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Acórdão nº 03/CC/2011, de 7 de Outubro 1 Acórdão nº 03/CC/2011 de 7 de Outubro Processo n.º 02/CC/2011 (Fiscalização concreta de constitucionalidade) I Relatório O Meritíssimo Juiz de Direito da 2ª Secção do Tribunal Judicial da Cidade de Tete, Dr. JOÃO GUILHERME, ao abrigo do disposto nos artigos 214 e 247, n.º 1, alínea a), da Constituição da República e do preceituado no artigo 68 da Lei n.º 6/2006, de 2 de Agosto, remeteu ao Conselho Constitucional, com entrada em 21.07.11, o Processo n.º 68/2011, autos de Acção Emergente de Contrato de Trabalho, em que é Autor DANIEL CELESTINO e Ré a empresa RIVERSDALE MOÇAMBIQUE, LIMITADA, processo no qual recusou a aplicação das normas contidas no artigo 184 da Lei n.º 23/2007, de 1 de Agosto, com fundamento na sua inconstitucionalidade, por contrariarem, de acordo com o seu juízo, o disposto no artigo 70 da Constituição. O Juiz fundamenta a desaplicação das normas em causa nos termos que abaixo se resumem: a) A acção emerge do contrato de trabalho e, inexistindo razões para indeferir in limine ou mandar corrigir a petição inicial, estavam criadas, em termos estritamente jurídico

Acórdão 3 CC 2011

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Acrdon03/CC/2011,de7deOutubro 1Acrdon03/CC/2011de7deOutubroProcesson.02/CC/2011(Fiscalizaoconcretadeconstitucionalidade)IRelatrioO Meritssimo Juiz de Direito da 2 Seco do Tribunal Judicial da Cidade de Tete, Dr. JOOGUILHERME, ao abrigo do disposto nos artigos 214 e 247, n. 1, alnea a), da Constituio daRepblica e do preceituado no artigo 68 da Lei n. 6/2006, de 2 de Agosto, remeteu aoConselho Constitucional, com entrada em 21.07.11, o Processo n. 68/2011, autos de AcoEmergente de Contrato de Trabalho, em que Autor DANIEL CELESTINO e R a empresaRIVERSDALE MOAMBIQUE, LIMITADA, processo no qual recusou a aplicao das normascontidas no artigo 184 da Lei n. 23/2007, de 1 de Agosto, com fundamento na suainconstitucionalidade,porcontrariarem,deacordocomoseujuzo,odispostonoartigo70daConstituio.OJuizfundamentaadesaplicaodasnormasemcausanostermosqueabaixoseresumem:a)Aacoemergedocontratodetrabalhoe,inexistindorazesparaindeferirinlimineoumandar corrigir a petio inicial, estavam criadas, em termos estritamente jurdicoAcrdon03/CC/2011,de7deOutubro 2processuais,ascondiesparaacitaodar,conformeodispostonon.1doartigo22daLein.18/92,de14deOutubro,quecriaosTribunaisdoTrabalho.b)Porm, a Lei n. 23/2007, de 1 de Agosto, introduziu, nos termos do seu artigo 184,uma espcie de novo pressuposto processual, a mediao prvia obrigatria, sem averificao do qual o conflito laboral no pode ser conhecido pelos rgos dearbitragemoujudiciais.c)Temos srias reservas sobre a conformidade desta disposio normativa com aConstituiodaRepblica,[pel]oque,nostermosdoartigo214damesma,reservasenosodeverdefiscalizlaconcretamente.d)No Direito constitucional ptrio a funo de dizer o direito peclio, por excelncia,dos tribunais, conforme o legislador constitucional fixou de forma peremptria noartigo212eseguintesdaCRM.e)Tratase de uma vestimenta tpica do Estado de Direito Democrtico que somos, eonde a separao de poderes, entre ns claramente reconhecida, muito embora talfactonoimporteaproibiodaexistnciademecanismosalternativosderesoluodelitgios,sejameleslaboraisoudeoutrandole.f)No artigo 70 a Constituio reconhece aos cidados o direito de recorrer aos tribunaiscontraactosqueviolemosseusdireitoseinteressesporsieporleireconhecidos,sendoo que a doutrina tem apelidado de direito de acesso aos tribunais, justia ou aodireito.g)Dada a sua importncia, o legislador constitucional concedeu este direito ao cidadocomo direito ou garantia fundamental, o que se extrai da epgrafe do Captulo III doTtuloIIIdaConstituio,ondeestsistematicamenteinseridoocitadoartigo70.h)A insero desse direitogarantia na Constituio obedece ao facto de o legislador terpretendido,econseguido,submetloaumregimeespecial,odequeasnormassobredireitos e liberdades individuais so directamente aplicveis; so apenas limitadas emrazo da salvaguarda de outros direitos e interesses protegidos na Constituio; e, emcasoderestries,devemestasrevestircarctergeraleabstractoesemretroactividade(artigo56CRM).Acrdon03/CC/2011,de7deOutubro 3i)No quotidiano da prtica forense h sistemtica referncia de que esta norma doartigo 70 da CRM carece, para sua operacionalizao ou eficcia, de densificaonormativaequeanormadoartigo184daLTintegratalinterposiolegislativadaquelepreceitonodireitolaboral.entendimentocomoqual(...)sentimonosobrigadosanoconcordar.j)Sobre o alcance da aplicabilidade das normas constitucionais em causa, GomesCanotilho afirma que se as normas constitucionais, consagradoras de direitos,liberdades e garantias individuais, so dotadas de aplicabilidade directa, nem por issosignifica ser a mediao legislativa desnecessria ou irrelevante, mas sim, que as taisnormas so dotadas de densidade normativa suficiente para serem feitas valer naausncia da lei ou contra ela (Direito Constitucional e Teoria da Constituio, 7.Edio, Almedina, Coimbra). Por sua vez, Jorge Miranda defende que a aplicabilidadedirecta dessas normas tem o seguinte sentido: a) o seu carcter preceptivo e noprogramtico; b) fundaremse na constituio e no na lei os respectivos direitos,liberdades e garantias; e o de que no so os direitos fundamentais que se movem nombitodalei,masaleiquesemovenombitodosdireitosfundamentais(ManualdeDireitoConstitucional,TomoIV,2.Edio,CoimbraEditora,1993).k)Este , em sntese, o alcance da disciplina dos direitos fundamentais previstos naConstituio moambicana, entre eles o direito de recorrer aos tribunais atribudo aoscidadosecujacoarctaopelolegisladorordinriosediscute.l)Nocasosubjudicedepreendesequeolegisladorordinriodeformaperemptriaveiosimplesmente