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A Inexorabilidade do reso potvel diretoThe Inexorability of direct potable reuse
Ivanildo Hespanhol
Resumo:
A poltica de importar gua de bacias cada vez mais distantes para satisfazer o crescimento da demanda co-
meou h mais de dois mil anos com os romanos, dando origem aos seus famosos aquedutos. A prtica ainda
persiste, resolvendo, precariamente, o problema de abastecimento de gua de uma regio, em detrimento
daquela que a fornece. As solues mais modernas em termos de gesto de recursos hdricos consistem em
tratar e reusar os esgotos j disponveis nas prprias reas urbanas para complementar o abastecimento
pblico. A prtica de reso para fins no potveis j est consagrada em uma grande multiplicidade de pases
desenvolvidos e em vias de desenvolvimento. Atualmente, a proposta evoluiu para reso potvel por meio da
utilizao dos sistemas de distribuio existentes, eliminando os custos associados a linhas paralelas para
distribuir gua de reso. Os fundamentos ambientais, de sade pblica e gerenciais, assim como os siste-
mas de tratamento avanados e as tcnicas de certificao da qualidade da gua atualmente disponveis,
permitem fazer uso de recursos hdricos locais, produzindo gua segura, que no , certamente, propor-
cionada por sistemas convencionais, tratando gua extremamente poluda. A prtica de reso potvel direto para abastecimento pblico j est estabelecida em diversos estados americanos, na frica do Sul, Austrlia, Blgica, Nambia e Singapura, sem que tenham sido detectados problemas de sade pblica associados. A existncia de precedentes bem-sucedidos, a viso de segurana adicional no abastecimento de gua e a dis-ponibilidade de gua com qualidade elevada so fatores positivos para a aceitao comunitria da prtica de reso potvel direto. Por outro lado, fatores negativos associados percepo e aceitao pblica podem, se no forem adotadas estratgias de comunicao e de educao comunitria, se caracterizar como elementos inibidores da prtica. O maior fator limitante, entretanto, se origina nos rgos reguladores, que insistem em adotar posturas conservadoras, propondo normas irracionalmente restritivas, que apenas contribuem para
impedir a importantssima prtica de reso de gua no Brasil.
Palavras-chave: Gesto de recursos hdricos. Sistemas de tratamento avanado. Reso de gua. Reso potvel direto.
Ivanildo HespanholPh.D. Professor titular do Departamento de Engenharia Hidrulica e Ambiental da Escola Politcnica da Universidade de So Paulo. Diretor do Centro Internacional de Referncia em Reso de gua (CIRRA/IRCWR/USP).
DOI: 10.4322/dae.2014.141
Data de entrada: 15/05/2013
Data de aprovao: 04/11/2014
janeiro abril 2015 Revista DAE 63
artigos tcnicos
Abstract:
Watershed transposition is a two thousand years policy developed by the Romans to satisfy their continuously gro-
wing water demand, leading to the construction of an extensive network of aqueducts. The practice remains no-
wadays, solving the supply problems in one region in detriment of another. The modern solution in terms of water
resources managements to treat and to reuse wastewater locally available in the urban settings to complement
public supplies. Non potable reuse is widely applied in a wide range of developed as well as in industrializing coun-
tries. Presently, the proposal has been evolved to potable reuse by making use of the existing distribution systems,
eliminating, in this way, the costs associated to parallel lines to supply reuse water. The basic environmental, public
health and managerial criteria, as well as advanced treatment and water quality certification systems now available
allow for the use of local water resources to produce safe water, which is, certainly not provided through conven-
tional systems treating highly polluted waters. Potable direct reuse for public supply has already been established
in several states of the United States as well in Australia, Belgium, Namibia, Singapore and South Africa, without
detected health effects associated. Existing well succeeded precedents, the expectancy of an additional security
on water supply and water quality are important positive factors for the acceptance of direct potable reuse. On the
other hand negative factors associated to public perception and acceptance, may, if community information and
awareness is not adequately promoted, be a source of restriction for direct potable reuse. However, the most critical
negative factors originate from regulatory bodies, by adopting a conservative behavior and proposing irrationally
restrictive regulations, contributing only for the hindering of the very important practice of water reuse in Brazil.
Keywords: Water resources management. Advanced treatment systems. Water reuse. Direct potable reuse.
1 SuStentAbilidAde, RobuStez, ReSilinciA e VulneRAbilidAde O termo sustentabilidade um conceito tc-
nico/filosfico genrico que, se considerado in-
dependente de variveis sistmicas especficas,
no pode ser expresso em termos quantitati-
vos. Em um sistema de abastecimento de gua,
a sustentabilidade deve ser interpretada como a
probabilidade de suprir, permanentemente, de-
mandas crescentes, em condies satisfatrias.
As variveis mais importantes que estabelecem,
ou no, uma condio de sustentabilidade so:
(i) robustez, refletindo desempenho consistente e
capacidade de atender a uma demanda crescente
mesmo em condies de diversos tipos de estres-
se; (ii) resilincia, ou seja, a habilidade do sistema
de recuperar seu estado satisfatrio aps sofrer
impactos negativos, como, por exemplo, a perda
de capacidade de atendimento de fontes de abas-
tecimento; e, (iii) vulnerabilidade, isto , a mag-
nitude da falha de um sistema de abastecimento
(HASHImOtO et al., 1982).
Sistemas como o que abastece a Regio metropo-
litana de So Paulo (RmSP) no so portanto, sus-
tentveis, porque so pouco robustos e possuem
resilincia praticamente nula, uma vez que per-
manecem na dependncia de recursos oriundos
de bacias que, por sua vez, tambm esto subme-
tidas a condies extremas de estresse hdrico.
A cultura de importar gua de bacias cada vez
mais distantes para satisfazer o crescimento da
demanda remonta h mais de dois mil anos. Os
romanos, que praticavam uso intensivo de gua
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artigos tcnicos
para abastecimento domiciliar e de suas termas,
procuravam, de incio, captar gua de mananciais
disponveis nas proximidades. medida que es-
tes se tornavam poludos pelos esgotos dispostos
sem nenhum tratamento ou ficavam incapazes
de atender demanda, passavam a aproveitar
a segunda fonte mais prxima e assim sucessi-
vamente. Essa prtica deu origem construo
dos grandes aquedutos romanos, dos quais exis-
tem, ainda, algumas runas, em diversas partes do
mundo (BOWDOUIN COLLEGE, 2006; SWANSEA
UNIVERSItY, 2006).
