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A POESIA BRASILEIRA EM CENA:
dos temas sociais ao palco
Autora: Janete Alves Giordani1
Orientadora: Keli Cristina Pacheco2
Resumo
O presente artigo, fomentado pelo Plano de Desenvolvimento Educacional - PDE, da Secretaria de Estado de Educação do Paraná, apresenta uma discussão sobre a leitura de textos poéticos de uma forma ativa. Nessa perspectiva o leitor passa a ser concebido como produtor de sentido, ou seja, como produtor de texto. Sem abandonar a perspectiva de uma leitura crítica que leve em conta o contexto de produção da poesia, porém não se limitando a este, acreditamos que a literatura pode e deve ser trabalhada de forma livre e espontânea, oportunizando aos alunos dialogar ou a atribuir sentido ao texto de acordo com suas leituras de mundo ou vivências sociais e culturais. Tal perspectiva propõe que as aulas de leitura superem as atividades rotineiras de interpretação, as quais muitas vezes conduzem o processo interpretativo, desconsiderando a voz do leitor/aluno. Para o desenvolvimento do projeto, realizamos a leitura de poesias de cunho social, mediada pela atividade teatral, a qual conduziu os educandos, do Curso de Formação de Docentes Colégio Estadual Arnaldo Busato (CEAB), ao aperfeiçoamento e fluidez da leitura e da reescrita das mesmas, bem como ao estímulo das possibilidades intelectuais, ao desenvolvimento da sensibilidade, do senso crítico e artístico, da sociabilidade e trabalho coletivo. Dessa forma, este estudo apresenta proposta a qual o teatro figura como um recurso pedagógico de leitura de poesia para a sala de aula, com o objetivo de despertar nos alunos/as o gosto pela leitura de poemas, além de ensejar a formação de leitores competentes e críticos a partir de uma perspectiva interdisciplinar.
Palavras-chave: Literatura; Poesia; Leitura; Teatro.
1 Professora da Rede Estadual de Educação do Estado do Paraná, participante do PDE 2009 -
Programa de Desenvolvimento de Educação, criado com base na Lei n° 9.394/1996, na Lei n° 10.172/2001, na Lei Complementar n° 103/2004 e no Decreto n° 4.482/2005. E-mail: [email protected] 2 Doutora em Literatura pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), foi professora
colaboradora na UNICENTRO entre 2010 e 2012. Atualmente é professora adjunta do Departamento de Letras, na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). E-mail: [email protected]
Abstract
This article, fostered by the Educational Development Plan - PDE, the State Department of Education of Parana, presents a discussion about reading poetic texts of an active form. From this perspective the reader is being designed as a producer of meaning, ie as a producer of text. Without abandoning the prospect of a critical reading that takes into account the context of production of poetry, but not limited to this, we believe that literature can and should be handled in a free and spontaneous, providing opportunities for students to discuss or assign meaning to text according to their perceptions of the world or social and cultural experiences. This perspective suggests that the reading classes beyond the routine activities of interpretation, which often lead the interpretive process, ignoring the voice of the reader / student. To develop the project, we conducted a poetry reading in the social, mediated by the theater industry, which led the students, the School of Teacher Training College State Arnaldo Busato (BEAC), developing and fluency of reading and rewriting of same, and the stimulation of intellectual possibilities, the development of sensitive, critical and artistic sense, sociability and collective work. Therefore, this study presents a proposal which the theater stands as an educational resource for reading poetry to the classroom in order to awaken in students / the taste for poetry readings, as well as give rise to the formation of competent readers and critics from an interdisciplinary perspective.
Key-words: Literature; Poetry; Reading; Theatre.
1 Introdução
Tendo em vista que as Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa para a
Educação Básica (PARANÁ, 2007, p. 12) ensejam uma nova abordagem para o
ensino de Língua e Literatura, no Ensino Médio, ao conceberem: A) o ensino de
Língua e Literatura como um processo dinâmico e histórico dos agentes na
interação verbal tanto na constituição social da linguagem quanto dos sujeitos que
por meio dela interagem (BAKHTIN, 1997); B) o texto como lugar onde os
participantes da interação dialógica se constroem e são construídos; C) que a
reflexão com e sobre a língua implica considerar, como ponto de partida, a
dimensão dialógica da linguagem, presente em atividades que possibilitem, aos
alunos e professores, experiências reais de uso da língua materna; D) que os
conceitos de texto e de leitura não se restringem à linguagem escrita, mas abarcam
outras linguagens criadas pelo homem (FARACO, 2002, p.101 apud PARANÁ, 2007,
p. 14); E) que as práticas da linguagem, como fenômeno de uma interlocução viva,
perpassam todas as áreas do agir humano, possibilitando, na escola, o
desenvolvimento da perspectiva de um trabalho interdisciplinar; F) que a importância
da Literatura para “trazer sabor ao saber, faz girar os saberes, não fixa, não fetichiza
nenhum deles”. [...]. E, nesse sentido, “a literatura não diz que sabe alguma coisa,
mas que sabe de alguma coisa; ou melhor: que ela sabe algo das coisas – que sabe
muito dos homens” (BARTHES, 1989, p.19 apud PARANÁ, 2007, p. 15), este projeto
“A Poesia brasileira em cena: dos temas sociais ao palco” propôs oportunizar aos
alunos/as do Curso de Formação de Docentes Colégio Estadual Arnaldo Busato
(CEAB), numa perspectiva inovadora e interdisciplinar, o contato com a Literatura
aliada a diversas outras linguagens e textos, tais como: teatro, música popular
brasileira, performance, entre outros - no intuito de entender o ponto comum entre
eles e as especificidades de cada um deles, preparando-o para uma leitura mais
ampla e mais crítica do mundo que os cerca, tendo em vista que, infelizmente, a
tradição da leitura literária na escola, em especial a leitura de poemas, tem,
historicamente, aprisionado o autor e o leitor, pois em alguns casos, os livros
trazem fragmentos de textos maiores que não dão conta de sua complexidade e de
seu valor estético, tirando a oportunidade de o aluno perceber a leitura do texto
literário, especificamente a leitura de poesias. Enfim, o que se vê ainda, em algumas
aulas, é uma literatura descontextualizada, sem análise crítica e que sequer
estabelece relação com outras áreas da linguagem, deixando de explorar seus
aspectos lúdicos, estéticos, linguísticos e sociais.
