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A atividade da mineração foi economica e socialmente muito importante no processo de formação econômica do Brasil. Atualmente, esta atividade tem recebido do Estado brasileiro grandes incentivos, através de políticas públicas, com a “justificativa” do desenvolvimento local. Uma destas políticas é a constituição de Arranjos Produtivos Locais. Na Região do Seridó, situada no Estado da Paraíba, foi constituido, em 2004, o Arranjo Produtivo Local de Base Mineral com o argumento da necessidade de eliminar o trabalho precário e informal de garimpeiros que extraem o minério de caulim. Diante deste quadro de intervenção estatal no meio rural para regular e fomentar o trabalho, pretendemos discutir, neste artigo, como tem sido a organização do trabalho garimpeiro, o perfil dos trabalhadores e a associação do garimpo com a agricultura.
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VII Congresso Latino-Americano de Estudos do Trabalho. O Trabalho no Século XXI.
Mudanças, impactos e perspectivas.
GT 02 - Transformaciones en los mercados de trabajo de la población rural:
desagrarización y pluriactividad
Artigo
A organização do trabalho nos garimpos em áreas rurais: o caso do caulim na
região do Seridó, Estado da Paraíba
José Aderivaldo Silva da Nóbrega. Mestre. UFCG e Escola Estadual Pe. Jerônimo
Lauwen
Marilda Aparecida de Menezes. Doutora. PCHS/UFABC e PPGCS/UFCG
Resumo: A atividade da mineração foi economica e socialmente muito importante no
processo de formação econômica do Brasil. Atualmente, esta atividade tem recebido do
Estado brasileiro grandes incentivos, através de políticas públicas, com a “justificativa”
do desenvolvimento local. Uma destas políticas é a constituição de Arranjos Produtivos
Locais. Na Região do Seridó, situada no Estado da Paraíba, foi constituido, em 2004, o
Arranjo Produtivo Local de Base Mineral com o argumento da necessidade de eliminar o
trabalho precário e informal de garimpeiros que extraem o minério de caulim. Diante
deste quadro de intervenção estatal no meio rural para regular e fomentar o trabalho,
pretendemos discutir, neste artigo, como tem sido a organização do trabalho garimpeiro,
o perfil dos trabalhadores e a associação do garimpo com a agricultura.
Palavras Chave: Trabalho, garimpo, agricultura, pluriatividade, Junco do Seridó
2
Introdução
Este trabalho é fundamentado em pesquisa realizada no âmbito da Dissertação
de Mestrado no programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade
Federal de Campina Grande (UFCG) e já foi divulgado em algumas publicações
(Nóbrega e Menezes 2010; Nóbrega e Menezes 2011, NÓBREGA e Menezes, 2012).
Analisamos as dinâmicas que organizam o processo produtivo da extração de caulim nos
garimpos do município de Junco do Seridó, no Estado da Paraíba, e suas implicações
para as relações de trabalho informais e precárias no meio rural. O nosso objetivo, neste
artigo, é discutir como tem sido a organização do trabalho garimpeiro em áreas rurais, o
perfil dos trabalhadores e a associação do garimpo com a agricultura.
Os cientistas sociais tem pesquisado diversos aspectos do meio rural, tais como
as formas de ocupação econômica e demográfica, a percepção desse espaço como
moradia e como proteção ambiental. O rural tem sido considerado por diversos autores
(Wanderley, 2000) como um espaço de paisagem particular, mas também, como um meio
social no qual convergem atores distintos com intenções diversas. Além disso, outra
característica importante é o caráter polivalente e/ou pluriativo das famílias, neste último
caso, sendo mais frequentes os estudos a partir do contexto da agricultura familiar na
Região Sul do Brasil (SACCO DOS ANJOS, 2001; SCHNEIDER, 2009). Nova
ruralidade, novo rural, polivalência, pluriatividade, desagrarização, etc. são todas noções
desenvolvidas por diversos pesquisadores para diferentes aspectos do rural. Wanderley
(2009) lembra que mudanças no rural não ocorrem da mesma maneira e ao mesmo tempo
em todas as regiões do Brasil. É o que queremos enfatizar ao trazer à discussão o
contexto específico de pequenos municípios nos quais se desenvolvem a agricultura e a
mineração.
No Estado da Paraíba, especificamente no município de Junco do Seridó as
atividades extrativistas são importantes na sobrevivência dos agricultores familiares.
Uma atividade de extração mineral muito frequente é a retirada de lama para fabricação
de telhas e tijolos para uso na construção civil. Em relação à extração vegetal tem-se a
retirada de lenha para fabricação de carvão para o autoconsumo familiar. Ocorre,
entretanto, que desde a década de 1940 as iniciativas do Estado brasileiro favoreceram a
exploração de minerais não metálicos aplicados nas indústrias dos mais diversos ramos.
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Da década de 1940 até o presente momento foram muitos os programas e as
políticas de governo criados com vistas a organização e fomento à expansão do setor
mineral no Brasil como estratégia de desenvolvimento econômico. Em Junco do Seridó,
tais ações estatais juntamente com as iniciativas privadas levaram para o meio rural do
município técnicos, pequenas empresas, moradores da zona urbana, agentes estatais
estabelecendo uma complexa rede de relações articulada em torno da atividade produtiva
da mineração. Ao longo dos anos não somente os tipos de minério explorado foram
mudando como também as técnicas de trabalho e as próprias relações sociais. Estes
processos são, neste artigo, descritos e discutidos.
Para organização das seções seguintes iniciaremos por uma breve apresentação
do município e da atividade mineral nele desenvolvida. Abordaremos, na sequencia, o
trabalho no garimpo e sua organização. Fecharemos a discussão com um debate sobre a
articulação entre as duas atividades – agricultura e garimpagem.
