Analise Crítica Da Lei de Proteção a Vegetação

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    1/16NCON 60 1–16Como citar este artigo: Brancalion, P.H.S., et al., Análise crítica da Lei de Proteção da Vegetação Nativa (2012), que substituiu o antigo CódigoFlorestal: atualizações e ações em curso. Nat Conservacao. 2016. http://dx.doi.org/10.1016/j.ncon.2016.03.004

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    http: / /www.naturezaeconservacao.com.br

    Natureza & ConservaçãoBrazilian Journal of  Nature Conservation

    Supported by Boticário Group Foundation for Nature Protection

    WHITE PAPER Q1

    Análise crítica da Lei de Proteção da VegetaçãoNativa (2012), que substituiu o antigo CódigoFlorestal: atualizações e ações em curso

    Pedro H.S. Brancaliona,∗, Letícia C. Garciab, Rafael Loyola c, Ricardo R. Rodriguesd,Q2

    Valério Pillare

    e Thomas M. Lewinsohn f 

    a Departamento de Ciências Florestais, Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Universidade de São Paulo (USP), Piracicaba, SP,

    Brasilb Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Campo Grande, MS, Brasilc Laboratório de Biogeografia da Conservação, Departamento de Ecologia, Universidade Federal de Goiás (UFG), Goiânia, GO, Brasild Departamento de Ciências Biológicas, Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Universidade de São Paulo (USP), Piracicaba, SP,

    Brasile Departamento de Ecologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS, Brasilf Departamento de Biologia Animal, Instituto de Biologia, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas, SP, Brasil

    informação sobre o artigo

    Historial do artigo:Recebido a 21 de março de 2016

    Aceite a 22 de março de 2016

    On-line a xxx

    Palavras-chave:

    Legislação ambiental

    Políticas públicas

    Governança ambiental

    Conservação da biodiversidade

    Serviços ambientaisQ3

    r e s u m o

    A Lei de Proteção da Vegetação Nativa (LPVN), que substituiu o Código Florestal de 1965,encontra-se ainda em fase de regulamentação em nível federal e estadual e a constitucio-

    nalidade de algumas alterações ainda está sendo questionada. Visando subsidiar a tomada

    de decisão por parte de juristas e agentes públicos, bem como informar o público geral,

    apresentamos uma análise equilibrada das consequências positivas e negativas dessa lei

    à luz do conhecimento científico. Avanços importantes foram observados nos sistemas de

    controle e incentivo, que propuseram novos mecanismos e políticas públicas para subsi-

    diar a implantação dessa lei. Os principais retrocessos ambientais foram: i) a remoção da

    proteção de áreas ambientalmente sensíveis, ii) a concessão de anistia de multas aplicadas

    por violações à lei anterior e iii) a permissão de manter atividades agropecuárias e infraes-

    trutura em áreas protegidas, sem necessidade de recuperação total da vegetação nativa. A

    fragilização da LPVNpodecomprometer a proteção do solo e dos mananciais,a conservação

    da biodiversidade e a produção agropecuária, sem trazer benefícios evidentes para o país.

    Nesse contexto, recomendamos: i) que o conhecimento científico e a maior participação dasociedade embasem a tomada de decisão pelo Poder Judiciário e a correção de possíveis

    distorções na LPVN por estados e municípios, por meio de regulamentações apropriadas;

    ii) que se fortaleçam os órgãos de assistência técnica rural para fomentar a implantação da

    lei; iii) que se desenvolvam mecanismos de estímulo para desenvolver a cadeia de negócios

    da recuperação da vegetação nativa; iv) que a compensação da Reserva Legal se atente a

    ∗ Autor para correspondência.Correios eletrónicos: [email protected], [email protected](P.H.S. Brancalion).

    http://dx.doi.org/10.1016/j.ncon.2016.03.0041679-0073/© 2016 Associação Brasileira de Ciência Ecológica e Conservação. Publicado por Elsevier Editora Ltda. Este é um artigo OpenAccess sob a licença de CC BY-NC-ND (http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/).

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    2/16NCON 60 1–16Como citar este artigo: Brancalion, P.H.S., et al., Análise crítica da Lei de Proteção da Vegetação Nativa (2012), que substituiu o antigo CódigoFlorestal: atualizações e ações em curso. Nat Conservacao. 2016. http://dx.doi.org/10.1016/j.ncon.2016.03.004

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    critérios ambientais para seu planejamento; e que v) o cumprimento das demandas da lei

    seja aferido também com base na qualidade da vegetação que é recuperada.

    © 2016 Associação Brasileira de Ciência Ecológica e Conservação. Publicado por Elsevier

    Editora Ltda. Este é um artigo Open Access sob a licença de CC BY-NC-ND

    (http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/).

    A critical analysis of the Native Vegetation Protection Law of Brazil (2012):updates and ongoing initiatives

    Keywords:

    Biodiversity conservation

    Ecosystem services

    Environmental governance

    Environmental legislation

    Forest Code

    Public policies

    a b s t r a c t

    TheNative Vegetation Protection Law (NVPL)of Brazil, which replaced the Forest Code from

    1965, is still undergoing regulation at federal and state levels, and the constitutionality of 

    some clauses are still in question. In order to support legal rulings, decisions by public offi-

    cers, and to inform other stakeholders, we present a balanced assessment of the positive

    and negative consequences of NVPL in light of current scientific knowledge. Key advances

    were noted in the systems of controls and incentives, which promoted new mechanisms

    and policies to support the implementation of this law. The main environmental setbacks

    were i) the removalof protection of certain environmentally fragile areas, ii) the concession

    of amnesty of fines incurred for violating the preceding legislation, iii) allowing continuous

    farming or maintenance of infrastructure in areas protected by law, without full recoverynative vegetation. The weakening of NVPL may hamper soil and watershed protection, bio-

    diversityconservation, and even agricultural productivity, without manifest benefits for the

    country. On that account, we recommend: i) that judiciary rulings and state and county

    regulationsto correct pending issues with theNVPL based on scientific knowledgeandwith

    wider citizen participation; ii) the strengthening of agencies for rural technical assistance;

    iii) thedevelopmentof incentives to developthesupply chain fornative vegetation recovery;

    iv) the regulation of compensation for Legal Reserves based on clear and robust environ-

    mental criteria; and that v) that the assessment of legal compliance has also to be based on

    the environmental quality of recovered areas.

    © 2016 Associação Brasileira de Ciência Ecológica e Conservação. Published by Elsevier

    Editora Ltda. This is an open access article under the CC BY-NC-ND license

    (http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/).

    Apresentação

    Há quase quatro anos entraram em vigor no Brasil, depoisde 13 anos de debates no Congresso Nacional, as novas nor-mas que regulam a exploração, a conservação e a recuperaçãoda vegetação nativa em todo o território nacional. Essas nor-mas estão definidas na Lei n◦ 12.651, sancionada, com algunsvetos, em 25 de maio de 2012 pela presidente da República,Dilma Rousseff, e alterada pela Lei n◦ 12.727, de 17 de outu-brode 2012. A leiatual, intitulada oficialmente Leide Proteçãoda Vegetação Nativa (LPVN), é popularmente conhecida comoNovo Código Florestal. Mas essa é uma denominação inade-quada. Não se trata de um código (conjunto de dispositivoslegais sobre um determinado campo jurídico, como o CódigoPenal), nem mesmo se restringe a florestas. Essa lei abrangetodo e qualquer ecossistema terrestre nativo, incluindo cam-pos, caatingas e cerrados.

    A LPVN determina a proporção de uma propriedade ruralque pode ser usada para a produção agrossilvipastoril e excluia área de vegetação nativa que deve ser protegida ou ter usorestrito. Também define em quais situações o proprietário, ouquem tema posse do imóvelrural, deve recuperar a vegetaçãonatural em suas terras. O cumprimento efetivo da LPVN é fun-damental para a preservação do que resta da flora, da fauna

    e dos mananciais brasileiros, uma vez que 53% da vegetaçãonativa remanescente no país se encontram em propriedadesrurais particulares, e não dentro de unidades de conservação(Soares-Filho et al., 2014); essa proporção chegaa 90%na MataAtlântica, o bioma mais degradado do país, no qual seconcen-tra mais de 60% da população brasileira (Ribeiro et al., 2009).A implantação da LPVN tambémé essencial para recuperar asflorestas que foram eliminadas das áreas protegidas da pro-priedade rural e, assim, garantir os serviços ambientais, comoo suprimento de água para a agropecuária e para o consumo

    humano, além de moderar os efeitos das variações climáticasem cada ecossistema. Tais serviços são indispensáveis tantopara o desenvolvimento agrícola como para o bem-estar e asegurança das populações que vivem no campoe nas cidades.

