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UNIVERSIDADE FEDERAL DA GRANDE DOURADOS
FACULDADE DE DIREITO E RELAÇÕES INTERNACIONAIS
CURSO DE DIREITO
ANAIS DO II SIMPÓSIO JURÍDICO – UFGD
Primavera de 2015,
24 a 27 de Novembro.
2
Anais do II SIMPÓSIO JURÍDICO – UFGD
Tema: "Desafios do Direito Constitucional no Séc. XXI”
24 a 27 de novembro de 2015 – Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD
Dourados - MS
I Encontro de Pesquisadores da FADIR
I Encontro Científico do Simpósio Jurídico – UFGD.
1º Concurso de Poesias da Faculdade de Direito e Relações Internacionais
Ficha Catalográfica:
Simpósio Jurídico UFGD ( 2015: Dourados, MS).
Anais do [Recurso eletrônico] II Simpósio Jurídico – UFGD. – Dourados/MS
Tema: Desafios do Direito Constitucional no Séc. XXI” Florianópolis : Fundação
Boiteux, 2012. Tema: Sistema Jurídico e Direitos fundamentais individuais e Coletivos
ISBN:978-85-7840-081-1 Inclui bibliografia Modo de acesso:
http://www.conpedi.org.br em anais dos eventos 1. Direito – Estudo e ensino (Pós-
graduação) – Brasil – Congressos. 2. Direito – Filosofia. I. Conselho Nacional de
Pesquisa e Pós-graduação em Direito. II. Título. CDU: 34
3
APRESENTAÇÃO
É com muita satisfação que esta equipe apresenta ao público acadêmico os Anais do II
Simpósio Jurídico - UFGD, realizado nos dias 24 a 27 de Novembro de 2015,
organizado pelo Curso de Direito da Faculdade de Direito e Relações Internacionais e
pelo Centro Acadêmico Águia de Haia, no próprio campus da Universidade. Essa
segunda edição contou com encontros científicos e com um concurso de poesias (que
também estão publicadas nesses anais).
Os Anais do II Simpósio Jurídico – UFGD representam a concretização da aspiração
destes pesquisadores que encontraram no espaço do evento, local eficaz para publicação
e publicização de suas pesquisas. Também representam a preocupação com a interação
e intercâmbio de informações de pesquisa, já que contamos com a participação de
Instituições de Ensino Superior de Dourados e outras cidades do Mato Grosso do Sul.
O evento teve como motivação oportunizar a pesquisa e a discussão de temas e assuntos
ligados ao Direito Constitucional e seus desafios e contamos com a participação de
acadêmicos, professores e pós-graduandos em um evento ímpar para a comunidade
jurídica da FADIR e demais instituições.
Ressalte-se, enfim, os sinceros agradecimentos desta equipe à equipe de Coordenação e
Organização do II Simpósio Jurídico, agradecendo, principalmente, aos participantes
que confiaram em nós suas pesquisas, generosamente usando o espaço do evento para
fortalecer a relação entre ensino, pesquisa e extensão.
Esperamos que apreciem a leitura dos presentes anais do evento.
Comissão Organizadora
Dourados, Dezembro de 2015.
4
ÍNDICE DOS TRABALHOS
I – Seção: Encontro de Pesquisadores da FADIR ......................................................................... 6
1. ANISTIA E JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO ........................................................................ 6
2. CONTRADITÓRIO MERAMENTE FÁTICO DESVIRTUA AMPLA DEFESA ........ 12
3. REFLEXÕES SOBRE A POLÍTICA PARA CRIANÇAS REFUGIADAS NO BRASIL
17
4. A REFORMA AGRÁRIA NO MERCOSUL: a dignidade da pessoa humana através do
acesso à terra ........................................................................................................................... 21
5. ACERCA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL: a ótica sobre os “Black
Blocs” e a democracia ............................................................................................................. 27
6. ACESSO AO JUDICIÁRIO TRABALHISTA E LEGISLAÇÃO DO TRABALHO:
Instrumentos de Garantia aos Direitos Humanos no Trabalho ................................................ 33
7. A CRIAÇÃO DA UNIDADE EXPERIMENTAL DE SAÚDE E SUAS IMPLICAÇÕES
38
II – Seção: Encontro Científico do II Simpósio Jurídico – UFGD.............................................. 44
1. ESTADO E IGREJA: novos desafios e possibilidades no estado democrático de direito
44
2. AS BARREIRAS IMPOSTAS PELA SÚMULA VINCULANTE À CIENCIA DO
DIREITO: análise sob a perspectiva de Thomas S. Kuhn ...................................................... 52
3. O PRECONCEITO MASCARADO VERSUS O PRECONCEITO NÍTIDO: o paralelo
entre a mulher brasileira e a mulher afegã. ............................................................................. 59
4. INSTABILIDADE DA JURISPRUDÊNCIA E A SEGURANÇA JURÍDICA. ............ 65
5. O PRECEDENTE COMO INSTRUMENTO DE GARANTIA À SEGURANÇA
JURÍDICA............................................................................................................................... 71
6. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS, FAMÍLIAS RECONSTITUÍDAS E A
VALIDADE DOS ACORDOS DE RESPONSABILIDADE PARENTAL ........................... 79
7. NOVOS MODELOS FAMILIARES E A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988:
desafios contemporâneos para o reconhecimento do poliamor ............................................... 86
III – Seção: Poesias do 1º Concurso da FADIR .......................................................................... 95
ODE À CONSTITUIÇÃO (1º Colocado) ................................................................................... 95
DOS DIREITOS E DAS DESIGUALDADES FUNDAMENTAIS (2º colocado) .................... 96
5
CANÇÃO MAGNA (3º Colocado) ............................................................................................. 97
AMADA CARTA BRASIL (Menção honrosa) .......................................................................... 97
A DESIGUALDADE DA IGUALDADE (Menção Honrosa) .................................................... 99
6
I – Seção: Encontro de Pesquisadores da FADIR
1. ANISTIA E JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO
MATOS, Jatene da Costa1
PALAVRAS – CHAVE: Lei 6.683/1979, Movimento pela Anistia, Transição política.
INTRODUÇÃO
No mês de novembro de 2010 a Corte Interamericana de Direitos Humanos
condenou o Estado brasileiro por não ter investigado os crimes cometidos durante a
ditadura militar (1964-1985). A decisão estabelece que a Lei de Anistia (Lei nº
6.683/1979) é incompatível com as normas internacionais ratificadas pelo Brasil, não
podendo a referida lei ser um obstáculo para investigação de graves violações de
direitos humanos ocorridas à época da ditadura, bem como para o julgamento e a
punição dos responsáveis.
A decisão da Corte tem por objeto a demanda2 do Caso 11.552, denominado
“Gomes Lund e outros” contra a República Federativa do Brasil, proposto em 1995 pela
Comissão Interamericana de Direitos Humanos em nome das pessoas desaparecidas no
contexto da Guerrilha do Araguaia3. A sentença recomenda ao Estado brasileiro a
realização de medidas concretas de reparação e justiça, como também a solução dos
casos de desaparecimento político, a partir da localização dos corpos4, entre outras
medidas de informação e memória, além das já implementadas, consideradas na decisão
como insuficientes. Para Maurice Politti (2011, p. 21) “muito importante nesta sentença
é a declaração da Corte no sentido de que são nulas e carecem de todo valor as leis de
auto-anistia, instando o Governo Brasileiro a rever a Lei de Anistia”.
Entretanto, em abril de 2010, o Supremo Tribunal Federal (STF), por sete votos
a dois, já havia decidido pela não revisão da Lei de Anistia, um dos argumentos foi o de
que “a anistia brasileira, concedida na forma da Lei n. 6.683/79, resultou de uma
1 Mestre em Sociologia pela Faculdade de Ciências Humanas e especialista em Direitos Humanos e
Cidadania pela Faculdade de Direito e Relações Internacionais da UFGD. E-mail:
[email protected]. 2 O caso trata da responsabilidade do Estado pela detenção arbitrária, tortura, desaparecimento forçado e
execução extrajudicial de 62 pessoas, resultado de operações do Exército brasileiro, empreendidas entre
1972 e 1974, com o objetivo de combater a Guerrilha do Araguaia. 3 A Guerrilha do Araguaia foi um movimento de resistência no campo (1967-1974). Os guerrilheiros
“tentaram estabelecer uma base para a luta contra o regime militar. Nos anos 70 entraram em luta armada
contra o Exército, que mobilizou 20 mil soldados para combater os 86 membros. Quinze guerrilheiros
morreram e 51 desapareceram” (GOHN, 2003, p. 109). 4 Conforme consta na decisão da Corte (p. 45), “transcorridos mais de 38 anos, contados do início dos
desaparecimentos forçados, somente foram identificados os restos mortais de duas (pessoas). O Estado
continua sem definir o paradeiro das 60 vítimas desaparecidas restantes, na medida em que, até a presente
data, não ofereceu uma resposta determinante sobre seus destinos. A esse respeito, o Tribunal reitera que
o desaparecimento forçado tem caráter permanente e persiste enquanto não se conheça o paradeiro da
vítima ou se encontrem seus restos, de modo que se determine com certeza sua identidade”.
7
pressão social”5, assim, “todos os votos que acompanharam o brilhantíssimo voto do
Ministro Relator mostraram que a lei nasceu de um acordo costurado por quem tinha
legitimidade social e política para, naquele momento histórico, celebrar um pacto
nacional”6, por isso, não seria possível a revisão da lei.
Este trabalho tem por objetivo analisar a participação social na luta pela anistia e
o papel dos movimentos sociais para uma justiça de transição no Brasil, a fim de
verificar se a Lei de Anistia, de 1979, pode ser considerada como resultado da atuação
dos atores sociais, especificamente, do Movimento pela Anistia.
MATERIAIS E MÉTODOS
O trabalho foi desenvolvido empregando o método exploratório bibliográfico e a
análise de documentos, enquanto técnica de pesquisa. No que diz respeito às fontes
utilizadas, destacam-se os livros disponibilizados pelo Centro de Referência das Lutas
Políticas no Brasil, do Arquivo Nacional, e em relação aos documentos analisados,
ressalta-se o Documentário da Comissão sobre Anistia, a legislação do período
autoritário e os arquivos acerca do Movimento pela Anistia, da Fundação Perseu
Abramo. Este resumo é parte dos resultados do trabalho de conclusão de curso da
especialização em Direitos Humanos e Cidadania e da dissertação de mestrado em
Sociologia.
DISCUSSÃO E RESULTADOS
A ditadura brasileira foi imposta por um grupo de militares, com o apoio da
sociedade, através de um golpe de Estado. Os militares, associados aos interesses da
burguesia e respaldados pelo governo norte-americano, justificavam o golpe como
sendo para defesa da ordem e das instituições contra o perigo comunista, diante do
esgotamento da política nacional que orientava o desenvolvimento e a industrialização
do país no pós segunda guerra mundial e os imperativos dos novos modelos de
expansão capitalista (HABERT, 1996). Deste modo, como resposta “adequada e
necessária” às ameaças ao regime de exceção implantado, para “defesa da ordem e das
instituições”, passou-se a justificar a total liberdade de ação da máquina repressora do
Estado.
O resultado da política de repressão estabelecida pelo regime militar, conforme
Agassiz Almeida (2007), pode ser expresso em números: cerca de 120 mil pessoas
passaram pelas prisões, aproximadamente 40 mil foram submetidos a torturas de toda
ordem, cerca de 500 militantes mortos pelos órgãos repressivos, incluindo 152
“desaparecidos”, dezenas de baleados em manifestações públicas, com uma parte
incalculável de mortos, 11 mil indiciados em processos judiciais por crimes contra a
segurança nacional, centenas condenados à pena de prisão, 130 banidos e milhares
exilados, 780 tiveram seus direitos políticos cassados por dez anos, inúmeras
aposentadorias, cassações e demissões do serviço público.
5 Voto da ministra Cármen Lúcia na decisão do STF sobre a Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental (ADPF) nº. 153/2010, p. 92. 6 Voto do ministro Cezar Peluso na decisão do STF sobre a ADPF nº. 153/2010, p. 210.
8
As anistias são meios de conciliação política. Nesse sentido, a anistia é atribuída
como um pacto realizado entre as forças sociais e o Estado, com a finalidade de
possibilitar a transição política, de maneira pacífica.
No Brasil, a anistia, de 1979, foi um dos mecanismos, depois as eleições diretas,
utilizados para viabilizar a transição do regime autoritário para o democrático, que está
em fase de consolidação, depois de vinte e um anos de ditadura militar. No entanto,
ainda hoje se discute o papel dos movimentos sociais no processo que resultou na
aprovação da Lei nº 6.683/1979.
A presente pesquisa focaliza os movimentos de anistia em um período específico
da transição política brasileira, entre os anos de 1974 e 1979, a partir da abertura
política até a aprovação da lei de anistia.
O início da transição do regime autoritário para o democrático ocorre a partir de
1974, ainda que de forma “lenta gradual e segura”, nas palavras do então presidente
Ernesto Geisel. Trata-se de uma transição política “controlada” e “prolongada” pelo
regime militar.
O governo Geisel enfrentou sucessivas crises, de ordem econômica, política e
social, que possibilitaram a abertura e o surgimento de oportunidades políticas para os
movimentos sociais, especificamente, para o Movimento pela Anistia.
O Movimento pela Anistia era integrado por Movimentos Femininos pela
Anistia (MFPAs), por Comitês Brasileiros de Anistia (CBAs) e Sociedades de Defesa
dos Direitos Humanos (SDDHs), constituindo, conforme Tarrow (2009), um ciclo de
confronto político, através de redes de movimentos sociais (SCHERER-WARREN,
2014).
Fundado em 1975 por Therezinha Godoy Zerbine, o Movimento Feminino Pela
Anistia (MFPA) é considerado o marco nacional e internacional na luta pela anistia,
empreendida desde o golpe de 1964.
Os Comitês Brasileiros de Anistia eram formados por pessoas físicas, entidades
representativas de classes, movimentos sociais e diversos setores da sociedade, como os
intelectuais, os estudantes, os artistas, os jornalistas, os líderes religiosos, os
sindicalistas, os políticos, os servidores públicos afastados, exonerados e aposentados,
os empregados demitidos, os familiares de presos políticos, banidos, exilados, mortos
ou desaparecidos, a União Nacional dos Estudantes (UNE), a Sociedade Brasileira para
o Progresso da Ciência (SBPC), a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB),
as associações profissionais, como a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), o
movimento estudantil, sindicatos, como o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, alguns
políticos do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) e ex-membros das Forças
Armadas.
A primeira Sociedade de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH) foi fundada no
dia 8 de agosto de 1977, na cidade de Belém/PA. Oficialmente, são pelo menos três
Sociedades. Em 1979 foram criadas as outras duas, a Sociedade Sergipana em Defesa
dos Direitos Humanos, em Aracaju/SE, e a Sociedade Maranhense de Direitos
Humanos, fundada em 12 de fevereiro, em São Luís/MA.
Os movimentos de anistia lutavam por uma anistia Ampla, Geral e Irrestrita. O
termo “ampla” diz respeito a abrangência da anistia em relação a fatos, ou seja, uma
anistia ampla compreenderia todos os acontecimentos da ditadura militar, desde 1964,
9
inclusive as ações tipificadas como criminosas pela legislação autoritária. O termo
“geral” está relacionado a pessoas, logo, uma anistia geral alcançaria todos os sujeitos
envolvidos nos acontecimentos, inclusive os indivíduos atingidos por atos de exceção
do regime. O termo “irrestrita” significa que a anistia não deveria estabelecer condições
para sua concessão ou efeito, assim, uma anistia irrestrita não seria excludente.
A primeira iniciativa do Movimento Feminino Pela Anistia (MFPA), em 15 de
março de 1975, foi o Manifesto da Mulher Brasileira em Favor da Anistia, repertório na
forma de abaixo-assinado, reunindo mais de doze mil assinaturas, entregues às
lideranças do Senado, da Câmara e na Presidência da República. Percebam que o foco é
o Estado, institucionalizar a demanda, o objetivo principal do movimento era pressionar
o governo para que concedesse a anistia.
A princípio, a luta dos MFPAs era pelos direitos humanos dos presos políticos,
banidos e exilados, inclusive, muitos núcleos do movimento eram constituídos por mães
ou esposas dessas pessoas, acontece que os presos políticos, exilados e banidos eram
condenados como “terroristas” pelo Estado e o senso comum compreendia os direitos
humanos como “direitos de bandido” (VIOLA, 2012). Esses rótulos desprestigiavam a
luta e dificultavam a atração da classe popular, ou seja, não estava persuadindo as
pessoas. Desta forma, o MFPA decidiu ampliar o frame e aderir ao master frame de
“retorno à democracia”.
Em 1978, a luta progredia com o terceiro integrante do Movimento pela Anistia,
qual seja, o Comitê Brasileiro de Anistia (CBA). Deste modo, além dos MFPAs e das
SDDHs, com a criação dos CBAs são renovadas as forças do movimento, dando
sequência ao ciclo de confronto político.
A estratégia dos CBAs era ganhar o apoio e a solidariedade das pessoas,
entidades, movimentos e classes da sociedade brasileira não alcançadas pelos MFPAs,
através dos frames já relacionados e incluindo o master frame de “direitos”, o que
possibilitaria alinhar o quadro interpretativo com as necessidades mais urgentes dos
brasileiros e, consequentemente, atrair para luta, inclusive, os novos movimentos
sociais, e assim, aumentar o poder de pressão do Movimento pela Anistia sobre o
governo.
Na reinvindicação por “direitos” estavam incluídos, além dos direitos civis e
políticos, os direitos sociais, como saúde, educação, trabalho, alimentação, segurança
pública e moradia, ou seja, outras pessoas e movimentos estariam comtemplados na luta
pela anistia, logo, teriam motivos para apoiá-la. As pessoas a que me refiro são os
trabalhadores urbanos e rurais, os camponeses, os sem-terra, os moradores de bairros da
periferia, os negros, os índios, entre outros grupos atingidos direta ou indiretamente pelo
regime autoritário.
No dia 27 de junho de 1979 o então presidente, João Figueiredo, encaminhou o
projeto de lei da anistia para aprovação pelo Congresso Nacional. Essa data foi marcada
pelo Movimento pela Anistia como “Dia Nacional de Luta”, sendo realizados protestos
que duraram até a aprovação da lei.
Em 28 de agosto de 1979 foi publicada a Lei nº 6.683, que concedeu anistia aos
fatos ocorridos no período entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979,
alcançando a todos que cometeram crimes políticos ou conexo, com exceção dos
condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal,
10
abrangendo também os que tiveram direitos políticos suspensos, os servidores públicos
e os dirigentes ou representantes sindicais punidos com fundamento em atos
institucionais e complementares, bem como os empregados de empresas privadas
demitidos por motivo de participação em greve ou em movimentos reivindicatórios ou
de reclamação de direitos e os estudantes com punições disciplinares.
A anistia aprovada pela Lei nº 6.683 foi “limitada” porque não abrangeu todos
os fatos do período estabelecido, excluindo os fatos criminosos cometidos por pessoas
condenadas por terrorismo, assalto (roubo), sequestro e atentado pessoal, crimes que
pela Lei de Segurança Nacional eram praticados pelos chamados “subversivos”,
legalmente identificados, processados, julgados e punidos. A anistia do governo
também foi “parcial”, pois não alcançou todos os sujeitos atingidos pelos atos de
exceção do regime, como os desaparecidos políticos e os mortos, por outro lado,
beneficiou a todos os indivíduos que perpetraram “crimes políticos”, ainda que não
houvessem sido identificados, entretanto, a lei não especificou quais seriam os “crimes
conexos”, ou seja, foram anistiados todos os crimes, “de qualquer natureza”, com
exceção dos crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal. Por fim, a
anistia em questão foi “restrita”, já que impôs condições para o seu cumprimento aos
servidores públicos e dirigentes ou representantes sindicais.
Assim, o trabalho a ser feito pelos movimentos sociais era e ainda é: lutar pelos
objetivos não alcançados e mudar o enquadramento interpretativo imposto pelo governo
militar de que a lei de anistia foi uma vitória de todos.
Nessa perspectiva, destaca-se que novas oportunidades políticas propiciaram a
criação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, em 1995, e da
Comissão de Anistia, em 2001, bem como a aprovação do Programa Nacional de
Direitos Humanos (Eixo VI - Direito à Memória e à Verdade), no ano de 2009, da Lei
de Acesso à Informação, em 2011, e da Comissão Nacional da Verdade, em 2012, que
publicou no mês de dezembro de 2014 um relatório contendo os trabalhos realizados, no
qual conclui que “na ditadura militar, a repressão e a eliminação de opositores políticos
se converteram em política de Estado” , recomendando ao Estado brasileiro a
“determinação, pelos órgãos competentes, da responsabilidade jurídica – criminal, civil
e administrativa – dos agentes públicos que deram causa às graves violações de direitos
humanos” .
A punição dos agentes públicos que torturaram, assassinaram, estupraram, entre
outros crimes praticados em nome do Estado durante o regime autoritário-militar, é o
eixo da justiça de transição que menos avançou ou que não avançou em razão da lei de
anistia brasileira, se comparado os processos de transição para democracia na América
Latina. Justiça de transição, em termos amplos, é constituída por quatro dimensões:
memória e verdade, reparação, justiça e reforma das instituições (BICKFORD, 2004, p.
1045).
Em países como Argentina, Chile e Uruguai, que revogaram suas leis de anistia,
os perpetradores de crimes de lesa-humanidade, como o desaparecimento forçado, que
são imprescritíveis segundo a ordem jurídica internacional, conforme a jurisprudência
da Corte Interamericana de Direitos Humanos, estão sendo identificados, processados,
julgados e punidos, numa etapa posterior às instituições das chamadas comissões da
11
verdade. Nesse sentido, a consecução da justiça de transição no Brasil depende de luta,
uma luta inconclusa.
CONCLUSÕES
A anistia de 1979 foi resultado da atuação dos atores sociais, em especial do
Movimento pela Anistia, não a anistia expressa na Lei nº 6.683, são duas questões
distintas, porém interligadas, que devem ser analisadas no todo. O Movimento
Feminino pela Anistia contribuiu, decisivamente, para a inclusão do tema da anistia na
agenda política do governo militar e os Comitês Brasileiros de Anistia, as Sociedades de
Defesa dos Direitos Humanos e os demais movimentos sociais, com o apoio de vários
setores da sociedade, pressionaram o governo autoritário para que concedesse a anistia e
conseguiram, fechando o ciclo de confronto político. Contudo, a lei aprovada não
representou os anseios do povo. Mas, em um contexto de transição política “lenta,
gradual e segura”, “controlada” e “prolongada”, a anistia aprovada foi um avanço para o
retorno à democracia, regime no qual existem instrumentos jurídicos e políticos para a
conquista efetiva da justiça de transição.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, Agassiz. A ditadura dos generais: Estado militar na América Latina. Rio
de Janeiro: Bertrand, 2007.
BICKFORD, Louis. Transicional justice. In: SHELTON, Dinah. Encyclopedia of
genocide and crimes against humanity. New York: MacMillan, 2004. V. 3.
GOHN, Maria da Glória. História dos movimentos e lutas sociais: a construção da
cidadania dos brasileiros. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2003.
HABERT, Nadine. A Década de 70: apogeu e crise da ditadura militar brasileira. 3.ed.
São Paulo: Ática, 1996.
POLITTI, Maurice. Direito à memória e à verdade e justiça de transição no Brasil:
uma história inacabada! uma república inacabada! Curitiba: CRV, 2011.
SCHERER-WARREN, Ilse. Redes de movimentos sociais. 6. ed. São Paulo: Loyola,
2014.
TARROW, Sidney. O poder em movimento: movimentos sociais e confronto político.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.
VIOLA, Solon Annes; MOTTA, Diego Airoso da. Os discursos sobre direitos humanos
e a dicotomização da cidadania. In: MELLO, Luiz (org.). Questões de Sociologia:
debates contemporâneos. Goiânia, GO: Cânone Editorial, 2012.
12
2. CONTRADITÓRIO MERAMENTE FÁTICO DESVIRTUA AMPLA
DEFESA
FRANCO, Lucas Vinicius de Souza7
PALAVRAS-CHAVE: Tipificação, Emendatio Libelli, Contraditório, Ampla Defesa.
INTRODUÇÃO
A imputação de um fato definido como crime a alguém traz em seu bojo tanto um
acontecimento fático quanto um dado jurídico. Assim, um fato naturalístico poderá ser
qualificado segundo os tipos penais previsto na legislação penal. Desta forma, o objeto
do processo será um fato penalmente relevante que se imputa a alguém. Logo, envolve
tanto matéria fática quanto questão jurídica. No processo penal pátrio existe expressa
possibilidade de mudança na tipificação dos fatos constante na narrativa acusatória.
Trata-se do instituto da Emendatio Libelli (art. 383 do CPP), em que o magistrado
pode mudar a qualificação jurídica dos fatos por ele apreciados, desde que seja no
momento da sentença. Este instituto consagra no processo penal o entendimento de que
a matéria estritamente relativa ao direito e à qualificação jurídica dos fatos é informada
pelo princípio da livre dicção e pelo princípio da consubstanciação. Assim, o julgador
possui autonomia para dar ao fato classificação jurídica diversa da que consta na peça
acusatória, ainda que tenha de aplicar pena mais grave.
Pressupõem-se, nesses casos, incorreção na capitulação jurídica dos fatos constante
na denúncia ou queixa. Desta forma, na Emendatio Libelli, se o juiz mantiver os fatos
conforme narrados na peça inicial, poderá modificar sua classificação jurídica, caso
entenda que houve erro ou equivoco, sem, contudo, mudar a descrição fática, pois em
nenhuma hipótese o julgador poderá mudar a narração fática. A essência do instituto
está consubstanciada no famoso adágio “narra-me o fato que te darei o direito”. Logo,
acredita-se que, o objeto da defesa são somente os fatos narrados pela acusação e não a
qualificação jurídica atribuída a esses fatos.
Entretanto, houve um revestimento no conteúdo do contraditório. Assim, exigi-se
que as decisões judiciais somente se apoiem em questões previamente debatidas pelas
partes. Portanto, há proibição de decisões surpresa, precisamente pela exigência do
contraditório, que se impõe não só entre as partes, mas também ao juiz. Destarte, o juiz
deve efetivar o contraditório no processo, dando as partes oportunidade de influenciar
sua decisão final.