Sob essa ótica, e seguindo-se os fundamentos e as orientações das
Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa para a Educação, objetivou-se com
este trabalho proporcionar aos alunos, do Curso de Formação de Docentes, o
estudo do gênero poesia de alguns consagrados poetas da literatura brasileira,
dando enfoque às poesias de cunho social, dos diferentes estilos literários,
promovendo a partir desse, a construção de um outro texto poético. Para tal,
figurou-se o teatro, entendido como um recurso pedagógico para a sala de aula,
com o objetivo de, em uma primeira etapa, despertar no aluno o interesse pela
leitura e, em outra, promovê-lo a leitor competente e crítico dos diversos textos
presentes no meio social em que está inserido.
Para a implementação do projeto em sala de aula foram selecionadas,
inicialmente, algumas poesias compostas por temas sociais. Buscamos,
posteriormente, ressaltar a diferença entre poesia clássica e poesia moderna,
partindo de pressupostos teóricos de Roland Barthes, o que pode revelar um modo
diferente de operação da linguagem. Uma mais social, tanto na forma quanto no
conteúdo; e outra, em que observamos uma crítica social à própria linguagem que
constitui a sociedade. Após estudos em sala de aula das poesias selecionadas,
propomos a reescrita das mesmas e realização de ensaios, e por fim, promovemos
a circulação da apresentação teatral no espaço escolar, por meio de um Sarau
Literário.
Assim, temos como foco, nas reflexões ora apresentadas, a implementação
de tal projeto pautada no uso de jogos dramáticos, como meio de preparar o aluno,
na escola, para ler com maior proficiência as poesias, integrando-as às outras
linguagens (neste caso, ao teatro), criando condições para a percepção do fazer
artístico, no qual ler pressupõe também uma compreensão responsiva, o que
implica reagir ao texto, dar-lhe uma resposta, concordando com ele, ou discordando;
rindo dele, emocionando-se com ele, aplaudindo-o, assimilando-o. De certa forma,
ler para posteriormente encenar é um modo de reescrever, uma vez que ler,
segundo Barthes (1992), é produzir sentido, neste passo, a encenação passa a ser
compreendida como um ato de ressignificar o sentido. Portanto, concordamos com
Barthes (1992), pois concebemos o leitor como um produtor de texto, sendo que
esta produção segunda, a encenação da poesia, propõe uma série de aberturas e
pluralidades, pois não fecha a leitura em um sentido fixo.
Nessa perspectiva, este trabalho apresenta proposta na qual o teatro figura
como um recurso pedagógico para a sala de aula, com o objetivo de, em uma
primeira etapa, despertar no aluno o interesse pela leitura e em outra promovê-lo a
leitor competente e crítico dos diversos textos presentes no meio social em que está
inserido.
Para a aplicação do mesmo efetivamos um trabalho transdisciplinar junto às
disciplinas de Educação Física, Arte e Metodologia do Ensino de Arte, articulando
assim o discurso literário com as diferentes manifestações artísticas, atentando para
as necessidades e interesse dos alunos.
2 Referencial teórico
De acordo com as Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Paraná,
nos anos 70, o ensino de Literatura restringiu-se, ao chamado segundo grau, às
abordagens estruturalistas e/ou historiográficas do texto literário. Na análise do texto
poético, por exemplo, adotava-se o método francês, isto é, propunha-se a análise do
texto conforme as estruturas formais: rimas, escansão de versos, ritmo, estrofes,
etc. Cabia ao professor à condução da análise literária, e aos alunos, a condição de
meros ouvintes.
A historiografia literária, que ainda hoje resiste em algumas salas de aula,
direcionava e limitava as leituras dos alunos. Em muitos casos eram interpretações
dos professores e/ou dos livros didáticos, desconsiderando o papel ativo do aluno
no processo de leitura e, em outros, os textos eram levados para sala como pretexto
para se ensinar gramática.
Segundo Barthes (2007), literatura não é um corpo ou uma sequência de
obras, nem mesmo um setor de comércio ou de ensino, mas o grafo complexo das
pegadas de uma prática: a prática de escrever, visando essencialmente o texto,
tecido dos significantes que a constitui, porque o texto é o próprio aflorar da língua,
e porque é no interior da língua que a língua deve ser combatida, desviada: não pela
mensagem de que ela é o instrumento, mas pelo jogo das palavras de que ela é o
teatro.
As forças de liberdade que residem na literatura não dependem de pessoa
civil, do engajamento político do escritor, nem mesmo do conteúdo doutrinal de sua
obra, mas do trabalho de deslocamento que ele exerce sobre a língua.
É preciso reabilitar a leitura literária no espaço escolar. Trata-se de uma
tarefa de construção de novas formas de lidar com a literatura e de desconstrução
de regras que muitos professores insistem ainda em utilizar em sua prática. Regras
estas que se limitam ao ensino das escolas e dos gêneros literários, sem mencionar
às fichas de leitura e às velhas atividades de compreensão e interpretação que
incluem comentários sobre a biografia do autor e o enredo de narrativas e/ou
paráfrase de poesias.
Por mais que Parâmetros e Diretrizes Curriculares preguem que o ensino-
aprendizagem da Língua Portuguesa deva pautar-se num movimento de
interlocução, cujo eixo diretivo é o texto, travestido em diferentes gêneros textuais,
portanto inclui-se a poesia, ela é ainda um mito em nossas salas de aula, o que nos
permite assinalar certa resistência em se ler, interpretar, criar e recriar poemas.
Sendo assim, é tarefa da escola e do professor formar leitores capazes de
compreenderem e ressignificarem os textos escritos e os pensamentos produzidos
por histórias coletivas. Despertar no aluno o gosto pelo texto literário significa
favorecer-lhe o contato com diferentes olhares e entendimentos acerca da
realidade, e submetê-lo ao poder transformador da literatura, pois a leitura desperta
o espírito crítico, que é a chave de uma cidadania ativa.
Para Michel de Certeau: “Ler é estar em outro lugar, ali onde ele não está,
em outro mundo [...] é criar cantos de sobra e de noite em uma experiência
submetida à transparência tecnocrática” (CERTEAU apud PETIT, 2008, p. 40).
O autor tinha ainda uma fórmula para evocar a liberdade do leitor: “Os
leitores são viajantes; circulam em terras alheias; são nômades que caçam
furtivamente em campos que não escreveram” (CERTEAU apud PETIT, 2008, p.
27).
Como afirmamos acima, o leitor não é passivo, ele opera um trabalho
produtivo, ele reescreve, altera o sentido, faz o que bem entende, distorce,
reemprega, introduz variantes. Deixa de lado os usos corretos, mas ele também é
transformado: encontra algo que não sabe nunca aonde isso poderá levá-lo.
