112
ACADEMIA MILITAR DIRECÇÃO DE ENSINO Mestrado em Ciências Militares, na especialidade de Artilharia TRABALHO DE INVESTIGAÇÃO APLICADA A Formação dos Oficiais da Arma de Artilharia: História do ensino da Artilharia da Escola do Exército (1837) à Academia Militar Autor: Asp Al Art Fábio Samuel Espiguinha Marmelo Orientador: TCor Art Pedro Marquês de Sousa Lisboa, Julho de 2011

ACADEMIA MILITAR DIRECÇÃO DE ENSINO Mestrado em … Marmelo.pdf · Com este tema pretendem-se identificar e decompor as alterações ao nível das condições de admissão, cadeiras

Embed Size (px)

Citation preview

ACADEMIA MILITAR

DIRECO DE ENSINO

Mestrado em Cincias Militares, na especialidade de Artilharia

TRABALHO DE INVESTIGAO APLICADA

A Formao dos Oficiais da Arma de Artilharia: Histria do ensino da Artilharia

da Escola do Exrcito (1837) Academia Militar

Autor: Asp Al Art Fbio Samuel Espiguinha Marmelo

Orientador: TCor Art Pedro Marqus de Sousa

Lisboa, Julho de 2011

ACADEMIA MILITAR

DIRECO DE ENSINO

Mestrado em Cincias Militares, na especialidade de Artilharia

TRABALHO DE INVESTIGAO APLICADA

A Formao dos Oficiais da Arma de Artilharia: Histria do ensino da Artilharia

da Escola do Exrcito (1837) Academia Militar

Autor: Asp Al Art Fbio Samuel Espiguinha Marmelo

Orientador: TCor Art Pedro Marqus de Sousa

Lisboa, Julho de 2011

A Formao dos Oficiais da Arma de Artilharia: Histria do Ensino da Artilharia da Escola do Exrcito (1837) Academia Militar

Asp Al Art Fbio Samuel Marmelo Pgina ii

DEDICATRIA

Aos meus pais por toda a educao e apoio,

Catarina por toda a ajuda e compreenso .

A Formao dos Oficiais da Arma de Artilharia: Histria do Ensino da Artilharia da Escola do Exrcito (1837) Academia Militar

Asp Al Art Fbio Samuel Marmelo Pgina iii

Agradecimentos

Aps a realizao deste trabalho gostaria de agradecer a todos aqueles, que de uma ou de

outra forma, contriburam e me deram uma preciosa ajuda para a sua realizao,

particularmente:

Ao Coronel de Artilharia Maurcio Raleiras por toda a sua disponibilidade e pelos

preciosos contributos prestados na elaborao do TIA;

Ao Tenente-Coronel de Artilharia Lus Oliveira, Director do curso de Artilharia da

Academia Militar, pela sua disponibilidade e auxlio durante a realizao do TIA;

Ao Tenente-Coronel de Artilharia Marqus de Sousa, professor da Academia

Militar e meu Orientador, pela sua preciosa orientao, empenho e

disponibilidade no decorrer do TIA;

D. Paula, funcionria da biblioteca da Academia Militar, pela sua ajuda e

compreenso na pesquisa de fontes para a realizao do TIA;

A Formao dos Oficiais da Arma de Artilharia: Histria do Ensino da Artilharia da Escola do Exrcito (1837) Academia Militar

Asp Al Art Fbio Samuel Marmelo Pgina iv

ndice Geral

ndice de Apndices ...vi

ndice de Anexos ............................................................................................................ viii

Lista de Siglas e Abreviaturas ........................................................................................... ix

Resumo ....xi

Abstract ........................................................................................................................... xii

INTRODUO ................................................................................................................. 1

CAPTULO 1 - ESBOO HISTRICO DO ENSINO DA ARTILHARIA DESDE A 1

AULA DE ENSINO TERICO MILITAR (1641) AT ACADEMIA MILITAR (1974) ...... 4

CAPTULO 2 - A ESCOLA DO EXRCITO DE 1837 A 1910: O PROGRESSO DA

FORMAO DOS OFICIAIS DE ARTILHARIA ............................................................... 8

2.1. As primeiras repercusses da mudana: 1837 1863 ........................................ 8

2.2. O ensino da Artilharia com a Revoluo Industrial, 1863 1890 ........................12

2.3. A formao dos Oficiais de Artilharia com o Ultimatum britnico, 1890 1910 ..15

2.4. As Reformas de Portugal na organizao da Escola do Exrcito .......................19

CAPTULO 3 - A FORMAO DOS OFICIAIS DE ARTILHARIA: DA REPBLICA 1

GUERRA MUNDIAL: 1911 1919 ..................................................................................21

3.1. A implantao da Repblica e a formao dos Oficiais de Artilharia: 1911 a 1916

...21

3.2. As consequncias da 1 Guerra Mundial na formao dos Oficiais de Artilharia:

1916 - 1919 ..................................................................................................................23

3.3. As grandes alteraes nos cursos de Artilharia com a 1 Repblica e com a I

Guerra Mundial ............................................................................................................26

CAPTULO 4 - O FIM DA GUERRA E O INCIO DA DITADURA MILITAR NA

FORMAO DOS OFICIAIS DE ARTILHARIA: 1919-1958 ...........................................28

4.1. A estabilizao no ensino depois das controvrsias da I Guerra Mundial ..........28

4.2. As consequncias do incio da Ditadura nacional (1926) na organizao dos

cursos de Artilharia das Escolas do Ensino Superior Militar .........................................29

4.3. As reformas no ensino aps a I Guerra Mundial ................................................34

A Formao dos Oficiais da Arma de Artilharia: Histria do Ensino da Artilharia da Escola do Exrcito (1837) Academia Militar

Asp Al Art Fbio Samuel Marmelo Pgina v

CAPTULO 5 - A FORMAO DOS OFICIAIS DE ARTILHARIA NA ACADEMIA

MILITAR NO PERODO DAS CAMPANHAS DA GUERRA DE FRICA (1961) AT

REVOLUO DE 25 DE ABRIL DE 1974 .......................................................................36

5.1. O Exrcito e Fora Area na Academia Militar ..................................................36

5.2. O esforo para formar Oficiais devido s exigncias da Guerra de frica de 1961

...40

5.3. As influncias da Guerra de frica nas reorganizaes da Academia Militar .....43

Consideraes Finais ....................................................................................................45

Referncias Bibliogrficas ............................................................................................50

A Formao dos Oficiais da Arma de Artilharia: Histria do Ensino da Artilharia da Escola do Exrcito (1837) Academia Militar

Asp Al Art Fbio Samuel Marmelo Pgina vi

ndice de Apndices

Apndice 1 Plano de estudos do curso de Artilharia antes e aps 1860 ......................53

Apndice 2 Relao entre os alunos matriculados no 1 ano no curso de Artilharia e

aqueles que realmente terminaram o curso no perodo entre 1837 e 1863 ......................53

Apndice 3 Plano de estudos do curso de Artilharia em 1864 .....................................54

Apndice 4 Unidades curriculares do curso de Artilharia em 1884 ..............................55

Apndice 5 Exames especiais de habilitao no inicio e no fim do 2 perodo da Escola

do Exrcito .......................................................................................................................56

Apndice 6 Relao dos alunos matriculados no 1 ano do curso de Artilharia e os que

realmente terminaram o seu curso no perodo entre 1863 e 1890 ...................................57

Apndice 7 Plano de estudo do curso de Artilharia em 1894 .......................................58

Apndice 8 Currculo do 2 e 3 ano do curso de Artilharia em 1897 ...........................59

Apndice 9 Relao dos alunos matriculados e os que realmente terminaram o curso

no perodo entre 1890 e 1910 ..........................................................................................60

Apndice 10 Plano de estudos do curso de Artilharia a p em 1911 ...........................61

Apndice 11 Plano de estudos do curso de Artilharia de campanha em 1911 .............62

Apndice 12 Plano de estudos do curso de Artilharia a p em 1916 ...........................63

Apndice 13 Plano de estudos do curso de Artilharia de campanha em 1916 .............64

Apndice 14 Diviso dos semestres na Escola de Guerra no perodo da I Guerra

Mundial ............................................................................................................................64

Apndice 15 Relao dos alunos matriculados e que terminaram os cursos nas

diferentes vertentes de Artilharia entre 1912 e 1919 ........................................................65

Apndice 16 Plano de estudos do curso especial de Artilharia de campanha, Cavalaria

e Infantaria .......................................................................................................................66

Apndice 17 Plano de estudos do curso de Artilharia em 1929 ...................................67

Apndice 18 Cadeiras do curso de Artilharia em 1930 ................................................68

Apndice 19 Cadeiras do curso de Artilharia em 1940 ................................................69

Apndice 20 Cadeiras do curso de Artilharia em 1948 ................................................69

Apndice 21 Relao dos alunos matriculados e os que terminaram o seu curso entre

1920 e 1958 .....................................................................................................................70

Apndice 22 Currculo do curso de Artilharia em 1959 ................................................71

Apndice 23 Currculo dos anos especficos para o curso de Artilharia em 1960 ........72

Apndice 24 Plano de estudos do curso de Artilharia para os anos de entrada

posteriores a 1959 ...........................................................................................................73

Apndice 25 Currculo do curso de Artilharia em 1963 ................................................74

Apndice 26 Currculo do curso de Artilharia em 1967 ................................................75

A Formao dos Oficiais da Arma de Artilharia: Histria do Ensino da Artilharia da Escola do Exrcito (1837) Academia Militar

Asp Al Art Fbio Samuel Marmelo Pgina vii

Apndice 27 Relao dos alunos admitidos no 1 ano do curso de Artilharia e aqueles

que terminaram o seu curso ............................................................................................76

A Formao dos Oficiais da Arma de Artilharia: Histria do Ensino da Artilharia da Escola do Exrcito (1837) Academia Militar

Asp Al Art Fbio Samuel Marmelo Pgina viii

ndice de Anexos

Anexo I Cadeiras do curso de Artilharia em 1892 ........................................................78

Anexo II Currculo do curso geral em 1894 ..................................................................79

Anexo III Deveres do Comandante de Seco em 1894 ..............................................80

Anexo IV Deveres do Chefe de Turma em 1894 ..........................................................81

Anexo V Deveres do Chefe de Quarto em 1894 ..........................................................81

Anexo VI Deveres dos alunos da Escola do Exrcito em 1894 ....................................82

Anexo VII Deveres do aluno de dia da Escola do Exrcito ...........................................83

Anexo VIII Horrio de Servio dos alunos da Escola do Exrcito .................................84

Anexo IX Currculo do 1 ano comum de Artilharia e Engenharia militar em 1897 ........85

Anexo X Provas de aptido fsica para admisso na Escola de Guerra em 1916 ........86

Anexo XI Provas de classificao para o curso de Artilharia a p ................................87

Anexo XII Provas de classificao no curso de Artilharia de campanha .......................88

Anexo XIII Plano de estudos do curso de Artilharia a p em 1923 ...............................89