O que se pretendente nesse trabalho é analisar se o contraditório diz respeito
apenas às questões de fato, ou, também, se há exigência dele nas questões de direito,
figurando a Emendatio Libelli como exemplo privilegiado dessa problemática.
7 Graduando do Curso de Direito, 7º Período, Universidade Federal da Grande Dourados, e-mail:
13
MATERIAIS DE PESQUISA
O trabalho teve como principais fontes de pesquisa livros e artigos relacionados ao
tema. Ademais, houve a utilização de um habeas corpus julgado pelo Supremo Tribunal
Federal em 2010, na qual o paciente contesta o fato de ter sido condenado com base em
norma jurídica não mencionada na inicial, o que lhe retirou a possibilidade de efetiva
defesa, pois como leciona Gustavo Badoró (2014, p. 144) o tipo penal exerce influência
decisiva na tese defensiva. Assim esse julgado será utilizado como referencial para
demonstrar como a atividade pretoriana subtrai do conteúdo do contraditório a
discussão acerca das questões de direito.
MÉTODOS
Realizou-se uma leitura crítica do material bibliográfica encontrado, a fim de
realizar uma problematização do tema, e, assim, poder apresentar uma visão moderna
acerca do contraditório e suas implicações na aplicação da Emendatio Libelli. Houve a
utilização do método dedutivo, sendo que os procedimentos metodológicos foram
executados através dos seguintes passos: delimitação do objeto de estudo; levantamento
bibliográfico condizente com o assunto, através de seleção de julgados sobre o tema,
posições doutrinárias e artigos e, por fim, a estruturação e redação do trabalho, com a
devida citação das fontes pesquisadas.
DISCUSSÃO E RESULTADOS
Em processo penal compatível com a constituição, e inspirado na ideia de
processo como instrumento de participação política, o contraditório deve guiar o
processo, e, assim, garantir as partes possibilidade de influenciar o conteúdo da
sentença. Diante dessa nova conformação do contraditório, surge a problemática de se
condenar o réu com base em norma diversa da apontada na petição inicial acusatória
(Emendatio Libelli), sem lhe dar a necessária oportunidade para se manifestar sobre a
nova qualificação jurídica dada aos fatos, ocasionando o fenômeno da sentença
surpresa.
Esse problema, pouco enfrentado pela doutrina e jurisprudência, possui destacada
importância para a defesa do réu. Pois como o próprio art. 41 determina, exige-se que a
acusação faça, na denúncia, descrição minuciosa do fato imputado, com todas as suas
circunstâncias, e, também, a classificação jurídica (tipicidade). Portanto, não há
justificativa plausível para se afirmar que o réu defende-se apenas de fatos, e acreditar
que não representa nenhum prejuízo quando, ao final, o juiz altera a classificação
jurídica e o condena por outro crime. Ora, é notório que na atividade de qualificação
jurídica dos fatos, o intérprete seleciona a norma a partir do conteúdo fático na
realidade, mas, da mesma forma, o fato é selecionado tendo em consideração uma
prévia antecipação de uma norma que se pretende aplicar a esse fato.
Assim, no âmbito do direito, e em especial no processo penal, não existem fatos
puros, mas fatos capitulados segundo um tipo penal, ou seja, o fato no processo penal só
tem relevância se for fato típico. Deve-se, ainda, lembrar que a
14
adequação típica do fato imputado, feita no início do processo penal, tem enorme
importância para o acusado, pois lhe permite ter direito a medidas despenalizadoras
logo no início da persecução penal. Pois, a depender de como o fato imputado
inicialmente pela acusação na denuncia ou queixa for qualificado, inevitavelmente se
estará determinando quais as medidas de que o réu poderá se valer para atenuar as
consequências no seu status libertatis. Portanto, o acusado não se defenderá apenas de
fatos, mas se defenderá dos fatos conforme a qualificação típica dada pelo autor da peça
inicial acusatória. Daí ter inegável importância para a defesa do réu, a correta
capitulação jurídica do fato a ele imputado.
Infere-se do atual entendimento sobre a Emendatio Libelli que toda preocupação
em torno do princípio do contraditório está apenas ligada ao material probatório, isto é,
nas questões meramente fáticas. E esta premissa decorre essencialmente da noção de
que ao magistrado cabe conhecer e ditar a lei aplicável ao fato posto em julgamento
(narra-me o fato que te darei o direito).
A lição do festejado doutrinador Guilherme de Souza Nucci evidencia muito bem
o pensamento dominante acerca da emendatio libell, e a despreocupação pelo
contraditório nas questões jurídicas. Assim o autor esclarece o que seria a definição
jurídica do fato que pode ser mudada pelo magistrado:
“é a tipicidade, ou seja, o processo pelo qual o juiz subsume o
fato ocorrido ao modelo legal abstrato de conduta proibida.
Assim, dar a definição jurídica do fato significa transformar o
fato ocorrido em juridicamente relevante. (...) Portanto,
neste artigo, o que o juiz pode fazer, na fase da sentença,
é levar em consideração o fato narrado pela acusação
na peça inicial (denúncia ou queixa), sem se preocupar
com a definição jurídica dada, pois o réu se defendeu,
ao longo da instrução, dos fatos a ele imputados e não
da classificação feita. O juiz pode alterá-la, sem qualquer
cerceamento de defesa, pois o que está em jogo é a sua visão
de tipicidade, que pode variar conforme o seu
livre convencimento. (NUCCI, 2009, p. 689)” Grifou-se.
A jurisprudência dos tribunais superiores está em sintonia com a doutrina ao
restringir o alcance do princípio do contraditório, faticizando seu conteúdo, e assim
subtraindo da discussão das partes as questões jurídicas:
“EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL.
PROCESSUAL PENAL. PECULATO EM CONCURSO DE
PESSOAS. ALEGAÇÃODE OFENSA AO PRINCÍPIO DA
CORRELAÇÃO E DE DENÚNCIA ALTERNATIVA.
IMPROCEDÊNCIA. ORDEM DENEGADA. 1. Fato descrito na
denúncia em sintonia com o fato pelo qual o réu foi condenado.
2. A circunstância de não ter a denúncia mencionado o art. 13,
§2°, a, do Código Penal é irrelevante, já que o acusado se
defende dos fatos narrados e não da capitulação dada
pelo Ministério Público. 3. O juiz pode dar aos eventos
15
delituosos descritos na inicial acusatória a classificação legal
que entender mais adequada, procedendo à emenda na
acusação (emendatio libelli), sem que isso gere surpresa para
a defesa. 4. A peça inicial acusatória, na forma redigida,
possibilitou ao Paciente saber exatamente os fatos que lhe eram
imputados, não havendo que se falar em acusação incerta, que
tivesse dificultado ou inviabilizado o exercício da defesa. 5.
Ordem denegada. (HC 102375, Relator(a): Min. CÁRMEN
LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 29⁄06⁄2010)” Grifou-se.
O entendimento doutrinário e jurisprudencial desconsidera que o interprete
somente discerne qual norma vai aplicar se antes tiver um determinado fato, penalmente
relevante, que lhe de suporte para identificar qual tipo penal tem os elementos
normativos aplicáveis aquele caso concreto. Como bem coloca Eros Roberto Grau
(2009, p. 35), citando Friedrich Muller, não existe um terreno composto de elementos
normativos (=direito), de um lado, e de elementos reais ou empíricos, do outro.
Portanto, não é possível haver uma clara e precisa separação entre os juízos de direito e
juízos de fatos.
Sendo assim, não há como resolver as questões de direito em um simples
processo de subsunção. Mesmo se admitindo que a tipicidade penal atenue o problema,
é inegável que a atividade de capitular os fatos, segundo os tipos penais existente na
legislação penal, pode acabar se tornando um imbróglio hermenêutico. Isso porque, na
determinação de qual tipo penal será aplicável ao fato penalmente relevante, surge,
muita vezes, problemas de concurso aparente ou real de normas ou conflitos de lei no
tempo e no espaço. Tem-se ainda o problema de validade das leis, na onde se verifica a
constitucionalidade das normas penais.
Por essas razões, deve-se ver o contraditório com um caráter efetivo, e
constitucionalmente adequado, devendo ele incidir também sobre as questões de direito.
Desta forma, o contraditório ganha nova roupagem, robustecendo sua definição clássica,
que nos ensinamentos de Joaquim Canuto Mendes de Almeida (1937, p. 110), trata-se
de “uma ciência bilateral dos termos e atos do processo e a possibilidade de contrariá-
los”.
No que concerne a possibilidade de contrariá-los, é importante deixar claro que
deve haver uma possibilidade efetiva e ampla. Assim, não basta haver apenas a
possibilidade de contrariar os atos da outra parte, mas também as do julgador, quando a
ele for conferido amplos poderes instrutórios. Pois se ao juiz é concedido poderes que
lhe possibilite uma atuação de ofício, seja quanto à gestão da prova, seja quanto à
aplicação das normas jurídicas, o exercício de tais poderes, a revelia das partes, acabará
por surpreendê-las.
Por fim, ainda é necessário discorrer sobre outro aspecto do contraditório. Diante
da nova tipificação dada aos fatos, se vislumbra três possibilidades: a) a pena não se
altera; b) modifica-se para melhor; c) modifica-se para pior. Logo, vê-se que a
emendatio libelli pode até beneficiar o réu, com uma pena mais branda, advinda da nova
capitulação dado ao fato imputado a ele, entendido como a correta pelo magistrado, em
detrimento da feita pela acusação. Entretanto, a questão fulcral do desrespeito ao
16
contraditório não é o prejuízo ao réu, mas a não concessão de vista as partes sobre a
nova capitulação dada aos fatos.
Deve-se levar em conta que o contraditório pressupõe duas figuras, uma que acusa
e, outra que defende. Assim, a garantia prevista na Constituição Federal, art. 5. °, LV,
abarca tanto o réu, como também o acusador. Logo, há desrespeito ao contraditório
sempre que houver prejuízos à defesa, como também a acusação. Assim, é possível
agredir-se o contraditório, sem que se lesione o direito de defesa. Isto porque, por mais
que direito de defesa esteja correlacionado com o princípio constitucional do
contraditório, e embora haja influências recíprocas, cada um tem seu conteúdo
específico. Em sumo, como preleciona Gustavo Badoró (2014, p. 42), o exercício do
direito de defesa é uma das formas de se efetivar o contraditório no processo, mas não a
única. Consequentemente, nem toda violação ao contraditório será um desrespeito ao
direito de defesa.
CONCLUSÕES
Como ficou demonstrado, tanto na fase pré-processual como em todo o processo
de conhecimento condenatório, o réu não se defenderá apenas dos fatos, mas também de
sua classificação. Logo, a permissão que o ordenamento jurídico concede ao juiz para
mudar a capitulação jurídica do fato não significa que possa fazê-lo a revelia das partes,
sem lhes dar a oportunidade de opinar sobre a alteração feita.
Portanto, para evitar prejuízos as partes, e dessa forma não causar perda de
efetividade do contraditório, o órgão julgado deverá antes de mudar a classificação
jurídica trazidas a sua apreciação, dar oportunidade as partes de influenciar sua decisão.
Somente assim o contraditório deixará de ser mera possibilidade e se tornará uma
verdadeira realidade do processo, na qual o julgador além de impor a observância do
contraditório entre as partes deverá ele mesmo observá-lo.
O sistema acusatório consiste, essencialmente, na separação das funções de
acusar e julgar. Entretanto, não é o suficiente, pois é necessário se atentar para atuação
de ofício do órgão julgador. Destarte, qualquer decisão do juiz que reflita na esfera de
interesses das partes, deverá ser discutido previamente por elas, para que tenham a
oportunidade de alterar o conteúdo da decisão. Trata-se da adoção do contraditório
como garantia de influência e não surpresa. Nesse sentido caminha o NCPC, que em seu
Art. 10 prescreve ”Em qualquer grau de jurisdição, o órgão jurisdicional não pode
decidir com base em fundamento a respeito do qual não se tenha oportunizado
manifestação das partes, ainda que se trate de matéria apreciável de ofício”. Pois bem,
se o NCPC requer tal exigência do magistrado na hora de decidir sobre questões cíveis,
que muitas vezes é orientado pela principio da disponibilidade, quanto mais no processo
penal, que atinge mais violentamente a vida dos que figuram na posição de réu.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, Joaquim Canuto Mendes de. A contrariedade na instrução criminal. São
Paulo: Saraiva, 1937. p.110, nota 80.
17
BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivany. A correlação entre acusação e sentença. 3.
ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 42 e 144.
GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação: aplicação do direito.
5. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 35.
HC 102375, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em
29⁄06⁄2010. Disponível em: http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/15809485/habeas-
corpus-hc-102375-rj. Acessado em: 12/10/2015.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 9. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p 689.
3. REFLEXÕES SOBRE A POLÍTICA PARA CRIANÇAS REFUGIADAS
NO BRASIL
Luis Miguel Roa Florentin8
PALAVRAS-CHAVE: integração, escolas para refugiados, crianças refugiadas.
INTRODUÇÃO
Conforme o artigo 1º (A,2) da Convenção das Nações Unidas relativa ao
estatuto dos Refugiados9 , é refugiado toda pessoa que:
[...] devido a fundados teremos de perseguição por motivo de
raça, religião, nacionalidade, por pertencer a determinado grupo
social e por suas opiniões políticas, se encontre fora do país de
nacionalidade e não posa ou por causa dos ditos temores, não
queira recorrer a tal, proteção de tal país; ou que, carecendo de
nacionalidade e estando, em consequência de tais
acontecimentos, fora do pais onde tivera sua residência habitual,
não possa ou, por causa dos ditos temores, não queira a ele
regressar.
Os refugiados representam uma categoria especial dentro dos migrantes
internacionais, tendo em vista que são forçados a deixar seu país. Diante do instinto de
proteção, cruzam as fronteiras internacionais para buscar segurança baixo a soberania
de outro Estado, na esperança de que suas vidas e direitos serão protegidos e zelados
simplesmente pelo Estado receptor.
8 Graduando Direito pela Universidade Federal da Grande Dourados.
9 Doravante referida como Convenção de 1951.
18
Desde o fim da segunda guerra mundial os refugiados vêm aumentando e
ocupando cada vez mais espaço nos debates na seara de Direito e Política Internacional.
Desde que um grande número de pessoas que deixou seu país devido ao medo de terem
suas vidas ceifadas pela segunda guerra mundial, a solidariedade e o humanitarismo
buscam estabelecer Direitos e uma política para fornecer segurança para essas pessoas.
Atualmente, existem cerca de 60 milhões de deslocados por todo o mundo,
sendo que há aproximadamente 8.300 pessoas, de 81 nacionalidades, reconhecidas
como refugiados dentro do território brasileiro, segundo o ACNUR. Dentro da categoria
de Refugiados, há um grupo que merece atenção redobrada devido a suas condições
especiais: as crianças. Estas que ao invés de conviverem com seus pares e brincar na
escola, são apresentadas ao sangue da guerra e ao temor da perseguição. Muitas vezes
chegam ao país sem pais ou documentação, sem o mínimo conhecimento do idioma.
Mesmo diante de toda a sua fragilidade e necessidade de atenção especial, as crianças
não foram mencionadas na convenção de 1951 e nem na lei 9.474, principal lei sobre
refugiados do Brasil.
O presente trabalho não busca encontrar soluções duradouras para o problema
das crianças refugiadas, mas sim, lançar luz sobre os problemas que muitas vezes
passam despercebidos diante do descaso para com as crianças refugiadas. Com isso,
espera-se que autoridades que atuam com essa categoria de indivíduos comecem a atuar
no sentido de solucionar os problemas.
MATERIAIS PARA PESQUISA
O material utilizado foi exclusivamente bibliográfico, utilizando obras e artigos
científicos publicados em revistas nacionais e internacionais. A inovação consiste em
buscar lançar sobre a obscuridade da legislação brasileira para crianças refugiadas.
MÉTODOS
O artigo utilizou-se de uma metodologia indutiva, partindo de um macrogrupo
(refugiados em geral) e buscando aplicar as políticas e legislação ao microgrupo
(crianças refugiadas).
DISCUSSÃO E RESULTADOS
O Brasil é considerado vanguardista e um líder regional na América do Sul
quando falamos em Direito e politica para refugiados. Em sua legislação, adota
conceito e os motivos ampliados da Declaração de Cartagena de 1981, sobretudo a
violação de direitos humanos, através da lei federal de n. 9.744/1977. Avançou
inclusive em relação ao regime internacional da ONU, ao adotar o direito de reunião
familiar, estendendo a concessão de refúgio aos demais membros da família do
refugiado (Moreira, 2004). Ainda, foi adotado o princípio da não devolução, impedindo
que o refugiado seja devolvido para outro país em que haja risco de perseguição, e a não
punição do refugiado devido à entrada irregular no território nacional. Conforme Júlia
Bertino Moreira, a lei pátria acrescentou a impossibilidade de extradição do refugiado
19
com fundamento nos motivos do refúgio. Possui o Comitê Nacional para Refugiados
(CONARE), com uma estrutura tripartite considerada inovadora.
Por outro lado, quando falamos de crianças refugiadas, há um material muito
escasso disponível para estudos, além de não haver uma legislação específica para elas.
Tratar da politica e legislação brasileira para crianças refugiadas é um tanto quanto
obscuro, uma vez que a produção cientifica é escassa e não há legislação especifica para
elas. Tal fato limita consideravelmente a avaliação e a pesquisa dentro deste assunto.
A Lei 9.474 e nem a Convenção de 1951 mencionam as crianças. Isso é um
fato preocupante, tendo em vista que elas possuem necessidades especificas. Todavia, o
Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA- (Lei 8.069/1990) garante direitos para
todas as crianças e adolescentes dentro do território brasileiro, inclusive refugiado.Com
a extensão do ECA sobre as crianças refugiadas no país, teoricamente elas passam ter
acesso a educação, saúde, garantia de que nenhuma criança sofrerá violência,
discriminação, pressão, dentre outros direitos. Todavia, claramente não é o suficiente
frente às necessidades específicas que essas crianças, tendo em vista que possuem
necessidades e especificidades não apresentadas pela maioria das crianças brasileiras.
Crianças refugiadas tiveram sua paz e sua infância interrompida por guerras,
perseguições ou outro motivo grave que as obrigaram a deixar seu país para buscar
proteção no Brasil. Muitas delas – principalmente crianças sírias – fogem de conflitos
nos quais muito sangue foi -e é- derramado. Casos de crianças que tiveram a vida de
pais, irmãos e outras e pessoas e parentes próximos ceifadas pela guerra não são
incomum entre essas crianças.
A psicóloga Lucienne Martins Borges alerta para o fato de crianças refugiadas
serem testemunhas de situações de perda, violência, estupro e assassinato. Enfatiza:
“elas sabem o que é fome, o que é sofrimento físico. São marcas que ficam no
psiquismo e no corpo, marcas que aparecem em somatizações, nos pesadelos, na
desconfiança, no sentimento de perseguição. São eventos que colocam a criança em
situações de vulnerabilidade de um quadro clínico de saúde mental”. Ainda, alerta ara o
fato de que o Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) e a
Classificação Internacional de Doenças (CID) classificam a guerra entre os eventos
traumáticos com mais repercussões para a saúde menta. Tal fato, alerta ainda mais para
a necessidade de um tratamento especial para as crianças refugiadas, uma vez que há
casos de crianças que chegam ao Brasil com sintomas de depressão, como
comportamento agressivo e insegurança. A legislação brasileira não prevê tratamento
preventivo para refugiados, devendo estes acionar os serviços quando sentirem
necessidade. Tal situação é dificultada ainda mais pelo fato de a maioria dos refugiados
não conhecerem o idioma nativo e a burocracia do país. É necessário estruturar a rede
de apoio aos refugiados para que serviços preventivos sejam oferecidos.
Por fim, adotando um conceito de integração multidimensional, as escolas
brasileiras não parecem estar preparadas para receber as crianças refugiadas. Não há um
movimento claro e de grande impacto que vise a preparar a comunidade receptora –
nesse caso, a escola- para crianças refugiadas, que vise a permitir que ela se adapte sem
perder seus laços culturais. Muito deve ser levado em consideração antes de
simplesmente inserir essa criança em uma escola comum. Deve ser levado em
consideração que ela vem de uma cultura cuja metodologia pode ser totalmente
20
diferente da adotada no Brasil, impedindo que ela consiga aprender e captar as
mensagens transmitidas em salas de aula. Além disso, é possível que a criança não se
adapte com o comportamento apresentado em sala de aula no Brasil, devendo
primeiramente ser trabalhada a linguagem corporal e linguística da criança antes de que
ela se jogada na escola para viver como uma criança acostumada com a cultura escolar
brasileira. A Educação é uma peça chave na integração de crianças, inclusive, podendo
ser entendida como o “carro-chefe” desse processo, quando tratamos de jovens e
crianças. O país não deve medir esforços, tanto antes de introduzir a criança na
educação; como enquanto ela estiver frequentando a escola, fornecendo instrumentos
que possam confortar e respaldar a criança diante de qualquer barreira perante sua
completa integração nesse meio.
CONCLUSÃO O Brasil é vanguardista e referência na questão de refugiados. Possui uma
legislação avançada e democrática, protegendo e fornecendo direitos para aqueles que
possuem o status de refugiados. Todavia, consideramos a legislação e a política como
insuficientes. Fatos como a não participação de refugiados em decisões importantes em
suas vidas dificultam a integração deles no país. Ainda, entendemos ser insuficiente as
políticas de conscientização da sociedade da real situação do refugiado, sendo muitas
vezes vistos como fugitivos.
Os refugiados não devem ser introduzidos no país para serem integrados em
outra área de exclusão. Devem ser fornecidas condições de trabalho, educação e saúde
para que eles possam contribuir com a sociedade brasileira, assim como ela deve abriga-
los e recebe-los.
Quando se trata de crianças refugiadas, a questão se torna mais obscura, tendo
em vista a dificuldade de se encontrar informações sobre elas. Não há legislação
específica que vise a assegurar seus direitos e necessidades em sua condição especial.
Também não há políticas preventivas para cuidar de sua integração a comunidade local.
Por fim, é necessário que seja fornecido um espaço, dentro da comunidade escolar, para
que essas crianças possam cultivar suas raízes culturais. Tal fato contribuirá também
com a formação das crianças brasileiras. Esse espaço multicultural será essencial para a
integração adotada no presente artigo.
REFERÊNCIAS
MARTUSCELLI, Patrícia Nabuco. A PROTEÇAO BRASILEIRA PARA CRIANÇAS
REFUGIADAS E SUAS CONSEQUENCIAS, publicado em scielo.org
[http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S198085852014000100017&l
ang=pt]. Disponibilidade: 03/08/2015.
MOREIRA, Julia. B. Redemocratização e direitos humanos: a política para refugiados
no Brasil, publicado em scielo.org, [http://www.scielo.br/scielo.php?
script=sci_arttext&pid=S003473292010000100006&lang=pt]. Disponibilidade:
25/09/2015.
21
___________. REFUGIADOS NOBRASIL: REFLEXÕES ACERCA DO PROCESSO
DE INTEGRAÇÃO LOCAL, publicado em scielo.org
[http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1980-
85852014000200006&lang=pt]. Disponibilidade: 07/07/2015.
MOULIN, Carolina. OS DIREITOS HUMANOS DOS HUMANOS SE DIREITOS:
Refugiados e a politica de protesto, publicado em scielo.org
[http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010269092011000200008&l
ang=pt]. Disponibilidade: 14/09/2015.
PRATES. Daniele Regina Abilas. “NÃO QUERO LEMBRAR... MUITO
SOFRIMENTO”: PERCURSOS DA MEMÓRIA ENTRE OS REFUGIADOS
PALESTINOS NO BRASIL”, publicado em scielo.org
[http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
71832014000200006&lang=pt]. Disponibilidade: 05/09/2015
4. A REFORMA AGRÁRIA NO MERCOSUL: a dignidade da pessoa
humana através do acesso à terra
Felipe Borges de Souza Domingues10
Me. Arthur Ramos do Nascimento11
PALAVRAS-CHAVE: Reforma Agrária Comparada, Acesso à Terra, Direitos
Humanos, MERCOSUL.
INTRODUÇÃO12
A Reforma Agrária teve seu progresso de variadas maneiras nos países do
MERCOSUL, contudo, invariavelmente, foi pautada por conflitos político-ideológicos e
disputas de terra (FERREIRA, 2002, p. 95-96). Por sua vez, o acesso à terra às famílias
camponesas insere-se nesse contexto como um Direito Humano em função do fomento
à melhor distribuição de terra, do trabalho rural, do desenvolvimento econômico, social
e cultural no campo, bem como a promoção da Justiça Social. Por isso, faz-se
necessário uma análise comparada entre os Estados desse bloco econômico regional,
para entender suas diferenças e semelhanças na tentativa de implantar, de fato, a
Reforma Agrária e os motivos de ser possível considerar o acesso à terra como um
Direito Humano fundamental.
10
Graduando do 6º período do curso de Direito da Faculdade de Direito e Relações Internacionais da UFGD. Pesquisador – PIVIC. E-mail: [email protected] 11
Docente efetivo da Faculdade de Direito e Relações Internacionais da UFGD, Mestre em Direito Agrário (UFG), orientador da pesquisa. E-mail: [email protected] 12
O presente trabalho se configura como análise parcial do projeto de pesquisa de Iniciação Científica (PIVIC) em andamento: “Reforma Agrária Comparada: o acesso à terra como um Direito Humano para as famílias rurais nos países membros do Mercosul através de uma análise Constitucional e Agrarista”.
22
Inicialmente, faz-se necessário esclarecer alguns pontos.
O MERCOSUL, que tem como países membros a Argentina, o Brasil, o
Paraguai, o Uruguai e a Venezuela, surgiu como um projeto político e estratégico para
integração entre os países da América do Sul. Esse bloco econômico tem como objetivo
a integração dos Estados participantes por meio da livre circulação de bens e serviços,
estabelecer uma política comercial e uma Tarifa Externa Comum (TEC), coordenar
políticas macroeconômicas e setoriais e harmonizar as legislações no que for pertinente
(MERCOSUL, 2015, n.p.).
