, b] cujos
denominadores sao > 0 e ≤ 2(b− a)
ε.
Tomemos, entao, uma particao P de [a, b] tal que a soma dos comprimen-
tos dos intervalos de P que contem algum ponto de F seja <ε
2.
Observe que se F ∩ [ti−1, ti] = ∅, entao 0 ≤ f(x) <ε
2(b− a)para todo
x ∈ [ti−1, ti] e, portanto, Mi(f) ≤ε
2(b− a).
Entao, podemos decompor a soma superior S(f;P) =
n∑i=1
Mi(ti − ti−1)
relativa a particao P em duas parcelas:
S(f;P) =
n∑i=1
Mi(ti − ti−1) =∑
M ′i(t
′i − t ′i−1) +
∑M ′′
i (t ′′i − t ′′i−1)
onde [t ′i−1, t′i] sao os intervalos de P que contem algum ponto de F e
[t ′′i−1, t′′i ] sao os intervalos de P disjuntos de F.
J. Delgado - K. Frensel286
O teorema fundamental do Calculo
Como,∑
M ′i(t
′i − t ′i−1) ≤
∑(t ′i − t ′i−1) <
ε
2, pois M ′
i ≤ 1 e∑M ′′
i (t ′′i − t ′′i−1) ≤ε
2(b− a)· (b− a) ≤ ε
2,
temos que 0 ≤ S(f;P) < ε.
Logo, 0 e a maior cota inferior do conjunto {S(f;Q) |Q particao de [a, b]},
ou seja,∫b
a
f(x)dx = 0.
Alem disso,
0 ≤∫b
a
f(x)dx ≤∫b
a
f(x)dx = 0 .
Logo, f e integravel e∫b
a
f(x)dx = 0. �
3. O teorema fundamental do C alculo
Seja f : [a, b] −→ R integravel. Como, para todo x ∈ [a, b], f|[a,x] e
integravel, podemos definir a funcao F : [a, b] −→ R pondo
F(x) =
∫x
a
f(t)dt
Seja K > 0 tal que |f(x)| ≤ K para todo x ∈ [a, b]. Entao,
|F(y) − F(x)| =
∣∣∣∣ ∫y
x
f(t)dt
∣∣∣∣ ≤ K|y− x| .
Logo, F e lipschitziana e, portanto, uniformemente contınua no inter-
valo [a, b].
Exemplo 3.1 Seja f : [0, 2] −→ R definida por f(t) = 0 se 0 ≤ t < 1 e
f(t) = 1 se 1 ≤ t ≤ 2. Entao, f e integravel e F : [0, 2] −→ R e a funcao
F(x) =
∫x
0
f(t)dt = 0 , se x ∈ [0, 1]
∫x
0
f(t)dt =
∫x
1
f(t)dt =
∫x
1
1 dt = x− 1 , se x ∈ [1, 2] .
Instituto de Matematica - UFF 287
Analise na Reta
Logo, F e contınua em [0, 2] e derivavel em [0, 2]− {1}, onde x = 1 e o unico
ponto de descontinuidade de f. �
Definicao 3.1 A funcao F(x) =
∫x
a
f(t)dt chama-se uma integral indefi-
nida de f.
Note que: o processo de passarde f para F melhora, ou amacia,as qualidades da funcao f.
Teorema 3.1 Seja f : [a, b] −→ R integravel. Se f e contınua no ponto
c ∈ [a, b], entao a funcao F : [a, b] −→ R , definida por F(x) =
∫x
a
f(t)dt, e
derivavel no ponto c com F ′(c) = f(c).
Prova.
Sendo f contınua no ponto c, dado ε > 0 existe δ > 0 tal que
t ∈ [a, b], |t− c| < δ =⇒ |f(t) − f(c)| < ε.
Entao, se 0 < h < δ e c+ h ∈ [a, b], temos∣∣∣∣F(c+ h) − F(c)
h− f(c)
∣∣∣∣ =1
h
∣∣∣∣∫ c+h
c
f(t)dt− h f(c)
∣∣∣∣=
1
h
∣∣∣∣∫ c+h
c
(f(t) − f(c))dt
∣∣∣∣≤ 1
h
∫ c+h
c
|f(t) − f(c)| dt ≤ 1
hε h = ε ,
pois |f(t) − f(c)| < ε para todo t ∈ [c, c+ h] ⊂ [a, b].
Logo, F e derivavel a direita no ponto c e F ′(c+) = f(c).
Analogamente, podemos provar que se −δ < h < 0 e c+ h ∈ [a, b], entao∣∣∣∣ F(c+ h) − F(c)
h− f(c)
∣∣∣∣ ≤ ε .Logo, F e derivavel a esquerda no ponto c e F ′(c−) = f(c).
Assim, F e derivavel no ponto c e F ′(c) = f(c). �
J. Delgado - K. Frensel288
O teorema fundamental do Calculo
Corolario 3.1 Dada f : [a, b] −→ R contınua, existe F : [a, b] −→ Rderivavel tal que F ′ = f.
Prova.
Basta tomar F(x) =
∫x
a
f(t)dt.�
Definicao 3.2 Dizemos que uma funcao F : [a, b] −→ R e uma primitiva
da funcao f : [a, b] −→ R quando F e derivavel e F ′ = f.
Observacao 3.1 Toda funcao contınua num intervlao compacto possui
primitiva.
Mas nem toda funcao integravel possui primitiva, pois se f = F ′, para
alguma funcao F derivavel, entao f nao pode ter descontinuidades de pri-
meira especie.
Exemplo 3.2 A funcao integravel f do exemplo 3.1 nao possui primitiva
em intervalo algum que contem o ponto 1 no seu interior, pois o ponto 1 e
uma descontinuidade de primeira especie de f. �
Exemplo 3.3 A funcao f : [−1, 1] −→ R, definida por f(x) = 2x sen1
x−
cos1
xse x 6= 0 e f(0) = 0, possui a primitiva F(x) = x2 sen
1
xse x 6= 0 e
F(0) = 0 e uma descontinuidade de segunda especie no ponto 0. �
Observacao 3.2 Se f : [a, b] −→ R possui uma primitiva F, entao F+ c
e tambem uma primitiva de f para todo c ∈ R.
E, reciprocamente, se G e uma primitiva de f, entao G = f+ c para algum
c ∈ R, pois F ′ = G ′ = f em [a, b], ou seja, (F−G) ′ = 0 em [a, b].
Observacao 3.3 Se F : [a, b] −→ R e de classe C1, entao∫b
a
F ′(t)dt = F(b) − F(a) .
De fato, como F ′ e contınua, a funcao ϕ(x) =
∫x
a
F ′(t)dt e a funcao F sao
ambas primitivas de F ′ em [a, b]. Logo, ϕ(x)−F(x) = c para todo x ∈ [a, b],
para algum c ∈ R.
Instituto de Matematica - UFF 289
Analise na Reta
Como ϕ(a) = 0, temos que −F(a) = c, ou seja, ϕ(x) = F(x) − F(a) para
todo x ∈ [a, b]. Em particular, para x = b,
ϕ(b) =
∫b
a
F ′(t)dt = F(b) − F(a) .
• Mostraremos que nao e preciso supor F ′ contınua.
Teorema 3.2 (Teorema Fundamental do Calculo)
Se uma funcao integravel f : [a, b] −→ R tem uma primitiva F : [a, b] −→ R,
entao ∫b
a
f(x)dx = F(b) − F(a)
Isto e, se uma funcao F : [a, b] −→ R possui derivada integravel, entao∫b
a
F ′(t)dt = F(b) − F(a)
Prova.
Seja P = {t0, t1, . . . , tn} uma particao de [a, b]. Pelo teorema do valor
medio, para todo i = 1, . . . , n, existe ξi ∈ (ti−1, ti) tal que
F(ti) − F(ti−1) = F ′(ξi)(ti − ti−1).
Entao,
F(b) − F(a) =
n∑i=1
[ F(ti) − F(ti−1) ] =
n∑i=1
F ′(ξi)(ti − ti−1) .
Sendo
mi = inf { F ′(x) | x ∈ [ti−1, ti] } e Mi = sup { F ′(x) | x ∈ [ti−1, ti] } ,
temos que mi ≤ F ′(ξi) ≤Mi para todo i = 1, . . . , n e, portanto,
s(F ′;P) ≤ F(b) − F(a) ≤ S(F ′;P)
Logo, ∫b
a
F ′(t)dt ≤ F(b) − F(a) ≤∫b
a
F ′(t)dt ,
ou seja, ∫b
a
F ′(t)dt = F(b) − F(a). �
J. Delgado - K. Frensel290
O teorema fundamental do Calculo
Observacao 3.4 Este teorema nos diz que as unicas primitivas de uma
funcao integravel f : [a, b] −→ R, caso existam, sao da forma∫x
a
f(t)dt+ Const ,
e reduz a avaliacao de∫b
a
f(t)dt a obtencao de uma primitiva.
Exemplo 3.4 Determinemos, agora, o desenvolvimento de Taylor da
funcao log em torno do ponto 1, ou de log(1 + x) em torno do ponto 0,
usando o teorema fundamental do Calculo.
Sendo
1+ t = 1− (−t) e1− tn
1− t= 1+ t+ . . .+ tn−1 ,
temos que
1
1+ t= 1− t+ t2 − . . .+ (−1)n−1tn−1 +
(−1)ntn
1+ t, ∀ t 6= −1 .
Como log(1+ t) e uma primitiva de1
1+ teti+1
i+ 1e uma primitiva de ti,
sendo1
1+ te ti , i ∈ N , integraveis, por serem contınuas, temos que:
log(1+ t) =
∫x
0
1
1+ tdt
=
∫x
0
[1− t+ t2 − . . .+ (−1)n−1tn−1 +
(−1)ntn
1+ t
]dt
= x−x2
2+x3
3+ . . .+ (−1)n−1 x
n
n+ (−1)n
∫x
0
tn
1+ tdt ,
para todo x > −1.
Fazendo rn(x) = (−1)n
∫x
0
tn
1+ tdt , observamos que se:
• 0 ≤ x =⇒ |rn(x) ≤∫x
0
tn dt =xn+1
n+ 1, pois 1+ x ≥ 1 ;
• −1 < x ≤ 0 =⇒ |rn(x)| ≤∫ 0
x
|t|n
1+ x=
∫ 0
x
(−t)n
1+ xdt =
∫ 0
x
(−1)n tn
1+ xdt
=(−1)n+1 xn+1
(1+ x)(n+ 1)=
|x|n+1
(1+ x)(n+ 1),
Instituto de Matematica - UFF 291
Analise na Reta
pois 0 < 1+ x ≤ 1+ t para t ∈ [x, 0]. Logo limx→0
rn(x)
xn= 0.
Entao, pn(x) = x −x2
2+x3
3− . . . + (−1)n−1 x
n
ne o polinomio de Taylor
de ordem n para a funcao log(1+ x) em torno do ponto zero, ou, fazendo
a mudanca de variavel u = 1 + x, o polinomio pn(u) = pn(u − 1), e o
polinomio de Taylor de ordem n para a funcao logu em torno do ponto
1.
Alem disso, como limn→∞ rn(x) = 0 para todo x ∈ (−1, 1], o desenvolvimento
de Taylor
log(1+ x) = x−x2
2+x3
3− . . .+ (−1)n−1x
n
n+ . . .
vale para todo x ∈ (−1, 1].