O município de Junco do Seridó e a atividade produtiva da mineração
Junco do Seridó possui 160,10km2 e seu acesso, para quem vem da Capital do
Estado, João Pessoa, ocorre pela BR 230. Segundo dados do IBGE referentes ao Censo
Demográfico de 2010 o município conta com uma população de 6.643 habitantes
residentes dos quais 4.369 estão localizados na área urbana e 2.274 são moradores da
zona rural o que representa, em termos percentuais, 65,8% na cidade e 34,2% morando
no campo.
O município faz parte de uma microrregião denominada Seridó. As
características desta microrregião envolvem: baixos índices pluviométricos (569 mm/ano
em média); a caatinga hiperxerófila como vegetação predominante; solos rasos e, em
muitos casos, com altos teores de salinidade; baixa densidade demográfica; as cidades
tem a economia baseada, principalmente, na atividade agrícola e mineradora com ênfase
na extração de minerais não metálicos a exemplo do caulim; contam, ainda, com os
serviços públicos e comércio.
A exploração da atividade mineral em Junco do Seridó data da década de 1940,
mas não se tratava da exploração de caulim e sim de minérios que servissem à indústria
bélica como columbita, berilo e mica. Silva (1995) enfatiza que é com os acordos entre
Brasil e Estados Unidos, no período da guerra, que surgem as condições para financiar a
4
política de desenvolvimento do setor mineral, resultando, por exemplo, na instalação, em
1942, da Companhia Siderúrgica Nacional e a Companhia Vale do Rio Doce. A
importância destes acordos, para Junco do Seridó e toda microrregião, está na vinda de
missões técnicas as quais não só estudaram e conheceram a diversidade mineral local,
como também, orientaram garimpeiros quanto à forma de exploração. Além disso, mapas
geológicos foram elaborados, áreas foram definidas para exploração e o processo de
comercialização de tantalita, columbita, berilo e mica passou a ser feito em grande
itensidade. Segundo Vasconcelos (2006) a década de 1940 foi muito favorável a
exploração de minério no Seridó havendo empresas que reuniam até 3.000 garimpeiros
na extração mineral por toda microrregião.
As oscilações na demanda de minério fez com que se reduzisse a produção de
tantalita, columbita, berilo e mica no período pós guerra. O Estado brasileiro interviu, na
década de 1950, estimulando a criação de distritos industriais nas maiores cidades
paraibanas que começam a demandar minério, sobretudo, sheelita, betonita e caulim.
A Companhia de Industrialização do Estado da Paraíba (CINEP) implementou,
no final dos anos 1970, dois Programas: o Programa de Apoio Financeiro à Mineração e
o Programa de Apoio Técnico ao Minerador. Com estes programas ganha força a
atividade de extração de caulim, quatzito e feldspato.
Além da ação estatal se verifica, ao longo das décadas de 1970 a 1990, a
iniciativa de empresários em instalar na zona rural de Junco do Seridó pequenas
empresas para beneficiamento de minério. O caulim, que antes era extraído pelos
garimpeiros e vendido exclusivamente a atravessadores, agora passa ser vendido
diretamente às empresas beneficiadoras, localmente conhecidas como decantamentos.
Este foi um momento de muitas mudanças na organização do trabalho garimpeiro, nas
relações sociais e na própria ocupação do espaço rural.
Em 2004, ocorreu a assinatura de convênio para elaboração do projeto “Arranjo
Produtivo Local1 Pegmatitos do RN/PB”. A delimitação do arranjo, inicialmente,
1 Segundo a Rede de Pesquisa em Sistema Produtivos e Inovativos Locais (REDESIST), um Arranjo
Produtivo Local (APL) refere-se a aglomerações territoriais de agentes econômicos, políticos e sociais,
interligados, e com foco em um conjunto específico de atividades econômicas. Esta noção de APL
reproduz no Brasil o debate sobre clusters que se torna efervescente na década de 1980 quando,
concomitante às discussões da crise do modelo fordista, surgem discussões sobre experiências de
desenvolvimento industrial realizadas no nordeste da Itália baseadas em pequenos empreendimentos
atuando de forma cooperativa em setores como têxtil. Estes empreendimentos, sendo capazes de dinamizar
a economia da chamada Terceira Itália, segundo Noronha e Turchi (2005), contrariavam as perspectivas
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abrangeu uma extensão de sete mil quilômetros envolvendo municípios da Paraíba e do
Rio Grande do Norte.
Na Paraíba, como consequência da formação do APL mineral, o governo
estadual juntamente com o SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas
Empresas), a FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos), o INSA (Instituto Nacional do
Semiárido), a UFCG(Universidade Federal de Campina Grande), os municípios
mineradores em todo Estado, as empresas e os garimpeiros, criou o Programa de
Desenvolvimento da Mineração (PROMIN).
O objetivo deste programa era fortalecer a atividade mineral de pegmatitos,
gemas, quartzitos e calcários (pesquisa mineral, lavra, beneficiamento e mercado),
através da conscientização dos garimpeiros para a importância do associativismo,
promovendo capacitação, acesso a tecnologia, crédito e novos mercados. No ano de 2009,
o governo do Estado, com os parceiros citados anteriormente, lança o Shopping da Pedra
firmando diversos convênios que visavam a realização de cadastramento e formalização de
áreas para mineração, fortalecimento das cooperativas e realização de cursos com os
garimpeiros.
Este ano, o governo da Paraíba firma convênio com o Fundo Internacional de
Desenvolvimento Agrícola (FIDA) no valor de 100 milhões de reais para financiar projetos
relacionados ao desenvolvimento do setor da agricultura e da mineração no Seridó paraibano.
Deste convênio foi criado o PROCASE (Projeto de Desenvolvimento Sustentável do Cariri,
Seridó e Curimataú) que visa fomentar as rendas agrícolas e não agrícolas na zona rural dos
municípios paraibanos.
