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A Taxa Sobre a Comercialização De Cosméticos
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Ano 1 (2012), n 6, 3195-3248 / http://www.idb-fdul.com/
A TAXA SOBRE A COMERCIALIZAO DE
PRODUTOS COSMTICOS E DE HIGIENE
CORPORAL: QUESTES DE IGUALDADE,
LIBERDADE DE CIRCULAO DE
MERCADORIAS E NO DISCRIMINAO
Aquilino Paulo Antunes
1. Introduo; 2. As taxas sobre a comercializao de produtos
cosmticos e de higiene corporal; 2.1. A gnese do regime em
vigor; 2.2. Os vrios tipos de taxas de comercializao em
vigor na actividade farmacutica e respectivos regimes; 3. O
confronto com o princpio da igualdade; 3.1. Consideraes
gerais; 3.2. A natureza jurdica deste tributo; 3.2.1. Das
caractersticas prprias dos vrios tipos de tributos; 3.2.2. Da
natureza da taxa sobre a comercializao de produtos
cosmticos e de higiene corporal; 3.2.3. Posio adoptada
quanto natureza do tributo; 3.3. Capacidade contributiva ou
equivalncia? 3.4. Posio adoptada quanto ao parmetro de
igualdade. 4. O confronto com o direito da Unio Europeia;
4.1. A liberdade de circulao de mercadorias consideraes gerais; 4.2. A conformidade com a liberdade de circulao de
mercadorias; 5. Concluses.
1. INTRODUO
Existe no ordenamento jurdico portugus um conjunto
de tributos que incide sobre produtos da actividade
farmacutica, designado por taxas sobre a comercializao.
3196 | RIDB, Ano 1 (2012), n 6
Como veremos com maior detalhe adiante, as taxas sobre a
comercializao so tributos que incidem sobre o volume de
vendas dos produtos a que respeitam e tm por sujeitos
passivos os responsveis pela sua primeira colocao no
mercado nacional. Ou seja, so sujeitos passivos deste tributo
os importadores do produto que, na cadeia de valor, fazem a
primeira transaco em Portugal, ou aqueles que, sendo o
produto fabricado em Portugal, procedam primeira transaco
em territrio nacional. Em ambos os casos, os mesmos esto ou
devero estar inscritos como responsveis pela introduo ou
colocao no mercado do produto em causa junto do
INFARMED-Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos
de Sade, I. P. (INFARMED, I.P.), ou na Direco-Geral de
Veterinria (DGV), consoante se trate de medicamentos para
uso humano, produtos farmacuticos homeopticos, produtos
cosmticos e de higiene corporal, dispositivos mdicos no
activos, activos e para diagnstico in vitro, por um lado, ou
medicamentos veterinrios, por outro.
De entre os vrios tipos destes tributos, existe um que
tem suscitado intensa litigiosidade desde o ano 2000. Estamos
a referir-nos inicialmente designada taxa sobre a
comercializao de produtos de sade e actualmente designada
taxa sobre a comercializao de produtos cosmticos e de
higiene corporal. Esta taxa encontra-se regulada no Decreto-
Lei n. 312/2002, de 20 de Dezembro, com algumas alteraes
consagradas em legislao dispersa, como veremos adiante. A
redaco actual do diploma resulta do artigo 155. da Lei n. 3-
B/2010, de 28 de Abril, que aprova o Oramento de Estado
para 2010.
Os fundamentos dessa litigiosidade comearam por ser a
inconstitucionalidade tributo por indeterminao do objecto e a
desconformidade com o artigo 33. da Sexta Directiva relativa ao Imposto sobre o Valor Acrescentado
1. Mais
1 Dourado, A.P. (2007), 119 e ss. Vasques, S. (2004), 167 e ss.
RIDB, Ano 1 (2012), n 6 | 3197
recentemente, os fundamentos evoluram e variam consoante
os impugnantes, mas resumem-se basicamente aos seguintes:
inconstitucionalidade por violao do princpio da igualdade,
nas suas vertentes da equivalncia, proporcionalidade,
capacidade contributiva e no confiscatoriedade; violao do
princpio da no retroactividade da lei fiscal;
inconstitucionalidade orgnica; e desconformidade com o
direito da Unio Europeia, por violao da liberdade de
circulao de mercadorias, com fundamento no facto de,
embora indistintamente aplicvel, a medida incidir
predominantemente sobre produtos importados de outros
Estados membros, dada a reduzida expresso da produo
nacional, o que implicaria discriminao daqueles produtos e
violao da liberdade de circulao de mercadorias.
O objectivo do presente trabalho o de apurar em que
medida que procedem, ou no, a alegada violao do
princpio da igualdade, quanto questes da capacidade
contributiva e da equivalncia, e a alegada violao da
liberdade de circulao de mercadorias, por discriminao dos
produtos oriundos de outros Estados membros, quando
comparados com os produtos nacionais.
2. AS TAXAS SOBRE A COMERCIALIZAO DE
PRODUTOS COSMTICOS E DE HIGIENE CORPORAL
2.1. A GNESE DO REGIME EM VIGOR
H quem identifique como antecedentes dos tributos em
causa as designadas taxas devidas a favor dos organismos de
coordenao e regulao econmica que, embora j conhecidos
desde o final do Sculo XIX, proliferaram no regime poltico
que antecedeu a revoluo de 25 de Abril de 1974. Com efeito,
so vrios os exemplos deste tipo de tributos que vigoraram
3198 | RIDB, Ano 1 (2012), n 6
nesse quadro2.
No que concerne s taxas sobre a comercializao de
produtos de sade e de produtos cosmticos e de higiene
corporal, o antecedente mais longnquo que foi possvel apurar
a taxa devida extinta Comisso Reguladora dos Produtos
Qumicos e Farmacuticos3. Essa taxa comeou por ser apenas
incidente sobre produtos importados, ao abrigo do Decreto n.
30270, de 12 de Janeiro de 1940. Posteriormente, na sequncia
das obrigaes decorrentes da Conveno de Estocolmo, que
instituiu a Associao Europeia de Comrcio Livre e de um
acordo com a Comunidade Econmica Europeia, o Decreto n.
305/73, de 12 de Junho, e a Portaria n. 417/73, da mesma data,
vieram prever a aplicao dessa taxa tanto aos produtos
importados como aos de produo nacional. Na rea dos
actualmente designados produtos cosmticos e de higiene
corporal, este tributo variava entre 0,5%, 1% e 2%, consoante
os produtos que estivessem em causa, e incidia sobre o preo
de venda praticado pelo importador ou produtor.
Nomeadamente, sobre a comercializao de uma pasta de
dentes ou de um sabonete pagava-se 0,5%, enquanto sobre a
comercializao de um perfume pagava-se 2%. Os
medicamentos especializados estavam sujeitos a uma taxa de
0,4%, que incidia sobre o preo de venda ao pblico. Os
produtos importados para consumo prprio igualmente estavam
sujeitos ao pagamento do tributo, que incidia sobre o resultado
da soma do preo CIF4, acrescido dos direitos de importao e
de 20% do valor das duas parcelas anteriores. Este tributo foi
mantido em vigor pelo Decreto-Lei n. 374-H/79, de 10 de
Setembro, sendo que nenhum dos referidos diplomas afectava a
respectiva receita a qualquer finalidade especfica, embora
2 Vasques, S.(2004), 145 e ss. 3 De salientar que a Portaria n. 417/73, de 12 de Junho, remete para o Decreto n.
675/73, da mesma data, mas trata-se de um lapso evidente, visto que o diploma
visado por essa remisso o Decreto n. 305/73, de 12 de Junho. 4 CIF: Costs, Insurance & Freight.
RIDB, Ano 1 (2012), n 6 | 3199
fosse receita prpria da Comisso.
A extino da Comisso Reguladora foi promovida pelo
Decreto-Lei n. 466/88, de 15 de Dezembro, que transferiu para
a Direco-Geral dos Assuntos Farmacuticos do Ministrio da
Sade as atribuies daquela Comisso, designadamente em
matria de medicamentos e produtos cosmticos e de higiene
corporal (alnea c) do n. 1do artigo 4.), e para o Departamento
de Gesto Financeira dos Servios de Sade, do mesmo
Ministrio, as atribuies de cobrana da taxa (n.s 2 e 3 do
artigo 15.). Pela primeira vez atribudo um destino ao
produto deste tributo, afectando-se o mesmo realizao de estudos econmicos e ao desenvolvimento de programas de
fiscalizao, comprovao e controle da qualidade na rea do
medicamento prosseguidos no mbito do Servio Nacional de
Sade. Por razes que se desconhecem com exactido, o
pagamento e a liquidao e cobrana deste tributo ter cado
em desuso. Julga-se que tal ter ficado a dever-se entrada em
vigor do Decreto-Lei n. 10/93, de 15 de Janeiro, que aprovou a
nova lei orgnica do Ministrio da Sade, extinguiu a
Direco-Geral dos Assuntos Farmacuticos e o Departamento
de Gesto Financeira dos Servios de Sade (alneas c) e d) do
artigo 15.) e que criou os novssimos Instituto Nacional da
Farmcia e do Medicamento (INFARMED) e o Instituto de
Gesto Financeira e Informtica do Ministrio da Sade (IGIF)
(artigos 13. e 14.). O artigo 22. do mesmo diploma
determinou a transmisso dos direitos e obrigaes dos
servios extintos, incluindo posies contratuais, para os
servios para os quais foram transmitidas as respectivas
atribuies e competncias. Ou seja, a competncia para cobrar
o tributo, que pertencia ao extinto Departamento, transitou para
o IGIF, como de resto resulta do artigo 32. (Sucesso) do Decreto-Lei n. 308/93, de 2 de Setembro, que aprovou a sua
lei orgnica.
3200 | RIDB, Ano 1 (2012), n 6
Esta separao entre as atribuies em matria de
medicamentos e produtos de sade, que cabiam ao
INFARMED, e de cobrana da taxa, que cabia ao IGIF atribuio essa que este no ter, que se saiba, chegado a
prosseguir levou posterior criao da designada taxa sobre a comercializao de medicamentos. A mesma comeou por
estar prevista no artigo 63. da Lei do Oramento de Estado
para 1994 Lei n. 75/93, de 20 de Dezembro. Foi, depois, mantida em vigor e objecto de uma autorizao legislativa pelo
artigo 73. da Lei do Oramento de Estado para 1995 Lei n. 39-B/94, de 27 de Dezembro vindo a culminar no Decreto-Lei n. 282/95, de 26 de Outubro, que era aplicvel aos
medicamentos de uso humano e veterinrios5.
