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1
Universidade Federal de Sergipe
Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa
Núcleo de Pós-Graduação e Pesquisa em Psicologia Social
Mestrado em Psicologia Social
SAULO SANTOS MENEZES DE ALMEIDA
ANÁLISE DO AUTOCONCEITO E AUTOCONTROLE DE
CRIANÇAS NEGRAS A PARTIR DA IDENTIDADE SOCIAL
São Cristóvão – Sergipe
2012
2
SAULO SANTOS MENEZES DE ALMEIDA
ANÁLISE DO AUTOCONCEITO E AUTOCONTROLE DE
CRIANÇAS NEGRAS A PARTIR DA IDENTIDADE SOCIAL
Dissertação Apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Psicologia Social do Centro de
Ciências de Educação e Ciências Humanas da
Universidade Federal de Sergipe como requisito
parcial para obtenção do grau de mestre em
Psicologia Social.
Orientadora: Dalila Xavier da França
Co-orientador: Elder Cerqueira-Santos
São Cristóvão – Sergipe
2012
3
COMISSÃO JULGADORA
Dissertação do Discente SAULO SANTOS MENEZES DE ALMEIDA, intitulada ANÁLISE
DO AUTOCONCEITO E AUTOCONTROLE DE CRIANÇAS NEGRAS A PARTIR
DA IDENTIDADE SOCIAL, defendida e aprovada em 28 de fevereiro de 2012, pela Banca
Examinadora constituída pelos Professores Doutores:
_______________________________________________________
Profa. Dra. Dalila Xavier de França
________________________________________________________
Prof. Dr. Elder Cerqueira-Santos
________________________________________________________
Profa. Dra. Sheyla Christine Santos Fernandes
________________________________________________________
Prof. Dr. André Faro Santos
4
À minha mãe, sinal de vitória!
5
DOR ATÁVICA
(Jarbas Júnior)
“É triste não ser branco.”
Ter tudo e não ter nada!
A imagem execrada.
Quanto da cor insiste retinta:
Negro congo, negro banto!
Absinta amargura,
A pele escura condena
Distinta de tudo!
Azeviche plena
De desventura!
Mudo olhar de censura
É suficiente
Impertinente,
Ninguém o atura
Indiferente...
Tem qualquer coisa
De tortura
Realmente!
6
AGRADECIMENTOS
Ser feliz já não é mistério! Buscar a felicidade continua uma jornada...
É a partir disto, então, que começo os meus agradecimentos. Agradeço à vida,
fonte inesgotável de aprendizados e que me ensinou a enxergar que tudo nasce das minhas
escolhas. Ou seja, o que vem a ocorrer em minha vida não depende dos outros, mas da minha
própria vontade. Como diria Sartre: “não importa o que fizeram de você, mas o que você faz
com o que fizeram de você”.
Neste sentido, ergo os meus olhos aos céus e agradeço a Deus pelas experiências
vividas, pelos obstáculos construídos e superados, pelas alegrias compartilhadas, pelo consolo
e pelo reerguimento. Obrigado Deus, pois, não houve vacilo que não pudesse ser superado!
À minha mãe, dedico grande estima e olhar peculiar. Dela, surgiram as mais
importantes decisões na minha vida, já que com sua entrega total à busca pela minha
felicidade, mostrou-me os caminhos necessários para se alcançar a vitória. Amo você demais!
À minha família, fonte absoluta de prazeres inesgotáveis, de gozos intermináveis,
agradeço de forma toda especial, especialmente às minhas tias Silvânia e Soane e a minha avó
Tereza. E também aos meus primos João Paulo, Vinícius e Erasmo, além de minha afilhada
Letícia. Vocês também são sinais de vitória em minha vida e em nossa família.
Quero também agradecer a alguém muito especial, que durante anos se fez uma
nova família em minha vida: minha irmã Bruna. Amo muito!
Agradeço também de forma especial aos meus orientadores: Prof. Dra. Dalila
Xavier de França e Prof. Dr. Elder Cerqueira-Santos, pelo apoio de sempre e o incentivo na
caminhada. E à Sheyla Fernandes, congratulo com as mais sinceras gratidões, pois desde
sempre tem me apoiado no meu caminhar acadêmico. Obrigado Sheyla pelas orientações,
pelos ensinamentos científicos e de vida.
Por fim, agradeço a Thiago Collares, que surge na minha vida como sinal de que
pessoas especiais chegam para nos fazer ainda mais felizes. Você me faz querer alcançar o
infinito! Eu te amo!
Obrigado a todos!
7
RESUMO
O preconceito, ainda que de forma sutil, continua presente na sociedade e isso tem ainda
afetado os negros, numa sociedade que já não quer se mostrar tão hostil, mas ainda com o
preconceito sutil arraigado nos discursos e nas atitudes. O preconceito racial é, pois, uma
construção de atitudes depreciativas e hostis contra grupos marginalizados socialmente,
sabendo que o termo “grupo racial” é definido por atitudes sociais, e não somente pela
biologia ou aparência. Neste sentido, a presente pesquisa busca questionar como as crianças,
que também são participantes de um meio social, respondem a essas questões do preconceito
e aos processos identitários, e até que ponto o autocontrole e o autoconceito destas crianças
são acometidos. O Autoconceito é um produto da interação entre a pessoa e seu meio
ambiente, durante seu processo de construção social, e o Autocontrole é uma forma de
controlar o próprio comportamento, geralmente em situações conflituosas, de acordo com
padrões definidos pela sociedade. Para tanto, foram analisadas 100 crianças de duas escolas
públicas do interior de Sergipe, com idade entre 11 e 12 anos, sendo 47 meninos e 53
meninas. Os instrumentos utilizados dentro de uma compreensão bioecológica foram o
questionário de investigação do racismo e as escalas de avaliação do autoconceito e
autocontrole (Escala de Avaliação do Autoconceito Infanto-juvenil e Escalas Feminina e
Masculina de Autocontrole). Os resultados mostraram que as crianças buscam uma maior
identificação com a categoria de cor “branca”, valorando os estereótipos a partir deste padrão,
e o autoconceito e o autocontrole mostraram-se com níveis baixos. Assim, faz-se pensar em
processos de branqueamento, numa tentativa de valorização de si e do grupo através de uma
aproximação do grupo mais valorizado socialmente.
Palavras-chaves: preconceito, racismo, autoconceito, autocontrole.
8
ABSTRACT
Prejudice, albeit subtle, is still present in society and this has also affected the black in a
society that no longer wants to prove as hostile, but still subtle prejudice rooted in the
discourses and attitudes. Racial prejudice is therefore building a derogatory and hostile
attitudes against socially marginalized groups, knowing that the term "racial group" is defined
by social attitudes, not only by biology or appearance. In this sense, this research seeks to ask
how the children, who are also participants in a social environment, respond to these issues of
prejudice and identity processes, and to what extent self-control and self-concept of these
children are affected. The Self-concept is a product of interaction between the person and
their environment during the process of social construction, and Self-control is a way to
control their own behavior, often in conflict situations, according to standards set by
society. To this end, we analyzed 100 children from two public schools in the interior of
Sergipe, aged between 11 and 12 years, 47 boys and 53 girls, categorized into two races:
black, dark brown. The instruments used in understanding the questionnaire were bio-
ecological research of racism and scales assessing self-concept and self-control - EACIJ (Self-
concept Scale Evaluation of Children and Youth) and EFAC or EMAC (Male and Female
Scales of Self-control). The results showed that children seek a greater identification with the
category of color "white" values, stereotypes from the pattern that is afforded to whites, even
though the self-restraint shown with low levels. Thus, it is thinking of bleaching processes in
an attempt to value themselves and the group through a group approach to the more socially
valued.
Key-words: Prejudice, racism, self-concept, self-control.
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 13
CAPÍTULO 1: O PRECONCEITO E OS ESTEREÓTIPOS – EXPLICAÇÕES NA
PSICOLOGIA SOCIAL ................................................................................................. 18
1.1. As Novas Formas de Expressão do Preconceito ..................................................... 22
1.2. O Preconceito Racial: Aspectos Conceituais........................................................... 25
1.3. Preconceito Racial no Brasil ................................................................................... 28
1.4.. Preconceito Racial em Crianças ............................................................................. 35
CAPÍTULO 2: IDENTIDADE SOCIAL ....................................................................... 42
2.1. Identidade Social nas Crianças Negras .................................................................... 48
CAPÍTULO 3: AUTOCONCEITO E AUTOCONTROLE - EXPLICAÇÕES NA
PSICOLOGIA POSITIVA E NA RESILIÊNCIA ......................................................... 50
3.1. Entendendo a Psicologia Positiva e a Resiliência ................................................... 51
3.2. Resiliência em Negros ............................................................................................. 58
3.3. Autoconceito e Autocontrole ................................................................................... 59
CAPÍTULO 4: MÉTODO .............................................................................................. 64
4.1. Amostra ................................................................................................................... 65
4.2. Instrumentos ............................................................................................................ 65
4.3 Procedimentos .......................................................................................................... 67
4.4. Análise dos Dados ................................................................................................... 68
REFERENCIAS ............................................................................................................. 98
ANEXOS ...................................................................................................................... 111
ANEXO A – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ............ 112
ANEXO B - QUESTIONÁRIO ................................................................................... 113
ANEXO C - FOTOS .................................................................................................... 115
10
ÍNDICE DE TABELAS
Tabela 1: Freqüências da cor de pele autodeclarada ................................................................ 70
Tabela 2: Freqüências das categorias das justificativas acerca do sentimento em relação a sua
cor de pele (Você gosta de ser assim? Por quê?) ...................................................................... 73
Tabela 3: Freqüências e Percentuais dos sentimentos em relação aos discursos de outros
acerca da cor de sua pele .......................................................................................................... 74
Tabela 4: Freqüências e Percentuais dos comportamentos em relação aos discursos de outros
acerca da cor de sua pele .......................................................................................................... 75
Tabela 5: Percentuais da Atribuição de Estereótipos à criança Negra, Branca e a Si mesmo
(Essa criança é bonita ou feia? Inteligente ou burra? Estudiosa ou não? Comportada ou
Briguenta? Boa ou ruim? Rica ou pobre?) ............................................................................... 76
Tabela 6: Freqüências e Percentuais das Preferências de Escolhas entre os Alvos brancos e
negros ....................................................................................................................................... 79
Tabela 7: Classificação dos Níveis de Autocontrole ................................................................ 80
Tabela 8: Classificação do Nível de Autoconceito a partir da pontuação ................................ 81
Tabela 9: Freqüências ou Percentuais dos níveis de Autocontrole (N=100) ............................ 82
Tabela 10: Freqüência dos níveis de Autoconceito (N=100) ................................................... 83
Tabela 11: Correlações dos Estereótipos atribuídos à criança negra ........................................ 84
Tabela 12: Correlações dos Estereótipos atribuídos à criança branca ...................................... 86
Tabela 13: Correlações dos Estereótipos atribuídos à si mesmo ....................................... 88
Tabela 14: Regressão Linear entre Autoconceito Geral, Autocontrole Geral, Sua Cor, Gênero,
Idade, Fator 2 EFAC ou EMAC, Etnia, Escola, Fator 1 EFAC ou EMAC .............................. 89
Tabela 15: Regressão Linear entre Autoconceito Social, Autocontrole Geral, Sua Cor, Gênero,
Idade, Fator 2 EFAC ou EMAC, Etnia, Escola, Fator 1 EFAC ou EMAC .............................. 90
11
Tabela 16: Regressão Linear entre Autoconceito Pessoal, Autocontrole Geral, Sua Cor,
Gênero, Idade, Fator 2 EFAC ou EMAC, Etnia, Escola, Fator 1 EFAC ou EMAC ................ 91
Tabela 17: Regressão Linear entre Autoconceito Escolar, Autocontrole Geral, Sua Cor,
Gênero, Idade, Fator 2 EFAC ou EMAC, Etnia, Escola, Fator 1 EFAC ou EMAC ................ 92
Tabela 18: Regressão Linear entre Autoconceito Familiar e Identidade, Autocontrole Geral,
Sua Cor, Gênero, Idade, Fator 2 EFAC ou EMAC, Etnia, Escola, Fator 1 EFAC ou EMAC . 92
12
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1: Freqüências ou Percentual do Sentimento em relação à cor da criança Negra, Branca
e a Si mesmo ............................................................................................................................. 78
13
INTRODUÇÃO
_____________________________________________
"O que se faz agora com as crianças
é o que elas farão depois com a sociedade‖.
( Karl Mannheim )
No dia 15 de setembro de 2010, a Revista Veja publicou um artigo com o nome “Uma
tese perigosa”, onde mostra a polêmica da publicação do livro Deutschland Schafft Sich Ab
(“A Alemanha está se destruindo”), por um dos presidentes do banco central alemão, Thilo
Sarrazin. Este explica a suposta incapacidade dos estrangeiros de se adequar ao modo de vida
alemã por um viés genético, a inteligência é uma qualidade hereditária e as diferenças têm um
caráter biológico e não sociais.
Já no final de 2010, o Ministério Público Federal aceitou a denúncia-crime contra a
estudante de direito Mayara Petruso pelo crime de racismo. A pena, de até um ano de prisão,
mais multa, pode chegar a cinco, devido ao crime ter sido cometido em "veículo de
comunicação". A estudante postou, tanto no Twitter quanto no Facebook, ofensa aos
nordestinos, após a derrota de José Serra nas eleições presidenciais de 2010. “Nordestino (sic)
não é gente. Faça um favor a SP: mate um nordestino afogado!”, escreveu ela no Twitter.
Assim também, em Sergipe, a médica Ana Flávia Pinto Silva foi condenada pelo
Tribunal de Justiça de Sergipe a pagar R$ 10 mil de indenização ao funcionário da Gol, Diego
José Gonzaga, no Aeroporto Santa Maria, em Aracaju. A médica insultou o funcionário
Diego, chamando-o de 'nego', 'morto de fome' e 'analfabeto', além de humilhar outros
funcionários da companhia aérea por ter chegado atrasada para o check-in de um vôo para a
Argentina, onde passaria lua-de-mel.
14
Pouco tempo antes, em julho de 2010, a frase “Say no to Racism” (“Diga não ao
racismo”) estampou cenas de jogos da Copa do Mundo de 2010, na qual jogadores erguiam
faixas com esta frase e se tornavam propagadores da luta contra o racismo, sem esquecer que
o evento acontecia em território africano de maioria negra.
Neste mesmo tempo, em junho, o Senado brasileiro aprova o Estatuto da Igualdade
Racial, que prevê a obrigatoriedade do ensino da história da África; reconhece a capoeira
como esporte e prevê recursos para a prática; reitera prática livre de cultos religiosos de
origem africana; garante linhas especiais de financiamento público para quilombolas; a
criação de ouvidorias em defesa da igualdade racial. Contudo exclui percentual de negros nas
universidades, televisão e em partidos, incentivo a empresas pela contratação de negros,
definição de quem são os remanescentes de quilombos e exigência de identificação da raça no
atendimento do Sistema único de Saúde (SUS). Fato este que causou divergências de opiniões
entre os movimentos negros, mas o que se destaca aqui é uma abertura de discussão do tema
em espaços políticos, o que até antes era uma utopia.
Deste modo, nesta nova realidade social, onde temas até antes ausentes das pautas das
políticas públicas passam a serem destaques nos discursos políticos e públicos, percebe-se que
viver no mundo contemporâneo é deparar-se com novas configurações e modificações de
valores sociais, políticos e econômicos, sendo que grande parte destas novas configurações
parte de um novo questionamento sobre o ser humano e o seu papel na sociedade pós-guerra.
Há de se pensar, neste sentido, que com a ratificação da Declaração Universal dos
Direitos Humanos, assinada em 1948, que defende “o advento de um mundo em que os seres
humanos sejam livres de falar e de crer, libertos do terror e da miséria”, e com a coação dos
movimentos sociais, de opinião pública e de cidadania, junto ao fortalecimento das garantias
das liberdades negativas e à ampliação das liberdades positivas, paradigmas são quebrados ou
15
revistos a todo instante e assim, produz-se conseqüências inimagináveis até o presente, que
repercutem na mudança de valores, crenças e papéis sociais (Sachs, 1998).
Concernente às séries de mudanças ocorridas no mundo, principalmente, no que se
refere às relações interpessoais, compreende-se que se modificam as estruturas sociais,
gerando diversos conflitos intersubjetivos, como por exemplo, a luta pela igualdade de
direitos das minorias sociais. Porém, a concepção de revolução social e cultural, mesmo que
tida apenas como uma crença, coloca os indivíduos numa resoluta necessidade de “libertação”
das normas sociais que acabrunham o seu processo gregário e civilizador (Bozon, 2004), já
que ao mesmo tempo em que ocorre uma série de discursos, surge um reação de luta pela
legitimização e naturalização dos grupos inferiorizados (Foucault, 1988).
E é justamente em conseqüência desta atual situação social, que o ser humano começa a
questionar seus papéis na sociedade para uma melhor definição de quem ele e o outro realmente são,
despertando uma série de questionamentos sobre as relações interpessoais, e tendo o preconceito
dentre os fenômenos sociais de notável modificação, que possui duas características principais, sendo
uma, a generalização falha e/ou atitude que é sentida por indivíduos, bem como a expressão de
comportamentos (Lima, 2002).
A constituição da identidade passa assim, também, a ser um fator de relevante
significância na construção social e psicológica dos indivíduos desde a infância, reforçando
aspectos positivos e/ou negativos na história de vida. Sendo assim, a adaptação ao ambiente é
fortemente atingida pelo sentimento de pertença ao grupo e a valorização que o indivíduo faz
do seu grupo, ou seja, aspectos familiares, grupais e pessoais vão ser proeminentes na forma
como o indivíduo, seja adulto ou criança, responderá as ameaças e estresses que ocorrerem
em sua vida.
Partindo então deste entendimento de que a sociedade é diretamente interferida pelas
variáveis sociais e pelo preconceito, tomar-se-á do grupo das crianças negras para um estudo
mais detalhado, ressaltando os seus processos de exclusão e discriminação. Portanto, esta
16
pesquisa pretende verificar como o preconceito tem afetado diretamente as relações
interpessoais do grupo de negros, analisando o autoconceito e autocontrole das crianças
negras a partir da sua identidade social, verificando a identidade racial das crianças e a
percepção do preconceito entre elas, ou seja, a pesquisa busca investigar o quanto a
identificação étnica sofre inquietações devido o preconceito racial, e conseqüentemente tem
repercussão no autoconceito e autocontrole da criança.
Assim, fica evidente a importância do estudo, pois pode trazer à tona como o
preconceito é capaz de interferir nos processos sociais e psicológicos da criança, sendo capaz
de denunciar a realidade social em que estas estão inseridas e a forma como elas tem lidado
para atenuar e/ou melhorar a sua participação social, além de fazer com que a mesma revele
como se processam as práticas de exclusão, dominação e marginalização aplicadas pelas
estruturas e convívios sociais.
Para tanto, apresentaremos o trabalho através de três capítulos de revisão bibliográfica
mais um capítulo de parte empírica, onde discutiremos no primeiro capítulo questões sobre o
Preconceito na Psicologia social, suas novas formas de expressão, além do preconceito racial,
destacando-os em relação às crianças. Sabe-se, pois, que o preconceito é condicionado pelas
normas sociais, e crianças a partir dos sete anos começam a expressar suas atitudes para os
grupos sociais considerando tais normas.
No segundo capítulo, discutiremos a Identidade social na Psicologia Social e nas
crianças negras, mostrando a importância da identidade na construção da realidade social para
a criança, e o quanto esta repercute na socialização das crianças, especialmente no meio
escolar.
Já no terceiro capítulo destaca-se o Autoconceito e o Autocontrole, a partir de uma
compreensão da Psicologia Positiva e numa aproximação com o conceito de resiliência, uma
vez que estes conceitos devem ser entendidos numa compreensão ecológica, sendo
17
influenciados por características intrínsecas e extrínsecas (contexto, tempo, processos de
interação e aspectos pessoais). E, no quarto capítulo, serão apresentados os resultados e a
análise da pesquisa realizada, tendo um aporte na fundamentação teórica já apresentada.
18
CAPÍTULO 1: O PRECONCEITO E OS ESTEREÓTIPOS –
EXPLICAÇÕES NA PSICOLOGIA SOCIAL
_____________________________________________
―Os preconceitos têm raízes mais profundas que os princípios.‖
(Nicolau Maquiavel)
O preconceito está presente na humanidade desde a Antiguidade e até meados do século
XX era tido como algo natural e justificado socialmente através da inferioridade de
determinados grupos (Fernandes, Da Costa, Camino & Mendoza, 2007; Lima & Vala, 2004).
Sabe-se que até os anos 20, o preconceito não era estudado como um fenômeno injustificado
(Rodrigues, Assmar e Jablonski, 1999), mas afirmava-se que realmente existiam diferenças
entre raças. Logo, a cor da pele, o tamanho da cabeça e outras características físicas
explicavam a superioridade ou inferioridade dos grupos sociais.
