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PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2015 (5 a 7 de outubro 2015)
A PESPECTIVA CONTRA-HEGEMÔNICA DAS REDES SOCIAIS
DIGITAIS: Mapeando controvérsias em situação de crise1
Dora Kaufman2
Alexander von Humboldt Institute for Internet and Society, Berlim.
Resumo
As décadas recentes caracterizam-se por um amplo processo de flexibilização das empresas,
preservando, contudo, a cultura e a prática de controle. Em paralelo, o advento das
tecnologias digitais, com a Internet e a Web, introduziu formas de circulação da informação e
de conexão entre atores cuja característica central é a descentralidade e o “não-controle”.
Pensando a empresa como um fenômeno sistêmico complexo e as redes digitais como um
fenômeno pós-sistêmico, tentamos identificar o que ocorre na fronteira entre a lógica
corporativa e a lógica das redes sociais digitais. A técnica de pesquisa Cartografia das
Controvérsias, baseada na Teoria Ator-Rede, aplicada às controvérsias geradas pela
contaminação do suco de maçã AdeS da Unilever, mostrou empiricamente que o controle nas
esferas de informação-comunicação das empresas bloqueia sua evolução para o ambiente de
redes digitais, o que se acentua e adquire mais visibilidade em situações de crise.
Palavras-chave: redes sociais digitais; ecologia de redes; controvérsia; relação empresa-
consumidor.
1. INTRODUÇAO
Há indícios consistentes de que as empresas estão incorporando os fundamentos de
“rede” em sua cultura, prática e gestão. Dada a necessidade de se tornarem mais
maleáveis e atender às demandas do ambiente da denominada Economia da
Informação em Rede (BENKLER, 2006), as empresas procuram inovar nos modelos
de organização. Não se sabe, porém, se e como as empresas vão transcender o limiar
de seu compromisso com o controle. Em suas estratégias de comunicação ainda
1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho 5 Comunicação, Consumo e Novos Fluxos Políticos, do
5º Encontro de FGTS - Comunicon, realizado nos dias 5, 6 e 7 de outubro de 2015. 2 Pesquisadora visitante, Alexander von Humboldt Institute, Berlim; Atopos ECA-USP e professora da
Pós-graduação FAAP; doutora em ciência da comunicação ECA-USP; mestre em Comunicação e
Semiótica, PUC-SP; coautora do livro “Empresas e Consumidores em Rede” (2013, ed. Annablume).
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prevalece o uso das redes sociais digitais como (a) construção de marca,(b) fonte de
insumos para desenvolver produtos e serviços (assertividade), e (c) publicidade
segmentada. No entanto, ao criar um perfil digital nas redes sociais a empresa está
convidando o consumidor a se relacionar em comunidades abertas, que demandam
gestão transparente e interação via o diálogo. Ao fazer isso elas enfrentam barreiras:
estudos sugerem que existe um antagonismo entre a cultura de controle e estruturas
hierárquicas das empresas, e a lógica do "não-controle" e descentralização das redes
sociais digitais (KAUFMAN; ROZA, 2013). Este antagonismo é fortemente
manifestado em situações de crise (ou situações inesperadas).
Vários autores (Barabási, Castells, Tapscott, Benkler, Morgan, Rifkin, Kevin,
McAfee) chamam a atenção para a transformação corporativa, em especial no início
do novo milênio, supostamente apostando em um processo evolutivo e não de ruptura.
A questão nos parece ser de natureza distinta: a cultura e a prática de controle são
inerentes a ideia de empresa desde sua origem e permanecem mesmo com toda a
abordagem flexível recente. Superá-las requer novos modelos de empresa, ou novos
modelos de geração de valor na sociedade.
Tendo como pressuposto a visão de empresa como um fenômeno sistêmico e as redes
digitais como um fenômeno complexo pós-sistêmico, as perguntas da pesquisa são:
P1: Quais são as razões da desconexão entre o discurso (intenção) e as redes digitais
efetivamente criadas?
P2: A recente flexibilização no funcionamento das empresas é suficiente para superar o
antagonismo entre a sua lógica e a lógica das redes sociais digitais?