Em particular, para x = 1, obtemos que:
log 2 = log(1+ 1) = 1−1
2+1
3− . . .+
(−1)n−1
n+ . . . =
∞∑n=1
(−1)n−1
n. �
4. Formulas cl assicas do C alculo Integral
Teorema 4.1 (Mudanca de variavel)
Seka, f : [a, b] −→ R uma funcao contınua, g : [c, d] −→ R uma funcao
derivavel, com g ′ integravel e g([c, d]) ⊂ [a, b]. Entao,∫g(d)
g(c)
f(x)dx =
∫d
c
f(g(t))g ′(t)dtFormula de mudanca de variavel.
Prova.
Como f e contınua, f possui uma primitiva F : [a, b] −→ R. Entao, pelo
teorema fundamental do Calculo, temos:∫g(d)
g(c)
f(x)dx = F(g(d)) − F(g(c)) .
Por outro lado, usando a regra da cadeia, temos
(F ◦ g) ′(t) = F ′(g(t))g ′(t) = f(g(t))g ′(t) , ∀ t ∈ [c, d] .
J. Delgado - K. Frensel292
Formulas classicas do Calculo Integral
Assim, F ◦ g : [c, d] −→ R e uma primitiva da funcao integravel
t 7−→ f(g(t))g ′(t) ,
pois f ◦ g e contınua e g ′ e integravel.
Logo, pelo teorema fundamental do Calculo, temos∫d
c
f(g(t))g ′(t)dt = F ◦ g(d) − F ◦ g(c) .�
Observacao 4.1 No teorema acima, nao exigimos que para todo
t ∈ [c, d], o ponto g(t) pertenca ao intervalo cujos extremos sao g(c) e
g(d), o que ocorreria se a funcao g fosse monotona, por exemplo. Em
compensacao, supomos f contınua.
Na realidade, a demonstracao usa apenas o fato de f ser integravel e
possuir primitiva e que f ◦ g e g ′ sao integraveis.
No exercıcio 11, e dada uma outra versao do teorema 4.1, onde supomos
f apenas integravel, mas g monotona:
Seja f : [a, b] −→ R integravel e g : [c, d] −→ R monotona, com
g ′ integravel tal que g([c, d]) ⊂ [a, b]. Entao,∫g(d)
g(c)
f(x)dx =
∫d
c
f(g(t))g ′(t)dt
Observacao 4.2 A notacao∫b
a
f(x)dx, em vez de∫b
a
f, encontra uma
boa justificativa no teorema anterior, pois se tomarmos x = g(t), teremos
dx = g ′(t)dt, x = g(c) e x = g(d) quando t assume os valores c e d,
respectivamente.
Essas substituicoes nos dao, entao, a formula de mudanca de variavel.
Teorema 4.2 (Integracao por partes)
Se f, g : [a, b] −→ R possuem derivadas integraveis, entao∫b
a
f(t)g ′(t)dt = (f · g)∣∣ba
−
∫b
a
f ′(t)g(t)dt
onde f · g∣∣ba
= f(b)g(b) − f(a)g(a).
Instituto de Matematica - UFF 293
Analise na Reta
Prova.
Como (f · g) ′(t) = f ′(t)g(t) + f(t)g ′(t) para todo t ∈ [a, b], temos que
f◦g e uma primitiva de f ′ g+ f g ′. Alem disso, como f ′g e g ′f, e, portanto,
f ′g + fg ′, sao integraveis, temos, pelo teorema fundamental do Calculo,
que ∫b
a
( f ′(t)g(t) + f(t)g ′(t) ) dt = (f · g)(b) − (f · g)(a) .
Logo, ∫b
a
f ′(t)g(t)dt+
∫b
a
f(t)g ′(t)dt = (f · g)∣∣ba
. �
Teorema 4.3 (Formulas do valor medio para integrais)
Sao dadas as funcoes f, p : [a, b] −→ R, com f contınua. Entao:
A. Existe c ∈ (a, b) tal que∫b
a
f(x)dx = f(c)(b− a) .
B. Se p e integravel e nao muda de sinal, existe c ∈ [a, b] tal que∫b
a
f(x)p(x)dx = f(c)
∫b
a
p(x)dx.
C. Se p e positiva, decrescente, com derivada integravel, existe c ∈ [a, b]
tal que∫b
a
f(x)p(x)dx = p(a)
∫ c
a
f(x)dx.
Prova.
A. Como f e contınua, f possui uma primitiva F. Entao, pelo teorema
do valor medio, existe c ∈ (a, b) tal que∫b
a
f(x)dx = F(b) − F(a) = F ′(c)(b− a) = f(c)(b− a) .
B. Sendo m = inf{ f(x) | x ∈ [a, b] } e M = sup{ f(x) | x ∈ [a, b] }, temos
m ≤ f(x) ≤ M para todo x ∈ [a, b] e existem x0, y0 ∈ [a, b] tais que
f(x0) = m e f(y0) = M.
Suponhamos que p(x) ≥ 0 para todo x ∈ [a, b]. Entao,
mp(x) ≤ p(x) f(x) ≤Mp(x) , ∀ x ∈ [a, b] .
Logo,
J. Delgado - K. Frensel294
Formulas classicas do Calculo Integral
m
∫b
a
p(x)dx ≤∫b
a
p(x) f(x)dx ≤M∫b
a
p(x)dx .
Se∫b
a
p(x)dx = 0, temos∫b
a
p(x) f(x)dx = 0, e se∫b
a
p(x)dx > 0, temos
m ≤
∫b
af(x)p(x)dx∫b
ap(x)dx
≤M.
Em qualquer caso, existe d ∈ [m,M] tal que
d
∫b
a
p(x)dx =
∫b
a
f(x)p(x)dx .
E, como f e contınua, existe c entre x0 e y0 tal que f(c) = d, ou seja,∫b
a
f(x)p(x)dx = f(c)
∫b
a
p(x)dx .
C. Seja F : [a, b] −→ R dada por F(x) =
∫x
a
f(t)dt .
Entao, F ′ = f e F(a) = 0.
Integrando por partes, obtemos∫b
a
f(x)p(x)dx =
∫b
a
F ′(x)p(x)dx = F(b)p(b) −
∫b
a
F(x)p ′(x)dx .
Como p ′(x) ≤ 0 para todo x ∈ [a, b] e p ′ e integravel, temos, pelo item B,
que existe ξ ∈ [a, b] tal que∫b
a
F(x)p ′(x)dx = F(ξ)
∫b
a
p ′(x)dx .
Logo, ∫b
a
f(x)p(x)dx = F(b)p(b) − F(ξ)
∫b
a
p ′(x)dx
= F(b)p(b) − F(ξ)p(b) + F(ξ)p(a)
=
(F(ξ)
p(a) − p(b)
p(a)+ F(b)
p(b)
p(a)
)p(a)
= (αF(ξ) + βF(b) ) p(a) ,
Instituto de Matematica - UFF 295
Analise na Reta
onde α =p(a) − p(b)
p(a)≥ 0 , β =
p(b)
p(a)≥ 0 e α+ β = 1.
Como αF(ξ) + βF(b) pertence ao intervalo cujos extremos sao F(ξ) e
F(b) , temos, pela continuidade de F, que existe c ∈ [ξ, b] ⊂ [a, b] tal que
αF(ξ) + βF(b) = F(c) .
Provamos, entao, que existe c ∈ [a, b] tal que∫b
a
f(x)p(x)dx = p(a) F(c) = p(a)
∫ c
a
f(x)dx.�
Observacao 4.3 No item B, podemos sempre obter c ∈ (a, b).
De fato, como∫b
a
f(x)p(x)dx = f(c ′)
∫b
a
p(x)dx = 0 para um certo c ′ ∈
[a, b], temos que, se∫b
a
p(x)dx = 0, entao∫b
a
f(x)p(x)dx = f(c)
∫b
a
p(x)dx , ∀ c ∈ (a, b) .
Suponhamos que p(x) ≥ 0 para todo x ∈ [a, b].
Assim,∫b
a
p(x)dx > 0 se∫b
a
p(x)dx 6= 0.
Sejam L =
∫b
a
p(x)dx > 0 e M ′ > 0 tal que 0 ≤ p(x) ≤M ′ , ∀ x ∈ [a, b] .
Seja 0 < δ < min{b− a
2,L
4M ′
}. Entao,
0 ≤∫a+δ
a
p(x)dx ≤M ′δ <L
4e 0 ≤
∫b
b−δ
p(x)dx ≤M ′δ <L
4.
Logo,
L =
∫b
a
p(x)dx =
∫a+δ
a
p(x)dx+
∫b−δ
a+δ
p(x)dx+
∫b
b−δ
p(x)dx
<L
2+
∫b−δ
a+δ
p(x)dx .
Entao, ∫b−δ
a+δ
p(x)dx >L
2.
J. Delgado - K. Frensel296
Formulas classicas do Calculo Integral
Sejam
m = f(x0) = inf{ f(x) | x ∈ [a, b] } e M = f(y0) = sup{ f(x) | x ∈ [a, b] } ,
onde x0, y0 ∈ [a, b].
Seja
d =
∫b
af(x)p(x)dx∫b
ap(x)dx
.
Entao, como foi provado no item B, m ≤ d ≤M.
• Se m < d < M, existe, pela continuidade de f, um numero c entre x0 e
y0, e, portanto, c ∈ (a, b), tal que f(c) = d.
• Suponhamos que d = m e f(x) 6= m para todo x ∈ (a, b), ou seja,
f(x) > m para todo x ∈ (a, b).
Entao, ∫b
a
f(x)p(x)dx = m
∫b
a
p(x)dx ,
ou seja, ∫b
a
(f(x) −m)p(x)dx = 0 .
Mas, como f e contınua em [a, b] e f(x) > m para x ∈ (a, b), existe K > 0
tal que f(x) ≥ K+m para todo x ∈ [a+ δ, b− δ].
Logo, ∫b−δ
a+δ
(f(x) −m)p(x)dx ≥ K∫b−δ
a+δ
p(x)dx >KL
2> 0 .
Assim, sendo (f(x) −m)p(x) ≥ 0 para todo x ∈ [a, b],
0 =
∫b
a
(f(x) −m)p(x)dx =
∫a+δ
a
(f(x) −m)p(x)dx
+
∫b−δ
a+δ
(f(x) −m)p(x)dx+
∫b
b−δ
(f(x) −m)p(x)dx > 0 ,
o que e um absurdo.
• Suponhamos, agora, que d = M e f(x) 6= M para todo x ∈ (a, b), ou
seja, f(x) < M para todo x ∈ (a, b).
Instituto de Matematica - UFF 297
Analise na Reta
Logo, ∫b
a
f(x)p(x)dx = M
∫b
a
p(x)dx ,
e, portanto, ∫b
a
(M− f(x))p(x)dx = 0 .
Como f e contınua em [a, b] e f(x) < M para todo x ∈ (a, b), existe K > 0
tal que f(x) < M− K para todo x ∈ [a+ δ, b− δ].
Assim,∫b−δ
a+δ
(M− f(x))p(x)dx ≥ KL
2> 0 e, portanto,
0 =
∫b
a
(M− f(x))p(x)dx =
∫a+δ
a
(M− f(x))p(x)dx
+
∫b−δ
a+δ
(M− f(x))p(x)dx+
∫b
b−δ
(M− f(x))p(x)dx > 0 ,
o que e um absurdo.
• Deduziremos, agora, a Formula de Taylor com resto integral, usando
integracao por partes.
Lema 4.1 Seja ϕ : [0, 1] −→ R uma funcao que possui derivada de
ordem n+ 1, n ≥ 1, integravel em [0, 1]. Entao,
ϕ(1) = ϕ(0) +ϕ ′(0) +ϕ ′′(0)
2 !+ . . .+
ϕ(n)(0)
n !+
∫ 1
0
(1− t)n
n !ϕ(n+1)(t)dt .
