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AÇÃO CIVIL PÚBLICA N.º 2004.71.00.035990-5/RS
AUTOR : MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO
SUL
RÉU : CRT BRASIL TELECOM
ADVOGADO : CLAUDIO MANGONI MORETTI
RÉU : AGENCIA NACIONAL DE TELECOMUNICACOES - ANATEL
ADVOGADO : ARODI DE LIMA GOMES
Fonte: http://www.jfrs.gov.br/servicos/consulta/get_doc.php?f=1886626&f1=&f2=,
SENTENÇA
Trata-se de Ação Civil Pública ajuizada, inicialmente,
perante a Justiça Comum, pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul em
face da Brasil Telecom S/A e da Agência Nacional de Telecomunicações - ANATEL,
requerendo, em sede liminar, a sustação da cobrança de tarifas interurbanas sobre ligações
efetuadas/recebidas, por terminais telefônicos instalados nos bairros dos municípios de
Imbé, Tramandaí, Cidreira e Balneário Pinhal, bem como a determinação de publicação
de nota de esclarecimento aos consumidores.
Narra o Ministério Público que os moradores dos
municípios de Imbé, Tramandaí, Cidreira e Balneário Pinhal, a partir da privatização dos
serviços de telefonia, estão sofrendo ilegalidade na cobrança de suas ligações telefônicas.
Afirma que, sem comunicação alguma aos usuários, as ligações realizadas entre estes
municípios e, em alguns casos, até entre bairros do mesmo município, passaram a ser
consideradas "interurbanas", causando prejuízo a estes consumidores com o aumento da
tarifa. Alega que os números dos telefones foram modificados unilateralmente, fato que
causou prejuízos aos comerciantes locais. Aduz a inobservância da norma 001/92 da
ANATEL.
Como provimento final, requer a declaração da
ilegalidade da cobrança de taxas por ligações telefônicas efetuadas entre os municípios
acima mencionados e entre os seus bairros; a condenação das requeridas a procederem a
alteração do sistema de tarifação (chamada local) e a condenação ao ressarcimento dos
prejuízos causados aos consumidores, prejuízos estes contados a partir da implementação
das modificações na tarifação, quando da privatização do sistema.
A liminar foi indeferida, fls. 161/162, agravando o
Ministério Público.
Citada, a BRASIL TELECOM S/A apresentou
contestação alegando em preliminar a ilegitimidade ativa do Ministério Público, no
mérito, assevera a legalidade na cobrança da tarifa interurbana entre os municípios
citados, bem como entre os bairros de alguns desses municípios.
Discorre acerca da legislação aplicável e sobre o conceito
de área conurbada. Argumenta acerca da impossibilidade de restituição dos valores
pleiteados em razão da legalidade do sistema de tarifação. Requer o acolhimento da
preliminar ou a improcedência do pedido.
Decretada a revelia da ANATEL, foram os autos
remetidos ao MP, que apresentou réplica (fls. 407-430), comprovando a agência a
interposição de agravo de instrumento. Julgado procedente o recurso, foi a citação
renovada.
Citada, a Agência Nacional de Telecomunicações -
ANATEL, apresentou contestação alegando, em preliminar, a incompetência absoluta da
Justiça Comum, a ilegitimidade ativa do Ministério Público e sua ilegitimidade passiva.
No mérito, explicita o conceito de área local e faz um apanhado histórico acerca das
normas reguladoras do caso, alertando sobre a existência de uma revisão no conceito de
área local que, acaso aprovada pelo Conselho Diretor da ANATEL, atenderá aos pedidos
da presente ação. Diz que não é dado ao Poder Judiciário invadir a competência da
ANATEL e que a regulamentação atualmente em vigor diz que a "área local" corresponde
ao espaço geográfico atendido por uma central telefônica. Argüi a prescrição das parcelas
vencidas nos cinco anos anteriores a citação. Sustenta que, em caso de procedência, o
ressarcimento deve ser feito pela concessionária. Requer a extinção do feito sem
julgamento de mérito ou a improcedência da demanda.