Até o presente momento mostramos que Junco do Seridó, onde realizamos nossa
pesquisa, é um município relativamente pequeno, com um considerável número de pessoas
vivendo na zona rural e com uma economia cuja dinâmica está articulada em torno das
atividades agrícola, mineral e do setor de serviços – especificamente os serviços públicos e
no comércio. Destacamos também que o processo de instalação da atividade de mineração
envolveu um conjunto de iniciativas que não foram apenas dos garimpeiros, mas que tiverem
marcante participação do Estado, dos empresários e das cooperativas. Passamos agora a
uma apresentação do perfil dos trabalhadores que desenvolvem atualmente a atividade de
extração de caulim, bem como do seu processo de trabalho.
econômicas vigentes para as quais apenas os grandes empreendimentos seriam capazes de promover
desenvolvimento industrial e dinamismo econômico.
6
O perfil dos trabalhadores
O caulim é um minério de propriedades físicas e químicas muito importantes para
indústria de modo que a sua demanda é constante para alimentar diversos ramos: fabricação
de papel, tintas, vidro, revestimento de pisos, louças sanitárias, louças finas, isolantes
elétricos, indústria de fármacos entre outros tantos.
No Seridó, incluíndo a cidade de Junco do Seridó, o processo de extração é
praticamente todo manual e desempenhado por garimpeiros2 em turmas formadas por cinco
ou seis componentes. A garimpagem é uma atividade eminentemente masculina
desempenhada por homens casados que correspondem a 76,47%. A maioria, 61,76%, afirma
que a ocupação do pai é agricultor e 38,24 diz que é garimpeiro.
Os garimpeiros do Junco do Seridó, em termos etários, se concentram entre 23-
26 anos representando 20,59%; entre 32-36 anos também com 20,59% havendo uma
pequena parcela de 5,88% composta por jovens de 18 a 22 anos e um percentual 5,88%
com mais de 56 anos. Interessa notar que não importa para o garimpo apenas a força
física, esta é importante, mas a experiência é muito valorizada, de modo que ainda é
muito frequente nos garimpos a existência de pessoas cima dos 50 anos de idade estes
atuando como operadores de guincho, líderes de grupos de garimpeiros ou mesmo
atravessadores.
A escolaridade dos garimpeiros está concentrada no ensino fundamental segundo os
dados. Apenas 17,65% chegaram ao ensino médio enquanto que 23,53% concluíram o 5º ano
(antiga quarta série) do ensino fundamental (antiga sexta série); há, no entanto, uma parcela
também 23,53% que ultrapassou o 5º ano, mas não conseguiu concluir o ensino fundamental.
O curioso dos dados são os extremos da pergunta, ou seja, não há casos de analfabetismo
entre os entrevistados assim como não há garimpeiros que tenham concluído o ensino médio.
A maioria dos garimpeiros, 69,70% retira do garimpo a única renda monetária
da casa. 9,09% dos entrevistado afirmam que a renda monetária vem do seu trabalho no
garimpo juntamente com o do filho também nesta atividade. Nos casos em que o marido
e a esposa têm renda (15,15%) verifica-se que as mulheres ou adquirem renda monetária
de vendas de cosméticos e roupas em sua comunidade ou em serviços que prestam na
prefeitura etc. Dos entrevistados, 60,6% a renda da casa vem do entrevistado, irmãos e
2 Existe uma legislação específica, o decreto 227 de 28/02/1967 e a lei Nº7.805/89, que definem garimpem
como o trabalho individual de quem utilize instrumentos rudimentares, aparelhos manuais ou máquinas
simples e portáveis, na extração de pedras preciosas, semipreciosas e minerais metálicos ou não metálicos.
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pai. Passemos a observar os nexos existentes entre os diversos atores no processo
produtivo da mineração.
O processo de trabalho na extração de caulim
O processo de trabalho que os garimpeiros desenvolvem é praticamente manual,
envolvendo o uso de ferramentas como “chibanco” ou picareta e pá. O transporte do
caulim do subsolo até a superfície era feito através de tonéis de ferro amarrados a cordas
puxados por uma roldana de madeira, entretanto, este equipamento tem sido substituído
por guinchos mecânicos que através de cabos de aço içam uma caixa de ferro.
O trabalho começa com a “limpeza da serra”, ou seja, é a etapa do
desmatamento e limpeza do terreno para começar as escavações. Essa fase se desenvolve
por duas técnicas. Primeiramente, os próprios trabalhadores com picaretas, pás,
machados vão fazendo a limpeza superficial da área para começar a escavar; essa é a
técnica mais comum. O resultado da fase de limpeza da terra é o estabelecimento de um
grande quadro limpo que evoluirá para uma galeria ou uma banqueta, como se chama
comumente. Banquetas são uma espécie de trincheira com dimensões, aproximadamente,
de 1,5m a 2m de largura e comprimento que tem diversas extensões variando de 20m a
60m e profundidades que chegam aos 80 metros. O aprofundamento das escavações das
banquetas dá origem ao que os garimpeiros chamam de galeria, ou seja, a mina se torna
totalmente subterrânea havendo apenas a abertura para entrada dos trabalhadores que são
içados pelo guincho.
Uma vez que foi feita a limpeza do terreno e cavada a banqueta em
profundidade e extensão para que seja possível retirar o “caulim bom”3, vem o trabalho
subterrâneo. No interior das minas, os trabalhadores, com picaretas e pás, vão retirando o
caulim das rochas e amontoando. Em seguida, colocam esse material em caixas de ferro
que são içadas até a superfície, onde são novamente amontoados para que,
posteriormente, o caminhão recolha. Essas tarefas são revezadas constantemente como
nos descreve José Roberto: “eram seis pessoas: cada uma ia revezando. Um pedaço um
fazia uma coisa depois ia trocando, sabe? Um cavava, o outro enchia, o outro ficava em
3 Caulim bom é um termo que designa, na verdade, o caulim em acentuado estado de brancura e ausência
de impurezas.
