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Center for Latin American and Caribbean Studies, University of Michigan, Ann Arbor A SIGNIFICÂNCIA OU O RESGATE DA SIGNIFICAÇÃO Author(s): Roberto Reis Source: Dispositio, Vol. 2, No. 4 (Invierno 1977), pp. 93-102 Published by: Center for Latin American and Caribbean Studies, University of Michigan, Ann Arbor Stable URL: http://www.jstor.org/stable/41491110 . Accessed: 29/11/2014 18:57 Your use of the JSTOR archive indicates your acceptance of the Terms & Conditions of Use, available at . http://www.jstor.org/page/info/about/policies/terms.jsp . JSTOR is a not-for-profit service that helps scholars, researchers, and students discover, use, and build upon a wide range of content in a trusted digital archive. We use information technology and tools to increase productivity and facilitate new forms of scholarship. For more information about JSTOR, please contact [email protected]. . Center for Latin American and Caribbean Studies, University of Michigan, Ann Arbor is collaborating with JSTOR to digitize, preserve and extend access to Dispositio. http://www.jstor.org This content downloaded from 132.203.227.62 on Sat, 29 Nov 2014 18:57:25 PM All use subject to JSTOR Terms and Conditions

A SIGNIFICÂNCIA OU O RESGATE DA SIGNIFICAÇÃO

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A SIGNIFICÂNCIA OU O RESGATE DA SIGNIFICAÇÃOAuthor(s): Roberto ReisSource: Dispositio, Vol. 2, No. 4 (Invierno 1977), pp. 93-102Published by: Center for Latin American and Caribbean Studies, University of Michigan, Ann ArborStable URL: http://www.jstor.org/stable/41491110 .

Accessed: 29/11/2014 18:57

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Disposino Vol. II No. 1 (1977): 93-102 © Department of Romance Languages, University of Michigan

A SIGNIFICÂNCIA OU O RESGATE DA SIGNIFICAÇÃO

Roberto Reis

Luiz Costa lima estabelece uma distinção entre duas dimensões no discurso literário: a sintagmática (o manifesto /presente) e a paradigmática (o latente/ ausen- te). Estas duas dimensões, por sua vez, constituem, respectivamente, o plano da sig- nificação e o plano do sentido.

O plano do sentido tem que ser construído. Nele se articulam as relações que conformam a estrutura, a qual determinará a configuração do sintagmático enuncia- do.

Costa Lima identifica ainda o sintagmático ao dito e o paradigmático ao in- terdito (vislumbrando uma camada anterior a este, a do entredito). Acompanhemos sua exposição: o discurso

é produto da interação entre o cheio sintagmático e o vazio paradigmático por construir. O que chamamos de vazio ríao se confundirá, contudo, com a idéia do implícito? Vocabular- mente, sem dúvida, as duas palavras guardam a proximidade de sinónimos. Do ponto de vista teórico, porém, elas nao se confundem. O comentário interpretativo lida com o implíci- to. Este se distingue do vazio porque o implícito já está pre- visto pelo explícito, já se encontra por ele preparado, ao passo que o vazio é o que o dito nao pode conter. Por isso mesmo é objeto de construção. Em decorrência da diferença, o im- plícito é como a paralela que acompanha o sintagmático, ao passo que no vazio adquire distinta geometria, só podendo ser lido na matriz que o constitui.1

1. A metamorfose do silêncio (Rio de Janeiro: Livraria Eldorado Editora, 1974), p.17.

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94 ROBERTO REIS

A reflexão é interrompida para desfazer a possível equivalência entre dito como "conteúdo" do enunciado e vazio como "conteúdo" da enunciação, uma vez que o vazio "se instala simultaneamente com a forma com que nasce e o dizer com que ela se diz", nele sendo, portanto, indissociável o conteúdo da forma2.

