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1 A PRODUÇÃO DE CONJUNTOS HABITACIONAIS E A DESIGUALDADE SOCIOESPACIAL EM ITUIUTABA-MG Marcilene Gonçalves Teodoro 1 Vitor Koiti Miyazaki 2 Daniel Severino Oliveira 3 1-INTRODUÇÃO A cidade é um produto da ação contínua de diferentes agentes, sejam eles vinculados ao Estado, ao capital privado ou em diferentes segmentos da sociedade em geral. Diante disso, o processo de produção do espaço urbano ,é resultado de um jogo de interesses sociais, econômicos e políticos de seus agentes. Harvey (2005, p.165) explica que uma cidade é “tanto o produto, como condição dos processos sociais de transformação em andamento, na fase mais recente do desenvolvimento capitalista”. Diante desta afirmação, é relevante entender que a cidade vai sendo transformada, isto é, no âmbito de um processo de produção e reprodução a partir de um modelo caracterizado pela ampliação da desigualdade social e espacial. Neste sentido, Lefebvre (1991, p.46) enfatiza que a cidade sempre está relacionada à sociedade que a compõe em sua totalidade e que a mesma acompanha as mudanças desta. Numa aproximação com a nossa realidade empírica, o que se vê hoje em Ituiutaba, município localizado no oeste do estado de Minas Gerais, é um espaço urbano produzido e ocupado por agentes que, a partir de seus interesses econômicos e em divergência com a produção habitacional de interesse social, causaram e causam impactos no âmbito da reestruturação da cidade. É neste contexto que o processo de produção capitalista interfere na produção do espaço urbano. Esses aspectos são facilmente identificados no que diz respeito à transformação das cidades, induzindo a diferenciação das formas de uso e ocupação do 1 Discente do Programa de Pós-Graduação em Geografia do Pontal FACIP/UFU. 2 Docente do Programa de Pós-Graduação em Geografia do Pontal FACIP/UFU. 3 Aluno Especial do Programa de Pós-Graduação em Geografia do Pontal FACIP/UFU - 2/2015

A PRODUÇÃO DE CONJUNTOS HABITACIONAIS E A … · relacionada à sociedade que a compõe em sua totalidade e que a mesma acompanha as mudanças desta. Numa aproximação com a nossa

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A PRODUÇÃO DE CONJUNTOS HABITACIONAIS E A DESIGUALDADE

SOCIOESPACIAL EM ITUIUTABA-MG

Marcilene Gonçalves Teodoro1

Vitor Koiti Miyazaki2

Daniel Severino Oliveira3

1-INTRODUÇÃO

A cidade é um produto da ação contínua de diferentes agentes, sejam eles

vinculados ao Estado, ao capital privado ou em diferentes segmentos da sociedade em

geral. Diante disso, o processo de produção do espaço urbano ,é resultado de um jogo

de interesses sociais, econômicos e políticos de seus agentes. Harvey (2005, p.165)

explica que uma cidade é “tanto o produto, como condição dos processos sociais de

transformação em andamento, na fase mais recente do desenvolvimento capitalista”.

Diante desta afirmação, é relevante entender que a cidade vai sendo transformada, isto

é, no âmbito de um processo de produção e reprodução a partir de um modelo

caracterizado pela ampliação da desigualdade social e espacial.

Neste sentido, Lefebvre (1991, p.46) enfatiza que a cidade sempre está

relacionada à sociedade que a compõe em sua totalidade e que a mesma acompanha as

mudanças desta. Numa aproximação com a nossa realidade empírica, o que se vê hoje

em Ituiutaba, município localizado no oeste do estado de Minas Gerais, é um espaço

urbano produzido e ocupado por agentes que, a partir de seus interesses econômicos e

em divergência com a produção habitacional de interesse social, causaram e causam

impactos no âmbito da reestruturação da cidade.

