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Aline Trigilio Zanetti
O ELEMENTO SUBJETIVO NOS ATOS DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA
Centro Universitário Toledo
Araçatuba
2013
Aline Trigilio Zanetti
O ELEMENTO SUBJETIVO NOS ATOS DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA
Monografia apresentada como requisito
parcial para obtenção do grau de bacharel
em Direito à Banca Examinadora do
Centro Universitário Toledo sob a
orientação da Professora Camila Paula de
Barros Gomes.
Centro Universitário Toledo
Araçatuba
2013
Banca Examinadora
Profª Camila Paula de Barros Gomes
Orientadora
Drª Cláudia Alves Munhoz Ribeiro da Silva
Drª Vanessa Beatriz Testi de Lacerda
Araçatuba, 11 de outubro de 2013.
À Deus, que permitiu que tudo pudesse ser
realizado.
Ao meu pai, José Luiz, pelos seus esforços para me
proporcionar uma vida digna.
À minha mãe, Adelaide, pelo apoio incondicional
em todos os momentos.
Aos meus irmãos, Bruno e Kenia, que apesar das
corriqueiras discussões, os amo muito.
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora, professora Camila, pela sua atenção, paciência e confiança
durante todo este ano.
Ao meu chefe e companheiro de Procuradoria, Dr. Flávio, pela ajuda na escolha do
tema, por todos os ensinamentos transmitidos durante esses anos e especialmente pela sua
disposição no decorrer deste trabalho.
“A justiça sustenta numa das mãos a balança que
pesa o direito, e na outra, a espada de que se serve
para o defender. A espada sem a balança é a força
brutal; a balança sem a espada é a impotência do
direito” - Rudolf von Ihering
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo um estudo aprofundado acerca do elemento
subjetivo presente em cada ato de improbidade administrativa, de acordo com a doutrina e
jurisprudência preponderante. A Lei 8.429 de 2 de junho de 1992 disciplina essas condutas
nos artigos 9º, 10 e 11, dispondo que podem ser cometidas somente a título de dolo nos atos
que geram enriquecimento ilícito e nos atos que atentem contra os princípios da
Administração Pública e a título de dolo ou culpa nos atos que causam prejuízo ao Erário.
Apesar da referida lei expressamente prever a possibilidade da modalidade culposa de
improbidade, há muitas discussões a respeito da sua (in)constitucionalidade. Defendemos a
ideia de que a finalidade da Lei de Improbidade é punir os agentes públicos/políticos e os
terceiros a eles vinculados pelo mesmo liame subjetivo que ajam de forma desonesta e desleal
em relação à Administração Pública e também aqueles que sejam inábeis, despreparados e
desinteressados na preservação daquilo que pertence à Administração Pública.
Palavras-chave: Improbidade. Elemento subjetivo. Dolo. Culpa.
ABSTRACT
The present work aims at an in-depth study about the subjective element present in
every act of misconduct in accordance with the predominant doctrine and jurisprudence. The
law 8.429, of June 2, 1992, discipline these conducts in articles 9th, 10 and 11, setting that
can be committed only by way of deceit in acts that generate illicit enrichment and in acts that
violate the principles of public administration and the title of deceit or guilt in acts that cause
injury to the Exchequer. Despite of the Act expressly provide for the possibility of the fault
mode of misconduct, there are many discussions about their (in)constitutionality. We defend
the idea that the purpose of the Law of Improbity is to punish the public/political agents and
third parties to them bound by the same subjective bond to act dishonestly and disloyal with
regard to public administration and also those who are unskilled, unprepared and uninterested
in the preservation of what belongs to the Public Administration.
Keywords: Improbity. Subjectiv element. Deceit. Fault.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...........................................................................................................10
CAPÍTULO I – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.........................................12
1.1 Moralidade X Probidade..............................................................................12
1.2 Conceito de Improbidade Administrativa...................................................13
1.3 Espécies de Improbidade.............................................................................15
1.4 Sujeitos da Improbidade Administrativa.....................................................20
1.5 Sanções........................................................................................................22
CAPÍTULO II – NATUREZA JURÍDICA DOS ATOS DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA..............................................................................................................24
2.1 Natureza Civil..............................................................................................25
2.2 Natureza Político-administrativa.................................................................27
2.3 Natureza Penal............................................................................................ 28
2.4 Independência entre as instâncias e aplicação cumulativa das sanções......30
CAPÍTULO III – DO ELEMENTO SUBJETIVO NA IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA..............................................................................................................34
3.1 Dolo e culpa.................................................................................................34
3.2 Análise detalhada das espécies de improbidade com foco no elemento
subjetivo........................................................................................................................37
3.2.1 Artigo 9º da Lei 8.429/92 – Atos de Improbidade que Importam
Enriquecimento Ilícito...................................................................................................38
3.2.2 Artigo 10 da Lei 8.429/92 – Atos de Improbidade Administrativa que
Causam Prejuízo ao Erário............................................................................................39
3.2.3 Artigo 11 da Lei 8.429/92 – Atos de Improbidade Administrativa que
atentam contra os princípios da Administração Pública...............................................47
CONCLUSÃO.............................................................................................................49
REFERÊNCIAS..........................................................................................................51
10
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como propósito a análise pormenorizada do elemento
subjetivo nos atos de improbidade administrativa descritos na Lei nº 8.429/92, o que significa
apreciar o motivo, a vontade, a finalidade de o agente público, sejam eles políticos, servidores
ou particulares em colaboração com o Poder Público em praticar atos que importem em
enriquecimento ilícito, prejuízo ao erário ou que atentem contra os princípios da
Administração Pública, para que assim possa haver posterior responsabilização perante o
Poder Judiciário.
A aplicação desse instituto conforme com a lei infraconstitucional é bastante
controverso, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, pois para alguns as três modalidades
de improbidade só admitem o dolo. Porém, de acordo com maioria e com o próprio texto
legal, o ato que enseja prejuízo os cofres públicos (artigo 10) pode ser sancionado a título de
culpa.
Desta forma, no Capítulo I serão abordados os tópicos essenciais para a compreensão
da Improbidade Administrativa. Primeiramente deve ser analisado acerca dos princípios da
moralidade e da probidade na Administração Pública, os quais estão expressamente dispostos
no artigo 37, caput e §4º, respectivamente, da Constituição da República Federativa do Brasil
de 5 de outubro de 1988, e, objetivando dar eficácia a esses preceitos constitucionais, foi
elaborada a Lei nº 8.429/92, conhecida como “Lei de Improbidade Administrativa” ou “lei do
colarinho branco”, que entrou em vigor em 3 de junho de 1992. Também neste capítulo será
desenvolvido o conceito, apresentadas as três modalidades (enriquecimento ilícito, prejuízo ao
erário e atentado contra os princípios da Administração Pública), os sujeitos ativo e passivo na
ação de improbidade e as respectivas sanções impostas pela lei para a imputação dos agentes
públicos.
No Capítulo II será definida a natureza jurídica do ato de improbidade, afastando a
possibilidade de caracterizar-se como ilícito penal ou político-administrativo, reconhecendo,
portanto, sua natureza civil. Outro aspecto tratado é sobre a independência da
responsabilização por improbidade das instâncias penal, civil e administrativa, podendo um
único fato ensejar punição nas três esferas.
Por fim, o Capítulo III trata especificamente do elemento subjetivo compreendido nos
atos de improbidade, os quais podem ser cometidos somente a título de dolo nos casos de
11
enriquecimento ilícito e atos que atentem contra os princípios da Administração Pública ou a
título de dolo ou culpa nos casos de atos que causam prejuízo ao Erário.
Quanto à metodologia empregada para a elaboração deste trabalho foi realizada
Pesquisa Bibliográfica, com investigação em livros, jurisprudências e coletâneas legais.
12
I – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
1.1 Moralidade X Probidade
A partir de 1988 a moralidade restou elevada no plano constitucional, como princípio
essencial ao regime jurídico-administrativo ao explicitá-lo no art. 37, caput da Constituição da
República Federativa do Brasil. E foi objetivando dar eficácia a essa regra que o legislador
ordinário elaborou a Lei nº 8.429/92 – Lei de Improbidade Administrativa.
Para a correta compreensão da importância e do alcance da improbidade
administrativa faz-se mister o exame dos princípios da moralidade e da probidade.
A Constituição Federal de 1988, apesar de mencionar “princípio da moralidade” em
seu artigo 37, caput e “improbidade” no §4º do mesmo artigo, não deixa clara a distinção
entre os conceitos de tais princípios. Ocorre que os referidos conceitos não são idênticos.
Desta forma, pode-se dizer que a moralidade administrativa é pressuposto
informativo dos demais princípios administrativos e abrange o conjunto de valores essenciais
à existência humana, como a lealdade, boa-fé, veracidade, honestidade. Valores esses que se
traduz como fator de orientação do comportamento do agente público, o qual deve primar
para o alcance do bem comum e cumprir os deveres de uma boa administração. De acordo
com o professor José Afonso da Silva (2001, p. 652), “a ideia subjacente ao princípio é a de
que moralidade administrativa não é moralidade comum, mas moralidade jurídica, composta
de regras de boa administração”.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2007, p. 744) diz que “a inclusão do princípio da
moralidade administrativa na Constituição de 1988 foi um reflexo da preocupação com a ética
na Administração Pública e com o combate à corrupção e à impunidade no setor público”.
Quanto à probidade administrativa, Marcelo Figueiredo (2009, p. 47) expõe que “a
probidade é espécie do gênero moralidade administrativa. Probidade é peculiar e específico
aspecto da moralidade”. O mesmo autor elabora uma adequada distinção acerca do assunto:
São condutas e instituto diversos. Ou por outra, o princípio da moralidade
administrativa é de alcance maior, é conceito mais genérico, a determinar, a todos,
os „poderes‟ e funções do Estado, atuação conforme o padrão jurídico moral, da boa-
fé, da lealdade, da honestidade. Já, a probidade, que alhures denominamos
„moralidade administrativa qualificada‟, volta-se a particular aspecto da moralidade
administrativa. Parece-nos que a probidade está exclusivamente vinculada ao
aspecto da conduta (do ato ilícito) do administrador. Assim, em termos gerais,
13
diríamos que viola a probidade o agente público que em suas ordinárias tarefas e
deveres (em seu agir) atrita os denominados „tipos‟ legais. A probidade, desse modo,
seria o aspecto „pessoal-funcional‟ da moralidade administrativa. Nota-se de pronto
substancial diferença. Dado agente pode violar a moralidade administrativa e nem
por isso violará necessariamente a probidade, se na análise dessa conduta não
houver a previsão legal tida por ato de improbidade (FIGUEIREDO, M., 2000 apud
FIGUEIREDO, I. G., 2010, p.42).
Em contrapartida, a maioria dos autores defende a posição de que ambos os
princípios são assimilados. Vejamos os dizeres de José dos Santos Carvalho Filho (2008, p.
987):
Outros ainda sustentam que, em última instância, as expressões se equivalem, tendo
a Constituição, em seu texto, mencionado a moralidade como princípio (art. 37,
caput) e a improbidade como lesão ao mesmo princípio (art. 37, §4). Em nosso
entender, melhor é essa posição. De um lado, é indiscutível a associação de sentido
das expressões, confirmadas por praticamente todos os dicionaristas; de outro,
parece-nos desnecessário buscar diferenças semânticas em cenário no qual foram
elas utilizadas para o mesmo fim – a preservação do princípio da moralidade
administrativa.
Em que pese o posicionamento majoritário, a forma técnica de se compreender o
tema é a que sustenta tratar-se de conceitos que são distintos. A própria Constituição, ao longo
de seu texto, utiliza as expressões “probidade” e “moralidade”, porém, não se ignora que elas
estão intrinsecamente relacionadas, sendo certo que todo ato de improbidade é ato contrário à
moralidade, mas nem todo ato que viole a moralidade violará a probidade.
1.2 Conceito
Primeiramente, antes de conceituar o termo “improbidade administrativa” é
importante relacionar essa expressão com “corrupção administrativa”.
Improbidade administrativa é o designativo técnico para a chamada corrupção
administrativa. Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2001, apud FIGUEIREDO, I. G., 2010,
p.44) define a corrupção como sendo:
Um desvio de conduta aberrante em relação ao padrão moral consagrado pela
comunidade. Não apenas um desvio, mas um desvio pronunciado, grave,
insuportável (...) a conduta de autoridade que exerce o Poder de modo indevido, em
benefício de interesse privado, em troca de uma retribuição de ordem material.
Nem todo comportamento considerado como revelador de improbidade
administrativa é capaz de configurar um dos tipos penais da tradicional corrupção, já
14
as formas da corrupção, sem dúvida, quando consumadas ou tentadas, revelam a
prática de improbidade administrativa (COSTA, 2013).
A Constituição Federal faz várias menções à improbidade. Entre elas está o artigo 37,
§4º, que é uma norma constitucional de eficácia limitada, sendo regulamentado em 1992 pela
Lei 8.429, diploma de caráter obrigatório para a União, Estados, Distrito Federal e
Municípios.
A doutrina não define a improbidade administrativa de forma consensual, de modo
que essa variedade de conceitos indica a complexidade do alcance de seu significado.
