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José Wiliam Corrêa de Araújo, OFMCap.
A noção de consciência moral em Bernhard Häring e sua contribuição
à atual crise de valores
Tese de Doutorado
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Teologia da PUC-Rio como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Teologia.
Orientador: Prof. Dr. Nilo Agostini, OFM.
Rio de Janeiro, março de 2007
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2
José Wiliam Corrêa de Araújo
A noção de consciência moral em Bernhard Häring e sua contribuição à atual crise de valores
Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Teologia do Departamento de Teologia do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.
Prof. Nilo Agostini Orientador
Departamento de Teologia – PUC-Rio
Prof. Alfonso Garcia Rubio Departamento de Teologia – PUC-Rio
Profa. Jenura Clothilde Boff Departamento de Teologia – PUC-Rio
Prof. Márcio Fabri dos Anjos Instituto Teológico São Paulo
Profa. Maria Inês de Castro Millen ITASA
Prof. Paulo Fernando Carneiro de Andrade Coordenador Setorial de Pós-Graduação e Pesquisa do
Centro de Teologia e Ciências Humanas – PUC-Rio
Rio de Janeiro,
3
Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da Universidade, do Autor e do Orientador.
José Wiliam Corrêa de Araújo, OFMCap. Graduou-se em Ciências Econômicas na Universidade Federal de Juiz de Fora em 1985. Especializou-se em Engenharia Econômica e Administração Industrial na Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1992. Graduou-se em Teologia na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro em 2000 e recebeu o título de Mestre em Teologia na mesma Universidade em 2002. Participou de diversos congressos na área de Teologia. É membro da Sociedade Brasileira de Teologia Moral, desde 2005.
Ficha Catalográfica
CDD: 200
CDD: 200
Araújo, José Wiliam Corrêa de A noção de consciência moral em Bernhard Häring e sua contribuição à atual crise de valores / José Wiliam Corrêa de Araújo ; orientador: Nilo Agostini. – 2007. 2 v. ; 30 cm Tese (Doutorado em Teologia) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007. Inclui bibliografia 1. Teologia – Teses. 2. Modernidade. 3. Pós-Modernidade. 4. Crise de valores. 5. Concílio Vaticano II. 6. Bernhard Häring. 7. Moral Renovada. 8. Consciência moral. 9. Compromisso cristão. I.Agostini, Nilo. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Teologia. III. Título.
4
Agradecimentos
À Ordem dos Frades Menores Capuchinhos e, especialmente, à Província
Nossa Senhora dos Anjos, à qual pertenço, pelos incentivos oferecidos.
Ao Prof. Dr. Nilo Agostini, pelo constante estímulo e, acima de tudo, a
confiança depositada.
Ao Prof. Dr. Sabatino Majorano, da Academia Alfonsiana da Pontifícia
Università Lateranense, em Roma, pela atenção e disponibilidade na orientação
da Parte II da Tese.
Aos confrades do Collegio Internazionale San Lorenzo da Brindisi, em Roma,
pela acolhida e incentivo.
Aos funcionários da Biblioteca da Academia Alfonsiana, da Biblioteca do
Collegio Internazionale San Lorenzo da Brindisi, em Roma, e da Biblioteca
d'Ateneo da Università Cattolica del Sacro Cuore de Milão, pela gentileza,
prontidão e disponibilidade.
Ao CNPQ e à CAPES, pelos auxílios concedidos, sem os quais este trabalho
não poderia ter sido realizado.
Aos professores que participaram da Comissão examinadora.
A todos os professores e funcionários do Departamento pelos ensinamentos e
pela ajuda.
A todos os meus amigos e familiares, em especial à minha mãe, pelo estímulo
para a realização deste trabalho.
5
Resumo
Araújo, José Wiliam Corrêa de; Agostini, Nilo. A noção de consciência moral em Bernhard Häring e sua contribuição à atual crise de valores. Rio de Janeiro, 2007, 365 p. Tese de Doutorado – Departamento de Teologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
A abertura ao mundo moderno em todas as direções caracterizou o trabalho
do Concílio Vaticano II. Bernhard Häring foi um dos personagens-chave do
Concilio e de seu desenvolvimento teológico posterior. A perspectiva básica da sua
teologia moral está na integração entre atitude religiosa e ética. Com isso,
desenvolve a sua reflexão baseada na existência concreta da pessoa humana, na
responsabilidade e no amor, onde fé e vida sempre se encontram e se
complementam. A presente tese tem como objetivo apresentar algumas
considerações no tocante a este tema, tendo em vista os desafios suscitados pela
Modernidade/Pós-Modernidade. O fenômeno da consciência moral é algo muito
complexo e, frente aos desafios do mundo atual, tornou-se uma realidade
extremamente dinâmica. Hoje, mais do que nunca, a educação da consciência
moral exige a superação das armadilhas do individualismo moderno, visando uma
ética da solidariedade e o reconhecimento da profundidade da vida, em todos os
seus aspectos. O compromisso dos cristãos encontra a sua forma real no fazer o
que Jesus fez. A atitude cristã é necessariamente empenho perseverante pela
transformação da sociedade rumo à realização dos autênticos valores humanos e
invocação constante da vinda do Reino. Neste sentido, uma proposta ética cristã
para o século XXI deve ser ao mesmo tempo, defensora da autonomia da
subjetividade humana e da objetividade dos valores evangélicos.
Palavras-chave
Modernidade; Pós-Modernidade; crise de valores; Concilio Vaticano II;
Bernhard Häring; Moral Renovada; consciência moral; compromisso cristão.
6
Abstract
Araújo, José Wiliam Corrêa de; Agostini, Nilo. Bernhard Häring’s notion of moral conscience and his contribution in regard to the current crisis of values. Rio de Janeiro, 2007, 365 p. Doctoral Thesis - Theology Department, Catholic Pontifical University of Rio de Janeiro.
An openness to the modern world in all aspects characterized the work of the
Vatican Council II. Bernhard Häring was one of the key personalities of the
Council and of its consequent theological development. The fundamental
perspective of his moral theology is built on the integration of a posture that is both
religious and ethical. On these elements he develops his moral reflection based on
the concrete existence of the human being, on responsibility and love, where faith
and life meet and complement one another. The present thesis seeks to present
some considerations related to this theme, keeping in mind the challenges raised by
Modernity and Post-Modernity. The phenomenon of moral conscience is very
complex and, facing today’s challenges, it becomes an extremely dynamic reality.
Today, more than ever, the education of the moral conscience demands an
overcoming of the assaults of modern individualism, while seeking an ethic of
solidarity and a recognition of the profundity of life in all its aspects. The
commitment of Christians finds its true form in doing what Jesus himself did. The
Christian attitude is necessarily a persevering commitment to transform society, a
pursuit of the acquisition of authentic human values, and a constant calling forth of
the Reign of God. In this sense, a Christian ethical proposal for the 21st. Century
must be at the same time the defender of the autonomy of human subjectivity and
the objectivity of evangelical values.
Keywords
Modernity; Post-Modernity; crisis of values; Vatican Council II; Bernhard
Häring; Renewed Morality; moral conscience; Christian commitment.
7
SUMÁRIO 1.Introdução geral.......................................................................................15
1.1.Contextualização..................................................................................15
1.2.Justificativas.........................................................................................16
1. 3.Colocação do problema.......................................................................17
1. 4.Explicitações iniciais sobre as questões..............................................18
1. 5.Objeto e objetivos do estudo...............................................................22
1. 6.Metodologia.........................................................................................22
2. O contexto da Modernidade e da Pós-Modernidade..............................24
2.1. O contexto de Modernidade e os seus novos desafios.......................25
2.1.1. Introdução.........................................................................................25
2.1.2. O surgimento da Modernidade e suas características.....................25
2.1.2.1. Críticas à Modernidade..................................................................27
2.1.3. O capitalismo e sua expansão mundial............................................29
2.1.3.1. Críticas ao capitalismo...................................................................31
2.1.4. O desenvolvimento da ciência e da técnica.....................................33
2.1.4.1.Críticas à ciência e à técnica..........................................................36
2.1.5. Igreja e Modernidade........................................................................37
2.1.6. Conclusão.........................................................................................40
2.2. Suposições antropológicas da Modernidade.......................................41
2.2.1. Introdução.........................................................................................41
2.2.2. Autonomia.........................................................................................41
2.2.3. Liberdade humana............................................................................44
2.2..4.Subjetividade....................................................................................45
2.2.4.1. Subjetividade e individualismo.......................................................47
2.2.5. Racionalismo e razão instrumental...................................................48
2.2.6. Autoconsciência................................................................................53
2.2.7. Conclusão.........................................................................................56
2.3. Modernidade e secularização..............................................................58
2.3.1. Introdução.........................................................................................58
2.3.2. Secularização: uma leitura a partir de Peter Berger.........................59
8
2.3.3. Mundo autônomo e secularizado......................................................61
2.3.4. Raízes da secularização...................................................................62
2.3.5. Fundamentos e conseqüências da secularização............................64
2.3.6. Secularização como dessacralização e desencantamento .............66
2.3.7. Conclusão.........................................................................................68
2.4. A Pós-Modernidade e seus novos desafios........................................70
2.4.1. Introdução.........................................................................................70
2.4.2. A Pós-Modernidade como fenômeno sócio-econômico-político.......71
2.4.2.1. Mercado, propaganda e manipulação social.................................73
2.4.2.2. Ciência, técnica e Pós-Modernidade.............................................75
2.4.3. A Pós-Modernidade como modo de ser existencial.........................76
2.4.3.1. Cultura pós-moderna.....................................................................78
2.4.3.2. Subjetivismo e individualismo no contexto contemporâneo..........79
2.4.4. Religiosidade e compromisso..........................................................83
2.4.5. Conclusão.........................................................................................85
2.5. A crise dos modelos éticos convencionais e da Moral........................88
2.5.1. Introdução.........................................................................................88
2.5.2. Moral autônoma e ética individualista...............................................89
2.5.3. Globalização, consumismo, desequilíbrio ecológico e
Injustiças sociais.........................................................................................91
2.5.4. Provisoriedade e efêmero.................................................................94
2.5.5. Pluralismo ético e liberdade individual..............................................95
2.5.6. Relativismo e crise de orientação.....................................................97
2.5.7. Conclusão.........................................................................................99
2.6. Conclusão do Capítulo II...................................................................101
3. A consciência moral, em Bernhard Häring...........................................103
3.1. A noção de consciência moral anterior à Moral Renovada...............105
3.1.1. Introdução.......................................................................................105
3.1.2. Os sistemas morais........................................................................106
3.1.2.1.Tipos de sistemas morais ............................................................108
3.1.3. Santo Alfonso de Ligório.................................................................110
3.1.4. A concepção da consciência moral na casuística..........................112
9
3.1.5. Críticas à casuística........................................................................114
3.1.6. Decadência dos sistemas morais e da moral dos manuais............116
3.1.6.1. A importância da Escola de Tübingen.........................................118
3.1.7. Conclusão.......................................................................................119
3.2. Bernhard Häring: biografia.................................................................121
3.2.1. Introdução.......................................................................................121
3.2.2. Pontos marcantes da sua trajetória biográfica...............................123
3.2.2.1. A experiência na Segunda Guerra Mundial.................................123
3.2.2.2. A especialização na Universidade de Tübingen..........................125
3.2.2.2.1. A dissertação doutoral sobre “O sagrado e o bem”..................126
3.2.2.3. A Academia Alfonsiana................................................................127
3.2.2.4. A experiência como visiting professor e conferecista..................127
3.2.2.5. A participação no Vaticano II.......................................................128
3.2.2.6. A crise em torno da Humanae Vitae............................................128
3.2.3. Conclusão.......................................................................................129
3.3. Bernhard Häring e o Concilio Vaticano II...........................................130
3.3.1. Introdução.......................................................................................130
3.3.2. Bernhard Häring: perito e consultor no Concilio.............................131
3.3.3. Um esquema para a Teologia Moral: o De ordine morali
christiano..................................................................................................132
3.3.4. A Constituição Pastoral Gaudium et spes......................................136
3.3.4.1. A consciência moral em Gaudium et spes, n. 16........................139
3.3.5. O Decreto Optatam totius...............................................................144
3.3.6. O tema da consciência moral em outros
documentos conciliares............................................................................145
3.3.6.1. A Constituição Sacrosanctum concilium......................................145
3.3.6.2. A Constituição Lumem gentium...................................................146
3.3.6.3. A Declaração Unitatis redintegratio.............................................147
3.3.6.4. A Declaração Dignitatis humanae...............................................147
3.3.6.5. O Decreto Apostolicam actuositatem..........................................148
3.3.6.6. O Decreto Ad gentes...................................................................149
3.3.6.7. A Declaração Gravissimum educationis......................................149
3.3.7. Conclusão.......................................................................................149
10
3.4. Bernhard Häring e a Moral Renovada...............................................151
3.4.1. Introdução.......................................................................................151
3.4.2. Mudanças de perspectivas da Teologia Moral...............................152
3.4.3. A Moral Renovada e a ênfase na Sagrada Escritura.....................154
3.4.4. A Moral Renovada e a dinâmica “resposta-chamado”...................156
3.4.5. Moral Renovada e compromisso cristão........................................158
3.4.6. A Moral Renovada e o Concilio Vaticano II....................................160
3.4.7. Conclusão.......................................................................................161
3.5. A consciência moral em A Lei de Cristo............................................164
3.5.1. Introdução.......................................................................................164
3.5.2. Publicação......................................................................................165
3.5.3. Acentos renovadores da obra.........................................................166
3.5.3.1. Fundamentação religiosa como caráter experencial...................166
3.5.3.2. A tonalidade cristológica..............................................................168
3.5.3.3. Dimensão de chamado-resposta.................................................169
3.5.3.4. Personalismo...............................................................................172
3.5.4. A noção de consciência moral em A Lei de Cristo.........................173
3.5.5. Méritos da obra...............................................................................178
3.5.6. Conclusão.......................................................................................181
3.6. A noção de consciência moral em Livres e Fiéis em Cristo..............184
3.6.1. Introdução.......................................................................................184
3.6.2. Temas relevantes...........................................................................186
3.6.2.1. Antropologia moral.......................................................................186
3.6.2.2. Liberdade, responsabilidade e fidelidade criativa........................187
3.6.2.3. Opção fundamental.....................................................................191
3.6.2.4. Culto e adoração.........................................................................193
3.6.2.5. Cristologia....................................................................................194
3.6.2.6. Eclesiologia..................................................................................196
3.6.3. A noção de consciência moral em Livres e Fiéis em Cristo...........198
3.6.3.1. A visão bíblica da consciência.....................................................199
3.6.3.2. Reflexão antropológica e teológica da consciência.....................200
3.6.3.3. A consciência distintamente cristã...............................................201
3.6.3.4. O discernimento moral.................................................................204
11
3.6.3.5. A relação entre pecado e saúde mental......................................205
3.6.3.6. A reciprocidade das consciências...............................................207
3.6.3.7. Consciência moral e Santo Alfonso.............................................208
3.6.4. Conclusão.......................................................................................208
3.7. Conclusão do Capítulo III..................................................................211
4. Pistas de ação .....................................................................................218
4.1. A consciência moral no contexto contemporâneo ............................220
4.1.1. Introdução.......................................................................................220
4.1.2. A pluridimensionalidade da noção de consciência moral hoje.......221
4.1.3. Situando a consciência moral, a partir
dos desafios da atualidade.......................................................................223
4.1.3.1. Influências mais significativas na consciência moral...................224
4.1.4. Ambigüidades do Concílio: tensão entre paradigmas....................225
4.1.5. A consciência moral numa visão personalista................................227
4.1.6. Dignidade e missão da consciência moral como
sacrário inviolável.....................................................................................231
4.1.7. Conclusão.......................................................................................232
4.2. Formação da consciência moral........................................................234
4.2.1. Introdução.......................................................................................234
4.2.2. O processo de amadurecimento da consciência moral..................235
4.2.3. Necessidade de formação..............................................................237
4.2.4. Contribuições da psicologia para a
formação da consciência moral................................................................240
4.2.5. A educação na liberdade................................................................241
4.2.6. Formação e Magistério...................................................................243
4.2.7. Conclusão.......................................................................................246
4.3. Liberdade com responsabilidade.......................................................249
4.3.1. Introdução.......................................................................................249
4.3.2. Liberdade........................................................................................250
4.3.3. O processo de discernimento.........................................................253
4.3.4. O processo de decisão...................................................................256
4.3.4.1. Critérios da decisão na ótica cristã..............................................260
12
4.3.5. Responsabilidade...........................................................................262
4.3.6. Conclusão.......................................................................................264
4.4. A opção fundamental na reciprocidade das consciências.................266
4.4.1. Introdução.......................................................................................266
4.4.2. A reciprocidade na visão conciliar..................................................267
4.4.3. A dinâmica da reciprocidade na
formação das consciências......................................................................268
4.4.4. A importância do testemunho.........................................................269
4.4.5. A necessidade de uma visão crítica e dialogal...............................270
4.4.6. A regra de ouro...............................................................................272
4.4.7. A “opção fundamental” na vida do cristão......................................273
4.4.8. Conclusão.......................................................................................275
4.5. Desafios atuais para a consciência moral.........................................277
4.5.1. Introdução.......................................................................................277
4.5.2. Consciência e justiça social............................................................278
4.5.3. Consciência e crise ecológica........................................................281
4.5.4. O desafio do individualismo e das suas manipulações..................284
4.5.5. Consciência e evangelização.........................................................286
4.5.6. A relação entre fé, moral e secularização......................................288
4.5.7. Conclusão.......................................................................................290
4.6. A configuração trinitária da consciência moral.................................293
4.6.1. Introdução.......................................................................................293
4.6.2. Deus Pai.........................................................................................296
4.6.2.1. Deus Pai e o Reino de Deus.......................................................298
4.6.3. Jesus Cristo....................................................................................300
4.6.4. Espírito Santo.................................................................................303
4.6.5. Conclusão.......................................................................................304
4.7. Conclusão do Capítulo IV..................................................................306
5. Conclusão Geral...................................................................................311
5.1. O contexto da Modernidade e Pós-Modernidade..............................311
5.2 A consciência moral, em Bernhard Häring ........................................313
5.3. Pistas de Ação...................................................................................318
13
6. Referências Bibliográficas..............................................……..……......327
6.1. Referências Bibliográficas de Bernhard Häring.................................327
6.2. Documentos da Igreja……….............................................................333
6.3. Outras Referências Bibliográficas.....................................................336
14
Eu preciso que Tu me instruas, dia a dia, naquilo que é exigência e necessidade de cada dia. Conceda-me, ó Senhor, a clareza da consciência, a qual somente pode compreender a Tua inspiração. Os meus ouvidos são surdos; não sei perceber a Tua voz. Os meus olhos são ofuscados; não sei ver os Teus sinais. Somente Tu podes aperfeiçoar os meus ouvidos, aguçar o meu olhar e purificar e renovar o meu coração. Ensina-me a permanecer sentado aos teus pés e prestar atenção à Tua Palavra. Amém.
Oração de John Henry Cardeal Newman
(In: GUARDINI, R. La coscienza. 3. e. Brescia: Morcelliana, 2001, p. 56).
15
1. Introdução
1.1. Contextualização
Vivemos uma realidade que está se tornando cada vez mais desafiadora para
o cristão. Uma realidade de Modernidade e Pós-Modernidade que nos apresenta
novos valores e, que a cada momento nos provoca. Como viver a autenticidade de
nossa fé, a partir desta situação?
Não se exagera em ver no indiferentismo e no relativismo os maiores
desafios de hoje para a moral. Nem há exagero ao afirmar-se que não existem para
estes males soluções simples. Por outro lado, a cultura contemporânea tem
conduzido a um “eclipse do sentido moral”, porque tem colocado em crise a
consciência humana. O esforço da teologia e da Igreja, como conseqüência, deve
trazer à tona a busca deste sentido.
Hoje, mais do que nunca, faz-se necessário uma reflexão mais aprofundada
sobre a consciência moral, frente a toda essa realidade. Diante desta situação, como
desenvolver o julgamento moral, concedendo à vida humana a sua dignidade? Na
singularidade da consciência moral, qual é a inspiração e mesmo a fundamentação
a respeito da capacidade de escolhas?
É pela consciência que o ser humano vai se apropriando dos valores próprios
de uma cultura, de um povo, de uma religião. Mas, a grande pergunta que se coloca
hoje é: como anunciar e dar testemunho da Boa Nova, frente a um contexto de
crise de paradigmas e de valores? Como formar uma consciência moral
amadurecida, diante desta situação de crise?
Bernhard Haring foi um dos precursores de uma Moral Renovada, um
teólogo que marcou o Concílio Ecumênico Vaticano II e também o pós-Concilio,
impulsionando uma virada teológica no campo da Moral. Ele obteve o Doutorado
em Teologia junto à Faculdade Teológica de Tübingen (Alemanha) em 1947 e foi
agraciado com seis doutorados honoris causa. Recebeu vários prêmios pela paz em
diversos paises. Depois de muita vida e muita luta, podemos considerá-lo como um
dos nossos grandes sábios, que nos ajudam a clarificar essas questões.
16
1.2. Justificativas
O motivo da escolha do tema desta Tese se deu a partir dos desafios da
realidade de hoje, enquanto uma vivência ético-cristã. De maneira simplificada,
podemos resumir a situação atual como uma realidade de profundas mudanças
estruturais. Vivemos num contexto de mundo de mercados, onde o que mais
importa é a busca da eficiência e do lucro; um contexto aonde a incredulidade e o
secularismo vão ganhando terreno e onde há um pluralismo de modelos morais e
religiosos.
Por isso, esta pesquisa surgiu como fruto de uma curiosidade científica,
diante dos desafios encontrados, na leitura de trabalhos que tratam da questão
moral hoje e a situação de crise de valores e paradigmas, a partir da Modernidade e
Pós-Modernidade.
A nossa preocupação se dá basicamente com a formação das consciências,
tendo em vista a relação de alteridade e levando em conta os desafios sociais e
ecológicos de hoje. Tendo em conta os fenômenos apresentados em nossa
sociedade contemporânea, como lidar e formar a consciência para que seja de
acordo com aquilo que buscamos viver, seguindo os passos de Jesus?
Diante desta realidade de crise de valores e de paradigmas, torna-se de
fundamental importância a reflexão da realidade vigente, apresentando propostas
de ação. Vivemos numa sociedade aberta, confusa, plural, marcadamente voltada
ao consumo e ao prazer individual. Como um cristão preocupado com os valores
morais pode viver nessa sociedade? Como agir? Fazer o quê? Essas são perguntas
morais que rodeiam nossas mentes e corpos. Daí, a importância desta temática.
Pretendemos compreender como a crise atual de valores interfere na vida dos
cristãos. A nossa preocupação é o compromisso do cristão com a sua fé. Este é o
objeto da nossa investigação: os valores impostos pela Modernidade ⁄ Pós-
Modernidade e sua interferência na vivência de fé e, conseqüentemente, na
formação da consciência moral. Tudo isto numa realidade de mundo, onde as
mudanças são realizadas de uma forma muito brusca.
Acreditamos ser este tema de suma importância hoje, já que a nossa
17
sociedade passa por contínuas transformações, de uma forma acelerada. Tendo em
vista esta situação, o estágio em que se encontra a reflexão sobre o tema da
consciência moral não conseguiu acompanhar tantas mudanças e evoluções. Por
isso, nos propomos a contribuir com esta pesquisa para que possamos trazer
algumas luzes, na vivência da fé, buscando um diálogo com a Modernidade e a
Pós-Modernidade.
Trata-se de uma dificuldade sentida, compreendida e definida pelos
moralistas e que necessita de uma resposta, mesmo que seja provável, suposta e
provisória. Temos clareza que há uma dificuldade muito grande ao se defrontar
com este tema hoje. Por isso, procuramos dar uma contribuição à Teologia Moral,
por intermédio desta pesquisa.
Este tema da consciência moral apresenta de tal modo um grande interesse e
a sua delucidação constitui certamente num dentre os principais aspectos de um
verdadeiro diálogo e de uma compreensão entre a Igreja e o mundo
contemporâneo. De fato, é este o tema ao centro de numerosos problemas atuais,
tanto ao interno da Igreja (por exemplo, a relação entre o Magistério e a liberdade
dos fiéis) como na sociedade global, considerando, por exemplo, a intolerância, o
sectarismo ou, ao contrário, o laxismo em matéria de justiça social.
A nossa finalidade não é, obviamente, apresentar apenas um relatório ou uma
descrição dos fatos e fenômenos levantados, tendo em conta a situação do mundo
de hoje. Procuramos isto sim, desenvolver uma reflexão, dentro de um caráter
interpretativo, no que se refere à crise de valores e a consciência moral. Queremos
fazer esta correlação, à luz das reflexões de Bernhard Häring.
1.3. Colocação do problema
Não podemos deixar de considerar tudo aquilo que a Modernidade e a Pós-
Modernidade nos permitem usufruir. No entanto, temos que levar em conta uma
realidade na qual a sociedade de hoje caminha, ou seja, para um individualismo,
um narcisismo, um consumismo e um desdém para com os outros. Partindo desta
situação, percebemos a importância de se trabalhar com uma das pilastras básicas
da Moral Fundamental: a consciência.
18
Hoje, o problema da consciência moral ocupa um lugar de primeiro plano
não somente na reflexão moral cristã, mas também em todo o pensamento
moderno, acentuando a responsabilidade pessoal e o caráter singular de cada
consciência humana.
Por outro lado, o fenômeno de crise de valores e paradigmas é bastante
visível e perceptível na nossa realidade. Há uma relação intrínseca entre este
fenômeno e a vivência de fé, a formação das consciências e o compromisso e a
responsabilidade do cristão no seu dia a dia. Nossa preocupação é de buscar
compreender todas estas questões.
1.4. Explicitações iniciais sobre as questões
No mundo atual, há uma sacrossantidade do egoísmo e da força irresistível
do interesse próprio. Há o risco do indiferentismo religioso e moral, do
pragmatismo sem valores, do hedonismo, da absolutização do indivíduo. O esforço
saiu de moda, tudo que é constrangedor e disciplina austera desvalorizou-se em
beneficio do culto ao desejo e de sua satisfação imediata. A cultura do ter e do
consumir predomina sobre a do ser e do partilhar. Há também uma “sacralização”
da liberdade da consciência humana, com a autonomia individual e a perda do
sentido ético.
Além disso, a complexa enxurrada de informações pode rapidamente
confundir a nossa capacidade de discernir o mundo. O verdadeiro desafio não é
apenas sobreviver a esse ataque violento de informações, mas também de entendê-
lo. Há uma grande confusão de idéias criada no campo moral, provocando a erosão
lenta, mas inexorável das consciências, operada pelos meios de comunicação.
Como podemos nesse complexo mar de informações o qual vivemos extrair o sal
da verdade? Como podemos encontrar as pérolas que estão escondidas em suas
profundezas, sem morrermos afogados?
Este mundo com o qual a Igreja se encontra é um mundo autônomo e
secularizado, isto é, um mundo sem recurso ao transcendente para sua legitimação
e inteligibilidade. Trata-se de um mundo centrado não no grupo, mas no indivíduo,
como sede de iniciativas, direitos e deveres. É um mundo marcado, em
19
conseqüência, pelo pluralismo de sentidos e de valores e pela afirmação do
primado ou até mesmo da exclusividade da razão humana, como fonte do
conhecimento e da verdade. O consumismo e o secularismo são obstáculos
significativos da cultura moderna que marginalizam, muitas vezes, a religião e
abafam a sensibilidade religiosa.
Uma crise da religião é uma crise do significado da vida que traz, como
conseqüência, uma crise de consciência. No entanto, muito do que se alastrou de
amoralismo, no mundo moderno, não é resultado da má vontade, e sim indesejado
“produto colateral” da industrialização, da urbanização e da secularização. Por
isso, no centro da sociedade pós-moderna, encontra-se um vazio de valores. Por
outro lado, a pessoa humana hoje se encontra diante do fenômeno do pluralismo,
ou seja, a multiplicidade e discordância das concepções e das opiniões relativas
também às questões éticas.
Existe uma crise de confiança nas relações entre as pessoas. As relações
humanas tornaram-se cada vez mais violentas, predominando, em geral, a
insensibilidade e a desconfiança. Que modelo de vida ocidental é este que nos leva
a produzir o maior avanço tecnológico da história da humanidade – nós, homo
sapiens modernos, os quais tivemos nos últimos 50 anos mais exuberância
tecnológica do que nunca – e, ainda assim, o que obtivemos?
O consumismo, a permissividade moral, o relativismo de normas são
algumas de tantas outras manifestações do exacerbamento do individualismo. O
relativismo cultural o qual estamos todos imersos traz uma abertura de espírito,
mas tende também à indiferença religiosa. Ao mesmo tempo, a cultura e a
mentalidade pós-modernas têm dificuldades de aceitar verdades dogmáticas
“fortes”, preferindo somente indicações morais “débeis”, porque sempre parciais e
provisórias. Neste sentido, pratica-se hoje uma espécie de nomadismo ético.
A consciência tornou-se uma palavra-chave do mundo moderno. Podemos
dizer que o surgimento da Modernidade se identifica com uma eclosão da
consciência em todos os seus sentidos. A riqueza desse fenômeno faz com que a
palavra “consciência” designe hoje diferentes realidades, não unívocas, mas
análogas. Mas, é consenso que na experiência da consciência, nos encontramos
com todas as nossas fraturas e contradições. Ela nos fornece uma direção e uma
20
orientação racional e intelectivamente intuitiva para julgar o passado, prever o
futuro e governar as nossas ações atuais.
No entanto, a consciência não escapa de todo um conjunto de
condicionamentos genéticos e biológicos, além das numerosas drogas psicoativas
que, quando ingeridas, podem interferir no funcionamento do cérebro. Há também
condicionamentos familiares e educacionais, ambientais (clima, relevo, etc.),
alimentares, sócio-políticos e econômicos (economia de mercado, disparidades
sociais, globalização, etc.). Juntem-se a isso, todas as formas de manipulações,
sobretudo as realizadas pelos Meios de Comunicação Social e pelas ideologias.
Na Constituição Pastoral Gaudium et spes n.16, a consciência é considerada
o locus theologicus sagrado e inviolável. Mesmo quando o ser humano erra na sua
ação moral, nunca perde a sua dignidade de pessoa. Neste lugar sagrado e
inviolável, o ser humano se encontra a sós com Deus, porém, não no sentido de
solidão, isolamento, autonomia, subjetivismo. Mas, no sentido de intimidade
profunda, de estreita relação com Deus. Neste locus intimitatis, o ser humano é um
“ouvinte da palavra”, por meio de uma dinamicidade desta relação. Portanto, a
consciência é o lugar do encontro, o lugar sagrado no qual se manifesta um
diálogo, “a cuja voz ressoa” na intimidade própria.
Uma concepção abrangente de consciência moral deve ater-se à noção de
pessoa humana. A característica principal da pessoa é a sua auto-possessão. O ser
humano é sujeito do seu próprio existir. Apesar de numerosos determinismos que
condicionam o comportamento humano, somente a pessoa humana tem a
capacidade de orientar-se, de dominar estas determinações, pelos menos de dar a
elas um sentido, de fazê-las suas. Ou seja, o ser humano se possui a si mesmo, e
não é possuído pelo cosmos, embora haja os condicionamentos do espaço e do
tempo. Tanto nas decisões mais banais, quanto nas mais heróicas, a decisão
humana manifesta a sua capacidade de ter a sua vida nas próprias mãos, e com isto,
instaurar uma continuidade entre o passado e o presente, preparando o futuro. E
esta dignidade comporta algumas conseqüências.
Não é no afastamento solitário que o coração fala como consciência, mas
partindo de um desenvolvimento que supõe trabalho de inteligência e de
comparação, descobre-se uma ordem de coisas amáveis (ou desejáveis). É no
contato com diferenças colhidas nas experiências elementares da vida que a
21
consciência se afirma. Supõe encontro com a realidade, ou descoberta da
complexidade das coisas. Como a palavra mesmo evoca, cum-scientia quer dizer
“ver com”, “conhecer com”. A partir deste dinamismo de abertura, o ser humano
capta a si mesmo, as outras pessoas, a natureza e a própria transcendência.
É na consciência solidária que repousam as chances de uma arrancada
decisiva para as transformações profundas no campo político, econômico, social e
mesmo no campo religioso. Portanto, a interioridade da consciência não é uma
interioridade de isolamento, mas de comunhão, de diálogo, de palavra. É um
encontrar-se tu a tu com Deus, um escutar a sua voz, um re-encontrar a sua palavra
como verdade que convoca em toda a realidade. É também descobrir o outro como
apelo, como palavra, como reciprocidade.
Neste sentido, nossa sociedade precisa, urgentemente, escolher entre a
insensatez de um egoísmo desenfreado e a racionalidade de uma ordem social
construída sobre valores universais, reconhecendo a dignidade da pessoa humana e
a necessidade de preservação do meio ambiente. A teologia moral do presente
deve optar de preferência pelas quatro grandes causas da humanidade: a paz, a
liberdade, a justiça econômica e a habilitação do planeta. Nelas estão em jogo o
valor radical da pessoa e a realização da dignidade da vida. Resumem-se essas
quatro causas em um único imperativo: criar a cultura ética da solidariedade
humana.
Nossa resposta ao Senhor da história e às necessidades mais urgentes da
humanidade exige que se suscitem consciências sadias e bem formadas para se
efetivar comunidades cujas estruturas econômicas, culturais, sociais e políticas
venham a encarnar os valores da liberdade e da fidelidade em toda a vida de todos
os tempos. Trata-se de construir um mundo, no qual cada pessoa humana, sem
exclusão de raça, sexo, religião, situação social e nacionalidade, possa viver uma
vida em plenitude.
Ao ser humano é impossível sonhar que viva sempre sem faltas, mesmo
porque em razão do próprio inconsciente que muito nos influencia, com todas as
suas armadilhas que ele nos prepara, não chega nunca àquele conhecimento
perfeito de si e, consequentemente, de suas atitudes. Não chega, nem mesmo a um
perfeito autodomínio. Esta tremenda afirmação, ligada à descoberta do
22
inconsciente, lança a pessoa para fora do trono das suas pretensões e o obriga a
uma modéstia sem a qual se afoga em todos os tipos de ilusões.
Mas, somente uma humanidade que retorna à consciência, dando-a de fato o
papel que a compete em toda a dinâmica pessoal e social, pode esperar de uma
forma concreta, um futuro qualitativamente melhor. Ao mesmo tempo, somente
uma humanidade que retorna à consciência pode encontrar-se com Deus. Deus e
consciência estão estreitamente correlacionados em toda a experiência humana.
1.5. Objeto e objetivos do estudo
Ao trabalhar com um conceito fundamental da Teologia Moral, a
“consciência”, propomo-nos refletir sobre esta questão em Bernhard Häring, um
dos maiores moralistas da atualidade, traçando algumas pistas norteadoras para o
nosso agir, frente à realidade atual de crise de valores e de paradigmas. Face a todo
este contexto, torna-se de fundamental importância a reflexão da realidade vigente,
apresentando propostas de ação.
A perspectiva deste trabalho não comporta em negar a Modernidade e a Pós-
Modernidade. Mas sim, procurar um diálogo com a sociedade contemporânea,
buscando algumas pistas, sob uma ótica da moral cristã, pelo viés da consciência.
E isto nos propomos a fazer à luz do teólogo, especialista em questões morais,
Bernhard Häring. Com isto, pretendemos dar uma contribuição à sociedade atual,
tendo em vista alcançar uma consciência que seja crítica e prudente, capaz de
assumir os compromissos que lhe cabem no atual contexto histórico.
Neste sentido, a novidade da presente pesquisa se constitui em fazer uma
releitura de Bernard Häring sobre a questão da consciência moral, levando em
conta o contexto atual, sobretudo os desafios impostos pela Modernidade ⁄ Pós-
Modernidade.
1.6. Metodologia
Como nenhuma pesquisa parte da estaca zero, exploramos uma rica fonte
23
bibliográfica, imprescindível para a não-duplicação de esforços, ou seja, a não
“descoberta” de idéias já expressas. As citações das principais conclusões que
outros autores chegaram, sobretudo os que procuraram refletir sobre a consciência
moral em Bernhard Häring, nos permitem salientar a contribuição desta pesquisa.
Neste sentido, consideramos como de fundamental importância a realização
do estágio de pesquisa, sob a orientação do Prof. Dr. Sabatino Majorano, na
Academia Alfonsiana, por meio do projeto PDEE da Fundação CAPES. Tal plano
de atividades na Academia Alfonsiana se constitui na Parte II da Tese, sob o título
de: “A consciência cristã, em Bernard Häring”.
A Academia Alfonsiana é um instituto de pós-graduação em Teologia Moral
fundado pela Congregação dos Redentoristas em 1949, que desenvolve suas
atividades científicas em Roma. Desde 1960, a instituição faz parte da Faculdade
de Teologia da Pontifícia Universidade Lateranense. O nosso Autor, Bernard
Häring, dedicou grande parte de sua vida acadêmica junto a esta instituição, onde
pode produzir grande parte de suas 106 obras, traduzidas em diversos idiomas.
O Prof. Dr. Sabatino Majorano é o atual Diretor da Academia Alfonsiana.
Padre Redentorista italiano, é também professor da Academia e professor
convidado da Pontifícia Universidade Urbaniana. Doutor em Teologia Moral pela
Academia Alfonsiana (1978) e Mestre em Teologia pela Pontifícia Faculdade da
Itália Meridional – Nápolis (1969). Majorano é considerado hoje, um dos maiores
especialistas em Bernard Häring, dando continuidade às reflexões de seu já
falecido mestre.
Usando o método “ver, julgar e agir”, pretendemos focalizar os objetivos da
pesquisa, percorrendo os seguintes passos: primeiramente, propomo-nos a
apresentar a realidade atual, num contexto de crise de valores e de paradigmas. A
seguir, buscamos a fundamentação teológica, com o intuito de avaliar esta situação
sob a ótica da moral cristã, tendo como base as reflexões de Bernhard Häring. E,
finalmente, procuramos trazer pistas de ação, levando em conta o compromisso
ético de todo cristão.
24
2. O contexto da Modernidade e da Pós-Modernidade
O objetivo da Parte I da Tese é de investigar os desafios da realidade de hoje,
para a vivência dos valores cristãos. De maneira simplificada, podemos resumir a
situação atual como uma realidade de profundas mudanças estruturais. Vivemos
num contexto de mundo de mercados, onde o que mais importa é a busca da
eficiência e do lucro. Um contexto aonde a incredulidade e o secularismo vão
ganhando terreno e onde há um pluralismo de modelos morais e religiosos.
No início deste século, vivemos uma realidade que está se tornando cada vez
mais desafiadora para o cristão. Uma realidade de Modernidade e Pós-
Modernidade que nos apresenta novos valores e, que a cada momento nos provoca.
Não podemos deixar de considerar tudo aquilo que a Modernidade e a Pós-
Modernidade nos permitem usufruir. No entanto, temos que levar em conta uma
realidade na qual a sociedade de hoje caminha: o individualismo, o narcisismo, o
consumismo e o desdém para com os outros. Como viver a autenticidade de nossa
fé, a partir desta situação?
Nesta primeira parte, procuraremos mostrar os desafios da realidade de hoje,
analisando o contexto do mundo moderno e pós-moderno.
25
2.1. O contexto de Modernidade e os seus novos desafios
2.1.1. Introdução
Neste primeiro capítulo, discutiremos a dinâmica da Modernidade, com os
seus novos desafios suscitados para a vida humana.
A Modernidade enquanto momento histórico caracteriza-se pela antitradição,
pela derrubada das convenções, dos costumes e das crenças, pela saída dos
particularismos e entrada no universalismo, ou ainda pela entrada da idade da
razão. Mas, muitas combinações do moderno e do tradicional podem ainda ser
encontradas nos cenários sociais concretos.
Os estudiosos estão sempre debatendo quando exatamente o período
moderno começou, e como distinguir entre o que é moderno e o que não o é. Mas,
geralmente, o início da era moderna é associado ao surgimento do Iluminismo
Europeu, aproximadamente nos meados do século dezoito.
Consideramos fundamental destacar a expansão e a afirmação do sistema
capitalista como sistema econômico hegemônico, a nível mundial. A seguir,
buscaremos refletir sobre o desenvolvimento da ciência e da técnica, que permitiu
a elaboração do mundo nos moldes modernos. Por fim, levantaremos a questão da
relação entre Igreja e Modernidade, que se iniciou com um confronto, mas que, ao
longo dos tempos, se buscou firmar numa relação de diálogo.
2.1.2. O surgimento da Modernidade e suas características
“Modernidade” refere-se a estilo, costume de vida ou organização social que
emergiram na Europa e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em
26
sua influência. A época moderna surge com a descoberta do Novo Mundo, o
Renascimento e a Reforma (século XV e XVI); desenvolve-se com as Ciências
Naturais no século XVII, atinge seu clímax político nas revoluções do século
XVIII, desenrola suas implicações gerais após a Revolução Industrial do século
XIX e termina no limiar do século XX.1
Como afirma Habermas: O conceito de modernização refere-se a um conjunto de processos cumulativos e de reforço mútuo: à formação de capital e mobilização de recursos; ao desenvolvimento das forças produtivas e ao aumento da produtividade do trabalho; ao estabelecimento do poder político centralizado e à formação de identidades nacionais; à expansão dos direitos de participação política, das formas urbanas de vida e da formação escolar formal e, à secularização de valores e normas.2
A Modernidade constitui-se a partir da pretensão de rejeitar a tradição,
submetendo tudo ao exame crítico da razão e à experimentação. Embora esta
mesma tradição tenha persistido em muitas esferas da vida. Por isso, há uma
tendência para um dinamismo e uma mudança incessantes, questionando as suas
próprias conquistas e buscando continuamente inovações. No limiar da era
moderna, três grandes eventos lhe determinam o seu caráter: a descoberta da
América, com uma nova visão de mundo, a Reforma na Igreja e a invenção do
telescópio, que permitiu o desenvolvimento de uma nova ciência.3
Modernidade é sinônimo de sociedade moderna ou civilização industrial e
está associada a um conjunto de atitudes perante o mundo, como a idéia de que o
mundo é passível de transformação pela intervenção humana; um complexo de
instituições econômicas, em especial a produção industrial e a economia de
mercado; toda uma gama de instituições políticas, como o Estado nacional e a
1 Cf. GIDDENS, A., As conseqüências da Modernidade. São Paulo: UNESP, p. 172; TOURAINE, A., Crítica da Modernidade. 6. e., Petrópolis: Vozes, p. 11; ARENDT, H., A condição humana. 10 e., Rio de Janeiro: Forense Universitária, p. 13-14; Id., Entre o passado e o futuro. 5. e., São Paulo: Perspectiva, p. 54; AZEVEDO, M. Entroncamentos e entrechoques: vivendo a fé em um mundo plural, São Paulo: Loyola, p. 74; HABERMAS, J., O discurso filosófico da Modernidade, Lisboa: Dom Quixote, p. 9. 2 Cf. HABERMAS, J., op. cit., p. 5. 3 Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (1999-2002). 2. e., São Paulo: Paulinas, n. 179; LOPEZ, P. L. Old and new globalization. In: BLANCHETTE, O.; IMAMICH, T.; McLEAN, G. F., Philosophical challenges and opportunities of globalization: The Council for Research in Values and Philosophy. 2001, Vol. I, p. 46; GIDDENS, A.; PIERSON, C., Conversas com Anthony Giddens: o sentido da modernidade. Rio de Janeiro: FGV, 2000, p. 89; ARENDT, H., A condição humana..., p. 260; LIBÂNIO, J. B., Teologia da revelação a partir da modernidade. São Paulo: Loyola, 1995, p. 116.
27
democracia de massa; a primazia e a centralidade do indivíduo e não, do grupo
como sujeito de direitos e de decisões; o primado da subjetividade; o pluralismo e
a ideologia; a concepção linear de história; a realimentação mútua entre ciência e
tecnologia, com a hegemonia de sua racionalidade própria; o predomínio cada vez
maior do simbolismo formal de cunho numérico-matemático (informática); a
pesquisa e industrialização em níveis diversos de qualidade técnica
(transformadora, inovadora, criadora); a burocratização e a organização política da
sociedade.4
É preciso lembrar que a cultura moderna se formou lentamente, se definiu e
se afirmou sempre mais pelas revoluções científicas, industrial, tecnológica e
informática; pelo Renascimento, Iluminismo, Liberalismo e Marxismo; pelas
Revoluções Francesa, Americana e Soviética; pela filosofia a partir de Descartes e
pelas ciências naturais e sociais; pela ideologia econômica, a partir da revolução
monetária e comercial-mercantil; pelos sistemas sociopolíticos e econômicos em
todas as suas versões e modelos de concretização histórica (nos últimos dois
séculos especialmente); pela expansão colonialista e pela pressão neocolonialista,
de cunho econômico, político ou ideológico.5
Não resta dúvida que a Modernidade trouxe grandes conquistas. Isto é
inegável. Favoreceu a construção de um mundo mais democrático, onde os direitos
humanos devem ser respeitados. Além disso, o grande avanço técnico-científico
permitiu um melhor bem-estar à sociedade. No entanto, com todos estes avanços
houve, por conseguinte, uma estruturação da vida humana que nem sempre trouxe
uma realização profunda do existir. É isto que procuraremos refletir agora.6
2.1.2.1. Criticas à Modernidade
Em sua obra Ensaios de sociologia, Max Weber buscou compreender a
Modernidade com a idéia de desilusão ou desencanto do mundo e extinção das
4 Cf. AZEVEDO, M., Entroncamentos e entrechoques: vivendo a fé em um mundo plural. São Paulo: Loyola, 1991, p. 73-74; GIDDENS, A.; PIERSON, C., Conversas com Anthony Giddens: o sentido da modernidade. Rio de Janeiro: FGV, p. 73. 5Cf. AZEVEDO, M., op. cit., p. 71-72. 6 Cf. AGOSTINI, N., Condicionamentos e manipulações: desafios morais. In: O itinerário da fé na “iniciação cristã dos adultos”. Estudos da CNBB n. 82, São Paulo: Paulus, 2001, p. 103.
28
formas tradicionais de autoridade e saber. No mundo da Modernidade, segundo
Weber, os laços da racionalidade tornam-se cada vez mais apertados, aprisionando-
nos numa gaiola de rotina burocrática.7
Em Nietzsche, as críticas tiveram um dos mais importantes inspiradores. Na
obra, Humano, demasiadamente humano, a Modernidade é apresentada como uma
época da superação, da novidade que envelhece e é logo substituída por uma
novidade mais nova, num movimento irrefreável. Se assim é, então não se poderá
sair da Modernidade pensando-se superá-la. Na obra Genealogia da moral,
Nietzche explica a assimilação da razão no poder, consumada na Modernidade,
com uma teoria do poder. Para este autor, os homens tiveram de se entregar ao
aparato da objetivação e do controle da natureza exterior, reduzidos ao pensar, ao
inferir, ao calcular, ao combinar de causas e efeitos.8
Para Habermas, a Modernidade se desenvolve, sobretudo a partir do século
XVIII com os pensadores iluministas, que buscaram refletir sobre a emancipação
humana, o enriquecimento da vida diária e o domínio científico da natureza. A
idéia de progresso é reforçada com a promessa da libertação das “irracionalidades”
do mito, da religião, da superstição, e a liberação do uso arbitrário do poder.9
O desenvolvimento das instituições sociais modernas e sua difusão em escala
mundial criaram oportunidades bem maiores para os seres humanos gozarem de
uma existência segura e gratificante que qualquer tipo de sistema pré-moderno.
Mas, a Modernidade tem também um lado sombrio, que se tornou muito aparente
no século atual. Como afirma a Gaudium et spes, n. 229: “O mundo moderno se
apresenta ao mesmo tempo poderoso e débil, capaz de realizar o ótimo e o
péssimo, por quanto se lhe abre o caminho da liberdade ou da escravidão, do
progresso ou do regresso, da fraternidade ou do ódio”.10
7 Cf. WEBER, M. Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro: LTC, 1982; GIDDENS, A., As conseqüências da Modernidade. São Paulo: UNESP, 1991, p. 139; GIDDENS, A.; PIERSON, C., Conversas com Anthony Giddens..., Rio de Janeiro: FGV, 2000, p. 73. 8 Cf. VATTIMO, G., O fim da Modernidade: niilismo e hermenêutica na cultura pós-moderna. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 171; NIETZSCHE, F. Humano, Demasiadamente Humano. São Paulo: Cia. das Letras, 2000; Id. Genealogia da moral. São Paulo: Cia. das Letras, 2001, p. 89-90. 9 Cf. HABERMAS, J. O discurso filosófico da Modernidade. S. Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 171-173. 10 Cf. GIDDENS, A., As conseqüências da Modernidade. São Paulo: UNESP, 1991, p. 16; Constituição Pastoral Gaudium et spes, n. 229. In: CONCILIO ECUMÊNICO VATICANO II. Compêndio do Vaticano II: Constituições, Decretos e Declarações (Organizado por VIER, F.; KLOPPENBURG, B.). 25. e. Petrópolis: Vozes, 1996.
29
No caso do continente latino-americano, ao lado desta faixa modernizante,
há uma imensa maioria da população que vive num contexto pré-moderno de
analfabetismo, de pobreza e falta de saúde, de desemprego e fome. Fenômenos
estes que encontram suas causas profundas e estruturais na inaceitável
estratificação de nossa sociedade. Esta foi uma das temáticas centrais em Medellín,
Puebla e Santo Domingo, bem como das Cartas Encíclicas Laborens exercens e
Sollicitudo rei socialis, de João Paulo II.11
A seguir, discutiremos sobre o novo sistema econômico-político advindo
com a Modernidade e as suas conseqüências.
2.1.3. O capitalismo e sua expansão mundial
O capitalismo é um sistema de produção de mercadorias, centrado sobre a
relação entre a propriedade privada do capital e o trabalho assalariado sem posse
de propriedade, sendo que esta relação forma o eixo principal de um sistema de
classes. O empreendimento capitalista depende da produção para mercados
competitivos, os preços sendo sinais para investidores, produtores e consumidores.
O nascimento da sociedade industrial encontrará na Riqueza das nações de Adam
Smith (1776), a primeira grande teorização. Smith analisa as conseqüências
econômicas da divisão do trabalho, as conseqüências sociais da indústria para a
estrutura das classes, o papel cada vez maior dos serviços e do trabalho
improdutivo, trazendo à luz os mecanismos da sociedade nascente.12
O apelo ao mercado, a concentração do capital e a racionalização dos
métodos de produção subordinaram a idéia de sociedade moderna ou mesmo
industrial à de economia capitalista. Neste sentido, Max Weber, em sua obra A
11 Cf. AZEVEDO, M., Entroncamentos e entrechoques... São Paulo: Loyola, 1991, p. 77; AGOSTINI, N., Condicionamentos e manipulações: desafios morais. In: O itinerário da fé na “iniciação cristã dos adultos”. Estudos da CNBB n. 82. São Paulo: Paulus, p. 103; CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCADO LATINO-AMERICANO. Conclusões da Conferência de Medellín. 6. e. São Paulo: Paulinas, 1987; Id., Conclusões da Conferência de Puebla. São Paulo: Paulinas, 1979; Id., Conclusões da Conferência de Santo Domingo. São Paulo: Paulinas, 1992; JOÃO PAULO II, Carta Encíclica Laborens exercens. São Paulo: Paulinas, 1981; Ib., Carta Encíclica Sollicitudo rei socialis. Documentos Pontificios n. 218, Petrópolis: Vozes, 1988. 12 Cf. SMITH, A., A riqueza das nações: investigação sobre sua natureza e suas causas. 3 vol., 1988; MASI, D., A sociedade pós-industrial. São Paulo: SENAC, 1999, p. 14; GIDDENS, A., As conseqüências da Modernidade. São Paulo: UNESP, 1991, p. 61-62.
30
ética protestante e o espírito do capitalismo afirma que as novas estruturas sociais
modernas são caracterizadas pela empresa capitalista e pelo aparelho burocrático
do Estado.13
A grande novidade da Revolução Industrial foi a utilização intensiva de
combustíveis fósseis (carvão, petróleo, etc.), fonte não renováveis de energia, que
permitiu um grande avanço tecnológico e econômico. Apareceram as fábricas e a
produção em massa, com a introdução da linha de montagem, exigindo a criação e
o desenvolvimento de uma rede de distribuição com um correspondente sistema de
informações. Em torno das novas formas de produção e de consumo estruturou-se
a sociedade toda. O império do mercado refletiu na crescente comercialização das
relações humanas.14
A produção industrial e a constante revolução na tecnologia a ela associada
contribuíram para processos de produção mais eficientes e baratos. O
industrialismo se tornou o eixo principal da interação dos seres humanos com a
natureza. Com a indústria moderna, modelada pela aliança da ciência com a
tecnologia, houve uma transformação do mundo da natureza de maneiras
inimagináveis às gerações anteriores.15
Dessa forma, a economia capitalista mundial, que tem suas origens nos
séculos dezesseis e dezessete, foi se integrando através de conexões comerciais e
fabris, sobretudo, a partir da brusca expansão no período pós-guerra. No entanto,
este desenvolvimento se deu de forma concentrada em algumas regiões do planeta,
coordenadas por centros financeiros interligados, que tem como ápice da hierarquia
os Estados Unidos.16
A produção de mercadorias em condições de trabalho assalariado pôs boa
parte do conhecimento, das decisões técnicas, bem como do aparelho disciplinar,
fora do controle da pessoa que de fato faz o trabalho. O acordo de Bretton Woods,
de 1944, transformou o dólar na moeda-reserva mundial e vinculou com firmeza o
13 Cf. WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Martin Claret, 2003; HABERMAS, J., O discurso filosófico da Modernidade. Lisboa: Dom Quixote, 1998, p. 4; TOURAINE, A., Crítica da Modernidade, 6. e., Petrópolis: Vozes, 1999, p. 77. 14 Cf. LÓPEZ, P. L. Old and new globalization. In: BLANCHETTE, O.; IMAMICH, T.; McLEAN, G. F., Philosophical challenges and opportunities of globalization: The Council for Research in Values and Philosophy.2001, Vol. I, p. 55; RUBIO, A. G., Unidade na pluralidade. 3. e., São Paulo: Paulus, p. 38-49. 15 Cf. GIDDENS, A., As conseqüências da Modernidade. São Paulo: UNESP, 1991, p. 66-67. 16 Ibid., p. 73; HARVEY, D., Condição Pós-Moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 11. e., São Paulo: Loyola, p. 125.
31
desenvolvimento econômico do mundo à política fiscal e monetária norte-
americana. O longo período de expansão de pós-guerra, que se estendeu de 1945 a
1973, teve como base um conjunto de práticas de controle do trabalho, tecnologias,
hábitos de consumo e configurações de poder político-econômico. E os Estados
Unidos passaram a agir como banqueiros do mundo em troca de uma abertura dos
mercados de capital e de mercadorias ao poder das suas grandes corporações.17
2.1.3.1. Críticas ao capitalismo
O capital é um processo de reprodução da vida social por meio da produção
de mercadorias em que todas as pessoas do mundo capitalista avançado estão
profundamente implicadas. Suas regras internalizadas de operação são concebidas
de maneira a garantir que ele seja um modo dinâmico e revolucionário de
organização social que transforma incansável e incessantemente a sociedade em
que está inserido.18
O processo mascara porque favorece um crescimento que se dá com uma
destruição criativa dos recursos naturais. A ciência e a técnica propiciaram um
domínio efetivo eficaz sobre a natureza, considerando-a simplesmente como objeto
de exploração por parte do ser humano. A Civilização Industrial devasta o meio
ambiente de maneira extremamente grave. A natureza se torna mero objeto, mera
questão de utilidade, cessando de ser reconhecida como um poder em si mesmo,
como um dom de Deus. A difusão do industrialismo acelerado criou um mundo no
qual há mudanças ecológicas reais ou potenciais de um tipo daninho que afeta a
todos no planeta.19
Por outro lado, os capitalistas, ao comprar a força de trabalho, tratam-na
necessariamente em termos instrumentais. O trabalhador é geralmente visto apenas
como uma “mão” e não como uma pessoa inteira. Neste sentido, o trabalho
17 Cf. HARVEY, D., Condição Pós-Moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 11. e., São Paulo: Loyola, p. 119-131. 18 Ibid. ,p. 307. 19 Cf. ARAUJO, J. W. C., Exigências éticas de uma co-responsabilidade com a criação – uma proposta de ética ecológica. Rio de Janeiro, 2001, Dissertação de Mestrado – Departamento de Teologia, Pontifícia Universidade Católica, p. 3-27; GIDDENS, A., As conseqüências da Modernidade. São Paulo: Paulus, p. 81.
32
contribuído é considerado simplesmente um “fator” de produção. A compra da
força de trabalho com dinheiro dá ao capitalista certos direitos de dispor do
trabalho dos outros sem considerar necessariamente o que estes possam pensar,
precisar ou sentir. A detalhada divisão organizada do trabalho nas fábricas reduz o
trabalhador a um fragmento de pessoa, um “apêndice” da máquina.20
O capitalismo cria sempre novos desejos e necessidades: novos produtos,
novas tecnologias, novos espaços e localizações, novos processos de trabalho, etc.
Ele é, por necessidade, tecnologicamente dinâmico, por causa das leis coercitivas
da competição. O efeito da inovação contínua é, no entanto, desvalorizar, senão
destruir, investimentos e habilidades de trabalhos passados. A inovação exacerba a
instabilidade e a insegurança, tornando-se, no final, a principal força que leva o
capitalismo a periódicos momentos de crise. A luta pela manutenção da
lucratividade apressa os capitalistas a explorarem todo tipo de novas
possibilidades. Dessa forma, o capitalismo é um sistema social que internaliza
regras que garantem que ele permaneça como uma força permanentemente
inovadora e dinâmica em sua própria história mundial.21
Muitas combinações do moderno e do tradicional podem ser encontradas nos
cenários sociais concretos. No Brasil, as desigualdades resultantes provocam sérias
tensões. Um grande contingente da população é constituído de mão-de-obra barata.
Por outro lado, muitos não têm acesso ao trabalho e, consequentemente, às
prometidas alegrias de uma sociedade de consumo. A modernização geralmente
promove a destruição das culturas locais. Os serviços públicos (saúde e educação,
sobretudo) não atendem às necessidades básicas da população e colaboram
ativamente com as mazelas do capital internacional.22
A seguir, analisaremos o desenvolvimento da ciência e da técnica que
permitiram o estabelecimento do sistema econômico capitalista a nível mundial.
20 Cf. MARX, K. O capital: critica da economia política. 5. e., São Paulo: Bertrand Brasil, 1987, 6 vol.; HARVEY, D., Condição Pós-Moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 11. e., São Paulo: Loyola, p. 101-103, p. 307. 21 Ibid., p. 102-103. 22 Cf. FURTADO, C. Formação econômica do Brasil. 24. e., São Paulo: Nacional, 1991, 248 p.; TAVARES, M. C., Acumulação de capital e industrialização no Brasil, 3. e., Campinas: UNICAMP, 1998; TOURAINE, A., Crítica da Modernidade. 6. e., Petrópolis: Vozes, 1999, p. 193; HARVEY, D., Condição Pós-Moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 11. e., São Paulo: Loyola, p. 133.
33
2.1.4. O desenvolvimento da ciência e da técnica
A ciência e a técnica, desde as suas origens, propõem-se a desenvolver o
saber em bases racionais e lutar contra os medos que nascem da ignorância. O
desenvolvimento da ciência teve seu inicio há pouco mais de 500 anos. Surgiu com
as descobertas astronômicas (Galileu Galilei, Nicolau Copérnico), a física de
Newton, a filosofia prática (Francis Bacon), o Iluminismo e a Revolução Industrial
(a partir do séc. XVIII)..23
Com Galileu, graças à mediação do instrumento matemático a “ciência de
Deus" passa a ser “ciência dos homens”. A astronomia de Copérnico tira a Terra
do centro do Universo, elevando-a à dignidade de astro entre outros astros. Nessa
mesma época, um filósofo muito influente, Nicolau de Cusa, proclama a imanência
do infinito dentro da finitude, por exemplo, na Terra e no homem. Já no século
XVI, com Francis Bacon, a ciência ingressa triunfalmente na prática cotidiana da
vida. Com a ciência, anunciará este filósofo que o homem poderá empreender a
própria aventura de criação de uma nova Terra, à imitação de Deus, mesmo sem
Deus.24
Descartes foi o primeiro a conceitualizar a forma moderna de duvidar, que
depois dele passou a ser o eixo invisível em torno do qual todo pensamento tem
girado. Com o método cartesiano, tudo passou a ser posto em dúvida. As então
recentes descobertas das ciências naturais haviam convencido Descartes de que o
homem, em sua busca da verdade e do conhecimento, não pode confiar nem na
evidência dada dos sentidos, nem na “verdade inata” da mente, nem tampouco na
“luz interior da razão”. Essa desconfiança nas faculdades humanas tem sido desde
23 Cf. GALIMBERTI, U., Rastros do sagrado: o cristianismo e a dessacralização do sagrado. São Paulo: Paulus, 2003, p. 232; AGOSTINI, N., Teologia Moral: o que você precisa viver e saber. 7. e., Petrópolis: Vozes, 2003, p. 22-23. 24 Cf. GALILEI, G. Dialogues. Paris: Hermann, 1966; GALIMBERTI, U. op. cit., p. 167; TILLICH, P., El futuro de las religiones. Buenos Aires : La Aurora, 1976, p. 24; BACON, F. Novum organum ou verdadeiras indicações acerca da interpretação da natureza. São Paulo: Nova Cultural, 1988; MASI, D., A sociedade pós-industrial. São Paulo: SENAC, 1999, p. 12-13; GALIMBERTI, U., op. cit., p. 167.
34
então uma das condições mais elementares do mundo moderno. Descartes tornou-
se, assim, o pai da filosofia moderna desenvolvendo um novo método de pensar.25
Para Hannah Arendt, a época moderna começou quando o homem, com auxílio do telescópio, voltou seus olhos corpóreos rumo ao universo, acerca do qual especulara durante longo tempo e aprendeu que seus sentidos não eram adequados para o universo, que sua experiência quotidiana, longe de ser capaz de constituir o modelo para a recepção da verdade e a aquisição de conhecimento, era uma constante fonte de erro e ilusão. Após esta decepção, as suspeitas começaram a assediar o homem moderno de todos os lados. Sua conseqüência mais imediata, porém, foi o espetacular ascenso da ciência natural, que por longo período pareceu liberar-se com a descoberta de que nossos sentidos, por si mesmos, não dizem a verdade [...] Desde que o ser e a aparência se divorciaram, quando já não se esperava que a verdade se apresentasse, se revelasse e se mostrasse ao olho mental do observador, surgiu uma verdadeira necessidade de buscar a verdade atrás de aparências enganosas. Para que tivesse certeza, o homem tinha que “verificar”. A verdade científica não só não precisa ser eterna, como não precisa sequer ser compreensível ou adequada ao raciocínio humano.26
Não apenas as especulações filosóficas de Nicolau de Cusa e de Giordano
Bruno, mas a imaginação de astrônomos como Copérnico e Kepler, inspirados na
matemática haviam postos em dúvida a noção de um universo finito e geocêntrico
que os homens conservavam desde os tempos mais remotos. Por outro lado, nomes
como Darwin e Freud, correntes como o positivismo, o historicismo e o
pragmatismo, vêm comprovar que no século XIX, a física, a biologia, a psicologia
e as ciências históricas franqueiam motivos relativos a uma visão de mundo, os
quais, pela primeira vez sem a mediação da filosofia, vão exercer influência sobre
a consciência da época. E a prática bem-sucedida de decifrar os fenômenos
naturais através da observação e da experimentação levou à suposição de que era
possível fazer o mesmo com os fenômenos sociais, dando origem à física social de
Comte.27
O método e a ciência experimental provocaram modificações na imagem que
o ser humano tinha do mundo e na maneira como se via a si próprio. Com sua
25 Cf. ARENDT, H., Entre o passado e o futuro. 5 e., São Paulo: Perspectiva, 2002, p. 84-86; DESCARTES, R. Discurso do método. 2. e. São Paulo: Martins Fontes, 2001; ARENDT, H., A condição humana. 10 e., Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 286-288. 26 Cf. ARENDT, H., Entre o passado e o futuro..., p. 85-86 e p. 303. 27 Cf. HABERMAS, J. The philosophical discourse of modernity. Cambridge: Polity Press, p., 58 e 270; BRUNO, G. Sobre o infinito, o universo e os mundos. 2. e. São Paulo: Abril Cultural, 1978; COPERNICO, N. As revoluções das orbes celestes. Lisboa: Fund. Calouste Gulbekian, 1984; COMTE, A. Curso de filosofia política. São Paulo: Nova Cultural, 1988.
35
racionalidade, o ser humano passou a enfrentar, a dominar e a transformar o mundo
em seu próprio proveito. Com o moderno ideal de reduzir dados sensoriais e
movimentos terrestres a símbolos matemáticos, abriu-se o caminho para uma
forma inteiramente inédita de abordar e enfrentar a natureza na experimentação.
Por outro lado, a matematização da natureza a partir de Galileu supôs um enorme
empobrecimento em nossa percepção e vivência da realidade. Pois, desse modo, o
“mundo da vida” ficou reduzido pelo da ciência e da técnica.28
Assim afirma Marcello C. Azevedo: A ciência moderna, desde os seus albores, no século XIV, criou sua autonomia a partir da inversão do processo filosófico de lógica dedutiva ou de tradicional afirmação da autoridade, pelo processo indutivo de observação e experimentação, como veículos de teste das hipóteses e elaboração das teorias. Mais tarde, a expressão matemática e formal das ciências da natureza permitiu o potenciamento de um novo processo indutivo-dedutivo-projetivo, de caráter positivo e verificável. Foi este tipo de racionalidade, próprio das ciências da natureza, que veio a configurar também a posterior formação metodológica das ciências sociais e humanas, desde a teoria econômica até a sociologia e história, a psicologia e antropologia cultural. O aspecto, porém, mais decisivo deste processo evolutivo da racionalidade científica é a progressiva articulação entre a ciência e a sua tradução técnico-tecnológica. É sobretudo por aí, em base à racionalidade instrumental, que se vai gestar a revolução industrial e, depois dela, em constante aceleração, as revoluções elétrico-eletrônica, nuclear, biológica e informática. O que as caracteriza todas é a mútua alimentação entre ciência e tecnologia.29 Estamos em grande parte num mundo que é inteiramente constituído através
de conhecimento reflexivamente aplicado, mas onde, ao mesmo tempo, não
podemos nunca estar seguros de que qualquer elemento dado deste conhecimento
não será revisado. Em ciência, nada é absolutamente certo, ainda que o empenho
científico nos forneça a maior parte da informação digna de confiança. Nenhum
conhecimento, sob as condições da Modernidade é conhecimento “no sentido
antigo”, em que “conhecer” é estar certo. Isto se aplica igualmente às ciências
naturais e sociais.30
28 Cf. RUBIO, A. G., Unidade na pluralidade. 3. e., São Paulo: Paulus, 2001, p. 20; HURSSEL, E. La crisi delle scienze europee e la fenomenologia trascendentale. Milano: Saggeatore, 1972; ARENDT, H., A condição humana. 10 e., Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 277-278; QUEIRUGA, A. T. Fim do cristianismo pré-moderno: desafios para um novo horizonte. São Paulo: Paulus, 2003, p. 214-215. 29Cf. AZEVEDO, M., Entroncamentos e entrechoques – vivendo a fé em um mundo plural. São Paulo: Loyola, 1991, p. 144-145. 30 Cf. POPPER, K. Conjecturas e refutações. Brasília: UNB, 1972; GIDDENS, A., As conseqüências da Modernidade. São Paulo: UNESP, 1991, p. 46.
36
2.1.4.1. Críticas à ciência e à técnica
A Modernidade gestou um novo paradigma de legitimação que se explicitou
em primeiro lugar nas novas ciências da natureza: a legitimação pela mediação de
um discurso de racionalidade. Há uma “pretensão de universalidade”, o que se
concretiza nas diferentes tentativas de articular um discurso sobre o mundo como
totalidade num “sistema” capaz de abranger todas as dimensões do real. Por outro
lado, o progresso da ciência tende ao infinito e não conhece nem meta nem
cumprimento. Trata-se de um progresso altamente técnico, sem dimensão de
gratuidade e de contemplação, que se coloca a serviço de contratos comerciais e da
racionalidade econômica.31
A apropriação do conhecimento não ocorre de uma maneira homogênea, mas
é com freqüência diferencialmente disponível para aqueles em posição de poder. O
pensamento moderno se quer científico, mas é materialista; ele dissolve a
individualidade dos fenômenos observados em leis gerais. Ao mesmo tempo,
consciente da íntima razão de sua contribuição histórica, a ciência não poderia
evitar uma natural tendência imperialista, mostrando de modo cada vez mais
prepotente, suas pretensões de se converter em instância exclusiva do saber.
Consequentemente, o que nos ocorre em primeiro lugar, naturalmente, é o
tremendo aumento de poder humano de destruição e, ao mesmo tempo, o fato de
que podemos produzir novos elementos jamais encontrados na natureza.32
O progresso da técnica é também um elemento essencial da Modernidade,
com o desenvolvimento do instrumentalismo. Verificamos hoje, um verdadeiro
culto à técnica e à eficiência. Por isso, a técnica é dominadora. Sua lógica conduz
ao totalitarismo. Há o ideal de uma “tecnização” da existência. Uma sociedade
técnica e administrativa transforma o homem em objeto, o que expressa a palavra
31 Cf. HORKHEIMER, M; ADORNO, T. W. Dialética do esclarecimento: escritos filosóficos. 3. e. Rio de Janeiro: Zahar, 1991; MORI, G., A pós-modernidade e a teologia: desafios e tarefas. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE TEOLOGIA. São Leopoldo, 2004, mimeografado, p. 18; OLIVEIRA, M. A., Pós-Modernidade: abordagem filosófica. p.21-22. In: TRASFERETTI, José; GONÇALVES, Paulo Sérgio L. (Orgs.) Teologia na pós-modernidade: abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, 2003, p.22. 32 Cf. TOURAINE, A., Crítica da Modernidade. 6. e., Petrópolis: Vozes, 1999, p. 269; GIDDENS, A., As conseqüências da Modernidade. São Paulo: UNESP, 1991, p. 50; ARENDT, H., A condição humana. 10 e., Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 281; QUEIRUGA, A. T., Fim do cristianismo pré-moderno: desafios para um novo horizonte. São Paulo: Paulus, 2003, p. 207-208.
37
burocracia em seu sentido mais usual. O tecnicismo coloca-se a serviço da
solidariedade social, mas também da repressão policial; da produção em massa,
mas também da agressão militar ou da propaganda e da publicidade, qualquer que
seja o conteúdo das mensagens transmitidas. Ao mesmo tempo, a técnica trabalha
diretamente com o sucesso e com a eficácia, tornando-se referência suprema da
verdade, já que ela funciona. E assim, a verdade é tomada de assalto por esse
pensamento objetivo e tecnocrático.33
Não existe nenhum setor da vida e da sociedade que não tenha sido tocado
pelo saber desenvolvido pela razão técnica. Esta é extraordinariamente eficaz e
constrói um mundo realmente mais confortável. Mas, a lógica que ela impõe e a
ética que ela favorece tendem, no entanto a captar o horizonte a partir do
provisório e do imediatamente acessível. A tecnociência conseguiu certamente
enormes progressos na batalha contra as doenças e na luta por melhores condições
de vida, mas a ameaça da guerra e os incidentes nucleares ou químicos tiram a
esperança de encontrar na tecnologia a salvação. Como afirma a Populorum
Progressio, n. 34: “Corremos o risco de nos tornarmos escravos ou vítimas duma
técnica que criamos para a nossa libertação”.34
A seguir, analisaremos as implicações da relação entre a Igreja e a
Modernidade.
2.1.5. Igreja e Modernidade
Segundo Berger e Luckmann,
Com o conceito de cristandade tentou-se na Idade Média européia trazer todas as pessoas para dentro de um espaço de poder e mantê-las dentro de um único, comum e supra-ordenado sistema de sentido. Esta tentativa nem sempre teve pleno êxito.
33 Cf. GIDDENS, A.; PIERSON, C., Conversas com Anthony Giddens..., p. 83; TOURAINE, A., Crítica da Modernidade..., p. 110; AGOSTINI, N. Condicionamentos e manipulações: desafios morais. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. O itinerário da fé na “iniciação cristã dos adultos”. Estudos da CNBB n. 82, São Paulo: Paulus, p. 103; MARCUSE, H. A ideologia da sociedade industrial: o homem unidimensional. 6.. ed., Rio de Janeiro: Zahar, 1982; VATTIMO, G., O fim da Modernidade: niilismo e hermenêutica na cultura pós-moderna. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 26; TOURAINE, A., op. cit., p. 109-110; 177; LIBÂNIO, J. B., Teologia da revelação a partir da modernidade. 2. e., São Paulo: Loyola, 1995, p. 123; HABERMAS, J. La technique et la sciencee comme ideologie. Paris : Denoel, 1984. 34 Cf. MORI, G. L. A pós-modernidade e a teologia: desafios e tarefas. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE TEOLOGIA. São Leopoldo, 2004, p. 18-19; PAULO VI. Carta encíclica Populorum progressio. Documentos Pontifícios n. 165, Petrópolis: Vozes, 1967.
38
Dentro da cristandade, minorias conservaram seus sistemas simbólicos especiais – judeus, hereges, cultos derivados de passado pagão. Às vezes a unidade simbólica da cristandade foi interrompida por forças poderosas do exterior (Islã) ou do interior (Igrejas orientais, albigenses). Foi sacudida de modo mais violento pela Reforma. Surgiram assim ao lado da Igreja Oriental ao menos duas outras “cristandades” – uma católica e uma protestante.35
Uma das mais difundidas e confiáveis visões da Modernidade é a de que ela
se caracteriza como a “época da história”, em oposição à mentalidade antiga,
dominada por uma visão naturalista e cíclica do curso do mundo. A Modernidade
desenvolve e elabora em termos puramente mundanos e seculares a herança
hebraico-cristã, com uma visão da história como progresso. Há uma concepção da
história de uma forma dinâmica e contínua, onde o homem é chamado a construir a
sua própria história. O mundo histórico não é algo que permanece, é precisamente
o que passa e se modifica continuamente. Com isso, sobretudo a partir do século
XVI, a sociedade começa a se tornar autônoma em relação à Igreja e à religião,
atingindo o auge com o Iluminismo e com a Revolução Francesa.36
A Igreja, diante da Modernidade, representada pelo Iluminismo e pelo
Liberalismo, assumiu no século XIX uma atitude predominantemente defensiva,
rejeitando o processo de modernização e reafirmando seus conceitos de verdade,
de revelação e de Tradição. A recusa aparece em acontecimentos manifestados no
decorrer deste processo histórico. Exemplos podem ser verificados durante os
pontificados de Gregório XVI (1831-1846) e de Pio IX (1846-1878). O primeiro,
na encíclica Mirari vos (1832), condena a liberdade de consciência, de imprensa e
de pensamento. O segundo publica a encíclica Quanta cura e o elenco de erros
modernos: o Syllabus. Dessa forma, condenam-se todas as doutrinas anticatólicas,
o panteísmo, o naturalismo, o racionalismo, o socialismo, o liberalismo e o
comunismo. Também o Concílio Vaticano I (1869-1870), ao reafirmar a
autenticidade da doutrina católica como fruto da revelação e da fé, condena o
35 Cf. BERGER, P.; LUCKMANN, T., Modernidade, pluralismo e crise de sentido: a orientação do homem moderno. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 41-42. 36 Cf. VATTIMO, G., O fim da Modernidade: niilismo e hermenêutica na cultura pós-moderna. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. VIII-XI e p. 64; AZEVEDO, M., Entroncamentos e entrechoques – vivendo a fé em um mundo plural. São Paulo: Loyola, p. 108; SOUZA, N., Evolução histórica para uma análise da pós-modernidade. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.), Teologia na pós-modernidade: abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 106.
39
pensamento moderno em todas as suas formas racionalistas.37
Tudo isto porque a Modernidade pós-cristã chegou arrasando as tradições,
questionando as autoridades, rejeitando os dogmas. A Teologia, que tinha
desenvolvido excelentemente seu estatuto racional, paradoxalmente viu-se mal
com esse surto da racionalidade Moderna pós-cristã. Essa última “tirou-lhe o tapete
dos pés”, ao negar a autoridade inquestionável da Igreja católica (Reforma), ao
defender uma religião da razão em oposição a toda religião revelada (deísmo), ao ir
mais longe, afirmando a condição absoluta da razão humana e rejeitando a
realidade transcendente de Deus (humanismo ateu).38
No entanto, com o Concilio Vaticano II (1962-1965), a Igreja reconhece que
não há uma adequação das questões de fé à nova realidade do mundo, abrindo-se
assim a um diálogo com a Modernidade. Hoje, a concepção que se tem é de que
não existe outra possibilidade de sermos verdadeiramente críticos com o processo
da Modernidade a não ser reconhecendo a realidade de seu desafio, procurando
aproveitar suas possibilidades e evitar seus perigos. Retornaremos este tema, por
diversas vezes, ao longo da nossa discussão sobre a consciência moral.39
O fato é que os desafios estão aí, para serem enfrentados e a Igreja hoje não
pode mais viver à margem da realidade sociocultural na qual se encontra. Mas, sua
relação com esta realidade deve ser crítico-construtiva, não ingênua e submissa,
nem agressiva e defensiva. Ao retomar o diálogo Igreja-Mundo, devemos ser
conscientes da complexidade e das tensões nele envolvidas.40
37 Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (1999-2002). 2. e., São Paulo: Paulinas, 1999, n. 180; GREGORIO XVI. Carta Encíclica Mirari vos, 2. e., Petrópolis: Vozes, 1953; PIO IX. Carta Encíclica Quanta cura e o silabo, 3. e., Petrópolis: Vozes, 1959; DENZINGER, H. J. D., Enchiridion Symbolorum: definitionum et declarationum de rebus fidei et morum, (a cura di HÜNERMANN, P.). 4. e., Bologna: EDB, 2003, p. 1044-1083; SOUZA, N. Evolução histórica para uma análise da pós-modernidade. In: TRASFERETTI, José; GONÇALVES, Paulo Sérgio L. (Orgs.) Teologia na pós-modernidade..., p. 106-107. 38 Cf. LIBÂNIO, J. B., Desafios da pós-modernidade à teologia fundamental. In: TRASFERETTI, José; GONÇALVES, Paulo Sérgio L. (Orgs.) Teologia na pós-modernidade..., p. 146. 39 Cf. QUEIRUGA, A. T., Fim do cristianismo pré-moderno: desafios para um novo horizonte. São Paulo: Paulus, p. 18 e 22. 40 Cf. AZEVEDO, M. Entroncamentos e entrechoques – vivendo a fé em um mundo plural. São Paulo: Loyola, p. 45.
40
2.1.6 Conclusão
A grosso modo, podemos dizer que a Modernidade caracteriza-se pela crença
no progresso e na transformação da história. A ideologia modernista foi
nitidamente revolucionária, criticando em teoria, e mais tarde na prática, o poder
do rei e da Igreja Católica em nome dos princípios universais e da própria razão. A
partir dela, sobretudo com o humanismo renascentista do séc. XVI, o teocentrismo
deu lugar ao antropocentrismo. O Iluminismo do séc. XVIII veio reforçar esta
concepção, depositando a plena confiança na razão e no progresso e desafiando as
tradições.
O caráter de rápida transformação da vida social moderna deriva
essencialmente do impulso energizante de uma complexa divisão de trabalho,
aproveitando a produção para as necessidades humanas através da exploração
industrial da natureza. Na sociedade de consumo, a contínua renovação (das
roupas, dos utensílios, dos edifícios, etc.) é fisiologicamente requerida para a pura
e simples sobrevivência do sistema.
Com as descobertas científicas, sobretudo dos meios de comunicação social
e dos transportes, o mundo passou a ser uma aldeia global. A economia se
globalizou, sendo o que mais importa é a eficiência, o lucro e o consumismo. Com
todas estas mudanças, surgiu um pluralismo de modelos morais e religiosos e, ao
mesmo tempo, a incredulidade e a secularização foram ganhando terreno. É
significativo o fato de que o desenvolvimento do progresso e da técnica não
chegou a melhorar o mundo do ponto de vista moral, mas só do ponto de vista do
bem estar material.
Dando continuidade à nossa reflexão, discutiremos os problemas advindos da
Modernidade, enfatizando as questões antropológicas.
41
2.2. Suposições antropológicas da Modernidade 2.2.1. Introdução
É preciso considerar que a mudança cultural proporcionada pela
Modernidade trouxe uma valorização da subjetividade, da livre escolha pessoal, da
liberdade e da consciência dos direitos fundamentais, decisivos para uma autêntica
promoção humana. Assim se fala, entre outras coisas, sobre a libertação dos
camponeses, a emancipação do proletariado, dos judeus, dos negros, das mulheres,
das colônias, etc.
Por outro lado, no mundo moderno, verifica-se uma passagem da visão
cosmocêntrica da realidade para o antropocentrismo. Tudo passa a ser julgado a
partir do ser humano, que se percebe como centro do mundo. Há o descobrimento
da subjetividade, da autonomia e, por fim, também a visão de que o ser humano é o
sujeito de sua própria história. No entanto, tudo favorecerá a uma tendência cada
vez maior ao individualismo, ao consumismo e ao egocentrismo.
O presente capítulo tem como finalidade abordar tais questões, apresentando
alguns conceitos fundamentais da antropologia moderna. Tais conceitos irão dar
suporte a uma nova reflexão da moralidade.
2.2.2. Autonomia
A Modernidade significou a emergência do sujeito autônomo, que se
posiciona ativamente diante do mundo e transforma a natureza e a sociedade a
serviço dos seus interesses, movido por uma construção mental que orienta esta
transformação. Como expressão disso surgem o sujeito empreendedor e a ciência
produtora de tecnologia.41
41 Cf. JUNGES, J. R. Evento Cristo e ação humana: temas fundamentais de ética teológica. São Leopoldo: UNISINOS, 2001, p. 17.
42
Kant interpretou a Modernidade como a idade da emancipação da
humanidade. Para este filósofo, com os tempos modernos, a humanidade teve a
possibilidade de atingir a maioridade pelo uso público da razão, que permitiu a
efetivação da emancipação humana pelo afastamento de todas as tutelas, em
qualquer ordem da vida, que impediam a pessoa de chegar à idade adulta.42
Com a Modernidade, há uma afirmação do ser humano como autônomo,
livre, sujeito de si e da história. Conseqüentemente, há um pluralismo dos diversos
setores do mundo social. O processo de “mundanização”, enquanto afirmação da
autonomia secular, tornou-se um modo legítimo de procurar a libertação do sujeito
humano de toda forma de heteronomia considerada opressiva, seja ela política,
social, cultural ou mesmo religiosa. O sentido de autonomia que caracteriza o ser
humano típico das modernas sociedades industriais está estreitamente ligado a uma
difusa mentalidade de consumidor. Porém, esta orientação consumista não se
limita à produção econômica, mas à sua relação com o mundo que o cerca. Dessa
forma, o sujeito percebe-se “livre”, por assim dizer, de construir sua própria
identidade individual.43
Provavelmente, o que constitui o núcleo mais determinante e talvez o
dinamismo mais irreversível do processo moderno seja uma progressiva autonomia
alcançada. Uma autonomia que começou pela realidade física, ao mostrar com
clareza crescente que as realidades mundanas apareciam obedecendo às leis de sua
própria natureza. Prosseguiu com a nova concepção da realidade social, econômica
e política, ao deixar que se visse a estruturação da sociedade, a partilha da riqueza
e o exercício da justiça como resultado de decisões humanas muito concretas.
Dessa forma, já não há mais pobres e ricos porque Deus assim o dispôs, mas
porque nós distribuímos desigualmente as riquezas de todos; o governante não
mais o é “pela graça de Deus”, e sim pela livre decisão dos cidadãos. O processo
42 KASPER, W. Jesus, el Cristo. 6. e., Salamanca: Sígueme, 1986, p. 49; OLIVEIRA, M. A. A crise da racionalidade moderna: uma crise de esperança. In: OLIVEIRA, M. A. Ética e racionalidade moderna. 2. e., São Paulo: Paulus, 1999, p. 71-72; Ibid., Pós-Modernidade: abordagem filosófica. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.) Teologia na pós-modernidade: abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, p. 22. 43 Cf. PASTOR, F. A. O Discurso sobre Deus. Atualidade Teológica, Rio de Janeiro, n.1, p. 18, 1997; AZEVEDO, M. Entroncamentos e entrechoques – vivendo a fé em um mundo plural. São Paulo: Loyola, 1991, p. 107; AGOSTINI, N. Teologia Moral: o que você precisa viver e saber. 7. e., Petrópolis: Vozes, 2003, p. 23; LUCKMANN, T. La religión invisible: el problema de la religión en la sociedad moderna. Salamanca: Sígueme, 1973, p.109; QUEIRUGA, A. T. Fim do cristianismo pré-moderno: desafios para um novo horizonte. São Paulo: Paulus, 2003, p. 20.
43
prosseguiu pela psicologia, ao determinar que a vida e as alternativas da pessoa
não podem mais ser entendidas de maneira imediatista, senão como reações mais
ou menos livres às forças do inconsciente e às influências sociais e culturais. Neste
sentido, percebemos aspectos positivos relevantes, no que tange à percepção das
relações para com o mundo.44
A dimensão histórica tornou-se fundamental à condição humana. O sujeito
aparece, na relação com a realidade na qual se situa, como um “eu” que
experimenta vitalmente, pensa e transforma o seu mundo, ao mesmo tempo em que
este lhe aparece envolvente. Contudo, a recusa da tradição como organização
patriarcal, hierárquica e eclesial favoreceu o surgimento de uma concepção
exclusiva do mesmo “eu”.45
A crescente autonomia humana em todos os setores da vida buscou livrar-se
das forças do divino, caindo numa certa auto-suficiência. Várias vezes o Vaticano
II denunciou esta espécie de falsa autonomia, que em alguns setores da vida social
levanta “dificuldades contra qualquer dependência de Deus” (Constituição
Pastoral “Gaudium et spes, n. 20a) “com grave perigo para a vida cristã” (Decreto
Apostolicam actuositatem, n. 1b). O Concílio nos adverte que essa busca moderna
da emancipação, boa em si, e digna sem dúvida de grande apreço, deve ser
protegida “contra todas as aparências de falsa autonomia. Pois somos expostos à
tentação de pensar que os nossos direitos pessoais só estão plenamente garantidos
quando nos desligamos de todas as normas da Lei Divina. Por este caminho, longe
de ser salva, a dignidade da pessoa humana perece” (Constituição Pastoral
“Gaudium et spes”, n. 41c). Por isso, no mundo de hoje, existe um grave problema
pessoal a se resolver: “Como reconhecer legítima a autonomia que a cultura
reclama para si, sem cair em um humanismo meramente terrestre e mesmo
adversário da própria religião?” (Constituição Pastoral “Gaudium et spes”, n.
56f).46
44 Cf. KLOPPENBURG, B. O cristão secularizado. Petrópolis: Vozes, 1970, p. 28-31. 45 Cf. MOSER, A.; LEERS, B. Teologia Moral: Impasses e Alternativas 3. e., Petrópolis: Vozes, 1996, p. 51-52; VAZ, H. L. Antropologia Filosófica. Vol. I, São Paulo: Loyola, 1991, p. 195-197; Ibid., Vol. II, p. 33; PONTIFÍCIO CONSELHO DA CULTURA; PONTIFÍCIO CONSELHO PARA O DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO. Jesus Cristo, portador da água viva: uma reflexão cristã sobre a Nova Era. São Paulo: Paulinas, p. 60. 46 Cf. CONCILIO ECUMÊNICO VATICANO II. Compêndio do Vaticano II: Constituições, Decretos e Declarações (Organizado por VIER, F.; KLOPPENBURG, B.). 25. e. Petrópolis: Vozes, 1996; KLOPPENBURG, B. op. cit., p. 30-31.
44
2.2.3. Liberdade Humana
Com a Modernidade, percebe-se que a liberdade é sempre mediada pela
realidade concreta do espaço e do tempo, pela corporalidade e pela história humana
de cada um. Neste sentido, a liberdade é sempre limitada. Porém, ela não é
simplesmente a faculdade de fazer isto ou aquilo, mas a faculdade de decidir sobre
si mesmo e construir-se a si mesmo. Portanto, liberdade não existe como qualidade
e possibilidade de ação de um sujeito qualquer, abstrato, autárquico e auto-
suficiente. Em si mesma a liberdade é de natureza responsorial, dentro de uma
realidade concreta. Ao mesmo tempo, encontra-se aberta e introduzida ao espaço
das liberdades comunicantes, já que somos seres de relação, de
intersubjetividade..47
Com o advento da época moderna enfatizou-se a conquista da liberdade
subjetiva assegurada pelo direito privado, para a persecução dos interesses
próprios. Na esfera do Estado, buscou-se a realização da igualdade de direitos, na
formação da vontade coletiva, com certo bem-estar econômico e social, por meio
da democracia política. A estrutura das sociedades modernas permitiu um
pluralismo religioso que tornou possível a disposição de uma multiplicidade de
ofertas de escolha de confissões religiosas. Por outro lado, criou condições para o
surgimento de crises subjetivas e intersubjetivas de sentido, que irão refletir na
relação com o sagrado. 48
Além disso, o mundo, a sociedade, a vida e a identidade tornaram-se cada
vez mais problematizados sempre com maior vigor. Tudo é questionado e
submetido a várias interpretações. Nenhuma perspectiva moderna passou a ser
assumida como única em validade ou ser considerada inquestionavelmente correta.
47 Cf. RAHNER, K. Curso fundamental da fé. 2. e., São Paulo: Paulus, 1989, p. 51-54; HÄRING, H. Da queda ao pecado hereditário: apontamentos ao Catecismo da Igreja Católica. Concilium, Petrópolis, fasc. 304, p. 38, 2004; HÜNERMANN, P. Experiência do “pecado original”? Concilium, Petrópolis, Vozes, fasc. 304, p. 116, 2004. 48 Cf. HABERMAS, J. O discurso filosófico da Modernidade. Lisboa: Dom Quixote, 1998, p. 121; BERGER, P.; LUCKMANN, T. Modernidade, pluralismo e crise de sentido: a orientação do homem moderno. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 59 e 80-81.
45
De uma certa forma, isto é visto como grande libertação, como abertura de novos
horizontes e possibilidades de vida. Mas este processo passou a ser percebido
também como um peso, onde a maioria das pessoas sente-se insegura num mundo
confuso e cheio de possibilidades de interpretação. Ou seja, a maioria das pessoas
sente-se perdida nas tomadas de decisões.49
No mundo moderno, a liberdade de cada um não conhece outro limite que a
liberdade dos outros, o que impõe a aceitação de regras da vida em sociedade que
são puras obrigações, mas necessárias ao exercício da liberdade, a qual seria
destruída pelo caos e pela violência. Por outro lado, alcançamos um grau muito
maior de liberdade individual, mas caímos no risco de tratar os outros em termos
puramente objetivos e instrumentais. Caímos também no risco de nos
relacionarmos com os “outros” sem rosto por meio do frio e insensível cálculo dos
necessários intercâmbios monetários, rendendo-nos às forças hegemônicas da
racionalidade econômica.50
2.2.4. Subjetividade
A subjetividade pode ser tomada como: a percepção do próprio eu interior e
de sua atenção à realidade exterior; a consciência da centralidade e eventual
interferência deste sujeito, assim percebido, na compreensão do objeto, isto é,
daquilo que não é o próprio sujeito; e, a consciência da influência decisiva deste
sujeito enquanto fator de ação e de transformação de si, do mundo e da história.51
Os históricos acontecimentos-chave para o estabelecimento do princípio da
subjetividade foram a Reforma, o Iluminismo e a Revolução Francesa. Com
Lutero, a fé religiosa tornou-se reflexiva, onde o mundo divino transformou-se em
algo postulado por nós. Contra a fé na autoridade da prédica e da tradição, o
protestantismo passou a proclamar a soberania do sujeito que faz valer o seu
49 BERGER, P.; LUCKMANN, T. Modernidade, pluralismo e crise de sentido: a orientação do homem moderno. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 54. 50 Cf. TOURAINE, A. Crítica da Modernidade. 6. e., Petrópolis: Vozes, 1999, p. 273; HARVEY, D. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 11 e., São Paulo: Loyola, 2003, p. 34. 51 Cf. AZEVEDO, M. Entroncamentos e entrechoques – vivendo a fé em um mundo plural. São Paulo: Loyola, 1991, p. 142-143.
46
próprio discernimento. Logo depois, a Declaração dos Direitos Humanos e o
Código Napoleônico consagraram o princípio do livre arbítrio como fundamento
substancial do Estado. Dessa forma, percebemos que a Modernidade não é
separável da esperança colocada na razão e nas suas conquistas; esperança
investida nos combates libertadores; esperança depositada na capacidade de cada
indivíduo livre de viver cada vez mais como sujeito.52
Contudo, para Kierkegaard, o ser humano encontra-se perdido no labirinto
do progresso mecânico, desamparado e quase desesperado. Sua única esperança
está na compreensão da própria existência. Tal compreensão não pode ser
alcançada por meio da inteligência e sim pela fé pura, pela relação humana com
Deus. Isolado do mundo natural pela adesão à técnica e afastado de Deus, o ser
humano moderno tornou-se uma “pessoa deslocada”.53
Para Hegel, o princípio do mundo moderno é em geral a liberdade da
subjetividade. Partindo deste princípio, ele vai afirmar a superioridade deste
mundo moderno, mas, por outro lado, a sua vulnerabilidade à crise. Isto se dá pelo
fato de o mundo ser um mundo do progresso e de ser ao mesmo tempo o mundo do
espírito alienado de si próprio. Por isso, contra a encarnação autoritária da razão
centrada, Hegel convoca o poder unificador da intersubjetividade, que se apresenta
sob os títulos de “amor” e “vida”. A época do Iluminismo, que culmina em Kant e
Fichte, erigiu a razão em um mero ídolo, elevando-a como algo absoluto.54
Já na concepção de Heidegger, o mundo sempre antecede ao sujeito que,
agindo ou conhecendo, relaciona-se com objetos. Não é o sujeito que estabelece
relações com algo no mundo, mas é o mundo que, em primeiro lugar, institui o
contexto a partir de cuja compreensão nós podemos deparar com o ente. Segundo
essa compreensão pré-ontológica do Ser, o ser humano, enquanto humano, está
originalmente envolvido na relação de mundo o qual não existe um eu isolado, mas
um eu-com-os-outros.55
Neste sentido, na concepção moderna, o ser para o outro é a única maneira
que o indivíduo tem de viver como sujeito. Nenhuma experiência é mais central
52 Cf. HABERMAS, J. O discurso filosófico da modernidade. Lisboa: Dom Quixote, 1998, p. 26- 28; TOURAINE, A. Crítica da Modernidade. 6. e., Petrópolis; Vozes, 1999, p. 289. 53 Cf. KIERKEGAARD, S. O desespero humano. São Paulo: Martins Claret, 2002, p. 123 e 126. 54 Cf. HABERMAS, J. op. cit., p. 25-27; 36 e 44-45. 55 Ibid., p. 208-210; HEIDEGGER, Ser e tempo. 4. ed., Petrópolis: Vozes, 1993, p. 116.
47
que essa relação ao outro pela qual um e outro se constituem como sujeitos. Ou
seja, a pessoa humana não se define por instituições ou ideologias, mas
simultaneamente nas relações sociais e na consciência de si, na afirmação do Eu.
Define-se pela reflexividade e pela vontade, pela transformação refletida de si
mesmo e do seu meio ambiente. E é somente quando o ser humano sai de si mesmo
e fala ao outro, não nos seus papéis, nas suas posições sociais, mas como sujeito,
que ele é projetado fora do seu próprio si-mesmo, de suas determinações sociais, e
se torna liberdade.56
2.2.4.1. Subjetividade e individualismo
O individualismo não resulta apenas do enfraquecimento dos laços
comunitários e da solidariedade da sociedade tradicional, mas é um valor
proclamado e justificado pelos autores modernos, desde o século XVIII, época do
Iluminismo, tendo como um dos primeiros teóricos, Locke. O surgimento e a
disseminação rápida da sociedade de consumo e, depois, a sociedade de
informação, fizeram nascer o individualismo, onde somos tão facilmente
trapaceados. Na sociedade moderna, a referência primeira e última tornou-se o
indivíduo, como medida inclusive do que está além de si mesmo. De fato, é com a
Modernidade que emerge de maneira explícita, forte e avassaladora essa onda
individualista autocentrada.57
O individualismo proporciona as bases do ilusório sentido de “autonomia”
que caracteriza a pessoa típica da sociedade moderna. Nele, a sensibilidade se
circunscreve ao campo do interesse pessoal em detrimento do bem coletivo e da
percepção subjetiva da existência do outro. Dessa forma, ao invés de proteger a
dimensão sensível dos seres humanos, a fuga para o mundo privado auxilia na
56 Cf. TOURAINE, A. Crítica da Modernidade. 6. e., Petrópolis: Vozes, 1999, p. 239; 285-286; 292 e 305. 57 Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (1999-2002). 2. e., São Paulo: Paulinas, 1999, n. 142; VAZ, H. C. de L. Antropologia filosófica. Vol. I. São Paulo: Loyola, 1991, p. 91; TOURAINE, A. op. cit., p. 272; 311; AGOSTINI, N. Ética cristã e desafios atuais. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 98; LIBÂNIO, J. B. Teologia da revelação a partir da modernidade. 2. e., São Paulo: Loyola, 1995, p. 134.
