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Trabalho sobre Crítica textual
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A IMPORTÂNCIA DA CRÍTICA TEXTUAL PARA OS ESTUDOS LINGUÍSTICOS
Introdução
Muito se tem estudado a cerca do português arcaico e do português medieval.
Para um linguista ou qualquer outro cientista que esteja interessado em estudar esse
recorte de tempo não terá dificuldades em encontrar edições críticas rigorosas e precisas
dos textos oriundos dessa época e até mesmo estudos já estabelecidos.
O mesmo não ocorre com o português do século XVIII, o denominado português
clássico. Por ser um período de grande instabilidade política em Portugal, pela falta de
um acordo ortográfico estabelecido, pelo distanciamento temporal do latim, dentre
outros fatores, o português clássico é uma grande lacuna a ser preenchida.
Essa não é uma tarefa fácil pois será necessário resgatar documentos, coletar
dados, organizar uma metodologia de estudo ainda não estabelecida e formular
hipóteses interpretativas. O objetivo geral do presente trabalho é realizar uma pesquisa
sobre os usos da colocação pronominal no português clássico. Desse modo, o presente
trabalho contribuirá para a reconstrução do passado linguístico do português.
Para isso, é necessário construir um corpus fidedigno. Então, o linguísta
encontra outro impasse: fazer bom uso de maus dados. Caracteriza-se como maus dados
aqueles emergidos de documentos que sobreviveram ao acaso. A seleção de documentos
que sejam mais apropriados para o estudo linguístico, portanto, torna-se fundamental.
Esses documentos devem corresponder, mesmo que minimamente, ao uso oral da
língua.
A fonte de dados para a formação do corpus escolhida para este trabalho foram
cartas comerciais que, pelo seu caráter informal, são uma fonte que mais se aproxima da
oralidade. Graças a seu grau menor de monitoramento, esse tipo de carta tende a
preservar traços próprios da oralidade.
O gênero textual carta por si só já se constitui como um dado línguístico passivel
de mudança através do tempo, logo a história da língua é a história dos textos nelas
produzido. Nada mais justo que se utilizar tal fonte. As cartas comerciais são de
circulação privada, produto de mãos pouco hábeis e redigidas com interesse pessoal.
Entretanto, essas cartas são são fácil leitura não só porque apresentam marcas do
tempo, mas principalmente por serem manuscritas. Não é raro a ocorrência de erros de
interpretações de fenômenos linguísticos devido a erros de interpretação dos dados que,
por sua vez são originados por uma edição cujo o editor não conheça sobre os critérios
estabelecidos para a edição. Para que se faça uma leitura fidedigna é preciso que o
linguista possua conhecimentos de Crítica textual.
Dentro dos tipos de edições fornecidos pela Crítica Textual foi escolhida para o
presente trabalho o tipo de edição diplomático-interpretativa. Por seu caráter mediano
entre o conservadorismo e a intervenção, esse tipo de edição adequa-se muito bem a um
dos objetivos específicos do presente trabalho fazer edições que mantenham as
características linguísticas e que facilitem a leitura de cartas comerciais direcionadas ao
Senhor Antônio Esteves Costa.
O fenômeno linguístico enfocado por este trabalho a colocação pronominal dos
pronomes átonos em relação ao verbo. O estudo foi divido em ocorrências com formas
verbais simples, em que as variantes dependentes avaliadas foram a próclise e a ênclise,
já que não houveram ocorrências de mesóclises, e formais verbais complexas, em que as
variantes denpendentes analisadas foram: Pré-complexo verbal, Intra-complexo verbal e
Pós-complexo verbal.
Outro objetivo específico deste trabalho é buscar uma sistematicidade nos usos
das variantes supracitadas, através da Teoria da Variação, que propõe que os usos são
condicionados por fatores externos e internos na língua. Os condicionamentos levados
em consideração na análise desse fenômeno foram: presença de atrator; tempo e modo
verbal; tipo de clítico; e, habilidade do escritor.
Pressupostos teóricos
1. Das dificuldades de se estudar o português do século XVIII
CASTRO (1996) após um breve levantamento constata uma grande ênfase no
estudo do português denominado arcaico e medieval, que compreende do século XII ao
XVI, em detrimento do português clássico do século XVIII. Das três obras analisadas
não mais que 35%1 do conteúdo é dedicado ao português do século XVIII. Portanto,
para quem quiser estudar esses estados da língua portuguesa, do arcaico ao medieval,
terá, como o próprio autor diz: “trabalhos prévios relativamente abundantes e sólidos”
(CASTRO, 1996: 136).
1
O autor atribui essa predileção dos estudiosos ao distanciamento temporal
longínquo e a aproximação do latim, dentre outras causas, que caracterizam o
português antigo. Justamente por isso faz-se necessário o desenvolvimento de estudos
que caracterizem esse estado da língua portuguesa tão inexplorado, o denominado
português clássico. É um objetivo por demasiado pretensioso para a presente
empreitada, logo, é preciso delimitar um pouco mais este horizonte: um dos principais
objetivos desse trabalho é criar e ampliar um corpus que possibilite estudos linguísticos
posteriores.
A fundamentação de um corpus fidedigno que alcance o objetivo supracitado é
uma árdua tarefa. Essa aspereza é reconhecida por CASTRO (1996: 136):
Em relação ao português clássico, em especial dos séculos
XVII e XVIII(...) quem o quiser estudar tem de se resignar a
fazer de cabouqueiro, desenterrando penosamente os seus
documentos, peneirando dados, organizando uma taxonomia
inexistente e, se ainda tiver coragem e tempo de vida,
formulando hipóteses interpretativas que ficaram à espera de
um debate crítico só possível se outros investigadores se
transviarem pelos mesmos terrenos.
Para DUARTE, apesar de penosa, a construção de um corpus fidedigno do
século XVIII é essencial para a reconstrução do passado lingüístico do português:
Esse tipo de trabalho não é “commodo” – pelo contrário, é por
vezes penoso, sempre curioso, às vezes divertido – como
seriam “commodos” os preços dos produtos anunciados no
século XIX... Sem dúvida é um trabalho necessário, como base
para reconstrução do passado linguístico do português (2002:
27).
