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ABSTRACT Semiotics deals with habits change as mind effect, as modification trends of a person in relation to the action, but ignores the time of passage, namely the communication event. The political study of domination exercised by the media (media theory) does sociology, it is a study of technologies applicable to the society. The recent appropriation of the media by social basis through networks does not alter the character of its investigation, only suggests a collapse of the pyramid vertical structure to the benefit of its horizontal use. We are therefore still in the “media”, in mediatization. There is no reason, therefore, oppose the neologism “midiatizar” to mediatization, it is tautological and only confuses. Communication occurs via the media, it is medial (das Mediale), but is not necessarily mediatic. Is in the medial everything should start. Keywords: Media theory. Mediatization. Comunication event. RESUMO A semiótica fala de mudança de hábito como efeito mental, como modificação de tendências de uma pessoa em relação à ação, mas ignora o momento da passagem, a saber, o acontecimento comunicacional. O estudo político da dominação exercida pelos meios de comunicação (a teoria dos media) faz sociologia, é um estudo de tecnologias aplicadas à sociedade. A apropriação recente desses meios pela base social, pelas redes, não altera o caráter desse estudo, apenas sugere uma implosão da estrutura piramidal, verticalizada, para um uso mais horizontalizado. Estamos, portanto, ainda nos “meios”, na mediatização. Não se justifica, portanto, contrapor o neologismo “midiatizar” à mediatização, pois é tautológico e só confunde. Comunicação ocorre através dos meios, ela é medial, mas não é obrigatoriamente mediática. É pelo medial que tudo deve começar. Palavras-chave: Teoria dos media. Mediatização. Acontecimento comunicacional. A virada comunicacional. Ou porque os estudos de “midiatização”, de hábito e da Teoria dos Media passam ao largo da comunicação The communication turn. Or because the studies “media coverage”, of habit and Media Theory pass off the communication Ciro Marcondes Filho Pesquisador de conceito 1A do CNPq. Bacharel em Ciências Sociais e Jornalismo (USP/SP), doutor pela Universidade de Frankfurt, pós-doutor pela Universidade de Grenoble (França), titular da Cátedra UNESCO José Reis de Divulgação Científica, é professor titular da ECA-USP desde 1987. <ciromarcondesfi[email protected]> mídia, cultura e tecnologia Revista Epistemologia A Academia não gosta de comunicar, não gosta da comunicação. Parece que quer se livrar desse termo incômodo, desagradável, desconcertante, porque lhe exige rever seus papéis e suas posições. A Academia prefere, em vez disso, falar em meios, nos media, ou mesmo na “mídia” ou na “midiatização”, que remetem mais propriamente às formas de incomunicabilidade. Prefere discursar, DOI: http://dx.doi.org/10.15448/1980-3729.2015.2.20143 ISSN: 1415-0549 e-ISSN: 1980-3729 134 Porto Alegre, v. 22, n. 2, abril, maio e junho de 2015.

A virada comunicacional

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Artigo de Ciro Marcondes Filho publicada pela Revista Famecos

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  • abstractsemiotics deals with habits change as mind effect, as modification trends of a person in relation to the action, but ignores the time of passage, namely the communication event. the political study of domination exercised by the media (media theory) does sociology, it is a study of technologies applicable to the society. the recent appropriation of the media by social basis through networks does not alter the character of its investigation, only suggests a collapse of the pyramid vertical structure to the benefit of its horizontal use. We are therefore still in the media, in mediatization. there is no reason, therefore, oppose the neologism midiatizar to mediatization, it is tautological and only confuses. communication occurs via the media, it is medial (das Mediale), but is not necessarily mediatic. Is in the medial everything should start.

    Keywords: Media theory. Mediatization. comunication event.

    resuMoa semitica fala de mudana de hbito como efeito mental, como modificao de tendncias de uma pessoa em relao ao, mas ignora o momento da passagem, a saber, o acontecimento comunicacional. o estudo poltico da dominao exercida pelos meios de comunicao (a teoria dos media) faz sociologia, um estudo de tecnologias aplicadas sociedade. a apropriao recente desses meios pela base social, pelas redes, no altera o carter desse estudo, apenas sugere uma imploso da estrutura piramidal, verticalizada, para um uso mais horizontalizado. estamos, portanto, ainda nos meios, na mediatizao. No se justifica, portanto, contrapor o neologismo midiatizar mediatizao, pois tautolgico e s confunde. comunicao ocorre atravs dos meios, ela medial, mas no obrigatoriamente meditica. pelo medial que tudo deve comear.

