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BRASIL 12 Cidade Nova • Outubro 2015 • nº 10 MARTINA CAVALCANTI [email protected] A Lava Jato pode parar o Brasil? ete das dez maiores emprei- teiras do país já tiveram executivos investigados na Operação Lava Jato. Fazem parte da lista Odebrecht, Andrade Gutierrez, OAS, Camargo Corrêa, Queiroz Galvão, Galvão Engenharia e Construcap. Essas e outras cons- trutoras sofrem acusações por for- mação de cartel para se beneficiar em licitações e por pagamento de propinas a dirigentes da Petrobras e a agentes políticos em troca de ob- tenção de contratos da estatal. Em meio à forte crise econômica e à necessidade de aumentar a in- fraestrutura brasileira, o escândalo parece anunciar um desastre, já que são justamente as construtoras en- volvidas no caso que estariam aptas a realizar as obras mais complexas. Muitos canteiros estão parados e correm o risco de serem completa- mente interrompidos, resultando também na demissão de milhares de trabalhadores. Afinal, é possível dar seguimen- to a obras importantes sem deixar de punir corruptos? A resposta é sim. Mas as escolhas para fechar essa equação são muito distintas. De um lado, há quem defenda a redução das penas para que as em- presas sejam punidas sem prejuízo ao mercado e à sociedade. De outro, o argumento é que não se pode ame- S POLÍTICA As maiores construtoras do país estão envolvidas no escândalo e têm sido penalizadas, afetando a já vacilante economia brasileira. Existe algum modo de fazer justiça sem afetar obras importantes para o crescimento do país?

A Lava Jato pode parar o Brasil?

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Política - As maiores construtoras do país estão envolvidas no escândalo e têm sido penalizadas, afetando a já vacilante economia brasileira. Existe algum modo de fazer justiça sem afetar obras importantes para o crescimento do país?

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Brasil

12 Cidade Nova • Outubro 2015 • nº 10

MARTINA [email protected]

a lava Jato pode parar o Brasil?

ete das dez maiores emprei­teiras do país já tiveram executivos investigados na Operação Lava Jato. Fazem

parte da lista Odebrecht, Andrade Gutierrez, OAS, Camargo Corrêa, Queiroz Galvão, Galvão Engenharia e Construcap. Essas e outras cons­trutoras sofrem acusações por for­mação de cartel para se beneficiar em licitações e por pagamento de propinas a dirigentes da Petrobras e

a agentes políticos em troca de ob­tenção de contratos da estatal.

Em meio à forte crise econômica e à necessidade de aumentar a in­fraestrutura brasileira, o escândalo parece anunciar um desastre, já que são justamente as construtoras en­volvidas no caso que estariam aptas a realizar as obras mais complexas. Muitos canteiros estão parados e correm o risco de serem completa­mente interrompidos, resultando

também na demissão de milhares de trabalhadores.

Afinal, é possível dar seguimen­to a obras importantes sem deixar de punir corruptos? A resposta é sim. Mas as escolhas para fechar essa equa ção são muito distintas.

De um lado, há quem defenda a redução das penas para que as em­presas sejam punidas sem prejuízo ao mercado e à sociedade. De outro, o argumento é que não se pode ame­

S

PolÍTica As maiores construtoras do país estão envolvidas no escândalo e têm sido penalizadas, afetando a já vacilante economia brasileira. Existe algum modo de fazer justiça sem afetar obras importantes para o crescimento do país?

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muitos canteiros estão parados e correm o risco de serem completamente interrompidos, resultando também na demissão de milhares de trabalhadores

nizar as sanções e que outras com­panhias – menores associadas ou estrangeiras – deveriam tomar o lu­gar das corruptas, dando continui­ dade às obras.

PrejuízosApós o escândalo, a situação eco­

nômica das construtoras é grave. Muitas empresas estão impedidas de serem contratadas ou participarem de licitações da Petrobras. A estatal

já bloqueou quase R$ 1 bilhão des­ sas companhias, restituindo ape­ nas 10% dos cerca de R$ 10 bilhões desviados. Pelas estimativas da Po­lícia Federal, o rombo causado pela corrupção na petrolífera é ainda maior: R$ 19 bilhões.