A principal sustentação teórica da pesquisa está no conceito de “ecologia de redes”
(MORIN, 1979, 2007), que reconfigura a ação: não se trata mais de um sujeito-ator
que interage com o exterior, mas de uma ação que se organiza em rede. No conceito
de ecologia da ação3, Morin (2007) pressupõe que uma ação não decorre apenas da
3 Na obra “Paradigma Perdido: A natureza Humana”, Morin (1979) trata do que ele denomina de
“revelação ecológica” a partir de uma visão que supera a ideia de ecologia como ciência natural,
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vontade de quem a pratica, decorre também dos contextos em que ela está inserida,
bem como de diversas condições (sociais, culturais, políticas, etc.) que contribuem
para formar o sentido da intenção original da ação. A ecologia da ação constrói-se
com base na complexidade das ações dos atores envolvidos; neste sentido seu fim
específico pode ser desvirtuado. A ação pode ser perturbada no seu curso por acasos e
bifurcações; há riscos e incertezas envolvidos em cada ação. A ação não é controlável,
“ela entra num universo de interações e finalmente o meio ambiente apossa-se dela
num sentido que pode se tornar contrário ao da intenção inicial” (MORIN, 2011, p.
81). A ideia de ecologia da ação de Morin converge com o conceito de ação de Latour
(2012) e de ato conectivo de Di Felice (DI FELICE, 2012, 2013a). Em ambos a
interatividade é determinada por uma ação em rede, não mais decorrente da atividade
de um único sujeito-ator, mas de um ato de conexão entre vários atores (indivíduos,
dispositivos, tecnologia, banco de dados, instituições, natureza, orgânicos,
inorgânicos, etc.).
Recorremos ao conceito de “ecologia de rede” como metáfora para pensar o próprio
mercado, com base em Michel Callon para quem o mercado não tem nada de natural,
“ele é uma construção social. [...] o mercado é uma construção e uma reconstrução
permanente, é uma construção coletiva que supõe negociações, interações e
aprendizado” (CALLON in PARENTE, 2013, pp. 74-75). Numa lógica de redes,
observa-se uma alteração no processo de tomada de decisão dos atores que compõem
esse coletivo, que resulta da confluência de contribuições de distintas naturezas; a
decisão é compartilhada, independente da intencionalidade, em “co-ação”.
Em busca de uma experiência que permitisse universalizar os resultados, optamos
pela repercussão nas redes sociais digitais da contaminação do suco AdeS. O Google
Trends mostra graficamente a repercussão da crise, sinalizando o crescimento na web
da digitalização do termo “AdeS” em 2013.
fundada por Haeckel em 1873 e cujo propósito era estudar as relações entre os organismos vivos e o
seu meio ambiente. Nessa nova visão, “a comunidade dos seres vivos (biocenose) num espaço ou
‘nicho’ geofísico (biótopo) constitui com este último uma unidade global ou ecossistema” (MORIN,
1979, p. 10).
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Figura 1: Fonte: Google Trends/Brasil.
A construção do corpus da pesquisa fundamentou-se em: (a) coleta de documentos e
registros da controvérsia na web (plataformas online de veículos de mídia, sites dos
órgãos reguladores, páginas da Unilever e da marca AdeS nas redes sociais, etc.); (b)
entrevistas qualificadas com executivo estratégico; (c) acesso a relatórios internos; (d)
identificação do glossário de elementos – chave a partir dos textos dos tweets, e dos
textos dos posts da página oficial de AdeS no Facebook; (e) manipulação manual dos
posts no perfil oficial AdeS no Facebook; e (f) aquisição de dataSet contendo os
tweets relacionados à crise4.
2. DESCREVENDO A CONTROVÉRSIA5
No dia 7 de março de 2013, a Unilever recebeu um email de um consumidor de
Ribeirão Preto reclamando de ardência na boca após ingerir o suco de maçã AdeS. A
coleta do produto foi realizada no dia 11 de março; o Instituto Adolfo Lutz confirmou
em laudo que o suco de maçã AdeS estava insatisfatório para o consumo; no dia 13, à
noite, a Unilever emitiu seu primeiro comunicado ao público reconhecendo a
contaminação com solução de limpeza em um lote de 96 unidades do suco de maçã
AdeS da fábrica de Monte Alegre, MG, e anunciou recall. O comunicado
recomendava que o consumidor verificasse se os produtos adquiridos faziam parte do
4 DataSets da época da controvérsia adquiridos do Twitter. 5 Histórico completo do caso “AdeS” está disponível na tese de doutorado “O Despertar de Gulliver: os
desafios das empresas nas redes digitais”, Dora Kaufman, orientação Massimo Di Felice, defendida em
março/2015 na ECA/USP.
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lote indicado; se positivo, aconselhava não consumir o produto e entrar em contato
pelo Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC), por telefone ou email6.