Entretanto, de forma unânime, ela entende que a improbidade é uma espécie de imoralidade,
qualificada dela desonestidade do agente público. Dessa forma, as ações atentatórias à
probidade também o são em relação à moralidade administrativa.
O termo improbidade, no Latim improbitate indica má qualidade, desonestidade,
imoralidade e segundo De Plácido e Silva:
Revela a qualidade do homem que não procede bem, por não ser honesto, que age
indignamente, por não ter caráter, que não atua com decência, por ser amoral.
Improbidade é qualidade de ímprobo. E ímprobo é o mau moralmente, é o incorreto,
o transgressor das regras da lei e da moral (1984, apud SOBRANE, 2010, p. 23).
Wallace Paiva Martins Junior (2002, p. 113) entende que:
A improbidade administrativa revela-se quando o agente público rompe com o
compromisso de obediência aos deveres inerentes à sua função, e essa qualidade é
fornecida pelo próprio sistema jurídico através de seus princípios e de suas normas
das mais variadas disciplinas [...] significa servir-se da função pública para angariar
ou distribuir, em proveito pessoal ou para outrem, vantagem ilegal ou imoral, de
qualquer natureza, e por qualquer modo, com violação aos princípios e regras
presidentes das atividades na Administração Pública, menosprezando os deveres do
cargo e a relevância dos bens, direitos, interesses e valores confiados à sua guarda,
inclusive por omissão, com ou sem prejuízo patrimonial.
Benedicto de Tolosa Filho (2003, apud SOBRANE, 2010, p. 27) avalia a
improbidade como “conduta antiética do agente do Poder Público, na condução da „coisa
pública‟, desviando-se dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade
e eficiência, independentemente de causar lesão ao Erário ou se enriquecer ilicitamente”.
A improbidade é um mal que deve ser reprimido por meio da transformação no
entendimento da sociedade e da adoção de um sistema que contenha meios eficazes para punir
aqueles que desrespeitam a res pública e os valores consagrados em um Estado Democrático
de Direito.
15
1.3 Espécies
Compreendido o significado de “improbidade administrativa”, torna-se possível
verificar o conteúdo das três modalidades que a Lei 8.429/92 – Lei de Improbidade
Administrativa contempla.
O artigo 9º cuida dos casos de improbidade administrativa que importam
enriquecimento ilícito; o artigo 10 aborda os atos de improbidade que causam prejuízo ao
erário e o artigo 11 indica os atos de improbidade administrativa que atentam contra os
princípios da Administração Pública.
Por ser inapropriada a especificação de todas as condutas que pudessem caracterizar
a prática de atos de improbidade administrativa, o legislador seguiu a técnica de estabelecer
uma definição genérica no caput de cada um dos artigos (9º, 10 e 11), utilizando o advérbio
notadamente, e, depois, indicou algumas condutas nos respectivos incisos, a título meramente
exemplificativo. A respeito, Wallace Paiva Martins Júnior (2002, p. 197) afirma que “mesmo
imprevisto o ato em qualquer das hipóteses do rol desses dispositivos, constituirá improbidade
administrativa se se acomodar à definição de enriquecimento ilícito, prejuízo ao patrimônio
público e atentado aos princípios da Administração Pública”.
1.3.1 Atos de Improbidade que importam em Enriquecimento Ilícito (Art.
9º)
O art.9º descreve a modalidade mais grave de improbidade, a mais incisiva forma de
agressão à moralidade administrativa, estando atrelado à prática de atos de corrupção. Nele há
a auferição de vantagem econômica indevida pelo agente, em razão do exercício de cargo,
mandato, função, emprego ou atividade pública. Essa, como mencionado no tópico acima, é a
conduta genérica, constando dos incisos I a XII as condutas específicas.
Sobre enriquecimento ilícito, importante expor que:
A censura legal do “enriquecimento ilícito” é endereçada àquele que se aproveita de
uma função pública para angariar vantagem a que não faz jus, por qualquer artifício
que venha a empregar (abuso de confiança, excesso de poder, exploração de
prestígio, tráfico de influência etc.) (MARTINS JÚNIOR, 2002, p. 215).
16
Os núcleos verbais compreendidos nos incisos do artigo 9º restringem-se nos
verbos receber, perceber, utilizar, adquirir, aceitar, incorporar e usar.
A propósito, para maior facilidade de compreensão dos comandos legais, é relevante
exemplificar algumas situações caracterizadoras de atos de improbidade que importem em
enriquecimento ilícito por parte dos agentes públicos.
Uma delas refere-se à chamada “propina”, que ocorre quando um agente público
recebe vantagem econômica para adiantar algum procedimento.
Outra hipótese verifica-se quando o agente percebe uma vantagem econômica, não a
título de comissão, percentagem, gratificação ou presente, mas para a facilitação da
consecução de negócio jurídico superfaturado entre um particular e a Administração Pública.
Marcelo Figueiredo (2009, p.85) diz: “Eis a razão do dispositivo, a condenar quaisquer tipos
de manobras ou estratégias que desviem o condutor do processo executivo ou administrativo
de seu curso legal e ético”.
O agente que adquire bens de qualquer natureza, incompatíveis com a normalidade
do seu padrão de vencimentos, também é considerado ímprobo.
Ainda a título de exemplo, o agente que usa, para a satisfação de interesses
particulares, bens e mão de obra que deveriam estar atrelados à finalidade pública, comete ato
de improbidade. “É o caso, por exemplo, do agente público que ministra cursos de custo
considerável servindo-se da estrutura do órgão público (prédio, iluminação, funcionários,
etc.); ou o caso do agente que utiliza o veículo de serviço para levar seus filhos à escola”
(HILLESHEIM, 2013).
Esclareça-se que é pressuposto dispensável do tipo o dano ao erário. José dos Santos
Carvalho Filho (2008, p. 996) explica que “a conduta de improbidade no caso pode perfazer-
se sem que haja lesão aos cofres públicos. É o que ocorre, por exemplo, quando o servidor
recebe propina de terceiro para conferir-lhe alguma vantagem”.
De fato, a vantagem indevida, não se realiza apenas pela ascensão patrimonial, mas
também pela obtenção de qualquer prestação, mesmo que esta não importe acréscimo de
patrimônio. Assim, observamos que, no contexto legal, o legislador quis ir mais além,
referindo-se “vantagem patrimonial” a aspectos de moralidade administrativa, bem como a
análise da licitude da conduta.
O elemento subjetivo do agente, embora omisso o dispositivo, será sempre o dolo,
não se vislumbrando nenhuma hipótese de vantagem indevida por negligência, imprudência e
17
imperícia. Em tópico próprio será abordado detalhadamente esse aspecto do ato de
improbidade administrativa previsto no artigo 9º da Lei 8.429/92.
Desta forma, importante frisar que para a configuração do ato de improbidade
administrativa, são necessários os seguintes elementos: a) a presença do agente público na
relação jurídica imoral; b) vantagem patrimonial ilícita auferida pelo agente, no exercício da
função pública; c) dolo do agente; d) nexo causal entre o exercício funcional e a referida
vantagem.
1.3.2 Atos de Improbidade que causam Prejuízo ao Erário (art. 10)
O art. 10 apresenta a descrição genérica do ato de improbidade causador de prejuízo
ao erário. Segundo ele, “constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário
qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio,
apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no
art. 1º desta Lei (...)”.
Desta forma, o elemento indispensável para a caracterização dessa modalidade de
improbidade, diferentemente da anterior, é que a conduta do agente deve acarretar efetivo
prejuízo ao patrimônio público financeiro, independentemente da ocorrência de
enriquecimento ilícito. Entretanto, não se pode negar que os atos de improbidade que
importem em enriquecimento ilícito (art. 9º) normalmente também têm como consequência o
prejuízo ao erário, consoante comentário de Marcelo Figueiredo (2009. p. 95/96): “De fato, se
o agente público se enriquece ilicitamente à custa do patrimônio público (amplamente
considerado), há, logicamente, uma perda, um prejuízo, uma parcela de lá retirada que deverá
ser recomposta, sem embargo das demais cominações legais”.
Destacam-se alguns exemplos de atos de improbidade administrativa que causam
lesão ao erário: o agente público que autoriza o pagamento de férias a servidor de forma
irregular; o Presidente de Câmara Municipal que paga almoço a particulares com dinheiro
público, o que caracteriza a utilização de recursos públicos com desvio de finalidade; o agente
que frustra o processo de licitação ou o dispensa indevidamente como acontece quando
ocorrem evidências de que houve fraude em carta-convite; o agente público que emite
18
autorizações para utilização indevida de veículos oficiais, com prejuízo aos cofres públicos;
entre outra (COPOLA, 2013).
Importante esclarecer que parte da doutrina não concebe a possibilidade de ato de
improbidade culposo, entendendo-o inconstitucional, haja vista que o dolo é da própria
essência do conceito por envolver a noção de desonestidade. Acerca da necessidade da
comprovação do elemento subjetivo dessa espécie de ato de improbidade e a correta
compreensão da modalidade culposa expressa no artigo 10 da Lei 8.429/92 será apresentado
pormenorizadamente em capítulo específico.
Ao comentar sobre esse dispositivo, que dispõe que “constitui ato de improbidade
administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa ou culposa (...)” e
suas respectivas penalidades dispostas no §4º do art. 37 da CF, Marcelo Figueiredo (2009,
p.97) assevera que a Lei 8.429/92 foi além do razoável e propõe a aplicação dos princípios da
proporcionalidade, proibição de excesso e da racionalidade. Para melhor compreensão,
vejamos seu entendimento:
o legislador infraconstitucional levou longe demais o permissivo da Lei Maior,
ausentes proporcionalidade e razoabilidade no dispositivo legal. (...). Imaginemos
dada omissão culposa (involuntária, portanto) do agente público causadora de
pequena lesão ao erário. Para a lei há ato de improbidade administrativa, e tollitui
quaestio. Será crível afirmar-se que tal agente terá seus direitos políticos cassados
por força da lei, perderá a função pública, terá seus bens indispensáveis etc. etc. etc.
Parece que a conclusão do raciocínio aponta para o absurdo, indício de erro no
percurso exegético.
Assim, para configurar ato de improbidade com fundamento no art. 10, são
necessários: a) comportamento ilícito do sujeito ativo; b) prejuízo efetivo aos cofres públicos;
c) dolo do agente público ou culpa, segundo alguns doutrinadores; d) nexo causal entre o
exercício funcional e o prejuízo ao erário.
1.3.3 Atos de Improbidade que atentam contra os princípios da
Administração Pública (art. 11)
O artigo 11 descreve a modalidade mais leve de improbidade, no que se refere a sua
gravidade e lesividade social. Ele apresenta sérias dificuldades de interpretação, vez que os
princípios da Administração Pública são inúmeros e qualquer violação a eles pode constituir
19
ato de improbidade administrativa, mesmo não constando de tal dispositivo. Basta somente
que integrem a noção de moralidade e probidade.
Segundo essa norma infraconstitucional, “constitui ato de improbidade
administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou
omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às
instituições (...)”. Essa, como já visto, é a conduta genérica, uma vez que as condutas
específicas estão expressas nos incisos I a VII.
A propósito, Marcelo Figueiredo (2009, p.119) cita as condutas possivelmente
praticadas pelo agente para que ocorra violação dos princípios da Administração Pública:
Infringe o dever de honestidade o agente que mantém conduta incompatível com a
moralidade administrativa. Infringe o dever de imparcialidade aquele que atenta
contra a impessoalidade. Infringe a legalidade o agente que não age rigorosamente
segundo a lei (sentido amplo) – “administrar é aplicar a lei de ofício”. Desleal é o
agente que infringe um desdobramento do princípio da moralidade. Pode ser desleal
de várias formas: revelando fatos ou situações reservadas ao âmbito da
Administração, induzindo em erro, no exercício de suas atividades, as instituições a
que serve.
Nessa linha, vários estudiosos especificam os princípios violados nos incisos do art.
11 da Lei de Improbidade Administrativa. Eles distribuem da seguinte forma: os incisos I, II e
VI afrontam ao princípio da legalidade; os incisos III e VII referem-se ao descumprimento do
dever de sigilo; o inciso IV agride ao princípio da publicidade e o inciso V ofende o princípio
da isonomia.
Essa norma contida no artigo 11 trata-se de tipo subsidiário, em que a conduta ilícita,
em regra, não gere enriquecimento ilícito nem cause lesão ao patrimônio público. Nesse
sentido, Wallace Paiva Martins Júnior (2002, p. 260) afirma:
Se o agente público não enriqueceu ilicitamente nem causou prejuízo ao erário,
ações ou omissões que atentem contra os princípios da Administração Pública são
censuradas, porquanto revelam o desvio ético de conduta, a inabilitação moral do
agente público para o exercício de função pública. Trata-se de norma residual.
Desta forma, único objetivo da regra compreendida nesse dispositivo da Lei 8429/92
é tutelar sistematicamente todos os princípios, implícitos ou explícitos da Administração
Pública.