Em relação aos Direitos Humanos, são todos os aspectos necessários para que a
pessoa humana desfrute de uma vida plena e digna, como, por exemplo, o direito ao
desenvolvimento, trabalho, à alimentação, dentre outros. Por se tratar de um direito
inestimável às famílias rurais, o acesso à terra proporcionado pela Reforma Agrária
deve ser analisado sob a perspectiva dos Direitos Humanos, porquanto, para os
moradores do campo, trata-se da diferença entre usufruir uma vida digna ou submeter-se
a situações degradantes para tão somente sobreviver.
No tocante à Reforma Agrária, esta não se limita somente a acabar com a
concentração de terras por poucos fazendeiros, mas também ao efetivo acesso à
propriedade, ao desenvolvimento socioeconômico e à Justiça, erradicando a submissão
das famílias camponesas à vontade dos latifundiários. Dessa forma, deve proporcionar a
redistribuição tanto da posse quanto da propriedade das terras para que os trabalhadores
do campo tenham emprego, moradia e renda garantidos. Pelo fato de que as famílias
rurais terem uma relação tão vital com a terra e, ainda, em razão das nações latino-
americanas possuírem inúmeras semelhanças, é pertinente a análise comparada dos
processos de Reforma Agrária nos países do MERCOSUL e por quais razões o acesso à
terra pode ser considerado um direito humano para aqueles que vivem no campo.
MATERIAIS DE PESQUISA
Procederam-se às pesquisas bibliográficas com levantamento e análise de
dados, tanto nacionais quanto internacionais, nas constituições de cada país do
MERCOSUL, em dissertações e trabalhos acadêmicos, em literatura especializada,
órgãos e organizações oficiais e o aporte legal de legislação pertinente.
MÉTODOS
Utilizou-se o método hipotético dedutivo para, após a leitura e reflexão sobre
os conteúdos dos materiais de pesquisa, se alcançar uma teoria que aponte para
soluções, ou mesmo novos questionamentos, em relação ao acesso à terra através da
Reforma Agrária como um Direito Humano para as famílias rurais dos países do
MERCOSUL.
Iniciou-se a análise com o estudo da realidade do MERCOSIL, país a país,
levando à problematização da Reforma Agrária nessas nações. Passou-se, então, às
considerações sobre a dimensão dos Direitos Humanos e do acesso à terra como um
direito fundamental para as famílias campesinas para, por fim, indagar como a Reforma
Agrária é instrumento de efetivação desses direitos.
23
DISCUSSÃO E RESULTADOS13
Conforme explica o Ministério das Relações Exteriores do Brasil, o
MERCOSUL surgiu com a assinatura do Tratado de Assunção, em 26 de março de
1991, e, como mencionado anteriormente, possui, atualmente, como Estados membros a
Argentina, o Brasil, o Paraguai, o Uruguai e a Venezuela. Os Estados associados são o
Chile, o Peru, a Colômbia, o Equador, a Guiana e o Suriname. A Bolívia está em
processo de adesão para tornar-se um Estado membro. Sobre os objetivos almejados
com a criação do bloco econômico sul americano, o próprio órgão governamental
brasileiro destaca:
Em resumo, o Mercosul não se limita à dimensão econômica e
comercial, contando com iniciativas comuns que abrangem da
infraestrutura às telecomunicações; da ciência e tecnologia à
educação; da agricultura familiar ao meio ambiente; da
cooperação fronteiriça ao combate aos ilícitos transnacionais;
das políticas de gênero à promoção integral dos direitos
humanos. Isso é o que faz do MERCOSUL um dos projetos de
integração mais amplos do mundo. (MINISTÉRIO DAS
RELAÇÕES EXTERIORES, 2015)
O que o Brasil tem em comum com os outros países do MERCOSUL? Bem,
apesar de ser uma vasta extensão territorial, os processos históricos e as realidades
sociais, econômicas e culturais na América do Sul apresentam muitas semelhanças. São
altamente dependentes de suas terras para gerar riquezas, com exceção de poucos que
sustentam sua balança econômica através de meios alternativos às produções agrárias.
Além disso, o foco é a produção em massa para exportação (plantation), deixando o
mercado interno de alimentos para os produtos importados e para a produção das
pequenas e médias propriedades.
Dito isso, a questão agrária construiu-se na América Latina como uma relação
de conflito, porquanto a concentração da distribuição e da posse das terras em poucas
pessoas, a inércia legislativa, ou sua ação desvirtuada, e má gestão política relegaram as
famílias do campo a sua própria sorte o que, consequentemente, suscitou o início dos
conflitos no campo (MARTINS, 1999, p. 97-102). Veja-se que em alguns países do
MERCOSUL as desigualdades de distribuição de terra surgiram ainda no período
colonial, pois eram concedidas somente às pessoas favorecidas pelos governantes por
deterem relevância econômica ou social. Em outros, a questão agrária foi pautada pela
concentração latifundiária e populismo governamental, não se traduzindo em progresso
e benefício dos moradores e trabalhadores rurais que não detinham, novamente, certo
poder político ou econômico. Ainda, em outros Estados latino-americanos, o processo
da Reforma Agrária foi realizada de forma forçada e desastrada, acabando por
13
Como a questão da análise da Reforma Agrária nos países do Mercosul e o acesso à terra como um direito humano é uma pesquisa em andamento resultados apresentados nesse tópico não são conclusivos, configurando como resultados e análises parciais.
24
desestabilizar toda a sociedade e, como resultado, agravando a situação agrária
(BIBLIOTECA NACIONAL DO CHILE, 2015).
Ademais, enquanto Brasil elenca em sua Constituição a Reforma Agrária,
especificamente nos artigos 184 a 191, simbolizando o grau máximo de atenção
legislativa dada ao tema, outros países vizinhos sequer fazem menção à política agrária.
O sistema brasileiro adota a função social da propriedade como fator central a nortear a
posse e o usufruto da propriedade rural. A Função Social é a observância simultânea da
produtividade da propriedade, do bem-estar dos trabalhadores, da proteção de recursos
naturais e meio ambiente, além da observância das leis trabalhistas Já a Constituição do
Paraguai de 1992, no artigo 109, determina, de forma parecida à adotada no Brasil, que
a propriedade social deve atender à função social. Adiante, reserva uma seção inteira,
entre os artigos 114 e 116, para definir diretrizes e regulamentar a Reforma Agrária. De
forma oposta, a Constituição do Uruguai de 1967, modificada através de plebiscito até
1996, nem mesmo refere-se a políticas de terras e rurais ou mesmo a Reforma Agrária
em si.
Nada obstante, um motivo relevante para o aparente fracasso da Reforma
Agrária e das políticas voltadas ao campo é o distanciamento das mesmas com os
preceitos dos Direitos Humanos. A Reforma Agrária tem o objetivo de proporcionar a
Justiça Social, isso abarca o trabalho, a educação, moradia, segurança, saúde e outros
inúmeros direitos. Ou seja, esse instituto agrário visa à promoção dos Direitos Humanos
no campo, os quais são universais, inalienáveis, interdependentes, indivisíveis, não
discriminatórios e igualitários, além de compreender tanto direitos quanto obrigações.
Juntamente com o disposto na a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, a
Organização das Nações Unidas – ONU define que:
Human rights are rights inherent to all human beings, whatever
our nationality, place of residence, sex, national or ethnic
origin, colour, religion, language, or any other status. We are
all equally entitled to our human rights without discrimination.
These rights are all interrelated, interdependent and indivisible.
Universal human rights are often expressed and guaranteed by
law, in the forms of treaties, customary international law,
general principles and other sources of international law.
International human rights law lays down obligations of
Governments to act in certain ways or to refrain from certain
acts, in order to promote and protect human rights and
fundamental freedoms of individuals or groups. (OFICCE OF
THE HIGH COMISSIONER FOR HUMAN RIGHTS, 2015)14
14
Tradução livre: “Direitos Humanos são direitos inerentes à todos os seres humanos, quaisquer que sejam nossa nacionalidade, lugar de residência, sexo, origem nacional ou étnica, cor, religião, idioma, ou qualquer outra condição. Nossos Direitos Humanos são assegurados sem qualquer discriminação. Esses direitos são interligados, interdependentes e indivisíveis. Direitos Humanos Universais é uma expressão normalmente utilizada e garantida por lei, na forma de tratados, lei internacional habitual, princípios gerais e outras fontes de direito internacional. Leis
25
Por fim, compreende-se que o acesso à terra é um Direito Humano para as
famílias rurais, especificamente como a dignidade da pessoa humana (REIS, 2012, p.
120). Isso porque a Carta Magna brasileira de 1988 considera a dignidade humana como
um princípio jurídico fundamental a nortear a interpretação e a aplicação das demais
legislações. Sobre a dignidade humana, trata-se da existência digna, sem preconceitos
de origem, raça, sexo, ou quaisquer outras formas de discriminação, sendo inerente à
própria pessoa, de forma que é impossível afirmar que uma pessoa terá mais dignidade
que a outra, porquanto a dignidade não possui preço, ou medida, sendo irrenunciável e
inalienável.
Apesar disso, por ser um Direito Humano, a dignidade da pessoa humana é
interdependente com outros Direitos Humanos, dependendo de fatores externos para sua
efetivação. Como exemplo no caso das famílias rurais, o acesso à terra, inicialmente,
assegura a moradia e o trabalho, os quais, por sua vez, promovem o sustento alimentar e
econômico da família do campo, logo, o desenvolvimento socioeconômico, e assim por
diante em relação à outros Direitos Humanos para os camponeses.
CONCLUSÕES15
Em vista disso, é plausível assentar que o processo histórico de formação dos
países do MERCOSUL e sua realidade acabam entrelaçando-se em razão de suas
similaridades, tanto é que uma das diretrizes desse bloco econômico é a união dos
Estados participantes e a criação de materiais comuns em que possam se auxiliar. Uma
dessas áreas é a Reforma Agrária, eis que se observa a evolução das políticas agrária,
bem como a relação entre a pessoa e a terra, pautada, no passado e presente, pela
sobreposição dos atores econômicos e detentores do poder em detrimento da
humanização Foi possível constatar que, em todas as nações sul-americanas, que em
algum momento histórico lançou-se mão de propostas visando a democratização da
terra, seu uso racional e adequado, a promoção de trabalho, moradia, desenvolvimento
social e econômico para asa familiais do campo. Contudo, isso tudo acabou sendo
descartado com a chegada ao poder dos atores políticos, aqueles que detêm os meios
para planejar e efetivar a Reforma Agrária.
Tal realidade não deve prevalecer nos tempos atuais, pois, como pontuado por
Rosana Rocha Reis (2012, p. 32), a terra deve ser compreendida como um direito
humano para as famílias rurais por apresentar relação entre a posse da propriedade e o
usufruto de outros direitos humanos. Ademais, é imprescindível a valorização do
indivíduo frente a propriedade privada absoluta, o território por uma perspectiva
coletiva, de forma semelhante à vivenciada pelos indígenas e quilombolas, os quais
internacionais sobre Direitos Humanos determinam obrigações aos Governos para agir de certa forma ou se abster de praticar determinados atos com o objetivo de promover e proteger os Direitos Humanos e as liberdades fundamentais individuais ou coletivas.” 15
Como a questão da análise da Reforma Agrária nos países do Mercosul e o acesso à terra como um direito humano é uma pesquisa em andamento as conclusões apresentadas nesse tópico se configuram como parciais.
26
possuem conexão cultura e vital com a terra, bem como o fim dos conflitos rurais, que
são marcados pela violência.
Por tudo o exposto, o acesso à terra deve estar limitado à simples possibilidade
de obtenção de uma porção de terra passível de ser chamado de posse por uma pessoa
ou família. Deve ir além e constituir-se na aquisição e posse da propriedade
concomitante ao fornecimento estatal de métodos para o desenvolvimento das
atividades rurais até o ponto em que trabalhador rural, tal qual uma criança auxiliada e
incentivada pelos pais que atinge a maturidade, alcance a independência e consiga
desenvolver-se de modo autônomo.
Apesar das falhas relativas à Reforma Agrária que foram presenciadas nos
países sul americanos, é de se notar um avanço no sentido de assegurar o acesso à terra
de todos - para o Direito Agrário a propriedade é um privilégio e não uma garantia tal
qual o Direito Civil – diferentemente do que ocorre com países africanos ou asiáticos.
Apesar de pregar o fim do latifúndio, o que se objetiva é a possibilidade do
desenvolvimento socioeconômico dos camponeses, evitar o êxodo rural e fornecer as
condições básicas de vida uma vida digna aos mesmos.
REFERÊNCIAS
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DF. 05 de outubro de 1988. Disponível em:
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<http://www.mercosul.gov.br/index.php/saiba-mais-sobre-o-mercosul>. Acesso em 20
de 09 de 2015.
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MERCOSUL. Disponível em:
<http://www.itamaraty.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=686:m
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2002.
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DE ESTUDANTES DE DIREITO E ENCONTRO REGIONAL DE ASSESSORIA
JURÍDICA UNIVERSITÁRIA: “20 ANOS DE CONSTITUIÇÃO. PARABÉNS! POR
QUÊ?”, 2008, Crato. Anais do 21º Encontro Regional de Estudantes de Direito e
27
Encontro Regional de Assessoria Jurídica Universitária. Ceará: XXI ERED/ERAJU,
2008.
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REIS, Rossana Rocha. O Direito à Terra como um Direito Humano: a Luta pela
Reforma Agrária e o Movimento de Direitos Humanos no Brasil. Lua Nova, nº. 86, São
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UNITED NATIONS. Oficce of the High Comissioner for Human Rights. (s.d.). Your
Human Rights: What are Human Rights?. Disponível em:
<http://www.ohchr.org/EN/Issues/Pages/WhatareHumanRights.aspx>. Acesso em 21 de
09 de 2015.
5. ACERCA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL: a ótica sobre os
“Black Blocs” e a democracia
PASSOS, Caroline Mieres16
PREUSSLER, Gustavo de Souza17
PALAVRAS – CHAVE: Direitos sociais; democracia; Black blocs; movimentos
sociais.
INTRODUÇÃO
Com o atual painel social brasileiro, contamos com diversas desigualdades
sociais advindas, em sua pluralidade, da falta de uma distribuição eficaz das
arrecadações financeiras do país, que muitas vezes estão atreladas a uma corrupção
desenfreada, que suga os cofres públicos em face de crescimento pessoal de políticos,
grandes empresários e outras pessoas que se beneficiam dos chamados “white collar
crimes” ou crimes de colarinho branco.
16
Acadêmica do curso de direito da Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD; orientanda de Trabalho de Conclusão de Curso – TCC na área de Direito Penal; e-mail: [email protected]; 17
Professor Doutor no curso de direito da Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD na área de Direito Penal e Direito Processual Penal; orientador e co-autor do Trabalho de Conclusão de Curso – TCC; e- mail: [email protected];
28
A partir desse descaso para com a população, o seu abandono e desamparo pelo
governo, motivou muitas pessoas a buscarem soluções de suas mais diversas formas,
para os problemas sociais, econômicos e políticos que vinham emergindo, assim em
2013 eclodiram manifestações urbanas que tinham, a princípio, como mote o aumento
da tarifa da taxa de ônibus, ficando conhecido como o movimento dos 20 centavos.
Suportado pelo MPL – Movimento do Passe livre usaram-se as redes sociais
como intermédio de organização de tais manifestações. Mensagens prontas, conhecidas
por “rashtags” como: “#ogiganteacordou#”; “#naoeso20centavos”, foram usadas como
meio de identificação e ligação das pessoas que participaram deste movimento, ou que
apoiavam o mesmo. Podemos afirmar que esta “primeira” manifestação acerca das más
decisões administrativas tomadas pelo governo, foi a fagulha para que eclodissem
diversas outras reivindicações sobre a saúde, educação, segurança pública, economia e
dentre outros instituto, os quais o governo Dilma Roussef não estava, na opinião
popular, dando a atenção necessária e merecida.
Em meio há uma grande mobilização de pessoas, e de alguns movimentos
propriamente ditos, surge outro movimento, até então pouco conhecido pelos
brasileiros, chamado Black Blocs. Nascidos no Brasil entre o final dos anos 90 e o
início dos anos 2000, esse grupo passou a ter grande visibilidade pela população e mídia
brasileira, nos movimentos surgidos no ano de 2013, movimentando-se esses pelas
grandes capitais brasileiras, como Brasília, São Paulo, Porto Alegre e Rio de Janeiro.
Foi um movimento com grande visibilidade midiática, por utilizarem de métodos
anarquistas em suas manifestações de rua, sendo taxados pela mídia de vândalos,
sociopatas que usaram de manifestações sociais legítimas para cultivar a baderna e o
vandalismo nas ruas das grandes capitais brasileiras.
Suas principais reivindicações são sobre o capital exagerado e sobre a
globalização exacerbada e perversa. Aqui no Brasil, especificamente no Rio de Janeiro,
o movimento pautou-se sobre os gastos descomedidos com a COPA FIFA 2014, em que
todo e qualquer brasileiro pode acompanhar os milhões de reais gastos com estádios,
centros esportivos, aeroportos, reestruturação rodoviária e turismo, deixando
desassistidos direitos básicos como saúde, educação e segurança pública.
O movimento foi liderado por Elisa Quadros Pinto Sanzi, mais conhecida como
“Sininho”, Karlayne Moraes da Silva Pinheiro e Igor Mendes da Silva, conhecido como
“Moa”. Eles e mais um grande grupo de pessoas que se auto intitulavam os Black Blocs
brasileiros, em atos envoltos a depredações e violência, buscavam por esse meio
respostas às suas perguntas e soluções para os problemas que foram levantados, tendo
como eixo principal os gastos com a COPA FIFA 2014, como já fora mencionado.
Com isso, o Estado viu a necessidade de uma intervenção mais efetiva, fazendo-
se valer do seu poder de polícia para que fosse garantida a ordem pública e a segurança
para as demais pessoas que não estavam participando dessas manifestações, ou que
queriam apenas acompanhar o movimento, de uma forma mansa e pacífica.
Foi então que houve uma efetiva atuação da polícia militar, especialmente nos
grandes centros em que se ocorria os movimentos, sendo as duas principais cidades São
Paulo e Rio de Janeiro, e principalmente contra o movimento Black Blocs, que em cada
jornal que você os via noticiar, era calcado de pré conceitos e juízos de valor sobre a
sua legitimidade. Nessas manifestações a atuação da polícia sempre se viu repressiva e
29
excessiva, de forma que pessoas que muitas vezes não estavam envolvidas com
movimentos ditos separatistas acabaram sendo atingidas e prejudicas por tamanha
violência policial.
No decorrer das manifestações, era notável certo descontrole na organização
dessas, pelo fato das mesmas terem se expandido de forma desenfreada, e em boa parte
delas sem um motivo específico, ou sobre o amparo de um movimento legítimo, como o
MPL – Movimento do Passe Livre, os movimentos estudantis, como a UNE – União
Nacional dos Estudantes, ou até mesmo o MTST - Movimento dos Trabalhadores Sem-
Teto.
Pode-se, talvez, afirmar, que em um segundo momento iniciou-se uma mistura
de interesses e classes sociais nessas manifestações. Não víamos mais apenas
movimentos de esquerda nas ruas, mas também a classe média e alta, do Brasil, com
seus pedidos e reivindicações, chegando até mesmo em alguns cartazes pedidos de
intervenção militar e a volta da ditadura militar brasileira. O foco havia mudado.
O que se questiona neste trabalho é sobre a atuação militar repressiva
desenfreada. Nota-se que não se definiu o objeto da ação, pois não se justificaram tantas
queixas-crime que surgiram depois dessas manifestações. O caos ficou instaurado. A
mídia punha mocinhos e bandidos entre os feridos fisicamente e moralmente com a
atuação policial nas manifestações de rua do ano de 2013. Havia uma necessidade da
busca de um culpado.
Então eclodiram justificativas que esses movimentos dos blocos pretos seriam
quadrilhas que buscavam apenas a quebra da ordem pública, o vandalismo, e não se
pautavam em qualquer ideal a não ser o anarquismo e balbúrdia. Muitos líderes foram
taxados até mesmo como terroristas, ensejando talvez até ao PLS – Projeto de Lei do
Senado nº 499 que define quais condutas que tipificam o terrorismo neste país.
A grande questão é se essas manifestações dos blocos negros foram ilegítimas ao
ponto de serem consideradas como organizações criminosas, ou se voltamos a viver em
um Estado que protege, dissimula e manipula informações e pessoas, para que o que
realmente deva ser conhecido não chegue ao conhecimento popular. O presente trabalho
visa fazer esses questionamentos, e um afundo estudo sobre o movimento do Black
Blocs no Brasil, que merece sua devida atenção.
MATERIAIS E MÉTODOS
Os materiais e métodos utilizados para a referente pesquisa foram basicamente
periódicos, artigos científicos, artigos não científicos e filmes na área de sociologia
jurídica, direito penal e anarquismo.
Esses últimos foram utilizados para uma fundamentação e embasamento dos
movimentos sociais existentes em uma contextualização geral, bem como para um
melhor entendimento e aprofundamento sobre os blocos pretos, visto que hoje há muito
pouco estudo científico sobre esse movimento social, se assim pudermos chamá-lo, aqui
no Brasil. A grande conquista dessa pesquisa foi o acesso sobre alguns acórdãos
referentes ao processo judicial em que os idealizadores do movimento estão sendo
submetidos na justiça do estado do Rio de Janeiro.
30
Não houve o acesso total ao processo judicial, pelo fato do mesmo estar em
segredo de justiça, e muito pouco ou quase nada podemos visualizar e estudar. Espera-
se ainda, que se até o final desta pesquisa, este processo judicial se finalize e acrescente
mais verossimilidade ao presente trabalho.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Os resultados obtidos até o presente momento da pesquisa é o que podemos
afirmar sobre a legitimidade do movimento Black Blocs no Brasil. Apesar das errôneas
interpretações que foram inúmeras vezes apontadas pela mídia brasileira, a má
colocação das situações ocorridas, a rechaça dos acontecimentos nas manifestações de
rua e a busca incessante por um único culpado pelas depredações ocorridas em duas das
principais capitais do país, fizeram com que o movimento dos blocos pretos fosse
colocado à margem social, visto literalmente como ilegítimos perante a sociedade e
colocados como sendo os únicos responsáveis pelo depredamento ocorrido em alguns
lugares e momentos das manifestações.
Podemos afirmar que apesar da fetichização, segundo os estudos da professora
Ilse Scherer Warren, esse movimento pode ser tachado como manifestações de bloqueio
ou “formas de ação nas ruas”, ou seja, aquelas manifestações que surgem ocupando
determinados lugares públicos para a exposição de suas ideologias e opiniões, não
precisando necessariamente ser um grupo organizado e auto intitulado, como é o caso
dos blocos pretos com suas diversas ideologias.
Ela traz também em seu artigo uma pequena afirmação sobre este grupo e
algumas justificativas, se assim pudermos expressar, sobre o porquê da violência
utilizada por esses em determinados momentos, e que foi tão noticiada pela mídia,
dando poder a interpretações precipitadas e polêmicas dessa organização de pessoas.
Como afirmado pela mesma autora com base em estudos realizados com ativistas que
atuam em outros países, feita por Francis Dupuis – Derri (2013, apud SCHERER-
WARREN, 2014, p.14):
“Todos os homens e mulheres que conheço que participaram do
black blocs são ativistas, alguns muito experientes. Eles ficaram
um tanto desiludidos porque chegaram à conclusão de que
métodos pacíficos são muito limitados e jogam a favor dos
poderes no comando. Então, para deixarem de ser vitimas, eles
acharam melhor usar a violência.”18
Conclui-se então que este é um movimento social, engajado, que busca através
das manifestações de rua, seus ideais. Deve ser respeitado, estudado e visto como ele
realmente é e não usá-lo como instrumento de desculpa para falhas estatais perante a
segurança pública nacional. Entendendo-os de uma forma técnico-científica, poderemos
18
“La Pratique de la Violence Politique par l’Émeute: le Cas de la Violence Exerceé lors des Contresommets”( Universidade de Paris I – Panthéon- Sorbonne, 2002), 93. DUPUIS-DÉRI, F in SCHERER-WARREN, Ilse. Dos movimentos sociais às manifestações de rua: o ativismo brasileiro no século XXI. Política & Sociedade (Impresso), v. 13, p. 13, 2014.
31
apontar definições sobre as ações desses grupos e assim buscar os “culpados” das
depredações ocorridas nas manifestações de rua de 2013, e não assistirmos a uma
polícia repressiva, aliada a um Estado parcial, acusando e culpando e julgando pessoas
sem provas cabais e cruciais dos fatos.
É por conta desse Estado parcial, que obtivemos outro resultado, parcial, mas um
resultado. Esse é em relação ao acórdão sobre o habeas corpus impetrado por Elisa
Quadros Sanzi, a “Sininho” e os demais líderes deste movimento em relação a sua
prisão preventiva. Essa prisão foi expedida em face de um descumprimento de uma
restrição criminal que fora acordado para que os acusados respondessem o processo em
liberdade.
Fica-nos muito claro perante a leitura do acórdão, bem como do recurso posto
em juízo pelo advogado das partes, o despreparo do Ministério Público do estado do Rio
de Janeiro para a argumentação de que os mesmos haviam descumprido a restrição pelo
fato de todos os três estarem em uma manifestação, assim colocado pelo Parquet,
utilizando-se de megafones e faixas na Cinelândia. Este, comum local que abriga
eventos de literatura, música e demais artes, no dia 15 de outubro de 2014 também
abrigava uma palestra com o professor Eduardo Viveiros de Castro.
Com isso podemos notar a busca incessante para a criminalização de
determinadas pessoas sem talvez um verdadeiro fundamento jurídico penal, que abrange
ato, fato e tipificação penal, para que abrigue a acusação e sustentação de um processo
judicial. Vemos sim uma perseguição dos movimentos sociais de esquerda como vimos
acontecer durante anos com outros movimentos hoje legitimados socialmente. No
entanto, o questionamento que ainda fica a ser concluído ao final desta pesquisa é se
realmente a democracia ainda é válida e existente nesse país.