Além da ausência de estudos aprofundados a cerca do português clássico,
consta-se um problema ainda mais grave: “a arte de fazer o melhor uso de maus dados”
(LABOV, 1982: 20 Apud Duarte, 2002: 20). Assim, “os maus dados” fazem referência
aos “fragmentos da documentação escrita que permanecem são os resultados de
acidentes históricos para além do controle do investigador” (Ibdem).
Não há registros orais do século XVIII por questões de avanços tecnológicos.
Isso é bem simples: não havia gravadores de voz naquela época. Por conseguinte, como
estudar fenômenos linguísticos desse estado linguístico, ou melhor, qual(is) registro(s)
seria(m) o(s) mais apropriado(s) para o estudo efetivo das características linguísticas
desse recorte temporal? E a pergunta mais pertinente: qual registro escrito que
sobrevivera aos tempos atuais corresponderia minimamente ao uso oral da língua?
Desses questionamentos resultou a seguinte resposta: as cartas comerciais.
1.1. Da dificuldade da escolha da fonte de dados: cartas comerciais
A difícil tarefa de reconstruir um estado oral da língua a fim de caracterizá-lo
torna-se complexa a partir do momento em que só há registros escritos. Dessa maneira,
as cartas informais são uma fonte que mais se aproxima da oralidade. Devido ao seu
caráter menos monitorado, esse tipo de carta tende a preservar quase que
espontaneamente traços da língua falada. Neste sentido, as cartas informais constituem
uma valiosa fonte de informações, pois possuem uma escrita menos monitorada
tendendo a preservar traços próprios da oralidade.
Além da proximidade com a oralidade, o gênero carta contém outras
características que fundamentam seu uso como fonte fidedigna para estudos diacrônicos
da língua. A história do gênero carta pressupõe um sistema em contínua transformação
o que estabelece relação íntima entre a história do gênero e a própria história da
linguagem. Assim, PESSOA(2002: 197) afirma: “Isso aponta para a importância da
história das línguas como a história dos textos, para se possibilitar uma visão diferente e
mais dinâmica”.
PESSOA (2002) monta um panorama da evolução do gênero carta da
Antiguidade até o século XVIII. A respeito da difusão da carta pessoal no século XVIII:
“ela ganha um novo significado, passando a se constituir numa espécie de telefone da
época” (PESSOA, 2002: 199). Tal assertiva se confirma em uma das cartas transcritas
em que o caráter pessoal se sobrepõe ao caráter comercial, em que o remetente refere-se
a um “Palermo” e dá notícias deste para o destinatário2.
Desse modo, as cartas comerciais constituem-se em exemplo de escrita
cotidiana, ainda que entremeada por fórmulas e tradições. Outras características de
cartas ressaltadas por BARBOSA (2007) são: circulação privada; produto de mãos
pouco hábeis3; e, redigidas com interesse pessoal. Por isso, a atitude do escrevente é de 2 Pello que respeita opalermo anda tudo azul - carta 224/279.3 BARBOSA (1999) define como mãos pouco hábeis aqueles textos que apresentavam características apresentadas na seção 4 deste trabalho.
menor vigilância se comparada aos textos oficiais, isto é, há maior transparência dos
traços próprios da oralidade.
BARBOSA (2007) atribui dois tipos de critérios de identificação de mãos pouco
hábeis: os critérios linguísticos e os critérios caligráficos. Nos Critérios lingüísticos, há:
a correspondência geral entre língua oral e língua escrita. Em que aparecem os
fenômenos fonéticos típicos da língua falada, como “prcizaõ” e “dizein” 4, por exemplo;
domínio imperfeito das unidades da língua escrita; separação e junção sem motivação
identificada entre os vocábulos; e, usos pouco eruditos da língua escrita, como palavras
do cotidiano.
Já nos Critérios caligráficos há: o traçado muito inseguro; o alinhamento
imperfeito; uso de módulo grande; o emprego de maiúsculas no interior das palavras.
Mostrando o desconhecimento do uso das maiúsculas; e, o emprego escasso de
abreviaturas, demonstrando um certo desconhecimento das regras de abreviação.
1.2. Da dificuldade de leitura de manuscritos: Cartas Comerciais do séc. XVIII
CAMBRAIA (1999) discorre sobre a intrínseca ligação entre a validade de um
estudo linguístico e a fidedignidade da fonte utilizada pela coleta de dados.
trata-se de um problema complexo porque, quando mais
periférica for a fase da história do português analisada, menor
será o número de textos disponíveis (...) terá o estudioso que
lidar também com o problema da escolha da edição desses
textos, pois nem toda edição de texto antigos é adequada para o
estudo lingüístico (...) com o objetivo de regularizar formas (...)
que apaga e altera os traços lingüísticos presentes no texto
original.
Assim, o autor aponta para a necessidade ou da busca por uma edição fidedigna
ou de uma leitura que pressuponha conhecimentos de crítica textual. A falta desses
conhecimentos pode gerar confusões que confluem para conclusões equivocadas.
Como, por exemplo, TARALLO (1990: 22), quando se refere ao português do século
XVIII, afirma que: “a estrutura da língua portuguesa previa a cliticização dos pronomes
4 Dados retirados da carta 224/219.
pessoais oblíquos e dos pronomes reflexivos ao verbo, e dos determinantes (artigos e
possessivos) ao nome.” Ele se baseia numa edição própria de um manuscrito de 1795.
Entretanto, CASTRO (1996: 148), em uma resenha ao livro de Tarallo, mostra
que:
a transcrição preserva outra característica das escritas cursivas,
que é a coincidência de vocábulo fonético com vocábulo
gráfico pela qual a pluma tendia a não ser levantada do papel
enquanto não houvesse uma pausa fonética intervocabular: por
isso os artigos, os pronomes, as preposições, eram escritos
ligados à forma plena de cujo acento dependiam.