A designada taxa sobre a comercializao de produtos de
sade foi inicialmente criada pelo artigo 72. da Lei do
Oramento de Estado para 2000 Lei n. 3-B/2000, de 4 de Abril. Este preceito copiou e copiou mal o artigo 63. da Lei do Oramento de Estado para 1994 Lei n. 75/93, de 20 de Dezembro que criava a taxa sobre a comercializao de medicamentos. Copiou mal porque, por um lado, no teve em
considerao que este preceito tinha a vigncia limitada ao ano
econmico respectivo e, por isso, no ano seguinte o Governo
teve de obter da Assembleia da Repblica uma autorizao
legislativa que lhe permitisse criar o tributo para uma vigncia
mais alargada6; por outro, porque previu que o volume de
vendas tivesse por referncia o respectivo preo de venda ao consumidor final quando sabido que, ao contrrio dos medicamentos que poca tinham todos o preo de venda ao pblico administrativamente aprovado os produtos
5 No clara a questo de saber se o diploma abrangia todos os medicamentos
veterinrios ou somente os sujeitos s atribuies do INFARMED, que eram apenas
os medicamentos veterinrios farmacolgicos. 6 Da que, como se salientou, tenha sido mantida em vigor e objecto de uma
autorizao legislativa no artigo 73. da Lei do Oramento de Estado para 1995 Lei n. 39-B/94, de 27 de Dezembro.
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cosmticos e de higiene corporal, os dispositivos mdicos e os
produtos farmacuticos homeopticos no esto sujeitos a
qualquer preo administrativamente fixado7.
O mesmo tributo foi mantido em vigor e objecto de
autorizaes legislativas pelo artigo 58. da Lei do Oramento
de Estado para 2001 Lei n. 30-C/2000, de 29 de Dezembro e pelo artigo 55. da Lei do Oramento de Estado para 2002 Lei n. 109-B/2001, de 27 de Dezembro vindo a ter o seu regime consagrado no j referido Decreto-Lei n. 312/2000, de
20 de Dezembro, que, como veremos, adiante, sofreu
recentemente algumas alteraes.
2.2. OS VRIOS TIPOS DE TAXAS DE
COMERCIALIZAO EM VIGOR NA ACTIVIDADE
FARMACUTICA E RESPECTIVOS REGIMES
actividade farmacutica, considerada no seu conjunto,
so aplicveis diversas taxas de comercializao, consoante os
produtos em causa. De seguida enunciaremos o conjunto
desses tributos, pela ordem cronolgica da sua criao, bem
como os traos especficos do respectivo regime. Apesar de
especficos de cada tributo, os mesmos assentam numa matriz
que poderemos tambm chamar comum, na medida em que
todos estes tributos incidem subjectivamente sobre os
responsveis pela introduo ou colocao no mercado e
objectivamente sobre o volume de vendas do produto, alm de
que a respectiva taxa ou alquota comum generalidade
destes tributos, salvo quanto ao tributo que incide sobre
produtos cosmticos e de higiene corporal que ora nos ocupa.
Alm disso, todos estes tributos se destinam a financiar
7 Este facto, alm de motivar acesa litigncia com fundamento na
indeterminabilidade da base tributria, levou a que o INFARMED, pela Circular n.
1/2000, esclarecesse os sujeitos passivos no sentido de calcularem o tributo apenas
com base no volume de vendas destes e a que o legislador de 2001 j emendasse a mo quanto a este aspecto.
3202 | RIDB, Ano 1 (2012), n 6
actividades que beneficiam os cidados em geral e os
profissionais de sade. Indicaremos depois os aspectos que so
comuns a todos eles.
I) TAXA SOBRE A COMERCIALIZAO DE
MEDICAMENTOS
Como se referiu supra, a taxa sobre a comercializao de
medicamentos encontra-se consagrada no Decreto-Lei n.
282/95, de 26 de Outubro. Actualmente, a mesma apenas
abrange medicamentos de uso humano, na medida em que,
como se ver de seguida, os medicamentos veterinrios se
encontram, desde 2008, sujeitos a um regime especfico.
Nos termos do artigo 1. do referido diploma, este tributo
incide subjectivamente sobre os titulares de autorizao de
introduo no mercado, ou outro responsvel indicado por
aqueles, de cada medicamento de uso humano, incluindo os
vendidos no mercado hospitalar8. E incide objectivamente
sobre o volume de vendas do mesmo medicamento, calculado
com base num preo de venda ao pblico de referncia, que
inclui a aplicao das margens de comercializao mximas
admitidas para os medicamentos comparticipveis9. A taxa do
tributo de 0,4%. De acordo com a alnea d) do artigo 5. do
Decreto-Lei n. 112/2011, de 28 de Novembro, que estabelece
o regime de preos dos medicamentos de uso humano sujeitos
a receita mdica e dos medicamentos no sujeitos a receita
mdica comparticipados, a taxa sobre a comercializao de
8 Sobre o titular da autorizao de introduo no mercado, veja-se o Decreto-Lei n.
176/2006, de 30 de Agosto. 9 O preo de venda ao pblico de referncia fundamental para o clculo do tributo
devido pela comercializao dos medicamentos vendidos no mercado hospitalar e
para os medicamentos no sujeitos a receita mdica no comparticipados, na medida
em que, em ambos os casos, os mesmos no tm preo de venda ao pblico
aprovado nem margens de comercializao. A aplicao das margens de
comercializao recai sobre o preo de venda ao hospital (PVH) ou sobre o preo de
venda ao armazenista (PVA), consoante o caso.
RIDB, Ano 1 (2012), n 6 | 3203
medicamentos integra o preo de venda ao pblico dos
medicamentos abrangidos pelo mesmo diploma.
Segundo o n. 2 do artigo 1. do Decreto-Lei n. 282/95,
de 26 de Outubro, o tributo destina-se ao sistema de garantia de
qualidade dos medicamentos e ao Sistema Nacional de
Farmacovigilncia, bem como realizao de estudos de
avaliao do impacte social dos medicamentos e a aces de
informao para os agentes de sade e consumidores, a
assegurar pelo INFARMED, I.P.
II) TAXAS SOBRE A COMERCIALIZAO DE
PRODUTOS COSMTICOS E DE HIGIENE CORPORAL,
DE PRODUTOS FARMACUTICOS HOMEOPTICOS E
DE DISPOSITIVOS MDICOS NO ACTIVOS E PARA
DIAGNSTICO IN VITRO
Conforme se aludiu supra, as taxas sobre a
comercializao de produtos cosmticos e de higiene corporal,
de produtos farmacuticos homeopticos e de dispositivos
mdicos no activos e para diagnstico in vitro encontram-se
consagradas no Decreto-Lei n. 312/2002, de 20 de Dezembro,
embora com algumas alteraes.
Nos termos do artigo 1. do referido diploma, estes
tributos incidem subjectivamente sobre as entidades
responsveis pela colocao no mercado dos produtos
mencionados. A incidncia objectiva recai sobre o montante do
volume de vendas dos mesmos produtos, deduzido o imposto
sobre o valor acrescentado. A taxa ou alquota de 0,4% para
produtos farmacuticos homeopticos e para dispositivos
mdicos no activos e para diagnstico in vitro10
. No que se
10 De salientar que, decorrido o perodo transitrio de dois anos previsto no n. 9 do
artigo 202. do Decreto-Lei n. 176/2006, de 30 de Agosto, se estima que o nmero
destes produtos seja extremamente reduzido ou inexistente, visto que tero passado a
medicamentos homeopticos de registo simplificado e, como tal, passado a ficar
sujeitos taxa sobre a comercializao de medicamentos.
3204 | RIDB, Ano 1 (2012), n 6
refere aos produtos cosmticos e de higiene corporal, a taxa
comeou por ser de 2%, tendo sido reduzida para 1,5% para o
ano 2007, atravs do artigo 152. da Lei n. 53-A/2006, de 29
de Dezembro Lei do Oramento de Estado para 2007- e para 1% para o ano 2008, pelo artigo 129. da Lei n. 67-A/2007, de
31 de Dezembro Lei do Oramento de Estado para 2008 ; foi mantida na mesma percentagem para o ano 2009, pelo
artigo 168. da Lei n. 64-A/2008, de 31 de Dezembro Lei do Oramento de Estado para 2009. O artigo 155. da Lei n. 3-
B/2010, de 28 de Abril, j referido, consagrou definitivamente
a taxa ou alquota de 1%.
Segundo o n. 2 do artigo 1. do Decreto-Lei n.
312/2002, de 20 de Dezembro, a taxa constitui contrapartida do
adequado controlo dos respectivos produtos de sade, com a
execuo de aces inspectivas de carcter aleatrio e
subsequente controlo laboratorial dos produtos colocados no
mercado, visando garantir a qualidade e segurana da
utilizao dos mesmos, bem como da realizao das aces de
informao e formao que visem a proteco da sade pblica
e dos utilizadores, devendo o INFARMED, I.P., comunicar as
concluses dos estudos e das informaes recolhidas sobre
cada um dos produtos cosmticos e de higiene corporal,
produtos farmacuticos homeopticos, dispositivos mdicos
no activos e dispositivos para diagnstico in vitro que os
respectivos sujeitos passivos comercializam.
III) TAXA SOBRE A COMERCIALIZAO DE
DISPOSITIVOS MDICOS ACTIVOS
A taxa sobre a comercializao de dispositivos mdicos
activos foi criada pelo Decreto-Lei n. 264/2003, de 24 de
Outubro, ao abrigo de autorizao legislativa concedida pelo
artigo 47. da Lei n. 32-B/2002, de 30 de Dezembro Lei do Oramento de Estado para 2003. Embora a mesma tenha
RIDB, Ano 1 (2012), n 6 | 3205
comeado por constituir receita prpria do Instituto Nacional
de Sade Dr. Ricardo Jorge (INSA) e do INFARMED, I.P., na
proporo de 75% e 25% respectivamente, para cada entidade,
passou a ser receita prpria deste mesmo Instituto com a
transferncia para este das atribuies daquele em matria de
dispositivos mdicos activos, operada pelo Decreto-Lei n.
76/2006, de 27 de Maro11
.
Este tributo incide sobre o montante do volume de
vendas dos dispositivos mdicos implantveis activos e outros
dispositivos mdicos activos, deduzido o imposto sobre o valor
acrescentado (n. 3 do artigo 1.). Subjectivamente, incide
sobre os responsveis pela comercializao destes produtos. A
taxa ou alquota de 0,4%.
O tributo contrapartida do adequado controlo dos
respectivos dispositivos, com a execuo de aces inspectivas
de carcter aleatrio e subsequente controlo laboratorial dos
produtos colocados no mercado, visando garantir a qualidade e
segurana da utilizao dos mesmos, bem como da realizao
das aces de informao e formao que visem a proteco da
sade pblica e dos utilizadores, a assegurar actualmente
apenas pelo INFARMED, I.P.