A sistemtica atual pr-histrica e irracional,
resolvendo precariamente o problema de abaste-
cimento de gua em uma regio, em detrimento
daquela que a fornece. H, portanto, necessida-
de de adotar um novo paradigma que substitua a
verso romana de transportar sistematicamente
grandes volumes de gua de bacias cada vez mais
longnquas e de dispor os esgotos, com pouco
ou nenhum tratamento, em corpos de gua ad-
jacentes, tornando-os cada vez mais poludos
(HESPANHOL, 2012).
Como confirmao do critrio de planejamento
de importar recursos hdricos de bacias distan-
tes, est em fase de projeto executivo a capta-
o de gua junto ao reservatrio Cachoeira do
Frana, no rio So Loureno, Alto Juqui, para
uma produo mdia de 4,7 m3/s e mxima de
6,0 m3/s (SABESP, 2011). O sistema adutor, in-
cluindo as linhas de gua bruta e de gua tra-
tada, de aproximadamente 100 quilmetros,
atingindo a RmSP, aps um recalque superior
a 300 metros. O projeto, alm de envolver os j
ultrapassados sistemas convencionais de tra-
tamento, no apresenta quaisquer aspectos de
viabilidade tcnica, econmica e ambiental, pois
vai demandar um investimento de 2,2 bilhes de
reais. Nenhuma considerao adicional foi feita
pelos tomadores de deciso quanto ao volume
de esgotos que seria gerado em funo dessa
nova aduo, ou seja, de aproximadamente 3,8
m3/s, assumindo-se um coeficiente de retorno
de 80%, que certamente ser disposto, sem tra-
tamento, nos j extremamente poludos corpos
hdricos da RmSP.
2 ReSo de guA e SuStentAbilidAde Nesse cenrio, uma soluo sustentvel seria a de
tratar e reusar, para fins benficos, os esgotos j
disponveis nas reas urbanas para complementar
o abastecimento pblico. Essa prtica contribui-
ria substancialmente para o aumento da robustez
dos sistemas e tornaria o conceito de resilincia
pouco significativo, uma vez que eliminaria as
condies de estresse associadas reduo da
disponibilidade hdrica em mananciais utilizados
para abastecimento pblico.
Numa primeira etapa, essa proposta se desenvol-
veu em termos de reso para usos urbanos no
potveis. Nos ltimos anos, vem se ampliando no
sentido de adotar o reso para fins potveis. Esse
conceito, alm de constituir soluo econmica e
ambientalmente correta, proporcionar gua se-
gura, o que no , atualmente, fornecido por sis-
temas convencionais de tratamento, que tratam
guas provenientes de mananciais extremamente
poludos, inclusive com poluentes emergentes.
As tecnologias modernas de tratamento e de
certificao da qualidade da gua disponveis
atualmente tm grande potencial para viabili-
zar a utilizao de mananciais desprotegidos,
permitindo, por extenso, o reso direto de gua
para fins potveis. A prtica do reso potvel
direto, pelo fato de empregar tecnologia e siste-
mas de controle e de certificao modernos, pro-
porcionar, certamente, melhores benefcios em
termos de sade pblica do que o emprego das
tecnologias de tratamento convencionais para
tratar gua oriunda de mananciais extremamen-
te poludos contendo altas concentraes de es-
gotos domsticos e industriais.
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3 SiStemAS de ReSo PotVelSistemas de reso potvel podem ser concebidos
como Reso Potvel Indireto Planejado (RPIP) ou
No Planejado (RPINP) e reso potvel direto.
3.1 RPinP
Sistemas de de RPINP, na grande maioria das ve-
zes inconscientes, so praticados extensivamente
no Brasil. Exemplos tpicos so os lanamentos
de esgotos (tratados ou no) e a coleta a jusante
para tratamento e abastecimento pblico,
praticados em cadeia, por diversos municpios,
ao longo do rio tiet e do rio Paraba do Sul. Na
RmSP, a reverso do corpo central e do brao
do taquacetuba do reservatrio Billings para o
reservatrio Guarapiranga tambm constitui
um sistema de reso de gua para fins potveis,
o qual no foi concebido dentro dos critrios e
tecnologias associados s prticas de reso, pois
as guas coletadas do reservatrio Guarapiranga,
aps a reverso do reservatrio Billings, so
tratadas na Estao de tratamento de gua (EtA)
do Alto da Boa Vista por meio de um sistema
convencional de tratamento.
Causa estranheza que o rgo regulador local, ex-
tremamente vinculado a normas irracionais e ex-
tremamente restritivas, ignore completamente os
problemas ambientais e de sade pblica causa-
dos por essa sequncia de lanamentos de esgo-
tos brutos e de captao imediatamente a jusante
para abastecimento pblico de gua.
Um esquema ilustrativo de sistema de RPINP
mostrado na Figura 1.
3.2. RPiP
Conceitualmente, o RPIP deve ser constitudo por
um sistema secundrio de tratamento de esgotos,
geralmente de lodos ativados e, mais moderna-
mente, de sistemas de biomembranas submersas
(imBRs), seguido de sistemas de tratamento avan-
ado e, se necessrio, de um balanceamento qu-
mico antes do lanamento em um corpo receptor,
superficial ou subterrneo, aqui designado como
Atenuador Ambiental (AA), como mostrado es-
quematicamente na Figura 2.
Os AAs podem ser corpos hdricos naturais asso-
ciados aos sistemas de reso potvel direto pla-
Figura 1: Cenrio tpico de sistemas de reso indireto no planejado efetuados em srie.