É neste contexto que o processo de produção capitalista interfere na produção do

espaço urbano. Esses aspectos são facilmente identificados no que diz respeito à

transformação das cidades, induzindo a diferenciação das formas de uso e ocupação do

1 Discente do Programa de Pós-Graduação em Geografia do Pontal – FACIP/UFU. 2 Docente do Programa de Pós-Graduação em Geografia do Pontal – FACIP/UFU. 3 Aluno Especial do Programa de Pós-Graduação em Geografia do Pontal – FACIP/UFU - 2/2015

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solo no espaço urbano. O espaço socialmente produzido apresenta diferenças nas

formas, conteúdos, interações e práticas espaciais. Essa diferenciação do espaço é, em

realidade, um reflexo e uma condição para as políticas públicas e estratégias

empresariais construídas historicamente e em constante transformação, tornando-se

cada vez mais complexas. (CORRÊA, 2002)

Ressalta-se ainda que compreender as dinâmicas atinentes ao espaço urbano

tornou-se um desafio ainda maior frente à intensificação da implantação de novos

conjuntos habitacionais ao longo dos últimos anos, principalmente aqueles propostos

pelo Programa Minha Casa Minha Vida – PMCMV, ao tempo em que o protagonismo

de parte dos agentes sociais submetera a população pobre aos contrastes decorrentes da

atuação dos diversos agentes produtores do espaço urbano, representados pela elite local

que, por sua vez, se serviram desta política para o atendimento de seus interesses.

Atualmente, para além das grandes cidades, a expansão descontínua do tecido

urbano se torna cada vez mais evidente em centros urbanos de diferentes portes.

Cidades que antes eram caracterizadas por certa continuidade territorial, hoje se

expandem de forma cada vez mais descontínua e dispersa (MIYAZAKI, 2014, p.5).

Harvey (2009, p.10) deixa claro que a expansão do tecido urbano é um dos principais

caminhos para resolver o problema do capital excedente. Há, portanto, um conjunto de

interesses econômicos que perpassam as políticas habitacionais.

Da forma como tem ocorrido a implementação das políticas públicas deste setor,

o Estado perdeu seu papel de protagonista na promoção da moradia para tornar-se

mediador e viabilizador do setor imobiliário, atendendo a certos interesses que nem

sempre atendem as demandas da população. Nesse sentido, o Estado exerce papel

fundamental no processo da produção do espaço urbano, porém, não só enquanto agente

que produz moradia popular, como também aquele que define os locais de implantação

de grandes empreendimentos, como sucede nos conjuntos habitacionais implantados a

partir do Programa Minha Casa Minha Vida – PMCMV.

Cabe, assim, refletir sobre o papel do Estado na produção da moradia popular

que, em muitos casos, contribui para a manutenção da situação de desigualdade. Deve-

se deixar claro, conforme apontado diversas vezes por Santos (1990, p.105), que “o

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poder público é chamado a exercer um papel extremamente ativo na produção da

cidade, seguindo o movimento geral do sistema capitalista” e sob o comando do grande

capital. Corrêa (2004, p.26) ressalta ainda que “é preciso considerar que a ação do

Estado processa-se em três níveis político, administrativo e espacial: federal, estadual e

municipal”. Assim, a produção do espaço urbano é resultado de um conjunto de

relações, entre diferentes esferas de governo, que se estabelecem no cotidiano da cidade

entre os vários agentes que a produzem.

As desigualdades socioespaciais verificadas no processo de urbanização ao

longo das décadas reforçam a necessidade de políticas públicas de habitação como

condição para qualidade de vida da população, num contexto mais amplo, que

contemple não apenas o acesso à moradia, por exemplo, mas principalmente o direito à

cidade. Tal aspecto constitui-se em elemento fundamental, face às políticas públicas,

como no caso daquelas que procuram contemplar a questão habitacional terem

modificado não apenas a estrutura urbana, mas a história a ser escrita e contada sobre a

produção do espaço da cidade e os agentes sociais que atuam nesse processo.

Neste texto trazemos este tema para debate a partir da análise de Ituiutaba/MG.