E prossegue o autor: o vazio, contudo, nao é uma realidade una. Dentro dele vi- slumbramos a formação de duas zonas, a que chamaremos as zonas do entredito e do interdito . [ . . .] O dito é a palavra do falante. Esta deixa uma sombra, a sombra do implícito, volun- tário ou involuntário. Se desconstituímos o corpo do dito e a sua sombra, aparece a primeira camada de uma nova dimen- são, o entredito3 .

O entredito é assim apreensível do dito, emergindo de sua desconstituiçao. Mas ao interdito só se tem acesso (evidentemente que partindo do dito) através da construção pela análise. O discurso manifesto é, deste modo, uma máscara a ocultar a verdade proibida da "outra cena".

Em outro texto, lemos a seguinte passagem: característica da primeira dimensão [ou seja, a sintagmática presente] , nos discursos literário, mítico e onírico, é r&o nos entregar mais que significações, isto é, uma interpretação que nao abole a possibilidade de uma pluralidade de outras. A es- ta interpretação aleatória, dependente da posição do leitor e não limitada pelas dimensões da teoria que emprega, chama- mos significação, distinguindo-a claramente da leitura do sen- tido4 .

Ora, tais considerações teriam que levar o professor Costa Lima, quase que inevitavelmente, a repensar o problema da polissemia, o que ele faz indo de encon- tro à idéia da obra literária como plurissignificativa5 . Escreve ele:

se um texto, sujeito a várias análises, dependentes do mesmo ou de diversos enfoques teóricos, se mostra investido de mais de um sentido, isso não tem que nos espantar, nem é proprie- dade da literatura. E bem sabido que um enfoque teórico dis- tinto tende a apresentar um objeto distinto, pela simples ra- zão de que a ciência nao pretende apreender a essência de um objeto, mas sim efetuar a sua construção. Se, por outro lado, nenhuma teoria determina um sentido único para o texto, assim acontece mesmo porque nenhuma teoria se confunde com um manual técnico de montagem de máquinas. Uma mesma teoria, ainda que supondo sua mesmíssima interpreta- ção, poderá oferecer análises diversas do mesmo objeto se os

2. Idem, pp. 17-18. 3. p. 18. 4. Idem, "As projeçÔes do ideológico", Cadernos da PUC, n.° 8 (1975), p. 158. 5. V. Víctor Manuel tle Aguiar e Silva, 3.a ed. Teoria da literatura^ Coimbra: Livraria

Almedina, 1973), Cap. I.

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pesquisadores privilegiarem diferentemente os dados ou se escolherem dados diferentes. Nenhuma destas possibilidades se confunde com a sempre falada polissemia da literatura, pois, sendo elas inerentes ao próprio trabalho científico, de- veríamos então, para sermos coerentes, dizer que a ciência tem a propriedade de tonar polissêmico aquilo de que ela fala. Logo, se existe um problema da polissemia em literatura, co- mo estamos convencidos de que há, este nao se mostra sequer pela maneira como a questão é usualmente colocada, pois ela se рое ao nível das significações, que sao naturalmente poli- ssêmicas. Deveremos, portanto, em algum momento enfrentar a questão da polissemia6.

O texto literário, por conseguinte, é portador de significações enquanto não analisado7 .As distintas possibilidades de sentido dependerão das variáveis escolhidas pelo analista, pois, "se o valor de um elemento na estrutura é sempre um valor de relação, então uma nova possibilidade de sentido sempre surge onde se estableça uma nova relação"8. Cada teoria daria conta-com cada análise- de uma parte do sentido, em função dos elementos constituintes da estrutura com os quais elaborasse sua leitura. Somos tentados a concluir que nenhuma teoria -a nao ser na hipótese impraticável de que ela conseguisse trabalhar com todas as relações possíveis- "es- gota" o plano do sentido, ainda que as interpretações possam não ser infinitas9.

