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Proc. 901/2015 Pá g. 1
Processo nº 901/2015
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂ NCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A, com os sinais dos autos, respondeu em audiência colectiva no
T.J.B., vindo, a final, a ser condenado como autor material da prática de 1
crime de “difamação”, p. e p. pelo art. 174°, n.° 1 e 177°, n.° 2 do C.P.M.,
na pena de 240 dias de multa, à taxa diária de MOP$300,00, perfazendo
MOP$72.000,00 ou 160 dias de prisão subsidiária e no pagamento de
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MOP$10.000,00 como indemnização ao assistente dos autos; (cfr., fls.
432 a 441 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como
reproduzidas para todos os efeitos legais).
*
Inconformado, o arguido recorreu.
Motivou para concluir afirmando o que segue:
“A) Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos
presentes autos, e que condenou o Recorrente pela prática de um crime de difamação,
na forma consumada, com a agravação do número 2 do artigo 177° e número 1 do
artigo 174°, ambos do Código Penal de Macau, na pena de multa de 240 dias,
contabilizada pela quantia diária de trezentas patacas.
B) A discordância com a douta sentença em causa, tem por base o facto de
se entender que a decisão proferida padece de alguns VÍCIOS, susceptíveis de
conduzir à sua revogação, tais sejam:
C) a) o erro de julgamento na apreciação da prova produzida em
audiência;,
D) b) os vícios de erro de direito;,
E) c) do erro notório na apreciação da prova;,
F) d) além da insuficiência da matéria de facto para a tomada da decisão,
como daremos conta ao longo desta peça processual.
G) O Tribunal a quo decidiu condenar – mal, quer nos parecer – o arguido,
após valorar a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento,
procurando fundamentar a decisão com base nos depoimentos das testemunhas
arroladas pela acusação, conforme se infere pelo que vem vertido na decisão:
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H) “Após análise objectiva e global dos depoimentos de testemunha e
tomando em conta as provas documentais apreciadas na audiência de julgamento e
os apreendidos, especialmente após considerar os depoimentos de todas as
testemunhas e ouvir o comentário do Arguido feito na rádio, este Tribunal considera
que as provas são suficientes para reconhecer os importantes factos criminosos
constantes na petição inicial”, quando, quer nos parecer, que a prova produzida vai
no sentido inverso, ou seja, existe na nossa modesta forma de ver os factos, forte
probabilidade de o crime de que o arguido vem acusado – se analisarmos os
elementos objectivos e subjectivos do TIPO – nem sequer ocorreu.
I) A mesma decisão em sede de determinação da medida concreta da
pena – de todo exagerado – afirma de forma peremptória que, “de acordo com os
factos já provados, com a finalidade de prejudicar a honra e consideração do
Assistente e dos seus atletas, o Arguido fez o referido comentário através de meios de
comunicação social, i.e. um canal de rádio, sem ter qualquer fundamento de facto, e
alegou que a equipa do Assistente tinha provavelmente recorrido à dopagem nos
jogos para poder obter a vitória a todo o custo, acrescentando ainda que não era a
primeira vez que isso acontecia”, quando elementos objectivos que decorrem dos
próprios autos, quer da transcrição das declarações e quer da própria declaração,
em si, vão no sentido inverso, como de igual modo se dará conta, em momento
oportuno.
J) Do que se acaba de dizer, conclui-se que a sentença recorrida padece de
alguns vícios, mormente da insuficiência da matéria de facto provada para decisão e
erro notório na apreciação da prova, nos termos das alíneas a) a c) do n° 2 do artigo
400° do CPP.
K) Realizada a audiência de discussão de julgamentos ficaram provados e
não provados os factos constantes da douta sentença.
L) Para melhor inteligibilidade das presentes alegações de recurso,
transcrevemos nesta peça o conteúdo das declarações do Arguido e sobre as quais
incidiu a sentença:
M) «Comentador 1 (Arguido): Ta! Exactamente! O B fez chegar a esse
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protesto e por ora verbalmente, mas depois vai de uma forma escrita a Associação de
Futebol, PORQUE PARECE QUE SEGUNDO OS PESSOAS QUE ESTAVAM NO
CAMPO, parece que tem sido prática na equipa do C dar-se comprimidos os
jogadores durante no jogo, o que nos deixando.
N) Mediador: Os comprimidos! Que comprimidos são estes?
O) Comentador 1 (Arguido): É ISSO QUE NÓ S QUEREMOS INVESTIR
PARA SE SABER, porque não é normal dar-se comprimidos um jogador no decurso
do jogo. Por dores de cabeça? Vou mais longe, por problema de estômago, também,
não sei, não sei, portanto e de modo que nós pedimos.
P) Mediador: Mas tem alcance desta, não digo acusação, mas esta
afirmação comprimidos aos jogadores?
Q) Comentador 1 (Arguido): É Comprimidos e nós não sabemos, é isso que
nos queremos saber que tipo de comprimidos que estão em causa.
R) Mediador: São vitaminas! Suplementos alimentares!
S) Comentador 1 (Arguido): Se calhar é para tirar dores de cabeça. Nós
pedimos, nós pedimos a Associação de Futebol, e hoje fiquei muito, fiquei contente,
porque dizeram-me a Associação que eles e gravam de uma forma aleatória
praticamente todos os jogos, e parece que este jogo, e o jogo contra o C com D
também aconteceu uma cena parecida, parece que estão gravado e espera que eles
vejo e depois terem os conclusões. É claro que eu não tou dizer que os comprimidos
que foram administrado que seja substância dopante e por ali e além, mas eu
estranhei, e nós o B estranhamos, que assim seja. Durante o jogo, não tou a ver UB)
comprimido para fazer passar dores de cabeça ou diarreia, uma coisa por ai.
T) Mediador: Se calhar é mais 11.117 fim, mais um aditivo para o já, o
conturbado para futebol de Macau.
U) Comentador 1 (Arguido): Por isso que nós pedimos, deixa me só
concluir, por isso que nós pedimos se calhar é altura de, se introduzir mecanismo de
controlar antidopagem para Macau, parece já justifica porque há Clubes que quem
quer para ganhar de qualquer forma, portanto se calhar é altura se quisermos dar
mais um passo à frente e também deitar a ver essa faceta.
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V) Mediador: Ficar aqui então esta crítica, esta alerta de A o quer que
será mais a passa o Futebol de Macau.»
W) O Tribunal a quo com base nos factos considerados provados e não
provados baseou a sua convicção nos depoimentos das testemunhas, no comentário
do Arguido feito na rádio e pela análise dos documentos que se encontram junto aos
autos.
X) Da matéria de facto ora reproduzidas, não resulta de modo algum, que
o recorrente tenha praticado o crime de que era acusado.
Y) As afirmações – da autoria do ora recorrente – como se teve o cuidado
de se frisar no programa e que se encontram reproduzidos supra, tiveram por base
COMENTÁRIOS E RELATOS, feitos por terceiros.
Z) Factualidade que poderá ser confirmada e comprovada pela escuta da
gravação do programa em causa, CERTO SENDO QUE, um dos dirigentes da
assistente, teve a gentileza e a dignidade de, pessoalmente, ter confidenciado ao
recorrente que a sua equipa, nunca administrou qualquer tipo de substancia
substância dopantes aos seus atletas, no decurso de qualquer jogo de futebol, mas
sim, tão só “chocolates” que fez questão de os exibir, numa conversa tida no túnel do
estádio de Macau, nos dias que se seguiram ao programa.
AA) Donde se infere o primeiro vício que é assacado a decisão recorrida,
na medida em que se verifica insuficiência da matéria de facto provada – por
omissão de pronúncia.
BB) Em momento algum o Recorrente disse no programa que a assistente
durante os jogos dá aos seus jogadores substâncias dopantes.
CC) O Recorrente teve o cuidado de excluir essa interpretação das suas
declarações:
DD) «[…] É claro que eu não tou dizer que os comprimidos que foram
administrado que seja substância dopante […]»
EE) Nota-se, claramente um desvirtuamento da mensagem que foi passada
e que tinha como intuito único e exclusivo, a chamada de atenção das autoridades
competentes na organização de actividades desportivas em Macau, para que se
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passasse a fazer uma maior monitorização dos equipamentos e demais materiais
técnicos que são levados para os balneários dos nossos estádios.
FF) E, in casu, fazendo fé na conversa e na bondade das palavras do
dirigente desportivo da assistente, no decorrer do jogo, deu chocolates a um dos seus
atletas, que se encontrava em dificuldades físicas, em virtude da hora anormal em
que decorreu aquele jogo de futebol – 14 horas.
GG) É aliás contraproducente e abstruso o raciocínio inverso que se faz
das declarações do Recorrente, e que o mesmo considera manifestamente injusta!!
HH) É que se houvesse qualquer intenção de fazer passar uma mensagem
que se soubesse à partida ser falsa, seria lógico que o Recorrente se escondesse
numa eventual falta de meios de investigação, que tornassem impossível a
confirmação ou não das suas declarações,
II) No entanto, o Recorrente, enquanto Comentador e com conhecimento
de que o que estava a transmitir havia sido reportado por terceiros, PEDIU A
INVESTIGAÇ ÃO:
JJ) «Nós pedimos, nós pedimos a Associação de Futebol, e hoje fiquei
muito, fiquei contente, porque dizeram-me a Associação que eles e gravam de uma
forma aleatória praticamente todos os jogos, e parece que este jogo, e o jogo contra
o C com D também aconteceu uma cena parecida, parece que estão gravado e espera
que eles vejo e depois terem os conclusões.»
KK) E, in casu, fazendo fé na conversa e na bondade das palavras do
dirigente desportivo da assistente, no decorrer do jogo, deu chocolates a um dos seus
atletas, que se encontrava em dificuldades físicas, em virtude da hora anormal em
que decorreu aquele jogo de futebol – 14 horas.
LL) O que se disse é que existia relatos e rumores que iam no sentido de
que foi administrado algo a um determinado atleta, que viria a alterar o seu
rendimento desportivo, CERTO SENDO, que um responsável técnico da equipa em
causa – como já se disse e se repita – afirmou, posteriormente, que leva chocolates
para os jogos, o que se compreende, em virtude da hora da realização dos jogos, que
se repita, aqui e agora, absolutamente anormal para a condição humana.