Prova.
Provaremos este lema por inducao sobre n.
• Caso n = 1: Seja ϕ : [0, 1] −→ R uma funcao que possui derivada de
ordem 2 integravel em [0, 1].
Como ϕ ′ e contınua, temos que ϕ(1) = ϕ(0) +
∫ 1
0
ϕ ′(t)dt .
Fazendo f(t) = 1− t e g(t) = ϕ ′(t), obtemos, integrando por partes, que∫ 1
0
ϕ ′(t)dt =
∫ 1
0
(−f ′(t)g(t))dt = f g∣∣01+
∫ 1
0
f(t)g ′(t)dt
= ϕ ′(0) +
∫ 1
0
(1− t)ϕ ′′(t)dt ,
J. Delgado - K. Frensel298
Formulas classicas do Calculo Integral
ou seja,
ϕ(1) = ϕ(0) +ϕ ′(0) +
∫ 1
0
(1− t)ϕ ′′(t)dt
• Caso geral: Suponhamos o resultado valido para funcoes que possuem
derivada de ordem n+ 1, n ≥ 1, integravel em [0, 1].
Seja ϕ : [0, 1] −→ R uma funcao (n + 2)−vezes derivavel, com ϕ(n+2)
integravel em [0, 1].
Sejam f(t) =(1− t)n+1
(n+ 1) !e g(t) = ϕ(n+1)(t) . Entao, f ′(t) = −
(1− t)n
n !e
g ′(t) = ϕ(n+2)(t) , para todo t ∈ [0, 1].
Como f ′ e g ′ sao integraveis, temos∫ 1
0
(1− t)n
n !ϕ(n+1)(t)dt = −
∫ 1
0
f ′(t)g(t)dt = f g∣∣01+
∫ 1
0
f(t)g ′(t)dt
=ϕ(n+1)(0)
(n+ 1) !+
∫ 1
0
(1− t)n+1
(n+ 1) !ϕ(n+2)(t)dt .
Alem disso, sendo ϕ (n + 1)−vezes derivavel, com ϕ(n+1) integravel, ob-
temos, pela hipotese de inducao, que
ϕ(1) = ϕ(0) +ϕ ′(0) + . . .+ϕ(n)(0)
n !+
∫ 1
0
(1− t)n
n !ϕ(n+1)(t)dt .
Logo,
ϕ(1) = ϕ(0)+ϕ ′(0)+ . . .+ϕ(n)(0)
n !+ϕ(n+1)(0)
(n+ 1) !+
∫ 1
0
(1− t)n+1
(n+ 1) !ϕ(n+2)(t)dt .
�
Teorema 4.4 (Formula de Taylor com resto integral)
Se f : [a, a+ h] −→ R possui derivada de ordem n+ 1 integravel, entao
f(a+ h) = f(a) + f ′(a)h+f ′′(a)
2 !h2 + . . .+
f(n)(a)
n !hn
+
[ ∫ 1
0
(1− t)n
n !f(n+1)(a+ th)dt
]hn+1
Formula de Taylor com resto inte-gral.
Prova.
Seja ϕ : [0, 1] −→ R definida por ϕ(t) = f(a+ th), t ∈ [0, 1].
Instituto de Matematica - UFF 299
Analise na Reta
Entao, ϕ(j)(t) = f(j)(a + th)hj para todo 1 ≤ j ≤ n + 1. Logo, ϕ possui
derivada de ordem n + 1 integravel (por que?) e ϕ(j)(0) = f(j)(a)hj para
todo 1 ≤ j ≤ n+ 1.
Assim, pelo lema anterior,
ϕ(1) = ϕ(0) +ϕ ′(0) +ϕ ′′(0)
2 !+ . . .+
ϕ(n)(0)
n !+
∫ 1
0
(1− t)n
n !ϕ(n+1)(t)dt ,
ou seja,
f(a+ h) = f(a) + f ′(a)h+f ′′(a)
2 !h2 + . . .+
f(n)(a)
n !hn
+
[ ∫ 1
0
(1− t)n
n !f(n+1)(a+ th)dt
]hn+1 ,
como querıamos.�
Observacao 4.4 Ao usarmos a notacao [a, a + h], estamos admitindo
h ≥ 0. Mas a mesma formula vale para h < 0, pois a definicao de ϕ nao
leva isto em conta.
Observacao 4.5 Fazendo b = a+h e realizando a mudanca de variavel
x = a+ th, t ∈ [0, 1], obtemos que:
f(b) = f(a) + f ′(a)(b− a) + . . .+f(n)(a)
n !(b− a)n
+
∫b
a
(b− x)n
n !f(n+1)(x)dx ,
ja que∫b
a
(b− x)n
n !f(n+1)(x)dx =
∫ 1
0
(b− a− th)n
n !f(n+1) (a+ th)hdt
=
∫ 1
0
(h− th)n
n !f(n+1) (a+ th)hdt
=
∫ 1
0
(1− t)n
n !f(n+1) (a+ th)hn+1 dt .
J. Delgado - K. Frensel300
A integral como limite de somas
5. A integral como limite de somas
Definicao 5.1 Seja P = {t0, t1, . . . , tn} uma particao do intervalo [a, b].
Chamamos norma de P ao numero
|P | = max{
| ti − ti−1 |∣∣ i = 1, . . . , n
}.
Mostraremos que ∫b
a
f(x)dx = lim|P |→0
S(f;P),
onde f : [a, b] −→ R e uma funcao limitada.
Teorema 5.1 Seja f : [a, b] −→ R limitada. Entao, para todo ε > 0,
existe δ > 0 tal que∫b
a
f(x)dx ≤ S(f;P) <
∫b
a
f(x)dx+ ε ,
qualquer que seja a particao P com norma menor do que δ .
Prova.
Suponhamos, primeiro, que f(x) > 0, para todo x ∈ [a, b].
Seja M = sup { f(x) | x ∈ [a, b] } > 0.
Dado ε > 0, existe uma particao P0 = { t0, t1, . . . , tn } de [a, b] tal que∫b
a
f(x)dx ≤ S(f;P0) <
∫b
a
f(x)dx+ε
2.
Tome 0 < δ <ε
2Mne seja P uma particao arbitraria de [a, b] com |P | < δ.
Indiquemos por [rα−1, rα] os intervalos de P contidos em algum intervalo
[ti−1, t1] de P0, e escrevemos α ⊂ i para indicar que [rα−1, rα] ⊂ [ti−1, t1] .
Chamemos [rβ−1, rβ] os intervalos restantes. Como cada um destes in-
tervalos contem pelo menos um ponto ti em seu interior, ha, no maximo,
n− 1 intervalos do tipo [rβ−1, rβ].
Se α ⊂ i, entao Mα ≤Mi e∑α⊂i
(rα − rα−1) ≤ ti − ti−1 , onde
Mα = supx∈[rα−1,rα]
f(x) e Mi = supx∈[ti−1,ti]
f(x) .
Portanto,
Instituto de Matematica - UFF 301
Analise na Reta
∑α⊂i
Mα(rα − rα−1) ≤Mi(ti − ti−1) .
Alem disso, Mβ(rβ − rβ−1) ≤ Mδ , pois Mα , Mβ e Mi sao numeros
positivos.
Assim,
S(f;P) =∑
α
Mα(rα − rα−1) +∑
β
Mβ(rβ − rβ−1)
≤n∑
i=1
Mi(ti − ti−1) +Mδ(n− 1)
< S(f;P0) +ε
2<
∫b
a
f(x)dx+ ε .
No caso geral, como f e limitada, existe c ∈ R tal que f(x) + c > 0 para
todo x ∈ [a, b].
Tomando g(x) = f(x) + c, temos que g(x) > 0 para todo x ∈ [a, b],
Mi(g) = Mi(f) + c , S(g;P) = S(f;P) + c(b− a) ,
e, portanto, ∫b
a
g(x)dx =
∫b
a
f(x)dx+ c(b− a) .
Logo, dado ε > 0, existe δ > 0 tal que
|P | < δ =⇒ S(g;P) <
∫b
a
g(x)dx+ ε ,
ou seja,
S(f;P) + c(b− a) <
∫b
a
f(x) + c(b− a) + ε .
Entao, ∫b
a
f(x)dx ≤ S(f;P) <
∫b
a
f(x)dx+ ε . �
Corolario 5.1 Seja f : [a, b] −→ R limitada. Entao,∫b
a
f(x)dx = lim|P |−→0
s(f,P),
ou seja: dado ε > 0, existe δ > 0 tal que
|P | < δ =⇒ ∫b
a
f(x)dx− ε < s(f;P) ≤∫b
a
f(x)dx .
J. Delgado - K. Frensel302
A integral como limite de somas
Prova.
Pelo teorema anterior, dado ε > 0, existe δ > 0 tal que |P | < δ, entao∫b
a
− f(x)dx ≤ S(−f;P) <
∫b
a
− f(x)dx+ ε .
Logo, ∫b
a
f(x)dx− ε < s(f;P) ≤∫b
a
f(x)dx ,
pois S(−f;P) = −s(f;P) e∫b
a
− f(x)dx = −
∫b
a
f(x)dx . �
• Vamos, agora, caracterizar as funcoes integraveis exprimindo suas inte-
grais em termos de limites de somas.
Definicao 5.2 Seja P = {t0, t1, . . . , tn} uma particao de [a, b]. Pontilhar
a particao P e escolher um ponto ξi ∈ [ti−1, ti] para todo i = 1, . . . , n.
Se f : [a, b] −→ R e limitada e P? e uma particao pontilhada de [a, b],
chamamos
Σ(f;P) =
n∑i=1
f(ξ)(ti − ti−1)
de soma de Riemann de f relativa a particao pontilhada P? de [a, b].
Observacao 5.1 Seja qual for a maneira de pontilhar a particao P,
temos s(f;P) ≤ Σ(f;P?) ≤ S(f;P) , ja que ξi ∈ [ti−1, ti] e, portanto,
mi ≤ f(ξi) ≤Mi para todo i = 1, . . . , n.
Definicao 5.3 Dada f : [a, b] −→ R limitada, dizemos que I ∈ R e o
limite de Σ(f;P?) quando |P | tende a zero e escrevemos
I = lim|P |→0
Σ(f;P?)
quando, para tdo ε > 0, existe δ > 0, tal que |Σ(f;P?) − I | < ε, seja qual
for a particao pontilhada P? de [a, b], com |P | < δ.
Teorema 5.2 Seja f : [a, b] −→ R limitada. Entao, existe o limite
I = lim|P |→0
Σ(f;P?) se, e so se, f e integravel. Neste caso, I =
∫b
a
f(x)dx .
Instituto de Matematica - UFF 303
Analise na Reta
Prova.
(⇐=) Seja f integravel. Pelo teorema 5.1 e pelo corolario 5.1, temos:∫b
a
f(x)dx = lim|P |→0
S(f;P) = lim|P |→0
s(f;P) .
Mas, como s(f;P) ≤ Σ(f;P?) ≤ S(f;P) para toda particao pontilhada P?
de [a, b], temos que o limite lim|P |→0
Σ(f;P?) existe e e igual a∫b
a
f(x)dx.
(=⇒) Suponhamos que existe o limite I = lim|P |→0
Σ(f;P?).
Dado ε > 0, existe uma particao P = {t0, t1, . . . , tn} tal que
|Σ(f;P?) − I | <ε
4,
seja qual for a maneira de pontilhar P.
