A Ideia de Leste Nas Fontes Escandinavas Um Estudo de Conceituação Históricogeográfica

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    Revista Signum, 2015, vol. 16, n. 3.

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    A IDEIA DE LESTE NAS FONTES ESCANDINAVAS: UM ESTUDO DE

    CONCEITUAO HISTRICO-GEOGRFICA

    THE IDEA OF EAST IN SCANDINAVIAN SOURCES: A HISTORICAL AND

    GEOGRAFICAL CONCEPT STUDY

    Andr Szczawlinska MuceniecksUniversidade Federal do Ouro Preto

    Faculdade Teolgica Batista de So Paulo

    ______________________________________________________________________

    Resumo: Neste artigo analisamos osaspectos histrico-geogrficos assumidos

    pelo conceito de leste nas fontes escritasda Escandinvia e Islndia dos sculosXIII e XIV, particularmente oMappamundi islands Gks 1812, 4to, 5v-6r., trechos do prlogo daEdda Menor, da

    Heimskringla e de algumas sagasislandesas, como a Egilssaga. O uso doleste nas fontes enumeradas maisespecificamente livresco, inserindo muitodo saber acumulado do MedievoOcidental e ressignificando o lestesegundo parmetros das terras bblicas edos autores clssicos, diferentemente douso do conceito simples e cotidiano, de

    indicao geogrfica, veiculado nas sagasislandesas.

    Palavras-chave: Escandinvia Medieval,Histria Medieval, Histria Cultural.

    Abstract: In this article we analysehistorical-geographical aspects assumed

    by the concept of east in the primarysources of Scandinavia and Iceland in thethirteenth and fourteenth centuries,

    particularly the Icelandic Mappamundiofmanuscript Gks 1812, 4to, 5v-6r, andexcerpts from the Prologue of Edda

    Minor, the Heimskringla and someIcelandic Sagas as Egilssaga. The use ofthe East in the listed sources is highlyscholar, re-elaborating the East in the lightof accumulated knowledge of the WesternMiddle Ages, as well as redefining itwithin parameters coherent with Christianand Classical authors, differently from the

    use of the plain, customary concept foundin the Icelandic Sagas.

    Keywords: Medieval Scandinavia;Medieval History; Cultural History.

    ______________________________________________________________________

    Recebido em: 31/10/2015

    Aprovado em: 09/12/2015

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    Introduo

    Este artigo baseia-se em captulo de nossa tese de doutoramento, defendida em

    2014, na qual estudamos as diversas acepes que o termo leste assumiu nas fontes

    escandinavas continentais e islandesas, particularmente no sculo XIII. H mais de uma

    forma de se encarar a questo; o leste pode consistir em regio propcia para se localizar

    o imaginrio, o mtico, o desconhecido; pode ser considerado de forma livresca, enquanto

    rea de origem das tradies eruditas greco-romanas; enfim, pode ser encarado enquanto

    uma simples indicao de direo. Partiremos anlise do que pode ser compreendido

    em sua dimenso especificamente geogrfica sob um ponto de vista histrico, omitindo

    seus aspectos ligados ao campo do imaginrio e mtico.

    1. Preliminares: mltiplas acepes de leste

    Passo obrigatrio em um estudo que pretende tratar com um termo primariamente

    ligado a uma direo geogrfica a avaliao inicial de que forma o sistema de referncias

    geogrficas referenciado em sua forma mais cotidiana, pragmtica e simples; em suma,

    de que forma o conhecimento e a terminologia geogrficos, se apresentam nas fontes

    escandinavas sem acmulo de imaginrio, ideologia e narrativa.

    perfeitamente possvel e necessrio o questionar a validade de tal proposio;enquanto construto da imaginao humana, todo sistema de ideias deriva de categorias

    mentais especficas e culturais; algumas dessas categorias por certo apresentam maior

    elaborao que outras; por vezes certas construes encontram-se mais marcadamente

    entremeadas de elementos evidentes na natureza, de forma a minimizar a ao humana

    sobre os mesmos.

    Seria possvel efetuar alguma espcie de dissecao, de discriminao de

    elementos simples, complexos, mais ou menos elaborados culturalmente? Adespeito da dificuldade da tarefa, do complexo problema de se abord-la de forma objetiva

    e da prpria possibilidade da objetividadenos parece razovel efetuar uma diferenciao

    entre os sistemas simples de direcionamento geogrficoe nesta categoria enquadramos o

    prprio sistema cardinal, mas tambm o cabedal bsico terminolgico geogrfico

    empregado para referncia e direo e elaboraes que, apesar de se basearem ou

    empregarem elementos de tais sistemas, a eles adicionam dimenses que o transcendem.

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    Um exemplo simples de tal diferenciao pode ser observado em trs empregos

    do termo austr, leste, no antigo nrdico (itlicos nossos):

    (...) austr Jamtaland ok Helsingjaland ok Vestrlnd (...)

    (para o ) leste, em Jamtaland e Helsingland e (para) o ocidente (...)(Egils Saga Skallagrmsonar, Cap. 04)1

    (...) um sumarit Austrveg(...)

    No vero, para Austrvegr(Egils Saga Skallagrmsonar, Cap. 46)2

    En hann var farinn Austrvegat berja troll

    Mas ele tinha ido para o leste/o caminho oriental para destruir trolls.(Edda Menor, Codex uppsaliensis, Cap. 26)3

    Todas as passagens so supostamente da autoria de um mesmo indivduo, SnorriSturlusson. A primeira, encontrada na Egils Saga, indica nada alm da direo per si;

    para o leste. A leste do narrador, um leste apenas posicional, localizam-se Jamtaland e

    Helsingland; para oeste, esto outras regies imediatamente enumeradas. Aqui o

    personagem a referncia, a direo, descritiva, apenas indicativa, e mesmo relativa,

    vlida para apenas seu observador.

    O segundo caso, empregado na mesma Egils saga, o uso de um composto do

    termo, Austrvegr, empregado no captulo 46. Nesta ocasio Egil e seu irmo Throlfriniciam expedio para Krland. Nesse uso do termo, o vegr fica mais compreensvel:

    pelas imediaes de Krland passa um dos grandes ramais da rota rumo a Kiev e

    Bizncio; Austrvegr, o caminho de leste.