Já as garantias solicitadas pelo BNDES (Banco Nacional de Desen­volvimento Econômico e Social) – até então o principal credor das em­preiteiras – aumentaram. A aprova­ção de novos empréstimos despen­cou à metade nos primeiros seis meses do ano na comparação com o primeiro semestre de 2014, para R$ 43 bilhões. Os projetos de infraes­trutura, muitos deles tocados pelas empresas suspeitas, receberam 16% abaixo do liberado em igual inter­valo do ano passado.

Esses fatores contribuem para a inadimplência dessas empresas, que vêm atrasando o pagamento de suas dívidas no Brasil e no exterior. Conforme as dívidas vencem, fica evidente o desequilíbrio do fluxo de caixa e a opção da recuperação judicial se torna mais atraente. O instrumento, solicitado quando a companhia perde a capacidade de pagar seus débitos, é utilizado para evitar a falência da empresa e per­mite a manutenção da produção e do emprego dos trabalhadores até sua reestruturação financeira.

Até o momento, recorreram à recuperação judicial as construtoras OAS, com dívida de R$ 8 bilhões, Galvão Engenharia e Participações, com saldo negativo de R$ 1,6 bilhão, e Alumini Engenharia, R$ 1 bilhão no vermelho.

Como resultado da piora nas contas das companhias, em mea­dos de janeiro, as agências de clas­sificação de risco, como Moody’s e Standard & Poor’s, cortaram as notas das grandes construtoras na­cionais. O rating mede a capacida­de de uma empresa de honrar suas

dívidas. Com uma nota menor, as companhias são vistas com descon­fiança pelo mercado externo e ten­dem a receber menos investimentos estrangeiros, bem como têm aces­so limitado a crédito no mercado internacional.

A operação tem provocado um efeito dominó no setor da constru­ção civil e do petróleo. Empresas subcontratadas ficam sem receber e deixam de pagar seus fornecedores. Prevê­se que até mesmo redes de postos de gasolina poderão ser afeta­das. Já pediram recuperação judicial as fornecedoras de equipamentos Iesa, do grupo Inepar, com dívida de R$ 3,5 bilhões, e Jaraguá Equipamen­tos, negativa em R$ 700 milhões.

Além do impacto da operação no caixa das empresas, o ajuste fis cal imposto pelo Ministério da Fazenda em tempos de crise eco­nômica, atrasando pagamentos do governo federal, também pesa no bolso das construtoras. E a corda es­toura primeiro do lado mais fraco: o dos trabalhadores.

Estimativas da Força Sindical informam que 21 mil funcionários foram demitidos e cerca de 20 mil estão sem receber salários ou indeni­zação por causa dos reflexos da Lava Jato. E os números podem ser ainda maiores. O setor da construção civil registrou um saldo negativo de 355 mil empregos formais de agosto de 2014 a julho deste ano, de acordo com dados do Caged (Cadastro Ge­ral de Empregados e Desemprega­dos), do Ministério do Trabalho.

lei anticorrupçãoCriada em 2013, a Lei Anticor­

rupção prevê a punição de empresas envolvidas em irregularidades com multas e até a extinção das compa­nhias. Por conta dessa legislação, pessoas jurídicas passam a responder judicial e administrativamente por c

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ações ilícitas de seus funcionários ou representantes que prejudicaram o bem público. Antes, os funcio­nários envolvidos na corrupção de agentes públicos e em fraudes de li­citações e contratos respondiam in­dividualmente, como pessoa física, por corrupção passiva ou ativa.

Apesar da nova lei, cortes de in­vestimentos, demissões, paralisação de obras e queda no crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) são usa­dos pelo governo como mote para “punir os culpados e preservar as empresas”, ou seja, livrar as compa­nhias enquanto seus funcionários são responsabilizados, como disse a presidente Dilma Rousseff.

Para Alamiro Netto, professor de Direito Penal da USP (Universidade de São Paulo), a punição deve ser aplicada às empresas independente­mente das consequências à socieda­de ou ao setor econômico que elas representam. “Num primeiro mo­mento, essa punição pode resultar em problemas significativos à infra­estrutura brasileira. Não há dúvida que são empresas fortes e de alta tecnologia, mas se a pessoa jurídica é beneficiá ria da irregularidade, tem que ser punida”, defende.