A propósito, o artigo ora em comento e seus incisos não mencionam o elemento
subjetivo, silenciando a respeito de dolo e culpa, sendo, portanto, segundo a maioria da
doutrina e a jurisprudência todas presumidamente dolosas. Filiam-se a essa corrente Francisco
Octavio de Almeida Prado, Cláudio Ari Mello, Marcelo Figueiredo, Aristides Junqueira
Alvarenga e José Armando da Costa. De outro lado, Wallace Paiva Martins Júnior entende ser
20
possível a configuração de culpa grave dos atos de improbidade descritos nesse dispositivo
(SOBRANE, 2010, p. 76/77). Ainda que se acolha a sua verificação por culpa grave, seria
inexplicável a penalidade do agente público por transgressão ao princípio da legalidade, por
exemplo, por sua atuação culposa, haja vista que o comportamento de um agente público deve
sempre compatibilizar-se com o regime disciplinar a que está submetido. Exige-se, portanto,
ação ou omissão dolosa para a infração ao princípio da legalidade.
Assim como salientado nos dois tópicos antecedentes, a análise detalhada a respeito
do elemento subjetivo dessa espécie de ato ímprobo também será desenvolvida em capítulo
específico.
Do mesmo modo que nas espécies anteriores, são necessários alguns elementos
indispensáveis para a caracterização dos atos de improbidade administrativa que violem os
princípios da Administração Pública. São eles: a) conduta ilícita do agente público; b)
violação aos deveres descritos no corpo do dispositivo; c) dolo do agente público; e d) nexo
de causalidade entre o exercício funcional e a violação aos princípios.
1.4 Sujeitos
Sujeito ativo de improbidade administrativa é o autor da conduta ímproba. É a pessoa
que tem legitimidade para figurar no polo passivo da ação judicial e conforme estabelecem os
artigos 1º, 2º e 3º da Lei 8.429/92 são identificados dois grupos de sujeitos ativos: os agentes
públicos e os terceiros.
Agente público supera a noção de servidor público e são todas as pessoas físicas que
desempenham serviços ao Poder Público, abrangendo os agentes políticos, servidores
públicos e os particulares em colaboração com o Poder Público, ou seja, toda e qualquer
pessoa que tem alguma relação com a Administração Pública, dando assim, amplitude ao
preceito.
José Antonio de Mattos Neto (1998) observa que agente público:
É o autor do ato estatal lesivo, pois é ele quem dispõe dos meios e condições para
tanto. O terceiro, ou particular, induz ou concorre para a prática do ato
administrativo imoral – é um co-partícipe. (...). Os artigos 1º, 2º e 3º da Lei Federal
n. 8429/92 devem ser conjugados com o artigo 70 da Constituição Federal,
resultando daí que qualquer pessoa física ou entidade privada que utilize, arrecade,
guarde, gerencie ou administre dinheiro, bens ou valores públicos ou pelos quais a
21
União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações pecuniárias, igualmente
estão alcançados pelo império da Lei de Improbidade.
Dessa forma, sujeitam-se à Lei de Improbidade os Chefes do Poder Executivo
(Presidente da República, Governantes e Prefeitos); Ministros e Secretários; os integrantes das
Casas Legislativas (Deputados, Senadores e Vereadores); os membros da Magistratura, do
Ministério Público e do Tribunal de Contas e os servidores públicos de qualquer regime
(estatutário, trabalhista e especial).
Porém, o STF, na Reclamação n. 2.138, entendeu que o agente público político
sujeito ao crime de responsabilidade, previsto na Lei 1079/50, não se sujeita à improbidade
administrativa, devendo a ação penal ser proposta perante a Suprema Corte. Contudo, a
decisão proferida da referida Reclamação não possui efeito vinculante nem eficácia erga
omnes.
Além do agente público ímprobo, a Lei 8429/92, em seu artigo 3º também
responsabiliza o particular que tenha induzido, concorrido ou se beneficiado do ato, de forma
direta ou indireta.
Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (2012, p. 919) afirmam que o terceiro que não
se enquadre como agente público e cometa, sozinho, algum ilícito contra o Poder Público
poderá ser penalizado com fundamento nas legislações penais e civis, mas não com base na
Lei de Improbidade Administrativa. Vejamos:
Consoante se constata, uma pessoa que não seja agente público pode ter sua conduta
enquadrada na Lei 8429/1992 e sofrer sanções nela estabelecidas. Mas é interessante
observar que, isoladamente, essa pessoa não tem como praticar um ato de
improbidade administrativa.
Já em relação ao sujeito passivo dos atos de improbidade administrativa, que são as
pessoas atingidas pelas consequências de tais atos, pode-se falar em sujeito passivo mediato e
imediato. O mediato é o Estado, vez que a Lei de Improbidade Administrativa tem como
objetivo principal – porém, não exclusivo – a tutela do patrimônio público. O sujeito passivo
imediato são as pessoas jurídicas efetivamente afetadas pelos atos. Elas estão definidas no art.
1º, caput e parágrafo primeiro da Lei, a saber:
a) os órgãos da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos
Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
b) empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou
custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do
patrimônio ou da receita anual;
c) entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de
órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja
concorrido ou concorra com menos de cinquenta por cento do patrimônio ou da
22
receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do
ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.
Resumidamente, sujeito passivo da improbidade administrativa é qualquer instituição
pública ou privada que tenha parte de recursos públicos em sua receita anual.
1.5 Sanções
A Constituição Federal, em seu artigo 37, §4º apontou um rol mínimo de sanções,
ficando a Lei 8.429/92 incumbida de ampliá-lo adequadamente a casa caso de improbidade
administrativa. O §4º do artigo 37 da Carta Magna mencionou apenas as seguintes sanções: a)
suspensão dos direitos políticos; b) perda da função pública; c) indisponibilidade de bens; d)
ressarcimento ao erário. Na Lei, as sanções estão previstas especificamente no artigo 12,
incisos I a III. Vejamos:
Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na
legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes
cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a
gravidade do fato:
I - na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao
patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública,
suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até
três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder
Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou
indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio
majoritário, pelo prazo de dez anos;
II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores
acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função
pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa
civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público
ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente,
ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo
de cinco anos;
III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função
pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa
civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de
contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou
creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da
qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.
Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a
extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.
Além de aludir às penalidades descritas no texto constitucional, previu também
outras medidas, tais como a perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio
(hipótese do artigo 9º), o pagamento de multa civil e a proibição de contratar com o Poder
23
Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente,
ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário. Vale ainda dizer
que, para cada espécie de improbidade há suas sanções específicas, de modo que o inciso I é
aplicado no caso de enriquecimento ilícito, o inciso II recai sobre os atos que causem danos ao
erário público e o inciso III emprega sanções aplicáveis no caso de violação a princípios da
Administração Pública.
A propósito, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo
elucidam o equívoco do legislador constituinte ao elencar a indisponibilidade de bens entre as
demais sanções aplicáveis ao autor ímprobo.
Nem todas as consequências estabelecidas na Lei 8.429/92 para os atos de
improbidade são penalidades. A indisponibilidade dos bens, por exemplo, é uma
medida de natureza cautelar, que tem a finalidade, não de sancionar alguém, e sim
de assegurar que a pessoa sob investigação não venha, eventualmente, a frustrar uma
futura execução, por exemplo, transferindo fraudulentamente seus bens a terceiros
(ALEXANDRINO; PAULO, 2012, p. 920).
Note-se que o dispositivo constitucional, ao indicar as medidas cabíveis, não se
refere a elas como sanções. E, na realidade, nem todas elas tem essa natureza. É o
caso da indisponibilidade dos bens, que tem nítido caráter preventivo, já que tem por
objetivo acautelar os interesses do erário durante a apuração dos fatos, evitando a
dilapidação, a transferência ou ocultação dos bens, que tornariam impossível o
ressarcimento do dano (DI PIETRO, 2007, p. 763).
Destaque-se, outrossim, que as penalidades impostas pela Lei de Improbidade tem
natureza administrativa, civil, política e não criminal. Com efeito, Wallace Paiva Martins
Junior (2002, p. 296), como será exposto pormenorizadamente em tópico específico, sustenta
que é possível a cumulação de sanções previstas nos incisos do art. 12 da Lei 8.429/92 contra
um único fato violador de mais de uma espécie de improbidade administrativa. Ao contrário
disso, Alexandre de Moraes (2002 apud CARVALHO FILHO, 2008, p. 1003) defende que
não há a possibilidade de cumular as penalidades, pois existem consequências totalmente
diferentes de atos de improbidade administrativa, havendo uma necessidade de dosimetria da
sanção.
Entretanto, as sanções são cominadas independentemente de outras sanções. Isso
quer dizer que se existir violações simultâneas a normas de distinta natureza, sofrerá o sujeito
ativo do ato ímprobo tantas penalidades quantas forem as transgressões (artigo 12, caput). O
aspecto sobre a cumulação de sanções e a independência entre as instâncias civil, penal e
administrativa será detalhadamente abordado no próximo capítulo.
24
II – NATUREZA JURÍDICA DOS ATOS DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA
2.1 Natureza Civil
Definir a natureza jurídica de qualquer instituto jurídico implica em especificar o
ramo do Direito a que ele faz parte.
Há muita divergência na doutrina e na jurisprudência sobre a natureza jurídica dos
atos de improbidade administrativa. No entanto, é preponderante o entendimento de que tais
atos são de natureza extrapenal, tendo suas sanções caráter civil. Até mesmo a Constituição
Federal, no artigo 37, § 4º, elucida que as punições pelos atos de improbidade administrativa
serão executadas “sem prejuízo da ação penal cabível”.
Nesse sentido, a posição mais razoável é a de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2007,
p. 751). Veja-se:
A natureza das medidas previstas no dispositivo constitucional está a indicar que a
improbidade administrativa, embora possa ter consequências na esfera criminal, com
a concomitante instauração de processo criminal (se for o caso) e na esfera
administrativa (com a perda da função pública e a instauração de processo
administrativo concomitante) caracteriza um ilícito de natureza civil e política,
porque pode implicar suspensão dos direitos políticos, a indisponibilidade dos bens e
o ressarcimento dos danos causados ao erário. Reforça a ideia de natureza civil e
política das medidas sancionatórias o fato de poderem ser aplicadas a particulares,
que não se enquadram no conceito de servidores ou de agente públicos e sobre os
quais a Administração Pública não poderia exercer poder disciplinar.
Vários são os fundamentos para afastar a natureza penal dos atos de improbidade
administrativa.
Primeiramente, deve ser relembrado que as situações elencadas nos respectivos
incisos dos artigos 9º, 10 e 11 da Lei 8.429/92 são meramente exemplificativas, não violando,
nesse caso, o princípio da reserva legal estabelecido no artigo 5º, inciso XXXIX da
Constituição Federal, que diz: “Não haverá crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem
prévia cominação legal”.Com efeito, as infrações penais são dotadas de taxatividade, devendo
ser bem elaboradas, de modo que sejam claras, certas e precisas.
O saudoso professor Luiz Luisi (1991, p.18), com acerto, ensina:
25
O postulado em causa expressa a exigência de que as leis penais, especialmente as
de natureza incriminadora, sejam claras e mais possível certas e precisas. Trata-se de
um postulado dirigido ao legislador vetando ao mesmo a elaboração de tipos penais
com a utilização de expressões ambíguas, equívocas e vagas de modo a ensejar
diferentes e mesmo contrastes de entendimentos. O princípio da determinação
taxativa preside, portanto, a formulação da lei penal, a exigir qualificação e
competência do legislador, e o uso por este de técnica correta e de uma linguagem
rigorosa e uniforme.
Em segundo lugar, como já dito neste tópico, a própria Constituição Federal de 1988
contemplou que as sanções preconizadas (suspensão dos direitos políticos, perda da função
pública, indisponibilidade dos bens e ressarcimento ao erário) serão aplicadas “sem prejuízo
da ação penal cabível”. A LIA, em seu artigo 12 reafirma a independência da ação de
improbidade ao dispor: “independentemente das sanções penais, civis e administrativas (...)”.
Isso quer dizer que o legislador constituinte diferenciou claramente as infrações a fim de
instituir uma via de julgamento apropriada para o ato de improbidade administrativa. “É
perceptível, no entanto, que o legislador não criou uma instância jurisdicional específica para
a ação de improbidade administrativa” (SOBRANE, 2010, p. 112). Assim, por não possuir
natureza penal, é invocada a jurisdição civil.
Outro fundamento que faz reconhecer a natureza civil dos atos de improbidade
administrativa é a adoção da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85) para apuração de tais atos.
Por último, segundo o Código Civil de 2002, aquele que causar prejuízo ao erário
tem o dever de ressarcir (artigo 927) e, aquele que enriquecer-se ilicitamente deverá restituir
aquilo que foi auferido indevidamente (artigo 884), sendo, portanto, atos puníveis no âmbito
civil.
A propósito, Alexandre de Moraes (2003, p. 2.648) assevera:
A natureza civil dos atos de improbidade administrativa decorre da redação
constitucional, que é bastante clara ao consagrar a independência da
responsabilidade civil por ato de improbidade administrativa e a possível
responsabilidade penal, derivadas da mesma conduta, ao utilizar a fórmula „sem
prejuízo da ação penal cabível.
