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ABERTURA ECONÔMICA E DEMANDA DE MÃO-DE-OBRA NA INDÚSTRIA DE
TRANSFORMAÇÃO DO ESTADO DE PERNAMBUCO 1986/1996
Filipe Reis Melo∗
Resumo
Atualmente o Neoliberalismo defende a abertura comercial nos países em vias de desenvolvimento como
condição necessária para que estes países consigam superar seu atual estado de subdesenvolvimento. Baseados
em pressupostos científicos da teoria econômica como o Teorema de Heckscher-Ohlin, e respaldados por
investigações empíricas que corroboram sua teoria, os defensores da liberalização econômica asseguram que a
abertura comercial suscita o aumento relativo da demanda de trabalho não qualificado nos países em vias de
desenvolvimento, beneficiando desta forma, a maioria de sua força de trabalho que está constituída
precisamente por trabalhadores de baixa qualificação. O objetivo deste trabalho é analisar a evolução da
demanda de trabalho qualificado e não qualificado na indústria do estado de Pernambuco durante o período
1986-1996 e concluir se, tendo como pano de fundo a liberalização comercial brasileira, a abertura comercial
possibilitou o aumento do emprego da mão-de-obra de baixa qualificação na indústria daquele estado. Já que a
economia pernambucana apresenta uma abundante oferta de mão-de-obra não qualificada e uma escassez de
mão-de-obra qualificada, a hipótese que se apresenta é a de que à medida que o processo de liberalização
comercial se leve a cabo, exista um incremento relativo do emprego de trabalhadores de baixa qualificação no
setor industrial.
Palavras-Chave: Teorema de Heckscher-Ohlin, neoliberalismo, abertura econômica, Pernambuco, mão-de-
obra.
ECONOMIC OPENESS AND LABOUR DEMAND IN INDUSTRY OF PERNAMBUCO STATE
1986/1996
Abstract
Neoliberalism defends the commercial opening in developing countries as an essential condition to overcome
their underdeveloped state. Those who defend economic openness state that liberalization increases the demand
of unskilled work in developing countries. They draw on scientific data of economic theory such as Heckscher-
Ohlin Theorem, as well as empiric investigations which confirm that theory. In developing countries, the
economic openness means benefits to the majority of labour force which is formed basically by unskilled
workers. This paper sets out to analyze the evolution of skilled and unskilled work in the industry of
Pernambuco State covering the period 1986-1996. The paper also examines whether the commercial opening
increases unskilled labour. As long as the economy of Pernambuco is mostly formed by unskilled work as well
as by a lack of skilled work, the expectation is that the commercial liberalization in process will result in a
relative increase of unskilled work in the industrial sector.
Keywords: Heckscher-Ohlin Theorem, neoliberalism, economic openness, Pernambuco, labour. ∗ Filipe Reis Melo é Economista, Especialista em Estudos Europeus e Doutor em Ciência Política e Sociologia.
2
Desde os anos oitenta, com o esgotamento do modelo de desenvolvimento chamado de Substituição
de Importações, alguns países latino-americanos começaram a pôr em prática políticas de
liberalização comercial, seguindo os planos de ajuste estrutural propostos pelo Fundo Monetário
Internacional (FMI), conhecidos como o Consenso de Washington. Por trás deste movimento existe a
crença de que o livre comércio pode elevar o bem-estar da população e gerar um círculo virtuoso de
crescimento. O Brasil não ficou à margem deste processo, ainda que tenha iniciado a sua experiência
na década de noventa.
Após várias décadas de crescimento baseado num modelo relativamente protecionista, o governo
brasileiro abandonou esta estratégia e iniciou a partir de começos da década de noventa reformas
neoliberais. Os anos noventa são por tanto, um marco na história econômica brasileira. O Brasil, que
até o final da década de oitenta, era um país fechado ao fluxo de comércio internacional, com uma
forte presença do Estado como produtor de bens e serviços, passou a ser uma economia aberta, com
pouca proteção comercial. A busca por aumentos de produtividade que possibilitasse melhores
condições num mercado cada vez mais internacionalizado suscitou várias mudanças nas estruturas
produtivas e na organização das empresas. O governo brasileiro empreendeu um amplo processo de
privatização de empresas públicas, fazendo com que o Estado reduzisse substancialmente sua
presença na economia. Estas transformações tiveram grande efeito não só sobre o ritmo de
crescimento da economia, mas também sobre o mercado de trabalho.
Definição do Problema
Atualmente o Neoliberalismo defende a liberalização comercial como condição necessária para que
países como o Brasil superem sua condição de subdesenvolvimento. Fundamentados em supostos
científicos da teoria econômica e respaldados por investigações empíricas que corroboram sua teoria,
os defensores do Neoliberalismo argumentam que a abertura comercial suscita um aumento da
demanda de trabalho pouco qualificado nos países em vias de desenvolvimento, beneficiando desta
forma, a maioria da sua força de trabalho que está constituída precisamente por trabalhadores de baixa
qualificação.
O problema reside no fato de que a partir da década de noventa, apareceram algumas investigações
cujos resultados contradizem o previsto pela teoria neoliberal no que se refere aos efeitos sobre a
demanda de trabalho qualificado e não qualificado.
3
Trabalhos Precedentes
A maioria dos estudos que relaciona a abertura comercial à variação da demanda de trabalho realizada
sobre os países do continente asiático, se refere aos chamados Tigres Asiáticos (Hong Kong,
Singapura, Coréia e Taiwan). Muitos estudiosos citam estes países como exemplos de casos onde uma
abertura comercial significou o aumento relativo da demanda de trabalho pouco qualificado. E de fato,
os resultados destes estudos são consistentes com a hipótese de que a abertura comercial é responsável
pelo incremento relativo da demanda de mão-de-obra pouco qualificada em países em vias de
desenvolvimento, o que vem reforçar a credibilidade e a notoriedade do Teorema de Heckscher-Ohlin.
