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ANDRÉ FELIPE ROCHA MARQUES A OBRA DO ARQUITETO JOÃO FILGUEIRAS LIMA, LELÉ: PROJETO, TÉCNICA E RACIONALIZAÇÃO DISSERTAÇÃO DE MESTRADO Orientador: Abilio Guerra Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo Universidade Presbiteriana Mackenzie São Paulo, setembro de 2012

A obra de Lélé

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  • ANDR FELIPE ROCHA MARQUES

    A OBRA DO ARQUITETO JOO FILGUEIRAS LIMA, LEL: PROJETO, TCNICA E RACIONALIZAO

    DISSERTAO DE MESTRADO

    Orientador: Abilio Guerra

    Faculdade de Arquitetura e UrbanismoPrograma de Ps-graduao em Arquitetura e Urbanismo

    Universidade Presbiteriana MackenzieSo Paulo, setembro de 2012

  • M357o Marques, Andr Felipe Rocha

    A obra de Joo Filgueiras Lima, Lel: projeto, tcnica e racionalizao. / Andr Felipe Rocha Marques 2012.

    305 f. : il. ; 30cm.

    Dissertao (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, So Paulo, 2012. Bibliografia: f. 299-305.

    1. Projeto de arquitetura. 2. Joo Filgueiras Lima (Lel). 3. Conforto ambiental. I. Ttulo.

    CDD 720.9

  • Banca Examinadora

    Qualificao de dissertao de mestrado em Arquitetura e Urbanismo apresentada

    Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

    Professor Dr. Abilio Guerra

    Instituio: Universidade Presbiteriana Mackenzie.

    Julgamento:............................................ Assinatura:........................................................

    Professor Dr. Rafael Perrone

    Instituio: Universidade Presbiteriana Mackenzie.

    Julgamento:............................................ Assinatura:........................................................

    Professor Dr. Paulo Bruna

    Instituio: Universidade So Paulo.

    Julgamento:............................................ Assinatura:......................................................

  • Crditos

    Capa: Joo Filgueiras Lima em entrevista com alunos da Univ. Macken-zie. Foto: Andr Marques; Desenho tcnicos do Hospital Sarah Rio de Janeiro. Fonte:

    JFGL/CTRS

    Projeto grfico: Andr Marques e Fernanda CritelliDiagramao: Fernanda CritelliEnsaios fotogrficos entre captulos: Andr MarquesFontes: Rotis Sans Serif 65 bold (ttulo); Rotis Sans Serif 55 (corpo texto

    e legenda); Rotis Sans Serif 45 light (nota de rodap e lista de imagem)

  • Esse trabalho dedicado a todos os meus professores.

  • Agradecimentos

    Ao arquiteto Joo Filgueiras Lima pela abertura e disponibilidade. Obriga-

    do pelo seu tempo e pelas conversas. Obrigado tambm por tornar acessvel todo seu

    acervo para esta pesquisa. Saiba que sua humildade e generosidade foi o meu princi-

    pal aprendizado.

    Varias pessoas contriburam para esse trabalho durante esses dois anos.

    Agradeo em especial Ablio Guerra, Adriana Filgueiras Lima, Alan Leonardo R.

    Marques, Albino Pires Marques, Alexandre Lipai, Aline Machado, Ana Amlia Mon-

    teiro, Ana Carina Rigolin, Andr Lenza, Anglica Alvim, Antonio Ricarte, Brbara

    Vanessa R. Marques, Cacilda Rocha Marques, Celia Regina Moretti, Celso Soares,

    Edith Gonalves de Oliveira, Fbio Alexandre R. Marques, Fbio Gionco, Felipe Soares,

    Fernanda Critelli, Fernanda Freie, Gil Andrade, Giovanni Sarquis, Haifa Sabbag, Jorge

    Abussamra, Jussara SantAna, Lizete Rubano, Luiz Carlos Toledo, Mrcia Alucci, Mar-

    co Tlio, Maria Isabel Villac, Mrio Figueroa, Ndia Somekh, Neuton Bacelar, Paulo

    Bruna, Percival Deimann, Rafael Perrone, Roberta SantAna Soares, Rodrigo Rocha,

    Ruth Verde Zein, Sami de Oliveira, Silvia Raquel Chiarelli, Vanessa Padi e Veronica

    Polzer.

    E ao Mack-Pesquisa pelo incentivo necessrio realizao da pesquisa.

  • Resumo

    Essa pesquisa pretende abordar a obra do arquiteto Joo Filgueiras Lima,

    Lel, atravs da anlise de alguns aspectos do projeto arquitetnico: desenho, tc-

    nica construtiva, conforto ambiental, racionalizao e industrializao. Tenta com-

    preender o processo criativo e construtivo desse importante arquiteto; como objetivo

    ltimo, procura colaborar no conhecimento da metodologia de seu projeto de ar-

    quitetura.

    Apresenta tambm os valores geradores que orientaram a produo do

    arquiteto ao longo dos anos, desde sua formao ao dias atuais, por meio de uma

    anlise crtica da obra e suas conexes com a arquitetura contempornea mun-

    dial, mostrando os passos que foram necessrios para consolidar uma arquitetura

    tecnolgica, industrial e humana no Brasil, e expressando na linha de pesquisa as

    possveis influncias de notveis predecessores na formao de seu repertrio ar-

    quitetnico, com exemplos e desenhos para identificao dessas expresses projet-

    uais e culturais.

    Entre os diversos nomes do repertrio de Lel, predominam Richard Neu-

    tra e Jean Prouv. Neutra, arquiteto austraco, destaca-se na Amrica, em Porto Rico

    e Estados Unidos com inmeros edifcios que so exemplos de preocupaes constru-

    tivas e ambientais. Prouv, construtor francs, reconhecido pela linguagem formal

    voltada para as possibilidades da industrializao.

    Ambos os arquitetos estiveram no Brasil em 1959, para o congresso in-

    ternacional dos arquitetos em Braslia. Neutra publicou no Brasil o livro Arquitetura social em pases de clima quente em que conta sua experincia em Porto Rico, pro-jetando e construindo edifcios sociais como escolas rurais e urbanas, posto de sade

    e hospitais. Richard Neutra exerce influncia no campo das preocupaes ambientais

    de Joo Filgueiras Lima, enquanto Prouv referncia nas questes de industriali-

    zao leve, inspirando as chapas dobrveis e montagens manuais.

  • Diante de uma obra construda expressiva, tambm numericamente, qua-

    tro projetos so aqui especialmente analisados, tendo como critrio de seleo seu

    carter nico e simblico: a escola transitria de Abadinia (1982-1984); a sede da

    Prefeitura de Salvador (1986); o hospital Sarah, em Salvador (1988-1994); e a casa

    Roberto Pinho (2007-2008), em Braslia.

  • Abstract

    This research aims to address the work of architect Joo Filgueiras Lima,

    Lel, through the analysis of some aspects of architectural design: drawing, con-

    struction technique, environmental comfort, rationalization and industrialization.

    It also tries to understand the constructive and creative process of this important

    architect; and as ultimate aim, seeks to collaborate in knowledge of the methodol-

    ogy of its architectural design.

    It presents the values that guided the architects works over the years,

    from its formation to the present day, through a critical analysis of the work and

    its connections to worlds contemporary architecture, showing the steps that were

    needed to build an architecture technological, industrial and human in Brazil, and in

    the search line expressing the possible influences of notable predecessors in forming

    its architectural repertoire, with examples and drawings to identify these cultural

    expressions and projective.

    Among the many names of the repertoire of Lel, predominate Richard

    Neutra and Jean Prouv. Neutra, Austrian architect, stands out in Puerto Rico and

    Latin America with numerous examples of buildings that are constructive and en-

    vironmental concerns. Prouv, French builder, is recognized by the formal language

    toward the possibilities of industrialization.

    Both architects were in Brazil in 1959, for an international conference

    of architects in Brasilia. Neutral published in Brazil the book Architecture of Social Concern in hot climate countries where his experience in Puerto Rico, designing and constructing buildings as social urban and rural schools, health center and hospitals.

    Richard Neutras influence in the field of environmental Joo Filgueiras Lima, while

    Prouvs reference light on issues of industrialization, inspiring plates folding and

    assembly manuals.

  • Faced with a significant built work, also numerically, four projects are

    especially analyzed here, with the selection criterion its unique character and sym-

    bolic: the transient Abadinia school (1982-1984), the seat of the Municipality of

    Salvador (1986), the Sarah hospital in Salvador (1988-1994), and the house Roberto

    Pinho (2007-2008), in Braslia.

  • ndice

    13 Introduo

    19 Captulo 01: Cultura arquitetnica e sociedade (o monge / o hippie) 23 O legado de Oscar Niemeyer e da Universidade de Braslia30 Inspirao e influncias38 Utopia e revolues contracultura54 As fbricas de Joo Filgueiras Lima, 1978-200959 A evoluo do projeto na obra de Joo Filgueiras Lima60 Interlocues com arquitetos contemporneos

    79 Captulo 2: Arquitetura e indstria (construo).81 Conversando com Jean Prov83 O controle construtivo e o desenho86 Ideologia e construo89 A industrializao da casa unifamiliar no Brasil99 Espaos servidos e servidores107 Arquitetura construo111 Racionalizao e recorrncia113 Repetio da forma e possibilidades119 Transporte, armazenamento e montagem123 Mobilirio, objetos e transporte

    151 Captulo 3: Arquitetura e meio ambiente (ambientao)153 Conversando com Richard Neutra/Estratgias Bioclimticas158 Fases da carreira de Joo Filgueiras Lima161 Recorrncia e aperfeioamento167 O natural e o espao construdo166 Richard Neutra e o Brasil169 Escolas rurais171 Jardins de ambientao174 Natureza = Tecnologia176 Natureza = Arte

    199 Captulo 4: Projetos selecionados (de Joo Filgueiras Lima, Lel)201 Escola transitria de Abadinia 218 Prefeitura de Salvador236 Hospital Sarah Salvador258 Residncia Roberto Pinho

    270 Balano Final299 Bibliografia

  • 13

    Introduo

    Graas s solues inesperadas, a obra do arquiteto Joo Filgueiras Lima

    (Lel) contribui de forma significativa para a prtica profissional da arquitetura.

    Distinguem-se sua constante preocupao com as questes referentes ao conforto

    ambiental, a definio estrutural compatvel com a flexibilidade espacial do edifcio,

    as tcnicas construtivas adequadas ao acabamento primoroso da edificao, entre

    outros recursos. A compreenso de como estas solues foram elaboradas e como

    evoluram, de como se relacionam entre si e de como se transformaram em modelos

    contribuem, sem dvida, para o saber na arquitetura.

    Esta dissertao objetiva desenvolver uma anlise critica sobre a obra e o

    mtodo de projeto do arquiteto, levantando dados tcnicos relacionados s questes

    construtivas e de conforto ambiental, colaborando com aspectos que podem con-

    tribuir para a prtica de arquitetura e urbanismo; procura tambm assinalar notveis

    precedentes e pensamentos referenciais, parmetros, tcnicas e elementos que con-

    triburam e contribuem para a implementao da indstria da construo no pas.

    Do ponto de vista mais especfico, a pesquisa procura padronizar atravs

    de desenhos e imagens uma ordem de elementos construtivos empregados de forma

    sistemtica pelo arquiteto, de tal forma que se tornem uma contribuio para estu-

    dos de implementao da indstria da construo no pas.