    Embora a LPVN esteja em vigor desde 2012, aregulamentação de alguns de seus dispositivos em nível esta-dual e o julgamento da constitucionalidade das alteraçõesda lei no Supremo Tribunal Federal (STF) poderão gerarmudanças significativas que, por um lado, tornariam a leimais rigorosa com quem suprimiu vegetação nativa alémdo permitido no passado; por outro, a deixariam mais exi-gente com respeito a medidas de recuperação de áreasde preservação na propriedade rural. Na seção final deste

    documento, avaliamos algumas das medidas atualmenteem curso que poderão modificar a LPVN e apresentamos

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    ARTICLE IN PRESSNCON601–16na tu re za & c on se rv aç ão x xx (2 01 6) xxx.e1–xxx.e16 xxx.e3

    Também chamados de serviços ecossistêmicos, são benefíciosà humanidade providos por múltiplos produtos e processosmantidos por ecossistemas naturais, como a purificação daágua, a proteção do solo e controle biológico de pragas naagricultura. Caso os ecossistemas nativos sejam destruídos oudegradados, parte desses serviços pode deixar de ser prestadoe resultar, entre outras consequências, na falta de água nas

    cidades, em desastres ambientais causados por grandesdeslizamentos de terra e perda de produção agrícola pelodesequilíbrio de pragas e falta polinizadores, além dadegradação da saúde e qualidade de vida humanas. No sentidoinverso, a recuperação desses ecossistemas permite que partedesses serviços seja restabelecida em regiões já historica-mente degradadas, onde vive hoje a maior par te da populaçãobrasileira, contribuindo para o desenvolvimento econômico ebem-estar das pessoas.

    Serviços Ambientais

    Figura 1 – Serviços ambientais – definição e implicações daLei de Proteção da Vegetação Nativa.

    propostas que, no nosso entender, poderão redirecionara legislação ambiental para atingir, com mais eficiência emenos ambiguidade, seus objetivos mais importantes.

    Para a opinião pública e mesmo para muitos técnicos epesquisadores, após a sanção da LPVN em 2012, tornou-seirrelevante ou inútil prosseguir a discussão dos pontos polê-micosque envolveram a sua elaboração. Nosso entendimentoé exatamente o oposto. É preciso retomar a discussão téc-nica e científica da LPVN, principalmente dos seus pontospolêmicos ou ambivalentes, para embasar a regulamentaçãoestadual, que já se iniciou sem considerar o conhecimentocientífico, a implantação da lei pelo Governo Federal e as pos-síveis alterações do Supremo Tribunal Federal (Lima et al.,2014). A comunidade científica nacional deve contribuir paraessa discussão e oferecer uma avaliação crítica (Loyola & Bini2015), tão isenta quanto possível,das consequênciaspositivase negativas que a aplicação da nova lei pode acarretar para aprodução agrossilvipastoril, para a conservação da biodiversi-dade e para a manutenção de serviços ambientais (fig. 1).

    Este é um White Paper escrito por autores convidadospela Associação Brasileira de Ciência Ecológica e Conservação(Abeco). UmWhitePaper, ou, em português, Livro Branco, é umdocumento oficial, normalmente publicado por um governo,uma instituição ou uma organização internacional. Sua fina-lidade é servir de informe ou guia sobre um dado problema eapresentar orientações de como enfrentá-lo. Esses documen-tosauxiliam os leitores a tomar decisões. EsteWhite Paper, emparticular, se propõe a fazer, à luz do conhecimento científico

    e da experiência prática de cientistas que lidam com essasquestões há anos, uma análise equilibrada das consequên-ciaspositivase negativas que podemdecorrer da implantaçãoda nova legislação ambiental. Uma comparação sistemática edetalhada do que muda com a LPVN em relação à lei anterior,o Código Florestal (CF) de 1965, é apresentada nessa mesmaedição em Garcia et al. (2016), pode também ser encontradaem outras publicações citadas ao longo desteWhite Paper.

    Antecedentes da Lei de Proteção da VegetaçãoNativa

    A regulamentação da exploração, da conservação e da

    recuperação da vegetação nativa começou em 1934, com o

    primeiro Código Florestal Brasileiro (Decreto Federal 23.793,de 1934). Esse decreto buscava poupar da expansão desenfre-ada da agricultura trechos de vegetação nativa localizados emáreas que desempenhassem um papel ambiental importante,como as margens de rios e nascentes (fig. 2). Após mais de30 anos, a Lei n◦ 4.471, de 1965, criou uma versão do CF maisefetivae objetiva,com critériosmais claros paraa conservação

    e o uso racional da vegetação nativa em propriedades rurais.Por exemplo, as dimensões das Áreas de Preservação Perma-nente (APPs) passaram a variar conforme a largura dos cursosd’água. Além do CF de 1965, três leis, ainda em vigor, com-plementaram a legislação ambiental brasileira: a Lei n◦ 6.001,de 1973, conhecida como Estatuto do Índio, que estabeleceuas regras para a conservação de áreas naturais em terras indí-genas; a Lei n◦ 9.605, de 1998, comumente chamada “lei decrimes ambientais”, que dispõe sobre as sanções penais eadministrativas para condutas e atividades lesivas ao meioambiente; e a Lei n◦ 9.985 de 2000, que criou o Sistema Nacio-nal de Unidades de Conservação da Natureza (Snuc) e definiuas regras para a preservação da vegetação e da fauna nativas

    nessas áreas (fig. 2). Apesar da importância ambiental des-sas três leis, o aperfeiçoamento da legislação que rege o uso,a conservação e a recuperação de ecossistemas nativos empropriedades rurais é fundamental,umavezque essaspropri-edadesocupamcerca de 80%do território brasileiro (Sparoveket al., 2010) e, como já foi destacado, abrigam mais da metadeda área de vegetação nativa remanescente no país.

    Mesmo antes da sanção da LPVN, a Constituição fede-ral de 1988, que prevalece sobre as leis federais e estaduais, já contemplava em seu artigo 225 a proteção da flora e dafauna brasileiras e a preservação da função ecológica desem-penhada por elas (fig. 2). No ano seguinte ao da promulgaçãoda Constituição federal, a Lei n◦ 7.803,de 1989, fortaleceu o CFde 1965 ao ampliar os limites das APPs. Muito da vegetaçãooriginal que hoje precisa ser recuperada foi perdida tantoem consequência da supressão legal, antes da existência deleis ambientais ou do fortalecimento de leis existentes, comoda ilegal, feita em desacordo com a legislação ambiental porrazões diversas, como a falta de um zoneamento ou pla-nejamento agrícola e ambiental que regulasse o avanço dafronteira agrícola, o incremento da área cultivada, o des-conhecimento da legislação ou a sensação de impunidadedecorrente da fiscalização falha.

    A partir da publicação da Lei de Crimes Ambientais (Lein◦ 9.605, de 1998), os órgãos de controle e defesa ambientalpassaram a intervir de forma mais efetiva e o descum-primento do CF de 1965 passou a originar sanções civis,administrativas e penais, bem como a imposição de medi-das reparatórias. Houve seguidas tentativas de regularizar aspropriedades rurais, mas a possibilidade de criminalizar osdescumpridores do CF de 1965 descontentou os produtoresrurais, que, por meio de entidades que os representavam,como a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária doBrasil (CNA), exerceram forte influência no Congresso Nacio-nal e desencadearam um movimento político pela formulaçãode uma lei que substituísse o CF de 1965 (fig. 3).

    A partir da Lei de Crimes Ambientais, iniciativas deregularização ambiental de propriedades rurais foram ala-vancadas pelo mercado de commodities agrícolas – produ-tos vendidos no mercado mundial e predominantemente

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    Código Florestalde 1934Decreto Federaln.° 23.793Restrição à destruiçãode "florestasprotetoras", mas semcritérios para delimitaçãodessas áreas napropriedade rural.

    A área mantida comfloresta não precisavaser desapropriadapelo Estado.

    Código Florestalde 1965Decreto Federal n.° 7.731Estabelecimento de"Áreas de PreservaçãoPermanente", comcritérios objetivospara sua delimitação,e definição de umaporcentagem máxima

    da propriedadeque poderia serdesmatada, mantidacomo Reserva Legal.

    Complementaçõesao Código Florestalde 1965Lei Federal n.° 7.803Ampliação das Áreasde PreservaçãoPermanente ao longodos cursos d'água ealteração dos critériospara definir Reservas

    Legais, impedindo seuparcelamento eobrigando a recuperaçãonos casos de déficit.

    Complementaçõesao Código Florestalde 1965Medida Provisórian.° 2.166Ampliação daporcentagemmínima de ReservaLegal na AmazôniaLegal, para

    conter o avançodo desmatamentona região.

    Lei de Proteçãoà Vegetação NativaLei Federal n.° 12.651Substituição doCódigo Florestal de1965 e complementos,modificandoalguns dos critériospara a proteçãoda vegetação nativa

    e fazendo concessõesaos produtoresrurais para facilitara adequação à lei.