Em sua manifestação (fls. 708-717), o Ministério Público
opinou pela remessa dos autos à Justiça Federal, Circunscrição Judiciária de Porto
Alegre/RS.
A ANATEL juntou aos autos a resolução 373, de
03/06/2004 que alterou o conceito de área local, a qual passou a considerar a área
geográfica de um Município ou de um conjunto de Municípios, requerendo a extinção do
feito por direito superveniente.
Os autos foram remetidos a esta Justiça Federal, sem
oposição das partes.
O MPF foi intimado e ratificou integralmente a inicial,
aditando-a e requerendo o ressarcimento em dobro dos prejuízos causados aos
consumidores, bem como a procedência da ação.
Intimadas sobre o interesse na produção de provas,
requereram o julgamento do feito no estado em que se encontra.
Indeferida a inicial contra a ANATEL, restou excluída do
feito e foi determinado o retorno dos autos ao Juízo Estadual. Interposto agravo de
instrumento pela Brasil Telecom, a sentença foi anulada, fixando-se a legitimidade da
ANATEL.
Intimada, a Agência Reguladora se manifestou repelindo
o aditamento realizado pelo MPF.
Vieram os autos conclusos para sentença.
É o relatório. Decido.
Preliminares
Ilegitimidade ativa
O interesse em pauta, referente ao mecanismo de tarifação
telefônica entre localidades diversas pertencentes a um mesmo município, identifica-se
com o conceito de interesse coletivo, segundo disposto na Lei 8.078/90, que transcrevo:
"Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos
consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título
coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se
tratar de:
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para
efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares
pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para
efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo,
categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação
jurídica base;
III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim
entendidos os decorrentes de origem comum." (grifei)
E para a defesa do interesse em tela, o art. 82 da mesma
lei confere autorização ao Ministério Pública para a propositura de demandas:
"Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são
legitimados concorrentemente:
I - o Ministério Público,
(...)"
Assim, o Ministério Público Federal é parte legítima para
figurar no pólo ativo da demanda, por expressa disposição legal.
Nesse sentido, ainda, colho o seguinte precedente
jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal:
"RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL.
LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROMOVER AÇÃO CIVIL
PÚBLICA EM DEFESA DOS INTERESSES DIFUSOS, COLETIVOS E
HOMOGÊNEOS. MENSALIDADES ESCOLARES: CAPACIDADE POSTULATÓRIA
DO PARQUET PARA DISCUTI-LAS EM JUÍZO. 1. A Constituição Federal confere
relevo ao Ministério Público como instituição permanente, essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 127). 2. Por isso
mesmo detém o Ministério Público capacidade postulatória, não só para a abertura do
inquérito civil, da ação penal pública e da ação civil pública para a proteção do
patrimônio público e social, do meio ambiente, mas também de outros interesses difusos e
coletivos (CF, art. 129, I e III). 3. Interesses difusos são aqueles que abrangem número
indeterminado de pessoas unidas pelas mesmas circunstâncias de fato e coletivos aqueles
pertencentes a grupos, categorias ou classes de pessoas determináveis, ligadas entre si ou
com a parte contrária por uma relação jurídica base. 3.1. A indeterminidade é a
característica fundamental dos interesses difusos e a determinidade a daqueles interesses
que envolvem os coletivos. 4. Direitos ou interesses homogêneos são os que têm a mesma
origem comum (art. 81, III, da Lei n 8.078, de 11 de setembro de 1990), constituindo-se
em subespécie de direitos coletivos. 4.1. Quer se afirme interesses coletivos ou
particularmente interesses homogêneos, stricto sensu, ambos estão cingidos a uma mesma
base jurídica, sendo coletivos, explicitamente dizendo, porque são relativos a grupos,
categorias ou classes de pessoas, que conquanto digam respeito às pessoas isoladamente,
não se classificam como direitos individuais para o fim de ser vedada a sua defesa em
ação civil pública, porque sua concepção finalística destina-se à proteção desses grupos,
categorias ou classe de pessoas. (...)"