CONCLUSÕES
Com tudo o que já fora escrito e discutido nesse resumo expandido, podemos
concluir que o presente trabalho é apenas o início de uma longa pesquisa sobre o
movimento dos Black Blocs, sua organização, seus objetivos e ideologias, bem como a
sua efetivação como movimento social perante a sociedade brasileira. Descobrir os
porquês do surgimento dessa categoria no país, e sua real efetividade nos movimentos
de rua ocorridos em 2013.
É necessária a desmistificação dessa organização, pelo fato do uso do poder de
policia estatal de uma forma parcial e ditatorial como vimos ocorrer durante os
movimentos no ano de 2013, e acompanhamos diariamente pela imprensa, que a
principio era a única que não deveria ser parcial, pois fora uma das categorias que mais
lutou por seus direitos durante a censura militar neste país.
Conclui-se que o brasileiro está desmotivado. A democracia no país parece
sangrar através de cada julgamento ocorrido na conjuntura atual que vivemos neste país.
A corrupção nos suga cada dia mais as esperanças sobre “um amanhã melhor”. A busca
por um culpado é incessante e interminável. O povo brasileiro entra em desespero com
o maior escândalo de corrupção do mundo chamado de “Operação Lava – jato”.
O que não podemos deixar acontecer é que o Estado se torne corrupto ao ponto
de manipular informações para que incriminem pessoas que não devam ser
32
incriminadas, e deixar que os verdadeiros culpados se esvaiam sobre a ótica da
Constituição Federal e dos olhos da população brasileira.
Black blocs é apenas um grupo que fora atingido por essa corrupção ininterrupta
que vemos acontecer durante anos no Brasil e que merece ser estudado a fundo e
apontado. São movimentos assim que podem nos ajudar a obter respostas a tantas
perguntas sobre o real estado da política brasileira.
Com isso, com as pequenas conclusões que foram tiradas até o presente
momento, podemos afirmar que esse grupo foi apenas mais um instrumento utilizado
pela máquina pública para desviar o foco dos verdadeiros e reais problemas que
enfrentamos socialmente, economicamente e politicamente no Brasil.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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(2015/0040180-4). Relator: JÚNIOR, Sebastião Reis. Publicado em 24.06.2015
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Habeas Corpus No 56.961 – RJ
(2015/0040180-4). Relatora: MOURA, Maria Thereza de Assis. Publicado em
11.03.2015
CARVALHO, E. K. Sem mediações: canibalismo, black blocs e pacificação. Verve
(PUCSP), v. 27, p. 91-105, 2015.
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Acesso em 20.10.2015
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ativismo brasileiro no século XXI. Política & Sociedade (Impresso), v. 13, p. 13,
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SCHERER-WARREN, Ilse. ; LUCHMAN, Lígia Helena Hann. “Situando o debate
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http://www.npms.ufsc.br/lpublic/Aula-Ilse%20e%20Ligia.pdf> Acesso em 20.10.2015
33
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Internet e os novos processos de articulação dos movimentos sociais”. Rev.
katálysis, Florianópolis , v. 16, n. 2, dez. 2013 . Disponível em
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ng=pt&nrm=iso>. Acesso 20.10.2015
SOUZA JÚNIOR, Xisto S. S. “Um olhar geográfico sobre o conceito de movimento
social urbano”. Formação (Presidente Prudente), v. 1, p. 150-166, 2007. Disponível em
<http://revista.fct.unesp.br/index.php/formacao/article/viewFile/707/730> Acesso em
20.10.2015
6. ACESSO AO JUDICIÁRIO TRABALHISTA E LEGISLAÇÃO DO
TRABALHO: Instrumentos de Garantia aos Direitos Humanos no
Trabalho
PAGNONCELLI, Jonathan Alves19
PALAVRAS-CHAVE: Direitos Humanos do Trabalho, Acesso à Justiça, Legislação
Trabalhista.
INTRODUÇÃO
É extremamente importante que o Estado seja dotado de ferramentas e
mecanismos adequados a salvaguardar o direito humano do trabalhador. Nesse passo, o
Estado brasileiro, com a divisão de seus poderes, tendo no Poder Judiciário a figura
marcante da Justiça do Trabalho, especializada na resolução de conflitos advindos do
trabalho, consubstanciado na garantia do amplo e irrestrito acesso à justiça como
garantia constitucional, proporciona em sua estrutura legal processual, a figura do jus
postulandi. Devido a introdução de técnicas mais eficazes e arrojadas de produção foi
necessário encontrar as melhores ferramentas protetivas para salvaguardar os direitos naturais
inerentes a cada trabalhador, somado a mudança do cenário protetivo mundial, conforme
destacado por Antônio Augusto Cançado Trindade (2009)20
.
Assim, contra as tentações dos poderosos de estilhaçar os direitos humanos em
categorias, desprezando sob pretextos diversos a concretização de alguns destes (os
direitos econômicos, sociais e culturais) para um amanhã incerto, “se insurge o Direito
19
Jonathan Alves Pagnoncelli, Advogado, Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Mato
Grosso do Sul, MBA em Gestão de Pessoas Faculdade Anhanguera de Dourados, Pós-Graduando em
Direitos Humanos e Cidadania na Universidade Federal da Grande Dourados. 20
Para isto contribuíram de modo decisivo as duras lições legadas pelo holocausto da Segunda Guerra
Mundial. Já não se tratava de proteger indivíduos sob certas condições ou em situações circunscritas
como no passado (e.g., proteção de minorias, de habitantes de territórios sob mandato, de trabalhadores
sob as primeiras convenções da Organização Internacional do Trabalho - OIT), mas doravante de proteger
o ser humano como tal. (GIOVANNETTI, 2009, p.15)
34
Internacional dos Direitos Humanos, afirmando a unidade fundamental de concepção e
a indivisibilidade de todos os direitos humanos.” (TRINDADE, 1997, p. 25). Com a
Declaração Universal dos Direitos Humanos, desenvolvida pela Organização das
Nações Unidas em 1948, passa-se a vincular aos direitos humanos o que Cançado
Trindade chama de “bem comum”, tendo em vista a afastar o ser humano de todo tipo
de servidão, passando o plano de proteção a ser universalizado, ou seja, natural a todo o
ser humano desde o início de sua existência21
. Com a premissa de que o artigo 23 coloca
o direito ao trabalho como um direito social de extrema relevância, de modo que sua
inserção no ordenamento brasileiro, na Carta Constitucional de 1988, em vários de seus
dispositivos, principalmente no artigo 7º, demonstra a importância do trabalho como
integrante dos direitos humanos.
Nessa toada, tendo a República Federativa do Brasil como fundamentos a
dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, cabe
ao presente estudo analisar o acesso ao judiciário trabalhista como mecanismo de
solução de conflitos, onde a presença da não observância à legislação trabalhista
nacional por parte de empregadores, se revela como um desrespeito aos direitos
humanos, destacando o instituto do jus postulandi como instrumento facilitadora a tal
ingresso. O caminho trilhado pelo Brasil se mostra apto a integrar o papel de protetor
aos direitos humanos do trabalhador, no momento em que a Constituição de 1988
atribui em seu artigo 6º a figura do trabalho como um direito social.
MATERIAIS DE PESQUISA
Os materiais utilizados na pesquisa se pautou na utilização de revisão
bibliográfica, análise de dados disponibilizados nos sites jurídicos e nos portais dos
Trinbunais Regionais do Trabalho, aproveitando as informações contidas na
Constituição Federal e Normas infracontitucionais (Consolidação das Leis do Trabalho,
Código Civil, Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho).
MÉTODOS
O estudo é realizado com base na pesquisa exploratória sob a forma de uma
pesquisa bibliográfica sobre o assunto abordado, utilizando considerações de autores
renomados para suportar e evidenciar as perspectivas almejadas, além da interpretação
da legislação brasileira. Segundo Gil (2002) “a pesquisa bibliográfica é desenvolvida
com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos
científicos”. Para o mesmo autor, a pesquisa documental “vale-se de materiais que não
receberam ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de
acordo com os objetos da pesquisa” (Gil, 2002). Após o exame bibliográfico dos temas
21
Observa-se que no espaço laboral tal noção de resguardo não poderia ser diferente, a Declaração de 1948, trouxe em seu artigo 23 que: “I) Todo o homem tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego; II) Todo o homem, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho; III) Todo o homem que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como a sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social; IV) Todo o homem tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para proteção de seus interesses.
35
pesquisados, além da apresentação da legislação pertinente, pode ser evidenciado que
sendo a Justiça do Trabalho entidade especializada nos conflitos advindos do trabalho,
uma nítida garantia do trabalhador para a proteção dos direitos humanos.
DISCUSSÃO E RESULTADOS
No Brasil, as constituições de 1934 e de 1937 foram as primeiras a dispor,
expressamente, sobre a Justiça do Trabalho, tratada à época como órgão não integrante
do Poder Judiciário (LEITE, 2011). Foi com a promulgação da Constituição de 1946
que a Justiça do Trabalho passou a pertencer à estrutura do Poder Judiciário, com todas
as garantias inerentes aos seus magistrados. Hodiernamente, a Justiça do Trabalho é
composta pelo Tribunal Superior do Trabalho, com sede em Brasília, composto por
vinte e sete ministros, miscigenados entre juízes de carreira e membros do Ministério
Público do Trabalho e da advocacia. Assim, com uma invejável estrutura, fazendo parte
de um poder próprio, o direito do trabalho pode ser entendido de maneira clara, com
decisões isentas, se mostrando como ferramenta garantidora da proteção aos direitos
humanos do trabalho22
. Em suma, o processo do trabalho não é revestido de excessos de
formalidades como os demais ramos do direito (MARTINS, 2013), nesse ponto cabe
destaque o artigo 791 da CLT23
.
Conforme os ensinamentos de Carlos Henrique Bezerra Leite (2011, p. 408),
pode-se concluir que jus postulandi é a capacidade conferida por lei às partes de
postularem, sem a presença de advogado, perante às instâncias judiciárias.
Complementando o disposto no artigo 791, da CLT, apresenta-se o artigo 839, da CLT,
que outorga a possibilidade da própria parte apresentar a reclamação trabalhista24
.
A mens legis que conferiu a aptidão postulatória na relação de emprego tem como
fundamento maior a hipossuficiência financeira das partes, ou seja, permite que a parte
deixe de arcar com os honorários advocatícios (GIGLIO: 2007). Tal capacidade
postulatória aprimora as possibilidades do trabalhador em satisfazer possíveis débitos de
sua relação de emprego, repercutindo, a partir do princípio de proteção ao direito
humano do trabalhador, a criação de diversas regras no ordenamento jurídico brasileiro
que visam a garantia da efetividade do sistema jurídico25
.
22
Nesse sentido, no que tange às condições de implantação da Justiça laboral no Brasil, ensinam Sussekind, Bonfim e Piraino: “Quando da instalação da Justiça do Trabalho em 1941, ainda sob a esfera administrativa, deferiu-se às partes o direito de, pessoalmente, reclamar, defender-se e acompanhar a causa até o seu final. Essa prerrogativa justificava-se por se tratar então de uma Justiça administrativa, gratuita, regida por um processo oral, concentrado, e a ela serem submetidos, quase exclusivamente, casos triviais, tais como horas extras, anotações de carteira, salário, férias, indenização por despedida injusta. O órgão era constituído, no país, de oito regiões e, no Rio de Janeiro, apenas de seis Juntas de Conciliação” (SUSSEKIND; BONFIM; PIRAINO, 2009). 23
Onde preceitua que “Os empregados e os empregadores poderão reclamar pessoalmente perante a Justiça do Trabalho e acompanhar as suas reclamações até o final” (BRASIL, 1943) 24
“Art. 839 - A reclamação poderá ser apresentada: a) pelos empregados e empregadores, pessoalmente, ou por seus representantes, e pelos sindicatos de classe; (BRASIL, 1943)”. 25
Assim, segundo Renato Saraiva (2008, p. 32): “O princípio da proteção, em verdade, insere-se na estrutura do Direito do Trabalho como forma de impedir a exploração do capital sobre o trabalho humano, possibilitando a melhoria das condições de vida dos trabalhadores e permitindo o bem-estar social dos obreiros.”
36
Portanto, o acesso à justiça é base de aplicação para todos os outros princípios e
garantias constitucionais, e como acrescenta Capeletti (1978, p.12). O acesso á justiça
pode ser encarado como direito requisito fundamental - o mais básico dos direitos
humanos - de um sistema jurídico moderno, e igualitário que pretenda garantir, e não
apenas proclamar direito de todos. O jus postulandi se presenta com meio facilitador de
acesso à justiça no meio laboral, pois privilegia o trabalhador hipossuficiente, que não
pode arcar com a contratação de advogado para o patrocínio de sua causa, sendo meio
de atração para a busca da garantia da aplicabilidade de seus direitos, e como as verbas
trabalhistas são consideradas como verbas de natureza alimentar, poderá pleitear o
empregado a efetivação de seu próprio sustento26
.
CONCLUSÕES
Na leitura do estudo ora apresentado é notório o posicionamento de que a
utilização do jus postulandi para acesso ao judiciário trabalhista ocupa um espaço
extremamente relevante como mecanismo de efetividade ao direito humano do
trabalhador brasileiro, onde o aparato estatal protetivo, onde o Estado Democrático de
Direito tem como princípio basilar a dignidade da pessoa humana, flanqueado pelos
princípios da liberdade, igualdade e solidariedade, cujos fundamentos habitam não
apenas na proteção e efetivação dos direitos humanos de primeira dimensão (direitos
civis e políticos) e segunda dimensão (direitos sociais, econômicos e culturais), como
também os direitos de terceira dimensão (direitos ou interesses difusos, coletivos e
individuais homogêneos). Sendo revestido o jus postulandi de um ideal de elemento
facilitador na busca pelos embrionários direitos do obreiro, sendo regido por princípios
que colaboram com essa celeridade como, por exemplo, o da oralidade e da
simplicidade do acesso à justiça.
Promove, assim, uma visão humanitária dos direitos sociais, revelando ser o
trabalho digno um direito fundamental, que deve estar ao alcance de todo trabalhador,
aproximando o cidadão do acesso à justiça de forma célere, eficaz e barata, despontando
como atributo protetivo do Estado brasileiro, para a satisfação e eficácia da reparação,
ou ameaça a direitos dos trabalhadores, integrando o aparato de abrigo aos direitos
humanos do trabalhador no Brasil. Desse modo, por todos os motivos expostos,
entende-se necessária a disseminação do instituto do jus postulandi no âmbito do
processo trabalhista, a qual deve ser acompanhada da criação de uma política de
aprimoramento e conscientização por meio de políticas públicas, para que aos
demandantes hipossuficientes seja possibilitado a irrestrita compensação por casual
dano por ele sofrido.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). 34 ed. São Paulo: Saraiva,
2007.
26
Pois “os pedidos veiculados nas iniciais trabalhistas são, via de regra, relativos a salário, ou seja, parcelas com nítida natureza alimentícia.” (LEITE, 2008).
37
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38
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Rio de Janeiro, v. 20, n. 46, jan./dez. 2009.
7. A CRIAÇÃO DA UNIDADE EXPERIMENTAL DE SAÚDE E SUAS
IMPLICAÇÕES
BOZZETTO, Adriana Elisa27
PALAVRAS-CHAVE: Unidade Experimental de Saúde, caso Champinha,
movimento antimanicomial, Estatuto da Criança e do Adolescente.
INTRODUÇÃO
Este trabalho propõe um estudo sobre a situação do menor de idade doente
mental infrator no Brasil. O que acontece quando os próprios Poderes Executivo,
Legislativo e Judiciário desrespeitam suas leis, criando situações de exceção em pleno
Estado Democrático de Direito?
Nos anos 1960, Franco Basaglia, inspirado em Michel Foucault, iniciou o
movimento (ou luta) antimanicomial na Itália que visava à humanização do ambiente
psiquiátrico e ao tratamento com o objetivo reinserir o paciente no âmbito social.
Denunciou também o que seria o “duplo da doença mental” 28
e alcançou importantes
resultados como a “Lei da Reforma Psiquiátrica Italiana”. O movimento italiano
inspirou o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM) no Brasil que
ganhou força com as denúncias relacionadas ao Hospício de Barbacena em Minas
Gerais, retratado no documentário “Em nome da razão” de Helvécio Ratton em 1979, e
comparado a um campo de concentração nazista por Franco Basaglia (1979) após uma
visita ao local. O principal resultado foram leis análogas à italiana.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê que, caso haja a
necessidade de internação do menor infrator, “Em nenhuma hipótese o período máximo
de internação excederá a três anos” (Lei n° 8.069/90, Art. 121 parágrafo 3°). A Lei n°
10.216/2001 (Lei da Reforma Psiquiátrica) diz em seu Art. 4° que “A internação [do
doente mental infrator], em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os
recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes” e, no parágrafo 2°, que “O
tratamento em regime de internação será estruturado de forma a oferecer assistência 27
Graduanda em Relações Internacionais, UFGD, [email protected] 28
“[O “duplo da doença mental”] é entendido [como] tudo aquilo que se constrói em termos
institucionais em torno do internado: é a face institucional da doença mental, construída tornando-se por
base a negação da subjetividade do louco, da negação das identidades, a partir da objetivação extrema da
pessoa como objeto do saber. ” (AMARANTE, 1996 Apud OLIVEIRA, C. L.. O pensamento de
Franco Basaglia na área da saúde mental).
39
integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviços médicos, de
assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros. ”.
No ano de 2003, na cidade paulista de Embu-Guaçu, Felipe Caffé, 19 anos, foi
mantido refém durante uma noite e foi assassinado no dia seguinte com um tiro na
cabeça. Sua namorada, Liana Friedenbach, 16 anos, foi mantida refém, torturada e
estuprada e morreu esfaqueada. O crime foi de grande repercussão popular e Roberto
Aparecido Alves Cardoso, de alcunha Champinha, foi considerado o principal
responsável pelos crimes. Na época, ele tinha 16 anos e foi internado na então
Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (FEBEM). Às vésperas de ser liberto, os
outros quatro homens relacionados ao caso foram condenados e Champinha fugiu da
FEBEM, sendo recapturado no mesmo dia. Tais fatos, junto ao furor midiático que
criticava a legislação brasileira por colocar um “estuprador assassino” nas ruas, fizeram
a população se revoltar, pressionando as autoridades a manterem Champinha preso. A
partir de laudos que indicavam transtornos mentais e sugeriam necessidade de
internação psiquiátrica, apesar de este último aspecto não ser unânime, como apontam
Quirino Cordeiro e Rafael Bernardon Ribeiro (2013), surgiu a Unidade Experimental
de Saúde (UES), em 2007, na cidade de São Paulo.
A presente pesquisa tem como objetivo discutir a validade da criação e
funcionamento
da UES nos contextos histórico e jurídico brasileiros, visto que, apesar da Unidade
Experimental de Saúde ter sido criada para abrigar jovens adultos egressos da
Fundação Casa (antiga FEBEM) que apresentam transtornos de personalidade e
histórico de infrações criminais cometidas antes da maioridade penal e para oferecer
atendimento especializado a eles enquanto cumprem medida socioeducativa,
especialistas acreditam que a UES não é voltada à ressocialização do menor infrator,
tampouco pode ser considerada um estabelecimento para tratamento psicológico ou
psiquiátrico, fatores que vão na contramão da Reforma Psiquiátrica, além de aspectos
controversos em relação à sua legalidade.
MATERIAIS DE PESQUISA
Para a pesquisa foram consultados materiais disponibilizados pelo Conselho
Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP), além da participação
como ouvinte em encontros e debates promovidos pelo CREMESP, a maioria durante o
ano de 2013. Também foram utilizados materiais jornalísticos, históricos e jurídicos
para uma melhor compreensão e abordagem do tema, relatório da ONU a respeito da
Unidade Experimental de Saúde e o documentário “Em nome da razão” de Helvécio
Ratton, que retrata a realidade do funcionamento do Hospício de Barbacena, símbolo
dos abusos cometidos pelas instituições psiquiátricas no Brasil antes da Reforma
Psiquiátrica
MÉTODOS
Para o desenvolvimento do presente trabalho foi adotado o método de pesquisa
teórica através de levantamentos bibliográficos. A escolha deste método deve-se à
necessidade de desenvolvimento do tema da Unidade Experimental de Saúde através da
40
contextualização histórica e jurídica do que foram e são o movimento antimanicomial,
seus resultados e os direitos do menor de idade, a fim de possibilitar uma discussão do
que significa a existência da Unidade Experimental de Saúde no Estado brasileiro. Para
que tal discussão seja aberta, é imprescindível que se entenda o surgimento da UES, ao
que a instituição está relacionada e as razões das controvérsias em torno de sua
existência.
DISCUSSÃO E RESULTADOS
Franco Basaglia, ao iniciar o Movimento Antimanicomial na Itália,
criticava a postura tradicional da cultura médica, que
transformava o indivíduo e seu corpo em meros objetos de
intervenção clínica. No campo das relações entre a sociedade e
a loucura, ele assumia uma posição crítica para com a
psiquiatria clássica e hospitalar, por esta se centrar no princípio
do isolamento do louco (AMARANTE, 1996)
Em outras palavras, defendia que a cura para uma doença mental dependeria
de fatores ausentes na prática psiquiátrica isolada. Basaglia experimentou a
humanização do ambiente psiquiátrico, ganhando notoriedade mundial e tendo como
um dos resultados a Lei da Reforma Psiquiátrica Italiana. Essa lei garante condições
sanitárias básicas em instituições públicas, reforma os manicômios já existentes
propondo modelos alternativos a eles, proíbe novas internações psiquiátricas e devolve
a cidadania e os direitos sociais dos doentes mentais internos. Quando o movimento
chegou ao Brasil vieram as denúncias da realidade psiquiátrica nacional em que o caso
de maior repercussão foi o do Hospício de Barbacena, local onde, como afirma Daniela
Arbex (2013) em sua obra “Holocausto Brasileiro”, indivíduos viviam em condições
desumanas e eram torturados, violentados e onde, nos períodos de maior lotação, cerca
de 16 pessoas foram mortas por dia. Na instituição, eram muitas vezes internadas
pessoas sem nenhuma evidência de doença mental e que eram confinadas em um local
onde era comum precisar beber urina e água do esgoto e comer ratos como forma de
sobrevivência. A realidade da instituição mineira não era uma exceção à realidade
nacional e em 2001 surgiu a Lei n° 10.216/2001 que garante os direitos e proteção ao
doente mental.
Em relação à proteção do menor de idade, na data de 13 de julho de 1990,
entrou em vigor o Estatuto da Criança e do Adolescente, que manteve a maioridade
penal aos 18 anos, consolidando conquistas anteriores, e criou leis para proteger e
garantir os direitos da população infanto-juvenil. No caso de menor infrator, o ECA
prevê internação apenas em última instância e, nessa situação, a internação deve ser
feita em uma instituição especial separada das penitenciárias para adultos (no caso, a
atual Fundação Casa), não podendo exceder três anos e com liberação compulsória aos
21 anos. Na época em que foi promulgado, o ECA representou uma revolução para os
direitos humanos e tornou-se referência mundial.
O “caso Champinha” deixou em evidência o despreparo do Estado em lidar
com a situação do menor de idade infrator, mais especificamente que tenha cometido
crimes graves, e que apresenta doença mental: Champinha foi diagnosticado como
41
portador de “transtorno de personalidade”29
e surgiu a necessidade de internação em
uma instituição para o tratamento. Tal instituição não existia para este contexto e foi
criada às pressas a Unidade Experimental de Saúde, regulamentada apenas no ano
seguinte pelo Decreto n° 53.427/2008, assinado pelo então governador do estado de
São Paulo, José Serra.
Em 2008, a juíza do Departamento de Execuções da Infância e Juventude
(Deij) Mônica Paukoski, após visitar a Unidade, declarou que o local estaria sendo
usado apenas para contenção dos internos, e não para o tratamento desses. Depois
disso, ocorreram mais duas fiscalizações, não havendo nenhuma mudança (Hashimoto,
2011). Há, inclusive, discussões a respeito da legalidade da Unidade, já que ela não traz
nenhuma previsão de liberdade ao infrator que legalmente já cumpriu sua pena,
agravado pelo fato de este ser menor de idade à época do crime, afrontando assim o
ECA. A internação também foi feita sem que houvesse reincidência por parte do menor
de idade e sem que fosse apresentada alguma medida que não envolvesse internação
hospitalar compulsória, que por lei deveria ocorrer apenas em última instância. E a
Unidade não sendo utilizada para o tratamento dos internos significa que o que deveria
ser essencial, a ressocialização, não está acontecendo. Também há a questão de a
Unidade ter sido criada às pressas para atender Champinha, sendo encaminhados
apenas mais 8 internos posteriormente, o que indica a criação de uma instituição e
decreto para atender a um caso específico, apesar de haver outros crimes de igual ou
maior gravidade, que não tem repercussão popular, mas cujos executores possuem
traços de personalidade semelhantes e não são remetidos à UES (RIBEIRO;
CORDEIRO, 2013). Isso fere diretamente o princípio de igualdade do Direito: não
pode existir uma lei para uns e outra lei para outros, a lei deve existir igualmente para
todos.
O Subcomitê de Prevenção da Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis,
Desumanos ou Degradantes (SPT) das Nações Unidas, em 2012, em relatório elogiou
as condições materiais da UES, a proporção entre detentos e funcionários e o
profissionalismo da equipe técnica responsável. No entanto ressaltou que a instituição
não é uma unidade socioeducativa, também completa que não é um centro de detenção
preventiva, uma prisão ou um hospital de custódia e tratamento. É uma instituição
legalmente não prevista. A delicada situação legal expressa pela existência da Unidade
é tema de preocupação do SPT que recomenda a desativação da UES e que as
disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente sejam estritamente respeitadas.
CONCLUSÕES
29
“Um transtorno de personalidade [...] prejudica a adaptação do indivíduo às situações que enfrenta,
causando a ele próprio, ou mais comumente aos que lhe estão próximos, sofrimento e incômodo.
Geralmente esses indivíduos são pouco motivados para tratamento, uma vez que os traços de caráter
pouco geram sofrimento para si mesmos, mas perturbam suas relações com outras pessoas, fazendo com
que amigos e familiares aconselhem o tratamento. ”
BERNARDON, Rafael. Personalidade: Transtornos de Personalidade. Disponível em:
<http://www.sospsiquiatria.com/>. Acesso em: 03/08/2013.