48
banalização da violência e do autoritarismo social.58
Com a sociedade moderna, temos uma organização social que acentua o
isolamento dos indivíduos, incentiva um comportamento que leva ao egoísmo e
coloca as pessoas numa competição estressante, especialmente nas áreas urbanas.
E assim, o individualismo, como ideologia moderna de fundo, e o primado do
econômico como parâmetro primordial ao qual se subordinam o social, o cultural e
o político, todos desembocam na frustração ou na perversão até mesmo de valores
modernos que são fundamentalmente cristãos, como a liberdade, a igualdade e a
fraternidade. Na esteira da ideologia e da competição individualista e das
dinâmicas seletivas do poder econômico e político, a igualdade entre as pessoas
ficou perdida em meio à injustiça estrutural no plano dos indivíduos e dos povos. 59
Com a Modernidade, houve uma valorização da subjetividade, da livre
escolha pessoal, da liberdade e da consciência dos direitos fundamentais, decisivos
para uma autêntica promoção humana. Mas, por outro lado, houve uma tendência a
um subjetivismo exacerbado, levando ao narcisismo do indivíduo demasiadamente
preocupado consigo mesmo, e que exalta o consumismo materialista como grande
objetivo de vida, trazendo um empobrecimento das relações pessoais e sociais. A
subjetividade conduz a uma integração melhor da pessoa humana no nível
existencial de seu conhecimento e afetividade. Contudo, a ênfase indevida sobre a
subjetividade pode levar ao relativismo subjetivista e arbitrário, debilitando a
confiança mútua e tornando o ser humano vulnerável a abertura para uma possível
integração de mente e coração, de teoria e prática e de diálogo no pluralismo.60
58 Cf. LUCKMANN, T. La religión invisible: el problema de la religión en la sociedad moderna. Salamanca: Sígueme, 1973, p. 108. 59 Cf. AZEVEDO, M. Entroncamentos e entrechoques – vivendo a fé em um mundo plural. São Paulo: Loyola, 1991, p. 4 e 89; PONTIFÍCIO CONSELHO DA CULTURA; PONTIFÍCIO CONSELHO PARA O DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO. Jesus Cristo, portador da água viva: uma reflexão cristã sobre a Nova Era. São Paulo: Paulinas, n. 112. 60 Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (1999-2002). 2. e., São Paulo: Paulinas, 1999, n. 142; VAZ, H. C. de L. Antropologia filosófica, Vol. I. São Paulo: Loyola, 1991, p. 91; AZEVEDO, M. Entroncamentos e entrechoques – vivendo a fé em um mundo plural. São Paulo: Loyola, 1991, p. 142-143.
49
2.2.5. Racionalismo e razão instrumental
Ao abandonar o império da tradição e da superstição para abraçar as luzes do
mundo moderno, a humanidade deixou para trás a suposta obscuridade da era
medieval. Deixou também a compreensão do mundo através de sua dimensão
sensível, pois a história humana passou a ser pautada por uma recorrente dicotomia
entre razão e sensibilidade, aonde a razão vem desempenhando o papel de
protagonista. Neste sentido, o mundo moderno do trabalho racional é o mundo do
consumo e do exercício do poder. As instituições políticas e econômicas chegaram
a especializar-se crescentemente em suas funções, tornando-se cada vez mais
“racionais”, com uma complexa divisão do trabalho e com um alto grau de
autonomia.61
A Modernidade é, antes de tudo, o triunfo da razão. Não se trata, porém, de
um avançar linear e avassalador da razão de modo inevitável, inelutável e
uniforme. Varia conforme nações, grupos sociais, setores, interesses, indivíduos.
Não produz efeitos iguais em todas as partes. Como toda realidade histórica, joga
com elementos previsíveis, dentro de certa lógica, mas também com outros
aleatórios, ocasionais.62
Ela é marcada pela racionalidade científico-tecnológica, que se enveredou
por um caminho irreversível. O progresso científico ilimitado e o desenvolvimento
tecnológico vieram para ficar. Não existe Modernidade sem racionalização; mas
também não sem formação de um sujeito-no-mundo que se sente responsável
perante si mesmo e perante a sociedade.63
Para Lima Vaz, os traços fundamentais da concepção racionalista do ser
humano são a subjetividade do espírito como res cogitans e consciência-de-si, bem
como a exterioridade, concebida mecanicisticamente, do corpo com relação ao
61 Cf. LUCKMANN, T. La religión invisible: el problema de la religión en la sociedad moderna. Salamanca: Sígueme, 1973, p. 106; BERGER, P.; LUCKMANN, T. Modernidade, pluralismo e crise de sentido – a orientação do homem moderno. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 78; HABERMAS, J. O discurso filosófico da Modernidade. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 146. 62 Cf. LIBÂNIO, J. B. Teologia da revelação a partir da modernidade. 2. e., São Paulo: Loyola, 1995, p. 117. 63 Cf. TOURAINE, A. Crítica da Modernidade. 6. e., Petrópolis: Vozes, 1999, p. 215; LIBÂNIO, J. B. Desafios da pós-modernidade à teologia fundamental. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.). Teologia na pós-modernidade: abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 151.
50
espírito. Esse dualismo da idéia racionalista do ser humano apresenta-se
essencialmente diverso do dualismo clássico, de feição platônica ou platonizante.
Na concepção moderna, o espírito como res cogitans separa-se do corpo como res
extensa, não para elevar-se à contemplação do mundo das Idéias (como no Fédon
platônico), mas para melhor conhecer e dominar o mundo conforme o Discurso do
Método (1637) de Descartes.64
A partir de Descartes, o interesse centra-se no próprio sujeito: cogito ergo
sum. O ser humano torna-se o juiz da verdade. A reflexão e a análise crítica são
muito valorizadas. Assim, o ser humano torna-se fortemente crítico. O ceticismo,
como orientação de vida, leva a optar pela interrogação mais do que pela resposta.
O espírito crítico extremamente afiado está igualmente presente, em relação à
questão sobre Deus. É o ser humano quem interroga a Deus, especialmente sobre o
seu silêncio em face do mal. Ícone do pensamento científico moderno, Descartes
acreditava que o bom senso ou a razão teria o poder de bem julgar e de distinguir o
verdadeiro do falso. Seu discurso pela busca da verdade como sinônimo da razão
atravessou séculos e alicerçou o desenvolvimento do mundo moderno. E esta
mesma razão que pautou a Modernidade produziu tanto ordem e progresso, como
inúmeros episódios de insensatez na história humana.65
O projeto do Iluminismo considerava que o mundo poderia ser controlado e
organizado de modo racional se ao menos se pudesse apreendê-lo e representá-lo
de maneira correta. Mas isso presumia a existência de um único modo correto de
representação que, caso pudesse ser descoberto (e era para isso que todos os
empreendimentos matemáticos e científicos estavam voltados), forneceria os meios
para os fins iluministas. Com isso, houve uma crescente busca de compreensão do
mundo, representando-o como natureza, por meio da técnica e da ciência. Por meio
delas o ser humano pretendeu satisfazer a duas das necessidades fundamentais que
se manifestam na sua relação com a realidade exterior: a de suas carências, que se
64 Cf. VAZ, H. C. L. Antropologia filosófica. Vol. I, São Paulo: Loyola, 1991, p. 82-83. PLATÃO. Fédon. Coleção “Clássicos gregos”. São Paulo: Imprensa Oficial, 2000; DESCARTES, R. Discurso do método. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. 65 Cf. KLOPPENBURG, B. O cristão secularizado..., p. 28-29.
51
estendem do biológico ao espiritual, e à inata e incoercível necessidade de
conhecer. 66
Nos seus ensaios sobre sociologia da religião, o tema central da obra de
Weber é o processo universal de racionalização e desencantamento, mutuamente
relacionados. A emergência da sociedade moderna ocidental é explicada por
Weber em termos de “processo de racionalização”, no qual as religiões universais,
e em particular o cristianismo, tiveram um papel preponderante. A racionalização
social é vista por ele como especificação da economia, cujo núcleo organizador é a
empresa capitalista, e do Estado moderno, cujo núcleo organizador é o aparelho de
Estado. Cada um destes núcleos é responsável pela racionalização em diversos
domínios: a empresa racionaliza a utilização técnica do saber científico, a força de
trabalho, os investimentos, a contabilidade e a gestão; o aparelho estatal racionaliza
a organização burocrática da administração, o poder judiciário, a força militar e o
sistema fiscal. E, por fim, o direito formal moderno ocupa, segundo Weber, um
lugar importante na organização e na mútua relação destes subsistemas da
sociedade.67
Weber, ao traçar seu diagnóstico do mundo moderno, nota um crescimento
desmedido da racionalidade instrumental e aponta a tendência a uma perda do
sentido e uma perda da liberdade, fruto do poder crescente e inelutável de uma
sociedade burocratizada, transformada numa “jaula de ferro”, em sua conhecida
expressão. Weber alegava que a esperança e a expectativa dos pensadores
iluministas era uma amarga e irônica ilusão. Eles mantinham um forte vínculo
necessário entre o desenvolvimento da ciência, da racionalidade e da liberdade
humana universal. Mas, quando desmascarado e compreendido, o legado do
Iluminismo foi o triunfo da racionalidade, de uma forma que afeta todos os planos
da vida social e cultural. Por isso, Nietzsche afirma que a razão outra coisa não é
senão a vontade perversa de poder, ambição essa que a razão oculta de um modo
tão fascinante.68
66 Cf. RAHNER, K. Teologia e antropologia. São Paulo: Paulinas, 1969, p. 26; HARVEY, D. Condição Pós-Moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 11. e., São Paulo: Loyola, 2003, p. 34-35. 67HARVEY, D. Condição Pós-Moderna...,p. 46-47; WEBER, M. The sociology of religion. Boston: Beacon Press, 1993. 68 Cf. ARAUJO, L. B. L. A sociologia weberiana da religião na teoria do agir comunicativo. In: ROLIM, F. C. (Org.). A religião numa sociedade em transformação. Petrópolis: Vozes, 1997, p. 53-54; HABERMAS, J. O discurso filosófico da modernidade. Lisboa: Dom Quixote, 1998,, p. 62.
52
Devido a esta sede de poder, Horkheimer e Adorno entregaram-se a um
desenfreado ceticismo perante a razão. Para eles, a ciência moderna voltou a si
mesma no positivismo lógico e renunciou à pretensão empática de conhecimento
teórico em favor da utilidade técnica. Na obra A dialética do esclarecimento
(1972), tais autores afirmam que com a economia capitalista e o estado moderno
reforça-se a tendência a reduzir tudo ao limitado horizonte da racionalidade. Com
isso, a própria razão corre o risco de destruir a humanidade. 69
Escrevendo sob as sombras da Alemanha de Hitler e da Rússia de Stálin,
Horkheimer e Adorno alegam que a lógica que se oculta por trás da racionalidade
iluminista é uma lógica da dominação e da opressão. A ânsia por dominar a
natureza envolve também o domínio dos seres humanos. O Iluminismo, ao buscar
a emancipação humana, caiu num sistema de opressão universal em nome da
libertação humana. E o século XX (com seus campos de concentração e esquadrões
da morte, seu militarismo e duas guerras mundiais, suas ameaças de aniquilação
nuclear e sua experiência de Hiroshima e Nagasaki) certamente deitou por terra o
otimismo que havia em relação à razão objetiva.70
As análises da Escola de Frankfurt puseram a descoberto os efeitos terríveis
da “razão instrumental”, isto é, de uma razão científica que, abandonada a si
mesma, sobre o domínio da natureza acaba montando e justificando a exploração
do ser humano. Ela assimilou-se ao poder e renunciou à sua força crítica. Dessa
forma ficou a serviço do egoísmo possessivo. O universalismo da razão tornou-se
uma máquina formidável de destruição das vidas individuais. A aceleração do
progresso provocou um sacrifício permanente de uma grande parte da humanidade
que vive na pobreza e na miséria. Com tudo isso, pode ainda o mundo ocidental
acreditar que o triunfo da técnica associado ao poder popular libertará o homem da
ignorância, da irracionalidade e da pobreza? 71
Com a Modernidade, a razão buscou dominar toda a realidade, dirigindo e
animando todo o processo civilizatório ocidental. Dessa forma, houve uma
69 Cf. HORKHEIMER, M; ADORNO, T. W. Dialética do esclarecimento: escritos filosóficos. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1991; HABERMAS, J. O discurso filosófico da Modernidade. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 159-162 e 185. 70 Cf. HARVEY, D. Condição Pós-Moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 11. e., São Paulo: Loyola, 2003, p. 23-24. 71 Cf. HABERMAS, J. O discurso filosófico da Modernidade. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 170; TOURAINE, A. Crítica da Modernidade. 6. e., Petrópolis; Vozes, 1999, p. 115 e 271.
53
reificação de tudo, favorecendo o domínio predatório do ser humano em relação à
natureza. Esta racionalidade extremada conflita com experiências lúdicas, estéticas,
de gratuidade. Empobrece e encurta o universo das experiências humanas.
Dificulta ter experiências salvíficas na relação com os outros, com a natureza, com
a história. Obscurece a compreensão de uma revelação que se fundamenta na
gratuidade da oferta e acolhida. E os problemas da vida tornam-se meros
problemas equacionados como de ordem técnica.72
A busca de compreensão por meio da universalidade da razão reduziu o
mundo aos limites da própria razão. O que não pode ser analisado, medido,
possuído passou a ser visto como não existente: a razão que mede o fenômeno
passou a ser o juiz que distingue o real do irreal, o sentido do não sentido. E os
próprios eventos históricos ficaram reduzidos a constantes repetições,
homologados às ciências da natureza, transformados em mensuráveis.73
2.2.6. Autoconsciência
Por fim, uma das suposições antropológicas fundamentais da era moderna é a
autoconsciência, já que se trata de uma das características humanas essenciais. A
autoconsciência é o conhecimento de si que é próprio do ser humano. Nela, se
constrói as múltiplas significações da experiência e da ação na vida humana. No
entanto, a constituição do sentido na consciência não se dá por meio de um sujeito
isolado, de uma mônada “sem janela”. A vida cotidiana está repleta de múltiplas
sucessões de agir social, e é somente neste agir que se forma a identidade pessoal.74
Para Marx, o ser humano produz a sua própria vida. Portanto, na pessoa
humana, a vida só pode ser chamada propriamente humana quando se torna uma
atividade vital consciente. Essa produção da própria vida irá implicar nela os
predicados especificamente humanos da consciência-de-si, da intencionalidade, da
linguagem, da fabricação e uso de instrumentos e da cooperação com seus
72 Cf. LIBÂNIO, J. B. Teologia da revelação a partir da modernidade... p. 123-124. 73 Cf. GALIMBERTI, U. Rastros do sagrado: o cristianismo e a dessacralização do sagrado. São Paulo: Paulus, 2003, p. 175-176. 74 Cf. BERGER, P.; LUCKMANN, T. Modernidade, pluralismo e crise de sentido: a orientação do homem moderno. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 14 e 17-18.
54
semelhantes. Conquanto algumas destas características, como a intencionalidade, a
fabricação e uso de instrumentos e o comportamento gregário possam encontrar-se
igualmente nos animais, pelo menos sob uma forma análoga, a consciência-de-si e
a linguagem são predicados exclusivos da pessoa humana e, como capacidades
cognoscitivas, são capazes de imprimir uma feição especificamente humana às
outras características.75
Freud nos diz que não somos senhores absolutos de nossa própria
consciência, já que grande parte daquilo que somos é determinado pelo
inconsciente. A consciência é o centro ou, pelo menos, um dos pólos em torno dos
quais se organiza a vida psíquica, os outros sendo o inconsciente e os estados
supraconscientes. No entanto, a psicanálise se recusa a considerar a consciência
como formadora da própria essência da vida psíquica, vendo-a como uma simples
qualidade dessa vida, que coexiste com outras qualidades. Em lugar de partir da
consciência é necessário partir do inconsciente, no sentido de atividade psíquica
profunda da qual a consciência nada mais é que o invólucro em contato com a
realidade que ela percebe.76
Nietzsche vê na consciência uma construção social ligada à linguagem e à
comunicação, portanto aos papéis sociais. Em sua obra A Gaia ciência, o filósofo
afirma que a consciência é o que há de menos realizado e de mais frágil na
evolução da vida orgânica. De sorte que quanto mais um ser tem consciência, mais
ele multiplica os passos falsos, os atos falhos que o fazem perecer.77
A tese básica dos filósofos modernos da consciência é de que a realidade é
sempre uma realidade descrita de alguma forma. Nós nos situamos sempre na
pluralidade e na diferença desses sistemas de interpretação, de modo que nossas
categorias, nossa linguagem, nossas produções sociais, nossas convicções e nossas
necessidades são todas contingentes e não há mecanismos que possam eliminar sua
contingência. Portanto, sempre estamos num universo de interpretação. Todo
75 Cf. MARX, K. Economia política e filosofia. Rio de Janeiro: Melso; ELSTER, J. Marx, hoje. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989; VAZ, H. C. de L. Antropologia filosófica. Vol. I, São Paulo: Loyola, 1991, p. 128. 76 Cf. VAZ, H. C. de L. op. cit., p. 191; TOURAINE, A. Crítica da Modernidade. 6. e., Petrópolis ; Vozes, 1999, p. 127; FREUD, S. Esboço de psicanálise. Rio de Janeiro: Imago, 1974; O ego e o id. Rio de Janeiro: Imago, 1975; Metapsicologia. Rio de Janeiro: Imago, 1974; Obras completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Delta [19 ?]. v. 7. 77 Cf. NIETZSCHE, F. W. A gaia ciência. São Paulo: Hemus, 1981; TOURAINE, A. Crítica da Modernidade. 6. e., Petrópolis; Vozes, 1999, p. 118.
55
acesso a entidades do mundo passa pelos processos intersubjetivos de
entendimento dos mundos vividos das diferentes comunidades históricas, de tal
modo que a objetividade nada mais é do que o maior acordo intersubjetivo
possível.78
O sujeito só adquire autoconsciência à custa da objetivação, tanto da
natureza exterior como da própria natureza interior. Só se pode falar de consciência
quando se trata da consciência de um eu, implicando a reflexividade que permite
opor o eu aos seus objetos. Esse processo é possível por meio da linguagem. É o
que Kant nos mostra, ao afirmar que no conceito de auto-reflexão, o eu assume
simultaneamente a posição de um sujeito empírico que se encontra no mundo,
como objeto em meio a outros objetos, e a posição de um sujeito transcendental
diante do mundo em seu todo, que ele próprio constitui como a totalidade dos
objetos da experiência possível. A autoconsciência, portanto, em Kant trata-se da
estrutura da auto-relação do sujeito cognoscente que se debruça sobre si mesmo
como sobre um objeto para se compreender como uma imagem refletida num
espelho, precisamente “numa atitude especulativa”. Ele faz da razão o supremo
tribunal perante o qual tem de apresentar uma justificação tudo aquilo que de uma
forma geral reclama qualquer validade. 79
Percebemos que no discurso da Modernidade, o ser humano é visto
preferentemente como indivíduo autônomo e também atomizado, caindo no
individualismo e no subjetivismo. As coisas, agora sujeitas e dominadas pelo
homem, terminam sua razão de ser no próprio homem? Não resta dúvida de que a
resposta afirmativa levaria a um antropocentrismo fechado, imanente, auto-
suficiente.80
A história demonstra que a pessoa humana moderna foi arremessada para
dentro de si mesma. Uma das persistentes tendências da filosofia moderna desde
78 Cf. OLIVEIRA, M. A. Pós-Modernidade: abordagem filosófica. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.) Teologia na pós-modernidade: abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 40-42. 79 Cf. HABERMAS, J. O discurso filosófico da modernidade. Lisboa: Dom Quixote, 1998, p. 29 e 61; VAZ, H. C. de L. Antropologia filosófica. Vol. I. São Paulo: Loyola, 1991,p. 188; HABERMAS, J. O discurso filosófico da Modernidade. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 365-368; KANT, I. Crítica da faculdade do juízo. 2. e., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002; Id., Crítica da razão prática. São Paulo: Martins Fontes, 2002; Id., Crítica da razão pura e outros escritos filosóficos. São Paulo: Abril Cultural, 1974. 80 Ibid., p. 62; QUEIRUGA, A. T. Fim do cristianismo pré-moderno: desafios para um novo horizonte. São Paulo: Paulus, 2003, p. 25.
56
Descartes, e talvez a mais original contribuição moderna à filosofia, tem sido uma
preocupação exclusiva com o ego, em oposição à alma ou à pessoa ou ao ser
humano em geral. Trata-se de uma tentativa de reduzir todas as experiências, com
o mundo e com outros seres humanos, na experiência entre o homem e si mesmo.
No entanto, a Modernidade aprofundou também no ser humano a consciência
explícita de seu potencial de relação. O indivíduo-em-relação é pessoa, que se abre
à multiplicidade de uma rede de relações em muitas frentes com a natureza, com as
coisas, consigo mesmo, com outras pessoas e com Deus.81
2.2.7. Conclusão
Modernidade é fundamentalmente racionalidade e racionalização, criando
uma “ordem” a partir do “caos”. A suposição é a de que criando mais
racionalidade, conduziremos a uma ordem maior, e que uma sociedade mais
ordenada funcionará melhor. Por isso, a sociedade moderna está sempre vigilante
frente àquilo que é considerado como uma possível desordem, ou que pode romper
a ordem. Na sociedade ocidental, a desordem torna-se, muitas vezes, “o outro” que
deve ser eliminado para que se mantenha a ordem.
Antes de tudo, a Modernidade nos apresenta um discurso da autonomia da
razão contra a tutela que a instância religiosa exercia sobre todos os campos da
vida humana. Neste sentido, ela reivindica a autonomia das diferentes esferas da
existência em face do sagrado. A razão moderna afirma sua autonomia através da
liberdade. Com isso, a Modernidade pensou ter chegado à afirmação do ser
humano autônomo, sujeito de si e da história. Por outro lado, o conceito que a
ciência tem da vida restringiu-se basicamente à funcionalidade do organismo vivo.
O universo da religião, da revelação e da metafísica cedeu lugar ao reino da
razão positiva. Como conseqüência, temos uma crise da religião, desencantamento
do mundo, secularismo generalizado e ateísmo rompante. Para muitos, Deus
acabou aparecendo como inimigo do progresso e da plenitude humana e, ao final,
como anulação do ser humano.
Além do culto à razão, a Modernidade fez da produção a mola-mestra para a
81 Cf. ARENDT, H. A condição humana. 10 e., Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 266; AZEVEDO, M. Entroncamentos e entrechoques – vivendo a fé em um mundo plural. São Paulo: Loyola, 1991, p. 142.
57
satisfação das necessidades. O peso dado ao processo produtivo, passando pelo
crivo da razão técnico-científica, acabou sacrificando elementos vitais do humano,
deslocando o lugar do gratuito, do afetivo, do simbólico e do espiritual, quando
não, excluindo-os sem mais.
Estes elementos são fundamentais para serem aprofundados, tendo em vista
que eles irão provocar uma virada na concepção dos valores a serem vividos a
partir de então. Dentro deste processo, não podemos deixar de levar em conta o
problema da secularização.
58
2.3. Modernidade e secularização
2.3.1. Introdução
Dando continuidade à nossa reflexão, trataremos agora do tema da
secularização, que surge neste contexto de Modernidade. Tal processo é
irreversível, embora não ocorra de forma homogênea nos países e na sociedade, e
atinge a organização da sociedade moderna em sua cultura e mentalidade coletiva.
De um modo geral, por “secularização” (saeculum→ “este mundo, esta era”)
se entende por um processo histórico pelo qual o mundo toma consciência de sua
consistência e autonomia. Secularização significa a libertação do ser humano de
todas as explicações religiosas, sobrenaturais, míticas e metafísicas do mundo. Em
sentido filosófico-histórico e cultural, designa o processo de formação da cultura e
da ética da sociedade burguesa, sublinhando sua autonomia e emancipação com
relação ao cristianismo. Com a Modernidade, o humanismo moderno ateu depôs
Deus de seu lugar absoluto, Criador e Senhor, para pôr aí o ser humano.82
É clara a distinção entre secularização e secularismo. A primeira comporta a
retração de domínios inteiros da cultura e da sociedade de sua dependência em
relação à dimensão religiosa ou mítica. A secularização, sem excluir o
transcendente, busca no imanente a explicação que este lhe pode dar para os
fenômenos. Enfatiza o especificamente humano e sua autonomia na percepção e
elucidação da realidade. Já o secularismo exacerba a tendência legítima da
secularização e a conduz à inaceitável negação e exclusão do religioso e do
transcendente e à afirmação exclusiva do imanente. Enquanto a secularização é
82 Cf. Constituição Pastoral Gaudium et spes, n. 19. In: CONCILIO ECUMÊNICO VATICANO II. Compêndio do Vaticano II: Constituições, Decretos e Declarações (Organizado por VIER, F.; KLOPPENBURG, B.). 25. e. Petrópolis: Vozes, 1996; KLOPPENBURG, B. O cristão secularizado: o humanismo do Vaticano II. Petrópolis: Vozes, 1979, p. 17-18; n. 1, p. 18 e 107-108; ADOLFS, R. Igreja, túmulo de Deus? Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968; LIBÂNIO, J. B. Desafios da pós-modernidade à teologia fundamental. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs). Teologia na pós-modernidade: abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática.São Paulo: Paulinas, 2003, p. 162.
59
apenas a constatação de um processo histórico que se mantém aberto ao
transcendente, o secularismo implica uma nova visão fechada do mundo que exclui
a transcendência, não reconhecendo outros valores fora do mundo.83
Secularização remete à autonomização das esferas sociais em relação à
religião e à subjetivação das crenças. Supõe a separação jurídica do Estado em
relação a determinada religião e a concessão e a garantia de liberdade de opção
religiosa dos cidadãos. A religião deixa de ser a instância ordenadora do social e se
circunscreve ao âmbito do privado, da subjetividade individual, perdendo ou
diminuindo seu poder e sua importância simbólica na sociedade.84
Como afirma a Constituição Pastoral Gaudium et spes, n. 7c:
As novas condições (provocadas pelas mudanças culturais, sociais, psicológicas e
morais) influem na própria vida religiosa. De uma parte o espírito crítico mais agudo a
purifica de uma concepção mágica do mundo e de superstições ainda espalhadas e exige
uma adesão à fé cada vez mais pessoal e operosa. Por isso, não poucos se aproximam de
um sentido mais vivo de Deus. Por outra parte, multidões cada vez mais numerosas
afastam-se praticamente da religião.85
2.3.2. Secularização: uma leitura a partir de Peter Berger
Segundo Peter Berger, um dos maiores estudiosos do assunto, secularização
é o processo pelo qual setores da sociedade e da cultura são subtraídos à
dominação das instituições e símbolos religiosos. Baseado em Max Weber, ele
afirma que foi a própria religião ocidental judaico-cristã, e especialmente a
Reforma, um dos elementos responsáveis pela construção da Modernidade com
que agora se confronta como oponente. A secularização não significa a negação
total da religião, mas antes o fim dos monopólios religiosos e expulsão da religião
do espaço público. Com isso, dá-se um pluralismo religioso, inaugurando uma
83 Cf. AZEVEDO, M. Entroncamentos e entrechoques: vivendo a fé em um mundo plural. São Paulo: Loyola, 1991, p. 82; KLOPPENBURG, B. O cristão secularizado: o humanismo do Vaticano II. Petrópolis: Vozes, 1979, p. 19. 84 Cf. WILSON, B. The secularization thesis: criticisms and rebuttals. In: LAERMANS, R.; WILSON, B.; BILLIET, J. Secularization and social integration. Leuven: Leuven Unversity Press, 1998, p. 49. 85 Cf. Constituição Pastoral Gaudium et spes, n. 7. In: CONCILIO ECUMÊNICO VATICANO II. Compêndio do Vaticano II: Constituições, Decretos e Declarações (Organizado por VIER, F.; KLOPPENBURG, B.). 25. e. Petrópolis: Vozes, 1996.
60
situação de mercado onde as diferentes alternativas religiosas concorrem pela
preferência dos fiéis. Por outro lado, na moderna sociedade o mais numeroso é o
tipo de “cristão de nome”, que pertence de alguma forma a uma Igreja, mas de
maneira descompromissada.86
Para Peter Berger, a Modernidade seculariza o mundo. Ou seja, retira-o do
dossel religioso tanto no nível objetivo e macrossocial, quando as instituições mais
importantes da sociedade escapam da tutela religiosa, como também no nível
subjetivo das consciências individuais, que se não a abandonam de todo, passam a
ver a religião como uma questão da vida privada e de foro íntimo. A Modernidade
e a secularização, ao substituir o reino da graça pelo da justiça social e ao
transformar a questão teológica da pobreza e da dor em questão antropológica e
política, desalienam o ser humano. No entanto, tal qual Weber, ele sublinha que a
Modernidade não oferece respostas para problemas fundamentais como a morte e o
sentido da vida.87
Berger critica a consciência moderna pelo fato de ter a pretensão de negar o
transcendente e também aponta a incompetência moral da consciência moderna e
da sua razão. Como Weber, não compartilha a utopia iluminista de que a razão
poderia criar um mundo mais humano. Mas, por outro lado, muitas guerras e
mortes teriam sido evitadas se as pessoas tivessem aprendido a duvidar de suas
convicções fundamentalistas. A Modernidade leva invariavelmente à
secularização, no sentido de um dano irreparável na influência das instituições
religiosas sobre a sociedade, bem como de uma perda de credibilidade da
interpretação religiosa na consciência das pessoas. Assim, nasce uma nova espécie
histórica: “o ser humano moderno” que acredita poder se virar muito bem sem
religião tanto na vida privada como na vida em sociedade.88
86 Cf. BERGER, P. O dossel sagrado, 5. e., São Paulo: Paulus, 2004; MARIZ, C. L. Peter Berger: uma visão plausível da religião. In: ROLIM, F. C. (Org.) A religião numa sociedade em transformação. Petrópolis: Vozes, 1997, p. 93 e 102. 87 Cf. BERGER, P.; LUCKMANN, T. Modernidade, pluralismo e crise de sentido: a orientação do homem moderno. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 61-63; MARIZ, C. L. op. cit., p. 102-103. 88 Cf. BERGER, P.; LUCKMANN, T. op. cit., p. 47-48; MARIZ, C. L. op. cit., p. 104-109.
61
2.3.3. Mundo autônomo e secularizado
O mundo da Modernidade é um mundo autônomo e secularizado, isto é, sem
recurso ao transcendente para sua legitimação e inteligibilidade. É um mundo
centrado não no grupo, mas no indivíduo, como sede de iniciativas, direitos e
deveres. Consequentemente, é um mundo marcado pelo pluralismo de sentido e de
valores e pela afirmação do primado ou até mesmo da exclusividade da razão
humana, como fonte do conhecimento e da verdade. A Modernidade não é apenas
resultado de uma secularização do cristianismo, por mais importante que tenha
sido esta tradição religiosa no âmbito da racionalidade da conduta da vida. Mas, a
secularização surgiu, sobretudo no Ocidente cristão e se tornou um dos elementos
estruturais da sociedade moderna.89
Vivemos numa época de uma acelerada secularização, a qual, embora não
deva necessariamente significar secularismo (ateísmo), significa, no entanto
“secularidade” (mundanidade). Hoje, também há uma radical individualização,
onde toda pessoa de “maioridade” exige ter sua opinião própria, tomar suas
próprias decisões, resistindo a ser tutelada por instituições sociais (Estado, Igreja,
sindicatos ou outros grupos de interesses). Além disso, há um crescente pluralismo
ideológico, onde as grandes religiões cada vez mais se dividem em tendências,
grupos, pequenas comunidades de fé e instituições autônomas, onde reina um
variado mercado de ofertas religiosas, e onde milhões de pessoas praticam uma
“religião de colcha de retalhos”.90
A sociedade moderna não tem uma religiosidade consistente, mas instável e
individualista. Muitas vezes, a religião tornou-se irrelevante para a experiência
diária da pessoa humana. O que conta é a sua esfera privada, tendo como ideal o
cidadão responsável e exitoso economicamente. Todo esse processo é
extremamente desumanizador. A história, que na visão cristã, se apresentava como
89 Cf. AZEVEDO, M. Entroncamentos e entrechoques – vivendo a fé em um mundo plural. São Paulo: Loyola, 1991, p. 43-44; nota 6, p. 85; p. 110. PASTOR, F. A. O discurso sobre Deus. Atualidade teológica. Rio de Janeiro, n. 1, p. 9, 1997; ARAUJO, L. B. L. A sociologia weberiana da religião na teoria do agir comunicativo. In: ROLIM, F. C. (Org.) A religião numa sociedade em transformação. Petrópolis: Vozes, 1997, p. 51. 90 Cf. KUNG, H. Uma ética global para a política e a economia mundiais. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 248.
62
história da salvação tornou-se, primeiramente, busca de uma condição de perfeição
intramundana e, depois, progressivamente, história do progresso. Mas, o ideal do
progresso é vazio, seu valor final é o de realizar condições em que sempre seja
possível um novo progresso.91
O esquema da história da salvação perdeu o seu conteúdo religioso. Ou seja,
na concepção da Modernidade, se alguma salvação existe, deve estar no próprio ser
humano. O sentido que a história da salvação conferia ao tempo transfere-se para a
teoria do progresso, para a qual cada período do tempo é a realização de certos
preparativos históricos e antecipação de realizações futuras. Desse modo, um
fundo soteriológico sobrevive também na mais radical dessacralização da
escatologia cristã, onde se recupera e representa o tema da redenção sob a forma de
libertação. Apresentam-se como figuras de libertação e, portanto, com formas
secularizadas da escatologia da salvação, a ciência, a utopia e a revolução, cada
uma com as suas variantes, determinadas pelos diferentes modos. Como as
figurações do tempo se contaminam entre si, elas também se corrigem
reciprocamente.92
2.3.4. Raízes da secularização
A naturalidade e evidência cosmicamente codificada de cristianismo é pela
primeira vez questionada por homens como Galileu, Copérnico e Kepler. Depois,
com o Iluminismo, surge uma radical crítica das crenças religiosas, permanecendo
como característica da época moderna o duvidar das verdades eternas. Os teóricos
políticos do século XVII realizaram a secularização, separando o pensamento
político do pensamento religioso. A separação entre Igreja e Estado ocorreu,
eliminando a religião da vida pública, removendo todas as sanções religiosas da
política e fazendo com que a religião perdesse aquele elemento público que ela
adquirira nos séculos anteriores. O problema não era negar a existência de Deus,
mas descobrir no domínio secular um significado independente e imanente. E,
91 Cf. LUCKMANN, T. La religión invisible: el problema de la religión en la sociedad moderna. Salamanca: Sígueme, 1973, p. 121-129; VATTIMO, G. O fim da modernidade.., p. XIII. 92 Cf. ARENDT, H. A condição humana..., p. 291-292; GALIMBERTI, U. Rastros do sagrado: o cristianismo e a dessacralização do sagrado. São Paulo: Paulus, 2003, p. 26.
63
assim, a orgulhosa cultura iluminista da reflexão, separou-se da religião.93
Desde sempre, as comunidades humanas basearam as regras do seu
comportamento social e moral na vontade de Deus, considerado o instituidor da
comunidade. Por mercê de Deus, os soberanos legitimavam o seu poder e em nome
de Deus promulgavam as suas leis. O pecado era a transgressão da lei que,
fundamentada na vontade divina, era pecado contra Deus. Na “Idade das Luzes”, a
vontade divina foi substituída pela vontade popular, e assim, surgiram no Ocidente,
as sociedades burguesas que, com o consenso dos contraentes sociais, instituíam o
ordenamento normativo cujo reverso era o elenco dos crimes: crimes contra a
comunidade e não pecados contra Deus.94
A Modernidade tira Deus do centro da sociedade e coloca a ciência. A
sociedade, a história, a vida individual deixam de ser vontade de um ser supremo
para serem submetidos simplesmente às leis naturais. A Modernidade substitui,
assim, a autoridade de Deus e da Igreja pela autoridade do ser humano considerado
como consciência ou razão; o desejo de eternidade pelo projeto de progresso
histórico; e, a beatitude celeste por um bem-estar terrestre.95
Dessa forma, Eliminada a imutabilidade da ordem natural concebida pela religião judaico-cristã, que pensa a natureza como o efeito de uma vontade (a vontade de Deus), eliminado Deus com o advento do humanismo, que transferiu para a vontade do homem as prerrogativas da vontade divina, agora é o homem que sucumbe sob a hegemonia da técnica, que não reconhece a natureza, nem Deus, nem o homem como seu limite, mas somente o estado dos resultados alcançados, que pode ser deslocado ao infinito sem nenhum outro objetivo senão o da autopotencialização da técnica como fim em si mesma.96
Um tipo de certeza divina (lei divina) foi substituído por outro (a certeza de
nossos sentidos, da observação empírica), e a providência divina foi substituída
pelo progresso providencial. Ao substituir Deus pela ciência, a Modernidade
relegou as crenças religiosas à vida privada. Mas, a racionalização da Modernidade
não se limitou a esta substituição. Ela tornou-se o princípio da organização da vida
93 Cf. BUCHER, R. O corpo do poder e o poder do corpo: a situação da Igreja e a derrota de Deus. Concilium, Petrópolis, fasc. 306, p. 142, 2004; HABERMAS, J. O discurso filosófico da modernidade. Lisboa: Dom Quixote, 1998, p. 31; ARENDT, H. Entre o passado e o futuro. 5. e., São Paulo: Perspectiva, 2002, p. 104; 131. 94 Cf. GALIMBERTI, U. Rastros do sagrado..., p. 314-315. 95 Cf. MACHADO, R. Deus, homem, super-homem. In: ROLIM, F. C. (Org.) A religião numa sociedade em transformação. Petrópolis: Vozes, 1997, p. 57; TOURAINE, A. Crítica da modernidade. 6. e., Petrópolis: Vozes, 1999, p. 18-19. 96 Cf. GALIMBERTI, U. op. cit., p. 37.
64
pessoal e coletiva. A providência divina foi substituída pela providência da razão, e
esta coincidiu com a ascensão do domínio europeu em todo o mundo.97
Muitos pensaram que a ruptura do sagrado e mágico devia deixar o lugar
livre a um mundo moderno governado pela razão e pelo interesse, que seria acima
de tudo um único mundo, sem sombras e sem mistérios, o mundo da ciência e da
razão instrumental. Este modernismo pareceu triunfar por muito tempo e é somente
na segunda metade do século XIX, com Nietzsche e Freud, que ele será criticado e
começará a entrar em decomposição.98
2.3.5. Fundamentos e conseqüências da secularização
O pensamento modernista afirma que os seres humanos pertencem a um
mundo novo governado por leis naturais que a razão descobre e às quais ela
própria está sujeita. Identifica-se, assim, o povo, a nação, o conjunto de pessoas
com um corpo social, que funciona segundo leis naturais. Neste sentido, é preciso
livrar-se das formas de organização de dominação irracionais que fraudulosamente
procuram se legitimar, recorrendo a uma revelação ou a uma decisão supra-
humana. Este pensamento se opôs ao pensamento religioso com uma violência que
variou segundo os vínculos que uniam poder político e autoridade religiosa.99
E assim, a sociedade moderna fez com que as funções políticas, econômicas,
científicas fossem se livrando da função religiosa e assumindo um caráter temporal
cada vez mais acentuado. Com a Modernidade, houve uma separação entre Igreja e
Estado, uma laicização das instituições e uma excessiva racionalização de todos os
setores da vida. Com isso, a cidade moderna viu a experiência de fé sendo
confinada ao privado, com a tendência de suprimir as referências religiosas
comuns. Com êxito, as idéias seculares passam a rivalizar com a Igreja, que se
converte numa instituição entre tantas outras instituições do Estado moderno. As
97 Cf. GIDDENS, A. As conseqüências da modernidade. São Paulo: UNESP, 1991, p. 54; LIBÂNIO, J. B. Desafios da pós-modernidade à teologia fundamental. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs). Teologia na pós-modernidade..., p. 445; BARRERA, P. Fragmentação do sagrado e crise das tradições na pós-modernidade: desafios para o estudo da religião. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs). op. cit., p. 452. 98 Cf. TOURAINE, A. Crítica da modernidade. 6. e., Petrópolis: Vozes, 1999, p. 46-47. 99 Ibid.,, p. 18; 228.
65
ideologias do mundo moderno são contra-religiosas, sendo, muitas vezes,
substitutas da religião, sobretudo nas populações jovens e urbanas. A sociedade
moderna caracteriza-se por essa ausência de religião. As Igrejas tornam-se “ilhas
de religião” no mar da secularização.100
A Modernidade não aceita a interferência da religião, o poder das Igrejas no
mundo político, público. É intolerável para uma mentalidade moderna a religião
regular, tutelar o conjunto das estruturas sociais. Por isso, no Ocidente, instaurou-
se um fenômeno de relativização, crítica e rejeição de toda forma de sagrado
histórico, a começar pelo sagrado cristão. A secularização transformou-se no
grande desafio do mundo moderno em relação à Igreja, causa determinante da
diminuição da prática religiosa, da redução das vocações, da perda de valores
éticos do catolicismo na vida individual e familiar e, ainda, em particular, por
tender à meta de uma organização de vida coletiva que prescinde dos valores
cristãos, reduzindo ou anulando a importância social da Igreja.101
Há um relativismo e até uma antipatia ou indiferença para com a fé cristã.
Parece que as pessoas sentem que a religião não lhes oferece, ou talvez nunca lhes
tenha dado aquilo de que realmente têm necessidade. Outra tendência é a inversão
de sentido da experiência religiosa. A religião deixa de ser pensada e vivida como
uma forma de reconhecimento, adoração e entrega ao Criador, obediência na fé,
serviço a Deus. Torna-se busca de utilidade para a pessoa, seja um sentido para a
vida, paz interior, terapia ou cura de males, sucesso na vida e nos negócios.102
A Modernidade buscou a supressão dos princípios eternos, a eliminação de
todas as essências, em benefício de um conhecimento científico de tudo o que
existe. A rejeição de toda revelação e de todo princípio moral criou um vazio que
é preenchido pela idéia de utilidade social. O ser humano tornou-se apenas um
cidadão. A caridade tornou-se solidariedade e a consciência passou a ser o respeito
pelas leis. Os juristas e os administradores substituíram os profetas. A concepção
100 Cf. AGOSTINI, N. Ética cristã e desafios atuais. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 102; 143; LUCKMANN, T. La religión invisible: el problema de la religión en la sociedad moderna. Salamanca: Sígueme, 1973, p., p. 33; 51; 105; 120. 101 Cf. MENOZZI, D. A Igreja Católica e a secularização. São Paulo: Paulinas, 1999, p. 11; LIBÂNIO, J. B. Teologia da revelação a partir da modernidade. 2. e., São Paulo: Loyola, 1995, p. 140-142. 102 Cf. PONTIFÍCIO CONSELHO DA CULTURA; PONTIFÍCIO CONSELHO PARA O DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO. Jesus Cristo, portador da água viva: uma reflexão cristã sobre a Nova Era. São Paulo: Paulinas, p. 14; 17.
66
moderna é de que o ser humano não é mais uma criatura feita por Deus à sua
imagem, mas simplesmente um ator social definido por papéis, isto é, pelas
condutas ligadas a status e que devem contribuir para o bom funcionamento do
sistema social. Ele é o que faz, por isso, não deve mais olhar além da sociedade, na
direção de Deus, de sua própria individualidade ou suas origens, e deve procurar a
definição do bem e do mal no que é útil ou nocivo à sobrevivência e ao
funcionamento do corpo social.103
2.3.6. Secularização como dessacralização e desencantamento do mundo
Durkheim afirma em sua obra As formas elementares da vida religiosa que o
processo de secularização se dirige, sobretudo e em primeiro lugar contra o sacro e
se transforma então num processo de dessacralização. Este mundo sacro entrou
irreversivelmente em crise. Para o mundo da ciência e da técnica, um mundo de
espírito crítico que perdeu a ingenuidade, as coisas deixaram de ser sacras. Tudo se
tornou dessacralizado, sem forças misteriosas, transnaturais. Quanto mais avança a
ciência, no conhecimento da natureza, e a técnica, no domínio sobre a natureza,
mais desaparecem os espíritos e os demônios, mais o cosmo se torna profano,
secular. Dessa forma, o mundo tornou-se o campo de ação do ser humano, onde as
coisas são feitas para serem manipuladas e transformadas. Com isso, a fé religiosa
foi substituída pela fé leiga do trabalho, do significado provisório e dos fins
intermediários, embora a dimensão transcendente seja constitutiva do ser
humano.104
Contudo, Mircéa Eliade afirma que qualquer que seja o grau de
dessacralalização do mundo que haja chegado, a pessoa que opta por uma vida
profana não pode abolir completamente o comportamento religioso. Até a vida
mais dessacralizada conserva ainda traços de uma valorização religiosa do
mundo.105
103 Cf. TOURAINE, A. Crítica da modernidade. 6. e., Petrópolis: Vozes, 1999, p. 26; 38 . 104 Cf. DURKHEIM, E. As formas elementares da vida religiosa, São Paulo: Martins Fontes, 1996; KLOPPENBURG, B. O cristão secularizado..., p. 24; MORI, G. L. Minicurso para o Simpósio Internacional de Teologia. A pós-modernidade e a teologia: desafios e tarefas. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE TEOLOGIA. São Leopoldo, UNISINOS, 26/05/04. 105 Cf. ELIADE, M. Il sacro e il profano. Torino: Boringhieri, 1984, p. 18-20.
67
O mundo moderno, secularizado, está repleto de ídolos e deuses não divinos,
como a ideologia moderna do trabalho, do progresso, do êxito. Quanto mais
avançamos com a ciência e com a técnica, mais nos distanciamos do mundo do
sacro, do mito, da magia, da metafísica e da religião. Um mundo assim
secularizado é um mundo profano, racional, exorcizado, objetivo e coisificado.
Trata-se do “mundo unidimensional” denunciado por Marcuse. Um mundo incapaz
de satisfazer o ser humano para torná-lo verdadeiramente realizado e feliz.106
O processo de secularização aparece como um declinar da religião. Revela
uma conformidade com este mundo e um movimento de horizontalização,
desviando a atenção do mundo sobrenatural para o intramundano. Manifesta uma
perda de influência pública da religião sobre a sociedade. Provoca uma
transposição de crenças e instituições para fenômenos da criação e da
responsabilidade puramente humana. Tudo isso implica neste processo de
dessacralização do mundo.107
Os conceitos de Max Weber como desencantamento, secularização e
racionalização tornaram-se clássicos e definem perfeitamente esta realidade. Max
Weber foi quem melhor compreendeu a Modernidade, com a idéia de desilusão ou
desencanto do mundo e extinção das formas tradicionais de autoridade e saber. Ele
descreveu como racional esse processo de desencanto que fez com que a
desintegração das concepções religiosas do mundo gerasse na Europa uma cultura
profana. No entanto, o mundo moderno, completamente racionalizado, é
desencantado apenas na aparência; sobre ele paira a maldição da coisificação
demoníaca e do isolamento mortal.108
106 Cf. MARCUSE, A ideologia da sociedade industrial: o homem unidimensional. Rio de Janeiro: Zahar, 1982; AGOSTINI, N. Ética cristã e desafios atuais. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 102; KLOPPENBURG, B. O cristão secularizado: o humanismo do Vaticano II. Petrópolis: Vozes, 1970, p. 230. 107 Cf. BONHOEFFER, Ética. 6. e., São Leopoldo: Sinodal, 2002, p. 58-65; LIBÂNIO, J. B. Teologia da revelação a partir da modernidade. 2. e., São Paulo: Loyola, 1995, p. 88. 108 Cf. HABERMAS, J. O discurso filosófico da modernidade. Lisboa: Dom Quixote, 1998, p. 3; 13; 158; GIDDENS, A.; PIERSON, C. Conversas com Anthony Giddens: o sentido da modernidade. Rio de Janeiro: FGV, 2000, p. 73; TOURAINE, A. Crítica da modernidade. 6. e., Petrópolis: Vozes, 1999, p. 38.
68
2.3.7. Conclusão
A secularização não significa a negação total da religião, mas antes o fim dos
monopólios religiosos e expulsão da religião do espaço público. No mundo
moderno, há sempre a busca do progresso e do crescimento econômico, por meio
da produção em massa. Tudo gira em torno da jurisdição do econômico. Os
significados religiosos deixam de ser considerados como fundamentais à vida
cotidiana, desembocando numa crise dos modelos éticos convencionais.
O desenvolvimento econômico e a racionalização, unido à crescente
urbanização, provocaram uma maior secularização. A religião tradicional tem sido
empurrada para a periferia da vida moderna, à margem da vida contemporânea. O
processo tem alterado significativamente a posição social da religião. Há um
retraimento da religião em função dos variados “tipos de fé” na ciência.
Como afirma Max Weber, o mundo racionalizado pela ciência moderna é um
mundo desencantado ou secularizado. Quanto mais avançamos com a ciência e
com a técnica, mais nos distanciamos do mundo do “sacro”, do “mito”, da
“magia”, da “metafísica” e da “religião”. Portanto, com o advento da Modernidade
e seu ulterior desenvolvimento, há um enfraquecimento da concepção de Deus.
O processo lento de secularização ou de desencantamento do mundo,
mediante o qual foi acontecendo uma humanização do divino, é compensado pelo
movimento paralelo de divinização do humano, que se verifica seja na esfera
privada das relações interpessoais, como o amor, seja na esfera coletiva, como a
sacralização do corpo, do coração, da cultura e da política.
Mas, a secularização é sem dúvida uma questão complexa e não parece
resultar no desaparecimento completo do pensamento e atividades religiosos,
provavelmente por causa do poder da religião sobre algumas das questões
existenciais. Ao retomar o diálogo Igreja-Mundo, devemos ser conscientes desta
complexidade e das tensões nela envolvidas. Tendo presente o reemergir das
identidades culturais, a Igreja não pode pretender a universalização dos padrões de
uma só cultura, em base aos quais construa sua unidade sobre a uniformidade. Por
outro lado, o mundo moderno é um mundo secular, isto é, um mundo cujo
princípio de legitimação e cujas dimensões de expressão e de ação não são
69
religiosas e menos ainda cristãs.
70
2.4. A Pós-Modernidade e seus novos desafios 2.4.1. Introdução
A Pós-Modernidade se revela como o esgotamento e superação da
Modernidade. Trata-se da busca de uma nova época, que seria libertada dos efeitos
perversos da época anterior. No entanto, qualquer discurso sobre a Pós-
Modernidade parece ser contraditório, pois, o próprio termo é muito ambíguo,
polissêmico e polêmico. De uma certa forma, é indefinível, fluido e inconsistente.
Até seu nome é curiosamente contraditório, uma vez que ele recorre a uma
definição histórica – pós – para denominar um movimento cultural em ruptura com
o historicismo.109
O caos global das duas grandes guerras tornou evidente que os principais
valores da Modernidade estavam em crise. A total crença na razão, no progresso,
no nacionalismo, no capitalismo e no socialismo fracassara. A Europa estava
pagando um preço alto com o fascismo, o nazismo e o comunismo. Esses
movimentos idealizavam de uma maneira moderna a raça e a classe, e seus líderes
impediram uma ordem mundial nova e melhor. A Primeira Guerra Mundial
colocou em marcha a revolução global que se tornaria explícita após a Segunda
Guerra: a mudança do paradigma eurocêntrico de Modernidade, que tinha uma
marca colonialista, imperialista e capitalista. O novo paradigma que começava a se
desenvolver, o da Pós-Modernidade, seria global, policêntrico e de orientação
ecumênica.110
Fato é que o processo civilizatório da Modernidade trouxe como
109 Cf. GIDDENS, A. As conseqüências da Modernidade, São Paulo: UNESP, 1991, p. 52; 162; CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (1999-2002). 2a. e., São Paulo: Paulinas, 1999, n. 140; VATTIMO, G. O fim da Modernidade: niilismo e hermenêutica na cultura pós-moderna. S. Paulo: Martins Fontes, 2002, p. VIII-IX; BENEDETTI, L. R. Pós-modernidade: abordagem sociológica. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.) Teologia na pós-modernidade: abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 53; TOURAINE, A. Crítica da Modernidade. 6. e., Petrópolis: Vozes, 1999, p. 203; JUNGES, J. R. Evento Cristo e ação humana: temas fundamentais de ética teológica. São Leopoldo: Unisinos, 2001, p. 19. 110 Cf. SOUZA, Ney de. Evolução histórica para uma análise da pós-modernidade. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.) op. cit., p. 115.
71
conseqüência a possibilidade de guerra nuclear, calamidade ecológica, explosão
populacional incontrolável, colapso do câmbio econômico global. Trouxe também:
urbanização caótica e desumanizante, industrialização a serviço do consumismo e
produtora de desemprego, técnica a serviço da guerra e da violência mortífera,
destruição do meio ambiente, especulação financeira, atividade econômica movida
exclusivamente pelo lucro, prática corporativista da política, desmobilização das
estruturas reguladoras do Estado, medicina espoliadora da dignidade humana, etc.
A tomada de consciência desses efeitos funestos levou a uma crítica do próprio
processo da Modernidade, a qual os gerou.111
Por isso, vivemos hoje uma realidade onde há uma desconfiança da razão e
um desencanto ante os ideais não realizados pela Modernidade. Há um
desaparecimento de dogmas e princípios fixos: agnosticismo, pluralidade de
verdades, subjetivismo; uma fragmentação das “cosmovisões”, com uma
dissolução do sentido da história. Há também, uma pluralidade ideológica e
cultural, com forte dose de ecletismo, uma crise aguda da ética, com um
narcisismo, hedonismo, flexibilidade de costumes, permissividade e uma
fragmentação religiosa.112
2.4.2. A Pós-Modernidade como fenômeno sócio-econômico-político
A Pós-Modernidade expressa o fracasso do Iluminismo racionalista
moderno, que levou o mundo às grandes ideologias de esquerda e de direita, as
quais quiseram, cada uma a seu modo, coagir toda humanidade a aceitar suas
“luzes”, mesmo com violências, holocaustos e desumanidades. O século XX é o
século do declínio da Modernidade, mesmo sendo o das conquistas da técnica.
Nele, presenciou-se as violências extremas do nazi-fascismo, do comunismo e
mesmo do capitalismo liberal, o qual impôs a pobreza e a miséria a centenas de
milhões de pessoas pelo mundo afora. Diante do fracasso dessas grandes
111 Cf. GIDDENS, A. As conseqüências da Modernidade. São Paulo: Unesp, 1991, p. 127; JUNGES, J. R. Evento Cristo e ação humana: temas fundamentais da ética teológica. São Lepoldo: Unisinos, p. 18-19. 112 Cf. HARVEY, D. Condição Pós-Moderna: Uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 12. e., São Paulo: Loyola, 2003, p. 73; GASTALDI, I. Educar e evangelizar na pós-modernidade. São Paulo: Salesiana Dom Bosco, 1994, p. 30.
72
ideologias, surge o agnosticismo desencantado, sem arroubos por verdades
absolutas e universais. Este, se adapta bem ao pluralismo e ao individualismo
vigentes na grande sociedade, ao hedonismo do prazer imediato e fácil, ao
permissivismo comportamental e ético, e ao consumismo oferecido pela nova
ordem econômica mundial fundada na hegemonia do livre mercado globalizado.113
Antigamente, bastava ao capital produzir mercadorias, o consumo sendo
mera conseqüência. Hoje é preciso produzir os consumidores, ou seja, a própria
demanda e essa produção é infinitamente mais custosa do que a das mercadorias.
Ao mesmo tempo, o populismo do livre mercado encerra as classes médias nos
espaços fechados e protegidos dos shoppings. Mas, nada faz pelos pobres, exceto
ejetá-los para uma nova e bem tenebrosa paisagem pós-moderna de falta de
habitação.114
Os meios de comunicação de massa desempenham um papel-chave no
mundo de hoje, que se intensificaram ainda mais, graças à Internet. As novas
técnicas de comunicação nos aproximaram uns dos outros, dando-nos a
consciência de pertencer todos ao mesmo mundo. O planeta, com seus produtos, se
apresenta bem perto de nós. Somos dominados por uma avalanche de coisas que
caracterizam nossos pensamentos, comportamentos, modas, amizades, viagens e
desejos. A mídia faz uso da publicidade não só para “vender” mercadorias, mas
também para oferecer política, religião, cultura, sexo, etc. como bens de consumo.
“Poder consumir” acaba sendo traduzido como sinônimo de participação, inserção
social e até exercício de cidadania.115
113 Cf. TOURAINE, A. Crítica da Modernidade. 6. e., Petrópolis: Vozes, 1999, p. 206; HUMMES, C. Cardeal. El marco social y eclesial hoy de America Latina: 25 años despuès de Puebla. Revista de Cultura Teológica, ano XII, n. 47, São Paulo, p. 20, abr.-jun./2004. 114 Cf. BAUDRILLARD, J. À sombra das maiorias silenciosas: o fim do social e o surgimento das massas. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 26-27; HARVEY, D. Condição Pós-Moderna..., p. 79. 115 Cf. BERGER, P.; LUCKMANN, T. Modernidade, pluralismo e crise de sentido..., p. 68; TOURAINE, A. op. cit., p. 229; VATTIMO, G. O fim da Modernidade: niilismo e hermenêutica na cultura pós-moderna. S. Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 44; TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.) Teologia na pós-modernidade: abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 10-11; 416; ; AGOSTINI, N. Condicionamentos e manipulações: desafios morais. In: O itinerário da fé na “iniciação cristã dos adultos”. Estudos da CNBB n. 82, São Paulo: Paulus, 2001, p. 105.
73
2.4.2.1. Mercado, propaganda e manipulação social
A construção da economia mundial contemporânea orientou-se, desde o
início da década de 1970, para um modelo neoliberal, sob a influência do que se
chamou de “Consenso de Washington”. A partir de então, os pactos sociais feitos
após a guerra entre empregadores, trabalhadores e Estado, que tinham sido
conquistados após decênios de lutas sociais, enfraqueceram-se progressivamente.
Houve um maior reforço na acumulação do capital. No Terceiro Mundo, o grande
projeto de desenvolvimento nacional esgotou-se rapidamente sob o efeito das
relações econômicas desiguais entre Norte e Sul. Quanto ao projeto socialista, tal
como se realizou na Europa do Leste, desabou sob o peso das pressões exteriores e
das próprias contradições. O capitalismo apresenta-se hoje como o único sistema
possível, sem alternativas. Ao mesmo tempo, o terceiro milênio começa com uma
condição econômica muito pouco brilhante, pois, o número de pobres nunca foi tão
grande.116
A diminuição das vantagens sociais, a flexibilidade, o desemprego, os baixos
salários, os deslocamentos marcaram a dimensão social do fenômeno.
Culturalmente falando, a publicidade, em favor de um consumo baseado mais na
criação de desejos do que na satisfação das necessidades, completa o conjunto. Nos
países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, a subcontratação em condições
desumanas, as relações profundamente desiguais entre capital e trabalho, o peso da
dívida, a evasão de divisas, etc., reduzem as possibilidades de uma maior justiça
social e permitem uma enorme dominação por parte dos países ricos.117
Deparamos com esta realidade no nosso continente latino-americano, onde
imensas populações procuram sobreviver em situações de extrema pobreza,
vítimas de injustiças sociais, marginalizadas, desempregadas, doentes e inseguras.
Já em 1979, a IIIa. Conferência Geral do Episcopado Latino-americano
denunciava, profeticamente, que o capitalismo liberal é um sistema marcado pelo
pecado e gerador de injustiças (cf. Conclusões da Conferência de Puebla n. 92,
116 Cf. HOUTART, F. Amor aos inimigos e lutas sociais. Concilium, Petrópolis, fasc. 303, p. 124, 2003/5. 117 Ibid., p. 124-125.
74
437 e 546).118
O capitalismo, neste modelo neoliberal, educa e seleciona os sujeitos de
quem precisa, mediante o processo de sobrevivência econômica do mais apto. O
econômico é o centro de tudo, sendo até as pessoas reduzidas a mercadorias. A
mecanização toma conta da vida toda. Manipulado e mecanizado, reduzido a
consumidor e mero objeto do sistema de produção, o ser humano é levado a
procurar incessantemente a satisfação de “necessidades” criadas artificialmente.
Possuir mais coisas acaba sendo, cada vez mais, o objetivo da vida humana.119
A televisão é ela mesma um produto do capitalismo avançado e, como tal,
tem de ser vista no contexto da promoção de uma cultura do consumismo. Isso
dirige a nossa atenção para a produção de necessidades, para a mobilização do
desejo e da fantasia, para a política da distração como parte do impulso para
manter nos mercados de consumo uma demanda capaz de conservar a lucratividade
da produção capitalista.120
A televisão e a informatização da comunicação não são meios para a massa,
a serviço da massa, mas meios da massa, no sentido de que a constitui como tal,
como esfera pública do consenso, dos gostos e dos sentimentos comuns. Elas
contribuem também para estimular a difusão e o consumo dos mesmos bens
materiais e culturais nos diferentes países, criando as condições para uma cultura
global de massa, sem fronteiras, que abafa as culturas locais ou regionais.121
Os meios de comunicação detêm o poder de criar, “descriar” e (re)criar; de
cobrir e descobrir. O poder de manipulação está presente em nosso cotidiano por
meio dos inúmeros órgãos de informação que chegam até nossos lares. Há uma
118 Cf. CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCADO LATINO-AMERICANO. Conclusões da Conferência de Puebla: Evangelização no presente e no futuro da América Latina. São Paulo: Paulinas, 1979 (Vale ressaltar porém, que estes mesmos números denunciavam também as incoerências e contradições do marxismo de então); MIRANDA, M. de França, Missão ecumênica na América Latina. Revista Eclesiástica do Brasil, Petrópolis, fasc. 253, p. 25, Jan./2004; MOSER, A.; LEERS, B. Teologia Moral: Impasses e Alternativas. Coleção Teologia e Libertação. 3. e., Petrópolis: Vozes, 1996, p. 253. 119 BAZÁN, P. M. Para entender la postmodernidad. Disponível em: <www.uca.edu.ni> Acesso em 20/09/2004. 120 Cf. HARVEY, D. Condição Pós-Moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 12. e., São Paulo: Loyola, 2003, p. 63-64. 121 Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (1999-2002). 2. e., São Paulo: Paulinas, 1999, n. 143; VATTIMO, G. O fim da Modernidade: niilismo e hermenêutica na cultura pós-moderna. S. Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 44; TOURAINE, A. Crítica da Modernidade. 6. e., Petrópolis: Vozes, 1999, p. 263.
75
manipulação do gosto e da opinião mediante imagens que podem ou não ter
relação com o produto a ser vendido. Se privássemos a propaganda moderna da
referência direta ao dinheiro, ao sexo e ao poder, pouco restaria. Além disso, os
espectadores estão expostos a maciços fenômenos de manipulação política,
sobretudo onde os meios de comunicação estão concentrados nas mãos de
pouquíssimos e faltam condições para a democratização da informação.122
2.4.2.2. Ciência, técnica e Pós-Modernidade
A genética é uma área da ciência que está em pleno desenvolvimento.
Evidentemente ela está exercendo um impacto revolucionário, sobretudo quando
associada à biotecnologia. A astrofísica, a cosmologia moderna e as biociências
contam uma nova história do mundo. Já não é nem a tradicional ptolomaica nem a
newtoniana. O mundo não é uma máquina que funciona perfeitamente e cujas leis
podemos conhecer com objetividade e certeza. Definitivamente, o positivismo e o
mecanicismo newtoniano da ciência entraram em crise.123
A tecnociência promete para os próximos anos ser, paradoxalmente, ainda
mais o lugar da esperança e do temor para a humanidade. As possibilidades que as
ciências da informática e da engenharia genética de ponta oferecem são
absolutamente inimagináveis. Proporcionam recursos e facilitações inauditas para a
vida humana. No campo da preservação da vida, há esperanças fundadas de
vitórias definitivas sobre muitas enfermidades e de prolongação significativa da
média de vida das pessoas. Porém, a mesma ciência e a mesma tecnologia
amontoam, em arsenais gigantescos, armas mortíferas, capazes de destruir a vida
no planeta.124
122 Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (1999-2002)..., n. 143; TRASFERETTI, J. Teologia moral na Pós-Modernidade: o difícil dilema do agir moral. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.) Teologia na pós-modernidade..., p. 413-414; HARVEY, D. op. cit., p. 259-260 123 Cf. GIDDENS, A.; PIERSON, C. Conversas com Anthony Giddens: o sentido da modernidade. Rio de Janeiro: FGV, 2000, p. 105; LIBÂNIO, J. B. Desafios da pós-modernidade à teologia fundamental. p. 143-171. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.) Teologia na pós-modernidade: abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 159; TERRIN, A. N. Nova Era: a religiosidade do pós-moderno. São Paulo: Loyola, 1996, p. 32. 124 Cf. LIBÂNIO, João Batista. Desafios da pós-modernidade à teologia fundamental. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.) op. cit., p. 153.
76
É significativo o fato de que o desenvolvimento do progresso e da técnica
não chegue a melhorar o mundo do ponto de vista moral, mas só do ponto de vista
do bem estar material. A decodificação do genoma, por exemplo, que abre
esperanças para o futuro, é imediatamente vista sob o aspecto econômico-
financeiro. O mesmo se pode dizer do meio ambiente, que é depredado de modo
selvagem, alterando seu equilíbrio. A eliminação de certas doenças não significa o
fim do risco de novas contaminações e do surgimento de novas enfermidades.125
A Pós-Modernidade marca uma reconsideração de tudo o que faz parte do
reino da técnica e da racionalidade instrumental. A racionalidade, os
conhecimentos, academicamente absorvidos, como enfatizou a Modernidade,
tendem a ficar em segundo plano. Agora o que se busca é uma experiência pessoal
profunda, numa busca que é também estética.126
2.4.3. A Pós-Modernidade como modo de ser existencial
Com a Pós-Modernidade, a cultura viu ruir os seus mitos, ideologias,
verdades e valores. Reconhece a “impotência do pensamento” e rejeita o conceito
da idéia clara e distinta. Na literatura e na pintura, verifica-se uma ênfase ao
irracional, ao non-sense. A filosofia se traduz em niilismo e relativismo. As
ciências sociais entram numa progressiva recusa de qualquer princípio e de
qualquer regra sociocultural universalmente aceita. Porém, hoje, esse acúmulo de
negatividade caminha para um esforço de reconciliação, recomposição e, também,
de resignação que, em sua fachada positiva, se traduz muitas vezes num desejo de
paz e de retorno às coisas simples da vida.127
O século XX, já desde a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), não ofereceu
muitos motivos para confiar na razão humana, no progresso indefinido e em outros
125 Cf. AGOSTINI, N. Ética cristã e desafios atuais. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 99; MORI, Geraldo Luiz de, A pós-modernidade e a teologia: desafios e tarefas. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE TEOLOGIA. São Leopoldo, 2004, mimeografado, p. 19. 126 Cf. TOURAINE, A. Crítica da Modernidade. 6. e., Petrópolis: Vozes, 1999, p. 202; HARVEY, D. Condição Pós-Moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 12. e., São Paulo: Loyola, 2003, p. 78-79. 127 Cf. TERRIN, A. N. Nova Era: a religiosidade do pós-moderno. São Paulo: Loyola, 1996, p. 10; 46-47; CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (1999-2002). 2. e., São Paulo: Paulinas, 1999, n. 141.
77
ideais da Modernidade, que passaram a ser vistos com forte suspeita. A crise da
razão é a consciência da irracionalidade gigantesca dessa mesma razão. O
descrédito da verdade é a descoberta da capacidade escandalosa que hoje se tem de
mentir. Alimenta-nos de informações uma cadeia imensa de meios de
comunicação, cuja capacidade de mentir, manipular e falsificar as verdades escapa
totalmente ao nosso controle. Estamos entregues a colossais interesses econômicos
e ideológicos, que fabricam os fatos, as “verdades”. Também as ciências,
paradoxalmente, passaram a desconfiar da razão, por seu excesso de
especializações, numa linguagem hermética.128
Dentro desta realidade, a sua relação com a cultura e com o sagrado torna-se
a de um mero “comprador”. A religião torna-se um “assunto privado”, na qual se
pode escolher o que melhor convier, guiados por suas preferências, determinando a
formação de uma religiosidade individual.129
O individualismo que grassa na esfera econômica invadiu a esfera religiosa.
O horizonte pragmático do cidadão moderno restringiu-se, passando da
consideração abrangente do bem comum de sua sociedade para acentuar de
preferência ambições e necessidades estritamente individuais. E o aumento de
recursos que o progresso outorga aos mais favorecidos do planeta faz com que
cada um tenha pressa em usufruir todo o conforto, luxo, contentamento, satisfação,
o quanto antes.130
Diversos tipos de opções religiosas e múltiplos produtos religiosos são
oferecidos dia a dia nos templos e nos meios de comunicação. O consumidor
autônomo seleciona determinados temas religiosos do total que têm à disposição, e
aí constrói o seu precário sistema de significado “último”, numa religiosidade
individualista. Há um fortalecimento do sagrado no espaço público, no contexto de
uma Modernidade que se mostra incapaz de resolver os problemas mais profundos
do ser humano e não consegue superar as suas próprias contradições e
128 Cf. RUBIO, A. García. Orientações atuais na cristologia. In: MIRANDA, M.F. (Org.). A pessoa e a mensagem de Jesus. São Paulo: Loyola, 2002, p. 39; LIBÂNIO, J. B. Desafios da pós-modernidade à teologia fundamental. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.) Teologia na pós-modernidade: abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 163. 129 Cf. LUCKMANN, T. La religión invisible: el problema de la religión en la sociedad moderna. Salamanca: Sígueme, 1973, p. 110. 130 Cf. QUEIRUGA, A. T. Fim do cristianismo pré-moderno: desafios para um novo horizonte. São Paulo: Paulus, 2003, p. 284.
78
ambigüidades internas.131
2.4.3.1. Cultura pós-moderna
Em uma sociedade que nada mais é que um mercado, cada um procura evitar
os outros ou se contenta com transações mercantis com eles. O outro aparece
facilmente como uma ameaça absoluta: é ele ou eu. Este diferencialismo absoluto,
este multiculturalismo sem limites traz em si o racismo e a guerra religiosa. A
sociedade é substituída por um campo de batalha entre culturas inteiramente
estranhas umas às outras, em que brancos e negros, homens e mulheres, adeptos de
uma religião ou de outra, ou mesmo sem religião nada mais são que inimigos. Os
conflitos sociais dos séculos passados, que eram sempre limitados, pois suas
classes sociais aceitavam os mesmos valores e lutavam por sua execução social,
foram substituídos por guerras culturais.132
De um lado, cada um se fecha na sua subjetividade, o que conduz no melhor
dos casos ao esquecimento do outro, mais amiúde à rejeição do estranho. Por outro
lado, os fluxos de mudanças fortalecem constantemente os países e os grupos
sociais centrais, aprofundando a dualização a nível nacional e internacional. Por
um lado, o mundo parece global; por outro, o multiculturalismo parece sem limites.
Enquanto a lei do mercado esmaga sociedades, culturas e movimentos sociais, a
obsessão da identidade se fecha numa política arbitrária tão completa que ela não
pode se manter senão pela regressão e pelo fanatismo. Hoje, a questão que parece
mais urgente não é a gestão do crescimento, mas a da luta contra o despotismo e a
violência, da manutenção da tolerância e do reconhecimento do outro.133
Dialeticamente, percebe-se hoje uma busca do respeito pela alteridade. Há
uma idéia de que todos os grupos têm o direito de falar por si mesmos, com sua
própria voz, e de ter aceita essa voz como autêntica e legítima. Há uma busca de
131 Cf. VALLE, E. Condicionamentos psicológicos. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. O itinerário da fé na “iniciação cristã dos adultos”..., p. 80-81; TRASFERETTI, J. Teologia moral na Pós-Modernidade: o difícil dilema do agir moral. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.) op. cit., p. 438; LUCKMANN, T. op. cit., p. 114; 116; ORO, A. P. Notas sobre a diversidade e a liberdade religiosa no Brasil atual, Revista Eclesiástica Brasileira, Petrópolis, fasc. 254, p. 329, abr./2004. 132 Cf. TOURAINE, A. Crítica da Modernidade. 6. e., Petrópolis: Vozes, 1999, p. 204. 133 Ibid., p. 208-209.
79
abertura à compreensão das diferenças, por meio dos diversos movimentos sociais
(mulheres, gays, negros, ecologistas, etc.). Manifestam-se, dessa forma, alguns
elementos que estavam sufocados pelas culturas pré-moderna e moderna, como a
consciência ecológica, a feminilidade, algumas novas formas de relacionamento e
um novo dinamismo nas instituições.134
Ao mesmo tempo, há uma busca de um pensamento anti-autoritário e
iconoclasta, que insiste na autenticidade de outras vozes, que celebra a diferença, a
descentralização e a democratização do gosto, bem como o poder da imaginação
sobre a materialidade. Também com a Pós-Modernidade, no âmbito do individual,
suscitou-se ou ao menos se avivou um maior apreço pelo corpo, deixando de lado a
concepção dicotômica corpo-alma, bem como a revitalização das experiências
vitais. Ao mesmo tempo, as atrocidades cometidas contra tantos homens e
mulheres ao longo do último século, lembram-nos que existem certos princípios ou
verdades dos quais não podemos abrir mão. É o caso da ética dos direitos
humanos, presente no discurso e na prática de tantos organismos e instâncias
governamentais e não governamentais.135
2.4.3.2. Subjetivismo e individualismo no contexto contemporâneo
O peso dado ao processo produtivo, passando pelo crivo da razão técnico-
científica, acabou sacrificando elementos vitais do ser humano, deslocando o lugar
do gratuito, do afetivo, do simbólico e do espiritual, quando não, excluindo-os sem
mais. Ele descobre-se hoje entregue a uma crise, marcada sobretudo por um vazio
afetivo e espiritual. Por isso, hoje, busca-se a intensidade afetiva do laço
134 Cf. HARVEY, D. Condição Pós-Moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 12. e., São Paulo: Loyola, 2003, p. 52 e 315; TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.) Teologia na pós-modernidade: o difícil dilema do agir moral. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.) Teologia na pós-modernidade: abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 10-11. 135 Cf. HARVEY, D. op. cit., p. 319; QUEIRUGA, A. T. Fim do cristianismo pré-moderno: desafios para um novo horizonte. São Paulo: Paulus, 2003, p. 112; MORI, G. L. A pós-modernidade e a teologia: desafios e tarefas. In: Simpósio Internacional de Teologia. São Leopoldo, [2004], mimeografado, p. 25.
80
interpessoal, no entanto, de uma forma descomprometida quanto à durabilidade
deste laço.136
O ser humano pretensamente livre, autônomo, sujeito de si e da história,
percebe-se de fato numa situação extremamente frágil e vulnerável. Ele tem
dificuldade de auto-identificar-se. É instável e, por isso, muitas vezes torna-se
incapaz de estabelecer relações mais duráveis e de engajar-se por um tempo mais
longo. Entrega-se facilmente ao consumismo, muitas vezes como compensação dos
vazios existenciais. Fica à mercê das “ondas” do momento, sugeridas sobretudo,
pelos meios de comunicação social. Vive um individualismo narcisista. Como na
sua vida foram incorporados o videogame e a realidade virtual, importam os efeitos
especiais e as experiências “pura adrenalina”.137
A razão moderna afirmou a autonomia da liberdade, em busca de uma
felicidade individualista. Já na Pós-Modernidade, domina uma subjetividade que
não se deixa controlar e se submeter a medidas objetivas. Com o subjetivismo, há
uma busca de segurança dentro de si mesmo, na sua experiência pessoal, que eleva
a critério de juízo da religião, combinada com a tendência moderna ao
individualismo e ao abandono das práticas comunitárias. Por isso, o típico cidadão
do mundo contemporâneo está levando uma vida cada vez mais vazia de
significado “autêntico” de sentido.138
Esse vazio interior manifesta-se como uma desvitalização de estruturas
antropológicas típicas do ser humano. Desaparece a perspectiva do futuro ou da
utopia. O que importa é viver o presente e desfrutá-lo plenamente, na fugacidade
do momento. A historicidade é esvaziada com esta busca do viver só no presente e
não em função do passado e do futuro, com uma perda do sentido de continuidade
histórica. Com isso, vive-se para si mesmo sem preocupar-se com as suas tradições
136 Cf. AGOSTINI, N. Teologia Moral: o que você precisa viver e saber. 8. e., 2005, p. 29s; LIBÂNIO, J. B. Teologia da revelação a partir da modernidade. 2. e., São Paulo: Loyola, 1995, p. 90-91. 137 Cf. AGOSTINI, N. Ética cristã e desafios atuais. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 98; TOURAINE, A. Crítica da Modernidade. 6. e., Petrópolis: Vozes, 1999, p. 221; AGOSTINI, N. Jesus Cristo e a vivência da ética nos dias atuais, In: MIRANDA, M. F. (Org.). A pessoa e a mensagem de Jesus. São Paulo: Loyola, 2002, p. 73-74. 138 Cf. LIBÂNIO, J. B. Teologia da revelação a partir da modernidade. 2. e., São Paulo: Loyola, 1995, p. 115; TERRIN, A. N. Nova Era: a religiosidade do pós-moderno. São Paulo: Loyola, 1996, p. 10; p. 47-48; CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (1999-2002)..., n. 163; LUCKMANN, T. La religión invisible: el problema de la religión en la sociedad moderna. Salamanca: Sígueme, 1973, p. 89.
81
e sua posteridade.139
Desaparece a perspectiva do outro. Não importa o que acontece com os
outros e, principalmente, o sofrimento dos outros. Cada um busca o seu bem-estar.
A solidariedade banaliza-se em “shows” de arrecadação. As pessoas estão
preocupadas com a libertação e o bem-estar do seu eu. Daí resultam o encanto da
“self examination”, a difusão das terapias psicológicas, o grande sucesso de todo
tipo de gurus. As diferentes práticas psicológicas e espirituais de libertação
transcendental e ajuda terapêutica adquirem uma sempre maior importância. As
questões do corpo e da psique ocupam um lugar central na preocupação das
pessoas.140
No entanto, o sonho de “liberdade”, fundado na “razão” moderna, segundo o
qual a pessoa seria enfim autônoma, livre, detentora de direitos, esbarrou com uma
realidade muito dura. Na verdade, hoje vive-se desprovido do tão falado sonho
moderno, pois o mundo da razão, sobretudo na versão técnico-científica, da
produção e das invenções, não preenche e realiza o mundo da vida.141
O pessimismo e o sentimento de frustração em relação às grandes causas
sociais, políticas e mesmo religiosas traduzem-se, para muitos, em atitudes
hedonistas e consumistas. Só a vida privada e o cultivo e desenvolvimento das
potencialidades do próprio eu é que podem oferecer uma certa realização humana.
Desenvolve-se um acentuado subjetivismo pautado, agora, não pela razão, mas
pelo sentimento e pela emoção.142
É verdade que o homem e a mulher da Pós-Modernidade deixaram de lado a
arrogância desenvolvida na Modernidade, mas continuam prisioneiros da
subjetividade fechada, com características mais afetivas do que racionais.
Encolhidos sobre si mesmos, carentes de esperança num futuro melhor, contentam-
139Cf. JUNGES, J. R. Evento Cristo e ação humana: temas fundamentais de ética teológica. São Leopoldo: Unisinos, 2001, p. 19-20. 140 Ibid., 28-29. 141 Cf. AGOSTINI, N. Condicionamentos e manipulações: desafios morais. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. O itinerário da fé na “iniciação cristã dos adultos”. Estudos da CNBB n. 82, São Paulo: Paulus, 2001. 142 Cf. RUBIO, A. Garcia “Prática da teologia em novos paradigmas. Adequação aos tempos atuais”. In: ANJOS, M. F. (Org.) Teologia aberta ao futuro. São Paulo: SOTER-Loyola, 1997, p. 223s.
82
se com a pequena felicidade proveniente do cultivo das suas potencialidades no
âmbito do privado e do intimismo.143
Com outras palavras, nas variantes tanto moderna quanto pós-moderna, o
resultado predominante é muito semelhante: o homem e a mulher tornaram-se
fechados em si mesmos, vivendo relações de instrumentalização, coisificantes.
Tanto na Modernidade quanto na Pós-Modernidade, predomina largamente uma
fortíssima orientação para o individualismo que tende a imperar em todos os
setores da vida, com fortes doses de subjetivismo e utilitarismo. E isto compromete
a vida nas relações fundamentais quer da pessoa com ela mesma e com os outros,
quer com a criação e com a transcendência.144
As famílias perdem muitas das funções que, tradicionalmente,
desempenhavam na estrutura social. Os valores centrados na família passam a ser
vistos de forma superficial. A morte e a velhice são esquecidas, deixadas de lado.
O indivíduo “autônomo” é jovem e nunca morre.145
Existe uma dissolução do eu, que explica a nova ética permissiva e
hedonista. Tudo o que é esforço e disciplina está desvalorizado em benefício do
culto do desejo e de sua realização imediata. Ao individualismo solipsista
corresponde uma compreensão fragmentária da racionalidade. O sujeito se apóia
nele mesmo e nas suas relações interpessoais, centrado sobre si mesmo,
preocupado em realizar-se. Vivemos hoje numa sociedade em que os indivíduos e
grupos constantemente fazem valer seus direitos contra os outros, sem querer
reconhecer para si próprios dever algum.146
143 Cf. RUBIO, A. Garcia. “O cristianismo: uma religião de sofrimento e morte?”, Atualidade Teológica, Rio de Janeiro, n.2, p. 43, 1998. 144 Ibid., p. 43-44; HARVEY, D. Condição Pós-Moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 12. e., São Paulo: Loyola, 2003, p. 74. 145 Cf. LUCKMANN, T. La religión invisible: el problema de la religión en la sociedad moderna. Salamanca: Sígueme, 1973, p. 125. 146 Cf. JUNGES, J. R. Evento Cristo e ação humana: temas fundamentais de ética teológica. São Leopoldo: Unisinos, 2001, p. 21; GALIMBERTI, U. Rastros do sagrado: temas fundamentais de ética teológica. São Leopoldo: Unisinos, 2001, p. 123-124; TOURAINE, A. Crítica da Modernidade. 6. e., Petrópolis: Vozes, 1999, p. 278; KÜNG, H. Uma ética global para a política e a economia mundiais. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 180.
83
2.4.4. Religiosidade e compromisso
A nova religiosidade é ingênua, narcisista, sem uma vivência do amor, da
doação, da abertura para o outro. Expressa a cultura do nosso tempo pós-moderno,
trazendo de si também as angústias e as necessidades próprias deste momento. A
religião tornou-se intimista, já não sendo mais fato fundamental a convivência
social. As pessoas sentem sempre menos a necessidade de “fazer parte de”
instituições, pois em geral, não querem estar sujeitas a se submeter a juízos
“oficiais”. No entanto, a solidão é uma verdadeira praga da vida moderna.147
O mundo dos magos prospera hoje mais do que nunca. Na época da ciência e
da crise da ciência, desenvolvem-se cada vez mais técnicas ocultas mágico-
religiosas, que fazem concorrência ao mundo científico e se situam como
alternativas a este. Trata-se de um mundo que é proposto por pura curiosidade, na
tentativa de agarrar uma realidade sem haver o verdadeiro contexto que legitime o
ritual, isto é, a experiência religiosa verdadeira.148
Novos movimentos religiosos despontam com os caracteres bem modernos
da subjetividade. Configuram-se como “comunidades emocionais”. A intensidade
emocional é a mola de adesão, através de resposta individual, livre, em torno, em
geral, de um personagem “carismático”, que consegue causar impacto. Por isso,
predomina uma dimensão carismática e a adesão à comunidade eclesial tem menos
importância. Há uma enorme porosidade: entra-se e sai-se dos grupos facilmente.
Em geral, são comunidades de acentuada rotatividade. A permanência nos grupos
não se dá tanto pela presença das mesmas pessoas, quanto pelos encontros
emocionais dos que lá aparecem.149
As expressões mais presentes na realidade atual são as diferentes práticas que
se identificam com a Nova Era e o Neopentecostalismo. Essas vertentes da
vivência religiosa atual, mesmo sendo propostas diferentes, têm duas notas
147 Cf. TERRIN, A. N. Nova Era: a religiosidade do pós-moderno. São Paulo: Loyola, 1996, p. 40; LIBÂNIO, J. B. Teologia da revelação a partir da modernidade. 2. e., São Paulo: Loyola, 1995, p. 140; PONTIFÍCIO CONSELHO DA CULTURA; PONTIFÍCIO CONSELHO PARA O DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO. Jesus Cristo, portador da água viva..., p. 9-10. 148 Cf. TERRIN, A. N. op. cit., p. 123-124. 149 Cf. LIBÂNIO, J. B. Teologia da revelação a partir da modernidade. 2. e., São Paulo: Loyola, 1995, p. 90.
84
comuns: o apelo ao emocional e a anti-institucionalidade. Isso determina uma
grande mobilidade religiosa porque não existe uma adesão absoluta a um corpo
doutrinal. Não existe a necessidade de uma mediação institucional. A permanência
depende das soluções encontradas no mercado de oferta religiosa. Porém, a Nova
Era propõe uma ética eclética, leve e universalista, inspirada na gnose. Já o
Pentecostalismo, ao contrário, constrói uma ética fundamentalista, rigorista e
sectária, inspirada na Bíblia. São duas respostas diversas num contexto cultural de
Pós-Modernidade.150
O despertar religioso, em todas as diferentes formas a que hoje assistimos é
tão-somente um sintoma da inquietude da pessoa humana que, criada na visão da
técnica como projeto de salvação percebe, à sombra do progresso, a possibilidade
de destruição e, à sombra da expansão técnica, a possibilidade de extinção. Mas, a
volta das religiões não acarreta nenhum revigoramento de influência das Igrejas.
Estas continuam a declinar tão rapidamente quanto os partidos ideológicos que
agitavam a bandeira da racionalidade modernizadora e anti-religiosa. Não anuncia
necessariamente a volta ao sagrado e às crenças propriamente religiosas, porque a
secularização está profundamente instalada. Ligado à tendência moderna para o
individualismo, há uma redução da religião a uma convicção interior, pessoal, a
uma religião “invisível”, que abandona totalmente ou em parte as práticas
comunitárias. O surgimento das seitas se dá em função deste processo de
discernimento.151
Já em relação ao fundamentalismo, trata-se do fenômeno do tradicionalismo
travando uma luta feroz contra um mundo cosmopolita e reflexivo que está à
procura de razões. A recusa ao diálogo, a insistência em afirmar que somente é
possível uma visão do mundo e que já se possui essa visão, tem efeito
potencialmente nocivo num mundo que necessita cada vez mais de diálogo. O
fundamentalismo conscientemente se opõe à Modernidade e à Pós-Modernidade,
150 Cf. JUNGES, J. R., Evento Cristo e ação humana: temas fundamentais de ética teológica. São Leopoldo: Unisinos, 2001, p. 28. 151 Cf. TOURAINE, A. Crítica da Modernidade. 6. e., Petrópolis: Vozes, 1999, p. 225; CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (1999-2002). 2. e., São Paulo: Paulinas, 1999, n. 156; AGOSTINI, N. Teologia Moral: o que você precisa viver e saber. 8. e., Petrópolis: Vozes, 2005, p.21s; GALIMBERTI, U. Rastros do sagrado: o cristianismo e a dessacralização do sagrado. São Paulo: Paulus, 2003, p. 37 e 269; PONTIFÍCIO CONSELHO DA CULTURA; PONTIFÍCIO CONSELHO PARA O DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO. Jesus Cristo, portador da água viva: uma reflexão cristã sobre a Nova Era. São Paulo: Paulinas, p. 9-66.
85
mas ao mesmo tempo assume feições modernas e não raro se utiliza de tecnologias
modernas. Questiona o princípio da ciência de que “nada é sagrado” e está certo
em agir assim. Pois esta idéia, quando levada ao extremo, torna-se insustentável.
Porém, não se pode tentar justificar por meio de um tradicionalismo não
dialogante. E é isso que o fundamentalismo procura fazer.152
Concluindo, o pós-moderno busca uma fé nutrida de sensações e
sentimentos. A mística é a da interioridade e de sintonia com o cosmos. Chegamos
a uma religiosidade que não compromete, extremamente cômoda, mais ligada a
envolvimento emocional, distante da Igreja-Instituição, carente de confiança em
seus líderes. A emergência da Pós-Modernidade suscita para a teologia questões
relativas ao seu escopo fundamental: o sentido último da vida, especialmente do
ser humano. Por isso, a teologia tem necessidade de repensar Deus em termos mais
significativos para a pessoa e o fiel de hoje.153
2.4.5 Conclusão
A Pós-Modernidade inicia o seu desenvolvimento, sobretudo, após a
Segunda Grande Guerra, com um capitalismo de monopólios. Na atualidade, o
capitalismo se desenvolve mais em função das técnicas de marketing, associada às
inovações tecnológicas eletrônicas. A globalização da economia é acompanhada
por uma globalização da tecnologia, sobretudo da tecnologia de informação.
Predomina, muitas vezes, a valorização de uma realidade virtual, criada por
simulação. Isto é evidente nos jogos eletrônicos de computador, por exemplo. Ao
mesmo tempo, o advento das tecnologias dos computadores tem revolucionado os
modos de produção de conhecimento, distribuição e consumo em nossos países,
sendo uma força dominante em todos os aspectos da vida social. Qualquer coisa
152 Cf. GIDDENS, A.; PIERSON, C. Conversas com Anthony Giddens: o sentido da modernidade. Rio de Janeiro: FGV, 2000, p. 96-98. 153 Cf. HARVEY, D. Condição Pós-Moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 12. e., São Paulo: Loyola, 2003, p. 78-79; AGOSTINI, N. Jesus Cristo e a vivência da ética nos dias atuais. In: MIRANDA, M. F. (Org.). A pessoa e a mensagem de Jesus. São Paulo: Loyola, 2002, p. 73-74; TOURAINE, A. op. cit., p. 67; TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.). Teologia na pós-modernidade: abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 12; TERRIN, A. N. Nova Era: a religiosidade do pós-moderno. São Paulo: Loyola, 1996, p. 102.
86
que não seja capaz de ser transferida para o computador, não digitável, poderá
deixar de ser conhecimento num futuro próximo.
O sistema técnico a partir do final do século XX se desenvolveu na linha da
eletrônica, das biotecnologias, dos novos materiais, do domínio da energia,
constituindo-se na grande era da informática. Ao mesmo tempo, numa oposição
meramente formal à padronização e massificação, provocou-se uma exaltação da
subjetividade, da paixão, da singularidade, da autenticidade, do efêmero, da
irrupção de uma pretensa “personalização”. Porém, o mundo das técnicas e das
ciências, da produção e das invenções, não está preenchendo e realizando o mundo
da vida. Sentimo-nos dilacerados ante o espectro das mortes prematuras, da
condição dos deficientes físicos e mentais, da crueza de solidões vividas, do
esquecimento no qual são confinadas pessoas, sobretudo idosas.
A Pós-Modernidade vive no instante, perdendo a consciência da importância
da memória e não acreditando mais num progresso na consciência da liberdade ou
num porvir reconciliado. Isso leva à passagem da cultura dos direitos do homem à
cultura do homem dos direitos, dos quais o mais reivindicado é o do prazer,
enquanto fonte e base da felicidade, e substituto da virtude. Como reação à
Modernidade, age quase sempre no nível dos sentimentos, dos instintos e das
emoções.
A grande arte do mundo de hoje é criar relações que não nasçam da autarquia
do eu, mas da responsabilidade pelo outro. No campo da preservação da vida, há
esperanças fundadas de vitórias definitivas sobre muitas enfermidades e de
prolongação significativa da média de vida das pessoas. Ao mesmo tempo, no
âmbito do individual suscitou-se, ou ao menos, avivou-se, a revalorização do
pequeno, a tolerância para com o diferente, a desabsolutização do estabelecido, o
novo apreço do corpo, a revitalização da experiência.
Contudo, o individualismo do sujeito autônomo desembocou num
individualismo do eu narcísico. O segundo corresponde à desintegração do
primeiro. Se o sujeito autônomo significou a afirmação da identidade e da
independência, o sujeito narcísico aponta para a perda da identidade e da auto-
suficiência. Vive-se a fugacidade do momento. No âmbito psicológico, existe uma
forte emergência da subjetividade através da redescoberta da chave afetiva,
tomando a descoberto as questões do coração. Hoje, as questões do corpo e da
87
psique ocupam um lugar central na preocupação das pessoas. O feminismo
promove a libertação da mulher da tutela masculina e a emergência social da
identidade feminina, fenômeno que aponta para uma redefinição da própria
identidade masculina com relação aos seus papéis.
A atual visibilidade midiática da religião, a irrupção de novos movimentos
religiosos, o sucesso da literatura esotérica, etc., são interpretados como um
fortalecimento do sagrado no espaço público, no contexto de uma Modernidade
que se mostra incapaz de resolver os problemas mais profundos do ser humano e
não consegue superar as suas próprias contradições e ambigüidades internas.
Contudo, a nova religiosidade tende a ser ingênua e narcisista, sem uma vivência
do amor, da doação, da abertura para o outro. O mundo dos magos prospera hoje
mais do que nunca: na época da ciência e da crise da ciência, desenvolvem-se cada
vez mais técnicas mágico-religiosas que fazem concorrência ao mundo científico e
se situam como alternativa a este.
Vivemos de um lado, num mundo da produção, da instrumentalidade, da
eficácia e do mercado; do outro, o da crítica social e da defesa de valores ou de
instituições que resistem à intervenção da sociedade. Hoje, a questão que parece
mais urgente não é a gestão do crescimento, mas a da luta contra o despotismo e a
violência, da manutenção da tolerância e do reconhecimento do outro. Pois, cada
um se fecha na sua subjetividade, o que conduz no melhor dos casos ao
esquecimento do outro, mais amiúde à rejeição do estranho. Por outro lado,
nenhum ser humano, vivendo no Ocidente escapa desta angústia da manipulação
da propaganda e da publicidade, da degradação da sociedade em multidão e do
amor em um simples prazer momentâneo.
88
2.5. A crise dos modelos éticos convencionais e da Moral
2.5.1. Introdução
Vivemos num tempo de indeterminação, onde a ética tornou-se provisória.
Trata-se de uma transição de época expressa por uma “crise ética” que se faz sentir
pela acentuada pluralidade de idéias e comportamentos no campo moral, pela
perda de referenciais comuns, pela confusão de valores, bem como pela
globalização do paradigma neoliberal, que se vai impondo como se fosse a única
alternativa viável. Acrescenta-se a isso, uma imensa dificuldade para se responder
satisfatoriamente às novas questões que vão surgindo, como, por exemplo, no
âmbito da bioética, ou ainda a reformulação da resposta de antigos problemas
morais. No campo específico da moral proposta pelo Magistério da Igreja, o
quadro tem-se agravado com a moral do “faz de conta”, sinal de divórcio entre a
prática vivida por católicos e o ensinamento magisterial. Está aí o decidir por conta
própria, sem considerar a postura da Igreja, e a indiferença, mais do que a
oposição, diante da moral proposta pelo Magistério.154
A sociedade tornou-se menos regida por instituições que se baseiam no
direito e na moral que pelas exigências da concorrência econômica, pelos
programas de políticas públicas ou pelas campanhas de publicidade. O maior
escândalo da nossa época é que, apesar da disponibilidade de grandes recursos
econômicos e tecnológicos, persistam a concentração de uma enorme riqueza nas
mãos de poucos e a insensibilidade ética e a falta de vontade política de acabar
com a fome, de prevenir as doenças comuns, de alfabetizar e educar a todos. Ao
mesmo tempo, como analfabetos emotivos, assistimos hoje a milhões de trucidados
154 Cf. ROCHA, S. Teologia moral em diálogo na Pós-Modernidade. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.) Teologia na pós-modernidade: abordagens episteomológica, sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 304; BAZÁN, P. M. Para entender la postmodernidad. Disponível em , internet, www.uca.edu.ni, 2004, 6 p; JUNGES, J. R. Evento Cristo e ação humana: temas fundamentais de ética teológica. São Leopoldo: Unisinos, 2001, p. 23.