    1934

    1960

    Códigodas ÁguasDecreto n.° 24.643,de 1934. Dispõesobre o acesso,uso e conservaçãodos recursos

    hídricos no país

    Política Nacionalde Meio AmbienteLei Federal n.° 6.938,de 1981. Compatibilizao desenvolvimentoeconômico e socialcom a conservaçãodo meio ambiente

    Constituição FederalBrasileira de 1988Art. 225 § 1.°. Garante odireito ao meio ambienteequilibrado e incumbe oPoder Público de zelar pelaproteção e recuperaçãodos ecossistemas nativos

    Lei de CrimesAmbientaisLei n.° 9.605, de1998. Medidas reparatóriase sanções civis, administrativase penais para danosao meio ambiente

    1970  1980 1990 2000 2010

    1965  1989 2001 2012

    Figura 2 – Histórico da legislação ambiental brasileira, que consolidou o papel do Código Florestal como principalinstrumento legal sobre a proteção e recuperação da vegetação nativa em propriedades particulares no Brasil e levouhistoricamente ao seu fortalecimento.

    Propõe a reforma do CFde 1965 e modificações.Autoria do Dep. Sérgio

    Carvalho (PSDB/RO)

    Criada para analisaro PL. Relatoria doDeputado Aldo

    Rebelo (PCdoB/SP)

    Aprovado nacomissão especial Aprovado na Câmara dos

    deputados, alterou diversos

    artigos do substitutivo

    1999

    Congresso Nacional

    Congresso Nacional

    PL de Conversão n.º 21,18 e 25 de setembro

    Projeto de Lei (PL) 1.876-C  Comissão especial  Projeto substitutivo Emenda Global de Plenárion.º 186, 24 de maio

    2009

    2012

    Aprovada naCâmara dos Deputadose depois peloSenado

    Sancionada pela Presidenteda República, com 12artigos vetados e 32modificações, como a Lei deProteção à Vegetação Nativa

    Modificou aredação da Lei n.º12.651 após vetos

    Aprovada pela Câmarados Deputados edepois peloSenado

    Revisão do PL e aprovaçãodo novo texto pelosdeputados. Relatoria doDep. Paulo Piau (PMDB/MG)

    2010  2011

    Emenda 164  PL da Câmara n.º30, 6 de dezembro

    PL da Câmara n.º 30,25 de abril

    Lei n.º 12.651, 25 de maio  Medida Provisórian.º 571,28 de maio

    Presidência da República

    Presidência da República

    9 outros vetosforam adicionadosà lei de 2012

    Contemplao PL deconversão n.º21 com adiçãodos vetos

    Dispõe sobre o Sistemade Cadastro AmbientalRural e Programa deRegularização Ambiental

    Institui a Lei deProteção à VegetaçãoNativa, modificadapela Lei n.º 12.727

    Propôs reduziras APPs, mudandoa redação do art.8 da emenda n.º 186

    Vetos,17 de outubro

    Lei n .º 12.727 Decreto n.º 7.830,17 de outubro

    Lei n.º 12.651,25 de maio

    Figura 3 – Processo legislativo que levou à elaboração da Lei de Proteção da Vegetação Nativa.

    exportados pelo Brasil para outros países –, com o objetivode evitar sanções legais e possibilitar a certificação ambien-tal para atender a demandas de mercado. Adicionalmente,iniciativas de responsabilidade socioambiental na cadeia do

    agronegócio, em especial ligadas ao cultivo de soja e à

    pecuária, levaram os produtores rurais a se engajar em ativi-dadesqueadequavamo usoe a ocupação dosolo àsdemandaslegais e ambientais (Rodrigues et al., 2011; Nepstad et al.,2014). Consequentemente, houve um expressivo aumento

    da fiscalização das propriedades rurais e da punição ao

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  • 8/18/2019 Analise Crítica Da Lei de Proteção a Vegetação

    5/16NCON 60 1–16Como citar este artigo: Brancalion, P.H.S., et al., Análise crítica da Lei de Proteção da Vegetação Nativa (2012), que substituiu o antigo CódigoFlorestal: atualizações e ações em curso. Nat Conservacao. 2016. http://dx.doi.org/10.1016/j.ncon.2016.03.004

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    descumprimento da lei nos anos anteriores à aprovação daLPVN, o que gerou uma pressão sobre proprietários e produ-tores em desacordo com a lei.

    Desde o fim dos anos 1990, parlamentares brasileiros já justificavam a necessidade de reformular o CF de 1965 combase em uma série de argumentos. Segundo eles, era pre-ciso corrigir a insegurança  jurídica e as demandas adicionais

    de recuperação geradas pelas sucessivas alterações nessa lei.Também se deveria facilitar a regularização das proprieda-des que haviam descumprido a legislação anterior e tornar alegislação ambiental socialmente mais justa, ao amenizar asexigências de conservação nas pequenas propriedades rurais.Além disso, osparlamentares sugeriram reformar todo o CFde1965para autorizara manutenção de certasatividades agrope-cuárias e a instalação de infraestrutura em áreas legalmenteprotegidas, mas historicamente usadas, como os cultivos decafé, banana e uva em encostas íngremes e topos de morroe as plantações de arroz em várzeas. Assim, seria possívelestabelecer um novo ponto de partida, com regras suposta-mentemais claras e condizentescom a realidade domeio rural

    brasileiro naquele momento.Esse movimento de mudança, fortemente articulado pelo

    agronegócio, ganhou força a partir de 2009 no CongressoNacional (fig. 3). Apesar de audiências públicas e consultasnominais, houve reduzida participação da sociedade civil ede cientistas cujas pesquisaseram relevantes ao tema (Loyola& Bini 2015). A comunidade acadêmica, por meio de entida-desrepresentativas,como a AcademiaBrasileira de Ciências, aSociedadeBrasileira parao Progresso daCiênciae a AssociaçãoBrasileira de Ciência Ecológica e Conservação, formulou pro-postas e sugestões que foram enviadas ao Legislativo e aoExecutivo (Lewinsohn, 2010; Metzger, 2010; Silva et al., 2012).Essas propostas, porém, não foram aproveitadas na versão

    final da LPVN, promulgada em 2012.

    Avanços e retrocessos da Lei de Proteçãoda Vegetação Nativa

    As mudanças resultantes da LPVN, que revogou e substituiu oCFde 1965, podemseressencialmente agrupadas emtrês con- juntos: a) disposições gerais, que apresentam as regras a seremseguidas obrigatoriamente por todas as propriedades ruraisa partir da publicação da lei; b) disposições transitórias, que

    criam concessões para favorecer a regularização das propri-edades que descumpriram o CF de 1965, considerando comodata limite dos descumprimentos 22 de julho de 2008 (que éa data da publicação do Decreto n◦ 6.514, que regulamenta aLei de Crimes Ambientais e trata das infrações ao meio ambi-entee as consequentes sanções administrativas); e c) sistemasde controle e incentivo, que resultaram na criação de mecanis-mose políticaspúblicaspara subsidiara implantação da LPVN.Os principais avanços dessa lei foram observados nos novossistemas de controle e incentivo, ao passo que os retrocessosambientais constatados pela comunidade científica decorremprincipalmente das disposições transitórias e de determinadasdisposições gerais. Algumas das questões mais críticas serão

    destacadas a seguir.

     Avanços

    O maior mérito da LPVN está no estabelecimento de progra-mas inovadores de controle e incentivo ao cumprimento dalei. Antes, a fiscalização do CF de 1965 dependia de denúnciase de ações circunstanciais dos órgãos de controle ambien-tal. A LPVN, em contrapartida, criou o Cadastro Ambiental

    Rural, o Programa de Regularização Ambiental, o Projeto deRecuperação de Áreas Degradadas e Alteradas e as Cotas deReserva Ambiental, com normas estabelecidas pelo Decreton◦ 7.830, de 17 de outubro de 2012. Essas quatro ferramentaspossibilitam a gestão sistemática e integrada da lei, além deobrigar e monitorar seu cumprimento.