Nos últimos anos a cidade tem ampliado sua importância regional, a partir de

investimentos privados (ligados ao setor sucroalcooleiro) e públicos (oriundos do

Governo Federal e Estadual, a partir da instalação de instituições de ensino superior).

Nesse processo, relacionado a este processo de reestruturação urbana, houve também

implicações na reestruturação da cidade, considerando-se que a malha urbana de

Ituiutaba foi expandida com a implantação de vários conjuntos habitacionais. No

contexto desta cidade, adotou-se como área de estudo o recorte espacial onde se

localizam os residenciais Nova Ituiutaba I e Nova Ituiutaba III, construído na cidade

pela empresa PDCA ENGENHARIA, com recursos do Fundo de Arrendamento

Residencial - FAR, pertencente ao Programa Minha Casa Minha Vida, do Governo

Federal.

Estes residenciais foram implantados no setor sul da cidade, juntamente com

outros dois conjuntos de habitação social (Nova Ituiutaba II e IV), também implantados

a partir do mesmo período, porém, por incorporador e agente financiador distintos,

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visando atender famílias com renda de zero até três salários mínimos que não são

contempladas por outros programas. A localização destes conjuntos no extremo sul da

cidade ampliou a distância física de seus moradores em relação ao centro da cidade e as

áreas de comércio e serviços.

Diante disso, o objetivo desse estudo é analisar a implantação do PMCMV em

Ituiutaba-MG e as dinâmicas que caracterizam a produção desses residenciais, bem

como a análise da distribuição espacial dos conjuntos habitacionais Nova Ituiutaba I e

III, dando ênfase no aspecto da desigualdade socioespacial.

Para tanto, foram realizados levantamentos bibliográficos, documental,

entrevista e pesquisa em órgãos públicos como Secretaria Municipal de

Desenvolvimento Social, Secretaria Municipal de Planejamento Urbano de Ituiutaba,

Empresa PDCA Engenharia, Fundação João Pinheiro (FJP), Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE), bem como no espaço de convivência de pós-ocupação,

instalados nos conjuntos habitacionais Nova Ituiutaba I e III.

Por fim, realizamos trabalho de campo para aplicação do questionário e análise

sobre a identidade e a satisfação dos moradores, com amostras estabelecidas com base

nas quantidades de habitações ocupadas em maio de 2016. No residencial Nova

Ituiutaba I, foram pesquisadas 181 residências, de um total de 529 construídas e 328 em

uso. Nova Ituiutaba III, foram pesquisadas 186 residências, de um total de 468

construídas e 350 em uso.

ITUIUTABA (MG): OS CONJUNTOS HABITACIONAIS

De acordo com Oliveira (2003), nas décadas de 60 e 70 houve expansão

considerável de novos loteamentos urbanos, o que propiciou o desenvolvimento de

novas atividades nos diferentes setores da economia para contemplar a população que

crescia notoriamente neste período. Além disso, é importante considerar que Ituiutaba

ganhou ainda mais importância no cenário regional na década de 1980 e 1990 quando

recebeu empresas do setor comercial, agroindustrial e de serviços.

Ainda segundo o autor, o município de Ituiutaba, na década de 2010, vivenciou

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um período marcado por intensas transformações em sua paisagem urbana, sobretudo

no que concerne ao investimento e lançamento de novos produtos imobiliários,

promovendo uma verdadeira reestruturação da cidade, como por exemplo os

investimentos, tanto do governo federal como estadual, no segmento da moradia

popular, os quais redefiniram os limites urbanos.

Definido como recorte dessa pesquisa, a cidade de Ituiutaba localiza-se na

Mesorregião do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba (mapa 1). O município de Ituiutaba

possui população estimada de 103.333 habitantes, conforme os dados do IBGE, de

2015). Trata-se de um município que exerce importante papel em sua microrregião

geográfica, principalmente pelas suas atividades econômicas e por seus equipamentos

urbanos.

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Mapa 1 – Ituiutaba (MG): localização do município e área urbana

Fonte: Oliveira; Teodoro (2015).