Segundo ele, após do afastamento dessas companhias, o mercado deve criar novos atores, sejam empresas nacionais ou estrangeiras, para suprir suas necessidades. “Se há demanda, há oferta. O problema pode ser resol­vido a médio e longo prazo a partir do momento em que outras pessoas jurídicas entrem no mercado. Fun­cionários demitidos pelas grandes construtoras já possuem know-how no setor e serão recontratados por es­sas novas empresas”, aposta.

Netto pondera que a Lei Anticor­rupção tem alguns problemas técni­cos, já que é muito recente e ainda de­pende de regulamentação em várias esferas do poder, mas, ainda assim, tem potencial de representar avan­

ços. “As consequências da Operação Lava Jato vão colocar à prova a Lei Anticorrupção: se ela realmente veio com o ímpeto de atender à necessida­de de punição a pessoas jurídicas ou se foi criada apenas para amenizar a opinião publica”, afirma.

Para Denis Alves Guimarães, sócio da consultoria AGPR (Alves Guimarães Política Regulatória), não há opções do mercado nacional de empresas que possam ofertar os mes mos produtos e serviços das grandes construtoras envolvidas no escândalo. Segundo ele, é possível, sim, atenuar as penas dessas compa­nhias sem causar prejuízos à socie­dade e à economia. “Tanto a Lei de Defesa da Concorrência quanto a Lei Anticorrupção incluem critérios agravantes e atenuantes de pena. Se for aplicada uma lei menor por ra­zão econômica, você não deixa de aplicar a lei”, afirma.

De acordo com o advogado, há um consenso das autoridades e da sociedade civil de que a determina­ção de cessão de atividades de uma empresa importante é uma solução extremada e deveria ser evitada. “O foco deve ser em impor penalidades que não inviabilizem financeira­mente as empresas e focar nas pena­lidades a indivíduos, sejam funcio­nários ou administradores”, defende.

Para Netto, essa diretriz seria como andar para trás, já que a ten­dência mundial caminha justamen­te na direção de que as empresas, e não apenas seus funcionários, se­jam cada vez mais o foco do sistema jurídico em casos de corrupção.

SoluçõesEm depoimentos à Justiça, mui­

tos empresários investigados ale­garam que o esquema de propinas sempre existiu, mesmo em outras obras, e faz parte da maneira como o sistema brasileiro funciona. Ape­

sar de definir como “ juridicamen te fraco” esse tipo de argumento, Netto admite que a corrupção é um pro­blema estrutural do sistema capita­lista, deixando estragos não apenas no Brasil, como em outros países mais desenvolvidos, como Alema­nha e Japão.

Para ele, a única solução possível é haver mais transparência e maior atuação dos órgãos de controle, fa­tores que têm avançado no país, na opinião do especialista. “É preciso transparência não só nas contas das companhias públicas, mas nas escolhas de membros das diretorias e nas decisões internas das corpo­rações. No caso das empresas priva­das, fala­se muito em mecanismos de governança corporativa, com adoção de códigos de ética e com-pliance, ou seja, a criação de cul­tura de respeito ao cumprimento normativo. Esse é um grande tema das empresas no Brasil e no mundo e são mecanismos que vêm dando certo”, afirma.

Para Guimarães, além da questão das investigações e das punições que ocorrem no âmbito da Lava Jato, é necessário aumentar a autonomia dos responsáveis pelos programas de compliance, tanto nas empresas públicas quanto nas privadas. “Se o responsável não tem facilidade de comunicar tudo o que acontece de errado aos altos cargos da empresa, ele não conseguirá trabalhar e o pro­blema não será resolvido”, observa.

Além disso, a má gestão das con­tas empresariais deveria acabar, na opinião do especialista. “Por um período prolongado, houve prática de preços não condizentes com os valores de mercado com objetivo de fazer compensação política, o que gerou buracos nas contas da Petrobras. A má gestão é um proble­ma economicamente maior, ainda que a corrupção moralmente seja mais complicada.”