22
Ação do Estado e mercado cafeeiro: o Convênio de Taubaté e seus reflexos na economia paulista (1896-1906) José Eduardo Marques Mauro Programa de Pós-Graduação em História Econômica – FFLCH/USP Introdução A presente comunicação versa sobre intervenções do Estado na área econômico- financeira no final do Império e nas primeiras duas décadas do regime republicano que teve início, no Brasil, em 1889. Em especial, focalizaremos a intervenção oficial, de grande envergadura, que se efetuou no mercado cafeeiro, capitaneada pelo Governo do Estado de São Paulo, em 1906, conhecida como Convênio de Taubaté. Traçaremos a conjuntura financeira que originou esta ação estatal, bem como analisaremos os seus reflexos na maior região produtora de café do mundo: o oeste paulista, sob o prisma específico do município cafeeiro de Casa Branca-SP. Aspectos históricos da atuação intervencionista do Estado Brasileiro (1866-1914) A economia cafeeira desenvolveu-se, essencialmente, como uma atividade privada, sem ajuda direta significativa, desde os anos 1820-30, até as vésperas da Primeira Grande Guerra (1914-1918). A única contribuição oficial recebida do Governo Imperial foi a criação do crédito rural, por intermédio de autorização concedida, em 1873, aos bancos hipotecários, de modo a permitir-lhes a emissão de bônus hipotecários. Essa medida foi seguida de outra permissão, outorgada, em 1881, a outros bancos, para lançamento, no Exterior, também de bônus hipotecários, vinculados ao ouro. Até 1888, o governo central do Império não oferecera quaisquer subsídios, em forma de empréstimos, ou isenção de impostos, ou mesmo garantias de margens de lucros. Apenas a Província de São Paulo procedeu de modo diverso, em 1882, quando assegurou ao Banco de Crédito Real de São Paulo, margem de lucro de 7% ao ano. Em contrapartida, o Governo Imperial dificultou o funcionamento do mercado de crédito rural, ao absorver grande parte das disponibilidades líquidas de capitais, com o

Ação do Estado e mercado cafeeiro: o Convênio de Taubaté e ...E7%F5es/Mauro.pdf · teve início, no Brasil, em 1889. Em especial, focalizaremos a intervenção oficial, de

Embed Size (px)

Citation preview

Ação do Estado e mercado cafeeiro: o Convênio de Taubaté e seus reflexos na economia paulista (1896-1906)

José Eduardo Marques Mauro Programa de Pós-Graduação em História Econômica – FFLCH/USP

Introdução

A presente comunicação versa sobre intervenções do Estado na área econômico-

financeira no final do Império e nas primeiras duas décadas do regime republicano que

teve início, no Brasil, em 1889. Em especial, focalizaremos a intervenção oficial, de

grande envergadura, que se efetuou no mercado cafeeiro, capitaneada pelo Governo do

Estado de São Paulo, em 1906, conhecida como Convênio de Taubaté. Traçaremos a

conjuntura financeira que originou esta ação estatal, bem como analisaremos os seus

reflexos na maior região produtora de café do mundo: o oeste paulista, sob o prisma

específico do município cafeeiro de Casa Branca-SP.

Aspectos históricos da atuação intervencionista do Estado Brasileiro (1866-1914)

A economia cafeeira desenvolveu-se, essencialmente, como uma atividade

privada, sem ajuda direta significativa, desde os anos 1820-30, até as vésperas da

Primeira Grande Guerra (1914-1918).

A única contribuição oficial recebida do Governo Imperial foi a criação do

crédito rural, por intermédio de autorização concedida, em 1873, aos bancos

hipotecários, de modo a permitir-lhes a emissão de bônus hipotecários. Essa medida foi

seguida de outra permissão, outorgada, em 1881, a outros bancos, para lançamento, no

Exterior, também de bônus hipotecários, vinculados ao ouro.

Até 1888, o governo central do Império não oferecera quaisquer subsídios, em

forma de empréstimos, ou isenção de impostos, ou mesmo garantias de margens de

lucros.

Apenas a Província de São Paulo procedeu de modo diverso, em 1882, quando

assegurou ao Banco de Crédito Real de São Paulo, margem de lucro de 7% ao ano. Em

contrapartida, o Governo Imperial dificultou o funcionamento do mercado de crédito

rural, ao absorver grande parte das disponibilidades líquidas de capitais, com o

lançamento de Letras do Tesouro; ainda, pela inércia do Estado em não regularizar os

títulos sobre terras e registros de hipotecas, apesar de já estar em vigor, desde 1850, a

Lei de Terras.

No entanto, a situação do crédito, que estava escasso na Província do Rio de

Janeiro, era mais confortável para os plantadores de café em São Paulo, onde, segundo

João Ribeiro, havia abundância de letras hipotecárias. De acordo com uma estimativa

bem fundada, os bancos chegaram a conceder setenta e cinco mil contos em hipotecas

nesta Província, tendo pessoas físicas fornecido outro tanto. Dessa maneira, estimava-se

que, em cada quatro proprietários de terra, um carregava uma hipoteca.

A bibliografia brasileira pertinente ao tema, em sua maioria, entendia que o

crédito disponibilizado, apesar de insuficiente para as necessidades do setor cafeeiro,

então em plena expansão, beneficiava, principalmente, os fazendeiros ricos e bem

relacionados.

Se bem que estudos e pesquisas recentes, ou ainda em andamento, sobre a

história do complexo cafeeiro dessa época, tenham revelado que, em algumas regiões

cafeeiras pioneiras no Estado de São Paulo, essa afirmativa, a propósito dos privilégios

para obtenção de financiamentos, no período após proclamação da República (1889),

comporta revisão, no sentido de relativizar essa generalização, pois, tem sido

encontrado em pesquisas realizadas em arquivos de antigas cidades cafeeiras, no então

chamado Oeste Paulista, uma realidade um pouco diferente, que permite estabelecer

nuances a essa afirmação.

Entretanto, ainda, deve ser mencionada a intervenção parcial prestada pelo

Governo Imperial aos fazendeiros de café ao ter, com a canalização de recursos a

apenas a uma fração da sociedade, ao longo do processo de consolidação da economia

cafeeira, tenha proporcionado:

- garantia de juros para instalação de ferrovias, de alguns portos, modernizações

indispensáveis em outros já existentes, que exerceram papéis fundamentais no

extraordinário crescimento da lavoura cafeeira, e, também, na organização do sistema

de exportação da rubiácea;

- política de baixas tarifas, de modo a impedir ações de retaliações por parte de

países estrangeiros, consumidores do produto, que poderiam prejudicar a aceitação do

café brasileiro;

- pelo menos até quase às vésperas da Abolição (1884-87), a manutenção do

regime escravista sob controle, com esporádicas insurreições, que pudessem perturbar a

“paz social”, e o sistema de trabalho escravo nas fazendas.

