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    Os Clssicos da Cincia Poltica no interior da disciplina de Sociologia: como estud-los?

    MILAN, Natlia1

    RESUMO

    Esse artigo tem como objetivo analisar como os temas pertencentes Cincia Poltica

    (Estado, poder e poltica, por exemplo) so trabalhados com os alunos do Ensino Mdio, luz

    dos autores considerados clssicos. Desse modo, preciso discutir brevemente o processo de

    constituio da disciplina de Sociologia para que se possa avaliar a construo do seu

    currculo e, finalmente, debater a recorrncia dos temas acima citados e como eles esto

    dispostos no material disponvel aos docentes e aos discentes. Nesse sentido, pretende-se

    contribuir para a ampliao do debate acerca dos recursos didticos, sugerir novas propostas

    para as dinmicas em sala de aula, inclusive com o apoio de outras disciplinas, e propor novas

    abordagens ao fazer docente e construo da aprendizagem significativa.

    Palavras-chave: Cincia Poltica; clssicos; currculo.

    1 Introduo

    Assim, no decorrer do longo curso dos sculos, em meio a interesses que variam continuamente, obtm-se afinal a cotao da obra, medida que ela apreciada ora num sentido, ora em outro, sem

    nunca se esgotar por completo.

    Arthur Schopenhauer, A arte de escrever.

    O que um clssico? Por que estud-lo? Essas so apenas duas das muitas

    indagaes que tanto professores quanto alunos fazem a cada aula de Sociologia, na qual o

    tema um autor considerado clssico. No caso do professor, a questes recaem, por exemplo,

    sobre quais metodologias usar, quais autores devem ser escolhidos, como iniciar e orientar um

    debate, a fim de trazer o tema para o quotidiano dos alunos. J os educandos perguntam ao

    professor e a si mesmos: por que devo estudar algum que j morreu h tantos sculos? Como

    isso pode me ajudar a compreender a minha realidade? Dvidas essas que podem ser

    transformadas em ferramentas para a aprendizagem significativa. Se os alunos buscam

    respostas para as questes de suas prprias sociedades, a primeira etapa do processo de

    ensino-aprendizagem na disciplina de Sociologia j foi iniciada, ou seja, o que os alunos

    1 Graduanda do 4. Ano de Cincias Sociais pela Universidade Estadual de Londrina PR. E-mail:

    [email protected].

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    conhecem, a priori, sobre determinado tema. Cabe, agora, moldar esse conhecimento, no

    sentido de transform-lo a partir da interpretao dos clssicos.

    Nas palavras de Claudio Vouga, os clssicos da poltica, como os da pintura, da

    poesia ou da msica nos emprestam seus olhos, coraes e mentes para que possamos ver

    outros tempos.2 Lemos os clssicos com nossas concepes prprias, oriundas da sociedade

    moderna. Contudo, a contribuio dos clssicos consiste em simplesmente terem retratado o

    seu presente, que para ns passado, com seus prprios olhos3. Alm disso, os clssicos

    receberam a influncias de outros clssicos, seja de seu tempo ou no. Ou seja, Hobbes pode

    ter lido Maquiavel (apesar de em seus textos, como Leviat, no haver uma meno direta

    sequer ao florentino); Locke tambm pode ter lido os textos de Hobbes, e assim por diante. E

    isso verificvel apenas pela leitura atenta de ambos os autores, pela anlise de seus temas e

    conceitos, cada qual inserido em seu respectivo momento histrico, diante de contextos

    sociais, polticos e culturais distintos e peculiares. Os tempos mudam. E com eles, as questes

    da sociedade.

    Os autores podem ser redescobertos, lidos novamente sob outras perspectivas, sob

    outras metodologias de investigao cientfica. O fato que, mesmo aps tantos sculos, o

    pensamento dos mestres do passado ainda est vivo basta observar a produo acadmica e

    as pesquisas desenvolvidas na rea de Cincia Poltica e Histria do Pensamento Poltico.

    Maquiavel, ao buscar nos exemplos do passado o espelho ao qual o prncipe de seu tempo

    poderia se projetar, estava tentando propor solues para as questes da Itlia de seu tempo.

    E, valendo-me novamente das palavras de Vouga, e, assim como o florentino, vamos ao

    passado procurando entender o nosso tempo e a mudana, nossos mestres, para tentar de

    alguma forma agir sobre a realidade e ter ao menos a iluso de domar o destino.4 Com efeito,

    no fcil definir o que um clssico. Contudo, dessas primeiras consideraes, possvel

    inferir que os autores considerados clssicos envolveram-se com as questes de sua poca,

    mas ao mesmo tempo corriam contra seu tempo. Ou seja, Maquiavel estava diante de uma

    Itlia fragmentada, e props alguns conselhos que o prncipe deveria seguir para alcanar a

    vitria dentre eles, agir com parcimnia em relao s honras concedidas aos sditos, sob

    pena de levar o Estado runa. Por outro lado, nosso heri filosfico sugeriu que o prncipe,

    para produzir grandes feitos, deixasse de lado tanto a religio quanto a moral, fazendo da

    2 VOUGA, 2004, p. 14.

    3 C.f. VOUGA, 2004, p. 15.

    4 VOUGA, 2004, p. 15.

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    poltica um campo de ao autnomo e independente. E esse argumento no poderia gerar

    mais espanto, do que em uma poca marcada pela fora da Igreja Catlica.

    O pensamento dos clssicos, portanto, ainda est vivo. Tanto as obras literrias, como

    Os Lusadas, de Luis de Cames; ou obras de cunho ficcional, como Dom Quixote, de

    Cervantes, permitem que reflitamos acerca da vida do homem em sociedade, sobre seus

    anseios, seus costumes e, sobretudo, compreender em quais questes os autores estavam

    empenhados, a ponto de tecerem tantas crticas e stiras, como fez Voltaire em Cndido, sua

    prpria sociedade e propor solues, ainda que causassem muito alvoroo.5 Em uma obra de

    arte, existe no apenas os sentimentos do artista, mas tambm toda a exuberncia das formas e

    cores. E, do mesmo modo, ocorre com uma obra clssica: mesmo que deixemos de lado os

    sentimentos e as intenes do autor, o seu pensamento est ao nosso alcance, sob a forma de

    texto, pronto para despertar novamente o fascnio, a cada leitura.