Vamos pontilhar P de duas maneiras:
• Em cada intervalo [ti−1, ti], existe ξi tal que
f(ξi) < mi +ε
4n(ti − ti−1).
Isto nos da uma particao pontilhada P? tal que
Σ(f;P?) =
n∑i=1
f(ξi)(ti − ti−1) <
n∑i=1
mi(ti − ti−1) +ε
4= s(f;P) +
ε
4.
• Em cada intervalo [ti−1, ti], existe ηi tal que
f(ηi) > Mi −ε
4n(ti − ti−1).
Isto nos da uma particao pontilhada P# tal que
Σ(f;P#) =
n∑i=1
f(ηi)(ti − ti−1) >
n∑i=1
Mi(ti − ti−1) −ε
4= S(f;P) −
ε
4.
Logo,
Σ(f;P?) −ε
4< s(f;P) ≤ S(f;P) < Σ(f;P#) +
ε
4.
Mas, como Σ(f;P?) e Σ(f;P#) pertencem ao intervalo(I −
ε
4, I +
ε
4
),
temos que
I −ε
2< s(f;P) ≤ S(f;P) < I +
ε
2,
e, portanto, S(f;P) − s(f;P) < ε .
J. Delgado - K. Frensel304
A integral como limite de somas
Entao, f e integravel e, pela parte ja provada do teorema,∫b
a
f(x)dx = lim|P |→0
Σ(f;P?) . �
Exemplo 5.1 Seja f : [a, b] −→ R uma funcao integravel. Entao, dada
uma sequencia (P?n) de particoes pontilhadas com lim
n→∞ |P?n| = 0, temos
que ∫b
a
f(x)dx = limn→∞Σ(f;P?
n) .
Consideremos, por exemplo, a funcao f : [1, 2] −→ R dada por f(x) =1
x.
Entao, f e integravel, pois f e de classe C∞, e, como veremos depois,∫ 2
1
dx
x= log 2.
Para cada n ∈ N, seja Pn ={1,n+ 1
n,n+ 2
n, . . . ,
n+ n
n
}a particao que
subdivide o intervalo [1, 2] em n intervalos, cada um com comprimento
1
n. Pontilhemos Pn tomando em cada intervalo
[n+ i− 1
n,n+ i
n
]o ponto
ξi =n+ i
n, i = 1, . . . , n.
Como f(ξi) = f(n+ i
n
)=
n
n+ i, temos que f(ξi)(ti − ti−1) =
1
n+ ie,
portanto,
Σ(f;P?n) =
1
n+ 1+
1
n+ 2+ . . .+
1
2n
e a soma de Riemann da particao pontilhada P?n.
Logo,
log 2 =
∫ 2
1
dx
x= lim
n→∞Σ(f;P?n) = lim
n→∞ = limn→∞
(1
n+ 1+
1
n+ 2+ . . .+
1
2n
).
�
Exemplo 5.2 Valor medio de uma funcao num intervalo
Seja f : [a, b] −→ R uma funcao integravel. Dividindo o intervalo [a, b]
em n partes iguais, obtemos a particao Pn = {a, a+ h, . . . , a+ nh}, onde
h =b− a
n.
Instituto de Matematica - UFF 305
Analise na Reta
A media aritmetica dos n numeros f(a+h), f(a+2h), . . .,f(a+nh) = f(b)
e indicada pela notacao M(f;n) =1
n
n∑i=1
f(a + ih). E definimos o valor
medio de f no intervalo [a, b] como sendo o limite
M(f; [a, b]) = limn→∞M(f;n)
Escolhendo o ponto a + ih em cada intervalo [a + (i − 1)h, a + ih],
i = 1, . . . , n, obtemos uma particao pontilhada P?n tal que
Σ(f;P?n) =
n∑i=1
f(a+ ih)h =b− a
n
n∑i=1
f(a+ ih) = (b− a)M(f;n) ,
ou seja,
M(f;n) =1
b− aΣ(f;P?
n) .
Logo,
M(f; [a, b]) = limn→∞ 1
b− aΣ(f;P?
n) =1
b− a
∫b
a
f(x)dx .
Em particular, se f esta definida no intervalo [a, a + 1], seu valor medio
nesse intervalo e∫a+1
a
f(x)dx . �
6. Caracterizac ao das func oes integr aveis
Indiquemos com |I| = b − a o comprimento de um intervalo I cujos
extremos sao a e b.
Definicao 6.1 Seja X ⊂ R. Dizemos que X tem conteudo nulo e escre-
vemos c(X) = 0, quando, para todo ε > 0, existe uma colecao finita de
abertos I1, . . . , Ik tal que
X ⊂ I1 ∪ I2 ∪ . . . ∪ Ik ek∑
j=1
|Ij| < ε
Observacao 6.1 Na definicao acima, nao foi exigido que os intervalos
abertos Ii, . . . , Ik sejam disjuntos.
J. Delgado - K. Frensel306
Caracterizacao das funcoes integraveis
Mas, o conjunto aberto I1∪. . .∪Ik pode ser expresso, de modo unico, como
uma reuniao finita de intervalos abertos disjuntos J1, . . . , Jr, com r ≤ k.
De fato, como I1 ∪ . . .∪ Ik e um conjunto aberto, existe uma unica colecao
(Jn) enumeravel de intervalos abertos disjuntos tais que
I1 ∪ . . . ∪ Ik =
∞⋃n=1
Jn .
Como, para todo j = 1, . . . , k, Ij =
∞⋃n=1
Ij ∩ Jn e Ij ∩ Jn e vazio ou e um
intervalo aberto, temos que existe um unico nj tal que Ij ∩ Jnj6= ∅, pois,
caso contrario, o intervalo aberto Ij se escreveria como reuniao de dois
conjuntos abertos disjuntos e nao-vazios.
Logo, Ij ⊂ Jnj, e, portanto,
I1 ∪ . . . ∪ Ik = Jn1∪ . . . ∪ Jnk
.
Assim, a colecao (Jnk) e finita e tem no maximo k elementos, pois podem
existir j 6= `, j, ` = 1, . . . , k, tais que Jnj= Jn`
.
Entao, existe r ≤ k tal que
I1 ∪ . . . ∪ Ik = J1 ∪ . . . ∪ Jr ,
onde J1, . . . , Jr sao intervalos abertos disjuntos.
Lema 6.1 Sejam I1, . . . , Ik e J1, . . . , Jr intervalos abertos, tais que os in-
tervalos Ji sao dois a dois disjuntos
Se I1 ∪ . . . ∪ Ik = J1 ∪ . . . ∪ Jr, entao
|J1| + . . .+ |Jr| ≤ |I1| + . . .+ |Ik| ,
ocorrendo a igualdade somente quando os intervalos Ij sao tambem dois
a dois disjuntos. Nesse caso, k = r e os intervalos I1, . . . , Ik coincidem
com os intervalos J1, . . . , Jk a menos da enumeracao.
Prova.
Seja ξX : R −→ R a funcao caracterıstica de um conjunto X ⊂ R, ou
seja ξX(x) =
1 se x ∈ X
0 se x 6∈ X .
Instituto de Matematica - UFF 307
Analise na Reta
Afirmacao 1: Se Y = X1 ∪ . . . ∪ Xk, entao ξY ≤k∑
j=1
ξXj, ocorrendo a
igualdade se, e so se, os conjuntos Xj sao dois a dois disjuntos.
De fato, se x ∈ Y, existe j ∈ {1, . . . , k} tal que x ∈ Xj.
Logo, ξY(x) = 1 = ξXj(x) ≤
k∑i=1
ξXi(x), pois ξXi
(y) ≥ 0 para todo y ∈ R.
Se x 6∈ Y, entao x 6∈ Xj para todo j = 1, . . . , k. Assim, ξY(x) = ξXj(x) = 0
para todo j = 1, . . . , k, ou seja,
ξY(x) =
k∑j=1
ξXj(x) = 0 .
Suponhamos, agora, que os conjuntos X1, . . . , Xk sao dois a dois disjun-
tos. Entao, para todo x ∈ Y, existe um unico j = 1, . . . , k tal que x ∈ Xj.
Logo, ξY(x) = 1 = ξXj(x) =
k∑i=1
ξXi(x), ja que ξXi
(x) = 0 para todo i 6= j.
Suponhamos que ξY =
n∑j=1
ξXj. Entao, os conjuntos Xj sao disjuntos,
pois se existisse x ∈ Xj ∩ Xi, j 6= i, terıamos que
2 = ξXj(x) +ξXi
(x) ≤k∑
`=1
ξX`(x) = ξY(x) = 1 ,
o que e absurdo.
• No caso em que X e um intervalo contido no intervalo [a, b], temos que
ξX : [a, b] −→ R e uma funcao escada e, portanto,∫b
a
ξX(x)dx = |X|
• Logo, se [a, b] e um intervalo tal que Y = I1∪. . .∪Ik = J1∪. . .∪Jr ⊂ [a, b],
onde I1, . . . , Ik e J1, . . . , Jr sao intervalos abertos, sendo os intervalos Jidois a dois disjuntos, entao
ξY =
r∑i=1
ξJi≤
k∑i=1
ξIJ,
J. Delgado - K. Frensel308
Caracterizacao das funcoes integraveis
e, portanto,r∑
i=1
|Ji| =
r∑i=1
∫b
a
ξJi=
∫a
r∑i=1
ξJi≤
∫b
a
k∑j=1
ξIj=
k∑j=1
∫b
a
ξIj=
k∑j=1
|Ij| .
Suponhamos, agora, que existem i 6= j , i, j ∈ {1, . . . , k}, tais que Ii∩Ij 6= ∅.
Entao, existe um intervalo aberto I0 = (c, d) ⊂ Ii ∩ Ij.
Logo, ξY(x) <
k∑`=1
ξI`(x) para todo x ∈ I0, ou seja,
k∑`=1
ξI`(x)−ξY(x) ≥ 1
para todo x ∈ I0 .
Assim,
k∑`=1
|I`| −∑s=1
|Js| =
∫b
a
(k∑
`=1
ξI`(x) −
r∑s=1
ξJs(x)
)dx
=
∫b
a
(k∑
`=1
ξI`(x) −ξY(x)
)dx =
∫ c
a
(k∑
`=1
ξI`(x) −ξY(x)
)dx
+
∫d
c
(k∑
`=1
ξI`(x) −ξY(x)
)dx +
∫b
d
(k∑
`=1
ξI`(x) −ξY(x)
)dx
≥∫d
c
1 dx = d− c = |I0| > 0 .
Provamos, entao, que se os intervalos abertos I1, . . . , Ik nao sao disjuntos,
entaok∑
`=1
|I`| >
r∑s=1
|Js| . �
Corolario 6.1 Seja X ⊂ [a, b] um conjunto de conteudo nulo. Entao,
dado ε > 0, existe uma particao P de [a, b] tal que a soma dos compri-
mentos dos intervalos de P que contem algum ponto de X e < ε.
Prova.
Dado ε > 0, existem intervalos abertos I1, . . . , Ik tais que X ⊂ I1 ∪ . . . ∪ Ik
ek∑
j=1
|Ij| < ε. Pela observacao 6.1 e pelo lema 6.1, existem intervalos
abertos J1, . . . , Jr, r ≤ k, disjuntos tais que X ⊂ I1 ∪ . . . ∪ Ik = J1 ∪ . . . ∪ Jr
er∑
i=1
|Ji| < ε.
Instituto de Matematica - UFF 309
Analise na Reta
As extremidades dos Ji contidas em [a, b], juntamente com os pontos a e
b, formam uma particao P = {t0, t1, . . . , tn} de [a, b].