Assim, apesar das fragilidades apontadas na exploração agrícola do café, no que

respeita notadamente ao crédito agrícola, e também pela ausência de um sólido e

compacto sistema de apoio aos cafeicultores, as exportações de café multiplicaram-se

dezessete vezes, entre a primeira década da Independência, até a última do Império.

Características da expansão da cafeicultura, 1830-1914

Pode-se afirmar que o desenvolvimento da cafeicultura deu-se sem qualquer

planejamento, e, por isso, tornou-se vulnerável à manipulação de agentes da sua

comercialização no Exterior, porque, finalmente, a exportação era o principal destino da

produção cafeeira, e principal esteio da economia brasileira, até 1930. Igualmente, é

preciso sublinhar que o complexo cafeeiro, considerável partícipe da rede mundial de

comércio, por isso também sujeito às crises econômicas mundiais, tão freqüentes na

história do capitalismo da segunda metade do século XIX; algumas vezes, sofreu suas

duras conseqüências, por não estar devidamente preparado para enfrentá-las, uma vez

que o mercado de café funcionava livremente, sem intervenção, nem anteparos eficazes

que pudessem minimizar os seus efeitos mais danosos.

Como já mencionado, de um lado ocorreram problemas de suprimento de

créditos agrícolas, e quando existente, não contemplava a modalidade de longo prazo;

Stevem Topik aponta, também, a ausência de (...) um adequado sistema de

warrantagem, pelo qual o produtor não fosse obrigado a vender sua safra pouco tempo

depois de ser colhida sua produção.

Como é do conhecimento geral, o café era apanhado em um único período, de

duração aproximada de quatro meses, o que ocasionava uma saturação do mercado, com

a conseqüente queda de preços. Ainda, como observa Steve Topik, devido à escassez de

crédito e de armazéns, o Comissário não podia mandar o café longe do mercado, por

muito tempo, a fim de forçar uma alta de suas cotações. Esta alta teria beneficiado o

fazendeiro, porque o comissário atuava como consignatário (p. 73-74).

A longa fase de comercialização desordenada, também, se refletia no sistema

monetário do país, pois, o grande volume de produção, que ciclicamente inundava o

mercado, fazia elevar o valor do ouro, de mil réis, ocasionado pelo volume de ouro que

entrava no país, naquele momento, para quitar as compras das sacas do produto.

Surgia assim uma situação bastante peculiar, e recorrente na história econômica

do país: quando era chegado o momento da entrada de recursos externos, ocasião essa,

em que o produtor acabava por receber valores menores, em mil réis, pela venda da sua

produção, devido estar a moeda menos valorizada monetariamente.

De fato, na rotina de trabalhos organizada nas fazendas, para a exploração

econômica do produto, acontecia que, mais para o final do ano, quando o fazendeiro

deveria fazer suas compras, pagar salários etc, o valor da moeda, o mil réis, baixava,

porque o ouro, ao invés de entrar, estava saindo do país, para pagamento de produtos

importados, o que ocasionava aos produtores um maior custo para atender às suas

necessidades, e realizar suas compras, em mil réis.

Outro aspecto importante para a compreensão da exploração agrícola, de valor

econômico do produto café, reside no aspecto relacionado com a expansão de novas

áreas para plantio, uma forma vantajosa, do ponto de vista econômico, para manter o

crescimento e auto-alimentação do próprio complexo cafeeiro, e, em particular,

utilizado pelos lavradores para consolidarem e manterem o regime de alta produção em

suas unidades, para auferir maiores ganhos.

O percurso histórico das plantações de café no país constitui forte evidência da

procura contínua pelos lavradores, por terras cada vez mais férteis, no momento em que

suas plantações começavam a envelhecer, apresentando nítidos sinais de redução de sua

produtividade, questionando inclusive sua viabilidade econômica para continuar a

mantê-las em atividade.

A história do cultivo de café mostra a adaptação do cafeeiro, principalmente, em

duas zonas da Província do Rio de Janeiro, situadas próximas ao Rio Paraíba, no trecho

do seu curso em terras fluminenses; mas em ambos, depois de algumas décadas deu-se o

esgotamento dos terrenos, com queda inquietante da produtividade dos cafeeiros, a

ponto de não mais compensar a sua exploração.

Na falta de novas áreas, as plantações avançaram em direção à fronteira paulista,

em nova frente, principalmente por intermédio da cidade de Bananal e adjacências, em

seguida, ganhando as terras mais baixas e ribeirinhas ao rio Paraíba, no seu trecho

paulista.

Mais algumas décadas decorridas, desenhava-se novamente o mesmo cenário de

esgotamento dessas áreas, impondo aos agricultores a opção de iniciar a exploração

cafeeira, no Oeste Paulista, tendo como eixo, a zona circunvizinha à cidade de

Campinas. No início nessa nova etapa, ocorreu paulatina substituição das plantações de

cana-de-açúcar, introduzidas no último quartel do século XVIII, até sua substituição

total depois da década de 1840 em diante, pelo café.

O próximo passo se desenvolveu pelo desbravamento de novas zonas do interior

do Oeste paulista, onde se assistiu ao início do processo que traria importantes

modificações, no então sistema de exploração agrícola com base no braço escravo. De

fato, o sistema escravista já agonizava no Brasil, desde a década de 1860, devido à

extinção do tráfico de escravos africanos ocorrida em 1850. Esse processo prosseguiu

na metade da década de 60, tendo como protagonista principal, o próprio imperador D.

Pedro II, graças à sua intervenção junto ao Conselho de Estado, ocasião em que forçou

o Órgão a apreciar moção proposta por um dos seus membros, a pedido do Imperador,

para que fosse incluída na pauta de discussões do Conselho, no ano seguinte, a questão

da abolição definitiva da escravatura. Apesar de ter sido longamente debatida, e

reconhecida como relevante, pelos membros desse colegiado, além de pertinente e

urgente para o futuro do país, a decisão final foi adiada, em razão do estado de guerra

que o Império moveu, juntamente com a Argentina e Uruguai, contra o Paraguai (1865-

70).

Essa discussão mereceu nova reflexão após o término do conflito, quando

novamente o próprio Imperador voltou à carga, e catalisou a apresentação de projeto,

conhecido depois como “Lei do Ventre Livre” (1871), pela qual previa libertação dos

filhos de escravos, nascidos após sua aprovação, e definitiva liberdade ao completarem

dezoito anos.