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MM) Nada mais se infere das afirmações feitas durante o programa, na
certeza de que, a posição assumida publicamente, não é susceptível de ser tida como
um comportamento eticamente reprovável.
NN) Não merece nenhuma censura de natureza penal, porquanto, não
violou nenhum bem jurídico legitimamente protegido da nossa ordem jurídica.
OO) O Tribunal a quo não analisou com o rigor e determinação que se
impunha, ou seja as concretas declarações do Recorrente face ao tipo de crime que
era imputado ao arguido, tendo assumido – “de barato” e “animo leve” – que as
imputações e interpretações da Assistente dos autos foram no sentido que as
declarações terão sido feitas de forma categórica e com intuito doloso, quando
deveras o não o foi, como as expressões o contrariam:
PP) a) O relato não confirmatório, dado por terceiros:
QQ) «[…] PORQUE PARECE QUE SEGUNDO AS PESSOAS QUE
ESTAVAM NO CAMPO, parece que tem sido prática na equipa do C dar-se
comprimidos os jogadores durante no jogo[…]»
RR) b) O pedido de investigação:
SS) «[…] É ISSO QUE NÓ S QUEREMOS INVESTIGAR PARA SE SABER,
porque não é normal dar-se comprimidos um jogador no decurso do jogo. […]»
TT) «Nós pedimos, nós pedimos a Associação de Futebol, e hoje fiquei
muito, fiquei contente, porque dizeram-me a Associação que eles e gravam de uma
forma aleatória praticamente todos os jogos, e parece que este jogo, e o jogo contra
o C com D também aconteceu uma cena parecida, parece que estão gravado e espera
que eles vejo e depois terem os conclusões»
UU) c) A categórica exclusão da qualificação dopante:
VV) «É claro que eu não tou dizer que os comprimidos que foram
administrado que seja substância dopante…»
WW) A avaliação e interpretação das declarações do Recorrente têm de ser
feitas tendo por referência o quadro e ambiente em que as mesmas foram prestadas.
XX) É sabido que, no meio futebolístico são vários os meios pelos quais os
jogadores podem recorrer a fórmulas de melhoramento da performance e aumento da
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capacidade e aptidão física para o jogo.
YY) Basta olharmos atentarmos para as declarações públicas de alguns
reputados jogadores a nível mundial, como foram Franz Beckenbauer – “É claro que
nós tomávamos injeções de vitamina. O médico dizia que eram injeções de vitamina.
Mas uma injeção de vitamina simplesmente melhora o desempenho ou é doping? Eu
não sei. Afinal, o que é doping?” – e Bernd Schuster – “Alguns jogadores têm em
suas bolsas mais pílulas e comprimidos que desodorante ou perfume. Eles são muito
sensíveis e precisam de pílulas para tudo” – para nos apercebemos de que,
hodiernamente, falar de e em comprimidos no mundo da bola, para se concluir de
forma diversa da do Tribunal a quo, ou seja, de que não se insinua que atleta A ou B,
socorreu de substâncias ilícitas para melhorar o seu rendimento.
ZZ) Basta ouvir atentamente a edição do programa em causa, para se
chegar à conclusão diversa do entendimento sufragado pela assistente e pelo douto
Tribunal a quo.
AAA) Jurisprudencialmente “difamar e injuriar mais não é basicamente
que imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular
sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, entendida aquela como
o elenco de valores éticos que cada pessoa humana possui, tais como o carácter, a
lealdade, a probidade, a rectidão, ou seja a dignidade subjectiva, o património
pessoal e interno de cada um, e esta última como sendo o merecimento que o
individuo tem no meio social, isto é, bom nome, o crédito, a confiança, a estima, a
reputação, ou seja a dignidade objectiva, o património que cada um adquiriu ao
longo da sua vida, o juízo que a sociedade faz de cada cidadão, em suma a opinião
pública”, conforme se lê, no Acórdão da Relação de Lisboa, de 6 de Fevereiro de
1996.
BBB) Insusceptível de ser sentida e aferida por uma pessoa jurídica, como
é o caso da Assistente, além de que, “nem tudo aquilo que alguém considere ofensa à
dignidade deverá considerar-se difamação ou injuria punível (…)”, conforme
defende, e bem, E.
CCC) Das afirmações proferidas no âmbito do programa “Bola ao Centro”,
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não “ficou patente que este afirmou categoricamente que a Assistente durante os
jogos – até porque, como expressamente referiu, não foi a primeira vez que tal
aconteceu – dá aos seus jogadores substâncias dopantes, com claro intuito de, como
diz, ganhar os jogos de qualquer forma”.
DDD) O que é mesmo que sustentar que, em momento algum, no decurso do
programa, se disse, de forma clara e inequívoca, que C administra substâncias
dopantes aos seus atletas e nem o Tribunal recorrido dispõe de provas necessárias
para concluir de forma diversa.
EEE) Tanto mais que a qualidade dopante foi expressamente excluída pelo
Recorrente.
FFF) A interpretação diversa, plasmada na decisão em crise, por não ter
correspondência com a declaração expressa, contrariando mesmo a salvaguarda da
licitude feita pelo Recorrente é particularmente grave, porquanto implica a
construção em sede de sentença do acto que se avalia como crime, funcionando
mesmo como a integração da intenção criminosa a posteriori…
GGG) Isto quando o agente, o Recorrente, deveras declarou o contrário.
HHH) O crime deixa de se apurar no acto da declaração, mas antes no
momento de interpretação judicial, ofendendo-se o princípio da culpa.
III) É assim manifesta e expressa a falta de intenção de ofender, não
havendo dolo em qualquer de suas formas.
JJJ) O enfoque feito naquele programa, visava chamar atenção das
autoridades para o horário anormal da realização dos jogos – hoje alterada – com
claro prejuízo para os atletas que pediam, e pedem, sistematicamente auxílio e
assistência à equipa médica.
KKK) O que se disse, É QUE EXISTIA RELATOS que vai ou ía nesse
sentido, certo sendo, que aquele responsável técnico da equipa do assistente, como já
se disse supra, afirmou, posteriormente, que leva chocolates para os jogos, o que se
compreende, em virtude da hora em que se realizava os jogos da primeira divisão em
Macau.
LLL) E como tal não merece nenhuma censura de natureza penal,
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porquanto, não violou nenhum bem jurídico legitimamente protegido da nossa ordem
jurídica.
MMM) Donde se conclui pela não existência do dever de indemnizar, na
medida em que não existe qualquer relação entre o que se alegou, com os danos ou
prejuízos que a assistente possa ter sofrido, na medida em que continuou e contínua a
desenvolver a sua actividade de cariz social e desportiva, certo sendo que na época
seguinte aos factos dos autos, até almejou conquistar o título de campeão.
NNN) E nem causará no futuro, porquanto ajudou, consideravelmente, para
que se fizesse várias alterações na organização dos jogos, que passou pela alteração
da hora do início dos jogos, pela presença constante da ambulância nos estádios.
OOO) De modo que, como resulta do conteúdo da norma do artigo 174°, do
Código Penal, um dos elementos objectivos do tipo legal do crime de difamação,
consiste precisamente na “ofensa da honra ou consideração” de outra pessoa.
PPP) O “direito à honra” expressamente previsto no artigo 73.° do Código
Civil de Macau, consiste num direito de personalidade, de natureza eminentemente
pessoal, e que como escreve o Dr. Capelo de Sousa, in “O Direito Geral de
Personalidade”, 1995, página 117: “Poderemos definir positivamente o bem de
personalidade humana juscivilisticamente tutelado como o real e potenciar físico e
espiritual de cada homem em concreto, ou seja, o conjunto autónomo, unificado,
dinâmico e evolutivo dos bens integrantes da sua materialidade física e do seu
espírito reflexivo, sócioambientalmente integrado”.
QQQ) E, no âmbito do crime de difamação, ainda que com publicidade – o
que se admite, sem conceder – estamos no domínio de um acervo de direitos
fundamentais intimamente ligados à dignidade humana, que se repercute em vários
direitos absolutos, todos eles conexos com a pessoa – enquanto ser humano.
RRR) De facto, não obstante se conhecer e reconhecer a existência de
diversas opiniões díspares em relação a este preceito, o bem que se visa proteger com
a redacção da norma em causa – “(…) é a dignidade individual de cada cidadão,
expressa na honra e consideração que lhe são devidas pelos seus semelhantes”.
SSS) Conceito que, salvo melhor opinião, não se a figura ser defensável
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no âmbito das pessoas colectivas, sem prejuízo da respectiva e necessária tutela em
sede penal e civil.
TTT) De qualquer forma, faltaria sempre O ELEMENTO SUBJECTIVO
DO TIPO, na forma de dolo – ainda que se admita bastar o genérico – pois que o
Recorrente não teve – e nunca terá – o propósito de atingir a honra e consideração
da assistente e dos seus atletas.
UUU) Tendo publicamente, na qualidade de comentador na imprensa
relatado a informação que lhe havia sido passada por terceiro, e fazendo essa
ressalva, a sua actuação foi, nesse particular semelhante ao de um jornalista.
VVV) A responsabilidade criminal nesta actividade há muito que é
estudada.
WWW) Por todos vide, a esse respeito o artigo publicado pelo Dr. Luis de
Vasconcelos Trepa, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 8°, nos. 1 e 2, 1948,
com particular interesse:
XXX) «É pois necessário que exista a intenção criminosa (Ac. da ReI. de
Lx., de 9-6900, na Gaz. da Rel. de Lx., ano 14.°, 213; Ac. de 20-7-901, na Gaz. da Rel.
de Lx., ano 15.°, 301). Não havendo intenção criminosa não pode haver crime» (Ac.
da Rel. do B, de 29-4-21, na Rev. dos Trib., ano 39, 333).» Não há crime de injúria ou
de difamação quando não houve intenção e fim de injuriar e assim se deve provar
porque não se presume» (Ac. do Sup. Trib. de Just., de 26-11-75, na Gaz. Assoc. Adv.,
I°, 470 e em o Dir., 8.°, 230).