Costa Lima comenta as palavras de Freud, segundo as quais em cada sonho haveria pelo menos um lugar impenetrável- "por assim dizer, um umbigo, que é seu ponto de contacto com o desconhecido" 10- :

estaria Freud dizendo que sua teorização ainda é insuficite, pois em algum ponto sempre nos deparamos com o indevas- sável? Ou, na passagem, intuiria uma propriedade capital do discurso onírico?1 1

Com respeito à primeira hipótese, ele escreve que a ciência termina respon- dendo às incógnitas existentes, não sendo as mesmas eternas. Em referência à segun- da, discute o impenetrável no sonho, no mito e no literatura, indagando sobre esta última: deveríamos dizer que,

como no sonho, sempre há algo de indevassável no texto lite- rário? A conseqiiência não procede. O fato de um texto se "metamorfosear" ante um contexto externo diverso, adqui- rindo a possibilidade doutro sentido , não significa que a teo- ria aplicada ao estado anterior à "metamorfose" fosse nece-

6. "As projeçoes do ideológico", p. 159. 7. Idem, "O labirinto e a esfinge", introdução a Teoria da literatura em suas fontes,

org. Luiz Costa Lima (Rio de Janeiro: Edições Francisco Alves, 1975), p. 26. 8. Idem, p. 27. 9. p. 27. Neste sentido, concordamos com Silviano Santiago quando diz que a interpre-

tação nao dá conta da "totalidade" (v. nota 13). 10. Freud, cit. por Luiz Costa Lima, "O labirinto e a esfinge", p. 27. 11. Luiz Costa Lima, "O labirinto e a esfinge", p. 28.

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ssariamente parcial. Se o texto literário (e artístico) é transi- stórico, toda teoria é sempre histórica e, portanto, só pode ser julgada pelo que lhe era historicamente dado apreender. O que sucede [. . .] com os que usualmente tratam do proble- ma que consideramos é confundirem a deficiência do quadro analítico com a propriedade de seu objeto- a literatura12.

Costa Lima como que adia a resposta sobre o indevassável da literatura- no qual parece nao acreditar-, dando seqüencia a estas considerações com um ataque à "miragem da experiência estética".

Curioso observar que uma reflexão de procedência diversa, arrancando da mesmíssima citação a Freud, envereda por caminho contrário ao mencionado. Alcan- cemos o fio de seu raciocínio: a interpretação é

uma tarefa infinita , porque nunca se pode completar, mas não se completa porque nao há nada para se interpretar, isto é, nada de primeiro. Tudo já é interpretação. Assim sendo, a interpretação sempre se volta sobre sim mesma, criando este movimento de circularidade que será então definidor do mo- vimento do conhecimento humano [. . .]

Esse aspecto de incompletamento da atividade interpretati- va é também sublinhado no pensamento de Freud, na Inter- pretação dos sonhos , por exemplo, quando afirma o caráter polissêmico do texto onírico, dizendo que "os sonhos, como todas as outras estruturas psicopatológicas, regularmente têm mais de um significado". Esse significado plural, plural do texto, não chega a ser esgotado por uma ou várias interpreta- ções [...]13

Segue-se então a transcrição da idéia freudiana sobre o caráter indevassável do sonho, concluindo Silviano Santiago pouco adiante que a interpretação é poli- ssêmica e impossibilitada de dar conta da totalidade".

Sublinhemos que Luiz Costa lima valoriza sensivelmente o plano do sentido em detrimento do plano da significação, insistindo que aquele só é acessível mediante a análise, já que só adquire existência quando construído.

Chamemos entretanto a atenção para o fato de que nem toda leitura de uma obra literária é analítica e que, se o plano do sentido se constrói, é com o plano da significação que o leitor (comum) trava contacto. Talvez, sob este ângulo, uma lei- tura ao nível da significação, embora dependente da posição do leitor, não deva ser rechaçada de todo, como privada de validade.