impor, primeiro, que a mediao obrigatria, e, segundo, que toobrigatriaamediaoquenenhumcidadopoderacederaotribunal,mesmoassimopermitindo a Constituio, antes que o conflito seja decidido em sede de umamediao. E como que para estancar qualquer dvida ou subterfgio, o legisladorordinrio veio impor aos tribunais que no conheam, e por isso, remetam as partes mediaodosconflitosquetenhamdadoentradanotribunalsemmediaoprvia.m) Assim, o legislador ordinrio estabeleceu uma condio ao exerccio de um direitomaterial e formalmente constitucional, reservado aos cidados, a uma simplesAcrdon03/CC/2011,de7deOutubro 4realizao da mediao. A anlise do artigo 184 da LT permite concluir que no setrata de uma restrio, que at a Constituio permite desde que observados ospressupostos, mas sim de um condicionamento ao exerccio do direito de aceder aostribunais.Emtermosrigorosos,arestrioincidirouteravernicaeexclusivamentecomaextensoobjectivadodireito,eno,talcomonocasosubjudice,comorequisitodenaturezacautelardequesefazdependeroexercciodomesmodireito.n)Sobre a ratio legis da norma em causa, temse invocado, para alm das vantagens damediao como tal, a necessidade que o legislador viu e sentiu de descongestionar ostribunais e assegurar a celeridade na soluo dos conflitos laborais, conforme se l,nomeadamente,dasanotaesLeidoTrabalho.o)Boa foi a inteno mas melhor no foi a soluo encontrada. O direito cientfico temasseverado que a celeridade processual no mais do que uma vertente do direito deacesso aos tribunais, ao direito justia, de tal modo que a pretenso de garantir aceleridadenasoluodoslitgios,impondoamediaocomomeioparaalcanla,temo negativo condo de ser contraditrio consigo mesmo, ao condicionar um direito paraproteger parte do mesmo direito [...]. Inexistindo direito ou interesse constitucional aacautelar com o condicionamento, inconstitucional a norma por lhe faltar essepressuposto.Em concluso, o Juiz a quo considera que no carece a norma do artigo 70 da CRM dequalquer interpositio legislatoris para ser aplicada ou fundamentar directa eautonomamente o recurso ao tribunal; no h fundamento constitucional para secondicionaroacessoaostribunaisprviarealizaodamediao;anormadoartigo184da LT traduz uma condio ao exerccio do direito consagrado no artigo 70 da CRM e nopropriamenteumarestrio,oquenoconsentneocomaConstituio.Com os fundamentos expostos, julgou como materialmente inconstitucionais as normascontidasnosn.s1e2doartigo184daLeidoTrabalho,porentenderqueviolamodispostono artigo 70 da CRM,em virtude de condicionarem o recurso aos tribunais realizao damediao prvia, por conseguinte recusouse a aplicar a aludida norma, por fora doAcrdon03/CC/2011,de7deOutubro 5dispostonoartigo214daConstituio,tendoordenadoaremessadosautos,deimediato,ecomefeitossuspensivos,aoConselhoConstitucional,nostermosdopreceituadonosartigos247daCRMe68daLein.6/2006,de2deAgosto.IIFundamentaoOMmojuizdesaplicou,exofficio,asnormaslegaisemquesto,aoabrigododispostonoartigo214daConstituio,eremeteuosautosaoConselhoConstitucionalporforadoestatudonaalneaa)don.1doartigo247daConstituioenoartigo68daLein.6/2006,de2deAgosto,LeiOrgnicadoConselhoConstitucional(LOCC).O Conselho Constitucional a instncia competente, ratione materiae, para conhecer, emfiscalizao concreta, a questo de inconstitucionalidade que se suscita no presente processo,aoabrigodasdisposiesconjugadasdosartigos244,n.1,alneaa)e247,n1,alneaa),daConstituio.Conforme se extrai dos fundamentos da deciso proferida pelo juiz, esta instncia solicitadaparaapreciaredeclararainconstitucionalidadematerialdasnormascontidasnosnmeros1e2 do 184 da Lei n. 23/2007, de 1 de Agosto, por violarem o disposto no artigo 70 daConstituio.Eis,nantegra,oteordasdisposiessupracitadas:ConstituiodaRepblicadeMoambiqueArtigo70(Direitoderecorreraostribunais)OcidadotemodireitoderecorreraostribunaiscontraosactosqueviolemosseusdireitoseinteressesreconhecidospelaConstituio.Acrdon03/CC/2011,de7deOutubro 6Lein.23/2007,de1deAgostoArtigo184(Obrigatoriedadedamediao)1. Salvo os casos de providncias cautelares, todos os conflitos devem serobrigatoriamente conduzidos para a mediao antes de serem conduzidos arbitragemouaostribunaisdotrabalho.2. Os rgos de arbitragem ou judiciais que recebam processos no submetidos conciliao e mediao prvias notificam as partes para o cumprimento do dispostononmeroanterior.Considerandoque,nocasovertente,estamosperanteumprocessodefiscalizaoconcreta,edeharmoniacomopedidodoJuizaquo,oConselhoConstitucionaldeveresponderseguintequestodefundo: A mediao obrigatria prvia dos conflitos individuais de trabalho, constante dosnmeros1e2doartigo184daLeidoTrabalho,contrariaounoocontedodoartigo70 da Constituio, disposio que outorga ao cidado o direito de recorrer aostribunais? Noutros termos, as imposies prescritas naqueles dispositivos legaiscondicionam ou no o exerccio do direito do cidado de recorrer aos tribunais dotrabalho,reconhecidonostermosdanormaconstitucionalcitada?Convm,antesderesponderaestaquesto,examinaraevoluohistricadodireitodeacessoaos tribunais no ordenamento jurdico moambicano, especialmente no que concerne ao doscidadosjustialaboral.A Constituio de 1975 no regulava de forma explcita o direito de acesso aos tribunais,todaviaaestesconfiavaoexercciodafunojudicial,conformedispunhaoartigo62dotextooriginrio.Narevisoconstitucionalde1978,atribuiuseaostribunaisamissodedefenderosAcrdon03/CC/2011,de7deOutubro 7direitoselegtimosinteressesdoscidadosedosdiferentesrgoseentidadescomexistncialegal (artigo 70), e conferiuse tambm ao Conselho de Ministros a competncia de garantirosdireitoseliberdadesdoscidados[artigo60,alneaf)].A matria da justia laboral foi, desde logo, regulada pelo Conselho de Ministros, atravs doDecreto n. 14/75, de 11 de