Além dos estudos realizados para os quatro Tigres Asiáticos, Robbins (1994a) analisou o
comportamento dos salários na Malásia entre 1973 e 1989, período no qual as exportações de
manufaturas cresceram rapidamente, e os relacionou com o nível de estudo da mão-de-obra,
concluindo que houve um persistente aumento da demanda de trabalho pouco qualificado
(trabalhadores sem nível superior), cuja tendência continuou até princípios dos anos noventa, como
conseqüência do aumento da demanda desta categoria de trabalhadores pelo setor exportador,
intensivo em mão-de-obra pouco qualificada. Marouani (2000), num estudo sobre a Tunísia, concluiu
que a abertura comercial durante os anos noventa provocou um forte incremento da demanda de
trabalho medianamente qualificado e também, porém em menor medida, um aumento da demanda de
trabalho não qualificado, enquanto houve uma diminuição da demanda de trabalho muito qualificado.
São resultados que reforçam a credibilidade do Teorema de Heckscher-Ohlin.
Robbins (1994b, 1995a, 1995b, 1996), Robbins e Gindling (1997) e Robbins et al (1995) estudaram os
casos da Argentina, Chile, Colômbia, Uruguai e Costa Rica. O estudo da experiência argentina está
limitado a um período de sete anos, durante o qual a hiperinflação foi determinante e não se pôde
chegar a uma conclusão segura. Nos quatro outros países, os períodos estudados coincidem com a
liberalização comercial, e se concluiu que houve um aumento da demanda de trabalho qualificado. No
Chile, o incremento da demanda de trabalho qualificado se verificou durante quase todo o período
estudado, entre 1975 e 1992. A esta mesma conclusão chegou Caire (1998). Já na Colômbia e na
Costa Rica, se verificou um aumento da demanda de trabalho não qualificado da metade dos anos
setenta até meados dos anos oitenta, comprovando assim o Teorema de Heckscher-Ohlin. Mas nesses
países, esta tendência se inverteu em meados dos anos oitenta. No Uruguai, entre 1990 e 1995, a
demanda de trabalho qualificado se elevou após a queda das tarifas aduaneiras. No México, a partir
dos anos oitenta, houve um aumento da demanda de trabalho qualificado durante a liberalização
comercial. Os estudos realizados por Feenstra e Hanson (1995) e por Revenga e Montenegro (1995)
concluíram que a diferença salarial entre trabalhadores qualificados e não qualificados no setor das
manufaturas aumentou fortemente entre 1984 e 1990, como resultado do aumento relativo da demanda
4
de trabalho qualificado, especialmente na zona fronteiriça com os Estados Unidos, onde se concentra a
maior parte dos investimentos estrangeiros.
A relação entre abertura comercial e emprego na economia brasileira foi estudada por autores como
Barros et al (1996) e Amadeo e Szkurnik (1997), que se limitaram a analisar o impacto sobre o
emprego industrial sem levar em conta a qualificação da mão-de-obra. Entre as conclusões mais
relevantes, encontra-se a de que a abertura comercial foi responsável pela perda de emprego industrial,
concentrada nos setores Têxtil, Mecânica, e Material Elétrico e Comunicação. Já na investigação de
Moreira e Correa (1996), se estudou o período 1989-1995 para todo o país e se concluiu que houve
uma perda de participação da economia nacional dos setores intensivos em trabalho com relação aos
setores intensivos em tecnologia, ao mesmo tempo em que se constatou um aumento dos setores
intensivos em recursos naturais. Machado (1997) analisou o padrão de comércio internacional
brasileiro do ano de 1980 e constatou que, para aquele ano, a economia brasileira respondia aos
padrões de comércio previstos no modelo de Heckscher-Ohlin.
A investigação de Moreira e Najberg (1997) avaliou as relações entre o comércio internacional e o
emprego durante o período 1990-1996 para toda a economia brasileira. Essa investigação classificou a
mão-de-obra em três categorias: alta, média e baixa, consoante o nível salarial. Os resultados
encontrados estão de acordo com o modelo Heckscher-Ohlin, mas não são relevantes. Ferreira e
Machado (2001) utilizaram correlações para estudar as diferentes variáveis que compõem a cadeia de
causalidade do Teorema de Heckscher-Ohlin. As conclusões não foram claras, já que algumas
variáveis se comportaram segundo o previsto no Teorema, mas outras apresentaram um
comportamento oposto ao previsto. Em Gonzaga et al (2001), se estudou o comportamento de duas
variáveis: trabalho qualificado e trabalho não qualificado. Mais uma vez, se encontram conclusões
contraditórias que por um lado corroboram o Teorema e por outro o contradizem. Menezes-Filho e
Rodrigues Jr. (2001) estudaram a demanda de mão-de-obra qualificada no setor industrial brasileiro.
Concluíram que a demanda de trabalhadores com onze ou mais anos de estudo aumentou entre 1981 e
1997. Arbache (2001) crê que os efeitos da abertura comercial sobre o mercado de trabalho dos países
em vias de desenvolvimento são muito complexos de se quantificar e medir, mas segundo os mais
recentes estudos empíricos, os efeitos sobre a demanda de trabalho naqueles países são bastante
similares ao que vem ocorrendo nos países desenvolvidos. Barros, Mendonça e Foguel (1996), Hay
(1997) e Mattoso e Pochmann (1998) concluíram que a liberalização comercial brasileira foi
responsável por grande parte da diminuição do emprego industrial nos anos noventa. Arbache e
Conseuil (2001) concluíram que o incremento da importação afetou especialmente o emprego das
indústrias intensivas em trabalho menos qualificado.