12. Idem, p. 28. 13. Silviano Santiago, "Análise e interpretação", Disposition 1,1 (1976), pp. 55-56.

O "tudo já é interpretação", em relação à obra literária, pode ser entendido como sendo ela uma interpretação da realidade; mas, por sua vez, a realidade (como veremos em seguida -v. nota 22) já é, tamém, interpretação, porque simbolizada. Por outra parte, nao vemos as formu- laçaoes de Luiz Costa Lima e de Silviano Santiago como forçosamente opostas, mas nao nos de- teremos nesta discussão.

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Por outro lado, ressalvemos que Costa lima enfatiza que a leitura do plano da significação é suficiente para a compreensão do texto, nao se requerendo portan- to a leitura do sentido para a decodificação usual. No caso de lerse о plano da signi- ficação, o que ocorre é que, estando esta leitura sujeita à posição do leitor, é impos- ta ao texto uma direção orientadora que, na verdade, não lhe pertence. "O discurso desliza na minha temporalidade e é visto como algo que só adquire relevância dentro do meu eixo temporal"14. Tal leitura cumpre, repitamos, com a finalidade comuni- cativa.

A leitura do sentido dirá respeito à inteligência do texto, visando fundar o plano correspondente, procurando as matrizes textuais em vez de sua interpretação. Os paradigmas matriciais não fazem falta ao se decodificar o manifesto. A crítica se afigura assim como uma leitura de diversa natureza,

pois a distingue a própria linguagem em que se formula: nao é uma mensagem em língua natural aplicada sobre outra men- sagem, mas sim é uma linguagem "artificial", construída e formalizada sobre o texto a que se aplica15 .

Sem discordar exatamente doprofessor Costa lima, pretendemos inserir nes- te ponto nossa reflexão, reificando trabalho anterior, a que intituláramos "O espa- ço da dignificância"16. Naquela oportunidade, tentávamos repensar considerações de Jaime Giordano e Roland Barthes1 7 , em que postulavam três níveis, com os quais lidamos no ato de leitura. Não refazendo este percurso, ensaiemos um resgate do plano da significação.

De início, reconheceríamos que o plano da significação, se é um cheio (por oposição ao vazio do plano do sentido), possui uma crosta que o reveste, como ex- terioridade total. E o mais superficial do texto, o mais vislivel, e uma leitura a este nível ( leitura do significado , vale dizer, literal), esbarra em sua materialidade sem perfurá-la, encontra o explicito, e o mais que consegue é a paráfrase. Esse leitura "leiga", que topa com o texto enquanto "coisa bruta", é desprezível e na verdade não leu. Sua única importância- razão de seu registro- é que ela é porta de entrada, a superfície que atrita com o leitor.

A camada interna então-trespassada a externa-nos dá o plano da signifi- cação propriamente dito. Sua leitura implicará na decodificação da sombra do enun- ciado, o implicito. Lê-se o subjacente ao sintagmático (e note-se que o subjacente não é ainda a estrutura), já refazendo relações sígnicas dispersas e combinando ele- mentos da textura. Dispomos a este nível de possibilidades de significação e aí o texto é plural, naturalmente polissêmico. Esta pluralidade é conseqtiência áz natu- ralização do texto, de que trataremos mais adiante, da posição do leitor.

14. Luiz Costa Lima, Л metamorfose do silêncio , p. 197. 15. Idem,p. 198. F. tb.p. 226. 16. Estudo a ser publicado. 17. Jaime Giordano, "El nivel de la escritura en la narrativa hispanoamericana contem-

poránea", NNH, 4 (1974), 299-306. Roland Barthes, "O terceiro centido", in Escritores, inte- lectuais, professores (e outros ensaios) (Lisboa: Editorial Presença, 1973), p. 193 e ss.

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Finalmente, a leitura do nível do sentido só é vislumbrável pela análise, uma vez que resulta de uma construção, que o faz falar. Tem-se então a estrutura, as rela- ções sémicas que a constituem, a matriz. Lê-se o interdito. "O sentido aparece aqui como o efeito de funcionamento da estrutura, na animação de suas séries componen- tes"18. O sentido se circunscreve a um trabalho por definição científico /teórico.