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nejado, como aquferos confinados, nos quais a
recarga gerenciada efetuada com os esgotos
tratados, ou corpos receptores naturais, rios, la-
gos ou reservatrios construdos para regula-
rizao de vazes, tomada de gua, gerao de
energia eltrica ou usos mltiplos, nos quais os
esgotos tratados so lanados e posteriormen-
te captados para reso indireto. Os AAs, tanto
subterrneos quanto superficiais, tm o objetivo
de, por efeitos de diluio, sedimentao, adsor-
o, oxidao, troca inica etc., atenuar as baixas
concentraes de poluentes remanescentes dos
sistemas avanados de tratamento utilizados. A
legislao do estado da Califrnia (CDPH, 2008)
para recarga gerenciada de aquferos (que pode-
ria ser avaliada e adaptada para condies brasi-
leiras), por exemplo, estabelece uma reteno de
seis meses, baseada na hiptese de que cada ms
de reteno proporciona a reduo de uma ordem
de magnitude (99%) de vrus, obtendo no perodo
total uma reduo correspondente a seis ordens
de magnitude (99,9999%).
Os objetivos bsicos dos AAs so:
proporcionar diluio e estabilizao dos conta-
minantes ainda existentes no efluente tratado;
proporcionar uma barreira adicional de trata-
mento para organismos patognicos e/ou ele-
mentos-traos, por meio de sistemas naturais;
proporcionar tempo de resposta em caso de
mau funcionamento do sistema avanado
de tratamento;
proporcionar percepo pblica de que ocorre
um aumento da qualidade da gua;
proporcionar ao pblico consumidor a percep-
o de que ocorre uma dissociao entre esgo-
to e gua potvel.
O reso potvel direto planejado difcil de ser
aplicado nas condies atuais brasileiras, devido
s seguintes caractersticas tcnicas, ambientais,
legais e institucionais:
os corpos receptores superficiais que poderiam
operar como AAs so geralmente poludos,
no possibilitando os efeitos purificadores
secundrios desejados. Na realidade, o oposto
Figura 2 - RPIP.Fonte: Adaptado de Tchobanoglous et al. (2011).
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ocorreria, pois efluentes altamente purificados
por processos avanados de tratamento seriam
contaminados, em face dos elevados nveis de
poluio de grande parte dos corpos hdricos;
por desconhecimento da importncia e
benefcios inerentes, a prtica de recarga
gerenciada de aquferos formalmente
rejeitada pelos legisladores e por alguns rgos
de fomento, que vm continuamente recusando
o desenvolvimento de estudos e projetos que
dariam subsdios para o desenvolvimento de
uma norma e de cdigos de prtica nacionais
sobre o tema (HESPANHOL, 2009). Por essa
razo, no h no Brasil possibilidade atual de
utilizar aquferos subterrneos como AAs;
efluentes lanados em corpos receptores,
superficiais ou subterrneos, no passam
automaticamente a ser do domnio das
entidades ou companhias de saneamento
que procederam ao tratamento e respectiva
descarga. Uma vez lanados ao meio
ambiente, a captao correspondente, total
ou parcial, fica submetida aos critrios de
outorga e respectiva cobrana pelo uso da
gua. De maneira geral, as companhias de
saneamento no faro grandes investimentos
em sistemas de tratamento para obter uma
gua de qualidade elevada sobre a qual no
teriam domnio automtico. Apenas quando
ocorrerem condies logsticas especiais, ou
seja, quando a captao outorgada for efetuada
muito prxima aos pontos de lanamento ou
quando o reservatrio que recebe os efluentes
tratados for operado pela prpria companhia
de saneamento que efetua o reso, poder
o investidor auferir os benefcios do elevado
grau de tratamento conferido a seus efluentes,
para implementar sistemas de RPIP.
Verifica-se, portanto, que a implantao de siste-
mas de RPIP no tem, atualmente, condies tc-
nicas e econmicas para ocorrer no Brasil. No fu-
turo, seria possvel que essa modalidade de reso
pudesse vir a ser implantada, caso fosse promul-
gada legislao nacional sobre recarga gerencia-
da de aquferos e/ou a obrigatoriedade de que os
esgotos s podem ser lanados em corpos super-
ficiais aps nveis de tratamento superiores aos
secundrios, hoje adotados apenas em pequena
parte do pas.
H uma enorme gama de sistemas de RPIP, tan-
to experimentais quanto pblicos, operando em
diversos pases. Um sistema administrado pela
Companhia Intermunicipal de gua Veurne-
Ambacht (IWVA), em Koksijde, no extremo nor-
te da Blgica, est em operao desde julho de
2002. A Estao de tratamento de Efluentes (EtE)
de Wulpen, constituda por um sistema de lodos
ativados, foi construda em 1987 e reformada em
1994 para proporcionar remoo de nutrientes.
Seu efluente encaminhado estao de trata-
mento avanado de torreele, na qual passa por
unidades de ultrafiltrao (ZeeWeed, ZW 500C
da Zenon) e, em seguida, por unidades de osmose
reversa (30LE-440 da Dow Chemical). O efluente
da EtA de torreele , aps um transporte de apro-
ximadamente 2,5 quilmetros, infiltrado no aqu-
fero arenoso, no confinado, de Saint Andr, com
o objetivo de remover organismos patognicos e
traos de produtos qumicos que possam ter ul-
trapassado a barreira de osmose reversa. A gua
recuperada do aqufero a distncias variando en-
tre 33 e 153 metros do ponto de recarga, por meio
de 112 poos, a profundidades variando entre 8 e
12 metros. O extensivo sistema de monitoramen-
to efetuado mostrou a excelente qualidade da
gua potvel produzida. As anlises efetuadas em
2007 nos efluentes do sistema de osmose reversa
indicaram a ausncia de produtos farmacuticos
quimicamente ativos e de disruptores endcrinos
acima dos limites de deteco de 0,5 a 10 ng/L
(VAN HOUttE; VERBAUWHEDE, 2008; VANDEN-
BOHEDE et al., 2008).