Essa lei, embora não tenha sido aplicada imediatamente, pois embutia vacância

temporal para concessão plena de liberdade, teve condão de enfraquecer, sobremaneira,

os argumentos de que se serviam grupos renitentes de proprietários-lavradores de terras

para defender a continuidade da utilização do braço escravo, em suas atividades

econômicas, e domésticas.

Na realidade, o sistema escravista passou, a partir daí, a ter os dias contados.

Posteriormente, sofreu outro golpe, de menor alcance real, mas importante como peça

de debate obrigatório no Parlamento, entre elites intelectuais, e econômicas: tratava-se

da “Lei dos Sexagenários”, que garantia liberdade aos escravos africanos, maiores de

sessenta anos, aprovada em 1885, embora debatida desde 1882. Daí em diante, assistiu-

se a “Campanha Abolicionista”, que mobilizou amplamente o país, conhecendo lances

dramáticos, na sua porção final, por ter contado com grande participação popular, amplo

apoio da família real, e do próprio Trono.

A remodelação do sistema de mão-de-obra

A exploração do complexo cafeeiro praticamente dividiu-se em dois cenários,

com relação à utilização da mão de obra nas lavouras, e demais trabalhos: de um lado,

estavam os produtores das áreas de exploração mais antiga, naquele momento, com seus

cafeeiros apresentando traços visíveis de decadência de produtividade; por sua vez,

contrários à substituição da mão-de-obra escrava pelo trabalho livre e assalariado,

embora já sentissem escassez de braços; em sua maioria, sediados nas zonas de

exploração do café da Província do Rio de Janeiro, e nas zonas degradadas do Vale

Paraíba de São Paulo.

Os fazendeiros das áreas mais dinâmicas e produtivas do Oeste Paulista, por ter

percebido, com clareza, o problema da escassez de mão-de-obra em suas fazendas, e

detectada sua importância para o porvir da economia cafeeira, para expansão das

plantações, novas derrubadas de matas, atender aos cuidados reclamados pelas culturas

do café; também para o abrimento de novas fazendas, necessitando trabalhadores para

povoá-las, e providenciar moradias, e instalações nos novas propriedades.

Outro sério empecilho era o alto custo do escravo africano; primeiramente, após

extinção do tráfico, houve remanejamento interno de escravos, provenientes de outras

regiões decadentes, ou de menor dinamismo, até às vésperas da Abolição, em 1888.

Portanto, a solução encontrada, na época, e que, desde 1819, já conhecera

antecedentes de estímulos ao povoamento do território; também pela experiência de

substituição de mão-de-obra em lavouras de açúcar e café, na Província de São Paulo,

desde 1840; estas se caracterizaram pelo recrutamento de mão-de-obra estrangeira, por

iniciativas particulares. Posteriormente, pela fundação da Sociedade Auxiliadora para

Imigração/Colonização, em 1871, substituída, em 1886, pela Sociedade Promotora da

Imigração, entidades privadas, que contaram com ajuda discreta do Governo paulista;

esses esforços, entre 1840-1884, atraíram aproximadamente 92.000 pessoas.

Esse número de imigrantes continuou insuficiente, mas essas experiências

serviram para convencer novos agricultores das vantagens oferecidas, em curto prazo,

numa conjuntura de grande expansão das culturas cafeeiras, e incremento das

exportações do produto, onde o déficit de braços constituía fator limitador para o

crescimento da cafeicultura, quando outros fatores cruciais para o fortalecimento da

economia cafeeira já estavam equacionados, como, por exemplo, as ferrovias paulistas,

cuja implantação havia contribuído para viabilizar a multiplicação das lavouras, para

escoamento das safras, reduzindo de 30 a 40% dos fretes, rumo a Santos, pela

regularidade/qualidade do serviço, possibilidade para utilizá-lo a qualquer momento,

com qualidade, e segurança das cargas. Ainda, principalmente, pela abertura do acesso

ao porto de Santos, propiciado por uma ferrovia inglesa, que conseguira vencer os

obstáculos da descida e subida da Serra do Mar, interligando Santos, São Paulo e

Jundiaí, essa última constituiu-se em eixo comum de outros empreendimentos

ferroviários, que desenharam a rede ferroviária paulista, mediante tráfego mútuo entre

as empresas e a São Paulo Railway, promotora exclusiva da comunicação entre o

Planalto paulista e o Litoral.

Nesses exemplos, o Estado foi oportuno protagonista, exercendo importante

atuação no contexto de uma economia liberal, que prevaleceu como pano de fundo, e

das idéias dos políticos e da elite intelectual e econômica, atuando diretamente no

estabelecimento do sistema cafeeiro de exportação.

De fato, o Estado foi primeira personagem, com importante desempenho, na fase

aguda da substituição da mão-de-obra nas fazendas de café, e, ainda, com menor

intensidade na implantação da rede ferroviária, episódios que tiveram o seu fulcro na

Província de São Paulo, com repercussões em outras províncias do país.

Na questão imigratória, no período mais crítico dos anos de 1880, o Governo

Imperial agiu rapidamente, embora com ação discreta, inicialmente mediante subsídios,

apesar de insuficientes para as necessidades urgentes dos fazendeiros; porém, mais

incisiva foi a intervenção do Governo Provincial de São Paulo, que tomou a frente

assumindo a imigração subsidiada, logrando deslocar um contingente numeroso de

trabalhadores europeus, italianos, alemães, espanhóis e portugueses, e, também , em

menor escala, de outras procedências e nacionalidades, mas também insuficientes, se

não tivessem contado com as levas de imigrantes espontâneos , que aqui chegaram com

seus próprios recursos. Esse movimento pode ser visualizado nos gráficos, tabelas, com

despesas governamentais, referenciados nesse trabalho.

Ao final de 15 anos de esforços o total de imigrantes subsidiados superou,

ligeiramente, o número de imigrantes espontâneos, da maneira seguinte:

- Total de imigrantes subsidiados: 1.335.104, contra 1.193.233 de espontâneos,

recrutados para São Paulo, até 1929.

Nesse esforço, o Estado de São Paulo colaborou, ainda, com a montagem de

uma infra-estrutura para recepção e atendimento aos imigrantes, ao desembarcar em

Santos, assim como, para facilitar-lhes contato com fazendeiros interessados, com

proposição de contratos de colonato.

Para isso, construiu um alojamento em Santos e outro mais amplo em São Paulo,

a Hospedaria dos Imigrantes, em 1896. Cuidou, igualmente, de editar leis

regulamentadoras do trabalho, e criação de tribunais especializados para julgamento de

questões, eventualmente surgidas entre patrões/empregados.