Setembro, que instituiu as Comisses de Trabalho (CTs),atribuindolhes, nomeadamente, a competncia de solucionar as questes individuais detrabalho, cuja natureza era administrativa, estruturandose hierarquicamente, desde aComissoNacionaldeTrabalho,passandopelasComissesProvinciais,atsComissesLocaisde Trabalho (artigo 4 e ss). O Decreto em apreo extinguiu os tribunais do trabalho, mantevetransitoriamente a competncia dos tribunais comuns em matria do trabalho (artigo 27),ressalvandoaaplicaosubsidiriadoCdigodeProcessodeTrabalho(artigo29).AextinodostribunaisdotrabalhoeasuasubstituiopelasCTsforamjustificados,deacordocomoprembulodoDecreton.14/75,pelanecessidadedeobviarasdificuldadescriadasaostrabalhadores, para fazerem valer os seus direitos, entre outras, a dificuldade de terem derecorreraostribunaisparasoluodosconflitosqueosopunhamsentidadespatronais,numcontexto em que a mquina judicial no reunia condies para responder com rapidez eeficinciaasreclamaesdostrabalhadores.EstamotivaoevidenciaqueestiveramsubjacentescriaodasCTs,deumlado,aintenodesubtrairajurisdiodostribunaisaresoluodosconflitoslaborais,dooutrolado,aopopor resolver os mesmos conflitos atravs de mecanismos meramente administrativos, soluoque, provavelmente, fosse pacfica face Constituio de 1975, que preferiu o princpio daunidadedopoderdoEstadoaoprincpiodaseparaodospoderes,talcomoficouexplicitadonoseuartigo39,aquandodarevisoconstitucionalde1978.Na vigncia da Constituio de 1975, foi publicada a primeira Lei do Trabalho do Estadomoambicano, a Lei n. 8/85, de 14 de Dezembro. Esta Lei, que no se referia ipsis litteris sComisses de Trabalho criadas pelo Decreto n. 14/75, de 11 de Setembro, previa rgos deJustianoTrabalhoqueconheceriam,nomeadamente,dosconflitosdetrabalho(artigo212,n.1),definidosnoartigo211comoasquestesemergentesdoscontratosdetrabalhosurgidasAcrdon03/CC/2011,de7deOutubro 8entre trabalhadores e as entidades empregadoras por motivo de constituio, modificao ouextino da relao jurdica de trabalho. A natureza jurdica daqueles rgos no estavadefinida na lei, que se limitou a reenviar para diploma especfico a fixao do regime da suaorganizao, composio, competncia e funcionamento (artigo 212, n. 3). Nestes termos, aLeidoTrabalhonoafastavaapossibilidadedamanutenodasCTs,comorgosdejustianotrabalho,tantomaisqueadisposiorevogatriadoartigo219daLeinoabrangiaoDecreton.14/75.A Constituio de 1990 veio consagrar o Estado de Direito Democrtico, acolhendo osrespectivos princpios estruturantes. Entre outras medidas, aquela Constituio ampliou ereforouocatlogodosdireitoseliberdadesfundamentais(TtuloIII),emparticularosdireitos,liberdadesegarantiasindividuais(CaptuloIIdoTtuloIII).Noconjuntodestesdireitospassouafigurar ex professo o direito de o cidado recorrer aos tribunais contra actos que violem osseus direitos reconhecidos pela Constituio e pela lei (artigo 82). Na esteira da Constituioantecedente,aConstituiode1990confiouafunojurisdicionalaostribunais(artigo168,n.1),masjdefinidoscomorgosdesoberania(artigo109).Aostribunaiscaberia,noexerccioda funo jurisdicional, assegurar os direitos e liberdades dos cidados, [...] os interessesjurdicos dos diferentes rgos e entidades com existncia legal, bem como penalizar asviolaesdalegalidadeedecidirpleitosdeacordocomalei(artigo161,nmeros1,infine,e3).A Constituio manteve no Conselho de Ministros a competncia de garantir o gozo dosdireitos e liberdades pelos cidados [artigo 153, alnea a)], mas, no novo quadroconstitucional, o Governo exerceria esta competncia no estrito respeito do princpio daseparaodepoderes,isto,sempremcausaacompetnciaprpriadostribunais.Nodomniodajustialaboral,aConstituiode1990introduziuumainovaofundamental,aodeterminar,deformaimperativa,aexistnciadetribunaisdotrabalho[artigo167,n.1,alneag)]. Ao abrigo desta norma, conjugada com o disposto no artigo 168, n. 1, in fine, daConstituio, o legislador ordinrio criou os tribunais do trabalho, atravs da Lei n. 18/92, de14deOutubro,definindooscomorgosdeadministraodajustianotrabalho(artigo1),Acrdon03/CC/2011,de7deOutubro 9aomesmotempoquedeterminouaextinodasComissesdeTrabalhocriadaspeloDecreton.14/75,de11deSetembro.NoseguinteexcertodoprembulodaLein.18/92estpatenteamenslegisdestasmedidas:A Constituio da Repblica e a realidade actual impem a reviso da estruturaorgnica e funcional da administrao da justia laboral com vista a adequla stransformaespolticas,econmicasedinmicaqueconhecehojeoprocessododesenvolvimento da democracia e a implantao do Estado de Direito no nossopas.EsteomesmoespritoquenorteouaaprovaoLein.8/98,de20deJulho,queestabeleceuuma nova disciplina das relaes jurdicolaborais e revogou a Lei do Trabalho de 1985. Deharmoniacomonovoquadroconstitucionalelegaldaadministraodajustialaboral,aLeidoTrabalhode1998noreguloudirectamenteosmeiosderesoluodosconflitosindividuaisdetrabalho,tendoselimitado(i)areconheceraotrabalhadorodireitodesedirigirInspecodoTrabalhoouaosrgosdajurisdiolaboral,semprequesevisseprejudicadonosseusdireitos[artigo 15, n. 4, alnea i)], (ii) a determinar a suspenso do prazo de prescrio dos direitosresultantes do contrato de trabalho, quando o trabalhador tivesse proposto aos rgoscompetentes uma aco judicial destinada a obter indemnizao pelo incumprimento docontrato de trabalho pela entidade empregadora (artigo 13) e (iii) a atribuir aos rgos dejustia laboral a competncia para conhecer das aces de impugnao da justa causa derescisodocontratodetrabalho(artigo71,n.5).Emrelaoresoluodeconflitoscolectivosdetrabalho,aLeidoTrabalhode1998consagroua mediao e a arbitragem voluntrias (artigo 116), assim como a arbitragem obrigatria paraalguns tipos de conflitos, em relao aos quais competiria ao Ministro do Trabalho