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Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 1
Anais do II Simpósio Direito e Inovação
Faculdade de Direito da UFJF
Janeiro de 2013
Organizadores
Joana de Souza Machado
Leonardo Alves Corrêa
Maíra Fajardo Linhares Pereira
Waleska Marcy Rosa
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 2
Simpósio Direito e Inovação (2. : 2013 jan. : Juiz de Fora, MG)
Anais do II Simpósio Direito e Inovação – Universidade Federal de
Juiz de Fora – UFJF – Faculdade de Direito / Organizadores Bruno
Lacerda, Joana de Souza Machado, Leonardo Alves Corrêa– Juiz de Fora
: Faculdade de Direito, 2013.
178 p.
ISBN 978-85-66252-01-9
1. Direito. 2. Inovação. I. Machado, Joana de Souza. II. Corrêa,
Leonardo Alves. III. Pereira, Maíra Fajardo Linhares. IV. Rosa, Waleska
Marcy V. Título.
CDU 34.04
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 3
ÍNDICE
1- EXPANSÃO DO DIREITO PENAL NA PÓS-MODERNIDADE: O AUMENTO
DOS TIPOS CULPOSOS E DE PERIGO NO BRASIL..............................................09
2- LEI 12.654/12 E O MAPEAMENTO GENÉTICO DOS CRIMINOSOS: O
RETORNO AO DIREITO PENAL DO INIMIGO OU UMA SOLUÇÃO FINAL
PARA A CRIMINALIDADE?.....................................................................................13
3- DO RESSARCIMENTO AO INSS PELOS AUTORES DE VIOLÊNCIA CONTRA
A MULHER: BENEFÍCIO, SINCRETISMO METODOLÓGICO OU
REARQUITETURA CONSTITUCIONAL?...............................................................16
4- AS FUNÇÕES DECLARADAS E OCULTAS DA PENA PRIVATIVA DE
LIBERDADE NO SISTEMA CAPITALISTA NEOLIBERAL..................................19
5- A SELETIVIDADE PENAL (RE)DISCUTIDA EM FACE DA EXPANSÃO DO
DIREITO PENAL ECONÔMICO: NOVOS RUMOS OU CRIMINALIZAÇÃO
SIMBÓLICA?...............................................................................................................23
6- JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO FORMA DE DEMOCRATIZAR O DIREITO
PENAL..........................................................................................................................27
7- A DESCONSIDERAÇÃO DO VOTO NULO COMO AFRONTO À DIVISÃO
IGUALITÁRIA DO EXERCÍCIO DO PODER POLÍTICO NA
DEMOCRACIA............................................................................................................30
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 4
8- O DIREITO FUNDAMENTAL AO QUESTIONAMENTO......................................33
9- A DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO NA PERSPECTIVA INOVADORA
DOS DIREITOS HUMANOS......................................................................................36
10- O STF, A SOCIEDADE E A PLURALIDADE DE INTÉRPRETES DO TEXTO
CONSTITUCIONAL: AMPLIAÇÃO DE DIREITOS OU JUDICIALIZAÇÃO DA
POLÍTICA?...................................................................................................................39
11- O DOGMA DA PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE CONSTITUCIONALIDADE DAS
NORMAS CONSTITUCIONAIS ORIGINÁRIAS: UM OBSTÁCULO A SER
REMOVIDO PARA AMPLIAÇÃO DO ESPECTRO DE DIREITOS
FUNDAMENTIAS.......................................................................................................42
12- ATIVISMO JUDICIAL: UM OLHAR SOB A PERSPECTIVA
PATERNALISTA.........................................................................................................45
13- DA TRÍPLICE HÉLICE À HÉLICE QUÁDRUPLA: DESENHANDO OS
PRESSUPOSTOS PARA A INSTALAÇÃO DA INOVAÇÃO
NANOTECNOLÓGICA NO BRASIL.........................................................................49
14- DIREITO ECONÔMICO, INOVAÇÃO INSTITUCIONAL E JUDICIALIZAÇÃO
DA POLÍTICA DE JUROS: SERIA O STF NEOLIBERAL ANTES DO
NEOLIBERALISMO?..................................................................................................52
15- POLÍTICAS E DIRETRIZES DE RESPONSABILIDADE SOCIAL NA
CONCESSÃO DE FINANCIAMENTOS PELO BNDES...........................................56
16- AS POISON PILLS E SEUS NOCIVOS EFEITOS NA EXPERIÊNCIA
BRASILEIRA...............................................................................................................59
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 5
17- O ATCA COMO INSTRUMENTO DE RESPONSABILIZAÇÃO DE EMPRESAS
TRANSANICONAIS POR VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS EM UM
MUNDO GLOBALIZADO..........................................................................................62
18- PROTEÇÃO JURÍDICA À PROPRIEDADE INTELECTUAL: PERSPECTIVAS E
DESAFIOS DA ZONA DA MATA MINEIRA E
VERTENTES................................................................................................................65
19- INOVAÇÃO COMPARTILHADA E INCENTIVADA COM JUSTIÇA: DA
PROTEÇÃO AO MERCADO DE IDEIAS E DESCOBERTAS PARA UMA
VERDADEIRA DEMOCRACIA DA INOVAÇÃO....................................................68
20- INOVAÇÕES E POLÍTICAS PÚBLICAS: ORGANIZANDO POLOS DE
INOVAÇÃO REGIONALIZADOS.............................................................................72
21- DIREITO À PATENTE E INTERVENÇÃO DO ESTADO: O CASO DAS
DOENÇAS NEGLIGENCIADAS................................................................................75
22- CONTRATOS DE OPERAÇÕES TECNOLÓGICAS E NOVAÇÃO: UMA
ANÁLISE ATRAVÉS DO DIREITO COMO INEGRIDADE VOLTADO PARA
UMA MORAL SUBSTANTIVA.................................................................................78
23- A RECONQUISTA CONTEMPORÂNEA DA LIBERDADE DE PENSAMENTO:
DO ESTOICISMO CLÁSSICO AOS
PSICOATIVOS.............................................................................................................81
24- ARQUIVO, IDENTIDADE E MEMÓRIA: PATRIMÔNIO DOS
ENTERRADOS............................................................................................................84
25- TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS (TRS) AO ENTENDIMENTO DA
LEI 8.213/91 (PESSOAS COM DEFICIÊNCIA).......................................................89
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 6
26- A REDESCOBERTA DA MENTE: UM DIÁLOGO NECESSÁRIO ENTRE A
NEUROCIÊNCIA E OS JURISTAS............................................................................93
27- O FENÔMENO DO HUMOR “POLITICAMENTE INCORRETO” E A TÉCNICA
DA CENSURA.............................................................................................................97
28- A INSEMINAÇÃO PÓSTUMA COM CONSENTIMENTO EXPRESSO E A
NORMATIVIDADE PREVIDENCIÁRIO-CONSTITUCIONAL: O DIREITO DO
FILHO À PENSÃO POR MORTE.............................................................................100
29- NOVAS TECNOLOGIAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA E DIREITOS
FUNDAMENTAIS.....................................................................................................103
30- PESSOA E TÉCNICA EM JULIÁN MARÍAS........................................................107
31- O HOMEM E A TÉCNICA EM ORTEGA Y GASSET..........................................111
32- ANÁLISE ECONÔMICA DA JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE: O DEVER DE
EFICIÊNCIA DA AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR (ANS) NA
CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE.........................................................114
33- ASSESSORIA JURÍDICA POPULAR (AJUP) UNIVERSITÁRIA: EXPERIÊNCIA
JURÍDICA, PEDAGÓGICA E POLÍTICA DE EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS
SOCIAIS.....................................................................................................................118
34- OS IDOSOS NO BRASIL ATUAL: A IMPORTÂNCIA DE AÇÕES EFETIVAS
QUE GARANTAM SEUS DIREITOS......................................................................122
35- CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES A PARTIR DA ANÁLISE DO
ORÇAMENTO PÚBLICO DE JUIZ DE FORA.......................................................126
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 7
36- DIREITOS FUNDAMENTIAS E DEMOCRACIA NO BRASIL:
PROLEGÔMENOS À UMA ANÁLISE DA PROIBIÇÃO DO RETROCESSO
SOCIAL......................................................................................................................130
37- OS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS E A ÓRBITA JURÍDICA
INTERNACIONAL....................................................................................................134
38- POR UMA TEORIA DA INTERPRETAÇÃO QUE SE ENQUADRE NOS
MOLDES SOCIAIS BRASILEIROS.........................................................................138
39- O PROCESSO ELETRÔNICO NA PERSPECTIVA DO ACESSO À
JUSTIÇA.....................................................................................................................142
40- NEUTRALIDADE NA REDE: IMPLICAÇÕES DO EXERCÍCIO DO PODER
COMUNICACIONAL E CONTROLE DE TRÁFEGO DE INFORMAÇÕES PELAS
EMPRESAS DE FORNECIMENTO DE BANDA LARGA.....................................146
41- O PAPEL DAS NOVAS TECNOLOGIAS PARA A MOBILIZAÇÃO SOCIAL
CONTRA VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS: O CASO DAS MENSAGENS
DE TEXTO.................................................................................................................149
42- A INFORMATIZAÇÃO DOS PROCESSOS JUDICIAIS E A DIMENSÃO
CONSTITUCIONAL DO PROCESSO CIVIL..........................................................152
43- INTERNET E DIREITOS DA PERSONALIDADE: UMA LEITURA DA
RESPONSABILIDADE CIVIL DO PROVEDOR DE CONTEÚDO NA
JURISPRUDÊNCIA DO STJ.....................................................................................156
44- O DEVER DO CREDOR DE MITIGAR AS PRÓPRIAS PERDAS.......................160
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 8
45- O “CRAM DOWN” NAS RECUPERAÇÕES JUDICIAIS
BRASILEIRAS...........................................................................................................164
46- A GARANTIA DA PRIVACIDADE NA SOCIEDADE TECNOLÓGICA: UM
IMPERATIVO À CONCRETIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA...................................................................................................168
47- POR UMA AUTOTUTELA CONSTITUCIONALIZADA NAS RELAÇÕES
CONTRATUAIS........................................................................................................172
48- PARADOXOS REGULATÓRIOS E CUSTOS DE INEFICIÊNCIA
DECORRENTES DA APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERSONALIDADE
JURÍDICA PELA JUSTIÇA DO TRABALHO.........................................................176
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 9
EXPANSÃO DO DIREITO PENAL NA PÓS-MODERNIDADE: O AUMENTO DOS
TIPOS CULPOSOS E DE PERIGO NO BRASIL
Natália Cristina Castro Santos1
Palavras-chave: sociedade do risco; segurança pública; expansão penal.
O prefixo “pós”, assim como denunciado pelo ilustre sociólogo alemão Ulrich Beck,
é a palavra-chave da nossa época. Entender as transformações operadas no pensamento
político e econômico na sociedade pós-moderna é essencial a uma análise crítica do Direito.
Países periféricos como o Brasil, de modernidade e capitalismo tardio, compartilham
um quadro conflituoso na produção de riqueza social, utilizando métodos e técnicas
arriscados, causando, muitas vezes, uma sensação de insegurança social.
O desenvolvimento extraordinário dos meios de comunicação, especialmente a
internet, aproxima as distâncias no mundo globalizado. Uma questão que outrora era
regionalizada e tratada com discrição, adquire relevo no cenário mundial, alarmando a toda
sociedade para os riscos que as decisões humanas são capazes de gerar.
Se, anteriormente, as condutas humanas capazes de impingir sofrimento e dor
ficavam reservadas a um tipo especial de ser humano, determinado segundo características
peculiares, como se deu em Auschwitz, os riscos na sociedade pós-moderna são irreparáveis e
impossíveis de serem delimitados. Nesse sentido é que Beck afima que a miséria pode ser
segregada, mas não os perigos da era nuclear.
A sociedade pós-industrial transformou-se numa sociedade dos riscos, também
denominada, por Jesús-Maria Silva Sánchez, como sociedade da insegurança sentida ou
sociedade do medo. O medo espalha-se em razão da inserção de novas técnicas, ainda não
dominadas totalmente, de comercialização de produtos e utilização de substâncias cujos
possíveis efeitos nocivos ainda não são conhecidos.
Num mundo globalizado, sem fronteiras, os indivíduos compartilham uma sensação
de dependência uns dos outros, na medida em que acreditam, cada vez mais, que a segurança
de um dependa de uma atitude positiva do outro. Expressando de outro modo, os indivíduos já
1 Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Co-pesquisadora do Núcleo de Estudos sobre
Violência e Política de Controle Social, vinculado ao programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, e
monitora da disciplina Direito Penal IV na Universidade Federal de Juiz de Fora.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 10
não se organizam autonomamente, mas compartilham e transferem medidas assecuratórias de
sua proteção. O discurso da segurança pública toma proporções inimagináveis reclamando
maior atuação do Direito Penal.
A sociedade contemporânea foi construída a partir do colapso do sistema de bem-
estar social, criando uma massa de desvalidos desprovidos da ajuda governamental e sem
condições para alterarem sua realidade por si própria. Acredita-se, então, que os indivíduos
que sobrevivem às margens da sociedade inclinam-se à violência e à criminalidade de rua,
motivo pelo qual devem ser vigiados e contidos.
Nessa sociedade, acelerada e insegura, há uma tendência de regresso à privatização.
Cada indivíduo é responsável pelo controle de sua vida em todos os aspectos. Multiplicam-se
os planos de saúde, os seguros de vida e as empresas de vigilância, tudo na tentativa de suprir
aquilo que o Estado deveria prover. O encontro com o “outro”, com o “próximo”, passa a
supor a materialização dos riscos de lesões a todos os bens da vida.
O medo do delito aparece como uma metáfora de todos os medos da sociedade. A
segurança pública se converte em uma das maiores pretensões sociais, reclamando uma
resposta do Direito Penal. A aceleração das relações humanas, em todos os níveis, torna difícil
a comunhão de valores, motivo pelo qual se atribui ao Direito Penal a tarefa de unificar esses
valores.
Imperioso destacar que na sociedade de risco reclama-se a intervenção penal diante
dos menores problemas, pois se acredita que somente mediante uma imposição legal alguém
se absterá da prática da conduta arriscada. É nesse ponto que se percebe a desvirtuação do
Direito Penal e a constante banalização dos direitos fundamentais a ele relacionados.
O Direito Penal no Estado Democrático de Direito deve pautar-se pelo princípio
ultima ratio, isto é, deve ser minimamente interventor, atuando apenas nas situações em que
nenhum outro ramo do Direito seria capaz de regular, caracterizando sua fragmentariedade e
subsidiariedade.
Entretanto, na sociedade pós-moderna, tem se observado a constante expansão dos
delitos penais, em sua maioria consubstanciada em tipos culposos ou tipos de perigo.
O delito culposo, segundo Juarez Tavares, compreende uma conduta descuidada e
violadora do risco autorizado. Cezar Roberto Bitencourt ensina que o crime culposo é aquele
em que a vontade do agente não alcança o resultado, mas o resultado danoso ocorre em razão
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 11
da inobservância do dever objetivo de cuidado por parte do agente, que obra com imperícia,
imprudência ou negligência.
No mesmo sentido corrobora Zaffaroni, admitindo que o tipo culposo não é proibido
de acordo com a finalidade da ação, mas por um defeito na gestão de sua exteriorização, que
viola um dever de cuidado.
Percebe-se facilmente que o aumento dos delitos culposos relaciona-se com os riscos
sentidos, haja vista que compreende violações a deveres de cuidado. Sabe-se que é
amplamente difundido o principio de que ninguém pode se escusar de cumprir uma norma
legal alegando que não a conhece, por isso é importantíssimo que se compreenda expressões
como “risco permitido” e “dever de cuidado” não como normas abertas, que devem ser
completadas pelo julgador, mas sim como um pressuposto normativo, que deve estar presente
em toda ação típica capaz de causar um resultado danoso por inobservância de um cuidado.
A grande preocupação é a definição da criminalização primária, isto é, da construção
legislativa dos tipos penais, uma vez que o legislador deve pautar-se pelo princípio da
intervenção mínima, não se deixando influenciar pelo discurso populista punitivo que,
fundamentado no medo, na insegurança social, reclama a atuação penal para garantir a
segurança pública, quando essa deveria ser assegurada mediante uma medida estatal positiva e
não restritiva.
As maiores considerações a respeito do delito culposo concentram-se na definição do
risco permitido e do dever de cuidado. É importantíssimo que não se compreenda tais termos
como abertos e, portanto, carecedores de uma complementação jurídica de acordo com o
entendimento do julgador.
Os tipos de perigo, por sua vez, demandam ainda mais cautela que os tipos culposos.
O delito de perigo é aquele que expõe a lesão o bem jurídico tutelado, podendo ser concreto
ou abstrato. No perigo concreto há uma efetiva situação de risco para o bem jurídico,
enquanto no perigo abstrato o evento delitivo se consuma com a simples prática da conduta,
independente de ser provada no caso concreto.
Observa-se, então, que o crescente aparecimento dos delitos de perigo corresponde à
demanda social por ordem na sociedade da insegurança sentida, contrariando a maioria dos
princípios norteadores do Direito Penal, mormente a presunção da inocência, positivada no
artigo 5º LVII, da Constituição Federal.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 12
Nesse trabalho, busca-se evidenciar a responsabilidade do legislador na construção
de uma ordem jurídica justa, capaz de conter o poder punitivo, a partir do respeito aos
princípios limitadores impostos pelo Direito Penal, excluindo do objeto de persecução penal a
mera causação de um resultado, enaltecendo a manifestação da vontade.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 13
LEI 12.654/12 E O MAPEAMENTO GENÉTICO DOS CRIMINOSOS: O RETORNO
AO DIREITO PENAL DO INIMIGO OU UMA SOLUÇÃO FINAL PARA A
CRIMINALIDADE?
Cândice Lisbôa2
Carolina Montolli3
Palavras chaves: mapeamento genético; direito penal do inimigo; criminalidade.
A lei 12.654/12 de 28 de maio de 2012, também conhecida como Mapeamento
Genético dos Criminosos, altera as Leis 12.037, de 1º de outubro de 2009, e 7.210, de 11 de
julho de 1984 - Lei de Execução Penal - para prever a coleta de perfil genético como forma de
identificação criminal. A partir de agora as autoridades policiais podem começar a recolher o
material genético necessário para alimentar esse banco de DNA. Entre esses materiais estão
amostras de sangue, sêmen, unhas e cabelos recolhidos pela polícia nos locais onde ocorreram
os crimes, e também os que forem recolhidos de pessoas que já foram condenadas.
A lei estabelece que o acesso a esses dados estará reservado às autoridades policiais,
que para seu uso deverão 'seguir as normas constitucionais e internacionais de direitos
humanos'. Em 1985, Jacobs criou dois termos e os colocou em contraposição. De um lado,
estaria o chamado Direito Penal do cidadão e de outro chamado o Direito Penal do inimigo.
Enquanto o Direito do cidadão não estaria preocupado em proteger bens jurídicos e sim em
otimizar esferas de liberdade, além de enxergar, no delinquente, alguém que dispõe de toda
uma esfera de privacidade que o Estado não deve ferir de maneira alguma, o chamado Direito
Penal do inimigo estaria preocupado em proteger bens jurídicos a qualquer custo, vendo no
2Advogada. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Viçosa. Mestre em Extensão Rural pela
Universidade Federal de Viçosa. Especialista em Direito Público pela Unec. Doutoranda em Direito Público pela
Puc Minas. Professora da Newton Paiva, Polícia Militar de Minas Gerais e Fadivale. E-mail:
3 Advogada Criminalista e Defensora Dativa do I Tribunal do Júri da Comarca de Belo Horizonte. Mestre em
Teoria do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Doutoranda em Direito Público
Internacional pela Puc Minas. Pós-Doutoranda em Direito Penal e Garantias Constitucionais pela Universidad
Nacional de La Matanza, Buenos Aires, Argentina. Instrutora de Polícia da Academia de Polícia Militar de
Minas Gerais. Professora da Escola Superior Dom Helder Câmara e Fundação Pedro Leopoldo. E-mail:
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 14
criminoso, não uma pessoa, mas um mero indivíduo, e, como tal, uma fonte de perigo, que
deve ser neutralizado e tratado de acordo com seu potencial de periculosidade sem nenhuma
esfera de privacidade.
A questão é que se em 1985, Jakobs criticava esse Direito do inimigo, dizendo que o
único Direito Penal legítimo seria o do cidadão, a partir de 1999, mudou de posição. Para ele
agora, esse Direito do inimigo não demarca uma zona do Direito Penal que seria ilegítima.
Os principais pontos da teoria do Direito Penal do inimigo para Jakobs, seriam
classificados como criminosos econômicos, terroristas e delinquentes organizados: para ele, é
inimigo quem se afasta de modo permanente do Direito e não oferece garantias cognitivas de
que vai continuar fiel à norma. Para os defensores desses fundamentos, o "inimigo", ao
infringir o contrato social, está em guerra contra o Estado, e, portanto, deixa de ser membro
dele, devendo, por isso, perder todos os seus direitos.
Em resumo, o indivíduo que não admite ingressar no estado de cidadania, não pode
participar dos benefícios do conceito de pessoa. Segundo Jakobs, o inimigo, por conseguinte,
não pode ser considerado um "sujeito processual", não podendo, portanto, contar com direitos
processuais. Ainda para os defensores dessa linha de pensamento, contra o inimigo não se
justifica um procedimento penal, mas sim, um procedimento de guerra: Jakobs defende a tese
de que o Estado não deve tratar como pessoa, quem não oferece segurança cognitiva
suficiente de um comportamento pessoal. E mais, segundo essa teoria, o inimigo não pode ser
punido com pena, mas sim, com medida de segurança. Além disso, não deve ser punido de
acordo com sua culpabilidade, mas sim, de acordo com sua periculosidade, ou seja, as
medidas contra o inimigo não olham prioritariamente o que ele fez no passado, mas sim, o
que ele representa de perigo futuro. Em suma, para essa teoria de Direito Penal, o inimigo
deve perder o status de pessoa. Além disso, deve ser interceptado prontamente, no estágio
prévio, em razão de sua periculosidade. A lei entrou em vigor no dia 26/11/2012 e já se
apresenta com incontáveis indefinições em relação à auto tutela do indivíduo enquanto sujeito
de direitos. Em resposta, temos o comentário da filósofa política Hannah Arendt, em sua obra,
“Homens em Tempos Sombrios”.
A história conhece muitos períodos de tempos sombrios e nessa Humanidade por
assim dizer, e o valor da pessoa humana enquanto conquista histórico-axiológica encontra a
sua expressão jurídica nos direitos fundamentais do homem. O valor atribuído à pessoa
humana, fundamento dos direitos humanos, é parte integrante da tradição, que se viu rompida
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 15
com o fenômeno totalitário. Com efeito, os direitos humanos para a filósofa política Hannah
Arendt resultam da ação. Para a filósofa, a nossa responsabilidade em defesa dos direitos
humanos se fundamentam através da própria responsabilidade coletiva que transcende, através
de conceitos jurídicos gerais, operativos apenas num Estado de Direito onde prevalece o senso
comum. Este senso comum é o senso intersubjetivo da comunidade – para ela, em última
instância, o da comunidade do mundo enquanto condição kantiana transcendental da
existência cosmopolita, ou seja, daquilo que permite o auditório universal ao fundamentar o
contexto dentro do qual atua a lógica do razoável. Desta feita, uma solução final para este
dilema na atualidade pela qual estamos envolvidos, a incapacidade de pensar possa ser
encobertada pelas futilidades presentes nas conversas cotidianas, não sendo “conditio sine
qua non” seu conluio à incapacidade de falar, todavia esta pode ser evidenciada quando
levada ao crivo do senso crítico, o que obviamente revelaria inúmeros partidários do “modus
vivendi” eichmanniano…
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 16
DO RESSARCIMENTO AO INSS PELOS AUTORES DE VIOLÊNCIA CONTRA A
MULHER: BENEFÍCIO, SINCRETISMO METODOLÓGICO OU
REARQUITETURA CONSTITUCIONAL?
Cândice Lisbôa4
Carolina Montolli5
Palavras-chaves: violência doméstica; ressarcimento; igualdade.
No dia 07 de agosto de 2012, data em que a lei Maria da Penha completou seis anos
de existência, o Instituto Nacional do Seguro Nacional (INSS) divulgou a notícia de que
iniciava as primeiras ações de ressarcimento em face dos autores de violência doméstica, em
relação aos benefícios aos quais as vítimas da referida violência auferiam junto ao INSS em
virtude da violência sofrida.
Trata-se de ressarcimento em face dos auxílios doença, bem como aos referentes à
aposentadoria por incapacidade ou mesmo pensões por morte custeadas pelo Instituto
nacional de Seguro Nacional (INSS). As causas geradoras das referidas ações dizem respeito
à qualidade especial da vítima da violência, ou seja, qualidade de segurada do INSS, de forma
que, já se diferencia, de antemão, mulheres seguradas e mulheres não seguradas do INSS, isto
com relação à proteção dispensada pelo Estado. Da mesma forma, diferencia-se a punição dos
autores de agressões idênticas, que sofrerão penalidades diferenciadas.
Diante da notícia, que foi reforçada por um discurso de proteção à mulher - indo
além, de discriminação positiva - inquieta a perspectiva apresentada em alguns pontos que
serão trabalhados, sucintamente, neste ensaio: o primeiro deles – de caráter específico - diz
respeito à natureza jurídica das prestações do INSS assim como a natureza da ação
indenizatória que poderia caber em face do ato ilícito, cuja beneficiária deveria ser a vítima ou
4 Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Viçosa, Mestre em Extensão Rural pela Universidade
Federal de Viçosa. Especialista em Direito Público pela Unec. Doutoranda em Direito Público pela Puc-Minas.
Professora da Newton Paiva, Polícia Militar de Minas Gerais e Fadivale. Email: [email protected]. 5 Advogada Criminalista e Defensora Dativa do I Tribunal do Júri da Comarca de Belo Horizonte. Mestre em
Teoria do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Doutoranda em Direito Público
Internacional pela Puc Minas. Pós-Doutoranda em Direito Penal e Garantias Constitucionais pela Universidad
Nacional de La Matanza, Buenos Aires, Argentina. Instrutora de Polícia da Academia de Polícia Militar de
Minas Gerais. Professora da Escola Superior Dom Helder Câmara e Fundação Pedro Leopoldo. E-mail:
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 17
seus descendentes, no caso do resultado morte; a segunda, de cunho mais geral, refere-se à
atuação específica da Advocacia Geral da União (AGU) quando da cobrança das suscitadas
indenizações. Neste segundo caso, lança-se a premissa de que a AGU age na contramão do
Direito vigente, no sentido de que começa uma discriminação entre vítimas da violência
doméstica ao mesmo tempo em que usa da saúde e segurança pública como instrumentos para
tentar incrementar os cofres do Estado, na contra-mão daquela que deveria ser a função
estatal, qual seja, a função de criação de políticas de segurança pública – em especial no
combate da violência doméstica - assim como em saúde, educação e planejamento familiar.
Grosso modo lança-se a hipótese de que a AGU, enquanto braço do Estado, usa de sua função
institucional para considerar a Constituição como meramente simbólica, burlando as
restrições aos direitos fundamentais e humanos através de atitudes pragmáticas que buscam,
ao fim e a cabo, sobrepor o equilíbrio financeiro do Estado em detrimento da salvaguarda do
bem comum. Todas estas atitudes perpetradas de forma subliminar.
Há que se ressaltar que o discurso de justificação para as mencionadas cobranças
feitas pela AGU é louvável, haja vista que alicerça-se na proteção à mulher vítima de
violência doméstica, e, como conseqüência, almejam que as demandas judiciais funcionem
como um empecilho a tais atitudes. A premissa é de que punindo alguns agressores possa-se
fomentar uma política preventiva, através de uma coação não apenas psicológica, mas
perceptível através de algumas condenações emblemáticas. Segundo o discurso institucional
da AGU, almeja-se a impedir que atitudes de violência continuem sendo perpetradas por
abuso da relação de confiança e intimidade.
Acontece que o fato gerador dos benefícios previdenciário tem como precursor a
situação de segurado, independente do fato em si que lhe dê azo. Ou seja, não se cogita o
motivo ou os fatos que levam à doença que dá ensejo ao auxílio-doença. Porquê, então,
tratamento diferenciado com relação à violência doméstica? Acaso as mulheres seguradas são
mais valorosas que as não-seguradas? Qual desvalor está sendo utilizado como parâmetro? O
foco da proteção são as mulheres em si ou a salvaguarda do equilíbrio financeiro do Estado?
E mais, a premência pelo ressarcimento é tão robusto que a AGU anunciou não haver
necessidade de condenação prévia para as ações iniciarem-se.
Outra questão que merece relevo: o autor das agressões contra a mulher, na medida
em que se veja obrigado a ressarcir o Estado pelos benefícios previdenciários, em grande
número de vezes veria-se privado da possibilidade real de indenização da vítima, seja em
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 18
relação a danos materiais ou mesmo morais. Ora, a matemática da vida é clara. As pessoas
comuns não costumam ter um orçamento tão volumoso a ponto de poder reparar Estado e
vítima ao mesmo tempo. Em caso, hipotético, de colisão de interesses a serem indenizáveis,
parece preferível indenizar a vítima, já que é esta quem terá problemas práticos para se
desvencilhar do agressor, ou mesmo para conviver com os danos – materiais e morais – que a
violência lhe impingiu.
Por fim, ainda que sucintamente, parece duvidosa a atuação da AGU na cobrança por
motivos constitucionais. Primeiramente, a preferência em relação às seguradas é uma situação
evidente de desigualação entre as vítimas abstratamente consideradas, que não encontra
justificativa racional. Segurada ou não do INSS, toda vítima merece respaldo do Estado. Lado
outro, o agressor, em qualquer hipótese, merece a reprimenda estatal. Ora, se o agressor
perpetrar a violência contra pessoa não segurada sua punição será menor, muito embora o
desvalor da sua ação seja o mesmo. De outra via, o papel da AGU não é o de justiceiro do
Estado, tão pouco pode valer-se de um problema social para buscar finalidade diversa, sub-
reptícia. No mesmo sentido, não há justificativa para o Estado preferir investir em cobranças
ao invés de em políticas públicas, tanto de segurança, quando de saúde, quanto a própria
reinserção ou colocação destas mulheres vítimas de violência no mercado de trabalho. Parece
absurdo, de um sincretismo tosco e sem fundamento jurídico racional, acreditar que o Estado
foi mesmo justo ou está desempenhando seu papel institucional de fomentador do bem
comum quando anuncia aos quatro ventos que um de seus braços fará cobranças judiciais,
cujo fundamento é duvidoso.
Não se quis aqui defender o indefensável. Claro que a violência doméstica contra a
mulher deverá ser discutida e rebatida, com todos os meios adequados, mas não irracionais.
Ao mesmo tempo não se pode ter ouvidos torpes, raciocínio cambota, no sentido de aceitar
desculpas e justificativas que não se sustentam.
Se os direitos fundamentais são a grande promessa constitucional, que eles sejam
defendidos com veemência e seriedade, e não com paliativos que não conseguem, sequer, se
manterem em pé. O Estado Democrático de Direito requer mais que promessas. Requer
atitudes, boa governança e seriedade, para consigo mesmo – visão orgânico-institucional do
Estado – e para com os jurisconsultos, que são cidadãos merecedores de respeito e de serviços
efetivos com respeito à isonomia constitucional.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 19
AS FUNÇÕES DECLARADAS E OCULTAS DA PENA PRIVATIVA DE
LIBERDADE NO SISTEMA CAPITALISTA NEOLIBERAL6
Guilherme Gomes Sabino7
Maria Antonieta Rigueira Leal Gurgel8
Palavras-chave: criminologia; prisão; direitos humanos; capitalismo; direito penal
Busca-se com o presente trabalho a problematização da pena de prisão, enquanto
concretização comum dos sistemas penais ocidentais contemporâneos, através do confronto
dos discursos oficiais legitimadores de sua prática e seus antônimos de viés crítico, e, ainda,
procurar estabelecer qual é a sua função perante a economia capitalista. Propõe-se então, a
análise dos fundamentos jurídico-filosóficos puros da pena privativa liberdade e também dos
discursos deslegitimadores, que detém para si o método materialista histórico. Importante
ressaltar que o estudo passa determinantemente por uma análise da evolução histórica do
capitalismo, suas formas de atuação e seus resultados sociais, mormente aqueles que
tangenciam o sistema penal.
Inicialmente, deve-se obter um panorama geral das puras teorias jurídico-filosóficas
que legitimam o Direito Penal e por conseguinte a pena. Nesse diapasão, a resposta dada pelo
Estado, detentor único do poder de uso da violência, ao crimes, possui sentidos diferentes para
cada uma das teorias legitimadoras. Os fins da pena, portanto, são objeto central da primeira
análise.
As teorias retributivas ou absolutas tem na essência da sua finalidade seu próprio
fim, ou seja, bastando a punição, a pena para si. A referida teoria surge em um período de
"laicização" do Estado, porém, carrega em seu escopo forte influência religiosa e talional.
Kant e Hegel desenvolveram teorias que legitimaram o poder de punir do Estado baseando-se
na justa retribuição do mal causado, ligando, nesse sentido, a pena ao ius talionis.
6 Trabalho de Iniciação Científica fomentado pela Escola de Estudos Superiores de Viçosa
7 Bacharel em Direito pela Escola de Estudos Superiores de Viçosa. e-mail: [email protected]
8 Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Viçosa, Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro, Professora do Curso de Graduação em Direito da Escola de Estudos Superiores de
Viçosa, Professora do Curso de Graduação em Direito pela Faculdade Dinâmica e Defensora Pública do Estado
de Minas Gerais. e-mail: [email protected]
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 20
As teorias relativas ou utilitárias conferem ao Direito Penal e às penas finalidades
utilitárias para a sociedade e para o próprio apenado, subdividindo-se em prevenção geral,
negativa e positiva, e prevenção especial. A prevenção geral destina-se à coletividade,
atingindo-a de maneira heterogênea, intimidando e dissuadindo-a do cometimento de crimes
(prevenção geral negativa) e, por outro lado, reafirmando a ordem jurídica imposta
(prevenção geral positiva). A prevenção especial volta seu foco unicamente ao apenado,
orientando o tamanho e forma de sua pena para que futuramente não volte a delinquir, seja
por finalidades de reeducação, reinserção social, reabilitação ou mesmo, no pior dos casos, a
sua inocuização.
As teorias mistas, unificadoras ou monistas, como o próprio nome sugere, objetivam
a intercessão das teorias retributiva e utilitária da pena, trazendo seus pontos positivos à tona e
anulando seus pontos negativos. Buscam na retributividade das teorias absolutas o ponto
central da quantificação da pena in concretu, não podendo a penalidade ir além do fato
punível, calcado no princípio da culpabilidade. Noutro giro, resgatam da teoria utilitária o fim
preventivo da pena, voltando-se ao futuro, de modo a sofrear a criminalidade.
Lado outro, tomando como ponto de partida e método o materialismo histórico
proposto por Karl Marx, procurou-se compreender a atuação do Direito Penal e a aplicação da
pena sob o aspecto crítico, vinculando a punição dos indivíduos pelo Estado ao processo de
acumulação e reprodução do capital. Tal estudo crítico do Direito Penal e da pena de prisão de
viés marxista, em suma, procura externar a íntima relação existente entre o capitalismo e seu
aparato político-econômico, junto a pena. Coube às teorias críticas desvincular o discurso
teórico elaborado e propagado oficialmente para legitimar a pena dos reais fatores que a
motivam, bem como de seus resultados produzidos na sociedade.
Pasukanis, no início do século XX, desconstruindo o poder jurídico vigente desde a
Revolução Francesa, consegue identificar suas raízes burguesas, seus anseios capitalistas e
suas pretensões flagrantemente parciais. Enxerga no Direito Penal um eficaz meio de
submissão dos corpos ao trabalho assalariado, que, posteriormente, seria um pensamento
aprofundado por Foucault. Questiona o ideal de equivalência e retribuição, advindos do
pensamento burguês, aplicados à pena de prisão, bem como também a praxe (des)igualitária
do processo penal. Assim como Marx, Pasukanis entende o Direito burguês, oriundo da
laicização do Estado, e, mais especificamente o Direito Penal, como instrumento de opressão
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 21
de classe cortinado pelo discurso jurídico formal, que ao mesmo tempo, impõe sua força e
legitima sua prática frente ao conjunto social.
Mais à frente, em meados do século XX, a obra de Georg Rusche e Otto Kirchheimer
trata com profundidade e destreza a questão histórico-material do surgimento das prisões
como forma especificamente burguesa de punição. A obra desnuda como as formas de punir
se adaptam e se modificam encontrando mecanismos oficiais de legitimação ao sabor das
relações econômicas e de trabalho. A partir da análise proposta resta clara a introdução da
prisão como forma de punir pelo mercantilismo europeu, sendo, posteriormente, readmitida e
universalizada pelo Iluminismo.
Na segunda metade do século XX, especialmente a partir dos anos 60, as surgem
teorias críticas do sistema penal que retomam a proposta marxista como marco de seu
desenvolvimento e que atingiram uma expressividade até então não conhecida. Pontuam as
teorias críticas deste período que o as relações sociais são moldadas e instituídas pelo sistema
de produção capitalista, ou seja, a gênese da desigualdade, e, por conseguinte da conduta
desviante, que ele próprio dá ensejo, para mais adiante punir. Às teorias críticas, então, coube
o papel de desnudar a economia política da pena de prisão, quais eram as reais funções
desempenhadas pelo Direito Penal numa sociedade proclamadamente igualitária, mas que
fincava suas bases na profunda desigualdade gerada pelo capitalismo que a moldava.
Outro foco de estudo é a economia política da pena, desde a gênese da sociedade
burguesa, que detém o poder estatal a partir da Revolução Francesa, até o epicentro do
capitalismo neoliberal contemporâneo, estendendo-se à periferia do processo de acumulação
de capital. Tomando os ideais de equivalência, retribuição e equidade, abraçados pela
sociedade burguesa e a forma com que tais princípios se estreitam com o sistema penal desde
o século XVIII, pode-se avaliar o paradoxo insanável em que a prática prisional se vê até os
dias presentes.
As práticas penais modificaram-se através dos tempos, sobretudo o cárcere, sendo
ampliado ou reduzido, conforme a demanda de mão de obra fabril; "enrijecido" ou
"afrouxado" de acordo com as condições econômicas administrativas das prisões; e assim por
diante. O que se vê, pelo menos até a vigência do sistema de produção fordista e o auge do
keynesianismo, é cárcere sendo utilizado afim de intensificar a produção de bens para a
maximização dos lucros, através da exploração do ser humano. A partir da ascensão do
neoliberalismo, gradativamente mudam-se os objetivos econômicos e com eles as formas de
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 22
trabalho, trabalhadores e etc., não escapando, consequentemente, o sistema penal.
Transformada a sociedade capitalista produtora em neoliberalista consumidora, o objetivo do
cárcere não mais se volta ao disciplinamento dos corpos ao trabalho, mas sim à inocuização
daqueles que não participam da sociedade global econômica. Os enjeitados da sociedade de
consumo são o alvo da pena de prisão, não havendo, nesse diapasão, qualquer coerência com
o discurso oficial do Direito Penal.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 23
A SELETIVIDADE PENAL (RE)DISCUTIDA EM FACE DA EXPANSÃO DO
DIREITO PENAL ECONÔMICO: NOVOS RUMOS OU CRIMINALIZAÇÃO
SIMBÓLICA?
Karen Müller Couri9
Palavras-chaves: expansionismo penal; criminalidade econômica; criminologia crítica;
seletividade penal; criminalização.
Nas últimas décadas vivenciamos o fenômeno de expansão do direito penal aliado às
profundas transformações econômicas, sociais, políticas e culturais da sociedade
contemporânea, na qual permeiam um sentimento difuso de insegurança e medo, bem como
um clamor geral de que os problemas socioeconômicos sejam resolvidos através de novas leis
penais. Nesse contexto, a ordem constitucional brasileira erigiu à categoria de direitos
fundamentais bens coletivos, ou difusos, como o meio ambiente, a regularidade do sistema
financeiro e a ordem econômica, pertencentes a todos os indivíduos enquanto integrantes de
uma coletividade, contribuindo para uma mudança substancial na concepção de delito e de
bem jurídico penalmente tutelado, os quais, até então, eram compreendidos sob a perspectiva
individualista da dogmática tradicional.
Diante do papel constitucional conferido à ordem econômica na manutenção da
convivência digna de todas as pessoas e na promoção da justiça social, bem como de um
sentimento de indignação contra a impunidade dos crimes “de colarinho branco”, expressão
cunhada, nos anos 30, por Edwin Sutherland, para indicar aquelas condutas praticadas no
âmbito profissional por pessoas de elevado status socioeconômico, houve a criminalização de
condutas lesivas àquele bem jurídico transindividual, através da edição, por exemplo, da Lei
8.137/1990 que tipificou os crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações
de consumo.
Cerca de duas décadas anteriores a esse cenário expansionista, surge nos EUA e na
Inglaterra a Criminologia Crítica, Radical ou Nova Criminologia, preconizando que o sistema
penal, do qual faz parte o direito, seria um instrumento de controle social classista, em que um
ato somente seria criminoso porque do interesse da classe dominante assim defini-lo.
9 Graduanda da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora. Email: [email protected].
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 24
Destacando a seletividade do sistema penal, o pensamento crítico alertou os criminólogos para
a gravidade dos delitos dos poderosos, cuja danosidade social seria superior a dos crimes
comuns, mas que, ainda assim, ficavam impunes, ao contrário dos delitos cometidos pela
classe subalterna.
A partir da constatação, por um lado, de que as condutas da classe dominante lesivas
à ordem econômica foram criminalizadas no plano normativo (primário) e, por outro, do
pensamento radical acerca da seletividade penal, urge o seguinte problema: houve uma
alteração real na vulnerabilidade de alguns agentes que, anteriormente, estavam imunes ao
sistema penal, ou se trata de uma mera criminalização simbólica, em que o direito penal teria
a função de tranquilizar a opinião pública, revelando um falso discurso de isonomia, em vez
de proteger de modo efetivo os novos bens jurídicos?
Na tentativa de buscar uma resposta satisfatória ao problema suscitado, torna-se
imperioso analisar, ainda que sucintamente, os mecanismos de criminalização primária, plano
normativo, e secundária, plano persecutório e punitivo, dos quais se valem as agências estatais
para concretizar a seletividade penal.
Ao mecanismo de seleção dos bens jurídicos a serem dotados de dignidade penal e,
por consequência, dos comportamentos ofensivos a esses bens, bem como à escolha da
intensidade e da qualidade da pena, dá-se o nome de criminalização primária. O discurso
penal dominante preconiza que há a proteção dos bens comuns a todos os indivíduos e que a
qualidade e, principalmente, a quantidade da pena cominada possui relação diretamente
proporcional à importância do bem jurídico protegido e à gravidade de sua lesão.