As hierarquias sociais, de tal modo, acabaram sendo racionalizadas apelando-se à ordem
“natural”, onde pobres eram pobres por falta de sentimentos, virtudes e valores nobres, e as
mulheres teriam posições subordinadas devido a características relativas ao seu sexo, e assim
também, os negros eram escravizados ou inferiorizados por estarem inseridos em uma raça
intelectual e moralmente incapacitada para a civilização (Guimarães, 1999).
Neste sentido, o preconceito passa a ser um tema de grandes repercussões, estudos e
discussões, sendo que é um tema que começou a ser mais bem estudado a partir da década de
50, com a publicação do livro “A Natureza do Preconceito” de Gordon Allport (1954), onde
ele mostra que o preconceito é uma atitude hostil frente a um grupo ou a um indivíduo por
pertencer a este grupo. Desta forma o estudo do preconceito vem sendo abarcado dentro das
suas mais diversas formas: sexismo, preconceito racial, homofobia e outros.
19
O preconceito pode, pois, ser definido como uma atitude negativa em relação a um
indivíduo ou grupo com base nas relações ideológicas e representacionais assimétricas de
poder social. Da mesma forma seria compreendido o preconceito racial e demais modalidades
de preconceito, sendo, portanto, estreitamente vinculado à aprendizagem social (Allport,
1954).
A Psicologia Social, então, vai se deter no estudo do homem no seu contexto social,
sendo este influenciado e influenciador das mais diversas variáveis que compõem o ser
humano, fato demonstrado pelas diversas pesquisas que pressupõem um entendimento
sociológico e psicológico do ser humano numa perspectiva idiográfica do ser humano
(Kruger, 2004).
E dentro do imenso campo de estudo, que pode ser deliberado por esse entendimento
amplo e complexo da Psicologia, a formação de crenças, esquemas e estereótipos torna-se um
estrado de profícua importância para a melhor compreensão sócio-histórica e subjetiva dos
sujeitos agentes e passivos a esses construtos, já que, estes influenciam condutas e
comportamentos em interações sociais (Lima & Pereira, 2004). Esta formação de estereótipos
é tida por Allport (1954) como uma “lei do menor esforço”, onde se categoriza e definem-se
atributos, opiniões e crenças para determinados grupos sociais de maneira que nos satisfaça
no entendimento o mundo.
Várias teorias, então, têm tentado explicar o preconceito, assim como nos elucida, de
forma precisa, Pereira e cols. (2003). Principalmente, depois da obra de Allport em 1954, que
define o preconceito como sendo uma antipatia baseada numa generalização falha e inflexível
que pode ser sentida ou expressa, além de dirigida a um grupo em sua totalidade, ou a um
indivíduo por fazer parte do referido grupo, surgem estudos que procuraram explicar o
preconceito salientando causas psicológicas do preconceito, tais como as teorias da
20
personalidade autoritária de Adorno (1950), da frustração-agressão (Dollard & Miller, 1939) e
do espírito fechado (Rokeach, 1960).
Surge, então, a perspectiva da cognição social (Fiske & Taylor, 1991), que passa a
explicar através dos vieses psicológicos responsáveis pelos erros no processamento das
informações dos julgamentos sociais (Ross, 1977; Schaller, 1991), reforçando a idéia de
estereótipos. Assim, nesse caminhar científico sobre o estudo e preconceito, surgem diversas
explicações e hoje já se entende também uma abordagem societal para análise das relações
intergrupais (Doise, 1982; Camino, 1996), que situa o viés endogrupal no quadro específico
dos conflitos ideológicos que se desenvolvem no interior de uma sociedade, explicando o
favoritismo endogrupal como conseqüência da dinâmica própria das relações de poder entre
os grupos (Deschamps, 1982; Doise, 1976).
Desta forma, tem se tornado lugar comum discutir o preconceito a partir de sua natureza
basicamente social, minimizando o poder explicativo dos processos psicológicos subjacentes,
percebendo sua fonte então na luta ideológica pelo poder entre os grupos, no interior dos
processos de exclusão social e dos processos políticos (Camino, Da Silva, Machado &
Pereira, 2002; Camino, Da Silva & Machado, 2004).
Isto resultou no distanciamento dos estudos científicos da visão do preconceito como
uma propensão individual de personalidade ou de estilo cognitivo, sendo inquestionável a
idéia de que tal construto é responsável por influenciar diretamente tanto os julgamentos
sociais como as ações dos indivíduos, consistindo nisto sua incomensurável relevância para as
ciências políticas e sociais.
Neste sentido, além de uma formação subjetiva individual frente a outros grupos, a
inserção social seria co-responsável pela formação de estereótipos e preconceito. Pode-se
pensar, por exemplo, nas idéias e pensamentos criados ao se pensar em negros, índios,
21
homossexuais e mulheres (minorias sociais) pelos grupos favorecidos socialmente,
geralmente de cunho negativo e generalizados.
Dentro deste entendimento, diversas teorias tem se configurado, tais como a Teoria de
Orientação à Dominância Social, de Sidanius e Pratto (1999), que tenta analisar os aspectos
psicológicos e sociais vinculados e preditores do preconceito. Tem como base a idéia de que
as sociedades humanas tendem a se estruturar em sistemas de grupos baseados em hierarquias
sociais, sendo três processos são responsáveis por estruturar as hierarquias sociais, os quais
vão se acumulando, interagindo e se complementando: 1) a discriminação individual,
referente aos atos individuais de aceitação ou rejeição de indivíduos isolados com a
justificativa de pertencerem a grupos minoritários; 2) a discriminação institucional,
concernente às regras e ações de instituições sociais que promovem, implícita ou
explicitamente, distribuições assimétricas e desproporcionais de valores negativos e positivos
a partir da hierarquia social instituída; e 3) a assimetria comportamental proveniente das
assimetrias grupais e pertinentes às formas de comportamentos sociais como dominância e
submissão, desprezo e estima, dentre outros (Sidanius & Pratto, 1999).
Existem, pois, sistemas sociais naturais que são responsáveis por gerar e manter a
estratificação social, entretanto, esses sistemas não estariam necessariamente ligados a
propensões cognitivas consideradas inatas, mas ancorados nas representações sociais
desenvolvidas no curso da história e do processo civilizatório (Fernandes, Almeida &
Nascimento, 2008), conforme se poderá perceber adiante no estudo histórico do preconceito.
Entre os anos 1960 e 1970, as explicações do preconceito são desenvolvidas em função
das influências culturais, das relações intergrupais e das normas sociais (Duckitt, 1992). Tajfel
(1978), com a Teoria da Identidade Social, definiu o preconceito como resultado da inserção
do indivíduo numa categoria social. Para ele, a mera categorização em grupos leva os
indivíduos a favorecerem o próprio grupo em detrimento do grupo dos outros.
22
Assim, na seqüência, essas tendências são postas em relevo enfatizando as relações de
poder entre os grupos sociais como fonte do preconceito (Camino, 1996). Surge, então, uma
busca pela compreensão deste fenômeno como injustificado, proveniente das relações sociais.
Os pré-julgamentos, notadamente, tornam-se fundamentos para a discriminação e o
preconceito frente a grupos que possam estar fora dos padrões socialmente estabelecidos
como corretos ou aceitáveis, numa tentativa de defesa de si e do seu grupo, onde a simples
pertença a um grupo já seria fator de avaliações enviesadas (Tajfel, 1982).
Assim, nas últimas décadas uma série de estudos vem se desenvolvendo tendo o
preconceito como tema principal, partindo do entendimento de que “são pré-julgamentos
negativos sobre os membros de qualquer grupo social” (Jones, 1972). É certo que todos os
dados parecem indicar que o preconceito contra grupos minoritários está em declínio na
atualidade, e esse fato pode ser percebido levando-se em conta as normas de alguns países que
coíbem (em alguns casos com rigor) qualquer tipo de discriminação (Lima, 2003). Entretanto,
a realidade dos fatos não se mostra tão clara quanto às ditas normas anti-preconceituosas.
1.1. As Novas Formas de Expressão do Preconceito
Devido às normas sociais que recriminam e desfavorecem a discriminação, nos dias
atuais, claramente se pode perceber a construção de novas formas de expressão do
preconceito racial, os mesmos vêm sendo camuflados, sutilizados ou se expressando de forma
simbólica.
Na atualidade o que se percebe são as novas configurações de manifestação do
preconceito, o que antes era revelado de forma mais hostil, hoje se revela de forma mais
sutilizada ou camuflada. Uma inquietude de sistemas lutam a favor da igualdade e justiça
social, e constata-se que algo vem paulatinamente se modificando no quadro das relações
23
hierárquicas de poder entre os grupos, mas afirmar categoricamente que a sociedade está se
tornando cada vez mais suscetível às normas igualitárias é deveras impertinente. Surge, então,
uma busca pela compreensão deste fenômeno como injustificado, proveniente das relações
sociais.
Como exemplo disto é o estudo de Pettigrew e Meertens (1995) que revelou que as
pessoas não mais procuram expressar abertamente o preconceito, mas o esconde através de
atitudes amigáveis de aceitação do outro. Porém, o preconceito, ainda que de forma sutil,
continua presente na sociedade e isso tem ainda afetado os negros, numa sociedade que já não
quer se mostrar tão hostil, mas ainda com o preconceito sutil arraigado nos discursos e nas
atitudes.
Com efeito, além das notícias passadas pela mídia, as pesquisas também revelam a
inquietude dos sistemas que lutam a favor da igualdade e justiça social. Uma gama de estudos
sobre o preconceito e preconceito racial na atualidade tem demonstrado que uma nova
maneira de expressar atitudes negativas dirigidas aos grupos minoritários se faz atuante no
cenário social dos dias de hoje (Lima, 2003; Lima & Vala; 2004; Fernandes, Da costa,
Camino & Mendoza, 2006; Fernandes, Almeida & Nascimento, 2008).
Esta modalidade moderna de discriminar tem base nas mesmas propensões do
preconceito tal como se conhece desde os primeiros estudos (Allport, 1954), e é caracterizada
por se apresentar de forma sutilizada, camuflada, velada, não se mostrando explícita como as
formas antigas, ditas diretas. Os teóricos atribuem esta modificação às normas sociais
igualitárias e, neste sentido, dirige-se um olhar negativo ao preconceito: ser preconceituoso se
tornou aversivo.
Pesquisas realizadas no Brasil indicam essa disparidade entre o assumir-se
preconceituoso e o perceber a sociedade como preconceituosa. Em pesquisa realizada em
1995, quase 90% dos entrevistados não se consideraram racistas, ao passo que o mesmo
24
percentual defende a existência de preconceito racial no Brasil (Turra & Venturi, 1995).
Observa-se assim que o preconceito e a discriminação continuam presentes, mas,
aparentemente longe das representações ideológicas pessoais, de forma que se crê na ausência
de sentimentos preconceituosos nas auto-percepções.
Partindo desta premissa, Vala, Brito e Lopes (1998, 1999), discutem que as
manifestações clássicas de discriminação estão diminuindo por causa das formas não tão
explicitas de transmitir o preconceito. Essas novas formas emanam da formulação de leis que
visam a beneficiar os grupos minoritários, que estão sempre à margem da sociedade.
Esses conjuntos de leis tentam coibir manifestações e atitudes discriminatórios,
penalizando aqueles que o infringem (Lima, 2002), pois o preconceito aparece como um
problema social, já que é uma atitude pejorativa baseada numa generalização errada. Porém, o
que na verdade se percebe é uma conjuntura social onde as relações interpessoais assumidas
na sociedade possibilitam que os grupos majoritários criem estratégias para expressão de
sentimentos negativos contra as minorias sociais.
De fato, como visto, diversos estudos indicam que, em lugar de uma possível
diminuição, surgem novas e dissimuladas formas de expressão do referido fenômeno
(Fernandes, Da Costa, Camino & Mendoza, 2006; Fernandes, Almeida & Nascimento, 2008).
Em pesquisa realizada, Fernandes, Almeida e Nascimento (2008), depararam-se com o
preconceito sutil demonstrado como a forma mais presente e aceita de se assumir o
preconceito, o que ratifica as afirmações anteriormente explicitadas de uma nova forma de
preconceito a se instalar em meio à sociedade.
Segundo Pereira e cols. (2003), o preconceito atualmente é constituído por discursos
que pregam a defesa dos valores igualitários do pós-modernismo e, ao mesmo tempo, opõe-se
às políticas sociais coerentes com esses valores, apoiando-se em discursos justificadores.
25
1.2. O Preconceito Racial: Aspectos Conceituais
Na biologia, o ordenamento dos níveis se dá numa possibilidade das classes serem as
mais homogêneas possíveis, e esta ordem socilita hierarquia. De tal modo, todos os níveis
hierárquicos recebem rótulos e todos os conjuntos e classes ganham nomes, mesmo havendo
certa arbitrariedade, pois são produtos da mente do classificador e não do mundo natural.
Neste mesmo caminho, as primeiras tentativas de colocar ordem na humanidade datam do
final do século XVII, através das análises craniométricas, tomando por base uma noção
platônica do tipo ideal.
Em geral, o cérebro é maior em adultos maduros que em idosos, em homens que em
mulheres, em homens eminentes que em homens de talentos medíocres, em raças
superiores que em raças inferiores. [...] Outras coisas equivalentes, há uma notável
correlação entre o desenvolvimento da inteligência e o volume do cérebro. (Gould, 1996,
citado por Magnoli, 2009)
Desta forma, entende-se que o termo raça foi utilizado para descrever, “tipo”,
“linhagem” e “ancestralidade”, mas na cercadura do eurocentrismo ampara-se em
características físicas e hereditárias, pois, as sociedades escravizavam como resultado de
conquistas, guerras ou dívidas, mas com esta nova moldura, a escravidão se legitima
baseando-se em diferenças físicas ou intelectuais.
Já com Charles Darwin tentou-se hierarquizar as raças humanas em função das
capacidades intelectuais e as potencialidades que explicavam as realizações culturais e
econômicas, apesar do mesmo encontrar dificuldades em destacar diferenças nítidas entre as
raças humanas, ainda que honrasse a idéia de superioridade racial dos europeus. Assim
também, como modelo, entre 1853 e 1855, há a publicação de Ensaio dobre a desigualdade
26
das raças humanas, de Arthur de Gobineau, onde ele mostra que a humanidade se dividia em
três grandes complexos raciais – branco, amarelo e negro – e o progresso dependia
diretamente das raças brancas, sendo inspiração para as leis antimiscigenação nos EUA e na
Alemanha nazista. Conseqüentemente, o “racismo científico” impetrou que os indivíduos das
raças inferiores percorreram incompletamente a trajetória da evolução da espécie (Magnoli,
2009).
Pensando assim, Allport (1954) define-o como sendo justamente essa construção de
atitudes depreciativas e hostis contra grupos marginalizados socialmente. Consiste, pois, num
preconceito contra um ou mais grupos raciais, que se manifesta em comportamentos hostis
para com os membros desse grupo, sabendo que o termo “grupo racial” é definido por atitudes
sociais, e não somente pela biologia ou aparência (Dummett, 2005). Nesta perspectiva, o
preconceito racial tem a natureza de hierarquização, dominação e exclusão baseada em uma
característica física externa ratificadora de comportamentos (Lima & Vala, 2004), sendo o
preconceito racial um tipo de preconceito (Brown, 1995).
Para Blumer (1980, citado por Guimarães, 2004), os grupos dominantes compartilham
sentimentos de superioridade; de que a raça jugulada é diferente; da propriedade particular de
certos privilégios e do medo de que a raça reprimida partilhe dos benefícios que lhe são
peculiares. A subordinação assim surge como uma visão errada da biologia humana para
estabelecer justificativa de dominação de indivíduos e povos (Guimarães, 1999). Jones
(1972), de tal modo, expõe que o preconceito racial não parte apenas de uma ciência
individual, mas é também institucional e cultural, ou seja, o preconceito racial perpassa um
compartilhamento de sentimentos e uma manipulação institucional e cultural de ideologias
racistas.
O racismo, assim, no sentido moderno, não começa simplesmente numa comparação
fisiológica ou cultural entre raças, mas começa quando se pretende impor uma superioridade
27
cultural de um grupo direta e mecanicamente através de uma pretensa superioridade
fisiológica, ou seja, quando um grupo deriva as características culturais de outro grupo das
suas características biológicas, numa tentativa de reduzir o cultural ao biológico, e do
primeiro depender do segundo, explicando um status social por uma característica natural
(Delacampagne, 1990).
Pensando desta forma, e enxergando os estereótipos culturais como um conjunto de
traços e características associados com um grupo particular transmitidos pelos agentes de
socialização, conservados e passados de geração em geração, e tão bem aprendidos que
operam automaticamente, pode-se pensar que traços positivos são sempre dirigidos aos
grupos dominantes, e essa perpetuação atinge os todos os níveis sociais, institucionais e
culturais da sociedade. Esta realidade é verificada nas pesquisas que revelam escores
negativos à inteligência dos negros, como exemplo, tendo como possíveis causas as
diferenças na entrada na escola, nas maiores e melhores oportunidades econômicas, e nos
contextos culturais e sociais diferenciados. A educação e a economia passam a ser diferenças
que levam a estereótipos negativos (Delacampagne, 1990).
Distinções morais também passam a ser tratadas diferentemente entre os membros de
diferentes raças, acreditando-se numa essência racial que alude em certas qualidades
moralmente condescendentes. Assim, os racistas discriminam baseados numa crença de
contestações, tais como a honestidade, coragem ou inteligência, que autorizam um tratamento
diferencial, incontroverso e legítimo, onde se pode fazer também distinções de natureza moral
por se acreditar que cada raça tem suas próprias características morais implicadas (Appiah,
1992).
Desta forma, há de se questionar: num contexto social, onde as representações racistas
são evidentes, atitudes preconceituosas podem não ser manifestas?
28
Vislumbrando esta questão, nota-se que todas as informações são distorcidas por
representações impostas, vagas e parcialmente inacessíveis, em outras palavras, os
pensamentos estão condicionados por nossa cultura (Moscovici, 2005): reproduz-se aquilo
que já está formado socialmente. Toda a estrutura cognitiva é ancorada e repercutida por
idéias e pensamentos que já atravessam a sociedade. Estudos apontam o fato de que os grupos
dominantes avaliam positivamente os membros de seu grupo e negativamente os membros de
outros grupos justamente por serem atravessados por categorias e valores fundados em teorias
do senso comum (Tajfel, 1981).
Destarte, numa sociedade onde os valores que sustentam o preconceito racial são postos
sem intervenção contrária, espera-se que este tipo de preconceito seja manifesto de forma bem
expressiva. Os Estados Unidos e África do Sul com o apartheid, como exemplos, defenderam
e justificaram a desigualdade dos indivíduos pelas suas características iminentes, nestes
termos, fica nítida a idéia da discriminação como construída historicamente (Guimarães,
1999), como se pode perceber no processo histórico brasileiro.
1.3. Preconceito Racial no Brasil
“Desculpa, meu caro amigo,
Eu nada te posso dar;
Na terra que rege o branco,
Nos crivam de pensar!...
Ao peso do cativeiro
Perdemos razão e tino,
Sofrendo barbaridades,
Em nome do Ser Divino!!
E quando lá no horizonte
Despontar a Liberdade;
Rompendo as férreas algemas
E proclamando a igualdade;
Do cocho bestunto
Cabeça farei;
29
Mimosas cantigas
Então te darei.” (Gama, 1848)
Tomando estes versos de Luís Gama, do livro As primeiras trovas burlescas de
Getulino (1848), pode-se pensar no preconceito dos brancos em relação aos negros desde os
primeiros momentos da colonização, pois, por haver uma imagem de que, como as sociedades
africanas não apresentavam as mesmas instituições políticas, nem os mesmos padrões de
comportamento e visões do mundo do europeu, então, estas eras tidas como sociedades não
civilizadas e sem história, ou seja, o negro desde a colonização e a escravidão é colocado
como um ser à margem da sociedade. Vale ressaltar ainda que, criava-se a divisão dos negros
em grupos, para que na promoção de rivalidades não houvesse o fortalecimento dessa camada
social, ignorando a possibilidade de associação e descoberta de afinidades culturais, até
atingir a um processo de internalização das identificações com seu grupo (Mattos, 2009).
E desde então, o que se percebe, é que, enquanto na história de alguns países fica
evidente a noção de raça, no Brasil apenas entre pessoas “não corretas” e nos movimentos
sociais, onde militam pessoas discriminadas, utiliza-se este conceito. Discutir questões de raça
não se torna um lugar de grandes questões e pautas públicas a serem sinalizadas, pois, o Brasil
viveria numa suposta “democracia racial” ou em um processo de miscigenação em que as
raças conviveriam com equidade.
Enquanto, por exemplo, o modelo norte-americano exibia um padrão de relações
segregacionista, sancionado por regras precisas de filiação grupal e baseado em arrazoados
biológicos que definiam as raças, no Brasil existia um protocolo de distanciamento social,
uma diferença aguda de status e possibilidades econômicas, convivendo com equidade
jurídica e indiferença formal (Guimarães, 1999).