No que respeita às construções de estradas de ferro, o governo imperial já havia,

desde 1850, editado a Lei de Terras, visando a validar títulos de propriedades,

concedidas desde os tempos coloniais, sob a forma de sesmarias e datas de terra; em

1852, pela edição de lei, regulamentando a criação de ferrovias, e, principalmente,

incentivando sua implantação, por intermédio de cláusulas asseguradoras aos

concessionários, de garantia de juros, geralmente de 5% pelo Governo Imperial, e,

permitindo às Províncias, no seu eventual interesse, de complementar estímulo ao

investimento, subscrevendo contribuição, geralmente, de 2%, o que atraía investidores,

pela garantia de receberem dividendos, mesmo que o empreendimento, nos anos

iniciais, não produzisse lucros, pois, a garantia total poderia chegar até o limite de 7%.

Porém, a intervenção mais significativa do Estado na área econômica privada, se

daria, comandada pelo Estado republicano, no caso, pelo Governo Estadual de São

Paulo, em face da severa crise de produção e preços, que ocorreu em 1906, conhecida

como operação de “Valorização”, talvez impropriamente, cognominada pela

historiografia como Convênio de Taubaté, foco da elaboração inicial do Plano de

Combate à crise, também das primeiras medidas tomadas para enfrentar a crise.

Ação dos operadores do mercado1

O que se verificou é que os preços do varejo permaneceram, praticamente,

inalterados entre 1886-1905, o que teria levado o consumo a ter flutuado, de acordo com

a variação do nível de rendimento, e com o volume da população, o que determinaria

flutuações de nível de rendimento relativamente lentas. Antonio Delfim Netto, indaga a

1 Os dados compulsados neste tópico foram retirados de: NETTO, A. Delfim. O Problema do Café no Brasil. São Paulo: IPE/USP, 1981. P.56-62.

respeito desse fenômeno: “Como se explicariam, então, as violentas oscilações no

volume das exportações?”

O mesmo autor, responde: esses “movimentos se explicariam pelo

comportamento dos operadores do mercado, que procuravam realizar os seus estoques

quando os preços eram mais baixos, e reduzidas as suas compras, quando os preços se

elevavam”.

Na verdade, eles agiam de maneira a impedir que os produtores pudessem tirar

vantagens dos anos de safras medíocres, em que ocorria a diminuição da oferta. Assim,

“o comportamento dos operadores somente diminuía a amplitude das oscilações, e não o

funcionamento do sistema de preços.”

Todavia, pela experiência e análise dos dados percebe-se que o sistema

funcionou relativamente bem, enquanto não existiu um excesso grandemente volumoso

de produção, porque nesse caso, os intermediários teriam dificuldades para absorver os

excedentes,por exemplo, de super-safras contínuas.

Como adverte Delfim Netto, essa absorção era difícil, pelo grande risco que

implicaria; também pela inexistência de recursos monetários suficientes. Na realidade, a

possibilidade da inexistência desse estoque em mãos dos operadores tornaria a procura

de café muito mais elástica, em curto prazo; de um lado, se os produtores pudessem

reter os estoques em seu domínio, o seu poder de resistência cresceria, nos momentos do

mercado em alta, e, de outro, porque poderia facilitar a colocação dos excedentes, a

preços baixos.

Assim, as vantagens que poderiam advir para os produtores, podem ser

resumidas em:

- aumentar a elasticidade da procura do café, assegurando uma receita mais ou menos

estável de divisas, dentro de amplos períodos; enquanto as condições monetárias não se

deteriorassem rapidamente, isto significaria uma relativa estabilidade cambial;

- ademais, acresce lembrar, que quando as perspectivas eram desfavoráveis, não só o

crédito era mais escasso, como também aumentava o risco, porque exigia uma baixa de

preços do produto, que estava correlacionada, não só à magnitude da crise, como às

condições do próprio mercado cafeeiro.

Fatores primordiais da superprodução cafeeira

Torna-se necessário abordar resumidamente a conjuntura cafeeira entre 1896-

1906, caracterizada pelo descontrole entre a oferta e procura do produto, ocasionada

pela excepcional superprodução, cujas raízes próximas se assentaram no próprio ciclo

produtivo do arbusto produtor; e como grande parte da produção agrícola dependia de

fatores climáticos, comportamento do mercado de venda, relações da demanda e do

sistema de preços em face da ampliação e recuo da demanda, dos dados de consumo do

produto em relação ao crescimento da população mundial, especialmente nos países

consumidores. Além disso, da infra-estrutura de comercialização, política monetária

vigente, regime da mão-de-obra etc.

Focalizaremos, inicialmente, os dados impressionantes a respeito do dinamismo

da cafeicultura paulista, que por outro lado começaram a se constituir em constante

preocupação no setor cafeeiro, mais consciente da fragilidade a que ficava exposto o

complexo cafeeiro, não só paulista, uma vez que se tornara o carro-chefe da economia

do país, representando a cifra, entre 60 a 70% das rendas advindas da exportação,

dependendo do período da economia brasileira.

Os dados da produção paulista e brasileira, desde os anos de 1850-51 até 1902,

oferecem panorama bastante nítido do crescimento do setor e da exportação do produto.

Assim, na safra de 1850-51 embarcada no Porto de Santos passaram 82.608 sacas (parte

da produção paulista do Vale do Paraíba era despachada no Rio de Janeiro).

A safra de 1872-73, período em que havia sido finalizada a ligação ferroviária

Santos-Jundiaí foi de 443.210 sacas, enquanto no Rio de Janeiro embarcaram 3.040.062.

Já na safra 1873-74 o montante foi de 666.949; entre 1883-87, 1.837.846 (média anual);

entre 1887-92, 2.512.637 sacas; entre 1892-97, média 3.437.579; entre 1902-1907,

média 8.681787.

Os dados de embarques da produção brasileira, de todas as procedências: 1882-

1887 média anual de 5.994.845; 1902-07 média 12.497.552.

Assim, ocorreu aumento de sete milhões de sacas nos embarques anuais de café

entre 1882-87 para 1902-07, principalmente, pela alta produção do Oeste paulista. O

aumento da produção paulista contou com a chegada dos imigrantes europeus, cuja

média anual de entradas foi, entre 1890-1904, de 45.551; e entre 1905-1929 de 18.049.

O antigo déficit de mão-de-obra foi sanado pelo Estado de São Paulo, mas contribuiu

para o surgimento da superprodução cafeeira, em virtude, dentre outros, também da

forma de contratos estabelecidos entre colonos, que estimulava a abertura de novas

frentes de trabalho, de modo a satisfazer a mão-de-obra estrangeira a aumentar seus

ganhos.

Outro aspecto que atuou de maneira significativa foi o fato da maturação dos

grãos da primeira safra dos cafezais novos, só acontecer depois de 5-6 anos, o que

determinava o desconhecimento do resultado da expansão das safras futuras, que só

aconteceriam seis anos depois, quando não se saberia quais seriam os preços de venda

do café. Isso dificultava a previsão do volume das safras, que ainda ficavam sujeitas aos

azares, ou eventos benfazejos, de ordem climática.