Nesse sentido, Chamoiseau expressa ”mesmo que a leitura não faça de nós
escritores, ela pode, por um mecanismo parecido, nos tornar mais aptos a enunciar
nossas próprias palavras, nosso próprio texto, e a ser mais autores de nossas vidas”
(CHAMOISEAU apud PETIT, 2008, p. 36).
Nessa leitura, o escritor e o leitor constroem-se um ao outro; o leitor desloca
a obra do escritor, e o escritor desloca o leitor, às vezes revelando nele um outro,
diferente do que acreditava ser.
Já na leitura de obras literárias o escritor faz um trabalho de alteração da
língua. É o que diz Barthes, que destacava a profunda ligação entre língua e poder:
“a linguagem é uma legislação”, ou melhor: “Assim que ela é proferida, seja na
intimidade mais profunda do sujeito, a língua entra a serviço de um poder”
(BARTHES apud PETIT, 2008, p.37).
Às vezes, a leitura nos dá apoio de uma definição, de uma forma, de uma
ordenação. Sentimos que existe, em alguns textos escritos por escritores, um pouco
mais de verdade que em outras formas de expressão linguística, pois o escritor
quebra estereótipos, renova a linguagem, caça os clichês...
Portanto, ler possibilita abrir-se para o outro, não é somente pelas formas de
sociabilidade e pelas conversas que se tecem em tornos das leituras, mas também
pelo fato de que ao experimentar o contato com o texto, tanto sua verdade mais
íntima como a humanidade compartilhada, a relação com o próximo também se
transforma. Ler não isola do mundo. Ler reintroduz o leitor no mundo de forma
diferente (PETIT, 2008, p.43).
Ler é, portanto, a oportunidade de encontrar um tempo para si mesmo, de
forma discreta, tempo de imaginar outras possibilidades e reforçar o espírito crítico,
de obter uma certa distância, um certo “jogo” em relação aos modos de pensar e
viver de seus próximos.
Através da leitura nos tornamos um pouco mais agentes de nossas vidas,
encontrar uma margem para observar o jogo no xadrez da sociedade proporciona-
nos uma distância crítica, uma compreensão de si mesmo, do outro, e do mundo. Ao
mesmo tempo, pode-se encontrar um lugar em mundo, em uma sociedade que
transformamos um pouco, onde temos nossa parte, onde nos inscrevemos.
A leitura é um meio para se ter acesso ao saber, aos conhecimentos formais
e, sendo assim, pode modificar as linhas de nosso destino escolar, profissional e
social. É um caminho privilegiado para se construir, se pensar, dar um sentido à
própria experiência, à própria vida; para dar voz a seu sofrimento, dar forma aos
desejos e sonhos.
Lembramos também como os poetas ajudaram a “sustentar” naqueles que
se encontravam sob sofrimentos extremos; podemos evocar todos aqueles que, na
dor, mantiveram a dignidade recitando versos. Do papel que estas palavras
representaram para tantas pessoas, nos campos de concentração, durante a
Segunda Guerra Mundial.
Joseph Conrad dizia que o autor escreve apenas a metade de um livro, a
outra metade fica por conta do leitor (CONRAD apud CASA NOVA, 2007, p.3). A
cada leitura de um poema, torno-me poeta: essa é a minha parte na leitura. É o
momento do vazio que me incita à procura. Mas “o verdadeiro leitor não recria o
livro, está disposto a retornar, por um impulso insensível, as diversas prefigurações
que foram as suas e que o tornaram como que presente, de antemão, na
experiência aventurosa do livro” (BLANCHOT, 1987, p. 203). A cada leitura um outro
processo se instala.
Tentemos compreender o que diz Barthes:
O autor que vem de seu texto e vai para dentro da nossa vida não tem unidade: é um simples plural de encantos, o lugar de alguns pormenores tênues, fonte, entretanto de vivos lampejos romanescos, um canto descontínuo de amabilidades, em que lemos apesar de tudo a morte com muito mais certeza do que na epopeia de um destino: não é uma pessoa (civil ou moral), é um corpo. (BARTHES, 1982, p.11).
De um corpo a outro corpo, o do leitor, que também é um texto, na medida
em que é tecido pela cultura. Com sua história, repertório, conhecimento, é capaz
de ler, significar. Esse leitor tem direitos, como aqueles que Pennac nos enumera
em seu livro Como um romance:
‘O direito de não ler’; ‘o direito de saltar páginas’; ‘o direito de reler’; ‘o direito de ler em voz alta’. Enfim, o direito à liberdade de troca, a liberdade do desejo, pois o poema não nos dá respostas às perguntas que fazemos a ele (PENNAC, 1993, p.118).
A leitura do texto poético adquire sua expressão maior numa mudança
radical em que o deslocamento, o descentramento da figura do autor, passando
para o texto e para o leitor, deixa a circulação e produção de sentidos acontecerem.
O texto é produto de um trabalho (poiesis)3 de criação, gerador de sentidos. A tônica
é a diferença entre significação e significância. A significação de um poema designa
o sentido enquanto uma unidade (sólida, que não admite variação) e a significância
como sendo dinâmica, ou seja, um regime de sentidos que não se fecha e
sensualmente é sentida.
Enfim, diversas vias são abertas no ato de criar um poema. Vozes de dentro
e de fora, silêncios, ruídos variados, na multiplicidade de registros sonoros ou nas
inúmeras possibilidades da imagem da letra em poemas visuais que constroem
ritmos audíveis e imagéticos. Cabe ao leitor o prazer da descoberta desse universo
que é o poema. Em qualquer suporte (meio) que o poema se dá a ler, ao leitor cabe
ir e vir dentro e fora da linguagem instaurando seu lugar.
Mas ainda cabe uma pergunta: para que a poesia seria hoje necessária?
O texto poético é visto por muitos como um gênero difícil de ser trabalhado e
muito raramente proposto em sala de aula. Portanto, é importante que se propicie
3 Palavra de origem grega, significou inicialmente criação, ação, confecção, fabricação; terminou por significar arte da poesia e faculdade poética. (DICIONÁRIO WEB). Disponível em: <www.dicionarioweb.com.br/poíeses.html>.
juntamente com os textos que circulam socialmente, o texto poético, uma vez que é
na escola que talvez muitos tenham única oportunidade de contato.
A poesia presente na sala de aula pode também representar uma poderosa
estratégia para desenvolver a sensibilidade, a criatividade, a autonomia e a
autoestima. O trabalho com o texto poético - ler, interpretar, criar, recriar - abre
espaço para que o aluno se expresse com maior liberdade, contribuindo para
melhorar-se enquanto leitor, enquanto escritor e enquanto ser humano.