42
O despreparo da legislação brasileira para atender casos como o de Champinha,
que deveria ter recebido tratamento quando ainda estava na então FEBEM, atual
Fundação Casa, resultou no surgimento de uma instituição controversa denominada
Unidade Experimental de Saúde, que vive às margens da legalidade dentro do próprio
Estado que a criou. Isso porque desrespeita legislações como o Estatuto da Criança e
do Adolescente e as referentes àqueles portadores de doenças mentais.
A existência da UES significa o desrespeito por parte do Estado às suas próprias
leis. Tal fator pode implicar em graves retrocessos nas conquistas obtidas em relação
ao tratamento do doente mental e aos direitos das crianças e adolescentes: a internação
apenas por contenção e não para o tratamento, como foi observado na Unidade, retoma
um passado recente e sombrio da realidade psiquiátrica brasileira; o desrespeito ao
ECA é igualmente grave, pois a existência da instituição, sendo contra o Estatuto, pode
acarretar em novas e maiores rupturas na proteção e nos direitos da criança do
adolescente.
A Organização das Nações Unidas (ONU) pede o fechamento da Unidade, no
entanto, se os jovens que lá estão precisam de acompanhamento psiquiátrico por
representarem perigo à sociedade civil e este tratamento os foi negado até agora, a
simples soltura imediata dos internos seria errônea. Até pelo fato de eles se
encontrarem afastados da sociedade durante o que seria uma extensão de seus períodos
de reclusão. Uma alternativa poderia ser o uso da estrutura material encontrada na
instituição para realmente começar o processo de reintrodução social dos jovens ou a
soltura com acompanhamento psicológico e psiquiátrico individual. Também é
necessária uma legislação que trate especificamente de questões do menor de idade
doente mental que tenha cometido alguma infração, seja esta leve ou grave. E, no caso
de uma nova instituição que atendesse a esta questão, que ela não seja planejada e
fundada às pressas e que ela conte com o tratamento efetivo dos pacientes e tenha uma
porta de saída, não representando apenas uma local de contenção.
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Filmes
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direção de Helvécio Ratton. Minas Gerais, Hospício de Barbacena. 1979.
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Acesso em: 07/04/2013.
44
II – Seção: Encontro Científico do II Simpósio Jurídico – UFGD
1. ESTADO E IGREJA: novos desafios e possibilidades no estado
democrático de direito
PEREZ, Jéssica Renata Gomes30
PACHECO, Rosely A. Stefanes31
PALAVRAS-CHAVE: liberdade religiosa; estado democrático de direito; intervenção;
inafastabilidade da jurisdição.
INTRODUÇÃO
Atualmente é possível citar inúmeros exemplos de assuntos polêmicos que estão
vinculados à religião, ou melhor, a Igreja. Segundo Rouanet (2009), hodiernamente, a
leitura dos jornais nos demonstra que a religião está mais viva do que nunca não apenas
nas suas formas “civilizadas” como também em sua variante mais perversa: a
fundamentalista.
A Constituição Federal de 1988 assegura a liberdade religiosa, declarando ser
“inviolável a liberdade de consciência e de crença, e assegurado o livre exercício dos
cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas
liturgias”. Além disso, consagra a separação entre Igreja e Estado (CF, art. 19, inciso I),
delegando uma autonomia às organizações religiosas.
José Afonso da Silva (2003), ao estudar o assunto, divide a liberdade religiosa
em três categorias: (a) a liberdade de crença; (b) a liberdade de culto; (c) a liberdade de
organização religiosa. Segundo o conceito de Pinto Ferreira (2014, p. 205), “a liberdade
religiosa é o direito que tem o homem de adorar a seu Deus, de acordo com a sua crença
30
Aluna do 4º ano de Direito da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul,
Orientadora, mestre em História, UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul; Membro do
Centro de Pesquisa CEPEGRE, UEMS, CNPQ, Professora da UEMS (Universidade Estadual de Mato
Grosso do Sul), Curso de Direito, [email protected]
45
e seus cultos”. Além disso, pode-se entender também que a liberdade religiosa garante
que determinada pessoa se abstenha de ter uma religião como, por exemplo, ateus e
agnósticos.
A liberdade de crença era anteriormente atribuída como liberdade de
consciência, porém hoje é considerada pela Carta de 1988 como sendo uma liberdade de
escolha que o indivíduo tem para aderir a uma religião, ou desistir de segui-la, trata-se
de um foro íntimo (BASTOS, 2010, p. 35).
Já o direito de culto garante que os cidadãos possam manifestar suas crenças
livremente, podendo externar suas convicções e materializá-las. Segundo Pontes de
Miranda, compreende-se “liberdade de culto a de orar e praticar os atos próprios das
manifestações exteriores em casas ou em público, bem como a de recebimento de
contribuições para isso” (2000, p. 129).
A liberdade de organização religiosa “diz respeito à possibilidade de
estabelecimento e organização de igrejas e suas relações com o Estado” (SILVA, p.
221). Jónatas Machado (1996, p. 242) apresenta que a auto-organização visa a assegurar
a realização da finalidade da entidade religiosa, garantindo o direito à abstenção de
interferência por parte do poder público.
Entretanto, apesar de existirem alguns trabalhos sobre o tema, o Estado laico
ainda não é bem compreendido no cenário brasileiro, pois diariamente há uma distorção
deste princípio, o que acaba levando, consequentemente, diferentes grupos militantes da
sociedade a quererem constituir o chamado Estado Ateu ou até mesmo estabelecerem
novamente o Estado Teocrático.
Frente a essa ampla liberdade conferida às organizações religiosas vários
conflitos acabam surgindo, dentre eles: processos atinentes à relação entre as entidades
religiosas e seus membros, notadamente no que diz respeito ao exercício da disciplina
eclesiástica e às condições de admissão/expulsão dos fiéis. Segundo Davide Argiolas
(2014, p. 45), esta questão até pouco tempo atrás era ignorada pela ciência do Direito ou
considerada um tema “exótico” ou pouco relevante, está hoje se tornando um assunto de
enorme importância, despertando interesse não somente entre os estudiosos do Direito,
como também entre os meios de comunicação social e parte da sociedade civil. Assim,
46
com base no princípio da inafastabilidade da jurisdição, o Poder Judiciário é
constantemente acionado para resolver conflitos entre cidadão(â) x igreja.
Quando o judiciário é acionado para resolver alguma lide entre fiel e igreja,
surge, na verdade, um conflito de interesses. De um lado tem-se o princípio da
inafastabilidade da jurisdição, porém, de outra banda tem-se a laicidade estatal, que
prevê a não interferência deste em assuntos religiosos.
Diante do exposto, esse trabalho visa discutir dentre os principais conflitos
existentes no século XXI entre o Estado e a Igreja, com base em decisões judiciais
recentes sobre o assunto, qual é o ponto de equilíbrio que deve existir entre os interesses
dos fiéis e o direito a autodeterminação das religiões.
MATERIAIS DE PESQUISA
Para a elaboração deste trabalho, adotou-se a pesquisa bibliográfica e
documental, com a leitura de obras de diversas áreas do conhecimento, dentre elas
citamos o Direito e a Sociologia, bem como a utilização de jurisprudências e periódicos
que versam sobre o tema.
MÉTODOS
A metodologia utilizada neste trabalho constitui-se em pesquisa bibliográfica e
documental.
DISCUSSÃO E RESULTADOS
Os mais eloquentes exemplos de conflitos existentes entre o Estado e a Igreja, no
século XXI, são oferecidos por decisões judiciais que, apreciando conflitos entre
organizações religiosas e seus associados, impõem àquelas a prática de atos que se
situam no espectro das atividades estritamente religiosas.
Inicialmente, pode-se citar o caso de um fiel que foi excluído da Igreja Baptista
Vila Libaneza, por ato de um pastor, em razão de sua opção sexual. O autor interpôs
uma ação de indenização por danos morais, alegando que o ministro da igreja excedeu
os limites de uma mera admoestação de cunho religioso, ofendendo sua vida privada,
47
honra e imagem. O requerido, inconformado com a decisão de primeiro grau, que o
condenou ao pagamento de R$ 10.000,00 de indenização por danos morais, interpôs
apelação no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, tendo este reduzido para o
valor de R$ 3.000,00. Segundo exposto na decisão do TJSP:
(...) por toda prova analisada, restou evidente que a exclusão do autor se deu
em virtude da sua homossexualidade. Poderia se argumentar que a opção
sexual do autor não é adequada aos dogmas e preceitos da Igreja Baptista da
Vila Libanesa. Porém, ainda que fosse assim, a sua exclusão não poderia ter
ocorrido da forma como se deu. Vale destacar que o autor foi submetido a
situação de constrangimento em 03 oportunidades: primeiro, quando foi
inquirido perante seus parentes acerca da sua opção sexual e lhe concedido
prazo para 'ser ajudado'; segundo, quando houve votação pela diretoria da
igreja; e, terceiro, quando a assembleia teve ciência da sua exclusão,
anunciada de púlpito pelo réu.” (TJ-SP - APL: 1172589020078260000 SP
0117258-90.2007.8.26.0000, Relator: Egidio Giacoia, Data de Julgamento:
25/10/2011, 3ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 26/10/2011).
Outro caso conflitante apreciado pelo Poder Judiciário foi uma ação de
ressarcimento de danos que foi interposta por um fiel que realizou doações mediante
promessa de cura divina. Argumentou-se que a apreciação judicial do presente caso é
uma intervenção à liberdade de organização religiosa e uma restrição ao âmbito de
proteção da liberdade de culto, crença e liturgia. Trata-se de agravo contra decisão de
inadmissibilidade de recurso extraordinário que impugna o seguinte acórdão:
RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE RESSARCIMENTO DE DANOS.
DOAÇÕES REALIZADAS MEDIANTE PROMESSA DE CURA.
COAÇÃO MORAL EXERCIDA POR DISCURSO RELIGIOSO.
OCORRÊNCIA. DANO MORAL IN RE IPSA. DEVIDAMENTE
RECONHECIDO. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS
FUNDAMENTOS. Recurso conhecido e desprovido (...)” (eDOC 58). No
recurso extraordinário, interposto com fundamento no artigo 102, III, a, da
Constituição Federal, aponta-se violação ao art. 5º, caput e inciso VI; e art.
19, I, do texto constitucional. Nas razões recursais, sustenta-se a proteção
constitucional à liturgia religiosa (eDOC 59, p. 4). Argumenta-se que (...) a
apreciação judicial do presente caso concreto é uma intervenção à liberdade
de organização religiosa e uma restrição ao âmbito de proteção da liberdade
de culto, crença e liturgia (eDOC 59, p. 5). Decido. A pretensão recursal não
merece prosperar. No caso, o acórdão impugnado consignou o seguinte: “(...)
4. No que tange a alegação de falta de prova das doações, como bem
ponderado pelo juiz a quo inexiste prova somente em relação ao quantum
doado pelo autor, entretanto, existem fortes indícios de que as doações
existiram. Ademais, há que se ponderar que é praticamente impossível fazer
prova das doações, posto que a mesma é feita sem identificação do doador
em envelopes depositados no altar da igreja. Veja que a testemunha do autor
afirmou que os pastores falam que os fieis tem que dar tudo, carro,dinheiro
48
na troca de uma vida melhor, se a pessoa está enferma ela vai se curar, se está
mal nos negócios irá prosperar; (...). Ainda, que o autor entregava dinheiro a
igreja pelo fato dele ser deficiente físico e que os pastores prometiam a cura
(evento 30), o que corrobora com a versão do autor. 5. Alega o recorrente que
inexiste prova nos autos que demonstre a ocorrência dos danos morais
sofrido pelo requerente. No entanto o dano moral, no presente caso resta
configurado in re ipsa, aquele que decorre do próprio fato ofensivo. Não se
pode olvidar que os apelos para que os fiéis realizem doações sob a promessa
de graças e benesses divinas, que não se concretizam causa um grande abalo
emocional, situação apta a ensejar tal reparação. ( )” (eDOC 58). Verifico
que, para se entender de forma diversa, faz-se imprescindível o reexame do
conjunto fático-probatório constante dos autos, providência vedada na via do
apelo extremo, consoante o Enunciado 279 da Súmula do STF. Nesse
sentido, o AI- AgR 783.269, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma,
DJe 2.3.2011, cuja ementa dispõe: “AGRAVO REGIMENTAL.
INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. REEXAME DE
MATÉRIA FÁTICA. ENUNCIADO 279 DA SÚMULA/STF. AUSÊNCIA
DE PREQUESTIONAMENTO. Para se chegar a conclusão diversa daquela a
que chegou o acórdão recorrido seria necessário reexaminar os fatos da
causa, o que é vedado na esfera do recurso extraordinário, de acordo com o
enunciado 279 da Súmula do Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental a
que se nega provimento. Ante o exposto, conheço do presente agravo para
negar-lhe provimento (art. 544, § 4º, II, “a”, do CPC). Publique-se. Brasília,
23 de novembro de 2012.Ministro Gilmar MendesRelatorDocumento
assinado digitalmente
(STF - ARE: 723638 PR , Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de
Julgamento: 23/11/2012, Data de Publicação: DJe-237 DIVULG 03/12/2012
PUBLIC 04/12/2012)
Ademais, pode-se mencionar o caso de um agravo de instrumento que foi
prolatado no Tribunal de Justiça de São Paulo. Segundo consta no relatório da decisão,
os agravantes eram membros de uma igreja evangélica cuja doutrina é marcada pelo
fundamentalismo, ou seja, interpretação literal do texto bíblico, que adotam como única
regra de fé e prática. Criticavam e rejeitavam o movimento evangélico pentecostal
contemporâneo, pautado pela teologia da prosperidade, cujo principal postulado é o do
sucesso financeiro através da fé, e por manifestações espirituais cuja procedência divina
não reconhecem. Sustentavam que o agravado, pastor titular e presidente da Igreja,
passou a difundir tais conceitos e práticas, além de excluir e admitir membros
aleatoriamente, conforme sua conveniência. Por isso pretendiam sua destituição do
cargo. O TJSP então decidiu que, no presente caso, o mais correto seria conferir à
Assembleia da Igreja a autoridade para destituir o pastor do cargo, nos termos do art. 17,
caput e parágrafo 3º do Estatuto da referida organização, a qual se reconheceria
49
atribuição para exame dos estatutos e observância dos princípios daquela agremiação
religiosa. Veja a emenda do agravo:
Agravo de instrumento. Ação visando destituir o Agravado do cargo de
pastor e presidente da Igreja por desvio doutrinário. Questão que deve ser
resolvida pela Assembleia da Igreja, nos termos do Estatuto. Tutela
antecipada indeferida. Recurso desprovido. (TJ-SP, Relator: Pedro Baccarat,
Data de Julgamento: 08/06/2011, 7ª Câmara de Direito Privado)
Outro exemplo relevante, ocorrido no ano de 2005, em Goiânia, expõe que um
casal propôs uma ação cautelar inominada, que tramitou na 4ª Vara de Família e
Sucessões, contra a 1ª Igreja Batista para que o Pastor fosse obrigado a realizar o
casamento no templo. Na ação, o casal alegou que o pastor da igreja se negara a realizar
o casamento, em razão de a noiva estar grávida, mesmo ela pertencendo ao rol de
membros. Segundo o argumento do pastor, a Igreja não poderia realizar o matrimônio,
pois houve infringência às suas doutrinas, que proíbe que casais mantenham relações
sexuais antes do casamento.
O juiz Jaime Rosa Borges negou o pedido sob o argumento que não existe na lei
civil disposição que obrigue a autoridade ou ministro religioso a celebrar o casamento,
de forma "que o ato fica na dependência da relação de conveniência entre os contraentes
e a autoridade eclesiástica". Frisou, ainda, que a 1ª Igreja Batista de Goiânia tem motivo
para não celebrar o casamento, e considerando que tal motivo decorre de regras
comportamentais moralmente ditadas pela religião às quais está submetida, o Poder
Judiciário não pode determinar a realização do ato, sob pena de interferência ilegal nas
relações privadas dos particulares (JUSBRASIL, 2006).
Todavia, dias após, o casal novamente buscou tutela junto ao Judiciário. A ação
tramitou na 12ª Vara Cível de Goiânia, sendo deferida a liminar, determinando que a
igreja realizasse o casamento dos noivos, mesmo tendo o casal infringido uma norma
doutrinária e teológica. O novo argumento apresentado pelo casal foi que agora estavam
habilitados ao casamento perante o Cartório de Registro Civil e de Pessoas Naturais e
Tabelionato de Notas da 4ª Circunscrição, e caso a cerimônia não fosse realizada pela
igreja, os mesmos passariam por enorme sofrimento e prejuízos de ordem material.
50
Ao deferir a liminar, o magistrado argumentou que a atitude da 1ª Igreja Batista,
ao se negar a realizar o casamento religioso, fere a Constituição e o Código Civil, que
estão acima dos dogmas religiosos. No dia da cerimônia, foi determinado o
arrombamento das portas do templo religioso para a realização do matrimônio.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por tratar-se de um trabalho de pesquisa que está em sua fase inicial, teceremos
aqui apenas algumas considerações parciais.
A Constituição Federal de 1988 concedeu um rol de liberdades às organizações
religiosas, garantindo-lhes a livre organização de seus estatutos. Em razão dessas
liberdades, atualmente, o Poder Judiciário é constantemente acionado para resolver
conflitos entre fiéis x Igreja. Ocorre que, a jurisprudência brasileira ainda não possui um
posicionamento unificado sobre o assunto. É preciso delimitar os principais temas nos
quais são necessários a intervenção do Estado.
Na constituição das organizações religiosas, estas devem observar que as
doutrinas e suas liturgias não podem afrontar o direito à dignidade da pessoa humana,
porém, com base na laicidade estatal, também não se pode admitir que o Estado “retire”
a autonomia dessas religiões. Nessas situações entende-se que entram em colisões os
direitos fundamentais do cidadão e a liberdade religiosa coletiva.
Desta maneira, é importante destacar que o Estado não pode obstar uma prática
religiosa ou discriminar alguém por motivos religiosos, pois a laicidade do Estado,
proclamada desde a instauração da República, tem o escopo de ampliar o espaço
conferido ao fenômeno religioso, sempre que forem invocadas pelos cidadãos as
garantidas legais.
Logo, é necessário encontrar um ponto de equilíbrio entre os interesses dos fiéis
e o direito a autodeterminação das religiões, uma vez que a modernidade enquanto
projeto de uma sociedade emancipadora, tem entre seus postulados os direitos humanos,
a democracia e a autonomia do cidadão(ã).
51
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Bourdieu, Pierre. A economia das trocas simbólicas (org. Sérgio Miceli). 3. ed. São
Paulo: Perspectiva, 1992.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE
RESSARCIMENTO DE DANOS. DOAÇÕES REALIZADAS MEDIANTE
PROMESSA DE CURA. COAÇÃO MORAL EXERCIDA POR DISCURSO
RELIGIOSO. OCORRÊNCIA. DANO MORAL IN RE IPSA. DEVIDAMENTE
RECONHECIDO. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS
FUNDAMENTOS. Decisão em Agravo em Recurso Extraordinário n. 723638-PR.
Igreja Universal do Reino de Deus, Francieli Jacomel Zurita Pohlmann, Sebastião
Portes, Osmar Luiz de Assis Vidoti e outros(a/s) e Luiz Fernando Pacheco da Silvar
Gracia. Relator: Ministro Gilmar Mendes. Data de Julgamento: 23/11/2012. Data de
Publicação: DJe-237 DIVULG 03/12/2012 PUBLIC 04/12/2012. Disponível em:
http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/22780301/recurso-extraordinario-com-agravo-
are-723638-pr-stf. Acesso em 24 out. 2015.
_______. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 7ª Câmara de Direito Privado.
Agravo de instrumento. Ação visando destituir o Agravado do cargo de pastor e
presidente da Igreja por desvio doutrinário. Questão que deve ser resolvida pela
Assembleia da Igreja, nos termos do Estatuto. Tutela antecipada indeferida. Recurso
desprovido. Decisão em Agravo de Instrumento n. AI 984916220118260000-SP.
Relator: Desembargador Pedro Baccarat. Data de Julgamento: 08/06/2011. Data de
Publicação: 13/06/2011. Disponível em: http://tj-
sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/19733172/agravo-de-instrumento-ai-
984916220118260000-sp-0098491-6220118260000. Acesso em 24 out. 2015.
COSTA, Ilton Garcia; REIS, Junio Barreto. Os limites da intervenção do Poder
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http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=035d4ef6febd5268. Acesso em 24 out.
2015.
52
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internos das organizações religiosas: quais os limites? Disponível em:
http://editora.unoesc.edu.br/index.php/espacojuridico/article/viewFile/1938/1006.
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SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 22 ed. Malheiros Editores.
2003.
2. AS BARREIRAS IMPOSTAS PELA SÚMULA VINCULANTE À
CIENCIA DO DIREITO: análise sob a perspectiva de Thomas S. Kuhn
FLORENTIN, Luis Miguel Roa32
PALAVRAS-CHAVE: Súmula Vinculante; Ciência do Direito; Thomas Kuhn.
INTRODUÇÃO
O Direito possui suas finalidades e utiliza de diversos mecanismos para alcançá-
los. Em nome da segurança jurídica e da celeridade processual, foi introduzido no
Direito Brasileiro a Súmula Vinculante, instituto que permite ao Supremo vincular seu
pensamento aos demais órgãos Judiciários e Administrativos, seja na esfera federal,
estadual ou municipal. Cediço é o fato de que muitos criticam esse instituto afirmando
que é possível que ele enrijeça a jurisprudência, limitando os Juízes a simples
reprodutores do entendimento vinculado. Todavia, o presente trabalho busca demonstrar
32
Acadêmico do Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal da Grande Dourados. Email:
53
as limitações trazidas pela Súmula sob um ponto de vista pouco debatido entre os
juristas: os limitações impostas ao Direito enquanto Ciência.
Buscando demonstrar a relação da súmula vinculante com a Teoria de Thomas.
S. Kuhn, apresentado em seu ensaio “A estrutura das revoluções científicas” (2000)
organizou-se o texto de modo que a primeira parte trate do conteúdo do ensaio. Para fins
metodológicos, necessário se faz ressaltar o fato de que nenhuma menção específica à
Ciência do Direito é realizada na obra. Todavia, tratar-se-á o Direito como ciência,
dando-nos a possibilidade de adaptar toda a teoria trazida por Kuhn, mesmo que de
modo analógico.
Inicialmente busca-se criar uma noção clara no leitor do que significam
conceitos como “paradigma”, “ciência normal”, “crise”, “anomalia”, “quebra-cabeça” e
“revolução científica”, uma vez que a partir da noção destes termos será possível
entender com propriedade a análise feita da Súmula Vinculante. Posteriormente é
realizada a apresentação do instituto e a que finalidade ela se propõe a alcançar no
ordenamento jurídico. Após explicar como ela funciona, inicia-se a analogia dos efeitos
que dela derivam a partir da perspectiva apresentada no ensaio. No fim, apresenta-se um
caso concreto no qual a possibilidade de interferência da Súmula Vinculante no ciclo
previsto por Kuhn efetivamente ocorre.
O objetivo primordial do presente trabalho foi lançar luz sobre os impactos da
súmula vinculante sobre o Direito sob um ponto de vista não muito pesquisado por
pesquisadores do Direito.
MATERIAIS DE PESQUISA
O presente trabalho utilizou-se exclusivamente de revisão bibliográfica para
chegar aos resultados finais. A inovação trazida consiste na abordagem sob uma ótica
abandonada (e muitas vezes ignorada) pela grande maioria dos juristas: O direito
enquanto ciência.
MÉTODOS
A partir da análise bibliográfica (histórica, jurisprudencial e doutrinária)
presente trabalho utilizou-se do método indutivo para atingir seus objetivos. Partimos de
uma premissa geral (o pensamento de Kuhn) e adequamos e trabalhos com ela sobre a
54
ciência do Direito até que ela possa efetivamente ser aplicada ao caso concreto (Súmula
Vinculante nº 11).
DISCUSSÃO E RESULTADOS
Sabe-se que há quem questione a cientificidade do Direito, todavia, escapa dos objetivos
do presente trabalho debater a cientificidade do Direito33
, sendo esta discussão
reservada a ontologia jurídica. Assim, adota-se no presente trabalho o Direito como
Ciência, aceitando como objeto dele o fenômeno jurídico tal como ele se concretiza no
espaço e no tempo (REALE, 2002, p. 17), com método histórico que busca pôr em
relevo o relacionamento espaço-temporal do fenômeno jurídico, buscando neste
relacionamento o seu “sentido” (DINIZ, 1997, p.31).
Sendo o Direito uma Ciência deveria poder ser aplicado o pensamento de Kuhn em
sua estrutura, todavia, a Súmula Vinculante pode impedir que o Direito evolua
conforme o pensamento deste autor.
O pensamento de Thomas S. Kuhn em sua obra “A estrutura das Revoluções
Científicas” (2000) gira em torno de paradigmas. Para ele, toda a evolução das ciências
“normais” depende da clara noção de que todo conjunto sistemático de conhecimento,
com objeto e método definido, possui paradigmas, que são: “as realizações científicas
universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, oferecem problemas e soluções
modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência” (KUHN, 2000, p. 13).
A obra descreve como as ciências normais evoluem, apresentando as seguintes fases
como um ciclo: fase pré-paradigmática ciência normal crise revolução nova
ciência normal.
Na fase inicial, os estudiosos não possuem um parâmetro em suas pesquisas.
Realizam pesquisas sem objeto e método definido, sendo toda experiência válida. Nesta
fase, pode-se afirmar que características da ciência normal, como a sistematicidade e a
ligação entre o conteúdo de determinado ramo científico, não existe.
A fase da ciência normal se inicia com a instalação de um paradigma reconhecido
universalmente pelos praticantes desse ramo do conhecimento. A partir desta fase, os
cientistas se limitam a ampliar o campo do paradigma. Não se busca estabelecer novos
33 Ver FERRAZ JÚNIOR, 1980; 2015; DINIZ, 1997, Capítulo II, item “3”.
55
princípios ou realizar novas experiências apenas solucionam os chamados quebra-
cabeças34
.