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Um dos maiores e mais conhecidos sistemas de
RPIP o de Orange County, situado em Fountain
Valley, na Califrnia. Seu efluente encaminhado,
sem desinfeco, estao de tratamento avan-
ado de Water Factory 21, pertencente ao Orange
County Water District, cuja produo de apro-
ximadamente 82 milhes de metros cbicos por
ano. O sistema antigo de tratamento, composto
por sistema de coagulao/floculao com cal,
extrao de amnia, recarbonatao, filtrao,
adsoro em carvo ativado, desinfeco e osmo-
se reversa (tCHOBANOGLOUS; BURtON, 1991),
foi substitudo, a partir de 2008 e aps extensivos
estudos pilotos, pelo sistema apresentado na Fi-
gura 3. Parte da gua produzida dirigida s ba-
cias de infiltrao de Kraemmer e miller e parte,
aos poos de injeo, utilizados para evitar a pe-
netrao da cunha salina no aqufero costeiro, ao
longo da Ellis Avenue.
3.3 Reso potvel direto
Reso potvel direto consiste no tratamento
avanado de efluentes domsticos e sua intro-
duo em uma EtA cujo efluente adentra, dire-
tamente, um sistema pblico de distribuio de
gua, sem que ocorra a passagempor AAs, tanto
superficiais quanto subterrneos. O esgoto, aps
tratamento avanado, poder ser introduzido di-
retamente em uma EtA ou em um reservatrio de
mistura a montante dela, quando vazes comple-
mentares, tanto de origem superficial quanto sub-
terrnea, compem a vazo total a ser tratada no
sistema de reso.
Figura 3 - Orange County Water District, Fountain Valley, CA. Fonte: Adaptado de Tchobanoglous et al., (2011).
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Figura 4 - Reso potvel direto.
Conforme mostrado na Figura 4 aps tratamento
secundrio (sistemas convencionais ou sistemas
membrane Bio Reactor - mBR), os esgotos pas-
sariam por cmara de equalizao, por um siste-
ma de tratamento avanado e por uma eventual
cmara para balanceamento qumico, seguida
de reservatrio de reteno, antes de serem en-
caminhados EtA, aps mistura a ser efetuada
com guas superficiais e/ou subterrneas.
A necessidade de balano qumico dever ser ve-
rificada quando no ocorrer a complementao
com fontes superficiais ou subterrneas ou quan-
do a porcentagem de gua de reso for bastante
elevada. Nesse caso, pode ser conveniente efetuar
a remineralizao da gua para evitar problemas
de sade pblica, melhorar o gosto e prevenir cor-
roso a jusante.
O reservatrio de reteno pode ser natural (um
pequeno lago ou reservatrio isolado) ou cons-
trudo. Deve ser adequadamente projetado para
servir como um sistema intermedirio entre o
sistema de tratamento de esgotos e o sistema de
tratamento de gua potvel. Se o sistema envol-
ver um grau significativo de variabilidade no sis-
tema de tratamento de esgotos, esse reservat-
rio dever ser de grandes dimenses, permitindo
tempo suficiente para responder s eventuais
deficincias do processo e efetuar uma certi-
ficao extensiva do efluente produzido. Caso
apresente um elevado grau de confiabilidade, o
reservatrio de reteno poder ter dimenses
Fonte: Adaptado de Tchobanoglous et al., (2011).
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artigos tcnicos
reduzidas ou mesmo no ser includo no sistema
de reso.
Os objetivos bsicos dos reservatrios de reten-
o e certificao so:
compensar a variabilidade entre a produo e
a demanda de gua;
compensar a variabilidade da qualidade da
gua produzida (praticamente desnecessrio
com sistemas avanados de tratamento);
prover um mnimo de tempo para detectar
e atuar sobre as eventuais deficincias de
processo antes da introduo da gua tratada
no sistema de distribuio.
Alm disso, devem ser projetados e construdos
com elevado nvel de segurana estrutural e am-
biental, prevenir poluio externa, evitar perdas
por evaporao, dispor de sistemas hidrulicos
capazes de efetuar descargas rpidas quando ne-
cessrio e dispor de instalaes para amostragem
e monitoramento.
A Figura 5 mostra, esquematicamente, um siste-
ma de certificao que inclui trs reservatrios
dispostos em srie, cada um com volume de gua
potvel equivalente a 12 horas de produo do
sistema avanado de tratamento (AtSE, 2013).
4 tecnologiA diSPonVel PARA ReSo PotVel diReto
A questo adjacente que ainda perdura em mui-
tos setores conservativos se h, atualmente,
disponibilidade de tecnologia adequada (ope-
raes, processos unitrios e sistemas integra-
dos) e tcnicas de certificao da qualidade da
gua que permitam produzir, consistentemen-
te, gua segura a partir de esgotos domsticos,
respeitando critrios econmicos e de proteo
Figura 5 - Reservatrio de reteno e de certificao.Fonte: Adaptado de ATSE (2013).
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artigos tcnicos
da sade pblica dos consumidores. Em seguida
so apresentados, de maneira resumida, trs pro-
cessos unitrios bsicos que, em conjuno com
processos tradicionais, como coagulao/flocu-
lao, filtrao, desinfeco etc., podem compor
sistemas avanados de tratamento, que devem
ser avaliados com o objetivo de produzir consis-
tentemente gua de reso para fins potveis,
em sistemas diretos.