Acredita-se ainda que a utilização de texto poético seja um importante
instrumento no ensino de leitura porque atrai o leitor para aspectos relacionados
tanto à forma quanto ao conteúdo do texto, com a finalidade de um processamento
mais eficiente de construção de sentido. Além disso, o uso do poema, graças ao seu
caráter “aberto”, abre espaço para a expressão da subjetividade, para possibilidades
de significação durante o processo interpretativo, favorecendo uma prática interativa
e colaborativa, estimulante e motivadora na construção do sentido.
Durante milênios, e certamente muito antes da invenção da escrita, a poesia
habitou entre os homens para seu encantamento e consolo. Identificando-se com a
linguagem dos primeiros homens, a poesia lhes deu o abrigo da memória, os tons e
as modulações do afeto, o jogo da imaginação e o estímulo para refletir, às vezes
agir.
Embora poucos sejam os que duvidem do “desencantamento do mundo”,
ainda há quem sinta a magia de um verso musical, o esplendor de uma imagem
luminosa ou a melancolia do poema que fale de um bem para sempre perdido. De
acordo com Bosi (2000, p.260) “a poesia sobreviveria não só no ato de ressignificar
e, não raro, reencantar pessoas, coisas e eventos, mas também a recolher-se em si
mesma, a palavra que se desdobra sobre a palavra.” E ainda:
A poesia é ainda nossa melhor parceira para exprimir o outro e representar o mundo. Ela o faz aliando num só lance verbal sentimento e memória, figura e som. Momento breve que diz sensivelmente o que páginas e páginas de psicólogos e sociólogos buscam expor e provar às vezes pesadamente mediante o uso de tipologias (BOSI, 2000, p.272).
Segundo Candido:
As produções literárias, de todos os tipos e todos os níveis, satisfazem necessidades básicas do ser humano que enriquece a nossa percepção e nossa visão de mundo. A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante (CANDIDO, 1995, p. 248).
Candido exemplifica tal teoria com o poema abolicionista de Castro Alves, o
qual atua pela eficiência da sua organização formal, pela qualidade do sentimento
que exprime, mas também pela natureza da sua posição política e humanitária.
Sendo assim, a literatura satisfaz, em outro nível, a necessidade de conhecer os
sentimentos e a sociedade, ajudando-nos a tomar posição em face deles.
É aí que se situa a “literatura social”, na qual pensamos quase
exclusivamente quando se trata de uma realidade tão política e humanitária quanto
os direitos humanos, que partem de uma análise do universo social (CÂNDIDO,
1995, p.249).
Desse modo, a poesia seria hoje, particularmente, bem-vinda porque o
mundo no qual ela precisa subsistir tornou-se atravancado de objetos, atulhado de
imagens, aturdido de informações, submerso em palavras, sinais e ruídos de toda
sorte.
A poesia devolveu corpo e alma, forma e nome, ao que a máquina social já
dera por perdido. A poesia dá voz à existência simultânea, aos tempos do Tempo,
que ela invoca, evoca, provoca.
A leitura de qualquer texto, assim como a de textos poéticos, deve ser algo
prazeroso, que dê oportunidades de viajar pelo tempo e construir conhecimentos e
possibilidades de discernir e compreender melhor o mundo, os tempos passado,
presente e futuro.
Diante de tais colocações, compreendemos a necessidade de se estudar
este gênero literário na escola, buscando uma forma mais eficiente de se trabalhar
com poemas em sala de aula, sobrelevando, notadamente, a leitura em uma
perspectiva interativa, em que o aluno/leitor é convidado a participar da construção
do sentido do texto, atribuindo-lhe significações de acordo com seu horizonte de
experiências.
De acordo com as DCEs, para leitura de textos poéticos, o professor deve
estimular nos alunos a sensibilidade estética, fazendo uso, para isso, de um
instrumento imprescindível e, sem dúvida, eficaz: a leitura expressiva. O modo como
o docente proceder à leitura do texto poético poderá tanto despertar o gosto pelo
poema como a falta de interesse pelo mesmo. Assim, antes de apresentá-lo aos
educandos, o professor deve estudar, apreciar, interpretar, enfim, fruir o poema.
A Literatura, como toda arte, é a expressão do próprio homem. Como
expressão humana, conduz ao autoconhecimento e por sua natureza ficcional, à
imaginação. Num mundo tão conturbado como o nosso, a literatura é o espaço da
criação, da liberdade de pensar, retirando a criatura da escravidão de pensamentos,
da passividade própria de uma sociedade dominadora. Ela desenvolve a criatividade
humana, leva a refletir sobre o indivíduo e sua comunidade.
O texto literário deve ser discutido e analisado por professores e alunos,
numa relação de diálogo, trocas e respeito à fala e à voz do aluno, bem como às
suas leituras anteriores.
É importante que o professor trabalhe com seus alunos as estruturas de
apelo, demonstrando a eles que não é qualquer interpretação que cabe à literatura,
mas aquelas que o texto permite. Há poemas em que desconsiderar a leitura do
ritmo significa comprometer a interpretação e a compreensão, assim como há
poemas em que esse recurso não é tão relevante. Há poemas em que a escolha
lexical é o que faz a diferença, outros, ainda, em que a pontuação é carregada de
significação. Há poemas em que informações como as condições de produção, o
contexto histórico-cultural fariam falta para a sua compreensão, outros nem tanto, o
poema responde por si só.
Cabe ao professor, portanto, observar quais recursos de construção do
poema devem ser considerados para a leitura e, como mediador do processo,
contribuir para que os discentes sejam capazes de identificá-los e, sobretudo,
permitir a eles que efetivem a experiência de ler o texto poético em toda a sua gama
de possibilidades (PARANÁ, 2007, p.76).
Dentre tantos princípios que orientam o estudo de literatura, o professor
poderá utilizar-se de um arsenal básico como prática pedagógica, o trabalho
interdisciplinar: Literatura e Arte, Literatura e História e outras, estabelecendo a
fusão de dois elementos artísticos distintos (textos poéticos e espetáculo teatral) que
buscam articular a linguagem cênica com a poesia, pois sabemos que muitos
espetáculos teatrais, até mesmo os contemporâneos, têm sido concebidos a partir
de obras poéticas de vários autores.
A Literatura, como expressão humana, conduz ao autoconhecimento e, por
sua natureza ficcional, à imaginação. Num mundo tão conturbado como o nosso, a
literatura é o espaço da criação, da liberdade de pensar, retirando a criatura da
escravidão de pensamentos, da passividade própria de uma sociedade dominadora.
Ela desenvolve a criatividade humana, leva a refletir sobre o indivíduo e a
sociedade.