Logo, não havia o processo da cliticização proposto por Tarallo, era apenas uma
característica da escrita cursiva de espaçamento feita a partir da divisão entre vocábulos
fonológicos.
Portanto, a realização de estudos diacrônicos depende de modo crucial de
edições rigorosas e fidedignas que mantenham as características lingüísticas necessárias
para a análise correta dos fenômenos lingüísticos, mas que, ao mesmo tempo torne o
texto de leitura mais agradável para o lingüista que deseja estudá-lo.
Por isso, CAMBRAIA (1999: 14) determina que:
A viabilização dos estudos diacrônicos depende, sem dúvida,
da realização de edições rigorosas e fidedignas, que ofereçam o
máximo possível de informações sobre o texto, reproduzindo
na medida do possível, todas as características do original e
efetuando apenas aquelas intervenções que se fizerem
necessárias para inteligibilidade do texto.
1.4. A Crítica textual e os tipos de edições
A depender do grau de interferência que o editor tenha sobre a edição que
realiza, as edições podem ser classificadas em quatro tipos básicos: reprodução
mecânica, reprodução diplomática, transcrição diplomático-interpretativa e texto crítico.
A primeira consiste em uma edição fac-similar em que são utilizados procedimentos
mecânicos como fotografias, xerografias com grau zero de mediação. A segunda trata
da reprodução tipográfica do texto escrito mantendo todas as características do original.
Com grau baixo de mediação, é considerada uma transcrição rigorosamente
conservadora. A terceira, também denominada semidiplomática, consiste na transcrição
do original em que há uma série de intervenções que facilitam a leitura. Com grau
médio de intervenção torna o texto mais apreensível. O quarto e último trata do
estabelecimento da forma genuína de um texto a partir das cópias existentes, segundo as
leis e normas da crítica textual, realizando uma uniformização gráfica. É o grau máximo
de mediação admissível.
A escolha do tipo da edição é condicionada pelo público alvo. De acordo com o
grau de interferência necessário para a leitura e compreensão do texto estudado são
escolhidas os tipos de edição mais adequado ao público alvo em questão. A edição
diplomático-interpretativa é a mais apropriada para a análise linguística posterior, por
isso foi a escolhida para a transcrição das cartas comerciais.
2. As perspectivas sobre o fenômeno da Colocação Pronominal
Para um levantamento de dados preciso é necessário compreender bem o
fenômeno linguístico que se deseja pesquisar. O fenômeno linguístico enfocado no
presente trabalho é a colocação pronominal dos pronomes átonos em relação ao verbo.
CUNHA&CINTRA(2008), cuja primeira edição foi lançada em 1960 e BECHARA
(2009), cuja primeira edição foi a primeira edição foi lançada em 1999 representam uma
perspectiva tradicional a cerca do fenômeno.
Isto significa que há nelas uma abordagem descritiva e preescritiva. Ambas as
gramáticas se baseiam em textos literários. Já VIEIRA&BRANDÃO (2013) assumem
uma perspectiva descritiva da língua e seus exemplos são retirados de jornais de grande
circulação pública. Todos os autores citados descrevem o português contemporâneo.
Apesar da existência desde 1536 de uma gramática de Língua Potuguesa, a obra
A Grammatica da Lingoagem Portuguesa de Fernão de Oliveira (1507-1582), só houve
a constituição da disciplina, em 1837 com o Marquês de Pombal. A norma subjecente
nas cartas comerciais utilizadas como corpus do presente trabalho, Segundo BARBOSA
(1999) é baseada nos jornais e documentos oficiais de alta circulação na época.
Outra perspectiva descritiva abordada no presente trabalho é a de MARTINS
(1994). A autora faz um percurso histórico, à luz da teoria gerativa, sobre a colocação
pronominal no português do século XIII ao século XIX. Os dados dessa tese de
doutorado emergem de textos literários de cada época descrita.
2.1. A perspectiva Tradicional da colocação pronominal
CUNHA&CINTRA (2008), em sua Nova Gramática do português
contemporâneo, dedica o caítulo 11 – Pronomes – Emprego dos pronomes oblíquos às
regras de utilização dos pronomes oblíquos dentro das orações, tanto das formas tônicas
quanto das formas átonas. Na seção “Colocação dos pronomes átono”, os autores
apresentam, em relação ao verbo, o posicionamento dos pronomes átonos, a saber:
enclítico, proclítico e mesoclítico, isto é, depois do verbo, antes do verbo e no meio do
verbo, respectivamente. Eles ressaltam que o o mesoclítico só é utilizado com o futuro
do presente e o futuro do pretérito.
Segundo os autores, a posição natural do pronome é de ênclise já que exercem a
função sintática de complemento verbal. No entanto, há circunstâncias em queo uso
proclítico e enclítico são opcionais. Neste caso, português do Brasil5 e Português de
Portugal6 se diferem. O primeiro tende a se utilizar da próclise e o segundo à ênclise.
As regras gerais são dividas em “Com um só verbo” e “Com uma locução
verbal”. A primeira enumera seis regras: com o futuro do presente ou do pretérito dá-se
próclise ou mesóclise; a próclise é preferida quando: as orações contém uma palavra
negativa, as orações são antecedidas por pronomes ou advébios interrogativos, as
orações sobordinadas são desenvolvidas, o gerúndio é redido de preposição. Os
praticípios usam uma forma oblíqua preposicionada; os infinitivos soltos; os infinitivos
soltos não se utilizam de próclise ou ênclise; exceto os casos já pontuados a língua
portuguesa tende ao uso da próclise quando: o verbo vem antecedido de certos
advérbios, a oração se inicia por objeto direto; o saujeito da oração contém o numeral
ambos, nas orações alternativas. Se houver pausa a próclise se transforma em ênclise.