A ciência normal, todavia, entra em uma fase denominada de crise. Para o Autor, é
no período de crise que se iniciam as revoluções e, por conseguinte, a verdadeira
evolução da ciência normal. Nesta fase aparecem inúmeras discrepâncias entre a teoria e
a realidade – as anomalias35
. Muitos dos cientistas tentam encaixar as anomalias no
paradigma através da realização de ajustes e criação de novas normas – todas conforme
o paradigma. Todavia, estas tentativas passam a ser cada vez mais inconsistentes e
infundadas. Assim, a “... proliferação de versões de uma mesma teoria é um sintoma
muito usual de crise” (KUHN, 2000, p. 99).
Se para superar a crise é elaborada uma nova teoria que substitua parcial ou
totalmente o antigo paradigma se inicia a última fase, a qual representa a verdadeira
evolução. A revolução é razoavelmente difícil de ser alcançada, pois há vários fatores
que impedem seu alcance.
Em 30 de dezembro de 2004, através Emenda Constitucional 45/2004 as súmulas
proferidas pelo Supremo Tribunal Federal passaram a poder ter efeito vinculante para os
demais órgãos do judiciário brasileiro e da Administração Pública (direta e indireta) nas
esferas federal, estadual e municipal, representando uma clara tentativa de aproximar o
sistema romano-germânico, adotado no Brasil, ao modelo de common law seu stare
decisis. Assim sendo, passou a constar na Constituição Federal de 1988, o seguinte
enunciado:
Em 2006, a Lei nº 11.417/2006 disciplinou a edição, revisão e o cancelamento do
enunciado de súmula vinculante pelo Supremo Tribunal Federal, com a finalidade de
não permitir que o entendimento vinculado se perpetue no tempo.
34
Para Kuhn, ao mesmo tempo em que os quebra-cabeças representam o avanço ciência, são
também a verdadeira limitação dela. A ciência normal oferece esses quebra-cabeças, que consistem em
problemas solucionáveis que motivam o pesquisador e realizar progressos na ciência e também evitam
que eles se envolvam em problemas muito complexos, que excedam os limites dos paradigmas. (KUHN,
2000) 35
Como já dito, na fase normal os cientistas se limitam a ampliar o campo do paradigma. As
pesquisas bem sucedidas não encontram anomalias, ou seja, os resultados agem conforme o paradigma.
Por outro lado, quando encontrados resultados não previstos pelo paradigma, é denominado como
anomalia.
56
Os defensores da Súmula Vinculante baseiam seu posicionamento em instituto
análogo bem sucedido no common law: o “stare decisis” 36
. Por outro lado, já foi
explicitado retro que o objeto da Jurisprudência37
é o fenômeno jurídico tal como ele se
concretiza no espaço e no tempo. Assim sendo, trata-se de Ciências distintas, cada qual
com seu objeto.
Todavia, necessário é o alerta quanto às análises de Direito comparado, uma vez que
elas não podem ser reduzidas ao simples confrontamento de códigos e leis, sem análise
do contexto político e social de cada povo, visto que é possível que se chegue a
conclusões distorcidas se os fatores condicionantes dos códigos e leis não forem
profundamente observados.
A Jurisprudência consiste em unidade unitária, composto de elementos diferentes,
correlacionados em razão de um fim comum, sendo uma Ciência de unidade de fim.
Assim, não há que se considerar o bem sucedido stare decisis do common law com a
súmula vinculante no ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que são Ciências
diferentes com institutos correlacionados em razão de um fim distinto, com contexto
político e social próprio.
CONCLUSÕES
Conforme já devidamente exposto, o pensamento aqui gira em torno de paradigmas. O
Direito, como ciência normal já consolidada, possui seus paradigmas e, teoricamente,
vivencia crises visando suas próprias revoluções.
Acontece que, analisando-se o ciclo paradigmático e a Súmula vinculante, fica
clara a existência de uma ruptura entre eles, limitando que o Direito possua as suas
revoluções e, por conseguinte, atinja o verdadeiro desenvolvimento enquanto Ciência.
De uma análise superficial do pensamento apresentando no ensaio “A estrutura
das revoluções científicas” e das Súmulas vinculantes, poder-se-á chegar ao falso
entendimento de que há harmonia entre eles, uma vez que aparentemente as súmulas
entram em um momento de crise do Direito, possuindo como característica a
divergência da interpretação do texto constitucional. Assim, se afirmaria que a
36
Ver Moraes (2013, p. 814 e ss). 37
Quando grafada com letra maiúscula a palavra Jurisprudência faz referência à Ciência do Direito.
(REALE, 2002, p. 16)
57
divergência corresponderia à proliferação de versões de uma mesma teoria, que é um
sintoma usual da crise.
Todavia as crises não são tão somente isso. Consistem em um descontentamento
geral da comunidade científica, gerado pela falta de respostas e coerência entre os
resultados obtidos e os previstos pelo paradigma. Um dos sintomas mais importantes é o
sentimento de revolta que contamina os protagonistas da revolução. O meio de superar
as crises, para Kuhn é persuasão e não uma imposição.
Permitindo-se que o STF decida de forma vinculante a todos os órgãos
judiciários e administrativos, acaba-se restringindo a comunidade científica do Direito,
ao menos em Seara de Direito Constitucional, unicamente ao plenário do Supremo.
Aceitar que o supremo imponha uma decisão a todos, é dizer que o papel empenhado
por todos os demais magistrados, advogados, procuradores e todo o restante da
comunidade científica é irrelevante para a evolução do Direito enquanto ciência.
Assim sendo, a súmula vinculante em realidade é utilizada como mais um
instrumento para impedir que os operadores do Direito observem as crises
paradigmáticas presentes no ordenamento jurídico brasileiro, bem como instrumento
para obscurecer a criatividade e a liberdade dos demais praticantes desta ciência, cujo
objetivo não é outro senão buscar a ordem, justiça e a paz.
Embora possa ocorrer a falsa impressão de que, em realidade, o STF realiza as
revoluções, substituindo o paradigma anterior parcial ou totalmente, da profunda análise
do que ocorre, chega-se a conclusão de que o STF apenas soluciona os quebra-cabeças
apresentados pela Jurisprudência.
É sabido que a Lei nº 11.417/2006 regulou mecanismos para evitar que o
entendimento sumulado se eternize. Todavia, esta lei não foi suficiente para evitar que o
Supremo utilize o instituto da súmula vinculante arbitrariamente e crie um novo
entendimento sem o menor sinal de crise, e consequentemente evitando que ela ocorra.
Em 7 de agosto de 2008, o STF anulou a condenação por Tribunal do Júri de um
pedreiro que permaneceu algemado durante o seu julgamento. No dia 13 de agosto do
mesmo ano –seis dias após a anulação- o Supremo decidiu esclarecer o seu
posicionamento e aprovou a súmula vinculante de nº 11.
58
Analisando-se o seu texto, parece simplesmente uma súmula que pretende
regular a utilização de algemas. Todavia, da análise do contexto de sua criação, pode-se
concluir que a Súmula Vinculante constitui uma grande ameaça à Revolução
Jurisprudência.
Ocorre que a Súmula nº 11 consiste na ameaça que consta no título do presente
ensaio, uma vez que embora o § 1 do art. 103, A, seja claro em definir que o objeto da
Súmula deva ser a interpretação e a eficácia de normas acerca das quais haja
controvérsia judicial ou entre estes e a Administração Pública, ficou comprovado que no
caso concreto a Súmula Vinculante não depende de tal requisito.
Para crer que em seis dias houve tempo hábil para que a comunidade jurídica se
manifeste a respeito do ocorrido e, ainda haja controvérsias, necessário se faz que haja
um total desconhecimento da organização do Judiciário brasileiro. Não há tempo hábil
ao menos para produzir um artigo com fundamentos aceitáveis. Assim sendo,
concretizou-se no plano concreto uma verdadeira limitação à evolução do Direito, a
partir da Súmula Vinculante nº 11.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFIAS
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3. O PRECONCEITO MASCARADO VERSUS O PRECONCEITO
NÍTIDO: o paralelo entre a mulher brasileira e a mulher afegã.
SILVA, Luana Emanueli de Oliveira38
BARROS, Ana Carolina Vieira de39
PALAVRAS-CHAVE: Direitos Humanos, Direitos das Mulheres; Preconceito; Brasil,
Afeganistão.
INTRODUÇÃO
O preconceito mascarado versus o preconceito nítido: O paralelo entre a mulher
brasileira e a mulher afegã constitui um tema importante a ser debatido nos dias atuais na
Academia e em sociedade visto que o estudo da temática constitui uma das formas de alertar a
todos sobre a constante busca da defesa dos direitos de mais da metade da população mundial.
Em suma, os Direitos Humanos percorreram no decorrer da história um longo caminho
até que houvesse a consumação da Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, a
qual se constituiu como um marco para a defesa dos direitos fundamentais do ser humano.
No entanto, essa declaração não foi o suficiente para firmar os Direitos das Mulheres,
visto que por razões culturais e históricas essas eram consideradas diferentes dos homens,
submissas e inferiores, o que deu início a denominada discriminação de gênero, isto é, o
preconceito contra a figura feminina meramente pelo fato de ser mulher.
Por isso, nesta pesquisa serão discutidos os Direitos das Mulheres no Brasil e no
Afeganistão por meio de um paralelo que abranja as disparidades constitucionais, culturais e
religiosas que perpetram as duas nações e definem a realidade da população feminina residente
nesses países.
MATERIAIS DE PESQUISA
38
Cursando Relações Internacionais, no Centro Universitário Anhanguera de Campo Grande – Unidade
1, [email protected]. 39
Cursando Direito, na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS, [email protected].
60
Os materiais utilizados para a realização desta pesquisa foram livros, artigos científicos,
bem como sites e constituições, neste caso foi utilizada a Constituição da República Federativa
do Brasil, bem como, a Constituição da República Islâmica do Afeganistão, disponível em site.
O site da ONU – Organizações das Nações Unidas, foi de grande valia para realização desta
pesquisa, uma vez que o acesso ao governo afegão não é simples, pois se trata de um governo
fechado.
MÉTODOS
De acordo com LAKATOS e MARCONI, o presente projeto de pesquisa utilizará a
metodologia de pesquisa qualitativa acadêmica, que busca a realização de uma pesquisa com
base na análise de livros, sites e artigos. Constituindo-se desta forma, uma pesquisa estritamente
bibliográfica. Sendo, portanto o método mais adequado para a realização do projeto de pesquisa
em questão.
DISCUSSÃO E RESULTADOS
A Declaração Universal dos Direitos Humanos corroborada em 10 de Dezembro de
1948, reconhece e salvaguarda os direitos fundamentais do homem. Assim, esta Declaração
Universal garante ao homem, enquanto ser humano, isto é, homem e mulher sem distinção:
[...] o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família
humana e seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da
justiça e da paz no mundo, CONSIDERANDO que o desprezo e o
desrespeito pelos direitos do homem resultaram em atos bárbaros que
ultrajaram a consciência da Humanidade, e que o advento de um mundo em
que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de
viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta
aspiração do homem comum. [...] (MONDAINI, 2006, p. 148)
Dessa forma, tal redação retrata os direitos fundamentais que asseguram uma vida
digna, sendo alguns dos principais:
[...] Artigo 2
I) Todo o homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades
estabelecidos nesta Declaração sem distinção de qualquer espécie, seja de
raça, cor, sexo, línguas, religião, opinião política ou de outra natureza,
origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.
[...]
Artigo 7
Todos são iguais perante a lei e têm direito a igual proteção, sem qualquer
distinção. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação
que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal
discriminação. [...] (MONDAINI, 2006, pp. 149,150)
61
Assim, verificamos que apenas com base na Declaração Universal dos Direitos
Humanos, todo o homem, isto é, todo ser humano possui os seus direitos resguardados. Vale
ressaltar que desde o início a palavra “homem”, subentendia a mulher, que por sua vez,
percorreu um longo caminho para realizar suas conquistas, uma vez que foi considerada um ser
inferior e subordinada às decisões do pai e posteriormente à do marido, pois deveria ser
submissa aos homens.
Desde os tempos mais remotos, os Direitos Humanos eram leis válidas apenas para os
homens, neste caso, apenas as pessoas do sexo masculino poderiam usufruir de tais doutrinas.
Por isso, a mulher, enquanto figura feminina teve que lutar para ser considerada um ser humano
e possuir os direitos mais básicos. No entanto, essa luta ainda não terminou, sendo por isso,
importante da discussão deste tema, uma vez que os “[...] fatores sociais ainda impedem a total
e imediata implementação dos direitos humanos. [...]” (E. Direitos Humanos das Mulheres, p.
193)
A Revolução Francesa em 178940
, constituiu o marco dos Direitos Humanos, por ter
dado início a luta pelos direitos das mulheres, ao lutar por “Liberté, Egalité, Fraternité”.
Reconhecendo em uma época extremamente machista que a liberdade, a igualdade e a
fraternidade eram conceitos essenciais para que a vida fosse digna, fosse essa vida de um
homem ou de uma mulher, pois ambos constituem seres humanos iguais. (E. Direitos Humanos
das Mulheres, p. 195)
A partir daí, os Estados, bem como, os organismos internacionais foram estabelecendo
leis e tratados em prol da defesa dos Direitos Humanos. Uma vez que, as Constituições Estatais
apenas estabeleciam direitos soberanos e governamentais, sem expressar de forma clara e
concisa os Direitos Humanos, não havendo a salvaguarda dos mesmos. Assim, surgiram as
Constituições Estatais embasadas na Declaração Universal dos Direitos Humanos corroboradas
pela ONU.
No Brasil, a proteção integral destes direitos surgiu com a Constituição Federal de 1988
a qual estabeleceu os principais direitos fundamentais do Homem, trazendo a fundamentação de
princípios básicos, como a Legalidade, a Isonomia e a Dignidade da Pessoa Humana. Nessa
linha de intelecção é relevante trazer à baila o conteúdo do art. 60, §4º, IV, da Constituição
Federal:
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
40
Disponível em: <http://revolucao-francesa.info/> Acessado em: 15/10/2015
62
I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do
Senado Federal;
II - do Presidente da República;
III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da
Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus
membros.
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
IV - os direitos e garantias individuais.41
No dispositivo acima há a exposição das cláusulas constitucionais pétreas, ou seja,
aquelas que não podem ser objeto de Emenda Constitucional. Assim, a proteção dos direitos e
garantias individuais está assegurada e não poderá ser alvo de possíveis arbítrios estatais ou
influência de ideologias existentes no seio social. Além disso, a Carta Magna compilou em seu
Art. 5º uma gama de direitos e formas de resguarde do cidadão. Dessa forma, os brasileiros têm
na lei o seu principal amparo vez que para qualquer injustiça há uma possibilidade de
impugnação.
Outrossim, em favor da mulher brasileira foram aprovadas algumas leis, sendo
destacada a Lei Maria da Penha, a qual resultou na efetiva mudança da situação de muitas
mulheres que viviam escondidas atrás do medo e das violências de seus companheiros e
maridos. A principal função da lei, em caso de flagrantes estados de preconceito e total
submissão de um ser a outro, é trazer segurança e condições para que a parte hipossuficiente
tenha meios de se proteger.
Em contrapartida, a Constituição da República Islâmica do Afeganistão, corroborada
em 2004 expressa de forma clara que toda a sociedade é fundamentada na religião islâmica,
através do próprio nome do Estado. Assim, o preâmbulo afirma que os Direitos Humanos
advêm de Allah, o misericordioso e beneficente. Entretanto, há certa ambiguidade no texto
constitucional vez que, por exemplo, o Art. 22 esclarece que “Toda e qualquer discriminação e
distinção entre os cidadãos do Afeganistão deve ser proibida. Os cidadãos do Afeganistão,
homens e mulheres, possuem direitos e deveres iguais pela lei.”42
, sendo adotada uma postura
totalmente contrária ao que de fato se aplica no país.
41
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm> Acessado em: 18/10/2015 42
Disponível em: <http://www.afghanembassy.com.pl/afg/images/pliki/TheConstitution.pdf> Acessado em: 12/10/2015
63
Insta-se salientar que a lei afegã retrata duas realidades diferentes: uma interna, baseada
na religião, e outra externa em uma tentativa de inserção na realidade Ocidental através da
participação em Organismos Internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU).
Ademais, essa postura mais “fechada” retrai a comunicação entre os países, não proporcionando
o intercâmbio cultural que, muitas vezes, acaba libertando a mentalidade das pessoas de certas
crenças que só tendem a machucar e diminuir o próximo.
Assim, pode-se dizer que a mulher brasileira, possui o respaldo do Estado, isto é, tem
garantias estatais baseadas em leis que a defende, que garante os seus direitos mais básicos,
enquanto que a mulher afegã, devido à instabilidade governamental, não possui essa
salvaguarda, ou seja, não pode contar com o apoio da lei, pois o quesito religioso e cultural a
sobrepõe.
CONCLUSÕES
Através da pesquisa efetivada para a resolução deste trabalho, foi verificado que as
Constituições, apesar de serem, em um Estado de Direito, a maior proteção de ambos os sexos
contra as arbitrariedades estatais e as injustiças sociais, podem não ter total efetividade eis que a
sociedade ainda carrega um preconceito mascarado.
Enquanto o Governo Afegão é controlado por um grupo com forte teor religioso, o qual
preconiza doutrinas a serem seguidas e que frequentemente atingem os direitos humanos,
principalmente os da mulher, o Brasil possui um forte resguarde na lei (ex. Lei Maria da
Penha), entretanto, as relações carregam muitas vezes resquícios de uma sociedade patriarcal da
época colonial.
Assim, há a necessidade de uma transformação da mentalidade social, pois há um
preconceito mascarado latente na sociedade brasileira. Por isso, se torna imprescindível a
discussão de gênero nas escolas e Academias, para que haja uma transformação plena da
sociedade.
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4. INSTABILIDADE DA JURISPRUDÊNCIA E A SEGURANÇA
JURÍDICA.
MAURO, Johnand Pereira da Silva.43
PALAVRAS-CHAVE: Instabilidade da jurisprudência, segurança jurídica,
jurisprudência.
INTRODUÇÃO
Embora controvérsia doutrinária, a jurisprudência constitui verdadeira fonte de
interpretação do direito, ainda que por parte da doutrina não seja considerada como
fonte formal do direito.
Todavia, os operadores do direito encontram grande dificuldade na utilização da
jurisprudência tanto em petições como em decisões, dos tribunais, estes a utilizando
com um pouco mais de coerência e tecnicidade, todavia distante do ideal.
A jurisprudência é considerada, na maioria das vezes, como argumento
persuasivo, como exemplo do entendimento de um juízo, tribunal ou órgão especial em
favor do peticionário que menciona o julgado, porém, na maioria das vezes os
aplicadores do direito olvidam-se do principal elemento da jurisprudência, a
fundamentação, a razão de decidir, que constitui o elemento normativo da decisão, e
fator de vinculação especialmente nos casos de julgamento dos tribunais superiores e da
Suprema Corte, trazendo luz a um elemento pouco explorado em nosso ordenamento
jurídico de origem positivista.
Asseverado pela lição de Luiz Guilherme Marinoni (2008:47) ao tecer
considerações sobre a aplicação da letra da lei no período pós constituição de 1988:
43
Advogado, Especialista em Direito do Trabalho, Direito Processual do Trabalho e Direito
Previdenciário. Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB. [email protected]
66
A obrigação do jurista não é mais apenas a de revelar as palavras da lei, mas
de projetar uma imagem, corrigindo-a e adequando-a aos princípios de justiça
e aos direitos fundamentais. Aliás, quando essa correção ou adequação não
for possível, só lhe restará demonstrar a inconstitucionalidade da lei – ou, de
forma figurativa, comparando-se a atividade com a de um fotógrafo,
descartar a película por ser impossível encontrar uma imagem incompatível.
(...)Tal tomada de consciência é muito importante para se concluir que tais
princípios e direitos conferem unidade e harmonia ao sistema.
Com a missão suprema interpretar a legislação aplicando-a ao caso concreto,
suprimindo as lacunas as peculiaridades do caso posto ao juízo, ou mesmo determinar a
complementação do ato legislativo quando este for omisso, e por vezes retirando-a do
mundo jurídico quando nos casos de reconhecimento de inconstitucionalidade em casos
de controle abstrato.
Daí nasce a importância da uniformidade da jurisdição se mostra especialmente
relevante quando se trata de casos onde se discute a aplicação ou não de determinado
dispositivo legal, constitucional ou normativo, ou em situações onde é discutida a
constitucionalidade de lei ou ato normativo, posto que a pacificação da jurisprudência é
um elemento fundamental para a concretização da segurança jurídica, evitando
demandas desnecessárias além de imposição de intermináveis recursos.
Teori Albino Zavaski (2014;26), destaca esta importância, nas seguintes lições,
tomando por foco o estudo da jurisdição onde se questiona a constitucioanalidade das
leis:
Quando, portanto, se questiona a legitimidade desse preceito, ainda que o
julgamento de um caso concreto, o que se faz é por em xeque também a sua
aptidão para incidir em todas as demais situações semelhantes. Essa
peculiaridade é especialmente relevante se considerada em face do princípio
da igualdade perante a lei, cuja variada densidade normativa se extrai
primordialmente da necessidade de conferir um tratamento jurisdicional igual
para as situações iguais. E também importante em face do princípio da
segurança jurídica, que estaria fatalmente comprometido se a mesma lei
pudesse se tida como constitucional num caso e como inconstitucional em
outro caso semelhante, dependendo do juiz que a aprecia.
Recentemente com a sanção do novo Código de Processo Civil (lei
67
13.105/2015), as obrigações do jurisdicionado e do julgador vão além de simplesmente
mencionar um julgado, ementa, ou simplesmente um número de processo que entenda
ser semelhante ao discutido em favor do seu cliente.
Agora, por determinação legal, a citação e julgado, precedente ou súmula de
jurisprudência pacífica, deverão vir acompanhadas das razões que levaram o
peticionário a trazê-la aos autos, assemelhando-se a dialética do common law, como será
abrangido adiante, trazendo para o campo infraconstitucional uma espécie de
vinculatividade das decisões acerca da interpretação legislativa a ser seguida pelos
tribunais ordinários.
Deve-se ressaltar que todos ganham com a uniformização da jurisprudência,
tanto em tempo com a duração do processo quanto com a segurança jurídica trazida por
esta disciplina.
MATERIAIS DE PESQUISA
Na elaboração deste texto foram utilizados pesquisa bibliográfica em livros,
periódicos, sites de pesquisa jurisprudencial e registas eletrônicas.
MÉTODOS
O método de pesquisa foi bibliográfico constituindo na leitura prévia,
fichamento dos livros periódicos e julgados, e seleção do texto pertinente ao tema
tratado.
Quanto a pesquisa jurisprudencial, pesquisa por meio de sites de busca,
repositórios oficiais, sites de domínio público, seleção dos julgados fichados, e análise
comparativa dos elementos fáticos, jurídicos e análise da interpretação jurídica dos
dispositivos legais questionados.
DISCUSSÃO E RESULTADOS
O problema abordado e discutido no presente trabalho é a variação da
jurisprudência e dissonância em casos análogos, gerando uma verdadeira loteria
68
judicial, onde o jurisdicionado encontra-se nas mãos do julgador.
Com as recentes alterações legislativas assim como com o esforço hermenêutico
da análise jurisprudencial esta dificuldade tende a ser reduzida.
Todavia, uma corrente de ativismo judicial presente atualmente e cada vez mais
forte em ramos especializados como Justiça Criminal e do Trabalho, tende a resistir as
mudanças trazidas, e evolução natural do respeito aos precedentes judiciais.
Antes de observar cegamente os enunciados e ementas deve-se antes de mais
nada observar a ratio dedicendi das sentenças, assim como explorar as argumentações e
identidades fáticas e jurídicas entre o precedente e o caso paradigma.
Embora as dificuldades encontradas na pacificação da jurisprudência e sua
uniformização, este instrumento merece com certeza o status de fonte do direito.
CONCLUSÕES
Diante da presente pesquisa, chega-se a conclusão que a jurisprudência está a
caminho da maturidade no sistema normativo pátrio, com as inovações legislativas
caminhando em busca de uma maior estabilidade e uniformidade, impondo ao julgador
um esforço maior e obediência à interpretação de tribunais superiores.
Estas inovações, bem como elementos como a súmulas impeditivas de recurso,
restrição da admissibilidade dos recursos extraordinários, entre outras medidas, vem
gerando um cenário onde se busca evitar a interposição de recursos protelatórios,
visando atingir uma maior celeridade.
Todavia, a uniformização da jurisprudência deve restringir-se à busca pela
segurança jurídica, não restringindo, contudo, a liberdade do magistrado, garantida
constitucionalmente.
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71
5. O PRECEDENTE COMO INSTRUMENTO DE GARANTIA À
SEGURANÇA JURÍDICA
FERNANDES, Jordhana Cunha44
FARINELLI, Alisson Henrique do Prado45
PALAVRAS-CHAVE: Precedentes; Segurança jurídica; Isonomia; Previsibilidade;
Estabilidade.
INTRODUÇÃO
Por tempos acreditou-se em um Direito uno, coeso e perene. Sustentava-se a
criação de um sistema normativo capaz de prever todas as situações cotidianas, restando
ao magistrado o mero trabalho silogístico. O estrito positivismo dessa corrente
contrastava, em si mesmo, com a (falsa) ideia de completa submissão da vida social ao
trabalho legislativo.
A infalibilidade que se tentava dar ao Códex fora logo derrubada, e ainda hoje é
fácil notar a incoerência daquelas proposições. A complexidade da vida em sociedade e
a constante expansão das relações jurídicas são provas inequívocas disso: não só pela
impossibilidade de se antever todos os possíveis casos futuros, como também pelos
prejuízos advindos de leis cristalizadas e por isso incapazes de se adaptar à dinâmica
social.