    2. A Sociologia e a sua relao com o ensino dos clssicos da Cincia Poltica: o

    processo de ensino-aprendizagem

    Na disciplina de Sociologia, quaisquer que sejam os contedos estruturantes, a

    primeira ao que se observa nos professores tentar instigar os alunos, faz-los pensar a

    partir de questes (que caracterizam a prtica social inicial, segundo a Pedagogia Histrico

    Crtica do professor Gasparin que seguimos no curso de licenciatura em Cincias Sociais). O

    exerccio da docncia no Ensino Bsico e Mdio caracteriza-se pelo planejamento consciente

    das atividades de ensino. Nesse processo, os objetivos e os contedos bem como os mtodos

    a serem desenvolvidos para promover a assimilao daqueles combinam-se com as aes

    dos docentes e dos alunos. O processo de ensino, portanto, entendido como o conjunto das

    atividades do professor e dos alunos, visando alcanar determinados resultados e transformar

    progressivamente as capacidades cognoscitivas e intelectuais destes.

    Paulo Freire exemplar ao discutir a importncia do cotidiano dos indivduos no

    processo de ensino e aprendizagem. Se o contedo est prximo do aluno, a assimilao e

    construo do conhecimento cientfico se daro de maneira adequada, ou seja, significativa

    como no exemplo do tijolo. preciso, portanto, levar em considerao a bagagem de

    conhecimento que o aluno trs consigo de sua experincia de vida. Nesse sentido, o raciocinar

    dialeticamente analisando os conceitos que norteiam a compreenso da sociedade na

    5 Sobre essa temtica, conferir LOPES, 2009.

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    disciplina de Sociologia implica relacionar, organizar e perceber como as relaes entre os

    mbitos social, econmico, poltico e cultural fundamentam a realidade dos acontecimentos

    sociais. associao das informaes relacionadas d-se o nome de aprendizagem

    significativa. Contudo, no basta apenas escolher os conceitos que sero desenvolvidos

    durante o processo de aprendizagem. Esta precisa ter relevncia social e poltica, real e

    terica. Retomando o argumento anterior de Paulo Freire, o aluno s aprende adequadamente

    quando se torna capaz de atribuir significado aos contedos desenvolvidos.

    A Sociologia procura aguar as habilidades cognoscitivas dos alunos e aproximar a

    reflexo dos contedos com a realidade vivida. Nesse processo de raciocinar dialeticamente,

    professor e aluno so os agentes na construo do conhecimento. O professor torna-se

    mediador na relao dos alunos com o objeto de conhecimento, ou seja, a Sociologia. Nas

    palavras de Isabel Farias O professor desenvolve sua atividade profissional e se constitui

    como tal, tambm e principalmente, no espao escolar (...). no trabalho e pelo trabalho que

    o professor se define como um profissional.6

    Portanto, o professor no um ser esculpido. Ele vai adquirindo novas formas,

    ensinando e aprendendo enquanto se transforma como profissional e como ser humano.

    Em se tratando dos autores e obras consideradas clssicas que no deixam de fazer

    parte do currculo escolar da disciplina de Sociologia, importante analisar como os

    professores lidam com o ensino dos principais conceitos utilizados pelos clssicos. E, mais

    do que isso, como os alunos concebem as aulas que tratam desses temas, aparentemente to

    distantes de sua realidade, j que se trata de autores de quase cinco sculos atrs como o

    caso de Maquiavel, o grande heri desse trabalho. Os documentos examinados para a

    elaborao desse trabalho foram as OCNs (Orientaes Curriculares Nacionais), os PCN

    (Parmetros Curriculares Nacionais) e as Diretrizes Curriculares do Estado do Paran, alm

    do material didtico utilizado pelos professores da rede pblica estadual de ensino da cidade

    de Londrina. Isso, para podermos avaliar como os temas recorrentes da Cincia Poltica so

    abordados, acerca de seu contedo, autores, textos, figuras e propostas para as aulas. Para

    tanto, preciso discorrer um pouco sobre a incluso da Sociologia como disciplina obrigatria

    na Educao Bsica, para adentrar no debate da Cincia Poltica como um campo a mais das

    Cincias Sociais, cujos autores e temas principais foram incorporados disciplina de

    Sociologia.

    6 FARIAS, 2009, p. 69.

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    2.1. Como definir os autores clssicos das Cincias Sociais?

    Como vimos, o debate acerca da institucionalizao das Cincias Sociais/Sociologia

    no Brasil marcado no s pela sua oscilao nos currculos, ora como disciplina optativa,

    ora como disciplina pertencente ao contedo de outras matrias (como no caso a disciplina de

    Moral e Cvica ou a de Estudos Sociais, nas quais os temas da Antropologia e da Geografia

    eram propostas para o contedo principal). E no caso da Cincia Poltica? Como houve a

    incorporao de seus temas disciplina-chefe de Sociologia? Por que Sociologia e no

    Cincia Poltica como nome da disciplina da Educao Bsica?

    Sabe-se que a nomenclatura sociologia surgiu no sculo XIX, com Auguste Comte,

    que substituiu o termo fsica social por sociologia. A preocupao dessa nova cincia da

    sociedade versava sobre as questes geradas, sobretudo, pela Revoluo Industrial e pela

    Revoluo Francesa. Em decorrncia das obras de Karl Marx, Emile Durkheim e Max Weber

    as cincias sociais se desenvolveram. E por que sociologia, e no cincia poltica (com o

    exemplo de Maquiavel) ou antropologia, tambm anterior? Uma possvel resposta pode ser a

    consolidao da disciplina de Sociologia nas universidades europeias durante o movimento

    intelectual positivista, cuja preocupao era oferecer nova disciplina mtodos cientficos to

    slidos quanto das j tradicionais cincias naturais. Ento, a Sociologia renovou e abarcou as

    duas disciplinas anteriores. Nesse sentido, Marcel Mauss, discpulo de Durkheim, ofereceu

    novas perspectivas ao estudo da Antropologia na Frana. Dentre os grandes autores da

    Antropologia, tambm destaca-se o polons Bronislaw Malinowski, que por meio do mtodo

    funcionalista, rompeu com as barreiras da antropologia de gabinete e deu um vis novo

    pesquisa antropolgica, com o trabalho de campo.

