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A MUSICALIDADE NA ARTE DE PALHAÇOS
Celso Amâncio de Melo Filho1
Resumo:
O presente artigo discorre acerca da utilização e domínio da música enquanto
ferramenta usual na arte de clowns e palhaços. São abordadas algumas considerações a
respeito de características musicais de clowns em autores estrangeiros e alguns aspectos
históricos relacionados ao uso da música por artistas cênicos e cômicos. Será abordado
o surgimento de diferentes tipos de clowns, como o clown musical, bem como algumas
particularidades brasileiras verificadas na existência dos palhaços cantores no final do
século XIX e em exemplos de artistas do século XX e da atualidade.
Palavras-chave: Clown – Clowns Musicais – Palhaços – Excêntricos musicais
– Palhaços cantores – Circo – Teatro – Música.
Durante um dos ensaios gerais do espetáculo Água, do companhia teatral Clã –
Estúdio das Artes Cômicas2, com direção de Cida Almeida, fomos observados por um
grupo que realizava filmagens como prática de um dos cursos3 da Oficina Cultural
Amácio Mazzaropi, no bairro do Brás, em São Paulo. Ensaiávamos neste centro cultural
e o grupo realizava filmagens de trechos de nossas atividades que ocupavam o pátio
central do prédio. Faz parte das pesquisas do Clã o treinamento da máscara do clown, ou
palhaço, sendo o Água um espetáculo no qual todos os atores interpretam palhaços.
1 Bacharel em música pela Universidade Federal de Uberlândia e mestrando em artes cênicas pela
Universidade Estadual Paulista, sob orientação do Prof. Dr. Mario Fernando Bolognesi. Contato: [email protected] 2 Clã – Estúdio das Artes Cômicas, núcleo da cooperativa paulista de teatro, fundado em 2001
com uma metodologia fundamentada pelo estudo da pedagogia das máscaras de Jacques Lecoq, bem
como uma pesquisa voltada ao intérprete cômico popular brasileiro, valendo-se do circo e da máscara do
palhaço entre seus estudos e práticas. O grupo é dirigido por Cida Almeida, atriz e diretora formada pela
Escola Arte Dramática ECA-USP que, desde 1987, ministra cursos e dirige espetáculos com base na
referida pedagogia. O ensaio citado foi realizado no dia 29 de outubro de 2011. 3 Núcleo Audiovisual “Oficina Cultural Amácio Mazzaropi e seu entorno - Lugar de memória,
lugar de criação”. Oficina de documentário coordenada por Angelo Szamszoryk.
Como um destes, faço uso do violino na peça. Em um dos momentos de pausa, uma
moça do grupo veio conversar comigo e se mostrou bastante surpresa por ver um
palhaço tocando violino.
Talvez para a maioria do público brasileiro atual pode parecer incongruente
que um palhaço execute um instrumento musical, em particular o violino, talvez por
estar comumente associado aos músicos de orquestras sinfônicas e um ambiente
considerado muito diverso daquela que é associado ao palhaço, ou seja, o circo. Ou
ainda porque há uma noção de que o músico que o toca precisa ter aprendizado e
habilidades especiais que não fazem parte do trabalho de um palhaço. Porém, o domínio
da música foi, e ainda continua fazendo parte do conjunto de saberes e práticas que
compõe o arsenal técnico dos artistas circenses em geral, em particular dos que são
clowns, além de outros tipos de artistas que possuem na versatilidade e na
multiplicidade de técnicas seu diferencial. As designações Clown e palhaço, neste
trabalho, serão tratados como sinônimos, referindo-se sempre ao mesmo tipo, seja ao
tratar da máscara em sua perspectiva histórica ou ao citar os artistas do circo brasileiro.
