Upload
others
View
5
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
MARCIANO DE ALMEIDA CUNHA
ABERTURA INDISCRIMINADA DE CURSOS SUPERIORES DE
ADMINISTRAÇÃO: UM ASPECTO DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO RECENTE
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
PUCPR
CURITIBA
2005
MARCIANO DE ALMEIDA CUNHA
ABERTURA INDISCRIMINADA DE CURSOS SUPERIORES DE
ADMINISTRAÇÃO: UM ASPECTO DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO RECENTE
Dissertação apresentada como requisito
parcial para obtenção do grau de Mestre em
Educação no Programa de Pós-Graduação
em Educação, da Pontifícia Universidade
Católica do Paraná, sob a orientação da
Profª Drª Maria Elisabeth Blanck Miguel.
CURITIBA
2005
Cunha, Marciano de Almeida C972a Abertura indiscriminada de cursos superiores de Administração:
um 2005 aspecto da história da educação recente / Marciano de Almeida
Cunha ; orientadora, Maria Elisabeth Blank Miguel. – 2005. xii, 133 f. ; 30 cm
Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2005
Inclui bibliografia
1. Ensino superior. 2. Administração – Estudo e ensino (Superior). 3. Educação – Brasil – História. 4. Globalização. 5. Neoliberalismo.
I. Miguel, Maria Elisabeth Blanck. II. Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Programa de Pós -Graduação em Educação. III. Título.
CDD-20.ed. 378 658.00711
370.981
iii
À minha grande Mestra, que me ensinou as primeiras letras,
a didática, o encantamento, a dignidade e o heroísmo de ser professor,
Professora Evarista de Almeida Cunha,
coincidentemente, minha mãe.
iv
AGRADECIMENTOS
A Deus, incansavelmente, pela dádiva da vida e da Sabedoria.
Aos meus pais, Marinaldo e Evarista, pelo incomensurável investimento em minha
educação.
Aos meus irmãos, Edanne, Edjane, Elianne, Marinaldo e Simão, pelo inconsciente
estímulo que me dão para continuar sendo estudioso e desbravador.
Ao meu grande amigo Cassiano (Cassi), por ter me demonstrado o valor da
verdadeira amizade, a incondicionalidade, quando cheguei em Curitiba.
À minha querida e estimável Orientadora, Professora Maria Elisabeth Blanck
Miguel (Betinha), que em sua pequenez mostrou a grandiosidade intelectual e
espiritual apontando, pacientemente, o caminho para a aquisição do conhecimento
crítico; algumas vezes foi o ombro e o lenço ouvindo as lamúrias de um orientando
“marciano”, ela sabe porque, ela acreditou!
À professora Rosa Lydia Teixeira Corrêa, pela demonstração da humildade na
sabedoria. Por ser um grande exemplo de intelectualidade.
À professora Onilza Borges Martins, pelas contribuições acadêmicas e que com
sua austeridade, é exemplo de educadora bem informada e convicta.
Aos professores do Mestrado que com suas provocações teórico-práticas me
fizeram ver as contradições da educação e com isso me tornar mais convicto de
minhas utopias.
Aos meus amigos mestrandos pelas provocações acadêmicas durante as aulas.
À PUCPR pelo exemplo de instituição acadêmica e que me acolheu em meu
segundo Mestrado.
Aos livros, possibilidade de imortalização e disponibilidade do intelecto dos
teóricos.
A todos, acho que é muita gente, que de forma direta e indireta contribuíram com
mais uma etapa de minha formação acadêmica.
v
"Se tivesse acreditado na minha brincadeira de dizer verdades, teria ouvido
verdades que teimo em dizer brincando, falei como palhaço, mas jamais
duvidei da sinceridade da platéia que sorria".
Charlie Chaplin
vi
SUMÁRIO
LISTA DE SIGLAS ...........................................................................................................viii
LISTA TABELAS E GRÁFICOS .......................................................................................x
RESUMO..............................................................................................................................xi
ABSTRACT ........................................................................................................................xii
INTRODUÇÃO ....................................................................................................................1
CAPÍTULO I– EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL ..............................................14
1.1 CONTEXTUALIZANDO A EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL .....................14
1.1.1 A Educação Superior do Brasil no século XIX ...................................................21
1.1.2 A Educação Superior do Brasil no século XX ....................................................26
1.1.3 A Educação Superior do Brasil no início do século XXI...................................45
CAPÍTULO II – O CENÁRIO POLÍTICO-ECONÔMICO-SOCIAL E SUAS
IMPLICAÇÕES NAS POLÍTICAS CONTEMPORÂNEAS DA EDUCAÇÃO
SUPERIOR. .......................................................................................................................51
2.1 NEOLIBERALISMO E EDUCAÇÃO........................................................................51
2.1.1 As influências neoliberais na Educação Superior .............................................60
2.2 GLOBALIZAÇÃO E EDUCAÇÃO............................................................................69
2.2.1 Traços da globalização na Educação Superior .................................................73
2.3 AS POLÍTICAS PARA A EDUCAÇÃO SUPERIOR..............................................80
2.3.1 O contexto Internacional........................................................................................85
2.3.2 O contexto Nacional ..............................................................................................88
2.4 A EXPANSÃO EM PERSPECTIVA NACIONAL DA EDUCAÇÃO SUPERIOR
NO PERÍODO ENTRE 1997 E 2002 .............................................................................88
vii
CAPÍTULO III – A TRAJETÓRIA ACADÊMICA DA ADMINISTRAÇÃO: UMA
VISÃO GLOCALIZADA ..................................................................................................91
3.1 O CURSO DE ADMINISTRAÇÃO: HISTÓRIA E CONSTITUIÇÃO...................92
3.2 A EXPANSÃO DOS CURSOS DE ADMINISTRAÇÃO EM CURITIBA E
REGIÃO METROPOLITANA NO PERÍODO DE 1997 A 2002: DISCUSSÃO
CONTEXTUAL ................................................................................................................105
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................114
REFERÊNCIAS...............................................................................................................120
ANEXOS ..........................................................................................................................129
viii
LISTA DE SIGLAS
ANGRAD – Associação Nacional dos Cursos de Graduação em Administração
BM – Banco Mundial
CFA – Conselho Federal de Administração
CFE – Conselho Federal de Educação
CNE – Conselho Nacional de Educação
DASP – Departamento de Administração do Serviço Público
DNE – Departamento Nacional de Ensino
EBAP – Escola Brasileira de Administração Pública
EAESP – Escola de Administração de Empresas de São Paulo
FEA – Faculdade de Economia e Administração
FGV – Fundação Getúlio Vargas
FMI – Fundo Monetário Internacional
GATT – General Agreement on Tariffs and Trade (Acordo Geral de Tarifas e
Comércio)
IES – Instituições de Ensino Superior
IFES – Instituições Federais de Ensino Superior
INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
IPEA – Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas
ISEB – Instituto Superior de Estudos Brasileiros
LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC – Ministério da Educação e Cultura
OCDE – Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico
OMC – Organização Mundial do Comércio
OTAN – Organização do Tratado Atlântico Norte
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
RMC – Região Metropolitana de Curitiba
SETI – Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Paraná
ix
SESU – Secretaria de Educação Superior
UNE – União Nacional dos Estudantes
UNESCO – United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization –
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
UNICEF – United Nations Children’s Fund – Fundo das Nações Unidas para a
Infância
USAID – United States Agency for International Development –
USP – Universidade de São Paulo
x
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 – APRESENTAÇÃO DAS REUNIÕES PREPARATÓRIAS PARA A
CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE O ENSINO SUPERIOR ...................................82
TABELA 2 – EVOLUÇÃO DO NÚMERO DE CURSOS DE ADMINISTRAÇÃO NO
BRASIL POR DÉCADAS...............................................................................................102
TABELA 3 – EVOLUÇÃO DOS CURSOS DE ADMINISTRAÇÃO NO PERÍODO
DE 1997-2002..................................................................................................................106
TABELA 4 – EVOLUÇÃO DO NÚMERO DE IES E DE VAGAS NA RMC............107
TABELA 5 – EVOLUÇÃO DO NÚMERO DE CURSOS DE ADMINISTRAÇÃO E
VAGAS AUTORIZADAS NO PERÍODO 1997-2002 .................................................108
xi
RESUMO
Esta pesquisa apresenta um estudo sobre a expansão do ensino superior de Administração em Curitiba e Região Metropolitana no período entre 1997 e 2002. Partimos do seguinte problema de pesquisa: Porque o número de cursos de Administração foi expandido significativamente no período de 1997 a 2002 em Curitiba e Região Metropolitana? Para respondê-lo contextualizamos o ensino superior no Brasil, desde o século XIX, marco inicial deste nível de ensino, até o início do século XXI. Enfatizamos os principais acontecimentos que ao longo da história foram delineando o cenário atual. Nos reportamos aos aspectos políticos, sociais e econômicos aprofundando as discussões sobre a permeabilidade do Neoliberalismo e da Globalização na Reforma do Estado. Destacamos que, essa expansão não é um fenômeno local e responde às exigências de órgãos internacionais, como o Banco Mundial e o FMI, sendo legitimada nas políticas educacionais do país. Apresentamos a construção histórica da identidade do curso de Administração, enfatizando as influências norte -americanas. Na década de 50, início do curso no Brasil, formava-se uma elite administrativa, nos dias atuais, as escolas tradicionais ainda cumprem com esse objetivo, mas as novas instituições estão formando os médio-burocratas. Constatamos na pesquisa empírica o surgimento de 23 instituições. Os dados foram obtidos no Censo da Educação Superior, a partir das informações estatísticas oficiais disponibilizadas no site do INEP e análise de Projetos Políticos Pedagógicos das instituições enviados ao MEC para autorização. Respondendo ao nosso objetivo, a expansão ocorreu porque a estrutura político-social-econômica foi favorável, aumentou o número de egressos do ensino médio e as vagas nas IES públicas não aumentaram, a Região Metropolitana não possuía IES sendo o curso de Administração a possibilidade concreta devido o baixo investimento financeiro e o atendimento às recomendações do Banco Mundial para democratização do ensino superior, porém há necessidade urgente de um mecanismo de avaliação que discrimine essa expansão.
PALAVRAS-CHAVE: Ensino Superior; Administração; Ensino de Administração;
História do Ensino Superior no Brasil; Neoliberalismo; Globalização
xii
ABSTRACT
This research presents a study on the expansion of the superior education of Administration in Curitiba and Region Metropolitan in the period between 1997 and 2002. We leave of the following problem of research: Because the number of courses of Administration was expanded significantly in the period of 1997 2002 in Curitiba and Metropolitan Region? To answer it we contextualizamos superior education in Brazil, since century XIX, initial landmark of this level of education, until the beginning of century XXI. Enfatizamos the main events that to the long one of history had been delineating the current scene. In them we report to the aspects politicians, social and economic deepening the quarrels on the permeability of the Neoliberalism and the Globalization in the Reformation of the State. We detach that, this expansion it is not a local phenomenon and it answers to the requirements of international agencies, as the World Bank and the FMI, being legitimated in the educational politics of the country. We present the historical construction of the identity of the course of Administration, emphasizing the North American influences. In the decade of 50, beginning of the course in Brazil, formed the administrative elite, in the current days, the traditional schools still fulfills with this objective, but the new institutions are forming the medium-bureaucrats. We evidence in the empirical research the sprouting of 23 institutions. The data had been gotten in the Census of the Superior Education, from official the statistical information show in the site of the INEP and analysis of Projects Pedagogical Politicians of the institutions sent to the MEC for authorization. Answering to our objective, the expansion occurred because the politician-social-economic structure was favorable, increased the number of egresses of average education and the vacant in the public IES had not increased, the Region Metropolitan not has IES being the course of Administration the concrete possibility which had the low financial investment and the attendance to the recommendations of the World Bank for democratization of superior education, however it has urgent necessity of an evaluation mechanism that discriminates this expansion.
KEY WORDS: High Education; Management; Education of management;
History of High Education in Brazil; Neoliberalism; Globalization
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa, “A abertura indiscriminada de cursos superiores de
Administração: um aspecto recente da historia da educação”, foi desenvolvida
visando a conclusão de estudos no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu
em Educação – PPGE, em nível de Mestrado, da Pontifícia Universidade Católica
do Paraná. Em seu âmbito, a pesquisa é situada na linha de pesquisa História das
idéias e das práticas educacionais no Brasil, cujo objetivo é desenvolver pesquisas
sobre a história do pensamento educacional brasileiro, sobre os saberes e práticas
de educação, privilegiando reflexões críticas das idéias e do processo histórico
que marcam as mudanças da sociedade nacional, notadamente a partir do século
XIX.
A pesquisa situa-se no bojo das discussões sobre a expansão da Educação
Superior no Brasil nos fins da década de 90 e início dos anos 2000, período
marcado por profundas transformações nas estruturas política, econômica e social
do país. No entanto, limita-se ao estudo da expansão dos cursos superiores de
Administração em Curitiba e Região Metropolitana no período compreendido entre
1997 e 2002. Esta expansão se dá predominantemente no setor privado da
Educação Superior, conforme comprovação estatística apresentada pelo INEP e
MEC, órgãos estatais responsáveis pelo credenciamento, autorização, avaliação e
reconhecimento das Instituições de Ensino Superior – IES, por isso o campo
empírico delimitado é a iniciativa privada da educação superior.
A expansão é tão significativa e explícita que as atenções acadêmicas
estão voltadas para o desenvolvimento de pesquisas que fomentam discussões
sobre o fato e suas implicações. Muitos são os papers e livros já desenvolvidos
que versam sobre a expansão, as políticas, a gestão, a docência e a qualidade do
ensino superior neste momento de efervescência do número de IES. Nos dias
atuais, em decorrência do desenvolvimento de políticas de controle sobre a
abertura de novas IES e novos cursos percebemos uma certa calmaria, pois o
boom aconteceu justamente no período supracitado.
2
Nossa pesquisa pretende avançar nas discussões a partir da compilação
das informações sobre a expansão da educação superior, até então produzidas, e
apresentar um entendimento do porquê dessa expansão no universo delimitado.
Pretendemos, além de registrar o momento vivido e percebido como aspecto da
história da educação recente, deixar evidente a trama política e econômica que
sustenta e justifica a expansão. Procuramos transitar do micro ao macro ambiente,
das linhas às entrelinhas, do lógico ao ideológico, das teses às antíteses e assim
deixamos nossa contribuição para a História da Educação do Brasil. Imbuídos do
sentimento de fazer-se presente na História da Educação é que optamos pelo
tema estudado.
O interesse pelo desenvolvimento da pesquisa surgiu, inicialmente, por
atuarmos na Educação Superior, na condição de professor de graduação e pós-
graduação, especificamente no curso de Administração, e sermos egressos do
Programa de Pós-Graduação em Administração da Pontifícia Universidade
Católica do Paraná.
Quando ainda cursávamos o Mestrado em Administração, em 2001,
observando outdoors começamos a prestar atenção ao número de vestibulares e
IES que dia-a-dia surgiam em Curitiba. O interessante era que, das mais
inteligentes às mais bizarras chamadas apresentadas pelos veículos de
comunicação, a sua grande maioria “convocava” os cidadãos a participarem do
processo “seletivo” quase que exclusivamente para os cursos de Administração,
Pedagogia e Direito, uma verdadeira pulverização midiática do acesso à educação
superior. Percebíamos, empiricamente, que o número de IES crescia
exponencialmente. Como pesquisador que já éramos, começamos a ler e
buscarmos dados mais sistematizados que permitissem uma percepção mais
concreta da realidade da educação superior. Para nossa surpresa, as estatísticas
e estudos apresentavam uma comprovação da expansão do número de IES
privadas e desses cursos como uma febre nacional.
Há um crescimento vertiginoso das IES privadas num período de seis anos,
compreendido entre 1997 e 2002, período no qual, segundo dados apresentados
3
pelo INEP, o número de instituições privadas passou de 689 para 1442.
Considerando a evolução do desenvolvimento da Educação Superior no Brasil,
esse crescimento representado num índice de 109,28% em um curto período de
tempo, é preocupante e significa um fato importante da história recente da
educação. Faz-se necessário, portanto, registrá-lo e analisá-lo criteriosamente a
partir de categorias histórica, social, econômica e científico-acadêmica.
A análise desse fato transita pela caracterização do contexto
macroeconômico, político e social, e suas implicações no contexto micro, neste
caso, o Brasil. Não se pode entender um fato dessa natureza apenas olhando
para dentro da nossa casa. Existe uma trama internacional decorrente, entre
outros aspectos, do fenômeno da globalização, que pressiona os países
emergentes, como o Brasil, a adotarem recomendações emanadas de órgãos
internacionais para a elaboração das políticas de desenvolvimento. Ao mesmo
tempo, no âmbito nacional essas políticas são legitimadas por classes mediadoras
visando atender aos seus interesses.
O período no qual o fato acontece é marcado por dois acontecimentos
muito importantes que o influenciaram: a partir de 1997 entrou em vigor a nova Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDBEN 9.394/96 e no ano de 1998,
aconteceu, em Paris, a Conferência Mundial sobre o Ensino Superior.
Não se pode negar, também, a permeabilidade do neoliberalismo nas
políticas públicas do nosso país. A partir do entendimento do que significa o
neoliberalismo e quais os seus princípios, caminhamos na busca da identificação
dos elementos neoliberais implícitos, e até mesmo explícitos, nessa expansão, via
privatização e incentivos à iniciativa privada, da educação superior, que via de
regra pode ser comparada, nos dias de hoje, a um varejão.
A análise dos dados publicados pelo INEP sobre as estatísticas da
Educação Superior suscita uma série de conotações quando inter-relacionamos os
dados, por exemplo, a evidente expansão da rede privada em detrimento da
pública e a interiorização das instituições de educação superior. O que não se
4
pode negar é que, se há expansão é porque há demanda, logo, faz-se necessário
considerar a origem dessa demanda.
O discurso que justifica essa expansão é o da universalização da Educação
Superior, porém a forma como acontece nos suscita uma inquietação e
interrogação: seria Universalização ou banalização?
Esta pesquisa se justifica porque o curso que mais se expande por todo o
país é o curso de Administração e, especificamente em Curitiba e Região
metropolitana. Segundo LOCH (2004, p.101) em 1997 existiam 21 cursos, já em
2002 esse número passou para 104, considerando Administração Geral e suas
ênfases, representando 450% de aumento. Portanto, faz-se necessário um
entendimento dos porquês desta expansão.
É assustador o número de instituições de ensino superior que proliferaram
pelo país nos últimos anos. O crescimento verificado no oferecimento de vagas no
ensino superior, conforme mencionado, se deve especialmente ao crescimento da
rede privada de ensino que ocorre tanto com a ampliação do número de vagas e
cursos como com a fundação de novas IES privadas em todo o país.
Este crescimento é orientado pela grande defasagem de vagas nas IES
públicas diante de uma demanda crescente do ensino superior. O crescimento que
vem ocorrendo no ensino superior está de acordo com as exigências estatísticas
dos órgãos internacionais (Banco Mundial) e em acordo com a obtenção de lucros.
(PEIXOTO, p. 185)
Em muitos países, segundo SGUISSARDI (2000, p.36), no ano 2000, as
orientações-chave de La enseñanza superior: las lecciones derivadas de la
experiência1 se tornaram em grande medida realidade: maior privatização e
diferenciação, diversificação das fontes de recursos, redefinição das funções e
menor envolvimento do Governo com a educação superior, e medidas visando
qualidade e eqüidade.
1 Documento apresentado pelo Banco Mundial em 1994 com orientações para a reforma do ensino superior dos países em desenvolvimento. É um documento que segundo SGUISSARDI apresenta uma concepção tradicional de Educação Superior, inclusive, sugere a criação de instituições não universitárias.
5
As instituições privadas apresentam uma influência significativa para a
estruturação do ensino superior, parece influenciarem a lei segundo a realidade
que foi estabelecida por este setor durante a sua história. É sobretudo nisso que
reside a privatização da educação no nosso país como um todo e particularmente
a do ensino superior. Suas preocupações são: o mercado, a concorrência com
outros empresários, o oferecimento de cursos cuja lógica seja o menor
investimento e o maior lucro. (PEIXOTO, 2002, p.190)
Os dados de crescimento do número de matrículas apresentados no senso
da educação superior são interpretados pelo MEC como grande avanço. Esses
dados são gerenciados pelo INEP, órgão vinculado diretamente ao ministério e
que de certa forma podem ser dados induzidos e como alerta PEIXOTO (2002, p.
190),
“os dados não explicam a qualidade deste crescimento, que ocorreu direcionado para a rede particular, o que não demonstra uma democratização no acesso ao ensino superior, pois coloca nas mãos dos empresários da educação a responsabilidade na formação dos profissionais de nível superior”.
Quando analisamos a expansão voltada ao interior do país, expressa nos
dados dos sensos, verificamos que ela vem se dando quase exclusivamente na
rede privada, fundamentalmente nas IES do tipo não universitário, em que
predomina o regime de contratação por hora/aula e com menor número de
professores com mestrado e doutorado.
Acrescente-se a este o fato de que os cursos mais oferecidos pela rede
particular de ensino, em todas as regiões do país, são: Direito, Administração e
Pedagogia. A explicação parece simples, são cursos de demanda altíssima, e que
não exigem investimentos vultosos para sua estruturação e implantação, como por
exemplo, laboratórios e acervo bibliográfico.
Estes, entre outros, dados revelam que a expansão da educação superior
no Brasil vem se dando de forma articulada com a política mais geral de
6
orientação neoliberal demonstrando um descaso com as futuras gerações de
profissionais e com um projeto de desenvolvimento autônomo de nosso país.
Assim como afirma PEIXOTO (2002, p. 192),
“é uma expansão antidemocrática e privatista, além de exclusivamente empresarial, na medida em que está voltada à exploração dos trabalhadores da educação e nada comprometida com a qualidade de ensino”.
Somando-se à precariedade na formação do docente para a Educação Superior observa-se no Brasil uma forte crise do setor, desde a década de 90. RISTOFF (1999) assinala alguns pontos desta crise atribuindo-os ao Governo de Fernando Henrique Cardoso e ao então ministro da educação o professor Paulo Renato. Eis alguns deles que são importantes para a constituição desse pré-projeto:
- Crescente vulgarização do sentido de Universidade;
- Agressiva privatização do sistema;
- Crescimento vertiginoso da exclusão no acesso às IES públicas;
- Aligeiramento da graduação através de cursos seqüenciais;
Ratificando o que Ristoff apresenta, o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) divulgou que, no ano 2000, 79,8% das vagas no ensino superior estavam no setor privado. Cabe refletir: o que levou a essa explosão de vagas? Estão essas instituições privadas preparadas com infraestrutura física e pedagógica para desenvolver a educação superior e alcançar os objetivos acima destacados?
O retrato desse aumento indiscriminado de vagas na educação superior privada é obtido quando observado o estado do Paraná. De acordo com dados fornecidos pela Secretaria da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (SETI), o Paraná dispunha no ano de 2002 de 123 Instituições privadas de Ensino Superior, totalizando, de acordo com LOCH (2004, p. 96), 102.477 vagas. A predominância dessas ins tituições é em Curitiba e Região Metropolitana. São 48 IES, somando-se públicas e privadas, sendo 40 na capital e 8 na Região Metropolitana, totalizando 60.930 vagas, das quais 55.500 são em Curitiba. Vale ressaltar que até 1997 não existiam IES na Região Metropolitana de Curitiba e que hoje a maioria dessas IES ofertam o curso de Administração.
Considerando a expansão da educação superior, oferecida, principalmente, pelo setor privado, refletida na abertura indiscriminada de cursos de graduação em Administração, na cidade de Curitiba e Região Metropolitana, no período de 1997 a 2002, em nossa pesquisa propomos o seguinte problema: Por que o número de cursos de Administração foi expandido significativamente no período de 1997 a 2002 em Curitiba e Região Metropolitana?
Este problema traz as seguintes perguntas de pesquisa:
7
- Como a Educação Superior no Brasil, no Paraná e em Curitiba e
Região Metropolitana se constituiu?
- Quais os fatores locais e nacionais que favoreceram a abertura
indiscriminada desses cursos?
- Quais os determinantes do contexto político e econômico da esfera
macro e micro social que legitimaram essa expansão?
- Quais políticas educacionais influenciaram legalizando e legitimando
essa expansão de cursos de Administração?
- Qual a trajetória histórico-acadêmica da Administração na Educação
Superior no Brasil?
- Como as instituições justificam a abertura dos cursos em seu projeto
pedagógico?
- Qual o significado da abertura indiscriminada de cursos superiores
de Administração em Curitiba e região metropolitana?
Como objetivos a pesquisa foi norteada pelos seguintes:
GERAL
Entender por que o número de cursos de Administração foi expandido significativamente no período de 1997 a 2002 em Curitiba e Região Metropolitana.
ESPECÍFICOS
- Apresentar sumariamente a história da Educação Superior no Brasil,
no Paraná e em Curitiba e Região Metropolitana.
- Discutir quais os fatores locais e nacionais que favoreceram a
abertura indiscriminada desses cursos.
- Identificar os determinantes do contexto político e econômico da
esfera macro e micro social que legitimaram essa expansão.
8
- Compreender as políticas educacionais que legalizaram e
legitimaram essa expansão de cursos de Administração.
- Apresentar a trajetória histórico-acadêmica da Administração na
Educação Superior no Brasil.
- Investigar quais as justificativas apresentadas no projeto pedagógico
das instituições para a abertura dos cursos.
- Explicar o significado da abertura indiscriminada dos cursos de
Administração em Curitiba e região metropolitana.
A nossa pesquisa se caracteriza por uma abordagem qualitativa, pois
acreditamos que as Ciências Humanas e Sociais não devem conduzir-se pelo
paradigma das Ciências Naturais que legitimam seus conhecimentos por
processos quantificáveis. Comungamos com os cientistas sociais quando afirmam
que a adoção de modelos experimentais conduz a generalizações errôneas em
Ciências Humanas levando-nos a um simplismo conceitual dissimulando o
controle ideológico das pesquisas. Portanto, nossa orientação filosófica é a
dialética pois valorizamos a contradição dinâmica do fato observado e a nossa
atividade criadora na qualidade de sujeito que observa, as oposições
contraditórias entre o todo e a parte e os vínculos do saber e do agir com a vida
social dos homens (CHIZZOTTI, 2005, p. 80).
A delimitação do nosso problema deixa claro que assumimos o papel ativo
de descobridor do significado das ações e das relações que se ocultam nas
estruturas sociais envolvidas pelo mesmo, permitindo-nos uma imersão na vida e
no contexto, no passado e nas circunstâncias presentes que o condicionam.
Quando propusemos entender por que o número de cursos de Administração foi
expandido significativamente no período de 1997 a 2002 foi porque pretendíamos
analisar o contexto e as contradições geradas pelo sistema político-econômico,
aqui reside o âmago da pesquisa qualitativa de orientação dialética.
De acordo com TRIVIÑOS (1987, p.128) a pesquisa é caracterizada como
qualitativa por: a) ter o ambiente natural como fonte direta dos dados e o
pesquisador como instrumento-chave; b) ser descritiva; c)_ manter o pesquisador
9
preocupado com o processo e não simplesmente com os resultados e o produto;
d) os dados tendem a ser analisados indutivamente; e) ter como preocupação
essencial o significado dos dados.
Os aspectos essenciais da pesquisa qualitativa consistem, de acordo com
FLICK (2004, p. 20), na escolha correta de métodos e teorias oportunos, no
reconhecimento e na análise de diferentes perspectivas, nas reflexões dos
pesquisadores a respeito de sua pesquisa como parte do processo de produção
de conhecimento, e na variedade de abordagens e métodos.
Partimos de dados quantitativos para delinear nosso problema. Foram eles,
por exemplo, as estatísticas do INEP em relação à expansão do número de IES e
vagas na educação superior. No entanto, CHIZZOTTI (2005, p. 84) nos ampara
afirmando que “algumas pesquisas qualitativas não descartam a coleta de dados
quantitativos, principalmente na etapa exploratória de campo ou nas etapas em
que estes dados podem mostrar uma relação mais extensa entre fenômenos
particulares”.
FLICK (2004) corrobora nossa opção metodológica quando diz:
(...) os métodos qualitativos consideram a comunicação do pesquisador com o campo e seus membros como parte explícita da produção de conhecimento, ao invés de excluí-la ao máximo como uma variável intermediária. (...) as reflexões dos pesquisadores sobre suas ações e observações no campo, suas impressões, irritações, sentimentos, e assim por diante, tornam-se dados em si mesmos, constituindo parte da interpretação (...). (p.22)
O presente estudo também é caracterizado como ex-post-factum porque
segundo KERLINGER (1980) não pretendemos manipular o fenômeno em análise.
O estudo foi realizado mediante a elaboração de um Plano de Pesquisa. Para
RICHARDSON (1999, p. 138), além de ser o esqueleto da investigação, o Plano
de Pesquisa inclui um resumo de todas as etapas da pesquisa.
Fizemos a revisão da literatura sobre os elementos teóricos que subsidiam
o entendimento do problema. Após, realizamos a pesquisa de campo constituída
de uma visita a todas as Instituições de Ensino Superior de Curitiba e Região
10
Metropolitana credenciadas junto ao MEC, que oferecem o Curso de
Administração e suas ênfases, cujas atividades iniciaram-se no período entre 1997
e 2002. Conversamos informalmente com os representantes legais e solicitamos o
Projeto enviado ao MEC para autorização do curso. De posse dos Projetos,
fizemos uma análise das justificativas para implantação do curso visando obter
elementos necessários para a resolução do nosso problema de pesquisa.
CHIZZOTTI (2005, p. 85) considera a pesquisa qualitativa como uma
criação que mobiliza a acuidade inventiva do pesquisador, sua habilidade
artesanal e sua perspicácia para elaborar a metodologia adequada ao campo de
pesquisa, aos problemas que ele enfrenta com as pessoas que participam da
investigação. Vivenciamos esta consideração de Chizzotti, pois no projeto de
pesquisa havíamos planejado uma entrevista com cada dirigente de IES, porém,
quando começamos a explorar o campo de pesquisa, principalmente lendo LOCH
(2004), descobrimos que alguns diretores atuais não faziam parte da instituição
quando da elaboração do Projeto para envio ao MEC solicitando a autorização de
funcionamento do curso de Administração. Retomamos nosso problema e
percebemos que para resolvê-lo poderíamos nos ater à análise dos projetos.
Mais uma vez nos orientamos por CHIZZOTTI (2005, p. 89) quando fala
sobre a coleta de dados qualitativos:
A coleta de dados não é um processo cumulativo e linear (...) os dados são colhidos, interativamente, num processo de idas e voltas, nas diversas etapas da pesquisa e na interação com seus sujeitos. (...) os aspectos particulares novos descobertos no processo de análise são investigados para orientar uma ação que modifique as condições e as circunstâncias indesejadas.
Na escolha das técnicas ou instrumentos de coletas de dados optamos por
aquele mais adequado às circunstâncias da pesquisa, neste caso a análise
documental mediante Análise de Conteúdo. A Análise de Conteúdo é para
CHIZZOTTI (2005, p. 98) “um método de tratamento e análise de informações,
colhidas por meio de técnicas de coleta de dados, consubstanciada em um
documento”.
11
Na nossa pesquisa, tivemos o universo representado pelas IES de Curitiba
e Região Metropolitana credenciadas junto ao MEC no ano de 2002. Era um total
de 48 IES. Entre estas observamos aquelas que receberam autorização para
funcionamento do curso de Administração e suas ênfases e iniciaram as
atividades acadêmicas entre 1997 e 2002, foram computadas 25 IES, que
compunham a população de nossa pesquisa, organizadas da seguinte maneira:
17 em Curitiba e 8 na Região Metropolitana. Como propomos estudar a expansão
de um curso específico, Administração, numa realidade determinada, Curitiba e
Região Metropolitana, decidimos trabalhar com toda a população, ou seja, as 25
IES. Todas foram visitadas e após conhecimento dos nossos objetivos de
pesquisa disponibilizaram seus Projetos.
Em relação à maximização da confiabilidade da pesquisa com abordagem
qualitativa, ALVES-MAZZOTTI;GEWANDSZNAJDER (2002, p.171), alertam que o
pesquisador que a adotar demonstre preocupação com o rigor com que conduziu
sua investigação. Critérios como, validade interna, validade externa e
fidedignidade, utilizados nas pesquisas tradicionais foram traduzidos para a
pesquisa qualitativa. Hoje, uma variedade de critérios é apresentada, em
substituição àqueles, constituindo modelos apropriados para essa natureza de
pesquisa.
Procuramos desenvolver nossa pesquisa orientados pelos critérios que
Lincoln & Guba (1985) apud ALVES-MAZZOTTI;GEWANDSZNAJDER (2002,
p.171) sugerem como forma de maximizar a credibilidade,
a) credibilidade (os resultados e interpretações feitas pelo pesquisador são plausíveis para os sujeitos envolvidos?); b) transferibilidade ( os resultados do estudo podem ser transferidos para outros contextos ou para o mesmo contexto em outras épocas?); c) consistência (os resultados obtidos têm estabilidade no tempo?); d) confirmabilidade ( os resultados obtidos são confirmáveis?)
Os resultados da pesquisa teórico-empírica estão apresentados no trabalho
em quatro capítulos. O primeiro, “Educação Superior no Brasil”, faz um aporte
histórico de como a educação superior se estruturou e evoluiu no país. A
12
reconstrução do histórico da educação superior, desde o século XIX até os dias
atuais, tem por objetivo apresentar o contexto no qual o problema de pesquisa se
situa. A discussão é aprofundada, predominantemente, no século XX quando
acontece a Reforma do Estado, influenciada pelas orientações da globalização
neoliberal. Esta reforma visa proporcionar a modernização do Estado e das
políticas sociais. É justamente nesse ponto que culminamos nossa discussão,
questionando sobre o sentido dos termos moderno e modernização e como estes
se impregnam nas práticas de educação superior atualmente vigentes.