    O Cadastro Ambiental Rural (CAR) é um sistema gratuito eautodeclaratório de registro on-line de propriedades e possesrurais e de sua situação ambiental em relação às deman-das da LPVN, com o qual se produz um diagnóstico dasregularidades e irregularidades ambientais. As informaçõesobtidas com o CAR permitem que o poder público produzaum quadro abrangente de como as propriedades rurais no

    Brasil se encontram perante a legislação ambiental, subsi-dia tanto programas de incentivo ao cumprimento da leicomo atividades de controle, monitoramento e fiscalização.Medidas como a restrição de licenças ambientais e de cré-dito agrícola para propriedadesnão inscritasou regularizadasno CAR e a ampliação do limite de financiamento paracusteio daquelas cadastradas (Resolução n◦ 4.226, de 2013,do Banco Central) devem servir de estímulo para a adesãomaciça ao sistema. Até 29 de fevereiro de 2016, cerca de 2,4milhões de imóveis rurais, que abrangem 269 milhões de hec-tares (67,6% do total passível de cadastramento), já haviamsidoregistradosno CAR, de acordo como Serviço Florestal Bra-sileiro (http://www.florestal.gov.br/cadastro-ambiental-rural/

    numeros-do-cadastro-ambiental-rural).A partirdesse diagnóstico dospassivosambientais, as pro-

    priedades ou posses rurais em desacordo com a lei por nãoterem o mínimo necessário de vegetação nativa em APPs oupor apresentarem déficit de Reserva Legal (RL) (fig. 4) podemoptar por aderir ao Programa de Regularização Ambiental(PRA) e se adequarem à lei, comprometer-se com medidas derecuperação na propriedade ou compensação forada proprie-dade do déficit de vegetação nativa, na extensão estabelecidapela lei. O PRA foi regulamentado pelo Decreto n◦ 8.235, de5 de maio de 2014, que instituiu o Programa Mais Ambi-ente Brasil. A adesãoa esse programa proporciona vantagens,como a suspensão de multas e a possibilidade de consolidar

    (isto é, legalizar) atividades agrosilvipastoris e infraestruturaem APPs. Após a assinatura do termo de compromisso doPRA, os passivos legais da propriedade podem ser resolvidoscom instrumentos como o Projeto de Recuperação de ÁreasDegradadas e Alteradas (Prada), pelo qual o responsável pelapropriedade se compromete a manter e recuperar a vegetaçãonativaem APP e/ou RLou a compensar o déficitdeRLpor meiode instrumentoscomoos contratos de servidão, a aquisição deáreas ocupadas com vegetação nativa ou a compra de Cotasde Reserva Ambiental (CRA), todos no mesmo Bioma (Zakia& Pinto, 2013). Dessa forma, o proprietário, ou posseiro, esta-belece um compromisso formal com o Poder Público para seadequar à lei num prazo máximo de 20 anos. Deverá cum-

    prir esse compromisso gradualmente (10% a cada dois anos).

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  • 8/18/2019 Analise Crítica Da Lei de Proteção a Vegetação

    6/16NCON 60 1–16Como citar este artigo: Brancalion, P.H.S., et al., Análise crítica da Lei de Proteção da Vegetação Nativa (2012), que substituiu o antigo CódigoFlorestal: atualizações e ações em curso. Nat Conservacao. 2016. http://dx.doi.org/10.1016/j.ncon.2016.03.004

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    Área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural que tem a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais,auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade,bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa . A RL deve ocupar, na Amazônia,80% da propriedade em áreas de floresta e35% em cerrado, e nas demais regiões do país, 20%independentemente do tipo de vegetação nativa. ARL pode ser explorada com fins econômicos, comopela extração de madeira em florestas e pastoreio emcampos nativos, desde que se adote um sistema demanejo sustentável e com autorização do órgão ambiental,que deve aprovar um plano de manejo paraa área. Caso não se tenha área de vegetação nativasuficiente, o proprietário terá que recuperar uma área

    na sua própria propriedade ou comprar ou alugar umaárea de excedente de vegetação nativa em outra propriedade(compensação). A Lei de Proteção à VegetaçãoNativa criou mecanismos para facilitar o cumprimentoda RL, reduzindo a área a ser protegida ourecuperada, ao permitir o desconto da APP no cálculoda RL, o uso de espécies exóticas para a recuperaçãoda RL e a desobrigação de propriedades pequenas emédias de recuperar ou compensar RL.

    Reserva Legal RL

    Trata-se de uma área que deve ser protegida, mesmo que nãoesteja coberta por vegetação nativa, para que exerça a funçãode preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas . Existem várias situações que geram

    uma APP, como topos de morro, encostas íngremes, restingas,manguezais, veredas, nascentes, cursos d'água, lagoas,represas, entre outras. Não é permitido suprimir a vegetaçãonativa em APPs para construir infraestrutura ou estabeleceratividades agrosilvipastoris; a supressão da vegetação nativasomente é autorizada em situações definidas como deinteresse social, como a construção de estradas. No entanto,a Lei de Proteção à Vegetação Nativa criou a possibilidade demanter atividades agropecuárias e infraestrutura em toda APPou parte dela, dependendo do caso, quando essas atividadesforam estabelecidas antes de 2008, o que está sendochamado de "APPs com uso consolidado".

    Área de Preservação Permanente APPA

    B

    Figura 4 – Definição de Áreas de Preservação Permanente(APP) e de Reserva Legal (RL).

    Esse compromisso poderá ser aferido ao longo do tempo pormeio da sobreposição de imagens de satélite da cobertura devegetação nativa e das áreas de recomposição declaradas noCAR. No caso da não adesão ao PRA ou do não cumprimentodo PRADA, a propriedade rural será submetida a normasmaisrígidas, que incluem a ampliação da área a ser recuperada ea perda do direito de manter atividades agrossilvipastoris emalgumas condições anteriormente proibidas pelo CF de 1965.

    A LPVN amplia ainda mais a capacidade de controle doPoder Público ao estabelecer, em seu Artigo n◦ 26, a exigên-cia de que o proprietário ou posseiro obtenha autorizaçãodo órgão ambiental para suprimir a vegetação nativa forade APPs e RLs. Essa exigência, que não existia no CF de

    1965, cria a possibilidade de o Poder Público implantar

    medidas efetivas de ordenamento territorial sobre 97,9milhões de hectares de ecossistemas florestais e não flo-restais nativos em todo o Brasil. É necessário, porém, quecritérios adequados e baseados em conhecimento científicosejam definidos para a autorização ou não da supressão soli-citada (Overbeck et al., 2015). Interpretações distorcidas daLPVN podemcomprometeresse avanço. NoRioGrande do Sul,

    por exemplo, o Decreto Estadual n◦ 52.431, de 2015, elaboradosob a pressão de entidades ruralistas, permitiu declarar cam-pos nativos em uso pastoril como “área rural consolidada porsupressão de vegetação nativa com atividades pastoris”. Essaclassificação comprometea efetivaproteção dos remanescen-tes de vegetação nativa do bioma Pampa contra a conversãopara pastagens de espécies exóticas. Da mesma forma, aolegalizar como fato consumado a conversão desses camposem pastagem, essas áreas foram excluídas das exigências deconservação e manejo de baixo impacto de RL estipuladas naLPVN, contrariou-se a intenção da lei maior. Essa distorçãoreforça a importância de as regulamentações estaduais seremsustentadas pela ciência.

    A LPVN tambémse destaca por terestabelecido a possibili-dade de uso de instrumentos econômicos, como o Pagamentopor Serviços Ambientais (PSA), para fomentar a conservaçãoe a recuperação da vegetação nativa no país. No entanto, aquinovamente falta uma regulamentação abrangente para ori-entar o PSA, embora na prática esse instrumento já venhasendo usado em diversos locais do país (Richards et al., 2015).Falta, por exemplo, determinar em políticas públicas regio-nais quais situações são elegíveis para receber compensaçõesfinanceiras, emque condições os repassesserão feitos, o órgãoresponsávelporessemecanismode transferência,o montantede recursos a alocar para esse fim, as fontes dos recursos e osparâmetros que serão usados para aferir se os serviços ambi-

    entais estão sendo prestados.

    Retrocessos

    A LPVN manteveemsuas disposições permanentesa maior partedas exigências estabelecidasno CF de 1965paraa conservaçãode APPs e RLs. Mas algumas das disposições reduziram dras-ticamente, ou mesmo removeram, a obrigação de protegerdeterminadas áreas anteriormenteprotegidaspelo CF de 1965e que são de fundamental importância ambiental. A reduçãoé evidente em quatro casos exemplares. O primeiro é a exclu-são das nascentes intermitentes da categoria das APPs. Maisvulneráveis à degradação porque deixam de aflorar água em

    algum período do ano, essas áreas não são mais considera-das APPs na LPVN. Da mesma forma, acumulações naturaisou artificiais de água com superfície inferior a 1 hectare dei-xaram de ter seu perímetro protegido como APP, mesmo queessas áreas tenham sido geradas pelo barramento, e a con-sequente degradação, de uma nascente e sem considerar opapelque esseconjuntode acumulações podeternosserviçoshídricos regionais. O terceiro caso se refere aos topos de mor-ros. Mudanças nos critérios para a preservação desse tipo deterreno reduziram em 87% a área a ser protegida em mor-ros, montes, montanhas e serras em todo o país (Soares-Filhoet al., 2014). O quarto exemplo de retrocesso imposto pelaLPVN é o estreitamento da faixa potencialde vegetação nativa

    a ser mantida ao longo dos cursos d’água. Antes, a faixa a ser

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  • 8/18/2019 Analise Crítica Da Lei de Proteção a Vegetação

    7/16NCON 60 1–16Como citar este artigo: Brancalion, P.H.S., et al., Análise crítica da Lei de Proteção da Vegetação Nativa (2012), que substituiu o antigo CódigoFlorestal: atualizações e ações em curso. Nat Conservacao. 2016. http://dx.doi.org/10.1016/j.ncon.2016.03.004

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    preservadae restaurada nas margens derios e riachosera defi-nida a partir do nível máximo atingido no período de cheias.Agora,passou a sermedida a partirdo dito leito regularde cur-sos d’água, aferido fora do período de chuvas. Essa alteraçãoocasiona pouco impacto em rios e riachos encaixados emvales, pela restrição do relevo ao extravasamento do cursod’água. Porém, no caso de rios de planície, poderá reduzir à

    metade a área de vegetação nativa a ser mantida pelo deslo-camento da faixa de proteção para mais próximo da calha docurso d’água,o quepoderá deixar a vegetação nativasubmersanos períodos de cheia e desprotegida a faixa que margeia ocurso d’água durante o período de cheias (Garcia et al., 2013).