RE 163231 / SP - Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA -
Tribunal Pleno - DJ 29-06-2001 PP-00055 - EMENT VOL-02037-04 PP-00737
Ilegitimidade passiva
A legitimidade da ANATEL para figurar no pólo passivo da
lide restou fixada na decisão proferida nos autos do Agravo de Instrumento nº
2006.04.00.009340-5, trasladado às fls. 908-914. Portanto, resta superada da alegação.
Competência da Justiça Federal
Diante da presença no pólo passivo de ente arrolado no
art. 109, da CF/88, firma-se a competência desta Justiça Federal para o julgamento da
causa.
Perda superveniente do objeto
Alega a ANATEL a perda do objeto, pois a Resolução n.
373/2004, teria adequado o sistema de tarifação aos postulados judicialmente neste feito.
Verifica-se que a referida Resolução nada dispõe acerca
das tarifas já cobradas, apenas têm o condão de gerar efeitos para o futuro. Portanto,
tendo em vista a amplitude do pedido inicial, rejeito a alegação.
Mérito
A prescrição do fundo de direito, argüida pelos réus,
começa a correr da data em que tiver sido negado expressamente o direito reclamado.
Assim está sumulada a matéria nos tribunais superiores, senão vejamos:
Súmula n° 85 do STJ - "Nas relações jurídicas de trato
sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado
o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do
qüinqüênio anterior à propositura da ação."
Súmula 443 do STF "A prescrição das prestações anteriores
ao período previsto em lei não ocorre quando não tiver sido negado, antes daquele prazo,
o próprio direito reclamado ou a situação jurídica de que ele resulta."
Para que ocorra a perda do direito de ação é necessário
provar que tal direito tenha sido negado e que, da data em que foi negado até a data da
propositura da ação, tenha transcorrido o prazo prescricional, o que inocorreu na espécie.
A prescrição contra a Fazenda Pública, nos termos do D.
20910/32, é de cinco anos contados do fato lesivo ou de sua ciência.
Assim, tendo em vista que esta ação foi proposta pelo
Ministério Público perante a Justiça Estadual, em 16/08/2001, não houve o decurso do
lapso prescricional, porquanto a alegada lesão teria ocorrido em 31 de dezembro de 1998,
decorrente da Resolução nº 85, que aprovou o Regulamento do Serviço Telefônico
Comutado.
O art. 333, I e II, do CPC, dispõe que compete ao autor
fazer prova constitutiva de seu direito e ao réu, a prova dos fatos impeditivos,
modificativos ou extintivos do direito do autor. In casu, a parte autora fez prova do fato
constitutivo de seu direito - a comprovação de que foram efetuados pagamentos das
tarifas telefônicas ora discutidas, conforme documentos apresentados com a inicial.
Quanto a alegação da ANATEL acerca da existência de
competência administrativa exclusiva para a regulamentação do sistema de
telecomunicações, não podendo o Poder Judiciário adentrar no mérito do ato
administrativo sob pena de violação do Princípio da Separação dos Poderes, entendo que
a regulamentação dos serviços de telefonia não se enquadra dentre aquelas áreas sujeitas à
exclusiva discricionariedade administrativa, podendo ser os critérios de conveniência e de
oportunidade analisados judicialmente, mormente quando em aparente antinomia com os
princípios da razoabilidade e da isonomia. Justamente, o interesse ministerial na presente
demanda reside na provável violação de dispositivos legais e constitucionais referentes à
matéria em exame, mormente os que regulam as relações de consumo, nas quais se
enquadram os serviços de telefonia.
Além disso, a Constituição, em seu art. 5°, inciso XXXV,
determina que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito", cabendo ao juiz decidir se o exercício do poder discricionário se deu dentro dos
limites estabelecidos pela norma, identificando também eventual agressão aos princípios
constitucionais.
Primeiramente, deixo consignado que a Lei nº 9472, de
16 de julho de 1997 tem as seguintes disposições:
"Art. 2º - O Poder Público tem o dever de:
I - garantir a toda a população, o acesso às
telecomunicações, a tarifas e preços razoáveis, em condições adequadas;
(...)
