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A saúde da sociedade sofre impactos do modo de vida e dos hábitos alimentares modernos. Cada indivíduo vai sendo induzido de forma coercitiva nesses hábitos alimentares, sem possibilidades de escolhas livres. A teoria psicodramática, mediante a Matriz de Identidade, o Conceito de Papel e os Métodos Psicodramáticos contribui como metodologia de ação social que confere consciência da evolução do processo formativo e dos impactos da alimentação e modo de vida sobre sua saúde, preparando-o para a prevenção das enfermidades e a promoção da saúde, tornando-o livre para suas escolhas conscientes. O presente texto é uma exploração teórica com vistas ao processamento e suporte teórico da atividade Transformações - Alimentação: Poder ou Sujeição do Congresso Brasileiro de Psicodrama de 2012 – Brasília – DF.
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ALIMENTAÇÃO: PODER OU SUJEIÇÃO?
Nazira Scaffi
ALIMENTAÇÃO: PODER OU SUJEIÇÃO?
Autora: Nazira Scaffi
Texto publicado nos Anais do 18o Congresso Brasileiro de Psicodrama,
realizado em Brasília – DF em 06 à 09 de junho de 2012.
Resumo
A saúde da sociedade sofre impactos do modo de vida e dos hábitos
alimentares modernos. Cada indivíduo vai sendo induzido de forma
coercitiva nesses hábitos alimentares, sem possibilidades de escolhas livres.
A teoria psicodramática, mediante a Matriz de Identidade, o Conceito de
Papel e os Métodos Psicodramáticos contribui como metodologia de ação
social que confere consciência da evolução do processo formativo e dos
impactos da alimentação e modo de vida sobre sua saúde, preparando-o
para a prevenção das enfermidades e a promoção da saúde, tornando-o
livre para suas escolhas conscientes. O presente texto é uma exploração
teórica com vistas ao processamento e suporte teórico da atividade
Transformações - Alimentação: Poder ou Sujeição do Congresso Brasileiro
de Psicodrama de 2012 – Brasília – DF.
Palavras-chave: Saúde – Alimentação - Conserva Cultural – Espontaneidade
Introdução
A sociedade moderna caracteriza-se por um comportamento alimentar assim
definido: por fazer refeições rápidas fora de casa, estas adquiridas em
restaurantes, lanchonetes ou nos supermercados, composta por excesso de
alimentos industrializados, empacotados em embalagens atraentes, que
apenas facilitam a ingestão de algo que encha a barriga, mas de qualidade
duvidosa no que concerne aos impactos sobre a saúde.
Esses indivíduos vivem num grupo um tanto indiferenciado quanto às
escolhas alimentares, à consciência e à espontaneidade para sentir, refletir
e selecionar o que devem comer ou não. Seu modo de alimentação é
estruturado a partir da propaganda maciça de produtos nos meios de
comunicação, da disposição indutiva dos produtos nos supermercados e de
sua disponibilidade em todos os lugares, inclusive nas farmácias e escolas.
Ele compõe o modo de vida apressado que domina grande parte da
população e confere uma sensação de poder, de autonomia e de liberdade
de escolha.
As circunstâncias acima descritas são reforçadas pelo grupo social a que
pertence e atuam sobre cada indivíduo como um duplo ditando a “moda do
que comer” sem esclarecer na maior parte das vezes "o que seu corpo pode
suportar". Entretanto, para o grupo social esses alimentos passam a
representar um símbolo do encontro.
Materiais e métodos
A observação clínica e os conhecimentos mais básicos do funcionamento
orgânico fornecem subsídios para a análise do estado de saúde da
população que consome os alimentos modernos. A teoria psicodramática
oferece um modelo para a compreensão de como a conserva cultural é
construída e submete o indivíduo. Aqui, ambas áreas de conhecimento
serão utilizadas para explicitar os mecanismos de adoecimento e de
recuperação da liberdade de escolhas.
O organismo humano dispõe de um mecanismo instintivo que o faz evitar os
alimentos putrefatos, perigosos e danosos. Esse instinto de auto-
preservação, mais facilmente observado nos animais, compõe nosso instinto
básico de sobrevivência. Esse mecanismo corresponde ao fator Tele
descrito por Moreno. Ele se desenvolve e amadurece, levando a pessoa a
uma atitude discriminatória de atração ou positiva ou e de rejeição ou
negativa (ROJAS-BERMUDEZ, 1980). Segundo o citado autor, o ápice do
desenvolvimento da Tele se dá quando o indivíduo consegue fazer escolhas
apropriadas num conjunto complexo de fatores circunstanciais. Neste
contexto, o estilo de vida, as condições de deslocamento para o trabalho ou
domicílio, o tempo disponível, as relações sociais, as necessidades
corporais, as informações de que dispõem, entre outros, compõe os fatores
que especializariam o exercício da Tele. Para as necessidades nutricionais,
a Tele positiva é expressada na busca de alimentos necessários, como a
demanda por carboidratos para repor a energia dispendida na atividade
física ou o desejo de comer terra num indivíduo com anemia.