Seja i = 1, . . . , n, tal que X ∩ [ti−1, ti] 6= ∅. Entao, existe x ∈ X ∩ [ti−1, ti]
e, portanto, existe ` = 1, . . . , r tal que x ∈ J`.
Suponhamos que 0 < ε ≤ b−a. Assim, uma das extremidades de J` esta
contida em [a, b], pois, caso contrario, terıamos |J`| > b − a ≥ ε, ja que
J` ∩ [a, b] 6= ∅.
Logo, se:
• ti−1 = a =⇒ [a, t1) ⊂ J` e t1 e a extremidade superior de J` .
ou
• ti−1 6= a e ti 6= b =⇒ (ti−1, ti) = J` .
• ti = b =⇒ (tn−1, b] ⊂ J` e tn−1 e a extremidade inferior de J`.
ou
Em qualquer caso, temos que ti − ti−1 ≤ |J`|. Entao,
∑X∩[ti−1,ti] 6=∅
|ti − ti−1| ≤r∑
s=1
|Js| < ε . �
Observacao 6.2 Os conjuntos de conteudo nulo gozam das seguintes
propriedades:
1. Se c(X) = 0, entao X e limitado.
De fato, como X esta contido numa uniao finita de intervalos limitados,
temos que X e limitado.
2. Se c(X) = 0 e Y ⊂ X, entao c(Y) = 0.
3. Se c(X1) = c(X2) = . . . = c(Xn) = 0, entao c(X1 ∪ . . . ∪ Xn) = 0.
De fato, dado ε > 0, existem, para cada k = 1, . . . , n, intervalos abertos
Ik1, . . . , Ikjk
tais que
J. Delgado - K. Frensel310
Caracterizacao das funcoes integraveis
Xk ⊂ Ik1 ∪ . . . ∪ Ikjk ejk∑
i=1
|Iki | <ε
n.
Logo,
X1 ∪ . . . ∪ Xn ⊂n⋃
k=1
jk⋃i=1
Iki en∑
k=1
jk∑i=1
|Iki | < n×ε
n= ε .
4. Se para cada ε > 0 existem intervalos abertos I1, . . . , Ik e um subcon-
junto finito F ⊂ X tais que
X− F ⊂ Ii ∪ . . . ∪ Ik e |I1| + . . .+ |Ik| < ε ,
entao c(X) = 0 .
De fato, dado ε > 0, existem intervalos abertos I1, . . . , Ik e F ⊂ X finito tais
que
X− F ⊂ Ii ∪ . . . ∪ Ik e |I1| + . . .+ |Ik| <ε
2.
Sejam F = {x1, . . . , xr} e Ik+i =(xi −
ε
4r, xi +
ε
4r
), i = 1, . . . , r. Entao,
F ⊂r⋃
i=1
Ik+i er∑
i=1
|Ik+i| =2εr
4r=ε
2.
Logo, X ⊂ I1 ∪ . . . ∪ Ik ∪ Ik+1 ∪ . . . ∪ Ik+r ek+r∑j=1
|Ij| <ε
2+ε
2= ε .
5. c(X) = 0 ⇐⇒ dado ε > 0, existem intervalos fechados J1, . . . , Jk tais
que X ⊂ J1 ∪ . . . ∪ Jk ek∑
i=1
|Ji| < ε.
De fato, se c(X) = 0, dado ε > 0, existem intervalos abertos I1, . . . , Ik tais
que X ⊂ I1 ∪ . . . ∪ Ik ek∑
i=1
|Ii| < ε. Seja Ji = Ii, ou seja, Ji = [ai, bi]
se Ii = (ai, bi). Entao, |Ji| = |Ii|, i = 1, . . . , k. Logo, X ⊂ J1 ∪ . . . ∪ Jk ek∑
i=1
|Ji| =
k∑i=1
|Ii| < ε .
Reciprocamente, dado ε > 0, existem intervalos fechados Ji = [ai, bi],
i = 1, . . . , k , tais que X ⊂ J1 ∪ . . . ∪ Jk ek∑
i=1
|Ji| < ε.
Instituto de Matematica - UFF 311
Analise na Reta
Sejam F = {a1, b1, a2, b2, . . . , an, bn} e Ii = (ai, bi), i = 1, . . . , n.
Entao, X − F ⊂ I1 ∪ . . . ∪ Ik ek∑
i=1
|Ii| < ε . Logo, pela propriedade 4,
c(X) = 0.
• Em particular, vale a recıproca do corolario 6.1: Se X ⊂ [a, b] e, para
cada ε > 0 existe uma particao P de [a, b] tal que a soma dos comprimen-
tos dos intervalos de P que contem pontos de X e < ε, entao c(X) = 0.
Exemplo 6.1 Seja X = Q ∩ [a, b], com a < b. Entao, X e enumeravel,
mas nao tem conteudo nulo.
De fato, se c(X) = 0, entao, dado 0 < ε < b − a, existiria uma particao Pde [a, b] tal que a soma dos comprimentos dos intervalos de P contendo
pontos de P seria < ε. Mas, como Q ∩ [ti−1, ti] 6= ∅ para todo i, terıamos
que∑
[ti−1,ti]∩X6=∅
(ti − ti−1) = b − a, o que e um absurdo. Logo, X nao tem
conteudo nulo. �
Exemplo 6.2 Todo intervalo nao-degenerado nao tem conteudo nulo.
De fato, os intervalos do tipo (a,+∞), [a,+∞), (−∞, b) e (−∞, b] nao
tem conteudo nulo, pois sao ilimitados.
E os intervalos do tipo (a, b) e [a, b] nao tem conteudo nulo, pois (a, b)∩Qnao tem conteudo nulo e (a, b) ∩Q ⊂ (a, b) ⊂ [a, b]. �
Exemplo 6.3 Se X tem conteudo nulo, entao X tem interior vazio.
De fato, se x0 ∈ intX, existiria um intervalo aberto I tal que x0 ∈ I ⊂ X.
Logo, como c(X) = 0, I teria conteudo nulo, o que e um absurdo. �
Exemplo 6.4 Seja K ⊂ [0, 1] o conjunto de Cantor. Entao K nao e enu-
meravel e tem conteudo nulo.
De fato, depois da n−esima etapa da construcao do conjunto de Cantor,
foram omitidos intervalos abertos cuja soma dos comprimentos e
1
3+2
32+22
33+ . . .+
2n−1
3n=1
3
n−1∑i=0
(2
3
)i
= 1−(2
3
)n
.
J. Delgado - K. Frensel312
Caracterizacao das funcoes integraveis
Entao, K esta contido numa uniao finita de 2n intervalo fechados, cada um
de comprimento1
3n. Como a soma dos comprimentos desses intervalos
fechados e(2
3
)n
, dado ε > 0, basta tomar n ∈ N tal que(2
3
)n
< ε.
Portanto, c(X) = 0. �
• Sejam f : [a, b] −→ R uma funcao limitada e X ⊂ [a, b]. A oscilacao de f
no conjunto X e
ω(f;X) = sup f(X) − inf f(X) = sup{ |f(x) − f(y)| | x,∈ X } .
Logo, se X ⊂ Y, entao ω(f;X) ≤ ω(f; Y) .
Definiremos, agora, a oscilacao de f num ponto x ∈ [a, b]:
Para cada δ > 0, escrevemos
ωx(δ) = ω(f; (x− δ, x+ δ) ∩ [a, b]) .
• se a < x < b, existe δ0 > 0 tal que (x − δ0, x + δ0) ⊂ [a, b]. Logo,
ωx(δ0) = ω(f; (x− δ0, x+ δ0)) .
• Se x = a e 0 < δ0 ≤ b− a, entao ωx(δ0) = ω(f; [a, a+ δ0)) .
• Se x = b e 0 < δ0 ≤ b− a, entao ωx(δ0) = ω(f; (b− δ0, b]) .
Entao a funcao ω : (0, δ0) −→ R e monotona nao-decrescente e e
limitada, pois f e limitada.
Existe, portanto, o limite
ω(f; x) = limδ→0+
ωx(δ) = inf {ω(δ) | δ ∈ (0, δ0) }
que chamamos a oscilacao de f no ponto x .
Observacao 6.3 Seja Vδ(x) = (x− δ, x+ δ) ∩ ( [a, b] − {x} ).
Entao, se 0 < δ < δ0, temos que Vδ(x) = (x − δ, x + δ) − {x} quando
a < x < b, Vδ(a) = (a, a+ δ) e Vδ(b) = (b− δ, b) .
Como ja provamos, as funcoes
`x : (0, δ0) −→ Rδ 7−→ `xδ = infδ∈(0,δ0) f(Vδ)
e
Instituto de Matematica - UFF 313
Analise na Reta
Lx : (0, δ0) −→ Rδ 7−→ Lx
δ = supδ∈(0,δ0) f(Vδ) ,
sao monotonas nao-crescente e nao-decrescente, respectivamente,
L(x) = limδ→0
Lxδ e o limite superior de f no ponto x e `(x) = lim
δ→0`xδ e o
limite inferior de f no ponto x.
Observe que, ao calcularmos os limites `(x) e L(x), nao levamos em conta
o valor de f no ponto x. Por isso, nao se tem, em geral, ω(f; x) igual a
L(x) − `(x).
Mas, como ω(δ) = max {Lxδ , f(x) } − min { `xδ , f(x) }, temos que
ω(f; x) = limδ→0+
ωxδ = lim
δ→0+
Lxδ + f(x) + |Lx
δ − f(x)|
2− lim
δ→0+
`xδ + f(x) − |`xδ − f(x)|
2
=L(x) + f(x) + |L(x) − f(x)|
2−`(x) + f(x) − |`(x) − f(x)|
2
= max {L(x), f(x) } − min { `(x), f(x) } .
Alem disso, temos que f e contınua em x se, e so se, limt→x
f(t) = f(x), ou
seja, se, e so se, L(x) = `(x) = f(x). Logo,
f e contınua em x se, e so se, ω(f; x) = 0 .
De fato, se f e contınua em x, entao ω(f; x) = 0, pois
max {L(x), f(x) } − min { `(x), f(x) } = 0 ,
ja que L(x) = `(x) = f(x).
Suponhamos, entao, que ω(f; x) = 0.
• Se f(x) ≤ `(x) ≤ L(x), entao
0 = ω(f; x) = max {L(x), f(x) } − min { `(x), f(x) } = L(x) − f(x) ,
ou seja, L(x) = f(x), e, portanto, f(x) = `(x) = L(x).
• Se `(x) ≤ L(x) ≤ f(x), entao
0 = ω(f; x) = max {L(x), f(x) } − min { `(x), f(x) } = f(x) − `(x) ,
ou seja, `(x) = f(x), e, portanto, `(x) = L(x) = f(x) .
• Se `(x) ≤ f(x) ≤ L(x), entao
0 = ω(f; x) = max {L(x), f(x) } − min { `(x), f(x) } = L(x) − `(x) ,
ou seja, `(x) = L(x), e, portanto, `(x) = f(x) = L(x) .
J. Delgado - K. Frensel314
Caracterizacao das funcoes integraveis
Em qualquer caso, temos que L(x) = `(x) = f(x). Logo, f e contınua em x
se ω(f; x) = 0.
Daremos, agora, uma outra demonstracao deste resultado, sem usar
as nocoes de limite superior e inferioir de uma funcao num ponto x.
Teorema 6.1 Seja f : [a, b] −→ R limitada. Entao, f e contınua no ponto
x0 ∈ [a, b] se, e so se, ω(f; x0) = 0 .
Prova.