    De fato, a nomenclatura ser empregada com frequncia nesse sentido, e assumir

    a conotao mais ampla das regies a leste do Bltico, em particular os atuais Pases

    Blticos e Finlndia. Tal uso composto no adiciona apenas o termo vegr ao simples

    austr; em adio, incorpora toda uma gama de significados ao mesmo no caso,adicionando a ele uma conotao geogrfica e mesmo etnogrfica.

    Por fim, a terceira passagem encontra-se na Edda em prosa, na qual lemos

    novamente o termo Austrvegr. Aqui o termo aglutinar ainda uma dimenso adicional

    em seu significado. No caso em questo, o deus rr estava a leste, nas regies de leste,

    1JNSSON, Finnur (ed).Altnordische Saga-Bibliothek3. Halle: Niemeyer, 1924.2Ibid.3

    PLSSON, Heimir (ed.). The Uppsala Edda. University College London: Viking Society for NorthernResearch, 2012.

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    no caminho de leste, a lutar contra gigantes. Aqui evidente ou pressuposto para o leitor

    que a leste hgigantes; nesse sentido, nesta direo, localiza-seJottunheimr, a terra dos

    gigantes. Em adio referncia simples de direo, em adio regio etno-geogrfica,

    adiciona-se um terceiro significado: um construto mtico, uma localidade do imaginrio,

    bem como toda uma gama de narrativas, personagens e peculiaridades que confluem ali.

    O ltimo significado estar mais em voga nas fontes mais tardias, em particular

    nasFornaldarsgur, quando se tornar mais saliente nas narrativas que Austrvegr ponto

    de passagem para as dimenses ainda mais a leste, supostamente fronteirias com as

    regies mticas, de Jottunheimr, das Plancies de Glasir, de Geirrodland.

    Temos, aqui, portanto, um termo bsico ao qual se adiciona no apenas um composto,

    mas gamas distintas e amplas de significados. Neste artigo lidamos especificamente com a

    dimenso inicial, referencial e mais simples de leste enquanto direo geogrfica. Para tanto,

    traaremos um panorama genrico sobre o conhecimento e representaes primrias

    geogrficas que transparece nas fontes primrias islandesas e escandinavas que, como

    veremos em breve, no necessariamente so monolticos e concordantes.

    1.1 O sistema cardinal e a terminologia

    O sistema cardinal e suas derivaes se entrelaam no cotidiano e no vocabulrioda maioria das culturas dos tempos contemporneos. De forma similar contagem e

    mensurao temporal, ainda que no de maneira to interiorizada e arraigada, consiste em

    um sistema conceitual de propsitos prticos que, principalmente por suas implicaes

    cotidianas, assimilado e considerado como um fato dado, a um ponto em que

    impossvel para um indivduo que se considere educado, civilizado, enfim,

    devidamente aculturado, privar-se de conhec-lo, ainda que minimamente.

    Como discute Norbert Elias de forma magistral, por demais estranho ao homemmoderno, e assim o foi aos primeiros etnlogos e antroplogos, encontrar pessoas em

    culturas ditas primitivas ou menos avanadas que desconheam sua prpria idade.

    Poderamos traar um paralelo, ainda que de menor peso, ao pensarmos acerca da

    localizao e terminologia espacial.4

    4 evidente que devemos muito aqui, sem possibilidade de referir apenas uma simples passagem, s reflexes deNorbert Elias. A referncia ao homem que desconhece sua idade encontra-se, de qualquer forma, na pgina 10 da

    edio que consultamos, mas devemos muito mais ao autor do que apenas a leitura desta pgina. Vide: ELIAS,Norbert. Sobre o tempo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998 [1984].

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    Enquanto sistema conceitual, entretanto, qualquer sistema de orientao, por

    maior difuso que encontre e por mais baseado que esteja em fenmenos naturais e dados

    empricose aqui podemos incluir trajetria do Sol (leia-se:percepode uma trajetria

    do Sol nem sempre considerada como tal) e dos astros, depsitos minerais e norte

    magntico absoluto - localiza-se na esfera da Cultura, antes que daNatureza.

    Certamente que no entraremos detalhadamente aqui em tal discusso, mas

    peremptrio se considerar o sistema de orientao geogrfico enquanto produto de

    criao da razo humana e do acmulo e transformao de saber, como algo sujeito aos

    contextos especficos temporais nos quais formulado, empregado e reformulado.

    O sistema cardinal, por mais que se baseie em e estabelea coordenadas absolutas,

    passvel de relativizaoao menos, por meio da criao de variantes ou mesmo na forma

    de sua utilizao. Um exemplo claro a conveno de apontamento de direo ao norte.

    Por mais que tal conveno tenha se desenvolvido por conseguinte uma determinante

    emprica do norte absoluto e da bssola apontando para o mesmo - por sua vez

    fundamentados na existncia de concentrao de minerais em determinada parte da crosta

    terrestre , no decorrer dos tempos a percepo de tais absolutos, sua compreenso

    representaes sofrem alteraes de matizes estritamente culturais, mais especificamente a

    dominncia e hegemonia das culturas ocidentais do hemisfrio norte em mbito mundial.

    Note-se, por exemplo, na representao cartogrfica dos sistemas grficos

    derivados de tais coordenadas, que os mapas da Antiguidade e do Medievo no

    necessariamente trazem as imagens com o norte nos quadrantes superiores como o fazem

    os mapas contemporneos; de fato, como logo demonstraremos, tal circunstncia rara.

    Mapas do mundo islmico traziam o norte para baixo e o sulou sudeste - para

    cima e existiram tendncias diversas cartogrficas entre os prprios europeus ocidentais.

    Mesmo contemporaneamente, a representao da Amrica esquerda e Eursia e frica

    direita no unnime e possui variaes nas diversas esferas culturais do globo.