Entretanto, levando-se em consideração o arcabouço normativo penal hodierno, nota-
se que a eleição dos bens jurídicos a serem tutelados pela norma penal – e ainda a forma e a
intensidade dessa tutela – submete-se à lógica da dominação de classe. Basta analisar os
diversos “filtros” de seletividade que imunizam a criminalidade econômica de uma efetiva
punição, como a possibilidade de suspender o processo criminal pelo parcelamento do crédito
tributário, de extinguir a punibilidade pelo pagamento do tributo e dos acordos de leniência no
âmbito do CADE. Em outro giro, os delitos contra o patrimônio, sem violência, recebem um
tratamento normativo mais rígido, como a previsão de uma mera redução de pena caso haja a
reparação do dano até o recebimento da denúncia.
Vislumbra-se, assim, uma cultura penal que dá a máxima ênfase à proteção dos bens
jurídicos da classe dominante, como o patrimônio privado, punindo com maior rigor a sua
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 25
ofensa, geralmente perpetrada pela classe marginalizada, sem acesso ao poder econômico. Em
contrapartida, os bens jurídicos coletivos, imprescindíveis à garantia de outros direitos
fundamentais dos cidadãos, diante do seu reflexo na realização de políticas públicas sociais,
não encontram a proporcional proteção a que fariam jus a partir da maior danosidade social de
sua lesão.
No plano persecutório e punitivo, o caráter seletivo do sistema penal é reforçado na
medida em que as agências de criminalização secundária, como a polícia e a justiça penal,
realizam uma parte ínfima do programa primário, perseguindo, em regra, pessoas sem acesso
positivo ao poder político e econômico que, com seus atos menos complexos e, logo, mais
visíveis, integram o figurino, o estereótipo criminal.
Diante dessa atuação tendenciosa e desigual perante determinados atos e pessoas, as
estatísticas criminais, que apenas indicam as condutas que caem nas malhas do sistema
(criminalização) e não todas as condutas típicas praticadas (criminalidade), acabam por
revelar a expressividade da população carcerária em decorrência da prática de crimes contra o
patrimônio, em contraponto com os raros índices oficiais dos crimes contra o sistema
financeiro, de lavagem de dinheiro e contra a ordem econômico-tributária, crimes menos
visíveis, cujos autores contam com elevado status social e que, integram, portanto, a cifra
negra, ou dourada, da criminalidade (não detectada ou não punida).
A despeito disso, não se pode negar uma tendência atual em se punir os criminosos
“de colarinho branco”, levando-se em conta as operações da Polícia Federal que,
frequentemente, resultam em prisões preventivas ou temporárias de empresários e políticos
envolvidos em esquemas de corrupção e em crimes econômicos, além do emblemático
julgamento do caso “Mensalão”.
Portanto, constata-se uma aparente forma ambígua na condução da política criminal
contemporânea que, de um lado, cria leis penais incriminadoras de condutas da classe
dominante e puni alguns casos, mas que, de outro, institui filtros legais de seletividade e atua
tendenciosamente sobre os crimes da classe subalterna.
A fim de não incorrer em uma visão reducionista do fenômeno da delinquência
econômica, a seletividade penal, revelada pela Criminologia Crítica, deve ser rediscutida,
pois, de fato, o expansionismo penal levanta uma possível mudança de postura no sentido de
tipificar e até mesmo punir os crimes econômicos, o que não seria explicado pela teoria
criminológica em questão. Ocorre que essa expansão não foi capaz de alterar, efetivamente,
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 26
os quadros da seletividade, o que nos leva a supor que a criminalização (primária e
secundária) da delinquência econômica apresenta uma função meramente simbólica, criando-
se a ilusão de um sistema penal atento às condutas lesivas a direitos fundamentais coletivos,
independentemente do status social de quem as pratica.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 27
JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO FORMA DE
DEMOCRATIZAR O DIREITO PENAL
Simone Matos Rios Pinto10
Tônia Aparecida Tostes do Prado11
Palavras-chave: direito; democracia; consenso.
Introdução: Neste início de século XXI, faz-se necessário repensar o Direito Penal
e sua forma de atuação frente às necessidades fundamentais de cada envolvido. O crime
desencadeia um conflito entre as pessoas e não pode ser respondido com mera subsunção do
fato à norma. O procedimento deve garantir proteção de direitos humanos e esta dimensão
positiva de concretização, dentro do espaço público, deve ser aberto, coadunando com a vida
em democracia.
Verifica-se que os problemas se situam não nos atores, mas nos marcos legais e no
modelo engessado da Justiça. Com o processo de codificação e a consequente simplificação
dos problemas sociais, há a ideia equivocada de que nada mais importa a não ser a própria
norma e seus fundamentos, o que resulta na constituição de uma ciência que basta a si
própria. O Direito penal é vida vivida e deve ser aplicado levando em conta os verdadeiros
envolvidos no conflito e suas necessidades sociais. Das Investigações filosóficas de
Habermas (2001) abre-se o questionamento sobre qual é a compreensão de mundo, e para
qual direção a visão dos fatos irá; onde se traçará a fronteira entre liberdade e obrigação,
culpa e consciência. Como avaliar as pessoas responsáveis e quanto exigir de todos os
cidadãos como atores políticos. E mais ainda, como ver divididas culpa e inocência e quais
as normas que apresentam disposição para essas pessoas se respeitarem reciprocamente como
cidadãos da República. Nesse contexto, o Estado democrático de direito deve ser
compreendido como uma associação de cidadãos livres e iguais, e que o sentimento de
pertença a um Estado esteja ligada ao princípio da voluntariedade. Justiça Restaurativa pode
ser entendida como um paradigma que busca restaurar relações conflituosas pelo consenso e
10
Simone Matos Rios Pinto é doutoranda em Direito Público pela Puc Minas, na linha: Estado, Constituição e
Sociedade no paradigma do Estado Democrático de Direito. E-mail: [email protected] 11
Tônia Aparecida Tostes do Prado é graduada em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora e
Mestranda em Direito Público pela Puc Minas, na linha: Estado, Constituição e Sociedade no paradigma do
Estado Democrático de Direito. E-mail: [email protected]
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 28
com a participação voluntária dos verdadeiros protagonistas (infrator e vítima) envolvendo a
comunidade, amparado por uma rede social.
Desenvolvimento: A racionalidade do direito consiste em deixar aberto os processos
de comunicação, buscando um direito legítimo através do auxilio de pressupostos de
comunicação, que são institucionalizados juridicamente, com resultados racionais. A
legalidade penal não significa simplesmente aplicar leis vigentes ao caso concreto, deve ir
além, aplicando a estrita legalidade. Estamos num Estado Democrático de Direito e isto
significa ser diferente de Estados simplesmente legais, onde os juízes são meros
expectadores. Não cabe ao juiz simplesmente aplicar a lei penal, usando a mera legalidade.
Seu papel é substancial na transformação de uma sociedade menos desigual. Toda aplicação
judicial há de ser substancial, ou seja, deve levar em conta o direito como um todo, aplicando
o direito penal juntamente com o direito constitucional. A teoria do discurso, desenvolvida
por Habermas, aponta como legítimo o direito baseado no processo de comunicação entre os
interessados, onde a sentença é construída pelas partes. Neste sentido, para o Direito Penal é
de suma importância a participação da vítima, não como mera testemunha, mas sim como a
maior interessada na solução do conflito. As recentes mudanças do nosso Código de Processo
penal trazem como pano de fundo a comunicação dos verdadeiros interessados no fato do
mundo da vida, envolvidos em uma infração penal: vítima e réu. A vítima ganha espaço, no
processo, devendo ser intimada de atos do seu interesse, é primeira a ser ouvida na audiência.
E o réu, em seu interrogatório, na primeira parte, revela suas oportunidades sociais e dados
familiares, para posteriormente ser indagado sobre os fatos. As mudanças trazem ao processo
o reconhecimento de quem são os verdadeiros interessados na condução do procedimento. A
justiça restaurativa, como modelo de socialização comunicativa, proporciona a comunicação
simples, tecida horizontalmente entre as partes, onde é possível delinear um processo de
entendimento e de paz social. Representa, sobretudo, um espaço de diálogo. A sua aplicação
não prescinde do Estado, é uma alternativa ao modelo vigente, fomentando a democracia
dentro das instituições da Justiça. Pode ser entendida como um paradigma que busca restaurar
relações conflituosas, pelo consenso e com a participação voluntária dos verdadeiros
protagonistas (infrator e vítima) envolvendo a comunidade, amparado por uma rede social,
que participa ativamente da construção de resoluções de conflitos.
Considerações finais: A legitimidade do direito positivo deve conseguir, através de
um processo racional, apoiar-se no princípio segundo o qual a legitimidade do direito se dá
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 29
com o assentimento de todos os possíveis envolvidos nos fatos reais do mundo da vida. Há
espaço, no Direito Penal para o diálogo entre as partes, na busca do consenso entre vítima,
infrator e pessoas da comunidade afetadas pelo crime, na busca de restaurar traumas e perdas
causadas. Esta é uma visão do Direito como um todo: todos participando ativamente de um
processo de construção da solução do conflito. A justiça restaurativa pode converter-se em
um momento de integração social assumindo uma atitude reflexiva capaz de movimentar
discursos públicos institucionalizados juridicamente e capaz de incluir o povo como
destinatário e sujeito ativo do processo de interpretação da norma. Através dela, almeja-se
encontrar um caminho menos árduo e degradante de aplicação do direito penal, visando,
sobretudo, dar à aplicação do direito penal um discurso real, construído a partir de cada caso
concreto, com possibilidade de diálogo no lugar da imposição pela força de uma pena. Por
este caminho, quem sabe, alcançaremos verdadeiramente a possibilidade de reinserção do
infrator na sociedade e a tão almejada paz social.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
HABERMAS Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Trad. Flávio
Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. vol I e II, 1997.
HABERMAS Jürgen. Verdade e Justificação. Tradução: Milton Camargo Mota. Edições
Loyola, São Paulo, 2004.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 30
A DESCONSIDERAÇÃO DO VOTO NULO COMO AFRONTA À DIVISÃO
IGUALITÁRIA DO EXERCÍCIO DO PODER POLÍTICO NA DEMOCRACIA
Letícia Fonseca Braga Machado12
Palavras-chave: voto nulo; democracia de parceria; partidocracia
O presente trabalho pretende analisar a atual situação legal do voto nulo no cenário
brasileiro, precisamente no que tange ao Código Eleitoral e à interpretação jurisprudencial do
Tribunal Superior Eleitoral, à luz da concepção de “partnership democracy” em Ronald
Dworkin. Procura-se demonstrar que a desconsideração do voto nulo de protesto, dado no
momento do voto na urna eletrônica, viola a distribuição igualitária do poder político e
impede que o sistema político brasileiro seja democraticamente legítimo.
De acordo com o entendimento de Dworkin, a concepção de democracia majoritária
não é garantia de decisões justas, pois a vontade da maioria expressada por meio das eleições
e pelo sufrágio universal não abarca os interesses dos grupos minoritários. De modo contrário,
a democracia de parceria considera cada indivíduo como um parceiro na coletividade e, por
isso, só se caracteriza como democrático um sistema que abarque e proteja os interesses de
cada cidadão. Para Ronald Dworkin, atenção e respeito mútuo são a essência da democracia
de parceria, de modo que não devemos tratar o outro ao qual discordamos como um
obstáculo, ou até mesmo como um inimigo. O autor desenvolve dois princípios da democracia
de parceria: igual interesse e autogoverno. O primeiro consiste em assegurar que o sistema
político trate a todos com igual interesse, ao invés de privilegiar somente um grupo. Isso seria
melhor alcançado por meio do sufrágio igualitário, garantindo mais que um resultado de
superioridade estatística mas sim uma maior igualdade na distribuição do poder político. Já o
segundo princípio diz que a democracia implica o autogoverno. Só é justificável a submissão
do cidadão à autoridade de outros quando ele toma parte nas suas próprias decisões,
reconhecendo sua igual importância e responsabilidade própria por sua vida, tornando, dessa
forma, o governo democrático legítimo.
12
Graduanda da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 31
O atual sistema eleitoral brasileiro considera como nulo os votos dotados de alguma
nulidade e os anuláveis. No que se refere às eleições para o executivo, que adotam o sistema
majoritário, há a previsão legal, precisamente no artigo 224 do Código Eleitoral, de que se a
nulidade atingir mais da metade dos votos, restam prejudicados os demais votos, devendo o
Tribunal Eleitoral convocar nova eleição. Portanto, para fins de novas eleições não são
somados os votos nulos de protesto, mostrando-se evidente a ausência de representação
política por parte dos eleitores que deliberadamente anulam o seu voto. Exaltando este
entendimento, a interpretação jurisprudencial presente, por exemplo, no Recurso Especial
Eleitoral 25.937 de 17/08/2006, considera o voto nulo dado na urna eletrônica, seja deliberado
ou decorrente de erro “manifestação apolítica” do eleitor. Tal interpretação não abre espaço
para o eleitor manifestar sua real vontade de não concordância com os candidatos escolhidos
pelos partidos para concorrerem às eleições em questão.
Considerando que os partidos políticos detêm o monopólio do sistema eleitoral, não
existindo representação popular e exercício do poder estatal sem a intermediação partidária,
observa-se que a democracia representativa no Brasil é exercida de cima para baixo, pois a
escolha dos candidatos que disputarão ao pleito se dá internamente nos partidos. De modo que
o que prejudica em maior medida a democracia é a ausência de mecanismos institucionais que
possibilitem ao eleitor refutar o rol de candidatos apresentados pelos partidos. Resta então que
em uma eleição, dentre os candidatos que a disputam, necessariamente um sairá vitorioso,
estando a população obrigada a exercer seu direito de escolha dentro desse rígido quadro de
candidatos.
Os votos nulos de protesto, portanto, não tem o condão de alterar a situação eleitoral,
ficando excluídos da divisão do exercício do poder político aqueles que discordam das opções
apresentadas pelos partidos. Desse modo, para que se altere de alguma forma a partidocracia e
que se aproxime mais da democracia de parceria proposta por Dworkin, os votos nulos
deveriam ter relevância prática e interferência real no processo eleitoral. Já que a Constituição
Federal postula que todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes
eleitos ou diretamente, o sistema eleitoral deveria abranger os votos nulos dados na urna como
real vontade política, sendo capazes de refutar o rol de candidatos escolhidos internamente e
apresentados pelos partidos, para que a escolha do representante político seja a mais legítima
possível.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 32
A relevância desse tema encontra-se ainda maximizada pelo crescimento da taxa de
votos nulos, bem como pelo alargamento dos movimentos políticos defensores do voto nulo,
muitos dos quais, ao contrário de uma manifestação apolítica, se mostram como
manifestações politizadas e engajadas de transformação da realidade política eleitoral
brasileira.
Portanto, a atual situação segundo a qual os votos nulos não são válidos para nenhum
fim, está na contramão da democracia. Retomando o conceito de democracia de parceria
utilizado por Dworkin, no qual as pessoas governam como parceiras no coletivo, a não
consideração do voto nulo de protesto como possuidor de efeitos práticos e reais no pleito,
viola os interesses de parte considerável da comunidade política e a distribuição igualitária do
poder político, ignorando, consequentemente, a busca de uma democracia legítima e genuína.
A exclusão do voto nulo de protesto afasta-se da justiça, não possibilitando que todos os
cidadãos eleitores tenham a mesma influência sobre as decisões que afetarão a eles próprios.
Torna-se emergente uma nova interpretação do artigo 224 do Código Eleitoral, para que se
estabeleça uma democracia mais pertinente aos ideais do Estado Democrático de Direito.
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O DIREITO FUNDAMENTAL AO QUESTIONAMENTO
Cláudia Izidoro Sapi13
Palavras-chave: democracia; direitos fundamentais; direito de reunião; liberdade de
pensamento; censura.
Este trabalho tem por objetivo fazer uma análise crítica sobre a tentativa de proibição
por magistrados de primeira instância de reuniões públicas que debatem a descriminalização
de determinadas condutas e a afronta aos direitos fundamentais à reunião, liberdade de
expressão, proibição à censura.
Há no Brasil movimentos com o objetivo de discutir a descriminalização de algumas
condutas tipificadas no Código Penal, sendo o mais difundido e polêmico o denominado
“Marcha da Maconha”, cujo objetivo é suscitar um debate sobre a permissão do uso da
maconha em determinadas condições.
O citado Movimento deparou-se com a posição de alguns magistrados que
enquadravam a conduta de manifestar a opinião a favor da descriminalização de uma droga
ilícita no tipo penal do artigo 287 do Código Penal, apologia ao crime, e no do artigo 33, §2º,
da Lei 11.343/2006 (lei antidrogas), incitação ao uso ilícito de entorpecentes e drogas afins.
A questão foi levada ao STF através da ADI 4.274/DF e ADPF 187. No julgamento
da ADI 4274/DF, o Supremo julgou procedente o pedido “para dar ao §2º do artigo 33 da Lei
11.343/2006 interpretação conforme a Constituição, para dele excluir qualquer significado
que enseje a proibição de manifestações e debates públicos acerca da descriminalização ou
legalização do uso de drogas (...)”.
No tocante ao assunto em pauta, há sérias questões sobre os direitos fundamentais à
liberdade de reunião, de expressão e proibição da censura, que foram, inclusive, objeto de
análise pelos Ministros do STF no julgamento da citada ADI. Sem excluir o princípio da
Democracia.
Os Direitos Fundamentais não podem sofrer limitação senão por outro Direito
Fundamental ou por já vir limitado por ele mesmo, através de regra sobre como será operado
13
Servidora Pública do TJMG, graduada em Direito, pós-graduada em Direito Público e pós-graduanda em
Direito Público pela UFJF. E-mail: [email protected].
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 34
o seu exercício. No caso em tela, o direito de reunião já traz em seu conteúdo limitação de
ordem formal, sendo o aviso prévio a autoridade competente e a pacificidade. Não há
limitação ao seu conteúdo, de ordem material.
Histórica e conhecidamente, o Brasil passou por um período de ditadura e censura.
Assim, os direitos conquistados à liberdade de reunião e expressão devem ser bem
resguardados. Os constituintes de 1988 sabiam bem desse problema, tanto que esses direitos
foram elencados como cláusulas pétreas, exigindo o grau máximo de proteção.
Estar elencado no rol das cláusulas pétreas dá ao direito a garantia de que não haverá
sequer tentativa de ser abolido. O problema surge quando a tentativa de abolição não é
expressa, mas sim implícita em alguma manobra do Estado, como, por exemplo, dar a lei
determinada interpretação que impeça a discussão sobre si própria.
Não cuidará este trabalho de fazer uma análise mais detalhada sobre o conteúdo do
artigo 287, do Código Penal, porque não parece que seu conteúdo é uma forma de opressão do
Estado ou de tentativa de abolição ao direito fundamental à expressão.
No julgamento da ADI 4274/ DF, bem colocado ficaram as declarações do Ministro
Celso de Mello: “ideias não podem ser temidas” e do Ministro Ayres Brito: “Nenhuma lei
pode blindar-se contra a discussão de seu próprio conteúdo”.
A Constituição, ao dizer que o Brasil é um Estado Democrático, declarou que é um
Estado aberto ao diálogo, a novas ideias, sem preconceitos. A partir do momento que o Estado
é sem preconceitos, sem ideias pré-formadas, ele tem que abrir-se a discussões, versando
sobre quaisquer assuntos, inclusive crimes.
Da Teoria da Multifuncionalidade dos Direitos Fundamentais decorrem duas
funções, a de defesa e a prestacional. A de defesa impede que o Estado exerça seu poder de
maneira arbitrária, isolando e protegendo o indivíduo de suas arbitrariedades. Por esta razão,
inclusive, o Estado tem o dever de permitir que os indivíduos explanem opiniões sobre a
atividade estatal. Pela função prestacional, o Estado tem o dever de ouvir e dar uma resposta
satisfatória sobre o questionamento formulado.
No voto da ADI 4274, alguns Ministros levantaram a polêmica sobre a abertura do
debate sobre a descriminalização de crimes mais graves, como a pedofilia (Gilmar Mendes) e
o homicídio (Cezar Peluso).
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 35
Há que se criticar a posição dos nobres ministros, pois o que está em xeque não são
os crimes questionados, mas sim a liberdade de expressão, o direito de falar publicamente
sobre um assunto e de se questionar o conteúdo das leis.
Se um grupo de psicólogos, por exemplo, falar em programa de televisão sobre os
problemas psíquicos de um pedófilo e levantar, publicamente, que ele não tem consciência de
seus atos e defender a descriminalização da conduta, teria esse grupo cometido crime? Um
estudioso não teria direito de debater teses sobre sua área de pesquisa por infringir o tipo
penal apologia ao crime?
Em resposta a esta crítica, o Ministro Luiz Fux indicou que no nosso ordenamento há
o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, corroborando a tese de que são princípios
adotados pelo STF, e que não passaria a tese de descriminalização da pedofilia, homicídio,
estupro e demais crimes graves. Pois ao fazer a análise, o veríamos que é mais gravoso para a
sociedade a descriminalização de tais condutas.
Há que ser mencionado também o princípio democrático. Por este princípio o poder
pertence ao povo, cuja vontade tem o direito de ser externada publicamente. O direito de
levantar questionamentos sobre as leis é inerente ao princípio democrático. Se pelo princípio
democrático o poder pertence ao povo, a sua opinião deve ser levada em consideração.
Em decorrência desse debate, podemos dizer que há um Direito Fundamental
implícito na Constituição, qual seja, o Direito Fundamental ao Questionamento. Nenhuma lei
pode proibir o indivíduo de questionar o conteúdo dos atos normativos e das demais ações
estatais, através de um diálogo aberto e público.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 36
A DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO NA PRESPECTIVA
INOVADORA DOS DIREITOS HUMANOS
Laís Santana da Rocha Salvetti Teixeira 14
Direitos humanos; duração temporal; processo; razoabilidade.
O conteúdo e alcance dos direitos humanos variam conforme os tempos. Com efeito, a
incorporação de cada direito no complexo de direitos humanos positivados decorre dos
anseios de determinada época. Daí dizer-se que os direitos humanos são dinâmicos,
gradativamente incluídos no ordenamento jurídico, tal qual ocorreu com a positivação da
duração razoável do processo. Realmente, a expansão dos direitos humanos deriva da
necessidade de tutelar a realidade vivida pelas pessoas e deita raízes na história. Afinal, o
direito é lastreado em fatos sociais e se propõe a (co) ordenar a vida em sociedade, mediante
normas jurídicas, atribuindo regramento às condutas humanas e relações protagonizadas pelas
pessoas. O processo, analisado como instrumento da tutela de direitos, está diretamente
relacionado à concepção da prestação jurisdicional em limites temporais adequados, haja
vista que a excessiva duração do processo, muitas vezes, implica perecimento do direito da
parte e a detecção de uma Justiça inacessível. Por isso, atribui-se força criativa aos momentos
históricos e aos anseios sociais, de forma que as novas demandas façam surgir inovações na
ordem jurídica, pois a inclusão de determinado direito no rol de tutela e incidência de Textos
normativos, nacionais ou internacionais, evita práticas abusivas e temerárias sob pretexto de
ausência de positivação. Neste sentido, a normatização da duração razoável do processo
decorre do processo de dinamogenesis dos direitos humanos, da sua capacidade criadora. Esta
inovação pode vir à baila porque os direitos humanos não compõem rol de natureza taxativa;
vale dizer, existe cláusula aberta à inovação, permitindo-se que novos direitos surjam e
ampliem o espectro de positivação jurídica. A inserção da duração razoável do processo na
14
Advogada. Mestranda em Direito pela Universidade Nove de Julho – Uninove/SP. Especialista em Direito
Processual Civil pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus – FDDJ/SP. Possui Extensão Universitária em
Introdução ao Direito Italiano pela Università di Camerino – Marche, Itália. Professora de Direito e Legislação
no Centro Paula Souza – ETEC Rocha Mendes/ SP. E-mail: [email protected].
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 37
Constituição da República é resultado desta carga dinâmica dos direitos humanos, que não
barram a possibilidade de tutelar os problemas oriundos da realidade contemporânea. A
demora excessiva na tramitação dos processos abriu espaço para que houvesse clamor social
pugnando por sua celeridade. Considerando que o Poder Judiciário integra a Administração
Pública, a ele também se impõe a observância da eficiência, nos termos do artigo 37, caput,
da Constituição da República. A resolução de litígios com segurança e qualidade não pode ser
incompatível com a rapidez o tempo de entrega da prestação jurisdicional. A Justiça que tarda
falha; e falha porque tarda em prestar a tutela jurisdicional extemporaneamente. Desde que o
Estado avocou para si a tarefa de solucionar as lides, retirando o particular a possibilidade de
fazer justiça com as próprias mãos, responsabilizou-se por exercer a atividade jurisdicional
como forma de pacificar a sociedade, eliminando os conflitos de interesse submetidos à
apreciação do Poder Judiciário. Ocorre que o desenrolar temporal das ações sem
previsibilidade quanto ao seu encerramento gera estado de permanência da tensão social,
instabilidade esta que a atuação efetiva da atividade jurisdicional pretende coibir, eis que a
pacificação social é apontada como um dos escopos do processo. A distribuição de novos
processos e a não-extinção daqueles que estão em curso demonstra o descompasso entre os
elevados números de entradas e permanências de lides pendentes em relação aos números de
baixas. A este desequilíbrio foi atribuído a designação estoque, para representar a quantidade
represada de processos que ainda não foram extintos. O direito de acesso ao Poder Judiciário,
constitucionalizado pelo artigo 5º, inciso XXV, não pode ser obstado por lei. Porém, a intensa
procura pela atividade jurisdicional acaba por tornar inacessível o órgão incumbido de prestá-
la. A expressiva quantidade do estoque de processos compromete os níveis de eficiência
operacional do Poder Judiciário porque os seus índices concretos de oferta (de pessoal e infra-
estrutura, por exemplo) não são proporcionais os índices de procura por este serviço público.
Como uma situação cíclica, a desigualdade na relação de oferta e procura é responsável pelo
congestionamento forense, cujas taxas repercutem na morosidade da Justiça. Diante deste
quadro, originou-se a necessidade de tutela do aspecto temporal do processo, donde veio a
surgir o inciso LXXVIII, do artigo 5º, da Constituição da República, evidenciando a natureza
inovadora e dinâmica dos direitos humanos. E, para que a enunciada garantia de “razoável
duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” não seja letra
morta, impõe-se a compatibilização da inafastabilidade da jurisdição e com a razoabilidade
temporal de seu instrumento de operação. Desta forma, a redução da morosidade aumentaria a
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 38
eficiência permitiria o alcance da propalada função social de pacificação do processo.
Ademais, o acesso substancial ao Poder Judiciário e a solução dos conflitos em um prazo
razoável viabilizariam a concreção da carga dinâmica dos direitos humanos estampada na
tutela jurisdicional adequada (porque eficiente), contribuindo para o fortalecimento do Estado
Democrático de Direito contemporâneo.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 39
O STF, A SOCIEDADE E A PLURALIDADE DE INTÉRPRETES DO TEXTO
CONSTITUCIONAL: AMPLIAÇÃO DE DIREITOS OU JUDICIALIZAÇÃO DA
POLÍTICA?
Claudio Abel Franco de Assis15
Palavras-chave: STF; interpretação constitucional; direitos; judicialização da política.
O Supremo Tribunal Federal tem se notabilizado nos tempos recentes em vista do
interesse cada vez mais intenso da sociedade nos casos em que ele atua como última instância
do direito brasileiro. Por certo que, de um modo bastante rotineiro, as decisões da Suprema
Corte acabam por incidir diretamente na vida do cidadão comum, obtendo assim um relevante
chamariz para, até mesmo, além do mundo jurídico. Verifica-se que a mídia exitosamente
noticia, ao vivo, como se fosse mesmo uma espécie de “placar” do Tribunal, e, dependendo
do caso, o resultado é acompanhado a cada momento, sendo mesmo voto a voto, por milhares
de brasileiros, talvez com a singular esperança em mente de que a Magna Corte seja capaz de
efetivar as expectativas e possibilidades encontradas no texto constitucional. Em outro
sentido, há que se ponderar que existem diversos fatores, tais como a amplitude da carta
constitucional brasileira e, bem como, as lacunas perpetradas pelos outros poderes no
atendimento a ordem, ao mandamento constitucional, que, sem nenhuma dúvida, acabam por
possibilitar que variadas questões de cunho não apenas jurídico sejam postas á livre e
imperiosa análise do Supremo, o que implica, claramente, que o mesmo venha a lançar mão
do conhecimento de especialistas, de pessoas além do mundo do direito, para que possa obter
maior grau de certeza em suas decisões.
Interessante é observar que são aqueles ditos “hard cases” que denotam com mais
evidência o interesse da sociedade, de uma forma tal que eles deixam de ser discutidos
somente no auditório qualificado, que seria o Plenário do Pretório Excelso, para se imiscuir
mesmo nos acalorados debates urbanos, os quais se poderia chamar de auditório universal,
onde o povo discute qual seria a melhor decisão. Entretanto, ao contrário das instâncias
15
Advogado. Bacharel em Direito pelas Faculdades Integradas Vianna Júnior. Servidor Público Federal da
UFJF. Pós-Graduando em Direito Público Contemporâneo pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
Pós-Graduando em Direito Penal e Processo Penal pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus. email:
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 40
decisórias de per si, como é o Parlamento, o Poder Judiciário é significativamente marcado
por ser fechado hermeticamente, por ser “blindado” no que tange à influência da sociedade.
Isso, pelo que se verifica na abalizada doutrina constitucional pátria, é um mecanismo
necessário para obstar a opressão das maiorias em relação às minorias, sobretudo mediante a
supressão de direitos fundamentais, negados aos que não conseguem se fazer representar.
Isto posto, é imperiosa a constatação de que a interpretação constitucional, conforme
colaciona o ilustre Peter Häberle (2002), deve abranger não apenas os intérpretes jurídicos e
participantes formais do processo constitucional, mas todo aquele que vive a norma. Nesse
sentido, devem existir meios de ação, formas de se fazer com que argumentos colacionados
por outros atores do meio social também possam ser apreciados pelo Tribunal Supremo. Ao
processo hermenêutico, acompanhando o douto ensino de Ronald Dworkin (2010), estão
vinculados, de uma forma potencial, todos os órgãos estatais e as potências públicas,
abrangendo os cidadãos e também os grupos, não sendo possível precisar um elenco cerrado
ou fixado de intérpretes da Constituição. Assim a interpretação da norma constitucional não
pode ser considerada prerrogativa exclusiva do Estado, como aponta Häberle, pois deve
abarcar uma miríade de participantes capazes de ampliar as possibilidades de interpretação do
texto constitucional.
O grande fato é que a ampliação do papel institucional do Poder Judiciário,
especificamente e com mais relevo, do Supremo Tribunal Federal, no sistema de tripartição de
poderes do Estado brasileiro, advindo da Magna Carta de 1988, parece aumentar a tensão
existente entre o Constitucionalismo e a Democracia. Isto se dá, pois o diagrama institucional
fundado na Constituição brasileira, fortemente insculpida em princípios, possibilita a que
praticamente quaisquer demandas possam subir a análise do STF, gerando o famoso conceito
a que a doutrina alcunha de “judicialização da política”. Como conseqüência, o Supremo
passou a ser provocado para se manifestar sobre uma infinidade de temas, sejam questões
políticas, econômicas, sociais, dentre muitas outras, as quais extrapolam bastante os ditos
limites clássicos da juridicidade. Pelo que a questão que se coloca em discussão é justamente
a seguinte: será que a sociedade está em uma progressiva e importante ampliação de direitos,
tal como notadamente demarcado em uma era recente da história atual, a dita “era dos
direitos”, como bem asseverou Bobbio (1992) em sua obra, ou será que a mesma se encontra
em termos de dar contornos jurídicos além do que se deveria, judicializando as mais variadas
questões e deitando seu controle a vários aspectos da vida em grupo?
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 41
Assim e afinal, se observa que a atuação da Corte Suprema brasileira em questões que
não são apenas jurídicas, tangencia a esfera de atuação dos demais Poderes, recebendo críticas
diversas, quanto à legitimidade e, bem como, aos limites de atuação da jurisdição
constitucional. Como resposta a essa indagação, de certa maneira o STF tem utilizado
claramente as Teorias da Representação Argumentativa do emérito Robert Alexy (2008) e,
como não poderia deixar de ser, da Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição, de Peter
Häberle (2002). Ainda nessa teia profícua, se encontram as audiências públicas, que parecem
se arvorar como uma atraente promessa de alternativa institucional para os dilemas e para os
impasses da jurisdição constitucional.
BIBLIOGRAFIA
ALEXY, Robert. Constitucionalismo discursivo. Trad. Luís Afonso Heck. 2ª ed. revista.
Porto Alegre: Livraria dos Advogados, 2008.
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010.
HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da
constituição: a contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da constituição.
Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002.
BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos, 4 º Reimpressão, Tradução de Carlos Nelson
Coutinho, Editora Campus, Rio de Janeiro, 1992.
VIANNA, Werneck; CARVALHO, Maria Alice Rezende de; MELO, Manual Palácios
Cunha; BURGOS, Marcelo Baumann. A judicialização da política e das relações sociais no
Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 42
O DOGMA DA PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE CONSTITUCIONALIDADE DAS NORMAS
CONSTITUCIONAIS ORIGINÁRIAS: UM OBSTÁCULO A SER REMOVIDO PARA A AMPLIAÇÃO DO
ESPECTRO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS.
Denis Soares França16
Reforma constitucional; limites; direitos humanos; ampliação.
A evolução dos direitos humanos no âmbito de uma sociedade costuma ser fruto de
árduas e lentas conquistas, tanto no aspecto de sua adoção quanto no de sua concretização.
Busca-se a preservação dos valores conquistados com a positivação de tais direitos, que para
muitos passam, então, a ser chamados de direitos fundamentais.
O trabalho de positivação dos Direitos Humanos é hoje escudado pelo
neoconstitucionalismo, cuja abertura axiológica tem o condão de maximizar a proteção
ofertada à dignidade da pessoa humana e de servir como filtro impeditivo do retrocesso das
conquistas auferidas. Sob o influxo dos modernos princípios de interpretação constitucional,
labora a doutrina na sedimentação e ampliação dos direitos e garantias fundamentais.
Nesse paradigma, e observando-se o caso brasileiro, dois dispositivos da nossa
Constituição merecem destaque. O primeiro revela a preocupação com a ampliação do rol de
direitos fundamentais (CRFB/88, art. 5º, §2: “Os direitos e garantias expressos nesta
Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou
dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”). E o
segundo traduz a impossibilidade de alteração, com redução de conteúdo, das normas que
veiculam direitos e garantias individuais (CRFB/88, art. 60, §4º, IV: "Não será objeto de
deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: IV - os direitos e garantias
individuais").
Há, porém, na tradição jurídica brasileira, um dogma bastante enraizado, cuja base
jurisprudencial é a decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 815/DF. Nela, manifestou-se a Corte Suprema no sentido de que “a
tese de que há hierarquia entre normas constitucionais originárias, dando azo à declaração
16
Bacharel em Direito e Especialista em Ciências Criminais pela Universidade Federal de Juiz de Fora
(UFJF). Professor Temporário do Departamento de Direito Público da Faculdade de Direito da Universidade
Federal de Juiz de Fora (UFJF). Cursa especialização em Direito Administrativo pela Universidade Gama Filho.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 43
de inconstitucionalidade de umas em face de outras, é incompossível com o sistema de
Constituição rígida”.
Tal manifestação, calcada na ilimitação do Poder Constituinte Originário, busca
refutar a doutrina do alemão Otto Bachof, que propôs, após a II Guerra Mundial, ser função
da jurisdição constitucional repelir conteúdos ofensivos aos direitos humanos já conquistados,
ainda que tais conteúdos fossem veiculados nas Constituições por procedimento hígido. A
tese do estudioso alemão foi repelida em razão do entendimento de que não poderia competir
a um Poder constituído – o Judiciário – controlar o Poder Constituinte.
Cabe, entretanto, pensar a tese da presunção absoluta de constitucionalidade em
termos. Se, por um lado, seria descabido o controle posterior do Constituinte, que é
juridicamente ilimitado, por outro lado não se pode esposar essa tese se ela vier a ferir a
teleologia da própria Constituição, criando obstáculos à concretização de seu escopo. Afinal,
nossa Carta Magna não só positivou valioso rol de direitos, como também erigiu mecanismos
para ampliação paulatina desse rol. E a inovação trazida pela Emenda Constitucional nº 45,
permissiva de que Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos se equiparem a normas
constitucionais, escancara a possibilidade de surgimento de outra natureza de conflitos entre
normas constitucionais.
Vê-se, então, surgir a necessidade de aferir a potencial incompatibilidade entre
normas constitucionais originárias e os novos enxertos feitos na Constituição material.
Exemplificativamente, imagine-se a adoção, com status de norma constitucional, de Tratado
Internacional que preveja a obrigatoriedade do duplo grau de jurisdição, sem exceções. Parece
não se poder descartar a hipótese de isso significar a inconstitucionalidade superveniente de
normas constitucionais originárias.
O fato é que na atual concepção adotada pela doutrina e jurisprudência brasileiras
seria impensável a declaração de inconstitucionalidade17
da norma originária. Faltaria
arcabouço jurídico a solucionar o obstáculo da presunção absoluta de constitucionalidade das
normas constitucionais originárias. Pretende-se demonstrar, portanto, que apesar do valor da
17
Vale destacar que no controle abstrato de constitucionalidade da situação descrita, apenas a Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental seria admitida, de acordo com a jurisprudência do STF, pois essa é a
única das ações de controle concentrado que admite o contraste de normas pré-constitucionais. É que, do ponto
de vista das normas constitucionais produzidas pelo Poder Reformador, mesmo as normas constitucionais
originárias seriam pré-constitutcionais. E tal particularidade conduz à reflexão sobre a eventual necessidade de
criação de nova ação do controle concentrado, quem sabe com quórum mais restrito ou sujeita também a um
controle político, destinada apenas a apurar a excepcional inconstitucionalidade de uma norma originária em
situações como a proposta neste trabalho.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 44
já multimencionada tese da presunção absoluta de constitucionalidade das normas
constitucionais originárias, sua adoção extremada e irrefletida pode ser entrave à
concretização dos valores que a Constituição priorizou. E isso torna urgente o
desenvolvimento de um limite hábil a afastar qualquer viés pernicioso ao crescimento e à
concretização do espectro de direitos fundamentais.
A possibilidade de internalização de Tratados Internacionais com status
constitucional sugere a hipótese de que em alguns anos nossa Constituição possa estar
bastante modificada. Os textos dos Tratados, produzidos sob outras culturas jurídicas, serão
naturalmente dotados de certa heterogeneidade18
, requisitando o aprimoramento dos
mecanismos de interpretação e controle constitucional. E passados quase 25 anos da
promulgação da Constituição de 1988, é devida a ocupação com o desenvolvimento de
caminhos seguros para o desenvolvimento do ordenamento jurídico, sem risco às conquistas
efetivadas.
Afinal, se as normas devem estar abertas ao influxo de seu tempo, para que não se
cristalizem e sejam reduzidas a mera folha de papel, cabe ao Direito produzir mecanismos que
deem guarida a essa tarefa. Talvez seja necessário repensar a tese da presunção absoluta de
constitucionalidade das normas constitucionais originárias, que não deve ser reproduzida
como se fosse um dogma. É plenamente possível que os atuais mecanismos de interpretação
constitucional não se mostrem suficientes para a solução dos novos problemas que podem
começar a surgir, sendo aberto campo para medidas próprias e inovadoras aptas a contemplar
o desafio que se impõe. Relativizar a presunção de constitucionalidade das normas
constitucionais originárias, aceitando que as mesmas possam sucumbir diante de inovações
mais protetivas, pode ser o caminho mais curto para a maximização dos direitos albergados
em nosso sistema jurídico.
18
Como acontece com a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, único
Tratado Internacional já recepcionado com status de norma constitucional em nosso ordenamento, promulgado
pelo Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 45
ATIVISMO JUDICIAL: UM OLHAR SOB A PERSPECTIVA PATERNALISTA
Jordan Vinícius de Oliveira19
Lorena Abbas da Silva20
Palavras-chave: ativismo; Ingeborg Maus; legiferante; magistrado; moralizante.
O presente resumo visa analisar o atual panorama no qual se perfaz a atividade
legiferante por parte da autoridade judicial, a partir de Ingeborg Maus (2010)21
e Leonardo de
Paola (2008)22
. Conforme o conceito de “sociedade órfã”, carente de direcionamento político
e social em Herbert Marcuse (1987 apud MAUS, 2010, p.15), são observáveis características
infantis diante dos mecanismos de manipulação e administração sociais, levando a
comunidade a confiar sua tutela ao Judiciário. Este, ao assumir o papel de “pai”, toma as
rédeas do ordenamento social e passa a direcionar os indivíduos através dos processos de
intervenção e defesa. Para tanto, há de se destacar a figura imprescindível do jurista, com
vistas a recordar a confiança depositada no mesmo por aqueles que buscam orientação para a
vida em comunidade.
A crença popular na sabedoria do juiz é que fortalece, por exemplo, a afirmação de
Erich Kaufmann (1927 apud MAUS, 2010, p.17): “uma decisão justa só pode ser tomada por
uma personalidade justa”. Ao magistrado, munido de toda a sua sabedoria e conhecimento,
caberia o juízo de valor para determinar, como um pai que permite ou não ao filho
determinada conduta, o que é justo, praticável e condenável. É possível encontrar referenciais
dessa concepção na interpretação da professora alemã a partir de Dworkin, ao corresponder a
interpretação do juiz com a moral da sociedade, pois a “moral” que deveria direcionar a
decisão do magistrado acaba por ser o produto de sua interpretação. Ademais, o Judiciário
acaba por representar a consciência imparcial, consensual e justa a fim de aliviar as tensões e
conflitos sociais, sob a afirmação de ser a esfera mais competente para tal. Maus ainda
19
Graduando em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora, atualmente cursa o quarto período. jordan-
Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora, atualmente cursa o segundo período.
Professora titular de Ciência Política da Universidade Johann Wolfgang Goethe de Frankfurt. 22
Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 46
justifica a grande “expectativa externa” posta sobre o Judiciário “moralizante”, nas demandas
de cláusulas e, sobretudo, na confiança reinante da população na justiça.