(=⇒) Suponhamos f contınua no ponto x0 ∈ [a, b]. Dado ε > 0, existe
δ > 0 tal que
x ∈ [a, b] , |x− x0| < δ =⇒ f(x0) −ε
2< f(x) < f(x0) +
ε
2.
Entao, |f(x) − f(y)| < ε quaisquer que sejam x, y ∈ [a, b] ∩ (x0 − δ, x0 + δ)
e, portanto, 0 ≤ ωδ ≤ ε.
Logo, ω(f; x0) = limδ→0+
ωδ = 0.
(⇐=) Suponhamos, agora, que ω(f; x0) = limδ→0+
ωδ = 0 .
Dado ε > 0, existe δ > 0 tal que 0 ≤ ωδ < ε, ou seja, |f(x) − f(y)| < ε
quaisquer que sejam x, y ∈ (x0 − δ, x0 + δ) ∩ [a, b].
Em particular,
x ∈ [a, b] , |x− x0| < δ =⇒ |f(x) − f(x0)| < ε.
Logo, f e contınua no ponto x0. �
• O proximo teorema diz que a oscilacao x 7−→ ω(f; x) e uma funcao se-
micontınua superiormente no intervalo [a, b], e os corolarios estabelecem
propriedades gerais das funcoes semicontınuas superiormente.
Teorema 6.2 Seja f : [a, b] −→ R limitada. Dado x0 ∈ [a, b], para todo
ε > 0, existe δ > 0, tal que
x ∈ [a, b] , |x− x0| < δ =⇒ ω(f; x) < ω(f; x0) + ε .
Prova.
Dado ε > 0 existe δ > 0 tal que ωx0(δ) < ω(f; x0) + ε, pois
limδ→0
ωx0(δ) = ω(f; x0).
Instituto de Matematica - UFF 315
Analise na Reta
Como
ωx0(δ) = ω(f; (x0 − δ, x0 + δ) ∩ [a, b]),
temos que para todo x ∈ X = (x0 − δ, x0 + δ) ∩ [a, b] , existe δx > 0 tal
que (x− δx, x+ δx) ∩ [a, b] ⊂ X .
Logo,
ω(f; (x− δx, x+ δx) ∩ [a, b]) ≤ ω(f;X) = ωx0(δ) < ω(f; x0) + ε.
Mas, como
ω(f; x) ≤ ω(f; (x− δx, x+ δx) ∩ [a, b]),
ja que
ω(f; x) = limδ ′→0
ωxδ ′ = inf {ωx(δ ′) | δ ′ > 0 },
ondeωx(δ ′) = ω(f; (x−δ ′, x+δ ′)∩[a, b]), temos queω(f; x) < ω(f; x0)+ε.
�
Corolario 6.2 Se ω(f; x0) < α entao existe δ > 0 tal que
x ∈ [a, b] , |x− x0| < δ =⇒ ω(f; x) < α .
Prova.
Pelo teorema acima, dado ε = α−ω(f; x0) > 0, existe δ > 0 tal que
x ∈ [a, b] , |x− x0| < δ =⇒ ω(f; x) < ω(f; x0) + ε = α . �
Corolario 6.3 Para todo α > 0, o conjunto
Eα = { x ∈ [a, b] |ω(f; x) ≥ α }
e compacto.
Prova.
Seja
Aα = [a, b] − Eα = { x ∈ [a, b] |ω(f; x) < α } .
Pelo corolario anterior, para todo x ∈ Aα, existe δx > 0, tal que (x− δx, x+
δx) ∩ [a, b] ⊂ Aα .
Logo,
Aα = [a, b] ∩⋃
x∈Aα
(x− δx, x+ δx) = [a, b] ∩Uα,
onde Uα =⋃
x∈Aα
(x− δx, x+ δx) e aberto.
J. Delgado - K. Frensel316
Caracterizacao das funcoes integraveis
Entao, Eα = [a, b]∩ (R−Uα) e fechado e limitado, pois [a, b] e R−Uα sao
fechados e [a, b] e limitado. Portanto, Eα e compacto. �
Corolario 6.4 Seja (xn) uma sequencia de pontos de [a, b] que con-
verge para x. Se o limn→∞ω(f; xn) = L existe, entao L ≤ ω(f; x), ou seja
limn→∞ω(f; xn) ≤ ω(f; lim
n→∞ xn) .
Prova.
Suponhamos, por absurdo, que ω(f; x) < L e seja ε =L−ω(f; x)
2> 0,
isto e, ω(f; x) + ε = L− ε. Pelo teorema 6.2, existe δ > 0 tal que
y ∈ [a, b] ∩ (x− δ, x+ δ) =⇒ ω(f;y) < ω(f; x) + ε = L− ε .
Mas, como xn −→ x, existe n0 ∈ N tal que xn ∈ [a, b] ∩ (x− δ, x+ δ) para
todo n ≥ n0.
Logo, ω(f; xn) < L − ε para todo n ≥ n0, o que e um absurdo, pois
limn→∞ω(f; xn) = L. �
Exemplo 6.5 Seja a funcao f : R −→ R dada por f(x) =x
|x|, x 6= 0, e
f(0) = 0. Entao, ω(f; x) = 0 para todo x 6= 0, pois f e contınua nesses
pontos, e ω(f; 0) = 2, pois ω0δ = sup { |f(x) − f(y)| | x, y ∈ (−δ, δ) } = 2,
para todo δ > 0. �
Exemplo 6.6 Seja g : R −→ R definida por g(x) = 0 se x ∈ (R−Q)∪ {0}
e g(p
q
)=1
qse
p
qe irredutıvel e q > 0.
Como limx→x0
g(x) = 0 para todo x0 ∈ R, temos que L(x0) = `(x0) = 0,
onde L(x0) e `(x0) e o limite superior e o limite inferior de g no ponto x0,
respectivamente.
Entao, ω(g; x0) = 0 para todo x0 ∈ (R − Q) ∪ {0} e ω(g; x0) = g(x0) para
todo x0 ∈ Q − {0}, ja que, pela observacao 6.3,
ω(g; x0) = max {L(x0), g(x0) } − min { `(x0), g(x0) } . �
Exemplo 6.7 Seja h : R −→ R dada por h(x) = 0 para x ∈ Q e h(x) = 1
para x ∈ R − Q. Entao, ω(h; x) = 1 para todo x ∈ R, pois
Instituto de Matematica - UFF 317
Analise na Reta
ωx(δ) = sup { |h(y) − h(z)| |y, z ∈ (x− δ, x+ δ) } = 1
para todo δ > 0. �
Teorema 6.3 Seja f : [a, b] −→ R uma funcao limitada. Se ω(f; x) <
ε para todo x ∈ [a, b], entao existe uma particao P de [a, b] tal que
ωi = Mi −mi < ε em todos os intervalos [ti−1, ti] da particao.
Prova.
Como ω(f; x) = limδ→0+
ωx(δ) = inf {ωx(δ) | δ > 0 } < ε, para todo x ∈ [a, b],
existe δx > 0 tal que ωx(δx) = ω(f; (x− δx, x+ δx) ∩ [a, b] } < ε.
Seja Ix =(x−
δx
2, x+
δx
2
), x ∈ [a, b]. Como [a, b] ⊂
⋃x∈[a,b]
Ix e uma cober-
tura aberta do compacto [a, b], existem x1, . . . , xn ∈ [a, b], pelo teorema
de Borel-Lebesgue, tais que [a, b] ⊂ Ix1∪ . . . ∪ Ixn .
Os pontos a, b, juntamente com as extremidades dos intervalos Ixjque
pertencem a [a, b], deterrminam uma particao P = {t0, t1, . . . , tn} de [a, b].
Afirmacao: ωi = ω(f; [ti−1, ti]) < ε, i = 1, . . . , n.
• i = 1: Como [a, t1] ⊂ Ix1∪ . . . ∪ Ixn , existe j ∈ {1, . . . , n}, tal que a
extremidade inferior de Ixje < a e sua extremidade superior e ≥ t1 e,
portanto, [a, t1) ⊂ Ixj. Assim, [a, t1] ⊂ (xj − δxj
, xj + δxj), e
ω1 = ω(f; [a, t1]) ≤ ω(f; (xj − δxj, xj + δxj
) ∩ [a, b]) < ε .
• i 6= 1, n: Como [ti−1, ti] ⊂ Ix1∪ . . . ∪ Ixn , existe j ∈ {1, . . . , n} tal que a
extremidade inferior de Ixje < ti−1 e sua extremidade superior e ≥ ti, ou
seja, (ti−1, ti) ⊂ Ixj. Assim, [ti−1, ti] ⊂ (xj − δxj
, xj + δxj) e
ωi = ω(f; [ti−1, ti]) ≤ ω(f; (xj − δxj, xj + δxj
) ∩ [a, b]) < ε .
• i = n: Como [tn−1, b] ⊂ Ix1∪ . . . ∪ Ixn , existe j ∈ {1, . . . , n}, tal que a
extremidade superior de Ixje > b e sua extremidade inferior e ≤ tn−1, ou
seja, (tn−1, b] ⊂ Ixj. Assim, [tn−1, b] ⊂ (xj − δxj
, xj + δxj) e
ωn = ω(f; [tn−1, b]) ≤ ω(f; (xj − δxj, xj + δxj
) ∩ [a, b]) < ε .�
Teorema 6.4 Uma funcao limitada f : [a, b] −→ R e integravel se, e so
se, para todo δ > 0, o conjunto Eδ = { x ∈ [a, b] |ω(f; x) ≥ δ } tem conteudo
nulo.
J. Delgado - K. Frensel318
Caracterizacao das funcoes integraveis
Prova.
(=⇒) Sejam f integravel e δ > 0. Dado ε > 0, existe uma particao
P = {t0, . . . , tn} de [a, b] tal quen∑
i=1
ωi(ti − ti−1) < εδ.
Se (ti−1, ti) ∩ Eδ 6= ∅, existe x ∈ (ti−1, ti) ∩ Eδ e δx > 0 tal que
(x− δx, x+ δx) ⊂ (ti−1, ti).
Logo,
ωi = ω(f; [ti−1, ti]) ≥ ω(f; (x− δx, x+ δx)) ≥ ω(f; x) ≥ δ .
Seja I = { i ∈ {1, . . . , n} |Eδ ∩ (ti−1, ti) 6= ∅ }.
Entao,
δ∑i∈I
(ti − ti−1) ≤∑i∈I
ωi(ti − ti−1) < εδ.
Isto e, ∑i∈I
(ti − ti−1) < ε ,
ou seja, a soma dos comprimentos dos intervalos de P que contem algum
ponto de Eδ em seu interior e < ε.
Portanto, Eδ − (Eδ ∩ P ) ⊂⋃i∈I
(ti−1, ti) e∑i∈I
(ti − ti−1) < ε .
Assim, como Eδ ∩ P e finito, temos que c(Eδ) = 0.
(⇐=) Suponhamos que c(Eδ) = 0 para todo δ > 0.
Dado ε > 0, tomemos δ0 =ε
2(b− a).
Como Eδ0⊂ [a, b] e c(Eδ0
) = 0, temos, pelo corolario 6.1, que existe uma
particao P0 de [a, b] tal que a soma dos comprimentos dos intervalos de
P0 que contem algum ponto de Eδ0e <
ε
2(M−m), onde M = sup f e
m = inf f. Observe que M−m > 0 se f nao e constante.
Nos outros intervalos, onde [tk−1, tk] ∩ Eδ0= ∅, temos que ω(f; x) < δ0
para todo x ∈ [tk−1, tk]. Logo, pelo teorema anterior, podemos subdividir
cada um dos intervalos [tk−1, tk] que nao intersectam Eδ0de modo a se
obter uma particao P que e um refinamento de P0, com ωi < δ0 nos
intervalos que nao contem pontos de Eδ0.