O segundo capítulo, “O cenário político-econômico-social e suas
implicações nas políticas contemporâneas da educação superior”, aborda as
questões epistemológicas e ideológicas da globalização neoliberal e suas
influências nas políticas públicas da educação superior, desde o macro-ambiente,
entendido como o contexto internacional, ao micro-ambiente, o contexto nacional.
Neste capítulo, o eixo gravitacional da discussão é como as legislações
educacionais contemporâneas, fortemente influenciadas por essas políticas,
legalizaram a expansão da educação superior no período entre 1997 e 2002. Ao
final do capítulo, é percebido que a trama transnacional é legitimada por uma elite
nacional que por interesses políticos-econômicos e culturais, construídos
historicamente, orientou o caminho seguido pela educação superior do Brasil.
Construído o arcabouço teórico no qual o nosso objeto de estudo está
inserido fica fácil apresentá-lo. O terceiro capítulo, “A trajetória acadêmica da
Administração: uma visão glocalizada”, cumpre este propósito, apresenta o
processo histórico de constituição da administração como curso superior no Brasil
até chegar no âmbito das instituições paranaenses da cidade de Curitiba e região
metropolitana. A idéia básica do capítulo é contar a história do curso e
numericamente expressar a expansão do mesmo, no período entre 1997 e 2002.
Sem dúvida, neste capítulo encontramos dados de relevante importância para a
história do ensino superior de administração, pois no período estudado os
números e estatísticas em relação ao curso: instituições, vagas e matrículas
aumentaram exponencialmente. Ainda neste capítulo, resgatamos os
13
procedimentos metodológicos da pesquisa, apresentamos os dados obtidos e
fazemos a análise dos mesmos mediante o arcabouço teórico desenvolvido.
Na última parte, “Considerações Finais”, retomamos o problema de
pesquisa e o respondemos a partir da resgate dos objetivos específicos para
verificação de cumprimento ao longo do trabalho. A realização da pesquisa nos
mostrou algumas limitações que são apresentadas aqui, como também,
evidenciamos temáticas desencadeadoras desta pesquisa para aprofundamento
em pesquisas futuras, a exemplo do Doutorado.
14
CAPÍTULO I – EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL
Discutir a Educação Superior no Brasil necessariamente passa pelo
entendimento da realidade socio-politico-econômica do país. Na atual conjuntura
que vivemos, período de globalização e internacionalização, todas as políticas,
inclusive as educacionais, dos países, necessariamente sofrem interferências de
instituições e agências internacionais. Para chegarmos ao entendimento da
educação superior em vias do séculos XXI faz-se necessário discutir como a
Educação Superior e a universidade brasileira evoluiu ao longo do século XIX, XX
e relacioná-la à dinâmica dos determinantes socio-político-econômicos deste
período.
Segundo BOSI (2000, p.9-10),
(...) até 1934, o ensino superior estava concentrado nas chamadas “grandes escolas”, voltadas para a formação de advogados, médicos, engenheiros e agrônomos: as faculdades de engenharia e as escolas superiores de agronomia. Eram instituições públicas, gratuitas e bem-estruturadas, que cumpriam satisfatoriamente o seu propósito de formar as elites regionais, de onde saíam os profissionais e os grupos dirigentes do Império e da República Velha. Portadoras de uma tradição humanística e científica de filiação européia, particularmente francesa e alemã, representaram, em geral, a ponta-de-lança da cultura letrada em uma nação periférica cujas elites desejavam integrar-se nos modelos ocidentais hegemônicos.
1.1 CONTEXTUALIZANDO A EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL
Até início do século XIX inexistia no Brasil educação superior. Os jovens,
filhos da classe dominante, que concluíam os estudos nos reais colégios dos
jesuítas iam estudar na Universidade de Coimbra. A literatura aponta a
Universidade de Coimbra como sendo aquela destinada aos estudos superiores
dos brasileiros. É interessante destacar que não existia interesse algum da
metrópole em estruturar uma educação superior na colônia, visto que a educação
superior é uma possibilidade de emancipação política e cultural o que não seria
interessante. Em decorrência desse “intercâmbio” acadêmico, TEIXEIRA (1989, p.
15
65) deixa claro que não havia distinção entre o brasileiro e o português da classe
dominante, pois ambos tinham as mesmas bases educacionais.
Em 1808, decorrente das invasões napoleônicas, houve a transmigração da
família real para o Brasil. Quando chega à Bahia o príncipe regente recebe a
solicitação de um grupo de comerciantes da criação de uma universidade literária,
inclusive oferecem dinheiro para a construção do palácio real e o custeio da
universidade. De acordo com TEIXEIRA (1989, p. 66-67) a solicitação não é
atendida, no entanto, o príncipe regente cria o Curso de Cirurgia, Anatomia e
Obstetrícia a pedido do cirurgião-mor do Reino, José Correa Picanço. Quando a
corte é transferida para o Rio de Janeiro, ali também é criada uma Escola de
Cirurgia, Academias Militares, Escola de Belas-Artes, Museu e Biblioteca Nacional
e o Jardim Botânico, mas não se fala em universidade.
Após a independência política, em 1827 foram criados mais dois cursos, de
Direito, em São Paulo e Olinda. Além desses cursos foi criada a escola de Minas
em Ouro Preto, em 1832. CUNHA (1986, p.76) evidencia que a criação de todos
estes cursos seguia uma mesma lógica: a promoção da formação de burocratas.
Durante o Império, várias foram as solicitações para a constituição da
Universidade no Brasil, porém nenhuma logrou êxito, e assim a educação superior
no Brasil foi sendo realizada apenas por escolas superiores. Claro que existe um
componente político e ideológico muito forte para essa resistência. OLIVE (2002,
p. 32) até justifica que a Universidade de Coimbra tinha um alto conceito e não era
admitido que uma universidade jovem viesse substituí-la.
CUNHA (1986, p.77-78) faz uma análise mais apurada destacando que os
formados pelas escolas superiores desempenharam um papel decisivo no
aparelho do Estado; diríamos que contribuíram para a gênese do estamento
burocrático colonial e imperial. Essas escolas superiores “formavam os agentes
políticos controlados centralmente pelo Estado com a função de unificar o país e
forjar uma ideologia de unidade nacional capaz de justificar a continuidade dos
sistemas social, econômico e político existentes na época do império”.
16
A evolução da universidade brasileira e suas relações com o estado é
organizada por BUARQUE (1994, p. 198-199) em quatro momentos a saber:
1. até os anos 50, a universidade era inexistente ou incipiente; 2. entre os anos 50 e final dos anos 60, a universidade cresceu em todos os sentidos: número de instituições, de alunos, de professores; 3. a partir do final da década de 60 e durante a de 70, a universidade não apenas cresceu como se transformou: as universidades públicas, especialmente, assumiram o papel de instituições de pesquisa; seus professores passaram a ter carreiras acadêmicas, pós-graduação, bons salários em comparação ao período anterior; construíram-se prédios, montaram-se laboratórios, bibliotecas; 4. finalmente, depois dos anos 80 inicia-se um processo de degradação: os recursos são reduzidos; uma parte considerável das energias dos professores é canalizada para obter recursos e evitar a degradação dos salários, nem sempre com êxito e freqüentemente por meio do desgastante instrumento da greve.
BOSI (2000, p.15) complementa considerando que a partir dos anos 70, a
demanda cresceu significativamente, o que propiciou a expansão das redes
federais e estaduais de ensino superior. Um novo panorama começava a se
delinear, à medida que essas redes se saturavam, ou que as exigências dos seus
vestibulares superavam o desempenho dos egressos de uma escola média
deficiente, multiplicavam-se também as universidades ou simples faculdades
privadas autorizadas pelo Ministério da Educação.
Essa multiplicação pode ser observada nos dados apresentados por BOSI
(2000, p. 16): em 1980, havia no Brasil 34 universidades federais e 20
particulares. Em 2000 tínhamos 39 universidades federais (o acréscimo não
passou de 1,5%) e 76 particulares (mais de 250% de acréscimo), não incluídas as
faculdades isoladas.
O Senso da Educação Superior no Brasil, em 2002, apresentado pelo
INEP2, revela um boom do número de instituições de ensino superior3 existentes
2 Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. 3 Consideradas as Universidades, Centros Universitários, Faculdades Integradas, Faculdades Isoladas e Centros de Educação Tecnológica.
17
no país. São 1637 instituições. Deste número 195 instituições são de
administração pública (73 federais, 65 estaduais e 57 municipais), e 1442 são de
administração privada (1125 particulares e 317 confessionais, comunitárias ou
filantrópicas). A análise dos dados demonstra uma interiorização das instituições,
tanto as públicas quanto as privadas, apresentam que o número de instituições no
interior é, aproximadamente, superior ao número de instituições nas capitais.
Os dados apresentados nos permitem observar que o Sistema da
Educação Superior no Brasil está estruturado em dois grandes blocos. O bloco
das instituições públicas e o bloco das instituições privadas. Dentro de cada um
deles existem categorias. As públicas são organizadas em Federais, que são
instituições marcadas pelo elevado grau de qualificação dos seus docentes e
conseqüentemente excelência na produção acadêmica; as Estaduais, mantidas
pelos governos como forma de interiorizar a educação superior, porém sofrem
com o sucateamento dos prédios e a falta de recursos para investimentos na
pesquisa, pois a arrecadação estadual não é suficiente, algumas destas
instituições de caráter estritamente eleitoreiro. É importante enfatizar que o Estado
de São Paulo é um caso à parte pois tem um grupo de Universidades Estaduais
pioneiras e de referência, no entanto, também é um estado com significativa
arrecadação; e as Municipais, em sua grande maioria faculdades isoladas
instituídas para suprir uma necessidade de qualificação local.
Quando se trata das instituições privadas, estas são organizadas em:
1)Particulares – mantidas por grupos empresariais, em alguns casos
multinacionais proprietárias de outras empresas, como supermercados; outras
surgiram a partir de colégios bem sucedidos cujos administradores resolveram
apostar no filão do momento; e há também aquelas cuja propriedade pertence a
políticos tradicionais. As instituições particulares representam a maior parcela de
instituições do mercado como vimos nos dados apresentados pelo senso 2002; 2)
Comunitárias/Confessionais/Filantrópicas – são instituições geralmente mantidas
por religiosos ou entidades sem fins lucrativos, com uma certa tradição e
demonstram ao longo da sua história um compromisso com a sociedade e com a
educação.
18
Este cenário é bem propício para o desenvolvimento da concorrência. Para
sobreviverem, as instituições lançam mão das mais diversificadas técnicas e
estratégias mercadológicas.
A concorrência é explícita entre instituições privadas, porém MARCOVITCH
(1998, p. 129-130) visualiza a concorrência também entre instituições públicas e
instituições privadas, esta concorrência contraria os interesses nacionais e a
oposição dos dois sistemas constitui um grosseiro erro estratégico.
É preciso que se discuta a complementariedade entre eles. (...) É evidente que a universidade pública não conseguiu acompanhar a demanda de cursos de graduação. Mas também a lógica do ensino privado tem limitado o florescimento da pesquisa.
Para BOSI (2000, p.17) a enorme propaganda que as universidades-
empresa estão fazendo nas capitais dos estados e até nas cidades médias e
menores atesta o grau de concorrência do respectivo mercado. Curiosamente,
essa luta competitiva, ao contrário do que pretende o pensamento neoliberal, não
concorre para melhorar a qualidade do produto oferecido à praça (o ensino), mas
só faz degrada-lo no afã de torna-lo mais acessível ao consumidor-cliente (o
aluno). Um verdadeiro varejão4 da educação superior foi instalado no país. Essa
idéia é confirmada e afirmada por um “dono” de faculdade do Rio de Janeiro:
(...) a McDonald’s do curso superior. Com franquias em quase todo o Rio de Janeiro, serviço rápido e diploma para todos os bolsos, é a universidade particular que mais cresce no estado. Em três décadas de funcionamento, transformou os 166 alunos em 90 mil. (MONTENEGRO, 16 nov. 2001)
Para SILVA JR. & SGUISSARDI (1999, p.25) a crise e reestruturação do
estado e da educação superior não são fenômenos exclusivos do Brasil, nem
apenas de países do Terceiro Mundo ou da América Latina, mas uma realidade
presente e comum à maioria dos países de todas as dimensões, graus de
4 Expressão utilizada pela Prof. Rosa Lydia em suas aulas no Programa de Pós-graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, para caracterizar as instituições de ensino superior emergente que não apresentam nenhum compromisso com a educação.
19
desenvolvimento e latitudes. Trata-se de fenômenos que acompanham as
transformações da base econômica dos diferentes países, a começar pelos do
chamado Primeiro Mundo, e especialmente da Europa Ocidental, onde o trânsito
do Fordismo para um novo regime de acumulação e a crise do Estado do Bem-
Estar Social se fazem sentir antes e com maior intensidade.
CATANI (1996, p. 17) explica que a crise do Fordismo, enquanto forma de
organização do trabalho e enquanto modelo de desenvolvimento do capitalismo,
inaugura um novo momento histórico, no qual a nova ordem econômica mundial e
o neoliberalismo encontram-se em sua centralidade. A nova ordem econômica
mundial vai, pois, se delineando por meio da superação das contradições
produzidas historicamente pelo Fordismo e pode ser considerada como uma outra
etapa do capitalismo ou como um outro ciclo da mais-valia relativa ou, ainda,
como um outro estágio de acumulação capitalista.
A tendência de transformação do processo produtivo brasileiro,
impulsionada pela nova ordem internacional, e a necessidade de inserção do
Brasil na economia mundial obrigam a aproximação dos setores produtivos dos
centros elaboradores do conhecimento, isto é, as universidades e os institutos de
pesquisa do governo, em face da centralidade ocupada pela ciência e pela
tecnologia em meio às vantagens comparativas no acirrado mercado mundial. A
aproximação entre setores produtivos e educacionais, em especial a educação
superior, é um fato estruturalmente irreversível neste estágio de desenvolvimento
do capitalismo mundial.
O Estado brasileiro para acompanhar essa nova lógica do capitalismo
passa por uma Reforma modernizando-se. Esta Reforma constitui-se da
redefinição das atividades estatais distribuindo-as em setores. Os serviços outrora
de responsabilidade do Estado passam a ser realizados por instituições não-
estatais, na qualidade de prestadoras de serviço. Desta forma, segundo CHAUÍ
(2001, p.177), “a Reforma encolhe o espaço público democrático dos direitos e
amplia o espaço privado não só ali onde isso seria previsível – nas atividades
ligadas à produção econômica –, mas também onde não é, admissível – no campo
dos direitos sociais conquistados”.
20
Para adequar a Universidade a essa nova realidade, a idéia da Reforma é
dicotomizar as atividades da universidade, o ensino da pesquisa. O ensino de
responsabilidade das organizações de educação superior e a pesquisa de
responsabilidade dos centros de excelência em pesquisa.
O léxico da Reforma é inseparável da universidade como “organização social” e de sua inserção no setor de serviços não-exclusivo do Estado. Ora, desde o seu surgimento (no século 13 europeu), a universidade sempre foi uma instituição social, isto é, uma ação social, uma prática social fundada no reconhecimento público de sua legitimidade e de suas atribuições, num princípio de diferenciação, que lhe confere autonomia perante outras instituições sociais, e estruturada por ordenamentos, regras, normas e valores de reconhecimento e legitimidade internos a ela. (CHAUÍ, 1999)
Portanto, a universidade abandona a condição de instituição e assume a
condição de Organização. A diferença não está apenas na nomenclatura, mas na
idéia prática de cada um dos termos. Enquanto a instituição aspira à
universalidade, a organização sabe que sua eficácia e seu sucesso dependem de
sua particularidade.
CHAUÍ (1999), caracteriza muito bem essa passagem da universidade da
condição de instituição à de organização em duas fases sucessivas, a primeira
fase a universidade funcional, voltada para a formação rápida de profissionais
requisitados como mão-de-obra altamente qualificada para o mercado de trabalho,
e a segunda fase a universidade operacional que, por ser uma organização, está
voltada para si mesma e estruturada por estratégias e programas de eficácia
organizacional.
Enfim, esse é o panorama atual da Educação Superior no Brasil. Um
panorama não muito agradável, mas uma realidade que satisfaz ao modelo
neoliberal e segundo SGUISSARDI (2000, p.14) responde às “recomendações”
que o Banco Mundial fez para a Educação Superior dos países em
desenvolvimento através do documento La enseñanza superior: lãs lecciones
derivadas de la experiência (1994) e do The financing and management of
21
education: a status reportt on worldwide reforms (1998). Entre as recomendações
estão: fomentar a maior diferenciação das instituições, incluindo o
desenvolvimento de instituições privadas; redefinição da função do governo no
ensino superior; proporcionar incentivos para que as instituições diversifiquem as
fontes de financiamento, por exemplo, a participação dos estudantes nos gastos e
a estreita vinculação entre o financiamento fiscal e os resultados.
É notório, portanto, que a análise da realidade da Educação Superior no
Brasil não pode se limitar à observação dos dados e políticas nacionais, isto seria
uma visão reducionista, mas uma leitura que contemple o levantamento histórico,
político e econômico numa perspectiva macro e microambientais.
1.1.1 A Educação Superior do Brasil no século XIX
Ao contrário das Américas Espanhola e Inglesa, que tiveram acesso ao
ensino superior já no período colonial, o Brasil teve que esperar o final do século
XIX para ver surgir as primeiras instituições culturais e científicas deste nível,
quando da vinda da Família Real ao país. Já a primeira universidade surgiu
somente em 1912.
Portugal tinha apenas dois grandes objetivos quando aportou em terras
brasileiras: suas prioridades eram a fiscalização e a defesa. Durante trezentos
anos, as únicas iniciativas na área de educação vieram dos jesuítas, mais voltados
para a catequese religiosa. Os altos funcionários da Igreja e da Coroa e os filhos
dos grandes latifundiários tinham que ir à Europa para obter formação
universitária, e o destino era principalmente Coimbra. Iniciativas isoladas, como o
curso superior de Engenharia Militar no Rio de Janeiro, que surgiu no final do
século XVII, não podem ser consideradas como o ingresso do Brasil no ensino
superior já que, para todos os efeitos, era um estabelecimento português.
Somente em 1808, com a vinda da família real, é que surgiu o primeiro
interesse de se criar escolas médicas na Bahia e no Rio de Janeiro: em fevereiro
de 1808 surge o Colégio Médico-Cirúrgico da Bahia e em abril do mesmo ano a
cadeira de Anatomia é criada no Hospital Militar do Rio de Janeiro. Em 1810, o
Príncipe Regente assinou a carta de Lei de 4 de dezembro, criando a Academia
22
Real Militar da Corte, que anos mais tarde se converteria na Escola Politécnica; o
Decreto de 23/2/1808, que instituiu uma cadeira de Ciência Econômica; e o
Decreto de 12/10/1820, que organizou a Real Academia de Desenho, Pintura,
Escultura e Arquitetura Civil, depois convertida em Academia das Artes.
Por esse passado, o ensino superior se firmou com um modelo de institutos
isolados e de natureza profissionalizante, além de elitista, já que só atendia aos
filhos da aristocracia colonial, que não podiam mais estudar na Europa, devido ao
bloqueio de Napoleão. O fato dos cursos que surgiram terem se voltado ao ensino
prático - engenharia militar e medicina - e serem ministrados em faculdades
isoladas, marcou de forma contundente o ensino superior no Brasil e explica
muitas distorções que até hoje estão marcadas em nosso sistema.
Mesmo no século XIX, a partir da Proclamação da Independência, há um
crescimento de escolas superiores no país, mas sempre no modelo de unidades
desconexas e voltadas para a formação profissional. Durante todo o período
monárquico pelo menos 42 projetos de universidade são apresentados, desde o
de José Bonifácio até o último, que é o de Rui Barbosa em 1882, e sempre o
governo e o parlamento os recusavam. TEIXEIRA (1989) apresenta o discurso do
Conselheiro A. de Almeida Oliveira contra a universidade no Congresso de
Educação em 1882, realizado no Brasil, presidido pelo Conde d’Eu:
Toda a sua argumentação gira em torno da universidade medieval. Alega que “a universidade é uma coisa obsoleta e o Brasil, como país novo, não pode querer voltar atrás para constituir a universidade; deve manter suas escolas especiais, porque o ensino tem de entrar em fase de especialização profunda; a velha universidade não pode ser restabelecida”. Ora, em 1882 isto representava, dentro da atmosfera daquela época, a reprodução de uma posição no século XVIII, que vinha sendo radicalmente revista no século XIX. (TEIXEIRA, 1989, p. 83)
É claro que o modelo de universidade medieval de natureza escolástica e
jesuítica não deveria ser restaurado, pois desde o início do século XIX acontecia o
renascimento universitário com a universidade de Humboldt, na Alemanha,
caracterizando a universidade moderna, cujo centro gravitacional é a expressão
23
da cultura nacional com ênfase em pesquisa e descoberta, estruturada em
institutos e centros de pesquisa.
ANASTASIOU & PIMENTA (2002, p.150) explicam que o modelo de
universidade desenvolvido por Humboldt, na Universidade de Berlim, ou o modelo
humdoldtiano, surge no momento em que a Alemanha perde o pioneirismo da
Revolução Industrial para França e Inglaterra, por isso, “o avanço da ciência por
meio da pesquisa das questões nacionais é proposto como saída para renovação
tecnológica, num esforço deliberado de eliminar a dependência e estruturar a
autonomia nacional”.O modelo alemão de universidade apesar de não oficializado
no Brasil influenciou5, no século XX, a construção da universidade brasileira como
resultado de acordos MEC/USAID expressos no texto da lei 5.540/68 que
discutiremos adiante.
Percebemos que durante todo o século XIX prevaleceu na educação
superior a ambigüidade essencial entre a cultura acadêmica e a cultura utilitária,
mais uma vez explícita no discurso do Conselheiro A. de Almeida Oliveira no
Congresso de Educação em 1882, “nós não podemos ter universidade porque não
temos cultura para tal. A universidade é a expressão de uma cultura do passado, e
nós vamos ter uma cultura do futuro que não precisa mais dela” (TEIXEIRA, 1989,
p.84). Esta colocação nos permite ver a negação da construção histórica da
cultura do povo brasileiro e conseqüente alienação cultural que acarretou a falta
de um projeto nacional de educação e de universidade.
No final do século XIX acontece a Proclamação da República. O primeiro
período republicano, conhecido como republica velha, é marcado pelo forte poder
dos latifundiários cafeicultores e da jovem burguesia industrial. O governo federal
se preocupa em criar escolas técnico-profissionais e mantém a idéia de ensino
superior estritamente utilitário e de preparo profissional esquivando-se dos
aspectos da cultura. É interessante destacar que neste período a economia
primário-exportadora tinha um caráter cíclico e, portanto, o Estado assumia um
papel de assistência social conforme CUNHA (1986, p. 161) nos apresenta:
5 Esta influcia é percebida por nós quando na Reforma do Ensino Superior, Lei 5540/68, entre outros aspectos, houve a institucionalização da pesquisa.
24
O caráter cíclico da economia primário-exportadora, e a concentração da propriedade da terra que acompanhava a expansão levavam parcela dos latifundiários à ruína, em cada período de declínio. Arruinados, eles eram amparados pelos parentes mais afortunados ou por correligionários. Uns e outros controlavam parte da burocracia do Estado, por força das alianças entre as oligarquias locais, e destas com o poder central. Conseguiam, assim, que o Estado cumprisse mais uma de suas funções, a de “assistência social” aos setores decadentes das classes dominantes, empregando-lhes como burocratas. (CUNHA, 1986, p. 163)
Cabe ressaltar que o processo de ampliação e constituição da burocracia
pública e privada desencadeou um aumento da busca pela escolarização,
inclusive, o ensino superior. A burocratização era vista pelos latifundiários
arruinados como uma possibilidade de ascensão dos filhos, via escolarização.
Esta burocratização oriunda do regime federativo gerou uma oportunidade de
emprego para os bacharéis em Direito assim como em Engenharia. Em
decorrência, pode-se dizer que o início da república foi marcado por
transformações no ensino superior, como a facilitação do acesso e a multiplicação
das faculdades.
CUNHA (1986, p. 167) destaca dois fatores responsáveis pela facilitação do
acesso ao ensino superior e a multiplicação das faculdades: “o aumento da
procura pelo ensino superior decorrente das transformações econômicas e
institucionais e um fator ideológico que foi a luta de liberais e positivistas pelo
‘ensino livre’ e dos positivistas contra os privilégios ocupacionais conferidos pelos
diplomas escolares.”
Os positivistas assumiram, no início da república, a bandeira dos liberais
em relação à desoficialização do ensino. Que significa a retração do setor estatal
do ensino superior em detrimento do setor privado, até então inexistente nesse
nível de ensino. Este é um aspecto importante da história da educação superior no
Brasil, pois o trabalho que aqui realizamos, visa entender um fenômeno
contemporâneo que lá no século XIX também aconteceu, a expansão da
educação superior.
25
Inúmeros foram os projetos enviados à Câmara de Deputados que visavam
a transferência dos estabelecimentos de ensino superior para os governos
estaduais e para as associações particulares. Para CUNHA (1986, p. 178), “ao
mesmo tempo que se pretendia ‘emancipar’ as escolas superiores existentes,
procurava-se abolir os privilégios dos diplomas acadêmicos.” Enquanto essas
discussões políticas aconteciam, o ensino superior se desenvolvia
pedagogicamente baseado no autodidatismo dos alunos com o recurso do livro.
TEIXEIRA (1989) lembra que:
Muitas vezes, tal processo era ainda mais empobrecido pelo uso de sebentas ou apostilas, contendo resumos ou textos das aulas, lembrando a universidade escolástica, ainda sem livros.Desse modo, os cursos eram uma introdução às profissões, visando oferecer alguma base para o preparo profissional, que iria ser adquirido na prática, fora da escola, na profissão. (p.90)
As tentativas de desoficialização do ensino e abolição dos privilégios dos
diplomas escolares lograram êxito no início do século XX, com a reforma geral do
ensino secundário e superior, promulgada por decreto na Lei Orgânica do Ensino
Superior e do Fundamental na República de 5 de abril de 1911. Discutiremos, no
próximo item, o contexto no qual a lei foi promulgada e como o ensino superior se
comportou no século XX.
Por hora, cabe-nos concluir que, o século XIX foi significativo para a história
do Brasil; passamos de Colônia a Império e finalmente à República. Estas
transformações políticas implicaram em tentativas de construção de um projeto de
educação nacional. Infelizmente, nossas representações políticas não estavam
preocupadas com a construção de uma cultura e uma alma nacional que
representasse um país livre e jovem. Buscaram modelos ultrapassados de
educação e que não se adequavam à nossa realidade, pois não nasceram das
reais necessidades do país. Esse século de transformações abrigou a gênese do
ensino superior brasileiro que surge e permanece no formato de escolas
superiores isoladas preocupadas com a profissionalização e a formação de
26
burocratas para o Estado-nação. Não desenvolvemos uma identidade clara do
ensino superior brasileiro e isso se prolongou ao longo do século XX.
1.1.2 A Educação Superior do Brasil no século XX
A República chega ao Brasil, mas a Constituição de 1891 omite-se em
relação ao compromisso do governo com a universidade. O final do século XIX é
marcado pela abolição, queda do império e proclamação da República, com isso
entramos num período de mudanças sociais, conforme vimos anteriormente, e a
educação teria de acompanhar. Há, notoriamente, um incentivo à expansão da
educação, via escola privada.
TEIXEIRA (1989) recorda-nos a forte influência do pensamento liberal
nesse processo de expansão:
O pensamento liberal republicano marcado pela idéia de que a educação competia à sociedade e ao indivíduo, e não ao Estado, reduz a função pública no campo da cultura a regular e promover a atividade privada, reforçando-se assim a tradição, nascida ao tempo do império, dos colégios e escolas particulares. As escolas privadas passariam a ser autorizadas pelo governo e gozar de regalias, tendo os graus conferidos sansão pública. Isto deu lugar às escolas privadas de ensino superior e às escolas mantidas pelos governos dos estados, cujos graus teriam valor para todo o país, quando autorizadas e fiscalizadas pelo governo federal. Entre 1889 e 1918, 56 novos estabelecimentos de ensino superior, na sua maioria privados, são criados no país, os quais somados aos 14 existentes no fim do império, elevavam o número total a 70. (p.104)
Notamos que, ainda no início do século XX não tínhamos Universidade, e a
educação superior, continuava sob a responsabilidade de escolas isoladas.
Existiram, segundo CUNHA (1986), algumas iniciativas à revelia do poder Central,
são elas: a Universidade de Manaus, em 1909, decorrente do auge do ciclo da
borracha, no Estado do Amazonas; a Universidade de São Paulo, em 1912, na
cidade de São Paulo, surgida, curiosamente, de uma sociedade civil entre 20
27
profissionais de nível superior; e a Universidade do Paraná, em 19116, na cidade
de Curitiba, surgida da reunião de recursos do governo estadual e de alguns
professores. As três instituições só foram reconhecidas como Universidade
décadas mais tarde.
A Lei Orgânica do Ensino Superior e do Fundamental na República, citada
anteriormente, elaborada por Rivadávia Corrêa e cujo texto não cabe discutir por
não ser objeto de nosso estudo, surgiu como forma de controlar a qualidade do
ensino superior e dar mais autonomia às escolas. No entanto, não foi bem assim
que os críticos a entenderam,
(...) diziam que as exigências dos exames de admissão diminuíram para que as faculdades não ficassem sem alunos; livres de qualquer fiscalização, abriram-se faculdades particulares que facilitavam ao máximo os exames de modo a aumentar suas receitas; os professores que participavam (ou esperavam participar) das bancas examinadoras ministravam aulas particulares aos futuros candidatos; os programas de ensino eram encurtados conforme as conveniências de alunos e professores; os concursos de livre-docência se desmoralizavam pela grande quantidade de títulos conferidos e pela dificuldade de se averiguar a paternidade das teses apresentadas sem argüição. (CUNHA, 1986, p. 184)
A lei vigorou no período entre 1911 e 1915, quando a oferta de ensino
superior aumentou, significativamente, apresentando uma conotação de
desorganização deste nível de ensino. Como forma de restabelecer a ordem no
campo educacional, o então ministro da justiça e do interior, Carlos Maximiliano
promulgou o decreto 11.530, reorganizando o ensino secundário e superior em
todo o país.
Entre outros aspectos, a Reforma de Maximiliano instituiu o vestibular, a
figura do professor catedrático, a livre-docência, atribuiu ao Conselho Superior de
Ensino7 a responsabilidade de fiscalizar as escolas não mantidas pelo governo e
6 Ruy Wachowicz em sua obra “universidade do mate: história da UFPR” data de 1912. 7 O Conselho Superior de Ensino foi criado pela Lei Orgânica do Ensino Superior e do Fundamental na República – Decreto 8.659, de 5 de abril de 1911 – presidido por uma pessoa de livre nomeação pelo governo e composto do diretor e de um docente de cada uma das faculdades federais e do Colégio Pedro II. A função
28
facultava ao governo, quando julgasse oportuno, criar a universidade a partir da
reunião de faculdades (TEIXEIRA, 1989, p.104).
Em 1920, cinco anos após, surge a Universidade do Rio de Janeiro, hoje
Universidade Federal do Rio de Janeiro, que reunia os cursos superiores da
cidade, a saber: a Escola Politécnica, a Faculdade de Medicina e a Faculdade de
Direito - que surgira a partir da fusão da Faculdade Livre de Direito e da Faculdade
de Ciências Jurídicas e Sociais. O decreto que oficializa a universidade é o de nº
14.343, de 7 de setembro de 1920. OLIVE (2002, p. 33) lembra-nos que
“comentava-se, à época, que uma das razões da criação dessa Universidade,
localizada na capital do país, devia-se à visita que o Rei da Bélgica empreendia ao
país, por ocasião do centenário da Independência, havendo interesse político em
outorgar-lhe o título de Doutor Honoris Causa.”
Não se pode esquecer, em relação à estrutura administrativa, o que unia
estes cursos era simplesmente a Reitoria e o Conselho Universitário. Este modelo
de universidade, onde há uma reunião de cursos isolados que têm como ligação
entre si a Reitoria, e não mecanismos acadêmicos ou administrativos, é a base de
muitas das universidades brasileiras hoje em dia, que se constituem de
instituições agregadas e não integradas. Exceção à regra surgiu após a Revolução
Constitucionalista de 1932, em São Paulo, tendo como maior exemplo a USP -
Universidade de São Paulo.
Ao final da primeira república, em 1925, mais uma reforma do ensino
secundário e superior acontece. É o decreto 16.782-A, de 13 de janeiro de 1925,
conhecido como a reforma de Rocha Vaz. Mais uma vez, o objetivo é aumentar a
moralização do ensino superior no Brasil e impedir a entrada da política e da
ideologia não oficiais no ensino superior. De acordo com CUNHA (1986, p. 190)
“esta reforma objetivou o reforço do controle do Estado, particularmente do
governo federal, sobre o aparelho escolar, numa tentativa de estabelecer o
controle ideológico das crises políticas e sociais que vieram desembocar na
revolução que pôs fim ao regime, em 1930”.
desse conselho era a de substituir a função fiscal do Estado, dirigindo o ensino superior até sua complenta independência do governo federal. (CUNHA, 1986, p. 182)
29
A Reforma de Rocha Vaz criou o DNE (Departamento Nacional de Ensino),
órgão que suprimiu a ação do Conselho Superior de Ensino e centralizou o poder
e as decisões sobre a educação nacional, pois o diretor-geral do DNE era
nomeado pelo Presidente da República. Para CUNHA (1986, p. 191) “ a reforma
Rocha Vaz veio, assim, completar a trajetória de concentração do fluxo de
passagem do ensino secundário para o superior, intensificado desde fins do
império e acelerado nas duas primeiras décadas do regime republicano.”