Portanto, o agente público, por exemplo, que, utilizando-se de seu cargo, apropria-se
ilicitamente de dinheiro público responderá, nos termos do art. 9º da Lei nº 8.429/92,
por ato de improbidade, sem prejuízo da responsabilidade penal por crime contra a
administração, prevista no Código Penal ou na legislação especial.
Desta forma, conclui-se que ilícito penal é a violação da ordem jurídica, cuja única
sanção é a pena. É o que dispõe o artigo 1º da Lei de Introdução ao Código Penal (Decreto-
Lei nº 3.914, de 09/12/1941): “Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena
(...)”. Assim, constata-se que pena é uma modalidade de sanção, a qual somente pode ser
26
aplicada em caso de cometimento de crime, e, como já salientado, os crimes devem estar
taxativamente elencados na legislação penal.
Uma questão interessante é saber se a sanção de perda da função pública e suspensão
dos direitos políticos desviam a natureza precipuamente civil dos atos ímprobos. A nosso ver,
a existência de sanções de natureza diversa do ilícito praticado não o deturpa, uma vez que a
natureza de um ilícito é determinada pelas características essenciais a ele e não pelas sanções
a ele cominadas.
No entanto, apesar de o preceito possuir natureza estritamente civil, alguns juristas
entendem:
É bem verdade que o ato de improbidade administrativa não se encaixa com
perfeição na definição de ato ilícito civil, tal como disciplinado no art. 186, e
seguintes, do Código Civil. Contudo, partindo-se do pressuposto de que o Direito,
enquanto ordenamento, é uno, sendo dividido em ramos ou disciplinas por uma
necessidade de sistematização, tem-se por estabelecido o marco inicial em sua
secção em dois grandes troncos: Direito Civil e Direito Penal. Poder-se-ia dizer, em
outros termos, Direito Penal e Direitos Não-Penais. Sob esse aspecto, a
descaracterização de um instituto como pertencente ao Direito Penal é bastante para
torná-lo civil (MALTA, 2013).
Ainda a respeito desse entendimento, isto é, afastando a natureza penal dos atos de
improbidade administrativa, é de grande relevância abordar o fato de que o Supremo Tribunal
Federal declarou inconstitucionais os §§1º e 2º do artigo 84 do Código de Processo Penal, ao
julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 2797/DF.
Importante transcrever a redação desses dispositivos após modificação feita pela Lei
nº 10.628/02, que autoriza a prerrogativa de foro nas ações de improbidade administrativa:
Art. 84. A competência pela prerrogativa de função é do Supremo Tribunal Federal,
do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de
Justiça dos Estados e do Distrito Federal, relativamente às pessoas que devam
responder perante eles por crimes comuns e de responsabilidade.
§ 1º A competência especial por prerrogativa de função, relativa a atos
administrativos do agente, prevalece ainda que o inquérito ou a ação judicial sejam
iniciados após a cessação do exercício da função pública.
§ 2º A ação de improbidade, de que trata a Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992,
será proposta perante o tribunal competente para processar e julgar
criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de foro
em razão do exercício de função pública, observado o disposto no § 1º. (g.n.)
À vista disso, o STF considerou inconstitucional atribuir prerrogativa de função para
a improbidade, negando, portanto, a natureza penal.
Guilherme de Souza Nucci (2012, p.270) também considera inconstitucional o §2º do
artigo 84 supracitado.
27
A norma, neste caso, é inconstitucional, pois cria-se o foro privilegiado, para ações
civis através de mera lei ordinária. Somente a Constituição pode estabelecer normas
que excepcionem o direito à igualdade perante a lei, aplicável a todos os brasileiros.
(…) Ademais, torna-se insustentável dar à ação de improbidade administrativa o
caráter penal, isto é, transformar à força o que é civil em matéria criminal, somente
para justificar o foro privilegiado. (…) Logo, as ações de improbidade
administrativa devem continuar a ser propostas no juízo cível apropriado de primeira
instância, sem qualquer foro privilegiado a qualquer autoridade.
Nesse diapasão, é certo que o ato de improbidade administrativa caracteriza ilícito
civil.
2.2 Natureza Político-administrativa
Antes de adentrarmos neste esse assunto, importante esclarecer que ato de
improbidade administrativa é diferente de crime de responsabilidade. Tanto é assim que o
primeiro acarreta sanção de natureza cível e o segundo infração de natureza político-
administrativa.
Crime de responsabilidade, regulamentado pela Lei n° 1.079/50, embora seja
denominado crime pela Constituição Federal, é um delito político-administrativo que serve
como mecanismo de responsabilização dos agentes políticos (Presidente da República,
Ministros de Estado, Advogado Geral da União, Prefeitos, Membros dos Tribunais de Contas,
Procurador Geral da República, Membros do Ministério Público, Ministros do STF, Juízes
Federais e Estaduais, entre outros) em razão da prática de atos contra a regularidade da função
pública.
Parte da doutrina diz que “os agentes políticos, precisamente porque não sujeitos a
qualquer hierarquia e ainda porque contam com regime jurídico especial, afastam-se do
sistema normativo da lei de improbidade administrativa. Raciocinar em sentido contrário seria
admitir flagrante violação à regra do ne bis in idem” (BIANCHINI; GOMES, 2008, p. 49).
Conforme a jurisprudência do STF, este afirmou “não serem todos os agentes
políticos que estão excluídos da aplicação da lei n° 8.429/92, mas somente aqueles que
possam cometer crimes de responsabilidade previstos na CF e na Lei n° 1.079/50” (GUEDES,
2013). Isso quer dizer que se um agente político estiver dentre os puníveis pela Lei 1.029 e
cometer ato que se enquadre tanto de improbidade como crime de responsabilidade, ele
somente será responsabilizado por este último.
28
Ao julgar a Reclamação 2.138, o Plenário do Supremo Tribunal Federal em decisão
por maioria de votos, explicitou que os agentes políticos, por serem regidos por
normas especiais de responsabilidade, inscritas no art. 102, I, 'c', da Constituição da
República de 1988, regulado pela Lei 1.079/50, não respondem por improbidade
administrativa com base no art. 37, § 4º, da CR/88, regulado pela Lei 8.429/92, mas
apenas por crime de responsabilidade perante o STF (SANTOS, 2013).
De outra forma, alguns juristas defendem a aplicação harmoniosa e concomitante da
Lei dos Crimes de Responsabilidade e da Lei de Improbidade Administrativa. Eles entendem
que os agentes políticos só são punidos por crime de responsabilidade se o ato estiver
tipificado na lei específica (Lei nº 1.079/50), pois se não estiver, será responsabilizado por ato
de improbidade administrativa (Lei nº 8.429/92). A esse respeito, Gustavo Senna Miranda
(2013) assevera: “preservar a possibilidade de incidência da Lei nº 8.429/1992 para todos
agentes políticos é fundamental para que se tenha o respeito ao princípio constitucional da
isonomia”.
Entretanto, outra posição doutrinária é no sentido da possibilidade da dupla
responsabilização dos agentes políticos. Vejamos:
Os denominados crimes de responsabilidade não se confundem com os crimes
comuns e com outros ilícitos de natureza extrapenal, como os atos de improbidade
administrativa, sendo, assim, possível a tramitação de processos simultâneos pelo
mesmo fato que importe em responsabilização civil, por crime de responsabilidade e
por crime comum, não havendo que falar em dupla punição (GUEDES, 2013).
Desse modo, por todo o exposto, a natureza político-administrativa é inerente aos
crimes de responsabilidade, ao passo que os atos de improbidade administrativa possuem
natureza cível.
2.3 Natureza Penal
Embora a grande maioria dos doutrinadores e julgadores defenderem a natureza civil
das sanções previstas na Lei de Improbidade, existem posicionamentos que apontam para a
natureza penal dessas sanções. Muitos são os argumentos para esse entendimento, mas em
resumo, pode-se dizer que se um agente público for condenado por improbidade
administrativa, o mesmo é taxado de desonesto e corrupto, e isso atinge seu “status
dignitatis”.
29
Em verdade, ao escrever um artigo sobre esse tema e sustentar a posição de que as
sanções de improbidade são de natureza penal, a Juíza Federal Giovana Guimarães Cortez
(2012) assevera:
A responsabilização por improbidade administrativa não guarda relação com a
noção de responsabilidade civil desenvolvida no âmbito do direito privado, a qual é
voltada primordialmente à reparação de um dano, que, aliás, pode, em algumas
situações, ser causado até mesmo por um ato lícito e ainda assim haverá o dever de
indenizar. De outro lado, a imposição das sanções previstas na Lei de Improbidade
pressupõe ilicitude e imoralidade, mas prescinde de dano, ex vi dos artigos 9º e 11,
sendo, portanto, expressão do poder sancionador do Estado.
No mesmo sentido, Marçal Justen Filho (2006, p. 705-706) aponta:
A Lei de Improbidade Administrativa trata-se de um instituto que conjuga princípios
e regras de direito civil, de direito administrativo, de direito penal e de direito
constitucional” destacando existir “uma forte carga penal, uma vez que as sanções
tem cunho punitivo, traduzindo a repressão a condutas reputadas como dotadas da
mais elevada gravidade, que compreendem inclusive a indisponibilidade
patrimonial.
Dessa forma, na prática de atos de improbidade, é de se notar, pela leitura do §4º do
artigo 37 da Constituição Federal, que as punições cabíveis são mais abrangentes do que as
oriundas da responsabilidade civil.
É comum, nesse passo, a defesa da existência de uma associação entre o ato de
improbidade e os crimes de responsabilidade praticados contra a probidade na
administração. O Supremo Tribunal Federal já se manifestou nesta direção, valendo
citar a opinião do Ministro Maurício Corrêa, entoada no julgamento da Reclamação
nº 2.138, segundo a qual “não há como afastar-se da conclusão de que as
consequências legais decorrentes da condenação pela prática de atos de
improbidade, especialmente no ponto em que determinada a perda da função
pública, a suspensão dos direitos políticos, a proibição de contratar com entes
estatais, receber oficialmente incentivos e benefícios fiscais ou creditícios, sugerem
o acentuado conteúdo penal da espécie, paralelamente à natureza civil de ação
reparatória de danos supostamente causados ao erário. Em consequência disso,
tenho como correta a afirmação de que „sob a roupagem de „ação civil de
improbidade‟, o legislador acabou por elencar, na Lei nº 8.429, uma série de delitos
que, teoricamente, seriam crimes de responsabilidade e não crimes comuns‟, como
enfatizado por Gilmar Mendes, citando Ives Granda da Silva em decisão similar a
ora examinada, proferida na Reclamação 2186” (MALTA, 2013).
Diante de tais ponderações, os autores que defendem essa natureza jurídica das
sanções contra atos ímprobos, verificam que a aplicação do Direito Penal às sanções descritas
na Constituição Federal de 1988 e na Lei n° 8.429/92 revela-se como a que mais se adequa ao
caráter extremamente punitivo dos atos de improbidade administrativa (MALTA, 2013).
Portanto, é notório que boa parte dos juristas que adotam a natureza penal dos atos de
improbidade administrativa tem por objetivo tão-somente mascarar a verdadeira intenção: que
é o de assegurar o foro por prerrogativa de função para aqueles agentes que ostentam tal
30
prerrogativa em matéria criminal, de modo a justificar leis imorais e inconstitucionais
(MIRANDA, 2013).
Finalmente, ante a complexidade em classificar a improbidade administrativa em um
dos campos de responsabilidade, há de se concluir no sentido de que a improbidade
administrativa constitui natureza cível de responsabilidade, vez que essa é a posição da
maioria da doutrina e jurisprudência.
2.4 Independência entre as instâncias e aplicação cumulativa das sanções
A responsabilização por ato de improbidade administrativa ocorre de forma
independente às demais sanções penais, civis e administrativas.
A Lei 8.429/92, no seu art. 12, deixa bem claro esse postulado, ao dispor que
“independente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica,
está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações: (...)”.
A respeito da autonomia de cada instância, Pedro Roberto Decomain (2007, p.203)
comenta:
A imposição das sanções previstas pelo art. 12 da Lei nº 8.429/92 acontecerá
independentemente de eventual punição administrativa do agente público, ou da
imposição a ele de sanções penais. Não apenas aquele artigo assim o afirma
textualmente, como também se cuida de decorrência do princípio da independência
das instâncias civil, penal e administrativa.
É o que bem sintetiza Fábio Medina Osório (2007, p. 229):
Havendo um fato unitário, que receba simultânea incidência de normas penais e de
direito administrativo, segue-se que tal fato será regulamentado como ilícito penal, o
que não equivale a dizer que exclui a regulamentação da Lei de Improbidade
Administrativa. De qualquer sorte, a improbidade enseja a incidência simultânea de
vários ordenamentos repressivos, ante a gravidade dessa patologia. As ações podem
ser ajuizadas simultaneamente, portanto, respeitando-se os direitos de defesa, sem
falar nas ações indenizatórias, que integram o aspecto do direito das
responsabilidades, em que aninham medidas não-sancionatórias.