Por impossibilidade de abarcar todos os aspectos que atuavam na economia

cafeeira, concentrar-nos-emos num dos pontos menos estudados, que são os referentes

ao sistema de crédito agrícola. Apresentaremos dados coletados na região de Casa

Branca, importante produtora do Oeste paulista.

As causas e consequências da Primeira Política de Valorização do café pelo prisma de um município cafeeiro: o caso de Casa Branca.

A verificação Tabela 1 apresenta a supremacia dos bancos nacionais no total de

empréstimos efetivados com garantia hipotecária. Eles abarcaram, respectivamente,

58%, entre 1874 e 1884, e 42% entre 1885 e 1895; decaindo para 11% no intervalo de

1896 a 1906, pois esse período foi marcado por uma conjuntura financeira delicada

decorrente da política governamental deflacionista, seguida pela baixa cotação

internacional do café2, elevando-se sua participação, mesmo que timidamente, no

período posterior a Primeira Valorização, em 1906, que buscou manter a estabilidade e

a alta dos preços do produto.

2 “[...] no governo de Campos Sales, mais precisamente a partir de 1899, como resultado da política econômica ortodoxa, a taxa cambial começou a valorizar-se, conjugando-se com uma queda internacional nos preços do café que vinha desde 1896. Superprodução – em função dos estímulos existentes no período do Encilhamento – queda dos preços externos e valorização cambial foram os fatores que deram origem, em 1906, ao primeiro esquema valorizador”. In: PERISSINOTTO, R. M. Classes dominantes e hegemonia na Republica Velha. Campinas, SP: Ed.UNICAMP, 1994. p.69.

Tabela 1. Porcentagem, por ocupação, nos créditos hipotecários concedidos no município de Casa Branca, 1874-1914.

1874-1884 %

1885-1895 %

1896-1906 %

1907-1914 %

negociante/comerciante 112,4 6% 321,7 4% 838,7 6% 243,8 3% capitalista 222,7 11% 382,4 5% 2.965,9 20% 124,6 1% proprietário 3,4 0% 228,0 3% 1.370,8 9% 797,1 9% comissário 156,2 8% 1.505,1 19% 2.006,0 13% 2.392,5 28% lavrador 326,4 16% 1.820,2 24% 4.369,4 29% 1.466,0 17% banco nacional 1.176,0 58% 3.275,3 42% 1.694,7 11% 1.320,1 15% banco internacional 0,0 0% 0,0 0% 0,0 0% 1.621,7 19% outros 8,9 0% 160,9 2% 1.614,4 11% 603,7 7% indeterminado 7,6 0% 27,3 0% 12,4 0% 41,6 0% total 2.013,8 100% 7.721,3 100% 14.872,6 100% 8.611,4 100%

Fonte: Livros de Inscripção Especial, sob os números 2, 2A, 2B, 2C, e 2D, do Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Casa Branca. Valores em contos de réis. Adaptado de: FONTANARI, R. O problema do financiamento: uma análise histórica sobre o crédito no complexo cafeeiro paulista: Casa Branca (1874-1914). 1. ed. São Paulo: Editora Unesp/Cultura Acadêmica, 2012.

Podemos perceber que os bancos emprestavam mais nas conjunturas favoráveis,

não arriscando seus capitais em situações financeiras adversas, o que explica o

“sumiço” dos empréstimos promovidos pelos bancos nacionais entre 1896 e 1906,

retomando a concessão de crédito após a primeira defesa do café, pois assim seus

investimentos teriam lucros garantidos.

Como visto, a primeira grande crise financeira que assolou a economia paulista e

que repercutiu sobremaneira no setor bancário, foi a de 1896-1906. Wilson Cano

observou que, nesse contexto:

Cassado o privilégio de emissão, aos bancos, em 1896, e desencadeada a deflação, o sistema atingiria seu ponto crítico em 1900, com a crise bancária, quando vão à falência, nada menos de 17 bancos nacionais. Nesse período são inúmeras as transformações bancárias que ocorrem, como falências, novos bancos, fusões etc.3

Podemos compreender, desta maneira, o porquê da “fuga” dos empréstimos

bancários, entre 1896 e 1906 derivada, em nossa visão, de dois fatores principais: a) a

crise, apesar de ter sido sentida com menor intensidade em São Paulo, repercutiu sim,

de forma negativa, no sistema bancário, gerando também redução de capitais,

diminuição dos financiamentos para a cafeicultura; b) por outro lado, aqueles bancos

que se mantiveram “intactos”, não se sentiam seguros em fazer concessão de créditos

3 CANO, W. Raízes da Concentração Industrial em São Paulo. Rio de Janeiro: Difel, 1977. p.73.

para o setor agrário-exportador, pois o preço do café estava em baixa4, complicando a

saúde financeira dos fazendeiros, o que aumentava o risco de inadimplências. No

momento em que mais precisavam de crédito institucionalizado, com menores taxas de

juros, prazos mais dilatados, os cafeicultores se viam totalmente desprotegidos, sem

retaguarda necessária de créditos agrícolas.5

A situação só foi restabelecida depois da Primeira Valorização, realizada em

1906, que contou com a participação dos presidentes de Estado de São Paulo, Rio de

Janeiro e Minas Gerais, cujas visavam, principalmente: a desvalorização do mil-réis; a

retirada de parte da produção via compras efetuadas pelo governo, que contrairia

empréstimos internacionais para proceder tais compras, visando a elevar o preço do

produto, fixando o preço do café em patamares lucrativos, para proteger o setor da

especulação.

Podemos dizer que o resultado imediato e mais visível da intervenção

valorizadora foi a estabilização e subida dos preços do café, que permaneceu estável

entre 7,6 e 7,9 cents por libra-peso, já entre 1906 e 1908, passou a 13,8 cents.

Observa-se pela tabela 1, que a elevação dos preços do produto fez retomar a

confiança dos Bancos nos negócios do café, ou seja, garantida a lucratividade do setor

não teria porque não injetar dinheiro nessa atividade.

De acordo com Flávio Saes, foi corriqueira a súplica dos lavradores quanto à

exploração sofrida por esta fração frente aos interesses especulativos, levado a cabo

principalmente pelos agentes comerciais ligados ao setor exportador. 6 O apelo geral dos

produtores de café, sempre esteve direcionado a modalidade de crédito que rompesse

com a forma mercantil, demasiadamente danosa, nos momentos de baixa internacional

dos preços do café.

