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7/22/2019 A Importacao de Cenceitos Modernistas No Planejamento Urbano de Florianopolis
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A importao de conceitos modernistas no planejamento urbano de
Florianpolis.
Elson Manoel Pereira, Doutor em Urbanismo
Universidade Federal de Santa Catarina
EGR/CCE
88 010-970 Campus Universitrio Trindade
Florianpolis/SC
Resumo: o presente artigo apresenta dois planos elaborados para a cidade de Florianpolis nos anos de 1952 e
1969. Ele busca, atravs da anlise dos planos, da histria de sua elaborao e do pensamento de seus autores, a
caracterizao dos conceitos urbansticos utilizados nesses planos e o processo de importao de tais conceitos.
Verificou-se claramente que em ambos os planos esto presentes o pensamento urbanstico modernista da Carta
de Atenas e de Le Corbusier. Constatou-se igualmente que os autores dos planos apresentaram, em suas histrias
de vida, uma relao com agentes e escolas ligadas ao pensamento modernista.
Palavras-Chave: Interveno Urbana; Planos Diretores; Urbanismo Modernista
Introduo : O planejamento urbano, como conhecemos hoje, comeou em Florianpolis no
incio da dcada de cinquenta deste sculo. Naquela ocasio, uma equipe de tcnicos ligados
prefeitura de Porto Alegre foi contratada pela municipalidade de Florianpolis para elaborar
um plano diretor para o seu permetro urbano ; esse plano foi transformado em lei em 1954.
Quinze anos aps, um novo plano foi elaborado, agora na escala metropolitana1, substituindo
o anterior ; esse novo plano foi transformado em lei em 1976 e vigiu at 1995 quando ento
foi igualmente substitudo. Os planos diretores de 1954 e 1976 apresentam caractersticas que
nos permitem classific-los como planos com forte inspirao modernista. Embora os
caminhos de importao dessas caractersticas sejam distintos, eles nos levam s mesmas
fontes. O objetivo deste artigo de identificar essas fontes e esses caminhos utilizados pelos
1Aqui entendida como o conjunto formado por Florianpolis e 20 municpios vizinhos.
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autores dos planos diretores da capital catarinense e mostrar a estreita relao com o
urbanismo dito modernista.
O Plano de 1954 :a lei nmero 79 de 08 de maio de 1951 definiu a necessidade de elaborao
de um plano diretor para Florianpolis e a contratao de um urbanista para estudar a cidade e
preparar tal plano. A administrao municipal contrata um escritrio de urbanismo de Porto
Alegre, sob a direo de Edvaldo Pereira Paiva, no qual trabalhavam os arquitetos Edgar
Graef e Demtrio Ribeiro. Essa equipe fazia parte da prefeitura de Porto Alegre e estava
preparando um plano para aquela cidade. Edvaldo Paiva tinha cursado, com uma bolsa da
prefeitura de Porto Alegre, um aperfeioamento em urbanismo na cidade de Montevido, no
Uruguai. A metodologia de planejamento urbano ensinada no Uruguai era a mais avanada na
poca2. Aps seu retorno capital gacha, Edvaldo Paiva e Demtrio Ribeiro prepararam umestudo para a cidade de Porto Alegre baseado numa pesquisa urbana exaustiva. Sob a
inspirao da Carta de Atenas, o trabalho deles adotava o princpio do zoneamento que dividia
o espao urbano em zonas residenciais, de comrcio, de indstrias e destinada aos principais
rgos culturais.
A preparao do plano para Florianpolis seguiu os mesmos princpios. O diagnstico da
capital catarinense feito pela equipe de urbanistas coordenada por Edvaldo Paiva em1952
pode ser assim resumido3
:- uma cidade sem identidade na medida em que as causas de suas origens no
existiam mais;
- um atrazo de desenvolvimento industrial e comercial que impedia o
desenvolvimento da cidade. Esse atrazo apresentava componentes urbanos como
o desequilbrio de ocupao do centro urbano (em termos de densidade), a
existncia de bairros muito pobres, o pouco investimento pblico na cidade, a
ausncia de indstrias modernas e as precrias instalaoes porturias ;- um sistiema virio obsoleto;
- um porto em decadncia que necessitava de uma poltica de revitalizao.