A Unilever assumiu uma postura defensiva e centrada em atender aos órgãos de
controle e se proteger de potenciais passivos legais. A interação com o consumidor,
apesar de declarada pela Unilever como privilegiada, caracterizou-se pela
formalidade, perceptível na linguagem e no conteúdo dos comunicados. A empresa
praticamente não dialogou com o consumidor conectado, optando pela interação one-
to-one (percepção de controle). Surge a meta controvérsia: não diálogo entre empresa
e redes sociais digitais.
Prolifera nas redes digitais memes humorísticos.
Figura 2: meme produzido e distribuído nas redes sociais digitais
Irrompem sub-controvérsias com acusações contra a Unilever de (a) falta de
transparência (“empresas não são confiáveis”), (b) produzir alimentos e produtos de
limpeza na mesma fábrica (Unilever é uma “caixa-preta”), (c) se pronunciar apenas
6 O serviço de SAC da Unilever recebeu no seu call center em 14 de março, aproximadamente 220 mil
ligações, das quais foram atendidas 30 mil ligações (limite máximo da capacidade instalada do call
center, mesmo tendo triplicado o tamanho da operação em função da crise). Fonte: Unilever.
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após a hospitalização dos consumidores contaminados, e (d) possuir controles de
qualidade ineficientes.
A ANVISA, junto com os órgãos de controle estadual e municipal, e a Unilever
protagonizaram outras sub-controvérsias: (a) ANVISA denuncia a não comunicação
oficial imediata, e a Unilever contrapõe com o volume de procedimentos requeridos e
sua opção em privilegiar o comunicado ao público; e (b) ANVISA (18 de março)
suspende a fabricação, distribuição, venda de todos os lotes dos produtos com soja da
marca Ades (diferentes sabores, versões e tamanhos) e a Unilever tenta reverter
repassando as informações solicitadas. Em 20 de março, a Unilever divulga um
segundo comunicado informando que cumpriu todas as determinações da ANVISA, e
que os demais produtos AdeS, não correspondentes aos lotes com as iniciais "AG",
permaneciam no mercado em perfeitas condições para consumo. Em 3 de abril, a
ANVISA exige da Unilever revisão dos procedimentos de segurança e controle do
processo de envasamento do produto. Em 8 de abril, através de resolução publicada
no Diário Oficial da União com base no relatório de inspeção sanitária, a ANVISA
libera a fabricação, distribuição, comercialização e consumo de todos os lotes dos
alimentos com soja da marca AdeS, produzidos pela linha TBA3G, na fábrica da
Unilever em Pouso Alegre (MG), mantida a proibição apenas do lote contaminado. A
Unilever divulga seu terceiro e último comunicado.
Figura 3: Três comunicados da Unilever/Facebook
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Consideramos como o fator de estabilização da controvérsia (“Black Box”) a
constatação da Unilever de que os seus indicadores de valor de marca não tinham sido
afetados, permanecendo estáveis vis-à-vis o período anterior a crise7, sinalizando uma
reconciliação com os consumidores.
3. ALGUNS RESULTADOS DA CARTOGRAFIA DAS CONTROVERSIAS8
a) Árvore dos debates
No diagrama 1 visualizamos a meta controvérsia e as sub-controvérsias firmadas entre
a Unilever e o consumidor conectado, e entre a Unilever e a ANVISA.
Diagrama 1: árvore dos debates.
b) Diagrama ator-rede
O diagrama 2 representa graficamente os atores, suas conexões e influências. Cabe
observar que determinados atores assumem, simultaneamente, a identidade de um
único ator com ações que expressam o conjunto de seus membros, e a identidade de
uma rede de atores com funções específicas. Nessa condição temos, por exemplo, a
ANVISA, a Unilever, o Comitê de Crise da Unilever Brasil.
7 Fonte: Unilever 8 Desafio enfrentado: representar a cartografia das controvérsias linearmente e em relativamente pouco
espaço (versão mais completa najá mencionada tese de doutorado da autora).
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Diagrama 2: atores envolvidos na controvérsia.
Unilever é uma rede sociotécnica formada pelos atores indicados no diagrama ator-
rede. O Comitê de Crise (Conselho Administrativo, jurídico e áreas de marketing,
comunicação e atendimento ao consumido) foi o ator com maior peso. Um “estado de
crise” na multinacional é caracterizado quando alguma de suas áreas identifica que há
risco potencial para a saúde do consumidor e/ou à reputação de suas marcas. Sua
missão é definir o posicionamento, a estratégia e o plano de ação, e gerenciar a crise:
(a) decidir sobre o formato de ação e o texto base da comunicação; e (b) definir os
conteúdos a serem transmitidos aos órgãos de controle e ao público.