Anexo XIV Plano de estudos do curso de Artilharia de campanha em 1923 ................90

Anexo XV Provas do concurso de admisso em 1930 .................................................91

Anexo XVI Provas do concurso de admisso em 1942 ................................................92

Anexo XVII Constituio das provas de aptido fsica em 1961 ...................................93

Anexo XVIII Prmio de Aprumo e Apresentao Militar ...............................................94

Anexo XIX Plano de estudos do curso de Artilharia em 1970 .......................................96

Anexo XX Braso de armas da Academia Militar .........................................................97

Anexo XXI Novo medalho do prmio de Aprumo e Apresentao Militar ...................97

A Formao dos Oficiais da Arma de Artilharia: Histria do Ensino da Artilharia da Escola do Exrcito (1837) Academia Militar

Asp Al Art Fbio Samuel Marmelo Pgina ix

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

A

AC Artilharia de Campanha

AM Academia Militar

ARFAD Academia Real de Fortificao, Artilharia e Desenho

C

CA Corpo de alunos

CGP Curso Geral Preparatrio

CM Colgio Militar

CSG Curso Superior de Guerra

E

EE Escola do Exrcito

EG Escola de Guerra

EM Escola Militar

EP Escola Politcnica

EPA Escola Prtica de Artilharia

ESM Ensino Superior Militar

G

GM Guerra Mundial

H

HM Higiene Militar

I

IAEM Instituto de Altos Estudos Militares

L

LI Lngua Inglesa

A Formao dos Oficiais da Arma de Artilharia: Histria do Ensino da Artilharia da Escola do Exrcito (1837) Academia Militar

Asp Al Art Fbio Samuel Marmelo Pgina x

P

PAF Provas de Aptido Fsica

Q

QP Quadro Permanente

T

TIA Trabalho de Investigao Aplicada

TDTM Topografia e Desenho Topogrfico Militar

TPOA Tirocnio para Oficial de Artilharia

A Formao dos Oficiais da Arma de Artilharia: Histria do Ensino da Artilharia da Escola do Exrcito (1837) Academia Militar

Asp Al Art Fbio Samuel Marmelo Pgina xi

RESUMO

O presente Trabalho de Investigao Aplicada tem como principal objectivo estudar e

analisar a evoluo da formao dos Oficiais de Artilharia desde a Escola do Exrcito (1837)

at Academia Militar (1974).

Com este tema pretendem-se identificar e decompor as alteraes ao nvel das

condies de admisso, cadeiras vigentes e condies de aproveitamento e analisar as

diferenas entre o nmero de alunos admitidos no primeiro ano das escolas e aqueles que

conseguiram terminar os seus cursos. Analisando estas evolues chegaremos base da

formao de muitas geraes de Oficiais de Artilharia o que permitir perceber o porqu

destas evolues e, se possvel, retirar algumas ilaes para o futuro.

Para concretizar este objectivo, procedeu-se anlise das Ordens do Exrcito dos

perodos referentes a este trabalho, abordando as pocas em que a Escola de formao de

Oficiais tomava diferentes designaes.

Palavras-chave: ARTILHARIA; ADMISSO; CURRCULO; APROVEITAMENTO;

FORMAO.

A Formao dos Oficiais da Arma de Artilharia: Histria do Ensino da Artilharia da Escola do Exrcito (1837) Academia Militar

Asp Al Art Fbio Samuel Marmelo Pgina xii

ABSTRACT

The present paper has as main purpose to study the course of the formation of

Artillery Officers since the creation of the Army School, in 1837, until the Military Academy in

the years leading to the Aprils 1974 Revolution.

We will study the major changes that occurred through the years in the admission

conditions, subjects taught and in fieldwork and analyze the relationship between the number

of students who entered the Schools and those who completed the courses. We intend to

assay these evolutions in order to discover what the basis of the formation of Artillery

Officers is and if it remains unchanged over the years, trying to create a bridge to the future.

To achieve this we proceeded to the analysis of the Army Orders in the periods

related to this work, addressing the times when the Officers Training School took different

names.

Keywords: ARTILLERY; ADMISSION; COURSES; SCHOOL PERFORMANCE; TRAINING.

A Formao dos Oficiais da Arma de Artilharia: Histria do Ensino da Artilharia da Escola do Exrcito (1837) Academia Militar

Asp Al Art Fbio Samuel Marmelo Pgina 1

INTRODUO

No mbito do Tirocnio para Oficial de Artilharia (TPOA) e da necessidade de dotar

os alunos de capacidade de pesquisa e de investigao, foi proposta a elaborao deste

Trabalho de Investigao Aplicada (TIA). Assim sendo, e para estudarmos e analisarmos as

diferenas no ensino da Artilharia ao longo dos tempos, escolhemos para tema do trabalho

A Formao dos Oficiais da Arma de Artilharia: Histria do ensino da Artilharia da Escola do

Exrcito (1837) Academia Militar (1974).

Este trabalho visa analisar as modificaes sofridas ao longo dos tempos no que

respeita ao plano de estudos do curso de Artilharia e ao modo como este se relaciona com

as alteraes polticas, econmicas e sociais sofridas pela Nao portuguesa durante o

perodo em estudo. Pretende-se assim compreender que matrias se consideram

elementares na formao dos Oficiais de Artilharia em cada perodo do ensino, que matrias

se foram considerando secundrias acabando, com o passar dos tempos, por desaparecer

dos currculos e que matrias, com a aprendizagem dos erros e das informaes recolhidas

das Guerras, se foram tornando progressivamente mais importantes.

Analisaremos ainda a evoluo das provas de admisso e as alteraes do nmero

de candidatos propostos a admisso, tendo em conta, as exigncias de Oficiais que o

Exrcito Portugus requeria dependendo do Teatro de Operaes em que Portugal se

encontrava inserido. No final de cada captulo apresentaremos uma relao entre o nmero

de alunos matriculados no curso de Artilharia e aqueles que realmente o terminaram com

xito, comparando os valores obtidos nos diferentes perodos referidos neste TIA.

Tratando-se de um tema nunca antes abordado, este trabalho revela-se de uma vital

importncia para a arma de Artilharia pois permite partir para uma anlise de todas as

alteraes sofridas ao longo dos vrios perodos do Ensino Superior Militar e assim

identificar as possveis lacunas ou pontos fortes do ensino da Artilharia desde 1837,

possibilitando tirar concluses para o futuro do ensino da Arma de Artilharia.

Face necessidade de se estudar o ensino da Arma de Artilharia desde os

primrdios do Ensino Superior Militar, estabeleceu-se como incio deste trabalho cientfico o

ano de 1837. Neste ano, o Marqus de S Bandeira fundou a Escola do Exrcito, por

extino da antiga Academia Real de Fortificao, Artilharia e Desenho (ARFAD), no

entanto, porque o ensino da Arma de Artilharia j se iniciara sensivelmente 80 anos antes,

dedica-se um captulo deste trabalho anlise da formao dos Oficiais da arma de

Artilharia nos anos precedentes a 1837.

Sendo o ttulo inicial deste TIA A Formao dos Oficiais de Artilharia desde a Escola

do Exrcito de 1837 Academia Militar, no se encontrava perfeitamente definida a data de

trmino deste trabalho cientfico. A hiptese de trmino no ano de fundao da Academia

A Formao dos Oficiais da Arma de Artilharia: Histria do Ensino da Artilharia da Escola do Exrcito (1837) Academia Militar

Asp Al Art Fbio Samuel Marmelo Pgina 2

Militar como escola de formao dos Oficiais, 1959, apresentava-se redutora, deixando por

tratar uma parte significativa da nossa histria que ainda hoje se reflecte na formao dos

Oficiais de Artilharia. Assim, decidimos prolongar o nosso estudo at 1974, altura em que se

deu a revolta dos Capites em 25 de Abril.

Para a realizao deste trabalho faremos uma anlise documental sobre as

diferentes reestruturaes sofridas pelo curso de Artilharia desde 1837 at 1974, incidindo a

pesquisa principal sobre Ordens do Exrcito e Legislao, bem como Anurios da Academia

Militar, tendo em vista investigar as fontes primrias de toda a legislao que estabelece o

funcionamento das diversas escolas de Ensino Superior Militar. Analisaremos tambm

fontes secundrias com o objectivo de aprofundar o TIA atravs de artigos e livros

referentes s diversas alteraes implementadas.

A recolha de informaes ir realizar-se principalmente na biblioteca da Academia

Militar, que sendo a casa me de todo o Ensino Superior Militar (ESM) onde se processa a

formao dos Oficiais de Artilharia, a melhor fonte de informao disponvel.

Estenderemos a nossa pesquisa tambm aos arquivos histricos, biblioteca do Exrcito e

a revistas da especialidade da poca.

Para o desenvolvimento do tema em apreciao necessrio levantar a seguinte

questo central que conduzir o objectivo de toda a pesquisa: Como evoluram o plano

de estudos, as condies de admisso e as condies de aproveitamento, no mbito

da formao dos Oficiais de Artilharia no perodo da Escola do Exrcito (1837)

Academia Militar (1974)?. Para nos auxiliar na resposta a esta questo, bem como, para

lhe outorgar credibilidade e fundamento, foram levantadas as seguintes questes derivadas:

De que forma o Regime Liberal e a Revoluo Industrial influenciaram o

modelo de formao dos Oficiais de Artilharia?

Como se reflectiram os esforos de manuteno do Imprio no final do

sc. XIX na formao dos Oficiais de Artilharia?

De que forma a I Repblica teve impacto nas cadeiras e na constituio

do prprio curso de formao de Oficiais de Artilharia?

Quais as implicaes da I Guerra Mundial quanto ao nmero de Oficiais

necessrios e durao do curso de Artilharia?

Quais as alteraes na formao dos Oficiais de Artilharia, em

consequncia da Ditadura Militar (1926-1933) e do Estado Novo (1933-

1974)?

De que forma a entrada para a NATO teve implicaes na formao dos

Oficiais de Artilharia?

A Formao dos Oficiais da Arma de Artilharia: Histria do Ensino da Artilharia da Escola do Exrcito (1837) Academia Militar

Asp Al Art Fbio Samuel Marmelo Pgina 3

De que forma as campanhas de Portugal na Guerra de frica (1961-1974)

tiveram implicaes na durao dos cursos de Artilharia na Academia

Militar?

Para podermos responder a estas questes, dividimos o nosso trabalho em

introduo, cinco captulos e concluso, repartidos da seguinte forma.

No primeiro captulo, Esboo histrico do ensino da Artilharia dos seus

primrdios Escola do Exrcito (1837), estudaremos os antecedentes da Escola do

Exrcito e o incio do ensino da Arma de Artilharia. Faremos tambm, neste captulo, uma

breve visita pelas diferentes instalaes onde foi leccionado o ensino da Arma de Artilharia.

No segundo captulo, A Escola do Exrcito de 1837 a 1910: o progresso da

formao dos Oficiais de Artilharia, sero exploradas as cadeiras leccionadas neste

perodo bem como a durao do curso de Artilharia tendo em conta os interesses coloniais.