YYY) O que se passa com as notícias todos os dias divulgadas pela
Imprensa, sempre ávida de fornecer pormenores aos seus leitores, entrando por isso
muitas vezes em detalhes sobre a vida das pessoas, criticando certos actos e roçando
até algumas vezes pela inconfidência. Dará este caso origem ao crime de difamação,
ou ao de injúria? Ou, pela própria natureza da Imprensa, estará ela desculpada,
visto tratar-se de uma necessidade de natureza profissional? Parece-nos que, nestes
casos, é de atender a essa necessidade, que só por si exclui, ou pode excluir, intenção
de ofender, tanto mais que, na maioria dos casos, o jornalista não conhece
pessoalmente e de uma maneira profunda a pessoa ou pessoas a respeito de quem
Proc. 901/2015 Pá g. 12
escreveu, não podendo por esse motivo existir nele qualquer intenção de difamar ou
injuriar, sem a qual não pode existir nenhum destes crimes.»
ZZZ) Agindo enquanto comentador desportivo e fazendo questão de
alertar as entidades para algo que lhe foi reportado, o Recorrente formulou o seu
juízo e alertou as autoridades para que analisassem os factos, comprovassem a sua
veracidade ou não, formulando assim o seu juízo de valor e não uma constatação de
facto, que desde logo excluiu, quer quanto à sua existência, – porque lhe foi
reportado por terceiro –, quer quanto à ilicitude do mesmo – porquanto excluiu desde
que tenha sido utilizada qualquer substância dopante.
AAAA) Por se revelar indispensável para a presente causa, atendendo ao
valor dos conhecimentos e argumentos expostos, trazemos a V. Douta consideração o
acórdão do Venerando Juiz Conselheiro Hélder Roque, que alerta para as diferenças
entre factos e juízos de valor, no acórdão do STJ de 14/02/2012:
BBBB) «…A distinção entre afirmações de facto e juízos de valor,
entendidos estes últimos, em sentido amplo, de modo a abranger opiniões, crenças e
convicções pessoais, incluindo sobre situações de facto, embora seja meramente
tendencial, na medida em que, do ponto de vista teorético-cognitivo, as primeiras
podem conter elementos subjectivos e os segundos são susceptíveis de se basear em
realidades objectivas […], permite registar que os juízos de valor resultam de uma
apreciação subjectiva incontornável, de um elemento de tomada de posição
ideológica ou emocional, enquanto que as afirmações de facto ou são verdadeiras ou
falsas, pressupondo a indispensabilidade da sua prova, ao contrário do que sucede
com os juízos de valor, em que já não haverá, em princípio, lugar à averiguação da
sua verdade ou falsidade, ou do seu escoramento emocional ou racional, desde que a
génese subjectiva do juízo de valor seja, imediatamente, perceptível junto dos
destinatários […].
CCCC) Com efeito, a prova da exactidão dos juízos de valor é impossível
de realizar e seria atentatória da liberdade de expressão, importando, tão-só, que os
mesmos não se encontrem, totalmente, desprovidos de base factual, sob pena de
poderem ser considerados excessivos, devendo, então, ser sujeitos a apreciação, de
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acordo com um critério de proporcionalidade […].
DDDD) A opinião é uma posição parcial, sustentada numa argumentação
que pretende convencer e arregimentar, mas que deve corresponder a uma convicção
séria e fundada, uma apreciação, um ponto de vista sobre qualquer espécie de
questão ou assunto, na qual o seu autor exprime pontos de vista subjectivos,
aduzindo argumentos a esse favor, relativamente a temas que, por qualquer razão,
despertam o seu interesse, podendo ser de análise de acontecimentos ou de
formulação de um juízo sobre determinada pessoa ou coisa, retirando dos factos
deduções e conclusões, e induzindo os receptores a aderirem a essas teses e
conclusões.
EEEE) O objectivo da opinião, que se distingue, claramente, da notícia, é
lançar o debate e esclarecer o público, procurando, por vezes, chamar a atenção
para determinados aspectos das notícias que passam ao lado de pessoas mais
despercebidas, sendo textos pessoais e, inteiramente, subjectivos que trazem em si
uma pretensão de validade, se não universal, pelo menos, intersubjectivamente,
alargada […].
FFFF) Enquanto que a crónica é marcada por uma relação de fidelidade
com o objecto descrito ou figurado, assumindo o narrador uma posição de
neutralidade, para dar relevo ao acontecimento, a opinião introduz a marca da
subjectividade, do parcial, razão pela qual esta nunca exclui a possibilidade do erro
e a do confronto com outros pontos de vista, tendo como limites lógicos a
intolerância, o fanatismo e o dogma.
GGGG) A crítica consiste numa actividade caracterizada pela emissão de
juízos de valor e, por isso, em larga medida, recobre os domínios em que pode
formar-se uma opinião, exigindo seriedade de propósitos, motivação de juízos,
apreciação racional e coerente do objecto analisado, ainda que, aparentemente, seja
destruidora, violenta ou até truculenta, mas de onde se exclui o espírito de
maledicência, revanche, desforço, ajuste de contas ou até cegueira ideológica […].
HHHH) O que distingue a opinião das imputações de factos é o elemento da
tomada de posição de ser a favor ou contra, isto é, do opinar, sendo certo que estas
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ultimas, devido à sua pretensão de objectividade, são, por via de regra, entendidas
mais a sério, configurando, por isso, no debate de ideias, uma espada mais cortante
do que os juízos de valor, cuja subjectividade é sempre, exteriormente, reconhecível
[…].
IIII) A possível confundibilidade entre imputações de facto e juízos de
valor, para efeitos de eventual restrição da liberdade de expressão quanto a estes
últimos, deve ser entendida, em termos hábeis, apenas sendo aceite, em casos limite,
em que os juízos de valor são apresentados com manifesta má fé, contra todas as
evidências empíricas e circunstanciais, garantindo-se, ao invés, em maior medida, a
protecção à comunicação de factos errados, sendo certo que, não raro, os juízos de
valor se transformam em juízos de facto e as afirmações de facto em afirmações de
valor […].
JJJJ) É , por isso, que o direito fundamental à liberdade de opinião não
pretende estar apenas ao serviço da verdade, mas, também, garantir a todo o cidadão
a possibilidade de exprimir, livremente, o que pensa, mesmo quando não ofereça nem
possa oferecer qualquer razão controlável para o seu juízo, contrariamente ao que
acontece com a tutela constitucional da liberdade da imputação de factos que pode
depender da verdade da respectiva comunicação.
KKKK) Porém, quando a opinião sobre uma pessoa se traduz num juízo
desfavorável é sempre mais fácil o resvalamento para o domínio do ilícito, podendo
invadir-se a esfera de tutela jurídico-constitucional dos direitos da mesma.
LLLL) Assim sendo, o sentido da decisão quanto à ilicitude ou justificação
do exercício concreto do direito à liberdade de imprensa acaba por ficar prejudicado
pela qualificação como juízo de valor ou imputação de factos […]. …”.»
MMMM) Pelo exposto, concluiu-se que se verifica o apontado vício de erro
de direito, porquanto não se afigura estarem preenchidos os requisitos do tipo legal
do crime de difamação, previsto e punido pelo artigo 174.° do Código Penal de
Macau.
NNNN) O mesmo se dirá em relação ao recurso à norma do número 2 do
artigo 177° do Código Penal de Macau, como agravante para o ilícito penal que é
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imputado ao recorrente.
OOOO) Houve erro de aplicação de direito por parte do Tribunal a quo, ao
decidir pela determinação da pena a aplicar, nos termos e para os efeitos do disposto
no número 2 do artigo I 77° do Código Penal.
PPPP) A sentença recorrida padece do vício do erro notório na apreciação
da prova.
QQQQ) Existe “erro notório na apreciação da prova” quando, de forma
notória, se verifique que o que se teve como provado ou não provado está em
desconformidade com o que realmente se provou, ou quando se retira de um facto
provado uma conclusão logicamente inaceitável, violando-se as regras sobre o valor
da prova vinculada ou de experiência e as “legis artis”.
RRRR) Da sentença resulta claramente que o Tribunal a quo teve em
consideração as declarações das testemunhas, bem como da audição de parte do
programa em causa e ainda pela análise dos demais documentos juntos aos autos,
SSSS) Incompreensivelmente, retirou dos factos provados conclusão
logicamente inaceitável – a finalidade de prejudicar a honra e consideração do
Assistente e dos seus atletas, o Arguido fez o referido comentário através de meios de
comunicação social, i.e. um canal de rádio, sem ter qualquer fundamento de facto, e
alegou que a equipa do Assistente tinha provavelmente recorrido à dopagem nos
jogos para poder obter a vitória a todo o custo, acrescentando ainda que não era a
primeira vez que isso acontecia – violando-se as regras sobre o valor da prova
vinculada ou de experiência e as “legis artis”.
TTTT) 66.°
UUUU) O Tribunal não fez a leitura correcta das afirmações do recorrente,
porquanto em momento algum afirmou, CATEGORICAMENTE, os factos que viriam
a lhe ser atribuídos pelo mesmo tribunal.
VVVV) A não ser que, afirmar, que se ouviu dizer ou que andam por aí a
dizer, constitui ilícito penal que, POR SI SÓ , se torna num facto voluntário, típico,
além de ilícito, culposo e punível, a olhos da legislação penal vigente.
WWWW) Basta uma leitura da transcrição das declarações em causa, para
Proc. 901/2015 Pá g. 16
se concluir de forma diversa e pela ausência de elementos que confirmem a prática
dos factos – com todo os elementos definidores do tipo (voluntário, típico, ilícito,
culposo e punível) – sendo que esta simples leitura seria o suficiente para lançar a
dúvida e levar com que o Tribunal se pronunciasse num sentido diverso, ou seja,
optando pela absolvição do arguido.
XXXX) A sentença recorrida padece do referido vício e, consequentemente,
verifica-se erro na aplicação do direito ao caso concreto, o que é como se sabe causa
de nulidade de qualquer decisão judicial.
YYYY) É vedado ao Tribunal fazer inclusão à matéria de direito nos factos
provados, ou melhor dizendo, o Tribunal só pode e deve retirar ilações dos factos e só
dos factos, algo que não se verifica na presente demanda.
ZZZZ) É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as
provas, nos termos do artigo 336° do Código de Processo Penal e é do seu conjunto,
no uso do poder de livre apreciação das provas conjugados com as regras da
experiência artigo 114° do mesmo código – que os julgadores adquirem a convicção
sobre os factos objecto do litígio, sem no entanto, formular(em) juízos de valor sobre
as mesmas, por se tratar de uma questão de direito.