E claro que o plano da significação e o plano do sentido não podem ser en- carados como estanques, dissociados. Sendo o paradigmático uma ausência presente no sintagmático, e captável a partir deste, necessária será uma articulação entre as duas cenas, a do palco e a do poço. Mais: os dois planos estão em tensão constante e recíproca, de tal forma que há um intercâmbio e circulação, ininterrupta e dinâmica, animar-se-á a dimensão sintagmática por uma dada significação, a qual pode condu- zir-nos, via análise, a uma relaçao estrutural da matriz.

Propomos que se denomine a este meio caminho entre o sentido e a signifi- cação de significância.

A significância será a região tensa , fronteiriça e intermediária entre os dois planos- onde eles se "invadem" e tendem a confundir-se, numa espécie de 4<terra de ninguém"-e ao lê-la decodificamos, para retomar o termo de Luiz Costa Lima, o entredito (tendo-se em mente que ele está muito mais próximo do vazio calado que do cheio declarado).

Esquematicamente, teríamos:

PARADIGMATICO

Interdito SENTIDO

Entredito SIGNIFICÂNCIA

implícito Dito SIGNIFICAÇÃO

explícito

SINTAGMATICO

18. Gilles Deleuze, "Em que se pode reconhecer o estruturalismo?", in História da fi- losofia fidéias, doutrinas), vol. 8, dir. François Châtelet (Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1974), p. 295. Para melhor caracterização dos planos da significação e do sentido, remetemos às obras já citadas de Luiz Costa Lima, bem como para seu Estruturalismo e teoria da literatura (Petrópo- lis: Editora Vozes, 1973).

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Como caracterizar a significância? A significância seria uma plataforma semântica constituída pelos elementos

sêmicos que seriam comuns às interpretações possíveis do plano da significação, con- tendo os primeiros indícios reveladores da cena paradigmática, quando o sentido está prestes a eclodir. Ela é pura tensão e remete simultanea e constantemente para os dois planos.

Supondo então, na estrutura, a existência dos elementos A - В - С, numa re- lação recíproca (representada pelo traângulo), sintetizaríamos os três "andares" no siguinte gráfico:

A Interdito / ' SENTIDO

В С

А - В - С Entredito SIGNIFICÂNCIA

а - b - с

/I ''' . Dito abc acb bac bea cab eba SIGNIFICAÇÃO

(polissemia)

Note-se que, no gráfico, diferenciamos os elementos da dimensão paradigmá- tica e os elementos da dimensão sintagmática, como pertencentes a ordens distintas: А, В, С e a,b,c.Na dimensão fronteiriça da significância as duas ordens coexistem, А, В, С / a, b, с. As ligações mantidas entre os elementos, em cada uma das três ca- madas, são igualmente de teor diverso:

/А^ A - В - С В С а - b - с abc bea etc.

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Conclui-se que poucas relações ao nível do sentido podem gerar e produzir diversas possibilidades de significação, as quais variarão de acordo com o repertório do leitor. O caráter gerativo-produtor é justamente desempenhado pela escritura.

Por outra parte, lembremos que o texto literário, em todos os seus níveis- as diversas pautas de uma partitura em que se alinha todo discurso, para empregar- mos os dizeres de Lacan19-, mantém uma organicidade e coerência, como se uma "energia" conservasse a solidariedade de seus constituintes. Esta energia estruturante poderia ser denominada estruturalidade (sendo ela interna ao sistema), e trabalha tanto ao nível da estrutura quanto ao nível de sua atualizaçao, tanto em cada unida- de como no todo, derivando seu rendimento de uma eficácia 20 .

