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795 A Instabilização no Contacto Cristalofílico -Triásico (Botão-Portugal Central). Influência da Compartimentação Cristalofílico Complex - Triassic Contact Instability Analysis (Botão - Central Portugal). Influence of discontinuity orientation, spacing and persistence António Luís de Almeida Saraiva, Departamento de Ciências da Terra (DCT/FCTUC), Portugal; [email protected] Pedro Gomes Cabral Santarém Andrade, Departamento de Ciências da Terra (DCT/FCTUC), Portugal; [email protected] Isabel Maria Ribeiro Fonseca Dias, Licenciada em Engenharia Geológica (DCT/FCTUC) Sílvia Cristina Parreira Gomes Dias, Licenciada em Engenharia Geológica (DCT/FCTUC) SUMÁRIO No presente trabalho apresenta-se uma análise sumária da instabilidade de um talude escavado, no IP3, nas imediações da povoação do Botão, em terrenos onde se desenvolve o contacto entre o Complexo Cristalofílico e o Grés de Silves. Palavras-chave: Taludes de escavação, Alteração, Descontinuidades, Instabilização. SUMMARY In this paper a summary instability analysis of an IP3 excavated slope is carried out. This slope is located near the Botão village on the contact between the Cristalofílico Complex and the “Grés de Silves” Formation. Key-words: Excavation slopes, Weathering, Discontinuities, Instabilization 1. Introdução Os contactos entre materiais geológicos com características acentuadamente diferenciadas a) maciços terrosos e b) maciços rochosos com e sem a presença de xistosidade podem potenciar comportamentos que conduzam a instabilidades declaradas ou potenciais. Uma situação destas tem vindo a ocorrer na zona do Botão (Coimbra – Portugal Central), nos taludes de escavação na IP3, em que se desenvolve o contacto, por discordância bem vincada, entre o designado Complexo Cristalofílico e o Grés de Silves. Do ponto de vista litológico o talude é constituído, ao longo de uma extensão muito significativa, essencialmente por xistos e xistos luzentes que se enquadram no designado Complexo Cristalofílico com uma compartimentação que devido fundamen- mentalmente à intensa fracturação se enquadra no F4-5 e um grau de alteração que chega a atingir o muito alterado a decomposto (W5 a W6). As diaclases apresentam-se, nos sectores com mais acentuada alteração e compartimentação (W5, F4-5- 6) com aberturas que chegam a ser superiores a 2-3 mm e com irregularidades nas suas superfícies que as enquadram no tipo liso e plano. Estratigraficamente, no topo, aparece o designado Grés de Silves, que aqui apresenta um carácter acentuada e predomi-nantemente conglomerático e mais raramemente arenítico, com abundantes calhaus rolados e arredondados de quartzo e de quartzito com dimensões que chegam a atingir ao longo do eixo maior, 15-20 cm de dimensão.

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A Instabilização no Contacto Cristalofílico -Triásico (Botão-Portugal

Central). Influência da Compartimentação Cristalofílico Complex - Triassic Contact Instability Analysis (Botão - Central Portugal).

Influence of discontinuity orientation, spacing and persistence

António Luís de Almeida Saraiva, Departamento de Ciências da Terra (DCT/FCTUC),

Portugal; [email protected]

Pedro Gomes Cabral Santarém Andrade, Departamento de Ciências da Terra

(DCT/FCTUC), Portugal; [email protected]

Isabel Maria Ribeiro Fonseca Dias, Licenciada em Engenharia Geológica

(DCT/FCTUC)

Sílvia Cristina Parreira Gomes Dias, Licenciada em Engenharia Geológica

(DCT/FCTUC)

SUMÁRIO

No presente trabalho apresenta-se uma análise sumária da instabilidade de um talude escavado, no IP3, nas imediações da povoação do Botão, em terrenos onde se desenvolve o contacto entre o Complexo Cristalofílico e o Grés de Silves.

Palavras-chave: Taludes de escavação, Alteração, Descontinuidades, Instabilização.