IV) TAXA DE COMERCIALIZAO DE
MEDICAMENTOS VETERINRIOS
A taxa de comercializao de medicamentos veterinrios
farmacolgicos e imunolgicos foi criada pelo Decreto-Lei n.
253/2007, de 9 de Julho, ao abrigo de autorizao legislativa
concedida pelo artigo 153. da Lei n. 53-A/2006, de 29 de
Dezembro Lei do Oramento de Estado para 2007. Em termos subjectivos, o tributo incide sobre os titulares
11 Esta transferncia apenas se concretizou com a entrada em vigor do Decreto-Lei
n. 269/2007, de 26 de Julho, na medida em que o artigo 14. do Decreto-Lei n.
76/2006, de 27 de Maro, a tinha feito depender de portaria que nunca foi publicada.
3206 | RIDB, Ano 1 (2012), n 6
de autorizao de introduo no mercado de medicamentos
veterinrios farmacolgicos ou imunolgicos, sujeitos e no
sujeitos a receita mdico-veterinria, ou a entidade que fique
responsvel, por indicao daqueles, pela sua comercializao.
O tributo incide objectivamente sobre o volume de vendas de
cada medicamento veterinrio farmacolgico ou imunolgico,
calculada sobre o preo de venda. A taxa ou alquota deste
tributo de 0,4%.
O tributo destina-se ao suporte financeiro do sistema de
garantia de qualidade dos medicamentos veterinrios
farmacolgicos e imunolgicos, do Sistema Nacional de
Farmacovigilncia e Toxicologia Veterinria para os
medicamentos veterinrios farmacolgicos e imunolgicos e do
Plano Nacional de Controlo de Utilizao de Medicamentos
Destinados a Animais de Explorao, bem como da realizao
de estudos de avaliao do impacte epidemiolgico daqueles
medicamentos e de aces de formao e informao aos
profissionais de sade animal, aos agentes econmicos do
sector agro-pecurio e aos consumidores de alimentos de
origem animal, a assegurar pela Direco-Geral de Veterinria.
Esta deve enviar aos obrigados ao pagamento da taxa as
concluses dos estudos e das informaes recolhidas sobre
cada um dos medicamentos veterinrios farmacolgicos e
imunolgicos que comercializam.
V) REGIME COMUM
Como regime comum a estes tributos, temos que os
mesmos so receitas prprias das entidades reguladoras e
supervisoras do respectivo mercado e so objecto de declarao
mensal e de auto-liquidao por parte dos sujeitos passivos,
relativamente s vendas efectuadas no ms imediatamente
anterior. O incumprimento de cada uma destas obrigaes declarao de vendas e auto-liquidao constitui contra-
RIDB, Ano 1 (2012), n 6 | 3207
ordenao punvel com coima, cabendo o respectivo
processamento s entidades credoras e a aplicao da coima ao
seu dirigente mximo.
Em termos de fiscalizao do cumprimento das
obrigaes tributrias, o INFARMED, I.P., pode determinar e
realizar, autonomamente ou em articulao com a Inspeco-
Geral de Finanas, as inspeces e demais aces consideradas
necessrias liquidao oficiosa das taxas sobre a
comercializao de medicamentos, de produtos de sade, de
dispositivos mdicos e de produtos cosmticos e de higiene
corporal e para a sua efectiva cobrana, bem como
verificao e fiscalizao da correco dos elementos,
documentos e declaraes fornecidos, designadamente pelos
respectivos sujeitos passivos para a determinao daqueles
tributos, incluindo a definio e execuo dos procedimentos e
a recolha de elementos e documentos adequados queles
efeitos (alnea n) do n. 4 do artigo 15. do Decreto-Lei n.
46/2012, de 24 de Fevereiro), enquanto que a DGV apenas
pode determinar, em articulao com a Inspeco-Geral das
Finanas, inspeces com o objectivo de verificar a correco
dos elementos fornecidos para a determinao da taxa.
3. O CONFRONTO COM O PRINCPIO DA IGUALDADE
3.1. CONSIDERAES GERAIS
Como sabido, ao nvel da legitimao material dos
tributos, a jurisprudncia e a doutrina geralmente defendem
que, luz do princpio da igualdade consagrado no artigo 13.
da Constituio da Repblica, os impostos devem, por via de
regra, obedecer a esse princpio na vertente da capacidade
contributiva, ou do sacrifcio como decorre do n. 1 do artigo 4. da Lei Geral Tributria e as taxas devem obedecer ao princpio da igualdade na vertente da equivalncia, ou do custo
3208 | RIDB, Ano 1 (2012), n 6
ou do benefcio.
Mais difcil a questo de saber de saber qual o melhor
parmetro de aferio do respeito pelo princpio da igualdade
no que se refere s contribuies financeiras e aos impostos
especiais de consumo. H quem entenda que, nestes casos,
dever aplicar-se o princpio da igualdade na vertente da
equivalncia12
.
3.2. A NATUREZA JURDICA DESTE TRIBUTO
Uma das questes controvertidas na doutrina a da
natureza jurdica da taxa sobre a comercializao de produtos
cosmticos e de higiene corporal. Dizemos na doutrina, porque
a jurisprudncia do Supremo Tribunal Administrativo e do
Tribunal Constitucional foi unnime em considerar que a taxa
sobre a comercializao de produtos de sade criada pelo
artigo 72. da Lei n. 3-B/2000, de 4 de Abril, era um imposto,
embora o Supremo admita que se possa estar perante um outro
tipo de tributo sujeito ao mesmo tratamento constitucional.
Antes, porm, de entrarmos nesta questo, cabe fazer
uma breve caracterizao sumria dos vrios tipos de tributos.
o que se far de seguida.
3.2.1. DAS CARACTERSTICAS PRPRIAS DOS VRIOS
TIPOS DE TRIBUTOS
A Reviso Constitucional de 1997 veio dar uma nova
redaco alnea i) do n. 1 do artigo 165. da Constituio da
12 Vasques, S. (2008), 372 e ss. Sobre o critrio do benefcio, cfr. Silva, S.T. (2008),
54 e ss. Sanches, J.L.S. (2007), 22 e ss. Carlos, A.F.B. (2008), 39 e 48 e ss., refere-
se contribuies financeiras como integrando as especiais mas depois socorre-se
do n. 3 do artigo 4. da Lei Geral Tributria para, por via da equiparao destas a
impostos, justificar a sua obedincia ao princpio da legalidade. Nabais, J.C. (2005),
443 e ss., fala em figuras prximas dos impostos, designadamente alicerando-se na
jurisprudncia do Tribunal Constitucional sobre alguns destes tributos.
RIDB, Ano 1 (2012), n 6 | 3209
Repblica Portuguesa, consagrando a reserva relativa de lei
para o regime geral das demais contribuies financeiras a favor das entidades pblicas.
O surgimento desta figura naquele preceito,
conjuntamente com os impostos e as taxas, veio permitir o
entendimento doutrinrio de que surgiu um terceiro tipo de
tributos, a par dos impostos e das taxas13
. Esta trilogia de
tributos, todos de natureza coactiva, foi, depois, consagrada no
n. 2 do artigo 3. da Lei Geral Tributria.
O imposto uma prestao pecuniria, exigida com
fundamento na lei, uma vez verificado o facto nela previsto,
independentemente de qualquer contrapartida por parte da
entidade pblica credora, destinada principal ou
exclusivamente cobertura de despesas pblicas.
A taxa uma prestao pecuniria com carcter
sinalagmtico, devida a uma entidade pblica como
contrapartida da prestao concreta de um servio pblico, da
utilizao de um bem do domnio pblico ou da remoo de
um obstculo jurdico ao comportamento dos particulares (n. 2
do artigo 4. da Lei Geral Tributria); a taxa pressupe que o
sujeito passivo provoque ou aproveite determinada actividade
administrativa e medida pelo custo para a Administrao ou
pelo benefcio para o particular.
Mais difcil a caracterizao das contribuies
financeiras. No obstante e como j defendemos noutro lugar,
parece que poder dizer-se que o que essencialmente
caracteriza e distingue estes tributos, relativamente s demais
receitas coactivas e de carcter no sancionatrio cobradas
pelos entes pblicos, so os seguintes aspectos: (i) serem
receitas prprias que se destinam a financiar entidades pblicas
no territoriais, (ii) no serem bilaterais nem unilaterais, (iii)
no assentarem na obteno pelo sujeito passivo de benefcios
ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras
13 Cfr. Canotilho, J.J.G. & V. Moreira (2007), 1095-1096.
3210 | RIDB, Ano 1 (2012), n 6
pblicas ou da criao ou ampliao de servios pblicos ou no
especial desgaste de bens pblicos ocasionados pelo exerccio
de uma actividade e (iv) incidirem sobre determinado grupo de
contribuintes, geralmente sujeitos s atribuies da entidade
beneficiria ou que com as quais apresentam determinada
conexo14
.
Atento o facto de ainda no existir um regime geral das
contribuies financeiras, a doutrina entende que estas devem
ser criadas por lei da Assembleia da Repblica ou por decreto-
lei autorizado, sob pena de inconstitucionalidade orgnica.
Suzana Tavares da Silva, bem como Srgio Vasques, entre
outros, defendem, at, que, enquanto no for criado o referido
regime geral, as contribuies financeiras seguem o regime
jurdico dos impostos15
.
Vejamos de seguida qual a natureza da taxa sobre a
comercializao de produtos cosmticos e de higiene corporal,
luz desta caracterizao sumria.
3.2.2. DA NATUREZA DA TAXA SOBRE A
COMERCIALIZAO DE PRODUTOS COSMTICOS E
DE HIGIENE CORPORAL
Como se referiu a questo na natureza jurdica deste
tributo mais uma questo doutrinria do que jurisprudencial.
Com efeito, o Supremo Tribunal Administrativo, em
acrdo de 4 de Junho de 2003, proferido no processo n.
61/03, fundamenta o seu entendimento nas consideraes que
resumidamente se enunciam:
- A taxa distingue-se do imposto pela
14 Ver a nossa tese de mestrado subordinada ao ttulo Com um Regime Geral por Horizonte: Contributo para a Definio do Parmetro de Igualdade e da Base de
Clculo das Demais Contribuies Financeiras a Favor das Entidades Pblicas (Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa). 15 Vasques, S. (2008), 244. Silva, S. T. (2008), 12. Canotilho, J.J.G. & V. Moreira
(2007), 1095-1096.
RIDB, Ano 1 (2012), n 6 | 3211
bilateralidade ou unilateralidade, respectivamente;
- A taxa, ao contrrio do imposto, implica correspectividade entre duas prestaes, a do utente do servio
e a do Estado ou outra entidade pblica.