Em resumo, as experiências de liberalização comercial empreendidas em países em vias de
desenvolvimento, especialmente aquelas durante as décadas de sessenta e setenta, corroboram o
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Teorema de Heckscher-Ohlin, mas há uma minoria não menosprezável de experiências,
principalmente a partir dos anos oitenta, que contradiz o previsto no Teorema. O mesmo ocorre nos
estudos da experiência brasileira, cujos resultados mais recentes parecem indicar que a abertura
comercial beneficia mais a mão-de-obra qualificada do que a mão-de-obra não qualificada.
Objetivo do Trabalho
O objetivo desta investigação é analisar a evolução da demanda de trabalho qualificado e não
qualificado na indústria de transformação do estado de Pernambuco durante o período 1986-1996 e
concluir se, durante os primeiros anos da liberalização comercial brasileira, a abertura comercial
possibilitou o incremento do emprego da mão-de-obra de baixa qualificação no setor industrial do
estado de Pernambuco. O período escolhido foi a partir de 1986, um ano após o governo civil suceder
o governo militar, até 1996, seis anos após o início efetivo da implementação de reformas neoliberais.
Hipótese
Sendo a economia pernambucana uma economia em vias de desenvolvimento, onde há uma abundante
oferta de mão-de-obra pouco qualificada e uma escassez de mão-de-obra de alta qualificação, a
hipótese que se apresenta é a de que à medida que o processo de liberalização comercial avance, exista
um aumento relativo do emprego de trabalhadores de baixa qualificação no setor industrial
pernambucano, corroborando, desta forma, o previsto no modelo teórico neoliberal.
Proposta de Trabalho
A primeira parte deste trabalho traz uma das teorias mais utilizadas para explicar os efeitos do
comércio internacional sobre o mercado de trabalho numa determinada economia, o Teorema de
Heckscher-Ohlin. Ainda que este Teorema explique as transformações experimentadas por economias
desenvolvidas e subdesenvolvidas, esta explanação se limita àquelas que dizem respeito a economias
subdesenvolvidas.
Em seguida, expõe-se como a corrente de pensamento neoliberal, no que se refere ao comércio
internacional, se fundamenta cientificamente em grande medida no Teorema de Heckscher-Ohlin, cuja
principal percepção é a de que os países têm vantagens comparativas naqueles produtos cuja
fabricação é intensiva nos fatores produtivos nos quais estão relativamente melhor dotados; e, por
outro lado, deveriam importar bens cuja fabricação é intensiva em fatores que são escassos no seu
mercado interno. Finalmente se analisa a evolução do emprego no setor industrial pernambucano
durante o período 1985-1996.
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Metodologia e Fonte de Dados
O estudo das conseqüências do comércio sobre o emprego enfrenta vários obstáculos metodológicos,
principalmente dada a dificuldade de isolar os efeitos das diferentes variáveis implicadas no processo.
A principal fonte de dados deste trabalho é do Ministério do Trabalho, derivada da Relação Anual de
Informações Sociais (RAIS). Refere-se à totalidade das empresas do estado de Pernambuco, a partir
das informações fornecidas anualmente pelas empresas. Isto significa que estes dados não levam em
conta os trabalhadores informais empregados nas empresas, mas cujo número se sabe não é
insignificante.
O primeiro passo na análise foi analisar a estrutura de proteção tarifária brasileira para precisar quais
setores tiveram a estrutura tarifária desmantelada mais rapidamente. Em seguida se analisou quais os
setores mais afetados pelos aumentos das importações. Para tal, utilizou-se o resultado da investigação
de Haguenauer, Markwald e Pourchet (1998), na qual se mediu o coeficiente de penetração das
importações para os diferentes setores do setor industrial.
As investigações que tratam de quantificar o trabalho qualificado e não qualificado costumam
encontrar alguns problemas de definição de trabalho qualificado e não qualificado. A tradicional
divisão de mão-de-obra entre trabalhadores administrativos (white-collar) e trabalhadores da cadeia de
produção (blue-collar) é pouco confiável porque a composição da qualificação muda ao longo do
tempo. O uso de dados salariais classificados por nível educacional talvez fosse mais satisfatório, mas
há algumas limitações e nem sempre estão disponíveis.
Uma vez que ainda não se estabeleceu um critério preciso que defina o termo qualificação, o uso de
anos de estudo é ainda o critério mais utilizado por comodidade e por não se encontrar um critério
mais preciso, já que o mecanismo pelo qual a escola transfere habilidade às pessoas é bastante
discutível.
Como não existe um método único para classificar a mão-de-obra entre qualificada e não qualificada,
alguns autores como Berman, Bound e Griliches (1994), Sachs e Shatz (1994) e Lawrence e Slaughter
(1993), identificaram os trabalhadores que não estão vinculados diretamente à linha de produção como
trabalhadores qualificados, enquanto os trabalhadores ligados diretamente à linha de produção, como
trabalhadores não qualificados. Carvalho e Haddad (1997) utilizaram uma ferramenta mais refinada
para determinar o nível de qualificação. Estimaram uma equação a partir de duas variáveis: anos de
escolaridade e anos de trabalho. Outros autores como Machado (1997), utilizam o número de anos de
estudo para identificar o nível de qualificação do trabalhador. A eleição deste último método neste
trabalho deveu-se mais pela disponibilidade de dados.
Em trabalhos como este, independentemente do método adotado para classificar a mão-de-obra, é
muito importante ter em conta as variáveis internas que podem ter influência sobre as alterações da
7
demanda de trabalho e desta forma, condicionar os resultados. Se não se leva isto em consideração, há
o risco de apontar o comércio como causador de mudanças que na realidade não lhe correspondem, ou
ainda, de não detectar a real influência dos fluxos comerciais sobre o mercado de trabalho.