A criação da USP, em 1934, representa um divisor de águas na história da
educação superior do Brasil, conforme citamos acima, o modelo administrativo
desde a sua criação foi diferente das demais instituições até criadas. A USP
reuniu os cursos superiores existentes no estado, tendo como enlace não a
Reitoria ou mecanismos administrativos, mas a Faculdade de Filosofia, Ciência e
Letras, que seria a instituição de saber fundamental em todas as áreas do
conhecimento humano e compensaria o isolamento das faculdades preexistentes,
que existiam independentes tanto física quanto academicamente. A Faculdade de
Filosofia, Ciência e Letras viria integrar em uma base comum os ensinamentos de
diversas áreas do saber, sendo a porta de entrada em qualquer dos outros cursos
profissionalizantes. Além disso, a proposta da USP baseava-se em três vertentes,
características da universidade moderna: ensino, pesquisa e extensão.
OLIVE (2002, p. 36) destaca que,
Na esfera organizacional, a idéia inovadora foi fazer, da nova Faculdade de Filosofia, o eixo central da universidade, que viria promover a integração dos diversos cursos e das atividades de ensino e pesquisa. Esse plano não se efetivou, em grande parte, face à resistência das faculdades tradicionais, as quais não queriam abrir mão do processo de seleção e formação de seus alunos desde o ingresso na universidade até a formatura. Não obstante a alta qualificação do corpo docente vindo da Europa, foi pequena a demanda aos cursos oferecidos por essa instituição. A elite paulista continuava a dar preferência aos cursos profissionais de Medicina, Engenharia e Direito.
Visto o contexto histórico-econômico que estávamos vivendo, a
consolidação do modelo social urbano-industrial e a criação de empregos urbanos,
30
podemos perceber que o sistema escolar brasileiro não estava interessado em
formar intelectuais, mas profissionais liberais e bacharéis. Esses profissionais
formados, por um lado, alimentavam o setor privado e, por outro, tinham a garantia
de inserção na máquina empregatícia que era o Estado, como vimos
anteriormente.
A criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras tinha em vista o
estudo especializado, em nível superior, desses campos de cultura desinteressada
e não propriamente profissional. A intenção de seus fundadores era aproximar do
modelo humboldtiano 8 da universidade alemã de pesquisa e ensino aprofundado.
No entanto, TEIXEIRA (1989, p. 108) destaca que “as faculdades de filosofia,
ciências e letras, mergulhadas no contexto do ensino superior brasileiro de
escolas profissionais, separadas e independentes, acabaram por se fazerem
escolas normais de preparo do magistério secundário e, com poucas exceções,
colégios de artes liberais”.
Destacamos aqui, que a partir da década de 40 dois fatos possibilitaram a
proliferação dessas faculdades9: a expansão da rede de ensino de nível médio e a
maior aceitação da mulher no mercado de trabalho, principalmente no magistério.
OLIVE (2002, p. 36) enfatiza:
Essas faculdades disseminaram-se pelo país, sendo que, a maioria delas, não passava de um aglomerado de escolas, nas quais cada curso preparava um tipo específico de professor: de história, de matemática, de química, etc. A escassez de recursos materiais e humanos limitou esses cursos às atividades de ensino sem qualquer comprometimento com a pesquisa.
8 De acordo com SANTOS FILHO (2000, p.34) a Universidade de Berlim foi a primeira a concretizar a idéia moderna de Universidade, por intermédio do Ministro esclarecido e ilustrado do governo prussiano, Humboldt. Com esse perfil, a universidade alemã começou com uma característica fundamental de autonomia institucional. 9 De acordo com SAMPAIO (2000, p. 51) A expansão via criação de cursos voltados para a formação de professores não é aleatória e responde à confluência de três fatores: primeiro a vigência de uma legislação, a de 1931, cuja concepção de universidade se baseava na existência de um núcleo de Filosofia, Ciências e Letras em torno do qual seriam organizadas as demais escolas de formação para profissões liberais. Segundo, a existência de clientela motivada pelas novas oportunidades de acesso ao ensino superior e de carreira no magistério. Por fim, a estratégia das próprias instituições para se expandirem sem dispor de muitos recursos financeiros; esses cursos, em geral, tendem, até hoje, a funcionar baseados em recursos humanos.
31
Diante desse contexto, TEIXEIRA (1989, p.10-110) esclarece que o
desenvolvimento do ensino superior no Brasil tem dois períodos distintos: o das
grandes escolas profissionais de medicina, direito e engenharia; e o da expansão
das escolas de filosofia, ciências e letras, de economia e as outras que lhe
seguiram. Aqui reside a tradição, que hoje perdura nas universidades, da
excessiva concorrência nos exames vestibulares para os cursos de medicina,
direito e engenharia como também a banalização dos cursos da área de ciências
humanas e sociais.
SAMPAIO (2000, p.42) apresentando o contexto da nova república, a era
Vargas, recorda que,
na esteira do debate dos anos 20 em torno da criação de uma universidade para o Brasil que o governo provisório de Getúlio Vargas, tendo instituído o Ministério da Educação e saúde em 1930, promoveu ampla reforma educacional. Essa reforma, editada em 1931, dispunha sobre o que deveria ser a universidade no país.
Essa reforma destacada por Sampaio, é a Reforma Francisco Campos. A
reforma leva o nome do primeiro Ministro da Educação e se caracteriza como a
elaboração do estatuto das Universidades Brasileiras, vigente por 30 anos. Com
forte tendência centralizadora, a reforma previa a regulamentação de todo o
ensino superior, tanto público como privado, pelo governo central. É interessante
observarmos que, embora não se tivesse limitado a manter o ensino superior em
seus moldes tradicionais de escolas isoladas voltada para a formação de
profissionais liberais, tampouco pôs em prática o ideal de universidade que
mobilizara intelectuais e educadores dos anos 20.
BUARQUE (1994, p. 90) fala que nos anos entre 1930 e 1945 “os
intelectuais viveram a mesma perplexidade e ambivalência de todo o país, dividido
entre ideologias que iam do nacionalismo ao entreguismo, atravessando a heróica
luta pela democracia”. Esse período, portanto, foi marcado por fortes disputas
entre elites católicas e laicais em relação ao controle sobre a educação, em
especial sobre o ensino superior. É justamente nesse cenário de controle pelo
32
ensino superior que se consolidou o Ensino Superior Privado (SAMPAIO, 2000, p.
45-46).
Ainda em relação ao Ensino Superior Privado, SAMPAIO (2000, p.47)
afirma que existem três traços marcantes do ensino superior privado: “criação de
estabelecimentos no eixo Rio-São Paulo; concentração da oferta em cursos
voltados para as Artes (Plástica e Música), para a formação de profissionais da
Saúde e para a formação de professores de nível médio; e a predominância das
iniciativas confessionais”. A expansão centralizada é decorrente da concentração
de renda na região sudeste do país devido o fenômeno da industrialização que
eleva o salário do trabalhador.
SAMPAIO (2000) identifica e sistematiza algumas tendências na criação
dos estabelecimentos privados no período 1945-1961 que julgamos ser importante
serem destacadas, pois confluem para a análise do nosso objeto de estudo, “a
abertura indiscriminada de cursos superiores de Administração em Curitiba e
Região Metropolitana no período de 1997 a 2001”. Entendemos que podemos
utilizá-las para análise de um fenômeno historicamente construído. As principais
tendências são:
- as instituições isoladas privadas mais antigas do período 1945-1961 datam de 1951; - início de uma desconcentração regional das instituições privadas (Bahia, Minas Gerais, Paraná e Goiás); - processo de interiorização dos estabelecimentos privados nos estados de São Paulo, Rio de janeiro e Rio Grande do Sul. No estado de São Paulo, em especial, esse processo atinge sete cidades de médio porte; - duas tendências de cursos conforme o período de criação das escolas. Na primeira metade da década de 1950, os cursos que fundam as instituições privadas tendem a ser voltados para a formação de profissões liberais (Medicina, Direito, Odontologia) e na área de ciências econômicas. De 1955 a 1961, os cursos são fundamentalmente voltados para a formação de professores em faculdades de Filosofia, Ciências e Letras; em geral, essas faculdades tendem a se instalar no interior dos estados (a exceção a essa regra tem explicação geográfica: as faculdades de Medicina, Direito e Odontologia criadas a partir de 1955 mostram deslocamento na direção capital – interior) (SAMPAIO, 2000, p. 50-51).
33
Ao mesmo tempo, de acordo com OLIVE (2002, p. 37) “durante a Nova
República10, foram criadas 22 universidades federais, constituindo-se o sistema de
universidades públicas federais. Cada unidade da federação passou a contar em
suas respectivas capitais, com uma universidade pública federal”. Essa expansão
da rede federal de ensino superior desencadeou um fato curioso, entre 1945 e
1955, houve uma triplicação do número de matrículas totais no ensino superior
com diminuição relativa das matrículas privadas.
Essa redução está associada a dois processos quase simultâneos. O primeiro, de criação de universidades estaduais, reunindo institutos estaduais, federais e particulares – as universidades da Bahia e de Recife, criadas em 1946, são exemplos desse fenômeno (Mattos, 1983); e o segundo, de federalização das instituições de ensino superior. Só no ano de 1950, por exemplo, foram federalizadas além das universidades estaduais da Bahia, de Recife, Porto Alegre e Paraná, mais 24 faculdades isoladas, muitas delas privadas (Mattos, 1983);Cunha (1986). Conclui-se, portanto, que a diminuição da participação relativa das matrículas privadas nesse período de crescimento do sistema se deve, em um primeiro momento, à criação de universidades estaduais, mediante anexação de instituições privadas e, no momento subseqüente, à federalização de algumas dessas mesmas universidades e também à incorporação de instituições privadas na rede federal (Mattos, 1983). Foi nessa época também que o sistema universitário estadual se expandiu significativamente. (Schuwartzman, S. 1982).
A expressiva expansão das matrículas trouxe, como registra OLIVE (2002,
p. 37), “a mobilização dos universitários, que tiveram, na criação da UNE (União
Nacional dos Estudantes), em 1938, um elemento importante para a sua
organização”. Ao considerarmos a expansão do ensino superior deve-se ter em
vista, segundo TEIXEIRA (1986, p. 111),
que a mesma se fez ao correr das circunstâncias, sem plano de previsão, ou mesmo propósito deliberado. Além disso, não decorreu de ato legal determinado, nem refletiu o longo
10 “Nova República” é uma denominação da autora que nós compreendemos referir-se ao período de Getúlio Vargas e que sucede à República Velha (oligárquica).
34
debate educacional que se iniciou na década de 20 e não mais se irrompeu até a votação da Lei de Diretrizes e bases, em 1961. Registra-se após esta lei, uma exacerbação do ritmo de crescimento, mas o mesmo obedecia à impulsão anterior pelo aumento de oportunidade de matrículas.
Diferentemente da reforma educacional de 1931, a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, nº 4.024/61, não mais insistia em que o sistema de
ensino superior deveria organizar-se, preferencialmente, em instituições
universitárias. Lembremos aqui que juntamente com a Lei de Diretrizes e Bases,
em 1961, é fundada a Universidade de Brasília, procurando traçar, ao mesmo
tempo, uma política de ensino superior e implantar um modelo de universidade
sob forma integrada11, destinado a atender às condições da mudança social em
curso (TEIXEIRA, 1986, p.158). A Universidade de Brasília, conforme apresenta
CUNHA (2003, p. 175), foi criada no regime fundacional na expectativa que
pudesse libertar-se das amarras do serviço público federal sem perder a
característica de uma entidade pública. Todo esse processo de modernização
institucional foi apoiado, decisivamente, pelo CNPq e a Capes, agências
governamentais de existência duradoura.
Como lembra SAMPAIO (2000, p. 55), a novidade da LDB, em 1961, foi a
preocupação de regulamentar os mecanismos de expansão no ensino superior,
estabelecendo nova sistemática e três órgãos que poderiam decidir acerca da
criação de novos cursos: as universidades que gozavam de autonomia, os
Conselhos Estaduais de Educação e o Conselho Federal de Educação (CFE),
instituído por esta Lei. A descentralização do ensino superior foi a vertente
seguida na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Destacamos aqui que
“a natureza essencialmente burocrática que embasava a atuação do CFE mais
favoreceu do que cerceou a abertura de novos estabelecimentos privados e a
criação de cursos pelas instituições já existentes nos anos subseqüentes a essa
nova legislação” (SAMPAIO, 2000, p.57). 11 A UnB tinha uma característica peculiar que a distinguia das demais, havia então, por meio de vestibulares e concursos, formado um corpo de professores capazes e titulados oriundos de várias partes do Brasil. A novidade residia em uma gestão de caráter estritamente organizacional e pedagógico (...) esta universidade havia revisto as questões das cátedras, não valorando mais como vitalícias, mas sim considerando estes cargos como um grau universitário. (CUNHA;GÓES, 1985, p.81)
35
CUNHA (2004, p.801) é contundente, afirmando que, a Era Vargas foi
pródiga para com o setor privado em expansão, pois além de estabelecer
imunidade fiscal para as instituições educacionais privadas, reconheceu a primeira
universidade privada, a Católica do Rio de Janeiro.
A República Populista (1946/1965) mostrou a primeira face da ambigüidade das políticas públicas ao favorecer o crescimento do setor privado em termos de novas instituições criadas, no aumento de seu efetivo e em termos de sua agregação em universidades. Ao mesmo tempo, foi nesse período que se deu o processo de federalização de faculdades estaduais e privadas, as quais foram reunidas em universidades. (CUNHA, 2004, p.801)
TEIXEIRA (1986, p.114-115) expressa numericamente a expansão do
ensino superior no Brasil. Ele apresenta os números de instituições desde o
período imperial.
Até 1930, essa expansão, em contraste com o que sucede após, ainda é moderada e relativamente lenta (...) consideradas as escolas hoje existentes, há 24 fundadas antes de 1900, as quais são hoje todas públicas, com exceção de uma, a Escola de Engenharia da Universidade Mackenzie. Não quer isto dizer que todas tenham sido fundadas pelo poder público, mas que foram posteriormente federalizadas (...) Entre 1900 e 1910 criaram-se outras 13 escolas; de 1910 a 1920 criaram-se mais 34, e de 1920 a 1930 outras 15, sendo o total, até 1930 de 86 escolas. (...) Entre 1930 e 1945 foram criados 95 novos estabelecimentos (...) Entre 1945 e 1960 foram criados 223 (...) Entre 1960 e 1968 surgem 375 novas escolas, ficando o total em 779, com cerca de 280 mil estudantes. Entre 1930 e 1968 o número de escolas cresce nove vezes, e o de matrícula mais de 14 vezes.
Após a tomada do poder pelos militares, em 1964, as universidades
passaram a ser objeto de uma ingerência direta do governo federal. Foi afastado
um grande número de professores, principalmente da Universidade de Brasília, e
foram criadas as Assessorias de Informação nas Instituições Federais de Ensino
Superior (IFES) com a intenção de coibir as atividades de caráter “subversivo”. Na
intenção de adequar a estrutura universitária, ora ameaçadora à ordem nacional, à
36
nova estrutura política do país, gestou-se a reforma universitária, consagrada na
Lei nº 5.540, de 11 de novembro de 1968.
A Lei elaborada sob a proteção do Ato Institucional n. 5 e tendo como pano
de fundo uma combinação do Relatório Atacon12 (1966) e do Relatório Meira
Mattos13 (1968) foi instituída sob um regime político extremamente repressivo que
mantinha as universidades sob suspeita e intensa vigilância. Destinada,
inicialmente, às IFES, ultrapassou as fronteiras do sistema público federal e
atingiu as instituições privadas. (SAMPAIO, 2000; CHAUÍ, 2001; OLIVE, 2002)
Ressaltamos que a Reforma universitária de 1968 apresenta-se como um
projeto articulado e necessário à implantação e manutenção do modelo sócio-
econômico adotado pelos governos militar-autoritários. Esse modelo apontava
para a necessidade de aumentar a escolaridade do cidadão brasileiro via
ampliação do acesso ao ensino de 3º grau, com isso, o regime militar
transformava a educação superior num fator de hegemonia e de obtenção do
consenso. Havia, como aponta GERMANO apud SILVA JR. & SGUISSARDI
(2001, p.177), no entanto, um fator limitante: as verbas do país eram aplicadas
maciçamente em setores vinculados à acumulação direta de capital, sendo assim,
justifica-se a ampliação do setor privado de ensino, responsável direto pela
qualificação da mão-de-obra diplomada para atender ao mercado de trabalho
constituído pelas grandes corporações multinacionais.
Assim, o ensino superior tornou-se “uma relevante estratégia de reprodução
e ampliação da classe média, importante mercado consumidor no modelo de
desenvolvimento econômico associado ao capital internacional e fonte de
legitimidade do regime militar-autoritário”. (SILVA JR.;SGUISSARDI, 2001,p.178)
De forma sintética, SAMPAIO (2000, p.58-59) apresenta a principais
medidas da reforma:
12 Preconizava a necessidade de encarar a educação como um fenômeno quantitativo que precisava ser resolvido com máximo rendimento e mínima inversão, sendo o caminho adequado para tal fim a implantação de um sistema universitário baseado no modelo administrativo das grandes empresas. (CHAUÍ, 2001 p.47) 13 Propõe uma reforma com objetivos práticos e pragmáticos, que sejam “instrumento de aceleração do desenvolvimento, instrumento do progresso social e da expansão de oportunidades, vinculando a educação aos imperativos do progresso técnico, econômico e social do país” (CHAUÍ, 2001, p.47).
37
a) aboliu a cátedra; b)instituiu o departamento como unidade mínima de ensino e pesquisa; c) criou o sistema de institutos básicos; d) estabeleceu a organização do currículo em duas etapas – o básico e o de formação profissionalizante; e) estabeleceu o duplo sistema de democratização – um vertical, passando por departamentos, unidades e reitoria; outro horizontal, com a criação de colegiados de curso, que deveriam reunir os docentes dos diferentes departamentos e unidades responsáveis por um currículo; g) integrou escolas e institutos na estrutura universitária; h) institucionalizou a pesquisa; i) centralizou a tomada de decisão em nível dos órgãos de administração federal (Schwartzman,S, 1992; Veiga, 1985; Durham, 1993a).
CHAUÍ (2001, p.47-51) evidencia os interesses políticos que estavam por
trás da reforma:
momentaneamente convertida em problema político e social prioritário, a universidade será reformada para erradicar a possibilidade de contestação interna e externa e para atender às demandas de ascensão e prestígio sociais de uma classe média que apoiara o golpe de 64 e reclamava sua recompensa. (...) a descrição da reforma torna visíveis pelo menos dois aspectos relevantes. Em primeiro lugar, o significado da chamada massificação. Costumamos dizer que houve massificação do ensino universitário porque aumentou o número de estudantes e abaixou o nível dos cursos, rebaixamento que se deve não apenas à desproporção entre corpo docente e quantidade de alunos, mas também ao estado de degradação do ensino médio. (...) em segundo lugar, torna-se visível que a educação passou a ser um negócio do Ministério do Planejamento, muito mais do que um assunto do Ministério de Educação e cultura. Ou melhor, esse último é um mero apêndice do primeiro.
A pressão pelo aumento do número de vagas no ensino superior, exercida
pela elite que apoiou o golpe de 64, tornava-se cada vez mais forte, e logo após
1968, ocorreu uma expansão significativa do setor privado que criou diversas
faculdades isoladas, nas regiões onde havia maior demanda, ou seja, na periferia
das grandes metrópoles e nas cidades de porte médio do interior dos estados
mais desenvolvidos. Sendo assim, a explosão do ensino superior ocorreu somente
nos anos 70. Durante esta década, o número de matrículas subiu de 300.000
(1970) para um milhão e meio (1980). A concentração urbana e a exigência de
38
melhor formação para a mão-de-obra industrial e de serviços forçaram o aumento
do número de vagas e o Governo, impossibilitado de atender a esta demanda,
permitiu que o Conselho Federal de Educação aprovasse milhares de cursos
novos. Mudanças também aconteceram no exame de seleção. As provas
dissertativas e orais passaram a ser de múltipla escolha.
Esse aumento expressivo, sem adequado planejamento, resultou em uma
insuficiência de fiscalização por parte do poder público, uma queda da qualidade
de ensino e a imagem "mercantilista" e negativa da iniciativa privada, que persiste
até hoje, ao contrário do que prega a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Superior, de 1968 (Lei nº 5.540/68).
A lógica de mercado começa a nortear a abertura de instituições e cursos e
uma marcada interiorização, conforme já discutimos. Por isso, SAMPAIO (2000,
p.63) levanta o questionamento sobre “até que ponto a criação desses
estabelecimentos no interior não se deu em virtude da facilidade com que
passavam a oferecer formação superior, desencadeadores da própria demanda
local (na cidade e adjacências)”. Esse é um elemento importante para a análise do
nosso objeto de estudo, a abertura indiscriminada de cursos superiores de
Administração em Curitiba e região metropolitana no período de 1997 a 2002, pois
ainda conforme SAMPAIO (2000, p. 63) “na linguagem de mercado, o produto
oferecido gera aspiração (por diferentes atributos e valores associados a ele) que,
por sua vez, se transforma em necessidade de consumo do produto”.
Analisando o contexto temos, por um lado, a Lei possibilitando e até
incentivando a abertura de cursos e instituições, por outro, esta disponibilidade
dos cursos é percebida como um produto a ser adquirido, e dependendo da forma
como é apresentado pode gerar o desejo e a necessidade de possuí-lo. Essa
lógica de mercado e consumo perdura até os dias atuais sendo um dos elementos
que podem justificar a nova onda de expansão do ensino superior, iniciada no final
do século XX. A Lei nº 5.540/68 permitia algumas brechas, ao mesmo tempo em
que servia para referendar e legitimar as normas da casa, era acionada para
justificar as exceções nessas mesmas normas. Se as brechas legais prevaleceram
nesse período, foi em decorrência da pressão dos interesses do ensino privado;
39
respaldados, por sua vez, na pressão da demanda, a força do setor privado
mostrou-se, efeti vamente, mais eficaz nessa arena decisória. (SAMPAIO, 2000,
p.68)
De acordo com SAMPAIO (2000, p.68),
A pressão exercida pelo setor privado era impulsionada por dois fatores: a existência de uma demanda reprimida (os excedentes do sistema público) e de outra, crescente, resultante da própria ampliação da rede de segundo grau; e a expectativa de atendê-la, mobilizando recursos privados.
Na iniciativa privada, percebe-se, a partir da segunda metade da década de
1970, uma mudança gradativa da configuração no que diz respeito à natureza
institucional dos estabelecimentos que a compõe. No primeiro momento ocorre
alguns processos de fusão de escolas isoladas ou incorporação de um ou mais
estabelecimentos, transformando-os em federação de escolas ou escolas
integradas. No segundo momento, a partir do final da década de 1980, o momento
é para a transformação de escolas isoladas e/ou de federação de escolas em
universidades particulares.
Para SAMPAIO (2000, p. 77), o movimento de transformação dos
estabelecimentos isolados em universidades inscreve-se no quadro de mudanças
na legislação para o ensino superior. As instituições estão interessadas no
princípio da autonomia garantido às universidades, pela Constituição de 1988 e
pela LDB de 1996, permitindo-lhes a criação de cursos. Dispondo da prerrogativa
da autonomia, os estabelecimentos particulares podem responder, de forma mais
ágil, ao atendimento da demanda de massa por ensino superior.
Na década de noventa, inicia-se no Brasil um processo de ajustamento do
projeto político nacional à nova ordem mundial. Urge que o país passe por um
processo de modernização ou aumento da eficiência da administração pública.
Esse processo é caracterizado por uma reestruturação do Estado e,
conseqüentemente, das esferas sociais, incluindo a Educação Superior. Não é
apenas um fenômeno exclusivo do Brasil, nem dos países terceiromundistas, mas
de todos os países quando transitam do fordismo para um novo regime de
40
acumulação passam pela crise do Estado de Bem-estar social. (SILVA
JR;SGUISSARDI, 2001, p.25)
O novo modelo produtivo, segundo PAIVA & WARDE (1994, p.10) “longe de
estar apoiado sobre a demanda do emprego, indica o caminho oposto; a oferta e o
emprego em sua forma clássica ou na versão de desemprego estrutural
provocado pelo avanço tecnológico constituem elementos importantes do mesmo.”
São nítidas as tendências transnacionais da resposta política, em nível mundial, a
esse novo modo de produção. O Estado passou a ser visto não mais como
elemento equalizador que garante interesses de todas as classes, um prestador
de serviços, mas entrou num profundo desprestígio, independente do quão
eficiente tenha sido no passado ou ainda o seja. Na prática, empresas estatais
estão sendo privatizadas e abocanhadas pelo setor privado (PAIVA & WARDE,
1994, p.11).
Os ajustes estruturais e fiscais e as reformas orientadas para o mercado têm preocupado políticos e economistas dos países centrais (e periféricos) e dos organismos multilaterais – como o FMI e o BIRD/Banco Mundial – especialmente a partir dos anos oitenta. A preocupação desses organismos em relação aos países do terceiro mundo, no final dos anos 80 e início dos noventa, revelava-se em alguns eixos de sua concepção de desenvolvimento/crescimento, nos termos do chamado Consenso de Washington.
Este processo conhecido como de liberalização econômica, que nos países
do primeiro mundo, se inicia sob os governos de Thatcher (Inglaterra), Kohl
(Alemanha) e Reagan (EUA) chega ao Brasil no início dos anos noventa. Além do
incremento à integração com a economia mundial, enfatiza-se o papel do mercado
na alocação de recursos e a diminuição do papel do Estado e acena-se, como
horizonte, para um crescimento rápido, eficiente e sem os percalços dos modelos
anteriores, Maloney (1997:39) apud SILVA JR.;SGUISSARDI (2001, p.26-27). Em
poucas palavras, mas não de forma reducionista, pois aprofundaremos esta
discussão no próximo capítulo, trata-se de dois grandes eventos de natureza
político-econômica, a globalização e o neoliberalismo. Aqui, cabe-nos apenas citá-
los para situar o ensino superior no final do século XX.
41
A ânsia pela modernidade globalizada no Brasil promove a convivência do atraso com os grandes avanços científicos, na pauta estabelecida pelas elites. A pretendida reforma do Estado, destinada a torná-lo mais eficiente e “moderno”, de acordo com os cânones ‘neoliberais’, e adequados à ‘globalização’, passou a vislumbrar um modelo derivado do setor privado, cujo padrão relaciona-se à concepção gerencial de “qualidade” (VAIDERGORN, 2001, p.89)
A Reforma do Estado, impulsionada pela nova ordem mundial, e a
necessidade de inserção do Brasil na economia mundial “obrigam” (grifo nosso) a
aproximação dos setores produtivos dos centros elaboradores do conhecimento,
como por exemplo, as universidades (SILVA JR., 1996, p. 21). Ao aproximar a
Universidade dos setores produtivos, houve uma sutil transformação quanto à
natureza da Universidade, que deixa de ser Instituição social e passa à
Organização, CHAUÍ (2001, p.187) caracteriza a Instituição como aspirante à
universalidade, enquanto,
“a Organização sabe que a sua eficácia e seu desempenho dependem de sua particularidade. Isso significa que a instituição tem a sociedade como seu princípio e sua referência normativa e valorativa, enquanto a organização tem apenas a si mesma como referência, num processo de competição com outras que fixaram os mesmos objetivos particulares.
A passagem da universidade da condição de instituição à de organização
insere-se nessa mudança geral da sociedade, sob os efeitos da nova forma do
capital, e ocorreu em três etapas sucessivas, também acompanhando as
sucessivas mudanças do capital. Numa primeira etapa tornou-se universidade
FUNCIONAL14, correspondente ao “milagre econômico” nos anos 70; na segunda
universidade de RESULTADOS15, decorrente do processo conservador de
14 Período de abertura indiscriminada de cursos superiores. A universidade alterou seus currículos e programas para garantir a formação rápida dos profissionais altamente qualificados para o mercado de trabalho. 15 Muito parecida com a Universidade funcional em relação à sintonia com o mercado de trabalho, porém com uma estreita relação com as instituições privadas de ensino, ora em expansão, que se encarregavam de
42
abertura política nos anos 80; e na terceira, universidade OPERACIONAL16
associada ao neoliberalismo (CHAUÍ, 2001, p.189).
Quando, portanto, a Reforma do Estado transforma a educação de direito
em serviço e percebe a universidade como prestadora de serviços, confere um
sentido bastante determinado à idéia de autonomia universitária, e introduz o
vocabulário neoliberal para pensar o trabalho universitário, como transparente no
uso de expressões como “qualidade universitária”, “avaliação universitária” e
“flexibilização da universidade”. CHAUÍ (2001, p.182)
Essas categorias, citadas por Chauí, que caracterizam a universidade como
organização podem ser encontradas, de forma implícita, no texto da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394 aprovada em 20 de dezembro
de 1996. OLIVE (2002, p.42) explica que ,
essa nova Lei introduziu o processo regular e sistemático de avaliação dos cursos de graduação e das próprias instituições de ensino superior, condicionando seus respectivos credenciamento e recredenciamento ao desempenho mensurado por essa avaliação. Em caso de serem apontadas deficiências, ela estabelece um prazo para saná-las; caso isso não ocorra, poderá haver descredenciamento da IES.
Um aspecto relevante da política educacional do país, anterior à sansão da
LDB foi, em 1994, a extinção do Conselho Federal de Educação (CFE). Justifica-
se o ato principalmente pelo propósito de centralizar o poder decisório no próprio
Ministério, pois o Conselho tinha certa independência e por isso estaria, entre
outros aspectos, sujeito à acusações de corrupção. Em novembro de 1995 foi
criado, por meio da Lei nº 9.131, o Conselho Nacional de Educação (CNE), cujas
atribuições são de natureza, normativa, deliberativa e de assessoramento ao
ministro de estado da educação (SAMPAIO, 2000, p. 125-137).
alimentar o sonho social da classe média. Marcada por convênios entre universidades públicas e empresas privadas. 16 Por ser uma organização estava voltada para si mesma como estrutura de gestão e de arbitragem de contratos. Definida e estruturada por normas e padrões inteiramente alheios ao conhecimento e à formação intelectual. A expressão é de autoria de Michel Freitag.
43
A LDB 9.394/96 refere-se ao ensino superior em quinze artigos organizados
no capítulo IV. Algumas novidades passaram a ser possíveis, para responder
mesmo àquelas demandas que seriam próprias da inserção do Brasil no mundo
globalizado.
O modelo-padrão para universidades brasileiras passou a ser questionado, dado o intento de definição do caráter e vocação de cada uma (ensino de graduação, pesquisa de ponta, vinculação regional, etc.). Circula também com desenvoltura a proposta do economista do BID, Cláudio de Moura e castro, que agrega ao modelo atual de universidade (com ensino, pesquisa e extensão) a possibilidade de escolas superiores de formação profissional de alto nível, outras de formação técnica, e outras de formação geral, todas possibilitadas pela nova LDB. Um dos resultados é a proliferação de “Institutos Superiores de Educação”, escolas que passaram a formar rapidamente licenciados em nível superior, cuja qualidade e conseqüência para o ensino básico ainda não foram aquilatadas (VAIDERGORN, 2001, p.87).
VAIDERGORN (2001) está se referindo, acima, de forma crítica, à
organização acadêmica das instituições de ensino superior do sistema nacional
que passaram a ser classificadas em: universidades, centros universitários,
faculdades integradas, faculdades e institutos superiores ou escolas superiores.
Analisando o contexto no qual a educação superior se constituiu nos fins do
século XX, SAMPAIO (2000, p. 155) chega à seguinte conclusão,
O exame das mudanças na moldura legal que regulamenta o ensino superior no País permite acompanhar o deslocamento de ênfase nos papéis desempenhados pelo Estado em sua interação com o ensino superior em geral e com o setor privado em especial. Esse deslocamento indica o aumento do controle estatal sobre o sistema em seu conjunto e uma atitude vigilante em relação aos estabelecimentos privados. Paralelamente, verificam-se dois movimentos, ainda muito incipientes, no âmbito do Estado: o primeiro é de chamar a comunidade acadêmica para atuar como elemento de regulação do sistema, mediante o fortalecimento da participação de alguns representantes nos órgãos deliberativos como o CNE ou ainda por meio da constituição de órgãos assessores do MEC, como a comissão de especialistas de ensino; o segundo movimento
44
é fomentar os mecanismos de regulação do próprio mercado, mediante divulgação de informações sobre as condições de funcionamento e sobre a qualidade de ensino nos estabelecimentos de ensino superior. (Provão, titulação e regime de trabalho dos docentes.
Como o texto de SAMPAIO foi escrito em 2000, os movimentos aos quais
faz referência como incipientes, nos dias de hoje, já representam uma realidade,
apesar de todos os movimentos de resistências das contrapartes envolvidas com
a universidade. Verificamos, inclusive, boicotes por parte dos alunos que apenas
assinam os instrumentos de avaliação aplicados pelo MEC, nos dias atuais,
nomeado de ENADE, para mensuração da qualidade do curso. Existe também
todo um sistema de avaliação da Pós-graduação, a partir dos índices de
produtividade dos docentes e discentes, registrados na Plataforma Lattes do
Cnpq, e no preenchimento do DataCapes17 .