A partir desse julgamento, a equipe apresentou um plano preliminar baseado na implantao
de um porto na parte continental da cidade (ver figura 1, letra A) que deveria ser o elemento
2 MARQUES, Moacir M. e SALENGUE, La s G.de P.Reavaliao de planos diretores : o caso de PortoAlegre in WRANA, M. Panizzi e ROVATI, Joo. Estudos Urbanos : Porto Alegre e seu
planejamento. Porto Alegre : UFRG/PMPA, 1993, 155-164.3 PAIVA, Edvaldo, RIBEIRO, Demtrio e GRAEFF Edgar. Florianpolis : Plano Diretor.Porto Alegre :Imprensa Oficial do Estado do Rio Grande do Sul, 1952.
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indutor do desenvolvimento do municpio. Ao lado do porto, deveria ser implantada uma zona
industrial e comercial (B) e com o desenvolvimento da cidade, as zonas residenciais deveriam
se implantar no continente (C). Esse conjunto iria exercer uma atrao sobre o centro da
cidade tradicional(D) que, por sua vez seguiria com suas funes de centro comercial e
administrativo e de zona residencial.
Figura 1: Esquema do Plano Preliminar de 1952
Fonte : PAIVA et all, 1952, op. cit., p. 19 .
Para alcanar tais objetivos, os urbanistas elaboraram um plano que apresentava o
zoneamento como principal instrumento de organizao do espao. O plano pretendia :
a) Regulamentar a utilizao e a percentagem de ocupao dos terrenos da rea
urbana e regulamentar os gabaritos de altura das construes.b) Constituir zonas residenciais bem definidas, melhorando as reas j loteadas
e prevendo o arruamento das reas vacantes prximas ao centro atual.
c) Localizar convenientemente as reas destinadas cultura do esprito e do
corpo, prevendo, para esse fim, espaos verdes correspondentes (praas), que
seriam obtidas por meio de desapropriao de reas convenientemente
localizadas.
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d) Caracterizar uma via troncodesde o acesso terrestre na zona do Estreito, at o
lugar atualmente denominado "aterro". Localizar ao longo dessa via tronco todos
os centros de atividades, comercial e administrativa (centros comerciais, centro
cvico, centro universitrio, etc.). Criar novas vias e melhorar as existentes,
quando necessrio () a fim de conseguir uma trama viria equilibrada e
completa" 4.
O plano criou um zoneamento com a seguinte diviso funcional : Zona industrial ; Zona
comercial central na ilha; Zona comercial residencial ; Zona residencial na ilha; Zona
comercial do continente ; Zona comercial residencial do continente ; Zona residencial do
continente.
Esse zoneamento funcional que determinava o uso do solo era igualmente de densidade : para
cada zona ele previa a taxa de ocupao do solo e a altura das edificaes. Ele no era
absoluto, na medida em que permetia certos usos que no era prprio da zona ; por exemplo,
os apartamentos poderiam ser construdos na zona comercial central e atividades artesanais
poderiam ser desenvolvidas fora da zona industrial. No entanto, essas concesses no
escondiam o objetivo segregativo espacial do plano, fortemente enraizado na Carta de Atenas:
"uma zona residencial perfeitamente caracterizada no comporta a justaposio
indiscriminada das atividades comerciais : porque este tipo de atividade, mesmo
em pequena escala, representa movimento de pessoas, circulao e uso de
veculos para abastecimento, publicidade e outros fatores que no se coadunam e
que interferem com as caractersticas prprias de uma zona dessa espcie. A
ausncia de uma regulamentao a respeito permite que determinadas esquinas
se transformem em pontos de reunio, focos de rudo prejudiciais ao sossego dos
moradores"5.
O plano designava uma hierarquizao das vias de transporte caracterizada por uma Avenida
Tronco entre o continente e a ilha e determinava a localizao de certos rgos funcionais
como a Estao Ferroviria (nmero 1 da figura 2), a Estao Martima (2), a Rodoviaria (3),
o centro civico (4), o campus universitrio (6) e o estdio esportivo (6).
4PAIVA et all, op. cit., p. 21.5Idem, p. 24.
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Figura 2 : Localizao da via troncoe dos principais rgos funcionais
Fonte : PAIVA et all,1952, op. cit., p.47.