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cima pra guinchar abrir a concha e encher o carro e ia trocando.” (José Roberto
garimpeiro de 22 anos)
Assim, no subsolo, os garimpeiros vão separando e desmontando o caulim, ou
seja, retirando e quebrando-o em um tamanho que possa ser transportado nas caixas.
Além disso, vão separando o caulim bom (de cor branca e brilhante) do amarelo e de
outras pedras de grande tamanho que se apresentam na parede rochosa.
Quando estão escavando, fica um trabalhador operando o guincho que puxa para
superfície o material e os trabalhadores. Dois trabalhadores ficam escavando, com
picareta, as paredes de pedra, e outros dois ficam enchendo a caixa de ferro que está
acoplada ao guincho. Chegando à superfície, o operador gira o guincho, de modo a
depositar o material em pilha.
A título de um resumo do processo de extração a partir de nossa observação e da
descrição dos próprios garimpeiros, temos as seguintes etapas: limpeza do terreno;
escavação para remover a camada superficial da terra; escavação da banqueta; lavra do
caulim (retirada da prede, fragmentação do material, separação e amontoamento); envio
para superfície; comercialização/ entrega do produto.
Quanto à forma de pagamento, existem duas dinâmicas: diária e produtividade.
O pagamento por diária é a forma mais simples, porque não encontra muitas variações,
basicamente é realizado ao final da semana, de acordo com a quantidade de dias
trabalhados. Uma minoria de 14,71% dos nossos entrevistados recebem o pagamento
desta maneira. Entrevistamos algumas pessoas sobre o modelo de pagamento por diária e
obtivemos relatos que constroem os seguintes argumentos: “Lá eu trabalho por diária. No
final da semana eu recebo 30 reais por cada dia que eu trabalhei” (Damião Soares). Outro
garimpeiro comenta a forma de pagamento:
A gente ganha pouquinho porque eu trabalho na diária. Só dois que era dono
do serviço é quem ganhava mais: pagava quatro na diária e o resto eles dividia.
Lá a diária é trinta reais e, passando de cinco carrada, agente ganhava cinco
reais então fazia R$ 35,00 (José Roberto)
A forma preponderante de pagamento no garimpo (85,29%) é por produção.
Basicamente, essa forma consiste em vender todo o caulim extraído, após o preço obtido
na venda de um período (semana, quinzena e mês), o líder do grupo retira sua
porcentagem (varia o valor) e a do proprietário da terra (10%); as despesas com
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transporte, combustível e manutenção das ferramentas e do guincho, e o restante é divi-
dido entre os integrantes do grupo.
Os garimpeiros não têm nenhum equipamento de proteção individual, a
atividade tem uma instabilidade porque pode ser interrompida, seja pelas chuvas, pelos
deslizamentos ou mesmo pelo fechamento da lavra decretado por órgãos públicos, tais
como a SUDEMA (Superintendência de Administração do Meio Ambiente). Quanto à
renda, respeitadas as variações que dependem muito da quantidade extraída de caulim, os
garimpeiros recebem, em média, o equivalente a um salário e meio por mês. Tivemos
relatos em nossa pesquisa de líderes de grupos que chegam a ganhar cerca de dois mil
reais mensais, atuando, apenas, como intermediadores da formação das turmas e da
venda do caulim.
Os garimpeiros se inserem nesta atividade para buscar alternativa de renda para
atender as necessidades sociais e que na sua percepção proporcione certa melhoria nas
condições de vida. Em uma de nossas visitas à casa de José Roberto, de 22 anos de idade,
morador do bairro de Santo Antonio em Junco do Seridó, ele, jovem, nos exibe com
orgulho a moto que conseguiu comprar como os recursos da mineração. A família
passou a ter a moto do pai e a de José Roberto. Parte desta renda tem sido também
aplicada no próprio lote de terra da família de diversas formas: aquisição de animais,
pagamento de diárias por serviços executados por terceiros a exemplo da construção de
cercas, melhoria nas casas etc.
O trabalho que os garimpeiros desenvolvem é duplamente degradante: do ponto
de vista dos recursos naturais tendo em vista o desmatamento e a abertura de grandes
túneis e/ou buracos a céu aberto e o grande volume de resíduo exposto na superfície que
escorre para rios, obstruindo-os, recobrindo a vegetação local. Do ponto de vista dos
trabalhadores, degrada seus corpos ao demandar grande força física, resistência e
movimentos repetitivos. Dos trabalhadores entrevistados em nossa pesquisa 68,72%
acusaram sintomas de dor na coluna, 21,05% informarm que sentem dor de cabeça e
10,33% afirmaram sentir tonturas durante o trabalho.
Diante da descrição das ferramentas utilizadas para extrair o caulim e das
condições de trabalho bem como dos efeitos sobre a saúde do trabalhador podemos
perceber que a atividade é precária não obstante todos os esforços estatais para o setor.
Além disso, ela está associada a outra questão: a informalidade.
10
O termo informal é utilizado de modo recorrente pela imprensa e pelos agentes
do Estado. Geralmente aparece significando a ausência de registro na carteira de
trabalho, contrato, seguridade social etc. De fato, todos estes aspectos existem, mas não
são os únicos parâmetros usados para considerar a atividade como tal. É informal pela
própria dinâmica como se relacionam os atores da mineração em Junco do Seridó, ou
seja, como garimpeiros, empresas de beneficiamento instaladas no município e indústrias
dos mais diversos ramos ocupam um espaço econômico no setor mineral. Foi observando
o desenvolvimento das empresas capitalistas e a relação que estabelecem com outros
agentes em determinado ramo que Caccimali (1982) desenvolveu a abordagem
instersticial do setor informal.