A arte dos clowns e outros tipos de personagens e máscaras cômicas sempre
foi intrinsecamente ligada à música, assim como à interpretação teatral e outras
habilidades que hoje são denominadas como circenses. A existência de artistas que
trabalham com múltiplas técnicas em espetáculos de variedade pode ser verificada
desde a Grécia antiga e do Império Romano, em artistas que eram chamados de mimos.
O pesquisador Robson Corrêa de Camargo, ao discutir a importância de estudar o teatro
além de seu texto escrito ou falado, cita as capacidades do mimo romano, numa
descrição que inevitavelmente nos remete ao espetáculo de circo:
As companhias de mimo romano apresentavam uma variedade
infindável de números, conforme a disponibilidade e capacidade de seus atores: trapézio, equilibristas, cuspidores de fogo, engolidores de
espada, ilusionistas, animais treinados; algumas vezes participavam
nas peças atores com pernas de pau, canto e outros números que pudessem atrair a plateia. (CAMARGO, 2006, p. 2).
Essas características dos mimos da antiguidade sobreviveram no trabalho de
numerosos grupos de artistas que continuaram a realizar apresentações misturando
técnicas variadas por toda a Idade Média e posteriormente. Apresentavam-se a um
público vasto, sem necessariamente se restringirem a um único setor da sociedade, já
que atuavam em locais tão diversos como feiras, praças, palcos improvisados sobre
bancadas de madeira (daí a origem do termo saltimbanco), teatros, cortes e, a partir de
fins do século XVIII, também em circos.
Por influência deste tipo de artistas, o palhaço circense tem em sua
constituição uma variada gama de personagens cômicos que engloba máscaras da
commedia dell’arte4 italiana com seus arlequins, zannis e pulcinellas, seus equivalentes
franceses como o pierrot, e o clown inglês cujas raízes remetem à Idade Média. Os
atores que interpretavam estas figuras cômicas, independente de representarem
personagens rústicos, idiotas, torpes, espertalhões ou ridículos, tinham a música como
parte de um conjunto de saberes e práticas usuais. Entre esses entremeios, a música não
cumpre exclusivamente sua função musical por si, mas se torna elemento cênico e
cômico. A comicidade musical passa a ser então o cruzamento de técnicas dos atores
com as características representativas que cada máscara, ou personagem, impõe.
No final do século XVIII, iniciou-se constituição de um espetáculo
que uniu os opostos básicos da teatralidade, o cômico e o dramático;
associou a representação teatral, dança, música, bonecos, magia, a pantomima e o palhaço com as acrobacias de solo e aéreo com ou sem
aparelhos, o equilíbrio, as provas equestres e o adestramento de
animais em um mesmo espaço. (ABREU e SILVA, 2009, p. 47).
Este tipo de espetáculo que ficou denominado como “Circo”, desenvolvido
inicialmente na Inglaterra e França, rapidamente abarcou os artistas tão versáteis
4 Forma teatral existente desde o século XV, provavelmente originária de formas populares, dos
saltimbancos, malabaristas e bufões do renascimento. Caracteriza-se pela criação coletiva de espetáculos
improvisados a partir de um enredo sumário. Os atores representam tipos fixos, a maioria destes portando
máscaras grotescas que designam o ator pelo nome de sua personagem (Arlequim, Pantaleão, Pulcinella,
entre outros) (PAVIS, 2001, p. 61-62).
daquele período, criando novas formas de organização de seu trabalho. Os clowns,
personagens cômicas do teatro inglês que rapidamente se incorporaram aos circos,
sempre se adaptaram às necessidades destes. O contato com as diversas modalidades
artísticas dos saltimbancos provocou também a “adoção do mesmo procedimento para
com as demais habilidades. Assim, criaram-se clowns saltadores, acrobatas, músicos
(...) etc.” (BOLOGNESI, 2003, p. 65).