Assim, convive-se com uma ideologia desigual inconsciente que está ainda presente nas
relações sociais, num país marcado por notórias disparidades sócio-econômicas e onde existe
30
a maior população negra vivendo fora da África (Lima & Vala, 2004; Camino, Da Silva,
Machado, 2004).
E o entendimento racial no Brasil formou-se, desta forma, devido três razões, segundo
Guimarães (1999): o programa político que ignorou o anti-racismo popular dos negros e
mulatos que denunciavam as barreiras do preconceito; a definição de raça como um conceito
biológico, impedindo a consideração da cor como uma noção racialista; e o realismo
ontológico das ciências sociais que buscava o conhecimento das essências e de explicações
causais, escondendo os discursos do racismo sob uma linguagem de status e de classe. Essas
percepções só começaram a alterar depois do arruinar da segregação racial nos Estados
Unidos.
Neste caso particular do Brasil, Ferreira (2007), também vai apontar que existiram três
condições favoráveis ao desenvolvimento do preconceito racial no Brasil: a concepção
constitutiva das subjetividades ocidentais, desenvolvida na modernidade, que desvaloriza as
minorias (a valorização da cultura branca); o processo histórico e a escravidão do africano; e,
após a Abolição, o desenvolvimento de concepções, apoiadas pela ciência, acerca da
inferioridade racial do negro e, à igualdade política e formal entre todos os brasileiros
(Guimarães, 2004). Destaca-se que após a abolição, as relações entre brancos e negros é
marcada pela falta de legislação étnico-racial, um não desenvolvimento político de integração
dos negros à sociedade e o incentivo a imigração européia branca para branqueamento da
população assim como ocorria na Europa (Silva & Rosemberg, 2008).
Mas, vale ressaltar que, por vezes, as barreiras sociais, políticas e econômicas, impostas
devido à cor, eram burladas, numa tentativa de inclusão social dos que eram tidos como
homens de cor, livres e escravos, principalmente quando tinham que assumir um cargo de
importância. As capitanias, por exemplo, tinham como regra geral, a vedação de qualquer
mulato no exercício de cargos municipais, sendo extensiva aos brancos casados com mulheres
31
de cor, no entanto, em 1711, quando procurador mulato foi empossado na capitania de
Pernambuco. Mesmo assim, não se pode deixar de perceber essa liberalidade como não sendo
uma lei geral, já que os homens de cor eram associados a trabalhos escravos (Silva &
Rosemberg, 2008). .
É importante até mesmo notar que os índios tinham um reconhecimento de liberdade
civil, devido principalmente a características a eles atribuídas (ociosidade, aversão a esforço
disciplinado, intemperança e gosto acentuado por atividades antes predatórias do que
produtivas) que os aproximavam dos nobres, enquanto os negros tinham a imagem de
rebeldes e submissos. Os casamentos entre índios e brancos, por exemplo, eram sempre
estimulados pelo governo português, e estes teriam regalias, honras e dignidade, não podendo
nem ser mais chamados de caboclos, e os negros e seus descendentes continuavam relegados
a trabalhos de baixa reputação que os degradavam. A “moral das senzalas” era parcial na
violência, na negação de virtudes, imperando na administração, na economia, nas crenças
religiosas, e até no entendimento da criação do mundo como um languescer de Deus
(Holanda, 2010).
Neste caminho, o preconceito racial no Brasil como campo de estudo começou a ser
entendido através de sua construção sócio-histórica, sabendo-se que foi o país que mais
importou africanos e o último a abolir a escravidão, atualmente é a segunda maior população
negra mundial depois da Nigéria e 46% dos brasileiros se declaram negros (Silva &
Rosemberg, 2008).
A partir dos estudos de Guimarães (2004), pode-se traçar um panorama do preconceito
racial no Brasil, que surge com base política, a partir da abolição da escravatura e desponta
como uma forma da elite lidar com as desigualdades sociais oriundas do processo civilizador.
É nessa conjuntura social que o negro já passa a ser observado como o responsável pela
32
criminalidade ou mesmo, quando comparado ao branco, inferior nos aspectos mentais,
somáticos ou psicológicos. Hasenbalg, vai então afirmar que
a discriminação e preconceito raciais não são mantidos intactos após a abolição, mas,
pelo contrário, adquirem novos significados e funções dentro das novas estruturas e as
práticas racistas do grupo dominante branco que perpetuam a subordinação dos negros
não são meros arcaísmos do passado, mas estão funcionalmente relacionadas aos
benefícios materiais e simbólicos que o grupo branco obtém da desqualificação
competitiva dos não brancos” (Hasenbalg, 1979, p. 114).
Com a substituição da ordem escravocrata por outra ordem hierárquica, a cor passou a
ser uma marca de origem, e o racismo colonial, fundado sobre a idéia de pureza de sangue,
cedeu lugar à idéia de uma nação mestiça, cuja cidadania dependia do lugar de nascimento e
não da ancestralidade, onde a cor, status e classe estão intimamente ligados entre si, sendo que
as regras de pertença nacional suprimiram sentimentos étnicos, raciais e comunitários,
imaginadas numa conformidade cultural e termos de religião, raça, etnicidade e língua
(Guimarães, 1999). Assim, as relações sociais e políticas entre brancos e negros destacou-se
pela não adoção de legislação de segregação étnico-racial (diferentemente de outros países
como os EUA e África do Sul), pela falta de desenvolvimento de uma política específica de
integração dos negros recém-libertos, e pelo incentivo da imigração européia branca a fim de
um possível branqueamento da população (Silva & Rosemberg, 2008).
Nesta perspectiva de formação ideológica racial no Brasil, o conceito de democracia
racial e o “branqueamento” passam a significar a capacidade de absorver e integrar mestiços e
negros, onde estes tinham que renegar a sua ancestralidade africana ou indígena,
transformando-se em discursos racialistas. A idéia de democracia reatualizou o precário
33
equilíbrio político entre a desigualdade social, autoritarismo político e liberdade formal no
Brasil pós-guerra (Guimarães, 2004), sedimentando um mito de que as relações são cordiais
ainda que se conviva com a dominação branca no acesso a bens materiais e simbólicos (Silva
& Rosemberg, 2008).
Porém, segundo Nabuco (2010), o que deveria ser feito, após o abolicionismo – uma
obra de reparação, vergonha ou arrependimento – e a emancipação dos escravos, era trazer, no
mais breve prazo possível, o apagar os efeitos de desmoralização e inércia, de servilismo e
irresponsabilidade, desbastando através de uma educação servil e viril, a lenta estratificação
de centenas de anos de cativeiro, de despotismo, superstição e ignorância.
Somente em meados do século XX é que surgem os primeiros estudos que buscam
sobrepor à questão cultural à questão biológica para definir o conceito de raça. O termo
“racismo” só foi introduzido nos anos 1970, e somente em 1995 o governo reconheceu que o
país é estruturalmente racista. Desde 1940, o Brasil dispõe de Leis Federais, enfatizando a Lei
Afonso Arinos que incluiu contravenções penais a prática de atos resultantes de preconceito
de raça ou de cor, e a Constituição de 1988 que considera o racismo como crime inafiançável
(Silva & Rosemberg, 2008). O nacionalismo negro e o movimento feminista também
imprimiram uma luta contra a destruição e interiorização do legado cultural africano
denunciando o processo de naturalização e de justificação social de hierarquias culturais.
Como exemplo, em 1935, os intelectuais brasileiros defendiam que: o Brasil nunca
conhecera ódio entre raças; as linhas de classe não são definidas a partir da cor; os negros se
incorporam de forma progressiva à sociedade e à cultura; e os negros irão desaparecer dando
lugar a um tipo físico e cultura propriamente brasileiros (Guimarães, 2004).
Pesquisa realizada no Brasil em 2005, tomando por base dados de pesquisas realizadas
pelo Datafolha em 1995 e pela Fundação Perseu Abramo em 2003 (FPA, 2005), aponta para
esta configuração do preconceito racial no Brasil. Os dados apontam para as seguintes
34
características: 49,6% dos brasileiros afirmam existir muito preconceito racial no Brasil;
39,7% afirmam haver um pouco; 5,1% afirmam que não existe, e 5,6% não souberam
responder. E quando a pergunta é se os brancos têm preconceito contra os negros, 60,8%
afirmam que há muito, 25% que há pouco, 9,3% que não existe e 1,7% não soube responder.
Outro fato interessante nesta pesquisa realizada é que junto às respostas acerca do
preconceito, atribuições de características como a riqueza, a beleza, a bondade e a inter-
relação eram sempre direcionadas como partes naturais das pessoas negras, sendo que a estes
eram direcionados os aspectos de pobreza, feiúra, dificuldade de inter-relacionamento e
maldade. Além destes dados, uma questão peculiar é que quando questionados sobre o seu
preconceito, 95,7% dos entrevistados afirmam não ter preconceito, sendo que quando a
pergunta é se há preconceito no Brasil, 60,8% afirmam haver, o que se faz pensar que a
questão da auto-percepção é interferida significativamente pela idéia de que ser
preconceituoso é algo inaceitável na sociedade atual.
Ratifica-se assim, que o processo histórico, a partir do racismo estruturalizado na
sociedade, apresenta-se através de relações raciais com um sistema sofisticado de
classificação baseado tanto na aparência quanto na condição socioeconômica e região de
residência, por um vocabulário racial, uma grande população mestiça, e padrões de relações
verticais e horizontais desiguais, onde há uma intensa desigualdade de oportunidades e
hostilidades abertas ou não, que salientam uma convivência amistosa em determinados
espaços e circunstância (Silva & Rosemberg, 2008).
Neste sentido questionam-se como as crianças, que também são participantes de um
meio social, respondem a essas questões do preconceito. Como será que estas respostas se
apresentam? Será da mesma forma que os adultos? E ele se dá de forma mais sutil ou
flagrante? E, sabendo, pois, que o preconceito é uma atitude que limita as possibilidades
sociais e psicológicas dos indivíduos, o estudo torna-se salutar pela abertura da discussão do
35
tema no meio científico e por suscitar possíveis alternativas de melhor atuação frente ao
problema, que pode se apresentar desde os primeiros anos de vida.
1.4.. Preconceito Racial em Crianças
Como visto, os estudos que se debruçam a desvendar o fenômeno do preconceito racial
em indivíduos adultos é tema constante na Psicologia Social (Allport, 1954; Brown, 1995;
Jones, 1972; Fernandes, Almeida & Nascimento, 2008). Porém, apesar da maioria dos estudos
fixarem-se na compreensão do preconceito nos adultos, sabe-se que o preconceito é expresso
pelas crianças desde os quatro anos de idade (Aboud, 1988). Este fato desperta o interesse em
compreender o preconceito racial nas crianças.
Alguns pesquisadores então sugerem que as crianças entre 5 e 9 anos de idade apenas
imitam os comportamentos dos adultos, o que não representaria atitudes verdadeiras,
enquanto outros pesquisadores explicam que estas atitudes são verdadeiras e aprendidas pelas
crianças, e que somente se diminuiria o preconceito se houvesse um aprendizado constante
sobre costumes e tradições culturais de diferentes etnias, bem como o aprendizado sobre a
história das injustiças raciais contemporâneas. Nessa perspectiva, alguns outros estudiosos
defendem que esse contato com outros grupos diminuiria o preconceito devido um
compartilhamento de identidades (Levy & Hughes, 2009).
Há ainda aqueles que defendem um falta de sofisticação social para a tolerância, ou seja,
as crianças por serem imaturas cognitivamente, são abertamente preconceituosas, sendo
minimizado este atributo ao passo que ocorre uma maturação das estruturas cognitivas,
fazendo com que as crianças construam representações do mundo de forma mais tolerante e
julgando as pessoas não apenas pela aparência, mas em termos de componentes internos como
inteligência, bondade, amizade (França & Monteiro, 2004a). Assim, diversas teorias tentam
36
explicar a origem do preconceito entre as crianças, conforme nos mostra Levy e Hughes
(2009).
A abordagem psicodinâmica (Adorno, Frenkel-Brunswick, Levinson & Sanford, 1950)
sugere que o preconceito entre crianças é raro e um problema anormal e que é desenvolvido
no processo de formação do ego, onde a o processo de submissão às autoridades pode gerar
impulsos agressivos que são projetados para os tidos como desviantes sociais, tendo como
exemplo a personalidade autoritária.
A abordagem da Aprendizagem Social (Allport, 1954) explica que as crianças aprendem
o preconceito por observação e imitação dos modelos de regras dos pais, e com o decorrer da
idade vai se diminuindo, conforme as sua mais diversas teorias: a teoria Multicultural (Banks,
1995) também derivada da Aprendizagem Social explica que o preconceito existe devido a
falta de conhecimento do outro grupo, sendo assim, o contato, o conhecimento e o respeito
por outras culturas reduzem atitudes negativas; a Teoria Antiracista (McGregor, 1993) é
semelhante a Teoria Multicultural sugerindo que o preconceito deriva da falta de
conhecimento intergrupal e consciência da história a raízes da desigualdade; a Teoria
Daltônica aponta para a desenfatização da categoria raça como responsável pelo decréscimo
do preconceito; a Teoria da Mera Exposição também expõe que atitudes negativas diminuem
com a exposição a outros grupos, devido ao fenômeno que Allport definiu como “o medo do
estranho”; a Teoria do Contato Integrupal também caminha neste viés de que o contato
intergrupal aumenta os conceitos positivos sobre o outro.
A Abordagem Cognitiva que tem como pressupostos as articulações de Piaget, foi
aplicada ao preconceito por Katz e Zalk (1978), destacando-se Aboud (1988), que foi o maior
responsável pelo desenvolvimento desta teoria, entre outros. Ela tenta explicar o preconceito
em crianças pela sua falta de habilidade para pensar sobre os grupos, e, portanto, o
preconceito entre crianças é inevitável pois as mesmas não possuem conhecimentos
37
necessários para entender as pessoas como indivíduos, focando-se em seu grupo e exagerando
as diferenças. As atitudes negativas só seriam diminuídas com a maturação cognitiva.
Já as Abordagens do Desenvolvimento Sócio-cognitivo combinam elementos das
abordagens sociais e cognitivas. A teoria do Desenvolvimento da Identidade Social (Turner,
Brown & Tajfel, 1979) que mostra que a mudança fundamental no foco da criança ocorre a
partir do entendimento das categorias sociais, buscando compreender as numerosas
identidades sociais das pessoas e salientando as diferentes situações de comportamento e
julgamentos sociais; o Modelo da Identidade Endogrupal Comum (Gaertner & Dovidio, 1986)
defende que o preconceito é diminuído com o aumento da importância de características
comuns ou compartilhando características relevantes; o Modelo do Domínio Social explica
que o preconceito em criança surge através da influência do contexto moral, das convenções
sociais e aspectos psicológicos; a Perspectiva do Desenvolvimento Social (Levy et al., 2006),
ancorada numa perspectiva bioecológica, mostra que as pessoas interagem e são aninhadas
dentro de muitos ambientes diferentes, e as características pessoais influenciam na
interpretação do ambiente.
Tomando, pois, estas abordagens como possíveis explicações do preconceito em
criança, realizou-se um estudo em Portugal e no Brasil, por França e Monteiro (2004b), e
encontraram que, na realidade, o que ocorre com as crianças em suas visões de mundo é a
introjeção das normas sociais atuantes na sociedade e cultura particular a cada criança,
fazendo com que, a partir de certa idade, o preconceito não seja mais expresso abertamente.
Este estudo baseou-se nas hipóteses de que o alvo negro seria mais discriminado do que o
alvo branco, principalmente pelas crianças com menos de oito anos de idade,
independentemente dos contextos normativos, ou seja, das normas sociais que rejeitam a
expressão do preconceito. As crianças participaram de uma tarefa de distribuição de
recompensas em contextos que justificavam ou não a discriminação.
38
Partindo deste princípio, e se colocarmos a idéia da representação como constituinte de
um pensamento racista, preconiza-se um estudo com as crianças para uma assimilação mais
contundente da situação atual do preconceito racial das crianças. Considera-se que as crianças
convivendo com idéias, pensamentos e atitudes preconceituosas dos adultos podem responder
de forma análoga, por estarem profundamente associadas às atitudes raciais dos adultos
(Jones, 1972). Pereira (1987), ainda enfatiza que o lugar da escola na vida da criança é que
por muitas vezes fomenta o preconceito racial, pois aquela é reprodutora dos relacionamentos
que se dão na sociedade, ou seja, “estimula os estereótipos sociais relativos a essa população e
a submissão do afro-descendente aos valores brancos”.
Outra questão a ser levantada junto às crianças é que o ser humano pensa através de
categorias, para uma melhor identificação dos objetos e pessoas. Essas categorias constituem
a base do preconceito (Allport, 1954). Consoante, sabe-se que o preconceito racial não se
refere apenas a doutrinas, mas também a atitudes e preferências, como gostos e valores
estéticos (Guimarães, 1999), portanto, categorias sociais. Trabalho realizado por Oracy
Nogueira em 1998 (apud Checchetto e Monteiro, 2006), verificou que, principalmente no
Brasil, a questão da raça recebe atribuições específicas devido à miscigenação e a história do
país, tais como a classe social, educação e atributos pessoais como modo de vestir e cabelo.
Considera-se como preconceito racial uma disposição (ou atitude) desfavorável,
culturalmente condicionada, em relação aos membros de uma população, aos quais se
têm como estigmatizados, seja devido à aparência, seja devido a toda ou parte da
ascendência étnica que se lhes atribui ou reconhece. (Nogueira, 1985, p. 78-9)
Logo, as crianças atravessadas por sentimentos e valores assumidos socialmente,
também vão criar categorias para entender melhor os grupos, pessoas e objetos. E entendendo
que o processo de exclusão racial está integrado a um processo de diferenças sócio-
39
econômicas e culturais, certifica-se nas crianças, a idéia de que condições sociais e
econômicas precárias são frutos da capacidade pessoal dos indivíduos afro-descendentes
(Ferreira, 2007), sedimentando o preconceito racial a partir de categorias bem definidas e
padronizadas socialmente: beleza, riqueza, inteligência, contato e proximidade.
Sabe-se que as crianças a partir de certa idade introjetam as normas sociais vigentes em
seu contexto, e são capazes de emitir conceitos, preferências e escolhas condizentes com a sua
realidade social. Nestes temos, como se daria a preferência das crianças em relação à cor da
pele?; e como seria essa preferência em função das normas sociais? Poderiam as crianças
serem dissimuladas? E a partir de que idade aconteceria essa dissimulação? Essas questões se
apresentam mais complexas do que se observa rapidamente, pois nas entrelinhas surgem
alguns pontos que merecem ser discutidos.
O primeiro diz respeito à constatação de que desde muito cedo as crianças apresentam
favoritismo pelo seu grupo de referência e que mais tarde apresentam uma moderada
aceitação dos princípios normativos de seu meio social (Brown, 1995), ou seja, em dois
momentos distintos acontece a introjeção normativa, primeiro incorpora-se à cognição da
criança a norma do etnocentrismo, e em seguida a norma da sociabilização.
O segundo ponto sugere um enorme conflito entre as tendências individualizantes e as
tendências intergrupais/sociais de se entender o processo de desenvolvimento cognitivo,
trazendo rumores de acentuadas falhas nas compreensões. Então, por que não se pensar em
uma abordagem psicossocial que abarque ambos os lados desta mesma moeda? O terceiro e
não menos importante ponto, indica que muito se tem a investigar acerca destas tendências
infantis no Brasil, pois em sociedades marcadas pela diversidade e ambigüidade de valores
individuais e sociais, há uma completa escassez de estudos contemplando esta problemática,
fazendo com que sua compreensão seja um tanto quanto escorregadia. A seguir tais pontos
serão considerados.
40
Embora o preconceito venha sendo compreendido mais como uma propensão social,
situada nas lutas ideológicas pelo poder (Tajfel, 1981; Billig, 1985; Brown, 1995; Camino, Da
Silva, Machado & Pereira, 2002), alguns pesquisadores atribuem maior ênfase aos processos
psicológicos subjacentes ao preconceito (Gaertner & McLaughilin, 1983; Sidanius & Pratto,
1999) e discutem sua natureza a partir dos processos cognitivos, porém, não negando sua
dinâmica social. Assim, supor que as crianças são preconceituosas por não possuírem um
determinado desenvolvimento cognitivo capaz de entender a diversidade social é plausível.
Dando seqüência a esta perspectiva, com a passagem dos sete para oito anos de idade, estas
estruturas cognitivas estariam formadas e as crianças então apresentariam menores índices de
preconceito, isto aconteceria pela formação de novas estruturas e pelo amadurecimento das
existentes (Doyle & Aboud, 1995).
Por outro lado, percebe-se que adultos, que supostamente possuem o citado
amadurecimento cognitivo, apresentam altos índices de preconceito. Como explicar tal
fenômeno? Esta questão motivou, em parte, o estudo já mencionado realizado por França e
Monteiro (2004a) com crianças. As autoras buscavam verificar a estruturação do preconceito
racial na infância, sugerindo que a partir dos oito anos de idade as crianças não diminuem
suas tendências preconceituosas em virtude do amadurecimento das estruturas cognitivas, mas
em função da aprendizagem das normas sociais anti-racistas vigentes na sociedade, passam a
exibir o preconceito de forma indireta. Os resultados alcançados pelas autoras confirmaram
suas hipóteses (França & Monteiro, 2004a; França & Monteiro, 2004b).