SUMMARY In this paper a summary instability analysis of an IP3 excavated slope is carried out. This slope is located near the Botão village on the contact between the Cristalofílico Complex and the “Grés de Silves” Formation.

Key-words: Excavation slopes, Weathering, Discontinuities, Instabilization

1. Introdução

Os contactos entre materiais geológicos com características acentuadamente diferenciadas a) maciços terrosos e b) maciços rochosos com e sem a presença de xistosidade podem potenciar comportamentos que conduzam a instabilidades declaradas ou potenciais. Uma situação destas tem vindo a ocorrer na zona do Botão (Coimbra – Portugal Central), nos taludes de escavação na IP3, em que se desenvolve o contacto, por discordância bem vincada, entre o designado Complexo Cristalofílico e o Grés de Silves.

Do ponto de vista litológico o talude é constituído, ao longo de uma extensão muito significativa, essencialmente por xistos e xistos luzentes que se enquadram no designado Complexo Cristalofílico com uma compartimentação que devido fundamen-

mentalmente à intensa fracturação se enquadra no F4-5 e um grau de alteração que chega a atingir o muito alterado a decomposto (W5 a W6). As diaclases apresentam-se, nos sectores com mais acentuada alteração e compartimentação (W5, F4-5-6) com aberturas que chegam a ser superiores a 2-3 mm e com irregularidades nas suas superfícies que as enquadram no tipo liso e plano. Estratigraficamente, no topo, aparece o designado Grés de Silves, que aqui apresenta um carácter acentuada e predomi-nantemente conglomerático e mais raramemente arenítico, com abundantes calhaus rolados e arredondados de quartzo e de quartzito com dimensões que chegam a atingir ao longo do eixo maior, 15-20 cm de dimensão.

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Os tipos de instabilização que se desenvolvem enquadram-se, essencialmente, nos desmoronamen- tos, deslizamentos em cunha e, pontualmente, nos tombamentos.

Em locais bem definidos do talude e apesar de a fracturação ser acentuada, verifica-se que a instabilização actual é reduzida. Tal acontece em sectores onde a intensidade de alteração predomi-nante é do tipo W3 e as descontinuidades se apresentam praticamente fechadas.

A instabilização é essencialmente controlada pela acção conjugada a) da intensidade e heterogeneidade na distribuição espacial da compartimentação que se desenvolve no local, b) pela fracturação regional e c) pela heterogeneidade e intensidade da alteração.

2. Localização Geográfica

O talude estudado situa-se nas imediações da povoação do Botão, concelho de Coimbra, no Itinerário Principal nº 3 (IP3) e desenvolve-se ao longo de um extensão de aproximadamente 200m, tendo início ao Km 49,900. (figura 1).

Fig.1: Excerto da carta militar de Portugal nº219, à escala 1/25000, com localização do talude.

3. Enquadramento Geológico

No local estudado os taludes de escavação apresentam-se constituídos por materiais com características essencialmente xistentas pertencentes ao designado Complexo Cristalofílico com idade que se admite ser do Proterozóico superior [1] e por materiais conglomeráticos e arenosos da base do Triásico. O contacto entre os dois maciços é feito através de uma nítida e acentuada discordância (figura 2). O Complexo Cristalofílico desenvolve-se, nas imediações de Coimbra, ao longo de um faixa com orientação N-S que vai desde Penela até à povoação do Botão. As rochas xistentas apresentam-se intensamente deformadas e fracturadas, sendo predominantemente constituídas por xistos e xistos luzentes. A intensidade de alteração vai desde a rocha pouco alterada até a um solo residual sem conservação da textura e da estrutura da rocha inicial, o que é particularmente evidente e importante nas caixas das falhas mais importantes.

As superfícies de compartimentação predominantes são a xistosidade, as falhas e as diaclases. A xisto-

Fig.2: Contacto Grés de Silves-Cristalofílico (IP3, Km 49,9).

sidade tem um carácter acentuadamente penetrativo, o que é potenciado pelo facto de as camadas apresentarem uma pequena espessura (L5 na BGD) [2].