- Esta correspectividade tem uma vertente substancial ou material, embora no v to longe quanto os
contratos sinalagmticos, porque no h uma equivalncia
econmica rigorosa entre o valor do servio e o montante da
quantia a pagar, podendo at esta ser bastante superior ao custo
daquele, excepto no caso de desproporo intolervel. - O n. 1 do artigo 72. da Lei n. 3-B/2000,
destina este tributo ao sistema de garantia da qualidade e segurana de utilizao daqueles produtos, realizao de
estudos de impacte social e aces de formao para os agentes
de sade e consumidor, a realizar pelo Infarmed, pelo que se visa, fundamentalmente, concretizar a proteco da sade
pblica, defendendo-a e promovendo-a, nos termos
constitucionais16
, o que passa nomeadamente por assegurar a
garantia de que os produtos de sade se encontram conformes
s exigncias legais.
- Os beneficirios directos do tributo no so os respectivos importadores ou produtores mas os cidados
utentes ou consumidores ou a comunidade beneficiria directa
do sistema, pelo que no existe uma vantagem especfica para
o devedor individualmente considerado, surgida da
correspondente actividade pblica e, assim, da contraprestao
de um servio prestado com vantagens imediatas para os a ela
sujeitos.
- Pelo contrrio, do que se trata de financiar uma actividade do Estado vocacionada para a satisfao de
necessidades pblicas em geral: garantia da qualidade e
segurana de utilizao dos respectivos produtos e realizao
dos ditos estudos e aces de formao.
16 Artigo 64. da Constituio da Repblica.
3212 | RIDB, Ano 1 (2012), n 6
Continua, depois, negando qualquer relao bilateral ou
sinalagmtica entre o pagamento do utente do servio pblico e
a actividade prestada pelo INFARMED, I.P., bem como
qualquer propsito de remoo de um obstculo jurdico
actividade do particular, concluindo com a afirmao de que se
est perante um imposto ou um tributo sujeito a regime
constitucional semelhante.
Por seu turno, o Tribunal Constitucional, no acrdo n.
127/2004, mais assertivo quando afirma que se trata de um
imposto que visa tributar o consumo de certos produtos de sade (imposto indirecto sobre o consumo), cujos sujeitos passivos so os produtores e importadores, ou seus representantes, de produtos de sade colocados no mercado (que naturalmente o repercutiro no consumidor final, pelo
que este assim o seu sujeito econmico)17
.
Devemos notar que este entendimento jurisprudencial
no anda longe do que resulta do preceituado no artigo 4. da
Lei Geral Tributria, no que respeita s diferenas entre
imposto e taxa.
O entendimento destes dois Tribunais Superiores foi
sufragado em dezenas de acrdos e decises sumrias 18/19
.
17 Dourado, A.P. (2007), 119 e ss. Vasques, S. (2004), 167 e ss. 18 - Acrdo do Supremo Tribunal Administrativo de 4 de Junho de 2003, proferido
no Recurso n. 61/03, em que foi Relator o Exmo. Conselheiro Brando de Pinho;
- Acrdo do Supremo Tribunal Administrativo de 9 de Julho de 2003, proferido no Recurso n. 439/03, em que foi Relator o Exmo. Conselheiro Antnio Pimpo;
- Acrdo do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de Outubro de 2003, proferido no Recurso n. 1063, em que foi Relator o Exmo. Conselheiro Baeta de
Queiroz;
- Acrdo do Supremo Tribunal Administrativo de 22 de Outubro de 2003, proferido no Recurso n. 438/03, em que foi Relator o Exmo. Conselheiro Alfredo
Madureira;
- Acrdo do Supremo Tribunal Administrativo de 29 de Outubro de 2003, proferido no Recurso n. 1061/03, em que foi Relator o Exmo. Conselheiro Vitor
Meira;
- Acrdo do Supremo Tribunal Administrativo de 29 de Outubro de 2003, proferido no Recurso n. 1060/03, em que foi Relator o Exmo. Conselheiro Vitor
Meira;
RIDB, Ano 1 (2012), n 6 | 3213
Os argumentos que presidiram a tais decises judiciais
procedem igualmente no que respeita taxa sobre a
comercializao de produtos cosmticos e de higiene corporal
criada pelo Decreto-Lei n. 312/2002, de 20 de Dezembro. Isto
mesmo tem vindo a ser confirmado por diversos acrdos do
Tribunal Central Administrativo do Sul, proferidos ao longo
dos ltimos trs anos20
. - Acrdo do Supremo Tribunal Administrativo de 5 de Novembro de 2003, proferido no Recurso n. 437/03 - 30, em que foi Relator o Exmo. Conselheiro
Mendes Pimentel;
- Acrdo do Supremo Tribunal Administrativo de 3 de Dezembro de 2003, proferido no Recurso n. 434/03 - 30, em que foi Relator o Exmo. Conselheiro
Almeida Lopes;
- Acrdo do Supremo Tribunal Administrativo de 3 de Dezembro de 2003, proferido no Recurso n. 435/03 - 30, em que foi Relator o Exmo. Conselheiro
Almeida Lopes;
- Acrdo do Supremo Tribunal Administrativo de 21 de Janeiro de 2004, proferido no Recurso n. 1638/03 30, em que foi Relator o Exmo. Conselheiro Brando de Pinho;
- Acrdo do Supremo Tribunal Administrativo de 21 de Janeiro de 2004, proferido no Recurso n. 307/03 - 30, em que foi Relator o Exmo. Conselheiro
Pimenta do Vale;
- Acrdo do Supremo Tribunal Administrativo de 11 de Fevereiro de 2004, proferido no Recurso n. 1636/03, em que foi Relator o Exmo. Conselheiro Almeida
Lopes;
- Acrdo do Supremo Tribunal Administrativo de 18 de Fevereiro de 2004, proferido no Recurso n. 1834/03 - 30, em que foi Relator o Exmo. Conselheiro
Mendes Pimentel;
- Acrdo do Supremo Tribunal Administrativo de 3 de Dezembro de 2003, proferido no Recurso n. 1065/03, em que foi Relator o Exmo. Conselheiro Antnio
Pimpo.
- Acrdo do Supremo Tribunal Administrativo de 10 de Dezembro de 2003, proferido no Recurso n. 1639/03, em que foi Relator o Exmo. Conselheiro Alfredo
Madureira;
- Acrdo do Supremo Tribunal Administrativo de 12 de Novembro de 2003, proferido no Recurso n. 1065/03, em que foi Relator o Exmo. Conselheiro Mendes
Pimentel; 19 Acrdos do Tribunal Constitucional n.s 134/04, 162/04, 164/04, 165/04, 166/04,
167/04, 168/04, 178/04, 190/04, 191/04, 193/04, 194/04, 195/04, 206/04, 248/04,
247/04, 249/04, 250/04, 305/04. 20 Veja-se, por todos, o recente acrdo de 18/09/2012 do Tribunal Central
Administrativo do Sul, proferido no processo n. 05131/11, bem como a
jurisprudncia nele citada.
3214 | RIDB, Ano 1 (2012), n 6
Ora, se certo que a jurisprudncia no vai tendo grandes
dvidas em qualificar este tributo como imposto, no menos
verdade que na doutrina no existe unanimidade na abordagem.
H quem considere este tipo de tributos no como um imposto
mas como uma contribuio financeira: o caso de Srgio
Vasques, que j sobre eles teve oportunidade de se pronunciar
mais do que uma vez21
.
O entendimento de que se trata de contribuio financeira
assenta essencialmente em duas ordens de consideraes, a
saber: por um lado, que se est perante uma taxa de
coordenao econmica; por outro, que o prprio legislador se
preocupou, logo no prembulo do Decreto-Lei n. 312/2002, de
20 de Dezembro, em legitimar materialmente os tributos nele
previstos, incluindo o que ora nos ocupa, reforando a ideia de
que os mesmos constituem uma contrapartida de prestaes
previstas no mesmo diploma, que aproveitam ao conjunto de
operadores econmicos. O Autor retira destes aspectos aquele
que considera ser o fundo paracomutativo prprio das
contribuies financeiras, decorrente de algum sinalagma entre
o pagamento do tributo e as prestaes que presumivelmente o
grupo dos seus sujeitos passivos receber do INFARMED, I.P.
Julgamos, porm, que se trata de uma concluso
inadequada. Por vrias ordens de razes.
Em primeiro lugar, porque as taxas sobre a
comercializao a que nos vimos referindo qualquer das que referimos no revestem as caractersticas prprias das taxas de coordenao ou regulao econmica. De facto, enquanto
estas tm uma vocao generalista, em termos de onerao de
todas as entidades sujeitas aos poderes de regulao e
superviso, j aquelas tm uma vocao meramente parcelar,
focalizada em certas categorias de produtos, deixando de fora
da sua base tributvel subjectiva largas parcelas de operadores
21 Vasques, S. (2004), 164 e ss; Vasques, S. (2008), 191 e ss.
RIDB, Ano 1 (2012), n 6 | 3215
econmicos sujeitos s atribuies do INFARMED, I.P.22
.
Basta recordar que esto tambm sujeitos aos poderes de
regulao e superviso do INFARMED, I.P., os fabricantes e
distribuidores de medicamentos e produtos de sade, bem
como as farmcias, e que na esmagadora maioria dos casos salvo, talvez, alguns fabricantes e distribuidores nenhuma destas entidades sujeito passivo de qualquer daqueles
tributos.
Acresce que, nas taxas de coordenao econmica, tal
como nas quotizaes para as Ordens profissionais, se visa
apenas tributar o regulado atenta a presuno de que o mesmo desfruta de um benefcio ou provoca maiores despesas
decorrente da actividade reguladora e no o consumidor final. Pelo contrrio, no que respeita s taxas sobre a
comercializao, o que se visa tributar o consumidor final.
Tanto assim que, na taxa sobre a comercializao de
medicamentos, este tributo , como se salientou supra, um dos
componentes do preo de venda ao pblico. Ora, tendo em
conta que, como vimos, esta taxa serviu de paradigma para as demais taxas sobre a comercializao que constituem receita prpria do INFARMED, I.P., foroso concluir que na
mens legislatoris estava claramente subjacente o propsito de
repercusso deste tributo sobre o consumidor final.
Em segundo lugar, ao contrrio do que defende o referido
Autor, no exacta a afirmao de que os beneficirios das
prestaes que o tributo se destina a financiar sejam os seus
sujeitos passivos. Como se referiu, so os consumidores dos
produtos tributados e os profissionais de sade e no os regulados ou sujeitos passivos do tributo que beneficiam das prestaes pblicas que ao INFARMED, I.P., cabe assegurar e
que, em suma, se reconduzem s atribuies legais desta 22 Cfr., a propsito das taxas devidas pela regulao e superviso da Entidade
Reguladora para a Comunicao Social, o n. 2 do artigo 4. e o artigo 5. do
Regulamento aprovado pelo Decreto-Lei n. 103/2006, de 7 de Junho, alterado pelo
Decreto-Lei n. 70/2009, de 31 de Maro, e a Portaria n. 653/2006, de 29 de Junho.