Com efeito, a saliência da norma social interfere na maneira de exibir o preconceito (ou
a rejeição aos grupos minoritários), assim como a imitação parental, o que leva a crer que a
aprendizagem social é fator determinante do comportamento social. Neste aspecto, considerar
o desenvolvimento cognitivo como base para a introjeção das normas sociais seria bastante
oportuno, ao invés de enfatizar apenas um ou outro caractere próprio da natureza do
41
preconceito. O preconceito poderia então ser definido como uma atitude negativa em relação
a um indivíduo ou grupo com base nas relações ideológicas e representacionais assimétricas
de poder social e não apenas vinculado à imaturidade cognitiva ou aos atributos sociais
desiguais presentes nos grupos sociais, da mesma forma seria compreendido o preconceito
racial e demais modalidades de preconceito, sendo, portanto, estreitamente vinculado à
aprendizagem social.
Levando-se, no entanto, em consideração a Teoria da Identidade Social desenvolvida
por Tajfel (1981), que afirma que a procura de uma identidade positiva acaba por valorizar em
demasia o grupo de pertença dos indivíduos, desvalorizando em contrapartida outros grupos.
Neste eixo de pensamento, deixa-se a certeza da importância de estudos que, como este,
busquem explorar mais detalhadamente esta problemática considerando novos caminhos e
possibilidades e, principalmente, possam dar sua contribuição no esclarecimento deste tema.
Para tanto, exploraremos essa questão no capítulo seguinte.
42
CAPÍTULO 2: IDENTIDADE SOCIAL
_____________________________________________
A questão da identidade, tratada desde a segunda metade do século XX de forma mais
ampliada, vem sendo estudada a fim de propor uma reflexão sobre a construção de
significados com base em atributos culturais, que inter-relacionam-se e prevalecem sobre
outros significados (Castells, 2008), tendo se destacado na atualidade como uma questão
central no contexto das reconstruções globais das paridades nacionais e étnicas e da
emergência dos movimentos sociais preocupados com a reafirmação das identidades pessoais
e culturais (Silva, Hall & Woodward, 2009).
A cada década pode-se perceber que, cada vez mais a cultura, os modos de se
comportar, de ser e de estar vão se alterando, adequando-se às exigências do próprio tempo,
onde se há possibilidades sempre maiores de revelações de identidades que variam entre a
virtual e a real, até mesmo entre os considerados normais, ou que possuam os defeitos mais
escondidos, ainda que grupos minoritários sejam ainda os melhores objetos de análise
(Goffman, 1988).
As circunstâncias de risco e o modo como percebemos o ritmo acelerado de
transformações, e a dissolução das instâncias de referências usadas para orientação do
posicionamento subjetivo e ação no mundo, são os grandes responsáveis por esta crise das
identidades, que se tornam mais ou menos endêmicas, tanto ao nível individual quanto
coletivo (Giddens, 2002).
Para Giddens (2002), o risco (condição de vida adversa) é essencial para o
desenvolvimento da sociedade e para a descoberta do próprio sujeito, pois, ao reconhecê-lo, o
individuo é forçado a aceitar as situações como um caso que pode até dar errado, mas nem
43
sempre será problemático se este indivíduo tiver sentimentos bem estabelecidos de confiança
básica, apesar da consciência de riscos ser fonte de ansiedades.
Essa crise, segundo Hall (2000, citado por Cunha, 2009), se constrói a partir do
descentramento do sujeito a partir da modernidade e da perda dos quadros de referência que
faziam sentido e garantia a eficácia no enfrentamento da realidade através de categorias como
classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade.
Neste sentido, as fronteiras da normalidade, junto às normas sociais vigentes que
exigem mudança na expressão de sentimentos ou comportamentos negativos em relação a
minorias ou ao “diferente”, tornam-se mais flexíveis, o que vem a configurar uma nova
realidade daquilo que chamamos de preconceito, em que este se tem apresentado de forma
sutil (Lima, 2002).
Pode-se entender desta forma que, se o indivíduo é construído socialmente, as suas
relações sociais vão ser determinadas pelo que foi construído, sedimentando a identidade
social (Berger & Luckmann, 2002). E, se as dificuldades de viver em uma cultura de risco não
significam maior insegurança, mas as ansiedades geradas pela falta de planejamento da vida a
proporções manejáveis (Giddens, 2002), se fazem pensar a identidade numa
complementaridade grupo-indivíduo recuperando indiretamente a singularidade do indivíduo
ao destacar os encaminhamentos notavelmente pessoais que são dados às inclusões/exclusões
grupais (Paiva, 2002), considerando que, se perde a chave do problema quando se baseia
apenas na estrutura de personalidade dos indivíduos ou somente nos grupos, mas pode ser
mais bem visualizada ao se considerar a figuração formada pela natureza da interdependência
indivíduo-grupo, pois, a imagem e o ideal do “nós” fazem parte de sua auto-imagem e do seu
ideal tanto quanto a imagem singular a quem ela se refere como “eu” (Elias, 2000).
Desta forma, destacando à idéia de pertinência a um grupo através da raça, esta se
configura numa comunidade quando sentida subjetivamente como uma característica comum
44
(Weber, 2009). Assim, mais importante que a pertença a um grupo é o sentimento relacionado
a esta pertença (Tajfel, 1981).
De tal modo, se há um indivíduo que se distingue, ele é desprezado ou venerado de
modo supersticioso (Weber, 2009), ou, se o grupo é avaliado negativamente, o individuo
buscará uma estratégia de mudança ou mobilidade social (Tajfel, 1981), e os que
desempenham os papéis de desviante-normal podem evitar o contato por não se sentir
completamente aceito pelo outro, ou se sua conduta está sendo observada, ficar com seus
“iguais” só para evitar o problema (Goffman, 1988), assim como também os indivíduos
“superiores” podem articular para fazer com que os indivíduos inferiores se sintam carentes
de virtudes (Elias, 2000).
Ao pensar desta forma, seguindo esta linha de pensamento acerca da assimetria social, é
que surgem as crenças e atitudes hostilizantes em relação a um grupo ou a um indivíduo por
pertencer a este grupo (Allport, 1962), assim como se pode observar que grupos que se
sentem mais poderosos que outros grupos interdependentes colocam-se como humanamente
superiores (Elias, 2000).
Elias (2000), através da relação estabelecidos-outsiders, elucida que os contatos são
mantidos através de meios de controle social, ou materializando o estigma social, eximindo os
estabelecidos de qualquer responsabilidade, e fazendo com que “forças que criaram o mundo”
sejam as responsáveis pelas marcas que inferiorizam os outsiders, como, por exemplo, a cor
da pele tem essa função objetificadora de um sinal físico de inferioridade, que justifica a
aversão, uma vez que, a exclusão são armas que preservam a identidade e a superioridade dos
estabelecidos.
Assim também, a estratégia de coesão do grupo contribui substancialmente para se
assumir poder, e um grupo só estigmatiza outro com eficácia quando bem instalado em
posições de poder, onde o estigma enfraquece e desarma o grupo menos poderoso.
45
Neste sentido, Bourdieu (1989) nos mostra que as representações sociais são sempre
determinadas pelo interesse do grupo que a forja, pois, há uma imposição de visão de mundo
que implica em condutas e escolhas. É assim que é possível se perceber que os indivíduos e os
grupos exibem, de forma inevitável, essas representações, através de suas práticas e
propriedades, ou seja, os grupos reconhecem-se, colocam limites, aceitam determinismos e
fundamentos sociais destes limites e estratégias, atribuem-se qualidades, e os dominados
acabam por aceitar os princípios de identificação de que sua identidade é produto.
Nesta perspectiva, sabe-se que o preconceito racial tem a natureza de hierarquização,
dominação e exclusão baseada em uma característica física externa ratificadora de
comportamentos (Lima & Vala, 2004), e a raça cumpre esta função de legitimação das
relações de dominação, ainda que sustentada pelas pretensões de igualdade entre todos os
cidadãos (Wallerstein, 1979, citado por Cunha, 2009), uma vez que os agentes e grupos de
agentes, na formação de grupos étnicos, são definidos por suas posições no espaço social, ou
seja, é na disputa por impor uma visão das coisas, de uma visão legítima do mundo, se
institucionaliza um grupo étnico (Bourdieu, 1989).
Assim, a identidade não pode ser separada da racionalidade na qual a alteridade é
sempre ameaçadora e fonte de angústias, e a sua construção se torna uma forma eficaz de
proteção contra essas ameaças e angústias, através de mecanismos mínimos e cotidianos de
controle, domínio de si mesmo e da relação com o outro (Cunha, 2009), entendendo que se
deve evitar uma percepção naturalizada das fronteiras do grupo étnico, já que estas passaram
por um processo político de legitimação, tendo sua existência conhecida e reconhecida no
cenário social, e que a realidade é social e as classificações mais naturais apóiam-se em
características que são produtos de uma imposição arbitrária, produzindo a diferença cultural
(Bourdieu, 1989).
46
Destarte, deve-se entender que a diferença é sustentada pela exclusão, e a identidade é
marcada pela diferença (Silva, Hall e Woodward, 2009), e existir é ser reconhecido diferente,
onde se constitui a identidade, uma vez que a unificação ou a assimilação da diferença anula
uma identidade sobre a outra (Bourdieu, 1989).
Igualmente, tratar questões do desenvolvimento dos indivíduos e a interação deste com
construção da identidade é bastante pertinente, pois, embora possa ser construída por
instituições dominantes, somente assumem tal condição se os atores sociais as internalizam,
construindo seu significado (Castells, 2008).
E quando a manutenção das normas que se referem à identidade e que sustentam a vida
social é fracassada ou exercida com êxito, estas têm um efeito direto sobre a integridade
psicológica dos indivíduos (Goffman, 1988), como também, o estigma social imposto pelo
grupo mais poderoso pode penetrar na auto-imagem deste último (Elias, 2000).
Assim, somente numa atitude de oposição a essa aversão ou superioridade, vislumbra-se
uma construção de identidade de resistência que é evidenciada em atores sociais que se
encontram em posições desvalorizadas ou estigmatizadas para construir resistências e
estratégias de sobrevivência com base em princípios diferentes dos que permeiam as
instituições da sociedade (Castells, 2008), tomando-se consciência de que o pertencimento e a
identidade não são tão sólidos, nem garantidos para toda a vida, sendo negociáveis, e as
decisões do próprio individuo de se manter firme a tudo são fatores cruciais tanto para o
pertencimento quanto para a identidade. O estigma produz, pois, a revolta contra este mesmo
estigma (Bourdieu, 1989).
Esta resistência é evidenciada tão logo diminuem a desigualdade do equilíbrio de poder,
agravando contra a estigmatização, sendo que os grupos “estranhos” ou “de fora” exercem
pressões no sentido de reduzir os diferenciais de poder, enquanto os grupos estabelecidos
fazem o mesmo em prol da preservação desses diferenciais (Elias, 2000). Vale ressaltar que a
47
barreira afetiva responde pela rigidez da atitude dos grupos superiores para com os
inferiorizados, na perpetuação do tabu contra o contato mais estreito, ainda que diminua a
superioridade social (Elias, 2000).
Para Bourdieu (1989), as escolhas do grupo dominado passam pela aceitação resignada
ou provocante, ou a busca da assimilação que faça desaparecer todos os sinais quem lembrem
o estigma, afastando cada vez mais a identidade legítima, ou seja, uma reapropriação coletiva
do poder de construir e avaliar a sua própria identidade. Assim, a questão da identidade está
intrinsecamente ligada a um processo mais positivo do desenvolvimento pessoal e/ou grupal.
É nesse sentido, que ao valorizar positivamente o seu grupo, tem-se por conseqüência
um estímulo da auto-estima, da criatividade, do orgulho, da solidariedade grupal, da
autonomia e da capacidade da resistência contra elementos exteriores. Relações puras devem
oferecer oportunidades de crescimento da confiança que, se segura, é psicologicamente
estabilizante, devido às fortes ligações, principalmente em relação à figura dos responsáveis,
uma vez que, manter relações autênticas com outras pessoas é importante fonte de apoio
moral e fonte de segurança em momentos decisivos e transições importantes da vida
(Giddens, 2002).
Porém, numa representação negativa da identidade de seu grupo, seja pela falta de
vantagens e êxito, ou pela introjeção de estereótipos e estigmas (Giménez, 2000), a análise do
autoconceito e do autocontrole deve ser vista com uma valorização de um olhar sobre as
políticas públicas e institucionais, dirigindo-se para uma análise das dinâmicas e das
estruturas dos grupos reconhecendo a sua natureza multidimensional, vislumbrada em
famílias, escolas, comunidades majoritárias e minoritárias, pois todas estas instâncias agem
como fatores constituintes da identidade (Libório, Castro & Coelho, 2004), pois, as interações
são meios para se formar, manter e modificar a identidade, e onde esta mesma é representada
(Giménez, 2000).
48
2.1. Identidade Social nas Crianças Negras
Neste contexto, valores e crenças dos pais são fatores significativos na formação da
identidade e especificamente na dissonância racial, que é a preferência por comportamentos
das crianças brancas por crianças negras. A falta dos pais negros como reforçadores da
consciência étnica e para lidar explicitamente com questões étnicas e a opressão racial
institucionalizada podem ser um fator importante na dissonância racial (Spencer, 1987). Os
pais são a fonte primeira para a criança ter sentido de si, e pais negros dão a seus filhos
atitudes fundamentais sobre si mesmos como negros.
No entanto, a partir de seu status de minoria, as crianças negras, inevitavelmente, são
socializadas em um contexto de uma maioria branca, portanto, mostram uma preferência para
a cultura branca. Mesmo que não seja uma maioria numérica no grupo/comunidade
específica, trata-se de uma dominação com raízes culturais. Além disso, desde tenra idade,
elas são confrontadas com as desvantagens econômicas e políticas, incluindo os riscos de
saúde, pobreza e desemprego (Spencer, 1987).
Os encargos do atraso "cultural" reforçam uma tendência para elevar a própria condição
da pessoa, criticando certas qualidades das massas ao invés de promover um reforço da
identidade étnica por si mesmo. Um ego saudável compensa ineficácias ambientais. As
crianças se adaptam, indicando a sua resistência em face dos obstáculos sistêmicos refletindo
os esforços de adaptação de um organismo para a sobrevivência. Imagens negativas, a relação
marginal das minorias no processo de produção, uma privação de necessidades básicas
econômicas deixam as crianças negras vulneráveis e em risco.
Vale ressaltar que a objetivação do fato de superioridade de determinados grupos
depende do reconhecimento que lhe concedem os membros deste grupo assim como nas
propriedades econômicas ou culturais que eles têm em comum (Bourdieu, 1989). Neste
49
sentido, a consciência da raça é um aspecto importante da consciência de grupo. Ele é
definido como a tendência sentimental a uma identificação ideológica com o grupo racial,
levando à lealdade, devoção e orgulho, e reforça o auto-respeito, exalta a própria concepção
de si (Spencer, 1987).
Tendo em conta estes riscos, consciência da raça fornece uma base para as estratégias
de enfrentamento necessárias para as crianças negras (Brown, 1995, citado por Phinney e
Rotheram, 1987). Este orgulho contribui para o autoconceito e o autocontrole e pode levar a
um enfrentamento que tem conseqüências positivas ao invés de mal adaptativas, e mais
estudos são necessários sobre como os pais, escolas e comunidades podem preparar as
crianças negras tanto para lidar com os riscos associados com a condição de minoria quanto
para ter orgulho de sua etnia. No mais, a cultura da maioria tem de reconhecer os problemas
específicos decorrentes das condições de opressão ligadas ao estatuto das minorias e tomar
medidas para alterar as condições prejudiciais ao desenvolvimento das crianças negras.
Portanto, a constituição da identidade pode ser um fator de relevante significância na
construção social e psicológica dos indivíduos desde a infância, reforçando aspectos positivos
e/ou negativos na história de vida. Sendo assim, as crianças negras estão em risco devido a
fatores estruturais na sociedade que impõem limites à sua oportunidade para um melhor
desenvolvimento (Spencer, 1987). Como exemplos, há evidencias que crianças negras sofrem
uma maior probabilidade de serem separadas de seus pais, passam mais tempo em lares
adotivos e sofrem maior probabilidade de permanecer em lares adotivos.
Neste sentido, trataremos, no próximo capítulo, de aspectos sociais e psicológicos
interferidos pelo preconceito e que se relacionam com o processo de construção das
identidades, que são o autoconceito e o autocontrole, estudados numa visão da Psicologia
Positiva e da Resiliência, a fim de serem tratados de uma forma multidimensional, conforme
será visto.
50
CAPÍTULO 3: AUTOCONCEITO E AUTOCONTROLE -
EXPLICAÇÕES NA PSICOLOGIA POSITIVA E NA RESILIÊNCIA
_____________________________________________
―Determinação, coragem e autoconfiança
são fatores decisivos para o sucesso‖.
Dalai Lama
Nos últimos anos, diversos pesquisadores têm dedicado seus estudos às qualidades e
promoção do funcionamento positivo. Assim, a psicologia que tem uma história bem
sedimentada nos estudos das doenças mentais, passa a explorar melhor as qualidades das
pessoas, ainda que não se possa renegar a busca da melhoria de vida das pessoas desde a II
Guerra Mundial (Snyder & Lopez, 2009).
Porém, o que se questiona com esta nova realidade de pesquisas no campo da
Psicologia é que além de curar ou tratar doenças mentais, o cultivo de talentos superiores deve
ser enfatizado, ou seja, o novo ramo da Psicologia que vislumbra essa questão de enfatizar
valores, virtudes e o funcionamento positivo do ser humano, denominada Psicologia Positiva,
quer, na verdade, promover a competência dos indivíduos e focar a ciência nas qualidades e
na resiliência.
Um exemplo é enxergar as crianças como agentes capazes de tomar decisões, com
opções, preferências, ainda que, em situações negativas, desesperançosas e/ou desamparadas,
tomando, pois, a criança como um agente ativo nos seus processos de socialização, ainda que
seja vítima de exclusão, discriminação ou violência psicossocial.
51
3.1. Entendendo a Psicologia Positiva e a Resiliência
A Psicologia Positiva, portanto, busca o estudo das emoções positivas, do caráter
positivo e das instituições positivas (Seligman & Csikszentmihalyi, 2000), aspectos até então
pouco referenciados na literatura, e tem Martin E. Seligman como precursor desta abordagem.
Sabendo, pois, através deste novo campo de pesquisas e estudos, que o mundo com suas
diversas transformações sociais, políticas e econômicas, têm trazido à tona diversas questões
que se tornam problemáticas, pois, estas ocorrem de forma muito rápida e dinâmica, atingindo
aspectos de diversas naturezas que influenciam diretamente à vida e o desenvolvimento social
e psicológico dos indivíduos envolvidos, sejam ele idosos, jovens ou crianças, verifica-se que
o ser humano em situação de risco pessoal e social pode não se desenvolver de acordo com o
esperado pela idade e cultura (Bandeira, Koller, Hutz & Foster, 1996).
Toma-se por base a idéia de que o desenvolvimento é um conjunto de processos que
interagem com as particularidades das pessoas produzindo estabilidade e mudança nas suas
características (Bronfebrenner & Morris, 1998). Assim as situações adversas ameaçam a vida
psicológica, principalmente de crianças, uma vez que o stress e o risco podem levá-las a
problemas emocionais ou de conduta e são preditores de competência na adolescência ou fase
adulta. Além de que não se pode deixar de averiguar que apesar destes riscos e situações
adversas, as crianças respondem de maneira diferente, pois os processos de adaptação e
superação diferenciam-se entre elas, principalmente devido à competência social (Cecconelo
& Koller, 2000).
E, dentre os fenômenos indicativos de vida saudável, destaca-se a resiliência, num
processo de adaptação ao longo do desenvolvimento, tendo como principais traços: a
sociabilidade, criatividade na resolução de problemas e um senso de autonomia e de proposta
(Martineau, 1999), ou seja, processos de autocontrole e autoconceito.
52
A resiliência começou, pois, a ser estudada numa questão de demonstrar como eventos
de vida negativos produziam atrasos no desenvolvimento e desordens psiquiátricas. Mais
tarde, o enfoque mudou para a conceitualização dos vários tipos de eventos de vida e como as
perdas pessoais e as ameaças ambientais levavam a problemas psiquiátricos (Rutter, 1996).
Neste caminho, os termos invencibilidade ou invulnerabilidade são os precursores do
termo resiliência, porém, Rutter (1985) considera que invulnerabilidade passa somente a idéia
de uma característica intrínseca do indivíduo, e a resiliência ou resistência ao estresse é
relativa, suas bases são tanto constitucionais como ambientais, e que o grau de resistência não
tem uma quantidade fixa, e sim, varia de acordo com as circunstâncias.