No mesmo sentido, Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2007, p.752-753):
Consoante já assinalado, os atos de improbidade estão definidos nos artigos 9º, 10 e
11 da Lei nº 8.429/92. Muitos deles podem corresponder a crimes definidos na
legislação penal e as infrações administrativas definidas nos Estatutos dos
Servidores Públicos. Nesse caso, nada impede a instauração de processos nas três
instâncias, administrativa, civil e criminal. A primeira vai apurar o ilícito
administrativo segundo as normas estabelecidas no Estatuto funcional; a segunda vai
apurar a improbidade administrativa e aplicar as sanções previstas na Lei nº
31
8.429/92; e a terceira vai apurar o ilícito penal segundo as normas do Código de
Processo Penal.
Desta forma, sintetiza-se que o mesmo fato pode ensejar a responsabilização do
agente público nas três esferas – penal, civil e administrativa sem violar o princípio do non bis
in idem.
Entretanto, importante esclarecer que, excepcionalmente, a decisão da esfera penal
pode refletir nas demais esferas. É o que acontece na absolvição criminal pela inexistência
material do fato ou se julgar provado que aquele agente público não foi seu autor, conforme
prevê o artigo 386, incisos I e IV, do Código de Processo Penal. Tal absolvição criminal
implica também na absolvição no procedimento administrativo. Portanto, a absolvição do réu
por outros critérios não é empecilho para a punição disciplinar.
Ainda a respeito da independência entre as instâncias jurisdicionais, José dos Santos
Carvalho Filho (2008, p.1005) ensina que “tendo sido aplicada certa sanção de outra esfera,
idêntica à Lei de Improbidade, terá que respeitar o princípio do ne bis in idem”. Assim, se um
servidor já suportou uma pena de demissão em procedimento administrativo, não será
aplicada a sanção de perda do cargo em sentença proferida na ação de improbidade.
A questão da aplicação cumulativa das sanções previstas no art. 12 da LIA sempre
gerou muitas controvérsias na doutrina e na jurisprudência. Para muitos autores as
penalidades devem ser aplicadas em bloco, ou seja, em conjunto, cumulativamente,
concomitantemente. Esse é o posicionamento de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Wallace
Paiva Martins Junior, Pedro Roberto Decomain, entre outros.
Assim diz Maria Sylvia Di Pietro (2007, p. 764-765):
O ato de improbidade afeta ou pode afetar valores de natureza diversa. Com efeito, o
ato de improbidade afeta, em grande parte, o patrimônio público econômico-
financeiro; afeta o patrimônio público moral; afeta o interesse de toda a coletividade
em que a honestidade e a moralidade prevaleçam no trato da coisa pública; afeta a
disciplina da Administração Pública. Ora, se valores de natureza diversa são
atingidos, é perfeitamente aceitável que algumas ou todas as penalidades sejam
aplicadas concomitantemente.
Wallace Paiva Martins Junior (2002, p. 296, 305-306) explana:
É possível a cumulação dos fundamentos jurídicos da demanda, se presentes num
mesmo fato atos que importem improbidade de qualquer das espécies cogitadas nos
arts. 9º a 11 da Lei Federal n. 8.829/92. Um mesmo ato ou uma mesma série de atos
de improbidade administrativa pode comportar enriquecimento ilícito, lesão ao
erário e atentado aos princípios da Administração Pública.
(...)
As sanções são cumulativas justamente para censurar gravemente a improbidade
administrativa, restringindo-se a discricionariedade do juiz ao prazo e à base de
cálculo das sanções variáveis. Se as sanções fossem alternativas, não estariam
32
previstas em três incisos, cada qual se referindo a uma espécie de improbidade, com
variação apenas no quantum e no prazo.
No mesmo sentido, Pedro Roberto Decomain (2007, p. 214):
Embora a maioria dos autores não comungue desse pensamento, entende-se, com o
máximo respeito, que todas as penas previstas pelos incisos do art. 12 deve ser
cumulativamente aplicadas. Não há espaço para discricionariedade nesse ponto.
Acredita-se não seja possível aplique o magistrado ao autor do ato de improbidade
administrativa ou ao seu beneficiário alguma ou algumas das sanções, deixando de
impor outras. Todas devem ser aplicadas.
Aliás, no próprio texto constitucional, §4º do art. 37, inexiste expressão que permita
concluir que alguma das sanções ali previstas possa deixar de ser aplicada. A expressão
“importarão” utilizada nesse dispositivo é de inquestionável caráter coercitivo. Veja-se: “os
atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da
função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao Erário, na forma e gradação
prevista em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.
Esse parágrafo somente remeteu à lei ordinária o modo como as sanções seriam
aplicadas e o seu montante, isto é, a competência e o procedimento a ser analisado e ainda a
duração da penalidade de suspensão dos direitos políticos.
Em contrapartida, há posicionamentos que apontam para o afastamento da imposição
das penas em conjunto, competindo ao poder Judiciário graduar as penas previstas na Lei de
Improbidade de acordo com critérios de proporcionalidade e razoabilidade. Nessa percepção,
pondera Marcelo Figueiredo (2009, p. 135): “De fato, é de se afastar a possibilidade de
aplicação conjunta das penas em bloco, obrigatoriamente. É dizer, há margem de manobra
para o juiz, de acordo com o caso concreto, aplicar as penas, dentre as cominadas, isolada ou
cumulativamente.”
O mesmo autor ainda afirma que:
Fere a lógica jurídica e a razoabilidade punir-se com a perda do cargo, suspensão de
direitos políticos de 5 a 10 anos, servidor que, mediante conduta culposa (v.g., erro
material involuntário comprovado), conclui indevido o processo licitatório. Poder-
se-ia cogitar de eventual ressarcimento de dano (se houver) e multa; nada mais.
José dos Santos Carvalho Filho (2008, p.1004) também tem esse pensamento ao
expor que:
As condutas de improbidade são de tal modo amplas e variam numa dimensão tão
extensa entre os marcos de grande e pequena gravidade, que não se poderia engessar
o juiz, obrigando-o a aplicar as sanções de modo cumulativo. Tal entendimento, a
nosso ver, ofende o princípio da razoabilidade, pois que permitiria a aplicação de
sanção gravíssima (como a suspensão de direitos políticos) para condutas sem maior
33
gravidade (por exemplo, a de negar publicidade aos direitos oficiais). Ao juiz,
portanto, deve caber proceder à limitação sancionatória em cada caso.
Vejamos, por oportuno, que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça afasta a
aplicação das penas em conjunto:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL.
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. APLICAÇÃO CUMULATIVA DAS
PENALIDADES PREVISTAS NO ART. 12 DA LEI 8.429/92. INADEQUAÇÃO.
NECESSÁRIA OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E
PROPORCIONALIDADE. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO ESPECIAL
DESPROVIDO.128.4291. Na hipótese examinada, o Ministério Público do Estado
do Rio Grande do Sul ajuizou ação civil pública por ato de improbidade
administrativa contra Luiz Carlos Heinze (Prefeito do Município de São Borja/RS),
ora recorrido, com fundamento no art. 11, I, da Lei 8.429/92, em face de desvio de
finalidade de verba orçamentária. Por ocasião da sentença, o ilustre magistrado, após
reconhecer a configuração de ato de improbidade administrativa, aplicou pena de
multa, afirmando que "há de levar em conta a ausência de prejuízo material pelo
desembolso do valor destinado à aquisição do veículo, resumindo-se ele (prejuízo)
na burla, que, ao final, não restou demonstrada se procedida de forma intencional ou
culposa" (fl. 179), a qual foi mantida pelo Tribunal de origem. O ora recorrente
interpôs recurso especial com fundamento na alínea a do permissivo constitucional,
no qual alega violação do art. 12, III, da Lei 8.429/92. Sustenta que, configurado ato
de improbidade administrativa, as penalidades previstas no referido artigo devem ser
aplicadas cumulativamente.11I8.42912III8.4292. A aplicação das penalidades
previstas no art. 12 da Lei 8.429/92 exige que o magistrado considere, no caso
concreto, "a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido
pelo agente" (conforme previsão expressa contida no parágrafo único do referido
artigo). Assim, é necessária a análise da razoabilidade e proporcionalidade em
relação à gravidade do ato de improbidade e à cominação das penalidades, as quais
não devem ser aplicadas, indistintamente, de maneira cumulativa.128.4293. Nesse
sentido, os seguintes precedentes: REsp 713.146/PR, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana
Calmon, DJ de 22.3.2007, p. 324; REsp 794.155/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Castro
Meira, DJ de 4.9.2006, p. 252; REsp 825.673/MG, 1ª Turma, Rel. Min. Francisco
Falcão, DJ de 25.5.2006, p. 198; REsp 513.576/MG, 1ª Turma, Rel. p/ acórdão Min.
Teori Albino Zavascki, DJ de 6.3.2006, p. 164; REsp 300.184/SP, 2ª Turma, Rel.
Min. Franciulli Netto, DJ de 3.11.2003, p. 291; REsp 505.068/PR, 1ª Turma, Rel.
Min. Luiz Fux, DJ de 29.9.2003, p. 164. 4. Desprovimento do recurso
especial.:REsp 713.146/PR (626204 RS 2004/0013412-2, Relator: Ministra DENISE
ARRUDA, Data de Julgamento: 07/08/2007, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de
Publicação: DJ 06/09/2007 p. 194)
Outro aspecto diz respeito à possibilidade de, com uma única conduta, o agente
ofender simultaneamente os artigos 9º, 10 e 11 da Lei 8.429/92. Nesse caso, deverá ser
aplicado o princípio da subsunção, que diz que a sanção mais grave absorve a menos severa.
34
III – DO ELEMENTO SUBJETIVO NA IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA
3.1 Dolo e culpa
Antes de abordarmos a respeito do elemento subjetivo do dolo e da culpa para a
configuração dos atos de improbidade administrativa, é necessário relembrar o conceito e as
modalidades de improbidade, explanados no Capítulo I deste trabalho. Assim, a improbidade
administrativa é uma espécie de imoralidade, qualificada pela desonestidade do agente
público e também, como diz Fábio Medina Osório (2007, p.295), pela “inequívoca e
intolerável incompetência do agente público”, sendo, portanto, atos ilegais que devem ser
reprimidos pela sociedade. Atos estes que, segundo a Lei 8.429/92, podem importar
enriquecimento ilícito (art. 9º), lesão ao erário (art. 10) ou atentar contra os princípios da
Administração Pública (art. 11).
Desse modo, é imperioso para a responsabilização do agente público ímprobo, antes
da aplicação de qualquer tipo de sanção descrita na Lei de Improbidade, a análise de sua
conduta, a qual deve ser apurada sob o aspecto subjetivo, levando-se em conta os elementos
do dolo e da culpa. Só depois dessa análise individual, criteriosa e motivada pelo juiz, que
este poderá proceder à fixação da sanção.
A responsabilização do agente público, cuja conduta ocasionou um dano é subjetiva
por pelo menos dois motivos: falta de expressa previsão legal, haja vista que as hipóteses de
responsabilidade objetiva devem estar previstas expressamente e por comportar sanções
demasiadamente graves, cuja condenação pode atribuir ao agente a qualidade de corrupto e
desonesto.
Nesse sentido, Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2007, p. 762) comenta:
A responsabilidade objetiva, além de ser admissível somente quando prevista
expressamente, destoa do sistema jurídico brasileiro, no que diz respeito à
responsabilidade do agente público, a começar pela própria norma contida no artigo
37, §6º, da Constituição, que consagra a responsabilidade objetiva do Estado por
danos causados a terceiros, mas preserva a responsabilidade subjetiva do agente
causador do dano.
Art. 37, § 6º/CF - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado
prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa
qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o
responsável nos casos de dolo ou culpa. (g.n)
35
Entende-se, dessa forma, que o legislador, no artigo 37, § 6º, da Constituição de 1988
só exige o elemento subjetivo da culpa e do dolo para o direito de regresso do Estado perante
seus agentes públicos, não fazendo a mesma exigência para as pessoas jurídicas de direito
público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos, que são, portanto,
responsáveis independentemente da presença de dolo ou culpa.
Vejamos, por oportuno, a observação de Fábio Medina Osório (2007, p. 436):
Todavia, creio que, ao adotar-se, na própria CF/88, a exigência de dolo ou culpa
para embasar a ação de regresso, se está a consagrar o respaldo para reconhecimento
do princípio da culpabilidade no campo punitivo, a partir de uma analogia com a
responsabilidade subjetiva e não objetiva do agente público para mero ressarcimento
ao erário. A responsabilidade deste se diferencia da responsabilidade objetiva do
Estado.
Partes de alguns acórdãos, julgados pela primeira Turma do Superior Tribunal de
Justiça, demonstram a necessidade da presença do elemento subjetivo do dolo ou da culpa
para a configuração de improbidade:
(...) a configuração de qualquer ato de improbidade administrativa exige a presença
do elemento subjetivo na conduta do agente público, pois não é admitida a
responsabilidade objetiva em face do atual sistema jurídico brasileiro,
principalmente considerando a gravidade das sanções contidas na Lei de
Improbidade Administrativa (LIA) (STJ, Primeira Turma, REsp 875.163-RS, Rel.