Há, ainda, uma observação quanto a diferenciação entre PB e PE: costuma-se
intercalar uma ou mais palavras entreo pronome átono em próclise e o verbo. Esse
fenômeno ocorre desde o século XVIII, como é atestado em(1):
(1) ... eeste anno o naõ tenho feito (carta 224, 292)
A segunda propõe duas regras para a colocação pronominal com uma locução
verbal. A primeira afirma que, quando o verbo é um infinitivo ou gerúndio, sempre
ocorre ênclise exceto quando: a locução verbal vem precedida de uma palavra negativa,
quando a oração é inincidada por pornomes ou advérbios interrogativos, palavras
5 Doravante PB.6 Doravante PE.
exclamaticas; as orações subordinadas são desenvolvidas. A segunda afirma que,
quando o verbo principal está no particípio, o pronome se liga ao verbo auxiliar e pode
ser enclítico ou proclítico a depender dos fatores enumerados para a oração simples. Em
relação ao PB, há a possibilidade da próclise em início absoluto de frase, nas orações
absolutas e ao verbo principal nas locuções verbais. Isso na modalidade falada.
BECHARA (2009) na Moderna Gramática do Português, no capítulo 7 –
“Colocação” – na seção Critérios para a colocação dos pronomes pessoais átonos e do
demonstrativo o chama a atenção para o aspecto fonético-sintático que influencia na
colocação pronominal, levando em conta a divisão entre átonos e tônicos e afastando a
ideia de inferioridade do PB em relação ao PE. Assim, o autor enuncia que há três tipos
de básicos de colocação pronominal: próclise, ênclise e mesóclise, respectivamente:
anteposição, posposição e interposição do vocábulo átono ao vocábulo tônico.
Ele também divide as regras de acordo com a composição verbal: um só verbo e
locução verbal. Em relação a um só verbo, O autor estabelece as seguintes regras: não
se inicia período por pronome átono; não se pospõe pronome átono a verbo flexionado
em oração subordinada, nem a verbo modificado por advérbio, nem a verbo no futuro
do presente ou futuro do pretérito, tampouco a verbo em oração iniciada por palavra
interrogativa ou exclamativa
Em relação a uma locução verbal, o autor considera dois casos: verbo auxiliar
mais infinitivo ou gerúndio e verbo auxiliar mais particípio. No primeiro caso, o
pronome átono pode ocorrer proclítico ou enclítico ao verbo auxiliar, ou ainda, enclítico
ao verbo principal. A predileção dos brasileiros eencontra-se na forma proclítica ao
verbo principal. No segundo caso, o pronome átono pode ocorrer anteposto ou posposto
ao verbo auxiliar. Não se pospõe o clítico ao particípio. Os brasileiros costumam usar os
clíticos antepostos ao verbo principal.
2.2. A perspectiva Descritiva da Colocação Pronominal
MATEUS ET AL (2003) descreve a norma padrão utilizada na variedade do
português europeu moderno e estabelece regras gerais e condicionamentos das
concretizações do fênomeno da colocação pronominal. Assim, as autoras afirmam que
os clíticos necessitam de um hospedeiro verbal em que se apoiam acentualmente.
Em contexto absoluto de frase, os pronomes átonos são enclíticos como via de regra
geral. Isso com relação as formas verbais simples. Já com relação às perífrases verbais,
ocorre um fenêmeno caracterizado pelas autoras como “subida de clítico”, em que os
pronomes átonos são enclíticos ou proclíticos ao verbo auxiliar da perífrase verbal.
Desse modo, a ênclise é o padrão básico não marcado e a próclise é ocasionada pela
presença de atratores: operadores de negação e sintagmas negativos; sintagmas-Q;
complementizadores; advérbios de focalização, de refência predicativa, confirmativos,
de atitude proposicional e aspectual; subtipos de quantidficadores; conectores de
coordenação; e, correlativas disjuntivas.
PERINI (2009) considera sua Gramática Descritiva do Português uma tentativa
de descrever a norma padrão do português brasileiro que não contenha problemas
correntes das gramáticas tradicionais como: falta de coerência teórica, falta de
adequação aos usos da língua e normativização descontrolada.
Segundo o autor, a ênclise estava em vias de desaparecer do português falado e
isso acarretaria em em profundas mudanças na variedade escrita. Ele estabelece duas
poisções para o clítico: a próclie e a ênclise, e considera a mesóclise como um caso de
ênclise ao verbo no futuro do presente e do pretérito. O autor estabelece restrições para
o uso da próclise e da ênclise. Não se realizaria próclise em iniício de estrutura
oracional não subordinada ou após a um elemento topicalizado. Não se realizaria ênclise
quando o verbo é gerúndio precedido de preposição em, particípio, ou oração iniciada
por partículas atratoras.
Ele reconhece que não há consenso entre as gramaticas tradicionais a respeito à
natureza desses alementos atratores. Isso com formas verbais simples. Com formas
verbais complexas, os clíticos se posicionam nos limites da mesma oração, isto é,
Exceto no verbo ‘saber’ e em estruturas com verbo auxiliar acompanhado de
preposição. Apesar dos avanços de PERINI (2009), há, nessa gramática, uma ausência
de um corpus e de um levantamento e análise de dados para a confirmação das
hipóteses levantadas.
2.3. Uma perspectiva histórica da Colocação Pronominal do século XVIII
MARTINS (1994), com base na “Teoria de Princípios e Parâmetros” em sua
versão “minimalista”, assumindo que a variação linguística é pré-determinada e e
restringida, propõe um estudo acerca do colocação dos clíticos do século XII ao século
XIX. No capítulo 2, é abordado mudanças posteriores ao século XVI e analisa a
evolução colocação dos clíticos no português medieval e clássico. O corpus utilizado
para este capítulo em específico foi textos literários de Luís Antônio Verney (1713 –
1792) e Almeida Garret (1799 – 1854).
A autora destaca que as diferenças mais profundas encontram-se nas orações
com verbo na forma finita. Referindo-se ao português de portugal, a autora afirma que
os clíticos podiam anterpor-se ou pospor-se ao verbo no português medieval e clássico,
nas orações não dependentes afirmativas. Entretanto, no português atual, os clíticos
tendem marjoritariamente se pospor.