A simples comparao entre a cidade existente em 1952 e a cidade projetada pela equipe de
urbanistas coordenada por Edvaldo Paiva (cf.. figura 3) mostra dois fatos incontestveis : a
negao da cidade tradicional e a forte inspirao funcionalista do plano. Em particular, o
zoneamento fazia parte da estratgia para a realizao do plano, na medida em que a nica
interveno do setor pblico sobre os particulares era a previso do uso do solo e a
determinao de carctersticas construtivas para cada zona.
Figure 3 : Florianpolis do plano de 1952.Fonte : PAIVA et. all, 1952, op. cit., p.51.
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A influncia do plano diretor de 1952 sobre o desenvolvimento de Florianpolis foi limitado
pois o setor pblico no construiu os principais elementos previstos como essenciais para os
objetivos traados para a cidade. A maioria desses elementos se mostraram dissociados da
realidade. Mesmo se o zoneamento previsto pelo plano toma fora de lei em 19546, suas
principais diretrizes no so seguidas. Sucessivas leis mudaram os parmetros de cada zona
at a completa substituio da lei em 1976. Segundo Nelson Popine Vaz7, "a avaliao da
eficincia dos planos diretores, hoje possvel, mostra a distncia existente entre as intenes
dos planejadores e a exeqibilidade de sua proposies.
Mesmo que o plano de 1952 prevesse a limitao do nmero de pavimentos dos edifcios no
centro da cidade8, a partir dos anos sessenta comea um proceo de verticalizao de
Florianpolis. Para permitir esta verticalizao, vrias leis foram aprovadas, como a lei quepermitia a construo de edifcios de at 20 pavimentos, em 1966. A intensificao do nmero
de modificaes da lei de 1955 acaba provocando um grande problema administrativo
principalmente em dois aspectos : na carncia de funcionrios de formao tcnica
especializada em urbanismo e na deficiente estrutura administrativa de contrle do solo
urbano. Esse processo termina numa reviso completa da legislao urbana municipal e a da
organizao administrativa municipal de contrle do solo urbano no final da dcada de
sessenta.O Plano de 1976 : quando a equipe de tcnicos da prefeitura de Florianpolis comea a
elaborar o plano urbanstico para a cidade, o contexto scio-econmico e poltico da cidade,
do estado e do pas bem particular. Ele caracterizado sobretudo pela ditadura militar, que
se instalou no pas em 1964, e pela ideologia desenvolvimentista e de modernizao assumido
pelo corpo tecnocrata do governo. No mbito municipal, Florianpolis conhecia uma grave
crise de planejamento de seu espao, caracterizada por uma defasagem entre seu
desonvolvimento urbano e os elementos para seu contrle.Considerando a elaborao de um plano diretor urbano como vetor de mudana scio-
econmica (sic !) da cidade de Florianpolis, a equipe do ESPLAN (Escritrio Catarinense de
Planejamento Integrado) responsvel pela elaborao do novo plano diretor da capital
6O projeto de lei foi aprovado integralmente em 1955, sob a administrao do prefeito Osmar Cunha. Ele faziaparte do Cdigo Municipal de Florianpolis. O documento, ao longo do tempo, foi sendo modificado; em1974 , a parte referente ao cdigo de edificaes substitudo pela lei 1246 e em 1976 o plano diretor substitudo pela lei 1440.
7 VAZ, Nelson Popini. O Centro Histrico de Florianpolis: espao pblico do ritual. Florianpolis :
FCC/UFSC, 1991 p. 60.8O zoneamento previa zonas de edifcios de10, 8, 4 e 2 pavimentos na parte insular e de 12, 8, 4 pavimentos nocontinente.
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catarinense, incorpora as premissas de transformao social da cidade funcional do IV CIAM
(Congresso Internacional de Arquitetura Moderna), ou seja, que a arquitetura e o urbanismo
modernos so os meios para a criao de novas formas de associao coletiva , de hbitos
pessoais e de vida cotidiana9.