Foi com esta autora que dialogamos na pesquisa por considerarmos relevantes
alguns elementos da atividade informal que ela descreve: o produtor direto emprega a si
mesmo e pode lançar mão de trabalho familiar ou de ajudantes como extensão de seu
próprio trabalho; o produtor participa diretamente da produção conjugando a atividade
com a sua gestão; ele vende seus serviços ou mercadorias e recebe um montante de
dinheiro que é utilizado, principalmente, para o consumo individual ou familiar e para
manutenção da atividade econômica; a atividade é dirigida pelo fluxo de renda que a
mesma fornece ao trabalhador e não por uma taxa de retorno competitiva e é desta renda
que se retira o salário dos ajudantes ou empregados que possam existir; nesta forma de
produzir o vínculo existente entre os garimpeiros e os atravessadores é pessoal; o
trabalho pode ser fragmentado em tarefas, mas isso não impede ao trabalhador conhecer
todo o processo que origina o produto ou serviço final, processo, muitas vezes,
descontínuo ou intermitente, seja pelas características da atividade, pelo mercado ou em
função do próprio trabalhador.
Os trabalhadores do garimpo desenvolvem uma atividade na produção mineral
que as empresas capitalistas do setor não ocupam, mas ambos se relacionam através da
compra e venda do caulim extraído e beneficiado em Junco do Seridó. É desta dinâmica
que, sob o nosso ponto de vista, resulta o caráter informal do garimpo. Faremos entender
melhor como são as relações entre os distintos atores envolvidos na mineração na
próxima seção.
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A rede de relações na atividade produtiva da mineração: a convergência de diversos
atores para o meio rural
Em famoso artigo Wanderley (2000) destaca que o rural se torna uma
paisagem diversificada para qual convergem atores sociais distintos. Nas sociedades
modernas, ela identifica que o desenvolvimento do espaço rural depende não apenas do
dinamismo das atividades que compõem o setor agrícola, mas de outras atividades
econômicas e outros interesses sociais.
Do ponto de vista das atividades produtivas exercidas no meio rural a autora
considera que, no atual contexto,
a importância e o significado que os agricultores assumem no meio rural
dependem, em grande parte, de duas ordens de fatores: por um lado, sua
capacidade de adquirir a competência, cada vez mais complexa, exigida pela
própria atividade agrícola e, por outro, sua capacidade de ocupar os espaços não
agrícolas que se expandem no meio rural.(WANDERLEY, 2000:17)
De fato, estas tendências de uma paisagem rural preenchida por indústrias,
máquinas, torres de comunicação, residências, turismo rural, empreendimentos do
agronegócio vêm se configurando, mas não de modo homogêneo e na mesma intensidade
em todas as regiões. No caso do Seridó, a paisagem está composta por elementos que não
são apenas agrícolas e os atores nele instalados têm trajetórias distintas e se envolvem em
uma complexa rede de relações sociais havendo intencionalidades diversas dinamizando
o espaço rural da cidade de Junco do Seridó. É esta dinâmica que pretendemos descrever
a seguir.
A mineração envolve multiplas atividades que podem ser desenvolvidas por
diferentes pessoas. A extração de caulim, por exemplo, é desenvolvida por cinco ou seis
pessoas divididas em várias tarefas: escavar, encher a concha, puxar a concha, transportar
o caulim bruto para empresa beneficiadora como foi descrito na seção anterior.
Na década de 1970 as turmas de garimpeiros eram formadas por atravessadores,
figuras que tinham grande conhecimento empírico sobre a extração e tinham cliente certo
para venda do caulim. Esta figura formava as turmas de garimpeiros, conseguia terra para
trabalhar, gerenciava a produção e a comercializava no formato bruto para empresas fora
de Junco do Seridó. A produção da semana era comercializada e, do montante recebido,
eram retirados os custos com o frete do carro para o transporte, ferramentas, a
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porcentagem do dono da terra e do atravessador e, o restante, era dividido entre os
garimpeiros.
Essa dinâmica vai sendo alterada com a chegada das empresas de
beneficiamento ou decantamento em Junco do Seridó. As empresas de beneficiamento
acabam se tornando as compradoras imediatas do caulim dos garimpeiros. Elas não
estabelecem vínculos empregatícios formais com os garimpeiros, mas se colocam como
suas clientes. As turmas de garimpeiros são formadas pelo atravessador que vende a
produção para indústrias fora da cidade ou pela iniciativa dos próprios garimpeiros,
geralmente, aqueles que estão há mais tempo na atividade e passam a vender o caulim
extraído para as próprias empresas de decantamento. A diferença entre o líder
garimpeiro e o atravessador é que, este último, não realiza a atividade de extração, mas a
gerencia e faz a manutenção dos equipamentos e a venda dos produtos.
Estas empresas também alugam aos garimpeiros alguns equipamentos como o
guincho mecânico e o martelete. O guincho é uma importante ferramenta para levar os
garimpeiros ao subsolo, geralmente, com profundidades de 80 metros. Antes, estes eram
içados em cordas amarradas em roldanas de madeira e presas a tambores de ferro. O
Guincho mecânico tem um cabo de aço preso a uma caixa de ferro e é puxado por um
motor a diesel o que aumenta a produtividade pois possiblita que quantidades maiores de
caulim sejam içadas em ritimo mais acelerado. Já o martelete é um equipamento usado
para desmontar a rocha.
A implantação destas duas ferramentas mudou não só a produtividade, mas
também a própria relação social entre os membros da turma tendo em vista que o
possuidor de tais ferramentas ou aquele responsável pela locação delas acaba se tornando
uma espécie de lider do grupo. Há muitos casos em Junco do Seridó de garimpeiros que
se tornaram atravessadores porque conseguiram estes equipamentos ficando apenas com
a responsabilidade de formar as turmas, negociar a terra e gerenciar a produção.