decidir,casuisticamente,aobrigatoriedadedorecursoviaarbitral(artigo123).EstabreveresenhahistricamostraqueaadministraodajustialaboralemMoambique,noperodopsindependncia,passouporduasfases.Naprimeira,correspondenteaoperododavigncia da Constituio de 1975, foi atribuda a rgos administrativos, as Comisses deAcrdon03/CC/2011,de7deOutubro 10Trabalho, que se substituram aos tribunais do trabalho institudos na poca colonial,entretanto extintos. Na segunda, que inicia com a entrada em vigor da Constituio de 1990,instituiuse a jurisdio laboral atribuda aos tribunais do trabalho, de harmonia com o EstadodeDireitoDemocrticoimplantadonostermosdanovaConstituio.Passemos,doravante,aapreciarodireitodeacessoaostribunaisluzdaConstituiode2004,partindo do pressuposto de que a mesma se situa na linha de continuidade material face Constituio de 1990, conforme se extrai, desde logo, da seguinte declarao contida norespectivoprembulo:ApresenteConstituioreafirma,desenvolveeaprofundaosprincpiosfundamentaisdoEstadomoambicano....Para alm desta proclamao preambular, a pretenso de reafirmar, desenvolver e consolidaros princpios do Estado de Direito Democrtico est patente no articulado da Constituio,desde logo quando na parte final do artigo 3 consagra o respeito e garantia dos direitos eliberdadesfundamentaisdoHomemcomoumdosfundamentosdoEstado.EstafundamentaoderaizantropolgicadoEstadodeDireitoreflectesenonotvelprogressodo novo texto constitucional, no sentido da ampliao e aprofundamento do catlogo dosdireitos, liberdades e garantias fundamentais, bem como do aperfeioamento dos meiosdestinados sua realizao. O princpio da separao e interdependncia dos poderes, queconstitui,aomesmotempo,expedientedelimitaojurdicadopoderemecanismodegarantiados direitos e liberdades, j aparece consagrado de forma explcita no artigo 134 daConstituio.Aprotecojurdicaefectivadosdireitoseliberdades,noquadrodoEstadodeDireito,impeaatribuio da realizao concreta do direito, com o fim de solucionar litgios, a rgosimparciais particularmente qualificados (...) e que devem ter o monoplio da jurisdio1, ouseja,atribunaisindependentes,peranteosquaisocidadoououtrapessoajurdicapodeexigiroreconhecimentoemconcretodosseusdireitos,assimcomoreclamarareparaodosdanosqueresultemdasuaviolao.1GomesCanotilho.DireitoConstitucionaleTeoriadaConstituio,7.Edio(Reimpresso),Almedina,Coimbra,2003,p.668.Acrdon03/CC/2011,de7deOutubro 11Neste sentido, a Constituio, no artigo 62, sob a epgrafe Acesso aos tribunais, incumbe oEstadodegarantiroacessodoscidadosaostribunaise,noartigo70,reconheceaocidadoo direito de recorrer aos tribunais, sendo adequado concluir que existe conexo directa eimediataentreasduasdisposiesconstitucionaisemapreo.NaConstituioemvigorostribunaismantmoestatutodergosdesoberania,bemcomoareserva da funo jurisdicional a seu favor (artigos 133 e 212). O contedo essencial destafunoconsisteemassegurarosdireitoseliberdadesdoscidados,[...]osinteressesjurdicosdos diferentes rgos e entidades com existncia legal, assim como penalizar as violaes dalegalidadeedecidirpleitosdeacordocomoestabelecidonalei,conformedispemosnmeros1e2doartigo212daConstituio.Assinalese que a Constituio de 2004 atribui tambm ao Governo, semelhana dasConstituies anteriores, a competncia de garantir o gozo dos direitos e liberdades doscidados[artigo204,n.1,alneaa)].Porm,comofoireferidoapropsitodaConstituiode1990, esta incumbncia do Governo deve conjugarse e harmonizarse com o princpio daseparao de poderes, agora consagrado expressamente no artigo 134 da Constituio. Istosignifica que o Governo garante o gozo dos direitos e liberdades dos cidados nos limitesestritos do exerccio da governao e administrao, respeitando, portanto, a reservaconstitucional da funo jurisdicional dos tribunais. Convm sublinhar que, diferentemente dagovernao e administrao, a jurisdio uma funo cujo exerccio compete aos juzes, quese distinguem dos agentes governativos e administrativos por beneficiarem das garantias deindependncia, imparcialidade, irresponsabilidade e inamovibilidade (artigo 217 e ss daConstituio).No domnio especfico da jurisdio laboral, a Constituio de 2004 prev a existncia dostribunaisdotrabalhonon.2doartigo223,queumanormafacultativa,eremeteparaaleiaregulaodasuacompetncia,organizaoefuncionamento,conformeodispostonon.3doartigo 233. Da actual previso constitucional dos tribunais do trabalho em norma noimperativa, contrariamente ao que se verificava na Constituio de 1990, no se deve inferirque o legislador constitucional tenha querido subestimar a jurisdio laboral, pois umAcrdon03/CC/2011,de7deOutubro 12entendimento semelhante colocaria em crise o desiderato do aprofundamento e reforo doEstado de Direito Democrtico, em cujos fundamentos insere o respeito dos direitos eliberdades fundamentais do Homem, sendo certo que destes no esto excludos os direitoseconmicos e sociais do cidado, no caso vertente, os direitos do cidado trabalhadorreconhecidospeloartigo84essdaConstituio.O entendimento anterior consentneo com o princpio do Estado de justia socialconsagrado na parte final do artigo 1 da Constituio e, ainda, na alnea c) do artigo 11, quedefine como um dos objectivos fundamentais do Estado moambicano a edificao de umasociedade de justia social.... Segundo esta perspectiva, deve entenderse que a jurisdiolaboral concorre ou deve concorrer para a realizao da justia social no campo das relaessociais de trabalho, procurando estabelecer, da forma mais eficaz, o justo equilbrio entre osinteresses do patronato e dos trabalhadores, quando entram em conflito. Assim, o direito derecorreraostribunaisearespectivagarantia(artigos70e62daConstituio)devemtraduzirse,nodomnioespecficodasrelaeslaborais,nodireitodeacessodocidadoaostribunaisdotrabalhocujoexercciooEstadodeveassegurar.Ao estabelecer a reserva da jurisdio para os tribunais, a Constituio no