Luiz Tannuri afirma que “dada a inexpressividade do sistema bancário paulista

no interior era também o comissário que exercia a intermediação financeira, tanto do

custeio quanto da formação de novos cafezais”.7 Esses agentes marcaram forte presença

4 “A crise cafeeira do período de 1896-1906 levou o preço do café de 100$, em 1893, para 25$, em 1903”. In: PERISSINOTTO, R. M. Classes dominantes e hegemonia na Republica Velha. Campinas, SP: Ed. UNICAMP, 1994. p.47. 5 Em relação à crise “a importância para os brasileiros foi que o plano permitiu à indústria do café sobreviver a sua maior crise, intacta” (HOLLOWAY, 1978, p.99). 6 SAES, F. A. M. de. Crédito e bancos no desenvolvimento da economia paulista. 1850-1930. São Paulo: IPE/ USP, 1986. 7 TANNURI, L. A. O Encilhamento. São Paulo: HUCITEC; Campinas, SP: FUNCAMP, 1981. p.109.

na economia de Casa Branca, e possibilitavam melhores condições de financiamento,

como aponta a Tabela 2.

Tabela 2. Porcentagem, por ocupação, nos créditos com penhores agrícolas concedidos no município de Casa Branca, 1874-1914. 1885-1895 % 1896-1906 % 1907-1914 % negociante/comerciante 29,5 6% 417,2 7% 108,2 2% capitalista 68,0 13% 70,5 1% 0,0 0% proprietário 0,0 0% 325,0 5% 57,0 1% comissário 104,8 21% 4.035,4 68% 2.497,3 57% lavrador 115,5 23% 727,9 12% 166,1 4% banco nacional 156,0 31% 40,4 1% 654,4 15% banco internacional 0,0 0% 0,0 0% 821,7 19% outros 11,6 2% 175,2 3% 25,8 1% indeterminado 21,3 4% 172,9 3% 14,0 0% total 506,8 100% 5.964,8 100% 4.344,7 100%

Fonte: Livro de Transcripção de Penhor Agrícola e Escravos, sob o número 5, do Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Casa Branca. Valores em contos de réis. Adaptado de: FONTANARI, R. O problema do financiamento: uma análise histórica sobre o crédito no complexo cafeeiro paulista: Casa Branca (1874-1914). 1. ed. São Paulo: Editora Unesp/Cultura Acadêmica, 2012.

Nota-se, pela Tabela 2, que a presença dos comissários foi mais significativa nos

contratos de fornecimento de crédito, mediante penhor agrícola, dado o seu interesse na

comercialização do café; mas, os mesmos também recorriam às hipotecas para afiançar

seus investimentos. Constata-se que houve certa uniformidade na ação comercial desses

agentes, que emprestavam a juros de 12% a.a., com prazo de um ano, sempre de safra a

safra. Isso pôde, por um lado, representar certos benefícios para o agricultor, pois tinha

acesso a um crédito rápido, e a venda do café estaria garantida. Porém, sinalizava uma

monopolização da safra pelos comissários, privando os cafeicultores dos lucros da

venda, situação peculiar à maior parte da camada inferior do médio capital cafeeiro, isto

é, não passando, assim, de “simples” proprietários de terra.

Se esta situação já era delicada para o produtor nas conjunturas favoráveis, em

condições adversas da economia cafeeira, então, ela ficava ainda mais complicada,

devido à desvalorização cambial, e à queda dos preços do produto no mercado

internacional, em função da superprodução, portanto, os lucros do setor minguavam.8

Isso ocorreu entre 1896 e 1906.

8 A especulação foi mais um “mal” que assolou o setor produtivo, pois os especuladores “sabiam que o ‘produtor’ precisava vender a sua safra de qualquer maneira, pois só tinha crédito de curto prazo. Além disso, tinham também consciência que o comprador se apoiava nos estoques existentes para, no meio da maior gravidade em face da superprodução, fingir não precisar do café oferecido pelo fazendeiro. Sabiam, em suma, que a causa da queda dos preços do café não era exclusivamente da superprodução, mas

Tal conjuntura agravou a situação dos cafeicultores, principalmente daqueles

integrantes do médio capital cafeeiro, que viviam exclusivamente da terra e da

produção. Em Casa Branca, ocorreu uma reformulação nos contratos de fornecimento

de crédito mediante hipoteca e penhor. Observemos alguns desses que apresentavam

cláusulas mais “severas”.

Vicente Augusto de Silos Lima, lavrador em São José do Rio Pardo, contraiu

empréstimo, em 1901, junto aos comissários J.D. Martins, de Santos, no valor de

28:800$000, com juros de 10% ao ano, e prazo de quatro anos para o pagamento. Como

garantia o devedor penhorou a safra “pendente dos cafezais” da Fazenda Alegria,

situada em Casa Branca, calculada em 3.000 arrobas de café; estendendo-se este penhor

às safras de 1902, 1903 e 1904, em suas totalidades, “sendo esse café consignado ao

outorgado em Santos, para ser por elle vendido mediante a comissão uzual de 3%”. Na

escritura consta mais um aditamento, resguardando a plena garantia ao cumprimento do

contrato, com o seguinte teor:

Extravio de todo ou parte dos bens que são dados em garantia do penhor, falta da denuncia dos credores da deterioração ou sinistro que lhes altere o valor ou modifique de qualquer modo o direito dos outorgados sobre os ditos bens, fallecimento de qualquer outorgante, falta de aplicação precipua ao custeio e grangeio da lavoura adiante hypothecada em garantia das quantias mensalmente fornecidas por J.D. Martins [...] falta de consignação ao mesmo J.D. Martins da totalidade dos fructos empenhados a escriptura fica vencida, e multa de 20% caso seja necessário aos credores recorrerem aos meios judiciais para cobrança. 9

É latente que, no contexto de crise, as escrituras passaram a ter um caráter mais

rigoroso e inflexível, pois o credor não poderia arriscar seu capital de forma leviana. Por

isso, “reforçava” judicialmente seu direito sobre o imóvel hipotecado, e sobre o direito

de comercialização do café da safra do devedor, que de forma alguma poderia ser

extraviada ou vendida a terceiros.

Em 1906, Ferreira Junior & Saraiva, comissários em Santos, emprestaram ao

Coronel José de Vasconcellos Bittencourt, lavrador em Casa Branca, a cifra de

também da especulação comercial”. In: PERISSINOTTO, R. M. Classes dominantes e hegemonia na Republica Velha. Campinas, SP: Ed. UNICAMP, 1994. p.70. 9 Inscrição de Penhor Agrícola nº 136. Livro de Transcripção de Penhor Agrícola nº 5. Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Casa Branca.