Min. Denise Arruda, J. 19.5.2009. Informativo nº 395).
“A jurisprudência desta Corte já se manifestou no sentido de que se faz necessária a
comprovação dos elementos subjetivos para que se repute uma conduta como
ímproba (dolo, nos casos dos artigos 11 e 9º e, ao menos, culpa, nos casos do artigo
10), afastando-se a possibilidade de punição com base tão somente na atuação do
mal administrador ou em supostas contrariedades aos ditames legais referentes à
licitação, visto que nosso ordenamento jurídico não admite a responsabilização
objetiva dos agentes públicos (STJ, Primeira Turma, REsp 997564 / SP, Rel. Min.
Benedito Gonçalves, J. 18.03.2010, DJe 25.03.2010).
Ao contrário do entendimento da primeira, a segunda Turma do STJ, em relação à
hipótese do art. 11 da LIA (violação aos princípios da Administração Pública) consagrava a
aplicação da responsabilidade objetiva, ou seja, configuração de improbidade administrativa
independentemente de dolo ou culpa. Para esse posicionamento, a inobservância do princípio
da legalidade configurava improbidade. Veja-se:
A lesão a princípios administrativos contida no art. 11 da Lei nº 8.429/92 não exige
dolo ou culpa na conduta do agente, nem prova da lesão ao erário público. Basta a
simples ilicitude ou imoralidade administrativa para restar configurado o ato de
improbidade. (STJ, Segunda Turma, REsp 826678 / GO, Rel. Min. Castro Meira, J.
05.10.2006, DJ 23.10.2006).
36
Importante esclarecer que esses precedentes, nos quais o STJ consagrava a
possibilidade de responsabilidade objetiva para os atos descritos no artigo 11 foi superada
pelo atual entendimento da Corte. Veja o seguinte julgado atualizado:
ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SUPOSTA
NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INOCORRÊNCIA. INICIAL
FUNDADA NA MERA ILEGALIDADE DO ATO IMPUGNADO.
NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DO ELEMENTO SUBJETIVO DA
CONDUTA. JURISPRUDÊNCIA PACIFICADA DO STJ. AGRAVO
REGIMENTAL A QUE SE PEGA PROVIMENTO (AgRg no AG 1339336/MG,
Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em
03.03.2011, DJE 16.03.2011). (g.n.)
Dito isso, imprescindível examinar o conceito de dolo e culpa importados do Direito
Penal.
Segundo Julio Fabbrini Mirabete (2008, p. 130) “pode-se definir dolo como a
consciência e a vontade na realização da conduta típica, ou a vontade da ação orientada para a
realização do tipo”. Da mesma forma, Fábio Medina Osório, citado por Isabela Giglio
Figueiredo (2010, p.176) ensina que:
Dolo é a consciência e vontade de cometer infração típica, o que pode significar a
realização de uma conduta típica, sempre observado o princípio geral de que
especialmente aos agentes públicos não é dado alegar o desconhecimento das leis,
situação que, como se sabe, tampouco é racionalmente considerada. (...) O dolo é o
caminho intencional percorrido pelo agente. A intenção pressupõe consciência.
Ademais, o professor Damásio E. de Jesus (1995, p. 247), comenta:
Para que ocorra o dolo é necessário que o agente tenha consciência do
comportamento positivo ou negativo que está realizando e do resultado típico. Em
segundo lugar, é preciso que sua mente perceba que da conduta pode derivar o
resultado, que há ligação de causa e efeito entre eles. Por último, o dolo requer
vontade de concretizar o comportamento e causar o resultado.
O dolo pode ser direto ou eventual. O direto ocorre quando o agente dirige sua
conduta para um resultado ilícito, a partir de sua livre e consciente vontade. O eventual,
quando o agente pratica uma conduta e assume o risco do resultado por sua vontade livre e
consciente (SENNA, 2013, p. 29).
Já em relação à culpa, não se chegou a um conceito bem definido, contentando-se os
juristas com o que está expresso no artigo 18, inciso II, do Código Penal, que é “quando o
agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia”. Na culpa, portanto,
o agente age de boa-fé e não tem vontade de praticar a conduta ilícita e proibida, praticando-a
por mera inobservância do dever de cuidado, de modo a evitar o resultado danoso.
A imprudência se caracteriza pela conduta do agente que pratica um fato perigoso,
age sem o cuidado necessário; negligência é a falta de atenção ou indiferença em
37
relação ao ato praticado; imperícia é a inaptidão técnica, a falta de habilidade para o
exercício profissional. (FIGUEIREDO, I. G., 2010, p.124)
Como já visto, não há como reconhecer a possibilidade de imputar a prática de um
ato de improbidade quando ausente o elemento subjetivo. Destaca-se que essa é a posição do
Superior Tribunal de Justiça, que recentemente se pacificou, apontando pela
imprescindibilidade da presença do elemento subjetivo para caracterização do ato ímprobo.
Esse posicionamento tende a impedir qualquer interpretação que possa aceitar a punição de
conduta puramente irregular, que não nem o mínimo de gravidade visado pela lei.
Outro ponto fundamental que atualmente também prevalece na doutrina e na
jurisprudência, além da necessidade de constatação do elemento subjetivo, é a
imprescindibilidade de o agente público atuar com má-fé, que se aproxima muito do conceito
de dolo, principalmente nos casos do artigo 9º (enriquecimento ilícito) e 11 (atentado contra
os princípios da Administração Pública) da Lei 8.429/92.
Veja-se a ementa de um acórdão proferido pelo Ministro-relator Humberto Martins:
Para que o ato praticado pelo agente público seja enquadrado em alguma das
previsões da Lei de Improbidade Administrativa, é necessária a demonstração do
elemento subjetivo, consolidado no dolo para os tipos previstos nos arts. 9º e 11 e,
ao menos, pela culpa nas hipóteses do art. 10 da Lei n. 8.429/92. (AgRg nos EREsp
1260963 (2012/0108459-0 - 03/10/2012))
Alguns autores dizem:
A falta de menção expressa a dolo e culpa nos artigos 9º e 11 não implica
responsabilidade objetiva. Na esfera do direito penal, em regra, os tipos
incriminadores são dolosos, de modo que, para um fato ser punível na sua forma
culposa, há de haver previsão expressa. Assim, se os referidos dispositivos legais
não aludem a elemento subjetivo, este só pode ser o dolo. (CORTEZ, 2012)
Art. 18, parágrafo único, do Código Penal: “Salvo os casos expressos em lei,
ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica
dolosamente”.
Portanto, isso quer dizer que os tipos definidos nesses dispositivos (art. 9º e 11)
apenas são reprimidos na modalidade dolosa, ao passo que os tipos previstos no artigo 10
(prejuízo ao erário) da mesma lei podem ser dolosos e culposos, apesar de grande parte da
doutrina e da jurisprudência sustentarem pela impossibilidade de punir as condutas culposas
que causam prejuízo ao erário, consoante será exposto detalhadamente em tópico específico.
38
3.2 Análise detalhada das espécies de improbidade com foco no elemento
subjetivo
3.2.1 Artigo 9º da Lei 8.429/93 – Atos de Improbidade que Importam Enriquecimento
Ilícito
Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento
ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício
de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art.
1° desta lei, e notadamente:
I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer
outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem,
gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser
atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente
público;
II - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição,
permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços pelas
entidades referidas no art. 1° por preço superior ao valor de mercado;
III - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação,
permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente estatal
por preço inferior ao valor de mercado;
IV - utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou
material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das
entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidores
públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades;
V - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para
tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de
contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade ilícita, ou aceitar promessa de
tal vantagem;
VI - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para fazer
declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer outro
serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de
mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades mencionadas no art. 1º
desta lei;
VII - adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou
função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à
evolução do patrimônio ou à renda do agente público;
VIII - aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou
assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser
atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente
público, durante a atividade;
IX - perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de
verba pública de qualquer natureza;
X - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para
omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado;
XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou
valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta
lei;
XII - usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do
acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei.
39
O elemento subjetivo do agente, embora omisso o dispositivo, será sempre o dolo,
não se vislumbrando nenhuma hipótese de vantagem indevida por negligência, imprudência
ou imperícia.
Sobre esse entendimento não há divergência e segundo Wallace Paiva Martins Junior
(2002, p.218):
Atribui-se, alhures, importância ao elemento anímico do agente, exigindo o dolo e
extraditando a culpa do enriquecimento ilícito. (...) E, afinal de contas, se é tão
importante a pesquisa do elemento subjetivo, basta verificar que no enriquecimento
ilícito o dolo é in reipsa, emergente da própria conduta, pois no próprio conceito de
enriquecimento insere-se o elemento subjetivo da improbidade.
Asseveram, no mesmo sentido, Marino Pazzaglini Filho, Márcio Fernando Elias
Rosa e Waldo Fazzio Júnior (1997, p. 58):
Ponto que merece atenção diz respeito ao elemento subjetivo necessário à
caracterização das condutas elencadas naqueles dispositivos. Nenhuma das
modalidades admite a forma culposa; todas são dolosas. É que todas as espécies de
atuação suscetíveis de gerar enriquecimento ilícito pressupõem a consciência da
antijuridicidade do resultado pretendido. Nenhum agente desconhece a proibição de
se enriquecer às expensas do exercício de atividade pública ou de permitir que, por
ilegalidade de sua conduta, outro o faça. Não há, pois, enriquecimento ilícito
imprudente ou negligente. De culpa é que não se trata.
José Armando da Costa (2000, p. 69) afirma:
O elemento subjetivo dessa figura delitual genérica é o dolo do agente público, ou,
pelo menos, a sua voluntariedade. Não vemos chances para que tal infração
disciplinar comporte a modalidade culposa, pois não é credível, nem verossímil, que
possa alguém ser corrupto ou desonesto por negligência, imperícia ou imprudência.
De acordo com Pedro Roberto Decomain (2007, p. 210):
Determinada conduta caracterizadora de improbidade somente pode ser enquadrada
no art. 9º se vier marcada pelo dolo. Há necessidade de que o agente administrativo
haja atuado de modo consciente e deliberado, no sentido do auferimento da
vantagem patrimonial ilícita, para que a improbidade possa ser subsumida no art. 9º.
A mera culpa em sentido estrito – imprudência, negligência ou imperícia – não é
bastante a tal subsunção.
Por todo o exposto, a finalidade intencional do agente ímprobo em perceber qualquer
tipo de vantagem patrimonial indevida é essencial para o enquadramento de sua conduta ao
referido artigo 9º.
40
3.2.2 Artigo 10 da Lei 8.429/92 – Atos de Improbidade Administrativa que Causam
Prejuízo ao Erário
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário
qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio,
apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades
referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:
I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio
particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes
do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;
II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens,
rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades
mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou
regulamentares aplicáveis à espécie;
III - doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que
de fins educativos ou assistências, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de
qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem observância das
formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie;
IV - permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do
patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta lei, ou ainda a
prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado;
V - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por
preço superior ao de mercado;
VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e
regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea;
VII - conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das
formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;
VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente;
IX - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou
regulamento;
X - agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz
respeito à conservação do patrimônio público;
XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir
de qualquer forma para a sua aplicação irregular;
XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;
XIII - permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas,
equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de
qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de
servidor público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades.
XIV – celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por objeto a prestação de
serviços públicos por meio da gestão associada sem observar as formalidades
previstas na lei;
XV – celebrar contrato de rateio de consórcio público sem suficiente e prévia
dotação orçamentária, ou sem observar as formalidades previstas na lei.
Conforme previsão expressa do dispositivo acima transcrito, os atos ímprobos que
importem prejuízo aos cofres públicos podem ser cometidos tanto a título de dolo como a
título de culpa, isto é, “a improbidade existirá não somente quando o prejuízo for
intencionalmente determinado, como também quando ocorrer a partir da negligência,
imprudência ou imperícia da parte do agente” (DECOMAIN, 2007, p.109).
41
Dentre as três hipóteses de improbidade administrativa, somente nessa o legislador
empregou por falha ou intencionalmente o termo “culpa”.
No que concerne à modalidade culposa de improbidade, há na doutrina e na
jurisprudência muitas divergências acerca de sua constitucionalidade. É, sem dúvida, a
espécie mais polêmica de improbidade. “Diante de tamanho desacordo, a aplicação uniforme
do instituto pelo Judiciário e a repressão da improbidade administrativa ficam fragilizadas”
(SENNA, 2013, p.32).
Como já aludido, grande parcela da doutrina brasileira sustenta pela
inconstitucionalidade da modalidade culposa da improbidade descrita no art. 10 da LIA,
admitindo apenas a conduta dolosa.
Os defensores dessa corrente afirmam ser difícil, impossível e até mesmo
inimaginável que alguém possa ser desonesto, corrupto ou desleal por culpa. Segundo eles, a
improbidade pressupõe voluntariedade do agente público.