O garimpeiro teria duas opções de comercialização do caulim extraído: vender
para o atravessador ou para o empresário do decantamento. Entretanto, há ainda, uma
terceira possiblidade: a cooperativa. Em Junco do Seridó houveram duas tentativas de
organizar atividade minerária através das cooperativas: a primeira, na década de 1980,
fracassou e, segundo relatam alguns garimpeiros, em razão dos usos políticos feitos por
agentes locais e, a segunda, que é a atual começou em 2006. A COOPERJUNCO
(Cooperativa dos Mineradores que formam as regiões do Seridó, Carirí e Curimataú do
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Estado da Paraíba LTDA.) conseguiu unir mais de 160 garimpeiros e formalizar uma
área para exploração. Atualmente, a Cooperjunco está em processo de aquisição de
equipamentos para extração de caulim, e veículos para transporte do minério. É através
desta cooperativa que o Estado da Paraíba tem investido recursos para o fomento da
atividade.
Cotidianamente técnicos das agências do Estado tais como SEBRAE, DNPM
(Departamento Nacional de Produção Mineral), SUDEMA (Superintendência de
Administração do Meio Ambiente), Exército etc. atuam trazendo recursos monetários,
cursos de capacitação em áreas como segurança no trabalho, cooperativismo, bem como
atuam fiscalizando a atividade, sobretudo, no que se refere a utilização de explosivos e na
regulamentação das áreas para exploração.
As empresas beneficiadoras de caulim têm como clientes indústrias do ramo de
fabricação de pisos cerâmicos, tintas, isolantes elétricos e porcelanas finas. As clientes na
ponta da cadeia produtiva estão situadas, principalmente, no Ceará, na capital da Paraíba,
Paraná, Pernambuco e São Paulo. Estas indústrias não vem à Junco do Seridó, apenas
encomendam o material que é embalado e transportado pelas empresas de decantamento
da cidade.
Diante desta rede de relações rapidamente descrita, a pergunta que fazemos é
como é feita a articulação entre a mineração e a agricultura familiar no município de
Junco do Seridó? Ensaiamos alguma resposta abaixo.
A relação com a agricultura familiar
Não é nenhuma novidade dizermos que o cotidiano das famílias de agricultores
familiares está marcado pela combinação do trabalho agrícola com outra atividade. O
debate da Sociologia Rural já tem inúmeros avanços que ajudam a entender esta
articulação.
Wanderley (2001), discutindo as transformações do meio rural, enumera alguns
aspectos sem os quais não se pode compreender adequadamente o rural no mundo
moderno: o caráter polivalente e pluriativo do trabalho das famílias de agricultores
familiares e também o conjunto de valores e práticas que reforçam o sentimento de
pertença a um lugar ou uma identidade territorial. Kageyama (2003) destaca que a
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pluriatividade é uma noção legitimada e presente nos discursos de muitos estudiosos do
rural no contexto contemporâneo. As chaves da polivalência e da pluriatividade,
respeitando-se as suas particularidades, abrem a possibilidade para a discussão sobre a
diversificação das atividades desenvolvidas no cotidiano das famílias rurais.
É nestas chaves que compreendemos a relação do garimpo com a agricultura em
Junco do Seridó. A mineração é parte da estratégia de sobrevivência das famílias rurais
daquele município assim como em muitos outros casos registrados no Brasil em diversos
estudos (BARROZO 1997; CLEARY 1992; GASPAR, 1989) os quais, no geral,
entendem que há uma relação de complementaridade entre as duas atividades.
Cleary (1992) destaca que os garimpeiros da Amazônia desenvolvem
concomitantemente as duas atividades no período em que as cheias dos rios e as chuvas
não possibilitavam a garimpagem. No contexto dos garimpeiros do Mato Grosso, por
exemplo, há um número expressivo de pessoas que migraram das lavouras no Nordeste
em busca da descoberta das pedras preciosas como discute Barrozo (1997). Os migrantes
que vieram dos “Estados do Norte”, diz o autor, já acostumados ao trabalho na roça
tiveram que aprender a garimpar.
Paixão (1994) desenvolve uma pesquisa sobre a relação entre garimpo e
agricultura no vale do Tapajós região Norte do Brasil. Em seu estudo em assentamentos
do município de Itatiuba, o autor identifica o grande fluxo migratório de trabalhadores
que vêm do Maranhão e Baixo Amazonas buscando no garimpo uma possibilidade de
melhorar de vida. Paixão (1994) diz que os trabalhadores que exercem atividades
extrativas minerais no município de Itaituba se apresentam consoante sua tradição
agrícola e se definem pela família de origem e pelas atividades na agricultura. A pergunta
agora é a seguinte: o que o nosso trabalho de campo, com as observações e entrevistas,
nos tem a dizer sobre esta relação no contexto particular de Junco do Seridó?
O ponto de partida, para responder a esta questão é justamente saber a trajetória
destas pessoas. Identificamos que a combinação entre as duas atividades marca a
trajetória desses trabalhadores. Em 34 questionários aplicados, verificamos que 61,76%
afirmam que o pai é ou foi agricultor enquanto que 38,24% afirmam que o pai foi ou é
garimpeiro. As mães, na maioria, são declaradas como agricultoras ou donas de casa.
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O que percebe, portanto, é que a maioria dos nossos entrevistados é composta
por filhos de agricultores e agricultoras. Se o trabalho no garimpo é, predominantemente
masculino, a agricultura é diferente porque comporta o trabalho das esposas e filhas. No
trabalho da agricultura, as tarefas são desempenhadas com a participação de toda família.
Primeiro, prepara-se o terreno, que localmente se chama “fazer a broca”,
algumas vezes corta-se a terra com trator ou cultivador puxado por boi e isto é feito nos
meses de dezembro e janeiro; posteriormente a chamada primeira planta ocorre com as
primeiras chuvas no mês de fevereiro. Diz-se primeira planta porque, na maioria dos
casos, o que foi plantado a partir das primeiras precipitações pode não se desenvolver
seja pela interrupção das chuvas, seja pela ação dos pássaros que cavam a terra em busca,
principalmente, das sementes de milho.