Em Ituiutaba, a construção de habitações populares ocorreu como nas demais

cidades brasileiras, a partir de financiamento do Governo Federal, e executado pelas

construtoras, e têm provocado impactos de várias naturezas, abrangendo as questões

sociais, econômicas e espaciais (NASCIMENTO; MIYAZAKI; MELO, 2011).

No âmbito do processo de produção capitalista do espaço, Ituiutaba verifica uma

priorização das áreas do centro da cidade, ao passo que para a população mais pobre

restam as áreas periféricas. Dessa forma, surge uma organização espacial dividida entre

ricos e pobres, econômica e territorialmente definida, a partir de ações do Estado

combinados com os demais agentes produtores do espaço, determinada pela elite

detentora do capital. Assim, a ocupação urbana conduzida reproduz desequilíbrios que

adquirem feições socioespaciais e reclama pelo direito de grupos distintos ocuparem

espaços menos desiguais.

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Sobre este assunto, consideramos a perspectiva de Corrêa (1989, p.5) para quem

os agentes podem ser caracterizados como os proprietários dos meios de produção, os

proprietários fundiários, o próprio Estado e grupos sociais excluídos e os promotores

imobiliários. E de acordo com suas próprias necessidades, estes agentes, vão

modificando o ambiente no qual estão inseridos, gerando por consequência, a produção

de um espaço diferenciado. Neste contexto, tem-se a produção de um espaço urbano

marcado por desigualdades.

Em uma cidade marcada por desigualdades, a questão habitacional e o acesso à

moradia emergem como temas de extrema relevância. Maricato (1997, p.48) salienta

que a questão da problemática da habitação na esfera nacional emergiu no final do

século XIX, em decorrência principalmente do fim da mão de obra escrava, o que

consequentemente gerou a necessidade de ampliação do número de moradias no

perímetro urbano. De lá para cá, muitas coisas ocorreram no âmbito da produção da

moradia nas cidades brasileiras.

Estima-se que ocorreram nas décadas de 1940 a 1960 as primeiras intervenções

do governo federal na produção de habitações sociais, ficando a cargo dos Institutos de

Aposentadorias e Pensões (IAPs), a responsabilidade de financiar moradia, grande parte

destinada ao aluguel. Contudo, este objetivo não se firmou, ocasionando grave crise no

setor previdenciário. Nos anos subsequentes, foram criados a Fundação Casa Popular

(FCP) e o Sistema Financeiro de Habitação (SFH), sendo insuficientes para o propósito

de solução do problema habitacional no Brasil. Diante da impossibilidade da iniciativa

privada suprir tal demanda, restou ao Estado a responsabilidade, instituída anos depois

pelas políticas habitacionais.

No ano de 1996, no então governo Fernando Henrique Cardoso, foi posta em

curso a Política Nacional de Habitação (PNH), a partir da qual ficou afirmada a

necessidade da participação da iniciativa privada em conjunto com o setor público, na

produção habitacional, em razão das lacunas na área de desenvolvimento urbano.

(MARICATO, 1997, p. 36)

Em 07 de julho de 2009, foi instituído pela Lei n° 11.977 o programa

habitacional no então governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva, com o objetivo

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de criar mecanismos de produção e aquisição de novas unidades habitacionais para

famílias de baixa renda, que é considerado na atualidade um dos principais programas

para amenizar o problema habitacional no país.

De acordo com o Ministério das Cidades (2014), o programa é composto por

subprogramas, sendo estes o Programa Nacional de Habitação Urbana, Programa

Nacional de Habitação Rural, além de se fragmentar em estratos definidos a partir da

renda (0 a 3 salários mínimos; 4 a 6 salários mínimos; e 7 a 10 salários mínimos), sendo

de responsabilidades das prefeituras a disponibilização de terrenos em Zonas Especiais

de Interesses Sociais (Zeis) 4 para a construção dos empreendimentos habitacionais, pela

doação do terreno e futura entrega deste a uma construtora, após seleção e análise de

risco, para a construção dos imóveis.