afasta apossibilidade de existirem, no ordenamento jurdico, instncias extrajudiciais de pacificaosocial,denaturezapblicaouprivada,conclusoqueseextraidoenunciadodon.3doartigo212 da Constituio, disposio que permite ao legislador ordinrio definir mecanismosinstitucionaiseprocessuaisdearticulaoentreostribunaisedemaisinstnciasdecomposiode interesses e de resoluo de conflitos. Esta norma harmonizase com o princpiofundamental do pluralismo jurdico, consagrado no artigo 4 da Constituio, cujo contedoinsere o reconhecimento pelo Estado dos vrios sistemas [...] de resoluo de conflitos quecoexistem na sociedade moambicana, na medida em que no contrariem os valores e osprincpios fundamentais da Constituio. Alm disso, notase que a Constituio admite aexistnciadetribunaisarbitrais(artigo223,n.2),queso,igualmente,meiosextrajudiciaisderesoluodeconflitosedecomposiodeinteresses,nosepodendoconfundirasuanaturezaAcrdon03/CC/2011,de7deOutubro 13nojurisdicionalsimplesmentepelarespectivadenominaoeinserosistemticanotextodaConstituio.Odireitoderecorreraostribunais,porqueinseridonoCaptuloIIIdoTtuloIIIdaConstituio,integra, inequivocamente, a categoria de direitos, liberdades e garantias individuais e,consequentemente, sujeitase ao regime especfico estabelecido no artigo 56 da Constituio,do qual importa destacar os seguintes princpios: (i) aplicabilidade directa dos preceitosconsagradoresdosdireitos,liberdadesegarantias;(ii)vinculatividadedasentidadespblicaseprivadas;(iii)proibiodoexcesso,implcitanoimperativodesejustificaralimitaodaquelesdireitos apenas com base na necessidade de salvaguardar outros direitos ou interessesconstitucionalmente protegidos (iv) reserva da lei formal para a limitao do exerccio dosmesmos direitos; e (v) exigncia de autorizao constitucional expressa para a sua limitaoatravsdalei.O princpio da aplicabilidade directa, se bem que envolve a eficcia imediata dos preceitosconstitucionais consagradores de direitos, liberdades e garantias, nem sempre implica aexequibilidade imediata desses preceitos, porquanto muitos direitos, liberdades e garantiasprecisam de uma optimizao legal, outros pressupem dimenses institucionais,procedimentais e organizatrias criadas pelo legislador2, sendo este o caso do direito deacesso aos tribunais, cuja efectivao implica, nomeadamente, a criao e organizao detribunais,bemcomoadefiniolegaldosmeiosprocessuaismaisadequados.Aintervenodolegislador neste sentido negativamente limitada pelo princpio da vinculao das entidadespblicas (artigo 56, n. 1 da Constituio), que probe a emanao de leis inconstitucionaislesivas de direitos, liberdades e garantias. Nestes termos, os preceitos constitucionais queconsagram direitos, liberdades e garantias constituem normas negativas de competncia,porqueestabelecemlimitesaoexercciodecompetnciasdasentidadespblicaslegiferantes3.As limitaes legais dos direitos, liberdades e garantias carecem, em princpio, de autorizaoexpressa da Constituio (artigo 56, n. 3, da Constituio), e a lei restritiva [...] pressupe aprefigurao constitucional da necessidade de sacrificar o contedo protegido de um direito,2GomesCanotilho,op.cit.,p.440.3Idem,p.440.Acrdon03/CC/2011,de7deOutubro 14seja por se considerar este direito [...] como potencialmente agressivo, realmente, a outrodireito, potencialmente vtima (pois seria prejudicado pelo exerccio no limitado daquele),sejaparaassegurarumvalorcomunitrio,cujarealizaoefectivaexigeforosamenteaquelalimitao4.Partindo da doutrina exposta sobre o direito de acesso justia e do seu regime jurdicoespecfico, enquanto direito, liberdade e garantia, vamos a seguir verificar em que medida asnormas consagradas nos n.s 1 e 2 do artigo 184 da Lei do Trabalho se conformam,materialmente, com a norma enunciada pelo artigo 70 da Constituio, tendo em conta opreceituadonoartigo52daLeiOrgnicadoConselhoConstitucional.A Lei do Trabalho define os princpios gerais e estabelece o regime jurdico aplicvel srelaes individuais e colectivas de trabalho subordinado, prestado por conta de outrem emediante renumerao (artigo 1), e revoga a Lei n. 8/98, de 20 de Julho, nos termosconstantesdoartigo272.Tal como a Lei do Trabalho de 1998, em relao aos conflitos colectivos de trabalho, a Lei emapreo dispe que os mesmos podem ser resolvidos atravs de mecanismos alternativosextrajudiciais, por via da conciliao, mediao ou arbitragem (artigo 181, n. 1), e permite asua resoluo extrajudicial por entidades pblicas ou privadas, mediante acordo das partes(artigo 181, n. 2). Todavia, a actual Lei do Trabalho introduz uma inovao, ao determinar aaplicao do regime de resoluo dos conflitos colectivos, com as necessrias adaptaes, aosconflitosemergentesdasrelaesindividuaisdetrabalho(artigo182,n1).Aexpressopodemserresolvidos,usadanaenunciaotextualdanormadon.1doartigo181 da Lei do Trabalho, sugere que esta disposio de carcter facultativo, o que corroborado pela frmula meios alternativos extrajudiciais, tambm usada no texto danorma. Com efeito, no caso em apreo e no contexto gramatical em que se usa, o vocbulo4 Jos Carlos Vieira de Andrade. Os Direitos Fundamentais na Constituio Portuguesa de 1976, 3. Edio,Almedina,Coimbra,1976,p.231.Acrdon03/CC/2011,de7deOutubro 15alternativo tem o significado de opo entre duas coisas, ou escolha5, e, neste sentido,poderamos prima facie concluir que no reveste carcter obrigatrio o recurso aos meiosalternativos extrajudiciais para a resoluo de conflitos de trabalho, quer colectivos querindividuais.No obstante, a leitura de outras disposies da Lei do Trabalho infirma esta concluso,porquantonon.1doartigo188definedoistiposdearbitragem,avoluntriaeaobrigatoria;noartigo189regulaoscasosdearbitragemobrigatria;non.2doartigo182preconizaquearesoluoextrajudicialdeconflitosindividuaisdetrabalhoporarbitragemsemprevoluntria,assim