Entre os meses de março e abril se tem o “inverno”, caracterizado como
período de chuvas mais frequentes e mais intensas e que, por deixarem a terra bem
molhada tornam favorável o plantio. No plantio os homens adultos e os jovens são
responsáveis por cavar a terra para que as mulheres semeiem. Cessado o plantio, inicia-se
imediatamente a primeira limpa, que significa retirar o mato das covas onde foram
plantados o milho, o feijão, a melancia e o jerimum. Essa primeira limpa dará mais
chance das plantas crescerem e se expandirem bem. Entre abril e maio é, basicamente, o
período de cultivo que é feito pelos rapazes e pais. Mas há casos em que as mulheres
também participam, principalmente as esposas. Já no mês de maio começam as
primeiras colheitas. Mães e filhos(as) retornam com o pai para o roçado para as primeiras
apanhas de feijão e a quebra do milho. A colheita se intensifica em meados de maio até
junho – período de maior pico. Posteriormente o volume de trabalho na colheita começa
a ser reduzido e cessam as chuvas. Em julho, praticamente, só há nos roçados milho que
não foi ainda colhido e que ficou seco na espiga para fazer “a semente do próximo ano”,
feijão e pouca melancia e jerimum.
Em nossa pesquisa de campo realizamos visitas ao garimpo em diversos
momentos do ano, na visita de setembro de 2010, período posterior ao inverno,
percebemos que os trabalhadores estavam em plena atividade de extração de caulim, com
turmas de seis pessoas, às vezes até mais, um fluxo contínuo de caminhões caçamba nas
estradas rurais, enquanto a paisagem do roçado era a pouca presença dos trabalhadores,
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sendo marcada pelo cinza do mato seco e do gado que, mansamente, se alimenta dos
restos da plantação. Isso significa que a dedicação ao garimpo é intensificada entre os
meses de julho e dezembro, configurando o auge da garimpagem em Junco do Seridó.
Os garimpeiros tendem, no período de inverno, a se dedicarem um pouco mais
à lavoura. Há aqueles que ficam exclusivamente cuidando do roçado na época de plantio,
cultivo e colheita e, somente depois desse período, é que voltam ao garimpo. Entretanto,
a maioria das pessoas entrevistadas revela que ficam basicamente divididas entre as duas
atividades: no período da manhã se dedicam à agricultura e à tarde no garimpo; ou três
dias em uma atividade e dois em outra ou, ainda, há aqueles que saem mais cedo do
garimpo para cuidar dos seus trabalhos no roçado intensificando esta atividade nos fins
de semana em que não trabalham no caulim.
Pelas narrativas de nossos entrevistados podemos compreender que, não
obstante a expansão das empresas de beneficiamento de caulim e a expansão do garimpo,
a relação dos trabalhadores com a agricultura não é rompida. Os garimpeiros dedicam
algum tempo a ela no período de inverno. A sua rotina oscila entre a ida ao roçado para
plantar, cultivar e colher e a ida ao garimpo para retirar a produção da qual a sua renda
monetária será composta e utilizada basicamente para aquisição do gênero alimentício,
remédios, roupas e motos, para além de outros gêneros que não são conseguidos na
agricultura.
Realizamos diversas entrevistas ao longo de nossa pesquisa de mestrado nas
quais perguntamos aos garimpeiros como eles conciliavam a garimpagem com a
agricultura.
Entrevistador: O senhor trabalhou em roçado?
Entrevistado:Trabalhei e trabalho. É tudo na base da enxada e do cultivador.
Eu planto milho e feijão no tempo do inverno. Mas quando passa ai eu tenho
que fazer outra coisa. (Antônio de Ciça, 45 anos)
Outro depoimento diz mais desta conciliação:
Entrevistador: Como você concilia o trabalho no roçado com o trabalho no
garimpo? Entrevistado:Tem o período que a gente trabalha com caulim e pedra e o
tempo da agricultura. Lá em casa cada um tem seu roçado que é mais ou
menos três hectares. A gente prepara no fim do ano que é pra em janeiro estar
pronto. Eu tenho cinco irmãos e desenvolvem a mesma atividade. (Peba das
Pedras)
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Fizemos uma visita à uma família em que o pai cuidava do roçado e os filhos
ficavam na atividade de mineração. Conversamos com a mãe, dona Maria José, que nos
fala sobre a combinação das duas atividades:
Entrevistador: A senhora tem filho trabalhando na mineração?
Entrevistada: tenho sim, tenho quatro filhos; um de 18 anos, outro de 25,
outro de 30 e outro de 32.
Entrevistador: Todos moram aqui com a senhora? Entrevistada: Não. Tem dois que já tem suas casas e famílias. Mas dois
moram aqui comigo.
Entrevistador: Tem esposo?
Entrevistada: Tenho sim sinhô. Meu marido tá ali em baixo alimpando mato
(aponta pro roçado que fica perto da casa).
Entrevistador: Ele trabalha na mineração?
Entrevistada: Não ele só cuida do roçado. Aqui em casa quem trabalha no
caulim é só os meninos mesmo.
Entrevistador: E seus filhos trabalham no roçado?
Entrevistada: ah, é do caulim pro roçado! É que você sabe quando tá na seca
o jeito que tem é ir pro caulim mesmo, ninguém vai passar fome. O emprego que é bom num tem. Eu ganho um trocadinho, mas meu ganho é pouco então
assim tem que ir trabalhar no minério. Então quando tá no tempo de chuva eles
ajuda a plantar e depois vai pro caulim, mas na seca ai fica só no caulim. A
gente tira umas lenhas também ai é como ajuda a sustentar. Assim, eu só conto
com dois mesmo porque os dois mais velhos já têm suas casas pra dar conta.