A resiliência é um processo desenvolvimental dinâmico que evidencia a adaptação
positiva apesar de significativas condições de vida adversas (Cicchetti, 2003). Refere-se a
padrões de adaptação positiva no contexto de adversidade ou risco, tendo um julgamento de
que os indivíduos estão respondendo de forma positiva através de um conjunto de
comportamentos, e que circunstancias representam uma ameaça aos bons resultados (Masten
& Reed, 2002). Ser resiliente significa, portanto, ajustar-se às diferentes condições de
exploração, abuso e dominação (Poletto & Koller, 2006), destacando-se a autoestima, o
autoconceito, a autoeficácia e o autocontrole como respostas positivas a estas condições.
Werner (1993) notou que o componente-chave dessas pessoas é o sentimento de
confiança que o indivíduo apresenta de que os obstáculos podem ser superados (Rutter, 1999).
Para Trombeta e Guzzo (2002), trata-se de em equilíbrio entre os eventos estressantes, as
ameaças, os perigos, o sofrimento e as condições adversas que levam à vulnerabilidade, e, as
forças, as competências, o sucesso e a capacidade de reação e enfrentamento, que fazem parte
do indivíduo resiliente.
Vale ressaltar que os investigadores estabelecem patamares de normalidade para
entender como os indivíduos mantém ou recuperam níveis de normalidade de funcionamento,
53
e que se deve levar em conta o contexto dos valores predominantes na cultura e as
expectativas que a comunidade tem em relação ao indivíduo (Snyder & Lopez, 2009).
Neste sentido, apesar de, inicialmente, se estudar os riscos individuais, percebeu-se que
as crianças são vitimas de múltiplas adversidades que acontecem ao longo do tempo (Masten,
2003). Cyrulnik (2008), então, mostra que a o estudo dos processos de adaptação deve
acontecer a partir de três dimensões: da análise de aquisição de recursos internos que se
impregnam no temperamento, desde os primeiros anos, no transcurso das interações precoces
pré-verbais, explicando a forma de reagir diante das agressões da existência, já que colocam
em funcionamento uma série de guias de desenvolvimento mais ou menos sólidas; da
estrutura da agressão esclarecendo os danos provocados pelo primeiro golpe, aferida ou a
carência, e a significação que esse golpe tenha adquirido mais tarde na história pessoal da
pessoa ferida e no seu contexto familiar; por último, da possibilidade de regressar aos lugares
onde se encontram os afetos, as atividades e as palavras que a sociedade dispõe em ocasiões
no entorno da pessoa ferida, deparando-se com os pilares da resiliência que permitirão
prosseguir um desenvolvimento alterado pela ferida.
Assim, ao salientar as crianças como objeto de análise, verifica-se que estas em situação
de risco pessoal e social podem não se desenvolver de acordo com o esperado pela idade e
cultura (Bandeira, Koller, Hutz & Foster, 1996). Os maus tratos sejam físicos, psicológicos ou
negligência, negando o direito que as crianças e adolescentes tem de serem tratados como
sujeitos de direitos e com condição peculiar de desenvolvimento, podem ser considerados
como uma experiência negativa de vida ou um evento estressor traumático, pois provocam
tensão, interferem nos padrões normais de resposta e relacionam-se a eventuais problemas
psicológicos.
Nesse sentido, muitas crianças crescem e se desenvolvem em contextos e situações que
constituem situações de stress e risco no seu cotidiano, e podem apresentar distúrbios
54
emocionais e problemas de conduta, mas nem todas as crianças que vivenciam as mesmas
situações de risco apresentam problemas. Algumas delas conseguem adaptar-se e superar
essas situações (Cecconello, 1999). Estudos têm demonstrado que os esforços, bem como as
tentativas de regular as emoções negativas associadas às circunstâncias estressantes, são
importantes para reduzir os efeitos negativos destes eventos, incluindo problemas emocionais
e de comportamento (Seiffge-Krenke, 2000).
No caso das crianças, a boa adaptação depende das expectativas sociais, educacionais e
ocupacionais e do bem-estar psicológico. O que se percebe na verdade é que as crianças que
tem maior facilidade para entender as normas sociais e interação com pares e adultos (a
amizade, a empatia no relacionamento), além de regular melhor suas emoções, são mais
competentes socialmente (Kliewer, 1991; Newcomb & Bagwell, 1996; Garmezy, 1996),
sendo que os fatores de proteção diferenciam-se a depender da idade, pois, alguns tipos de
eventos ou relacionamentos são mais importantes em determinada faixa etária, como por
exemplo, os relacionamentos pró-sociais (Masten, 2009). Podemos perceber esta questão
através do quadro abaixo:
Fatores de proteção para a resiliência psicológica em crianças e jovens
Na criança
Boas capacidades cognitivas, incluindo a solução de problemas e habilidades de
atenção
Temperamento fácil na infância; personalidade adaptável em momento posterior
do desenvolvimento
Autopercepções positivas; autoeficácia.
Fé e uma idéia de sentido na vida.
Perspectiva positiva na vida.
Boa autorregulação da excitação emocional e dos impulsos.
Talentos valorizados por si mesmo e pela sociedade.
Bom senso de humor.
Apelo ou criatividade geral para os outros.
Na família
Relações próximas com adultos que oferecem cuidado.
55
Pais competentes.
Clima familiar positivo, com pouca discordância entre os pais.
Em casa, ambiente organizado.
Pais com ensino superior.
Pais com qualidades listadas como fatores de proteção em relação à criança.
Pais envolvidos na educação da criança.
Vantagens socioeconômicas.
Na família ou em outros relacionamentos
Relações próximas com adultos competentes, pró-sociais e que dêem apoio.
Conexões com colegas e amigos pró-sociais e respeitadores das regras.
Na comunidade
Escolas eficazes.
Laços com organizações pró-sociais, incluindo escolas, creches, clubes, etc.
Bairros com alta “eficácia coletiva”.
Altos níveis de segurança pública.
Bons serviços sociais de emergência.
Boa disponibilidade de serviços de saúde e saúde pública.
Portanto, as visões sobre o bem-viver são construídas pessoalmente vinculando
demandas naturais a outras culturais, ao longo da vida, definindo quais as motivações e
comportamentos são mais desejáveis ou indesejáveis a depender de seu objetivo de vida
(Snyder & Lopez, 2009). A história, a passagem do tempo, a cultura, as situações e os
ambientes, e as potencialidades humanas são determinadas reciprocamente, assim sendo, a
resiliência é estudada identificando os recursos pessoais e ambientais que ajudam a superar os
muitos desafios da vida.
Assim, é importante ressaltar que as análises da resiliência devem estar vinculadas a
valores sociais dos indivíduos, grupos e instituições, onde a cultura é influenciadora do
desenvolvimento e manifestação das qualidades e bem-viver humanos, aplicando-se ao fato
de as pessoas procurarem ajudas ou não, tipo de ajudas, estilos de enfrentamento e apoios
sociais e a quanto estigma atribuem às situações (Satcher, 2001).
56
Frazier (citado por Spencer, 1987), neste caminho, observa que todos os
componentes do ecossistema devem ser vistos como importantes para o processo pelo qual as
crianças negras aprendem a conhecer-se em relação às oportunidades e limitações do seu
mundo social, sendo que a raça e cor, em particular, continuam a ser questões inevitáveis na
formação da identidade.
Johnson (citado por Spencer, 1987) sugere que a suposição de homogeneidade
cultural retarda o progresso de aspirantes a juventude negra, pois a dominação de um grupo
faz com que aqueles que não se “encaixam” dentro dos padrões estabelecidos sejam
marginalizados, ou precisem buscar uma forma de se adequar a estes padrões, criando formas
“únicas” ou padrões culturais.
Portanto, estes tidos atraso "cultural" reforça uma tendência para elevar a própria
condição da pessoa, criticando certas qualidades das massas ao invés de promover um reforço
da identidade étnica por si mesmo. Imagens negativas, a relação marginal das minorias no
processo de produção, uma privação de necessidades básicas econômicas deixam as crianças
negras vulneráveis e em risco.
Estudos epidemiológicos têm demonstrado uma maior incidência na ocorrência de
diferentes perturbações emocionais na infância e adolescência, como as depressivas, que
condicionam as crianças e os adolescentes no seu desempenho individual, familiar, escolar e
social. Estas perturbações podem, muitas vezes, estar relacionadas com o uso de estratégias de
enfrentamento ineficazes ou inadequadas perante situações de estresse, tendo, por sua vez,
impacto no ajustamento psicossocial das crianças e dos adolescentes (Maag & Irvin, 2005).
Diante disso, evidencia-se a necessidade de trabalhar mais claramente essa temática da
dominação social nestes contextos, através de atividades que permitam a reflexão sobre as
diferenças, preconceitos e tolerância. Contudo, a necessidade de modificar a teoria do stress e
enfrentamento, no sentido de ajustar às crianças, tornou-se imperativa por várias razões: os
57
fatores de stress presentes nas crianças não são os mesmos que os observados em adultos; há
uma grande quantidade de fatores de stress nas crianças que está mais fora do seu controle em
comparação com os adultos e, como tal, são mais dificilmente modificáveis pelas próprias; o
desenvolvimento e funcionamento cognitivo das crianças e dos adultos é bastante distinto
(Ryan-Wenger, 1992).
A maior parte das pesquisas realizadas com crianças refere- se ao desenvolvimento
perceptomotor em filhos de mães hipertensas (Leite de Moraes & Moron, 1999); a empatia e
competência social em crianças em situação de pobreza (Cecconello & Koller, 2000; Koller,
2000); caracterização sócio-emocional e fatores protetores em crianças (Ribeiro do Vale,
2001); as estratégias de enfrentamento em crianças vítimas e não vítimas da violência
doméstica (Lisboa et al., 2002); a intervenção psicoterápica com grupos de crianças vítimas
da violência doméstica e escolar (Sauaia, 2003; Neiva-Silva, 2008); a intervenção lúdica com
crianças favorecendo a inclusão (Consoni, 2000); o luto em crianças vítimas de abandono
(Casellato, 2004); dificuldades de aprendizagem na escrita (Bazi, 2003); subsídios para
intervenção com crianças de rua que usam drogas (Brito, 1999); o relacionamento de apego
em crianças institucionalizadas (Alexandre & Vieira, 2004) e a resiliência em crianças
submetidas a maus tratos (Junqueira & Deslandes, 2003). Incluem-se ainda a vulnerabilidade
e resiliência de crianças que trabalham e vivem na rua (Koller, 1999) e o uso de drogas por
esta população (Brito, 1999), e a resiliência em moradores de rua incluindo crianças e adultos
(Alvarez et al. ,1998).
Vale ressaltar que aspectos como a atenção ao contexto sociocultural – incluindo
aspectos de gênero, raça e nível socioeconômico -, e a sensibilidade à diversidade e à
pluralidade, fazem parte de uma leitura ecológica do desenvolvimento (Narvaz & Koller,
2004). Desta forma, grupos de diferentes culturas ou subculturas apresentam diferenças (sem
caráter valorativo) na performance cognitiva, no curso de seu crescimento, em um período
58
particular da história (Bronfenbrenner, 1998). As pessoas são competentes a partir do seu
status no seu ambiente, a capacidade de relacionar-se, executar tarefas, e a capacidade de
funcionar efetivamente em grupos específicos de tarefas e atividades relativas a um
determinado ambiente (Copetti & Krebs, 2004).
3.2. Resiliência em Negros
Neste sentido, estudos que avaliem a questão da resiliência em negros ainda são
incipientes, e ao se analisar a resiliência como interferida por questões culturais, pode-se
pensar na mediação que a visão que antropólogos e psicólogos tem de raça e cultura como
determinantes das características e comportamentos pessoais, a partir de uma compreensão de
raça e cultura dominante. Essa perspectiva genética destacara, por muito tempo, a
inferioridade de determinados grupos raciais ou culturas, ao passo, que nos dias atuais, a
perspectiva geneticamente diferente reconhece o potencial de cada cultura para engendrar
qualidades únicas (Sue & Sue, 2003), porém, ainda embasa comportamentos e atitudes de
pessoas ou grupos humanos, conforme visto em capítulo anterior.
Segundo Nadal (2007), exercer a resiliência, para o afrodescendente, é tarefa que
demanda persistência, reafirmação, paciência e bom humor, já que o processo é lento no que
concerne à percepção e aceitação das capacidades dos negros. Ao realizar uma pesquisa em
2007, Nadal constatou que os valores morais, os vínculos afetivos estabelecidos com alguns
familiares e outras pessoas de referência, bem como a aprendizagem através do exemplo,
foram as características que mais se destacaram no que tange ao desenvolvimento pessoal e da
resiliência dos sujeitos negros, fornecendo-lhes a base da sua auto-estima, do seu autoconceito
positivo, da sua autoconfiança e do seu querer-ser.
59
Ximenes e cols. (2009), no artigo intitulado Violência e transtorno de estresse pós-
traumático na infância, analisam crianças do Rio de Janeiro, e perceberam que ser uma
criança de cor de pele negra aumenta em 4,79 vezes as chances de apresentação de sintomas
de TEPT, comparadas às crianças brancas. O resultado relacionado à cor da pele mostra a
maior probabilidade de crianças negras desenvolverem o problema quando comparadas às
brancas. Esse resultado pode ser explicado pela presença da discriminação que provavelmente
essas crianças são submetidas.
3.3. Autoconceito e Autocontrole
É notório perceber, então, que analisar a resiliência é muito complexo, uma vez que
diversos fatores interferem no processo de desenvolvimento da criança. Grünspun (2003)
acredita que a criança resiliente possui algumas características específicas: 1) competência
social – é uma criança flexível, sensível e atenciosa, que possui habilidade para demonstrar
suas emoções, que se comunica bem e, em dificuldades, é capaz de usar o bom humor; 2)
competência para resolver problemas – é capaz de pensar de forma crítica e elaborar
alternativas, buscando soluções para suas necessidades; quando não consegue encontrar uma
solução, busca ajuda; 3) autonomia – a criança resiliente tem um forte senso de identidade e
auto-estima positiva, mostra independência e autocontrole; 4) tem propósitos com confiança
no futuro, isto é, propõe-se metas realistas, tem aspirações educacionais elevadas, é
persistente, esforçada, otimista, vê o futuro com oportunidades e sucesso; e 5) tem fatores
protetores contra os de risco, ou seja, essa criança tem competência social, temperamento
fácil, inteligência, autonomia, auto-estima, autocontrole e auto-eficácia.
Assim, faz-se notar que para a pesquisa a ser apresentada destacará dois aspectos que
são de extrema relevância na formação da resiliência: o autoconceito e o autocontrole, que são
60
apresentados abarcando as seguintes questões: Boas capacidades cognitivas, incluindo a
solução de problemas e habilidades de atenção; Temperamento fácil na infância;
personalidade adaptável em momento posterior do desenvolvimento; Autopercepções
positivas; autoeficácia; Perspectiva positiva na vida; Boa autorregulação da excitação
emocional e dos impulsos; Pais competentes; Clima familiar positivo, com pouca
discordância entre os pais; Pais com qualidades listadas como fatores de proteção em relação
à criança; Relações próximas com adultos competentes, pró-sociais e que dêem apoio;
Conexões com colegas e amigos pró-sociais e respeitadores das regras; Escolas eficazes.
Esses aspectos, se avaliados a partir da interação do indivíduo com o ambiente, devem
também ser entendidos a partir dos fatores de risco e proteção, sendo que os fatores de risco
correspondem a todos os eventos negativos ocorridos na vida do indivíduo que ocasionam
problemas físicos, psicológicos e sociais; enquanto os fatores de proteção são as influencias
que modificam, melhoram ou alteram respostas individuais a determinados riscos de
desadaptação (Poletto & Koller, 2006).
Segundo Garmezy & Masten (1994) existem três fatores de proteção em indivíduos, que
são as características individuais, como auto-estima, inteligência, capacidade para resolver
problemas e competência social; o apoio afetivo transmitido pelas pessoas da família, através
de um vínculo positivo com os cuidadores; e o apoio social externo, provido por outras
pessoas significativas, como escola, igreja e grupos de ajuda, ou seja, a questão do
autoconceito e do autocontrole, se compreendida numa perspectiva ecológica, ultrapassa a
questão individual e é constituída também pelos vínculos afetivos e sociais.
O Autoconceito, portanto, é um produto da interação entre a pessoa e seu meio
ambiente, durante seu processo de construção social, acompanhada de uma avaliação de suas
capacidades, realizações, experiências e representações, que começa a ser construído na
infância e que sofre o impacto das opiniões dos outros, ressaltando ainda que os indicadores,
61
assim como as informações que dão retorno positivo ou negativo, serão diferentes a depender
do contexto social (família, escola ou meio social) (Sisto & Martinelli, 2004).
Outro ponto que deve ser salientado é que se deve entender a diferença entre o
autoconceito e a identidade. O autoconceito pode ser entendido como a somatória das
imagens e sentimentos que um sujeito tem acerca de si mesmo. É a percepção que o sujeito
tem de si próprio. Já a identidade é formada no contexto das práticas sociais e classifica o
sujeito em termos de circunstâncias sociais determinadas. A identidade é, assim, um
constructo cultural situacional, contextual e relacional. É por isso que se pode dizer que um
indivíduo tem um autoconceito e diversas identidades.
Assim sendo, o autoconceito é composto por um componente cognitivo que diz respeito
ao conjunto de características com o que a pessoa se descreve e que orienta seu modo habitual
de ser e se comportar; um aspecto afetivo que diz respeito aos afetos e emoções que
acompanham a descrição de si mesmo; e o aspecto comportamental que passa a ser
influenciado diretamente pelo conceito que a pessoa tem de si mesma (Sisto & Martinelli,
2004).
Neste sentido, o autoconceito divide-se em dimensões que se aplicam aos componentes
afetivo, cognitivo e comportamental, abarcando a complexidade do desenvolvimento humano
em seus diversos aspectos (individuais e sociais) que se inter-relacionam. Para tanto,
trabalhar-se-á com o autoconceito social, familiar, escolar e pessoal.
O autoconceito social é, então, definido pela percepção de aceitação social, sobre sua
competência ou habilidades sociais (Blascovich & Tomaka, 1991). O autoconceito familiar é
construído na relação com os membros de uma família, onde ocorre o estabelecimento de
vínculos, que podem ser harmoniosos, afetivos e solidários ou carregados de raiva e
ressentimentos, e segundo Allport (1962), é na interação com os pais que a criança percebe o
que se espera dela, influenciando o autoconceito positivo e saudável e a existência de padrões
62
que combinam limites claros e estritos com disciplina firme mas sem negligenciar o calor e
afeto (Sisto & Martinelli, 2004).
O autoconceito escolar é sedimentado na troca de experiências com os professores e as
outras crianças, modificando-a e construindo referenciais de análise do que se é capaz de
realizar. E o autoconceito pessoal é impactado principalmente pela aparência física que tem
sido destacada como elemento indiscutível para a maior aceitação dos indivíduos pelo meio
social, contribuindo para que sejam mais populares, tenham um tratamento preferencial,
sejam mais aceitos pelo grupo, entre outras vantagens percebidas (Sisto & Martinelli, 2004).
Quanto ao autocontrole, este pode ser definido como uma forma de controlar o próprio
comportamento, geralmente em situações conflituosas, de acordo com padrões definidos pela
sociedade (Martinelli & Sisto, 2006), com três características básicas: ter uma forma
específica de aquisição, um desenvolvimento claro, e ser composto por uma seqüência
definida de sub-comportamentos (Sisto & Rueda, 2008).
Em relação ao desenvolvimento, segundo Shibutani (1961), o autocontrole se
manifestaria quando a criança começa a ter a perspectiva do outro, sendo que o
comportamento que se mostra controlado seria apenas uma adaptação às exigências das
pessoas que convivem com a criança, passando por dois momentos, que seriam a motivação
do controle de seu comportamento como uma forma de agradar às pessoas significativas em
sua vida, seja para obter a sua aprovação, seja para evitar sua desaprovação; e a tentativa de se
auto-agradar e preservar a sua auto-imagem, sendo necessária, que, na ausência de uma
resposta externa, a criança adquira a capacidade de ter prazer ou desprazer consigo mesma.
Neste sentido, o meio familiar e social é responsável por colocar limites como um modo
de ajudar a criança a modificar o seu comportamento, porém, deve ser sempre sem prejudicar
a sua auto-estima. Por exemplo, a compreensão e a firmeza dos pais, na contenção de
condutas inadequadas, junto com o aumento da maturidade e da capacidade de autocontrole
63
da criança, resultam em uma gradual substituição das ações impulsivas e inaceitáveis por
condutas adequadas (Zagury, 2003).
Patterson e cols. (1992), ainda demonstram que as práticas educativas ineficientes dos
pais são vistas como determinantes do problema de comportamento na criança, e na idade
escolar, essa a desobediência e falta de autocontrole pela criança obstruem diretamente o
aprendizado e junto à rejeição pelos colegas levam, por sua vez, ao aumento no risco de
depressão e ao envolvimento com grupos de “rejeitados”.
Desta forma, fica clara a importância de estudos que avaliem a questão da resiliência,
destacando o autoconceito e o autocontrole, no desenvolvimento humano, especialmente em
crianças, e ainda mais particularmente em crianças negras, já que as mesmas são alvos de
preconceito e, ainda assim, demonstram grande capacidade de superar as adversidades.