4. Caracterização Geotécnica

No decorrer do estudo efectuado foram analisados e ponderados aspectos tais como a litologia, a mineralogia, a intensidade de alteração e a sua distribuição espacial, a compartimentação e a caracterização das superfícies de descontinuidades (afastamento, abertura, continuidade, enchimento, rugosidade, ondulação, condutividade hidráulica e orientação), para além das relativas à instabilização e ao seu desenvolvimento, causas e consequências.

Na análise da intensidade de alteração, os diferentes graus presentes foram definidos com base na classificação do BGD [2] e do GSEGWPR [3]. No que se refere à análise das superfícies de compartimentação foram tidas em consideração as recomendações preconizadas pela I.S.R.M. [4] e pelo USACE [5].

Os xistos evidenciam alterações que vão desde a rocha pouco alterada (W2) até a um solo residual sem conservação da textura e da estrutura da rocha original (W6). Os solos desenvolvem-se, de um modo mais preponderante nas caixas das falhas. Tal origina que o maciço passe a apresentar um comportamento ainda mais anisotrópico do que aquele que seria expectável tendo em atenção a apenas a existência da xistosidade. A amostragem relativa aos solos e às rochas foi feita de modo a recolherem-se exemplares representativos de cada uma das tipologias de materiais terrosos e rochosos encontrados. Procedeu-se ao estudo do material rochoso pouco alterado até muito alterado. A recolha de amostras de rochas de xistos revelou-se muito difícil devido ao facto de as mesmas se apresentarem acentuadamente fracturadas, o que potenciava a fragmentação das mesmas. As amostras recolhidas de solos foram submetidas, em laboratório, aos

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ensaios de caracterização e de identificação, tais como: limites de liquidez e de plasticidade [6], mineralogia da fracção argilosa, azul de metileno [7] e ensaio de expansibilidade [8]. No estudo do material rochoso procedeu-se a ensaios de caracterização geomecânica.

No ensaio do azul de metileno recorreu-se ao tradicional método da mancha. Na análise da mineralogia da fracção argilosa (<0,002 mm) as amostras foram estudadas em lâmina sedimentada e submetidas a passagens ao raios X a) no estado natural, b) saturadas em glicol e c) após aquecimento, durante duas horas, a 550ºC, tal como é sugerido por Thorez [9].

Os principais minerais argilosos definidos através da análise de raios X foram a ilite e a clorite, aparecendo em menor quantidade a caulinite.

Na tabela 1 apresentam-se, resumidos, os espectros de variação das propriedades geotécnicas para as diferentes tipologias de solos xistentos encontrados.

Da análise dos resultados apresentados na tabela 1 verifica-se existir uma variação pouco ampla nos valores dos vários parâmetros determinados.

Tabela 1 – Gama de variação das propriedades dos solos xistentos existentes nas falhas.

5. Análise da Estabilidade

No estudo da estabilidade do talude utilizou-se uma análise cinemática que pode ser complementada por uma análise determinística com definição dos factores de segurança, bem como por uma análise probabilística como foi efectuada por Santarém Andrade [10]. Na análise determinística os parâmetros geotécnicos são considerados como constantes, no entanto, as características das formações geológicas e as superfícies das descontinuidades que estão presentes nos taludes são muito variáveis. Na análise probabilística é considerada uma variação de valores em vez de valores constantes. A análise de probabilidades está relacionada com eventos que individualmente são incertos mas que em números maiores são previsíveis.

Na figura 3 apresentam-se alguns aspectos relativos à instabilidade que se tem desenvolvido nos xistos do Complexo Cristalofílico.

Nas figuras 4 e 5 representa-se a análise cinemática da estabilidade do talude onde são particularmente evidentes os xistos luzentes e onde a instabilidade é

mais pronunciada e acentuada. Deve anotar-se que nesta análise se considerou não só a influência da acção das diaclases, mas também da xistosidade e

Fig.3: Talude IP3 Km (49,9-50,1).