como consagra no artigo 185 o carcter facultativo da conciliao. Daqui decorre que anormapermissivadon.1doartigo181daLeidoTrabalhonodepersiinequvoca,pois,asdisposies acima citadas permitemnos concluir que os meios extrajudiciais de resoluo deconflitoslaboraisnaLeidoTrabalhonosonecessariamentealternativos.Em relao matria dos autos, est assente que, exceptuando os casos de providnciascautelares, a norma contida no n. 1 artigo 184 da Lei do Trabalho obriga as partes arecorreremmediaoprvia,afimderesolverconflitosindividuaisdetrabalho,proibindoasdeaccionarostribunaisdotrabalho,salvoquandoasoluodolitgionotiversidoalcanadaatravs daquela via extrajudicial, interpretation cessat in claris. Por sua vez, o n 2 do citadoartigo 184 manda o juiz laboral remeter as partes conciliao ou mediao, mediantenotificao,noscasosemqueaccionemotribunal,semprovadeteremlanadomodealgumdaqueles meios extrajudiciais. Isto , embora sempre facultativa, a conciliao acaba por setornar obrigatria para as partes que pretenderem recorrer ao tribunal, sem submeter a suacontrovrsiamediao.ALeidoTrabalhoremeteparalegislaoespecfica,conformeon.4doartigo181,adisciplinada criao e do funcionamento dos rgos de conciliao, mediao e arbitragem.Concretizando esta norma, o Decreto n. 50/2009, de 11 de Setembro, cria a Comisso deMediaoeArbitragemLaboral(COMAL)eaprovaorespectivoRegulamento(artigo1),oqual5JosAlmeidaCostaeA.SampaioeMelo.DicionriodaLnguaPortuguesa,8Ediorevistaeactualizada,PortoEditora,Porto,1999,p.77.Acrdon03/CC/2011,de7deOutubro 16define o modo de funcionamento da COMAL e os procedimentos de mediao, conciliao earbitragemlaboral(artigo1doRegulamento).Convm uma pausa para compreender,em traos gerais, como o Regulamento aprovado peloDecreto n. 50/2009 estrutura os rgos extrajudiciais de resoluo de conflitos laborais. ORegulamento da COMAL define esta entidade como instituio de direito pblico, dotada depersonalidade jurdica, e autonomia administrativa, independncia tcnica e funcional, sobtutela do Ministro que superintende na rea do trabalho (artigo 2, nmeros 1 e 2). A COMAL,queumrgodenvelcentral,noparticipadaresoluodosconflitoslaborais,cabendolhe,sobretudo, implantar, implementar, coordenar e desenvolver os mecanismos extrajudiciais deresoluo desses conflitos [artigos 6 e 8, alnea j)]. A nvel das provncias a COMAL representada pelos Centros de Mediao e Arbitragem Laboral CMALs (artigo 2), e podemexistir, igualmente, Centros de Mediao e Arbitragem Laboral de natureza privada, regidospelaLeidaArbitragem[artigos3,n.2e6,alneai)].OsCMALscriamComissesdeMediaoeArbitragem, de carcter ad hoc, para exercerem a conciliao e a mediao dos litgios queforemsubmetidosaosCentros[artigos7,n.2,alneab),14e21].AcaracterizaosupradaComissodeMediaoeArbitragemLaboraleseusrgoslocaisnodeixa margem para dvida quanto sua natureza eminentemente administrativa, facto que,conjugadocomasdisposiesimperativasdosnmeros1e2doartigo184daLeidoTrabalho,permite tirar as seguintes ilaes: (i) o legislador ordinrio, limita, primeiro, o exerccio dodireito do cidado de recorrer jurisdio laboral, segundo, o exerccio do poder jurisdicionaldos tribunais em matria laboral, em ambos os casos, mediante o condicionamento dasubmisso obrigatria dos conflitos laborais conciliao prvia voluntria ou mediaoprviaobrigatria.Retomemosaquestodefundo,adesaberseestescondicionamentosestoounodeacordocom o direito do cidado de recorrer aos tribunais, reconhecido pelo artigo 70 e que deve sergarantido pelo Estado por fora do artigo 62 da Constituio. A resposta a esta questo deveser desde logo negativa, porquanto, primeiro, consideramos que o direito de recorrer aostribunaisconsagradonoartigo70daConstituiodevetraduzirsenumverdadeirodireitodeAcrdon03/CC/2011,de7deOutubro 17aco judicial que, embora no referenciado ipsis litteris, se extrai, seguramente, daquelasnormas constitucionais; segundo, sustentamos que da imposio expressa no artigo 62 daConstituio,nosentidodeoEstadogarantiroacessodoscidadosaostribunais,deveextrairseumprincpioimanentedaimpreteribilidadedajurisdiooudaviajudicial.As disposies conjugadas dos artigos 62 e 70 da Constituio vinculam positivamente olegisladoradotaraordemjurdicadenormasquepermitamnosaaberturadasportasdostribunais ao cidado como tambm a concretizao do princpio due process of law, ouprincpio do devido processo legal, assim como a boa administrao da justia. Em sentidonegativo,ossupracitadospreceitosconstitucionaisvinculamolegisladoranoaprovarnormaspassveis de estreitarem, de forma directa ou oblqua, o livre acesso do cidado jurisdiopblica,ouseja,nosentidodequealeinodeveafastarorecursodocidadoviajudicialouestabelecerimposiesqueacabamporconstituircondicionamentosaoexercciododireitodeacessoaostribunais,exceptuandooscasosjustificadosdefixaodepressupostosprocessuais,geralmenteadmitidoscomonormaisenecessriosadministraodajustia.Osmecanismosextrajudiciaisderesoluodeconflitos,taiscomoaconciliao,amediaoeaarbitragem,admitidosnostermosdosartigos4,212,n.3,e223,n.2,daConstituio,devemserconsideradoscomoalternativos(nosentidoprpriodestapalavra)viajudicial,demodoaseharmonizaremcomodireitoderecorreraostribunaisprescritonoartigo70daConstituio.Isto implica que o legislador reserve ao cidado interessado a autonomia decisria quanto escolha entre as vias extrajudicial e judicial para fazer valer os seus direitos ou interessesconstitucional e legalmente reconhecidos, excluindose, naturalmente, o recurso autotutela,isto , justia pelas prprias mos. O recurso aos meios extrajudiciais por lei permitidos,quando seja alternativo, isto , opcional via judicial, no suscita problemas deconstitucionalidade, visto que o direito de recorrer aos tribunais, consagrado no artigo 70 