AAAAA) Pergunta-se, aqui e agora, como é que o Tribunal a quo chegou a
conclusão no que diz respeito as condições pessoais do arguido e a sua situação
económica?
BBBBB) Como é que os julgadores aferiram a intensidade do dolo, que
consideram ser bastante alta, entrando em contradição com o que se diz no que
concerne as consequências das afirmações feitas?
CCCCC) A sentença recorrida padece do vício de erro na aplicação do
direito e da determinação da medida concreta da pena, e que é como se sabe, causa
de nulidade de qualquer decisão judicial.
DDDDD) O Tribunal não dispunha de elementos suficientes para proceder a
determinação da intensidade do dolo no caso concreto, além de não dispor, de
elementos no que concerne a situação económica do recorrente, para a fixação da
multa nos exactos termos em que o fez.
Proc. 901/2015 Pá g. 17
EEEEE) Não se pode olvidar que a medida da pena tem como limite e
pressuposto a culpa.
FFFFF) Como nos ensina o Professor Figueiredo Dias: “Um terceiro
princípio de relevo político-criminal incontestável é o princípio da culpa: o princípio
segundo o qual, como se sabe, em caso algum pode haver pena sem culpa ou medida
da pena ultrapassar a medida da culpa. Vale acentuar que não existe qualquer
contradição entre este princípio e a afirmação precedente, conforme a qual o
momento inicial e decisivo de legitimação da pena reside numa ideia de prevenção
geral positiva. Com efeito, o princípio da culpa não vai buscar o seu fundamento
axiológico, aliás irrenunciável, a uma qualquer concepção retributiva da pena, antes
sim ao princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal: o princípio axiológico mais
essencial à ideia do estado de direito democrático.”
GGGGG) Como se tem vindo a argumentar, comprovada que seja os vícios
dos artigos 400° do Código do Processo Penal, impõe-se promover a RENOVAÇ ÃO
DA PROVA, precisamente por se entender que o Tribunal a quo não dispunha – como
não dispõe – de elementos de facto para a tomada da decisão, nos exactos termos em
que o fez.
HHHHH) Não se pretende pôr em causa o princípio da livre apreciação da
prova, princípio consagrado no artigo 114° do CPPM e na Lei Básica da RAEM.
IIIII) Tal princípio obedece a regras, estando sujeito a limites.
JJJJJ) Não há que confundir o grau de discricionariedade implícito na
formação de juízo de valoração do julgador com o livre arbítrio.
KKKKK) E, uma vez mais, como nos ensina o Professor Figueiredo Dias,
“a livre ou íntima convicção do juiz não poderá ser puramente subjectiva, emotiva e
portanto imotivável mas, não deixando de ser pessoal, há-de ser racionalizada,
objectiva e motivável, de modo a susceptibilizar controlo” (cfr. Figueiredo Dias,
Direito Processual Penal, Coimbra, 1979. pp.189 e ss.).
LLLLL) A decisão recorrida padece ainda do vício de insuficiência da
matéria de facto provada para a decisão, porquanto se verifica que o Tribunal omite
a pronúncia sobre uma das matérias objecto do processo e que é fundamental, para a
Proc. 901/2015 Pá g. 18
descoberta da verdade material.
MMMMM) E a questão prende-se com o facto de saber se os atletas da
assistente consomem ou não chocolates durante os jogos?
NNNNN) Ora, verificando a omissão de pronúncia, verifica o sufragado
vício, conforme a conclusão que se chegou recentemente no âmbito do Processo n°
610/2012, do TUI”.
Pede: “Que seja dada provimento ao presente recurso, anulando-se a decisão
recorrida;
Ou, em alternativa, analisada as diversas questões suscitadas de modo a
permitir este Douto Tribunal tomar posição sobre as questões suscitadas,
promovendo a renovação da prova, nos termos e para os efeitos do artigo 415° do
CPPM”; (cfr., fls. 504 a 554).
*
Respondendo, pugnam o assistente e o Ministério Público pela
improcedência do recurso; (cfr., fls. 561 a 564 e 565 a 573).
*
Neste T.S.I., e em sede de vista juntou o Ilustre Procurador Adjunto
o seguinte douto Parecer:
Proc. 901/2015 Pá g. 19
“Na Motivação do recurso (cfr. fls.504 a 554 dos autos), o
recorrente invocou o erro de julgamento na apreciação da prova
produzida em audiência, os vícios de erro de direito, o erro notório na
apreciação da prova e, afinal, a insuficiência da matéria de facto para a
tomada da decisão.
Antes de mais, sufragamos inteiramente as criteriosas explanações
do ilustre colega na douta Resposta de fls.565 a 573 dos autos, no
sentido de não merecer provimento do recurso em apreço.
No que respeite ao «erro notório na apreciação de prova» previsto
na c) do n.°2 do art.400° do CPP, é pacífica e consolidada, no nosso
actual ordenamento jurídico de Macau, a seguinte jurisprudência (cfr. a
título exemplificativo, Acórdãos do Venerando TUI nos Processo
n.°17/2000, n.°16/2003, n.°46/2008, n.°22/2009, n.°52/2010, n.°29/2013
e n.°4/2014): O erro notório na apreciação da prova existe quando se
dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve
como provado ou não provado está em desconformidade com o que
realmente se provou ou não provou, ou que se retirou de um facto tido
como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe
também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou
as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não
Proc. 901/2015 Pá g. 20
passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o
homem de formação média facilmente dele se dá conta.
No caso sub judice, temos a certeza de que não surge a «conclusão
logicamente inaceitável» arrogada na conclusão SSSS) da Motivação,
por se mostrar plenamente sustentável a fundamentação do Tribunal a
quo, no sentido de «在客觀綜合分析了各證人之證言,並結合在審判
聽證中審查的書證及扣押物證後,尤其考慮到各證人的證言及於庭上
聽取了嫌犯當時於電台所做的評論,本院認為證據充分,足以認定起
訴書內所載的重要犯罪事實。» e «基於以上種種,根據一般人的經驗
做判斷,本合議庭認定了上述事實。».
De outro lado, a conclusão tirada pelo Tribunal a quo não colide
nem com regras de experiência nem o axioma da Lógica; e a valorização
e convicção do Tribunal a qua não ofende as regras quanto ao valor da
prova vinculada ou as legis artis.
Com efeito, o raciocínio do recorrente dá-se a entender que na sua
óptica, o «erro notório na apreciação de prova» consiste em não existir
prova segura para suportar a convicção do Tribunal a qua sobre os
factos provados. O que torna líquido que a sua argumentação não se
integra em nenhuma daquelas modalidades delineadas reiteradamente
pelo TUI.
Proc. 901/2015 Pá g. 21
Por cautela, vale in casu recordar o ensinamento do Venerando
TUI no seu Processo n.°13/2001: O recorrente não pode utilizar o
recurso para manifestar a sua discordância sobre a forma como o
tribunal a quo ponderou a prova produzida, pondo em causa, deste modo,
a livre convicção do julgador.
Por sua vez, o Venerando TSI inculca (aresto no Proc.
n.°470/2010): Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova
nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto
do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é,
em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia
o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para
formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos,
visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da
livre convicção do Tribunal.
Em conformidade com tais sensatas jurisprudências, torna-se
indiscutível que não se verificam o «erro de julgamento na apreciação da
prova produzida em audiência» e o «erro notório na apreciação de
prova», sendo os argumentos do recorrente vedados pelo preceito no
art.114° do CPP.
Está solidamente consolidada a jurisprudência que proclama (a
Proc. 901/2015 Pá g. 22
título exemplificativo, cfr. Acórdão do TUI no processo n.°12/2014):
«Para que se verifique o vício da insuficiência para a decisão da matéria
de facto provada, é necessário que a matéria de facto provada se
apresente insuficiente, incompleta para a decisão proferida, por se
verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária a uma
decisão de direito adequada, ou porque impede a decisão de direito ou
porque sem ela não é possível chegar-se à conclusão de direito
encontrada.» e «Ocorre o vício da insuficiência para a decisão da
matéria de facto provada quando a matéria de facto provada se
apresente insuficiente para a decisão de direito adequada, o que se
verifica quando o tribunal não apurou matéria de facto necessária para
uma boa decisão da causa, matéria essa que lhe cabia investigar, dentro
do objecto do processo, tal como está circunscrito pela acusação e
defesa, sem prejuízo do disposto nos artigos 339.° e 340.° do Código de
Processo Penal.».
No caso sub iudice, os 12° a 17° factos provados demonstram, sem
dúvida, que se preenchem todos os elementos constitutivos – objectivos e
subjectivo – previstos no n.°l do art.174° do Código Penal, pelo que não
se verifica a insuficiência da matéria de facto para a decisão.
Não existindo o erro de direito respeitante a subsunção, resta
Proc. 901/2015 Pá g. 23
saber se for injusta e desproporcionalmente severa a pena de multa de
240 dias, à razão de MOP$300 diariamente.
Tomando por base legal o preceituado nos n.°1 do art.174° e n.°2
do art.177° do Código Penal, considerando a gravidade da ilicitude, e
intensidade da culpa e a correspondente consequência, parece-nos justa
a graduação da dita pena”; (cfr., fls. 582 a 583-v).
*
Nada obstando, passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no
Acórdão recorrido, a fls. 435-v a 438-v, e que aqui se dão como
integralmente reproduzidos.
Do direito
Proc. 901/2015 Pá g. 24
3. Insurge-se o arguido dos autos contra o Acórdão do T.J.B. que o
condenou como autor material da prática de 1 crime de “difamação”, p. e
p. pelo art. 174°, n.° 1 e 177°, n.° 2 do C.P.M., na pena de 240 dias de
multa, à taxa diária de MOP$300,00, perfazendo a multa global de
MOP$72.000,00 ou 160 dias de prisão subsidiária e no pagamento de
MOP$10.000,00 ao assistente dos autos.
Antes de mais, nota-se que a motivação apresentada e as
conclusões a final destas produzidas – onde se identificam as “questões”
a apreciar pelo Tribunal de recurso – são, (para além de extensas), algo
“desarrumadas” e pouco claras na exposição dos “vícios” que, na opinião
do recorrente, inquinam a decisão recorrida.