    As disposições transitórias da LPVN, por sua vez, afetaramprincipalmente a exigência de restaurar a vegetação nativa,que diminuiu em 58%em relação à área potencial de ser recu-perada nos termos da legislação anterior (Soares-Filho et al.,2014). Essaredução resultadeexceçõesincluídasna LPVNparaque os proprietários rurais possam regularizar seus passivosambientais frente à nova lei. Dentre as concessões, destacam--se: i) o fim da exigência de recuperar a RL em propriedades

    com menos de quatro módulos fiscais de área (o módulo fis-cal representa o tamanho mínimo estipulado para que umapropriedade rural seja economicamente viável, varia de 5 a110 hectares conforme a região do país, é determinado combasenas principaisatividadesagrícolase nosindicadores soci-oeconômicos de cada município brasileiro), antes obrigatóriapara todas as propriedades que tivessem déficit de RL, inde-pendentemente de seu tamanho; ii) a possibilidade de reduzira largura das faixas a serem recuperadas ao longo dos cur-sos d’água que consolidou trechos de APPs que poderão sermantidos como áreas agrícolas de uso permanente e infra-estrutura (fig. 4); iii) a remoção da exigência de recuperar avegetação nativa em outros tipos de APP, como os topos de

    morro e as encostas íngremes; e iv) a possibilidade de inclu-são das APPs regulares e em recuperação de umapropriedadeno cômputo da RL devida, o que permite trocar as áreas quedeveriam ser recuperadas ou compensadas para alcançar aporcentagem mínima de RL por áreas de vegetação nativa emAPP(isso só erapermitido pelo CF de 1965 em casos especiais).

    A obrigação de recompor a vegetação nativa em APPs aolongo de cursos d’água, uma das exigências novas da LPVNincluídas nas disposições transitórias, pode em alguns casosgerarumefeitoparadoxal.EmboraoCFde1965nãoobrigassearecomposição das APPs, as atividades agrossilvipastoris deve-riam ser suspensas nessas áreas, para permitir a recuperaçãoespontânea da vegetação nativa por meio da regeneração

    natural, onde isso fosse viável. Por não determinar arecuperação de APPs em topos de morro e encostas e esta-belecer faixas muito estreitas a serem restauradas ao longode cursos d’água, com larguras que variam de 5 a 100 metros(fig. 5), a área a ser recuperada deverá diminuir, mesmo com aobrigatoriedadeatual de restabelecertrechos estreitosde APPsao longo de cursos d’água. Essa medida deve trazer ganhosrelevantes de vegetação nativa pararegiões já excessivamentedesmatadas e comusodo solo historicamente mais intensivo,como a Mata Atlântica, onde a regeneração natural tende a sermais lenta e pouco efetiva. Porém, em ecossistemas nosquaisa regeneração natural é mais viável, como na Amazônia,ondea degradação é mais recente e ainda sobraram muitos rema-

    nescentes naturais na paisagem, a legalização de atividades

    agrossilvipastoris em APPs poderá reduzir sensivelmente aárea potencial de vegetação ciliar nativa, restrita a corredoresestreitos, cuja largura será definida de acordo com o tamanhoda propriedade e a largura do rio (fig. 6). Além disso, porseremextremamente estreitas, essas faixas de vegetação são poucoefetivastantoparaa conservação da biodiversidadecomo paramanutenção de serviços ambientais. Diversos estudos mos-

    tram que os corredores ciliares precisam ter a largura mínimade 50 metros para que muitas espécies de animais consigamusá-los (Tubelis et al., 2004; Lees & Peres, 2008; Metzger, 2010;Ramos & Anjos, 2014). Um dos fatores essenciais para viabi-lizar a recuperação da vegetação nativa ao longo dos cursosd’água é isolar o fator de degradação, como a criação de gadosolto ou o cultivo continuado da área.

    Outro retrocesso significativo da LPVN foi adescaracterização parcial das funções ambientais das APPs edas RLs, que haviam sido bem explicitadas no CF precedente.A LPVN permite regularizar tanto as atividades agrossilvi-pastoris em trechos ao longo de cursos d’água ou em toda aextensão de topos de morro e encostas íngremes quanto as

    obras de infraestrutura já feitas nesses locais. Desse modo,a lei ratifica ações ilegais do passado, dadas agora comofatos consumados. Essa possibilidade cria precedentes paraque a degradação dessas áreas seja perpetuada e mantidasem vegetação nativa. Por mais que a consolidação de áreasagrícolas em APPs esteja condicionada na lei à adoção depráticas de conservação do solo e dos cursos d’água, afiscalização dessa condicionante é praticamente inexequível.Nesse contexto, faixas muito estreitas de vegetação nativaadjacentes às áreas de cultivo continuado em APPs tendem arestringir o potencial ambiental dessas áreas.

    Nocasodas RLs,a possibilidadedecompensara eliminaçãoda vegetação nativa ocorrida anteriormente em uma pro-priedade com a compra ou o arrendamento de terras comvegetação nativa do mesmo bioma remanescente em outrapropriedade, localizadaem uma microbacia hidrográfica dife-rente e que pode estar até mesmo em outro estado prejudicaa conservação da biodiversidade e a geração de serviçosambientais em regiões já muito degradadas, como o Sudestebrasileiro. O preço elevado das terrasem algumas regiões bra-sileiras tende a deslocar as áreas de compensação para outrasregiõescomo objetivodereduzircustos. Operadadessaforma,a transferência da área de compensação desconsidera os cri-térios ambientais vinculados à função da RL. Tal economia decustos sedácomo prejuízodarecuperação de bacias hidrográ-ficas importantespara o suprimento de água para a populaçãoou paisagens prioritáriaspara favorecer o fluxo gênicoe o des-locamento de plantas e animais, que trazem impactos diretosna polinização de cultivos agrícolas e no controle biológico depragas.

    Igualmente problemática é a autorização do cultivo per-manente de espécies exóticas lenhosas em até 50% das áreasde RL a serem restauradas. Essa possibilidade desvirtua asfunções ambientais essenciais das RLs, principalmente o seupapelde proteçãodefloranativa.É importante notar aindaqueessa disposição na LPVN não estabelece restrição ao uso deespécies invasoras, que podem prejudicar as espécies nativase impactar negativamente os serviços ambientais não apenasnas áreas a serem recuperadas, mas também nos remanes-centes de vegetação nativa dos arredores, que podem ser

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  • 8/18/2019 Analise Crítica Da Lei de Proteção a Vegetação

    8/16NCON 60 1–16Como citar este artigo: Brancalion, P.H.S., et al., Análise crítica da Lei de Proteção da Vegetação Nativa (2012), que substituiu o antigo CódigoFlorestal: atualizações e ações em curso. Nat Conservacao. 2016. http://dx.doi.org/10.1016/j.ncon.2016.03.004

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    Redução da área a ser recuperada do CF de 1965e leis complementares para a LPVN de 2012 (m)

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    Figura 5 – Redução da faixa de recuperação da vegetação nativa em Áreas de Preservação Permanente (APP) geradapor cursos d’água. (CF=Código Florestal; MF=Módulo Fiscal).

    colonizados pelas espécies invasoras introduzidas nas áreasde RL.

    Além de reduzir as demandas de recuperação e de permi-tir o uso agrícola continuado de áreas que antes deveriamser mantidas com vegetação nativa, a LPVN tornou possívelaos proprietários que aderirem ao PRA anistiar as multas pordescumprimento do CF de 1965 e anular as exigências de

    recuperarem suas terras do dano ambiental. Essas medidaspodem beneficiar cerca de 90% das propriedades rurais bra-sileiras e punir aquelas que historicamente cumpriram a lei(Soares-Filho et al., 2014). Essas anistias criam um precedenteperigoso por duas razões. Primeiro, por gerar a expecta-tiva de que revisões futuras na lei voltem a beneficiar osproprietários que não a seguirem rigorosamente. Segundo,

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    9/16NCON 60 1–16Como citar este artigo: Brancalion, P.H.S., et al., Análise crítica da Lei de Proteção da Vegetação Nativa (2012), que substituiu o antigo CódigoFlorestal: atualizações e ações em curso. Nat Conservacao. 2016. http://dx.doi.org/10.1016/j.ncon.2016.03.004

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    Cursos d'águaVegetação nativa remanescenteVegetação nativa a ser recuperada

    Propriedade rural 1Propriedade rural 2

    Figura 6 – Como a Lei de Proteção da Vegetação Nativa definiu que a largura da faixa demata ciliar a ser recuperada variaem função do tamanho da propriedade rural, poderá haver mudanças bruscas de tamanho de vegetação ciliar entrepropriedades vizinhas, o que levará a uma descontinuidade das funções ecológicas, como a proteção do solo e da águae seu uso como corredor ecológico pela fauna.

    por permitir ganhos econômicos maiores a autores de crimesambientais, ao permitir que nãorespondam legalmente pelosdanos que cometeram e possibilitar que continuem a lucrarcom o cultivo de áreas ocupadas irregularmente no passado,enquanto que os proprietários que cumpriram a lei anteriornão podem se valer desse benefício (fig. 7).