A significância também é responsável pela validade do ato de leitura21 e per- mite ser lida em duas direções: 1) mítica (na acepçao em que Barthes manipula o termo, como absorção do ideo- lógico) - : quando depreende-se uma cosmovisão, uma ideologia, a historicidade, no jogo texto/contexto22, configurador das relações intertextuais2^ ; 2) escriturai - : que reverte para as relações intratextuais , do texto consigo mesmo, já que a escritura é fundadora.

Estas duas direçoes de leitura dizem respeito ao duplo caráter de realidade possuído pelo texto de arte:

toda a obra de arte apresenta um duplo caráter em indisso- lúvel unidade: é expressão da realidade, mas, ao mesmo tem- po, cria a realidade, uma realidade tal que nao existe fora da

19. Jacques Lacan, "A instância da letra do inconsciente ou a razão desde Freud", in Estrutrualismo (antologia de textos teóricos ), org. Eduardo Prado Coelho (Lisboa: Livraria Mar- tins Fontes/Portugália Editora, s/d), p. 266.

20. "Se a estrutura [. . .] está ausente não é porque esteja fora, mas porque a sua forma de presença (ou de eficácia) é a ausência. Designaremos essa forma de eficácia por estruturalida- de". Eduardo Prado Coelho, "Introdução a um pensamento cruel: estruturas, estruturalidade, estruturalismos", introdução a Estruturalismo (antologia de textos teóricos ), p. XXIX.

21. Ressalvando o emprego divergente de certos termos: "[. . .] nosso ato de leitura (ato ou efeito de 1er, ação ou efeito de decifrar, etc.) não pode perder de vista o ato de escritura (ato ou efeito de escrever, por o sentido em letra, transformar pensamentos em signos, etc.). Ao escrever, está-se propondo um processo que, na sua dinâmica, produz um sentido; ao 1er, propo- mo-nos fazer como que uma outra escrita (mesmo que não a transformemos em signos escritos), já que articulamos um sentido que está no nosso discurso (de leitura), a partir do primeiro (po- ema), que deve validá-lo". Nelson Rodrigues Filho, "A linguagem poética", Apostila (Rio de Janeiro: Universidade Gama Filho, 1974). Correlacione-se, neste trecho, o fato de que o leitor articula um sentido, que está em seu discurso de leitura, com a posição do leitor, descrita em vá- rias passagens de nosso estudo.

22. Guardemos a idéia de que o contexto já é semiológico, na proporção em que o real só existe para o homem enquanto simbolizado. V., a respeito, Luiz Costa Lima, Л metamorfose do silêncio (os dois primeiros ensaios, conceitos de referente e referencial). Segundo o mesmo autor, a idéia de contexto "já não se confunde com a de exterioridade. O contexto anula a opo- sição externo/interno pois se encontraá tanto fora quanto dentro do texto em consideração, sendo ademais este fora apresentado seja por outros textos do mesmo autor, de autor diferente- com o qual aquele apresenta alguma relação-, senão mesmo pelos valores e crenças da socieda- de ou do segmento social a que pertence o autor". "O labirinto e a esfinge", pp. 29-30.

23. Entendido o conceito de intertextualidade conforme depreendido na citação da nota anterior: dentro da literatura e fora dela, considerando o real para o homem como um con- junto de representações simbólicas, isto é, como linguagens ou textos.

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obra ou antes da obra, mas inclusive apenas na obra24, razao pela qual podemos escrever, com Barthes, que a travessia da estritura "é o tex- to enquanto atravessa e é atravessado "25 .

Se o plano da significação deve ser recuperado porque é com ele que o leitor se interrelaciona e estabelece contacto, devemos então precisar de que maneira esta troca se processa.

Inicialmente, reafirmemos que o escritor deposita porções sêmicas em seu tex- to, às quais imprime uma diretriz semântica que as arranja e agrupa (a "mensagem" que pretende expressar). Mas o sentido lhe escapa, seja pelo caráter inconsciente da ce- na paradigmática interdita, seja pelo caráter inaugurador e produtor da escritura mesma.