    No incio da pesquisa, ao revisar a produo bibliogrfica sobre Joo

    Filgueiras Lima, verificou-se que, de modo geral, os trabalhos mostram apenas uma

    panormica da obra do arquiteto. Com exceo da tese de doutorado de Ana Gabriel-

    la Lima Guimares A obra de Joo Filgueiras Lima no contexto cultural arquitetni-co contemporneo , os demais trabalhos no debatem nem confrontam com o contexto histrico e a produo internacional de arquitetura. Os textos que serviram

    como subsdio inicial para este trabalho so os seguintes:

  • 14

    1) Escola Rural transitria de Abadinia. O livro descreve a experincia pioneira de industrializao da escola com uso de argamassa aramada por Lel na ci-

    dade do interior de Gois, Abadinia. uma espcie de cartilha que demonstra passo

    a passo a execuo da escola.

    2) Lel: o arquiteto Joo Filgueiras Lima. O mestrado de Elaine Peixoto o primeiro trabalho acadmico sobre Lel, onde a autora levanta a produo do

    arquiteto, busca evidenciar e contextualizar a importncia dele no cenrio da ar-

    quitetura brasileira entre os anos de 1960 e 1990 atravs de pesquisa histrica apoi-

    ada na literatura existente, em entrevistas e em um exame de suas principais obras.

    Como instrumental necessrio compreenso dos processos de criao artstica e

    da arquitetura como um fenmeno cultural, a autora utiliza-se de aportes tericos

    empregados por Merleau-Ponty, Jorge Sainz, Giulio Argan, Renato de Fusco e Wal-

    ter Benjamin para discorrer sobre questes relativas potica do desenho, espaos,

    volumes, formas e cores que caracterizam o trabalho do arquiteto. No obstante o

    referencial terico sofisticado e internacional, a obra de Lel no cotejada com

    experincias internacionais.

    3) Joo Filgueiras Lima, Lel. Publicao organizada por Giancarlo Lator-raca, trata-se de livro panormico sobre a produo arquitetnica de Lel, apre-

    sentando inmeras imagens e memrias descritivas acerca de obras organizadas em

    ordem cronolgica. Reproduz textos de Lucio Costa e Oscar Niemeyer e uma entre-

    vista do arquiteto com Marcelo Ferraz e Roberto Pinho.

    4) CTRS: Centro de Tecnologia da Rede Sarah. Publicao que mostra a produo do arquiteto frente da fbrica do CTRS, e alguns projetos que no con-

    stam do livro organizado por Giancarlo Latorraca.

    5) Joo Filgueiras Lima: O que ser arquiteto. De autoria de Cynara Me-nezes, o livro concebido como um guia para estudantes que desejam conhecer a

    profisso de Lel. Atravs de diversas entrevistas com o arquiteto, a autora conta

    como foi sua carreira, revelando seu pensamento sobre a vida e a profisso. O livro

  • 15

    se detm mais sobre o pensamento de Lel, revelando seu imaginrio e quais os mo-

    tivos de suas escolhas profissionais.

    6) Olhares: vises sobre a obra de Joo Filgueiras Lima. Organizado por Claudia Estrela Porto, o livro foi lanado em dezembro de 2010, quando da inau-

    gurao do Memorial Darcy Ribeiro na UNB. Apresenta uma coletnea de textos de

    diversos autores sobre a obra de Lel.

    7) Ventilao e iluminao naturais na obra de Joo Filgueiras Lima, Lel. Dissertao de Jorge Isaac Pern Montero, trabalho analisa as questes de ventilao

    e iluminao natural nos hospitais Sarah Rio e Sarah Fortaleza. Demonstra o fun-

    cionamento do efeito chamin nos hospitais e as solues construtivas que permitem

    o funcionamento do sistema passivo de ventilao e iluminao.

    8) Conforto ambiental e sustentabilidade do edifcio na obra de Joo Fil-gueiras Lima (Lel). Dissertao de Gislene Ribeiro, o trabalho aborda de forma crtica as obras hospitalares, analisando as questes de conforto ambiental.

    9) A linguagem da arquitetura hospitalar de Joo Filgueiras Lima. Dis-sertao de Eduardo Westphal, o trabalho olha de forma sistemtica os diferentes

    sheds usados por Lel.

    10) Pr-fabricados em argamassa: material, tcnica e desenho de com-ponentes desenvolvidos por Lel. A dissertao de Cristina Cncio Trigo avalia os componentes em argamassa armada desenhados por Lel para projetos de escolas e

    creches.

    11) Mayumi Watanabe Souza Lima: a construo do espao para educao. A dissertao de Cssia Schroeder Buitoni apresenta as experincias feitas pela ar-

    quiteta Mayumi em escolas a partir dos componentes desenvolvidos por Joo Filguei-

    ras Lima em Abadinia, Rio de Janeiro e Salvador.

    12) A arquitetura de Lel: fbrica e inveno: Catlogo de exposio de mesmo nome ocorrida no Museu da Casa Brasileira, em So Paulo. Organizada por

    Giancarlo Latorraca e Max Risselada, a publicao apresenta imagens das obras

  • 16

    realizadas a partir do ano 2000, com destaque para o processo construtivo. Apresen-

    ta textos crticos assinados por Max Risselada, Roberto Pinho, Hugo Segawa, Antnio

    Risrio e Mrcio Correia Campos.

    Do ponto de vista metodolgico, a presente dissertao pretendeu obter

    informaes que, uma vez cruzadas, possibilitassem comparar experincias simi-

    lares de industrializao no mesmo perodo, delinear a evoluo formal das obras do

    arquiteto estudado, explicar os processos construtivos e compreender sua evoluo.

    Para tanto, se muniu do seguinte ferramental:

    1) pesquisa documental: ampla documentao das obras selecionadas atravs de material levantado no acervo do arquiteto (cpias de desenhos, relatrios

    e fotos) e visita pessoal aos edifcios (registro fotogrfico digital) fundamental

    para a abordagem qualitativa e quantitativa das obras selecionadas, em especial das

    relaes entre desenho e aspectos tcnicos de maior interesse para esta pesquisa

    (industrializao da construo, conforto ambiental, flexibilidade espacial etc.).

    2) levantamento bibliogrfico: coleta de textos diversos (peridicos, livros, trabalhos acadmicos, relatrios tcnicos etc.) sobre as obras, o arquiteto, a

    industrializao da construo e o contexto histrico brasileiro, em especial quele

    dos Estados que abrigam as obras selecionadas (Bahia, Rio de Janeiro, Distrito Fed-

    eral, Gois e So Paulo), permitindo compreender o panorama histrico-cultural onde

    brota a obra estudada, assim como as mltiplas interpretaes da mesma.

    3) entrevistas: produo de material primrio complementar, atravs de entrevistas diversas com o autor das obras, colaboradores e parceiros, crticos

    e historiadores da arquitetura etc. , importante para preencher lacunas factuais

    e cronolgicas, alm de permitir compreenso mais aprofundada de circunstncias

    especficas que determinaram as decises projetuais e detectar motivaes pessoais

    e coletivas que influram no desenvolvimento dos fatos.

    4) produo de material iconogrfico: redesenho de algumas obras exemplares com a preocupao de registrar graficamente sua geometria, detalhes

  • 17

    construtivos, estratgias climticas, solues estruturais e modulaes visa, em um

    primeiro momento, compreender o mtodo de trabalho do arquiteto estudado, passo

    fundamental para posterior anlise crtica da relao entre o desenho/projeto e o

    processo construtivo.

    A estrutura argumentativa, que conta com a apresentao das questes,

    comparaes e anlises de obras, distribuda atravs de quatro captulos, dos quais

    seguem resumos.

    O Captulo 1: Cultura arquitetnica e sociedade, por meio de um pequeno relato histrico, apresenta a carreira de Joo Filgueiras Lima, destacando a

    importncia de Oscar Niemeyer e de outros nomes da arquitetura brasileira e inter-

    nacional na sua formao. O captulo insere Lel na reflexo cultural que aconteceu

    no final da dcada de 1960, denominada contracultura, concluindo com aproxi-

    maes e interlocues de Lel com arquitetos contemporneos internacionais.

    O Captulo 2: Arquitetura e indstria conversando com Jean Prouv associa a obra de Lel aos pensamentos do construtor francs Jean Prouve, buscando

    demostrar, atravs de aproximaes, como as possibilidades construtivas desenvolvi-

    das por Prouv so incorporadas nas solues propostas por Joo Filgueiras Lima.

    Como Prouv, Lel busca sempre a montagem simples, sem a necessidade de grandes

    mquinas, onde a leveza de cada componente fundamental. As possibilidades de

    evoluo atravs da racionalizao e da recorrncia so ideias igualmente defendidas

    por estes pensadores. Outro ponto discutido como a fronteira do conhecimento es-

    pecializado ultrapassada pelas possibilidades industriais, uma vez que Lel desenha

    no somente edifcios, mas tambm mobilirio e objetos.

    O Captulo 3: Arquitetura e meio ambiente conversando com Rich-ard Neutra associa Lel ao pensamento do arquiteto austraco Richard Neutra, autor de um dos principais livros de arquitetura editados no Brasil na primeira metade

    do sculo 20, Arquitetura social em pases de clima quente. Nele, Neutra demonstra estratgias para construo de edifcios de interesse social em paises tropicais e

  • 18

    subtropicais como o Brasil. Lel que em praticamente todas as suas obras busca o

    equilbrio entre os pares natureza/tecnologia e cincia/arte cita Neutra como uma

    de suas principais referncias, ao lado de Alvar Aalto.

    O Captulo 4: Projetos de Joo Filgueiras Lima, Lel apresenta estudos de caso nos quais se busca constatar claramente as questes discutidas nos captulos

    anteriores. As obras escolhidas foram selecionadas pelos seus aspectos renovadores

    no contexto da obra geral do arquiteto:

    1) A Escola transitria de Abadinia, por ser sua primeira experincia no

    uso da argamassa para industrializao total do edifcio com componentes leves e

    com poucos recursos industriais. Essa obra serviu de base para todas as escolas pro-

    jetadas posteriormente no percurso profissional de Lel.

    2) A Prefeitura de Salvador constitui uma obra especial na carreira do

    arquiteto por se tratar de uma insero de um edifcio em centro histrico, onde a

    delicadeza da implantao e o uso do ao em uma construo de apenas doze dias

    so suas principais caractersticas. A sede da prefeitura, como o projeto anterior, foi

    concebido como efmero, sendo possvel sua desmontagem e montagem em outro

    local.

    3) O Hospital Sarah Salvador, a primeira obra do CTRS Centro de Tec-

    nologia da Rede Sarah, foi projetado inicialmente para ser construdo em argamassa

    armada. Com o fim da FAEC, o projeto foi modificado e adaptado para o uso do ao,

    tcnica recorrente nos hospitais posteriores. No Sarah Salvador, Lel usa pela primei-

    ra vez os dutos de instalaes e ventilao.

    4) Residncia Roberto Pinho se sobressai por ser uma casa industrializada

    com recursos da indstria da construo civil disponvel no Brasil. Nessa obra Lel

    no conta com o aporte de suas fbricas, mesmo assim desenvolve uma construo

    industrializada de impecvel acabamento.

  • Captulo 01: Cultura arquitetnica e sociedade (o monge / o hippie)

  • 21

    Captulo 01: Cultura arquitetnica e sociedade (o monge / o hippie)

    Joo Filgueiras Lima o Lel inicia sua carreira de arquiteto no incio

    dos anos 1960, perodo marcado por grandes mudanas culturais. Com a construo

    de Braslia, o Brasil inicia uma nova ocupao no interior do pas. Suas cidades

    comeam a crescer vertiginosamente a partir dessa dcada, resultando em uma

    transformao territorial mais urbana, terciria e industrial, descaracterizando o

    Brasil como um pas agrcola. No mundo, os avanos tecnolgicos se processam cada

    vez mais rapidamente, mudando formas antigas de viver. As novas tecnologias so

    impulsionadas com a corrida espacial e o mundo se polariza de forma extrema em

    torno dos Estados Unidos e da hoje extinta Unio Sovitica.