Art. 5º - Na disciplina das relações econômicas no setor de
telecomunicações observar-se-ão, em especial, os princípios constitucionais da soberania
nacional, função social da propriedade, liberdade de iniciativa, livre concorrência, defesa
do consumidor, redução das desigualdades regionais e sociais, repressão ao abuso do
poder econômico e continuidade do serviço prestado no regime público."
De acordo, ainda, com o art. 22 do Código de Defesa do
Consumidor, aplicável ao caso em função do binômio prestador de serviço telefônico -
usuário configurar relação de consumo e porque o art. 5º da Lei 9472/97 previu
expressamente a aplicação das suas disposições ao usuário do sistema nacional de
telefonia, "os órgãos públicos, por si ou por suas empresas, concessionárias,
permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigadas a
fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.
Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas
neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos
causados, na forma prevista neste código".
Consoante o disposto nos arts. 4º e 8º, da Resolução
ANATEL 85/98 (Regulamento do Serviço Telefônico Fixo Comutado), o serviço
telefônico local destina-se à comunicação entre pontos fixos determinados e situados em
uma mesma área local, definida esta com a consideração do interesse econômico, da
continuidade urbana, da engenharia das redes de telecomunicações e das localidades
envolvidas.
A referida Resolução trazia a seguinte definição:
"Art.3º Para fins deste Regulamento, aplicam-se as
seguintes definições:
I - Área de Tarifa Básica: é a parte da Área Local,
delimitada pela Concessionária, de acordo com os critérios estabelecidos pela Agência e
por esta homologada, dentro da qual o serviço é prestado ao Assinante, em contrapartida à
tarifas ou preços do Plano de Serviço de sua escolha;
II - Área Local: área geográfica contínua de prestação de
serviços, definida pela Agência, segundo critérios técnicos e econômicos, onde é prestado
o STFC na modalidade Local;
(...)"
Segundo Luís Roberto Barroso (in Interpretação e
Aplicação da Constituição, Ed. Saraiva, São Paulo, 1998, p. 204-5), "o princípio da
razoabilidade é um parâmetro de valoração dos atos do Poder Público para aferir se eles
estão informados pelo valor superior inerente a todo ordenamento jurídico: a justiça.
Sendo mais fácil de ser sentido do que conceituado, o princípio se dilui em um conjunto
de proposições que não o libertam de uma dimensão excessivamente subjetiva. É razoável
o que seja conforme a razão, supondo equilíbrio, moderação e harmonia, o que não seja
arbitrário ou caprichoso, o que corresponda ao senso comum, aos valores vigentes em
dado momento ou lugar."
A partir desta idéia, nota-se que houve burla pelas rés ao
princípio constitucional da razoabilidade jurídica. Os agentes do Poder Público só
possuem legitimação na medida em que sua atuação passe pelo teste da racionalidade, de
forma que não se revelem injustos ou arbitrários os seus atos.
Mesmo que a definição do que seja área local esteja
submetida a critérios da ANATEL, é inconcebível que bairros de um mesmo município
não tenham o mesmo tratamento tarifário. Insta reconhecer que houve violação ao
princípio da isonomia por parte das demandadas. Alexandre de Moraes (in Direito
Constitucional, p. 61) refere que "a Constituição Federal de 1988 adotou a princípio da
igualdade de direitos, prevendo a igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades
virtuais, ou seja, todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei, em
consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico. Dessa forma, o que
se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento
desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do
próprio conceito de Justiça, pois o que realmente protege são certas finalidades, somente
se tendo por lesado o princípio constitucional quando o elemento discriminador não se
encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito, sem que se esqueça, porém,
como ressalvado por Fábio Konder Comparato, que as chamadas liberdades materiais têm
por objetivo a igualdade de condições sociais, meta a ser alcançada, não só por meio de
leis, mas também pela aplicação de políticas ou programas de ação estatal".
No caso dos autos, a lesão ao princípio da igualdade
reside no fato de que os autores, residentes em um mesmo município, foram
discriminados do ponto de vista tarifário, suportando custos telefônicos
significativamente superiores àqueles imputados aos demais moradores da mesma região.