    Retomando a discusso sobre o termo clssico, nota-se que esses autores to

    importantes s cincias sociais contriburam no s para o desenvolvimento da cincia e da

    pesquisa em suas pocas, mas tambm inovaram o campo de investigao cientfica e

    abrangncia do estudo das cincias sociais. No se pode compreender os costumes de uma

    tribo sem participar dos mesmos. Ou ainda, no se pode apreender o real significado de uma

    obra sem inseri-la em seu devido momento histrico, j que os autores clssicos da

    sociologia, (como Marx, Durkheim e Weber), da cincia poltica (como Maquiavel, Locke,

    Hobbes e Rousseau e Montesquieu) e da antropologia (Malinowski e Levi-Strauss) estavam

    preocupados com as suas questes particulares, a fim de compreender a sua realidade, apontar

    as deficincias e discutir solues.

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    Nesse sentido, os temas principais ou contedos estruturantes da disciplina de

    Sociologia foram definidos, aps muito debate, haja vista a sua contribuio para o

    desenvolvimento dos estudos nas diversas reas das cincias sociais. Por isso, a anlise dos

    documentos que permitiram a consolidao da disciplina de Sociologia na educao brasileira

    se fez to necessria. Se por um lado houve dificuldades pela sua intermitncia, essa mesma

    questo pode gerar debates acerca dos mtodos e temas que os profissionais da educao

    podem debater em suas aulas.

    2.2. A organizao do currculo escolar na disciplina de Sociologia no Ensino Mdio:

    breve histrico

    No Brasil, a composio de um nmero de obras introdutrias ao conhecimento

    sociolgico e de livros didticos dedicados disciplina de Sociologia ocorreu na dcada de

    1930. Dentre as iniciativas voltadas institucionalizao das Cincias Sociais destacam-se:

    introduo da cadeira de sociologia nos cursos secundrios e nas escolas

    normais de Pernambuco (1928), Rio de Janeiro (1928) e So Paulo (1933) e

    na criao dos cursos de Cincias Sociais da Escola Livre de Sociologia e

    Poltica (1933), na Universidade de So Paulo (1933) e na Universidade do

    Distrito Federal (1935).7

    Este esforo tratava-se de definir as particularidades da disciplina, bem como os

    mtodos cientficos e, especialmente, a identidade do novo profissional o socilogo. O

    surgimento dos primeiros manuais de Sociologia, portanto, est relacionado rotinizao do

    conhecimento sociolgico. A institucionalizao da Sociologia como componente curricular

    na Educao Bsica no Brasil deu-se, primeiramente, no sistema escolar. E isto se deve,

    segundo Simone Meucci (2000), falta de experincia necessria dos intelectuais brasileiros

    transformao das cincias sociais em disciplina acadmica. Outro fator que dificultou o

    caminho da Sociologia foi a falta de recursos destinados pesquisa e as condies deficientes

    de trabalho. Os autores dos primeiros manuais e livros didticos exerceram importante

    influncia neste processo, visto que elegeram as teorias, os temas e os conceitos, traduziram

    passagens de livros e reuniram os procedimentos cientficos condizentes com a anlise

    sociolgica.

    7 MEUCCI, 2007, p. 121.

  • 7

    Em 1891, aps a reforma educacional promovida por Benjamin Constant, a disciplina

    de Sociologia e Moral marcou o ingresso formal do conhecimento sociolgico no ensino

    brasileiro, como disciplina obrigatria, cursada dos 6 e 7 ano. Porm, logo depois foi

    retirada dos currculos devido lei que aprovou o regulamento do Ginsio Nacional (atual

    Colgio D. Pedro II no Rio de Janeiro).

    A Sociologia ressurgiu no sistema de ensino somente no sculo seguinte sob dois

    aspectos. Em 1925, a partir da Reforma Rocha Vaz, exigiu-se dos candidatos s vagas nas

    faculdades brasileiras o domnio do contedo de Sociologia. O segundo aspecto refere-se

    importncia da disciplina para a formao de professores do sistema primrio e secundrio. A

    reforma protagonizada pelo ministro Francisco Campos, em 1931, destinou as universidades

    brasileiras quase que exclusivamente formao de docentes para o atual Ensino Mdio.

    Em 1933, a Sociologia foi reconhecida como disciplina acadmica dos cursos de

    graduao em Cincias Sociais na Escola Livre de Sociologia e Poltica; em 1934, na

    Universidade de So Paulo; em 1935, na Universidade do Distrito Federal; e em 1938, na

    Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras do Paran. Contudo, em 1942, a Reforma

    Capanema retirou a Sociologia do currculo dos cursos complementares, mantida apenas na

    grade curricular dos Cursos Normais com a nomenclatura de Sociologia Geral ou Sociologia

    da Educao. A retirada da disciplina do currculo dos estudantes de nvel secundrio

    provocou um debate entre os intelectuais especializados na rea. Entre eles, pode-se citar:

    Florestan Fernandes (1955), Antnio Cndido e Costa Pinto (1949). Alm disso, este fato

    causou um impacto negativo na produo de obras literrias e livros didticos.

    A maioria dos manuais utilizados nos cursos de nvel superior no Brasil era

    estrangeira. Mas os manuais nacionais, embora fossem poucos, foram de fundamental

    importncia para a histria das Cincias Sociais no Brasil. Dentre eles podemos citar

    Princpios de Sociologia (1935) e Sociologia Educacional (1940), de Fernando de Azevedo;

    Introduo Sociologia (1940), de Afro Amaral Fontoura e Sociologia: introduo aos seus

    princpios (1942), de Gilberto Freyre.