Instituto de Matematica - UFF 319
Analise na Reta
Relativamente a P, podemos escrever∑ωi(ti − ti−1) =
∑ω ′
i(t′i − t ′i−1) +
∑ω ′′
i (t ′′i − t ′′i−1) ,
onde o primeiro somatorio refere-se aos intervalos de P que contem um
ponto de Eδ0.
Entao,
ω ′i ≤M−m e
∑(t ′i − t ′i−1) <
ε
2(M−m).
Logo,∑
ω ′i(t
′i − t ′i−1) <
ε
2.
O segundo somatorio corresponde aos intervalos de P que nao contem
pontos de Eδ0. Logo, ω ′′
i < δ0 e, portanto,∑ω ′′
i (t ′′i − t ′′i−1) < δ0(b− a) =ε
2.
Assim,∑
ωi(ti − ti−1) < ε e f e integravel. �
• Vamos introduzir agora a nocao de conjunto de medida nula para obter-
mos a forma definitiva de caracterizar as funcoes integraveis.
Definicao 6.2 Dizemos que um conjunto X ⊂ R tem medida nula (a
Lebesgue) e escrevemos m(X) = 0, quando, para todo ε > 0, existe
uma colecao enumeravel de intervalos abertos I1, I2, . . . , In, . . . tais que
X ⊂ I1 ∪ I2 ∪ . . . ∪ In ∪ . . . e∞∑
n=1
|In| < ε.
• Em particular, se X tem conteudo nulo, entao X tem medida nula.
• Valem as seguintes propriedades:
1. Se m(X) = 0 e Y ⊂ X entao m(Y) = 0. Em particular m(∅) = 0.
2. Se X e compacto e m(X) = 0, entao c(X) = 0.
De fato, dado ε > 0, existe uma colecao enumeravel de intervalos
abertos I1, . . . , In, . . . tais que X ⊂ I1 ∪ . . . ∪ In ∪ . . . e∞∑
n=1
|In| < ε.
Pelo teorema de Borel-Lebesgue, existem k1, . . . , kn ∈ N tais que
X ⊂ Ik1∪ . . . ∪ Ikn .
J. Delgado - K. Frensel320
Caracterizacao das funcoes integraveis
Logo,n∑
i=1
|Iki| ≤
∞∑j=1
|Ij| < ε e, portanto, c(X) = 0.
3. Se Y = X1 ∪ X2 ∪ . . . ∪ Xn ∪ . . ., onde m(X1) = m(X2) = . . . =
m(Xn) = . . . = 0, entao, m(Y) = 0. Ou seja, uma reuniao enumeravel de
conjuntos de medida nula tem medida nula.
De fato, para cada n ∈ N, existe uma colecao (In,j)j∈N de intervalos
abertos tal que Xn ⊂⋃j∈N
In,j e∑j∈N
|In,j| <ε
2n.
Logo, Y ⊂⋃
n,j∈N
In,j , onde
∑n
∑j
|In,j| <
∞∑n=1
ε
2n= ε .
Assim, m(Y) = 0.
• Em particular, como um conjunto formado por um unico ponto tem me-
dida nula, todo conjunto enumeravel tem medida nula.
Assim, m(Q) = 0 e, portanto m(Q ∩ [a, b]) = 0, mas, como ja vimos,
Q ∩ [a, b] nao tem conteudo nulo.
4. Se, para cada ε > 0, existem intervalos abertos I1, . . . , In, . . . e
um subconjunto enumeravel E ⊂ X tais que X− E ⊂⋃n∈N
In e∑n∈N
|In| < ε,
entao m(X) = 0.
De fato, dado ε > 0, existem intervalos abertos I1, . . . , In, . . . e E ⊂ X
enumeravel tais que X− E ⊂⋃n∈N
In e∑n∈N
|In| <ε
2.
Mas, como E tem medida nula (por ser enumeravel), existem inter-
valos abertos J1, . . . , Jn, . . . tais que E ⊂⋃n∈N
Jn e∑n∈N
|Jn| <ε
2.
Logo, X ⊂⋃n∈N
In ∪⋃k∈N
Jk e∑n∈N
|In|+∑k∈N
|Jk| < ε e, portanto, X tem
medida nula.
5. m(x) = 0 ⇐⇒ para todo ε > 0, existe uma colecao enumeravel de
intervalos fechados F1, F2, . . . , Fn, . . . tal que X ⊂⋃n∈N
Fn e∑n∈N
|Fn| < ε.
Instituto de Matematica - UFF 321
Analise na Reta
De fato, se m(X) = 0, dado ε > 0, existe uma colecao (In)n∈N de
intervalos abertos tal que
X ⊂⋃n∈N
In e∑n∈N
|In| < ε .
Entao, Fn = In e um intervalo fechado tal que |Fn| = |In| e In ⊂ Fn
para todo n ∈ N.
Logo, X ⊂⋃n∈N
Fn e∑n∈N
|Fn| < ε .
Reciprocamente, dado ε > 0, existe uma colecao (Fn)n∈N de interva-
los fechados tal que X ⊂⋃n∈N
Fn e∑n∈N
|Fn| < ε.
Entao, int(Fn) = In e um intervalo aberto e |In| = |Fn| para todo
n ∈ N, e o conjunto E das extremidades dos intervalos Fn e enumeravel.
Logo, X− E ⊂⋃n∈N
In e∑n∈N
|In| < ε e, portanto, pela propriedade 4,
X tem medida nula.
Teorema 6.5 Uma funcao limitada f : [a, b] −→ R e integravel se, e so
se, o conjunto D dos seus pontos de descontinuidade tem medida nula.
Prova.
Para cada δ > 0, seja Eδ = {x ∈ [a, b] |ω(f; x) ≥ δ}.
Entao, D =⋃δ>0
Eδ =⋃n∈N
E1/n, ja que f e contınua num ponto x ∈ [a, b] se,
e so se, ω(f; x) = 0.
(⇐=) Se m(D) = 0 entao m(Eδ) = 0 para todo δ > 0. Como Eδ e
compacto, pelo corolario 6.3, temos que c(Eδ) = 0 para todo δ > 0. Logo,
pelo teorema 6.4, f e integravel.
(=⇒) Se f e integravel, entao, pelo teorema 6.4, para todo n ∈ N,
c(E1/n) = 0 e, portanto, m(E1/n) = 0.
Logo, D tem medida nula, pois D =⋃n∈N
E1/n e uma reuniao enumeravel
de conjuntos de medida nula. �
J. Delgado - K. Frensel322
Caracterizacao das funcoes integraveis
Corolario 6.5 Se f, g : [a, b] −→ R sao integraveis, entao o produto f · g
e integravel. Se, alem disso, f(x) 6= 0 para todo x ∈ [a, b] e1
fe limitada,
entao1
fe integravel.
Prova.
Se f e g sao limitadas, existem K > 0 e M > 0 tais que |f(x)| ≤ K e
|g(x)| ≤ M para todo x ∈ [a, b] e, portanto, |f(x) · g(x)| ≤ KM para todo
x ∈ [a, b], ou seja, f · g e limitada.
Alem disso, como D(f · g) ⊂ D(f)∪D(g), temos que m(D(f · g)) = 0, pois
m(D(f)) = m(D(g)) = 0.
Logo, f · g e integravel.
Se f(x) 6= 0 para todo x ∈ [a, b] e1
fe limitada, temos que
1
fe integravel,
ja que D(1/f) = D(f) e m(D(f)) = 0. �
Corolario 6.6 Seja f : [a, b] −→ R limitada. Se o conjunto dos seus
pontos de descontinuidade e enumeravel, entao f e integravel.
Corolario 6.7 Seja f : [a, b] → R limitada. Se existem os limites laterais
de f em todos os pontos de [a, b], ou seja, se f so possui decontinuidades
de primeira especie, entao f e integravel.
Prova.
Se todas as descontinuidades de f sao de primeira especie, entao D e
enumeravel e, portanto, tem medida nula. �
Corolario 6.8 Se f : [a, b] −→ R e monotona, entao f e integravel.
Prova.
Se f e monotona em [a, b], entao f e limitada e todas as suas descon-
tinuidades sao de primeira especie. Logo, pelo corolario anterior, f e in-
tegravel. �
Instituto de Matematica - UFF 323
Analise na Reta
7. Logarıtmos e exponenciais
Vamos definir primeiro a funcao Logarıtmo e a partir dela a funcao
Exponencial como sendo sua inversa, pois , desta maneira, as proprieda-
des de ambas funcoes sao provadas de forma mais simples.
O contrario tambem pode ser feito, mas torna as coisas mais difıceis
(ver exercıcios 2 e 60 da parte 2 e exercıcios 11 e 12 da parte 5).
Definicao 7.1 Seja R+ o conjunto dos numeros reais positvos. Defini-
mos a funcao real log : R+ −→ R pondo, para cada x > 0,
log x =
∫x
1
1
tdt
O numero log x e chamado o logarıtmo natural de x ou o logarıtmo de x.
Observacao 7.1 log x =
∫x
1
1
tdt ≥ x− 1
x> 0 para todo x > 1, ja que,
1
t≥ 1
xpara todo t ∈ [1, x].
Observacao 7.2 log 1 =
∫ 1
1
1
tdt = 0 e
log x =
∫x
1
1
tdt = −
∫ 1
x
1
tdt ≤ −(1− x) = x− 1 < 0 ,
para todo 0 < x < 1, pois1
t≥ 1 para todo t ∈ [x, 1].
Observacao 7.3 Como (log) ′(x) =1
x> 0 para todo x > 0, a funcao
log : R+ −→ R e monotona crescente.
Alem disso, log ∈ C∞, ja que a funcao x 7−→ 1
xe de classe C∞.
Observacao 7.4 Quando x > 1, log x e a area da faixa de hiperbole
Hx1 =
{(t, y)
∣∣ 1 ≤ t ≤ x e 0 ≤ y ≤ 1
t
}E quando 0 < x < 1, logx e a area da faixa H1
x com o sinal trocado.
J. Delgado - K. Frensel324
Logarıtmos e exponenciais
Fig. 1: Area Hx1 delimitada pelo grafico de 1
xno intervalo [1, x] .
Teorema 7.1 Sejam x, y ∈ R+. Entao, log xy = log x+ logy.
Prova.
Temos
log xy =
∫xy
1
1
tdt =
∫x
1
dt
t+
∫xy
x
dt
t
= log x+
∫y
1
x
xsds = log x+
∫y
1
ds
s
= log x+ logy ,
onde, na integral∫xy
x
dt
t, realizamos a mudanca de variavel t = xs. �
Corolario 7.1 Seja x > 0. Entao, log(xr) = r log x para todo r ∈ Q.
Prova.
Seja n ∈ N. Entao, podemos provar, por inducao, usando o teorema
acima, que log(xn) = n log x , ja que log x = log(x1) = 1 log x e, se
log(xn) = n log x , entao
log(xn+1) = log(xn · x) = log(xn) + log x = n log x+ log x = (n+ 1) log x .
Como xn · x−n = x0 = 1, temos
0 = log 1 = log(xn · x−n) = log(xn) + log(x−n) ,
e, portanto, log(x−n) = − log(xn) = −n log x.
Provamos, assim, que log(xr) = r log x para todo r ∈ Z.
Instituto de Matematica - UFF 325
Analise na Reta
No caso geral, r =p
q, p ∈ Z e q ∈ Z?. Como por definicao, (xp/q)q = xp,
temos que
p log x = log(xp) = log((xp/q)q) = q log(xp/q) .
