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A Rádio em Portugal: um pouco de história e perspectivas de evolução * Paula Cordeiro Universidade do Algarve Resumo: Este artigo revela alguns ele- mentos da história e da evolução da rá- dio em Portugal ao longo dos últimos cinquenta anos, apresentando sucinta- mente a fase da produção de consensos e dialogismos; a fase da rádio de pro- gramas na década de oitenta com as rá- dios piratas; a fase de formatação da programação e o caminho da especiali- zação, bem como a expansão que a rádio tem actualmente para a Internet. A rádio é um meio de comunicação ex- traordinariamente rico, com uma narrativa singular e para muitos, fascinante. A com- preensão da Rádio não pode dissociar-se do país e da sua História, no contexto do de- senvolvimento económico, cultural e social, numa observação que se deve desenvolver a partir das estruturas que desenham a opera- cionalidade deste meio. Para melhor conhecermos a rádio, deve- mos procurar decifrar os trilhos do para- * Resumo da investigação desenvolvida para uma dissertação de mestrado Ciências da Comunicação – variante Comunicação, Cultura Contemporânea e No- vas Tecnologias (A Rádio em Portugal - Consensos, Dialogismos e Interactividade: da palavra analógica ao ouvido digital) defendida em 2003 na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. digma comunicacional moderno, no que toca à problemática das mudanças operadas pela tecnologia. O desafio das novas tecnolo- gias tem sido um factor de renovação para a rádio que, ao longo dos últimos anos, se tem vindo a reinventar, quer ao nível da pro- dução, dos conteúdos e das formas de re- cepção das emissões. A sumária análise que se apresenta em seguida resulta de uma investigação desen- volvida para uma dissertação de mestrado defendida em 2003, apresentando uma aná- lise eminentemente teórica sobre as impli- cações dos novos media e o desenvolvimento tecnológico da rádio, dentro de um panorama de (re)configuração do universo comunica- cional que é operado pelas novas tecnologias da informação. A rádio é um meio que tem assumida- mente uma relação privilegiada com o púb- lico, não só pela estrutura da comunicação como por se assumir como um meio de co- municação bidireccional, que potencia a par- ticipação dos receptores na comunicação. Atravessamos numa fase de transição, um momento particular na rádio portuguesa, ca- racterizado essencialmente pela mudança, ou pela existência de elementos que propi- ciam essa mudança.

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A Rádio em Portugal: um pouco de história eperspectivas de evolução∗

Paula CordeiroUniversidade do Algarve

Resumo: Este artigo revela alguns ele-mentos da história e da evolução da rá-dio em Portugal ao longo dos últimoscinquenta anos, apresentando sucinta-mente a fase da produção de consensose dialogismos; a fase da rádio de pro-gramas na década de oitenta com as rá-dios piratas; a fase de formatação daprogramação e o caminho da especiali-zação, bem como a expansão que a rádiotem actualmente para a Internet.

A rádio é um meio de comunicação ex-traordinariamente rico, com uma narrativasingular e para muitos, fascinante. A com-preensão da Rádio não pode dissociar-se dopaís e da sua História, no contexto do de-senvolvimento económico, cultural e social,numa observação que se deve desenvolver apartir das estruturas que desenham a opera-cionalidade deste meio.

Para melhor conhecermos a rádio, deve-mos procurar decifrar os trilhos do para-

∗Resumo da investigação desenvolvida para umadissertação de mestrado Ciências da Comunicação –variante Comunicação, Cultura Contemporânea e No-vas Tecnologias (A Rádio em Portugal - Consensos,Dialogismos e Interactividade: da palavra analógicaao ouvido digital) defendida em 2003 na Faculdadede Ciências Sociais e Humanas da Universidade Novade Lisboa.

digma comunicacional moderno, no que tocaà problemática das mudanças operadas pelatecnologia. O desafio das novas tecnolo-gias tem sido um factor de renovação paraa rádio que, ao longo dos últimos anos, setem vindo a reinventar, quer ao nível da pro-dução, dos conteúdos e das formas de re-cepção das emissões.

A sumária análise que se apresenta emseguida resulta de uma investigação desen-volvida para uma dissertação de mestradodefendida em 2003, apresentando uma aná-lise eminentemente teórica sobre as impli-cações dos novos media e o desenvolvimentotecnológico da rádio, dentro de um panoramade (re)configuração do universo comunica-cional que é operado pelas novas tecnologiasda informação.