    1.2 O Sistema de orientao geogrfica e espacial no medievo escandinavo

    H discusso e reflexo sobre os sistemas de orientao espacial empregados pelos

    escandinavos, em particular no que toca s relaes entre Islndia e Noruega; sobre o leste,

    entretanto, a situao mais exgua. O grosso da bibliografia discute o conceito de leste,

    quando o discute especificamente, no que chamamos de leste situacional, ou direcional.

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    Tal discusso possui vis lingustico medida que deriva de termos e

    modificaes dos mesmos, sendo necessria uma discusso e explanao especfica dos

    significados de direo e localizao no antigo nrdico.

    O carter relativo e bastante distinto temporalmente de nosso presente de tais

    formas de orientao e expresso geram estranheza ao olhar contemporneo, de forma

    que autores como Tatjana N. Jackson, ao comparar tais formas de expresso com o

    sistema cardinal, as divide por vezes como corretas (se equivalem s distncias

    indicadas cardinalmente) e incorretas (se no se adequam ao sistema cardinal, ainda

    que empreguem termos do mesmo).5

    O sistema e a nomenclatura cardinais escandinavos derivam de uma tradio

    germnica mais ampla. De forma geral a nomenclatura*nor-, *austr-, *sun-, *wes-

    influenciou a antiga terminologia latina septentrionalis/borealis , orientalis,

    australis/meridionalis, occidentalis, ainda que as formas latinas subsistam em termos

    derivados.6

    O sistema bsico escandinavo de quatro coordenadas cardinais (norr norte,

    austrleste, sur-sul, vestr - oeste) desenvolveu-se na Noruega baseado no contorno de

    sua costa e na observao dos astros, dado a inexistncia de tecnologias como da posterior

    bssola.7Especula-se sobre a possibilidade de que os nomes germnicos antigos tenham

    sido empregados para o que consideramos pontos intermedirios, envolvendo uma

    rotao de 45.8

    Entretanto, a observao das direes norueguesas baseadas no desenho costeiro

    ajuda a compreender melhor a situao. possvel encontrar termos que parecem por vezes

    peculiares ou estranhos mente acostumada ao sistema de coordenadas cardinais

    absolutas. Por exemplo, landnorr, termo usado para nordeste, mas que pode ser traduzido

    ao p-da-letra como para o norte via terra, enquanto que tnorr, para o norte indo para

    5JACKSON, T. Old Norse System of Spatial Orientation. Saga Book, n. 25, v.1, p. 72s, 1998.6 POKORNY. Julius. Indogermanisches etymologisches Wrterbuch, 2 Bnde. Francke Verlag: Bern undMnchen, 1958. Verbetes:au-3(ae);,aes-,sel-, sul-, sel-, sl-.7LEONARD, Stephen.Language, Society and Identity in early Iceland. Wiley-Blackwell, 2012. p. 161.8Ex.: o mesmo radical para austr-, leste, e australis, meridional, no latim. Vide: POKORNY, op.cit, aes-; WEIBULL, Lauritz. De gamle nordbornas vderstrecksbegrepp. Scandia, n. 2, v. 1, 1928; EKBLOM, R. Alfredthe Great as Geographer. Studia Neophilologica,n. 14, 1941-2; EKBLOM, R. Den forntida nordiska orientering

    och Wulfstans resa till Truso. Frnvnnen, n. 33, 1938; SKLD, Tryggve. Islndska vderstreck. ScriptaIslandica. Islndska sllskapets rsbok,n. 16, 1965.

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    fora, representava a direo de oeste ou noroeste. Usos que refletem as rotas possveis a

    serem tomadas se o observador tomasse em considerao a geografia e costa norueguesas.

    Tal uso de vocabulrio no est limitado aos residentes da Noruega; antes,

    incorporou-se no vocabulrio do antigo nrdico inclusive da Islndia. Observemos uma

    passagem escrita novamente por Snorri Sturlusson, um islands, na Ynglingasaga, parte

    inicial da Heimskringla:

    Af hafinu gengr langr hafsbotn til landnorrs, er heitir Svarta-haf

    Do mesmo mar uma longa reentrncia martima se estende em direoao nordeste, e chamada de Mar Negro(Heimskringla, Ynglingasaga,01.9Traduo e grifo nossos)

    O trecho em questo encontra-se na descrio do mundo habitado, mas descreveregio longe da costa norueguesa: o Mar Negro. O uso para nordeste, no entanto,

    landnorr.10

    Kirsten Hastrup11discute sistema por ela designado como ultimate por indicar

    o objetivo final, ltimo, a ser atingido pelo viajante. Esta forma de expresso mais

    marcadamente lingustica, empregando expresses, advrbios e modificadores de sentido

    indicativos de provenincia e destino. Tal sistema de referncias em antigo nrdico

    centraliza-se em trs formas bsicas de expresso denotando direo, localidades eorigens que, a grosso modo, podem ser expressos simplificadamente como (dirigindo -

    se) para algum lugar, em algum lugar, (vindo) de algum lugar.12

    A adio de sufixos a advrbios concede nuances especficas que se assemelham

    a esse sistema tripartite: o sufixoi implica descanso em algum lugar especfico, enquanto

    advrbios com sufixoan iro indicar movimento partindo de algum lugar.13

    Alguns advrbios so modificados apenas de uma forma dual; norr, por exemplo,

    significa norte, para o norte, enquanto noran significa (vindo do) norte, mas amaioria dos advrbios se enquadra no sistema ternrio de localizao.

    O uso do sufixoan precedido da preposio fyrir cria uma frase preposicional que

    indica uma posio relativa em relao a outra, fixa: fyrir noran heiinasignifica (a)norte

    9JNSSON, Finnur (ed).Heimskringla: Nregs konunga sgur. Copenhagen: Gads, 1911. p. 04.10Landnorrno genitivo, landnors.11HASTRUP, 55.12

    LEONARD, Stephen.Language, Society and Identity in early Iceland. Wiley-Blackwell, 2012. p. 157.13Ibid., p. 158.

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    dospagos.Fyrir noranacabou tornando-se uma expresso idiomtica, significando no

    norte14. Esse tipo de construo generalizou-se tambm para as outras posies geogrficas.