4.1 operaes e processos unitrios potenciais
Os processos ou sistemas unitrios que podero ser
utilizados para compor sistemas avanados de tra-
tamento para reso so basicamente os seguintes:
a. sistemas de membranas: os poluentes qumi-cos tradicionais e emergentes, mesmo os de
baixa massa molecular, como os disruptores
endcrinos, assim como organismos patog-
nicos de dimenses muitos pequenas, como
os oocistos de Cryptosporidium spp., podem
ser efetivamente removidos por sistemas de
membrana de ultrafiltrao, nanofiltrao e
osmose reversa. A Organizao mundial da
Sade (OmS) avalia que, dependendo dos tipos
de membrana utilizados e de suas caractersti-
cas operacionais, a remoo mxima de vrus,
bactrias e protozorios pode ser superior a or-
dens de magnitude 6,5, 7 e 7, respectivamente
(WHO, 2011);
b. carvo biologicamente ativado: unidades de carvo biologicamente ativado so sistemas
utilizados em tratamento avanado de gua,
principalmente para remover material org-
nico (geralmente biodegradveis), material
no orgnico (compostos estveis e de difcil
degradao) e organismos patognicos, conti-
dos em guas superficiais ou subterrneas. A
remoo de contaminantes processada por
meio de trs mecanismos bsicos: biodegra-
dao, adsoro de micropoluentes e filtrao
de slidos suspensos (ASANO et al., 2007). O
biofilme formado nos poros e superfcie do
carvo ativado (em p ou granular) consome
a matria orgnica, produzindo, como subpro-
dutos, gua, dixido de carbono, biomassa e
molculas orgnicas simples. A promoo da
atividade biolgica efetuada pela ao de um
oxidante forte, geralmente oznio, que apli-
cado na entrada da unidade filtrante;
c. processos oxidativos avanados (POAs): en-
volvem a gerao do radical livre hidroxila
(OH), um oxidante forte com capacidade de
oxidar compostos que no so passveis de ser
oxidados por oxidantes convencionais, como
oxignio, oznio e cloro. (tCHOBANOGLOUS et
al., 2003). A importncia de POAs em sistemas
de reso potvel direto vinculada ao fato de
que mesmo efluentes de sistemas de trata-
mento tercirio (inclusive permeados de siste-
mas de osmose reversa) podem conter traos
de compostos orgnicos naturais ou sintticos
(ASANO et al., 2007).
4.2 Sistemas avanados de tratamento para reso potvel direto
O sistema avanado de tratamento dever ser
concebido em funo das caractersticas do esgo-
to a ser tratado e da qualidade de eventuais fon-
tes adicionais de gua que sero tratadas na EtA.
Dependendo da qualidade dessas fontes extras,
(presena de produtos qumicos e de organismos
patognicos, como oocistos de Cryptosporidium
spp.), a EtA dever, tambm, conter sistemas
avanados de tratamento, como ultrafiltrao
e POAs.
O sistema de tratamento avanado a ser constru-
do (aps tratamento convencional por sistemas de
lodos ativados ou equivalentes) dever integrar os
conceitos de barreiras mltiplas, sendo impres-
cindvel executar estudos pilotos para identificar a
consistncia na produo de efluentes adequados,
fornecer parmetros de projeto realistas, identifi-
car problemas de operao e manuteno e avaliar
os custos associados.
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artigos tcnicos
Considerando a elevada capacidade de remo-
o de poluentes crticos dos processos unitrios
descritos, os sistemas de tratamento para reso
potvel direto a ser considerados para avaliao,
em funo de efluentes especficos e de caracte-
rsticas locais, so os quatro sistemas esquemati-
zados na Figura 6.
Os sistemas (a) e (b), que utilizam efluentes de
sistemas de tratamento de esgotos por lodos
ativados, necessitam de cmaras de equalizao
devido variao de qualidade dos efluentes pro-
duzidos, principalmente quando so empregados
sistemas de aerao prolongada. O sistema (a)
composto por unidades de osmose reversa (com
pr-tratamento por ultrafiltrao) e de POA, por
meio de UV/H2O
2. Como nos demais sistemas
mostrados na Figura 6, o efluente tratado passa
pelo reservatrio de reteno/armazenamento/
certificao, pela cmara de mistura e, finalmen-
te, pela EtA, produzindo gua potvel. O sistema
(b) emprega unidades de ultrafiltrao, carvo
biologicamente ativado com oznio, nanofiltra-
o e POA, por meio de de UV/H2O2. Os sistemas
(c) e (d) integram os mesmos processos unitrios
de tratamento, mas efetuam o tratamento bio-
lgico mediante sistemas mBR com membranas
de ultrafiltrao. Assim, no necessitam, devido
consistncia de qualidade proporcionada pelas
unidades de ultrafiltrao, de cmaras de equali-
zao. O sistema (c) integra, aps o sistema mBR,
unidades de osmose reversa e de POA, por meio
de UV/H2O2; j o sistema (d) composto por car-
vo biologicamente ativado com ozona, nanofil-
trao e POA, por meio de UV/H2O
2.
Figura 6 - Sistemas avanados de tratamento para reso potvel.Fonte: Adaptado de Leverenz et al. (2011) e Tchobanoglous et al. (2011).
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Figura 7 - Estao de tratamento de Goreangab, em Windhoek, Nambia, para reso potvel direto, remodelada em 1997.
5 A exPeRinciA mundiAl em ReSo PotVel diReto Assim como os sistemas de RPIP, h uma significativa quantidade de sistemas de reso potvel direto,
tanto experimentais em operao, implantados quanto em diversos estados americanos, na frica do Sul,
Austrlia, Blgica, Nambia e Singapura, sem que tenham sido detectados problemas de sade pblica
associados. Alguns desses exemplos so mostrados a seguir.
Denver, Colorado, Estados Unidos
O projeto de demonstrao de reso potvel di-
reto da cidade de Denver operou no perodo de
1985 a 1992 e teve como principal objetivo ava-
liar os problemas potenciais de sade pblica que
poderiam ocorrer. O sistema, alimentado com es-
gotos secundrios sem desinfeco, foi projetado
Windhoek, Nambia
O municpio de Windhoek, com aproximadamente
250.000 habitantes (censo de 2001), est situado
na Nambia, sudoeste da frica, ao sul do deserto
do Saara. O reso potvel direto vem sendo prati-
cado h mais de 40 anos, sem que problemas de
sade pblica associados gua potvel tenham
sido identificados (VAN DER mERWE et al., 2008).
dentro do conceito de barreiras mltiplas monta-
das em linhas paralelas para permitir manuteno
adequada e dar continuidade operao quando
da ocorrncia de eventuais falhas em processos
e operaes unitrias (Figura 8). Foi efetuado um
extensivo monitoramento da qualidade da gua
produzida, utilizando amostras compostas em pe-
Alm de um completo sistema de monitoramento da
qualidade da gua, utilizado o princpio de pontos
crticos de controle (ABNt, 2002; DAmIKOUKA et al.,
2007), o que traz uma maior segurana de sade
pblica aos usurios.