daConstituio,novinculaocidadoaapelarintervenodajurisdioestadualemquaisquerhipteses e circunstncias de conflitos. Tratase, sim, duma faculdade de agir que aConstituio lhe outorga, conferindolhe legitimidade para exigir do Estado a proteco eefectivao judicial dos seus direitos. Quando o cidado decide exercer essa faculdade, oAcrdon03/CC/2011,de7deOutubro 18Estadonolhedevecontraporobstculos,porqueomesmoestvinculadoagarantiroacessodocidadoaostribunais,porimperativododispostonoartigo62daConstituio.Embora tratandose de matria diferente daquela que consubstancia o objecto dos presentesautos, perfilhamos a doutrina expendida por Drio Moura Vicente a propsito da Lei deArbitragemmoambicana,equecitadapelojuizaquonafundamentaodasuadeciso:De jure condendo muito questionvel a arbitragem necessria: a sujeio delitgios a rbitros e a sua subtraco jurisdio dos tribunais judiciais, dado quecontendemcomodireitofundamentaldeacessojustia,sdevem,emprincpio,ter lugar quando as partes nisso convenham. A arbitragem necessria , nestamedida,umafiguraanmala6.Estequestionamentojustificasetendoemcontaque,apartirdoconstitucionalismomoderno,consideraseajustiacomoumdosfinsprecpuosdoEstado,prosseguido,deharmoniacomoprincpiodaseparaodospoderes,atravsdoexercciodafunojurisdicionalpelostribunais. verdade que, um pouco por toda a parte, o Estado contemporneo enfrenta, entre tantosoutrosproblemasinstitucionais,ofenmenojconsagradonadoutrinacomocrisedajustia.As suas manifestaes tpicas so sobejamente conhecidas, nomeadamente o incrementoprogressivo e exponencial da litigiosidade, que tem como consequncias o crescimento, namesma medida, dos apelos ao sistema judicirio, o congestionamento dos tribunais e amorosidade na resoluo dos diferendos submetidos judicatura. No obstante, a eliminaodestesedoutrosempecilhosboaadministraodajustiadoEstadonemsempreseconsegueatravs de reformas que impliquem a desjudicializao da composio dos conflitos sociais.Muitasvezes,asoluo passaporseidentificarclaramenteascausasreaisdacriseno seiodoprprio sistema estatal de administrao da justia, o que no afasta a necessidade de oEstado, a ttulo complementar, criar ou promover a criao de vias extrajudiciais alternativas,motivandoeencorajandooscidadosasocorremsevoluntariamentedasmesmas.6Arbitragem e Outros Meios de Resoluo Extrajudicial de Litgios no Direito Moambicano, p. 5. Disponvel emhttp://www.fd.ul.pt/Portals/0/Docs/Institutos/ICJ/LusCommune/VicenteDario2.pdf.Acessadoem20.08.11.Acrdon03/CC/2011,de7deOutubro 19Convmassinalarque,porumlado,amediaoprviaobrigatriadosconflitoslaboraisnogratuita,conformeon.4doartigo20doRegulamentodaCOMAL,quedispeoseguinte:Aaceitao do pedido de mediao est sujeita ao pagamento das custas de mediao. Poroutrolado,osprocessoscveisestosujeitosacustas...,deacordocomodispostonoartigo1do Cdigo das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto n. 43 809, de 20 de Julho de 1961,sucessivamenterevistopelosDecretosn.48/89,de28deDezembro,14/96,de21deMaio,e82/2009, de 29 de Dezembro. O processo cvel compreende os processos laborais, de acordocomasdisposiesdoLivroIdoCdigodeProcessodeTrabalho,aprovadopeloDecretoLein.45479,de30deDezembrode1963,tornadoextensivoaMoambiquenostermosdaPortarian. 87/70, de 2 de Fevereiro de 1970, do ento Ministro do Ultramar, e que se mantm emvigorporforadodispostonon.1doartigo31daLein.18/92,de14deOutubro.Nestes termos, podese vaticinar, nos casos de fracasso da tentativa de mediao, umagravamentodoscustosdoacessojustialaboralparaaspartes,maximeparaotrabalhador,o qual poder verse duplamente confrontado com os encargos financeiros, primeiro, osdecorrentes da mediao prvia obrigatria nos Centros de Mediao e Arbitragem Laboral e,depois, os inerentes aco judicial, sem excluir as eventuais providncias cautelares, quepodem ser requeridas ao tribunal, antes ou no decurso da mediao. A verificarse, estasituao,derivadadaimposiolegaldamediaoprviaobrigatria,poderrepresentarmaisum constrangimento ao exerccio do direito de acesso jurisdio laboral, o que seria menoscompatvelcomodireitodeacessoaostribunaisconsagradonoartigo70daConstituio.Consideramos, data venia, que a essncia do problema da jurisdio laboral no nosso pasreside na circunstncia de que os tribunais do trabalho nunca existiram de facto, conformevinhamprevistosnadisposioimperativadaalneag)doartigo167daConstituiode1990,econforme vm, actualmente, previstos na norma facultativa do n. 2 do artigo 223 daConstituio.Aps a entrada em vigor da Constituio de 1990, e dentro dum prazo razovel, o legisladorordinrioteveocuidadodeconcretizarareferidanormaconstitucionalimperativa,aprovandoa Lei n. 18/92, de 14 de Outubro, que criou os tribunais do trabalho, norteado, como j foiAcrdon03/CC/2011,de7deOutubro 20referido, pelo esprito da adequao da estrutura orgnica e funcional da justia laboral stransformaespolticas,econmicasesociais,dinmicadoprocessododesenvolvimentodademocraciaeimplantaodoEstadodeDireitononossopas,segundoconstadoprembulodalei.Porm, decorridas quase duas dcadas sobre a entrada em vigor da Lei n. 18/92, de 14 deOutubro,ajurisdiolaboralnopascontinuasendoexercidapelostribunaiscomuns,aoabrigodacompetnciaquelhesfoitransitoriamenteatribudanostermosdodispostonoartigo28damesma Lei, o que, obviamente, no pode deixar de constituir uma sobrecarga aos tribunaisjudiciais que, por serem comuns (artigo 223, n. 4, da Constituio), esto tambm a braoscomoincrementoprogressivodofluxodeprocessosdenaturezadiversadoslaborais.No ter sido, seguramente, a inteno do legislador de 1992 manter a jurisdio laboral nostribunaiscomuns,porumperodomuitodilatado,comobemdemonstraoteordoartigo32daLein.18/92:1.OGovernotomarasdisposiesnecessriasaplicaodapresentelei.2. A partir da entrada em funcionamento dos tribunais do trabalho ser extinta acompetncia atribuda aos tribunais