O resultado desse processo de planejamento em Florianpolis foi a elaborao de dois planos:
o PDAMF (Plano de Desenvolvimento da rea Metropolitana de Florianpolis) e o Plano
Urbano para a capital catarinense. Ambos apresentavam vrias caactersticas que os
aproximavam dos princpios modernistas da Carta de Atenas e de outras idias de Le
Corbusier. Do ponto de vista da definio e localizao das atividades sobre o territrio
regional, o PDAMF parece muito prximo dos princpios do livro Os trs estabelecimentos
humanosde Le Corbusier.
Figura 4 : Os 3 Estabelecimentos Humanos : em "1" a unidade de explorao agrcola ; em "2" o centroindustrial linear e em "3" o centro radiocentrico de trocas
Fonte : LE CORBUSIER, LUrbanisme des Trois tablissements Humains, p. 86.
9Segundo Houlston (1993), a ligao entre um projeto urbanstico e um programa de mudana social uma dascaractersticas bsicas do planejamento em grande escala da arquitetura moderna. Em geral, essa relao semanifesta de duas maneiras : primeiro, a forma das edificaes e das cidades se reveste de novas desejadasda vida social planejada; depois, a relao entre arquitetura e sociedade concebida de maneirainstrumental pois os modernistas propem que os habitantes que ocupam suas obras adotem novas formasde associao e novas formas de hbitos pessoais que a arquitetura representa. Em Florianpolis, os
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O plano base do PDAMF concretisa esse projeto terico sobre o espao real da regio de
Florianpolis. Ele distribui as reas industriais ao longo das estradas principais, dissemina as
reas agrcolas no espao regional e concebe Florianpolis como uma grande metrpole de
trocas.
Caractersticas formais so igualmente reveladoras: se comparamos o projeto para o centro
metropolitano de Florianpolis com Braslia ou com os projetos de Le Corbusier como oplan
Voisin ou Une ville contemporaine pour trois millions d'habitants(cf. figure 5), constatamos
as mesmas linhas funcionais, a mesma descontinuidade do espao urbano, a mesma repetio
de formas, as mesmas vias expressas.
tcnicos procuravam, atravs do novo plano, uma cidade funcional do ponto de vista da circulao e dadistribuio dos edificios.
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Figure 5 : O Centro Metropolitano do PDAMF, Braslia, o Plano Voisin para Paris e a Cidade
Contempornea para trs milhes de habitantes.
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A concepo do sistema virio do plano urbano de Florianpolis apresenta igualmente
caractersticas que permitem a identificao do paradigma modernista. O plano procurava o
"o equilbrio entre a capacidade de fluxo indispensvel circulao urbana e as condies
de vida do meio ambiente"10. O sistema virio proposto pelo plano era composto pela rodovia
federal BR 101, por vias expressas, por vias de trfego rpido, por vias setoriais e vias locais e
seguia regra dos7V estabelecida por Le Corbusier :
"Les "7 voies" sont devenues les types hirarchiss capables de rgler la
circulation moderne :
V1 route nationale ou de province qui traverse le pays ou le continent ;
V2 cration municipale, type d'artre essentielle une agglomration ;
V3 rserves exclusivement aux circulations mcaniques, ne possdent pas de
trottoir ; aucune porte de maison ou d'difice n'ouvre vers elles. Des feux rouges
sont placs chaque 400 mtres, ce qui permet aux voitures de rouler une
vitesse considrable. La V3 dtermine, par consquence, une cration moderne de
l'urbanisme : le secteur ;
V4 rue de commerce de secteur ;
V5 en pntrant dans le secteur, elle conduit les voitures et les pitons vers les
portes des maisons, avec l'aide de la V6 ;
V7 voie qui alimente le long de son extension la zone verte, o sont placs les
coles et les sports"11.
Ns encontramos igualmente no projeto urbano de Florianpolis de 1969 uma evidncia
pedaggica. conhecida a influncia de Le Corbusier sobre a arquitetura e o urbanismo
brasileiro. Essa influncia tambm constatada sobre o principal agente do plano urbano deFlorianpolis : o urbanista Luiz Felipe da Gama Lbo D'Ea.
Gama D'Ea, como conhecido em Florianpolis, antes de tudo um militair de carreira.
Quando de sua aposentadoria, ele ocupava o posto de coronel do exrcito brasileiro, com o
qual ele se identificava perfeitamente :
10Proposta de lei do Plano Diretor. Artigo 56, in ESPLAN, Plano de desenvolvimento da rea Metropolitana
de Florianpolis. Florianpolis: exemplar datilografado, 1971..11LE CORBUSIER. L'urbanisme des Trois tablissements Humains.Paris: Minuit, 1959, p. 55-6.