64
CAPÍTULO 4: MÉTODO
_____________________________________________
Buscando uma análise dentro de um modelo bioecológico, por tratar-se de uma análise
dos sistemas em que a criança está envolvida, particularmente um microssistema – interação
criança-criança e criança-adultos – envolvidos num macrossitema – crenças e valores que
incluem o racismo haverá uma busca de uma avaliação das relações pessoais e sociais,
intragrupais e intergrupais.
O desenvolvimento, numa perspectiva bioecológica, é um conjunto de processos que
interagem com as particularidades das pessoas produzindo estabilidade e mudança nas suas
características (Bronfenbrenner, 1989), ou seja, consiste em um processo de interação entre a
pessoa e o contexto através do tempo, através de processos de interação recíproca
(Bronfebrenner & Morris, 1998).
Vale ressaltar que aspectos como a atenção ao contexto sociocultural – incluindo
aspectos de gênero, raça e nível socioeconômico -, e a sensibilidade à diversidade e à
pluralidade, fazem parte de uma leitura ecológica do desenvolvimento (Narvaz & Koller,
2004).
Desta forma, as pessoas são competentes a partir do seu status no seu ambiente, a
capacidade de relacionar-se, executar tarefas, e a capacidade de funcionar efetivamente em
grupos específicos de tarefas e atividades relativas a um determinado ambiente (Copetti &
Krebs, 2004).
65
4.1. Amostra
A pesquisa contou com uma amostra de 100 crianças sendo 47 meninos e 53 meninas,
com freqüência de idade entre 11 (80 crianças) e 12 anos (20 crianças), sendo categorizados
em duas raças, a partir da cor da pele: moreno (categoria 5) e moreno escura (categoria 6)1.
Essa categorização era feita através de juízes que avaliavam a criança e definiam a cor numa
escala que ia de 1 a 7, sendo que quanto mais se aproximava de 1, mais branca era a criança, e
quanto mais se aproximava do valor 7, mais negra era a criança. Assim, as crianças foram
abordadas em duas escolas do interior de Sergipe, onde estudam, sendo de diversas séries (da
3ª a 5ª), sendo a maioria da 5ª série (91 crianças).
As crianças advinham de um nível socioeconômico baixo, participantes de escola
pública integrada, com participação de brancos e negros. É bom salientar que mesmo sendo
de níveis socioeconômicos semelhantes, as duas escolas apresentavam uma sutil diferença na
composição entre brancos e negros, sendo que a escola que possuía um histórico mais
privilegiado dentro do contexto histórico da cidade era mais freqüentada por brancos que
negros.
4.2. Instrumentos
A pesquisa propõe analisar o autocontrole e o autoconceito num contexto de preconceito
racial, portanto serão utilizadas várias técnicas de coletas de dados:
1. Instrumento de investigação do preconceito e estratégias de enfrentamento: Entrevista
Estruturada e Questionário (ANEXO A) - entrevista e aplicação de questionário
com crianças colhendo dados sócio-demográficos das crianças, e principalmente, a
1 Algumas outras pesquisas utilizaram este tipo de classificação da cor da pele da amostra: Fernandes e Almeida,
2006;
66
questão da identidade com seu grupo étnico, além dos tipos de problemas
comumente enfrentados na escola com professores e com colegas e as estratégias
de enfrentamento utilizadas pelas mesmas para lidar com estes.
Investigação do racismo: as crianças serão convidadas a expor seus pensamentos
acerca da associação das categorias sociais beleza, riqueza, inteligência, bondade,
contato e proximidade frente aos dois alvos. As perguntas serão dirigidas às
crianças de forma padronizada e simples, utilizando as categorias beleza, riqueza,
inteligência, contato (brincar) e proximidade (adotar como irmão), uma por vez, e
pedindo as crianças que escolham qual dos dois alvos se enquadraria melhor nos
atributos determinados (ex.: Mostre as palavras que mais combinam com essa
criança. Bonito ( ) ou Feio ( )? Essa palavra quer dizer uma coisa boa ou ruim?).
Estas categorias foram escolhidas devido a fácil compreensão das crianças no que
se refere à preferência social. A literatura mostra que essas categorias são as mais
utilizadas historicamente nos discursos dos indivíduos para avaliar as pessoas e os
grupos (França e Monteiro, 2004; Pettigrew e Meertens, 1995; Santos, 2002;
Guimarães, 2004).
2. Instrumentos de Avaliação de Fatores de Proteção da Resiliência – avaliação dos
fatores de proteção em indivíduos, que são as características individuais, como auto-estima,
inteligência, capacidade para resolver problemas e competência social:
2.1. Escalas EFAC & EMAC - Escala Feminina de Autocontrole e Escala
Masculina de Autocontrole - avalia a percepção que a criança e o adolescente têm de si
mesmos em relação às condutas sociais e aos sentimentos e às emoções. O teste é composto
por duas escalas: uma feminina (EFAC) e outra masculina (EMAC). A EFAC é constituída
por 30 afirmações, e a EMAC, por 31 afirmações, todas relacionadas a acontecimentos
cotidianos. A criança responde, dizendo com que freqüência isso ocorre em sua vida. A
67
correção é realizada pelo total de respostas dadas para cada uma das escalas e pela avaliação
quantitativa e qualitativa. Existem estudos de precisão, validade e Tabelas em percentis para o
público-alvo de acordo com sua idade.
2.2. EAC-IJ - Escala de Autoconceito Infanto-Juvenil -
avalia com precisão os diferentes níveis de autoconceito de crianças e jovens. Verifica a
interação entre a pessoa e o seu meio ambiente durante seu processo de construção social e
ciclo de vida, acompanhado de uma avaliação de suas capacidades, realizações, experiências e
representações em diferentes contextos sociais com os quais interage. A escala é composta
por 20 frases, divididas em autoconceito pessoal, autoconceito escolar, autoconceito familiar e
autoconceito social. A criança assinala a freqüência com que o determinado comportamento
acontece em sua vida. A correção é realizada pela avaliação quantitativa e qualitativa.
Existem estudos de precisão, validade e Tabelas em percentis para o público-alvo de acordo
com sua idade e sexo.
4.3 Procedimentos
Depois de contatados, as escolas e os pais dos entrevistados foram responsáveis por
determinar o local de entrevista e aplicação do questionário, que foi a própria escola da
criança, em local reservado, com a presença somente do entrevistador.
E, levando em consideração as necessidades específicas do local de coleta e à ética em
pesquisas com seres humanos, especialmente quanto a questões de confidencialidade e
voluntariedade, inicialmente, acontecerá a apresentação da pesquisa, seus objetivos e convite
à participação voluntária, onde os responsáveis foram instruídos quanto ao preenchimento dos
instrumentos e do Termo de Consentimento Livre/Esclarecido (Anexo B). Preenchido o
TCLE pelos responsáveis, os participantes puderam, assim, responder aos instrumentos.
68
Os entrevistados foram convidados a responderem as escalas de avaliação do
autocontrole e do autoconceito, e posteriormente, a entrevista individual para investigação do
racismo.
4.4. Análise dos Dados
Os dados apresentados pelas escalas foram analisados no programa estatístico SPSS
15.0 através de uma correlação de variáveis e regressão simples, junto com os dados coletados
pela entrevista.
69
CAPÍTULO 5: RESULTADOS
_____________________________________________
A presente pesquisa buscou analisar os níveis de autoconceito e autocontrole das
crianças negras, a partir de um entendimento da sua identidade social, ressaltando o contexto
em que esta está inserida, destacando a participação em um ambiente preconceituoso e/ou
discriminatório devido à cor da pele.
Assim, no primeiro momento aconteceram as análises dos questionários, numa tentativa
de verificar os aspectos identitários que foram ressaltados pelas respostas dadas pelas
crianças. Para tanto, lançou-se mão de uma análise das freqüências que serão descritas a
seguir.
Num segundo momento, é analisado como se configura o preconceito em meio às
crianças, através da verificação dos estereótipos que as circundam e são internalizados. E,
posteriormente, é verificado como esta realidade social de preconceito e/ou discriminação
afeta diretamente a construção dos fatores de proteção de resiliência das crianças, que, neste
caso, são o autocontrole e o autoconceito.
Por fim, são feitas algumas regressões a fim de ratificar as relações possíveis entre as
diversas variáveis dos instrumentos, numa tentativa de explicar a acuidade e implicação das
variáveis na construção das possíveis inter-relações entre os conceitos estudados.
1. Identidade
1.1. Autodeclaração
Para a pesquisa foi utilizada, então, uma amostra de 100 crianças, que foram
70
classificadas segundo sua cor por juízes, conforme descrito na amostra. E, além da
classificação feita pelos juízes, as crianças foram também convidadas a se autoclassificarem.
E, dentre as diversas cores da pele auto-atribuídas pelas crianças destacam-se a Branca,
com 31 sinalizações, e a Morena, com 49 sinalizações. Apesar de outras cores de pele
surgirem, estas duas autodeclarações foram responsáveis por 80% das escolhas das crianças,
conforme Tabela 1.
Tabela 1: Freqüências da cor de pele autodeclarada
Cor da pele Freqüência
Branca 31
Café com leite 2
Cor de pele 1
Creme 1
Misturada 1
Morena 49
Moreno claro 8
Moreno
marrom 1
Negra 1
Parda 4
Preta 1
Estes resultados que mostram uma autodeclaração de cor diferente da esperada pelos
juízes. Esta compreensão pode ser pensada em termos de uma realidade histórica de formação
ideológica racial no Brasil, onde o conceito de democracia racial e o “branqueamento”
passam a significar a capacidade de absorver e integrar mestiços e negros, onde estes tinham
que renegar a sua ancestralidade africana ou indígena, passando a ser observado como
responsável pela criminalidade, com aspectos mentais, somáticos ou psicológicos inferiores. E
71
esta formação ideológica ainda traz até os dias atuais essa imagem de que cor, status e classe
estão intimamente ligados (Guimarães, 1999).
Essa gama de cores apresentadas pelas crianças é vista comumente por diversas
pesquisas e até mesmo pelas pesquisas censitárias nacionais (IBGE), com as categorias
branco, pardo, preto e amarelo; o sistema branco, negro e índio, referente ao mito fundador da
civilização brasileira; o sistema de classificação popular de 135 cores, segundo dados da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) realizada pelo IBGE em 1976; o
sistema bipolar branco e não branco, utilizado por grande número de pesquisadores de
ciências humanas; e o sistema de classificação bipolar branco e negro, proposto pelo
Movimento Negro (D’Adesky, 2001), o que demonstra que a compreensão de uma nação
multiétnica perpassa a realidade social, refletindo até mesmo nas crianças.
Esta variedade de termos que definam a cor dos brasileiros tem sido explicada como
evidência do caráter único do sistema de classificação racial brasileiro (Telles, 2003), ou
indicaria a inadequação do procedimento usado pelo IBGE nos censos demográficos e nas
PNADs, quando propõe as cinco categorias de cor/raça (Rocha e Rosemberg, 2007).
Mas, o que se sabe de verdade é que o vocabulário racial para definir a “cor da pele”
penetrou o Brasil Colônia e se mantém até os dias atuais, sendo as mesmas escolhas de cor
incluídas nas investigações populacionais, com pequenas variações, desde o primeiro censo
demográfico de 1872 (Rocha e Rosemberg, 2007).
E desta forma, a escolha da cor traz à tona uma série de sentimentos que perpassam o
entendimento da pessoa avaliada, sendo estes positivos, negativos ou neutros. Fazzi (2000,
apud Rocha & Rosemberg, 2007), em pesquisa realizada com crianças de 6 a 14 anos em Belo
Horizonte também ressalta que a negatividade associada à categoria preto-negro quanto à
valorização da categoria morena, mostra que no discurso racial das crianças estas duas
categorias são diferenciadas.
72
Desta forma, destaca-se o grande número de autodeclarações de cor como morenas
(58%) e brancas (31%), demonstrando essa associação negativa à categoria preto ou negro,
buscando assim uma aproximação com o que é mais valorizado socialmente. Esta realidade
faz com que haja, pois, uma busca por uma(s) identidade(s) mais valorizadas, assim como nos
apresentava Tajfel (1981) ao afirmar que se o indivíduo ou o grupo não é discriminado
socialmente, este poderá buscar a estratégia de se aproximar do grupo mais aceito, adquirindo
características deste grupo.
Ser socialmente definido como moreno representa uma vantagem, em relação aos que
são socialmente definidos como preto-negro, pois a resguarda do preconceito racial entre
crianças, e não a expõe num ritual de inferiorização com prováveis conseqüências para seu
desenvolvimento psíquico, emocional, cognitivo e social (Rocha e Rosemberg, 2007).
1.2. Sentimentos
Deste modo, conforme Tabela 2, podem ser observadas diversas respostas para o
sentimento em ser da sua cor autodeclarada. E para um melhor entendimento, as respostas
puderam ser agrupadas em seis categorias: Beleza, Gosto, Condição divina ou natural,
Família, Discriminação, e Melhor que branca. Na categoria beleza incluem-se os discursos
das crianças que afirmavam gostar da sua cor de pele pela beleza desta. A categoria gosto
sinaliza as respostas evasivas onde as crianças apenas afirmavam que gostavam sem muito
discurso. Já a categoria Condição Divina ou Natural representa as respostas que revelam um
gostar da sua cor de pele por ser algo natural ou dada por Deus.
A categoria família é fomentada pela identificação da sua cor com a da sua família. Na
questão da discriminação, as repostas são dadas por um cunho negativo de juízo de valor. E a
última categoria mostra uma comparação e valoração do seu grupo em relação ao grupo dos
73
brancos.
Assim, pode-se observar que as categorias que tiveram maior representatividade foram
as da Condição Divina ou Natural e a da Beleza (29,4% e 25,9% respectivamente). Neste
ponto, vale lembrar que os contatos são mantidos através de meios de controle social,
materializando o estigma social, eximindo os dominantes de qualquer responsabilidade, e
fazendo com que “forças que criaram o mundo” sejam as responsáveis pelas marcas que
inferiorizam os dominados (Elias, 2000).
A de menor sinalização foi a da Família (3%), ou seja, as crianças assumem que
nasceram com essa cor, não tem como mudá-la e sentem-se bem com ela, pelo menos no
discurso sobre elas, uma vez que boa parte das crianças se autocategorizam como brancas ou
morenas. Assim, a cor não é vista como algo que traz malefício para elas, mas para as
crianças tidas como negras, conforme poderá se perceber nas descrições de resultados a
seguir.
Tabela 2: Freqüências das categorias das justificativas acerca do sentimento em relação
a sua cor de pele (Você gosta de ser assim? Por quê?)
Categoria Descrição Freqüência Percentual
Beleza A cor bonita
A cor mais bonita do mundo
Acho bonita minha cor
Mais bonita
14 25,9%
Gosto Gosto da cor
Gosto da minha cor
É bom
13 24%
Condição Divina ou Natural A gente nasce como Deus quer
Deus fez, ninguém muda
Deus me criou assim
A cor que eu nasci
16 29,4%
Família A família gosta de mim
Considero minha mãe 2 3,7%
Discriminação Moreno tem discriminação
Colocam apelido 5 9,6%
74
Melhor que branca Galega não pode tomar sol
Não gosto de ser muito branco 4 7,4%
É interessante notar também como as crianças percebem os diversos discursos dos seus
pares e adultos sobre a cor de sua pele. Na Tabela 3, portanto, são apresentadas as respostas
dadas aos sentimentos das crianças ao ser classificada pela cor da autodeclaração, destacando-
se como as crianças se sentem ao ouvir a cor da sua pele.
Os sentimentos mais presentes foram o que demonstram neutralidade ou boas
sensações, tais como sentir nada (16%) ou sentir-se bem (21%). Vale ressaltar que o resultado
relaciona-se com o fato da criança estar em um grupo que não as identificam como negras.
Tabela 3: Freqüências e Percentuais dos sentimentos em relação aos discursos de outros
acerca da cor de sua pele
Categoria Como você se sente quando te chamam dessa
cor? Frequência
Percentual
(%)
Positivos
Orgulhosa 4
53%
Ótima 5
Acho bonita 2
Alegre 5
Bem 21
Chique 4
Elogio 1
Gosto 7
Importante 2
Muita gente diz que sou branco 2
Neutros
Nada 16
30% Não falam de minha cor 5
Não tem preconceito 2
Normal 7
Negativos Triste 1
2% Vergonha 1
Quanto aos sentimentos apresentados pelas crianças quando são chamadas por uma das
75
cores mostradas na Tabela 03, vê-se na Tabela 04 que as crianças sentem nada ou sentem-se
bem: 7% agradecem ou ficam alegre e 68% não sentem nada ou ficam caladas.
Tabela 4: Freqüências e Percentuais dos comportamentos em relação aos discursos de
outros acerca da cor de sua pele
E o que você faz quando te chamam assim? Freqüência Percentual (%)
Agradeço, alegre, bem 7 7
Raiva 4 4
Digo à professora, a diretora 2 2
Digo oi, dou um abraço 11 11
Dou risada, ri 5 5
Fico calado, nada 68 68
Ia chorar 1 1
Nunca chamaram 1 1
Revido 1 1
2. Preconceito e Estereótipos
Ainda que as crianças tenham tido um comportamento de evitar classificar-se, em sua
maioria, como negras, em relação aos estereótipos atribuídos às crianças negras apresentadas
nas fotos, estes foram mais positivos, sendo a única exceção a do estereótipo acerca da
riqueza, onde a criança negra apresentada em foto foi vista como pobre (ver Tabela 5).
Na Tabela 5, podemos observar, por exemplo, que 54% das crianças apontaram que a
criança negra apresentada em foto era bonita, 58% que a criança branca era bonita e 92%
delas declaram-se bonitas. Quanto à riqueza, nota-se que 82% acreditam que a criança negra
seja pobre, 46% que a criança branca também seja pobre e 36% declaram-se pobres.
Assim sendo, em relação às crianças brancas, os estereótipos atribuídos, em sua maioria,
também foram positivos, ou seja, as crianças atribuíram mais valoração positiva aos
estereótipos. E ao autoatribuir-se estereótipos, há uma valoração positiva ainda maior, o que
se faz pensar numa identificação que se opõe ao que os juízes apontaram como sua cor ou
numa tentativa de fuga da desvalorização social e preconceito.
76
Essa realidade faz pensar que nas suas relações raciais, o preconceito racial se configura
como um preconceito de marca, que aparece quando é levada em conta a aparência física da
pessoa e a sua condição socioeconômica, não prevalecendo a descendência racial como fator
determinante. Assim, as atitudes de preconceito racial no Brasil são situacionais, dependendo de
outros fatores como a educação, a amizade, a estratificação social, entre outros (Nogueira, 1985).
Do mesmo modo, o processo de branqueamento funciona como um enfraquecedor da
construção de uma “identidade negra”, onde a presença do “mulato” suaviza a linha racial entre
“brancos” e “negros”, não favorecendo assim uma polarização em termos de identidade racial
(Munanga, 2004), ou seja, os discursos da mistura podem ser interpretados pelas crianças de
maneira positiva e serem aproveitados nos processos de auto-identificação.
A idéia do branqueamento não se reduz apenas à concepção segundo a qual o negro poderia
ser transformado em branco, mas faz surgir uma gama de cores delimitado por estes dois pólos, o
que impede a fixação de fronteiras rígidas, o que faz que qualquer escolha de cor terá um
conteúdo ambíguo, definido pelo contexto social e interesses pessoais (Hofbauer, 2006).
Conseqüentemente, o desejo de ser aceito por um grupo racial, no qual a crença
dissimulada ou explícita na superioridade branca está muito presente, pode levar a pessoa a
assumir crenças para tornar-se mais coerente com a aceitação do racismo, e o branqueamento
e ascensão social podem aparecer como sinônimos, já que as crianças negras são socializadas
em um contexto de uma maioria branca, e assim, mostram uma preferência para a cultura
branca, ainda mais quando são confrontadas com as desvantagens econômicas e políticas,
incluindo os riscos de saúde, pobreza e desemprego (Spencer, 1987).
Tabela 5: Percentuais da Atribuição de Estereótipos à criança Negra, Branca e a Si
mesmo (Essa criança é bonita ou feia? Inteligente ou burra? Estudiosa ou não?
Comportada ou Briguenta? Boa ou ruim? Rica ou pobre?)
Estereótipo Positivo
(%)
Negativo
(%)
Positivo
(%)
Negativo
(%)
Positivo
(%)
Negativo
(%)
Negra Branca Si mesmo
77
Beleza 54 46 58 42 92 08
Inteligência 77 23 66 34 92 08
Estudos 68 32 68 32 92 08
Comportamento 53 47 53 47 90 10
Bondade 70 30 73 27 89 11
Riqueza 18 82 54 46 64 36
E ao expressar os sentimentos em relação ao fato da criança apresentada em foto ser
negra, a Figura 01 mostra que 70% das crianças afirmaram que é bom ser da cor da criança
apresentada em foto (negra). E a Figura 01 ainda mostra que 76% das crianças afirmaram que
é bom ser da cor da criança apresentada em foto (branca), e que 97% das crianças afirmaram
que é bom ser da sua própria cor.