comuns em matria laboral, salvo nas reassob a sua jurisdio que no sejam abrangidas pela competncia atribuda a umtribunaldotrabalho.Atentativaderesolverosproblemasdocongestionamentodostribunaisjudiciais,derivadodaacumulao da jurisdio laboral naqueles rgos, e da consequente morosidade processual,atravsdaimposiolegaldaresoluodeconflitosindividuaisdetrabalhoviaextrajudicial,nocaso concreto a mediao prvia obrigatria feita por organismos administrativos, podereconduzirse a uma espcie de diviso do poder jurisdicional, em matria laboral, entre ostribunais e a administrao pblica, contrariando, assim, o princpio da reserva da funojurisdicionalaosprimeiros,impostanostermosdodispostonosnmeros1e2doartigo212daConstituio.Acrdon03/CC/2011,de7deOutubro 21slimitaeslegaisaoacessojurisdiolaboral,constantesdoartigo184daLeidoTrabalho,faltaonecessrioamparoconstitucional,facesdisposiesconjugadasdosnmeros2e3doartigo 56 da Constituio. Com efeito, essas limitaes atingem o contedo juridicamenteprotegidododireitogarantiadeacessoaostribunais,semqualquerautorizaoconstitucionalexpressa,enempodemserconsideradascomolimitesimanentesoudecorrentesdoprpriodireitoderecorreraostribunais.Doutroprisma,nosevislumbra,incasosubjudice,qualquerconflitoentreodireitoderecorreraostribunaiseoutrosdireitosouinteressesprotegidospelaConstituio, cuja salvaguarda imponha a interveno do legislador ordinrio no sentido delimitar o exerccio do primeiro direito. Parafraseando Vieira de Andrade (j citado) podemosafirmar que no est devidamente justificada, neste caso, a necessidade de sacrificar ocontedo juridicamente protegido do direitogarantia de recorrer aos tribunais, porque estenoseapresentacomopotencialmenteagressivo,realmente,aoutrodireitopotencialmentevtima,queseriaprejudicadopeloexerccionolimitadodaquele,assimcomonosemostrajustificada a necessidade de assegurar um valor comunitrio, cuja realizao efectiva exijaforosamenteaslimitaesoraimpostaspeloartigo184daLeidoTrabalho7.Acresce a estes fundamentos a observao de que se verifica um certo dfice de coerncialegislativa nesta matria, passvel de prejudicar os princpios gerais da certeza e da seguranajurdica,queinformamoEstadodeDireito.Comefeito,aprpriaLeidoTrabalhoreconheceaotrabalhador,naalneai)don.5doartigo54,odireitoadirigirse[...]aosrgosdejurisdiolaboral,semprequesevirprejudicadonosseus direitos [sublinhado nosso], dando, assim, a entender que a faculdade de recorrer jurisdiolaboralestsimplesmentedependentedaverificao,naperspectivadotrabalhador,dumalesoaosseusdireitos,soluoqueatmaisconsentneacomodireitodolivreacessoaostribunaisnostermosdodispostonoartigo70daConstituio.Alm disso, o preceito do n. 2 do artigo 272 da Lei do Trabalho revoga, expressamente, asdisposiesconstantesdon.2doartigo9edon.2doartigo16,ambosdaLein.18/92,de14deOutubro,semprestaranecessriaatenoaofactodequeocomandodoseuartigo1847OsDireitosFundamentaisnaConstituioPortuguesade1976,op.cit.,p.231.Acrdon03/CC/2011,de7deOutubro 22colidecomoutrasnormasdestaltimalei,designadamente,anormadon.1doartigo2,queimpe aos tribunais do trabalho o dever de resolver as questes laborais que lhes sejamsubmetidas pela obteno de acordos, os quais no podero ser aceites quando no tenhamsidorespeitadososdireitosdostrabalhadores,eanormadon.1doartigo20quevinculaostribunaisdotrabalhoaodeverdeefectuardilignciasdeconciliao,depoisdeapresentadaapetioouemqualquerfasedoprocesso,semprequejulguemaconciliaopossvel.SendoqueaLeidosTribunaisdoTrabalhoespecialemrelaoLeidoTrabalho,etendoestaconsagrado a mediao prvia obrigatria dos conflitos individuais de trabalho, sem revogarexpressamenteasnormassupracitadas,queobrigamostribunaisdotrabalhoatentarconciliarpreviamente os litigantes em juzo, nem declarar revogadas as normas legais anteriores quedispem em contrrio, tal facto acaba por propiciar certa desarmonia no sistema jurdico, aogerarantinomiasnormativas,cujasoluopressupeeexigeumesforodeinterpretaoluzdeprincpiosgeraisdodireito,osquaisnemsempreconduzemaconclusespacficas,criandooambientedeincertezaseinsegurananaaplicaodoDireito.Concluindo, o artigo 184 da Lei do Trabalho materialmente inconstitucional, porque, semautorizao constitucional expressa, nos termos dos nmeros 2 e 3 do artigo 56 daConstituio, limita, no domnio das relaes jurdicolaborais, concretamente, das relaesindividuaisdetrabalho,odireitoderecorreraostribunais,reconhecidoaocidadopelanormadoartigo70,conjugadacomanormaconstantedaprimeirapartedon.1doartigo62,ambosda Constituio. Limita, igualmente, o poder jurisdicional dos tribunais judiciais em matrialaboral, partilhandoo com os Centros de Mediao e Arbitragem Laboral, rgos daadministrao pblica, ao obrigar os tribunais a no conhecerem o mrito das aces laboraisque lhes forem submetidas, sem que os conflitos, exceptuando as providncias cautelares,tenhamsidopreviamentesubmetidosconciliaooumediaoprvias,levadasacaboporaquelesCentros.Acrdon03/CC/2011,de7deOutubro 23IIIDecisoNestes termos, o Conselho Constitucional declara a inconstitucionalidade material das normascontidasnosnmeros1e2doartigo184daLein.23/2007,de1deAgosto,porcontrariaremanormadoartigo70daConstituio,conjugadacomanormainscritanaprimeirapartedon.1doartigo62,eaindaasnormascontidasnosnmeros2e3doartigo56enosnmeros1e2doartigo212,todosdaConstituiodaRepblica.Maputo,07deOutubrode2011Registe,notifiqueepubliquese.Cumpraseodispostonosartigos53e75daLOCC.HermenegildoMariaCepedaGamito____________________________JooAndrUbisseGuenha____________________________________OrlandoAntniodaGraa_____________________________________LciadaLuzRibeiro__________________________________________ManuelHenriqueFranque_____________________________________JosNorbertoCarrilho________________________________________DomingosHermnioCintura_____________________________________