    Ainda no incio da Ynglingasaga, temos um exemplo simples de seu uso:

    (...) heitir fyrir austan s, en fyrir vestan kalla sumir Eurp, ensumir na.

    (...) a leste chamada sia, e a oeste chamada por alguns Europa, poralguns Enea.(Heimskringla, Ynglingasaga, 0115. Traduo e grifo nossos)

    Tal uso corrente nas fontes primrias, criando expresses especficas dependendo

    dos sentidos e localidades, e enfatizando grandemente um sistema de localizao geogrfica

    que chamamos de relativo,situacionalou direcional,mas que com o decorrer do

    tempo acaba por assumir uma circunstncia mista, na qual a relativa localizao dos pontos

    entre si gradualmente assume conotaes fixas, idiomticas. A coordenada que assume

    maior importncia no a localidade per si (i.e., a Noruega ou a Islndia), mas, antes, a

    posio relativa das localidades em questo entre si.

    As localidades fixas empregadas mais frequentemente nesse sistema so a Islndia

    e a Noruega. Viajar da Noruega para a Islndia seria escrito em sua forma completa em

    antigo Nrdico como a fara fr Noregi t til slands. Entretanto, seu uso mais comum

    o abreviado, a fara t. Literalmente, em portugus, sair/ir/dirigir-se/viajar para fora.

    O sentido contrrio, da Islndia para Noruega, usualmente indicado como a fara tan:

    virde fora,expresso empregada largamente nas sagas e na produo legal.16

    Tal sistema possui origem bvia com os noruegueses que, tendo colonizado a ilha

    da Islndia, empregaro seu ponto de partida (a Noruega) como dentro,e a Islndia

    como fora.Entretanto, mais de um sculo aps a colonizao da Islndia, e quando a

    mesma j se encontrava com caminhos distintos da Noruega, os prprios islandeses

    continuavam a usar as mesmas formas de coordenadas. Ainda que se dirigissem da

    Islndia para a Noruega, sua forma de expresso de dirigir-se do forapara o dentro,

    que evidencia uma continuidade do conceito original direcional, mas somada a uma

    modificao intrnseca do mesmo: a relatividade e at mesmo etnocentridade do

    conceito original norreno sofrear uma sutil transformao, na qual as expresses

    14LEONARD, Stephen.Language, Society and Identity in early Iceland. Wiley-Blackwell, 2012. p. 158.15

    JNSSON, Finnur (ed).Heimskringla: Nregs konunga sgur. Copenhagen: Gads, 1911. p. 04.16LEONARD, Stephen, op. cit., p.159.

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    indicativas de pontos relativos entre si acabam por assumir conotaes fixas, especficas

    e intrinsecamente ligadas a localidades especficas e imutveis.

    Outro exemplo da transformao, readaptao e, de certa forma, ressignificao

    da terminologia geogrfica, o caso da diviso da Islndia em quadrantes ou quartas

    (fjrungar), efetuada em 965 A.D.17

    Esta diviso foi efetuada num sistema de base cardinal, contendo outras

    peculiaridades de referncia geogrfica. O viajante que se dirigia ao quadrante sul

    (baseado em um sistema cardinal) da Islndia dirigia-se, de forma absoluta, para o oeste.

    Entretanto, o uso lingustico empregado era de dirigir-se ao sul.18

    Em adio a tais nuances, h-se ainda de notar casos nos quais o autor emprega o

    sistema de coordenadas cardinais de forma mais bvia, referenciando o destino imediato

    para onde o personagem da narrativa dirige-se. Dessa forma, o itinerrio de algum na

    Noruega que se dirige para a Sucia pode ser descrito como viajou para leste.

    1.3 Sagas dos antigos islandeses e sagas dos reis a primazia da direo geogrfica

    simples19

    Esta forma de referenciamento geogrfico simples pode ser encontrada por toda a

    produo escrita escandinava medieval, como se espera de uma terminologia empregada

    amide. H de se destacar, no entanto, uma srie especfica de fontes na qual as nuances

    do sistema podem ser percebidas com maior propriedade, tanto devido prpria forma

    de linguagem e estilo mais frequente como pelas prprias caractersticas geogrficas e de

    cenrio especficas modalidade; de tal gnero procedeu parcela considervel dos

    extratos de fonte e exemplos lingusticos examinados at ento.

    Referimo-nos s chamadas Islendigasgur, as sagas islandesas por excelncia,

    muitas vezes traduzidas apenas como sagas, sagas familiares ou, em uso mais recente

    iniciado por Andersson20e difundido por Mundal, Tulinius e outros acadmicos como

    17JACKSON, T. Old Norse System of Spatial Orientation. Saga Book, n. 25, v.1, p. 73, 1998.18 LEONARD, Stephen. Language, Society and Identity in early Iceland. Wiley-Blackwell, 2012. p. 162;JACKSON, 73.19Boa e resumida referncia modalidade de fontes pode ser encontrada em LASON, Vsteinn. Family Sagas.In: McTURK, Rory. (Ed.). A companion to Old Norse-Icelandic Literature and Culture. Oxford: BlackwellPublishing, 2006 [2005]. pp. 101-118.20

    ANDERSSON, Theodore. The Growth of the Medieval Icelandic Sagas (1180-1280). Ithaca & London: CornellUniversity Press, 2006.

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    sagas dos antigos islandeses.21

    Ao lado das grandes obras histricas, asIslendigasgurtiveram papel fundamental

    na forma narrativa islandesa de se remeter a acontecimentos e personagens do passado.

    Saga (pl. sgur) um termoempregado muito genericamente para formas narrativas

    islandesas. Provm do antigo nrdicosegja, verbo que significa dizer, falar ou, por si

    s, conto ou histria, e incorpora narrativas em prosa acerca de algum personagem,

    famlia ou regio. Apesar do gnero per si ser composto em prosa, h com grande

    frequncia contedo potico veiculado em seu meio, em particular na poesia escldica.