    Entre 1925 e 1942, com as Reformas Rocha Vaz e Francisco Campos, a Sociologia

    passou a integrar os currculos nas escolas normais e superiores, inclusive nos vestibulares

    importantes do pas. O crescimento da demanda ao redor das Cincias Sociais e no

    somente da Sociologia acarretou o surgimento dos primeiros cursos superiores em Cincias

    Sociais. A partir de 1942, a presena da Sociologia no ensino secundrio agora denominado

    especicamente colegial comea a se tornar intermitente. Permanece no curso normal, s

    vezes como Sociologia Geral e quase sempre como Sociologia Educacional, mas no curso

  • 8

    clssico ou no cientco praticamente desaparece, visto que a predominam disciplinas

    mais voltadas para a natureza dos cursos: Letras ou Cincias Naturais. Com a primeira Lei de

    Diretrizes e Bases da Educao LDB (Lei n 4.024/61), a Sociologia permanece como

    disciplina optativa ou facultativa nos currculos. A LDB seguinte, Lei n 5.692/71, mantm

    esse carter optativo, raramente aparecendo a Sociologia seno quando vinculada ao curso

    que, obrigatoriamente, deveria ser prossionalizante.

    Contudo, a obrigatoriedade do ensino de Sociologia s ocorre em 1996, com a nova

    Lei de Diretrizes e Bases. Apesar disso, muitos Estados ainda resistem essa proposta, dentre

    eles, So Paulo e Rio Grande do Sul. J no Paran, a preocupao iniciou-se quando ocorreu

    um concurso pblico para professores de Sociologia e foram publicadas as Propostas de

    Contedos de Sociologia em 1994 e 1995. Desse modo, o interesse para a institucionalizao

    da Sociologia e a sua consolidao com as diretrizes curriculares, livros didticos e a sua

    intermitncia at o momento, provocaram o debate na academia, onde se pde notar o

    aumento do nmero de dissertaes de mestrado e artigos sobre esses processos.8

    Na nova LDB Lei n 9.394/96 parece que a Sociologia, finalmente, torna-se obrigatria nos currculos de Ensino Mdio. A partir desse quadro,

    tm-se alguns dados importantes para reexo. Primeiramente, a disciplina Sociologia tem uma historicidade bastante diversa de outras disciplinas do

    currculo, tanto em relao quelas do campo das linguagens como em

    relao s das Cincias Humanas, mas sobretudo das Cincias Naturais.

    uma disciplina bastante recente menos de um sculo, reduzida sua presena efetiva metade desse tempo; no se tem ainda formada uma

    comunidade de professores de Sociologia no ensino mdio, quer em mbito

    estadual, regional ou nacional, de modo que o dilogo entre eles tenha

    produzido consensos a respeito de contedos, metodologias, recursos, etc., o

    que est bastante avanado nas outras disciplinas. Essas questes j

    poderiam estar superadas se houvesse continuidade nos debates, o que teria

    acontecido se a disciplina nas escolas no fosse intermitente.9

    2.3. A presena da Cincia Poltica no currculo escolar: estudo dos documentos oficiais

    Para a discusso desse item, foram selecionados trs documentos: os Parmetros

    Curriculares Nacionais (PCN), as Orientaes Curriculares Nacionais (OCN) e as Diretrizes

    Curriculares de Sociologia no Ensino Mdio do Estado do Paran (DCEM). A anlise de cada

    um foi feita separadamente, haja vista o teor e a abrangncia (federal ou estadual) de tais

    documentos.

    8 C.f. SILVA, 2010.

    9 BRASIL. MEC., 2006, p. 103.

  • 9

    2.3.1. OS PARMETROS CURRICULARES NACIONAIS (PCN)

    Esse documento data do ano de 2000, cuja preocupao eram as novas exigncias do

    Ensino Mdio, haja vista as transformaes no campo poltico e econmico brasileiro,

    verificadas a partir dos finais dos anos de 1990. Nesse sentido, verifica-se que a preocupao

    da educao era com a formao do cidado, no s para a vida em sociedade, mas,

    sobretudo, para o trabalho, verificvel na passagem que segue:

    Pensar um novo currculo para o Ensino Mdio coloca em presena estes

    dois fatores: as mudanas estruturais que decorrem da chamada revoluo do conhecimento, alterando o modo de organizao do trabalho e as relaes sociais; e a expanso crescente da rede pblica, que dever atender

    a padres de qualidade que se coadunem com as exigncias desta

    sociedade.10

    A nova Lei de Diretrizes e Bases de 1996 ofereceu uma nova configurao ao Ensino

    Mdio, com destaque para a introduo das disciplinas de Sociologia e Filosofia no currculo

    escolar, como citado anteriormente. Desse modo, fica explicitado que as finalidades do

    Ensino Mdio, agora visto como etapa final da Educao Bsica (que at ento abrangia

    somente o Ensino Infantil e o Ensino Fundamental antiga 8 srie) so:

    A formao da pessoa, de maneira a desenvolver valores e competncias

    necessrias integrao de seu projeto individual ao projeto da sociedade em

    que se situa; o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo

    a formao tica e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do

    pensamento crtico; a preparao e orientao bsica para a sua integrao ao

    mundo do trabalho, com as competncias que garantam seu aprimoramento

    profissional e permitam acompanhar as mudanas que caracterizam a

    produo no nosso tempo; o desenvolvimento das competncias para

    continuar aprendendo, de forma autnoma e crtica, em nveis mais

    complexos de estudos.11

    Quanto organizao do currculo escolar, os princpios que devem nortear a prtica

    do ensino, sempre associada com a vida prtica e com a formao para o trabalho, de acordo

    com os PCN, so: fortalecimento dos laos de solidariedade e de tolerncia recproca;

    formao de valores; aprimoramento como pessoa humana; formao tica e exerccio da

    cidadania.

    Vemos, portanto, uma nfase dada ao trabalho e formao do cidado tarefa

    atribuda inconscientemente s disciplinas ingressantes (Sociologia e Filosofia) na proposta

    10

    PCN, 2000, p. 06. 11

    PCN, 2000, p. 10.

  • 10

    da nova LDB/1996. No que tange s competncias dos educandos, as principais consideraes

    desse documento referem-se : vincular a educao ao mundo do trabalho e prtica social;

    compreender os significados; ser capaz de continuar aprendendo; preparar-se para o trabalho e

    o exerccio da cidadania; ter autonomia intelectual e pensamento crtico; ter flexibilidade para

    adaptar-se a novas condies de ocupao; compreender os fundamentos cientficos e

    tecnolgicos dos processos produtivos; relacionar a teoria com a prtica.

    Por se tratar de um documento federal, o contedo explicativo limita-se s exigncias

    mnimas que o exerccio da Educao Bsica, em especial o Ensino Mdio, devem prezar.