    Palavras-chave: teoria dos media. Mediatizao. acontecimento comunicacional.

    A virada comunicacional. Ou porque os estudos de midiatizao, de hbito e da Teoria dos Media passam ao largo da comunicaoThe communication turn. Or because the studies media coverage, of habit and Media Theory pass off the communication

    ciro Marcondes Filho

    Pesquisador de conceito 1a do cNPq. bacharel em cincias sociais e Jornalismo (usP/sP), doutor pela universidade de Frankfurt, ps-doutor pela universidade de Grenoble (Frana), titular da ctedra uNesco Jos reis de Divulgao cientfica, professor titular da eca-usP desde 1987.

    mdia, cultura e tecnologia

    Revista

    Epistemologia

    a academia no gosta de comunicar, no gosta da comunicao. Parece que quer se livrar desse termo incmodo, desagradvel, desconcertante, porque lhe exige rever seus papis e suas posies. a academia prefere, em vez disso, falar em meios, nos media, ou mesmo na mdia ou na midiatizao, que remetem mais propriamente s formas de incomunicabilidade. Prefere discursar,

    DoI: http://dx.doi.org/10.15448/1980-3729.2015.2.20143

    IssN: 1415-0549e-IssN: 1980-3729

    AheAd of printrev. Famecos (online). Porto alegre, v. 22, n. 2, abril, maio e junho de 2015. 134Porto alegre, v. 22, n. 2, abril, maio e junho de 2015.

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    pesquisar, produzir teses e livros sobre sistemas complexos de transmisso de sinais e dados, das redes telemticas, dos processos rpidos de difuso, de toda essa parafernlia de sistemas, equipamentos, redes, interconexes, tudo isso para no falar de comunicao. Falar de meios, mediatizao, fazer um discurso tcnico, o discurso dos engenheiros, dos especialistas da inteligncia artificial, dos desenvolvedores de programas e novos aplicativos. Isso no tem nada de comunicao, mas para isso que tende a grande maioria dos estudos ditos comunicacionais. aqui e l fora. e tendem a isso por pura dificuldade de comunicar e, no limite, pelo mal-estar de no poder discutir a prpria comunicao.

    A semitica no nos ajuda

    Digamos que os meios so o esqueleto, a ossatura, e a comunicao o sangue. a analogia ainda imprecisa, pois supe duas coisas vivas, que crescem, se desenvolvem, se enfraquecem e degeneram. contudo, a nica coisa viva no processo comunicacional a prpria comunicao, que nunca est l, j dada, para quem quiser fazer uso dela. ela no um signo, mas uma relao que se estabelece atravs de um uso particular e contextualizado dos signos. ela no um ente, que se interpe entre dois sujeitos. Por isso, no cabe uma anlise de contedo, porque no h contedo j dado, constitudo, esperando apenas ser decifrado. champollion conseguiu decifrar a Pedra de roseta, do delta do Nilo. ele traduziu os caracteres em uma lngua inteligvel. No obstante, o que ele fez foi apenas passar de uma lngua a outra, o que nada tem a ver com a comunicao, pois o sentido desta se constri nica e exclusivamente no ato da leitura, quer dizer, diferentemente em cada momento em que a coisa lida. a diferensa de Derrida, algo que se pode pronunciar igual, mas que se escreve distinto (do termo diferena), sugerindo, com isso, o descolamento da relao entre significante e significado de uma interpretabilidade pr-definida, e poder, no diferir do tempo, em sua de-fasagem, comportar cada vez novas leituras.

    Mesmo assim, nenhuma interpretabilidade pode aspirar uma traduo definitiva, sequer como os hbitos, de Peirce. Diz santaella que no h nada que possa melhor preencher a definio de interpretante lgico do que o hbito (2004, p. 80). e a ela cita savan: a regra ou hbito, diz-nos

    um padro de aes que, sob certas condies apropriadas, ser repetido indefinidamente no futuro (grifo nosso). as ocorrncias da regra ou hbito se do em um conjunto particular de aes dentro de um perodo de tempo limitado. esses conjuntos de aes particulares so interpretantes energticos; mas, uma vez que exemplificam

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    um hbito indefinidamente repetvel, eles tambm so rplicas de interpretantes lgicos. Note-se que, enquanto os interpretantes emocional e energtico tm uma terminao finita, o interpretante lgico sempre potencialmente repetvel sem terminao (savan, 1976 citado por santaella, 2004, p. 80).

    o problema est exatamente nesse interpretante lgico e sua terminao potencialmente repetvel. Mas isso no existe. a mesma frase pode ser infinitamente repetida, mas ter, a cada vez, um sentido novo para os que a leem ou a ouvem, conforme sua organizao mental nesse especfico momento.

    Diz santaella,

    faz parte do interpretante lgico, concebido como hbito, regular e governar ocorrncias particulares, pois ele carrega alguma implicao concernente ao comportamento geral de algum ser consciente, transmitindo mais do que um sentimento e mais do que um fato existencial, quer dizer, transmitindo o seria e o faria do comportamento habitual. ora, s o hbito capaz dessa real continuidade, no apenas porque ele pode ser exercido em vrias ocasies, mas porque regula os eventos que ocorrem sob seu governo. enquanto os eventos existentes so descontnuos, transitrios, o hbito continuidade, garantia de que os particulares iro repetir-se de acordo com certa regularidade. por isso que os hbitos precedem a ao e no vice-versa (santaella, 2004, p. 80).

    Hbitos so ocorrncias viciadas, automticas, que no requerem reflexo. age-se maquinalmente. o caso, por exemplo, dos esteretipos, das frases prontas, dos raciocnios-clich, que vemos o tempo todo se produzirem na vida cotidiana, especialmente na poltica. eles travam o pensamento, paralisam a reflexo, tornam o pensar algo mecnico, repetitivo, hbito. santaella diz, contudo, na sequncia desse mesmo texto, que no bem assim, que hbito no algo inflexvel, que h sempre certa margem de flexibilidade na forma como aes so reguladas pelo hbito.

    De fato, o agir e o pensar humanos so governados por formatos que seguem padres. De fato, foi a partir da que os engenheiros da inteligncia artificial chegaram s tais das mquinas inteligentes, j que casos particulares se repetem com regularidade. Mas agir e pensar no so governados s por isso. H quebras de normas, raras, mas reais. o que a professora chama de rupturas de hbitos, que criam novos padres. Pode ser provado que o nico efeito mental que pode ser produzido e que no um signo, mas de uma aplicao geral, a mudana de hbito, entendendo por mudana de hbito a

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    modificao das tendncias de uma pessoa em relao ao (Peirce, 1931-35 citado por santaella, 2004, p. ?).

    Peirce chama de mudana de hbito aquilo que chamamos de comunicao. s que no. eu posso deixar de fumar e me viciar em balas, deixar de ler este jornal para passar a assistir telejornal etc. troco de hbitos. o problema est exatamente no hbito, pois ele nada tem a ver com a comunicabilidade. Quando um livro me transforma, quando um filme mexe com minhas concepes, quando uma instalao me faz rever meus padres estticos, estou falando de um choque, um salto qualitativo, um reposicionamento mental que passa a ordenar diferentemente meu mundo. No se trata de repetio, substituio de uma leitura por outra, uma traduo por outra, mas efetivamente de um acontecimento. e isso escapa semitica.

    Peirce pragmtico, no fenomenlogo. est interessado na usabilidade prtica dos signos para a ao. J o fenomenlogo que saber o que efetivamente se passa com a mente do leitor, do telespectador, do fruidor. Que cortes esto ocorrendo a. a mudana de hbitos um processo quase mecnico de substituio, no um salto para frente. alm disso, ela ocorre a posteriori, em funo da vivncia de outras experincias que nos atingem; j a comunicao estuda algo antes, especificamente esse encontro, esse choque com o diferente.

    existe uma seduo dos semiticos em se atrelar a regularidades e repeties, apesar de declaraes em contrrio. No Manual de Semitica, ugo Volli, por exemplo, diz que a semiose ilimitada de Peirce, s o potencialmente, pois no fim cada signo perde seu relevo necessrio a posteriores interpretaes (Volli, 2008, p. 37). o que isso, seno uma fixao metafsica, ou mesmo, uma aspirao parada da semiose e sua petrificao. o que falta semitica peirceana exatamente o que sobra aos esticos, a precedncia do incorpreo, aquilo que liquida definitivamente a viso de signo como um ente dado.

    Meios, midia, midiatizao no so comunicao

    os meios de comunicao de massa no existiram sempre, tampouco foram tema dos debates poltico-filosficos da era moderna. Por isso, antes de 1800, ningum se questionava sobre a comunicao. a preocupao era outra. talvez tenha sido sren Kierkegaard o primeiro a levantar essa questo, ao constatar que entre o uso da tecnologia de massa para caluniar o outro e a velha forma de comunicabilidade criava-se um fosso.

    o que faltava, na poca, diz o filsofo, era probidade. a campanha difamatria, da qual ele prprio foi objeto, sugeria que no sensacionalismo

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    ningum era ntegro e isso se devia ao abandono do gnio primitivo, carecendo-se de uma reviso do problema humano em geral (Kierkegaard, 1854, p. 72). Por falta de probidade, continua ele, jamais se colocou a questo o que a comunicao? (Kierkegaard, 1854, p. 73); para pensar isso, seria necessrio distinguir duas coisas: objeto da comunicao e a prpria comunicao. De fato, ns j mostramos que o problema principal do pensamento moderno consiste em querer considerar, em toda parte, apenas aquilo que se deve comunicar e no, o que a comunicao (Kierkegaard, 1854, p. 73).

    em poucas palavras, ele demarcou a diferena entre o mero falatrio, a verborragia irresponsvel e criminosa, em uma palavra, a discusso de mrito, e uma ideia de comunicar, que estaria associada primitividade do homem, mas que ele no esclarece exatamente.

    Kierkegaard, como boa parte dos principais filsofos do sculo XIX, foi levado a pensar a comunicao como problema a partir do jornalismo. No obstante, a verdadeira revoluo das ideias viria com a mudana da percepo advinda com o aparecimento da fotografia, anos 1820, e, 40 anos depois, da mquina de escrever, mas, principalmente, do fongrafo e, por fim, do cinematgrafo, aparelhos esses que viraram o mundo de ponta cabea e exigiram que os filsofos baixassem a bola e se voltassem para a revoluo que estava acontecendo em seu dia a dia.

    Aqui, o problema do registro se confunde com o da representao. O registro da imagem, da voz e do movimento instituem uma nova realidade medial, realidade essa que convive paralelamente realidade propriamente dita, do mundo do trabalho, do lazer e da famlia. A nova realidade medial e a mudana da percepo da advinda, levam o filsofo Edmond Husserl a rever as bases do saber, sugerindo, pela primeira vez, que ns, em nossos modos de ser, intencionalmente dirigidos aos objetos, ns, de fato, os constitumos.

    aqui, um novo argumento contra a semitica. considerando que a realidade mental e espiritual (ou intelectual) possui sua prpria realidade, independente de qualquer base fsica, o filsofo desloca a ateno dos objetos dos signos, dos smbolos, do que culturalmente apresentado para as reviravoltas internas que eles produzem na cabea daquele que os recebe.

    a nova realidade medial, especialmente a partir de 1900, incomoda os pensadores que comeam a elaborar uma primeira avaliao crtica dos meios de comunicao. se houve uma estupefao epidmica diante das possibilidades do cinema, com os irmos Lumire, espanto equivalente ocorreu, nos anos 1920, com a penetrao generalizada das revistas e a massificao impetrada pelos

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    grandes jornais. Karl Kraus, agora, de forma muito mais radical que Kierkegaard, denuncia a imprensa como o grande sabotador do pensamento iluminista: a campanha sem trguas pela militarizao, pelo revanchismo e pela recuperao do orgulho nacional teria levado, segundo ele, a Hitler.

    com efeito, os livros Propaganda in the World War, de 1927, de Harold Lasswell, Psicologia de massas do fascismo, de Wilhelm reich, de 1933, Trs flechas contra a sustica, de serge tchakhotine, de 1933, e a Obra de arte na poca de sua reprodutibilidade tcnica, de Walter benjamin, de 1936, testemunharam o crescente pnico em torno dos perigos que os meios de comunicao passaram a representar para a democracia, a paz e a sobrevivncia dos mais fracos. a obra Dialtica do esclarecimento, escrita em 1943 e tida como um dos fundamentos dos estudos dos meios de comunicao de massas, veio posteriormente fechar o crculo.

    Assim, a Teoria da Comunicao de Massa ou dos Mass Media teve seu incio centrado, absolutamente, na questo poltica e a pergunta central com a qual a teoria deparou foi: como foi possvel que a massa, sofredora e politicamente informada, tivesse aderido ao fascismo. Ou, como o formulou Deleuze em seu O Anti-dipo: O que faz com que os oprimidos elejam e apoiem exatamente aqueles que so seus opressores, que desejem a represso? Deleuze pensa na frase de Reich: Os comunistas no levavam em conta que a conscincia da massa no se compunha de elementos prontos e fixos, mas de elementos difusos, como, por exemplo, a fome, que por si s no forma nenhuma conscincia (Reich,1934, p. 13), complementando que este era exatamente o plano no qual escrevia em sua obra: a existncia de objetos parciais, fluxos, corpos, que operam sobre uma grande superfcie (o corpo pleno sem rgos). S h objetos parciais (fome, desejo sexual, de lazer) dispersos, que se remetem um ao outro e que vez por outra rompem a parede do significante (Deleuze e Guattari, 1972, p. 392), isto , implodem com a significao que haviam tradicionalmente recebido.

    A Teoria dos Media, como denominada hoje na Alemanha, trabalha com isso. Seu objeto terico o estudo poltico da dominao exercida pelos meios de comunicao, hoje, tambm, pelos meios eletrnicos, como a internet e suas diversas plataformas de veiculao de matrias jornalsticas, vdeos, msica e entretenimento. No se trata de um estudo

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    de comunicao, mas de tecnologias aplicadas sociedade, um tipo de ramo da sociologia.

    No brasil, foi criada a curiosa expresso mdia, que, em princpio no diz nada e serve para mltiplos objetos. Mdia, que como o brasileiro importou a pronncia do termo ingls media, , por vezes, inclusive, contraposto ao termo media (de mass media), o que faz com que os estudos brasileiros dessa questo tecnolgica sejam totalmente ilegveis para o leitor estrangeiro, visto que, para esses, tudo media e quando ns fazemos essa separao, parece, aos olhos do leitor do exterior, que nossa cincia comunicacional no sria.

    Vejamos o termo midiatizao, defendido pelos tericos da universidade do Vale do sinos. segundo Fausto Neto,

    no se trataria mais da era dos meios em si, mas de uma outra realidade que se estruturaria a partir da atividade tecnodiscursiva miditica; [] a linguagem perde seu status representacional e passa a se constituir no elemento central de um determinado processo enunciativo. De at ento mediador, onde tinha autonomia relativa assegurada por suas competncias discursivas, para enunciar as realidades, o jornalismo se v diante de outra realidade constituda por complexos de feixes de relaes, que se estabelecem a partir da midiatizao junto ao tecido social como um todo (2012, p. 1).

    a explicao, aqui, a de que a linguagem, que na era dos meios era representacional, mediadora, assume agora a centralidade, e o jornalismo, segundo ele, constitui-se agora como feixe de relaes. o que era central, monopolista, torna-se mltiplo, plural. No fica claro em que midiatizao difere da mediatizao, visto que se trata apenas de um deslocamento do eixo de poder, de um para vrios, sendo que as tecnologias permanecem as mesmas, agora mais modernizadas, mas para ambos os lados.

    efetivamente, no h a mudana proposta. Fausto Neto diz que agora no so mais os valores-notcia nem as rotinas que definem os acontecimentos, mas so vrios atores e instituies no jornalsticas. com efeito, alterou-se o modo de produo da notcia, mas a mediao sobrevive, agora no mais verticalmente, a partir dos monoplios, mas horizontalmente, pelas redes eletrnicas. o aumento da democracia e o desmoronamento dos imprios comunicacionais no justifica a construo lingustica midiatizao como oposta mediatizao, supostamente atribuda a tempos idos.

    Isso porque o termo mediatizao d conta disso. ele se refere pura e simplesmente ao uso dos media para certos fins. Mediatizar realizar (o que quer que seja) com o apoio das tecnologias comunicacionais, no importa para que

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    lado ou defendendo que interesses. como o frmaco, que tanto um remdio quanto um veneno, dependendo dos seus modos de uso. Midiatizao, ao contrrio, veio para confundir, pois pretende positivar uma ao meditica invertendo seu polo, mas caindo numa tautologia incua.

    Comunicao e seu objeto: de volta a Kierkegaard?

    Pedro Gomes, da mesma Instituio de ensino, se pergunta a esse respeito qual seria o mtodo adequado para se pensar a comunicao em geral e a midiatizao em particular. ele quer saber se o mtodo hoje utilizado o adequado para compreender o fenmeno em questo? (Gomes, 2012, p. 1). No caso, ele o primeiro que se prope a superar a barreira epistemolgica que se constituiu na rea, que busca excluir a discusso da comunicao, falando-se somente das tecnologias.

    Para ele, midiatizao o fenmeno, objeto da comunicao, que se apresenta ao pesquisador em dois patamares:

    No plano mais profundo, a epifania da pessoa. No h outra maneira de ela se manifestar a no ser pela comunicao. No espao do fenmeno, entretanto, ela uma exteriorizao da pessoa enquanto tal. como o ser humano sujeito da linguagem, ele um ser em comunicao. a pergunta pela condio de possibilidade da comunicao s pode ser feita pela comunicao e por ela respondida (Gomes, 2012, p. 2).

    epifania da pessoa sugere algo metafsico. algo inominvel, pr-lingustico, expresso pura, um certo ar indecidvel de cada ser humano. Portanto, no medivel. Logo, impossvel de mediatizar (ou midiatizar, como ele sugere), visto que mediar supe obviamente um medium entre minha interioridade e sua expressividade. temos aqui um primeiro problema. Pedro Gomes inverte a relao, tornando primrio um processo que , por definio, secundrio.

    A epifania de Gomes ocorre da mesma forma como sugere, de maneira menos filosfica, o Colgio Invisvel, de Bateson, Watzlawick e colaboradores, em que a pessoa, bastando existir, j se comunica, no h como no comunicar. Mas h a fala, a expresso intencional esse seria o segundo plano , que vai alm do mero aparecer social. Neste segundo plano, diz ele, est implcita a pergunta pelo objeto da comunicao. E a entram os dispositivos tecnolgicos. Essas demandas, diz ele, s podero ser respondidas se nos debruarmos sobre o ser da comunicao,

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    buscando o que faz com que a comunicao seja comunicao, para alm do fenmeno e da aparncia (Gomes, 2012, p. 2).

    Kierkegaard, tambm se incomodava com uma ontologia da comunicao, mas desprezava o objeto da comunicao, o estudo de seus temas, sua virulncia, seu abuso. Pedro Gomes quer saber pergunta fundamental hoje, mais do que antes se e como ocorre a comunicao na mediao tecnolgica.

    como automanifestao do ser humano, ela agente da realizao do conjunto de relaes constitutivas do ns da sociedade. a manifestao do ser humano d-se atravs da linguagem, que deve ser estudada dentro da perspectiva de sua exteriorizao (Gomes, 2012, p. 2).

    certo, mas nada ainda justifica o uso do miditico, pois estamos falando da mediao lingustica, e meditico supe os mass media como ligao, ou seja, a tecnologia, coisa que, em princpio, a linguagem humana prescinde.

    Mas ele justifica:

    Volta-se, nesse momento, sobre a questo do mtodo, com a qual se iniciou essa reflexo. a pergunta pelo objeto da comunicao, pelo seu ser mais profundo, realizada atravs da prpria comunicao, envolvendo, necessariamente, a indagao pela midiatizao da sociedade. Midiatizao - complementa ele em nota de rodap - a maneira de ser da sociedade. Isto , uma sociedade em midiatizao (Gomes, 2012, p. 2).

    Veja-se que, para ele, o objeto no o mesmo que para Kierkegaard, visto que objeto aqui se confunde com o prprio ser da comunicao, mantendo, contudo, ainda obscura essa vinculao tal da midiatizao. ora, por que motivo comunicao envolve necessariamente midiatizao? Pelo uso da linguagem? No seria defensvel, pois as sociedades antigas deveriam ser, elas tambm, midiatizadas, o que soa bizarro. a explicao tautolgica: no definindo exatamente o que midiatizao, o discurso cai num crculo vicioso que o remete repetidamente, sem explicao plausvel, ao ser da prpria comunicabilidade.

    Para melhor trabalhar essa questo, Gomes sugere, ento, uma reflexo fenomenolgica sobre os processos miditicos e, por tabela, diz ele,

    sobre o estatuto da comunicao a partir dos processos miditicos, entendidos como conjunto de prticas comunicacionais pertencentes ao sistema de meios que opera segundo diferentes linguagens atravs de diversos dispositivos. tais processos encontram-se

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    potencializados com a emergncia da tecnologia digital (Gomes, 2012, p. 2-3).

    Na origem, portanto, no est a comunicao, mas as prticas comunicacionais vinculadas aos meios, operando com diferentes linguagens. No est claro que meios so esses. supe-se que a pintura seja um meio, a escrita, outro meio, a oralidade, mais outro, no se podendo caracteriz-las necessariamente como de massa, apenas como meios. comunicao realiza-se atravs de meios, esse seu modo de acontecer; isso diz como ela se d, mas ainda no a caracteriza. Por outro lado, falar que a comunicao ocorre atravs dos meios quer dizer que seja medial, no meditica, visto que meditica, como dito acima, est subordinada lgica dos mass media.

    comunicao, assim, deveria ser estudada talvez no a partir de, mas subsidiada pelo estudo de processos mediais. e a tecnologia digital a colocaria em outro nvel de medialidade, no nvel agora sim do meditico. Dispensa-se igualmente, a terminologia aventureira do midial.

    Pedro Gomes est certo em batalhar por uma identidade prpria dos estudos sobre comunicao, mas se equivoca ao dizer que sua centralidade repousa nos processos miditicos, quando, como demonstrado acima, ela pode ser, quando muito, subsidiada pelos processos mediais. o miditico vem s para atrapalhar.

    Diz Pedro Gomes que

    o estatuto da mdia como objeto de estudo torna-se um locus privilegiado para compreender a sociedade em seus diversos ngulos bem como os processos que a animam e a estruturam. Noutras palavras, a forma como o sistema miditico se constitui, com seus processos estruturantes e seus modos de produo, fornece ao pesquisador os elementos essenciais para elucidar os inter-relacionamentos sociais e humanos hodiernos. Nesse sentido, pode-se afirmar que centrar, epistemologicamente, a discusso e a pesquisa sobre a comunicao no domnio dos processos miditicos significa realizar um percurso que objetiva identificar o seu objeto (2012, p. 3).

    a tarefa de compreender a sociedade talvez seja um projeto por demais ambicioso. De qualquer forma, campo de trabalho para socilogos. Pedro Gomes diz que, para realizar tal empreitada, o estudo da mdia locus privilegiado. a comunicao tecnologicamente mediada, de fato, fornece elementos para estudos sociolgicos do presente. Mas ainda no chegamos comunicao, continuamos no desgastado e academicamente saturado campo

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    da sociologia. se buscamos, de fato, uma identidade prpria para os estudos de comunicao, hora de sair desse barco. o centro epistemolgico est fora da sociologia, fora da semitica, fora da teoria dos Media, est, efetivamente, no aprofundar-se em trabalhar a comunicao como fenmeno tout court. s isso.

    referncias

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    recebido em: 22 maro 2015aceito em: 20 abril 2015

    endereo do autor:ciro Marcondes Filho universidade de so Paulo escola de comunicaes e artes eca endereo: av. Prof. Dr. Lcio Martins rodrigues, 443 butant cidade: so Paulo sP ceP: 05508-020

  • Marcondes Filho, C. - A virada comunicacional Epistemologia

    145rev. Famecos (online). Porto alegre, v. 22, n. 2, abril, maio e junho de 2015.

    Fone: (0xx11) 3091-4040 ramal usP: 914040