A rádio é um meio que tem assumida-mente uma relação privilegiada com o púb-lico, não só pela estrutura da comunicaçãocomo por se assumir como um meio de co-municação bidireccional, que potencia a par-ticipação dos receptores na comunicação.

Atravessamos numa fase de transição, ummomento particular na rádio portuguesa, ca-racterizado essencialmente pela mudança,ou pela existência de elementos que propi-ciam essa mudança.

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Este momento vai seguramente aumentaras potencialidades comunicativas da rádio e,pelas suas características, transformar a rá-dio num meio essencialmente interactivo.

Com um passado que remonta ao iníciodo século XX, o enquadramento histórico domeio em Portugal, apresenta diversas fasesque aqui se enunciam:

Depois de um longo percurso de carácterinstrumental e com uma comunicação fun-damentada num modelo consensual de sub-serviência ao regime, a rádio inovou a suacomunicação e desenvolveu novos modelosde carácter dialógico, baseados num carizfortemente emotivo e experimentalista, con-trastantes com o cunho monocórdico que vi-gorou até meados da década de setenta emvirtude do regime político autoritarista queinstalado até então.

Os chamados anos de ouro da rádio, queoscilam entre 1930 e 1950, traduziram-senum fenómeno de radiodifusão que procu-rava reconstruir a realidade dentro do estú-dio, com dramatizações e espectáculos pro-duzidos na própria estação emissora. Os pro-gramas humorísticos estavam sob vigilânciada censura, obrigando a manobras linguísti-cas para que os textos passassem. Muitos“sketches” faziam piadas disfarçadas ao re-gime, à semelhança do que se fazia no teatrode revista.

O regime político autoritário1 estabelecidoem Portugal tinha um serviço de censuraprévia às publicações periódicas, emissões

1 O Estado Novo foi o regime político instituídopor António de Oliveira Salazar, e que vigorou seminterrupção, embora com alterações de forma e con-teúdo, desde 1933 até 1974, altura em que acabou porcair, por acção de uma conspiração militar dirigidapelo Movimento das Forças Armadas, em 25 de Abrilde 1974.

de rádio e de televisão, e de fiscalizaçãode publicações não periódicas nacionais eestrangeiras, velando permanentemente pelapureza doutrinária das ideias expostas epela defesa da moral e dos bons costumes.As relações da rádio com o poder políticocentravam-se numa estratégia de manipu-lação da opinião pública em defesa dos va-lores proclamados pelo Estado Novo. Aoefeito de novidade da escuta deste novomeio, juntou-se o monopólio da comuni-cação, que consolidou o poder de Salazar. Aradiodifusão estava reservada aos governan-tes e todas iniciativas que pudessem prejudi-car o regime eram imediatamente proibidas.

Ao longo dos anos que o salazarismo, edepois, o marcelismo, dominaram a comuni-cação social, a rádio revelou-se um aparelhotécnico e discursivo ao serviço dos interes-ses de poder, e um instrumento para a legiti-mação da ditadura. Era o Estado que atribuíaas frequências, e por isso, o sistema estavaaltamente controlado.

Nesta altura, a rádio servia para distraira população, fazendo-a esquecer, ainda quepor breves momentos, da situação de fecha-mento a que o país estava votado.

O grande objectivo da programaçãocentrava-se na função de entretenimento,estabelecendo uma comunicação radiofónicapouco original, através de programas queprocuravam acima de tudo, distrair os ouvin-tes dos verdadeiros problemas que afectavama nação.

Os anos 50 foram marcados pelo apareci-mento da televisão em Portugal2. Perante o

2 Em Portugal, a televisão deu os primeiros pas-sos, a preto e branco, a 4 de Setembro de 1956. Asemissões regulares tiveram início a 7 de Março de1957. Nessa altura, só podia ser captada na região deLisboa. Nos anos seguintes, a Radiotelevisão Portu-

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fascínio que o novo meio despoletou, a rá-dio foi obrigada a mudar. A criatividade nãodeixou de se revelar, e a rádio apresentou al-guns programas que surpreenderam a socie-dade. Procurou inovar o seu discurso, depen-dente não só da novidade introduzida por umnovo meio de comunicação, mas sobretudopara contrariar a uniformidade da comuni-cação instrumentalizada pelo Estado Novo.