    Asslendingasgurdescrevem principalmente os eventos ocorridos no primeiro

    sculo da comunidade islandesa entre 930 e 1030 (por vezes contendo partes introdutrias

    que lidam com os eventos na Noruega e Islndia no perodo principal de colonizao,

    entre 870 e 930). Sua datao razo de debate. Nos tempos contemporneos a tendncia

    acadmica tem sido a atribuio de datas cada vez mais recentes para asslendingasgur,

    situando a datao de suas primeiras formas no sculo XIII, a partir de 1230 ou 1240.22

    Algumas das principais so aEgils saga,Njls saga,Kormks saga, Viga-Glums

    saga, Gsla saga, Grettir saga,Eyrbyggja Saga,Laxdla Saga,Heiarvga saga, dentre

    muitas outras. So por vezes divididas internamente em mais categorias, como sagas

    familiares, sagas de localidades ou de cls, sagas deskaldar. Contm narrativas realistas,

    feita em tom sbrio e imparcial: o autor d tanto a acontecimentos importantes quanto a

    corriqueiros o mesmo tom narrativo, recurso que confere grande impacto medida que

    as consequncias das aes importantes acontecem.

    Seu heri ou personagem principal pode ser um fora da lei, umskldr, ou alguma

    entidade mais genrica, como uma famlia ou mesmo uma regio da Islndia. Seus

    personagens no so completamente maus ou completamente bons; por vezes, um

    personagem obviamente heroico e virtuoso deve lutar com outro de igual valor a fim de

    compensar alguma ofensa a sua honra.

    A despeito da forma dominante em prosa, poemas so muito empregados, em

    particular nas sagas cujos personagens principais so skldar, como a Egils saga e a

    Kormks saga, constituindo-se em recursos importantes na apresentao de pensamentos

    21 MUNDAL, Else. Introduction. In: MUNDAL, Else (ed). Dating the Sagas: Reviews and Revisions.

    Copenhagen: Museum Tusculanum Press, 2013. p. 01.22Ibid., p. 35.

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    dos personagens.

    O enredo centraliza-se em um ou mais conflitos, normalmente causados por alguma

    ofensa de honra a algum. medida que a parte procura sua compensao, partidos e

    alianas vo sendo formados e o conflito inicial pode crescer e gerar outras retaliaes e

    ofensas secundrias. Normalmente a saga termina quando as partes so conciliadas.

    Geograficamente, circunscrevem-se prpria Islndia e regies com as quais seus

    habitantes mantm contato mais direto, como a Escandinvia propriamente dita, Irlanda, as

    Ilhas Britnicas e do Atlntico Norte. Referncias BjarmalandouAustrvegrso pontuais

    e raras, como os acontecimentos narrados naEgils sagasobreBjarmaland eKrland.

    A natureza, o tom, o uso da linguagem as caractersticas formais desse gnero so

    razes que colaboram para um uso mais recorrente e marcado de uma terminologia, seno

    desprovida de componentes ideolgicos e imaginrios extra, ao menos mais focada na

    linguagem cotidiana. Tambm importante a nfase de que esta modalidade de escrita,

    largamente apreciada no apenas pelos seus receptores, mas tambm pela crtica posterior,

    veio a ser considerada pela historiografia como uma fase de ouro da escrita medieval

    islandesa, a chamada era dos Sturlungs (da qual faz parte tambm Snorri). Uma larga

    porcentagem de autores da posteridade e no apenas de vis historicista consideraria a

    produo escrita posterior a tal era como decadente, e seus antecessores enquanto passos

    preparatrios para a mesma.

    1.4 Os Mappaemundie as formas pictogrficas da representao geogrfica

    Se a forma narrativa tem sido o principal veculo de transmisso de ideias em

    nosso contexto de estudo, incluindo nos aspectos referentes representao geogrfica,

    h ainda uma segunda natureza de fontes que no pode ser subestimada ou deixada de

    lado, e que acrescenta dimenses no esperadas compreenso da mentalidade geogrficano medievo da Escandinvia.

    Aqui referimo-nos confeco de mapas e outras formas de representao

    pictrica do conhecimento geogrfico que, como veremos muito em breve, so exemplos

    de alta relevncia na compreenso da assimilao do conhecimento geogrfico de outros

    mbitos culturais no contexto da Escandinvia e Islndia, particularmente no sculo XIII.

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    Por tratarmos especificamente do norte, podemos reduzir o nmero de

    manifestaes pictricas ao grupo especfico dos chamado Mappaemundi, que

    consistem na forma principal encontrada nos manuscritos islandeses.

    Possuem-se poucos Mappaemundi no contexto escandinavo medieval. As

    informaes contidas nos mesmos concordam razoavelmente com as veiculadas na

    produo escrita, e permitem pressupor certo consenso, ou ao menos uma uniformidade

    do conhecimento geogrfico.

    Antes, porm, de se analisar tais fontes, precisamos traar algumas consideraes

    sobre as prprias tradies cartogrficas antigas e medievais, tendo-se em mente que no

    plenamente possvel tecer derivaes simplistas e inequvocas das influncias sofridas

    pelos Escandinavos no quesito conhecimento geogrfico, mas que os mesmos sofreram

    as mais diversas influncias, que se somaram ao prprio conhecimento acumulado pelos

    prprios, desde as eras pr-histricas.

    Exmios navegadores e exploradores pragmticos por muitos sculos, mais do que

    qualquer outro povo europeu os escandinavos incorporaram conhecimentos e habilidades

    de navegao e orientao oriundos das mais diversas provenincias. s descobertas e

    criaes propriamente nativas, escandinavas, devem ser adicionadas influncias no

    apenas de tradies europeias, mas tambm do mundo islmico.

    1.4.1 Os Mappaemundi23

    Os Mappaemundi formam um conjunto de mapas caractersticos do medievo

    ocidental. Basearam-se nos mapas da Antiguidade, adaptando-os para a Cristandade

    medieval. Antes de buscarem trazer dimenses, distncias e coordenadas especficos,

    retratavam eventos significativos da Histria Crist. Seu propsito primrio, portanto, era

    a instruo dos fiis, e este mesmo sentido pode ser encontrado nos mapas da Antiguidadecomo, por exemplo, o mapa de Eumenius, datado de A.D. 297.