Figura 4 – Análise cinemática da estabilidade.

Figura 5 – Análise cinemática da estabilidade.

Expansibilidade

(%)

LL LP AM

10,8-12,9 22-29 21-24 0,49-0,61

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das falhas existentes e consideradas relevantes para o comportamento do maciço xistento.

Aplicando o método de Markland [11] e admitindo, função das características das principais superfícies de compartimentação (designadamente os perfis de rugosidade) um ângulo de atrito médio de 30º, verifica-se que a instabilidade é potenciada pelas intersecções I2-3, I3-4 e I5-6 (figura 4) e por I2-3, I2-4, I2-6, I2-7, I2-8, I2-9, I2-10, I2-11, I5-7 e I8-9 (figura 5).

Os desmoronamentos são mais frequentes no Grés de Silves (conglomerados e arenitos) devido ao facto de nestes se desenvolver a formação de consolas essencialmente controladas por acção da desintegra-ção que tem vindo a progredir, ao longo dos tempos, nas rochas xistentas. Tal é mais pronunciado nos sectores do talude em que aparecem, em simultâneo, o Complexo Cristalofílico e o Grés de Silves (figura 6). Algumas das falhas existentes naquele têm caixas

Figura 5 – Instabilidade no contacto Complexo Cristalofílico-Grés de Silves.

que podem apresentar enchimentos com larguras da ordem dos 0,50m constituído por xistos milonitizados e com uma intensidade de alteração W4 a W5. A desagregação e a erosão aí existente faz com que o material suprajacente do Grés de Silves fique sem apoio em parte da base, o que potencia os desmoronamentos.

Conclusões

A instabilidade, nos xistos, é potenciada pela acção conjugada da compartimentação (diaclases, xistosidade e falhas) e da atitude da face do talude. Tal origina a formação de pequenas consolas no Grés de Silves que, sem suporte na base, acabam por se fracturar e, consequentemente, desmoronar.

Referências Bibliográficas [1] Teixeira, C. (1981) Geologia de Portugal, Vol. I: Precâmbrico, Paleozóico. Fundação Calouste Gulbenkian, 629 pp.

[2] ISRM (1981) Basic geotechnical description of rocks and rock masses. Int. J. Rock Mech. Min. Sci. & Geomech. Abstr., Vol. 18, pp. 85-110. [3] GSEGWPR (1995) The description and classification of weathered rocks for engineering purposes. Quarterly Journal of Engineeering Geology, Vol. 28, nº3, pp. 207-242. [4] ISRM (1978) Suggested methods for the quantitative description of discontinuities in rock masses. Int. J. Rock Mech. Min. Sci. & Geomech. Abstr., Vol. 15, nº6, pp. 319-368. [5] USACE (1983) Characterization and measurement of discontinuities in rock slopes. U. S. Army Corps of Engineers, Technical letter, nº 1110-2-300, 8 pp. [6] Norma Portuguesa. (1969) Solos. Determinação dos limites de consistência. NP 143. [7] N. F. Soils (1993) Reconnaissance et essais. Mesure de la quantité et de l´activité de la fraction argileuse. Determination de la valeur de bleu de méthylène d´un sol par l´éssai à la tache. NF P 94-068 [8] LNEC (1967) Especificação: Ensaio de expansibilidade, E 200. [9] Thorez, J. (1975) Phyllosilicates and clay minerals: A laboratory handbook for their X-ray diffraction analysis. C. Lelotte, 579 pp. [10] Santarém Andrade, P. (2004) Caracterização geomecânica e análise da estabilidade em maciços rochosos anisotrópicos. Tese de dissertação de Doutoramento. Centro de Geociências da Universidade de Coimbra, 480 pp. [11] Markland, J. T. (1972) A useful technique for estimating the stability of rock slopes when the rigid wedge sliding of failure is expected. Imperial College Rock Mechanics Research Report nº 19, 10 pp.