    Como constatado, no h referncias aos contedos propriamente ditos que as respectivas

    disciplinas constantes no currculo escolar devem abordar. preciso, portanto, analisar o

    documento que versa sobre esse assunto, ou seja, as Orientaes Curriculares Nacionais

    (OCN).

    2.3.2. AS ORIENTAES CURRICULARES NACIONAIS PARA O ENSINO MDIO (OCN)

    As Orientaes Curriculares Nacionais para o Ensino Mdio foram elaboradas a partir de

    ampla discusso com as equipes tcnicas dos Sistemas Estaduais de Educao, professores e

    alunos da rede pblica e representantes da comunidade acadmica. O objetivo deste material

    contribuir para o dilogo entre professor e escola sobre a prtica docente. O documento

    composto por quatro disciplinas: Filosofia, Geografia, Histria e Sociologia. Neste trabalho,

    analisaremos as orientaes para a disciplina de Sociologia no Ensino Mdio, que se localiza

    no Volume 3 do mesmo documento, intitulado Cincias Humanas e suas Tecnologias,

    captulo quarto.

    As OCNS foram desenvolvidas pelo Ministrio da Educao, juntamente com a

    Secretaria de Educao Bsica em 2006 e teve como consultores: Amaury Cesar Moraes,

    Elisabeth da Fonseca Guimares e Nlson Tomazi. O documento est organizado com uma

    introduo da disciplina, um estudo histrico da disciplina no Ensino Mdio que aborda os

    pressupostos metodolgicos como conceito, teoria e mtodo e aborda tambm a pesquisa

    sociolgica no Ensino Mdio, assim como sua prtica de ensino e recursos didticos.

    Quanto aos conceitos, so elementos do discurso cientco que se referem realidade

    concreta, sendo necessrio um tratamento especial em sala de aula, pois lidar com os

    conceitos requer que se conheam cada um deles em sua histria. Por isso, preciso

    contextualizar os autores para que seus conceitos sejam analisados luz dos acontecimentos

    que acarretaram tal avaliao. Como os autores apontam, as vantagens de se trabalhar com

  • 11

    conceitos reside na capacidade de os alunos desenvolverem aptido para uma abstrao muito

    necessria ao desenvolvimento da anlise da sociedade, a fim de se elevar o conhecimento

    alm do senso comum e das aparncias. Outros conceitos podem ser includos no programa:

    indivduo, sociedade, trabalho, produo, classe social, poder, dominao, ideologia, cultura,

    mudana social, etc.12

    Dento do campo da Cincia Poltica, esses conceitos so analisados

    luz dos fenmenos sociais, tendo como referncia o contexto histrico ao qual se inserem e a

    importncia de tais acontecimentos para o perodo em questo. Isso porque, ao analisarmos a

    contribuio dos autores imprescindvel compreender as questes que os motivaram a

    escrever, isto , o que pretendiam com suas obras. Nesse sentido, as Orientaes Curriculares

    para a prtica de Ensino de Sociologia no Ensino Mdio apresenta-se como mais um passo

    num processo que, se espera, seja de consolidao denitiva da presena da disciplina no

    currculo do ensino mdio.13 Assim, o que se oferece um ponto de partida, antes de tudo

    uma avaliao das vantagens e desvantagens de um ou outro recorte programtico, e

    sugestes metodolgicas de ensino, alm de breve discusso acerca de recursos didticos.

    (BRASIL. MEC, 2006, p.131). Neste documento, no h um tpico especfico contendo as

    orientaes para avaliao. Deste modo, assim como a melhor forma de avaliao, cabe ao

    docente escolher as vias que melhor o situarem na prtica de ensino de Sociologia. Com

    efeito, possvel afirmar que o currculo da disciplina de Sociologia para as sries do Ensino

    Mdio ainda est em processo de construo. E isso verificvel na disponibilidade de

    material didtico e literatura dirigida formao de professores de Sociologia. O ensino de

    Sociologia incita muitos debates. Um deles, ao qual se pretende tratar nesse artigo, versar

    sobre o material didtico e os recursos que estes oferecem ao professor e ao aluno, ainda que

    escassos, e quais sugestes podem ser propostas.

    2.3.3 ESTUDO DAS DIRETRIZES CURRICULARES DE SOCIOLOGIA PARA O ENSINO MDIO E O

    LIVRO DIDTICO: IMPORTNCIA E LIMITES.

    Este documento elaborado pela Secretaria de Estado da Educao, pela

    Superintendncia da Educao e pelo Governo do Estado do Paran organizado

    textualmente, expondo uma dimenso histrica da disciplina de sociologia, sua

    fundamentao terico-metodolgica, contedos estruturantes, encaminhamentos

    12

    BRASIL. MEC, 2006, p.119. 13

    BRASIL. MEC, 2006, p.131.

  • 12

    metodolgicos por uma pedagogia da sociologia no Ensino Mdio e modos de avaliao. As

    Diretrizes Curriculares contextualizam o surgimento da sociologia no Brasil, resumindo as

    principais obras de autores como Florestan Fernandes, Gilberto Freire, Caio Prado JR., Srgio

    Buarque de Holanda entre outros, e como o ensino da sociologia estava vinculado aos

    processos histricos e polticos. Narra o processo de institucionalizao que tende a uma

    nfase humanstica na perspectiva da transformao social.

    O texto do documento est estruturado de forma que inicia apresentando a dimenso

    histrica da disciplina de sociologia, partindo do contexto histrico do aparecimento da

    Sociologia. Em seguida aborda a Sociologia como disciplina cientfica e curricular, em que

    trata da Sociologia no Brasil, do ensino da Sociologia: da escola mdia universidade

    brasileira e a Sociologia no Ensino Mdio do Paran. Posteriormente o texto trs a

    fundamentao terico-metodolgica na qual so elencados: o pensamento dos clssicos da

    disciplina e seus princpios explicativos (mile Durkheim e o princpio da integrao social,

    Max Weber e o princpio da racionalizao social, Karl Marx e o princpio da contradio

    social); os Grandes campos terico-metodolgicos; e a Sociologia crtica: um recurso

    cientfico a servio do seu ensino. Finalmente, o documento inicia a orientao didtica para o

    ensino de Sociologia no Ensino Mdio a partir de uma sugesto para a fundamentao do

    ensino em Contedos Estruturantes.

