7
  “Amicus Curiae” e o CNPG  Christiano Mota e Silva  Promotor de Justiça (MPGO) 1. Escorço histórico O instituto do amicus curiae, literalmente “amigo da corte”, cujas origens são disputadas, poss ui largo histórico no dia a dia d a vida forense dos Esta dos Unidos da América, havendo ganhado projeção mundial, alcançando, inclusive, o Brasil, onde se costuma situar esse sujeito processual como espécie novidadeira de intervenção de terceiros. Assim, por exemplo, em Cassio Scarpinella Bueno (Curso Sistematizado de Direito Processual Civil, 4ª ed., São Paulo: Saraiva, 2011, v. 2, t. I/570, v. g.), firme em qualificá- lo como “terceiro interveniente”.  Nos Estados Unidos, onde o fortalecimento do controle de constitucionalida de, máxime do realizado por sua Suprema Corte, se verificou no contexto de uma projeção vinculante geral, por força da doutrina do  stare decisis (  FINE , Toni M ., Introdução ao Sistema Jurídico Anglo-Americano , São Paulo: Martins Fontes, 2011, p. 80, v. g.), o Poder Judiciário assumiu, desde cedo, notável influência política, pois suas decisões necessariamente atingiam os interesses de “inúmeras pessoas e entidades”, de tal sorte que a “manifestação de terceiros tornou-se prática fre que nte ”, con form e reg istra a dou tri na (  BISCH ,  Isabel da Cunha, O  Amicus Curiae, as T radições Jurídicas e o Controle de Constitucionalidade: um estudo comparado à luz das experiências americana, europeia e brasileira , Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 156, v. g.). Fácil ver, nesse quadro, que a admissão do amicus curiae passou a se qualificar como fator de legitimação democrática do processo e do Poder Judiciário, na medida mesma em 1

Amicus Curiae

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Amicus curiae

Citation preview

  • Amicus Curiae e o CNPG

    Christiano Mota e Silva Promotor de Justia (MPGO)

    1. Escoro histrico

    O instituto do amicus curiae, literalmente amigo da corte, cujas origens so

    disputadas, possui largo histrico no dia a dia da vida forense dos Estados Unidos da Amrica,

    havendo ganhado projeo mundial, alcanando, inclusive, o Brasil, onde se costuma situar esse

    sujeito processual como espcie novidadeira de interveno de terceiros.

    Assim, por exemplo, em Cassio Scarpinella Bueno (Curso Sistematizado de

    Direito Processual Civil, 4 ed., So Paulo: Saraiva, 2011, v. 2, t. I/570, v. g.), firme em qualific-

    lo como terceiro interveniente.

    Nos Estados Unidos, onde o fortalecimento do controle de constitucionalidade,

    mxime do realizado por sua Suprema Corte, se verificou no contexto de uma projeo vinculante

    geral, por fora da doutrina do stare decisis (FINE, Toni M., Introduo ao Sistema Jurdico

    Anglo-Americano, So Paulo: Martins Fontes, 2011, p. 80, v. g.), o Poder Judicirio assumiu,

    desde cedo, notvel influncia poltica, pois suas decises necessariamente atingiam os interesses

    de inmeras pessoas e entidades, de tal sorte que a manifestao de terceiros tornou-se prtica

    frequente, conforme registra a doutrina (BISCH, Isabel da Cunha, O Amicus Curiae, as

    Tradies Jurdicas e o Controle de Constitucionalidade: um estudo comparado luz das

    experincias americana, europeia e brasileira, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p.

    156, v. g.).

    Fcil ver, nesse quadro, que a admisso do amicus curiae passou a se qualificar

    como fator de legitimao democrtica do processo e do Poder Judicirio, na medida mesma em

    1

  • que possibilitou a sustentao, no seio das instncias decisrias judiciais, dos mais diversos

    interesses em jogo no exame de todas as questes de direito, mxime das de direito constitucional.

    Nos precisos comentrios de Christine Oliveira Peter da Silva e Andr Pires

    Gontijo (O amicus curiae no processo constitucional: o papel do amigo da corte na

    construo do decision-making no mbito da Suprema Corte dos Estados Unidos, in Anuario

    de Derecho Constitucional Latinoamericano, Montevidu: Konrad-Adenauer, 2009, p. 272), a

    ampla admisso do amicus curiae, no direito estadunidense, reflete a compreenso da Suprema

    Corte como instituio poltica, cuja autoridade depende da deferncia e do respeito pblico.