Assim, pode-se confirmar que as crianças avaliadas como negras não se autopercebem
como sendo negras ou passam por um processo de branqueamento, negando a sua própria cor
a fim de buscar um grupo que seja mais valorizado positivamente, ou embranquecendo a cor
do “outro” (criança da foto) para “moreno”.
Entende desta forma que se o grupo é avaliado negativamente, o individuo buscará uma
estratégia de mudança ou mobilidade social (Tajfel, 1981), e que ainda que se possa evitar o
contato por não se sentir completamente aceito pelo outro, procura-se uma busca de
aproximação com o “outro” grupo, ainda mais quando os indivíduos tidos como “superiores”
articulam-se para fazer com que os indivíduos inferiores se sintam carentes de virtudes.
78
70
30
76
24
97
30
20
40
60
80
100
Negra Branca Si mesmo
Bom
Ruim
Figura 1: Freqüências ou Percentual do Sentimento em relação à cor da criança Negra, Branca e a Si
mesmo
Na Tabela 06, ainda podemos perceber que 44% das crianças preferiram a criança
branca para levar para sua casa, 39% a criança morena e apenas 17% escolhem a criança, o
que demonstra um favoritismo pelo grupo dos brancos e morenos.
Quanto à escolha de um amigo, percebe-se que 30% das crianças entrevistadas
escolheram a criança branca, 41% a criança morena e 29% a criança negra, apontando ainda
uma maior escolha pelas crianças brancas e morenas, ainda que a diferença seja pequena em
relação a negra.
A escolha maior para dividir um pirulito se deu pela criança negra (36%), sendo que
34% escolheram a morena e 30% a branca, o que faz notar que a diferença foi pequena,
porém, diferentemente das outras escolhas há de se questionar o porquê. Há de se imaginar
pelos discursos apresentados pelas crianças que o fato de imaginarem a criança negra como
mais pobre, faz com que estas não tenham dinheiro para comprar um pirulito e é necessário
que outros a dêem. Este fato está novamente associado à construção da ascensão social está
mais vinculada aos brancos, conforme tratamos ao sinalizarmos o processo de
branqueamento.
79
Este processo está muito vinculado ao processo de miscigenação cultural no Brasil que
produz mitos como o da democracia racial, onde a estratificação social é vista como a
principal responsável pela discriminação, levando a uma idéia de exclusão social não por ser
negro, mas por ser pobre, como nos confirma Camino e colaboradores (2001), afirmando que
a cor é central na definição no nível de classe do individuo.
A Tabela 06, pois, revela que a preferência maior se dá pela criança branca na hora de
escolher um parceiro para as atividades escolares, ainda que as crianças morenas e negras
tenham tido um bom número de escolhas (30% e 31% respectivamente).
Tabela 6: Freqüências e Percentuais das Preferências de Escolhas entre os Alvos
brancos e negros
Freqüência da Cor escolhida (%)
Preferência Branca Morena Negra
Criança que gostaria que
os pais levassem para
sua casa
44 39 17
Criança para ser seu
melhor amigo 30 41 29
Criança para dividir um
pirulito 30 34 36
Criança para juntos
fazerem a atividade que
a professora passou
30 39 31
3. Autoconceito e Autocontrole
Tratando-se dos instrumentos de avaliação de autocontrole e autoconceito, deve-se
destacar que, quanto ao autoconceito, o instrumento se divide em subescalas que avaliam os
autoconceitos pessoal, social, escolar e familiar; e quanto à escala de autocontrole, esta se
divide em duas escalas, sendo uma masculina e outra feminina, e estas ainda se subdividem
em dois fatores: Fator 1 e 2.
80
Estes fatores são compreendidos nas seguintes dimensões: Fator 1 compreende
autocontrole relacionado às regras e condutas sociais e o Fator 2 se refere ao autocontrole em
relação a sentimentos e emoções.
No instrumento de avaliação constituído por 30 afirmações (EFAC – Escala Feminina)
ou 31 afirmações (EMAC – Escala Masculina), todas relacionadas a acontecimentos
cotidianos, a criança responde, dizendo com que frequência isso ocorre em sua vida, e para
cada item marcado há uma pontuação de 0 ou 1, que depois somados dão o resultado final,
que é classificado de acordo com a Tabela abaixo, apresentada no manual do instrumento
aplicado.
Tabela 7: Classificação dos Níveis de Autocontrole
Fator 1 EMAC / EFAC Fator 2 EMAC / EFAC EFAC / EMAC Classificação
0-20 / 0-18 0-12 / 0-13 0-33 Autocontrole baixo
21-27 / 19-25 13-16 / 14-19 34-43 / 34/42 Autocontrole médio
28 ou mais / 26 ou mais 17 ou mais / 20 ou mais 43 ou mais Autocontrole alto
Na Tabela 09 que mostra a freqüência dos níveis de Autocontrole vê-se que a maior
parte das crianças apresentou níveis baixos (56%) e médios (41%) tanto no Geral quanto em
ambos os fatores Social e Pessoal.
Vale lembrar que a escala é composta por 20 frases, divididas em autoconceito pessoal,
autoconceito escolar, autoconceito familiar e autoconceito social, onde a criança assinala a
frequência com que o determinado comportamento acontece em sua vida. E, para cada
assinalamento há uma pontuação de 0 a 2, que somados dá um resultado final que é
classificado de acordo com a Tabela a seguir.
81
Tabela 8: Classificação do Nível de Autoconceito a partir da pontuação
Idad
e Escolar Social Pessoal Familiar Geral
Classificaçã
o
Mas
c
Fe
m
Mas
c
Fe
m
Mas
c
Fe
m
Mas
c
Fe
m
Mas
c
Fe
m
11
anos
4 3 7 8 4 4 5 21 22 Autoconceit
o baixo
6 5 9 10 5 6 25 24 Autoconceit
o médio
7 6 11 6 7 28 27 Autoconceit
o alto
12
anos
4 3 8 4 3 4 23 19 Autoconceit
o baixo
5 4 10 9 5 4 6 25 23 Autoconceit
o médio
6 5 11 7 6 7 28 27 Autoconceit
o alto
Deste modo, essas crianças, com níveis baixos de autocontrole, demonstraram ter
dificuldades em ter controle sobre situações presentes no seu dia-a-dia em casa, com os
amigos e na escola, como o cumprimento de deveres, rotinas e obrigações, e em controlar
suas emoções diante de situações em que se vê obrigada a desempenhar atividades ou
enfrentar situações de confronto.
Essa situação pode explicar a necessidade de se autodeclarar como brancas ou morenas
como forma de evitar qualquer tipo de confronto e dificuldades que possam se apresentar
devido à sua cor. A falta de autocontrole pela criança, pode assim obstruir o aprendizado e
junto à rejeição pelos colegas levam ao aumento no risco de depressão e ao envolvimento com
grupos de excluídos (Patterson & cols., 1992).
Tal situação se coaduna com o já apresentado na Tabela 04, quando mostra a
dificuldade das crianças em exprimirem seus sentimentos e não apresentam reações diante do
que se é colocado diante delas, sendo, neste caso, a exposição da sua cor de pele.
82
Pode-se ratificar assim, que os maus tratos sejam físicos, psicológicos ou negligência,
que negam o direito que as crianças e adolescentes de serem tratados como sujeitos de direitos
e com condição peculiar de desenvolvimento, até em questões de desvalorização social devido
à raça, podem ser considerados como uma experiência negativa de vida ou um evento
estressor traumático, pois provocam tensão, interferem nos padrões normais de resposta e
relacionam-se a eventuais problemas psicológicos.
E, se ainda retomarmos a idéia do branqueamento nas respostas das crianças
entrevistadas, ainda se destaca que a desvalorização do seu grupo, tem-se por conseqüência
um falta de estímulo da auto-estima, da criatividade, do orgulho, da solidariedade grupal, da
autonomia e da capacidade da resistência contra elementos exteriores (Giddens, 2002).
Tabela 9: Freqüências ou Percentuais dos níveis de Autocontrole (N=100)
Conceito Autocontrole Social Autocontrole Pessoal Autocontrole Geral
Baixo 56 42 54
Médio 41 37 40
Alto 3 21 6
Os níveis de Autoconceito, como mostrados na Tabela 9, também apresentam um maior
número de crianças que mostram ter um autoconceito baixo (56%) ou médio (41%).
Este fato também demonstra que a ocorrência de as crianças se considerarem brancas ou
morenas deve estar associada à questão da busca pelo grupo mais valorizado socialmente.
Esta situação já nos é apresentado por Tajfel (1981) quando nos coloca que no processo de
construção social das identidades, o indivíduo busca estratégias de valorização do seu grupo
ou tenta se aproximar do grupo mais valorizado. Assim, como as crianças entendem que se
aproximar dos brancos traz em si uma valorização social e as deixam mais confortáveis e com
sentimentos mais positivos, então, é estratégico buscar essa mobilidade social, ao menos no
campo simbólico.
83
As crianças negras, então, aprendem a conhecer-se em relação às oportunidades e
limitações do seu mundo social (imagens negativas, a relação marginal das minorias no
processo de produção, uma privação de necessidades básicas econômicas), sendo que a raça e
cor, em particular, continuam a ser questões inevitáveis na formação da identidade,
reforçando uma tendência para elevar a própria condição da pessoa, criticando certas
qualidades das massas ao invés de promover um reforço da identidade étnica por si mesmo
(Spencer, 1987).
Tabela 10: Freqüência dos níveis de Autoconceito (N=100)
Conceito Autoconceito
Pessoal
Autoconceito
Escolar
Autoconceito
Familiar
Autoconceito
Social
Autoconceito
Geral
Baixo 56 66 44 36 51
Médio 15 17 16 38 28
Alto 29 17 40 26 21
Com esses resultados, podemos sintetizar que as crianças, em geral, apresentaram uma
tentativa de aproximar-se das características do grupo mais valorizado socialmente, que, neste
caso, é o grupo dos brancos. Deste modo, as crianças negras atribuíram-se com a cor branca
ou morena, e, portanto, atribuindo sentimentos e estereótipos positivos a esta cor. Assim
também, ao mesmo tempo em que atribuíam estereótipos mais negativos à criança negra
apresentada em foto, elas atribuíram estereótipos positivos à criança branca e a si mesmo.
Neste caminho, as crianças negras apresentaram, assim, autoconceito e autocontrole
baixos, já que sendo negras procuravam se aproximar do grupo dos brancos, causando uma
dissonância entre a sua cor de pele e a cor de pele autodeclarada e desejada, gerando um
processo de identificação controverso e atitudes de neutralidade ou passividade.
Então, com esses resultados anteriores já postos, para melhor compreensão dos dados,
foram analisadas correlações, primeiramente, com os questionários de investigação do
racismo, onde as crianças foram convidadas a expor seus pensamentos acerca das crianças
84
apresentadas em fotos (ver anexo C), e em seguida com as escalas de Autocontrole e
Autoconceito.
Tabela 11: Correlações2 dos Estereótipos atribuídos à criança negra
Variáveis Gênero Etnia Beleza Inteligência Estudos Comportamento Bondade
Etnia -,117
Beleza -,096 -,146
Inteligência -,104 -,039 ,068
Estudos ,002 ,084 ,184 ,542(**)
Comportamento -,237(*) -,084 ,256(*) ,390(**) ,342(**)
Bondade -,258(**) ,039 -,035 ,420(**) ,440(**) ,345(**)
Riqueza -,128 -,237(*) ,224(*) ,194 ,098 ,180 ,193 * significativo (p< 0,05)
** significativo (p<0,01)
A Tabela 11 mostra, pois, as correlações entre os estereótipos atribuídos a criança negra
e a etnia declarada pelo entrevistador. Conforme se pode observar, as correlações
significativas apontam que a variável Gênero expõe que as meninas demonstram perceber
uma criança negra como mais comportada e bondosa. Este achado corresponde ao encontrado
em outra pesquisa que mostra que as meninas assumem mais a característica de serem menos
racistas, pois também fazem parte de um grupo de minoria social (Nunes, 2010). Assim, elas
se colocam na situação do negro, e quando ela também é negra, esse processo de identificação
fica ainda mais acentuado.
A variável Etnia teve correlação negativa com a Riqueza, mostrando que quanto mais
escura a cor da pele da criança mais ela atribui o aspecto da pobreza à criança negra. Esse
aspecto, como já discutido anteriormente está vinculado ao processo histórico e da visão de
que a ascensão social é algo dos brancos.
2 Etnia (5: moreno, 6:moreno escuro), Gênero (1: mas, 2: fem), Beleza (1:bonito, 2: feio), Inteligência (1:
inteligente, 2: burro), Estudos (1: estudioso, 2: não estudioso), Comportamento (1: comportado, 2: briguento),
Bondade (1: bonzinho, 2: malvado), Riqueza (1: rico, 2:pobre)
85
Para Bento (2002), mesmo em situação de pobreza, o branco ainda tem o privilégio
simbólico da brancura, e os negros encontram um déficit muito maior em todas as dimensões
da vida, na saúde, na educação, no trabalho. A pobreza tem cor, qualquer brasileiro
minimamente informado foi exposto a essa afirmação, e esse jargão repetitivo limita o
racismo à classe social. Ainda assim, legado da escravidão para o branco é um assunto que o
país não quer discutir, pois os brancos saíram da escravidão com uma herança simbólica e
concreta extremamente positiva, e este silêncio e cegueira permitem não prestar contas, pois
interesses econômicos em jogo.
Em relação à Beleza sugere-se que as crianças percebem que quanto mais bonita a
criança mais comportada e rica ela será; E na questão da Inteligência, as crianças entendem
que aspectos como ser mais estudioso, comportado e bonzinho estão correlacionados.
Quanto à beleza, lembra-se que esse processo histórico do racismo estruturalizado na
sociedade, apresenta-se através de relações raciais com um sistema sofisticado de
classificação baseado tanto na aparência quanto na condição socioeconômica e região de
residência, conforme nos apresenta Silva e Rosemberg (2008) e Fernandes e Almeida (2008).
Portanto, trazer à tona a questão da cor, traz em si diversas categorias que quando valoradas
são sempre mais desfavorecidas para o negro, tais como a beleza e a riqueza. Nos discursos,
por exemplo, das crianças entrevistadas nesta pesquisa, foi comum encontrar frases como
“negro é feio” ou “preto é pobre”.
Vale ressaltar que o estereótipo é analisado pela opção positiva, ou seja, a escolha da
opção positiva do estereótipo, como por exemplo, a porcentagem do estereótipo beleza refere-
se ao item “bonito” e não “feio”.
A segunda etapa do questionário deu-se acerca da atribuição de estereótipos à criança
branca, conforme Tabela 12, onde as crianças negras entrevistadas atribuíam valoração aos
atributos associados à criança da foto. Vale lembrar que os atributos associados à criança
86
negra foram os mesmos associados à criança branca, e posteriormente a si mesmo.
Outro ponto é que as crianças negras percebem as crianças brancas mais bondosas. No
estereótipo de beleza, também se percebe que esta categoria está associada à inteligência,
estudos, comportamento, bondade e riqueza, ou seja, as crianças brancas que são tidas como
mais bonitas são também avaliadas como mais inteligentes, estudiosas, comportadas e ricas.
Vale notar que esta associação positiva entre estes estereótipos se dá de maneira comum
entre eles, portanto, se a criança branca foi analisada de forma positiva em uma dessas
categorias, as outras também foram vistas de forma positiva conseqüentemente. Por último, a
Riqueza associou-se a Beleza e Comportamento. Assim, uma criança tida como rica é também
vista como bonita e comportada.
Todas estas correlações reforçam o que já explicitado anteriormente, onde as mulheres
como integrantes de grupo excluído conseguem ser mais empáticas, e as crianças num
processo de branqueamento da própria cor conseguem diminuir o impacto do preconceito
procurando valorizar-se um pouco mais, ainda que associem as categorias de forma mais
positiva aos brancos, ressaltando, principalmente, a questão da riqueza como ainda mais
característica dos brancos, ou seja, a ascensão social é uma característica dos brancos.
Tabela 12: Correlações3 dos Estereótipos atribuídos à criança branca
Variáveis Gênero Etnia Beleza Inteligência Estudos Comportamento Bondade
Etnia -,117
Beleza -,417(**) ,011
Inteligência -,339(**) ,085 ,373(**)
Estudos -,342(**) ,170 ,372(**) ,639(**)
Comportamento -,237(*) -,004 ,417(**) ,466(**) ,342(**)
Bondade -,330(**) ,240(*) ,350(**) ,372(**) ,500(**) ,465(**)
Riqueza -,096 -,186 ,353(**) ,185 ,141 ,216(*) ,026 * significativo (p< 0,05)
** significativo (p<0,01)
3 Etnia (5: moreno, 6:moreno escuro), Gênero (1: mas, 2: fem), Beleza (1:bonito, 2: feio), Inteligência (1:
inteligente, 2: burro), Estudos (1: estudioso, 2: não estudioso), Comportamento (1: comportado, 2: briguento),
Bondade (1: bonzinho, 2: malvado), Riqueza (1: rico, 2:pobre)
87
Quanto à associação de características a si mesmo, na Tabela 12 é possível perceber que
as meninas vêem mais a si como bondosas do que os meninos. Além disso, as crianças
morenas aparecem como mais comportadas, assim também como os mais bonitos aparecem
como mais comportados, e os comportados como ricos. Outra questão é que os inteligentes e
estudiosos são tidos como bondosos e ricos.
Desta forma, há de se pensar na assimilação da ideologia de que os grupos dominantes
compartilham sentimentos de superioridade; de que a raça jugulada é diferente; da
propriedade particular de certos privilégios, acomodando-se a uma superioridade cultural de
um grupo direta e mecanicamente através de uma pretensa superioridade fisiológica, ou seja,
explicando um status social por uma característica natural (Delacampagne, 1990).
Vale ressaltar ainda que a diferença é sustentada pela exclusão, e a identidade é marcada
pela diferença (Silva, Hall e Woodward, 2009), e a unificação ou a assimilação da diferença
anula uma identidade sobre a outra (Bourdieu, 1989), o que leva a um questionamento de
como estas crianças analisadas estão anulando a diferença de cor numa forma de eliminar a
diferença, o que tem levado a uma anulação da identidade de cor enquanto negras. E quando a
manutenção das normas que se referem à identidade e que sustentam a vida social é
fracassada estas têm um efeito direto sobre a integridade psicológica dos indivíduos
(Goffman, 1988), ou seja, o estigma social imposto pelo grupo mais poderoso pode penetrar
na auto-imagem deste último (Elias, 2000).
88
Tabela 13: Correlações4 dos Estereótipos atribuídos à si mesmo
Variáveis Gênero Etnia Beleza Inteligência Estudos Comportamento Bondade
Etnia -,117
Beleza ,056 ,092
Inteligência -,165 ,165 ,185
Estudos -,165 ,018 ,049 ,457(**)
Comportamento -,001 ,267(**) ,357(**) ,161 ,063
Bondade -,245(*) ,117 ,132 ,250(*) ,368(**) ,522(**)
Riqueza -,170 ,087 ,086 ,316(**) ,240(*) ,104 ,069 * significativo (p< 0,05)
**significativo (p< 0,01)
Vale ressaltar neste ponto que, no processo de construção das identidades, os grupos
dominantes avaliam positivamente os membros de seu grupos e negativamente os membros
de outros grupos por estarem atravessados por categorias e valores fundados em teorias do
senso comum (Tajfel, 1981), ou seja, se o grupo de crianças tidas como negras declararam-se
como brancas e possuem uma imagem positiva do grupo dos brancos, tornou-se esperado que
estas avaliassem positivamente os membros de “seu grupo”.
Para, então, ratificar os resultados até então encontrados e finalizar o processo de
análise foram feitas algumas análises de regressão. A análise de Regressão é uma metodologia
estatística que utiliza a relação entre duas ou mais variáveis quantitativas (ou qualitativas) de
tal forma que uma variável pode ser predita a partir da outra ou outras.
Para fazer as análises de regressões foram utilizados os método Enter do software
SPSS. O método Enter trabalha com todas as variáveis, sem descartar nenhuma, até mesmo
aquelas variáveis que foram reprovadas no teste de significância. Nos dois casos procurou-se
tabular os principais elementos integrantes da análise de regressão, entre eles: Significância
(Sig), R Quadrado (R²) e ANOVA.
4 Etnia (5: moreno, 6:moreno escuro), Gênero (1: mas, 2: fem), Beleza (1:bonito, 2: feio), Inteligência (1:
inteligente, 2: burro), Estudos (1: estudioso, 2: não estudioso), Comportamento (1: comportado, 2: briguento),
Bondade (1: bonzinho, 2: malvado), Riqueza (1: rico, 2:pobre)
89
As variáveis utilizada nas Regressões foram as do Autoconceito (Geral, Social,
Familiar, Pessoal e Escolar) relacionando-as com as do Autocontrole (Geral, Fator 1 e Fator
2)
Logo na avaliação do Autoconceito Geral, percebe-se que as variáveis associadas
(Autocontrole Geral, Sua Cor, Gênero, Idade, Fator 2 EFAC ou EMAC, Etnia, Escola, Fator 1
EFAC ou EMAC) conseguem juntas explicar 15% ( R2 = 0,15) da variância.