Mais frente neste captulo analisaremos a Revoluo Industrial e o Ultimatum britnico e a

necessidade de reestruturao do Ensino Superior Militar que com eles se impuseram.

No terceiro captulo, A formao dos Oficiais de Artilharia da Repblica 1

Guerra Mundial: 1911 1919, estudaremos a mudana de Escola do Exrcito para Escola

de Guerra e as consequentes transformaes que ocorreram no curso de Artilharia, como o

desdobramento em Artilharia a p e Artilharia de campanha. Analisaremos ainda neste

captulo as principais alteraes no currculo do curso de Artilharia no perodo da I Guerra

Mundial.

No quarto captulo, O fim da Guerra e o inicio da Ditadura Militar na formao

dos Oficiais de Artilharia: 1919-1958, examinaremos a reestruturao de 1919, que

implementou uma nova denominao para a Escola Escola Militar - e trouxe a

estabilizao do ensino aps as contendas da I Guerra Mundial. Tambm neste captulo

investigaremos as alteraes sofridas em 1938 o retorno designao de Escola do

Exrcito e as mudanas no ensino.

Com o quinto captulo, A formao dos Oficiais de Artilharia na Academia Militar

no perodo das campanhas da Guerra de frica at Revoluo de 25 de Abril de

1974, exploraremos as alteraes no curso de Artilharia com a criao da Academia Militar.

Examinaremos ainda as grandes alteraes no curso de Artilharia, tanto ao nvel da durao

como da prpria organizao, que se deram com o incio da Guerra de frica em 1961 e

com a consequente necessidade de mobilizar um elevado nmero de Oficiais.

No final deste trabalho sero apresentadas as concluses onde passaremos em

revista as questes derivadas e dar resposta questo central. Analisaremos ainda os

currculos do curso de Artilharia ao longo de todo estes anos, a fim de concluir quais as

cadeiras que com o passar do tempo se foram tornando cada vez mais importantes.

A Formao dos Oficiais da Arma de Artilharia: Histria do Ensino da Artilharia da Escola do Exrcito (1837) Academia Militar

Asp Al Art Fbio Samuel Marmelo Pgina 4

CAPTULO 1

ESBOO HISTRICO DO ENSINO DA ARTILHARIA DESDE A 1

AULA DE ENSINO TERICO MILITAR (1641) AT ESCOLA DO

EXRCITO (1837)

Muito antes da criao da Escola do Exrcito (EE) em 1837, mais propriamente em

1641, pelo decreto de 13 de Maio do mesmo ano, criada a primeira escola de ensino

terico-militar, cujo nome era Aula de Artilharia e Esquadria1, instalada inicialmente no Pao

da Ribeira (actual Terreiro do Pao) e mais tarde, em 1647 foi transferida para o Pao da

Ribeira das Naus, junto do Palcio da Corte real, j com a denominao de Aula de

Fortificao e Arquitectura2, leccionada pelo cosmgrafo-mor do reino Lus Serro Pimentel.

No mesmo ano nasce a 1 poca da Academia Militar (AM), destinada a formar

oficias de Infantaria com o ttulo de engenheiros (Conceio, 1950, p.12) e voltou-se

novamente a instalar no Terreiro do Pao, instalaes que em 1755 ficariam totalmente

destrudas devido ao terramoto, o que fez com que em 1758, as instalaes fossem

transferidas para junto do Palcio de S. Bento.

No entanto, a primeira organizao regular da Arma de Artilharia deu-se apenas em

1762, por alvar de 2 de Abril, em que foi estabelecida, na Fortaleza de S. Julio da Barra,

uma aula na qual se dictem lies, e faam exerccios prticos de artilharia trs dias em

cada semana, hora e meia de manh, e meia hora de tarde.3 Neste mesmo ano deu-se a

maior reorganizao do Exrcito Portugus, quando o Marqus de Pombal contratou o

conde Schaumburg de Lippe, oriundo da escola Prussiana de Frederico II para organizar o

Exrcito Portugus (Sousa, 2010). Em 1763 foram reduzidos os corpos de Artilharia a quatro

regimentos a doze companhias cada, em que cada Regimento tinha um comandante

estrangeiro, ficando o conde de Lippe responsvel pela sua instruo e organizao. Neste

mesmo ano foi aprovado um plano de estudos, onde um oficial de cada Regimento que

obtivesse as qualidades necessrias seria o instrutor de todos os oficiais do seu Regimento,

constituindo estas aulas condio indispensvel para a promoo.2

A 7 de Maro de 1761, foi criado o Real Colgio dos nobres, destinado a formar os

oficiais das armas de Infantaria e Cavalaria, com a particularidade que para poder ser

admitido nesta escola tinham os alunos de ter, pelo menos do lado materno, foro de

nobreza, condio extinta mais tarde em 1772.

1 Anurio da Academia Militar, (1958-1959), Academia Militar.

2 Sampaio, Rui Manuel, (1991), Histria da Academia Militar, Lisboa, Academia Militar.

3 Alvar de 2 de Abril de 1762.

A Formao dos Oficiais da Arma de Artilharia: Histria do Ensino da Artilharia da Escola do Exrcito (1837) Academia Militar

Asp Al Art Fbio Samuel Marmelo Pgina 5

Com a extino da AM por carta de lei de 5 de Agosto de 1779, foi criada a

Academia Real de Marinha, com o objectivo de ministrar aos alunos os conhecimentos que

at data tinham sido professados na AM, bem como, preparar os alunos da Armada. Pela

razo de nesta escola nunca ser ter ensinado Fortificao, Artilharia e Desenho houve um

interregno no ensino da Engenharia, no entanto, em 1772, tinha-se reorganizado a

Universidade de Coimbra, criando-se novas cadeiras, passando esta escola a ter

capacidade para formar os oficiais de Engenharia.

Em 1790, por carta de lei de 2 de Janeiro, d-se uma grande reestruturao no ESM

em Portugal em que criada a ARFAD, organizao considerada muito avanada para a

poca, devido interrupo no ensino da Engenharia, bem como, da insuficincia de

conhecimentos que as escolas de preparao de artilheiros, criadas pelo Conde de Lippe,

conferiam aos oficiais assim formados.4 Esta Academia ficou inicialmente instalada no

edifcio do Arsenal do Exrcito, edifcio que trs anos mais tarde sofreria um grave incndio

que destruiria a quase totalidade do material de ensino. Por esta razo, a escola foi obrigada

a mudar de instalaes, desta vez para a casa do depsito pblico na Praa do Pelourinho.

A partir de 1796 deram-se mudanas constantes nas instalaes da ARFAD, tendo-se

mudado neste ano para o Palcio do Calhariz e em 1810 para o edifcio do Correio geral,

voltando em 1811 ao mesmo Palcio, tendo-o abandonado no ano de 1823, ocupando

assim as instalaes do Palcio do Rossio. Em 1834 deu-se uma nova mudana de

instalaes, tendo-se ido instalar no prdio n 40 da Rua do Moinho de Vento e depois

para o n 10 da Calada dos Caetanos, donde transitou em 1836 para o edifcio do Real

Colgio dos Nobres.4

Nesta Academia deu-se a particularidade de juntar os quatro cursos na mesma

escola, Infantaria, Cavalaria, Artilharia e Engenharia, tendo os dois primeiros a durao de 3

anos e os dois ltimos de 4 anos, estando o curso de Artilharia organizado da seguinte

forma:

Curso de Artilharia

1 Ano Fortificao regular, ataque e defesa das praas

Princpios fundamentais de qualquer fortificao

2 Ano Fortificao irregular, fortificao efectiva e fortificao de campanha

3 Ano Teoria da Artilharia, das minas e contraminas e aplicao ao ataque e

defesa das praas

4 Ano

Arquitectura civil, corte das pedras e madeira

Oramentos dos edifcios e conhecimentos dos materiais de construo

Estradas e hidrulica (pontes, canais, portos, diques e comportas) Quadro 1: Plano de estudos do curso de Artilharia no perodo da Academia Real de Fortificao, Artilharia e Desenho.

4

4 Anurio da Academia Militar (1958-1959), Academia Militar.

A Formao dos Oficiais da Arma de Artilharia: Histria do Ensino da Artilharia da Escola do Exrcito (1837) Academia Militar

Asp Al Art Fbio Samuel Marmelo Pgina 6

Alm destas aulas tericas, os alunos tinham ainda aulas prticas sobre desenho

de aplicao s diversas matrias professadas, trabalhos topogrficos, castrametao5,

construo de entrincheiramentos, fortificaes e batarias, e o manejo das bocas de fogo.6

Neste perodo o ensino aos Oficiais de Artilharia incidia no estudo minucioso do material,

dos numerosos meios de transporte e locomoo e da balstica, quanto manobra e tctica

de Artilharia, limitava-se apenas ao deslocamento das bocas de fogo para as suas posies

(Borges, 2010, p.264).

Relativamente distribuio dos trabalhos, era dividido em trs partes. A primeira

parte, que se iniciava na Primavera, era destinada a um exerccio com a durao de seis

semanas para construir baterias de faxinas e assentar plataformas. A segunda parte inclua

exerccios com morteiros e obuses, onde se treinavam pontarias, bem como, montar e

desmontar os materiais. Na terceira parte leccionava-se o estudo do material necessrio

para as campanhas, munies e conhecimentos de terminologia artilheira (Ibidem).

No entanto, devido instabilidade que Portugal atravessava, muito custa da

Guerra das Laranjas em 1801 e s Invases Francesas, de 1807 a 1810, o ensino desta

Academia no conseguiu acompanhar a evoluo dos tempos e tornou-se progressivamente

desactualizado e levou a que em 1823, num artigo do nmero 133 da Gazeta de Lisboa de 6

de Junho viesse descrito que os alumnos ficavam ignorando muitas coisas essenciais, e

sobretudo faltavam-lhes os exerccios prticos em campos de instruo e que devido s

imperfeies do estudo do Desenho e forma como era ministrado os alunos pouco

retinham das aulas, o que levava a que os alumnos da Academia ensinavam uns aos

outros, e assim somente approveitavam os que tinham disposio natural para o Desenho.

(Sampaio, 1991, p.60)

Em 1834, depois dos lentes de vrias matrias se terem reunido para alterar a

organizao desta Academia, eis que autorizada a substituio dos antigos livros por

outros mais actuais, no entanto era necessria uma reforma radical que viria a acontecer

mais tarde em 1837, ano da criao da Escola Politcnica (EP) por decreto de 11 de

Janeiro, considerada uma escola militar, era uma escola de preparao militar

(Conceio, 1950, p.16), que veio substituir a Academia Real de Marinha, tendo ficado

instalada no edifcio do Colgio dos Nobres. Esta escola tinha como principal fim habilitar

alunos () para seguirem os seus cursos das escolas de aplicao do Exrcito e da

marinha6

Finalmente, por decreto de 12 de Janeiro do mesmo ano, foi fundada pelo Marqus

de S da Bandeira, a EE, tendo ocupado as mesmas instalaes que a Escola Politcnica

de Lisboa, e aqui que entramos no estudo do nosso TIA.