Então assim eles de tardezinha, sábado, domingo vão ajudar, mas quando num
pode ir ou quando num quer ajudar no roçado ai eles pega o dinheiro e diz:
mãe pague uma diária. Então assim, a gente vai e bota uma pessoa pra ajudar
no roçado ou às vezes até eu vou ajudar porque ai a gente fica com o dinheiro
pra ajudar nas coisas da casa mesmo.
Através da narrativa de dona Maria José podemos perceber que na organização
do trabalho familiar o pai está mais ocupado com as atividades da agricultura enquanto
que seus filhos vão para o trabalho no garimpo. Entretanto, a ligação com a agricultura
não se perde: quando eles não vão para o roçado com o pai limpar mato ou colher, eles
dão aos pais um recurso monetário para que seja contratada uma pessoa, por diária, para
dar vencimento aos afazeres do roçado.
A expansão da atividade de mineração pelo meio rural da microrregião do
Seridó consolidou o caráter pluriativo das famílias de agricultores familiares de modo
que não há uma anulação da atividade agrícola, mas uma reorganização da divisão do
trabalho familar ocorrendo diferentes combinações entre as duas atividades em diversas
demarcações do tempo: diário, semanal e anual. O ciclo agrícola marcado pelas estações
de chuva e seca é um demarcador importante nas formas de combinação entre as duas
atividades.
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O calendário agrícola influencia a forma de combinação das duas atividades
porque se refere a intensificação do trabalho nos períodos mais chuvosos, portanto, mais
propícios ao desenvolvimento da agricultura, o que significa para mineração,
contrariamente, o período menos produtivo tendo em vista que o aumento das chuvas
favorece a inundação das minas, a queda das paredes rochosas das galerias e banquetas.
O trabalho do garimpeiro, portanto, se torna mais complexo de se realizar. Isto porque as
constantes operações de drenagem das banquetas e galerias começam a ser necessárias o
que pode implicar um dia inteiro dedicado somente a esta tarefa reduzindo drasticamente
a produção de caulim.
A garimpagem é uma forma de trabalho dentro da atividade produtiva da
mineração que, no contexto de Junco do Seridó, não é residual e nem está em eminência
de seu fim,pelo contrário, é uma atividade que se revela dinâmica e em expansão tendo
em vista a demanda de caulim e os investimentos públicos e privados. É uma atividade
que está inserida na estratégia de sobrevivência das famílias rurais não sendo
desenvolvida apenas em contextos de seca, mas permanentemente. Por outro lado, a
garimpagem também é atrativa às famílias urbanas tendo em vista a facilidade de acesso
e a falta de exigência de experiência ou qualificação profissional para o seu exercício.
Considerações finais
A imagem socialmente construida do garimpo como uma atividade rudimentar,
ilegal, marginal e, sobretudo, na iminência do desaparecimento deixa escapar a dinâmica
e a complexidade da rede de relações existentes no meio rural. Existem muitos
investimentos para mecanização da atividade de extração de caulim, e muitos esforços no
sentido de organizar os trabalhadores em cooperativas de garimpeiros. Entretanto, é
preciso reavaliar a forma como tais políticas são executadas tendo em vista que, no atual
formato, elas tendem muito mais para reprodução das relações vigentes do que,
propriamente, para uma tansformação do atual cenário. Ficam as perguntas: é intencional
que se mantenham tais condições e relações de trabalho? A que interesses esta
manutenção atenderia?
O trabalhador do garimpo realiza seu trabalho a partir dos conhecimentos
empíricos adquiridos em sua trajetória. A formação das turmas acontece tendo como
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critério o interconhecimento, a confiança e a disposição física para a realização do
trabalho.
A terras onde se realiza a atividade de mineração são, geralmente, de
propriedade particular e acabam tendo seu espaço dividido entre as áreas de roçado e as
áreas de garimpo, estas últimas sendo morros e serras. O atravessador é quem negocia a
terra que vai ser explorada pagando 10% de comissão ao seu proprietário. Em se
tratando de garimpeiros que se associam para produzir caulim para uma determinada
empresa de beneficiamento o que ocorre é que, o líder do grupo, exerce esta função de
conseguir a terra para trabalhar paganedo a mesma porcentagem que o atravessador.
A cooperativa tem sido um dos principais beneficiários de investimentos do
Estado que, do seu ponto de vista, tem este tipo de associação como a melhor forma de
organizar a atividade. Mas, para os garimpeiros, a urgência em receber o dinheiro e a
possiblidade que isso ocorra mais facilmente vendendo diretamente aos decantamentos
ou aos atravessadores se torna mais atrativo do que comercializar através da cooperativa
ainda que neste caso seja possível a venda com nota fiscal eletrônica. Este é apenas um
dos desafios que a cooperativa local tem de enfrentar.
As condições sob as quais a atividade mineral se instalou e se organizou em
Junco do Seridó, conforme suscintamente falamos acima, favoreceram a combinação
desta atividade com a agricultura independentemente das secas. A combinação da
atividade agrícola com outras atividades, no caso específico a extração de caulim, é
reforçada pela expansão da atividade de mineração, o que significa não só a divisão do
tempo de trabalho entre uma e outra atividade, mas a própria redefinição da divisão
social do trabalho familiar, especialmente as diferenciações de gênero e de ciclo de vida
da família. As famílias que tenham filhos homens em idade produtiva, os filhos tendem a
se dedicar ao garimpo, enquanto o pai pode ficar no trabalho agrícola. As famílias com
filhos pequenos, o pai tenderá a se dedicar ao garimpo e a mulher cuida do trabalho
doméstico e de algumas atividades do trabalho agrícola. Assim, são diferentes
combinações ao nível das famílias, das demarcações temporais dos espaços rurais e da
capacidade econômica das duas atividades.
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