Diante dessas considerações, entendo pela procedência
do pedido dos autores em repetirem os valores indevidamente pagos por ligações
efetuadas entre bairros pertencentes aos Municípios de Imbé, Tramandaí, Cidreira e
Balneário Pinhal, naquilo que superar o valor da tarifa local.
Colaciono decisão proferida em caso similar:
"ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
SERVIÇOS TELEFÔNICOS. MUNICÍPIOS VIZINHOS. TARIFAÇÃO.
- A tarifação dos serviços telefônicos entre bairros, nos
Municípios de Xangri-lá e Capão da Canoa, será considerada como referente a ligações
locais, por se tratar de área conurbada."
AG nº 2002.04.01.009157-6 - UF: RS - QUARTA TURMA
- DJU DATA:16/10/2002 PÁGINA: 705 - Relator VALDEMAR CAPELETTI
Assim, passo a análise da responsabilidade das rés.
As concessões inserem-se dentre os chamados atos
administrativos negociais que na definição de Hely Lopes Meirelles, são aqueles que "são
praticados contendo uma declaração de vontade do Poder Público coincidente com a
pretensão do particular, visando à concretização de negócios jurídicos públicos ou à
atribuição de certas vantagens ao interessado".
O concessionário gera serviço por sua conta, risco e
perigo. Assim, incumbe a ele responder perante terceiros pelas obrigações contraídas ou
por danos causados. Sua responsabilidade pelos prejuízos causados a terceiros e ligados à
prestação do serviço governa-se pelos mesmos critérios e princípios retores da
responsabilidade do Estado, pois ambas estão consideradas conjuntamente no mesmo
dispositivo constitucional. Isto significa, segundo opinião absolutamente predominante no
Direito brasileiro, que a responsabilidade em questão é objetiva, ou seja, para que seja
instaurada, prescinde-se de dolo ou culpa da pessoa jurídica, bastando a relação causal
entre a atividade e o dano.
Definida a responsabilidade da Brasil Telecom, passo a
análise da responsabilidade da ANATEL.
Conforme referido, o concessionário age por sua conta e
risco, e, via de conseqüência, tem de arcar com os riscos da atividade. Dessa forma,
afigura-se sumamente injusto postular uma responsabilidade objetiva e solidária do
Estado, pois significaria quase que afastar o risco do concessionário, tendo em vista que,
quem podendo acionar o Estado, que será sempre solvável, não perderia tempo buscando
a responsabilização da concessionária. A colocação do estado em par de igualdade no que
tange à responsabilidade de atos decorrentes de concessão, torna a "conta e risco" da
beneficiária da concessão uma ilusão.
Ademais, no presente caso a Brasil Telecom poderia ter
cobrado tarifa inferior, desde que atendesse os requisitos dos artigos 106 e 107 da Lei
Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/97), que assim dispõe:
Art. 106. A concessionária poderá cobrar tarifa inferior à
fixada desde que a redução se baseie em critério objetivo e favoreça indistintamente todos
os usuários, vedado o abuso do poder econômico.
Art. 107. Os descontos de tarifa somente serão admitidos
quando extensíveis a todos os usuários que se enquadrem nas condições, precisas e
isonômicas, para sua fruição.
A ANATEL, por sua vez, expediu a Resolução nº 373, de
3 de junho de 2004, alterando as regras de definição de área local para a cobrança de
tarifas básicas locais entre localidades diversas. Anteriormente, a Resolução n-º 85/98
estabelecia critérios imprecisos para a definição das áreas locais, deixando praticamente à
conveniência das concessionárias o enquadramento destas áreas pela ANATEL. A falta
de definição legal acarretava a cobrança de tarifas interurbanas até mesmo entre
localidades situadas no mesmo município.
Assim, como órgão regulador, cabe a ANATEL
desenvolver a fiscalização das atividades de telecomunicações, sempre em conformidade
com as normas previstas nesses dois diplomas legais, quais sejam o CDC e a Lei nº
9.472/97, que se complementam, buscando suprir de forma plena todas as necessidades
dos usuários, bem como regular o funcionamento de tais atividades.