5 Arte de escolher terrenos apropriados para a montagem de acampamentos.

6 Anurio da Academia Militar, (1958-1959), Academia Militar.

A Formao dos Oficiais da Arma de Artilharia: Histria do Ensino da Artilharia da Escola do Exrcito (1837) Academia Militar

Asp Al Art Fbio Samuel Marmelo Pgina 7

Pelas palavras de Alfredo Pereira da Conceio, a Escola do Exrcito comeou

embalada nas refregas e nas lutas, embebida no sangue daqueles que morriam por esta

grandeza enorme da Ptria (Conceio, 1950, p.8), tendo-se tornado no primeiro passo

para a criao da verdadeira famlia militar, atravs da unificao do ensino militar.

Em 1843, devido a um grave incndio nas instalaes da EE, esta foi obrigada a

ocupar novas habitaes, tendo ficado, por pouco tempo, instalada numa casa no Ptio da

Pimenta, uma vez que em 1844 foi ocupar na Rua de Santo Antnio dos Capuchos, o

Palcio dos Condes de Mura. A se manteve at data de 1851, altura em que D. Maria II

mandou conceder o Palcio da Bemposta para instalao da Escola do Exrcito7, local

onde ainda hoje, se mantm as instalaes da AM.

Em 1863, estabeleceu-se o regime de internato para os alunos, pois a vida em

comum de todos os alunos era vista como indispensvel para o cumprimento do seus

deveres, independentemente da Arma a que pertenciam, de tal forma que como nos diz

Alfredo da Conceio, A formao dos oficiais faz-se na vida permanente, na vida de

contacto dirio. Aqui se estabelecem laos de camaradagem que ficam soldados, vibrantes

para todo o resto da vida, considerando esta caracterstica como um dos grandes elos,

() uma das grandes foras morais da formao dos oficiais do nosso Exrcito (Conceio,

1950, p.19).

7 Anurio da Academia Militar, (1958-1959), Academia Militar.

A Formao dos Oficiais da Arma de Artilharia: Histria do Ensino da Artilharia da Escola do Exrcito (1837) Academia Militar

Asp Al Art Fbio Samuel Marmelo Pgina 8

CAPTULO 2

A ESCOLA DO EXRCITO DE 1837 A 1910: O PROGRESSO DA

FORMAO DOS OFICIAIS DE ARTILHARIA

2.1. As primeiras repercusses da mudana: 1837 1863

Inscrita na reorganizao do Exrcito de 1836, a criao da EE remonta s reformas

militares constitucionalistas e assiste, no perodo inicial da sua existncia, a uma grande

profuso de golpes de Estado, revoltas e revolues em que as foras militares estiveram

profundamente envolvidas. Num perodo que, como nos diz o Tenente-Coronel Medeiros

Ferreira, pode definir-se como o da luta pela conquista e consolidao do liberalismo

poltico e econmico requerido por uma crescente burguesia comercial especialmente

interessada no liberalismo do comrcio de importao e exportao, esboando j uma

particular preferncia pelo comrcio colonial (Ferreira, 1976, p.4)8, a vida da EE altamente

influenciada por estas caractersticas polticas, econmicas e sociais, sobretudo no que

respeita s matrias leccionadas.

Em 1836 a formao dos oficiais de Artilharia estava a cargo da Academia de

Fortificao, Artilharia e Desenho. Docentes, alunos e instncias do servio do Exrcito

reclamavam uma reforma radical na Academia argumentando que os cursos eram

incompletos e alguns deles demasiado longos, que o mtodo de ensino era imprprio e no

permitia tirar o maior partido do estudo e finalmente que os examinandos eram avaliados de

forma pouco justa. O prprio Secretrio de Estado dos Negcios Estrangeiros, o Visconde

de S da Bandeira, reconhecia esta necessidade, Na Academia de Fortificao, Artilharia e

Desenho, que deve tomar a denominao de Escola do Exrcito () se ensinaro daqui em

diante () no s as disciplinas que j se estudavam na Academia, mas tambm outros

muitos ramos de conhecimento, sem as quais a instruo militar comum, e em especial para

algumas armas, continuaria a ser deficiente9 tais como a Lngua Inglesa (LI), j na poca

detentora de uma importncia vital nas relaes inter-fronteirias. A reestruturao da

Academia urgia; a necessidade de criar uma Academia na qual os alunos pudessem adquirir

os princpios necessrios para o desenvolvimento do estudo da difcil cincia da Guerra e

das suas demais aplicaes era evidente e a Rainha no podia ignorar as palavras do seu

8 Referindo-se s cobias e interesses coloniais em frica.

9 Relatrio de Visconde de S da Bandeira em 12 de Janeiro de 1837, em anexo Ordem do Exrcito n 5 de 20

de Janeiro de 1837.

A Formao dos Oficiais da Arma de Artilharia: Histria do Ensino da Artilharia da Escola do Exrcito (1837) Academia Militar

Asp Al Art Fbio Samuel Marmelo Pgina 9

Secretrio de Estado dos Negcios Estrangeiros, Senhora! tempo de instruir os Oficiais

do Exrcito Portugus10.

Assim, a 20 de Janeiro de 1837 a Rainha D. Maria II decretava que A Academia de

Fortificao, Artilharia e Desenhodenominar-se- daqui em diante, Escola do Exrcito11.

Alm de alteraes organizacionais na instituio, a formao da EE fez-se acompanhar por

um conjunto de importantes alteraes curriculares na formao dos oficiais de Artilharia.

A alterao da durao do curso de Artilharia foi uma das mudanas subsequentes

formao da EE, passando a ser de trs anos ao contrrio das Armas de Infantaria e

Cavalaria cujos cursos tinham durao de apenas um ano. No primeiro ano eram

leccionadas as disciplinas de Topografia e Desenho Topogrfico Militar (TDTM),

Estabilidade de Construes e Mecnica Aplicada s Mquinas e de Arte Militar e

Fortificao Passageira, que inclua o estudo do objectivo e importncia da Artilharia e da

sua tctica elementar, a aquisio de noes gerais sobre estradas, caminhos-de-ferro, rios

e canais considerados meios de comunicao militar, a aprendizagem de ideias gerais sobre

ataque e defesa de uma Praa de Guerra, o conhecimento do Direito das Naes em tempo

de Guerra e dos princpios gerais de estratgia e de Grande Tctica e ainda o estudo das

artes de Castrametao, Pequena Guerra e de Fortificao Passageira. No segundo ano o

plano de estudos continuava a ser composto pelas disciplinas de TDTM e de Estabilidade de

Construes e Mecnica Aplicada s Mquinas. A estas juntava-se uma nova unidade

curricular, a disciplina de Fortificao Permanente onde se instrua o traado, relevo e

desenfiamento de Fortificaes e as suas aplicaes na defesa dos Estados. No terceiro e

ltimo ano do curso os alunos, que at aqui vinham adquirindo conhecimentos

generalizados e maioritariamente tericos, possuindo por isso escasso contacto com os

materiais e a Arma de Artilharia, tinham pela primeira vez uma disciplina dedicada

inteiramente ao estudo da Arma. Desta disciplina, denominada de Artilharia, fazia parte o

estudo do material da Arma, da Balstica aplicada e dos diferentes servios especiais da

Artilharia na Guerra. Alm da disciplina de Artilharia, os alunos tinham TDTM e Arquitectura

Civil e suas Aplicaes. Com estas trs unidades curriculares o horrio ficava completo no

sobrando espao para o ensino da LI. Esta disciplina tinha ento um carcter opcional e era

frequentada apenas pelos alunos que ainda no possussem o necessrio conhecimento da

lngua em detrimento da disciplina de Arquitectura Civil, uma vez que esta ltima no se

aplicava directamente Arma de Artilharia.12

As aulas tinham a durao de noventa ou de setenta e cinco minutos, dependendo

do tipo de disciplina; nos primeiros quinze minutos um dos alunos fazia uma exposio oral

sobre a lio anterior que merecia ...da parte do lente respectivo as correces adequadas

10

Relatrio de Visconde de S da Bandeira em 12 de Janeiro de 1837 anexo Ordem do Exrcito n 5 de 20 de Janeiro de 1837. 11

Ordem do Exrcito n5 de 20 de Janeiro de 1837. 12

Artigo 5 da Ordem do Exrcito n 5 de 20 de Janeiro de 1837.

A Formao dos Oficiais da Arma de Artilharia: Histria do Ensino da Artilharia da Escola do Exrcito (1837) Academia Militar

Asp Al Art Fbio Samuel Marmelo Pgina 10

de forma que os alunos aprendessem a expor correcta e metodicamente (Sampaio, 1991,

p.117) e no tempo restante o professor expunha a matria. Duas vezes por semana um dos

perodos da aula era reservado reviso dos assuntos j estudados e de trs em trs

meses realizavam-se exames de frequncia. No final de cada ano era realizado um exame

final escrito para cada disciplina com a durao de quatro horas. Anualmente havia ainda

um Campo de Instruo13 onde os alunos, dirigidos pelos seus professores, adquiriam os

conhecimentos prticos subjacentes aos conceitos tericos que tinham sido leccionados.

Outra das alteraes subsequentes formao da EE foi o ingresso no curso de

Artilharia que se tornou distinto do ingresso nas restantes Armas, Infantaria e Cavalaria.

Para aceder ao mesmo, os candidatos tinham de frequentar e obter aprovao no curso

preparatrio para oficiais de Artilharia da EP, comprovada por documento autenticado. Era

ainda necessrio comprovar por certido a aprovao nas disciplinas de Latim, de Histria

Portuguesa e de Geografia. Este aspecto era diferenciador entre o acesso ao curso de

Artilharia e o acesso aos cursos das restantes Armas de combate, onde a aprovao na

disciplina de Latim no era necessria.

Em 1846 surgiu novamente a necessidade de alterar de novo o ingresso no curso de

Artilharia. De modo a evitar a entrada de indivduos com defeitos fsicos que os

impossibilitassem de servir na Arma de Artilharia, foi criado um decreto que obrigava os

alunos com destino Arma de Artilharia a serem inspeccionados antes de ingressarem no

primeiro ano do curso. Os alunos que no possussem a robustez necessria ao servio

ficavam inibidos de gozar dos mesmos privilgios que os alunos que a possussem sendo

ainda, durante o curso da EE, obrigados a realizar nova inspeco.14

At 1852 a escolha do curso a frequentar era exclusivamente dos alunos que

ingressavam a EE e, devido sua maior complexidade e durabilidade, a Arma de Artilharia

era preterida, consequentemente existiam oficiais em excesso numas armas e uma grande

escassez de oficias noutras. Assim, em 1852 foi criado um decreto que obrigava a que a

ordem de escolha do curso correspondesse ordenao decrescente dos alunos de acordo

com as suas notas. Pela ordem determinada os alunos seleccionavam o curso de

Engenharia ou de Artilharia e sempre que o nmero de alunos classificados excedesse as

necessidades do servio os restantes seriam matriculados no curso de Artilharia15.