Depreende-se do comportamento alimentar atual que esse mecanismo
perceptivo sobre as necessidades do corpo está embotado, ou
hipodesenvolvido. O indivíduo tende a aceitar o que está mais facilmente
disponível, ou o que o grupo aceita como alimento em desfavor de suas
próprias necessidades e desejos. Trata-se do exercício de uma Tele
negativa, tornando-o sujeito às pressões externas. Esse comportamento
representa a manifestação de um novo contexto cultural desenvolvido
nestes tempos de alta industrialização dos alimentos, de fast-food e de
consumismo exacerbado.
Se analisarmos esse indivíduo segundo a Teoria dos Papéis e a Matriz de
Identidade de Moreno, podemos dizer que ele adota, no tangente à
alimentação, um papel de comedor na matriz Psicossomática, mas inconsciente sobre as necessidades e limites do corpo. Esse papel
contrasta-se com o original papel de comedor, quando alimentação visava a
verdadeira nutrição para o desenvolvimento saudável do organismo.
As percepções desenvolvidas na Matriz Psicossomática – a sensação de
desconforto inicial ao ingerir tais alimentos - são superadas pelos
aprendizados ocorridos na Matriz Social. Os alimentos industrializados
passam a fazer parte da vida domiciliar, das festividades, e também são
oferecidos nos empregos, nas merendas escolares ou prescritos por alguns
nutricionistas e médicos. A criança passa a ter vergonha de levar um lanche
de casa para a escola e compra o refrigerante com a fantasia rotulada “coca-
cola: abra a felicidade”. Essas vivências repetitivas contribuem para a
transformação do Papel Social em Papel Psicodramático, fazendo desses
produtos a saída para a ansiedade, a timidez e assim vamos tecendo a nova
Conserva Cultural da alimentação moderna.
O indivíduo vive, entretanto, relativamente bem o desempenho desse papel
até que os limites da tolerância orgânica são tocados. Os abusos
alimentares ultrapassam a capacidade de auto-regulação do organismo –
homeostase – fazendo surgir os sintomas e sinais de sua sobrecarga.
Uma sensação de fraqueza e indisposição o levam a buscar quantidades
cada vez maiores de alimentos de fácil assimilação. Estes, em geral
refinados e cheios de açúcar proporcionam uma sensação muito fugaz de
saciedade, que logo se transforma em ansiedade por aquele produto ou
similares. É nessa fase que surgem os sinais de desequilíbrio e as doenças
correntes como hipertensão, dislipidemias, hipotireoidismo, distúrbios do
sono, espessamentos e manchas na pele, esteatose hepática. Os estudos
mais atuais esclarecem que esse tipo de alimentação gera uma espécie de
dependência química, devido à disfunção metabólica gerada (NATURE,
2012).
Quando o desequilíbrio metabólico se instala desperta sentimento de
insegurança quanto ao seu estado de saúde e a pessoa é tocada
diretamente na Matriz Psicossomática. Ele entra na segunda fase da matriz
de identidade: ele reconhece o outro - o seu corpo - e tem que lidar com
ele. A notícia de que pessoas conhecidas ficaram doentes também causa
medo, afetando a Matriz Psicodramática.
Entretanto é na mesma conserva cultural, que o indivíduo busca a solução,
mas apesar dos avanços tecnológicos, o sistema médico está aí mais para
diminuir o sofrimento - menos para preveni-lo. Ainda é bastante
inconsistente a política de intervenção sobre alimentação e seus veículos
(aditivos, conservantes, recipientes e embalagens) e seu impacto na saúde.
A alternativa proposta para essa conserva cultural baseia-se na Vis Naturae
Medicatris, descrita por Hipócrates (500 a.C. ) ou força natural de cura.
Hipócrates asseverava que o organismo é dotado da capacidade de
recuperar a saúde quando é liberado dos entraves ao seu correto
funcionamento. Neste enfoque, as enfermidades acima citadas tratam-se,
em sua maioria, de disfunções que recrudesceriam na medida em que o
organismo fosse liberado dos excessos e voltasse a praticar uma
alimentação mais saudável.