No presente caso, o dano decorre de uma omissão da
ANATEL, logo, é de se aplicar a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se a
autarquia federal não agiu, não pode, logicamente ser a autora do dano, somente cabendo
responsabilizá-la caso estivesse obrigada a impedir a dano, o qual poderia ser evitado com
a regulamentação em momento anterior a 2004 acerca da definição de área local para
efeitos de tarifação de serviço telefônico fixo comutado.
Dessa forma, entendo que a responsabilidade da
ANATEL pela repetição dos valores indevidamente recolhidos pelos autores é subjetiva e
subsidiária, cabendo, portanto, a Brasil Telecom restituir as respectivas quantias.
Em função de inexistirem documentos que demonstrem o
valor individualizado de cada ligação telefônica paga indevidamente pelos autores, não
há, nesse momento processual elementos nos autos para fixar um valor certo de
devolução; mas isso não implica em nulidade da sentença. Senão vejamos a doutrina, in
verbis: "Mesmo quando o pedido tenha sido certo, a instrução processual pode não ter
sido capaz de produzir elementos de prova suficientes para permitir uma sentença líquida.
Em tais circunstâncias, a jurisprudência mostra-se tolerante na aplicação do parágrafo
único do artigo 459. Conforme sustentou o Ministro Ruy Rosado de Aguiar, em
precedente em que a questão se pôs, 'a conveniência de abster-se o juiz de proferir
sentença ilíquida decorre de salutar intuito do legislador de obviar os percalços, custos e
demoras para a definição do valor da condenação que, sendo possível, já deve ficar
determinado na sentença. (...) Portanto, o enunciado do artigo 459, parágrafo único, leio
assim: 'Sendo possível proferir uma sentença líquida, não deve o juiz proferi-la ilíquida".
E conclui, na ementa do acórdão: 'Não estando o juiz convencido da procedência da
extensão do pedido certo formulado pelo autor, pode reconhecer-se o direito, remetendo
as partes para a liquidação" (in Título Executivo e Liquidação, Teori Albino Zavascki, 1ª
edição, Editora Revista dos Tribunais, p.167/168).
Os valores a repetir devem ser devidamente atualizados
monetariamente pelo IPCA-E, bem como acrescidos de juros de 1% ao mês.
Saliento que o pedido de devolução em dobro dos valores
indevidamente pagos não deve ser acolhido, tendo em vista que a cobrança decorre de
engano justificável, pois havia norma que a autorizava.
No que tange ao pedido de indenização por supostos
prejuízos que atingiram os comerciantes da região, entendo que inexistiu a prova dos
danos, pois não foi demonstrado que eles teriam investido em propaganda ou qualquer
outro meio de divulgação dos novos números telefônicos. Portanto, improcede este
pedido.
Dispositivo
Diante do exposto, julgo parcialmente procedente a
presente ação para condenar a Brasil Telecom S.A, a restituir aos autores os valores
indevidamente pagos a título de tarifas interurbanas sobre ligações efetuadas/recebidas,
por terminais telefônicos instalados nos bairros dos municípios de Imbé, Tramandaí,
Cidreira e Balneário Pinhal, que deverão ser consideradas ligações locais, durante o
período de janeiro de 1999 a 15 de janeiro de 2004, corrigidos desde a data do pagamento
indevido, pelo IPCA-E, e acrescidos de juros moratórios de 1% ao mês, desde a data da
última citação válida (03/12/2003); reconhecendo a responsabilidade subsidiária da
ANATEL para efeitos desta condenação.
Tendo em vista a sucumbência significativa das rés,
condeno-as ao pagamento de honorários advocatícios em favor do MPF, fixando-os em
R$ 10.000,00 (dez mil reais), no mesmo regime de subsidiariedade.
Custas ex lege.
Sujeita a reexame necessário.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Porto Alegre, 20 de abril de 2007.
Gabriel Menna Barreto von Gehlen
Juiz Federal Substituto na Titularidade Plena