Foi o nascimento de uma nova fase narádio portuguesa, mais moderna, em opo-sição à anterior. Testaram-se novas configu-rações, que se opunham no campo do dis-curso e da expressão, e desenvolveram-senovas ideias especialmente no campo da mú-sica e da ficção.

A década de 60 viu nascer vários pro-gramas impertinentes que se aproximavamdemasiado dos limites impostos pela cen-sura. Ao longo desta década, a rádio co-meçou lentamente a assumir um papel de di-vulgação da cultura. A informação passou aser um elemento central para os programasque se especializaram em torno de temáticastão diferentes como a informação de actuali-dade ou a divulgação musical.

O alheamento da realidade e o sistemaconfortável de música e conversa para entre-ter, mostrava-se caduco, desadequado. A rá-dio enfrentava um momento de ruptura, entreuma comunicação institucionalizada e outraque se construía de acordo com o ritmo e odinamismo próprio do pulsar dos aconteci-mentos da sociedade.

Viveram-se momentos de grande activi-dade. As horas nocturnas, que eram con-sideradas mortas, tornaram-se o principal

guesa (RTP) chegaria ao Porto, à Madeira e aos Aço-res, e depois cobriria todo o território nacional, comdelegações nas diversas regiões. Em 1968 tiveram in-ício as emissões do segundo canal da RTP.

horário da rádio, com programas que de-senvolviam uma acção informativa e forma-tiva, num novo formato de rádio que tes-temunhava e acompanhava a vida nacional.Emergiu um sistema de comunicação que seemancipou do panorama instituído e passoua reagir, observando e criticando. A rádio,valendo-se da especificidade do directo, con-seguia muitas vezes escapar às malhas dacensura prévia.

O cenário político nacional e internacio-nal foi de extrema importância para a con-testação ao regime, que se tornou cada vezmais acentuada: a exoneração de Salazar dachefia do governo em 1968, marcou o finalde uma década plena de lutas pelos direitose liberdades, movimentos revolucionários econflitos bélicos de maior ou menor grau.

Os quarenta anos obstinados de um chefeautoritário chegaram ao fim, e deu-se iní-cio a um período, que embora reforçasse asrestrições à liberdade, ficou para a históriacomo a “Primavera Marcelista”. Foi nesteperíodo que se produziram programas e re-portagens que marcaram a história da infor-mação no nosso país. Eram espaços que nãotinham propaganda ao regime, programasque mostravam um certo inconformismo emrelação à situação.

O ano de 1974 é de grande relevânciapara Portugal, tendo a rádio desempenhadoum papel decisivo na revolução que instau-rou a democracia no nosso país. Foi atravésda rádio que se mobilizaram as forças mi-litares. Com objectivos definidos para cadaestação implicada, o golpe contou com a rá-dio para transmitir as “senhas” que deram in-ício, confirmaram e puseram em marcha omovimento das Forças Armadas.

A grande mudança na rádio portuguesaefectivou-se com a revolução que restabe-

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leceu a democracia e a descolonização. Odesmantelamento do antigo regime iniciou-se no próprio dia 25 de Abril, com a extinçãoda polícia política e a abolição da censura,numa estratégia de democratização da socie-dade portuguesa.

O panorama alterou-se de forma gradual,passando de uma situação que se caracteri-zava, em termos muito gerais, pela existên-cia de meios de comunicação social em po-der do Estado, para o predomínio de mediaprivados.

No pós 25 de Abril, encontramos três fasesevolutivas: depois da libertação do fascismo,com a queda da censura e a conquista da li-berdade de expressão, a rádio mostrou queo mecanismo analógico da sua comunicaçãopoderia integrar outro, de carácter dialógico.Seguiu-se então uma primeira fase: a danacionalização das rádios em Portugal, queresultou numa perda da vitalidade do sector,pois o panorama dividia-se entre a RDP eRR. A segunda fase: resultado da falta delegislação sobre radiodifusão e da impossi-bilidade de entidades privadas poderem abriras suas próprias estações emissoras, apare-ceram por todo o país as rádios livres, ourádios piratas. Estas rádios inovaram e ex-perimentaram novos formatos, preenchendoespaços de criatividade que tinham sido dei-xados em aberto pelas rádios nacionais. Oconteúdo programático não tinha grande de-finição, ou preocupação com as expectati-vas dos ouvintes. No campo da informação,concretizaram habilmente uma tendência decarácter local, dando notícias aos ouvintesda zona onde os retransmissores escondidosemitiam ilegalmente.