    Incertezas

    Passados quase quatro anos da sanção da LPVN, ainda égrande a incertezasobrecomo a nova leiserá aplicada.Algunspontos necessitam de regulamentação e falta criar e efetivarprogramas de controle e incentivo à plena implantação daLPVN. Além disso, ações jurídicas que contestam a constitu-cionalidade de determinados itens dessa lei estão em análiseno STF. Perante esse quadro, hoje só é possível avaliar partedas consequências reais da LPVN que preocupam diferentessetores da sociedade. Boa parte da comunidade científica e deentidades e movimentos de proteção ambiental teme que aaplicação da nova lei aumente a perda de vegetação nativae diminua a necessidade de recuperação em regiões já muitodegradadasemdecorrênciadosretrocessosaquiidentificados.

    Osprodutores rurais, porsuavez, receiam queo cumprimentoda LPVN torne suas propriedades economicamente inviáveis,uma vez que poderão ser obrigados a usar parte de suasterras produtivas para recompor, com recursos financeirospróprios, a vegetação nativa suprimida.A seguir, discutiremosalguns dos impactos potenciais que a LPVN pode trazer para aconservação da biodiversidade, a geração e a manutenção deserviços ambientais e a produção agropecuária.

    Conservação da biodiversidade

    Váriosartigos da LPVN proíbem a conversão de novasáreasdevegetação nativa em áreas agrícolas. Mas exceções incluídas

    na leie a redação ambivalentede algunsde seus trechoscriam

    contradições quepodem, emmuitos casos, invalidar esseprin-cípio. As contradições surgem principalmente nos casos emque as disposições transitórias reduziram a proporção ou aextensão da vegetação nativa a ser preservada. Incertezasde conteúdo e da validade dessa nova lei dificultam o seucumprimento e já ameaçam destruição da vegetação nativano Brasil pela pressão de expansão da fronteira agrícola, emespecial no Cerrado e na Caatinga, que são, respectivamente,os biomas de savana e semiárido mais diversos do planeta(Soares-Filho et al., 2014). No primeiro ano após a publicação

    da lei, a supressão de vegetação nativa na Amazônia Legalaumentou quase 30%, reverteu uma tendência de quasedez anos de queda (PRODES, 2014). Já na Mata Atlântica houveuma elevação médiana taxade supressãode vegetação nativade 9%, índice que chegou a 150% no Piauí (SOS Mata Atlântica& INPE, 2014). Esses dados mantêm o Brasil no constrange-dor posto de país com maior taxa de supressão de vegetaçãonativa no mundo (FAO, 2015).

    Essa redução de habitats é o principal fator associado àextinção deespéciesnopaís (Ribeiro& Freitas, 2014). Seusefei-tosassumemimportância globalpelo fato deo Brasilser o paíscom a maior biodiversidade do mundo (Lewinsohn & Prado,2005). Mesmo que não se destruam novas áreas de vegetação

    nativa, muitas espécies de plantas e animais encontrados emecossistemasbastantealterados e fragmentados, comoa MataAtlântica, poderão ser extintas em decorrência de seu iso-lamento reprodutivo. Várias delas subsistem precariamenteem pequenos fragmentos de vegetação nativa, degradados eisolados uns dos outros por grandes áreas agrícolas e urba-nas (fig. 8). Estudos recentes indicam que há um declínioabrupto na integridade ecológica de comunidades de váriosgrupos animais quando a proporção de vegetação nativa deuma região cai, respectivamente, para menos de 30% na MataAtlânticaou43%emflorestasdaAmazônia(Pardinietal.,2010;Banks-Leite et al., 2014; Ochoa-Quintero et al., 2015). Conside-rando querestamsomente de 11%a 16%da vegetação original

    da Mata Atlântica (Ribeiro et al., 2009) e que extensas regiões

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  • 8/18/2019 Analise Crítica Da Lei de Proteção a Vegetação

    10/16NCON 60 1–16Como citar este artigo: Brancalion, P.H.S., et al., Análise crítica da Lei de Proteção da Vegetação Nativa (2012), que substituiu o antigo CódigoFlorestal: atualizações e ações em curso. Nat Conservacao. 2016. http://dx.doi.org/10.1016/j.ncon.2016.03.004

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    CódigoFlorestalDe 1965

    Cursod’água

    Cursod’água APP

    APP RL

    RL

    AgriculturaAgricultura

    Agricultura Agricultura

    APPVegetação nativa

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    Café

    RL

    RL

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    Pastocultivado

    Pastocultivado

    Pastocultivado

    Lei de Proteçãoá VegetaçãoNativa de 2012

    Preserva a vegetação nativaem topos de morro, encostasdeclivosas e nas margens dos rios(APP) e mantém uma porcentagemmínima de vegetação nativa forade APP como RL

    Maior justiça, pois quem desrespeitou a lei é punido (pagamulta) e tem que recuperar parcialmente o dano por meio derecuperação. A área final ocupada por atividades agropecuárias,que gera a maior parte do retorno econômico da propriedade,é proporcionalmente a mesma entre a propriedade querespeitou a lei e aquela em regularização

    Preserva a vegetação nativa emtopos de morro, encostas declivosase nas margens dos rios (APP) emantém uma porcentagem mínimade vegetação nativa fora de APPcomo RL

    Injusto, pois quem desrespeitou a lei não paga multa, não temque recuperar toda a área de vegetação nativa que foi suprimidairregularmente e pode continuar usando a área. A área finalocupada por atividades agropecuárias é proporcionalmente maiornas propriedades que descumpriram a lei, permitindo maior lucropara quem não cumpriu as normas de preservação ambiental

    Caso o proprietário ou posseiro rural adiraao Programa de Regularização Ambiental, i)a multa fica suspensa; ii) não há necessidadede recuperar o déficit de vegetação nativaem topos de morro e encostas e apenasuma faixa estreita de margem de rio tem queser recuperada; e iii) podem ser mantidasatividades agrosilvipastoris em APPs, desdeque conservem solo e água. Propriedadespequenas e médias não têm que recuperar RL

    Ações possíveis: pagamento de multa eobrigatoriedade de recuperar a vegetaçãonativa de APP e RL

    Cumpre a Legislação

    Cumpre a Legislação

    Em Recuperação

    Em Recuperação

    Não Cumpre a Legislação

    Não Cumpre a Legislação

    Figura 7 – Comparação entre uma propriedade rural que seguiu e outra que não seguiu o Código Florestal de 1965 emrelação às possibilidades de uso do solo e necessidade de recuperação da vegetação nativa, de acordo com a Lei de Proteçãoda Vegetação Nativa de 2012, em Áreas de Preservação Permanente (APP) e Reserva Legal (RL).

    de outros biomas brasileiros já estão abaixo dos limiares decobertura apontados pelosestudos, muitas extinções são imi-nentes no futuro, é apenas uma questão de tempo.

    A aplicaçãoda LPVNpoderá agravar essequadro porpermi-tir a redução de até 58% na área a ser recuperada e possibilitara compensação da RL longe das regiões com carência críticade vegetação nativa (Soares-Filho et al., 2014). Parte dessasextinções poderá ser evitada com a recuperação em amplaescala da vegetação nativa, principalmente nos trechos quepermitem maior conexão entreos fragmentos isoladosna pai-sagem (Brancalion et al., 2013). Assim, esses e outros estudos justificam a necessidade de manter APPs e RLs com as dimen-sões exigidas pelo CF de 1965, ou até mesmo de aumentá-las

    em ecossistemas criticamente ameaçados (Metzger, 2010).

    Geração e manutenção de serviços ambientais

    Perdas adicionais de vegetação nativa podem comprometerainda mais a manutenção de serviços ambientais, como apurificação de água, a proteção do solo, a polinização de cul-tivos agrícolas e a regulação climática. Ao mesmo tempo,a redução da proteção da vegetação nativa remanescente eda área a ser restaurada, bem como a alteração da funçãoambientaldasAPPs e dasRLs, pode expandir e agravar proble-mas ambientais já observados em diversas regiões brasileiras,como falta d’água, deslizamentos de encostas, inundações esecas.