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"Jamais o planejamento se implantar no Brasil sem uma ao de fora de cima
para baixo, com o poder indispensvel ao desmantelamento de mquinas de
dominao regional, contra as quais qualquer ao comunitria e local no tem
a menor chance de sobrevivncia. Reduzindo expresso mais simples, o que se
conseguiu em nossa rea e no prprio estado s foi possvel e s permanecer
enquanto estiver em vigor o Ato n 5 !".12
Ele partilha tambm, da viso desenvolvimentista, racionalista e planificadora do governo
militar, o que pode ser amplamente verificado na citao anterior retirada do plano ou na
citao seguinte retirada de um de seus discursos pessoais onde ele cita o Presidente General
Ernesto Geisel :
sem dvida, a maior contribuio da Revoluo de 64 ao estilo da poltica
governamental tem sido o uso de toda a racionalidade possvel no processo de
planejamento metdico na execuo e controle da ao. Se isso, por si, no
assegura o acerto e o xito, reduz em muito a possibilidade de erros e fracassos.
()"13
Durante sua carreira militar no Rio de Janeiro, Gama D'Ea comea na Faculdade Nacional de
Arquitetura da Universidade do Brasil, o curso de arquitetura. Ele permanece na universidade
durante dois anos e transferido para o estado do Cear. Em 1957, ele retorna ao Rio de
Janeiro e em 1961, obtm seu diploma de arquitetura, que lhe confere tambm a habilitao
de urbanista. O currculum do curso, na ocasio, tinha sido elaborado por Lcio Costa e
compreendia cinco anos de arquitettura e dois anos de urbanismo. A influncia de Le
Corbusier sobre Lcio Costa conhecida, mas necessrio ainda acrescentar que o perodo
que Gama dEa estuda no Rio de Janeiro conhecide com o perodo de construo de Braslia
(1957-1960) : Gama D'Ea participa dos debates sobre a nova capital federal, frequenta as
reunies das quais participam Lcio Costa e Oscar Niemeyer e a trabalhar na empresaencarregada da construo de Braslia. Mesmo que ele no tenha aceite o convite em funo
de sua carreira militar, essas experincias vo marcar profundamente sua vida profissional :
"eu convivi com todas essas pessoas () porque nesta poca eu estava na Escola
de Arquitetura e no se falava de outra coisa a no ser de Braslia".14
12 ESPLAN, op. cit., p. 90.13
GEISEL, Ernesto apud D'EA, Luiz Felipe Gama da Lbo. Discurso de Patrono dos Engenheiros de1975.Florianpolis : Universidade Federal de Santa Catarina, 1975, p.7.14Entrevista com o urbanista Luiz Felipe da Lbo Gama D'Ea . Florianpolis, 11/08/97.
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Gama d'Ea, o futuro responsvel pelo planejamento da regio de Florianpolis, vai encontrar
nas premissas do CIAM as ferramentas urbansticas para sua viso planificadora, racionalista
e desenvolvimentista. Ele reafirma constantemente, com seus projetos para Florianpolis,
seus escritos e seus discursos, os princpios da Carta de Atenas.
A ltima caracterstica que permite a identificao das fontes modernistas no plano urbano de
Florianpolis a especializao do espao prevista pelos tnicos do ESPLAN. Mesmp que o
zoneamento no seja citado como um do vetores do plano, paradoxalmente ele se torna um de
seus instrumentos mais forte.
Quando o arquiteto Pedro Paulo Saraiva, responsvel pelo planejamento fsico da parte urbana
do PDAMF, em 1969, analisa a situao da cidade em relao s funes urbanas, ele
encontra uma cidade mista15. Ns afirmamos anteriormente que o PDAMF retoma, na regio
da aglomerao de Florianpolis, de uma certa maneira, o macro zoneamento sugerido por Le
Corbusier em seu livroLes Trois tablissements Humains; nos resta apresentar como a equipe
do ESPLAN previu a ocupao do solo na parte urbana da cidade.