Dividimos o consumidor conectado em: (a) os “brand-lovers”, aliados da Unilever,
(b) os “detratores”, em conflito direto e intenso com a Unilever e (c) os “neutros” que,
aparentemente, aceitavam a ideia de que “falhas acontecem” mantendo-se fiéis à
marca. Na controvérsia, o peso maior foi dos “detratores” que atuaram ativamente nas
redes sociais digitais colocando em cheque, inclusive, a consistência da lealdade dos
fãs da marca.
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c) Análise do Facebook e grafos do Twitter9
A página oficial de AdeS no Facebook caracterizou-se como um local de conversa,
mesmo que limitada, entre Unilever e usuários. A empresa foi pressionada a se
manifestar, o que ocorreu esporadicamente e sempre em linguagem formal. Análise
dos conteúdos indicou uma predominância de posts “detratores”.
Figura 4: Interação Unilever-consumidor/usuário
Figura 5: Post consumidor “detrator”
O perfil oficial @AdeS_Brasil no Twitter não teve visibilidade na rede, apesar da
controvérsia ter sido um dos Top Trends no Brasil. Os grafos foram desenvolvidos a
partir de dataSet adquirido do Gnip, com base em “termos de busca” previamente
definidos (14 a 29 de março). Os grafos e as métricas identificaram as “autoridades”,
os Hubs, e o grau de conexão das redes no período.
Do mapa geral de autoridades (perfis definidores de tendências) evidenciamos: (a)
ausência do perfil oficial @AdeS_Brasil, (b) preponderância da grande mídia (jornal
Estado de São Paulo e jornal O Globo) e de perfis de humor.
9 Os grafos do Twitter foram obtidos utilizando o software Gephi, em colaboração com os
pesquisadores Allan Cancian Marquez e Rafael De Angeli, Labic Ufes.
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Mapa 1: Rede geral de autoridade.
O jornal Estado de São Paulo é um ator relevante na rede, como mostra o mapa:
Mapa 2: Rede de influência do Jornal Estado de SP
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O perfil @AdeS_Brasil aparece nos mapas de menções (exibem as atividades dos
perfis com outros perfis). O mapa mostra um único tweet publicado durante a crise,
provavelmente o indicado na figura 6.
Mapa 3: Perfil oficial Ades_Brasil.
Figura 6: tweet sobre a crise.
A quase ausência na rede do perfil @AdeS_Brasil implicou que os mapas não
retratam disputas ou controvérsias. Temos, basicamente, uma rede de informações
não direcionais, ou uma “rede de contágio”. Notamos também pouco envolvimento
entre os “nós”, gerando “vazios”: várias redes com diversos temas, mas sem se
associar ou se completar. Tratam de assuntos relacionados à AdeS, todavia não
convergem entre si e não criam um laço social de valor. As próprias redes de humor
não se conectam.
4. CONSIDERAÇOES FINAIS
A controvérsia desse estudo se passa nas redes sociais digitais, tendo a rede como um
elemento estrutural das relações sociais (LEE; WELLMAN, 2012; CASTELLS,
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2009). A metodologia Cartografia das Controvérsias (VENTURINI, 2008, 2010a,
2010b) baseada na Teoria Ator-Rede (LATOUR, 2012), concebe o social como em
construção a partir das interações, e não dado a priori. As mudanças são
consequências das controvérsias entre os atores sociais; neste sentido, a compreensão
do social requer observar e descrever essas controvérsias. Quando decidimos seguir
os fios de interação dos atores da crise AdeS, nos propomos a identificar como a
cultura e a prática do controle nas empresas restringe sua interação com as redes
sociais digitais.
A palavra “crise” denota uma situação de tensão, disputa e conflito. Trata-se de uma
ruptura repentina de um estado anterior de equilíbrio, deflagrada por interesses não
atendidos. Em geral as empresas têm políticas “anti-crise”, em graus variados de
formalização e rigor. A primeira ação da Unilever após a contaminação foi convocar
seu “Comitê de Crise”, com a intenção de “controlar” as circunstâncias, definindo o
conteúdo e o formato dos comunicados aos distintos públicos, e a estratégia para
minimizar os impactos negativos.