Se por um lado a rádio perdeu muito doque a havia caracterizado, por outro, veioganhar novas ideias, um novo dinamismo e

futuros profissionais. Esta é então a terceirafase, de regulamentação do sector que pro-curou dar resposta à necessidade de criaçãode uma lei que regulamentasse e pusesseuma certa ordem no panorama radiofóniconum processo que terminou em 1989 coma legalização. Muitas rádios piratas desa-pareceram, em favor das mais fortes e orga-nizadas, numa tentativa para adequar a quan-tidade de rádios ao mercado nacional.

A Reorganização do espectro radiofónicoe a respectiva legalização de algumas dascentenas de rádios piratas que existiam di-tou a adaptação a um modelo concorrencialque implicava a sobrevivência económica decada estação emissora. Por esta altura, as rá-dios apresentavam uma programação gene-ralista, organizada de acordo com o que sesupunha ser o público da estação. Algumasrádios fecharam, outras alteraram o seu pro-jecto inicial, num movimento de adaptaçãoque obrigava à profissionalização da estru-tura e da própria comunicação radiofónica.Como em todos os campos da comunicaçãosocial, o mercado dita as regras, e as rádiostentam (sobre)viver dependentes das medi-das de audiência, para angariar publicidade.

A rádio abandonou a sua estrutura de pro-gramação com base em programas diferen-tes e bastante concretos, para adoptar umaprogramação mais ligeira que se organiza emsequências horárias ao longo do dia. São rá-dios que adoptam um estilo concreto de pro-gramação que varia entre a emissão de notí-cias ou a emissão de música. Este tipo deprogramação radiofónica tem uma audiên-cia muito bem definida, cuja única exigên-cia é a de aceder a um “fundo” musical queas acompanhe enquanto desenvolvem outrasactividades.

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Recentemente, pouco mais aconteceu narádio. A única coisa importante tem quever com a alteração do esquema de negó-cio, que gradualmente foi sendo concentradoem grandes empresas. Tratou-se de uma al-teração empresarial, com as necessárias con-sequências de adaptação a um novo estilo denegócio, do qual decorre um novo conceitoque é o de produto radiofónico.

Hoje, o cenário compõe-se de três elemen-tos diferenciados que, no seu conjunto, con-stituem o panorama comunicacional da rádioem Portugal.

Um desses elementos resulta de um con-junto de operadores de pequenas dimensões,com quadros pouco profissionalizados queproduzem um padrão de emissões de fracosconteúdos e pouca preocupação estética.

Uma segunda estrutura compõe-se de ope-radores privados, que desenvolvem um per-curso para a ampliação dos shares de au-diência, independentemente da manutençãoda identidade da estação de rádio.

Este desenho fica completo com a enun-ciação de um terceiro elemento, um operadorpúblico com recursos significativamente su-periores aos dos parceiros comerciais, masque não os consegue traduzir numa pro-gramação com maior diversidade e de mel-hor qualidade, como tem sido confirmadopelos resultados das audiências do meio rá-dio.

O final dos anos noventa e a passagempara um novo milénio apresentaram novosdesafios para a comunicação social em ge-ral, e a rádio em particular. Paralelamenteà concorrência já estabelecida pelos outrosmeios de comunicação, a Internet foi-se im-plantando, redefinindo estratégias de comu-nicação, criando novos modelos e forçandotodos os meios de comunicação a servirem-

se dela enquanto suporte para se fortalece-rem, naquele que se apresenta como o séculoda comunicação interactiva.

Face à evolução quer do meio, quer da so-ciedade e do sistema económico-comercialem que a rádio se integra, o formato de pro-gramação da rádio dos anos 80 cedeu lugara outros, mais específicos, que procuram irao encontro de públicos cada vez mais defi-nidos.

A profissionalização da rádio decorre daclara necessidade de adaptação do conteúdoao público, e a consequente definição depúblicos específicos para cada estação.