Já nas orações com verbo no infinitivo regido por preposição e nas estruturas
com verbo auxiliar mais infinitivo ocorria a elevação do clítico. Assim, segundo a
autora, a ordem de clitização passou de clítico-verbo para verbo-clítico nas orações não
dependentes afirmativas e houve a perda da interpolação em orações subordinadas.
2.4. A perspectiva dos Estudos Sociolinguísticos sobre a Colocação Pronominal
VIEIRA (2013) propõe uma análise sociolingusítica variacionista do fenômeno
de colocação pronominal baseada em VIEIRA (2002) com o objetivo de indicar um
padrão de concretização da variável colocação pronominal em função dos
condicionamentos sociais e línguísticos nas variedades do Português Brasileiro7 e do
Português Europeu8, tanto na modalidade oral quanto na escrita. Foram consideradas
sepradamente as formais verbais simples e os complexos verbais.
Em “A ordem dos clíticos nas lexias verbais simples”, a autora demonstra um
padrão bem diferenciado entre as modalidades oral e escrita. No PE oral, a tendência
ênclise é a produção da ênclise, excetuando-se nos casos de contexto de elemento
atrator antes do verbo. Já PB oral a tendência geral é a próclise. Na modalidade escrita,
as variedades apresentam um padrão direnciado em que, praticamente, anula-se as
divergências entre essas variedades. Foram consideradas as seguintes variáveis que
interferem na concretização do fenômeno estudado: tipo de oração; presença de atrator;
tempo e modo verbais; e, tipo de clítico.
A distribuição equilibrada entre as duas variantes proclítica e enclítica no PE
escrito ocorre devido à produtividade de contextos de subordinação e de partículas
atratoras. Assim, a produção da ênclise é a regra geral e próclise se realiza pelos
condicionamentos supracitados. No PB escrito, ocorre preferencialmente a próclise. Já a
7 Doravante PB.8 Doraventa PE.
ênclise é condicionada pelo contexto inicial absoluto, a conjunção coordenativa e a
locução adverbial, pelo uso dos pronomes o/a(s) e <se> indeterminador e apassivador, e
pelas orações coordenadas sindéticas e subordinadas reduzidas de infinitivo.
Em relação “a ordem dos clíticos em complexos verbais”, a autora se baseia em
dados da oralidade pois julga não ter corpus escrito suficiente. Ela estabelece três
variantes para manifestação do fenômeno da colocação pronominal, a saber: pré-
complexo verbal9, intra-complexo verbal10 e pós-complexo verbal11. Foi considerado,
portanto, a posição do pronome em relação aos verbos e não a relação de apoio
acentual.
Os pontos de investigação levados em consideração foram: infectividade do
verbo; composdição do complexo verbal; tempo e modo do verbo flexionado; presença
de elementos intervinientes no complexo verbal; diferentes tipos de clíticos; elementos
atratores; e, fatores extralinguísticos controlados.
Diante da análise do corpus mediada pelos pontos de investigação supracitados,
foi constatado que o PE oral admite a ênclise a V1. A variante pré-CV também é
produtiva condicionada pela presença de atrator no contexto anterior ao complexo
verbal, de <se> apassivador/ indeterminador e quando V2 é particípio. A variante pós-
CV é rara e ocorre quando V2 é infinitivo e o pronome é de 3ª pessoa, ou ainda, com
<se> reflexivo/inerente.
Já no PB predomina a variante intra-CV (90% dos casos). Isto é, o PB admite a
próclise à V2. A forma pré-CV é artificial, mas se realiza condicionada pelo grau de
instrução do indivíduo. A forma pós-CV é rara e só se realiza em contexto de V2
infinitivo com pronome de 3ª pessoa. A autora ainda enumera elementos fundamentais
no condicionamento da ordem dos pronomes. São as variáveis independentes: tipo de
clítico, forma do verbo não-flexionado; constituição do complexo verbal; e, presença de
atratores.
Referente aos tipos de clíticos, o <se> refelxivo/inerente fica adjacente a V2 e
não tende a ocorrer pré-CV, já <se> indeterminador/apassivador se concretiza como
pré-CV. O clítico acusativo de 3ª pessoa tende a ocorrer pós-CV. Em relação ao tipo de
complexo verbal, nas orações causativas/sensitivas o pronome é intra-CV. Na variedade
europeia, a posição do clítico depende do estatuto oracional, sendo que, na variedade
brasileira, esse comportamento não se aplica, portanto, tanto nas perífrases quanto nos 9 Doravante pré-CV.10 Doravante intra-CV.11 Doravante pós-CV.
complexos bioracionais ocorre o pronome intra-CV. A forma do verbo não-flexionado,
por sua vez, prevê o bloqueio da variante pós-CV pelo particípio e o favorecimento
desta variante pelo infinitivo.
3. Uma perspectiva sociolionguística variacionista quantitativa do fenômeno da cliticização: a adotada para o presente trabalho
ALKMIN (2006:26) afirma:
A língua é a manifestação concreta da faculdade humana da linhguagem. Sendo assim é pelo exercício da linguagem, pela utilização da língua, que o homem constróis sua relação com a natureza e com os outros homens. (...) Logo, língua e sociedade não podem ser concebidas separadas.
Para um trabalho que se proponha a contribuir para a caracterização de um período da língua portuguesa, este não pode ignorar os contextos internos e externos a língua. Afinal, não há língua sem sociedade e não há sociedade sem língua. Por essa razão, ao buscar um corpus que se aproximasse ao máximo dos usos da época, foram selecionados textos produzidos em um contexto de menos vigilância.
Desse modo, os textos foram escritos ou por pequenos comerciantes ou por escritores profissionais, em um contexto de comércio, em diferentes partes de Portugal e um no Brasil. Dentro dos informantes, autores dos textos, há mãos hábeis e mãos inábeis. É desenvolvido, portanto, um estudo línguístico de um fenômeno variável que leva em conta tanto o contexto linguístico interno quanto externo, além de propor a diferenciação da manifestação desse fenômeno linguístico entre mãos hábeis e mãos inábeis. “A sociolinguística é o estudo da língua falada, observada, descrita e analisada em seu contexto social, isto é, em situações reais de uso” (ALKMIN, 2006: 31).