Veja um exemplo que ilustra esse entendimento:
Não vislumbramos a possibilidade de o agente público, por negligência,
imprudência ou imperícia, facilitar para a incorporação de verbas públicas ao
patrimônio particular (art. 10, inciso I), não prevendo o resultado lesivo ao erário
público que fatalmente adviria; ou, prevendo-o, esperar levianamente que não
ocorresse ou pudesse evitá-lo (FIGUEIREDO, I.G., 2010, p.135).
Isabela Giglio Figueiredo (2010, p.127) reafirma: “não se pode conceber a ideia de
que alguém atue com desonestidade ou de maneira corrupta, com desvio de caráter,
simplesmente por negligência, imprudência ou imperícia, que são modalidades culposas. Não
havendo má-fé, não se encontra, também, razão de punir”.
Marcelo Figueiredo (2009, p.97) assegura que a lei infraconstitucional foi além do
razoável ao estabelecer que “constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao
erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa (...)”. Ele ainda comenta:
Em síntese, imaginemos dada omissão culposa (involuntária, portanto) do agente
público causadora de pequena lesão ao erário. Para a lei, há ato de improbidade
administrativa, e „tollitur quaestio‟. Será crível afirmar-se que tal agente terá seus
direitos políticos cassados por força de lei, perderá a função pública, terá seus bens
indisponíveis etc. etc. etc. Parece que a conclusão do raciocínio aponta para o
absurdo, indício de erro no percurso exegético. Enfim, é preciso abrandar o rigor
legal, ou, por outra, amoldá-lo ao espírito constitucional.
Nesta linha, Marino Pazzaglini Filho citado por Isabela Giglio Figueiredo (2010. p.
87) reconhece a dificuldade de se harmonizar improbidade e culpa e conclui que “a
improbidade de que estamos a comentar ocorreria na modalidade culposa quando o resultado
42
danoso involuntário, porém previsível, fosse decorrência da atuação voluntária do agente
público, denotativa de má-fé, deslealdade funcional, desvio ético ou falta de probidade.”
Não é outro o posicionamento de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2007, p. 762):
É difícil dizer se foi intencional essa exigência de dolo ou culpa apenas com relação
a esse tipo de ato de improbidade, ou se foi falha do legislador, como tantas outras
presentes na lei. A probabilidade de falha é a hipótese mais provável, porque não há
razão que justifique essa diversidade de tratamento.
Deste modo, para essa corrente, ao admitir as severas sanções contidas na
Constituição e no artigo 12 da Lei 8.429/92 para agentes incompetentes, inexperientes e
inabilitados, estar-se-ia desviando o escopo da lei, que se concentra a punir os agentes
públicos desonestos e corruptos que agem com dolo. Diz ainda que “impor o rigor das normas
esposadas na lei sem que haja dolo, seria banalizar os seus institutos, punindo
desproporcionalmente fatos de pouca importância” (LEAL, 2012). Reconhecem que a má-fé
ou o dolo são da própria essência do conceito constitucional de improbidade.
Em contrapartida, apesar de toda controvérsia, a doutrina preponderante sustenta a
constitucionalidade da modalidade culposa prevista no art. 10, sendo irrelevante a
demonstração da intenção do agente público em causar o dano.
José dos Santos Carvalho Filho (2008, p.998) certifica que o legislador efetivamente
teve a pretensão de reprimir condutas culposas que causem danos ao erário. Veja suas
palavras:
O elemento subjetivo é o dolo ou culpa, como consta do caput do dispositivo. Neste
ponto o legislador adotou critério diverso em relação ao enriquecimento ilícito. É
verdade que há autores que excluem a culpa, chegando mesmo a considerar
inconstitucional tal referência no mandamento legal. Não lhes assiste razão,
entretanto. O legislador teve realmente o desiderato de punir condutas culposas de
agentes, que causem danos ao erário. Aliás, para não deixar dúvida, referiu-se ao
dolo e à culpa também no art.5º, que, da mesma forma, dispõe sobre prejuízos ao
erário. Em nosso entender, não colhe o argumento de que a conduta culposa não tem
gravidade suficiente para propiciar a aplicação de penalidade. Com toda a certeza,
há comportamentos culposos que, pela repercussão que acarretam, têm maior
densidade que algumas condutas dolosas. Além disso, o princípio da
proporcionalidade permite a perfeita adequação da sanção à maior ou menor
gravidade do ato de improbidade. O que se exige, isto sim, é que haja comprovada
demonstração do elemento subjetivo e também do dano causado ao erário. Tanto
quanto na improbidade que importa em enriquecimento ilícito, não há ensejo para a
tentativa.
Nessa linha, Pedro Roberto Decomain (2007, p.109) afirma “mesmo que o dano ao
Erário não lhe haja sido impingido propositalmente, ainda assim a situação poderá
caracterizar-se como improbidade.” Ele prossegue afirmando: “a ação descuidada, marcada
pelo desinteresse na preservação daquilo que pertence à Administração Pública, é que
43
configura a improbidade. E esse pouco caso pela coisa pública insere-se também no terreno da
desonestidade”.
Com propriedade, Alexandre de Moraes (2007, p. 2759) ensina que:
Para a tipificação de um ato de improbidade administrativa descrito no art. 10 não se
exige somente a existência da vontade livre e consciente do agente em realizar
qualquer das condutas nele descritas, responsabilizando também o agente cuja
conduta, por imprudência, negligência ou imperícia, adeque-se àquelas previstas no
art. 10.
Nesse viés, ao escrever sobre o tema, o advogado mato-grossense Leonan Roberto de
França Pinto (2013) assevera:
É de relevo gizar que a previsão de condutas culposas como ímprobas é verticalmente
compatível, porquanto o dever de zelo pela coisa pública requer que o administrador
não trate com total incúria e desmazelo o patrimônio estatal. De certa forma, ao
assumir um cargo, emprego, função ou mandato público, o agente lança mão de um
dever de garante da res pública.
Fábio Medina Osório (2007, p.271) explica: se pode haver crime culposo contra a
Administração Pública, como o de peculato, por exemplo, também pode haver improbidade
culposa. Ele ainda assevera:
A jurisprudência não pune o “inábil”, mas o desonesto. O administrador inábil
significa o que erra dentro das margens de erro profissional. A LIA não pode,
realmente, punir todo e qualquer erro dos gestores públicos, sob pena de se
consagrar como espúria manifestamente injusta. Porém, o fato de não alcançar a
mera inabilidade dos agentes públicos não retira da LIA a legítima possibilidade de
proibir e sancionar comportamentos gravemente culposos, dentro de um esquema de
tipicidade montado sobre as bases da legalidade e da segurança jurídica.
Assim, são requisitos para a configuração da modalidade culposa: a) conduta
voluntária (ação ou omissão voluntária de realizar um ato lícito, mas com um resultado
danoso não querido); b) real dano ao erário; c) nexo de causalidade entre a conduta e o dano;
d) previsibilidade objetiva; e) imprevisibilidade subjetiva; f) inobservância de um dever de
cuidado objetivo, seja pela imprudência, negligência e imperícia (PINTO, 2013).
O Superior Tribunal de Justiça consolidou essa tese da possibilidade da existência de
conduta culposa geradora de efetivo dano ao erário. Vejamos alguns acórdãos que elucidam
esse entendimento:
RECURSO ESPECIAL Nº 1.127.143 - RS (2009/0042987-9) RELATOR:
MINISTRO CASTRO MEIRA RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL RECORRIDO : ORTIZ IBOTI SCHROER
ADVOGADO : MÍLTON KOLLER RECORRIDO : IVAN CARDOSO PAIM E
OUTRO ADVOGADO : SÉRGIO ROBERTO PERONDI E OUTRO(S) INTERES.
- MUNICÍPIO DE IJUÍ EMENTA ADMINISTRATIVO. ATO DE
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 10, DA LEI 8.429/92. DANO AO
ERÁRIO. MODALIDADE CULPOSA. POSSIBILIDADE. FAVORECIMENTO
PESSOAL. TERCEIRO BENEFICIADO. REQUISITOS CONFIGURADOS.
44
INCURSÃO NAS PREVISÕES DA LEI DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA. 1. O ato de improbidade administrativa previsto no art. 10 da
Lei 8.429/92 exige a comprovação do dano ao erário e a existência de dolo ou culpa
do agente. Precedentes. 2. Os arts. 62 e 63, da Lei 4.320/64 estabelecem como
requisito para a realização do pagamento que o agente público proceda à previa
liquidação da despesa. Nesse contexto, incumbe ao ordenador de despesa aferir a
efetiva entrega do material ou fornecimento do serviço contratado, em conformidade
com a nota de empenho que, por sua vez, expressa detalhadamente o objeto
contratado pelo Poder Público, com todas as suas características físicas e
quantitativas. 3. A conduta culposa está presente quando, apesar de o agente não
pretender o resultado, atua com negligência, imprudência ou imperícia. Nessa
modalidade, há um defeito inescusável de diligência, no qual se comete um erro
sobre a condição do agir ou sobre a consequência da conduta. A punição dessa
prática justifica-se pela criação de um risco proibido ao bem jurídico tutelado. 4. Na hipótese, além do dano ao erário, a descrição dos elementos fáticos realizada
na origem evidencia a negligência da autoridade municipal, pois: a) realizou o
pagamento da nota de empenho sem adotar qualquer providência para aferir a
entrega da mercadoria, seja por meio da verificação do processo administrativo que
ensejou a contratação, seja pela provocação da empresa contratada para comprovar a
entrega do bem; b) deixou transcorrer praticamente três anos entre o pagamento
integral do débito e a entrega parcial da mercadoria, sem ter adotado qualquer
medida ou cobrança do particular; c) após todo esse tempo, sequer a totalidade da
quantia contratada foi entregue.5. A lei de improbidade administrativa aplica-se ao
beneficiário direto do ato ímprobo, mormente em face do comprovado dano ao
erário público. Inteligência do art. 3º da Lei de Improbidade Administrativa. No
caso, também está claro que a pessoa jurídica foi beneficiada com a prática infrativa,
na medida em que se locupletou de verba pública sem a devida contraprestação
contratual. Por outro lado, em relação ao seu responsável legal, os elementos
coligidos na origem não lhe apontaram a percepção de benefícios que ultrapassem a
esfera patrimonial da sociedade empresária, nem individualizaram sua conduta no
fato imputável, razão pela qual não deve ser condenado pelo ato de improbidade. 6.
Recurso especial provido em parte. (g.n)
AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.177.579 - PR (2010/0017146-5) RELATOR :
MINISTRO BENEDITO GONÇALVES AGRAVANTE : DERLI ANTÔNIO
DONIN E OUTROS ADVOGADO : LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES
LÓSSIO E OUTRO(S) AGRAVADO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO
PARANÁ INTERES. : MUNICÍPIO DE TOLEDO ADVOGADO : ADALBERTO
PRZYBYLSKI EMENTA
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO
RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI N. 8.429/92.
PRETENSÃO DE QUE A CORTE DE ORIGEM REJULGUE OS FATOS
ENQUADRADOS NO ART. 11 DA LEI DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA, AO FUNDAMENTO DE QUE O REJULGAMENTO DO
QUE PERTINE AO ART. 10 DA REFERIDA LEI FORÇA NOVA ANÁLISE DE
TODOS OS FATOS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7 DO STJ. 1. A
configuração dos atos de improbidade administrativa previstos no art. 10 da Lei de
Improbidade Administrativa (atos de Improbidade Administrativa que causam
prejuízo ao erário), à luz da atual jurisprudência do STJ, exige a presença do efetivo
dano ao erário (critério objetivo), o mesmo não ocorrendo com o tipo previsto no art.
11 da mesma lei (atos de Improbidade Administrativa que atentam contra os
princípios da Administração Pública), que se prende ao volitivo do agente (critério
subjetivo). 2. Na Lei n. 8.429/92, o prejuízo ao erário e o dolo não são
interdependentes, podendo aquele, inclusive, ocorrer por culpa do
administrador ímprobo. 3. A pretensão recursal de ver caracterizada a violação do
art. 11 da Lei n. 8.429/92 passa, necessariamente, pela análise da existência do dolo,
e não enseja a verificação do efetivo dano, o que faz incidir, na espécie, o
entendimento da Súmula n. 7 do STJ, uma vez que é necessário o reexame fático-
45
probatório para o fim de revisar o entendimento da Corte de origem, que consignou
a existência do dolo no agir dos réus. 4. Agravo regimental não provido. (g.n)
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
EXIGÊNCIA DO DOLO, NAS HIPÓTESES DO ARTIGO 11 DA LEI 8.429/92 E
CULPA, PELO MENOS, NAS HIPÓTESES DO ART. 10. ACÓRDÃO
RECORRIDO QUE CONSIGNA AUSÊNCIA DE CULPA E DE DOLO, AINDA
QUE GENÉRICO, A CARACTERIZAR ATOS DE IMPROBIDADE.