Tentar-se-à, de qualquer forma, dar cabal resposta às “questões”
colocadas, isto, sem olvidar que as ditas “questões” não se identificam
com os “fundamentos invocados na sua apresentação (para sustentar a
pretensão deduzida)”; (neste sentido, cfr., v.g., o Ac. deste T.S.I. de
03.07.2003, Proc. n.° 136/2003).
Pois bem, tanto quanto se alcança das conclusões da motivação do
Proc. 901/2015 Pá g. 25
presente recurso – que se deixaram transcritas na íntegra e que, como se
disse, delimitam as “questões” a apreciar – é o recorrente de opinião que
padece o Acórdão recorrido de “vícios da decisão da matéria de facto” e
“erro de direito”.
Como afirma:
“B) A discordância com a douta sentença em causa, tem por
base o facto de se entender que a decisão proferida padece de alguns
VÍCIOS, susceptíveis de conduzir à sua revogação, tais sejam:
C) a) o erro de julgamento na apreciação da prova produzida
em audiência;,
D) b) os vícios de erro de direito;,
E) c) do erro notório na apreciação da prova;,
F) d) além da insuficiência da matéria de facto para a tomada
da decisão, como daremos conta ao longo desta peça processual”; (cfr.,
concl. B a F).
Nesta conformidade, vejamos.
Proc. 901/2015 Pá g. 26
3.1 Como é lógico – pois que se nos afigura que sem uma boa (decisão
da) “matéria de facto” inviável é uma boa decisão de direito –
comecemos pelos primeiros ou seja, pelos vícios de “insuficiência da
matéria de facto provada para a decisão”, (concl. F), e “erro notório na
apreciação da prova”; (concl. C e E).
A tanto se passa.
Repetidamente tem este T.S.I. considerado que: o vício de
insuficiência da matéria de facto provada para a decisão apenas ocorre
“quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do
processo”; (cfr., v.g., o recente Ac. deste T.S.I. de 12.02.2015, de
23.04.2015, Proc. n.° 216/2015 e Proc n.° 103/2015 e de 08.10.2015,
Proc. n.° 746/2015).
Por sua vez: “O erro notório na apreciação da prova existe quando
se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se
teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que
realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado
uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se
Proc. 901/2015 Pá g. 27
violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de
experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo
evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e
avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto,
no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as
regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores
adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem
a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do
Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em
sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o
Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar
a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que,
desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre
convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011,
e mais recentemente de 23.04.2015, Proc. n.° 216/2015 do ora relator).
Como também já tivemos oportunidade de afirmar:
“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade.
Proc. 901/2015 Pá g. 28
Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura
possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma
convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da
experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo
Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente,
uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o
valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às
“regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a
explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou
probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de
erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., Ac. de 22.05.2014, Proc.
n.° 284/2014 e de 23.04.2015, Proc. n.° 216/2015).
–– Aqui chegados, e percorrendo as conclusões apresentadas,
constata-se que em sede do vício de “insuficiência da matéria de facto
provada para a decisão”, entende o recorrente que o mesmo se verifica
Proc. 901/2015 Pá g. 29
em relação à (a) decisão da sua condenação como autor da prática de 1
crime de “difamação” e (b) em relação à pena que lhe foi fixada.
Quanto à “decisão condenatória” e face ao que pelo recorrente vem
alegado, mostra-se-nos desde já oportuna a seguinte reflexão.
Há que não confundir a “decisão sobre a matéria de facto” com a
“decisão de direito”.
Naquela, o Tribunal emite pronúncia em relação à “matéria (de
facto) objecto do processo”, e, nesta última, procede ao seu
“enquadramento jurídico-penal”.
Isto é, na primeira, o Tribunal decide qual a “matéria de facto”
(objecto do processo) que do julgamento resultou provada e não provada.
Na segunda, procede à sua “qualificação jurídico-penal”,
subsumindo aquela às normas de direito (substantivo) penal, decidindo se
aquela mesma matéria de facto dada provada integra, (ou não), a prática
pelo arguido do crime pelo qual está acusado, (ou outro, se, observadas as
Proc. 901/2015 Pá g. 30
necessárias formalidades processuais, for caso disso), proferindo, então,
uma decisão (final) condenatória ou absolutória.
Feita esta nota, e sendo a “insuficiência da matéria de facto
provada para a decisão”, (como o próprio nomen iuri indica), um vício
próprio, (e típico), da “decisão da matéria de facto”, óbvio é que
adequado não é apreciar-se nesta sede se a “factualidade provada” integra
(ou não) – no caso dos autos – o crime de “difamação”, isto é, se
verificados estão todos os seus elementos objectivos e subjectivos, já que
é tal aspecto próprio do atrás referido “enquadramento jurídico-penal”,
cujo desacerto integra (eventual) erro (da decisão) de “direito”.
Assim, (e clarificada parecendo-nos estar a natureza e contexto da
questão a apreciar), cabe dizer que – quanto à aludida “decisão
condenatória” – não se vislumbra o assacado vício.
Com efeito, (e, repita-se, no que respeita à “decisão condenatória”),
verifica-se que o Colectivo a quo não deixou de emitir pronúncia sobre
toda a “matéria objecto do processo”, elencando a que resultou provada e
não provada; (como de uma mera leitura do Acórdão recorrido se pode
Proc. 901/2015 Pá g. 31
constatar; cfr., fls. 435-v a 438).
Como configurar assim uma “insuficiência”?
Especialmente, quando o arguido não apresentou contestação,
estando assim o Colectivo a quo, de certa forma, como que “vinculado” à
matéria da acusação?
Nesta conformidade, e – repita-se – certo sendo que estamos no
âmbito da “decisão da matéria de facto”, e não na apreciação da “decisão
de direito que efectuou o seu enquadramento jurídico-penal”, à vista está
que inexiste o assacado vício.
Afigura-se porém oportuno um esclarecimento adicional.
É o seguinte.
Se bem ajuizamos, a final das suas conclusões, diz o recorrente que
se incorreu em “insuficiência da matéria de facto” porque não se
investigou se “os atletas da assistente consomem ou não chocolates
Proc. 901/2015 Pá g. 32
durante os jogos?”; (cfr., concl. LLLLL e MMMMM).
Sem prejuízo do muito respeito que se tem por entendimento
diverso, (e independentemente do demais), não se alcança a utilidade do
apuramento de tal matéria.
Com efeito – e o próprio recorrente não explicita – que efeito teria
ou poderia ter tal factualidade?
Se a questão vem colocada no âmbito da “prova da verdade dos
factos”, (“prova da verdade da imputação”; cfr., art. 174°, n.° 2, al. b) ),
então, a “matéria” seria outra – quanto a “produtos dopantes” – e
(certamente) não quanto a “chocolates”.
De facto, e como nos parece evidente, “esta” a (assacada) matéria
relevante e integradora de um (eventual) crime de “difamação”.
Contudo, e como se disse, pelo arguido/recorrente não foi
apresentada contestação, não nos parecendo também que devesse o
Colectivo a quo investigar, oficiosamente, tal factualidade, especialmente,
Proc. 901/2015 Pá g. 33
quando o mencionado n.° 2 do art. 174° faz recair este ónus (da sua prova)
sobre o “agente”, e quando, a afirmação produzida, como o próprio
recorrente também reconhece, constitui uma (mera) “suspeita”; (cfr.,
concl. ZZZ).
–– Aqui chegados, vejamos do alegado “erro notório”, (deixando a
questão da “insuficiência” em relação à pena para momento que se
considera mais oportuno, ou seja, após verificação da efectiva existência
do imputado crime).
E como na situação anterior, e sem necessidade de alongadas
considerações, a mesma se nos apresenta que deve ser a solução.
Com efeito, (e em bom rigor), importa ter em conta que a matéria
de facto com relevo nos presentes autos é a respeitante à “intervenção do
arguido no programa de rádio Bola ao Centro” e ao “elemento
subjectivo” (do crime pelo qual estava acusado).
Quanto à referida “intervenção”, (e não se estando ainda em sede
de se saber se a mesma integra o “elemento objectivo” do crime de
“difamação”), cremos que de forma evidente se mostra de concluir que o
Proc. 901/2015 Pá g. 34
Colectivo a quo se limitou a narrar (transcrever) o que pelo arguido foi
dito em tal programa de rádio (e que se encontra devidamente registado
nos autos).
Em relação ao “elemento subjectivo”, importa ter em conta que em
audiência de julgamento que teve lugar no T.J.B., vários foram os
depoimentos produzidos – cfr., “acta de audiência” a fls. 426 a 428 –
sendo, como nos parece óbvio, de se dar aqui (especial) relevo aos
“princípios da oralidade e imediação”.
E, seja como for, não se deixa de notar que, não obstante cuidada
análise ao decidido, não se vislumbra – nem o recorrente explicita ou
indica – “onde”, “como”, ou “em que termos” incorreu o Tribunal a quo
em desrespeito por (qualquer) “regra sobre o valor da prova vinculada”,
“regra de experiência” ou “legis artis”, para que se pudesse concluir que
padece o Acórdão recorrido do imputado “erro”.
Contudo, também aqui se nos afigura que se justifica uma nota.
Nas suas conclusões, e sobre o “vício” em questão, diz o recorrente
o que segue:
Proc. 901/2015 Pá g. 35
“PPPP) A sentença recorrida padece do vício do erro notório na
apreciação da prova.
QQQQ) Existe “erro notório na apreciação da prova” quando,
de forma notória, se verifique que o que se teve como provado ou não
provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou
quando se retira de um facto provado uma conclusão logicamente
inaceitável, violando-se as regras sobre o valor da prova vinculada ou de
experiência e as “legis artis”.
RRRR) Da sentença resulta claramente que o Tribunal a quo
teve em consideração as declarações das testemunhas, bem como da
audição de parte do programa em causa e ainda pela análise dos demais
documentos juntos aos autos,
SSSS) Incompreensivelmente, retirou dos factos provados
conclusão logicamente inaceitável – a finalidade de prejudicar a honra e
consideração do Assistente e dos seus atletas, o Arguido fez o referido
comentário através de meios de comunicação social, i.e. um canal de
rádio, sem ter qualquer fundamento de facto, e alegou que a equipa do
Assistente tinha provavelmente recorrido à dopagem nos jogos para
poder obter a vitória a todo o custo, acrescentando ainda que não era a
Proc. 901/2015 Pá g. 36
primeira vez que isso acontecia – violando-se as regras sobre o valor da
prova vinculada ou de experiência e as “legis artis”.