Portanto, a primeira noção para se observar a música no contexto dos clowns
ou palhaços está em compreendê-la como intrínseca a esta arte, parte indissociável de
seus números, assim como a acrobacia e o malabarismo. Para citar alguns exemplos
acerca destas particularidades técnicas que constituem um clown, podemos recorrer a
autores variados. Dario Fo, ao discutir este personagem, aponta seu ofício como
afim do jogral e do mimo greco-romano, para o qual concorrem os
mesmos meios de expressão: voz, gestualidade acrobática, música, canto, acrescido da prestidigitação (...) Praticamente todos os grandes
clowns são habilíssimos malabaristas, engolidores de fogo, sabem usar
fogos de artifício e tocam perfeitamente um ou mais instrumentos. (FO, 2004, p. 304).
Para Tristan Rémy, um clown menos engraçado se salva se for também
músico (RÉMY, 2002, p. 413). Este historiador circense francês, em sua obra Les
Clowns, dedica um capítulo aos clowns músicos, domadores, políticos e humorísticos.
O pesquisador comenta que os bons clowns são frequentemente instrumentistas hábeis,
referindo-se a vários exemplos que se valiam da música em seus números cômicos,
como as famílias Cairoli, Fratellini e o clown Grock, tendo este último utilizado a
música como principal linha de seus números. Relata que possivelmente foram os
irmãos Price, no século XIX, quem fizeram a habilidade musical passar de um
acessório do jogo clownesco para uma especialidade. Embora devemos levar em conta
que a prática musical por parte de atores cômicos ser muito mais antiga, não sendo
possível ter certeza do quão especializados eram os artistas predecessores. Mas
independentemente do surgimento de grupos de clowns mais dedicados à arte musical,
Rémy lembra que não se pode deter exclusivamente a estes, já que alguns utilizam a
música como ferramenta cômica ocasionalmente, desenvolvendo números musicais ao
lado de seus outros números.
Foi a partir da segunda metade do século XIX que começaram a surgir os
clowns que se dedicavam mais especialmente a alguma técnica, criando diversos tipos
de palhaços. Os artistas de feiras e seus sucessores circenses enfrentavam, desde o
século XVIII, uma série de proibições decorrentes dos privilégios cedidos aos atores da
chamada Comédie Française, culminando na proibição do uso da fala, que passou a ser
exclusividade desta companhia protegida pelo Estado. Segundo Erminia Silva, a partir
de 1865, com a diminuição das proibições, surgem diferentes relações e funções entre
os clowns. Com a permissão da fala, o clown-parleur se posiciona com superioridade
ao clown saltador, resultando, juntamente com outros fatores, na divisão entre um
personagem autoritário, o Clown Branco e o Augusto ou Toni, que encarna o grotesco,
a transgressão, a explosão dos limites (SILVA, 2001, p. 48). Com a expansão das
possibilidades cênicas surgem diferentes funções entre as duplas ou trios de palhaços,
resultando em tipos, ou modalidades, como os clowns acrobatas, os clowns mímicos e
os clowns musicais. Mario Bolognesi, em sua obra Palhaços, traz uma definição da
comicidade deste último:
Este tipo de comicidade transfere para o universo da música as satirizações antes direcionadas às atrações circenses. Os artistas, nesse
caso, devem conhecer um ou mais instrumentos musicais e o intento
maior é o de desconstruir o ritmo ou a harmonia, quando não os dois elementos a um só tempo. É bastante frequente a invenção de
instrumentos musicais inusitados, a partir de materiais e objetos que se
destinam a outros usos, como bacias e penicos. É igualmente comum a
destruição dos instrumentos de maior porte, como um piano, resultado do caráter desastroso do instrumentista. Mas, mesmo destruído, como
superação das dificuldades iniciais, o palhaço consegue, ao final,
executar uma melodia com apuro. (BOLOGNESI, 2003, p. 93).