    Para proceder aos recortes de contedos para o ensino mdio os autores mobilizam as

    teorias clssicas da Sociologia e os principais conceitos trabalhados por eles.

    mile Durkheim: princpio da integrao social, fatos sociais, solidariedade mecnica

    e solidariedade orgnica e instituies sociais;

    Max Weber: princpio da racionalizao social, ao social, tipos ideais, dominao, e

    burocracia;

    Karl Marx: princpio da contradio social, classes sociais, trabalho, meios de

    produo, capital, ideologia.

    Para o ensino de Sociologia no Ensino Mdio sugerem os Contedos Estruturantes

    que definem os grandes campos de estudos, nos quais as categorias conceituais bsicas da

    Sociologia relao social, ao social, estrutura social etc fundamentam a explicao

    cientfica. Os contedos estruturantes da disciplina propostos so: o processo de socializao

    e as instituies sociais; a cultura e a indstria cultural; trabalho, produo e classes sociais;

    poder, poltica e ideologia; direitos, cidadania e movimentos sociais.

    As Orientaes Curriculares Nacionais para o Ensino Mdio so de 2006 e as

    Diretrizes Curriculares de Sociologia para o Ensino Mdio do Paran, de 2008, portanto

  • 13

    foram elaboradas aps a aprovao do Conselho Nacional de Educao, com base na Lei

    9.394/96, da incluso da Filosofia e da Sociologia no Ensino Mdio. Como os autores

    mesmos destacam, as Orientaes so um documento que mapeia uma questo mais ampla

    a disciplina de Sociologia, sua histria desde a implantao, as dificuldades por ser uma

    disciplina recente se comparada s demais cincias.

    Outra diferena importante a ressaltar que as OCN possuem uma abrangncia

    poltica a nvel federal, sendo seu contedo, de certa forma, mais generalizado, a disciplina de

    Sociologia trabalhada como um subitem do item intitulado Cincias Humanas e suas

    Tecnologias. Por outro lado, as Diretrizes so voltadas para o Ensino Mdio no estado do

    Paran, ento traz de forma mais detalhada as orientaes para o ensino de Sociologia.

    Nas OCN as teorias clssicas so abordadas de forma que cada autor Durkheim,

    Marx e Weber seja analisado atentando para as influncias intelectuais recebidas e para o

    contexto histrico ao qual estavam inseridos. A Sociologia, se comparada s demais Cincias

    (como a Biologia e a Fsica), ainda uma cincia recente. E isto se reflete nas discusses dos

    autores. Enquanto as Cincias Naturais pressupem a superao de teorias a cada descoberta,

    a Sociologia e as demais Cincias Sociais so diversificadas, isto , existem vrias

    explicaes para um mesmo fenmeno. Na prtica de ensino de Sociologia este um fato

    relevante, pois um conceito trabalhado de forma diferente pelos autores. Como exemplo,

    pode-se destacar os conceitos de ideologia e cincia, abordados por Marx, Durkheim e Weber

    de maneiras diversas. Deste modo, a contextualizao fundamental para a anlise.

    As Diretrizes elencam os trs principais pensadores da Sociologia, seus princpios

    explicativos e os principais conceitos. Desta maneira ficaria mile Durkheim com o princpio

    da integrao social e os conceitos de fatos sociais, solidariedade mecnica e solidariedade

    orgnica e instituies sociais; Max Weber com o princpio da racionalizao social e os

    conceitos de ao social, tipos ideais, dominao, e burocracia; e Karl Marx com o princpio

    da contradio social e os conceitos de classes sociais, trabalho, meios de produo, capital,

    ideologia. Quanto proposta de avaliao, as Diretrizes propem a avaliao continuada, isto

    , que a proposta valorize a desnaturalizao dos conceitos e contribua para a formao do

    senso crtico no aluno. Alm disso, as vrias percepes contribuem para que o professor seja

    tambm um pesquisador, pois em sala de aula o professor depara-se com as diferentes

    realidades dos alunos e, sobretudo, dificuldades seja na infra-estrutura, recursos didticos

    etc.

    At o momento, no foi verificado nos documentos analisados qualquer referncia aos

    autores considerados clssicos da Cincia Poltica. O que importante observar a

  • 14

    pertinncia da discusso sobre quais autores devemos incluir no currculo dos alunos do

    Ensino Mdio. Os autores clssicos da Cincia Poltica, como Maquiavel e Hobbes, por

    exemplo, so apresentados no interior do contedo estruturante Poder, poltica e ideologia,

    mais especificamente o tpico A Formao do Estado Moderno, do livro didtico disponvel

    rede estadual de ensino. O livro est organizado por contedos estruturantes, luz do

    documento referente aos contedos bsicos estabelecidos pela SEED.

    Por se tratar de um livro didtico, esperado que haja figuras de livros, excertos de

    textos clssicos dos autores para que os alunos se familiarizem com a linguagem prpria do

    autor. Mas, no caso dos autores-tema da Cincia Poltica, como Maquiavel, no existe figuras

    que possam aproximar o aluno do tema da aula. O contedo do livro fundamentalmente

    textual e no foi verificado nenhum trecho de O Prncipe ou Discurso sobre a Primeira

    Dcada de Tito Lvio disponvel para anlise. Portanto, ainda existem lacunas sobre o ensino

    dos autores clssicos da Cincia Poltica, que podem ser notadas pela simples anlise do livro

    didtico, onde no constam referncias visuais para os alunos.

    Aps essas consideraes, e tendo visto a experincia que pude vivenciar ao trabalhar

    com os alunos do EJA (Ensino de Jovens e Adultos) do Colgio Estadual Vicente Rijo de

    Londrina durante o estgio, o prximo item dessa anlise versar sobre os questionamentos e

    desafios ao ensino dos temas da Cincia Poltica. Para tanto, reuni o material que utilizei em

    sala de aula (planos de aula e textos didticos) para trabalhar Nicolau Maquiavel com os trs

    alunos que frequentaram o 4 perodo do EJA, turma onde realizei o estgio. A proposta dessa

    discusso que, a partir dessas constataes iniciais, se possa abrir um pouco mais a

    discusso acerca dos materiais didticos e dos caminhos possveis para se explorar os temas

    da cincia poltica, a fim de estender essa discusso aos demais campos das Cincias Sociais,

    na tentativa de afirmar cada vez mais a sua importncia para a formao dos jovens e

    tambm dos adultos.