    Essas consequênciaspodem afetar tanto a atividadeeconô-

    mica como a qualidadede vida da população de áreas urbanas

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    11/16NCON 60 1–16Como citar este artigo: Brancalion, P.H.S., et al., Análise crítica da Lei de Proteção da Vegetação Nativa (2012), que substituiu o antigo CódigoFlorestal: atualizações e ações em curso. Nat Conservacao. 2016. http://dx.doi.org/10.1016/j.ncon.2016.03.004

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    Figura 8 – Exemplo que mostra como a fragmentação da vegetação nativa após conversão para uso agrícola pode levar àextinção de espécies. Antes do desmatamento (1), a fauna pode se deslocar livremente por uma grande área de vegetaçãonativa, encontrar alimento, abrigo e parceiros para acasalamento. Isso permite que sejammantidas populações grandes esaudáveis, ou seja, viáveis. Logo após o desmatamento (2), algumas espécies da fauna desaparecem de imediato de trechosmuito pequenos e isolamentos de vegetação nativa,mas podem permanecer em áreas um pouco maiores e conectadas oupróximas a outras áreas. Mas com o tempo (3), o isolamento reprodutivo pode causar problemas genéticos e as áreaspequenas podem não oferecer alimento suficiente paramanter populações viáveis e fazer comque parte das espécies váaos poucos sendo extinta.

    e de regiões já excessivamente convertidas em uso agrícola. Aágua proveniente da Mata Atlântica abastece mais de oito emcada dez pessoas no Brasil, contribui para a geração de 70%do PIB nacional e produz 62% da energia elétrica do país (Jolyet al., 2015). Além de pôr em risco a oferta de água, a supres-são e a ausência de recuperação da vegetação nativa podemcomprometer a sua qualidade. A consolidação de atividadesagropecuárias em APPs e o estreitamento das faixas a seremrecuperadas nas margens de rios e riachos podem prejudicara função de filtro desempenhada pela vegetação nativa, queretém solo, agrotóxicos e fertilizantes (Bicalho et al., 2010). Aredução de APPs também favorece o aporte de mais sedimen-

    tos para os cursos d’água, o que pode danificar as turbinas

    das hidrelétricas, diminuir a vida útil das represas e reduzir aprodução de energia.

    A preservação e a recuperação da vegetação ao redor dosmananciais devem beneficiar principalmente a agricultura,atividade que usa até 70% de toda a água consumida no paíse pode também tirar proveito de outros serviços ambientais.Estudos mostram que cultivos agrícolas próximos a rema-nescentes de vegetação nativa são mais produtivos, uma vezque várias espécies de animais, plantas e microrganismosatuam no controle biológico das pragas e doenças causadorasde perdas de produção nos cultivos (Silva et al., 2012). Parterelevante da produção agrícola brasileira depende da ação de

    polinizadores (fig. 9), os quais são também favorecidos pela

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    12/16NCON 60 1–16Como citar este artigo: Brancalion, P.H.S., et al., Análise crítica da Lei de Proteção da Vegetação Nativa (2012), que substituiu o antigo CódigoFlorestal: atualizações e ações em curso. Nat Conservacao. 2016. http://dx.doi.org/10.1016/j.ncon.2016.03.004

    ARTICLE IN PRESSNCON601–16

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    ÁreaPlantadahectares

    ProduçãoToneladas

    Soja(grão)

    Café

    (grão)

    Laranja

    Algodão em caroço

    Maracujá

    Pêssego

    Melão

    Caju

    (castanha)

    Valoresda ProduçãoR$

    Dependênciade Polinização

    50%21.252.721

    2.250.491

    837.031

    1.067.444

    59.833.105

    2.796.927

    18.538.084

    3.983.361

    39,1 bi

    10,5 bi

    5,1 bi

    3,9 bi

    49.112

    21.326

    684.376

    239.149

    15.788

    748.448

    340.464

    243.253

    483 mi

    263 mi

    257 mi

    213 mi

    40%

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    100%

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    45-75%

    88%

    Figura 9 – Dependência de polinizadores de algumas culturas agrícolas brasileiras e impactos econômicos desse serviçoambiental (Adaptado de Silva et al., 2012; bi =bilhões, mi=milhões).

    proximidade da vegetação nativa. Poressarazão,a diminuiçãodo habitat nativo desses animais pode causar redução nassafras e aumento dos custos de produção agrícola.

    As APPs e as RLs também prestam um serviço ambientalde impacto regional e até global ao estocar compostos de car-bono e evitar a emissão de gases de efeito estufa. Somenteas unidades de conservação terrestres do Brasil, que cobrem

    17% do território nacional (Ferreira & Valdujo, 2014), já impe-diram a emissão de 2,8 bilhões de toneladas de carbono paraaatmosfera. No mercado internacional de créditos de carbono,esse serviço atinge um valor estimado em 96 bilhões de reais(Medeiros et al., 2011). Essa capacidade de armazenamento decarbono,porém, pode ser reduzida em até 53%, caso haja umadiminuição significativa dasáreas de APPs e RLsa serem recu-peradas. Na Amazônia e no Cerrado, a redução da vegetaçãonativa deve favorecer a expansão da fronteira agrícola, maspode prejudicar o cumprimento dos compromissos interna-cionais assumidos pelo Brasil sobre a emissão de gases doefeito estufa (Rajão & Soares-Filho, 2015). A essa perda, deve--se somar outra: a redução do ganho econômico e social com

    produtos que compõem o serviço de provisão de alimentose que podem ser extraídos de maneira sustentável dos ecos-sistemas nativos conservados, como frutos, sementes, fibras,fármacos e forragem para o gado.

    Outro serviço sob risco evidente é a estabilização geológicade áreas mais vulneráveis a distúrbios, como topos de morro,encostas e vales. Todos os anos, centenas de pessoas mor-reme milharesficam desalojadas no Brasil em decorrência dedesastres causados pelo uso ilegal da terra, enquanto gover-nos gastam grandes quantias para mitigar essas perdas (MIN,2014). Estima-se que 70% das mortes causadas por enchentese deslizamentos de terra ocorridos em 2011 na Região Ser-rana do Estado do Rio de Janeiro tenham acontecido em áreas

    que, de acordo com o CF de 1965, deveriam ter sido protegidas

    (fig. 10). Conservar e recuperar a vegetação nativa nessas áreasde risco, muitas delas agora desprotegidas pela LPVN, seriauma estratégia mais eficiente de evitar prejuízos materiais,usar recursos públicos e salvar vidas.

    Produção agropecuária

    Análises e estudos detalhados não sustentam aspreocupações de que o cumprimento do CF de 1965 ouda LPVN prejudique a atividade agrícola, pastoril e silvicul-tural no país. O Brasil dispõe de 275 milhões de hectaresde terra para essas atividades, dos quais 70% são ocupadospela pecuária extensiva, na maioria das vezes em pastagensformadas por gramíneas exóticas em áreas anteriormenteocupadas por florestas e cerrados. Os 30% restantes estãodestinados a cultivos agrícolas e silviculturais (Sparovek et al.,2010). Hoje a produtividade em áreas de pastagens cultivadasé bem inferior à que pode ser alcançada com boas práticasde manejo. O aumento dessa produtividade, sobretudo naspastagens estabelecidas em áreas florestais, seria suficiente

    para o país fazer nas próximas três décadas a maior expansãode produção agrícola do mundo, sem ocupar novas áreasde vegetação nativa: o incremento de 50% na produtividadedessas pastagens, o que não depende de grande esforço einvestimento, seria suficiente para, sem diminuir a produçãopecuária, liberar para a agricultura 80 milhões de hecta-res hoje ocupados por pastos (Strassburg et al., 2014). Nosúltimos anos, o Estado do Mato Grosso obteve aumentossignificativos de produção agrícola sem novas supressõesde vegetação nativa, o que comprova a viabilidade dessaestratégia (Macedo et al., 2012). A mesma tendência tem sidoobservada na produção de soja na Amazônia (Nepstad et al.,2014). No Estado do Espírito Santo, a intensificação sustentá-

    vel da pecuária tem se mostrado o caminho mais viável para

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    13/16NCON 60 1–16Como citar este artigo: Brancalion, P.H.S., et al., Análise crítica da Lei de Proteção da Vegetação Nativa (2012), que substituiu o antigo CódigoFlorestal: atualizações e ações em curso. Nat Conservacao. 2016. http://dx.doi.org/10.1016/j.ncon.2016.03.004

    ARTICLE IN PRESSNCON601–16na tu re za & c on se rv aç ão x xx (2 01 6) xxx.e1–xxx.e16 xxx.e13

    Figura 10 – Em 2011, fortes chuvas na Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro levaram à morte de centenas de pessoase ao desalojamento de milhares, principalmente em áreas protegidas pelo Código Florestal de 1965 e hoje parcialmentedesprotegidas pela Lei de Proteção da Vegetação Nativa, como topos de morro, encostas íngremes e margens de cursosd’água. Na imagem à esquerda, área antes dos deslizamentos de terra, e à direita, a mesma área após as fortes chuvas de2011, o que evidencia os impactos nas regiões de baixada, onde habitações se localizavam dentro dos limites de Áreasde Preservação Permanente. Imagens obtidas pelo Google Earth 2006/2010 e apresentadas emMMA, 2011.

    ampliar concomitantemente a área de cultivos agrícolas e defloresta nativa para atender metas estabelecidas por políticaspúblicas de uso do solo (Latawiec et al., 2015).