O esquema do sistema avanado atual, da EtA de
Goreangab, aps a ltima ampliao efetuada em
1997, mostrada na Figura 7.
Fonte: Adaptado deVan Der Merwe et al. (2008).
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artigos tcnicos
Cloudcroft, Novo Mexico, Estados Unidos
A pequena vila de Cloudroft se localiza no estado
do Novo mxico, ao sul do municpio de Albuquer-
que. tem uma populao de aproximadamente
850 habitantes , que cresce para mais de 2.000 du-
rante fins de semana e feriados. Nessas ocasies,
a demanda de gua passa de aproximadamente
680 m3/dia para um pico prximo a 1.360 m3/dia.
Visando a eliminar o transporte de gua por meio
de caminhes-pipa durante os picos de consumo,
a comunidade decidiu aumentar a disponibilida-
de de gua mediante um sistema de reso potvel
direto, utilizando os esgotos domsticos produzi-
dos localmente. O sistema de tratamento adota-
do, mostrado na Figura 9, inclui em uma primeira
fase um reator mBR para tratamento secundrio
dos esgotos, desinfeco, osmose reversa e um
sistema de POA. Seu efluente recebe aproxima-
damente 51% (do total produzido) de gua bruta
oriunda de guas superficiais e de fontes subter-
rneas locais. A mistura mantida em um reser-
vatrio durante aproximadamente duas semanas,
passando, em seguida, por uma segunda bateria
de unidades de tratamento, incluindo ultrafiltra-
o, desinfeco por radiao ultravioleta, carvo
ativado e desinfeco final com cloro.
Figura 8 - Estao experimental de tratamento de Denver, Colorado - reso potvel direto
rodos de 24 horas e avaliando todas as variveis
de qualidade regulamentadas na poca. Embora
no perodo dos testes ainda no se tivesse conhe-
cimento de poluentes emergentes que hoje so
encontrados em mananciais de todo o mundo, a
pesquisa evidenciou que a gua produzida apre-
sentava qualidade semelhante gua potvel dis-
tribuda em Denver e atendia a todos os padres
de qualidade de gua da Agncia de Proteo
Ambiental dos Estados Unidos (EPA), da Comuni-
dade Europeia e das diretrizes da OmS (Asano et
al, 2007).
Fonte: Adaptado de Asano et al. (2007).
janeiro abril 2015 Revista DAE 75
artigos tcnicos
Figura 10 - Big Springs, Texas.
Figura 9 - Sistema de Cloudcroft, Novo Mxico.
Big Springs, Texas, Estados Unidos
Embora o reso de gua seja praticado na regio
h muito tempo, o Colorado River Water District,
que abastece vrias comunidades da regio, in-
clusive Big Springs, tomou recentemente a deci-
so de reciclar 100% da gua, durante 100% do
tempo. O primeiro projeto de reso associado a
essa diretriz foi o de Big Springs, que est ainda
em fase de implementao. Conforme mostrado
na Figura 10, o efluente do sistema convencional
de lodos ativados existente recebe cloro e passa
por um filtro de areia e por desclorao. Passa, em
seguida, por um sistema de tratamento avanado,
constitudo por microfiltrao, osmose reversa e
por um sistema de POA. O efluente purificado por
meio desse sistema encaminhado a um reserva-
trio de mistura com gua bruta proveniente do
reservatrio Spencer e do reservatrio thomas.
A gua , finalmente, captada no reservatrio
de mistura, passando, em seguida, por um siste-
ma de tratamento fsico-qumico constitudo por
coagulao/floculao/sedimentao, filtrao e
desinfeco com cloro. O efluente desse sistema
adentra, diretamente, no sistema de distribuio
de gua de Big Springs.
Fonte: Adaptado Tchobanoglous, et al., (2011).
Fonte: Adaptado Tchobanoglous, et al., (2011).
janeiro abril 2015Revista DAE76
artigos tcnicos
Beaufort West, frica do Sul
A estao de tratamento avanado de Beaufort
West recebe efluentes tratados por sistemas ter-
cirios convencionais das EtEs Northern e Kwa
mashu, tendo sido dimensionada para uma vazo
de 2.100 m3/dia (AtSE, 2013). O sistema, compos-
to por ultrafiltrao, osmose revers, POA (per-
xido de hidrognio e ultravioleta) e desinfeco
por cloro, produzir 1.000 m3/dia, que sero mes-
clados com gua tratada pela EtA local de 4.000
m3/dia, produzindo, portanto, uma vazo total de
5.000 m3/dia (Figura 11).
Figura 11 - Sistema de Beaufort West, frica do Sul.
6 FAtoReS PoSitiVoS PARA imPlementAo do ReSo PotVel diRetoEm funo do cenrio crtico descrito, ine-
vitvel que, em um futuro muito prximo, no
haja outra soluo que no seja a de substituir
mecanismos ortodoxos de gesto da gua no
setor urbano por novos paradigmas, para poder
assegurar a sustentabilidade do abastecimento
de gua, tanto em termos de qualidade quanto
de quantidade. A mais importante misso
dessa mudana de paradigma est associada
universalizao da prtica de reso de gua
e, mais especificamente, da prtica de re-
so potvel direto, utilizando apenas as redes
de distribuio de gua atualmente existentes
e suas ampliaes.