3216 | RIDB, Ano 1 (2012), n 6
entidade. De facto e como certeiramente notou o Tribunal
Constitucional, os destinatrios da actividade do INFARMED,
I.P., que as taxas se destinam a financiar so o pblico em geral
e os utilizadores dos produtos sobre cujas vendas incidem.
Tanto assim que no n. 2 do artigo 1 do Decreto-Lei n.
312/2002, de 20 de Dezembro, se afirma que a taxa constitui contrapartida do adequado controlo dos respectivos produtos
de sade, com a execuo de aces inspectivas de carcter
aleatrio e subsequente controlo laboratorial dos produtos
colocados no mercado, visando garantir a qualidade e
segurana da utilizao dos mesmos, bem como da realizao
das aces de informao e formao que visem a proteco
da sade pblica e dos utilizadores. Ou seja, visam-se duas ordens de objectivos, a saber: (i) a qualidade e segurana da
utilizao destes produtos e (ii) a proteco da sade pblica e
dos utilizadores.
Parece, pois, no restarem dvidas de que o objectivo
deste tributo tal como das demais taxas sobre comercializao que constituem receita prpria do
INFARMED, I.P., financiar a realizao pelo INFARMED, I.P., de algumas das suas atribuies legais previstas nas
alneas e) a g) do n. 2 do artigo 3. do Decreto-Lei n. 46/2012,
de 24 de Fevereiro, a saber: garantir a qualidade, segurana,
eficcia e custo-efectividade dos medicamentos de uso
humano, dispositivos mdicos e produtos cosmticos e de
higiene corporal; monitorizar o consumo e utilizao de
medicamentos; e promover o acesso dos profissionais de sade
e dos consumidores s informaes necessrias utilizao
racional de medicamentos de uso humano, dispositivos
mdicos e produtos cosmticos e de higiene corporal.
Em terceiro lugar, nas contribuies financeiras a favor
das entidades de coordenao e regulao econmica existe,
em regra, uma prestao a favor do grupo de sujeitos passivos,
ou uma outra conexo relevante, que permite justificar, sob o
RIDB, Ano 1 (2012), n 6 | 3217
ponto de vista material, a sua sujeio ao tributo.
Porm, tal j no acontece com as taxas sobre a
comercializao. Com efeito e conforme tambm foi salientado
pelo Tribunal Constitucional, do Decreto-Lei n. 312/2002, de
20 de Dezembro, no resulta qualquer obrigao especial de
realizao regular e contnua das actividades que nele so
previstas como devendo ser asseguradas pelo INFARMED,
I.P., alem de que os destinatrios desta actividade so os
profissionais de sade e o pblico em geral; no so os sujeitos
passivos. Mesmo o fornecimento pelo INFARMED, I.P., aos
sujeitos passivos da taxa, de alguns elementos previstos no
Decreto-Lei n. 312/2002, de 20 de Dezembro, s devido se e
quando a mesma Autoridade Nacional realizar os estudos
previstos no mesmo diploma, cuja realizao, repete-se, no
tem carcter regular e contnuo nem tem periodicidade ou
quantidade obrigatrias.
Temos, pois, para ns que tal como igualmente reconheceram o Supremo Tribunal Administrativo e o Tribunal
Constitucional o fundo paracomutativo, ou o carcter bilateral e sinalagmtico com o grupo de sujeitos passivos, no
existe no caso dos tributos em apreo. Alis, cabe referir que a
taxa sobre a comercializao de produtos cosmticos e de
higiene corporal substancialmente diversa da antiga taxa a
favor da extinta Comisso Reguladora dos Produtos Qumicos
e Farmacuticos, quanto s suas caractersticas e finalidades,
no podendo partir-se desta para classificar a actual como taxa
de regulao.
Deve, ainda, notar-se o facto de a doutrina estar dividida
na classificao a atribuir s contribuies: geralmente
distinguem-nas em contribuies especiais e demais
contribuies financeiras e, dentro daquelas, entre
contribuies de melhoria e contribuies para maiores
despesas23
. No entanto, estas ltimas so consideradas
23 Sanches, J.L.S. (2007), 22 e ss. Carlos, A.F.B. (2008), 39 e 48 e ss., refere-se
3218 | RIDB, Ano 1 (2012), n 6
impostos pelo artigo 4., n. 3, da Lei Geral Tributria. Alguns,
depois de diversas consideraes sobre estas distines,
reconduzem estes tributos dicotomia impostos ou taxas24
.
Outros defendem que, at aprovao do regime geral das
contribuies financeiras, estas devem seguir o regime dos
impostos25
.
3.2.3. POSIO ADOPTADA QUANTO NATUREZA DO
TRIBUTO
Pela nossa parte, consideramos que existem mais
argumentos a favor da classificao da taxa sobre a
comercializao de produtos cosmticos e de higiene corporal
como imposto do que como contribuio financeira.
Para o efeito, julgamos dever fazer-se uma anlise do
modo como o legislador estruturou o tributo, em vez de
procurar catalog-lo primeiro, com base apenas num elemento,
sem ter em conta todos os demais elementos que devero ser
apreciados.
Desde logo, parece-nos no ser determinante, por sis s,
para a classificao de certo tributo como contribuio
financeira, o facto de a receita ser consignada a uma entidade
pblica diferente da pessoa colectiva Estado. Basta recordar a
consignao de receitas de impostos a favor das autarquias
locais, para se concluir que a expresso demais contribuies financeiras a favor das entidades pblicas parece pouco acrescentar caracterizao do tributo, ou seja, no apenas
pelo facto de um tributo ter a sua receita consignada a uma contribuies financeiras como integrando as especiais mas depois socorre-se do n.
3 do artigo 4. da Lei Geral Tributria para, por via da equiparao destas a
impostos, justificar a sua obedincia ao princpio da legalidade. Nabais, J.C. (2005),
443 e ss., fala em figuras prximas dos impostos, designadamente alicerando-se na
jurisprudncia do Tribunal Constitucional sobre alguns destes tributos. 24 o caso de Nabais, J.C. (2009), 33. 25 Cfr. Silva, S.T. (2008), 11-12 e 44 e ss e Canotilho, J.J.G. & V. Moreira (2007),
1095.
RIDB, Ano 1 (2012), n 6 | 3219
entidade pblica diferente da pessoa colectiva Estado que o
mesmo deve ser caracterizado como contribuio financeira.
Depois, parece-nos que a existncia de um fundo
comutativo ou paracomutativo igualmente no determinante para a classificao de um tributo como
contribuio financeira. Basta recordar que existem alguns
impostos, incluindo os especiais de consumo, aos quais a
doutrina reconhece um fundo comutativo. Alis, Saldanha
Sanches classifica o Imposto Municipal sobre Imveis e os
impostos especiais sobre o consumo como tributos
comutativos26
. Por isso, no o facto de a receita de um tributo
ser consignada a uma entidade pblica especfica ou o facto de
o mesmo ter um longnquo carcter comutativo ou paracomutativo, se quisermos que o torna uma contribuio financeira.
Por outro lado, no o facto de o legislador baptizar
determinado tributo de imposto ou de taxa que o tornam ipso
facto num imposto ou numa taxa.
Tambm no pelo facto de o tributo ter uma base de
incidncia objectiva ad valorem que o mesmo classificado de
imposto, na medida em que, como sabido, existem impostos
especiais de consumo que tm uma base ad valorem e outros
que tm uma base unitria, assente no benefcio ou no custo27
.
Mais: no pelo facto de o legislador ter identificado
como sujeitos passivos de um tributo um determinado conjunto
de pessoas que poder de imediato afirmar-se que os mesmos
so os contribuintes de facto ou seja, aqueles que o legislador visou efectivamente tributar e que, nessa medida, se est
perante uma contribuio financeira porque est identificado
um grupo de sujeitos passivos. que existem exemplos em que
o legislador identifica certos sujeitos passivos mas no
26 Sanches, J.L.S. (2007), 53. Vasques, S. (2008), 206 e ss. 27 Como se sabe, o imposto especial sobre o tabaco tem uma base ad valorem. Cfr.
Vasques, S. (2008), 475.
3220 | RIDB, Ano 1 (2012), n 6
pretende efectivamente que os mesmos suportem a carga
tributria, antes funcionando esses sujeitos quase como que
substitutos tributrios, ou seja, como entidades obrigadas
liquidao, cobrana e entrega ao Estado da receita do tributo.
Estamos a pensar no caso do IVA, em que o legislador
pretende que seja o consumidor final a suportar a carga
tributria mas erige como sujeitos passivos do tributo todos os
operadores econmicos que intervm no circuito, desde o
fabricante at ao ltimo retalhista, obrigando-os a liquidar e
cobrar o imposto, deduzido do que tiverem pago a montante, e
a entreg-lo ao Estado.
Alis, a soluo a que recorreu o legislador nas taxas
sobre a comercializao tambm foi ditada por razes de
praticabilidade28
. Tanto assim que o mesmo resolveu erigir
como sujeitos passivos os sujeitos que efectivassem a primeira
venda em territrio portugus, em vez de adoptar, no limite, a
possibilidade situada no extremo oposto, que seria erigir como
sujeito passivo o consumidor final ou o ltimo retalhista. F-lo
partindo do princpio que, quer ao nvel da liquidao e
cobrana quer ao nvel do controlo do cumprimento da lei,
seria mais praticvel e mais eficaz que tais operaes se
situassem ao nvel de algumas centenas de entidades os sujeitos passivos do tributo do que, potencialmente, ao nvel dos dez milhes de residentes em Portugal, a que acresceriam
as pessoas colectivas nele sedeadas.
Alm disso, o tributo em apreo incide sobre certo
volume de vendas de determinados produtos e no sobre o
exerccio de determinada actividade regulatria prestada pelo
INFARMED, I.P., a favor dos sujeitos passivos da taxa sobre a
comercializao de produtos cosmticos e de higiene corporal.
H, pois, que atender a todas as caractersticas do tributo
em causa por forma classific-lo numa das trs categorias
28 Para maiores desenvolvimentos sobre o tema da praticabilidade, ver Dourado,
A.P. (2007), 672.
RIDB, Ano 1 (2012), n 6 | 3221
previstas na Constituio da Repblica.