TTTT) 66.°
UUUU) O Tribunal não fez a leitura correcta das afirmações do
recorrente, porquanto em momento algum afirmou,
CATEGORICAMENTE, os factos que viriam a lhe ser atribuídos pelo
mesmo tribunal.
VVVV) A não ser que, afirmar, que se ouviu dizer ou que andam
por aí a dizer, constitui ilícito penal que, POR SI SÓ , se torna num facto
voluntário, típico, além de ilícito, culposo e punível, a olhos da
legislação penal vigente.”; (cfr., concl. PPPP a VVVV).
Como se vê, na opinião do ora recorrente, aqui, o “erro” está em ter
o Tribunal retirado dos factos provados “conclusão lógicamente
inaceitável”, e pelos vistos, em virtude de não se dever considerar o
“relato de um rumor crime”.
Porém, (e como é bom de ver), não se pode acolher o que alega o
ora recorrente, pois que, como já se teve oportunidade de consignar, não
Proc. 901/2015 Pá g. 37
se está em sede de “enquadramento jurídico-penal” (da matéria de facto
provada).
E, ainda que se reconheça que a consideração de que o “arguido
agiu de forma livre e voluntária, com a finalidade de prejudicar a honra e
consideração da assistente e dos seus atletas” não deixa de ser algo
“conclusiva”, cremos que unânime e pacífico é o entendimento que a
mesma pode (e deve) integrar a “matéria de facto”, sob pena de, por falta
de “dolo”, (do elemento subjectivo), inviáveis serem decisões
condenatórias.
Aliás, como (desde há muito que) se tem entendido, nada impede
que se “capte a culpa”, dada a sua natureza intimamente ligada à vida
interior do agente, (insusceptível de apreensão directa), através de factos
materiais comuns, por meio de presunções ligadas ao princípio da
normalidade ou das regras de experiência; (cfr.,v.g., o Ac. do S.T.J. de
23.02.83, in B.M.J. 324°-620).
3.2 Passemos agora para os alegados “erros de direito”.
Proc. 901/2015 Pá g. 38
Pois bem, importa (agora) apurar se a matéria de facto dada como
provada, (e que, não merecendo censura, se tem por definitivamente
fixada), integra a prática pelo ora recorrente de 1 crime de “difamação”.
Desde logo, coloca-se então aqui uma questão: a de saber se o
assistente, (uma “pessoa colectiva”), é susceptível de ser “ofendido” em
relação a um crime de “difamação”, (que como se sabe, atinge a “honra e
consideração”).
Pois bem, a questão já foi objecto de reflexão no Ac. deste T.S.I. de
03.04.2003, Proc. n.° 31/2003, do ora relator, onde, sobre a mesma
consignou-se o que segue:
“Dispõe art. 174º do CPM que prevê o crime de “difamação” que:
“1. Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa,
mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um
juízo, ofensivos da sua honra ou consideraç ã o, ou reproduzir uma tal
imputaç ã o ou juízo, é punido com pena de prisã o até 6 meses ou com
pena de multa até 240 dias.
2. A conduta nã o é punível quando:
Proc. 901/2015 Pá g. 39
a) A imputaç ã o for feita para realizar interesses legítimos; e
b) O agente provar a verdade da imputaç ã o ou tiver tido
fundamento sé rio para, em boa-fé , a reputar verdadeira.
(...) ”; (sub. nosso).
Tutela assim o referido preceito o valor “honra” e
“consideração”.
Como dizem L. Henriques e S. Santos (in “C.P.M. Anot.”, pág.
476), honra “é a essência da personalidade humana, referindo-se,
propriamente, à probidade, à rectidão, à lealdade, ao carácter ...”, “é a
dignidade subjectiva, ou seja, o elenco de valores éticos que cada pessoa
humana possui. Diz assim respeito ao património pessoal e interno de
cada um – o próprio eu”.
Por sua vez, consideração “é o património de bom nome, de
crédito, de confiança que cada um pode ter adquirido ao longo da sua
vida, sendo como que o aspecto exterior da honra, já que provém do
juízo em que somos tidos pelos outros”. “É o merecimento que o
indivíduo tem no meio social”, isto é, a reputação, a boa fama, a estima,
a dignidade objectiva, que é o mesmo que dizer, a forma como a
sociedade vê cada cidadão.
Proc. 901/2015 Pá g. 40
Constituem “direitos de personalidade” consagrados no Código
Civil de Macau no seu artº 73º (preceito inovador em relação ao C. C. de
1967), onde, sob a epígrafe “Direito à honra” se preceitua que “toda a
pessoa tem direito à protecção contra imputações de factos ou juízos
ofensivos à sua honra e consideração, bom nome e reputação, crédito
pessoal e decoro”.
Perante o até aqui exposto, visto que tal “direito à honra” se
encontra inserido no Capítulo I do C.C.M.. referente às “pessoas
singulares”, atento a que o crime de “difamação” se encontra também
inserido no Capítulo VI do C.P.M. quanto a “crimes contra a honra”,
estando, por sua vez este Capítulo inserido no Título I da parte especial
do Código Penal referente aos “crimes contra as pessoas”, desde logo se
coloca uma questão (prévia): poder-se-á considerar a ora recorrente,
“pessoa jurídica” (colectiva), ofendida de um crime de difamação?
“Quid iuris”?
Cremos que afirmativa é a nossa resposta.
Refira-se desde já que em causa não está a “honra” ou
“consideração” dos administradores, gerentes ou sócios (pessoas físicas)
da ora recorrente, pois que assistente nos autos é a “Empresa ... N,
Limitada” e não aqueles.
Proc. 901/2015 Pá g. 41
Porém, somos de opinião que não obstante se possa considerar
não serem as pessoas jurídicas portadoras do valor “honra” enquanto
“direito de personalidade” (típico das pessoas singulares), não deixam
de transmitir uma “imagem” da forma como, de acordo com o seu
objecto se organizam, funcionam, prestam o seu serviço, produzem e/ou
fornecem bens.
Assim sendo, evidente é que tal “imagem” origina nas pessoas e
sociedade em geral, juízos de valor, designadamente, sobre a sua
“competência” e “credibilidade”, valores estes que, óbviamente, podem
ser atingidos por via da imputação de factos ou juízos de valor que os
abalem.
Daí também que, a “Lei da Imprensa” (Lei n.° 7/90/M de 6 de
Agosto), no seu art. 19º, ao estabelecer o “direito de resposta”, ali
incluir a “pessoa colectiva” (n.° 1: “qualquer pessoa, singular ou
colectiva ...”), afirmando ainda (no n.° 2) que “o direito de resposta,
desmentido ou rectificação é independente do procedimento civil ou
criminal ...”.
Dir-se-á, eventualmente, assim não dever ser – esta parece ser a
opinião de L. Henriques e S. Santos – visto que em relação às pessoas
Proc. 901/2015 Pá g. 42
colectivas “reservou” o legislador o art. 181º do CPM no qual se pune a
“ofensa a pessoa colectiva que exerça autoridade pública”.
Ora, sem embargo do respeito devido a opinião diversa, não nos
parece ser o entendimento adequado.
Tal preceito tem um campo de aplicação distinto do art. 174º,
desde logo porque no dito art. 181º, pune-se aquele que “afirmar ou
propalar factos inverídicos”, limitando-se ainda a qualidade de ofendido
a pessoa colectiva que, como na epígrafe se diz, “exerça autoridade
pública”.
Aliás, já no âmbito da redacção do art. 407º do ora revogado C.P.
de 1886 se colocou a questão, vindo o S.T.J. a fixar jurisprudência
obrigatória no sentido de que “as pessoas colectivas podem ser sujeito
passivo nos crimes de difamação e injúria”; (cfr., Ass. de 24.02.1960 in,
B.M.J. 94º-107 e, na doutrina Luís Osório in, “Comentário ao C.P.P.”,
Vol I, pág. 202; Marcello Caetano in, “Lições de Direito Penal” pág. 117,
Cavaleiro Ferreira in, “Direito Penal, Lições, “Vol I, pág. 127 e 128;
Vitor Faveiro in, “Código Penal Anotado”, 3ª ed., pág. 36, Mota Campos
in, “A Lei que nos rege”, Pág. 49 e, Manuel de Andrade in, “R.L.J.”, ano
83º, pág. 226).
Proc. 901/2015 Pá g. 43
Após isso, e já no âmbito do Código Penal Português que revogou
o dito código de 1886, manteve-se tal entendimento, (nomeadamente, nos
Acs. da R. Lx de 27.06.84 e de 27.03.85, in C.J. IX, T3, pág. 211 e X, T.2,
pág. 160, assim como no do S.T.J. de 19.04.90 in, B.M.J. 396º-270).
Assim, e nesta conformidade, não cremos pois sustentável que a
“honra” ou melhor, “imagem de competência e credibilidade”, no fundo,
a “consideração”, das pessoas jurídicas situadas fora do âmbito do
referido art. 181º, (que exerçam autoridade pública), não mereçam
protecção jurídico-penal; (cfr., ainda, neste sentido, António J. F. de
Oliveira Mendes in, “O Direito à honra e a sua tutela penal”, pág. 113,
José de Faria Costa, na sua anotação ao art. 187º do CP português in,
“Comentário Conimbricence do Código Penal”, T.I., pág. 675 e Maia
Gonçalves in, C. P. Anotado, 15 ed., pág. 599)”.
Afigurando-se-nos que se deve manter o entendimento que se
deixou exposto, e visto estando que pode uma pessoa colectiva – como o
caso do assistente – ser “sujeito passivo” do crime de “difamação”,
continuemos, apreciando se a conduta desenvolvida pelo ora recorrente
constitui a prática do crime em questão.
Proc. 901/2015 Pá g. 44
Pois bem, está (nomeadamente) provado que no dia 28.05.2012, e
no programa de rádio “Bola ao Centro”, entre o seu mediador e o ora
recorrente, (na qualidade de comentador), foi dito o que segue:
“Mediador: Para todos muito Boa Noite! Bem vindo mais um
edição do Bola ao Centro, hoje com o nosso painel habitual A, F e G.