Compete também às prefeituras cadastrar as famílias e apresentar as mesmas

junto ao banco financiador. Nesta perspectiva, o Governo Federal, em conjunto com a

Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e a Prefeitura Municipal, possibilitaram a

construção de 15 conjuntos habitacionais no período de 2009 a 2015, localizados em

diversos setores da cidade, por intermédio do Programa Minha Casa Minha Vida. Do

total de empreendimentos, 13 foram entregues até dezembro de 2015. O restante

encontra-se em fase de acabamento e vistorias finais (Nova Ituiutaba II e IV). Nesta

pesquisa, contemplou-se apenas os empreendimentos do PMCMV, de faixa 0 a 3

salários mínimos, com ênfase nos conjuntos habitacionais Nova Ituiutaba I e III,

entregues até dezembro de 2015. De acordo com a Fundação João Pinheiro - FJP, o

déficit habitacional em Ituiutaba era de 7379 unidades até o início do ano de 2010,

constatado em relatório da própria FJP (2010). De acordo com a Prefeitura Municipal, o

município de Ituiutaba entregou 5.728 unidades habitacionais até dezembro de 2015,

restando 800 casas para serem entregues em 2016.

4 As Zonas Especiais de Interesse Social, ou ZEIS, são áreas destinadas para a produção de habitação de interesse

social ou regularização fundiária, demarcadas no território do município, por meio da lei de zoneamento. Previsto no

art. 4º, II, da Lei Federal 6.766/79, e no Estatuto da Cidade, Lei Federal 10.257/01.

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Tais dados permitem dimensionar o impacto gerado pela implantação dos

conjuntos habitacionais do PMCMV em Ituiutaba. A título de exemplo, no Censo

Demográfico de 2010 o IBGE recenseou pouco mais de 32 mil domicílios em todo o

município de Ituiutaba. Considerando-se os dados expostos anteriormente, a construção

de 5.728 unidades habitacionais, além de mais 800 em fase de finalização, é bastante

significativa para o município, totalizando um montante de praticamente 20% da

quantidade de domicílios já existentes.

Além disso, considerando-se as análises bibliográficas já realizadas sobre a

implementação dos conjuntos habitacionais de interesse social, associadas à análise

empírica em andamento, evidencia-se que a implantação dos empreendimentos em

Ituiutaba demonstra a produção de espaços urbanos repletos de desigualdades espaciais

e contradições sociais. Especialmente no município de Ituiutaba, os impactos de tais

políticas representaram significativas mudanças na paisagem local, redefinindo os

limites da cidade, com a ampliação do perímetro urbano e valorização de determinadas

áreas ressignificadas pelo potencial imobiliário.

Ainda neste contexto, observa-se que o perfil das unidades habitacionais se

altera a partir do estrato de renda. Nota-se, por exemplo, uma combinação de

características como tamanho reduzido das unidades habitacionais, chamados

empreendimentos “econômicos”, com áreas mais baratas, distantes do centro e muitas

vezes territorialmente descontínuas à malha urbana consolidada, com o intuito de

promover taxas de ocupação máximas, em detrimento de áreas de lazer, por exemplo.

O que se observa, segundo Maricato (2011), é que os agentes empresarias

podem optar, na escolha dos terrenos, por terras não tão baratas, mas que resultem em

retorno financeiro através do aumento do preço de terras próximas aos conjuntos. Tais

estratégias se fazem presentes em Ituiutaba, o que tem levado à implantação de

conjuntos habitacionais em áreas distantes e territorialmente descontínuas do tecido

urbano já existente, ampliando as desigualdades territoriais e sociais já existentes na

cidade.

RESULTADOS PRELIMINARES

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Este texto trata de uma análise preliminar da produção de conjuntos

habitacionais, a partir de pesquisa em andamento, cujo intuito é compreender a

produção do espaço urbano por meio da política habitacional na cidade de Ituiutaba.