Foi preciso assumir a insuficiência do sistema até então adotado para que a
infalibilidade legislativa fosse deixada de lado, permitindo que se alcançassem novas
1 Graduanda em Direito pela Universidade Federal da Grande Dourados. Endereço eletrônico:
Orientador. É Mestre em Direito Processual & Cidadania pela Universidade Paranaense - UNIPAR
(2009). É Professor Assistente do Curso de Direito da Universidade Federal da Grande Dourados -
UFGD, em regime de dedicação exclusiva. Ex-professor do Centro Universitário da Grande Dourados -
Unigran. Advogado. Atualmente cedido para a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares onde ocupa o
cargo de Chefe do Setor Jurídico do HU - filial Dourados. Tem experiência na área de Direito. Centraliza
suas pesquisas em Direito Processual Civil & Direitos Fundamentais, Acesso à Justiça & Meios
Alternativos de Solução dos Conflitos. Endereço eletrônico: [email protected]
72
formas de conjugação do Direito ao meio em que ele se insere. Isso porque não se
pretendia afastar a qualidade de mantenedor do status quo, tão necessária à manutenção
da ordem e garantia da paz social (objetivos intrínsecos à atividade jurisdicional); mas
tão somente fazê-lo mais maleável e capaz – ainda que dentro de seus limites de
retaguarda –, de abarcar o maior número possível das novas relações com que se
depararia no mundo dos fatos.
Assim, de maneira a conciliar a complexidade do meio à estabilidade do Direito,
foi preciso que se concebesse um sistema “aberto”, com normas que permeiem a
consciência coletiva e que permitam que o trabalho jurisdicional vá além da subsunção
casuística.
Surgiu então a chamada “legislação incompleta”, termo a princípio confuso, mas
que orienta o tipo normativo baseado em cláusulas gerais e normas parcialmente em
branco. Esses institutos tem o propósito de estruturar a norma jurídica no caso concreto,
estreitando os laços entre legislativo e judiciário. Passou-se a legislar um (sem) número
de casos futuros, todos eles abstratamente alcançáveis pela mesma norma reguladora,
haja vista suas peculiaridades. E isso só foi possível graças ao incentivo dado à ciência
jurídica: a norma só se revela completa, quando de sua aplicação ao caso concreto.
O avanço, contudo, deu asas a um absurdo jurídico: o que deveria ser a
concretização normativa nos tribunais cedeu lugar a um sistema de loterias bem
conhecido no ordenamento jurídico brasileiro: não são raros os acontecimentos que
deslegitimam a jurisprudência, e já se amontoam os casos em que a prestação
jurisdicional se torna mero fruto da sorte ou do azar das partes litigantes.
A inexorável obrigação de fundamentar do juiz passou a segundo plano, quando
já tem o magistrado sua decisão formada (convicção subjetiva e pré-processual), tomada
antes mesmo que o pleno contraditório pudesse se dar. O que se vê, hoje, é o dispositivo
precedendo a justificação – que, de maneira tão pobre, se ancora no pan-
principiologismo e na alegada pluralidade de interpretações para um mesmo
fundamento jurídico.
A amplitude de resoluções para o mesmo fato, a incoerência jurisdicional, a
decisão destoante para casos semelhantes, o desrespeito arbitrário a entendimento já
73
consumado nos tribunais superiores e a pluralidade de interpretações sobre o mesmo
fundamento jurídico se tornaram, com desmedido prejuízo ao Direito, rotina na
judicatura brasileira.
Não havendo posição predeterminada sobre o caso, a multiplicidade de decisões
retira a previsibilidade que deveria ser conferida às partes e ambos os litigantes
resolvem “tentar a sorte” diante dos tribunais. De tal maneira que, abarrotados, nada
mais resta que a lentidão da atividade jurisdicional. Entre outros tantos inconvenientes
de maior e menor potencial ofensivo.
Esqueceu-se que apesar de ser a produção judiciária espécie de trabalho
notadamente cognoscitivo, ela ainda está subordinada a diversos e cumulativos
controles, sejam internos ou externos. Por isso, não há qualquer espaço neste
ordenamento para “livre convicção” ou quaisquer outras aberrações que livrem o
magistrado de sua obrigação para com o sistema jurídico.
A capacidade de autodeterminação do cidadão, bem como a confiança que se
deposita no sistema, tem o condão de criar o sentimento de justiça e estabilizar o
ordenamento. Alcançar esse estado de coerência, ainda que seja essa o anseio de muitos,
não é tarefa fácil.
A doutrina pátria não tem medido esforços ao desenvolvimento de meios
eficazes e suficientes à garantia da segurança jurídica. Fato é que o caminho que
começa a se delinear parece apontar para uma série de condições que, somadas,
garantam a melhor experiência jurídica.
Uma dessas condições será aqui melhor analisada, e parte do douto jurista Luiz
Guilherme Marinoni a primeira exposição dos fatos: esclarece o autor46
que
“univocidade na qualificação das situações jurídicas” não gera previsibilidade suficiente
ao sistema: para que o indivíduo se autorregule é indispensável que se conceba,
também, a “univocidade de interpretação da norma legislada”.
A partir dessa visão, verificar-se-á se, a uniformização interpretativa do
ordenamento se mostrará capaz de gerar verdadeira previsibilidade, tornando-se um
46
MARINONI, Luiz Guilherme. O precedente na dimensão da segurança jurídica. A força dos
precedentes. Estudo dos Cursos de Mestrado e Doutorado em Direito Processual Civil da UFPR.
Organizado por Luiz Guilherme Marinoni. Salvador: Editora Jus Podivm, 2012.
74
sistema jurídico seguro, coeso e estável – de modo que a coerência decisória (por meio
de decisões que possam ser minimamente previstas) faça imperar, enfim, a segurança na
prática judiciária.
MATERIAIS DE PESQUISA
Diante do paradigma descrito, buscou-se, por meio de revisão bibliográfica
consistente e atualizada, identificar o problema e perceber se os precedentes constituem,
de fato, meio apropriado ao ideário do processo civil brasileiro, capaz de transmitir aos
jurisdicionados a certeza e a isonomia que lhes são dignos.
MÉTODOS
A abordagem do tema é imperiosa a qualquer operador do direito, em especial
diante da promulgação do Novo Código de Processo Civil, que, como se verá, concede
ainda maior relevância ao tema. Não há melhor caminho metodológico para tanto, senão
a indução, verificando-se na prática judiciária os efeitos do respeito ou não, ao sistema
de precedentes que aqui se pretende analisar.
DISCUSSÃO E RESULTADOS
Compreendendo a realidade que nos cerca e já conhecedores de onde
pretendemos chegar, eis o momento de abonar um novo sistema que estabilize, sem
enrijecer, a ordem jurídica atual; e determinar quais os instrumentos mais adequados ao
momento e às intenções do direito processual brasileiro.
Diversos são os autores que começam a apontar o sistema de respeito aos
precedentes como o melhor caminho a ser trilhado. Não se pretende propor que seja
essa a próspera (e única) solução aos problemas até então apontados. Nem mesmo se
supõe que o respeito aos precedentes recupere, por imediato, a confiança de que hoje o
sistema necessita.
Ao revés, não se pode esquecer que a complexidade das relações sociais e
jurídicas, como já dito, requer trabalho incessante da comunidade jurídica. E a
qualificação de um novo sistema (mais estável e adaptável a essa comunidade), é
75
alternativa inevitável e que deve ser associada a outros tantos mecanismos que se achem
suficientes.
A aplicação do Direito ao caso concreto, quando por meio do respeito aos
precedentes, contribui para a previsibilidade e a certeza do sistema à medida com que
são determinados os limites de norma legislativa considerada, até então, como “aberta”.
A atenta observação da realidade social, política, econômica e jurídica em torno do caso
concreto permite que se avalie melhor a situação sobre a qual se decidirá e torna o
trabalho do magistrado de 1º grau ainda mais relevante, por ter que haver inequívoca
semelhança à decisão-precedente.
Isso quer dizer que a repetição da solução adotada para o novo caso sob análise
depende da existência de um núcleo essencial que o assemelhe suficientemente ao
chamado leading case (o caso precedente, segundo a regra do sistema de Common
Law). Basta, portanto, que o motivo que levou à primeira decisão (sua ratio decidendi)
seja o mesmo que fundamentará os casos futuros – constituindo esse seu núcleo
essencial (holding, rule). É esta a razão que justifica a incidência do precedente e é a
mesma razão pela qual o seu uso não limita o direito, como afirmam alguns opositores.
Tenha-se sempre em mente que, assim como lecionou Teresa Arruda Alvim
Wambier47
, “o Direito deve preservar o status quo, mas não ser imóvel”. Assim, não há
que se falar na imobilidade do sistema pelo respeito aos precedentes, mas pelo
contrário: preza-se, por meio dele, a maior capacidade de fundamentação, especialmente
quando se deve justificar a inaplicabilidade de precedente já constituído.
Além desse estimado motivo, outros muitos parecem indicar a possibilidade em
comento como sendo, de fato, adequada. O respeito aos precedentes viabiliza a
congruência do sistema, sendo capaz de garantir a justiça, a imparcialidade, a isonomia
e a celeridade processuais.
Isso porque o jurisdicionado tem margem de previsibilidade sob seus atos
cotidianos e pode antever a consequência jurídica sobre cada um deles. Certos de que a
aplicação do Direito segue de forma coesa, tem-se a certeza de que não lhe será
47
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Precedentes e evolução do Direito. Direito jurisprudencial.
Coordenação de Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Editora Revista dos Tribunas, 2012.
76
suprimido direito a que faz jus, nem mesmo conferida vantagem de que não goza,
quando da apresentação do caso ao tribunal.
Convicto da imparcialidade e da estabilidade jurisdicional, o cidadão passa a ter
mais confiança no ordenamento e ajuíza agora, apenas aqueles pleitos que considera
relevantes. Não se submete à mera sorte, como hoje se vê, ao depositar a interpretação
do caso à arbítrio pessoal – que não orientado por lei.
Ao operador do Direito, também, o sistema é extremamente benéfico.
Restaurada a confiança no poder judiciário e conferida maior previsibilidade ao
ordenamento, é possível tornar real grandes anseios do Estado Democrático de Direito,
além de reduzir a carga de trabalho, garantir a duração razoável do processo e a maior
qualidade da prestação jurisdicional. Mitidiero alerta:
A necessidade de seguir precedentes não pode ser seriamente
contestada no Estado Constitucional. Estado Constitucional é Estado
em que há juridicidade e segurança jurídica. A juridicidade – todos
abaixo do Direito – remete à justiça, que de seu turno remonta à
igualdade. A juridicidade tem de ser dotada de racionalidade, o que
conduz à necessidade de coerência – ou melhor, como lembra a
doutrina, de “dupla coerência” (double coherence). O Direito à
segurança jurídica constitui direito à certeza, à estabilidade, à
confiabilidade e à efetividade das situações jurídicas.48
CONCLUSÃO
A segurança jurídica é qualidade intrínseca do Estado Democrático de Direito e
deve ser perseguida pelo operador do direito quando de sua aplicação. Diagnosticado o
“calcanhar de Aquiles” da prestação jurídica brasileira, é dever da academia e da
doutrina nacionais investir na busca de mecanismos aptos ao seu saneamento.
Dessa maneira, diante da abertura proporcionada pelo sistema de cláusulas
gerais, verificou-se a construção (insustentável) de um verdadeiro “tribunal de loteria”
em que as partes se submetem à própria sorte quando da submissão do caso à atividade
jurisdicional.
48
MITIDIERO, Daniel. Fundamentação e Precedente – dois Discursos a partir da Decisão Judicial. A
força dos precedentes. Estudo dos Cursos de Mestrado e Doutorado em Direito Processual Civil da
UFPR. Organizado por Luiz Guilherme Marinoni. Salvador: Editora Jus Podivm, 2012.
77
Como meio de frear as (hoje tão comuns) decisões divergentes, a nível de
primeiro e segundo graus, e os problemas por elas ocasionados, desenvolveu-se a
hipótese de adotar o sistema de respeito aos precedentes a fim de se garantir a segurança
jurídica por que almeja nosso ordenamento.
O exame minucioso do tema permite concluir que o precedente, apesar de
duramente criticado, mostra-se como instrumento apto e viável a transformar o
“solipsismo judicial" em atividade sistêmica e integrada. Não sendo, contudo, o único
meio de que o sistema deve lançar mão.
A busca por soluções parece já ter sensibilizado o legislador e a preocupação
com a estabilidade, coerência e integridade do sistema já resultou em sua consagração
no corpo de normas previstas ao novo código processual civil, sancionado em março do
corrente ano.
Resta agora, diante da vigência do novo texto e para além dele, que se coloque
em prática aquilo que a hermenêutica e a teoria do direito há tempos vem clamando, a
fim de se levar a sério não só o direito legislado, mas acima de tudo, o direito em sua
aplicação e conformação social.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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por Nello Morra; Tradução e notas Márcio Pugliesi, Edson Bini, Carlos E. Rodrigues.
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brasileiro. Direito jurisprudencial. Coordenação de Teresa Arruda Alvim Wambier.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunas, 2012
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reflexos na segurança jurídica. Disponível em www.stj.jus.br. Acesso em 14/09/2014.
78
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Brasileiro – Direito em Expectativa. Coordenação de Luiz Fux. Rio de Janeiro:
Editora Forense, 2011.
MARINONI, Luiz Guilherme. O precedente na Dimensão da Igualdade. A força dos
precedentes. Estudo dos Cursos de Mestrado e Doutorado em Direito Processual Civil
da UFPR. Organizado por Luiz Guilherme Marinoni. Salvador: Editora Jus Podivm,
2012.
_________________________. O precedente na dimensão da segurança jurídica. A
força dos precedentes. Estudo dos Cursos de Mestrado e Doutorado em Direito
Processual Civil da UFPR. Organizado por Luiz Guilherme Marinoni. Salvador: Editora
Jus Podivm, 2012.
MITIDIERO, Daniel. Fundamentação e Precedente – dois Discursos a partir da Decisão
Judicial. A força dos precedentes. Estudo dos Cursos de Mestrado e Doutorado em
Direito Processual Civil da UFPR. Organizado por Luiz Guilherme Marinoni. Salvador:
Editora Jus Podivm, 2012.
PAGANINI, Juliano Marcondes. A segurança jurídica nos sistemas codificados a partir
de cláusulas gerais. A força dos precedentes. Estudo dos Cursos de Mestrado e
Doutorado em Direito Processual Civil da UFPR. Organizado por Luiz Guilherme
Marinoni. Salvador: Editora Jus Podivm, 2012.
PEREIRA, Paula Pessoa. O Estado de Direito e a necessidade de respeito aos
precedentes judiciais. A força dos precedentes. Estudo dos Cursos de Mestrado e
Doutorado em Direito Processual Civil da UFPR. Organizado por Luiz Guilherme
Marinoni. Salvador: Editora Jus Podivm, 2012.
STRECK, Lenio Luiz. Novo CPC terá mecanismos para combater decisionismos e
arbitrariedades? Revista Consultor Jurídico. Disponível em
http://www.conjur.com.br/. Acesso em 30/03/2015.
79
TRINDADE, André Karam. Por que já não tenho medo dos juízes? O controle das
decisões no novo CPC. Revista Consultor Jurídico. Disponível em
http://www.conjur.com.br/. Acesso em 30/03/2015.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Precedentes e evolução do Direito. Direito
jurisprudencial. Coordenação de Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunas, 2012.
6. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS, FAMÍLIAS
RECONSTITUÍDAS E A VALIDADE DOS ACORDOS DE
RESPONSABILIDADE PARENTAL
OLIVEIRA, Ana Carolina Degani de49
BARUFFI, Helder50
PALAVRAS-CHAVE:Famílias reconstituídas; Acordos; Responsabilidade parental.
INTRODUÇÃO
O Direito de Família tem sido fortemente impactado pelas transformações na
organização social e nos valores da sociedade contemporânea, assim como pelos
avanços da medicina reprodutiva, que assinalam novas formas de arranjos familiares.
As bases sobre as quais se funda o direito da família sofrem modificações e sinalizam
por novos tempos e novas exigências, conforme explicita Oliveira (2006; 2009; 2011).
A família não se limita ao laço pai, mãe e filhos, mas agrega-se a essa realidade
o novo/a companheiro/a ou marido/esposa e, se existirem, os filhos destes. Dessa
convivência não é possível descartar o laço socioafetivo que se estabelece entre os
sujeitos que compõem este novo desenho familiar, particularmente aquele que se
estabelece entre o filho e o novo cônjuge/companheiro do genitor. Os vínculos
biológicos transmudam-se para vínculos afetivos, aplicáveis tanto a casais
49
Acadêmica do Curso de Direito.PIBIC/UFGD/CNPq, E-mail: [email protected] 2 Professor Doutor, Titular. FADIR/UFGD, E-mail: [email protected]
80
reconstruídos, quanto a casais formados por pessoas do mesmo sexo. Neste novo
desenho familiar, sob a primazia da dignidade da pessoa humana e do respeito a um
desenvolvimento equilibrado/sadio, alguns aspectos que dizem sobre os acordos de
responsabilidade parental assumem uma dimensão maior, qual seja, a da sua validade.
Neste sentido, o Direito de Família, sob um olhar principiológico, é capaz de
atender essas novas demandas sociais, principalmente no que tange aos impasses
trazidos pelas novel formas de famílias, que não as elencadas pelo legislador civil,
como, por exemplo, as famílias reconstituídas, excluídas por muito tempo do Direito,
agora tem suas relações, direitos e deveres garantidos. Os princípios constitucionais
ultrapassam a barreira do direito privado e atualizam o Direito Civil, mais ainda o
direito de família, apresentando um novo olhar, mais inclusivo e justo. É a
demonstração de que o ordenamento jurídico pode, quando preciso, se renovar e atender
as novas pretensões sociais.
Esta nova realidade, ao agregar em torno de si diferentes vínculos familiares
(OLIVEIRA, 2004) faz surgir questões cujas respostas nem sempre são fáceis, como
esta das responsabilidades parentais que passam a ser compartilhadas com o novo
parceiro (PRATAS, 2012). Afinal, a quem cabe o exercício das responsabilidades
parentais? Pode o cônjuge/companheiro do genitor exercer a responsabilidade parental?
Se a resposta for afirmativa, até que ponto pode o companheiro/cônjuge do genitor
exercer esta responsabilidade? Havendo conflitos de interesses entre o genitor que não
possui a guarda e os pais socioafetivos, como devem ser resolvido?
Estas questões propostas direcionam os objetivos desta investigação, que foram
formulados como segue: (i) aprofundar o estudo sobre o direito da família desde uma
perspectiva contemporânea centrada no desenvolvimento dos Direitos Humanos e do
Direito Constitucional da Família, com foco nas responsabilidades parentais e (ii)
analisar e debater, de maneira crítica, os principais conflitos presentes no exercício das
responsabilidades parentais em famílias reconstruídas, em especial no que se refere aos
acordos/delegações para atos do cotidiano.
MATERIAIS DE PESQUISA
81
Os materiais utilizados para a realização da pesquisa foram a doutrina e a
jurisprudência, numa perspectiva constitucional do direito de família e das
responsabilidades parentais. Para tanto, buscou-se centrar as leituras em autores que
buscam destacar não apenas a família do Direito, mas a família no Direito, isto é,
aquelas famílias que buscam no Direito o reconhecimento e o fazem numa perspectiva
diferente da família patriarcal, patrimonialista. Assim, na análise jurisprudencial foram
buscadas decisões que reconhecem como famílias aquelas historicamente excluídas do
direito, como as famílias reconstruídas e/ou homoafetivas.
MÉTODOS
A escolha do método está vinculada ao objeto de estudo e à abordagem que se
pretende. O estudo das famílias, aqui compreendidas todas aquelas que encontram no
direito seu reconhecimento, requer um avanço na abordagem do tema, enquanto objeto
singular e, ao mesmo tempo, complexo. É no interior das famílias que os sujeitos,
históricos, constroem-se e constroem o próprio mundo. É nas relações interpessoais que
o sujeito se realiza e se potencializa como pessoa. Entretanto, pela sua dinâmica social,
é o fenômeno jurídico que mais de perto acompanha as transformações da sociedade,
social e culturalmente. E é desta forma que deve ser buscado e compreendido na sua
essência.
Enquanto pesquisa bibliográfica e documental, o estudo foi conduzido adotando-
se, como método de abordagem, o hipotético-dedutivo, que se inicia pela percepção de
uma lacuna nos conhecimentos, acerca da qual formula hipóteses, e pelo processo de
inferência dedutiva, através do qual testa a predição da ocorrência de fenômenos
abrangidos pela hipótese e como método de procedimento, o monográfico,
compreendido como o procedimento pelo qual a investigação deve examinar o tema
escolhido, observando e analisando os fatores que o influenciaram em todos os seus
aspectos.
DISCUSSÃO E RESULTADOS
82
A atual concepção de família, invariavelmente, se constrói pela ideia do afeto.
Não se reconhece mais a família apenas como aquela formada pelo casamento, união
estável ou monoparental. A doutrina, massivamente (por todos: LOBO, 2011) já
reconhece que existem outras configurações familiares que estão a par daquelas
estabelecidas pelo legislador.
Assume particular relevo a família reconstituída, aquela que se dá pela união de
pessoas que já foram casadas, conviventes ou tiveram algum tipo de relação familiar.
Muitas vezes elas se estabelecem com a presença de filhos havidos dos relacionamentos
anteriores. Estas famílias se reconstituem estabelecendo laços de afeto entre o casal e
seus/nossos filhos, configuração juridicamente diferente daquela expressa no Código
Civil de 2002, porém, perfeitamente amparada pela Constituição e digna de direitos e
deveres (ROSENVALD, 2013).
A recomposição familiar, ainda que não se enquadre nos ideais estabelecidos
pelo legislador infraconstitucional, rege suas relações privadas por meio de princípios
constitucionais, e dela derivam situações e problemas entre os integrantes da família que
precisam sem resolvidos por meio de acordo de vontade destes. Nas situações cotidianas
relacionadas com o exercício da responsabilidade parental muitos acordos tácitos são
estabelecidos e, nem sempre, em sintonia com aqueles estabelecidos e homologados
quando da ruptura da relação.
O legislador infraconstitucional asseverou que a responsabilidade pelos filhos
compete aos pais biológicos. Não há nenhuma norma disciplinando sobre as situações
de pais afetivos, ou seja, aqueles que estabelecem uma relação de afeto e cuidado com o
menor e exercem, também, a responsabilidade familiar. Assim, se há uma relação de
afeto e convívio familiar entre uma criança e um adulto, não se pode deixar de atender o
melhor interesse do menor, que terá além dos cuidados dos pais biológicos, a atenção
dos pais afetivos. Exemplos desta situação são os laços fixados entre o
padrasto/madrasta com o filho do companheiro (a), ou, ainda, a relação entre um menor
e seus parentes próximos, como os avós, tios ou primos.
Os acordos de responsabilidade parental, desta forma, são firmados com o
intuito de dar ao filho, por exemplo, os cuidados necessários para seu desenvolvimento,
83
prover-lhes economicamente, dar-lhe educação, saúde, moradia. Um acordo com essa
finalidade vai além, permite aquele que é parte acordante exercer o poder familiar sobre
situações do cotidiano, sem precisar recorrer aos pais biológicos da criança para
solucionar problemas corriqueiros, v.g., quando o padrasto (a) assina uma autorização
para que o menor possa ir à um passeio promovido pela escola.
Fica evidente, então, que os acordos de responsabilidade parental têm por
objetivo ampliar as pessoas responsáveis pelos filhos menores e facilitar o convívio nas
diversas entidades familiares. Vale frisar que estes acordos, embora não previstos pela
lei, são garantidos pelos princípios constitucionaise e perfeitamente exigíveis quando
não cumpridos ou causarem dano à terceiros.
Importante frisar que os acordos firmados nem sempre exigem formalidade. A
maior parte deles é realizada de forma oral e singela. Ainda, por ser de vontade dos
membros dividirem a responsabilidade pelo menor, alguns acordos passam
despercebidos, por já serem considerados naturais, ou seja, por serem diariamente
repetidos.
A informalidade destes acordos não interfere na sua validade, que se dá a partir
da aplicação dos princípios constitucionais, em particular do princípio da dignidade da
pessoa humana, previsto no art. 1°, inciso III da Constituição Federal Brasileira, que
possibilitam a ideia de despatrimonialização do Direito Civil, promovendo uma visão
mais humanística, em que o homem representa o centro inspirador de direitos e deveres
a serem difundidos pela ordem jurídica. Garantir a dignidade da pessoa humana
significa dar ao homem a devida importância, respeitando sua condição como tal, assim
como seus direitos básicos. (MOTTA, 2007).
O reconhecimento da filiação afetiva, portanto, reflete nos acordos firmados
pelas famílias reconstituídas. Permite que padrastos/madrastas se equiparem aos pais
biológicos da criança quando dirigem afeto e prestam toda a assistência necessária ao
desenvolvimento do menor. Assim, os pais afetivos tornam-se, igualmente, detentores
de direitos e obrigações em relação aos filhos, o que não significa a exclusão do poder
familiar dos pais biológicos, mas uma complementação, visando o melhor interesse da
criança (DIAS, 2015).
84
Destarte, os acordos no âmbito das famílias reconstituídas, possibilitados pela
equiparação da filiação biológica à afetiva, permitem que o cotidiano de famílias
constituídas por madrasta/padrasto e filhos se perpetue sem problemas na esfera
jurídica. Os princípios constitucionais estão juntamente presentes para garantir que estes
acordos fundados no afeto, na igualdade e na livre vontade possam repercutir
juridicamente.
CONCLUSÕES
Ao final do estudo foi possível construir algumas conclusões. O Código Civil de
2002 caracteriza-se por ser enrijecido e por excluir muitas situações concretas, o que se
deve, principalmente, por ter estabelecido um sujeito ideal de direitos e deveres. Desta
forma, o Direito Civil demonstra um esgotamento, isto é, não consegue responder as
exigências sociais. No Direito de Família, ou mais apropriadamente, Direito das
Famílias, é manifesto este processo de esgotamento. O legislador civil estabeleceu um
padrão familiar e, ao assim proceder, excluiu demandas sociais derivadas de diferentes
estruturas familiares que foram se formando ao largo do tempo, distanciando-se da
norma constitucional, principiológica, que não mais reconhece um único tipo de família
– aquele formado pelo casamento – e assim o fazendo, reconhece diferentes tipos de
família.
Em relação às famílias reconstituídas e seus acordos de responsabilidade
parental, o fundamento de validade encontra-se nos princípios constitucionais da
igualdade, da dignidade da pessoa humana e na equiparação da parentalidade
socioafetiva à biológica.