    De seu turno, no Brasil, a promulgao da Constituio da Repblica vigente

    alterou, em amplas dimenses, o desenho do controle de constitucionalidade realizado pelo

    Supremo Tribunal Federal e pelos demais juzos, democratizando-se, consoante ressaltado pelo

    notvel Cludio Ari Mello (Democracia Constitucional e Direitos Fundamentais, Porto Alegre:

    Livraria do Advogado, 2004, p. 193-194), o exerccio da jurisdio constitucional, pelos

    seguintes fatores:

    (a) ampliao do rol dos legitimados para a deflagrao do processo objetivo, com a

    consequente abertura de mais expedito acesso jurisdio constitucional;

    (b) admisso do controle concreto no processo da ao civil pblica, com projeo

    eficacial erga omnes ;

    (c) normatizao legal e reconhecimento jurisprudencial progressivo da figura do

    amicus curiae, com a outorga de poderes e faculdades processuais.

    Tendo se consolidado, principalmente no Supremo Tribunal Federal, como

    modalidade de interveno de terceiros, de frequente uso, no so poucos e desimportantes os

    casos nos quais se observou a atuao decisiva de entidades na condio processual de amicus

    curiae.

    2

  • No Projeto do Novo Cdigo de Processo Civil, aprovado, em 15.12.2011, pelo

    Plenrio do Senado Federal, a figura do amicus curiae claramente prevista, com esse nome, no

    seu Livro II, Ttulo I, Captulo IV, Seo IV, art. 322, caput, entre as modalidades de interveno

    de terceiros, verbis:

    Art. 322. O juiz ou o relator, considerando a relevncia da matria, a especificidade

    do tema objeto da demanda ou a repercusso social da controvrsia, poder, de ofcio

    ou a requerimento das partes, solicitar ou admitir a manifestao de pessoa natural ou

    jurdica, rgo ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo

    de quinze dias de sua intimao. (destaques acrescentados)

    V-se, no particular, que a proposta legislativa reflete preocupao de fundo

    doutrinrio, no sentido da sobrevinda de norma-regra que estampe previso geral de admisso, no

    sistema de direito processual, do amicus curiae, outorgando explcita previso legal a instituto j

    consagrado na experincia forense.

    2. O amicus curiae no Supremo Tribunal Federal

    Em 26.11.2003, no deslinde de Questo de Ordem suscitada no julgamento

    conjunto da ADI 2.777 e da ADI 2.765, o Supremo Tribunal Federal, declarou que o amicus

    curiae um fator de legitimao social das decises da corte constitucional (MELLO, Cludio

    Ari, ob. cit., p. 196).

    Nessa ocasio, o Supremo Tribunal Federal permitiu a sustentao oral de

    amicus curiae, alm do oferecimento, que ento j corrente, de arrazoados escritos (memoriais).

    Desde ento, o amicus curiae tornou-se figura observvel nos mais importantes

    julgamentos, por exemplo:

    (a) ADPF 130/DF (discusso sobre a no recepo da Lei de Imprensa), em 30.4.2009,

    com trs amici curiae (RTJ 213/183);

    3

  • (b) ADI 3.510/DF (pesquisas com clulas-tronco embrionrias), em 29.5.2008, com

    cinco amici curiae (RTJ 214/310);

    (c) ADPF 144 (ficha limpa), em 6.8.2008, com quatro amici curiae (RTJ 215/164);

    (d) ADPF 153 (Lei de Anistia), em 29.4.2010, com quatro amici curiae (RTJ 216/155);

    (e) ADI 4163 (Convnio OAB e Defensoria Pblica do Estado de So Paulo), ainda

    ontem, 29.2.2012, com trs amici curiae.

    Fora do campo da jurisdio constitucional abstrata, o Supremo Tribunal

    Federal, como se deu no famoso caso em que se enfrentou o racismo contra o povo judeu (HC

    82.424, Pleno, Rel. Min. Maurcio Corra, RTJ 188, t. 3), admitiu, malgrado a ausncia de

    previso legal especfica, revelia mesmo de deciso concreta a respeito, texto apresentado por

    Celso Lafer, denominado de amicus curiae pelos ministros, contra os protestos respeitosos do

    ento Ministro Moreira Alves.

    No Superior Tribunal de Justia, no AgRg no MS 12.459/DF, 1 Seo, j. de

    24.10.2007, Rel. Min. Joo Otvio de Noronha, foi aceita a interveno de associao privada

    como amicus curiae num processo de mandado de segurana (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, e

    MEDINA, Jos Miguel Garcia, Amicus Curiae, in O Terceiro no Processo Civil Brasileiro e

    Assuntos Correlatos: estudos em homenagem ao Professor Athos Gusmo Carneiro, So

    Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 496, v. g.).

    Diante at do que se convencionou chamar de objetivao do recurso

    extraordinrio, a experincia do Supremo Tribunal Federal a da admisso, com certa

    liberalidade, da figura do amicus curiae.