O terceiro poder proporcionaria uma decisão objetiva, neutra e, por conseguinte,
justa às partes litigantes envolvidas em situações e interesses concretos. São constantes
expressões, não obstante revestidas de certa objetividade, que remontam a conceitos
originalmente alicerçados em fundo moralista, como “má-fé” ou “punível”, que por muitas
vezes expressam posições tradicionalistas dos juízes e nem sempre pautadas de um
pressuposto racional. Além disso, é arraigada no cenário social, principalmente nos últimos
tempos, a imagem de que o Judiciário funciona como “guardião da moral”, uma instância na
qual todos os costumes serão salvaguardados.
Figura central nas ações judicantes é o ordenamento maior e, quanto a este, seu
prisma sofre alterações que o deixam distante, em muitas ocasiões, de ser a prova
institucionalizada das garantias jurídico-fundamentais. Tornando-se desta maneira um texto
fundamentalista e passivo pelo qual se fazem interpretações pautadas em valores, num
processo dedutivo do que é ou não correto, tal como textos religiosos a exemplo da Bíblia ou
O Corão. Assim sendo, o judiciário deixa de prezar pela tutela do ordenamento maior estatal e
pela intenção legitimada do constituinte originário. O que se vê, são práticas reiteradas para
conservar sua própria história jurisprudencial, sendo tal história mais louvável do que
qualquer outra matiz para a tomada de decisão, mesmo se esta for mais eficiente. Assim, há
uma formação autorreferencial deste poder, que acaba por superar em diversas situações as
verdadeiras garantias asseguradas.
Essa situação se reflete no âmbito social que, por sua vez, se perfaz em um
verdadeiro esvaziamento das teias de relacionamento. As pessoas, a partir do excessivo
recurso ao Judiciário, perdem a autonomia frente aos conflitos a que são expostas. Não se
percebe mais o interesse na solução simplória e rápida dos problemas, reflexo de um
comportamento cada vez mais individualista. A ideia de recorrer a esmo para o Juiz, de deixar
tudo nas mãos de um terceiro, apresenta-se mais viável, ainda que mais dispendiosa e com
maior prazo decorrencial em detrimento da resolução pacífica e conciliada. Há de se destacar,
então, uma crise nas instituições presentes no cotidiano da sociedade e que hoje já não são
capazes de garantir a coesão e a prosperidade de seu corpo social. Escola, igreja e o local de
trabalho, por exemplo, refletem um espaço comunitário absorto em seus próprios déficits e
não conseguem emergir para uma nova e eficiente dinâmica socializante.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 47
No tocante ao cenário brasileiro, segundo Leonardo de Paola (2008),
especificamente, é possível observar a interferência do Judiciário nas tarefas legiferantes, haja
vista que sucessivas CPIs, escândalos e lutas partidárias tornam o legislativo desprestigiado
frente às demandas sociais. A velha visão positivista do “juiz-oráculo” já não se faz presente e
a atividade judicante brasileira passa a exercer função legislativa, mesmo que para isso se
valha de ideais, princípios ou valores consagrados no ordenamento pátrio e raramente assuma
que o faz.
Tal tarefa merece análise por dois gumes: primeiramente, observa-se a ação
discricionária de tribunais e de importantes magistrados se tornando celebridades aos olhos da
imprensa e da população, emitindo opiniões sobre variados temas, inclusive os que poderão
ser julgados por eles próprios futuramente. Em segundo lugar, há de ser reconhecer o caráter
emancipador de algumas decisões judiciais e a valia de dispositivos que permitem voz a
requisições do âmbito social. Como exemplo, pode-se citar o mandado de injunção (artigo 5º,
LXXI da Constituição Federal) e também resoluções que asseguram a efetividade de direitos
fundamentais, como o direito à saúde, pautado por decisões de tribunais que garantiram a
oferta de medicamentos gratuitos à população. Em contrapartida, a grande crítica ao chamado
ativismo judicial é o fato dele não estar provido de legitimidade do voto popular e, mais que
isso, não gozar de instrumentos necessários à atividade legislativa.
Destarte, em instâncias inferiores, o problema do abusivo ativismo judicial pode ser
resolvido mediante ação recursal às superiores, para controle de eventuais excessos. No
Brasil, tem-se visto com fácil destaque a atuação do Supremo Tribunal Federal, sempre
chamado à solução de lides e aspirações do corpo social. Todavia, a grande crítica se constrói
no sentido do recurso, sendo que: a quem se deve recorrer, já que os ministros do STF não
respondem perante ninguém? A expressão, oriunda do latim, “quis custodiet ipsos
custodes?”, que significa “quem guardará os guardiões?”, no atual panorama pode
transmutar-se em: quem controlará os controladores?
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
MAUS, Ingeborg. A Jurisdição na “Sociedade Órfã de Pai”. In:______. O Judiciário como
Superego da Sociedade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p.15.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 48
PAOLA, Leonardo de. Juízes ou Legisladores?. Valor Econômico, São Paulo, 19 jun. 2008.
Disponível em: < http://www2.senado.gov.br/bdsf/bitstream/id/98244/1/noticia.htm>. Acesso
em: 2 dez. 2012.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 49
DA TRÍPLICE HÉLICE À HÉLICE QUÁDRUPLA: DESENHANDO OS
PRESSUSPOSTOS PARA A INSTALAÇÃO DA INOVAÇÃO NANOTECNOLÓGICA
NO BRASIL
Ana Paula Adam23
Raquel Von Hohendorff24
Wilson Engelmann25
Palavras-chave: inovação; Núcleo de Inovação e Transferência de Tecnologia; direitos
humanos.
Este trabalho é o resultado parcial do projeto de pesquisa que é desenvolvido junto ao
Programa de Pós-Graduação em Direito – Mestrado e Doutorado – da Universidade do Vale
do Rio dos Sinos – UNISINOS. Objetiva-se identificar a pertinência dos Núcleos de Inovação
e Transferência de Tecnologia (NITT) no cenário atual industrial brasileiro, o qual vem
sofrendo consideráveis impactos diante das recentes legislações inseridas no ordenamento
jurídico. Visa-se, por meio dessas legislações, incentivar ao apoio na introdução da
“inovação” na produção e crescimento industrial, gerando maior competitividade no cenário
econômico. Através de medidas de estímulo ao setor industrial e centros de pesquisa, as Leis
nº 10.973/04 (Lei da Inovação) e nº 11.196/05 (Lei do Bem) fortalecem o sistema de
introdução de um produto ou processo novo ou significativamente melhorado na fabricação,
que resulte numa maior competitividade no mercado. Também, essas leis, inclusive a Lei
Estadual gaúcha que dispõe sobre o mesmo tema (Lei nº 13.196/09), incentivam à pesquisa
científica e tecnológica dentro das instituições de ensino superior para viabilizar esse sistema
23
Estudante do curso de graduação em Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos/RS. Bolsista de
iniciação tecnológica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Integrante
do Grupo de Pesquisa JUSNANO. E-mail: [email protected]. 24
Mestranda em Direito na Universidade do Vale do Rio dos Sinos/RS. Bolsista da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Integrante do Grupo de Pesquisa JUSNANO. E-mail:
Doutor e Mestre em Direito Público pelo Programa de Pós-Graduação em Direito (Mestrado e Doutorado) da
Universidade do Vale do Rio dos Sinos/RS. Professor deste mesmo Programa das atividades: “Transformações
Jurídicas das Relações Privadas” (Mestrado) e “Os Desafios das Transformações Contemporâneas do Direito
Privado” (Doutorado); Professor do Mestrado Profissional em Gestão e Negócios da UNISINOS; Professor de
Metodologia da Pesquisa Jurídica em diversos Cursos de Especialização em Direito da UNISINOS; Professor de
Teoria Geral do Direito do Curso de Graduação em Direito da UNISINOS; Líder do Grupo de Pesquisa
JUSNANO (CNPq). E-mail: [email protected].
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 50
de atuação dos institutos de pesquisa juntamente com as indústrias e empresas de pequeno e
grande porte.
A Unisinos se destaca neste cenário inovador, por possuir atualmente cinco institutos
tecnológicos dentro das dependências da universidade, amparados pelo Núcleo de Inovação e
Transferência de Tecnologia da Unisinos. Esses institutos, juntamente com o NITT - que está
em fase de implementação - dão apoio a diversas empresas e organizações que hoje estão
encubadas. Ligados aos Programas de Pós-Graduação da universidade, os institutos atuam nas
áreas da segurança funcional, da biociência, dos alimentos e da engenharia civil, além de hoje
abrangerem a área também de semicondutores. Este sistema existente na Unisinos é fruto da
legislação ordinária que foi sendo introduzida no país desde 2004 com vistas à concretização
dos preceitos constitucionais que versam sobre o tema. Os artigos 218 e 219 da Constituição
Federal estabelecem critérios para o desenvolvimento científico e tecnológico no país.
A política de inovação adotada pela Unisinos segue a linha da metáfora proposta nos
anos 90 pelo norte-americano Henry Etzkowitz, no qual ele sugere o triplo e recíproco apoio
entre universidade, indústria e governo como forma de viabilizar o mercado por meio da
inovação. Na sua Hélice Tríplice, o autor propõe que a universidade invista na pesquisa, a
indústria produza e o governo regulamente esta relação. Mas apenas isso não basta, é
necessário o comprometimento das três hélices envolvidas com os direitos humanos,
inserindo-se nessa linha, o cuidado com o meio-ambiente, a saúde dos pesquisadores e
trabalhadores que lidam com as novas técnicas utilizadas e com um desenvolvimento social
que traga benefícios à sociedade como um todo. É então, nesse sentido, bem-vinda a proposta
do professor Wilson Engelmann, na qual ele sugere a inserção de uma quarta hélice na
proposta da Etzkowitz, qual seja a dos direitos humanos. Não é possível hoje pensar em
desenvolvimento econômico e industrial, sem observar as necessidades dos receptores dessa
realidade. Por isso, nada mais que necessário que os três alavancas imprescindíveis para
promover a inovação estejam envoltos na ideia de respeito aos direitos humanos.
A inovação e a pesquisa devem estar aliadas ao desenvolvimento econômico e social
que respeite o meio ambiente e principalmente os direitos inerentes à dignidade da pessoa
humana, fazendo-se necessário o perfeito acoplamento destes fatores. E é neste aspecto que se
deve colocar o Direito como ponte indispensável que ligue os resultados advindos dessa
interação com o meio social no qual estamos inseridos. Por isso mesmo, está-se fazendo um
estudo detalhado do papel NITT nesse sentido, pois ele é um desafio ao Direito e Direitos
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 51
Humanos nos dias atuais, por apresentar propostas completamente novas e que desafiam o
ordenamento jurídico.
Nesse sentido, faz-se necessário um estudo apoiado no método fenomenológico-
hermenêutico, ou seja, o objeto de estudo faz parte do mundo social no qual estamos
inseridos, e os resultados obtidos na pesquisa visam atribuir sentido e importância à
continuação do fomento dos NITT’s no Brasil. Por isso da importância de um estudo dirigido
de forma crítica e interpretativa sob esse método introduzido por Martin Heidegger e
posteriormente aprofundado por Hans-Georg Gadamer. Ainda, o ponto de partida e o ponto de
chegada apontados por Heidegger mostram sua pertinência no decorrer da pesquisa, tendo em
vista o enfoque dado ao percurso histórico do tema até os dias atuais na sociedade brasileira.
Por estar em fase de desenvolvimento, os resultados parciais vêm mostrando que o
aperfeiçoamento da introdução dos NITT’s no cenário industrial do Brasil - com a extensão
dos trabalhos realizados dentro dessas instituições para fora das mesmas, ou seja, para a
sociedade - pode favorecer um crescimento econômico e industrial investido na tecnologia e
na pesquisa, porém, levando em consideração os direitos básicos de cada ser humano, assim
como a preservação do meio ambiente. O desafio está presente na sociedade, e o que se
precisa é avaliar os benefícios e malefícios que essas novas ferramentas trazem/trarão para o
Direito e o cenário brasileiro como um todo. Este também é o espaço privilegiado para avaliar
as efetivas contribuições e riscos inaugurados pela era das nanotecnologias. Vale dizer,
existem diversas tecnologias que estão operando na escala nanométrica, isto é, na bilionésima
parte do metro. As investigações científicas, a transferência dos seus resultados para a
indústria, especialmente por meio do suporte financeiro dado pelo Estado, através dos
diversos órgãos de fomento, como a CAPES, CNPq, FAPERGS, FINEP, entre outras, são o
exemplo concreto da hélice tríplice de Etzkowitz, onde este trabalho pretende inserir uma
quarta hélice, que é justamente o destinatário da inovação nanotecnológica: o ser humano e o
meio ambiente.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 52
DIREITO ECONÔMICO, INOVAÇÃO INSTITUCIONAL E JUDICIALIZAÇÃO DA
POLÍTICA DE JUROS: SERIA O STF NEOLIBERAL ANTES DO
NEOLIBERALISMO?
Leonardo Alves Correa26
Douglas Maiolini27
Palavras-chave: inovação institucional; Direito Econômico; judicialização da política de juros
O Sistema Financeiro Nacional (SFN) e os Tribunais Superiores (Supremo Tribunal
Federal – STF - e Superior Tribunal de Justiça - STJ) são instituições regulamentadas pela
ordem constitucional de 1988: aquele constitui um sistema de órgãos públicos e privados
disciplinados pelo artigo 192 da CF e que possui uma importância central no desenvolvimento
do processo econômico-social de uma nação, ao passo que esses, os Tribunais Superiores, são
órgãos que atuam no ápice da hierarquia da organização do Judiciário e suas decisões
repercutem diretamente no modo de reprodução social de um país.
A despeito da importância do estudo jurídico-dogmático sobre o modo de organização
legal do SFN, STF e STJ, tais órgãos devem ser analisados a partir do modo atuação,
coordenação e interdependência institucional. Uma compreensão adequada do conceito do
Sistema Financeiro Nacional extrapola, então, a simples definição normativa e deve
contemplar a forma como, por exemplo, os Tribunais Superiores moldam sua estrutura,
limites e possibilidades a partir das decisões sobre questões de ordem financeira.
Nesse contexto, a nosso objeto consiste em analisar o modo como as decisões dos
Tribunais Superiores sobre a capitalização de juros contribuíram decisivamente para a
arquitetura institucional do Sistema Financeiro Nacional. Nossa proposta, contudo, consiste
em analisar a moldura institucional do SFN à luz da corrente teórica crítica que busca analisar
a ascensão, consolidação e hegemonia do neoliberalismo como doutrina econômica e política
do século XX.
Em regra, o neoliberalismo é compreendido como um modelo político, econômico e
social que advoga a tese da liberalização do mercado, a diminuição da ação do Estado na
26
Professor de Direito Econômico da Universidade Federal de Juiz de Fora 27
Acadêmico do curso de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 53
economia, a desregulamentação e flexibilização das relações de trabalho, a diminuição das
barreiras de fluxo de capital. Do ponto de vista político, esse movimento ganha força no
mundo com a chamada crise do Estado Social a partir do final dos anos 70 do século XX
(NUNES, José Avelãs Nunes. Neoliberalismo e Direitos Humanos; Renovar: 2003). No
Brasil, entretanto, o movimento torna-se robusto a partir da década de 90 do século XX. É a
partir dessa fase que se inicia um processo de privatização das empresas estatais, aumento das
concessões de serviços públicos, desregulamentação das relações de trabalho, criação das
Agências Reguladoras, diminuição da intervenção direta do Estado na economia.
A pergunta central desse trabalho, contudo, consiste em indagar se esse quadro
analítico pode ser aplicado ao analisarmos a judicialização da política de juros nos Tribunais
Superiores. A pesquisa visará questionar que medida o Estado Brasileiro (Executivo,
Judiciário e Legislativo) adota uma postura neoliberal somente a partir da década de 90 do
século passado. Especificamente no que se refere à relação entre SFN e STF/STJ a pergunta-
problema pode ser assim resumida: ao definir a juridicidade de capitalização de juros, o
STF/STF já adotava pressupostos teóricos neoliberais antes da internalização oficial do
discurso liberal da década de 90?
O método utilizado será a pesquisa dos argumentos padrões da jurisprudência dos
Tribunais Superiores, de modo a compreender quais os pressupostos teóricos e ideológicos
vinculados ao discurso do STF e STJ sobre a capitalização de juros.
Nossa hipótese inicial consiste em afirmar que os Tribunais Superiores já
internalizavam uma lógica de decisão calcada em pressupostos teóricos neoliberais antes da
adoção desse modelo político-econômico na década de 90. Nossa resposta provisória está
fundamentada em razão de uma pesquisa jurisprudencial e legislativa prévia, conforme
demonstraremos a seguir.
Na década de 60, em virtude do aumento da freqüência das demandas versantes sobre
a prática da capitalização composta de juros, o Supremo Tribunal Federal, posicionando-se
sobre o assunto e alicerçado no artigo 4º da Lei de Usura (Decreto de nº 22.626/33), editou
seu enunciado sumulado de nº 121, que dispunha nos seguintes moldes: “É vedada a
capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada”. Entretanto, a Suprema
Corte manteve-se atrelada ao entendimento de que o anatocismo poderia ser admitido quando
gozasse de respaldo em leis específicas, conforme se nota pela leitura dos Recursos
Extraordinários de nº 90.341/PA e 96.875/RJ.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 54
Ocorre que, posteriormente à edição do enunciado sumulado de nº 121 do STF, houve
a entrada em vigor da Lei de nº 4.595/64, incumbida de regulamentar a atuação das
instituições bancárias e a política monetário-creditícia. Com a referida inovação legislativa,
parte da doutrina e da jurisprudência foi levada a crer que o teor do artigo 4º do Decreto de nº
22.626/33 deixou de ser aplicado às instituições bancárias e financeiras. Nesta esteira, a
promulgação do mencionado diploma levou a Excelsa Corte a ressalvar o entendimento
exarado em sua súmula de nº 121 e a editar o enunciado sumulado de nº 596, que dispunha
que “as disposições do Decreto 22.626 de 1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros
encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que
integram o sistema financeiro nacional”.
Em assim sendo, a súmula de nº 596 do STF, datada de 1976, deu início a um novo
pensamento jurisprudencial, pautado na segregação entre, de um lado, as instituições
integrantes do sistema financeiro nacional e, de outro, os demais contratantes, no que se refere
à taxa contratual de juros. Entretanto, poucos anos depois da edição da súmula de nº 596, o
STF reconheceu a impossibilidade de se aplicar tal enunciado, de forma isolada, às
instituições financeiras, devendo a atuação das mesmas ser regida, igualmente, pela súmula de
nº 121. Em alguns de seus julgados o Supremo Pretório deixou transparecer o entendimento
de que, a despeito da possibilidade de livre ajuste da taxa de juros, deveriam as instituições
financeiras atender à vedação da capitalização de juros com periodicidade inferior à anual.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, atribuiu-se ao Superior Tribunal
de Justiça a incumbência de interpretar e guardar a legislação federal. No exercício de sua
missão constitucional, o STJ endossou o posicionamento agasalhado pelo STF anteriormente
à entrada em vigor da Carta da República, firmando-se no sentido de permitir a livre
estipulação da taxa contratual de juros, no âmbito das instituições do sistema financeiro
nacional, desde que respeitada a vedação legal (Decreto de nº 22.626/33) à capitalização
composta em periodicidade inferior a um ano. É o que se nota pela análise nos precedentes
Recurso Especial (REsp) 176.322/RS de 1999 e Recurso Especial (REsp) 189.426/RS de
1999. Pela observação dos mencionados precedentes percebe-se que a postura do Tribunal
fora, desde o início, marcada pelo apego ao texto legal ou aos precedentes emanados do STF
anteriormente à Constituição de 1988.
Neste sentido, quando, em 2000, houve a edição da Medida Provisória de nº 1.963-
17/00, o Superior Tribunal de Justiça pôde acobertar o anatocismo em sua jurisprudência sem
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 55
margem para hesitação. A referida Medida trouxe, em seu artigo 5º, a permissão normativa
expressa à prática da contagem de juros sobre juros em interregno inferior a um ano.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 56
POLÍTICAS E DIRETRIZES DE RESPONSABILIDADE SOCIAL NA
CONCESSÃO DE FINANCIAMENTOS PELO BNDES
Érica Salgado28
Luiz Carlos Silva Faria Junior29
Raphaela Rodrigues Santos30
Palavras-chave: BNDES; financiamento a TKCSA; evolução das questões socioambientais.
Neste ano de 2012 o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES), fundado em 1952, está completando 60 anos e para tanto este estudo foi elaborado
de forma a identificar o seu papel como um banco público de desenvolvimento e analisar se as
concessões dos financiamentos são compativéis com as políticas e diretrizes firmadas pelo
banco e pelo mercado financeiro como um todo.
O BNDES é uma empresa pública federal, o qual configura-se como um importante
instrumento de intervenção do Estado na economia representando, atualmente, o principal
instrumento de financiamento de longo prazo, contando com uma política que inclui
dimensões social, regional e ambiental.
Tendo em vista que o capital do banco de financiamento é constituído exclusivamente
de recursos público, este tem um compromisso histórico com toda a sociedade brasileira,
devendo investir em empreendimentos segundo critérios que priorizam o desenvolvimento
com inclusão social, criação de emprego e renda e geração de divisas, de modo a valorizar e
garantir a integração das dimensões social e ambiental em sua estratégia, políticas, práticas e
procedimentos (BNDES, 2012).
Diante disto e preocupado com as questões humanitárias o BNDES, além de em 1982
intagrar o perfil social à política de desenvolvimento, vem procurando adequar-se a
28
Érica Salgado, graduanda do 2º período do curso de Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora,
bolsista “Jovens Talentos” Cnpq-Capes do Projeto Direitos Humanos e Empresas. E-mail: erica-
Luiz Carlos Silva Faria Junior, graduando do 10º período do curso de Direito pela Universidade Federal de
Juiz de Fora. Bolsista do Projeto Direitos Humanos e Empresas, financiado pela Fundação Ford. E-mail:
Raphaela Rodrigues Santos, graduanda do 7º período do curso de Direito pela Universidade Federal de Juiz de
Fora. Graduada em Economia pelo Instituto Vianna Junior. Bolsista do Projeto Direitos Humanos e Empresas,
financiado pela Fundação Ford. E-mail: [email protected].
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 57
convenções e acordos que estipulem critérios de responsabilidade social entre eles destaca-se
o Protocolo Verde.
Dentre os empréstimos atuais inclui-se o programa de investimento em siderúrgicas
que deveria implicar não apenas em um crescimento econômico, mas principalmente em um
desenvolvimento sustentável. Entretanto, no caso Thyssenkrupp CSA, parceria entre a alemã
Thyssenkrupp e a Vale, que foi um dos maiores investimentos neste setor realizado pelo
BNDES, totalizando um financiamento direto de 2,4 bilhões, o empreendimento tem
implicado em inúmeras violações aos direitos humanos e ao meio ambiente.
A transnacional Thyssenkrupp CSA está localizada em Santa Cruz, zona oeste do Rio
de Janeiro e deveria contribuir na promoção do desenvolvimento que implica em melhoras
nos índices de qualidade de vida, saúde, educação entre outros. No entanto, nesse
empreendimento financiado pelo BNDES é possível identificar diversas irregularidades e
consequentes violações aos direitos humanos provenientes da sua instalação abrindo, assim,
questionamentos quanto à política e a ética do órgão, visto que a transnacional por ele
financiada não atinge as diretrizes históricas do banco.
Frente a financiamentos como este, o Banco se torna o agente indireto de impactos
adversos à sociedade que afetam seus direitos humanos o que é completamente contraditório
com sua política que prima pelo fortalecimento do desenvolvimento sustentável do país.
Diante dessas reflexões este artigo tem como objetivo analisar se as políticas e
diretrizes do BNDES são de fato respeitadas no processo de financiamento. Para tanto,
tomaremos como caso prático a TKCSA com a finalidade de identificar se esta empresa se
enquadra nos princípios de desenvolvimento sustentável que o BNDES tanto prima.
Como objetivos específicos buscou-se verificar o papel de um banco de
desenvolvimento, pormenorizar a evolução das preocupações com os direitos humanos (no
qual se incluem as questões socioambientais) no mercado financeiro, examinar o
financiamento a Thyssenkrupp CSA, identificar as violações ao direitos humanos da
instalação deste empreendimento na Baía de Sepetiba e, por fim, analisar a incongruência
entre as diretrizes elucidadas pelo BNDES e as externalidades provenientes desse
empreendimento.
Para tanto, este estudo será efetivado através de pesquisa bibliográfica, análise de
artigos científicos, exame de relatórios e documentos de Organizações Não Governamentais
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 58
como do Instituto Mais Democracia, Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul
(PACS), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), todas atuantes no caso Thyssenkrupp CSA.
Pelo banco ser considerado importante no contexto econômico e social, a escolha do
tema mostra-se relevante. Investigar as políticas de responsabilidade social do BNDES e ter
como referência um caso prático de sua não observância possibilitará uma análise crítica do
problema abrindo questionamentos quanto à política e a ética do órgão.
Nessa perspectiva, o artigo está dividido em 3 seções. A primeira aborda a evolução
histórica do banco, destacando suas principais atuações de acordo com o panorama da época;
analisa o papel desempenhado por um banco público de desenvolvimento, partindo de
conceitos desenvolvidos por autores como Amartya Sen e Torres Filho e, por fim, tangencia a
atuação recente do BNDES.
A seção 2 aborda a siderúrgica Thyssenkrupp CSA financiada pelo BNDES. São
apresentadas, inicialmente, as características do empreendimento: dimensões, localização,
produção; e em seguida são identificados os impactos aos direitos humanos como
consequência da instalação e operação da mesma.
Posteriormente, na seção 3 analisou-se a evolução histórica da questão socioambiental
no mercado financeiro e, principalmente, no BNDES identificando os principais instrumentos
delimitadores da responsabilidade social e ambiental dos agentes econômicos. Além disso,
verificou-se a incongruência entre os parâmetros nacionais e internacionais adotados de
desenvolvimento com respeito aos direitos humanos e a efetiva concessão de financiamentos.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 59
AS POISON PILLS E SEUS NOCIVOS EFEITOS NA EXPERIÊNCIA BRASILEIRA
Rogério de Souza Torres31
PALAVRAS-CHAVE: dispersão acionária; poison pills, custos de transação; custos de
agência; teoria institucional.
A estabilidade econômica e monetária experimentada pelo Brasil a partir dos anos de
1990, decorrência da substituição de um modelo de Estado eminentemente interventor por um
modelo de Estado regulador, favoreceu a expansão do mercado de valores mobiliários a ponto
de se passar a admitir – em confronto com a nossa própria tradição - a pulverização do capital
das companhias abertas (dispersão acionária) e a possibilidade de exercício do controle por
grupos de acionistas minoritários, na esteira do que propugnavam Berle e Means, em 1932,
quando já faziam clara distinção entre propriedade e controle. Tal inovação doméstica, que
levou à criação de novos arranjos societários, veio acompanhada da necessidade de serem
estabelecidas estratégias de defesa ou de antiaquisição nesse novo ambiente de acirrada
disputa pelo controle gerencial das companhias.
As chamadas poison pills (pílulas de veneno), que por aqui se consubstanciaram
ordinariamente32
em cláusulas estatutárias33
sem possibilidade de supressão ou modificação34
,
pretendiam desestimular a tentativa de tomada do poder através do encarecimento dos custos
da operação. Criadas nos Estados Unidos, em 1982, pelo advogado Martin Lipton, as poison
31
Rogério de Souza Torres é advogado, especialista em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes
(UCAM/RJ) e pós-graduando em Direito Empresarial, Relações do Trabalho e Inovações Tecnológicas pela
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), e-mail: [email protected]. 32
Modesto Carvalhosa explica que a poison pill assumiu três formatos no Brasil: i) o tag along, previsto no art.
254-A da Lei das S/A; ii) a pílula contratual, de caráter parassocial, que se dá através do acordo de acionistas,
previsto no art. 118 da Lei das S/A; e iii) a pílula estatutária, a mais utilizada, que se estabelece por meio de
cláusula-repelente no próprio Estatuto da companhia, também de caráter parassocial, e que normalmente vem
acompanhada de outra disposição que a torna inalterável (CARVALHOSA, 2009, p. 23-6). 33
A companhia precursora no Brasil em matéria de adoção de cláusulas estatutárias foi a Ideiasnet, que no final
dos anos de 1980 passou a prever em seu estatuto a exigência de OPA (oferta pública de ações) para todos os
acionistas em caso de aquisição de 40% do capital, devendo a oferta ser reduzida de forma proporcional para os
casos de aquisição de participação de 25% ou mais do capital social. No país tem-se verificado que as empresas
vão cada vez mais optando por gatilhos (percentuais de aquisição hostil) menores, chegando a 35% nos casos da
Embraer, Invest Tur e Log-In (CARVALHOSA, op. cit., p. 26). 34
Calixto Salomão Filho defende que as poison pills serão nulas se vierem acompanhadas de cláusulas que lhes
emprestem caráter de perpetuidade, isto porque seriam meramente potestativas (si volam, “se eu quiser”), e,
nestas condições, violariam o art. 122 do Código Civil, que, então, retira-lhes a validade (SALOMÃO FILHO,
2002, p. 139).
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 60
pills possuíam por lá formatação bastante diferente, consistindo-se num direito de todos os
acionistas não participantes do grupo interessado na tomada do controle de realizarem a
compra de ações da companhia-alvo com descontos muito vantajosos (preferred share
purchase rights plan).
O Brasil, como visto, não consolidou o padrão americano, e a experiência mostrou
que os agentes brasileiros buscaram mais resguardar o seu perfil acionário que propriamente
sustentar a pulverização do capital. Em terra brasilis, a função natural das poison pills, de
impedir a concentração de capitais, não foi suficientemente cumprida. Nestas condições, as
cláusulas foram em muitas vezes utilizadas para manter no poder grupos de controle
deficitários. Obviamente que a defesa desmedida do poder de controle como um fim em si
mesmo pode ameaçar a própria sustentabilidade da atividade frente ao aumento dos custos de
transação (Coase, 1937) e de agência, estes últimos advindos da não composição do conflito,
mas antes de sua persistente subsistência (Jensen e Meckling, 1976).
Sob o enfoque da teoria institucionalista de Douglass North35
, queremos demonstrar
que (re)arranjos institucionais cooperativos, baseados na criação de boas práticas de
governança corporativa, podem se mostrar mais adequados, inovadores e eficientes que as
próprias poison pills, que acabaram também por trazer enormes custos em função da drástica
diminuição do preço das ações em disputa e problemas adicionais de liquidez resultantes da
emulação do valor das ações que ao revés possibilitam escaladas inesperadas e de ocasião.
A preservação dos interesses de todos os stakeholders, as reduções dos conflitos e do
contencioso judicial podem ser realizadas por meio de uma regulação privada, e não
necessariamente através da intervenção estatal, economizando-se custos de transação e de
agência, induzindo-se o equilíbrio entre os agentes, fomentando investimentos e maximizando
ganhos coletivos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARVALHOSA, Modesto. As poison pills estatutárias na prática brasileira, alguns aspectos
de sua legalidade. In: CASTRO, Rodrigo R. Monteiro et all. Direito societário: desafios
atuais. São Paulo: Quartier Latin, 2009.
35
NORTH, 1990, p. 12.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 61
BERLE, Adolf A., MEANS, Gardiner C. A moderna sociedade anônima e a propriedade
privada. 2ª ed. São Paulo: Abril Cultural, 1984.
COASE, Ronald H. The nature of the firm: Origins, Evolution and Development. Oxford:
Oxford Press, 1993.
JENSEN, Michael C., MECKLING, William H. Theory of the firm: Managerial behavior,
agency costs and ownership structure. Journal of Financial Economics 3, 1976.
NORTH, D. C. Institutions, institutional change and economic performance. New York:
Cambridge University Press, 1990.
SALOMÃO FILHO, Calixto. O novo direito societário. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 62
O ATCA COMO INSTRUMENTO DE RESPONSABILIZAÇÃO DE EMPRESAS
TRANSNACIONAIS POR VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS EM UM
MUNDO GLOBALIZADO
Luiz Carlos Silva Faria Junior36
Matheus Oliveira37
Raphaela Rodrigues Santos38
Palavras-chave: ATCA; empresas transnacionais; direitos humanos.
Desde o pós-guerra, um cenário globalizado vem sendo construído, criando conflitos
antes impensáveis, e estabelecendo um estado dialético de territórios, em que, segundo Santos
(1994), um território “estatizado”, que tem o Estado como seu fundamento e por ele é
moldado, entra em atrito com um território “transnacionalizado”, global, de interesse das
empresas, que vem se concretizar pela lógica do lucro.
Como bem observa Fraser (2005), nos afastamos cada vez mais do “enquadramento
Keynesiano-Westfaliano”, que tem seu centro de reivindicação por justiça no Estado
territorial e distingue fortemente o espaço doméstico do espaço internacional, concentrando
na figura do Estado a tarefa de resolver os problemas de redistribuição socioeconômica e
reconhecimento legal ou cultural. Cada vez mais as decisões tomadas em um Estado afetam a
vida dos que estão fora dele, assim como as ações das empresas transnacionais, dos
especuladores financeiros e dos grandes investidores tem impacto global.
O próprio conceito de corporação transnacional reafirma a necessidade de
identificação de um novo paradigma de responsabilização e enquadramento, que ultrapasse o
conceito de Estado nacional. Segundo Nolan e Taylor (2009):
“The term ‘transnational corporation’ refers to an economic entity
operating in more than one country or a cluster of economic entities
36
Luiz Carlos Silva Faria Junior, graduando do 10º período do curso de Direito pela Universidade Federal de
Juiz de Fora. Bolsista do Projeto Direitos Humanos e Empresas, financiado pela Fundação Ford. E-mail:
Matheus Oliveira, graduando do 2º período do curso de Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora.
Bolsista Cnpq-Capes do Projeto Direitos Humanos e Empresas. E-mail: [email protected]. 38
Raphaela Rodrigues Santos, graduanda do 7º período do curso de Direito pela Universidade Federal de Juiz de
Fora. Bolsista do Projeto Direitos Humanos e Empresas, financiado pela Fundação Ford. E-mail:
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 63
operating in two or more countries – whatever their legal form,
whether in their home country or country of activity, and whether
taken individually or collectively”
Para compreender a necessidade de um instrumento eficaz para a responsabilização
das empresas transnacionais por violações a direitos humanos dentro deste novo
enquadramento pós Keynesiano-Westfaliano, tomamos o modelo de financiamento de
projetos de empresas transnacionais desenvolvido por Sheldon Leader.
Leader (2011) identifica 8 atores fundamentais na instalação de um projeto de uma
empresa transnacional, e faz um esforço no sentido de desvendar as relações e interesses
desses atores na construção e operação desta filial, chamada “special vehicle purpose” ou
SPV, ponderando seus interesses e os riscos gerados, identificando os mecanismos criados
pela matriz controladora, chamada “sponsor”, para escapar da responsabilização pelos danos
causados e direitos violados pela SPV.
Na revisão da sua teoria da justiça, Fraser (2005) identifica no enquadramento
Keynesiano-Westfaliano uma dupla dimensão do conceito de justiça, que consiste na
econômica (distribuição) e na cultural (reconhecimento), no entanto, com o surgimento de um
novo enquadramento, torna-se visível uma terceira dimensão, a dimensão política da justiça,
que discute o palco em que as lutas por distribuição e reconhecimento são conduzidas,
questionando a questão da representação.
Esta dimensão política da justiça, por sua vez, é dividida em três níveis, a falsa
representação política-comum, o mau enquadramento e a falsa representação metapolítica.
Interessa-nos o segundo nível nessa discussão, pois este se relaciona à delimitação das
fronteiras da comunidade política, que possibilita a responsabilização dos atores envolvidos.
Através do mau enquadramento, nega-se aos indivíduos a possibilidade de formular
reivindicações, sejam estas por distribuição, reconhecimento ou representação, excluindo os
indivíduos da esfera de acesso aos meios de reivindicação ou excluindo os atores violadores,
como as empresas transnacionais, do panteão de sujeitos passivos de reivindicação. E é nesse
ponto que o ATCA se insere.
O ATCA, Alien Tort Claims Act, é instituto do direito norte-americano criado em
1789 para julgar casos de pirataria. Dormente por quase 200 anos, voltou a ser utilizado no
final da década de 80 para a responsabilização por violações a direitos humanos em países
estrangeiros.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 64
O instrumento de natureza única tem como requisitos que o sujeito ativo seja
estrangeiro, que ele traga à corte distrital norte-americana um caso de cometimento de ato
ilícito ou “injustiça” que viole os direitos humanos compreendidos entre a “law of nations” ou
um tratado assinado pelos Estados Unidos, com o sujeito passivo podendo ser Estado, pessoa
física ou empresa.
Em 1997, o caso Doe v Unocal39
foi emblemático na responsabilização de
corporações privadas através do ATCA por violações a direitos humanos, pois o magistrado
reconheceu as corporações como sujeitos passivos legítimos, apesar de dispensar a causa por
não conseguir provar que as violações são parte da “law of nations”. Após esta, diversas
outras ações contra empresas foram movidas, assumindo o instituto protagonismo neste tipo
de demanda.
No entanto, a responsabilização através do ATCA não é tão simples e direta quanto
parece. O instituto é repleto de conceitos jurídicos indeterminados e lacunas que abrem
espaço para decisões políticas. E apesar de ter sido criado há mais de duzentos anos, a sua
aplicação a casos de violações de direitos humanos por empresas é bastante recente, contando
com uma jurisprudência ainda em construção, e se verificando como uma nova tecnologia que
vale a pena ser estudada e aprofundada, dentro deste novo contexto de colonização
transnacional do Brasil, com os megaeventos e megaempreendimentos.
Dessa forma, diante do modelo traçado por Leader, o ATCA é instrumento eficiente
para a responsabilização da empresa controladora do projeto, quebrando os mecanismos
empresariais criados e ultrapassando o “corporate veil”, bastando que se prove uma relação
da “sponsor” com a SPV, o repasse dos lucros para a primeira e a caracterização de
subordinação entre as duas para se comprovar o nexo causal e possível responsabilidade da
empresa transnacional.
E diante do enquadramento pós Keynesiano-Westfaliano proposto por Fraser, o
ATCA se encaixa no “Princípio de todos os afetados”, que estabelece que todos aqueles
afetados por uma dada estrutura institucional ou empresarial têm o status moral de sujeitos de
justiça em relação a ela. Deste modo, o que enquadra os indivíduos é a própria instituição,
desaparecendo a barreira geográfica e possibilitando a litigância em país diverso do de origem
da violação a direitos humanos, como propõe o próprio instituto norte-americano.
39
Decisão do caso disponível em: <http://www.earthrights.org/sites/default/files/legal/Unocal-Decision-
0056603.pdf>.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 65
PROTEÇÃO JURÍDICA À PROPRIEDADE INTELECTUAL: PERSPECTIVAS E
DESAFIOS DA ZONA DA MATA MINEIRA E VERTENTES
Lívia do Nascimento Grossi40
Palavras-chave: propriedade intelectual; universidades públicas; Zona da Mata e Vertentes
A criatividade do intelecto humano é capaz de grandes descobertas e inovações.
Assim a humanidade pode alcançar um alto nível de desenvolvimento tecnológico e qualidade
de vida.
A propriedade intelectual se torna importante para o desenvolvimento
socioeconômico à medida que a inovação tecnológica ocupa lugar central na competitividade
entre países que atuam em um cenário globalizado.
A Propriedade Intelectual abrange os direitos relativos às invenções em todos os
campos da atividade humana, às descobertas científicas, aos desenhos e modelos industriais,
às marcas industriais, de comércio e de serviço, aos nomes e denominações comerciais, à
proteção contra a concorrência desleal, às obras literárias, artísticas e científicas, às
interpretações dos artistas intérpretes, às execuções dos artistas executantes, aos fonogramas e
às emissões de radiodifusão, bem como os demais direitos relativos à atividade intelectual no
campo industrial, científico, literário e artístico.
Assim, cresce a importância da propriedade intelectual como instituição necessária
para dar proteção, resguardar as partes envolvidas e facilitar a valorização econômica dos
ativos intangíveis.
Discutir o papel e as funções da universidade pública é uma tarefa difícil e exige uma
grande reflexão de sua história e contexto. Dessa forma, esse trabalho não teve a pretensão de
propor alterações no sistema administrativo das universidades públicas. Buscou, no entanto,
fazer uma análise acerca da Propriedade Intelectual e suas formas de proteção nas instituições
de ensino da Zona da Mata Mineira e Campo das Vertentes, comparando e verificando de que
maneira a propriedade intelectual e sua respectiva proteção jurídica pode contribuir para o
desenvolvimento econômico da região.
40
Graduada em direito pela Universidade Salgado de Oliveira de Juiz de Fora, 2012. Monografia apresentada para conclusão do curso. E-mail: [email protected].
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 66
A importância central do estudo aqui proposto se referiu a sua relevância para as
pesquisas nas diversas áreas do saber, notadamente as ciências da vida e tecnologia,
engenharia e, também a toda área de produção cultural profissional, atingindo assim uma
enorme gama de disciplinas. Visou também apontar as dificuldades e necessidades de
pesquisadores, inventores e autores para proteger o seu invento, conhecimento e pesquisa.
Como objetivo específico, pretendeu-se identificar as áreas de produção de
conhecimento protegidos juridicamente nos regimes da Propriedade Intelectual, identificar os
problemas e soluções à efetiva proteção jurídica da Propriedade Intelectual, analisar o
ordenamento jurídico brasileiro, buscando demonstrar os fundamentos legais existentes para
adoção de políticas públicas voltadas ao fomento da utilização da propriedade intelectual
como instrumento de desenvolvimento no país e fazer um comparativo entre as Instituições,
identificando os principais desafios e perspectivas.
Para tanto a pesquisa foi realizada através de estudos jurídicos existentes, legislação
nacional pertinente e questionário estruturado para a pesquisa de campo.
O material foi obtido por meio de artigos publicados em revistas especializadas,
livro, textos publicados na internet, sites das instituições, do INPI entre outros.
No primeiro capítulo deste estudo foi abordado o histórico legislativo acerca da
Propriedade Intelectual.
No segundo capítulo foi abordado toda parte conceitual sobre a propriedade
Intelectual e a sua divisão.
No terceiro capítulo foi abordada a composição da pesquisa de campo: a Propriedade
Intelectual e as universidades com a caracterização da pesquisa delimitação do universo da
pesquisa, o panorama brasileiro e resultados e discussão.
A gestão da propriedade intelectual, nas Universidades, depende da definição de uma
política, com planos de metas e ações que permitam a difusão e a adoção de mecanismos e
procedimentos necessários à proteção do conhecimento, como também a transferência desse
conhecimento para o setor produtivo de bens e serviços.