Tabela 14: Regressão Linear entre Autoconceito Geral, Autocontrole Geral, Sua Cor,
Gênero, Idade, Fator 2 EFAC ou EMAC, Etnia, Escola, Fator 1 EFAC ou EMAC
Variável Dependente Variáveis Independentes R Square Sig.
ANOVA Sig.
Autoconceito Geral
Fator 1 EFAC ou EMAC
,150 ,086
,171
Fator 2 EFAC ou EMAC ,862
Autocontrole Geral ,262
Gênero ,560
Idade ,299
Etnia ,836
Escola ,588
Sua cor ,475
Quanto ao autoconceito, este é explicado em 16% (R2 = 0,16) pelas variáveis
independentes (Autocontrole Geral, Sua Cor, Gênero, Idade, Fator 2 EFAC ou EMAC, Etnia,
Escola, Fator 1 EFAC ou EMAC).
A cor teve relativa significância em relação ao autoconceito social (sig. = 0,077), ou
seja, a cor declarada pela própria criança é responsável por influenciar o autoconceito social.
Assim também o processo identitário – como essa criança se percebe em relação aos
estereótipos apresentados – mostrou-se com relativa influência na construção do autoconceito
social (sig. = 0,053). Desta forma, vê-se que a raça e a forma como essa criança avalia a sua
cor interfere diretamente nas relações sociais da criança.
90
Percebe-se assim que o fato de se autodeclararem brancas faz com que estas crianças
entrevistadas se percebam como bem aceitas pelo meio social, o que interfere na sua
identidade social, que também se mostra mais positiva. Assim, pode-se entender que a cor
autodeclarada impacta na Identidade Social, que, inevitavelmente, repercute no autoconceito,
neste caso, particularmente, no autoconceito social. Estas evidências, portanto, ratificam o que
já foi mostrado até então, que é a ideologia de um branqueamento, sedimentado e marcado na
história por uma representação de uma cultura branca superior.
Tabela 15: Regressão Linear entre Autoconceito Social, Autocontrole Geral, Sua Cor,
Gênero, Idade, Fator 2 EFAC ou EMAC, Etnia, Escola, Fator 1 EFAC ou EMAC
Variável Dependente Variáveis Independentes R Square Sig.
ANOVA Sig.
Autoconceito Social
Fator 1 EFAC ou EMAC
,164 ,053
,162
Fator 2 EFAC ou EMAC ,238
Autocontrole Geral ,890
Gênero ,458
Idade ,277
Etnia ,917
Escola ,134
Sua cor ,077
Na Tabela 16 vê-se que 12,5% (R2 = 0,125) do Autoconceito Pessoal é explicado pela
relação entre as variáveis Autocontrole Geral, Sua Cor, Gênero, Idade, Fator 2 EFAC ou
EMAC, Etnia, Escola, Fator 1 EFAC ou EMAC.
O Gênero é a variável de maior significância na relação com o autoconceito pessoal
(sig. = 0,39). Isto mostra o que já havia sido encontrado que o fato de ser homem ou mulher
altera a forma como a criança se enxerga, destacando o fato de a mulher, por ser também de
um grupo das minorias sociais, identificar-se com o grupo de negros.
91
Vale lembrar que valores e crenças dos pais podem ser fatores significantes na formação
da identidade e especificamente na dissonância racial, sendo que a falta dos pais negros como
reforçadores da consciência étnica e para lidar explicitamente com questões étnicas e a
opressão racial institucionalizada podem ser um fator importante na dissonância racial
(Spencer, 1987). Tal fato pode ter ocorrido nesta situação de pesquisa, e não somente pela
figura do pai biológico, mas até mesmo dos professores que articulavam uma maior
preferência pelas crianças brancas.
Tabela 16: Regressão Linear entre Autoconceito Pessoal, Autocontrole Geral, Sua Cor,
Gênero, Idade, Fator 2 EFAC ou EMAC, Etnia, Escola, Fator 1 EFAC ou EMAC
Variável Dependente Variáveis Independentes R Square Sig.
ANOVA Sig.
Autoconceito Pessoal
Fator 1 EFAC ou EMAC
,125 ,190
,823
Fator 2 EFAC ou EMAC ,473
Autocontrole Geral ,190
Gênero ,039
Idade ,976
Etnia ,198
Escola ,939
Sua cor ,326
Quanto ao autoconceito Escolar, as variáveis Autoconceito Escolar, Autocontrole Geral,
Sua Cor, Gênero, Idade, Fator 2 EFAC ou EMAC, Etnia, Escola, Fator 1 EFAC ou EMAC
são capazes de influenciá-lo em 13, 7%, sendo a variável Sua Cor de maior significância.
Esse resultado mostra que a cor autodeclarada também interfere na forma como a
criança se percebe nas suas atividades escolares. A expectativa esperada, de que os brancos
devem ser mais inteligentes e mais espertos do que os negros, causa um diferencial na forma
como a criança consegue se perceber enquanto sujeito do meio escolar.
92
Ainda assim, vale ressaltar que as práticas educativas ineficientes dos pais são vistas
como determinantes do problema de comportamento na criança, e na idade escolar, essa a
desobediência e falta de autocontrole pela criança obstruem diretamente o aprendizado e junto
à rejeição pelos colegas levam, por sua vez, ao aumento no risco de depressão e ao
envolvimento com grupos de “rejeitados” (Patterson e cols., 1992).
Tabela 17: Regressão Linear entre Autoconceito Escolar, Autocontrole Geral, Sua Cor,
Gênero, Idade, Fator 2 EFAC ou EMAC, Etnia, Escola, Fator 1 EFAC ou EMAC
Variável Dependente Variáveis Independentes R Square Sig.
ANOVA Sig.
Autoconceito Escolar
Fator 1 EFAC ou EMAC
,137 ,130
,848
Fator 2 EFAC ou EMAC ,442
Autocontrole Geral ,695
Gênero ,527
Idade ,324
Etnia ,181
Escola ,505
Sua cor ,023
O autoconceito familiar teve 20% de explicação dada pelas variáveis Autocontrole
Geral, Sua Cor, Gênero, Idade, Fator 2 EFAC ou EMAC, Etnia, Escola e Fator 1 EFAC ou
EMAC. E as variáveis Gênero, Autocontrole geral e Escola tiveram correlações significativas.
Tabela 18: Regressão Linear entre Autoconceito Familiar e Identidade, Autocontrole
Geral, Sua Cor, Gênero, Idade, Fator 2 EFAC ou EMAC, Etnia, Escola, Fator 1 EFAC
ou EMAC
Variável Dependente Variáveis Independentes R Square Sig. ANOVA Sig.
Autoconceito
Familiar
Fator 1 EFAC ou EMAC
,202 ,013
,753
Fator 2 EFAC ou EMAC ,591
Autocontrole Geral ,022
93
Gênero ,034
Idade ,667
Etnia ,925
Escola ,037
Sua cor ,188
Identidade ,489
Pensando assim, acerca dos processos identitários destas crianças e sua repercussão
psicossocial no autoconceito e no autocontrole, devido o preconceito racial, pode-se ratificar
que há um processo de branqueamento apresentado nos discursos das crianças, que preferem
se perceber como brancas, a fim de ter uma imagem mais positiva de si. Porém, por exemplo,
o autoconceito é baixo, o que demonstra que, na verdade, há um camuflar da realidade sofrida
por estas crianças. Elas apresentam um discurso sobre si que não equivale a realidade como
um todo, já que o autoconceito e o autocontrole foram avaliados em vários contextos e não
somente em relação a si. Vale pensar, desta forma, que a cor da criança interfere na
construção de seu autoconceito e autocontrole.
Neste processo de “branqueamento”, os resultados ratificam o que Bourdieu (1989) nos
apresenta, de que as escolhas do grupo dominado passam pela aceitação resignada ou
provocante, ou a busca da assimilação que faça desaparecer todos os sinais quem lembrem o
estigma, afastando cada vez mais a identidade legítima, ou seja, uma reapropriação coletiva
do poder de construir e avaliar a sua própria identidade.
Identidade racial é de tal modo, o sentimento de pertença a um grupo racial, e decorre da
construção social, cultural e política, fundamentada na história de vida e na consciência adquirida
diante das imposições sociais raciais. Neste sentido, como afirma Oliveira (2004), assumir a
identidade racial negra em um país como o Brasil é um processo difícil e doloroso, considerando-
se que os modelos “bons”, “positivos” e de “sucesso” de identidades negras não são muitos e
poucos divulgados, e o respeito à diferença em meio à diversidade de identidades raciais inexiste.
94
Ainda pode-se entender que, nestes processos identitários, conforme Giddens
(2002), o risco (condição de vida adversa) é essencial para o desenvolvimento do próprio
sujeito, uma vez que o individuo é forçado a aceitar as situações como um caso que pode até
dar errado, porém, será problemático se este indivíduo não tiver sentimentos bem
estabelecidos de confiança básica, o que agrava a situação das crianças entrevistadas.
Além disso, a falta da consciência da raça, que é a tendência sentimental a uma
identificação ideológica com o grupo racial, compromete a lealdade, devoção e orgulho, e não
reforça o auto-respeito, e nem exalta a própria concepção de si (Spencer, 1987).
95
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto e dos resultados encontrados, nota-se claramente que o preconceito é
produto arraigado na sociedade, construído nas relações sociais e dissimulado através dela,
independentemente da faixa etária. Isto é comprovado pelos resultados que demonstraram que
as crianças, ainda que negras, confirmam uma preferência pelo alvo branco e isso repercute
automaticamente nos processos identitários, uma vez que as elas, nos seus discursos,
preferem, por exemplo, as crianças negras para serem seus amigos por se parecerem com si
mesmas, e, no entanto, declaram-se brancas ou morenas, atribuindo estereótipos mais
positivos para os brancos. E esta identificação é então sentida nas relações sociais, familiares
e escolares, como nos demonstraram os níveis de autoconceito e no autocontrole.
A partir disto, percebe-se, pois, que os grupos minoritários continuam a ser alvo de
discriminação, e, independentemente de apresentar-se de forma sutil ou flagrante, os grupos
dominantes continuam a hostilizar e segregar, mesmo que camuflado, os grupos tido como
inferiores.
Entende-se assim que o Brasil ainda se configura numa mestiçagem, porém, tratar da
questão racial ainda é um tabu, já que naturaliza as posições sociais desiguais. O racismo,
pois, se manifesta de maneira cordial. E no caso particular desta pesquisa, os resultados
encontrados demonstram que o preconceito continua a selar as mais diversas categorias
sociais. O fato de ser rico ou pobre, feio ou bonito, inteligente ou rude, está intrinsecamente
ligado ao fato de ser branco ou negro. E o mais alarmente é que isto está sendo perpetuado
através das crianças, que constroem suas normas e cognições através das relações sociais.
Apesar de tantas experiências históricas, ainda subsiste o preconceito de que existe uma
cultura melhor do que a outra. E, finalmente, o excluído é todo aquele que pensa de maneira
que diverge do poder instaurado. Torna-se um marginal, periférico.
96
Os resultados alcançaram, portanto, que o preconceito racial, apesar das diversas leis e
normas sociais que determinam a ilegalidade ou imoralidade da discriminação racial, continua
a ser instigada e camuflada no meio social, como forma de manutenção de ―status quo‖ e
defesa dos grupos majoritários.
E, sabido que a identidade é construída através do reconhecimento dos espaços públicos
e privados que os grupos e sujeitos alcançam a partir do reconhecimento social, viu-se que a
cor da pele foi determinantes na construção de como as crianças conseguem se perceber
perante si e a sociedade. E quem demonstra pertencer a uma categoria com atributos
incomuns ou diferentes é pouco aceito pelo grupo social, tornando-se, muitas vezes, para a
sociedade, uma pessoa má e perigosa. Sendo assim, a sociedade limita e demilita a capacidade
de ação de um sujeito estigmatizado.
A construção da identidade social é, e apresentou-se nesta pesquisa, marcada pela busca
de uma aproximação com as identidades mais aceitas socialmente, a fim de uma provável
aceitação de si e dos outros, evitando qualquer tipo de atitude de rejeição ou discriminação.
As crianças demonstraram que ser negro é uma identidade que deve ser evitada, pois esta traz
em si uma série de desgastes psicológicos e sociais.
Para as crianças estigmatizados, a sociedade reduz as oportunidades, esforços e
movimentos, impõe a perda da identidade social de acordo com o modelo que convém á
sociedade, sabendo que quanto mais discrepante for a diferença entre a identidade virtual e
real, mais acentuado é o estigma, em conseqüência, o sujeito passa a não aceitar-se a si
mesmo. A identidade social estigmatizada, então, destrói atributos e qualidades do sujeito,
exerce o poder de controle das suas ações e reforça a deterioração da sua identidade social.
Quanto ao autoconceito e ao autocontrole, ficou evidenciado que esta luta pelos espaços
faz com que as crianças se percebam como menos favorecidas socialmente e isso as leva a um
sentimento de serem mais rejeitadas e, consequentemente, isto repercute na forma como elas
97
se enxergam e que lugares elas ocupam na sociedade, afetando, pois o seu autoconceito, além
de apresentarem dificuldades em se expressar, pois já não conseguem entender o seu lugar no
mundo (perda de autocontrole social e emocional).
Diante do exposto, fica clara a configuração de formas de preconceito na sociedade,
que, na verdade, só dissimulam o preconceito contra negros ainda bem presente e arraigado, e
continua a vitimizar boa parte deles. Estas formas, ainda que sutil tem também sido
conseqüência de uma dificuldade de composição de identidades raciais em busca de uma
inserção social, afetando aspectos como o autoconceito e autocontrole, que são fatores de
proteção da resiliência. Portanto, vê-se a necessidade de novas pesquisas que ampliem o
número de entrevistados, em outras regiões do país, a fim de subsidiar novos grupos de
discussão sobre o preconceito, o racismo e identidades raciais e suas possíveis repercussões
no desenvolvimento humano.
98
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111
ANEXOS
112
ANEXO A – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL
MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL Para:
De:
Local: Assunto: Solicitação de autorização para a efetuação de pesquisa, através de aplicação de
questionários, base para estudos sobre relações interpessoais entre crianças
Prezado Senhor (a):
Vimos, formalmente, solicitar sua autorização para a aplicação de um questionário/entrevista
junto à CRIANÇAS DE 10 A 11 ANOS DE IDADE.
O referido estudo tem como objetivo ANALISAR O AUTOCONCEITO E O
AUTOCONTROLE DAS CRIANÇAS
A coleta dos dados SERÁ BASEADA EM APLICAÇÃO DE QUESTIONÁRIOS E
ESCALAS PSICOSSOCIAIS
A referente pesquisa estará respeitando critérios como, o sigilo relacionado à identificação dos
pesquisados, ressaltando que só será solicitado deles a idade e a assinatura dos mesmos no
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), sem que tais assinaturas
comprometam-nos na pesquisa, já que esta se encontra dentro dos parâmetros éticos
essenciais para a pesquisa com seres humanos. Vale destacar que, em nenhum momento, será
feita referência a pessoas, nem a identificação dos entrevistados ou de terceiros.
Enfim, em caso de qualquer dúvida ou maiores informações sobre a pesquisa, estamos à
disposição para o esclarecimento.
Com a certeza de vossa atenção, agradecemos antecipadamente.
SAULO SANTOS MENEZES DE ALMEIDA – PESQUISADOR
RESPONSÁVEL PELA INSTITUIÇÃO E/OU PELA CRIANÇA
113
ANEXO B - QUESTIONÁRIO
Data:____/___/____
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL
MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL
QUESTIONÁRIO
Nome:__________________________________________________Gênero (M) (F)
Idade:____________ Etnia: 1 2 3 4 5 6 7 Série:_______________________
Escola:______________________________________________________________
Entrevistador._________________________________________________________
Entrevistador 1 2
Etnia ( ) ( )
1. Primeiro, eu gostaria que você falasse só um pouquinho de você. Como você é?
2. Qual a sua cor?
3. Você gosta de ser assim?
Sim ( ) Não ( ) Por que? ____________________________________________________
Você mudaria a sua cor? Sim ( ) Não ( )
Se sim, o que você mudaria?____________________________________________________
Como você ficaria? ___________________________________________________________
Como você se sente quando te chamam dessa cor? __________________________________
E o que você faz quando te chamam assim? ________________________________________
4.a) Seus pais mudariam a sua cor? Sim ( ) Não ( )
Por quê? ___________________________________________________________________
E você deixaria?
O que você faria?
b) Seus amigos mudaria a sua cor? Sim ( ) Não ( )
Por quê?? ___________________________________________________________________
E você deixaria?
O que você faria?
c) Seu professor (a) mudaria a sua cor? Sim ( ) Não ( )
Por quê? ____________________________________________________________________
E você deixaria?
O que você faria?
5.1 Você tem aqui a foto de uma criança (mostrar a foto da criança negra), uma caixinha e
algumas palavras. Mostre as palavras que mais combinam com essa criança. (ler as palavras
aos pares).
a) Bonito ( ) ou Feio ( )? Essa palavra quer dizer uma coisa boa ( ) ou ruim ( )?
b) Inteligente ( ) ou Burro ( )? Essa palavra quer dizer uma coisa boa ( ) ou ruim ( )?
114
c) Estudioso () ou Não Estudioso ()? Essa palavra quer dizer uma coisa boa () ou ruim ()?
d) Comportado () ou Briguento ()? Essa palavra quer dizer uma coisa boa () ou ruim ( )?
e) Bonzinho ( ) ou Malvado ( )? Essa palavra quer dizer uma coisa boa ( ) ou ruim ( )?
f) Rico ( ) ou Pobre ( )? Essa palavra quer dizer uma coisa boa ( ) ou ruim ( )?
g) Essa criança é Branca ( ), Marrom ( ) ou Negra ( )?
É bom ser X (etnia escolhida no item g)? Sim ( ) Não ( )
Por que? _________________________________________________________________
5.2 Agora você tem aqui a foto de uma outra criança (mostrar a foto da criança branca).
Mostre as palavras que mais combinam com essa criança. (ler as palavras aos pares).
a) Bonito ( ) ou Feio ( )? Essa palavra quer dizer uma coisa boa ( ) ou ruim ( )?
b) Inteligente ( ) ou Burro ( )? Essa palavra quer dizer uma coisa boa ( ) ou ruim ( )?
c) Estudioso () ou Não Estudioso ()? Essa palavra quer dizer uma coisa boa () ou ruim ()?
d) Comportado () ou Briguento ()? Essa palavra quer dizer uma coisa boa () ou ruim ()?
e) Bonzinho ( ) ou Malvado ( )? Essa palavra quer dizer uma coisa boa ( ) ou ruim ( )?
f) Rico ( ) ou Pobre ( )? Essa palavra quer dizer uma coisa boa ( ) ou ruim ( )?
g) Essa criança é Branca ( ), Marrom ( ) ou Negra ( )?
É bom ser X (etnia escolhida no item g)? Sim ( ) Não ( )
Por que? _________________________________________________________________
5.4 Agora você vai fazer o mesmo com você. Mostre as palavras que mais combinam com
essa criança. (ler as palavras aos pares).
a) Bonito ( ) ou Feio ( )? Essa palavra quer dizer uma coisa boa ( ) ou ruim ( )?
b) Inteligente ( ) ou Burro ( )? Essa palavra quer dizer uma coisa boa ( ) ou ruim ( )?
c) Estudioso () ou Não Estudioso ()? Essa palavra quer dizer uma coisa boa () ou ruim ()?
d) Comportado () ou Briguento ()? Essa palavra quer dizer uma coisa boa () ou ruim ( )?
e) Bonzinho ( ) ou Malvado ( )? Essa palavra quer dizer uma coisa boa ( ) ou ruim ( )?
f) Rico ( ) ou Pobre ( )? Essa palavra quer dizer uma coisa boa ( ) ou ruim ( )?
g) Você é Branca ( ), Marrom ( ) ou Negra ( )?
PREFERÊNCIA
7) Nesta sessão utiliza-se os desenhos (pede-se pra desenhar uma criança branca e uma
negra).
Qual desses meninos você prefere que seus pais levem para sua casa para dormir no
mesmo quarto que você e viver com seu irmão (ã)?
( ) Branco ( ) Mulato ( ) Negro
Porque?
Qual dessas crianças você escolhe para ser seu melhor “Amigo (a)”?
( ) Branco ( ) Mulato ( ) Negro
Porque?
Vamos imaginar que você têm um chiclete (pirulito) a mais e quer dividi-lo, e essas
crianças são suas colegas, com qual dessas crianças você dividiria seus chicletes (pirulitos)?
( ) Branco ( ) Mulato ( ) Negro
Porque?
Com qual desses você prefere fazer a atividade que a professora passou?
( ) Branco ( ) Mulato ( ) Negro
Porque?
115
ANEXO C - FOTOS