    23Plural:Mappaemundi; singular:Mappamundi. As informaes de cunho genrico para esta seo foram obtidasbasicamente nas duas maiores obras de referncia na temtica: a) WOODWARD, David. MedievalMappaemundi. In: HARLEY, J.B., WOODWARD, David (eds.). The History of Cartography. Volume I:Cartography in Prehistoric, Ancient, and Medieval Europe and Mediterranean. Chicago: at the University Press,1987. b) EDSON, Evelyn. Maps in Context: Isidore, Orosius, and the Medieval Image of the World. In:TALBERT, Richard, UNGER, Richard (eds.) Cartography in Antiquity and the Middle Ages: Fresh Perspectives,

    New Methods. Bril: Leiden, Netherlands, 2008. pp. 219-236. Conquanto o ltimo trabalho esteja mais atualizadoe insira questes importantes discusso como, por exemplo, o prprio questionamento sobre a validade de

    classificaes dos Mappaemundi segundo critrios contemporneos, o valor da obra de Woodward perdura,consistindo o mesmo na base para o segundo. Informaes pontuais sero citadas a parte.

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    UmMappamundino consiste necessariamente em uma representao grfica do

    mundo; o termo pode ser empregado, por exemplo, significando uma descrio verbal ou

    algum sentido metafrico.

    Os mapas medievais possuiro tambm uma funo histrica e narrativa, podendo

    ser vistos como anlogos s narrativas medievais que retratam eventos separados no

    tempo mas dispostos na mesma cena.

    Os mapas enquanto ferramenta, com a funo especfica de auxlio a navegao,

    e decorrentes necessidades de preciso, sero desenvolvidos a partir do sculo XIII por

    italianos e sicilianos. Recebero o nome de Portulanos.

    Destarte, possvel elencar, a nvel de tcnica de composio, trs mtodos de

    compilar a informao cartogrfica, coexistentes na Baixa Idade Mdia:

    - Os empregados nos j citados Portulanos: enquanto primeiras cartas nuticas,

    eram construdas baseadas nos contornos do Mediterrneo e limitadas pelas prprias

    formas do suporte (velum, etc);

    - Os Mappaemundi parecem ter sido baseados no conceito de que haveria uma

    quantidade limitada de informao a ser inserida em uma rea circunscrita e definida, seja

    oval, retangular ou redonda. Esta rea por vezes seccionada ou dividida em sees

    esquemticas;

    - Um terceiro mtodo define uma rede regular de paralelos e meridianos, nos quais

    a informao geogrfica seria inserida.

    1.4.2 O desenvolvimento e histrico dos Mappaemundi

    Cronologicamente, possvel diferenciar trs principais perodos de tradio dos

    Mappaemundi: de Lactncio (ca.240-320) a Gregrio, o Grande (ca. 540-604), o perodo

    tardo-antigo greco-romano e patrstico (ca.400 ca. 600) consistir no perodo de

    gestao das principais tradies cartogrficas medievais.

    Durante a Renascena carolngia (VIII-XII) ocorrer produo acelerada de livros

    e manuscritos nos monastrios e consequente proliferao, bem como aperfeioamento

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    tcnico, dos mapas. Ser um perodo chamado por alguns autores como the gold Age of

    Church cartography.24

    Entre os sculos XII a XIII haver uma chamada de Renascenado sculo XII,25

    quando s presentes tradies adiciona-se um influxo de conhecimento rabe e dos

    clssicos gregos. As trs tradies fundamentais, que influenciaram toda a produo de

    mapas no medievo e continuaram a coexistir no restante da Idade Mdia at o

    Renascimento surgiram no primeiro perodo, da Antiguidade Tardia. So as tradies

    advindas de Macrbio, Orsio e Isidoro.

    Na confeco dessas tradies cartogrficas ocorreu uma complexa interao de

    diversas correntes de pensamento. Em particular, duas vertentes de escritos geogrficos

    confluiro e influenciaro a produo de mapas no medievo: o pensamento clssico

    greco-romano (Macrbio, Marciano Capella, baseados em Plnio e Pompnio Mella e nas

    tradies de Pitgoras a Posidnio) e o pensamento da Igreja (reaes mistas ao saber

    pago e cientfico; S. Damio no via utilidade na Cincia, mas S. Jernimo340-420

    parece ter compilado mapas da Palestina e sia).

    Conquanto haja um consenso internacional na classificao dos Mapas medievais

    como um todo, definido em 1949 segundo proposio de Destombes no XVI Congresso

    Internacional Geogrfico em Lisboa, os critrios de classificao especificamente

    relativos aosMappaemundivariam. Simar26(1912), Andrews27(1926), Uhden28(1931),

    24BAGROW,History of Cartography, p. 42, nota 55 apud WOODWARD, David.Medieval Mappaemundi. In:HARLEY, J.B., WOODWARD, David (eds.). The History of Cartography. Volume I: Cartography in Prehistoric,Ancient, and Medieval Europe and Mediterranean. Chicago: at the University Press, 1987p. 299.25HASKINS,Renaissance of the Twelfth Century, note 50 apud: WOODWARD, David, op. cit., p. 299.26SIMAR, Theophile. La geographie de l'Afrique Centrale dans l'antiquite et au Moyen-Age.Revue Congolaise, n.3, 1912-13, p. 1-23, p. 81-102, p. 145-69, p. 225-52 p. ,289-310, p. 440-41.27ANDREWS, Michael Corbet. The Study and Classification of Medieval Mappae Mundi.Archaeologia, n.75,1925-26, p. 61-76.28

    UHDEN, Richard. Zur Herkunft und Systematik der mittelalterlichen Weltkarten.Geographische Zeitschrift,n.37, 1931, p. 321-40.

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    Destombes 29 (1964), Arentzen 30 (1984), Woodward 31 (1987) e Dalch (1993) 32

    propuseram parmetros diversos. Dalch criticaria os sistemas de Destombes e Andrews,

    mas no o de Woodward, por lidar com mapas anteriores aos estudados pelo ltimo.33

    Tendo em vista os desenvolvimentos histricos descritos acima, empregamos a

    classificao de Woodward, que se baseia tanto no mesmo quanto nas classificaes de autores

    anteriores. De fato, a despeito da publicao em 2008 da obra monumental Cartography in

    Antiquity and the Middle Ages,editada por Richard Talbert e Richard Unger,34o trabalho de

    Woodward permanece referncia, inclusive para o supracitado trabalho.