Para Garcia (2006, p.172):
A Literatura resulta o que precisa ser redefinido na escola: a Literatura no ensino pode ser somente um corpo expansivo, não-orgânico, aberto aos acontecimentos a que os processos de leitura não cessam de forçá-la. Se não for assim, o que há é o fechamento do campo da leitura pela via do enquadramento do texto lido a meros esquemas classificatórios, de natureza estrutural (gramática dos gêneros) ou temporal (estilos de época).
Sendo assim, a literatura trabalhada de forma livre e criativa, mediada pela
atividade teatral, aproveitando seu permanente diálogo com outras artes como a
música e dança, proporcionará aos alunos um contato mais expansivo e envolvente
com a literatura, fazendo com que interajam com a mesma, construindo
conhecimentos e desenvolvendo uma abertura aos acontecimentos que, como
vimos, são próprios e constitutivos ao ato de ler.
2.1 Poesia clássica e poesia moderna
Para Barthes (2007, p.141), a prosa e a poesia são grandezas, a diferença
entre elas é mensurável; não estão nem mais nem menos distantes do que dois
números, próximos como eles, mas distintas pela própria diferença de quantidade.
Ainda para o autor, com relação à linguagem, considerada um dogma
clássico, há diversas maneiras de falar conforme as ocasiões sociais: ora prosa e
eloquência, ora poesia ou preciosismo, mas sempre uma linguagem única refletidas
pelas categorias eternas do espírito (BARTHES, 2007).
A poesia clássica era sentida apenas como uma variação ornamental da
prosa, o fruto de uma arte, de uma técnica, nunca como uma linguagem diferente ou
como um produto de uma sensibilidade particular, uma equação decorativa,
carregada de uma prosa virtual. Sem nenhum sentimento, coerência, mas somente
a inflexão de uma técnica verbal; expressão segundo regras mais belas, portanto
uma fala socializada pela própria evidência de sua convenção.
A função do poeta clássico não é, portanto, encontrar palavras novas, mais
densas ou mais brilhantes, mas ordenar um protocolo antigo, aperfeiçoar a simetria
ou a concisão de uma relação, levar ou reduzir um pensamento ao limite exato de
um metro. A linguagem clássica é portadora de euforia por ser uma linguagem
imediatamente social. Ainda segundo Barthes:
[...] a linguagem clássica se reduz sempre a um contínuo persuasivo, postula o diálogo, institui um universo onde os homens não estão sós, onde as palavras têm o peso visível das coisas, onde a fala é sempre encontro com outrem. A linguagem clássica é portadora de euforia por ser uma linguagem imediatamente social (BARTHES, 2007, p. 144).
Dessa estrutura, nada resta na poesia moderna. A poesia moderna não é
mais uma prosa decorada, amputada de liberdade. É qualidade irredutível e sem
hereditariedade; é substância a qual renuncia os signos e traz em si sua natureza e
não precisa assinalar exteriormente sua identidade: as linguagens poéticas e
prosaicas estão suficientemente separadas.
Na poética moderna as palavras emanam mais significados; o pensamento
se instala pelo acaso das palavras, com maior intenção. A palavra explode acima de
uma linha de relações esvaziadas; a gramática fica desprovida de sua finalidade,
torna-se prosódia. Assim, para Barthes, ”[...] sob cada palavra da poesia moderna,
jaz uma espécie de geologia existencial, onde se reúne o conteúdo total do Nome, e
não mais seu conteúdo eletivo como na prosa e na poesia clássica” (BARTHES,
2007, p.141).
Partindo desses pressupostos teóricos que Roland Barthes faz entre poesia
clássica e poesia moderna é que se propõe a exploração da poesia social,
estabelecendo um paralelo das escolas literárias, desde o Barroco até o
Modernismo, visando a um tempo só, uma leitura prazerosa e significativa das
poesias clássicas tanto quanto das poesias modernas. Acredita-se que o estudo do
texto poético seja um importante instrumento no ensino de leitura porque chama a
atenção do leitor para aspectos relacionados tanto à forma, quanto ao conteúdo do
texto.
A leitura de poesias clássicas e modernas, bem como a reescrita das
mesmas direcionadas para a encenação, pode abrir espaço para que o aluno se
expresse com maior liberdade (desprendendo-se das regras e convenções),
contribuindo de maneira significativa para enriquecê-lo como ser humano, além de
possibilitar a ele uma leitura que leve em conta a pluralização dos significados
durante o processo interpretativo.
Acrescenta-se ainda, que o objetivo deste trabalho com poesias é priorizar
esse gênero literário de forma mais eficiente para que possa circular e ser difundido
socialmente no espaço escolar, deixando de enfatizar o estudo cronológico,
historicamente mecânico, das escolas literárias ou apenas a ilustração das
características das escolas, procedimento comum nos livros didáticos. Optamos,
assim, por um estudo que leve em conta as diferenças entre a poesia clássica e
moderna, tal como define Barth com a intenção de possibilitar a expansão do
conhecimento desta linguagem, através do exercício da reescrita, da ressignificação,
através da encenação no palco.
3 Da reflexão teórica à implementação de uma proposta
“Se teus projetos são para um ano, semeia o grão. Se são para dez anos, planta uma árvore.
Se são para cem anos, instrua o povo. Semeando uma vez o grão, colherás uma vez;
Plantando uma árvore, colherás cem vezes. Se deres um peixe a um homem – ele comerá uma vez;
Se, porém, o ensinares a pescar – ele comerá a vida inteira” Kuan Tzu – sábio chinês – séc VII a. C.
As atividades do PDE, mediante encontros de leituras, reflexões, análises,
pesquisa e seleção de referencial teórico-metodológico, seminários, debates, tutoria
on-line de Grupo de Trabalho em Rede (GTR), promovidos pela SEED, em parceria
com as Instituições de Ensino Superior (IES), visavam a que o professor
desenvolvesse no espaço escolar uma prática pedagógica inovadora, em processo
de formação continuada.
Após a escolha da metodologia, esse estudo constituiu-se na elaboração de
um Projeto Inicial, para delimitar o processo de aplicação. A próxima fase constou da
elaboração da Unidade Didática, que serviu como plano de aula para nortear a
Intervenção. Concomitantemente, destacou-se outra ação de igual importância que
foi o Grupo de Trabalho (GTR). Iniciado no segundo semestre de 2011 que contou
com a participação on line de professores de diferentes regiões da rede pública das
escolas do Estado do Paraná. Essa ação proporcionou uma apropriação de
conhecimentos sobre as tecnologias educacionais disponíveis através do trabalho
desenvolvidos pelos professores da rede e pela professora PDE (2010). Os
cursistas participaram de forma efetiva, interagindo entre si e auxiliando com
sugestões e opiniões no processo de implementação do Material Didático.