As razes bsicas e os fatores positivos que co-
laboraram para essa mudana significativa nos
dogmas vigentes de gesto da gua so, basi-
camente, as seguintes:
os mananciais para abastecimento de gua es-
to se tornando cada vez mais raros, mais dis-
tantes e mais poludos, tornando-se invivel
a sua utilizao, como mostrado no primeiro
caso relacionado;
o RPINP, extensivamente praticado no Brasil,
uma prtica prejudicial tanto para o meio am-
biente quanto para a sade pblica de usurios
de sistemas de distribuio de gua tratada por
meio de sistemas convencionais;
a implementao de sistemas de RPIP parece
ser, atualmente, de pequena viabilidade nas
condies brasileiras, uma vez que corpos re-
ceptores superficiais, que poderiam operar
como AAs, so, como mencionado na seo
3.2, geralmente poludos, no possibilitando
os efeitos purificadores secundrios deseja-
dos. Da mesma forma, a utilizao de aquferos
como AAs tambm no pode ser realizada na
presente conjuntura nacional, uma vez que a
Fonte: ASTE (2013).
janeiro abril 2015 Revista DAE 77
artigos tcnicos
prtica de recarga gerenciada de aquferos no
, ainda, tecnicamente reconhecida no Brasil;
com a tecnologia avanada hoje disponvel,
possvel remover contaminantes-traos org-
nicos e inorgnicos e organismos patognicos
que no so removidos em sistemas tradicio-
nais de tratamento de gua;
no haver necessidade de construir um sis-
tema de distribuio separado para fornecer a
gua de reso, podendo ser utilizados os siste-
mas de distribuio j existentes e suas exten-
ses. No Brasil, no dispomos, infelizmente,
de dados unitrios de tratamento e de distri-
buio, mas a avaliao vigente de que os
sistemas de distribuio implicam custo equi-
valente a 2/3 do total dos custos associados a
tratamento e distribuio. Uma avaliao efe-
tuada nos Estados Unidos (tCHOBANOGLOUS
et al., 2011) concluiu que o custo total de um
sistema paralelo de distribuio de gua pot-
vel, tratada em nvel avanado, oscilaria entre
0,77 R$/m3 e 4,08 R$/m3 (0,32 US$/m3 a 1,70
US$/m3), enquanto que um sistema tpico de
tratamento avanado, incluindo sistemas de
membranas e POA, oscilaria entre 1,4 R$/m3 a
R$ 2,33/m3 (US$0,57/m3 a 0,97 US$/m3 ). A eli-
minao dos custos associados construo
de uma rede paralela para a distribuio de
gua de reso compensaria os custos relativa-
mente maiores (em relao a sistemas de tra-
tamento), que seriam atribudos ao sistema de
tratamento avanado. Em alguns casos, como,
por exemplo, na RmSP, que depende de impor-
tao de guas de bacias distantes, ter-se-ia,
ainda, o benefcio de evitar a construo de
adutoras de gua bruta, que implicam a apli-
cao de recursos elevados para construo,
manuteno e recalque;
gua de alta qualidade seria disponibilizada
junto aos centros de consumo, sem a necessida-
de de reverso de bacias. Seria utilizada a gua
disponvel localmente, sem prejudicar o abas-
tecimento de gua em bacias em condies de
estresse crtico, como, por exemplo, ocorre na
RmSP em relao bacia do rio Piracicaba;
a tecnologia atual suficiente para substituir
AAs por reservatrios de reteno, em que a
gua tratada em nvel avanado seria ade-
quadamente certificada antes da mistura com
outras fontes de gua, como mostrado nas
Figuras 4 e 5;
a existncia de precedentes bem-sucedidos,
a viso de segurana adicional no abasteci-
mento de gua e a disponibilidade de gua
com qualidade elevada produzida por sistemas
avanados de tratamento so fatores positi-
vos para a aceitao comunitria da prtica do
reso potvel direto.
7 FAtoReS PotenciAlmente inibidoReS do ReSo PotVel diRetoApesar da grande gama de fatores positivos aci-
ma relacionados a efetiva implementao de sis-
temas de reso potvel direto, est fortemente
condicionada aos fatores seguintes: (i) restries
legais/institucionais, associadas ao Princpio da
Precauo e legislao vigente sobre crimes
ambientais, e; (ii) aspectos psicolgicos e culturais
associados percepo e aceitao da prtica do
reso de gua.
7.1 o Princpio da Precauo
O princpio da precauo uma diretriz que busca
regular a participao do conhecimento tcnico
e cientfico e do senso comum na previso e no
combate a potenciais degradaes ambientais,
causadas por processos tecnolgicos tradicionais
ou emergentes. Deve ser aplicado de forma cons-
trutiva, elaborando, numa primeira fase, a an-
lise do risco por meio da aplicao do conjunto
de conhecimentos disponveis na identificao de
potenciais efeitos adversos, assim como dos be-
nefcios ambientais, econmicos, tcnicos e so-
janeiro abril 2015Revista DAE78
artigos tcnicos
ciais que proporciona (HESPANHOL, 2009; PAttI
JNIOR, 2007).
A relao entre a cincia e a precauo uma
importante questo conceitual para o gerencia-
mento prtico de riscos tecnolgicos. O conheci-
mento adequado do problema para a tomada de
decises requer uma srie de atributos, entre os
quais, o exame crtico, a transparncia, o contro-
le de qualidade, a reviso pelos pares e a nfase
num aprendizado permanente. Apenas aps a
elaborao exaustiva dessa fase de aprendiza-
do cientfico e tecnolgico permitido que se
passe fase de gesto do risco, estabelecendo
um marco regulatrio que possibilite auferir os
benefcios da prtica, evitando ou minimizando
os riscos correspondentes.
O princpio da precauo no pode, portanto, ser
utilizado para impedir o desenvolvimento de tec-
nologias que podem apresentar certos riscos. Os
rgos reguladores devem assumir o compromis-
so de lidar com os riscos e as incertezas cientficas
de forma coerente, permitindo, por outro lado,
que os benefcios proporcionados pela prtica
sejam auferidos em sua plenitude. O cenrio mais
crtico ocorre, entretanto, quando, com base ex-
clusiva em preconceitos, preferncias pessoais e
argumentos subjetivos, os tomadores da deciso
se recusam a regulamentar processos ou ativida-
des tecnolgicas importantes, criando condies
para a ocorrncia de riscos que poderiam ser evi-
tados pela aplicao de mecanismos adequados
de comando e controle.
O que se observa ainda a usurpao do princpio
da precauo no formato de proteo profissional
individual, buscando segurana legal por meio da
obstruo de processos de regulamentao de
prticas importantes e consagradas.