Por essas razões, a corrente teórica escolhida para embasar o presente trabalho foi a sociolinguística variacionista quantitativa. O objeto de estudo da Sociolinguística é a variação linguística. Esta, por sua vez, está conectada com um “conjunto de fatores socialmente definidos” (ALKMIN, 2006: 29), a saber: a identidade social do emissor, neste caso o pequeno comerciante; a identidade social do receptor, o Senhor Antonio Esteves Costa; o contexto social, transação comercial; e, o julgamento distinto que os falantes fazem do próprio comportamento linguístico e sobre os outros, a necessidade de produtos para comercialização dos pequenos comerciantes era tão grande que este se atentava mais no assunto que não se ocupava tanto com o modo de escrita e não havia um acordo ortográfico que unanimizasse a escrita.
3.1. A Teoria da Variação
Fundada em 1960 sob a liderança de Willian Labov, a Sociolinguística também é chamada de Sociolinguística Variacionista ou ainda Teoria da Variação. Segundo CEZÁRIO&VOTRE (2011: 141-142):
[a sociolinguística] possui uma metodologia bem delimitadaque fornece ao pesquisador ferramentas para estabelecer variáveis, para a coleta e codificação dos dados, bem como instrumentos computacionais para definire analisar o fenômeno variável que se quer estudar. (...) Procura demonstrar como uma variante se implementa na língua ou desaparece.
O termo variante se refere as formas linguísticas concretas de um dado fenômeno linguístico em disputa que são usadas nos mesmos contextos sem que se verifique mudança de significado. As variantes em disputa do fenômeno línguístico focado são próclise e ênclise, já que a mesóclise não foi encontrada no corpus. A partir da frequência de uso dessas variantes foi possível verificar as tendências associadas a cada frequência e constatar que se trata de uma variação estável.
Já o termo variável linguística compreende um conjunto de variantes. A variável
linguística estudada é a cliticização que possui tradiconalmente três variantes: próclise,
mesóclise e ênclise. Contudo, como a variante mesóclise não apareceu no corpus, esse
trabalho considerou uma variável binária cujas variantes são próclise e ênclise. Isso não
significa que a variante mesóclise não possua concretude, ela só não emergiu no corpus
utilizado. A variável linguística cliticização é uma variável dependente, pois, para
MOLLICA (2013: 11) “o emprego das variantes não é aleatório, mas influenciado por
um conjunto de fatores de natureza social ou estrutural”. A esse conjunto de fatores, dá-
se o nome de variáveis independentes.
As variáveis independentes podem ser internas ou externas à língua e exercem
pressão sobre os usos, aumentando ou diminuindo sua ocorrência. As variantes externas
levadas em consideração no presente trabalho são: mãos hábeis e mãos inábeis. As
variantes internas são: infectividade da oração, presença de partículas atratoras e
posição sintática do verbo em relação à frase.
3.2. Modelos quantitativos e tratamento estatístico: o peso relativo
Partindo do pressuposto de que a heterogeneidade da língua é sistemática, isto é,
governada por um conjunto de regras, é possível identificar as categorias independentes
que influenciam no uso de uma determinada variante de uma variável línguística.
NARO (2013:16) coloca que: “o problema central para a Teoria da Variação é a
avaliação do quantum com que cada categoria postulada contribui para a realização de
uma ou outra variante das formas em competição.” Entretanto, uma variável sempre está
suceptível a atuação simultânea de vários fatores e nunca de uma ou outra categoria em
separado. O desafio da sociolinguística é isolar e medir separadamente o efeito de um
fator e o modelo logístico auxilia na descrição da variação sincrônica pois mede a
tendência de presença da variante de estudo, retirando o efeito dos fatores contextuais.
O modelo logístico introduzido por Pascale Russeau e David Sankoff engloba as
propriedades boas de três modelos matemáticos:o aditivo, que postulava a “função” 12como soma de fatores contextuais, de Labov; o multiplicativo de aplicação, que
“função” é substituído por “probabilidade”13 , sendo “probabilidade” o produto dos
fatores contextuais; e, o multiplicativo de não aplicação14.
Após o cálculo, se o peso relativo for próximo de zero, a equação logística
funciona como o modelo multiplicativo de aplicação. Se o peso realtivo for próximo de
1, a equação funciona como o modelo multiplicativo de não palicação. Caso o peso
relativo seja próximo ao 0,5.
Metodologia
4. Da seleção do corpus: Cartas comerciais ao Senhor Antônio Esteves Costa
As cartas utilizadas no presente trabalho encontram-se na Biblioteca Nacional do
Rio de janeiro. Trata-se de um conjunto de cartas, guardado na caixa de manuscritos de
número 224 originalmente vindo da seção de reservados do Arquivo Nacional da Torre
do Tombo, de Lisboa com a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. De acordo com
BARBOSA (1999: 132), “um precioso acervo da prosa não-literária em Lingua
Portuguesa Clássica”. Foram selecionadas de diferentes partes de Portugal, incluindo
cidades do Norte, do Sul e do Centro do país e uma carta de Pernambuco, Brasil com o
intuito de ter um corpus minimamente diversificado ao ponto de se poder as
características comuns entre localidades de origem tão distinta, conseguindo, assim,
uma visão mais ampla do que tenha vindo a ser o português do século XVIII.
Apesar de possuir diferentes remetentes, todas as cartas escolhidas são
endereçadas ao Senhor Antônio Esteves Costa que é, segundo BARBOSA (1999: 294),
12 13 14
“opulentíssimo comerciante cujas atividades se estendiam por outras colônias e países
da Europa”.
Não é possível localizar a origem ou história dos remetentes das cartas devido a
dois fatores: o primeiro trata do próprio caráter anônimo desses remetentes que são
pequenos comerciantes que encomendavam os produtos deste “opulentíssimo”
comerciante; o segundo concerne à questão da autoria das cartas, já que, naquela época,
era muito comum a profissão de escritores profissionais que redigiam as cartas para
pessoas que não dispunham dos conhecimentos necessários à escrita. O que era o caso
de muitos desses pequenos comerciantes.