De fato, a desobrigação estatal para com o ensino superior, muito
claramente expressa nas legislações e práticas governamentais, acenam para
uma mercantilização desse nível de ensino, cujas raízes estão nas décadas de 60
e 70 do século XX. Inclusive, quando decidimos abordar o tema, “Abertura
indiscriminada de cursos superiores de Administração em Curitiba e Região
Metropolitana no período entre 1997 e 2002”, nos orientamos pela análise
histórica e situacional do problema, desejando enfatizar as questões políticas,
econômicas e sociais do contexto que, panoramicamente, apresentamos mas que
será aprofundada no próximo capítulo.
PINTO (2004, p.730) diante dos dados apresentados pelo INEP sobre as
estatísticas da educação superior, corrobora nossas teses e conclui que,
o modelo de expansão da educação superior adotado no Brasil, em especial a partir da Reforma Universitária de 1968 (Lei 5.540/68), em plena ditadura militar, e intensificado após a aprovação da LDB (Lei n. 9.394/96), no governo Fernando Henrique Cardoso, que teve como diretriz central a abertura do setor aos agentes do mercado, não logrou sequer resolver o problema do atendimento em níveis compatíveis
17 Relatório enviado à CAPES como instrumento de atribuição de score dos Programas de Pós-graduação Stricto Sensu nas avaliações trienais.
45
com a riqueza do país além de ter produzido uma privatização e mercantilização sem precedentes, com graves conseqüências sobre a qualidade do ensino oferecido e sobre a eqüidade.
Percebemos que o século XX foi um século de muitas transformações
sociais e educacionais. Ao contrário do século XIX, nesse século, houve uma
infinidade de leis e decretos que nortearam a construção da história da educação
superior no Brasil. Ficou claro a complexidade da trama política existente que
desencadeou as deliberações sobre as políticas da educação superior durante o
século. Como sempre, os fatos ratificaram o que a história demonstra, a educação
superior atendendo aos interesses da elite, representada pelos burgueses
industriais no início do século e pelas determinações dos órgãos internacionais
que representam o governo global no fim do século. Avançamos bastante e
construímos as bases para a Educação Superior no século XXI. Uma educação
cada vez mais em sintonia com as exigências mercadológicas e do mundo do
trabalho, ou seja, o mercado é o principal motor das transformações desde a
década de 60, conseqüentemente, percebe-se uma expansão especialmente do
setor privado da educação superior.
1.1.3 A Educação Superior do Brasil no início do século XXI
Os anos 2000 representam não só o início do século XXI, como também o
início do 3º milênio. É um período de profundas transformações e instabilidades
nas estruturas sociais construídas ao longo dos anos antecedentes. No entanto,
esse marco histórico traz consigo as influências dos padrões de cultura,
comportamento e educação, sedimentados no final do século XX e do segundo
milênio. O nosso destaque aqui é a educação superior, por isso vamos nos deter
como os sistemas de ensino superior estão se comportando na
contemporaneidade.
SANTOS (2003, p.187) situa que a universidade está cercada por uma
situação complexa: são feitas mais exigências por parte da sociedade e, ao
mesmo tempo, se tornam escassas as políticas de financiamento de suas
46
atividades por parte do Estado. Duplamente desafiada, pela sociedade e pelo
Estado, a universidade não parece preparada para defrontar os desafios, tanto
mais que estes apontam para transformações profundas e não para simples
reformas parcelares. Esse contexto é caracterizado por três crises: A crise da
hegemonia, a crise da legitimidade e a crise institucional18 (SANTOS, 2003;
SANTOS, 2004).
Em meio a estas crises e no contexto de reforma do Estado, advindo do
século XX, a universidade é intimada a reformar-se. Porém, essa reforma é
importante que seja emancipatória e democrática para que se evidencie a
globalização contra-hegemônica19 da universidade como um bem público.
O Brasil já previa esta reforma desde a Constituição de 1988 e LDB
9394/96. Era uma questão que estava latente e que só agora, início do século,
que surgem as sessões e debates junto à sociedade civil e instâncias políticas
partidárias sobre que modelo de educação queremos ter. É notório que o desenho
dessa reforma está sendo influenciado por uma lógica mercadológica, e por mais
que a sociedade civil conteste, as bases para a reforma já foram estruturadas no
século passado, conforme já discutimos. SANTOS (2004, p.27) nos lembra que
“em 2002, o Fórum EUA-OCDE concluiu que o mercado global da educação
estava a transformar numa parte significativa do comércio mundial de serviços.”
Lembra também, que “desde 2000, a transnacionalização neoliberal da
universidade ocorre sob a égide da Organização Mundial do Comércio no âmbito
do Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (GATS)” (SANTOS, 2004, p.32).
O GATS distingue quatro grandes modos de oferta transnacional de serviços universitários mercantis: oferta transfronteiriça, consiste na provisão transnacional do
18 A indução da crise institucional teve duas razões: a de reduzir a autonomia da universidade até o patamar necessário à eliminação da produção e divulgação livre do conhecimento e a de pôr a universidade ao serviço de projectos modernizadores, autoritários, abrindo ao sector privado a produção do bem público da universidade e obrigando a universidade pública a competir em condições de concorrência desleal no emergente mercado de serviços universitários. A crise da hegemonia é desencadeada pela crescente descaracterização intelectual e a crise da legitimidade pela crescente desvalorização dos diplomas universitários. (SANTOS, 2004, p-12-14) 19 A globalização contra-hegemônica é sugerida por SANTOS (2004, p.57) como sendo uma alternativa à globalização neoliberal. Aqui a idéia é manter um projeto nacional, pois só há nações na medida em que há projetos nacionais de qualificação de inserção na sociedade global.
47
serviço sem que haja movimento físico do consumidor; o consumo no estrangeiro, consiste na provisão do serviço através do movimento transnacional do consumidor; a presença comercial, consiste em o produtor privado de educação superior estabelecer sucursais no estrangeiro a fim de aí vender os seus serviços; e, finalmente, a presença de pessoas, consiste na deslocação temporária ao estrangeiro de fornecedores de serviços sediados num dado país, sejam eles professores ou pesquisadores.
A contramão desse percurso histórico está sendo trilhada pelos intelectuais
brasileiros que convergem sua produção no sentido de discutir o dilema
hamletiano que ronda a universidade como um bem público: reformar-se e/ou
render-se às exigências da mercantilização do conhecimento e da deserção do
Estado de seu papel de principal patrocinador e mantenedor da educação
superior, como apresentam os editores da Revista Educação & Sociedade que,
em outubro de 2004 lançaram um número especial, vol. 25n nº 88, cujos textos
contemplam a discussão. Lembram, no editorial, que,
Em todas as épocas, em especial, a partir da revolução burguesa, a universidade reagiu ou obedeceu às premências de seu tempo histórico. Para conformar-se às necessidades da Revolução Francesa, tornou-se profissionalizante, napoleônica. Para responder às exigências do desenvolvimento científico da Prússia, tornou-se universidade de pesquisa, humboldtiana. Para fazer frente à democratização do acesso em países de rápido desenvolvimento ao final do século XIX e início do século XX, tornou-se a universidade de massas, adotando múltiplos modelos, como ocorre, desde então, por exemplo, nos EUA. (2004, p. 647)
À primeira vista, parece-nos que os editores da revista são favoráveis aos
mecanismos de regulação da educação superior por parte do mercado, porém,
não é de forma tão reducionista que devemos analisar a questão. A reforma é
entendida como um “mal necessário”, pois faz parte da evolução histórica do
homem adequar as instituições sociais às novas demandas e contextos. Noutras
circunstâncias históricas, como já vimos ao longo do texto, o ensino superior
também se adequou ao contexto. A questão é muito mais profunda, e onde reside
48
o cerne de nossa pesquisa. Quais as bases políticas, sociais, econômicas e
culturais que, no bojo das discussões, orientam a Reforma vigente?
Ao pensarmos nesta questão, relembramos nosso problema de pesquisa,
“por que o número de cursos de Administração expandiu-se significativamente em
Curitiba e Região Metropolitana no período entre 1997 e 2002?” e, reforçamos
que, a orientação teórico-empírica escolhida para reponde-lo, parte de eixos
análogos aos de diagnóstico que TRINDADE (2001, p. 22) apresenta quando
visualiza as similitudes e as diferenças da situação universitária latino-americana
“1) contextualizar as transformações da instituição social da universidade no
tempo e no espaço; 2) analisar os processos de massificação e privatização da
educação superior; 3) avaliar a posição recente do Banco Mundial e as estratégias
neoliberais no campo da educação superior”.
Para convergir as discussões sobre a educação superior do Brasil no
século XXI, proposta por este sub item, vamos colocar de lado, pelo menos
momentaneamente, pois retomaremos no próximo capítulo, as questões
macropolíticas existentes no contexto atual e apresentar de forma pontual os
aspectos práticos dessas políticas aqui no Brasil. O primeiro, representado como
uma dimensão da “universidade na penumbra”, termo apresentado por GENTILI
(2001) apud TRINDADE (2001, p.21) “é a privatização crescente do ensino
superior. O Brasil figura como o exemplo mais perverso da hegemonia do setor
privado (2/3 do total de matrículas)”.
O crescimento da oferta privada tendeu a se beneficiar triplicemente da crise que atravessa a universidade pública: por um lado, canalizando e captando para si boa parte do aumento da demanda pela educação superior; por outro lado, desfrutando das vantagens oferecidas por administradores que, mediante regulação pseudoliberalizadora, autorizam a criação de dezenas de novas instituições, transformando a educação superior em um verdadeiro (super)mercado de títulos e cursos; finalmente, beneficiando-se, do que respeita a algumas dessas instituições, de recursos financeiros diretos ou indiretos, concedidos por governos que sistematicamente demonstram mais generosidade com o lobby empresarial que controla a educação superior privada, do que com os reclamos da comunidade acadêmica que atua nas
49
instituições públicas (GENTILI (2000) apud GENTILI (2001, p.99)
O segundo aspecto é a educação superior aligeirada via realização das
novas modalidades de cursos apresentadas pela LDB 9.394/96. Esses cursos, em
nível de graduação, na modalidade seqüencial, estão sendo proliferados pelo país
a partir da interpretação do encurtamento do tempo de escolarização. Claro que, a
demanda existe justamente porque, dentro da cultura brasileira existe um certo
traço de imediatismo, sendo assim, o jovem candidato, por um simples exercício
matemático, contabiliza que em dois anos poderá ter um certificado equiparado ao
diploma de graduação e por um custo reduzido. O interessante é que não apenas
na graduação, mas na pós-graduação, também está existindo uma crescente
banalização dos cursos Lato Sensu que estão sendo comercializados à la carte .
O terceiro aspecto surge com a regulamentação da Educação à distância
para os níveis de graduação e pós-graduação. Mascates da educação e grandes
grupos de capital estrangeiro estão, com a assessoria de intelectuais renomados
do país, estruturando seus projetos, assessorados, encaminhando-os ao MEC, e
recebendo autorização para o funcionamento. É o filão do momento. E várias são
as tecnologias utilizadas, desde os equipamentos de videoconferência,
teleconferências, fitas VHS gravadas e reproduzidas por centenas de telessalas, e
apostilas e materiais instrucionais.
MORAN (2002, p.252) alerta que,
O panorama atual é muito dinâmico. Há uma efervescência de projetos em todas as áreas, níveis e mercados. As empresas estão buscando processos de capacitação contínua, fazendo parcerias com as melhores universidades. As Secretarias de Educação também procuram estas instituições superiores para convênios e cursos. Os 40 mil alunos matriculados em educação superior à distância (graduação) e o potencial de alunos que pretende inscrever-se em novos cursos fazem prever o rápido crescimento das instituições mais competentes.
Enfim, é uma oportunidade mercadológica que dependendo da forma como
é desenvolvida transfere o controle da qualidade para o mercado conforme a fala
50
de um diretor de umas dessas instituições emergentes em entrevista para o jornal
Nota 10 – edição de maio de 2005, uma publicação distribuída pelas instituições
de ensino do Paraná, “As instituições, então, têm que se preocupar com a
qualidade desse profissional, o ‘produto final’ (grifo nosso) é o objeto de maior
interesse e atenção no sistema de EAD. Aí o ‘mercado’ (grifo nosso) vai dizer, no
futuro, se esse profissional saiu bem capacitado ou não.” Nota-se, claramente, na
fala do diretor da instituição a impregnação da lógica de livre concorrência e
regulação da qualidade da educação por fatores externos à instituição.
Neste capítulo, reconstruímos, de forma pontual a história e evolução da
educação superior do Brasil desde o século XIX ao vigente século XXI. Vimos que
a evolução do pensamento científico e social orientou a reforma do Estado sob a
égide do pensamento Moderno; entendo moderno no sentido do progresso
emancipatório, conforme apresenta THAYER (2002, p. 140). Contudo, o contexto
atual é permeado da idéia de modernização, entenda-se como a transição de uma
modernidade ideológica e reflexiva a uma modernidade sem ideologia.
A modernização anula toda ilusão moderna e nos instala na lucidez ou na cegueira da facticidade (...) se o que globalmente acontece na atualidade recebe o nome de “capitalismo avançado”, “sociedade pós-industrial”, “capitalismo mundial integrado” etc., este capitalismo não seria mais uma ideologia. O característico do capitalismo, na sociedade contemporânea, é sua des-transcendentalização, sua facticidade pré-discursiva, sua possibilidade de funcionar tecnicamente sem reflexividade, ou seja, tecnologicamente (THAYER, 2002, p.142).
Em nenhum momento nossa intenção foi reducionista ou meramente
factícia. A ênfase foi dada aos elementos dessa história que estão contribuindo
para o entendimento do nosso problema de pesquisa. A seguir, retomaremos as
questões do macro-ambiente de ordem política, econômica e social e suas
implicações nas políticas da educação superior.
51
CAPÍTULO II – O CENÁRIO POLÍTICO-ECONÔMICO-SOCIAL E SUAS
IMPLICAÇÕES NAS POLÍTICAS CONTEMPORÂNEAS DA EDUCAÇÃO
SUPERIOR
A análise do fenômeno de expansão da educação superior,
especificamente a abertura indiscriminada de cursos, transitará pela
caracterização do contexto macroeconômico, político e social, e suas implicações
no contexto micro, neste caso, o Brasil. Não se pode entender um fenômeno
dessa natureza apenas olhando para dentro da nossa casa. Existe uma trama
internacional decorrente, entre outros aspectos, do fenômeno da globalização, que
pressiona os países emergentes, como o Brasil, a adotarem recomendações
emanadas de órgãos internacionais para a elaboração das políticas de
desenvolvimento e, ao pô-las em prática, esses países se sentem incluídos, ou
membros de uma comunidade global.
Não se pode negar, também, a permeabilidade do neoliberalismo nas
políticas públicas do nosso país. A partir do entendimento do que significa o
neoliberalismo e quais os seus princípios, caminharemos na busca da
identificação dos elementos neoliberais implícitos, e até mesmo explícitos, no
fenômeno de expansão, via privatização e incentivos à iniciativa privada, da
educação superior que, via de regra, pode ser comparada, nos dias de hoje, a um
varejão.
O período no qual o nosso problema de pesquisa é contextualizado foi
marcado por dois fatos muito importantes que o influenciaram, a partir de 1997
entrou em vigor a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDBEN
9.394/96 e no ano de 1998, aconteceu, em Paris, a Conferência Mundial sobre o
Ensino Superior.
2.1 NEOLIBERALISMO E EDUCAÇÃO
Apesar de ser um tema bastante discutido em livros, revistas, congressos e
publicações acadêmicas, e aparentemente estar esgotado devido às discussões
promovidas nos espaços públicos da sociedade organizada, sentimo-nos
52
provocados a resgatar alguns conceitos e reflexões históricas que giram em torno
do neoliberalismo. À primeira vista, o neoliberalismo nos soa como algo banal e
sua análise como pertencente ao discurso esquerdista. Todavia, cabe-nos, como
intelectuais, e ainda mais por estarmos construindo um trabalho acadêmico,
resgatarmos os princípios e a lógica que o regem.
Neste primeiro momento, decidimos apresentar os fundamentos históricos e
os princípios norteadores do neoliberalismo que contribuem com a discussão do
nosso problema de pesquisa, isto posto, estaremos explicitando a impregnação
destes princípios nas políticas da educação superior no Brasil. É importante que
destaquemos os aspectos históricos para não cairmos num discurso arenoso ou
até mesmo panfletário que busca, e encontra, culpados pela atual situação da
educação brasileira, esquecendo da conjuntura e dos grupos legitimadores na
esfera social. Pretendemos não utilizar categorias de análise reducionistas e/ou
céticas extremistas. Isso não quer dizer que iremos poupar a apresentação dos
responsáveis políticos quando assim fizer necessário. Temos consciência que os
conceitos aqui abordados poderiam estar mais bem delineados, mas não o
fizemos para não nos estendermos e fugirmos do nosso objeto.
Para iniciarmos, destacamos a evolução político-econômica do Estado
ocidental, a partir do século XIX, em três marcos históricos, a saber: o Estado
Liberal (liberalismo), o Estado Social (bem-estar social) e o Estado Neoliberal
(neoliberalismo). Estas conceituações de Estado não negam a preeminência de
determinadas classes sociais durante certo período, nem as diferenças entre
regimes políticos e dão conta de articulações fundamentais: o tipo de vínculo entre
Estado e economia e as relações entre Estado e classes sociais através de
diferentes instituições TOLEDO (2002, p. 71).
Segundo TOLEDO, (2002, p. 74-75),
O Estado Liberal caracteriza-se, principalmente, pela separação entre Estado e economia e pela tentativa de reduzir a política à chamada sociedade política, isto é, por
53
tentar despolitizar as relações econômicas e sociais. O liberalismo como teoria constitui-se dos seguintes elementos: a) Individualismo (a sociedade é a soma das ações individuais, parafraseando Adam Smith, ‘O homem deixado à sua iniciativa, ao dar seguimento ao seu próprio interesse (egoísta) promove o dos demais’); b) Naturalismo (o homem se caracteriza por ser proprietário e livre; o homem é proprietário da sua pessoa e de suas capacidades, pelo menos, e, portanto, a sociedade seria um conjunto de relações individuais entre proprietários); c) Progresso (herança do iluminismo, a confiança nas capacidades neutras da ciência em sinalizar caminhos naturais de progresso). O liberalismo, em meio às lutas sociais e políticas no final do século XIX e início do século XX, fracassa por não ser capaz de sustentar o crescimento econômico sem grandes crises, assim como de garantir a ordem social.
O fracasso do liberalismo obrigou a uma mudança de rumos em direção ao
Estado Social, que surgiu em torno dos anos 20, no século XX, e predominou até
a década de 70. O Estado Social baseava-se nas seguintes orientações: 1)
redefinição das relações clássicas entre sociedade civil e política, a politização das
relações civis por meio da intervenção do Estado na economia e das corporações
na política econômica, e um processo de “civilização” das relações políticas (pela
importância da planificação nas decisões políticas); 2) a legalização da classe
operária e de suas organizações, institucionalizando uma parte dos conflitos
interclasses; 3) O Estado é, em parte um investidor econômico, em parte
regulador da economia e dos conflitos, mas também Estado benfeitor que procura
conciliar crescimento econômico com legitimidade da ordem social (TOLEDO,
2002, p. 75-76).
A crise do Estado Social acontece justificada por vários aspectos, dentre
eles o gasto não inflacionário do Estado, a inflação das demandas e das proteções
aos trabalhadores, a crise de produtividade gerando desemprego entre outros
aspectos de ordem econômico-social. O Estado social então começa a decompor-
se desde os anos 70 subvertendo-se ao neoliberalismo (TOLEDO, 2002, p.76-77).
54
Embora as origens do neoliberalismo possam ser identificadas desde antes, sua afirmação concreta ocorreu na virada da década de 70 para a de 80. A eleição dos governos conservadores de Margaret Thatcher na Inglaterra em 1979 e de Ronald Reagan em 1981 confirmam essa afirmação. Durante toda a década de 80, assistiu-se a uma enorme expansão desse tipo de perspectiva por causa da revitalização do liberalismo como reação político-ideológica à crise dos anos 70, na ineficácia do Estado em controlar essa crise, da funcionalidade e adequação do neoliberalismo para a classe dominante e, evidentemente, da derrocada do socialismo real (Carcanholo, 2002, p. 16).
A sociedade reduz-se as ações dos indivíduos, mas estas em vez de serem
racionais, com o pressuposto conhecimento total dos liberais clássicos, são
subjetivas, no sentido de terem diversas motivações e não seriam previsíveis para
um observador externo. O mercado aparece como aquele que sanciona finalmente
as ações eficientes de atores subjetivos com conhecimentos imperfeitos e guiados
não necessariamente pela otimização. Existe um emaranhado de posições
teóricas sobre o neoliberalismo, muitas vezes não coincidentes. TOLEDO (2002,
p.79-81) elenca algumas características políticas, econômicas e ideológicas dos
Estados neoliberais: 1) superioridade do livre mercado; 2) individualismo
metodológico; contradições entre liberdade e igualdade; 4) conceito abstrato de
liberdade (traduzindo-se nas privatizações e desregulamentação estatal).
O neoliberalismo tem procurado converter-se em senso comum: o antiestatismo espontâneo do povo é reforçado pela idéia de um Estado causador da crise; Estado que, para proporcionar previdência social, cobra altos impostos; Estado que alimenta uma grande burocracia ineficiente e Estado que tem protegido exageradamente os trabalhadores sindicalizados. (TOLEDO, 2002, p. 81)
Em suma, aparentemente intensificou-se a relação entre os países tanto no
que se refere ao setor produtivo quanto aos fluxos comerciais e financeiros. Nesse
sentido, a desregulamentação dos mercados e a desobstrução do comércio
internacional e da entrada de capitais afirmam-se como diretrizes de política que
55
podem garantir a inserção das diferentes nações no novo contexto de globalização
(CARCANHOLO, 2002 p.16).
Como forma de intensificar e estreitar a relação entre os países da América
Latina, assim como orientá-los no tocante às modificações da estrutura do estado
para adequação ao novo modelo de nação exigido pelo contexto político-
econômico, em novembro de 1989 realizou-se uma reunião entre membros dos
organismos de financiamento internacional (FMI, BID, Banco Mundial),
funcionários do governo americano e economistas latino-americanos. O objetivo
era avaliar as reformas econômicas empreendidas na América Latina. Suas
conclusões ficaram conhecidas como “Consenso de Washington”. As avaliações e
conclusões da reunião evidenciam o seu caráter neoliberal. As recomendações
feitas abrangem dez áreas: disciplina fiscal, priorização dos gastos públicos,
reforma tributária, liberalização financeira, regime cambial, liberalização comercial,
investimento direto estrangeiro, privatização, desregulação e propriedade
intelectual. (CARCANHOLO, 2002, p.25)
O atendimento às recomendações, por parte dos países, significou a
elaboração de políticas públicas nas áreas sociais, sinalizando um estreito
relacionamento com esses órgãos supracitados que compõem o chamado
governo global sendo garantia de concessões e subsídios financeiros. Além do
mais, há o despertar de um sentimento de inclusão por parte dos países quando
atendem às recomendações desses órgãos internacionais.
Muitos países dependem da ajuda externa para o desenvolvimento das políticas de seus governos, motivo pelo qual recebem orientações dessas agências20, inúmeras vezes colocadas como condição para o repasse de recursos. Quanto maior for o grau de dependência do país, obviamente mais incisivas serão as diretrizes, entre as quais constam também as que se referem às universidades (MICHELLOTTO, 2003, p. 155).
20 Entenda-se aqui essas agências como sendo: Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional e Organização Mundial do Comércio (OMC).
56
Para analisar a orientação das políticas educacionais dentro do modelo
neoliberal, devemos considerar dois aspectos: as tendências teóricas coincidentes
com essa concepção social e as políticas para a educação desenvolvidas pelo
governo como parte das políticas sociais, que se refletem nas características e
funções propostas para o sistema educativo (BIANCHETTI, 2002, p.93).
Entre as teorias coincidentes com a filosofia neoliberal, identificamos a
“Teoria do Capital Humano”21, que incorpora em seus fundamentos a lógica do
mercado e a função da escola se reduz à formação dos “recursos humanos” para
a estrutura de produção, sendo assim, a articulação do sistema educativo com o
sistema produtivo deve ser necessária; e a “Teoria das Decisões Públicas”, que
não se interessa, por princípio, na solução mais justa, ou melhor: por um lado, se
preocupa com a organização do aparelho de produção dos bens públicos; por
outro, com o sistema de pressão, sanção e recompensa que determinam o
comportamento dos agentes que concorrem à produção dos “bens públicos”.
Estes dois aspectos se encontram intimamente relacionados, mas, no caso
do primeiro, destacamos que a hegemonia de determinadas concepções de
grupos que não estão diretamente representados no governo pode ser um
obstáculo para a efetivação de determinados objetivos de quem exerce o governo.
No caso do segundo, a estrutura formal do sistema educativo pode ser modificada,
dentro da concepção política dominante, com a intenção de favorecer seus
projetos políticos, mesmo sem conseguir modificar a tendência hegemônica.(95)
Em relação à Teoria do Capital Humano, SANTOMÉ (2003, p. 148) diz que
na verdade responde a explicações individualistas da conduta humana, no sentido
de fazer com que cada pessoa seja responsável por suas possibilidades no
mercado de trabalho. É uma concepção de capital que inculca nas pessoas a idéia
de que como “proprietárias” do conhecimento estão situadas no mesmo nível que
os capitalistas proprietários dos meios de produção. Sendo assim, algumas
possuem capital cultural e, outras, capital econômico. Essa concepção é utilizada
21 Teoria desenvolvida por Theodore W. Schultz apresentada no livro Investiment in Human Capital (The role of education and of research), 1ª ed. 1971, cuja versão em português, O capital humano: investimentos em educação e pesquisa, é traduzida em 1973, pela Editora Gahar, do Rio de janeiro.
57
por FRIEDAMAN (1966) citado por SANTOMÈ (2003, p. 148) para definir o ensino
superior.
Ele (Friedman) equipara o investimento na educação ao investimento em maquinaria e instalações. Ambos os investimentos pretendem aumentar a produção econômica. Dependendo da contribuição de capital cultural realizado por cada trabalhador ou trabalhadora à empresa, assim será sua recompensa econômica. Assim como os proprietários dos meios de produção obtém benefícios com seus investimentos, cada trabalhador ou trabalhadora obteria benefícios equiparáveis de acordo com as contribuições de capital cultural que fizer. O nível de formação alcançado por cada pessoa estaria claramente relacionado aos níveis de produtividade da empresa em que investir seus conhecimentos e habilidades. Quanto maior a formação recebida, maiores a produtividade e os benefícios econômicos.
Para os neoliberais, de acordo com BIANCHETTI (2002, p. 112) “as
inversões das empresas em determinadas áreas produtivas impulsionarão a
demanda de recursos humanos que serão providos pelas empresas educativas,
as quais competirão entre si sobre a base da qualidade dos produtos oferecidos.”
Nesse sentido, as políticas educativas que surgem do modelo neoliberal
respeitam a lógica econômica promovendo a idéia de um Estado subsidiário. O
interesse empresarial em melhorar suas condições de produção leva as empresas
a investir em investigação, garantindo o nível competitivo do desenvolvimento
tecnológico em relação aos países mais avançados. As universidades seriam as
instituições favorecidas por esta política e os estudantes poderiam pagar seus
estudos mediante convênios com as empresas privadas interessadas em criar
esses profissionais.
Dessa lógica econômica também procedem as propostas
descentralizadoras que tendem a delegar a responsabilidade da educação aos
âmbitos estaduais e municipais, pois os grandes sistemas são percebidos como
burocráticos e ineficientes para se adaptarem às mudanças dinâmicas da
demanda social e requerem, além disso, uma planificação centralizada que se
58
contradiz com o mercado (BIANCHETTI, 2002, p. 112 -113). Esse tipo de
descentralização para SANTOMÉ (2003, p. 41) materializa-se em torno de quatro
medidas: a) delegação de poderes e funções; b) desregulamentação; c)
deszonificação; d) escolaridade competitiva.
É notório que estas medidas já podem ser interpretadas como reflexo, ou
quem sabe, operacionalização das recomendações do Consenso de Washington.
Retomando o cenário no qual se situa o nosso problema de pesquisa, é
importante perceber cada umas dessas quatro medidas na prática quando o
analisamos. O processo de expansão do ensino superior via privatização; o
desenvolvimento de mecanismos de avaliação e rancking das instituições de
acordo com os resultados dessas avaliações cuja justificativa é o controle da
qualidade; a criação das novas modalidades de IES, como por exemplo, os
Institutos Superiores e os Centros Universitários; os programas de financiamento
estudantil através do sistema de bolsas de estudos em instituições privadas.
Para LAUGLO (1997, p.23) citado por SOUZA (2003, p. 21) a
descentralização é a principal ferramenta apresentada pelo Banco Mundial para a
implantação das reformas educacionais que ele julga necessárias. Assim, o texto
sobre prioridades e estratégias do Banco “postula menos burocracia estatal na
educação e mais flexibilidade local”. O que leva à apresentação de um modelo de
descentralização para os países latino-americanos e do Caribe:
(...) deve haver mais privatização (e, assim, mais competição entre as escolas; mais gerenciamento por objetivos e uso de indicadores de desempenho; mais controle pelos usuários (...) Dentro das escolas, essas reformas seriam mais exigentes quanto a habilidades de gerenciamento e dariam mais poder aos diretores (...) tais reformas também colocariam mais poder aos diretores. (...) tais reformas também colocariam mais pressão sobre os professores (LAUGLO, 1997, p. 24 apud SOUZA, 2003, p. 21)
59
Esta concepção do Banco advém, em grande parte, da cultura própria do
mercado financeiro internacional, para quem os sujeitos da educação, professores
e alunos, especialmente, são insumos (aqueles) ou clientes (estes), e numa lógica
bastante influenciada pela Teoria do Capital Humano, relacionando o
financiamento da educação com o retorno possível na produtividade no mundo do
trabalho (SOUZA (2003, p. 21). CORAGGIO (1998) apud CRUZ (2003, p. 68)
também acredita que “a transferência da lógica do mercado para as relações
educacionais remete ao entendimento da escola como empresa, dos alunos e pais
enquanto consumidores e da aprendizagem como produto, relegando os demais
aspectos da realidade educacional”
Se nos modelos do Estado do Bem-estar, a Administração de ensino
desempenha um papel importante em prol das pessoas mais desfavorecidas, nos
modelos de mercado esses grupos sociais ficam desprotegidos e, portanto, corre-
se o risco de aumentar ainda mais os seus níveis de exclusão. O mercado
acentuará ainda mais os seus problemas (SANTOMÉ, 2002, p. 97). Contudo, é
interessante observar que as representatividades políticas criam artifícios para
minimizar essa exclusão como o próprio SANTOMÉ (2002, p. 133) apresenta,
‘uma política que estimule uma admissão seletiva de estudantes, em função de sua origem social e econômica, é um sintoma claro de uma sociedade em que a desigualdade e a injustiça são percebidas como algo ‘natural’, como uma característica típica de todas as sociedades, não como resultado dos modos de funcionamento que regem essa comunidade’.
Esta já é uma realidade no ensino superior vista na política de cotas para
afrodescendentes, indígenas e alunos oriundos da escola pública que as
instituições de ensino superior públicas estão adotando. Por um lado é uma
legalização do que já é legítimo, a clivagem social, por outro, é importante que
analisemos se estas políticas não são realmente necessárias para causar um mal
estar dentro da academia, decorrente das diferenças sociais, ideológicas e
60
econômicas, e assim, iniciar um debate sobre a qualidade da educação nos
parâmetros da garantia do acesso e permanência, e não sob a lógica do mercado.
Até aqui discutimos historicamente como o Estado se transformou num
“estado mínimo”, dentro de um projeto político-econômico neoliberal, suas
implicações no design das políticas públicas sociais dos países latinoamericanos e
como é que estas políticas estão sendo postas em prática. Agora, vamos discutir
mais diretamente as influências do neoliberalismo na Educação Superior. O
objetivo é explicitar a influência da concepção neoliberal de Estado a expansão
das instituições de educação superior no Brasil e a multiplicação indiscriminada de
cursos.
2.1.1 As influências neoliberais na Educação Superior
O fenômeno de expansão do ensino superior ocorrido, mais evidentemente,
após a década de 1990, é uma das ações da reforma educacional de grande
proporção executada sob direção do projeto hegemônico neoliberal. Esta ótica é
reveladora do caráter excludente e privatista deste projeto mais amplo para a
educação nacional.
Este fenômeno ocorreu outrora, no período da ditadura militar como vimos
no capítulo anterior, porém em proporções menores e com foco nas instituições
públicas. A expansão, segundo PEIXOTO,
foi movida por dois principais eixos: por uma inclusão de setores médios da população no ensino superior mediante aumento das IES públicas, com a criação de inúmeras federais e de algumas estaduais, que passaram a compor o núcleo central da expansão universitária, criando um sistema nacional universitário e, também, por um crescimento do ensino privado cujas características foram demarcadas sobretudo pela existência de faculdades isoladas e centros universitários/faculdades integradas, sendo poucas as universidades privadas, se as compararmos com os dados atuais. (PEIXOTO, 2002, p. 178)
61
A estrutura universitária do período da ditadura militar era extremamente
antidemocrática, tinha como orientação um crescimento programado, tanto do
ponto de vista dos cursos a serem oferecidos como dos currículos de orientação
mínima. O modelo universitário da época foi desenhado a partir da reforma
universitária sustentada pelos acordos MEC/USAID. Percebemos que desde então
o modelo universitário era orientado por acordos estabelecidos com órgãos
internacionais e as políticas educacionais visavam atender aos interesses desses
órgãos que subsidiavam o desenvolvimento nacional.