Feita essa anlise, afigura-se-nos que o tributo dever ser
classificado como imposto, taxa ou contribuio financeira
consoante a preponderncia dos seus traos distintivos. Ou
seja: se se tratar de um tributo marcadamente unilateral, com
base de incidncia ad valorem relativamente generalidade dos
produtos ou servios, assente essencialmente na capacidade
contributiva revelada na aquisio, tendo por sujeitos passivos
a generalidade dos residentes, sujeito a uma taxa progressiva
ou no, com a receita consignada a favor do Estado, estaremos
certamente perante um imposto. Se, por outro lado, estivermos
perante um tributo cobrado por uma qualquer entidade pblica
como constituindo o custo administrativamente fixado pela
prestao de um servio pblico, pela utilizao de um
qualquer bem pblico ou pela remoo de um obstculo
jurdico ao comportamento dos particulares, (v.g. o custo da
emisso de uma certido ou de uma fotocpia autenticada, o
custo do estacionamento em determinado parque pblico ou a
emisso de uma licena), que no dever ter base ad valorem
mas no dever exceder de forma ostensiva o referido custo,
estaremos perante uma taxa.
No intervalo entre estes dois limites, que diramos
extremos, temos ainda toda uma panplia de tributos
classificveis como impostos e taxas, bem como classificveis
como contribuies financeiras, que podero apresentar,
nalguns casos, traos caractersticos mais prximos dos
impostos e, noutros, mais prximos das taxas bilaterais.
No caso das taxas sobre a comercializao, sobressaem,
em nossa opinio, os seguintes aspectos: (i) o contribuinte de
facto o consumidor final que adquire os produtos a elas
sujeitos; (ii) os sujeitos passivos auto-liquidam e pagam ao
INFARMED, I.P., o tributo que j incluram no preo de venda
e que repercutido no consumidor final; (iii) o tributo tem uma
base ad valorem; (iv) os sujeitos passivos do tributo no tm
3222 | RIDB, Ano 1 (2012), n 6
direito a qualquer contrapartida especfica obrigatria por parte
do INFARMED, I.P.; (v) so os consumidores finais e os
profissionais de sade os destinatrios da actividade do
INFARMED, I.P., que, no exerccio das suas atribuies legais,
deve verificar e controlar a qualidade, eficcia, segurana e o
cumprimento das demais obrigaes legais por parte dos
produtos sobre cuja venda incidem os tributos; (vi) a receita
cobrada destina-se a financiar a prossecuo de atribuies
gerais que ao Estado incumbem e que so em concreto
asseguradas pelo INFARMED, I.P., como seja a proteco da
sade pblica.
Acresce que, tal como acontece com outros produtos
sujeitos a impostos especiais sobre o consumo, os produtos
farmacuticos, pelos riscos que lhes so inerentes, no so
equiparveis a uma qualquer mercadoria. Por isso, os
respectivos preos, e a carga tributria que sobre eles incide,
tm sempre um objectivo extrafiscal de moderao do consumo
e de onerao dos consumos de luxo.
Consideramos, pelo exposto, que, atentas as
caractersticas do tributo em causa, a taxa sobre a
comercializao de produtos cosmticos e de higiene corporal
um imposto especial sobre o consumo e no uma contribuio
financeira, subscrevendo-se o entendimento da jurisprudncia
citada.
Naturalmente que, sob o ponto de vista formal, a
classificao deste tributo como imposto no levanta especial
dificuldade, na medida em que o mesmo consta de decreto-lei
autorizado, encontrando-se, por isso, cumprido o princpio da
legalidade. Suscita-se, de seguida, a questo da legitimao
material do tributo no confronto com a Constituio.
3.3. CAPACIDADE CONTRIBUTIVA OU
EQUIVALNCIA?
RIDB, Ano 1 (2012), n 6 | 3223
O princpio da igualdade constitui um dos pilares
fundamentais do direito tributrio. O mesmo encontra-se
consagrado no artigo 13. da Constituio da Repblica
Portuguesa e tem aplicao transversal, inclusivamente em
matria tributria. No essencial, este princpio postula que se
trate de modo igual o que igual e se trate de modo diferente o
que objectivamente diverso29
.
No mbito do direito tributrio, o princpio da igualdade
constitui um limite material, de natureza constitucional, ao
poder de conformao do legislador ordinrio em matria de
criao e definio dos tributos30
. O tributo deve ser geral no sentido de se aplicar a todos os cidados e deve ser uniforme no sentido de tributar de igual modo que se encontre em idntica situao e de modo proporcionalmente diverso quem
se encontre em situao diversa31
. Estas regras s podem ser
derrogadas com fundamento material bastante. No entanto,
tendo em conta a referida liberdade de conformao na escolha
pblica dos grupos de cidados a onerar, bem como da medida
do tributo, a probabilidade de funcionamento deste limite
material em sede jurisprudencial relativamente reduzida e
com base em fundamentos meramente formais.
Este afastamento do princpio da generalidade deve
assentar em justificao material bastante, nomeadamente na
presuno de que certo grupo provoca ou aproveita da
actividade pblica em termos que fundamentam a sua
tributao.
Quanto segunda perspectiva, coloca-se a questo da
adequao da medida do tributo a aplicar a cada sujeito
passivo.
No que respeita taxa sobre a comercializao de
29 Franco, A.L.S. (1982), 308 e ss; Canotilho, G. & V. Moreira (2007), 333 e ss;
Miranda, J. & R. Medeiros (2010), 220 e ss. 30 Vasques, S. (2001), 94 e ss; Arajo, F. (2005), 519 e ss; Vasques, S. (2008a), 38 e
ss; Catarino, J.R. (2008), 43-58; Sanches, J.L.S. (2010), 19 e ss. 31 Vasques, S. (2001), 94 e ss.
3224 | RIDB, Ano 1 (2012), n 6
produtos cosmticos e de higiene corporal, j se referiu que a
mesma se abate sobre os responsveis pela colocao no
mercado nacional dos mesmos produtos, que so os
contribuintes de direito, mas dada a repercutibilidade no
consumidor final, este o contribuinte de facto. J referimos
tambm que esta soluo ditada por razes de praticabilidade,
na medida em que mais eficiente a fiscalizao da liquidao
e cobrana do tributo junto de algumas centenas de sujeitos
passivos do que junto de cada contribuinte portugus que
adquira um destes produtos.
Veremos de seguida, se, no caso destas taxas sobre a
comercializao e no que respeita medida do tributo, a
mesma dever ser aferida por referncia ao princpio da
igualdade na vertente da capacidade contributiva ou ao
princpio da igualdade na vertente da equivalncia.
J defendemos supra que, em nossa opinio, o tributo que
vimos apreciando um imposto especial de consumo e no
uma contribuio financeira. No entanto e como igualmente
salientmos, existe um sector da doutrina que poderemos designar por Escola da Lisboa, por oposio de Coimbra que entende que as contribuies financeiras so tributos
comutativos ou paracomutativos e, por isso, devem ter uma
base de incidncia unitria e no ad valorem e, para o que ora
nos interessa, ser aferidos luz do princpio da igualdade na
vertente da equivalncia.
Tal como defendemos a propsito da caracterizao deste
tributo, parece-nos que tambm aqui no existe um dogma que
inequivocamente aponte num ou noutro sentido. De facto,
longe de termos preto ou branco, temos aqui um largo espectro
com vrias graduaes de cinzento.
A Escola de Lisboa defende que os tributos comutativos
e paracomutativos v.g. taxas bilaterais e, segundo a mesma Escola, as contribuies financeiras
32 devem ter base de
32 H tambm quem assim considere os impostos especiais de consumo.
RIDB, Ano 1 (2012), n 6 | 3225
incidncia unitria e no ad valorem33
.
Julgamos, porm, no ser assim. Na realidade, no pelo
facto de um tributo ser comutativo que no pode ter uma base
de incidncia ad valorem e que tem de ser aferido luz do
princpio da igualdade na vertente da equivalncia. A este
propsito refira-se que, embora o diploma que aprovou o
Cdigo dos Impostos Especiais de Consumo refira que estes
tributos assentam num princpio legitimador distinto do da capacidade contributiva, um princpio de equivalncia ou
benefcio, o certo que o imposto especial sobre o tabaco tem uma base ad valorem.
Tanto quanto julgamos saber, a receita a cobrar ao abrigo
deste tributo no oramentada exclusiva, ou principalmente,
com base na previso dos custos efectivamente suportados pelo
Servio Nacional de Sade e pela sociedade decorrentes do
consumo de tabaco. O mesmo se diga quanto aos outros dois
impostos codificados o imposto sobre lcool e as bebidas alcolicas e o imposto sobre produtos petrolferos e energticos
no que respeita quantificao dos custos induzidos para o Estado pelo consumo destes produtos.
No caso das taxas sobre a comercializao e para a
doutrina que vimos referindo, o facto de as mesmas terem uma
base de incidncia ad valorem seria inadequado e a sua
legitimao luz do princpio da igualdade deveria fazer-se
recorrendo ao princpio da igualdade na vertente da
equivalncia, atento o facto de isolarem um grupo de sujeitos
passivos para o tributar de modo especial. Argumenta ainda a
mesma doutrina que o princpio da igualdade na vertente da
capacidade contributiva no adequado para aferir a igualdade
nos impostos especiais sobre o consumo ou nas contribuies
financeiras.
Ora, j referimos supra que, no caso das taxas sobre a
comercializao, os contribuintes de facto no coincidem com
33 Vasques, S. (2004), 184. Vasques, S. (2008), 465 e ss.
3226 | RIDB, Ano 1 (2012), n 6
os sujeitos passivos. Por isso, no se est a tributar
especialmente este grupo de sujeitos passivos mas sim os
consumidores dos produtos sujeitos ao tributo. Falha, por isso,
desde logo bilateralidade ou paracomutatividade que justificaria a responsabilidade grupal ou a presuno de que
certo grupo provoca ou aproveita da actividade pblica em
termos que fundamentam a sua tributao.
Alis, incidindo o tributo sobre a aquisio de certos
produtos, aceitvel e adequado que se tribute a capacidade
contributiva especialmente revelada na aquisio dos mesmos.
O que parece no fazer qualquer sentido seria adoptar-se uma
tributao pea ou seja, certo valor por cada produto na medida em que o mesmo poderia revelar-se irrisrio ou
excessivo em funo do preo do produto; basta pensar-se num
tributo de 50 cntimos de euro por cada produto cosmtico e de
higiene corporal para se concluir pela sua excessividade, no
caso de uma pasta de dentes que custa 2 euros que hoje um objecto de primeira necessidade e essencial promoo da
sade pblica ou pela sua insignificncia no caso de um perfume que custe 75 euros ou mais que estar muito mais prximo do que poder considerar-se um produto de luxo, cuja
relevncia para a promoo da sade pblica nula ou mais
reduzida do que a da pasta de dentes.