Parte-se da ideia de que a (re)produção contraditória do espaço urbano se faz presente

em Ituiutaba, com reflexos diretos na cidade a partir de política habitacional

disseminada no território nacional, marcada por desigualdades sociais e espaciais.

Ao considerar os dados e informações já relatados, verificamos que a política

habitacional implementada por meio do PMCMV, em Ituiutaba, não considerou

aspectos do contexto urbano local, como pode se verificar frente à dispersão territorial

da cidade, provocada pela implantação de conjuntos habitacionais em áreas distantes.

Somam-se a isso os interesses econômicos e políticos da elite local que, associados ao

capital imobiliário, influenciam na escolha das áreas que recebem tais

empreendimentos.

Conforme apurado pela pesquisa, nos dados levantados foi possível verificar a

intensificação dos processos relativos a desigualdades socioespaciais, principalmente

considerando fatores como o distanciamento entre o local de moradia anterior e a

localização dos novos conjuntos habitacionais, com impactos diretos na identidade dos

moradores e suas origens, além da insatisfação dos entrevistados com a infraestrutura

das áreas destinadas às novas moradias. Entre os elementos de insatisfação apontados

pelos moradores, destacaram-se a ausência de bens e serviços urbanos acessíveis ou de

acessibilidade reduzida, em especial, o aumento dos percursos e deslocamentos em

busca de serviços e soluções cotidianas, citados por 92% dos entrevistados.

Neste contexto, observa-se em Ituiutaba uma tendência de produção do espaço

marcada pela extensão do tecido urbano, que muitas vezes ocorre de maneira

territorialmente descontínua, além de reforçar o caráter desigual e segmentado da

cidade, fruto, inclusive, dos interesses dos agentes produtores do espaço urbano. Nota-

se que esse processo é histórico, tendo sido já observado pela ação ou omissão do

Estado e, mais recentemente, pela intensificação dos interesses imobiliários.

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De qualquer forma, pôde-se destacar dois pontos fundamentais em relação à

produção dos conjuntos habitacionais em Ituiutaba, quais sejam: melhoria das condições

de moradia, através do benefício do programa Minha Casa Minha Vida, representando a

passagem de uma realidade marcada pela ausência de segurança e de bem-estar com

relação à moradia, para uma realidade mais segura e com razoável segurança

habitacional; além da conquista material representar melhoria significativa na

autoestima dos moradores através da aquisição da moradia regularizada.

Porém, inserida em uma situação de desigualdade, demonstrado o difícil acesso

a bens e serviços disponíveis em áreas distantes da cidade, essa população deve ser

considerada em um conjunto mais amplo de políticas públicas que não se restrinjam

apenas ao acesso à moradia. É necessário que o poder público local contemple questões

ligadas às condições socioeconômicas da população, a precariedade em relação à

infraestrutura nos arredores das unidades habitacionais, o acesso a serviços públicos,

como o transporte, por exemplo. É neste contexto que se deve tratar do direito à cidade

como algo muito mais amplo, para além do acesso à moradia apenas.

Além disso, no caso dos conjuntos habitacionais recentemente produzidos em

Ituiutaba, a inserção desigual de parcela da população no espaço urbano mostra-se

reforçada, já que se localizam em áreas predominantemente residenciais, afastadas do

centro da cidade, com problemas quanto à oferta de infraestrutura urbana, comércio e

serviços.

Tomando-se como exemplo a dinâmica verificada no município de Ituiutaba,

observa-se que a implementação das políticas públicas, mais especificamente no caso

dos conjuntos habitacionais resultantes do PMCMV, tem intensificado os problemas

urbanos já existentes, ampliando-se as desigualdades.

REFERÊNCIAS

CORRÊA, Roberto Lobato. O espaço urbano. São Paulo: Ática, 1989.

______. O espaço urbano. São Paulo: Editora Ática, 2002.

______. O espaço urbano. São Paulo: Editora Ática, 2004.

FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Déficit Habitacional no Brasil 2011-2012. Belo

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