Não se pode negar que os militares também possuíam grande afinidade
com os empresários da educação como discorrido por CUNHA (2004, p. 802),
Durante as duas décadas da ditadura (1964/1985), as afinidades políticas dos empresários do ensino com os governos militares abriram caminho para sua representação majoritária (quando não exclusiva) nos conselhos de educação, inclusive no federal. Tornando-se maioria, eles passaram a legislar em causa própria. Os resultados foram expressos em cifras estatísticas e financeiras. Impulsionados pela demanda de vagas, pelo freio na velocidade de expansão das redes públicas de ensino e, especialmente pelas normas facilitadoras, as instituições privadas de ensino multiplicaram-se em número e cresceram em tamanho. Em qualquer capital de estado e até mesmo nas cidades médias do interior, pequenos ginásios e cursinho pré-vestibular acumularam capital, alunos pagantes e níveis de ensino. Alguns ganharam até o status de universidade. Mais recentemente, as instituições privadas de ensino ingressaram no lucrativo esquema de multiplicação espacial – as universidades “multicampus”, dentro das áreas metropolitanas e em mais de um estado.
A expansão do ensino superior que presenciamos atualmente ocorre numa
nova lógica e numa nova orientação política, porém também é ditada por acordos
multinacionais e órgãos internacionais que regulam o desenvolvimento dos países
de economia emergente. Sob a determinação do Banco Mundial, vêm se
modulando tanto a estrutura como a função dos vários níveis e modalidades da
educação no Brasil – da educação infantil à pós-graduação.
62
Das orientações gerais do Banco Mundial é possível depreender a prescrição de políticas educacionais que induzem as reformas concernentes ao ideário neoliberal, cuja ótica de racionalização do campo educativo deveria acompanhar a lógica do campo econômico, sobretudo, a partir da adoção de programas de ajuste estrutural (DOURADO, 2002, p. 239-240)
Sutilmente, as orientações para a expansão do ensino superior no Brasil
foram sendo incorporadas à legislação como aponta PEIXOTO (2002, p. 179), “a
constituição aprovada em 1988 abriu um enorme flanco no artigo 213 que permite
a concessão de verbas públicas para as escolas confessionais, comunitárias e
filantrópicas”. A partir de então a educação é colocada como uma mercadoria que
passa a ser regulamentada pelo mercado, os estudantes na situação de clientes, e
o código do consumidor como um importante instrumento legal na compra e venda
da educação.
GOMES (2002, p. 293) pontua que,
A nova economia de coordenação e controle demonstra que o projeto do governo para o ensino superior combina 1) a definição de um Estado forte possuidor de enorme potência de intervenção e monitoramento das instituições de ensino superior com 2) uma política de profunda liberalização e autonomização das instituições privadas de ensino superior. Esses dois aspectos do projeto governista já se encontram em avançado estágio de implementação.
O mercado passa a ser o grande regulador e moderador dos serviços
oferecidos à sociedade e o Estado aos poucos vai se isentando das
responsabilidades assumidas ao longo do desenvolvimento do Estado de Bem–
estar social. Essa trama político-econômica perpassa pelo novo modelo de
organização da sociedade humana: o neoliberalismo, um modelo gestado a partir
das transformações ocorridas mundialmente nas últimas três décadas no campo
geo-político, econômico e social, e que nada mais é que uma nova fase do
capitalismo.
Os ideais iluministas e liberalistas advogavam a livre iniciativa na produção
de bens materiais, a livre concorrência e a não interferência do Estado na
63
economia. A inexistência de uma instância reguladora do mercado provocou o
surgimento de inúmeras crises no próprio sistema capitalista. Duas grandes crises
marcam este momento, a crise de 1914 e a de 1929.
O sistema ameaçado de um colapso faz surgir o Estado de Bem-Estar
Social, caracterizado por um Estado forte e regulador da produção e das leis do
mercado como também um Estado empresário cujo objetivo é proteger e sustentar
o capitalismo. Além de intervir na dinâmica de funcionamento da economia,
permitindo sua regulação, de acordo com SANTOS (1998, p. 74), “o Estado
Benfeitor possibilitou, em alguns países (principalmente na Europa Central), a
oferta de serviços públicos como saúde, habitação, previdência, educação, a
garantia do emprego e uma conseqüente redistribuição de renda”. Com isso, a
reconstrução européia do pós-guerra se realizou com uma forte presença do
Estado, não como um mero árbitro, mas sim como um planificador e orientador
dos recursos.
Uma certa contradição foi entendida no modelo de Estado Benfeitor.
BIANCHETTI destaca:
(...) a participação do Estado na economia política havia servido para desenvolver o processo de acumulação, favorecendo distintos grupos econômicos mediante a utilização de recursos públicos canalizados como subsídios ou através da criação de infra-estrutura básica para as inversões privadas. Por outro lado, a organização dos trabalhadores e suas lutas haviam obtido conquistas que significavam uma proteção diante das características das relações sociais geradas pelo modo de produção capitalista. (BIANCHETTI, 2001, p.106)
Durante a década de 70, novos surtos de crises no sistema capitalista,
provocadas pelo fenômeno da estagflação22 mostraram que a ação reguladora do
Estado de Bem-Estar Social não era suficiente para conter as cíclicas crises do
capitalismo e que o Estado não deveria desempenhar funções assistencialistas.
Como reação a este surto, em meados da década de 70, um movimento político-
22 Estagnação econômica com inflação considerada pelos neoliberais como resultado de excesso de oferta monetária, de impostos e de regulações do mercado.
64
econômico heterogêneo surge nos países capitalistas desenvolvidos e cuja
proposta econômica significa o retorno aos princípios ortodoxos do liberalismo, ou
seja, às propostas da economia clássica como única alternativa de superação da
crise pela qual passavam essas sociedades. Esse movimento é chamado de
neoliberalismo (BIANCHETTI, 2001, p.21).
De acordo com SANTOS,
O neoliberalismo, enquanto sistema político-econômico, começou então a ser implementado no limiar dos anos 80 na Inglaterra, sob o comando de Margareth Tatcher, e, nos Estados Unidos, com Ronald Reagan, como resposta à persistência das crises estruturais capitalistas e aos novos parâmetros estabelecidos pela revolução tecnológica. (...) enquanto prática política, a tese neoliberal não é tão recente assim, data dos anos 40. Friederich Hayek, Milton Friedman e Karl Popper, entre outros foram os pioneiros da teoria neoliberal. Para os neoliberais, o Estado não deve desempenhar funções assistencialistas (...) é a sociedade civil que deve buscar novas formas de resolver seus problemas. Assim, o neoliberalismo representa um retorno ao liberalismo clássico (...) dessa forma, o neoliberalismo seria fruto de uma evolução natural das circunstâncias conjunturais na atualidade do capitalismo econômico. (SANTOS, 1998, p. 74)
Fazendo uma relação direta com a educação superior é possível dizer que,
a partir de 1979, Thatcher impôs às universidades inglesas um regime de profundas mudanças, em coerência com as reformas estruturais imprimidas pelo governo conservador. A educação superior viu-se obrigada a ganhar competitividade, aumentar sua eficiência e integrar-se aos processos de mundialização econômica, baseados, sobretudo, no padrão técnico-informático. (DIAS SOBRINHO, 2003, p. 176)
Para o neoliberalismo, o Estado de Benfeitor torna-se um peso, e por isso
deve ser descartado, desmanchado, propondo-se em seu lugar o Estado Mínimo.
O ideário do Estado Mínimo tem como fundamento o abandono do peso, ou seja,
as atividades econômicas passam para a iniciativa privada, a regulação das
mesmas para o mercado, e as responsabilidades sociais para os indivíduos.
65
BIANCHETTI (2001, p.31) é bem claro quando diz que “o modelo de Estado
Benfeitor é considerado pelos neoliberais um intento socialista dentro das
estruturas do capitalismo”, portanto, o modelo neoliberalista como destaca
SANTOS (1998, p. 75) “não é uma evolução natural e espontânea do modo de
produção capitalista, mas uma alternativa encontrada e desenvolvida pelas forças
políticas dominantes como forma de barrar o crescimento do socialismo”.
Aos poucos, o Estado-Nação, característico dos primórdios do capitalismo,
entra em crise e se enfraquece. Há o surgimento de uma nova realidade,
denominada “sociedade global”, que para PAIVA & WARDE (1994, p. 10) esse
momento histórico é decorrente da planetarização, o Estado-Nação entra em
declínio como realidade e conceito.
Para GOERGEN (s/d, p. 61), “o estado encontra-se em crise de
desestruturação que o afeta em suas várias facetas, sua localização no nacional,
sua estrutura legal, suas formas de ação através da ideologia e da repressão”.
SANTOS (1998, p.76) reconhece que, “assiste-se a uma interpenetração
econômica através das fronteiras , nos processos de produção e comercialização,
com a dominância do capital financeiro internacional: é a globalização da
economia.”
Estabelece-se uma relação complexa entre globalidade, nacionalidade e localidade. A soberania das nações, cuja identidade era garantida pelo Estado nacional, enquanto sujeito e princípio articulador, desvanece-se num capitalismo multinacional e transterritorial. O poder econômico migrou do Estado nacional para invisíveis centros econômicos transnacionais e des-localizados. (...) a facticidade econômica não é mais determinada pelo Estado nacional, mas pelos interesses de centros econômicos transnacionais. Assim, o processo de reforma do estado o transforma de agente de promoção do bem estar social em promotor de transformações econômico-sociais que permitam a adaptação dos países ao novo padrão de desenvolvimento no interior do reordenamento mundial que tem na globalização o seu principal balizamento. (GOERGEN, s/d p. 60)
66
Aos poucos, movido pela nova lógica e racionalidade, o Estado vai
transferindo para o setor privado as responsabilidades com as políticas públicas,
inclusive as educacionais, isentando-se das responsabilidades sociais. Cabe
destacar que, a ideologia neoliberal compõe-se de duas facetas que atuam
dialeticamente, uma econômica representando a base infraestrutural e outra
cultural que se refere ao mundo simbólico sendo a superestrutura.
Vemos a consubstanciação da infra-estrutura neoliberal na política de desmonte do Estado de Bem-Estar e de sugestão do Estado Mínimo, bem como na política de globalização da economia, referendado por acordos internacional. O objetivo é obter maior produção com menor custo possível e, para isso, se promove: a modernização dos métodos de produção, através do emprego de novas tecnologias; a flexibilização da gestão e organização do trabalho; a demissão em massa de funcionários; a qualificação dos profissionais que ficam (qualidade total e reengenharia); o enfraquecimento das organizações sociais, etc. À faceta cultural do neoliberalismo correspondem as mudanças ocorridas no mundo cultural, no mundo do conhecimento, no mundo simbólico. (SANTOS, 1998, p.77)
CATANI, sem se referir diretamente ao neoliberalismo considera que,
“a nova ordem econômica mundial, vai, pois, se delineando por meio da superação das contradições produzidas historicamente pelo fordismo e pode ser considerada como uma outra etapa do capitalismo ou como um outro ciclo da mais-valia relativa ou, ainda, como um outro estágio de acumulação capitalista. (...) na atual conjuntura, o conhecimento, a ciência e a tecnologia tornaram-se o principal móvel da concorrênc ia intercapitalista travada por blocos regionais em um mercado globalizado (...) o trabalho é agora organizado tendo como objetivo a flexibilidade, ou seja, a possibilidade de alteração sem comprometimentos: da velocidade de produção, da qualidade do processo e do produto, do próprio projeto.” (CATANI, 1996, p. 16)
Para responder às novas exigências do mundo do trabalho, decorrentes da
transformação do modo de produção e juntamente ao novo modelo político
econômico, no pico da evolução tecnológica uma nova sociedade emerge. A
67
sociedade pós-industrial e virtual, que para NOSELLA (2002, p.153) esses termos
são sinônimos e diferentes ao mesmo tempo.
A sociedade pós-industrial prioriza a produção de bens imateriais, em escala mundial ou global. Referimo-nos à produção de serviços, de informação, de estética, de símbolos e valores. (...) o conceito de pós-industrialismo pauta-se ainda, como referência teórica última, na noção de produção industrial. A sociedade virtual se direciona à subjetividade humana enquanto usuária dos bens materiais-virtuais. (...) nesta sociedade importa menos a função essencial dos produtos, e mais a função simbólica ou a virtualidade dos mesmos. (NOSELLA, 2002, p 153-154)
SANFELICE (2000, p.1) resgata as idéias de Lyotard caracterizando esta
sociedade como pós-moderna. “Lyotard considerava que a chegada da pós-
modernidade ligava-se ao surgimento de uma sociedade pós-industrial na qual o
conhecimento tornara-se a principal força econômica de produção”. SANFELICE
caracteriza a sociedade contemporânea como uma sociedade regida pela
articulação da globalização com o neoliberalismo.
Pós-modernidade, para nós, portanto, é um fenômeno dentre outras coisas, que expressa uma cultura da globalização e da sua ideologia neoliberal. A base material da pós-modernidade é então, a globalização econômica com todas as implicações que este fenômeno vem significando para as sociedades ou sujeitos. (SANFELICE, 2000, p. 5)
De fato, a globalização contemporânea tem gerado uma nova ordem
econômica internacional que sobrepõe os mercados às nações, vinculando os
processos de integração e diferenciação à competitividade dos primeiros. Esse
duplo movimento de globalização e descentralização tem, sem dúvida, sua
expressão na reforma educacional atual. Nessa perspectiva, sob a égide da
democratização e integração nacional dos países latino-americanos, foram
adotados parâmetros de avaliação de seus sistemas educacionais que definiram
as políticas dos organismos internacionais para a região (KRAXCZYK; VIEIRA,
2003, p. 79)
68
Em meio a essa nova realidade, a educação é evidenciada como uma mola
propulsora e um mecanismo de inculcação dessa nova ordem mundial, ao mesmo
tempo em que, também, reestrutura-se sendo fundamentos desse paradigma. A
educação, segundo SANFELICE (2000, p. 11) “não está imune às transformações
da base material da sociedade, hoje em processo de globalização e, ao mesmo
tempo, não está imune à pós-modernidade cultural que as sinalizam. Pós-
modernidade, globalização e educação relacionam-se pela lógica do mercado”.
Nesse processo de reorganização produtiva e de propagação da ideologia
da globalização,
O Banco Mundial assume o papel de centro de poder internacional que, articulado ao FMI, impõe aos países em desenvolvimento um programa de ajuste estrutural conveniente aos interesses do grande capital, atuando no sentido de monitorar e aplicar sanções econômicas àqueles países que não se ajustem às suas orientações, consideradas necessárias aos crescimento econômico e à estabilidade sociopolítica.(SILVA, 1999 apud CRUZ 2003, p.54)
A aproximação entre os setores produtivos e educacionais, especialmente a
educação superior, é um fato estruturalmente irreversível neste estágio de
desenvolvimento do capitalismo mundial e, ao mesmo tempo em que as
instituições de ensino superior são questionadas quanto à qualidade do ensino,
quanto aos conteúdos nelas desenvolvidos, quanto à eficiência de seu processo
de produção e distribuição do conhecimento, externamente elas se revestem de
um papel estratégico na economia dos países e dos blocos regionais constituídos
na nova ordem econômica mundial. (CATANI, 1996, p. 22)
As instituições de educação superior, portanto, se vêem num cenário de
contradição. Esse dilema é expresso por GOERGEN (s/d, p.63), “se a
universidade se entrega à lei do mercado, ela se coloca numa situação de
indigência crítica. Se ela, ao contrário, opta pelo distanciamento crítico, desvia-se
das exigências práticas e imediatas de transformação social.” Neste contexto de
transição paradigmática a universidade vive uma crise de identidade, pois transita
69
do Estado para o mercado, da razão para a heteronomia, sem que esta travessia
seja acompanhada por uma reflexão aprofundada das conseqüências.
A concepção intervencionista do estado corresponde a uma rendição à
economia de mercado. Para minimizar o ônus da manutenção da educação
superior, o Estado brasileiro se investiu de uma pródiga função legiferante,
sustentando a ampliação dos encargos e competências do Executivo. (DIAS
SOBRINHO, 2003, p. 188-189)
No âmbito da educação superior, o mercado adquire ao menos dois matizes
de significação, de acordo com DIAS SOBRINHO (2003, p. 166-167),
Privatização propriamente dita, que se caracteriza pela criação desbragada de estabelecimentos privados. Esta é uma tendência bastante forte de todos os países da América Latina. O quase-mercado da educação também tem uma outra conotação mais sutil e de difícil caracterização. No âmbito das instituições públicas e outras que se comprometiam com os valores da sociedade, hoje se instauram uma mentalidade geral e práticas que tradicionalmente eram próprias das privadas, como a venda de serviços, busca de diversificação de fontes com atrelamento às demandas específicas da indústria, pagamento de matrículas e taxas, e uma mensalidade que se afasta do sentido de bem público e se aproxima da administração empresarial de interesses dos indivíduos tomados como cliente.
2.2. GLOBALIZAÇÃO E EDUCAÇÃO
Entender o fenômeno de globalização não é algo tão reducionista e simples
como estamos acostumados a ver na mídia e popularizado nos discursos das
massas, limitando as discussões ao âmbito econômico. A globalização é um
conceito teórico-prático polissêmico e, ao mesmo tempo, transmite uma idéia de
consenso. Anteriormente, quando discutimos o ideário neoliberal nos reportamos
ao Consenso de Washington, o qual se caracterizou pelas orientações ou
prescrições para os países da América Latina e Caribe seguirem durante a
elaboração de suas políticas públicas e reforma do Estado. Esse Consenso foi
70
considerado o pai da das características dominantes da globalização e conhecido,
também, como Consenso Neoliberal.
Os anos de 1980 significa, para MORAES (2004, p. 311), a abertura da era
da globalização reconhecida e assumida, percebida através “da
transnacionalização dos negócios, financeirização da riqueza, reformas estruturais
que pretendem retirar do Estado o papel de coordenador dos fatos sociais para
atribuí-lo aos ‘mercados’”.
Segundo ZAOUAL (2003, p.97), “a globalização tornou-se uma ‘máquina
incontrolável e excludente’, já que é governada por mecanismos econômicos
culturalmente anônimos”. Neste trabalho entendemos globalização a partir da
definição de Guiddens citado por SANTOS (2002, p.26) como sendo “a
intensificação de relações sociais mundiais que unem localidades distantes de tal
modo que os acontecimentos locais são condicionados por eventos que
acontecem a muitas milhas de distância e vice versa”. Portanto, podemos
considerar globalização como “um vasto e intenso campo de conflitos entre grupos
sociais, Estado e interesses hegemônicos, por um lado, e grupos sociais, Estado e
interesses subalternos, por outro (SANTOS, 2002, p.27)”.
Considerando a complexidade do termo globalização, e sabendo que não
se limita apenas à dimensão econômica, SANTOS (2002, p. 26) aponta uma
revisão dos estudos sobre o processo de globalização mostrando-nos que
estamos diante de um fenômeno multifacetado com dimensões econômicas,
sociais, políticas, culturais, religiosas e jurídicas interligadas de modo complexo.
Por isso, as explicações monocausais e interpretações monolíticas deste
fenômeno parecem pouco adequadas. A dimensão econômica é a mais explícita e
severamente percebida por todos nós que compomos países periféricos e
semiperiféricos, por isso, é importante que a percebamos como sustentada pelo
consenso econômico neoliberal cujas três principais inovações institucionais são:
restrições drástica à regulação estatal da economia; novos direitos de propriedade
internacional para investidores estrangeiros; subordinação dos Estados nacionais
71
às agências multilaterais tais como o Banco Mundial, o FMI e a Organização
Mundial do Comércio.
Acresce que a globalização das últimas três décadas, em vez de se encaixar no padrão moderno ocidental de globalização – globalização como homogeinização e uniformização – sustentado tanto por Leibniz, como por Marx, tanto pelas teorias da modernização, como pelas teorias do desenvolvimento dependente, parece combinar a universalização e a eliminação das fronteiras nacionais, por um lado, o particularismo, a diversidade local, a identidade étnica e o regresso ao comunitarismo, por outro. Além disso, interage de modo muito diversificado com outras transformações no sistema mundial que lhe são concomitantes, tais como o aumento drástico das desigualdades entre países ricos e países pobres e, no interior de cada país, entre ricos e pobres, a sobrepopulação, a catástrofe ambiental, os conflitos étnicos, a migração internacional massiva, a emergência de novos Estados e a falência ou implosão de outros, a proliferação de guerras civis, o crime globalmente organizado, a democracia formal como uma condição política para a assistência internacional, etc. (SANTOS, 2002, p.26)
É importante que analisemos a idéia de globalização considerando seus
dispositivos ideológicos e políticos dotados de intencionalidades específicas.
SANTOS (2002, p. 49-51) salienta duas dessas intencionalidades. A primeira é a
falácia do determinismo, que consiste na inculcação da idéia de que globalização
é um processo espontâneo, automático, inelutável e irreversível que se intensifica
e avança segundo uma lógica e uma dinâmica próprias suficientemente fortes
para se imporem a qualquer interferência externa; a segunda é a falácia do
desaparecimento do Sul, ou seja, as relações Norte/Sul nunca constituíram um
verdadeiro conflito, mas durante muito tempo os dois pólos das relações foram
facilmente identificáveis, já que o Norte produzia produtos manufaturados
enquanto o Sul fornecia matérias-primas. Esta segunda intencionalidade procura
inculcar a idéia de que a globalização tem um impacto uniforme em todas as
regiões do mundo e em todos os setores de atividade e que os seus arquitetos, as
72
empresas multinacionais, são infinitamente inovadoras e têm capacidade
organizativa suficiente para transformar a nova economia global numa
oportunidade sem precedentes.
SANTOS (2002, p. 86) propõe a distinção entre os graus de intensidade da
globalização, sendo assim, “Globalização de alta intensidade para os processos
rápidos, intensos e relativamente monocausais de globalização, e globalização de
baixa intensidade para os processos mais lentos e difusos e mais ambíguos na
sua causalidade”.
O nosso trabalho não pretende aprofundar, nem tão pouco esgotar as
discussões sobre globalização. O caminho teórico que estamos construindo, como
já dissemos no início, visa a apresentação do cenário no qual nosso problema é
circunscrito. Acreditamos que de forma superficial conseguimos situar a
globalização como sendo um fenômeno complexo, fortemente embebido de
concepções ideológicas com intuito hegemônico de caráter político, econômico,
social, cultural. A educação nesse contexto não está imune aos reflexos da
globalização. Há uma quantidade expressiva de mitos, dúvidas, medos e
especulações em torno das relações entre a globalização e a educação. Para
TEODORO (2003, p. 94) “na educação, a mediação obrigatória dos Estados
nacionais na formulação das respectivas políticas, condicionados em geral por
fortes movimentos sociais internos, conduz a que possa argumenta r que estamos
perante um possível caso paradigmático de uma globalização de baixa
intensidade”.
A globalização afeta diretamente as políticas e práticas educativas e essa
relação para ser percebida precisa ser analisada especificando três aspectos
apontados por DALE (2004, p. 425), a natureza da globalização, o que se quer
dizer com “educação” e como é que a globalização afeta a educação, quer
diretamente, de forma identificável, e indiretamente, por conseqüência,
especificando outras mudanças que possa trazer no seu próprio interior ou no
setor da educação. Duas abordagens teóricas podem orientar a discussão e
análise dessa relação, a primeira, desenvolvida por John Meyer chamada de
73
“Cultura Educacional Mundial” defende que o desenvolvimento dos sistemas
educativos nacionais e as categorias curriculares se aplicam através de modelos
universais de educação, de estado e de sociedade, mais do que através de fatores
nacionais distintivos; a outra abordagem, desenvolvida por Roger Dale, chamada
de “Agenda Global Estruturada para a Educação”, encara a mudança de natureza
da economia capitalista mundial como a força diretora da globalização e ambas
procuram estabelecer os seus efeitos, ainda que intensamente mediados pelo
local, sobre os sistemas educativos.
A partir do momento em que as políticas educacionais passam a ser
influenciadas diretamente pelos aspectos econômicos e essas influências
acentuadas pela globalização, “não é mais possível ver as políticas educacionais
apenas do ponto de vista do Estado-nação: a educação é um assunto de políticas
regional e global e cada vez mais um assunto de comércio internacional. A
educação é, em vários sentidos, uma oportunidade de negócios” (BALL, 2004,
p.1108). Encontramos aqui um elemento que pode explicar ou ao menos
impulsiona a expansão via privatização da educação superior no Brasil.
2.2.1 Os traços da globalização na Educação Superior
A universidade é uma das instituições que não apenas sofre as
conseqüências do processo de globalização, mas também é instada a ajustar suas
atividades às tendências e expectativas do modelo capitalista neoliberal.”Nas
melhores universidades do mundo”, diz Chomsky (2000, p.48) citado por
GOERGEN (2003, p. 145), “durante todos estes anos proliferou o discurso da
globalidade e sua lógica para resolver os problemas”. A pesquisa e o ensino são
intensamente condicionados pelas demandas do mercado global e estas, por sua
vez, são fortemente influenciadas pelo ambiente globalizado. O conhecimento
precisa ter utilidade e os profissionais devem estar preparados para atuar no
mundo globalizado. Também a extensão torna-se um serviço de atendimento a
74
demandas sociais, em grande medida determinadas pelas expectativas do
mercado, particularmente no que se refere às relações com as empresas.
A globalização reduziu o planeta a uma “aldeia global”, denominada Estado
global cuja finalidade é sustentar a nova ordem econômica e política. As
distâncias geográficas foram minimizadas graças ao desenvolvimento da
tecnologia e a microeletrônica que possibilita a interligação de pessoas,
organizações e países geograficamente dispersos.
Apresenta -se a globalização como um fenômeno natural e irreversível e, a partir daí, as políticas neoliberais como as únicas capazes de desregulamentar os mercados, propiciando às nações um lugar privilegiado no “trem da história”. (CARCANHOLO, 2002, p. 16)
Na constituição dos blocos econômicos o capital foi internacionalizado e
cada bloco tem como representante os países de economia hegemônica. Este
cenário pode ser a porta de entrada para a constituição de um Estado
Cosmopolita, conforme analisa FARIAS (2001). Grandes grupos financeiros e
industriais ditam as normas e estratégias de desenvolvimento. Do bojo de cada
bloco emergem instituições regulamentadoras e Agências Transnacionais que são
geridas pelos países como maiores reservas econômicas.
O conjunto dessas instituições compõe um Governo global cuja base de
sustentação é muito bem estruturada e composta por estas instituições como, por
exemplo, OCDE, ONU, Unesco, Otan, OMC, Gatt, FMI e o Banco Mundial. O
discurso destas instituições veicula travestido de um ideal desenvolvimentista e
em prol da ordem mundial e do bem comum. Sutilmente, estas instituições ditam
os elementos das políticas públicas dos países emergentes e terceiro-mundistas,
em suma, disseminam e implementam as políticas neoliberais.
Junto com o Banco Mundial, o FMI é o órgão que está desempenhando o
papel mais importante para restringir o poder dos Estados. Como alerta
SANTOMÉ (2003),
75
É preciso ser consciente de que tanto o FMI quanto o Banco Mundial são instituições supranacionais que, além do forte poder econômico que possuem, também dedicam um esforço enorme para elaborar e promover discursos que possam convencer a população de que o seu trabalho é fruto de um compromisso com um bem comum, que a sua tarefa é desinteressada e neutra. O bombardeio na mídia a seu serviço é intenso e constante, tanto que ela se permite a arrogância de dar “conselhos desinteressados” a praticamente todos os países da Terra, embora eles sejam muito mais “contundentes” no caso daqueles que precisam de sua ajuda econômica. (SANTOMÉ, 2003, p. 18).
Desde a década de 90 vários movimentos e eventos são organizados por
esse Governo global. O que está por trás é o desenvolvimento de políticas que
reforcem, ainda mais, a cidadania global e assim potencializem o mercado
consumidor. As nações são convocadas e incentivadas a desenvolverem políticas
que conduzam à inclusão da sua população na sociedade pós-moderna.
Em 1990, realizou-se em Jomtien, a Conferência Mundial de Educação para
Todos, financiada pela UNESCO, UNICEF, PNUD e Banco Mundial. Ao final, os
155 governos que subscreveram a Declaração de Jomtien comprometeram-se em
assegurar uma educação básica de qualidade a crianças jovens e adultos.
(SHIROMA;MORAES;EVANGELISTA, 2000, p. 57).
O Banco Mundial orienta sua prioridade para a educação básica, reafirmada no relatório sobre o Desenvolvimento Mundial recomendando aos governos que centrem a inversão pública na educação básica, recorrendo ao mesmo tempo, em maior grau, ao financiamento familiar para a educação superior. (PEIXOTO, 2002, p.184)
O compromisso para com a educação básica foi firmado, mas a UNESCO
precisava estabelecer uma certa unidade na educação oferecida pelos países,
portanto, convocou especialistas de todo o mundo para compor a Comissão
Internacional sobre Educação para o século XXI, coordenada pelo francês
Jacques Delors. A orientação era identificar tendências e necessidades no cenário
76
de incertezas e hesitações que caracterizavam o final do século evidenciando o
papel que a educação deveria assumir.
A comissão de trabalho, no período entre 1993 e 1996, produziu o Relatório
Delors que passou a ser um documento fundamental para se compreender a
revisão da política educacional de vários países na atualidade. Educação ao longo
de toda a vida, este é o novo conceito concebido de educação. Para sobreviver na
sociedade da informação ou sociedade cognitiva é necessário que todos
adquiram, atualizem e utilizem os conhecimentos.
SHIROMA;MORAES & EVANGELISTA (2000) enumeram os três grandes
desafios do século XXI assinalados no relatório:
a) ingresso de todos os países no campo da ciência e da
tecnologia; b) adaptação das várias culturas e modernização
das mentalidades à sociedade da informação e; c) viver
democraticamente, ou seja, viver em comunidade.
(SHIROMA;MORAES & EVANGELISTA 2000, p. 66)
O documento discorre sobre todos os níveis de ensino, porém, como o
nosso objeto de estudo aqui é a educação superior, nos deteremos apenas à
análise deste nível, que segundo o documento é visto como o motor do
desenvolvimento econômico sendo necessário o desenvolvimento de novas
modalidades de educação superior, com estudos mais flexíveis e menos formais
de especialização e atualização. Aqui, já começamos a perceber indícios da
banalização da educação superior brasileira, mascarada numa idéia de
flexibilização.
O impacto dessas orientações, na política educacional do Brasil, ao longo
dos anos 1990, é observado pela profusão de medidas que reformaram
profundamente o sistema educacional brasileiro, convergindo na aprovação da
LDBEN em 1996. A República de Fernando Henrique Cardoso é o pano de fundo
de todas essas mudanças.
77
SHIROMA;MORAES & EVANGELISTA (2000, p. 77) destacam que o
governo de FHC buscando lapidar o consenso não mediu esforços para congregar
interesses do capital e do trabalho em torno da educação.
Em 1995, patrocinou um encontro entre representantes de vários ministérios (MEC, MTb, MCT/CNPQ) e segmentos da sociedade civil (organizações de empresários, centrais sindicais, CRUB, CONSED, UNDIME, FIEP – Federação Interestadual das Escolas Particulares). Esse encontro, coordenado pelo Ministério do Trabalho, no âmbito do Programa Brasileiro de Produtividade e Qualidade, significou um ponto de inflexão na elaboração das políticas educacionais. A partir de um documento-base, Questões Críticas da Educação Brasileira, discutiram-se e traçaram-se estratégias para a educação. (SHIROMA;MORAES;EVANGELISTA, 2000, p. 77-78)
O documento é bem claro em sua intenção: adequar os objetivos
educacionais às novas exigências do mercado internacional e interno, e em
especial a consolidação do processo de formação do cidadão produtivo. No que
tange ao ensino superior o documento indicou as seguintes ações:
• maior articulação/integração entre universidade e empresas, através de
programas de pesquisa, de pós-graduação e cooperação e assistência
técnicas;
• articulação entre universidade e secretarias estaduais e municipais para
redefinição dos cursos de professores, definição de mecanismos e
facilitação do acesso ao ensino superior para os professores que não
tenham esse nível de ensino;
• a pós-graduação deve tornar-se mais flexível nos seus conteúdos e na
sua estrutura a fim de atender a clientelas com interesses distintos:
docentes, pesquisadores e profissionais de alto nível das empresas e da
administração pública, evitando introduzir diferenças na qualidade e no
status da formação oferecida;
• a autonomia universitária deve vir acompanhada de práticas de gestão
mais profissionais com vistas à maior captação de recursos próprios,
78
tanto através de melhor gestão do patrimônio, como de maior
cooperação com o sistema produtivo.
Ao analisarmos essas quatro ações entendemos o posicionamento de
SGUISSARDI (2000, p. 12) quando ele é bem contundente afirmando que “se
torna cada vez mais evidente a similitude entre as linhas mestras das recentes
políticas e reformas pontuais da educação superior no país e as principais
recomendações de organismos multilaterais para a área como o Banco Mundial”.
SGUISSARDI (2000) está se referindo ao documento La enseñanza
superior: las lecciones derivadas de la experiência (BM, 1994) e mais
recentemente ao documento The financing and management of higher education:
a status report on worldwide reforms (BM, 1998). É interessante observar que no
primeiro documento o Banco Mundial apresenta quatro orientações-chave para a
reforma do ensino superior e que o documento Questões críticas da Educação
Brasileira está em consonância com elas, ei-las:
• fomentar a maior diferenciação das instituições, incluindo o
desenvolvimento de instituições privadas;
• proporcionar incentivos para que as instituições diversifiquem as fontes
de financiamento, por exemplo, a participação dos estudantes nos
gastos e a estreita vinculação entre o financiamento fiscal e os
resultados;
• redefinir a função do governo no ensino superior;
• adotar políticas destinadas a outorgar prioridade aos objetivos da
qualidade e da equidade.