89
nos conflitos locais espalhados pelo mundo e outros milhões de nossos
semelhantes que todo ano morrem de fome e doenças das mais comuns.155
Anestesiados, nem sempre toca-nos a fundo o espectro das mortes
prematuras, da condição dos deficientes físicos e mentais, da crueza de solidões
vividas, do esquecimento no qual são confinadas pessoas, sobretudo idosas.
Acrescentam-se aí formas variadas de racismo, a crueza da fome, a ausência de
diálogo, as ameaças ao planeta em seu equilíbrio ecológico, as guerras de toda
sorte.156
2.5.2. Moral autônoma e ética individualista
O homem pós-moderno pensa que como ser livre, deve obedecer somente a
si mesmo e à lei que autonomamente se dá, porque toda heteronomia ética é um
atentado à sua soberania. Ele encarna a moral autônoma da vontade de poder do
“super homem”, prognosticada por Nietzsche, não trazendo em si nenhuma ferida
original que enfraqueça sua relação com o bem e a verdade. Dessa forma, age não
orientado pelo bem mas simplesmente pela vontade. A conquista da liberdade não
é mais a busca de plenitude de vida ética para si e para a sociedade, mas a própria
autonomia. A liberdade do indivíduo se expressa como uma forma de obediência a
si mesmo, não sendo acompanhada de uma responsabilidade pelo bem comum ou
por uma doutrina política baseada no princípio da utilidade.157
A sociedade moderna não vive somente de valores produzidos por ela
própria, como também destrói os valores de que tem absoluta necessidade. E os
valores básicos da sociedade moderna, como a liberdade, a dignidade e os direitos
humanos, estão sendo dissolvidos. De um lado, há um individualismo incentivado
por um capitalismo sem barreiras que destrói o valor básico da solidariedade e da
justiça. Por outro lado, a ciência moderna muitas vezes usa do seu método formal-
155 Cf. TOURAINE, A. Crítica da Modernidade. 6. e., Petrópolis: Vozes, 1999, p. 392; GALIMBERTI, U. Rastros do sagrado: o cristianismo e a dessacralização do sagrado. São Paulo: Paulus, 2003, p. 379; PONTIFÍCIO CONSELHO DA CULTURA; PONTIFÍCIO CONSELHO PARA O DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO. Jesus Cristo, portador da água viva..., n. 39. 156 Cf. AGOSTINI, N. Ética cristã e desafios atuais. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 117. 157 Cf. MORI, G. L. A pós-modernidade e a teologia: desafios e tarefas. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE TEOLOGIA. São Leopoldo, 2004, mimeografado, p. 16.
90
funcional para a autodestruição do próprio ser humano.158
A liberdade de se tratar certos temas, a possibilidade de mudanças radicais,
as descobertas científicas no campo da bioética, da sexualidade ou do matrimônio
têm revolucionado o comportamento humano neste começo de século. Hoje, há
uma dissolução de qualquer moral tradicional e convicção religiosa considerada
arbitrária, com um estilo de vida light, soft proporcionado pela new age. Por outro
lado, há uma uniformidade consumista, uma “macdonalização” (McDonalization)
dos costumes e dos estilos de vida.159
A cultura hedonista separa a sexualidade de qualquer norma moral objetiva,
reduzindo-a frequentemente ao nível de objeto de diversão e consumo, e
favorecendo, com a cumplicidade dos meios de comunicação social, uma espécie
de idolatria do instinto. O materialismo exagerado, ávido de riquezas, não tem
qualquer atenção pelas exigências e sofrimentos dos mais fracos, nem consideração
pelo próprio equilíbrio dos recursos naturais. Na nossa época, incentivada por uma
cultura utilitarista e tecnocrática, tende-se a avaliar a importância das coisas e
também das pessoas sobre a base da sua “funcionalidade” imediata.160
A perspectiva pós-moderna identifica o ser feliz com toda forma de prazer,
com a liberação e a satisfação do desejo, com a fuga do sofrimento. A dimensão
ética e espiritual da felicidade é subordinada à dimensão sensível e psíquica. O
desejo torna-se o único parâmetro essencialmente real e produtor de realidade. Isso
leva à passagem da cultura dos direitos do homem à cultura do homem dos
direitos, dos quais o mais reivindicado é o do prazer, enquanto fonte e base da
felicidade, e substituto da virtude. Todo prazer possível é legítimo, pelo fato de que
possa ser experimentado e não porque seja moralmente bom.161
A sociedade de hoje organiza o processo de produção e toda a vida social em
função de uma ética individualista que não responde aos anseios de uma vida
158 Cf. SIEBENROCK, R. A., Europa: uma abordagem. Revista Concilium, Petrópolis, n. 305, p. 21-22, 2004/2. 159 Cf. LÓPEZ, P. L. Old and new globalization. In: BLANCHETTE, O.; IMAMICH, T.; McLEAN, G. F. Philosophical challenges and opportunities of globalization: the council for research in values and philosophy. 2001, Vol. I, p. 41; TRASFERETTI, J. Teologia moral na Pós-Modernidade: o difícil dilema do agir moral. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.) Teologia na pós-modernidade: abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 435. 160 Cf. JOÃO PAULO II. Exortação Apostólica Pós-Sinodal “Vita Consecrata”. Documentos Pontifícios n. 147, 4. e., São Paulo: Paulinas, 2004, n. 88; 89 e 104. 161 Cf. MORI, G. L. A pós-modernidade e a teologia: desafios e tarefas. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE TEOLOGIA. São Leopoldo, 2004, mimeografado, p. 17.
91
socializada. A existência das contradições entre riqueza - pobreza e avanços
tecnológicos - exclusão social gera um escândalo moral jamais visto. A ética do
sucesso continua reinando em muitas mentalidades e ações sociais. O mais
importante é levar vantagem em tudo. Não importam os graves problemas sociais,
a crise ambiental, as desigualdades regionais, o acúmulo de capital, a violência, o
preconceito social e tantos outros males que afetam os seres vivos. Essa crise
social também se manifesta na política, através da corrupção, do clientelismo, do
autoritarismo, do oportunismo e de tantas outras práticas de abuso de poder e
ganância irresponsável.162
Trata-se de uma realidade que desvaloriza o ideal da abnegação e os valores
sacrificiais e estimula os desejos imediatos, a paixão do ego, a felicidade intimista
e materialista. Dessa forma, nossa sociedade é paradoxal. Por um lado,
aprofundam-se o individualismo e o particularismo, desembocando no escândalo
moral de uma sociedade das mais iníquas da história contemporânea. Mas, por
outro, há avanços na consciência e na defesa dos direitos que efetivam a dignidade
humana.163
2.5.3. Globalização, consumismo, desequilíbrio ecológico e injustiças sociais
Globalização da economia é o processo através do qual, em conseqüência do
dinamismo do comércio de bens e serviços e dos movimentos de capital e
tecnologia, os mercados e a produção nos diferentes países se tornam sempre mais
dependentes uns dos outros. Ela é acompanhada, portanto, por uma globalização da
tecnologia, sobretudo da tecnologia de informação. Nesta fase pós-moderna, está
em curso a globalização neoliberal, que a tudo quer abarcar e em tudo quer
imprimir o seu selo. A lógica do mercado se afirma erigindo-o em paradigma do
162 Cf. TRASFERETTI, J. Teologia moral na Pós-Modernidade: o difícil dilema do agir moral. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.). Teologia na pós-modernidade: abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 408. 163 Cf. JUNGES, J. R. Evento Cristo e ação humana: temas fundamentais de ética teológica. São Leopoldo: Unisinos, 2001, p. 25; OLIVEIRA, M. A. Ética e racionalidade moderna. São Paulo: Loyola, 1993, p. 47; TRASFERETTI, J.. Teologia moral na Pós-Modernidade: o difícil dilema do agir moral. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.) op. cit., p. 409.
92
comportamento humano e de toda a vida social.164
Telefax, comunicação via satélite, fluxo global de dados, WorldWideWeb e
bolsa de valores eletrônica, bem como o enorme barateamento do transporte de
informações, mercadorias e pessoas, demonstram a transição da economia nacional
para a economia global numa velocidade estonteante, jamais observada antes.
Mercado e produção, bem como capital e tecnologia conhecem cada vez menos
fronteiras. Não só o comércio, como também as empresas e seus produtos se
tornam, a cada dia, mais globais, numa concorrência até hoje desconhecida. A
globalização e a informatização da economia causaram um gigantesco impacto
sobre a sociedade, gerando, por um lado, a elitização de pequenos grupos,
detentores do poder, por outro lado, uma enorme população excluída. Trata-se de
um processo de desenvolvimento desigual que fragmenta e introduz novas formas
de dependência mundial.165
O consumismo não é apenas um excesso de consumo de bens materiais ou
imateriais, muitas vezes totalmente desnecessários e dispensáveis. É também uma
mentalidade que nasce no seio de uma civilização dominada pela técnica, torna-se
seu motor e penetra no íntimo da vida de muitos e no costume coletivo. Procura
forjar as pessoas de tal maneira que se deixem seduzir por uma busca insaciável do
novo, do sonho, do desejo, de tal forma que o prazer e a felicidade estão sempre
além do alcançado, caindo numa escravização do desejo.166
A indústria liberal de bens de consumo e lazer, com uma propaganda
persuasiva e persistente, desenvolveu e desfigurou as necessidades básicas do ser
humano. Nesta dinâmica, muitos se perdem no imediatismo do consumo, mais
preocupados em “ter mais” prazer, do que “ser mais” gente. Ao lado desta
hipervalorização dos prazeres que estão ao alcance das mãos de quem tem
dinheiro, uma imensa maioria vive com fome, sem moradia decente, sem
dignidade, incapazes de alcançar um mínimo de satisfação existencial. Dessa
forma, a pobreza do mundo de hoje é um largo mar de necessidades insatisfeitas
164 Cf. KÜNG, H. Uma ética global para a política e a economia mundiais. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 279; ROCHA, Sérgio da. Teologia moral em diálogo na Pós-Modernidade. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.). op. cit., p. 313. 165 Cf. KÜNG, H., op. cit., p. 280; GIDDENS, A. As conseqüências da Modernidade. São Paulo: Unesp, 1991, p. 173-174; SOUZA, N. Evolução histórica para uma análise da pós-modernidade. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.). op. cit., p. 138-139. 166 Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (1999-2002). 2. e., São Paulo: Paulinas, 1999, n. 138.
93
em redor de uma pequena ilha de consumo exagerado e descontrolado.167
As ameaças ecológicas resultam do impacto do industrialismo crescente
sobre o meio ambiente material. Fazem parte de um novo perfil de risco
introduzido pelo advento da Modernidade, característico da vida social de hoje. A
produção, já delimitada pelo que era útil e eficiente, passou a nortear-se pela busca
da lucratividade sem limite, num acúmulo de bens capitalizados, com a
conseqüente depredação da natureza e submissão do ser humano, quando não,
simplesmente a exclusão deste.168
A simples quantidade de riscos sérios ligados à natureza é bem assustadora: a
radiação a partir de acidentes graves em usinas nucleares ou do lixo atômico; a
poluição química nos mares suficiente para destruir o plâncton que renova uma boa
parte do oxigênio da atmosfera; um “efeito estufa” derivante dos poluentes
atmosféricos que atacam a camada de ozônio, derretendo parte das calotas polares
e inundando vastas áreas; a destruição de grandes áreas de floresta tropical que são
uma fonte básica de oxigênio renovável; e a exaustão das terras férteis como
resultado do uso intensivo de fertilizantes artificiais.169
No mundo globalizado de hoje, a pobreza apresenta novos aspectos,
principalmente a exclusão de categorias inteiras de pessoas e até mesmo nações.
Talvez o maior flagelo social hoje seja o desemprego estrutural, trazido pela
globalização. Porém, a Igreja não pode aceitar que haja pessoas e nações inteiras
excluídas. Ela não pode aceitar a fome de tantos milhões, o crescimento da miséria
junto à indiferença dos povos ricos e desenvolvidos, que estão mais preocupados
com a concorrência comercial internacional do que com a solidariedade.170
2.5.4. Provisoriedade e efêmero
O pensamento pós-moderno entende a si mesmo como um processo de
167 Cf. MOSER, A.; LEERS, B. Teologia Moral: Impasses e Alternativas. Coleção Teologia e Libertação. 3. e., Petrópolis: Vozes, 1996, p. 244. 168 Cf. GIDDENS, A. As conseqüências da Modernidade. São Paulo: Unesp, 1991, p. 111-112; AGOSTINI, N. Ética cristã e desafios atuais. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 97. 169 Cf. GIDDENS, A. op. cit., p. 129. 170 Cf. HUMMES, C. Cardeal. El marco social y eclesial hoy de America Latina: 25 años despuès de Puebla. Revista de Cultura Teológica, São Paulo, ano XII, n. 47, p. 28, abr.-jun./2004.
94
libertação do uno, do imutável e do eterno para a diferença, a pluralidade, a
mudança e o contingente. Tudo se torna provisório, porque nossos esquemas são
estruturalmente instáveis e mutáveis. Tudo é considerado como produto do tempo
e do acaso. A contingência é o princípio do pensar, de modo que vivemos num
mundo ciente de que não há estruturas sólidas e essenciais. Dessa forma, o
pensamento das essências cede lugar ao pensamento de uma estratégia inteligente
para lidar com a contingência. O provisório, o efêmero, o fútil e o temporário
tornaram-se mais expressivos que o eterno, o imutável, o integrado, o harmônico e
o sublime.171
No clima cultural de Pós-Modernidade, o ritmo das mudanças e o caráter
efêmero das contínuas novidades tornaram-se exasperados. Este fenômeno é
facilitado pelo novo poder dos meios de informação, que permitem a comunicação
instantânea com qualquer parte do mundo e induzem à tomada de decisões
imediatas e emocionais, não refletidas e não amadurecidas. Em conseqüência, as
pessoas são levadas a considerar como provisórias e passageiras todas as atitudes e
encontram dificuldade em aceitar um compromisso estável e definitivo, inclusive
no matrimônio, na vida consagrada e sacerdotal.172
A Pós-Modernidade enfatiza a efemeridade, tende a inclinar-se para a
desconstrução que beira o niilismo e prefere a estética, em vez da ética. É difícil
manter qualquer sentido de continuidade histórica diante de todo o fluxo e
efemeridade. Agora, tanto a vida como o mundo tornaram-se perecíveis, mortais,
fúteis. O fato mais espantoso está na sua total aceitação do efêmero, do
fragmentário, do descontínuo e do caótico. Ela vagueia nas fragmentárias e
caóticas correntes da mudança, como se isso fosse tudo o que existisse. Remonta a
Nietzsche em particular, que enfatiza o profundo caos da vida moderna e a
impossibilidade de lidar com ele por meio do pensamento racional.173
171 Cf. OLIVEIRA, M. A. Pós-Modernidade: abordagem filosófica. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.) Teologia na pós-modernidade: abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 24; 42-43; BENEDETTI, L. R. Pós-modernidade: abordagem sociológica. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.) op. cit., p. 69. 172 Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (1999-2002). 2. e., São Paulo: Paulinas, 1999. n. 144. 173 Cf. HARVEY, D. Condição Pós-Moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 12. e., São Paulo: Loyola, p. 49; 111-112; 273; ARENDT, H. Entre o passado e o futuro. 5. e, S. Paulo: Perspectiva, 2002, p. 108.
95
Hoje, acentua-se a volatilidade e efemeridade de modas, produtos, técnicas
de produção, processos de trabalho, idéias e ideologias, valores e práticas
estabelecidas. A sensação de que “tudo o que é sólido desmancha no ar” raramente
foi mais persuasiva. Vivemos a dinâmica de uma sociedade do descartável que
significa mais do que jogar fora bens produzidos, criando um monumental
problema sobre o que fazer com o lixo, mas também ser capaz de atirar fora
valores, estilos de vida, relacionamentos estáveis entre as pessoas e modos
adquiridos de ser e de agir.174
2.5.5. Pluralismo ético e liberdade individual
Vivemos numa sociedade caracterizada pelo pluralismo, que permite
diversas interpretações simultâneas, concorrentes ou complementares, em nítido
confronto com a visão unitária das religiões ou totalitária das ideologias. Há uma
tentação de dizer que cada um tem a sua verdade e de que ninguém tem direito de
dizer que a sua seja verdadeira. Trata-se de uma consciência ética desorientada,
numa crise em torno da verdade. E a medida de referência tende a ser o próprio
indivíduo.175
A pessoa humana cresce num mundo em que não há mais valores comuns,
que determinam o agir nas diferentes áreas da vida, nem uma realidade única,
idêntica para todos. Há um determinado número de morais, distribuído entre
diversas comunidades de vida e de convicção. Porém, isto não significa que as
pessoas não orientem mais o seu agir e a sua conduta de vida segundo valores
supra-ordenados, que imperam em suas comunidades. Mesmo aqueles que agem
“imoralmente” vão pautar-se pela moral em vigor, procurando esconder ou
desculpar suas infrações às normas. Seja como for, a pessoa de hoje, nem sempre
consegue ter certeza de que aquilo que julga bom e justo também seja assim
174 Cf. HARVEY, D. Condição Pós-Moderna ..., p. 258-259. 175 Cf. JOÃO PAULO II. Carta encíclica “Fides et ratio”. Documentos pontifícios 275. Petrópolis: Vozes, 1998, n. 98; Id., Carta encíclica “Veritatis splendor”. 2. e. São Paulo: Paulinas, 1993, n. 32; LIBÂNIO, J. B. Teologia da revelação a partir da modernidade. 2. e., São Paulo: Loyola, 1995, p. 146; HUMMES, C. El marco social y eclesial hoy de America Latina: 25 años despuès de Puebla, Revista de Cultura Teológica, São Paulo, ano XII, n. 47, p. 21, abr.-jun./2004; AGOSTINI, N. Jesus Cristo e a vivência da ética nos dias atuais. In: MIRANDA, M. F. (Org.). A pessoa e a mensagem de Jesus. São Paulo: Loyola, 2002, p. 69.
96
considerado pelos outros. Aliás, ela mesmo nem sempre sabe o que é bom e justo
para si próprio.176
Diante do pluralismo moderno há duas reações extremas e contraditórias: a
atitude rigorista, que pretende reconquistar a sociedade toda para os valores e
tradições antigos. Por outro lado, a atitude laxista, que desiste de afirmar quaisquer
valores e reservas de sentido. As duas reações são errôneas e podem, além do mais,
tornarem-se perigosas. Na sua forma radical, a atitude rigorista pode levar à
autodestruição ou à destruição do outro.177
Mas a atitude laxista, relativista, é inconsistente em si mesma. Uma pessoa
para a qual tudo é válido, já não é capaz de um agir coerente e responsável. Ela não
poderia aduzir razões por que se decidiu assim e não de outro modo. O seu
comportamento pareceria totalmente arbitrário e ninguém poderia confiar se no
momento seguinte já não mudaria seu caráter. Por isso, o indivíduo não mais
responsável por suas ações também não poderia manter uma relação social com
obrigações. Perde-se assim o mínimo de confiança mútua que se pressupõe para a
existência na comunidade e na sociedade.178
A sociedade de hoje valoriza a liberdade individual e incentiva o indivíduo a
buscar os critérios do seu comportamento a partir de si mesmo, da sua razão e
liberdade, assumindo uma atitude autônoma e crítica face aos valores tradicionais.
Os conceitos morais dos tempos modernos estão adaptados ao reconhecimento da
liberdade subjetiva da pessoa humana. Fundam-se, por um lado, no direito do
indivíduo de discernir como válido o que ele deve fazer. Por outro lado, fundam-se
na exigência de que cada um persiga os fins do bem-estar particular em
consonância com o bem-estar de todos os outros. A vontade subjetiva ganha
autonomia em relação às leis universais.179
176 Cf. BERGER, P.; LUCKMANN, T. Modernidade, pluralismo e crise de sentido: a orientação do homem moderno. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 39; 87. 177 Ibid., p. 79. 178 Idem, p. 79-80. 179 Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (1999-2002). 2. e., São Paulo: Paulinas, 1999, n. 179; HABERMAS, J. O discurso filosófico da modernidade. Lisboa: Dom Quixote, 1998, p. 27-28.
97
2.5.6. Relativismo e crise de orientação
Vivemos hoje uma crise de sentido que afeta toda a estrutura humana. Trata-
se de uma crise profunda, séria e complexa. As mudanças rápidas e profundas dos
valores que norteiam nossa ação social têm permeado nossos comportamentos,
impondo um ritmo de vida jamais visto. O ser humano está ficando isolado,
descrente de tudo, caminha vazio pelas esquinas do mundo. Ele busca geralmente,
em sua caminhada, sua satisfação pessoal de uma forma exclusiva. De um lado, o
centro de suas ações está na busca de auto-realização, felicidade consumista e
prazer desmesurado. De outro, vive num desencanto, num desinteresse, numa
apatia, até mesmo diante do mundo da política, já que ela converteu-se em
espetáculo e, não raro, em farsa, em representação teatral.180
Há uma dificuldade bastante generalizada das novas gerações de assumir
compromissos duradouros. Tudo é provisório e se está sempre às espera de algo
novo. Não interessa adquirir alguma coisa para toda a vida. Menos ainda condiz
com a mentalidade atual assumir um compromisso para sempre. Respira-se uma
moral provisória, sem nada estável e definitivo. Uma sensibilidade que dá primazia
ao sentimento, à afetividade e ao prazer, rendendo culto ao corpo. Importa viver o
presente! Ao dizer isso, atrofia-se a memória, caindo-se numa crise de identidade
das utopias e dos ideais, sem os quais o futuro fica comprometido. Nesta situação,
muitas vezes, há um desestímulo ou dificuldade para se realizar uma opção
fundamental na vida.181
Assistimos hoje a uma forte contribuição de dois fenômenos de nossa
Modernidade: o enfraquecimento do sentido do pecado e a força e a influência dos
Meios de Comunicação Social na vida das pessoas que ditam novos modos de agir.
O fenômeno mais grave, na atualidade, é a a-moralidade, a perda do sentido ético.
180 Cf. TRASFERETTI, J. Teologia moral na Pós-Modernidade: o difícil dilema do agir moral. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.) Teologia na pós-modernidade: abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 407-408; HARVEY, D. Condição Pós-Moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 12. e., São Paulo: Loyola, p. 73. 181 Cf. GASTALDI, I. Educar e evangelizar na pós-modernidade. São Paulo: Salesiana Dom Bosco, 1994, p. 69-70; HARVEY, D. op. cit., p. 79.
98
O a-moralismo remete ao nosso tipo de civilização ocidental, dominada pelo
consumismo e pelo “homem-massa”. A massificação fez decair os valores morais,
com uma perda de identidade pessoal. Um outro aspecto é a deterioração das
relações humanas. Só se pensa em produzir e consumir. A perda moral reside, sem
dúvida, na crescente indiferença em relação à vida alheia, seja de animais ou de
pessoas, mesmo que seja na forma de embriões.182
O homem e a mulher da Modernidade não sabem, muitas vezes, qual o
caminho a percorrer. Falta-lhes a grande direção, a bússola, o grande alvo a atingir.
Sem uma forte ligação com um sentido, com valores e normas que, evidentemente,
não devem servir de algemas ou grilhões e, sim, de ajuda e proteção. Por isso,
muitas vezes, eles não conseguem proceder de modo humano, tanto nas coisas
pequenas quanto nas grandes.183
Nas mais diversas camadas sociais e também em todas as faixas etárias, estão
grassando crises de orientação por causa da dose excessiva de informações. Ao
mesmo tempo, há um descontrole do vício das drogas e da criminalidade, além dos
escândalos na política, na economia, no sindicato e na sociedade. Cada vez mais
homens e mulheres, sobretudo jovens, se encontram diante de um vazio de sentido,
de valores e de normas.184
Não existem mais verdades absolutas, porque a verdade tornou-se
“interpretação” e não se pode falar de verdade incontrovertível. O significado das
realidades, isto é, a sua verdade depende do seu uso. A realidade manifesta-se,
oferece-se à interpretação do sujeito. Vive-se no relativismo de valores. Há um
enfraquecimento da consciência diante do fortalecimento das paixões (desejo e
prazer) e do privilégio destas de intencionar o verdadeiro.185
Chama-nos a atenção, neste momento histórico, o grande pluralismo de
valores, numa proliferação do relativismo, sob a égide do “não existe nada de
182 Cf. LEPARGNEUR, H. Ciência e descrença hoje. Revista Eclesiástica do Brasil. Petrópolis, fasc. 253, p. 57, Jan./2004; MOSER, A.; LEERS, B. Teologia Moral: Impasses e Alternativas. Coleção Teologia e Libertação. 3. e., Petrópolis: Vozes, p. 27-28; MOLTMANN, J. Direitos humanos, direitos da humanidade e direitos da natureza. Revista Concilium. Petrópolis, n. 228, p. 150, 1990/2. 183 Cf. KÜNG, H. Em busca de um “ethos” mundial das religiões universais: questões fundantes da hodierna ética num horizonte global, Revista Concilium, Petrópolis, n. 228, p. 118-119, 1990/2. 184 Ibid., p. 115. 185 Cf. JUNGES, J. R. Evento Cristo e ação humana: temas fundamentais de ética teológica. São Leopoldo: Unisinos, 2001, p. 21.
99
absoluto”, do “vale tudo”. Com isso, mergulhamos no campo do efêmero, do
instável, do banal, do “viver cada instante”, do “viver o aqui e agora” à margem de
toda moral. O pós-moderno dispensa a norma. Num mimetismo do que está na
“crista da onda”, embalados, sobretudo pelos meios de comunicação social,
introjetamos como “valores” o dinheiro, a juventude, o sexo, o culto ao corpo, o
hedonismo e o narcisismo. Nas grandes metrópoles, o comportamento humano está
fragmentado pela confusão de papéis, pelo cotidiano complexo, pelos valores e
contravalores que todo dia surgem diante de nossos olhos.186
2.5.7. Conclusão
Podemos concluir que o mundo atual forma um grande quadro destemperado
de contrastes gritantes. A liberdade é o valor central da vida das pessoas e base da
sua moral, mas estão presentes tanto as violações dos direitos humanos como a
exploração dos mais fracos, a manipulação da opinião pública, a percepção do
outro como simples objeto, além de todas as formas de egoísmo. O consumismo
leva a uma saturação em que as maiores extravagâncias e desperdícios são
possíveis e, mesmo assim, deixam um sentimento de tédio. No campo sexual os
extremos se tocam, do tabu à libertinagem. O sexo se tornou passatempo, sem
assumir a responsabilidade de uma relação mais profunda e duradoura. Há uma
busca da auto-realização sexual, sendo a sexualidade libertada do controle social.
Há também uma “sacralização” da liberdade da consciência humana, com a
autonomia individual e a perda do sentido do ético. Com isso, na sociedade pós-
moderna, criam-se novos valores segundo as regras do consumo, do
individualismo e do hedonismo.
Pertencemos todos ao mesmo mundo, mas é um mundo quebrado,
fragmentado. Atualmente, uma parte do mundo se curva sobre a defesa e a busca
de sua identidade nacional, coletiva ou pessoal, enquanto uma outra parte, ao
186 Cf. GASTALDI, I. Educar e evangelizar na pós-modernidade. São Paulo: Salesiana, Dom Bosco, p. 31; HARVEY, D. Condição Pós-Moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 12. e., São Paulo: Loyola, p. 73; TRASFERETTI, J. Teologia moral na Pós-Modernidade: o difícil dilema do agir moral. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.) Teologia na pós-modernidade: abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 410.
100
contrário, só acredita na mudança permanente, enxergando o mundo como um
hipermercado onde novos produtos aparecem sem cessar. No meio desses
fragmentos de vida social, carregados de valores opostos, se agitam as massas,
atreladas à racionalidade técnica e levadas a não se preocupar com os fins de suas
ações. O resultado de tudo isso é um utilitarismo e pragmatismo de fundo, que
reveste inclusive a religião.
Além disso, a razão instrumental hoje se encontra, muitas vezes, a serviço do
egoísmo possessivo. No centro da sociedade pós-moderna, temos um vazio de
valores que garante a autonomia da racionalidade técnica. Por isso, a afirmação da
dimensão utópica da ética teológica faz-se ainda mais necessária, diante do fim das
utopias e das ilusões da Modernidade pressuposto pela Pós-Modernidade.
101
2.6. Conclusão do Capítulo II
Na primeira parte da Tese procuramos mostrar os desafios da realidade de
hoje, analisando o contexto do mundo moderno e pós-moderno. Estes elementos
são fundamentais, tendo em vista que eles provocaram uma virada na concepção
dos valores a serem vividos a partir de então. Dentro deste processo, não podemos
deixar de levar em conta o problema da secularização.
No mundo moderno, há sempre a busca do progresso e do crescimento
econômico, por meio da produção em massa. Tudo gira em torno da jurisdição do
econômico. Os significados religiosos deixam de ser considerados como
fundamentais à vida cotidiana, desembocando numa crise dos modelos éticos
convencionais.
No âmbito do individual suscitou-se, ou ao menos, avivou-se, a revalorização
do pequeno, a tolerância para com o diferente, a desabsolutização do estabelecido,
o novo apreço do corpo, a revitalização da experiência. Contudo, o individualismo
do sujeito autônomo desembocou num individualismo do eu narcísico. Porém, a
grande arte do mundo de hoje é criar relações que não nasçam da autarquia do eu,
mas da responsabilidade pelo outro.
Na atualidade, existe uma forte emergência da subjetividade. Hoje, as
questões do corpo e da psique ocupam um lugar central na preocupação das
pessoas. O feminismo promove a libertação da mulher da tutela masculina e a
emergência social da identidade feminina, fenômeno que aponta para uma
redefinição da própria identidade masculina com relação aos seus papéis.
A atual visibilidade midiática da religião, a irrupção de novos movimentos
religiosos, o sucesso da literatura esotérica, etc., são interpretados como um
fortalecimento do sagrado no espaço público, no contexto de uma Modernidade
que se mostra incapaz de resolver os problemas mais profundos do ser humano e
não consegue superar as suas próprias contradições e ambigüidades internas.
Contudo, a nova religiosidade tende a ser ingênua e narcisista, sem uma vivência
do amor, da doação, da abertura para o outro.
Vivemos de um lado, num mundo da produção, da instrumentalidade, da
eficácia e do mercado; do outro, o da crítica social e da defesa de valores ou de
102
instituições que resistem à intervenção da sociedade. Hoje, a questão que parece
mais urgente não é a gestão do crescimento, mas a da luta contra o despotismo e a
violência, da manutenção da tolerância e do reconhecimento do outro.
Tendo esboçado toda a problemática do mundo moderno e pós-moderno,
aqui apresentado de uma maneira sucinta, partiremos para uma reflexão sobre a
consciência moral, tratando especificamente do nosso tema. A segunda parte
procurará discorrer sobre este pilar da Moral Fundamental, à luz do grande teólogo
moralista Bernhard Häring.
103
3. A consciência moral, em Bernhard Häring
Nesta Segunda Parte da Tese, apresentamos os trabalhos de pesquisa
desenvolvidos na Academia Alfonsiana da Pontifícia Università Lateranense de
Roma, sob a orientação do Prof. Dr. Sabatino Majorano, depois avaliados pelo
Prof. Dr. Nilo Agostini, da PUC/Rio.
A Academia Alfonsiana é um instituto de pós-graduação em Teologia Moral
fundado pela Congregação dos Redentoristas em 1949, que desenvolve suas
atividades científicas em Roma. Desde 1960, a instituição faz parte da Faculdade
de Teologia da Pontifícia Universidade Lateranense. O nosso Autor, Bernard
Häring, dedicou grande parte de sua vida acadêmica junto a esta instituição, onde
pode produzir grande parte de suas 106 obras.
O Prof. Dr. Sabatino Majorano é o atual Diretor da Academia Alfonsiana.
Padre Redentorista italiano, é também professor ordinário da Academia e professor
convidado da Pontifícia Universidade Urbaniana. Doutor em Teologia Moral pela
Academia Alfonsiana (1978) e Mestre em Teologia pela Pontifícia Faculdade da
Itália Meridional – Nápolis (1969). Majorano é considerado hoje, um dos maiores
especialistas em Bernard Häring, dando continuidade às reflexões de seu já
falecido mestre.
Falecido em 1998, Bernard Häring foi um teólogo que marcou o Concílio
Ecumênico Vaticano II e também o pós-Concílio, impulsionando uma virada
teológica no campo da Moral. Ele obteve o Doutorado em Teologia junto à
Faculdade Teológica de Tübingen (Alemanha) em 1947 e foi agraciado com seis
doutorados “honoris causa”. Recebeu vários prêmios pela paz em diversos países e
foi proclamado “homem internacional do ano 1991-1992” e “homem mais
admirado na década 1980-1990”. Depois de muita vida e muita luta, podemos
considerá-lo como um dos nossos grandes sábios, que podem dizer o que nem
todos ousariam.
Iniciamos esta Segunda Parte, como introdução ao tema, trazendo um breve
retrospectivo da noção de consciência moral, anterior à Moral Renovada. A seguir,
apresentamos uma pequena biografia de Bernhard Häring, para entrarmos no seu
trabalho propriamente dito. Continuamos nossa reflexão, mostrando a colaboração
104
de nosso autor em estudo, na realização do Vaticano II. Os nossos estudos aqui
trazem também, de uma forma sintética, a relação entre Häring e a Moral
Renovada. Prosseguimos com a discussão em relação ao primeiro manual de
Häring, A Lei de Cristo, e a sua contribuição para a noção de consciência moral.
Depois, apresentamos o segundo manual de Häring, Livres e fiéis em Cristo, bem
como também a sua noção de consciência moral.
Concluímos esta parte da tese, fazendo uma comparação entre os dois
manuais.
105
3.1. A noção de consciência moral anterior à Moral Renovada
3.1.1. Introdução
A moral católica que se coloca frente ao protestantismo é formada depois do
Concílio de Trento. Trata-se da moral dos manuais, comumente chamada de
casuística. Estes manuais buscam atender às exigências daquele Concílio, voltadas
para a administração do sacramento da Penitência. A Igreja pós-tridentina faz um
esforço enorme para a formação dos confessores, especialmente com a fundação de
seminários, a instituição de cursos de casos de consciência e o encorajamento à
redação de manuais de teologia moral.187
A moral dos manuais, do período entre os séculos XVII e XX, repousa sobre
quatro pilares: o ato humano livre, a lei, a consciência e o pecado, sustentados
pelos Mandamentos da lei de Deus e da Igreja. Os moralistas se ocupam, dentre os
atos humanos que lhes interessam, sobretudo com o tema do pecado. Esta atenção
particular não se explica somente com a preocupação de melhor determinar a
matéria do sacramento da Penitência, mas a de fazê-la derivar da lei mesma, com
preceitos mais negativos que positivos. A função da lei, de fato, é, sobretudo, de
colocar-se na guarda contra a culpa e a natureza do pecado.188
Encarregam-se, sobretudo, os jesuítas, aos quais era confiado o ensino da
teologia em muitos seminários, de dar vida a este ponderado compromisso entre a
moral erudita das altas cátedras universitárias e os demais repertórios práticos do
clero em geral. Surgem, dessa forma, as assim chamadas Institutiones theologiae
moralis.189
187 Cf. PINCKAERS, S. Le fonti della morale cristiana: metodo, contenuto, storia. Milano: Ares, 1992, p. 328; VEREECKE, L. La coscienza nel pensiero di S. Alfonso de Liguori. In: ALVAREZ VERDES, L.; MAJORANO, S. (a cura di) Morale e redenzione, Roma: EDACALF, 1983, p. 177; ANGELINI, G.; VALSECCHI, A. Disegno storico della Teologia Morale. Bologna: EDB, 1972, p. 113-114. 188 Cf. MASET, A. B. Ley y conciencia: una aproximación a la renovación de la teología moral. Extrato de la tesis doctoral presentada en la Facultad de Teología de la Universidad de Navarra. In: Excerpta e dissertationibus in Sacra theologia, 1997. p. 26; PINCKAERS, S. op. cit., p. 315-321. 189 Cf. ANGELINI, G.; VALSECCHI, A. op. cit., p. 114.
106
Um dos primeiros textos da nova ordem dos sistemas morais em forma de
manuais é do jesuíta G. Azor (1536-1603), chamado Institutiones Morales,
publicado em 1602. Em 1625, o jesuíta P. Laymann (1574-1635) publica uma
Theologia moralis, fruto dos seus ensinamentos como professor. Em 1770, há a
publicação de uma Ethica christiana, do tomista G. V. Patuzzi (1700-1769). O seu
tratado tem grande influência, por muito tempo.190
A preocupação básica dos manuais era de ajudar os confessores a resolver as
dúvidas de consciência. Os sistemas morais surgem com este objetivo. Base
comum a estes sistemas morais é a aceitação das leis objetivas, universalmente
válidas, obtidas pela via da ciência natural ou pela revelação divina.191
De uma forma introdutória, apresentamos sucintamente o funcionamento da
moral anterior à Moral Renovada, para compreendermos o processo dinâmico que
se deu, a partir do Concílio Vaticano II, sobretudo em relação à noção de
consciência moral.
3.1.2. Os Sistemas Morais
Com o nome de sistemas morais, denominam-se os manuais de teologia
moral das doutrinas morais de várias escolas teológicas sobre a formação do juízo
de consciência, quando quem deve ou quer agir se encontra frente a leis que
aparecem objetivamente incertas. Os sistemas morais transformam por via
dedutiva, do universal ao particular, os princípios e as leis universais, em regras
particulares, por casos típicos.192
190 Cf. CAPONE, D. Per la norma morale: ragione, coscienza, leggi: dalla storia delle idee. Studia Moralia, Roma, n. 28, p. 211-212, 1990. 191 Cf. MASET, A. B. Ley y conciencia: una aproximación a la renovación de la teología moral. In: Excerpta e dissertationibus in Sacra theologia, Navarra: Universidad de Navarra, p. 42-43; PARISI, F. Il valore della coscienza e dell’esperienza morale. Bari: Levante, 2003, p. 40-41; PINCKAERS, S. Le fonti della morale cristiana: metodo, contenuto, storia. Milano: Ares,1992, p. 315 e 327; VIDAL, M. Moral de actitudes. Tomo I: moral fundamental, 4. ed., Madrid: PS Edit., 1977, p. 296; CAPONE, D. Sistemas Morales. In: COMPAGNONI, F.; PIANA, G.; PRIVITERA, S. (dirs.) Nuevo diccionario de teologia morale, Madrid: Paulinas, 1992, p. 1708-1718. 192 Cf. CAPONE, D. Sistemas Morales. In: COMPAGNONI, F.; PIANA, G.; PRIVITERA, S. (dirs.) op. cit., 1708; Id. Sistemi morale. In: COMPAGNONI, F.; PIANA, G.; PRIVITERA, S. (dirs.) Dizionario enciclopedico di Teologia Morale. 4. ed., Roma: Paoline, 1976, p. 1006; PARISI, F. op. cit., p. 40-41; MASET, A. B. Ley y conciencia: una aproximación a la renovación de la teología moral. op. cit., p. 42-43.
107
Aos fins do século XV, a evolução do mundo Ocidental, sob o influxo do
Renascimento, do humanismo, das grandes descobertas (Índias e Américas) e das
mudanças na economia, causa uma profunda mudança no modo de viver e de
pensar. Mas, os sistemas morais ainda não existem. Recorre-se às universidades,
como a Universidade de Paris, que se transforma, no início do século XVI, num
grande centro de orientação moral. Nela, os mercantilistas, juizes, médicos e
também chefes de Estado manifestam as suas dúvidas de consciência. Porém, este
desenvolvimento da teologia moral, favorecido pelo nominalismo,193 zela mais pela
autoridade dos autores que ao valor dos princípios fundamentais. Ele tem como
conseqüência a constituição de uma massa de opiniões nem sempre concordantes
entre si, propostas pelos teólogos para resolver as dúvidas de consciência.194
Portanto, os sistemas morais surgem com a preocupação especial de eliminar
as dúvidas no agir moral. Com este objetivo, fornecem regras de comportamento
que assegurem a conformidade das decisões à lei. Eles têm a preocupação de
responder às exigências concretas da vida, buscando formar uma consciência
prática em casos de dúvida, medindo as proporções entre liberdade e lei.195
Eles não surgem como uma organização do conjunto da teologia, na forma
das Summas da Idade Média, mas numa diferente posição sobre critérios de juízo
no definir os casos dúbios, com a inevitável conseqüência de uma maneira
diferente também no tratar os casos de consciência. É a questão da dúvida aplicada
ao conjunto da moral do tempo. A moralidade é aplicada ao ato humano pela sua
relação com a lei, que é a fonte do dever moral. A questão moral é toda
concentrada sob o limite entre aquilo que cai sob a lei daquilo que fica livre, aquilo
193 O nominalismo se pode definir como a posição filosófica que sustenta que os conceitos abstratos, os termos de maneira genérica, que em metafísica são chamados de universais, não possuem uma existência própria, mas existem somente como nomes. Este modo de ver faz com que somente os objetos (físicos) particulares podem ser considerados reais, enquanto que os universais existem somente como convenções verbais associados aos objetos específicos, ou seja, na imaginação de quem fala. O nominalismo se contrapõe ao realismo filosófico, a posição que sustenta que os termos gerais dos quais se faz uso, como “árvore” e “verde”, representam formas de maneira genérica que possuem uma existência num mundo de abstração independente do mundo dos objetos fisicamente definidos. (Cf. WIKIMEDIA. Il nominalismo. Disponível em: <www.wikimedia.it>. Acesso em 23 mar. 2006). 194 Cf. VEREECKE, L. La coscienza nel pensiero di S. Alfonso de Liguori. In: ALVAREZ VERDES, L.; MAJORANO, S. (cure) Morale e redenzione. Roma: EDACALF, 1983, p. 176-177. 195 Cf. PINCKAERS, Ss. Le fonti della morale cristiana: metodo, contenuto, storia..., p. 327; VIDAL, M. Moral de actitudes. Tomo I..., p. 296; PARISI, F. Il valore della coscienza e dell’esperienza morale..., p. 40-41; VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. In: Estudios eclesiásticos, Madrid, vol. 74, p. 474-475, jul-sep. 1999.
108
que pertence à lei daquilo que pertence à liberdade. E é ali que a dúvida vai
propriamente inserir-se para decidir se a lei tem verdadeiramente o poder num caso
particular.196
3.1.2.1. Tipos de sistemas morais
Na casuística, toda a atenção dos moralistas é voltada aos casos de
consciência individual, que se torna o ponto central da moral. As questões das
regras a seguir para a solução dos casos de moral serão a base dos sistemas morais
e da distinção entre as diversas escolas. A gama destes sistemas vai desde o
rigorismo absoluto ao laxismo mais audaz. Pode-se enumerar até sete sistemas
morais: tuciorismo absoluto, tuciorismo mitigado, probabiliorismo,
compensacionismo, eqüiprobabilismo, probabilismo e laxismo. Os quatro
primeiros têm como princípio fundamental: na dúvida se deve tomar a parte mais
segura. Por parte mais segura se entende a opinião que propõe a lei ou norma
objetiva. Supõe-se que quando se está em dúvida sobre se uma lei obriga ou não, se
age seguramente, observando a lei como se fosse certa.197
Neste sentido, o tuciorismo cai num rigorismo, pois se deve seguir sempre a
opinião em favor da lei, evitando o perigo de infringi-la. Mas, o tuciorismo pode
ser absoluto ou mitigado. O tuciorismo absoluto afirma que basta uma mínima
probabilidade sobre a existência de uma lei para estar obrigado ao cumprimento da
mesma. Já o mitigado afirma que a consciência deveria conformar-se sempre com
a opinião provável que propõe a lei, a menos que esta seja contestada por uma
opinião probabilíssima em favor da liberdade.198
No probabiliorismo também domina, como norma moral, a lei. Deve-se
sempre seguir a opinião que é mais provável, que tem mais razões a seu favor.
196 Cf. PINCKAERS, S. Le fonti della morale cristiana: metodo, contenuto, storia. Milano: Ares,1992, p. 323-324. 197 Cf. CAPONE, D. Sistemas Morales. In: COMPAGNONI, F.; PIANA, G.; PRIVITERA, S. (dirs.) Nuevo dicionario de teologia moral. Madrid: Paulinas, p. 1710; PARISI, F. Il valore della coscienza e dell’esperienza morale. Bari: Levante, 2003, p. 40-41; PINCKAERS, S., op. cit., p. 315 e 327; VIDAL, M. Moral de actitudes. Tomo I: Moral Fundamental, 4. ed., Madrid: PS Edit., 1977, p. 296. 198 Cf. CAPONE, D. Sistemas morales. In: COMPAGNONI, F.; PIANA, G.; PRIVITERA, S. (dirs.) op. cit., p. 1710-1711; PINCKAERS, S., op. cit., p. 326.
109
Assim, defende-se que não é necessária uma opinião probabilíssima favorável à
livre autodeterminação para poder recusar a opinião oposta que está em favor da
lei. Basta uma opinião mais provável que a oposta para estar em favor da lei.199
Também o compensacionismo reafirma como limite de licitude para a livre
autodeterminação a forte probabilidade da lei. Porém, admite a validez da opinião
simplesmente provável, sempre que exista uma razão que evite e compense a
eventual transgressão da lei que parece mais provável. Em oposição a este grupo
de quatro sistemas que defendem a ordem objetiva expressa em leis, se situam os
outros três sistemas. Estes põem em primeiro plano a instância da subjetividade,
que se expressa na liberdade de determinar o juízo da consciência na escolha a
realizar “aqui e agora”.200
Daí, temos o laxismo que é a antítese do tuciorismo absoluto. Afirma que a
lei, para obrigar, deve ser tão certa que faça improvável ou pouco provável a
opinião benigna, de modo que se agiria prudentemente de acordo com uma
probabilidade. Tanto o tuciorismo absoluto quanto o laxismo foram condenados
pelo Magistério da Igreja (cf. Decretos do Santo Ofício de 07/12/1690 e
02/03/1679, respectivamente).201
Já o probabilismo admite que, para agir honestamente, é preciso agir de
acordo com a prudência. Porém, ensina que se age prudentemente quando o juízo
de consciência está apoiado numa razão verdadeiramente provável, mesmo que
seja menos provável que a opinião expressa na instância da lei. Conseqüentemente,
ela aparece como “mais provável”. Ou seja, é licito seguir uma opinião provável
também se a opinião contrária em favor da lei tenha maior possibilidade. Isto
porque, a consciência é vista como um juiz da dialética interna da pessoa entre a lei
e a liberdade.202
199 Cf. PINCKAERS, S. op. cit., p. 326; CAPONE, D. Per la norma morale: ragione, coscienza, leggi: dalla storia delle idee. Studia Moralia, Roma, n. 28, p. 210, 1990; Id. Sistemas morales. In: COMPAGNONI, F.; PIANA, G.; PRIVITERA, S. (dirs.) op. cit., p. 1711. 200 Id., ibid. 201 Cf. DENZINGER, H. Enchiridion symbolorum: definitionum et declarationum de rebus fidei et morum (a cura di HÜNERMANN, P.), 4. e., Bologna: EDB, 2003, n. 2103 e 2303; CAPONE, D. Sistemas morales. In: COMPAGNONI, F.; PIANA, G.; PRIVITERA, S. (dirs.) op. cit., p. 1711; PINCKAERS, S. op. cit., p. 326. 202 Cf. CAPONE, D. Sistemas morales. In: COMPAGNONI, F.; PIANA, G.; PRIVITERA, S. (dirs.) Nuevo dicionario de teologia moral. Madrid: Paulinas, p. 1711; PINCKAERS, S. Le fonti della morale cristiana: metodo, contenuto, storia. Milano: Ares,1992, p. 326; CAPONE, D. Per la norma morale: ragione, coscienza, leggi: dalla storia delle idee. Studia Moralia, Roma, n. 28, p. 210, 1990.
110
Finalmente, o eqüiprobabilismo é uma variante do probabilismo. Este
assume o princípio de que, quando se está em estado de dúvida pela presença de
duas opiniões prováveis opostas, prevalece a lei se esta é certa e se há dúvidas de
que haja cessado, e que prevalece a liberdade quando se há dúvidas de que a lei
exista. O eqüiprobabilismo toma o principio de que a lei duvidosa não obriga, para
afirmar que tal dúvida cessa somente quando a lei tem em favor uma opinião mais
provável que a oposta em favor da liberdade. Esta é a posição de Santo Alfonso de
Liguori, que também se move neste quadro transmitido pela casuística. Mas, para
ele, a liberdade é anterior à lei que vem a limitá-la. Para que este veto possa
suspender a liberdade, é necessário que seja perfeitamente claro e manifesto: a
liberdade ocupa o lugar até que uma lei não venha a desalojá-la.203
Vale a pena ressaltar que a moral casuística na idade moderna, não exprime
todo o pensamento moral nem toda a vida cristã no interior da Igreja católica. São
as obras de grandes santos, como São João da Cruz e São Francisco de Sales e
outros, todos desta época, os quais superam de longe aquilo que é oferecido pelos
manuais. Alguns grandes moralistas, como Santo Alfonso, serão também autores
espirituais de grande valor. Com eles, a moral católica não se reduz ao estudo dos
mandamentos e dos deveres, como poderia fazer acreditar os manuais, mas se
exprime com profundidade também em obras literárias e espirituais.204
3.1.3. Santo Alfonso de Ligório
Santo Alfonso (1696-1787), por razões pastorais, é sensível sobretudo a uma
moral que leva em conta, o primado da liberdade na pessoa humana. Nos seus
numerosos escritos sobre Sacramento de Reconciliação se mostra sempre
advogado da consciência, convidando ao respeito também àquela errônea. Trata-se,
portanto, de um comportamento oposto ao autoritarismo. Sua preocupação é de
elaborar uma teologia moral que respeite ao mesmo tempo as autênticas exigências
203 Cf. CAPONE, D. Sistemas morales. In: COMPAGNONI, F.; PIANA, G.; PRIVITERA, S. (dirs.) op. cit., p. 1712-1713; PINCKAERS, S. op. cit., p. 326. 204 Cf. PINCKAERS, S. Le fonti della morale cristiana: metodo, contenuto, storia. Milano: Ares,1992, 1992, p. 328; 339.
111
do Evangelho e os direitos da pessoa humana, sem esquecer as novas condições de
vida num mundo em mudança, com a Modernidade.205
Ele aceita a metodologia geral do sistema manualístico: o estudo da moral
como preparação dos futuros confessores para a administração propriamente
jurídica do sacramento da Penitência. Neste sentido, a sua contribuição não é
inovadora de uma forma radical. Mas, podemos falar de um manual no estilo
“alfonsiano”.206
Santo Alfonso defende o primado da verdade, onde o agir moral se
fundamenta e, por isso, devemos buscá-la. Se não é possível chegar a uma certeza
absoluta, devemos pelo menos aproximar-nos da verdade o mais possível. Ele
destaca também, a importância da razão e da consciência, agindo sob o influxo da
prudência. Por último, Santo Alfonso defende a liberdade humana, que depende de
uma lei particular, ditada pela razão ou pela Revelação. Aí o ser humano deve agir
em consciência, segundo esta lei particular.207
Antes de tudo, Santo Alfonso quer transmitir o fruto de sua experiência
missionária, em meio ao povo. Ele examina à luz da prudência, as diversas
opiniões dos autores. Dessa forma, pode-se constituir um conjunto de opiniões que
expressam tanto as exigências do Evangelho como as da liberdade da consciência
humana, eliminando todo rigorismo.208
A sua teologia moral é um exemplo claro da teologia da graça, que é o
distintivo característico da vida e obra alfonsiana: o amor de Deus é
superabundante, próximo e operante. A pessoa humana pode ser marcada pelo
pecado, mas a graça não é destruída, é acessível a todos indistintamente.209
205 Cf. VEREECKE, L. La coscienza nel pensiero di S. Alfonso de Liguori. In: ALVAREZ VERDES, L.; MAJORANO, S. (a cura di) Morale e redenzione..., p. 170 e 178; HÄRING, B. Problemi attuali di teologia morale e pastorale. Vol. I, Roma: Paoline, 1965, p. 75; HÄRING, B. Mi experiencia con la Iglesia. Madrid: PS Edit., 1990, p. 204; CAPONE, Domenico. Per la norma morale: ragione, coscienza, leggi: dalla storia delle idee. Studia moralia, Roma, vol. XXVIII, p. 215, 1990. 206 Cf. GALLAGHER, R. Il sistema manualistico della teologia morale dalla morte di Sant’Alfonso ad oggi. In: ALVAREZ VERDES, L.; MAJORANO, S. (a cura di) Morale e redenzione..., p. 258. 207 Cf. VEREECKE, L. La coscienza nel pensiero di S. Alfonso de Liguori. In: ALVAREZ VERDES, L.; MAJORANO, S. (a cura di) op. cit., p. 180; 183. 208 Cf. VEREECKE, L. Historia de la teología moral. In: COMPAGNONI, F.; PIANA, G.; PRIVITERA, S. (dir.) Nuevo diccionario de teologia moral. Madrid: Paulinas, 1992, p. 837. 209 Cf. GALLAGHER, R. Il sistema manualistico della teologia morale dalla morte di Sant’Alfonso ad oggi. In: ALVAREZ VERDES, L.; MAJORANO, S. (a cura di) Morale e redenzione. Roma: EDACALF, 1983, p. 257; CAPONE, D. Per la norma morale: ragione, coscienza, leggi: dalla storia delle idee. Studia Moralia, Roma, vol. XXVIII, p. 221, 1990.
112
Para Santo Alfonso, é preciso educar a consciência, para que seja madura e
saiba discernir a vontade de Deus em cada situação. Por isso, ele fala da
necessidade da prudência na consciência, afirmando que ela tem como proprium,
escutar, avaliar e discernir nas circunstâncias os sinais dos tempos da vontade de
Deus.210
Santo Alfonso, colocando-se entre aqueles teólogos que acentuavam de uma
maneira absolutista a função da liberdade humana na salvação e o seu papel nas
decisões morais, e aqueles adversários que isolavam uma teoria predestinacionista
da salvação e uma concepção rigorista da moral, busca uma formulação mediadora.
O sistema manualístico de Santo Alfonso ressalta o chamado radical do Evangelho
à santidade com o chamado de Deus nos sinais dos tempos.211
A teologia moral de Santo Alfonso fecha um período de discussões
teológicas internas e oferece uma visão moral prática mediante o sistema
manualístico. A ele, foi conferido no ano de 1781 o título de Doutor da Igreja
(doctor zelantissimus). Em 1902, Leão XIII o saudou como o mais eminente e o
mais moderado entre os moralistas. E, em 1950, Pio XII o proclamou patrono dos
confessores e daqueles que se dedicam à teologia moral (Cf. Commentarium
officiale, n. 11).212
3.1.4. A concepção da consciência moral na casuística
O principio motor da moral casuística reside na tensão que há entre a lei e a
liberdade, como dois pólos contrários. Da liberdade procedem os atos humanos. A
lei limita a liberdade, restringindo-a com as suas prescrições e proibições. Trata-se
de uma moral que, girando sobre estes dois pólos vistos quase como antitéticos,
210 CAPONE, D. Per la norma morale: ragione, coscienza, leggi: dalla storia delle idee. Studia Moralia, Roma, vol. XXVIII, p. 219, 1990. 211 Cf. GALLAGHER, R. Il sistema manualistico della teologia morale dalla morte di Sant’Alfonso ad oggi. In: ALVAREZ VERDES, L.; MAJORANO, S. (a cura di), op. cit., p. 256; CAPONE, D. Realismo umano-cristiano nella teologia morale di Sant’Alfonso. Studia moralia, Roma, vol. IX, p. 59-115, 1971. 212 Cf. ACTA APOSTOLICAE SEDIS. Commentarium officiale. n. 11, Vol. XXXXII, Vaticano: Typis polyglottis vaticanis, 1950, p. 595-597; HÄRING, B. Problemi attuali di teologia morale e pastorale. Vol. I, Roma: Paoline, 1965, p. 61; Id., La morale è per la persona. Roma: Paoline, 1973, p. 190-192; GALLAGHER, R., p. 255; ZIEGLER, J. G. Teologia morale e dottrina sociale cristiana. In: VORGRIMLER, H.; GUCHT, R. V. Bilancio della teologia del XX secolo. Vol. III, Roma: Città Nuova, 1972, p. 336.
113
acaba esquecendo alguns aspectos essenciais como as virtudes, por exemplo. Por
isso, não expressa com clareza toda a riqueza posta em jogo no agir humano e na
resposta ao chamado do Criador.213
Neste sentido, a consciência, na moral casuística, exercita a função de juiz
que aplica a lei fixando o que se pode ou não se pode fazer, o que se deve ou não
fazer. Na Penitência, a consciência é substituída pelo confessor o qual observa o
juízo a pronunciar, mas intervém como acusador, após a confissão das culpas. A
consciência é, no sujeito, como uma faculdade intermediária entre a lei e a
liberdade com os atos que derivam dela, tendo propriamente esta função de juiz.214
Nos confrontos da lei, a consciência é passiva, não pode pretender formá-la
ou modificá-la. Ela a recebe, a apresenta à liberdade e a aplica aos seus atos.
Todavia, a matéria dos atos humanos é diversa, mutável e singular de acordo com
as circunstâncias e as situações, enquanto que a lei é sempre fixa e geral. Neste
sentido, a consciência assume a função de interpretar a lei para determinar, com
exatidão, o limite entre o lícito e o ilícito.215
A consciência aqui é como um ato do entendimento que emite juízos de
conformidade ou de desconformidade entre o ato realizado ou que se vai realizar e
a norma que se apresenta como algo extrínseco ao indivíduo. O juízo da
consciência é apresentado como um juízo de adequação, como um mecanismo que
funciona com um certo automatismo, deixando pouco espaço para uma
“criatividade” da consciência, entendida como capacidade de descobrir o bem que
se deve realizar, enquanto possui e se deixa guiar pelos princípios da Sabedoria
divina.216
213 Cf. MASET, A. B. Ley y conciencia: una aproximación a la renovación de la teología moral. In: Excerpta e dissertationibus in Sacra theologia. Navarra: Universidad de Navarra, p. 26; PINCKAERS, S. Le fonti della morale cristiana: metodo, contenuto, storia. Milano: Ares,1992, 1992, p. 315-320. 214 Cf. PINCKAERS, S., op. cit., p. 321-323. 215 Id., ibid., p. 321-322. 216 Cf. MASET, Albert Barceló. Ley y conciencia: una aproximación a la renovación de la teología moral. In: Excerpta e dissertationibus in Sacra theologia, Navarra: Universidad de Navarra, 1997, p. 38.
114
3.1.5. Críticas à casuística
Na moral casuística, há uma estreita aliança entre a teologia moral e o direito
canônico, trazendo conseqüentemente um juridicismo exagerado, onde as normas
morais são interpretadas como normas jurídicas. Em conseqüência, a consciência
moral recebe da lei toda a sua razão de moralidade: ela deve conformar-se com o
que a lei diz de forma universal.217
Muitas obras da moral casuística trazem o título de “Teologia Moral”, com o
seguinte acréscimo “segundo as normas do direito canônico e civil”. Portanto, as
questões de teologia moral vêm apresentadas segundo o método da ciência
jurídica, cuja atenção principal se volta à delimitação dos deveres universais.218
Nesta perspectiva, a consciência moral é substancialmente afônica, não tem
nada a dizer, é passiva na sua atenção. Ou seja, a teologia moral casuística
pressupõe e tende a sugerir uma moral sem consciência ou ao menos uma moral a
cuja verdade é revelada e determinada, prescindindo da consciência. Uma
passividade imposta, sobretudo por meio do contínuo recurso aos princípios
metafísicos. Mas, também freqüentemente jurídicos, oferecidos por grande parte
dos sistemas morais, onde a consciência é vista simplesmente como “serva da
lei”.219
A moral torna-se assim, antes de tudo uma questão de leis, normas e regras.
Um ato humano torna-se propriamente moral na relação que tem com a lei. Será
bom ou mau na medida em que será conforme ou contrário à lei, ao dever. Com
isso, dá-se um grande espaço ao direito canônico, sendo este considerado um dos
217 Cf. CAPONE, D. La teologia della coscienza morale nel Concilio e dopo il Concilio. Studia moralia. Roma: Academiae Alphonsianae, vol. XXIV/I, p. 232-233, 1986; ZIEGLER, J. G. Teologia morale e dottrina sociale cristiana. In: VORGRIMLER, H.; GUCHT, R. V. Bilancio della teologia del XX secolo. Vol. III, Roma: Città Nuova, 1972, p. 355. 218 Cf. HÄRING, B. Problemi attuali di teologia morale e pastorale. Vol. I, Roma: Paoline, 1965, p. 15-16. 219 Cf. MAJORANO, S. Coscienza e veritá morale nel Vaticano II. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di) La coscienza morale oggi. Roma: EDACALF, 1987, p. 260-261; PARISI, F. Il valore della coscienza e dell’esperienza morale. Bari: Levante, 2003, p. 39.
115
tratados mais importantes. O perigo que ameaça esta moral é evidente: cair no
legalismo e no juridicismo.220
Os manuais visam a um fim muito restrito: a preparação jurídica dos
confessores, acima da vida plenamente vivida por Cristo. Eles têm um conteúdo
muito negativo, dando um destaque maior ao pecado, do que às virtudes. Usam
uma formulação por demais legalistamente objetiva, como reflexo da lei canônica
e da metafísica abstrata do que um espelho das questões existenciais.221
Dessa forma, na perspectiva da moral manualística, a consciência é um juízo
de liceidade ou iliceidade dos atos individuais, descuidando-se do fato de que a
consciência moral reflete a complexidade da pessoa em diálogo com o mundo e
com Deus. A consciência torna-se o lugar no qual o sujeito julga os espaços
individuais de liberdade com relação ao dever da lei. É uma visão redutiva e
parcial.222
A casuística suscita a impressão que o cristão existe acima de tudo para
cumprir uma incalculável quantidade de preceitos e leis. Com isso, também a
consciência vem reprimida, subtraindo-a à aplicação de leis gerais aos casos
particulares. Nela, a moral é desligada da dogmática, sobretudo da
espiritualidade.223
Como afirma Häring, “se se confrontam os manuais de teologia moral que do
século XVII tornaram-se comuns, com os modernos tratados de teologia moral, se
constata com satisfação que a geração jovem não encontra mais algum gosto numa
apresentação da doutrina ética cristã, que às vezes se assemelha mais a uma
coleção de leis do que ao Evangelho. Hoje, se quer ver a vida cristã de modo
novamente radical a partir do único ponto central, a vida em Cristo”.224
220 Cf. PINCKAERS, S. Le fonti della morale cristiana: metodo, contenuto, storia. Milano: Ares, 1992, p. 319. 221 Cf. GALLAGHER, R. Il sistema manualistico della teologia morale dalla morte di Sant’Alfonso ad oggi. In: ALVAREZ VERDES, L.; MAJORANO, S.(a cura di) op. cit., p. 274. 222 Cf. CAPONE, D. Sistemas Morales. In: COMPAGNONI, F.; PIANA, G.; PRIVITERA, S. (dirs.) Nuevo diccionario de teologia morale. Madrid: Paulinas, 1992, p. 1716. 222 Cf. FRIGATO, S. Vita in Cristo e agire morale: saggio di teologia morale fondamentale. Torino: Elle di Ci, 1994, p. 187. 223 Cf. GÜNTHÖR, A. Coscienza e legge. Seminarium. Città del Vaticano: Sacram Congregationem Pro Institutione Catholica, n. 3, p. 556-557, jul.-sept. 1971; VIDAL, M. Moral de actitudes. Tomo I: Moral Fundamental, 4. ed., Madrid: PS Edit., 1977, p. 296; VILANOVA, E. Historia de la teologia cristiana. Tomo II, Catalunya: Herder, 1989, p. 640-641. 224 Cf. HÄRING, B. Problemi attuali di teologia morale e pastorale. Vol. I, Roma: Paoline, 1965, p. 45-46.
116
3.1.6. Decadência dos sistemas morais e da moral dos manuais
A renovação no interior da Igreja começa após a Iª. Guerra Mundial,
promovida pelos movimentos litúrgico, bíblico e kerigmático. Eles são bases para
uma proposta que evidencia definitivamente um novo modo de fazer teologia, cujo
objetivo é Cristo. Projeto comum a esta nova visão, é libertar a teologia do
reducionismo filosófico e da tendência minimalista, buscando enfatizar o agir
cristão por meio de considerações especificamente teológicas e bíblicas.225
A oficialização da “Ação Católica”, por parte de Pio XI, favorece a
revalorização do sacerdócio comum de todos os batizados. O movimento litúrgico
chama a atenção para a ligação que existe entre liturgia e dogmática, a exegese e
moral. Quanto ao movimento bíblico, o seu efeito sobre a teologia moral se pode
sentir no número crescente de obras sobre temas bíblicos, em correlação com o
renovado interesse dos exegetas sobre os problemas éticos da Sagrada Escritura.
Este interesse por uma moral da revelação, centrada na história da salvação e na
personalidade humana, traz grandes contribuições à teologia moral. Há também
neste período, toda uma discussão sobre o anúncio da teologia moral tendo em
vista uma orientação pastoral.226
Já o período compreendido entre o final da Segunda Guerra e o Concilio
Vaticano II se caracteriza, do ponto de vista cultural, como um período
profundamente humanista. Todos os fenômenos e manifestações culturais se
revestem da auréola do humanismo. A reconstrução da Europa, devastada pela
guerra, é acompanhada pelo apetite de “reconstruir um homem novo”, após a
deterioração marcada pelo horror e pelo sofrimento do conflito bélico.227
Dá-se lugar, com grande agrado, a um personalismo que influencia
decisivamente na teologia deste período. Daí, uma exaltação da pessoa, de seus
225 Cf. ZIEGLER, J. G. Teologia morale e dottrina sociale cristiana. In: VORGRIMLER, H.; GUCHT, R. V. Bilancio della teologia del XX secolo. Vol. III, Roma: Città Nuova, 1972, p. 352; 354-355; PARISI, F. Il valore della coscienza e dell’esperienza morale. Bari: Levante, 2003, p. 34; ANGELINI, G.; VALSECCHI, A. Disegno storico della teologia morale. Bologna: EDB, 1972, p. 169-170. 226 Cf. LOPES, A. I Papi. Roma: Futura, 1997, p. 100; ZIEGLER, J. G. Teologia morale e dottrina sociale cristiana. In: VORGRIMLER, H.; GUCHT, R. V., op. cit., p. 352; 354-355. 227 Cf. QUEREJAZU, J. La moral social y el Concilio Vaticano II. Votoria: ESET, 1993, p. 67; ANGELINI, G.; VALSECCHI, A. Disegno storico della Teologia Morale. Bologna: EDB, 1972, p. 184-185.
117
valores, considerados em seus aspectos atuais e evolutivos. Destacam-se, além
disso, a dimensão espiritual e a abertura ao transcendente acima dos demais
valores. A pessoa é, acima de tudo, pessoa em Cristo.228
Portanto, este período entre a Segunda Guerra e o Vaticano II é fecundo no
debate sobre as estruturas fundamentais da teologia moral, concretizando-se nas
tentativas de apresentar de forma nova todo um complexo da doutrina moral
católica. A renovação no seio da Igreja, o progredir das disciplinas antropológicas
e o movimento ecumênico constituem o ambiente favorável a uma regeneração
seriamente autocrítica da ciência moral.229
Tudo isso é favorecido pelo forte desenvolvimento do pensamento filosófico
nos séculos XVIII e XIX, sobretudo com o surgimento da fenomenologia, do
existencialismo, do nihilismo, do neopositivismo e do neoempirismo, e de novas
teorias sociológicas, fortemente influenciadas pela filosofia, sobretudo pela Escola
de Frankfurt. Concomitante, surge o historicismo e desenvolvem-se as ciências
experimentais e humanas (psicologia, antropologia cultural, sociologia, etc.).230
Há também, sobretudo na Europa, o fenômeno da urbanização, o rápido
incremento demográfico e as comunicações de massa. As duas Grandes Guerras e
o desenvolvimento das democracias ocidentais são outros dados úteis para
compreender o clima cultural do período histórico aqui tomado em exame.231
Contemporaneamente às publicações dos ditos manuais clássicos, há um
movimento de busca particular, tendente a inserir novos elementos na teologia
moral, como o de uma renovação cristológica (O. Schilling), o tema do seguimento
de Cristo (F. Tillmann), a moral do corpo místico (E. Mersh), a moral do Reino (J.
Stelzenberger) e da caridade (J. Rohmer). Dentro deste movimento renovador,
destaca-se a importância da Escola de Tübingen.232
Durante os anos 50, o sistema manualístico parece ainda ter uma posição
muito forte, e a maior parte dos seminários usa um ou outro manual tradicional. O
228 Cf. QUEREJAZU, J. La moral social y el Concilio Vaticano II. Votoria: ESET, 1993, p. 68. 229 Cf. ZIEGLER, J. G. Teologia morale e dottrina sociale cristiana. In: VORGRIMLER, H.; GUCHT, R. V. Bilancio della teologia del XX secolo. Vol. III, Roma: Città Nuova, p. 351-352. 230 Cf. PARISI, F. Il valore della coscienza e dell’esperienza morale. Bari: Levante, 2003, p. 30. 231 Id., ibid. 232 Cf. ZIEGLER, J. G. Teologia morale e dottrina sociale cristiana. In: VORGRIMLER, H.; GUCHT, R. V. op. cit., p. 337 e 355; G. ANGELINI; A. VALSECCHI, Disegno storico della teologia morale. Bologna: EDB, p. 169-175; JUNGES, J. R. Evento Cristo e ação humana: temas fundamentais de ética teológica. São Leopoldo: Unisinos, 2001, p. 36.
118
entusiasmo pelas novas tentativas de articular um sistema alternativo de teologia
moral não é difundido. A coisa notável é a velocidade com o qual o sistema
manualístico cai. O Concílio é naturalmente o maior fator deste fenômeno. Nele,
há todo um convite a prestar uma particular atenção à renovação da teologia moral,
com uma impostação mais bíblica, positiva, centrada na caridade e relacionada
com a vida (cf. Optatam totius, n. 16).233
3.1.6.1. A importância da Escola de Tübingen
Trazemos aqui, de uma forma, sintética, as contribuições dadas pela Escola
de Tübingen, dentro deste processo de renovação, anterior ao Concílio Vaticano II.
Durante a segunda metade do século XVIII, apesar do racionalismo e do
idealismo, aconteceu na Alemanha uma determinada mudança no campo da
teologia moral. Prepararam-se novos planos de estudo e se realizaram esforços
para dar um ensinamento positivo sobre as obrigações e sobre as virtudes. Ao fazê-
lo, se tomou como base as Escrituras, as ciências humanas e a filosofia. A Escola
de Tübingen foi o fermento mais eficaz desta renovação teológica. Não se pode
esquecer, sem dúvida, que esta escola se esforçou também por elaborar uma
poderosa síntese da vida cristã, levando em consideração o ser humano por
inteiro.234
A escola de Tübingen representou uma séria tentativa de reformular a
teologia moral de maneira coerente, quando a teologia moral tinha se divorciado da
dogmática e da teologia espiritual. Esta escola buscou reconstruir a teologia moral,
com uma concepção do intelecto visto não somente como racional, mas também
como imaginativo e espiritual. Os teólogos de Tübingen defenderam que a
moralidade não tinha necessidade de ser mesquinhamente árida e que podia ser
233 Cf. Decreto conciliare Optatam totius, n. 16. In: CONCILIORUM OECUMENICORUM DECRETA (a cura di ALBERIGO, G; DOSSETI, G. L.; JOANOU, P.-P.; LEONARDI, C.; PRODI, P.) Bologna: EDB, 1996; COMBLIN, J. Dalla fine del pontificato di Pio XII. In: VORGRIMLER, H.; VANDER GUCHT, R. (Orgs.) Bilancio della teologia del XX secolo. Vol. II, Roma: Città Nuova, 1972, p. 72-73; GALLAGHER, R. Il sistema manualistico della teologia morale dalla morte di Sant’Alfonso ad oggi. In: ALVAREZ VERDES, L.; MAJORANO, S. (a cura di) Morale e redenzione. Roma: Academiae Alphonsianae, 1983, p. 274. 234 Cf. VEREECKE, L. Historia de la teología moral. In: COMPAGNONI, F.; PIANA, G.; PRIVITERA, S. (dir.) Nuevo diccionario de teologia moral. Madrid: Paulinas, 1992, p. 838.
119
vivificada por uma fragrância evangélica mais evidente. Voltados para os
problemas do tempo presente e de uma forma profeticamente visionários, reagiram
à obsolescência teológica, representando a possibilidade de uma forma alternativa
de fazer teologia moral.235
Nesta escola teológica houve um movimento autocrítico e renovador que, no
entanto, não foi universalmente aceito por igual no seio da Igreja. Mas, sem
dúvida, não deixou de dar frutos com formulações ético-teológicas, dentro de uma
nova concepção. Do ponto de vista dos livros de moral, vários teólogos moralistas,
seguiram o exemplo da Escola de Tübingen, buscaram estruturar uma teologia
moral mais positiva da vida cristã, e não uma moral de confessionário, para ver
como deve agir o cristão a fim de ser fiel à graça e ao compromisso de seu
batismo.236
3.1.7. Conclusão
A moral católica formada depois do Concílio de Trento é uma moral de
manuais, comumente conhecida como casuística. Estes manuais buscaram atender
às exigências daquele Concílio, voltadas para a administração do sacramento da
Penitência. Eles eram fundamentados em quatro pilares: o ato humano livre, a lei, a
consciência e o pecado, tendo como sustento, os Mandamentos da lei de Deus e da
Igreja. Um dos primeiros textos da nova ordem é do jesuíta G. Azor (1536-1603),
chamado Institutiones Morales, publicado em 1602.
Porém, neste desenvolvimento da teologia moral houve um zelo maior pelas
questões das regras e normas a seguir, para a solução dos casos de consciência. Daí
o surgimento de diversos sistemas morais. Portanto, o principio motor da moral
casuística residiu na tensão existente entre a lei e a liberdade, como dois pólos
235 Cf. GALLAGHER, R. Il sistema manualistico della teologia morale dalla morte di Sant’Alfonso ad oggi. In: ALVAREZ VERDES, L.; MAJORANO, S. (a cura di) Morale e redenzione. Roma: Academiae Alphonsianae, 1983, p. 265. 236 Cf. VEREECKE, L. Historia de la teologia moral. In: COMPAGNONI, F.; PIANA, G.; PRIVITERA, S. (dir.) op. cit., p. 838-839. ROQUETE, J. Colombo. “Vino nuevo en odres nuevos”: el P. Bernhard Häring y la renovación de la teología moral. Isidorianum. Sevilla: Centro de Estudios teológicos de Sevilla, vol. 6, n. 11, p. 60, 1997.
120
contrários, predominando a força da lei. Com isso, houve um direcionamento da
moral para o direito civil e canônico.
Muitas obras da moral casuística trazem o título de “Teologia Moral”, com o
seguinte acréscimo “segundo as normas do direito canônico e civil”. Ou seja, as
questões de teologia moral vêm apresentadas segundo o método da ciência
jurídica, cuja atenção principal se volta à delimitação dos deveres universais. Usam
uma formulação por demais legalistamente objetiva, como reflexo da lei canônica
e da metafísica abstrata do que um espelho das questões existenciais. Dessa forma,
na perspectiva da moral manualística, a consciência é um juízo de liceidade ou
iliceidade dos atos individuais, descuidando-se do fato de que a consciência moral
reflete a complexidade da pessoa humana. Além disso, nela, a moral é desligada da
dogmática, sobretudo da espiritualidade.
A renovação no interior da Igreja começou a surgir, sobretudo, após as duas
grandes guerras. A partir daí, há um interesse por uma moral da revelação,
centrada na história da salvação e na personalidade humana. Contemporaneamente
às publicações dos ditos manuais clássicos, há um movimento de busca particular,
tendente a inserir novos elementos na teologia moral, como o de uma renovação
cristológica, o tema do seguimento de Cristo, a moral do corpo místico, a moral do
Reino e da caridade.
A escola de Tübingen representou uma séria tentativa dessa reformulação da
teologia moral, de maneira coerente. Isto é importante destacar, tendo em vista que
Bernhard Häring foi discípulo da mesma.
121
3.2. Bernard Häring: biografia
3.2.1. Introdução
O presente capítulo tem como objetivo trazer os dados biográficos de
Bernhard Häring, enfatizando os pontos marcantes de sua trajetória de vida. A
título de introdução, trazemos os dados biográficos de Bernard Häring.
Em 10/11/1912, nasce em Böttinghen (Württenberg, Alemanha) numa
família de camponeses, sendo o penúltimo de doze filhos.237
1933 – entra na Congregação do Santíssimo Redentor (Redentoristas) três
meses depois do início do governo nacional-socialista na Alemanha.
04/05/1934 – profissão religiosa redentorista em Gars am Inn (Alemanha).
1934-1939 – estudos de Filosofia e Teologia, no Seminário Redentorista de
Gars am Inn.238
07/05/1939 – ordenação presbiteral, pelas mãos do Cardeal Faulhaber.
1939-1940 – ensina Direito Canônico e Teologia Moral no Instituto
Teológico Redentorista de Gars am Inn.239
1941-1945 – durante a IIa. Guerra Mundial é recrutado no corpo sanitário e
presta serviços na França, Polônia e Rússia.
1945-1947 – especialização em Tübingen, onde consegue o Doutorado em
Teologia.
1947 – a partir desta data e por dez anos, ensina Moral e Sociologia no
Instituto Redentorista de Gars am Inn.
1950-1953 – estuda Moral em Roma e, juntamente com outros, empreende o
projeto daquela que será a Academia Alfonsiana.
1957-1988 – ensina Teologia Moral, na Academia Alfonsiana da Pontifícia
Universidade Lateranense.
237 Cf. LORENZETTI, L. In ricordo di Bernhard Haering: una vita per la morale cattolica. Rivista di teologia morale. Bologna, n. 117, p. 341, 1998. 238 Cf. GOMEZ MIER, V. El cambio de matriz disciplinar en la teología moral después Del Concilio Vaticano II. Tesis doctoral. Madrid: Univ. Pontif. Comillas, 1994, p. 141. 239 Cf. DOLDI, M. Fondamenti cristologici della teologia morale in alcuni autori italiani. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 1996, p. 37, n. 100.
122
1957-1965 – É visiting professor em universidades e institutos teológicos na
Bélgica, especialmente no Instituto Lumen vitae de Bruxelas, bem como em
França, Espanha, Portugal, Malta e Reino Unido.
1959 – começa a fazer parte da Comissão Preparatória do Concilio
Ecumênico Vaticano II.
1962-1965 – é perito no Concilio Vaticano II.
1962 – a partir desta data, realiza diversas viagens aos Estados Unidos e
Canadá, onde realiza conferências e cursos como visiting professor.
1964 – em fevereiro, prega retiro para o Papa Paulo VI e para a Cúria
Romana.
1966-1968 – Viagens e cursos especiais no México (1966), Japão e Brasil
(1967), Tanzânia, Quênia, Uganda e Hungria (1968).
1968 – encontra-se envolvido com a “crise” ligada à publicação da Humanae
vitae.
1975-1979 – sofre um processo doutrinal da parte da Sagrada Congregação
para a Doutrina da Fé que, por fim, não há nenhum tipo de sanção.
1977 – é diagnosticado um tumor em sua garganta. Se submete a várias
cirurgias, porém, não pode mais exercer as atividades de professor e conferencista
de uma forma intensa.
Neste mesmo ano de 1977, tem lugar o que podemos denominar um sinal de
reconhecimento da personalidade de Häring por parte da comunidade teológica
internacional: a publicação em Roma do livro homenagem como ocasião de seus
65 anos. De forma significativa o livro leva o título de In libertatem vocati estis,
fazendo referência a Gal 5,13.240 Nele, rendem homenagem grandes teólogos, como
Congar e Rahner. O acompanham moralistas de primeira linha: J. Fuchs, A. Auer,
R. A. McCormick. Não faltam seus contemporâneos da Academia Alfonsiana e
seus irmãos redentoristas: F. X. Durwell, J. Endres, R. Koch, S. O’Riordan e L.
Vereecke. Tão pouco, podiam faltar os discípulos e moralistas da geração seguinte:
Ch. E. Curran, M. Vidal, F. Furger, K. Peschke, E. López Azpitarte e D. Mongillo.
Destaca-se a vertente ecumênica da moral de Häring com a presença de J. M.
240 Cf. BOELAARS, H.; TREMBLAY, R. (a cura di) In libertatem vocati estis: miscellanea Bernhard Häring. Roma: Academia Alfonsiana, 1977, 798 p.
123
Gustafson. O então teólogo da Universidade de Regensburg, J. Ratzinger, também
lhe rende homenagem com um artigo nesta obra.241
1987-1988 – último ano de ensino na Academia Alfonsiana.
1988-1998 – retira-se ao Convento de Gars am Inn, onde havia começado
sua vida religiosa redentorista e onde havia feito os estudos de Filosofia e
Teologia, sendo um período fecundo de contemplação e oração.
03/07/1998 - Morre no dia 03 de julho de 1998, aos 86 anos de idade, em
Gars am Inn (Baviera).242
Häring publicou 106 livros, com umas 300 traduções, e mais de mil artigos.
Foi aclamado como o “homem internacional do ano 1991-92” e “o homem mais
admirado da década” pelo Instituto Biográfico Americano.243
3.2.2. Pontos marcantes da sua trajetória biográfica
Enumeramos, a seguir, alguns pontos que consideramos como mais
marcantes na vida de Bernhard Häring.
3.2.2.1. A experiência na Segunda Guerra Mundial
A experiência da guerra foi decisiva para a configuração da personalidade
humana e cristã de Häring. Certamente, ter exercido, ao mesmo tempo, por mais de
quatro anos, o ministério presbiteral (no qual Häring se empenhou, em benefício dos alemães, polacos e russos, agindo contra o regulamento militar) e o serviço
sanitário (prestando ajuda àqueles que necessitavam, sem distinção de
nacionalidade), foi uma experiência bastante significativa e útil para o seu futuro
241 Cf. ROQUETE, J. C. “Vino nuevo en odres nuevos”: el P. Bernhard Häring y la renovación de la teología moral. Isidorianum. Sevilla, vol. 6, n. 11, p. 56-57, 1997. 242 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB. 1999, p. 91; COMPAGNONI, F. B. Haering, nel ricordo di un discepolo. Rivista di teologia morale. Bologna, n. 117, p. 501, gen.-mar. 1998. 243 Cf. HÄRING, B. Carisma y libertad de espiritu. In: COMISIÓN DE ESPIRITUALIDAD CSSR. Ser redentorista hoy: testimonios sobre il carisma. Vol. 11, Roma: Kimpres, 1996, p. 204; SALVOLDI, V. Bernhard Häring: una teologia e una pastorale della pace e della tolleranza. Segno, Palermo, ano XVIII, n. 140, p. 62, 1992; VIDAL, M. Bernhard Häring: um renovador da moral católica. São Paulo: Paulus/Aparecida: Santuário, 1999, p.7.
124
compromisso de elaborar uma teologia moral que enfrentasse os grandes
problemas da vida contemporânea.244
Podemos afirmar que a dimensão ecumênica da moral de Häring tem sua raiz
biográfica nesta experiência bélica, onde fronteiras religiosas entre católicos,
protestantes e ortodoxos perdem seu sentido quando as pessoas se encontram co-
implicadas em valores mais profundos prévios às diferenças de interpretação que
oferecem as Igrejas. A absurda multiplicação de destruições e de mortes, como
também o entrar em contato com cristãos de outras confissões, oferecem uma
experiência que está na base da compreensão que Häring tem do mistério cristão da
salvação.245
Por outro lado, esta experiência proporcionou-lhe profundos
questionamentos: Por que o povo alemão tinha chegado a aceitar e a depositar uma
confiança delirante num Führer enlouquecido? Sem dúvida alguma à decisiva
pergunta deve-se oferecer uma resposta muito complexa, na qual estão presentes os
múltiplos fatores (econômicos, culturais, políticos, etc.) que tornaram real um
fenômeno tão inexplicável como a Segunda Guerra Mundial. Sem negar estes
fatores, Häring vai à origem de tudo isto: o núcleo da pessoa. Aí descobre uma
deformação do espírito, que é a causa última do mal da guerra. Esta deformação
não é outra que uma educação para a obediência cega, na irracionalidade e na
irresponsabilidade. Por isso, se se quer vencer a guerra em sua raiz mais profunda é
preciso refazer o espírito humano, por meio de uma formação das consciências, a
partir da, para a e na responsabilidade.246
244 Cf. HÄRING, B. Carisma y libertad de espiritu. In: COMISIÓN DE ESPIRITUALIDAD CSSR. Ser redentorista hoy: testimonios sobre il carisma. Vol. 11, Roma: Kimpres, 1996, p. 203; GOMEZ MIER, V. El cambio de matriz disciplinar en la teología moral después del Concilio Vaticano II. Tesis doctoral. Madrid: Univ. Pontif. Comillas, 1994, p. 141; LORENZETTI, L. In ricordo di Bernhard Haering: una vita per la morale cattolica. Rivista di teologia morale. Bologna, n. 117, p. 341, gen.-mar. 1998; SALVOLDI, V. Bernhard Häring: 85 anni: un insegnamento che continua. Rivista di teologia morale. Bologna, n. 117, p. 1, gen.-mar. 1998; BERETTA, P. Sintesi e sviluppo della teologia di Bernhard Häring. In: BERETA, P. (a cura di) Chiamati alla libertà: sagi di teologia morale in onore di Bernhard Häring. Roma: Paoline, 1980, p. 381.VIDAL, M. Evocación de Bernhard Häring, renovador de la Teología moral católica. Moralia. Madrid, Vol. 21, p. 480, 1998. 245 Cf. MAJORANO, S. Bernhard Häring: libero e fedele. Il Regno. Bologna, n. 819, ano XLIII, p. 503, 1998; VIDAL, M. Evocación de Bernhard Häring, renovador de la Teología moral católica. Moralia. Madrid, Vol. 21, p. 481-482, 1998. 246 Cf. VIDAL, M. Evocación de Bernhard Häring, renovador de la Teología moral católica. Moralia. Madrid, Vol. 21, p. 481, 1998.
125
Com esta concepção e dentro da dinâmica de uma moral renovada, Häring
realiza a sua obra. Como ele próprio afirma: “Daí a necessidade de uma palavra-
chave para o desenvolvimento de uma nova moral com o objetivo de se libertar,
numa mútua colaboração, das estruturas de pecado. É urgente a necessidade de
uma educação na responsabilidade para cumprir a lei do Espírito que nos dá vida
em Jesus Cristo”.247
3.2.2.2. A especialização na Universidade de Tübingen (1945-1947)
Quando terminou a guerra em 1945, Häring dirigiu-se a Tübingen para
realizar o seu Doutorado, vindo a doutorar-se em 1947. Este ambiente lhe
possibilitou o contato com teólogos de grande coerência humana e de notável
significação profissional, dentre outros, Karl Adam, Romano Guardini e Theodor
Steinbüchel, sendo este último o orientador da sua tese doutoral.248
A renovação do pensamento católico alemão apresentado pela Escola de
Tübingen vai influenciar decisivamente nas obras de Häring. Para ele, “a grande
tradição da escola teológica de Tübingen, constituída sobre as relações Deus-
homem, fé-história, fazia dela um centro de estudos comprometido e sincero, do
qual a teologia romana estava muito distante”.249
Trataremos, a seguir, da sua pesquisa doutoral.
3.2.2.2.1. A dissertação doutoral sobre “O Sagrado e o Bem”
O texto da tese foi apresentado na Faculdade de Teologia Católica da
Universidade de Tübingen em 17/07/1947 e foi publicado em 1950 sob o título de
247 Cf. HÄRING, B. Mi experiencia con la Iglesia, Madrid: PS Edit., 1990, p. 17; SALVODI, V. Häring: un’autobiografia a mo’ di intervista. Milano: Paoline, 1997, p. 39; VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB. 1999, p. 19. 248 Cf. HÄRING, B. Fede, storia, morale: intervista di Gianni Licheri. Roma: Borla, 1989, p. 27; GOMEZ MIER, V. El cambio de matriz disciplinar en la teología moral después del Concilio Vaticano II. Tesis doctoral. Madrid: Univ. Pontif. Comillas, 1994, p. 143; HÄRING, B. Free and faithful in Christ: Moral theology for clergy and laity. Vol. I, New York: The Seabury Press, 1978, p. 51; ALCALÁ, Ml. La etica de situación y Th. Steinbüchel. Barcelona: Instituto “Luis Vives” de Filosofia, 1963, p. 58-64. 249 Cf. HÄRING, B. Mi experiencia con la Iglesia. Madrid: PS Editorial, 1998, p. 28.
126
Das Heilige und das Gute.250 O livro teve tradução no francês (1963)251 e no
italiano (1968).252 O objetivo de Häring nesta obra foi o de analisar, por meio do
método fenomenológico, a relação que existe entre religião e moral. O resultado
das suas investigações pode ser sintetizado nas seguintes afirmações: 1) a religião
não se reduz à moral, frente a possíveis interpretações da filosofia kantiana; 2) a
religião admite uma moral, frente a certas interpretações do romanticismo
filosófico e religioso; 3) a moral não postula a religião, porém não se opõe a ela.253
Para Häring, a experiência religiosa implica numa motivação ética. Por outro
lado, ainda que a moral não suplante a religião, como poderia pensar algumas
interpretações kantianas, e ainda que possa dar-se uma moral sem referência
explícita ao universo religioso, a experiência moral profunda culmina na
experiência religiosa. Esta investigação sobre “o sagrado e o bem” orientará
decisivamente o seu projeto de Teologia Moral apresentado em A Lei de Cristo e
nos seus escritos posteriores.254
Com relação à sua obra doutoral, Häring afirma: (Nela) eu examinei, numa positiva confrontação com a moderna filosofia e fenomenologia da religião, a relação entre religião e moral... Eu quis mostrar o caráter pessoal da moral baseada no amor e no seguimento. Nesse estudo já estão presentes os elementos fundamentais que estruturarão a minha futura obra: rejeição do moralismo, superação do formalismo e do legalismo, primado do amor, vida com Cristo e em Cristo; mas, sobretudo, personalismo segundo o qual a pessoa é relação com o tu. E age plena e somente em relação com o Tu absoluto, isto é, Deus.255
3.2.2.3. A Academia Alfonsiana
No inicio dos anos cinqüenta, Häring foi chamado a Roma para fazer parte
do grupo de teólogos redentoristas (D. Capone, L. Vereecke, P. Hitz e J. Visser)
aos quais o superior geral, Leonardo Buijs, confiava a criação de um instituto para
250 Das Heilige und das Gute: Religion und Sittlichkeit in ihrem gegenseitigen Bezug. Krailling vor München: Wewel, 1950, 318 p. 251 Le sacré et le bien. Paris: Fleurus, 1963, 292 p. 252 Il sacro e il bene: Rapporti tra etica e religione. Brescia : Morcelliana, 1968. 319 p. 253 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. Estudios eclesiásticos, Madrid, vol. 74, p. 462, jul-sep. 1999. 254 Id., ibid., p. 463; 465. 255 SAVOLDI, V. (Org.). Häring: uma autobiografía à maneira de entrevista. São Paulo: Paulinas, 1998, p. 37-38.
127
a renovação da Teologia Moral, na fidelidade à tradição alfonsiana e em resposta
aos desafios da sociedade contemporânea. A contribuição de Häring foi decisiva
no delinear o rosto e o caminho de tal projeto, preocupando-se com uma
fundamentação cristológica, de corte pastoral, num diálogo com as outras
disciplinas teológicas e humanas, por meio de uma interpretação personalista do
agir moral, sem perder de vista a dimensão espiritual.256
Nos longos anos de ensino na Academia Alfonsiana trabalhou
ininterruptamente, de 1957 a 1988, orientando 77 teses doutorais. A Radio
Vaticana, na ocasião da sua morte, calculou que mais de três mil estudantes de
Teologia Moral tinham sido alunos dele. 257
Certa vez, o próprio Häring afirmou: “Considero, sem dúvida, que o mais
importante que fiz na vida foi ensinar e acompanhar estudantes de moral na
Academia Alfonsiana”.258
3.2.2.4. A experiência como visiting professor e conferencista
A partir dos anos 60, girou o mundo com a vontade de ser uma voz crítica de
toda situação de injustiça. Habitualmente chamado de visiting professor, ensinou
em diversas universidades católicas e da Reforma, bem como Institutos
ecumênicos, sobretudo nas universidades da América do Norte e em Centros
Pastorais da África, Ásia e América Latina, acompanhado de uma vasta atividade
editorial.259
256 Cf. MAJORANO, S. Bernhard Häring: libero e fedele. Il Regno. Bologna, n. 819, ano XLIII, p. 503, 1998; . DOLDI, M. Fondamenti cristologici della teologia morale in alcuni autori italiani. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 1996, p. 37, n. 100. 257 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB, 1999, p. 89. 258 Cf. HÄRING, B. Carisma y libertad de espiritu. In: COMISIÓN DE ESPIRITUALIDAD CSSR. Ser redentorista hoy: testimonios sobre il carisma. Vol. 11, Roma: Kimpres, 1996, p. 204. 259 Cf. SALVOLDI, V. Bernhard Häring: 85 anni: un insegnamento che continua. Rivista di teologia morale. Bologna, n. 117, p. 1, 1998; VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB, 1999, p. 90.
128
3.2.2.5. A participação no Vaticano II
O Concílio Vaticano II (1962-1965) foi um marco importantíssimo na
história da Igreja, um divisor de águas. Esta etapa assinala o ápice da biografia de
Häring como homem da Igreja. A sua presença no Vaticano II representa a
contribuição mais importante que ele pode dar para a renovação da Teologia
Moral.260
Sobre isto, falaremos detalhadamente no próximo capítulo.
3.2.2.6. A crise em torno à Humanae vitae
A publicação da Encíclica Humanae vitae, em 25 de julho de 1968, suscitou
muitíssimos questionamentos e causou grandes dificuldades para Häring, um dos
protagonistas da doutrina matrimonial conciliar. Em 22 de junho de 1964, Paulo VI
havia nomeado uma Comissão Pontifícia para o estudo do problema da regulação
da natalidade. Entre os membros desta comissão encontramos o nome de Häring.
Aos poucos, esta comissão se dividiu em dois grupos que pensavam diversamente:
o da maioria, a qual pertencia Häring e o de uma minoria que, por fim, acabou
dominando e prevaleceu no texto final. Prevaleceu a idéia favorável à impostação
da Casti connubi que considerava a fecundidade como fim primário do
matrimônio, visto com um determinado rigor legalístico.261
Em julho de 1968, quando foi publicada a Encíclica, Häring se encontrava
nos Estados Unidos. Este momento da publicação foi para ele muito difícil, devido
à celeuma causada pela Encíclica. Com relação aos seus pronunciamentos
260 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB. 1999, p. 90-92. 261 Cf. HÄRING, B. Fede, storia, morale (intervista di Gianni Licheri). Roma: Borla, 1989, p. 76; BALOBAN, S. Spirito e vita christiana nella teologia morale di Bernhard Häring. Dissertatio ad doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 1988, p. 75-76.
129
referentes à Encíclica Humanae Vitae, ele teve uma considerável dificuldade de ser
compreendido pela Cúria Romana.262
3.2.3. Conclusão
Podemos concluir, com as palavras de Marciano Vidal, ao falar de Häring:
O Pe. Häring é o símbolo da Renovação da Moral católica na segunda metade do século XX. Não se trata de afirmar que todo o trabalho de renovação teológico-moral se deva a ele. Mas, sim, é necessário reconhecer que a ele é devido o fato de na Igreja católica termos recuperado uma formulação e uma vida da Moral com traços mais evangélicos.263
262 Cf. BALOBAN, S. Spirito e vita christiana nella teologia morale di Bernhard Häring. Dissertatio ad doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 1988, p 76; Häring, B. Fede, storia, morale. Roma: Borla, p. 63. 263 VIDAL, M. Bernhard Häring: um renovador da moral católica. São Paulo: Paulus/Aparecida: Santuário, 1999, p.7.
130
3.3. Bernhard Häring e o Concílio Vaticano II 3.3.1. Introdução
A abertura ao mundo moderno em todas as direções caracterizou o trabalho
do Concílio Vaticano II, ao tratar de temas como liberdade de consciência,
ecumenismo, diálogo inter-religioso, atenção às ciências e à dimensão política, etc.
Reconhece-se facilmente, nos documentos conciliares, a influência dos grandes
movimentos de renovação que surgiram anteriormente: trata-se dos movimentos de
renovação bíblica, litúrgica e patrística, voltados, sobretudo para o apostolado
leigo. Destacam-se, sobretudo, as contribuições das escolas de Jerusalém, Louvain,
Innsbruck, Tübingen, etc.264
Querendo ser, acima de tudo, pastoral, o Concílio evitou propor novos
dogmas. No entanto, alguns debates serviram para estimular os estudos e a
orientação a certos temas, como por exemplo, colegialidade, relação entre a
Escritura e a Tradição, mariologia, liberdade religiosa, etc. A tarefa essencial do
Concílio seria o programa mencionado por João XXIII: aggiornamento. Uma
atualização da Igreja, de inserção no mundo moderno, onde o cristianismo deveria
se fazer presente e atuante.265
Neste capítulo, analisaremos as contribuições de Bernhard Häring e sua
participação neste grande evento, que foi um marco divisor de águas na Igreja.