Deste modo, o texto é, do ponto de vista de uma sua decodificaçao, sentido suspenso 26 , e decifrá-lo é completar essa ausência que lhe falta. Toda leitura é uma aventura.

Como consequência, "o sentido de uma obra (ou de um texto) nao pode se fazer sozinho; o autor jamais produz seriãb presunções de sentido, de formas, [. . .] e é o mundo que os preenche"27, complementando a obra som uma leitura.

O diálogo entabulado entre leitor-texto se dará com o objetivo de que aquele procure uma significação (o sentido estando silenciado à leitura não-analítica), na- turalizando28 o lido com o vivido, ajustando-o a seu repertório, pois tal intercâm- bio é função da posição do leitor e da leitura feita, que decorre desta posição.

Em outras palavras, faz-se necessário sentonizar escritura e leitura, o ato de escritura "reescrevendo" o texto de maneira tal que ele possa ser incorporado aos modelos culturais29 do leitor. Como resultado, o plano da significação será polissê- mico, admitindo tantas leituras quantos forem os seus leitores (desde que tais lei- turas sejam validades pelo ato de escritura).

Em vista disso, mesmo rejeitando uma especificidade da literatura calcada na literariedade ou no desvio (devido a estes aspectos se restringirem ao dito sintagmá-

24. Karel Kosík, cit. por Luiz Costa Lima, Lira e antilira (Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1968), pp. 20-21.

25. Vale dizer: atravessa a realidade, negando-a e criando outra/nova realidade (fictí- cia, do texto); é atravessado pela realidade, pois a referencia, Roland Barthes, "Resposta (Barthes fala de Barthes)", in op. cit., p. 94.

26. A obra literaria e "sentido suspenso : oferece-se, com efeito, ao leitor como um sistema significante declarado, mas esquiva-se-lhe como objeto significado". Roland Barthes, "Que é a crítica?', in Estruturalismo (antologia de textos teóricos ), p. 364.

27. Idem, cit. por Louis-Jean Calvet, Roland Barthes (un regard politique sur le signe) (Paris: Payot, 1973), p. 131. Traduzimos do francês.

28. Tomamos naturalizaçao num sentido individual: a naturalizaçao se prende ao diá- logo leitor (com seu repertório e modelos culturais) / texto (com seu sentido suspenso, suas po- ssibilidades de significação e sua cadeia de signos). Modificamos ideia de Jonathan Culler, Struc- turalist poetics (Ithaca: Cornell University Press, 1975), p. 137.

29. 4 'Cada ser humano vive dentro de um certo modelo cultural e interpreta a experien- cia com base num mundo de formas assuntivas que adquiriu: a estabilidade desse mundo é essen- cial para que possa mover-se razoavelmente em ceio às provocaçoes contínuas do ambiente e or- ganizar as propostas constituídas pelos eventos externos em um conjunto de experiências orgâni- cas". Umberto Eco, Obra aberta (Sao Paulo: Editora Perspectiva, 1968), pp. 142-143.

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tico)30, nao podemos recusar por completo a importância de uma "batalha ao nível da linguagem" (para usar uma expressão do poeta Murilo Mendes), travada pelo es- critor, no sentido de emprestar ao texto uma "força" que motive o leitor a aventu- rarle por ele, lendo, à procura da significação. Este ser-lh-á bastante para que se re- alize a comunicaçao com a obra, integrando-a a seu universo de vivências.

O leitor poderá nao penetrar no interdito do sentido e poderá privar-se da dimensão paradigmática do texto literário. A cena do subsolo lhe é vedada, só se ilu- minando se construída. Ele tem que se conformar com a camada que conseguiu des- vendar, do mesmo modo que nos contentamos espantados com nossos enigmáticos sonhos.

Arizona State University

30. Seguimos aqui a Luiz Costa Lima. V. Estruturalismo e teoria da literatura , p. 469 e "As projeções do ideológico", p. 160.

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