PEIXOTO (2002, p.183) alerta para a atenção ao Plano Nacional de
Educação que foi recentemente aprovado, desconsiderando as propostas contidas
no PNE da sociedade brasileira, ele reforça que a política de expansão do ensino
superior no país se dará preferencialmente mediante a ampliação das vagas nas
instituições privadas em clara conformação com o projeto antidemocrático e
neoliberal do governo.
79
As necessidades do ajuste econômico e fiscal dos países em desenvolvimento, as premissas da análise econômica do tipo custo/benefício norteiam as principais diretrizes do Banco para a reforma dos sistemas de educação superior: priorizam os sinais do mercado e o saber como um bem privado. (SGUISSARDI 2000, p. 15)
A cidade de Paris recebeu em outubro de 1998 mais de quatro mil pessoas
para a Conferência Mundial sobre Educação Superior convocada pelo diretor geral
da UNESCO Frederico Mayor. SGUISSARDI (2000, p. 17) relembra que o Banco
Mundial enviou para a Conferência o documento intitulado Financing and
management of the higher education que apóia as reformas que países de
diferentes níveis de desenvolvimento econômico e educacional têm promovido,
especialmente no plano financeiro e administrativo para: a) complementar os
recursos do estado, sobretudo com o fim da gratuidade do ensino público; b)
promover a diferenciação institucional; c) encorajar as iniciativas do setor privado;
e d) abrandar regulamentos e normas oficiais.
A conferência terminou com a aprovação de dois documentos básicos:
“Declaração Mundial sobre a Educação Superior no Século XXI: visão e ação” e
“Marco de ação prioritária para a mudança e o desenvolvimento da educação
superior”.
Após a Conferência, as recomendações ali tomadas foram paulatinamente
sendo operacionalizadas, trazendo como pano de fundo o atendimento aos
interesses do Banco. PEIXOTO (2002, p. 184) demonstra isto quando em março
de 2000, o Banco Mundial orienta no sentido da necessidade de uma ação
urgente no sentido de expandir e melhorar a qualidade da educação superior nos
países pobres, vinculando o seu desenvolvimento a este nível de ensino.
Em junho de 2003, mais uma vez representantes de 120 países
participaram da Segunda Reunião dos parceiros na Educação superior, realizada
em Paris, denominada “Paris +5”. O objetivo era avaliar o desenvolvimento das
políticas ora desenvolvidas, a partir das orientações em 1998, para a reforma,
mudança e internacionalização da educação superior. O Brasil se destacou pois o
conferencista principal da sessão de abertura foi o então Ministro da Educação
Cristovam Buarque.
80
Diante do exposto, podemos afirmar que, em decorrência da globalização e
o estabelecimento de um governo global exercido por órgãos como Banco Mundial
e UNESCO, as políticas de desenvolvimento da educação superior no ocidente
estão sendo orientadas por determinações destes órgãos. Acima já citamos
algumas determinações e recomendações desses órgãos em documentos
elaborados com o objetivo de regulamentação, contudo, enfatizamos alguns
aspectos que contemplam diretamente o entendimento do nosso problema de
pesquisa.
O modelo de universidade voltado para a pesquisa, para o Banco Mundial,
segundo CATANI & OLIVEIRA (2002, p. 74), não é o adequando ao mundo em
desenvolvimento. Isso é justificado evidenciando que instituições não
universitárias são mais flexíveis no atendimento das demandas do mercado de
trabalho. Do mesmo modo, o fomento às instituições privadas de educação
superior poderia ampliar as oportunidades de forma eficiente e flexível, sem
aumentos adicionais para o Estado. Para este, caberia o papel de estabelecer
mecanismos de controle e avaliação das instituições.
Já a UNESCO sugere que a educação superior nortei suas ações de
expansão no sentido de obedecer três critérios fundamentais: pertinência,
qualidade e internacionalização. A análise mais apurada desses critérios nos
permite relacioná-los ao contexto político-econômico de globalização neoliberal e
poderá ser entendida mais à frente quando discutirmos as políticas para a
educação superior.
2.3 AS POLÍTICAS PARA A EDUCAÇÃO SUPERIOR
Nas últimas décadas, conforme YARZÁBAL (2002, p. 39), se produziram
transformações fundamentais no âmbito da educação superior que devem ser
consideradas em profundidade. Entre estas, cabe estacar: a) uma considerável
expansão quantitativa; b) um importante aumento da oferta privada; c) uma
81
marcada diversificação institucional; d) uma severa restrição do gasto público em
educação e; e) uma acentuada assimetria da internacionalização.
Quando se fala da Educação Superior em âmbito global, a UNESCO tem
sido uma voz ativa, principalmente da Universidade no que diz respeito a
formulação de diretrizes e políticas de reestruturação para adequação ao novo
modo de produção e conseqüentes significações do trabalho, às novas relações
sociais, ao ideário neoliberal de Estado e à globalização econômica.
É importante destacarmos quatro documentos estratégicos, já citados no
texto, que discutem a temática, elaborados na década de 90 e cujos efeitos estão
sendo sentidos agora no século XXI: 1) Documento de política para el cambio y el
desarrollo em la educación superior (1995); 2) Educação: um tesouro a descobrir
(1996); 3) Declaração mundial sobre educação superior no século XXI: visão e
ação; 4) Marco referencial de ação prioritária para a mudança e o
desenvolvimento da educação, ressaltando que os dois últimos foram produzidos
por ocasião da Conferência Mundial sobre educação superior, realizada em Paris,
em outubro de 1998.
Essa Conferência Mundial sobre Educação Superior teve como propósito
estabelecer em forma consensual os delineamentos de políticas para orientar as
transformações nos sistemas e instituições de educação superior. Nela buscou-se
soluções para enfrentar de forma criativa os desafios colocados pelos fenômenos
da globalização, a revolução científica e a rápida obsolescência do conhecimento,
e formas de conciliar a demanda com a qualidade e a eqüidade e a imperiosa
necessidade de contribuir efetivamente à construção da paz. Foram realizadas
reuniões preparatórias nos agrupamentos ou blocos de países que compõem a
UNESCO. YARZÁBAL (2002 p. 66) explica que,
Afim de gerar um movimento de discussão e análise sobre os problemas a tratar na conferência mundial programou-se a realização, no transcurso dos anos de 1996 e 1997, de conferências regionais que operariam como instâncias preparatórias. Um conjunto de países propôs na 28ª Conferência Geral da UNESCO, que a primeira reunião se realizasse na cidade de Havana, Cuba, no final de 1996
82
As reuniões preparatórias permitiram conhecer a visão de distintas regiões
em que se agrupam os Estados membros da UNESCO (África Subsahariana,
América Latina e Caribe, Ásia e Pacífico, Europa, e os Estados Árabes), com o fim
de impulsionar um processo altamente participativo que conduzisse à produção de
um plano de ação global sustentado na concertação e no consenso do maior
número possível de atores sociais vinculados à educação superior. (YARZÁBAL,
2002, p. 95)
Essas discussões iniciadas nos contextos (Reuniões preparatórias) e
culminando com a Conferência foram decisivas para conseguir um consenso bem
fundamentado consolidando a transformação da educação superior pelas
seguintes razões, apontadas por YARZÁBAL (2002, p. 79-80):
1) foram identificados múltiplos atores dispostos a impulsionar a mudança entre os dirigentes das instituições da região; 2) observou-se uma crescente tendência ao diálogo entre o setor político (particularmente entre os parlamentares e os responsáveis pelas políticas de educação superior dos ministérios de educação) e a liderança acadêmica em muitos países da região; 3) os documentos aprovados pela Conferência contêm mudanças muito relevantes nas atitudes da academia (como a aceitação da avaliação e do credenciamento, a disposição para prestação de contas à sociedade, a expressão da necessidade de fortalecer a capacidade de antecipação e a prospectiva, o reconhecimento da necessidade de flexibilizar as estruturas e estratégias educativas, a admissão da conveniência de construir uma sólida cultura informática, para dar alguns exemplos); 4) a inclusão de múltiplas propostas de mudança estruturais e estratégicas aparentemente viáveis, na guia para o plano de ação.
Para a Conferência em Paris as regiões levaram uma declaração produzida
na reunião preparatória, cujos extratos podemos observar abaixo. Cada
declaração recebeu o nome da cidade sede da reunião. A localização e período
das reuniões regionais podem ser visualizados na tabela abaixo:
83
TABELA I – APRESENTAÇÃO DAS REUNIÕES PREPARATÓRIAS PARA
A CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE O ENSINO SUPERIOR
Nº REGIÃO SEDE DA
REUNIÃO PERÍODO
1 América Latina e Caribe Havana Novembro de
1996
2 Países Africanos ao sul Saha Dakar Abril de 1997
3 Países da Ásia e Pacífico Tóquio Julho de 1997
4 Comunidade Européia Palermo Setembro 1997
5 Países Árabes Beirute Março de 1998
6 Canadá e EUA Toronto Abril de 1998
7 Países do Caribe de origem Anglo-
saxônicas, alemã e francesa
Ilha de Santa
Lúcia
Junho de 1998
FONTE: Elaboração própria
YARZÁBAL (2002, p. 96-106) sintetizou as declarações regionais
elaborando um extrato das principais ações e reivindicações dos países conforme
podemos ver:
ü Conferência Regional da América Latina e do Caribe – A educação superior é vista como uma ferramenta fundamental para abrir espaços de solidariedade inteligente e responsável, desenvolver valores culturais, reconstruir o tecido social, reestruturar o Estado e contribuir para melhorar a qualidade de vida da maioria dos habitantes da área. Considera-se que as instituições de educação superior (IES) devem produzir por iniciativa própria as transformações necessárias para converter-se em referentes das mudanças que as sociedades reclamam, respondendo, assim, à urgência e à magnitude dos desafios, em particular àqueles vinculados à construção e à manutenção da paz e do desenvolvimento sustentável, que requer uma participação ativa na luta contra a exclusão social e a favor da proteção do meio ambiente.
84
ü Conferência dos países africanos situados ao sul do Sahara – A conclusão mais importante da reunião foi que o surpreendente crescimento da base de conhecimento em escala mundial não teve repercussões favoráveis na África, existindo a percepção de que a revolução tecnológica pode converter-se em uma ameaça e acentuar o fosso que hoje separa os países ricos dos países pobres. Algumas recomendações emanadas da Conferência de Dakar foram: 1) estabelecer centros regionais de pesquisa e capacitação, em que, entre outros aspectos, ensinem-se as ciências naturais por meio do método experimental; 2) capitalizar o conhecimento e a experiência de todas as pessoas da sociedade por meio da educação; 3) realizar projetos multidisciplinares para o ensino de ciências sociais, e: 4) favorecer o desenvolvimento da criatividade e da capacidade empreendedora de todos. Deste modo, segundo a visão das personalidades reunidas em Dakar, asseguraria-se que o potencial das pessoas não seria perdido em atividades improdutivas ou até ilegais.
ü Conferência dos países da Ásia e do Pacífico – Esta região é provavelmente a mais diversa em termos demográficos, religiosos, culturais, étnicos, lingüísticos e igualmente em níveis de educação. Nela se concentram algumas das economias mais ricas e de maior crescimento, bem como algumas das mais pobres do mundo. A declaração de Tóquio expressa que a educação superior é essencial para alcançar o nível econômico e social necessário para garantir os altos padrões de qualidade de vida, a harmonia e a paz, baseando-se nos princípios da democracia, tolerância e respeito mútuo. Deste modo, os objetivos da educação podem resumir-se em: 1) formar cidadãos comprometidos e responsáveis, 2) formar profissionais bem treinados que possam adaptar-se às necessidades da indústria, do governo e do mercado; 3) apoiar o desenvolvimento econômico e social e a pesquisa científica e tecnológica; 4) difundir e preservar as culturas regionais; 5) proteger os valores éticos; 6) proporcionar perspectivas claras para apoiar o debate sobre estratégias e opções no marco da renovação humanística.
ü Conferência da comunidade européia – A necessidade de mudança e de desenvolvimento organizacional, em vista da crescente sistematização da gestão institucional, no contexto de uma associação construtiva entre governos, empresários e industriais, foi identificada como um favor crítico na implantação de uma Agenda para a mudança na Europa. A Declaração de Palermo manifesta que a educação superior deveria ser um elo forte em um sólido sistema educativo, assim como servir de pivô para contribuir junto com os outros atores à cadeia da inovação. Neste sentido, as instituições de educação superior européias desempenham um papel fundamental no desenvolvimento sustentável e na cultura da paz, onde o rigor e o mérito deveriam ser os critérios dominantes para promover ativamente a solidariedade intelectual e moral. No mundo da incerteza, as instituições de educação superior são chamadas a prever, antecipar e permitir à sociedade adaptar-se à mudança.
ü Conferência dos países árabes – Um dos assuntos chaves que discutiram foi o impacto do bloqueio de algumas nações, a ocupação de outras e os impedimentos externos que afetaram a educação superior e que serviram para desviar recursos, gerar mais restrições e limitar a capacidade das instituições para responder a uma crescente demanda da sociedade. Também se discutiu o problema do surgimento de novas tentativas de hegemonia cultural que impõem novas tensões aos valores árabes e islâmicos. Neste sentido, os participantes da reunião coincidiram que a educação superior dos países árabes deveria concentra-se em alguns aspectos básicos como: 1) educar cidadãos conscientes, autônomos e responsáveis, que estejam comprometidos com os princípios nacionais e universais e que possam
85
enfrentar os desafios do novo milênio e da educação para a vida; 2) formar profissionais altamente capacitados para satisfazer as necessidades do setor produtivo, público e privado, e; 3) prestar assistência no desenvolvimento econômico e social, e na pesquisa e desenvolvimento tecnológico.
ü Conferência do Canadá e Estados Unidos da América – Os debates concluíram que a educação superior, pública ou privada, deve estar comprometida socialmente e ter suas raízes na comunidade, mostrando ao mesmo tempo uma orientação internacional. Para eles, construir a consciência de cidadão do mundo deve ser o propósito da educação superior, ao mesmo tempo, em que mantém a consciência de cidadão nacional no marco de uma sociedade multicultural, plurilíngue e internacional. A Declaração de Toronto estabelece que a educação superior é uma vez um bem público e pessoal que beneficia tanto o indivíduo como a sociedade, melhorando a qualidade de vida. Insiste na necessidade de preservar a liberdade de expressão e evitar a censura e a opressão que obstruem a criação de conhecimento novo. Igualmente, sublinha a importância da educação superior no marco da economia global e do surgimento da sociedade do conhecimento, onde será essencial desenvolver uma liderança forte nas áreas de aprendizagem, pesquisa e serviço público para criar um recurso humano bem treinado e capacitado para fazer frente às demandas da sociedade.
ü Conferência dos países do Caribe de origem anglo-saxônica, alemã e francesa – A Declaração de Santa Lúcia estabeleceu que o propósito da educação superior no Caribe deve ser formar estudantes com múltiplas capacidades que possam exercer pensamento crítico e possuir habilidades lingüísticas em outros idiomas, Também assinalou a importância de formar pessoas com sensibilidade estética e cultural que possam exercer criativamente sua imaginação e intelecto para lograr o desenvolvimento sustentável da sociedade, identificando nichos de oportunidade econômica nos processos de globalização que estão em marcha.
Analisando os elementos subliminares e as entrelinhas dessas declarações
podemos perceber, claramente, as orientações neoliberais na reforma da
educação superior. A preocupação marcante de todos os grupos é em relação ao
aumento do acesso à educação superior como forma de desenvolvimento de cada
país.
No Documento de política para el cambio y el desarrollo em la educación
superior (1995) identifica-se, inicialmente, três principais tendências dos sistemas
e das instituições de educação superior: a) a expansão quantitativa; b) as
diversificações das instituições, programas e das formas de estudo; c) restrições
financeiras. Também são destacados os processos simultâneos e contraditórios
de democratização, mundialização, regionalização, polarização, marginalização e
fragmentação. Estas três tendências podem ser indício para descobrirmos o que
motivou a abertura indiscriminada de cursos de administração em Curitiba e região
metropolitana, nosso problema de pesquisa (CATANI;OLIVEIRA 2002, p. 76)
86
2.3.1 O contexto Internacional
O Contexto internacional das políticas para a educação superior será
limitado, em nosso trabalho, aos países da América Latina e Caribe devido à
semelhança política, econômica e educaciona l. Os órgãos agenciadores e
financiadores da educação superior no mundo também fazem questão de colocar
esses países em um único bloco contextual, como já percebemos desde o
Consenso de Washington até à Conferência Mundial para a Educação Superior.
Observamos que em todo o mundo o sistema de educação superior passa por um
período de reforma. Alguns países, caracterizados como desenvolvidos, já estão
em fase de consolidação dessa reforma, outro, ainda estão em fase de debates e
discussões públicas. Essas discussões estão sendo acompanhadas e orientadas
internacionalmente. O objetivo da reforma é a padronização das políticas de
diversificação e diferenciação.
YARZÁBAL (2002, p. 142) é contundente afirmando que a concepção da
educação encerrada nestas recomendações do Banco Mundial é evidentemente
instrumental para a consolidação do capitalismo neoliberal e tem sido
consistentemente criticada por uma poderosa corrente intelectual que tem
destacado os aspectos negativos supostos para os países em desenvolvimento.
As tendências mais notáveis que estão ocorrendo no âmbito da educação
superior latino-americana, nestes últimos anos, em grande parte coincide com o
que se verifica em muitos outros países de distintas regiões, guardadas as
especificidades e formas peculiares nas respostas oferecidas a problemas
comuns. Assim, muito do já apontado em linhas anteriores sobre educação
superior européia, particularmente o que constou na reflexão sobre a Inglaterra, e
também o que o Banco Mundial e outras entidades econômicas multilaterais,
como a OCDE, recomendam ou mesmo impõe pode ser recuperado para esta
rápida análise relativa às principais políticas vigentes nessa área na América
Latina. (DIAS SOBRINHO, 2003, p. 180)
87
Uma outra tendência observável em distintas regiões do globo é a
diversificação institucional. A diversidade institucional tem um valor muito elevado,
que os Estados tratam de manter e respeitar. A lei de sobrevivência a que as
instituições estão submetidas gera um regime exacerbado de competitividade
entre elas e os diversos sistemas de educação superior. Tanto pela ampliação das
demandas por mais vagas quanto por estratégia de sobrevivência, emergem mais
e novos tipos de organização.
A expansão diversificada se dá por criação de novas instituições de modelo diferenciado e por transformações das antigas. Essas novas instituições devem agora adaptar-se a diversificadas demandas externas, muitas delas também de tipo novo. Aqui se pode pensar tanto na criação de cursos breves em áreas em que o mercado tem apresentado demandas restritas e imediatas, muitos deles estranhos aos conceitos tradicionais da academia, mas que podem dar acolhida a novos grupos de estudantes (ou “clientes”), quando se pode lembrar a implementação de instituições inteiras declaradamente voltadas ao atendimento específico de um setor empresarial. (DIAS SOBRINHO, 2003, p. 169-170)
Analisando as diferentes políticas de reforma é possível perceber na
reestruturação da educação superior que os temas a seguir são destacados: os
cenários, as demandas e os desafios contemporâneos; a redefinição do papel do
Estado, indicando uma retratação deste com o sistema público; as exigências dos
organismos internacionais; a heterogeneidade, diversificação e diferenciação dos
sistemas; a identidade e missão da universidade pública; a avaliação e o
financiamento dos sistemas universitários; o progressivo debilitamento das
universidade públicas ; a expansão da educação superior; o maior
desenvolvimento das instituições privadas, essas e outras temáticas apresentam
especificidades e estágios diferenciados nas reformas e políticas na América
Latina.
Em suma, esquematicamente, as reformas da educação superior levadas a
efeito por aqui, com a importante intervenção dos sistemas de avaliação, estão
produzindo os seguintes efeitos: privatização; considerável aumento de matrículas
88
estudantis; significativos cortes nos financiamentos; diferenciação institucional;
diversificação de fontes de recursos; afastamento do Estado quanto aos
processos; maior controle do Estado quanto aos resultados. Em outras palavras,
verificam-se em diversos países latino-americanos, notadamente no Chile, Brasil,
Colômbia, Argentina e México, e com menos intensidade nos demais, resultados
que definem o fenômeno da “modernização da universidade” (DIAS SOBRINHO,
2003, p. 182). Por isso frisamos que os acontecimentos ocorridos aqui no Brasil
não são isolados, eles refletem aspectos de uma macro-política.
2.3.2 O contexto Nacional
Como também acontece em muitos países, observa-se no Brasil a
tendência a um crescimento quantitativo combinado com uma preocupante baixa
qualidade. “Esse parece ser o grande desafio dos Estados e das instituições
educativas de modo geral”, alerta DIAS SOBRINHO (2003, p. 165).
Em geral, há acordo unânime em torno do reconhecimento do atraso em
que se encontra a educação superior no país, quanto, entre outros: 1) à oferta
extremamente insuficiente; 2) às enormes disparidades e concentração regionais;
3) à baixa qualificação do corpo docente, em especial nas IES privadas; 4) às
deficiências do regime de vínculo empregatício; 5) à necessidade de sistemas de
avaliação e prestação pública de contas à sociedade; 6) à qualidade do ensino
oferecido. Estes aspectos são os orientadores da reforma pela qual estamos na
educação superior do Brasil, (SGUISSARDI, 2002, p. 33).
2.4 A EXPANSÃO EM PERSPECTIVA NACIONAL DA EDUCAÇÃO SUPERIOR
NO PERÍODO ENTRE 1997 E 2002.
O modelo de expansão da educação superior adotado no Brasil, em
especial a partir da Reforma Universitária de 1968 (Lei n. 5.540/68), em plena
ditadura militar, e intensificado após a aprovação da LDB (Lei n. 9.394/96), no
governo Fernando Henrique Cardoso, que teve como diretriz central a abertura do
89
setor aos agentes do mercado, não logrou sequer resolver o problema do
atendimento em níveis compatíveis com a riqueza do país além de ter produzido
uma privatização e mercantilização sem precedentes, com graves conseqüências
sobre a qualidade do ensino oferecido e sobre a eqüidade (PINTO, 2004, p. 730).
Essa expansão, que certamente vai continuar, já vinha se manifestando há alguns anos, em decorrência do crescente valor econômico que se vai atribuindo à educação, da cada vez mais forte necessidade de capacitação técnica, do crescimento populacional e, consequentemente, do grande aumento de estudantes formados no nível médio. (DIAS SOBRINHO, 2003, p. 163)
Uma distinção importante deve ser feita quanto às duas formas de conceber
o acesso à educação superior. Uma, a seleção prévia, praticada por exemplo no
Brasil, restringe a entrada e o inevitável inchaço dos cursos superiores, supondo
que assim melhor preserva e promove a qualidade. Outros países adotam o
acesso direto, ou formas mistas, como a Argentina, em nome de princípios
democráticos, mas tendo que enfrentar os problemas da massificação,
particularmente nas instituições públicas. (DIAS SOBRINHO, 2003, p. 164)
GOMES (2002, p. 286-287) atrela a expansão da educação superior no
Brasil ao modelo de avaliação23, por isso, a análise das políticas de avaliação leva
à conclusão que não seria qualquer procedimento avaliativo que daria conta do
objetivo governamental de massificação e diversificação do ensino superior,
particularmente da forma como essa política tem sido promovida no Brasil, que
alia, de forma inquebrável, o fortalecimento do mercado e da iniciativa privada na
provisão educacional, com o subfinanciamento das instituições públicas federais, e
a redefinição dos mecanismos de coordenação, controle e monitoramento do
próprio MEC como agência reguladora.
As estratégias da política oficial para a expansão acelerada da educação superior podem ser resumidas nos seguintes
23 O modelo de avaliação ao qual se refere é o ENC (Exame Nacional de Cursos) o chamado provão que para ele foi desenvolvida para promover e alimentar o funcionamento de sistema de ensino superior de massas. O ENC representa o mais importante passo da política oficial para institucionalização da avaliação em massa. Atualmente existe o ENADE (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes).
90
pontos: 1) ampliação da autonomia acadêmica das IES, universidades e centros universitários, para criar e extinguir cursos, sem a prévia autorização do MEC e/ou do CNE; 2) a autorização para criar novos cursos permaneceu com o MEC no caso das outras instituições não-universitárias. Minha hipótese é de que o controle desse tipo de autorização é parte de uma estratégia do MEC para forçar os outros tipos de instituições não-universitárias a requererem o status de centro universitário (GOMES, 2002, p.87)
Apesar de toda essa “facilidade” e incentivo do Estado, como destaca DIAS
SOBRINHO (2003, p. 164), “a expansão de matrículas e graduados, tanto no nível
médio como superior, tem sido maior em nações desenvolvidas e no sudeste
asiático que na América Latina”. Tanto as sociedades quanto os indivíduos,
requerem maior e mais elevada escolarização, que produza mais resultados e
instrumentalize a competitividade.
Neste capítulo desenvolvemos a discussão sobre o cenário político-
econômico e social no qual as políticas atuais da educação superior se delineiam.
O objetivo era possibilitar uma visão do macro ambiente para evidenciarmos que
as ocorrências dentro do país são legitimações das recomendações emanadas
dos órgãos financiadores do desenvolvimento das nações. Ressaltamos a ênfase
dada à educação superior, em relação à democratização do acesso e a
permanência, como sendo a via que permite o desenvolvimento e a inclusão dos
países periféricos na nova economia, a economia do conhecimento. À medida que
avançamos no desenvolvimento teórico, elucidamos algumas das questões
norteadoras do nosso problema de pesquisa. Neste momento, temos clareza dos
elementos políticos que justificam a expansão dos cursos superiores no Brasil, e
que essa expansão não é particular de Curitiba e Região Metropolitana. No
capítulo seguinte trabalharemos com o nosso objeto de pesquisa explicando como
historicamente o curso de Administração se constituiu, o índice de expansão em
Curitiba e região metropolitana e a análise contextual.
91
CAPÍTULO III – A TRAJETÓRIA ACADÊMICA DA ADMINISTRAÇÃO: UMA
VISÃO GLOCALIZADA.
Neste capítulo discutiremos, explicitamente, o nosso objeto de pesquisa.
Partiremos da contextualização histórica da Administração como ciência, sua
institucionalização no ensino superior e chegaremos à expansão do número de
cursos de graduação em Administração ocorrida no final do século XX e início do
século XXI, em Curitiba e Região Metropolitana. O percurso histórico traçado por
nós será transversalizado por elementos políticos, econômicos e sociais do
contexto brasileiro. Alguns desses elementos já foram mencionados no texto,
como por exemplo, os acordos MEC-USAID, a Ditadura Militar, a industrialização
do Brasil, entre outros. De antemão, nos antecipamos dizendo que os cursos de
Administração surgem num cenário político-econômico-ideológico nacional-
desenvolvimentista que necessitava formar uma burocracia especializada capaz
de dar suporte e comandar o funcionamento do Estado. Cabe ressaltar que no
Brasil, os cursos de Administração e, conseqüentemente, o ensino de
Administração surgem tardiamente, comparando-os às escolas norte-americanas,
consideradas centros de excelência.
Academicamente, para ANDRADE & AMBONI (2002)24, o ensino de
Administração passou por dois períodos históricos marcados pela aprovação dos
currículos mínimos, os anos de 1966 e 1993. É interessante observar que o
contexto político-econômico influenciou no perfil do egresso do curso e na
ideologia impregnada no currículo e na prática dos professores do curso ao longo
da curta existência como curso superior no Brasil.
É importante explicar que o termo “visão glocalizada”, presente no título do
capítulo, reflete a nossa intenção ao escrevê-lo. Queremos mostrar que a trajetória
histórica do curso de Administração assim como a sua identidade, no Brasil,
sofreu influências do macrocontexto (internacional) quando teve como referência
acadêmica o modelo norte-americano, mas para atender a uma demanda local.
24 Rui Otávio Bernardes de Andrade e Nério Amboni são os autores das Diretrizes Curriculares para os Cursos de Adminsitração.
92
Nos dias atuais, a expansão do número de cursos e suas habilitações ou ênfases
vem ocorrendo para atender às necessidades do mundo globalizado ao mesmo
tempo em que, teoricamente, deve atender à demanda local, daí a nossa opção
pelo termo Glocalizado25.
3.1 O CURSO DE ADMINISTRAÇÃO: HISTÓRIA E IDENTIDADE
Conforme dissemos acima, o entendimento histórico do surgimento dos
cursos de administração perpassa pela compreensão do cenário político-
econômico-social do país. O ensino de Administração no Brasil tem uma história
muito curta, iniciou-se no ano de 1952, com a criação da Escola Brasileira de
Administração Pública, de acordo com ANDRADE & AMBONI (2002). Para
COVRE (1982, p.57),
a necessidade de formação de uma burocracia nos países periféricos, e como tal, no Brasil, está organicamente vinculada à redivisão internacional do trabalho, advinda do desdobramento do Sistema Capitalista, em sua etapa monopolista. Esta caracteriza-se por uma ideologia calcada no predomínio da técnica, como solução dos problemas sócio-econômico-políticos. Em oposição à etapa liberal, caracteriza-se também por um “desmoronamento” da economia nacional pró uma economia de mercado ou de cunho mais internacionalizante, por uma concentração econômica política, por alto índice de burocratização que assume aspectos específicos nas empresas pelo uso de tecnologia cada vez mais complexa, e, no Estado, pelo uso das técnicas de planejamento, o que compõem e permite o Estado Intervencionista.
A formação do administrador no Brasil começou a ganhar contornos mais
claros nos anos da década de 40, período no qual aumentou a necessidade de
mão de obra qualificada, pois o país, em parte, supera o estágio agrário para a
industrialização. A necessidade era formar pelo sistema escolar um administrador
profissional apto para atender ao processo de industrialização. 25 O neologismo GLOCALIZADO faz referência a uma visão que leva em consideração aspectos globais para atender demandas locais.
93
COVRE (1982, p.59-60) enfatiza que
A burocracia especializada é composta por técnicos ou tecnólogos de vários ramos, dentre os quais destacamos os administradores. A implantação e evolução dos cursos de administração se apresentam como uma faceta do desenvolvimento da ideologia neocapitalista, ou seja, do espírito modernizante. Nesse sentido, é na mudança e desenvolvimento da formação social brasileira que devemos buscar as condições, motivações para a criação destes cursos. As condições e motivações, no seu sentido amplo, estão relacionadas ao caráter de especialização e complexidade pelo qual enveredam os processos de desenvolvimento dos países latino-americanos e, como tal, o Brasil, resultante da tomada de consciência do subdesenvolvimento (em que desenvolver-se significa industrializar-se) e o concomitante espraiar do Capitalismo Monopolista para os países periféricos.
Alguns fatos são preponderantes nesse contexto histórico, dentre eles, o
Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, em 1932, que abordava a
necessidade de outros cursos superiores, além de Direito, Engenharia e Medicina;
o primeiro Congresso Brasileiro de Economia, em 1943, no qual se manifestou
grande interesse pela industrialização do País e com isso a solicitação para o
Estado de iniciativas de pesquisa em assuntos econômicos; a criação da
Fundação Getúlio Vargas, em 1944, uma entidade preocupada com o estudo da
organização racional do trabalho; a criação da Escola Brasileira de Administração
Pública, em 1952; a criação da Escola Brasileira de Administração de Empresa de
São Paulo; e a regulamentação da profissão ocorrida através da Lei nº 4.769, de 9
de setembro de 1965 que limitou o acesso ao mercado profissional aos portadores
de títulos expedidos pelo sistema universitário (ANDRADE & AMBONI, 2002;
COVRE, 1982).
O ensino de administração, portanto, está totalmente relacionado ao
processo de desenvolvimento do país. Ressaltamos que esse desenvolvimento é
marcado por dois momentos histórico-políticos distintos: o Governo de Getúlio
Vargas, cujo traço político é marcado pelo nacional-desenvolvimentismo e; o
94
governo de Juscelino Kubitschek, caracterizado pelo espírito internacionalista de
abertura econômica.
Os governos Vargas (1930-1945 e 1950-1954) são representativos de um projeto social de desenvolvimento, progressista, não negador do capitalismo, mas com a opção do possível histórico – capitalismo autônomo, tendo como eixos a industrialização e o planejamento econômico do Estado. (...) é neles que se inicia e se desenvolve um projeto de desenvolvimento, dentro do possível histórico – capitalismo autônomo – inspirado na ideologia neocapitalista de desenvolvimento. Este ao ser posto em prática se debaterá com as contradições próprias de uma proposição nacionalista em uma estrutura capitalista mundial que já se voltou para uma internacionalização crescente das economias nacionais, ou seja, para a estrutura do Capitalismo Monopolista (COVRE, 1982, p. 61-66). O governo Juscelino Kubitschek (1956-1960) representa uma fase importante de nosso desenvolvimento, pelo tipo de abertura econômica que deu, pela marca de desenvolvimento que imprimiu ao processo brasileiro, a caminho do Brasil moderno. (...) Preconizava o Plano de Metas transformar a estrutura econômica do país pela criação da indústria de base, com estímulo ao capital e know-how estrangeiros, num modelo de desenvolvimento interdependente com o capitalismo mundial. (...) Já existe então grande ênfase na necessidade do ensino profissionalizante, o qual realmente só se concretizará plenamente após 68. Neste período intensifica-se a mentalidade modernizante; evolui uma ciência social específica, em parte ideologizante, em parte tecnificante, consubstanciada no ISEB26. Intensifica-se o espírito neocapitalista e com um novo rumo. Houve uma mudança essencial na ideologia de desenvolvimento do governo Vargas para o governo Kubitschek (COVRE, 1982, p. 66-68)
O governo de Kubitschek representou um ensaio do modelo de
desenvolvimento adotado após 1964. A Revolução de 1964 e governos
subseqüentes, principalmente após 1968, representam a concretização de um
projeto de desenvolvimento capitalista interdependente, oposto ao governo
26 ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros) – baluarte do nacionalismo desenvolvimentista. Criado em 1955 por um decreto do governo interino de Café Filho e extinto 13 abril de 1964 por decreto de Ranieri Mazzili (Governo provisório). Disponível em http://www.espacoacademico.com.br/045/45cbariani.htm, acesso em jun/2005.