No caso deste presente trabalho, classificou-se a mão-de-obra empregada na indústria de Pernambuco
segundo os anos de estudo do trabalhador. Dividiu-se em dois grandes grupos: o primeiro é
considerado o grupo de trabalhadores qualificados e está composto por trabalhadores que têm curso
superior; o segundo é o conjunto dos trabalhadores que não se encaixam no primeiro grupo e, por
tanto, são considerados trabalhadores não qualificados. Este segundo grupo foi dividido em cinco
subcategorias: Analfabetos, Primeiro Grau Menor Incompleto, Primeiro Grau Menor, Primeiro Grau
Maior e Segundo Grau. Em seguida, através do método estatístico de correlação, se calculou a
correlação entre demissão de trabalhadores e emprego de trabalho qualificado em cada setor industrial
do estado de Pernambuco.
Marco Teórico
Atualmente uma das teorias mais utilizadas para explicar os efeitos do comércio sobre o mercado de
trabalho é o Teorema de Heckscher-Ohlin. Este modelo foi bastante utilizado nos anos sessenta e
setenta e foi adaptado ao contexto dos anos noventa do final do século XX por vários autores, entre os
quais se destacam Wood (1994, 1995a 1995b, 1997, 1998, 1999) e Arbache (1998a, 1998b, 1999) que
protagonizaram um debate sobre a validade deste modelo para explicar as conseqüências da abertura
comercial sobre o mercado trabalhista dos países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento.
Segundo este modelo teórico, a abertura comercial nos países em vias de desenvolvimento se traduz
num benefício geral para a economia do país e para a grande maioria de seus trabalhadores porque
expande a demanda de trabalho pouco qualificado. Isto se explica porque como há uma grande oferta
deste tipo de mão-de-obra nos países em vias de desenvolvimento, estes países aproveitam este fator
abundante para se especializarem naqueles produtos e serviços que utilizam este fator de produção de
forma intensiva. Experiências de vários países em vias de desenvolvimento que empreenderam o
caminho da liberalização comercial confirmam esta teoria. Não obstante, há um conjunto de países
que, ao empreender as mesmas reformas econômicas, não obtiveram os mesmos resultados. Por tanto,
questiona-se: por que o Teorema de Heckscher-Ohlin funcionou de acordo com o previsto no modelo
em alguns casos e em outros não?
Primeiro Modelo
Neste modelo há dois países (um em vias de desenvolvimento e outro desenvolvido), dois fatores de
produção (trabalho não qualificado e trabalho qualificado), dois bens comerciáveis (um intensivo em
trabalho não qualificado e outro intensivo em trabalho qualificado) e um serviço não comerciável
8
intensivo em mão-de-obra não qualificada. O país desenvolvido é relativamente melhor dotado em
trabalho qualificado, enquanto que o país em vias de desenvolvimento é mais bem dotado em trabalho
não qualificado. O país em vias de desenvolvimento tem uma oferta relativamente maior de mão-de-
obra não qualificada, o que lhe dá uma vantagem comparativa em bens intensivos em mão-de-obra
não qualificada e o país desenvolvido possui uma oferta relativamente maior em mão-de-obra
qualificada, o que lhe dá uma vantagem comparativa em bens intensivos em trabalho qualificado.
Neste modelo, o comércio e os salários estão vinculados através dos preços dos produtos. Desta
forma, se houver uma queda no preço do produto intensivo em trabalho não qualificado com relação
ao preço do produto intensivo em trabalho qualificado, o resultado é uma redução relativa do salário
dos trabalhadores pouco qualificados em relação ao salário dos trabalhadores qualificados.
Sob estas condições, e se as preferências dos consumidores são as mesmas em ambos os países, os
bens intensivos em trabalho não qualificado apresentam preços relativos mais baixos no país em vias
de desenvolvimento; e os bens intensivos em trabalho qualificado têm um preço relativo mais baixo
no país desenvolvido. Uma abertura comercial seguida de uma expansão do comércio entre os dois
países provoca no mercado interno do país em vias de desenvolvimento o aumento da demanda dos
bens intensivos em trabalho não qualificado como resultado da importação destes bens por parte do
país desenvolvido. Ao mesmo tempo, o preço do bem intensivo em trabalho qualificado cai como
resultado do aumento da oferta deste bem procedente do país desenvolvido.
No Gráfico 1 o eixo vertical representa o quociente [salário de trabalho não qualificado/salário de
trabalho qualificado], enquanto que o eixo horizontal representa o número de trabalhadores não
qualificados em relação ao número de trabalhadores qualificados. A linha diagonal dd representa a
curva de demanda de trabalho não qualificado para uma economia fechada ao comércio exterior.
Neste caso, os salários são determinados pela interseção da linha dd com a curva de oferta relativa de
trabalhadores não qualificados (aqui assumida como perfeitamente inelástica para simplificar), cuja
posição depende da disponibilidade da mão-de-obra qualificada e não qualificada que tem o país. Com
uma curva de oferta S2, como num país bem dotado de trabalhadores não qualificados, o quociente
[salário de trabalho não qualificado/salário de trabalho qualificado] se situa no ponto W0.
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Gráfico 1: Modelo com um bem e dois países
Fonte: WOOD, Adrian (1995b): Does trade reduce wage inequality in developing countries? Brighton, Institute of Development Studies, University of Sussex, p. 4a.
A curva de demanda para um país aberto ao comércio exterior é a linha DD, que se compõe de dois
segmentos descendentes unidos por um segmento central horizontal. Esta corta a linha dd no ponto B
do eixo horizontal. Se um país apresenta esta proporção de trabalhadores qualificados e não
qualificados, não obtém nenhum benefício do comércio, mesmo que tenha uma economia aberta. Os
países em vias de desenvolvimento que geralmente apresentam um número muito maior de
trabalhadores não qualificados do que o de trabalhadores qualificados, costumam situar-se à direita do
ponto B; ao contrário, os países desenvolvidos normalmente se situam à esquerda deste ponto. Desta
forma, para um país em vias de desenvolvimento (curva de oferta S2), o comércio beneficia os
trabalhadores não qualificados, já que a curva DD (caso de uma economia aberta ao comércio
internacional) está por cima da curva dd (caso de uma economia fechada ao comércio internacional).