    Seu sistema prope a diferenciao dos Mappaemundi enquanto zonais,

    esquemticostambm chamados de tripartites, o que inclui os difundidos mapas T-O

    , quadripartites e transicionais.35Parece-nos o sistema mais abrangente e adequado aos

    nossos prprios propsitos de classificao das fontes da Escandinvia.

    No traaremos aqui um histrico extensivo de todas as variantes e formas de

    Mappaemundi. Antes referenciaremos apenas as modalidades que influenciam mais

    diretamente as fontes Escandinavas com as quais lidaremos posteriormente.

    1.4.3 A tradio de Macrbio (ca. 395-436): os mapas zonais

    OMappamundide Macrbio ser conhecido por seu nome ou comozonal. Derivade seu comentrio ao Sonho de Cipio, de Cicero (51 a.C.), que trabalha conceitos e

    informaes de Posidnio (ca. 135 51/50 a.C.), Crates de Mallos (ca. 168 a.C.) e

    Erasttenes (ca. 275-194 a.C.), empregando conceitos de Pitgoras.

    29

    DESTOMBES, Marcel (ed.)Mappemondes A.D. 1200-1500: Catalogue prepare par la Commission des CartesAnciennes der Union Geographique Internationale. Amsterdam: N. Israel, 1964.30ARENTZEN, Jorg-Geerd.Imago Mundi Cartographica: Studien zurBildlichkeit mittelalterlicher Welt- undOkumenekarten unter besondererBerucksichtigung des Zusammenwirkens von Text und Bild. MiinsterscheMittelalter-Schriften 53. Munich: Wilhelm Fink, 1984.31WOODWARD, David. MedievalMappaemundi. In: HARLEY, J.B., WOODWARD, David (eds.). The Historyof Cartography. Volume I: Cartography in Prehistoric, Ancient, and Medieval Europe and Mediterranean. Chicago:at the University Press, 1987. p. 286-299.32DALCH, Patrick Gautier. De la glose la contemplation: Place et fonction de la carte dans les manuscrits duHaut Moyen ge. In: Testo e Immagine nell Alto Medioevo, Settimane di Studio del Centro Italiano di StudisullAlto Medioevo. Spoleto: Presso la Sede del Centro, 1994. XLI, pp. 700-704.33Ibid.34TALBERT, Richard, UNGER, Richard (eds.) Cartography in Antiquity and the Middle Ages: Fresh Perspectives,

    New Methods. Bril: Leiden, Netherlands, 2008.35WOODWARD, David. op. cit., p. 295.

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    uma forma que divide o globo em zonas climticas, habitadas ou no, por meio

    de latitudes. Esse mapa ir empregar o conceito grego de um continente antpoda,

    localizado no hemisfrio sul, em sua zona temperada.

    Cada um dos continentes inclui-se aqui Eursia e frica enquanto um macro-

    continente, sendo o antpoda o outropossuiria respectivamente, no sentido do plo para

    a linha equatorial, uma zona inabitada fria, uma zona temperada e uma zona inabitada

    quente. Nessa ltima zona ambos os hemisfrios encontrar-se-iam, sendo banhadas por

    um oceano intermedirio. Marciano Capella (fl 410-39) popularizaria esse conceito em

    seu Casamentode Filologia e Mercrio.

    Figura 01:Mappamundi de MacrobiusCpia de Johannes Eschuidus, In: Summa Anglicana,1489. Paris, Badius, 1519. Reimpresso da edio de 1515. James Ford Bell Library, Tamanhooriginal: 14 x 14 cm.

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    1.4.4 Isidoro (ca. 560-636)36

    A tradio de mapas inaugurada por Isidoro de Sevilha principalmente em suas

    Etymologiaee emDe natura rerumser indubitavelmente a mais longeva e influente

    por todo o medievo; em um levantamento de Destombes, mais de 660 exemplos de

    mapas derivados de sua tradio foram encontrados por todo o medievo 37.

    No se possui um exemplar de mapa original de sua prpria lavra, mas

    perfeitamente possvel compreender-se o formato do mesmo pela tradio derivada.

    So os chamados mapas T-O, que dividem a terra em trs partes, com Jerusalm no

    centro do mundo.

    O T, no caso, formado pelas massas aquticas do mar Mediterrneo na rea

    superior, o rio Nilo direita e o rio Don (Tanais, em grego) esquerda. O O a esfera

    circundante dos oceanos, na qual o T est enquadrado.

    Nesta modalidade de mapa a sia colocada na parte superior, com a Europa

    esquerda e a frica direita. Tal circunstncia explicada por vrias razes como, por

    exemplo, a localizao do Paraso na sia, bem como a zona supostamente mais

    propcia climaticamente habitao humana.

    Essa diviso reflete a prpria diviso bblica descrita no captulo 10 do livro doGnesis e retomada por Isidoro, dos filhos de No: Shem, Kham e Jaffet. Isidoro disporia

    os descendentes de Shem na sia, os de Jaffet na Europa e os de Kham, na frica38.

    36Uma profuso de mapas isidorianos, com respectivas referncias, pode ser obtida no site: ltimo acesso em 23/10/2014.37, David. MedievalMappaemundi. In: HARLEY, J.B., WOODWARD, David (eds.).The History of Cartography.Volume I: Cartography in Prehistoric, Ancient, and Medieval Europe and Mediterranean. Chicago: at the UniversityPress, 1987. p. 301.38EDSON, Evelyn.Maps in Context: Isidore, Orosius, and the Medieval Image of the World. In: TALBERT,

    Richard, UNGER, Richard (eds.) Cartography in Antiquity and the Middle Ages: Fresh Perspectives, NewMethods. Bril: Leiden, Netherlands, 2008. p. 226.