Baseada no treinamento de papel, preconizamos uma estratégia que
enfatiza a aquisição de novos hábitos de alimentação. Após diagnósticos
fisiológicos, metabólicos e das enfermidades decorrentes do papel de
comedor inconsciente dos danos à saúde, é realizado um processo de
educação para a saúde com o treinamento de novos comportamentos. Esse
método, realizado em etapas, orienta a mudança dos alimentos refinados
por integrais, e de industrializados por naturais. Em conjunto opera-se uma
análise do desempenho e a conscientização sobre os papéis emergentes na
mudança comportamental: o de avaliador dos alimentos que consome, o de
interessado na forma de produção dos alimentos, e o daquele que se
envolve com os rituais da aquisição e preparação de alimentos de maior
qualidade. O processo educativo-formativo segue-se analisando as
situações e contextos em que foi difícil realizar a nova dieta e os benefícios
e mudanças orgânicas percebidas, no peso, na forma corporal e nos
sintomas, por exemplo.
Na verdade o indivíduo passa pelo mesmo processo da edificação de um
novo papel na Matriz de Identidade. Inicia-se na Matriz psicossomática, onde
localizam-se as sensações e desconfortos orgânicos, sendo esta também o
locus da evidência de melhora. Evolui para uma nova postura na Matriz
Social onde ele aprende a atuar a partir de novos critérios de escolha e de
negociação com os provedores de alimentos – ele demanda produtos de
maior qualidade. A Matriz Social também é afetada pelo novo
comportamento de um de seus integrantes, ora positiva, ora negativamente.
Cabe ao profissional estar atento às reações do grupo social e às do
indivíduo, refletindo e traduzindo com ele as situações de conflito que
surgem, apoiando-o e estimulando-o. Para isso adentra-se na Matriz
Psicodramática onde são evidenciadas as fantasias e sentimentos que
aparecem na relação com o próprio corpo, com o novo comportamento e
com o grupo social e familiar. O indivíduo adquire a característica de
pesquisador das condutas do grupo social a que pertence e de suas próprias
reações. É um aprendizado processual, lento de certa forma, mas seguro.
Uma segunda fase do processo decorre quando o indivíduo torna-se um
agente multiplicador dos conhecimentos adquiridos e passa a influenciar
pessoas. Os aprendizados quanto ao processo interno de mudança
comportamental por ele vividos servem de experiência prática.
Observando-se que o indivíduo pode cair numa nova conserva cultural, é
importante trabalhar o fator Tele para que suas atitudes adquiram
espontaneidade e ele se torne o senhor de suas escolhas no momento e na
situação que desejar. Ele resolve quando ser rigoroso ou, quando liberar-se
para um excesso de seu desejo, ou seja role playing em lugar de role-taking.
As palavras de Moreno são lapidares nessa importante fase da aquisição de
um novo comportamento: “...sem espontaneidade a criatividade do universo
tornar-se-ia perfeccionista e inerte.”(MORENO, 1992, p.199).
Conclusão Assim, em lugar de sujeito ele torna-se autor de uma nova realidade. Não
são mais o médico, o mercado, a mídia ou o grupo social os detentores do
conhecimento ou do poder, pois a experiência interna do indivíduo sobrepuja
a importância do educador. Ele adquire a iniciativa e entusiasmo no repasse
de seus conhecimentos sobre o modo de alimentar-se e o faz de maneira
livre e criativa.
Esta proposta de intervenção assume como meta a Revolução Criativa
proposta por Moreno (MORENO, 1992), concedendo ao indivíduo um novo
poder de gerir sua saúde gerenciando os meios ao seu alcance.
Referências
LUSTIG, R.H; SCHMIDT, L.A.; BRINDIS, CD. The toxic truth about sugar -
Added sweeteners pose dangers to health that justify controlling them like
alcohol. NATURE. 2 February 2012; VOL 482; 27-29.. Macmillan Publishers
Limited.
GARRIDO-MARTÍN, E. Psicologia do encontro: J.L.Moreno. São Paulo:
Ágora, 1996.
MORENO, J.L.Quem sobreviverá? Fundamentos da Sociometria,
Psicoterapia de Grupo e Sociodrama. Goiânia: Dimensão, 1992.
ROJAS-BERMÚDEZ, J.G. Introdução ao Psicodrama. São Paulo: Mestre
Jou, 1980.