Durante este perodo da sua existncia a EE funcionou em regime de externato. A

presena nas actividades escolares estava ento entregue ao livre arbtrio dos alunos o que

dava azo a que muitas vezes faltassem, apresentando as mais diversas justificaes que a

sua condio de aluno externo tornava particularmente fcil (Sampaio, 1991, p.115). Em

consequncia, foi criado em 1857 um decreto que tornava a presena nas actividades

13

Estes exerccios estavam planeados em terrenos da Escola Prtica de Artilharia, mas inconvenientes de ordem econmica, nunca permitiram que estes exerccios se realizassem to longe. 14

Ordem do Exrcito n8 de 21 de Maro de 1846. 15

Artigos 5, 6, 7, 8 da Ordem do Exrcito n4 de 14 de Janeiro de 1852.

A Formao dos Oficiais da Arma de Artilharia: Histria do Ensino da Artilharia da Escola do Exrcito (1837) Academia Militar

Asp Al Art Fbio Samuel Marmelo Pgina 11

escolares obrigatria. Um Guarda da Escola, hora marcada para a aula, tomava o ponto e

enunciava em voz alta os nmeros dos alunos que faltassem que eram posteriormente

registados pelo docente no livro de faltas, ficando deste modo eliminada a possibilidade de

os alunos justificarem as faltas. No final do ano, o aluno que tivesse um nmero de faltas

superior quinta parte da soma total das lies, repeties, exerccios prticos e

excurses16 realizadas durante o ano reprovava17, pois as faltas eram vistas como uma

infraco escolar e sobretudo como uma diminuio do tempo exigido para o estudo.

Outra alterao importante decorrente deste decreto foi a passagem do exame final

de escrito para oral. Segundo os docentes, o exame escrito tratava-se de um mtodo

ineficaz de avaliao que no garantia a aquisio de conhecimentos uma vez que apenas

sujeitava o esprito dos alumnos ao trabalho quasi exclusivo de mnemonisar respostas

previamente formuladas (Couceiro, 1857, p.34)18.

Em 1860 a necessidade de regular a admisso em conformidade com a organizao

e com o programa dos cursos preparatrios da EP originou a primeira alterao curricular

nos cursos da EE. Assim, no ano lectivo de 1861-1862 foi decretado que os alunos que

pretendessem ingressar na Arma de Artilharia teriam de obter aproveitamento na disciplina

de Anlise e na primeira parte da disciplina de Geometria Descritiva bem como nas

restantes disciplinas anteriormente necessrias ao ingresso no curso19. Para alm desta

alterao no ingresso, o plano curricular do curso de Artilharia sofreu modificaes ao nvel

das cadeiras a ministradas20.

Para finalizar a caracterizao da formao dos oficiais de Artilharia no primeiro

perodo da EE relevante estabelecer uma relao entre o nmero de alunos matriculados

no curso e aqueles que realmente o terminavam com aproveitamento21. No perodo de 1837-

1863 ingressaram na EE com destino Arma de Artilharia 107 alunos e apenas 79

terminaram o curso, o que traduz uma taxa de aproveitamento de 73,8%. Na anlise

realizada entre a relao entre alunos matriculados e alunos formados verificmos que, por

exemplo, no ano lectivo de 1851-1852 entraram para o curso nove discentes e apenas

quatro o concluram; no ano lectivo de 1852-1853 dos doze alunos iniciais apenas um

terminou o ciclo de estudos. A elevada taxa de reprovao, que agravava a falta de oficiais

de Artilharia, pode ser explicada pela complexidade do curso que era por isso naturalmente

preterido em relao s restantes Armas e pela reestruturao sofrida pelo curso em 1852

que impossibilitava aos alunos escolherem livremente os seus cursos e limitava os alunos

sobrantes ao servio Arma de Artilharia.

16

Valor a ser calculado pelo Conselho da Escola na inicio de cada ano. 17

Artigo 1 do Captulo 1, da Ordem do Exrcito n 32 de 30 de Dezembro de 1857. 18

Couceiro, Antnio Gromicho, Ministro e Secretrio de Estado dos Negcios de Guerra, no relatrio feito ao Rei, em 2 de Dezembro de 1857. 19

Latim, Histria Portuguesa e Geografia. 20

Vide Apndice 1. 21

Vide Apndice 2.

A Formao dos Oficiais da Arma de Artilharia: Histria do Ensino da Artilharia da Escola do Exrcito (1837) Academia Militar

Asp Al Art Fbio Samuel Marmelo Pgina 12

2.2. O ensino da Artilharia com a Revoluo Industrial, 1863 1890

A Revoluo Industrial provocou uma extraordinria evoluo tecnolgica e cientfica

nos pases europeus, e deixou Portugal em relativa inferioridade econmica, cientfica e

tecnolgica. O progresso da poca provocou alteraes muito significativas na Arte Militar,

surgiram as armas de preciso, as bocas de fogo de carregar pela culatra e a fortificao

conheceu profunda remodelao. A generalizao das vias-frreas e do telgrafo trouxeram

profundas alteraes nos conceitos de estratgia militar (Sampaio, 1991, p.143),

acontecimentos que alertaram a Nao Portuguesa para a necessidade de proceder a

reformas profundas no ensino militar.

O segundo perodo da EE iniciava-se assim por uma reorganizao programada pelo

Marqus de S da Bandeira em 31 de Dezembro de 1863, ento Ministro da Guerra,

autorizado pelas Cortes a melhorar a organizao do Exrcito em novas bases (Ferreira,

1976, p.5). A remodelao verificada neste perodo, efectivamente ditada pela necessidade

de introduzir na Escola novos conhecimentos tcnicos, marcou um notvel progresso no

ensino superior militar em Portugal: marcou uma era nova na histria do estabelecimento;

levantou de facto o nvel da instruo, dotando a escola com o preciso pessoal distribuindo

melhor as matrias e encetando, por assim dizer, o ensino prtico. O defeito que porventura

a inquinava desde a origem, era a falta de exerccios prticos e de aplicao das matrias

professadas nas cadeiras (Sampaio, 1991, p.141). A EE passava ento a ser o

estabelecimento especialmente destinado ao ensino theorico e pratico da sciencia e arte

militar e da engenheria civil22, dando-lhe o aumento do nvel de instruo um

desenvolvimento verdadeiramente notvel. A reorganizao de 1863 tinha como ponto

fulcral a distribuio mais correcta das matrias leccionadas, quer pelos anos lectivos quer

pelas unidades curriculares, e para tal os alunos passavam a estar sujeitos ao regime de

internato. Na Arma de Artilharia as alteraes mais significativas residiram na durao do

curso, de trs para dois anos, e nas condies de admisso. Para que fossem admitidos na

Arma de Artilharia os alunos teriam de possuir, para alm das habilitaes em Gramtica e

Lngua Portuguesa, Gramtica e Lngua Francesa, Desenho linear, Histria, Cronologia e

geografia e Matemtica elementar, necessrias para o ingresso em qualquer um dos cursos

da Escola do Exrcito, habilitaes em Gramtica e traduo latina e em Filosofia racional e

moral.

No conseguindo esta reforma colmatar as lacunas da reforma anterior, e porque se

tornava da mais instante necessidade regular os pontos e as disposies mais importantes

do plano de reorganizao da EE de 1863, a 3 de Novembro de 1864 teve lugar uma nova

reestruturao que deu Escola considerao e prestgio. Contudo, pouco depois de ter

22

Artigo 1 da Ordem do Exrcito n 54 de 31 de Dezembro de 1863.

A Formao dos Oficiais da Arma de Artilharia: Histria do Ensino da Artilharia da Escola do Exrcito (1837) Academia Militar

Asp Al Art Fbio Samuel Marmelo Pgina 13

entrado em vigor, esta reforma tambm deixou de satisfazer em virtude da profunda

evoluo que sofreu a arte da guerra: A modificao dos meios de combate, o

aparecimento das armas de preciso e das bocas de fogo de retrocarga, a mudana sofrida

na arte da fortificao, as alteraes provocadas na estratgia pelo desenvolvimento

crescente das vias frreas e dos telgrafos, as novas conquistas da cincia, avidamente

aplicadas arte da guerra, vieram alterar o papel das diferentes armas (Anurio da

Academia Militar, 1958-1959, p.41).

Com esta reorganizao o curso de Artilharia tinha a durao de dois anos lectivos, 23

os quais se iniciavam a 3 de Novembro e prolongavam-se at 15 de Junho. A avaliao era

constituda por dois exames de frequncia (orais) e por um exame final (escrito). Os exames

finais eram realizados de 15 de Junho a 15 de Julho; os exames repetidos e os de

habilitao eram em Outubro e o perodo de frias escolares correspondiam aos meses de

Agosto e Setembro.

Em 1865, dois anos aps ter sido decretado que a LI passaria a fazer parte dos

currculos de todos os cursos da EE, a falta de professores para ministrar a disciplina fazia

com que os alunos ficassem privados do respectivo ensino. Como tal, foi decretado que

qualquer aluno que completasse o curso da EE seria dispensado de provas de LI ficando

porm interdito de ser promovido ao posto de Tenente enquanto no apresentasse certido

de aprovao nesta lngua.24 S em 1873 se tornou novamente obrigatrio o estudo da LI,

bem como de Higiene Militar (HM) e de hipologia, esta ltima, agora estendida tambm ao

plano curricular do curso de Artilharia.

A 31 de Dezembro de 1868, depois de quatro anos a funcionar em regime de

internato, que permitia aos alunos concentrarem-se no estudo terico e prtico de todas as

cadeiras e fortalecia o esprito de corpo e camaradagem, devido falta de edifcios prprios

para alojar os alunos da EP e da EE e aos elevados custos resultantes do internato de todos

os alunos era estabelecido por decreto com fora de lei que passava a vigorar o regime de

semi-internato na EE.25

Enquanto grandes transformaes se operavam nas escolas similares estrangeiras,

a EE permanecia imvel no que respeitava a alteraes profundas nas matrias leccionadas

e somente em 1884, sob proposta do Conselho de Instruo, dada uma nova composio

s disciplinas que constituam os diferentes cursos. O curso de Artilharia passava a ser

composto por sete disciplinas tericas26, das quais, apenas a cadeira de Resumo Histrico

do Material de Artilharia era exclusivo para o curso de Artilharia. Para alm destas cadeiras

tericas, os alunos tinham ainda aulas prticas de trabalhos grficos; Desenho;

Levantamentos nas proximidades da Escola; Exerccios fotogrficos; Exerccios e manobras

23

Vide Apndice 3. 24

Ordem do Exrcito n 49 de 27 de Outubro de 1865. 25

Ordem do Exrcito n80 de 31 de Dezembro de 1868. 26

Vide Apndice 4.