A Unidade Didática foi aplicada no 2° semestre do ano letivo de 2011, como
Projeto de Intervenção aos alunos/as do Curso de Formação de Docentes do
Colégio Estadual Arnaldo Busato (CEAB), da cidade Coronel Vivida - PR, na
disciplina de Língua Portuguesa, culminado em um trabalho conjunto com as
disciplinas de Artes, Educação Física e Metodologia do Ensino de Arte (disciplina
específica do curso), articulando assim, o discurso literário com as diferentes
manifestações artísticas, atentando para as necessidades e interesse dos alunos.
Apoiando-se pelo referencial teórico registrado, buscou-se proporcionar aos
alunos experiências significativas de leitura de poesias, promovendo a encenação
dos textos poéticos selecionados, uma vez que o teatro é, sem dúvida, um dos
grandes recursos pedagógicos, basta o professor adequá-lo às possibilidades e
condições de desenvolvimento dos alunos e dos objetivos educacionais.
O material didático aplicado foi desenvolvido por unidades, sendo que cada
unidade foi aplicada para cada uma das quatro séries do Curso de Formação de
Docentes, mas que aconteceram concomitantemente, constituindo-se basicamente
de:
3.1 Contato inicial – motivação
Inicialmente reuniu-se os(as) alunos(as) do 1º ao 4º ano do Curso de
Formação de Docentes para a apresentação do projeto a ser desenvolvido,
averiguando o interesse dos mesmos por poesia. Ao mesmo tempo, falou-se um
pouco sobre poesia social e teatro, para que se sentissem motivados a participar
com entusiasmo, interesse e responsabilidade de todas as atividades propostas. Ao
final foi reproduzido um pequeno vídeo (Menestrel), com duração de 10 minutos.
Também foi entregue um questionário de investigação para levantamento de dados,
tais como: interesse pela leitura de poesias, quais alunos possuíam habilidades
artísticas como teatro, canto, instrumentos musicais, dramatização, encenação,
declamação. Nesse encontro estavam presentes os professores do curso das
disciplinas de Arte, Educação Física e Metodologia do Ensino de Arte.
A partir dessas atividades, houve a seleção dos interessados em participar
do projeto, considerando-se os seguintes critérios: o gosto pela poesia, o desejo de
participar efetivamente do projeto, a disponibilidade de tempo em horários contrários
aos de aula e o empenho em cumprir com responsabilidade as atividades propostas.
Partindo de tal investigação, procurou-se proporcionar atividades de leitura
que acionassem o leitor/aluno, atreladas todas as suas habilidades artísticas. Para
isso, foram desenvolvidas práticas diversificadas e criativas referentes ao conteúdo,
leitura das poesias, dramatização, declamação, encenação, jogral, reprodução
musical, declamação, e recriação das poesias estudadas.
3.2 Oficinas de leitura
3.2.1 Unidade I - encenação de poesias
Um dos poemas selecionados na primeira unidade, e trabalhado junto ao 3º
ano, foi “O navio negreiro”, de Castro Alves, pois foi o primeiro e grande poeta social
brasileiro que, como poucos , soube conciliar as ideias de reforma social com os
procedimentos específicos da poesia, voltando-se para a arte engajada, isto é, arte
com o compromisso de interferir politicamente no processo social, retratando a
escravidão dos negros, a opressão e a ignorância do povo brasileiro. Primeiramente,
questionou-se se os alunos já conheciam ou se já haviam lido o poema. Em
seguida, distribuíram-se trechos do poema e comentou-se sobre o tom exaltado do
poema. Na sequência, utilizando a TV pendrive, fez-se uma amostra do poema na
íntegra, composto de seis partes. Na aula seguinte, os alunos dirigiram-se até o
laboratório de informática para pesquisar sobre o poeta Castro Alves. Para maior
motivação do trabalho, ouviu-se a música do CD Livro (1998), do baiano Caetano
Veloso, cantado em ritmo de Rap, juntamente com Maria Betânia. Para uma
compreensão mais aprofundada do poema em estudo, assistiram-se trechos do
filme Amistad, do diretor Steven Spielberg, baseado em fatos verídicos. O filme
conta a saga de dezenas de africanos que a bordo de um navio negreiro espanhol
chamado “La Amistad” conseguem matar a maioria dos tripulantes e obrigam os
sobreviventes a levá-los de volta para casa na África.
Os africanos são enganados pelos tripulantes, desembarcando nos Estados
Unidos, onde são presos, sendo privados de suas liberdade sem o devido processo
legal, e levados a julgamento por assassinato.
Assim começa um longo e controverso processo.
Vida, Liberdade, Igualdade, Segurança e Propriedade serão os direitos
constitucionais que identificaremos como infringidas nesse filme.
Ainda para enriquecer e aprofundar o estudo, levou-se para a sala de aula o
Cd da música “Todo Camburão Tem um Pouco de Navio Negreiro”, de Marcelo
Yuka, que dialoga com a poesia Navio Negreiro e nos faz refletir sobre a questão da
escravidão no Brasil. Na sequência, discutiu-se com os alunos sobre a letra da
música e sua relação com a poesia de Castro Alves. Percebem-se as condições
precárias de transporte dos escravos pela leitura do trecho do Navio Negreiro que foi
musicado, como também é evidente a crítica a um comportamento social negativo
por parte das autoridades policiais, da imprensa e da omissão das pessoas na
música “Todo Camburão Tem um Pouco de Navio Negreiro”.
Após o estudo da música, propôs-se então que, em grupos, os alunos
fizessem uma reescrita (intertextualidade) do poema estudado “Navio Negreiro”,
voltando-se para questões sociais vividas nesse momento pelos brasileiros. Para tal
atividade, os alunos puderam selecionar estrofes do poema de seu interesse,
finalizando com a leitura dos mesmos para a sala de aula.
Também com o objetivo de descontrair, paródias foram produzidas e
encenadas para os colegas, voltando-se sempre para a temática em estudo.
Para finalizar o estudo, as aulas seguintes foram destinadas para o ensaio
da declamação do poema. Já com os trechos selecionados em mãos, dividiu-se a
turma em equipes, distribuíram-se as estrofes para cada um e foi realizada uma
leitura oral, e posteriormente uma declamação do poema. Várias leituras diferentes
e ensaiadas foram realizadas, procurando buscar a melhor entonação, expressão
corporal, dos gestos apropriados e dos movimentos necessários. Em vários outros
momentos a turma fez outros ensaios, agora com o poema já decorado,
preparando-se então para a apresentação final, o Sarau Literário, contando com a
ajuda da professora de Educação Física, a qual atrelou a declamação a uma
coreografia acompanhada de uma música afro, momento esse de bastante
descontração e total envolvimento da turma.