Com uma curva de oferta S2, o quociente [salário de trabalho não qualificado/salário de trabalho
qualificado] sobe do ponto W0 até o ponto W2, diminuindo assim a disparidade salarial entre os
trabalhadores qualificados e os não qualificados.
Para um país em vias de desenvolvimento, situar-se à direita do ponto B tem dois significados: se
estiver no segmento horizontal da curva de demanda DD e apresentar uma curva de demanda S1, o
país tem uma economia diversificada porque produz bens intensivos em trabalho qualificado e não
qualificado. Porém, se sua curva de demanda for S2, esta corta a curva de demanda DD no segmento
descendente, o que significa que tem uma proporção de trabalhadores não qualificados muito alta e
Salário de
trabalho não qualificado salário de trabalho
qualificado
Trabalhadores não qualificados /trabalhadores qualificados
d
d S2 S1 BS3
D
W1
W2
W0 D
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praticamente não produz bens intensivos em trabalho qualificado. Neste caso, o país se especializa em
bens intensivos em mão-de-obra não qualificada e em produtos e/ou serviços não comerciáveis. Outro
caso extremo é o do país desenvolvido cuja curva de demanda é S3 e se especializa em bens intensivos
em trabalho qualificado.
Segundo modelo
O primeiro modelo pode, grosso modo, ser aplicado a casos em que se incluam vários bens e vários
países, sem que se mude a conclusão básica do teorema que é a de que a demanda dos trabalhadores
não qualificados aumenta relativamente nos países em vias de desenvolvimento quando aqueles abrem
suas economias ao comércio internacional.
O Gráfico 2 apresenta o mesmo princípio do Gráfico 1, exceto que representa seis bens em vez de
dois. Por isso, a curva de demanda DD contém cinco segmentos horizontais. Quanto mais produtos
forem incluídos na análise, mais curtos serão os segmentos horizontais até o extremo de que se o
número de bens tende a infinito, os segmentos horizontais tendem a se converterem num único
segmento diagonal [como nos modelos de Dornbusch, Ficher e Samuelson (1980), e nos de Feenstra e
Hanson (1995)]. Os países cuja curva de oferta S, corta a curva DD em algum segmento horizontal
produzem dois bens com diferentes intensidades no que se refere ao nível de qualificação de mão-de-
obra. Já os países cuja interseção da curva de oferta com a curva de demanda estiver num segmento
diagonal da curva DD, produzem um único bem comerciável. Supõe-se que todos os países estão
especializados na produção de determinados bens e que nenhum deles produz todos os bens. Neste
caso, pequenas mudanças na oferta de trabalho não são suficientes para alterar os salários, já que sua
curva de oferta corta a curva DD num segmento horizontal. Só mudanças mais bruscas têm a
capacidade de mover o ponto de interseção entre a curva de oferta e de demanda ao longo da linha
DD, transferindo este ponto de interseção a outro segmento da linha DD.
Os efeitos sobre os salários relativos podem ser apreciados quando se compara a curva de demanda de
uma economia aberta DD com a curva de demanda de uma economia fechada dd. Para países em vias
de desenvolvimento, ou seja, para países cuja curva de oferta está à direita do ponto B, uma redução
das barreiras comerciais provoca um aumento da demanda de trabalho não qualificado e,
conseqüentemente, uma diminuição da disparidade salarial.
11
Gráfico 2: Modelo com vários bens e vários países
Trabalhadores não qualificados/trabalhadores qualificados
Fonte: WOOD, Adrian (1995b): Does trade reduce wage inequality in developing countries? Brighton, Institute of Development Studies, University of Sussex, p. 4a.
Assim, quanto maior for a proporção da mão-de-obra não qualificada em relação à mão-de-obra
qualificada, isto é, quanto mais à direita do ponto B estiver a curva de oferta do país, maior será o
impacto de uma abertura comercial sobre os salários relativos. Países de desenvolvimento intermédio
que apresentam quantidades de mão-de-obra qualificada e não qualificada mais aproximadas estarão
bem próximos ao ponto B. Nestes casos, estes países se especializam em produtos de uso de
tecnologia e qualificação intermediária, enquanto importam bens de mais alto e mais baixo nível no
que se refere ao uso da qualificação profissional.
O Teorema de Heckscher-Ohlin supõe a existência de uma relação direta entre o preço dos bens e o
salário dos trabalhadores. Mas nas economias dos países em vias de desenvolvimento há uma grande
oferta de mão-de-obra não qualificada, o que faz com que a oferta de trabalhadores não qualificados
seja muito elástica. Desta forma, mesmo que haja um aumento da demanda de mão-de-obra não
qualificada, não é suficiente para forçar uma subida no salário desta categoria.
Apesar da grande probabilidade de encontrar economias em vias de desenvolvimento com mercados
de trabalho que apresente esta característica, o Teorema de Heckscher-Ohlin continua sendo válido
como marco de análise, uma vez que a composição relativa do emprego da mão-de-obra qualificada e
não qualificada se alteraria mesmo nestas condições. Por tanto, este Teorema conserva sua utilidade
como marco teórico tanto nos casos em que ser quer estudar o preço relativo dos salários, como
também o efeito sobre a composição do emprego, o que é o caso deste trabalho.
Salário de
trabalho não qualificado salário de trabalho
qualificado
d
S2 S1BS3
D
D
d
12
Teorema de Heckscher-Ohlin como Fundamento do Neoliberalismo
Não vale a pena aqui discorrer sobre os conceitos existentes sobre o Neoliberalismo para não se
extrapolar os limites deste trabalho. No entanto, no que se refere ao comércio internacional, o
Neoliberalismo o promove largamente como sendo um meio através do qual os países alcançam um
bem-estar geral de suas populações. Segundo esta corrente de pensamento, como nenhum país é capaz
de produzir um leque de produtos tão diversificado como o mercado internacional, o comércio
promove o bem-estar dos consumidores, bem como permite aos produtores o acesso a insumos e bens
de capital mais especializados e a melhores preços.