Ao lado dos dois grandes projetos do PDAMF, a nova ponte de ligao entre a ilha e o
continente e a construo de um porto, a equipe de planejadores determina dois tipos de
zoneamento para Florianpolis : um zoneamento por densidade e um funcional.
O zoneamento por densidade dividia o espao urbano em seis zonas diferentes com uma
ocupao decrescente entre 500-700 habitantes por hectare para o centro metropolitano e
zonas de densidade zero.
Segundo a proposta de lei, os bairros deveriam apresentar densidades decrescentes de seu
interior para sua periferia, considerando as curvas de nvel16. A lei previa ainda o nmero
mdio e mximo de e a distncia da edificao ao limite do terreno para cada zona.
O plano dispersava a funo residencial por toda a cidade, prevendo a concentrao deatividades comerciais em vrios pontos do espao urbano e localizava a zona industrial da
cidade ao longo da rodovia BR-101 que dava acesso cidade. Onde a ocupao mista era
irreversvel, o plano manteve essa caracterstica criando uma zona residencial e comercial.
O setor que melhor caracterizava o plano era o novo Centro Metropolitano. Como a
demolio de todo o centro impossvel tcnica e economicamente17, a equipe do ESPLAN
15
SARAIVA, Pedro Paulo de Melo. "Planejamento Fsico", p. 146-152 in ESPLAN, op.cit.16ESPLAN.Lei do Plano Diretor. Florianpolis, exemplar datilografado,1971, art.17.17ESPLAN, Plano de Desenvolvimento da rea Metropolitana de Florianpolis, op. cit., p. 123.
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criou um espao completamente segregado funcionalemente e que negava intereiramente a
cidade existente (cf. figura 6).
1 KmN
Figura 6 : O Centro Metropolitano.
Fonte : ESPLAN. Plano de Desenvolvimento Integrado da Micr o-Regio de F lori anpolis : P/F -SJ3.Florianpolis : exemplar heliografico, 1970, parcial.
O novo centro da cidade, denominado Centro Metropolitano, incorporava diversos princpios
modernistas. Sem os obstculos apresentados pela cidade tradicional, os tcnicos puderam
projetar conforme as suas idais e suas concepes de cidade essa parte de Florianpolis.
Aqui o zoneamento ntido.
Para melhor compreender a viso de zoneamento de Gama D'Ea, ns transcrevemos alguns
pargrafos de seu livro Cidades para sobreviver18:
"o desenvolvimento dos estudos e das pesquisas que resultaram em concluses
indiscutveis, determinou a seleo, para viabilizar solues, de 5 espaos onde
acontecem as principais atividades das populaes na luta pela sobrevivncia.
So eles o espao produtor de matria prima ; o espao onde predomina a
transformao industrial ; o espao habitacional, que o urbano propriamente
dito ; o espao recreativo e o espao virio, que inclui as comunicaes"19.
Essa viso do espao visa, segundo o autor, esquematizar a anlise da realidade, pois os cinco
espaos fundamentais simplificam " as coisas que se desenvolvem no planeta em cinco
18D'EA, Luiz Felipe Gama da Lbo. Cidades : Inovar para Sobreviver. Florianpolis : Universidade Federalde Santa Catarina/Ncleo de Estudos Catarinenses, s.d., 96 p.
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espaos prioritrios de ao e assim se resolveria os problemas que atingem as pessoas pois
nesses cinco espaos encontramos 90% dos problemas resolvidos". Uma viso que encontra
suas origens nas concluses do IV CIAM pois "os cinco espaos fundamentais uma
inovao baseada na Carta de Atenas"20.
Assim,, o plano de 1969 no nega o plano de 1952. Ao contrrio, ele o reafirma, mesmo que a
cidade tenha sido planejada numa escala bem maior : a funcionalidade, o zoneamento, o porto
como vetor de desenvolvimento da cidade do plano de 1952 so reafirmados no plano de
Gama D'Ea. Para ele, Demtrio Ribeiro, Edvaldo Paiva e Edgard Graeff so os mestres 21a
serem seguidos.