As noções de marketing começaram a nor-tear o funcionamento das estações de rádio,também no campo da produção, ultrapas-sando critérios de criatividade e personali-dade, em função de dados específicos de-finidos pelos estudos de mercado e de au-diência. O culto do programa de autor co-meçou a desaparecer face a dados cientifi-camente comprovados que, ao apresentaremvalores específicos de caracterização do púb-lico e dos níveis de audiência para cada horado dia, permitiram a definição concreta dosconteúdos de cada estação de rádio. Maisimportante do que quem e como apresenta,passa a ser aquilo que se apresenta, a mú-sica que toca e a informação que se disponi-biliza, nivelando o público por aquilo a quese chama “ouvinte segmentado” e que é defi-nido pelos estudos de mercado, tal como emqualquer outro sector de actividade econó-mica.

Hoje, as empresas de rádio fazem partede grupos económicos mais amplos que do-minam o panorama da comunicação social.Os estudos de mercado revelam-se mais ade-quados do que as medidas de audiência e asrádios passaram a tentar conhecer de forma

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mais exacta o que as pessoas querem ouvir.O sentido comercial impôs-se e transformoua estrutura da rádio em termos de organi-zação e de produto. Os gestores da rádio sãograndes grupos financeiros cujo único objec-tivo não é prestar um bom serviço, mas teraudiências e facturar.

Este fenómeno obriga a uma mudança dementalidades, deixando de pensar a rádiocomo um fim em si mesmo - um objecto ar-tístico e cultural -, passando a encarar a ac-tividade radiofónica como um negócio queoferece um produto que se quer rentável.

É neste contexto que se separa claramenteo que são estações de serviço público e que,por isso, entre outros aspectos, deverão ga-rantir a independência dos poderes estabe-lecidos, sejam eles políticos, económicos,de natureza privada ou institucional, e asestações de carácter privado, auto financia-das, com objectivo de lucrar com a sua ac-tividade e que normalmente definem os seusconteúdos com base no entretenimento.

Este é um processo que está a decorrer nonosso país, ao mesmo tempo que se tenta darresposta aos novos desafios propostos pelodesenvolvimento da Internet.

Na RDP, a entidade pública de radi-odifusão, os problemas são diversos edistinguem-se entre os diversos canais. ARDP é uma grande organização com pe-quenas estruturas dentro de si que produ-zem produtos muito diferentes, para alémdos desdobramentos da emissão da Antena1. Neste canal, a indefinição da linha edi-torial não tem deixado desenvolver um pro-jecto contínuo. A ideia de serviço públicoprevalece nesta estrutura com uma abrangên-cia que permite ter todo o tipo de programas.A Antena 2 organiza a sua programaçãonuma vertente mais cultural, caracterizando-

se como um canal elitista, de música clássicaque não toca a cultura em todas as suas ver-tentes, nem a apresenta para o público emgeral, pela sua postura erudita de divulgaçãodas formas da cultura essencialmente escritae sonora. De facto, a RDP não propor-ciona (pelo menos para o território nacionale por isso, excluímos desta sumária análise aRDP África e a RDP Internacional) um ser-viço público efectivo para a população por-tuguesa. O canal jovem desta estrutura, ape-sar da recente remodelação na programação,não oferece ainda um produto que seja umreflexo dos problemas e necessidades dosjovens em geral. É um facto que a An-tena 3 cumpre parte das suas funções, assen-tando numa programação de divulgação mu-sical, mas falha por procurar continuamenteconquistar mais audiências, num estilo quepouco se distingue das rádios privadas diri-gidas às camadas mais jovens.

É neste contexto que a rádio se desen-volve em Portugal, num panorama em quea multiplicação dos canais em FM aumen-tou as possibilidades de se criarem estaçõescom programação diferente, mas tal não severificou. A generalidade das estações nãodiversificou a programação, acabando porse criar um panorama sem grande diferençaentre as estações e grupos de rádios. Secompararmos os horários, verificamos quea programação segue, na generalidade dasestações, o mesmo fio condutor: das seisaté às dez e meia da manhã, a rádio ofereceprogramas que intercalam a informação (nassuas diversas abordagens, conteúdos e trata-mentos) com um esquema de rádio – con-versa, conduzida por um grupo de profissio-nais, de preferência “personalidades da rá-dio”.