Estes acordos são válidos e exigíveis tanto pelas partes como por terceiros,
incidindo sobre eles, ainda, as normas do Código Civil. Embora historicamente regidos
pelo princípio do pacta sunt servanda, esses acordos informais passam a ter por
paradigma os princípios constitucionais, dando relevância não mais ao caráter
patrimonial de tais acordos, mas sim o maior/melhor interesse do menor.
Assim, superada a rigidez do Código Civil, as variadas entidades familiares têm
escopo nos princípios constitucionais. Os acordos de responsabilidade parental firmados
85
no âmbito das famílias reconstituídas garantem, por meio da Constituição, os direitos e
deveres dos contraentes e amplia a proteção ao menor e encontram na Constituição
Federal, seu fundamento de validade.
REFERÊNCIAS
DIAS, Maria Berenice. Quem é o pai? Disponível em:
<http://www.mariaberenice.com.br/uploads/2_-_quem_%E9_o_pai.pdf> Acesso em:
03/02/2015.
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Famílias. 5. ed. rev. ampl. e atual. Salvador-Bahia: Editora JusPodivm, 2013.
LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
MARTINS, Rosa. Responsabilidades parentais no século XXI: a tensão entre o
direito de participação da criança e a função educativa dos pais. In: PEREIRA, Tânia da
Silva; OLIVEIRA, Guilherme de. (coord.). Cuidado e Vulnerabilidade. São Paulo:
Atlas, 2009. p- 76-95.
MARTINS, Rosa. Responsabilidades parentais no século XXI: a tensão entre o
direito de participação da criança e a função educativa dos pais. In: PEREIRA, Tânia da
Silva;
OLIVEIRA, Guilherme de (Coord.). Cuidado & vulnerabilidade. São Paulo: Atlas,
2009, p. 76-95.
OLIVEIRA, Guilherme de. Transformações do Direito da Família. In:
Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977. V.1,
Coimbra: Coimbra editora, 2004, p. 763-779.
PRATAS, Sónia Isabel dos Santos. Guarda Partilhada: Estudo Exploratório. 2012. 92
f. Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica, sub-área de especialização em
Psicopatologia e Psicoterapias Dinâmicas) - Faculdade de Psicologia e de Ciências da
Educação. Universidade de Coimbra, Coimbra, 2012. Disponível on line.
86
TORRES, Felipe Soares. A autonomia progressiva das crianças e adolescentes. Lex
Familiae. Revista Portuguesa de Direito de Família. Ano 7, n. 14, jul./Dez., 2010.
7. NOVOS MODELOS FAMILIARES E A CONSTITUIÇÃO
BRASILEIRA DE 1988: desafios contemporâneos para o
reconhecimento do poliamor
CASTELÃO, José Matheus Rocha51
PALAVRAS-CHAVE: Poliamor, entidade familiar, Direito de Família, Constituição
da República Federativa de 1988.
INTRODUÇÃO
Em função as mudanças trazidas pela Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988, com a quebra de paradigmas sociais com anos de existência e
imposição. Talvez um dos ramos das ciências jurídicas que mais tem se conformado e
readequado para alcançar essas compreensões contemporâneas da realidade é o Direito
de Família. Diante do cenário jurídico atual, faz-se necessário uma nova visão dos
parâmetros que norteiam a entidade familiar brasileira, cabendo ao Direito normatizar as
relações sociais subjacentes, sobretudo, devido às grandes transformações na seara do
Direito de Família.
Neste cenário surge a entidade familiar poliafetiva, conhecida também como
poliamorista, cuja formação se dá pela união de três ou mais pessoas, com o intuito de
constituir família, sendo que este modelo de entidade familiar não possui a devida
regulamentação no ordenamento jurídico brasileiro, para que se atinja o “status” de
entidade familiar, com todas as proteções e obrigações oriundas do Estado.
51
Graduando em Direito, 10º período, na Faculdade de Direito do Centro Universitário da Grande
Dourados - UNIGRAN, e-mail: [email protected]
87
Com tantas mudanças trazidas pela Carta Magna de 1988, alguns pontos ficaram
de fora, que poderiam hoje em dia colocar a legislação brasileira em um patamar de
referencia mundial pela grande evolução, porém com base nos princípios
constitucionais, e deixando de lado a visão positivista, mudanças maiores podem vir,
como por exemplo, o reconhecimento da união poliamotista como entidade familiar,
como trabalhado no artigo.
Ao tratar da relação afetiva do ser humano, é como pisar em ovos, pois não tem
como saber onde está a fraqueza ou a força de um argumento, que sustenta todo o
edifício interno de uma realidade. Analisar o fenômeno do poliamor e compreender a
questão à luz do Direito, baseando-se no texto legal da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, conceituando tal fenômeno, demonstrando que não se
trata de fenômeno recente ou modismo, nesse sentido apontar a sua existência na arte
brasileira, assim como demonstrar a carência do ordenamento jurídico atual para a
questão poliafetiva.
MATERIAIS DE PESQUISA
Revisão bibliográfica através da análise de doutrinas, trabalho acadêmico,
legislação, jurisprudência e demais documentos pertinentes ao tema da pesquisa.
MÉTODOS
Método dialético reflexivo; tema pertinente, pois urge os horizontes do Direito
de Família brasileiro, visto que a situação do poliamor não é um fato isolado, pelo
contrário, tem ganhado espaço em diversas mídias e tem sido alvo de discussões
jurídicas no Brasil e no mundo. A reflexão jurídica (a pesquisa jurídica) não pode
permanecer apartada da realidade social, como se percebe estar posta, devendo quebrar
paradigmas e apreender novas significações na perspectiva fato social – valor – norma.
Busca-se uma reanalise dos conceitos preexistentes, antever problemas jurídicos que
decorre da carência da assistência jurídica.
DISCUSSÃO E RESULTADOS:
88
A Família é uma das instituições mais antigas da história da humanidade, e dela
derivam múltiplas outras formas de composições familiares, desde seu surgimento até
os dias atuais. Antes de 1988 o Código Civil era que tratava da Família, que reconhecia
apenas a família formada pelo casamento. Havia a primazia do matrimonio, formada
pelo casamento, era quem merecia proteção do Estado, não era reconhecido a União
Estável. Fundamental destacar que a família, anteriormente dividida em três
ramificações, sendo o Direito patrimonial, Direito parental e Direito assistencial, com o
advento da constitucionalização, começam a consolidar a importância das relações de
afeto, baseadas na solidariedade, depois elevada a um status de princípio, e cooperação.
De acordo com Lôbo, “não é mais o indivíduo que existe para a família e para o
casamento, mas a família e o casamento existem para o desenvolvimento pessoal, em
busca de sua aspiração à felicidade”52
.
Para não falar que o legislador não reconhecia mais nenhum outro modelo
familiar, houve o reconhecimento do concubinato, porém uma forma preconceituosa do
legislador, em que proibia qualquer tipo de doação à concubina, os filhos gerados na
relação em questão eram ilegítimos, não tendo direitos garantidos.
Como dito, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 veio para
quebrar com o paradigma de que família é apenas aquela constituída entre homem e
mulher através do casamento. No artigo 226 da Carta Magna de 1988 apresenta três
entidades familiares constitucionalmente reconhecidas, sendo aquela formada pelo
casamento; união estável entre homem e mulher – contudo há o reconhecimento da
união estável entre pessoas do mesmo sexo -; e a família monoparental, ou seja,
formada por um dos pais e seus descendentes. Se for seguir a visão positivista, ou seja,
o que está expresso na lei é o que está correto, existem apenas três modalidades de
família, porém é preciso, ainda mais no Direito, buscar ter uma visão além do texto
legal propriamente dito, por isso existem as jurisprudências.
Atualmente há o reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo,
através das decisões dos Tribunais Superiores, mostrando assim que os tempos
52
LÔBO, Paulo Luiz Netto. A repersonalização das famílias. Revista Brasileira de Direito de
Família. 4.ed. Porto Alegre, Síntese, v.6, n.24, 2007, p. 155.
89
mudaram, e o conceito de família pode ser mais abrangente, mesmo que nos textos
legais brasileiros ainda tenha uma omissão, devendo se basear nas interpretações
jurisprudenciais. Com a Constituição Federal de 1988 houve a formalização, e posterior
materialização, dos direitos advindos do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, que
para muitos doutrinadores tem o status de Supra Princípio, pois dele derivam princípios
subsidiários.
Uma questão que merece atenção dos ministros dos Tribunais Superiores de
Justiça, dos juristas, pesquisadores, doutrinadores, ou seja, toda a comunidade jurídica é
a situação dos poliamoristas, ou seja, pessoas que são adeptas ao poliamor, sendo a
concepção de uma entidade familiar. O poliamor é a situação em que um indivíduo tem
a liberdade de amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo, tendo o consentimento dos
parceiros da relação. No relacionamento poliamorista, não é quesito obrigatório que
todos os indivíduos se relacionem entre si.
Doutrinadores como Regina Navarro Lins53
e Pablo Stolze Gagliano54
reconhecem esse modelo familiar como possível e existente na sociedade. Contudo, na
visão social tradicional, a instituição familiar poliamorista é considerada “imoral”, pela
questão da questão matemática que circunda a relação. Porém não se trata de uma
questão recente, assim como o relacionamento homoafetivo, expressão essa criada pela
Desembargadora Maria Berenice Dias – grande defensora da proteção familiar
independente de sua constituição -, não deve ser considerado como tabu pela sociedade,
muito menos como algo marginal.
Os poliamoristas praticam essa relação há muitos anos, não sendo apenas aqui
no Brasil, mas em outros países, como Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos.
Como dito, o poliamor existe a muito tempo, desta forma, deve-se busca entender do
que se trata o poliamor antes de formar uma opinião.
O poliamor foi introduzido na sociedade, de forma implícita em 1966, com Jorge
Amado, em seu livro “Dona Flor e seus dois Maridos”, onde a protagonista Dona Flor
53
LINS, Regina Navarro. A cama na varanda: arejado nossas idéias a respeito do amor e sexo: novas
tendências. 2. ed. Rio de Janeiro: Bestseller, 2007 54
GAGLIANO, Pablo Stolze. Direitos da(o) amante. Na teoria e na prática (dos tribunais). Jus
Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1841, 16 jul. 2008. Disponível em:
<hppt://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11500>. Acesso em 20 de julho de 2015.
90
vivia entre o amor por Teodoro e sua paixão pelo marido falecido Vandinho, sendo este
um fantasma. Ademais, um grande sucesso brasileiro, que também retrata a relação
poliafetiva, é o filme “Eu Tu Eles”, lançado no ano de 2000, em que Darlene vivia com
Osaias, Zezinho e Ciro, todos seus maridos, sendo este filme baseado na vida de Maria
Marlene Silva Sabóia. Assim é perceptível que o poliamor está sendo trabalhado na
sociedade já faz anos, assim dizer que a entidade familiar poliamorista é um modismo,
algo recente no meio social é equivocado. Ainda, atualmente existem livros que tratam
sobre a questão, como “A Cama na Varanda” (Regina Navarro)55
. Importante também
salientar, a introdução do poliamor na dramaturgia, como no caso do seriado “Aline” de
2009, e posteriormente em “Avenida Brasil”, demonstrado em dois núcleos da novela.
Desta forma, o desafio do Direito Constitucional em pleno século XXI, após
tantas mudanças na sociedade ao longo dos anos, tanto em seu caráter físico como
legislativo, e com os avanços que a Constituição da República Federativa do Brasil de
1988 trouxe ao Direito, o reconhecimento da entidade poliafetiva é importante e
necessária, para trazer direitos e garantias aos poliamoristas, assim como no caso dos
casais homoafetivos, amparado o reconhecimento no seio da Carta Magna com seus
princípios que amparam o Direito de Família. Os princípios devem ser considerados
como normas, podendo ser expressos, como por exemplo, princípio da soberania, da
cidadania e o da dignidade humana, como podem ser não expressos.
Os princípios que circundam o Direito de Família, dando amparo nas decisões
dos Tribunais para o reconhecimento/amparo/segurança jurídica das questões que este
ramo do Direito trabalha, são: Princípio da Dignidade Humana, que é um macro
princípio que sustenta todos os outros, pois os poliamoristas são sujeitos de direitos e
igualmente amparados pelo Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, afinal são
cidadãos como quaisquer outros, galgando um espaço na sociedade hodierna,
proporcionando a beleza de um amor sem egoísmo, onde seus componentes tem um
afeto recíproco, uma maneira democrática de amar sem parâmetros ortodoxos típicos de
uma sociedade individualista e restrita; Princípio pela Busca da Felicidade surge nesse
55
Regina discorre brevemente sobre a história do amor desde a idade da pedra e trás exemplos reais das
problemáticas de seus pacientes (sem expor identidades), associando-os ao atual contexto social.
91
contexto jurídico contemporâneo como uma necessidade de acompanhar as aspirações e
mutações sociais; Princípio da Igualdade de Gêneros e o Respeito à Diferença em que a
igualdade formas já está posta na lei, mas o princípio da igualdade vai mais além de
uma simples regra (lei). A igualdade deve pressupor a consideração da diferença. Como
Boaventura de Sousa Santos afirmou “Temos o direito de sermos iguais quando as
diferenças nos inferiorizam, e temos o direito de sermos diferentes quando as igualdades
nos escravizam”56
; Princípio da Autonomia e da Menor Intervenção Estatal, ou seja, é a
questão da dicotomia do Público x Privado, até onde o Estado deve intervir nas questões
privadas; Princípio da Pluralidade das Formas de Família, no artigo 266 da Magna Carta
está elencado três modelos familiares, que já foram explanados no presente artigo, e
como já também foi falado, não devemos seguir uma visão positivista, e sim sempre
buscar ir além da norma para uma melhor aplicabilidade do Direito; Princípio da
Afetividade, desde que a família deixou de ser, essencialmente, um núcleo econômico e
de reprodução para ser o focus do amor, da valorização e formação do sujeito, o afeto
passou a ser um valor jurídico. Este princípio é um grande vetor e catalisador do Direito
de Família contemporâneo; Principio da solidariedade: antes concebida apenas como
dever moral, compaixão ou virtude, passou a ser entendida como principio jurídico após
a Constituição Federal de 1988, expressamente disposto no artigo 3º, inciso I, “Art. 3º.
Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – constituir
uma sociedade livre, justa e solidária.”. É resultado da superação do individualismo
jurídico, como ocorria na sociedade dos primeiros séculos da modernidade e se
preocupava predominantemente com os interesses patrimoniais e individuais; Princípio
da Responsabilidade, assim como a cidadania, a responsabilidade tornou-se uma palavra
de ordem da contemporaneidade. Liberdade e responsabilidade estão no mesmo plano
axiológico.
No Brasil apenas dois casos de uniões poliafetivas foram devidamente
formalizadas, assim ganhando publicidade, porém sem amparo legal, pois como já
mencionado, o ordenamento jurídico brasileiro é omisso sobre a questão, mais de 50
56
SANTOS, Boaventura de Souza. PENSADOR. Disponível em:
http://pensador.uol.com.br/autor/boaventura_de_souza_santos/. Acesso em 26 de setembro de 2015.
92
anos que vem sendo tratado o assunto no meio social, e mesmo com todos os amparos
constitucionais, a questão poliamorista ficou apenas na ficção, porém deixando,
atualmente, anos e anos de paradigmas sociais de lado para ganhar espaço e o devido
reconhecimento, assim como direitos, garantias e obrigações. O caso pioneiro de
reconhecimento da entidade familiar poliafetiva foi no Estado de São Paulo, na cidade
de Tupã, em agosto de 2012, em que um homem e duas mulheres, reconheceram em um
Cartório Extrajudicial, através de uma escritura pública, a união que mantinham, com
todos os direitos e deveres da união estável57
. O segundo caso de reconhecimento da
união, ocorreu recentemente, outubro de 2015, no 15º Ofício de Notas do Rio de
Janeiro, localizado na Barra da Tijuca, zona oeste da cidade, sendo uma união entre três
mulheres58
.
A intenção além de reconhecimento das duas uniões mencionadas é a proteção
jurídica trazida através da escritura pública, principalmente patrimonial, pois como não
há um amparo da legislação, os membros da união poliamorista precisam se proteger de
alguma maneira, e consequentemente, chamar a atenção dos legisladores para tomarem
iniciativa, ou melhor, continuar a iniciativa tomada pela sociedade, de legalizar a união
poliafetiva.
CONCLUSÕES
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 trouxe ao cenário
jurídico novos patamares de apreciação de realidade, ilustrada de princípios norteadores
como o da Dignidade da Pessoa Humana e, nesse sentido, possibilita ir além de marcos
teóricos já ultrapassados ou que não compreendem a realidade em constante renovação.
Assim como na questão das entidades familiares homoafetivas em que a
legislação brasileira teve que rever seus conceitos e romper paradigmas, na questão
poliafetiva deve mais uma vez ter mudanças, pois como demonstrado à entidade
familiar trabalhada no presente artigo está sendo tradada no seio social a quase 50 anos,
57
PIRES, Antonio. JusBrasil. União poliafetiva. Disponível em:
http://antoniopires.jusbrasil.com.br/artigos/121940655/uniao-poliafetiva. Acesso em 02 de abril de 2015. 58
PIVA, Juliana Dal. O Estado de S. Paulo. Rio registra primeira união estável realizada entre três
mulheres. Disponível em: http://brasil.estadao.com.br/noticias/rio-de-janeiro,rio-registra-primeira-uniao-
estavel-entre-3-mulheres,1781538. Acesso em 18 de outubro de 2015.
93
desta forma, como a Constituição vigente trabalha em seu texto que deve haver
igualdade, sendo respeitado o direito a dignidade humana das pessoas no meio social,
para uma harmonia entre os povos, não devendo ter discriminação de credo, cor e/ou
opção sexual, e a falta de assistência jurídica, indo contra tudo o que preceitua a lei
máxima brasileira, tornou anos e anos do que poderia ser uma evolução no âmbito
jurídico em algo escondido, obscuro, pois sem proteção e direitos assegurados, os
poliamoristas viveram e vivem atrás de anos de paradigmas sociais, pré-conceitos e
imposição religiosa.
O Estado não pode tratar com diferença e discriminação por fundamento fútil,
bem como a sociedade não pode apontar como inexistente ou impossível uma situação
que vem sendo discutida cada vez mais, porém sendo tratada como “diferente”. É
importante o reconhecimento da união como entidade familiar dentro do ordenamento
jurídico vigente, trazendo assim uma segurança jurídica, com direitos, obrigações e
garantias.
A família não é um fato da natureza, mas, sim, um fato da cultura. O poliamor
não deve ser visto como algo atípico e/ou imoral, mas sim aceito, porque todos têm
direito à felicidade. Paradigmas não são fáceis de serem quebrados, mas muitas vezes é
necessário.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CASTELÃO, José Matheus Rocha. Monografia Curso de Direito. “UM É POUCO,
DOIS É BOM... TRÊS É DEMAIS?”: ANÁLISE DO RECONHECIMENTO E
DOS REFLEXOS PATRIMONIAIS DO POLIAMOR SOB À LUZ DO DIREITO
CIVIL BRASILEIRO. Centro Universitário da Grande Dourados – UNIGRAN, 2015.
GAGLIANO, Pablo Stolze. Direitos da(o) amante. Na teoria e na prática (dos
tribunais). Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1841, 16 jul. 2008. Disponível em:
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LINS, Regina Navarro. A cama na varanda: arejado nossas idéias a respeito do
amor e sexo: novas tendências. 2. ed. Rio de Janeiro: Bestseller, 2007
94
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PIVA, Juliana Dal. Rio registra primeira união estável realizada entre três mulheres. O
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janeiro,rio-registra-primeira-uniao-estavel-entre-3-mulheres,1781538. Acesso em 18 de
outubro de 2015.
ROUDINESCO, Elizabeth. A família em desordem. Rio de Janeiro, Jorge Zahar
Editor, 2003.
SANTOS, Boaventura de Souza. Pensador. Disponível em:
http://pensador.uol.com.br/autor/boaventura_de_souza_santos/. Acesso em 26 de
setembro de 2015.
95
III – Seção: Poesias do 1º Concurso da FADIR
1º CONCURSO DE POESIAS DA FACULDADE DE DIREITO E RELAÇÕES
INTERNACIONAIS
POESIAS GANHADORAS (E MENÇÕES HONROSAS)
“CONSTITUIÇÃO: EM PRINCÍPIO E POESIA”
ODE À CONSTITUIÇÃO (1º Colocado)
Vinicius Farah Parizi Merege
Mais nada hei de pedir-te senão a
Inominável coragem dos que lutam,
Para que fique e faça retornar
A esperança dos que a ti consolo buscam.
Devo dizer-te que sol da tua pátria é mais escuro
Que olhos do teu povo estão fechados
Que braços dos teus filhos acorrentados
São o anúncio da tua morte no futuro.
"Devo alerta-la para que se desvende
Que destape a faixa dos olhos e ponha-se a olhar
Ao teu pobre povo que simplemente
Vence altiva a sina de não ter com quem contar.
Olha pra cima, pras copas verdes esquecidas
Respira o puro dos teus ares tropicais
Reergue-te mais uma vez as madeiras carcomidas
Dos cerrados caídos troncos florestais.
Dos antigos habitantes tirou-se tudo:
Os olhos, a fala, o livre do desnudo,
Para no lugar o ouro da mina escavar — Proteja-os!
Pois sobre os pés nem a terra tem para chorar.
Foste pela história cuspida e devassada
Suja pelo inocente sangue, nunca mais!
Memória metálica do chumbo envenenada
Pelos genéricos seres ascéticos: Generais.
Mas a batalha não foi jamais perdida,
E da tragédia do caos foi escolhida
96
Para ser do teu povo única esperança
Que abraçou-a ternamente, feito criança.
No entanto, macularam a sagrada liberdade.
Não os cisudos tenentes, mas os corruptos.
E tentaram esquece-la logo, em súbito,
Pois a vergonha é a escondida face da maldade.
Mas além dos teus olhos, nunca vendados,
Atenta-te bem ao som, com teus ouvidos, Ó Constituição,
O hino que ao longe se escuta.
E Verás próspera que também o filho amado teu não fugir à luta."
* * *
DOS DIREITOS E DAS DESIGUALDADES FUNDAMENTAIS (2º colocado)
Bárbara Cândido Pereira De Sousa
Em 1988 foi promulgada a mais completa Magna Carta
Trazendo obrigações, garantias e direitos
Repleta de fundamentais preceitos
Enunciou a igualdade de todos perante a lei
Porém sabemos que tal igualdade não passa de utopia
Quando se é mulher, respeito é mera regalia
Declarou que homens e mulheres não divergem
Nem em direitos, nem em obrigações
Mas isso não as poupa de diárias retaliações
Garantiu que ninguém seria obrigado a nada
Onde está o legislador para dizer isto
À mulher que corriqueiramente sofre calada?
Prometeu construir uma sociedade livre, justa e solidária
Mas quem regula sua liberdade é o patriarcado
E se usar saia curta pode ser chamada de ordinária
Sob a proteção divina assegurou a laicidade do Estado
O qual, em nome de Deus, obriga a mulher a parir
Enquanto o pai pode, sem julgamentos, não assumir
Cansei de ver mulher morta pelo “companheiro” todo dia no jornal
97
Mesmo sendo direito fundamental
A dignidade humana é aniquilada pelo sistema patriarcal.
* * *
CANÇÃO MAGNA (3º Colocado)
Denis Henrique Schmeisch
Nasci em uma terra,
Onde tem palmeiras;
Graças a meu “Capítulo VI”,
Cantar pode o(s) Sabiá(s);
O meu artigo 225,
Faz toda a fauna, a flora e a ave gorjear.
Ao dizer “Nossa vida, mais amores”.
Digo-lhe também que carrego comigo tais valores
Logo de início, te faço soberana, cidadã, digna, livre e plural.
Ó jovem república...
E assim compreenderás.
Que somos uma, “terra de primores”.
Dos quais não se encontra acolá.
Não permita, ó Deus, que essa carta morra,
Sem seu quinto artigo concretizar;
Sem que desfrute(mos) os primores
Que estão garantidos por lá;
Sem qu’inda aviste, não só as palmeiras,
Mas também dignidade pra “tod@s”
E assim,
Poderemos,
Ouvir cantar o sabiá.
* * *
AMADA CARTA BRASIL (Menção honrosa)
Denis Henrique Schmeisch
Ouviram, mas dessa vez, não às margens plácidas do Ipiranga,
“O brado retumbante” vindo do “Povo Heroico” ressoou em 1988 dessa vez,
98
Fui promulgada dama de uma nação.
Será que sou o “Lindo pendão da esperança”?
Quiçá o “Símbolo augusto da Paz”...
Em meu corpo carrego comigo,
Teu (direito de ) ir e vir, jovem república.
Teu pensar, falar e expressar…
Tua morada, por mim, é regida e guardada.
Tua Dança, teu ofício, tua cultura…
os “pequenos” e os “Supremos” em mim estão…
Estou/sou deles.
“Salve Salve o Brasil, ó idolatrada pátria amada”.
Meu espírito é legislador e juiz, minha alma criadora de tudo... Também executa.
Não se engane a meu respeito…
Já quebrantei até “navios negreiros”.
E Principalmente,
Sou União,
Sou Voto,
Sou Poder
Sou garantia e Direito.
Sei ser arma e ser escudo, cobro dívidas e firmo tributos, rejo mar e terras.
Jamais se engane…
Sou semente, fruto e flor dessa “brava gente Brasileira”,
Que me amou e não me deixou,
Dos filhos dessa Justiça que não foge a luta.
“Ou ficar a pátria livre,
ou morrer pelo Brasil”
“Dos filhos deste solo” sou “mãe Gentil”...
Pátria amada,
Amada Magna,
Magna carta,
Brasil.
* * *
99
A DESIGUALDADE DA IGUALDADE (Menção Honrosa)
Sidnei Fernandes Lima Junior
Cadê a Igualdade?
Somos todos livres, mas poucos têm voz na Sociedade!
Cadê a Igualdade?
Poucos com Muito e Muitos vivendo na Precariedade!
Cadê a Igualdade?
Deveríamos ser fraternos, mas ainda não existe respeito com a Diversidade!
Cadê?
Deveria estar ao menos na saúde...
Ou pelo menos na educação...
Mas não está nem no ganho pão!