Segundo Silva, o clown músico é “também identificado no linguajar circense,
inclusive no Brasil, como “excêntrico””(SILVA, 2001, p. 46). Já para Rémy
o
excêntrico é um tipo de clown com características próprias independentes da utilização
da música. Seria descendente direto do Augusto, mas com diferenças em sua maneira de
atuação, geralmente solitária, e com uma interpretação calculada e precisa, sem margens
para improvisação. Este tipo estaria também mais ligado aos Music-Halls5 do que aos
picadeiros (RÉMY, 2002, p. 369).
Pensando no contexto do palhaço brasileiro, José Ramos Tinhorão, em sua
obra Música Popular: os sons que vêm da rua, ao estudar a produção musical dos circos
e pavilhões comenta que
desde a segunda metade do século XIX, entre as atribuições dos
palhaços, além de contar histórias e fazer rir, através de cenas sempre
movimentadas (antecipadoras das comédias de pastelão do cinema), figurava a de cantar ao violão modinhas e lundus numa espécie de
prolongamento do papel dos artistas populares responsáveis, no teatro
do século XVIII, pelos velhos espetáculos de intervalo das peças denominadas entremeses. (TINHORÃO, 1974, p. 141).
Além do trabalho dos clowns e palhaços, a música no contexto circense
brasileiro deve ser compreendida como uma manifestação ampla e diversificada que
englobava diversos espaços, palcos e produções musicais do período, não se limitando a
acompanhamento para os números dos espetáculos.
As produções musicais nos picadeiros acompanharam a multiplicidade de variações de ritmos e formas, que aconteciam nas ruas, nos bares,
nos café-concerto, cabarés, nos grupos carnavalescos, nas rodas de
música e dança dos grupos de pagodeiros, seresteiros, sambistas, de lundu, do maxixe, no teatro musicado com suas operetas e sua forma
mais amplamente usada e consumida, que foi o teatro de revista.
(SILVA, 2007, p.112).
5 Espaços que se iniciaram no século XVIII em pequenas tavernas com programação de danças,
canções, acrobacias e pantomimas. Tornaram-se teatros de variedades muito populares, recebendo o nome
de Music-Hall na Inglaterra e França e de Varity ou Vaudeville nos Estados Unidos. (HARTNOLL,
1975:665)
Erminia Silva refere-se ainda à importância que as bandas, geralmente de
origem militar, sempre tiveram desde os primeiros circos. Segundo Tinhorão, as bandas
de origem militar cumpriram um importante papel para a profissionalização de músicos
brasileiros e divulgação de um repertório tanto popular quanto erudito à população.
Vários circos tinham suas bandas próprias, sendo seus instrumentos também executados
pelos “próprios artistas, ginastas e cômicos” (SILVA, 2007, p. 113). Em outros casos, as
bandas das localidades visitadas participavam como convidadas do espetáculo,
consequentemente um forte intercâmbio se realizava.
Em um encontro realizado na sede do grupo Doutores da Alegria6, Roger
Avanzi, que por décadas se destacou como o Palhaço Picolino nos circos Nerino e
Garcia, comentou a respeito da importância das habilidades musicais para palhaços.
Roger Avanzi lembrou que ele próprio tocava pistom, aprendido na banda do circo
Nerino. Disse ainda que na Europa todos os palhaços tocam pelo menos um instrumento
musical, sendo esta uma “exigência do público”, completando que “tal exigência não
acontece com a mesma força no Brasil”.
Mas, o que se observa quando entramos em contato com as fontes do final do
século XVIII, todo o século XIX até pelo menos a primeira metade do século XX na
América Latina e, em particular no Brasil, é que as habilidades musicais entre os artistas
circenses brasileiros sempre estiveram presentes. Tinhorão enfatiza as características
musicais dos grandes palhaços de tradição europeia, acrescentando ainda certa
particularidade brasileira:
Essa função de menestrel do povo se tornava possível, aliás, pela
tradição que obriga os grandes palhaços a uma certa habilidade
musical, uma vez que entre seus deveres de abaladores da visão convencional do mundo está a de tirarem sons estapafúrdios de
instrumentos normalmente ligados à respeitabilidade musical das
orquestras.