A Formao dos Oficiais da Arma de Artilharia: Histria do Ensino da Artilharia da Escola do Exrcito (1837) Academia Militar

Asp Al Art Fbio Samuel Marmelo Pgina 14

de Artilharia; Esgrima, natao, equitao e ginstica. Devido sobrecarga de cadeiras e

trabalhos a realizar pelos alunos, com este decreto deixava de ser obrigatrio que os alunos

utilizassem os primeiros quinze minutos da aula para exposio da matria da aula anterior.

Os alunos com destino ao corpo da Arma de Artilharia, aps terem completado o terceiro

ano preparatrio do curso, eram declarados Aspirantes a Oficiais.27

O segundo perodo da EE foi tambm bastante marcado pela reestruturao dos

exames especiais de habilitao, indispensveis para que os alunos conclussem os seus

cursos, que sofreram alteraes quase todos os anos. Na comparao entre os exames

especiais de habilitao no inicio deste perodo e os exames especiais de habilitao

referentes ao ltimo ano do mesmo perodo da Escola do Exrcito28 notam-se grandes

alteraes nos exames realizados, quer tericos quer prticos. Nos exames tericos o tema

principal manteve-se at 1890, no entanto foram criadas subdivises para esclarecer os

professores das diversas disciplinas e os alunos das matrias que realmente seriam alvo de

avaliao. Os exames prticos deixaram de ser apenas sobre os assuntos tericos e

passaram a incidir em assuntos e matrias essencialmente de carcter prtico. Os alunos

de Artilharia que tivessem obtido aprovao nos exames especiais de habilitao eram

promovidos a segundo-tenente e colocados nos Regimentos de Artilharia; dois anos depois

e se tivessem boas informaes eram promovidos ao posto imediato e entravam no Quadro

da Arma de Artilharia, conforme fossem surgindo vagas (Sampaio, 1991, p.216).

Para finalizar a caracterizao deste perodo da EE estabelece-se uma relao entre

o nmero de alunos que, entre 1863 e 1890, entraram para a Arma de Artilharia e os que

terminaram o curso29. Ingressaram para o curso de Artilharia quatrocentos e onze alunos,

quatro vezes mais do que entre 1387 e 1863, dos quais, trezentos e quarenta e dois

terminaram o curso. O crescimento do nmero de alunos admitidos no curso de Artilharia

mais significativo a partir do ano lectivo de 1879-1880, em que pela primeira vez

ingressaram na arma vinte e sete alunos (mais treze alunos do que o mximo registado at

ento). Desde 1880 at ao fim deste segundo perodo da Escola do Exrcito existiram altos

e baixos no nmero de alunos que ingressavam o curso de Artilharia, nmero este que se

manteve sempre acima dos dezassete alunos, com excepo do ano lectivo de 1887-1888

em que o nmero de alunos desceu para onze. A mdia de aproveitamento aumenta neste

perodo com uma percentagem de 83,2%, mais 9,4% do que no primeiro perodo da Escola.

27

Artigo 144, Captulo XIV, da Ordem do Exrcito n 20 de 31 de Outubro de 1884. 28

Vide Apndice 5. 29

Vide Apndice 6.

A Formao dos Oficiais da Arma de Artilharia: Histria do Ensino da Artilharia da Escola do Exrcito (1837) Academia Militar

Asp Al Art Fbio Samuel Marmelo Pgina 15

2.3. A formao dos Oficiais de Artilharia com o Ultimatum britnico, 1890

1910

Inserido numa poca marcada pelo reforo dos assuntos coloniais e pelo empenho

nas campanhas de ocupao, numa sociedade onde predominava uma burguesia industrial

e comercial, cada vez mais ligada ao comrcio com as colnias, e numa Nao que sofria a

afronta do Ultimatum britnico, que no podia deixar de vir a ter profundos reflexos

polticos internos (Ferreira, 1976, p.6), o terceiro perodo da EE inicia-se com

reestruturaes no ESM que eram forosas dada a situao poltica e social do pas.

Em 1890, e por decreto do Governo, a EE sofria uma reestruturao que visava

professar o ensino theorico e pratico dos indivduos que se destinam a officiaes do exrcito

e a engenheiros civis.30 Entre as mudanas institudas estavam a formao do Corpo de

Alunos (CA), constitudo pelos alunos dos cursos de Infantaria, Artilharia, Cavalaria e

Engenharia, a alterao da durao do curso de Artilharia para trs anos e a criao do

Curso Superior de Guerra (CSG), para o qual bienalmente eram nomeados dois oficiais de

Artilharia.

Os elevados custos inerentes a estas alteraes levaram a que, em 1891, o Ministro

da Guerra31, usando a autorizao que lhe havia sido concedida para reformar to

economicamente quanto possvel todos os servios pblicos (Anurio da Academia Militar,

1958-1959, p.45), suspendesse a organizao vigente e decretasse uma nova estruturao

da EE. Dada a necessidade de estabelecer novas e mais slidas bases para a instruo

tcnica dos oficiais e de reduzir ao mnimo indispensvel o nmero de anos de durao dos

diferentes cursos, a 30 de Setembro de 1891 foi submetido a aprovao pelo Secretrio de

Estado dos Negcios da Guerra um projecto de reorganizao da EE, onde figuram a

criao do Corpo de Alunos do Exrcito, onde possam reunir-se com igual considerao e

iguais proveitos os que, a par, tero de seguir a mesma carreira pblica32, e a reduo dos

cursos preparatrios para as Armas. Com a organizao proposta reorganizava-se o CA, no

qual eram incorporados todos os alunos militares,33 o CSG passava a denominar-se de

Curso de Guerra e o curso de Artilharia voltava a ter a durao de dois anos. O ensino na

Escola passava a compreender o ensino theorico, ensino prtico e exerccios militares,

devendo os regulamentos providenciar de forma que os trabalhos de aplicao tenham o

mximo desenvolvimento possvel.34 A reforma de 1891 suprimia tambm os exames

30

Captulo 1, Artigo 1 da Ordem do Exrcito n 35 de 18 de Setembro de 1890. 31

Jorge Cndido Cordeiro Pinheiro Furtado e Pedro Victor da Costa Sequeira. 32

Relatrio do Secretrio de Estado dos Negcios da Guerra a sua Majestade El-Rei em 30 de Setembro de 1891. 33

Artigo 41 da Ordem do Exrcito n31 de 31 de Outubro de 1891. 34

Artigo 3 da Ordem do Exrcito n 31 de 31 de Outubro de 1891.

A Formao dos Oficiais da Arma de Artilharia: Histria do Ensino da Artilharia da Escola do Exrcito (1837) Academia Militar

Asp Al Art Fbio Samuel Marmelo Pgina 16

especiais de habilitao dos alunos que terminassem o curso no ano lectivo de 1890-1891,

sendo a sua antiguidade regulada pelo valor mdio das suas provas escolares.

Pouco tempo aps ter entrado em vigor, a reforma de 1891 era considerada

inadequada para os objectivos a que a EE se propunha, uma vez que as disciplinas que

constituam os diversos cursos, principalmente as do curso de Artilharia onde o ensino das

matrias privativas era ministrado em menos cadeiras35, estavam distribudas por um

nmero diminuto de cadeiras, o que comprometia a formao dos Oficiais. Segundo o

Ministro da Guerra, a reduo do nmero de unidades curriculares tinha origem em razes

de ordem econmica, no entanto, a criao do CA, com vencimentos especiais, e admisso

de alunos em nmero muito superior ao das necessidades dos diversos servios tornavam

aquela organizao origem de dispndio avultado, que urge fazer cessar.36 Assim, em

1892 a Escola do Exrcito era remodelada e passava a ser o estabelecimento de instruo

especialmente destinado ao ensino theorico e pratico das sciencias militares e dos

engenheiros civis e de minas.37

Da nova organizao constavam o ensino terico de diversas cadeiras38 e o ensino

prtico, que compreendia memrias e problemas; trabalhos nas salas de estudo; trabalhos

no campo, laboratrios e gabinetes; visitas e misses a diferentes estabelecimentos,

fortificaes, oficinas e escolas prticas; reconhecimentos militares e viagens de Estado

Maior; e exerccios militares que abrangiam instruo tctica de Artilharia, instruo de tiro,

administrao, contabilidade e escriturao dos corpos, equitao, ginstica e esgrima.

Alm destas disciplinas era tambm ministrado o ensino de higiene e hipologia.39

No curso de Artilharia mantinha-se a durao de dois anos e as suas Condies de

admisso eram: ter praa em qualquer corpo do Exrcito, ter licena do Ministrio da

Guerra, ter o curso de cincias do Liceu ou do Real Colgio Militar, ter bom comportamento,

ter, como aluno ordinrio, o segundo curso da EP, ou as disciplinas equivalentes da

Universidade de Coimbra ou da Academia Politcnica do Porto40 e ter entre dezasseis e

vinte cinco anos. Aos alunos era concedida a graduao de primeiro-sargento cadete,

designao que substituiu a de Aspirante. O ano lectivo iniciava-se a 15 de Outubro e at 15

de Maio o tempo era ocupado essencialmente com o ensino terico, trabalhos nas salas de

estudo, laboratrios e gabinetes e exerccios militares. A presena dos alunos era

obrigatria em todos os servios escolares e o aluno melhor classificado antes de comear o

ano lectivo era nomeado chefe de turma sendo responsvel pela disciplina dos seus

35

Relatrio do Secretrio de Estado dos Negcios da Guerra a sua Majestade El-Rei em 30 de Outubro de 1892. 36

Idem. 37

Artigo 1 da Ordem do Exrcito n 29 de 31 de Outubro de 1892. 38

Vide Anexo I. 39

Artigos 4, 5, 6, 7 da Ordem do Exrcito n 29 de 31 de Outubro de 1892. 40

Gramtica e Lngua Portuguesa; Gramtica e Lngua Francesa; Desenho linear; Histria, Cronologia e Geografia; Matemtica elementar; Gramtica e traduo latina e Filosofia racional e moral.

A Formao dos Oficiais da Arma de Artilharia: Histria do Ensino da Artilharia da Escola do Exrcito (1837) Academia Militar

Asp Al Art Fbio Samuel Marmelo Pgina 17

subordinados, e ter a seu cargo o material que for distribudo sua turma.41 No final de

cada ano o aluno melhor classificado de cada curso em cada ano era enviado em misso de

estudo a pases estrangeiros.