Assim, log(xp/q) =p
qlog x . �
Corolario 7.2 A funcao log : R+ −→ R e um homeomorfismo de R+
sobre R .
Prova.
Ja sabemos que a funcao log e contınua e crescente, donde injetiva.
Como, pelo corolario 3.2 da parte 6, log(R+) e um intervalo, para provar
que log(R+) = R, basta mostrar que
limx→∞ log x = +∞ e lim
x→0+log x = −∞ .
Sendo limn→∞ log(2n) = lim
n→∞n log 2 = +∞ e a funcao log crescente, temos
que limx→∞ log x = +∞, ja que dado A > 0 existe B = 2n0 > 0, onde
n0 >A
log 2, tal que
x > B =⇒ log x > log(2n0) = n0 log 2 > A .
Temos, tambem, que limx→0+
log x = −∞, pois, dado A > 0, existe
δ = 2−n0 > 0, onde n0 >A
log 2, tal que
0 < x < δ =⇒ log x < log(2−n0) = −n0 log 2 < −A .
Alem disso, como log : R+ −→ R e uma bijecao contınua definida no
intervalo R+ = (0,∞), temos, pelo teorema 3.2 da parte 6, que sua funcao
inversa log−1 : R −→ R+ e contınua em R. �
Observacao 7.5 O teorema acima, juntamente com o teorema 7.1, nos
da que log : R+ −→ R e um isomorfismo contınuo do grupo multiplica-
tivo R+ sobre o grupo aditivo R e que seu isomorfismo inverso tambem e
contınuo.
Exemplo 7.1 Os unicos homomorfısmos contınuos f : R+ −→ R sao os
da forma f(x) = c log x, onde c ∈ R (exercıcio 33 do livro). �
J. Delgado - K. Frensel326
Logarıtmos e exponenciais
Observacao 7.6 Sendo log R+ −→ R uma bijecao, existe um unico
numero real, indicado pelo sımbolo e, cujo logarıtmo e 1, ou seja, log e = 1.
O numero e e chamado de base dos logarıtmos naturais.
Mostraremos, depois, que
e = limn→∞
(1+
1
n
)n
Definicao 7.2 A funcao exponencial exp : R −→ R+ e, por definicao, a
inversa da funcao logarıtmo, ou seja,
exp(x) = y ⇐⇒ logy = x .
Em particular, exp(logy) = y e log(exp x) = x .
Teorema 7.2 A funcao exponencial e uma bijecao crescente de R sobre
R+. Ela e infinitamente diferenciavel, com (exp) ′(x) = exp(x). Alem disso,
exp(x+ y) = exp(x) · exp(y) , ∀x, y ∈ R e exp(r) = er , ∀ r ∈ Q .
Prova.
A funcao exp : R → R+ e uma bijecao contınua crescente de R sobre
R+, pois ela e a inversa de uma bijecao contınua crescente de R+ sobre
R.
Alem disso, pela regra de derivacao da funcao inversa, temos que exp e
derivavel, ja que a funcao exp e contınua e (log) ′(y) =1
y6= 0 para todo
y > 0, e
(exp) ′(x) =1
log ′(exp x)=
1
1
exp(x)
= exp(x) , ∀ x ∈ R .
Logo, exp e uma funcao de classe C∞.
Sejam x, y ∈ R e x ′ = exp(x), y ′ = exp(y). Entao,
log(x ′) = x e log(y ′) = y.
Assim
exp(x+ y) = exp(log(x ′) + log(y ′)) = exp(log(x ′y ′)) = x ′y ′ = exp(x) · exp(y) .
Seja, agora, r ∈ Q. Entao, pelo corolario 7.2,
exp(rx) = exp(r log(x ′)) = exp(log((x ′)r)) = (x ′)r = (exp(x))r .
Em particular, se x = 1, temos que exp(r) = exp(r · 1) = (exp(1))r = er .�
Instituto de Matematica - UFF 327
Analise na Reta
Observacao 7.7
• limx→∞ exp x = +∞ .
De fato, dado A > 0, existe D = max{logA, 1} > 0, tal que
x > D =⇒ exp x > expD ≥ exp logA = A.
• limx→−∞ exp x = 0
De fato, dado ε > 0, existe D = max{
log1
ε, 1
}> 0, tal que
x < −D =⇒ 0 < exp x < exp(−D) ≤ exp(− log
1
ε
)= exp log ε = ε .
Observacao 7.8 A igualdade exp r = er, quando r ∈ Q, juntamente
com a relacao exp(x + y) = exp x · expy, nos indicam que exp x se com-
porta como uma potencia de base e e expoente x.
Portanto, vamos escrever
exp x = ex .
Com a nova notacao, temos
ex+y = ex · ey , e0 = 1 , e−x =1
ex,
x < y ⇐⇒ ex < ey , log(ex) = x e elog x = x .
Observacao 7.9 Como y = ex e y = log x sao funcoes inversas uma
da outra, os seus graficos sao simetricos relativamente a diagonal y = x .
Fig. 2: Simetria entre os graficos de y = ex e y = log x em relacao a diagonal y = x .
Pelos graficos, podemos observar que a funcao ex tende mais rapida-
J. Delgado - K. Frensel328
Logarıtmos e exponenciais
mente para +∞, quando x −→ +∞, do que a funcao x 7−→ x, e que a
funcao log x tende mais lentamente para +∞, quando x −→ +∞, do que
a funcao x 7−→ x.
De fato, ja provamos, na parte 7, exemplo 2.7, que limx→+∞ p(x)
ex= 0 para
todo polinomio p(x). E provaremos, agora, o seguinte resultado com res-
peito ao crescimento logarıtmico.
Teorema 7.3 limx→+∞ log x
x= 0 .
Prova.
Pelo teorema do valor medio, para todo x > 1, existe cx ∈ (1, x) tal que
log x = log x− log 1 = log ′(cx) (x− 1) =x− 1
cx.
Logo, log x < x para todo x > 1 e, portanto, 0 < log(x12 ) < x
12 para todo
x > 1.
Assim, como log(x12 ) = 1
2log x , temos, elevando ao quadrado a ultima
desigualdade, que 0 <(log x)2
4< x , ou seja, 0 <
log xx
<4
log xpara todo
x > 1.
Logo, limx→+∞ log x
x= 0, pois lim
x→+∞ 4
log x= 0. �
Corolario 7.3 limx→0+
(x log x) = 0 .
Prova.
Fazendo x =1
y, temos
limx→0+
x log x = limy→+∞ log(1/y)
y= lim
y→+∞ − logyy
= 0 . �
Observacao 7.10 Se c, k ∈ R, a funcao f(x) = c ekx tem como deri-
vada f ′(x) = k c ekx = k f(x) para todo x ∈ R, ou seja, a derivada de f e
proporcional a si propria.
Mostraremos, agora, que tal propriedade e exclusiva das funcoes do tipo
acima.
Instituto de Matematica - UFF 329
Analise na Reta
Teorema 7.4 Seja f : R −→ R uma funcao derivavel tal que
f ′(x) = k f(x) para todo x ∈ R. Se f(x0) = c , para um certo x0 ∈ R,
entao f(x) = c ek(x−x0) para todo x ∈ R.
Prova.
Seja ϕ : R −→ R definida por ϕ(x) = f(x) e−k(x−x0) .
Entao
ϕ ′(x) = f ′(x)e−k(x−x0) − kf(x)e−k(x−x0) = kf(x)e−k(x−x0) − kf(x)e−k(x−x0) = 0
para todo x ∈ R.
Logo, como ϕ(x) e constante e ϕ(x0) = c, temos que ϕ(x) = c para todo
x ∈ R , ou seja, f(x) = cek(x−x0) para todo x ∈ R. �
Definicao 7.3 Sejam a > 0 e x ∈ R. Definimos a potencia ax por
ax = ex log a
ou seja, ax e o unico numero real cujo logarıtmo e x loga.
Propriedades da funcao f : R −→ R definida por f(x) = ax:
(1) Se x =p
q∈ Q entao f(x) = q
√ap .
De fato, f(x) = epq
log a = elog q√ap= q√ap .
(2) ax+y = ax · ay .
De fato, ax+y = e(x+y) log a = ex log a ey log a = ax · ay .
(3) a0 = 1 .
De fato a0 = e0 log a = e0 = 1 .
(4) a−x =1
ax.
De fato, 1 = a0 = ax−x = ax · a−x, ou seja, a−x =1
ax.
(5) (ax)y = axy .
De fato, (ax)y = (ex log a)y = exy log a = axy , ja que
log(ex log a)y = y log ex log a = yx loga e log(exy log a) = xy loga .
(6) A funcao f : x 7−→ ax e derivavel com f ′(x) = (loga)ax .
J. Delgado - K. Frensel330
Logarıtmos e exponenciais
De fato, como f(x) = exp(x loga), temos que
f ′(x) = loga exp ′(x loga) = loga exp(x loga) = (loga)ax .
(7) A funcao f : x 7−→ ax e de classe C∞.
(8) A funcao f : x 7−→ ax e crescente se a > 1, decrescente se
0 < a < 1 e constante se a = 1.
De fato, sendo f ′(x) = (loga)ax > 0, temos f ′(x) > 0 se a > 1,
f ′(x) < 0 se 0 < a < 1 e f ′(0) = 0 se a = 1, para todo x ∈ R.
(9) limx→+∞ax = +∞ e lim
x→−∞ax = 0 quando a > 1.
De fato, limx→+∞ax = lim
x→+∞ ex log a = +∞, pois limx→+∞ x loga = +∞ e
limx→−∞ax = lim
x→−∞ ex log a = 0 , ja que limx→−∞ x loga = −∞.
• De modo analogo, podemos provar que limx→+∞ax = 0 e lim
x→−∞ax = +∞quando 0 < a < 1.
(10) Para todo a > 0, a 6= 1, a funcao f : x 7−→ ax e uma bijecao
contınua de R sobre R+.
Definicao 7.4 A funcao inversa da funcao f : R −→ R+, f(x) = ax,
a 6= 1, indica-se com loga : R+ −→ R e o seu valor num ponto x > 0
chama-se o logarıtmo de x na base a.
Assim, loga x = y ⇐⇒ ay = x.
Observacao 7.11 Quando a = e, loga x = log x coincide com o
logarıtmo natural.
Observacao 7.12 Para todo x > 0, temos que
elog x = x = aloga x = eloga x · log a , se a 6= 1 ,
e, portanto, log x = loga x · loga, ou seja,
loga x =log xloga
Desta relacao entre o logarıtmo de base a e o logarıtmo natural, resultam
propriedades para loga x analogas as de log x.
Por exemplo,
Instituto de Matematica - UFF 331
Analise na Reta
(1) loga(xy) = loga x+ loga y .
(2) loga(1) = 0 .
(3) A funcao loga e de classe C∞ e
(loga) ′(x) =1
x loga.
Observacao 7.13 Mostraremos, agora, que
limx→0
(1+ x)1/x = e
De fato, como log ′(x) =1
x, a derivada da funcao log no ponto 1 e igual a
1, ou seja,
limx→0
log(1+ x) − log 1x
= limx→0
log(1+ x)
x= 1 .
Entao,
limx→0
log(1+ x)1/x = 1 ,
e, portanto,
limx→0
(1+ x)1/x = limx→0
exp(log(1+ x)1/x) = e .
Fazendo y =1
x, temos
limy→+∞
(1+
1
y
)y
= e
e, em particular, se n ∈ N, temos
limn→+∞
(1+
1
n
)n
= e
J. Delgado - K. Frensel332