Aos profissionais da escrita o rótulo de mãos hábeis. E, para aqueles que
simplesmente detinham o conhecimento e prática de escrita foi atribuído o rótulo de
mãos inábeis. Acreditava-se que as cartas produzidas por mãos inábeis caracterizariam
um corpus mais fidedigno já tenderiam a ser textos de menor vigilância do que os das
mãos hábeis. Por esse motivo, as cartas utilizadas no presente trabalho foram
classificadas como mãos hábeis ou inábeis de acordo com critérios linguísticos e
caligráficos.
Os critérios linguísticos consistem na correspondência geral entre língua oral e
língua escrita. Em que aparecem os fenômenos fonéticos típicos da língua falada; no
domínio imperfeito das unidades da língua escrita, isto é, separação e junção sem
motivação identificada entre os vocábulos; e, usos pouco eruditos da língua escrita. Já
os critérios caligráficos consistem no traçado muito inseguro; no alinhamento
imperfeito; no uso de módulo grande; : as mãos pouco hábeis usam uma letra maior e
mais redondondo; no emprego de maiúsculas no interior das palavras, mostrando o
desconhecimento do uso das maiúsculas; e, no emprego escasso de abreviaturas,
mostrando um certo desconhecimento das regras de abreviação.
No entanto, ao fazer um levantamento dos índices grafonéticos que
caracterizariam o português do século XVIII foi constatado que estes fenômenos
grafonéticos constavam tanto em cartas de mãos hábeis quanto de mãos inábeis,
portanto, ambos os tipos de cartas foram incluídos na presente pesquisa.
Abaixo, encontra-se a tabela com as cartas e suas respectivas referências
bibliográficas:
Listagem das cartas trabalhadas
Caixa 224 292 Alcantarilha 8 de Julho de 1793 Mão hábil
337 Alcuve 9 de Março de 1798 Mão inábil
363 Alcuve 1 de Julho de 1798 Mão inábil
379 Bissau 24 de Setembro de 1798 Mão hábil
218 Faro 27 de Agosto de 1793 Mão hábil
219 Faro 15 de Outubro de 1793 Mão hábil
278 Ferragudo 29 de Janeiro de 1798 Mão hábil
347 Porto 3 de Fevereiro de 1798 Mão hábil
182 Pernambuco12 de Mayo de1812 Mão hábil
4.1. Da edição diplomático-interpretativa: as regras de transcrição
A edição diplomático-interpretativa proporciona um texto inteligível ao não
especialista em crítica textual, contudo preserva a maior parte dos traços linguísticos
presentes no original, possibilitando o estudo rigoroso dos fenômenos lingüísticos.
As regras que serão empregadas aqui são as mesmas que BARBOSA (1999:
295) se utilizou em sua tese de Doutorado que, por sua vez,
resultam da combinação entre a orientação geral do professor Doutor Ivo Castro e as ‘Normas para a transcrição de documentos manuscritos’ definidas por uma comissão especial sob a presidência do Professor Doutor Heitor Megale do ‘Projeto Para a História do Português Brasileiro’.
Desse modo, as regras de transcrição adotadas para este trabalho buscam manter os hábitos gráficos da época e intervém o possível para torna mais agradável e correta a leitura dos textos manuscritos. Mantém-se:
1. As variantes fonológicas, morfológicas e sintáticas; 2. As fronteiras intervocabulares; 3. A pontuação original, caso haja um espaço maior é marcado [espaço] para uma
palavra e [espaço][espaço] para meia linha;4. Os acentos gráficos, os diacríticos e sinais de separação de sílaba ou de linha;5. O emprego de maiúsculas e minúsculas; e,6. Os recuos à margem esquerda.As intervenções podem ser enumeradas da seguinte maneira:1. As abreviaturas, alfabéticas ou não, são desenvolvidas. As letras omitidas são
marcadas em itálico;2. Os eventuais erros do escriba são remetidos para nota de rodapé onde consta o
erro e sua respectiva versão correta;3. Os seguimentos adicionados, na entrelinha, pelo escriba entraram com o sinal
[ ] na entrelinha inferior e [ ] na entrelinha superior.
4. Quando há trechos corroídos, é inserido entre colchetes um ponto para um grafema, dois pontos para uma palavra, três pontos para um trecho: [.], [..] e [...];
5. Quando há trechos não decifrados, é colocado entre colchetes a indicação initeligíveis em itálico: [?] para um grafema, [init.] para uma palavra e [???] para trechos; e,
6. A numeração de linhas é contada de cinco em cinco, feita na margem direita;7. A mudança de página é marcada a partir da segunda, sendo indicada por: [2ª
pág.].
4.2. Da tentativa de caracterização do português do século XVIII: os índices
grafofonéticos
Um dos principais objetivos do presente trabalho é evidenciar algumas
características do português do século XVIII. Para isso, foi feito um levantamento dos
índices grafofonéticos emergidos das cartas estudas. Dentre eles, surgiram: as inversões
do grafema <r> nas sílabas complexas; síncope da vogal pretônica; elevação da vogal
pretônica; abaixamento da vogal pretônica; e, alternância entre os grafemas <v> e <u> .
Além disso, a ocorrência de índices grafofonéticos corrobora com a fidedignidade do
corpus, uma vez que as cartas refletem os usos orais do português do século XVIII.
O primeiro fenômeno abordado, as inversões do grafema <r> nas sílabas
complexas, pode ser identificado tanto como metátese, se interpretado como marca de
oralidade, quanto por uma dificuldadede grafação de sílabas mais complexas. Cabe a
quem estiver disposto, verificar caso a caso para uma afirmativa mais contundente.
Segue abaixo o levantamento das ocorrências:
Vocábulos Cartas de comércio
sastifazer por “satisfazer” 292
detreminar por “determinar” 292
frenandes por “fernandes” 363
perciso por “preciso” 347
Total de 4 ocorrências.