Por vcio de origem estava esta organizao condenada a ser modificada em

algumas das suas bases essenciais e a 23 de Agosto de 1894 decretava-se um novo plano

de reorganizao. Este plano marcava a convenincia de elevar o nvel cientfico dos

candidatos a Oficiais e conclua que era vantajoso exigir a todos os alunos a mesma

preparao cientfica. A partir de ento para efectuar matrcula na EE era necessrio obter

aprovao na disciplina de Mineralogia da EP e foi criado um curso geral, com durao de

um ano, comum a todos os cursos militares. Depois de concludas as aulas do curso geral,

os alunos eram submetidos a um jri que, com base no comportamento de cada aluno, nas

provas escolares, informao do comandante de Companhia e do cirurgio da escola,

estava encarregue de avaliar se as suas qualidades fsicas, morais e intelectuais eram as

necessrias para o grau de hierarquia militar a que se destinavam. Os alunos aprovados

pelo jri eram ainda sujeitos a um acto final que constava de provas tericas, prticas e

exerccios militares. Os alunos que conclussem com aproveitamento o curso geral eram

mandados comparecer na secretaria da escola, onde, por ordem de classificao,

declararo, por escrito, qual o curso especial da arma que desejam frequentar.42 O curso de

Artilharia passava ento a ter a durao de trs anos, sendo o primeiro ano destinado ao

curso geral43 e os dois restantes ao curso especfico de Artilharia44, nos quais, as cadeiras

especficas para o curso de Artilharia passaram a ser a sexta e a stima cadeira.

A distribuio do ano lectivo, sensivelmente idntica organizao existente

anteriormente, estava feita em quatro perodos. O primeiro perodo, de 20 de Outubro a 31

de Maro, estava especialmente destinado a lies orais e prticas das cadeiras, trabalhos

nas salas de estudo, nos gabinetes e laboratrios, exerccios militares, lies de HM e lies

e exerccios prticos de hipologia. O segundo perodo, de 1 de Abril a 31 de Maio, era

destinado a lies das cadeiras, embora em menor nmero do que acontecia no primeiro

perodo, trabalhos nas salas de estudo, gabinetes e laboratrios e exerccios militares,

especialmente trabalhos no campo. O terceiro perodo, de 1 a 30 de Junho, era

exclusivamente destinado a trabalhos exteriores no campo, visitas, misses,

reconhecimentos militares e viagens de Estado-Maior. O quarto perodo, de 1 a 31 de Julho,

estava destinado aos actos finais que consistiam em exames parciais; No primeiro ano os

alunos de Artilharia eram avaliados com quatro exames parciais: um exame que inclua

matria da segunda, terceira e quarta disciplinas, um exame da sexta disciplina, um exame

da stima disciplina e um exame conjunto da dcima segunda e dcima quarta disciplinas;

41

Artigo 34 da Ordem do Exrcito n 31 de 2 de Dezembro de 1892. 42

Artigo 121 do Captulo II da Ordem do Exrcito n 21 de 6 de Outubro de 1894. 43

Vide Anexo II. 44

Vide Apndice 7.

A Formao dos Oficiais da Arma de Artilharia: Histria do Ensino da Artilharia da Escola do Exrcito (1837) Academia Militar

Asp Al Art Fbio Samuel Marmelo Pgina 18

No segundo ano existiam novamente quatro exames: um da primeira disciplina, um da

quinta disciplina, um da oitava disciplina e um exame conjunto da dcima terceira, dcima

quinta e dcima sexta disciplinas.45 Para ser admitido a acto final era necessrio obter uma

cota de mrito46 no inferior a dez valores em cada um dos grupos lies e repeties,

exerccios prticos e exerccios militares.47 Os alunos que obtivessem classificaes

inferiores a dez valores nas aulas de HM ou de Hipologia tinham ainda de realizar exames

destas disciplinas. As frias escolares eram gozadas de 1 de Agosto a 30 de Setembro.48

Com a reforma de 1894, e devido diminuio do nmero de alunos e ao usufruto de

algumas dependncias que voltavam a estar na posse do Ministrio da Guerra, o regime de

internato voltava a ser adoptado pela Escola, funcionando como um aquartelamento,

adequado idade e condies dos alunos e sua organizao numa Companhia, que vir a

substituir o actual Corpo de Alunos.49 A Companhia ento criada dividia-se em sete

seces, uma para cada curso da EE, existindo em cada seco um aluno responsvel, o

Chefe de Curso, que possua os deveres inerentes a Comandante de Seco e a Chefe de

Curso.50 Era nomeado ainda um Chefe de Dormitrio, designado pelo Comandante de

Companhia, tambm com deveres inerentes a esta funo.51

O curso de Artilharia continuava com a durao de trs anos. O primeiro ano era

comum aos alunos das Armas de Artilharia e Engenharia52 e o segundo e terceiro em

separado com cadeiras especficas53. Foi ainda institudo que os alunos apenas poderiam

repetir o ano uma nica vez, sendo eliminados da EE se ficassem reprovados pela segunda

vez em qualquer ano do seu curso.54

Tambm as condies de admisso Escola do Exrcito sofreram alteraes com

as reformas de 1894. Os candidatos que j eram militares tinham de entregar ao seu

Comandante de Companhia, at 20 de Agosto, os documentos necessrios: detalhe do

tempo de servio, aptido militar e notas de assentos.55 Aos candidatos civis era exigida, at

mesma data, a apresentao, para alm de documentos literrios e cientficos, da certido

de idade, da certido do Comandante de Distrito de Recrutamento, da certido de registo

criminal, do atestado de bom comportamento, do atestado de residncia do pai ou tutor e da

45

Artigo 204 do Captulo III, Ttulo III, da Ordem do Exrcito n 21 de 6 de Outubro de 1894. 46

Mdia dos valores arbitrados pelos membros do jri a cada uma das trs provas que compem o acto final (provas tericas, prticas e exerccios militares). 47

Os exerccios militares incluam tambm os subgrupos de Ginstica e Esgrima e de Equitao. 48

Artigos 144 e 145 do Captulo I, Ttulo IV da Ordem do Exrcito n 21 de 6 de Outubro de 1894. 49

Decreto da Secretaria de Estado dos negcios da guerra, 1 srie, referente Ordem do Exrcito n 19 de 1 de Setembro de 1894. 50

Vide Anexo III e IV. 51

Artigo 217, Captulo II, Ttulo IV da Ordem do Exrcito n 21 de 6 de Outubro de 1894.Vide Anexo V. 52

Artigo 10 e 11 da Ordem do Exrcito n 12 de 23 de Setembro de 1897. Vide Anexo IX. 53

Vide Apndice 8. 54

Artigo 3, Captulo I, Ttulo I da Ordem do Exrcito n 13 de 30 de Setembro de 1897. 55

Artigo 76, Captulo I, Ttulo III da Ordem do Exrcito n 13 de 30 de Setembro de 1897.

A Formao dos Oficiais da Arma de Artilharia: Histria do Ensino da Artilharia da Escola do Exrcito (1837) Academia Militar

Asp Al Art Fbio Samuel Marmelo Pgina 19

licena do pai ou tutor para assentar praa. Os candidatos civis eram admitidos apenas na

falta de candidatos militares.56

A caracterizao da formao dos oficiais de Artilharia no terceiro perodo da EE

concluda analisando a relao entre o nmero de alunos que iniciavam o curso de Artilharia

e o nmero de anos que o concluram com sucesso57. Verifica-se que os alunos que

ingressaram o curso de Artilharia entre 1890 e 1894, perodo em que o curso de Artilharia

no possua anos curriculares em comum com outras Armas, e terminaram os seus estudos

entre 1892 e 1896, dos noventa e quatro alunos iniciais terminaram o curso oitenta e oito.

Em 1894 a instituio do curso comum para as Armas de Infantaria, Artilharia, Cavalaria e

Engenharia Militar e a alterao da durao do curso de Artilharia para trs anos provocou

um interregno de um ano na sada de Oficiais formados pela Escola do Exrcito. Assim

sendo, dos noventa e nove alunos que ingressaram o curso comum, dezassete terminaram

o curso de Artilharia, no entanto necessrio ter em conta que dos noventa e nove alunos

cerca de 50% tinham destino Arma de Infantaria, cerca de 40% eram repartidos entre as

Armas de Artilharia e Cavalaria e cerca de 10% eram destinados Arma de Engenharia

Militar. A partir de 1897 o primeiro ano de Artilharia passou a ser comum somente com a

Arma de Engenharia Militar e dos 277 alunos matriculados neste perodo, 103 terminaram o

curso. Nos ltimos anos do terceiro perodo da EE, entre 1910 e 1912, matricularam-se no

Curso Comum de Artilharia e Engenharia Militar setenta e dois alunos que s viriam a

terminar os seus cursos no perodo da Escola de Guerra (EG), no figurando por isso na

relao estatstica efectuada.

2.4. As Reformas de Portugal na organizao da Escola do Exrcito

Com a conquista do Liberalismo em 1834, decretou-se uma organizao provisria,

com grande reduo de efectivos, no entanto, pouco tempo iria vigorar este organizao,

pois, em 1836, a Ditadura Setembrista decretou uma nova reorganizao do Exrcito.

Embora se tenha reorganizado vrias vezes o Exrcito at 1860, o que certo que o

armamento em nada evoluiu e, por isso mesmo, o plano de estudos dos alunos de Artilharia

em nada se alterou at essa data, ficando o ensino especfico da Artilharia concentrado

numa nica cadeira. Nesta poca dava-se grande importncia cadeira de TDTM, uma vez,

que era dada em todos os anos do curso e s em 1860 se introduziu no currculo do curso

de Artilharia cadeiras como Qumica e Geometria Descritiva.

Numa altura, em que os progressos industriais sentidos por toda a Europa, nos

domnios da qumica, da electricidade, da metalurgia, pondo ao servio da arte da guerra

56

Artigo 78, Captulo I, Ttulo III da Ordem do Exrcito n 13 de 30 de Setembro de 1897. 57

Vide Apndice 9.

A Formao dos Oficiais da Arma de Artilharia: Histria do Ensino da Artilharia da Escola do Exrcito (1837) Academia Militar

Asp Al Art Fbio Samuel Marmelo Pgina 20

novos e mais poderosos meios de destruio () levaram os governos () a remodelarem

continuadamente os seus armamentos, exrcitos e mtodos de combate (Selvagem, 1931,

p.579). Nessa conformidade, Portugal tratou de renovar o seu armamento e em 1860 fez-se

uma encomenda Inglaterra de equipamento e material, que permitiu que em 1863 se

fornecessem ao Regimento de Artilharia n 1 seis batarias de peas de 8cm transformadas e

estriadas segundo o sistema francs. Fabricaram-se ainda obuses de 12cm e peas de

montanha de 8cm e pouco depois comeou o fabrico de peas estriadas para a Artilharia de

stio (Selvagem, 1931, p.580).

No ano de 1872, a melhoria no fabrico da plvora e a instalao de novas mquinas

no Arsenal do Exrcito, levou a que se fizesse o fabrico de novos modelos desenhados e

fundidos para a Artilharia de campanha, montanha e de praa (Sousa, 2010). Mais tarde, em

1878 d-se o fabrico do primeiro tipo de material de retrocarga. Todos estes acontecimentos

e inmeras inovaes a nvel industrial, levaram a que na organizao de 1884, os alunos

do curso de Artilharia tivessem as cadeiras de Plvoras, Munies e Artifcios e de Fabrico

de Material de Guerra, pois era necessrio formar os Oficiais de Artilharia nestas cadeiras,

uma vez que poderiam ser colocados no Arsenal do Exrcito, onde se fabricavam vrios

materiais. Em relao s restantes cadeiras, em 1864 introduziu-se o estudo de Legislao

e Administrao Militar e tambm o estudo da Importncia das Armas do Exrcito. Este foi

tambm o primeiro ano em que se estudavam matrias ao nvel da Tctica e da Estratgia.