Os números dos pedidos de patentes por parte de universidades e institutos de
pesquisa na Zona da Mata e Vertentes ainda é pequeno. No ambiente acadêmico, ainda
predomina a noção de que o novo conhecimento deve ser imediatamente publicado e
livremente intercambiado. O pensamento ainda é de que as pesquisas empreendidas nas
universidades não têm necessariamente que resultar em algo comercializável e não buscam
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 67
necessariamente atender ao mercado. O lucro não é o objetivo dos projetos. Por outro lado, a
atividade empresarial enfatiza a obtenção de lucro, a preocupação com a qualidade e
segurança, o preço dos produtos e a manutenção do sigilo em torno das atividades
tecnológicas e comerciais.
O patenteamento e o licenciamento são indicadores para avaliar o trabalho dos
professores e pesquisadores e podem ser motivadores uma vez que, de acordo com a
legislação nacional, os inventores possuem o direito resguardado de participarem
financeiramente dos lucros gerados pela comercialização do invento. Todavia, faz-se
necessário que os professores percebam que poderão ter esse benefício ao cooperarem com a
proteção e transferência do resultado de suas pesquisas.
O mais importante a ser considerado é a disseminação da cultura da proteção do
conhecimento. Na academia, algumas questões devem ser preservadas, pois isto é o que a
diferencia dos demais setores da sociedade. No entanto, é importante desenvolver
mecanismos que permitam a relação da universidade com o setor produtivo de bens e
serviços, onde se deve efetivar o aprimoramento da tecnologia e inovação, tomando como
base o conhecimento gerado nas instituições públicas de pesquisa, que pode e deve ser
transferido, resultando, assim, em progresso econômico, social e enriquecimento cultural.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 68
INOVAÇÃO COMPARTILHADA E INCENTIVADA COM JUSTIÇA: DA
PROTEÇÃO AO MERCADO DE IDEIAS E DESCOBERTAS PARA UMA
VERDADEIRA DEMOCRACIA DA INOVAÇÃO
Leandro Antonio Borges41
Palavras-chaves: democracia e inovação; inovação e integridade; agilidade empreendedora.
1. Introdução
O mundo, cada vez mais globalizado e conectado, vem permitindo que boas ideias
tenham grandes chances de serem levadas a sério. Fato importante, uma vez que por meio de
uma maior amplitude da inovação a sociedade tem a oportunidade de ver soluções reais a
problemas enfrentados em seu dia-a-dia.
Porém, para que este modelo aberto se desenvolva adequadamente, não basta que as
boas ideias sejam levadas a sério. É necessário, numa concepção dworkiana, que o direito da
inovação seja, também, levado a sério.
Não há dúvidas que problemas complexos e de grande interesse social podem
encontrar soluções impulsionados por sistemas jurídicos de incentivo e proteção à inovação.
Entretanto, fica a dúvida dos limites para que os institutos jurídicos não sejam norteados por
uma racionalidade econômica, afastando do genuíno interesse público. Sendo assim, a grande
questão é: como a inovação pode ser compartilhada e incentivada com mais justiça?
Nossa hipótese é que somente existe inovação com justiça, se ocorrer uma
democratização inclusiva da inovação. Sendo que somente haverá uma democratização
inclusiva se: a) ocorrer um compartilhamento justo da inovação; e b) o incentivo a inovação
for além da mera proteção e controle a propriedade intelectual.
Neste sentido, buscamos neste trabalho, de forma resumida, percorrer estas duas
diretrizes.
2. Conceito democrático de inovação
41
Advogado, bacharel em direito. [email protected]
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 69
Como ponto de partida, entendemos que seja importante realocar o conceito de
inovação, colocando-o em uma posição mais democrática e inclusiva. Pois, a partir deste
conceito, podemos construir desdobramento de bases jurídicas integrativas.
O conceito de inovação deve ser atrelado à geração de valor pela e para sociedade,
de forma mais ampla possível. Este valor deve ser real, concreto e percebido pela sociedade.
Não prestando, meramente, o valor da ideia ou da descoberta em si, mas o valor do problema
social resolvido.
Partindo deste conceito central e integrativo, acreditamos que a realização de uma
inovação democrática inclusiva passa por dois pontos: a)um direito inovativo como
integridade, sendo coerente com a estrutura dos princípios que fundamentam sua proteção e
existência na sociedade; e b)um sistema jurídico que vá além das patentes, privilegiando uma
agilidade empreendedora.
3. Direito como integridade: orientando o compartilhamento justo da inovação
A inovação é, pela sua própria natureza, mutante e a frente do que já pensamos até
então. Desta forma, um sistema jurídico baseado em regras fechadas não é capaz de dar
respostas seguras e adequadas a questões até então não imaginadas. Casos difíceis surgem à
medida que a inovação se desenvolve, colocando em risco os fundamentos do próprio
conceito democrático de inovação. Isto porque, pode permitir que o direito de proteção a
inovação se perca em meio a direitos individuais de proteção a propriedade intelectual.
Com isso, é fundamental que no plano do direito existam teorias e instrumentos
eficientes e seguros, capazes de acompanhar a velocidade mutante da inovação, mantendo,
contudo, uma integridade com a estrutura que justifica a própria existência de tal direito na
sociedade.
O direito inovativo deve ser, então, a um só tempo, aberto e congruente, para
acompanhar a própria natureza da inovação, que corriqueiramente trará novas dúvidas de
posicionamento moral e de senso de justiça. Dúvidas estas que exigem do direito uma
abertura justificada e adequada, integrando cada caso a uma interpretação certa e pré-
existentes.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 70
Com isso, por meio de um fundamento teórico do direito como integridade, permite
corrigir possíveis distorções de regras protetivas a propriedade intelectual, baseando a
interpretação em um compartilhamento justo da inovação.
4. Direito inovativo além das patentes (agilidade empreendedora): incentivo justo a inovação
Apesar do compartilhamento justo ser desejado, sendo um dos pilares da inovação
democrática, ele sozinho não é capaz de elevar o número de inovações que podem ser
compartilhadas. É desejável o aparecimento de muitas soluções concretas para problemas
sociais variados.
Desta forma, deve existir, também, uma diretriz inclusiva, como um segundo pilar da
inovação democrática. Este segundo pilar tem a finalidade de aumentar o número de pequenos
participantes na construção da inovação. Questão que é de grande interesse público, visto que
muitos problemas sociais de baixa expressão econômica, mas ainda lucrativos, serão
resolvidos por pequenos participantes que tenham interesse na solução concreta destes
problemas.
Mas como permitir que mais indivíduos participem do jogo da inovação?
Acreditamos que o caminho seja um direito inovativo mais amplo, atrelado a
conceitos de agilidade empreendedora. Isto porque, é o empreendedorismo que transforma
uma patente em um produto ou serviço de valor para a sociedade. Como inovação
democrática não é somente o valor da ideia ou da descoberta em si (propriedade intelectual),
mas o valor do problema social resolvido, um direito de incentivo a agilidade empreendedora
fomentaria uma inclusão democrática na solução de vários problemas sociais de menor
potencial econômico.
Caso contrário, teremos uma inovação estreita e focada na busca de solução para os
problemas sociais de cunhos mais lucrativos, a serem resolvidos na prática pelas grandes
corporações. O que afasta uma maior diversificação de oportunidades de soluções a
problemas de menor potencial econômico, porém de grande interesse social.
Neste sentido, o direito da inovação deve ir além da proteção de patentes e da
regulamentação da transferência de tecnologia. É preciso que as ideias e descobertas sejam
realizadas para o mundo real de maneira ampla e diversificada e não, somente, protegidas e
vendidas.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 71
O incentivo a uma “ganância regulada” pode fazer bem. Isto se as regras de falhas
empreendedoras forem ajustadas a boa-fé e a “recompensas” pela tentativa de resolver
problemas sociais importantes, ainda que de baixa expressão econômica.
O fato é que o direito da propriedade intelectual, sozinho, é mero reflexo imperfeito
da inovação como um todo. Pois não é capaz de dar resposta concreta, real e em escala para
sociedade. Como consequência, o direito de patentes não é suficiente para uma inovação
democrática inclusiva.
5. Conclusão
Devemos evoluir de um sistema da mera proteção a um mercado de ideias e
descobertas para um verdadeiro sistema democrático na inovação.
Para tanto, é fundamental realocar o conceito de inovação, colocando-o em uma
posição mais democrática e inclusiva, que remeta a ideia de geração de valor pela e para
sociedade, de forma mais ampla possível. Sendo certo que este valor deve ser percebido pela
sociedade, não sendo suficiente o valor da ideia ou da descoberta em si, mas o valor do
problema social resolvido.
Com isso, concluímos que a busca deve ser orientada para uma inovação democrática
e não uma inovação democratizada, ou seja, difundida democraticamente. É preciso que a
inovação não perca em interesses individuais, nem se democratize sem a devida inclusão de
muitos em seu processo de criação e desenvolvimento.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 72
INOVAÇÃO E POLÍTICAS PÚBLICA: ORGANIZANDO PÓLOS DE INOVAÇÃO
REGIONALIZADOS
Daniel Francisco Nagao Menezes42
José Francisco Siqueira Neto43
Palavras Chave: Inovação; Polos de Inovação, Políticas Públicas Regionalizadas
O tema das Políticas Públicas44
vem ganhando espaço na agenda política nacional
recebendo atenção cada vez maior do Poder Público e das Universidades. As Políticas
Públicas buscam dimensionar a atuação do Estado em setores estratégicos da sociedade,
preferencialmente elaborando o plano de atuação com participação popular.
O termo Inovação por sua vez, é muito mais amplo que a expressão Inovação
Tecnológica, que é um dos ramos da Inovação. O Brasil vem adotando uma série de medida
que visam estimular a Inovação, possuindo as Universidades, um papel de destaque nestas
medidas, especialmente através dos NIT’s – Núcleos de Inovação Tecnológica que visam a
atuação prática da Universidade na Inovação (de produtos ou de gestão), alterando o velho
conceito de que a produção de conhecimento é feita exclusivamente por papers.
Além da Universidade, o setor produtivo também foi estimulado a adotar práticas
inovadoras, seja pela lei 10.973/04 que traz incentivos à inovação no âmbito produtivo; como
a lei 11.196/05 que concede benefícios fiscais às empresas que invistam em pesquisa
inovadora.
42
Advogado. Professor da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie campus de Campinas.
Mestre e Doutorando em Direito Político e Econômico pela mesma Universidade. E-mail:
Advogado, Mestre (PUC-SP) e Doutor (USP), Professor Titular e Coordenador do Programa de Pós-
Graduação em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie. E-mail:
“Um primeiro passo para se discutir política pública é compreender o conceito de “público”. As esferas que
são rotuladas como públicas são aquelas que estão em oposição a outras que envolvem a ideia de “privado”. O
público compreende aquele domínio da atividade humana que é considerado necessário para a intervenção
governamental ou para a ação comum.” (DIAS, 2012, p. 11)
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 73
Somando o papel da Universidade, do Setor Produtivo e do Estado, podemos afirmar
que existe no Brasil, uma Política Pública sobre Inovação, a qual merece ser analisado do
ponto de vista da Teoria das Políticas Públicas.
No processo de elaboração de Políticas Públicas, temos inicialmente, a etapa da
formação do problema público, isto é, o reconhecimento da necessidade de resolução de
determinado problema coletivo; a formação da agenda, consistente na entrada dos problemas
nos debates públicos; a formulação das alternativas e a decisão sobre elas; a implementação
destas decisões públicas e; o acompanhamento e avaliação da política pública.
No caso, temos que é perfeitamente possível no Brasil, pela estrutura econômica e
legislativa existente, a implementação de polos de inovação, especialmente tecnológicos, em
parceria empresa e universidade, como já ocorre em diversas localidades e com relativo êxito.
O que se propõe neste resumo é que, os polos tecnológicos, fazendo parte de uma
Política Pública de Inovação, devem se interligados evitando-se formulação de pesquisas e
atuações sobrepostas.
A atuação dos polos de inovação deve ser coordenada, sendo que, cada polo deve
possuir atuação conexa com os polos vizinhos ou ainda, de forma complementar, modo no
qual, cada polo realizará parte de um projeto maior. Para tanto, deve existir a delimitação
geográfica dos polos envolvidos, aproximando a atuação dos polos das necessidades locais e
regionais. Tal questão torna a política pública do polo de inovação, regional ou local.
Não há razão técnica ou operacional para os polos de inovação sejam organizados
isoladamente, em cada Município ou Estado, tratando de um ou alguns assuntos de forma
independente. O modelo de desenvolvimento dos polos de inovação interligados deve ser
semelhante ao Arranjo Produtivo Local, permitindo a organização de vários polos que atuem
com uma identidade prática, potencializando os resultados.
O papel da Universidade é de organizar o funcionamento dos diversos polos regionais,
determinando não só a atuação de cada um, como também solucionando conflitos e
concentrando o conhecimento gerado pela atuação dos polos.
O grande entrave do modelo de polos de inovação coordenados ou complementares é a
distribuição de competência feita pela Constituição Federal de 88. Nela, as competências de
atuação do Poder Público, são extremamente rígidas, não existindo previsão legal para
competências regionalizadas ou mesmo, mecanismo de implementação de políticas públicas
que envolvam mais de um ente político.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 74
A solução – paliativa – é o uso de consórcios públicos setorizados, isto é um
consórcio, envolvendo Municípios, Estado(s) ou até mesmo União, empresas e universidades,
determinando especificamente o papel de cada ator envolvido, sendo que, o Consórcio
Público, nos termos da lei 11.107/05, prevê personalidade jurídica para este Consórcio fato
que, aumenta a capacidade de conjuntura desta solução.
O uso dos Consórcios Públicos – somente no setor de Inovação advirta-se – permite a
resolução do entrave das competências constitucionais e a abertura de uma nova possibilidade
de atuação para os polos de inovação incrementando este política pública que é, o
induzimento do polo de inovação pelas compras governamentais, suprindo inclusive uma
lacuna da lei 8.666/93. Raras vezes, o setor público busca estimular o desenvolvimento de
soluções inovadoras que representem um estímulo ao desenvolvimento de novas tecnologias,
com a honrosa exceção da urna eletrônica. Com o uso dos Consórcios Públicos, os governos
podem encomendar projetos inovadores, inclusive com uso dos Fundos Setoriais, e
utilizando-se o mecanismo de subvenção econômica para as empresas e valendo-se do
conhecimento da Universidade. Com isso, as compras governamentais podem ser utilizadas
como Política Pública de induzimento dos polos de inovação regionais.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
DIAS, Reinaldo; MATOS, Fernanda. Políticas Públicas – Princípios, Propósitos e
Processos. São Paulo: Atlas, 2012.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 75
DIREITO À PATENTE E INTERVENÇÃO DO ESTADO: O CASO DAS DOENÇAS
NEGLIGENCIADAS
Marcos Vinício Chein Feres
Camila Delgado Dotta
Larissa Soares Albuquerque
PALAVRAS-CHAVE: direito; políticas públicas; patentes; doenças negligenciadas.
Este estudo pretende analisar o instituto do direito à patente e sua influência na
produção de fármacos direcionados ao tratamento das doenças negligenciadas. Malária,
dengue, leishmaniose, dentre outras, são exemplos de doenças que atingem populações de
países pobres, sendo em muitos casos, fatais. Os mais atingidos por estas doenças não têm
grande poder aquisitivo, motivo pelo qual não despertam o interesse econômico das indústrias
farmacêuticas em investir na pesquisa e produção de medicamentos para estas patologias.
Além dessa notória falha de mercado, também são escassas e ineficientes as políticas públicas
voltadas à solução do problema. Surge, então, uma situação preocupante: o acesso a remédios
e, por consequência, à saúde, fica cerceado para grande parte da população mundial.
Atualmente, a concessão de patentes é um dos principais meios de incentivar o
pioneirismo científico e a implementação de novidades na indústria. Porém, há polêmicas a
respeito das distorções na aplicação dessa proteção, principalmente devido ao abuso de poder
de mercado, ou ainda a respeito da sua eficácia. No ramo farmacêutico essas polêmicas
assumem um caráter ainda mais urgente, tendo em vista que tangenciam, em última análise, o
direito à vida e à dignidade do indivíduo. Por isso fala-se muito em quebra de patentes por
interesse maior da sociedade, tendo sido o Brasil o palco de um recente episódio de quebra de
patente de um medicamento anti-AIDS.
Diante desse panorama, tem-se por objetivo geral compreender a proposta de
patentes para o desenvolvimento de drogas para doenças negligenciadas, tendo em foco as
falhas de mercado e as falhas das políticas públicas para inovação dos insumos à saúde. Além
disso, pretende-se delimitar a intervenção do Estado na economia a partir dos referenciais
teóricos adotados, refletindo quanto à sua legitimidade. Para alcançar este objetivo geral é
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 76
preciso seguir diretrizes mais específicas, como a análise de textos teóricos e legais sobre o
assunto, extraindo deles conteúdo que possa ser reavaliado na matriz teórica exposta, e a
avaliação crítica de decisões administrativas e judiciais referentes ao direito patente. Busca-se
ainda apresentar uma proposta de interpretação construtiva da Lei nº 9279/96 (Lei de
Patentes) e investigar meios pelos quais a legislação e futuras regulamentações de políticas
públicas possam modificar esse processo de exclusão de determinados indivíduos doentes do
mercado farmacêutico. Para que o caso difícil das doenças negligenciadas seja solucionado, é
necessário confrontar a busca por lucro das empresas e a necessidade de se produzir mais
medicamentos que combatam essas enfermidades. Assim, será possível determinar se e até em
que medida é admissível sobrepor o direito à inovação ao direito à saúde.
O método de análise de conteúdo utilizado foi a pesquisa qualitativa a partir de traços
de significação (“unobtrusive research”, segundo BABBIE (2000)). A partir dos objetivos
traçados, propõe-se o estudo de textos teóricos e legais, a fim de se construir um sistema
analítico de conceitos que possa ser aplicado na interpretação das leis referentes à propriedade
intelectual e às políticas públicas para desenvolvimento de insumos à saúde, sobretudo os
direcionados ao tratamento das doenças negligenciadas. Quanto às técnicas de pesquisa,
optou-se pela documentação indireta (bibliográfica e documental), considerando que a base
metodológica consiste na análise de conteúdo. Esta pesquisa tem caráter propositivo, uma vez
que pretende por meio do referencial teórico adotado aprimorar a proteção jurídica das novas
criações com propriedades farmacêuticas, e ainda validar a aquisição da propriedade
intelectual tendo por norte ampliar o acesso à saúde. A pesquisa se pretende também
projetiva, pois vislumbra apontar as tendências de mudança na estrutura hermenêutica e
monológica do Direito, abrindo o diálogo entre essa Ciência Social aplicada com outras
vertentes.
Os referenciais teóricos que sustentaram este estudo foram a teoria do direito como
integridade de Ronald Dworkin (1985) e a teoria moral de Charles Taylor (1989). Em sua
obra “O Império do Direito”, Dworkin trabalha com a perspectiva da integridade do Direito,
que pressupõe a existência de uma comunidade personificada e de princípios que a orientam;
a integridade é um ideal interpretativo essencial na teoria do autor que defende ser o direito
uma prática argumentativa e construtiva. Aplicando sua teoria, as decisões que serão tomadas
devem sempre advir de algum conjunto coerente de princípios, deduzido a partir de valores
universais e da prática jurídica, de modo que o Direito seja aplicado sob sua melhor luz. Se
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 77
por um lado Dworkin apresenta um forte embasamento teórico acerca da criação e aplicação
do Direito, Taylor agrega as reflexões necessárias para reconfigurar e para concretizar esse
substrato moral abstrato. Em “As Fontes do Self” (1989), Taylor trabalha uma série de
conceitos inter-relacionados que permitem articular Direito e moralidade. A partir da
compreensão do papel do indivíduo na comunidade, da construção de sua identidade e do
reflexo de suas escolhas morais, é possível se exigir coerência das decisões que emanam do
Estado. Através de distinções qualitativas de valor, pode-se regulamentar e aplicar o direito,
reconstruindo, assim, o sentido da prática jurídica. Apenas partindo do pressuposto que as
decisões tomadas no seio da comunidade decorrem de avaliações morais fortes é que se pode
verificar a relevância moral e a coerência das decisões.
A partir dos fundamentos teóricos citados é viável fazer uma avaliação moral do
problema, bem como uma reflexão mais crítica sobre possíveis soluções. Entender a lei como
a expressão da sociedade personificada e aplicá-la com coerência, não com mero
automatismo, mas através de um juízo moral, permite que o fim da propriedade patentária,
qual seja, o estímulo à originalidade, seja alcançado. Além disso, é possível vislumbrar outros
objetivos e dimensões implícitos na lei de propriedade intelectual, que não sejam apenas o
incentivo à inovação, e que no caso de medicamentos para doenças negligenciadas, permitam
uma maior concretização do direito à saúde.
Após todo esse procedimento racional de análise legislativa, teórica e prática, e
considerando que o número de pedidos de patentes de drogas para doenças negligenciadas é
pouco expressivo, conclui-se que a atual legislação de patentes (lei nº 9.279) não tem
estimulado a pesquisa e desenvolvimento neste campo. O direito é uma ferramenta eficaz para
retificar os defeitos da economia de mercado. O instituto da patente, portanto, precisa ser
repensado e reinterpretado com base em princípios e nas necessidades sociais. Devem-se
observar os parâmetros estabelecidos na lei de patentes não apenas em respeito à
exclusividade para contornar a imitação, mas também para incentivar investimentos no setor
farmacêutico. Por meio de políticas públicas instituídas por planejamento governamental que
visem corrigir a falha de mercado derivada da não atratividade econômica deste mercado
consumidor em países periféricos pretende-se solucionar a problemática das doenças
negligenciadas em nosso ordenamento jurídico.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 78
CONTRATOS DE COOPERAÇÃO TECNOLÓGICA E INOVAÇÃO: UMA ANÁLISE
ATRAVÉS DO DIREITO COMO INTEGRIDADE VOLTADO PARA UMA MORAL
SUBSTANTIVA45
Juliana Martins de Sá Müller46
Ludmila Esteves Oliveira47
Marcos Vinício Chein Feres48
Palavras-Chave: contratos de cooperação tecnológica; direito como integridade; direito como
identidade; inovação.
A Constituição Federal de 1988 determina que os inventos industriais devem ter em
vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país. Dessa forma,
um elemento essencial para que se atinja esses objetivos é a inovação, vista como um
exercício de acréscimo de conhecimento novo a dado produto, tornando-o mais competitivo
no mercado.
Partindo de tais premissas, esse trabalho se propõe a responder a indagação de como
os contratos de cooperação tecnológica podem aperfeiçoar o sistema da inovação conciliando
o interesse de exploração econômica do agente privado, os direitos do inventor e o papel das
ICT com o desenvolvimento nacional, estipulado pela lei. Objetiva-se entender o contrato de
cooperação tecnológica como um instrumento jurídico apto a aperfeiçoar a relação entre os
três agentes dentro do sistema de inovação e a promover uma reconstrução crítica do instituto
do contrato de cooperação tecnológica com base nos ideais de integridade e identidade.
O marco teórico adotado consiste na teoria do direito como integridade, de Ronald
Dworkin (1985), aliada à teoria da identidade do self, de Charles Taylor (1989). Em sua obra,
Dworkin define o Direito como uma prática, uma atitude argumentativa, devendo ele ser
íntegro tanto na criação como na aplicação das leis. A integridade é tida como fonte de
45
Esse trabalho tem apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG). 46
Graduada em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora, Bolsista de Apoio Técnico II da FAPEMIG. E-mail: [email protected] 47
Bolsista de Iniciação Científica, discente do sexto período da Faculdade de Direito da UFJF. E-mail: [email protected] 48
Doutor e Mestre em Direito Econômico pela UFMG, Professor Associado e diretor da Faculdade de Direito da UFJF. E-mail: [email protected]
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 79
Direito, envolvendo três requisitos, a saber, a equidade, a justiça e o devido processo legal
adjetivo, sendo esses os princípios que devem pautar uma comunidade fraterna. A equidade
envolve as escolhas políticas, enquanto a justiça trata das consequências dessas escolhas e o
devido processo legal adjetivo apresenta o viés procedimental. Cabe ressaltar que a justiça e a
equidade, para serem implementadas no complexo processo do direito como integridade,
exigem um elevado nível de comprometimento moral, demandando, portanto, para sua
consubstanciação, um referencial moral institucional. Assim, para conceber o referencial
teórico, a integridade dworkiniana deve ser complementada pelos conceitos taylorianos.
Taylor lança mão de uma forte e consistente crítica aos naturalistas e utilitaristas e busca
traçar a construção moral da identidade no ocidente para definir a identidade moderna.
Destaca-se ainda que a identidade tayloriana somente se faz entender através dos selves, seu
agir voltado para o bem, e sua interação dentro das redes de interlocução e também através
do uso de conceitos como o de respeito atitudinal e avaliações fortes.
A utilização do direito como integridade e identidade é necessária, pois, somente a
partir dessa definição, é possível a constituição do sistema analítico de conceitos que será
utilizado, a partir do qual será discutida a relação entre o agente privado e seu interesse de
exploração econômica, os direitos do inventor e o papel das ICT com o desenvolvimento
nacional e reconstruído criticamente o instituto do contrato de cooperação tecnológica em que
eles se inserem.
O presente trabalho comprova sua relevância pela complexidade do assunto
abordado e também por utilizar-se de uma ótica que congrega elementos zetéticos a uma
questão dogmática. Tento em vista o emprego de uma teoria moral substancial para analisar
tal instituto.
Adota-se como estratégia metodológica a realização de uma pesquisa qualitativa
fundada em traços de significação (unobstrusive research), segundo Babbie (2000). Para
tanto, é utilizado o método de análise de conteúdo e, a partir dos objetivos inicialmente
traçados, procura-se constituir um sistema analítico de conceitos os quais serviram de base
para analisar, com precisão, textos teóricos, o ordenamento jurídico brasileiro,
especificamente a Lei de Propriedade Intelectual (Lei n° 9.279/96) e a Lei de Inovação
Tecnológica (Lei n° 10.973/04), e o instituto do contrato de cooperação tecnológica. É nesse
sentido que se procura solucionar o problema exposto. Quanto às técnicas de pesquisa, opta-
se pela documentação indireta, ou seja, a bibliográfica e a documental, já que a base
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 80
metodológica consiste na análise de conteúdo. Dessa forma, são utilizados livros teóricos
sobre a teoria da integridade no direito, a teoria moral de Charles Taylor, assim como a
legislação referente à propriedade intelectual.
A opção somente poderia ser por essa metodologia, uma vez que se trata de uma
pesquisa teórica que objetiva reconstruir criticamente o instituto do contrato de cooperação
tecnológica, observando-se essa necessária interação entre integridade e identidade. Cabe
destacar que a presente pesquisa ainda se encontra em andamento.
A tensão entre o interesse de exploração econômica do agente privado, o direito
fundamental do inventor de ser reconhecido como titular da patente e o papel das Instituições
Científicas e Tecnológicas (ICT), muitas vezes, impede que o Contrato de Cooperação
Tecnológica alcance os objetivos cunhados pela Constituição Federal, notadamente o
interesse social e o desenvolvimento econômico e tecnológico. Dessa forma, para melhor
articulação do sistema de inovação em que esses agentes estão inseridos e concretização dos
propósitos supracitados, se faz necessário reconstruir criticamente os contratos de cooperação
tecnológica com vistas ao direito como integridade voltado para uma moral substantiva.
Somente por esse prisma poder-se-á atenuar a tensão na relação em questão, tensão essa que
impede um desempenho inovativo ótimo, visto que a inovação é um fenômeno sistêmico e
interativo, diretamente dependente da cooperação entre os agentes inseridos no sistema.
Assim, os contratos de cooperação tecnológica poderão ser tidos como verdadeiros
promotores de inovação, uma vez que, partindo-se do referencial exposto, os contratos de
cooperação tecnológica possam melhor cumprir seu objetivo de promoção da inovação,
galgando os desígnios da comunidade personificada expressos no texto constitucional.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 81
A RECONQUISTA CONTEMPORÂNEA DA LIBERDADE DE PENSAMENTO: DO
ESTOICISMO CLÁSSICO AOS PSICOATIVOS
Brahwlio Soares de Moura Ribeiro Mendes49
Palavras chave: liberdade interior; autodeterminação; estoicismo; psicoativos
A hermenêutica jusfilosófica tem se debruçado por séculos sobre a conceituação da
“liberdade”, bem como bastante sangue e esforços humanos foram dispendidos em sua busca.
Robert Alexy chegou a expor o viés de instigação ideológica intrínseco a tal conceito,
segundo o autor a liberdade seria invocada sempre que se deseja alterar um dado estado de
coisas, o qual é qualificado como escravizante pelos que desejam negá-lo. Sem desconsiderar
tal uso sócio-político do conceito, este trabalho pretende resgatar um de seus sentidos
originários, presente no estoicismo clássico, para o qual a verdadeira liberdade não se referiria
a questões políticas, restringindo-se a um plano interno de autoconstituição do homem.
Não se pode reduzir o estoicismo a uma escola unívoca, considerando-se que tal linha
iniciou-se em 321 a.C. com Zenão de Cício no Pórtico Pintado de Atenas e estendeu-se até o
chamado estoicismo imperial em Roma, com Sêneca, Epicteto e Marco Aurélio. Conservou-
se, entretanto, a ideia de liberdade interior como verdadeira liberdade, rejeitando-se a visão
majoritária segundo a qual a liberdade se daria pelo status de ser cidadão de uma cidade livre.
Deste modo, o estoicismo surge como uma filosofia de “escravos” lutando para que estes
possam ser livres sem qualquer necessidade de tornarem-se cidadãos. A liberdade consistiria
em ser virtuoso, construindo-se a si mesmo pelo livre pensar. Com isso, a escravidão não mais
consistiria num status político, mas sim numa questão existencial referente à autonomia
interna do ser perante o mundo, de modo que os acontecimentos externos ao homem não
sejam capazes de determiná-lo. Portanto, os estoicos unem liberdade de pensamento, livre
arbítrio e virtude, rejeitando determinações exteriores ao ponto de considerar o suicídio como
alternativa racionalmente legítima de manutenção desta tríade constituinte da verdadeira
liberdade e sabedoria.
49
Graduando do curso de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 82
Ao seu modo os estoicos conquistaram a possibilidade de liberdade
independentemente das questões de Estado. Poderiam ser livres ainda que acorrentados, desde
que fossem capazes de não permitir que tais acontecimentos externos determinassem sua
consciência. Além das interferências externas materiais à liberdade, haviam as paixões,
entendidas como impulsos psíquicos opostos às escolhas racionais, deste modo, mesmo um
imperador seria escravo caso estivesse dominado por suas paixões. Para este trabalho será de
extrema relevância notar o local reservado às paixões no pensamento estoico: tais impulsos,
embora se dessem dentro dos homens, ainda eram vistos como externalidades, como forças
externas à natureza humana racional, com a qual o estoico deveria se identificar. Daí a
convicção destes pensadores de que a verdadeira natureza humana consistiria no agir racional
e, portanto, virtuoso, distanciando-se da visão científica da natureza humana como mera
unidade bio-psíquica. Aliás, como no caso das paixões, a unidade bio-psíquica formadora dos
seres humanos poderia ser conflitante com sua verdadeira natureza. Uma racionalidade ideal
vinculada ao lógos é que garantiria a liberdade dos homens, sendo esta sua própria natureza,
da qual se afastariam apenas pela sedução das externalidade aparentemente preferíveis, mas
desnecessárias. Aqui, para nós, o relevante é notar que tal liberdade racional não idolatra a
constituição bio-psíquica dos homens, colocando como télos humano sua verdadeira
superação pela não sujeição às paixões nela inscritas.
Como demonstrou Matos em O Estoicismo Imperial como Momento da Ideia de
Justiça, a ideia estoica de liberdade interior desempenhou um papel fortemente relevante na
concepção contemporânea de justiça do Estado Democrático de Direito. Consistindo no
conceito estruturante de um momento abstrato e interno da liberdade que encontra
posteriormente sua face objetiva exterior no reconhecimento do direito de habeas corpus.
Entretanto, este trabalho pretende demonstrar como o reconhecimento objetivo
contemporâneo da liberdade interior, possivelmente influenciado por filosofias do
cristianismo, esqueceu-se de que a liberdade interior deve poder valer-se mesmo contra nossa
natureza bio-psíquica, não ficando obrigada a idolatrá-la como divina perfeição. Hans Kelsen,
em artigo intitulado A Alma e o Direito, apontou contradições entre a psicologia empírica e a
metafísica moderna, de modo que a primeira negaria os postulados da segunda, de acordo
com os quais a vontade dos homens estaria ligada ao livre arbítrio de uma alma humana
divina e imortal. Contrariamente, na psicologia a vontade passa a ser entendida dentro de toda
causalidade de nossa unidade bio-psíquica. A diferença de tais visões tem implicações diretas
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 83
na concepção de liberdade, vez que caso se acatasse a metafísica moderna nos termos acima
descritos, não faria sentido o intento de libertar-se da perfeição naturalmente constituinte da
alma humana, entretanto, caso se abdique de tal veneração ao estado natural de nossos corpos,
será possível buscar a liberdade para além dos condicionantes bio-psíquicos naturais.
O ponto crucial que pretendemos evidenciar se refere a que ao se igualar a natureza
humana a essa causalidade bio-psíquica, perde-se o cerne da liberdade interior estoica,
segundo o qual, no exercício de nossa racionalidade estaríamos autorizados a agir contra tal
unidade bio-psíquica, vez que ela mesma não seria perfeita. Ocorre que tal qual a noção
estoica de liberdade era minoritária em sua época, é também minoritária atualmente a visão
segundo a qual a constituição bio-psíquica humana não seja perfeita. Tal constatação, que
pode se desdobrar em diversas problemáticas jurídicas, desde operações de mudança de sexo
até implantações de membros robóticos, pretende ser abordada neste trabalho com foco na
liberdade interior, não desprezando tais hipóteses de alterações exógenas, mas focalizando-se
nas alterações voluntárias da química cerebral natural por meio do uso de psicoativos.
A pressuposta perfeição natural de nossa unidade bio-psíquica revela-se quando as
hipóteses de alterações físico-químicas só são amplamente aceitas pela sociedade e pelo
Estado quando se apresentam como tratamentos destinados a restaurar tal perfeição natural
desvirtuada por alguma enfermidade. A hipótese diversa, na qual o sujeito de modo racional e
voluntário decide promover em si mesmo uma alteração da química cerebral por meio de
algum psicoativo é apenas restritamente tolerada, classificando-se ordinariamente como uso
recreativo ou religioso de drogas. Nesta hipótese diversa, por sua vez, temos o ponto a que
pretendíamos chegar: o Estado contemporâneo criminaliza em absoluto o atingimento de
alguns estados de consciência induzidos pelo uso de psicoativos, elegendo verdadeiro rol de
frutos proibidos da contemporaneidade. Reconquistar a liberdade de pensamento implica em
expandir a noção de habeas corpus – que tenhas teu corpo – para além do livre manejo
operativo de nossa estrutura bio-psíquica original, alcançando-se o direito a utilizar a
capacidade de decisão racional, inerente a todos os homens, para decidir sobre o governo
interno de suas próprias químicas cerebrais.
Tal passo representaria um avanço na concretização da proteção à verdadeira liberdade
de consciência, vez que ao esta tomar conhecimento de que opera dentro de uma causalidade
bio-psíquica poderia utilizar-se de elementos psicoativos capazes de alterar tais causalidades,
ampliando-se, portanto, a já anteriormente infinita possibilidade de pensamentos.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 84
ARQUIVO IDENTIDADE E MEMÓRIA: PATRIMONIO DOS ENTERRADOS
[CEMITÉRIO DE SANTO ANTONIO DO MUNICIPIO DE GOVERNADOR
VALADARES ]
Carlos Alberto Dias50
Libia Gomes Monteiro51
Sônia Maria Queiroz de Oliveira52
PALAVRAS CHAVE: Cemitério. Patrimônio Histórico-religioso. Jazigo.
Introdução. Após as viagens mercantilistas, por motivos religiosos ou não, grupos humanos
diversos, com o advento morte, passaram a sepultar os seus em cemitérios. A palavra
cemitério origina-se do latim tardio coemeterium (MÉRITO, 1957, v.5, p.171), denominação
dada ao local reservado ao enterramento ou inumação das pessoas falecidas. Sob o viés
histórico da evolução do como lidar-se com os mortos, a fixação do espaço territorial
cemitério erige-se sob a forma de abrigo eterno na memória dos vivos. Pari passu, os vivos
ficantes reproduziam cenários ligados à suas religiosidades, por cima da moradia que duraria
uma eternidade. Foi sob esta forma de se perceber e conviver com o evento morte (não mais
manifestação do espírito em um corpo carnal) e consequente necessidade de enterramento
deste corpo que, os espaços chamados cemitérios entrelaçam a história da separação entre
Igreja em não ser mais o poder absoluto de um reino, diante da questão sanitarista pertinente a
decomposição carnal destes administrados outrora fiéis (FILHO, 2011). Na terra Brasis,
colônia de Portugal em sua extensão religiosa católica, a terra do Porto Dom Manuel, cidade
atual de Governador Valadares, tem no cemitério de Santo Antonio, santo padroeiro desta, um
patrimônio excepcional para observação e análises. A metodologia para fins da investigação
proposta foi considerar os jazigos como artefatos os quais reúnem e espelham uma
diversidade de símbolos da cultura católica consubstanciada a análise em doutrinas,
legislações e artigos científicos. O destaque no presente trabalho será dado apenas ao registro
50
Psicólogo, Doutor em Psicologia. Professor do Mestrado em Gestão Integrada do Território da Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE). [email protected]. 51
Graduanda de psicologia da Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE), bolsista da FAPEMIG. [email protected]. 52
Advogada, Mestre em Gestão Integrada do Território. Professora de História do Direito, Direito Constitucional da Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE) e da Faculdade do Vale do Rio Doce (FADIVALE). [email protected].
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 85
das representações iconográficas. A pesquisa de campo foi realizada no espaço dos
enterramentos, Cemitério de Santo Antônio. Inicialmente feita por um reconhecimento
empírico do terreno, em termos de localização e traçado no espaço físico urbanístico de
Governador Valadares. A coleta dos dados foi sistematizada com base em dois tipos de
signos: os verbais (epigrafia tumular) e os nãos verbais (elementos escultóricos e
arquitetônicos). Para os signos verbais apenas foram observados a data do enterramento,
contabilizados em décadas, no registro confirmativo de uma maior ocorrência das construções
representativas da cultura católica, atreladas ao crescimento econômico do município de
Governador Valadares. Para os signos não verbais, usou-se a classificação em signos
antropomorfos (semelhantes ao ser humano quanto á forma), zoomorfos (os que têm a forma
de animal), fitomorfos (em forma de ou semelhante a uma planta), signos ligados ao fogo
(tochas, tocheiros e lamparinas), de nobreza ou distinção social (maçonaria) e representações
de objetos pertinentes à cultura cristã católica. Objetivo Verificar e registrar a manifestação
de processos da vida social dos munícipes de Governador Valadares nas construções
marmorizadas sobre os jazigos do Cemitério de Santo Antônio, como uma forma de
preservação do patrimônio histórico cultural religioso, correlacionado ao crescimento
econômico deste mesmo município. Desenvolvimento. No Cemitério de Santo Antônio de
Governador Valadares existem jazigos que são pequenas edificações destinadas ao
sepultamento de várias pessoas, em geral; pertencentes a uma mesma família. O Cemitério foi
durante seus idos iniciais incólumes pela Igreja Matriz de Santo Antônio, cuja extensão da fé
católica se faz perceber nos signos ostentados sobre as lápides. Por ser o município integrante
de um país cuja colônia mãe é católica, e, de certa forma não ter tradição em mártires das
questões sacro santas; busca na proximidade física dos signos antropomorfos, zoomorfos e
outros da simbologia da crença cristã católica a proximidade entre alma do ser outrora vivo
com os seres divinos do reino celestial. Por serem os jazigos de natureza perpétua e não mais
existindo a possibilidade de novas aquisições de perpetuidade, os enterramentos ficam
adstritos aos entes familiares da propriedade originária (GARCIA, 2006).
Fotos 01
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 86
Vista da entrada frontal do Cemitério de Santo Antônio (Oliveira, Dias; 2012)
Os signos antropomorfos, semelhantes ao ser humano quanto á forma, estão presentes em sua
maioria nos jazigos. Estes se consubstanciam á alusão desde a devoção à Sagrada Família aos
Santos da Igreja Católica. Ainda na lapela dos signos antropomorfos, as imagens do Cristo de
corpo inteiro, ajoelhado ou no pastoreio com bastão alado e ovelhas destacam em mármores
pretos, extremamente polidos. A imagem do “Bom Pastor” é a representação de Cristo como
o dedicado pastor de suas ovelhas o que por certo cuidaria de um ali existente. Os signos
zoomorfos, os que têm a forma de animal, também se fazem presentes no Cemitério de Santo
Antônio podendo-se apontar em um maior número de existência em carneiros e pombos.
Estes são animais referentes a passagens bondosas e dignas na cultura católica. Os signos
fitomorfos, em forma de ou semelhante a uma planta, também se fazem presentes em diversas
guirlandas de flores (MOTTA, 2011).
Fotos 02
Dias, Oliveira (2012)
Os signos ligados ao fogo revelam-se em imagens de tochas, presentes aos cantos superiores
dos jazigos. Signos de Nobreza ou Distinção Social se faz presente no mausoléu Maçônico,
em molduras esparsas, estilo clássico acompanhado de correntes em retratos emoldurados
pelo bronze que cisma resistir ás intempéries do tempo e do acaso.
Fotos 03
Dias, Oliveira (2012)
Em sua grande maioria a cruz estampa sobre os jazigos. A Bíblia também se faz enfeite. Em
meio aos dizeres, retratos dos corpos depositados fazem a grafia icnográfica dos familiares em
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 87
ordem de enterramentos. Registra-se também, meio a dizeres diversos de saudades dos
familiares, citações bíblicas. Nos espaços existentes sobre estes jazigos, em geral nos cantos
superiores, pode-se afirmar existir ou terem existido vasos com a boca voltada para o céu na
espera das flores. Colunas de mármores lisas, arredondadas ou retangulares, vez ou outra se
fazem presente. Alguns jazigos apresentam junto á imagem do Cristo no pastoreio ou de
joelhos um portão ou uma espécie de porta alusiva á passagem para uma vida nova.