Boa Noite, Muito Obrigado! Mais uma vez por esta aqui, para falamos
do futebol. Vamos então dois temas em destaque neste Bola ao Centro,
naturalmente incidências do campeonato de Macau e também com a
subida do H à Segunda Divisão, H Macau, e naturalmente, e rebuscar
um pouco foi a prestação menos boa e para ser simpático da Selecção
Portuguesa frente a O. Er…portanto estes serão os temas essenciais, e
pois naturalmente o mercado já começa a mexer, já algumas
contratações ou hipóteses de também poderemos falar disso e pronto já
está aberto então mais estes a Bola ao Centro vamos então para o
campeonato de Macau, o C ganhou ao Futebol Clube de B no jogo em
que, mais uma vez, se pode dizer assim, a arbitragem foi posta em causa,
mas o que é certa é que o B, ou aliás o C ganhou assim que é, e
aproximou-se do I, e estar só dois ponto, e ainda faltam dois jornadas, e
tudo portanto ainda pode acontecer. A! Boa Noite! E como estar B
Proc. 901/2015 Pá g. 45
envolvido, foi de facto uma pena, porque juro que B estava a fazer uma
excelente segunda volta, também naturalmente como C, já não tanto o I,
mas o B estava fazer uma boa segunda volta e foi certa forma
interrompida, digamos assim com a derrota, e que, e já vamos ouvir o
treinador do B, que não foi de todo merecida esta derrota do Futebol
Clube de B.
Comentador 1 (Arguido): Boa Noite! Boa Noite a todos! E para
dizer que desde já que eu não estive no jogo do ontem por razões da
ordens pessoais, mas o relato que tem é que de facto acabou de ser um
bom jogo, quando o B deu-lhe uma boa réplica, e nós sabemos o Futebol
Clube de B, e eu nem tava espera que o B fizesse um jogo extraordinária,
até porque matematicamente já garantiu a manutenção da Primeira
Divisão e o objectivo é chegar ao quatro lugar, e não depende só da
equipa, e de modo que, eu não esperava que a equipa fizesse um jogo
para ele, mas pelo juiz enganei-me, e o relato que eu tenho é que a
equipa fez um jogo extraordinário, e deu a volta, podemos dizer deu a
volta a resultado, porque sofre a primeiro golo ao minuto seis, e logo a
seguir, no minuto sete, embate, e a meio da segunda parte fez a dois a um,
faz a dois a um no lance, que o J a todas as pessoas que estava no
estádio diziam o L que faz o golo vem de trás, até porque aproveitou o
Proc. 901/2015 Pá g. 46
ressalto do guarda-redes, mas o árbitro não entendeu dessa forma, e pelo
juízo estava escrito no céu, do que se riam no jogo, que o C queriam
ganhar, para quer que digo isso, digo isso porque também os relatos que
me chegam é que o B naquele jogo se fica praticamente privado de
quarto jogadores, que foram barbaramente agredidos por jogadores de C
e pelo juízo do árbitro não quis marcar, é o resultado do jogo parece com
a nossa atleta M, deve durante cinco ou dez minutos com dificuldade
respiratórias, temos um outro atleta chamado N que estar no hospital
aguardar oportunidade de ser operado, a um braço que partido e o L que
parece que tem dores de pés, que foi pesado, levou um pontapé para trás,
por trás que dá também privado. Tudo disso e circunstância do jogo,
como eu dizia, como dizia ao bocado, parece que estava escrito nas
estrelas que o C tinha que ganhar, e de uma forma cirúrgica, mais uma
vez que ponha a aqui em causa da arbitragem de Macau e a Associação
quem faz nomeações dessas naturezas, mas nós não vamos só por aí, nós
não vamos só por aí, porque…
Mediador: Tu já apresentou uma reclamação?
Comentador 1 (Arguido): Já! Exactamente! O B fez chegar a esse
protesto e por ora verbalmente, mas depois vai de uma forma escrita a
Associação de Futebol, porque parece que segundo os pessoas que
Proc. 901/2015 Pá g. 47
estavam no campo, parece que tem sido prática na equipa do C dar-se
comprimidos os jogadores durante no jogo, o que nos deixando.
Mediador: Os comprimidos! Que comprimidos são estes?
Comentador 1 (Arguido): É isso que nós queremos investir para se
saber, porque não é normal dar-se comprimidos um jogador no decurso
do jogo. Por dores de cabeça? Vou mais longe, por problema de
estômago, também, não sei, não sei, portanto e de modo que nós
pedimos.
Mediador: Mas tem alcance desta, não digo acusação, mas esta
afirmação comprimidos aos jogadores?
Comentador 1 (Arguido): É! Comprimidos e nós não sabemos, é
isso que nos queremos saber que tipo de comprimidos que estão em
causa.
Mediador: São vitaminas! Suplementos alimentares!
Comentador 1 (Arguido): Se calhar é para tirar dores de cabeça.
Nós pedimos, nós pedimos a Associação de Futebol, e hoje fiquei muito,
fiquei contente, porque dizeram-me a Associação que eles e gravam de
uma forma aleatória praticamente todos os jogos, e parece que este jogo,
e o jogo contra o C com D também aconteceu uma cena parecida, parece
que estão gravado e espera que eles vejo e depois terem os conclusões. É
Proc. 901/2015 Pá g. 48
claro que eu não tou dizer que os comprimidos que foram administrado
que seja substância dopante e por ali e além, mas eu estranhei, e nós o B
estranhamos, que assim seja. Durante o jogo, não tou a ver um
comprimido para fazer passar dores de cabeça ou diarreia, uma coisa
por ai.
Mediador: Se calhar é mais um fim, mais um aditivo para o já, o
conturbado para futebol de Macau.
Comentador 1 (Arguido): Por isso que nós pedimos, deixa me só
concluir, por isso que nós pedimos se calhar é altura de, se introduzir
mecanismo de controlar antidopagem para Macau, parece já justifica
porque há Clubes que quem quer para ganhar de qualquer forma,
portanto se calhar é altura se quisermos dar mais um passo à frente e
também deitar a ver essa faceta.
Mediador: Ficar aqui então esta crítica, está alerta de A o quer
que será mais a passa o Futebol de Macau”; (cfr., fls. 436-v a 438).
E, perante isto, “quid iuris”?
Houve um (efectivo) ataque à “honra e consideração” do
assistente?
Proc. 901/2015 Pá g. 49
Vejamos.
Desde já, mostra-se de sublinhar que “difamação” não se compara
à mera falta de educação, grosseria, manifestação de desagrado, falta de
cortesia ou gentileza.
Na verdade, e como nos parece natural, nem toda a conduta menos
adequada ou ajustada tem de ser (necessáriamente) criminosa, não se
podendo considerar ofensivo tudo o que qualquer um entender que o
atinge, mas tão só o que na opinião da generalidade das pessoas (de bem),
deve considerar-se ofensivo dos valores sociais e individuais de respeito.
Por sua vez, há que ter em conta que existem – e bem – “margens
de tolerância” conferida pela “liberdade de expressão” que compreende
não só a liberdade de pensamento como a liberdade de exteriorização de
opiniões e juízos.
Com efeito, o direito penal não se destina a tutelar o “excesso de
sensibilidade” de determinadas pessoas perante afirmações que lhe são
Proc. 901/2015 Pá g. 50
dirigidas. A vivência em sociedade traz contrariedades, normais, por
todos sentidas, sem que isso seja bastante para fundamentar a prática de
ilícitos criminais.
Se assim não fosse, (havendo que reconhecer que a sociedade não é
apenas composta por pessoas perfeitas), a vida em sociedade não seria
possível, e o “direito” seria fonte de conflitos em vez de com ele se
assegurar e garantir a “paz social”.
Aliás, o próprio C.P.M., no seu art. 30°, n.° 2, al. b) prescreve,
(v.g.), que “não é ilícito o facto praticado no exercício de um direito”.
Doutro modo, e nomeadamente, em matéria como o futebol,
conhecidas são as paixões e emoções que o mesmo provoca,
afigurando-se de ter por compreensível e aceitável uma (considerada)
“troca de galhardetes”, “insinuações jocosas” ou até mesmo “acintosas”.
Porém, como igualmente não deixa de ser óbvio, (e ainda que
ninguém esteja “a salvo da crítica”), tudo tem limites: o próprio direito à
crítica não é, (nem pode ser), absoluto.
Proc. 901/2015 Pá g. 51
Se se pode considerar legítimo – e quiçá, “construtivo” – o “direito
à crítica”, já a imputação desonrosa, caluniosa, e que, gratuitamente, fere,
achincalha, rebaixa ou humilha publicamente a honra e o bom nome de
outrem – que atinge e nega o direito que por natureza a todos cabe e deve
ser reconhecido – não pode ser aceite.
É que mesmo com base no “direito à crítica”, não pode ser
afectado o bom nome de uma pessoa sem qualquer necessidade, e, mais
importante ainda, sem qualquer proporcionalidade (tenha-se em conta
que a “difamação” é proibida pela própria L.B.R.A.E.M.; cfr., art. 30°).
No caso dos autos, cremos que com alguma naturalidade se conclui
da leitura do segmento da matéria de facto provada atrás transcrito que o
ora recorrente imputou ao assistente práticas de uso de “substâncias
dopantes” por parte dos seus atletas em plena competição, em jogos de
futebol a contar para o “Campeonato de Futebol de Macau”.
Dizer-se que o fez (apenas) em termos de “reprodução de um
rumor”, ou em termos de se “colocar apenas a questão ou suspeita”, (já
Proc. 901/2015 Pá g. 52
que o próprio, alega “afastar tal possibilidade”), é, por nós, uma “falsa
questão”.
Como considera José de Faria Costa, (e vale a pena aqui
transcrever e ponderar), “a imputação de factos ou a formulação de
juízos desonrosos podem ser inequívocas, não apresentarem a mínima
dúvida, ou podem estar recobertas pelo manto perverso e acutilante da
suspeita.
Ninguém desconhece que as formas mais destruidoras da honra e
da consideração de outrem não são as que exprimem, de modo directo,
factos ou juízos atentatórios da honra e da consideração. Qualquer
aprendiz da maledicência e muito particularmente o senso comum sabem
que a insinuação, as meias verdades, a suspeita, o inconclusivo são a
maneira mais conseguida de ofender quem quer que seja. Basta que nos
capacitemos de que a meia verdade é sempre difícil responder ou
contra-argumentar racionalmente e, por isso, a ressonância desonrosa,
ligada à ofensa, multiplica-se com credibilidade, porquanto ali há um
pouco de verdade. Daí que tenhamos por absolutamente irrelevante –
para este aspecto das coisas, frise-se – fazer preceder a imputação do
facto ou a formulação do juízo de um “diz-se”, “ouvimos de vários
Proc. 901/2015 Pá g. 53
lados”, “tanto quanto julgamos saber”. Mais. Mesmo que a insinuação
se cubra de ironia isso não a torna imune ao preenchimento do tipo.