    3. Como trabalhar Maquiavel?

    Este artigo resultado de um trabalho desenvolvido ao longo do estgio realizado no

    4 Perodo/PROEJA do Colgio Estadual Vicente Rijo, situado a cidade de Londrina, durante

    o segundo semestre de 2011. A atividade realizada no estgio requisito para a habilitao

    em Licenciatura do curso de Cincias Sociais da Universidade Estadual de Londrina, e

    consiste em ministrar duas aulas que envolvam o contedo programtico especificado pelo

  • 15

    professor regente da turma acompanhada. O tema escolhido refere-se formao do Estado

    Moderno e os principais autores clssicos da Cincia Poltica.

    A proposta para as aulas consiste em avaliar o processo de consolidao dos Estados

    Nacionais Modernos, tendo em vista o contexto histrico de desestruturao do modo de

    produo feudal e a necessidade de centralizao do poder poltico. Nesse sentido, objetiva-se

    que os alunos analisem, de forma crtica, a conjuntura dos eventos histricos e sociais do

    momento em questo, atentando para os principais tericos que ofereceram novas abordagens

    para se debater o campo de ao poltica vigente. Destarte, a temtica da aula voltou-se para o

    pensamento de Nicolau Maquiavel, devido importncia de seu pensamento para a

    fundamentao da Cincia Poltica Moderna. Como se sabe, o historiador florentino

    corroborou para a ruptura de uma tradio de pensamento h muito consolidada

    influenciada pela forte presena da Igreja nos assuntos do Estado, tais como a moral, a tica, o

    poder e o ato de governar. Mais do que obras de carter filosfico, O Prncipe consistiu em

    uma verdadeira aposta de Maquiavel, haja vista o seu profundo envolvimento com as

    questes polticas e sociais da Itlia e da Inglaterra. E isso no se refere apenas ao fato de O

    Prncipe, por exemplo, ser uma obra caracterstica do gnero espelho de prncipes do

    Renascimento, com o teor de ser um manual para os prncipes que almejassem conquistar e,

    principalmente, conservar seu Estado. Mas, por outro lado, tambm traz baila a inteno de

    Maquiavel de voltar a ocupar um cargo no Estado florentino j que ele havia perdido o

    cargo de Secretrio da Segunda Chancelaria de Florena, por ser acusado de conspirar contra

    a restaurao dos Mdici, o que lhe rendeu o exlio e o completo ostracismo, anos mais tarde.

    Portanto, a atmosfera que abarca a elaborao dessas obras e as questes com as quais

    pretendem lidar est envolta de sentidos e intenes que os autores almejavam atingir.14

    Ao iniciar a aula, fiz uma breve considerao sobre o contexto histrico, a fim de que

    os alunos possam situar essa discusso no prprio tempo do autor. Outro exerccio foi o

    dilogo estabelecido entre as virtudes do prncipe com a cartilha eleitoral do candidato

    Francisco Everardo de Oliveira, o Tiririca.15

    Com a anlise do contexto histrico, objetiva-se

    que os alunos compreendam o valor que as obras e os autores considerados clssicos

    adquiriram; a importncia dos conceitos formulados luz de uma determinada realidade

    histrica e, sobretudo, qual a contribuio que o estudo dos clssicos pode oferecer anlise

    da sociedade e da poltica contempornea. Isso, contudo, no quer dizer que se deva tratar os

    14

    SKINNER, 1996. 15

    Para a escolha do material didtico dessa proposta de aula, agradeo muito a minha amiga Jssica Josiane

    Schmidt, que disponibilizou o material utilizado nas aulas.

  • 16

    clssicos como dicionrios para a nossa sociedade. Mas sim, distinguir o que primordial

    aprender com o passado, j que os clssicos esto inseridos em outro contexto histrico e

    social, e o que no passa de um produto contingente das nossas prprias convenes

    locais.16 Assim, analisar os conceitos de virt e fortuna presentes no vocabulrio

    maquiaveliano, remete ao entendimento que esse autor possua acerca da melhor maneira de

    se governar um Estado. Para Maquiavel, o homem de virt capaz de valer-se de sua fortuna

    para garantir a sua vitria. Ou seja, aproveitar as boas ocasies para se tomar as melhores

    decises. Contudo, preciso considerar que um prncipe cauteloso no deveria contar apenas

    com a sua fortuna. A sua sorte no deveria ser o nico instrumento de operao. Quando esse

    prncipe fosse posto prova, dotado apenas de suas habilidades pessoais, o seu triunfo que

    poderia confirmar a sua virtude. Por isso, a seleo dos temas da aula foram pautadas pela

    importncia que a obra O Prncipe atingiu no s em seu tempo, mas tambm a possibilidade

    de instigar novas leituras e novas pesquisas.

    Em suma, fazer com que os estudantes reflitam a respeito das complexas questes que

    envolvem a Cincia Poltica e os seus clssicos constitui um instrumento a mais para a prtica

    docente, j que tais contedos esto intimamente ligados com as demais reas do

    conhecimento, como a Filosofia e a Histria, por exemplo. O uso de mapas, charges e a

    leitura de trechos selecionados dos autores clssicos so fundamentais para concretizar a

    exposio do docente, haja vista que este lida com conceitos terico-filosficos no to

    concretos e palatveis aos alunos. Se o contedo est prximo do aluno, a assimilao e

    construo do conhecimento cientfico se daro de maneira adequada, ou seja, significativa

    como no exemplo do tijolo empregado por Paulo Freire.17

    preciso, portanto, levar em

    considerao a bagagem de conhecimento que o aluno trs consigo de sua experincia de

    vida. Nesse sentido, o raciocinar dialeticamente analisando os conceitos que norteiam a

    compreenso da sociedade na disciplina de Sociologia, que divide seu espao com os temas

    da Cincia Poltica no ambiente escolar, implica relacionar, organizar e perceber como as

    relaes entre os mbitos social, econmico, poltico e cultural fundamentam a realidade dos

    acontecimentos sociais. Contudo, no basta apenas escolher os conceitos que sero

    desenvolvidos durante o processo de aprendizagem. Esta precisa ter relevncia social e

    poltica, real e terica. Retomando o argumento anterior de Paulo Freire, o aluno s aprende

    adequadamente quando se torna capaz de atribuir significado aos contedos desenvolvidos.