    3. Requisitos para a admisso como amicus curiae no Supremo Tribunal Federal

    A doutrina bem tem captado os requisitos para a admisso do amicus curiae no

    Supremo Tribunal Federal.

    4

  • So eles, na linha do que exposto por Antonio Janyr Dall'Agnol Junior, Daniel

    Ustrroz e Srgio Gilberto Porto (Afirmao do Amicus Curiae no Direito Brasileiro, in O

    Terceiro no Processo Civil Brasileiro e Assuntos Correlatos: estudos em homenagem ao

    Professor Athos Gusmo Carneiro, So Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 117-119):

    (a) representatividade e sua idoneidade;

    (b) relevncia da fundamentao (intensificao do contraditrio).

    Assim, na preocupao do Supremo Tribunal, h uma ideia de representao

    adequada, exigindo a Corte que a entidade que se pretenda habilitar como amicus curiae seja, de

    fato, portadora de relevo social, jurdico, cientfico, poltico ou econmico que enseje, dados os

    interesses postos em discusso, com sua interveno, maior esclarecimento quanto ao mrito da

    controvrsia.

    Segundo acentuado pela doutrina (BUENO, Cassio Scarpinella, ob. cit., p. 572-

    574, v. g.), o que legitima o amicus curiae a defesa de interesse institucional, semelhante

    perspectiva de atuao do legitimado autnomo nas aes coletivas, sobrelevando o carter de

    defesa difusa de interesses metaindividuais.

    As entidades, desse modo, que tencionem interveno processual na condio de

    amicus curiae, ho de demonstrar o alcance social da deciso e, nessa linha, a sua aptido para o

    enriquecimento, dado seu relevo institucional, da instruo da causa.

    4. O CNPG como amicus curiae

    O Conselho Nacional de Procuradores-Gerais, associao civil de mbito

    nacional, sem fins lucrativos, patenteia-se, pela condio funcional mesma de seus membros,

    como entidade to qualificada quanto muitas outras a que o Supremo Tribunal Federal tem

    reconhecido representao adequada para o fim de interveno como amicus curiae, nada

    obstando seu ingresso, nessa qualidade, em feitos judiciais.

    5

  • Convm destacar, nesse passo, alm de outros aspectos considerveis, que o

    CNPG:

    (a) o foro mais abrangente dos Ministrios Pblicos dos Estados e da Unio, pois

    entidade que congrega seus Procuradores-Gerais;

    (b) tem se destacado, a nvel nacional, com a atuao de seus rgos, a exemplo das

    operaes de combate ao crime organizado e improbidade administrativa;

    (c) participa, de modo expressivo, no processo de composio de rgo estatal

    eminente, o CNMP, nos termos da Constituio da Repblica, art. 130, III, e 1, e da

    Lei Federal n. 11.372/2006, art. 2 e pargrafo nico;

    (d) suplanta, na sua rea de atuao, a defesa corporativa de interesses funcionais ou

    privados dos membros dos diversos Ministrios Pblicos.

    Ressalte-se, por oportuno, que o Supremo Tribunal Federal admitiu, em

    importantes julgamentos, na condio processual de amicus curiae, entidades como a CONAMP,

    a AJUFE, o IBDFAM, a ABGLT, a SBDP, o IBCCRIM, a ANADEP, a CNBB, inter plures.

    5. Concluso

    Sobre preencher lacunas observadas at mesmo em casos de amplo relevo

    institucional para o Ministrio Pblico dos Estados e da Unio, a atuao do CNPG como amicus

    curiae resultar numa maior projeo poltica da associao, conferindo nova feio e renovada

    visibilidade no contexto social.

    chegada a hora de o CNPG passar a intervir, observado o relevo da causa, em

    processos judiciais nos quais, alm de temas de direto interesse institucional, se discuta questo

    jurdica de largo alcance social.

    6

  • O Grupo de Acompanhamento de Processos de Interesse do MP nos Tribunais

    Superiores, assim, por deciso unnime de seus membros, ocorrida na tarde de ontem, 29.2.2012,

    prope ao Colegiado de Procuradores-Gerais, na expectativa de encampao formal da proposta,

    que se delibere, na presente reunio, pela possibilidade dessa nova atuao, no mbito processual,

    que se dar, sempre, num juzo de convenincia e oportunidade.

    Com esse passo decisivo, o Grupo de Acompanhamento de Processos de

    Interesse do MP nos Tribunais Superiores, no momento oportuno, surgindo essas causas,

    escolhidas com cuidado, num procedimento de filtro apertado, com o cuidado de que no se

    vulgarize a atuao do CNPG, levar a indicao concreta de interveno, na condio de amicus

    curiae, ao conhecimento e deliberao de sua instncia decisria mxima.

    7

    Amicus Curiae e o CNPG