O segundo fenômeno abordado, síncope da vogal pretônica, corrobora com a assertiva de BARBOSA (1999: 169): “o recuo da datação do processo que veio a caracterizar as duas normas contemporâneas do português, e a maior transparência dos
hábitos de fala”. Isso indicia que, no século XVIII, no português de Portugal já havia essa tendência da síncope pretônica.
Segue abaixo o levantamento das ocorrências:
Vocábulos Cartas de comércio
esper mentar por “experimentar” 279
prcizão por “precisam” 219
emfrior por “inferior” 347
ofrecer por “oferecer” 347
Total de 4 ocorrências.
O terceiro fenômeno abordado, elevação [e]>[i] e [o]>[u] quando pretônicos, corrobora para a afirmação de BARBOSA (1999: 174): “a variação gráfica <e> <i> deve, de fato, representar uma escrita fonética em muitos documentos”. Portanto, o alteamento pretônico é uma manifestação clara da influência de marcas da oralidade no texto escrito.
Segue abaixo o levantamento das ocorrências:
Vocábulos Cartas de comércio
emdelegencias por “em diligências” 292
sedo por “sido” 292
des por por “dispor” 363
Escratura por “escritura” 379
lugistas por “logistas” 182
vantijoso por “vantajoso” 182
Total de 6 ocorrências.
Já quarto fenômeno abordado, abaixamento da vogal pretônica, pode demonstrar um dos casos mais ligados a questão da norma ortográfica desse período. Como ressalta BARBOSA (1999: 177): “não havia como hoje, uma norma ortográfica homogênea (...) a situação era de pluri-ortografia”. Logo, esse abaixamento ocorria justamente por essa flutuação de escrita que não tinha um padrão para seguir.
Segue abaixo o levantamento das ocorrências:
Vocábulos Cartas de comércio
rezaõ (2) por “razão” 292
similhante por “semelhante” 279
pinhora por “penhora” 379
lhi por “lhe” 347
disvelo por “desvelo” 347
vilhacadas por “velhacas” 379
milhor (2) por “melhor” 347
Total de 7 ocorrêcencias.
O quinto e último fênomeno abordado, alternância entre os grafemas <v> e <b>,
pode ocorrer devido a produção fonética da fricativa bilabial, característica do português
europeu, representada graficamente por <b> ser tão próxima da fricativa labio-dental,
representada grafemicamente por <v>. Mais uma vez, a flutuação entre formas gráficas
resulta da falta de um padrão, isto é, um acordo ortográfico a ser seguido.
A ocorrência de índices grafofonéticos descritos acima atesta, portanto, a
fidedignidade do corpus, uma vez que as cartas refletem os usos orais do português do
século XVIII.
5. Estudo da Colocação Pronominal: Seleção dos dados
No que diz respeito ao português do século XVIII, o presente trabalho
considerou, com base em um banco de dados constituídos criteriosamente, as cartas de
mãos hábeis e inábeis de diversas regiões do Portugal e uma do Brasil. A análise
referente a colocação pronominal conta com um total de 78 dados. Foram consideradas
separadamente as concretizações do fenômeno enfocado em formas verbais simples (59
ocorrências) e as as concretizações desse fenômeno em formas verbais complexas (19
ocorrências).Primeiramente, é válido ressaltar que não foi encontrada nenhuma
ocorrência de mesóclise. Tal fato pode indicar que a utilização dessa variante esteja
restrita a contextos muito específicos.
5.1. As ocorrências das formas verbais simples
As ocorrências de formas verbais simples foram distribuídas em dois grupos: um
com os casos proclíticos (72,88%) e outro com os casos enclíticos (27,11%).
Gráfico 1:
Ao descrever o comportamento de cada variável dependente e estabelecer as
variáveis independentes que condicionam o uso de uma ou outra variante, é esclarecido
quais são os fatores determinantes para a distribuição dos dados acima relatados. Foram
cosiderados os seguintes condicionadores: presença de atrator; tempo e modo verbal;
tipo de clítico; e, habilidade do escritor.
As razões pelas quais se deve essa tendência proclítica são fortemente irraigadas
nas estrututuras sintáticas com elemento atrator que são altamente produtivas. Embora,
haja um número considerável de ocorrências cujo condicionamento não é relacionado
por um elemento atrator, aqui denominadas de categorias vazias. Essas categorias vazias
são os casos de início absoluto de frase que deveria bloquear o uso de próclise fato, este
que não ocorre.
O elemento atrator mais produtivo é a conjunção introdutora de oração
subordinada <que> (21, 42%), seguida da preposição <de> (11,09%) e pelo quantitativo
<quanto> e pelo <o que> (ambos com 7,14%). A conjunção explicativa <porque>, o
advérbio <nada> e o condicional <se> seguem com 2,3 % das ocorrências. É válido
salientar que a categoria vazia somou um número considerável: 19,04 % das ocorrências
contra 73,8% das ocorrências com atrator. O gráfico 2 ilustra a distribuição das
ocorrências proclíticas em relação ao condicionamento tipo de atrator.
O atrator <não> exibiu um particularidade: todas as suas ocorrências atraíram o
pronome para sua anteposição, isto é, o pronome ocupou uma posição anterior ao
próprio advérbio (vossamerce me naõ tem determinado aquem devo reme= =ter –
224/379).
Gráfico 2:
5.2. As ocorrências nos complexos verbais
As ocorrências com formas verbais complexas foram distribuídas em três
grupos: o promeiro com os casos de pré-complexo verbal (68,42%), o segundo com os
casos intra-complexo verbal (15,78%) e o terceiro com casos de pós-complexo
verbal(15,78 %).
A justificativa para essa divisão calca-se na impossiblidade de comprovação da
inclinação acentual por parte dos pronomes, afinal o corpus do presente trabalho é
composto por textos escritos de uma época em que não há registros orais. Logo, não é
possível verificar com exatidão se o pronome está enclítico ao verbo auxiliar ou
proclítico ao verbo principal, isso no caso das ocorrências intra-CV.
Gráfico 2: