A Trajetoria Do CEFET-RN

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  • A trajetria do CEFET-RN desde a sua criao no incio do sculo

    XX ao alvorecer do sculo XXI

  • Presidente da RepblicaLuiz Incio Lula da Silva

    Ministro da EducaoFernando Haddad

    Secretaria de Educao Profissional TecnolgicaEliezer Moreira Pacheco

    Instituto Federal de Educao, Cincia e Tecnologia do Rio Grande do Norte IFRN

    ReitorBelchior de Oliveira Rocha

    Diretor do Campus Central de NatalEnilson Arajo Pereira

    Pr-Reitor de Pesquisa e InovaoJos Yvan Pereira Leite

    Coordenador da Editora do IFRNSamir Cristino de Souza

    Conselho EditorialSamir Cristino de Souza (Presidente)

    Andr Luiz Calado de ArajoDante Henrique Moura

    Jernimo Pereira dos SantosJos Yvan Pereira Leite

    Valdenildo Pedro da Silva

  • Erika Arajo da Cunha Pegado (Org.)Dante Henrique Moura

    Elisngela Cabral de MeirelesJosiana Liberato Freire Guimares

    Gerda Lcia Pinheiro CameloLuzia Freire da Costa Bezerra

    Maria das Graas BarachoMarcos Antnio de Oliveira

    A TRAJETRIA DO CEFET-RN DESDE A SUA CRIAO NO INCIO DO SCULO XX AO

    ALVORECER DO SCULO XXI

    2010

  • A trajetria do CEFET-RN desde a sua criao no incio do sculo XX ao alvorecer do sculo XXI Copyright 2010 da Editora do IFRN

    Todos os direitos reservados

    Nenhuma parte dessa publicao poder ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrnico ou mecnico, incluindo fotocpia, gravao ou qualquer tipo de sistema de armazena-mento e transmisso de informao, sem prvia autorizao, por escrito, da Editora do IFRN.

    Diviso de Servios Tcnicos. Catalogao da publicao na fonte.

    IFRN / Biblioteca Sebastio Fernandes

    A trajetria do CEFET-RN desde a sua criao no incio do sculo XX ao alvorecer do sculo XXI / Erika Arajo da Cunha Pegado ( Org.). 2. ed.- - Natal: IFRN, 2010.

    132 p.

    ISBN 85-89571-13-0

    1. Histria. 2. CEFET-RN. 3. Educao. I. Pegado, Erika Arajo da Cunha. II. Ttulo

    CDD 981

    EDITORAOSamir Cristino de Souza

    DIAGRAMAOKaroline Rachel Teodosio de Melo

    CAPATnia Carvalho da Silva

    CONTATOSEditora do IFRNAv. Senador Salgado Filho, 1559, CEP: 59015-000Natal-RN. Fone: (84)4005-2668/ 3215-2733Email: [email protected]

  • todos que vivem a histria do CEFET-RN, ontem, hoje e sempre.

  • SUMRIO

    APRESENTAO, 9Erika Arajo da Cunha Pegado

    AS BASES DA INDUSTRIALIZAO BRASILEIRA POCA DO DESENVOLVIMENTO DO ENSINO TCNICO, 15Luzia Freire da Costa Bezerra

    REFLEXOS DA HISTRIA NO COTIDIANO INSTITUCIONAL DESDE A ESCOLA DE APRENDIZES E ARTFICES AT O CEFET-RN, 31Erika Arajo da Cunha Pegado

    DA ESCOLA DE APRENDIZES ARTFICES AO CENTRO FEDERAL DE EDUCAO TECNOLGICA; UMA ANLISE ECONMICA, 53Elisngela Cabral de Meireles

    INTERFACES LEGAIS, POLTICAS, PEDAGGICAS E ADMINISTRATIVAS NA TRAJETRIA DO CEFET-RN, 77Gerda Lcia Pinheiro Camelo Dante Henrique Moura

    PERCURSO EDUCACIONAL DO CEFET-RN DESDE AS ORIGENS AOS DIAS ATUAIS, 101Josiana Liberato Freire GuimaresMaria das Graas Baracho

    A CRIAO DA UNIDADE DE ENSINO DE MOSSOR: REALIZAO DE UM SONHO DA POPULAO DO OESTE POTIGUAR, 115Marcos Antnio de Oliveira

    ANEXOS, 127

  • 9APRESENTAO

    Para apresentar este trabalho, que foi construdo de forma coletiva com o objetivo de contribuir para o resgate da histria do CEFET-RN, ocorre-nos a idia de uma metfora: a Instituio como um organismo vivo se transformando e se descobrindo ao longo do tempo, renovando-se junto com sua comunidade. Alis, mais do que a um organismo, esta Casa de Educao comparvel a uma persona, que constri a sua prpria histria, desafiando desde sempre os limites estabelecidos ao longo do tempo pelos rgos superiores e ampliando horizontes para tantos sonhadores. Palco de experincias de vanguarda do ponto de vista educacional e poltico, o CEFET-RN muitas vezes implantou projetos pioneiros, atraindo crticas em alguns casos, mas tambm servindo de exemplo para outras instituies da rede tecnolgica espalhadas pelo Brasil.

    Se compararmos o percurso histrico desse Centro Tecnolgico com a histria de uma pessoa, sem dvida, teramos um belo romance biogrfico com todas as suas nuances de emoo, auto-afirmao e construo de uma personalidade. A despeito de sua origem limitada e destinada a uma funo modesta e localizada, a Instituio conseguiu abrir fronteiras e construiu a sua histria, rompendo com sua programao destinatria inicial, que era a de simplesmente treinar e de reproduzir uma pequena parcela do saber, para consolidar-se como centro de ensino de excelncia, atuando no somente na rea de ensino tcnico e tecnolgico, mas tambm na pesquisa e extenso.

    Toda essa ampliao e redimensionamento de seu papel, com conseqncias inimaginveis poca de sua fundao, revelam que essa Instituio, por meio de quem a construiu internamente ao longo deste quase um sculo de existncia, no se acomodou com as limitaes de sua origem, mas avanou lenta, constante e gradualmente rumo funo social que hoje cumpre na sociedade:

    promover educao cientfico-tecnolgico-humanstica visando formao integral do profissional-cidado crtico-reflexivo, competente tcnica e eticamente e comprometido

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    efetivamente com as transformaes sociais, polticas e culturais e em condies de atuar no mundo do trabalho na perspectiva da edificao de uma sociedade mais justa e igualitria, atravs da formao inicial e continuada de trabalhadores; da educao profissional tcnica de nvel mdio; da educao profissional tecnolgica de graduao e ps-graduao; e da formao de professores fundamentadas na construo, reconstruo e transmisso do conhecimento que hoje compreende para uma direo. (http://www.cefetrn.br/institucional/funcao-social)

    Atravs da dedicao, competncia, um toque de ousadia e vanguarda e esprito de unio, funcionrios, professores e alunos da carinhosamente chamada Escola, mesmo quando j tornada um Centro Federal de Educao Tecnolgica, fizeram com que a energia de trabalho e realizao permeasse o esprito dessa Instituio que muitos tm como segunda casa.

    Vale ressaltar que, nas obras historiogrficas do Rio Grande do Norte pesquisadas para construo deste trabalho, foram encontradas poucas ou quase nenhuma referncia Instituio, de sorte que foi necessrio buscar as fontes na memria de pessoas que passaram pelos seus bancos escolares e trazem ainda gravadas as marcas da influncia desse ambiente educacional na sua prpria vida. Nas entrevistas orais realizadas, so recolhidas lembranas, em sua grande maioria positivas da Escola, que continua bastante presente na vida profissional, poltica e pessoal de cada ex-aluno entrevistado.

    Os textos que compem este trabalho foram escritos por profissionais que fazem ou fizeram parte do CEFET-RN e, cumprindo o desejo de apresentar para a comunidade cefetiana e para o Estado do Rio Grande do Norte, dados concretos, tratam de diversos aspectos, analisando o papel que essa Instituio Federal de Ensino desenvolveu ao longo de sua existncia, atravs da pesquisa histrica do cotidiano desta Instituio.

    Dessa maneira, abordando aspectos sociais, polticos, econmicos intervenientes no processo histrico institucional, formaram o mosaico que propiciaram o desenvolvimento e a participao dos agentes que compem essa Instituio: alunos, efetivos e egressos; servidores, ativos e inativos e demais

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    indivduos ou mesmo instituies que estiveram envolvidos nessa trajetria, alm de fornecer material para diversas disciplinas, dentre elas, Histria e Gesto Educacional.

    Os captulos compreendem artigos independentes entre si e esto dispostos da seguinte forma:

    1- As Bases da Industrializao Brasileira poca do Desenvolvimento do Ensino Tcnico: apresenta-se, em linhas gerais, um quadro da histria poltica e econmica brasileira com seus reflexos no desempenho e nas transformaes dos cursos tcnicos no Brasil. A anlise feita a partir do olhar para o desenvolvimento industrial e suas particularidades e caractersticas.

    2- Os Reflexos da Conjuntura Histrica e Poltica no Cotidiano Institucional desde a Escola de Aprendizes e Artfices at o CEFET-RN: aborda-se a influncia da histria do Brasil e do Rio Grande do Norte na formao dos alunos da Instituio, enfocando os perodos marcantes e seus reflexos no cotidiano escolar. A anlise parte das impresses dos alunos e professores entrevistados, contextualizadas pelos principais acontecimentos histricos do perodo do sculo XX ao incio do sculo XXI.

    3-Da Escola de Aprendizes Artfices ao Centro Federal de Educao Tecnolgica, uma Anlise Econmica: enfoca-se, sob o prisma estritamente econmico, o intervalo de tempo entre os anos 1910 e 2006, mostrando aspectos que interferiram sobre a realidade institucional, as respostas s relaes de causa e efeito que o cenrio mundial impe ao nacional, e este, por sua vez, impe ou sugere, pressupondo as assimetrias econmicas, polticas e sociais, presentes nas regies brasileiras.

    4- Interfaces Legais, Polticas, Pedaggicas e Administrativas na Trajetria do CEFET-RN: trata basicamente da estrutura e das mltiplas formas de atuao da Instituio ao longo de sua existncia, condicionadas pela legislao e implementadas pelos rgos superiores desde a sua fundao como Escola de Aprendizes e Artfices at a chegada ao modelo atual como Centro Federal de Educao Tecnolgica.

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    5- Percurso Educacional do CEFET-RN desde as Origens aos Dias Atuais: considera as influncias da legislao educacional e suas diversas correntes de pensamento pedaggico nas estruturas curriculares da instituio e na formao e implantao dos currculos ao longo do tempo, buscando demonstrar como o CEFET-RN tem sido capaz de lidar com a rapidez das transformaes do mundo do trabalho.

    6- A Criao da Unidade de Ensino de Mossor: Realizao de um Sonho da Populao do Oeste Potiguar: discorre sobre a efetivao da interiorizao do CEFET-RN, com a implantao da sua primeira Unidade de Ensino Descentralizada (UNED) em Mossor, que atende uma importante regio do Estado, produtora de riqueza e com necessidades especficas de capacitao tecnolgica.

    Diante da escassez das informaes no mbito dessa pesquisa, optou-se pela forma exploratrio-descritiva, com nfase na anlise qualitativa, na busca de identificar aspectos significativos das contribuies educacionais, polticas, econmicas, sociais e tecnolgicas. Atravs da anlise dos dados bibliogrficos e documentais, foi possvel levantar informaes que subsidiaram a construo do livro.

    Este trabalho se enquadra na tipologia de Tripodi (1981, p. 38-39), que qualifica a pesquisa em quantitativo-descritiva quando se procura identificar relaes entre as variveis. De acordo com Tripodi (1981, p.53), Estudos quantitativos descritivos so investigaes de pesquisa emprica que tm como finalidade o delineamento ou anlise das caractersticas dos fenmenos, avaliao de programa ou o isolamento de variveis- chave.

    O depoimento de egressos e professores ativos e aposentados, que gentilmente se dispuseram a nos contar suas lembranas de diferentes pocas foram de extremo valor assim como a dedicao das alunas pesquisadoras, Eneida Lima Torreo, Celise de Lima Marinho e Smela Azevedo de Arajo que conduziram e digitaram as entrevistas. Um agradecimento especial. ao Prof. Marcus Vinicius de Oliveira que gentilmente revisou a formatao do texto. A todos os que se dispuseram a colaborar e foram acessveis ao nosso contato, dividindo conosco as suas lembranas, externamos o nosso muito obrigado. queles

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    que no tivemos oportunidade de ouvir, esperamos que apreciem o trabalho, pois este uma homenagem a todos que por aqui passaram.

    Obviamente, esta publicao no pretende cobrir toda a histria da Instituio, nem esgotar os enfoques que poderiam ser dados no sentido de uma melhor compreenso do papel desta Instituio na sociedade norte-rio-grandense. Buscamos to-somente levantar aspectos importantes a serem utilizados como base para futuras pesquisas mais aprofundadas e elaboradas.

    Sabemos, contudo, que, como incio do resgate histrico institucional, cumprimos da melhor forma possvel o nosso papel. Cabe a outros pesquisadores a tarefa de aprimorar e aprofundar este trabalho arqueolgico que, com toda certeza, nos leva a um territrio de emoes que passeiam principalmente por dois sentimentos: saudade e gratido; saudade da aprendizagem e da vida aqui experimentada e gratido a esta respeitvel Casa de Educao.

    Natal, Setembro de 2006.

    Prof. Erika Arajo da Cunha PegadoCoordenadora do Projeto

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    AS BASES DA INDUSTRIALIZAO BRASILEIRA POCA DO DESENVOLVIMENTO DO ENSINO TCNICO.

    Luzia Freire da Costa Bezerra1

    Para falar das Escolas de Aprendizes e Artfices e seus desdobramentos de nomenclaturas e estruturas, precisamos inseri-las num contexto mais amplo de concepes ideolgicas, polticas e de modelos econmicos adotados no Brasil ao longo da histria dessas instituies e da histria do Brasil.

    Antes de qualquer considerao importante lembrar que as instituies educacionais esto situadas num contexto poltico e social e conseqentemente refletem as polticas pblicas praticadas pelos governos e do respostas condizentes com os estmulos recebidos. Tratando-se do ensino tcnico no Brasil, a afirmao procedente uma vez que no momento em que foram criadas, as Escolas de Aprendizes e Artfices atenderam a uma demanda que surgiu no pas por ocasio da concepo positivista, adotada no pas , com a proclamao da repblica e que se constituram como instituies voltadas para o assistencialismo A despeito da repblica e da urbanizao,predominava no Brasil um sistema agrrio de produo com a hegemonia das classes oligrquicas e uma concepo de trabalho escravista, herana de um passado ainda muito prximo.Neste sentido o ensino tcnico apresentava-se como um apndice do sistema educacional brasileiro com formao puramente propedutica.

    O propsito desta breve anlise apresentar em linhas gerais, um quadro da histria poltica e econmica do Brasil com suas inflexes, que nos permita compreender o desempenho e as transformaes porque passaram os cursos tcnicos no Brasil.E nessa perspectiva imprescindvel que essa anlise seja feita lanando-se um olhar para o nosso desenvolvimento industrial e para as suas particularidades e caractersticas.

    Desde o perodo colonial, o Brasil, assim como todas as colnias do continente americano, produziam para satisfazer as necessidades do capitalismo comercial europeu. Com a revoluo industrial e as conseqentes inflexes do capitalismo mundial,

    1 Luzia Freire da Costa Bezerra. Professora aposentada do IFRN

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    o Brasil e as demais regies da Amrica do Sul, mantiveram-se como produtores de produtos primrios para os pases industrializados da Europa. Esta situao permanece mesmo depois da independncia poltica dos pases sul-americanos, sedimentando-se a idia na primeira fase da repblica, de uma propalada vocao agrria de alguns desses pases, dentre eles o Brasil. Esta idia amparava-se na lei das vantagens comparativas, um dos pilares da teoria clssica, que sustentava que os recursos naturais de que dispunham esses pases tais como; terras agricultveis, clima favorvel e somando-se a isso disponibilidade de mo-de-obra, dava-lhes suporte natural, sendo necessrio apenas a potencializao desses recursos e que o diferencial de produtividade dos pases industrializados seriam repassados aos pases no industrializados como conseqncia da queda dos preos desses produtos. , havendo dessa forma um perfeito equilbrio no intercmbio comercial entre os pases envolvidos e na plena realizao dos seus respectivos interesses. Dentro desse quadro, os surtos de industrializao experimentados pelo Brasil, ocorreram nas brechas deixadas pela dinmica histrica dos pases industrializados, tais como o incremento industrial da segunda metade do sculo XIX, quando o Brasil absorveu o capital excedente da Europa, assim como na fase inicial da repblica, principalmente depois da primeira grande guerra, quando os E.U.A. se insinuaram na liderana do capitalismo mundial, principalmente no contexto americano e lanaram olhos para o mercado e as matrias primas da Amrica Latina, fazendo jus ao pan-americanismo almejado desde o sculo XIX, justificado com a doutrina Monroe.

    Com o advento da repblica e a pretensa modernizao de nossas instituies polticas, evidenciavase o surgimento de novas concepes e de novos atores na cena poltica brasileira; os militares, as classes mdias, o operariado, que emergiam respectivamente, da valorizao do exrcito com a guerra do Paraguai e da industrializao e urbanizao experimentada a partir da segunda metade do sculo XIX. Esse contingente urbano; militares, classes mdias e operrios, questionavam o domnio poltico das oligarquias agrrias e concretizaram o seu descontentamento atravs de movimentos polticos e sociais - a revolta dos Tenentes- assim como, as greves operrias que eclodiram no Brasil ainda na primeira metade do sculo XX.

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    Com eles consolidava-se a ideologia de progresso, de inspirao positivista e na esteira do racionalismo positivista exigia-se o fim do mandonismo das classes agrrias e o estabelecimento de eleies livres da influncia desses grupos. No tocante economia eram favorveis industrializao que acreditavam, ser esse setor, associado a uma agricultura forte, a mola propulsora do desenvolvimento e da autonomia econmica. importante evidenciar que a iniciativa industrializante no constava nesta fase, das prioridades e do empenho governamental, comprometido que estava com os segmentos agrrios e com a poltica do caf com leite, cabendo incipiente burguesia industrial brasileira a iniciativa de investimento neste setor. No primeiro governo republicano, de Deodoro da Fonseca, colocada em prtica a poltica do encilhamento que apontava para a industrializao como uma forma possvel de mudana capaz de dar ao Brasil as condies de desenvolvimento auto -sustentvel. Mas a fragilidade da burguesia industrial brasileira, o incipiente mercado consumidor e o poder das classes agrrias se impuseram e a experincia industrializante no Brasil resultou em fracasso ou, sendo mais otimista, subsistiu como atividade secundria e dependente do desempenho da economia cafeeira, das divisas que provinham das exportaes desse produto. Entretanto a despeito do insucesso, ou se quisermos ver de outra maneira, da particularidade da industrializao brasileira naquele momento, as foras potencializadoras da industrializao e da urbanizao j tinham sido implantadas desde a fase final do imprio. A abolio da escravatura representou uma transformao radical de mbito social que no teria mais volta, colocando em evidencia novos atores na cena poltica, as classes urbanas e suas demandas. O surto de industrializao e urbanizao experimentado na segunda metade do sculo XIX e incio do sculo XX, associado ao desenvolvimento da produo cafeeira, impem aos governos republicanos a necessidade de iniciativas que favorecessem o controle e a disciplinarizao dos novos contingentes populacionais que migraram para as cidades, na esteira da instituio do trabalho livre e do crescimento das cidades. Os governos, nesta fase inicial da repblica, se empenharam no esforo de controle social, fortalecendo o aparato policial e por outro lado, criando instituies asilares e educacionais, no caso especfico, as Escolas de Aprendizes e Artfices que tinham como objetivo, encaminhar o

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    jovem para a aprendizagem de ofcios, ao mesmo tempo em que o tirava das ruas e da marginalidade. importante evidenciar que a criao das Escolas de Aprendizes e Artfices se d dentro desse clima de preocupao com ordenamento social no pas e sob a influncia do positivismo. No entanto o poder das classes agrrias e a manuteno do sistema de produo centrado na agricultura e produtos primrios em geral, reforavam a nossa dependncia em relao aos produtos industrializados assim como aos pases que os produziam. A posio de pas agrrio estava definida no contexto do capitalismo mundial, o que adiava qualquer iniciativa que contrariasse esse estado de coisas.

    Neste ambiente de hegemonia do grupo cafeicultor no mbito nacional e dos grupos agrrios regionais, dentro do que se convencionou chamar de poltica do caf com leite, o Brasil adormece em bero esplndido acreditando, ou no, na vocao de pas agrrio.A incipiente indstria nacional, existia nas brechas deixadas pela economia agrria com destaque para a economia cafeeira.Somente uma mudana no mbito do capitalismo mundial teve a fora de imprimir mudanas no sistema de produo e no estado de coisas vigente em nosso pas. A crise do capitalismo com a quebra da bolsa de valores de Nova York, colocou em descenso a produo essencialmente agrria, abrindo assim um precedente para o incremento da nossa atividade industrial.

    O movimento que se convencionou chamar de revoluo de 1930, ocorreu em meio a crise do capitalismo mundial quando estavam sendo questionadas as premissas do liberalismo econmico ao mesmo tempo em que se apontava as vantagens do dirigismo econmico, doutrina que teve como um dos principais expoentes, John Maynard Keynes. No Brasil estabeleceu-se a polmica entre as duas correntes ideolgicas que propugnavam de um lado o liberalismo econmico e poltico , mantendo assim a hegemonia das classes agrrias e da burguesia ligada ao comrcio importador, todos comprometidos com o imperialismo comercial e financeiro; do outro lado a corrente que propunha um estado de compromisso em que se reconhecia os limites da exclusividade dada a economia cafeeira e do comrcio exportador e apontava para a diversificao das atividades econmicas, dentre essas o desenvolvimento industrial, voltado para o mercado interno. Esse pensamento consubstanciou-se nas dcadas de 40 e50 atravs

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    das proposies da CEPAL-BNDE,* do ISEB* e da Comisso Mista Brasil- Estados-Unidos.*

    No plano mundial a crise do capitalismo evidenciava a fragilidade da economia liberal, a sua forma anrquica de produo, o que levava os pases industrializados a perceberem a necessidade de controle e de planejamento na atividade produtiva. Vale salientar que nesta conjuntura de crise, naturalmente os pases se fecharam, se isolaram e centralizaram mais o poder poltico o que favoreceu o surgimento de regimes totalitrios na Itlia (fascismo), na Alemanha (nazismo), na Espanha (franquismo) e em Portugal (salazarismo).Essa tendncia concentradora de poder poltico repercutiu no mundo todo, frente a necessidade de governos fortes que controlassem os excessos da anarquia capitalista. Nos pases perifricos essa tendncia tambm se fortaleceu e atingidos pela retrao do mercado para os seus produtos, tornou-se imperioso uma redefinio de suas economias, da estrutura de produo e de suas relaes de troca. No Brasil o arranjo cafeicultor foi posto em cheque e o governo Vargas, fruto de uma nova correlao de foras que colocava em destaque a burguesia industrial, direcionou o seu governo para a diversificao econmica cuja destinao era o prprio mercado interno. Ressalte-se que a estrutura de poder ainda se assentava no domnio das classes agrrias e diante do impasse da crise do caf e do descenso da produo agrria como um todo, tornava-se necessrio uma conciliao de interesses das classes que integravam o contexto poltico brasileiro ; firma-se assim o Estado de Compromisso, que significava a conciliao entre as classes e segmentos sociais que detinham o poder no pas naquela conjuntura. Podemos vislumbrar neste momento um primeiro esforo sistemtico, planejado, de desenvolvimento econmico, tendo o Estado no s como entidade regulamentadora mas, atuando tambm na gesto e produo direta em vrios setores da economia, como prescrevia a receita da Comisso mista Brasil-Estados Unidos e do Grupo Misto BNDE-CEPAL Dentro dessa perspectiva so elaborados planos de governos, pela primeira vez no Brasil: Plano de Reabilitao da Economia Nacional e Reaparelhamento Industrial, ambos, do governo Vargas, seguidos pelo Plano de Metas, de Juscelino Kubitschek e o Plano Trienal de Desenvolvimento,do governo Joo Goulart.

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    As diretrizes do governo Vargas, diante da crise generalizada, interna e externa, apontavam para o fortalecimento do governo central em detrimento do federalismo. Mesmo sem se descuidar da agricultura, particularmente da lavoura do caf, dava prioridade industrializao, destinando vultosos recursos para os setores de infra-estrutura e de insumos bsicos, coisa que a burguesia brasileira no tinha condies de fazer, dada a sua fragilidade, assim como a impossibilidade do capital externo diante da crise do capitalismo mundial. No plano poltico Getlio imprimiu legitimidade sua poltica atravs de uma forte colorao nacionalista garantindo-lhe apoio irrestrito dos militares, das classes mdias e do proletariado. O nacionalismo do governo Vargas o suporte ideolgico que lhe permite governar dentro de um estado de conciliao de classes de interesses antagnicos.

    importante lembrar, que o nacionalismo do governo Vargas tinha uma dupla conotao; de um lado era urgente a necessidade de desenvolvimento nacional, desenvolvimento este, centrado na indstria, do outro lado, estava a nossa fragilidade ou seja, a inexistncia de capital que impulsionasse o nosso crescimento econmico o que levava o governo a falar em tom nacionalista mas, acenar com simpatia para o capital estrangeiro. Da as ambigidades entre o discurso e a prtica do governo Vargas. Essas contradies no tocante poltica externa e a complexidade assumida pela sociedade brasileira no mbito da industrializao e da urbanizao crescentes, levam Vargas, assim como os seus sucessores, a lanar mo tambm do populismo, trao marcante no Brasil a partir da fase de industrializao e de crescimento da populao urbana.Tornava-se evidente que a questo social deixava de ser uma questo de polcia e exigia ser tratada como uma questo poltica.

    As classes trabalhadoras das cidades no podiam mais ser ignoradas e as suas demandas so levadas em considerao, institucionalizando-se as relaes capital-trabalho e neste sentido o Estado entra como rbitro, uma vez que tanto os empresrios como os trabalhadores careciam de experincia e suas organizaes representativas ainda eram fracas para dispensar a sua tutela . Dessa forma, na linha do reformismo, o governo busca a conciliao de classes, isto , um equilbrio de entendimento entre empresrios e trabalhadores, arbitrado pelo Estado e como

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    o desenvolvimento industrial direcionava-se para o mercado interno este deveria ser ampliado, o que s seria possvel com salrios progressivamente melhores. Na esteira desse reformismo so editadas as leis trabalhistas e sindicais.

    O nacional-desenvolvimentismo, inspirado nas proposies da CEPAL, ISEB, BNDE e na Comisso Mista Brasil-Estados Unidos, tinha de forma velada, o objetivo principal de consolidao do capitalismo brasileiro, de acumulao de capital e de fortalecimento da burguesia nacional o que s seria possvel com um grande e bem articulado pacto social, o que foi feito com base no convencimento da classe trabalhadora de que o projeto de crescimento da economia brasileira, significaria desenvolvimento no plano social e se estenderia a todos os segmentos . Da, a grande contradio e o desfecho que culminaria com o golpe militar de 1964.

    A despeito dos minguados avanos no plano social, nas reas de sade, educao e cultura, o capitalismo brasileiro desenvolveu-se a passos largos, culminando com o Milagre de 1968 a 1972, cujo crescimento econmico alcanou o patamar de 9 (nove) pontos percentuais.

    Inicia-se assim, nas dcadas de 30 e 40, com esforo concentrado do Estado, do capital estrangeiro e em menor escala, do capital privado nacional, a concentrao de capital no Brasil.. Com esse suporte e contradies que se lhe apresentavam inerentes, ocorre o nosso desenvolvimento industrial e a concentrao capitalista brasileira.

    Detendo-se na industrializao brasileira, na sua caracterstica e evoluo, depreende-se que o nosso desenvolvimento industrial se deu pela via da substituio de importao, ou seja, o Brasil passou a produzir progressivamente, o que antes era importado do exterior. Na sua evoluo o Brasil passa a produzir em primeiro lugar, bens de consumo imediato para depois passar a produzir, produtos mais complexos e sofisticados, cuja fabricao requer mais capital, empresas maiores, alta tecnologia, mais experincia e capacidade gerencial. A dinmica industrial foi maior nos centros com maior disponibilidade de capital, mais populosos e com maior poder aquisitivo, ou seja, as regies sul e sudeste, onde era maior a presena de imigrantes europeus

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    com experincia nesse tipo de atividade econmica. Nesta fase o intercmbio econmico era pequeno e a produo se destinava aos mercados locais ou mais prximos, considerada a dificuldade de transporte e de comunicao regional. .Aps a segunda guerra mundial, profundas transformaes ocorreram no mundo e no Brasil; a heterogeneizao da sociedade e a sofisticao das elites fizeram aumentar a demanda interna por bens de consumo durveis o que levou a instalao de indstrias para produzi-los. Somava-se a isso a dificuldade de comrcio internacional, criada pela guerra. Nessa conjuntura, o Brasil foi obrigado a empreender um extraordinrio esforo, para atender a demanda interna e para manter a economia em funcionamento. O governo brasileiro preocupava-se principalmente com a indstria de base, de grande porte, procurando prover a infra-estrutura (transporte, energia, comunicao) e a produo de matrias-primas bsicas (ferro, ao e, mais tarde, tambm petrleo e derivados) uma vez que a iniciativa privada no tinha flego financeiro nem experincia empresarial para este empreendimento. Foram criadas no governo Vargas, com o apoio financeiro e tecnolgico norte-americano, a Companhia Siderrgica Nacional (1941), seguindo-se, a Vale do Rio Doce, a Companhia Hidreltrica de So Francisco (CHESF), a Petrobrs. Estas e outras empresas estatais de grande porte constituram-se em verdadeiros agentes de desenvolvimento, cumprindo o papel relevante de impulsionar o progresso brasileiro. Mas, era grande a concorrncia internacional e o empresariado brasileiro no possua recursos para atuar nos ramos industriais mais rentveis, o setor de bens durveis e de bens de capital, acentuando-se assim a dependncia tecnolgica e financeira.Mesmo que o governo Vargas, tenha conseguido avanos nos setores bsicos da economia, as empresas multinacionais, frente a debilidade do capital privado nacional, assumiram a liderana nos ramos mais vantajosos da indstria, o de bens durveis e bens de capital.Acentua-se o hiato tecnolgico entre os pases com tradio industrial e os pases retardatrios no processo de industrializao e essa distncia significava desvantagem no intercmbio comercial ,submisso s regras do mercado dominado pelos mais fortes, apelo excessivo racionalidade e ao simples crescimento econmico, exigncia do capital internacional presente no nosso sistema produtivo e negligncia no que se refere aos projetos sociais como educao, sade e cultura. A

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    despeito dessa negligncia o impulso industrial experimentado no governo Vargas imps vrias iniciativas inovadoras no mbito da educao como: a criao das universidades do Rio de Janeiro e de So Paulo; a instituio da Lei Orgnica do Ensino Industrial, com o objetivo de preparar tcnicos de nvel mdio; a criao do Senai, destinado a preparar menores, jovens e operrios para o trabalho na indstria, sem passar necessariamente pelos degraus do sistema de ensino formal; a criao do Senac, com objetivos idnticos aos do Senai, voltado preparao de mo-obra para o comrcio e os servios.

    Na linha assistencial e com finalidade recreativa, foram criados, o Sesi e o Sesc. Todas essas entidades foram instrumentos da poltica de conciliao de classes implantada no governo Vargas. Aos marginalizados em geral, sem qualquer qualificao, desenraizados do mundo rural pelo xodo, e que no conseguiram vincular-se s atividades urbanas, tambm se estendia a ateno paternalista do governo, atravs da Legio Brasileira de Assistncia (LBA), sob a coordenao, muitas vezes simblica, das primeiras-damas, nas trs esferas da administrao pblica. Ainda no campo da educao, duas reformas tiveram lugar no governo Vargas, a reforma de Francisco Campos em 1931 e a reforma Capanema em 1942, que catalisaram as correntes de pensamento existentes na poca; uma dos pensadores catlicos e a outra dos reformadores liberais.

    A posio nacionalista do governo Vargas conseguiu xitos relativos em alguns setores considerados fundamentais, na poca, para a segurana do pas como siderurgia, petrleo, energia eltrica e comunicaes, atravs de empresas estatais. Mas, o Brasil no consegue d o grande salto para o desenvolvimento, frente as dificuldades encontradas, como a fragilidade da burguesia nacional e a voracidade do capital monopolista internacional que acentua o descompasso entre os mais fortes, constitudos pelos grandes conglomerados econmicos transnacionais e as economias perifricas. O nacional-desenvolvimentismo fracassou na sua pretenso de promover o desenvolvimento autnomo do pas e a dependncia se mantm e assume novas formas.

    importante frisar que a idia de desenvolvimento na poca relacionava-se a crescimento econmico acreditando-se, ou no, que este se encarregasse de eliminar as distores existentes no

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    nosso sistema desigual e excludente e o modelo era o dos Estados Unidos que servia de referncia como uma sociedade perfeita. O trmino da guerra e a vitria dos aliados favoreceram a hegemonia norte-americana e o Brasil, assim como toda a Amrica Latina, passou a gravitar na rbita norte-americana.

    O nacional-desenvolvimentismo do governo Vargas estabelecia fortes restries ao capital estrangeiro, mesmo que no fosse de todo contrrio a ele.No entendimento dos nacionalistas o capital estrangeiro deveria entrar no pas em forma de emprstimos e financiamentos.Assim o governo tratava de combinar Estado, empresa privada nacional e o capital estrangeiro como a frmula eficaz para promover o desenvolvimento, com nfase na industrializao.Essa tendncia nacionalista tenciona as relaes do governo Vargas com as grandes corporaes do capitalismo mundial, cuja culminncia se d com a crise poltica de 1954 que resultou no seu suicdio.

    O perodo que se segue, do governo de Juscelino Kubitschek se caracteriza como uma fase de completa abertura ao capital estrangeiro. O seu Plano de Metas dava continuidade e ampliava o que havia se iniciado no governo Vargas mas a modernizao pressuposta tornava imprescindvel o capital monopolista e o nosso desenvolvimento atendia antes de tudo as exigncias concentracionistas dos grandes grupos capitalistas, adiando indefinidamente o projeto que fosse capaz de corrigir as nossas anomalias e os nossos desvios no sistema econmico brasileiro e na nossa sociedade como um todo.

    O Plano de Metas consistiu no planejamento de trinta metas prioritrias distribudas em cinco grandes grupos; energia (43% dos investimentos), transportes (29,6%), alimentao (3,2%) indstria de base (20,4%), educao (3,4%) e por ltimo a meta sntese, a construo de Braslia, includa por vontade pessoal do presidente e que consumiu 3% do PIB da poca. Mas, o plano de JK, segundo Francisco Campos, foi elaborado sem que fosse feita uma adequada anlise macroeconmica e, por isso,deixou de contemplar mudanas estruturais como a reforma agrria, a reforma fiscal e tributria, a reforma cambial e a reforma administrativa A indstria brasileira se desenvolveu sem auto-suficincia tcnica uma vez que no houve prioridade para uma reforma educacional. JK armou, sem querer, uma

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    bomba para o futuro. Como no haviam sido feitas as reformas profundas necessrias manuteno do estado de coisas criado por Juscelino, a crise poltica se instalou e culminou com o golpe militar de 1964.

    importante salientar que as reformas, feitas para impulsionar o nosso desenvolvimento industrial, deixavam intocado todo o aparato institucional e poltico que favorecia ao mesmo tempo o livre jogo democrtico e as prticas eleitoreiras e clientelistas, era, portanto, uma mudana conservadora e o modelo de desenvolvimento era elitista e excludente. A modernizao econmica no foi acompanhada pela modernizao da legislao trabalhista e os trabalhadores do ABCD paulista, parcela mais politizada do operariado brasileiro , passou a pressionar o sistema por mudanas, exigindo maior autonomia sindical.

    O golpe militar de 31 de maro de 1964 , deps o governo de Joo Goulart e rompeu com as instituies amparadas pela Constituio de 1946.Foram afastados do exerccio do poder poltico os representantes das foras nacionalistas-reformistas e de esquerda.Por outro lado, houve a opo pelo estreitamento dos vnculos com os Estados Unidos e com o capital internacional.Como condutor do capitalismo global, os Estados Unidos mostrou-se aliado do novo regime , favorecendo a renegociao da dvida e concedendo emprstimos atravs da USAID(Agncia dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional ) que, segundo estimativas, concedeu 80% do capital lquido que entrou no pas no perodo de 1964 a 1967. Foi um perodo de ostensiva presena norte-americana nos centros de deciso do Brasil.O FMI tambm acentuou a sua participao na esfera econmica brasileira, o que garantiu os novos investimentos externos, paralisados desde a Lei de remessa de lucros do governo Joo Goulart.

    Nos primeiros anos do governo militar, foi preparado o terreno para o crescimento acelerado da economia, o que se convencionou chamar de milagre brasileiro baseado no modelo de desenvolvimento capitalista associado ao capital internacional e dele dependente. A economia cresceu a olhos vistos com ndices significativos de 11% de taxa anual e de 13% na expanso industrial e de servios. Entretanto era um crescimento altamente elitista, concentrador e excludente. A concentrao de renda ocorreu em trs dimenses: a concentrao regional,

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    favorecendo o sul e o sudeste em detrimento das demais regies, a formao de oligoplios ( indstrias, bancos, grandes lojas e supermercados) com grande poder na formao de preos e no controle de mercado e a concentrao pessoal quando os ricos tornaram-se mais ricos e a maior parte da populao manteve nveis preocupantes de pobreza, resultado da conteno salarial e da inflao desencadeada a partir de meados dos anos 70 , com a falncia do modelo e a crise do petrleo. O crescimento econmico no foi acompanhado por um projeto que privilegiasse setores da rea social de sade, educao, habitao popular e outros. Do ponto de vista de preservao ambiental, principalmente na dcada de 70, a degradao foi violenta. A desigualdade social e a concentrao de renda era mais acentuada e mais grave ainda no setor rural, o que contribuiu para uma violenta desestabilizao e desenraizamento da populao do meio rural, que migrou para as cidades sem que estas tambm tivessem estrutura para receber esse contingente populacional. importante salientar que a concepo de desenvolvimento dominante nos meios militares decorria da Doutrina de Segurana Nacional, difundida pela Escola Superior de Guerra e o desenvolvimento econmico era o elemento fundamental da segurana. Para os militares o crescimento econmico garantia a paz social e o Brasil tornava-se mais atraente aos investimentos externos.

    Esta situao era garantida com a desmobilizao das foras sociais e a centralizao do poder poltico no executivo. Somente com a falncia do modelo econmico as foras de oposio passaram a se rearticular e nesse ambiente de crise ocorreram movimentos sociais como as greves de Contagem, Osasco, as manifestaes estudantis, o que justificou a edio do AI-5.

    A partir dos anos 70, sob o governo de Mdici o Brasil viveu o momento do endurecimento do regime ao mesmo tempo em que era posto em marcha acelerada o crescimento do grande capital no setor industrial , com o fortalecimento da indstria de bens de consumo durvel, de bens de capital e intermedirios, assim como o incremento da agricultura de exportao, com destaque para a soja.Foi o perodo tambm dos grandes projetos de impacto como o projeto mineral de Carajs, no Par; o II Plo Petroqumico (Camaari), na Bahia; o III Plo Petroqumico(Triunfo), no R.S;

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    a abertura da Transamaznica. Todos esses esforos tinham o objetivo de desconcentrar o crescimento econmico e integrar regies que permaneciam isoladas.Segundo o pensamento dos militares o Brasil precisava crescer, com o sacrifcio da maior parte da sua populao, sendo mais tarde distribudo os bnus desse crescimento.

    O fato que os salrios caram para 38% da renda interna, enquanto os lucros, juros e aluguis subiram 62% nas dcadas de 70 e 80. Foi tambm frustrante a distribuio de renda de forma indireta, atravs da educao,sade,habitao, alimentao, transportes coletivos entre outros.Os ganhos da populao de baixa renda com a poltica econmica adotada pelos planos de desenvolvimento (Plano de Estabilizao Econmica, Plano Estratgico de Desenvolvimento , os I e II P.N.Ds) ficaram muito aqum das reais necessidades dos trabalhadores brasileiros. Em termos sociais , acentuam-se no Brasil a favelizao, o desemprego, a mendicncia,a desnutrio, a baixa escolaridade, entre outros males sociais.Dessa forma , ao longo do ciclo militar, o Brasil caminhou na contramo da histria.Em vez de avanar no sentido da construo da cidadania, ampliou a massa dos marginalizados, despossudos e excludos.

    O governo do general Ernesto Geisel, quarto presidente do ciclo militar, escolhido pelo reconhecimento de suas qualidades administrativas, apresentou caractersticas e peculiaridades que o distinguiram dos demais, principalmente no que se refere poltica externa. O choque do petrleo deteriorou o clima econmico internacional, particularmente nos pases centrais, levando a economia mundial a um perodo de recesso e a sada encontrada pelo governo brasileiro foi adotar uma poltica externa independente. O tradicional alinhamento automtico aos E.U.A foi substitudo pela poltica externa batizada de pragmatismo responsvel e ecumnico. Dentro desta linha o Brasil estreita relaes diplomticas com o Japo, Alemanha, Frana, Inglaterra, Repblica Popular da China, pases produtores de petrleo, pases africanos, com o objetivo de obter crditos e ampliar o intercmbio comercial. Outra diretriz do governo Geisel, para manter a performance do milagre, foi implantar um novo padro de industrializao, baseado na expanso da indstria de bens de produo ou indstria bsica, retomando assim, o processo

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    de substituio de importaes adotado na dcada de 50. O seu projeto Brasil-Potncia Emergente era muito ambicioso e superdimensionado e diante da crise do petrleo o governo no teve condies de realizar suas intenes, at porque a descompresso poltica abertura lenta e gradual-propsito do seu governo, acentuou os embates polticos e evidenciou as crticas ao modelo concentrador e elitista e concepo de deixar o bolo crescer para dividi-lo.Com a abertura poltica consentida pelo governo algumas instituies como a OAB, a A.B.I., a Igreja, os grandes sindicatos do ABCD paulista tornaram-se porta vozes dos que no tinham voz nem vez.Diferentes posies emergiram do movimento sindical neste perodo que resultou na criao da CUT, da CGT e da Fora Sindical que juntamente com os partidos polticos e a sociedade civil passaram a lutar pela aprovao , pelo Congresso Nacional, da Emenda Constitucional que institua eleies diretas para a escolha do presidente da repblica.Em 25 de abril de 1984, a emenda Dante de Oliveira foi derrotada no Congresso mas, no embalo da mobilizao popular, foi articulada a Aliana Democrtica ,consenso dos grandes partidos, que viabilizou a vitria de Tancredo Neves e Jos Sarney Presidncia da Repblica.

    A orientao dos governos da Nova Repblica foi prioritariamente a conteno da inflao brasileira que em 1985 alcanou o patamar de 239%.Para isso foi lanado o Plano Cruzado que procurou conciliar o combate inflao com a manuteno do crescimento econmico e do poder aquisitivo dos salrios.Seguiram-se os Planos Bresser, Vero, Collor I e II, todos eles visando a estabilizao econmica.

    A crise brasileira atinge o seu auge em 1990 com o esgotamento do projeto de desenvolvimento implantado no Brasil a partir de 1930 e a falta de um novo projeto nacional que desse direo s novas diretrizes governamentais. A dvida externa representou nesta conjuntura o foco de todos os problemas enfrentados pelo Brasil e por todos os pases da Amrica Latina.A dvida era resultado do prprio modelo de desenvolvimento associado ao capitalismo internacional e que havia proporcionado o nosso desenvolvimento industrial, no tempo da fartura de dlares no mercado internacional. Com quadruplicao do preo do petrleo,os Estados Unidos entraram em recesso e o capital

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    rareou para os pases perifricos.A sada foi o F.M.I. que passou a exigir dos governos latino- americanos ajustes econmicos tais como:privatizao das empresas estatais;abertura da economia s importaes estrangeiras; liberdade para os investimentos externos; reduo dos investimentos sociais do Estado; arrocho dos salrios e aposentadorias e a retomada do pagamento da dvida externa. Na falta de um novo projeto nacional, o Brasil ficou como um barco deriva, sem metas a mdio e longo prazo.Esse quadro pode ser explicado dentro da nova perspectiva do direcionamento do capital na dcada de 1990.Os investimentos antes direcionados aos pases em desenvolvimento destinaram-se aos trs grandes centros econmicos do mundo; Estados unidos /Canad, Comunidade Europia e Japo. Em contrapartida reduziram-se sensivelmente os investimentos diretos estrangeiros nos pases em desenvolvimento e subdesenvolvidos, sendo exceo apenas os chamados tigres asiticos(Coria do Sul, Taiwan, Cingapura e Hong-Kong).

    Neste contexto e com as mudanas determinadas pela constituio de 1988,em que os fundos de participao transferiram receita aos Estados e Municpios sem que fossem transferidos encargos, foi acentuado o colapso das finanas pblicas , sobretudo na esfera federal e somente uma reforma nas reas fiscal e tributria poder realizar uma adequada reestruturao dos tributos e encargos nas trs esferas administrativas pblicas.

    A conjugao dos fatores internos e externos e as circunstncias adversas, comprometeram o crescimento econmico do pas e contriburam para agravar os problemas sociais seculares que hoje continuam presentes no nosso cotidiano.

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    REFERNCIAS

    -JUNIOR, Caio Prado-Histria Econmica do Brasil:terceira edio; brasiliense.S.P. 1984

    -CCERES, Florival- Histria geral; quarta edio; editora moderna.S.P. 1998.

    -MANTEGA, Guido-A economia poltica brasileira- quinta edio; vozes.Petrpoles.1990

    -QUELUZ, Gilson Leandro -Concepes de ensino tcnico na repblica velha-1909-1930;PPGTE;CEFET_PR.2000.

    - SILVA,Maria das Graas Baracho- Da arte do ofcio especializao;UFRN;Natal.1991

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    REFLEXOS DA HISTRIA NO COTIDIANO INSTITUCIONAL DESDE A ESCOLA DE APRENDIZES E ARTFICES AT O CEFET-RN

    Erika Arajo da Cunha Pegado1

    Introduo

    Para entender a importncia do CEFET-RN no contexto histrico norte-rio-grandense, temos que nos reportar ao seu perodo de florescimento, inserindo-o no momento histrico em que surgiram as primeiras escolas de aprendizes e artfices. Criada num perodo histrico marcado pela poltica das oligarquias, a Instituio atravessa o sculo XX sofrendo as influncias das transformaes na histria poltica do Brasil e no Estado do Rio Grande do Norte.

    Enfocando os perodos marcantes e seus reflexos no cotidiano educacional, percebemos que, apesar de a sociedade brasileira ter evoludo em diversos aspectos, ainda mantm o seu carter excludente. Desde o incio da histria dos CEFETs, estes se apresentam como alternativa para insero da classe menos favorecida carente de educao de qualidade.

    Atravs da anlise de documentos internos, livros, registros em arquivos pblicos e imprensa local, alm do depoimento de professores que por aqui passaram em diferentes dcadas, procuramos traar um perfil do cotidiano da instituio, que foi se transformando ao longo das ltimas dcadas e se adaptando aos novos tempos, sempre na posio de vanguarda.

    As oligarquias e a Escola de Aprendizes e Artfices

    No incio do sculo XX prevalecia no Brasil, e no RN em particular, a chamada poltica das oligarquias, constituda por famlias que deturparam constantemente, e de vrias formas, o regime republicano. De acordo com Monteiro (2000), no processo de transio da Monarquia para Repblica, formaram-se nos estados grupos oligrquicos que, controlando o partido republicano, desde 1 Professora do IFRN, Licenciada em Histria, Bacharel em Direito e Mestre em Gesto Ambiental

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    a sua fundao, mantinha o controle e dominava o Governo, sua mquina administrativa e a renda pblica usando de corrupo, empreguismo e nepotismo.

    O Rio Grande do Norte foi um dos estados que melhor representou esta forma de fazer poltica, tendo como exemplo a Oligarquia Maranho, que dominou o RN no incio do sculo XX. Pedro Velho de Albuquerque Maranho considerado o primeiro representante da forma oligrquica de exerccio de poder apoiando e praticamente indicando os candidatos que certamente ganhariam as eleies, j que vigorava o chamado voto de cabresto.

    No Brasil desta poca, a educao era privilgio de poucos, filhos da elite. Os chamados filhos desvalidos da sorte, vagavam pelas margens da sociedade. Eram filhos de agricultores, castigados pela seca, que retiravam pelo serto e tambm os ex-escravos que sobreviviam de bicos ou prestando servios a seus antigos donos. Muitos desses ex-escravos nem conseguiam continuar no seu antigo trabalho, pois a mo de obra imigrante era mais requisitada pelos fazendeiros, principalmente no sul e no sudeste, por motivos que iam desde a apurada tcnica profissional dos imigrantes europeus at inevitvel racismo contra os negros.

    A industrializao no Brasil surge na esteira da acumulao de capital pela classe de cafeicultores, que investiam o excedente em fbricas especializadas principalmente em bens de consumo no durveis e baixo valor comercial, com vistas ao atendimento do mercado interno. Os bens de tecnologia mais sofisticada eram importados de centros com indstrias consolidadas, principalmente da Inglaterra.

    O desenvolvimento industrial do RN, no entanto, foi muito lento, pois a economia baseava-se na agricultura voltada para exportao de produtos primrios para o Sudeste. A maioria da populao vivia no campo, bem distante da chamada era industrial.No Sudeste, onde j havia mais fbricas, ocorriam diferentes formas de treinamento. Uma delas era feita nas prprias empresas, que contratavam expertos em maquinrios trazidos do exterior, muitas vezes comprados de segunda mo, j obsoletos na Europa. Com relao s instituies de ensino voltadas para tal fim, at 1906, a preparao de trabalhadores estava a cargo de instituies de caridade e de algumas escolas municipais.A

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    idia de o Estado destinar recursos financeiros para a criao de escolas profissionais surge oficialmente no governo de Afonso Pena, atravs da Proposio 195, de 1906, que dotava o poder pblico de recursos financeiros para iniciar o desenvolvimento de escolas profissionais no mbito federal. No incio do sculo XX, o ento Presidente da Repblica Nilo Peanha expediu o Decreto 7.566, de 23 de setembro do ano de 1909, em que se criavam as 19 Escolas de Aprendizes e Artfices, as quais tinham por finalidade admitir alunos, de preferncia desfavorecidos de fortuna, expresso vigente na poca para denominar os miserveis.

    Apesar desse esforo, o nmero de alunos matriculados nessas escolas, nos primeiros anos, era insignificante, constatando-se uma grande evaso desses estudantes. Uma das explicaes para esse fato era uma tradio aliada necessidade de os filhos trabalharem desde criana para auxiliar os pais12.

    De acordo com o decreto que as criou, as Escolas de Aprendizes e Artfices deviam oferecer os cursos mais convenientes e necessrios, tendo como referncia as especialidades das indstrias locais, mas ao que parece a sociedade local, predominantemente agrria, ainda no estava receptiva a essa estrutura educacional.

    Alm de ensinar ofcios, como sapataria, funilaria, alfaiataria, serralharia e marcenaria, essas instituies atuavam no campo correcional e assistencial, tendo, assim, dois objetivos principais: a qualificao da mo-de-obra para atender a industrializao incipiente e o acolhimento de jovens menores de idade das classes pobres, que constituam um percentual significativo da populao.

    Dessa forma, as Escolas tinham o propsito de dar educao primria e profissional, custeadas pelo Governo, tanto estadual quanto federal, para a populao carente, ensinando um ofcio para que os jovens pudessem ter um meio de sobrevivncia digno. Alm disso, assumiam um papel determinado de tirar do vcio, das ruas e da marginalidade, os desprotegidos da sorte.

    2 O Cdigo Penal de 1940, art.246 instituiu o crime de abandono intelectual , obrigando os pais a matricularem os filhos em idade escolar. Porm, somente recentemente esta conscientizao se tornou mais ampla, com o Estatuto da Criana e do Adolescente, de 1990, e o incentivo de programas governamentais como o bolsa-escola, bolsa-famlia, entre outros.

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    Decorre da que essas Escolas no possuam um objetivo educacional mais amplo, mas, sim, um cunho assistencialista de dar uma profisso, dar algo o que fazer quelas pessoas que estavam margem da sociedade. (MOURA D, 2005).

    No RN, a Escola de Aprendizes e Artfices situava-se na Rua Presidente Passos, Cidade Alta, no prdio onde atualmente funciona a Casa do Estudante do Rio Grande do Norte. A Escola funcionava em regime de semi-internato, atravs de oficinas de marcenaria, sapataria, alfaiataria, serralharia e funilaria.

    O governador do Estado do RN na poca era Alberto Maranho, pertencente oligarquia Maranho. Foi um governo que realizou inmeras obras na capital e no interior. Na rea da educao, para os padres da poca, pode-se afirmar que ele manteve-se bastante atualizado, estabelecendo a meta de criar um grupo escolar em cada sede de comarca e nos outros municpios, uma escola mista. Criou a Escola de Msica que funcionava no Grupo Escolar Augusto Severo.

    Para o historiador Itamar de Souza, Alberto Maranho colocou Natal no sculo XX. Exageros parte, apesar do incentivo ao surgimento de indstrias de beneficiamento de coco e da concesso de iseno de impostos para quem implantasse fbricas de chapus de sol e de cerveja, nada foi concretizado, pois as oportunidades no foram aproveitadas por empresrios.

    O Liceu Industrial e o algodo

    No ano de 1914, a Escola de Aprendizes e Artfices passa a denominar-se Liceu Industrial e transfere-se para o prdio da Av. Rio Branco, 743, Cidade Alta, oferecendo cursos de desenho, sapataria, marcenaria, funilaria e alfaiataria. O governador do Estado na poca era o Desembargador Ferreira Chaves, sucessor de Alberto Maranho.

    Ferreira Chaves procura incentivar a industrializao potiguar atravs de isenes de impostos estaduais. Destaca-se, nesse sentido, a Lei n. 428, de 03 de dezembro de 1917, que concedia isenes, por 50 anos, a quem fundasse fbricas de fiao, tecelagem, estamparias e cordoaria. Tambm foi estimulada

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    a manufatura e industrializao de cascas de mangues, ferro, couro, acar e cimento, o que, de certa maneira, poderia criar oportunidade para absoro de mo-de-obra porventura formada na Escola de Aprendizes e Artfices. Contudo, nessa poca, grande parte da mo-de-obra empregada em tais atividades eram os flagelados da seca de 1919, que trabalhavam na construo de estradas de automveis, como eram chamadas as rodovias na poca.

    A oligarquia Maranho dominou totalmente a poltica do RN at 191313. Durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), houve um incremento das exportaes decorrentes da paralisia das indstrias europias, palco do conflito. No RN, houve um desenvolvimento da indstria algodoeira, quando, com o aumento de fbricas txteis do Sudeste e a valorizao econmica da cotonicultura, aumentou a fora poltica da elite agrria que tinha como base a regio do Serid. O poder poltico agora era representado por Jos Augusto Bezerra de Medeiros, que foi sucedido por seu parente Juvenal Lamartine. No governo de Jos Augusto Bezerra de Medeiros (1924 a 1928), o poder poltico do Rio Grande do Norte deslocou-se para o interior do Estado, para o Serid, que tinha sua economia baseada no algodo e na pecuria. Tambm nessa poca houve uma maior organizao do proletariado potiguar que, apesar de incipiente, seguiu a tendncia nacional de maior politizao, influenciada por ideologias trazidas pelos imigrantes, como o anarquismo e o socialismo.

    Diante desse quadro, percebemos que a formao da sociedade brasileira na qual o Rio Grande do Norte estava inserido como Estado perifrico, fornecedor de matria prima, conserva a estrutura social excludente, herdada do passado escravocrata. Segundo Monteiro (2000), antes da dcada de 1930, existia apenas uma nica fbrica no Estado: a Fbrica de Fiao e Tecidos de Natal, que chegou a empregar 320 trabalhadores, tendo sido fechada em 1925.

    3 Esse domnio se fez presente atravs dos governos de Joaquim Ferreira Chaves; Alberto Maranho (irmo de Pedro Velho), que exerceu dois mandatos no consecutivos; Augusto Tavares de Lyra (genro de Pedro Velho); e Antnio Jos de Melo e Souza. Mas o poder da Oligarquia se estendia da Intendncia de Natal representao do RN no Senado Federal.

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    De acordo com essa autora, somente a partir de 1960-70 teve incio de fato a implantao de indstrias no Rio Grande do Norte, pois at ento o que predominavam no Estado eram pequenas unidades de produo, quase artesanais, que possuam reduzido nmero de empregados e produziam cigarros, bebidas, sabo, velas, redes, cermicas, couro e chapus.

    A Escola Industrial em tempo de Guerra e Industrializao

    Em 1939, inicia-se a II Guerra Mundial, com enormes repercusses para o Brasil e para o Estado do Rio Grande do Norte em particular. Em 1942, o Brasil corta relaes diplomticas com os Pases do Eixo (Alemanha Itlia Japo) e os americanos consolidam o seu Quartel General do Atlntico Sul na Base Area de Parnamirim field, que na poca pertencia a Natal.

    Nesse mesmo ano, ocorre na Instituio uma mudana estrutural, passando de Liceu Industrial denominao de Escola Industrial de Natal. Era a gesto de Jeremias Pinheiro da Cmara Filho (14/09/39 a 04/10/54). Nesse perodo, tambm se adquire o terreno e iniciam-se as obras do atual Campus do CEFET. O ensino industrial reestruturado como grau de 1 ciclo mdio. O propsito dessas mudanas era acompanhar as transformaes vivenciadas pelo Brasil, uma vez que toda a sociedade estava voltada para o desenvolvimento da grande indstria. O Governo Vargas, em pleno regime do Estado Novo, defendia a industrializao nacionalista, incentivando a indstria de base que seria, no seu entender, a gnese do crescimento industrial brasileiro, independente de outras naes.

    No RN, esse surto de desenvolvimento econmico decorre do envolvimento do Brasil na II Guerra Mundial, uma vez que ocorre um aumento da fortuna privada e a fortificao dos cofres do Estado do RN, em detrimento do aumento das exportaes dos minrios, que constituam matria-prima para as armas utilizadas, dentre outros. A instalao da base area de Parnamirim field contribui significativamente, para o desenvolvimento do comrcio, uma vez que provoca aumento populacional e conseqente aumento das vendas para abastecer o consumo, como assegura Mariz e Suassuna (2001).

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    O Estado do Rio Grande do Norte, portanto, sofre muito diretamente as influncias do conflito mundial. Esse envolvimento da Capital do estado com a guerra, que, para maioria dos brasileiros s existia via ondas do rdio, influencia tambm o cotidiano da Escola Industrial. As estratgias adotadas pelos militares para maior defesa da cidade, que convivia com o constante medo de bombardeio o que nunca aconteceu, alteram o horrio das aulas, para que alunos e professores pudessem chegar s suas casas antes do apagar das luzes, o chamado black out . O jornal A Repblica de 12 de novembro de 1942 noticia a existncia de um curso para defesa passiva antiarea, destinado a funcionrios, professores e alunos. O clima da Escola refletia o estado de alerta constante da sociedade natalense, fruto da instalao da base area norte-americana no Estado, na poca, a maior fora dos Estados Unidos.

    Redemocratizao, Desenvolvimentismo e as Escolas Industriais

    Com o final do conflito e a queda do Estado Novo, a industrializao crescente aumenta a demanda de mo-de-obra especializada, ocasionada pelo grande aumento nas importaes de mquinas e matrias primas para o desenvolvimento da indstria brasileira, decorrentes da abertura da economia patrocinada pelo Governo Dutra, sucessor de Getlio.

    O Rio Grande do Norte continuava integrando a rea perifrica no processo de desenvolvimento nacional e regional, mesmo aps a redemocratizao. Manteve-se a mesma elite poltica que estava no poder durante o regime deposto, havendo apenas uma readaptao destes grupos s condies polticas sociais e econmicas ps-ditadura.

    Com relao estrutura econmica, o Rio Grande do Norte conserva em grande parte a estrutura agrria. Apesar disto, nos anos 50 a 70 do sculo XX ocorre um gradativo aumento do setor de servios, em detrimento da diminuio da atividade agrcola. A atividade industrial ainda revelava-se incipiente no Estado, apesar do surto de industrializao que o Brasil atravessou, principalmente no governo de Juscelino Kubistchek.

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    Porm no h como negar que a conjuntura poltica e econmica nacional influenciou os rumos do nosso Estado. Em 1958, foi criada a SUDENE Superintendncia do Desenvolvimento do Nordeste, rgo responsvel pela execuo de polticas de desenvolvimento para o Nordeste. Mesmo com os incentivos da SUDENE, o crescimento da indstria local foi lento, contudo so realizadas nesse perodo grandes obras. O Estado Interventor cria vrias oportunidades, dando origem s carreiras tcnicas especializadas. nessa poca que surgem os cursos que formavam tcnicos para serem absorvidos nas obras encampadas pelo Governo Federal.

    Diante dessa conjuntura, as Escolas Industriais, que haviam sido implementadas na dcada de 40, so mais uma vez transformadas, desta vez em Escolas Tcnicas, por fora governamental. Porm, a implantao no se d ao mesmo tempo para todas as Unidades da Federao. Em 1959, o governo faz outra reforma sempre na perspectiva de elevar mais a qualidade. Autoriza, dessa forma, as instituies da Rede a implementar cursos tcnicos, atravs da Lei 3552/1959.

    Particularmente em relao Escola do Rio Grande do Norte, a promoo no chega logo. Sua elevao condio de Escola Tcnica s se dar mais tarde, em 1968. Esse atraso no ocorre por falta de vontade dos lderes locais. Encontra-se no arquivo do CEFET-RN um telegrama de 1951, do diretor Jeremias Pinheiro da Cmara, para os deputados federais da poca, pedindo que o projeto de lei 2002/51, que transformava a Escola Industrial de Macei em Escola Tcnica tambm englobasse a Escola Industrial de Natal. Em resposta, o ento Deputado Alusio Alves tece elogios Escola Industrial de Natal e esclarece a necessidade de criao de mais dois cursos tcnicos para atender os requisitos: Pontes e Estradas e Desenho Tcnico. A sugesto estava em sintonia com o nacionalismo desenvolvimentista levado a cabo no governo do Presidente Juscelino Kubtischek.

    Assim, outros cursos so implantados: Eletrotcnica, Mecnica, Minerao, Geologia. Nesse perodo, a Escola Industrial de Natal passa denominao de Escola Industrial Federal do Rio Grande do Norte, porm ocorre um certo hiato entre o incio do processo de implantao das Escolas Industriais Federais e a sua implementao no Rio Grande do Norte, devido ao pouco

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    desenvolvimento industrial da regio Nordeste e do Rio Grande do Norte em particular.

    Para se ter uma idia, enquanto a Escola de Natal era transformada em Escola Industrial Federal, as das regies Sul e Sudeste j haviam se convertido em Escolas Tcnicas Federais, com caractersticas educacionais mais especializadas. Para se cursar a Escola Tcnica, que disponibilizava ensino de tcnicas especficas para diferentes ramos da indstria, era necessrio que o aluno j tivesse concludo o ensino industrial, equivalente ao antigo ginsio, atualmente ensino fundamental.

    J para estudar na Escola Industrial, categoria em que ainda estava a Escola do RN, o aluno fazia um exame que constava de uma prova de portugus, matemtica, conhecimentos gerais e uma prova de nvel mental (semelhante a um psicotcnico) conforme relato de Silva (2005):

    O curso era semelhante ao ginsio, [...] as disciplinas eram portugus, matemtica, histria, geografia, cincias e desenho. Por sinal, desenho era bastante rgido. E, no decorrer do tempo, [...] foi equiparado ao ginsio, desde que os alunos fizessem uma prova de adaptao de ingls ou francs, o aluno teria conseguido ter o ginsio propriamente dito.

    Em 1959, j se tinha uma abordagem ampla da educao, visando preparar o aluno para uma insero pr-ativa na sociedade como nos relata Moura P (2005), em depoimento:

    Ao ingressar na Escola aps a aprovao nesse exame, ns tnhamos a parte de educao geral e a parte de educao profissional. Estudvamos portugus, matemtica, cincias, histria, desenho, geografia, na parte terica. Na parte prtica, ns freqentvamos muitas oficinas, chamvamos de rodzios. Ns tnhamos noes de marcenaria, mecnica, especificamente a serralheria, estofaria, alfaiataria e a arte do couro. Aps esse chamado rodzio, ns fazamos uma opo para os cursos [...] No meu caso, optei por mecnica. Era feita uma avaliao pela pedagoga. Ns fazamos o curso que era

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    chamado de artfice. No meu caso, depois de quatro anos eu terminei o curso de artfice em mecnica, porque todas as minhas habilidades estavam voltadas para essa rea, e isso era levado em considerao.

    Observa-se, assim, nessa poca, a construo de um currculo que prepara o aluno tanto para um aprendizado tcnico quanto para o exerccio da cidadania. Como exemplo dessa poltica encontra-se nos registros do arquivo morto do CEFET-RN o caso de um aluno, Mrio Targino Andrade, que, em 1952, ao no receber a mquina de costura a que tinha direito por ocasio da concluso do curso de alfaiataria em 1936, pleiteou-a ao Diretor de Diviso de Ensino Industrial, no Rio de Janeiro, pois [...] tenho direito de acordo com o regulamento que o senhor sabe [...] sou um rapaz pobre e arrimo de famlia [...] espero que o D.D Sr advogue a minha causa com justia. No encontramos no arquivo registro de concesso da mquina ao formando.

    Verificamos que, j nessa poca, havia tambm uma poltica de incentivo ao empreendedorismo, interrompida pela justificativa de que a maioria dos alunos recebiam as mquinas e vendiam, o que certamente no era o caso do nosso personagem. De qualquer forma, vislumbramos a o embrio do Ncleo de Incubadora de Empresas NIT, que hoje o CEFET RN mantm como forma de impulsionar o surgimento de empreendimentos na rea de inovao e desenvolvimento tecnolgico.

    Nos depoimentos colhidos dos egressos, essa caracterstica empreendedora sempre ressaltada, alm das atividades extracurriculares, envolvendo prtica desportiva e atividades recreativas com msica, prtica esta iniciada pela Professora Lourdes Guilherme, aluna do grande Maestro Heitor Vila Lobos1 4. A Escola tambm promovia uma Semana de Lazer, perodo em que eram convidados alunos de outras escolas da cidade, e os estudantes da Casa faziam demonstrao de educao fsica e de canto orfenico. Nessas ocasies, tambm eram convidados intelectuais ilustres da cidade para proferirem palestras, como Cmara Cascudo, por exemplo.

    4 Em 1974, foi fundado pelo Pe. Pedro Ferreira o Coral que, numa justa homenagem, tem o nome da pioneira na educao musical do CEFET-RN.

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    Em 1962, Irineu Martins de Lima ocupa a Direo de 11/04/62 a 29/06/64. O ensino tcnico obtm equivalncia como ensino secundrio, passando denominao de ensino mdio. Alm do ginsio industrial (reas de Eletricidade, Cermica, Madeira, Metais e Mecnica), a Escola passa a oferecer os Cursos Tcnicos de Minerao e Estradas, criados em 1962.

    Nessa poca, prossegue a construo da nova sede da Instituio no local onde atualmente ela funciona. Iniciada em 1942, a obra seria inaugurada em 1967. O prdio localiza-se numa regio ento afastada da cidade, rodeada por vacarias e granjas de moradia, mas a nova sede j estava preparada para o futuro que chegaria mais rapidamente do que se podia imaginar, sendo hoje um dos locais mais movimentados da cidade.

    No perodo que antecede o Golpe de 1964, apesar da rgida disciplina a que os alunos eram submetidos, surgem atividades do movimento estudantil. O primeiro Grmio existente na Escola Industrial era denominado Nilo Peanha e depois passa a chamar-se Djalma Maranho. Muitos dos alunos que participaram desses Grmios ingressaram na vida pblica.

    J na dcada de 1970, era bastante atuante o grupo de francs criado pela Prof. Expedita Oliveira de Medeiros, que incentivava o estudo do idioma, a ponto de se criar aqui a Association Antoine de Saint Exupry. Havia um convnio, fruto da obstinao da mestra entre a Escola Tcnica e a Aliana Francesa para alunos bolsistas5.1

    Ditadura Militar e Escola Tcnica

    O movimento militar que eclode no Brasil em 1964 acompanha uma tendncia presente nessa poca na Amrica Latina de endurecimento dos regimes como estratgia para deter o avano da ideologia comunista. Havia um temor por

    5 Em 1993, a Escola no ia mais oferecer francs, pois a procura era pouca pelo estudo do idioma, e os professores estavam se aposentando. Um movimento liderado pelo professor Jlio Hermnio, ex-aluno da Escola e atualmente professor da rea de Indstria, criou o Groupe de la Rsistance reivindicando a permanncia da disciplina na grade curricular da Instituio. A prpria professora Expedita, j aposentada, e a Aliana Francesa de Natal apoiaram a causa. Atualmente a disciplina ministrada no Curso Tcnico de Turismo e nos Cursos de Lnguas oferecidos pelo CEFET-RN.

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    parte da populao, incentivada pelos setores conservadores da sociedade, que reuniam militares, parte da Igreja Catlica e da classe mdia, de que os comunistas poderiam tomar o poder por uma revoluo e, alm de tomar propriedades, proibiriam o exerccio da religiosidade.

    Historiadores observam que o golpe j estava preparado desde os anos de 1950, por setores militares aliados UDN16. Foi adiado foradamente por diversos fatores dentre os quais se destaca o dramtico suicdio de Getlio Vargas em 1954. Os militares brasileiros contavam com o apoio do governo dos Estados Unidos, que temia uma multiplicao de regimes semelhantes ao implantado na ilha de Cuba. Em conseqncia do golpe, o presidente Joo Goulart deposto e exila-se no Uruguai.

    Na poca, o governador do Estado do RN era Alusio Alves. Com relao ao processo poltico, em 1965 ocorre a ltima eleio direta para governadores dos Estados, sendo eleito governador do Rio Grande do Norte o Monsenhor Walfredo Gurgel. O prximo pleito direto s ocorrer em 1982, j no processo de abertura poltica gradual.

    No mbito institucional, em 1964 Pedro Martins de Lima assume a Direo, permanecendo at 28/02/68. Durante sua administrao, em 1965, o Estabelecimento recebe a denominao de Escola Industrial Federal do Rio Grande do Norte. O ano de 1968 marcado pela regulamentao da profisso de tcnico industrial, atravs da Lei 5.524/68. Nesse ano, o ensino desloca-se para o nvel do segundo grau (hoje ensino mdio) e a Escola passa a funcionar no novo prdio da Av. Salgado Filho, planejado especialmente para abrigar a instituio e inaugurado no ano anterior.

    O ano de 1968 tambm marca o incio da fase mais dura da histria poltica recente do Brasil. Opositores do regime militar so perseguidos, polticos de oposio cassados, muitos vo para o exlio. Surgem movimentos armados que lutam pelo fim do

    6 A UDN - Unio Democrtica Nacional, de cunho liberal, era um dos maiores partidos na poca, de oposio Getlio Vargas e favorvel ao golpe, apoiado por parte das foras armadas o PSD- Partido Social Democrtico e o PTB- Partido Trabalhista Brasileiro , formados a partir dos polticos que apoiavam Getlio Vargas.

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    regime promovendo seqestro de estrangeiros, assaltos a bancos e guerrilhas urbanas e rurais. A represso a estes movimentos brutal.

    Em 1968, a Instituio passa a ser chamada de Escola Tcnica Federal do Rio Grande do Norte ETFRN, denominao que perdurar at o incio a dcada de 1990. No perodo de 01/03/68 a 28/03/71, fica sob a direo do professor Joo Faustino Ferreira Neto. Em 1969, so criados os Cursos Tcnicos de Eletromecnica e Edificaes.

    Durante a dcada de 1970, o Rio Grande do Norte teve trs governadores indicados pelo Regime Militar: Jos Cortez Pereira de Arajo (1971 a 1975), Tarcsio de Vasconcelos Maia (1975 a 1979) e Lavoisier Maia Sobrinho (1979 a 1982).

    O clima poltico dentro da Instituio, mesmo que em menor escala, comparando-se com outras reparties pblicas, sofria reflexos dos embates polticos entre oposio e governo com seus instrumentos de luta e represso. Muitos alunos e professores sofreram investigaes militares. Colegas eram chamados para depor sobre as atitudes suspeitas de determinado professor. Discursos mais inflamados contra o regime eram passveis de priso, como ocorreu com o prof. Joo Faustino. Alm dele, muitos professores foram interrogados em inquritos militares.

    Eu fui duas vezes Comisso Parlamentar de Inqurito. Essa Comisso era constituda por um oficial do Exrcito, um oficial da Marinha, um oficial da Polcia e o advogado, que era quem fazia as perguntas para a gente, e o secretrio l. Agora, os trs oficiais, o do Exrcito, o da Marinha e o da Aeronutica, no me fizeram nenhuma pergunta. S quem me fez pergunta foi o da Polcia, mas os trs se mantiveram calados, o do Exrcito, o da Marinha e o da Aeronutica. (Dantas, 2005).

    Com a implementao de disciplinas como OSPB Organizao Social e Poltica Brasileira, e Educao Moral e Cvica, os professores da rea de Estudos Sociais eram obrigados a seguir a programao de ensino da coordenao do MEC, logicamente defendendo o regime e sem nenhum espao para uma atitude mais crtica. Caso o professor no seguisse o roteiro, este poderia at ser demitido, sem falar de conseqncias mais srias, como priso. Essa atitude passiva, no entanto, aos poucos

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    foi se transformando. Com o enfraquecimento do regime, no final dos anos de 1970 e incio dos anos 80, as aulas das disciplinas sociais transformaram-se em fruns de debate, contribuindo para a formao do esprito crtico dos alunos, em consonncia com a construo de um modelo educacional que formasse o tcnico-cidado.

    Em 1975, matriculada a primeira aluna Nelma S. Marinho de Bastos na ETFRN, no curso de Edificaes. Em 23/05/79 assume a direo Marcondes Mundim Guimares, sendo substitudo em 1985 por Luzia Vieira de Frana, que fica frente da ETFRN at 12/05/91.

    A ebulio do movimento estudantil gera atos de represso que atingem a ETFRN. A exemplo do que ocorre em outras casas de educao, alunos so presos por motivos polticos. Com a abertura poltica, os movimentos estudantis seguem por diversas motivaes, como, por exemplo, para se contrapor aos processos de privatizao e/ou estadualizao que volta e meia eram defendidos por titulares do Ministrio da Educao.

    O processo de redemocratizao da sociedade tem seu incio com o enfraquecimento econmico e poltico do regime militar, mais vulnervel s presses da sociedade que sofria com a crise econmica e com a falta de apoio estratgico dos EUA, a quem no mais interessava a manuteno das ditaduras latino-americanas. Apesar de episdios radicais como o do Rio Centro17, no se interrompe a abertura lenta e gradual democracia.

    Aps a abertura democrtica e a promulgao da Constituio Federal de 1988, que estende o direito de greve ao funcionalismo pblico28, ocorre a primeira greve dos servidores do CEFET-RN no governo do presidente Jos Sarney, tendo como pauta de reivindicao a reposio das perdas salariais ocorridas

    7 Em abril de 1981, duas bombas explodiram no centro de convenes do Rio de Janeiro, onde se realizava um festival de msica. Uma bomba explodiu acidentalmente em um carro matando um sargento e ferindo gravemente um oficial do exrcito. Foi um escndalo e, apesar da tentativa de abafar o caso, o episdio desmoralizou a linha dura que no aceitava a abertura poltica.8 O direito de greve do servidor federal est disposto no art. 37, inciso II da CF de 1988, mas a lei que o regulamenta ainda no foi editada, porm o judicirio tem reconhecido a greve como direito legtimo do servidor que no pode ser prejudicado pela inrcia do legislador infraconstitucional.

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    em razo do congelamento de preos e salrios do Plano Cruzado. Em 1991, no governo do Presidente Fernando Collor, uma outra greve exige reposio das perdas salariais do Plano Bresser e do Plano Vero. Ao longo dessa ltima dcada, ocorrem diversos movimentos paredistas, com pautas reivindicatrias que abordam desde questes salariais at ameaas de estadualizao e privatizao da ETFRN. Tambm se protesta contra o corte de verbas federais para educao. H uma seo do Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educao Bsica e Profissional SINASEFE, no Rio Grande do Norte, filiada ao SINASEFE Nacional, que sempre participa dos movimentos grevistas nacionais, muitas vezes em posio de vanguarda.

    No desporto, a ETFRN destacava-se nos esportes coletivos principalmente no vlei e no futebol, participando de competies estaduais, como os JERNS, e nacionais, concorrendo com as outras escolas da rede. Atualmente o CEFET-RN participa dos EDCENES, competies entre os centros tecnolgicos que ocorrem em diversos Estados da Federao.

    Globalizao, Novo Milnio e CEFET-RN

    A partir dos anos 80, verificou-se o fenmeno da elitizao da clientela discente da ETFRN. A valorizao da imagem da ETFRN perante a sociedade, vista como uma das melhores instituies de ensino do Estado, a queda do poder aquisitivo da classe mdia e a decadncia do ensino nas redes pblicas estaduais e municipais aumentaram a demanda por vagas nos cursos oferecidos pela Instituio. A convivncia entre alunos das mais diversas classes sociais gerou um ambiente enriquecedor, segundo depoimentos de egressos, convivendo alunos das diversas camadas sociais (Felipe, 2005).

    Em 13/05/91, o engenheiro Francisco das Chagas de Mariz Fernandes assume a direo, sendo reeleito para um segundo mandato, que se estende at 01/03/2000. Em 1993, a Secretaria de Educao Mdia e Tecnolgica/MEC, atravs da Portaria n. 1.069, autoriza o funcionamento do Curso Tecnolgico de Informtica Industrial.

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    Em 1995, implanta-se na ETFRN um modelo pedaggico baseado na formao do tcnico-cidado, fruto de discusso ampla da comunidade escolar, atravs de uma pesquisa-ao. Esse projeto causa muita repercusso e ala a ETFRN condio de referncia para rede federal de educao tecnolgica, por sua iniciativa pioneira. A proposta curricular, construda em sintonia com as necessidades do trabalhador contemporneo, permitia uma viso ampla do processo produtivo e da sociedade com suas nuances tecnolgicas e polticas. Estava organizada por reas de conhecimento (Construo Civil, Eletromecnica, Geologia e Minerao, Informtica, Servios e Tecnologia Ambiental), prevendo a verticalizao do ensino tcnico at o tecnolgico. As reas viabilizavam a oferta de um leque de habilitaes como terminalidades, anualmente ajustadas s necessidades do mercado de trabalho.

    Bastante avanado e baseado em princpios humanistas, o projeto pedaggico de 1995 enfrentou resistncia por setores do Ministrio da Educao. Quando a ETFRN estava terminando de implantar, veio uma nova resoluo do MEC, o Decreto 2.208 de 1997, separando o ensino mdio do tcnico. Mais uma vez, a comunidade agiu com coerncia poltica. Alunos, professores e diretores da Instituio fizeram uma passeata da Escola at a Secretaria do MEC para reivindicar a manuteno do modelo implementado no RN e autorizado como projeto piloto. A negociao que se seguiu garantiu que metade das vagas ainda fossem para o ensino mdio, mesmo que , na poca, a inteno do Ministrio fosse extinguir o ensino mdio na rede federal da qual fazem parte as Escolas Tcnicas e os CEFETs.

    Devido desvantagem crescente que tinham os alunos oriundos da rede pblica no processo de seleo, fruto da decadncia estrutural e das crises que afetam a educao pblica estadual e municipal, o processo de elitizao da Instituio estava se aprofundando, distanciando a escola da clientela para a qual tinha sido criada. Lembremos dos desvalidos da sorte. Numa ao que visava maior incluso da classe menos favorecida economicamente, a ETFRN, pioneiramente, adotou um sistema de reserva de vagas a partir de 1995. Buscava-se assim manter a instituio aberta para todos os grupos scio-econmicos e culturais. O debate sobre o sistema de cotas nas universidades pblicas que hoje se d no pas foi antecipado aqui no RN.

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    Sobre esse assunto, vejamos o depoimento de Moura (2005), professor e pesquisador do CEFET-RN, que viveu este perodo de transio e tem publicado alguns trabalhos sobre a educao profissional e tecnolgica:

    Se o CEFET-RN no tivesse adotado essa reserva de cinqenta por cento das vagas para alunos provenientes da escola pblica, seguramente hoje ns no teramos aqui quase nenhum aluno oriundo da escola pblica, e no teramos essa escola plural, onde convivem ao mesmo tempo alunos das origens socioeconmicas mais diversas possveis. Essa uma medida que eu considero muito importante que foi tomada pela Instituio nesses ltimos dez anos, visando atender a sociedade de uma forma plural em todos os segmentos dessa sociedade, primeiramente para alunos que estavam ingressando no ensino mdio e no tcnico, e hoje, a partir de 2005, no ensino superior.

    Desde a dcada de 1990, a Instituio tem passado por diversas transformaes que acontecem de forma cada vez mais rpida, refletindo o panorama da sociedade atual. Em 1994, o presidente Itamar Franco sanciona lei transformando as Escolas Tcnicas em Centros Federais de Educao Tecnolgica, mas o decreto que transformaria a ETFRN em CEFET-RN - Centro Federal de Educao Tecnolgica do Rio Grande do Norte, s publicado em 18/01/99, no governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso. O CEFET -RN , assim, estruturado para atuar nos trs nveis da Educao Profissional (bsico, tcnico e tecnolgico) e no ensino mdio.

    J a partir de 1998, a Escola passa a atuar na educao tecnolgica de 3 grau com a primeira turma do Curso Superior de Tecnologia em Processamento de Dados. Atualmente o CEFET-RN oferece dez cursos superiores19 em diferentes reas do conhecimento.

    9 Nas reas de Construo Civil, Automao Industrial, Materiais, Controle Ambiental, Desenvolvimento de Software, Comrcio Exterior e Lazer e Qualidade de Vida, alm de trs Licenciaturas: Geografia , Fsica e Espanhol.

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    A poltica implementada nos dois mandatos do Presidente Fernando Henrique, que visava integrao com o capitalismo global, forte influncia do modelo neoliberal implementado no Brasil, gera muitos cortes e diminuio das atividades estatais. O CEFET- RN sente os reflexos dessa poltica, por meio dos constantes cortes de verbas que ameaam o funcionamento normal da Instituio.

    Em 01/03/2000, assume a direo do CEFET-RN o engenheiro Getlio Marques Ferreira, que se afasta em agosto de 2003 para assumir cargo no MEC, assumindo em seu lugar como Diretor-Geral Pro Tempore o Prof. Srgio Luiz Alves de Frana10.

    Em 12/03/2004, atravs da Portaria Ministerial n 527, assume, para um mandato de quatro anos, a Direo Geral do CEFET-RN, o Prof. Francisco das Chagas de Mariz Fernandes.

    Com a posse do presidente Lus Incio Lula da Silva em janeiro de 2003, retoma-se a poltica de ampliao da rede tecnolgica com a perspectiva de criao de mais unidades de ensino at o final de 2006. O Governo Federal planeja em todo Brasil construir trs novas Escolas Tcnicas Federais, cinco Escolas Agrotcnicas Federais e 31 Unidades de Ensino Descentralizadas -UNEDs. O CEFET RN contar com trs novas UNEDs: Currais Novos, Zona Norte e Ipanguau.

    CONCLUSO

    Percebemos que o CEFET RN, apesar de situar-se num Estado perifrico sem grande expresso econmica, tem gerado conhecimento e contribudo singularmente na formao de seres humanos que, alm da competncia tcnica, se destacam por uma posio atuante e cidad.

    10 Getlio Marques Ferreira assumiu o cargo de coordenador da Rede Federal de Educao Tecnolgica no MEC , em 2004 o cargo de diretor de Educao Profissional da Secretaria de Educao Profissional e Tecnolgica (SETEC) do Ministrio da Educao e em 2005 a COPLAG - Coordenao-Geral de Oramento Planejamento e Gesto da SETEC onde permanece atualmente ( agosto de 2006).

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    Uma coisa que me marcou profundamente foi ter sido aluno daqui. Quem aluno dessa Instituio fica com a base para tudo, do que eu fui aqui dentro, l fora, eu devo muito ao perodo que eu passei aqui. Aqui eu aprendi essa questo de cidadania antes de ter esse pensamento novo nosso. (Ferreira, 2006)

    A expanso da Instituio traz novos desafios condizentes com esses tempos de rpidas transformaes na sociedade:

    Eu incorporei muitas coisas da Instituio. Talvez a maior caracterstica foi a de ser empreendedor. Essa Instituio bastante empreendedora (...). Hoje a Instituio faz muita coisa, ou seja, ela trabalha com cursos de extenso, superior, ensino tcnico, ensino mdio, tcnico subseqente, o que leva tambm as pessoas a no identificarem bem o que a Instituio faz, as pessoas terminam no sabendo direito. (Fernandes, 2005)

    A sociedade brasileira e tambm a norte-rio-grandense vem sofrendo mudanas que talvez s sejam mais bem analisadas por historiadores do futuro, com mais subsdios e um maior distanciamento. Porm, possvel afirmar que a Instituio CEFET- RN sempre esteve preparada para mudanas, mesmo que, no momento da transformao, a impresso tenha sido outra. Como afirma o prof. Mariz, atual Diretor-Geral da Instituio:

    Desde a fundao dessas Instituies a gente percebe que elas se adequaram aos seus momentos, e elas foram sempre crescendo. Na realidade, os CEFETs vivem a crise, mas eles nunca esto em crise. (Fernandes, 2005)

    Sente-se uma satisfao daqueles que por aqui passaram, de quem fez parte desta Casa de Educao, que, discreta e eficientemente, tem atravessado a histria do nosso Estado, apesar de ser quase ignorada pela historiografia norte-rio-grandense, considerando que pouqussimos registros foram encontrados nos

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    autores locais. Nos documentos pesquisados, mesmo quando tratam de educao no Estado do Rio Grande do Norte, no se comenta sobre a Escola Industrial ou ETFRN.

    Com este trabalho, pretendemos comear a preencher essa lacuna com informaes que serviro para fomentar a curiosidade de futuros historiadores, para que investiguem a fundo esta histria to fascinante.

    Os desafios deste incio de milnio precisam ser enfrentados de forma competente e com planejamento, mantendo-se esta Instituio com a mesma fora que a tornou, no apenas o que a sociedade esperava, mas algo bem alm do seu destino. A casa de educao que nasceu para atender os desvalidos da sorte, foi se transformando em formadora de cidados influentes na sociedade, conscientes do seu papel. como se as pessoas que lhe deram vida ao longo desse quase um sculo no se conformassem com o status quo, secundrio no mundo da educao.

    A paixo que as pessoas sentem pela Instituio fazem com que estejam sempre motivadas para fazer o melhor e, assim, a Instituio se destaca das outras. (Fernandes, 2005)

    Ocupando lugar de destaque no cenrio educacional do Estado, deixado um pouco de lado pela histria oficial, o CEFET-RN impe respeito queles que o conhecem e ocupa um lugar importante na cabea e no corao daqueles que vivem e esto construindo sua histria.

    REFERNCIAS

    BRITO, Francisco de Assis Pereira de. Depoimento gravado pelo grupo de pesquisa em gesto em 01de setembro de 2005.

    BRITO, Severino do Ramo de - Depoimento gravado pelo grupo de pesquisa em gesto em 25 de outubro de 2005.

    BURKE, Peter. A escrita da histria. So Paulo: Ed. da Unesp, 1992.

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    CASCUDO, Luiz da Cmara. Histria do Rio Grande do Norte. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional. 1955.

    DANTAS, Anade. Depoimento gravado pelo grupo de pesquisa em gesto em 20 de agosto de 2005.

    FELIPE, Renata Carla Tavares Santos. Depoimento gravado pelo grupo de pesquisa em gesto em 12 de outubro de 2005.

    FERNANDES, Francisco das Chagas de Mariz. Depoimento gravado pelo grupo de pesquisa em gesto em 03 de outubro de 2005.

    FERREIRA, Getlio Marques. Depoimento gravado pelo grupo de pesquisa em gesto em 22 de setembro de 2005.

    HERMNIO, Jlio Alves. Depoimento gravado pelo grupo de pesquisa em gesto em 23 de outubro de 2005.

    SILVA JNIOR, Nivaldo