Hidalgo (1998b) ratifica o Teorema de Heckscher-Ohlin argumentando que o livre comércio, em
sintonia com o princípio das vantagens comparativas, tende a aumentar a remuneração do fator
abundante na economia e a diminuir a remuneração do fator de produção escasso. Isto terá efeitos
benéficos sobre a distribuição de renda. O conhecimento das vantagens comparativas permite saber
quais os setores onde o país, ou região, tem melhores condições de competir. Nesta mesma linha de
pensamento, Fitoussi (1999) considera que os intercâmbios internacionais incitam os países a se
especializarem em produções que utilizam de maneira preferente os fatores de produção dos quais
dispõem com relativa abundância e a importar bens cuja produção requeira a utilização de fatores dos
quais dispõem com menor abundância.
Mão-de-Obra na Indústria do Estado de Pernambuco e Abertura Comercial
O comportamento da economia do estado de Pernambuco reflete os movimentos da economia
nacional, já que faz parte de uma unidade político-administrativa inserta no contexto de uma
federação. A indústria de Pernambuco experimentou notáveis mudanças após as reformas econômicas
a partir de 1990. A estrutura do emprego foi uma das variáveis atingidas tanto qualitativa quanto
quantitativamente. O emprego no setor industrial do estado de Pernambuco acusou uma forte
diminuição entre 1986 e 1996, principalmente a partir de 1990, ano em que se iniciou a efetiva
abertura comercial brasileira. A maior exposição da indústria à competência estrangeira induziu as
empresas pernambucanas a modernizarem seus processos produtivos a fim de reduzir seus custos e
manter-se no mercado. A reestruturação industrial se traduziu numa diminuição de 32% da quantidade
de trabalhadores empregados na indústria.
O Gráfico 3 mostra a evolução do número de trabalhadores empregados na indústria entre os anos
1985 e 1998. Em 1985 a indústria empregava 178.685 trabalhadores, mas em 1998 só empregava
128.990 trabalhadores. É principalmente a partir de 1989-1990, quando o governo iniciou as reformas
econômicas, que se nota uma tendência à redução do número de trabalhadores. Apenas entre 1993 e
1995, este número aumentou ligeiramente.
13
Gráfico 3: Número de trabalhadores empregados na indústria de Pernambuco (1985-1998)
Fonte: Elaboração própria; Dados: Ministério do Trabalho (RAIS).
Como se vê na Tabela 1, no que concerne à produtividade do trabalhador, apenas três setores
apresentaram uma produtividade por trabalhador negativa: Minerais não metálicos, Madeira e Móveis,
e Têxtil. Os demais setores experimentaram um aumento de produtividade.
Quanto ao número de trabalhadores, há quatro setores que se destacam por haver reduzido em mais da
metade o número do pessoal empregado: Calçados, Mecânica, Metalúrgica e Química. A maior
redução se deu no setor Calçados, com uma diminuição de 79% dos trabalhadores entre 1986 e 1996.
050.000
100.000150.000200.000250.000
1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998
Anos
Nº d
e Tr
abal
hado
res
14
Tabela 1: Percentagem de Trabalhadores Empregados em 1996 e Percentagem de Produção Industrial de
1996 para a Indústria do Estado de Pernambuco
No que se refere ao grau de qualificação dos trabalhadores, a Tabela 2 e o Gráfico 4 mostram como,
de forma generalizada, houve um aumento do emprego de uma mão-de-obra com mais anos de estudo,
ou seja, houve uma melhoria na qualificação dos trabalhadores. Esta tendência obedece à mesma
tendência detectada por Néri et al (2000) num estudo para todo o território nacional. O conjunto da
indústria de Pernambuco, entre 1986 e 1996, apresentou um aumento relativo dos trabalhadores com
mais anos de estudo, principalmente nas três categorias superiores: Curso Superior, 2º Grau e 1º Grau
Maior, passando de 2,2% a 3,1%; de 8,8% a 11,9% e de 11,7% a 15,7% respectivamente. A quarta
categoria que apresentou um aumento relativo foi 1º Grau Menor Incompleto que passou de 21,7% a
24,2%. Já as categorias Analfabetos e 1º Grau Menor registraram uma diminuição, passando de 25,6%
para 18,2%, e de 30,0% para 26,9% respectivamente.
Setores
Percentagem de Trabalhadores Empregados em 1996 como
percentagem dos empregados em 1986 (base: 1986=100)1
Produção em 1996 como percentagem da produção de 1986 (base: 1986=100)2
Minerais não metálicos 77 55,9Metalurgia 42 100,3Mecânica 33 n.d.
Material elétrico e comunicação 91 114,3Material de transporte 82 n.d.
Madeira e móveis 76 44,2Papel e gráfica 77 98
Borracha, fumo e couro 53 105Química 49 75,4
Têxtil 61 39,5Calçados 21 55,5
Alimentos e bebidas 74 83,73 / 107,84
Total da indústria 68 82,8Fonte: Elaboração própria.
n.d.=dados não disponíveis.
2) Dados da Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco.3) Dado para o sub-setor Alimentos.4) Dado para o sub-setor Bebidas.
1) Dados do Ministério do Trabalho (RAIS).
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Tabela 2: Percentagem de trabalhadores na indústria de Pernambuco por anos de estudo
em 1986 e em 1996
Os setores Minerais não Metálicos, e Borracha/Fumo/Couro registraram um pequeno retrocesso na
sua qualificação de trabalhadores, apesar de terem diminuído o emprego de trabalhadores analfabetos.