Assim, se se disser: “ele e ela entraram para o quarto do hotel, perto da
meia noite mas, seguramente, foram jogar xadrez”, é indiscutível, se
outro contexto não existir, que se está a fazer uma imputação desonrosa”;
(in “Comentário Conimbricense do C.P.”, Parte Especial, Tomo I, pág.
611 e 612).
Ora, dito isto, e atento o contexto em que as “afirmações” são
produzidas, (não se olvida a “nota” do mediador que não deixou de
chamar a atenção para o “alcance das afirmações”), em comentário a
jogos de futebol em que o assistente participou, (mas que não estava
presente para se pronunciar), razoável parece concluir que as mesmas põe
em causa o seu desempenho, (mérito), do assistente e a sua conformidade
com a verdade desportiva, afectando pois a “consideração e crédito” que
qualquer clube ou equipa de futebol não deixa de merecer pelo esforço,
empenho e dedicação dos seus atletas e dirigentes.
Para além disso, é inegável, que pelo menos em forma de “dolo
eventual”, presente está o “elemento subjectivo”.
Proc. 901/2015 Pá g. 54
Com efeito, sendo o ora recorrente – como provado está – um
dirigente desportivo, não podia deixar de saber que uma das piores
acusações (e ofensas) que se pode fazer a um desportista é a utilização de
“substâncias dopantes” de forma a falsear (melhorar) a sua prestação,
(em detrimento de quem não o faz).
Como tal, e nos termos em que as “afirmações” foram produzidas,
evidente se nos apresenta o dolo da conduta, ainda que – como se disse –
sob a forma de “dolo eventual” que, como se sabe, é, para o caso,
suficiente.
Aliás, como se deixou consignado no recente Ac. do S.T.J. de
02.12.2015, Proc. n.° 1289/13, no crime de “difamação”, como crime de
perigo que é, basta a idoneidade da ofensa para produzir o dano – em que
o elemento subjectivo se basta com o chamado “dolo genérico”, com a
simples consciência de que as expressões utilizadas são aptas a ofender a
honra e consideração de uma pessoa, considerando, o meio social e
cultural, necessário não sendo qualquer “finalidade ou motivação
especial”.
Proc. 901/2015 Pá g. 55
Nesta conformidade, e sendo afirmações que pelo recorrente foram
produzidas num “programa de rádio”, isto é, através de um “meio de
comunicação social”, evidente é que verificada está também a agravante
do art. 177°, n.° 2 do C.P.M..
–– Vejamos agora da “pena”.
Já se viu que ao crime de “difamação” (simples) cabe a pena de
prisão até 6 meses ou pena de multa até 240 dias, (cfr., art. 174° do
C.P.M.), e que, com a referida “agravação” o limite máximo da pena de
prisão vai para os 2 anos, ficando a de multa com um mínimo de 120 dias
e um máximo de 360 dias.
No caso, foi o ora recorrente punido com uma multa de 240 dias, à
taxa diária de MOP$300,00, perfazendo uma multa global de
MOP$72.000,00 ou 160 dias de prisão em alternativa.
Ora, situando-se a pena de multa a meio da sua moldura, muito não
é preciso dizer.
Proc. 901/2015 Pá g. 56
De facto tanto a opção feita ao abrigo do art. 64° do C.P.M. como a
“medida” encontrada, reflectem bem os ingredientes do caso: uma
rivalidade desportiva, futebolística, que (em virtude de motivos
desconhecidos) em vez de saudável, (“desportiva”), descambou para a
“situação de conflito” que os autos demonstram, com acusações de
dopagem, (portanto, “falseamento de prestação” e, consequentemente de
“resultados”), queixa e procedimento criminal, processo, julgamento e
agora, o fim (com a decisão) que se conhece.
São, infelizmente, públicos e notórios os excessos que são
cometidos em “comentários” acerca de arbitragens, treinadores,
jogadores, etc …
Afigura-se-nos que em nada dignificam o desB, a modalidade, e a
quem se entrega à sua organização e prática.
Ponderando na “carga negativa” que os comentários do ora
recorrente semeia e provoca, nos prejuízos e evidente desgosto causado
ao assistente e seus atletas, não se considera excessiva a pena fixada.
Proc. 901/2015 Pá g. 57
Quanto à “taxa diária”, vejamos.
Como atrás se deixou relatado insurge-se o recorrente imputando à
decisão em causa o “vício de insuficiência da matéria de facto provada
para a decisão”, afirmando que o Tribunal não dispunha de “elementos no
que concerne a situação económica do recorrente para a fixação da
multa”; (cfr., concl. DDDDD).
Cremos que tem o recorrente razão.
Percorrendo a decisão recorrida verifica-se que nada foi apurado
em relação à situação económica (e condições pessoais) do ora
recorrente.
E preceituando o art. 45°, n.° 2 do C.P.M. que “Cada dia de multa
corresponde a uma quantia entre 50 e 10 000 patacas, que o tribunal
fixa em funç ã o da situaç ã o econó mica e financeira do condenado e
dos seus encargos pessoais”, temos pará nós que se incorreu
efectivamente no vício em questão.
Proc. 901/2015 Pá g. 58
Aliás, não se pode também olvidar que nos termos do art. 350° do
C.P.P.M.:
“1. Se das deliberaç õ es e votaç õ es realizadas nos termos do
artigo anterior resultar que ao arguido deve ser aplicada uma pena ou
uma medida de seguranç a, o juiz que preside ao julgamento lê ou
manda ler toda a documentaç ã o existente nos autos relativa aos
antecedentes criminais do arguido, à perícia sobre a sua
personalidade e ao relató rio social.
2. Em seguida, o juiz que preside ao julgamento pergunta se o
tribunal considera necessá ria produç ã o de prova suplementar para
determinaç ã o da espé cie e da medida da sanç ã o a aplicar; se a
resposta for negativa, ou apó s a produç ã o da prova nos termos do
artigo 352.º, o tribunal delibera e vota sobre a espé cie e a medida da
sanç ã o a aplicar.
(…)”.
Por sua vez, e ainda que se mostre de dar como provado que é o
recorrente “Advogado”, tal não se afigura bastante para, apenas com base
Proc. 901/2015 Pá g. 59
nesta circunstância, se aferir da sua capacidade económica, (como se
considera em sede de resposta ao recurso), pois que se desconhece (por
completo) quanto aufere mensalmente, o mesmo sucedendo com os seus
encargos (pessoais e/ou familiares).
Da mesma forma, adequado também não nos parece que, apenas
com base em tal qualidade profissional se avance para “suposições”,
(mais ou menos falíveis), quando, em boa verdade, e em nossa opinião, o
dever de averiguação dos factos atinentes as condições económicas e
pessoais do arguido impõe-se ao Tribunal, independentemente de
alegação dos sujeitos processuais, incorrendo-se na imputada
“insuficiência” no caso de não se ter procedido à sua indagação; (cfr., v.g.,
neste sentido, os Ac. da Rel. de Évora de 20.11.2012, Proc. n.° 186/09 e
de 25.02.2014, Proc. n.° 375/10, assim como o da Rel. de Lisboa de
15.01.2013, Proc. n.° 776/09, in “www.dgsi.pt”).
Dest’arte, na parte em questão, e em conformidade com o estatuído
no art. 418° do C.P.P.M., determina-se o reenvio do processo para novo
julgamento e posterior decisão quanto à taxa diária da multa aplicada ao
recorrente.
Proc. 901/2015 Pá g. 60
Decisão
4. Em face do exposto, em conferência, acordam conceder parcial
provimento ao recurso.
Pelo seu respectivo decaimento, pagará o arguido 8 UCs de
taxa de justiça, suportando, o assistente, 2 UCs.
Macau, aos 21 de Janeiro de 2016
José Maria Dias Azedo
Tam Hio Wa
Chan Kuong Seng (vencido parcialmente, nos termos da
declaração de voto ora junta).
Proc. 901/2015 Pá g. 61
Declaração de voto ao Acórdão de 21 de Janeiro de 2016 do
Tribunal de Segunda Instância no Processo n.º 901/2015
Discorda o ora signatário do acórdão hoje proferido por este
Tribunal de Segunda Instância nos presentes autos recursórios n.o
901/2015 na parte respeitante ao ordenado reenvio do processo para
novo julgamento na Primeira Instância (para investigação da situação
económica do arguido para efeitos de fixação de qual a quantia diária
da pena de multa), porquanto diferentemente do entendido pela
posição da maioria:
– a montante, a decisão condenatória da Primeira Instância, sob
impugnação pelo arguido recorrente, não poderia padecer do vício de
insuficiência para a decisão da matéria de facto provada previsto no
art.º 400.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, porque da
leitura do texto desse aresto condenatório, se retira que o Tribunal seu
autor já investigou, sem lacuna alguma, todo o objecto penal probando
dos autos (composto, no caso dos autos, precisa e somente pela matéria
fáctica imputada ao arguido no despacho de pronúncia, devido à não
contestação, por parte do arguido, dessa matéria fáctica);
– e a jusante, como o arguido é advogado (conforme a profissão
declarada no seu termo de identidade e residência prestado a fls. 59 a
59v dos autos), a quantia diária da multa, fixada em trezentas patacas
no aresto condenatório recorrido, dentro da escala legal de cinquenta a
Proc. 901/2015 Pá g. 62
dez mil patacas prevista no art.º 45.º, n.º 2, do Código Penal, já lhe
seria muito benévola, posto que a partir daquele facto conhecido (de
ser o arguido um advogado), seria de presumir judicialmente, sob aval
do art.º 342.º do Código Civil, com recurso às regras da experiência da
vida humana, que o arguido não poderia ter uma situação económica e
financeira tão modesta que justificasse a redução do montante diário da
multa já achado pelo Tribunal recorrido;
– razões por que haveria que manter in totum a decisão
condenatória da Primeira Instância.
O primeiro juiz-adjunto,
Chan Kuong Seng