80:402$720, com juros de 12% ao ano. O devedor penhorou toda a safra pendente de

café, calculada em 20.000 arrobas, depois de beneficiada, que deveriam “ser remettidas

aos credores em sua totalidade na praça de Santos até o prazo do contrato, ainda que

parte da safra seja suficiente para pagar a divida. [...] multa de $500 por arroba de café

que faltar”.10 Desta forma, percebemos que mesmo a produção ultrapassando o valor da

dívida, o devedor seria obrigado a consignar todo o café junto à casa credora, ficando

impedido de comercializar o restante de sua própria colheita; caso contrário, se faltasse

alguma quantidade de café, em relação ao que foi acordado, o devedor ficaria sujeito a

multa.

Em meio à crise, outro recurso foi bastante corriqueiro nos contratos, referimo-

nos à “revisão de prazo”. Em vista dos baixos preços do produto no mercado, muitos

cafeicultores não puderam saldar suas dívidas, lançando mão, mediante o consentimento

do credor, desse recurso que permitia a dilatação dos prazos de pagamento.

Nesse sentido agiu o Capitão David de Almeida Santos, negociante e lavrador,

em Tambaú. Ele havia se constituído, no ano de 1897, devedor dos comissários

Penteado & Dumont, estabelecidos em Santos, da quantia de 54:000$000, com juros de

15% ao ano, e prazo de um ano para o vencimento. Como garantia o devedor hipotecou

seus bens: quatorze casas sitas na povoação de Tambaú, sendo uma de máquina de

beneficiar café. Na averbação desse título constava o seguinte: “certifico que por

escriptura publica de 24 de fevereiro de 1899, lavrada em São Paulo, os credores

Penteado & Dumont concederam mais dois anos de prazo aos devedores, com juros de

1,5% ao mês”.11 Isso corrobora a argumentação até aqui exposta, de que os credores não

almejavam a execução judicial, preferindo rolar as dívidas até o limite máximo de

solvência dos devedores; desde que estivesse devidamente garantida alta lucratividade

ao credor, e mediante contrapartidas, como a elevação dos juros de 15% a.a. para 18%

a.a., essa estratégia foi usualmente utilizada.

Contudo, nem sempre o recurso de estender o prazo para evitar a execução

judicial era utilizado, e mesmo quando o foi, acabou não funcionando, devido às crises

do mercado cafeeiro, que ocasionava a incapacidade dos cafeicultores em reter suas

safras por mais tempo, na tentativa de aguardar elevação no preço do produto. Como

resultado aconteceram uma série de falências no município.

10 Inscrição de Penhor Agrícola nº 230. Livro de Transcripção de Penhor Agrícola nº 5. Idem. 11 Escritura de hipoteca nº 215. Livro de Inscripção Especial nº 2. Ibdem.

Para frisar a questão, vale destacar mais um caso que aponta duas falências num

mesmo empréstimo. Em 1901, vemos Manoel Escobar, lavrador em Jaguari (MG),

emprestando a e sua mulher, lavradores em Casa Branca, a quantia de 40:000$000, com

juros de 12% ao ano, e prazo de vencimento de dois anos. Os devedores hipotecaram a

Fazenda São Joaquim, em Itobi, contendo 85 alqueires de terras de cultura, 40.000 pés

de café formados e 20.000 novos, casa de moradia e colonos “[...] fazenda essa que os

devedores houveram em praça no executivo hypothecario que (contra) a José Fortino e

sua mulher moveram Izidoro Vanucci & Filhos [...]”. A situação dos cafeicultores era

tão drástica que na averbação vemos o devedor, Antonio Silvério da Silva Musa, ser

obrigado a entregar também as mesmas terras. A escritura, que já se achava em

execução hipotecária, foi transferida para os comissários, de Santos, Delfino Martins &

Cia, no ano de 1905, no valor de 59:735$071, sendo 40:000$000 de capital e o restante

de juros acrescidos e não pagos e multa de 20%. Os novos credores, Delfino Martins &

Cia, não tendo recebido o pagamento da mesma, “arremataram em praça no dia

11/11/1909, a Fazenda São Joaquim [...] na acção executiva hypothecaria que moveram

a Antonio Silvério da Silva Musa e sua mulher, conforme consta da respectiva carta de

arrematação [...]”.12

Quanto aos grandes fazendeiros locais (com mais de 100.000 pés e que faziam

empréstimos acima de 100:000$000), podemos afirmar que, em sua maioria, eram

integrantes do médio capital cafeeiro, pois eram extremamente especializados na

produção de café, tendo na terra sua principal “empresa”. Esses, também não resistiram

à crise.

Vejamos um caso onde o credor teve que recorrer à liquidação forçada.

Em 16 de fevereiro de 1895, o Banco de Crédito Real de São Paulo, concedeu

um crédito ao Dr. Fortunato dos Santos Moreira e sua mulher, fazendeiro em Casa

Branca, no valor de 300:000$000, com juros de 8% ao ano, e prazo de quinze anos para

pagar. Como garantia o devedor hipotecou a Fazenda São Miguel, situada em Casa

Branca, contendo 301 hectares, 250.000 pés de café, casa de morada, casa para

administrador, uma dita para escritório, cinqüenta casas de colonos, maquinismos

completos para beneficiar café, movidos a água e a vapor de força de 10 cavalos e

terreiros ladrilhados. O devedor começaria a pagar a dívida em 30 de junho de 1895, por

anuidades sucessivas de 38:052$000, compreendendo os juros anuais na razão de 8% ao

12 Escritura de hipoteca nº 779. Livro de Inscripção Especial nº 2C. Ibdem.

ano, amortização e comissão de 1%, calculadas sobre a importância total do contrato.

As anuidades eram exigidas em prestações semestrais de 19:026$000, cada uma,

vencíveis em 30 de junho e 30 de dezembro de cada ano. Mesmo sendo um crédito de

boas condições, frente ao que havia no mercado de capitais, o devedor não conseguiu

arcar com o pagamento, e a dívida foi quitada em 17 de outubro de 1906, mediante

liquidação forçada.13 Pelas fontes documentais percebemos que o Dr. Fortunato dos

Santos Moreira e sua mulher, também contraíram outros empréstimos junto a grandes

casas comissárias, como, a Prado, Chaves & Cia e Raphael Sampaio & Cia.

Desta maneira, apesar de terem tido acesso ao crédito bancário, e também dos

comissários, ou seja, fontes especializadas de crédito, que possibilitava melhores

condições de empréstimo com juros menores, e prazos maiores, esse exemplo

demonstra a fraqueza do médio capital cafeeiro, que mesmo conseguindo reduzir os

custos da produção de café, ainda ficavam suscetíveis às crises, bem como de todas

incertezas da vida agrícola, como geadas e pragas.