3.2.2 Interdisciplinaridade - Oficina de Teatro
Não há como negar que o texto literário incentiva o imaginário, o lúdico e o
prazer; permite a reflexão e o desenvolvimento da sensibilidade estética e do senso
crítico. Pennac (1993) afirma que o professor é uma espécie de casamenteiro entre
o "livro" e o leitor e é também o responsável também pela interdisciplinaridade, na
medida em que faz incursões pelos diferentes campos do conhecimento.
Sendo assim, o teatro também é concebido como linguagem, como sistema
de representação especificamente humano e um instrumento poderoso de
comunicação, leitura e compreensão da realidade. Acredita-se que esse recurso
poderá motivar, contagiar o aluno para o prazer de ler. O teatro auxilia o estudante
no aprendizado de um determinado conteúdo ao mesmo tempo em que oferece
possibilidades de diverti-lo, afirma Reverbel (1978).
Partindo de tais pressupostos, buscou-se com esta Intervenção Pedagógica,
apresentar uma proposta na qual o teatro figura como um recurso pedagógico para
a sala de aula.
Para isso foram desenvolvidas “Oficinas de Teatro”, as quais foram
ministradas pela professora de Metodologia do Ensino de Arte do Curso de
Formação de Docentes, concomitantemente as demais atividades, articulando
assim, o discurso literário com as diferentes manifestações artísticas.
Tal proposta encontra-se baseada em propostas apresentadas nos livros:
“Metodologia do ensino de teatro”, de Ricardo Ottoni Vaz Japiassu, e “Oficina de
teatro”, de Olga Reverbel.
3.2.3 Unidade II - Leitura Dramatizada
Para o trabalho com o 2º ano, escolheu-se o poema “José”, de Carlos
Drummond de Andrade. Poeta hermético, poeta da lembrança de tempos passados,
poeta atento ao presente: o bem da verdade. Mas também é reconhecido como um
poeta popular, pois consegue manter um público fiel, por meio de uma linguagem
cotidiana, acessível a todos os níveis de leitores. Sua obra exprime os dois pontos
da problemática do homem no mundo moderno, desde os conflitos individuais do
ser até sua inserção conflituosa na sociedade. De um modo geral, a obra de Carlos
Drummond de Andrade reflete a grande importância do autor, que sintetizou em
suas diversas fases poéticas a postura do homem frente ao mundo moderno que se
apresenta, gerando a cosmovisão de um sentimento do mundo.
Sabe-se que há algumas dificuldades para ler poemas em voz alta.
Portanto, faz-se necessário desenvolvermos técnicas que ajudem os alunos no
desempenho da leitura oral. As maiores dificuldades ocorrem com os poemas
modernos. A falta de pontuação, as elipses, a ausência de uma direção de leitura,
os deixam perplexos no contato inicial com a poesia moderna.
Por outro lado, a apresentação oral de poemas exige preparação. O
professor deve primeiro sentir o poema para depois poder partilhar com os alunos. E
deve treinar para poder usar adequadamente diferentes recursos expressivos, tais
como a intensidade da voz, a pronúncia, a entoação, os silêncios e a expressão
facial, os movimentos, a postura, etc. Uma boa leitura de poemas deve ser clara e
natural. Mas, neste caso, conseguir ser natural pressupõe algum treino.
Portanto, o poema “José” é um texto que proporciona uma bela leitura oral,
até mesmo uma leitura dramatizada improvisada, em sala de aula. Ler e reler em
voz alta de modo a acertar a leitura e adequá-la à entonação, valorizar determinadas
palavras, descobrir as pausas adequadas. Um poema bastante conhecido como
“José”, se for lido com muita lentidão poderá comprometer o valor e o encantamento
que o texto realmente possui. Dessa forma, lendo o poema em voz alta, por várias
vezes, fará com que o aluno o entenda melhor. Alfredo Bosi defende que se “o leitor
conseguir dar, em voz alta, o tom justo ao poema, ele terá feito uma boa
interpretação, isto é, uma leitura “afinada” com o espírito do texto.” (2000, p.280).
Pautado nas afirmações acima, optou-se por trabalhar o poema em forma
de Jogral, distribuindo cópias do poema para a turma, dividindo-os em equipe e
lançando o desafio de criar um belo jogral, de forma a produzir uma leitura com arte
para apresentação à turma.
Outro poema selecionado nesta unidade foi “O caso do vestido”, também de
Drummond. Lembrando que para a seleção e distribuição dos poemas para as
turmas procurou-se atrelar esses ao planejamento curricular da turma.
O poema “O Caso do Vestido”, de Drummond, saiu das páginas líricas, e
acabou sendo transformado primeiramente em romance por Carlos Herculano, e
posteriormente tornou-se um argumento para roteiro do filme proposto pelo cineasta
Paulo Thiago, lançado em 2004, intitulado O Vestido.
Primeiramente, apresentou-se a declamação feita pelo próprio poeta Carlos
Drummond de Andrade que se encontra em vídeo na internet.
Essa atividade teve por objetivo envolver e motivar os alunos numa
atmosfera próxima ao do teatro, possibilitando um prévio conhecimento das
personagens que atuam no poema. Serviu então, como um exercício introdutório
(ensaio) para a representação teatral do poema.
Após leitura e estudo do poema, selecionou-se um grupo de alunos que se
interessou em encenar o poema, os quais tinham maior afinidade com o teatro. O
mesmo foi ensaiado, com muito interesse e dedicação por parte do grupo, e
apresentado durante o Sarau Literário.
3.2.4 Unidade III – Jogral
Dando sequência, concomitantemente às demais oficinas, o 1º ano ocupou-
se do estudo da poesia “A bomba”, ainda de Carlos Drummond de Andrade. A
poesia de Drummond remete às bombas atômicas lançadas sobre as cidades
japonesas de Hiroshima e Nagasaki, durante a Segunda Grande Guerra Mundial
(1939-1945). Drummond foi um dos poetas de sua geração, que em algumas
poesias, trata de temas sociais, denuncia injustiças, se preocupa com os problemas
da sociedade em que vive.
Num plano maior, sobre a ameaça nuclear, sobre todas as outras ameaças
políticas e guerreiras não se limita a tentar corrigir o mundo, pois não crê que seja
essa a missão do poeta, mas traz um jogo de sons no poema que a cada vez que se
lê um verso e se repete a palavra bomba sente-se a sonoridade da explosão que
impressiona. A palavra bomba repete-se 54 vezes, o som e a repetição faz com que
a atenção fique centralizada na sílaba bom... bom... bom... (os estrondos da
bomba). A presença da aliteração nos remete ao imaginário som de uma guerra.