ALTERAÇÃO DAS PREMISSAS FÁTICAS CONSIGNADAS PELA
INSTÂNCIA ORDINÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DA SÚMULA
N. 7/STJ. 1. O STJ ostenta entendimento uníssono segundo o qual, para que
seja reconhecida a tipificação da conduta do réu como incurso nas previsões da
Lei de Improbidade Administrativa, é necessária a demonstração do elemento
subjetivo, consubstanciado pelo dolo para os tipos previstos nos artigos 9º e 11
e, ao menos, pela culpa, nas hipóteses do artigo 10. Precedentes: AgRg no AREsp
20.747/SP, Relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 23/11/2011;
REsp 1.130.198/RR, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 15/12/2010;
EREsp 479.812/SP, Relator Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Seção, DJe
27/9/2010; REsp 1.149.427/SC, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe
9/9/2010; e EREsp 875.163/RS, Relator Ministro Mauro Campbell Marques,
Primeira Seção, DJe 30/6/2010. 2. No caso em exame, o Tribunal de origem com
suporte em análise circunstancial do acervo fático-probatório, consignou que a
conduta dos réus, ora agravados, não caracteriza nenhum dos tipos previstos na Lei
de Improbidade Administrativa. 3. A verificação da alegada violação dos artigos 10
e 11 da Lei n. 8.429/1992 necessita de um reexame dos elementos fáticos-
probatórios dos autos, o que não é possível aferir em sede de recurso especial ante o
óbice da Súmula n. 7 desta Corte Superior. Precedentes: AgRg no REsp
1177579/PR, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 19/08/2011;
EDcl no REsp 1159147/MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda
Turma, DJe 24/08/2010; REsp 1036229/PR, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira
Turma, DJe 02/02/2010. 4. Agravo regimental não provido. (g.n)
RECURSO ESPECIAL Nº 1.130.584 - PB (2009/0056875-1) RELATOR :
MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI RECORRENTE : EDUARDO JOSÉ
TORREÃO MOTA ADVOGADO : THÉLIO QUEIROZ FARIAS E OUTRO(S)
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA PARAÍBA EMENTA
ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
TIPIFICAÇÃO. INDISPENSABILIDADE DO ELEMENTO SUBJETIVO (DOLO,
NAS HIPÓTESES DOS ARTIGOS 9º E 11 DA LEI 8.429/92 E CULPA, NAS
HIPÓTESES DO ART. 10). PRECEDENTES. DEMONSTRAÇÃO DO
ELEMENTO SUBJETIVO DA CONDUTA. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-
PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 07/STJ. 1. Está assentado na
jurisprudência do STJ, inclusive da Corte Especial que, por unanimidade, o
entendimento segundo o qual, "excetuada a hipótese de atos de improbidade
praticados pelo Presidente da República (art. 85, V), cujo julgamento se dá em
regime especial pelo Senado Federal (art. 86), não há norma constitucional alguma
que imunize os agentes políticos, sujeitos a crime de responsabilidade, de qualquer
das sanções por ato de improbidade previstas no art. 37, § 4.º. Seria incompatível
com a Constituição eventual preceito normativo infraconstitucional que impusesse
imunidade dessa natureza " (Rcl 2.790/SC, DJe de 04/03/2010 e Rcl 2.115, DJe de
16.12.09). 2. Também está afirmado na jurisprudência do STJ, inclusive da sua
Corte Especial, o entendimento de que "a improbidade é ilegalidade tipificada e
qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente. Por isso mesmo, a
jurisprudência do STJ considera indispensável, para a caracterização de
improbidade, que a conduta do agente seja dolosa, para a tipificação das condutas
descritas nos artigos 9º e 11 da Lei 8.429/92, ou pelo menos eivada de culpa grave,
nas do artigo 10" (AIA 30, DJe de 28/09/11). 3. Não é compatível com essa
46
jurisprudência a tese segundo a qual, mesmo nas hipóteses de improbidade
capituladas no art. 10 da Lei 8.429/92, é indispensável a demonstração de dolo
da conduta do agente, não bastando a sua culpa. Tal entendimento contraria a
letra expressa do referido preceito normativo, que admite o ilícito culposo. Para
negar aplicação a tal preceito, cumpriria reconhecer e declarar previamente a sua
inconstitucionalidade (Súmula Vinculante 10/STF), vício de que não padece.
Realmente, se a Constituição faculta ao legislador tipificar condutas dolosas
mesmo para ilícitos penais, não se mostra inconstitucional a norma que
qualifica com tipificação semelhante certos atos de improbidade
administrativa. 4. No caso, as instâncias ordinárias reconheceram expressamente a
conduta culposa do agente, conclusão que não pode desfazer sem afronta à Súmula
07/STJ. 5. Recurso Especial a que se nega provimento. (g.n.)
Desta forma, não é possível simplesmente ignorar o que está previsto no artigo 10 da
Lei de Improbidade, a qual expressamente prevê a modalidade culposa. Não se pode afastar o
postulado hermenêutico de que não existem palavras inúteis na lei.
Em um Estado Democrático de Direito, cuja atividade administrativa é regida pelo
princípio da eficiência, não se pode tolerar atos danosos ao patrimônio público que resultem
de descaso e de falta de compromisso do agente com o bem comum. “Com efeito, não pode o
agente dispor da coisa pública como bem lhe aprouver; ao contrário, deve ele empregar na
proteção da res pública zelo maior do que aquele com que trata dos seus interesses privados
(CORTEZ, 2012).
Ao defender essa segunda corrente, os autores dizem que as condutas culposas
devem ser reprimidas de acordo com o princípio da proporcionalidade, tratando-se de
condutas menos graves quando comparadas com as dolosas, sendo, portanto, necessária a
verificação da gradação da culpa em grave, leve e levíssima.
Na culpa grave, embora não intencional, seu autor sem „querer‟ causar dano,
„comportou-se como se o tivesse querido‟. Culpa leve é falta de diligência média,
que um homem normal observa em sua conduta. Culpa levíssima, a falta cometida
em razão de uma conduta que escaparia ao padrão médio, mas que um diligentissimo
pater famílias, especialmente cuidadoso, guardaria (PEREIRA, 2010, p.316).
Essa gradação de culpas é necessária em vista do princípio da proporcionalidade,
porque seria inviável condenar um agente público que agiu com culpa leve ou levíssima nas
rigorosas penas previstas na Lei de Improbidade Administrativa.
Veja um exemplo:
No caso de um servidor recém-empossado em um cargo subalterno nos quadros
administrativos e ao qual a Administração não tenha propiciado adequado
treinamento, não se pode esperar alta diligência por parte dele, devendo eventual ato
culposo, desde que não se trate de culpa grave, passar ao largo das sanções previstas
para a improbidade administrativa. Diferente, contudo, deve ser a solução no caso de
se tratar de agente público que ocupe cargo de relevo na estrutura administrativa, o
qual deve apresentar padrão de conduta e, portanto, de zelo compatíveis com a
importância de suas funções (CORTEZ, 2012).
47
O STJ já afirmou que “as normas que dispõem sobre a improbidade administrativa
devem ser interpretadas dentro do princípio da proporcionalidade e bom senso, amoldando-as
ao espírito constitucional, para evitar situações arbitrárias” (FIGUEIREDO, I. G., 2010, p.
157).
Desta forma, concluímos que, não há o que se questionar quanto à possibilidade da
forma culposa dos atos de improbidade administrativa uma vez que, as condutas
imprudentes, negligentes e imperitas merecem punição quando atingem o erário
público, o que se deve discutir é a razoabilidade da aplicação da mesma sanção tanto
para atos dolosos quanto para os culposos (SILVA, 2013).
Portanto, incumbe ao Poder Judiciário observar o caso concreto e graduar as penas
atribuídas na Lei de Improbidade de acordo com métodos de razoabilidade e
proporcionalidade.
3.2.3 Artigo 11 da Lei 8.429/92 – Atos de Improbidade Administrativa que atentam
contra os princípios da Administração Pública
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios
da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de
honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele
previsto, na regra de competência;
II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;
III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que
deva permanecer em segredo;
IV - negar publicidade aos atos oficiais;
V - frustrar a licitude de concurso público;
VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;
VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da
respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o
preço de mercadoria, bem ou serviço.
Por sua vez, assim como o art. 9º da Lei de Improbidade, o art. 11 é caracterizado
somente pelo dolo do agente. Todavia, muitos autores, a exemplo de Marino Pazzaglini Filho,
Márcio Fernando Elias Rosa e Waldo Fazzio Júnior (1997, p.112), dizem que “as condutas
enumeradas nos sete incisos do art. 11 não autorizam cogitar do elemento subjetivo que as
motiva, sendo todas presumidamente dolosas”.
Fica claro, a princípio, que aqui também não há discussão acerca do elemento
subjetivo, pois pela simples leitura dos respectivos incisos evidencia-se que os atos descritos
implicam a consciência e a vontade de realizar o ato antijurídico. Porém, Wallace Paiva
48
Martins Júnior entende que não há a presunção do dolo. Ele preocupa-se com a intensidade do
elemento volitivo do agente, ao afirmar que “é mister a ocorrência de inequívoca violação aos
princípios e deveres administrativos, notadamente legalidade e moralidade, que revele a falta
de ética e não meras irregularidades que não configurem dano aos princípios e deveres
administrativos” (2002, p. 266). Cita ainda um exemplo, que é o “caso de contratação de
pessoal temporário à míngua do processo legal e dos requisitos excepcionais, e sua
prorrogação” (2002, p. 267).
Apesar desse ponto um pouco controverso, doutrina e jurisprudência não divergem
sobre a necessidade do dolo para a caracterização do ato descrito no art. 11 da Lei de
Improbidade.
49
CONCLUSÃO
Após o encerramento de um dos principais e mais controversos temas em relação à
improbidade administrativa, convém repisar todo o estudo que foi aprofundado.
Em princípio, o trabalho foi enfocado para a improbidade administrativa em si, em que
é analisado os princípios da moralidade e probidade administrativa. Não se ignora que esses
princípios são distintos, mas estão intrinsecamente ligados, pois muitos dizem que a
probidade é espécie do gênero moralidade.
Posteriormente conceituou-se improbidade administrativa como sendo, em resumo,
um instituto que qualifica o agente público em desonesto, imoral e antiético. Importante
salientar que o combate à improbidade deve ser realizado por meio da adoção de um sistema
que contenha meios eficazes para punir aqueles que desrespeitam a res pública e os valores
consagrados em um Estado Democrático de Direito.
Após trazer o conceito, foi explanado a respeito das três espécies de improbidade
administrativa contidas na Lei nº 8.429/92, quais sejam: atos de improbidade que importam
em enriquecimento ilícito (art. 9º), atos de improbidade que causam prejuízo ao erário (art.
10) e os atos de improbidade que atentam contra os princípios da Administração Pública (art.
11); assim como os sujeitos ativo e passivo dos atos ímprobos e as respectivas sanções
possivelmente aplicadas.
Dando continuidade, fora abordada a natureza jurídica dos atos de improbidade
administrativa, que, como já reiterado várias vezes ao longo deste trabalho, é de natureza
extrapenal, tendo sanções caráter estritamente civil. Com relação a isso, destaca-se que há
independência entre as instâncias e também a possível aplicação cumulativa das sanções. Isso
quer dizer que a imposição das sanções previstas no artigo 12 da Lei de Improbidade ocorrerá
independentemente de qualquer sanção administrativa ou penal imposta ao agente público e
que essas sanções poderão ser aplicadas em conjunto, pois um mesmo ato pode configurar
qualquer das modalidades previstas, afastando, portanto, a aplicação alternativa.
Por fim, foi abordado o tema controverso acerca do elemento subjetivo presente em
cada ato de improbidade.
Com relação aos atos que importam em enriquecimento ilícito e aos que atentam
contra os princípios da Administração Pública não há divergência de que o elemento subjetivo
é sempre o dolo. A controvérsia doutrinária e jurisprudencial é em relação aos atos de
50
improbidade que causam prejuízo ao erário, pois enquanto alguns sustentam a
inconstitucionalidade da forma culposa de lesão aos cofres públicos, sob o argumento de que
é difícil, impossível e até mesmo inimaginável que alguém possa ser desonesto, corrupto ou
desleal por culpa, a doutrina preponderante sustenta a constitucionalidade da modalidade
culposa prevista no artigo 10 da Lei 8.429/92, sendo irrelevante a demonstração da intenção
do agente público em causar o dano.
Em um Estado Democrático de Direito, cuja atividade administrativa é regida pelo
princípio da eficiência, não se pode tolerar atos danosos ao patrimônio público que resultem
de descaso e de falta de compromisso do agente com o bem comum. O agente público, ao
assumir um cargo, função, mandato ou emprego, tem o dever de zelo com o patrimônio
estatal. É essa falta de zelo e cuidado com o que pertence à Administração Pública que
legitima a possibilidade de sancionar os comportamentos culposos referente ao artigo 10 da
LIA.
Porém, essas condutas devem ser reprimidas pelo Poder Judiciário de acordo com o
princípio da proporcionalidade, tratando-se de condutas menos graves quando comparadas
com as dolosas, sendo, portanto, necessária a verificação da gradação da culpa em grave, leve
e levíssima. Assim, a Lei de Improbidade não deve punir toda e qualquer falha ou inabilidade
dos agentes públicos, sob pena de se consagrar como punição injusta, mas aquelas que são
gravemente culposas.
51
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