264 Cf. PINCKAERS, S. Le fonti della morale cristiana: metodo, contenuto, storia. Milano: Ares, 1992, p. 359; COMBLIN, J. Dalla fine del pontificato di Pio XII. In: VORGRIMLER, H.; VANDER GUCHT, R. (Orgs.) Bilancio della teologia del XX secolo. Vol. II, Roma: Città Nuova, 1972, p. 72. 265 Cf. SOUZA, Ney de. Uma análise da sociedade no caminho do Vaticano II, Revista de Cultura Teológica, Ano XII, n. 48, 2004, São Paulo, IESP/PFTNSA, p. 28; COMBLIN, J. Dalla fine del pontificato di Pio XII. In: VORGRIMLER, H.; VANDER GUCHT, R. (Orgs.) op. cit., p. 73.
131
3.3.2. Bernhard Häring: perito e consultor no Concilio
Häring foi um dos personagens-chave do Concilio e de seu desenvolvimento
teológico posterior. O seu nome ficará definitivamente associado à renovação da
teologia moral segundo o espírito do Vaticano II. Com sua ativa participação, ele
contribuiu fortemente para o processo de renovação eclesial. O Concílio o fez entre
os protagonistas: como consultor da comissão teológica na fase de preparação e
depois como perito durante o desenvolvimento das sessões conciliares.266
Durante o período conciliar, nota-se uma ativa participação de Häring na
elaboração de diversos documentos, sobretudo Lumen gentium, Dignitatis
humanae, Optatam totius e Gaudium et spes. Na Lumen gentium, destaca-se a sua
contribuição na redação do Capítulo IV, dedicado à presença e atuação dos leigos
na Igreja. Sua maior colaboração está na Gaudium et spes, uma constituição que
sofreu um processo longo e difícil até chegar à sua redação final.267
Como consultor na Comissão preparatória do Concilio Vaticano II, Häring
deu uma contribuição importante tanto na preparação dos documentos e na
assessoria aos Bispos, individualmente ou em grupos nacionais ou lingüísticos.
Dois são os fatores que o ajudaram neste seu empenho: o conhecimento das línguas
modernas (graças ao qual ele podia comunicar-se de forma ágil com bispos, peritos
e jornalistas) e do latim, indispensável para a redação dos documentos e, por outro
lado, a estima que gozava junto a muitos bispos, em conseqüência da publicação de
266 Cf. HÄRING, B. Mi experiencia con la Iglesia. Madrid: PS Edit., 1990, p. 7; MAJORANO, Sabatino. Bernhard Häring: libero e fedele. Il Regno. Bologna: EDB, 1998, n. 819, ano XLIII, p. 503-504; VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB, 1999, p. 101; VIDAL, M. Evocación de Bernhard Häring, renovador de la Teología moral católica. Moralia. vol. 21, 1998, Madrid: Instituto superior de ciencias morales. p. 483. 267 Cf. ACTA SYNODALIA SACROSANCTI CONCILII OECUMENICI VATICANI II. Vol. IV, pars I, Vaticano: Typis Polyglottis Vaticanis, 1976, p. 518; Id. Vol. III, pars I, Vaticano: Typis Polyglottis Vaticanis, 1973, p. 291; Id. Vol. III, pars VII, Vaticano: Typis Polyglottis Vaticanis, 1975, p. 171; Id. Vol. III, pars V, Vaticano: Typis Polyglottis Vaticanis, 1975, p. 143 e 201; VIDAL, M. Evocación de Bernhard Häring, renovador de la Teología moral católica…, p. 484; LORENZETTI, Luigi. In ricordo di Bernhard Haering: una vita per la morale cattolica. Rivista di teologia morale. n. 117, 1998, Bologna: EDB, p. 342; DOLDI, M. Fondamenti cristologici della teologia morale in alcuni autori italiani. Dissertatio ad Doctoratum, Roma: Academia Alfonsiana, 1996, p. 37, n. 100; BALOBAN, S. Spirito e vita christiana nella teologia morale di Bernhard Häring. Dissertatio ad doctoratum, Roma: Academia Alfonsiana, 1988, p. 68-70.
132
A Lei de Cristo e de sua ampla difusão.268
Häring foi nomeado, por João XXIII, consultor da Comissão preparatória do
Concilio, junto com H. de Lubac e Y. Congar e, mais tarde, K. Rahner.
Inicialmente o deixaram de fora das duas subcomissões dedicadas a temas morais:
De ordine moralis e De castitate et matrimonio. Mais tarde, foi incluído nelas por
meio de João XXIII. Fez o que pode para melhorar estes dois esquemas, porém
estes tiveram a mesma sorte que a grande parte dos 72 esquemas preparados antes
do Concilio: foram recusados pelos Padres conciliares.269
A seguir, trataremos do De ordine morali christiano, já que este documento
traz as questões fundamentais da moral e, conseqüentemente, da consciência
moral. De uma certa forma, trata-se de uma fusão e adaptação dos dois esquemas
citados acima.
3.3.3. Um esquema para a Teologia Moral: o De ordine morali christiano 270
Uma virada radical ocorre com o Concílio Vaticano II. Nas comissões
preparatórias, as tensões que emergem na primeira metade do século XX
encontram lugar para um confronto direto. Documento chave para compreender
esta passagem é o De ordine morali christiano271, preparado pela Cúria Romana e
apresentado à comissão preparatória do Concílio em janeiro de 1962.272
268 Cf. HÄRING, B. Minha participação no Concilio Vaticano II. Revista Eclesiástica Brasileira, Petrópolis: Vozes, n. 54, fasc. 214, 1994, p. 380-400; HÄRING, B. Carisma y libertad de espiritu. In: COMISIÓN DE ESPIRITUALIDAD CSSR. Ser redentorista hoy: testimonios sobre il carisma. Vol. 11, Roma: Kimpres, 1996, p. 204; VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale católica…, p. 92-93; VIDAL, M. Evocación de Bernhard Häring, renovador de la Teología moral católica…, p. 483; MALI, M. La portata teologico-pastorale in “Liberi e fedeli in Cristo” de Bernhard Häring: una ricerca storico-critica alla luce della sua partecipazione nella stesura della “Gaudium et spes”. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 2003, p. 8-9. 269 Cf. VIDAL, M. Evocación de Bernhard Häring…, Moralia. vol. 21, 1998, p. 483-484; VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB, 1999, p. 93. 270 ACTA SYNODALIA SACROSANCTI CONCILII OECUMENICI VATICANI II. Vol. I, Pars IV, Vaticano: Typis Polyglottis Vaticanis, 1971, p. 695-717. 271 O De ordine morali christiano é um orgânico documento, subidivido em 6 capítulos e 33 parágrafos, logicamente concatenados entre si, tem como temas principais a consciência, o pecado e a castidade. O documento foi apresentado pela primeira vez em 15/01/1962 à Comissão Central Preparatória, durante a sua terceira sessão, sob a presidência do Cardeal Tisserant. O presidente da subcomissão teológica era o Cardeal Ottaviani, seu secretário era P. S. Tromp, que tinha materialmente redigido o texto, juntamente com o teólogo alemão, o jesuíta P. Hurt (Cf. PARISI, F. Il valore della coscienza e dell’esperienza morale. Bari: Levante, 2003, p. 49). 272 Cf. PARISI, F. op. cit, p. 28-29.
133
O seu propósito é de apresentar a ordem moral como objetiva, absoluta,
garantida por Deus, com um elenco de preceitos, proibições e autorizações, da qual
faz brotar todos os outros elementos da moral. Este documento pode ser
considerado com razão, como uma perfeita síntese daquilo que se pensava naquele
tempo com relação à lei natural, à consciência e aos propósitos do Magistério
moral. O documento afirma peremptoriamente a existência de uma ordem moral
absoluta. O conhecimento dela leva à santidade querida por Deus para todos.273
Em tal contexto, a consciência intimamente conexa à ordem moral absoluta
dirige e conduz a pessoa humana no julgamento prático sobre a honestidade de
suas ações. Não se leva em conta a realidade concreta, sendo tudo conduzido pelo
dualismo estéril entre vontade e ordem. Neste contexto, a consciência deve ser
educada, reduzida a puro instrumento mediador na qual se aplica o juízo prático,
aquilo que se deve fazer e o que se deve evitar.274
A sua formação é, decisivamente, de cunho tradicional: considera-se a moral
na forma da casuística e alimentada pelo direito natural, assim como a apresenta a
neo-escolástica. O texto é composto de seis capítulos, sendo o Capítulo II
intitulado De conscientia christiana.275 Cada capítulo é formado de uma parte
expositiva, na qual se reafirma, de um lado, a validade do ensinamento da moral
tradicional, enquanto, de outro lado, se condena os erros.276
No esquema, a consciência tem a função de julgar e guiar segundo a vontade
de Deus, salvando a pessoa humana de uma vida iníqua. Deve ser retamente
formada, tendo como parâmetro as normas constituídas por Deus, claramente
evidenciadas na vida e na doutrina de Cristo. Portanto, não pode existir uma
273 Cf. FRIGATO, S. Vita in Christo e agire morale: saggio di teologia morale fondamentale. Torino: Elle di Ci, 1994, p. 81-82; DOLDI, M. Fondamenti cristologici della morale in alcuni autori italiani: bilancio e prospetive. Città del Vaticano: Editrice Vaticana, 2000, p. 43-47; HÄRING, B. Fede, storia, morale. Roma: Borla, 1989, p. 55-56. LANZA, A.; PALAZZINI, P. Principi de Teologia Morale. Vol.II: Le virtù, Roma: Studium, 1954, 511 p.; COZZOLI,M. Etica teologale:fede, carità, speranza. Milano: Paoline, 1991, 307 p; PARISI, F. Il valore della coscienza e dell’esperienza morale. Bari: Levante, 2003, p. 50-51. 274 Cf. DELHAYE, Les points forts de la morale a Vatican II. Studia Moralia. Roma: Academia Alfonsiana, n. 24, 1986, p. 9; PARISI, F. Il valore della coscienza e dell’esperienza morale. Bari: Levante Edit., 2003, p. 52-53. 275 ACTA SYNODALIA SACROSANCTI CONCILII OECUMENICI VATICANI II. Vol. I, Pars IV, Vaticano: Typis Polyglottis Vaticanis, 1971, p. 702-705. 276 Cf. DOLDI, M. Fondamenti cristologici della teologia morale in alcuni autori italiani. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 1996, p. 49-50.
134
consciência cristã autônoma, desligada da ordem moral objetiva. Deve também se
confrontar com as exigências da caridade, superiores àquelas da fria verdade.277
Este esquema foi apresentado em janeiro de 1962 à comissão preparatória,
que decide reduzi-lo a cinco capítulos (cai o capítulo VI que traz o tema De
castitate et pudicitia christiana). Neste contexto, são significativas as discussões
entre as duas tendências teológicas manifestadas no Concílio, com duas
mentalidades e concepções diferentes de eclesiologias, de uma determinada forma,
inconciliáveis.278
De um lado, a escola do Direito natural, que remonta ao século XIX, defende
basicamente que a identidade própria se encontra na espiritualidade e precisamente
na observância dos conselhos evangélicos: pobreza, obediência, castidade perfeita.
Evidentemente, porém, somente alguns “privilegiados” podem percorrer este
caminho. De outro, a segunda tendência é alimentada pelo movimento bíblico e
litúrgico: busca nos textos escriturísticos, especialmente os paulinos, o apoio para
demonstrar como todos nós somos chamados a sermos seguidores de Cristo,
conduzindo a uma autêntica vida cristã. Aqui, o traço característico da moral torna-
se a caridade vivida por cada cristão.279
O documento trazia os traços marcantes daquela primeira tendência
teológica. Muito contestado, foi logo deixado de lado, depois de calorosas
discussões, por meio da intervenção do Cardeal Suenens. Sobretudo porque a
intenção do Papa e dos padres conciliares não era de compor um documento que
tratasse única e exclusivamente da consciência cristã, mas de inseri-lo num texto
mais amplo com relação à Igreja no mundo contemporâneo.280
Após diversas reuniões entre os membros da comissão encarregada de
discutir sobre este documento, em janeiro de 1963, ele foi definitivamente
supresso. Não foi somente o tom polêmico a não agradar os padres conciliares,
277 Cf. ACTA SYNODALIA SACROSANCTI CONCILII OECUMENICI VATICANI II. Vol. I, Pars IV, Vaticano: Typis Polyglottis Vaticanis, 1971, 702-705; DOLDI, M. Fondamenti cristologici della teologia morale in alcuni autori italiani. Dissertatio ad Doctoratum, Roma: Academia Alfonsiana, 1996, p. 52. 278 Cf. DELHAYE, P. Existe-t-il une morale spécifiquement chrétienne? La réponse de Vatican II. Seminarium, 28, n. 3-4, 1988, p. 410; DOLDI, M. Fondamenti cristologici della teologia morale in alcuni autori italiani. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 1996, p. 50-51. 279 Id., ibid., p. 55. 280 Cf. SARTORI, L. La chiesa nel mondo contemporaneo:introduzione alla “Gaudium et spes”. Padova: Messaggero, 1995, p. 21-25; PARISI, F. Il valore della coscienza e dell’esperienza morale. Bari: Levante, 2003, p. 53.
135
mas, sobretudo o conteúdo do esquema. A comissão preparatória do Vaticano II
quis repropor uma teologia moral fiel à mentalidade dos manuais tradicionais,
nutrida pela escola do Direito natural e empenhada a por em guarda os erros
doutrinais. O Concílio, ao invés, preferiu seguir outra via e o De ordine morali
christiano foi retirado.281
Há, assim, uma mudança radical na metodologia: de uma impostação dos
problemas morais vistos num contexto de ordem absoluta, para a atenção aos sinais
dos tempos e à experiência humana. Trata-se de uma preocupação dos padres
conciliares para a busca de um diálogo com o mundo.282
A comissão teológica trabalhou o texto do novo documento que viria a ser a
Constituição Pastoral Gaudium et spes. Sob as orientações do Cardeal Suenens,
dividindo-o em duas partes: a primeira, dá uma fundamentação teológica da
relação entre Igreja e mundo e, a segunda, trata dos conteúdos prático-pastorais.
Tal comissão, que iniciou os seus trabalhos em dezembro de 1963, teve não poucas
vicissitudes. Foi um dos documentos em que se deteve com maior fadiga, para se
chegar a uma conclusão final. O texto final foi aprovado em 7 de dezembro de
1965.283
De um lado, a mais evidente conseqüência é que nenhum documento
conciliar fala diretamente e unicamente sobre moral: De ordine morali christiano
não foi substituído. Por outro lado, isto consentiu que o discurso moral, tornasse
presente em diversos documentos, ligado às reflexões teológicas. O confronto entre
o documento De ordine morali christiano e a Gaudium et spes faz compreender
melhor a mudança de visão operada entre os padres conciliares. Por isso,
abordaremos agora a Constituição Gaudium et spes, enfatizando o n. 16, que trata
especificamente do tema da consciência moral.284
281 Cf. ACTA SYNODALIA SACROSANCTI CONCILII OECUMENICI VATICANI II. Vol. I, Pars I, Vaticano: Typis Poliglottis Vaticanis, 1970, p. 90-96; DOLDI, M. Fondamenti cristologici della teologia morale in alcuni autori italiani. Dissertatio ad Doctoratum, 1996, p. 50-51; 54-55. 282 Cf. PARISI, F. Il valore della coscienza e dell’esperienza morale. Bari: Levante, 2003, p. 53-54. 283 Cf. SARTORI, L. La chiesa nel mondo contemporaneo:introduzione alla “Gaudium et spes”. Padova: Messaggero, 1995, p. 21-22; PARISI, F. cp. cit., p. 55. 284 Cf. MAJORANO, S. Coscienza e veritá morale nel Vaticano II. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (cure) La coscienza morale oggi. Roma: Academiae Alphonsianae, 1987, p. 272; PARISI, F. Il valore della coscienza e dell’esperienza morale. Bari: Levante, 2003, p. 58.
136
3.3.4. A Constituição Pastoral Gaudium et spes 285
Depois de vários séculos de um relacionamento cheio de desconfianças,
guiada por uma atitude fortemente defensiva, a Igreja assume uma atitude de
diálogo franco e acolhedor frente a muitos pontos considerados positivos da
Modernidade. É o que se depreende, sobretudo na Constituição Gaudium et spes
do Concílio Vaticano II.286
Um dos elementos característicos da Gaudium et spes é a leitura da história
humana através do uso do termo “pastoral”, pois o Concílio quis enfrentar os
problemas do mundo que interpelam a vida contemporânea. Para a elaboração
deste documento, participaram ativamente na redação do texto 164 colaboradores:
11 Cardeais, 59 Bispos, 67 peritos e 27 leigos, sendo um dos colaboradores mais
importantes, Bernhard Häring.287
O documento, após uma introdução sobre as condições humanas no mundo
contemporâneo (n. 4-10), com suas luzes e sombras, passa a descrever aquilo que a
Igreja pode e deve fazer, para responder aos impulsos do Espírito (n. 11). E o
primeiro passo é reafirmar a dignidade da pessoa humana (n. 12-21) em todos os
seus componentes e a orientação cristológica de tal dignidade (n. 22). Os capítulos
II, III e IV (n. 23-45) tocam os temas da comunidade humana, sua atividade no
mundo e a missão da Igreja no mundo de hoje. A segunda parte, refere-se aos
temas mais específicos como o matrimônio e a família (n. 47-52), a cultura (n.53-
62), a vida econômico-social (n. 63-72), a dimensão política (n. 73-76) e enfim os
temas da paz e da comunidade internacional (n. 77-90). Já os últimos parágrafos
são reservados para a conclusão. Há que se destacar os números 47-52, onde se
respira todo o espírito positivo e amplo da teologia de Häring. Ele foi o principal
285 ACTA SYNODALIA SACROSANCTI CONCILII OECUMENICI VATICANI II. Vol. IV, Pars VII, Vaticano: Typis Polyglottis Vaticanis, 1978, p. 733-804. 286 Cf. COMBLIN, J. O tempo da ação. Ensaio sobre o Espírito e a história. Petrópolis: Vozes, 1982, p. 264ss. 287 Cf. MALI, M. La portata teologico-pastorale in “Liberi e fedeli in Cristo” de Bernhard Häring: una ricerca storico-critica alla luce della sua partecipazione nella stesura della “Gaudium et spes”. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 2003, p. 7.
137
secretário de redação deste capítulo sobre o matrimônio e a família, um
compromisso que ao final foi assumido por Schillebeeckx.288
A proclamação da Constituição Gaudium et spes, certamente foi o que
permitiu o maior número de novos rumos na teologia. A partir dela, surge uma
nova tendência, dita “antropológica”, na teologia contemporânea. Por outro lado, é
o documento do Concílio que oferece maiores orientações que tratam diretamente
de questões morais. Em sua primeira parte, fala dos temas básicos da moral
fundamental: natureza da pessoa humana, liberdade, consciência, pecado, elevação
do ser humano pela graça divina, bem comum, etc. Já a segunda parte trata das
questões éticas consideradas mais importantes tais como matrimônio e família,
cultura, ordem econômica e social, etc.289
Na Gaudium et spes, é mais patente e está mais bem documentado o
destaque de Häring no Concílio, quando foi secretário de redação na fase
penúltima do texto, na etapa do chamado “texto de Zurich”. Depois da primeira
redação, chamado de “texto de Malinas”, se procedeu a uma nova redação na qual,
colaboraram com ele os teólogos A. R. Sigmond, O.P. e R. Tucci, S.J., sob a
direção do Bispo de Livorno, Guano. O novo texto já começou com as palavras
“gaudium et spes” e mesmo tendo uma outra redação definitiva, ficou como base
do texto que foi promulgado em 7 de dezembro de 1965..290
São de Häring as palavras iniciais da Gaudium et spes:291 “As alegrias e as
esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, dos pobres sobretudo e
daqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as
angústias dos discípulos de Cristo” (tradução nossa).292
288 Cf. SCHURR, V.; VIDAL, M. Bernhard Häring y su nueva teologia moral catolica. Madrid: PS Ed., 1989, p. 52. SAVOLDI, V. Häring: un’autobiografia a mo’ di internista. Milano: Paoline, 1997, p. 108; VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale católica. Bologna: EDB, 1999, p. 95; VIDAL, M. Evocación de Bernhard Häring, renovador de la Teología moral católica. Moralia. vol. 21, 1998, p. 486; PARISI, F. Il valore della coscienza e dell’esperienza morale. Bari: Levante, 2003, p. 55, n.84. 289 Cf. COMBLIN, J. Dalla fine del pontificato di Pio XII. In: VORGRIMLER, H.; VANDER GUCHT, R. (Orgs.) Bilancio della teologia del XX secolo. Vol. II, Roma: Città Nuova, 1972, p. 73; MASET, A. B. Ley y conciencia: una aproximación a la renovación de la teología moral. Extrato de la tesis doctoral presentada en la Facultad de Teología de la Universidad de Navarra. In: Excerpta e dissertationibus in Sacra theologia. Pamplona: Pub. Univ. Navarra, 1997. p. 27. 290 Cf. SCHURR, V.; VIDAL, M. op. cit., p. 48.VIDAL, M. Evocación de Bernhard Häring, renovador de la Teología moral católica.., p. 485-486. 291 Cf. SALVOLDI, V. Bernhard Häring: 85 anni: un insegnamento che continua. Rivista di teologia morale. n. 117, gen.-mar. 1998, Bologna: EDB, p. 3. 292 Cf. ACTA SYNODALIA SACROSANCTI CONCILII OECUMENICI VATICANI II. Vol. IV, Pars VII, Vaticano: Typis Polyglottis Vaticanis, 1978, p. 733.
138
A expressão “sinais dos tempos” sublinha esta dimensão pastoral, tendo
como pontos fundamentais a história e a presença de Deus. Os sinais dos tempos
emergem da história como vida vivida que torna matéria de reflexão teológica.
Suscita uma nova sabedoria coletiva e estimula a uma tomada de posição, frente à
misteriosa presença salvífica de Deus. Trata-se do encontro da liberdade divina e
da liberdade humana no santuário da consciência das pessoas, criadas à imagem e
semelhança de Deus.293
Dessa forma, um decisivo influxo sobre a futura pregação da moral será
explicitado, sobretudo através de uma antropologia que é, ao mesmo tempo,
personalística, comunitária e aberta à historicidade.294
A Constituição Pastoral introduz um novo clima e uma nova metodologia no
modo como se coloca a relação entre a fé e a realidade humana. Em meio a um
clima de vigilante otimismo, de diálogo sincero e de desinteressada colaboração, a
Igreja faz suas as alegrias e as angústias do momento presente. Aos moralistas se
pede, portanto, um espírito vigilante, uma mente aberta e uma inteligência bem
formada. A Gaudium et spes representa para a teologia moral do futuro um ensaio
de moral nova, que deverá ter o cuidado de apresentar uma concepção histórico-
salvífica.295
A maior contribuição de Häring na Gaudium et spes se deu, basicamente, em
três tópicos: consciência, matrimônio e paz. É de se destacar, na Constituição
Gaudium et spes, o n. 16, sobre a consciência moral, proveniente de um acréscimo
juxta modum redigido por Domenico Capone (redentorista e companheiro de
Häring na Academia Alfonsiana) e Bernhard Häring, influenciando de uma forma
significativa com o seu personalismo e o seu caráter pastoral. É o que veremos a
seguir.296
293 Cf. MALI, M. La portata teologico-pastorale in “Liberi e fedeli in Cristo” de Bernhard Häring..., p. 88-89. 294 Cf. HÄRING, B. La predicazione della morale dopo il Concilio..., p. 9-10. 295 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB, 1999, p. 99. 296 Cf. HARING, B. My witness for the Church, New York: Paulist Press, 1992, p. 64-65; MCDONOUGH, W. The nature of moral truth according to Domenico Capone. Dissertationis ad Doctoratum. Romae: Academia Alfonsiana, 1990, p. 121-139; MAJORANO, S. Bernhard Häring: libero e fedele. Il Regno. Bologna: EDB, 1998, n. 819, ano XLIII, p. 503-504; SALVOLDI, V. Häring: un’autobiografia a mo’ di intervista. Milano: Paoline, 1997; p. 118; MCDONOUGH, W. “New terrain” and a “stumbling stone” in Redemptorist contribuitions to Gaudium et spes: on relating and juxtaposing truth’s formulation and its experience. Studia Moralia. 1997, XXXV/I, Roma: Edit. Academiae Alphonsianae, p. 11.
139
3.3.4.1. A consciência moral em Gaudium et spes, n. 16
Bernhard Häring, juntamente com Domenico Capone, influenciou de uma
forma significativa com o seu personalismo a elaboração da Gaudium et spes.
Capone contribuiu com três elementos essenciais em relação à consciência, neste
documento. Primeiro, onde o esboço da Constituição somente afirmava que Deus
chama pessoas para fazer o bem, Capone acrescentou que Deus chama
primeiramente as pessoas para amar o bem e, conseqüentemente, para fazê-lo. Em
segundo lugar, inseriu a citação do Papa Pio XII, no seu discurso sobre a formação
da consciência nos jovens, em relação à compreensão de consciência em Santo
Agostinho, como o nucleus secretissimus atque sacrarium hominis, in quo solus
est cum Deo. Por último, Capone mudou o foco do parágrafo sobre a consciência
errônea, para o foco da consciência invencivelmente errônea, adicionando um
conceito alfonsiano.297
Estes acréscimos proporcionaram uma mudança crucial na compreensão da
consciência no mundo católico contemporâneo: de uma compreensão da
consciência como um órgão da lei para uma visão transcendental da pessoa voltada
para o bem, chamada a viver no amor. A consciência é menos um processo em
direção à verdade, do que o lugar onde as verdades tornam-se claras para as
pessoas.298
É neste n. 16 da Gaudium et spes que o Concílio Vaticano II trata
especificamente da consciência moral. A gênese deste número é revelador, quanto
ao delineamento dialético da doutrina. Ele teve quatro redações, entre julho de
1964 a dezembro de 1965. Nestas sucessivas redações, se percebe uma tendência a
297 Cf. PIO XII, “Conscientia christiana in iuvenibus recte efformanda”. In: Acta Apostolicae Sedis. Commentarium Ofíciale. An. XXXXIV, series II, vol. XIX, Vaticano: Typis Polyglottis Vaticanis, 1952, p. 270-278; ANAYA, L. A. La conciencia moral en el marco antropológico de la constitución pastoral “Gaudium et spes”. Dissertatio ad Doctoratum. Academia Alfonsiana. Buenos Aires: Universidad Catolica Argentina, 1993, p. 139; MCDONOUGH, W. “New terrain” and a “stumbling stone” in Redemptorist contribuitions to Gaudium et spes…, p. 11-13. 298 Cf. MCDONOUGH, W. C. The nature of moral truth according to Domenico Capone. Dissertationis ad Doctoratum. Romae: Academia Alfonsiana, 1990, p. 130; Id., “New terrain” and a “stumbling stone” in Redemptorist contribuitions to Gaudium et spes…, p. 14.
140
compreender cada vez mais a consciência a partir da dimensão personalista e da
dignidade da pessoa humana, enquanto ser pessoal.299
A consciência moral é expressão de toda a pessoa. Por isso, aqui temos o
ponto central do primeiro capítulo da Gaudium et spes. O n. 16 desta Constituição
é preparado pelos números 12-15 que traçam os elementos constitutivos do ser
humano feito à “imagem de Deus”. A conclusão se dá com os números 19-21 sobre
o grave perigo do ateísmo, um tema muito debatido naquela época do Concílio.
Significativos são os n. 15 e 17, que reforçam o n. 16, dedicados respectivamente
aos temas da verdade e da liberdade. Já o número 18 trata do mistério da morte.300
O parágrafo 16 da Gaudium et spes concernente à “dignidade da consciência
moral” se insere organicamente na síntese antropológica do primeiro capítulo da
primeira parte da Constituição (“De humanae personae dignitate”). Assim diz o
texto:
No íntimo da consciência o homem descobre uma lei que não é ele a dar-se, mas à qual, ao invés, deve obedecer e a cuja voz que o chama sempre a amar e a fazer o bem e a fugir do mal, quando ocorre, claramente diz aos ouvidos do coração: faça isto, fuja daquilo. O homem tem na realidade uma lei escrita por Deus no seu coração; obedecê-la é a dignidade própria do homem, e de acordo com esta ele será julgado. A consciência é o núcleo mais secreto e o sacrário do homem, onde ele se encontra a sós com Deus, cuja voz ressoa na sua intimidade. Por meio da consciência se faz conhecer de modo admirável aquela lei, que encontra a sua realização no amor a Deus e ao próximo. Na fidelidade à consciência, os cristãos se unem aos outros homens para buscar a verdade e para resolver de acordo com a verdade tantos problemas morais, que surgem tanto na vida individual quanto na social. Quanto mais, portanto, prevalece a consciência reta, tanto mais a pessoa e os grupos sociais se afastam do arbítrio cego e se esforçam para conformar-se às normas objetivas da moralidade. Todavia acontece não raro que a consciência seja errônea por ignorância invencível, sem que por isso perca a sua dignidade. Mas, isto não se pode dizer quando o homem pouco se cuida de buscar a verdade e o bem, e quando a consciência torna-se quase cega, seguida da atitude de pecado (tradução nossa).301
299 Cf. ACTA SYNODALIA SACROSANCTI CONCILII OECUMENICI VATICANI II. Vol. III, pars V, Vaticano: Typis Polyglottis Vaticanis, 1975, p. 148; VIDAL, M. Moral de actitudes. Vol. I: moral fundamental. 4ª. ed., Madrid: PS Edit., 1977, p. 298; CAPONE, D. La teologia della coscienza morale nel Concilio e dopo il Concilio. Studia moralia. Roma: Ed. Academiae Alphonsianae, 1986, vol. XXIV/I, p. 221. 300 Cf. FRIGATO, S. Vita in Cristo e agire morale: saggio di teologia morale fondamentale. Torino: Elle di Ci, 1994, p. 187; PARISI, F. Il valore della coscienza e dell’esperienza morale. Bari: Levante, 2003, p. 55. 301 Cf. ACTA SYNODALIA SACROSANCTI CONCILII OECUMENICI VATICANI II. Vol. IV, Pars VII, Vaticano: Typis Polyglottis Vaticais, 1978, p. 741-742.
141
Aqui, a consciência é vista como “o núcleo mais secreto e o sacrário do
homem”, a interioridade humana que faz com que a pessoa seja uma realidade
superior às coisas corporais. A consciência é a transcendência da pessoa, na sua
interioridade, onde se verifica o encontro pessoal com Deus. É na consciência que
o ser humano “vai tocar em profundidade a verdade mesma das coisas” (Cf.n. 14
da Gaudium et spes) e pode transformar em decisão a verdade assim encontrada.302
A interioridade da consciência não é uma interioridade de isolamento, mas
de comunhão, de diálogo, de palavra. É um encontrar-se tu a tu com Deus, um
escutar a sua voz, um re-encontrar a sua palavra como verdade que convoca em
toda a realidade histórica. É também descobrir o outro como apelo, como palavra,
como reciprocidade (Cf.n. 12 da Gaudium et spes).303
O texto apresenta a consciência como um sacrário no qual o ser humano está
unido a Deus, um sacrário onde ressoa a voz de Deus. Se a pessoa é leal na busca
da verdade e da bondade em situações particulares, a sua consciência é “reta” e faz
com que os atos concretos, escolhidos na responsabilidade, sejam moralmente
bons.304
Quando Gaudium et spes n. 16 descreve a dinâmica da consciência formada
na imediatez de um diálogo íntimo com Deus, quer afirmar que o ser humano é
ontologicamente um ser em realização com Deus e com os demais. E, pela
fidelidade à consciência, os cristãos se unem aos outros na busca da verdade e na
solução justa de inúmeros problemas morais que se apresentam, tanto na vida
individual quanto social.305
Quanto à consciência invencivelmente errônea, Häring comenta:
302 Cf. MAJORANO, S. Coscienza e veritá morale nel Vaticano II. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di) La coscienza morale oggi. Roma: Academiae Vaticanae, 1987, p. 260-268; CAPONE, D. Antropologia, coscienza e personalità. Studia moralia. 1966, n. IV, Roma: Academia Alfonsiana, p. 96. 303 MAJORANO, S., loc. cit. 304 Cf. CAPONE, D. La teologia della coscienza morale nel Concilio e dopo il Concilio. Studia moralia. Roma: Ed. Academiae Alphonsianae, 1986, vol. XXIV/I, p. 226-227. 305 Cf. ACTA APOSTOLICAE SEDIS. Commentarium officiale. n. 15, Vol. LVIII, Vaticano: Typis Polyglottis Vaticanis, 1966, p. 1037; ACTA SYNODALIA SACROSANCTI CONCILII OECUMENICI VATICANI SECUNDI. Vol. IV, pars VII, Vaticano: Typis Polyglottis Vaticanis, 1978, p. 383; HÄRING, B. Liberi e fedeli in Cristo..., vol. I, 2. ed, Roma: Paoline, 1980, p. 320; PARISI, F. Coscienza ed esperienza morale alla luce della riflessione teologico-morale post conciliare in Italia (1965-1995). Dissertationis ad Doctoratum. Roma: Academia Alphonsiana, 2002, p. 119. MCDONOUGH, W. “New terrain” and a “stumbling stone” in Redemptorist contribuitions to Gaudium et spes: on relating and juxtaposing truth’s formulation and its experience. Studia Moralia. 1997, XXXV/I, Roma: Edit. Academiae Alphonsianae, p. 14.
142
Na medida em que a verdade e os valores objetivos estiverem envolvidos, a consciência humana certamente nunca será infalível. O Concílio reconhece que o erro na avaliação acontece bastante freqüentemente... Porém, quase sempre sem culpa pessoal e sem que a consciência perca a sua dignidade. Acontece isto sempre que as intenções são retas e que a consciência está procurando sinceramente a melhor solução... O mal maior se dá quando a consciência se torna insensível e cega.306 Santo Alfonso de Liguori fala de uma consciência invencivelmente errônea
quando uma consciência sincera é incapaz de interiorizar uma lei positiva da Igreja
ou das autoridades civis, ou também um aspecto válido do ensinamento da lei
natural. Trata-se de uma impossibilidade de se avançar no conhecimento do bem.
Do ponto de vista objetivo, abstrato, poderíamos dizer que a consciência da pessoa
está errada. Mas, existencialmente, isto pode indicar que a pessoa faz o melhor
possível, naquele contexto, para obter mais luz.307
A primeira parte do n. 16 é uma descrição da assim chamada consciência
fundamental como lugar profundo, interior, do encontro de Deus com a pessoa
humana. É de notar que o texto fala exclusivamente da pessoa humana enquanto
tal. No segredo do seu coração repercute a vocação divina. A resposta-obediência a
tal chamado é o fundamento da sua realização humana. A segunda parte da citação
descreve o nível de juízo da consciência, ou seja, da capacidade cognoscitiva,
avaliativa e decisional direcionado para o “agir moral” verdadeiro e bom.308
Nenhuma ação humana pode considerar-se, em concreto, boa ou má se não
faz referência à consciência. A consciência é o eco da voz de Deus. É como a
presença de Deus na pessoa. Por isso, se diz que o juízo da consciência é como a
promulgação e como a intimação da lei objetiva feita no interior da pessoa porque
“o homem tem uma lei escrita por Deus em seu coração”.309
A consciência se apresenta assim, como o locus theologicus, sagrado e
inviolável. Mesmo quando o ser humano erra na sua ação moral, nunca perde a sua
dignidade de pessoa. Neste lugar sagrado e inviolável, o ser humano se encontra a
sós com Deus, porém, não no sentido de solidão, isolamento, autonomia,
306 HÄRING, B. Liberi e fedeli in Cristo: teologia per preti e laici. vol. I, 4. ed., Milano: Paoline, 1990. p. 287-288. 307 Ibid., p. 289. 308 Cf. VIDAL, M. Moral de actitudes. Vol. I: moral fundamental. 4ª. ed., Madrid: PS Edit., 1977, p. 297; FRIGATO, S. Vita in Cristo e agire morale: saggio di teologia morale fondamentale. Torino: Elle di Ci, 1994, p. 188. 309 Cf. VIDAL, M. Moral de actitudes. Vol. I. 4ª. e., Madrid: PS Edit., 1977, p. 326.
143
subjetivismo. Mas, no sentido de intimidade profunda, de estreita relação com
Deus. Neste locus intimitatis, o ser humano é um “ouvinte da palavra”, no sentido
rahneriano, por meio de uma dinamicidade desta relação. A consciência é o lugar
do encontro, o lugar sagrado no qual se manifesta um diálogo, “a cuja voz ressoa”
na intimidade própria. O ser-em-diálogo com Deus é, portanto, consubstancial ao
seu existir, faz parte, ontologicamente, da sua natureza mesma, constituindo o ser
pessoa.310
Na Gaudium et spes e em outros documentos conciliares é dado um amplo
espaço à centralidade da consciência moral e à sua dinâmica experiencial. As
categorias utilizadas são: o encontro pessoal, as relações íntimas com Deus (no
“sacrário da consciência”) e a descoberta progressiva da lei divina inscrita no
coração humano. Sobretudo pelo tema da consciência moral, amplamente descrita
no n. 16, o Concílio é considerado pelos historiadores da teologia moral um
verdadeiro ponto de não retorno.311
Trataremos de apresentar agora as contribuições de Bernhard Häring,
desenvolvidas no Decreto Optatam totius, trazendo um novo emergir da teologia
moral.
3.3.5. O Decreto Optatam Totius 312
Para a história da teologia moral, uma importância decisiva reveste a
colaboração oferecida por Häring no decorrer da redação definitiva do decreto
sobre formação sacerdotal Optatam totius. Concretamente, a ele se deve a redação
do n. 16 deste documento, no qual se manifesta abertamente a escolha do Concílio
em favor da renovação da teologia moral.313 Trata-se do seguinte texto:
Tenha-se especial cuidado no aperfeiçoamento da teologia moral de maneira que a
310 Cf. PARISI, F. Il valore della coscienza e dell’esperienza morale. Bari: Levante, 2003, p. 55-57. 311 Ibid., p. 28-29. 312 ACTA SYNODALIA SACROSANCTI CONCILII OECUMENICI VATICANI SECUNDI. Vol. IV, Pars V, Vaticano: Typis Polyglottis Vaticanis, 1978, p. 593-606. 313 Cf. HÄRING, B. La predicazione della morale dopo il Concilio. 2. ed., Roma: Paoline, 1967, 204 p.; Id. Verso una teologia morale cristiana. 2. ed., Roma: Paoline, 1968, 220 p.; VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB, 1999, p. 94; Id. Evocación de Bernhard Häring, renovador de la Teología moral católica. Moralia. vol. 21, 1998, Madrid: Instituto superior de ciencias morales. p. 485.
144
sua exposição científica, fortemente fundada na Sagrada Escritura, ilustre a altura da vocação dos fiéis em Cristo e o seu compromisso de trazer frutos na caridade pela vida do mundo (tradução nossa).314 A força que penetra este parágrafo permite toda uma renovação pós-
conciliar, ao expor um breve, mas muito substancioso programa para a renovação
da teologia moral: diz-se que ela deve ser com “especial cuidado” reelaborada e
renovada por meio de um contato mais vivo com o mistério de Cristo e com a
história da salvação. Além disso, deve ter um endereço mais acentuadamente
bíblico: “fortemente fundada na Sagrada Escritura”. Ou seja, com Optatam totius
16, há o começo de uma nova época, a partir do Concílio Vaticano II, na inovação
metológica da teologia moral.315
Na oitava edição de A Lei de Cristo, revista e ampliada, Häring afirma: “O
artigo 16 do Decreto sobre a formação sacerdotal (Optatam Totius) do Concílio
Vaticano II é a culminação de todos os esforços realizados até o presente para
renovar a teologia moral, e significa, sem dúvida nenhuma, o começo de uma nova
etapa”.316
Como o próprio Häring afirma em sua obra La predicazione della morale
dopo il Concilio:
O artigo 16 de Optatam totius traz um programa breve porém substancial para a renovação da teologia moral; certamente nos permitiu, sem faltar a modéstia, ver nele a aprovação de nossos esforços dos últimos quinze anos, assim como um estímulo para prosseguir nossos trabalhos pelo caminho o qual temos comprometido. 317
314 ACTA SYNODALIA SACROSANCTI CONCILII OECUMENICI VATICANI SECUNDI. Vol. IV, Pars V, Vaticano: Typis Polyglottis Vaticanis, 1978, p. 599-600. 315 Cf. HÄRING, B. La predicazione della morale dopo il Concilio. op. cit., p. 10; VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica..., p. 94; VIDAL, M. Evocación de Bernhard Häring, renovador de la Teología moral católica..., p. 485; GOMEZ MIER, Vicente. El cambio de matriz disciplinar en la teología moral después Del Concilio Vaticano II. Tesis Doctoral. Madrid: Univ. Pont. Comillas de Madrid, 1994, p. 155. 316 Cf. HÄRING, B. Das gesetz Christi: Dargestellt für Priester und Laien. Vol I, 8a. ed., München: Wewel, 1967, p. 76. 317 Id. La predicazione della morale dopo il Concilio. 2. ed., Roma: Paoline, 1967, p.5
145
3.3.6. O tema da consciência em outros documentos conciliares
Trataremos a seguir, do tema da consciência moral desenvolvido nos
diversos documentos conciliares, trazendo as contribuições de Bernhard Häring,
enquanto consultor e perito conciliar.
3.3.6.1. A Constituição Sacrosanctum concilium 318
A Constituição sobre a liturgia, Sacrosanctum concilium, orienta a moral a
realizar uma síntese da vida cristã à luz do Mistério Pascal de Cristo. O Mistério
Pascal revela a unidade que existe entre a glorificação de Deus e a salvação da
pessoa humana. De tal maneira, deve a teologia moral levar em consideração,
acima de tudo, o primado da graça, tendo em vista a existência cristã como uma
existência de adoração e de glorificação a Deus (aqui temos um ponto que é
fundamental no pensamento de Häring). Neste sentido, a vida moral do cristão vem
concebida, não tanto como um conjunto de leis, mas como um encontro vital com
o mistério de Cristo.319
3.3.6.2. A Constituição Lumen gentium 320
Häring trabalhou como consultor da comissão doutrinal da Constitução,
juntamente com H. de Lubac, Y. Congar e, mais tarde, K. Rahner. Enquanto tal,
fez a redação final do cap. 4 da Constituição Lumen gentium sobre leigos. Influiu
também, juntamente com o Bispo Charrière e os teólogos G. Thils e C. Colombo,
para que fosse tratado nesta constituição o tema da vocação de todos à santidade
cristã. Esta vocação universal é claramente assinalada no cap. V: “De universali
318 ACTA SYNODALIA SACROSANCTI CONCILII OECUMENICI VATICANI II. Vol. II, Pars VI, Vaticano: Typis Polyglottis Vaticanis, 1973, p. 409-439. 319 Cf. DOLDI, M. Fondamenti cristologici della teologia morale in alcuni autori italiani. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 1996, p. 56. 320 ACTA SYNODALIA SACROSANCTI CONCILII OECUMENICI VATICANI II. vol. III, Pars VIII, Vaticano: Typis Polyglottis Vaticanis, 1976, p. 784-919.
146
vocatione ad sanctitatem in Ecclesia”, dando uma perspectiva decisiva para a
teologia moral.321
A Constituição sobre a Igreja, Lumem gentium, coloca a teologia moral como
um compromisso eclesial, tendo como objetivo a formação de todo o povo de
Deus. A teologia moral não é concebível como uma teoria em vista à prática da
confissão. É preciso também que o laicato intervenha na formulação e na resolução
dos problemas morais. Por outro lado, se no capítulo V se afirma que todos os
batizados são chamados à perfeição, é preciso superar a dicotomia entre teologia
moral e teologia espiritual.322
Os leigos, juntamente com a hierarquia, devem agir na Igreja, participando
da mesma missão de Cristo. Pois, eles não são uma “classe passiva” simplesmente.
Pelos dons recebidos de Cristo, eles podem colaborar na pastoral da Igreja no
mundo. Paralelamente, eles devem render-se conta que pertencem ao povo de Deus
e assumirem responsabilidades no sentido eclesiástico. A necessidade da pastoral
leiga não vem da falta de clero, mas pela sua responsabilidade recebida pelo
Espírito Santo, no batismo.323
Cabe ressaltar que Häring interveio também para que se falasse de Maria
dentro da Constituição Dogmática Lumen gentium, no seu capítulo VIII: “De beata
Maria Virgine deipara in mysterio Christi et Ecclesiae”.324
321 Cf. ACTA SYNODALIA SACROSANCTI CONCILII OECUMENICI VATICANI II. vol. III, Pars VIII, Vaticano: Typis Polyglottis Vaticanis, 1976, p. 817-821; HÄRING, B. I religiosi del futuro. Roma: Paoline, 1972, p. 32; MALI, M. La portata teologico-pastorale in “Liberi e fedeli in Cristo” de Bernhard Häring: una ricerca storico-critica alla luce della sua partecipazione nella stesura della “Gaudium et spes”. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 2003, p. 161; VIDAL, M. Evocación de Bernhard Häring, renovador de la Teología moral católica. Moralia. Vol. 21, 1998, Madrid: Instituto superior de ciencias morales. p. 484. 322 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB, 1999, p. 98. 323 Cf. MALI, M. La portata teologico-pastorale in “Liberi e fedeli in Cristo” de Bernhard Häring: una ricerca storico-critica alla luce della sua partecipazione nella stesura della “Gaudium et spes”. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 2003, p. 161. 324 Cf. ACTA SYNODALIA SACROSANCTI CONCILII OECUMENICI VATICANI II. vol. III, Pars VIII, Vaticano: Typis Polyglottis Vaticanis, 1976, p. 829-836, VIDAL, M. Evocación de Bernhard Häring, renovador de la Teología moral católica. Moralia. vol. 21, 1998, Madrid: Instituto superior de ciencias morales. p. 484; VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB, 1999, p. 93-94.
147
3.3.6.3. A Declaração Unitatis redintegratio 325
O Decreto sobre o ecumenismo Unitatis redintegratio, ao indicar que se deve
promover a unidade na verdade através da unidade na caridade, exorta os católicos
e os cristãos não católicos a se encontrarem no plano de um empenho conjunto em
favor das grandes causas da humanidade: a vida, a liberdade, a justiça e a paz.
Temas estes, preciosos à teologia de Häring.326
3.3.6.4. A Declaração Dignitatis humanae 327
Häring atuou como secretário na subcomissão sobre a liberdade religiosa.328
A declaração sobre a liberdade religiosa, Dignitatis humanae, indica a
necessidade de respeitar profundamente a reta consciência dos outros e de aceitar a
validade do pressuposto pelo qual qualquer um pode e deve decidir sempre e em
tudo de acordo com a própria consciência. Esta declaração nos mostra que a Igreja,
fiel ao seu divino Mestre, tem o dever de respeitar o agir do Espírito Santo no seio
da humanidade inteira e, mais concretamente, no santuário da consciência pessoal.
Vem aqui revelada uma mensagem clara para a moral: deve-se buscar viver de
acordo com uma consciência bem formada e, na medida do possível, prestar
atenção aos motivos que estão na base das atitudes das pessoas.329
Conforme a Declaração sobre a liberdade religiosa do Vaticano II, o ser
humano deve agir, pela própria livre decisão, ou seja, a partir do juízo pessoal da
consciência e não sob medidas coercitivas.330
325 ACTA SYNODALIA SACROSANCTI CONCILII OECUMENICI VATICANI II. vol. III, Pars VIII, Vaticano: Typis Polyglottis vaticanis, 1976, p. 845-859. 326 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica..., p. 98. 327 ACTA SYNODALIA SACROSANCTI CONCILII OECUMENICI VATICANI II. Vol. IV, Pars VII, Vaticano: Typis Polyglottis Vaticanis, 1978, p. 663-673. 328 Cf. VIDAL, M. Evocación de Bernhard Häring, renovador de la Teología moral católica. Moralia. vol. 21, 1998, Madrid: Instituto superior de ciencias morales. p. 484; VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB, 1999, p. 93-94. 329 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB, 1999, p. 98-99. 330 Cf. GÜNTHÖR, A. Coscienza e legge. Seminarium. Città del Vaticano: Sacram Congregationem Pro Institutione Catholica, n. 3, 1971, p. 556.
148
Nos n. 1-3 fala-se da dignidade da pessoa humana e da sua liberdade, que por
meio da sua consciência conhece a lei divina, e faz uma escolha livre da
experiência religiosa. No n. 11 afirma-se que a pessoa humana está vinculada a
Deus, pela consciência e nela, é chamada a servi-lo em espírito e verdade. Já no n.
14 diz-se que os cristãos, na formação de sua consciência, devem considerar
diligentemente a doutrina da Igreja.331
3.3.6.5. O Decreto Apostolicam actuositatem 332
Em AA n. 5 afirma-se que a consciência é norma de ação no apostolado dos
leigos na Igreja e no mundo. No n. 12, diz-se que o amadurecer da própria
consciência permite assumir as responsabilidades humanas, empenhadas pelo
Espírito de Cristo. Já no n. 13, fala-se do cultivo da plenitude de consciência cristã
para a edificação da sociedade.
3.3.6.6. O Decreto Ad gentes 333
No n. 39, fala-se da necessidade de uma intensa evangelização, sobretudo
dos jovens, para que tenham uma boa consciência da missão de batizados.
3.3.6.7. A Declaração Gravissimum educationis 334
No n. 1 desta declaração, afirma-se a necessidade do direito que as crianças e
os jovens têm de serem ajudados para avaliar, com consciência reta, os valores
morais.
331 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica..., p. 94. 332 ACTA SYNODALIA SACROSANCTI CONCILII OECUMENICI VATICANI II. Vol. IV, Pars VI, Vaticano: Typis Polyglottis Vaticanis, 1978, p. 609-632. 333 ACTA SYNODALIA...., Vol. IV, Pars VII, Vaticano: Typis Polyglottis Vaticanis, 1978, p. 673-704. 334 ACTA SYNODALIA..., Vol. IV, Pars V, Vaticano: Typis P. Vaticanis, 1978, p. 606-616.
149
3.3.7. Conclusão
Häring foi um dos personagens-chave do Concilio e de seu desenvolvimento
teológico posterior. O seu nome ficará definitivamente associado à renovação da
teologia moral segundo o espírito do Concílio Vaticano II. Como consultor na
Comissão preparatória do Concilio Vaticano II, Häring deu uma contribuição
importante tanto na preparação dos documentos e na assessoria aos Bispos,
individualmente ou em grupos nacionais ou lingüísticos.
Dentre os documentos conciliares inovadores, que dão margem a uma nova
visão de consciência moral, destacamos a Gaudium et spes. Um dos elementos
característicos desta Constituição é a leitura da história humana através do uso do
termo “pastoral”, pois o Concílio quis enfrentar os problemas do mundo que
interpelam a vida contemporânea. A proclamação da Constituição Gaudium et
spes, certamente foi o que permitiu o maior número de novos rumos na teologia.
Bernhard Häring, juntamente com Domenico Capone, influenciou de uma
forma significativa com o seu personalismo a elaboração deste documento. As
contribuições dos dois redentoristas proporcionaram uma mudança crucial na
compreensão da consciência no mundo católico contemporâneo. A partir de então,
a consciência deixa de ser vista como um órgão da lei para uma orientação
transcendental da pessoa humana, que se volta para a concretização do amor. É
aqui que o Concílio Vaticano II trata especificamente da consciência moral.
A primeira parte do n. 16 é uma descrição da assim chamada consciência
fundamental como lugar profundo, interior, do encontro de Deus com a pessoa
humana. No segredo do seu coração repercute a vocação divina. A segunda parte
da citação descreve o nível de juízo da consciência, ou seja, da capacidade
cognoscitiva, avaliativa e decisional direcionado para o “agir moral” verdadeiro e
bom. A consciência é o eco da voz de Deus, ou seja, é o lugar do encontro, o lugar
sagrado no qual se manifesta um diálogo, “a cuja voz ressoa” na intimidade
própria.
Na Gaudium et spes e em outros documentos conciliares é dado um amplo
espaço à centralidade da consciência moral e à sua dinâmica experiencial. As
categorias utilizadas são: o encontro pessoal, as relações íntimas com Deus (no
150
“sacrário da consciência”) e a descoberta progressiva da lei divina inscrita no
coração humano. Sobretudo pelo tema da consciência moral, amplamente descrita
em Gaudium et spes n. 16, o Concílio é considerado pelos historiadores da teologia
moral um verdadeiro ponto de não retorno.
Também para a história da teologia moral, uma importância decisiva reveste
a colaboração oferecida por Häring no decorrer da redação definitiva do decreto
sobre formação sacerdotal Optatam totius. Concretamente, a ele se deve a redação
do n. 16 deste documento, no qual se manifesta abertamente a escolha do Concílio
em favor da renovação da teologia moral. Por outro lado, encontramos também o
tema da consciência moral desenvolvido em outros documentos conciliares,
trazendo as contribuições de Bernhard Häring, enquanto consultor e perito
conciliar.
151
3.4.
Bernhard Häring e a Moral Renovada 3.4.1. Introdução
Bernhard Häring oferece uma fundamental contribuição para a renovação da
teologia moral, mediante as duas opções fundamentais: a referência à Sagrada
Escritura e ao cristocentrismo. Ele dá à moral cristã aquele tom evangélico que
ficou um tanto esquecido, com o exagerado legalismo da moral casuística. No seu
projeto teológico-moral, dogmática, espiritualidade, pastoral e moral se fundem
harmoniosamente.335
O propósito principal de Häring é de levar em consideração, acima de tudo, o
Evangelho e os ensinamentos dos Padres da Igreja. Para Häring, a interpretação do
Evangelho é inseparável da vida e da história humana. Portanto, é preciso reler o
Evangelho segundo as exigências da vida, pois, a verdade cristã se deve confrontar
com a história humana, no aqui e agora.336
Para ele, trata-se de abrir a moral ao Evangelho, libertando-a das garras do
direito canônico, na qual ficou presa desde séculos precedentes. Tendo em vista
este objetivo, é o primeiro a compor um manual de moral, alternativo aos
tradicionais, já antes do Concilio Vaticano II.337
Neste capítulo, analisaremos as contribuições de Bernhard Häring para a
renovação da Teologia Moral e, conseqüentemente, para uma nova leitura da
consciência moral. Com isso, poderemos compreender melhor a linha de
desenvolvimento dos dois manuais de Häring, bem como a sua evolução de
pensamento, em relação à consciência moral.
335 Cf. DOLDI, M. Fondamenti cristologici della teologia morale in alcuni autori italiani. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 1996, p. 37; VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB, 1999, p. 130. 336 Cf. MALI, M. La portata teologico-pastorale in “Liberi e fedeli in Cristo” de Bernhard Häring: una ricerca storico-critica alla luce della sua partecipazione nella stesura della “Gaudium et spes”. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 2003, p. 26. 337 Cf. LORENZETTI, L. In ricordo di Bernhard Haering: una vita per la morale cattolica. Rivista di teologia morale. Bologna, n. 117, p. 341. 1998.
152
3.4.2. Mudanças de perspectivas da Teologia Moral
A Moral Renovada nasce num contexto de Igreja e de Teologia que prepara o
Vaticano II e se desenvolve com ele, tendo em vista uma preocupação crescente
em responder positivamente às interpelações do chamado mundo moderno.338 As
características do novo modelo moral, de uma Moral Renovada, da qual Häring é o
principal representante são:
- moral fundamentada na Sagrada Escritura e que enfatiza a graça e a
misericórdia de Deus;
- diálogo com a pessoa humana de hoje e, ao mesmo tempo, ecumênico;
- inculturação contínua, numa constante renovação;
- moral de cunho comunitário, não individualista, não perfeccionista, mas de
solidariedade salvífica;
- moral que liberta a pessoa humana, não a domina nem a oprime.339
Häring é um teólogo que conhece a teologia tradicional e é também alguém
que se interessa pelas modernas disciplinas, aplicando-as à visão da teologia moral.
O seu método é determinado, em larga medida, pela sua capacidade de trabalhar de
maneira interdisciplinar e não somente entre os moralistas, mas também com as
ciências afins. Sua preocupação é de levar em conta a colaboração das ciências
humanas.340
Entre os muitos sinais da sua atribuição à tradição alfonsiana, devemos
destacar a dimensão pastoral da sua moral e o interesse pela formação de uma
consciência moral adulta. A pastoralidade é um traço característico tanto da moral
de Santo Alfonso como da moral de Häring. A reflexão teológico-pastoral de
ambos nasce da prática pastoral e busca enfatizar mais a dimensão evangélica.
338 Cf. MOSER, A.; LEERS, B. Teologia Moral: Impasses e Alternativas. Coleção Teologia e Libertação. 3. e., Petrópolis: Vozes, 1996, p. 43. 339 Cf. ROQUETE, J. C. “Vino nuevo en odres nuevos”: el P. Bernhard Häring y la renovación de la teología moral. Isidorianum. Sevilla, vol. 6, n. 11, p. 66. 1997. 340 Cf. BALOBAN, S. Spirito e vita christiana nella teologia morale di Bernhard Häring. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 1988, p. 95; VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB, 1999, p. 100; GALLAGHER, R. Il sistema manualistico della teologia morale dalla morte di Sant’Alfonso ad oggi. In: ALVAREZ VERDES, L.; MAJORANO, S. (a cura di) Morale e redenzione. Roma: EDACALF, 1983, p. 276.
153
Portanto, a obra de Häring é considerada acadêmica e ao mesmo tempo pastoral.
Há o rigor do professor e o calor humano do pastor. Esfera acadêmica e esfera
pastoral formam um todo, numa síntese enriquecedora.341
A Bernhard Häring se deve a mudança de perspectiva da teologia moral: a
passagem de uma moral da lei para a moral do amor; do “tu deves” para o “tu
podes”; da obediência servil à alegria da liberdade e da fidelidade de filhos de
Deus. Porém, Häring representa uma novidade em relação ao passado, mas não no
sentido de que ele ignora a Tradição. Pelo contrário, ele respeita a Tradição da
Igreja e, ao mesmo tempo, é fiel ao seu fundador, Santo Alfonso.342
Häring desclericaliza a teologia moral, no sentido preciso de que ela deve se
tornar um saber para todos os cristãos, não somente um saber profissional para os
confessores. Juntamente com outros moralistas, procura delinear os traços
característicos de uma moral segundo o Concílio Vaticano II, sintetizados nas
obras: La predicazione della morale dopo il Concilio e Verso una teologia morale
cristiana. O Concílio não se ocupa expressamente da teologia moral, dedicando-
lhe um documento específico. Porém, Häring se dá conta de que a renovação geral
proposta pelo Vaticano II deve incidir sobre a Teologia Moral e assinalar uma
mudança decisiva neste setor do saber teológico.343
Em Il peccato in un’epoca di secolarizzazione,344 Häring expõe de uma forma
concisa, o que significa esta renovação moral pedida pelo Vaticano II. Trata-se de
uma mudança de ênfase e de perspectiva, em particular: da casuística do
confessionário à moral da vida; da visão estática da vida à moral dinâmica; da
ordem moral fundada na lei natural à moral enraizada na história humana; da
perspectiva clerical à perspectiva profética; da moral fechada de acordo com a
autoridade à moral da responsabilidade pessoal; da moral monolítica ao pluralismo
341 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB, 1999, p. 131-133; COMPAGNONI, F. B. Haering, nel ricordo di un discepolo. Rivista di teologia morale. Bologna, n. 30, p. 502. gen.-mar. 1998. 342 Cf. SALVOLDI, V. Bernhard Häring: 85 anni: un insegnamento che continua. Rivista di teologia morale. Bologna, n. 30, p. 1. 1998; MALI, M. La portata teologico-pastorale in “Liberi e fedeli in Cristo” de Bernhard Häring..., Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 2003, p. 25. 343 Cf. COMPAGNONI, F. B. Haering, nel ricordo di un discepolo. Rivista di teologia morale. Bologna, n. 30, p. 501. 1998; HÄRING, B. La predicazione della morale dopo il Concilio. 3. e., 1967, 204 p.; Id., Verso una teologia morale cristiana, 2. e., 1968, 220 p; VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB, 1999, p. 97. 344 Cf. HARING, B. Il peccato in un’epoca di secolarizzazione. 3. e., Bari: Paoline, 1975, 268 p.
154
dos sistemas de valores; da moral do ato à moral das atitudes; da ênfase sobre
normas proibitivas à ênfase sobre normas em vista de uma meta; do essencialismo
e do objetivismo à consciência histórica da pessoa; da avaliação moral
individualística à perspectiva da solidariedade histórica da salvação; da moral-
sanção à moral pedagógica e pastoral. Em síntese: da lei ao Evangelho.345
Por isso, Häring é considerado um dos maiores inspiradores e líderes do
período da renovação da Teologia Moral na Igreja Católica. Para ele, religião e
moral estão intimamente interligados. Há uma profunda unidade e interpenetração
entre a vida religiosa pessoal e a vida moral. Dessa forma, pode-se dizer que suas
obras protagonizam o capítulo mais brilhante da teologia moral católica na segunda
metade do século XX.346
“Vinho novo em odres novos” (Cf. Mt 9,17) sintetiza a sua obra, que se
apresenta como “odres novos”, necessários ao “vinho novo” procedente de uma
nova visão da pessoa humana, do mundo, da sociedade e da Igreja, surgida na
Modernidade e na secularização.347
A seguir, trataremos dos pontos fundamentais da Moral Renovada.
3.4.3. A Moral Renovada e a ênfase na Sagrada Escritura
O cristocentrismo é o princípio teológico da Moral Renovada, fundada sobre
as implicações éticas do evento Cristo. Não significa o aparecimento de um novo
código de normas, mas o surgimento de uma nova autocompreensão do sujeito
moral. Cristo não é simplesmente um modelo moral, passível de ser codificado em
normas. Ele abre um novo horizonte de sentido, que faz com que a pessoa humana
se compreenda de um modo novo e, assim, possa agir. Esta perspectiva
cristocêntrica está inspirada na Sagrada Escritura, que passa a ser a alma da moral.
345 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB, 1999, p. 100-101. 346 Cf. VALLATE, M. “The inner voice”: a study of conscience in Bernhard Häring and Mahatma Gandhi. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 2000, p. 55; QUEREJAZU, J. La moral social y el Concilio Vaticano II. Votoria: ESET, 1993, p. 314. 347 Cf. ROQUETE, J. C. “Vino nuevo en odres nuevos”: el P. Bernhard Häring y la renovación de la teología moral. Isidorianum. Sevilla, vol. 6, n. 11, p. 52. 1997.
155
Por outro lado, existe um maior acento na graça do que no pecado.348
Häring afirma que, “animados pelo Espírito, vivemos em Cristo, que em nós
continua a orar, a amar e a evangelizar o mundo, libertando-nos de toda forma de
mal. A solidariedade em Cristo, ser um com ele, liberta o mundo do pecado, da
hamartía, isto é, da tendência à cumplicidade no mal que procura se insinuar
continuamente nas estruturas humanas e às vezes também nas eclesiásticas”.349 Por
outro lado, “ouvir o Evangelho, a boa nova, é ao mesmo tempo ouvir o grito do
pobre, com quem Cristo se identifica.”.350
A cristologia moral de Häring é de caráter “descendente”, onde Cristo é
entendido como a Palavra encarnada, através da qual o Pai pronuncia seu amor a
todos. O cristocentrismo é uma característica das obras de Häring, sendo também
ressaltado pelo Vaticano II quando se diz que a Moral deve evidenciar a
sublimidade da vocação dos fiéis em Cristo (Cf. Optatam Totius 16). O Filho é o
lugar de encontro do chamado de Deus e da resposta humana. Todos nós somos
chamados por Deus, em Cristo e temos o compromisso de dar uma resposta, por
meio do seu Espírito que age em nós.351
É preciso viver dessa lei que o Espírito escreve no coração de todo ser
humano e na dinâmica da história. É o Espírito que se faz visível no batismo de
Jesus, na sua morte e na sua ressurreição. Vivendo desse Espírito, participamos
plenamente da vida do Salvador e da sua missão libertadora. Portanto, a verdade
não é uma abstração: é Cristo. Liberta porque não é uma ideologia e sim uma
pessoa: o Filho de Deus, feito um de nós, para nos fazer como ele.352
Deus nos chama para a salvação e ao mesmo tempo para uma atitude de vida
correspondente à salvação. Chama-nos à vida de perfeição na caridade, tal como
foi a vida do próprio Cristo. Esta vocação comporta um dinamismo: seu apelo
ressoa em nós, sem cessar, pela ação do Espírito Santo.353
348 Cf. JUNGES, J. R. Evento Cristo e ação humana: temas fundamentais de ética teológica. São Leopoldo: Unisinos, 2001, p. 38. 349 Cf. SALVODI, V. (Org.). Häring.Uma autobiografia à maneira de entrevista. S. Paulo: Paulinas, 1998, p. 214. 350 Ibid., p. 206. 351 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. Estudios eclesiásticos, Madrid, vol. 74, p. 483-484. 1999; MOSER, A.; LEERS, B. Teologia Moral: Impasses e Alternativas. Coleção Teologia e Libertação. 3. e., Petrópolis: Vozes, 1996, p. 57. 352 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB, 1999, p. 136; 214. 353 Cf. MOSER, A.; LEERS, B. Teologia Moral: Impasses e Alternativas. Coleção Teologia e Libertação. 3. e., Petrópolis: Vozes, 1996, p. 57.
156
Segundo Häring, “no centro da Sagrada Escritura não estão as normas, mas
Cristo, Filho Unigênito do Pai, que se fez homem para ser um de nós! Nele temos a
vida. É o seu Espírito que nos dá alegria, tornando-nos livres. A nossa relação com
Cristo não é algo exterior, baseada na simples imitação; aquilo que muda a nossa
vida é o fato que Jesus nos dá o seu Espírito, porque quer continuar a sua vida
conosco, ou melhor, em nós”.354 E, “para sermos livres em Cristo e libertados por
Cristo, devemos fazer a escolha fundamental de seguir o Mestre e de ouvir a sua
voz. A escolha da liberdade implica, intrínseca e fortemente, a fidelidade à opção
fundamental: colocar Cristo no centro da nossa vida”.355
Por isso, “é preciso estar no ‘seguimento’ do Mestre, como outros ‘Cristos’
vivos no momento presente. Neste sentido. os elementos fundamentais de uma
moral baseada no seguimento são: rejeição do moralismo, superação do
formalismo e do legalismo, primado do amor, vida com Cristo e em Cristo e,
sobretudo, personalismo segundo o qual a pessoa é relação com o tu. E age plena e
somente em relação com o Tu absoluto, Deus”.356
3.4.4. A Moral Renovada e a dinâmica da “resposta-chamado”
O personalismo é o princípio antropológico da Moral Renovada. O ser
humano é pessoa. Isto significa que é um ser inacabado, que se constrói e que se
realiza como sujeito, na relação com Deus, com os outros e com o mundo. O ser
humano, enquanto pessoa é essencialmente liberdade fundamental, numa tarefa de
realizar-se, e responsabilidade fundamental, na relação com Deus e com os outros
e diante de Deus e dos outros. Portanto, liberdade e responsabilidade constituem a
autonomia da consciência como categoria básica da Moral Renovada.357
Na síntese moral de Häring, a pessoa ocupa o lugar que, em outras sínteses,
como a do casuísmo legalista, ocupa a lei. Porém, o personalismo de Häring não é
existencialismo arbitrário, descontínuo e individualista. É um personalismo de
354 Cf. SALVODI, V. (Org.). Häring.Uma autobiografia à maneira de entrevista. São Paulo: Paulinas, 1998, p. 42. 355 Cf. SALVODI, op. cit., p. 44. 356 Ibid., p. 38. 357 Cf. JUNGES, J. R. Evento Cristo e ação humana...,São Leopoldo: Unisinos, 2001, p. 38.
157
responsabilidade, no qual se busca a síntese entre a pessoa individual e a
comunidade e no qual se pretende vencer as tentações do individualismo liberal e
do coletivismo marxista. É preciso destacar que a solidariedade é também uma
atitude correlativa ao personalismo de responsabilidade.358
Para Häring, a moral cristã não culmina no antropocentrismo, nem no
teocentrismo estranho ao mundo e sim na união sobrenatural do homem com Deus,
no diálogo, na “responsabilidade”.359 Como ele próprio afirma, “aqui se trata em
primeiro lugar da obediência da fé, isto é, da escuta sincera e dócil da palavra de
Deus, e do esforço de todos para prestar ouvidos e descobrir os sinais dos tempos.
A ética da responsabilidade concretiza-se e comprova-se na obediência e na escuta
recíproca”.360
A perspectiva básica da teologia moral de Häring está na integração da
atitude religiosa e da atitude ética na existência cristã. Desde sua tese de Doutorado
sobre “O sagrado e o bem”, Häring insiste continuamente que a moral cristã é uma
moral religiosa. Daí, entende que a vida ética do cristão é uma resposta responsável
ao chamado amoroso de Deus em Cristo.361
Häring desenvolve a sua reflexão moral baseada na existência concreta da
pessoa humana, na responsabilidade e no amor. Responsabilidade torna-se uma
palavra chave para a moral católica, no pós-Vaticano II. Trata-se da atitude do
cristão frente à sua existência no mundo e frente às estruturas e instituições. O
seguidor de Jesus Cristo não pode simplesmente conformar-se com os padrões e as
estruturas sociais, econômicas e políticas existentes. Mas, assumir uma maior
responsabilidade no seu agir humano, tornando o mundo e a vida mais humanos.
Também este deve ser o compromisso da Igreja.362
358 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. Estudios eclesiásticos, Madrid, vol. 74, p. 484. 1999. 359 Cf. SALVODI, V. (Org.). Häring.Uma autobiografia à maneira de entrevista. São Paulo: Paulinas, 1998, p. 39. 360 Cf. HÄRING, B. É tudo ou nada: mudança de rumo na teologia moral e restauração. Aparecida: Santuário, 1995, p. 54-55. 361 Cf. VIDAL, M. op. cit., p. 483. 362 Cf. VALLATE, M. “The inner voice”: a study of conscience in Bernhard Häring and Mahatma Gandhi. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 2000, p. 52; CURRAN, C. E. Catholic moral theology in dialogue. London: University of Notre Dame Press, 1976, p. 156-157; SALVODI, V. (Org.). Häring: Uma autobiografia à maneira de entrevista. São Paulo: Paulinas, 1998, p. 35.
158
Em algumas obras pós-conciliares, Häring ilustra de modo especial a visão
personalística e existencial da vida cristã, através da relação eu-tu-nós. A revelação
de Deus em Jesus Cristo dá o impulso decisivo para uma reflexão sobre o ser
pessoa e como ser de um “eu” aberto ao “tu”. A pessoa é irrepetível na sua
unicidade e na sua autonomia. O ser humano existe como pessoa na palavra e no
amor. Pois, para o personalista, Deus se manifesta na palavra e no amor.363
Neste sentido, o eu não poderia existir e encontrar a sua missão na palavra e
no amor “sem a relação ao tu e se não é interpelado de maneira decisiva daquele
que é simplesmente a plenitude da palavra e do amor”.364 O personalismo cristão
resplende no amor, não porém no amor como preceito mas no amor como dom.365
E refletindo sobre a relação dialógica entre Deus e as pessoas por meio de
Jesus, Häring está convencido de que Deus quer pessoas para ser co-criadoras e co-
artífices, não apenas executoras desanimadas de sua vontade. Em outras palavras,
Deus espera de cada pessoa, uma resposta criativa, não simplesmente como
cumpridoras mecânicas de normas.366
Para a Moral Renovada, antes de falar de obrigação é preciso mostrar a altura
da vocação cristã. Trata-se de uma vocação pessoal: cada um é chamado
individualmente pelo nome, e isto é único e insubstituível. Mas, esta mesma
vocação tem um caráter essencialmente comunitário. Ou seja, é recebida no seio da
comunidade e se orienta a serviço desta mesma comunidade.367
3.4.5. Moral Renovada e compromisso cristão
“O importante é deixar a solidariedade na perdição para entrar na
solidariedade da salvação”.368 Por isso, os discípulos e as discípulas de Cristo
363 Cf. BALOBAN, S. Spirito e vita christiana nella teologia morale di Bernhard Häring. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 1988, p. 77. 364 Cf. HÄRING, B. Verso una teologia morale cristiana. 2. e., Roma: Paoline, 1968, p. 152. 365 Cf. BALOBAN, S. op. cit., p. 78. 366 Cf. VALLATE, M. “The inner voice”: a study of conscience in Bernhard Häring and Mahatma Gandhi. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 2000, p. 58. 367 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB, 1999, p. 100. 368 Cf. HÄRING, B. É tudo ou nada: mudança de rumo na teologia moral e restauração. Aparecida: Santuário, 1995, p. 40.
159
devem estar fascinados pelas bem-aventuranças e serem continuamente
encorajados a se deixarem entusiasmar por Cristo, que é o caminho, a verdade e a
vida. A marca distintiva do cristão, para Häring, deve ser a co-humanidade com
Cristo, desenvolvendo-se uma consciência de solidariedade com os outros, por
meio da experiência de fé.369
Não se trata só da minha liberdade, mas da liberdade de todos. Nós, no
seguimento do Servo não-violento de Deus, devemos viver em todos os planos
possíveis, a busca do amor que cura, liberta e reconcilia. E isto se consegue no
cultivo de uma comunidade eclesial, por meio de um clima de confiança recíproca
e de plena abertura.370
Esta é a verdadeira santidade do cristão: pôr-se a caminho com os outros,
incentivar o desejo de sermos misericordiosos como Deus Pai. A santidade da
Igreja consiste na vontade de viver como povo de Deus em contínua peregrinação.
Portanto, ser “simples como as pombas e astuto como as serpentes” não deve ser
uma tática ou uma estratégia, e sim a resposta que provém da consciência de fazer
parte de um povo que paulatinamente procura realizar a sua missão. Sermos como
quer o nosso batismo, profetas, sacerdotes e reis, no seguimento humilde e não-
violento do Servo de Deus.371
Este compromisso cristão só é possível, por meio de uma fé vivida na alegria
e na confiança, não no medo servil. A linha principal da teologia moral de Häring é
sempre cristocêntrica, eclesial e sacramental. Portanto, culto e vida moral não estão
separados, mas inter-relacionados, integrados.372
Na linguagem bíblica, a resposta humana ao chamado de Deus se dá por
meio de suas atitudes e de suas decisões. Daí a obrigação do cristão de trazer frutos
na caridade pela vida do mundo (cf. Optatam Totius 16). Obrigação não como um
imperativo que vem de fora, mas como conseqüência da vocação cristã. Trazer
frutos na caridade, por meio de uma fecunda experiência espiritual, na
solidariedade com o mundo que Deus criou e que foi redimido por Cristo. Portanto,
369 Cf. VALLATE, M. “The inner voice”: a study of conscience in Bernhard Häring and Mahatma Gandhi. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 2000, p. 75. 370 Cf. HÄRING, B. op. cit, p. 41; SALVODI, V. (Org.). Häring: Uma autobiografia à maneira de entrevista. São Paulo: Paulinas, 1998, p. 148. 371 Ibid., p. 45. 372 Cf. BALOBAN, S. Spirito e vita christiana nella teologia morale di Bernhard Häring. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 1988, p. 80-81; SALVODI, V. (Org.). op. cit., p. 40 e 75.
160
a moral, se quer servir verdadeiramente para a salvação do mundo, não deve nunca
perder de vista sua estrutura sacramental, eucarística, da vida cristã.373
Apresentaremos a seguir, a relação entre a Moral Renovada e o Concílio
Vaticano II.
3.4.6. A Moral Renovada e o Concilio Vaticano II
A teologia moral católica e o seu ensinamento moral, no período seguinte ao
Concílio Vaticano II, assume um rosto diferente daquele assumido pela teologia
pós-tridentina. Enquanto a teologia moral compilada entre os séculos XVII e XIX
se endereçava de preferência à função dos confessores, vindo concebida na
perspectiva da sua função de juiz e de fiscal espiritual, a visão do Concílio
Vaticano II é caracterizada pelo diálogo e pela acentuada pregação da boa-notícia
da vida em Cristo Jesus.374
Neste sentido, a renovação da moral se deu com uma ênfase maior na chave
bíblica e patrística, reforçando as bem-aventuranças e as virtudes e abandonando a
ênfase nas obrigações e no cumprimento da lei pela lei.375
O Concílio Vaticano II convida a Teologia Moral a não preocupar-se
somente com a ética normativa do comportamento, mas também de encorajar a
postura de uma vida moral sempre melhor. Com isso, a abertura propiciada pelo
Concílio permitiu uma série de superações:
- superação do eternismo, através do princípio da historicidade;
- a superação do pessimismo dualista pela recuperação da confiança no ser
humano;
- a superação do terror do pecado pela confiança na graça;
- a superação do legalismo pela valorização da Aliança;
373 Cf. HÄRING, B. La predicazione della morale dopo il Concilio. 2. e., Roma: Paoline, 1967, p. 12; VALLATE, M. “The inner voice”: a study of conscience in Bernhard Häring and Mahatma Gandhi. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 2000, p. 80; VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB, 1999, p. 100. 374 Cf. HÄRING, B., op. cit., p. 9. 375 Cf. MASET, A. B. Ley y conciencia: una aproximación a la renovación de la teología moral. Extrato de la tesis doctoral presentada en la Facultad de Teología de la Universidad de Navarra. In: Excerpta e dissertationibus in Sacra theologia. Pamplona: Pub. Univ. Navarra, 1997. p. 26.
161
- a superação do privatismo, pelo valor atribuído às realidades terrestres.376
Embora o Concílio Vaticano II não tenha nenhum documento específico que
trate da Teologia Moral, torna-se suficiente recolher o espírito geral do Concílio
para elaborar uma profunda renovação nesta área. Nele, temos orientações precisas
sobre o modo de como se realizar isto. Partindo de sua própria experiência, Häring
afirmou: “quem compreendeu o Concilio julga impensável o retorno àquela
manualística dos milhares de pecados devidamente classificados e anotados”.377
Por um lado, o Concílio Vaticano II legitimou e favoreceu o confronto da
teologia moral com “os sinais dos tempos” (Cf. Gaudium et spes n. 4). Por outro,
constatou-se a necessidade de uma recuperação científica da teologia moral. Neste
propósito de uma Moral Renovada, os três fundamentos tornam-se: a vocação em
Cristo como princípio ontológico, a Sagrada Escritura como princípio cognitivo
mais importante e o testemunho da caridade como princípio operativo (Cf.
Optatam Totius 16). Numa moral da graça, diferente da moral jurídico-casuística
fundada sob a lei, o lugar central é ocupado não naquilo que o ser humano crê que
deve fazer de si, mas daquilo que o batizado permite que o próprio Cristo lhe
faça.378
3.4.7. Conclusão
Na Moral Renovada, a perspectiva cristocêntrica, inspirada na Sagrada
Escritura, passa a ser a alma da moral. Para Häring, a interpretação do Evangelho é
inseparável da vida e da história humana. Por outro lado, a pastoralidade é um
traço característico tanto da moral de Santo Alfonso como da moral de Häring.
Como vimos, a acentuada mudança de uma ética da obediência para uma
corajosa ética da responsabilidade cristã é um dos principais sinais da virada da
376 Cf. MOSER, A.; LEERS, B. Teologia Moral: Impasses e Alternativas. Coleção Teologia e Libertação. 3. e., Petrópolis: Vozes, 1996, p. 44; PRIVITERA, S. Il rinnovamento della teologia morale fondamentale. Rivista di teologia morale. Bologna, n.137, p. 74. 2003. 377 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB, 1999, p. 99; HÄRING, B. Mi experiencia con la Iglesia. Madrid: PS Edit., 1990, p. 185. 378 Cf. ZIEGLER, J. G. Teologia morale e dottrina sociale cristiana. In: VORGRIMLER, H.; GUCHT, R. V. (a cura di) Bilancio della teologia del XX secolo. Vol. III, Roma: Città Nuova, 1972, p. 368; 373.
162
Teologia Moral Renovada, determinada, sobretudo, pelo Concílio.379
A Bernhard Häring se deve a mudança de perspectiva da teologia moral: a
passagem de uma moral da lei para a moral do amor; do “tu deves” para o “tu
podes”; da obediência servil à alegria da liberdade e da fidelidade de filhos de
Deus. Por isso, é considerado um dos maiores inspiradores e líderes do período da
renovação da Teologia Moral na Igreja Católica.
A perspectiva básica da sua teologia moral está na integração da atitude
religiosa e da atitude ética na existência cristã. Sua reflexão moral é baseada na
existência concreta da pessoa humana, na responsabilidade e no amor. Pois, como
ele próprio afirma: “O importante é deixar a solidariedade na perdição para entrar
na solidariedade da salvação”.
Sintetizando, a renovação que Häring introduz na Moral católica se dá,
basicamente, por meio dos seguintes pontos: 1) a compreensão da vida cristã como
vocação, isto é, como “resposta” alegre ao “chamado” amoroso de Deus; 2) a
orientação cristológica do agir cristão, enquanto realização do seguimento de
Cristo; 3) a tonalidade personalista no modo de entender e de viver as exigências
da moral cristã numa dinâmica altruísta e solidária; 4) a perfeição como meta de
vida cristã, no entanto, levando em consideração aquilo que Santo Alfonso
denominava “a fragilidade da presente condição humana”.380
No entanto, a crítica que podemos fazer em relação à Moral Renovada é de
que ela apresenta ainda, certa visão ingênua da sociedade moderna. Pois, não dá
uma firme atenção aos conflitos sociais e à injustiça. Além disso, tem uma
concepção otimista do mundo, correndo o risco de se esquecer da realidade do mal
e do pecado. Por outro lado, o personalismo não tem uma perspectiva social que
pensa a partir das maiorias marginalizadas. O interlocutor da reflexão moral é a
pessoa humana moderna das sociedades abastadas. Esta reflexão vai se dar,
sobretudo, com o desenvolvimento das teologias da libertação.381
No capítulo a seguir, analisaremos a obra A lei de Cristo, de Bernhard
Häring, considerada um marco inovador da Teologia Moral, do período pré-
379 Cf. HÄRING, B. Minhas esperanças para a Igreja..., Aparecida: Santuário/São Paulo: Paulus, 1999. p. 47. 380 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring: um renovador da moral católica. São Paulo: Paulus/ Aparecida: Santuário, 1999, p. 7-8. 381 Cf. JUNGES, J. R. Evento Cristo e ação humana..., São Leopoldo: Unisinos, 2001, p. 40.
163
conciliar. Por questões metodológicas, teremos este capítulo mesmo após termos
tratado do Vaticano II. Isto porque, o nosso objetivo é fazer uma comparação desta
mesma obra com o seu segundo manual, Livres e fiéis em Cristo.
164
3.5. A consciência moral em A Lei de Cristo 3.5.1. Introdução
Em 1954, Bernhard Häring publica a sua primeira obra fundamental: A Lei
de Cristo - Teologia Moral para Sacerdotes e Leigos (Das gesetz Christi -
Moraltheologie dargestellt für Priester und Laien. Freiburg: Erich Wewel, 1954,
1448 p.), oferecendo uma síntese de tudo o que havia sido produzido no
movimento renovador pré-conciliar que, por achar-se expresso em diversas obras e
artigos, não havia ainda sido reunido num conjunto coerente e sistemático. O eixo
central da obra é o seguimento de Jesus Cristo.382
A Lei de Cristo é considerada um divisor de águas, um manual de nova
concepção que recolhe e funde juntas, velhas e novas instâncias, sendo da primeira
fase do pensamento de Häring. Mesmo ainda preso aos esquemas tradicionais, o
autor opta seguramente por uma vocação cristã concebida como resposta concreta
da pessoa humana ao apelo de Deus em Cristo Jesus. Por isso, o manual é baseado
no tema do diálogo entre Deus e a pessoa humana. A moral não é nada mais que a
resposta humana ao chamado de Deus e à Lei de Cristo, ou seja, uma moral da
responsabilidade em Cristo.383
O objetivo de Häring nesta obra é de recolher o mais valioso da reflexão
precedente e dar-lhe uma sistematização, de uma maneira pastoral. Toda ela é
nutrida pela Sagrada Escritura e fundada pela antropologia da revelação e das
ciências humanas.384 Como ele próprio afirma, quer “que o cristão assuma a
responsabilidade de suas próprias ações que brotam da caridade, com fidelidade
corajosa à consciência sincera e sempre à busca da verdade. Tal concepção da
382 Cf. HÄRING, B. Mi experiencia con la Iglesia. Madrid: PS Edit., 1990, p. 7; QUEREJAZU, J. La moral social y el Concilio Vaticano II. Votoria: ESET, 1993, p. 56. 383 Cf. PINCKAERS, S. Le fonti della morale cristiana: metodo, contenuto, storia. Milano: Ares, 1992, p. 355-356; ANGELINI, G.; VALSECCHI, A. Disegno storico della teologia morale. Bologna: EDB, 1972, p. 175-176.PARISI, F. Il valore della coscienza e dell’esperienza morale. Bari: Levante, 2003, p. 28; DOLDI, M. Fondamenti cristologici della teologia morale in alcuni autori italiani. Dissertatio ad Doctoratum. Città del Vaticano: Editrice Vaticana, 1996, p. 40. 384 Cf. VIDAL, M. Evocación de Bernhard Häring, renovador de la Teología moral católica. Moralia. Madrid, Vol. 21, p. 491. 1998.
165
teologia moral contribuiu e contribui muito à santificação individual e ao
crescimento da comunidade”.385
O clima cultural de referência de A Lei de Cristo é a escola de Tübingen,
universidade na qual estudou Bernhard Häring e da qual teve sempre uma grande
recordação. A grande tradição de escola teológica fundada sob a dinâmica da
relação Deus-pessoa humana, fé-história, fazia de Tübingen um centro de estudos
empenhado e sereno, onde a teologia dos centros romanos era, de alguma forma,
muito distante.386
3.5.2. Publicação
A Lei de Cristo é uma obra que foi preparada de 1947 a 1953 e publicada em
1954. Foi reeditada em sua língua original alemã até a 8ª. edição, traduzida em 14
idiomas e muitas vezes reeditada. Ela serviu para acender em escala mundial uma
nova reflexão no seio da Teologia Moral. Enquanto preparava os manuscritos da
obra, Häring realizava a compilação do Handbuch der katholischen Sittenlehere387.
Trata-se de um Handbuch composto de cinco livros, de autores que influenciaram
profundamente no seu fazer teológico moral.388
Entre 1954 e 1967, o programa de investigação de Bernhard Häring pode ser
considerado, de uma forma simplificada, expresso em torno às revisões de A Lei de
Cristo. 1967 é a data em que de algum modo se acaba a editoração em alemão da
385 HÄRING, B. Mi experiencia con la Iglesia. Madrid: PS Edit., 1990, p. 5-6. 386 Id. Fede, storia morale. Intervista di Gianni Licheri, Torino: Borla, 1989, p. 44; PARISI, F. Il valore della coscienza e dell’esperienza morale. Bari: Levante Edit., 2003, p. 35, n.22. 387 Composição do Handbuch der katholischen Sittenlehere (1947-1953): livros I e II: Die philosophische Grundlegung der kath. Sittenlehre, de Th. Steinbüchel (1888-1949); livro III: Die psychologischen Grundlagen der kath. Sittenlehre, de Th. Müncker (1880-1960); livro IV: Die Idee der Nachfolge Christi, de F. Tillmann (1874-1953); livro V: Die Verwirklichung der Nachfolge Christi, de F. Tillmann. 388 Cf. ZIEGLER, J. G. Teologia morale e dottrina sociale cristiana. In: VORGRIMLER, H.; GUCHT, R. V. Bilancio della teologia del XX secolo. Vol. III, Roma: Città Nuova, 1972, p. 363-364.VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. Estudios eclesiásticos. Madrid, vol. 74, p. 468-469. 1999; PINCKAERS, S. Le fonti della morale cristiana..., Milano: Ares, 1992, p. 355-356; GOMEZ MIER, V. El cambio de matriz disciplinar en la teología moral después Del Concilio Vaticano II. Tesis Doctoral. Madrid: Univ. Pontif. Comillas de Madrid, 1994, p. 143.
166
obra, quando ele se limitou a refundi-la sistematicamente, à luz das declarações e
do espírito do Concílio Vaticano II.389
Importa examinar a seqüência de edições alemãs: 1954 - edição original;
1955 - 2ª. edição revisada; 1956 - 3ª. edição revisada; 1956 - 4ª. edição revisada;
1957 - 5ª. edição revisada; 1961 - 6ª. edição ampliada e sistematicamente revisada;
1963 - 7ª. edição revisada; 1967 - 8ª. edição sistematicamente revisada.390
3.5.3. Acentos renovadores da obra
Apresentaremos a seguir, os pontos fundamentais da obra, com seus acentos
renovadores.
3.5.3.1. Fundamentação religiosa como caráter experiencial
Bernhard Häring coloca na origem de sua síntese teológico-moral o princípio
de que a moralidade cristã é parte integrante da religião. Conseqüentemente, a
estrutura fundamental da ética cristã tem uma estrutura dialogal, pois se trata de
um diálogo com Deus. Para se evitar que a doutrina moral cristã se transforme
numa verdade abstrata é necessário fundamentá-la nas experiências concretas da
fé. Dentro desta síntese de uma moral baseada na fé, Häring destaca a importância
da espiritualidade no esquema da Teologia Moral. Ele recusa decididamente que o
objeto da Moral sejam os pecados de uma forma exclusiva, e que as virtudes sejam
uma preocupação apenas da Espiritualidade. A Moral não é um compartimento
estanque dentro do corpo teológico.391
Por isso, Häring parte do mistério da salvação, que resume na palavra central
da Bíblia: basiléia - o Reino – que expressa tanto o domínio como o reinado de
389 Cf. HÄRING, B. Das gesetz Christi, 1967, vol. I, 8. e., Freiburg: Wewel, p. 9; GOMEZ MIER, V. El cambio de matriz disciplinar en la teología moral después del Concilio Vaticano II. Tesis doctoral. Madrid: Univ. Pontif. Comillas de Madrid, 1994, p. 156-157. 390 Cf. BENZERATH, M. Bibliographie 1950-1977 (B. Häring). Studia moralia. Roma, n. 15, p. 13-30. 1977; GOMEZ MIER, V. op. cit., p. 154. 391 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. In: Estudios eclesiásticos. Madrid, vol. 74, p. 470. jul-sep. 1999.
167
Deus. Trata-se de um domínio e poder não pela força, mas pelo amor. “Reino do
amor de Deus” é a tradução dos textos bíblicos, repetida por Häring. Os mistérios
salvíficos (Paixão, Ressurreição, Ascensão, Pentecostes e Parusia) são para Häring
princípio e culminação de toda a Teologia Moral. Neste sentido, “a lei de Cristo” é
uma “lei da graça”. Uma Moral penetrada por Cristo não pode tolerar a
coisificação da graça. Trata-se de vida e uma vida penetrada por Cristo que, ao
vivificar o nosso ser, condiciona o nosso agir.392
Neste contexto, Häring integra em sua Moral a doutrina sobre os
sacramentos. Ele não enfoca os sacramentos do ponto de vista canônico, de sua
validez ou como uma série de obrigações para consigo mesmo. Não são também
meros meios da graça para a vida moral, como o insinuavam os catecismos com
seus planos de fé-mandamentos-sacramentos. Não são vistos simplesmente como
sete fontes que nutrem a vida cristã em suas diversas fases. Aqui se fala de Cristo
como Sacramento original, no qual se baseiam todos os sacramentos da Igreja em
seu conjunto.393
A Moral deve estar aberta para as alturas, lançada à santidade como suprema
meta e objetivo. Seu núcleo central deve ser o amor, tendo em vista conseguir o
“sede perfeitos como vosso Pai...”. Ele enfatiza o seguir Cristo na radicalidade. A
santidade não é um conselho dirigido à boa vontade de uns poucos, mas um
chamado comprometedor para todos os cristãos, ou melhor, para todas as pessoas,
como afirma mais tarde a Constituição Lumen gentium, nos n. 39-42.394
A Lei de Cristo dá um destaque especial às dimensões teologais e espirituais
da vida cristã. Além de dedicar uma grande parte à fundamentação religiosa da
moral cristã, o livro introduz no conteúdo da Moral, as realidades cristãs: a graça,
os sacramentos, a liturgia e a espiritualidade, sem cair num moralismo casuístico.395
392 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. In: Estudios eclesiásticos. Madrid, vol. 74, p. 471. jul-sep. 1999. 393 Cf. HÄRING, B. A Lei de Cristo. Vol. I: Moral Geral. São Paulo: Herder, 1960, p. 138-144 e vol. III: Moral Especial. São Paulo: Herder, 1960., p. 125-130. 394 Cf. VIDAL, M. op. cit., p. 471. 395 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. Estudios eclesiásticos. Madrid, vol. 74, p. 465. jul-sep. 1999.
168
3.5.3.2. A tonalidade cristológica A visão cristológica de Häring aparece fortemente confirmada na reflexão
sobre o dado escriturístico. A Sagrada Escritura aparece, assim, como uma das
duas fontes da teologia moral – a outra é a Tradição. A pessoa se descobre ser
intimamente ligada a Cristo, à sua pessoa, à sua palavra, graças aos dons do
Espírito Santo, e decide ativamente reproduzir a imagem de Cristo no mundo. Tal
imagem é aquela do filho desejoso de ser como o próprio Pai. Abandonada assim
toda forma de minimalismo, a moral filial fará com que a pessoa humana busque
conformar-se ao máximo ao modelo de Cristo.396
Cristo é de fato considerado como a manifestação plena da vontade do Pai e
do seu amor. Diante do apelo de Deus, mediante Cristo, a pessoa humana é
chamada a reproduzir no mundo a imagem do Filho, a ser filho pela graça. E é esta
a resposta humana para Deus. A possibilidade de tal diálogo se baseia sobre o fato
de que a pessoa humana é criada e redenta em Cristo (cf. Col 1,14ss). Portanto, o
homem histórico pode ser compreendido somente à luz de Cristo, porque Cristo é o
arquétipo segundo o qual nós somos criados e re-criados.397
Criação e redenção, segundo o testemunho bíblico, são os grandes âmbitos
dentre os quais se coloca a moralidade cristã. O tratado aparece assim
caracterizado por duas seções principais: a primeira que trata do “apelo de Cristo”,
a segunda que trata da “resposta humana”. Em tal perspectiva, a antropologia é
vista à luz da cristologia. Deste modo, a pessoa humana, chamada para o
seguimento de Cristo, pode compreender-se somente em razão d’Aquele que a
chama para reproduzir a Sua imagem no mundo.398
O manual coloca como texto bíblico na fachada de rosto, Rm 8,2: “A lei do
Espírito de vida em Cristo Jesus me libertou da lei do pecado e da morte”. Com
isso, podemos afirmar que a obra de Häring faz passar a apresentação da moral
cristã da lei ao espírito, da casuística à vida nova em Cristo. Dessa forma, todo o
396 Cf. DOLDI, M. Fondamenti cristologici della teologia morale in alcuni autori italiani. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 1996, p. 39-41. 397 Id. Ibid., p. 38. 398 Idem. p. 39-41.
169
corpo da obra tem o objetivo de mostrar que a norma e o centro da Teologia Moral
cristã é o próprio Cristo. Pois, Ele é a nossa Lei.399
O título recolhe a orientação cristológica paulina: “A lei de Cristo” (Cf. Gal
6,2), uma lei entendida como vida. Ou seja, é o amor divino em Cristo que desce
pessoalmente sobre nós, e nos impulsiona do íntimo, a amar com Cristo e em
Cristo também o nosso próximo. “Lei da graça”, “lei da fé”, “primado do amor”,
todas estas verdades centrais hoje vêem repensadas sobre novas bases, a partir do
único centro, Cristo.400
A plataforma que gera e sustenta a vida moral cristã é a fé, expressa em seu
núcleo de Mistério da Salvação em Cristo. Ou seja, o mistério salvífico de Cristo é
o núcleo gerador e determinante de uma moral adjetivada de cristã. Porém, o mais
relevante de Cristo frente à Moral não é a sua lei, nem sequer a sua vontade, é seu
amor. Amor que salva e que interpela a todos. Por isso, o Mistério Pascal polariza
desde o princípio o projeto moral de Häring. A lei de Cristo é lei de graça que
infunde e condiciona a vida e o comportamento do fiel. Sem desprezar nem
esquecer o valor da lei, a vida do cristão se move guiada pelo dinamismo e pelo
estímulo da graça.401
3.5.3.3. Dimensão de chamado-resposta
Bernhard Häring não baseia sua Moral na idéia de autoperfeição pessoal,
como seu mestre Steinbüchel. Tão pouco no imperativo “salva a tua alma”. Muito
menos num imperativo categórico kantiano. Seu projeto teológico-moral se enraíza
na responsabilidade. Esta orientação dá à sua obra perenidade bíblica e, ao mesmo
tempo, atualidade.402
399 Cf. SALVOLDI, V. (Org.). Una entrevista autobiográfica. Madrid: San Pablo, 1998, p.47-48; BORDEAU, F.; DANET, A. Introduction to the Law of Christ. New York: The Mercier Press, 1966, p. 219-242; VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. Estudios eclesiásticos. Madrid, Vol. 74. p. 478. jul-sep. 1999. 400 Cf. HÄRING, B. Problemi attuali di teologia morale e pastorale. Vol. I, Roma: Paoline, 1965, p. 21; SALVOLDI, V. (Org.) op. cit., p.48. 401 Cf. QUEREJAZU, J. La moral social y el Concilio Vaticano II. Votoria: ESET, 1993, p. 57. 402 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. Estudios eclesiásticos. Madrid, vol. 74, p. 473. jul.-sep. 1999.
170
O ser humano é uma pessoa que responde, ou seja, que tem
“responsabilidade”. Uma resposta que implica num chamado de Deus. Este
processo de inter-relação pessoal nos projeta, portanto, a uma resposta responsável
a Deus. O transcendente chamado divino, surgido do amor que se volta ao outro
como “tu”, se faz imanente ao inserir-se, por meio de Cristo, na história humana,
fazendo-a história de amor salvífico em ação. Por este mistério amoroso de
“encarnação”, adquirimos o sentido de nossa verdadeira dignidade como pessoas e
como irmãos e irmãs de todos. Adquirimos a nossa responsabilidade para com o
outro e com todo o Cosmos, saídos todos da Palavra criadora de Deus. A partir
desta idéia central da responsabilidade, se ramifica a Teologia Moral de Häring em
torno a dois grandes núcleos: o chamado de Cristo e a resposta humana.403
O ponto de partida da ética cristã é Cristo, que nos participa a sua vida e nos
chama para o seu seguimento. A Moral cristã é, conscientemente, Cristo-dialógica.
Criados por Deus e recriados em Cristo, trazemos a lei de Cristo – lei do amor –
em nós. Por isso, a Moral é acima de tudo uma resposta do ser humano ao
chamado de Deus.404
Cristo chama toda pessoa para o seu seguimento na liberdade e por meio da
consciência. Qual será a resposta a este chamado? Uma possibilidade é o “não”,
que se manifesta nas diversas formas de pecado. Encontramos primeiramente na
obra, no Título Primeiro da Segunda Parte do Volume I, a descrição da natureza do
pecado como recusa ao apelo de Cristo. E, a seguir, as distinções do pecado nas
suas diversas formas, especialmente os pecados capitais.405
Ao “não” se contrapõe o “sim”, como resposta ao chamado de Cristo. Ele
nos quer a conversão, dando-nos a possibilidade de realizá-la. O Título Segundo da
Segunda Parte do Volume I, sobre a conversão, é considerado o melhor da Moral
de Häring nesta obra, pelo seu enfoque bíblico, pela sua original fundamentação
em Cristo e pela relação que se estabelece entre a conversão e o Reino de Deus
(Mc 1,15). Aqui, a vida moral cristã aparece como individual, sacramental,
solidária e cultual. Conversão é o chamado bíblico para mudar o coração. É preciso
403 Cf. HÄRING, B. A Lei de Cristo. Vol. I: Moral Geral. São Paulo: Herder, 1960, p. 96- 124. 404 Ibid. 405 Cf. HÄRING, B. A Lei de Cristo. Vol. I: Moral Geral. São Paulo: Herder, 1960, p. 423-483; VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. Estudios eclesiásticos. Madrid, vol. 74, p. 475. jul.-sep. 1999.
171
sempre uma contínua conversão, pelo fato de que a pessoa humana nunca responde
totalmente ao chamado de Deus, mas sempre tem uma queda.406
De modo revolucionário vem situada a liberdade humana, na Primeira Seção
do Capítulo Segundo da Primeira Parte do Volume I. A nova moral sustenta que se
deve insistir na liberdade mais que na simples obediência à lei e à autoridade. Não
são suficientes os imperativos, se requer motivos. Neste mundo firmado no
pluralismo, é urgente educar para a liberdade, insistindo no ponto de vista cristão
dos valores, no discernimento dos espíritos e na autonomia do ser pessoal.407
Para Häring, o problema fundamental da Moral cristã é sempre o mesmo:
“como poderemos corresponder ao imenso amor que Deus nos demonstrou em
Jesus Cristo?”408 A única resposta adequada da parte da pessoa humana é um amor
adorador e obediente, uma adoração amorosa.409
Portanto, a idéia fundamental da teologia moral de A Lei de Cristo é o
diálogo entre Cristo Redentor e a pessoa humana. Cristo, o Verbo encarnado, está
em meio a nós para revelar-nos a misericórdia de Deus Pai e, ao mesmo tempo, nos
pede uma resposta.410
A Moral não se apresenta como um antropocentrismo, mas também não
como um teocentrismo estranho ao mundo. Ela se origina essencialmente numa
comunhão de graça entre Deus e a pessoa humana, num diálogo de Palavra e
resposta que engendram a nossa “responsabilidade”. E é somente em Cristo que
nossa vida moral adquire o valor de resposta a Deus, porque Cristo é a Palavra e o
Verbo, no qual o Pai nos busca e nos chama. Nosso engajamento de amor no
seguimento de Cristo faz de nossa vida um eco, uma imagem e uma participação
da vida trinitária e do colóquio eterno sob a forma de Palavra e de resposta do
406 Cf. HÄRING, B. A Lei de Cristo..., Vol. I , p. 485ss; VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. In: Estudios eclesiásticos. Vol. 74, p. 476. jul.-sep. 1999; HÄRING, B. “Conversion”. In: DELHAYE, P. et al. Pastoral treatment of sin. New York: Desclée, 1968, p. 91-92; CURRAN, C. E. Catholic moral theology in dialogue. London: Univ. of Notre Dame, 1976, p. 225. 407 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB, 1999, p. 66. 408 HÄRING, B. A Lei de Cristo, Vol. II: Moral Especial. São Paulo: Herder, 1960, p. 1. 409 Cf. BALOBAN, S. Spirito e vita christiana nella teologia morale di Bernhard Häring. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 1988, p. 59. 410 Cf. MALI, M. La portata teologico-pastorale in “Liberi e fedeli in Cristo” de Bernhard Häring: una ricerca storico-critica alla luce della sua partecipazione nella stesura della “Gaudium et spes”. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 2003, p. 3.
172
Amor.411
3.5.3.4. Personalismo
Na Moral de Bernhard Häring, fé e vida sempre se encontram e se
complementam. Sua Teologia Moral tem muito de existencial. Não é algo que se
pode exercer, de forma neutra, sem se comprometer. A verdade é uma pessoa,
Jesus Cristo. Por isso, a Teologia não pode conformar-se em transmitir um sistema
doutrinal, sem que deva fazer presente Cristo que se concretiza nas pessoas
humanas.412
Por outro lado, o ser humano deve ser visto inserido na realidade do seu
“entorno social”: ambiente e comunidade, situado na sua dimensão histórico-
temporal. Isto porque a pessoa humana, na sua liberdade, não é um simples
expectador, mas um ator da história.413
O sujeito, levando em conta o passado, deve projetar-se para o futuro no
momento presente. Trata-se de uma natureza histórica dinâmica, que busca viver a
plenitude do compromisso da ética cristã, fazendo de sua própria história uma
“história de salvação”. E isto se realiza num processo com dimensão escatológica.
Não é algo que se conquista de uma vez por todas, mas que deve realizar-se passo
a passo, com a graça divina infundida na vida do cristão. Por isso, Häring enfatiza
o tempo presente como kairós, tempo favorável, momento oportuno para a
salvação. É também por isso que a Igreja deve avançar, sem medo das novidades.
Por meio de uma concepção integral de pessoa humana, surge o diálogo, que é
comunicação e encontro vivo de pessoas na palavra e no amor.414
Cristo chama cada pessoa humana, como pessoa individual e única e como
ser social, superando a dicotomia entre alma e corpo. É a pessoa humana que deve
411 Cf. HÄRING, B. A Lei de Cristo. Tomo I: Moral Geral. São Paulo: Herder, 1960, p. 35. 412 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. Estudios eclesiásticos, Madrid, vol. 74, p. 471-472. jul.-sep. 1999. 413 Cf. HÄRING, B. A Lei de Cristo. Vol. I: Moral Geral. São Paulo: Herder, 1960, p. 130-138; VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB, 1999, p. 66. 414 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. In: Estudios eclesiásticos. Madrid, vol. 74, p. 472-473. jul.-sep. 1999.
173
ser salva, na sua totalidade, aberta ao “nós” da comunidade e ao mundo, segundo o
modo no qual nos apresenta a Bíblia.415
Se a verdade da fé cristã é a pessoa de Cristo, a Teologia deve manifestar sua
presença nas pessoas humanas. Superando uma Moral dos atos humanos, centrada
no objeto, Häring prefere centrar-se na pessoa, na complexa realidade do ser
humano. Por isso, busca e trabalha com uma antropologia que abrace um conceito
integral de pessoa, aberto à transcendência.416
Cristo nos chama, e escutamos o seu chamado não pela lei exterior
(legalismo), mas no interior da consciência (personalismo). Nós decidimos em
nossas consciências e, com responsabilidade, damos uma resposta a este chamado.
Neste sentido, a visão de Häring fica muito distante do extrinsecismo e do
juridicismo de uma Moral de atos, e se estabelece a base para uma Moral de maior
tom vital e teologal, personalista ou de atitudes. O que mais se destaca nesta Moral
é a relacionalidade ou o diálogo com responsabilidade do sujeito moral (a pessoa)
com Deus e com o próximo numa chave de resposta-seguimento. Ou seja, o
chamado-vocação pessoal de Deus em Cristo.417
Neste contexto cristológico-dialogal, o tema do pecado se apresenta não
tanto como a fria transgressão da lei, mas como a negação ou a debilidade na
resposta-seguimento responsável a Cristo. A conversão, tema novo com relação
aos manuais anteriores, realiza de modo positivo a recuperação da graça no
contexto do dinamismo da vida cristã com suas vicissitudes de infidelidade e
recuperação.418
3.5.4. A noção de consciência moral em A Lei de Cristo
A consciência é o órgão receptor do apelo de Cristo, conclamando-nos a
segui-Lo. É nesta região mais secreta do ser humano que ele percebe, em
definitivo, que sua existência mais profunda está vinculada a Cristo. A pessoa
415 Cf. HÄRING, B. A Lei de Cristo. Vol. I: Moral Geral. São Paulo: Herder, 1960, p. 95-125; VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB, 1999, p. 66. 416 Cf. QUEREJAZU, J. La moral social y el Concilio Vaticano II. Votoria: ESET,1993, p. 58. 417 Ibid., p. 59. 418 Cf. QUEREJAZU, J. La moral social y el Concilio Vaticano II..., p. 59.
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humana ouve em seu coração a voz de Deus e do Bem. É imprescindível que ele
possua, para isso, um órgão e um sentimento próprios.419
Iluminada pela fé, a consciência torna-se, ela própria, um foco de luz. A
consciência é sempre considerada e compreendida do ponto de vista religioso,
partindo de Deus, sujeita a enfrentar o julgamento do juiz eterno. Agir segundo a
consciência, supõe que se tome em consideração não somente o que por si é lícito,
mas também as circunstâncias concretas e principalmente as conseqüências de
nossas ações em relação à salvação do próximo. Por isso, é necessário que a
consciência cristã seja, antes de tudo, sensível ao dever da caridade. 420
No Antigo Testamento, os termos “espírito”, “alma”, “entranhas” e
“coração” constituem o que chamamos de consciência, onde Deus “perscruta as
entranhas e os corações”. Por outro lado, o remorso causado pelo pecado perfura
dolorosamente o íntimo da pessoa humana (Cf. Is, 65,14; Jó 27,6). O Antigo
Testamento introduz sempre o fenômeno da consciência moral, relacionado com o
apelo que um Deus pessoal dirige ao ser humano. É o Senhor que fala na
consciência. No Novo Testamento, acentua-se a impossibilidade de fugir deste
olhar perscrutador da consciência (Cf. Mt 6, 23ss; Lc 11,33ss). Por outro lado,
acentua-se o fenômeno do obscurecimento da consciência. E mesmo no pecador,
no incrédulo e no pagão, a consciência moral existe. 421
A lei penetra até à mais íntima profundeza do coração humano, e este
coração, sempre inquieto, não cessa de nos impelir para Deus. O ser humano foi
criado para amar a Deus e o bem. Este destino é da essência mesma de sua
natureza.422
Ao fazer uma análise fenomenológica da consciência moral religiosa, B.
Häring acentua que:
O primeiro grito da consciência concentra-se no Eu (sem por isso se revestir de egoísmo). Simplesmente o Eu ferido grita. Mas logo que, movido pela primeira dor de sua consciência, o ser humano se abre novamente aos valores, não é mais só pela dor da ferida tão bruscamente aberta que ele chora os valores perdidos, mas é também pelo abalo que lhe causa o som da trombeta do Anjo do Juízo, que proclama altamente a sua rigorosa exigência. Sentença de condenação e apelo ao arrependimento misturam-se à dor do Eu dilacerado. Uma consciência que
419 Cf. HÄRING, B. A Lei de Cristo. Vol. I: Moral Geral. São Paulo: Herder, 1960, p. 197-198. 420 Idem., p. 201-202. 421 Idem., p. 200-201. 422 Idem., p. 203.
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estremece em meio às dores, percebe com agudeza este apelo que a incita a seguir o bem, apelo que significa para ela uma sentença de vida ou de morte, conforme a decisão que ela adotar... Diferente é a situação na consciência moral sã (boa consciência). Assim como a pessoa humana que desfruta de boa saúde não pensa em suas forças, não obstante elas transbordarem de plenitude, também a pessoa humana voltada inteiramente para os valores, não pensa continuamente com uma reflexão atual, naquilo que o bem proporciona ao seu bem-estar espiritual, mas rejubila-se com o bem e pratica-o por amor.423 Tomada na origem de sua existência, a consciência moral é um fenômeno
religioso: só a semelhança divina gravada no ser humano pode proporcionar-nos a
sua última explicação. Aquele, porém, cujo orgulho não falseia a experiência de
sua consciência moral, discernirá com absoluta segurança, ao som da trombeta do
Anjo e da advertência à conversão, um Deus que chama e um Juiz.424
A consciência moral é a voz de Deus: Atrás do apelo da consciência vemos, em última análise, o Deus três vezes Santo. Por certo, não é mister que se veja em cada juízo da consciência uma intervenção de Deus. Não é por revelações imediatas, ao menos habitualmente, mas através de seus dons, que o Espírito Santo nos fala. Eles aguçam a sensibilidade da nossa consciência e lhe infundem a necessária perspicácia, para que à luz da revelação divina projetada sobre as circunstâncias possamos identificar com maior facilidade a vontade de Deus... Deus fala à consciência, mas fá-lo de tal maneira que não fica poupado o esforço de formarmos juízos corretos por nós mesmos. Permanece, pois, aberta a hipótese de formularmos juízos desacertados. Na sua qualidade de voz de Deus, a faculdade da consciência estimula-nos a agir segundo aquilo que conhecemos. Neste sentido ela é infalível. Mas, o juízo como tal, pode ser defeituoso, e suas determinações emanadas da inteligência, podem ser errôneas. 425 Por outro lado, A característica mais própria da consciência é estimular a concordância da vontade com a verdade conhecida e impeli-la a procurar a verdade antes de tomar uma decisão. Assim, a consciência é verdade objetiva ou, em outros termos: consciência e autoridade de Deus que nos guia, prestam-se mútuo apoio. A própria consciência requer ensinamento e guia. Já na harmonia da criação e, sobretudo na plenitude maravilhosa de Cristo e de seu Santo Espírito que instruem a Igreja e pelos quais a Igreja nos instrui, encontra a consciência luz e direção. Para qualquer um a consciência é a suprema norma subjetiva de sua atuação moral; mas esta norma deve, por sua vez, conformar-se a uma norma objetiva. Para ser reta e autêntica, deve ela procurar por si mesma a sua norma no mundo objetivo da verdade. 426
Em relação à consciência e à autoridade eclesiástica, Häring afirma que “o
dogma da infalibilidade da Igreja (ou do Papa) em nada fere a função da
423 Cf. HÄRING, B. A Lei de Cristo..., p. 208-209. 424 Idem., p. 210-211. 425 Idem., p. 211-212. 426 Idem. p. 212-213.
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consciência moral, mas ao contrário, garante-lhe uma orientação segura nas
questões fundamentais e decisivas. Ademais, uma justa determinação da
infalibilidade eclesiástica indica a esfera, no interior da qual a consciência moral
recebe uma direção absolutamente segura, o terreno, no qual a consciência e a
autoridade não infalível, embora autêntica da Igreja, podem entrar em conflito”.427
Ao mesmo tempo, “a consciência acha-se duplamente vinculada à autoridade
civil. É uma autoridade legítima de conformidade com a lei natural, a qual
confirma e determina a revelação sobrenatural. Em muitíssimos casos, a
consciência necessita do concurso da sociedade e da autoridade social para
conseguir um juízo bem fundamentado”.428
Quanto à liberdade da consciência moral, Não se pode falar de liberdade absoluta para a consciência, uma vez que, longe de eximir da lei, ela tem, ao contrário, a finalidade de vincular à lei do bem. Sem dúvida, cada um deve obedecer à sua consciência, isto é, fazer o bem que sua consciência, após um sincero exame, lhe indica como obrigatório. Mas existem princípios morais que todos devem conhecer. Ninguém pode apelar para a própria consciência para justificar-lhes a transgressão. Um dos maiores males de nosso tempo está em que os povos só reconhecem um número muito restrito de princípios gerais em moral. Em conseqüência disto, prepondera uma margem exagerada de liberdade a consciência culpadamente errôneas e cientemente más. O Estado tem o dever de garantir a liberdade à consciência sã e boa, mas não a licença à consciência má. Caso contrário, verificar-se-á inevitavelmente, que os bons acabam sendo submetidos à violência dos maus. 429 Para a formação da consciência, A pessoa prudente e cônscia de suas limitações, saberá investigar e tomar conselhos; valorizará espontaneamente a submissão devida ao Magistério eclesiástico, e, acima de tudo, será humilde e dócil ao Espírito Santo. Esse é o caminho que nos leva à prática da virtude da prudência e ao exercício dos dons a ela correspondentes... O dinamismo da consciência encontra-se particularmente ameaçado no tipo de pessoa fraca que se compraz em considerar o bem ideal, mas na prática não assume nenhum compromisso com ele. É de grande importância para a cultura de uma consciência íntegra, estudarmos não somente os mandamentos e sobretudo o Bem no seu valor ‘em si’, mas de maneira semelhante ou mesmo preferencial, no apelo que eles nos dirigem. A ruína infalível da consciência é causada, antes de tudo, pela desobediência habitual e voluntária às suas exigências e pelas faltas multiplicadas sem nenhuma contrição.430
Quanto à consciência errônea, para Häring,: 427 Cf. HÄRING, B. A Lei de Cristo. Vol. I: Moral Geral. São Paulo: Herder, 1960, p. 213. 428 Idem., p. 214. 429 Idem., p. 215. 430 Idem., p. 216-217.
177
A consciência, faculdade de nossa ‘unidade ternária’, pela qual somos criados à imagem de Deus-Trindade, pode, sem dúvida, obscurecer-se e embotar-se. Nossa inteligência, que deve orientar-se pelo mundo objetivo, pode enganar-se. Não sendo intuitiva, ela depende da lentidão das informações, da pressão dos fatores sociais, das opiniões pré-fabricadas e encontra-se, portanto, sujeita à ignorância e ao erro. Porém, todo o dinamismo são da consciência tende a efetuar o que é reconhecido como o bem. .. A consciência deve ser sempre respeitada. Mas o veredicto culpavelmente errado não é um verdadeiro veredicto de consciência. Importa respeitá-lo o suficiente para não se chegar a violá-lo, ou melhor, respeitar nele a imagem que ele usurpa. Mas é necessário possuir grande amor à consciência no que ela tem de mais profundo e não se contentar com esta caricatura da consciência. Não se deve, pois, admitir como norma de vida moral este veredicto errôneo, e sim purificar a fonte donde ele jorra e obviar por este meio todo obscurecimento culpável da consciência.431 Ao falar de consciência perplexa, Häring afirma que “diante do dever de
tomar uma decisão a consciência não vê meio algum de evitar o pecado, seja qual
for o partido que ela se inclina a adotar”. Já a consciência laxa “resulta
habitualmente de uma grande tibieza no serviço de Deus”. E com relação à
consciência escrupulosa: “O escrúpulo é uma incerteza doentia que afeta o juízo
moral. O escrupuloso vive perturbado por um medo constante de pecar. Vê em
toda a parte deveres e perigos que ameaçam induzi-lo a pecar gravemente. A
norma capital para o escrupuloso é obedecer incondicionalmente ao confessor,
porque a consciência escrupulosa é uma consciência doente e tem absoluta
necessidade de guia e de médico”. 432
Por fim, Häring nos diz que: “A fonte mais comum de nossos erros e de
nossas incertezas é a ignorância mais ou menos culpável das coisas religiosas e
morais... Uma consciência moral suficientemente madura não escolherá
inconsideradamente o caminho mais fácil. Ela saberá atender à voz da graça e da
‘situação’ e enfrentar as asperezas de um compromisso que exija maior coragem,
toda vez que uma atitude lhe pareça consultar melhor os interesses do Reino de
Deus”. 433
431 Cf. HÄRING, B. A Lei de Cristo. Vol. I..., p. 222-223; 227. 432 Idem., p. 228-230. 433 Idem., p. 232; 237-238.
178
3.5.5. Méritos da obra
Para a escola romana pré-conciliar dominava a perspectiva legalista (o legal
é norma para a moral), afirmando que a lei eclesiástica obriga em consciência. Em
1953, Bernhard Häring terminava os manuscritos de A Lei de Cristo, onde o
sintagma “lei de Cristo” significava “lei do Espírito que dá vida em Cristo Jesus”
(Cf. Rom 8,2). Portanto, ele já estava aberto ao personalismo e,
conseqüentemente, à inviolabilidade da consciência. Com esta obra, Häring realiza
a passagem do legalismo casuístico para o personalismo dos valores, de inspiração
bíblica e cristológica. Dessa forma, ocorre um impulso decisivo na renovação da
Teologia Moral.434
É por todos hoje reconhecido que a publicação, em 1954, de A Lei de Cristo
constitui uma etapa decisiva para a renovação da Teologia Moral com um rosto
mais claramente teológico, articulando-a à luz das grandes categorias bíblicas e
sublinhando a positividade da resposta do fiel à graça. A obra tem um ar distinto
daquele que se respirava nos manuais da casuística. A tonalidade cristológica
onipresente, onde o título recolhe a orientação paulina de Gal 6,2 (a lei de Cristo),
nos traz uma lei entendida como vida e vida de amor.435
Portanto, A Lei de Cristo é uma obra que marca a linha divisória entre a
etapa casuística e a etapa da Moral Renovada. O acontecimento editorial da obra
demonstra a evidente obsolescência em que se encontravam os manuais latinos de
Teologia Moral, de acordo com as escolas dos centros romanos, na década anterior
ao Concilio Vaticano II.436
434 Cf. GOMEZ MIER, V. El cambio de matriz disciplinar en la teología moral después Del Concilio Vaticano II. Tesis Doctoral. Madrid: Univ. Pontif. Comillas, 1994, p. 160; VIDAL, M. Evocación de Bernhard Häring, renovador de la Teología moral católica. Moralia. Madrid, vol. 21, p. 492. 1998; Id., Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. Estudios eclesiásticos, vol. 74..., p. 478; ROSSI, G. Due nuovi manuali di Teologia Morale. Rassegna di teologia. n. 21, p. 85. 435 Cf. MAJORANO, S. Bernhard Häring: libero e fedele. Il Regno. Bologna, n. 819, ano XLIII, p. 504. 1998; VIDAL, M. Evocación de Bernhard Häring, renovador de la Teología moral católica... p. 492. 436 Cf. ROQUETE, J. C. “Vino nuevo en odres nuevos”: el P. Bernhard Häring y la renovación de la teología moral. Isidorianum. Sevilla, vol. 6, n. 11, p. 61. 1997.
179
A obra preparou o caminho para a renovação conciliar e pós-conciliar. Trata-
se do primeiro manual completo de Teologia Moral que propõe responder tanto à
“insatisfação” produzida pela moral casuística, como às aspirações de renovação.
Ao converter-se em texto-base de Teologia Moral em muitos Seminários e
institutos teológicos católicos, durante quase duas décadas, é um fator decisivo de
mudança da mentalidade católica no campo da Moral.437
Outro elemento importante em A Lei de Cristo é a separação clara e
premeditada entre Moral e Direito.438 Como Häring afirma na obra: “Que não
procure neste livro exposições substanciais de Direito canônico ou Direito civil.
Omitimo-las deliberadamente, para evitar de equiparar o Direito à Moral e,
sobretudo, de reduzir a Teologia Moral ao Direito”.439
Aqui, ele compreende e expõe a vida moral cristã como “vocação”. Daí
introduzir o esquema chamado-resposta, para nele organizar todos os elementos de
comportamento moral cristão. Apenas por esta inovação, pode ser considerado
como uma apresentação da moral cristã, ou seja, uma “alternativa” às que
ofereciam os manuais de moral casuística. À luz do esquema de chamado-resposta,
as realidades básicas da vida moral cristã (responsabilidade, consciência, pecado,
conversão) trazem uma dimensão nova, que estava ausente na moral casuística. 440
O autor, Häring, e a obra são símbolos da Moral Renovada. Pois, significam
uma mudança de orientação na Teologia Moral antes, inclusive, do Concilio. Por
outro lado, A Lei de Cristo pode ser considerado também como um grande tratado
de espiritualidade e de teologia pastoral. O primeiro papel desenvolvido pelo
437 Cf. VIDAL, M. Moral de Actutides, vol. I: Moral Fundamental. 6. e., Madrid: OS Edit., 1990, 128-131; Id., Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. Estudios eclesiásticos, vol. 74…, p. 477; Id., Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB, 1999, p. 77; QUREJAZU, J. La moral social y el Concilio Vaticano II. Votoria: ESET, 1993, p.62; SALVOLDI, V. (Org.). Una entrevista autobiográfica. Madrid: San Pablo, 1998, p.44; VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. Estudios eclesiásticos, vol. 74…, p. 477. 438 Cf. ROQUETE, J. C. “Vino nuevo en odres nuevos”: el P. Bernhard Häring y la renovación de la teología moral. Isidorianum. Sevilla, vol. 6, n. 11, p. 61-62, 1997; GOMEZ MIER, V. El cambio de matriz disciplinar en la teología moral después Del Concilio Vaticano II. Tesis Doctoral. Madrid: Unives. Pontif. Comillas de Madrid, 1994, p. 160-161. 439 HÄRING, B. A Lei de Cristo. Vol. I: Moral Peral. São Paulo: Herder, 1960, p. 4. 440 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental… p. 478-479; GOMEZ MIER, V. op. cit., p. 144; SCHURR, V.; VIDAL, M. Bernhard Häring y su nueva teologia moral catolica. Madrid: PS Edit., 1989, p. 32-44; VIDAL, M. Evocación de Bernhard Häring, renovador de la Teología moral católica. Moralia. Madrid., vol. 21, p. 489-490 e 493. 1998,; LORENZETTI, L. In ricordo di Bernhard Haering: una vita per la morale cattolica. Rivista di teologia morale. Bologna, n. 117, p. 341, gen.-mar. 1998; HÄRING, B. Mi experiencia con la Iglesia, Madrid: PS Edit., 1990, p. 5.
180
manual, o seu primeiro significado, foi o de servir de ponte entre a moral casuística
e a moral renovada.441
A importância desta obra de Häring, sobretudo tendo presente a situação
teológica e em especial a Teologia Moral que precedeu o Vaticano II, é que
apresenta uma moral cristocêntrica, na qual Häring é capaz de recolher as diversas
propostas de Teologia Moral realizadas antes do Concílio, e sistematizá-las, dando
uma visão própria, onde propõe a responsabilidade como fundamento da moral
cristã, tendo em vista o seguimento de Cristo, o amor a Deus e ao próximo e o
Reino de Deus.442
A lei de Cristo é essencialmente a “lei do espírito de vida em Cristo Jesus”
(Cf. Rom 8,2), o Espírito o qual o Senhor nos dá o desejo de moldar a vida de
Jesus em nós. A lei de Cristo é a lei da graça, e não uma graça impessoal (um tipo
de fluido que emana de Deus), mas uma rede de relações com pessoas. Na sua
benevolência, o Pai nos chama e nos salva em Cristo Jesus, através do Espírito de
Amor. Na graça somos sempre uma nova criatura em Cristo, que nos impulsiona a
viver conforme Cristo, por meio de uma livre cooperação de nossa parte.443
Häring é também um dos primeiros teólogos que teve a coragem de iniciar
um manual formal de Teologia Moral destinado aos clérigos e leigos. Foi uma
coisa surpreendente na época, num período em que o laicato era visto de uma
forma passiva na Igreja: o rebanho a ser apascentado, instruído e santificado.
Häring busca mostrar a importância e a missão dos leigos na Igreja.444
De acordo com L. Vereecke: “O manual pode considerar-se como uma
síntese dos princípios que se foram expressando nas numerosas publicações
(anteriores): imitação de Cristo, reino de Deus, primado da caridade... O grande
441 Cf. VIDAL, M. Moral de Actitudes. Tomo I: Moral Fundamental. 6. e. Madrid: OS Edit., 1990, p. 130; HÄRING, B. Mi experiencia con la Iglesia. Madrid: PS Edit., 1990, p. 5 e 7; VIDAL, M. Evocación de Bernhard Häring, renovador de la Teología moral católica. Moralia. Madrid, vol. 21, p. 489, 1998,; VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB. 1999, p. 77. 442 Cf. BERETTA, P. Sintesi e sviluppo della teologia di Bernhard Häring. In: V.V.A.A. Chiamati alla libertà: sagi di teologia morale in onore di Bernhard Häring. Roma: Paoline, 1980, p. 384; BALOBAN, S. Spirito e vita christiana nella teologia morale di Bernhard Häring. Dissertatio ad Doctoratum, Roma: Academia Alfonsiana, 1988, p. 64. 443 Cf. BORDEAU, F.; DANET, A. Introduction to the Law of Christ. New York: The Mercier Press, 1966, p. 8 e 223. 444 Cf. MALI, M. La portata teologico-pastorale in “Liberi e fedeli in Cristo” de Bernhard Häring: una ricerca storico-critica alla luce della sua partecipazione nella stesura della “Gaudium et spes”. Dissertatio ad doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 2003, p. 159.
181
mérito de B. Häring é ter divulgado a nível de manuais, os principais resultados
das investigações da teologia moral amadurecidas, sobretudo na Alemanha de 1920
a 1950”.445
Como afirmou Yves Congar, o manual de Bernhard Häring teve o mérito de
“fazer convergir e fazer amadurecer” as insatisfações ante a moral casuística, assim
como os desejos de uma renovação neste campo importante da teologia e da
pastoral.446
Para Marciano Vidal, “esta é certamente a obra mais importante e famosa de
Bernhard Häring, porque se existe, e ainda perdura, na Igreja o ‘fenômeno Häring’,
isto se deve ao impacto apresentado por A Lei de Cristo” .447
No entanto, A Lei de Cristo não abandona o plano geral dos manuais da
casuística. Neste seu primeiro manual, Häring ainda revela um determinado
caráter de modelo de lei, mesmo que compreendido numa dinâmica, em termos de
lei de Cristo. Alguns temas, como a lei e, em parte, as virtudes, mantêm
continuidade com os tradicionais manuais alfonsianos. Por outro lado, a obra
deixa a desejar do ponto de vista da organicidade e do rigor científico. Ao mesmo
tempo, Häring trata das questões sócio-comunitárias com certa timidez. A obra
aparece, tanto do ponto de vista bíblico, quanto filosófico, mais eclética que
sintética. 448
3.5.6. Conclusão
O eixo central da obra A lei de Cristo, de Bernhard Häring, é o seguimento
de Jesus Cristo. Nela, a moral não é nada mais que a resposta humana ao chamado
de Deus e à Lei de Cristo, ou seja, uma moral da responsabilidade em Cristo.
445 VEREECKE, L. Historia de la teología moral. In: COMPAGNONI, F.; PIANA, G.; PRIVITERA, S. (dirs.). Nuevo dicionario de Teologia Moral. Madrid: Paulinas, 1992, p. 841. 446 CONGAR, Y. Réflexion et propos sur l’originalité d’une éthique chrétienne, Studia moralia. Roma, n. XV, p. 31-32. 1977. 447 VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB, 1999, p. 51. 448 Cf. VEREECKE, L. Historia de la teología moral. In: COMPAGNONI, F.; PIANA, G.; PRIVITERA, S. (dirs.). op. cit., p. 841; VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. Estudios eclesiásticos, vol. 74..., p. 477; QUEREJAZU, J. La moral social y el Concilio Vaticano II. Votoria: EST, 1993, p. 56; ANGELINI, G.; VALSECCHI, A. Disegno storico della teologia morale. Bologna: EDB, 1972, p. 176.
182
Häring parte do mistério da salvação, que se resume na palavra central da Bíblia:
basiléia – o “Reino do amor de Deus”. Neste sentido, a “lei de Cristo” é uma “lei
da graça”. Além de dedicar uma grande parte à fundamentação religiosa da moral
cristã, o livro introduz no conteúdo da Moral, as realidades cristãs: a graça, os
sacramentos, a liturgia e a espiritualidade, sem cair num moralismo casuístico.
O manual coloca como texto bíblico na fachada de rosto, Rm 8,2: “A lei do
Espírito de vida em Cristo Jesus me libertou da lei do pecado e da morte”. Com
isso, podemos afirmar que a obra de Häring faz passar a apresentação da moral
cristã da lei ao espírito, da casuística à vida nova em Cristo. Dessa forma, todo o
corpo da obra tem o objetivo de mostrar que a norma e o centro da Teologia Moral
cristã é o próprio Cristo. Portanto, a moral cristã é, conscientemente, Cristo-
dialógica. Pois, criados por Deus e recriados em Cristo, trazemos a lei de Cristo –
lei do amor – em nós.
Cristo chama toda pessoa para o seu seguimento na liberdade e por meio da
consciência. Nesta obra, de modo revolucionário, vem situada a liberdade humana.
A nova moral sustenta que se deve insistir na liberdade mais que na simples
obediência à lei e à autoridade. Neste mundo firmado no pluralismo, é urgente
educar para a liberdade, insistindo no ponto de vida cristão dos valores, no
discernimento dos espíritos e na autonomia do ser pessoal.
Para Häring, o problema fundamental da Moral cristã é sempre o mesmo:
“como poderemos corresponder ao imenso amor que Deus nos demonstrou em
Jesus Cristo?”. A única resposta adequada da parte da pessoa humana é um amor
adorador e obediente, uma adoração amorosa. Portanto, a idéia fundamental da
teologia moral é A Lei de Cristo é o diálogo entre Cristo Redentor e a pessoa
humana. E, superando uma Moral dos atos humanos, centrada no objeto, Häring
prefere centrar-se na pessoa, na complexa realidade do ser humano.
Em 1953, Bernhard Häring terminava os manuscritos de A Lei de Cristo,
onde o sintagma “lei de Cristo” significa “lei do Espírito que dá vida em Cristo
Jesus” (Cf. Rom 8,2). Portanto, ele já estava aberto ao personalismo e,
consequentemente, à inviolabilidade da consciência. Dessa forma, ocorre um
impulso decisivo na renovação da Teologia Moral. Trata-se do primeiro manual
completo que propõe responder tanto à “insatisfação” produzida pela moral
casuística, como às aspirações de renovação.
183
Ao converter-se em texto base de Teologia Moral em muitos Seminários e
institutos teológicos católicos, durante quase duas décadas, é um fator decisivo de
mudança de mentalidade católica no campo da Moral. À luz do esquema de
chamado-resposta, as realidades básicas da vida moral cristã trazem uma dimensão
nova, que estava ausente na moral casuística. Portanto, o autor, Häring, e a obra
são símbolos da Moral Renovada. Pois, significam uma mudança de orientação na
Teologia Moral, inclusive antes do Concílio.
184
3.6. A noção de consciência moral em Livres e fiéis em Cristo
3.6.1. Introdução
O tema básico e fundamental desta nova obra é a responsabilidade do cristão
no seguimento de Jesus, que se deve realizar por meio da liberdade e da fidelidade
criativas. Daí o motivo do título: Livres e Fiéis em Cristo.449 A liberdade cristã,
particularmente como descrita pelo Apóstolo dos Gentios, é a chave de leitura
bíblica da Teologia Moral de Häring. Por isso, o verso introdutório do frontispício
da obra: “É para a liberdade que Cristo nos libertou” (Cf. Gal 5,1). Elaborada entre
1978 e 1981, Livres e Fiéis em Cristo tem três volumes, com os seguintes temas:
Volume I – Teologia Moral Geral; volume II - A verdade vos fará livres (Cf. Jo
8,32) e Volume III - Luz para o mundo (Cf. Mt 5,14).450
Para o surgimento da obra, contribuíram de forma decisiva a experiência dos
acontecimentos do pós-Vaticano II (entre os anos de 1968 e 1973), assim como o
trabalho de Häring nos Estados Unidos, que ampliaram a sua visão acerca da
revolução disciplinar implícita nos textos do Concílio. Certamente, o Vaticano II
iniciou uma nova etapa na história da Igreja e colocou a todos, inclusive o nosso
autor Häring, num “processo de aprendizagem”. Neste sentido, a obra foi escrita,
buscando valorizar o dom do discernimento e a leitura dos sinais dos tempos.451
449 Free and faithful in Christ: Moral theology for priests and laity. Vol. I. New York: The Seabury Press, 1978, 492 p.; Vol. II. London: St. Paul Pub., 1979. 580 p.; Vol. III. London: St. Paul Pub., 1981. 438 p. 450 Cf. BALOBAN, S. Spirito e vita christiana nella teologia morale di Bernhard Häring. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 1988, p. 83-84; CLARK, M. The major scriptural themes in the moral theology of Father Bernhard Häring. Part I. Studia moralia. Roma, n. 30, p. 15. 1992. 451 Cf. HARING, B. Free and faithful in Christ: Moral theology for priests and laity. Vol. I. New York: The Seabury Press, 1978, p. 7; LORENZETTI, L. In ricordo di Bernhard Haering: una vita per la morale cattolica. Rivista di teologia morale. Bologna, n. 117, 1998, p. 342; VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. Estudios eclesiásticos..., p. 482; MALI, M. La portata teologico-pastorale in “Liberi e fedeli in Cristo” de Bernhard Häring..., p. 4; ROQUETE, J. C. “Vino nuevo en odres nuevos”: el P. Bernhard Häring y la renovación de la teología moral. Isidorianum. Sevilla, vol. 6, n. 11, p. 64. 1997; BERETTA, P. Sintesi e sviluppo della teologia di Bernhard Häring. In: BERETTA, P. (a cura di). Chiamati alla libertà..., p. 389; GOMEZ MIER, V. El cambio de matriz disciplinar en la teología moral después Del Concilio Vaticano II. Tesis Doctoral. Madrid: Univ. Pontif. Comillas, 1994, p. 157-159.
185
O volume I expressa uma profunda convicção do autor que percorre em
todas as suas obras: a intrínseca conexão entre Religião e Moral. Uma Moral que
deve ser expressa nas atitudes do dia-a-dia. Neste volume, Häring busca expor os
fundamentos de uma moral cristã baseada na Sagrada Escritura, na tradição moral
católica e no patrimônio teológico da fé. Sem dúvida, aqui se encontram as suas
melhores contribuições.452
Os volumes II e III são dedicados à chamada Moral Especial (ou concreta,
setorial). A contribuição mais valiosa de Häring está em atrever-se a expor os
temas clássicos da Teologia Moral de uma forma renovada. Por outro lado, ele
introduz outros temas novos como a beleza, a arte, os meios de comunicação
social, a opinião pública, a evangelização, o ecumenismo, o ateísmo e a ecologia.453
Originalmente, a obra foi escrita em inglês porque Häring vinha ministrando
cursos de Teologia Moral nos Estados Unidos. Isto permitia que ele fizesse um
confronto entre suas idéias de especialista centro-europeu e os diversos auditórios
de outro povo anglo-saxão. O próprio Häring afirma na introdução do livro:
“Escrevo ainda como homem de cultura européia e de experiência norte-
americana”.454
Enquanto escrevia em inglês, ele foi reescrevendo todo o texto em alemão.
Assim diz Häring na introdução do livro em alemão: “Eu não queria que
aparecesse em alemão como uma tradução... eu próprio me encarreguei da redação
em alemão, e por certo, com a liberdade necessária para atender às peculiaridades
do âmbito lingüístico alemão”.455
A partir daí, Livres e Fiéis em Cristo foi traduzida para diversas línguas. Não
se trata de uma síntese da obra anterior, mas de uma nova e distinta, como o
próprio Häring afirmou.456
452 Cf. ROQUETE, J. C., “Vino nuevo en odres nuevos”: el P. Bernhard Häring y la renovación de la teología moral. Isidorianum..., p. 67; VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. Estudios eclesiásticos..., p. 486; QUEREJAZU, J. La moral social y el Concilio Vaticano II. Votoria: ESET, 1993, p. 314-315. 453 Cf. VIDAL, M. op. cit., p. 487. 454 Cf. HARING, B. Free and faithful in Christ: Moral theology for priests and laity. Vol. I. New York: The Seabury Press, 1978, p. 1. 455 Id. Frei in Christus: moraltheologie für die Praxis des christlichen Lebens. Band I. Freiburg-Basel-Wien: Verlag Herder, 1979, p. 7. 456 Cf. HARING, B. Free and faithful in Christ…, p. 1; BALOBAN, S. Spirito e vita christiana nella teologia morale di Bernhard Häring..., p. 82; VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. Estudios eclesiásticos. Madrid, Vol. 74, p. 480. jul-sep. 1999.
186
3.6.2. Temas relevantes
Dentro da dinâmica da obra, o problema da consciência constitui um
conceito chave numa moral da responsabilidade e da fidelidade criativa. Häring
sustenta que não devemos nos preocupar em primeiro lugar, com a decisão
individual da consciência, que é também relevante, mas a santidade e o
desenvolvimento da consciência como fundo estável, com a formação de uma
consciência madura e sadia. A este propósito ele combate, com o mesmo empenho,
tanto contra o individualismo quanto contra a tendência totalitarista das
instituições. Para percebermos isto, apresentaremos a seguir, os temas relevantes
abordados na obra, bem como as suas contribuições para uma Moral Renovada.
3.6.2.1. Antropologia moral
A Teologia Moral de Häring é centrada na pessoa que responde do seu
coração, numa liberdade criativa e numa fidelidade, ao chamado de Deus. Ao
mesmo tempo, reconhece a dimensão comunional, social, histórica e cósmica da
pessoa humana. Destaca-se a ênfase na opção fundamental, nas atitudes básicas,
nas disposições da pessoa, no caráter e na consciência. Häring insiste na vocação
universal do cristão para a perfeição, onde cada um é chamado à plenitude, por
meio do Batismo. Ele tem também a preocupação de recuperar e defender um
conceito bíblico do mundo. Pois este é, acima de tudo, produto do Deus Criador e
o lugar da liberdade e da responsabilidade do ser humano livre.457
Com uma visão antropológica de cunho personalista, continua fiel aos
parâmetros de suas obras anteriores, ampliados e aprofundados agora em seus
aspectos comunitários e, mesmo que timidamente, políticos. Fica definitivamente
superada uma visão da Moral baseada na exterioridade dos atos, para adentrar-se
457 Cf. HARING, B. Free and faithful in Christ…, p. 59-163;VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. In: Estudios eclesiásticos. Madrid, Vol. 74, p. 486. jul-sep. 1999; QUEREJAZU, J. La moral social y el Concilio Vaticano II. Votoria: ESET, 1993, p. 315-316; CURRAN, C. E. Free and faithful in Christ: a critical evaluation. Studia moralia. Roma, p. 148-152 e 164. 1982.
187
numa antropologia de pretensão mais integrada e integral da pessoa humana. Na
convergência de ambos os fundamentos, se forja a figura moral básica do fiel: a
opção fundamental do cristão no seguimento/discipulado de Cristo na liberdade, na
fidelidade e na responsabilidade.458
Na sua antropologia, Häring afirma que: Nota peculiar do ser humano é que ele tenha história, ele é história e faz história. Os animais carecem deste tipo de memória e de consciência que permite fazer história. O indivíduo humano e a comunidade humana têm memória... somos conscientes do desenvolvimento e do declínio das culturas. Além disso, vemos a consciência da pessoa humana numa perspectiva de psicologia evolutiva.459 Portanto, a sua antropologia moral tem uma visão integral personalista e é
centrada, sobretudo na análise da responsabilidade e da liberdade, com um fundo
cristológico. Estes temas são apresentados especificamente nos capítulos III
(“Liberdade e fidelidade na responsabilidade”) e IV (“Criado e re-criado pela
liberdade e para a liberdade em Cristo”), com uma visão original, viva e atual das
bases antropológicas do comportamento moral. O personalismo que ele propõe é
um personalismo que põe cada um de nós em confronto com Deus, com as outras
pessoas e com toda a criação. O centro principal refere-se à pessoa humana, na
reciprocidade das consciências.460
3.6.2.2. Liberdade, responsabilidade e fidelidade criativa
A liberdade é uma das grandes preocupações de Häring. Somente sendo livre
é que se pode ser responsável. Por outro lado, a liberdade faz parte do conteúdo
básico da libertação cristã. A liberdade na qual pensa Häring é vinculada à
fidelidade. Não é verdadeiro como alguns sustentam que a liberdade humana
contradiz a fidelidade a Cristo. Em Cristo, esta presumida contradição vive uma
harmonização exemplar para todo cristão. A uma obediência cega e a um fim
moral, Bernhard Häring contrapõe uma moral da consciência livre e fiel. É uma
458 QUEREJAZU, J. La moral social y el Concilio Vaticano II. Votoria: ESET, 1993, p. 315. 459 Cf. HÄRING, B. Free and faithful in Christ…, p. 325. 460 Cf. CURRAN, C. E. Catholic moral theology in dialogue. London: Univ. of Notre Dame Press, 1972, p. 32
188
liberdade fiel a Cristo, que é a liberdade encarnada e nosso libertador.461 Como
Häring afirma: “Sempre que penso ou falo sobre a liberdade, brota em meu
coração a palavra ‘fidelidade’ a Cristo”.462
Ser livre significa também ser fiel a si mesmo. Häring, todavia insiste em
primeiro lugar na fidelidade a Deus, que com a sua palavra criadora nos chama a si
e, ao mesmo tempo, nos chama a sermos fiéis a nós mesmos. Somente vendo
Cristo e ao nosso ser-chamado a viver “em Cristo”, nós descobrimos que coisas
sejam, em última análise, a liberdade e a fidelidade.463
Como diz o próprio título, liberdade e fidelidade constituem o leitmotiv, o
motivo condutor desta obra. A minha liberdade demonstra ser um dom de Cristo
somente quando se torna fiel à lei da vida: a vida em Cristo; quando é fiel à
herança do passado; quando é fiel à sua responsabilidade pelo momento presente
de salvação, ou seja, pelos sinais dos tempos; quando é fiel à aspiração de todas as
pessoas para a mesma liberdade. Häring estuda os diversos âmbitos e níveis aos
quais a pessoa humana é chamada e habilitada a viver numa mais alta liberdade,
mas também os novos perigos em que é exposta esta mesma liberdade em ordem à
qual Deus criou e redimiu a todos.464
A partir deste enfoque que proporciona a categoria da liberdade fiel e
criativa, Häring propõe uma nova síntese de Teologia Moral. Antes de tudo, põe-se
à escuta da Palavra de Deus, oferecida pela Sagrada Escritura, traçando um esboço
de moral bíblica (cf. Free and faithful in Christ, Vol. I, 1978, 8-27). À
continuação, faz um balanço da história da reflexão teológico-moral a partir da
ótica da liberdade fiel e criativa (cf. Free and faithful in Christ, Vol. I, 1978, 28-
461 Cf. PARISI, F. Coscienza ed esperienza morale alla luce della riflessione teologico-morale post conciliare in Italia (1965-1995). Dissertationis ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 2002, p. 120-121; VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. Estudios eclesiásticos. Madrid, Vol. 74, p. 485. jul-sep. 1999; ROQUETE, J. C. “Vino nuevo en odres nuevos”: el P. Bernhard Häring y la renovación de la teología moral. Isidorianum. Sevilla, vol. 6, n. 11, p. 65. 1997. 462 Cf. HARING, B. Free and faithful in Christ: Moral theology for priests and laity. Vol. I. New York: The Seabury Press, 1978, p. 3. 463 Cf. BERETTA, P. Sintesi e sviluppo della teologia di Bernhard Häring. In: BERETTA, P. (a cura di). Chiamati alla libertà: sagi di teologia morale in onore di Bernhard Häring. Roma: Paoline, 1980, p. 390. 464 Cf. HÄRING, B. Free and faithful in Christ: Moral theology for priests and laity. Vol. I. New York: The Seabury Press, 1978, p. 59 e 65; VALLATE, M. “The inner voice”: a study of conscience in Bernhard Häring and Mahatma Gandhi. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 2000, p. 57; BERETTA, P. Sintesi e sviluppo della teologia di Bernhard Häring. In: BERETTA, P. (a cura di). Chiamati alla libertà: sagi di teologia morale in onore di Bernhard Häring. Roma: Paoline, p. 389-390.
189
58). Da consideração bíblica e histórica nasce uma convicção: a Teologia Moral de
nossos dias entra numa nova fase de criatividade na liberdade e na fidelidade. Estes
dois aspectos não podem ser separados um do outro. Já nas páginas restantes dos
três volumes, Häring propõe a reformulação da Teologia Moral nesta dinâmica da
liberdade fiel e criativa.465
Antes de tudo, a liberdade é um dom de Deus e a obra de Cristo consiste na
libertação total da pessoa humana. A liberdade é a capacidade de autodeterminar-
se numa resposta a Deus e à abertura ilimitada a tudo o que caracteriza em
profundidade o ser humano, que é livre porque é chamado, desde o princípio, a
viver uma realização de amor. Deus cria a pessoa humana para que possa
responder ao seu amor, doando a si mesmo, livremente no amor.466
A liberdade nasce então e se realiza no interior do amor entre Deus e a
pessoa humana. A fé é um “sim” livre do ser humano a Deus. Porém, a pessoa
humana pode se fechar e negar-se ao dom de Deus e buscar a sua própria
realização de uma forma egoísta. Mas para Häring, assim ela pronuncia, de si
mesmo, a sua própria condenação à morte (Cf. Mc 8,35). A missão salvífica de
Cristo é a de libertar a pessoa humana para que ela possa livremente realizar o seu
ser como resposta ao chamado de Deus.467
A mensagem cristã é fortemente caracterizada pelo tema da libertação, e
seria redutivo pensar sempre e somente em termos de libertação do pecado ou de
uma conversão pessoal. Há uma libertação bem vasta e social das estruturas de
opressão econômica, cultural, social e política, das quais o ser humano deve ser
libertado. Assim se amplia e se define melhor o mesmo dever educativo da
Teologia Moral.468
465 Cf. ROQUETE, J. C. “Vino nuevo en odres nuevos”: el P. Bernhard Häring y la renovación de la teología moral. Isidorianum. Sevilla, 1997, Vol. 6, n. 11, p. 66; VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. Estudios eclesiásticos. Madrid, Vol. 74, p. 485. jul-sep. 1999. 466 Cf. HARING, B. Free and faithful in Christ: Moral theology for priests and laity. Vol. I. New York: The Seabury Press, 1978, p. 181-189; MALI, M. La portata teologico-pastorale in “Liberi e fedeli in Cristo” de Bernhard Häring: una ricerca storico-critica alla luce della sua partecipazione nella stesura della “Gaudium et spes”. Dissertatio ad Doctoratum, Roma: Academia Alfonsiana, 2003, p. 150. 467 Cf. MALI, M. La portata teologico-pastorale in “Liberi e fedeli in Cristo” de Bernhard Häring: una ricerca storico-critica alla luce della sua partecipazione nella stesura della “Gaudium et spes”. Dissertatio ad Doctoratum, Roma: Academia Alfonsiana, 2003, p. 150. 468 Cf. HARING, B. Free and faithful in Christ: Moral theology for priests and laity. Vol. I. New York: The Seabury Press, 1978, p. 3-4; PARISI, F. Coscienza ed esperienza morale alla luce della riflessione teologico-morale post conciliare in Italia (1965-1995). Dissertationis ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 2002, p. 121.
190
Uma ética da responsabilidade eminentemente cristã nunca esquece que a
historicidade é uma dimensão essencial da existência humana. O cristão deve ver o
mundo numa total interdependência com a história, um mundo a ser modelado e
transformado e não somente a ser contemplado. Também a dimensão cósmica da
moralidade não é apenas mencionada, mas há todo um capítulo que discute a
questão ecológica. A crise ecológica atual convida aos cristãos para a conservação
do mundo criado e para renovar as suas atitudes voltadas apenas para o
desenvolvimento econômico.469
Häring considera a responsabilidade como a palavra que melhor expressa a
decisão humana para responder ao chamado de Deus, numa comunidade de fé. Ele
faz uma distinção entre a responsabilidade puramente religiosa na qual a resposta é
dada diretamente a Deus, e a responsabilidade moral na qual a resposta é feita para
as coisas criadas. Contudo, esta última é, de fato, também uma resposta a Deus.
Portanto, uma decisão moral não é um simples sim ou não, mas um esforço pessoal
para descobrir como responder a Deus.470
Toda a pessoa é chamada por Deus e para Deus, para o bem. Somente
podemos viver em paz quando respondemos a este chamado: a lei do amor de Deus
e do próximo que é inscrita no coração humano. À luz da relação concreta entre
Deus e a pessoa humana, a responsabilidade é pressuposta como característica
fundamental e inseparável, como resposta ao chamado de Deus. 471
Portanto, a fidelidade responsável é a resposta justa da pessoa humana. Por
meio da fidelidade a Cristo, advém uma profunda transformação de vida e torna-se
possível um empenho moral autêntico e sério. Uma Moral da responsabilidade e da
co-responsabilidade deve perguntar-se, sobretudo que coisa significa a verdadeira
liberdade e a verdadeira fidelidade. Häring se interessa pela liberdade e pela
fidelidade enquanto criativas: de fato, os discípulos de Cristo, fiéis à lei do Espírito
469 Cf. CURRAN, C. E. Free and faithful in Christ: a critical evaluation. Studia moralia. Roma, vol. XX, p. 148-149. 1982. 470 Cf. HARING, B. op. cit., p. 59 e 65; VALLATE, M. “The inner voice”: a study of conscience in Bernhard Häring and Mahatma Gandhi. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 2000, p. 57-58. 471 Cf. HÄRING, B. Free and faithful in Christ: Moral theology for priests and laity. Vol. I. New York: The Seabury Press, 1978, p. 227; CURRAN, C. op. cit., p. 148; MALI, M. La portata teologico-pastorale in “Liberi e fedeli in Cristo” de Bernhard Häring: una ricerca storico-critica alla luce della sua partecipazione nella stesura della “Gaudium et spes”. Dissertatio ad Doctoratum. Dissertatio ad Doctoratum, Roma: Academia Alfonsiana, 2003, p. 161-163.
191
que nos dá a vida (Cf. Rm 8,2), tornam-se partícipes da ação do Espírito Santo,
que renova a face da terra e os corações.472
Somente quando se volta a atenção ao amor de Deus e aos muitos sinais e
dons de tal amor, o crente pode se tornar livre para o próximo e fiel a Cristo. O
viver sob a graça comporta as orientações dos mandamentos-meta, as afirmativas
presentes em todo o Evangelho, nas palavras de Cristo e nas cartas de São Paulo.
Trata-se de uma Moral dinâmica que não consente nunca ao cristão de acomodar-
se.473
3.6.2.3. Opção fundamental
No capítulo V da obra, Häring traz como novidade, a opção fundamental
como categoria antropológica da responsabilidade humana. A opção fundamental
brota do núcleo da pessoa e orienta basicamente todas as suas decisões. Em sua
síntese moral, a opção fundamental representa um papel importante. Frente ao
reducionismo da moral de atos, ele oferece a alternativa da moral de opção
fundamental.474
Para Häring, responsabilidade é a capacidade de avaliar os efeitos previsíveis
de nossas decisões. E existem apenas duas escolhas para a liberdade humana: ou
viver em e com Cristo numa co-responsabilidade, ou permanecer aprisionado no
pecado-do-mundo, a solidariedade para a perdição. A opção fundamental tende
para Deus quando toda a nossa vida vai se tornando, aos poucos, adoração a Deus
em espírito e verdade. É a ativação de um profundo conhecimento de si mesmo e
da liberdade básica, mediante a qual uma pessoa se compromete com Deus. A
pessoa humana está na profunda dependência de Deus, como criatura, e é chamado
a dar uma resposta a Deus, por meio da orientação básica da sua vida.
472 Cf. MALI, M. La portata teologico-pastorale in “Liberi e fedeli in Cristo” de Bernhard Häring: una ricerca storico-critica alla luce della sua partecipazione nella stesura della “Gaudium et spes”. Dissertatio ad Doctoratum..., p. 3; BERETTA, P. Sintesi e sviluppo della teologia di Bernhard Häring. In: BERETTA, P. (a cura di). Chiamati alla libertà: sagi di teologia morale in onore di Bernhard Häring..., p. 389-390. 473 Cf. HÄRING, B. Free and faithful in Christ: Moral theology for priests and laity. Vol. I. New York: The Seabury Press, 1978, p. 250. 474 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. In: Estudios eclesiásticos. Madrid, Vol. 74, p. 486. jul-sep. 1999, p. 486.
192
A resposta básica da pessoa é compreendida à luz da opção fundamental, que
envolve a liberdade individual. O seu desenvolvimento e o seu conseqüente
aprofundamento na pessoa humana depende da busca contínua de conversão.
Häring insiste na centralidade e importância da conversão na vida do cristão. Por
isso, a opção fundamental é personificada nas atitudes básicas ou virtudes que
caracterizam a vida do dia-a-dia. Aqui, Häring faz referência especialmente às
virtudes escatológicas e dá especial atenção à gratidão, humildade, esperança,
vigilância, serenidade e júbilo.475
Intimamente unida às virtudes escatológicas de gratidão e adoração está a
virtude da vigilância. Já que a vida moral do cristão não é aberta para uma auto-
perfeição individualista, mas para uma resposta ao dom de Deus, os cristãos devem
sempre ser vigilantes no presente, tendo em vista o horizonte futuro, numa
crescente conversão. Dessa forma, o personalismo dinâmico de Häring resulta
numa ênfase à continua conversão, crescimento na vida moral, e um chamado para
aprofundar a opção fundamental tanto quanto as virtudes escatológicas que
caracterizam a existência cristã. O cristão percebe a sua vida como um dom
gratuito de Deus. Conseqüentemente, ele deve ser pessoa eucarística, que dá graças
a Deus pelo dom gratuito que recebe. 476
O pecado, à luz da opção fundamental deve ser visto como uma ruptura da
íntima relação de amor com Deus, o qual também envolve uma relação com o
próximo e o mundo todo. Neste contexto, Häring, na perspectiva da Moral atual,
fala que o pecado envolve mais do que atos externos. O pecado é a expressão
concreta da orientação pessoal que se dá. Por isso, o autor enfatiza a necessidade
da busca da opção fundamental voltada para Deus. O pecador é chamado a mudar
de vida e a se reconciliar com Deus, por meio de seu Filho Jesus, na vivência da
comunidade de fé, onde celebra a sua realidade de conversão e penitência.477
É preciso longo e paciente esforço, atenção e conversão contínuas até que a
opção fundamental se encarne em atitudes fundamentais e em virtudes, de tal
forma que todo o estilo de vida seja expressão coerente e verdadeira do eu
475 Cf. HÄRING, B. Free and faithful in Christ: Moral theology for priests and laity. Vol. I. New York: The Seabury Press, 1978, p. 201-208. 476 Cf. CURRAN, C. E. Free and faithful in Christ: a critical evaluation. Studia moralia. Roma, vol. XX, p. 149-150. 1982. 477 Cf. HÄRING, B. Free and faithful in Christ: Moral theology for priests and laity. Vol. I. New York: The Seabury Press, 1978, p. 378-470.
193
individual, tal como Deus o criou para ser. Nascemos num mundo pecador, do qual
surgem muitas tentações e más influências. Porém, nascemos também numa
criação boa de Deus e somos mais profundamente marcados pela realidade da
redenção do que pelo pecado.
3.6.2.4. Culto e adoração
O primeiro volume de Livres e Fiéis em Cristo termina com um capítulo
intitulado simplesmente “síntese”, no qual desenvolve a posição de que adoração
não é apenas algo acrescentado à vida moral, mas sim é o centro da vida cristã.478
A adoração liberta todas as nossas energias para o serviço de Deus, para o
amor ao próximo e para um compromisso fiel a favor da justiça e da paz. Na
adoração se integram as virtudes teologais: fé, a esperança e a caridade. Como
Häring afirma: “A adoração não é algo que se acrescenta ao resto da vida moral. É
o coração e a força desta vida. É a expressão mais elevada de submissão fiel a
Deus, fonte da liberdade criadora”.479
Nesta perspectiva, os Sacramentos são sinais privilegiados de adoração. Mas,
a prioridade de nossa adoração não diminui a importância de nossas atitudes para
com os outros; pelo contrário, possibilita uma vida mais plena do espírito de
Cristo.480
Sempre no quadro alfonsiano, Häring acentua a importância da freqüência
aos Sacramentos. Na economia da salvação, a presença de Cristo e a revelação da
vida divina se expandem na Igreja por meio dos Sacramentos. Esta visão quer
assumir a oferta de salvação que é dada por Cristo, o Sacramento do Pai; pela
Igreja, Sacramento de Cristo e pelos Sete Sacramentos que são momentos de
encontro pessoal com Cristo na Igreja. Neles, a Igreja encontra o dom da vida
478 Cf. HÄRING, B. Free and faithful in Christ …, p. 471-485; CURRAN, C. E. Free and faithful in Christ: a critical evaluation. Studia moralia. Roma, vol. XX, p. 149-150. 1982. 479 Cf. HARING, B. Free and faithful in Christ: Moral theology for priests and laity. Vol. I. New York: The Seabury Press, 1978, p. 473. 480 Cf. CURRAN, C. E. Free and faithful in Christ: a critical evaluation. Studia moralia. Roma, vol. XX, p. 150. 1982.
194
divina em abundância, com a qual os cristãos são chamados à santidade que deve
ser expressa na vida quotidiana.481
Dentre os Sacramentos, destaca-se o Sacramento da Reconciliação, seguindo
a tradição pastoral dos redentoristas. Para Häring, este Sacramento é a
manifestação do Deus misericordioso e amoroso que perdoa e reconcilia. Nele,
Deus opera a remissão dos pecados e, sobretudo faz a pessoa humana sentir-se
amada. Também nele, a pessoa humana renasce na graça e na liberdade criativa.
Por isso, Häring enfatiza que o sacramento penitencial é uma ajuda para iniciar
uma nova vida.482
Uma consciência formada pela fé e pela graça sabe que todos os dons
provêm do único Deus e Pai. Não usá-los “responsavelmente” e de uma forma
plena significa demonstrar ingratidão a Deus e injustiça à comunidade humana.
Porque cada dom é dado para a realização do Reino de Deus. Por isso, uma
espiritualidade sacramental é de grande importância para conseguir a maturidade
da consciência sob a graça.483
3.6.2.5. Cristologia
À luz da relação concreta entre Deus e a pessoa humana, a responsabilidade
é pressuposta como característica fundamental e inseparável, como resposta ao
chamado de Deus. No mundo, se verificam duas linhas de responsabilidade
humana: solidariedade de perdição num mundo decaído ou solidariedade da
salvação em Cristo, Deus feito homem e, como tal, parte do mundo. O mistério de
Cristo revela a ambigüidade do mundo através do mistério da cruz. Ela é a chave
cristã de interpretação do mundo, pois nela se manifesta a rebelião e o protesto
contra Deus e, por outro lado, a vitória final do amor divino e humano. Estas
realidades teológicas, unidas à esperança escatológica, devem provocar, em
primeiro lugar, a superação das atitudes/tentações de fuga e, em segundo lugar, a
busca ativa do compromisso, pela transformação do mundo em lugar sagrado da
481 Cf. HARING, B. Free and faithful in Christ…, Vol. I, p. 480-485. 482 Idem. p. 378-470. 483 Idem. p. 250.
195
fraternidade e da justiça (conversão ao Reino). Este núcleo cristológico doutrinal
alimenta o projeto sócio-moral do cristão.484
Häring fundamenta a moral do cristão por meio da vivência como discípulo
de Jesus. Sua Teologia Moral é cristológica com ênfase na cristologia descendente,
com uma compreensão básica da vida do cristão envolvida pela graça de Deus e
pela resposta humana. Cristo é palavra, verdade e amor encarnados. Em Cristo nós
também vemos a resposta perfeita para a graça de Deus. Häring concebe a ética
cristã como uma ética distinta, onde o cristão deve ter como centro de fé a
encarnação da Palavra de Deus, que se realiza de uma forma mais plena na pessoa
de Jesus.485
Sua cristologia enfatiza a importância da encarnação, reconhecendo a
superabundância da redenção oferecida por Cristo. Não deixa de levar em conta as
forças do pecado na sociedade, mas tem uma visão bastante otimista desta
redenção de Cristo que acontece no aqui e agora da história. Por outro lado, o
cristocentrismo de Häring busca sintetizar o teocentrismo e o antropocentrismo
cristão, com ressonância trinitária.486
Para amar a Deus e ao próximo é necessário unir-se a Cristo e segui-Lo.
Cristo é a única esperança que liga o “tu” com o “nós” e o “eu” com o “tu”. Na
redenção é reconhecida a própria origem do amor de Deus. A pessoa humana
livremente corresponde a Deus no seu amor. O amor é estritamente ancorado na
aliança entre Deus e a pessoa humana em Cristo Jesus (Cf. Mt 22,37-40). Deus
doou o seu Filho ao mundo para fundar uma nova vida. Sucessivamente, Häring,
tratando do amor, fala do serviço, um primado do amor para com o próximo.487
484 Cf. HÄRING, B. Free and faithful in Christ: Moral theology for priests and laity. Vol. I. New York: The Seabury Press, 1978, p.131-146; MALI, M. La portata teologico-pastorale in “Liberi e fedeli in Cristo” de Bernhard Häring: una ricerca storico-critica alla luce della sua partecipazione nella stesura della “Gaudium et spes”. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 2003, p. 161-163; QUEREJAZU, J. La moral social y el Concilio Vaticano II. Votoria: ESET, p. 316. 485 Cf. VALLATE, M. “The inner voice”: a study of conscience in Bernhard Häring and Mahatma Gandhi. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 2000, p. 57; CURRAN, C. E. Free and faithful in Christ: a critical evaluation. Studia moralia. Roma, vol. XX, p. 160. 1982. 486 Cf. SALVODI, V. (Org.). Häring: Un’autobiografia a mo’di intervista. Milano: Paoline, 1997, p. 66-67; HARING, B. op. cit., p. 5-6; HÄRING, B. Mi experiencia con la Iglesia. Madrid: PS Edit., 1990, p. 7-8; CURRAN, C. E. op. cit., p. 162. 487 Cf. HARING, B. Free and faithful in Christ: Moral theology for priests and laity. Vol. I. New York: The Seabury Press, 1978, p. 131-133; MALI, M. La portata teologico-pastorale in “Liberi e fedeli in Cristo” de Bernhard Häring: una ricerca storico-critica alla luce della sua partecipazione nella stesura della “Gaudium et spes”. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 2003, p. 151.
196
As reflexões de Häring sobre os mistérios da vida de Cristo, seguindo Santo
Alfonso se concentram nos três momentos: a Encarnação, a Paixão e a Eucaristia.
Na Encarnação, Deus nos revelou a sua liberdade infinita. A Encarnação nos
revela, enquanto sejamos capazes de percebê-lo, quem é verdadeiramente Deus. Já
a paixão e a cruz são manifestações da humildade de Cristo, onde se reconhece a
liberdade e a verdade que inspiram o amor-que-se-doa.488
A Eucaristia é a aliança no sangue de Cristo, louvando a Deus com uma
memória reconhecedora. Nela, nós aprofundamos a nossa relação com Cristo e
com a Igreja que nos insere sempre mais intimamente na lei da graça, da fé e do
amor. Ao enfatizar a razão principal do advento de Cristo, mediante a Encarnação,
Häring insiste no se fazer cumprir o plano de salvação desejado por seu Pai para
toda a humanidade, desde a eternidade: a remissão dos pecados e a reconciliação
com o Pai.489
3.6.2.6. Eclesiologia
Quanto à eclesiologia, Häring aceita a estrutura da hierarquia da Igreja, mas
insiste numa igreja como Povo de Deus, uma koinonia dos seguidores de Jesus,
pela força do Espírito. Ele privilegia esta concepção de Igreja, ao destacar o seu
caráter peregrinante, em consonância com o eixo gerador do seguimento de
Cristo.490
A Igreja, em sua vida e prática, deve ser um sinal do mundo da liberdade. A
Igreja mesma é chamada a ser o grande sacramento de conversão. Neste sentido, a
Igreja é chamada a ser um sacramento efetivo de paz e reconciliação para todos.
Porém, a comunidade eclesial efetivamente chama os outros à conversão,
reconciliação e unidade somente quando ela mesma vive esta dinâmica de
conversão.491
488 Cf. HARING, B. Free and faithful in Christ..., p. 114-157, VELOCCI, G. Sant’Alfonso de Liguori: un maestro di vita cristiana. Cinesello Balsamo: San Pablo, 1994, 22-57. 489 Cf. MALI, M. op. cit., , p. 152. 490 Cf. QUEREJAZU, J. La moral social y el Concilio Vaticano II. Votoria: ESET, p. 323-324; CURRAN, C. E. Free and faithful in Christ: a critical evaluation. Studia moralia. Roma, Vol. XX, p. 163-164. 1982. 491 Cf. HÄRING, B. Free and faithful in Christ: Moral theology for priests and laity. Vol. I. New York: The Seabury Press, 1978, p. 426-429.
197
O desejo divino é fazer o ser humano participar do diálogo salvífico, ou seja,
inserí-lo na relação de amor vivido pelo Deus Trindade. A Igreja é o sinal e o
instrumento desta progressiva inserção da humanidade na vida trinitária.492
Ao falar sobre a liberdade religiosa, Häring afirma: São Paulo nos ensina que o amor é a plenitude da lei. Mas nos ensina também que Cristo nos libertou para que sejamos livres no amor. Somos salvos por meio de uma fé que implica um firme auto-empenho pelo bem e por Deus e uma busca sincera da verdade como propósito de ação. A liberdade religiosa é condição essencial na qual se explica o empenho do cristão a dar testemunho, a convencer alguém a favor de Cristo e a servir para a salvação da humanidade inteira.493 A Igreja tem a missão de educar a pessoa humana à liberdade para que ela
possa libertar-se daquilo que não é verdadeiro e para, assim, viver sempre melhor,
de acordo com a sua vocação.494 Por isso, Häring afirma: “A Igreja não serve se
inculca verdades abstratas. Ela é sacramento de salvação e de verdade na medida
em que promove um genuíno crescimento da liberdade na busca e dedicação à
verdade que nos vem na pessoa de Cristo e que deveria alcançar a todas as nações
nas pessoas de seus discípulos”.495
Portanto, a Igreja é sacramento de salvação na medida em que promove o
crescimento genuíno da liberdade e empenha-se pela verdade que vem a nós na
pessoa de Cristo. Não se trata de uma opção pelo individualismo que existe dentro
desta realidade de liberalismo. Mas, é uma opção pela moral da Aliança, por um
empenho comunitário a favor da liberdade na responsabilidade.496
Por fim, se compreende quando Häring afirma: “Eu sofro com a Igreja
quando vejo partes dela escravizadas por tradições mortas, em contradição com
nossa fé num Deus vivente que age com seu povo em todas as épocas... Deveremos
nos perguntar a nós mesmos, como povo deste tempo e desta época, como
podemos chegar a uma melhor inteligência da primitiva lei de liberdade”.497
492 Cf. MALI, M. La portata teologico-pastorale in “Liberi e fedeli in Cristo” de Bernhard Häring: una ricerca storico-critica alla luce della sua partecipazione nella stesura della “Gaudium et spes”. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 2003, p. 151. 493 Cf. HÄRING, B. op. cit., p. 278. 494 Cf. MALI, M. op. cit., p. 163-164. 495 Cf. HÄRING, B. Free and faithful in Christ…, Vol. I., p. 289. 496 Cf. HÄRING, B. Idem, p. 279. 497 Cf. HÄRING, B. Idem, p. 18-19.
198
3.6.3. A noção de consciência moral em Livres e Fiéis em Cristo
Neste item, procuraremos destacar alguns pontos que acreditamos serem
fundamentais para a compreensão da noção de consciência moral em Livres e Fiéis
em Cristo. O capítulo VI do volume I desta obra tem como título “Consciência: o
santuário da fidelidade e da liberdade criativa”. Aqui, a consciência moral é
analisada a partir da perspectiva personalista oferecida pelo Concílio Vaticano II,
sobretudo na Gaudium et spes, n. 16. E enfatiza que “o chamado de Deus que
ressoa em nossos corações é, ao mesmo tempo, uma experiência religiosa e uma
experiência de consciência”.498
Assim apresenta Häring a noção de consciência: O termo ‘consciência’ deriva do latim cum (juntos) e scientia, scire (conhecer). A consciência é a faculdade moral da pessoa, o centro e o santuário íntimo onde se conhece a si mesmo no confronto com Deus e com o próximo. Mesmo que a consciência tenha uma voz própria, a palavra que ela diz não é dela: vem da Palavra na qual todas as coisas são criadas, a Palavra que se fez carne para viver, ser e existir conosco. E esta Palavra fala através da voz íntima da consciência, o que pressupõe a nossa capacidade de escutar com todo o nosso ser.499
3.6.3.1. A visão bíblica da consciência
Segundo Häring, a base da concepção de consciência é sempre à luz da
Sagrada Escritura lida, compreendida e meditada na comunidade de fé. Para isto,
torna-se um imperativo o diálogo com cada cultura e em cada época. 500
O Antigo Testamento traz a visão do coração humano como lugar da opção
fundamental. Quem faz o mal sabe em seu coração que agiu errado contra Deus e
contra os irmãos. O coração pode fazer mais do que acusar a pessoa depois que ela
cometeu o mal. Ele pode também escutar as inspirações do Espírito que o ilumina,
que o guia para a justiça e, se agiu errado, o convida para ir de novo ao encontro
498 Cf. HÄRING, B. Free and faithful in Christ…, Vol. I., p. 227. 499 Idem., p. 224. 500 Idem., p. 229-230.
199
com Deus. Esta é a grande mensagem dos profetas: Deus escreverá a sua lei no
coração humano, no mais profundo do seu ser (Cf. Jr 17,1 e 31,31-34; Ez 14,1-5 e
36,26). O coração corre o risco de se endurecer, mas a mensagem dos profetas é de
que Deus pode renovar também os corações endurecidos e dar-lhes uma nova
sensibilidade e abertura em face da vontade amorosa de Deus e dos sofrimentos
dos irmãos.501
No Novo Testamento, não encontramos nenhuma reflexão sobre a
consciência, mas a realidade das coisas é bem evidente para os hagiógrafos. O
coração pode fazer muito mais do que acusar a pessoa depois que ela fez o mal. Ele
pode escutar conselhos do Espírito que o ilumina e o guia para a justiça e que, se
agiu mal, o chama a reencontrar Deus. Esta é a mensagem do Evangelho: É
chegado o tempo no qual Deus dá aos pecadores um coração novo, de tal forma
que poderão viver uma vida renovada, porque agora Deus doa não somente um
novo espírito, mas o seu próprio Espírito. “Ama teu próximo como a ti mesmo”:
este é o sumo da lei. “Tudo aquilo, portanto, que quereis que os homens vos façam,
fazei-o vós a eles, porque isto é a Lei e os Profetas” (Cf. Mt 7,12; Lc 6,31).502
3.6.3.2. Reflexão antropológica e teológica da consciência
Neste item da reflexão teológica, Häring traz a história da reflexão sobre a
consciência. Como novidade, ele apresenta uma concepção holística, onde ela não
está mais na vontade do que no intelecto. É uma força dinâmica que reside em
ambos porque eles permanecem juntos nas dimensões mais profundas de nossa
vida. Fomos criados para a totalidade e a parte mais profunda de nosso ser é
altamente sensível ao que pode promover e ao que pode ameaçar nossa totalidade e
nossa integridade.503
Alberto Magno e Tomás de Aquino valorizam a razão. Alexandre de Hales e
São Boaventura valorizam a vontade. Já Häring propõe uma teoria holística da
consciência como oposição às noções incompletas que vêem a consciência como
501 Cf. HÄRING, B. Free and faithful in Christ…, p. 226. 502 Idem., p. 225-227. 503 Idem., p. 234-235.
200
uma faculdade particular do intelecto ou vontade, ou tendências reducionistas que
vêem a consciência do ponto de vista de fatores sociológicos e/ou psicológicos.504
As forças intelectivas, volitivas e emocionais não são separadas:
interpenetram-se alternadamente no âmago mais profundo da pessoa. Podemos
aqui fazer uma relação com a Trindade, onde Pai, Filho e Espírito Santo estão
unidos numa única essência. Na totalidade e na abertura da nossa consciência nós
somos um sinal real da força do Espírito que renova o nosso coração e, através de
nós, toda a terra. Mesmo que intelecto e vontade sejam distintos, não podem
desenvolver-se um sem o outro.505
O chamado à unidade e à totalidade impregna nossa consciência, num anseio
de integração de nosso ser que, ao mesmo tempo, nos guia para o Outro e para os
outros. Não podemos ter o nosso coração (a nossa consciência) em paz, se todo o
nosso ser não aceita a tensão do intelecto e da razão de unir-se indissoluvelmente à
verdade. Por outro lado, um conceito individualista da consciência é totalmente
estranho à Sagrada Escritura. Se vivermos para o Senhor, também viveremos uns
para os outros, com interesse e respeito pela consciência de cada um (Cf. Rm 14,7-
8).506
Nós chegamos a conhecer o nosso profundo e a nossa totalidade à medida
que alcançamos uma interação com os nossos semelhantes, na busca da dignidade
e da totalidade também dos outros, diferentes de nós. Temos necessidade de
receber daqueles que nos circundam, amor e respeito como pessoas dotadas de
consciência, e de nossa parte podemos explorar a intimidade e a dinâmica da nossa
consciência somente se respondemos a este amor de maneira criativa.507
504 Cf. CURRAN, C. E. Free and faithful in Christ: a critical evaluation. Studia moralia. Roma: Academia Alfonsiana, Vol. XX, p. 151-152. 1982. 505 Cf. HÄRING, B. Free and faithful in Christ, p. 235-236. 506 Cf. HÄRING, B. Idem., p. 236-237. 507 Cf. HÄRING, B. Idem., p. 237.
201
3.6.3.3. A consciência distintamente cristã
Quanto à consciência distintamente cristã, Häring afirma que: Se levarmos a sério nossa identidade como cristãos, desenvolveremos uma consciência distintamente cristã, com a qual pensaremos sobretudo na nossa solidariedade com toda a humanidade... Uma consciência autenticamente cristã é assinalada pela liberdade criativa e fidelidade que brota da fé em Cristo. Uma consciência cristã madura não considerará a fé como um catálogo de coisas e fórmulas. O que informa todas as disposições morais, dá totalidade à consciência e firmeza na opção fundamental do cristão é a sua atitude de fé e a sua responsabilidade. A fé como relação íntima com Cristo desperta em nós o desejo ardente de conhecer Cristo. 508 Uma consciência formada pela fé e pela graça sabe que todos os dons vêm
do único Deus e Pai, e que deixar de usá-los responsável e plenamente é mostrar
ingratidão para com Deus e injustiça com a comunidade humana. Pois, todo dom é
dado para a construção do reino de Deus.
Vida em Cristo significa ser entregue a ele e ao Pai, por meio do Espírito.
Significa ser inserido numa vida que é de louvor e de ação de graças, onde a graça
e a fé ocupam o primeiro lugar. Nós cremos que Cristo é o Redentor e o Senhor de
todos e que o seu Espírito opera em todos, por meio de todos e a favor de todos.
Por meio da fé, nós conhecemos a Cristo e vivemos nele e com a missão de sermos
luzes e servos deste mundo.509
A fé é aceitação alegre, grata e humilde daquele que é o nosso Caminho,
Verdade e Vida. É uma experiência de amizade com Cristo que nos dá também
uma nova relação íntima com o Pai no Espírito e com os nossos irmãos e uma nova
compreensão de nós mesmos. Por isso, Häring afirma que Rm 14,23 pode ser
traduzido de dois modos: “o que não provém da fé é pecado” ou “o que não
provém da consciência é pecado”. Ambas as versões são exatas, porque São Paulo
vê a consciência humana e a convicção da consciência como iluminadas e
confirmadas pela fé. Ou seja, para Paulo, fé e boa consciência são inseparáveis (Cf.
1 Tm 1,5.19). Aqueles que abandonam a fé difundem falsidade, são pessoas “que
508 Cf. HÄRING, B. Free and faithful in Chris..., p. 247; 248-249. 509 Idem., p. 247-249.
202
têm a própria consciência como que marcada por ferro quente” (Cf. 1 Tm 4,2; Tt
1,15-16).510
A cultura objetiva – o complexo das tradições, dos costumes, do ethos e das
leis – é indispensável ao desenvolvimento da consciência individual, mas não
pode, por ela mesma, garantir o desenvolvimento de uma consciência sensível e
madura. Uma profunda experiência de fé e o cumprimento da lei de Cristo sobre o
amor são condições para poder reconhecer quais coisas merecem ser feitas.511
A vida em Cristo significa ser dirigido para ele e para o Pai pelo Espírito,
numa vida que é feita de louvor e de ação de graças. A graça e a fé ocupam o
primeiro lugar. Graça quer dizer, sobretudo, amor atraente de Deus Pai. Ele que
nos deu o seu Verbo que é doador da vida e que nos concede o Espírito também
doador da vida, volta para nós a sua face e abençoa-nos. É desta forma que ele nos
faz participantes da aliança e grava a sua lei, a sua vontade amorosa em nossos
corações. Somente se o fiel voltar sua atenção para o amor de Deus e para todos os
inúmeros sinais e dons do amor de Deus, poderá ser livre para seu próximo e
tornar-se fiel em Cristo.512
A doutrina moral se torna uma Boa Nova na medida em que é apresentada
como parte integrante da experiência de fé (naturalmente sem fazer de cada norma
moral um “dogma” imutável) e se é acolhida com gratidão como parte do infinito
amor de Deus que se doa. Este é o conteúdo central do ensinamento moral de São
Paulo (Cf. Rm 6,14; 8,2).513
Häring enfatiza a contribuição que a fé e os mandamentos dão à consciência
como também a função das virtudes escatológicas. Dentre elas, destaca-se a
esperança: “A aguda consciência dos cristãos pela justiça social, o seu empenho
não violento e ativo e uma Igreja que escuta os sinais dos tempos deverão ser um
símbolo real da nossa esperança com relação ao mundo que virá”.514 Destaca
também a virtude da vigilância: “A vigilância resulta da tensão criativa entre o já e
o ainda não que são percebidos e que recebem resposta na gratidão e na esperança.
510 Cf. HÄRING, B. Free and faithful in Christ: Moral theology for priests and laity. Vol. I. New York: The Seabury Press, 1978, p. 247-249. 511 Idem. Vol. III. London: St. Paul. Pub., 1981, p. 211-212; Ibid., Vol. I…, p. 256-257. 512 Ibid. , vol. I, p. 249. 513 Cf. HÄRING, B. Free and faithful in Christ…, Vol. I. New York…, p. 250. 514 Cf. HÄRING, B. op. cit., p. 253.
203
Quando se pratica a vigilância, a consciência especificamente cristã vem plasmada
pela riqueza e pela tensão da história da salvação”.515
Häring afirma que a formação da consciência depende em grande parte do
modo como a virtude da prudência é compreendida. Esta deveria ser encarada, em
profundidade, à luz das virtudes escatológicas, especialmente da vigilância. Uma
prudência vigilante confere à consciência o tato delicado para cada situação, e sabe
decifrar, mesmo em meio aos mais confusos e atordoantes acontecimentos, as
oportunidades e as necessidades presentes, a despeito de toda obscuridade que
provém de pecados passados e das seduções de um mundo pecador. Assim, o dever
da consciência vigilante é duplo: avaliar corretamente a realidade objetiva e
discernir e predispor as ações que sejam apropriadas como resposta aos dons de
Deus e às necessidades humanas. Neste sentido, a consciência sincera se constitui
no veredicto da virtude da prudência.516
Häring termina o item sobre a consciência distintamente cristã, afirmando
que “possuímos uma consciência distintamente cristã quando nos achamos
profundamente enraizados em Cristo, atentos à sua presença e aos seus dons,
prontos a nos unirmos a ele em seu amor por todo o seu povo”.517
3.6.3.4. O discernimento moral
Para Häring, A Igreja e o mundo necessitam de uma consciência crítica. A palavra “critica” vem do grego krínein, que se aproxima do nosso “díscernimento”. Numa sociedade e num mundo pluralistas, os cristãos deveriam ser um fermento atuante da virtude da crítica de acordo com a visão de Deus. Cumpre também estarmos prontos para aceitar a crítica de outros, e para reconhecer nossos malogros e nossas faltas. Devemos escutar os profetas, pois eles nos sacodem e desmascaram os nossos erros.518 No confronto com a comunidade e com a sociedade, a crítica deve ser
exercitada como um ministério em constante serviço ao bem comum. A virtude da
crítica pressupõe convencimento, controle de si e empenho com palavras e com
515 Cf. HÄRING, B. Free and faithful in Christ…, p. 254. 516 Idem., p. 254-255. 517 Idem., p. 258. 518 Idem, p. 258.
204
ações não-violentas. Ela torna-se virtude somente se cremos na chama divina. A
virtude da crítica é um fator de diálogo e de reconciliação que deve sempre existir
no mundo.519
Poderemos viver facilmente enganados pela mentira que existe no mundo se
não vivermos plenamente na luz de Cristo (Cf. Ef 5,6-10). O discernimento refere-
se ao bem-comum da Igreja e da sociedade e ao bem de cada um de nossos irmãos.
No entanto, o discernimento criativo da consciência, com a sua forte tendência a
um viver na verdade e a um agir segundo a verdade, depende de numerosas
condições: 1) da aspiração inata à totalidade e à abertura a Deus; 2) da firmeza e da
clareza da opção fundamental, que virão honradas como dons do Espírito; 3) da
força das disposições à vigilância e à prudência e de todas as outras disposições
que “encarnam” uma opção fundamental profunda e boa; 4) da reciprocidade da
consciência num ambiente onde são “encarnadas” a liberdade e a fidelidade
criativas e onde há um empenho ativo e grato por isso; 5) da fidelidade, da
criatividade e da generosidade encerradas na busca da verdade, prontas ao “agir
segundo a Palavra”.520
A Sagrada Escritura não tem, de forma alguma, um conceito individualista
de consciência. A ênfase sobre a reciprocidade das consciências faz com que o
discernimento sobre nós mesmos e sobre os nossos companheiros tornem um
importante aspecto da consciência madura. Assediados por tantas ideologias,
devemos escutar o conselho de Jesus: “Guardai-vos dos falsos profetas... os
reconhecereis pelos seus frutos...” (Cf. Mt 7, 15-17). A nova situação da sociedade
pluralista, e por vezes confusa, faz da virtude da crítica um imperativo. Mais do
que nunca, temos de perguntar: Quem devemos seguir?521
Häring enfatiza que Paulo menciona um carisma especial na Igreja: “o
discernimento dos espíritos” (Cf. I Cor 12,10). Mas todos os cristãos são
incentivados ao exercício do discernimento. “Caríssimos, não acrediteis em
qualquer espírito, mas examinai os espíritos para ver se são de Deus” (Cf. 1 Jo
4,1). Todos os que não estão dispostos a cooperar na corporificação da liberdade,
da fidelidade, da bondade e da não-violência no mundo que os cerca, não buscam
viver o espírito de Deus. Quem é inspirado pelo Espírito Santo não contradiz os
519 Cf. HÄRING, B. Free and faithful in Christ…, Vol. I. New York…, p. 258. 520 Idem., Vol. I, p. 238; 256-258. 521 Idem. p. 137; 256 e 267.
205
ensinamentos de Cristo transmitidos pelos apóstolos (Cf. 1 Jo 2,24 e 4,6). Segundo
Paulo, a condição para o discernimento é a conversão do coração e da mente, a
qual é obra do Espírito Santo. “E não vos conformeis com este mundo, mas
transformai-vos, renovando a vossa mente, a fim de poderdes discernir qual é a
vontade de Deus, o que é bom, agradável e perfeito” (Cf. Rm 12,2).522
3.6.3.5. A relação entre pecado e saúde mental
Aqui, Häring faz uma relação entre pecado e saúde mental, afirmando que
muitas formas de desvios mentais e psíquicos são causadas por uma consciência
corrompida. Possui uma consciência corrompida, aquele que deixou a luz
proveniente do seu íntimo obscurecer e permitiu a desintegração da vontade e da
inteligência com o domínio do seu eu egoísta, perdendo assim gradualmente a
busca pela verdade e pelo bem (Cf. Tt 1,15-16).523
O pecado é uma alienação daquilo que há de melhor no próprio eu, uma
perda do conhecimento daquele nome único ao qual somos chamados, um
mergulhar nas trevas, uma ruptura que se produz na profundidade da nossa
existência. Häring afirma:
A Bíblia nos mostra a relação entre pecado e falta de saúde, sendo que as destruições internas e externas causadas pelo pecado são confirmadas de uma forma concreta. Como pode uma pessoa considerar-se saudável a nível humano se tem falhado na busca da sua verdadeira identidade e integridade? O pecado se opõe à nossa fé e, portanto, a nossa liberdade em Cristo. Especialmente o pecado habitual e a falta de arrependimento provocam feridas que atingem o nosso eu mais profundo, enquanto a consciência não cessa de invocar a totalidade da saúde.524 Segundo Häring, a nossa consciência é um grito, uma aspiração à integridade
pessoal e, portanto, à nossa salvação. A pessoa pecadora, mergulhada no egoísmo
e no comodismo, pouco a pouco aceita passivamente o hiato entre a sua
consciência moral e a sua vontade. A forte vontade egoísta e arrogante impõe os
próprios ditames ao intelecto, que encontra milhares de razões para aprovar aquilo
522 Cf. HÄRING, B. Free and faithful in Christ…, Vol. I. New York…, p. 238. 523 Idem. p. 259. 524 Idem. p. 260.
206
que a vontade deseja. Dessa forma, torna-se impossível ter relações sadias com
outras pessoas ou viver numa genuína reciprocidade de consciências.525
Por outro lado, o ser humano é de tal maneira uma boa criação de Deus que mesmo depois de um pecado mortal, nele subsiste ainda resquícios da imagem e da semelhança de Deus, uma aspiração natural à totalidade sobre a qual a graça pode fundar-se e construir. O renascimento não é possível, porém, sem uma profunda dor, sem uma contrição na qual toda a alma é sacudida com a tomada de consciência da terrível injustiça cometida contra Deus e contra o bem.526 Portanto, não existe perigo maior pela nossa totalidade do que adiar o
arrependimento e a conversão. Os pecados veniais dos quais não se arrependem
preparam a ruína, a destruição da opção fundamental boa. E devemos dar-nos
conta de quanto é difícil retornar a Deus e encontrar novamente a totalidade e a
integridade interior, depois que foi feita uma opção fundamental contra Deus.527
3.6.3.6. A reciprocidade das consciências
Os radicais “con” e “scientia” (conhecer junto) já indicam a mutualidade de
consciências. Precisamos ver a ação recíproca. A consciência sadia permite relacionamentos salutares com o próximo e com a comunidade.528 Um dos núcleos conceituais de Häring é que as consciências estão entre si numa relação de reciprocidade e de mútua responsabilidade:
Consciência significa também reflexão sobre si, conhecimento de si, estar em paz consigo mesmo, experimentar a própria totalidade que cresce ou que a ameaça. Mas, o genuíno conhecimento de si e a autêntica reflexão de si não são existencialmente possíveis sem a experiência do encontro com o outro. A pessoa alcança a sua integridade e a sua identidade somente na reciprocidade de consciências. Conhece-se a unicidade do próprio eu somente através da experiência da relação entre o ‘tu’ e o ‘eu’ que conduz à experiência do ‘nós’.529
525 Cf. HÄRING, B. Free and faithful in Christ…, Vol. I. New York…, p. 261. 526 Idem, p. 264-265. 527 Idem., p. 265. 528 Idem. p. 265. 529 Idem. p. 266.
207
Häring enfatiza que “segundo São Paulo, é evidente que não podemos honrar
a Deus do íntimo de nossa consciência se não somos agradecidos e também cheios
de respeito diante do impacto de nossa ação sobre a consciência vacilante de
nossos irmãos”.530 Ao referir-se sobre a reciprocidade nas cartas de Paulo, afirma:
A mutualidade de consciência tem suas raízes nas nossas relações de fé com Cristo. Se vivemos pelo Senhor, vivemos também um pelo outro na atenção e no respeito pela consciência do outro (Rm 14,7-8). E, uma das dimensões mais importantes da reciprocidade das consciências é o pleno reconhecimento da liberdade de consciência, e ainda mais especificamente da liberdade religiosa. Portanto, a focalização na pessoa e na reciprocidade das consciências é a base da vida comunitária e da evangelização.531 Esta reciprocidade é uma chave de leitura que pode ser aplicada a vários
setores da Moral e do mesmo movimento da consciência, e persistem entre
realidades religiosas diversas e entre leigos e religiosos, entre norma positiva e
autoridade, dentro e fora da comunidade cristã.532
3.6.3.7. Consciência moral e Santo Alfonso
No capítulo sobre a consciência, não falta a análise sobre a relação entre
consciências e autoridade da Igreja, onde traz uma perspectiva do
eqüiprobabilismo de Santo Alfonso. Aqui também se afirma que a verdade advém
através da reciprocidade das consciências. Para a moral cristã, não mais guiada
pelas leis abstratas e pretensiosamente universais, a reciprocidade valoriza o
testemunho dos santos e das pessoas exemplares, que se tornam de tal modo
autoridades morais para as nossas consciências, modelos para as nossas vidas. Por
outro lado, a uma obediência cega e a um fim moral, B. Häring contrapõe uma
moral da consciência livre e fiel. A Igreja, afirma ele, tem o escopo fundamental de
530 Cf. HÄRING, B. Free and faithful in Christ…, Vol. I. New York…, p. 270. 531 Idem., p. 269. 532 Cf. PARISI, F. Coscienza ed esperienza morale alla luce della riflessione teologico-morale post conciliare in Italia (1965-1995). Dissertationis ad Doctoratum..., p. 119-120.
208
ser no mundo sinal visível e eficaz do amor libertador de Deus.533
Ao confirmar o eqüiprobabilismo, Häring afirma que a lei não tem nenhum
direito de frustrar a liberdade criativa. O autor cita Santo Alfonso que nos ensina
que o confessor não pode perturbar a boa consciência dos penitentes, enfatizando a
lei, seja ela natural, eclesiástica ou civil, quando se prevê que o penitente não será
capaz de interiorizar a lei mesma ou o preceito. Devemos procurar sempre a plena
verdade e não tomar arbitrariamente posição sempre em favor da lei.534
3.6.4. Conclusão
Livres e Fiéis em Cristo é o ponto máximo do trabalho de Häring. É
considerado como um importante livro-texto que difundiu a revolução disciplinar
do Concílio. Levando em conta as bases sociológicas, pode ser considerado como
expressão evolutiva da tradição da escola de Tübingen. Aos fins dos anos setenta
do século XX, a obra buscou realizar uma exposição completa da ética cristã,
mediante variações em torno do tema “liberdade”. Dentro do catolicismo romano
estritamente dito, isto constituía uma inovação.535
Com uma visão otimista do futuro, não tem esta concepção estática do
modelo legal que enfatiza uma obediência cega à lei, que busca delinear os limites
entre o que seja pecado ou não. Uma das maiores contribuições de Häring à
Teologia Moral é justamente a insistência na necessidade de uma contínua
conversão, tendo em vista um crescimento na vida do cristão.536
Häring apresenta uma familiaridade com um vasto campo de conhecimento
não só teológico, mas também de ciências humanas afins (Psicologia, Sociologia,
Filosofia, Ciências Políticas e Economia). Numa base cristocêntrica, sua Teologia
533 Cf. HÄRING, B. Free and faithful in Christ: Moral theology for priests and laity. Vol. I. New York: The Seabury Press, 1978, p. 282-294. 534 Cf. HÄRING, B. op. cit., p. 50. 535 Cf. GOMEZ MIER, V. El cambio de matriz disciplinar en la teología moral después del Concilio Vaticano II. Tesis Doctoral…, p. 150; Id., La refundación de la moral católica: el cambio de matriz disciplinar después del Concilio Vaticano II…, p. 171-174; CURRAN, C. E. Free and faithful in Christ: a critical evaluation. Studia moralia… p. 145. 536 Cf. CURRAN, C. E. Free and faithful in Christ: a critical evaluation. Studia moralia…, p. 162.
209
Moral reconhece a importância das Sagradas Escrituras como regra de vida, mas
por outro lado, valoriza também as diversas ciências humanas.537
Sua Moral Fundamental é profundamente religiosa, integralmente
personalista e modernamente tradicional. O paradigma de Moral que propõe,
baseada na responsabilidade fiel e criativa, é muito mais rico e exato que o
paradigma deontológico da obediência à lei e que o paradigma teleológico da
autoperfeição. Por outro lado, Häring permanece fiel à sua compreensão ampla da
Moral. Esta se refere ao todo do conjunto da vida cristã, realizada e manifestada
através de múltiplas dimensões: cultural, sacramental, espiritual, de compromisso,
etc.538
A obra é destinada à vida concreta. Para chegar a isto, Häring certamente
recolheu todo o material compreendido durante a sua experiência de ensino. Do
seu contato com o mundo inteiro, o releu à luz da visão cristã e o apresentou com
uma ótima sintonia para a vida cristã. Por isso, Livres e Fiéis em Cristo é o manual
da maturidade, configurado segundo as exigências do Vaticano II, que traz o
pensamento teológico definitivo de Häring. Ele recolhe os logros da renovação
pré-conciliar e o espírito e solicitações do Concilio para a Teologia Moral, tarefas
que foram iniciadas no seu manual anterior (A Lei de Cristo).539
A obra assinala uma nova forma de traçar a Teologia Moral católica. Sobre
ela, disse Ch. E. Curran que representa “o ganho mais criativo e importante da
teologia moral neste século. A contribuição mais original e significativa na curta
história desta disciplina”. No entanto, o leitor se desaponta por não encontrar uma
teoria precisa ou explanação de como a consciência trabalha e o critério para julgar
se as decisões da consciência são corretas ou não. Aqui, o autor poderia usar a sua
concepção personalista para construir uma nova teoria da consciência.540
Talvez a maior lacuna na sua Teologia Moral seja não haver uma discussão
aprofundada com a Teologia da Libertação e alguns dos temas básicos envolvidos
537 Cf. CURRAN, C. E. Free and faithful in Christ: a critical evaluation. Studia moralia…, p. 167-168. 538 Cf. ROQUETE, Jesús Colombo. “Vino nuevo en odres nuevos”: el P. Bernhard Häring y la renovación de la teología moral. Isidorianum..., p. 68. 539 Cf. MALI, M. La portata teologico-pastorale in “Liberi e fedeli in Cristo” de Bernhard Häring: una ricerca storico-critica alla luce della sua partecipazione nella stesura della “Gaudium et spes”..., p. 149; VIDAL, M. Evocación de Bernhard Häring, renovador de la Teología moral católica. Moralia…, p. 488; QUEREJAZU, J. La moral social y el Concilio Vaticano II…, p. 322. 540 Cf. CURRAN, C. E. History and contemporary issues: studies in moral theology. New York: Continuum, 1996, p. 20 e 156.
210
nesta Teologia. Obviamente que ele concorda com a ênfase da Igreja como opção
aos pobres, no entanto falta uma referência maior à Teologia da Libertação,
reconhecendo a existência do pecado em meio às injustiças sociais e às estruturas
econômicas.541
Por fim, a cristologia de Häring é descendente, enfatizando a divindade e a
eleição messiânica de Cristo e, a partir disso, toma em consideração a existência
histórica de Jesus e o seu significado para nós. No entanto, a cristologia
predominante hoje, sobretudo na América Latina é a ascendente, com uma visão
crítica da realidade social, que toma o testemunho de Jesus, para que sejamos seus
seguidores. Uma cristologia ascendente é mais definida para reconhecer as lutas e
os conflitos na vida dos cristãos, do que a descendente, que pode levar à
manutenção de um status quo. Mas, Häring também provoca uma reflexão para
esta mudança.542
541 Cf. CURRAN, C. E. Free and faithful in Christ: a critical evaluation. Studia moralia..., p. 172-173. 542 Cf. CURRAN, C. E. op. cit., p. 160-161.
211
3.7. Conclusão do Capítulo III
Para percebermos a evolução do pensamento de Häring em relação à
consciência moral, a título de conclusão da Parte II, apresentamos uma comparação
entre a noção formulada em A Lei de Cristo e em Livres e Fiéis em Cristo.
Considerando o todo de sua obra, a Teologia Moral de Häring é de
concentração cristológica, numa visão paulino-joanéia da vida cristã, onde deriva a
onipresença do amor. A sua Moral não é uma ética dos mandamentos. No fundo,
não é também uma doutrina sobre as virtudes. Trata-se, em primeiro lugar, de uma
moral do ser habilitado a se comprometer com o bem, mediante a graça, na fé.
Häring acentua a ação do Espírito Santo, que é o dom do Ressuscitado aos seus
discípulos e a inscrição da aliança e da lei do amor no coração e na vida do fiel.
Portanto, o cristão não está sob um regime legal extrinsecista, mas sob o regime da
graça do Espírito Santo (Cf. Rm 6,4; 8,2). Ao mesmo tempo, ele insiste na idéia da
aliança definitiva selada por Cristo. Cristo é o mediador da aliança, a mais alta
expressão da aliança de Deus com a Igreja e, através da Igreja, com toda a
humanidade. E os fiéis experimentam a realidade desta aliança por meio do
Espírito Santo que age em todos. De modo que os dons da graça oferecidos por
Deus e todos os dons do Criador são vistos como um chamado à solidariedade e à
salvação.543
A meados dos anos setenta do século XX, Bernhard Häring demonstrou que
para formular sua Teologia Moral não bastava continuar introduzindo retoques nas
novas reedições de A Lei de Cristo. Ele abandonou este caminho e escolheu a
árdua tarefa de reescrever uma nova exposição, enfatizando a Moral Renovada. Em
1978, aparecia o primeiro volume de Livres e Fiéis em Cristo. Em 1979 e em 1981,
respectivamente, apareceram o segundo e o terceiro volumes. Em 1989, B. Häring,
543 Cf. BERETTA, P. Sintesi e sviluppo della teologia di Bernhard Häring. In: BERETTA, P. (a cura di). Chiamati alla libertà: sagi di teologia morale in onore di Bernhard Häring..., p. 385.
212
contemplando toda a sua obra escrita, considerará Livres e Fiéis em Cristo como
sua obra principal.544
Com isso, o tempo pós-conciliar culmina com o manual Livres e Fiéis em
Cristo, escrito vinte e cinco anos depois de A Lei de Cristo. O subtítulo “teologia
moral para sacerdotes e leigos” indica significativamente os seus interlocutores: a
teologia não pode ficar sob o monopólio dos clérigos, mas também como atividade
e competência dos leigos, sem discriminação de classe. Visa a formação do cristão
adulto e responsável, um cristão que não se reduz à obediência. Não é surpresa que
os termos liberdade, responsabilidade e consciência ocorram mais freqüentemente
que os termos lei, obediência e autoridade.545
Embora Livres e Fiéis em Cristo não seja uma adaptação de A Lei de Cristo,
não podemos negar uma certa continuidade entre os dois manuais. Na introdução
do último manual escrito, Häring afirma que entre ambos existe uma continuidade
mediante o elemento numinoso que é Cristo: “Espero que o leitor encontre em
Livres e Fiéis em Cristo a continuidade do pensamento e da mensagem do livro
anterior, centrado no amor de Jesus Cristo (...) Cristo que vem do Pai e nos conduz
ao Pai, será sempre o ponto focal de nossa reflexão”.546
Porém, é evidente que se trata de um manual novo, distinto do primeiro. Da
categoria de “lei” se passa para a categoria de “liberdade”. Não obstante o sucesso
do manual A Lei de Cristo, ele se empenhou por um novo manual. A
continuidade/descontinuidade entre o novo manual e aquele de 1954 é justificada
pela referência ao Vaticano II, que Häring define como um evento que abriu uma
nova época. Em Livres e Fiéis em Cristo encontramos os avanços proporcionados
pela Optatam totius, n. 16, daquele Concilio.547
É certo que na compreensão de Häring, a expressão “lei de Cristo” remete ao
universo cristológico paulino (Cf. Gal 6,2). Tem uma conotação mística de
544 Cf. HÄRING, B. Fede, storia, morale: intervista di Gianni Licheri. Roma: Borla, 1989, p. 66; GOMEZ MIER, V. El cambio de matriz disciplinar en la teología moral después del Concilio Vaticano II…, p. 168. 545 Cf. BALOBAN, S. Spirito e vita christiana nella teologia morale di Bernhard Häring. Dissertatio ad Doctoratum..., p. 81; LORENZETTI, L. In ricordo di Bernhard Haering: una vita per la morale cattolica. Rivista di teologia morale. n. 117, 1998, Bologna: EDB, p. 342-343. 546 Cf. HARING, B. Free and faithful in Christ: Moral theology for priests and laity. Vol. I. New York: The Seabury Press, 1978, p. 5. 547 Cf. GOMEZ MIER, V. La refundación de la moral católica: el cambio de matriz disciplinar después del Concilio Vaticano II…, p. 169; Idem, El cambio de matriz disciplinar en la teología moral después del Concilio Vaticano II…, p. 156; VIDAL, M. Evocación de Bernhard Häring, renovador de la Teología moral católica. Moralia..., p. 494; LORENZETTI, L. op. cit., p. 342.
213
identificação com Cristo, e significa praticamente o mesmo que “seguimento de
Cristo” . Mas, não podemos deixar de reconhecer que na mentalidade ocidental, o
termo “lei” tem uma conotação jurídica. A categoria “liberdade”, unida à
“fidelidade”, corresponde melhor para a nossa realidade atual. De fato, as
expressões “liberdade fiel” e “fidelidade livre” (ou criativa), expressam formas de
ser e atitudes básicas de hoje nos diversos níveis da existência.548
Para ilustrar esta transição entre a lei de Cristo para a liberdade e fidelidade
criativa em Cristo e a sua nova ênfase, Häring fala na parte final da “Introdução
geral” de Livres e Fiéis em Cristo: “O título desta obra revela a sua fisionomia e o
seu programa... é uma continuidade do pensamento do livro anterior (A Lei de
Cristo), centrando no amor de Jesus Cristo. Com o Apóstolo dos Gentios eu vejo o
amor de Cristo como a maior manifestação do amor criativo e da liberdade criativa
de Deus”.549
Percebe-se, portanto, que o pensamento teológico de Häring fica aberto, sob
a influência de novos contextos evolutivos num período da história da Igreja, de
mudanças profundas (de 1954, em A Lei de Cristo, para 1978 em Livres e Fiéis em
Cristo). Entre ambos, existe um grande salto qualitativo. Sumariamente, este salto
pode ser descrito como um avanço de “lei” (Gesetz) para “liberdade responsável”
(Free and faithful).550
Também ao escrever o prólogo para Livres e Fiéis em Cristo, em 1978,
Häring contempla retrospectivamente o período de vinte e cinco anos anteriores,
desde o término de A Lei de Cristo (1954):
Durante estes anos tive a oportunidade não somente de ver uma resposta de dimensão mundial em A Lei de Cristo, mas também de ser empenhado num processo de aprendizagem único, através do Concílio Vaticano II e de minhas várias atividades... O Concilio ecumênico já ulteriormente acentuou o meu forte interesse pelo ecumenismo e igualmente aprofundou e ampliou o meu interesse apaixonado pelo Terceiro Mundo... Durante estes anos adquiri a consciência de que meus escritos eram ainda muito europeus... mas, sem dúvida, sinto uma profunda simpatia e preocupação pelos povos de todo o Terceiro Mundo.551
548 Cf. SALVODI, V. (Org.). Häring: Una entrevista autobiográfica. Madrid: San Pablo, 1998, p. 45 e 48; GOMEZ MIER, V. op. cit., p. 169; VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. In: Estudios eclesiásticos…, p. 481. 549 Cf. HÄRING, B. Free and faithful in Christ: Moral theology for priests and laity. Vol. I. New York: The Seabury Press, 1978, p. 1. 550 Cf. GOMEZ MIER, V. El cambio de matriz disciplinar en la teología moral después del Concilio Vaticano II. Tesis Doctoral…p. 146-147 e 168. 551 Cf. HARING, B. op. cit., p. 1.
214
É importante ressaltar que Häring conservou o nome de Cristo nas duas
obras, mantendo uma impostação cristocêntrica. O núcleo firme de A Lei de Cristo
parece ser a lei personalizada em Cristo, enquanto que no segundo manual é a
liberdade, também personalizada em Cristo, com criatividade. Estas duas
categorias “liberdade” e “fidelidade” poderiam ser uma apenas porque ambas se
complementam na síntese em Cristo. Porém, Häring enfatiza a categoria da
liberdade, sem a qual não há moralidade.552
O campo da sua moral está marcado pela antropologia da responsabilidade,
pela cristologia da revelação salvífica e pela teologia do chamado amoroso de
Deus. Este enfoque geral o expressou Häring, em A Lei de Cristo, mediante a
categoria paulina da lei de Cristo (Cf. Gal 6,2; Rm 8,2). Baseando-se na teologia
patrística, na teologia de Santo Tomás e no cristocentrismo teológico recente,
Häring recupera o conceito de “lei de Cristo” e, a partir dele, expõe as exigências
morais da vida cristã. A “lei de Cristo” é, no fundo e em definitivo, a graça do
Espírito Santo, que é derramada em nossos corações e quer configurar nossa vida
conforme à de Cristo.553
Já na nova síntese de Livres e Fiéis em Cristo, Häring mantém a mesma
impostação cristocêntrica (“em Cristo”), porém não utiliza a categoria de “lei” mas
a dupla categoria de “liberdade” e “fidelidade”, onde a categoria decisiva parece
ser a da liberdade, pois Häring coloca no início de sua obra, vol. I, a citação de Gal
5,1: “Cristo nos libertou para que vivamos em liberdade”. A liberdade, portanto, é
uma das grandes preocupações de Häring porque somente sendo livre, se pode ser
responsável.554
Quanto ao ambiente cultural, A Lei de Cristo é a cultura do catolicismo
alemão, plasmada sobretudo nas correntes filosóficas da fenomenologia e do
personalismo da primeira metade do século XX e tendo como referência básica a
obra de D. Bonhoeffer. É preciso destacar que D. Bonhoeffer quis representar um
ecumenismo que não era bem recebido no isolamento nacionalista alemão dos anos
552 Cf. ROQUETE, J. C. “Vino nuevo en odres nuevos”: el P. Bernhard Häring y la renovación de la teología moral. Isidorianum…, p. 64-65. 553 Cf. VIDAL, Marciano. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. In: Estudios eclesiásticos…, p. 484. 554 Cf. VIDAL, M. op. cit., p. 485.
215
trinta. Já em Livres e Fiéis em Cristo, além do contexto católico alemão, há a
influência também de outros contextos culturais, sobretudo norte-americano, de
acordo com a experiência vivida nestes lugares.555
Com relação a Livres e Fiéis em Cristo, A Lei de Cristo era um livro ainda
“muito europeu”. O último, traz os encontros de Häring com o mundo da América,
da África e da Ásia. É orientado especialmente à evangelização e se preocupa
sobretudo com o anúncio da moral a todas as pessoas, de todas as culturas. Por
isso, no esforço de compreender melhor a pessoa humana do seu tempo, ele leva
em conta fortemente o diálogo com as ciências humanas. Igualmente presta maior
atenção à sociologia da moral e dos costumes, com o objetivo de poder distinguir
melhor entre aquilo que é permanente e aquilo que é mutável, favorecendo, assim,
o livre diálogo com todas as culturas.556
Neste sentido, o diálogo teológico-moral não se estabelece preferivelmente
com filósofos, como acontecia em A Lei de Cristo, mas com psicólogos e
antropólogos culturais (J. Piaget, L. Kohlberg, E. Fromm, A. Maslow, B.F.
Skinner, etc.). Por outro lado, se A Lei de Cristo tinha interesse especial em
assinalar que se situava na tradição da escola de Tübingen, agora em Livres e Fiéis
em Cristo evoca também a inspiração recebida de dois grandes convertidos ao
catolicismo, J. H. Newman e V. S. Solovyev.557
Livres e Fiéis em Cristo pode ser considerada uma síntese de toda a atividade
teológica de Häring. Não é uma reelaboração ou uma re-edição de A Lei de Cristo:
é uma obra completamente nova. Porém, obviamente, ela permanece fiel à
precedente em muitos aspectos, especialmente na impostação cristocêntrica. A
concepção paulina-joanéia, já presente em A Lei de Cristo, como também a
dimensão pneumatológica, em Livres e Fiéis em Cristo vêm ulteriormente
aprofundadas.558
Nos dois manuais, enfatiza-se que a consciência exorta ao bem e previne
contra o mal. Por meio do apelo de Cristo a seguí-lo, encontra eco no íntimo do ser
555 Cf. GOMEZ MIER, V. El cambio de matriz disciplinar en la teología moral después del Concilio Vaticano II. Tesis Doctoral…, p. 146-147; VIDAL, M. op. cit., p. 481. 556 Cf. BERETTA, P. Sintesi e sviluppo della teologia di Bernhard Häring. In: BERETTA, P. (a cura di). Chiamati alla libertà: sagi di teologia morale in onore di Bernhard Häring..., p. 388-389. 557 Cf. VIDAL, Marciano. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. In: Estudios eclesiásticos..., p. 482. 558 Cf. BERETTA, P. Sintesi e sviluppo della teologia di Bernhard Häring. In: BERETTA, P. (a cura di). Chiamati alla libertà: sagi di teologia morale in onore di Bernhard Häring..., p. 388.
216
humano. A lei interior da consciência como também o valor que lhe é dada não são
impessoais (juridicismo) mas tendem à manifestação do supremo “tu”
(personalismo).559
Em A Lei de Cristo, a consciência tem uma voz própria, mas não a sua
palavra própria. É a palavra de Cristo que fala através da voz. Por si mesma, a
consciência é uma vela sem chamas, mas Cristo é a Luz que brilha sobre nós. Em
Livres e Fiéis em Cristo, Häring define a consciência como o santuário da
fidelidade e da liberdade criativas, fazendo uma alusão a Gaudium et spes, n. 16. A
consciência tem a voz a qual contém a lei escrita por Deus. Ela é a faculdade moral
da pessoa, é o núcleo interior e o santuário onde a pessoa se conhece, em confronto
com Deus e com os seus semelhantes.560
Em Livres e Fiéis em Cristo, a perspectiva legalista dos manuais pré-
conciliares é desprezada, em razão da perspectiva da liberdade de consciências.
Pois, Cristo veio para libertar a todas as pessoas para a verdade. Dirige sua
mensagem à consciência da pessoa. Não deseja ter escravos submissos, mas
amigos.561
Embora Häring chame a consciência de santuário da liberdade e da
fidelidade criativas, isto não significa que ela seja realmente criativa no sentido de
ter um poder para criar verdades morais. Esta clarificação é importante porque a
partir da Modernidade, a consciência passou a ser vista como um juiz soberano que
tem o poder de decidir o que é certo ou errado. Porém, com esta concepção cai-se
no subjetivismo e no relativismo absoluto, de acordo com os quais cada um tem a
sua própria verdade, pois tem a sua própria consciência. Embora Häring não
pretenda definir a consciência como a que tem o poder de determinar a verdade
moral, para ele a consciência é o único modo da pessoa humana perceber a verdade
moral e, por meio dela, será julgada.562
Podemos reconhecer que há um salto qualitativo entre o primeiro e o
segundo manual. No primeiro manual, Häring foi pioneiro e, no segundo, continua
559 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica..., p. 68. 560 Cf. SUJOKO, A. Personalist method in moral theology: critique and further development of the thought of Louis Janssens and Bernhard Häring. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 1999, p. 181. 561 Cf. GOMEZ MIER, V. El cambio de matriz disciplinar en la teología moral después Del Concilio Vaticano II. Tesis Doctoral…, p. 166. 562 Cf. SUJOKO, A. op. cit., p. 182.
217
como fonte de criatividade na Teologia Moral. As exigências do Concilio
Vaticano II de que a moral cristã se fundamente na Sagrada Escritura, ilumine a
excelência da vocação cristã, seja uma proposta para todo o povo cristão e dialogue
com os saberes humanos se encontram já observadas em A Lei de Cristo. Mas,
tudo isso é aprofundado de uma forma mais intensa em Livres e Fiéis em Cristo.
Finalizando, podemos afirmar que A Lei de Cristo e Livres e Fiéis em Cristo são
dois manuais, mas não são dois paradigmas distintos.563
563 Cf. QUEREJAZU, J. La moral social y el Concilio Vaticano II.., p. 62 e 314; GOMEZ MIER, V. La refundación de la moral católica: el cambio de matriz disciplinar después del Concilio Vaticano II…, p. 141-174; VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. In: Estudios eclesiásticos…, p. 488-490.
218
4. Pistas de ação
No seu sentido etimológico, a palavra consciência expressa um saber
compartilhado (do grego, syneidesis: “ver com”; “conhecer com”; no latim,
conscientia ⇒ cum-scire: saber-com). Ou seja, expressa sempre um caráter
comunitário, reflexo do ambiente sócio-cultural. Por isso, o amadurecimento da
consciência se realiza numa simbiose entre as relações humanas. É nesta relação
entre pessoa e sociedade que surge o senso de responsabilidade.564
A consciência é o próprio ser humano enquanto se dá conta de que existe e é
chamado a desenvolver-se numa determinada direção. Ela evidencia a totalidade
unitária da pessoa em busca de uma abertura que transcende (Deus) e também do
próximo, numa resposta de amor. Para aquele que crê, a consciência encontra a sua
expressão na fé. Por isso, o imperativo moral manifesta-se à pessoa como algo que
está no ser humano, mas que não é dele e não se reduz à sua vontade.565
É necessário distinguir a consciência psicológica da consciência moral. A
primeira baseia-se na capacidade de se perceber as próprias vivências humanas.
Esta percepção forja intuições que chegam a formar graus de conhecimento,
podendo ser espontâneos ou frutos da reflexão. A consciência moral, por sua vez,
diz respeito aos valores e nos reenvia ao amor a ser vivido concretamente. Ela
orienta-se para a verdade e busca o bem. Respeita a dignidade da pessoa humana.
Mas, também ela não escapa de todo um conjunto de condicionamentos, bem como
das tentativas constantes de manipulação.566
564 Cf. PINCKAERS, S. Le fonti della morale cristiana: metodo, contenuto, storia. Milano: Ares, 1992, p. 359; AUBERT, J-M. Coscienza e legge. In: LAURET, B.; REFOULÉ, F. Iniziazione alla pratica della teologia. Vol. IV, Brescia: Queriniana, 1986, p. 221; VIDAL, M. Moral de actitudes. Vol. I: moral fundamental, 4ª. ed., Madrid: PS Edit., 1977, p. 288. 565 Cf. HÄRING, B. I religiosi del futuro. Roma: Paoline, 1972, p. 165-166; CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, Ética: pessoa e sociedade. Documentos da CNBB. n. 50, São Paulo: Paulinas, n.71; VIDAL, M. op. cit., p. 289-290; MOSER, A.; LEERS, B. Teologia Moral: Impasses e Alternativas. Coleção Teologia e Libertação. 3. e., Petrópolis: Vozes, 1996, p. 160; AGOSTINI, N. Moral Cristã – temas para o dia-a-dia – nesta hora da graça de Deus, Petrópolis: Vozes, 2004, p. 28. 566 Cf. AGOSTINI, N. op. cit., 32; VIDAL, M. Moral de actitudes. Vol. I: moral fundamental, 4ª. ed., 1977, Madrid: PS Edit., p. 288-290.
219
Portanto, a noção de consciência psicológica é de um “ser consciente”, que
se dá conta de algo e expressa a complexidade do viver as próprias experiências. Já
a consciência moral pressupõe a consciência psicológica, acrescentando-lhe o
aspecto de compromisso. Trata-se de uma realidade que cada um deve fazer a sua
própria experiência. A consciência moral é mais do que conhecimento de si
(consciência psicológica) e do simples conhecimento normativo. Constitui-se num
sujeito que empenha a sua própria personalidade e responsabilidade no seu agir.567
Hoje, o problema da consciência ocupa um lugar de primeiro plano não
somente na reflexão moral cristã, mas também em todo o pensamento moderno,
acentuando a responsabilidade pessoal e o caráter singular de cada um. A proposta
desta Parte III da Tese é de, a partir das reflexões em relação à consciência moral
feitas por Bernhard Häring, apresentar algumas considerações no tocante a este
tema, tendo em vista os desafios suscitados pela Modernidade/Pós-Modernidade.568
567 Cf. MADINIER, G. La coscienza morale. Torino: Elle di Ci, 1982, p. 19; VIDAL, M. loc. cit.; AUBERT, J.-M. Coscienza e legge. In: LAURET, B.; REFOULÉ F. (dir.). Iniziazione alla pratica della teologia. Tomo 4, Brescia: Queriniana, 1986, p. 207; MAJORANO, S. La coscienza: per una lettura cristiana. Milano: San Paolo, 1994, p. 15; 21-22. 568 Cf. VEREECKE, L. La coscienza nel pensiero di S. Alfonso de Liguori. In: ALVAREZ VERDES, L.; MAJORANO, S. (cure) Morale e redenzione. Roma: EDACALF, 1983, p. 169.
220
4.1. A consciência moral no contexto contemporâneo
4.1.1. Introdução
A afirmação dos direitos da consciência individual, da sua liberdade
fundamental, frente a todos os despotismos e a todas as opressões, é um elemento
essencial do nosso moderno patrimônio cultural. Este, progressivamente elaborado
a partir do século XVIII, encontrou a sua expressão na “Declaração dos direitos do
homem e do cidadão” de 1789 e nos ideais difundidos pela Revolução Francesa: a
democracia, a tolerância, a legitimidade de um pluralismo de pensamento, etc.569
No entanto, a moderna valorização dos direitos da consciência foi muitas
vezes combatida pela Igreja, que ligava à promoção destes direitos à penosa
lembrança de um anticlericalismo revolucionário. Esta longa recusa até o Vaticano
II, em nome de uma ordem moral objetiva, é um dos principais aspectos do
divórcio entre o mundo moderno e a Igreja. Persistiu ao ver na liberdade de
consciência “um mal pestilento, verdadeiro delírio”, segundo as expressões de
Gregório XVI, na Encíclica Mirari vos de 1832, condenação retomada por Pio IX,
em 1864, nas proposições 15, 78 e 79 do Syllabus.570
Hoje, o tema da consciência moral está na ordem do dia. Expressões como
“liberdade de consciência”, “direitos da consciência”, “primado da consciência”,
“fidelidade à própria consciência”, etc. estão presentes na linguagem comum. A
Igreja, que está “no mundo”, é também ela portadora desta linguagem.571
O tema da consciência encontra-se no centro de um amplo debate de
múltiplos âmbitos: teológico, filosófico, político, literário, científico. Ao mesmo
tempo, o mundo está vivendo um período de crise moral que poderia ser definido
569 Cf. AUBERT, J-M. Coscienza e legge. In: LAURET, B.; REFOULÉ, F. Iniziazione alla pratica della teologia. Vol. IV, Brescia: Queriniana, 1986, p. 208. 570 Id., ibid. 571 Cf. PETRÀ, B. La coscienza “nello Spirito”: per una comprensione cristiana della coscienza morale. Milano: O. R. Edizioni, 1993, p. 5.
221
mais exatamente como uma crise da consciência, entendida como capacidade da
pessoa de distinguir entre o bem e o mal.572
4.1.2. A pluridimensionalidade da noção de consciência moral hoje
O exame do vocábulo “consciência moral” mostra hoje uma
pluridimensionalidade de conceitos, com planos diferentes de uma mesma
realidade. Muitas vezes, ela é identificada com o superego573 freudiano, com todo
um conjunto de doutrinas e normas em relação ao lícito e ilícito, os modelos de
comportamento a praticar ou a evitar, recebidos desde a infância de qualquer
autoridade externa e introjetado no sujeito de modo ainda pré-pessoal. Tudo isso
sem um reexame crítico e uma tomada de posição que surja da liberdade
humana.574
Para outros, a consciência moral está relacionada exclusivamente ao juízo,
tendo em vista o moralmente bom e reto em si, a qualidade moral da própria
atitude e do comportamento. Entende-se aqui comportamento como o simples ato
particular. Já a atitude distingue-se do comportamento pela totalidade no agir. A
distinção “reto/bom” refere-se a dois planos, o objetivo e subjetivo. Uma ação é
reta quando é objetivamente de acordo com a lei moral, é boa quando é
subjetivamente realizada com uma atitude boa, ou seja, altruísta.575
572 Cf. CASSANI, M. La coscienza morale nella riflessione teologica contemporanea. In: MANICARDI, E.; CAVALCOLI, G.; CASSANI, M.; BENETOLLO, O.; APPI, F.; BARZAGHI, G. La coscienza morale e l’evangelizzazione oggi: tra valori obiettivi e tecniche di persuasione. Collana “Claustrum” 11. Bologna: Studio Domenicano, 1992, p. 78; HAAS, J. La crisi della coscienza e della cultura. In: BORGONOVO, G. (a cura di). La coscienza. Città del Vaticano: Editrice Vaticana, 1996, p. 40; JOÃO PAULO II. Carta Enciclica Evangelium vitae. São Paulo: Paulinas, 1995, n. 4. 573 A expressão “super-ego” deriva da psicologia e indica uma espécie de instância presente na pessoa humana, que representa no seu íntimo todas as normas e os valores sociais apreendidos durante a infância e no interior da família. A voz desta instância entra mesmo em conflito com os desejos da busca pessoal e irrepetível de si. 574 Cf. CASSANI, M. La coscienza morale nella riflessione teologica contemporanea. In: MANICARDI, E.; CAVALCOLI, G.; CASSANI, M.; BENETOLLO, O.; APPI, F.; BARZAGHI, G. op. cit., 92, p. 89; PRIVITERA, S. La coscienza, Bologna: EDB, 1986, p. 5-18; Idem. Coscienza. Nuvo dizionário di teologia morale. Cinisello Balsamo: Paoline, 1990, p. 200-201; RÖMELT, J. La coscienza: un conflitto delle interpretazioni. Roma: Academiae Alphonsianae, 2001. p. 12. 575 Cf. PRIVITERA, S. Coscienza. Nuvo dizionário di teologia morale. Cinisello Balsamo: Paoline, 1990, p. 203.
222
Ainda para outros, consciência é simplesmente sinônimo de vontade, ou
melhor, do decidir-se livremente nas escolhas a realizar, em relação ao bem e ao
mal, ao reto e ao errado previamente conhecidos. Estes vêem a consciência como
um órgão que tem a função de exortar e de levar a agir nos confrontos da vontade.
Função que, em relação ao ato já realizado, se traduz em aprovação interior (para o
bem) ou remorso (para o mal).576
Hoje em dia, muitos falam também da sua consciência quando buscam viver
segundo a voz interior que os solicita a tomar pessoalmente em suas mãos a
própria vida, a tornarem-se pessoas autônomas e responsáveis, pessoas maduras. O
termo “auto-realização” tornou-se moda e exprime numa linguagem
universalmente compreensível esta visão.577
Verificamos, portanto, que o termo pode apresentar uma grande variedade de
significados. Isto porque a consciência moral é algo muito complexo. E a razão de
tal complexidade reside no fato de que se trata de algo pessoal e a pessoa é sempre
um mistério imprevisível.578
Sabemos que a consciência é continuamente provocada pelo suceder-se das
situações e das relações concretas nas quais o “eu” vive e se desenvolve. Por isso,
ela deve tomar posição, avaliar, formular um juízo sobre aquilo que deve ser feito
num espaço e num tempo particulares. E quando o termo consciência recebe a
qualificação de “moral” então a referência é ao saber que o sujeito tem de si como
“responsável”, como um “eu” chamado a responder ao apelo do bem, tanto em
geral quanto numa determinada situação.579
576 Cf. PRIVITERA, S. La coscienza, Bologna: EDB, 1986, p. 5-18; CAVALCOLI, G. Il concetto di coscienza in S. Tommaso. In: MANICARDI, E.; CAVALCOLI, G.; CASSANI, M.; BENETOLLO, O.; APPI, F.; BARZAGHI, G. La coscienza morale e l’evangelizzazione oggi..., Bologna: Studio Domenicano, 1992, p. 53. 577 Cf. RÖMELT, J. La coscienza: un conflitto delle interpretazioni. Roma: Academiae Alphonsianae, 2001. p. 11. 578 Cf. AUBERT, J.-M. Coscienza e legge. In: LAURET, B.; REFOULÉ, F. Iniziazione alla pratica della teologia. Vol. IV, Brescia: Queriniana, 1986, p. 206; VIDAL, M. Moral de actitudes. Vol. I: moral fundamental, 4ª. ed., 1977, Madrid: PS Edit., p. 315; PIANA, G. La coscienza nell’attuale contesto culturale. Credere oggi. ano XXII, n. 2, vol. 128, 2002, p. 10. 579 Cf. PETRÀ, B. La coscienza “nello Spirito”: per una comprensione cristiana della coscienza morale. Milano: O. R. Edizioni, 1993, p. 9 e 57.
223
4.1.3. Situando a consciência moral, a partir dos desafios da atualidade
A consciência moral se deve dar como “solidão” consigo mesmo e, ao
mesmo tempo, como possibilidade, necessidade e encontro com o outro. Ou seja,
exige-se a efetiva percepção da nossa vida para dar a tudo sentido e valor. Há uma
imperatividade de valores, princípios e normas, que devem ser descobertos não
arbitrariamente, mas nas tensões de nossa liberdade cotidiana. Frente aos desafios
do mundo atual, a consciência moral tornou-se uma realidade extremamente
dinâmica. Por outro lado, vale a pena ressaltar que não existe uma consciência
moral definitiva, em nenhuma idade. Pois, estamos sempre em processo de
realização humana.580
A partir das nossas experiências, tornamo-nos conhecedores da nossa mais
íntima dignidade. Somos chamados a tomar plenamente em nossas mãos a própria
vida e a plasmá-la na realidade que nos circunda. E assim, por meio da
consciência, somos capazes de avaliar as nossas próprias ações, sob o ponto de
vista moral e de emitir juízos em relação a essas mesmas ações concretamente
realizadas. Para isso, usamos de todo o nosso ser, envolvendo os aspectos
intelectivos, volitivos e emotivos.581
No entanto, falar de consciência moral não significa pressupor uma
consciência “autônoma”, segura de si, emancipada de toda relação com a
alteridade. Mas, significa admitir que o ser humano, esta criatura em constante
devir de humanização, pode, com todos os seus limites, moralizar a sua própria
vida, ou ao menos tentá-la. Pode coletivamente perceber-se dentro de certas regras
de vida comum que abrem um espaço público de concórdia e de justiça, mesmo
sem estar certo da perenidade da sua empreitada. Pode também falir e por fim não
estar à altura daquilo que quer, porque a sua vontade está submersa a impulsos não
dominados e certamente não de tudo domináveis.582
580 Cf. MAJORANO, S. La coscienza: per una lettura cristiana. Milano: San Paolo, 1994, p. 22; VIDAL, M. Moral de actitudes. Vol. I: moral fundamental, 4. e., 1977, Madrid: PS Edit., p. 314. 581 Cf. RÖMELT, J. La coscienza: un conflitto delle interpretazioni. Roma: Academiae Alphonsianae, 2001. p. 13-14; BORGHI, E.; BUZZI, F. La coscienza di essere umani: percorsi biblici e filosofici per un agire ético. Milano: Ancora, 2001. p. 118; VIDAL, M. Moral de actitudes. Vol. I: moral fundamental, 4ª. ed., 1977, Madrid: PS Edit., p. 322. 582 Cf. VALADIER, P. Elogio della coscienza. Torino: Società Editrice Internazionale. 1995. p. 123.
224
A partir de uma visão do personalismo cristão, destacamos que a pessoa
humana não “tem” consciência, mas “é” a sua própria consciência. Contudo, a
pessoa é sempre também, de certo modo, uma realidade desconhecida e insondável
nas suas profundidades últimas e mais recônditas. E talvez por isso, o fenômeno
consciência seja um tema nunca desgastado e sempre aberto a ulteriores
aprofundamentos e se compreende porque se torna difícil tentar uma definição
completa. Falar de consciência significa falar da pessoa humana na sua totalidade e
intimidade consigo mesma e, neste sentido, é sempre um mistério. Sobretudo,
diante de um mundo carregado de profundas e rápidas mudanças.583
4.1.3.1. Influências mais significativas na consciência moral
Em razão do ser humano ser sujeito e viver certa autonomia através da
consciência não diminui o fato da sua existência ser condicionada por fatores
genéticos, biológicos, familiares, educacionais, ambientais, psicoafetivos,
sociopolíticos e econômicos. Acrescenta-se aqui a presença dos meios de
comunicação social. Porém, a existência de tais fatores não significa que a
consciência seja determinada por eles. Há, sim, certa influência, mas não uma total
determinação.584
Muitas vezes, vivemos o fenômeno da consciência moral como um eco da
sociedade. E isto é, em parte, inevitável, pois estamos condicionados pela história.
Às vezes cremos que estamos agindo com consciência pessoal e não somos nada
mais que um eco da consciência social. Na verdade, somos devedores de toda a
história humana. A força cultural da humanidade condiciona a nossa consciência.
Não somos nada mais que um eco desta consciência cultural, pois, a consciência
individual nasce dentro dessa consciência coletiva. Ela se alimenta e se desenvolve
583 Cf. CASSANI, M. La coscienza morale nella riflessione teologica contemporanea. In: MANICARDI, E.; CAVALCOLI, G.; CASSANI, M.; BENETOLLO, O.; APPI, F.; BARZAGHI, G. La coscienza morale e l’evangelizzazione oggi: tra valori obiettivi e tecniche di persuasione. Collana “Claustrum” 11. Bologna: Studio Domenicano, 1992, p. 91-92. 584 Cf. AGOSTINI, Nilo. Moral Cristã – temas para o dia-a-dia – nesta hora da graça de Deus. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 30.
225
a partir da consciência social. E o que os demais esperam de nós se constitui
muitas vezes como voz de nossa consciência.585
Um dos maiores desafios que hoje encontramos é a força e a influência dos
meios de comunicação social em nossas vidas. As possibilidades que se abrem
através destes meios são fascinantes. Consciências que conquistam os horizontes
do mundo todo, atuando-se em reciprocidade entre si. Mas, por outro lado, os
riscos são muito grandes, com uma manipulação das informações, de imagens, de
estilos, a serviço do poder e dos interesses dos mais fortes.586
4.1.4. Ambigüidades do Concilio: tensão entre paradigmas
Os debates medievais falam de consciência como uma função do intelecto
(razão prática) ou da vontade (opções). A era manualista a fez como uma operação
racional que funciona de um modo dedutivo, caindo na casuística. Com o Vaticano
II, sobretudo com a Gaudium et spes, abre-se para nós uma nova era em relação à
reflexão sobre a natureza da consciência moral.587
As palavras da Gaudium et spes, n.16, dão um tom de respeito sincero à
consciência de cada um, anunciando a sua consistência e profundidade. Falam da
interioridade misteriosa da pessoa humana que não somente está diante de Deus
como imagem, mas participa da sua própria vida como filho ou filha. Graças ao
mistério pascoal de Cristo, a consciência é o “lugar” do Espírito que nos abre à
riqueza do Pai, transformando-nos progressivamente no seu Filho.588
À primeira vista, os documentos do Vaticano II enfatizam, de uma forma
geral, a dignidade e autonomia das consciências. No entanto, ao analisarmos mais a
fundo os textos, percebemos que há diferentes visões, até mesmo conflituosas,
sobre a natureza e o papel da consciência. Sendo assim, os ensinamentos do
Concílio podem ser descritos, de certa forma, como ambíguos. O termo
585 VIDAL, M. Moral de actitudes. Vol. I: moral fundamental, 4. e., 1977, Madrid: PS Edit., p. 316-317. 586 MAJORANO, S. La coscienza: per uma lettura cristiana. Milano: San Paolo, 1994, p. 62. 587 Cf. GULA, R. M. The moral conscience. In: CURRAN, C. (edit.). Conscience. Readings in moral theology n. 14. New York: Paulist press, 2004, p.51. 588 Cf. MAJORANO, S. op. cit., p. 181.
226
consciência é empregado numa combinação de sentidos, manifestando certa
incoerência.589
A ambigüidade é também extremamente óbvia na Gaudium et spes, n.16. Na
primeira parte do texto, o papel da consciência é descrito simplesmente como o de
obedecer à lei moral objetiva. Já na última parte do mesmo número, o sentido
muda de figura. O paradigma da lei é abandonado. Ao invés, é a voz de Deus que
ecoa nas nossas profundezas e nos orienta a buscar o bem em cada situação. Além
disso, a passagem afirma que esta capacidade para discernir está presente em todas
as pessoas, desconsiderando se são cristãs ou não.590
Isto porque, nos documentos do Concílio, em geral, encontramos um
paradigma já em colapso: o da lei. E um outro paradigma, o do personalismo,
começa a emergir. Na verdade, o Vaticano II iniciou um processo de renovação
que ainda está em curso. O desenvolvimento do paradigma personalista na teologia
moral veio trazer uma nova luz, encorajando-nos a uma vivência mais
comprometida da fé.591
Tendo em vista este novo paradigma personalista, vale a pena destacar as
conquistas mais fundamentais da teologia da consciência moral em Gaudium et
spes n.16: 1) a existência da consciência categorial: “faz isso, evita aquilo”; 2) a
existência da superior consciência transcendental como profunda interioridade
onde o humano se encontra a sós com Deus, numa tensão de amor, que se estende
de Deus para o próximo.592
Para Häring, a Gaudium et spes, n.16, acentua a importância da autonomia e
assim exprime o seu verdadeiro significado: o ser humano se confronta com Deus
na consciência, e nenhum outro pode colocar-se por cima das decisões que a ela
competem. A submissão a Deus não pode nunca tornar-se heteronomia, quando se
pensa que o Senhor procura amigos que conheçam as suas intenções e não escravos
que observem pequenos preceitos, privados de qualquer indicação sobre o seu
significado e motivo de ser.593
589 Cf. HOGAN, L. Conscience in the documents of Vatican II. In: CURRAN, C. (edit.). Conscience. Readings in moral theology n. 14. New York: Paulist press. 2004, p.82; GAFFNEY, J. Matters of faith and morals. London: Sheed and Ward, 1987, p. 115-133. 590 Cf. HOGAN, L. op. cit., p.84. 591 Idem, p.87. 592 Cf. CAPONE, D. La teologia della coscienza morale nel Concilio e dopo il Concilio. Studia moralia. Roma, n. XXIV/1, 1986, p. 230-232. 593 Cf. HARING, B. Il peccato in un’epoca di secolarizzazione. Bari: Paoline, 1973, p. 37-38.
227
Sendo assim, depois do Vaticano II, afirma-se um modelo de ética que
interpreta numa chave antropológica o agir moral como expressão da pessoa no seu
fazer histórico, a partir de um projeto global. Com isso, destaca-se a importância
da categoria “opção fundamental”. Destaca-se também o valor das atitudes, mais
do que os atos particulares. Nesta concepção, cada decisão moral passa através das
relações com os outros, com o mundo e com Deus.594
4.1.5. A consciência moral numa visão personalista
Na Bíblia, o termo nefesh/psyché (alma) significa o eu como ser vivente. O
termo basar/sárx (carne) significa o eu como ser terrestre, frágil, mortal.
Ruah/pneûma (espírito) significa o eu como ser vivificado por uma chama divina.
Soma (corpo) significa o eu como ser relacionado com o mundo, com os outros e
com Deus. Todos estes elementos no curso da história sofreram desvios
interpretativos múltiplos, sendo catalogados, muitas vezes, unicamente com base
ao esquema de inspiração grega numa contraposição dualista entre corpo e alma,
com uma interpretação dicotômica e negativista.595
É importante lembrar que na tradição patrística, Santo Agostinho foi o que
mais tratou da descrição das características fundamentais da consciência moral
como interioridade. Para ele, o ser humano é a sua própria consciência, porque é o
centro interior da pessoa, o abismo onde habita Deus. 596
Por outro lado, na visão do personalismo cristão, a consciência não é uma
simples parte ou uma particular função da pessoa humana, mas, no fundo, a própria
pessoa. Conseqüentemente, cada visão isolada, que a separa da totalidade humana,
torna-se somente um fragmento ou, senão, uma falsificação dos problemas e das
suas soluções.597
594 Cf. PIANA, G. La coscienza nell’attuale contesto culturale. Credere oggi. ano XXII, n. 2, vol. 128, 2002, p. 13. 595 Cf. TRENTIN, G. Struttura e funzioni della coscienza nella teologia morale. Credere oggi. ano XXII, n. 2, vol. 128, 2002, p. 75. 596 Cf. AUBERT, J.-M. Coscienza e legge. In: LAURET, B.; REFOULÉ, F. Iniziazione alla pratica della teologia. Vol. 4, Brescia: Queriniana, 1986, p. 213. 597 Cf. GÜNTHÖR, Anselmo. Coscienza e legge. Seminarium. Città del Vaticano: Sacram Congregationem Pro Institutione Catholica, n. 3, jul.-sept. 1971, p. 563.
228
Podemos afirmar, portanto, que a consciência é o próprio ser humano
enquanto se dá conta de que existe e é chamado a desenvolver-se numa
determinada direção. É preciso considerar a pessoa integral como o sujeito da vida
moral e ver esse sujeito inserido nas coordenadas do tempo, espaço, grupo, sexo e
caráter.598
A consciência moral não é simplesmente um tribunal interior que acusa ou
aprova, condena ou absolve a pessoa em relação ao seu agir. Ela não indica
somente a dimensão interior da pessoa que deve responder pelas suas escolhas e
ações. Mas, é a própria pessoa, que entrecruza as suas relações com os outros,
diante de Deus.599
Neste sentido, a consciência humana enquanto expressão da totalidade da
pessoa é uma realidade complexa, na qual convergem, numa relação complementar
e dialética, os diversos aspectos ou momentos da experiência pessoal. A vida, o
modo o qual as pessoas permanecem no tempo e no espaço, não é uma simples
presença, mas é, ao invés, conduzida num presente no qual aquilo que provém do
passado se entrecruza com as expectativas em relação ao futuro.600
A realidade da consciência cristã é histórica pelo fato de que se refere a um
sujeito que na história é chamado a conhecer e realizar a sua identidade cristã. É a
pessoa concreta, enquanto ela se encontra conscientemente diante da sua decisão
fundamental de agir e de responder ao chamado de Deus. Ela se refere, portanto, à
totalidade da pessoa humana, na qual inclui-se não somente aspectos cognitivos e
volitivos, mas também afetivos, intuitivos, somáticos e outros mais. Ou seja, numa
visão personalista, a consciência moral é concebida de uma forma holística. Ela é o
todo da pessoa no julgar e avaliar o que fazer, como agir, envolvendo todas as suas
dimensões.601
598 Cf. VIDAL, M. Moral de opção fundamental e atitudes. São Paulo: Paulus, 1999, p. 126; MOSER, A.; LEERS, B. Teologia Moral: Impasses e Alternativas..., p. 160. 599 Cf. FABRIS, R. La coscienza nella riflessione di San Paolo. Credere oggi. ano XXII, n. 2, vol. 128, 2002, p. 53. 600 Cf. MADINIER, G. La coscienza morale. Torino: Elle di Ci, 1982. p. 6; TOMASI, G. Persona, ragioni, coscienza: alcune considerazioni. Credere oggi. ano XXII, n. 2, vol. 128, 2002, p. 35. 601 Cf. GÜNTHÖR, Anselmo. Coscienza e legge. Seminarium. Città del Vaticano: Sacram Congregationem Pro Institutione Catholica, n. 3, jul.-sept. 1971, p. 560; GULA, R. M. The moral conscience. In: CURRAN, C. (edit.). Conscience. Readings in moral theology n. 14. New York: Paulist press. 2004, p.53; MEDUSA, L. Il contributo di A. Gardeil per lo sviluppo della riflessione teologica sulla coscienza morale cristiana. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di). La coscienza morale oggi: omaggio al prof. Domenico Capone. Roma: Academiae Alphonsianae, 1987, p. 258.
229
Portanto, a consciência é reflexão, mas é também generosidade. É razão, mas
é também sentimento e paixão. Produz o conhecimento e ao mesmo tempo o amor
ao bem. Certamente, a consciência é muito mais matriz de aspirações e desejos do
que de conhecimentos. Por isso, pode gerar mais angústias do que certezas, mais
interrogações do que respostas. Ou seja, visa sempre o transcender das
possibilidades humanas. Tudo isto a torna, muitas vezes, uma faculdade incômoda
e sui generis.602
É importante destacar as principais dimensões da pessoa humana: o intelecto,
a vontade como capacidade de autodeterminação, o sentimento e toda a esfera
sensitiva. É através do seu intelecto que a pessoa humana compreende o bem. É
através da vontade que decide a atuação e a realiza na sua sensibilidade que
adverte uma alegria pelo bem realizado e remorso pelo mal. Devemos reconhecer
também a dimensão afetiva, pois o coração também tem as suas próprias razões.
Mesmo que nossas intuições e emoções possam errar, elas têm um papel
significativo nas nossas decisões.603
É preciso permanecer fiel a uma visão antropológica integral, sem cortes ou
desequilíbrios. Consciência significa algo de grandioso, uma realidade criativa,
capaz de ver e de atuar qualquer coisa que antes não existia ainda. De gerar, de
certo modo, qualquer coisa de infinito na simples forma limitada de uma ação.
Pois, não somos coisas, mas pessoas, sujeitos morais e, enquanto tais, orientados
para aquilo que é objetivamente bom e justo. Ao mesmo tempo, não somos
chamados somente a assumir uma atitude moralmente boa, mas também a traduzir
tais atitudes numa série de comportamentos moralmente retos.604
Por outro lado, a nossa consciência não é um espelho, que reproduza
simplesmente aquilo que se encontra diante dela. No nosso olhar o mundo está
presente algo de nós mesmos. Com nosso temperamento, com nossos desejos, com
nossos motivos secretos e também evidentes. E assim, modelamos a realidade, de
602 Cf. BACH, J. M. Consciência e identidade moral. Petrópolis: Vozes, 1985, p. 93; 99-100. 603 Cf. CASSANI, M. La coscienza morale nella riflessione teologica contemporanea. In: MANICARDI, E.; CAVALCOLI, G.; CASSANI, M.; BENETOLLO, O.; APPI, F.; BARZAGHI, G. La coscienza morale e l’evangelizzazione oggi: tra valori obiettivi e tecniche di persuasione. Collana “Claustrum” 11. Bologna: Studio Domenicano, 1992, p. 89-90; CURRAN, C. Conscience in the light of the Catholic Moral Tradition. In: CURRAN, C. (edit.). Conscience. Readings in moral theology n. 14. New York: Paulist press. 2004, p.16-17. 604 Cf. GUARDINI, R. La coscienza. 3. ed. Brescia: Morcelliana, 2001, p. 33; MAJORANO, S. La coscienza: per uma lettura cristiana. Milano: San Paolo, 1994, p. 183; TRENTIN, G. Struttura e funzioni della coscienza nella teologia morale. Credere oggi. ano XXII, n. 2, vol. 128, 2002, p. 89.
230
acordo com o nosso olhar. Não a tomamos como é em si mesma. Não vemos as
coisas como elas são, mas como queremos que elas sejam. Nós desejamos ver na
situação a confirmação daquilo que somos. E assim, interpretamos a situação, de
acordo com os nossos desejos conscientes e incoscientes.605
Enquanto órgão, a consciência é sede interior na qual a pessoa humana dá
sempre a sua livre resposta, se autodetermina em direção à sua opção fundamental
ou contra ela. É, portanto, a sede da sua liberdade, interioridade da qual surge a
validade ou não das ações humanas.606
Podemos então dizer que com a consciência a pessoa humana encontra-se a
si mesma. Ela torna-se conhecedora da sua identidade, numa relação com o próprio
eu. E, neste reportar-se, percebe-se não como já perfeitamente realizada, mas como
portadora de uma vocação à realização humana. Como portadora de um projeto
que traz inscrito em si, que não é ela a dar-se, mas é dado por alguém que a
ultrapassa, o próprio Deus. Um projeto que se faz exigência e que ela deve, na sua
liberdade humana, realizar.607
4.1.6. Dignidade e missão da consciência moral como sacrário inviolável
Como afirma o Concílio, a consciência é o núcleo mais secreto da pessoa
humana. Por isso, ela tem o direito à inviolabilidade. Nenhuma autoridade pode
introduzir na consciência alheia e profanar esse sacrário da intimidade pessoal. Da
consciência recebe a pessoa a sua dignidade, enquanto a abre ao diálogo com Deus.
Violentar a consciência, obrigando-a a agir contra seus próprios princípios, faz
com que esta se manche, ou seja, se enfraqueça e sofra um dano muitas vezes
irreparável.608
605 Cf. GUARDINI, R. La coscienza. 3. ed. Brescia: Morcelliana, 2001, p. 35. 606 Cf. MAJORANO, S. op. cit., p. 77; TREMBLAY, R. La libertà dei figli: saggio di teologia paolina. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di). La coscienza morale oggi: omaggio al prof. Domenico Capone. Roma: Academiae Alphonsianae, 1987, p. 72-73; CASSANI, M. La coscienza morale nella riflessione teologica contemporanea. In: MANICARDI, E.; CAVALCOLI, G.; CASSANI, M.; BENETOLLO, O.; APPI, F.; BARZAGHI, G. La coscienza morale e l’evangelizzazione oggi: tra valori obiettivi e tecniche di persuasione. Collana “Claustrum” 11. Bologna: Studio Domenicano, 1992, p. 90-91. 607 Cf. CASSANI, M. op. cit., p. 90. 608 Cf. VIDAL, M. Moral de actitudes. Vol. I: moral fundamental, 4. e., 1977, Madrid: PS Edit., p. 300; 327; ALVAREZ VERDES, L. La “sineidesis” en S. Pablo. Studia moralia, Roma, n. 32, 1994, p. 302.
231
Vale ressaltar que em Rm 2,14-15 nos é lembrado que a consciência é
patrimônio de cada pessoa humana. A idéia central deste texto encontra-se
expressa e aplicada na constituição pastoral Gaudium et spes, n. 16.609 Vejamos o
texto:
Quando então os gentios, não tendo Lei, fazem naturalmente o que é prescrito pela Lei, eles não tendo Lei, para si mesmos são Lei; eles mostram a obra da lei gravada em seus corações, dando disto testemunho sua consciência e seus pensamentos que alternadamente se acusam ou defendem. Podemos afirmar que a consciência tem em vista a autêntica realização do eu
individual, numa realidade concreta. Realização que inclui, ao mesmo tempo, a
abertura a Deus, às outras pessoas, à coletividade e ao mundo como um todo. Não
tem o sentido de uma simples obediência cega às normas, mas, sobretudo, a
responsável realização do próprio eu no mundo.610
Por meio da consciência, a pessoa é conhecedora de si como ser ético, como
realidade chamada a uma auto-realização na atuação do bem. Como é na
consciência que vem sempre o encontro entre o sujeito e as normas morais, cada
um busca alcançar aquilo que considera como bom e eticamente correto, e a evitar
aquilo que julga como mal, eticamente errado. Agindo em conformidade à sua
convicção de consciência, a pessoa humana se comporta de modo subjetivamente
justo. No entanto, não podemos esquecer de vista o risco do subjetivismo. Para
isto, é preciso evidenciar a importância de uma boa formação moral.611
4.1.7. Conclusão
Hoje, o tema da consciência moral está na ordem do dia. Expressões como
“liberdade de consciência”, “direitos da consciência”, “primado da consciência”,
609 Cf. HÄRING, B. La legge naturale nella luce della legge di Cristo iscritta nei cuori.. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di). La coscienza morale oggi: omaggio al prof. Domenico Capone. Roma: Academiae Alphonsianae, 1987, p. 285-286; MAJORANO, S. La coscienza: per uma lettura cristiana. Milano: San Paolo, 1994, p. 77. 610 Cf. CASSANI, M. La coscienza morale nella riflessione teologica contemporanea. In: MANICARDI, E.; CAVALCOLI, G.; CASSANI, M.; BENETOLLO, O.; APPI, F.; BARZAGHI, G. La coscienza morale e l’evangelizzazione oggi: tra valori obiettivi e tecniche di persuasione. Collana “Claustrum” 11. Bologna: Studio Domenicano, 1992, p. 99. 611 Cf. CASSANI, M. La coscienza morale nella riflessione teologica contemporanea..., Bologna: Studio Domenicano, 1992, p. 103-110.
232
“fidelidade à própria consciência”, etc. estão presentes na linguagem comum. O
tema da consciência encontra-se no centro de um amplo debate de múltiplos
âmbitos: teológico, filosófico, político, literário, científico.
No entanto, o exame do vocábulo “consciência moral” nos mostra uma
pluridimensionalidade de conceitos, com planos diferentes de uma mesma
realidade. Isto porque a consciência moral é algo muito complexo. Frente aos
desafios do mundo atual, a consciência moral tornou-se uma realidade
extremamente dinâmica. Por outro lado, vale a pena ressaltar que não existe uma
consciência moral definitiva, em nenhuma idade. Pois, estamos sempre em
processo de realização humana.
A partir de uma visão do personalismo cristão, destacamos que a pessoa
humana não “tem” consciência, mas “é” a sua própria consciência. Falar de
consciência significa falar da pessoa humana na sua totalidade e intimidade
consigo mesma e, neste sentido, é sempre um mistério. Mas, em razão do ser
humano ser sujeito e viver certa autonomia através da consciência não diminui o
fato da sua existência ser condicionada por fatores genéticos, biológicos,
familiares, educacionais, ambientais, psicoafetivos, sociopolíticos e econômicos.
Acrescenta-se aqui a presença dos meios de comunicação social.
As palavras da Gaudium et spes, n.16, dão um tom de respeito sincero à
consciência de cada um, anunciando a sua consistência e profundidade. Falam da
interioridade misteriosa da pessoa humana que não somente está diante de Deus
como imagem, mas participa da sua própria vida como filho ou filha. Graças ao
mistério pascoal de Cristo, a consciência é o “lugar” do Espírito que nos abre à
riqueza do Pai, transformando-nos progressivamente no seu Filho.
Contudo, encontramos uma ambigüidade extremamente óbvia na Gaudium et
spes, n.16. Na primeira parte do texto, o papel da consciência é descrito
simplesmente como o de obedecer à lei moral objetiva. Já na última parte do
mesmo número, o sentido muda de figura. O paradigma da lei é abandonado. Isto
porque, nos documentos do Concílio, em geral, temos um paradigma já em
colapso: o da lei. E, por outro lado, há o desenvolvimento do paradigma
personalista.
Tendo em vista este novo paradigma personalista, vale a pena destacar as
conquistas mais fundamentais da teologia da consciência moral em Gaudium et
233
spes n.16: 1) a existência da consciência categorial: “faz isso, evita aquilo”; 2) a
existência da superior consciência transcendental como profunda interioridade
onde o humano se encontra a sós com Deus, numa tensão de amor, que se estende
de Deus para o próximo.
Na visão do personalismo cristão, a consciência não é uma simples parte ou
uma particular função da pessoa humana, mas, no fundo, a própria pessoa.
Conseqüentemente, cada visão isolada, que a separa da totalidade humana, torna-se
somente um fragmento ou, senão, uma falsificação dos problemas e das suas
soluções. É preciso considerar a pessoa integral como o sujeito da vida moral e ver
esse sujeito inserido nas coordenadas do tempo, espaço, grupo, sexo e caráter.
Como afirma o Concílio, a consciência é o núcleo mais secreto da pessoa
humana. Nenhuma autoridade pode introduzir na consciência alheia e profanar esse
sacrário da intimidade pessoal. Da consciência recebe a pessoa a sua dignidade,
enquanto a abre ao diálogo com Deus. A idéia central deste texto encontra-se
expressa e aplicada na constituição pastoral Gaudium et spes, n. 16.
Podemos afirmar que a consciência tem em vista a autêntica realização do eu
individual, numa realidade concreta. Realização que inclui, ao mesmo tempo, a
abertura a Deus, às outras pessoas, à coletividade e ao mundo como um todo. Não
tem o sentido de uma simples obediência cega às normas, mas, sobretudo, a
responsável realização do próprio eu no mundo.
234
4.2. Formação da consciência moral
4.2.1. Introdução
O objetivo da formação é educar a pessoa para decidir não num cego impulso
interno ou por mera coação externa, mas, com convicção, buscar a realização do
bem. A formação não tem o sentido de dominar e subjugar a consciência. Busca
sim torná-la capaz de caminhar conforme a própria vontade e decisão para o bem,
para a realização verdadeira da própria vida e a edificação da comunidade humana,
de acordo com a justiça. Ou seja, o objetivo da formação da consciência não é em
primeiro lugar inquirir sobre as coisas certas ou não, mas de se alcançar uma
textura maior de nosso caráter, que se manifesta em atitudes, motivações,
intenções, afeições e perspectivas de vida.612
No seu verdadeiro significado, a educação moral é voltada para o conceito de
maturidade moral. Portanto, ela tende a formar uma consciência sensível aos
valores. Hoje, mais do que nunca, a educação da consciência moral exige a
superação das armadilhas do individualismo moderno, visando uma ética da
solidariedade e o reconhecimento da dignidade de cada pessoa humana. 613
Além disso, na dinâmica da vida atual, somos muito estimulados a ficarmos
apenas na superfície, a nos contentarmos com as aparências, a nos agregarmos aos
modismos de cada época e a nos atermos à concepção de que “todos fazem assim”.
Neste sentido, a formação da consciência moral deve preocupar-se com a busca da
profundidade da vida, em todos os seus aspectos. Daí, o papel da Igreja como
insubstituível educadora, buscando a plenitude da realização humana. Nela, os
612 Cf. HÄRING, B. I religiosi del futuro. Roma: Paoline, 1972, p. 116-117; PETRÀ, B. La coscienza “nello Spirito”: per una comprensione cristiana della coscienza morale. Milano: O. R. Edizioni, 1993, p. 53; SVANERA, O. La formazione della coscienza nella Chiesa. Credere oggi, ano XXII, n. 2, vol. 128, 2002, p. 105; GULA, R. M. The moral conscience. In: CURRAN, C. (edit.). Conscience. Readings in moral theology n. 14. New York: Paulist press. 2004, p.55. 613 Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (1999-2002). 2. e., São Paulo: Paulinas, 1999, n. 153; LANDINI, E. Coscienza morale ed evangelizazione. In: MANICARDI, E.; CAVALCOLI, G.; CASSANI, M.; BENETOLLO, O.; APPI, F.; BARZAGHI, G. La coscienza morale e l’evangelizzazione oggi: tra valori obiettivi e tecniche di persuasione. Collana “Claustrum” 11. Bologna: Studio Domenicano, 1992, p. 187.
235
cristãos são ajudados a não serem levados por “todo vento de doutrina, presos
pelas artimanhas dos homens” (cf. Ef 4,14).614
Pois, é inegável que a vida de fé tem um forte impacto na maturação da
consciência. Do encontro com Cristo e da mensagem do Evangelho se dá um novo
projeto de vida, um novo modo de ver o mundo e a si mesmo. Como cristãos
devemos considerar também, na formação de nossas consciências, o papel
fundamental do Espírito Santo que renova as nossas mentes e corações.615
4.2.2. O processo de amadurecimento da consciência moral
O amadurecimento moral da pessoa é algo que acontece por meio de um
caminho progressivo. São etapas que se sucedem, assinaladas de graduações,
através das experiências do dia-a-dia. Por outro lado, este amadurecimento nunca
se completa em sua forma definitiva. Ou seja, vivemos por toda a vida esta
dialética de crescimento, de desenvolvimento, mas que pode ser também
regressivo. Como humanos, temos sempre um projeto, um algo a mais a realizar.
Daí constantes insatisfações, depois de realizadas as nossas necessidades presentes.
Face mesmo a estas insatisfações, o caminho de formação deve ser sempre tomado.
Sobretudo, na idade adulta na qual se exige um empenho renovado frente às
responsabilidades profissionais, familiares e sociais, com desafios éticos densos de
interrogações.616
Dotados de um poder cognitivo em si mesmo ilimitado, que, todavia, avança
em degraus, nós não conseguimos progredir no nosso caminho pessoal de vida,
614 Cf. MAJORANO, S. La coscienza: per uma lettura cristiana. Milano: San Paolo, 1994, p. 130-131; BENETOLLO, O. Il problema della formazione della coscienza retta. In: MANICARDI, E.; CAVALCOLI, G.; CASSANI, M.; BENETOLLO, O.; APPI, F.; BARZAGHI, G. op. cit., p. 128; Cf. GIOVANNI PAOLO II. Udienza generale dell’Anno Santo, 24 agosto 1983; PETRÀ, B. La coscienza “nello Spirito”: per una comprensione cristiana della coscienza morale. Milano: O. R. Edizioni, 1993, p. 96; VALADIER, P. Elogio della coscienza. Torino: Società Editrice Internazionale. 1995. p. 223. 615 Cf. LANDINI, E. Coscienza morale ed evangelizazione. In: MANICARDI, E.; CAVALCOLI, G.; CASSANI, M.; BENETOLLO, O.; APPI, F.; BARZAGHI, G. op. cit., p. 188-189. 616 Cf. HARING, B. La morale è per la persona. Roma: Paoline, 1973, p. 241; MAJORANO, S. La coscienza...p. 182 e 238-239; GATTI, G. Confessione ed educazione morale. Corso sul Foro Interno. Tribunale della Penitenzieria Apostolica. Roma, 2005, p. 3; GUARDINI, R. La coscienza. 3. e. Brescia: Morcelliana, 2001, p. 54-55; AUBERT, J.-M. Coscienza e legge. In: LAURET, B.; REFOULÉ, F. Iniziazione alla pratica della teologia. Vol. 4, Brescia: Queriniana, 1986, p. 219.
236
seja no plano cognitivo como comportamental, sem a ajuda da experiência coletiva
acumulada e conservada pelas gerações precedentes, e sem a ajuda de uma normal
transmissão dos resultados adquiridos no tempo. No entanto, é preciso que
tenhamos em vista o fato de que o agente principal da nossa educação é cada um
de nós mesmos.617
A maturidade moral é a capacidade de penetrar no pleno significado dos
valores morais. Ela não se reduz à simples correspondência com a norma moral,
nem se firma com atos particulares. Ela constitui muito mais numa sensibilidade
que afina, sobretudo na mente renovada do fiel, e que orienta desejos, aspirações,
impulsos e esperanças. A maturidade moral se manifesta na capacidade de
conhecer, de julgar eventos e escolher, numa tensão para o bem.618
No entanto, a educação é um processo delicado, sempre à margem de
transformar-se numa pseudo-educação moral. Não é infreqüente que aqueles que
têm a responsabilidade de formar a pessoa humana, a começar pelos próprios pais,
tendam a não fazer amadurecer a subjetividade moral, mas a produzir alguns
comportamentos éticos conforme às normas impostas pelas autoridades
constituídas, recorrendo a ameaças – mais ou menos sutis e explícitas – de sanções.
Em tal caso, a consciência moral corre o risco de tornar-se um tipo de superego –
para usar a linguagem de S. Freud – mediante o qual a pessoa vem subjugada a
exigências exteriores e alienantes.619
Por isso, mais do que nunca, a consciência precisa ser instruída, educada.
Para o cristão, a formação geral da consciência coincide com a edificação de si
mesmo como pessoa humana, comprometida com Jesus. Isto se dá na vivência
concreta de seguidor de Jesus Cristo, por meio da busca amorosa de Deus, da
abertura interior ao Espírito do Senhor na oração, da escuta fiel da Palavra, da
Eucaristia, da comunhão eclesial e da existência para os outros, na caridade. O
617 Cf. BENETOLLO, O. Il problema della formazione della coscienza retta. In: MANICARDI, E.; CAVALCOLI, G.; CASSANI, M.; BENETOLLO, O.; APPI, F.; BARZAGHI, G. La coscienza morale e l’evangelizzazione oggi: tra valori Obiettivi e tecniche di persuasione. Collana “Claustrum” 11. Bologna: Studio Domenicano, 1992, p. 119-120. 618 Cf. DEMMER, K. Christi vestigia sequentes. Pontificia Università Gregoriana, Roma, 1989, p. 241; LANDINI, E. Coscienza morale ed evangelizazione. In: MANICARDI, E.; CAVALCOLI, G.; CASSANI, M.; BENETOLLO, O.; APPI, F.; BARZAGHI, G. La coscienza morale e l’evangelizzazione oggi..., p. 185. 619 Cf. PETRÀ, B. La coscienza “nello Spirito”: per una comprensione cristiana della coscienza morale. Milano: O. R. Edizioni, 1993, p. 52.
237
cristão se forma tornando-se “co-natural” ao Cristo no seu Espírito e de tal modo,
tornando-se sempre mais “co-natural” ao amor e à paz.620
A formação se realiza através da dinâmica da comunhão fraterna (koinonía),
da presença testemunhante de pessoas credíveis (martyria) e do serviço humilde ao
outro (diakonía). Trata-se de formas com as quais o fiel – pense aqui na relação
pedagógica paradigmática entre Jesus e os seus discípulos descrita no Evangelho –
participa de uma dinâmica que estrutura a sua identidade moral. Os ensinamentos
de Jesus também endereçam ao olhar para o exame do coração, fonte dos atos
puros ou impuros, obriga a avaliar as intenções, traz em suma inelutavelmente uma
valorização da interioridade.621
4.2.3. Necessidade da formação
A profundidade e complexidade da consciência e o papel que a compete em
toda a vida moral fazem facilmente intuir a necessidade de uma correta formação.
Tal empenho deve ser considerado, por cada um de nós e pela sociedade inteira,
como o dever ético mais fundamental (cf. Mt 6,22-23). Vigilância e empenho
contínuo de formação são necessários para que a consciência seja clara e luminosa
e dê uma verdadeira qualidade para toda a nossa vida.622
A educabilidade é uma das características da natureza humana. Os animais
não são educáveis, embora possam ser eventualmente “adestrados”.
Universalmente, a educação é considerada a arte, em degraus, que conduz a pessoa
humana, enquanto ser inteligente, a tornar-se adulta. Ou seja, de instintiva para
620 Cf. PAOLO VI. Allocuzione del 12 febbraio 1969; PETRÀ, B. La coscienza “nello Spirito”: per una comprensione cristiana della coscienza morale. Milano: O. R. Edizioni, 1993, p. 69-70 e 89-90. 621 Cf. VALADIER, P. Elogio della coscienza. Torino: Società Editrice Internazionale. 1995. p. 226-227; SVANERA, O. La formazione della coscienza nella Chiesa. Credere oggi. ano XXII, n. 2, vol. 128, 2002, p. 103; JOAO PAULO II. Familiaris consortio, n. 39. 622 Cf. CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, n. 1783-1785. São Paulo: Loyola; Petrópolis: Vozes, 1993, p. 482-483; MAJORANO, S. La coscienza: per uma lettura cristiana. Milano: San Paolo, 1994, p. 123; GULA, R. M. The moral conscience. In: CURRAN, C. (edit.). Conscience. Readings in moral theology n. 14. New York: Paulist press. 2004, p.54.
238
reflexiva, de imatura para madura. Neste sentido, a educação permite a cada pessoa
humana usufruir da herança espiritual da sua civilidade.623
A consciência se forma através de aprendizado e é fruto da educação. Hoje,
mais do que em qualquer outro tempo, é preciso a educação da vontade. É
impossível formar uma vontade que abra concessão a tudo. A educação da vontade
pode dizer-se completa somente quando alcança o pleno domínio de si. É
necessário que a pessoa humana seja decidida a tomar o cuidado de si mesma,
como sujeito moral, e canalize as energias interiores para tal escopo.624
Podemos dizer que existem quatro vias educativas: 1) um amor acolhedor,
capaz de favorecer a autonomia e de dar confiança; 2) uma disciplina amorosa e
firme que forme as regras da vida social; 3) o ensino e o testemunho dos
educadores; 4) a identificação com diversos modelos ideais que se sucedem no
tempo. Dessas quatro vias, é oportuno considerar a grande influência do exemplo
moral oferecido pelos educadores. Pois, o encontro com uma personalidade moral
verdadeira cria “simpatia”, tem qualquer coisa de espiritualmente contagioso.625
O cristão que é dócil ao Espírito não precisa de leis “externas”. Mas, em
razão da fragilidade humana, as leis são meios pedagógicos necessários para
formar a nossa consciência, orientar nossas ações, no aprendizado do
discernimento do bem. A primeira de todas as leis, fundada no amor a Deus, é a do
amor universal, imparcial e concreto para com todas as pessoas humanas. Já os
mandamentos do Decálogo (não matar, não cometer adultério, não furtar...) são
expressões fundamentais desta mesma lei.626
A formação da consciência é necessária. A consciência, de fato, no seu
caminho marcado desde já pelo pecado é exposta a muitas deformações. Pode,
antes de mais nada, relaxar-se e julgar de uma forma leviana aquilo que é grave.
Por outro lado, pode tornar-se farisaica, escrupulosa, ansiosa. Por isso, para nós
623 Cf. BENETOLLO, O. Il problema della formazione della coscienza retta. In: MANICARDI, E.; CAVALCOLI, G.; CASSANI, M.; BENETOLLO, O.; APPI, F.; BARZAGHI, G. La coscienza morale e l’evangelizzazione oggi: tra valori OBiettivi e tecniche di persuasione. Collana “Claustrum” 11. Bologna: Studio Domenicano, 1992, p. 119. 624 Cf. PETRÀ, B. La coscienza “nello Spirito”: per una comprensione cristiana della coscienza morale. Milano: O. R. Edizioni, 1993, p. 54.BACH, J. M. Consciência e identidade moral. Petrópolis: Vozes, 1985, p. 83; BENETOLLO, O. op. cit., p. 125-126. 625 Cf. MADINIER, G. La coscienza morale. Torino: Leuman, 1982, p. 88-89; GATTI, G. Educazione morale: ética cristianas. Torino: Leumann, 1985, p. 176-193. 626 Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Ética: pessoa e sociedade. Documentos da CNBB, n. 50, Paulinas, São Paulo, n.103.
239
cristãos, a formação da consciência deve ter em vista o reconhecer a vontade de
Deus. O querer divino deve ser buscado, para agir conforme este querer. Isto pode
significar sacrifícios e abnegações, já que a pessoa humana é exposta
continuamente às falsas tentações de uma autonomia exclusivista.627
Sem esforço pessoal, não é possível alcançar algum significativo fim moral.
E também não se pode avançar na vida moral. No entanto, o simples esforço não
garante de fato o sucesso, dado a fragilidade e a tendência humana para o mal. É
preciso também considerar a presença da graça, com a respectiva resposta do
esforço humano.628
Numa sociedade em constante e acelerada evolução não é possível limitar-se
a perspectivas e soluções morais recebidas durante a infância e adolescência. É
preciso evoluir-se incessantemente, de acordo com os desafios da vida no dia-a-
dia. A necessidade de um empenho constante pela formação da consciência recebe
hoje uma nova urgência, frente ao crescente poder manipulador de determinados
grupos. As nossas avaliações e os nossos estilos de vida são cada vez mais
influenciados pelas informações e pelas propostas apresentadas, sobretudo pelos
meios de comunicação social, que nos bombardeiam a cada instante.629
Todos nós necessitamos de formação, pois a consciência não é infalível.
Somos configurados e formados pelas circunstâncias nas quais vivemos, pelas
tradições que recebemos, pela comunidade na qual fomos criados e pelas
experiências pessoais de nossas vidas. Quando falamos de consciência, falamos de
uma realidade frágil. Falamos de um aspecto humano que sempre precisa de ajuda
e luz, para caminhar bem. Pois, nem sempre somos capazes de ver com clareza a
realidade e emitir um reto juízo.630
627 Cf. Gaudium et spes, n. 41. In: CONCILIO ECUMÊNICO VATICANO II. Compêndio do Vaticano II: Constituições, Decretos e Declarações (Organizado por VIER, F.; KLOPPENBURG, B.). 25. ed. Petrópolis: Vozes, 1996; .MADINER, G. La coscienza morale. Torino: Leuman, 1982, p. 84; PETRÀ, B. La coscienza “nello Spirito”: per una comprensione cristiana della coscienza morale. Milano: O. R. Edizioni, 1993, p. 50; GÜNTHÖR, Anselmo. Coscienza e legge. Seminarium. Città del Vaticano: Sacram Congregationem Pro Institutione Catholica, n. 3, jul.-sept. 1971, p. 567-568. 628 Cf. PETRÀ, B. op. cit., p. 55. 629 Cf. MAJORANO, S. La coscienza: per uma lettura cristiana. Milano: San Paolo, 1994, p. 125. 630 Cf. O’CONNELL, T. An understanding of conscience. In: CURRAN, C. (edit.). Conscience. Readings in moral theology n. 14. New York: Paulist press. 2004, p.28; CURRAN, C. Conscience in the light of the Catholic Moral Tradition. In: CURRAN, C. (edit.). op. cit., p.14.
240
4.2.4. Contribuições da psicologia para a formação da consciência moral
De acordo com a psicologia, a formação da consciência moral é um processo
de interiorização das normas sociais e dos seus valores. Trata-se de um processo
particularmente trabalhoso e cheio de feridas pelo narcisismo ou pelas ilusões de
crer-se o centro de tudo. Por outro lado, cada um traz em si os traços de um
passado sepulto, mas não apagado.631
O suíço Jean Piaget (1896-1980) e depois o americano Lawrence Kohlberg
(1928-1987) buscaram explicar o desenvolvimento do juízo moral, da infância à
idade adulta, abrindo um novo campo para a pesquisa da psicologia, um campo
bem longe de ser exaurido. No início, a consciência é formada e colhe o bem
heteronomamente, ou seja, como norma posta pelo externo do eu. Somente no
desenvolver das várias fases de maturação cognitiva e social do sujeito, ela adquire
uma autonomia e o bem se torna a norma mediante a qual o eu se põe como fiel a
si mesmo e como valor intrínseco da pessoa humana. Não se deve pensar, porém,
que a consciência seja nas suas primeiras fases um pólo puramente passivo da
pressão dos genitores ou, em geral, social. Já, desde o inicio, ela de qualquer modo
interage com o contexto social.632
A pessoa humana é um ser que necessita de uma longa gestação para formar-
se como membro ativo e autônomo. Nas primeiras fases da vida humana, esta
gestação se configura com a pedagogia moral que o mundo dos adultos exerce
sobre a pessoa em formação. Família, escola, Igreja e ambiente de trabalho
constituem os principais meios formativos que se sucedem ou se associam, numa
interação, com aquela “douta ignorância moral” ou aquele sentido do bem que é
patrimônio íntimo de cada pessoa.633
Portanto, na ótica da psicologia, a consciência não se torna madura e
verdadeira através de conteúdos cognitivos objetivos, mas através da integração
psicodinâmica da pessoa humana. A passagem da heteronomia para a autonomia
moral, através dos processos de socialização, implica em regras de cooperação e
631 Cf. VALADIER, P. Elogio della coscienza. Torino: Società Editrice Internazionale. 1995, p. 121. 632 Cf. PETRÀ, B. La coscienza “nello Spirito”..., Milano: O. R. Edizioni, 1993, p. 16-17. 633 Idem., p. 49.
241
participação (J. Piaget). Por outro lado, a possibilidade de que o sujeito alcance um
raciocínio moral emancipado dos próprios impulsos e interesses egocêntricos passa
pelo respeito das convenções sociais, da autoridade e da lei. Alcança-se assim, uma
ética da convicção onde uma decisão de consciência nasce de princípios éticos
escolhidos pessoalmente (L. Kohlberg).634
4.2.5. A educação na liberdade
“Educar” – do latim e-ducere, “levar para fora de” – é conduzir ao externo
do coração das pessoas, suas aspirações, ideais, atitudes e potencialidades já
presentes, afim de que crie no seu íntimo e oriente-se para o bem, o belo e o
verdadeiro. A comunidade cristã sempre defendeu e afirmou a sabedoria da interna
capacidade humana para fazer o bem, também quando tal visão foi obscurecida por
um excessivo acento no pecado original e na sua impotência para o bem,
determinada por uma antropologia cristã dualista, com uma separação entre
natureza e graça.635
“Educar” – do latim edere, “nutrir”, segundo uma outra acepção etimológica
– é também capacidade de transmitir ao educando um saber moral, feito de valores
como o amor, a justiça, a honestidade; de normas e regras de vida; de tradições e
modelos de comportamento que definem a cultura moral de um povo.636
A obra educativa é, portanto, uma arte na qual se conjugam aspectos
cognitivos (instruções, ensinamentos críticos, aprendizagem, etc.) com aqueles
vitais (experiências e processos de libertação e de responsabilização, etc.), sendo
acompanhada pela ação do Espírito, o Educador interior. Pois, o Espírito educa a
consciência para a capacidade de discernimento (Cf. Ef 1,9-10; Rm 12,2; Heb
5,14).637
Uma educação da consciência, radicada no fundamento trinitário-histórico-
salvífico da moral, se preocupa não em determinar “que coisa fazer”, mas o
634 Cf. RÖMELT, J. La coscienza: un conflitto delle interpretazioni..., p. 95; SVANERA, O. La formazione della coscienza nella Chiesa. Credere oggi. ano XXII, n. 2, vol. 128, 2002, p. 108. 635 Idem., 104. 636 Id., ibid. 637 Idem.
242
“porque vale a pena”, sustentado por cada tomada de posição ética. Ou seja, é
preciso que a via educativa seja acolhedora e confiante nas potencialidades da
pessoa. No entanto, hoje, a verdadeira questão é que para a imensa maioria dos
adultos falta radicalmente uma identidade que seja capaz de transmitir conteúdos e
modelos de valor. Identidade esta que passa pelo “estar com”, “caminhar juntos” e
partilhar sabendo oferecer um testemunho significativo, ou seja, sensato.638
Por outro lado, vivemos uma realidade de pluralismos, ou seja, da
multiplicidade de discordância das concepções e das opiniões, mesmo em relação
às questões éticas. O difundir-se dos meios culturais (o cinema, a imprensa, a
rádio, a televisão, a internet, etc.) tem contribuído notavelmente para a formação
desta mentalidade pluralista e independente. O único caminho que nos resta é o da
educação com liberdade e responsabilidade, lembrando que “a educação da
consciência é uma tarefa de toda a vida” (cf. Catecismo da Igreja Católica, n.
1784). Portanto, a educação fundamental da consciência cristã não é uma educação
para um aperfeiçoamento moral, mas para a responsabilidade diante do
compromisso de colaboradores da história da salvação.639
Ou seja, a educação cristã da consciência é, antes de tudo, uma educação
para a docilidade ao Espírito e para a vivência do amor, no cultivo das virtudes (Cf.
Catecismo da Igreja Católica, 1803-1829). Trata-se de uma educação para atitudes
firmes e estáveis na procura do bem, mais do que procura escrupulosa de
determinar regras e preceitos para todo e qualquer caso. Finalmente, é educação
para o discernimento prudente e criativo, que colhe a oportunidade de contribuir
para a realização de uma nova sociedade humana. 640
638 Cf. SVANERA, O. La formazione della coscienza nella Chiesa..., p. 109-111. 639 Cf. MAJORANO, S. La coscienza: per uma lettura cristiana. Milano: San Paolo, 1994, p. 144; ROCCA, G. Coscienza, libertà e morale: risposte ai giovani e agli educatori. 4. ed. Roma: Città Nuova, 2000, p. 21-22; GÜNTHÖR, Anselmo. Coscienza e legge. Seminarium. Città del Vaticano: Sacram Congregationem Pro Institutione Catholica, n. 3, jul.-sept. 1971, p. 570; MOLINARO, A. Libertà e coscienza: saggi etica filosofica e teologica. Roma: PUL/Città Nuova, 1977, p. 153; ROCCA, G. Coscienza, libertà e morale: risposte ai giovani e agli educatori. 4. ed. Roma: Città Nuova, 2000. p. 21-22; VATICANO. Catecismo da Igreja Católica. São Paulo: Loyola; Petrópolis: Vozes, 1993. p. 482. 640 Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Ética: pessoa e sociedade. Documentos da CNBB, n. 50, Paulinas, São Paulo, n.108; VATICANO. Catecismo da Igreja Católica, op. cit., p. 485-492.
243
4.2.6. Formação e Magistério
A busca da vontade de Deus na concreta situação deve nascer num espaço de
comunhão com a Igreja que, conduzida pelo Espírito do Senhor, caminha na
história. A consciência “individual” é sempre e necessariamente, para o cristão,
uma consciência “eclesial”. Por isso, a formação da consciência não pode ser
realizada como aventura privada e individual, que do externo julga tudo o que a
Igreja diz, mas ao contrário como intencional busca da vontade de Deus ao interno
daquele ambiente de comunhão de vida com todos os outros fiéis em Cristo. Neste
contexto pedagógico-formativo, um destaque fundamental é o Magistério da Igreja
que, porém, não chega sempre a afirmações e certezas absolutas, pois há sempre
uma evolução e revisão.641
O Magistério tem um papel muito positivo e importante no sentido de
iluminar as consciências. No exercício de nossas consciências, não temos a posse
da verdade, de uma forma imediata. E precisamos sempre buscar a verdade. Os
valores os quais buscamos são, muitas vezes, frágeis e ambíguos.
Consequentemente, nós precisamos da assistência do Magistério. Isto se torna mais
evidente, quando saímos do nosso olhar pessoal para a complexidade do contexto
cultural em que vivemos. Temos uma esmagadora necessidade de líderes morais
hoje. Ao assumir este papel, a Igreja presta um grande serviço à humanidade.642
Nós não ignoramos a voz de Deus que ressoa em nós. Mas, precisamos de
uma orientação para poder articular bem esta voz com a nossa vivência do dia-a-
dia. Daí a importância do Magistério da Igreja. Os cristãos que são sinceros e têm
uma fé amadurecida percebem o Magistério não como uma imposição, mas como
um meio precioso de se alcançar uma luz.643
Como afirma a Veritatis splendor, n.64:
641 Cf. PETRÀ, B. La coscienza “nello Spirito”: per una comprensione cristiana della coscienza morale. Milano: O. R. Edizioni, 1993, p. 78; CASSANI, M. La coscienza morale nella riflessione teologica contemporanea. In: MANICARDI, E.; CAVALCOLI, G.; CASSANI, M.; BENETOLLO, O.; APPI, F.; BARZAGHI, G. La coscienza morale e l’evangelizzazione oggi: tra valori obiettivi e tecniche di persuasione. Collana “Claustrum” 11. Bologna: Studio Domenicano, 1992, p. 104. 642 Cf. O’CONNELL, T. An understanding of conscience. In: CURRAN, C. (edit.). Conscience. Readings in moral theology n. 14. New York: Paulist press. 2004, p.32. 643 Cf. GRISEZ, G.; SHAW, R. Conscience: knowledge of moral truth. In: CURRAN, C. (edit.). op. cit., p.46 e 49.
244
A Igreja põe-se sempre e só ao serviço da consciência, ajudando-a a não se deixar levar cá e lá por qualquer sopro de doutrina, ao sabor da maldade dos homens (cf. Ef 4, 14), a não se desviar da verdade sobre o bem do homem, mas, especialmente nas questões mais difíceis, a alcançar com segurança a verdade e a permanecer nela. Na formação da nossa consciência moral, temos diversas autoridades
consideradas fundamentais: genitores, educadores, catequistas, bons testemunhos.
Todos eles são ao mesmo tempo autoridades através das quais chega o chamado a
querer ser pessoa moral, assinalando o chamado com a sua específica marca afetiva
e intelectual. Mas, dentre estas autoridades, não podemos perder de vista o papel
do Magistério Eclesiástico.644
A Igreja deve se preocupar para que os cristãos atuantes nos âmbitos político,
cultural e social, sejam sempre responsáveis e não se deixem manipular. Para isso,
é preciso uma educação adulta que seja capaz de promover a justiça e de formar
caráter e capacidade crítica.645
Verdadeiramente a Igreja, enquanto comunidade de fiéis promove a
consciência chamando o fiel a ser digno da sua vocação. A autoridade do
Magistério eclesiástico se insere neste contexto. Tem, todavia, uma
responsabilidade específica: o compromisso de recordar ao conjunto da
comunidade de fé as exigências da fidelidade a Cristo. Tem também o
compromisso de indicar onde, como e sob quais pontos a consciência pode hoje
encontrar-se solicitada às fidelidades inovadoras. Deve, portanto, encorajar à
vigilância, anunciando Aquele que vem e que os conformismos, as “sonolências”
morais e as velhacarias fazem esquecer esta fidelidade.646
Contudo, as normas formuladas pela Igreja e pela comunidade humana no
curso dos séculos representam certamente um grande patrimônio de doutrina e
verdade. Mas, elas não se constituem na plenitude da verdade, não a exaurem. Por
isso, a Igreja se encontra continuamente tomada por graves interrogativos éticos,
determinados, sobretudo, pelo progresso da ciência.647
644 Cf. VALADIER, P. Elogio della coscienza. Torino: Società Editrice Internazionale. 1995. p. 242-243. 645 Cf. TRASFERETTI, J. Teologia moral na Pós-Modernidade: o difícil dilema do agir moral. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.) Teologia na pós-modernidade – abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, p. 430. 646 Cf. VALADIER, P. op. cit., p. 243. 647 CASSANI, M. La coscienza morale nella riflessione teologica contemporanea. In: MANICARDI, E.; CAVALCOLI, G.; CASSANI, M.; BENETOLLO, O.; APPI, F.; BARZAGHI, G. La coscienza morale e l’evangelizzazione oggi..., Bologna: Studio Domenicano, 1992, p. 102.
245
A Igreja deve ser vista, de uma forma positiva, ao longo de toda a história
humana, a partir da sua existência. Não há dúvidas de que a Igreja nem sempre
falou inequivocamente na defesa dos valores morais. Houve determinados
momentos em que ela traiu estes valores. Mas, o fato é que, em geral, ela tem sido
uma grande força para o desenvolvimento humano e para a proteção da dignidade
de todos. Além disso, ela é uma instituição que tem um propósito que ultrapassa
qualquer época, porque é portadora de “palavras eternas”.648
A Igreja é beneficiária de séculos de tradição, de sabedorias acumuladas ao
longo de sua existência. Por isso, ela se encontra especialmente numa boa posição
para avaliar e julgar a realidade em que vivemos. Neste sentido, a consciência e o
Magistério não devem ser vistos em termos de conflito de autoridades. Ao invés,
eles devem ser vistos como suportes mútuos no compromisso e na fidelidade a
Deus.649
Uma outra razão que a Igreja deve ser vista positivamente, deriva da fé no
Deus Uno e Trino. Acreditamos de fato que o Espírito Santo habita em nós, por
isso nos ilumina na nossa caminhada. Não acreditamos arrogantemente que a
Igreja seja o Reino de Deus. Mas, reconhecemos que ao nos deixarmos guiar pelo
Espírito, somos portadores das sementes do Reino. Por outro lado, sendo a Igreja
uma instituição humano-divina, composta de homens e mulheres que são também
pecadores, ela pode ser vista muitas vezes como uma “prostituta da Babilônia”.
Mas, desde o profeta Oséias, tem sido parte da tradição judaico-cristã o fato de que
Deus perdoa as infidelidades da “amada”, sendo a fidelidade divina uma presença
permanente entre nós, pois se trata de uma promessa irrevogável.650
4.2.7. Conclusão
O objetivo da formação é educar a pessoa para decidir não num cego impulso
interno ou por mera coação externa, mas, com convicção, buscar a realização do
648 Cf. O’CONNELL, T. An understanding of conscience. In: CURRAN, C. (edit.). Conscience. Readings in moral theology n. 14. New York: Paulist press. 2004, p.32. 649 Ibid., p.33; HOGAN, L. Conscience in the documents of Vatican II. In: GULA, R. M. The moral conscience. In: CURRAN, C. (edit.). Conscience. Readings in moral theology n. 14. New York: Paulist press. 2004, p.87. 650 Cf. O’CONNELL, T. An understanding of conscience. In: CURRAN, C. (edit.). op. cit., p.33.
246
bem, para a realização verdadeira da própria vida e a edificação da comunidade
humana, de acordo com a justiça.
Hoje, mais do que nunca, a educação da consciência moral exige a superação
das armadilhas do individualismo moderno, visando uma ética da solidariedade e o
reconhecimento da dignidade de cada pessoa humana. Além disso, na dinâmica da
vida atual, somos muito estimulados a ficarmos apenas na superfície, a nos
contentarmos com as aparências, a nos agregarmos aos modismos de cada época e
a nos atermos à concepção de que “todos fazem assim”. Neste sentido, a formação
da consciência moral deve preocupar-se com a busca da profundidade da vida, em
todos os seus aspectos.
Daí, o papel da Igreja como insubstituível educadora, buscando a plenitude
da realização humana. Nela, os cristãos são ajudados a não serem levados por
“todo vento de doutrina, presos pelas artimanhas dos homens” (cf. Ef 4,14). Pois, é
inegável que a vida de fé tem um forte impacto na maturação da consciência.
Como cristãos devemos considerar também, na formação de nossas consciências, o
papel fundamental do Espírito Santo que renova as nossas mentes e corações.
Dotados de um poder cognitivo em si mesmo ilimitado, que, todavia, avança
em degraus, nós não conseguimos progredir no nosso caminho pessoal de vida,
seja no plano cognitivo como comportamental, sem a ajuda da experiência coletiva
acumulada e conservada pelas gerações precedentes, e sem a ajuda de uma normal
transmissão dos resultados adquiridos no tempo.
A educação é um processo delicado, sempre à margem de transformar-se
numa pseudo-educação moral. Por isso, a profundidade e complexidade da
consciência e o papel que a compete em toda a vida moral fazem facilmente intuir
a necessidade de uma correta formação. Hoje, mais do que em qualquer outro
tempo, é preciso a educação da vontade. A educação da vontade pode dizer-se
completa somente quando alcança o pleno domínio de si. De fato, sem esforço
pessoal, não é possível alcançar algum significativo fim moral. E também não se
pode avançar na vida moral. É preciso também considerar a presença da graça,
com a respectiva resposta do esforço humano.
Todos nós necessitamos de formação, pois a consciência não é infalível.
Somos configurados e formados pelas circunstâncias nas quais vivemos, pelas
tradições que recebemos, pela comunidade na qual fomos criados e pelas
247
experiências pessoais de nossas vidas. Quando falamos de consciência, falamos de
uma realidade frágil.
De acordo com a psicologia, a formação da consciência moral é um processo
de interiorização das normas sociais e dos seus valores. O suíço Jean Piaget (1896-
1980) e depois o americano Lawrence Kohlberg (1928-1987) buscaram explicar o
desenvolvimento do juízo moral, da infância à idade adulta, abrindo um novo
campo para a pesquisa da psicologia, um campo bem longe de ser exaurido.
A obra educativa é uma arte na qual se conjugam aspectos cognitivos
(instruções, ensinamentos críticos, aprendizagem, etc.) com aqueles vitais
(experiências e processos de libertação e de responsabilização, etc.), sendo
acompanhada pela ação do Espírito, o Educador interior. Pois, o Espírito educa a
consciência para a capacidade de discernimento (Cf. Ef 1,9-10; Rm 12,2; Heb
5,14).
Uma educação da consciência, radicada no fundamento trinitário-histórico-
salvífico da moral, se preocupa não em determinar “que coisa fazer”, mas o
“porque vale a pena”, sustentado por cada tomada de posição ética. Ou seja, é
preciso que a via educativa seja acolhedora e confiante nas potencialidades da
pessoa. O único caminho que nos resta é o da educação com liberdade e
responsabilidade, lembrando que “a educação da consciência é uma tarefa de toda
a vida” (cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 1784).
A consciência “individual” é sempre e necessariamente, para o cristão, uma
consciência “eclesial”. Por isso, a formação da consciência não pode ser realizada
como aventura privada e individual, que do externo julga tudo o que a Igreja diz,
mas ao contrário como intencional busca da vontade de Deus ao interno daquele
ambiente de comunhão de vida com todos os outros fiéis em Cristo. Neste contexto
pedagógico-formativo, um destaque fundamental é o Magistério da Igreja que,
porém, não chega sempre a afirmações e certezas absolutas, pois há sempre uma
evolução e revisão. Mas, ao assumir este papel, a Igreja presta um grande serviço à
humanidade.
Na formação da nossa consciência moral, temos diversas autoridades
consideradas fundamentais: genitores, educadores, catequistas, bons testemunhos.
A autoridade do Magistério eclesiástico se insere neste contexto. Tem, todavia,
uma responsabilidade específica: o compromisso de recordar ao conjunto da
248
comunidade de fé as exigências da fidelidade a Cristo.
A Igreja é beneficiária de séculos de tradição, de sabedorias acumuladas ao
longo de sua existência. Neste sentido, a consciência e o Magistério não devem ser
vistos em termos de conflito de autoridades. Ao invés, eles devem ser vistos como
suportes mútuos no compromisso e na fidelidade a Deus. Uma outra razão que a
Igreja deve ser vista positivamente, deriva da fé no Deus Uno e Trino. Não
acreditamos arrogantemente que a Igreja seja o Reino de Deus. Mas, reconhecemos
que ao nos deixarmos guiar pelo Espírito, somos portadores das sementes do
Reino.
249
4.3. Liberdade com responsabilidade
4.3.1. Introdução
O propósito deste capítulo é tentar discutir a questão da liberdade e, por
conseguinte, a sua relação com a responsabilidade. Para isso, trazemos à tona dois
processos fundamentais na realização da liberdade, o discernimento e,
consequentemente, a decisão.
Partimos do pressuposto de que o ser humano não é nunca objeto, mas
subjetividade que dispõe de si, em força da sua estrutura auto-reflexiva. Nesta
dinâmica do auto-dispor-se, continuamente busca a superação, o auto-transcender-
se. Isto porque a existência da pessoa humana é originariamente liberdade de
existir. A palavra ex-sistere significa “estar fora”, sair, ter a coragem de
transformar-se, de ser si mesmo na liberdade, com todos os seus riscos. Com a
firme resolução de não viver uma vida de isolamento artificial, busca sair da
solidão individual em direção a Deus, aos outros e às situações e possibilidades
sempre novas. Portanto, a liberdade não é uma característica acidental da pessoa,
mas é aquilo pelo qual a pessoa é pessoa.651
A liberdade é uma das grandes preocupações de Häring. Pois, somente sendo
livre, se pode ser responsável. Porém, a liberdade na qual pensa Häring é uma
liberdade vinculada à fidelidade: é uma liberdade fiel a Deus. Mas, este é um
obstáculo que encontramos hoje, onde há uma idéia muito presente na qual a
liberdade humana é considerada absolutamente autônoma e subjetiva. Ou seja, há
uma forte tendência ao subjetivismo.652
“Vós sois chamados para a liberdade” (Cf. Gal 5,13). Esta afirmação de
Paulo é o manifesto da educação no discernimento moral cristão. Mas, hoje existe
651 Cf. HARING, B. La morale è per la persona, p. 47; VALADIER, P. Elogio della coscienza. Torino: Società Editrice Internazionale. 1995; p. 153; MOLINARO, A. Libertà e coscienza: saggi etica filosofica e teologica. Roma: PUL/Città Nuova, 1977, p. 95. 652 Cf. HAAS, J. La crisi della coscienza e della cultura. In: BORGONOVO, G. (a cura di). La coscienza. Città del Vaticano: Editrice Vaticana, 1996, p. 48; VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. Estudios eclesiásticos, vol. 74, jul-sep. 1999, p. 484-485.
250
a ilusão da liberdade absoluta, da auto-suficiência que nos faz fechar os olhos
frente aos nossos próprios limites. Fato é que a condição da liberdade é no mundo
atual, de qualquer modo, mais trágica do que anteriormente. Ela nos submete a um
“stress decisional” num amontoado de informações e de estímulos e num excesso
de possibilidades de escolha, frente à ausência de um quadro interpretativo unívoco
à nossa disposição. O resultado não é um maior sentido de responsabilidade diante
da própria vida e dos outros, mas uma cultura onde se tem uma visão de que não
importa que uma coisa seja boa ou má. Com isso, o que importa em primeiro lugar
é a escolha pessoal, o gosto que permite eleger um critério objetivo daquilo que
funciona para a realização pessoal e imediata (utilitarismo).653
4.3.2. Liberdade
O ambiente social e cultural, as condições econômicas e, sobretudo
psíquicas, incidem enormemente no comportamento humano. Como elementos
dessa situação, temos: elementos geofísicos (clima, estações, dia e noite, etc.);
biopsicossomáticos (sexo, idade, constituições, temperamento, etc.); culturais
(educação, inteligência, religião, etc.); sociais (família, raça, povo, nação, classe
social, etc.); históricos (a história pessoal de cada um); morais (sensibilidade aos
valores morais que pode ser diferente pela sua pureza, profundidade, intensidade e
extensão; tonalidade emocional ou racional da consciência moral, etc.) e,
elementos conexos com a história da salvação (a graça, os pecados, a vocação e a
eleição em Cristo, o dinamismo das virtudes, a relação com a Igreja, com a
comunidade eclesial local, com outras religiões, etc.). Cada pessoa pode, de
qualquer forma, voltar-se ao bem somente na liberdade. Sabemos, porém que o
agir moral livre se estrutura na interação entre vários destes condicionamentos.654
A nossa liberdade é uma liberdade encarnada, portanto, uma liberdade
profundamente condicionada. Distinguimo-nos do mundo não humano pela nossa
653 Cf. SVANERA, O. La formazione della coscienza nella Chiesa. Credere oggi, ano XXII, n. 2, vol. 128, 2002, p. 105; BAUMAN, Z. Le sfide dell’ettica. Milano: Feltrinelli, 1996. 654 Cf. SCHILLEBEECKX, E. Dio e l’uomo. Roma: Paoline, 1967, p. 396; ROCCA, G. Coscienza, libertà e morale: risposte ai giovani e agli educatori. 4. e. Roma: Città Nuova, 2000, p. 57; SVANERA, O. op. cit., p. 105.
251
liberdade e pela nossa personalidade, expressões da amplitude do ser enquanto
participação imediata do ser de Deus. É através dela que respondemos pelos nossos
atos individuais. Por outro lado, é importante lembrar que a liberdade do outro é o
limite e, ao mesmo tempo, é a condição para a minha.655
A liberdade não é nunca incondicionada. As suas condições o sujeito moral
não se lhe dá, mas as encontra. A situação impõe a cada pessoa humana
inevitavelmente de ser situado, sem que seja ele a criar tal situação, ao menos
diretamente. Antes mesmo que ele possa tomar livremente posições, a sua situação
o leva a uma direção determinada. É sempre diante do mundo, já ali, onde ele toma
posições. No entanto, o ser humano é um ser situado, mas também se transcende da
sua situação.656
O ato moral, bom ou mal que seja, é tal somente se livre. Mas ele é sempre
marcado pelo passado daquele que o realiza. Toda pessoa tem atrás de si uma
história de vida, a educação recebida e o influxo das escolhas morais já
precedentemente feitas. Na verdade, ser livre é estar libertando-se
incessantemente.657
O cristão deve ser visto inserido na realidade do seu “entorno social”, em sua
dimensão histórico-temporal. Trata-se de uma natureza histórica, que procura viver
a plenitude do compromisso da ética cristã, porque deve fazer de sua história uma
“história de salvação”. E isto se realiza num processo dinâmico, ao longo da sua
vida. Não é algo que se conquista de uma vez por todas, mas que se dá passo a
passo. Por isso, Häring enfatiza o tempo presente como kairós, tempo favorável,
655 Cf. RAHNER, Karl. Curso fundamental da fé. 2. e., São Paulo: Paulus, 1989, p. 44, 51-52; ROCCA, G. Coscienza, libertà e morale: risposte ai giovani e agli educatori. 4. e. Roma: Città Nuova, 2000, p. 74; CAPONE, D. Antropologia, coscienza e personalitá. Studia Moralia, Roma, 1966, n. IV, p. 107; SVANERA, O. La formazione della coscienza nella Chiesa. Credere oggi, ano XXII, n. 2, vol. 128, 2002, p. 112. 656 Cf. BERGER, P. The heretical imperative: contemporary possibilities of religious affirmation. New York: Anchor Books, 1980, p. 7; SCHILLEBEECKX, E. Dio e l’uomo. Roma: Paoline, 1967, p. 397; VALADIER, P. Elogio della coscienza. Torino: Società Editrice Internazionale, 1995, p. 125. 657 Cf. AZPITARTE, E. L. Fundamentação da ética cristã. São Paulo: Paulus, 1995, p. 292; GATTI, G. Confessione ed educazione morale. Corso sul Foro Interno. Tribunale della Penitenzieria Apostolica. Roma, 2005, p. 1; VIDAL, M. Moral de opção fundamental e atitudes. São Paulo: Paulus, 1999, p. 136.
252
momento oportuno para a salvação. E também por isso, a Igreja deve avançar, sem
medo das novidades.658
Ocorre ter em conta a grande fragilidade humana, as pressões exercidas pelo
instinto prepotente, pelas condições econômicas ou de saúde, etc. São fatores que
podem reduzir notavelmente a liberdade e a responsabilidade humana. Com efeito,
o cristão é um ser em caminho, um ser no devir, o qual precisa de muito tempo
para conseguir dominar suas tendências negativas. Por isso, sempre há a
possibilidade do pecado, pois são possíveis momentos de incoerências, que podem
ser graves e prolongados. No entanto, não se deve perder de vista o rosto
misericordioso de Deus. Por certo, Jesus não quer que nós sejamos impecáveis.
Mas, que nos empenhemos seriamente. Ao mesmo tempo, nos pede sempre a
humildade para recomeçar sempre e uma infinita confiança na sua misericórdia.659
Há dois modos principais de se renunciar à liberdade: a submissão e a
alienação. Do ponto de vista ético, há freqüentemente no mundo atual um
equívoco: o de pensar a liberdade como simples autonomia da pessoa, que não se
sujeitaria a ninguém. Na realidade, a pessoa humana se torna livre enquanto não
está submetida a outro indivíduo humano, mas principalmente enquanto aceita o
apelo a uma vida ética, em que são reconhecidos direitos e deveres de todos (não
apenas os seus). Além disso, se é verdade que a liberdade humana é uma liberdade
a ser realizada, que pode e deve crescer, ela exige o empenho permanente da
libertação, a luta contra a “alienação”, contra a situação de quem está sendo
impedido de realizar suas possibilidades.660
A liberdade da boa consciência é a liberdade de querer fazer o que se deve
fazer porque é a coisa certa a se fazer. Nossa liberdade para escolher isto ou aquilo,
sem limites, é fundamentalmente uma liberdade para escolher uma identidade, para
se tornar um determinado tipo de pessoa. Na perspectiva cristã, a liberdade criativa
é dom do Espírito, e portanto faz com que se dê respostas criativas, para responder
ao chamado divino. Neste sentido, um traço importante da responsabilidade moral
658 Cf. ARENDT, H. A condição humana. 10 e., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 17; ROCCA, G. Coscienza, libertà e morale: risposte ai giovani e agli educatori. 4. ed. Roma: Città Nuova, 2000, p. 49; VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. Estudios eclesiásticos, vol. 74, jul.-sep. 1999, p. 472-473. 659 Cf. ROCCA, G. op. cit,, p. 51 e 77. 660 Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Ética: pessoa e sociedade. Documentos da CNBB, n. 50, São Paulo: Paulinas, n. 75.
253
é a sua liberdade criativa. Mas, as formas negativas de liberdade confundem
liberdade com permissividade.661
O discurso teológico moral deve assumir plenamente a dinamicidade da
pessoa humana. O ser humano é um ser histórico, que vai se fazendo ao longo da
existência; chamado a modelar-se de alguma maneira a si mesmo. Ele não nasce
feito, por isso, é preciso se fazer através de um feixe de possibilidades que recebeu
passivamente (seu pathos). Com seu pathos, ele constrói o seu ethos. Neste
sentido, qualquer forma de dominação frustra o processo histórico de
humanização. Por isso, a teologia moral deve assumir a historicidade humana a
nível da reflexão moral. Toda reflexão moral, ao perguntar-se se alguma coisa é
um bem para os homens e mulheres, supõe, como primeiro passo, a leitura da
realidade, entender que valores estão em jogo, etc. Portanto, requer a participação
de todos os que tenham alguma palavra a dizer. Esta participação é muito
importante, a fim de que as diversas sensibilidades que se dão dentro da
comunidade eclesial apresentem uma reflexão. 662
4.3.3. O processo de discernimento
Discernir é “ver através de”. É ver o essencial através da parede maciça das
ilusões e das sombras. É um modo de contatar com a essência das coisas. Podemos
dizer que a consciência revela-se no discernimento da práxis. O discernimento é o
próprio exercício da consciência. É a própria consciência em atuação. Portanto, a
função primordial da consciência é o discernimento. Para nós, cristãos, isto se dá à
luz da fé.663
661 Cf. VALLATE, M. “The inner voice”: a study of conscience in Bernhard Häring and Mahatma Gandhi…, p. 58-59; GULA, R. M. The moral conscience. In: CURRAN, C. (edit.). Conscience. Readings in moral theology n. 14. New York: Paulist press. 2004, p.60. 662 Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Ética: pessoa e sociedade..., n.79; PEINADO, J. V. Éticas teológicas ontem e hoje. São Paulo: Paulus, 1996, p. 14; CARRERA, J. C. Em busca del Reino – una moral para o Novo Milênio..., p. 24-26. 663 Cf. BACH, J. M. Consciência e identidade moral. Petrópolis: Vozes, 1985, p. 100; AGOSTINI, N. Condicionamentos e manipulações: desafios morais. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. O itinerário da fé na “iniciação cristã dos adultos”. Estudo n. 82, p. 113; JUNGES, J. R. Evento Cristo e ação humana..., p. 171; AUBERT, J.-M. Coscienza e legge. In: LAURET, B.; REFOULÉ, F. Iniziazione alla pratica della teologia. Vol. IV, Brescia: Queriniana, 1986, p. 224-225.
254
Todos nós começamos com a capacidade básica de conhecer o que é bom e o
que não é. Ao longo de nossas vidas, tomamos consciência das fontes do juízo
moral tornando-nos sensíveis aos valores, descobrindo as virtudes e aquilo que é
bom. Ao agir em sã consciência, precisamos adquirir com sinceridade tudo o que
nos preenche e nos realiza enquanto humanos. Com isso, damos direção às nossas
vidas, respondendo ao chamado de Deus. O discernimento se dá por meio de um
contínuo processo de conversão, na busca daquilo que nós devemos ser e fazer,
enquanto fiéis a este chamado. Nós somos moralmente bons, na medida em que
honestamente buscamos descobrir o que Deus quer de nós. E isso se dá ao longo de
toda a vida.664
A comunidade cristã deve testemunhar de maneira clara e significativa a
centralidade e a fundamentação da Palavra de Deus em todo o caminho de
discernimento moral. É uma palavra viva, que chega à consciência não somente
através da Sagrada Escritura, mas também através da vida da comunidade, em
todas as suas expressões. Por outro lado, a comunidade cristã é chamada a prestar
particular atenção à voz dos pobres e dos últimos da sociedade. O exige uma
sociedade que, enquanto se proclama com júbilo a Palavra, nos fatos se redireciona
para a solidariedade. A consciência não poderá nunca individuar efetivamente o
bem se no caminho do discernimento não dá espaço à escuta atenta das esperanças,
necessidades e denúncias dos últimos e dos pobres. 665
Ao organizar a sua vida no seu dia-a-dia, o ser humano fá-lo compreendendo
as suas relações fundamentais: si mesmo, o mundo, o outro e a transcendência. A
partir destes nós de relações, e desafiados pelas circunstâncias do tempo e do
espaço, ele é capaz de ir compondo o que lhe é próprio, na medida em que vai
organizando o seu viver, escolhendo a melhor resposta ante os desafios,
experimentando e mudando. Aos poucos, ele vai criando um modo habitual e
próprio de habitar e interpretar o mundo, modo este que chamamos de ethos.666
Ao discernir, o ser humano aplica-se todo inteiro, em plena liberdade e
responsabilidade. O Espírito Santo inspira, dirige, impulsiona e engendra. A
664 Cf. GULA, R. M. The moral conscience. In: CURRAN, C. (edit.). Conscience. Readings in moral theology n. 14. New York: Paulist press. 2004, p.54 e 62. 665 Cf. MAJORANO, S. La coscienza: per uma lettura cristiana. Milano: San Paolo, 1994, p. 186. 666 Cf. AGOSTINI, Nilo. Ética Cristã e desafios atuais. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 18.
255
inteligência (noús) renovada e o espírito (pneuma) formam um só princípio de
ação, embora a inteligência seja apenas uma dimensão desse todo. Assim, o
discernimento é um ato global do ser humano, que o engaja na sua totalidade. O
discernimento tem, pois, uma dimensão dialogal humano-divina. A cada um cabe
descobrir a vontade de Deus para cada situação. Cada um tem a responsabilidade
de seus atos (Cf. Gl 6,4-5). Mas isso não é um convite ao individualismo e ao
“cada um por si”. Pois, em cada instante, o ser humano é convidado a caminhar
segundo o desígnio salvífico, discernindo a vontade de Deus (Cf. 1 Ts 5,21; Fl 1,
9-10).667
O discernimento é a categoria central da ética paulina. O cristão tem de
“mudar de mente” para fazer o discernimento ético. Só assim adquirirá nova
capacidade estimativa que lhe permita achar a vontade de Deus. Essa é a doutrina
que Paulo expressa em: “Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-
vos, renovando as vossas mentes, a fim de poderdes discernir qual é a vontade de
Deus, o que é bom, agradável e perfeito” (Rom 12,2). Pois existe em cada um de
nós um tipo de sentido moral que nos leva a discernir aquilo que é bem e o que é
mal. É como um olho interior, uma capacidade de visão do espírito, em grau de
guiar os nossos passos para o caminho do bem. Mas, só é possível discernir qual
seja a vontade de Deus, buscando-se conhecer aquilo “que mais convém” (cf. Fl
1,10).668
O bom discernimento começa quando a pessoa toma consciência do contexto
histórico no qual se encontra, nele sabe se situar, lê os fatos sem ser tendenciosa.
Isto significa que a pessoa se situa não como simples objeto, à mercê dos
acontecimentos, ou mero espectador deles, mas como sujeito. Discernir as
situações comporta acima de tudo um espírito crítico e autocrítico para melhor
reconhecer o que é justo e devedor de fazer no concreto da história pessoal.669
667 Cf. JUNGES, J. R. Evento Cristo e ação humana..., p. 127-128. 668 Cf. Rm 1,28; 2,18; 12,2; 14,22; Fl 1,10; Ef 5,10; VIDAL, M. Moral de opção fundamental e atitudes. São Paulo: Paulus, 1999, p. 99-101; JUNGES, J. R. op. cit., p. 129; JOÃO PAULO II. Audiência de 17 de agosto de 1983. Udienze. Vaticano, mai. 2006. Em: <http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/audiences/1983>; PETRÀ, B. La coscienza “nello Spirito”: per una comprensione cristiana della coscienza morale. Milano: O. R. Edizioni, 1993, p. 90-91. 669 Cf. FRIGATO, S. Vita in Cristo e agire morale: saggio di teologia morale fondamentale. Torino: Elle di Ci, 1994, p. 190; AGOSTINI, Nilo. Condicionamentos e manipulações: desafios morais. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. O itinerário da fé na “iniciação cristã dos adultos”. Estudos da CNBB, n. 82, p. 112-113.
256
Na crise ética atual, a necessidade de discernimento é urgente. A pessoa
honesta, o cidadão responsável, o cristão convicto, que quer agir coerentemente, na
busca da solidariedade com a família humana, não pode simplesmente remeter suas
decisões à ciência ou à técnica, que tende a prescindir da ética, nem à opinião
pública, dominada pela incerteza, pelo relativismo e pelo subjetivismo. Ao
contrário, a sociedade precisa, hoje, de indivíduos capazes de ir contra a corrente.
Que defendam, em nome da ética, normas e práticas autênticas. Que superem o
oportunismo, o utilitarismo e o egocentrismo mesquinho. Que estabeleçam
relações mais humanas e que optem pelo interesse de todos.670
4.3.4. O processo de decisão
Sob o ponto de vista cristão, a decisão é a realização finita (no tempo) das
possibilidades pessoais com um peso de transcendência (de eternidade). A decisão
é aquilo que há de definitivo na escolha. Mas ela pode existir também sem escolha,
como na hipótese de que não se dê alternativa. É também verdade que cada única
escolha não exaure a decisão. A escolha, de fato, se atua precisamente no tempo e
também a decisão se torna presente em cada escolha temporal. Mas, enquanto tem
em vista o Absoluto mesmo, a decisão transcende as simples escolhas e o horizonte
histórico dentre o qual elas se atuam. Se nós olharmos o passado da nossa vida,
podemos descobrir nele nossas escolhas morais deste passado, os germes daquilo
que somos agora, as origens da nossa personalidade moral, o percurso através do
qual buscamos o bem ou o mal. Sendo assim, na Familiaris consortio, n.34, João
Paulo II afirma. “O homem... é um ser histórico que se realiza no dia a dia, com as
suas numerosas escolhas: por isso, ele conhece, ama e realiza o bem, segundo
etapas de crescimento”. 671
670 Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Ética: pessoa e sociedade. Documentos da CNBB, n. 50, São Paulo: Paulinas, n.104. 671 Cf. VALADIER, P. Elogio della coscienza..., p. 3; FORTE, B. L’eternit’a nel tempo: saggio di antropologia ed etica sacramentale. Roma, 1993, p. 303-307; GUIDI, S. La struttura ontologica della decisione della coscienza. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di). La coscienza morale oggi..., p. 303; JOÃO PAULO II. Enciclica Familiaris consortio. São Paulo: Paulinas, 1981, n. 34; GATTI, G. Confessione ed educazione morale. Corso sul Foro Interno. Tribunale della Penitenzieria Apostolica. Roma, 2005, p. 4; BORGHI, E.; BUZZI, F. La coscienza di essere umani: percorsi biblici e filosofici per un agire ético. Milano: Ancora, 2001. p. 109.
257
A pessoa humana é sujeito de si: da sua própria vida, das suas decisões, das
suas próprias ações. Este é um dado decisivo da dignidade humana. A visão cristã
revela que se trata de uma subjetividade da “imagem”, criatural e filial de Deus. É
o “eu” que se torna conhecedor de si (consciência psicológica) e que decide ser
protagonista de si mesmo. Assim, a pessoa que se auto-percebe através da própria
vida, transforma a sua existência de um simples dado (me encontro a viver) em
decisão-projeto (quero viver). A relação com os outros se torna agora
reciprocidade que nos faz incessantemente experimentar a nós mesmos como seres
de necessidades e, ao mesmo tempo, riquezas de doação ao outro.672
Cada compreensão é já sempre também uma decisão, ao menos aquela de
iniciar a compreender assim e não diversamente. Assim, conhecimento e decisão se
colocam no tempo como atos totais e complementares, mas nunca definitivos. Mas,
na consciência não temos somente uma função intelectiva. Temos também uma
função volitiva. Para agir não basta conhecer e discernir, é preciso querer, escolher,
tomar decisões, sendo tudo isso, função que, em última análise, compete à
responsabilidade do eu. Portanto, a consciência moral não é nunca uma consciência
puramente passiva ou especulativa, pois ela consiste sempre em escolhas e
decisões.673
Existe uma estreita relação entre decisão e escolha. Elas são diversas, ou
mesmo não se podem conceber de modo abstrato ou desarticulado, como se fosse
possível para a pessoa realizar uma decisão sem escolhas, ou vice-versa, realizar
escolhas sem uma decisão. A escolha de cada projeto, de cada ação, uma escolha
que se dá num conjunto de possibilidades finitas, se realiza sempre inevitavelmente
ao interno de uma decisão. O número de opções e a amplitude da lista de
características dependem do grau de conhecimento ou de experiência que a pessoa
que decide possui do setor sobre o qual ela deve decidir. Cada escolha concreta é
uma preferência absoluta acordada a uma possibilidade entre tantas. Por outro lado,
ninguém está em grau de experimentar-se meio decidido, mas podemos decidir de
672 Cf. MAJORANO, S. La coscienza: per una lettura cristiana. Milano: San Paolo, 1994, p. 26. 673Cf. AUBERT, J.-M. Coscienza e legge. In: LAURET, B.; REFOULÉ, F. Iniziazione alla pratica della teologia..., p. 224; PENATI, G. Decisione e origine. Sulla verità della libertà. Brescia: Morcelliana, 1983, p. 49; GUIDI, S. La struttura ontologica della decisione della coscienza. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di). La coscienza morale oggi: omaggio al prof. Domenico Capone. Roma: Academiae Alphonsianae, 1987, p. 316; TRENTIN, G. Struttura e funzioni della coscienza nella teologia morale. Credere oggi, ano XXII, n. 2, vol. 128, 2002, p. 82.
258
permanecer indecisos ou de não decidir. A decisão, seja ela positiva ou negativa,
boa ou má, é sempre total, mas nunca definitiva.674
O agir consiste no escolher e decidir-se. Os valores que se oferecem a este
juízo de consciência tem em vista a realização da pessoa por meio do bem que
realiza com os outros. De fato, a pessoa, ser de desejos, ser-no-mundo, é também
ser feito para viver em busca da realização com os outros, na vivência do amor. A
partir da opção fundamental, as escolhas particulares, que constituem a trama da
vida cotidiana, recebem o seu sentido. Pode acontecer, no entanto, que uma
decisão particular a contradiga, como pessoa. Esta é então uma dimensão da pessoa
que se constitui numa culpa moral.675
Decisão ética só tem sentido quando é “responsável”, quando constitui
“resposta” do eu às exigências de sua própria realização. Se expressa a decisão
moral prevalentemente mediante opções e atitudes. Ou seja, ela se instala
preferentemente na opção fundamental da pessoa, que orienta todo o dinamismo
moral humano. Toda decisão ética particular é fruto da resposta à pergunta: “O que
devo fazer nesta situação concreta?” Essa pergunta, porém, inclui e implica uma
outra mais fundamental, geralmente não tematizada: “Quem eu quero ser a partir
desta decisão?” A resposta à primeira vai depender, em grande parte, do modo
como se responde à segunda.676
Cada ser humano no seu agir cumpre uma série inumerável de escolhas,
também se não todos os momentos do agir são frutos de escolhas. Escolher quer
dizer deliberar frente a possibilidades, alternativas de comportamento (exterior,
mas também interior). Trata-se, portanto, sempre de uma avaliação comparativa
frente às diversas possibilidades. Muitas escolhas são seriamente refletidas e
motivadas, mas muitas de nossas escolhas nascem de uma emoção. Uma emoção
pode gerar uma resposta imediata, fulminante e automática. Sendo assim, a
674 Cf. BORGHI, E.; BUZZI, F. La coscienza di essere umani: percorsi biblici e filosofici per un agire ético. Milano: Ancora, 2001. p. 108; RUMIATI, R. Decidir. Coleção “Para saber mais”. São Paulo: Paulinas/Loyola, 2003, p. 9; GUIDI, S. La struttura ontologica della decisione della coscienza. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di). op. cit., p. 314; BORGHI, E.; BUZZI, F. La coscienza di essere umani: percorsi biblici e filosofici per un agire ético. Milano: Ancora, 2001. p. 109. 675 Cf. AUBERT, J.-M. Coscienza e legge. In: LAURET, B.; REFOULÉ, F. Iniziazione alla pratica della teologia. Vol. 4, Brescia: Queriniana, 1986, p. 224. 676 Cf. VIDAL, M. Moral de opção fundamental e atitudes. São Paulo: Paulus, 1999, p. 103; JUNGES, J. R. Evento Cristo e ação humana: temas fundamentais da ética teológica. São Leopoldo: UNISINOS, 2001, p. 133.
259
resposta que se dá a um estímulo emocional não é fruto de uma apurada reflexão.
Exprime de qualquer forma, por meio do modo com o qual eu reajo a uma emoção
forte e imprevista, aquilo que é uma atitude de fundo.677
Pelo fato de que a decisão cria uma ligação entre aquilo que o sujeito era (o
passado) e aquilo que é e quer ser (presente), não pode ser compreendida como um
ato isolado. É, acima de tudo, uma primeira decisão da razão, mas de uma razão
não unicamente discursiva, porque atenta à experiência. Somente um mínimo de
racionalidade confere a sua coerência a este processo de afirmação de si. Além
disso, cada decisão tem sentido somente se a põe em relação com qualquer coisa de
fundamental que exprime aquilo que é a pessoa na sua originalidade.678
Portanto, a boa decisão exige a intervenção da inteligência também nos
níveis mais elementares. Sem cair no racionalismo moral que faz depender a
qualidade moral de um ato da quantidade de racionalidade que se põe, deve ser
pacífico que nenhuma decisão pode pretender ser reta senão como resultado de
uma reflexão. Um critério para uma boa decisão, capaz de instruir a consciência
sobre a qualidade do seu ato, consiste mesmo na satisfação de ter cumprido aquilo
que deveria cumprir.679
O não ter a possibilidade de escolher pode fazer parecer absurda a própria
liberdade humana. A decisão é, de fato, o sujeito em ato de auto-decidir-se. Ela é
sempre um ato singular do sujeito individual. Portanto, a decisão é sempre
“autêntica”. A decisão é o “eu quero” do “eu sou”, como liberdade pessoal frente à
outra liberdade. Propriamente, como liberdade pessoal nós nos decidimos, mas
sempre também com relação a outra liberdade, mesmo não podendo nunca decidir
por ela. É todo o sujeito que co-envolve no seu histórico e, portanto, limitado, auto-
decidir-se. O eu não poderia verdadeiramente auto-decidir-se se não se percebesse
como tal.680
677 Cf. CHIAVACCI, E. Coscienza, società, diritti umani. Credere oggi..., p. 115-117. 678 Cf. AUBERT, J.-M. Coscienza e legge. In: LAURET, Bernard; REFOULÉ, F. Iniziazione alla pratica della teologia. Vol. IV, Brescia: Queriniana, 1986, p. 220. 679 Cf. VALADIER, P. Elogio della coscienza. Torino: Società Editrice Internazionale. 1995. p. 161 e 172. 680 Cf. GUIDI, S. La struttura ontologica della decisione della coscienza. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di). La coscienza morale oggi: omaggio al prof. Domenico Capone. Roma: Academiae Alphonsianae, 1987, p. 310-315.
260
Na decisão experimento aquela liberdade a qual decido não somente sobre
qualquer coisa, mas também sobre mim mesmo, e a qual não é possível uma
separação entre a escolha e o eu, porque eu mesmo sou a liberdade desta escolha.
Por isso, ninguém pode subtrair-se à sua realidade e às suas próprias
responsabilidades. Mas, também quando o sujeito alcançou a assim chamada
maturidade moral, de fato se podem dar condicionamentos externos e condições
internas tais a diminuir ou cortar por um certo tempo ou para sempre, como no
caso da senilidade esclerótica, a atitude funcional do decidir. Neste sentido,
funcionalmente, a estrutura humana do decidir moral segue os ritmos e a parábola
do desenvolvimento, da maturação e da regressão psicossomática humana.681
4.3.4.1. Critérios da decisão na ótica cristã
A experiência de uma comunidade de fé, as celebrações litúrgicas, os
ensinamentos do Magistério, a vivência do testemunho, tudo isso contribui para
uma boa formação pessoal da consciência e também ajuda no julgamento das
decisões. A decisão última da consciência cristã é sempre da própria pessoa, mas
que se percebe nesta dinâmica de discípula de Jesus, numa relação de irmãos e
irmãs. A comunidade de fé constitui um verdadeiro antídoto para os erros em
nossas decisões pessoais. Contudo, não podemos ver a Igreja simplesmente como
um meio para nos ajudar em nossas necessidades. Ela é, acima de tudo, o lugar
onde sentimos a presença salvífica de Deus em nossas vidas. Embora, a Igreja
também seja pecadora, pois ela não é perfeita.682
A mentalidade social não é sempre clara e coerente. Se de uma parte se
reivindica como fundamental o direito de decidir pessoalmente a própria vida e do
próprio agir, de outra, se adverte como um peso o risco e a responsabilidade
681 Cf. PETRÀ, B. La coscienza “nello Spirito”: per una comprensione cristiana della coscienza morale. Milano: O. R. Edizioni, 1993, p. 62; GUIDI, S. La struttura ontologica della decisione della coscienza. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di). La coscienza morale oggi: omaggio al prof. Domenico Capone. Roma: Academiae Alphonsianae, 1987, p. 326; GUIDI, S. La struttura ontologica della decisione della coscienza. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di). op. cit., p. 313. 682 Cf. CURRAN, C. Conscience in the light of the Catholic Moral Tradition. In: CURRAN, C. (edit.). Conscience. Readings in moral theology n. 14. New York: Paulist press. 2004, p.20-21.
261
daquilo que se decide. Por outro lado, não há um critério infalível para determinar
se a decisão da consciência é verdadeira. Mas, a paz e a alegria do coração
permanecem como o melhor critério.683
Do ponto de vista cognitivo, nós não decidimos nunca sozinhos. A aquisição
de informações, a formulação dos critérios de valores, os processos avaliativos e as
expressões de juízo são ações que nós realizamos com a ajuda e/ou influência dos
outros, seja presentes ou ausentes. Ou seja, se a decisão é uma ação cognitivo-
avaliativa e se tal operação é sempre um fato cultural humano, então a decisão
aparece sempre também como um processo estruturalmente político.684
É preciso dizer que de decisivo na escolha é que sou eu a escolher. Pois, a
decisão está no próprio sujeito que decide. Não se pode decidir no lugar do outro,
também quando se exprimisse a decisão de um outro. Nem mesmo Deus pode
decidir no nosso lugar, nem nós podemos delegá-lo pela nossa decisão. Podemos e
devemos crer na veracidade de Deus, mas cada um de nós é chamado a decidir-se.
E nisto nós não somos livres de decidir, somos subjetivamente forçados a decidir-
nos pessoalmente. Ou sou eu a decidir, existindo, ou se decidem por mim e, então,
privo da minha existência, torno-me um simples objeto nas mãos de outros.685
Como afirma a Gaudium et spes, n. 17: O homem porém não pode voltar-se para o bem a não ser livremente. Os nossos contemporâneos exaltam e defendem com ardor esta liberdade. E de fato com razão. Contudo, eles a fomentam muitas vezes de maneira viciada, como uma licença de fazer tudo que agrada mesmo o mal. A verdadeira liberdade, porém é um sinal eminente da imagem de Deus no homem. Pois Deus quis “deixar ao homem o poder de decidir”, para que assim procure espontaneamente o seu Criador, a Ele adira livremente e chegue à perfeição plena e feliz.686
683 Cf. CURRAN, C. Conscience in the light of the Catholic Moral Tradition. In: CURRAN, C. (edit.). Conscience…, p. 22; MAJORANO, S. La coscienza: per uma lettura cristiana..., p. 146. 684 Cf. THOMAE, H. Conflitto, decisione, responsabilità. Contributo alla psicologia della decisione. Roma: Città Nuova, 1978, p. 31; GUIDI, S. La struttura ontologica della decisione della coscienza. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di). La coscienza morale oggi: omaggio al prof. Domenico Capone. Roma: Academiae Alphonsianae, 1987, p. 308. 685 Cf. GUIDI, S. La struttura ontologica della decisione della coscienza. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. op. cit., p. 303-304 e p. 307-309. 686 Cf. CONCILIO ECUMÊNICO VATICANO II. Compêndio do Vaticano II: Constituições, Decretos e Declarações (Organizado por VIER, F.; KLOPPENBURG, B.). 25. ed. Petrópolis: Vozes, 1996. p. 158.
262
4.3.5. Responsabilidade
Ser responsável é reconhecer que aquilo que fazemos em geral não fica sem
conseqüências. Daí torna-se preciso avaliar o quanto possível as previsíveis
conseqüências dos nossos atos. Mas, alguém só é responsável por aquilo de que é
consciente. Ao mesmo tempo, em todo comportamento responsável é preciso o
“querer”, a atividade volitiva da própria pessoa. Além disso, a vida afetiva também
deve entrar como elemento da responsabilidade humana e, portanto, como
estrutura antropológico-moral.687
Necessitamos de uma ética que aponte os resultados da intervenção prática
do ser humano no mundo e na sociedade, avaliando suas conseqüências sobre a
vida das pessoas e comunidades humanas, o que só é possível tendo, como ponto
de referência, a alteridade e, como princípio fundamental, a responsabilidade. Mas,
a responsabilidade é a relação constitutiva de uma liberdade em relação a outra.
Pois, não podemos esquecer que a consciência tem sempre um caráter comunitário,
reflexo do ambiente sócio-cultural. E é nesta relação entre pessoa e sociedade que
se faz emergir o sentido de responsabilidade. 688
O sentido de responsabilidade se expressa na própria palavra. Sua raiz vem
de “responder”. Ser responsável significa, então, ser “respondente”, isto é, ter o
“poder de responder”. Ora, só se pode responder a um outro – pessoa ou
coletividade. Por isso, a responsabilidade é assumida diante de um outro pessoal ou
coletivo. O acento não recai, em primeiro lugar, sobre aquilo por que alguém é
responsável, mas sobre os efeitos nas pessoas por quem e diante do qual esse
alguém é responsável.689
Responsabilizar-se diante do outro pessoal e coletivo é sopesar os efeitos da
687 Cf. VALADIER, P. Elogio della coscienza. Torino: Società Editrice Internazionale. 1995. p. 168-170; ROCCA, G. Coscienza, libertà e morale: risposte ai giovani e agli educatori. 4. e. Roma: Città Nuova, 2000. p. 47; JUNGES, J. R. Evento Cristo e ação humana: temas fundamentais da ética teológica. São Leopoldo: UNISINOS, 2001, p. 143; VIDAL, M. Moral de opção fundamental e atitudes. São Paulo: Paulus, 1999, p. 131-1333. 688 Cf. MOLINARO, A. Libertà e coscienza: saggi etica filosofica e teologica. Roma: PUL/Città Nuova, 1977, p. 137; AUBERT, J.-M. Coscienza e legge. In: LAURET, Bernard; REFOULÉ, F. Iniziazione alla pratica della teologia. Vol. IV, Brescia: Queriniana, 1986, p. 221; JUNGES, J. R. op. cit., p. 85. 689 Cf. JUNGES, J. R. Evento Cristo e ação humana – temas fundamentais de ética teológica. São Leopoldo: Unisinos, 2001, p. 86.
263
ação sobre as pessoas e o contexto, tendo como critério os direitos humanos e,
como referência última, a dignidade. Por exemplo, os atentados ao meio ambiente
devem ser considerados um desrespeito indireto à dignidade. Responsabilizar-se
diante do outro é responsabilizar-se por sua dignidade. Por outro lado,
responsabilidade inclui sempre valores, porque aponta para uma qualidade da ação
humana, expressa num valor.690
De todas as formas, o outro representa uma proposta que reclama uma
resposta. Deste confronto entre proposta e resposta surge a responsabilidade. Ao
assumir minha responsabilidade ou demitir-me dela, faço de mim um ser ético.
Dou-me conta da conseqüência de meus atos, que podem ser bons ou ruins para o
outro e para mim.691
Ser humano é responder às situações, em cada momento. Esta capacidade
humana de responder implica num voltar-se para uma boa direção. Neste sentido,
toda pessoa tem um senso daquilo que é bom ou não para ela e para os outros. Nós,
cristãos, cremos que Deus se nos revelou e esta revelação espera uma resposta.
Nesta dinâmica, a pessoa humana é responsável pelos próprios atos e é custódio do
seu irmão (cf. Gn 4,9).692
Sendo assim, Häring afirma que a regra fundamental da teologia moral é o
conceito de responsabilidade. Ela é o motor da resposta ao chamado de Deus e se
funda na união do fiel a Cristo. Por isso, torna-se urgente uma educação para a
responsabilidade criativa, a fim de realizar a lei do Espírito que nos dá vida em
Jesus, aquele que nos liberta do pecado e da morte.693
690 Cf. JUNGES, J. R. Evento Cristo e ação humana..., p. 87. 691 Cf. BOFF, L. Do iceberg à Arca de Noé. O nascimento de uma ética planetária. Rio de Janeiro: Garamond, 2002, p. 95. 692 Cf. O’CONNELL, T. An understanding of conscience. In: CURRAN, C. (edit.). Conscience. Readings in moral theology n. 14. New York: Paulist press. 2004, p.26; JONES, P. Coscienza e ragione secondo la Grammatica dell’Assenso di John Henry Newman. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di). La coscienza morale oggi: omaggio al prof. Domenico Capone. Roma: Academiae Alphonsianae, 1987, p. 206; SPAEMANN, R. Etica cristiana della responsabilità. In: BORGONOVO, G. (a cura di). Prefácio. La coscienza. Città del Vaticano: Editrice Vaticana, 1996, p. 84-85. 693 Cf. BALOBAN, S. Spirito e vita christiana nella teologia morale di Bernhard Häring. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 1988, p. 57; DOLDI, M. Fondamenti cristologici della teologia morale in alcuni autori italiani. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 1996, p. 39; SALVODI, V. (Org.). Häring: Uma autobiografia à maneira de entrevista. S. Paulo: Paulinas, 1998, p. 35.
264
4.3.6. Conclusão
Os atos realmente meus são os que manifestam a minha liberdade, a minha
escolha, como escolha moral, ou seja, consciente e consentida, querida. Logo, eu
sou livre porque sou moralmente responsável. Segundo uma conhecida fórmula, a
liberdade é “o que eu faço daquilo que os outros fizeram de mim”. Por isso, a
liberdade é tanto um dado quanto uma tarefa, uma resposta crescente aos apelos
éticos que emergem na história. Por outro lado, a pessoa humana não é
absolutamente livre, mas é livre de tornar-se livre ou de renunciar à sua
liberdade.694
Essa liberdade sempre se exerce em meio à multiplicidade de atos concretos,
na diversidade de espaço e tempo. Porém, nossa liberdade é encarnada e se realiza
em situações concretas. Ela conta com o substrato espiritual, mas se realiza no
mundo concreto. Não se trata de liberdades puras, mas se efetiva no mundo e nas
condições inerentes à nossa existência. Nossa liberdade está concretizada em meio
aos condicionamentos que encontramos quando agimos. Pois, não existe uma
natureza humana no estado puro, mas apenas aquela liberdade pessoal naquela
situação determinada.695
Ao mesmo tempo, em torno de nossa liberdade, existem outras liberdades.
Ninguém é uma ilha. Somos humanos na medida em que nos inserimos na
realidade dos outros seres humanos. Nós somos aquilo que somos dentro da cultura
em que nos inserimos. Ou seja, a liberdade que é essencialmente a pessoa humana
é coexistencialmente uma liberdade situada no mundo. Neste sentido, não existe
uma natureza humana no estado puro, mas somente aquela liberdade pessoal
naquela determinada situação.696
O uso da liberdade envolve e supõe o senso de responsabilidade. Liberdade e
responsabilidade são termos correlativos. Mas para que isso se torne efetivamente
possível, é preciso uma educação para o uso da liberdade. Esta é a nossa maior
694 Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Ética: pessoa e sociedade. Documentos da CNBB, n. 50, São Paulo: Paulinas, n.74. 695 Cf. RAHNER, K. Curso fundamental da fé. 2. e., São Paulo: Paulus, 1989, p. 52-53; SCHILLEBEECKX, E. Dio e l’uomo. Roma: Paoline, 1967, p. 395. 696 Cf. J. FINANCE, J. Etica generale. Roma: Pont. Università Gregoriana, 1997, p. 330.
265
utopia.697
697 Cf. TRASFERETTI, J. Teologia moral na Pós-Modernidade: o difícil dilema do agir moral. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.) Teologia na pós-modernidade – abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, p. 431; KLOPPENBURG, B. O cristão secularizado – o humanismo do Vaticano II. Petrópolis: Vozes, 1970, p. 151-152.
266
4.4. A opção fundamental na reciprocidade das consciências 4.4.1. Introdução
A reciprocidade das consciências é um conceito chave da antropologia
humanista e personalista. De acordo com a Bíblia, a pessoa humana torna-se
completamente humana, somente quando se encontra diante dos outros e de Deus,
nesta relação “tu a tu”, numa abertura dialógica interpessoal. É através deste
encontro que se aflora o conhecimento pessoal de si mesmo. Ou seja, a pessoa se
experimenta em sintonia consigo mesma e como pessoa somente em meio ao
encontro pessoal com o outro. Ela chega à sua integridade e à sua identidade
somente na reciprocidade das consciências. Ela conhece a unicidade do próprio eu
somente diante desta relação “eu-tu” que conduz à experiência de um “nós”.698
O termo, originalmente em grego, syneidesis, vem de syn-oida (infinitivo
syneidenai: conhecimento ocular ou intuitivo) e significa “saber com outro”, ser
testemunha, confidente ou cúmplice de uma mesma coisa. Com a evolução do
significado, se passou a ser também “saber consigo mesmo”, relação da pessoa
humana consigo mesma, num conhecimento auto-reflexivo. Mas, a auto-reflexão
somente é possível a partir da experiência do encontro com o outro. A partir deste
dinamismo de abertura, o ser humano capta a si mesmo, as outras pessoas, a
natureza e a própria transcendência.699
Ou seja, não existe a possibilidade de se compreender a si mesmo no
isolamento. É necessário estar em comunhão com os outros. Somente em
698 Cf. HÄRING, B. Mi experiencia con la Iglesia. Madrid: PS Edit., 1990, p. 180; RÖMELT, J. La coscienza: un conflitto delle interpretazioni. Roma: Academiae Alphonsianae, 2001. p. 55; HÄRING, B. La legge naturale nella luce della legge di Cristo. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di). La coscienza morale oggi: omaggio al prof. Domenico Capone. Roma: Academiae Alphonsianae, 1987, p. 287; HÄRING, B. Liberi e fedeli in Cristo: teologia morale per preti e laici, vol. I, Cinisello Balsamo: Paoline, p. 319; RÖMELT, J. La coscienza: un conflitto delle interpretazioni. Roma: Academiae Alphonsianae, 2001. p. 20-21. 699 Cf. GATTI, G. Confessione ed educazione morale. Corso sul Foro Interno. Tribunale della Penitenzieria Apostolica. Roma, 2005, p. 5-6; AGOSTINI, N. Condicionamentos e manipulações: desafios morais. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. O itinerário da fé na “iniciação cristã dos adultos”. Estudos da CNBB, n. 82, p. 110-111.
267
comunhão, o ser humano pode abrir os seus olhos da razão na busca da verdade e
desenvolver a sua faculdade de comunicação verbal e vital.700
4.4.2. A reciprocidade na visão conciliar
Quem se concentra egoisticamente sobre si mesmo, encontra somente um
“eu vazio”, mal-são, perdido. Segundo a doutrina do Concílio, é próprio da
fidelidade à consciência de se unir os cristãos aos outros para a busca da verdade.
Uma das principais perspectivas da Constituição Gaudium et spes é justamente o
diálogo com todas as pessoas. Um diálogo no qual os cristãos e também o
Magistério devem se distinguir pela capacidade de escuta, na prontidão e na estima
para com aqueles que são de outras igrejas e/ou religiões. É intenção da Gaudium
et spes, n.16 indicar claramente que o diálogo respeitoso e a fome e sede de um
conhecimento melhor da existência constituem o caminho que leva a evitar o
subjetivismo, que muitas vezes se torna intolerância, cego arbítrio privado de
sentido.701
De acordo com a concepção conciliar, na fidelidade da consciência, os
cristãos se unem, uns aos outros, para buscar a verdade e para resolver os diversos
problemas morais, que surgem tanto na vida individual quanto social. É uma
reciprocidade feita de proposta, de anúncio, de estímulo, nunca de imposições, de
passividade, de chantagens. Pois, todos devem respeitar a consciência de cada um e
não buscar impor a sua própria verdade, permanecendo íntegro o direito de
professá-la, sem por isso desprezar quem pensa de uma forma diferente.702
700 Cf. HARING, B. La morale è per la persona. Roma: Paoline, 1973, p. 249-260. 701 Cf. Decreto Christus Dominus, n. 1041; Decreto Ad gentes, n. 887, 934, 1010 e 1583; Decreto Apostolicam actuositatem 1384, 1440 e 1450; Constituição pastoral Gaudium et spes, n. 262, 285, 337, 377, 516, 518 e 519; Decreto Unitatis redintegratio, n. 766, 786, 791-793, 803 e 816; Decreto Nostra aetate, n. 1590. In: CONCILIO ECUMÊNICO VATICANO II. Compêndio do Vaticano II: Constituições, Decretos e Declarações (Organizado por VIER, F.; KLOPPENBURG, B.). 25. ed. Petrópolis: Vozes, 1996; HÄRING, B. La legge naturale nella luce della legge di Cristo. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di). La coscienza morale oggi: omaggio al prof. Domenico Capone. Roma: Academiae Alphonsianae, 1987, p. 287-289. 702 Cf. GIOVANNI PAOLO II. Se vuoi la pace rsipetta la coscienza di ogni uomo. In: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, Vol. XIII/2, Vaticano: Editrice Vaticana, 1992, p. 1559; MAJORANO, S. La coscienza: per uma lettura cristiana. Milano: San Paolo, 1994, p. 134.
268
4.4.3. A dinâmica da reciprocidade na formação das consciências
É importante ressaltar que a pessoa nunca é uma mônada isolada, mas faz
parte de uma comunidade humana, incluindo as comunidades naturais como
família, parentes, organizações cívicas e religiosas, bem como muitas outras nas
quais cada um escolhe se associar. Estas relações comunitárias também afetam a
todos.703
A consciência se estrutura por meio de uma experiência originária de boa
relação com os outros que lhe consente de crer na vida e no seu valor promissor.
As relações familiares tornam-se aqui decisivas. Através da experiência genitorial
da responsabilidade de um mútuo dar e receber é que se desenvolve a dedicação ao
outro, bem como o retirar-se para que o outro cresça na sua liberdade. Por esta via
de uma saudável relação familiar, a pessoa humana, no seu desenvolvimento,
saberá alargar o olhar para o mundo inteiro e abrir-se aos deveres da justiça, do
respeito, da reconciliação e da paz. Isto se dá através também da experiência entre
irmãos, buscando acolher a diversidade como uma riqueza e desenvolvendo o
partilhar e o cooperar com os outros.704
Pois, o conhecimento moral é também um fato social. As convicções das
consciências são formadas, as obrigações morais são apreendidas, com as
influências de todo o meio social. A princípio, porque não podemos nunca saber
tudo sozinho, devemos entregar-nos à ajuda do conhecimento e da competência
dos outros. Essencialmente, na maior parte dos casos, buscamos a verdade,
confiando na veracidade dos outros.705
Ao mesmo tempo, o respeito pela consciência do próximo é condição sine
qua non ao respeito pela própria consciência. Não existe uma sadia e verdadeira
consciência do meu “eu” autêntico, fora da essencial relação com os outros.
703 Cf. CURRAN, C. Conscience in the light of the Catholic Moral Tradition. In: CURRAN, C. (edit.). Conscience. Readings in moral theology n. 14. New York: Paulist press. 2004, p.14. 704 Cf. SVANERA, O. La formazione della coscienza nella Chiesa. Credere oggi, ano XXII, n. 2, vol. 128, 2002, p. 102; JOAO PAULO II. Encíclica Familiaris consortio. São Paulo: Paulinas, 1981, n. 43. 705 Cf. GUIDI, S. La struttura ontologica della decisione della coscienza. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di). La coscienza morale oggi: omaggio al prof. Domenico Capone. Roma: Academiae Alphonsianae, 1987, p. 308; GULA, R. M. The moral conscience. In: CURRAN, C. (edit.). op. cit., p.54-55.
269
Encontro-me a mim mesmo na medida em que me abro aos outros e a Deus. No
entanto, é importante ressaltar que sempre que se vivencia o conflito entre atitudes
contrárias, ou quando um desejo e/ou idéia pessoal são contestados pelo “outro”,
existe a possibilidade de se criar uma maior clareza das idéias e, por conseguinte,
uma maior conscientização.706
4.4.4. A importância do testemunho
Acima de tudo, para o fiel, há a palavra de Deus recebida na comunidade
viva. Ocorre não esquecer nunca que ela é sempre o critério fundamental de
interpretação da realidade. Decisivo é também a escuta do Magistério da Igreja,
feita com sinceridade, em razão da missão particular a ele confiado. Vem depois, o
confronto incessante com todos aqueles que podem ajudar-nos para uma
aproximação maior à verdade. Na reciprocidade das consciências, nos
distanciamos do cego arbítrio. Neste contexto, o deixar-se provocar pelos santos e
profetas adquire um valor particular. A busca da verdade advém para Bernhard
Häring e outros, através desta reciprocidade. Daí a importância do testemunho dos
santos e das pessoas exemplares, que tornam de tal modo autoridade moral para a
nossa consciência.707
O caráter emerge dos hábitos que nós formamos, o qual reflete nos nossos
pensamentos, ideais e imagens de vida que internalizamos como resultado de
nossas relações interpessoais. Para se formar um bom caráter, não se dá por meio
de argumentos simplesmente. Talvez, se fôssemos espíritos incorpóreos, análises
abstratas funcionariam. Mas, nós somos pessoas concretas, por isso, aprendemos
muito mais, por meio das experiências concretas da vida. Daí a importância para
706 Cf. Cf. HÄRING, B. La legge naturale nella luce della legge di Cristo iscrita nei cuori. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (cure) La coscienza morale oggi. Roma: Academiae Alphonsianae, 1987, p. 287; EDINGER, E. F. A criação da consciência: o mito de Jung para o homem moderno. São Paulo: Cultrix, 1999, p. 17-18. 707 Cf. PARISI, F. Coscienza ed esperienza morale alla luce della riflessione teologico-morale post conciliare in Italia (1965-1995). Dissertationis ad Doctoratum. Roma: PUL - Academia Alphonsiana, 2002, p. 119-120; MAJORANO, S. La coscienza: per uma lettura cristiana. Milano: San Paolo, 1994, p. 155-156.
270
nós, de estabelecermos boas relações, com pessoas de bom caráter. Pois, o poder
do testemunho é aquilo que mais influencia na nossa formação.708
Portanto, para um amadurecimento e uma boa formação do caráter, não
precisamos simplesmente prestar atenção nas regras de uma instrução moral
explícita, mas também nas comunidades de vida que nos influenciam. Nas imagens
e crenças que estas comunidades reforçam. E as pessoas que personificam o estilo
de vida das mesmas comunidades, de tal forma que ao encontrarmos sinceros
testemunhos, elas capturem a nossa imaginação para que nós sejamos como elas.
Por fim, as decisões que tomamos e as ações que realizamos são função do tipo de
caráter que nós desenvolvemos, na situação em que nos encontramos.709
4.4.5. A necessidade de uma visão crítica e dialogal
A consciência cristã deve ser sempre empenhada não somente nas
individuais relações privadas com os outros, mas também na visão crítica das
estruturas sociais de convivência. Não é somente o dever de aceitar o existente,
mas também o de modificá-lo. É na consciência solidária que repousam as chances
de uma arrancada decisiva para as transformações profundas no campo político,
econômico, social e mesmo religioso.710
A reciprocidade entre as consciências deve constituir hoje uma preocupação
fundamental em todos aqueles que acreditam no futuro da humanidade. Para se
evitar que as diversidades se degenerem em contraposições cegas e violentas,
como o fundamentalismo político e religioso e as suas conseqüentes manipulações,
é indispensável formar uma reciprocidade, na busca do diálogo. As diversidades se
tornam enriquecimentos e a necessária unidade toma o rosto de comunhão. Neste
sentido, a comunidade cristã, em força da sua catolicidade, que significa
708 Cf. GULA, R. M. The moral conscience. In: CURRAN, C. (edit.). Conscience. Readings in moral theology n. 14. New York: Paulist press. 2004, p.56. 709 Idem. 710 Cf. CHIAVACCI, E. Coscienza, società, diritti umani. Credere oggi, ano XXII, n. 2, vol. 128, 2002, p. 118-119; MOSER, A.; LEERS, B. Teologia Moral: Impasses e Alternativas. Coleção Teologia e Libertação. 3a. ed., Petrópolis, Vozes, 1996, p. 147.
271
universalidade fruto desta comunhão, pode oferecer uma contribuição preciosa
para toda a humanidade.711
Quando a reciprocidade é vivida com convicção, então acontece uma
verdadeira qualidade humana em todas as relações. Mas, a consciência é chamada
hoje a intensificar a sua reciprocidade também com toda a criação. O exigem não
somente a amplitude e a gravidade da problemática ecológica, como também o
maior conhecimento antropológico que desenvolvemos. Além disso, somos
chamados a pensar com o outro e, especialmente, com o outro que é oprimido.712
Devemos liberar-nos das ilusões de que a pessoa humana moderna seria um
adulto completo. Em termos morais, ninguém pode nunca pretender ter se tornado
um adulto completo, alguém que decide sozinho e sempre na tranqüila certeza das
suas boas intenções. Ao contrário, em moral, o adulto é aquele que sabe ter
necessidade. Deseja que o tenham sempre acordado, sacudido, polido, contestado,
para que nasça nele uma verdadeira exigência moral. É também aquele que sabe do
dever da sua própria vez de contestar e de cobrar, para que as consciências não se
nivelem na rotina ou na cegueira do conformismo. É quem, em suma, sabe que a
exigência das inter-relações é permanente, não somente no tempo da dependência
infantil, mas para conduzir uma vida adulta mais amadurecida.713
A complexidade crescente da nossa sociedade produz interações sempre mais
fortes e numerosas. Assim, malgrado nosso, acabamos por encontrar-nos, muitas
vezes, co-envoltos em manobras eticamente não positivas. Por outro lado, a oração
unida a uma reflexão mais atenta e o aconselhar-se com os outros permitem
individuar uma maneira prática de compor os diversos valores.714
711 Cf. MAJORANO, S. La coscienza: per uma lettura cristiana. Milano: San Paolo, 1994, p. 183. 712 Cf. JOHNSTONE, B. V. Solidarity and moral conscience: challenges for our theological and pastoral work. Studia moralia. Roma, n. 31, 1993, p. 71; MAJORANO, S. La coscienza: per uma lettura cristiana. Milano: San Paolo, 1994, p. 184-185. 713 Cf. VALADIER, P. Elogio della coscienza. Torino: Società Editrice Internazionale. 1995. p. 145. 714 Cf. MAJORANO, S. op. cit., p. 169 e 175.
272
4.4.6. A regra de ouro
A pessoa humana, para que comporte sabedoria, habilidade e competência,
tem necessidade de um aprendizado trabalhoso. Para isso, se exercita muito,
caindo, muitas vezes, em erros. Mas, para se construir a própria vida é preciso ter a
habilidade de um artesão: rigor e paciência, ascese e determinação, escuta dos
conselhos do próximo e também solidão nas escolhas, para a busca de realização
de sua obra-prima, a própria vida.715
No entanto, se uma pessoa leva a sua vida fazendo aquilo que a ela é dito
realizar por alguém, simplesmente porque é uma autoridade que diz, ou porque
este é o tipo de conduta esperada pelo grupo, esta pessoa nunca faz escolhas morais
concretamente por si. Para uma maturidade moral não é suficiente seguir aquilo
que os outros nos dizem. Mas, uma pessoa moralmente madura deve ser capaz de
perceber, escolher e identificar como agir. Ou seja, nós criamos o nosso caráter e
damos sentido às nossas vidas por meio da vivência de nossa liberdade humana, ao
não sermos cegos submissos. Não podemos alegar que somos virtuosos, de termos
um forte caráter moral ou de dar direção às nossas próprias vidas se nós agimos
simplesmente com base naquilo que nos dizem fazer. A maturidade se dá por meio
da conquista da liberdade no dia-a-dia.716
O fundamental é sempre a regra de ouro: “Não faças aos outros aquilo que
não gostarias que os outros te fizessem”. Ou seja, ponha-se no lugar dos outros.
Este é um modo prático de assegurar que não se faça exceções fáceis para si
mesmo. Você poderá fazer algo numa determinada situação se você permitir que
outras pessoas, na mesma situação, façam o mesmo.717
715 Cf. BENETOLLO, O. Il problema della formazione della coscienza retta. In: MANICARDI, E.; CAVALCOLI, G.; CASSANI, M.; BENETOLLO, O.; APPI, F.; BARZAGHI, G. La coscienza morale e l’evangelizzazione oggi: tra valori obiettivi e tecniche di persuasione. Collana “Claustrum” 11. Bologna: Studio Domenicano, 1992, p. 113-114. 716 Cf. GULA, R. M. The moral conscience. In: CURRAN, C. (edit.). Conscience…, p.58. 717 Cf. CURRAN, C. Conscience in the light of the Catholic Moral Tradition. In: CURRAN, C. (edit.). Conscience…, p.21.
273
4.4.7. A “opção fundamental” na vida do cristão
A teologia moral insistiu, durante os últimos anos, em destacar a importância
da categoria “opção fundamental” na estrutura antropológica do dinamismo moral.
Trata-se de uma opção decisiva na qual se põe em jogo a pessoa na sua totalidade,
dando uma orientação radical à sua vida. Para o cristão, a opção fundamental pode
ser identificada com a categoria da “caridade”.718
Quanto à sua profundidade, a opção fundamental implica toda a pessoa. Mas,
pode ser mudada, pois, o ser humano, por suas limitações, não pode determinar sua
vida para sempre. No seu desenvolvimento concreto, a opção fundamental não é
totalmente definitiva, porque existem casos em que se processa uma mudança,
quando, por exemplo, alguém se converte ou muda de orientação de vida. Portanto,
ela pode consolidar-se e aprofundar-se ou, também, debilitar-se e regredir.719
A opção fundamental, como orientação, expressa plenamente a
responsabilidade e a capacidade de fazer da própria vida uma resposta de amor a
Deus. A situação em que a pessoa se encontra face ao projeto de Deus, através da
opção e orientação fundamental, é o espaço ou o âmbito da graça. A graça atua e
manifesta seus efeitos na orientação de vida. Possibilita a conversão, na busca da
realização do amor.720
A opção é fundamental porque constitui o fundamento de todo o edifício
moral do sujeito. Ela é a decisão pela qual a pessoa determina livre e radicalmente
sua relação para com aquilo que a tradição agostiniana e tomista chamam de “fim
último”. Portanto, opção fundamental é a atitude humana primordial na qual a
pessoa assume o seu dado histórico-pessoal e se autodetermina face a um sentido
que, para nós cristãos, é o próprio Deus. Apresenta-se imediatamente como
respeito à dignidade de todo ser humano. Configura a personalidade através de
atitudes morais e confere à própria existência e ao agir uma orientação básica que
718 Cf. REJÓN, F. M. Teología moral desde los pobres. Madrid: Perpetuo Socorro, 1986, p. 115. 719 Cf. JUNGES, J. R. Evento Cristo e ação humana: temas fundamentais da ética teológica. São Leopoldo: UNISINOS, 2001, p. 144. 720 Ibid., p. 146.
274
inspira as decisões concretas, num contexto sociocultural e de acordo com a
evolução histórica. 721
A opção fundamental é a expressão primária da vida moral cristã. Nela, a
pessoa expressa nuclearmente o seu ethos, ou seja, o dinamismo ético de sua vida
como sujeito responsável. A opção fundamental cristã é por isso mesmo opção
pelo seguimento de Jesus, que se concretiza na realização de um leque de
renúncias (Cf. Mt 16,24-28; Lc 14,25-35) e na conformação da vida segundo a
imagem de Jesus (Cf. Rm 15,1-3; 2 Cor 8,9; Fl 2,5ss). O fiel faz esta opção por
Cristo por meio da fé (Cf. Gal 2,16), que se torna operativa somente através da
práxis do amor (Cf. Gal 5,13) sob a guia do Espírito Santo (Cf. Gal 5,25).722
Portanto, a opção fundamental cristã identifica-se com a existência cristã,
numa relação amorosa com Deus, em conformação com Cristo e sob a força do
Espírito. Ela é a verificação da experiência paulina: “Já não sou eu que vivo, pois é
Cristo que vive em mim” (Cf. Gl 2,20). Como decisão fundamental do cristão, a
opção fundamental só pode ser “orientação radical” para Deus. Ora, essa
orientação não é mais que a decisão de viver em relação de amizade com Deus, por
meio da aceitação radical de Jesus Cristo como quem nuclearmente “condiciona” a
compreensão e a realização da existência pessoal.723
Para perceber o alcance da opção fundamental, faz-se mister situar-se no
nível dinâmico da pessoa, ou seja, em sua capacidade de tomar decisões.
Caracteriza-se a vida da pessoa por ser vida “escolhida” e “vocacionada”. É isso
que indicam o substantivo “opção” e o verbo correspondente “optar”. Os dois
termos fazem parte do universo do discernimento entre diversas alternativas e da
decisão, à medida que se implica o sujeito na alternativa escolhida. Por essa
decisão fundamental é que os atos da pessoa ganham sentido. Sendo assim, pode-
se condensar o alcance antropológico da opção fundamental dizendo que ela
representa a orientação e direção de toda a vida rumo ao fim. A noção
721 Cf. VIDAL, M. Moral de opção fundamental e atitudes. São Paulo: Paulus, 1999, p. 144; p. 148-151; JUNGES, J. R. op. cit., p. 147-149. 722 Cf. VIDAL, M. op. cit, p. 146-147; ALVAREZ-VERDES, L. L’ennomia cristica come principio di flessibilità nella prassi morale: approccio ermeneutico a 1 Cor 9, 19-23. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di). La coscienza morale oggi: omaggio al prof. Domenico Capone. Roma: Academiae Alphonsianae, 1987, p. 84. 723 Cf. VIDAL, M. op. cit., p. 144-145.
275
antropológica de opção fundamental vincula-se ao sentido mais profundo da
liberdade humana.724
Trata-se de uma decisão fundamental que condiciona, como intenção básica,
todos os outros atos. É entrega totalizante de si mesma: é o “sim” ou o “não” da
pessoa. Consiste numa decisão fundamental de entrega (de fé: aceitar o outro) ou
de fechamento (fazer sua própria história, endeusamento; egoísmo; soberba). A
opção por uma ou outra direção não é sem conseqüências para todo o futuro, o
influencia de modo determinante. Não pode ser considerada simples conclusão
racional. Nela age sempre também a liberdade, o “dispor de si” que a pessoa
humana não apóia somente na razão. Em tal processo, é presente e participa de
vários modos, todo o sujeito. Não somente os seus conhecimentos, convicções e
atitudes morais (virtudes ou vícios), mas também as suas possibilidades físicas, as
atitudes psicofísicas ligadas ao caráter ou à evolução da personalidade (p.ex.,
atenção, capacidade de decisão, espírito de iniciativa, força psíquica, resistência ao
cansaço e às tentações, fantasias, etc.) e também a força condicionante das relações
sociais imediatas e as pressões ambientais, etc. 725
4.4.8. Conclusão
Cada pessoa consciente e livre, agindo numa série de escolhas, realiza seus
projetos históricos que o inserem no horizonte de uma decisão fundamental, tida
como pró ou contra Deus. Para o cristão, iluminado pela fé e animado pelo amor-
caridade, a opção fundamental, que deve estar ao fundo de todas as suas decisões
éticas, consiste crer de não poder se salvar sem Cristo, tomando este “poder se
salvar” no sentido pleno de realizar a sua vocação humana. Ela requer o ser
724 Cf. VIDAL, M. Moral de opção fundamental e atitudes. São Paulo: Paulus, 1999, p.143. 725 Id., ibid., p. 128; AUBERT, J.-M. Coscienza e legge. In: LAURET, Bernard; REFOULÉ, F. Iniziazione alla pratica della teologia. Vol. IV, Brescia: Queriniana, 1986, p. 220; PETRÀ, B. La coscienza “nello Spirito”..., p. 14-15.
276
humano como um todo: coração-alma-mente-força. E requer em cada atividade
sua, em cada relação sua, sem excluir alguma.726
Devemos temer não tanto o inferno da culpa, mas o deserto da vida sem
caridade. Pois, Deus tem um projeto de amor para o mundo e nos chama a realizá-
lo. “Se me amais observareis os meus mandamentos” (Cf. Jo 14,15); “se observais
os meus mandamentos permanecereis no meu amor” (Cf. Jo 15,10). “Se me
amais”: eis a escolha, a opção fundamental. Mas ela não tem nem pode ter lugar
outro que nas escolhas, nas opções categoriais, no observar os vários
mandamentos. Contudo, o amor ao próximo não deve ser um mandamento, por
assim dizer, imposto de fora, mas uma conseqüência resultante da fé que se torna
operativa pelo amor (Cf. Gl 5,6). Portanto, a transformação em Cristo exige que a
vontade humana busque concretamente sempre mais a vontade divina.727
A resposta humana ao amor de Deus, o encontro com este não deixa a pessoa
humana sem mudanças, imóvel, mas influencia até a sua relação mais profunda
consigo mesmo, experimentável na consciência. Por isso, a consciência deve ser
sempre movida e inspirada pelo amor. É esta a sua vocação fundamental, enquanto
núcleo central e íntimo da pessoa. E esta deve ser também a sua “opção
fundamental”, que determina todas as outras.728
726 Cf. BORGHI, E.; BUZZI, F. La coscienza di essere umani: percorsi biblici e filosofici per un agire ético..., p. 112; AUBERT, J.-M. Coscienza e legge..., p. 221; GIOVANNI, A. L’opzione fondamentale nella Bibbia. In: ASSOCIAZIONE BIBLICA ITALIANA. Fondamenti biblici della teologia morale: atti della XXII Settimana Biblica. Brescia: Paideia, 1973, p. 69. 727 Cf. BENTO XVI. Carta Encíclica Deus Caritas Est. São Paulo: Paulinas, 2006, n. 28 a, p. 59; GIOVANNI, A. L’opzione fondamentale nella Bibbia. In: ASSOCIAZIONE BIBLICA ITALIANA. Fondamenti biblici della teologia morale: atti della XXII Settimana Biblica..., p. 73; SVANERA, O. La formazione della coscienza nella Chiesa. Credere oggi, ano XXII, n. 2, vol. 128, 2002, n. 40, p. 112; MAZZOCATO, G. Senso di colpa e pentimento. Servitium. n. 137, 2001, p. 79; ROCCA, G. Coscienza, libertà e morale: risposte ai giovani e agli educatori. 4. e. Roma: Città Nuova, 2000. p. 46; PETRÀ, B. La coscienza “nello Spirito”: per una comprensione cristiana della coscienza morale. Milano: O. R. Edizioni, 1993, p. 72. 728 Cf. CASSANI, M. La coscienza morale nella riflessione teologica contemporanea. In: MANICARDI, E.; CAVALCOLI, G.; CASSANI, M.; BENETOLLO, O.; APPI, F.; BARZAGHI, G. La coscienza morale e l’evangelizzazione oggi..., p. 104; RÖMELT, J. La coscienza: un conflitto delle interpretazioni. Roma: Academiae Alphonsianae, 2001. p. 124; MOLINARO, A. Libertà e coscienza: saggi etica filosofica e teologica. Roma: PUL/Città Nuova, 1977, p. 138.
277
4.5. Desafios atuais para a consciência moral
4.5.1. Introdução
A experiência ética mais original e legítima da consciência é o fato de
deixar-se interpelar. Isso acontece quando a vontade de Deus, o rosto de uma
pessoa, uma determinada situação interpelam a consciência a sair de si e a fazer
algo para responder ao apelo de Deus, para defender e promover a dignidade do
outro ou para transformar uma situação injusta. O que interpela é a vontade de
Deus ou o valor moral que lateja no rosto do outro ou na realidade a ser
transformada e que exige ser realizado. Trata-se de deixar-se tocar pela situação do
outro ou de solidarizar-se com ele. Pois, a emergência da consciência moral está
intimamente ligada à emergência da alteridade. A consciência moral é, antes de
mais nada, lugar de interpelação.729
Neste sentido, não se pode responder à questão da salvação prescindindo-se
da historicidade e da natureza social do homem. É na história que ele deve realizar
sua salvação, à medida em que a encontra ofertada na história e nela a acolhe. Um
diálogo com o mundo pós-cristão pressupõe da parte da Igreja, do cristianismo em
geral, contato em nível sociológico com a realidade do mundo em evolução e uma
reflexão teológica aberta e corajosa, que saiba ler e interpretar o fenômeno
chamado “sinais dos tempos”.730
Ler os “sinais dos tempos” significa entrar em contato com a problemática da
historicidade do ser humano, assumir os valores das realidades terrestres, para
possibilitar um autêntico diálogo entre a religião e o mundo. Como a Igreja é o
lugar teológico da verdade “presente” do Evangelho, ela deve buscar sempre o
testemunho da economia da salvação inserida na história. O tempo lhe oferece
729 JUNGES, J. R. Evento Cristo e ação humana. São Leopoldo: UNISINOS, 2001, p. 166. 730 RAHNER, Karl. Curso fundamental da fé. São Paulo: Paulus, 2. e., 1989, p. 56-57; CHENU, M.-D. Realidade terrestre e mundo do trabalho. In: V.V. A. A. Deus está morto? Religião e ateísmo num mundo em mutação, Petrópolis: Vozes, 1970, p. 57.
278
“sinais” da expectativa atual do Messias, sinais da coerência do Evangelho com a
esperança do mundo.731
Foi o Papa João XXIII, sobretudo na Encíclica Pacem in terris, a chamar a
atenção da importância desta perspectiva. É esta entre as mais caras à práxis cristã,
depois do Vaticano II. Como afirma a Gaudium et spes, n. 4, “A Igreja, a todo
momento, tem o dever de perscrutar os sinais dos tempos e interpretá-los à luz do
Evangelho, de tal modo que possa responder, de maneira adaptada a cada geração, às
interrogações eternas sobre o significado da vida presente e futura e de suas relações
mútuas”.732
Os sinais dos tempos são mesmo recobertos pela ambigüidade e contradição,
porque na história fica sempre presente como ameaça e risco o pecado. Daí a
necessidade de interpretar corretamente à luz do Evangelho os diversos
acontecimentos que indicam a direção da vida pessoal e também comunitária. É
preciso também evidenciar e valorizar com empenho os conteúdos que trazem
esperança.733
Como sinais dos tempos, trazemos a seguir, alguns desafios para a vivência
de uma consciência moral cristã, face à realidade do mundo contemporâneo.
4.5.2. Consciência e justiça social
Podemos criar uma sociedade, um mundo mais justo, mas nem sempre
queremos e não o fazemos apesar dos apelos e instrumentos ao nosso alcance. À
medida que, pela omissão ou indiferença, pelo conformismo ou covardia, nos
rendemos a esta situação ou com ela tacitamente pactuamos, nos tornamos co-
responsáveis dessa injustiça que oprime e provoca violências. A América Latina
731 CHENU, M.-D. Realidade terrestre e mundo do trabalho. In: V.V. A. A. Deus está morto? Religião e ateísmo num mundo em mutação, Petrópolis: Vozes, 1970, p. 58; 67. 732 Cf. Constituição pastoral Gaudium et spes, n. 4 e 11. In: CONCILIO ECUMÊNICO VATICANO II. Compêndio do Vaticano II: Constituições, Decretos e Declarações (Organizado por VIER, F.; KLOPPENBURG, B.). 25. ed. Petrópolis: Vozes, 1996; ; Carta encíclica Pacem in terris, n. 39-45; 75-79; 125-128 e 141-144. In: JOÃO XXIII. Documentos de João XXIII (1958-1963). Coleção Documentos da Igreja. São Paulo: Paulus, 1998; MAJORANO, S. La coscienza: per uma lettura cristiana. Milano: San Paolo, 1994, p. 158-159; BACH, J. M. Consciência e identidade moral. Petrópolis: Vozes, 1985, p. 107 e 161. 733 Cf. MAJORANO, S. La coscienza: per uma lettura cristiana. Milano: San Paolo, 1994, p. 160-161.
279
tem hoje, ao lado de uma faixa modernizante da população, uma imensa maioria
que vive em um contexto pré-moderno de analfabetismo e ignorância, pobreza,
falta de saúde, desemprego e fome. Estes fenômenos encontram suas causas
profundas e estruturais na inaceitável estratificação de nossa sociedade,
conseqüência em parte do próprio modelo de modernização vigente entre nós. Esta
foi uma das temáticas centrais tanto em Medellín quanto em Puebla.734
A realização do Reino está necessariamente relacionada com a luta contra a
injustiça. Por isso, a Igreja precisa marcar sua presença e atuação profética de
acordo com opções evangélicas dentro dessa situação de gritante injustiça social,
oferecendo seu serviço e sua efetiva participação na transformação da sociedade
pelo bem dos empobrecidos e excluídos.735
Como afirma o Papa Bento XVI, na Encíclica Deus caritas est, n. 28:
A Igreja não pode nem deve tomar nas suas próprias mãos a batalha política
para realizar a sociedade mais justa possível. Não pode, nem deve colocar-se no lugar do Estado. Mas também não pode, nem deve ficar à margem na luta pela justiça. Deve inserir-se nela pela via da argumentação racional e deve despertar as forças espirituais, sem as quais a justiça, que sempre requer renúncias também, não poderá afirmar-se, nem prosperar. A sociedade justa não pode ser obra da Igreja; deve ser realizada pela política. Mas toca à Igreja, e profundamente, o empenhar-se pela justiça trabalhando para a abertura da inteligência e da vontade às exigências do bem.736
O ponto de partida deve ser a pessoa humana mutilada, oprimida, excluída
por uma situação gritante de injustiça, fruto de um sistema sócio-econômico e
político-cultural que concentra a riqueza nas mãos de poucos. A luta deve ser não
apenas contra a dor, o sofrimento, o fracasso e a morte, mas contra as forças do
mal que penetram nos corações e produzem no mundo de hoje sempre novas
formas de escravidão, exploração, falsidade e violência.737
A pobreza é um fator desumanizador, tanto do indivíduo como da família e
do grupo social. Por isso, João Paulo II, na Encíclica Redemptor hominis, n. 8,
constata que a nossa realidade, o mundo da nova época, “o mundo dos vôos
734 Cf. AZEVEDO, M. Entroncamentos e entrechoques... São Paulo: Loyola, 1991, p. 63 e 77. 735 Cf. SOBRINO, J. Cristologia a partir da América Latina. Petrópolis: Vozes, 1983, p. 144; SOUZA, N. Evolução histórica para uma análise da pós-modernidade. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.) Teologia na pós-modernidade – abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática. Paulinas: São Paulo, p. 138-139. 736 Cf. BENTO XVI. Carta Encíclica Deus Caritas Est. São Paulo: Paulinas, 2006, n. 28 a, p. 49-50. 737 Cf. MOSER, A.; LEERS, B. Teologia Moral: Impasses e Alternativas. Coleção Teologia e Libertação. 3. e., Petrópolis: Vozes, 1996, p. 177.
280
cósmicos, o mundo das conquistas científicas e técnicas, jamais alcançadas
anteriormente” é um mundo que geme e sofre. Mas, a Modernidade parece ignorar
as grandes maiorias empobrecidas.738
O inimigo contra o qual precisamos hoje combater, no continente latino-
americano, não é o ateísmo e o problema do “não-Deus”. Mas aquele ainda mais
elementar, o problema do “não-homem”. Por outro lado, a ciência hoje dispõe de
um conceito limitado da vida humana, apenas no sentido biológico, reduzindo-o a
uma visão funcional dos órgãos. Dessa forma, o ser humano passou a ser
concebido simplesmente como matéria-prima, como um produto biológico
manipulável. A visão que se tem hoje é de que a dignidade da vida não é mais
inviolável. Daí, a missão da Igreja em mostrar que ser pessoa é um mistério que
todos devem respeitar na sua transcendência.739
Toda forma de violência contra o ser humano e de dominação abusiva contra
as demais criaturas é um tipo de injustiça. Neste sentido, somos confrontados com
dois tipos de injustiças: a social e a ambiental. A injustiça social afeta diretamente
as pessoas e as instituições sociais. A injustiça ambiental as afeta indiretamente,
mas com conseqüências perversas imediatas, já que a deterioração da qualidade de
vida ambiental gera tensões sociais, violência, enfermidades, desnutrição e até a
morte. Um mínimo de justiça ambiental é imprescindível para haver uma justiça
social mínima. No entanto, não há nada de mais antiecológico e que ecoe tão forte
em nossos ouvidos do que o grito da miséria, da fome e da pobreza humana.740
738 Cf. JOÃO PAULO II. Encíclica Redemptor hominis. São Paulo: Loyola, 1979, n. 8; DUSSEL, E. Caminhos da libertação latino-americana. São Paulo: Paulinas, 1989, p. 59; VIDAL, M. La solidaridad: nueva frontera de la teologia moral. Studia moralia. Roma, vol. I, n. 23, p. 106. 739 Cf. SANNA, I. L’antropologia della postmodernità e la coscienza cristiana. Studia moralia, Roma, n. 40, 2002, p. 335. 740 Cf. ARAUJO, J. W. C. Exigências éticas de uma co-responsabilidade com a criação – uma proposta de ética ecológica. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2001, p. 74 e 91; PEGORARO, O. A. Ética e justiça. Petrópolis: Vozes, 1995, p. 127.
281
4.5.3.
Consciência e crise ecológica∗ O debate sobre a agressão ao meio ambiente é uma questão ética
fundamental nos dias de hoje. Como afirma B. Häring:
A ecologia é inserida no âmbito dos grandes problemas da humanidade. E os cristãos devem sentir-se diretamente responsáveis em relação ao futuro das gerações vencendo esta autêntica batalha em curso contra o ambiente. Não pode existir uma paz entre os homens se estes não vivem em paz com toda a criação, e vice-versa.741 Por trás de nossos problemas ambientais, não estão apenas a ação de
poluidores ou a falta de consciência ambiental. Estão também atitudes e valores de
quem julga natural explorar o meio-ambiente e os nossos semelhantes somente
para acumular lucros crescentes, sem se importar com as agressões ambientais e os
problemas sociais que gera. Ou seja, atrás de cada agressão à natureza, estão
interesses socioeconômicos, como reflexos da injustiça e da desarmonia das
relações entre os indivíduos da própria espécie. Portanto, a atual relação de nossa
espécie com a natureza é apenas um reflexo do estágio de desenvolvimento das
relações humanas. Não existe coerência em quem ama os animais e as plantas, mas
explora, humilha e discrimina os semelhantes.742
A crise ecológica aponta para a decadência do atual paradigma de
intervenção no meio ambiente e de convivência entre os seres humanos e destes
com a natureza. A situação de fome, pobreza e injustiça de multidões de seres
humanos é a face social da crise ecológica. Trata-se de uma crise de civilização, de
valores e das relações humanas entre as pessoas, os povos, e das relações entre
estes com a natureza. Ela não diz respeito apenas às várias formas de poluição,
∗ Para maior elucidação do tema, ver: ARAUJO, J. W. C. Exigências éticas de uma co-responsabilidade com a criação... Dissertação de Mestrado, PUC-Rio, 2001, 130 p. Veja também do mesmo autor: Por uma nova ética. Revista Eclesiástica Brasileira. Petrópolis, 2004, p. 128-140; Criação: sacramento de Deus. Grande Sinal. Petrópolis, 2002/4, jul.-ag., p. 423-437; Francisco de Assis e as criaturas. Grande Sinal. Petrópolis, 2003/3, p. 271-277. 741 Cf. HÄRING, B. Mi experiencia con la Iglesia. Madrid: PS Edit., 1990, p. 186. 742 Cf. BERNA, V. S. D. Pensamento ecológico: reflexões, críticas sobre meio ambiente, desenvolvimento sustentável e responsabilidade social. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 17-21 e 25-26.
282
nem mostra apenas o fracasso das relações seres humanos - criação, mas o fracasso
dos sistemas econômicos, políticos e sociais vigentes. O estilo de desenvolvimento
atual se caracteriza por não reconhecer na natureza valores que não sejam os que
sirvam ao ser humano. Coloca-se a ênfase na utilidade que determinados recursos
podem ter ou não.743
O que nós temos feito com a natureza é uma demonstração clara de um
domínio irresponsável e de uma arrogância e orgulho que se colocam no extremo
oposto do que significa ser imagem de Deus. O domínio depredador, abusivo,
meramente instrumentalizador do mundo, não constitui uma administração
responsável. O progresso obtido tem beneficiado somente a uma minoria em
detrimento da maioria. Um progresso de tipo mecanicista e tecnocrático que
ameaça a sobrevivência mesma da espécie humana. Trata-se de uma sociedade na
qual o ser humano é visto essencialmente como um ser de necessidades que devem
ser satisfeitas e, por isso, um ser de consumo que prima pela valorização do
provisório e do descartável. Se quisermos frear a destruição da natureza, teremos
que modificar as relações econômicas e sociais da sociedade humana.744
Como afirma Häring: O ser humano cientifico, tecnológico dos dias de hoje é o mais hábil manipulador da natureza. Enquanto acumula um enorme capital monetário e constrói sempre novos maquinários industriais e novas auto-estradas, ele esquece de administrar sabiamente o que lhe é fornecido pela natureza... Por outro lado, a exploração bárbara dos recursos indispensáveis e não renováveis acontece da mesma forma que a exploração de um ser humano pelo outro. E assim, o mundo industrial moderno supera o limite de tolerância da natureza e da subsistência humana. Explora a natureza de uma maneira tal que bloqueia o caminho em direção a um futuro vivível pela humanidade.745
743 Cf. ARAUJO, J. W. C. Exigências éticas de uma co-responsabilidade com a criação – uma proposta de ética ecológica. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2001, p. 74-76 e 79; JUNGES, J. R. Ética ecológica: antropocentrismo ou biocentrismo? Perspectiva Teológica , Belo Horizonte, n. 89, jan. / abr. – 2001, p. 48; MOSER, A. Teologia moral – desafios atuais. Ed. Vozes, Petrópolis, 1991, p. 153; Id. A ecologia a partir de uma perspectiva ética. In: BEOZZO, J. O. (Org.). Vida, clamor e esperança. São Paulo: Loyola, 1992, p. 250; REGIDOR, J. R. Ressarcir os povos e a natureza – em busca de uma reconversão sócio-ecológica da sociedade. Revista Eclesiástica Brasileira, Petrópolis, n. 52, fasc. 205, março de 1992, p. 39; TORRE, M. A. Ecología y moral – la irrupción de la instancia ecológica en la ética de Occidente. Bilbao: Desclée de Brower, 1993, p. 25- 38. 744 Cf. ARAUJO, J. W. C., op. cit., p. 80-81; SIQUEIRA, J. C. Ética e meio ambiente. São Paulo: Loyola, 1998, p. 20; BERNA, V. S. D. Pensamento ecológico: reflexões, críticas sobre meio ambiente, desenvolvimento sustentável e responsabilidade social. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 12; RUBIO, A. G. Unidade na Pluralidade. São Paulo: Paulinas, 1989, p. 452; MOLTMANN, Jurgen. Deus na criação: doutrina ecológica da criação. Petrópolis: Vozes, 1993, p. 47. 745 Cf. HÄRING, B. Livres e fiéis em Cristo: teologia moral para sacerdotes e leigos. Vol. III. São Paulo: Paulinas, 1984, p. 169.
283
Nada vive isolado na natureza. Assim como exercemos influência sobre o
meio, somos influenciados por ele. Um ser depende do outro para sobreviver.
Para o conjunto de vida do planeta, não existem seres mais ou menos
importantes. O que realmente importa é a rede de relações mantidas por todos
os seres vivos entre si e com o meio em que vivem. Rompida esta "teia", ou
diminuída em sua capacidade, a vida corre perigo. Portanto, o ser humano é
mais um membro do ecossistema global, um cidadão do planeta. As outras
criaturas possuem também um “valor reconhecível”, em função do “todo biótico”.
Ele ocupa o cume da pirâmide do real, mas os demais seres ostentam também um
valor próprio.746
Cada pessoa é plasmada nas mãos de Deus, pela argila da história e recebe
um sopro divino. Por outro lado, a realidade humana é “existência-com” seus
semelhantes humanos, vegetais e animais e com toda a natureza. Se nós somos
seres-no-mundo, integrados na realidade global que nos rodeia, a deterioração do
entorno natural afeta gravemente a nossa estrutura pessoal. Somos um ser de
relações ilimitadas, juntamente com outros no mesmo mundo e no mesmo Cosmos;
somente nos realizamos na medida em que somos “para os outros”, saímos de nós
mesmos e nos relacionamos com os demais.747
Por isso, o ser humano vive eticamente quando renuncia estar sobre os outros
para estar junto com os outros. Quando se faz capaz de entender as exigências do
equilíbrio ecológico e quando, em nome do equilíbrio, impõe limites a seus
próprios desejos. O ser humano é ético somente enquanto a vida, como tal, é
746 Cf. ARAUJO, J. W. C. Exigências éticas de uma co-responsabilidade com a criação – uma proposta de ética ecológica. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2001, p. 93; TORRE, M. A. Ecología y mora – la irrupción de la instancia ecológica en la ética de Occidente. Bilbao: Desclée de Brower, 1993, p. 94; PEÑA, J. L. R. de la. Teologia da criação. Ed. Loyola, São Paulo, 1989, p. 175 – 177; SOSA, N. M. Ecología e ética. In: VIDAL, Marciano. Ética teológica – conceitos fundamentais. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 789; BERNA, V. S. D. Pensamento ecológico: reflexões, críticas sobre meio ambiente, desenvolvimento sustentável e responsabilidade social. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 25. 747 Cf. ARAUJO, J. W. C. op. cit., p. 94; PEGORARO, O. A. Ética e justiça. Petrópolis: Vozes, 1995, p. 126; JUNGES, J. R. Ética ecológica: antropocentrismo ou biocentrismo? Perspectiva Teológica , Belo Horizonte, n. 89, jan. / abr. – 2001, p. 52; PETRÀ, B. La coscienza “nello Spirito”. Milano: O. R. Edizioni, 1993, p. 29.
284
sagrada para ele, a das plantas e a dos animais tanto quanto a dos seus
companheiros e enquanto se devota a toda forma de vida que necessita de ajuda.748
4.5.4. O desafio do individualismo e das suas manipulações
Na cultura moderno-contemporânea, há uma centralidade do indivíduo,
considerada como sujeito de direitos, decisões e ações. O indivíduo é visto com a
sua inteligibilidade e legitimação sem necessária referência ao grupo ou
dependência dele. Há, pois, uma ênfase sobre a formação da consciência individual
e a responsabilidade pessoal. Mas, o contraste entre atitudes e interesses
individuais pode levar à competitividade, à falta de solidariedade, no contexto da
“ideologia do individualismo”.749
Além disso, o ser humano é um ser manipulável, sendo que as principais
formas manipuladoras são: manipulação da cultura, da arte, da educação e de todos
os processos culturais; manipulação da comunicação social, opinião pública,
propaganda e publicidade; manipulação social em suas várias vertentes:
econômica, política e ideológica e manipulação da atitude religiosa. Todas estas
formas se unificam na elaboração de um “tipo de homem” que melhor se acomode
para os fins que o manipulador persegue. No contexto contemporâneo, a forma
privilegiada de manipulação é a de caráter social. A “unidimensionalidade”
socialmente manipulada vem a ser o núcleo originário de todas as forças
manipuladoras do ser humano atual. A consciência moral manipulada é uma
consciência acrítica ou heterônoma, seu centro de decisão está fora dela mesma. A
formação moral é o pressuposto indispensável para imunizar a consciência frente
aos ataques manipuladores.750
Ao mesmo tempo, o pecado maior e mais comum hoje talvez seja o de que,
mesmo podendo conhecer a Deus, as pessoas não querem adorar a Deus como
Deus e não reconhecem isso. Neste sentido, há algo de desconcertante na
748 Cf. ARAUJO, J. W. C. op. cit., p. 74-75; SOBRINHO, J. Vasconcelos. Catecismo da Ecologia. 3. e., Petrópolis: Vozes, 1982, p. 133. 749 Cf. AZEVEDO, M. Entroncamentos e entrechoques. São Paulo: Loyola, 1991, p. 106. 750 Cf. VIDAL, M. El discernimiento etico: hacia una estimativa moral cristiana. Madrid: Cristiandad. 1980, p. 111-113; 118-121.
285
existência humana, pois, mesmo desejando o bem, eis que buscamos praticar o mal
(Cf. Rm 7, 25; 12, 17.21; 1 Cor 10,6). Há uma preferência pela auto-suficiência,
uma rejeição ao diálogo com Deus e com os irmãos e uma deturpação do
relacionamento com a própria natureza. No nosso orgulho, quereremos uma
autonomia total, viramos as costas para Deus, até cairmos em si e nos
descobrirmos impotentes, indigentes, desamparados, nus (cf. Gn 3), enfim
entregues às próprias fraquezas.751
O individualismo surge antes de tudo da falta de vontade de conversão e da
resistência contra a renovação da vida eclesial e social. Ele não somente diminui a
dignidade da consciência pessoal, como também cria estruturas pecaminosas. E
ninguém é imune da contaminação que irrompe das estruturas e condições sociais e
culturais corrompidas. É sempre mais difícil a conversão individual do coração sob
as pressões de um universo envolvente que não se converte. Os vincos ideológicos
e a manipulação da informação em macroescala debilitam e deformam, quando não
totalmente anestesiam a consciência do indivíduo. Daí a necessidade de se buscar
uma firme decisão na solidariedade da salvação.752
Diante do outro, ninguém pode ficar indiferente. Tem que tomar posição.
Mesmo não tomando posição, silenciando e mostrando-se indiferente, isto já é uma
posição. Pode fechar-se ou abrir-se ao outro, pode querer dominar o outro, pode
entrar numa aliança com ele, pode negar o outro como alteridade, não o
respeitando, mas incorporando-o, submetendo-o ou, simplesmente, destruindo-o. E
a nossa conversão significa abrir os olhos da consciência para as diversas situações
de privações pelas quais passam muitos de nossos irmãos.753
Numa época em que o individualismo e a mentalidade de “cada um por si”
crescem na medida em que crescem as posses e o status social, também o
751 Cf. PETRÀ, B. La coscienza “nello Spirito”: per una comprensione cristiana della coscienza morale. Milano: O. R. Edizioni, 1993, p. 36; VIDAL, M. Moral de opção fundamental e atitudes. São Paulo: Paulus, 1999, p. 151-152; HÄRING, B. La legge naturale nella luce della legge di Cristo iscritta nei cuori.. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di). La coscienza morale oggi: omaggio al prof. Domenico Capone. Roma: Academiae Alphonsianae, 1987, p. 284; AGOSTINI, N. Ética Cristã e desafios atuais. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 127-133. 752 Cf. HÄRING, B. La legge naturale nella luce della legge di Cristo. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di). La coscienza morale oggi: omaggio al prof. Domenico Capone. Roma: Academiae Alphonsianae, 1987, p. 291; AZEVEDO, M. Entroncamentos e entrechoques – vivendo a fé em um mundo plural. São Paulo: Loyola, 1991, 232 p., p. 59-60. 753 Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Roteiro para as celebrações da Quaresma e Tríduo Pascal 2003. Brasília: Scala, 2003, p. 14.
286
compromisso corre o perigo de definhar-se num espiritualismo egocêntrico e
estéril. Tal egoísmo fechado forma uma contradição flagrante com o compromisso
de Jesus com seu Pai, dedicando sua vida ao serviço dos irmãos e libertando-os de
todos os males.754
A pergunta do Senhor “que fizeste?”, à qual Caim não se pode esquivar (Cf.
Gn 4), é dirigida também a nós hoje, para que tomemos consciência da amplitude e
gravidade dos atentados à vida que continuam a registrar-se na história da
humanidade. É preciso que tomemos consciência das múltiplas causas que geram e
alimentam estes atentados a fim de refletirmos com extrema seriedade sobre as
conseqüências que derivam para a existência das pessoas e dos povos.755
A mentalidade individualista e utilitarista obscurece a solidariedade e a
gratuidade. Reforçada pelo consumismo, pela busca do prazer hedonista, essa
mentalidade se torna dificilmente permeável ao Evangelho. E assim, o ser humano
entregue à própria sorte padece as conseqüências do pecado como estrutura pessoal
e social, provocando sofrimento, opressão, morte e ficando impedido de realizar a
vocação de amor para a qual Deus o chamou.756
Como afirma João Paulo II, na Encíclica Evangelium vitae, n. 10:
Como não pensar na violência causada à vida de milhões de seres humanos, especialmente crianças, constrangidos à miséria, à subnutrição e à fome, por causa da iníqua distribuição das riquezas entre os povos e entre as classes sociais? Ou na violência inerente às guerras, e ainda antes delas, ao escandaloso comércio de armas, que favorece o torvelinho de tantos conflitos armados que ensangüentam o mundo? Ou então na sementeira de morte que se provoca coma imprudente alteração dos equilíbrios ecológicos, com a criminosa difusão da droga, ou com a promoção do uso da sexualidade segundo modelos que, além de serem moralmente inaceitáveis, acarretam ainda graves riscos para a vida? É impossível registrar de modo completo a vasta gama das ameaças à vida humana, tantas são as formas, abertas ou camufladas, de que se revestem no nosso tempo!757
754 Cf. MOSER, A.; LEERS, B. Teologia Moral: Impasses e Alternativas. Coleção Teologia e Libertação. 3. e., Petrópolis: Vozes, 1996, p. 184-185. 755 Cf. JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Evangelium vitae, São Paulo: Paulinas, 1995, n.10. 756 Cf. JUNGES, J. R. Evento Cristo e ação humana – temas fundamentais de ética teológica. São Leopoldo: Unisinos, 2001, p. 97; MOSER, A. Moral e cultura: entre o diálogo e o etnocentrismo. In: ANJOS, M. F. (Coord.) Teologia moral e cultura. Aparecida: Santuário,1992, p. 77. 757 Cf. JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Evangelium vitae, São Paulo: Paulinas, 1995, n. 10.
287
4.5.5. Consciência e Evangelização
Evangelizar é primeiramente ajudar a pessoa ou a sociedade a pôr-se no
caminho do encontro profundo consigo, com o próximo, com a natureza e com
Deus. A evangelização confere ao fiel uma nova e mais profunda consciência de
si, da própria identidade e vocação centradas em Cristo. Mostrando-lhe o
indicativo da sua salvação, confere novo significado e novas dimensões também ao
imperativo do seu agir moral.758
A evangelização põe a pessoa humana frente a Cristo, apresentado e
proposto como pessoa por excelência, o protótipo de toda a humanidade. Um
modelo que com as suas palavras e, sobretudo com os seus gestos e atitudes,
provoca, questiona, faz refletir. E que se acolhido na fé exige do fiel e
incessantemente o força a buscar uma conversão e santificação.759
Hoje, a vida eclesial é tomada por um número significativo de “pertencentes
parciais”. Daí, a necessidade de uma nova evangelização, com o objetivo de se
alcançar uma maior maturidade das consciências cristãs, tornando os conteúdos do
Evangelho mais eficazes. O problema não é simplesmente o de se enfatizar o
conhecimento das leis morais. Aquilo que se torna sempre mais indispensável é o
efetivo resplandecer das consciências, tendo em vista o centro pascoal do anúncio
cristão. Pois, o compromisso dos cristãos encontra a sua forma real no fazer o que
Jesus fez. Mas, o compromisso depende da maturidade de cada um, conforme os
parâmetros de sua responsabilidade e força de decisão. 760
A evangelização conscientizadora implica numa ação evangelizadora que
propicie o despertar do ser humano para um nível crítico e responsável, criativo e
aberto, sempre pronto a redescobrir o seu lugar e o sentido dos acontecimentos.
Isto requer um engajamento lúcido a favor da vida, fazendo da opção pelos pobres
758 Cf. CASSANI, M. La coscienza morale nella riflessione teologica contemporanea. In: MANICARDI, E.; CAVALCOLI, G.; CASSANI, M.; BENETOLLO, O.; APPI, F.; BARZAGHI, G. La coscienza morale e l’evangelizzazione oggi: tra valori boiettivi e tecniche di persuasione. Collana “Claustrum” 11. Bologna: Studio Domenicano, 1992, p. 111; AZEVEDO, M. Entroncamentos e entrechoques. São Paulo: Loyola, 1991, p. 84. 759 Cf. CASSANI, M. op. cit., p. 112. 760 Cf. MANICARDI, E. Legge, coscienza e grazia nell’insegnamento paolino. MANICARDI, E.; CAVALCOLI, G.; CASSANI, M.; BENETOLLO, O.; APPI, F.; BARZAGHI, G. op. cit., p. 46; MOSER, A.; LEERS, B. Teologia Moral.., p. 186 e 192.
288
ao mesmo tempo seu desafio primordial e a condição de sua conversão. No
entanto, esta opção, que funde seus valores no Evangelho, deve ser interpretada
como uma opção preferencial, porém não exclusiva, nem excludente, entendendo
os pobres como um grupo humano ministerial, não como uma classe social em
luta, nem como uma Igreja paralela.761
4.5.6. A relação entre fé, moral e secularização
A Pós-modernidade pôs em crise não somente a fé, coisa que já havia feito a
Modernidade, mas também a razão. Desta maneira, os princípios morais ficam na
arbitrariedade de cada um. E assim, as preferências e/ou os sentimentos se
convertem em referentes éticos, quebrando o universalismo da ética. Com isso, o
mais forte se impõe, o vulnerável sofre, o liberalismo econômico selvagem impera.
No contexto contemporâneo, a fé se torna cada vez mais fluida, intimista,
finalizada pelo eu, como atesta a atração pelas técnicas de meditação espiritual
vindas do Oriente, pelas culturas para-religiosas e esotéricas da Nova Era.
Sincretismo mais ou menos narcisista de um lado, extremista e dogmático de
outro.762
Há uma perda de sentido da síntese e do mistério e, além disso, também uma
perda do sentido de pecado. Neste mundo secularizado, a fé não tem mais uma
sustentação sólida, como no passado onde havia um consenso social em relação à
vivência dos valores cristãos. Hoje, a fé é minada pela indiferença, pela
mentalidade científica, por uma cultura que muitas vezes rejeita a dimensão
religiosa. Por isso, mais do que nunca, hoje a fé precisa ser cuidadosamente
cultivada, sempre novamente redescoberta.763
761 Cf. VIDAL, M. La solidaridad: nueva frontera de la teologia moral. Studia moralia. Roma, vol. I, n. 23, p. 124; AGOSTINI, N. Nova evangelização e opção comunitária: conscientização e movimentos populares. Petrópolis: Vozes, 1990, p. 21-40; Id. Ética cristã e desafios atuais. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 108; Id., 762 Cf. CARRERA, J. C. Em busca del Reino – una moral para o Novo Milênio. Barcelona: Cristianisme i Justicia, 2000, p. 29; LIPOVETSKY, G. A era do vazio – ensaios sobre o individualismo contemporâneo. Barueri: Manole, 2005, p. 195. 763 Cf. HÄRING, B . Etica cristiana in un’epoca di secolarizzazione. Roma: Paoline, 1974. p. 24; GATTI, G. Confessione ed educazione morale. Corso sul Foro Interno. Tribunale della Penitenzieria Apostolica. Roma, 2005, p. 8.
289
A vida cristã constitui um todo unitário. O que dá corpo a esta unidade é a
dimensão religiosa. Religião é o diálogo com Deus, como uma resposta a Ele. Na
revelação cristã, Jesus Cristo é a expressão concreta de Deus Pai, no seu amor para
com a humanidade. O diálogo entre Deus e as pessoas acontece por meio de Jesus,
porque ele é a mensagem do amor eterno de Deus, e em virtude de sua
humanidade, a resposta a este amor. A pessoa humana é capaz de dialogar com
Deus porque criada à Sua imagem e semelhança é aberta à comunicação de Deus e,
ao mesmo tempo, tem a capacidade de responder, por meio dos dons do Espírito
Santo. Mas, quando se esquece de Deus, quando se cancela em si a necessidade e o
sentido de Deus, então a cidade terrestre se torna um gigantesco bezerro de ouro:
uma nova e terrível divindade que impõe à pessoa humana o sacrifício da própria
dignidade. Frente à falta de consciência do pecado, um moralismo superficial é
absolutamente insuficiente. Por isso, é preciso lançar com mais profundidade e
clareza os valores cristãos.764
Bernhard Häring enfatiza uma ética do seguimento, na qual o seguidor de
Cristo não se dá a si mesmo a norma de seu agir (autonomia pura), já que esta
norma brilha na pessoa do Mestre a quem segue. Por outro lado, em relação a Deus
e a Cristo, não há nenhum tipo de heteronomia. Esta é a falsa interpretação dada
pelo deísmo. Para a compreensão correta dialógica da experiência religiosa, Deus
não é um heteros (estranho) senão Aquele que está no mais íntimo da pessoa.
Superando as limitações da heteronomia e da autonomia, a ética do seguimento se
concretiza positivamente na “obediência amorosa” e no “amor obediente”.765
Porém, para Häring, este seguimento não deve ser entendido simplesmente
como princípio moral, como uma idéia. Porque se trata de uma experiência de fé.
A ética cristã é uma ética mística, que se concretiza por meio da fé. É uma ética de
resposta, de responsabilidade e testemunho, não de leis com suas aplicações. Pois,
o Evangelho não é um “código” de prescrições concretas para todas as situações da
764 Cf. HÄRING, B. Etica cristiana in un’epoca di secolarizzazione. Roma: Paoline, 1974. p. 25; Id. Problemi attuali di teologia morale e pastorale. Vol. I, Roma: Paoline, 1965, p. 413; VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. Estudios eclesiásticos, vol. 74, jul-sep. 1999, p. 465; VALLATE, M. “The inner voice”: a study of conscience in Bernhard Häring and Mahatma Gandhi. Dissertatio ad doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 2000, p. 56. 765 Cf. VIDAL, M. op. cit., p. 467.
290
vida humana, mas acontecimento de salvação que investe a pessoa humana para a
sua responsabilidade.766
A fé é o elemento primeiro e principal que dá frutos no amor e na justiça. Por
isso, a moral não pode colocar-se à margem da dogmática. Ela nasce e recebe o seu
vigor da fé. Portanto, a espiritualidade não é alheia ao projeto moral da vida cristã.
Para a meta da realização humana como filhos e filhas de Deus convergem
espiritualidade e moral num empenho comum. A moral como reflexão e práxis, se
vincula ao mistério salvífico amoroso de Deus em Cristo, e deixa de ser uma
realidade de caráter jurídico.767
A fé é uma relação dialógica, responsorial, entre Deus e o ser humano. A
moral cristã se baseia na fé, pela qual o ser humano é justificado. Mediante a nossa
aceitação da verdade salvífica e a nossa total resposta no abandono a Deus, a fé
traz frutos na justiça e no amor. Por isso, a religião deve tornar-se a experiência
vital da presença de Deus pelas pessoas de hoje, uma mensagem comunicada e
referida a estas pessoas, na linguagem segundo esquemas de comportamento
atuais.768
4.5.7. Conclusão
Frente a toda essa situação, é preciso que busquemos mudanças em prol de
uma relação mais harmônica e menos predatória e poluidora com o planeta. Em
especial, estas mudanças começam por meio de dois movimentos distintos: um em
direção a nosso íntimo, com a adoção de novos hábitos, comportamentos, atitudes
e valores; e outro visando à sociedade em torno de nós, a partir da busca da união
766 Idem., ; MOLINARO, A. Libertà e coscienza: saggi etica filosofica e teologica. Roma: PUL/Città Nuova, 1977, p. 169-170. 767 Cf. BERETTA, P. Sintesi e sviluppo della teologia di Bernhard Häring. In: V.V.A.A. Chiamati alla libertà: sagi di teologia morale in onore di Bernhard Häring. Roma: Paoline, 1980, p. 383; QUEREJAZU, J. La moral social y el Concilio Vaticano II. Votoria: ESET, 1993, p. 57. 768 Cf. HARING, B. La morale è per la persona, p. 22 e 319-322; HÄRING, B. I religiosi del futuro. Roma: Paoline, 1972, p. 120-121.
291
com outros cidadãos, para influir em políticas públicas e empresariais que
ressaltem a importância do planeta, a qualidade de vida e a justiça social.769
Hoje, em nossa cultura, há uma ideologia na qual a natureza é concebida
como ilimitada provedora de recursos, sempre a serviço dos seres humanos, sem
direito próprio. Esta dominação se estende também sobre as pessoas ou grupos
mais enfraquecidos. Faz-se necessário uma ética onde se reconheça os valores
intrínsecos de todos os seres, vivos e não vivos. Pois, para nós cristãos, existe um
compromisso que nasce da dinâmica da fé, com a conseqüente valorização das
realidades terrestres.770
Nós não somos donos da natureza, somos parte dela e, portanto, co-
responsáveis pela manutenção do equilíbrio ecológico. Vivemos melhor quando
renunciamos ao “estar sobre” para o “estar juntos” com os outros, quando
impomos limites aos nossos próprios desejos em nome do equilíbrio e harmonia.
Só assim descobrimos que não somos apenas um ser de desejos egoístas, mas
também um ser de solidariedade e comunhão. Poderemos conservar a natureza
somente se agirmos impulsionados por um amor alimentado pelo reconhecimento
de seu valor autônomo, que não seja o “valor de mercado”. Para isso, é preciso
uma revolução cultural da consciência.771
O agravamento da pobreza, da degradação do ambiente e do desemprego
estrutural, demanda um novo pacto ético da humanidade, sem o qual o futuro pode
ser ameaçador para todos. A preocupação ecológica não traz apenas novos
problemas que exigem solução. Introduz um novo paradigma civilizacional e, por
conseguinte, uma nova ética. A sensibilidade cuidadosa pela vida precisa
impregnar a personalidade moral das pessoas e manifestar-se como atitude pessoal,
constituindo-se como cultura ética da sociedade e tendo assim força para fazer
frente à atual crise ecológica e social.772
769 Cf. BERNA, V. S. D. Pensamento ecológico: reflexões, críticas sobre meio ambiente, desenvolvimento sustentável e responsabilidade social. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 26. 770 Cf. ARAUJO, J. W. C. Exigências éticas de uma co-responsabilidade com a criação – uma proposta de ética ecológica. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2001, p. 74-77; GUARDINI, R. La coscienza. 3. e. Brescia: Morcelliana, 2001, p. 33; MOSER, A.; LEERS, B. Teologia Moral: Impasses e Alternativas. Coleção Teologia e Libertação. 3. e., Petrópolis: Vozes, 1996, p. 58; GUDYNAS, E.; EVIA, G. Ecología social, manual de metodologías para educadores populares. Madrid: Editorial Popular, 1993. 771 Cf. ARAUJO, J. W. C. op. cit., p. 97; TORRE, M. A. Ecología y mora – la irrupción de la instancia ecológica en la ética de Occidente. Bilbao: Desclée de Brower, 1993, p. 86; SUNG, J. M.; SILVA, J. C. Conversando sobre ética e sociedade. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 92.
292
O que distingue a nós humanos dos outros seres do ecossistema é que somos
os únicos agentes morais e, por causa dessa diferença, somos responsáveis e temos
o papel de administradores e custódios do planeta: não como donos e proprietários,
mas a serviço dos outros seres. Por isso, precisamos construir um novo ethos, uma
nova identidade que nos permita resgatar o senso de cordialidade e de respeito. Tal
ética somente poderá surgir a partir da superação da visão de mundo que tenta
reduzir todos os seres à condição de objetos cujo valor reside no lucro que podem
produzir. Isso implica uma mudança de mentalidade em nossa maneira de
compreender a nossa identidade enquanto humanos e o nosso lugar no Cosmos.773
772 Cf. ARAUJO, J. W. C. op. cit., p. 98; JUNGES, J. R. Ética ecológica: antropocentrismo ou biocentrismo? Perspectiva Teológica , B. Horizonte, n. 89, jan. / abr. – 2001, p. 33 – 34 e 64 – 65. 773 Cf. ARAUJO, J. W. C. Exigências éticas de uma co-responsabilidade com a criação – uma proposta de ética ecológica. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2001, p. 86, 99-101 e 104; REGIDOR, J. R. Ressarcir os povos e a natureza – em busca de uma reconversão sócio-ecológica da sociedade. Revista Eclesiástica do Brasil, Petrópolis, vol. 52, fasc. 205, 1992, p. 41; UNGER, N. M. O encantamento do humano: ecologia e espiritualidade. São Paulo: Loyola, 1991, p. 71.
293
4.6. A configuração trinitária da consciência moral 4.6.1. Introdução
No sentido cristão, crer é se co-envolver em toda a sua pessoa numa
comunhão de vida com o Pai, o Filho e o Espírito Santo. O ato de fé, portanto,
brota na acolhida a Deus que se revelando, se doa, e doando-se liberta e salva. É o
encontro de duas totalidades: de Deus que se revela como o Pai de Jesus Cristo e
doador do Espírito, e da pessoa humana que se firma na obediência (ob-audiere). É
em Cristo que nos conhecemos e nos percebemos co-envolvidos na economia da
salvação. Em Cristo, alcançamos um sentido para a nossa vida. E para atualizar no
tempo a identidade percebida e conhecida, o Espírito nos torna possível a
realização da missão de Cristo. Por isso, a relação da pessoa humana com Deus,
por Cristo e no Espírito se configura como comunhão. Todo este dinamismo de
conformação se realiza através da nossa consciência. Na dignidade de pessoas
humanas somos a imagem mais profunda da Trindade divina.774
Diante de nossa participação na morte e ressurreição de Cristo,
compreendemos que não estamos mais sob o regime “da lei, mas sob a graça” (Cf.
Rm 6,14). Graça (charis) quer dizer, sobretudo, amor atraente de Deus Pai. Ele que
nos deu o seu Verbo que é doador da vida e que nos concede o Espírito também
doador da vida, volta para nós a sua face e abençoa-nos. É desta forma que ele nos
faz participantes da aliança e grava a sua vontade amorosa em nossos corações. E
assim como as Três Pessoas em Deus são constituídas pessoas exclusivamente por
suas relações mútuas, somos criados à imagem de Deus, como “pessoas”, por 774 Cf. HARING, B. Liberi e fedeli in Cristo, Vol. I, 2. ed., Roma: Paoline, 1980, p. 282; MALI, M. La portata teologico-pastorale in “Liberi e fedeli in Cristo” de Bernhard Häring: una ricerca storico-critica alla luce della sua partecipazione nella stesura della “Gaudium et spes”. Dissertatio ad doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 2003, p. 17; MEDUSA, L. Il contributo di A. Gardeil per lo sviluppo della riflessione teologica sulla coscienza morale cristiana. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di). La coscienza morale oggi: omaggio al prof. Domenico Capone. Roma: Academiae Alphonsianae, 1987, p. 245, 254 e 256-257.
294
nossas relações com os outros. Quanto mais intensificamos as relações tanto mais
fortalecemos a nossa “personalidade”, realizando-nos enquanto humanos.775
Todas as pessoas são criadas em vista do Verbo encarnado, que nos
manifesta a plenitude do amor do Pai santo e misericordioso. Portanto, a moral
cristã é uma resposta ao chamado de Deus. É a moral do seguimento de Cristo, que
nos chama a sair de nós mesmos, como condição indispensável para crescer no
amor. A preocupação da moral é o empenho humano que deve configurar-se acima
de tudo como “vida de oração”, como busca constante da união com o Pai,
permanecendo em Cristo, por meio do Espírito, para que, conduzidos pelo mesmo
Espírito, sejamos de fato filhos de Deus (cf. Rom 8,14).776
No encontro com a palavra de Deus, a pessoa humana se faz dom de uma
salvação, como uma resposta ao amor do Deus trinitário. Na escuta da Palavra,
somos voltados para Deus. Somente na dedicação a Deus, no abandono gratuito
nas mãos de Deus é que encontramos a nossa própria plenitude. Deus não nega a
sua aproximação, nem mesmo nas mais profundas contradições do coração
humano. Com a vida, morte e ressurreição de Jesus, ele se introduz em meio a
estas situações paradoxais. A recusa e o ódio ao homem Jesus não contrapõe outro
que não a solidariedade amante. Na morte de cruz, Deus mesmo suporta em Cristo,
as experiências limites da nossa existência. E aqueles que reconhecem com fé que
Jesus é o Ungido (o Cristo) são também eles “ungidos” pelo Espírito.777
O modo de ser de Deus é essencialmente o amor. Este modo constitui
ontologicamente o ser humano, feito “à imagem” de Deus (cf. Gn 1,26-27), criado
para participar e comunicar a vida trinitária e pessoal de Deus. Mas, ser imagem de
Deus é um compromisso, num dinâmico realizar-se. Enquanto pessoas humanas
possuímos o privilégio de sermos uma imagem da Trindade. Esta dinâmica de
775 Cf. HARING, B. Liberi e fedeli in Cristo, Vol. I, 2. ed., Roma: Paoline, 1980, p. 300-301; KLOPPENBURG, B. O cristão secularizado – o humanismo do Vaticano II. Petrópolis: Vozes, 1970, p. 172. 776 Cf. HÄRING, B. La legge naturale nella luce della legge di Cristo iscrita nei cuori. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di) La coscienza morale oggi. Roma: Edit. Academiae Alphonsianae, 1987, p. 285; PETRÀ, B. La coscienza “nello Spirito”: per una comprensione cristiana della coscienza morale. Milano: O. R. Edizioni, 1993, p. 72-73; ROCCA, G. Coscienza, libertà e morale: risposte ai giovani e agli educatori. 4. e. Roma: Città Nuova, 2000, p. 119. 777 Cf. RÖMELT, J. La coscienza: un conflitto delle interpretazioni. Roma: Academiae Alphonsianae, 2001. p. 25-26 e 123; NALEPA, M. La configurazione trinitaria della coscienza morale cristiana. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di), op. cit., p. 413.
295
fazer-se imagem se dá por meio das relações com a criação, com o outro, com
Deus e consigo mesmo, na historicidade humana.778
A ética cristã é ética de um discípulo que segue o modelo do seu mestre. Não
se dá ética cristã senão em referência à ação de Deus, à pessoa de Jesus Cristo, aos
seus apelos, ao seu modelo e ao seu Espírito. Trata-se de unir-se à pessoa concreta
de Cristo e de separar-se do pecado e não, do mundo e da sua história na qual Deus
entrou e participa. Dessa forma, a bondade moral deriva do fato que a pessoa
humana explicita dinâmica e progressivamente, através dos seus atos, a sua
semelhança com Deus, tendendo a Ele. Bondade moral é atitude global da pessoa
que se orienta ao bem moral e à verdade nas ações concretas. É, portanto,
intencionalidade. 779
O chamado de Deus que ressoa em nosso coração é ao mesmo tempo
experiência religiosa e experiência de consciência, sempre marcada pela totalidade
do humano. A pessoa toda é chamada por Deus, para Deus e para o bem. Portanto,
só podemos estar em paz se respondermos com todo o nosso coração a este
chamado. Sendo assim, quanto mais descobrimos a riqueza da graça e misericórdia
de Deus em nossa vida, tanto mais lutamos e enfrentamos a nossa missão de
realizar a justiça e a paz de Deus neste mundo.780
O que Jesus de Nazaré fez e falou fornece um amplo leque de atitudes e
posicionamentos no compromisso com Deus. Pelo batismo, estamos inseridos
neste mistério. Jesus está dentro de nós e opera na intimidade de cada um, de todas
as comunidades cristãs, como voz e luz no sacrário de nossas consciências. Trata-
778 Cf. NALEPA, M. La configurazione trinitaria della coscienza morale cristiana. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di), op. cit., p. 412; APPI, F. Competenza storica e conscienza. In: MANICARDI, E.; CAVALCOLI, G.; CASSANI, M.; BENETOLLO, O.; APPI, F.; BARZAGHI, G. La coscienza morale e l’evangelizzazione oggi: tra valori boiettivi e tecniche di persuasione. Collana “Claustrum” 11. Bologna: Studio Domenicano, 1992, p. 139; SVANERA, O. La formazione della coscienza nella Chiesa. Credere oggi, ano XXII, n. 2, vol. 128, 2002, p. 100; YANNARA, C. La libertà dell’ethos: alle radici della crisi morale in occidente. Bologna: Dehoniane, 1984, p. 11-12. 779 Cf. CONGAR, Y. Sull’originalità dell’etica cristiana. In: V.V.A.A. Chiamati alla libertà: saggi di teologia morale in onori di Bernhard Häring. Roma: Paoline, 1980. p. 32; Cf. PETRÀ, B. Cristo Salvatore della veritá personale dell’uomo nella riflessione ortodossa contemporanea. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di). La coscienza morale oggi: omaggio al prof. Domenico Capone. Roma: Academiae Alphonsianae, 1987, p. 376; APPI, F. Competenza storica e conscienza. In: MANICARDI, E.; CAVALCOLI, G.; CASSANI, M.; BENETOLLO, O.; APPI, F.; BARZAGHI, G. La coscienza morale e l’evangelizzazione oggi: tra valori boiettivi e tecniche di persuasione. Collana “Claustrum” 11. Bologna: Studio Domenicano, 1992, p. 139. 780 Cf. MOSER, A.; LEERS, B. Teologia Moral: Impasses e Alternativas. Coleção Teologia e Libertação. 3. e., Petrópolis: Vozes, 1996, p. 180.
296
se de uma Aliança de amor no qual Deus nos convida a participar como parceiros
na construção de uma história que é, ao mesmo tempo, divina e humana.781
Portanto, como seguidores de Jesus somos chamados a reproduzir, com a
ajuda da graça, o modo de amar de Deus. Concretizar esse modo de amar é a
maneira de tornar presente a proposta do Reino. Assim, o valor moral fundamental
genérico para o seguidor de Jesus está em realizar o Reino de Deus, a justiça e a
fraternidade, tornando-se ele, ao mesmo tempo, parte deste Reino. O espírito de
Deus age em nós, suscitando em nossas consciências a busca do bem e a
participação na gigantesca luta pela justiça e pela libertação do pecado, que
atravessa toda a história humana. Uma história em que todas as pessoas, cristãs ou
não, são chamadas a ser solidárias: tanto no sofrimento que a injustiça traz, quanto
no empenho pela libertação.782
4.6.2. Deus Pai
A consciência cristã está de frente ao Deus vivo, ao Deus que continua a
operar no mundo, na Igreja e no nosso coração. Portanto, a consciência cristã é
sempre a pessoa viva, a pessoa que ama, a confrontar-se com Deus, o nosso Tu. O
Deus que nos chama na originalidade irrepetível de cada um, a experimentar da sua
plenitude e do seu amor, por meio do Mistério Pascal.783
No encontro com a liberdade de Deus nos traz uma gratificação, um sentido
de plenitude. Trata-se de um chamado, um encontro interpessoal que exige de nós
uma resposta. No encontro com o tu de Deus que nos chama em meio à história,
que é também história da salvação, o mundo se torna a criação confiada por Deus,
a nós pessoas humanas. E a nossa regra suprema deve ser como a de Maria: “faça-
781 Cf. Gaudium et spes, n. 16. In: CONCILIO ECUMÊNICO VATICANO II. Compêndio do Vaticano II: Constituições, Decretos e Declarações (Organizado por VIER, F.; KLOPPENBURG, B.). 25. e. Petrópolis: Vozes, 1996; MOSER, A.; LEERS, B. Teologia Moral: Impasses e Alternativas. Coleção Teologia e Libertação. 3. e., Petrópolis: Vozes, 1996, p. 62 e 186-187. 782 Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Ética: pessoa e sociedade. Documentos da CNBB, n. 50, São Paulo: Paulinas, n.119; SOBRINO, J. Cristologia a partir da América Latina. Petrópolis: Vozes, 1983, p. 142; JUNGES, J. R. Evento Cristo e ação humana – temas fundamentais de ética teológica. São Leopoldo: Unisinos, 2001, p. 96-97. 783 Cf. HÄRING, B. I religiosi del futuro. Roma: Paoline, 1972, p. 121; CAPONE, D. Antropologia, coscienza e personalitá. Studia Moralia. 1966, n. IV, Roma: Academia Alfonsiana, p. 108; CURRAN, C. E. Catholic moral theology in dialogue. London: Univ. of Notre Dame Press, 1976, p. 31.
297
se em mim segundo a tua palavra” (Cf. Lc 1,38). Por outro lado, dizer sim, mas
não ser conseqüente nas ações, não é cumprir a vontade do Pai (Cf. Mt 21, 28-
32).784
Esta é a verdadeira santidade do cristão: pôr-se a caminho com os outros,
incentivar o desejo de nos tornarmos misericordiosos como o Pai que “está nos
céus”. A santidade da Igreja consiste na vontade de viver como povo de Deus em
contínua peregrinação. Para isso, a meditação das Escrituras põe o fiel frente aos
desígnios de Deus, frente a um Deus o qual toda a intenção é criar e suscitar na
pessoa humana como seu parceiro, que deve co-responder na sua liberdade.785
A consciência cristã como existência de fé, vive e reflete em si mesma a
tensão geral da história da salvação, que se desenrola na dinâmica do “já” e “ainda
não”. Portanto, a consciência cristã é a consciência que toma as suas decisões em
conformidade com o Evangelho no conhecimento da história da salvação e com a
responsabilidade de quem é chamado a colaborar na sua concretização. Mas, o ser
humano solitário e inseguro da sociedade pós-moderna, muitas vezes, rompe a sua
relação com Deus e torna-se privado de um encorajamento transcendente. Este
enfraquecimento da concepção de Deus traz diretamente o enfraquecimento da
concepção de pessoa humana. O primeiro efeito é que ela se torna reduzida de uma
criatura de Deus a um simples exemplar da condição humana.786
Enquanto criatura, a pessoa humana, com toda a complexidade de sua
natureza, como todas as criaturas, é expressão da vontade de Deus e, portanto
expressão de sua Palavra criadora. A pessoa humana é criada à imagem de Deus, e
enquanto imagem de Deus é capaz de saber ler esta vontade criadora em sua
784 Cf. SANNA, I. L’antropologia della postmodernità e la coscienza cristiana. Studia moralia, 2002, p. 334; AZPITARTE, E. L. Fundamentação da ética cristã. São Paulo: Paulus, 1995, p. 309; RÖMELT, J. La coscienza: un conflitto delle interpretazioni. Roma: Academiae Alphonsianae, 2001. p. 24 e 122; BALTHASAR, H. U. Nove tesi sull’etica cristiana. Prospettive di morale cristiana: sul problema del cotenuto e del fondamento dell’ethos cristiano. (Contributi di Teologia 3). Roma, 1986, p. 68; REY-MERMET, T. A moral de Santo Afonso. Aparecida: Santuário, 1991, p. 56. 785 Cf. VALADIER, P. Elogio della coscienza. Torino: Società Editrice Internazionale. 1995. p. 240; SALVODI, Valentino (Org.). Häring.Uma autobiografia à maneira de entrevista. S. Paulo: Paulinas, 1998, 228 p. 45. 786 Cf. MOLINARO, A. Riflessioni teologiche sulle coscienza. Rivista di teologia morale, ano 3, fasc. 10, 1971, p. 188; Gaudium et spes n. 24,3; SANNA, I. L’antropologia della postmodernità e la coscienza cristiana. Studia moralia, 2002, p. 325.
298
natureza e na criação. Quando a pessoa vivencia a si mesma como imagem de
Deus, então a consciência adquire toda a sua dignidade.787
4.6.2.1. Deus Pai e o Reino de Deus
A ética do cristão identifica-se com uma pessoa. Assim, o agir de Jesus é o
próprio conteúdo da sua ética e diretriz para o cristão. Para atualizar a proposta
ética no seguimento de Cristo, exige-se discernir a maneira de efetivar a justiça do
Reino, no mundo de hoje, e o modo de tornar os seus valores eficazes e relevantes
para os homens e as mulheres dos nossos dias. A atitude cristã é necessariamente
empenho perseverante pela transformação da sociedade rumo à realização dos
autênticos valores humanos e invocação constante – como na oração de Jesus – da
vinda do Reino.788
Portanto, a realização do reino de Deus constitui o princípio e a meta da
opção do cristão. O anúncio da proximidade do Reino, ponto central do kerigma de
Jesus, proporciona a moldura totalizante e a orientação decisiva do comportamento
moral: “O tempo está realizado e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e
crede no Evangelho” (Cf. Mc 1,15). Se o reino de Deus é a meta da opção cristã, o
seguimento de Jesus é seu caminho. O seguimento é categoria bíblica de grande
densidade teológica. Expressa a nova forma de vida de quem se decide a aceitar o
chamado e transformar-se em discípulo.789
O Reino é de Deus. A expressão inclui um genitivo possessivo. O Reino
pertence a Deus, ou melhor, é de sua iniciativa absoluta. A intervenção salvífica é
uma decisão absoluta de Deus. O Reino é a manifestação histórica da plena
soberania e misericórdia divinas. Face a essa oferta gratuita e absoluta da parte de
Deus, o ser humano só pode deixar-se presentear. A única atitude correspondente
face a um dom gratuito é a acolhida agradecida. Porém, o Reino de Deus não
787 Cf. VIDAL, M. Moral de actitudes. Vol. I: moral fundamental, 4ª. ed., 1977, Madrid: PS Edit., p. 300. 788 Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (1999-2002). 2. e., São Paulo: Paulinas, 1999, n. 120; JUNGES, J. R. Evento Cristo e ação humana: temas fundamentais da ética teológica. São Leopoldo: UNISINOS, 2001, p. 104 e 119. 789 Cf. VIDAL, M. Moral de opção fundamental e atitudes. São Paulo: Paulus, 1999, p. 146.
299
suprime a necessidade de agir, e a ação em favor do Reino não nega a sua
gratuidade. É um dom que deve ser acolhido construtivamente. Quem acolhe em
sua vida o amor gratuito de Deus, manifestado em gestos por Jesus, dispõe-se a
tornar presente esse amor através de ações concretas. Em outras palavras, quer que
a mensagem do Reino seja eficaz: aconteça na história humana e torne-se boa nova
para os homens e mulheres do nosso tempo. Por certo, este mundo é o lugar onde
se luta pela concretização do Reino. Porém, o Reino de Deus, pelo fato de não ser
deste mundo, exige que o reino dos homens no mundo não se transforme nunca
numa ideologia ilusória.790
O convite para entrar no Reino proveniente do Mensageiro de Deus solicita a
livre resposta de quem é convidado para as bodas. A resposta não é condicionada
por pertencer a um povo, uma etnia, um sexo ou a uma classe social. Não é nem
mesmo condicionada pelo comportamento virtuoso ou ética e religiosamente
conforme, visto que os mais reticentes a responder são mesmo os mais
“impecáveis” (escribas e fariseus), enquanto os mais disponíveis a dizer sim são,
ao contrário, os pecadores e pagãos. A resposta depende acima de tudo da livre
disposição de quem se sente interpelado pela Palavra. Depende das suas atitudes e
do seu desejo de fazer-se discípulo. Em suma, de por os seus passos sobre as
pegadas daquele que o guia para as estradas do Deus próximo e do encontro para
com o outro. Ou seja, de acolher a Boa Nova da vida proposta por Deus.791
A moral cristã parte do princípio do Reino de Deus. Um reino que propõe
toda uma constelação de valores. Portanto, tudo aquilo que a pessoa humana faz
não é indiferente porque pode estar a favor ou contra o Reino. Uma proposta ética
cristã para o século XXI deve ser ao mesmo tempo, defensora da autonomia da
subjetividade humana e da objetividade dos valores evangélicos. Deve se constituir
com a participação de todos, enfrentando com coragem as novas questões surgidas.
Além disso, a Igreja não pode se limitar a dar uma orientação ética. Sua palavra
deve ser evangélica, portadora de uma Boa Nova que não se reduz a uma pauta de
avaliação moral, mas deve estimular e acompanhar a humanidade que se encontra a
790 Cf. MOLTMANN, J. Teologia política, ética política. Salamanca: Sígueme, 1987, p. 109; MOLINARO, A. Libertà e coscienza: saggi etica filosofica e teologica. Roma: PUL/Città Nuova, 1977, p. 163; JUNGES, J. R. Evento Cristo e ação humana..., p. 98-99. 791 Cf. VALADIER, P. Elogio della coscienza. Torino: Società Editrice Internazionale. 1995. p. 224-225.
300
caminho, na busca da plenitude. Trata-se de buscar fazer presente, vitalmente,
como desejável humano não qualquer utopia, mas a utopia que Deus tem para a
humanização de nós, pessoas, e de seu mundo, tal como se percebe na fé e no
seguimento de Jesus, vivido na comunidade eclesial.792
4.6. 3. Jesus Cristo
Para a vida moral, não se trata somente de pôr-se à escuta de um
ensinamento e acolher na obediência um mandamento. Trata-se, mais
radicalmente, de aderir à própria pessoa de Jesus. E assim, gradualmente, a
consciência torna-se, no fiel que vive a conversão e o seguimento, a voz de Cristo.
O cristão é direcionado para uma intersubjetividade radical e constitutiva com
Cristo e com o próximo. A liberdade e a responsabilidade tornam-se respostas a
Cristo e ao próximo e a consciência assume intrinsecamente o caráter de
comunhão, cuja etimologia (cum-scientia) enuncia um “saber-com”, em dialogo e
em comunidade. 793
Como afirma a Dignitatis humanae, n.14:
Pois o discípulo se compromete por um grave dever para com Cristo Mestre a conhecer sempre mais cabalmente a verdade d’Ele recebida, a anunciá-la com fidelidade e a defendê-la com coragem, excluídos os meios contrários ao espírito do Evangelho. Ao mesmo tempo, porém, anima-o a caridade de Cristo a tratar com amor, prudência e paciência os homens que vivem no erro ou na ignorância acerca da fé.794
792 Cf. CARRERA, J. C. Em busca del Reino – una moral para o Novo Milênio. Barcelona: Cristianisme i Justicia, 2000, p. 4; PEINADO, J. V. Éticas teológicas ontem e hoje. São Paulo: Paulus, 1996, p. 23. 793 Cf. JOÃO PAULO II. Encíclica Veritatis Splendor, n. 19. Documentos Pontifícios n. 255, Petrópolis: Vozes, 1993; MEDUSA, L. Il contributo di A. Gardeil per lo sviluppo della riflessione teologica sulla coscienza morale cristiana. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di). La coscienza morale oggi: omaggio al prof. Domenico Capone. Roma: Academiae Alphonsianae, 1987, p. 258; CASSANI, M. La coscienza morale nella riflessione teologica contemporanea. In: MANICARDI, E.; CAVALCOLI, G.; CASSANI, M.; BENETOLLO, O.; APPI, F.; BARZAGHI, G. La coscienza morale e l’evangelizzazione oggi: tra valori boiettivi e tecniche di persuasione. Collana “Claustrum” 11. Bologna: Studio Domenicano, 1992, p. 110; MOLINARO, A. Riflessioni teologiche sulle coscienza. Rivista di teologia morale, ano 3, fasc. 10, 1971, p. 189. 794 Cf. Dignitatis humanae, n.14. In: CONCILIO ECUMÊNICO VATICANO II. Compêndio do Vaticano II: Constituições, Decretos e Declarações (Organizado por VIER, F.; KLOPPENBURG, B.). 25. ed. Petrópolis: Vozes, 1996.
301
Convidado a entrar numa vida nova, iniciativa amorosa e gratuita de Deus, o
ser humano mergulha num dinamismo divino que abraça o humano. Cristo, pela
sua ressurreição, é garantia desta realização plena ao alcance de todo ser humano.
Como filho no Filho, cada cristão é chamado a fazer suas as palavras do Senhor
Jesus: “o meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou” (Cf. Jo 4,34); “e
faço como o Pai me ordenou” (Cf. Jo 14,31). Somente quem faz a vontade do Pai
pode, na verdade, dizer-se filho e rezar a oração dos filhos: “seja realizada a tua
vontade” (Cf. Mt 6,10).795
A eficácia transformante, própria de cada sacramento, se manifesta
especialmente no Batismo e na Eucaristia. Na Eucaristia, o fiel se torna realmente
partícipe da vida de Cristo, mais “um em Cristo” e experimenta profundamente a
familiaridade com Deus, o calor da presença do seu Espírito. Ao mesmo tempo,
torna-se “em Cristo” realmente partícipe da vida dos outros, crescendo no
conhecimento da unidade que intimamente o une aos irmãos. Isso explica porque a
Eucaristia constitui também o critério decisivo de autenticidade da experiência
cristã. De fato, quanto mais a pessoa humana nas fibras íntimas do seu ser torna-se
Cristo, tanto mais a liturgia torna-se a sua morada, o seu ambiente vital, a
expressão perfeita da sua fé. E as palavras e os gestos da Eucaristia tornam-se
sempre mais vida celebrada e celebração da vida, na unidade crescente e
indissolúvel entre a vida de Cristo, a vida individual e a vida da Igreja.796
A salvação de Deus é operada por meio de Jesus que veio para redimir a
todos e para mostrar a verdade da fraternidade divina. Cristo não fez outra coisa
que revelar o humano ao próprio ser humano, desvelando o sentido mais profundo
da nossa existência. Neste sentido, a lei nova, que constitui a estrutura normativa
do cristão, é a transformação da pessoa humana em Jesus Cristo pela presença do
Espírito. O encontro com Jesus é um encontro com sua prática, que se constitui em
795 Cf. AGOSTINI, N. Ética Cristã e desafios atuais. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 68-70; PETRÀ, B. La coscienza “nello Spirito”: per una comprensione cristiana della coscienza morale. Milano: O. R. Edizioni, 1993, p. 72. 796 Cf. PETRÀ, B. La coscienza “nello Spirito”: per una comprensione cristiana della coscienza morale. Milano: O. R. Edizioni, 1993, p. 71.
302
desafio existencial que estimula, impulsiona e encoraja o cristão para uma ação
concreta na história em sintonia com a prática de Jesus.797
Para sermos livres em Cristo e libertados por Cristo, devemos fazer a escolha
fundamental de seguir o Mestre e de ouvir a sua voz. A escolha da liberdade
implica, intrínseca e fortemente, a fidelidade à opção fundamental: colocar Cristo
no centro da nossa vida. Mas, a fidelidade ao Senhor não é um ato de fé abstrato,
passa pelo amor, pela fidelidade às pessoas com as quais partilhamos esta nossa
existência. Pois, a “lei de Cristo” (Cf. Gal 6,2; Rm 8,2), ou seja, a lei do Espírito
que dá vida em Cristo, é a lei de solidariedade no carregar os fardos uns dos outros.
Ela se revela como elemento fundante de uma ética que combina sadiamente a
liberdade criadora humana e o seu enraizamento no evento Cristo. Portanto, como
cristãos, somos chamados a viver uma vida de resposta à vida do Cristo Jesus
Senhor (cf. 2 Cor 4,5).798
O que está no centro da Sagrada Escritura é o próprio Cristo, Filho Unigênito
do Pai, que se fez homem para ser um de nós! Nele temos a vida. É o seu Espírito
que nos dá alegria, tornando-nos livres. A nossa relação com Cristo não é algo
exterior, baseada na simples imitação. Aquilo que transforma a nossa vida é o fato
de que Jesus nos dá o seu Espírito, porque quer continuar a sua vida conosco, ou
melhor, em nós.799
797 Cf. MALI, Mateus. La portata teologico-pastorale in “Liberi e fedeli in Cristo” de Bernhard Häring: una ricerca storico-critica alla luce della sua partecipazione nella stesura della “Gaudium et spes”. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 2003, p. 17; ROCCA, G. Coscienza, libertà e morale: risposte ai giovani e agli educatori. 4. ed. Roma: Città Nuova, 2000. p. 171; VIDAL, M. Moral de opção fundamental e atitudes. São Paulo: Paulus, 1999, p. 108; JUNGES, J. R. Evento Cristo e ação humana: temas fundamentais da ética teológica. São Leopoldo: UNISINOS, 2001, p. 108. 798 Cf. HÄRING, B. La legge naturale nella luce della legge di Cristo iscritta nei cuori.. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di). La coscienza morale oggi: omaggio al prof. Domenico Capone. Roma: Academiae Alphonsianae, 1987, p. 281; SALVODI, Valentino (Org.). Häring: Uma autobiografia à maneira de entrevista. S. Paulo: Paulinas, 1998, 228 p. 44; ALVAREZ-VERDES, L. L’ennomia cristica come principio di flessibilità nella prassi morale: approccio ermeneutico a 1 Cor 9, 19-23. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di). La coscienza morale oggi: omaggio al prof. Domenico Capone. Roma: Academiae Alphonsianae, 1987, p. 105. 799 Cf. SALVODI, Valentino (Org.). op. cit., p. 42.
303
4.6.4. Espírito Santo
Cremos que Cristo é o Redentor e Senhor de todos, e que seu Espírito
trabalha em todos, através de todos e para todos. Na totalidade e na abertura de
nossa consciência somos um sinal real das inspirações do Espírito que renova
nosso coração e, por meio de nós, a terra. Por isso, importa abrir-nos às sugestões
do Espírito que nos impulsiona a elaborar novas respostas para os problemas novos
do mundo atual. Pois, os pedidos e os apelos do Espírito ressoam também nos
acontecimentos da história.800
Na visão neotestamentária, o princípio da atividade moral cristã é a
transformação operada no interior do Espírito. Por isso, a “lei” cristã é a lei do
Espírito, que não se deve confundir nem com a lei mosaica nem com uma espécie
de indeterminação sujeita à ilusão ou ao subjetivismo. As funções do Espírito com
referência à atividade moral podem-se reduzir a três: santificar (fazer o sujeito
moral), iluminar (propor o objeto moral) e dar forças para cumprir o que se deve
fazer (é a dinâmica da ação do Espírito entendido como “dom do Pai”). A
consciência cristã é assinalada pela fé no Espírito Santo e por uma gratidão que
abraça tudo, a qual nos mantém ao nível do Espírito e nos liberta da armadilha do
egoísmo “encarnado”. A abertura ao Espírito guia a nossa consciência cristã na
avaliação de cada situação. 801
Portanto, o cristão é alguém que deveria deixar-se guiar sempre pelo Espírito
(Cf. Rm 8,14; Jo 16,13). E nós somos continuamente chamados a confrontar a
nossa conduta, com a Palavra de Deus. O Espírito Santo, porém, não nos é dado
privadamente, separadamente, mas enquanto membros de um Corpo, a própria
Igreja. Ou seja, a reflexão e a resposta, que somos chamados a dar à Palavra de
800 Cf. HARING, . Liberi e fedeli in Cristo, Vol. I, 2. e., Roma: Paoline, 1980, p. 282 e 297; JOAO PAULO II. Exortação Apostólica Vita consecrata, n. 73. Documentos Pontifícios n. 269. Petrópolis: Vozes, 1996; JOÃO PAULO II, Encíclica Familiaris consortio. n. 4. 3. e., São Paulo: Loyola, 1982; AGOSTINI, N. Introdução à teologia moral: o grande sim de Deus à vida. Petrópolis: Vozes, 2004. p. 83. 801 Cf. VIDAL, M. Moral de opção fundamental e atitudes. São Paulo: Paulus, 1999, p. 29; HARING, . Liberi e fedeli in Cristo, Vol. I, 2. e., Roma: Paoline, 1980, p. 249-250.
304
Deus, não podem ser cumpridas individualmente, mas em união com toda a
comunidade eclesial.802
O dom do Espírito no sujeito renascido pela Páscoa de Cristo, devolve ao
itinerário moral do cristão um processo dinâmico, um caminho de conversão
gradualmente chamado a integrar na vida as exigências radicais e absolutas da
vontade de Deus (Cf. Ef 4,23-24; Col 3,9-15). A consciência é fecundada pelo
germe do Espírito. Os sinais do pecado, porém, não estão totalmente cancelados
nem mesmo do dom batismal. Por isso, para que o germe amadureça e cresça, deve
ser sempre de novo acolhido na fidelidade amorosa da liberdade humana. O
Espírito, de fato, não busca escravos mas filhos fiéis e amantes da vontade do Pai,
filhos à imagem do Filho. 803
Segundo Paulo, somente a presença do Espírito oferece à pessoa humana a
possibilidade concreta de viver como a lei requer. Como ele diz em Rm 7,14, a lei
é “espiritual”, enquanto a pessoa humana é “carnal”. A lei do Espírito é a lei da
liberdade (enquanto liberta de ter de obedecer de maneira servil à lei, seja qual for
esta lei), lei interior (enquanto está escrita nos corações e constitui como que uma
segunda natureza), lei da graça, lei da caridade, etc. Portanto, a moral cristã
resume-se na atualização do seguimento de Jesus.804
4.6.5. Conclusão
A Igreja é seguramente o lugar essencial onde a consciência fundamental do
cristão deve amadurecer, formar-se e atingir a sua energia espiritual para dar o seu
testemunho que se realiza por meio da responsabilidade, do estilo de vida, do modo
802 Cf. ROCCA, G. Coscienza, libertà e morale: risposte ai giovani e agli educatori. 4. e. Roma: Città Nuova, 2000. p. 28. 803 Cf. PETRÀ, B. La coscienza “nello Spirito”: per una comprensione cristiana della coscienza morale. Milano: O. R. Edizioni, 1993, p. 80; SVANERA, O. La formazione della coscienza nella Chiesa. Credere oggi, ano XXII, n. 2, vol. 128, 2002, p. 108. 804 Cf. MANICARDI, E. Legge, coscienza e grazia nell’insegnamento paolino. MANICARDI, E.; CAVALCOLI, G.; CASSANI, M.; BENETOLLO, O.; APPI, F.; BARZAGHI, G. La coscienza morale e l’evangelizzazione oggi: tra valori boiettivi e tecniche di persuasione. Collana “Claustrum” 11. Bologna: Studio Domenicano, 1992, p. 42; VIDAL, M. Moral de opção fundamental e atitudes. São Paulo: Paulus, 1999, p. 29.
305
de comportar-se e de cumprir os deveres que tem em comum com os outros. Neste
compromisso, deve se predominar o amor e o respeito entre as pessoas.805
Por isso, na consciência de todas as pessoas de boa-vontade ressoa a lei do
amor. Ama o próximo como a ti mesmo, ou seja, a regra de ouro: “Tudo aquilo que
quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles; porque isto é a Lei e os
Profetas” (cf. Mt 7,12). Paulo afirma o mesmo, com ênfase maior: “Toda a Lei está
contida numa só palavra: amarás a teu próximo como a ti mesmo” (cf. Gal 5,14).806
Os mandamentos são apelos para uma responsável atuação do grande
mandamento do amor recíproco, tornando-se possível o permanecer em Cristo. O
amor e a graça divina já nos estão garantidos, de antemão, abrindo a possibilidade
da conversão como fruto da experiência existencial. Ao mesmo tempo, a bondade
divina sempre será fiel em sua solidariedade com a humanidade. Pois, o amor de
Deus revelado em Jesus é essencialmente salvífico: é amar o ser humano pra que
tenha vida e vida em abundância. E, por ser gratuito e regenerador, o amor de Deus
manifesta-se, preferencialmente em relação aos pobres e pequenos. Isso aparece,
claramente, no modo como Jesus ama.807
A consciência cristã só é autêntica quando vivida na caridade.
Consequentemente, todo o agir do fiel é verdadeiro somente se é efetivamente
inspirado pela caridade. Qualquer ação à qual sou chamado a realizar não é nunca
somente esta ação considerada em si mesma: é um gesto com o qual exprimo e me
construo a mim mesmo, chego às pessoas concretamente, num contexto histórico e
social preciso, com conseqüências que vão além dos resultados imediatos da
mesma ação.808
805 Cf. AUBERT, J.-M. Coscienza e legge. In: LAURET, B.; REFOULÉ, F. Iniziazione alla pratica della teologia. Vol. 4, Brescia: Queriniana, 1986, p. 223. 806 Cf. HÄRING, B. La legge naturale nella luce della legge di Cristo iscritta nei cuori.. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di). La coscienza morale oggi: omaggio al prof. Domenico Capone. Roma: Academiae Alphonsianae, 1987, p. 285. 807 Cf. DOLDI, M. Fondamenti cristologici della teologia morale in alcuni autori italiani. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 1996, p. 40; JUNGES, J. R. Evento Cristo e ação humana – temas fundamentais de ética teológica. São Leopoldo: Unisinos, 2001, p. 97. 808 Cf. MAJORANO, S. La coscienza: per uma lettura cristiana. Milano: San Paolo, 1994, p. 77 e 148.
306
4.7. Conclusão do Capítulo IV
Em nosso mundo interdependente, emerge sempre mais clara a consciência
da negação, perversão ou destruição do projeto evangélico, através da organização
social, econômica e política em escala mundial, geradoras de injustiça e pobreza,
de opressão e violência. Somos conscientes de que podemos criar hoje uma
sociedade, um mundo mais justo. À medida que, pela omissão ou indiferença, pelo
conformismo ou covardia e pela preservação de posições institucionais alcançadas
em nossa história, nos rendemos a esta situação ou com ela tacitamente pactuamos,
inclusive como Igreja, fazemo-nos co-responsáveis dessa injustiça e pobreza, dessa
opressão e violência estrutural nas sociedades e nas culturas. Isto é incompatível
com a fé que professamos, em um Deus que é Pai e quer o bem de todos.
O que Jesus de Nazaré fez e falou fornece um amplo leque de atitudes e
posicionamentos em que o compromisso com Deus se pode incorporar, tornar-se
história humana neste mundo. Todavia, a força exemplar de Jesus e sua atração não
formam um simples paradigma a seguir. Pelo batismo, os cristãos mesmos estão
inseridos no mistério de Deus, cuja epifania completa no mundo é condicionada
pela cooperação daqueles que, em Cristo, descobrem sua própria dignidade e base
de ação. Jesus está dentro de nós e opera na intimidade de cada um, de todas as
comunidades cristãs, como voz e luz no sacrário das nossas consciências morais.
É importante que a compreensão dos conteúdos e dos alcances da fé cristã
revele a dinâmica interna de seus imperativos éticos de verdade e de justiça, de
amor e de liberdade, de igualdade e de participação em comunhão. É fundamental
que esta inspiração seja vivida em um nível pessoal e profundo de cada um, mas
sem um caráter intimista e exclusivista. É igualmente indispensável que o potencial
da fé seja descoberto e atuado na busca da transformação do que na sociedade e na
cultura são estruturas de violência e opressão, de marginalização e discriminação,
de pobreza absoluta e de formas de injustiça radical.
Responsabilizar-se diante do outro pessoal e coletivo é sopesar os efeitos da
ação sobre as pessoas e o contexto, tendo como critério os direitos humanos e
como referência última a dignidade humana. Dessa forma, o seguidor de Jesus
tenta reproduzir, com a ajuda da graça, o modo de amar de Jesus. E concretizar
307
esse modo de amar é a maneira de tornar presente a proposta do Reino. O valor
moral fundamental genérico para o seguidor de Jesus está em realizar o Reino de
Deus tornando-se ele, ao mesmo tempo, parte deste. Pois, o Reino é um evento
futuro que já está acontecendo e qualificando o presente.
O amor de Deus revelado em Jesus é essencialmente salvífico: é amar o ser
humano para que tenha vida e vida em abundância. Por ser gratuito e regenerador,
o amor de Deus manifesta-se, preferencialmente em relação aos pobres e pequenos.
Isto aparece claramente no modo como Jesus ama. Embora o amor divino seja
universal, Deus privilegia os mais abandonados em conseqüência da própria
dinâmica libertadora e regeneradora da sua bondade salvífica. O amor destina-se
preferencialmente àqueles diminuídos em sua dignidade e em suas condições de
vida. Neste sentido, os pobres são os protagonistas do Reino porque são
privilegiados pelo amor de Deus.
Na verdade, a formulação geral da exigência moral não é “fazer o bem e
evitar o mal”, mas “fazer o bem e lutar contra o mal para eliminá-lo”. Trata-se de,
antes de tudo, dar prioridade efetiva às exigências do ser humano. Estas, não são
apenas as necessidades materiais relativas à sobrevivência, mas também as
aspirações profundas, voltadas para a realização da dignidade e do destino
transcendente das pessoas. Neste sentido, “agir bem” é procurar o bem de todos os
seres humanos em todas as suas dimensões.
O que forma todas as disposições morais, o que dá amplitude total à
consciência e firmeza à opção fundamental do cristão, é a atitude profunda de fé e
sua responsividade. A fé, como relacionamento em profundidade com Cristo,
desperta em nós forte anseio por conhecer Cristo e tudo o que ele nos ensinou e
espera de nós. Esta fé é caracterizada pela gratidão e pela alegria que dão
orientação e força a toda a nossa vida. A fé é uma relação dialógica, responsorial,
entre Deus e o ser humano. A moral cristã se baseia na fé, pela qual o ser humano é
justificado. Mediante a nossa aceitação da verdade salvífica e a nossa total resposta
no abandono a Deus, a fé traz frutos na justiça e no amor.
A dissociação de fé e vida esvazia ou relativiza as exigências de uma
projeção ética da fé. A desvinculação de fé e vida explica a contradição de pessoas,
instituições e sociedades que professam de público a fé cristã, mas convivem com
a injustiça e a violência, com a pobreza e a opressão quando não, as promovem. Na
308
consciência, o sujeito fiel avalia a interna coerência entre a sua adesão de fé a
Cristo pela vida e pelas condutas individuais. Assim descrita, a consciência
exprime, de um lado, a profundidade do coração, lá onde a pessoa humana se doa
ou se recusa ao Senhor. E, por outro lado, a capacidade de formular juízos
particulares coerentes com a vocação em Cristo.
A virtude da caridade dá finalidade a toda as atividades éticas do cristão,
iluminado pela fé. O critério fundamental é de que frente às escolhas éticas
particulares, o discernimento cristão deverá sempre tender a optar pela decisão que
leva maior amor, maior unidade entre as pessoas e, ao mesmo tempo, respeita
melhor a soberana dignidade da pessoa humana. Este maior amor deve ter em vista
a felicidade, no sentido de beatitude, superando as dificuldades do dia-a-dia, na
busca de uma maior justiça, no compromisso de ser “sal da terra”. Pois, a opção
fundamental da consciência não tem sentido senão for um encarnar-se nas decisões
pessoais.
O seguimento da prática história de Jesus aponta em todas as latitudes e
longitudes para a libertação do pecado, tanto pessoal, quanto social. Para isso, é
preciso se lançar na profundidade da religião, e reconhecer de maneira mais clara
os valores cristãos. Pois, a ética cristã é uma ética mística, que se concretiza por
meio da fé. É uma ética de resposta, não de asceses. Portanto, é uma ética de
responsabilidade e testemunho, não de leis e suas aplicações. Isto porque o
Evangelho não é um “código” de prescrições concretas para todas as situações da
vida humana, mas acontecimento de salvação que investe o fiel para a sua
responsabilidade.
No mundo secularizado como o nosso, a fé não tem mais uma sustentação
sólida como no passado, onde havia um consenso social em relação à vivência dos
valores cristãos. Hoje, a fé é minada pela indiferença, pela mentalidade cientifica,
por uma cultura que muitas vezes rejeita a dimensão religiosa. Mas, para o cristão,
iluminado pela fé e animado pelo amor-caridade, a opção fundamental, que deve
estar ao fundo de todas as suas decisões éticas, consiste crer de não poder se salvar
sem Cristo, tomando este “poder se salvar” no sentido pleno de realizar a sua
vocação humana. Por isso, mais do que nunca, hoje a fé precisa ser acuradamente
cultivada, sempre novamente redescoberta.
309
5. Conclusão geral 5.1. O contexto da Modernidade e da Pós-Modernidade
A Modernidade, enquanto momento histórico, caracteriza-se pela
antitradição, pela derrubada das convenções, dos costumes e das crenças, pela
entrada da idade da razão. Mas, muitas combinações do moderno e do tradicional
podem ainda ser encontradas nos cenários sociais concretos.
O apelo ao mercado, a concentração do capital e a racionalização dos
métodos de produção subordinaram a idéia de sociedade moderna ou mesmo
industrial à de economia capitalista. E assim, o império do mercado refletiu na
crescente comercialização das relações humanas. O industrialismo se tornou o eixo
principal da interação dos seres humanos com a natureza.
A idéia de progresso é reforçada com a promessa da libertação das
“irracionalidades” do mito, da religião, da superstição e com a liberação do uso
arbitrário do poder. O progresso da técnica é um elemento essencial da
Modernidade, com o desenvolvimento do instrumentalismo. Verificamos, hoje, um
verdadeiro culto à técnica e à eficiência. Não existe nenhum setor da vida e da
sociedade que não tenha sido tocado pelo saber desenvolvido pela razão técnica.
É preciso considerar que a mudança cultural proporcionada pela
Modernidade trouxe uma valorização da subjetividade, da livre escolha pessoal, da
liberdade e da consciência dos direitos fundamentais, decisivos para uma autêntica
promoção humana. Mas, a Modernidade significou a emergência do sujeito
autônomo, que se posiciona ativamente diante do mundo e transforma a natureza e
a sociedade a serviço dos seus interesses, movido por uma construção mental que
orienta esta transformação. A crescente autonomia humana em todos os setores da
vida buscou livrar-se das forças do divino, caindo numa certa auto-suficiência.
Na esfera do Estado, buscou-se a realização da igualdade de direitos, na
formação da vontade coletiva, com certo bem-estar econômico e social, por meio
da democracia política. No entanto, na esteira da ideologia e da competição
individualista e das dinâmicas seletivas do poder econômico e político, a igualdade
310
entre as pessoas ficou perdida em meio à injustiça estrutural no plano dos
indivíduos e dos povos.
Ao abandonar o império da tradição e da superstição para abraçar as luzes do
mundo moderno, a humanidade deixou para trás a suposta obscuridade da era
medieval. O mundo moderno do trabalho racional é o mundo do consumo, do
exercício do poder e acima de tudo, do triunfo da razão. Nela, a razão buscou
dominar toda a realidade, dirigindo e animando todo o processo civilizatório
ocidental.
Com a Modernidade, surgiu também o desafio da secularização, ou seja, a
libertação do ser humano de todas as explicações religiosas, sobrenaturais, míticas
e metafísicas do mundo. A secularização não significa a negação total da religião,
mas antes o fim dos monopólios religiosos e expulsão da religião do espaço
público. O esquema da história da salvação perdeu o seu conteúdo religioso. Ou
seja, na concepção da Modernidade, se alguma salvação existe, deve estar no
próprio ser humano.
Com o processo histórico, caiu-se num secularismo, exacerbando a tendência
legítima da secularização e conduzindo à inaceitável negação e exclusão do
religioso e do transcendente e à afirmação exclusiva do imanente. Pois, as
ideologias do mundo moderno são contra-religiosas, sendo, muitas vezes,
substitutas da religião, sobretudo nas populações jovens e urbanas. A sociedade
moderna caracteriza-se por essa ausência de religião. As Igrejas tornam-se “ilhas
de religião” no mar da secularização.
A Modernidade não aceita a interferência da religião, o poder das Igrejas no
mundo político, público. É intolerável para uma mentalidade moderna a religião
regular, tutelar o conjunto das estruturas sociais. A secularização transformou-se
no grande desafio do mundo moderno. Mas, o mundo moderno, secularizado, está
repleto de ídolos e deuses não divinos, como a ideologia moderna do trabalho, do
progresso e do êxito.
A Pós-Modernidade se revela como o esgotamento e superação da
Modernidade. Trata-se da busca de uma nova época, que seria libertada dos efeitos
perversos da época anterior. No entanto, hoje reinam o pluralismo e o
individualismo, o hedonismo do prazer imediato e fácil, o permissivismo
comportamental e ético, e o consumismo oferecido pela nova ordem econômica
311
mundial fundada na hegemonia do livre mercado globalizado.
O individualismo que grassa na esfera econômica invadiu a esfera religiosa.
O horizonte pragmático do cidadão moderno restringiu-se, passando da
consideração abrangente do bem comum de sua sociedade para acentuar de
preferência as ambições e necessidades estritamente individuais.
De um lado, cada um se fecha na sua subjetividade, o que conduz no melhor
dos casos ao esquecimento do outro, mais amiúde à rejeição do estranho. Hoje, a
questão que parece mais urgente não é a da luta contra o despotismo e a violência,
da manutenção da tolerância e do reconhecimento do outro. No entanto,
dialeticamente, percebe-se também hoje uma busca do respeito e de compreensão
das diferenças, por meio dos diversos movimentos sociais (mulheres, gays, negros,
ecologistas, etc.).
A razão moderna afirmou a autonomia da liberdade, em busca de uma
felicidade individualista. A historicidade é esvaziada com esta busca do viver só no
presente e não em função do passado e do futuro, com uma perda do sentido de
continuidade histórica. As questões do corpo e da psique ocupam um lugar central
na preocupação das pessoas. Tanto na Modernidade quanto na Pós-Modernidade,
predomina largamente uma fortíssima orientação para o individualismo que tende a
imperar em todos os setores da vida, com fortes doses de subjetivismo e
utilitarismo. Além disso, a nova religiosidade é ingênua, narcisista, sem uma
vivência do amor, da doação, da abertura para o outro.
Dessa forma, a emergência da Pós-Modernidade suscita para a teologia
questões relativas ao seu escopo fundamental: o sentido último da vida,
especialmente do ser humano. No campo específico da moral proposta pelo
Magistério da Igreja, o quadro tem-se agravado com a moral do “faz de conta”,
sinal de divórcio entre a prática vivida por católicos e o ensinamento magisterial.
Está aí o decidir por conta própria sem considerar a postura da Igreja, e a
indiferença, mais do que a oposição, diante da moral proposta pelo Magistério.
A perspectiva pós-moderna identifica o ser feliz com toda forma de prazer,
com a liberação e a satisfação do desejo, com a fuga do sofrimento. A dimensão
ética e espiritual da felicidade é subordinada à dimensão sensível e psíquica. Isso
leva à passagem da cultura dos direitos do homem à cultura do homem dos
direitos, dos quais o mais reivindicado é o do prazer, enquanto fonte e base da
312
felicidade, e substituto do cultivo das virtudes. A ética do sucesso continua
reinando em muitas mentalidades e ações sociais.
Essa crise social também se manifesta na política, através da corrupção, do
clientelismo, do autoritarismo, do oportunismo e de tantas outras práticas de abuso
de poder e ganância irresponsável.
As ameaças ecológicas resultam do impacto do industrialismo crescente
sobre o meio ambiente material. Fazem parte de um novo perfil de risco
introduzido pelo advento da Modernidade, característico da vida social de hoje.
O pensamento pós-moderno entende a si mesmo como um processo de
libertação do uno, do imutável e do eterno para a diferença, a pluralidade, a
mudança e o contingente. Tudo é considerado como produto do tempo e do acaso.
Dessa forma, o pensamento das essências cede lugar ao pensamento de uma
estratégia inteligente para lidar com a contingência. No clima cultural de Pós-
Modernidade, o ritmo das mudanças e o caráter efêmero das contínuas novidades
tornaram-se exasperados. Agora, tanto a vida como o mundo tornaram-se
perecíveis, mortais, fúteis.
A sociedade de hoje valoriza a liberdade individual e incentiva o indivíduo a
buscar os critérios do seu comportamento a partir de si mesmo, da sua razão e
liberdade, assumindo uma atitude autônoma e crítica face aos valores tradicionais.
Os conceitos morais dos tempos modernos estão adaptados ao reconhecimento da
liberdade subjetiva da pessoa humana. Fundam-se, por um lado, no direito do
indivíduo de discernir como válido o que ele deve fazer. A vontade subjetiva ganha
autonomia em relação às leis universais.
Assistimos hoje a uma forte contribuição de dois fenômenos: o
enfraquecimento do sentido do pecado e a força e a influência dos Meios de
Comunicação Social na vida das pessoas que ditam novos modos de agir. O
fenômeno mais grave, na atualidade, é a a-moralidade, a perda do sentido ético. Ao
mesmo tempo, há um descontrole do vício das drogas e da criminalidade, além dos
escândalos na política, na economia, no sindicato e na sociedade. Vive-se no
relativismo de valores. Há um enfraquecimento da consciência diante do
fortalecimento das paixões (desejo e prazer) e do privilégio destas de intencionar o
verdadeiro.
313
Chama-nos a atenção, neste momento histórico, o grande pluralismo de
valores, numa proliferação do relativismo, sob a égide do “não existe nada de
absoluto”, do “vale tudo”. Com isso, mergulhamos no campo do efêmero, do
instável, do banal, do “viver cada instante”, do “viver o aqui e agora” à margem de
toda moral.
5.2. A consciência moral, em Bernhard Häring
Na perspectiva da moral manualística, a consciência é um juízo de liceidade
ou iliceidade dos atos individuais, descuidando-se do fato de que a consciência
moral reflete a complexidade da pessoa em diálogo com o mundo e com Deus.
Nela, a moral é desligada da dogmática, sobretudo da espiritualidade. No entanto,
dentro da própria casuística encontramos exceções de destaque como Santo
Alfonso (1696-1787) que, por razões pastorais, é sensível, sobretudo a uma moral
que leva em conta o primado da liberdade na pessoa humana. A sua teologia moral
é um exemplo claro da teologia da graça, que é o distintivo característico da vida e
obra alfonsiana: o amor de Deus é superabundante, próximo e operante. O sistema
manualístico de Santo Alfonso ressalta o chamado radical do Evangelho à
santidade com o chamado de Deus nos sinais dos tempos.
Também no sentido de uma renovação histórica, há que se considerar a
importância da Escola de Tübingen, que representou uma séria tentativa de
reformular a teologia moral de maneira coerente. Do ponto de vista dos livros de
moral, vários teólogos moralistas, seguiram o exemplo desta Escola, buscaram
estruturar uma teologia moral mais positiva da vida cristã e não apenas uma moral
de confessionário, para ver como deve agir o cristão a fim de ser fiel à graça e ao
compromisso de seu batismo. A renovação do pensamento católico alemão
apresentado pela Escola de Tübingen vai influenciar decisivamente nas obras de
Bernhard Häring.
Além disso, a abertura ao mundo moderno em todas as direções caracterizou
o trabalho do Concílio Vaticano II, ao tratar de temas como liberdade de
consciência, ecumenismo, diálogo inter-religioso, atenção às ciências e à dimensão
política, etc. Reconhece-se facilmente, nos documentos conciliares, a influência
314
dos grandes movimentos de renovação que surgiram anteriormente: movimentos
de renovação bíblica, litúrgica e patrística, voltados, sobretudo para o apostolado
leigo. Häring foi um dos personagens-chave do Concílio e de seu desenvolvimento
teológico posterior. O seu nome ficará definitivamente associado à renovação da
teologia moral segundo o espírito do Vaticano II.
Um dos elementos característicos da Gaudium et spes é a leitura da história
humana através do uso do termo “pastoral”, pois o Concílio quis enfrentar os
problemas do mundo que interpelam a vida contemporânea. No n. 16 da Gaudium
et spes, o Concílio Vaticano II trata especificamente da consciência moral. Este
parágrafo concernente à “dignidade da consciência moral” se insere organicamente
na síntese antropológica do primeiro capítulo da primeira parte da Constituição. Na
primeira parte, a consciência é vista como a transcendência da pessoa humana, na
sua interioridade, onde se verifica o encontro pessoal com Deus. A segunda parte
da citação descreve o nível de juízo da consciência, ou seja, da capacidade
cognoscitiva, avaliativa e decisional direcionado para o “agir moral” verdadeiro e
bom.
Tanto na Gaudium et spes quanto em outros documentos conciliares é dado
um amplo espaço à centralidade da consciência moral e à sua dinâmica
experiencial. As categorias utilizadas são: o encontro pessoal, as relações íntimas
com Deus e a descoberta progressiva da lei divina inscrita no coração humano.
Sobretudo pelo tema da consciência moral, amplamente descrita no n. 16, o
Concílio é considerado pelos historiadores da teologia moral um verdadeiro ponto
de não retorno.
Para a história da teologia moral, uma importância decisiva reveste a
colaboração oferecida por Häring no decorrer da redação definitiva do decreto
sobre formação sacerdotal Optatam totius. Concretamente, a ele se deve a redação
do n. 16 deste documento, no qual se manifesta abertamente a escolha do Concílio
em favor da renovação da teologia moral.
A pastoralidade é um traço característico tanto da moral de Santo Alfonso
como da moral de Häring. Trata-se de uma mudança de ênfase e de perspectiva,
particularmente, da lei ao Evangelho. Por isso, Häring é considerado um dos
maiores inspiradores e líderes do período da renovação da Teologia Moral na
Igreja Católica.
315
O cristocentrismo é o princípio teológico da Moral Renovada, fundada sobre
as implicações éticas do evento Cristo. O Filho é o lugar de encontro do chamado
de Deus e da resposta humana. Vivendo desse Espírito, participamos plenamente
da vida do Salvador e da sua missão libertadora. Por outro lado, o personalismo é o
princípio antropológico da Moral Renovada.
Para Häring, a moral cristã não culmina no antropocentrismo, nem no
teocentrismo estranho ao mundo e sim na união sobrenatural do homem com Deus,
no diálogo, na “responsabilidade”. A perspectiva básica da teologia moral de
Häring está na integração da atitude religiosa e da atitude ética na existência cristã.
Neste sentido, a linha principal da teologia moral de Häring é sempre
cristocêntrica, eclesial e sacramental. Häring desenvolve a sua reflexão moral
baseada na existência concreta da pessoa humana, na responsabilidade e no amor.
Trata-se da atitude do cristão frente à sua existência no mundo e frente às
estruturas e instituições.
A Lei de Cristo é considerado um divisor de águas, um manual de nova
concepção que recolhe e funde juntas, velhas e novas instâncias, sendo da primeira
fase do pensamento de Häring. Mesmo ainda preso aos esquemas tradicionais, o
autor opta seguramente por uma vocação cristã concebida como resposta concreta
da pessoa humana ao apelo de Deus em Cristo Jesus. A moral não é nada mais que
a resposta humana ao chamado de Deus e à Lei de Cristo, ou seja, uma moral da
responsabilidade em Cristo. A lei de Cristo é lei da graça que infunde e condiciona
a vida e o comportamento do fiel.
Para Häring, o problema fundamental da Moral cristã é sempre o mesmo:
“Como poderemos corresponder ao imenso amor que Deus nos demonstrou em
Jesus Cristo?” A única resposta adequada da parte da pessoa humana é um amor
adorador e obediente, uma adoração amorosa. Ou seja, na Moral de Bernhard
Häring, fé e vida sempre se encontram e se complementam. Sua Teologia Moral
tem muito de existencial. Superando uma Moral dos atos humanos, centrada no
objeto, Häring prefere centrar-se na pessoa, na complexa realidade do ser humano.
Cristo nos chama e escutamos o seu chamado não pela lei exterior
(legalismo), mas no interior da consciência (personalismo). Neste contexto
cristológico-dialogal, o tema do pecado se apresenta não tanto como a fria
transgressão da lei, mas como a negação ou a debilidade na resposta-seguimento
316
responsável a Cristo. A conversão, tema novo com relação aos manuais anteriores,
realiza de modo positivo a recuperação da graça no contexto do dinamismo da vida
cristã com suas vicissitudes de infidelidade e recuperação.
O eixo central da obra A lei de Cristo, de Bernhard Häring, é o seguimento
de Jesus Cristo. Häring parte do mistério da salvação, que se resume na palavra
central da Bíblia: basiléia – o “Reino do amor de Deus”. A liberdade cristã,
particularmente como descrita pelo Apóstolo dos Gentios, é a chave de leitura
bíblica da Teologia Moral de Häring. Neste sentido, o manual A lei de Cristo foi
escrito, buscando valorizar o dom do discernimento e a leitura dos sinais dos
tempos, com uma Moral que deve ser expressa nas atitudes do dia-a-dia.
A Lei de Cristo foi o primeiro manual completo de Teologia Moral que
propõs responder tanto à “insatisfação” produzida pela moral casuística, como às
aspirações de renovação. Ao converter-se em texto-base de Teologia Moral, foi um
fator decisivo de mudança da mentalidade católica no campo da Moral. À luz do
esquema de chamado-resposta, as realidades básicas da vida moral cristã
(responsabilidade, consciência, pecado, conversão) trazem uma dimensão nova,
que estava ausente na moral casuística. O autor, Häring, e a obra são símbolos da
Moral Renovada. Pois, significam uma mudança de orientação na Teologia Moral
antes, inclusive, do Concilio.
Em Livres e fiéis em Cristo, a Teologia Moral de Häring acentua mais o
enfoque na pessoa humana que responde do seu coração, numa liberdade criativa e
numa fidelidade ao chamado de Deus. Fica definitivamente superada uma visão da
Moral baseada na exterioridade dos atos, para adentrar-se numa antropologia de
pretensão mais integrada e integral da pessoa humana.
A liberdade na qual pensa Häring é vinculada à fidelidade. A uma obediência
cega às normas, Bernhard Häring contrapõe uma moral da consciência livre e fiel.
É uma liberdade fiel a Cristo, que é a liberdade encarnada e nosso libertador. A
minha liberdade demonstra ser um dom de Cristo somente quando se torna fiel à
lei da vida: a vida em Cristo; quando é fiel à herança do passado; quando é fiel à
sua responsabilidade pelo momento presente de salvação, ou seja, pelos sinais dos
tempos; quando é fiel à aspiração de todas as pessoas para a mesma liberdade.
Antes de tudo, a liberdade é um dom de Deus e a obra de Cristo consiste na
libertação total da pessoa humana.
317
A liberdade nasce então e se realiza no interior do amor entre Deus e o ser
humano. A fé é um “sim” livre do ser humano a Deus. Somente podemos viver em
paz quando respondemos a este chamado: a lei do amor de Deus e do próximo que
é inscrita no coração humano. À luz da relação concreta entre Deus e a pessoa
humana, a responsabilidade é pressuposta como característica fundamental e
inseparável, como resposta ao chamado de Deus. Portanto, a fidelidade responsável
é a resposta justa.
A opção fundamental brota do núcleo da pessoa e orienta basicamente todas
as suas decisões. Frente ao reducionismo da moral de atos, em Livres e fiéis em
Cristo, Häring oferece a alternativa da moral de opção fundamental. A pessoa
humana está na profunda dependência de Deus, como criatura, e é chamada a dar
uma resposta a Deus, por meio da orientação básica da sua vida que envolve toda a
liberdade individual.
No mundo, se verificam duas linhas de responsabilidade humana:
solidariedade de perdição num mundo decaído ou solidariedade da salvação em
Cristo, Deus feito homem e, como tal, parte do mundo. O mistério de Cristo revela
a ambigüidade do mundo através do mistério da cruz. Häring fundamenta a moral
do cristão por meio da vivência como discípulo de Jesus. Cristo é palavra, verdade
e amor encarnados. Na redenção é reconhecida a própria origem do amor de Deus.
A pessoa humana livremente corresponde a Deus no seu amor. Sucessivamente,
Häring, tratando do amor, fala do serviço, um primado do amor para com o
próximo.
Quanto à eclesiologia, Häring aceita a estrutura da hierarquia da Igreja, mas
insiste numa igreja como Povo de Deus, uma koinonia dos seguidores de Jesus,
pela força do Espírito. A Igreja, em sua vida e prática, deve ser um sinal do mundo
da liberdade. A Igreja mesma é chamada a ser o grande sacramento de conversão.
Ela é o sinal e o instrumento desta progressiva inserção da humanidade na vida
trinitária.
Também em Livres e fiéis em Cristo, Häring propõe uma teoria holística da
consciência como oposição às noções incompletas que vêem a consciência como
uma faculdade particular do intelecto ou vontade, ou tendências reducionistas que
vêem a consciência do ponto de vista de fatores sociológicos e/ou psicológicos. Na
318
totalidade e na abertura da nossa consciência nós somos um sinal real da força do
Espírito que renova o nosso coração e, através de nós, toda a terra.
Uma consciência autenticamente cristã é assinalada pela liberdade criativa e
fidelidade que brota da fé em Cristo. Uma consciência cristã madura não
considerará a fé como um catálogo de coisas e fórmulas. Pois, a fé como relação
íntima com Cristo desperta em nós o desejo ardente de conhecê-Lo.
A nova situação da sociedade pluralista, e por vezes confusa, faz da virtude
da crítica um imperativo. Todos os que não estão dispostos a cooperar na
corporificação da liberdade, da fidelidade, da bondade e da não-violência no
mundo que os cerca, não buscam viver o espírito de Deus. Segundo Häring, a
nossa consciência é um grito, uma aspiração à integridade pessoal e, portanto, à
nossa salvação.
5.3. Pistas de ação
A proposta da Parte III da Tese é de, a partir das reflexões em relação à
consciência moral feitas por Bernhard Häring, apresentar algumas considerações
no tocante a este tema, tendo em vista os desafios suscitados pela
Modernidade/Pós-Modernidade.
Hoje, o tema da consciência moral está na ordem do dia. A afirmação dos
direitos da consciência individual, da sua liberdade fundamental, frente a todos os
despotismos e a todas as opressões, é um elemento essencial do nosso moderno
patrimônio cultural.
No entanto, o exame do vocábulo “consciência moral” mostra-nos hoje uma
pluridimensionalidade de conceitos, com planos diferentes de uma mesma
realidade. Muitas vezes, ela é identificada com o superego freudiano, com todo um
conjunto de doutrinas e normas em relação ao lícito e ilícito, os modelos de
comportamento a praticar ou a evitar, recebidos desde a infância de qualquer
autoridade externa e introjetado no sujeito de modo ainda pré-pessoal. Para outros,
a consciência moral está relacionada exclusivamente ao juízo, tendo em vista o
moralmente bom e reto em si, a qualidade moral da própria atitude e do
comportamento.
319
Percebemos, assim, que o fenômeno da consciência moral é algo muito
complexo. Além disso, frente aos desafios do mundo atual, a consciência moral
tornou-se uma realidade extremamente dinâmica. Por outro lado, vale a pena
ressaltar que não existe uma consciência moral definitiva, em nenhuma idade.
Muitas vezes, vivemos o fenômeno da consciência moral como um eco da
sociedade. A força cultural da humanidade condiciona a nossa consciência. Não
somos nada mais que um eco desta consciência cultural, pois, a consciência
individual nasce dentro dessa consciência coletiva. Ela se alimenta e se desenvolve
a partir da consciência social.
Na visão do personalismo cristão, a consciência não é uma simples parte ou
uma particular função da pessoa humana, mas, no fundo, a própria pessoa.
Conseqüentemente, cada visão isolada, que a separa da totalidade humana, torna-se
somente um fragmento ou, senão, uma falsificação dos problemas e das suas
soluções. É preciso considerar a pessoa integral como o sujeito da vida moral e ver
esse sujeito inserido nas coordenadas do tempo, espaço, grupo, sexo e caráter.
Falar de consciência significa falar da pessoa humana na sua totalidade e
intimidade consigo mesma e, neste sentido, é sempre um mistério. Pois, a
consciência humana enquanto expressão da totalidade da pessoa é uma realidade
complexa, na qual convergem, numa relação complementar e dialética, os diversos
aspectos ou momentos da experiência pessoal.
Tendo em vista este novo paradigma personalista, vale a pena destacar as
conquistas mais fundamentais da teologia da consciência moral em Gaudium et
spes n.16, ou seja, a existência da consciência categorial: “faz isso, evita aquilo” e
a existência da superior consciência transcendental como profunda interioridade
onde o humano se encontra a sós com Deus, numa tensão de amor, que se estende
de Deus para o próximo.
A realidade da consciência cristã é histórica pelo fato de que se refere a um
sujeito que na história é chamado a conhecer e realizar a sua identidade cristã. É a
pessoa concreta, enquanto ela se encontra conscientemente diante da sua decisão
fundamental de agir e de responder ao chamado de Deus.
Como afirma o Concílio, a consciência é o núcleo mais secreto da pessoa
humana. Nenhuma autoridade pode introduzir na consciência alheia e profanar esse
sacrário da intimidade pessoal. Da consciência recebe a pessoa a sua dignidade,
320
enquanto a abre ao diálogo com Deus. Podemos afirmar que a consciência tem em
vista a autêntica realização do eu individual, numa realidade concreta. Por meio
dela, a pessoa é conhecedora de si como ser ético, como realidade chamada a uma
auto-realização na atuação do bem.
Hoje, mais do que nunca, a educação da consciência moral exige a superação
das armadilhas do individualismo moderno, visando uma ética da solidariedade e o
reconhecimento da dignidade de cada pessoa humana. Neste sentido, a formação da
consciência moral deve preocupar-se com a busca da profundidade da vida, em
todos os seus aspectos. Daí, o papel da Igreja como insubstituível educadora,
buscando a plenitude da realização humana. Pois, é inegável que a vida de fé tem
um forte impacto na maturação da consciência.
No entanto, a educação é um processo delicado. Neste sentido, a formação se
realiza através da dinâmica da comunhão fraterna (koinonía), da presença
testemunhante de pessoas credíveis (martyria) e do serviço humilde ao outro
(diakonía).
A profundidade e complexidade da consciência e o papel que a compete em
toda a vida moral fazem facilmente intuir a necessidade de uma correta formação.
Hoje, mais do que em qualquer outro tempo, é preciso a educação da vontade. É
preciso também considerar a presença da graça, com a respectiva resposta do
esforço humano.
O único caminho que nos resta é o da educação com liberdade e
responsabilidade, lembrando que “a educação da consciência é uma tarefa de toda
a vida” (cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 1784). No entanto, a educação
fundamental da consciência cristã não é uma educação para um aperfeiçoamento
moral, mas para a responsabilidade diante do compromisso de colaboradores da
história da salvação.
Ou seja, a educação cristã da consciência é, antes de tudo, uma educação
para a docilidade ao Espírito e para a vivência do amor, no cultivo das virtudes (Cf.
Catecismo da Igreja Católica, 1803-1829). Trata-se de uma educação para atitudes
firmes e estáveis na procura do bem, mais do que procura escrupulosa de
determinar regras e preceitos para todo e qualquer caso.
Na formação da nossa consciência moral, temos diversas autoridades
consideradas fundamentais: genitores, educadores, catequistas, bons testemunhos.
321
A autoridade do Magistério eclesiástico se insere neste contexto. Tem, todavia uma
responsabilidade específica: o compromisso de recordar ao conjunto da
comunidade de fé as exigências da fidelidade a Cristo.
“Vós sois chamados para a liberdade” (Cf. Gal 5,13). Esta afirmação de
Paulo é o manifesto da educação no discernimento moral cristão. Mas, hoje existe
a ilusão da liberdade absoluta, da auto-suficiência que nos faz fechar os olhos
frente aos nossos próprios limites. As formas negativas de liberdade confundem
liberdade com permissividade. Ao mesmo tempo, como a nossa liberdade é uma
liberdade encarnada, é profundamente condicionada. O cristão deve ser visto
sempre inserido na realidade do seu “entorno social”, em sua dimensão histórico-
temporal.
A comunidade cristã deve testemunhar de maneira clara e significativa a
centralidade e a fundamentação da Palavra de Deus em todo o caminho de
discernimento moral. É uma palavra viva, que chega à consciência não somente
através da Sagrada Escritura, mas também através da vida da comunidade, em
todas as suas expressões. Por outro lado, a comunidade cristã é chamada a prestar
particular atenção à voz dos pobres e dos últimos da sociedade. A consciência não
poderá nunca individuar efetivamente o bem se no caminho do discernimento não
dá espaço à escuta atenta das esperanças, necessidades e denúncias dos últimos e
dos pobres.
A pessoa humana é sujeito de si: da sua própria vida, das suas decisões, das
suas próprias ações. Este é um dado decisivo da dignidade humana. O agir consiste
no escolher e decidir-se. A partir da opção fundamental, as escolhas particulares,
que constituem a trama da vida cotidiana, recebem o seu sentido. Pode acontecer,
no entanto, que uma decisão particular a contradiga, como pessoa.
Toda decisão ética particular é fruto da resposta à pergunta: “O que devo
fazer nesta situação concreta?” Pois, decisão ética só tem sentido quando é
“responsável”, quando constitui “resposta” do eu às exigências de sua própria
realização. Expressa-se a decisão moral prevalentemente mediante opções e
atitudes. Ou seja, ela se instala preferentemente na opção fundamental da pessoa,
que orienta todo o dinamismo moral humano.
Cada ser humano no seu agir cumpre uma série inumerável de escolhas,
também se não todos os momentos do agir são frutos de escolhas. É, acima de
322
tudo, uma primeira decisão da razão, mas de uma razão não unicamente discursiva,
porque atenta à experiência. Sem cair no racionalismo moral que faz depender a
qualidade moral de um ato da quantidade de racionalidade que se põe, deve ser
pacífico que nenhuma decisão pode pretender ser reta senão como resultado de
uma reflexão.
A experiência de uma comunidade de fé, as celebrações litúrgicas, os
ensinamentos do Magistério, a vivência do testemunho, tudo isso contribui para
uma boa formação pessoal da consciência e também ajuda no julgamento das
decisões. A decisão última da consciência cristã é sempre da própria pessoa, mas
que se percebe nesta dinâmica de discípula de Jesus, numa relação de irmãos e
irmãs.
A verdadeira liberdade, porém é um sinal eminente da imagem de Deus na
pessoa humana. Daí torna-se preciso avaliar o quanto possível as previsíveis
conseqüências dos nossos atos. No confronto entre proposta de Deus e resposta
humana surge a responsabilidade. Nesta dinâmica, a pessoa humana é responsável
pelos próprios atos e é custódio do seu irmão.
Também a reciprocidade das consciências é um conceito chave da
antropologia humanista e personalista. É através deste encontro que se aflora o
conhecimento pessoal de si mesmo. Somente em comunhão, o ser humano pode
abrir os seus olhos da razão na busca da verdade e desenvolver a sua faculdade de
comunicação verbal e vital. Na fidelidade da consciência, os cristãos se unem, uns
aos outros, para buscar a verdade e para resolver os diversos problemas morais,
que surgem tanto na vida individual quanto social.
A princípio, porque não podemos nunca saber tudo sozinho, devemos
entregar-nos à ajuda do conhecimento e da competência dos outros.
Essencialmente, na maior parte dos casos, buscamos a verdade, confiando na
veracidade dos outros. Ao mesmo tempo, o respeito pela consciência do próximo é
condição sine qua non ao respeito pela própria consciência. Não existe uma sadia e
verdadeira consciência do meu “eu” autêntico, fora da essencial relação com os
outros.
Decisivo é também a escuta do Magistério da Igreja, feita com sinceridade,
em razão da missão particular a ele confiado. Na reciprocidade das consciências
nos distanciamos do cego arbítrio. O poder do testemunho é aquilo que mais
323
influencia na nossa formação. Portanto, para um amadurecimento e uma boa
formação do caráter, não precisamos simplesmente prestar atenção nas regras de
uma instrução moral explícita, mas também nas comunidades de vida que nos
influenciam. Nas imagens e crenças que estas comunidades reforçam.
A pessoa humana, para que comporte sabedoria, habilidade e competência é
preciso um aprendizado trabalhoso. Não podemos alegar que somos virtuosos, de
termos um forte caráter moral, ou de dar direção às nossas próprias vidas se nós
agimos simplesmente com base naquilo que nos dizem fazer. A maturidade se dá
por meio da conquista da liberdade no dia-a-dia.
A teologia moral insistiu, durante os últimos anos, em destacar a importância
da categoria “opção fundamental” na estrutura antropológica do dinamismo moral.
A opção fundamental, como orientação, expressa plenamente a responsabilidade e
a capacidade de fazer da própria vida uma resposta de amor a Deus. A situação em
que a pessoa se encontra face ao projeto de Deus, através da opção e orientação
fundamental, é o espaço ou o âmbito da graça. A opção fundamental é a expressão
primária da vida moral cristã. O fiel faz esta opção por Cristo por meio da fé (Cf.
Gal 2,16), que se torna operativa somente através da práxis do amor (Cf. Gal 5,13)
sob a guia do Espírito Santo (Cf. Gal 5,25).
Como decisão fundamental do cristão, a opção fundamental só pode ser
“orientação radical” para Deus. Caracteriza-se a vida da pessoa por ser vida
“escolhida” e “vocacionada”. Por essa decisão fundamental é que os atos da pessoa
ganham sentido. Sendo assim, pode-se condensar o alcance antropológico da opção
fundamental dizendo que ela representa a orientação e direção de toda a vida rumo
ao fim. A noção antropológica de opção fundamental vincula-se ao sentido mais
profundo da liberdade humana.
Por outro lado, ler os “sinais dos tempos” significa entrar em contato com a
problemática da historicidade do ser humano, assumir os valores das realidades
terrestres, para possibilitar um autêntico diálogo entre a religião e o mundo. O
tempo lhe oferece “sinais” da expectativa atual do Messias, sinais da coerência do
Evangelho com a esperança do mundo.
A realização do Reino está necessariamente relacionada com a luta contra a
injustiça. Por isso, a Igreja precisa marcar sua presença e atuação profética de
acordo com opções evangélicas dentro dessa situação de gritante injustiça social,
324
oferecendo seu serviço e sua efetiva participação na transformação da sociedade
pelo bem dos empobrecidos e excluídos.
A pobreza é um fator desumanizador, tanto do indivíduo como da família e
do grupo social. A sociedade justa não pode ser obra da Igreja; deve ser realizada
pela política. Mas toca a Igreja, e profundamente, o empenhar-se pela justiça
trabalhando para a abertura da inteligência e da vontade às exigências do bem.
Além das injustiças, a crise ecológica aponta para a decadência do atual
paradigma de intervenção no meio ambiente e de convivência entre os seres
humanos e destes com a natureza. Trata-se de uma crise de civilização, de valores
e das relações humanas entre as pessoas, os povos, e das relações entre estes com a
natureza. Ela não diz respeito apenas às várias formas de poluição, nem mostra
apenas o fracasso das relações seres humanos - criação, mas o fracasso dos
sistemas econômicos, políticos e sociais vigentes.
O domínio depredador, abusivo, meramente instrumentalizador do mundo,
não constitui uma administração responsável. O progresso de tipo mecanicista e
tecnocrático ameaça a sobrevivência mesma da espécie humana. Se quisermos
frear a destruição da natureza, teremos que modificar as relações econômicas e
sociais da sociedade humana.
Nada vive isolado na natureza. Um ser depende do outro para sobreviver.
Para o conjunto de vida do planeta, não existem seres mais ou menos
importantes. Se nós somos seres-no-mundo, integrados na realidade global que
nos rodeia, a deterioração do entorno natural afeta gravemente a nossa estrutura
pessoal.
Hoje, em nossa cultura, há uma ideologia na qual a natureza é concebida
como ilimitada provedora de recursos, sempre a serviço dos seres humanos, sem
direito próprio. Mas, nós não somos donos da natureza, somos parte dela e,
portanto, co-responsáveis pela manutenção do equilíbrio ecológico. Para isso, é
preciso uma revolução cultural da consciência.
Na cultura moderno-contemporânea, há uma centralidade do indivíduo,
considerada como sujeito de direitos, decisões e ações. Há, pois, uma ênfase sobre
a formação da consciência individual e a responsabilidade pessoal. Mas, o
contraste entre atitudes e interesses individuais pode levar à competitividade, à
falta de solidariedade, no contexto da “ideologia do individualismo”. O
325
agravamento da pobreza, da degradação do ambiente e do desemprego estrutural,
demanda um novo pacto ético da humanidade, sem o qual o futuro pode ser
ameaçador para todos.
A evangelização confere ao fiel uma nova e mais profunda consciência de si,
da própria identidade e da vocação centradas em Cristo. Daí, a necessidade de uma
nova evangelização, com o objetivo de se alcançar uma maior maturidade das
consciências cristãs, tornando os conteúdos do Evangelho mais eficazes. Pois, o
compromisso dos cristãos encontra a sua forma real no fazer o que Jesus fez. Isto
requer um engajamento lúcido a favor da vida, fazendo da opção pelos pobres ao
mesmo tempo seu desafio primordial e a condição de sua conversão.
Na revelação cristã, Jesus Cristo é a expressão concreta de Deus Pai, no seu
amor para com a humanidade. A pessoa humana é capaz de dialogar com Deus
porque criada à Sua imagem e semelhança é aberta à comunicação de Deus e, ao
mesmo tempo, tem a capacidade de responder, por meio dos dons do Espírito
Santo. Superando as limitações da heteronomia e da autonomia, a ética do
seguimento se concretiza positivamente na “obediência amorosa” e no “amor
obediente”. Portanto, a ética cristã é uma ética mística, que se concretiza por meio
da fé.
A consciência cristã está de frente ao Deus vivo, ao Deus que continua a
operar no mundo, na Igreja e no nosso coração. O Deus que nos chama na
originalidade irrepetível de cada um, a experimentar da sua plenitude e do seu
amor, por meio do Mistério Pascal. A santidade da Igreja consiste na vontade de
viver como povo de Deus nesta contínua peregrinação.
A atitude cristã é necessariamente empenho perseverante pela transformação
da sociedade rumo à realização dos autênticos valores humanos e invocação
constante – como na oração de Jesus – da vinda do Reino. Portanto, a realização do
reino de Deus constitui o princípio e a meta da opção do cristão.
O anúncio da proximidade do Reino, ponto central do kerigma de Jesus,
proporciona a moldura totalizante e a orientação decisiva do comportamento
moral. A moral cristã parte do princípio do Reino de Deus. Uma proposta ética
cristã para o século XXI deve ser ao mesmo tempo, defensora da autonomia da
subjetividade humana e da objetividade dos valores evangélicos.
326
Jesus Cristo não fez outra coisa que revelar o humano ao próprio ser
humano, desvelando o sentido mais profundo da nossa existência. Neste sentido, a
lei nova, que constitui a estrutura normativa do cristão, é a transformação da
pessoa humana em “outro Cristo”, pela presença do Espírito. Portanto, a moral
cristã resume-se na atualização do seguimento de Jesus.
327
6. Referências Bibliográficas 6.1. Referências Bibliográficas de Bernhard Häring
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