À medida que o trabalho com as poesias vai acontecendo, vão surgindo
necessidades de procedimentos pedagógicos novos. Portanto, montagens teatrais
mais longas ou pequenas encenações possibilitam um corpo-a-corpo com os
poemas, com experiência de interpretação adequada que pede inúmeras leituras e
releituras.
Normalmente, alunos que participam desse tipo de atividade têm mais
possibilidade de se tornarem leitores de poesia mais assíduos. Muitos poemas
ostentam a possibilidade de inflexão, do gesto, do movimento e até da dimensão
visual, quando se trabalha com cenários.
Sendo assim, com o poema “A bomba” visou-se o jogral. Tradicionalmente,
o jogral consiste na dramatização de um trecho ou recitação de trechos de obras,
realizada com os alunos divididos em grupos de vozes. É o correspondente falado
do canto coral.
Após a reescrita do poema por parte dos alunos, organizou-se um jogral do
poema, com montagem de um jogo de vozes, indicando quando e quem deve falar.
É preciso não confundir o jogral com a simples leitura coletiva de um texto. Na
verdade, ele é uma espécie de dramatização. Por isso, convém que o texto seja
memorizado e encenado como se fosse uma peça de teatro.
Para motivação e melhor compreensão do poema, ouviu-se a música “Rosa
de Hiroxima”, de Vinicius de Moraes, acompanhada da reprodução de diversas
imagens interessantes, e até chocantes, retratando a temática do poema/música.
Para tal, contou-se também com a participação da professora de História, a
qual aceitou em retomar e explicar para a turma sobre esse contexto, aterrorizante
acontecimento, que foi o lançamento da bomba sobre as cidades de Hiroxima e
Nagazaki.
A proposta seguinte foi aproveitar os talentos musicais do Curso de
Formação de Docentes, e propor para elas(es) interpretarem a música, pois há
alunos que se destacam e dominam alguns instrumentos musicais com habilidade
para cantar.
Para finalizar, os alunos foram divididos em pequenos grupos, pesquisaram,
recortaram, colaram/montaram, desenharam e/ou pintaram cartazes que
expressassem a temática “o engajamento político-social” presentes nos poemas de
Carlos Drummond de Andrade e montaram painéis para exposição.
3.2.5 Unidade IV – Linguagem Teatral
A obra selecionada para se trabalhar com o 4º ano foi “Morte e vida
severina”. Levada ao teatro, com música de Chico Buarque de Holanda, este longo
poema social fez grande sucesso, tornando-se uma das obras mais conhecidas de
João Cabral de Melo Neto.
O poema narra a caminhada do retirante Severino desde o sertão até a
chegada a Recife. Além da denúncia dos problemas sociais do Nordeste, constitui
metaforicamente uma reflexão sobre a vida humana.
A obra carrega já em seu título, um forte jogo sintagmático, numa alusão ao
tipo de vida e de morte que pessoas sofridas como Severino tem. Sabe-se que a
palavra “severina” vem do nome próprio “Severino”. Ocorre aí uma adjetivação do
substantivo próprio, característica muito recorrente em toda a obra de João Cabral
que parece ser uma tentativa de esclarecer ao leitor a vida sofrida do protagonista a
que a morte preside.
Denominado por seu autor um “auto de Natal pernambucano”, “Morte e vida
severina” é um poema dramático; já definitivamente incorporado à sensibilidade
nacional, lido, representado, musicado e televisionado, proibido e liberado, sem
dúvida um dos pontos culminantes da poesia social brasileira.
Portanto, para despertar mais a atenção dos alunos e melhor compreensão
do poema, todos assistiram ao filme “Morte e vida severina”, baseado no poema
homônimo, com roteiro e direção de Walter Avancini. Assim, puderam apreciar, na
representação para o cinema, a fusão de tons e ritmos da poesia popular com a
densidade e a riqueza estrutural e metafórica da poesia erudita.
Após estudos de todas as poesias selecionadas, leitura, reescrita das
mesmas, dramatização, produção de paródias, encenação, declamação,
musicalização, produção de painéis, cartazes, realizaram-se vários ensaios; ou em
sala de aula, ou no horário das disciplinas afins, e até mesmo em contra-turnos.
Finalizamos então a implementação com a organização de um Sarau
Literário, acompanhado de um coquetel de confraternização, realizado no Centro
Cultural da cidade, o qual contou com o envolvimento de todos os alunos que
participaram do projeto, sendo que os demais foram convidados a assistir ao Sarau,
juntamente com os alunos Ensino Médio do Colégio em referência. Os mesmos
tiveram a oportunidade de apreciar e reler, como espectadores, uma pequena parte
da produção poética brasileira e seus respectivos autores.
4 Considerações finais
O presente trabalho teve como desafio apresentar uma alternativa
pedagógica interessante que pudesse fazer frente ao ensino tradicional de leitura de
poesias, com vistas a diminuir ou eliminar os índices negativos das pesquisas
educacionais que mostram que os alunos não gostam de ler.
O trabalho de resgate da poesia voltado para o teatro procurou minimizar
em grande parte, as dificuldades que o aluno tem de ler e compreender textos
poéticos. Portanto, tal competência precisa ser desenvolvida, estimulada,
exercitada, praticada, assim como todas as capacidades. Escolher ou criar uma
estratégia para estimular e facilitar tal prática da leitura requer dedicação total por
parte do educador. E os textos poéticos e literários de forma geral, podem constituir
um ponto de partida significativo para essa mobilização.
Sendo assim, a importância de despertar o gosto pelo gênero poético está
articulada aos aspectos pedagógicos, afetivos, ao desenvolvimento da criatividade,
da expressividade e também da compreensão da linguagem.
Acredita-se dessa forma, que a presente implementação oportunizou ao
educando um contato prazeroso com o estudo de poesias, de forma dinâmica,
participativa e curiosa, proporcionando um maior aprofundamento da leitura,
levando-os à recriação, à ressignificação de sentido, saindo do espaço das folhas
para o palco representativo. Evidenciou-se, nesse estudo, que a leitura das poesias
selecionadas, sua reescrita e encenação, possibilitou ao aluno entrar e transitar pelo
universo da leitura, interagindo com elementos textuais e cênicos por meio de
ensaios, dramatizações, com o objetivo final de abrir o sentido do texto e expandir o
universo do leitor, definido como um ser que se debruça, experimenta e se
ressignifica ante texto literário.
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