95
Vargas. Toda a estrutura econômica se caracteriza por um processo de
concentração que resulta em grandes empresas, basicamente estrangeiras e
estatais e algumas nacionais, impondo sua visão e interesse, ou seja, o
predomínio do grande capital ao resto do sistema econômico. Paralelo à estrutura
econômica, o processo político caracterizava-se em um Estado Burocrático-Militar,
ou seja, o Estado estava representado por empresários e militares modernos,
estando a política desse Estado orientada no sentido do fortalecimento da grande
Unidade de Produção.
A relação entre a concentração econômica, o processo de burocratização e
a estruturação e expansão dos cursos de administração no país é muito bem
apresentada por COVRE (1982). O processo de concentração caracteriza-se pela
passagem de pequenas e médias empresas para grandes empresas. A indústria
nacional é sacrificada pela política creditícia27 implantada pelo governo Castello
Branco e continuada nos Governos Costa e Silva, Médice, Geisel e Figueiredo,
pois alguns segmentos do empresariado não estavam preparados para
administrar as suas empresas em conformidade com as normas de crédito,
tributação e fiscais postas em prática pelo governo.
O processo de concentração é resultante não só do transplante de
subsidiárias de empresas multinacionais para cá, que por si só já compõe um
número significativo de grandes empresas, mas também trata-se do próprio
embate da indústria nacional à concorrência com este capital estrangeiro.
Diante dessa situação, colocaram-se várias opções ao empresário que estava encontrando dificuldades para dar continuidade ao funcionamento e expansão da sua empresa. Em primeiro lugar, tratava de adaptar a estrutura organizatória e funcional da empresa às novas condições do mercado de capitais, às novas diretrizes da política tributária e fiscal e às condições presentes da demanda. Isto é, tratava-se de ‘modernizar’ ou ‘racionalizar’ a empresa, desde os sistemas de informação e processos decisórios até à própria divisão do trabalho social, na esfera da produção.
27 Esta política do governo Castello Branco teve por objetivo controlar todas as fontes de inflação e se caracteriza como um “tratamento de choque”. Algumas normas básicas: progressiva contenção dos déficits governamentais, racionalizando o sistema tributário e a arrecadação; adaptação da política salarial à política monetária, implicando congelamento salarial; controle da política de crédito às empresas do setor privado.
96
Em segundo lugar, colocava-se a possibilidade de associação com empresas ou grupos econômicos mais poderosos e autônomos, quanto a recursos de capital e tecnologia. Em terceiro lugar, colocava-se a alternativa de aceitar a assimilação pura e simples da empresa ou grupo econômico com melhores condições técnicas, organizatórias e funcionais, além de melhor posição relativa no mercado. Em quarto lugar, por fim, restava ao empresário em dificuldade a opção de encerrar as atividades da empresa, seja por decisão própria, seja por via da falência (IANNI, 1996, p. 263-264).
O resultado desse processo é um conjunto crescente de grandes empresas
e conseqüentemente do tipo de exigências que elas comportam, tal como mão-de-
obra e tecnologia. Para fazer frente ao processo de racionalização a que elas se
propõem, têm que passar por um processo de burocratização28. Burocratizar,
portanto, é elevar o nível de qualificação do profissional, pois à medida que as
empresas crescem e modernizam-se, utilizam tecnologias mais complexas
diminuindo o número de mão-de-obra não qualificada e aumentando a mão-de-
obra especializada.
Estes processos de concentração de empresas e burocratização são
refletidos de forma orgânica29 no processo educacional.
Neste sentido, os acordos MEC-USAID constituem a pedra angular de nossa reforma educacional, após 68, e é o esquema correspondente na superestrutura ao da infra-estrutura em termos de desenvolvimento sócio-econômico associado. Eles correspondem à penetração maior da ideologia burguesa pós-liberal, a da etapa do Capitalismo Monopolista. (...) Estes acordos tinham por base três pilares: 1) criar a universidade para a segurança nacional; 2) a universidade para um vínculo com a comunidade; 3) a universidade adequada às necessidades nacionais (COVRE, 1982, p.76).
28 Entendemos burocratização a partir das considerações de COVRE (1982, p. 72), “para fazer funcionar as técnicas complexas, quer maquinaria, quer organizatória que incorporam, as indústrias necessitam de mão-de-obra especializada, que na sua maior parte refere-se a profissionais de nível superior, em condições de analisar, controlar e planejar as atividades empresariais.” 29 A organicidade, no sentido gramsciano, significa que a representação de interesses da estrutura econômica na estrutura educacional se realiza indiretamente através de posturas intelectuais, através de posturas ideológicas. De acordo com GRAMSCI (1988, p.10) “a relação entre os intelectuais e o mundo da produção não é imediata (...) mas ‘mediatizada’, em diversos graus, por todo o contexto social, pelo conjunto das superestruturas, do qual os intelectuais são precisamente os ‘funcionários’ ”.
97
A Reforma do Ensino Superior em 1968 tem por objetivo, segundo COVRE
(1982), conferir ao sistema universitário uma espécie de racionalidade
instrumental, tendo por conseqüência o aumento da produtividade do sistema
econômico. Nesse contexto, a bandeira da democratização do ensino favorece a
expansão do ensino superior na década de 70. O governo, como vimos no
primeiro capítulo, incentiva a abertura de faculdades particulares que auxiliam a
ampliação desse nível de ensino. O acesso ao ensino superior representa a
possibilidade de ascensão social por parte da classe média. No entanto,
verificamos que o ensino superior é reduzido à formação técnico-
profissionalizante, por demanda do sistema econômico.
Dentre este pessoal de nível superior, requerido pelo sistema econômico, vimos destacando a necessidade do administrador, ao lado do economista, como técnicos com demanda específica pela organização sócio-econômico-política atual, assim como o foram o advogado, na fase agrário-exportadora de antes de 1930, e o engenheiro, no início do desenvolvimento urbano industrial. (...) o primeiro dado oficial que parece vir de encontro [sic] à nossa afirmação é que, logo após a Revolução de 1964, é regulamentada a profissão de administrador, ou seja, a lei n. 4.760, de 8 de setembro de 1965, regulamenta e dispõe sobre o exercício do técnico em Administração (COVRE, 1982, p. 79).
O surto de ensino superior30, em especial o de administração, é fruto da
relação que existe, de forma orgânica, entre essa expansão e o tipo de
desenvolvimento econômico adotado após 1964, calcado na tendência para a
grande empresa. Nesse contexto, tais empresas, equipadas com tecnologia
complexa e com um crescente grau de burocratização, passam a requerer mão-
de-obra de nível superior para lidar com essa realidade. Nos dias atuais, e no
cenário político-econômico no qual nosso objeto de pesquisa está circunscrito, não
30 Nomenclatura utilizada por COVRE (1982), MARTINS (1989) e ANDRADE & AMBONI (2002) para caracterizar o aumento do número de cursos de Administração na década de 60. A nossa pesquisa estuda o aumento do número de cursos em Curitiba e Região Metropolitana entre 1997 e 2002 e utilizamos o termo abertura indiscriminada.
98
percebemos essa relação direta para justificar a expansão dos cursos de
administração.
Para MARTINS (1989) o surgimento da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e a
criação da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo (USP)
marcaram o ensino e a pesquisa de temas econômicos e administrativos no Brasil,
contribuindo para o processo de desenvolvimento econômico do país. Estas
instituições ocuparam uma posição dominante no campo das instituições de
ensino de Administração, assim como de referência do posterior desenvolvimento
desses cursos. A idéia dos fundadores dessas instituições era criar um novo tipo
de intelectual, dotado de uma formação técnica capaz de revestir suas ações de
conhecimentos especializados, como uma estratégia indispensável ao
prosseguimento das transformações econômicas iniciadas em meados dos anos
30.
Ainda conforme MARTINS (1989), a FGV representa a primeira e mais
importante instituição que desenvolveu o ensino de administração. Sua origem
remonta à criação do Departamento de Administração do Serviço Público (DASP),
em 1938. Esse órgão tinha como finalidade estabelecer um padrão de eficiência
no serviço público federal e criar canais mais democráticos para o recrutamento
de recursos humanos para a administração pública, por meio de concursos de
admissão.
A idéia da criação da nova instituição foi bem acolhida pelo então presidente da República, Getulio Vargas, que autorizou o DASP a promover a abertura de uma entidade voltada ao estudo de princípios e métodos da organização racional do trabalho, visando à preparação de pessoal qualificado para a administração pública e privada. A instituição surgiu por meio do Decreto nº 6.933, próxima ao pólo dominante dos campos do poder político e econômico. (...) A criação da Fundação Getúlio Vargas ocorreu em um momento em que o ensino superior brasileiro deslocava-se de uma tendência européia para uma tendência norte-americana. Is to é evidente, uma vez que a FGV tem apresentado um vínculo entre seus organizadores e o ensino universitário norte-americano, de onde proveio a inspiração para estruturá-la em temos de fundação (ANDRADE & AMBONI, 2002, p.4)
99
Em 1948, representantes da FGV visitaram 25 universidades americanas
que mantinham cursos de Administração Pública, com o intuito de conhecer
diferentes formas de organização. O encontro entre os representantes da FGV e
professores norte-americanos visava a criação de uma escola voltada para o
treinamento de especialistas em Administração Pública. O fruto dessa relação foi a
Escola Brasileira de Administração Pública (EBAP), criada em 1952, no Rio de
Janeiro, com o apoio da ONU e da Unesco. A FGV agora preocupava-se em criar
um escola voltada para a preparação do administrador de empresas, vinculada ao
mundo empresarial, como objetivo de formar especialistas em técnicas modernas
de administração empresarial. Sendo assim, foi criada, em 1954, a Escola de
Administração de Empresas de São Paulo (EAESP). A FGV firmou um acordo
com o USAID no qual o governo norte-americano atuou junto a EAESP até 1965
com uma missão de professores da Universidade de Michigan. Portanto, o ensino
de administração no Brasil sofreu fortes influências norte-americanas,
evidenciadas nos currículos e bibliografias (MARTINS, 1989).
A partir da década de 60, a FGV também passou a oferecer cursos de pós-
graduação, em nível de especialização, em Economia, Administração de
Empresas e Administração Pública e Programas de Mestrado e Doutorado. Sendo
assim, era o centro formador de professores para atender à demanda das
instituições criadas no surto da expansão do ensino superior na década de 70.
Para não ficarmos apenas no âmbito descritivo da história dos cursos de
administração e avançarmos para uma análise contextual crítica, destacamos o
que COVRE (1982, p. 90), em relação à EAESP, faz questão de enfatizar,
(...) que EAESP possui uma posição de vanguarda. Esta, num primeiro momento, está relacionada à produção de bons profissionais, o que significa formar candidatos a cargos mais importantes na empresa, ou seja, postos importantes para o funcionamento do sistema sócio-econômico. Ao mesmo tempo, a realização desta posição deve exigir de sua clientela um bom nível intelectual. Pressupõe-se que para arcar com as condições exigidas ela proceda de grupos de nível sócio-econômico privilegiado ou pelo menos participe de forma vantajosa de bens culturais.
100
Considerando as palavras de COVRE, podemos deduzir que a EAESP
estava diretamente ligada aos grupos dominantes, visto o grau de exigência
cultural dos alunos. Portanto, “a EAESP tende a ocupar uma posição de destaque
na produção de profissionais qualificados para empresas, bem como sua clientela
parece participar de modo privilegiado dos bens econômicos e culturais” (COVRE,
1982, p.101). Mesmo assim, COVRE não caracteriza a EAESP como uma escola
de camadas médias altas por causa do sistema de bolsas lá mantido. Resta-nos
questionar se as bolsas também não seriam dadas para alunos das classes
médias altas.
Outra instituição relevante na história do curso de administração é a USP.
Em 1946, foi criada a Faculdade de Economia e Administração (FEA), que tinha
por objetivo formar funcionários para os grandes estabelecimentos de
administração pública e privada e surgiu para formar técnicos, altamente
especializados, para a gestão das empresas com vultosos capitais instaladas no
surto da industrialização no acelerado crescimento econômico do estado de São
Paulo (MARTINS, 1989).
Desde o início, a instituição procurou criar relações principalmente com a administração pública local. Estabeleceu contato com a Federação das Indústrias, com a Associação Comercial do estado e com a iniciativa privada. Tais relações permitiram que o quadro de professores desenvolvesse, além de suas funções didáticas, um trabalho de assessoria junto a organismos privados e na administração estatal. No interior da FEA, foram criados institutos que desempenharam um papel estratégico para sua articulação com o campo do poder econômico, na medida em que a instituição passou a prestar serviços a organismos públicos e privados. (...) A FEA, nos seus primeiros 20 anos, possuia apenas os cursos de Ciências Econômicas e Ciências Contábeis, e não oferecia os cursos de Administração. (...) Somente no início dos anos 60, a FEA sofreu algumas alterações estruturais, dando origem ao Departamento de Administração. (...) embora ainda não existisse o curso de graduação. Isto só veio ocorrer em 1963, quando a Faculdade passou a oferecer os cursos de Administração de Empresas e Administração Pública (ANDRADE & AMBONI, 2002, p.6-7).
101
A EBAP e a EAESP, criadas pela FGV, e a FEA são as instituições
referência do ensino de administração no Brasil. Primeiro pelo pioneirismo e
depois pela forte identidade construída por cada uma delas. É importante ressaltar
que o momento histórico no qual surgiram é relevante. As duas primeiras foram
criadas no momento histórico no qual o Estado procurou conduzir uma política
econômica baseada na criação de empresas estatais e empresas privadas
nacionais, enfatizando o nacional-desenvolvimentismo. Já a FEA foi criada num
momento em que as grandes empresas multinacionais haviam se consolidado no
mercado interno nacional.
ANDRADE & AMBONI (2002) se aproximam da discussão do nosso objeto
de pesquisa demonstrando que a criação e a evolução dos cursos de
administração na sociedade brasileira, no seu primeiro momento, se deram no
interior de instituições universitárias, fazendo parte de um complexo de ensino e
pesquisa, sendo assim, essas escolas transformaram-se em pólos de referência
para a organização e funcionamento desse campo. No final da década de 60, a
evolução dos cursos de administração ocorreu não mais vinculada a instituições
universitárias, mas às faculdades isoladas que se proliferaram no bojo do
processo de expansão privatizada na sociedade brasileira. Já discutimos no
primeiro capítulos os antecedentes históricos e políticos dessa expansão, por isso
não mais os retomaremos aqui.
Os fatos históricos e políticos das décadas de 60 e 70 se refletiram
quantitativamente no ensino superior. Notamos significativa repercussão no ensino
de administração. “Em menos de 30 anos, os cursos de administração alcançaram
dimensões significativas. De dois cursos em 1954 passou-se para 31 em 1967 e
177 em 1973. Os dados mais recentes disponíveis (1978) indicam a existência de
244 cursos de graduação” (CASTRO, 1981, p.58). Portanto, quando investigamos
a expansão dos cursos de administração, verificamos que não é um fato de hoje, e
que na década de 70, por exemplo, o crescimento numérico da área de
administração destoava do ensino superior como um todo.
Entre 1973 e 1978, por exemplo, enquanto o ensino superior como um todo cresceu 57%, em total de matrículas, a área
102
de administração cresceu 100%, passando de 59 mil para 118mil alunos, um aumento médio de 15% ao ano. Desta forma, esta área, que abrigava, em 1973, 7,5% da população universitária brasileira, hoje abriga 9.31%. Este crescimento se deu através da abertura de novos cursos e do aumento de vagas nos cursos já existentes (CASTRO, 1981, p.58)
Um dos aspectos destacados por ANDRADE & AMBONI (2002) na
expansão dos cursos de Administração é a considerável participação da rede
privada nesse processo, ocorrida a partir do final dos anos 70. No início da década
de 80, o sistema particular era responsável por aproximadamente 79% dos alunos,
ficando o sistema público com o restante. O mesmo ocorre nas demais áreas do
conhecimento, onde a distribuição é de 61% para a rede privada. Outro aspecto é
que, ao contrário das primeiras escolas, que nasceram próximas aos campos do
poder econômico político, as novas escolas, de maneira geral, nasceram
eqüidistantes das expectativas e dos grupos que ocupam posições dominantes
nesses campos.
ANDRADE & AMBONI (2002) destacam que essas novas escolas surgiram
a partir da iniciativa daqueles que atuavam no setor educacional, aproveitando o
momento em que o Estado pós-64 abriu um grande espaço para a iniciativa
privada, visando atender à crescente demanda de acesso ao então ensino de 3º
grau. Para os empresários da educação, a abertura dos cursos apresentava-se
vantajosa, uma vez que eles poderiam ser estruturados sem muitos dispêndios
financeiros. A tabela a seguir demonstra a evolução do número de cursos de
Administração desde a década de 60.
103
TABELA 2 – EVOLUÇÃO DO NÚMERO DE CURSOS DE ADMINISTRAÇÃO NO
BRASIL POR DÉCADAS
DÉCADAS NÚMERO DE CURSOS
Antes de 1960 2
1960 31
1970 247
1980 305
1990 823
2000 até 200231 1426
Fonte: Elaboração própria a partir da tabela apresentada por ANDRADE & AMBONI (2002) complementada pelos dados do Censo da educação superior 2002 MEC/INEP/DAES.
Segundo MARTINS (1989), observa-se uma relação assimétrica, em que as
primeiras escolas de Administração, como tendência, produziram para o setor
público e privado uma elite administrativa vinculada aos pólos dominantes dos
campos do poder político e econômico. Por outro lado, as novas instituições têm
produzido os quadros médios para as burocracias públicas e privadas que, em
função de sua complexidade, necessitam de pessoal para suas rotinas, isto é, um
pessoal treinado para as questões econômico-administrativas.
Essa relação ambivalente entre as pioneiras e tradicionais instituições e as
instituições emergentes conduz-nos à reflexão sobre para quem e para que estão
sendo formados os novos administradores. Aquele estereótipo do administrador
formado para grandes corporações, o executivo, fica apenas no plano dos sonhos
para os alunos das instituições marginais32.
Considerando estes aspectos, ANDRADE & AMBONI (2002) sugerem
então, que a preocupação não deve estar voltada à preparação de profissionais
para empresas privadas. No momento em que o Brasil se encaminha para a
efetividade de uma sociedade democrática, parece oportuno defender a formação
de um profissional capaz de atuar em outras formas organizacionais, como
31 Dados obtidos a partir do Censo da Educação Superior divulgado em 2002. São Computados Cursos de Comércio e Administração e Cursos de Gerenciamento e Administração, portanto estão inseridas nesse total as habilitações ofertadas. 32 Chamamos de marginais essas novas instituições que estão surgindo no mercado e que não estabelece nenhuma relação de parceria com empresas para fornecimento de mão-de-obra qualificada, limitando-se apenas ao ensino sem ao menos possibilitar ao aluno o contato com o mundo profissional corporativo.
104
associações de bairros, cooperativas, pequenas empresas e outros campos novos
à espera de formas organizacionais inovadoras, além do seu tradicional campo
nas empresas.
Esta preocupação de preparar o aluno para as novas formas
organizacionais e melhorar a qualidade do curso, se materializou na elaboração
do currículo mínimo para os cursos de administração. A aprovação do novo
currículo mínimo aconteceu em 1993 e foi resultado da soma de esforços do
Conselho Federal de Administração (CFA) e da Associação Nacional dos Cursos
de Graduação em Administração (ANGRAD). Tal fato marca um novo ciclo
histórico e político do Curso de Administração.
A administração deve responder não somente às necessidades do mercado de trabalho, mas também mudar seu enfoque de solucionador de problemas, reprodutor das forças produtivas e das relações sociais, para promotor de novas relações produtivas e sociais, constituindo-se em agente transformador capaz de ajustar-se com rapidez aos avanços das ciências e da tecnologia no estabelecimento de uma nova ordem. (...) é imperioso que se consolide na ação educativa a convicção de que precisamos educar para o desconhecido, ante um mundo de complexidade crescente que se transforma rapidamente. (...) a incorporação de algumas características intelectuais indispensáveis a um moderno curso de administração, como comunicação interpessoal, ética profissional, capacidade de adaptação, é uma das exigências dos dias de hoje. (...) significa imprimir a esse currículo, não uma arquitetura monolítica, mas uma construção que, sendo organicamente articulada, também seja permeável às demandas de entradas e reentradas (ANDRADE & AMBONI, 2002, p. 13-15)
Até aqui fizemos uma reconstrução histórica do curso de administração no
Brasil. Culminamos com o destaque à reformulação curricular ocorrida em 1993
que propôs um currículo mínimo para o curso. Após esse momento, o curso ainda
passou a fazer parte do Exame Nacional de Cursos e após a LDB 9.394/96 foram
desenvolvidas as Diretrizes Curriculares para o curso por recomendação do MEC.
Não entraremos em discussão sobre o currículo e as diretrizes porque não é
nosso objeto de estudo. A partir de agora, discutiremos mais especificamente a
105
expansão no número de cursos de Administração em Curitiba e Região
Metropolitana entre os anos de 1997 e 2002.
3.2 A EXPANSÃO DOS CURSOS DE ADMINISTRAÇÃO EM CURITIBA E
REGIÃO METROPOLITANA NO PERÍODO DE 1997 A 2002: DISCUSSÃO
CONTEXTUAL
No item anterior conseguimos identificar na literatura que a expansão dos
cursos de Administração acompanhou o surto da expansão do ensino superior na
década de 70 superando-o inclusive. Acreditamos que os dados apresentados
contribuíram para a elucidação do nosso problema de pesquisa. Esta questão não
é um fenômeno próprio de Curitiba e Região Metropolitana como também não
acontece apenas nos dias atuais. A expansão vem ocorrendo exponencialmente
desde o surgimento do curso. É certo que no início estava ligada ao espírito
nacional desenvolvimentista, posteriormente à internacionalização da economia e
nos dias atuais é justificada pelo baixo investimento financeiro necessário à
abertura do curso, constituindo-se em um curso com maior expansão no quadro
da educação superior.
O Ministério da Educação e Cultura, por meio do INEP, controla o número
de Instituições de Ensino Superior no Brasil e nas unidades da federação.
Anualmente é realizado o Censo da Educação Superior. Neste é apresentada a
radiografia da Educação Superior do país. A cada ano que passa vem crescendo
o número de instituições e cursos, fazendo com que o censo fique cada vez mais
complexo e maior. A partir dos dados divulgados pelo censo construímos uma
tabela comparativa que permite observarmos a evolução do número de cursos e
vagas para o curso de administração no Brasil e especialmente na unidade
federativa Paraná. O censo não apresenta dados específicos por cidade. E à
medida que os anos foram se passando também deixaram de apresentá -los por
unidade federativa.
106
TABELA 3 – EVOLUÇÃO DOS CURSOS DE ADMINISTRAÇÃO NO
PERÍODO DE 1997-2002
1997 1998 1999 200033 2001 2002
Nº Cursos 461 549 776 98934 1205 1413
BRASIL Vagas
Oferecidas 83.920 99.338 123.393 179.929 209.769 313.423
Nº cursos 36 46 (1) PARANÁ
Matrículas 16.564 19.349 (1) a partir de 1999 no Censo da Educação Superior não há especificado o número de cursos por unidade federativa como também não há o número de matriculas, portanto, não conseguimos compilar para demonstrar na tabela. Fazendo uma pesquisa, no site do INEP, de IES que oferecem o curso de Administração, sabemos que, neste ano de 2005, existem 236 cursos/habilitações de Administração no estado do Paraná. FONTE: Elaboração própria a partir de dados obtidos no Censo da Educação Superior realizado pelo MEC/INEP.
Como nossa pesquisa se limita à análise da expansão do número de cursos
de administração em Curitiba e Região Metropolitana buscamos os dados,
também no Censo da Educação Superior fornecidos pelo INEP, no site, referidos à
esta delimitação geográfica. Demonstramos na Tabela 4 o número de IES que
surgiram em Curitiba e Região Metropolitana e no período em estudo e na Tabela
5 a evolução no número de cursos de administração e vagas oferecidas. Antes, é
importante que definamos o espaço geográfico da nossa pesquisa. A partir de
agora denominaremos de Região Metropolitana de Curitiba – RMC a área formada
por Curitiba, capital do Paraná e os 25 municípios circunvizinhos; destes apenas 7
(sete) possuem IES conforme a tabela.
33 A partir de 2000 passou a existir no Censo a Área de Ciências Sociais e detalhamento da Área sendo nomeado de Gerenciamento e Administração este comporta o curso de Administração e suas ênfases/habilitações. Em 2000 existiam 28 habilitações e em 2001 e 2002 32 habilitações mais a Administração Geral. 34 O número de cursos e vagas é relativo ao somatório de cursos e de vagas em Administração Geral e suas habilitações.
107
TABELA 4 – EVOLUÇÃO DO NÚMERO DE IES E DE VAGAS NA RMC
1997 1998 1999 2000 2001 2002 Municípios
da RMC IES Vagas IES Vagas IES Vagas IES Vagas IES Vagas IES Vagas
Araucária 1 300
Campina
Grande do
Sul
1 480
Campo
Largo
1 200 320 160
Colombo 1 400
CURITIBA 14 21.860 3 2.440 2 9.512 5 6.040 6 8.310 10 7.338
Lapa 1 100 200 200
Pinhais 1 800
São José
dos
Pinhais
885 1 810 175 1 400
FONTE: Elaborada pelo autor a partir de dados do MEC/INEP e de LOCH (2004)
Nos dados apresentados na tabela acima verificamos não só o número de
instituições novas como também o número de novas vagas. Isto implica dizer que
instituições já existentes solicitaram aumento do número de vagas e/ou criaram
novos cursos. Na nossa pesquisa o interesse, conforme ficou claro na introdução
do trabalho quando falamos da metodologia, é em relação às instituições que
foram autorizadas para funcionamento e iniciaram as atividades do curso de
Administração no período entre 1997 e 2002; portanto, os dados da Tabela 5
dizem respeito à nossa população. Vale ressaltar que os dados foram obtidos a
partir de pesquisa no site do INEP fazendo uma busca por nome de instituição.
Após encontrarmos a instituição verificamos a data que consta do início de
funcionamento e número de vagas autorizadas. É importante destacarmos que,
quando fizemos a pesquisa nas instituições, a informação obtida em uma delas foi
108
diferente da obtida no INEP, ou seja, a instituição diz que começou efetivamente
suas atividades em 2003, no entanto para o INEP consta 2002.
TABELA 5 – EVOLUÇÃO DO NÚMERO DE CURSOS DE
ADMINISTRAÇÃO E VAGAS AUTORIZADAS NO PERÍODO 1997-2002
ANO Nº DE IES VAGAS
AUTORIZADAS(1)
Nº DE CURSOS E
HABILITAÇÕES
1997 0 0 O
1998 1 300 4
1999 4 1150 11
2000 4 1950 20
2001 5 1360 10
2002 9 1800 14
TOTAL 23 6560 59
FONTE: Elaboração própria a partir da pesquisa. (1) Todos os cursos receberam autorização para funcionamento semestral, portanto o número de vagas por ano é este valor multiplicado por 2.
A análise da tabela acima nos diz que o número dos cursos aumentou
significativamente pela possibilidade de criação do curso de administração com
ênfases35. Encontramos na pesquisa além do curso de Administração de
empresas e Administração Geral os seguintes cursos: Gestão de negócios
Internacionais, Marketing, Comércio Exterior, Gestão da Informação, Gestão de
Negócios, Gestão Ambiental, Gestão Hoteleira, Gestão da Produção Cultural,
Gestão da Qualidade, Administração Rural, Hotelaria, Gestão Comercial,
Finanças, Gestão de Sistemas de Informação, Análise de Sistemas, Logística,
Negócios da Internet, Sistemas de Informação Gerencial e Produtos e Serviços.
Esta variedade de cursos demonstra o quanto a Administração está especializada
e orientada para novos negócios, desligando-se da idéia apenas de formar o
administrador para grandes corporações. No entanto, há um fato que não
35 Desde o início do nosso trabalho mencionamos o curso de Administração e suas ênfases, porém até então não havíamos explicado o que se entende por ênfase. No contexto atual, as ênfases surgiram das habilitações que o administrador pode fazer. Agora o MEC entende cada ênfase como um novo curso.
109
podemos negar, muitas instituições oferecem o curso com uma nova
nomenclatura, mas o currículo do curso não acompanhou a mudança,
permanecendo com a característica de Administração Geral.
A tabela nos mostra apenas o crescimento durante o período estudado.
Quando somados aos índices, as instituições e vagas criadas antes e após o
período delimitado no estudo, torna-se exponencialmente significativo o universo
de cursos e vagas do ensino superior de administração. Surgem então algumas
indagações em relação à qualidade desses cursos, à saturação da profissão no
mundo do trabalho, à infra-estrutura das instituições, à quantidade de especialistas
para lecionar, ao próprio sentido do ensino superior. Enfim, são inúmeros que não
discutiremos por não ser nosso objeto de pesquisa, mas que achamos
necessários elencá-los.
A pesquisa também contou com uma etapa de campo, conforme já
mencionamos na introdução. Entramos em contato com as instituições e
solicitamos o Projeto Político Pedagógico para analisarmos a justificativa
apresentada e dali retirarmos mais elementos que contribuíssem para elucidação
do nosso problema de pesquisa. Nosso intuito era pesquisar toda a nossa
população assim como o fizemos pela Internet no site do INEP. Fomos muito bem
atendidos, por telefone, nas 23 instituições, apenas 22 seriam analisadas,
conforme já explicamos acima.
Tivemos duas grandes surpresas quando da visita presencial: a primeira
surpresa foi constatar que o MEC não exige no Projeto Político Pedagógico, para
autorização e reconhecimento de cursos de graduação, o item Justificativa,
portanto, não encontramos os elementos que desejávamos. Fomos ao site do
MEC, no link da SESU que fala dos padrões de qualidade para os cursos de
graduação, especificamente o de Administração. Lá encontramos as orientações
para elaboração do Projeto Pedagógico do curso e confirmamos a informação
recebida das instituições visitadas.
O Projeto Pedagógico do curso enviado para solicitação de autorização,
segundo a SESU deve conter os seguintes itens: a) informar a missão/finalidade
do curso; b) informar os objetivos do curso; c) apresentar o perfil do egresso
110
pretendido; d) apresentar a grade curricular do curso/habilitação por semestre/ano;
e) apresentar o quadro resumo com o total de horas das disciplinas de Formação
Básica, Instrumental, Profissional e Complementar; f) apresentar os ementários
das disciplinas e as bibliografias básicas; g) apresentar o quadro-resumo das
disciplinas por semestre, professor, titulação e experiência profissional acadêmica
e não acadêmica; h) definir a política de estágio supervisionado; i) caracterizar o
processo de integração ensino, pesquisa e extensão; j) explicitar o sistema de
avaliação do processo ensino/aprendizagem; k) relacionar as atividades
complementares de ensino, pesquisa e extensão, com destaque para as
atividades da Empresa Júnior; l) explicitar o envolvimento com a comunidade:
indicar as parcerias.
Como podemos ver, o modelo de projeto enfatiza itens mais descritivos que
pressupostos filosóficos. Realmente inexiste o item justificativa. Para nossa
surpresa, o próprio Ministério quando sugere o modelo de projeto para cursos
tecnólogos, diferentemente dos cursos de graduação, “exige” ao menos três
laudas de justificativa que contemple a implantação do curso amparada por um
estudo de tendências econômicas, tecnológicas e demandas fundamentado em
informações sobre o curso no Brasil e na região.
Isso foi importante, pois já conseguimos chegar a indícios de uma
conclusão. O próprio Ministério legitima a abertura indiscriminada quando não
exige que as instituições apresentem uma justificativa calcada na demanda, nos
pressupostos filosóficos, no cenário político-econômico social no qual estão
inseridas.
A nossa segunda surpresa foi em relação à receptividade da nossa
presença nas instituições. Infelizmente, e esta é uma limitação da nossa pesquisa,
não tivemos acesso aos Projetos Pedagógicos das Instituições. Apesar de
estarmos munidos de um documento da Universidade nos apresentando como
pesquisadores, a maioria delas resistiu à nossa presença. Em algumas o
coordenador do curso nem sequer nos recebeu, outras nos receberam e
mostraram o projeto permitindo-nos manipulá-lo e lê-lo lá mesmo, outras
prometeram nos enviar por e-mail, outras falaram que era um documento interno,
111
portanto não poderia ser disponibilizado e apenas duas disponibilizaram a cópia
física.
O que percebemos com a leitura dos projetos aos quais tivemos acesso é
que eram meramente técnicos e não continham informações que nos ajudassem a
responder ao nosso problema de pesquisa. Eram muito parecidos entre si, pois
seguiam o modelo estipulado pelo Ministério. Apenas um projeto mencionava a
existência de empresas na região na qual a instituição está localizada que
poderiam absorver o graduado, mesmo assim sem fazer uma relação direta.
Portanto, diferente da expansão ocorrida na década de 70, justificada pela entrada
de empresas tecnologicamente desenvolvidas que necessitavam de burocratas e
estes seriam formados pelas escolas de administração, agora, no período de 1997
a 2002, a expansão se justifica meramente por uma possibilidade mercadológica,
pois o alto nível de informatização das empresas faz com que as mesmas não
absorvam a mão de obra qualificada; ao contrário, a informatização está elevando
o índice de desligamentos.