Fotos 04
Dias, Oliveira (2012)
CONCLUSÃO
O culto aos mortos transformados em culto aos antepassados, em homenagem à memória
destes, arrasta e realça aspectos da vida social vivida nas construções marmorizadas sobre os
jazigos, como uma forma de preservação do patrimônio histórico cultural religioso,
correlacionado ao crescimento econômico do município de Governador Valadares (DIAS;
OLIVEIRA, 2010: 47-76). De natureza católica, o cemitério de Santo Antônio nos apresenta a
partir de seu adro os enterramentos correspondentes aos párocos falecidos e aos fundadores da
cidade. Em posição intermediária restos mortais de munícipes não menos importantes foram
espojados em conformidade às aquisições tumulares. Ao final estabelecem-se jazigos de
negros, maçônicos e outros. Os signos antropomorfos são a maioria. A simbologia católica
constante abarca desde a devoção dos Santos correspondente ao eixo familiar a qual pertencia
o morto a simples cruzes de madeira, ao mármore, sem muitas definições de aparo, ao bisotê
de bordas. Flores, correntes, vasos, tocheiros entre outros se amontoam nas disposições
caótica dos jazigos em uma controversa disposição harmônica da não existência de lide entre
os seus ‘habitantes’. Por sua vez, enquanto sitio arqueológico o cemitério de Santo Antonio se
constitui em um patrimônio excepcional para observação e análise a partir da dinâmica
realizada pelos atores sociais vivos, na justaposição dos territórios dos vivos e dos mortos, na
preservação da memória cultural, religiosa e econômica.
BIBLIOGRAFIA
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 88
DIAS, Carlos Alberto; OLIVEIRA,Sônia Maria Queiroz de. Ciclos econômicos e a
consolidação do território de Governador Valadares. Revista de Economia Política e História
Econômica (REPHE23), número 23, Dezembro de 2010. ISSN – 1807 – 2674. Disponível
em: http://rephe01.googlepages.com.
ENCICLOPÉDIA BRASILEIRA MÉRITO. Editora Mérito S/A, São Paulo: SP, 1957.
Volume 5 ,pág. 171. 20 volumes.
FILHO, Naomar de Almeida. Bases históricas da Epidemiologia. Cadernos de Saúde Pública,
R.J., 2(3): 304-311, jul/set., 1986. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/csp/v2n3/v2n3a04.pdf>, acesso em: 08 de novembro de 2011.
GARCIA, Valéria Eugênia. O COTIDIANO NA SEPARAÇÃO ENTRE IGREJA E
CEMITÉRIO UM EXERCÍCIO DE INVESTIGAÇÃO METODOLÓGICA. Universidade de
São Paulo, USP (2006).
MOTTA, Antonio. Formas tumulares e processos sociais nos cemitérios brasileiros. Rev.
bras. Ci. Soc. [online]. 2009, vol.24, n.71, pp. 73-93. ISSN 0102-6909. Acesso em 05 de
novembro de 2011.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 89
TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS (TRS) AO ENTENDIMENTO DA LEI
8.213/9153
Carlos Alberto Dias54
Libia Gomes Monteiro55
Sônia Maria Queiroz de Oliveira56
Palavras chave: Representações sociais (RS), Lei 8.213/91, Pessoas com deficiências (PDs).
Introdução: Pode-se dizer que RS são signos construídas sobre o mundo real. E suas
manifestações gestuais ou por palavras (intencionais ou não) sinalizam para uma melhor
compreensão do meio edificado socialmente onde são manifestadas. Essas manifestações são
inevitavelmente transpostas para o pensamento da sociedade firmando-se nas bases do
repúdio ou da aceitação. Sobre estas se estabelecem os valores ético-morais firmados em
conformidade ao próprio pensamento da sociedade (RIZZATTO NUNES, 1997).
Metodologia: O resumo foi realizado sob a perspectiva da Teoria das Representações Sociais
(TRS), dos imperativos legais relativos á inserção das pessoas com deficiências (PDs) no
mercado de trabalho e da abordagem territorial dos processos sociais implicativos ao não
cumprimento do dever legal. Pesquisa descritiva sob o a forma de levantamento de dados
através de interrogação direta com pessoas cujo comportamento se deseja conhecer. Os dados
foram coletados no município de Governador Valadares, envolvendo três instâncias:
Empresas que se enquadram no preceituado da Lei 8.213/91, sendo ouvidos seus Gestores e
seus empregados PNEs (G1 e G2); · Órgãos municipais cujo objetivo é a (re)inserção de
PNEs ao mercado de trabalho, sendo eles o Centro Regional de Referência em Saúde do
Trabalhador (CEREST) e o Centro de Apoio ao Deficiente Físico Dr.Octávio Soares
(CADEF) (G3); O judiciário responsável por dirimir conflitos trabalhistas através do M.M.
53
Trabalho apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG). 54
Psicólogo, Doutor em Psicologia. Professor do Mestrado em Gestão Integrada do Território da Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE). Email: [email protected]. 55
Graduanda de Psicologia da Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE); bolsita de Iniciação Científica da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais. [email protected]; 56
Advogada, Mestre em Gestão Integrada do Território. Professora de História do Direito, Direito Constitucional da Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE) e da Faculdade do Vale do Rio Doce (FADIVALE). Email: [email protected].
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 90
Juiz de Direito do Trabalho e o representante do Ministério Público do Trabalho(G4). O
projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Vale do Rio
Doce (UNIVALE) e aprovado antes de sua execução.
Objetivo: Como garantir que a produção legislativa, sobretudo a Lei 8.213/91 seja de fato
eficaz, uma vez que para tal devem interagir em consonância uma realidade objetiva (lei) e
uma realidade subjetiva (RS)? Desenvolvimento: A TRS originou-se na Europa com uma
publicação em 1961 de autoria de Serge Moscovici, enfatizando uma continuidade entre o
passado e o presente com fundamentação nos estudos das Representações Coletivas de
Durkheim. Em suas raízes europeias, aqui adotadas, veio a diferenciar-se da teoria americana,
cujo expoente Allport deitava as raízes da Psicologia Social em Augusto Comte “enfatizando
que existe uma descontinuidade entre o passado e o presente” (FARR, 2000, p. 32).
Moscovici (2007) consubstancia a construção da TRS na ocorrência da relação dinâmica
desenvolvida entre o mundo real e o sujeito. Tais relações são afirmativas construídas na vida
cotidiana dos indivíduos na medida em que procedimentalmente as ideias abstratas
transformam-se em imagens concretas, através do reagrupamento daquelas ideias e imagens
focadas no mesmo assunto. E em sequência, de maneira dinâmica e imperceptível, às imagens
pré-existentes juntam-se novas imagens e, em consequência, as representações que se tem da
realidade sofrem mutações, nascendo assim novos conceitos. A contribuição apresentada por
Moscovici (no sentido da dinâmica das relações construídas sobre a familiarização entre
objetos, pessoas e acontecimentos, envolvendo o passado e o presente); e sua ligação com o
fato e Lei, aponta para possíveis distorções surgidas no processo de transposição ao
entendimento dos sujeitos comuns no que diz respeito à relação a ser estabelecida entre
entender e cumprir os preceitos legais. Não há como garantir que uma lei ao ser estabelecida
seja cumprida in totum uma vez que ao passar pelo crivo de compreensão destes sujeitos a
mesma pode ser distorcida para acomodar-se ao pensamento prévio de quem a interpreta. Não
se está aqui condenando o senso comum, mas apenas fazendo uma conexão entre este e
possíveis desvios do entendimento legal. Muitas são as leis que embora fujam ao
entendimento dos sujeitos comuns são de alguma forma cumpridas por força do próprio senso
comum. A importância do senso comum é confirmada por Jodelet (2001 apud NOHARA et
al, 2009, p. 77), quando define Representações Sociais nos seguintes termos:
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 91
Representação social é uma forma de conhecimento,
socialmente elaborada e compartilhada, que tem objetivo
prático e contribui para a construção de uma realidade
comum a um conjunto social. Também designada ‘saber
de senso comum’ ou ‘saber ingênuo’, ‘natural’,
distingue-se do conhecimento científico. Mas é tida
como objeto de estudo igualmente legítimo devido à sua
importância na vida social e à elucidação que possibilita
dos processos cognitivos e das interações sociais.
Conclusão: Até o momento percebe-se a existência de duas situações aparentemente
antagônicas, mas que de fato apresentam contigüidade. De um lado tem-se uma produção
legislativa em condições de favorecer a inserção e promoção das pessoas com deficiências
(PDs) no mercado de trabalho. De outro, a sociedade encontra-se imersa num universo
socialmente construído (realidade comum) até certo ponto distinto do universo legalmente
construído. Nessa situação de distanciamento uma questão deve ser considerada: como
garantir que a produção legislativa, sobretudo a Lei 8.213/91 seja de fato eficaz, uma vez que
para tal devem interagir em consonância uma realidade objetiva (lei) e uma realidade
subjetiva (RS)? Este processo social complexo, em sua construção dinâmica deve ser norteado
sob a perspectiva de se ter a capacidade de transpor e propor um diálogo com essas mesmas
RS em diferentes comportamentos, em mescla de crenças, reproduções de imagens, produção
e exposição do domínio teórico relacional a este mesmo conhecimento das representações.
Bibliografia:
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em: 29
de maio de 2010.
_______. Lei Ordinária n. 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de
Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8213compilado.htm> Acesso em: 29 de maio de
2010.
FARR, Robert M. Representações Sociais: a teoria e sua história. In: GUARESCHI,
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 92
Pedrinho A; JOVCHELOVITCH, Sandra. Textos em Representações Sociais. Petrópolis:
Vozes, 2000.
MOSCOVICI, Serge. Representações Sociais: investigações em psicologia social.
Petrópolis: Vozes, 2007.
NOHARA, Jouliana Jordan; ACEVEDO, Cláudia Rosa; FIAMMETTI, Marcelo. A vida no
trabalho: as representações sociais das pessoas com deficiências. In: CARVALHOFREITAS,
Maria Nivalda de; MARQUES, Antônio Luiz (orgs). Trabalho e Pessoas com Deficiência:
pesquisas, práticas e instrumentos de diagnóstico. Curitiba: Juruá, 2009.
RIZZATTO NUNES, Luiz Antonio. A Intuição e o Direito: um novo caminho. Belo
Horizonte: Del Rey, 1997.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 93
A REDESCOBERTA DA MENTE: UM DIÁLOGO NECESSÁRIO ENTRE A
NEUROCIÊNCIA E OS JURISTAS
André Matos de Almeida Oliveira57
Pâmela de Rezende Côrtes58
Palavras-chave: interdisciplinaridade; neurociência; filosofia do direito.
Este trabalho tem como objetivo afirmar a importância do conhecimento das
inovações nas áreas da ciência cognitiva, em especial quanto à neurociência, por parte do
estudioso do direito. Não se está defendendo um estudo exaustivo e aprofundado do jurista
sobre os pormenores das ciências da mente e do cérebro. A questão central é a necessidade de
se compreender, ainda que de maneira mais genérica através de trabalhos de divulgação
científica ou através de um diálogo direto com os neurocientistas, os impactos dessas
descobertas na definição do indivíduo, da liberdade, das limitações biológicas de escolha e
ação, visando não só o controle dessas pesquisas e resultados, como é mais difundido, mas a
própria reflexão do Direito e de suas bases através dessas descobertas.
O diálogo entre as ciências sociais e as ciências da mente é permeado de
incompreensões e preconceitos. Há muito que a simples afirmação de que existe uma natureza
humana biologicamente determinada é combatida veementemente. Como nos ensina Héctor
Ricardo Leis: “(...) com poucas exceções, os cientistas sociais arrepiam os cabelos quando
ouvem falar da hipótese da existência de uma natureza humana.” (LEIS, 2004, p. 41). Essa
rejeição imediata se dá por diversos fatores. Dentre eles, é preciso destacar as benesses
advindas da concepção errônea do ser humano como uma tábula rasa, uma folha em branco na
qual sociedade e educadores podem escrever livremente sobre qualquer assunto, resguardando
a esperança de que é possível mudar o status quo através das palavras certas. Reafirma Pinker:
“[a] tábula rasa serviu de sagrada escritura para crenças políticas e éticas.”(PINKER, 2002, p.
24). Ainda ele: “ [d]e modo mais geral, cientistas sociais viam a maleabilidade dos seres
humanos e a autonomia da cultura como doutrinas que poderiam concretizar o imemorial
sonho da humanidade perfeita.” (PINKER, 2002, p. 50).
57
Graduando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. [email protected] 58
Graduanda em Ciências do Estado pela Universidade Federal de Minas Gerais. [email protected]
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 94
Ainda que nos pareça doce a ilusão de que nascemos vindo do barro, sem
predisposições, não é isso que a ciência contemporânea vem nos mostrando. O livro do David
Eagleman, Incógnito, nos apresenta uma série de pesquisas em neurociência que restringem
cada vez mais o espaço de indeterminação do ser humano. O ambiente e a trajetória individual
(ontogênese) são, sem sombra de dúvida, fatores importantes na construção do indivíduo, mas
também concorrem para defini-lo suas estruturas biológicas, os limites de suas conexões
neurais, os hormônios que agem sobre ele, a genética herdada de seus pais. Diz-nos
Eagleman: “[n]ão queremos dizer com isto que as decisões e o ambiente não importam-
porque importam. Mas queremos dizer que chegamos ao mundo com disposições diferentes.”
(EAGLEMAN, 2011, p.110)
Pesquisas com relação à nossa biologia vêm sendo feitas em laboratórios de todo o
mundo, com resultados impressionantes. Para além das limitações legais dessas pesquisas, é
preciso se perguntar como ficam as bases filosóficas e conceituais do Direito, tais como
liberdade, livre-arbítrio, responsabilidade, imputabilidade, culpabilidade, efetividade da pena,
igualdade, justiça, com a compreensão cada vez mais detalhada do que somos feitos. O
Direito enquanto ciência social aplicada baseia-se numa visão de indivíduo ontologicamente
idealizada, de transcendência e deslimites, que opta por trilhar um caminho em detrimento de
outros. Mas essas ciências vêm nos colocando cada vez mais próximos do resto da matéria
que divide o planeta conosco, cada vez mais ligados a relações de causa e efeito, cada vez
menos esculpidos à imagem e semelhança de um criador inteligente e perfeito.
David Eagleman começa esse diálogo ao discutir a imputabilidade. “Na interface
entre a neurociência e a lei, casos envolvendo danos cerebrais brotam com uma frequência
cada vez maior. À medida que desenvolvemos tecnologias melhores para sondar o cérebro,
detectamos mais problemas.” (EAGLEMAN, 2011, p. 166). Há cada vez mais razões
biológicas para absolvição ou atenuação da pena devido à falta de escolha do indivíduo no ato
criminoso. O autor sugere que, para que os julgamentos não fiquem à mercê do
desenvolvimento das ciências sobre a natureza humana, troquemos o conceito de
imputabilidade pelo de modificabilidade, que seria a punição baseada na possibilidade de que
o criminoso seja modificado de tal modo a não cometer mais atos ilícitos. A proposta é
interessante, mas não é o escopo desse trabalho. Queremos apenas mostrar o quanto as
descobertas recentes podem afetar as noções basilares do Direito, e o quanto precisamos, por
isso, começar a conhecê-las.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 95
Além disso, com base na incorporação de novas técnicas desenvolvidas pelas
ciências neurológicas, o direito poderia melhorar sensivelmente sua eficiência prática. Nesse
sentido, novos métodos de compreensão das doenças mentais, de sua detecção, de suas causas
e de seu tratamento, e novas técnicas de reabilitação de condenados, que auxiliariam na
diminuição de casos de reincidência e de vício em drogas, são alguns exemplos que se
desenvolveram recentemente. No entanto, alguns desses métodos emergentes podem ser
perigosos. Por exemplo, atualmente são desenvolvidos exames de mapeamento cerebral que
poderiam ser usados como detectores de mentira, ou para analisar o risco de reincidência do
condenado, sua periculosidade, sua sociabilidade, entre outras possibilidades, que influiriam
na fixação de sua pena. Por isso é importante ressaltar que essas novas descobertas não devem
ser aceitas passivamente pelo direito. Ao contrário, os juristas terão o papel de analisa-las
criticamente, observando se ajudam a desenvolver, e não a violar, direitos fundamentais.
Concluímos, portanto, que o direito como ordem reguladora da sociedade deve
sempre primar, para sua maior eficiência e justiça, pela correta compreensão dos
comportamentos humanos individuais e sociais. Não adianta sustentar toda a argumentação
jurídica em ficções. Nos ensina Atahualpa Fernandez: “(...) estabelecer princípios e preceitos
normativos que não têm nada que ver com a natureza humana é o mesmo que condená-los ao
fracasso.” ( FERNANDEZ, 2008, p. 233). Nosso cérebro é um dos maiores, senão o maior
responsável pelo que somos e pelos limites pessoais de ação e escolha. Compreendê-lo é
enraizar os princípios democráticos e de justiça em informações cada vez mais precisas, em
terreno cada vez mais sólido e imanente, para que o Direito não seja apenas letra morta,
lutando contra aquilo que somos, mas seja, em última instância, a condição de
desenvolvimento máximo do ser humano e da sociedade.
Referências Bibliográficas:
EAGLEMAN, David. Incógnito: as vidas secretas do cérebro. Trad. Por Ryta
Vinagre. Rio de Janeiro: Rocco, 2012
FERNANDEZ, Atahualpa. Direito & Natureza Humana: As Bases Ontológicas do
fenômeno Jurídico. Curitiba: Juruá, 2008.
LEIS, Héctor Ricardo. O conflito entre a natureza humana e a condição humana
no contexto atual das ciências sociais. Revista Desenvolvimento e Meio Ambiente, n. 10, p.
39-45, jul./dez. 2004. Editora UFPR
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 96
PINKER, Steven. Tábula Rasa: A negação contemporânea da natureza humana. São
Paulo: Companhia das Letras, 2004.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 97
O FENÔMENO DO HUMOR “POLITICAMENTE INCORRETO”
E A TÉCNICA DA CENSURA
Ângelo Amorim Medeiros59
Palavras-chave: Humor; Censura; Liberdade de Expressão; Luta por reconhecimento;
Democracia; Paternalismo.
Atualmente tem ocorrido alguns casos de piadas que expressam um humor
usualmente chamado de “politicamente incorreto” (expressão que abarca anedotas de
conteúdos preconceituosos, usualmente atacando minorias) em que os trabalhos dos
humoristas foram retirados de circulação ou ameaçados de serem retirados pelo poder
jurisdicional (como no exemplo do DVD a arte do insulto, do comediante conhecido como
Rafinha Bastos, que continha uma piada relacionada aos deficientes tratados pela APAE que
foi excluído do mercado por uma liminar concedida em favor da referida entidade) com base
no artigo 12 do Código Civil “Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da
personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei”.
Esse trabalho procurará analisar tal questão sob um enfoque distinto do usual,
esquivando-se da forma tradicional com que o tema tem sido tratado, isto é, pela lógica da
ponderação entre o direito a liberdade de expressão do humorista e a dignidade dos
envolvidos haja vista a dificuldade de tal ponderação e pela dúvida acerca da expansão
irrefletida dessa doutrina alexiana que vê os princípios como comandos de otimização.
Buscando uma inovação argumentativa sobre o tema mais consentânea com o difícil
dilema a ser resolvido, o trabalho irá se valer do marco teórico da luta pelo reconhecimento de
Axel Honneth. Para o autor alemão a gramática (lógica) moral dos conflitos sociais encontra-
se em uma ideia de luta por reconhecimento que se dá em três esferas distintas, o amor, o
direito e a estima social. Reconstruindo as ideias do jovem Hegel e incorporando algumas
questões da psicologia social de George Mead, Honneth defende que a partir de diversas
experiências de desrespeito os indivíduos entram em um processo de luta por se verem
59
Graduando em Direito pela UFJF. Foi monitor da matéria instituições de direito na Universidade Federal de Juiz de Fora no anos de 2011 e 2012. [email protected]
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 98
reconhecidos enquanto sujeitos de direito de igual dignidade independente do grupo social a
que pertencem.
Desse modo, por mais que a política de censura tenha um ideal de reconhecer as
minorias, ela tem o efeito extremamente nocivo de jogar um véu de invisibilidade sobre
problemas relacionados a diversas formas de desrespeito (sobre raça, credo, raça, gênero, etc).
Assim sendo, retirando-se a questão do debate público, do crivo argumentativo os juízes
obstaculizam o processo de luta por reconhecimento. Tira-se a oportunidade das minorias
ofendidas de se insurgirem contra tais manifestações que nada mais são do que reafirmação de
preconceitos arraigados na sociedade. A decisão jurisdicional no sentido da censura não
possui o condão de exterminar o preconceito, ele irá continuar em diversas práticas cotidianas,
mas sim de ocultar o debate atrasando, desse modo, a luta pelo reconhecimento.
Ainda há outro grave problema nesse tipo de decisão. Ocorre uma seleção artificial
de temas que podem ou não ser discutidos. Piadas relacionadas a “loiras burras”, por exemplo,
são plenamente aceitas na sociedade brasileira atual, já quanto às mulheres em geral,
hodiernamente, não possuem plena aceitação. Piadas relacionadas a negros também
atualmente não possui um grau de aceitação alto, mas antigamente (na época dos trapalhões,
por exemplo) eram recorrentes. Já no que tange aos homossexuais, absurdamente, não há
qualquer problema em ridiculariza-los. Isso tudo se dá de acordo com a luta por
reconhecimento e não com uma política de um odioso paternalismo jurídico, no qual o Estado
diz aquilo que podemos ou não discutir de forma completamente arbitrária e artificial. Como
bem diz Jô Soares: "O humor não peca quando é grosso: peca quando não tem graça".
Vale lembrar ainda que a linha que separa uma piada ofensiva de uma piada não
ofensiva é muito tênue e os juízes não possuem condições para delimitar os dois campos.
Afinal, se não conseguem chegar a um consenso de qual é a melhor interpretação de uma lei,
que se situa no plano ético, como conseguirão se posicionar acerca de uma piada cujo grau de
subjetividade da interpretação é muito mais amplo, haja vista, estarmos tratando do campo
estético, orientado assim pelo abstrato ideal de beleza.
As políticas de censura de expressão de ideias ferem não apenas a liberdade de
expressão, mas também a própria ideia de democracia. Afinal, liberdade de expressão e a
democracia estão intimamente ligadas, são duas faces de uma mesma moeda, pois, como
coloca Brahwlio Soares de Moura Ribeiro Mendes em artigo dedicado sobre o tema, à
tolerância discursiva é o principal fator diferenciador dos regimes democráticos em face das
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 99
autocracias. Pois, somente através do debate aberto de ideias, é que as opiniões minoritárias
na sociedade possuem condições de se tornarem maioria. Cabe assim, ao Estado que se diz
democrático, aceitar em seu seio qualquer manifestação discursiva (desde que pacífica)
mesmo que contrária aos pressupostos democráticos (como no exemplo de discursos
preconceituosos, o "hate speech"). Um Estado que nega tal direito, é um governo covarde que
tem medo de que no jogo de ideais, argumentos de cunho não democrático superem os
argumentos democráticos.
Assim sendo, não cabe aos juízes escolherem o que cabe a sociedade discutir ou não.
Mas sim a própria sociedade em um processo de amplo debate e tolerância discursiva definir
os limites do debate.
Desse modo, o trabalho posiciona-se no sentido de se excluir qualquer interpretação
do artigo 12 do Código Civil Brasileiro que conduza a uma censura de uma forma de
expressão artística por ferir o princípio democrático e por uma questão de ineficiência
normativa já que a técnica da censura não protegerá a dignidade dos envolvidos, mas, na
verdade, adiará o processo de luta por reconhecimento que é o fundamento de qualquer
instituição.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 100
A INSEMINAÇÃO PÓSTUMA COM CONSENTIMENTO EXPRESSO E A
NORMATIVIDADE PREVIDENCIÁRIO-CONSTITUCIONAL: O DIREITO DO
FILHO À PENSÃO POR MORTE
Andrey da Silva Brugger60
Charles da Silva Nocelli61
Rafaela Barbosa de Almeida62
Palavras-chave: inseminação homóloga; normatividade; direito previdenciário; inovação;
direitos humanos e autonomia.
Diz-se que vivemos no mundo pós-tudo, o mundo pós-moderno, de forma que
estamos em constante transformação; para citar Bauman, vivemos no mundo da liquidez e da
era da informação em tempo real. Anthony Giddens possui, em sua obra Mundo em
descontrole, um ensaio em que afirma “[e]ntre todas as mudanças que estão se dando no
mundo, nenhuma é mais importante do que aquelas que acontecem em nossas vidas pessoais
– na sexualidade, nos relacionamentos, no casamento e na família. Há uma revolução global
em curso no modo como pensamos sobre nós mesmos e no modo como formamos laços e
ligações com outros. É uma revolução que avança de maneira desigual em diferentes regiões e
culturas, encontrando muitas resistências”. O Direito, como ciência humana aplicada,
acompanha essa revolução. É necessário que exista o acoplamento estrutural entre o sistema
normativo do Direito e o sistema político, entendido aqui como as ideias manifestadas nos
60
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Pós-graduando lato sensu em Direito Público
pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, campus Verbum Divinum em Juiz de Fora – MG.
Bacharel em Direito pela Faculdade Vianna Junior. Pós-graduando lato sensu em Direito Público pela
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, campus Verbum Divinum em Juiz de Fora – MG.
Bacharel em Direito pela Faculdade UNIPAC em Juiz de Fora – MG. Pós-graduanda lato sensu em Direito
Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, campus Verbum Divinum em Juiz de Fora – MG.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 101
foros de debate da sociedade civil. Os autores deste trabalho acreditam que para o
cumprimento deste desiderato de acoplamento é necessária a análise dos processos
comunicativos através da esfera pública habermasiana – um espaço para a tomada de
opiniões, apontamentos, desejos, caracterizado pelos horizontes abertos, permeáveis e
deslocáveis – tendo, por isso, como premissa que o sistema jurídico será realmente o
mediador entre as várias esferas públicas que aqui se apresentam, por exemplo, a esfera
pública do estado da arte científico, legislativo e a autonomia dos pais; autonomia,esta, que é
própria da noção substantiva de dignidade humana, como demonstrado em obra recente do
professor Luis Roberto Barroso – A dignidade da pessoa humana no direito constitucional
contemporâneo: a construção de um conceito jurídico à luz da jurisprudência mundial.
O presente trabalho procura seguir a concepção teórica do diálogo das fontes, o que
pensamos ser uma superação hegeliana do que se convencionou chamar “constitucionalização
do direito privado”, acreditamos que a divisão entre direito público e privado é apenas para
facilitar metodologicamente o ensino – se muito -; a teoria do diálogo das fontes traz a ideia
de troca de informações ou complemento de informações, como no presente estudo, entre a
Constituição Federal, as leis pertinentes (v.g., a lei de biossegurança e a lei 8213), resoluções,
estatutos. É preciso deixar claro, a Constituição Federal é o norte, ocorre um diálogo entre as
normas tendo por base a filtragem constitucional. O trabalho também busca ter como auxílio a
sugestão de Maria Celina Bodin de Moraes, para quem a excelência acadêmica está em saber
localizar as regras que podem ser pertinentes ao caso, adquirir um profundo conhecimento
principiológico, conhecer a função dos institutos jurídicos e combater a competência
metodológica necessária à solução de problemas jurídicos. A eminente professora ainda
afirma que, hoje, cabe ao profissional do Direito ser “culto”, isto é, ter uma visão de conjunto,
buscar trabalhar a norma jurídica com os artefatos necessários da interdisciplinaridade.
Sendo assim, a apresentação tratará do estado da arte legislativo, como a lei de
biossegurança (lei 11.105 de 24 de março de 2005), do ato emanado da esfera pública
científica através da resolução nº 1957/2010 do Conselho Federal de Medicina (publicado em
6 de janeiro de 2011). Optou-se pelo corte metodológico e analítico no sentido de discutir
apenas a inseminação que conta com o consentimento expresso, analisando, com tal intuito, o
instrumento do testamento vital como meio hábil a deixar consignado o desejo de
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 102
paternidade/maternidade através da declaração expressa de que o sêmen ou óvulos congelados
podem ser usados para futura inseminação homóloga, ainda que falecido o declarante.
Assentadas essas questões, será colocada nessa provocação acadêmica e prática, por
assim dizer, o tratamento que deve ser dispensado pela Previdência Social, principalmente no
tocante ao direito do benefício de pensão por morte, que seria pleiteado pela criança
concebida, nos termos do artigo 74 da Lei 8213 de 1991 e suas alterações posteriores.
O debate passa necessariamente por questões delicadas, v.g., a autonomia da pessoa,
a preexistência do custeio em relação ao benefício, pela moralidade e ética envolvidas, pelos
enunciados constitucionais dirigentes como a solidariedade social (artigo 3º, inciso I, da
Constituição Federal de 1988) e o livre planejamento familiar e paternidade responsável
(artigo 226, §7º, Constituição Federal de 1988, com a disciplina complementar da Lei 9.263
de 12 de Janeiro de 1996).
O estudo é uma busca pela análise das novas tecnologias e o impacto na vida
cotidiana, no caso, na família. Através do viés dos valores da liberdade, da solidariedade e do
desenvolvimento da pessoa humana analisaremos o testamento vital como instrumento para
expressão da vontade de ser pai ou mãe, como a tecnologia pode auxiliar nesse objetivo tão
humano e sensível; bem como discutiremos como o tratamento legislativo deve agir quanto a
esta vontade e quanto à proteção do filho, com foco no exemplo específico do benefício da
pensão por morte, tendo sempre em vista a multidisciplinaridade que o tema exige.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 103
NOVAS TECNOLOGIAS DA REPRODUÇÃO ASSISTIDA E DIREITOS
FUNDAMENTAIS
Luciana Gaspar Melquíades Duarte63
PALAVRAS-CHAVE: reprodução assistida; novas tecnologias; direitos fundamentais
RESUMO
A reprodução assistida, também denominada fertilização artificial, consiste num
conjunto de técnicas e procedimentos médicos e laboratoriais que visam à superação de
disfunções femininas, masculinas ou ambas do aparelho reprodutor com o escopo de
viabilizar a reprodução humana.
O primeiro bebê de proveta, Louise Brown, nasceu na Inglaterra em 1978, e, desde
então, estas técnicas têm sido cada vez mais aprimoradas e contado com inúmeras inovações,
científicas e tecnológicas.
A técnica mais simples de reprodução artificial consiste na coleta de esperma humano
e introdução mecânica no corpo da mulher, no período de ovulação, com o propósito de
facilitar o processo de fecundação. Em relação a este procedimento, não se vislumbram
questionamentos éticos; ao revés, considera-se que ele é fruto da evolução científica e
viabiliza a satisfação no nobre desejo da reprodução sem implicar em sacrifício a outros
valores jurídicos.
Segunda técnica de reprodução artificial é denominada “fertilização in vitro com
transferência de embrião - FIVET” e implica na união extracorpórea do gameta feminino ao
masculino com posterior implantação do embrião resultante deste processo no corpo da
mulher. Esta técnica admite duas variações: a homóloga e a heteróloga, caracterizadas,
respectivamente, pela natureza endógena e exógena de um dos gametas utilizados no processo
ao casamento.
Na fecundação homóloga, intenta-se superar problemas biológicos do organismo
humano que impedem ou dificultam a reprodução natural; procede-se, assim, à formação
63
Mestre e Doutora em Direito Público pela UFMG. Professora Adjunta de Direito Administrativo e
Constitucional da UFJF. Contato: [email protected].
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 104
extracorpórea do embrião humano para posterior implantação no útero materno. Nesta
oportunidade, alguns questionamentos éticos começam a ser suscitados no que diz respeito
aos direitos do embrião. Indaga-se se a formação do novo ser humano fora do corpo feminino
pode implicar danos à sua integridade psíquica. Para tanto, a Resolução CFM nº 1957
(BRASIL, 2010) limita a quatorze dias o tempo de desenvolvimento in vitro do embrião, uma
vez que, após este momento, começa-se a formar o tubo neural, supostamente expondo-o a
sensações. Considera-se que, com esta condição, preservam-se ambos os interesses colidentes:
o dos pais, à viabilização do seu escopo reprodutivo, e os do embrião, com a preservação das
condições próprias da humanidade para seu desenvolvimento. Tal solução afina-se ao
postulado da concordância prática, que pressupõe a realização ótima dos interesses ou normas
colidentes. Portanto, na fecundação homóloga não se vislumbram problemas jurídicos,
conduzindo à conclusão de que ela é meio eficaz e ético para a solução de problemas
biológicos afetos à procriação.
Problemas outros surgem, porém, com as práticas da fecundação heteróloga, que
ganha ensejo em situações diversas: a) inviabilidade da colheita do gameta feminino ou
masculino em virtude de disfunções na sua produção, conduzindo à necessidade de se recorrer
a gametas doados; b) famílias monoparentais, constituídas por apenas um dos membros do
casal; c) casais homossexuais. Nestas circunstâncias, porém, vários problemas éticos
emergem, uma vez que a realização do desejo reprodutivo dos pais implica em aviltamento de
direitos fundamentais do novo ser que surgirá destas práticas. De fato, o emprego de gameta
de terceiro no processo de fecundação exige o sigilo do doador, nos termos da Resolução
CFM nº 1931 (BRASIL, 2009), o que impõe ao embrião a condição futura e necessária de
desconhecimento de sua origem biológica.
Neste aspecto, insta ressaltar a natureza personalíssima do direito ao conhecimento da
origem biológica do indivíduo. O desejo de conhecer aqueles de quem colheu o patrimônio
genético e quiçá de com eles conviver é íntimo e afeto à própria natureza humana, sendo,
portanto, inalienável e indisponível, conforme sustenta a literatura civilista. Desta forma, deve
ser levado à ponderação com o desejo procriativo dos pais, cuja condição de responsáveis
morais e jurídicos pelo filho impõe-lhe o dever, igualmente moral e jurídico, de busca pelo
seu bem-estar. Não se olvide que a reprodução caracteriza-se como um direito que, como tal,
sofre restrições pelo próprio ordenamento jurídico que o sufraga, sendo a proteção ao direito
personalíssimo da prole de conhecimento de sua gênese biológica um limitador que,
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 105
lamentavelmente, não tem sido levado à conta pela legislação infralegal que disciplina as
práticas da reprodução assistida.
Desta forma, assiste-se, no país, ao largo emprego da técnica da fecundação de
embriões com o emprego de um ou ambos os gametas doados, mediante sigilo do doador a ser
quebrado tão somente em situações de necessidade terapêutica futura, mediante clara
negligência ao relevo dos direitos personalíssimos do novo ser.
O emprego de gametas externos ao casal parental desqualifica a relação filial que dele
surge como decorrência de sua própria natureza de célula reprodutiva e equipara-o a mero
“material” necessário para a formação de um bebê, que também resta descaracterizado em sua
humanidade para se equiparar a um “produto” de determinados procedimentos científicos.
Desta forma, a reprodução heteróloga coisifica as práticas procriativas, que passam a se
assemelhar a técnicas produtivas de objetos do desejo humano. Neste aspecto, ela fere de
morte o princípio da dignidade humana, que resta atingido em seu núcleo essencial,
prejudicando, assim, a sua juridicidade. Com efeito, sopesada com o direito à reprodução, a
dignidade humana avulta em importância e peso, e deve ser erigida propriamente a uma
condição para que o direito à reprodução se realize.
O mesmo problema se verifica com a implantação de embrião fecundado post mortem
do pai doador do sêmen e com a “barriga de aluguel”. Na primeira hipótese, assiste-se à
sobreposição indevida do desejo da mãe viúva de lograr descendência do falecido marido ao
direito personalíssimo do filho à paternidade. Não se argumente que esta situação se
equivaleria à orfandade natural, que pode ter lugar com o falecimento do pai após a
concepção. A fatalidade desta ocorrência não pode justificar a imputação necessária da
condição de órfão a um filho a ser gerado já sob este destino. De igual sorte, a implantação de
embrião fecundado extracorporeamente em útero de mãe diversa daquela que cedeu o óvulo
e/ou que procederá à criação da criança implica em expor o bebê ao convívio uterino com
alguém de cuja proximidade própria da maternidade será privado após o nascimento,
impondo-lhe, ademais, conflitos íntimos no que diz respeito à identificação da figura
maternal, que, na condição humana natural e saudável à psique, é singular. Sua permissão,
outrossim, caracteriza equivocada sobreposição dos interesses procriativos da mãe com os
direitos personalíssimos do futuro ser a uma maternidade única. Desta forma, estas práticas,
ainda que amparadas pela Resolução CFM nº 1957 (BRASIL, 2010), não encontram guarita
constitucional.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 106
Outro problema de elevada gravidade ética afeto às práticas da reprodução assistida
consiste na produção in vitro de embriões em número superior àqueles que merecerão
implantação em ambiente uterino. Esta produção excedente tem por escopo aumentar as
chances de êxito do tratamento e, assim, reduzir seus custos. Não se olvide, porém, que a
produção supranumerária implica no destino desumano dos embriões não implantados, qual
seja, o congelamento ou, até mesmo, conforme previsto no art. 5º da Lei nº 11.105 (BRASIL,
2005), sua utilização para fins de pesquisa e terapia. Salta aos olhos, porém, que a satisfação
do ideal da procriação não justifica a submissão de muitos embriões a destino tão sórdido e
aviltante a sua dignidade como o congelamento, o descarte ou até mesmo o emprego em
pesquisas e terapias. Esta prática os reduz à natureza de meros “artigos”, cuja produção se
intenta “baratear” para difundir o “consumo”, caracterizando, de pronto, sua
incompatibilidade com os preceitos constitucionais.
A disciplina das práticas em apreço pela legislação infraconstitucional não implica,
porém, sua permissividade jurídica. Com efeito, no pós-positivismo, a norma é fruto de um
processo hermenêutico em que se considere a integridade do ordenamento jurídico, que impõe
a solução dos conflitos aparentes entre as disposições normativas considerando-se como um
dos critérios para tanto a supremacia constitucional e a proeminência axiológica dos direitos
fundamentais. Estes são naturalmente colidentes, impondo-se, para a solução das colisões, o
emprego de técnicas vazadas em postulados como a concordância prática e a
proporcionalidade, de cujo emprego extraiu-se a superioridade dos direitos personalíssimos e
da dignidade do novo ser a gerado pelas técnicas de reprodução assistida, que podem ser,
então, obstacularizadas em sua homenagem.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 107
PESSOA E TÉCNICA EM JULIÁN MARÍAS
Bruno Amaro Lacerda64
Lorena Costa Rusth e Silva65
Rafael José de Castro66
Palavras-chave: Pessoa; Técnica; Julián Marías.
A compreensão dos avanços tecnológicos e dos seus desafios depende
necessariamente do sentido que atribuímos à palavra “pessoa”. Isso ocorre porque o fazer
técnico encontra-se intrinsecamente ligado à ideia de futurição humana, proporcionando,
além da satisfação das necessidades, a própria realização do ser. A autenticidade do homem
encontra-se na impossibilidade de retroceder ao agir técnico, como assinala o filósofo
espanhol Julián Marías. Abordaremos aqui três de suas obras: Antropologia Metafísica, Cara
e Coroa da Eletrônica e Persona.
Traçando uma linha de pensamento contínua, Marías dedica-se a definir a vida
humana pelo seu núcleo pessoal. O termo “pessoa” provém da palavra grega prósopon,
significando rosto, face. Assumindo-o como um dos temas mais difíceis da filosofia, Marías
parte da intuição de que a pessoa é um ser futuriço, projetado para o futuro. Em toda relação
estritamente pessoal, ressalta, não cabe dizer que a pessoa “esta aí”, mas sim que “está vindo”,
“está se fazendo” (MARÍAS, 1971, p. 36) e, por isso, a vida pessoal é parcialmente irreal,
pois não se encontra totalmente construída diante da constante transformação do ser.
O filósofo vê a vida como um “quefazer” composto por personalidade, dinamismo,
forçosidade e circunstancialidade. É um desenrolar de acontecimentos imprevistos (o acaso)
64
Doutor em Filosofia do Direito pela UFMG. Professor Adjunto da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). E-mail: [email protected] 65
Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Bolsista de Iniciação Científica PIBIC/CNPq. E-mail: [email protected] 66
Graduando em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Bolsista do Programa de Apoio ao Recém-Doutor da Propesq/UFJF. E-mail: [email protected]
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 108
que corroboram o fato de que ela não nos é simplesmente dada, mas tem que ser imaginada,
antecipada, a todo o momento. A previsibilidade, a futurição e o acaso são frutos da
imaginação do ser.
A vida humana não se resume a fatos. É a projeção da escolha diante das condições
de mundo. E isso envolve a definição amplamente discutida de liberdade. Para Marías, “o
homem é intrinsecamente livre, o é por força, irrenunciavelmente” (MARÍAS, 1988, p. 22), e
essa liberdade inseparável da estrutura humana é o que nos permite realizar escolhas diante do
par antagônico acaso-necessidade e direcionarmos a vida para o futuro. O acaso nos é
concedido pela vida e guiado pelas necessidades, diante das quais é possível interpretá-lo e
ajustá-lo da maneira mais adequada.
Essa conceituação nos leva à máxima de José Ortega y Gasset, ratificada por Marías,
segundo a qual “eu sou eu e minha circunstância” (MARÍAS, 1971, p. 212). As circunstâncias
do mundo são-nos apresentadas muitas vezes diante de situações casuais, e devido à liberdade
de escolha optamos por seguir determinado caminho e não outro. Muitas vezes não somos
capazes de exercer decisões com caráter pessoal, pois nos encontramos subordinados às
próprias circunstâncias. Eleger uma alternativa diante de um feixe de opções, ou
simplesmente abster-se da escolha, caracteriza a liberdade. A tentativa de redução da
realidade pessoal, o afastamento do acaso e a mitigação da liberdade tenderiam à mera
coisificação do ser.
Assim, Marías compara a realidade humana com a realidade animal e constata a
superioridade da primeira em face da possibilidade de ser contada ou narrada, caracterizando,
como pensava Ortega, a vida biográfica, nunca redutível à existência meramente biológica. A
diferença é enfatizada perante a constatação da independência e irredutibilidade do homem,
que não pode ser submetido à simples animalidade.
Como o projeto humano não se realiza espontaneamente, o homem tem a
necessidade de pôr-se em movimento para realizar-se – comportamento que denota o agir
técnico. Seguindo os passos de Ortega, Marías vê a técnica como um conjunto de atos por
meio dos quais o homem impõe uma reforma à natureza para satisfazer suas necessidades.
Com isso, o homem edifica seu projeto sobre o mundo natural em uma clara prevalência do
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 109
“construído” sobre o “dado”, o que significa dizer que os atos técnicos são aqueles pelos quais
a circunstância é adaptada segundo a vontade do sujeito.
A técnica, deste modo, representa a pessoa em sua face mais autêntica, porque
consiste em inovar, em um constante movimento criativo. O ser do homem vale-se da técnica
para completar-se. Se, como assevera Marías, a natureza humana nunca é dada pronta e
acabada, mas revela-se no agir, no “quefazer”, no “vir a ser”, no “inovar-se” (MARÍAS, 1996,
p.17), então não é equivocado assumir que o homem é, por definição, técnico.