De acordo com o exposto, podemos assegurar que tanto os pequenos produtores

quanto os grandes fazendeiros especializados na produção (médio capital cafeeiro),

estabelecidos em Casa Branca, sofreram com a ausência de uma política de crédito

agrícola consistente, ficando, pois, reféns de um crédito comercial, de alto custo e de

giro curto que revelava a fragilidade econômica em que vivia o senhor territorial,

agravada nos momentos de crise.

Longe estava, portanto, o fazendeiro médio de possuir riqueza igual a dos

componentes do grande capital cafeeiro, que, por sua vez, conseguiam suportar melhor

as crises, devido aos seus investimentos diversificados no setor de transporte,

financiamento e comercialização. Todavia, o segmento identificado no médio capital

cafeeiro, em decorrência de possuírem maiores propriedades, apresentavam melhores

condições, em relação dos pequenos produtores, que, por sua vez, arcavam com as

incongruências do sistema, pagando juros altos, ainda, impedidos de comercializar a

própria colheita, fato que diminuía, ainda mais, seu percentual de lucro, nas conjunturas

adversas.

13 Escritura de hipoteca nº 419. Livro de Inscripção Especial nº 2A. Ibdem.

Considerações finais

Algumas leituras do Convênio de Taubaté chamaram atenção para o papel do

capital internacional como o grande “ganhador” dessa política econômica, aplicada pelo

Governo do Estado de São Paulo (e outros estados produtores de café, em sua primeira

fase), e, posteriormente pela aliança do Governo de São Paulo com grupos alemães,

ingleses e norte-americanos.

Nesse contexto destacamos a participação dos grupos ligados ao capital

internacional – Theodor Wille & Co. de Hamburgo, que já atuava há longo tempo no

Brasil, e de seus contatos mediados, principalmente, com os outros participantes,

J.Henry Schroeder & Co. de Londres, Crossmann & Sielcken Co. de Nova Iorque.

A atuação do Estado de São Paulo e seus agentes governamentais, juntamente ao

grande capital cafeeiro, com investimentos diversificados, que participaram dessa

primeira política de valorização, e que graças a essa intervenção lograram preservar o

processo de acumulação do setor cafeeiro, após a superação da aguda crise de 1906-

1909, que também beneficiou os grupos de fazendeiros de café, a ponto de poderem

prosseguir, terminado o período de proibição de plantio de novos cafeeiros, a expandir

as plantações, até mesmo depois da grande crise de 1929.

A continuidade desse processo de acumulação de capitais, centrados na atividade

cafeeira, não pode ser desconsiderada, ainda que nesse período tenha prevalecido, na

esfera da produção, a tutela dos comissários de café e dos exportadores, representantes

do capital comercial e internacional, que, juntamente com a insuficiente política pública

de crédito agrícola, acabou reiterando a expropriação de parte significativa dos capitais

agrícolas, que continuou sendo drenado para o setor financeiro e comercial.

Ainda que tal assimetria hierárquica permanecesse existindo, entre os capitais e

os interesses de grupos distintos ao dos lavradores de café, mesmo após a Primeira

Valorização, ressaltamos que tal política de valorização conseguiu solucionar a severa

crise que afetou os plantadores de café, entre 1896 e 1906, como evidenciaram os dados

coletados no município de Casa Branca, no interior de São Paulo.

A nosso ver, sem tal política econômica de caráter de salvação do complexo

cafeeiro, e do setor de exportação, carro-chefe da economia do país, levada a cabo pelos

Estados produtores, dificilmente seria restabelecida a confiança do setor cafeeiro, pela

superação dos problemas criados na esfera da produção, cujas conseqüências poderiam

ter sido avassaladoras para a sociedade brasileira, como um todo.

Nesse sentido, “nem São Paulo nem o governo federal entraram no mercado

cafeeiro com o intuito de obter grandes lucros. Eles simplesmente pretendiam fortalecer

as cotações do café e com isso proteger o setor privado, manter a estabilidade da moeda

e, como subproduto, aumentar as receitas em impostos”.14

BIBLIOGRAFIA

FONTANARI, R. O problema do financiamento: uma análise histórica sobre o crédito no complexo cafeeiro paulista: Casa Branca (1874-1914). São Paulo: Editora Unesp/Cultura Acadêmica, 2012. FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 32. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2003. HOLLOWAY, Thomas H. Vida e morte do Convênio de Taubaté: a primeira valorização do café. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1978. _____. Condições do mercado de trabalho e organização do trabalho nas plantações na economia cafeeira de São Paulo, 1885-1915, Estudos Econômicos, volume 2– 1972-N. 6, p. 145-180. LEFÈVRE, EUGÊNIO. A Administração do Estado de São Paulo na República Velha. São Paulo: 1937. LLOYD, Reginald. Impressões do Brasil no Século Vinte. Inglaterra: Lloyd's Greater Britain Publishing Company, 1913. MORAES, Luiza Paiva de Melo. A atuação da firma Theodor Wille & Cia. no mercado cafeeiro do Brasil (1844-1918). São Paulo: Tese (Doutorado em História), FFLCH-USP, 1988. PRADO JUNIOR, Caio. História Econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense,1969. TOPIK, Steven. A presença do Estado na Economia Política do Brasil de 1889 a 1930. Rio de Janeiro: Ed. Record, 1987. SAES, Flávio A. M. A Grande Empresa de Serviços Públicos na Economia Cafeeira. São Paulo: 1986. NETTO, A. Delfim. O Problema do Café no Brasil. São Paulo: IPE/USP, 1981. RIOS, José Arthur. O café e a mão de obra agrícola. IN ENSAIOS SOBRE O CAFÉ E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. Rio de Janeiro: IBC, 1973.

14 TOPIK, Steven. A presença do Estado na Economia Política do Brasil de 1889 a 1930. Rio de Janeiro: Ed. Record, 1987.

Anexo I: Produção exportável do Brasil, produção exportável dos outros países produtores e estoque mundial de café, em 1.000.000 de sacas (1899-1906). Safra Produção Exportável

Do Brasil Produção Exportável Dos Outros Países

Estoque Mundial

1899/1900 9,25 4,35 6,20

1900/1901 11,31 3,79 5,84

1901/1902 16,09 3,65 6,87

1902/1903 13,07 4,50 11,26

1903/1904 11,13 4,63 11,90

1904/1905 10,52 3,92 12,36

1905/1906 11,49 3,95 11,26

Fonte: NETTO, A. Delfim. O Problema do Café no Brasil. São Paulo: IPE/USP, 1981. P.51.

Anexo II: Mapa da malha ferroviária do Estado de São Paulo, década de 1960. Destaque para a região de Casa Branca.

Fonte: Adaptado de HOLLOWAY, Thomas H. Imigrantes para o café: café e sociedade em São Paulo, 1886-1934. p.35.