A falta de receptividade das instituições, o tratamento dispensado a nós
denota por um lado, a falta de tradição em pesquisa do nosso país e, por outro
lado, a insegurança e o medo das instituições com o fornecimento de informações
que venham comprometê-las ou favorecer a concorrência. Pelo menos, essa foi a
impressão que tivemos. O mercado é muito competitivo e qualquer informação
pode ser determinante para o sucesso. Parece até paradoxal, por um lado as
instituições são praticamente iguais, em relação aos projetos pedagógicos, que
são os instrumentos delimitadores do perfil do formando, por outro, elas querem
ser diferentes umas das outras “escondendo” essas mesmas informações que
parecem ser tão óbvias.
Como pesquisadores e analisando o contexto em suas contradições
poderíamos então dizer que essa expansão de cursos de administração estaria
visando a preparação do administrador para o terceiro setor, para a pequena
empresa, para os negócios virtuais, enfim, para atender às novas demandas.
Porém esta justificativa não está explicita para as instituições. Podemos perceber
estas tendências, pois dos 59 novos cursos autorizados no período delimitado por
112
nossa pesquisa, 10 são de Comércio Exterior ou Administração de Negócios
Internacionais, uma demanda da globalização; 7 são relacionados à gestão da
informação e dos sistemas de informação. Por isso, até mesmo para o alunado
que está matriculado nesses cursos emergentes, as possibilidades de trabalho
ainda não estão evidentes.
Contudo, LOCH (2004, p.127-130) em sua dissertação aponta algumas
justificativas mais óbvias que os gestores das 28 IES que ele pesquisou
apresentaram, justificando a expansão das instituições na RMC. De modo geral
são: a facilidade de abrir uma IES proporcionada pelo governo de Fernando
Henrique Cardoso e pela nova LDB 9.394/96 e o não planejamento e controle da
abertura das IES privadas; a demanda reprimida existente decorrente do não
acompanhamento do número de vagas do ensino superior ao número de egressos
do ensino médio, por falta de investimentos do poder público nas instituições
públicas e por fim, a necessidade de mão-de-obra qualificada por parte das
indústrias.
Algumas dessas justificativas são plausíveis para o contexto político-
econômico e social do período de 1997 a 2002, outras, como por exemplo, a
necessidade de mão de obra qualificada, está mais adequada à expansão
ocorrida na década de 70. Apesar de não termos dados que nos subsidiem num
posicionamento mais consistente, à primeira vista, isso demonstra uma certa falta
de visão por partes dos gestores que ele pesquisou, que parecem muito mais
investidores de capital na educação do que propriamente gestores educacionais
com qualificação para o exercício da função.
Portanto, é notório que não há uma relação mais estreita entre as escolas
de formação de administradores com as empresas, por isso não são instituições
orientadas para o mercado. O boom de cursos de administração ocorreu pelas
facilidades legais e pouco investimento financeiro inicial. É bem verdade que se as
instituições desenvolverem um projeto pedagógico para seu reconhecimento junto
ao MEC que evidencie a preocupação em formar o administrador com perfil
adequado ao atual mundo do trabalho poderão marcar de forma positiva a história
113
da educação superior no Brasil. Caso contrário, essa expansão não passará de
uma abertura indiscriminada de cursos.
Neste capítulo acompanhamos a evolução histórica da administração como
curso superior e chegamos até o cerne no nosso problema de pesquisa que é o
porquê da expansão dos cursos em Curitiba e Região Metropolitana no período
entre 1997 e 2002. Apresentamos os índices da expansão e os elementos obtidos
na pesquisa de campo. A seguir, nas considerações finais, temos condições
depois de toda essa discussão teórico-empírica, construída ao longo dos três
capítulos, de responder o nosso problema de pesquisa e verificar o cumprimento
dos objetivos propostos.
114
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Chegamos ao final de nossa pesquisa. E ao olhar para trás vemos que o
caminho percorrido foi traçado ao caminhar. A caminhada foi estruturada de modo
que agora podemos responder o problema de pesquisa proposto e cuja resposta
vem dos elementos teórico-prático levantados ao longo da construção dos três
capítulo do trabalho. Relembramos que nosso problema de pesquisa era: Por que
o número de cursos de Administração foi expandido significativamente no período
de 1997 a 2002 em Curitiba e Região Metropolitana?
Para chegarmos ao entendimento do nosso problema de pesquisa
propusemos alguns objetivos. O primeiro foi apresentar sumariamente a história
da Educação Superior no Brasil, no Paraná e em Curitiba e Região Metropolitana.
Vimos que a Educação Superior no Brasil iniciou-se no século XIX devido a vinda
da Côrte durante as invasões napoleônicas. Até então a educação superior dos
brasileiros acontecia em Portugal. Percebemos, que desde a gênese, a educação
superior no Brasil foi para atender aos interesses da classe dominante e não de
democratização do conhecimento e construção de uma alta cultura. O Paraná foi
um dos estados pioneiros a desenvolver educação superior nos moldes de
Universidade, mas por questões políticas, historicamente alguns autores negam
esse pioneirismo. E na RMC, até 1998 só existia educação superior em Curitiba;
os demais municípios não possuíam IES. Registramos que 7 (sete) municípios já
possuem IES e que todos ofertam o curso de administração.
O segundo objetivo específico era discutir quais os fatores locais e
nacionais que favoreceram a abertura indiscriminada desses cursos.
Nacionalmente, tivemos a industrialização e a necessidade de formar a burocracia
especializada para atender às exigências das empresas multinacionais e das
nacionais pressionadas a se inovarem tecnologicamente. Houve um surto
privacionista da educação superior, incentivado pelo Estado, por falta de
condições de expandir a rede pública, como também incentivar a iniciativa privada
e aumentar a arrecadação do Estado. No período delimitado na pesquisa
115
observamos um novo surto, agora impulsionado por recomendações de órgãos
internacionais que compõem o governo global para elevação da escolaridade dos
países de economia emergente como exigência para continuação das relações
comerciais. A legislação educacional brasileira foi modificada em 1996, originando
a Lei nº 9394/96 que, entre outros aspectos, flexibiliza a natureza das IES criando
novas modalidades, como os Centros Universitários, que é isento da
responsabilidade de pesquisa, mas com um status quase de Universidade tendo
autonomia para criar cursos. Observamos, também, incongruentemente, uma
elevação no número de egressos da educação básica pública e não aumento das
vagas na educação superior pública aguçando o interesse capitalista de alguns
grupos e empresários da educação. Sendo assim foram criadas inúmeras IES e
uma diversidade de cursos e habilitações, especificamente na Administração.
Para alcançar nosso quarto objetivo específico – identificar os
determinantes do contexto político e econômico da esfera macro e micro social
que legitimaram essa expansão – recorremos à literatura e percebemos que os
determinantes do contexto político e econômico da esfera macro social são o
neoliberalismo e a globalização. Percebemos que estes dois fatores estão
impregnados não só as políticas públicas micro sociais como também no discurso
de alguns gestores da educação. Indicadores como qualidade, produtividade,
competitividade foram propulsores da livre concorrência no setor da educação
superior que está sendo reduzido a um “mercado de ensino superior”. O próprio
governo legitimou e legalizou esses indicadores com a criação, por exemplo, do
sistema de avaliação do ensino superior “Provão” atualmente denominado
ENADE.
O quinto objetivo foi plenamente atingindo – compreender as políticas
educacionais que legalizaram e legitimaram essa expansão de cursos de
Administração – quando resgatamos que a primeira política desenvolvida foi a
Reforma do Ensino Superior, Lei nº 5540/68, e em 1996 as novas modalidades de
instituições de educação superior, bem como as novas modalidades de educação
superior em menor tempo.
116
Vimos que a Administração como curso superior, no Brasil, é muito recente;
o primeiro curso foi iniciado em 1952, para formar uma elite burocrata para
administrar o setor público, e posteriormente, com ênfase na formação do
burocrata para o exercício das funções especializadas nas grandes empresas.
Destacamos que o modelo norte-americano foi o seguido pelas primeiras escolas
de Administração – EBAP, EAESP e FEA – e que nos dias atuais o modelo de
acadêmico da administração ainda é o mesmo porém com uma grande diferença,
as novas instituições, e aqui se enquadram as estudadas em nossa pesquisa, têm
produzido os quadros de médios burocratas, formados para resolver as questões
econômico-administrativas, enquanto as primeiras escolas formavam e ainda
formam uma elite administrativa vinculada aos pólos dominantes do poder político
e econômico. Assim, cumprimos nosso sexto objetivo específico – apresentar a
trajetória histórico-acadêmica da Administração na Educação Superior no Brasil.
O sétimo objetivo de nossa pesquisa era investigar quais as justificativas
apresentadas no projeto pedagógico das instituições para a abertura dos cursos –
este não foi plenamente alcançado por limitações operacionais. Quando in locu,
descobrimos que o MEC não exige o item Justificativa nos projetos de autorização
de cursos de graduação das IES. Não encontramos as justificativas explícitas para
a abertura dos cursos devido à não existência do item. Nos deparamos com a
resistência das IES em disponibilizar os projetos para uma análise de conteúdo do
texto do projeto. Contudo, contatamos que a natureza dos projetos é praticamente
técnico-descritiva conforme apresentamos no terceiro capítulo.
Mesmo assim, a partir dos projetos analisados, tanto daqueles
disponibilizados apenas no momento da visita à IES, quanto daqueles gentilmente
disponibilizados, pudemos constatar que não existe a consciência da importância
da abertura do curso por parte da IES. A existência do mesmo se justifica por si
mesma como sendo uma condição natural e oportunidade mercadológica.
Algumas ainda apresentam palavras soltas nos itens caracterização do curso,
objetivos e concepção que indicam uma sintonia com as exigências do mundo em
transformação e apontam para a perspectiva de que a administração é a profissão
do futuro, oportunamente com adaptações curriculares e surgimento de novas
117
nomenclaturas e novos cursos como vimos com a predominância das ênfases
Comércio Exterior, decorrente da globalização, e Gestão da Informação e dos
Sistemas nos novos 59 cursos abertos no período delimitado para a pesquisa.
Toda pesquisa apresenta limitações. A nossa grande limitação foi não
termos conseguido analisar todos os projetos pedagógicos das instituições de
ensino superior que iniciaram suas atividades no período delimitado pela
pesquisa. Talvez se tivéssemos acesso aos projetos das 23 IES teríamos
realizado uma análise de conteúdo mais apurada e, apesar da objetividade com
que são escritos, sendo muito técnicos para responder às exigências do MEC,
encontrado elementos que nos amparassem melhor em relação às nossas
conclusões. Palavras como globalização, produtividade, paradigmas, inserção,
empreender, visão, entre outras, encontradas nos projetos analisados, se
encontradas naqueles não analisados por causa do acesso negado, poderiam
justificar, implicitamente, que a expansão ocorreu por uma necessidade de
preparar melhor as pessoas para gerirem o mundo caracterizado pela incerteza. A
administração é um curso que abre uma série de possibilidades de informação e
formação do cidadão, assim como uma série de possibilidades de trabalho. É uma
das ciências do futuro. Essa é uma visão otimista que justifica uma expansão
planejada.
Por outro lado, outra limitação da pesquisa, se assim podemos dizer, para
não falar frustração, é que essa expansão não é própria da RMC, nem tão pouco
do período histórico delimitado. A literatura apontou-nos que desde a
regulamentação da profissão, na década de 60 do século passado, a
Administração sofre anualmente saltos quantitativos no número de cursos,
justificados pelo baixo investimento em infra-estrutura. Portanto, o curso que
historicamente desencadeou o processo de interiorização e expansão do ensino
superior no Brasil.
Apesar dessa expansão historicamente recém acumulada dos cursos de
administração pelo país, como pesquisadores, sugerimos que sejam tomadas
algumas providências de regulação desse aspecto expansionista, a partir da
criação de alguma ferramenta de avaliação. É neste ponto que, ao final desta
118
investigação, vimos uma possibilidade de desenvolvimento de pesquisas futuras,
inclusive em nível de doutorado, sobre o desenvo lvimento de um mecanismo de
avaliação continuada dos cursos superiores, não apenas os de administração, que
garantam a qualidade e efetividade da formação em nível superior do graduando.
Como sugestões preliminares acreditamos que essa avaliação sistemática deva
ser descentralizada, saindo do controle da SESU para a co-responsabilidade e
parceria com as universidades do sistema de educação superior desde que:
ü Sejam instituições de excelência comprovada, comprometida
seriamente com a pesquisa, o ensino e a extensão;
ü Constituam equipes de especialistas e multiplicadores locais para
acompanhar o desenvolvimento das atividades didático-pedagógicos
e profissionais;
ü Desenvolvam indicadores de mensuração semelhantes aos
indicadores da CAPES para a pós-graduação, mas sem
corporativismo ou cartelização;
ü Os cursos precariamente avaliados sejam obrigados a melhorar a
qualidade ou então serem efetivamente fechados sem ônus para os
graduandos matriculados.
ü Seja desenvolvido um mecanismo de intercâmbio entre as
instituições para a socialização de melhores práticas.
Além da possibilidade de pesquisar sobre a avaliação dos cursos,
sugerimos também a discussão sobre a formação pedagógica continuada para
o professor de administração, pois é um professor que tem uma formação
pedagógica muito aligeirada que pode alijar o processo de ensino -
aprendizagem, implicando na não qualidade na formação do graduado.
Com isso, resgatamos o nosso objetivo geral – entender por que o
número de cursos de Administração foi expandido significativamente no período
de 1997 a 2002 em Curitiba e Região Metropolitana – e chegamos a conclusão,
não definitiva, mas por hora, a partir dos elementos construídos com a
pesquisa, que o número de cursos de administração foi expandido
119
significativamente no período de 1997 a 2002 em Curitiba e Região
Metropolitana porque a estrutura político-social-econômica foi favorável; porque
o número de vagas na rede pública de ensino não aumentou e a demanda
decorrente de uma elevação de egressos da educação básica cresceu
exponencialmente; porque o sistema de acesso e financiamento foi flexibilizado,
atendendo às recomendações do Banco Mundial e da UNESCO; porque a RMC
de Curitiba não possuía IES e sendo o curso de administração um curso com
possibilidades de emprego, em sintonia com as tendências do mundo do
trabalho e de baixo investimento financeiro para abertura tornou-se a
possibilidade concreta de expansão; enfim, a pesquisa mostrou não ser este um
fenômeno localizado e sim globalizado, entendendo o global como sendo o
país. No entanto, alertamos para a necessidade urgente do desenvolvimento de
um sistema de avaliação que DISCRIMINE a expansão dos cursos, questione o
“varejo”, e preste contas à sociedade, maior acionista desse bem que é a
Educação Superior.
120
REFERÊNCIAS
AFONSO, Almerindo Janela. Reforma do estado e políticas educacionais: entre a
crise do Estado-nação e a emergência da regulação supranacional. Educação &
Sociedade, ano XXII, n. 75, Agosto/2001, p. 15-32.
ALVES-MAZZOTTI, Alda Judith; Fernando, GEWANDSZNAJDER. O método nas
ciências naturais e sociais: pesquisa quantitativa e qualitativa. São Paulo: Pioneira
Thomson Learning, 2002.
AMARAL, Nelson Cardoso. Financiamento da Educação Superior: Estado x
Mercado. São Paulo: Cortez; Piracicaba: Editora UNIMEP, 2003.
ANDRADE, Rui Otávio Bernardes de.; AMBONI, Nério. Projeto Pedagógico para
cursos de Administração. São Paulo: Makron Books, 2002.
BALL, Stephen. Performatividade, privatização e o pós-Estado do bem-estar.
Educação & Sociedade, Campinas vol. 25, n. 89, Set/Dez. , 2004, p. 1105-1126.
BIANCHETTI, Roberto. Modelo neoliberal e políticas educacionais. 3ed. São
Paulo: Cortez, 2001.
BUARQUE, Cristovam. A aventura da universidade. São Paulo: Editora da
Universidade Estadual Paulista; Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994.
CARCANHOLO, Marcelo Dias. Neoliberalismo e o Consenso de Washington: a
verdadeira concepção de desenvolvimento do governo FHC. In: MALAGUTI,
Manoel L.; CARCANHOLO, Reinaldo A.; CARCANHOLO, Marcelo D. (orgs).
Neoliberalismo: a tragédia do nosso tempo. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2002.
CASTRO, Cláudio de Moura. O ensino da administração e seus dilemas: notas
para debate. Revista Administração de Empresas. Rio de janeiro, V. 21, n. 3, p.58-
61, jul/set. 1981.
CATANI, Afrânio Mendes (org). Universidade na América latina: tendências e
perspectivas. São Paulo: Cortez, 1996.
121
__________ (org). Novas perspectivas nas políticas de educação superior na
América Latina no limiar do século XXI. Campinas: Autores Associados, 1998.
CATANI, Afrânio Mendes; OLIVEIRA, João Ferreira de; DOURADO, Luiz
Fernandes. Política educacional, mudança no mundo do trabalho e reforma
curricular dos cursos de graduação no Brasil. Educação & Sociedade, ano XXII, n.
75, Agosto/2001, p. 67-83.
CATANI, Afrânio Mendes; OLIVEIRA, João Ferreira. Educação Superior no Brasil:
reestruturação e metamorfose das universidades públicas. Petrópolis: Vozes,
2002.
CHAUÍ, Marilena. Escritos sobre a Universidade. São Paulo: Editora UNESP,
2001.
CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE O ENSINO SUPERIOR (1998: Paris, França).
Tendências de Educação Superior para o século XXI. UNESCO/Conselho de
Reitores das Universidades Brasileiras: tradução de Maria Beatriz Ribeiro de
Oliveira Gonçalves; ilustração de Edson Fagaça – Brasília: UNESCO/CRUB, 1999.
COVRE, Maria de Lourdes Manzini. A formação e a ideologia do Administrador de
empresas. 2ed. Petrópolis: Vozes, 1982.
CRUZ, Rosana Evangelista da. Banco Mundial e política educacional: cooperação
ou expansão dos interesses do capital internacional? Educar, Curitiba, nº 22, p.
51-75, 2003. Editora UFPR.
CUNHA, Luiz Antônio. A universidade Temporã: da colônia à era Vargas. Rio de
Janeiro: Francisco Alves, 1986.
__________. A Universidade Crítica: o ensino superior na república populista. Rio
de Janeiro: Francisco Alves, 1983.
__________. Ensino Superior e Universidade no Brasil. In: 500 anos de Educação
no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
__________. A Universidade reformada: o Golpe de 64 e a modernização do
ensino superior. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988.
122
__________. Qual Universidade? São Paulo: Cortez; editora Autores Associados,
1989.
__________. Desenvolvimento desigual e combinado no ensino superior: Estado e
mercado. Educação e Sociedade, Campinas, v. 25, n. 88, Especial – Out. 2004,
p.795-818.
CUNHA, Luiz Antônio;GÓES, Moacyr de. A universidade modernizada,
amordaçada e privatizada. In: __________. O Golpe na educação: Brasil os anos
de autoritarismo, análise, balanço, perspectivas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1985.
DALE, Roger. Globalização e educação: demonstrando a existência de uma
“Cultura educacional mundial comum” ou localizando uma “Agenda globalmente
estruturada para a educação”? Educação e Sociedade, Campinas, v. 25, n. 87,
mai/ago. 2004, p.423-460
DIAS SOBRINHO, José. Tendências Internacionais na educação superior. Um
certo horizonte internacional: problemas globais, respostas nacionais. In: ZAINKO,
Maria Amélia; GISI, Maria de Lourdes (Orgs). Políticas e gestão da educação
superior. Curitiba: Champagnat; Florianópolis: Insular, 2003
__________. Avaliação ética e política em função da educação como direito
público ou como mercadoria? Educação e Sociedade, Campinas, v. 25, n. 88,
Especial – Out. 2004, p.703-725.
DOURADO, Luiz Fernandes. Reforma do Estado e as políticas para a educação
superior no Brasil nos anos 90. Educação e Sociedade, Campinas, v. 23, n. 80,
setembro/2002, p.235-254.
DURHAM, Eunice. A política para o ensino superior brasileiro ante o desafio do
novo século. In: A CATANI, Afrânio. (org.) Novas perspectivas nas políticas de
educação superior na américa latina no limiar do século XXI. Campinas: Autores
Associados, 1998
ECO, Humberto. Como se faz uma tese. 18 ed. São Paulo: Editora Perspectiva,
2002.
123
EVANGELISTA, João. Crise do Marxismo e irracionalismo pós-moderno. 3 ed.
São Paulo: Cortez, 2002.
FARIAS, Flávio Bezerra de. A globalização e o estado cosmopolita: as antinomias
de Jürgen Habermas. São Paulo: Cortez, 2001.
FÁVERO, Maria de Lourdes de Albuquerque. Da universidade modernizada à
universidade Disiplinada: Atcon e Meira Mattos. São Paulo: Cortez Editora/Autores
Associados, 1991.
FÁVERO, Maria de Lourdes de Albuquerque; MANCEBO, Deise. Universidade:
políticas, avaliação e trabalho docente. São Paulo: Cortez, 2004.
FLICK, Uwe. Uma introdução à pesquisa qualitativa. 2 ed. Porto Alegre: Bookman,
2004.
FREITAS, Helena Costa Lopes de. A reforma do ensino superior no campo da
formação dos profissionais da educação básica: as políticas educacionais e o
movimento dos educadores. Educação & Sociedade, ano XX, nº 68, Dezembro/99,
p. 17-43.
GENTILI, Pablo (org.). Globalização excludente: desigualdade, exclusão e
democracia na nova ordem mundial. Petrópolis: Rio de janeiro: Editora Vozes,
1999.
__________. A universidade na penumbra: o círculo vicioso da precariedade e a
privatização do espaço público. In: __________ . (org.) Universidades na
penumbra: neoliberalismo e reestruturação universitária. São Paulo: Cortez, 2001.
GOERGEN, Pedro. Universidade e globalização: entre a adesão e o dissenso. In:
ZAINKO, Maria Amélia; GISI, Maria de Lourdes (Orgs). Políticas e gestão da
educação superior. Curitiba: Champagnat; Florianópolis: Insular, 2003
__________. A avaliação universitária na perspectiva da pós-modernidade.
Mimeo. s/d.
124
GOMES, Alfredo Macedo. Política de avaliação da educação superior: controle e
massificação. Educação e Sociedade, Campinas, v. 23, n. 80, setembro/2002,
p.277-300.
GRAMSCI, Antônio. Os intelectuais e a formação da cultura. Trad. Carlos Nelson
Coutinho. 6ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1988.
HARVEY, David. Condição pós-moderna. 13 ed. São Paulo: Loyola, 2004.
IANNI, Octavio. Estado e planejamento econômico no Brasil. 6ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1996.
KRAXCZYK, Nora Rut; VIEIRA, Vera Lúcia. A reforma educacional no México e no
Chile: apontamentos sobre as rupturas e continuidades. Educar, Curitiba, nº 22, p.
77-98, 2003. Editora UFPR.
KOURGANOFF, Wladimir. Tradução Claudia Schilling. A face oculta da
universidade. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1990.
LAURELL, Asa Cristina (org.). Estado e políticas sociais no neoliberalismo.
Revisão técnica de Amélia Cohn; Tradução de Rodrigo Leon Contrera. São Paulo:
Cortez, 2002.
LOCH, João Matias. Desafios para a gestão de faculdades privadas frente à
expansão do ensino superior: um estudo em Curitiba e Região Metropolitana.
Dissertação. Curitiba: CEFET-PR, 2004.
MACHADO NETO, Alfredo José. Globalização e Gestão Universitária: um estudo
das instituições municipais de ensino superior do estado de São Paulo. Franca:
FACEF, 2002.
MARCOVITCH, Jacques. A universidade (im)possível. São Paulo: Futura, 1998.
MARTINS, Carlos Benedito. Surgimento e expansão dos cursos de administração
no Brasil (1952-1983). Ciência e Cultura, São Paulo, v.41, n.7, p.663-676, jul.
1989.
MICHELLOTTO, Regina Maria. Políticas para a educação superior no Brasil, em
fase de transição. Educar, Curitiba, p. 153-172, 2003. Editora UFPR.
125
MORAES, Reginaldo C. Reformas neoliberais e políticas públicas: hegemonia
ideológica e redefinição das relações Estado-sociedade. Educação e Sociedade,
Campinas, v. 23, n. 80, setembro/2002, p.13-24.
__________. Globalização e políticas públicas: vida, paixão e morte do estado
nacional? Educação e Sociedade, Campinas, v. 25, n. 87, mai/ago. 2004, p.309-
334.
MORAN, José Manuel. A educação superior à distância no Brasil. In: SOARES,
Maria Susana Arrosa (org.). A educação Superior no Brasil. Brasília: Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, 2002.
MOROSINI, Marília Costa (org.). Mercosul/Mercosur: políticas e ações
universitárias. Campinas: Autores Associados; Porto Alegre: Editora da
Universidade, 1998.
NETTO, José Paulo. Crise do Socialismo e ofensiva Neoliberal. 3 ed. São Paulo:
Cortez, 2001.
NOSELLA, Paolo. Qual o compromisso político? Ensaios sobre educação
brasileira pós ditadura. Bragança Paulista: EDUSF, 2002.
OLIVE, Arabela Campo. Histórico da Educação Superior no Brasil. In: SOARES,
Maria Susana Arrosa (org.). A educação Superior no Brasil. Brasília: Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, 2002.
PAIVA, Vanilda; WARDE, Mirian. Dilemas do ensino superior na América latina.
Campinas: Papirus, 1994.
PEIXOTO, Madalena Guasco. A expansão do ensino superior privado após a
década de 1990: parte integrante da reforma antidemocrática da educação
nacional. Educativa. Goiânia. V.5, n. 1, p. 177-195, jan/jun. 2002.
PINTO, José Marcelino de Rezende. O acesso à educação superior no Brasil.
Educação e Sociedade, Campinas, v. 25, n. 88, Especial – Out. 2004, p.727-756.
RICHARDSON, Roberto Jarry. (et al) Pesquisa social: métodos e técnicas. São
Paulo: Atlas, 1999.
126
SAMPAIO, Helena Maria Sant’Ana. O ensino Superior no Brasil: o setor privado.
São Paulo: Hucitec; FAPESP, 2000.
SAVIANI, Dermeval. Da nova LDB ao Novo Plano Nacional de Educação: por uma
outra política educacional. 3 ed. Ver. Campinas: Autores Associados, 2000.
SANFELICE, José Luis. Pós-modernidade, globalização e educação. Conferência
proferida no VII Congresso de educação – “Globalização e pós-modernidade” –
promovido pela Universidade do Contestado (UnC) campus caçador – SC, em
18/10/2000.
SANTOMÉ, Jurjo Torres. Tradução. Claudia Schilling A educação em tempos de
Neoliberalismo. Porto Alegre, Artmed, 2003.
SANTOS, Boaventura de Sousa (org.) A globalização e as ciências sociais. 2 ed.
São Paulo: Cortez, 2002.
__________. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 9 ed.
São Paulo: Cortez, 2003.
__________ A universidade no século XXI: para uma reforma democrática e
emancipatória da universidade. São Paulo: Cortez, 2004.
SANTOS, Gislene Aparecida dos (org). Universidade, formação, cidadania. São
Paulo: Cortez, 2001.
SANTOS FILHO, José Camilo dos. Universidade, modernidade e pós-
modernidade. In: _________ ; MORAES, Silvia E. (org). Escola e universidade na
pós-modernidade. Campinas: FAPESP, 2000.
SGUISSARDI, Valdemar. Educação superior no Brasil. Caminhos e descaminhos.
In: GARRIDO, Susane Lopes (org.) Os rumos da educação superior. São
Leopoldo: UNISINOS, 2002.
SHIROMA, Eneida Otto; MORAES, Maria Célia M.; EVANGELISTA, Olinda.
Política educacional. 2 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
127
SILVA JR., João dos Reis; SGUISSARDI, Valdemar. Novas faces da educação
superior no Brasil: reforma do Estado e mudança na produção. São Paulo: Editora
Cortez; Editora da Universidade São Francisco, 2001.
SILVA JR., José dos Reis. Tendências do ensino superior diante da atual
reestruturação do processo produtivo no Brasil. In: CATANI, Afrânio Mendes.
(org). Universidade na América Latina: tendências e perspectivas. São Paulo:
Cortez, 1996.
SINGER, Paul. A universidade no olho do furacão. In: Dossiê Educação. Estudos
Avançados. Universidade de São Paulo, Instituto de Estudos Avançados, vol. 15,
n. 142, mai/ago., 2001, p.305-316.
SOUZA, Ângelo Ricardo de. Reformas educacionais: descentralização, gestão e
autonomia escolar. Educar, Curitiba, nº 22, p. 17-49, 2003. Editora UFPR.
TEIXEIRA, Anísio. Ensino superior no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio
Vargas, 1989.
TEODORO, António. Globalização e educação: políticas educacionais e novos
modos de governação. São Paulo: Cortez; Instituto Paulo Freire, 2003.
THAYER, Willy. A crise não moderna da universidade moderna (Epílogo de O
conflito das Faculdades); Tradução de Rômulo Monte Alto. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2002.
TOLEDO, Enrique de la Garza. Neoliberalismo e Estado. In: LAURELL, asa
Cristina (org.). Estado e políticas sociais no neoliberalismo. Trad. Rodrigo Leon
Contrera. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2002.
TRINDADE, Hélgio. As metáforas da crise: da “universidade em ruínas” às
“universidades na penumbra” na América Latina. In: In: GENTILI, Pablo. (org.)
Universidades na penumbra: neoliberalismo e reestruturação universitária. São
Paulo: Cortez, 2001.
VAIDERGORN, José. Uma perspectiva da globalização na universidade brasileira.
Cadernos Cedes, ano XXI, nº 55, novembro/2001, p. 78-91.
128
VALENTE, Ivan. Plano Nacional de Educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.
YARZÁBAL, Luis. Consenso para a mudança na educação superior. Trad. José
Dias Sobrinho. Curitiba: Champagnat, 2002.
ZAOUAL, Hassan. Textos selecionados e traduzidos por Michel Thiollent.
Globalização e diversidade cultural. São Paulo: Cortez, 2003.
129
ANEXOS
130
131
RELAÇÃO DAS IES DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA CONSTANDO O NÚMERO DE VAGAS AUTORIZADAS E OS CURSOS
Nº IES VAGAS INÍCIO DO
FUNCIONAMENTO CURSO –
HABILITAÇÃO 01 Faculdade Educacional
de Colombo – FAEC
200 2002 - Gestão de Negócios Internacionais - Marketing
02 Faculdade São Judas Tadeu de Pinhais – FAPI
Diu. – 150 Not. – 150
2000 - Comércio Exterior - Gestão da Informação
03 Faculdade Metropolitana de Curitiba – FAMEC
100 2002 Gestão de Negócios
04 Faculdade Pilares
450 2000 - Adm. Ambiental - Adm. de Negócios Adm. da Prod. Cultural; - Adm. da Qualidade; - Marketing; - Adm. Hoteleira
05 Faculdade Educacional de Araucária – FACEAR
350 2002 - Comércio Exterior; - Marketing
06 Faculdade de Campina Grande do Sul – FACSUL
280 + 100 2001 - Comércio Exterior; - Gestão da Informação; - Adm. Geral
07 Faculdade Cenecista Presidente Kennedy
80 2001 - Administração
08 Centro Técnico Educacional Superior da Lapa
100 1999 - Adm. Rural; - Comércio Exterior; - Hotelaria; - Marketing
09 Escola Superior de Gestão Comercial e Marketing
200 2002 - Marketing; - Recursos Humanos
10 Faculdade Anchieta
100 2002 - Marketing - Recursos Humanos
11 Faculdade Camões
100 2001 - Finanças
12 Faculdade de Administração, Ciências, Educação e Letras - FACEL
100 + 150 1999 - Adm. Geral
13 Faculdade de Ciência e Tecnologia do Paraná – FACET
100 1999 Adm. Geral
132
14 Faculdades Integradas do
Brasil – UNIBRASIL
Diu - 300+ 50 Not – 600 + 100
2000 - Adm. Pública - Agronegócios; - Comércio Exterior; - Gestão de Negócios; -Gestão do Turismo; - Marketinsg; - Recursos Humanos.
15 Faculdade Dom Bosco
Diu. – 150 Not. – 300
2002 Adm. Geral
16 Faculdade Evangélica Luterana Martinus – FALC
100 + 300 2001 Adm. Geral
17 Faculdade Internacional de Curitiba – FACINTER
150 2000 - Análise de Sistemas; - Comércio Exterior; - Finanças; - Logística; - Marketing.
18 Faculdade Organização Paranaense de Ensino Técnico - FAO
Diu. – 50 Not. – 350
1999 - Comércio Exterior; - Gestão de Negócios; - Gestão de Sistemas de Informação; - Marketing; - Recursos Humanos
19 Faculdade Padre João Bagozzi
100 2002 Adm. Geral
20 Faculdade Pitágoras de Administração Superior de Curitiba
Diu. – 200 Not. – 200
2001 - Marketing; - Negócios da Internet; - Produtos e Serviços; - Sistemas de Informação gerencial.
21 Faculdades Integradas Curitiba
Diu. – 100 Not. – 200
1998 - Comércio Exterior; - Gestão de Negócios; - Hotelaria; - Sistemas de Informação.
23 Faculdade Doutor Leocádio Correia
100 2002 - Adm. Geral
22 Unidade de Ensino Superior Expoente - UNIEXP
200 2002 - Adm. Geral; - Marketing
Fonte: Pesquisa realizada junto ao site do MEC, no link da Sesu, que disponibiliza publicamente as informações sobre a legalização das IES. www.mec.gov.br em 18 de maio de 2005.
133