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O panorama não é de fácil catalogação, namedida em que, por razões legais e de di-mensão do mercado, a temática dos alvarásatribuídos distingue apenas rádios musicais einformativas. A distinção entre estações nemsempre é clara, e a formatação dos conteúdosbaseia-se normalmente na segmentação porescalões etários. Na actualidade, entrámos jánuma segunda fase que define os conteúdosda estação com base nos escalões etários e naespecialização dos próprios conteúdos.

O contexto desta análise desenrola-se numambiente urbano localizado nas principaiscidades do país, onde coexistem rádios ge-neralistas que segmentam a audiência emfunção das idades; rádios temáticas e que porisso têm à partida um público definido, muitoembora não seja o critério idade o elementodiferenciador; e rádios generalistas, segmen-tadas em função da idade e especializadasnum género musical. Nesta última divisão,encontramos rádios que se especializam emtermos musicais e procuram um target etáriodefinido, mesmo sabendo que as franjas depúblico se afastam bastante dessa definição.

A rádio deve obedecer a critérios de cria-tividade para apresentar os seus conteúdos.A grande dificuldade está em manter os ní-veis de audiência ao longo do dia. Depois doprime time – ou drive time, se entendermosque este período de maiores níveis de au-diência corresponde ao espaço de tempo queas pessoas passam dentro dos veículos -, asrádios de carácter musical brindam-nos cominfindáveis sequências musicais, enquantooutras optam por um estilo de rádio com pro-gramas variados, que tratam todo o tipo deassuntos. Em muitas rádios, a hora do al-moço é aproveitada para fazer um balançoda manhã informativa, desenvolvendo algunstemas que não tiveram lugar nos noticiários

da manhã, ou pura e simplesmente, repetindonotícias e reportagens.

A partir das dez da noite, a rádio volta aretomar um estilo próprio, com programasde autor, entrevistas e conversas e programasde antena aberta. As madrugadas apostamnuma programação de “fundo musical”, ouem casos específicos, programas de compan-hia, que procuram diminuir a solidão de al-guns ouvintes.

Em Portugal parece que, a dada altura,a rádio se foi distanciando das pessoas,tornando-se mais mecanizada. Esta fase re-sulta da falta de profissionais qualificados3

3 A única escola de rádio existente em Portugal –A Rádio Universidade – deixou, há largos anos, deformar profissionais para o meio.

Em 1950, resultante de um acordo entre o CentroUniversitário da Mocidade Portuguesa e a EmissoraNacional, surge em Onda Média, a primeira emissãoda “rádio Universidade”. A emissão na EmissoraNacional (Lisboa 2), chegou a ter a duração de 70minutos, e era da responsabilidade de estudantes uni-versitários e pré universitários de Lisboa. A rádioUniversidade, assumiu-se, ainda que informalmente,como uma escola de rádio, por onde passaram mui-tos dos profissionais que por essa altura trabalhavamnas estações de rádio. Dava acesso ao meio a quemquisesse seguir uma profissão ligada à rádio, comolocutor, realizador, técnico e todo o tipo de serviçosessenciais à composição de uma estação de rádio. Ocurso era dividido em três partes: no primeiro ano osalunos eram estagiários, não tinham acesso à cabinede locução e assistiam às aulas dos profissionais quejá faziam rádio. No segundo ano, passavam a locuto-res provisórios e uma vez por semana tinham acessoao microfone para ler textos, acompanhados de um“profissional” que lhes dava algumas aulas de dicçãoe sobre o funcionamento da mesa. No final do se-gundo ano, faziam provas de locução e passavam alocutores efectivos. Depois tinham direito a um pro-grama semanal e ficavam à espera que as rádios pro-fissionais os chamassem para trabalhar. O essencialpara entrar na rádio universidade era ter boa voz. Pri-meiro era feito um teste de voz e passando nesse teste,

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e da comercialização da rádio. Os gran-des grupos económicos tomaram conta da rá-dio e hoje, estão todas formatadas. A rádiotornou-se um negócio, que se quer rentável.