Por outro lado, a base de incidncia das designadas taxas
de coordenao ou regulao econmica varia consoante o seu
regime legal. Temos desde as verdadeiras taxas bilaterais com
base unitria como contribuies financeiras cuja base de
incidncia pode ser unitria, ou ad valorem ou, ainda, ad
valorem mitigada com limites mnimos e ou mximos (caso
das taxas a favor da Comisso de Mercado de Valores
Mobilirios34
), bem como bases que assentam noutros critrios
34 Cfr. o artigo 25.-A do Estatuto aprovado pelo Decreto-Lei n. 473/99, de 8 de
Novembro, j trs vezes alterado, a ltima das quais pelo Decreto-Lei n. 169/2008,
de 26 de Agosto.
RIDB, Ano 1 (2012), n 6 | 3227
(caso das taxas a favor da Entidade Reguladora da
Comunicao Social35
).
Com efeito, a base de clculo unitria ser tanto mais
adequada quanto menos variar o benefcio aproveitado, ou o
custo causado, por cada membro do grupo de sujeitos passivos.
Alis, a base de clculo unitria s poder ser verdadeiramente
adequada, se se pretender fazer incidir a alquota ou o valor do
tributo sobre um indicador invarivel da actividade
presumivelmente desenvolvida pela entidade pblica a favor
dos sujeitos passivos do tributo, ou sobre um indicador de
unidades fsicas, ou de medida, e desde que no exista
diferenciao no contributo de cada sujeito passivo para o
custo da actividade do ente pblico ou no benefcio decorrente
desta actividade.
Se, pelo contrrio, a actividade desenvolvida pela
entidade pblica puder variar sensivelmente de sujeito passivo
para sujeito passivo e existirem indicadores que apontem para
essa variao, ou se a prestao pblica for pecuniria e, total
ou parcialmente, proporcional ao montante do tributo pago,
tambm no ser adequada a base de clculo unitria36
.
Saliente-se, ainda, que a aplicao do princpio da
igualdade na vertente da equivalncia poder ser tanto mais
falvel quanto maior for a preponderncia dos objectivos
extrafiscais na definio dos elementos essenciais de
determinado tributo37
. No caso das taxas sobre a
comercializao de produtos cosmticos e de higiene corporal,
convm recordar, nomeadamente, o imperativo constitucional
de onerao do consumo dos produtos de luxo, consagrado no
n. 4 do artigo 104. da Constituio, bem como a necessidade
35 Cfr. artigos 6., 50. e 51. dos Estatutos da mesma entidade, aprovados pela Lei
n. 53/2005, de 8 de Novembro, e o Regime de Taxas aprovado pelo Anexo I ao
Decreto-Lei n. 103/2006, de 7 de Junho, na verso alterada pelo Decreto-Lei n.
70/2009, de 31 de Maro, e republicada em anexo a este mesmo diploma. 36 Ver Nota 14. 37 Vasques, S. (2008), 577 e ss.
3228 | RIDB, Ano 1 (2012), n 6
de introduo de um facto de moderao do consumo, atentos
os riscos inerentes a estes produtos.
Deve notar-se, por ltimo, que, nos impostos gerais ou
especiais sobre o consumo, a aplicao de uma taxa nica no
viola o princpio da igualdade, exactamente porque a prpria
diferena entre os valores de dois produtos justifica a sujeio a
uma carga tributria proporcionalmente diversa em termos de
valor absoluto.
Salvos os casos extremos do imposto e da taxa tpicos,
no parece, pelo exposto, possvel retirar uma regra unvoca
que permita afirmar com segurana qual o parmetro de
aferio da igualdade adequado para determinado tributo,
apenas com base na sua tipologia. De facto e como resulta do
exposto, nem todos os impostos devem aferir-se pelo princpio
da igualdade na vertente da capacidade contributiva e nem
todas as contribuies financeiras devem aferir-se pelo
princpio da igualdade na vertente da equivalncia.
Existe actualmente uma outra objeco prtica adopo
do princpio da igualdade na vertente da equivalncia, mas que
no de somenos importncia. Como se sabe, a aplicao do
referido princpio pressupe a avaliao do custo da actividade
e do tributo pago. Ora, os constrangimentos oramentais
decorrentes do desgnio nacional de cumprimento das
obrigaes internacionalmente assumida pelo Estado Portugus
em matria de controlo da dvida pblica, designadamente no
Memorando de Entendimento subscrito em Maio de 2011 com
o Fundo Monetrio Internacional, a Comisso Europeia e o
Banco Central Europeu, e suas posteriores actualizaes,
tornam falvel aquela avaliao. De facto, se certo que o
princpio da igualdade na vertente da equivalncia tem como
seu campo de aplicao privilegiada o confronto entre a receita
cobrada e o custo incorrido pela entidade pblica a que a
mesma receita se destina, no menos verdadeiro que esse
exerccio se encontra actualmente condicionado e distorcido
RIDB, Ano 1 (2012), n 6 | 3229
pelo facto de existirem orientaes governamentais no sentido
da reduo da despesa pblica.
Por isso, no parece possvel aferir com segurana a
validade ou invalidade de um tributo pelo confronto entre a
receita que o mesmo gera e a despesa que a entidade, a que a
mesma receita se destina, suportou em dado perodo. E a razo
simples: se existem limites ao crescimento da despesa
decorrentes da necessidade de cumprimento do Memorando de
Entendimento referido, ser difcil apurar em que medida que
a despesa efectivamente realizada ficou a dever-se ao estrito
custo da actividade decorrente dos produtos sujeitos a tributo e
em que medida que s no houve mais despesa e mais
actividade que, porventura, eram necessrias com o objectivo de cumprir os limites daquele Memorando.
Existe ainda uma outra objeco de praticabilidade
adopo do princpio da igualdade na vertente da equivalncia.
Estamos a referir-nos ao facto de, por um lado, nem toda a
Administrao Indirecta do Estado se encontrar dotada de
contabilidade analtica e de, por outro, a organizao dos
rgos e servios do Estado nem sempre adoptar uma
especializao por produtos, em termos que permitam
identificar com razovel segurana os custos incorridos com o
exerccio de atribuies relativamente a certa categoria de
produtos. H, por conseguinte, uma questo de praticabilidade
que deve ser devidamente ponderada38
. Alm do que, quando
estejam envolvidos meios tcnicos de elevado custo e de
grande depreciao e propenso para a obsolescncia como , por exemplo, o caso dos equipamentos do Laboratrio de
Comprovao da Qualidade do INFARMED, I.P., difcil determinar em que medida que as contas a considerar
reflectem, de uma banda, a amortizao desses equipamentos e,
de outra, a necessidade de reposio a mdio prazo de
equipamentos equivalentes, mas porventura de preo mais
38 Dourado, A.P. (2007), 672 e ss.
3230 | RIDB, Ano 1 (2012), n 6
elevado.
3.4. POSIO ADOPTADA QUANTO AO PARMETRO
DE IGUALDADE
Temos para ns que, salvos os casos dos impostos gerais
e das verdadeiras taxas bilaterais, o enquadramento de certo
tributo em determinado tipo imposto especial de consumo ou contribuio financeira no implica forosamente a determinao de qual o parmetro de igualdade a utilizar na sua
legitimao material. Julgamos, pelo contrrio, que a
determinao do parmetro de igualdade aplicvel a certo
tributo dever tal como defendemos para o enquadramento tipolgico do tributo ter em considerao todas as suas caractersticas e objectivos, bem como a praticabilidade do
parmetro escolhido, face aos constrangimentos
organizacionais e legais que abrangem a entidade a que est
afecta a receita, e pressupor um juzo de adequao tendo em
conta essas mesmas caractersticas, objectivos e
praticabilidade.
Ou seja, se um tributo tem uma base ad valorem,
independentemente de ser um imposto ou uma contribuio
financeira, provavelmente ser mais adequada a sua aferio
face ao princpio da igualdade na vertente da capacidade
contributiva; se o tributo tem uma base especfica, j ser
provavelmente mais adequada a aferio pelo princpio da
igualdade na vertente da equivalncia. Parece-nos, pois, que a
questo dever ser colocada de modo inverso daquele que
surge colocado na doutrina: no pelo facto de certo tributo ser
uma contribuio financeira ou um imposto especial de
consumo que deve ter uma base de incidncia objectiva
unitria no podendo ter uma base ad valorem e deve ser aferido pelo princpio da igualdade na vertente da equivalncia.
Pelo contrrio, consideramos que o tributo deve ser aferido
RIDB, Ano 1 (2012), n 6 | 3231
pela vertente da equivalncia, ou do custo ou do benefcio,
quando tenha uma base de incidncia objectiva unitria, mas j
dever ser aferido pela vertente da capacidade contributiva
quando tenha uma base de incidncia objectiva ad valorem.
Se o tributo tem objectivos extrafiscais no susceptveis
de determinao da sua exacta medida quantitativa, por
referncia aos objectivos fiscais, ser porventura mais
adequado o princpio da igualdade na vertente da capacidade
contributiva, visto que o critrio do custo ser de muito difcil
ou impossvel aplicao, porque se torna impossvel determinar
a parte da receita cobrada que no custo e que visa um
objectivo extrafiscal e a parte que representa o custo, excedida
a qual estaremos perante um tributo invlido39
.
No que concretamente concerne s taxas sobre a
comercializao, a base de incidncia ad valorem adequada
aos propsitos do tributo. Com efeito, como se referiu, no
ajustada a tributao unitria, produto a produto, na medida em
que oneraria proporcionalmente mais os produtos de mais
baixo custo e com maior relevncia para a promoo da sade
pblica do que os produtos mais caros que, alm de poderem
implicar reflexos negativos para a sade pblica por poderem conter ingredientes nocivos no tm uma influncia visvel na sua promoo
40.
Por outro lado, no se trata de onerar os sujeitos passivos
do tributo pelos custos acrescidos que causam ou pelo
benefcio acrescido que obtm da actividade do INFARMED,
I.P. Do que se trata de tributar o consumidor final pelo
consumo dos referidos produtos e pela capacidade contributiva
39 Sobre os objectivos extrafiscais, Teixeira, G. (2008), 31. Carlos, A.F.B. (2008),
28-38. Sanches, J.L.S. (2007), 30. Nabais, J.C. (2009), 429 e ss. Nabais, JC. (2004),
634 e ss. 40 Recorde-se que as pastas de dentes, os shampoos, sabonetes, etc., que so
adequados promoo da higiene bsica e da sade pblica, ficariam
substancialmente onerados, se se tratasse de uma tributao de base unitria, por
referncia aos perfumes e outros produtos cosmticos de luxo.