É precisamente por projetar-se, com o auxílio da imaginação, em direção ao futuro,
que o homem não encontra limites para o seu ser, razão pela qual a própria técnica não
enfrenta obstáculos apriorísticos para o seu desempenho. Outro fator importante é o acaso,
que, em um primeiro momento, denota o cerceamento da liberdade por não se apresentar
como o verdadeiramente desejado pela pessoa, mas termina por expressar uma necessidade do
homem de retificar-se, isto é, inovar-se, recriar-se (MARÍAS, 1971, p.218).
Esse poder inovador, revelando-se como ilimitado, desperta sentimentos contrários:
se por um lado o homem consegue vislumbrar na técnica a dilatação de seu horizonte com as
novas possibilidades e o aprimoramento das antigas, por outro nasce o temor em decorrência
da imprevisibilidade do que está por vir, bem como de sua carência de limites extrínsecos.
Essa dualidade nada mais é do que reflexo do próprio ser da pessoa: um constante conflito de
escolhas. Ademais, o fazer técnico está de tal modo arraigado no homem que dita não apenas
as possibilidades do indivíduo, mas, sobretudo, o seu nível de vida (MARÍAS, 1988, p.28).
Destarte, qualquer movimento no sentido de renegar determinada técnica ao esquecimento se
revela como inaceitável, por ignorar o fato de que as técnicas incorporam-se à nossa própria
natureza.
Nesse sentido, Marías compreende a técnica como um processo inevitável, porque
denota um conjunto de atos de humanização (MARÍAS, 1988, p.28), haja vista que, para além
da transformação da circunstância, implica em um processo de mudança do próprio homem.
Em última análise, se a realidade humana reside em sua mutabilidade e está em constante
expansão, então a técnica é o meio através do qual o homem se identifica autenticamente em
seu ser; ela é, portanto, a ampliação da experiência humana e, consequentemente, do próprio
ser do homem.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 110
Referências:
MARÍAS, Julián. Antropologia metafísica. São Paulo: Duas Cidades, 1971.
MARÍAS, Julián. Cara e coroa da eletrônica. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1988.
MARÍAS, Julián. Persona. Madrid: Alianza, 1996.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 111
O HOMEM E A TÉCNICA EM ORTEGA Y GASSET
Bruno Amaro Lacerda67
Eduarda Cellis da Silva Campos68
Palavras-chave: Pessoa; Técnica; Ortega y Gasset.
Gradativamente, o homem tornou-se dependente das inúmeras técnicas que criou,
avançando hoje audaciosamente em direção às novas tecnologias. O progresso irrestrito e
acelerado dessas inovações, com consequências incomensuráveis em muitos casos, tem
gerado complexas discussões éticas, jurídicas e filosóficas, cuja solução depende da resposta à
pergunta: o que é a técnica?
Para o filósofo espanhol José Ortega y Gasset, a técnica surge das necessidades
humanas, essenciais ou supérfluas. Mas as próprias necessidades também surgem de algo.
Ortega, então, passa a buscar essa proto-origem, que ele denomina realidade radical, não no
sentido de mais relevante ou suprema, mas no de raiz, de realidade que tem de primeiro
existir para que todas as outras possam ser percebidas.
A vida do outro não passa, para quem observa, de mero espetáculo e, para ser
considerada, pressupõe a existência da vida do observador. Tudo o que é alheio não se
constitui como realidade radical, mas como realidade secundária, sempre questionável,
problemática. A genuinidade da vida de cada indivíduo depende do fato de que todas as
realidades, para serem conhecidas diante de nós, dependem primeiramente da nossa própria
vida, fazendo com que ela (a vida de cada um) seja essa realidade radical.
Realidade é o que está aí, existe, resiste e, dentro do âmbito da vida humana, as
demais realidades aparecem, surgem, brotam, ou seja, existem. No entanto, o homem, tratado
sempre como eu, “é o único ser que não existe, mas vive ou é vivendo” (ORTEGA, 1960, p.
80). A vida humana não é dada pronta, pré-fixada, mas cada um a encontra ao descobrir-se, ao
67
Doutor em Filosofia do Direito pela UFMG. Professor Adjunto da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). E-mail: [email protected] 68
Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). E-mail: [email protected]
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 112
perceber que precisa ser, precisa inventar-se, construir-se dentro de circunstâncias
determinadas chamadas de mundo, que é sempre este de agora. Nascemos em um mundo e
temos de ser nele, a partir dele, das circunstâncias que nos são impostas. A vida humana é
dada vazia, e preenchê-la, fazê-la, é uma tarefa individual; para tanto, temos de fazer ou estar
fazendo incessantemente.
Em todo lugar e momento, várias possibilidades de fazer são apresentadas ao
homem, que é livre para escolher entre elas, embora não possa determinar as próprias
possibilidades. Ao escolher o que fazer, o homem elege o seu ser, “daí que a vida seja
permanente encruzilhada e constante perplexidade” (ORTEGA, 1960, p. 83). Temos
obrigatoriamente de exercitar nossa liberdade, ainda que a escolha seja a rejeição de todas as
possibilidades apresentadas. Todavia, “o mais grave é conseguir que o fazer escolhido, em
cada caso, seja não qualquer fazer, mas o que há de fazer, aqui e agora, que seja nossa
verdadeira vocação, nosso autêntico afazer” (ORTEGA, 1960, p. 84). Essa liberdade de
escolher entre as opções de ação ou afazer vincula-se diretamente à responsabilidade que o
homem assume em cada escolha.
A todo instante, o homem recebe do mundo externo informações, conhecimento e
sentidos, mas para constatar sua veracidade e exercer o que é essencialmente humano, tem de
pensá-los por si mesmo, na sua solidão. A vida humana é radical solidão e, ainda que haja
uma infinidade de coisas no mundo, o homem encontra-se só entre elas. Enquadrar-se,
adaptar-se à circunstância, ao mundo, é uma tarefa a ser desempenhada solitariamente. Por
isso a vida de cada um é intransferível.
A partir do entendimento de que a vida humana é sempre pessoal, circunstancial,
intransferível e responsável, é possível dizer o que é a técnica. Essa definição passa pela
noção de necessidades humanas, que abrange tanto o que é necessário quanto o que é
supérfluo, embora não exista uma clara delimitação dessas concepções. Se todo o supérfluo
faltar a um homem, pode ocorrer que ele prefira a morte, deduzindo-se, portanto, que “o
homem não tem empenho algum em estar no mundo. Ele se empenha é em estar bem”
(ORTEGA, 1991, p. 16). As condições objetivas do estar somente são percebidas como
necessidades na medida em que se apresentam como pressupostos do seu bem-estar, o qual
constitui a necessidade fundamental do homem.
Quando as necessidades humanas não podem ser supridas naturalmente, o homem
busca meios, com sua própria força, inteligência e habilidade, para satisfazê-las. Se o fogo
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 113
necessário para esquentar-se não surge por meio de um raio ou incêndio natural, o homem
põe-se a fazê-lo; se não encontra na natureza o que é indispensável para seu bem-estar, faz um
edifício ou um automóvel. No entanto, essas criações não satisfazem as necessidades
essenciais do homem, pois se limitam a eliminar os afazeres primitivos que as satisfaziam
diretamente, apenas diminuindo o esforço para supri-las. Essa capacidade de “desvincular-se
provisoriamente de suas urgências vitais, desligar-se delas e ficar liberado para ocupar-se de
atividades que, por si, não são satisfação de necessidades” (ORTEGA, 1991, p. 11) é o que
falta ao animal, o qual impreterivelmente encontra-se preso a suas carências elementares. A
existência do animal coincide com a natureza, ao passo que o homem se difere dela, sendo
alheio à circunstância apesar de ser e estar nela, podendo “em alguns momentos sair dela e
meter-se dentro de si, recolher-se, ensimesmar-se” (ORTEGA, 1991, p. 11).
A circunstância e as dificuldades por ela impostas não mais atormentam o homem,
pois suas invenções são capazes de modificar ou reformar a natureza, fazendo com que o
inexistente, seja pela falta momentânea ou pela absoluta ausência, passe a existir, gerando,
assim, uma nova natureza. O conjunto desses atos específicos, que inovam a circunstância e
transpõem obstáculos à sobrevivência e ao bem-estar do homem, é a técnica, caracterizada
então pela reforma da natureza tendo em vista a satisfação das necessidades humanas. Estas,
por sua vez, não são estáticas, constatando-se, ao longo da história, que pelo fato da ideia de
bem-estar modificar-se sempre, a técnica está também em constante mutação.
O homem, portanto, não é técnico por acidente, mas essencialmente: está obrigado a
“fazer-se a si mesmo, autofabricar-se” (ORTEGA, 1991, p. 34). A vida humana, realidade
radical, é a produção de seu próprio ser, pois “viver é descobrir os meios para realizar o
programa que se é” (ORTEGA, 1991, p. 34). Deste modo, o homem não possui mera aptidão
ou capacidade técnica, de modo que se a um animal fosse concedido igual talento, este se
tornaria um homem; pelo contrário, a técnica constitui a própria essência humana, sendo seu
propósito supremo “dar liberdade ao homem para ele poder entregar-se a si mesmo”
(ORTEGA, 1991, p. 35), ou seja, ser cada vez mais capaz de se tornar quem quer ser.
Referências:
ORTEGA Y GASSET, José. O homem e a gente. Rio de Janeiro: Livro Ibero-americano,
1960.
ORTEGA Y GASSET, José. Meditação sobre a técnica. Rio de Janeiro: Instituto Liberal,
1991.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 114
ANÁLISE ECONÔMICA DA JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE: O DEVER DE
EFICIÊNCIA DA AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR (ANS) NA
CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE
Fillipe Azevedo Rodrigues69
Rafhael Levino Dantas70
Palavras-Chave: Saúde Suplementar; Regulação; Eficiência.
O cenário instável entre a concretização de um direito típico a um Estado Provedor e
a transição para um regime organizacional e econômico neoliberal fomentaram o surgimento
do conceito de Saúde Suplementar, ora nosso objeto de estudo, numa captura da iniciativa
privada de espaço de mercado, não exclusivamente público, mas prejudicado pela elevada
ineficiência estatal na prestação mínima do serviço.
A garantia do mínimo existencial, construída no campo doutrinário, é rotineiramente
desconsiderada na saúde pública pelo seu próprio prestador, que admitiu a crescente
participação privada na área, a fim de funcionar, de um lado, como prestador do serviço,
através do Sistema Único de Saúde (SUS), e, de outro, como regulador da atividade
econômica de planos e seguros de saúde, por meio da Agência Nacional de Saúde
Suplementar (ANS).
Por sua vez, a atividade privada dos planos e seguros de saúde, reguladas pela ANS,
com vistas à prestação de um serviço originalmente público, importa em constantes conflitos
entre princípios de ordem liberal e social, tal como a segurança das relações contratuais de
carência e a preservação da incolumidade física do indivíduo, contratante do serviço.
69
Advogado e Consultor do Estado do Rio Grande do Norte, possui graduação em Direito pela Universidade
Federal do Rio Grande do Norte - UFRN (2010) e, atualmente, é discente do Mestrado em Direito Constitucional
e da Graduação em Gestão de Políticas Públicas, ambos os cursos oferecidos pela UFRN. Tem experiência na
área de Direito, com ênfase em Análise Econômica do Direito e Direito Administrativo. E-mail:
70 Advogado, graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2006). Atualmente, é
Consultor da Consultoria-Geral do Estado do Rio Grande do Norte, Membro da Comissão de Estudos
Constitucionais da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Rio Grande do Norte, e Mestrando em Direito
Constitucional na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Tem experiência na área de Direito,
com ênfase em Direito Constitucional e Administrativo. E-mail: <[email protected]>.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 115
Boa parte desses conflitos não são resolvidos no meio privado, isto é, as relações
econômicas de troca se apresentam insatisfatórias ao se inserirem nesse contexto
constitucional de mercado, o que leva tais demandas ao Poder Judiciário.
Assim, as partes litigam em busca da eficácia do direito nos quais se sustentam, em
uma relação não meramente jurídica, mas também de natureza econômica, afinal põe-se em
conflito interesses que se alegam fundados em necessidades a partir da relação contratual
firmada.
Nesse cenário de judicialização das relações privadas e das políticas públicas,
destaca-se relevante uma abordagem teórica interdisciplinar, qual seja o estudo aplicado do
direito e economia às relações entre Estado (regulador), planos e seguros de saúde (regulados
e prestadores de serviço) e segurado (consumidor e destinatário do direito fundamental à
saúde).
Tal visão de eficácia e concretude normativa como fonte do Direito fundou os
alicerces das primeiras obras voltadas a sua análise econômica, tratando-se de aplicar as
premissas básicas da Microeconomia aos diversos ramos do Direito e não mais apenas aos
ramos ligados às políticas econômicas propriamente ditas.
A partir desses estudos, consolidou-se a Análise Econômica do Direito (AED) como
toda tendência crítica do realismo jurídico norte-americano, fundamentada na utilização da
teoria Econômica para análise do Direito.
Essa nova concepção representou um novo papel instrumental-metodológico da
Teoria Econômica aplicada ao Direito, servindo-o de bases analíticas e interpretativas para
seus diversos ramos, pautando-se sempre pela eficácia da norma.
Em que nível, portanto, a tecnologia analítico-interpretativa da AED repercute no
Direito e, em especial, no Direito brasileiro?
Um bom exemplo é a postura firme do Poder Judiciário brasileiro quanto à
efetividade das políticas públicas na área de saúde, a exemplo do fornecimento de
medicamentos.
A reação do Judiciário em penalizar a Administração Pública pela ineficiência de
suas políticas relativas aos direitos sociais representa um marco na formação de
jurisprudência fundada em pressupostos econômicos, ao considerar o Direito como meio para
fins sociais almejados, sem desprezar os custos para o alcance do bem-estar geral.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 116
É bastante perceptível, em decisões relativas ao fornecimento de medicamentos e
tratamentos de saúde, a ponderação dos magistrados sobre os custos daquele produto ou
serviço, sua viabilidade econômica e eventuais opções menos onerosas que redundem em
resultado igualmente satisfatório.
O efeito desse fenômeno, originado no Judiciário brasileiro, vem, gradativamente,
forçando o Poder Executivo a tomar medidas mais eficientes, também plasmadas em uma
análise de custos e benefícios a fim de prestar serviços públicos de melhor qualidade.
Entretanto, o processo se mostra lento, de modo que grande parcela da população
recorre à Saúde Suplementar, assim como dito anteriormente. Há em comum, portanto, a
judicialização tanto das demandas contra o Estado quanto contra os planos e seguros de saúde
em busca de tratamentos médicos.
Os paradigmas de eficiência, portanto, avançam mais na atividade regulatória do
Estado, materializada, in casu, no papel da ANS. Isto porque a Constituição de 1988 prevê o
mister de fiscal e regulador do Poder Público.
Criada pela Lei Federal n.º 9.961, de 2000, a Agência possui o peculiar objetivo
estratégico de garantir a solvência do mercado, para que este mantenha o sistema privado em
operação. Nesse ponto peculiar, reside a maior parte das críticas dos consumidores à
Entidade, que buscam orientar a força da legislação contra seu mais visível oponente,
representado pelas operadoras de planos de saúde.
A importância institucional da ANS é inquestionável no mercado em comento, o que
enseja menção à teoria da Economia Institucional, na linha de convergência proposta do
Direito e Economia.
Para a Economia Institucional, a racionalidade do comportamento do homo
aeconomicus é fortemente influenciada pelas instituições que afetam direta e indiretamente
seus interesses. Aproxima-se dessa posição as teorias da Economia do Bem-Estar, ao
considerar a intervenção institucional como mecanismo indispensável ao equilíbrio de
mercado, cujo papel é procurar reduzir os efeitos de externalidades negativas naturais das
relações econômicas.
No arranjo da teoria dos jogos, a influência institucional da ANS a eleva ao posto de
agente detentor das regras jogo, sua atividade diretiva é perenemente observadas pelos
demais agentes envolvidos a fim de que montem suas estratégias de mercado. O controle da
Agência, em suma, almeja promover eficiência em tal segmento.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 117
Todavia, a atuação, em si, da ANS não é suficiente em prol de estabilizar as relações
entre os segurados e as operadoras de plano e seguro saúde, afinal, como já alertado, eleva-se
o número de casos levados ao Poder Judiciário em função da máxima concretização do direito
à saúde.
Trata-se, pois, de mais um agente do jogo, cuja influência pode subverter suas regras
pela imprevisibilidade das decisões judiciais, geralmente em prol do segurado, cabendo à
operadora arcar com os custos decorrentes.
Nesse prumo, resta evidente que a administração de planos e seguros saúde é
sobremaneira complexa, em meio a um mercado competitivo, no qual cada agente deve
montar estratégias de maximização racional e gestão de riscos a fim de evitar a comum
situação de insolvência. A intervenção judicial nos contratos firmados com seus segurados
representa muito bem tal cenário de riscos, uma vez que importa a previsão imediata de
recursos determinada pelas tutelas de urgência.
Cumpre a ANS, portanto, promover um cenário mais estável entre os agentes no jogo
do mercado de Saúde Suplementar, mediante a consolidação de arcabouço normativo mais
ajustado ao sistema constitucional, constituindo canal de solução de conflitos mais eficiente
em âmbito administrativo.
Essas propostas visam a reduzir a judicialização nos contratos de forma positiva, sem
significar obstáculo ao acesso à jurisdição, mas exclusivamente para evitar o acúmulo de
litígios levados ao Poder Judiciário, que sobrecarregam a atividade judiciária em prejuízo de
sua eficiência institucional.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 118
ASSESSORIA JURÍDICA POPULAR (AJUP) UNIVERSITÁRIA: EXPERIÊNCIA
JURÍDICA, PEDAGÓGICA E POLÍTICA DE EFETIVAÇÃO DE DIREITOS
SOCIAIS
Franciene Almeida Vasconcelos71
PALAVRAS CHAVE: ASSESSORIA JURÍDICA POPULAR UNIVERSITÁRIA;
AGENDA DE EXTENSÃO POPULAR; ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO.
O presente resumo tem por objetivo descrever algumas características do movimento
de Assessoria Jurídica Popular Universitária (AJUP universitária). Pretende-se demonstrar
que o seu exercício pode constituir-se em via - para além dos moldes da pesquisa ou da
prática jurídica tradicional - de crítica e desconstrução dos paradigmas epistemológico
(positivista) e jurídico-político (liberal-individualista) da ciência do Direito, e efetivar um
novo modelo de concepção, educação e atuação jurídica, comprometido com a transformação
social. Em um contexto de crise do ensino jurídico, assim como da própria função
jurisdicional como instância de pacificação de conflitos, a assessoria jurídica popular
universitária revela-se como prática que pode estimular: a superação da apatia, despolitização
e pragmatismo ético dos estudantes e profissionais do Direito; a função social da
universidade, como promotora do acesso à justiça e a democracia; a possibilidade de
pesquisadores conhecerem de fato o seu objeto de pesquisa e vivenciarem/refletirem sobre
seus marcos teórico-metodológicos, por meio das pesquisas-ação ou das pesquisas
participantes. Tem-se nesse caso, em uma só agenda de pesquisa e extensão popular, um
modelo hábil a contemplar o tripé ensino, pesquisa e extensão no âmbito da universidade
pública brasileira.
A Assessoria Jurídica Popular (AJUP) universitária pode ser conceituada como uma
prática jurídica promovida por estudantes de direito e militantes de movimentos sociais, em
71 Graduanda em Direito pela Faculdade de Direito da UFJF; Bolsista do Programa PIBIC/CNPq Ações Afirmativas; Email: [email protected]
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 119
modelo de horizontalidade, autonomia política e autogestão, que se destina a promover junto a
organizações populares – como movimentos sociais, sindicatos, cooperativas, associações de
moradores, entre outros – espaços de educação popular em direitos humanos e postulação
judicial de demandas coletivas, que veiculem interesses de grupos organizados na defesa de
direitos humanos e sociais. Esse modelo de atuação é atualmente apontado como o maior
modelo de extensão em direito do Brasil e identifica-se com o que vem sendo designado por
‘Práticas Jurídicas Insurgentes’72
.
As Práticas Insurgentes reúnem concepções, métodos e exercícios do direito que
priorizam a organização popular, as ações coletivas, os trabalhos de impacto comunitário, as
atividades de educação popular na perspectiva da troca de saberes e a pesquisa-ação ou a
pesquisa participante. Em tais práticas, também se inserem as atividades de Advocacia
Popular, Assessoria Universitária e Assessoria Estudantil (gênero de cuja espécie aqui
discutida é a AJUP Universitária, distinguindo-se das demais práticas pelo marcado
protagonismo de estudantes, sobretudo em seu início).
No Brasil, um dos primeiros registros do que hoje se designa como AJUP universitária
ocorreu na década de 1950, ainda que o maior aprimoramento desse modelo tenha ocorrido
nos anos de 1990. Um grupo de estudantes de direito da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS) organizou-se para construir um modelo de atuação estudantil que pudesse
oferecer serviços jurídicos gratuitos à comunidade pobre da região, tendo em vista a flagrante
falta de acesso à justiça, e mais propriamente ao poder judiciário, que atingia especialmente
tal parcela da população. O chamado Serviço de Assistência Jurídica Universitária da UFRGS
(SAJU-RS) era, na época, um órgão do centro acadêmico da faculdade de direito e não tinha a
pretensão de buscar demandas coletivas, restringindo-se a tutelas individuais. Logo que
surgiu, passou a ser reproduzido em outras universidades públicas do país, tendo como
segunda experiência bem sucedida o Serviço de Assistência Judiciária da Universidade
Federal da Bahia (SAJu – BA).
O projeto, inicialmente organizado por estudantes, teve repercussão positiva em todo o
Brasil e logo passou a ser reconhecido e institucionalizado pelas universidades. O SAJU-RS e
72 LUZ, Vladimir Carvalho. Assessoria Jurídica Popular no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2008.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 120
o SAJu-BA deram origem aos Núcleos de Prática Jurídica de suas respectivas faculdades. Por
fim, tal modelo de atuação jurídica, convertido em escritórios-modelo ou núcleos de prática
jurídica, passou a ser desenvolvido pela própria estrutura das faculdades e hoje é uma
recomendação do Ministério da Educação e Cultura para todos os cursos de Direito do país.
Na atualidade, o modelo segue crescendo em toda a América Latina, depois de grande
desenvolvimento e aprimoramento teórico-metodológico. Houve a superação de uma primeira
fase assistencialista e liberal, assim como um grande período de estagnação e reestruturação
em virtude do choque dos regimes militares em quase todo o continente. Atualmente, uma
das experiências mais reconhecidas no país e no mundo é exercida na Universidade de
Brasília (UnB), dentro do “Núcleo de estudos para a Paz e os Direitos Humanos”. O projeto
de pesquisa e extensão que lá se desenvolve segue como referência na linha de pesquisa de
mestrado e doutorado em “Direito Achado na Rua”.
As ações de uma AJUP Universitária têm claro caráter político – no sentido de serem
posicionadas e repudiarem o padrão de neutralidade axiológica – e manifestam adesão aos
métodos da Educação Popular, por optarem pela horizontalidade e informalidade entre os
sujeitos que dela participam. Recorrem também a atos simbólicos e métodos lúdicos
(principalmente do Teatro do Oprimido) como técnicas aplicadas nos encontros, ora para
promover a maior aproximação entre os envolvidos, ora para conduzir os momentos de estudo
sobre a realidade, a história ou a lei.
A atividade de extensão popular em assessoria jurídica demanda dos estudantes e
professores envolvidos um grande conhecimento sobre o objeto de sua ação e reflexão. Seja
no que diz respeito à legislação que poderá embasar as reivindicações da comunidade, ou à
atividade de esclarecimento sobre direitos e políticas públicas que podem ser acessadas por
ela. Também é necessário saber qual o meio mais democrático e didático de se promover uma
educação genuinamente popular em direitos humanos. Principalmente, é preciso saber que
tipo formação jurídica, ética e principiológica deve nortear as opções e condutas profissionais
de quem trabalha com o povo.
Trata-se de uma via de mão dupla na atividade de aprendizado, uma vez que o contato
permanente com a realidade, necessariamente, será conformador da consciência ética e prática
dos estudantes e profissionais envolvidos nesse processo. Por isso mesmo, não é apenas uma
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 121
atividade de extensão, mas uma atividade de ensino, aprendizado e potencial espaço de
pesquisa, mais especificamente, de pesquisa-ação ou de pesquisa participante.
A possibilidade de superar a dicotomia entre sujeito e objeto de pesquisa, a
necessidade de valorizar o saber popular e a experiência da prática social, a tentativa de se
delinear novos padrões metodológicos e epistemológicos, opostos à dogmática científica
vigente tornam a AJUP universitária um âmbito muito rico também para aqueles que querem
aliar o trabalho de assessoria com uma produção científica socialmente comprometida.
A AJUP universitária caracteriza-se, pois, como um aperfeiçoamento do modelo de
ensino, pesquisa e serviço jurídico prestado na universidade pública e contempla, a um só
tempo, a exigência de associação de ensino, pesquisa e extensão no ensino superior. Essa
prática propicia uma formação para além da técnica – seja ela judicial ou epistemológica – e
aproxima o pensador do direito da realidade brasileira.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 122
OS IDOSOS NO BRASIL ATUAL: A IMPORTÂNCIA DE AÇÕES EFETIVAS QUE
GARANTAM SEUS DIREITOS
Amanda de Magalhães Silva73
Palavras-chave: idoso; direito; envelhecimento ativo.
Independentemente das diferenças culturais e econômicas, toda a espécie humana
está fadada aos quatro verbos regentes do ciclo vital: nascer, crescer, reproduzir e morrer. São
fatos indissociáveis da espécie humana, ainda que muitas pessoas não cumpram a terceira
parte do ciclo da vida, a reprodução. Porém, em cada país, estado ou cidade, esse ciclo ocorre
com uma intensidade diferente, influenciado pela economia, variações climáticas e mudanças
culturais.
Não faz muito tempo que as questões relativas ao envelhecimento figuram entre as
temáticas discutidas pela sociedade. É reflexo do fato de que, somente na atualidade, as
sociedades, principalmente as dos países em desenvolvimento, desacostumadas com essa
nova configuração, veem-se obrigadas a refletir sobre o impacto do aumento da expectativa
de vida de suas populações.
Assim, este resumo é uma proposta de atuação positiva e firmadora do compromisso
profissional com a assistência integral ao idoso. Concebido numa perspectiva de atuação
multidisciplinar, adota o conceito de que o atendimento ao idoso e seu encaminhamento a
uma instituição cuidadora será mais eficaz, se o fizer baseado numa pesquisa médico-social-
jurídico individual, visando a qualidade de vida, a proteção dos direitos e a prevenção de
situações de abandono e de risco, buscando, dessa forma, a saúde integral.
Inicialmente deve-se ressaltar que os idosos institucionalizados apresentam um perfil
diferenciado, grande nível de sedentarismo, carência afetiva, perda de autonomia causada por
incapacidades físicas e mentais, ausência de familiares para ajudar no autocuidado e
insuficiência de suporte financeiro. Estes fatores contribuem para a grande prevalência de
limitações físicas e comorbidades, refletindo em sua independência e autonomia. Sentimentos
73
Amanda de Magalhães Silva. Acadêmica do curso de graduação da Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais. [email protected]
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 123
de desamparo e abandono também tendem a ser gerados entre os residentes, que estão
vivendo a última fase de suas vidas (SCHARFSTEIN, 2006).
Assim, o novo paradigma de saúde do idoso brasileiro é como manter a sua
capacidade funcional, mantendo-o independente e preservando a sua autonomia. O idoso
institucionalizado e a entidade que o abriga, geralmente, não conseguem arcar sozinhos com a
complexidade e as dificuldades da senescência e/ou senilidade.
Outrossim, percebe-se que tal temática ainda é muito recente no cenário jurídico
brasileiro e, talvez por isso, pouco explorada. Não basta apenas saber distinguir as finalidades
das instituições, mas também saber distinguir as necessidades individuais de cada idoso. Mas,
para isso, é preciso uma anamnese detalhada, seguindo protocolos médicos, sociais e
jurídicos.
A ideia é criar protocolos, onde os dados ficariam consolidados e estariam
disponíveis para a elaboração de mecanismos para as intervenções necessárias e a triagem
seria realizada de forma a garantir todos os direitos assegurados no Estatuto do Idoso.
Chamaremos de “Tríplice-Protocolo”, pois somente envolvendo os três pilares –
médico (saúde física e mental), social (aspectos sócio-econômicos) e jurídico (garantia dos
direitos dos idosos) - é que se conseguiria levantar dados suficientes e de modo sistemático,
para um procedimento de encaminhamento às instituições, de maneira efetiva e adequada.
Tais protocolos poderiam detectar em que tipo de instituição faltam vagas, o
potencial de recuperação de um idoso com as atividades de vida diária (AVDs) para que ele
possa ser transferido para uma instituição mais condizente com seu estado, com maior ou
menor grau de independência, após o tratamento. Os protocolos poderiam, ainda, detectar a
necessidade do apoio e encaminhamento jurídico, diante de situações enfrentadas pelo idoso
no dia-a-dia (aposentadoria, maus tratos, etc). Assim, normas e rotinas seriam criadas,
priorizando o atendimento integral ao idoso.
Enfim, são inúmeras as possibilidades que poderiam surgir ao cruzar os dados do
“Tríplice-Protocolo”, como necessidades que, muitas vezes, podem passar despercebidas na
primeira entrevista, por exemplo.
Os protocolos seriam uma forma de deixar registrados e mostrar dados que, sozinhos,
podem não fazer sentido, mas, se somados a outros, farão surgir novas possibilidades de
entendimento da situação do idoso e, consequentemente, novas soluções.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 124
Não se deve esquecer que a dor, as limitações físicas e as doenças oriundas da idade
não são tão traumáticas quanto o sentimento de menos-valia. O idoso, ao não conseguir fazer
suas atividades usuais, passa a se sentir inútil, menosprezado, dependente. Todavia, pior do
que todo esse quadro pessimista, talvez sejam a falta de infraestrutura e a insegurança
transmitida pelos órgãos governamentais, a maior das dores.
A real magnitude da situação das instituições de assistência ao idoso não é
conhecida, bem como são escassas as normas técnicas e rotinas sistemáticas que envolvem os
cuidados que priorizam os direitos dos idosos. Desse modo, conclui-se que é necessário haver
mudança de pensamentos para que novos conceitos sejam formados, dados sejam
sincronizados e, consequentemente, soluções sejam encontradas. O “tríplice-protocolo” seria,
assim, uma sugestão de mecanismo para buscar esse caminho e garantir, com eficiência, os
direitos dos idosos.
REFERÊNCIAS
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CAMARANO, Ana Amélia; PASINATO, Maria Tereza. O envelhecimento populacional na
agenda de políticas públicas. Disponível em: <
http://www.ucg.br/ucg/unati/ArquivosUpload/1/file/Envelhecimento%20Populacional%20na
%20Agenda%20das%20Pol%C3%ADticas%20Públicas.pdf>. Acesso em: 27 jun. 2012.
CAMARANO, A. A., PASINATO, M. T. Envelhecimento, condições de vida e política
previdenciária: como ficam as mulheres? Rio de Janeiro: IPEA, 2002 .
CHRISTOPHE, Micheline. Instituições de Longa Permanência para Idosos no Brasil: uma
opção de cuidados de longa duração? Dissertação de Mestrado. Escola Nacional de Ciências
Estatísticas. Rio de Janeiro: 2009.
DAVIM, R. M. B; VASCONCELOS, G T; DANTAS, S. M.M; LIMA, V M. Estudo com
idosos
de instituições asilares no município de Natal/RN: características socioeconômicas e de
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 125
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DINIZ, Fernanda. Direito dos Idosos na Perspectiva Civil-Constitucional. 1ª Edição. Belo
Horizonte: Arraes Editores, 2011.
NOVAES, Regina Helena Lasneaux. Os asilos de idosos no Estado do Rio de Janeiro –
Repercussões da (não) integralidade no cuidado e na atenção à saúde dos idosos.
Dissertação. Mestrado em Saúde Coletiva. Instituto de Medicina Social, Universidade
do Estado do Rio de Janeiro/UERJ: 2003.
SCHARFSTEIN, E.A. Instituições de longa permanência – uma alternativa de moradia para
os
idosos brasileiros na vida contemporânea. Tese de doutorado. Psicossociologia de
Comunidades e Ecologia Social. UFRJ, 2006.
RIONA, J. L., HAKKERT, R. Legislación social sobre adultos mayores en América Latina Y
El Caribe. 2002, mimeo.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 126
CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES A PARTIR DA ANÁLISE DO
ORÇAMENTO PÚBLICO DE JUIZ DE FORA
Ana Beatriz Oliveira Reis74
Frederico Augusto d’Ávila Riani75
Jonas Muniz de Almeida76
Palavras-Chaves: orçamento público; execução orçamentária; lei de responsabilidade fiscal.
Resumo: foi desenvolvido um projeto de pesquisa acadêmico denominado
“Orçamento e Políticas Públicas em Juiz de Fora: uma análise da execução orçamentária do
município, no que se refere às políticas públicas sociais, a partir da promulgação da Lei de
Responsabilidade Fiscal” que pretendeu analisar qual o nível de vinculação do Poder
Executivo do Município de Juiz de Fora, no período compreendido entre 2002 a 2011, às
previsões contidas nas leis orçamentárias. Através desse resumo acadêmico pretende-se expor
algumas considerações preliminares dessa análise.
O Orçamento Público é a lei que prevê as receitas e despesas anuais do Estado. É um
importante instrumento de planejamento público, haja vista que a execução de políticas
públicas depende de recursos financeiros. Com o advento do Estado Social, além de cumprir
sua função de controle, o Orçamento Público também se transforma em um meio de
promoção das políticas públicas sociais, que viabilizam diversos direitos prestacionais.
No ordenamento jurídico brasileiro, o gestor público está impedido de fazer qualquer
despesa que não esteja prevista no Orçamento Público, tendo o dever jurídico de garantir o
equilíbrio entre as receitas e despesas orçamentárias. Essa exigência está contida na Lei
Complementar 101, a Lei de Responsabilidade Fiscal,que criou impedimentos legais aos entes
políticos, visando evitar o desequilíbrio das contas públicas. Esta Lei, com o fito de evitar o
74
Graduanda em Direito pela da Universidade Federal de Juiz de Fora. [email protected] 75
Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2005). Professor Adjunto da Faculdade
de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora. [email protected] 76
Graduando em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora. [email protected]
Projeto de pesquisa fomentado pela Pró-reitoria de Pesquisa da Universidade Federal de Juiz de Fora-
PROPESQ/UFJF
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 127
déficit público, apenas limita a execução das despesas, mas não prevê a obrigatoriedade de
realização das despesas relacionadas às políticas públicas sociais, ainda que determinadas
constitucionalmente.
O presente trabalho acadêmico parte do pressuposto jurídico, estabelecido na tese de
doutorado do orientador do projeto, Professor Dr. Frederico Augusto d’Avila Riani77
, de que,
no Direito Brasileiro, as previsões de despesas orçamentárias, que visam concretizar
determinações constitucionais são impositivas ao Executivo.
Por meio da verificação da execução orçamentária do Município de Juiz de Fora
pretendeu-se avaliar qual o grau de efetivação das políticas públicas após a promulgação da
Lei de Responsabilidade Fiscal. Almeja-se saber se o Orçamento continua sendo apenas uma
mera peça formal ou se sua execução, de fato, vincula o Poder Executivo. A pesquisa se
utilizou da análise de documentos disponibilizados por setores da Administração Municipal,
dos dados disponíveis no Portal Transparência de Juiz de Fora, além dos dados
disponibilizados pelo Município ao Tesouro Nacional.78
Primeiramente, faz-se necessário destacar algumas características da Receita Pública
do Município de Juiz de Fora, inclusive para verificar a autonomia financeira desse ente
político.
Através dos estudos realizados, bem como segundo o Índice FIRJAN de Gestão
Fiscal- IFGF, no que tange à Receita própria, Juiz de Fora está entre os poucos municípios
com alguma capacidade financeira própria. Do universo de 5.565 municípios brasileiros, Juiz
de Fora está entre os melhores 119 em termos de geração de receita própria e relação de
“independência” das transferências intergovernamentais.
No entanto, quando se parte para a análise dos seus dados orçamentários, percebe-se
a dificuldade de elaboração e implementação de políticas públicas próprias. Tendo em vista
que grande parte das receitas por transferências vem com destinação certa, tais como as
derivadas do FNDE, FNAS. Pouco sobra para outras áreas sociais, tais como,
77
RIANI, Frederico Augusto d'Avila. A vinculação do chefe do Executivo à Lei Orçamentária no cumprimento
das determinações constitucionais. 2005. Tese (Direito). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUCSP). 78
In: http://www3.tesouro.gov.br/estatistica/est_estados.asp
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 128
desenvolvimento urbano, saneamento básico, lazer, meio ambiente, alimentação e proteção à
infância.
Todas estas intervenções ficam na dependência da existência de políticas públicas
federais, que poderão ser executadas em parceria com o governo local, mas com os recursos
federais; ou da tradicional relação clientelista persistente na política brasileira, o que reforça o
poder central e enfraquece o Executivo local, pois este se coloca em relação de dependência e
assume, de forma ilusória, a figura do grande conquistador de recursos, por meio da liberação
de recursos do orçamento federal, normalmente em parceria com parlamentares federais. Isto
caracteriza a fragilidade da autonomia financeira de Juiz de Fora
Em relação à despesa pública, após análise da Execução Orçamentária do Município
de Juiz de Fora, é possível verificar que no exercício financeiro de 2002, 61% da despesa
inicialmente prevista destinada a promoção de políticas públicas de caráter social foi
executada. No exercício financeiro de 2011, esse percentual é de 81% sendo importante
considerar que, no mesmo exercício, houve dotação para majorar os recursos nas áreas, o que
difere dos demais exercícios, uma vez que até o ano 2008, as dotações no orçamento público
destinado às áreas sociais foram estabelecidas de forma a minorar os recursos previstos nos
orçamentos anteriores.
No geral, percebe-se uma evolução no percentual da execução orçamentária no que
tange a realização de despesas públicas previstas no orçamento direcionadas a concretização
das políticas públicas sociais. Isso pode ser explicado por diversos fatores, inclusive pelo
recente crescimento econômico nacional. Contudo, pode-se perceber que algumas áreas
sociais, como Saneamento, Transporte e Desporto, ainda se encontram esquecidas pela
administração pública, sendo muito baixo o percentual de efetividade da execução
orçamentária no que tange as despesas, muitas vezes inexecutáveis. No exercício financeiro
de 2011, por exemplo, o Município não executou nada do que havia previsto com a rubrica
Transportes Coletivos e Urbanos.
Outro fator considerável é o aumento da participação da Administração Indireta na
execução do orçamento público. O Município de Juiz de Fora vem usando pessoas jurídicas
diferentes da Administração Direta para executar o Orçamento Público. Em algumas áreas,
como na Cultura, não há participação da Administração Direta na execução dos recursos, ou
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 129
seja, são previstas apenas transferências de recursos para a Administração Indireta. Devido a
essa pluralidade de agentes responsáveis pela execução das despesas, dificulta-se o grau de
controle da execução orçamentária e, possivelmente, o grau de concretização das previsões de
despesas nessa área. No exercício financeiro de 2011, na rubrica Gestão Ambiental, por
exemplo, além da Administração Direta, existiam mais três entidades responsáveis pela
execução orçamentária (AGENDA JF, MAPRO E DEMLURB). Contudo, isso não se
traduziu na efetivação das políticas públicas. Em 2011, apenas 5% da despesa prevista
inicialmente foi executada.
Todas essas percepções ao lado dos recentes desafios impostos à Administração
Pública diante dos diferentes modos de privatização evidenciam, numa análise preliminar, que
a Lei de Responsabilidade Fiscal pouco influenciou o aumento da efetividade da
concretização das previsões orçamentárias, que decorrem de determinações constitucionais. E,
também, permitem identificar uma grande fragilidade do modelo federativo brasileiro, uma
vez que o pseudo federalismo cooperativo, na verdade, coloca os “entes políticos menores” na
dependência do governo central.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 130
DIREITOS FUNDAMENTAIS E DEMOCRACIA NO BRASIL: PROLEGÔMENOS À
UMA ANÁLISE DA PROIBIÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL
Simone Matos Rios Pinto79
Tônia Aparecida Tostes do Prado80
Palavras-chave: direitos fundamentais; democracia; proibição do retrocesso social.
Introdução: Há quase 25 anos foi promulgada a Constituição da República
Federativa do Brasil, que tomou como nobre tarefa a instituição de um Estado Democrático,
destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais. Portanto, neste momento
de maturidade constitucional, cumpre ao jurista questionar qual o significado preciso e os
eventuais limites relativos à capacidade dos cidadãos em se autodeterminarem politicamente.
Para tal desiderato, é preciso destacar, desde já, que os Direitos Fundamentais encontram-se
em relação dialética com o exercício do poder no Estado Constitucional Democrático de
Direito, uma vez que são, simultaneamente, condicionantes e condicionados.
Num complexo cenário (composto, por um lado, pela tensão entre efetividade dos
direitos fundamentais e autodeterminação política e, por outro lado, pela existência de fatores
de desestabilização social e de reiteradas violações à dignidade, ou, ainda, para Habermas,
entre a facticidade e a validade), se insere a temática da “proibição do retrocesso social”,
consistente na proteção constitucional ao nível de consolidação ou concretização alcançado
em matéria de direitos fundamentais sociais, econômicos e culturais, contra atos do Poder
Público que tenha por finalidade (ou resulte por via indireta) a sua redução ou supressão
desacompanhada de projeto que substitua o que foi reduzido ou suprimido.
Desenvolvimento: Decerto, a aplicação do conceito de soberania popular traz em seu
bojo um problema lógico: o da compreensão do poder supremo do povo limitado
79
Simone Matos Rios Pinto é doutoranda em Direito Público pela Puc Minas. E-mail: [email protected] 80
Tônia Aparecida Tostes do Prado é graduada em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora e Mestranda em Direito Público pela Puc Minas. E-mail: [email protected]
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 131
constitucionalmente. E ainda que se considere que o exercício da soberania está circunscrito à
manifestação do poder constituinte originário, questões como a da validade da constituição
para as gerações futuras deixaria em aberto a necessidade de se desenvolver uma nova teoria
da constituição que coloque a constituição à disposição do povo.