    Em 1959, no perodo de 17 a 25 de setembro, acontece em Braslia, sete

    meses antes de sua inaugurao oficial, e nas cidades de So Paulo e Rio de Janeiro,

    o Congresso Internacional Extraordinrio de Crticos de Arte tendo como tema Ci-dade nova: Sntese das artes. Entre os presentes se destacam os arquitetos e crti-cos Alberto Sartoris, Giulio Carlo Argan, Stamo Papadaki, Bruno Zevi, Jean Prouv,

    Gillo Dorfles, Toms Maldonado, Flavio Motta, Mrio Pedrosa, Willian Holford, Eero

    Saarinen, Charlotte Perriand e, naturalmente, Oscar Niemeyer.

    Esse evento teve desdobramentos no meio arquitetnico internacional.

    Em 1982, Jean Prouv comenta, em conversa com Armelle Lavalou, as mudanas da

    arquitetura e, por consequncia, dos arquitetos. Lembra de quando esteve no Brasil

    para o Congresso Internacional e como este influenciou o arquiteto finlands Eero

    Saarinen.

    A mais caracterstica [mudana] foi a do Saarinen. Ele acabava de re-

    alizar os edifcios da General Motors (...) Eu estive com Saarinen no Brasil.

    Ele me confiou: Estou cheio de fazer cubos de acar! Foi nesta poca

  • 22

    Figura 01 - Os amigos Lel e Oscar Niemeyer no escritrio deste, em Copacabana.Fonte: LATORRACA, 2000, p. 10.

    que construiu o edifcio da TWA no Aeroporto Kennedy... 1

    Podemos imaginar o impacto da obra de Oscar Niemeyer em Eero

    Saarinen, ao criar a magnfica obra do terminal da TWA, projetado entre 1956 e

    1962, em Nova York. Essa enorme influncia de Oscar atuou no repertrio formal

    da arquitetura mundial. No incio do sculo XXI ainda podemos perceber o legado

    deixado pelo mestre brasileiro em quase toda a arquitetura contempornea, desde os

    arquitetos brasileiros aos estrangeiros.

    1 - PROUV, Jean. In LAVALOU, Armelle (ed.). Conversas com Jean Prouv. Barcelona: Gustavo Gili, 2005, p. 84.

  • 23

    O legado de Oscar Niemeyer e da Universidade de Braslia

    Lel, graas a sua experincia anterior na construo de edifcios habita-

    cionais para o antigo Instituto dos Aposentados e Pensionistas Bancrios IAPB , se

    integra ao grupo de profissionais responsveis pela construo da nova Universidade

    do Brasil na recm-construda capital. O primeiro reitor da Universidade de Braslia

    como hoje ela denominada era o antroplogo Darcy Ribeiro (1922-1997), sendo o

    arquiteto Oscar Niemeyer o coordenador do curso de tecnologia. Lel torna-se secre-

    trio para o desenvolvimento do plano urbanstico para a implantao da universi-

    dade e constri inmeros pavilhes, sendo o conjunto Colina edifcios residenciais

    para os professores a maior obra desse perodo.

    Um fato importante na Universidade de Braslia UnB consiste na lider-

    ana de Oscar Niemeyer no uso da tcnica da pr-fabricao. No final dos anos

    1950, ele utiliza estruturas pr-fabricadas em inmeros projetos, sendo que no de-

    senho de uma escola rural, de 1963, podemos encontrar preocupaes presentes na

    obra de Lel para a escola transitria de Abadinia.

    Em sua trajetria, Oscar Niemeyer projetou e construiu obras impor-

    tantes com estruturas pr-fabricadas, tanto no exterior Universidade de Constan-

    tine, Argel, Arglia (1969-72), Sede da Fata-European Group, Pianezza, Turim, Itlia

    (1974-75) como no Brasil caso do Ministrio do Exrcito em Braslia DF (1967).

    O palcio do exrcito de Braslia que se completava com mais oito

    blocos num total de 1900 metros corridos, justificando a pr-fabricao

    a soluo adotada a mais radical possvel com apenas dois elementos

    pr-fabricados: apoios de 16 metros de altura e lajes de 15 x 5. E o edif-

    cio surgiu como um verdadeiro palcio, provando que a pr-fabricao,

    quando bem concebida, no significa vulgaridade.2

    Para a UnB, alm do prdio principal, conhecido como Minhoco, Oscar

    2 - NIEMEYER, Oscar. Problemas da arquitetura 4: O pr-fabricado e a arquitetura. Revista Mdulo, Rio de Janeiro, n. 53, mar./abr. 1979, p. 56.

  • 24

  • 25

    Figura 03 - Alojamento para estudantes, Oscar Niemeyer, Braslia, 1962. Fonte: PETIT, Jean. Niemeyer: poeta na arquitetura. Lugano, Fidia Edizioni dArte, 1995. p. 99.

    prope a construo do edifcio residencial para os estudantes com clulas pr-

    fabricadas empilhveis, montadas por gruas. Cada habitao era sobreposta de forma

    intercalada, criando entre cada duas um jardim privativo, soluo que podemos rela-

    cionar a um edifcio contemporneo o Habitat 67, de Moshie Safdie , que tinha

    como filosofia um jardim para cada um.3

    Mas a pr-fabricao pode ter os aspectos mais diferentes e, como

    um jogo de armar, ser feita como unidades completas e independentes.

    Na Universidade de Braslia estudamos um tipo de habitao para es-

    tudantes sem fundao especial no qual as unidades habitacionais,

    inteiramente prontas, seriam simplesmente colocadas sobre o terreno,

    nivelado, uma sobre as outras e alternadas para que o teto de uma

    servisse de terrao-jardim para a outra. A soluo era to flexvel que

    permitiria variar todo o conjunto.4

    Observando as obras de Niemeyer do perodo entre 1980 e 2000 consta-

    ta-se que o arquiteto se afastou desta questo. Ele tem como premissa mxima a in-

    veno, tornado- se um arquiteto da criatividade e afastado da tcnica. Para Oscar, a

    racionalizao e industrializao dependem de demanda, levando assim o carter de

    obra nica seus ltimos projetos. Niemeyer conclui em um dos seus famosos textos

    sobre problemas da arquitetura como considera a questo da pr-fabricao.

    claro que a pr-fabricao representa uma limitao e s deve ser

    aplicada quando problemas de economia e rapidez os reclamam. De outro

    lado seria a fantasia desnecessria, um obstculo prpria imaginao

    do arquiteto.5

    3 - O segundo livro de Moshie Safdie tem como ttulo: For Everyone A Garden de 1974. The MIT Press (Cambrige, Mass), Edited by Moshe

    Safdie and Judith Wolin.

    4 - Idem, ibidem, p. 58.

    5 - Idem, ibidem, p. 58.

    Figura 02 -Escola Primria, Arquiteto Oscar Niemeyer, 1963, Braslia. Fonte: revista Mdulo, n.32, p. 46-47.

  • 26

    Apesar das semelhanas formais entre a obra de Joo Filgueiras Lima e

    Oscar Niemeyer, elas diferem principalmente pelas questes construtivas. Os edifcios

    de Niemeyer so construdos de forma artesanal, sofrendo inmeras deformaes pe-

    las tcnicas mal aplicadas. Atualmente fcil notar acabamentos ruins no concreto,

    caixilharias mal desenhadas e problemas srios de manuteno. Essa viso crtica

    aumenta, principalmente, aps a construo de Braslia; possvel imaginar quan-

    tas toneladas de madeira foram necessrias para construes dos palcios da nova

    capital.

    De forma distinta desta caracterstica , quando observamos a obra de

    Lel, notamos que as questes construtivas so em grande medida prioritrias. Joo

    Filgueiras Lima afirma que a racionalizao no depende da escala 6,demonstrando

    que o projeto necessita de uma racionalizao para evitar desperdcios generaliza-

    dos, tanto na sua configurao espacial quanto na sua construo. Essa preocupao

    ao menos em parte tributria da profunda mudana cultural do final dos anos

    1960, em que o mundo comea a se conscientizar acerca da destruio dos recur-

    sos naturais, como aparece no discurso do arquiteto, associado questo social da

    explorao do trabalho, em depoimento nos anos 1970:

    A gente s deve propor uma pr-fabricao quando ela se justifica. Por

    outro lado, tambm acho que no devemos aceitar condies vulgares

    que predominam hoje na construo. A gente tem que se colocar numa

    posio radical, antagnica aos abusos que a construo civil propicia,

    quer em termos de destruio de elementos naturais, quer de explorao

    de mo-de-obra. A gente v, em Braslia, as matas ciliares todas destru-

    das. Quem que v mais pinho do Paran? E um pinheiro daqueles que

    demoram 40 anos para crescer. [...] A construo civil, da forma em que

    ainda colocada no Brasil, tem a filosofia do desperdcio e da explorao

    mais vil possvel da mo-de-obra, que chamam de desclassificada.7

    6 - Em entrevista com o autor na Universidade Mackenzie, So Paulo, em 18 out. 2010.

    7 - LIMA, Joo Filgueiras. Depoimento. In Arquitetura Brasileira aps Brasilia / Depoimentos: Edgar Graeff, Flavio Marinho Rego, Joaquim

  • 27

    Figura 04 - Congresso Nacional, Arquiteto Oscar Niemeyer, 1959-60, Braslia. Foto: Marcel Gautherot

  • 28

    Figura 05 - Lel em uma reunio entre amigos de msica em 1988 com o traje Sun Zhongshan Foto: Adriana Filgueiras Lima

    dupla agenda preocupaes ecolgicas e sociais soma-se uma

    terceira, de carter plstico. Lel, sempre deixou claro o quanto sofreu influncia

    de Oscar Niemeyer, assumindo, sem constrangimentos, um trao que muito sugere a

    obra do mestre. Lel, como Oscar, baseia sua obra numa tipologia formalista, na qual

    os edifcios so claramente definidos e desenvolvidos a partir de suas formas e no

    por suas funes. Lel chega a se declarar um subproduto de Oscar Niemeyer.

    Por uma contingncia de vida, o destino me jogou pro outro lado, eu

    fui obrigado a absorver essa coisa de tecnologia, e o Oscar sempre tra-

    balhou com o concreto da forma mais livre possvel... Escultrica. E eu

    fiquei assim, quer dizer, no estou querendo me comparar com o Oscar,

    sou um subproduto. Estou apenas justificando como que foi a forma de

    influncia.8

    Podemos encontrar tambm na obra de Lel inmeras formas que se repe-

    tem, podendo assumir diferentes funes. As formas das plantas e elevaes quase

    sempre so retngulos, quadrados, crculos, semicrculos ou trapzios. Formas puras

    e de fcil percepo, que so valorizadas pelas cores brancas em suas empenas. Lel

    utiliza-se de toda gramtica e sintaxe de Oscar Niemeyer, adotando, nas palavras de

    Darcy, um estilo oscrico.9

    Nunca vi, em tempo algum, nada de to ousado como a liberdade plsti-

    ca que Oscar se d como arquiteto, e a coragem com que ele cria as cois-

    as mais inesperadas, como se fizesse obra trivial, nclita. Por este caminho

    Guedes, Joao Filgueiras Lima. Rio de Janeiro, IAB/RJ, 1978, p. 243.