3232 | RIDB, Ano 1 (2012), n 6
que aquele revela na aquisio de tais produtos. Essa
capacidade ser tanto maior quanto maior for o preo do
produto adquirido, pelo que a base de incidncia ad valorem
adequada.
Ou seja, no que respeita aos tributos em questo, estamos
exactamente perante a capacidade contributiva revelada pela
utilizao do patrimnio que o legislador associa aos impostos,
no n. 1 do artigo 4. da Lei Geral Tributria.
Tambm no est em causa a tributao do maior
benefcio para os bens do sujeito passivo decorrente da
actividade do INFARMED, I.P., ou a compensao das
maiores despesas resultantes da actividade de controlo destes
produtos. Do que se trata do financiamento, em geral, da
actividade do mesmo Instituto Pblico, recorrendo a um
conjunto sistemtico de tributos que oneram o consumo dos
produtos sujeitos s suas atribuies, tendo em vista financiar o
que, no limite, so atribuies gerais do Estado, como o caso
da proteco da sade pblica e dos consumidores.
Existem ainda outras consideraes que apontam para a
inadequao do princpio da igualdade na vertente da
equivalncia como parmetro de igualdade nos tributos em
causa. o caso da inexistncia de contabilidade analtica no
INFARMED, I.P.; da necessidade de equipamentos de elevado
valor e de alta taxa de obsolescncia, que implica um
investimento peridico em novos equipamentos com preos
geralmente crescentes; e, por ltimo, da necessidade de
cumprimento das orientaes governamentais tendentes ao
cumprimento do Memorando de Entendimento.
Conclui-se, pois, que, quanto taxa sobre a
comercializao de produtos cosmticos e de higiene corporal,
o parmetro de aferio da igualdade mais adequado o da
capacidade contributiva.
4. O CONFRONTO COM O DIREITO DA UNIO
RIDB, Ano 1 (2012), n 6 | 3233
EUROPEIA
Outro argumento geralmente utilizado para questionar a
validade da taxa sobre a comercializao de produtos
cosmticos e de higiene corporal a sua alegada
desconformidade com o direito da Unio Europeia e, para o
que ora nos interessa, com o preceituado nos artigos 30. e
110. do Tratado sobre o Funcionamento da Unio Europeia
(TFUE).
Como se sabe, apesar de a matria tributria no se
encontrar ainda totalmente harmonizada, doutrina e
jurisprudncia assente do Tribunal de Justia da Unio
Europeia (TJUE) que, no exerccio da sua competncia e
soberania tributrias, os Estados membros devem respeitar o
direito da Unio Europeia e, nomeadamente, as liberdades
fundamentais41
.
Procuraremos apurar de seguida em que medida que tal
argumentao , ou no, procedente, no caso em apreo.
4.1. A LIBERDADE DE CIRCULAO DE
MERCADORIAS CONSIDERAES GERAIS 41 Kiekebeld, B.J. (2004), 6,7 e 35 e ss., Kasagi, M. & M. Tsugi, E. Giovanetti
(2004), 168, Sandler, D. (1998), 173, Terra, B.J.M. & P.J.Wattel (2008), 2, 29-31.
Weber, D. (2005), 2. Metzler, V. E. (2008), 59, Newey, R. (2004), 1. Sanches, J.L.S.
(2007), 88-91. Pistone, P. (2002), 68. Craig, P. & G. de Brca (2007), 666. Sobre as
vrias modalidades de soberania fiscal legislativa, administrativa, judicial e quanto s receitas ver Sanches, J.L.S. (2007), 76. Ver ainda Weber, D. (2005), 6, sobre os sentidos tradicionais e actuais de integrao positiva e negativa. Ver tambm
Warleigh, A. (2004), 113. O Tribunal decidiu em 14/02/1995, no Acrdo
Schumacker, Proc. n. C-279/93, n. 21, que Embora, no estado actual do direito da Unio Europeia, a matria dos impostos directos no se encontre enquanto tal
includa na esfera de competncias da Comunidade, no menos certo que os
Estados-membros devem exercer as competncias que detm respeitando o direito
da Unio Europeia (v. o acrdo de 4 de Outubro de 1991, Comisso/Reino Unido,
C-246/89, Colect., p. I-4585, n. 12). Idntico entendimento foi expresso pelo mesmo Tribunal, designadamente, em 29/11/2001, no Acrdo De Coster, Proc. C-
17/00, n. 25.
3234 | RIDB, Ano 1 (2012), n 6
A liberdade de circulao de mercadorias resume-se
essencialmente a dois princpios, um relacionado com a
remoo de barreiras aduaneiras e outro com a proibio de
restries quantitativas s importaes e exportaes. O
primeiro o princpio segundo o qual as mercadorias
fabricadas ou em livre prtica num Estado membro podem ser
exportados desse Estado para outro, sem que nenhum desses
Estados possa impor a esses produtos quaisquer direitos
aduaneiros ou encargos de efeito equivalente. O segundo,
probe que, quer o Estado de exportao quer o Estado de
importao, levantem barreiras artificiais ou restries
quantitativas circulao dessas mercadorias, ainda que as
mesmas hajam sido produzidas num terceiro Estado, desde que
se encontrem e livre prtica no Estado membro de
exportao42
.
Neste quadro, existe um conjunto de disposies que
visam promover a livre circulao de mercadorias atravs do
desmantelamento das barreiras fiscais. Assim, o n. 1 do artigo
28. do Tratado consagra a unio aduaneira, que, na sua
vertente intracomunitria, pressupe a proibio de direitos
aduaneiros importao e exportao ou de quaisquer encargos
de efeito equivalente, e, na sua vertente externa, exige a
adopo de uma pauta aduaneira comum43
. Por seu turno, o
artigo 30. do mesmo Tratado refora a proibio da imposio
de direitos aduaneiros, incluindo os de natureza fiscal, ou de
encargos de efeito equivalente no comrcio entre Estados
membros.
O artigo 110. do Tratado probe a tributao interna
discriminatria em razo da nacionalidade, impedindo que um
Estado membro faa incidir, directa ou indirectamente, sobre
42 Gorjo-Henriques, M. (2006), 391 e ss. Campos, J.M. (2007), 530 e ss. Cfr.
artigos 23. e 24. do TCE. Cfr. Acrdo Processos Penais c. Bernard Keck e Daniel
Mithouard, de 24/11/1993, proferido nos processos apensos n.s C-267/91 e C-
268/91. 43 Barnard, C. (2007), 27.
RIDB, Ano 1 (2012), n 6 | 3235
os produtos dos outros Estados membros imposies internas,
qualquer que seja a sua natureza, superiores s que incidam,
directa ou indirectamente, sobre produtos nacionais similares44
.
Por ltimo, os artigos 34. e 35. probem as restries
quantitativas s importaes e exportaes e as medidas de
efeito equivalente e o artigo 36. prev as possveis
derrogaes45
. Concordamos com Catherine Barnard, quando
afirma que as derrogaes previstas no artigo 36. do Tratado
dizem respeito aos artigos 34. e 35. do Tratado, atenta a letra
do preceito e a jurisprudncia do Acrdo Comisso/Itlia,
proferido no Processo n. C-7/6846
.
No que concretamente concerne ao artigo 30. do TFUE,
o TJUE considerou como direito aduaneiro ou encargo de
efeito equivalente a um direito aduaneiro qualquer imposio
que seja devida pelo facto de ter sido atravessada uma
fronteira, independentemente (i) do objectivo do tributo, (ii) do
destino da receita, (iii) de a mesma no ser discriminatria, (iv)
de no ter efeito proteccionista e (v) de no estar em
concorrncia com qualquer produo nacional47
.
Todavia, esse encargo escapa a essa qualificao (i) se
fizer parte de um sistema geral de imposies internas
44 Craig, P.P. & G. De Brca (2007), 649 e ss. 45 Gorjo-Henriques, M. (2006), 391 e ss., defende como que uma aplicao
transversal a todas as liberdades incluindo direitos aduaneiros ou encargos de efeito equivalente das derrogaes admissveis face ao Tratado, no que se refere a domnios no plenamente harmonizados. Barnard, C. (2007), 29, expressa opinio
oposta, no sentido de que no existe norma idntica ao artigo 30. do TCE para os
artigos 25. e 90. do TCE e que, por isso, o artigo 25. no comporta derrogaes e
o artigo 90. s admite encargos no proteccionistas ou no discriminatrios.
Existem autores portugueses que apenas referem as derrogaes a propsito das
medidas de efeito equivalente a restries quantitativas, como o caso, entre outros,
de Campos, J.M. (2007), 534. Terra, B.J.M. & P.J.Wattel (2008), 31 e ss.,
consideram que as derrogaes admissveis so a rule of remoteness, o artigo 30. do
TCE e a rule of reason. Ver tambm Periin, T. (2005), 6 e ss. 46 Barnard, C. (2007), 41-42. 47 Casos Comisso v. Itlia, C-7/68, e Casos Apensos Sociaal Fonds voor de
Diamantarbeiders contra SA Ch. Brachfeld & Sons e Chougol Diamond Co, C-2/69
e C-3/69 e Caso Comisso v. Repblica Federal da Alemanha, C-18/87.
3236 | RIDB, Ano 1 (2012), n 6
abrangendo sistematicamente, segundo os mesmos critrios, os
produtos nacionais e os produtos importados e exportados
(acrdo de 31 de Maio de 1979, Denkavit/Frana, C-132/78
Recueil, p. 1923), (ii) se constituir o pagamento de um servio
efectivamente prestado a um operador econmico, num
montante proporcional ao referido servio (acrdo de 9 de
Novembro de 1983, Comisso/Dinamarca C-158/82, Recueil,
p. 3573), ou ainda, em determinadas condies, (iii) se for
referente a controlos efectuados para dar cumprimento s
obrigaes impostas pelo direito da Unio Europeia (acrdo
de 25 de Janeiro de 1977, Bauhuis/Pases Baixos, C-46/76,
Recueil, p. 5)48
.
Em suma, so admitidos, por no se subsumirem na
previso do artigo 30. do Tratado, os tributos que cubram um
servio que beneficie o importador, os que sejam cobrados por
motivo de um servio exigido por lei e, alm disso, os que
sejam devidos por motivo diferente do atravessamento de uma
fronteira.
Quanto ao artigo 110. do Tratado, o que o Tribunal tem
decidido que o mesmo preceito probe (i) a discriminao
tributria com base na nacionalidade, ou seja, a tributao mais
gravosa de produtos importados relativamente tributao de
produtos nacionais similares e (ii) que o produto do tributo
indistintamente aplicvel a produtos nacionais e importados
seja aplicado em benefcio dos produtos nacionais
concorrentes.
Como se referiu, esta proibio no se aplica quando o
tributo faa parte de um sistema geral de imposies internas
abrangendo sistem