Os setores Material Elétrico e Comunicação, e Transporte não apresentaram uma tendência definida,
exceto na categoria Curso Superior, cujos níveis descenderam. Os demais setores apresentaram uma
melhoria geral no nível de qualificação. Os setores Madeira e Móveis, e Alimentos e Bebidas
registraram uma melhoria nos níveis de qualificação menos acentuada do que a apresentada pelos
setores Papel e Gráfica, Calçados, Mecânica, Têxtil, Química e Metalurgia.
1986 1996 1986 1996 1986 1996 1986 1996 1986 1996 1986 1996Minerais não metálicos 11 8,1 32,5 34,1 33,8 33,5 9,7 13,1 9,6 8,9 3,4 2,3
Metalurgia 1,7 2,1 26,5 12,3 37,9 35,3 17,3 25,3 13,3 21,5 3,3 3,5Mecânica 1,5 2 18,9 4,7 36 26,2 22,1 25,7 18 32,6 3,5 9
Material elétrico e comunicação 1,5 0,5 16,5 7,2 34,3 26,2 18,8 31,4 22,4 30 7 4,5Material de transporte 0,6 2,2 21,1 12,5 40,6 30 19,6 27,2 14,1 22,3 4 2,8
Madeira e móveis 9,7 3 19,3 19,1 44,2 44 17,6 21,9 8,3 10,5 0,9 1,6Papel e gráfica 3 1,1 8,6 4,5 40 25,1 24,8 24,3 18,7 25 5 20
Borracha, fumo e couro 5,3 2,1 13,6 18 37,3 44,1 24,8 21,4 14,7 12,3 4,3 2,2Química 5,5 2,1 17 11,6 31,9 32,5 18,2 21 21,6 25,8 5,8 7
Têxtil 2,6 1,6 13,7 9,2 58,6 46,9 17,2 27 6,8 13,7 1 1,4Calçados 1,2 0,8 16,9 10,6 56,3 35,4 20,3 31,8 4,8 18,4 0,5 2,8
Alimentos e bebidas 45,3 30,1 25 31,1 17,7 19,4 5,9 10,8 5 6,8 1,1 1,8Total da indústria 25,6 18,2 21,7 24,2 30 26,9 11,7 15,7 8,8 11,9 2,2 3,1
Fonte: Elaboração própria.Dados do Ministério do Trabalho (RAIS).
Setores
Anos de estudo
AnalfabetosDe 3 a 6:
1ºG.Menor incompleto
De 7 a 10: 1ºG. Menor
De 11 a 13: 1ºG. Maior
De 14 a 17: 2º Grau
18 ou mais: Curso
Superior
16
0%5%
10%15%20%25%30%35%
Analfabetos 1º G.MenorIncompleto
1º G. Menor 1º G. Maior 2º Grau CursoSuperior
1986 1996
Gráfico 4: Análise Comparativa por Anos de Estudo dos Trabalhadores da Indústria de
Pernambuco (1986 e 1996)
Fonte: Elaboração própria. Dados do Ministério do Trabalho (RAIS).
A Tabela 3 apresenta o valor da correlação entre a porcentagem de trabalhadores com curso superior
empregados em cada setor (variável X) e o total dos trabalhadores empregados em cada setor (variável
Y) para o período 1986-1996. O objetivo foi averiguar se existe algum grau de relação entre as duas
variáveis, ou seja, entre o emprego de trabalhadores de alta qualificação e a demissão de
trabalhadores. Estas duas variáveis podem apresentar uma correlação positiva, negativa ou nula. Será
positiva quando as duas variáveis tendem a variar conjuntamente no mesmo sentido. Será negativa
quando as variáveis variam em sentido opostos e será nula quando a variação das variáveis não
depende uma da outra.
Para o conjunto da indústria de Pernambuco se obteve um coeficiente de correlação de –0,37, o que
significa que não há uma correlação significativa entre as duas variáveis. Mas, para os seis primeiros
setores que aparecem na Tabela 3, o resultado foi significativo. Isto significa que para estes setores,
enquanto se diminuía a quantidade de pessoal empregado, aumentava a participação relativa dos
trabalhadores com curso superior. Além disto, os setores Calçados, Metalurgia, Mecânica e Química
foram os quatro setores que mais perderam pessoal, conforme os dados da Tabela 1. Os dados
parecem indicar que, para estes setores, o fator mão-de-obra qualificada é importante. Há cinco
setores para os quais o coeficiente não é significativo e apenas o setor Borracha/Fumo/Couro
apresentou um coeficiente significativo positivo, o que significa que enquanto se diminuía o número
de trabalhadores, também diminuía a quantidade relativa de mão-de-obra qualificada. Apesar da
indústria como um todo não apresentar um coeficiente de correlação significativo, o fato de que a
metade dos setores apresente uma correlação negativa significativa, já é suficiente para indicar que a
indústria de Pernambuco não reagiu à abertura comercial segundo o Teorema de Heckscher-Ohlin.
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Tabela 3: Coeficiente de Correlação entre a Porcentagem dos Trabalhadores com curso superior em cada
Setor Industrial (variável X) e o Total dos Trabalhadores Empregados em cada Setor (variável Y) para o Período 1986-1996
Ao se considerar a categoria 2º Grau como mão-de-obra de média qualificação e ao se refazer o
cálculo do coeficiente de correlação utilizando o peso da mão-de-obra qualificada (Curso Superior)
somada à mão de obra de média qualificação (2º Grau), os resultados são um pouco diferentes do
anterior.
A Tabela 4, a seguir, mostra como para o conjunto da indústria se obtém um coeficiente de correlação
de -0,86, o que significa que há uma forte correlação negativa entre as duas variáveis. Neste caso,
enquanto se diminuía a quantidade de trabalhadores empregados, se aumentava a quantidade relativa
de trabalhadores das duas categorias superiores (Segundo Grau e Curso Superior). Dentre os doze
setores da indústria, sete apresentaram uma correlação negativa significativa.