Por essa razão, estudos acadêmicos defendem que uma teoria constitucional deve
sustentar um modelo de constituição onde não haja um núcleo de valores definidos
previamente, mas que se esteie na legitimação pelo procedimento ou numa ética discursiva,
como em Klaus Günther e Jürgen Habermas, em contraposição à teoria da constituição como
sistema material de valores, cujo núcleo seria os direitos fundamentais, consagradores dos
valores e objetivos fundantes da sociedade, como o faz Karl Larenz. Assim, a constituição
legitimada pelo procedimento deve assegurar meramente aquelas condições indispensáveis ao
procedimento democrático de tomada de decisão, no qual os valores serão eleitos através da
argumentação, do discurso atualizado e da participação. Ocorre que ambas as concepções
consideradas de forma estanque se revelam insuficientes e contraditórias em sua própria
formulação teórica: a constituição como sistema material de valores ignora o pluralismo e
impossibilita a autodeterminação das gerações, engessando o processo de mutação
constitucional e a própria democracia; a constituição como norma aberta no seu sentido puro
viabilizaria a negação da própria democracia como procedimento legítimo de tomada de
decisão e o vencimento do pior argumento. Além disso, as concepções procedimentalistas são
construídas sobre bases materiais, exemplo disso são seus pressupostos de igualdade e
liberdade na participação e de racionalidade humana e do procedimento. Isso indica a
necessidade da aproximação desses conceitos a fim de que se forme uma compreensão da
constituição que permita a renovação da sociedade e a proteja do retrocesso (PEREIRA,
2008).
Para que o Direito seja legítimo são necessários direitos que garantam a autonomia
privada dos cidadãos e lhes permitam a assunção da posição de autores e destinatários das
normas, tais como: (1) direitos que assegurem o maior grau de liberdade subjetivas possível;
(2) de nacionalidade; (3) de ação jurídica; (4) que garantam a autonomia pública dos
cidadãos; e, ainda, (5) direitos que garantam condições de vida que proporcionem o usufruto,
por igual, dos direitos anteriormente mencionados (HABERMAS, 2003, p.159-160). Esse é o
cerne da teoria de indivisibilidade dos direitos, segundo a qual os direitos de liberdade e os
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 132
sociais são reciprocamente condicionantes e condicionados, e que restou consagrada na
Resolução nº 32/130 da Assembleia Geral da ONU.
Assim, traja-se de imperatividade a análise da proteção jurídica conferida aos direitos
sociais, especificamente, a possível existência de proteção constitucional ao nível de
consolidação alcançado em matéria de direitos fundamentais sociais contra atos do Poder
Público que tenha por finalidade (ou resulte por via indireta) a sua redução ou supressão: este
é o conteúdo material do instituto denominado ‘Proibição do Retrocesso Social’,
desenvolvido em doutrina e jurisprudência estrangeiras, notadamente Portugal e Alemanha.
Se, por um lado, não há de se consentir na redução do Poder Legislativo a mero órgão
executor da Constituição, de outro lado, contudo, não há de se olvidar que é inerente ao
constitucionalismo moderno a existência de limites ao exercício do Poder, sob pena de
incursão em subversão na hierarquia estabelecida pela ordem constitucional, pois o processo
de constitucionalização do Direito já não admite o tratamento de qualquer assunto de forma
alheia à Constituição.
Considerações finais: Constatada a necessidade de se equacionar a evolução do
Direito com o imperativo de segurança e estabilidade sociais, reconhece-se a “Proibição do
Retrocesso” como corolário do Estado Democrático de Direito, ao menos de forma sumária e
provisória, no que se entende ser uma versão fraca do instituto: sendo defeso ao Poder Público
restringir e/ou suplantar o nível conquistado de efetivação do direito social, sem que haja
motivos de envergadura constitucional a lastrear tal decisão, com relação a um núcleo de
direitos considerados essenciais para garantir o discurso entre livres e iguais. Crê-se que o
conteúdo social mínimo para garantia do discurso deverá ser determinado pelo juiz através do
discurso de aplicação do direito, cabendo a definição de seu âmbito normativo a partir da
análise pragmática da situação de aplicação. Às críticas à politização do Judiciário pelo seu
ativismo, contrapõe-se que o passivismo sobeja politização. Ademais, ao Judiciário cumpre
um papel contra-majoritário de importância vital para o constitucionalismo moderno, na sua
emergente faceta democrática de proteção das minorias e promoção da cidadania dos menos
favorecidos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 133
HABERMAS Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Trad. Flávio
Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. vol I e II, 1997.
PEREIRA, Rodolfo Viana. Direito Constitucional Democrático: controle e participação
como elementos fundantes e garantidores da constitucionalidade. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2008.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 134
OS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS E A ÓRBITA JURÍDICA
INTERNACIONAL
Fernanda Aarestrup Fontoura*
Palavras chaves: direitos humanos fundamentais, gerações, direito internacional,
Constituições.
Resumo: A proposta deste estudo é tecer uma reflexão sobre os Direitos Humanos
Fundamentais e o Direito Internacional, examinando a dinâmica do processo de
internacionalização dos direitos humanos.
Pela tradição ocidental os direitos humanos fundamentais são essenciais a qualquer
Constituição, tendo como objetivo promover e assegurar condições dignas de vida, assim
como, garantir a defesa dos cidadãos contra abusos de poder político e econômico cometidos
pelos órgãos do Estado.
Na esfera internacional, a preocupação com os direitos humanos se intensificou após a
Segunda Guerra Mundial, como resposta às atrocidades cometidas durante o nazismo. Nesse
cenário começa a ser criado um sistema normativo internacional de proteção a partir da
“Declaração Universal dos Direitos Humanos”, formulada em 1948, cuja premissa “declara
solenemente os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem, tendo em vista que o
esquecimento ou o desprezo destes direitos são as únicas causas dos males públicos e da
corrupção dos Governos”.
A Declaração de 1948 não possui força jurídica vinculante, ou seja, atesta o
reconhecimento universal de direitos humanos, mas não obriga os Estados a assegurar a
observância dos mesmos. Para exercer tal papel a Declaração deveria ser “judicializada” em
forma de tratado internacional o que aconteceu em 1966 com o Pacto Internacional de
Direitos Civis e Políticos, e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais. A partir desses instrumentos se forma a Carta Internacional dos Direitos Humanos
que inaugura, assim, o sistema global de proteção desses direitos.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 135
Em 1993, em Viena, na Conferência Mundial de Direitos Humanos, foi proclamada a
incorporação das universalidades, indivisibilidades, interdependências e inter-relacionamentos
entre os Estados para que os direitos humanos se tornarem mais efetivos acompanhando a
evolução da sociedade. Dessa forma, a comunidade internacional deveria trata- lós
globalmente, de modo justo e equitativo.
Para o autor Manuel Gonçalves Ferreira Filho, os direitos humanos fundamentais
possuem características próprias como a imprescritibilidade, inalienabilidade, individualidade
e a universalidade, já que pertencem não apenas a um, mas a todos os seres humanos
existentes.
Para melhor compreensão do tema é necessário alguns breves comentários sobre “as
três gerações” dos direitos humanos, elaboradas pelo jurista francês Karel Vasak: a primeira
geração é procedente do liberalismo, consiste fundamentalmente no direito à vida e a
integridade física, além do poder de pensar e se expressar livremente; os direitos de segunda
geração são os econômicos, sociais e culturais, e provém dos movimentos socialistas; na
terceira geração se encontra o direito que toda pessoa tem de viver em um meio ambiente
saudável e não contaminado, assim como o direito de viver em uma sociedade em paz.
Para Flávia Piovesan:
“[...] adota-se o entendimento de que uma geração de direitos não substitui a outra, mas com
ela interage. Isto é, afasta-se a ideia da sucessão “geracional” de direitos, na medida em que
acolhe a ideia da expansão, cumulação e fortalecimento dos direitos humanos consagrados,
todos essencialmente complementares e em uma constante dinâmica de interação. Logo,
apresentado os direitos humanos uma unidade indivisível, revela-se esvaziado o direito à
liberdade, quando não assegurado o direito à igualdade e, por sua vez, esvaziado revela-se o
direito à igualdade, quando não assegurada a liberdade.”
O dever de garantir a eficácia dos direitos fundamentais é do Estado, enquanto órgão
principal do constitucionalismo.
Ao ratificar as Convenções e os Tratados de proteção aos direitos humanos o Estado
passa a aceitar o monitoramento internacional, no que tange ao modo pelo qual tais direitos
são respeitados em seu território. O Estado passa a aceitar o controle e a fiscalização da
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 136
comunidade internacional quando, em casos de violação a direitos fundamentais, a resposta
dos órgãos nacionais for insuficiente ou falha. Devemos, contudo lembrar que a ação
internacional é sempre uma ação suplementar, constituindo uma garantia adicional de
proteção dos direitos humanos.
O princípio de respeito aos direitos humanos atualmente está presente em inúmeras
Constituições pelo mundo, inclusive na brasileira, o que invoca a abertura da ordem jurídica
interna ao sistema internacional de proteção dos direitos humanos e, ao mesmo tempo, exige
uma nova interpretação de princípios tradicionais como a soberania nacional e a não
intervenção, impondo a flexibilização e relativização desses valores.
A Constituição brasileira de 1988, em seu artigo 5º, parágrafos 1º 2º, atribuiu aos
direitos humanos internacionais natureza de norma constitucional, admitindo a aplicação
imediata destes. No diploma legal supracitado estão nos artigos 6º, 7º, 227, dispostos os
Direitos e Garantias Fundamentais.
Em relação ao impacto jurídico dos mecanismos internacionais para proteção dos
direitos humanos no âmbito interno e por força do princípio da norma mais favorável à
vítima, os direitos vindos de tratados internacionais devem apenas aprimorar e fortalecer,
jamais a restringir ou debilitar, o grua de proteção dos direitos consagrados no plano
normativo constitucional.
A atuação do Direito Internacional dos Direitos Humanos tem sido capaz de propor
relevantes ações internacionais, permitindo a comunidade internacional a fiscalização e
controle de sérios casos de violação dos direitos humanos. Quando tais violações chegam ao
conhecimento internacional o Estado, devido à pressão exercida por instituições de fora de
suas fronteiras, se vê obrigado a prover justificações, o que tende a implicar em alterações em
suas práticas relativas aos direitos humanos, permitindo, por vezes, um sensível avanço na
forma pela qual esses direitos são nacionalmente respeitados e implantados.
Os organismos internacionais de constituem, portanto, em um importante fator para o
fortalecimento da sistemática de implantação desses. A proteção da pessoa envolve o
exercício efetivo e amplo dos direitos humanos, nacional e internacionalmente assegurados.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 137
BIBLIOGRAFIA:
FERREIRA FILHO, MANUEL GONÇALVES, 1934 – Direitos Humanos Fundamentais. 3ª
ed. – São Paulo: Saraiva: 1999.
HERKENNHOFF, JOAO BATISTA. Direitos humanos – A Constituição Universal de uma
Utopia. Aparecida, SP: Editora Santuário, 1997.
PIOVESAN, FLAVIA. – Direitos humanos e o Direito Constitucional Internacional. 13ºed. –
São Paulo: Saraiva, 2012.
MAZZUOLI, VALÉRIO DE OLIVEIRA. – Direitos humanos, Constituição e os tratados
internacionais: estudo analítico da situação e aplicação do tratado na ordem jurídica brasileira.
– São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 138
POR UMA TEORIA DA INTERPRETAÇÃO QUE SE ENQUADRE NOS
MODELOS SOCIAIS BRASILEIROS
Andrey Brugger81
Charles da Silva Nocelli82
Palavras-chave: interpretação; sincretismo; importação
De acordo com Virgilio Afonso da Silva, no que tange aos métodos de interpretação
constitucional, não é a irrelevância de alguns ou a falta de diferenciação entre eles que torna
limitada a discussão. O que realmente se torna um problema é o sincretismo metodológico.83
Atualmente, já não é mais plausível entrever todas as dificuldades surgidas sob um
único prisma, a fim de se oferecer uma única resposta que seja clara e simples, uma vez que
na grande maioria das situações estão envolvidos valores e interesses conflitantes e
igualmente legítimos.
Em plena era dos direitos em que se maximiza a cada dia uma interpretação
principiológica de todos os institutos do Direito, vê-se que tribunais e interpretes vem se
transformando em verdadeiros reprodutores das teorias americanas e européias.
Nesta busca por uma teoria da interpretação, necessário se faz estudar as teorias
daqueles que já vivenciam por mais tempo a democracia. Entretanto, é importante destacar
que a democracia brasileira tem características especiais e desuniformes, não se comparando a
nenhuma outra, carecendo, desta forma, que as teorias alienígenas sejam relidas sob o prisma
desta tão diversificada cultura, adequando-a a seus moldes sociais.
81
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Pós-graduando lato sensu em Direito Público, pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Campus Verbum Divinum em Juiz de Fora – MG. [email protected] 82
Bacharel em Direito pela Faculdade Vianna Junior. Pós-graduando lato sensu em Direito Público, pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Campus Verbum Divinum em Juiz de Fora – MG. [email protected] 83
AFONSO DA SILVA, Virgilio, Interpretação constitucional e sincretismo metodológico, In Interpretação Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2005, p.133
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 139
O direito, segundo Eros Grau tende a perder a sua força normativa quando este se
afasta da realidade social, não atendendo mais aos seus anseios, tornando-se um entrave para
a própria evolução social. 84
O mesmo pode-se dizer da interpretação utilizada para desvendar
o direito. Nesse sentido, a própria idéia difundida por Kelsen, na qual se pretendeu criar uma
ciência jurídica com características análogas às ciências exatas e naturais, na busca de uma
objetividade científica e com ênfase na realidade observável passa por um momento de
superação.85
Neste sentido, em se tratando de Brasil, a palavra que possivelmente melhor define
esta terra é sincretismo. Seja em questões religiosas, culturais e até mesmo filosóficas, não se
pode olvidar que não temos uma única vertente, ou uma vertente pura no que tange a uma
teoria da interpretação do direito.
No entanto, deve-se considerar que atualmente vive-se uma verdadeira era de
pluralismos, pelo que deve a interpretação e a argumentação jurídica estar em sintonia moral
com as práticas existentes na sociedade.
Constata-se, desta forma, um senso de inferioridade acadêmica no Brasil. Uma busca
desenfreada por teorias estrangeiras para responder problemas que poderiam ser basicamente
respondidos por teorias de juristas brasileiros. Apesar de nos dias atuais haver uma
proclamação de um discurso transnacional, de uma verdadeira troca de conhecimento em
busca da resolução de problemas nacionais, vê-se, no entanto, que a experiência brasileira tem
sido apenas de importação das teorias norte-americanas e européias.
A verdade, é que hoje mais do que nunca se faz necessário uma ordenação do
pensamento no que tange a teoria da interpretação. Uma mudança que vá para além das
importações realizadas, as quais estão desconectadas com os valores sociais brasileiros.
Uma pergunta deve ser feita: Porque aquilo que é feito no exterior é melhor do que
aquilo que é feito no Brasil? Será que se vive hoje uma colonização do pensamento jurídico
brasileiro? Onde está o debate, a crítica e a busca pelo aperfeiçoamento das técnicas de
interpretação?
84
GRAU, Eros Roberto. Ensaio e Discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. 3ªedição, Ed.Malheiros, São Paulo:2005. p.8 85
STIGERT, Bruno. Racionalidade de quem? Por uma teoria da interpretação honesta e adequada. p.12
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Nesse sentido aponta o professor Bruno Stigert, em citação a Sérgio Buarque de
Holanda86
que:
Se não passarmos a levar a sério às teorias construídas em nosso
contexto e continuarmos a valorizar mais o que vem de fora,
incorremos no risco já alertado por Sérgio Buarque de Holanda
quando da importação acrítica do projeto positivista ao dizer que
“Trouxemos de terras estranhas um sistema complexo e acabado de
preceitos, sem saber até que ponto se ajustam às condições da vida
brasileira e sem cogitar das mudanças que tais condições lhe
importariam.”
Em busca de uma moralidade de aspiração, as teorias jurídicas devem ser pensadas de
forma complexa, e não simples o que não significa apenas a adoção de modelos sofisticados
de interpretação, devendo o interprete colocar o direito em contextos sociais próprios para que
possa ser devidamente compreendido.
As teorias da interpretação têm conquistado mentes e espaços dentro do cenário
jurídico brasileiro. Viver a vida dos outros tem se tornado a sina de nossos interpretes.
Soluções para uma mudança deste cenário são variadas. Uma delas, entretanto, parece
razoável: Cursos de pós-graduação e concursos para carreiras jurídicas devem procurar
incentivar por meio de seus editais e provas o estudo de métodos de interpretação que sejam
adequados a nossa sociedade. Desenvolver nos juristas um senso crítico em relação às
importações (as quais também são necessárias.) tirará o jurista de sua posição de comodismo.
Deve se buscar uma teoria que se adéqüe às nossas especificidades, tanto no plano do
Direito Constitucional (Teoria da Constituição Dirigente Adequada a Países de Modernidade
Tardia), assim como em termos da construção de uma teoria da decisão (Verdade e
86
STIGERT, Bruno. Racionalidade de quem? Por uma teoria da interpretação honesta e adequada. p.12
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 141
Consenso), em que se deve promover uma adaptação de teses alienígenas, dando-lhes uma
feição para uso no Brasil.87
Conforme salienta Lênio Streck, é evidente que necessitamos dos clássicos e dos
contemporâneos que abrem e abriram novos caminhos nos diversos campos do documento
jusfilosófico. Mas devemos evitar uma total dependência a eles. Temos de construir nossas
teses e teorias. Ou ‘mastigá-las’ a ponto de confrontar até mesmo o produto nosso com o
original, em determinadas circunstâncias.
Sincretismo, no que tange às teorias da interpretação é, pelo menos em parte, a chave
para a reestruturação do estudo interpretativo.
Concluindo, necessário se faz uma leitura de nós mesmos, e ver que o Brasil tem se
tornado uma colônia intelectual. Obviamente, temos grandes pensadores que devem deixar as
estantes cheias de poeiras e tomarem lugar junto às bibliografias dos cursos de pós-graduação.
Ressalte-se, que é importante a leitura de autores estrangeiros, entretanto precisamos ter um
olhar mais crítico sobre tais leituras de tal modo que consigamos ir para além de uma mera
implantação de idéias européias e norte-americanas.
87
Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-nov-29/senso-incomum-direito-brasileiro-nossa-sindrome-caramuru>. Acesso em 17/12/12.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 142
O PROCESSO ELETRÔNICO NA PERSPECTIVA DO ACESSO À JUSTIÇA
Felipe Muller Dornelas88
Pedro Mascarenhas Guzella89
Palavras-chave: processo eletrônico; acesso à justiça; direitos fundamentais.
Apresentação:
A sociedade, constantemente, vê-se em transformação, criando e extinguindo
conceitos, comportamentos e dogmas. Indubitavelmente, o Direito deve acompanhar tais
evoluções a fim de que possa ser realmente efetivo, garantindo, pois, justiça substancial às
demandas que lhe forem conferidas.
Em decorrência dessas mudanças, o Direito Processual Civil Brasileiro vem
adpatando-se a uma nova sistemática, pautada na releitura de seus institutos através da ótica
constitucional. Nesse contexto surge o processo eletrônico. O presente trabalho tem o objetivo
de estudar o processo eletrônico a partir do princípio do acesso à justiça, pretendendo
pesquisar até que ponto a nova tecnologia representa uma evolução para o jurisdionado.
Desenvolvimento:
O processo eletrônico não se confunde com atos processuais praticados por via
informatizada. Aquele é realizado na sua totalidade por meio digital, devendo obedecer aos
ditames da lei 11.419/06, não havendo que se falar em processo físico. Nos demais temos a
prática de somente alguns atos (peticionamento eletrônico com impressão posterior,
digitalização de autos e peticionamento sem certificação digital, por exemplo) eventualmente
realizados por meio eletrônico, o que não está abarcado pela norma retro mencionada.
Nesse sentido, a assinatura eletrônica, verdadeira inovação operacionalizada através
da assinatura digital, é a ferramenta que atesta a segurança e veracidade das informações
veiculadas nas peças informatizadas. Para tanto, em nosso país foi criada a ICP-Brasil
88
Pós-graduando em Direito Processual pela UFJF. Email: [email protected] 89
Pós-graduando em Direito Processual pela UFJF. Professor Substituto (Departamento: Direito Público Material) da Faculdade de Direito da UFJF. Email: [email protected]
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 143
(Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileiras), cujas regras estão definidas na Medida
Provisória 2.200-2, a qual tem a função de cadastrar os usuários perante os órgãos da justiça e
emitir certificado para estes, visando a um controle de acesso e autenticidade do processo
eletrônico brasileiro, garantindo-lhe, assim, maior segurança.
Porém, a grande inovação do processo eletrônico deve ser vista sob o prisma do
princípio do acesso à justiça, detidamente estudado por Mauro Cappelletti e Bryan Garth. A
partir dos referidos estudos, é possível classificar o moderno direito processual civil a partir
das chamadas “ondas renovatórias”.
A primeira delas refere-se à justiça gratuita para os pobres, aumentando o acesso da
maior parte da população aos seus direitos, vez que desvinculam tal exercício do poder
econômico da parte. A segunda “onda” diz respeito à defesa dos direitos metaindividuais. A
terceira “onda” renovatória é a de maior relevância para o tema desse estudo, na medida em
que vem para implementar a filosofia do acesso à justiça.
O conceito de acesso à justiça vem sofrendo inúmeras modificações ao longo dos
tempos. O que antes era entendido como a possibilidade de ingressar em juízo hoje é
vislumbrado a partir de uma concepção mais ampla. A onda renovatória que traz o acesso à
justiça possui aspectos de ordem objetiva e subjetiva, posto que compreende os órgãos
judiciais e todos aqueles que ali gravitam, além do conjunto de procedimentos utilizados na
técnica processual.
Coaduna-se, portanto, com a noção de ordem jurídica justa e, nesse sentido, o
princípio do acesso à justiça deve ser compreendido como verdadeiro direito fundamental, na
medida em que seu moderno viés está em garantir o direito dos jurisdicionados, tanto no que
diz respeito à possibilidade de ajuizar demandas quanto no que concerne à necessidade de se
defender daquelas já propostas. É imperioso ter-se em mente que garantir significa,
necessariamente, efetivar, concretizando o direito posto.
Ocorre que, nos dias atuais, não se pode falar em acesso à justiça sem dar azo às
novas tecnologias, em especial a informática e, dessa forma, o processo eletrônico afigura-se
como um instrumento possível de auxiliar a concretude de uma ordem jurídica justa. A
informatização do Poder Judiciário contribui, a princípio, para que o desenvolvimento do
acesso à justiça seja uma realidade.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 144
No Brasil, o acesso à justiça foi alçado à categoria de direito fundamental pela Carta
Magna de 1988 (art. 5º, XXXV). Significa dizer que possui aplicação imediata (art. 5º,
parágrafo primeiro, CF/88), dada a reconhecida força normativa da Constituição.
Por conseguinte, o legislador pátrio, à guisa da terceira onda renovatória e na esteira
do preceito constitucional, com o objetivo de ampliar e efetivar o acesso à justiça, elaborou
algumas interessantes normas, a saber: leis dos juizados especiais (9.099/95; 10.259/01;
12.153/09), lei de arbitragem (9.307/96), lei do processo eletronico (11.419/06).
Atualmente, o processo eletrônico brasileiro encontra-se mais difundido no âmbito
dos Juizados Especiais Federais. Já em 2001, por exemplo, a lei 10.259 estabeleceu a criação
de programas de informática “necessários para subsidiar a instrução das causas submetidas
aos Juizados” (artigo 24).
A ainda incipiente relação entre processo eletrônico e acesso à justiça no Direito
Brasileiro pode ser verificada, in loco, quando se constata que, via de regra, de qualquer lugar
em que haja acesso à rede mundial de computadores (internet), poderá ser ajuizada demanda
cível nas causas passíveis de tramitação nos Juizados Especiais Federais.
É cediço que, sempre que o contexto social reclama novas leis, a inserção das
modernas tendências jurídicas é aguardada. Na busca por essa sistemática, já o anteprojeto do
novo Código de Processo Civil prevê o concatenamento entre a celeridade processual (viés do
processo eletrônico) e a segurança jurídica (pautada, também, pelo princípio do acesso à
justiça).
Entretanto, o projeto do novo CPC preocupa-se mais com a privacidade das partes na
esfera eletrônica do que propriamente com seu processo, delegando tal incumbência ao
Conselho Nacional de Justiça. Sabemos que os avanços tecnológicos ocorrem diuturnamente,
sendo impossível, notadamente para países como o Brasil, (de tradição jurídica denominada
civil law), o acompanhamento das imensas modificações na mesma velocidade com que
ocorrem.
Muitos debates e ajustes ainda serão realizados para aprimorar a relação entre a nova
tecnologia processual e o conceito de acesso à justiça. A informática e suas tecnologias
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 145
representam um caminho que deve ser trilhado com responsabilidade, ideia aplicável ao
processo judicial eletrônico.
Conclusões:
A sociedade globalizada que tem surgido em decorrência do mundo eletrônico,
principalmente a partir dos anos 90 do século XX, aperfeiçoa-se cada dia mais, buscando
novas formas de interação e novas facilidades para sua vida cotidiana. O Direito Brasileiro, de
um modo geral, vem experimentando todas essas modificações tecnológicas. A atividade
jurídica caminha para a informatização.
Concluímos que o processo eletrônico é uma importante ferramenta para a
concretização plena do acesso à justiça, em sua mais ampla concepção, conforme salientado.
Não se pode olvidar, todavia, a necessidade de uma reflexão crítica de sua aplicabilidade,
porquanto a preservação dos direitos e garantias constitucionais é o fim maior do Estado
Democrático de Direito.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 146
NEUTRALIDADE NA REDE: IMPLICAÇÕES DO EXERCÍCIO DO PODER
COMUNICACIONAL E CONTROLE DO TRÁFEGO DE INFORMAÇÕES PELAS
EMPRESAS DE FORNECIMENTO DE BANDA LARGA
Murilo Ramalho Procópio90
Palavras-chave: neutralidade na rede; poder comunicacional; banda larga.
O presente trabalho tem por objetivo analisar, do ponto de vista jurídico, as
consequências sociais que emergem do controle concentrado as tecnologias de comunicação,
colocando em evidência o conflito entre os atuais sistemas regulatórios da internet e as
transformações sociais ocorridas no presente momento histórico. Neste contexto, estudos e
acontecimentos cotidianos têm demonstrado a eminente necessidade de se estudar
juridicamente a melhor maneira de se regular as diversas relações que emergem da utilização
de tecnologias digitais, principalmente em razão do distanciamento entre as reivindicações de
diversos setores organizados e as soluções legalmente oferecidas, o que tem por consequência
a resolução de conflitos de modo insatisfatório pelo Estado. Neste contexto, assume especial
relevância a questão relativa à garantia regulatória da “neutralidade na rede”, ideal firmado
pelos precursores do desenvolvimento das tecnologias de comunicação no sentido de que a
troca de informações estabelecida no meio virtual por meio de dados é livre, ou seja, não deve
sofrer a prevalência de interesses político-ideológicos, econômicos (lucrativos), ou de
qualquer outra natureza, caso estes prejudiquem a livre circulação de informações ou a
própria comunicação pela rede. Como consequência deste posicionamento, busca-se impedir
que empresas fornecedoras de acesso ao serviço de banda larga realizem a cobrança do
serviço de forma diferenciada ou estabeleçam diferentes velocidades de acesso baseando-se
no tipo de conteúdo acessado pelos usuários. A preocupação dos defensores da neutralidade
encontra-se voltada para a proteção de valores como o direito à informação e a proteção da
90
Graduado em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 147
concorrência nos diversos segmentos do setor de telecomunicações, especialmente no que se
refere à produção de conteúdo digital.
A proteção normativa da neutralidade é, por outro lado, contestada por meio de
argumentos de diversas naturezas, entre eles, a necessidade de organização do acesso dos
usuários de forma a otimizar a utilização da banda; o estímulo à inovação consciente dos
provedores de conteúdo, mediante o pressuposto de que o desenvolvimento de novas
tecnologias é maior em um ambiente de escassez; por fim, a proteção contra eventuais
violações de direitos por parte dos usuários. Nesta última perspectiva, os provedores de acesso
poderiam filtrar as informações que trafegam em suas redes, exercendo o controle sobre as
transferências de dados que estivessem em desacordo com o ordenamento jurídico, e que
constituíssem ilícitos penais, civis ou administrativos.
No que se refere a evolução regulatória do tema, tanto nos Estados Unidos quanto no
Brasil, os conflitos judiciais precederam à adequada regulação do assunto. A velocidade de
transformação das tecnologias digitais provocou mudanças estruturais na sociedade, sem
deixar de receber, em um movimento dialético, os diversos valores e objetivos historicamente
marcados de seus desenvolvedores. Estes mesmos valores, em um momento posterior,
entraram em choque com os de outros agentes sociais, entre eles, as empresas de
telecomunicações. A regulamentação estatal legislativa, incapaz de acompanhar as complexas
relações sociais desenvolvidas a partir do surgimento do cyberespaço, passou a ser realizada,
em geral, por meio do julgamento de casos concretos levados ao judiciário, nos quais as
práticas de controle e discriminação de dados foram particularmente analisadas. Entre os
diversos casos conhecidos na doutrina, o bloqueio da tecnologia VOIP por empresas de banda
larga que também oferecem os serviços de telefonia constituiu um exemplo claro de
discriminação ilícita, realizada de forma silenciosa e com o único propósito de manter
modelos de negócio monopolísticos e altamente lucrativos. Diversas determinações judiciais
de bloqueio de conteúdo, por outro lado, foram e são tomadas com vistas a proteger a
privacidade de certas informações individuais, embora os mecanismos de exercício deste
bloqueio possam, em certos casos, exacerbar o seu propósito original, impedindo o acesso de
informações que não se quer bloquear.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 148
Desta forma, os problemas que envolvem a discriminação do acesso pelas empresas
de banda larga ocorrem, em grande parte, em razão da ausência de regulação adequada, o que
tem por consequência favorecer o controle do poder comunicacional nas mãos de poucos
atores sociais, impedindo a pluralidade das fontes de informação e estabelecendo limites à
comunicação e à cultura onde antes não existia. Isto porque, no contexto da Sociedade em
Rede descrita por Manuel Castells, o poder, caracterizado como a capacidade relacional de
determinado agente social em impor sua vontade sobre a de outros por meio de uma base
estrutural de dominação entre as diversas instituições, é exercido através de dois mecanismos
básicos: a capacidade de programar ou reprogramar as redes segundo objetivos específicos e a
capacidade para conectar redes distintas, compartilhando objetivos e recursos através de uma
cooperação estratégica.
Sobre a política regulatória a ser adotada sobre a neutralidade na rede, certo é que os
interesses e valores comerciais são e devem ser levados em consideração, na medida em que
constituem parte integrante da sociedade atual. Além disso, é notável que as diversas formas
de organização da Internet (neutras ou não) estabelecem, de plano, discriminações de acesso e
conteúdo, através da proteção de objetivos específicos. O que importa, aqui, é identificar que
a ausência de representação de setores específicos na criação de um marco regulatório sobre o
tema tem por consequência a predominância de interesses exclusivos de determinados atores e
agrupamentos sociais, estabelecendo sistemas de dominação e sub-representação de valores e
interesses. Daí a necessidade de se ampliar o espectro de discussão, estabelecendo a noção de
que a verdadeira neutralidade se refere à pluralidade de participação sobre a forma de gestão
do cyberespaço.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 149
O PAPEL DAS NOVAS TECNOLOGIAS PARA A MOBILIZAÇÃO SOCIAL
CONTRA VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS: O CASO DAS MENSAGENS DE
TEXTO
Ana Flávia Silva Castro91
Érica Bueno Salgado92
Matheus Ferreira de Oliveira93
Palavras-chave: mensagens de texto; direitos humanos; tecnologia; mobilização social
Após o fim da Segunda Guerra Mundial, com a criação da ONU em 1945 e a
Declaração dos Direitos do Homem de 1948, a questão dos direitos humanos passou a ter uma
nova dimensão, principalmente no plano internacional, consolidando a conhecida
“internacionalização dos direitos humanos”, ou a sua “afirmação histórica”, como assinala
Fábio Konder Comparato. No entanto, conforme bem observa Ana Paula de Barcellos,
“[...] a mera positivação dos desses direitos ainda não foi capaz de dar
solução real e final ao problema. Tanto assim que a sociedade
contemporânea (de forma mais grave nos países em desenvolvimento
e subdesenvolvidos, embora o fenômeno não seja desconhecido das
grandes potências) continua a conviver com um contigente humano
que dispõe de um arsenal de direitos e garantias assegurados pelo
91
Ana Flávia Silva Castro, graduanda do 2º período do curso de Direito pela Universidade Federal de Juiz de
Fora, bolsista “Jovens Talentos” Cnpq-Capes do Projeto Direitos Humanos e Empresas. E-mail:
Érica Salgado, graduanda do 2º período do curso de Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora, bolsista
“Jovens Talentos” Cnpq-Capes do Projeto Direitos Humanos e Empresas. E-mail: [email protected]. 93
Matheus Ferreira de Oliveira, graduando do 2º período do curso de Direito pela Universidade Federal de Juiz
de Fora. Bolsista do Projeto Direitos Humanos e Empresas, financiado pela Fundação Ford.E-mail:
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 150
Estado, mas simplesmente não tem como colher esses frutos da
civilização.”
Dentre os casos de violação dos direitos humanos, o continente africano apresenta uma
situação crítica, em que a miséria dos países, associada às consequências da intervenção
colonialista do século XX, gera uma situação de extrema pobreza e inúmeros conflitos locais,
os quais afetam a condição de vida da população, que não vê seus direitos garantidos e
efetivados.
Como sinal de uma dinâmica inovadora de mobilização social que serve também de
instrumento para garantir a observância dos direitos humanos, principalmente em situações de
crise, comuns na África, tem-se as mensagens de texto, cuja eficácia já foi verificada no
Quênia. A experiência, financiada pela Oxfam – GB, uma agência de desenvolvimento que
atua em 98 países ao redor do mundo, funcionou da seguinte maneira: foi criada uma central
de mensagens de texto, para os quais as pessoas que tinham conhecimentos de ataques reais
ou planejados mandassem suas informações, e a partir dessa central os comitês de paz locais
eram avisados e podiam, então, tomar providências. A iniciativa mostrou-se bastante eficaz, já
que foi capaz de evitar vários incidentes após uma eleição marcada por fraude, revolta e
conflitos étnicos no país.
A partir dessa experiência, pode-se refletir sobre as possibilidades de uso das novas
tecnologias, principalmente as mensagens de texto, para ajuda à defesa dos direitos humanos.
As vantagens desse uso são a velocidade da comunicação, já que as mensagens são
instantâneas, a facilidade para quem dispõe de um celular mandar o SMS, facilitando também
o diálogo entre a população e as entidades de defesa e ajuda, e o custo, relativamente baixo
para os que mandam as mensagens, principalmente se associado com a associação à empresas
de telefonia para a redução de taxas, como foi o caso do Quênia. Além disso, o uso dos SMS
também já se mostrou eficaz em outras situações, como é o caso da captação de recursos nos
Estados Unidos para ajudar as vítimas do furacão Katrina, em 2005, em que se conseguiu
arrecadar mais de US$100000 para a Cruz Vermelha Norte Americana.
Porém, como ressaltam Sheila Kinkade e KatrinVerclas, em discussões travadas no
último Colóquio Internacional de Direitos Humanos, realizado pela Conectas em junho deste
ano, no Brasil, é necessário que se discuta a eficácia e a validade dessaproposta no que tange
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 151
à correspondência para com a realidade. É preciso que se criem mecanismos, se assim for
possível, que possibilitem verificar a credibilidade de uma denúncia feita por meio de
mensagens de texto. Em outras palavras, é importante a implementação de um sistema
institucionalizado que filtre possíveis informações fraudulentas para uma maior efetivação na
responsabilização dos denunciados.
Ademais, em países ditatoriais e autocráticos, muitas vezes os principais violadores
dos direitos humanos no âmbito interno, fica claro o importante papel da população na
atuação da busca pela validação desses direitos. Além do exemplo supracitado, ficou evidente
a importância das novas tecnologias para a mobilização social no decorrer dos eventos que
marcaram a chamada Primavera Árabe.
Faz-se importante salientar, outrossim, que em tal sistema, devido ao seu caráter
pioneiro, não há dados suficientes que comprovem a vantagem em seu emprego. As situações
que exemplificam o uso do mesmo são, ainda, escassas, não permitindo uma aferição em
relação a sua efetividade. Ademais, o custo do precitado projeto é bastante elevado no tocante
à tecnologia empregada. Todavia, em virtude da crescente expansão do sistema de telefonia
móvel, já é possível esperar que uma possível evolução desse mecanismo venha a, de fato,
contribuir para a efetivação da defesa aos direitos humanos.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 152
A INFORMATIZAÇÃO DO PROCESSO JUDICIAL E A DIMENSÃO
CONSTITUCIONAL DO PROCESSO CIVIL
Luzia Andressa Feliciano de Lira94
Walter Nunes da Silva Junior95
Palavras-chave: estado constitucional; processo eletrônico; direitos fundamentais; garantias
constitucionais do processo.
A leitura constitucional do processo civil pauta-se na efetividade dos direitos
fundamentais e na perspectiva democrática da atuação jurisdicional, viabilizada,
prioritariamente, por intermédio das garantias constitucionais do processo (contraditório,
ampla defesa e isonomia) como condições para o reconhecimento da legitimidade decisória, à
luz da teoria do discurso de Jürgen Habermas.
Sob essa perspectiva, averigua-se como a informatização do processo judicial
coaduna-se com a dimensão constitucional do processo civil, a partir de uma pesquisa
exploratória, bibliográfica e documental. São estabelecidos, portanto, dois parâmetros de
pesquisa: (a) análise das alterações promovidas pelo modelo de sistema virtual do Processo
Judicial Eletrônico (PJe) desenvolvido pelo Conselho Nacional de Justiça e a sua relação com
a tutela dos direitos fundamentais; (b) apreciação das garantias processuais no modelo do
processo eletrônico, mormente quanto à possibilidade das partes participarem da construção,
interpretação e fiscalização da aplicação das normas.
94
Mestranda em Direito Constitucional na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Bolsista da CAPES.
E-mail: [email protected]. 95
Mestre e Doutor em Direito. Juiz Federal e Corregedor do Presídio Federal em Mossoró/RN. Professor
Adjunto da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail: [email protected].
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 153
A dimensão objetiva dos direitos fundamentais, à luz da doutrina de Roberty Alexy,
compreende a identificação de princípios objetivos básicos da ordem democrática e
constitucional, os quais orientam a atuação do Estado para a proteção eficiente desses direitos.
Nesse afã, justifica-se a informatização do processo judicial, com a previsão de mecanismos
de acesso à justiça amplos e simplificados, os quais permitem a duração razoável do processo
e, por conseguinte, a tutela jurisdicional dos direitos fundamentais temporalmente adequada.
Com a implantação do PJe, os procedimentos internos do órgão jurisdicional são
analisados sob o enfoque da automação das rotinas organizacionais, com a alteração no modo
de execução, processamento e armazenamento das informações processuais. São exemplos: a
supressão de atividades internas do órgão jurisdicional (a certificação de prazos, organização
do fólio processual, concessão de vista dos autos processuais fora do órgão, concessão de
prazos sucessivos ou em dobro); prática, registro e acompanhamento simultâneo dos atos
processuais; agendamento prévio de atos processuais e de movimentação dos autos para
setores ou fases distintas.
Além disso, o PJe permite que cada órgão jurisdicional delimite os fluxos (sequência
de atos ou de procedimentos internos necessário para o andamento processual) utilizáveis na
sua organização interna. A definição de atos procedimentais, coerentes com o direito
fundamental tutelado, é medida que potencializa os benefícios advindos da informatização do
processo judicial, por permitir a dinamização dos procedimentos internos e, por conseguinte, a
redução do tempo necessário para o deslinde da causa.
A mera previsão de instrumentos tecnológicos aplicáveis ao processo judicial não é
suficiente para garantir a realização dos preceitos constitucionais da duração razoável do
processo e acesso à justiça se não estiver voltada para a proteção dos direitos fundamentais.
Os direitos fundamentais, na sua perspectiva objetiva, determinam a previsão de técnicas
processuais adequadas e, no âmbito da informatização do processo judicial, impõem a fixação
prévia de fluxos organizacionais, capazes de permitirem a dinamização dos procedimentos
internos necessários para efetiva tutela dos direitos.
Destarte, ao analisar os direitos fundamentais, José Joaquim Gomes Canotilho e
Robert Alexy identificam o direito a prestações como a necessidade de o Estado viabilizar
meios indispensáveis à efetividade dos direitos, por intermédio da atuação legislativa e
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 154
organizacional. No âmbito do processo civil, realça-se a análise dos procedimentos, não como
técnica processual, mas como atos da administração interna dos órgãos jurisdicionais que
precisam ser analisados para garantir a efetiva tutela dos direitos, conforme lições de Mauro
Cappelletti e Bryan Garth.
Quanto às garantias processuais, imperioso se faz reconhecer que o modelo do PJe é
compatível com o contraditório, ampla defesa e isonomia das partes processuais. O registro e
arquivamento de todas as informações num sistema virtual possibilitam o acesso ininterrupto
aos autos processuais, sem a necessidade de comparecimento ao órgão jurisdicional ou a
realização de carga dos autos. Isso permite que as partes, de modo isonômico, acompanhem,
simultaneamente, todos os atos processuais praticados durante o andamento processual. Não
há, portanto, limitação temporal ou espacial para a consulta e prática de atos processuais, os
quais poderão ser realizados ininterruptamente (inclusive, nos domingos e feriados) e até
mesmo de outro país.
O peticionamento eletrônico, do mesmo modo, é ininterrupto, permitindo-se a prática
de atos processuais a qualquer momento, inclusive após o final do expediente forense. Tal
medida favorece, sem sombra de dúvida, o desenvolvimento do discurso (teorias fáticos-
normativas) das partes processuais para a criação da norma de decisão pelo magistrado, em
consonância com a teoria discursiva do direito de Jürgen Habermas.
A única exigência do PJe, não prevista no modelo tradicional de andamento
processual com autos físicos, reside na necessidade de cadastramento prévio e obtenção de
certificação digital, cuja finalidade é conferir segurança à apresentação de petições e de
documentos no âmbito do sistema virtual, sem macular as garantias constitucionais.
A informatização do processo judicial, portanto, não viola as garantias
constitucionais do contraditório, ampla defesa e tratamento isonômico das partes processuais.
Pelo contrário, tais preceitos são garantidos em sua plenitude, podendo-se, inclusive,
argumentar no sentido da sua ampliação, diante da amplitude de acesso aos autos processuais
viabilizada com o modelo do processo eletrônico.