A impossibilidade da intenção da Unilever está, em parte, na visão de empresa como
um sistema aberto, em que suas interações com o ambiente externo determinam o seu
funcionamento e a sua cultura (MORIN, 2007). Ou visto de outra forma, a empresa
não é um ator que dialoga linear e unidirecionalmente com o consumidor, mas é parte
de um ecossistema informativo descentralizado e complexo com múltiplos atores
(além do consumidor, tecnologia, dispositivos, banco de dados, arcabouço legal,
concorrência, governo, internet, redes sociais digitais, etc.). Nesse ecossistema, a
empresa é também uma rede sociotécnica composta de funcionários, dirigentes,
procedimentos, legislação, instalações, equipamentos, matéria-prima, tecnologia, etc.
Seu desafio é conciliar a preservação de sua autonomia e a manutenção de uma troca
constante com o exterior (MORIN, 2007).
Interagindo com a empresa, temos o consumidor conectado com recursos que
permitem construir inéditas relações socioeconômicas, incluindo a defesa de seus
interesses ou solidário com consumidores que foram alvo de posturas incorretas de
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empresas, numa atuação denominada “Net-ativismo do consumidor”, em clara
analogia com os movimentos sociais (DI FELICE, 2013b).
O consumidor sempre “falou mal” das empresas e de seus produtos com seu círculo
de relacionamento próximo; o novo é que essa “conversa” agora acontece nas redes
sociais digitais com outra dimensão e repercussão. O que era assunto restrito à esfera
privada, virou assunto da esfera pública (tendo em mente a relativiza separação entre
essas duas esferas no contexto de redes digitais). No Brasil, um país com uma alta
adesão da população às redes sociais, as reclamações ou denúncias contra as empresas
proliferam no ambiente digital. É o que se convencionou chamar de
“empoderamento” do consumidor. Os sites de redes sociais, originalmente um espaço
relacional com foco no social, transformaram-se em locais de compartilhamento de
experiências de consumo. O arcabouço anticrise padrão das empresas não parece
compatível com as redes digitais.
Pensando a empresa como um fenômeno sistêmico complexo, e as redes digitais
como um fenômeno pós-sistêmico, tentamos identificar como a Unilever enfrentou a
fronteira entre a lógica corporativa e a lógica das redes sociais digitais. A Cartografia
da crise AdeS mostrou a Unilever tentando isolar suas ações da influência dos outros
atores, na busca por preservar a “intenção original”, o que seria inviável com base no
conceito de “ecologia de redes” de Morin.
A segunda reflexão é sobre a impossibilidade da empresa, tal como a concebemos, de
dialogar com o consumidor conectado nas redes digitais, pelo contrário, a prática
comum é retirar o consumidor do ambiente online, convocando-o para dialogar em
espaços privados de interação (KAUFMAN; ROZA, 2013). A constatação é de que
“comitê de crise” não dá conta da dinâmica, diversidade e complexidade das redes
digitais. A reação da Unilever foi defensiva, suas ações visaram protegê-la de ações
contrárias emanadas das controvérsias. A estrutura centralizada e controlada da
Unilever antagoniza com a dinâmica, linguagem e descentralidade das redes digitais.
A estratégia da Unilever na gestão da crise pautou-se por: (a) apelar para uma
comunicação formal, tentando atender aos requisitos legais e não às características e
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demandas das redes sociais digitais. A orientação estratégica “seguir a lei” produziu
peças de comunicação frias, formais, burocráticas e com potencial zero de
“viralização”; e (b) “falar” com os líderes das redes esperando que eles propagassem
suas informações e mensagens.
A emergência das redes sociais digitais, ainda que predomine as relações de laços
fracos (GRANOVETTER, 1983; KAUFMAN, 2012) com os usuários mais
compartilhando informações e menos produzindo coletivamente, tem um caráter
disruptivo: promove a interatividade e a conectividade entre os usuários, e cria as
condições para o desenvolvimento da economia colaborativa, que conflita com a
cultura corporativa. A origem do que concebemos como “empresa” remonta aos idos
da Revolução Industrial, século XVIII, migrando, em adaptação às várias fases do
processo de industrialização da economia, de estruturas rígidas para formatos mais
flexíveis (MORGAN, 2007; CASTELLS, 2009; RIFKIN, 2012, 2014), preservando,
todavia, a cultura e a prática do controle (WEBER, 1947, 2009; MORGAN, 2007).
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