    A recuperação da vegetação nativaemAPPse RLs,seguindoplenamente as determinações da LPVN,se fará à custa de per-das moderadas para o agronegócio. Apenas 600 mil hectaresdeAPPs a seremrecuperadasà margemde cursosd’água estãoocupados por culturas agrícolas, o equivalente a cerca de 0,2%da área dedicada à agropecuária no Brasil (Soares-Filho et al.,2014). No caso das RLs, se a recuperação da vegetação nativafosse alocada em pastagens cultivadas em áreas de declive,

    com baixa produtividade e pouco retorno econômico, menosde 550 mil hectares teriam de ser recuperados em terrenosmecanizáveis e que poderiam ser ocupados pela agricultura(Soares-Filho et al., 2014). Casoessas possibilidades se concre-tizem,menos de 0,5% da área agrícola efetivamente produtivado país seriaperdidopara a restauração de campose florestas.Essa perda não compromete a sustentabilidade econômica depropriedades rurais (Rodrigues et al., 2011) e poderia ser com-pensada, em grande parte, por aumentos de produtividadesemelhantes aos observados nos últimos anos na agropecuá-ria brasileira (Strassburg et al., 2014).

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    14/16NCON 60 1–16Como citar este artigo: Brancalion, P.H.S., et al., Análise crítica da Lei de Proteção da Vegetação Nativa (2012), que substituiu o antigo CódigoFlorestal: atualizações e ações em curso. Nat Conservacao. 2016. http://dx.doi.org/10.1016/j.ncon.2016.03.004

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    Há que se considerar ainda que a maior extensão das ter-ras que não cumprem a LPVN é destinada à produção decommodities agrícolas, em grandes propriedades mantidas porprodutores de maior poder financeiro. Além disso, a maiorparte dos alimentos consumidos pela população brasileira éproduzida pela agricultura familiar, que é mais prejudicadapela carência de políticas agrícolas adequadas do que pela

    legislação ambiental (Martinelli et al., 2010). Como agravante,os agricultores familiares são especialmente afetados peladegradação ambiental por terem sido deslocados historica-mentepara asáreasde menoraptidão agrícolae jádegradadaspelo manejo inadequado do solo (Rodrigues et al., 2011). Nafalta de assistência técnica adequada, eles são levados a usaráreas protegidas pela legislação ambiental, mesmo aquelascom baixo potencial produtivo, para ampliar a área de cul-tivo e aumentar seus rendimentos. Esses fatos reforçam aconstatação de que as questões agrícolas e as ambientais sãointerdependentes e devemser analisadas de forma integrada.

    Outro argumento recorrente de produtores rurais contraa LPVN e a legislação que a precedeu é que os custos de

    recuperação da vegetação nativa seriam elevados a ponto decomprometer a viabilidade econômica das atividades agros-silvipastoris e prejudicar a competitividade internacional doagronegócio brasileiro. Estimativas veiculadas pela mídia dosgastos com restauração necessários para adequar as propri-edades rurais às exigências da nova lei alcançam a casa dosbilhões de reais. No entanto, essas estimativasdesconsideramquea maioria dasáreasa serem recuperadasseguindoa LPVNpoderá sevaler da regeneração natural,ou seja, dagerminaçãode sementes e da rebrota de tocos e raízes ainda presentes naárea, alémda dispersãode sementesvindasderemanescentesdas redondezas (Brancalion et al., 2015). Nos casos em que forpossível optar pela regeneração natural, o plantio de mudas

    pode ser reduzido ou até dispensado e baixar muito os custosda recuperação.

    De modo geral, as estimativas de custos de restauraçãotambémnão levamem consideração que, quando a área a serrecuperada for de RL, o restabelecimento da vegetação nativapoderá até mesmo gerar lucro ao possibilitar a exploração demadeira, frutos, forragem e outros produtos dos ecossiste-mas em recuperação (Rodrigues et al., 2009; Brancalion et al.,2012). Nas RLs há ainda a possibilidade de formar consór-cios altamente rentáveis de espécies nativas com espéciesexóticas. Dessa forma, os custos da recuperação certamenteserão muito inferiores aos apresentados pelos oponentes daatual LPVN. No entanto, é importante que esses custos sejam

    reduzidos por meio do oferecimento de assistência técnicaadequada aosprodutores rurais,do desenvolvimento de novastecnologias e da desoneração fiscal da cadeia de ações derestauração.

    Ações em curso

    Desde janeiro de 2013 o STF analisa três ações diretasde inconstitucionalidade (ADIs) propostas pela ProcuradoriaGeral da República. As ADIs 4901, 4902 e 4903 argumentamque ferem a Constituição federal os trechos da LPVN que, emcondições específicas, permitem anistiar multas por supres-

    são da vegetação nativa feita em desacordo com a legislação

    anterior, bem como reduzir as áreas de vegetação nativa quedevem ser conservadas ou recuperadas. Caso sejam julgadasprocedentes, essas ADIs alterarão parte relevante da LPVN.A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) ea Academia Brasileira de Ciências (ABC) já se manifestaramfavoráveis ao acolhimento das ADIs (Nader & Palis, 2015), oque reforçou a posição dos cientistas brasileiros contra os

    retrocessos ambientais favorecidos pela LPVN. Ainda nessesentido, em 2015, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG)considerou inconstitucional o artigo 67da LPVN. Esse artigopermite – indevidamente, no entendimento do TJMG, com oqual concordamos – que o proprietário do imóvel rural deaté quatro módulos fiscais não recomponha áreas de RL parasuprir déficits de vegetação nativa. Essa decisão do TJMG abre jurisprudência para que outros tribunais de justiça estadu-ais se pronunciem, sem depender da decisão do STF, sobreas ADIs indicadas. Várias decisões jurisprudenciais adotadasem outros estados vão nesse mesmo sentido.

    Está em curso também a regulamentação da LPVN noâmbito estadual. Essa regulamentação consiste na elaboração

    de leis, decretos e resoluções para fixar regras e esclarecercomo a lei federal será aplicada em cada estado. Algunsmeca-nismos previstos na LPVN, como o uso de espécies exóticasem RLs e a compensação da RL em outros estados, em áreasdefinidas como prioritárias pelo poder público, precisam serregulamentados tanto em nível federal como estadual. Nesseprocesso, os estados podem estabelecer medidas mais rigoro-sas de proteção ambiental, mas nunca mais permissivas, doque a lei federal. Essa determinação oferece uma oportuni-dade valiosa para corrigir alguns dos retrocessos ambientaistrazidospela LPVN e para aperfeiçoar a leiao adaptá-laàs par-ticularidades socioeconômicas e ambientais de cada estado.

    No Estado de SãoPaulo,por exemplo,a Resolução ConjuntaSMA/SAA-1de 29 de janeiro de 2016, estabelecida pelas Secre-tarias de Agricultura e de Meio Ambiente, somente autorizaa compensação da RL fora do estado em bacias hidrográ-ficas que abastecem São Paulo. No entanto, essa restriçãoestá sendo fortemente questionada pelo grupo ruralista doEstado, que quer compensar RL em quaisquer estados abran-gidos pelos biomas presentes em São Paulo (Cerrado e MataAtlântica). Isso deixa evidente o desafio que representa sus-tentar o interesse geral da sociedade, por exemplo, preservarmananciais responsáveis pelo fornecimento de água, quandoesse interesse se choca com o de grupos específicos comgrande poder econômico e capacidade de articulação política.Dada a redação imprecisa de alguns trechos da LPVN, a suaregulamentação no âmbito estadual abre oportunidade tantopara avanços como para novos retrocessos ambientais, anco-radosem interpretações duvidosas da lei federal, comoocorreno trecho relativo à obrigatoriedade de recuperar RL em áreasde Cerrado em São Paulo.

    Segue também em andamento a implantação, pelo Minis-tériodo MeioAmbiente, do PlanoNacionalparaa Recuperaçãoda Vegetação Nativa (Planaveg), que tem como objetivoampliar e fortalecer as políticas públicas, incentivos financei-ros, mercados, boas práticas agropecuárias e outras medidasnecessárias paraa recuperação de 12,5milhões de hectaresdevegetação nativa nos próximos 20 anos. Trata-se de um planoinovadornocontextoambientalbrasileiro, elaborado de formaparticipativa. Ao contráriodo setor agrícola, o setor ambiental

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