    8 - LIMA, Joo Filgueiras. O arquiteto Joo Filgueiras Lima (Lel) proferiu palestra, em outubro de 1999, no I Seminrio Nordeste de Arquite-

    tura, em Fortaleza, apresentando seus projetos de escolas, hospitais, prdios pblicos, residncias. A COBOG e mais um grupo de estudantes

    de arquitetura conversamos com o Lel aps a palestra, numa entrevista informal. Apresentamos aqui a transcrio dessa conversa. Alguns

    trechos da gravao foram resumidos ou interpretados, por motivo de clareza. Data da entrevista 26 de outubro de 1999. Disponvel: http://

    cobogo.sites.uol.com.br/entrevista01.htm

    9 - Marco do Valle identifica a linguagem formal utilizada por Oscar Niemeyer: 1. volume telhado invertido/ volume trapzio ou prismtico; 2.

    pilares / pilotis; 3. arcos e abbadas; 4. marquises; 5. formas cilndricas; 6. cpulas e calotas. VALLE, Marco Antonio Alves do. Desenvolvimento

    da forma e procedimentos de projeto na arquitetura de Oscar Niemeyer (1935-1998). So Paulo/FAU-USP, Tese de Doutorado, 2000.

  • 29

    que, ao longo das dcadas, ele foi construindo um padro oscrico, que

    hoje um dos pendores da arquitetura mundial. No impossvel que,

    amanh, se fale de arquitetura oscrica como um substantivo comum.

    Que ningum se engane pensando que Oscar um arquiteto brasileiro,

    inspirado nas curvas de nossas belas mulheres e de nossas majestosas

    montanhas. Qual! Nada disso. Oscar a realizao at o limite da capaci-

    dade humana de criar beleza.10

    A beleza do racionalismo europeu, dado pelos prismas cbicos brancos,

    colocada em questo por Oscar Niemeyer na utilizao da plasticidade e liberdade

    construtivas do concreto armado. Niemeyer compreende o concreto armado na sua

    possibilidade construtiva atravs da fundio de moldes. Criando peas escultricas

    como marquises, colunas, arcos/ abbadas ou cpulas. Darcy Ribeiro deixa claro que

    a expressividade plstica de Oscar Niemeyer no somente uma questo de carter

    nacional brasileiro e sim uma alternativa cultural qualquer, como: o limite da ca-

    pacidade humana de criar a beleza.

    Niemeyer foi importante tambm para a formao cultural de Lel.

    Aproximou Joo Filgueiras no Partido Comunista do Brasil PCB , no qual ele nunca

    se filiou, mas com o qual compartilhava seus ideais polticos e ideolgicos. Durante

    o perodo da UNB, na companhia de Oscar, Lel participava das reunies do PCB e,

    j nos anos 1980, esteve na China, onde pde conhecer as heranas da revoluo

    cultural chinesa de Mao Ts-tung, ocorrida em 1966. Ele gostou de muitas coisas que

    viu poucos carros e a populao utilizando bicicletas como transporte individual;

    apesar do barulho infernal das campainhas das bicicletas aquilo o agradou. Men-

    ciona ainda o vesturio, todos com as jaquetas azuis de Mao (conhecidas na China

    por traje Sun Zhongshan). Uma jaqueta azul, estilo militar com quatro bolsos com

    aba e botes pretos, que ele aderiu ao seu vesturio usando at hoje em suas pal-

    estras, 30 anos depois da visita a China.

    10 - RIBEIRO, Darcy. Testemunhos. In NIEMEYER, Oscar. Minha arquitetura 1937-2004. Rio de Janeiro: Revan, 2004, p. 397.

  • 30

    Figura 06 - Traje Sun Zhongshan Foto: Andr Marques

    Inspirao e influncias

    No incio de suas trajetrias, inmeros arquitetos buscam nas experin-

    cias de outros colegas solues que os inspirem na resoluo de suas obras. O caso

    de Joo Filgueiras Lima no diferente, como pudemos observar em relao s

    preocupaes com a pr-fabricao, que absorve de Oscar Niemeyer. Contudo, de

    maneira direta ou indireta, outros mestres da arquitetura Alvar Aalto, Mies Van

    Rohe, Marcel Breuer, Buckminster Fuller, Lcio Costa poderiam ser mencionados

    como influentes na construo de um repertrio que ser fundamental na produo

    arquitetnica de Lel.

    Outro arquiteto importante no incio da carreira de Lel foi Aldary Tole-

    do11, com quem ele trabalhou no IAPB. Aldary Toledo foi fundamental para formao

    artstica e tcnica de Lel, que vinha de um colgio militar, Aldary abriu meus olhos

    e fui muito influenciado por ele at pela arquitetura que fazia, mas, na verdade,

    estava num perodo de esponja, de absorver o que fosse.12 Essa afirmao demonstra

    o quanto Lel estava aberto a arquitetos experientes e de posio intelectual mais

    voltada s preocupaes ideolgicas da arquitetura.

    Na poca de estudante, Lel frequentava a casa de Aldary Toledo, que

    mantinha um grupo de alunos para discutir arquitetura e arte. Grupo que se for-

    mou por acaso - graas a um sobrinho do arquiteto e se manteve por geraes

    de formandos, j que os veteranos levavam colegas novatos. Os alunos que mais

    se destacavam trabalhavam tambm como estagirios para Adary, caso do Lel.

    Nesse ambiente, Lel conheceu Oscar Niemeyer e Darcy Ribeiro, realizando inmeros

    trabalhos juntos.13

    Aldary Toledo (arquiteto-adjunto) trabalhou com Jorge Moreira Machado

    11 - Aldary Toledo (Rio de Janeiro, 1915-1998) pintor e arquiteto. Foi discpulo de Candido Portinari entre 1932-1935. Trabalhou com Oscar

    Niemeyer, Francisco Bolonha e Edgar do Vale em diversos projetos na cidade de Cataguases (MG) durante a dcada de 1950.

    12 - LIMA, Joo Filgueiras. In MENEZES, Cynara. Joao Filgueiras Lima: O que ser arquiteto. Rio de Janeiro: Record, 2004, p.34

    13 - Histria contada pelo arquiteto Luiz Carlos Toledo, filho do Aldary Toledo, para o autor em entrevista (No prelo) publicada no Portal

    Vitruvius.

  • Figura 07 - Lel com traje Sun Zhongshan em 28/10/2010Foto: Andr Marques

  • 32

    Figura 08 - Hospital de Puericultura, Arquitetos Jorge Moreira Machado e Aldary Toledo, Rio de Janeito, 1962. Fonte: CZA-JKOWSKI, 1999, p.132.

    (arquiteto-chefe) na implantao da Cidade Universitria do Rio de Janeiro na Ilha

    do Fundo. No projeto do Hospital de Puericultura na Cidade Universitria (1949-

    1953) podemos encontrar diversos aspectos, mais tarde reproduzidos na obra de

    Joo Filgueiras Lima: o uso da quinta fachada com sheds, a sntese das artes e a

    planta funcionalista uma circulao- tronco que une trs edifcios, resultando em

    ptios abertos para a paisagem. Uma flagrante influncia de um projeto para outro.

    O termo influncia entendido aqui como parte importante da concep-

    o do projeto, pois se trata de uma voluntria seleo de repertrio por parte de um

    arquiteto na sua formao profissional, como pode se observar nesta passagem de

    Abilio Guerra:

    Quando se fala de influncia na rea da cultura, no se pode perder de

    vista que o sujeito influenciado escolheu em alguma medida seu objeto

    de desejo dentre um conjunto expressivo de ofertas culturais. A influncia

    cultural , desde sua origem, um processamento que implica em seleo

    e adaptao, mesmo considerando que em parte ela possa ser contraban-

    deada por mecanismos sutis da subjetividade ou por imposies culturais

    (em termos psicanalticos, poderamos chamar estes mecanismos de in-

    consciente e superego).14

    possvel notar traos de Marcel Breuer no Centro Administrativo da

    Bahia, em Salvador (1973), de Lel, com o Centro de Pesquisa da IBM na Frana

    (1960-1962), de autoria do arquiteto hngaro Breuer. Em ambas ocorrem a utili-

    zao da curva na planta, o gabarito de altura baixo ( trs a quatro pavimentos),

    materiais aparentes sem acabamentos posteriores e a soluo de soltar parcial-

    mente o corpo do edifcio atravs de elegantes pilotis no trreo. A fora estrutural

    tambm marca as duas obras: paredes externas autoportantes divididas em mdulos-

    janelas criando na fachada um ritmo regular que salienta a forma sinuosa do edif-

    14 - GUERRA, Abilio. O brutalismo paulista no contexto paranaense. A arquitetura do escritrio Forte Gandolfi. Resenhas Online, So Paulo,

    n. 09.106.02, Vitruvius, out. 2010 .

  • 33

    Figura 09 - Centro de pesquisa da IBM, Marcel Breuer, 1960-62, Frana. Fonte: COOBERS, 2009, p.70. (vista area e desenho do detalhe da fachada)

  • 34

    Figura 10 - Centro Administrativo da Bahia, Joo Filgueiras Lima, 1973, Salvador. Fonte: LATORRACA, 2000, p.55-63. (vista da fachada foto e croqui)

  • 35

    Direita:Figura 12 - Igreja Riola, Alvar Aalto, 1975-78, Riola, Italia. Fonte: WESTON, 1996 p.213.

    Esquerda:Figura 11 - Igreja de Brotas, Joo Filgueiras Lima, 1980, Salvador. Fonte: LATORRACA, 2000, p. 122.

    cio.

    A Igreja de Brotas (1980), em Salvador outra obra de Lel em que

    podemos observar grande referncia dos arquitetos modernos Ela apresenta inmeras

    caractersticas da Igreja Riola (1966-68) de Alvar Aalto. Ambas tm o predomnio

    do tijolo aparente e iluminao natural a partir de sheds na cobertura; o desenho tambm se assemelha no corte, com a sucesso de semicircunferncias escalonadas.

    O shed, uma soluo muito comum em projetos industriais do incio do sculo XX,

    utilizada por Le Corbusier e J. M. Sert em inmeros projetos possivelmente influen-

    ciaram Alvar Aalto.

    A influncia constatada pode ser confirmada no depoimento de Lel a

    Marcelo Ferraz e Roberto Pinho, em que ele confirma seu apreo por Alvar Aalto:

    Depois eu fiz algumas viagens muito proveitosas, principalmente quando

    fui a Finlndia visitar as obras de Alvar Aalto pessoalmente. Foi exce-

    lente! Fui em 1969, j estava um pouco mais maduro. Fiquei um tempo l,

    conheci Arne Jacobsen, que tem um trabalho muito bom seguindo a coisa

    da arquitetura nrdica, que uma arquitetura diferente, uma proposta

    que considera o problema do clima e de toda a formao cultural deles.

    Eu acho que o trabalho do Alvar Aalto muito rico. Foi uma contribuio

    enorme!15

    Lel ainda comenta a importncia da arquitetura da Finlndia em seu

    trabalho:

    O que enriquece muito a arquitetura do Alvar Aalto a preocupao

    coma as funes em um prdio e com os detalhes. Eu acho que ningum

    fez isso com mais propriedade do que ele. O detalhe fundamental, isso

    voc aprende com Aalto, com Chacowiski e vrios arquitetos importantes

    dessa gerao. Gosto muito do Arnold, tambm. Eu aprendi muitas coisas

    15 - LIMA, Joo Filgueiras. In LATORRACA, Giancarlo (org). Joao Filgueiras Lima: Lel. Lisboa: Editorial Blau, So Paulo: Instituto Lina Bo e P.M.

    Bardi, 1999, p. 22.

  • 36

    Figura 13 - Dymaxion House, Buckminster Fuller, 1920, Estados Unidos. Fonte: BEHLING, 2002, p.161.

    na Finlndia. Visitei uma cidade no norte do pas, Tampere, onde havia

    um hospital de seiscentos leitos maravilhoso. Eu fiquei empolgado com

    o hospital; o ambulatrio cheio de sheds, com aquela luz entrando (eu

    fui l no vero), cheio de jardins e, ao mesmo tempo, com a mais alta

    tecnologia. Era o nico hospital na poca, em 1969, onde j faziam ci-

    rurgias inteiramente computadorizadas. E apesar de toda a absoro da

    tecnologia, o prdio era super humano, com obras de arte, aquela coisa

    integrada, sem excessos, comedida, com mobilirio bonito, brinquedos.

    Voc fica apaixonado pelos brinquedos de madeira feitos ali. 16

    Outro arquiteto moderno que podemos sugerir como referncia obra de

    Lel, mesmo que indiretamente, Buckminster Fuller, autor,nos anos 1920, de uma

    residncia industrializada que poderia ser implantada em qualquer clima a Dymax-

    ion House. Essa casa provia inmeros artifcios para resolver as questes climticas

    e de conforto ambiental como teto aerodinmico para melhor ventilao dos ambi-

    entes internos; cama de embutir; mesa suspensa; e mquinas de lavar e secar roupa.

    A casa foi construda em ao e suspensa por um nico pilar central contendo todas

    as instalaes, distribudas em planta hexagonal e dividida por biombos pr-fabrica-

    dos.

    A semelhana com Buckminster Fuller diz respeito inventividade e

    experimentao. Fuller era acima de tudo um cientista, possvel constatar isso em

    suas obras. Generalista ao extremo, desenvolveu projetos cartogrficos, desenhou

    e construiu casas, automveis e barcos. Na mesma linha, Lel desenvolveu in-

    meros projetos para a rede Sarah, desde a cama-maca , nibus, barcos, elevadores,

    mobilirios e hospitais. Ambos os projetistas se dizem grandes fracassados em razo

    do insucesso de inmeras experincias quando na busca de avano tecnolgico.

    Projetistas que transitam nas fronteiras do conhecimento, investiga-

    16 - LIMA, Joo Filgueiras. In LATORRACA, Giancarlo (org). Joao Filgueiras Lima: Lel. Lisboa: Editorial Blau, So Paulo: Instituto Lina Bo e P.M.

    Bardi, 1999, p.30.

  • 37

    Figura 14 - Casa Tropical, Jean Prouv, 1949, montada na oficina de Maxville. Fonte: Fonds Jean Prouv

    tivos, curiosos e insaciveis na busca do aperfeioamento de suas ideias,

    estaro inevitavelmente sucessveis ao risco de falhas, dado o contedo

    de inovao indissociveis de suas descobertas e propostas.17

    Outra experincia com elementos anlogos obra de Joo Filgueiras

    Lima a casa tropical prottipos industrializados, montveis e desmontveis,

    para serem utilizadas na frica , de Jean Prouv, 1949. Prouv busca provar com

    esse projeto que sua casa industrializada se adapta melhor ao clima quente do que

    as construes vernaculares daquela regio. A sua proposta provou sua teoria, mas

    o custo mostrou-se invivel; a produo era cara, demorada e apenas trs unidades

    foram construdas.

    17 - REBELLO, Yopanan Conrado Pereira ; Maria Amlia D. F. DAzevedo Leite. O Mestre-construtor. In PORTO, Claudia Estrela (org). Olhares:

    vises sobre a obra de Joao Filgueiras Lima. Editora UNB: Brasilia, 2010, p. 66.

  • 38

    Figura 15 - Pavilho dos Estados Unidos, Buckminster Fuller, 1967, Geodsica para a Expo 67.Fonte: a2d-architecture.com

    Utopia e revolues contracultura

    Soyez ralistes: demandez limpossible (Seja realista: exija o impos-

    svel) Andr Breton

    Poucos so os momentos que a histria destaca como uma grande vi-

    rada de pgina. O ano de 1968 marcou profundamente inmeras geraes que o

    sucederam; possvel notar ainda hoje sinais desse tempo. Todo iderio ecolgico,

    hoje chamado de sustentabilidade, deu seus primeiros passos a partir da. No cin-

    ema, o filme norte-americano de fico cientfica Planeta dos Macacos (Planet of Apes, 1968) mostrava nossa incapacidade de evitar a extino da raa humana. A

    imagem do astronauta Taylor (Charlton Heston) junto s runas da Esttua da Liber-

    dade exemplifica a viso coletiva do que se esperar do homem e de suas atitudes

    temerrias.

    As questes da liberdade intelectual, sexual e comportamental hoje to

    defendidas foram colocadas em pauta neste perodo, que tem como uma de suas

    grandes expresses a chamada contracultura.

    A contracultura ento definida como reverso da cultura estabelecida, e

    encontra seus aspectos mais distintivos no antiautoritarismo, na original-

    idade, na criatividade, na espontaneidade, no amor, no gosto e no prazer,

    no jogo e no trato direto, no esprito tribal e nas comunas. As comunas

    K1 e K2, em Berlim, seriam emblemticas desta nova atitude. Com elas

    surgem tambm, pela primeira vez documentados, os novos problemas

    cotidianos a diviso de tarefas, o seu carter rotativo, a formao de

    casais e situaes assimtricas, a obteno de recursos econmicos, a

    liderana e o surgimento de tendncias tribais, a limpeza, etc. , obrig-

    ando a um aprendizado do esprito antiautoritrio no mbito da intimi-

    dade que integra hoje a tradio de um movimento, o dos squatters ou

  • 39

  • 40

    Figura 16 - Estrutura geodsica transportada por helicptero. Autor e data desconhecidos.Fonte: http://mfareview.wordpress.com/

    okupas, disperso atualmente por todo o mundo.18

    Importante notar a presena e a fora das manifestaes culturais e

    polticas deste momento no Brasil e no mundo. O Brasil vivia os quatro primeiros

    anos da ditadura militar, anterior radicalizao ocorrida em 1968 com o AI-5,19

    portanto ainda com frestas que possibilitavam manifestaes populares de mbito

    cultural e social de grande relevncia. Na msica, em 1967, com crescimento da

    popularidade da Bossa Nova, Antnio Carlos Jobim grava nos Estados Unidos o lbum

    Francis Albert Sinatra & Antnio Carlos Jobim fato que marca profundamente a

    historia da msica brasileira.20

    O cenrio mundial era marcado pelas grandes manifestaes juvenis e

    ideolgicas, em vrios idiomas podamos ouvir a expresso o povo no poder. Ideo-

    logia alimentada pelas propagandas da nova repblica socialista chinesa, conhecida

    como a grande revoluo proletria, iniciada pelo lder revolucionrio Mao Ts-tung

    (1893-1976). Com endurecimento da ditadura em 1968, esses iderios comunistas,

    claramente inspirados nos lderes revolucionrios cubanos 21, vo levar estudantes de

    diversas partes do pas s manifestaes de guerrilha urbana.

    Outro aspecto importante dos anos 1960 a tecnologia. Nesse perodo,

    Lel, afastado na UnB em razo do fechamento da escola, executa em Taguatinga seu

    primeiro projeto hospitalar. O hospital foi todo executado em pr-moldados pesa-

    dos de concreto armado, onde cada clula de fechamento poderia chegar a quatro

    toneladas. Um ano antes (1967), no Canad, construdo o prottipo de habitao

    popular, o Habitat 67, desenhado por Moshie Safdie (1938). Moshie explica por que o

    uso da pr-fabricao no projeto em Montreal:18 - BALOS, Iaki. A boa-vida: visita guiada as casas da modernidade. Barcelona: Gustavo Gili, 2003, p. 122.

    19 - O Ato Institucional n. 5 (AI-5) redigido em 13 de dezembro de 1968, entrou em vigor durante o governo do ento presidente Artur da

    Costa e Silva. O ato sobreps Constituio de 24 de janeiro de 1967, dando poderes extraordinrios ao Presidente da Repblica e suspendia

    vrias garantias constitucionais.

    20 - Sobre a histria da Bossa Nova, ver: CASTRO, Ruy. Chega de saudade: a histria e as histrias da Bossa Nova. So Paulo: Companhia das

    Letras, 1990.

    21 - Revoluo Cubana aconteceu em 1 de janeiro de 1959, coordenada pelo movimento 26 de julho que tinha como lder o advogado cubano

    Fidel Castro (1926) e o mdico argentino Ernesto Guevara (1938-1967) que naquele ano tinham 32 e 30 anos respectivamente.

  • 41

    O aspecto tecnolgico era fcil de explicar. Nos anos 1960 ns acredi-

    tvamos que a industrializao poderia reduzir enormemente o custo da

    habitao, melhorar sua qualidade e rapidez de entrega. A lgica pare-

    cia clara e da tradio de Buckminster Fuller. Segundo o qual o aper-

    feioamento dos meios de produo poderia reduzir os custos e tornaria

    a habitao acessvel a todos os segmentos da sociedade.22

    Esses novos ideais transformam a arquitetura mundial e novos pensadores

    modernos tomam a dianteira nas discusses, substituindo os antigos argumentos

    defendidos pelos primeiros mestres modernos, como Le Corbusier ou Frank Lloyd

    Wright. Pensamentos imbudos de preocupaes ambientais e motivados pelas novas

    tecnologias, como os presentes nas ideias de Buckminster Fuller (1895-1983), guru

    da contracultura americana segundo Luis Fernandez-Galiano:

    Fuller fue uno de los hroes de mi generacin. Para los que iniciamos la

    carrera en 1968 El ao del mayo francs y la primavera de Praga, pero

    tambin del Whole Earth Catalog, la biblia de la contracultura ameri-

    cana y la terminamos coincidiendo con la primera crisis del petrleo en

    1973-74, la arquitectura era inesperable del cambio social impulsado por

    los movimientos alternativos y de la mudanza tcnica estimulada por el

    agotamiento de los combustibles fsiles.23

    Fuller influencia toda uma nova gerao de arquitetos e engenheiros.

    Principalmente o grupo Archigram (1961-1974), que tinha como membros os ar-

    quitetos Peter Cook, Warren Chalk, Ron Herron, Dennis Crompton, Michael Webb e

    David Greene. Suas propostas revolucionrias e utpicas entraram no imaginrio dos

    jovens estudantes de arquitetura do mundo inteiro. Mas na Inglaterra que essas

    22 - SAFDIE, Moshe. Alm do Habitat. Traduo Silvana Rubino. culum, Campinas, n. 7/8, CAD FAU PUC-Campinas, 1996, p. 49

    23 - FERNNDEZ-GALIANO, Luis. BUCKMINSTER FULLER 1895-1983. AV monografias, n. 143, 2010, p. 3

  • 42

    Figura 17 - Plug-In-City, Peter Cook, Archigram, 1964.Fonte: essential-architecture.com

  • 43

    ideias se fortificam. Nos anos 1970, a arquitetura inglesa ter os principais arqui-

    tetos da chamada arquitetura high-tech. Neste contexto temos o arquiteto Norman Foster, muito influenciado por Buckminster Fuller:

    Tuve el privilegio de colaborar con Bucky durante los doce ltimos aos

    de su vida, y esta relacin influy profundamente en mi trabajo y mi

    manera de pensar. Inevitablemente, tambin adquir una visin cercana

    de su filosofa y sus logros. (...) En 1951 Fuller se ocup de los temas

    ecolgicos, tan vitales en nuestra cultura, cuando se refiri a la Nave

    Espacial Tierra y a la fragilidad de nuestro planeta, haciendo que su tra-

    bajo y sus observaciones sean hoy an ms importantes de lo que fueron

    durante su vida.24

    Em seu livro sobre a sustentabilidade na arquitetura e no urbanismo, o

    arquiteto britnico Richard Rogers que fora scio de Norman Foster no escritrio

    Team 4, com suas respectivas esposas, Su Brumwell e Wendy Cheesema coloca uma

    citao de Buckminster Fuller em seu primeiro captulo:

    Para comear a correo de nossa posio a bordo da grande nave, o

    planeta terra, antes de mais nada devemos reconhecer que a abundn-

    cia dos recursos imediatamente consumveis,inevitavelmente desejveis

    ou absolutamente essenciais, at agora, foi suficiente para permitir que

    continuemos nossa jornada, apesar de nossa ignorncia. Estes recursos,

    em ltima instncia esgotveis e dilapidveis, foram adequados at este

    momento crtico. Aparente, essa espcie de amortecedor dos erros de

    sobrevivncia e crescimento da humanidade foi alimentado, at agora,

    da mesma forma que um pssaro dentro do ovo se alimenta do liquido

    envoltrio, necessrio para uma etapa de seu desenvolvimento somente

    at um certo ponto.25

    24 - FOSTER, Norman. BUCKMINSTER FULLER 1895-1983. AV monografias, n. 143, 2010, p. 3

    25 - FULLER, Buckminster. Manual de operaes para o planeta Terra. Apud ROGERS, Richard. Cidades para um pequeno planeta. Barcelona:

  • 44

    Figura 18 - Habitat 67, Moshe Safdie, Montreal, 1967.Fonte: http://www.ppow.com.br/portal/2012/03/09/lego-arquitetura/

  • 45

    Outro arquiteto que expressa em sua atuao o iderio da contracultura

    dos anos 1960 o talo-americano Paolo Soleri, idealizador da cidade utpica de

    Arcosanti (1970), construda no meio do deserto norte-americano do Arizona, com

    grande apuro formal e geomtrico para se tornar um prottipo urbano a fim de

    abrigar sete mil habitantes.

    O historiador Roberto Segre relembra o impacto das primeiras imagens de

    Arcosanti:

    O que diferenciava as imagens utpicas de Soleri das restantes mais

    inspiradas na alta tecnologia e nas rigorosas geometrias de clulas ar-

    ticuladas era a fuso entre homem, natureza e tecnologia, numa trama

    compacta de gigantescas unidades habitacionais enraizadas na terra,

    porm que ao mesmo tempo pareciam complexas naves espaciais. In-

    tegravam entre si a herana orgnica de Wright, a tradio construtiva

    dos romanos e a viso das megacidades da fico-cientfica, num sistema

    grfico totalmente indito, cujo monocromatismo lembrava as fantasias

    espaciais e formais de Piranesi.26

    E completa, explicando a sua relevncia dentro dessa gerao de

    arquitetos:

    Na realidade Soleri aparece como uma figura mtica aos que nos ini-

    ciamos no debate arquitetnico na dcada dos sessenta. Aqueles eram

    tempos heroicos de fervor e esperanas no futuro da humanidade. A Rev-

    oluo Cubana e Che Guevara; o movimento estudantil de maio de Paris;

    os textos de Marcuse; os hippies, Martin Luther King e a oposio guer-

    ra do Vietn, implicavam num compromisso poltico e tico identificado

    com as propostas ambientais que desejavam controlar a deteriorao da

    Gustavo Gili,199, p. 1.

    26 - SEGRE, Roberto. Paolo Soleri. Entrevista, So Paulo, n. 02.007.01, Vitruvius, jul. 2001 .

  • 46

  • 47

    Figura 19 - Arcosanti, Paolo Soleri, Arizona, 1970.Fonte: www.arcosanti.org

    natureza e as contradies geradas pelo gigantismo das megalpoles.

    Por um lado apostavam na aplicao de mtodos racionais para resolver

    os novos problemas ecolgicos gerados pela espcie humana a

    confiana de Tomas Maldonado no ato projetual; a busca de um equil-

    brio entre ambiente e sociedade, colocado por Amos Rapoport, Edward

    Hall, John Mc Hale, Christopher Alexander e J. Broadbent ; por outro

    lado surgiram mltiplas imagens de um contexto fsico dominado pela

    alta tecnologia: as cpulas geodsicas de Buckminster Fuller; as

    cidades espaciais e as megaestruturas que tanto entusiasmaram Rey-

    ner Banham de Yona Friedman, os Metabolistas japoneses, Archigram;

    as bioestruturas de Alfred Newman, Paul Maymont, Moshe Safdie, D.G.

    Emmerich, Walter Jones, Zvi Hecker e outros.27

    importante entender que estava em jogo no somente uma forma

    nova de olhar o projeto e a construo, mas um projeto novo de sociedade. Lel se

    aproxima de Soleri em uma dedicao passional a um projeto totalizador, baseado

    no somente numa realidade construtiva, arquitetnica e urbanstica, mas tambm

    num conceito de vida social (...) divergentes da realidade que impera na sociedade

    capitalista28. Nota-se em ambos uma renuncia na forma convencional de exercer a

    vida profissional. Lel opta por trabalhos junto aos rgos pblicos, nos quais sua

    atuao possa contribuir para a construo dessa nova sociedade, enquanto Paolo

    Soleri lidera um grupo de seguidores na construo de Arcosanti. Essa renncia leva

    esses dois arquitetos a um isolamento. Para Lel, a busca de lugares no explora-

    dos pela sociedade, como favelas e reas rurais, permite que sua ao extrapole as

    preocupaes projetuais de um arquiteto, podendo assim, atuar como um educador

    para a construo equilibrada dos principais valores por ele defendidos que podemos

    definir como tecnologia, natureza e sociedade. Isso aproxima Lel de Soleri, que atua

    em Arcosanti no somente como autor da cidade mas como um guru em seu retiro 27 - Idem, ibidem.

    28 - Idem, ibidem.

  • 48

    Figura 20 - Lel no canteiro de obra da Escola Rural de Ab-adinia, 1982-1984.Fonte: Acervo pessoal do arquiteto Joo Filgueiras Lima, Lel.

    espiritual. Como coloca Segre sobre Soleri, esse isolamento permite organizar um

    laboratrio social e arquitetnico que fosse alm do conceito de utopia como no

    lugar, ou de perfeio formal acabada e concluda e definisse um modelo ambien-

    tal que articulasse natureza, histria e sociedade, em busca de um futuro melhor.29

    Esse iderio dos anos 1960 caracteriza a personalidade discreta de Joo Filgueiras

    Lima. Lel passa a se preocupar com as questes ambientais e com os desperdcios

    da construo. As preocupaes ambientais esto presentes em sua obra desde as

    primeiras construes nos anos 1960;, atualmente essas questes se tornaram um

    produto para o mercado da construo. Lel avesso a esse discurso sobre sustenta-

    bilidade propagado pelo mercado. Quando indagado atualmente sobre esse termo

    incorporado pelo marketing empresarial , ele responde:

    Eu detesto, detesto... Mas est dando lucro ser ecologista. E, na verdade,

    o discurso da sustentabilidade disseminado por a no est sendo prati-

    cado. Porque a gente precisa economizar o que a natureza nos fornece

    de mais barato.30

    Podemos observar esse iderio em quase todas as obras de Lel. Uma,

    em especial, as escolas transitrias de Abadinia (1982-1984). Um projeto romn-

    tico, como coloca Lel, pois se trata de uma transformao construtiva carregada

    de princpios sociais e tecnolgicos, em que so flagrantes as questes ideolgicas.

    Lel, nessa obra, se diz mais um operrio, no um arquiteto ou engenheiro. E, ao se

    colocar como operrio principal, responsvel pelo ensino e orientao necessrios

    construo da escola, transforma sua participao no canteiro em uma ao as-

    sociada a princpios ticos. Por outro lado, o sistema construtivo fechado, proposto

    por ele, garante um controle quase total por parte do arquiteto, trazendo para si

    toda a responsabilidade pela obra, desde o trao, at a usinagem e montagem final.

    Podemos notar a contradio entre o engajamento ideolgico do arquiteto e seu

    29 - Idem, ibidem.

    30 - LIMA, Joo Filgueiras in DANELON, Fernanda. WERNECK, Guilherme. Esse Lel. Revista Trip, So Paulo, n. 185, fev. 2010, p.6-16.

  • 49

  • 50

    controle total sobre a obra.

    Na experincia da fbrica de Abadinia, Lel consolida o uso da ar-

    gamassa armada , construindo uma escola montvel e desmontvel, sem uso de

    mquinas pesadas. O processo resulta em escolas e pontes de alto apuro tecnolgico,

    construdas em zonas rurais no interior de Gois, algo semelhante s grandes estru-

    turas em Arcosanti, de Paolo Soleri. Com uma pequena fbrica improvisada, Lel v

    a possibilidade de industrializao completa de um edifcio:

    Na poca que fui demitido da Prefeitura (Salvador), estava to entu-

    siasmado com o processo da argamassa armada que quando comeou a

    abertura poltica e nosso amigo Vander Almada foi eleito Prefeito de uma

    cidade do interior de Gois, Abadinia, resolvi embarcar na aventura. Ele

    reuniu vrias pessoas de outras reas, mdicos, educadores. Queramos

    fazer uma experincia modelo em Abadinia, no meio do mato. Fui

    encarregado da minha parte isso foi feito de graa , e ficava l pelo

    menos cinco dias por semana.31

    A experincia em Abadinia transforma profundamente seu trabalho.

    Lel v a possibilidade da escala de produo industrial para cada componente

    de uma obra. Na Escola Transitria Rural, utiliza somente dezesseis componentes

    leves, facilmente manipulveis pelos operrios, e que so usados repetidamente na

    construo. Para a execuo dessa obra, Lel cria uma apostila com os desenhos

    passo a passo para a execuo da obra. Abadinia, um municpio muito carente, no

    contava sequer com profissionais da construo civil.

    Por incrvel que parea, acho que meu maior sucesso profissional foi

    nessa cidadezinha de Gois, Abadinia, porque houve um envolvimento

    total das pessoas. Abadinia era uma cidade to primitiva, to pobre,

    que nem havia operrios. Eu tinha de fazer uma espcie de cartilha para

    ensinar as pessoas a trabalhar. Primeiro a gente comeou fazendo peas

    31 - MENEZES, Cynara. Joao Filgueiras Lima: O que ser arquiteto. Rio de Janeiro: Record, 2004, p. 57.

  • 51

    industrializadas em madeira, a nica forma de envolver a populao era

    fazendo coisas bem simples. Mas a madeira embora desse uma resposta

    rpida, era perecvel. E ali no tinha escola rural, no tinha nada.32

    Lel que, como Oscar Niemeyer, sempre se disse comunista viu na

    situao uma oportunidade de desenvolver seu trabalho usando a tecnologia e o

    desenho como forma de incluso social, postura prxima dos arquitetos paulistas

    Sergio Ferro, Rodrigo Lefvre e Flvio Imprio, que defendiam uma arquitetura que

    no alienasse o operrio. Com o projeto mais detalhado, a obra independe de ha-

    bilidades especficas artesanais, utilizando assim o operrio como fora produtiva

    qualificada, e no artesanal.

    O Grupo Arquitetura Nova, apesar da aproximao ideolgica de esquer-

    da, apresentou uma proposta diferente para o canteiro. O grupo, como Lel, buscava

    a organizao do canteiro, evitando o desperdcio e a economia produtiva e, prin-

    cipalmente, a sobreposio do trabalho que resultava no mascaramento do processo

    construtivo. O uso do revestimento, na procura do acabamento final, proporciona a

    alienao do processo construtivo, como explica Ana Paula Koury em seu livro que

    trata da produo do Grupo Arquitetura Nova.

    O uso dos revestimentos uma maneira de apagar os vestgios da

    produo e a marca do operrio na obra acabada, ou seja, representa

    uma forma de alienao.33

    Por outro lado, o Grupo acreditava na contribuio dos operrios. Sendo

    assim, a idealizao e a construo so etapas separadas mas que trabalham para

    o mesmo fim, expressando-se livremente. Como explica Srio Ferro em entrevista a

    32 - MENEZES, Cynara. Joao Filgueiras Lima: O que ser arquiteto. Rio de Janeiro: Record, 2004, p. 57. Severiano Porto, em circunstncia difer-

    ente, tambm optou por fazer uma apostila de construo quando recebeu a encomenda do condomnio Porto da Lua, no Rio Negro. Devido

    impossibilidade de estar presente durante a realizao das obras, Severiano resolve confeccionar a apostila do passo a passo, provavelmente

    motivado pela falta de conhecimento tcnico dos construtores locais. Ver GUERRA, Abilio. Arquitetura brasileira: viver na floresta. Catlogo de

    exposio. So Paulo, Instituto Tomie Ohtake, 2010.

    33 - KOURY, Ana Paula. Grupo Arquitetura Nova. Flavio Imprio, Rodrigo Lefvre e Srgio Ferro. So Paulo, Romano Guerra, 2003, p.57

  • 52

    Figura 21 - Desenho para execuo da obra, arquiteto Joo Filgueiras Lima, 1982-84. Fonte: LIMA, 1984, p. 34-61.

    Ana Paula Koury:

    Nenhuma etapa construtiva se sobrepe a outra de maneira a destru-la.

    Todas as etapas so evidenciadas. H quase um certo lirismo, pois cada

    corpo produtivo pode se expressar com uma grande autonomia, no mel-

    hor dos seus possveis. Eu comparava essa potica com o jazz, onde voc

    tem cinco, seis, at dez msicos, que tocam uma s msica, mas cada um

    deles pode fazer um solo com todo o virtuosismo que capaz, sem que

    isso destrua o conjunto ou que cada um desses desaparea na massa.34

    A obra de Lel est marcada pela preocupao construtiva do edifcio,

    buscando o fino acabamento e a economia global. Esse resultado obtido pelo

    enorme controle do arquiteto e o refinamento no detalhe do desenho. A construo

    permite que seus componentes sejam montados manualmente de acordo com a ide-

    alizao do arquiteto, sem modificaes. As contribuies em equipe somente ocor-

    rem no plano da concepo e reviso do processo.

    Minha proposta de usar e desenvolver a argamassa armada foi baseada

    na ideia de tornar a pr-fabricao em concreto mais leve, e permitir que

    um grande contingente de mo-de-obra fosse usado no transporte das

    peas dispensando guindaste e grua, essas coisas caras que substitu-

    em a mo-de-obra , mas sem abrir mo de um sistema industrializado,

    planejado e racionalizado. Por exemplo, num prdio montado a partir

    de componentes, se eles no se casarem perfeitamente, o prdio no

    ser montado. Ento o simples fato daquilo s existir se for planejado

    j pressupe o planejamento. E a voc comea de fato a racionalizar a

    construo.35

    34 - FERRO, Srgio IN KOURY, Ana Paula. Grupo Arquitetura Nova. Flvio Imprio, Rodrigo Lefvre e Srgio Ferro. So Paulo, Romano Guerra,

    2003, p.64

    35 - LIMA, Joo Filgueiras. em entrevista a ENTRE: www.entre.arq.br/?p=1017 visitado no dia 28/11/10

  • 53

    Figura 22 - Escola de argamassa armada construda em uma favela do Rio de Janeiro, Lel, 1984-1986. Fonte: LATORRACA, Giancarlo (org). Joao Filgueiras Lima: Lele. Lisboa: Editorial Blau, So Paulo: Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, 1999, p. 149.

  • 54

    Figura 23 - Renurb Companhia de Renovao Urbana de Salvador, 19781981. Fonte: LATORRACA, Giancarlo (org). Joao Filgueiras Lima: Lele. Lisboa: Editorial Blau, So Paulo: Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, 1999, p.107.

    As fbricas de Joo Filgueiras Lima, 1978-2009

    A primeira fbrica em Salvador, BA, projetada por Lel foi implantada

    na primeira gesto do prefeito Mrio Kertsz, em 1978. A fbrica da Companhia de

    Renovao Urbana de Salvador Renurb foi criada com o objetivo prioritrio de im-

    plantar o projeto de transportes urbanos da cidade. Inicialmente, a fbrica comeou

    a produzir abrigos para paradas de nibus, que foram executados em concreto

    armado. Logo, a fbrica comeou a produzir outros itens, como estaes de trans-

    bordo, posto policial, postos de pedgio para estacionamentos, bancos (com ou sem

    encosto), arrimos escalonados e componentes diversos necessrios implantao dos

    projetos de urbanizao dos logradouros e praas onde se localizavam os terminais

    de bairro. Com o fim do mandato do prefeito Mrio Kertsz, a fbrica foi fechada em

    1981 pelo novo governo.

    Em 1984, aps esta experincia pioneira, o ento prefeito eleito Vander

    Almada da cidade de Abadinia, GO, prope a construo de uma nova fbrica.

    Caber a Lel, na condio de professor da ps-graduao da Universidade Catlica

    de Gois com a qual a prefeitura faz uma parceria , projetar a Escola Rural de

    Carter Transitrio. Para a execuo do projeto que contava com apenas dezesseis

    componentes em argamassa armada, passveis de serem montados sem a necessi-

    dade de mquinas , o arquiteto constri na prpria cidade sua segunda fbrica.

    As instalaes eram de porte pequeno e os componentes eram dimensionados para

    que pudessem ser carregados por at duas pessoas Constru uma fabriqueta em

    Abadinia, bem improvisada. Primeiro fizemos pontes, depois escolas, vrios equipa-

    mentos de uso rural36 , uma preocupao que acompanhou Lel no desenvolvimen-

    to das demais fbricas e projetos que se sucederam a esta iniciativa.

    Ao ver o prottipo da escola j construdo, o antroplogo Darcy Ribeiro

    ento vice do governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola convida Lel para

    construir uma nova fbrica no Rio Janeiro. Conforme depoimento de Lel:36 - LIMA; MENEZES, 2004, p. 57

  • 55

    Figura 24 - Fbrica de Escola, Abadinia GO, 1982-1984. Fonte: LATORRACA, Giancarlo (org). Joao Filgueiras Lima: Lele. Lisboa: Editorial Blau, So Paulo: Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, 1999, 141.

    Foi nesse perodo, em 1982, que Leonel Brizola ganhou a eleio para

    governador do Rio pela primeira vez, e seu vice, meu amigo Darcy Ribeiro,

    me chamou para trabalhar com eles. Eu lecionava na UCG (Universidade

    Catlica de Gois), porque a experincia de Abadinia foi financiada tam-

    bm pela universidade, tnhamos conseguido dinheiro com ela. E Darcy

    levou Brizola at Abadinia. De repente ele desceu l, num aviozinho

    bem ordinrio, levantando poeira. Ficou impressionado com nosso tra-

    balho e me chamou para ir para o Rio.37

    A nova fbrica, agora de grandes dimenses, ir produzir nos anos

    seguintes centenas de escolas. Cada unidade podia ser implantada em apenas 45

    dias; seus componentes leves permitiam a construo em locais isolados e de difcil

    acesso.38 Como na experincia anterior na Renurb, em Salvador, aps o fim do man-

    dato, a fbrica fechada.

    O prefeito Mrio Kertez ser reeleito em Salvador em 1986 e ir abrir

    uma nova fbrica liderada por Lel, a Fbrica de Equipamentos Comunitrios FAEC,

    que dar suporte para diversas intervenes sociais, urbansticas e de proteo ao

    patrimnio histrico:

    A necessidade de pensar Salvador de forma integrada e, ao mesmo

    tempo, abrangendo os mais diversos programas, estimulou a pesquisa de

    solues inovadoras, como as das passarelas para o projeto do transporte

    de massa, as da recuperao do centro histrico, concebidos pelo gnio

    de Lina Bo Bardi, as das urbanizaes de praas, as das escolas e creches

    que se espalharam por todo estado da Bahia, as do hospital Sarah de

    Salvador, atravs de convnio firmado com a Associao das Pioneiras

    Sociais, as dos equipamentos urbanos etc. 39

    37 - LIMA, Joo Filgueiras. In MENEZES, Cynara. Joao Filgueiras Lima: O que ser arquiteto. Rio de Janeiro, Record, 2004, p. 57

    38 - RIBEIRO, Darcy. O livro do CIEPs. Rio de Janeiro, Bloch, 1986, p.137-140.

    39 - LIMA, Joo Filgueiras. In LATORRACA, Giancarlo (org). Joao Filgueiras Lima: Lel. Lisboa: Editorial Blau, So Paulo: Instituto Lina Bo e P.M.

    Bardi, 1999, p. 154

  • 56

    Figura 25 - Fbrica de Escolas, Rio de Janeiro (1984-86). Fonte: LATORRACA, Giancarlo (org). Joao Filgueiras Lima: Lele. Lisboa: Editorial Blau, So Paulo: Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, 1999, p.148.

    No final dos anos 1990, Lel desenvolve uma grande fbrica para o

    Governo Federal para produzir as unidades do Centro Integrado de Apoio Criana

    CIAC, experincia frustrada diante da paralisia do Estado no processo de impeach-ment do presidente Fernando Collor de Mello, acusado de corrupo.

    Aps vrias experincias ligadas a governos e mandatos polticos, Lel

    convidado em 1991 por doutor Aloisio Campos da Paz a fazer parte do Centro de

    Tecnologia da Rede Sarah CTRS.

    As funes bsicas dos CTRS so as seguintes:

    Construir os novos edifcios destinados expanso da Rede.

    Ajustar permanentemente os espaos hospitalares s eventuais modi-

    ficaes de funcionamento, decorrentes da introduo de novas tecno-

    logias.

    Desenvolver projetos e fabricar equipamentos adequados manuten-

    o das tcnicas de tratamento desenvolvidas na Rede.

    Efetuar a manuteno predial e dos equipamentos da Rede.40

    O CTRS, em convnio com rgos pblicos como prefeituras e o Tribunal

    de Conta da Unio, desenvolver ainda inmeros outros projetos.

    Em 2009, Lel se afasta da direo CTRS e inicia outra fbrica, o Instituto

    Brasileiro do Habitat, uma organizao sem fins lucrativos e que tem como principal

    objetivo desenvolver projetos de interesse social, em especial programas de ensino e

    pesquisa em parceria com universidades. Devido falta de apoio de governos pbli-

    cos e do delicado estado de sade do arquiteto o Instituto encontra-se em estado de

    hibernao.41

    40 - LIMA, Joo Filgueiras. CTRS: Centro de Tecnologia da Rede Sarah. So Paulo: ProLivros, 1999, p. 12.

    41 - Comentrio feito por Lel ao autor em conversa por telefone em Junho de 2012.

  • 57

    Figura 26 - Croqui da Fbrica de Escolas, Rio de Janeiro (1984-86). Fonte: LATORRACA, Giancarlo (org). Joao Filgueiras Lima: Lele. Lisboa: Editorial Blau, So Paulo: Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, 1999, p.148.

    Figura 27 - Lel e Darcy Ribeiro na Fbrica de Escolas, Rio de Janeiro (1984-86). Fonte: LATORRACA, Giancarlo (org). Joao Filgueiras Lima: Lele. Lisboa: Editorial Blau, So Paulo: Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, 1999, p.148.

  • 58

    Figura 28 - FAEC Fbrica de Equipamentos Comunitrios, Salvador (1986-2002). Fonte: LATORRACA, Giancarlo (org). Joao Filgueiras Lima: Lele. Lisboa: Editorial Blau, So Paulo: Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, 1999, p.154.

    Figura 29 - CTRS Centro de Tecnologia da Rede Sarah, Salva-dor (1991-2009). Fonte: LATORRACA, Giancarlo (org). Joao Filgueiras Lima: Lele. Lisboa: Editorial Blau, So Paulo: Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, 1999, p. 202.

    Na sua trajetria, o arquiteto Joo Filgueiras Lima teve oportunidade de

    estar frente das seguintes unidades de produo de componentes arquitetnicos:

    Renurb Companhia de Renovao Urbana de Salvador (19781981);

    Fbrica de Escola, Abadinia GO (1982-1984);

    Fbrica de Escolas, Rio de Janeiro (1984-86)

    Fbrica de Equipamentos Urbanos, Rio de Janeiro (1984-89)

    Fbrica de Equipamentos Urbanos, Braslia (1985-90)

    FAEC Fbrica de Equipamentos Comunitrios, Salvador (1986-2002);

    CIAC Centro Integrado de Apoio Criana, vrias regies do Brasil (1990);

    FAEC Fbrica de Equipamentos Comunitrios, Ribeiro Preto (2002-2004);

    CTRS Centro de Tecnologia da Rede Sarah, Salvador (1991-2009).

    IBH Instituto Brasileiro do Habitat, Salvador (2010, -)

  • 59

    A evoluo do projeto na obra de Joo Filgueiras Lima

    Durante mais de 50 anos de profisso, desde suas primeiras obras em

    Braslia at seus ltimos projetos como o hospital Sarah no Rio de Janeiro, o arquite-

    to Joo Filgueiras Lima reavalia constantemente sua produo arquitetnica, o que

    resulta em uma constante evoluo na sua obra. Em diversos aspectos, as primeiras

    no foram to eficientes quando comparadas com as ltimas obras construdas, mas

    apresentavam algumas caractersticas semelhantes, caso das aberturas zenitais para

    a iluminao e ventilao.

    Com certa liberdade, podemos usar aqui o conceito de evoluo na acep-

    o dada por Charles Darwin no seu famoso livro A origem das espcies, quando

    apresenta ao mundo, em 1859, sua concepo de seleo natural. Podemos meta-

    foricamente dizer que na obra de Joo Filgueiras Lima certas solues arquitetnicas

    sobrevivem por estarem mais adaptadas ao meio fsico brasileiro. Seria o caso, por

    exemplo, dos sheds, muito adequados aos rigores do clima tropical brasileiro.

    Alm desta constante busca de solues adaptadas ao meio, visvel que,

    em especial no incio de sua carreira, Lel absorveu experincias de grandes mestres

    da arquitetura, em especial estrangeiros. visvel a presena do rigor construtivo

    de arquitetos como Alvar Alto e Marcel Breuer ou do pensamento visionrio de um

    Buckminster Fuller, influncias que se mostram fundamentais para o seu crescimento

    profissional.

    As estratgias bioclimticas fazem parte de um conhecimento ances-

    tral, mas so poucos os arquitetos que se utilizam dessa sabedoria. Lel atravs

    da constante experimentao construtiva e observao de obras alheias vem , de

    forma crescente, se apropriando desse conhecimento para a criao de suas obras,

    experimentando solues arquitetnicas passivas (ou a mais passiva possvel) vol-

    tadas para a soluo de problemas climticos e que resultem em um baixo consumo

    energtico.

  • 60

    Figura 31 - Hospital Sarah Rio, arquiteto Joo Filgueiras Lima, 2009, Rio de Janeiro. Fonte: revista AU, n.175, p.48.

    Figura 30 - Museu de Arte de Milwaukee, arquiteto Santiago Calatrava, 2000, Milwaukee Estados Unidos. Fonte: JODIDIO, 2009, p.321.

    Interlocues com arquitetos contemporneos

    Podemos concluir que Lel revisa constantemente sua obra, tornando-se

    um crtico constante do prprio trabalho. Os problemas tcnicos e climticos so

    quase sempre trabalhados com os mesmos princpios, mas com enormes avanos al-

    canados com o passar do tempo, em especial quanto leveza estrutural, economia

    de insumos e eficincia climtica. Lel acredita que as ideias devam ser testadas e

    avaliadas, um senso crtico fundamental para a evoluo apontada. Em uma ocasio,

    quando perguntado sobre a realizao profissional, Lel demonstra seu apreo pelo

    constante aperfeioamento:

    No acredito que ningum se considere realizado. Essa insegurana que

    se tem em relao a si mesmo importante para voc melhorar. Enquanto

    voc achar que no est bom, voc esta evoluindo.42

    A obra de Joo Filgueiras Lima se insere no contexto da arquitetura con-

    tempornea que busca adequao do projeto aos imperativos climticos, buscando

    a eficincia energtica. A manipulao das possibilidades tecnolgicas torna sua ar-

    quitetura dinmica, como um organismo que transpira ao perceber o aquecimento do

    envoltrio (pele). Tais caractersticas esto presentes na produo europeia contem-

    pornea com aporte de alta tecnologia (high-tech) promovida por arquitetos como Renzo Piano, Richard Rogers, Nicolas Grimshaw e Santiago Calatrava, dentre outros.

    Entre eles, uma semelhana muito grande: Santiago Calatrava, como Joo Filgueiras

    Lima, utiliza elementos estruturais dinmicos, que muito se assemelham a plantas

    que se abrem na primavera, fazendo assim o controle da luz e criando com todos es-

    ses elementos o to desejado espetculo arquitetural.

    42 - LIMA, Joo Filgueiras. In DANELON, Fernanda. WERNECK, Guilherme. Esse Lel. Trip, So Paulo, n. 185, fev. 2010, p.6-16.

  • 61

    Figura 33 - Tribunal de Contas da Unio - TCU, arquiteto Joo Filgueiras Lima, 1996 , Salvador - BA. Fonte: redesenho do autor AFRM.

    Figura 32 - Museu Houston, arquiteto Renzo Piano, 1981-86, Houston Estados Unidos. Fonte: BUCHANAN, 1995, p. 150.

    Podemos notar tambm semelhanas entre as obras de Lel e do arquiteto

    Renzo Piano, permitindo a suposio de uma interlocuo entre elas. O Museu de

    Houston, EUA (The Menil Collection, 1981-86), dispe de cascas de argamassa-arma-

    da sustentadas por uma trelia metlica, conformando uma cobertura que controla a

    entrada de luz natural. Sobre a trelia h uma cobertura em vidro com dupla incli-

    nao para as calhas metlicas de guas pluviais a cada 2,40m. Curiosamente, trata-

    se de um detalhe inverso ao utilizado por Lel. Enquanto a cobertura projetada por

    Piano permite a entrada da radiao solar no ambiente e depois controla sua difuso,

    o arquiteto brasileiro controla a radiao solar nos trpicos antes de ela entrar no

    ambiente, evitando o aumento da carga trmica dentro do edifcio.

    Outra soluo tcnica adotada pelos dois arquitetos muito semelhante:

    elevadores transparentes em plano inclinados. Renzo Piano utiliza essa soluo na

    obra do seu escritrio em Genova (Unesco Laboratory - Renzo Piano Building Work-

    shop, 1989-91). Mais recentemente, Lel implanta esses elevadores nos Hospitais da

    Rede Sarah (Salvador, 1992; Braslia, 1995).

    Nos anos 1970, o arquiteto britnico Nicholas Grimshaw projeta diver-

    sos galpes industriais, de acabamento refinado, que se caracterizam pela indus-

    trializao dos componentes construtivos, com especial destaque para os painis

    industrializados de fibra de vidro com colcho de ar para evitar as pontes trmi-

    cas. Lel tambm projeta painis industrializados com colcho de ar, mas opta por

    uma soluo com ventilao, pois o ganho trmico nos trpicos maior. Outra

    diferena significativa, explicada pela diferena econmica entre as realidades

    sociais onde atuam os dois arquitetos: Lel utiliza painis de argamassa-armada,

    enquanto Grimshaw adota painis de fibra de vidro. Outra obra passvel de relao

    com a de Lel o Pavilho Britnico na Expo 92 (Sevilha, 1992), na qual Grimshaw

    utiliza grandes quebra-sis, cujo desenho se assemelha muito aos sheds desenhados por Lel.

  • 62

    Figura 35 - UNESCO Laboratory - Renzo Piano Building Work-shop, arquiteto Renzo Piano, 1989-91, Genova. Fonte: BUCHANAN, 1995, p. 81.

    Figura 34 - Elevador de plano inclinado do Hospital Sarah Kubitschek, arquiteto Joo Filgueiras Lima, 2003, Salvador. Fonte: fotos do autor AFRM.

    Em 1992, Richard Rogers projeta um edifcio de escritrio (Inland Rev-

    enue Office), cujo perfil facilita a ao dos ventos dominantes na retirada do ar

    viciado do edifcio, com reduo da necessidade de ventilao mecnica. Tal soluo

    a mesma encontrada nos Hospitais da Rede Sarah, projetados por Joo Filgueiras

    Lima.

    Podemos entender essa relao de Lel com os arquitetos europeus como

    desenvolvimentos relativamente autnomos de princpios iguais: arquitetos de mes-

    ma gerao influenciados pelas revolues culturais do final dos anos 1960 e impul-

    sionados pelos novos desenvolvimentos tecnolgicos. Lel, por outro lado, enfrentou

    o marasmo do desenvolvimento econmico do Brasil ps- democratizao e o atraso

    do desenvolvimento industrial e cientifico. Suas solues buscam em formas mais

    singelas e econmicas as solues tambm desenvolvidas pelos arquitetos da alta

    tecnologia. O grande diferencial reside no disparate da realidade econmica e social

    entre Brasil e Europa.

    Nessa mesma linha histrica, Dominique Gauzin-Mller no livro Ar-

    quitetura ecolgica explica as proximidades dos arquitetos low-tech e dos high-tech. Dominique ressalta a importncia de Paolo Solari e das revolues culturais do final da dcada de 1960, a contracultura, como forma de contestar os mtodos

    deterministas dos arquitetos modernos.

    Mesmo que s tenha se intensificado depois da midiatizao da Rio 92,

    a conscientizao da necessidade de uma arquitetura ecolgica existe h

    varias dcadas, durante as quais partidrios do low-tech e do high-tech

    confrontaram-se com frequncia.43

    A busca de Lel por uma construo mais leve e racional vai alm de

    resolver questes tcnicas e custos finais. Essas questes esto entrelaadas a ideais

    humanistas e sociais. As peas pr-fabricadas de argamassa, alm da leveza e

    preciso, permitem a construo manual, viabilidade construtiva e incluso social de

    43 - GAUZIN-MLLER, Dominique. Arquitetura ecolgica. So Paulo, Senac, 2011, p.30.

  • 63

    Figura 36 - Comparao de croquis dos arquitetos Renzo Piano (esquerda) e Joo Filgueiras Lima, Lel (direita)Fonte: www.rpbw.com e acervo do arquiteto Joo Filgueiras Lima, Lel.

  • 64

    Figura 37 - Pavilho Britnico na Expo 92, arquiteto Nicolas Grimshaw, 1992, Sevilha - Espanha. Fonte: http://www.pushpullbar.com/forums/attachment.php?attachmentid=12584&stc=1&d=1140827060.

    Figura 38 - Croqui do Island Revenue, arquiteto Richard Rogers. Fonte: POWELL, 2006, p.132.

    Figura 39 - Croqui do Hospital Sarah Kubitschek, arquiteto Joo Filgueiras Lima, 1991, Fortaleza.Fonte: LATORRACA, 2000, p. 204.

    operrios de baixa escolaridade.

    Na esteira do movimento contestador de maio de 1968, alguns, arquite-

    tos rejeitam a rigidez e frieza das construes modernistas; incentivaram

    os usurios a participar da concepo e at da execuo de construes

    mais harmoniosas. 44

    Ana Gabriella Guimares, em sua tese de doutorado, busca estabelecer

    parmetros e/ou vinculaes da obra de Lel com as obras de arquitetos (high-tech) como Norman Foster, Nicholas Grimshaw, Michael Hopkins, Renzo Piano, entre outros. A autora, no seu trabalho, conclui:

    Pudemos constatar que a dimenso ideolgica, presente nas obras de

    L