Os métodos tradicionais de produção e co-municação radiofónica foram ultrapassadose a rádio não se tem orientado em função dopúblico jovem que encontra noutros meiosde comunicação, formas de criar uma co-munidade virtual. Apareceram novas ofertaspara os ouvintes, como os canais de músicana televisão por cabo e satélite, ou a Inter-net. A emotividade e em parte, o sucessoda comunicação radiofónica deriva da capa-cidade para estabelecer uma relação afectivacom ouvinte, ao contrário da distância quese tem demonstrado ao longo dos últimosanos. Depois de uma geração de profissio-nais que fez da rádio um importante meio decomunicação, seguiu-se um período em queo profissional da rádio era encarado comoum disc jockey, com graves consequênciaspara a forma como se comunica na rádio.Não se têm formado pessoas nos últimosanos que possam operar a rádio em todas assuas funções. As rádios perderam audiêncianão só em função da multiplicação dos meiose da modernização das formas de comuni-cação e acesso à informação, mas tambémcomo consequência da animação que perdeuo seu valor, não desenvolvendo a identidadeda rádio.

Na actualidade, temos três grandes gruposeconómicos que dominam o meio rádio, eassim, é muito difícil evoluir, porque a ten-dência é para manter as coisas como estão, a

os candidatos passavam para o curso de locução, oueventualmente para os outros sectores de actividadeda rádio.

partir do momento em que se tornam rentá-veis.

Num quadro em que, para o públicoem geral, as rádios parecem todas iguais,diferenciando-se não ao nível do escalãoetário ao qual se dirigem, mas ao níveldos temas musicais que se ouvem ao longodas emissões e de alguns programas de au-tor que ainda resistem, as estações de rá-dio apostam na criação e desenvolvimentode uma imagem de marca para facilitara identificação do público com a estação,inscrevendo-se numa lógica que é a de vin-car a diferença entre produtos semelhantes,num mercado carregado de solicitações parao consumidor e produtos iguais entre si.

A estratégia de grupo assume prepon-derância face às estratégias de cada meioe sobrepõe-se à de cada órgão de comu-nicação, numa interdependência para a suapromoção face à concorrência. Para as rá-dios, a Internet tem vindo a revelar-se comoum excelente veículo nesta estratégia de de-senvolvimento de uma identidade própria,impondo-se como um novo suporte para aescuta das emissões de rádio e uma forma daestação se auto promover.

Em Portugal, a rádio vive uma fase detransição que reflecte a passagem de umacomunicação dialógica para um modelo decomunicação interactivo, baseado em novossistemas operacionais. Os dois modelos con-vivem, numa fase de transição para um es-quema de comunicação absolutamente bidi-reccional que irá desenvolver-se num novoprincípio interactivo.

A emissão digital traduz uma ligação aomultimédia, favorecendo a interactividade,ao mesmo tempo que faz desenvolver umanova linguagem, pela incorporação de no-vos elementos à sua estrutura discursiva e

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potencia a criação de novos conteúdos paraa mensagem radiofónica. Em paralelo, oesquema de recepção acompanha esta evo-lução, num novo modelo que transforma oouvinte num utilizador e favorece a fragmen-tação das audiências em função dos seus in-teresses específicos.

A Internet veio modificar a forma da re-cepção radiofónica, transformando o con-ceito de receptor, noutro que se aproximamais da noção de usuário, pela forma como oouvinte/utilizador toma uma atitude activa depesquisa e consumo dos conteúdos. Muitoembora ainda não tenhamos deixado de ou-vir rádio através dos receptores tradicionais,muitas vezes fazemo-lo enquanto consulta-mos a página web da estação em causa.

Nesta conjuntura, a ameaça não é a Inter-net em si, mas a Net enquanto novo suportepara a rádio, que assim pode perder ouvin-tes no seu suporte tradicional, para ganharnovos ouvintes on-line. O que ainda não sesabe, é se com os avanços da tecnologia, dosprogramas informáticos e o consequente au-mento da utilização da Internet, os internau-tas irão ouvir as estações que estão na redee disponibilizam a escuta das suas emissõesem tempo real, ou se passarão a escutar rá-dio cuja existência se limite à rede. Este mo-delo, graças às possibilidades tecnológicas,reconverte o conceito definido, seja pela ad-opção de um esquema de múltiplos canais,pela total ausência da presença humana, oupor outros factores relacionados com a dis-cursividade do próprio meio. À emissão emtempo real, a rádio pode juntar novos ser-viços, pois a Internet permite verdadeira in-teractividade entre o som, a palavra escrita ea imagem, numa complementaridade típicados meios de comunicação social. Alémdisso, apresenta-se como mais um canal que

ultrapassa as (já poucas) limitações das on-das hertzianas e transforma a emissão deuma estação local à escala mundial.