No Brasil essa atividade era ainda mais facilitada porque, vindo os palhaços invariavelmente das camadas mais baixas do povo, a sua
6 Encontro realizado em 17 de novembro de 2011.
adesão ao gosto boêmio das serenatas e do violão podia ser julgada
obrigatória. (TINHORÃO, 1974, p. 141).
Desconsiderando o exagero e a adjetivação com ares preconceituosos ao dizer
que “invariavelmente” os palhaços vinham das “camadas mais baixas do povo”, a obra
de Tinhorão ajuda a entender a importância dos palhaços para a disseminação e
popularização de gêneros da música brasileira. Alice Viveiros de Castro aponta uma
fonte que condiz com o período da afirmação de Tinhorão. Na edição de 27 de agosto
de 1857 do Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro, aparece o anúncio: “o palhaço,
vestido a caráter com sua viola, cantará em linguagem de preto algumas de suas
modinhas...” (CASTRO, 2005, p. 108).
Segundo fontes como esta, na América Latina e em particular no Brasil, parece
haver existido uma ênfase maior na canção do que noutros recursos e gêneros musicais.
Foi também uma singularidade dos palhaços deste continente, em comparação com os
clowns europeus, o fato de, além de canções exclusivamente cômicas e paródias, terem
no repertório canções de natureza sentimental ou romântica, como as modinhas e outros
gêneros que estavam em voga na época. É importante notar que o caráter itinerante dos
circos possibilitou, nesta era pré-rádio, a divulgação da vida musical das capitais para o
interior e vice-versa. Na Argentina temos o exemplo de José Podestá, o palhaço Pepino
88, que na segunda metade do século XIX e começo do século XX, além de cumprir as
funções circenses comuns era violinista, tocava violão e cantava à maneira dos
payadores, cantores peregrinos populares argentinos, sendo divulgador das canções
criollas (SEIBEL apud SILVA, 2007, p. 124).
A arte dos palhaços brasileiros do século XIX incorporou ritmos e gêneros
locais, em especial as modinhas e lundus. Isto se dava por uma preocupação das
companhias circenses estrangeiras em agradar o público das localidades com danças e
canções conhecidas. O lundu enquanto canção tem origem complexa, sendo primeiro
identificado como uma dança que unia a percussão dos batuques africanos com
movimentos do fandango europeu (TINHORÃO, 1991, p. 45). Em sua forma cantada
herda características rítmicas da dança acrescidas de letras cômicas que satirizavam a
situação de submissão dos negros e as particularidades de sua fala, daí a referência a
“linguagem de preto”. Os lundus por seu caráter cômico, satírico e licencioso, tornaram-
se muito presente em representações teatrais, dos picadeiros aos teatros de revista .
Eram negros, filhos de escravos, dois dentre os vários palhaços cantores que
passaram pela história do circo no Brasil, no final do século XIX e início do século XX:
Benjamim de Oliveira e Eduardo das Neves. Homem profundamente envolvido com a
boemia carioca, Eduardo das Neves conseguiu na vida de artista circense a possibilidade
de alcançar uma intensa carreira musical, tornando-se um dos artistas populares mais
conhecidos de sua época e uma das vozes pioneiras em gravações nacionais da Casa
Edison. Benjamim de Oliveira também alcançou grande notoriedade em sua trajetória.
O começo de sua carreira como palhaço foi marcada por ser músico, tocador de violão,
cantor e dançarino de lundu, agradando o público inclusive por cantar em português,
diferentemente de outros palhaços músicos que eram estrangeiros (SILVA, 2007,
p.130). Silva aponta em sua obra numerosas fontes, como anúncios de jornais da época,
em que Benjamim é indicado como palhaço músico, tendo atuado com vários outros
palhaços daquele período. Como exemplo, podemos citar uma propaganda do Circo
Spinelli em que, junto com o clown argentino Cruzet, ambos “apresentariam novas
pilhérias e modinhas, acompanhados ao violão” (SILVA, 2007, p. 189). Benjamim de
Oliveira também chegou a gravar seis discos como intérprete, entre os anos de 1907 e
1912 (SILVA, 2007, p. 237).