Especificamente no caso do reso de gua, a pos-
tura mais detrimentosa para o desenvolvimento da
prtica a adoo de regulamentaes extrema-
mente restritivas sob a cobertura da pseudopre-
cauo, buscando apenas a proteo contra pena-
lidades potenciais associadas Lei n 9.605, de 12
de fevereiro de 1998, que dispe sobre as sanes
penais e administrativas derivadas de condutas e
atividades lesivas ao meio ambiente e d outras
providncias (BRASIL, 1998). Uma normalizao
racional no meramente copiada de outras fontes,
mas adaptada s condies nacionais e cientifica-
mente suportada, eliminaria totalmente a preocu-
pao em relao a penalidades potenciais.
Uma grande reao se esboa atualmente, nos
organismos de controle ambiental, nos setores
governamentais em seu nvel de deciso mais ele-
vado, nos organismos de gesto de recursos hdri-
cos, nos setores empresariais de gua e esgoto e
nos meios acadmicos, contra a implementao
de normas irracionalmente restritivas, que, por
no serem representativas das condies brasi-
leiras, no protegem o meio ambiente e a sade
pblica dos grupos de risco, inibindo, por outro
lado, a estratgia do reso, que , atualmente, o
instrumento-chave de gesto da gua em reas
com estresse hdrico. Evidentemente, as prticas
em considerao so associadas a nveis de riscos
de magnitudes diversas, que devero ser racio-
nalmente avaliados para dar suporte a normas e
cdigos de prticas realistas.
7.2 Percepo e aceitao pblica da prtica de reso
O segundo fator, potencialmente limitante, est
associado a aspectos culturais e psicolgicos de
nossa sociedade, face percepo negativa do
consumo de gua reciclada e falta de confiana
na segurana de sistemas avanados de tratamen-
to e de certificao da qualidade da gua. Alm do
aspecto social, ocorrem temores associados a ris-
cos polticos, econmicos e ambientais.
Essas posturas sociais negativas podem, entre-
tanto, ser amenizadas por meio de educao
ambiental, informao bsica sobre a segurana
das tecnologias de tratamento e certificao da
janeiro abril 2015 Revista DAE 79
artigos tcnicos
qualidade da gua produzida por sistemas de re-
so potvel direto. A execuo de projetos de de-
monstrao e posterior divulgao de resultados
de qualidade da gua produzida e de estudos epi-
demiolgicos efetuados em associao seriam,
tambm, ferramentas importantes para mostrar
a viabilidade ambiental e de sade pblica, pro-
porcionando resultados mais visveis para ame-
nizar a percepo negativa da prtica de reso
potvel direto.
8 concluSo e RecomendAeSO RPINP, extensivamente praticado no Brasil,
constitui opo prejudicial tanto para o meio am-
biente quanto para a sade pblica de usurios de
sistemas de distribuio de gua tratada por meio
de sistemas convencionais. Por outro lado, a im-
plementao de sistemas de RPIP , atualmente,
pouco vivel nas condies brasileiras, uma vez
que mananciais subterrneos e corpos hdricos
superficiais, a grande maioria destes com eleva-
dos nveis de poluio, no apresentam condies
legais e tcnicas para ser utilizados como AAs.
A mais importante das mudanas de paradigma
que se fazem necessrias consiste em garantir o
abastecimento de gua em reas submetidas a
estresse hdrico, por meio da promoo da prtica
de reso potvel direto, sem haver necessidade de
instalar uma rede secundria para distribuio de
gua de reso.
As razes e as condies bsicas que levaro a
essa nova dimenso do setor saneamento so as
seguintes: (i) os mananciais para abastecimento
de gua esto se tornando cada vez mais raros,
mais distantes e mais poludos; (ii) a tecnologia
avanada hoje disponvel permite remover con-
taminantes, traos orgnicos e inorgnicos e or-
ganismos patognicos, possibilitando a produo
de uma gua de reso segura; (iii) os custos de
sistemas avanados de reso so equivalentes ou
inferiores aos custos de implantao de uma rede
secundria para distribuio de gua potvel,
sendo, portanto, mais econmico efetuar a dis-
tribuio da gua de reso potvel mediante os
sistemas de distribuio atualmente existentes e
suas ampliaes. Essa proposta se torna economi-
camente mais favorvel quando o abastecimento
dependente da construo de grandes adutoras
com desnvel elevado, pois permite a utilizao de
gua disponvel localmente.
As companhias de saneamento devero desen-
volver estudos e pesquisas, em conjunto com
centros de pesquisas certificados, para: (i) avaliar
tcnica e economicamente operaes e proces-
sos unitrios, assim como sistemas de tratamento
avanados para reso potvel direto, dentro das
condies brasileiras; (ii) estudar o dimensiona-
mento e estabelecer critrios operacionais de re-
servatrios e certificao da qualidade da gua de
reso; (iii) avaliar a possibilidade e as implicaes
tcnicas e econmicas para a utilizao de redes
existentes e suas extenses para efetuar a distri-
buio de gua potvel de reso; (iv) desenvolver
programas educacionais e de conscientizao
para promover a aceitao pblica da prtica de
reso potvel direto argumentos relevantes so
associados garantia do abastecimento e ao for-
necimento de gua segura aos consumidores de
sistemas pblicos de abastecimento; e (v) com-
bater o procedimento autoprotecionista e ime-
diatista dos rgos controladores que devero ser
orientados para desenvolver, normas, padres e
cdigos de prtica realistas baseados em estudos
e pesquisas e no na cpia de normas e diretri-
zes aliengenas que no representam as condi-
es tcnicas, culturais, ambientais e de sade
pblica brasileiras.
inexorvel que, dentro de no mximo uma d-
cada, a prtica do reso potvel direto, utilizando
tecnologias modernas de tratamento e sistemas
avanados de gesto de riscos e de controle ope-
racional, ser, apesar das reaes psicolgicas e
institucionais que a constrangem, a alternativa
mais plausvel para fornecer gua realmente po-
janeiro abril 2015Revista DAE80
artigos tcnicos
tvel. Alm de resolver o problema de qualidade,
o reso potvel direto estaria fortemente associa-
do segurana do abastecimento, pois utilizaria
fontes de suprimento disponveis nos pontos de
consumo, eliminando, por exemplo, a necessida-
de da construo de longas e custosas adutoras,
que, geralmente, transferem gua para grandes
centros urbanos, coletada de reas afetadas por
estresse hdrico.
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