Da apresentação e análise efectuada àsestações de rádio portuguesas a operarem naweb, verificámos diferentes estádios de evo-lução relativamente ao panorama nacional einternacional.

Cada estação de rádio tem objectivos di-ferentes para este novo meio. Em muitos ca-sos, é encarado como mais um suporte de co-municação que, entre outras razões, pela im-plantação da Internet nos lares portugueses,ainda não se assume como primordial.

A página de cada rádio deve ser um vín-culo entre o ouvinte e a estação, com infor-mação de carácter institucional e organiza-cional, ao mesmo tempo que agrega infor-mações práticas sobre a programação, arti-stas e músicas, bem como os locutores daestação.

Podemos estabelecer uma sistematizaçãoem função do género prevalecente em cadaestação de rádio - as de carácter informativoe as de entretenimento -, mas não podemos,criar a mesma linha divisória relativamente àestrutura do site, estratégia de comunicaçãoon-line e ligação entre o site e a comunicaçãoFM, pois em qualquer dos formatos, a pre-sença na rede assume contornos que se ligamnão ao seu conteúdo, mas à importância dadapor cada estação a este novo meio.

As estratégias operacionais desenvolvi-das baseiam-se essencialmente na ideia deveículo de promoção para a estação e noeixo estabelecido pelo potencial interac-tivo da Net, estando a generalidade dasestações pouco vocacionada para a pro-dução de conteúdos que explorem os princi-pais traços da identidade da Internet. Estaafirmação justifica-se pelo pragmatismo da

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indubitável relação entre custos de pro-dução/manutenção e retorno financeiro queé praticamente inexistente, pela falência dapublicidade nos websites, e pela ausência deconteúdos de acesso pago.

Em Portugal, não encontrámos na Internetprojectos que desenvolvam o conceito de we-bradio. Ao contrário do formato tradicional,na web é muito fácil a mesma rádio ter umainfinidade de canais especializados. Tantosquantos os géneros musicais que se consi-gam definir, sem que isso tenha grandes re-percussões em termos de custos.

É um processo em desenvolvimento queestá num estádio de descoberta e exploraçãodo novo meio, com as principais estaçõesde rádio a estenderem o seu raio de acçãopara este novo suporte, sem contudo, apo-starem de forma decisiva na Internet, sobo auspício de que a rádio nunca irá mor-rer e que a Internet é apenas mais um su-porte, um veículo que permite à rádio chegarmais longe, numa estratégia de complemen-taridade e auto-promoção.

O desenho que temos hoje vai ser pulver-izado, por necessidade de encaixe em nichosde mercado e adaptação às novas condiçõestecnológicas que se vão desenvolver, com oaumento do acesso à Internet nos lares e aimplementação da rádio digital (DAB4 ) que

4 A emissão digital através do sistema DAB, com-porta transformações técnicas e novos desafios à rá-dio. Os projectos iniciaram-se no final dos anos oi-tenta, e a partir de 1992, estabeleceram-se as basespara a implementação de um sistema de recepção comqualidade de som equivalente à do CD áudio. A pri-meira demonstração do sistema digital em Portugaldecorreu no início de 1998, com a apresentação de umequipamento fixo e de um veículo equipado com umauto-rádio de Rádio Digital. No mesmo ano, com ainauguração da Exposição Mundial de Lisboa - Expo98, a RDP colocou o sistema em funcionamento a

mudará por completo a rádio como a conhe-cemos neste momento.

Em conclusão, Portugal apresenta umpanorama que revela uma ideia de tran-sição de paradigma comunicacional que re-speita aos conceitos de consensos, dialogis-mos e interactividade, expostos na acepçãodo carácter monológico – dialógico que temtraduzido a evolução da comunicação ra-diofónica. A fase que atravessamos é aindade transição, entre uma condição dialógicae outra, manifestamente interactiva, com ashesitações de percurso inerentes à passagemda palavra analógica para a conceptualizaçãode um modelo plenamente interactivo e di-gital que se traduzirá num novo desenho dopanorama mundial, pela implementação deum novo sistema de concepção, produção,difusão e recepção da comunicação radiofó-nica.

título experimental. O DAB apresenta bastantes van-tagens em relação ao sistema tradicional de emissão eem Portugal, 70% dos portugueses já vivem em áreascobertas pela rede digital (videmapa).

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