Ao nvel das cadeiras de Artilharia houve tambm algumas alteraes, nomeadamente, na

introduo de matrias como Efeitos dos projcteis de Artilharia e Munies de Guerra.

Apaziguados que estavam os nimos, depois das lutas civis do sculo XIX, Portugal

sentiu necessidade de enveredar por novos rumos mais compatveis com o esprito utilitrio

e o regime industrial dos novos tempos (Selvagem, 1931). Mas foi, devido, s ambies

despertadas por toda a Europa em relao ao Continente Africano, principalmente, s

expedies de Livingstone de 1840 a 1867, que fizeram com que as exploraes se

multiplicassem e fizessem do Continente Africano o centro das atenes (Selvagem, 1931).

Posto isto, devido aos esforos de manuteno do imprio, passaram a ser

leccionadas na Escola do Exrcito a partir de 1894 cadeiras especialmente destinadas a

matrias coloniais, como por exemplo, a matria de Servios Militares nas colnias, devido

ao facto de muitos dos Oficiais formados poderem ser mobilizados para frica. Passados

trs anos, introduziu-se no currculo dos alunos de Artilharia as matrias de Tctica aplicada

e Campanhas coloniais.

Relativamente aos alunos admitidos na EE durante este perodo nota-se um grande

aumento em relao ao incio do sculo XIX, principalmente a partir de 1879, devido

criao de um Exrcito colonial, independente do metropolitano e s negociaes com a

Inglaterra pela fixao de fronteiras a Oeste e Noroeste dos territrios portugueses de

Moambique.

A Formao dos Oficiais da Arma de Artilharia: Histria do Ensino da Artilharia da Escola do Exrcito (1837) Academia Militar

Asp Al Art Fbio Samuel Marmelo Pgina 21

CAPTULO 3

A FORMAO DOS OFICIAIS DE ARTILHARIA: DA REPBLICA 1

GUERRA MUNDIAL: 1911 1919

3.1. A implantao da Repblica e a formao dos Oficiais de Artilharia: 1911

a 1916

Poucos meses aps a implantao da Repblica, as Instituies Militares sofriam

uma profunda remodelao derivada da adopo da forma miliciana na organizao do

Exrcito. Como consequncia natural, a lei orgnica da EE foi igualmente modificada de

modo a acomod-la s novas exigncias do Exrcito e s imperiosas necessidades do

ensino. Por decreto de 25 de Maio de 1911 foi reorganizada a Escola do Exrcito, passando

a denominar-se EG. No relatrio que acompanhava o decreto pode ler-se o seguinte: A

remodelao agora feita na sua organizao obedece ao mesmo princpio e mesma

aspirao antiga de a acomodar s exigncias crescentes do Exrcito e de a aperfeioar de

forma a satisfazer quanto possvel s imperiosas necessidades do ensino. Destinadas como

esto as nossas instituies militares a adoptar a forma miliciana, a misso da Escola de

Guerra passa naturalmente a ser a de instruir, educar e preparar oficiais de carreira, aqueles

que tm de ser os instrutores e educadores dos quadros que ho-de emoldurar a grande

massa da Nao em unidades de combate58

Modificou-se tambm o objectivo da Escola que passava a ser o estabelecimento de

instruo superior exclusivamente destinado ao ensino das sciencias militares, devendo ter

como fim: preparar officiaes para as differentes armas do exrcito e para o servio de

administrao militar; ministrar os conhecimentos necessrios aos alferes mdicos

milicianos que desejem ter ingresso no Quadro Permanente; difundir entre os officiaes do

exrcito os altos conhecimentos militares e assegurar o recrutamento dos officiaes para o

servio de Estado Maior.59

Neste perodo do ensino militar deu-se o desdobramento da Arma de Artilharia em

Artilharia de campanha (AC) e Artilharia a p, com durao de dois anos sendo os primeiros

anos em comum com os dos cursos de Infantaria e Cavalaria e com o curso de Engenharia

respectivamente. O ensino estava orientado no sentido de ministrar aos alumnos a

instruo theorica e prtica necessria para o ingresso nas suas respectivas carreiras.60

58

Relatrio da Secretaria da Guerra referente Ordem do Exrcito n 12 de 27 de Maio de 1911. 59

Artigo 1, Captulo I da Ordem do Exrcito n 12 de 27 de Maio de 1911. 60

Artigo 8, Captulo II da Ordem do Exrcito n 12 de 27 de Maio de 1911.

A Formao dos Oficiais da Arma de Artilharia: Histria do Ensino da Artilharia da Escola do Exrcito (1837) Academia Militar

Asp Al Art Fbio Samuel Marmelo Pgina 22

Eram condies de admisso neste perodo: ter menos de 25 anos at ao dia 20 de

Outubro do ano de candidatura; deter, pelo menos, o posto de segundo sargento em

qualquer das Armas61; obter boas informaes pelos chefes sob cujas ordens servia; ter-se

alistado no Exrcito como voluntrio ou como recrutado.62 No caso de o aluno se querer

inscrever no curso de Artilharia a p tinha ainda de obter aprovao no curso de Cincias

dos Liceus Centrais ou do Colgio Militar (CM), nas disciplinas necessrias professadas em

qualquer Universidade63, e nas disciplinas de Resistncia de Materiais e Estabilidade das

Construes, Teoria Geral e Descrio das Mquinas, Hidrulica Geral, Mquinas

Hidrulicas e Electrotecnia Geral em qualquer Universidade de Engenharia. Para o curso de

AC era necessrio possuir igualmente aprovao no curso de Cincias dos Liceus Centrais

ou do CM e obter aprovao nas disciplinas de Matemticas Gerais, Fsica, Geometria

Descritiva e Desenho em qualquer Universidade.64 Depois de aprovados nesta fase, os

alunos eram convocados a prestar provas para o concurso de admisso na presena de um

jri. Este concurso iria ser reestruturado no ano seguinte, em 1912 e consistia em duas

partes: uma eliminatria, que englobava a prova escrita sobre um assunto da vida e servio

militar e as provas fsicas, que voltariam posteriormente a ser reestruturadas em 191665; e

uma de classificao que englobava uma parte genrica para todos os alunos com provas

de Histria Geral, Histria da Ptria, O Globo em Geral, A Europa, A Pennsula Ibrica,

Portugal e Desenho e uma segunda parte especfica para os cursos de Artilharia a p

(Mecnica Racional e Aplicada, Fsica, Qumica Mineral e Orgnica) e de AC66 (Fsica Geral,

Qumica e Matemtica).67 Outra alterao levada a cabo com esta organizao foi a

reestruturao dos planos curriculares do curso de Artilharia a p e de AC68.

Esta reestruturao duraria, contudo, pouco tempo e em 1913, sob proposta do

Conselho de Instruo, foram alteradas algumas unidades curriculares. Entre as

modificaes introduzidas a mais importante era a criao de um curso de Noes de

Material de Guerra, na quinta disciplina, com o fim de unificar o ensino de uma matria que

se encontrava at ento dispersa por vrias disciplinas. Em ambos os cursos, a 16 cadeira

foi substituda pela 12 cadeira Astronomia de Campo, Geodesia e Topografia e foi

introduzida a 11 cadeira Administrao Militar, Prtica de Contabilidade e Escriturao

Militar. No curso de Artilharia a p foi ainda introduzido o estudo da 14 cadeira Elementos

de Construes.69 Os alunos do segundo ano dos cursos de Artilharia a p e de AC tinham

61

A Escola de Guerra passou a ser destinada exclusivamente frequncia de alunos militares por ter sido dela suprimido o curso de Engenharia civil. 62

Artigo 56, Captulo II, Ttulo III da Ordem do Exrcito n 18 de 24 de Agosto de 1911. 63

Trigonometria esfrica; lgebra superior; Geometria analtica e descritiva; Clculo diferencial e integral; Mecnica; Fsica; Qumica analtica, orgnica e inorgnica; Economia poltica; Mineralogia; Geologia; Desenho. 64

Anurio da Academia Militar, (1958-1959), Academia Militar. 65

Vide anexo X. 66

Vide Anexos XI e XII. 67

Ordem do Exrcito n 15 de 31 de Dezembro de 1912. 68

Vide Apndices 10 e 11. 69

Artigo 5, Captulo I da Ordem do Exrcito n 18 de 11 de Outubro de 1913.

A Formao dos Oficiais da Arma de Artilharia: Histria do Ensino da Artilharia da Escola do Exrcito (1837) Academia Militar

Asp Al Art Fbio Samuel Marmelo Pgina 23

ainda pelo menos duas aulas tericas e dois exerccios por semana, sobre a instruo

tctica e dos regulamentos da sua especialidade.70

O ano lectivo iniciava-se a 20 de Outubro e at dia 31 desse ms efectuavam-se as

matrculas dos alunos. O perodo de 1 de Novembro a 10 de Maio era destinado ao ensino

terico e, quando possvel, acompanhado de aulas prticas na salas de estudo, gabinetes,

laboratrios e carreiras de tiro; s conferncias e aos trabalhos prticos sobre

administrao, contabilidade e escriturao militar. O perodo de 11 de Maio a 30 de Junho

destinava-se principalmente ao ensino prtico. Terminada a fase de ensino, de 1 a 7 de

Julho fazia-se o apuramento da frequncia dos alunos bem como o encerramento das

matrculas e de 8 de Julho a 15 de Agosto decorria o perodo de exames, destinados a

verificar se os alunos possuem, no s os conhecimentos tericos e prticos constantes

dos respectivos programas, mas ainda a capacidade profissional para o ingresso nas

respectivas carreiras.71 Caso obtivessem nesta poca nota inferior a dez valores, os alunos

repetiam os exames em Outubro. A nota da disciplina de LI s contabilizava para efeitos de

nota final de curso se o aluno obtivesse uma graduao superior a 15 valores, sendo o

exame desta disciplina efectuado em Julho e apenas para averiguar se os alunos

dominavam com facilidade a oralidade e a escrita da LI. O perodo de frias escolares

decorria entre 16 de Agosto e 30 de Setembro.72

3.2. As consequncias da 1 Guerra Mundial na formao dos Oficiais de

Artilharia: 1916 - 1919

Depois de um perodo em que a EG se acomodou s novas exigncias do Exrcito e

em que se tinham combatido algumas deficincias graves como a falta de treino prtico dos

alunos, a 4 de Abril de 1916 um novo decreto veio estabelecer as bases de um regime

transitrio, a adoptar imediatamente, para que os quadros dos Oficiais do Exrcito ficassem

em condies de satisfazer as exigncias do confronto armado que a Nao se preparava

para enfrentar, uma vez que a Alemanha havia declarado Guerra a Portugal.