    A Sociologia procura aguar as habilidades cognoscitivas dos alunos e aproximar a

    16

    SKINNER, 1996. 17

    FREIRE, 1996.

  • 17

    reflexo dos contedos com a realidade vivida. Nesse processo de raciocinar dialeticamente,

    professor e aluno so os agentes na construo do conhecimento. O professor torna-se

    mediador na relao dos alunos com o objeto de conhecimento, ou seja, a Sociologia. Ao

    chegar prtica social final utilizando a metodologia do professor Gasparin objetiva-se

    que os discentes (re) pensem criticamente a sociedade e as relaes sociais que os cercam,

    permitindo a eles que analisem as suas opinies iniciais sobre determinado tema, agora, numa

    perspectiva sociolgica. Assim, o conhecimento prvio alicera a atribuio de novos

    significados e o conhecimento se constri.

    Consideraes finais

    A incluso da disciplina de Sociologia nos currculos do Ensino Mdio, sem dvida,

    ampliou a possibilidade de insero e de debate dos temas das Cincias Sociais.18

    Como foi

    analisado, no possvel dissociar reas to complementares, como a Histria e a Sociologia.

    A Sociologia faz parte da histria da sociedade, de um momento crtico, de reviso da

    estrutura da sociedade e de efervescncia de novas ideias, novas configuraes para a vida nas

    cidades e o mundo do trabalho. A Histria tambm faz parte da Sociologia, na medida em que

    no se pode estudar um dado evento histrico, sem analisar o comportamento dos indivduos,

    suas motivaes e suas ambies, que so o motor das transformaes na sociedade. Como

    exemplo, podemos citar o livro O Processo Civilizador, de Norbert Elias. Por esse motivo, a

    intermitncia da Sociologia, nas palavras de Silva,

    Ajuda-nos, ainda, a conscientizarmo-nos de nossas origens,

    percebendo que fazemos parte de uma histria maior e que temos

    pontos de partida para a continuidade do processo de consolidao da

    disciplina nos currculos e nos projetos poltico-pedaggicos.

    Imaginamos ainda que pensar sobre nosso movimento e marcos ao

    longo da histria potencializa nosso repertrio de explicaes sobre

    nossa cincia/disciplina diante dos alunos da educao bsica.19

    Portanto, os campos de discusso dos autores clssicos da Cincia Poltica merecem

    tambm uma ateno especial, no que se refere ao material disponvel, tanto aos professores

    quanto aos alunos. certo que em uma sala numerosa a dificuldade da proposta de leitura de

    um trecho de um livro como O Prncipe bem maior. Outro agravante a questo do tempo

    18

    Para essa discusso, refiro-me incluso da Histria e da Geografia como disciplinas pertencentes s Cincias

    Sociais, de acordo com a classificao de Giddens e Passeron. Apud, SILVA, 2010. 19

    SILVA, 2010, p. 15.

  • 18

    curto das aulas, que inviabiliza certas atividades. Mas a proposta de uma atividade ldica

    diferente, como a anlise de quadros de artistas renascentistas para elucidar o contexto da

    poca, j que nos referimos a Maquiavel, no deve ser descartado. Quadros como A criao

    de Ado, de Michelangelo; ou A Santa Ceia de Leonardo da Vinci so algumas propostas para

    diversificar o contedo de Sociologia, mas sem deixar de abordar a crtica que Maquiavel fez

    religio crist, j que ambas os quadros enfatizam os temas divinos. A linguagem visual

    ainda escassamente utilizada. E no mbito da Cincia Poltica, pode ser factvel englobar as

    demais disciplinas (como a Histria da Arte, nesse caso) para despertar o interesse dos alunos.

    Essas breves consideraes fazem-se necessrias medida que a luta pela

    consolidao do espao da Sociologia nos currculos da Educao Bsica tem se estendido

    no s no que se refere ao professor da Educao Bsica, mas tambm aos docentes

    universitrios. Assistimos ao crescimento dos cursos de formao e aperfeioamento de

    professores, que valorizam no s o trabalho em sala de aula, mas tambm a atuao do

    professor-pesquisador. A escolha do currculo seja ele do Ensino Mdio, com a disciplina de

    Sociologia, ou do Ensino Superior (como no caso dos cursos de graduao em Cincias

    Sociais) ainda provoca muitos debates. Assim como foi possvel verificar nos documentos

    oficiais (OCNS e as Diretrizes, por exemplo), a nfase da disciplina recai sobre qual a

    formao esperada para o estudante, ou seja, que cidado est se formando e no ao contedo

    propriamente dito. Por esse motivo, foi preciso recorrer anlise do principal instrumento

    disponvel ao trabalho do professor: o livro didtico.

    A partir dessas consideraes verificou-se que para se trabalhar um clssico ainda

    esto em voga muitas discusses. Uma questo recorrente a linguagem particular do autor.

    Muitas vezes, os termos utilizados pelos autores e a redao difcil desestimula a leitura e a

    pesquisa por parte dos alunos. Nesse sentido, uma atividade alternativa poderia ser o trabalho

    em conjunto com o professor da disciplina de Lngua Portuguesa. Nesse caso, os alunos

    podem ter a oportunidade de manusear um dicionrio (j que muitos relatam a dificuldade

    para entender a estrutura dessa ferramenta) e montar um dicionrio de cincia poltica, a fim

    de contextualizar os conceitos com seus significados semnticos. A interdisciplinaridade

    ajuda a repensar o trabalho do professor em sala de aula, tornando o seu olhar mais sensvel e

    atento s dificuldades do fazer docente e do processo de ensino e aprendizagem

    (significativa). Sobretudo, nesse sentido, repensamos o papel da prpria disciplina de

    Sociologia na construo do esprito crtico do homem e do cidado que queremos e

    tentamos formar, dia a dia.

  • 19

    Referncias bibliogrficas

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