É possível concluir, portanto, que no modelo de Estado Constitucional, a proteção
dos direitos fundamentais impõe adaptações na dogmática jurídica, bem como alterações na
organização interna dos órgãos jurisdicionais. A compreensão do processo como instrumento
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 155
para a realização dos valores da Constituição é primordial para a análise da técnica processual
e dos procedimentos internos, esses entendidos como todos os atos necessários para o regular
desenvolvimento da função jurisdicional.
Destarte, na busca pela efetividade dos direitos fundamentais, alçados numa posição
de proteção da dignidade da pessoa humana na Constituição, todos os fatores que influenciam
no regular desenvolvimento do processo merecem ser considerados. Sendo assim, o PJe
coaduna-se com a perspectiva constitucional do processo, na medida em que permite a
racionalização dos procedimentos internos e a participação igualitária das partes processuais
na construção da norma de decisão.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 156
INTERNET E DIREITOS DA PERSONALIDADE: UMA LEITURA DA
RESPONSABILIDADE CIVIL DO PROVEDOR DE CONTEÚDO NA
JURISPRUDÊNCIA DO STJ
Jamille Coutinho Costa96
Laisa Ribeiro de Araújo97
Marco Aurélio Rodrigues da Cunha e Cruz98
Palavras- chave: direitos da personalidade; internet; responsabilidade civil; provedor de
conteúdo; jurisprudência
É inegável que o conflito entre a liberdade de expressão e os direitos da
personalidade foi acentuado com a Internet. Essa tecnologia permitiu a aproximação e o
convívio com a possibilidade de comunicação, transferência de arquivos, manifestação de
informação e de opinião. A potencialidade de danos aos direitos da personalidade aumentou
decisivamente dada essa facilidade interativa.
Nessa nova realidade, maior complexidade se reveste a definição de limites e
responsabilidades dos provedores de Internet. Questão intrigante é saber se o provedor de
conteúdo tem o dever ou não de controle/fiscalização sobre as informações e opiniões
publicadas no seu site. Diante da ausência de normatização específica que discipline99
, a
jurisprudência tem sido invocada, o que pode ocasionar decisões judiciais conflitantes sobre
casos semelhantes. Versa este texto sobre alguns destes casos judiciais que transitaram no
Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O objeto deste, pois, centra-se em realizar uma leitura da responsabilidade civil do
provedor de conteúdo de Internet na jurisprudência do STJ. Parte-se do REsp1.193.764, o
leading case que inaugurou a discussão na Corte sobre a relação entre os direitos da
96
Graduanda em Direito pela Universidade Tiradentes. Aluna bolsista do PROBIC/UNIT, e-mail:
Graduanda em Direito pela Universidade Tiradentes. Aluna bolsista do PROBIC/UNIT, e-mail:
Doutor em Direito Constitucional. Pesquisador da Universidade Tiradentes (UNIT), e-mail:
[email protected] 99 Cumpre informar que a gestão e a promoção da Internet é feita no Brasil pelo Comitê Gestor da Internet (CGI -
http://www.cgi.br/), instituído pelo Decreto n° 4.829, de 3 de Setembro de 2003 e criado pela Portaria Interministerial
MCT/MC n° 147, de 31 de Maio de 2005.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 157
personalidade, a liberdade de expressão, a Internet e a responsabilidade civil dos provedores
de conteúdo. O objetivo é descritivo: examina se os argumentos da aludida decisão têm sido
reiterados pelos julgados posteriores. A metodologia utilizada tem caráter qualitativo e sua
construção foi baseada em pesquisa documental. Foram observados os seguintes casos:
REsp1.175.675 (DJe 20/09/2011); REsp1.306.066 (DJe 02/05/2012); REsp.1.308.830 (DJe
19/06/2012); AgRg no REsp1.309.891 (DJe 29/06/2012); REsp1.316.921 (DJe 29/06/2012) e
REsp1.323.754 (DJe 28/08/2012). Para melhor fluidez do texto, não se fez uma análise
segmentada de cada decisão. Foram elas incluídas no itinerário textual, como prova de
validade e confiabilidade do método eleito, além de contribuir para o reforço da hipótese.
No REsp1.193.764 se buscava determinar se o provedor de rede social de
relacionamento via internet é responsável pelo conteúdo das informações veiculadas no seu
site. A instância a quo decidiu pela ausência de ilicitude na ação da recorrida e a inexistência
de nexo de causalidade entre os danos morais apontados e a conduta da demandada, pois,
abonando a sentença, entendeu não ser possível a equiparação do provedor ao editor ou ao
diretor de jornal ou de revista.
Não obstante entender ser aplicável o CDC, o STJ excluiu a responsabilidade
objetiva da recorrida. Identificou o Google, na espécie, como provedor de conteúdo (e não
como provedor de backbone, ou de acesso, ou de hospedagem tampouco de informação), para
delimitar que: (i) não responde objetivamente pela inserção no site, por terceiros, de
informações ilegais; (ii) não pode ser obrigado a exercer um controle prévio do conteúdo das
informações postadas no site por seus usuários; (iii) assim que teve conhecimento inequívoco
da existência de dados ilegais no site, removeu-os imediatamente; (iv) mantém um sistema
minimamente eficaz de identificação de seus usuários e (v) adotou as medidas que estavam ao
seu alcance visando à identificação do responsável pela inclusão no ORKUT dos dados
agressivos à moral da recorrente
Não sem razão o STJ no REsp1.193.764 observou que o fato de ter ou não controle
editorial das informações publicadas interfere diretamente na responsabilidade por estas.
Neste sentido, não responsabilizou o Google pelo conteúdo ofensivo à personalidade
publicado por terceiros em sua rede social. Reforçou-se esta postura no REsp1.308.830,
quando se cita que tanto nos Estados Unidos (Telecomunications Act, 47U.S.C. § 230) como
na União Europeia (art. 15, Diretiva 2000/31) se exime os provedores da responsabilidade de
monitorar e controlar o conteúdo das informações de terceiros que venham a transmitir ou
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 158
armazenar. As citadas decisões do STJ observaram que a fiscalização prévia, pelo provedor de
conteúdo, do teor das informações postadas na web por cada usuário não é atividade
intrínseca ao serviço prestado, de modo que não se pode reputar defeituoso, nos termos do art.
14 do CDC, o site que não examina e filtra os dados e imagens nele inseridos.
Inteligência similar foi aplicada no recente caso “Xuxa vs. Google Search”, o
REsp1.316.921, lide que buscava determinar os limites da responsabilidade de site de
pesquisa via Internet pelo conteúdo dos respectivos resultados. Ficou registrado que a
provedoria de pesquisa constitui uma espécie do gênero provedor de conteúdo, pois esses sites
não incluem, hospedam, organizam ou de qualquer outra forma gerenciam as páginas virtuais
indicadas nos resultados disponibilizados, se limitando a indicar links onde podem ser
encontrados os termos ou expressões fornecidos pelo próprio usuário. Quanto à filtragem do
conteúdo das pesquisas, não se trata de atividade intrínseca ao serviço prestado, de modo que
não se pode reputar defeituoso (art. 14, CDC) o site que não exerce esse controle sobre os
resultados das buscas.
Com efeito, no REsp1.193.764 o STJ entendeu que o provedor de conteúdo tem
responsabilidade sobre o que circula no site quando ciente da existência de mensagem de
conteúdo ofensivo à personalidade. Esta postura foi reiterada no REsp1.186.616, no AgRg no
REsp 1.309.891 e no REsp1.308.830. Nestes casos, foi avalizado o entendimento de que o
provedor de conteúdo não responde objetivamente pelo conteúdo inserido pelo usuário em
sítio eletrônico, por não se tratar de risco inerente à sua atividade. No entanto, deve remover
em tempo hábil todo conteúdo que for percebido como violador dos direitos da personalidade,
sob pena de responsabilização solidária.
Todavia, somente no REsp 1.323.754 o STJ estatuiu que o prazo de 24h é o hábil
para que o provedor remova o conteúdo que já tivesse sido alvo de denúncia pelo titular do
bem conspurcado. Caso não o faça, responderá solidariamente com o autor da publicação.
Registrou-se que não será necessário analisar cada denúncia individualmente de forma
minuciosa, pois a partir do momento da notificação terá ele que remover o conteúdo em
caráter provisório, e só depois é que a veracidade do que foi denunciado será avaliada.
Ainda, pode-se citar o REsp 1.175. 675, que repete a argumentação do REsp
1.193.764 e define que é possível determinar ao “administrador de rede social” que retire as
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 159
ofensas denunciadas independentemente da indicação precisa pelo ofendido das páginas em
que foram veiculadas.
É certo admitir que com o julgamento do REsp1.193.764, o Superior Tribunal de Justiça
tangenciou, de forma inestimável, a temática ligada à responsabilidade dos provedores de
conteúdo. Mas é mais que certo convergir que os argumentos trazidos no leading case
contribuíram para o diálogo sobre a relação entre os direitos da personalidade, a liberdade de
expressão e a Internet, pois na verdade são estes os direitos que estão sendo discutidos em
todos os casos nesta linha decididos.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 160
O DEVER DO CREDOR DE MITIGAR AS PRÓPRIAS PERDAS
Manoel Pereira Portela100
Raquel Bellini de Oliveira Salles101
Inadimplemento; Perdas e Danos; Credor; Dever de mitigar; Boa-fé.
A fim de melhor compreender o sentido das transformações verificadas no direito
das obrigações contemporâneo, mostram-se sobremaneira relevantes alguns aprofundamentos
sobre o dever do credor de mitigar o próprio prejuízo, consagrado na experiência estrangeira
como duty to mitigate the loss.
No plano teórico, trata-se de um dever, atribuído ao credor, de reduzir, ou mesmo de
evitar que se agravem, as perdas ocasionadas a ele próprio em razão do inadimplemento do
devedor, por meio de determinadas condutas razoavelmente exigíveis num dado contexto
contratual ou de mercado. Noutros termos, exige-se que o credor não permaneça passivo
frente ao inadimplemento do outro contratante, devendo, assim, tomar certas iniciativas.
Nesse contexto, três pilares devem balizar a compreensão do instituto que se examina: (i) ao
credor não é permitido recuperar os danos que sofreu em decorrência de perdas que poderia
ter evitado; (ii) os benefícios que o credor eventualmente percebeu em virtude do
inadimplemento do devedor devem ser levados em consideração quando da análise de seu
prejuízo; (iii) se o credor contribuiu de algum modo para o descumprimento do pactuado, a
sua “culpa” deve ser levada em conta para atenuar aquela do devedor inadimplente.
O dever de mitigar, no que tange à minimização do prejuízo e ao seu não
agravamento, determina ao credor a tomada de medidas positivas para diminuir as perdas que,
de outro modo, resultariam do inadimplemento do devedor, e, bem assim, a abstenção de
tomar medidas que normalmente tomaria no cumprimento fiel do contrato, mas que – frente
100
Advogado. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Email:
[email protected]. 101
Mestre e Doutora em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professora Adjunta de
Direito Civil da Universidade Federal de Juiz de Fora. E-mail: [email protected].
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 161
ao inadimplemento – só viriam a agravar, injustificadamente, o seu prejuízo. Tais medidas
corresponderiam, por exemplo, a celebrar contratos substitutivos ou a interromper gastos com
contraprestações.
Assim, basta que se pense num contrato de propaganda ou anúncio: estaria o
publicitário, em prol da mitigação do prejuízo, obrigado a dispor do espaço reservado para o
anunciante inadimplente? Partindo-se de um juízo de razoabilidade, pode-se estabelecer o
seguinte raciocínio: se a demanda por anúncios é maior e abundante em relação aos espaços
disponíveis, espera-se do publicitário que ofereça o espaço a outro cliente, efetuadas as
cientificações prévias do contratante inadimplente. Porém, sendo a oferta maior do que a
demanda, figura-se não razoável a mesma exigência, pois, caso contrário, o publicitário
restaria privado da possibilidade de concluir negociações mais lucrativas.
Também a título ilustrativo, imagine-se um contratante que adquire uma unidade de
um edifício em construção e, mesmo pagando mensalmente as respectivas parcelas, constata,
a dois meses antes do termo do contrato e da data prevista para entrega do imóvel, que as
obras mal haviam sido iniciadas pela construtora. Neste caso, não seria possível erguer o
edifício em tão pouco tempo, pelo que, razoavelmente, não se esperaria do credor, por
exemplo, que tomasse um empréstimo a fim de quitar o valor da unidade de modo que esta
pudesse ser entregue mais rapidamente. Assume relevo a figura do inadimplemento
antecipado, exigindo do credor a mitigação de suas perdas antes mesmo do termo de
vencimento da prestação do devedor. Em tal hipótese, deveria ele apenas requerer a resolução
do contrato, sem agravar os danos decorrentes do inadimplemento do devedor.
O duty to mitigate se aplica ainda quando o credor se beneficia com o
inadimplemento do devedor, obtendo vantagem direta do descumprimento contratual, seja a
partir de uma conduta positiva, quando, por exemplo, celebra contrato mais vantajoso, seja a
partir de uma conduta negativa, pelo simples fato de poupar gastos com a não execução de sua
contraprestação. É o caso de um vendedor que, por causa do inadimplemento do comprador,
acabou por alcançar uma maior margem de lucro num contrato substitutivo celebrado com
outrem, como numa operação entre contratantes de estados diferentes, em que o vendedor
firmou contrato com terceiro residente na cidade onde se encontrava o seu depósito e, assim,
deixou, em virtude dessa nova avença, de ter custos com o envio da mercadoria.
O dever de mitigar, por fim, impõe que o prejuízo parcialmente causado pelo credor
seja avaliado e que, conforme seu grau de participação na causa, reduza a responsabilidade do
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 162
devedor. Toma-se como caso de escola a ocorrência de uma chuva que causa danos ao
conteúdo de um celeiro por causa do atraso na entrega de telhas pelo devedor, mas que
poderiam ter sido evitados caso o credor construísse um telhado emergencial ou removesse as
mercadorias.
Infere-se que é na confiança negocial, enquanto princípio, que se encontra o
fundamento jurídico-teórico do dever de mitigar, porque é em nome dela que sobre todos
impende um dever de não se comportar de forma a lesar os interesses e expectativas legítimas
gerados no outro. O dever de mitigar merece proteção jurídica porque se justifica na confiança
do devedor de que o credor atuará justa e razoavelmente no sentido de mitigar as próprias
perdas, devendo ser responsabilizado, mormente por meio da redução das perdas e danos,
quando desrespeitar esta confiança e desconsiderar os efeitos que sua conduta pode gerar
sobre o devedor.
Já no plano concreto, a confiança se materializa por força da boa-fé objetiva, que é
norma de conduta veiculadora do duty to mitigate, dever anexo, que não depende da vontade
das partes e se impõe mesmo contra esta. Por isso, além de ser dever acessório de boa-fé, o
dever de mitigar também atua concretamente limitando o exercício de direitos que contrariem
a mútua lealdade e confiança que subjazem às relações obrigacionais, reduzindo o
ressarcimento por perdas e danos ou mesmo impedindo a utilização abusiva de instrumentos
que visem alargar os gastos, tais como a exceção de contrato não cumprido nas hipóteses em
que o inadimplemento do devedor é inexpressivo ou há desproporcionalidade entre as
prestações. Dito dever também atua na prestação de alimentos, havendo possibilidade de
requerimento de prisão, conforme a Súmula 309 do Superior Tribunal de Justiça, que
possibilita o requerimento de prisão somente em face dos alimentos presentes e obriga o
credor à execução patrimonial no que tange aos alimentos pretéritos.
Ademais, pode-se apontar a incidência do duty to mitigate na revisão das cláusulas
penais que, conforme dispõe o artigo 413 do Código Civil, podem ser reduzidas
equitativamente pelo magistrado se a obrigação principal tiver sido cumprida parcialmente ou
se o montante da penalidade for manifestamente excessivo. Neste caso, já que a cláusula
penal consubstancia pré-fixação de perdas e danos, não haveria, em princípio, qualquer
impedimento à sua redução caso o credor se omitisse em mitigar as próprias perdas,
principalmente quando contribui para o dano ou obtém benefício direto com o
inadimplemento.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 163
Por fim, outras hipóteses são ainda apontadas na doutrina e na jurisprudência,
quando preveem a aplicação do dever de mitigar em contratos de mútuo, locação,
arrendamento etc, como fundamento para a redução de valores de correção monetária, de
juros de mora e de multa moratória, quando o credor permanece inerte, permitindo, muitas
vezes, que a dívida atinja montantes expressivos.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 164
O “CRAM DOWN” NAS RECUPERAÇÕES JUDICIAIS BRASILEIRAS
Fabrício de Souza Oliveira102
Keylla dos Anjos Melo103
Palavras-Chave: Direito Empresarial; Nova Lei de Falências (Lei 11.101/05); Recuperação
Judicial; “Cram Down”.
O presente trabalho tem por finalidade analisar as mudanças trazidas pela Nova Lei
de Falências (Lei 11.101/05), em especial quanto à introdução dos mecanismos de
recuperação judicial e de participação dos credores no processo de recuperação judicial. Nesse
sentido, estudar-se-á a possibilidade de reconhecimento da existência do instituo jurídico do
“Cram Down” no sistema falimentar brasileiro, bem como suas possíveis implicações.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 170, estabelece os fundamentos da
ordem econômica, quais sejam: a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa. A
relação entre esses valores deve ser entendida, conforme preceitua Eros Grau, como um caso
de concordância prática, isto porque o enaltecimento do trabalho como valor social pretende a
conciliação e a compatibilização dos titulares do capital e do trabalho, num potencial
transformador da sociedade.
Sob uma perspectiva da escola do direito e da economia, pode-se afirmar que não há
direito que não seja social e, portanto, não há instituto jurídico que não seja formado uma
função social objetiva. A partir dessas considerações, deve-se entender a função social da
empresa como uma externalidade positiva ao seu próprio funcionamento.104
102
Professor de Direito Comercial da Universidade Federal de Juiz de Fora, mestre em Direito Comercial pela
Faculdade Milton Campos. 103
Acadêmica de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora.
104
OLIVEIRA, Fabrício de Souza: A visão tipológica da empresa e suas repercussões no direito falimentar.
Nova Lima: Faculdade de Direito Milton Campos / FDMC, 2008.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 165
Isto é, sabe-se que o desenvolvimento pleno da atividade econômica pressupõe um
fator de risco, determinado por situações - de caráter político, econômico ou social - muitas
vezes alheias à vontade do empresário; todavia, tomando-se por base a referida função social
da empresa, criam-se instrumentos de preservação desta que representam interesses socias e
econômicos (externalidades positivas) que ultrapassam a esfera individual do empresário,
atingindo, deste modo, a sociedade como um todo.
A Nova Lei de Falências trouxe como grande inovação o deslocamento do centro de
decisão sobre a viabilidade da empresa em recuperação – a decisão deixa de ser do juiz e
passa a ser dos credores, reunidos em assembléia. Todavia, essa nova estratégia institucional
acaba, também, por alterar a natureza do julgamento sobre a crise – deixa de ser um
julgamento jurídico e passa a ser um julgamento econômico: os credores poderão recusar,
alterar ou aprovar o plano de recuperação judicial oferecido pelo devedor. Essa decisão
assemblear antecederá e fundamentará a decisão jurídica que concederá ou não a recuperação
judicial do empresário ou da sociedade empresária.
As formas de aprovação dos planos de recuperação judicial estão previstas no art. 45
da Lei 11.101/05. No caso de rejeição do plano previsto no referido dispositivo, surge a
possibilidade de aprovação do plano de recuperação judicial pelo juiz, desde que atenda aos
requisitos do art. 58, 1° desta Lei:
“§ 1o O juiz poderá conceder a recuperação judicial com base em plano que
não obteve aprovação na forma do art. 45 desta Lei, desde que, na mesma
assembleia, tenha obtido, de forma cumulativa: (...) (grifo nosso)”
Diante dessa alternativa legal, surge um verdadeiro impasse doutrinário quanto à
possibilidade de ter a Nova Lei introduzido o instituto “Cram Down” no sistema falimentar
brasileiro. O referido instituto tem origem no direito americano e consiste em uma faculdade
dada ao juiz em aprovar o plano de recuperação judicial rejeitado por alguma classe de
credores, desde que se verifique a viabilidade econômica daquele plano e a necessidade de se
tutelar o interesse social vinculado à preservação da empresa. Nesse caso, haveria uma
judicialização de uma decisão econômica.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 166
A divergência quanto à efetiva introdução deste instituto no sistema brasileiro ocorre
devido aos diversos limites estabelecidos pela própria lei, de maneira a limitar a decisão
judicial sobre o Cram down, evitando, de um lado, permitir ao juiz um amplo espectro de
julgamento e de fundamentação de suas decisões (o que, na prática, o liberaria para fazer
escolhas políticas e econômicas e assim fundamentar suas decisões), e, de outro lado, acaba
por esvaziar o referido instituto. Isto porque, a decisão que se sobrepõe à reprovação do plano
não se funda no interesse social, mas sim na verificação de uma espécie de quorum alternativo
de deliberação que, na realidade, mostra-se muito semelhante àquele de aprovação.105
Em outras palavras, o grande problema da aplicação do “Cram Down” no sistema
jurídico brasileiro refere-se ao fato de que a Teoria Jurídica Falimentar, elaborada de acordo
com o direito posto, limita a decisão sobre a concessão da recuperação judicial
exclusivamente a um fundamento jurídico, elegendo critérios que vinculam a decisão judicial
à decisão assemblear daqueles que sofrem com maior intensidade os efeitos da medida
recuperatória (dos credores, portanto), porém, essa fórmula jurídica não é capaz de, em
concreto, resolver um problema estrutural da recuperação judicial brasileira na medida em que
esse grupo de credores, atendendo a interesses próprios (o que em si não é um problema, mas
um pressupposto do sistema) acaba por controlar e determinar tais decisões.
Diante destas dificuldades, a solução que vem sendo adotada pela jurisprudência
brasileira106
é a utilização do instituto do abuso do direito quanto àquele credor que privilegia
posições exclusivamente individualistas em detrimento dos demais interesses em jogo.
Contudo, este credor que age segundo seus interesses, na assembleia, estaria mesmo
excedendo a finalidade imanente ao exercício de seu direito, ou melhor, excedendo aos limites
éticos do ordenamento jurídico e sendo capaz de atrair para o seu ato a caracterização de
abusividade?
Nesse sentido, a importância deste trabalho consiste justamente em apresentar uma
outra solução para o problema, qual seja: a aplicação do “Cram Down” numa perspectiva
mais ampla, inserida nas ideias defendidas por Richard Posner107
. Segundo este autor as
105
Incisos I, II, III e IV do artigo 58 da Lei 11.101/05. 106
Vide Agravo de Instrumento N.° 638.631.4/1-00/ TJSP. 107
POSNER, Richard A. Problemas de Filosofia de Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1ª Ed, 2007.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 167
decisões judiciais devem ser pautadas pela maximização de riquezas e pela análise de
políticas públicas, permitindo-se, assim, um julgamento amplo (político e econômico):
“O juiz deve fazer uma escolha entre políticas públicas, e a escolha é ditada pelos
resultados do levantamento e da avaliação das consequências das opções
alternativas: consequencias para o Estado de Direito, para as partes, para a
economia, para a ordem pública, para a civilização, para o futuro- em suma,
para a sociedade.(POSNER, 2007)”
Por todo o exposto, faz-se mister possibilitar uma atuação mais ampla do judiciário
para que se possa corrigir eventuais distorções estruturais do sistema de recuperação judicial.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 168
A GARANTIA DA PRIVACIDADE NA SOCIEDADE TECNOLÓGICA: UM
IMPERATIVO À CONCRETIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA.
Kalline Carvalho Gonçalves108
Kelly Cristine Baião Sampaio109
Palavras-chave: dignidade; privacidade; tecnologia.
A dignidade da pessoa humana é fundamento basilar do ordenamento jurídico,
pressuposto axiológico de tutela das situações jurídicas existenciais, cujo paradigma é a
proteção do ser humano, tanto no seu aspecto individual quanto socialmente considerado,
atributo de sua identidade individual e social. A efetividade dessa tutela integra a exigência de
compreensão fenomenológica do contexto em que o ser humano está inserido para que
políticas públicas sejam formuladas com o escopo de viabilizar o exercício autônomo, mas
também contextualizado, destes interesses existenciais.
Algumas interferências podem se mostrar excessivas, senão, indevidas, e, não obstante
o objetivo inicial de otimizar a proteção do ser humano através da promoção de circunstâncias
favoráveis à construção da identidade individual de cada um, elas podem tolher sua liberdade
e autonomia, sem que nesse caso a limitação se dê comprovadamente em favor de interesses
solidaristas.
Há casos em que a restrição inaceitável não vem de uma lei propriamente, mas de uma
iniciativa do poder público ainda dentro do contexto do Estado promocional. Seria o caso da
instalação de câmeras de vídeo em vias públicas com fins aparentes de garantir a segurança. É
108
Graduanda do 10º período da Faculdade de Direito da UFJF. Pesquisadora do PROVOQUE da UFJF. [email protected] 109
Professora de Direito Civil- Adjunta da Faculdade de Direito da UFJF. [email protected]
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 169
certo que segurança é um dos pressupostos fáticos de exercício da autonomia, porém, a
vigilância excessiva pode gerar uma restrição inaceitável em liberdades elementares,
podendo, inclusive, trazer alterações psicossociais, a comprometer a essência natural de
nossas ações cotidianas.
A exigência de segurança pública não pode ser aceita como justificativa para a redução
da privacidade a formas incompatíveis com as características próprias de uma sociedade
democrática. Neste contexto, pode-se indagar se não seria o caso de considerar o habeas data
como um verdadeiro habeas corpus na sociedade moderna tecnológica.
No universo das sociedades tecnologicamente avançadas, o respeito à intimidade
como direito fundamental apresenta-se como uma exigência cada vez mais urgente, visto que
o direito à intimidade, no sistema atual de direitos fundamentais, revela-se essencial à própria
dignidade humana.
A questão a ser enfrentada é a seguinte: Através de quais mecanismos será possível
assegurar, nesta sociedade tecnológica de vigilância, a garantia constitucional da privacidade,
conceito que cada vez mais se confunde com a própria pessoa humana?
Faz-se essa afirmação ao se reconhecer que a identidade social da pessoa constitui-se
no atributo essencial para a sua inserção, aceitação, reconhecimento, no meio em que se
insere. E a privacidade, não mais entendida somente como o “direito de ser deixado só”, mas
também o direito de sigilo, de autonomia sobre dados e manifestações, acaba por se constituir
em direito essencial na consolidação da identidade social, e, portanto, da dignidade social.
Nesse sentido, questiona-se se a simples disponibilidade de uma tecnologia legitima
todas as suas formas de utilização ou se estas devem ser avaliadas com base em valores
diferentes daqueles fornecidos pela própria tecnologia. Quais seriam as fronteiras da
privacidade?
O progresso científico e o controle dos processos sociais que acompanham tal
progresso não caminham com a mesma velocidade, havendo uma enorme defasagem entre a
rapidez do primeiro e a lentidão do segundo.
É notório, portanto, a necessidade, cada vez mais urgente, de respostas jurídicas para
essa sociedade tecnologicamente avançada. As alterações constantes no plano tecnológico
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 170
devem ser inevitavelmente acompanhadas por uma mudança no ambiente jurídico-
institucional de modo que sejam eleitos valores diferentes dos fornecidos pelos dispositivos
eletrônicos.
A tecnologia, apesar de possibilitar a construção de uma esfera privada mais
diversificada, paradoxalmente, a torna mais vulnerável a partir do momento em que sua
exposição torna-se constante. Disso resulta a necessidade crescente de um maior
fortalecimento da sua proteção jurídica a fim de que o Princípio da Dignidade da Pessoa
Humana seja efetivamente concretizado.
A proteção da vida privada encontra sua razão primária na proteção da personalidade.
Por essa razão, a garantia da privacidade enquanto direito fundamental presume a existência
de um ordenamento jurídico cujos institutos sejam interpretados e funcionalizados em respeito
à pessoa humana.
Urge, portanto, uma reflexão mais profunda acerca da necessidade de atenção e
cautela no implemento de dispositivos de segurança que possam vir a agredir à privacidade do
cidadão, especialmente no tocante à utilização massiva de câmeras de vigilância.
Hoje, o avanço tecnológico está intimamente vinculado aos meios de aquisição de
poder e carece de construções valorativas, ante aos custos que possa causar à manutenção de
direitos aclamados como fundamentais, tais como o direito à privacidade.
Há uma tendência à perda de direitos fundamentais, como intimidade, privacidade,
identidade, em suma, uma violação silenciosa à dignidade da pessoa humana, cujas
consequências são danosas face às conquistas daqueles direitos.
Atrelado à perda de direitos que requerem ser minimamente ponderados, como
privacidade, segurança, tecnologia, há que se atentar para o fato de prováveis alterações no
comportamento das pessoas, diante de perda considerável de liberdade, bem como na falta de
controle efetivo em face de danos na identidade social e na integridade psíquica de uma
pessoa.
Percebe-se que as tecnologias de vigilância, cada vez mais presentes no cotidiano das
pessoas, exibem-se de forma inquestionável pela grande vantagem de se obter segurança
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 171
pública. Prima-se, atualmente, pela vigilância e pelo controle, buscando uma suposta
segurança que nunca parece ser alcançada.
Todavia, nesse movimento, a sociedade vai sendo progressivamente assujeitada,
esvaziando-se as forças de atuação contrária às regras instituídas. Emerge, assim, uma
armadilha perigosa para os próprios indivíduos, pois ao consentirem silenciosamente com os
dispositivos de vigilância, não vislumbram que, por outro lado, essas invasões constantes em
sua esfera de intimidade acabam por desapropriá-los de seu espaço de construção de
identidade e, consequentemente, do valor dignidade que lhe é devido.
Assim sendo, será inevitável concluir que se esta tendência cada vez maior em direção
à ingerência na intimidade, não for refletida, em algumas décadas não haverá nenhuma
preocupação sobre as questões envolvendo o conceito de privacidade, de intimidade, já que
aceitaremos como um fato evidente que vivemos num aquário e que não somos homens livres,
mas peixes.
Busca-se, portanto, uma nova valoração humana social e jurídica das inovações
científicas e tecnológicas utilizadas pelas instituições públicas e privadas, tendo-se por
imperativo a igual dignidade social.
Partindo-se dessas premissas e tendo em vista a magnitude do avanço dos sistemas
tecnológicos de vigilância, indaga-se ainda se é possível (e em que medida) estabelecer um
novo constitucionalismo do espaço eletrônico, onde a proteção global dos dados, da
privacidade desempenhe um papel essencial para iniciar uma dimensão mais abrangente da
Dignidade da Pessoa Humana.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 172
POR UMA AUTOTUTELA CONSTITUCIONALIZADA
NAS RELAÇÕES CONTRATUAIS
Raquel Bellini de Oliveira Salles110
Autonomia privada; Autotutela; Contratos; Inadimplemento; Remédios.
“Olho por olho, dente por dente” era a fórmula da justiça pelas próprias mãos
consagrada pela lei de talião e que, por milhares de anos, foi a única conhecida pela
humanidade. Das experiências mais arcaicas até a contemporaneidade, a ideia de justiça
transformou-se paulatina e progressivamente, conformando um certo consenso, ao menos no
mundo ocidental, de que a vingança privada, mediante a reparação do mal pelo mal, serve
mais para aguçar a violência do que para pacificar, revelando-se contrária aos impulsos
civilizatórios e à ética que permeia as relações sociais.
Justamente para organizar a vida em sociedade e compor os conflitos, o Estado se
desenvolveu e, aos poucos, assumiu a função jurisdicional. No tocante às relações privadas, os
meios e a intensidade da intervenção estatal evoluíram de acordo com as concepções políticas,
sociais, culturais e econômicas de cada época. Partindo-se da pré-modernidade, sabe-se que as
pretensões liberais buscavam resguardar o indivíduo das interferências absolutistas que
marcaram o período precedente, tornando aquelas relações praticamente intangíveis por força
do individualismo, do voluntarismo e da igualdade formal então reinantes.
Todavia, os abusos perpetrados sob a égide do liberalismo clássico conduziram a
uma fase de intenso intervencionismo, o que evidentemente afetou as relações contratuais.
Esta fase, moderna, perdurou até que o Estado mostrasse as suas limitações para responder às
110
Mestre e Doutora em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professora Adjunta de Direito Civil da Universidade Federal de Juiz de Fora. E-mail: [email protected].
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 173
demandas da pós-modernidade, decorrentes de um mundo culturalmente cada vez mais
complexo, globalizado, economicamente hiperdinâmico e marcado por relações
despersonalizadas e massificadas. E as limitações estatais se revelaram não apenas na seara
político-econômica, mas, também, no exercício da função jurisdicional, assoberbada por uma
máquina insuficiente.
Abriu-se espaço, assim, para se repensar a autotutela sob uma renovada perspectiva,
em especial no âmbito dos contratos, a fim de se reforçar a autonomia privada, reduzindo-se a
ingerência estatal, e, ao mesmo tempo, controlá-la, coibindo abusos. Cumpre, pois, indagar se
o direito pode sustentar soluções para as patologias contratuais, das quais o inadimplemento é
a mais recorrente, que não dependam da via judiciária e que possam ser levadas a efeito
diretamente por aquele que sofreu a lesão de um interesse legítimo. O caminho não parece ser
o de regresso à lei de talião e, tampouco, o de continuar estigmatizando a autotutela sempre
como uma forma de justiça primitiva, em geral atrelada ao crime de exercício arbitrário das
próprias razões.
Diversamente, cabe perscrutar os meios e a medida em que a vocação expansiva da
autotutela contratual pode ser sustentada e viabilizada, voltando o olhar para os remédios que
já têm previsão no ordenamento pátrio e para outros, que podem se revelar igualmente
aplicáveis e úteis. Trata-se de romper com a postura tradicional e dogmática que nega ou
limita a possibilidade de utilização de mecanismos extrajudiciais de prevenção ou de reação
ao inadimplemento.
Com efeito, os instrumentos de autotutela contratual ora são reconhecidos em caráter
estritamente excepcional, sob a exigência de norma expressa que os autorize, a exemplo do
direito de retenção, ora são atrelados a requisitos formais que restringem demasiadamente a
sua aplicação, como é o caso da exceção de contrato não cumprido e da resolução
extrajudicial.
Importa considerar, todavia, que apenas a investigação da vocação expansiva dos
instrumentos de autotutela em face do inadimplemento, sem a sua contextualização na ordem
jurídica atual, pode tornar reduzida a utilidade científica do estudo, que não deve ser
dissociado dos paradigmas vigentes. Justamente por isso, a autotutela que se defende é uma
autotutela constitucionalizada, porque voltada para a realização e defesa de interesses
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 174
legítimos à luz da ordem constitucional, e devidamente controlada, com fundamento nesta
mesma ordem. Devem, por conseguinte, ser analisadas as possibilidades de aplicação e as
restrições ao exercício dos instrumentos de autotutela contratual observando-se interesses
existenciais porventura envolvidos, a seriedade e substancialidade do inadimplemento bem
como os deveres de informação que orientam a operatividade dos remédios no âmbito da
relação obrigacional complexa.
O reconhecimento de um fundamento constitucional para a autonomia negocial é,
assim, determinante para conferir legitimidade – também constitucional - à autotutela
contratual, que é expressão daquela autonomia. Em decorrência, rompe-se com o dogma da
excepcionalidade dos instrumentos de autotutela, que passa a ser entendida como um poder
merecedor de respaldo pelo ordenamento. Contudo, em matéria contratual, a operatividade da
autotutela como um poder geral esbarra em dificuldades práticas devido à complexidade de
tipos, categorias, patologias e interesses envolvidos, circunstâncias que conformam um
sistema de remédios com variadas estruturas e funções. Por outro lado, a compreensão da
autotutela como poder geral e não excepcional, porque fundado no princípio da autonomia,
mostra-se útil para justificar uma vocação expansiva dos respectivos instrumentos para além
das formatações que lhes são tradicionalmente atribuídas.
Revela-se, portanto, necessário investigar as potencialidades expansivas dos
principais remédios de autotutela, percorrendo seus aspectos estruturais e funcionais, que os
aglutinam da seguinte forma: (i) remédios com função conservativo-cautelar, que abrangem
as exceções de contrato não cumprido e a retenção preventiva; (ii) remédios com função
resolutiva, abrangendo a cláusula resolutiva expressa e outros possíveis instrumentos de
resolução extrajudicial; e (iii) remédios com função satisfativa, compreendendo a retenção
definitiva, o pacto marciano e algumas medidas de mitigação de perdas e danos pelo próprio
credor, a exemplo das contratações substitutivas.111
A proposta preconiza a abertura aos contratantes de mais espaço para reger e
defender os seus próprios interesses independentemente da chancela estatal, mas sem prejuízo
de um posterior controle judicial para corrigir eventuais inadequações de conduta - na
111
Para uma análise mais detida das potencialidades expansivas dos instrumentos de autotutela, cf. SALLES, Raquel Bellini de Oliveira, A autotutela pelo inadimplemento nas relações contratuais, Tese de doutorado, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2011.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 175
hipótese de contrariedade à boa-fé - ou abusos - no caso de desvio da função do remédio
adotado. Em suma, a autotutela em face do inadimplemento, devidamente concretizada por
meio de instrumentos com estruturas e funções bem balizadas, revela-se um mecanismo
efetivo de defesa de interesses legítimos no âmbito das relações contratuais e,
consequentemente, de reafirmação da autonomia privada.
Anais do II Simpósio Direito e Inovação Página 176
PARADOXOS REGULATÓRIOS E CUSTOS DE INEFICIÊNCIA DECORRENTES
DA APLICAÇÃO DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE
JURÍDICA PELA JUSTIÇA DO TRABALHO
Maria da Conceição Ferreira112
Rogério de Souza Torres113
PALAVRAS-CHAVE: Direito Empresarial; pessoa jurídica; desconsideração; abuso; Justiça
do Trabalho.
Esta investigação, que toma como marco teórico a Teoria da Firma, de Ronald
Coase, publicada em 1937, nos Estados Unidos, tem por objetivo apontar os problemas
causados pela aplicação irrazoável e desproporcional da Teoria da Desconsideração da
Personalidade Jurídica pela Justiça do Trabalho, situação que, comprovadamente, tem gerado
aumento dos riscos da atividade empresarial, desestímulo aos investimentos, insegurança
jurídica e aumento dos custos de transação.
O Estado compromissado com a liberdade de iniciativa econômica do particular,
segundo José Afonso da Silva, cuida de incentivar a criação da pessoa jurídica para “proteger,
estimular, promover, apoiar, favorecer e auxiliar, sem empregar meios coativos, as atividades
particulares que satisfaçam necessidades ou convivências de caráter geral”. Bobbio leciona
que entre os dois caminhos que o Estado-legislador possui (reprimir o particular
desestimulando condutas reprovadas pelo ordenamento ou estimular a conduta dos cidadãos
conferindo-lhes payoffs em função de condutas comprometidas com a coletividade), opta por
transformar-se num incentivador de práticas econômicas, na medida em que garante a
112
Maria da Conceição Ferreira é bacharel em Direito pelas Faculdades Unificadas Doctum de Leopoldina/MG,
especialista em Psicopedagogia Institucional pela UNESA e pelo CEPERJ, tradutora com Licenciatura em
Línguas e Literaturas Modernas pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, professora de francês,
italiano, inglês e espanhol, e-mail: [email protected]. 113
Rogério de Souza Torres é advogado, especialista em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes e
pós-graduando em Direito Empresarial e Inovações Tecnológicas pela Universidade Federal de Juiz de Fora, e-
mail: [email protected].
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possibilidade da personalização e, em consequência, da separação patrimonial com maior
segurança jurídica para os empreendedores.
Dotada de personalidade e enquanto núcleo de imputação de direitos e obrigações, a
pessoa jurídica adquire autonomia patrimonial e confere limites à responsabilidade do
empreendedor, estimulando seus esforços e maximizando racionalmente a possibilidade de
bons resultados.
Sendo inerente ao homem estabelecer-se em agrupamentos para desenvolver as mais
diversas funções, e considerando que isto pode gerar conflitos, houve a necessidade de se
desenvolver um sistema capaz de estabelecer normas de conduta (instituições) com cariz
regulatório das atividades organizacionais.
Todavia, a proposta de regulação formulada pelo legislador, no que tange à promessa
de separação patrimonial, vem sendo corrompida pelo Judiciário, pois, no exercício de sua
função de criar normas para o caso concreto, vem gerando paradoxos consubstanciados
precipuamente na quebra desta promessa, gerando os chamados custos de ineficiência.
Coase defende, em toda a sua obra, que o Direito serve de instrumento para a
promoção do desenvolvimento, no sentido de instituir normas que possibilitem à sociedade
coordenar-se de modo eficiente na busca do crescimento econômico.
Ao desenvolver sua teoria econômica da firma para explicar que as empresas se
organizam em função dos custos de transação (capital, mão-de-obra, insumos, contratos, etc.),
Coase utiliza-se dos conceitos de firma e de custos de transação como instrumentos úteis à
verificação dos problemas decorrentes da regulação desproporcional e inadequada pelo
Estado (no caso, pelo Estado-juiz).
Douglass North, ao estruturar a sua teoria institucionalista, afirma que as incertezas
do ambiente econômico e social têm como consequência altos custos de transação que só
podem ser equacionados através de novos arranjos institucionais (tecnologias sociais) capazes
de levar as organizações (agentes) a superdimensionarem o equilíbrio, inclusive no que se
refere à construção de regras e à sua aplicação. O regulador, ao institucionalizar as relações
humanas, deve, em princípio, possibilitar a cooperação e a execução dos contratos a baixo
custo, preocupando-se, ainda, com o oferecimento de incentivos que possam estimular as
atividades e a criatividade (inovação).
Novos arranjos institucionais, que necessariamente não precisam passar pela
intervenção estatal, podem contribuir para formulações alternativas de solução de conflitos
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(especialmente no âmbito das relações do trabalho) que visam estimular a cooperação, o
estabelecimento duradouro de instituições ótimas capazes de fazer subsistir mercados
altamente competitivos com respeito às regras do jogo, à condição dos jogadores, aos
preceitos éticos e à ordem pública.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Tradução de
Daniela Baccaccia Versani. Barueri: Editora Manole, 2007, 344 p.
COASE, Ronald. The nature of the firm. Disponível em: <http://www3.nccu.edu.
tw/~jsfeng/CPEC11.pdf>. Acesso em: 15 nov 2012.
NORTH, D. C. Institutions, institutional change and economic performance. New York:
Cambridge University Press, 1990, 159 p.
SALAMA, Bruno Meyerhof (Org.). Direito e economia. Textos escolhidos. Série direito em
debate. São Paulo: Saraiva, 2010. 396 p.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 33ª ed. rev. e atual. São
Paulo: Malheiros, 2010. 928 p.
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