Consideraes Finais : o modenismo deixou algumas marcas importantes no urbanismo
brasileiro. Os caminhos da importao dos conceitos ligados a essa escola de pensamento
pelos profissionais brasileiros so de certa forma bem conhecidos : as trs visitas de Le
Corbusier ao Brasil em 1929, 1936 e 1962 foram importantes momentos de transferncia do
pensamento urbanstico dito modernista ao pensamento nacional; embora essas visitas tenham
deixado poucos projetos (dois croquis em 1929 e os projetos para o Ministrio da Educao e
Cultura e para a Cidade Universitria da Universidade do Brasil em 1936) elas deixaram
verdadeiros discpulos do modernismo no Brasil e marcaram profundamente o urbanismo
nacional. A atuao de Alfred Agache no Brasil tambm representou importante meio de
divulgao do pensamento modernista, muito embora seu projeto para o Rio de Janeiro tenha
sido realizado antes de sua converso ao movimento moderno. A utilizao do zoneamento
urbano na cidade de So Paulo, inspirada na experincia americana, em meados do sculo,
tambm representa, de certa forma, a valorizao de uma ferramenta central no pensamento
modernista. Um pouco menos conhecida a influncia dos urbanstas gachos Demtrio
Ribeiro e Edvaldo Paiva na disseminao dos princpios da Carta de Atenas.
Apesar de sua posio perifrica no cenrio nacional nas dcadas de cinquenta e setenta,
Florianpolis se mostra bastante receptiva ao modernismo no planejamento urbano e
materialisa, pelo menos em seus planos, uma srie de elementos dessa corrente de
pensamento.
19Idem, p. 38.20
Entrevista com o urbanista Luiz Felipe da Lbo Gama D'Ea. Florianpolis, 11de agosto de 1997.21 D'EA,Luiz Felipe Gama da Lbo. As Grandes Concluses da Urbanstica sobre o Desenvolvimento deFlorianpolis. Florianpolis, exemplar datilografado, s.d.
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Na fonte desses conceitos encontramos a Carta de Atenas e o pensamento de Le Corbusier; na
intermediao entre essas fontes e os atores dos planos florianopolitanos, encontramos a
Universidade de Montevideo e a Universidade do Brasil (RJ). A primeira influenciando
decisivamente o pensamento de Edvaldo Paiva e Demtrio Ribeiro na confeco do plano de
1954 para Florianpolis; a segunda unfluenciando o trabalho do urbanista Gama dEa na
elaborao do plano de 1976.
Referncias Bibliogrficas
1. D'EA, Luiz Felipe Gama da Lbo. As Grandes Concluses da Urbanstica sobre o
Desenvolvimento de Florianpolis.Florianpolis, exemplar datilografado, s.d .
2. __________.Cidades : Inovar para Sobreviver. Florianpolis : Universidade Federal deSanta Catarina/Ncleo de Estudos Catarinenses, s.d.
3. __________. Discurso de Patrono dos Engenheiros de 1975. Florianpolis :
Universidade Federal de Santa Catarina, 1975.
4. ESPLAN. Plano de desenvolvimento da rea Metropolitana de Florianpolis.
Florianpolis: exemplar datilografado, 1971.
5. __________. Lei do Plano Diretor. Florianpolis, exemplar datilografado,1971.
6. _________.Plano de Desenvolvimento Integrado da Micro-Regio de Florianpolis :
P/F-SJ 3. Florianpolis : exemplar em heliografia, 1970.
7. HOSLTON, James. A cidade modernista: uma crtica de Braslia e sua utopia.So
Paulo: Cia. Das Letras, 1993.
8. LE CORBUSIER. Lurbanisme des Trois tablissements Humains. Paris: Minuit, 1959.
9. ____________. La Charte dAthnes. Paris : Minuit, 1957.
10. MARQUES, Moacir M. e SALENGUE, La s G.de P.Reavaliao de planos diretores
: o caso de Porto Alegre in WRANA, M. Panizzi e ROVATI, Joo. Estudos Urbanos
: Porto Alegre e seu planejamento. Porto Alegre : UFRG/PMPA, 1993, 155-164.
11. PAIVA, Edvaldo, RIBEIRO, Demtrio e GRAEFF Edgar. Florianpolis : Plano
Diretor.Porto Alegre : Imprensa Oficial do Estado do Rio Grande do Sul, 1952.
12. VAZ, Nelson Popini. O Centro Histrico de Florianpolis: espao pblico do ritual.
Florianpolis : FCC/UFSC, 1991.
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