Vários referências brasileiras a clowns músicos podem ser encontradas,
mostrando que houve uma continuidade de palhaços cantores e músicos em atuação no
Brasil. Ainda no século XIX temos o exemplo do palhaço português Polydoro, que era
também cantor. Já no começo do século XX podemos citar o Clown Branco Alcebíades
Pereira, que tocava pistom, João Bozan, descrito por Roger Avanzi como “um dos
maiores excêntricos musicais do circo brasileiro”, cuja arte consistia em “transformar
objetos comuns em instrumentos musicais. Ele tirava música de serrote garrafa, moedas,
canos e guizos, entre outros objetos.” (AVANZI e TAMAOKI, 2004, p. 31).
Adentrando no século XX, o documentário O Circo (1965), de Arnaldo Jabor, apresenta
exemplos interessantes. Primeiro mostra um senhor idoso que se identifica como
palhaço Cocó e vive no Retiro dos Artistas, no Rio de Janeiro. Este senhor aparece
cantando ao violão trechos de duas canções, uma de caráter sentimental e outra cômica.
Em outro momento, o filme mostra rapidamente números apresentados no Circo
Guanabara, nos quais o palhaço Treme-Treme se vale de vários recursos musicais
tocando acordeão, uma bateria feita com latas e ainda instrumentos de sopro com outros
dois palhaços. Em sua pesquisa, Mario Bolognesi exemplifica o clown musical no
trabalho da dupla de palhaços Pirin & Pirena, observados no circo Spacial em 1998.
Bolognesi aborda também o palhaço Piquito que cantava e compunha paródias
(BOLOGENSI, 2003, p. 194).
Atualmente existem no Brasil grupos que trabalham a máscara do palhaço com
a música, dentre estes podemos citar a Cia. Teatral Turma do Biribinha, dirigida por
Teófanes Silveira, palhaço de origem no circo de organização familiar; o Circo
Amarillo, grupo argentino radicado em São Paulo; o Circo Zanni, do qual os artistas do
Circo Amarillo fazem parte; o grupo Udi Grudi, de Brasília; o artista Mauro Bruzza, de
Porto Alegre, que além de um trabalho como homem-banda dirige um grupo no qual
pratica o que denomina Clown Music. Uma investigação mais atenta certamente poderá
encontrar muitos outros exemplos em grupos de teatro e circo, como nos inúmeros
circos itinerantes que percorrem o interior do Brasil, em especial nas regiões norte e
nordeste do país, cujos espetáculos são definidos pela atuação dos palhaços, sendo a
música (tocada, cantada e dançada) constituinte do conjunto de saberes desses artistas.
A despeito de uma desvalorização do palhaço enquanto trabalho artístico por
parte do senso comum e mesmo por parte da academia, bem como uma super
valorização por atores que desenvolvem este tipo de personagem, é interessante
perceber, através do trabalhos dos artistas aqui citados, como a arte de clowns e
palhaços carrega consigo uma vasta gama de possibilidades poéticas.
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Rio de Janeiro: FUNARTE, 2009.
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Audiovisual
JABOR, Arnaldo e MELO, Oceano Viera. O Circo (1965). [Filme-DVD]. DVD
produzido por Oceano Vieira de Melo, direção de Arnaldo Jabor. São Paulo: Versátil
Home Vídeo. 1 DVD, 27 mim. Color. som.
Material Empírico
CLÃ – ESTÚDIO DAS ARTES CÔMICAS. Site do Clã – Estúdio das Artes
Cômicas. Disponível em: <www.cladasartescomicas.com.br>. Acessado em: 12 de
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