Chama a atenção o fato de que os quatro setores que perderam mais de 50% dos trabalhadores entre
1986 e 1996 (Calçados, Mecânica, Metalurgia e Química) estejam entre os seis setores (Papel e
Gráfica, Calçados, Mecânica, Têxtil, Química e Metalurgia) que apresentaram a mudança mais
significativa no que ser refere à composição da mão-de-obra. E esta mudança na composição foi no
sentido do aumento da quantidade relativa de trabalhadores com mais anos de estudo.
Houve um incremento relativo de trabalhadores com mais anos de estudo durante o período no qual a
indústria pernambucana se viu afetada pelo aumento da concorrência a conseqüência da abertura
comercial. Durante este período as empresas que se mantiveram no mercado optaram por manter a
mão-de-obra melhor qualificada.
Setores Coeficiente de Correlação (r)Alimentos e Bebidas -0,89
Química -0,83Metalurgia -0,74Calçados -0,66
Têxtil -0,58Mecânica -0,56
Papel e Gráfica -0,47Madeira e Móveis -0,47
Material Elétrico e Comunicação -0,09Material de Transporte 0,03Minerais não Metálicos 0,39Borracha, fumo e couro 0,59
Total da Indústria -0,37Fonte: Elaboração própria.Dados do Ministério do Trabalho (RAIS).
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Tabela 4: Coeficiente de Correlação entre a Porcentagem dos Trabalhadores com curso superior mais os
Trabalhadores com 2º Grau Empregados em cada Setor Industrial (variável X) e o Total dos Trabalhadores Empregados em cada Setor (variável Y) para o
Período 1986-1996
Os novos processos incorporados passaram a exigir um trabalhador mais preparado e mais
qualificado. O trabalhador menos qualificado tem-se convertido em não apto para exercer as novas
tarefas no seio da produção industrial, como o diz Cardoso Jr. (1999, p.8) ao analisar a indústria
brasileira durante os anos noventa:
A reconversão produtiva promoveu investimentos em modernização tecnológica que dispensou
grande parte dos trabalhadores menos qualificados, em nome de racionalização de custos e conquista
de produtividade e competitividade internacional. Por sua vez, a reestruturação organizacional
eliminou inúmeros postos de trabalho intermediários e de baixo conteúdo técnico exigido, mantendo
empregado um conjunto de trabalhadores mais qualificado e de remuneração média mais elevada nos
estratos inferiores (…).
Por tanto, as mudanças enfrentadas pela indústria pernambucana, principalmente a partir da década de
noventa, parece encaixar num modelo de fenômeno mundial que é a maior exigência aos
trabalhadores quanto ao seu nível técnico e educativo. A capacidade de autonomia é cada vez mais
requerida, assim com uma maior capacidade de aprendizado permanente.
Conclusão
A primeira e mais importante conclusão a que se chega uma vez vistos estes resultados é a de que o
setor industrial da economia pernambucana não reagiu à abertura comercial segundo o previsto no
Setores Coeficiente de Correlação (r)Metalurgia -0,97
Alimentos e Bebidas -0,97Química -0,8
Têxtil -0,8Papel e Gráfica -0,74
Madeira y Móveis -0,66Calçados -0,66
Material Elétrico e Comunicação -0,37Mecânica -0,33
Borracha, fumo e couro -0,09Minerais não Metálicos 0,12Material de Transporte 0,63
Total da Indústria -0,86Fonte: Elaboração própria.Dados do Ministério do Trabalho (RAIS).
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Teorema de Heckscher-Ohlin, já que se verificou um aumento da mão-de-obra qualificada (Curso
Superior) em seis dos doze setores industriais.
Constatou-se um incremento da demanda de trabalhadores com maiores níveis de qualificação,
confirmando assim uma tendência nacional já ressaltada em anteriores trabalhos sobre a mão-de-obra
brasileira (Menezes-Filho e Rodrigues Jr., 2001). Este aumento do nível de qualificação se refletiu de
forma mais clara ao considerar as duas categorias de qualificação superiores em conjunto (Segundo
Grau e Curso Superior).
A dispensa de trabalhadores atingiu em maior medida os trabalhadores menos qualificados. O
coeficiente de correlação entre o número de empregados e a porcentagem de trabalhadores das
categorias Curso Superior Completo e Segundo Grau Completo para o conjunto da indústria
pernambucana foi de -0,86, o que significa uma forte correlação entre as duas variáveis.
Para o conjunto da indústria de Pernambuco se obteve um coeficiente de correlação de -0,37 entre o
número total de empregados e a porcentagem de trabalhadores qualificados, o que significa que não há
uma correlação significativa entre as duas variáveis. Por outro lado, a metade dos setores industriais
apresentou um coeficiente negativo significativo: Alimentos e Bebidas, Química, Metalurgia,
Calçados, Têxtil e Mecânica. Para estes setores, à medida que se demitiam trabalhadores, aumentava o
peso relativo de trabalhadores mais qualificados. Os dados indicam que o fator mão-de-obra
qualificada é importante para estes setores. O conjunto da indústria pernambucana experimentou um
ligeiro aumento da demanda de trabalhadores de uma qualificação média ou alta. Isto parece indicar
que a incorporação de novos processos produtivos mais avançados tecnologicamente exigiu a
substituição de uma mão-de-obra mais qualificada (mais anos de estudo) por uma mão-de-obra menos
qualificada (menos anos de estudo).
Em resumo, apesar de que a indústria como um todo não apresenta um coeficiente de correlação
significativo, o fato de que seis dos doze setores industriais apresentem uma forte correlação negativa
entre o peso da mão-de-obra qualificada (Curso Superior) e o total de trabalhadores, já é suficiente
para indicar que a indústria pernambucana não reagiu segundo o previsto no modelo de Heckscher-
Ohlin.
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