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    Figura 02: Mapa isidoriano em T-O. In: De Natura Rerum. Florena, Biblioteca Medicaea-Laurenziana, Plut.29.39, f.19v. Sculo XIII. Obtido em: EDSON, 2008: 225.

    Tal classificao uma simplificao de um quadro mais complexo, multifacetado

    e frequentemente marcado por tradies locais e especficas, mas resume suficientementeas linhas gerais necessrias nossas anlises subsequentes.

    2 A cartografia na Scandia e Islandia medievais

    Feito tal apanhado geral cartogrfico, hora de voltarmos ao contexto especfico

    da Escandinvia.

    possvel se afirmar a existncia de uma tradio de pensamento e representao

    geogrficos que datam desde os tempos pr-histricos entre os povos escandinavos e seus

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    ancestrais. Suas formas, entretanto, diferem grandemente do que se compreende

    posteriormente por Cartografia,bem como seus objetivos.

    Gudmund Schtte argumentaria em 1920, em artigo publicado na Scottish

    Geographical Magazine, ter encontrado representaes de constelaes em

    representaes pr-histricas na Dinamarca, mais especificamente nas estelas de Venslev

    e Dalby,39mas h dificuldades em tal interpretao, principalmente porque as supostas

    marcas nas pedras e nas constelaes no coincidem entre si to perfeitamente quanto o

    autor argumenta.40

    Um artigo igual, em francs, foi publicado no ano seguinte na LaNature,na

    Frana, por certo Schnfeld,41mas Schtte provavelmente foi o autor original, no

    apenas pela data anterior, mas tambm pela existncia de diversas outras publicaes de

    sua lavra sobre a temtica cartogrfica, em particular sobre mapas de Ptolomeu.42

    No obstante a dvida que repousa em tais modalidades de inscries, possvel

    se encontrar representaes referentes prpria cosmologia, como um exemplo da rvore

    da Vida (no perodo viking e medieval chamada de Yggsdrasil) encontradas em

    Lkeberg,43e representaes cosmolgicas em vrios nveis, encontradas no primeiro

    milnio A.D. principalmente em estelas pictricas da ilha de Gotland.44

    Quanto ao perodo medieval, a Escandinvia apresenta uma notvel escassez de

    mapas em meio a uma considervel quantidade de manuscritos: de aproximadamente

    8000 manuscritos islandeses, apenas trs incluem mapascinco mapas ao todo, mais um

    mapa do sculo XII originrio provavelmente de Lund. Desses mapas, conhecem-se

    quatro cpias posteriores.45

    39SCHTTE, Gudmund. Primaeval Astronomy in Scandinavia. Scottish Geographical Magazine, n.04, 1920, p.244-254.40SMITH, Catherine Delano. Cartography in Prehistoric Europe and the Mediterranean. In: HARLEY, J.B. &WOODWARD, David (eds.). The History of Cartography. Volume I: Cartography in Prehistoric, Ancient, andMedieval Europe and Mediterranean. Chicago: at the University Press, 1987. p.82s41A referncia completa: SCHNFELD, M. Lastronomie prhistorique em Scandinavie.La Nature, n. 2444, p.81-83, 05 fev. 1921.42Destacam-se Ptolemy s maps of northern Europe: a reconstruction of the prototypes,publicado pela RoyalDanish Geographical Society em 1917, e os posteriores A ptolemaic riddle solved,de 1952, e Ptolemy s mapsand life,do mesmo ano.43SMITH, Catherine Delano, op. cit., p. 87.44Ibid., p. 91.45

    SIMEK, Rudolf. Altnordische Kosmographie: Studien und Quellen zu Weltbild und Weltbeschreibung inNorwegen und Island vom 12. bis zum 14. Jahrhundert. Berlin: Walter de Gruyter & Co, 1990. p. 60

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    O pequeno nmero de mapas no indica um desconhecimento ou falta de interesse

    geogrfico. O nmero de textos em prosa significantemente maior: aproximadamente

    quatro cosmografias das quais vinte e cinco cpias foram encontradas, diversos

    itinerrios, mas o mais importante, muita informao e referncia geogrfica dispersa em

    toda a produo escrita, seja nas sagas, obras de cunho histrico e de entretenimento.46

    Os navegadores do norte e do Bltico no adquiriram o hbito de usar mapas na

    navegao at muito tempo depois dos seus equivalentes mediterrneosno sculo XVI,

    quando o uso de Portulanos j era prtica corrente no sul, tal costume ainda era

    desprezado pelos mais antigos setentrionais.47

    Os cartgrafos e navegadores mediterrneos, por sua vez, pragmticos, tinham por

    hbito enfatizar e retratar as regies nas quais tinham contato frequente ou interesse

    comercial. destarte, poucos Portulanos retratavam o Bltico e a Escandinvia at os

    sculos XIV e XV, sendo que um nmero ainda menor com razovel fidelidade.48

    mister ter-se em conta o contexto de tais sculos, que inclui o domnio

    econmico da Liga Hansetica entre os sculos XIII-XVI, conflitos pela hegemonia

    poltica entre os reinos escandinavos e as cidades germnicas (que, dentre outras

    consequncias, colaborar no estabelecimento da Unio de Kalmar em 1397) e os

    prprios efeitos da peste negra49todos colaboradores no sentido de que o norte europeu

    e a regio bltica manteriam posio perifrica em relao Europa do Mediterrneo.50

    Quanto prpria retratao da Islndia e das ilhas do Atlntico, a mesma

    circunstncia se repete. H discusso sobre qual a primeira retratao cartogrfica da

    mesma em Portulanos, sendo as opinies mais correntes a carta de Bertran em 1482

    (segundo Winter) ou a ligeiramente mais antiga, de Bartolomeu de Pareto, em 1455.

    H um mapa retratando a Vinland, mas tal controverso e no h consenso sobre

    sua datao. At o sculo XVII todos os outrosMappaemundiescandinavos, bem como

    46SIMEK, Rudolf. Scandinavian World Maps.In: FRIEDMAN, John Block, FIGG, Kristen Mogg (eds.). Trade,Travel and Exploration in the Middle Ages: An Encyclopedia. Rotledge, 2000.Pp. 537s.47 CAMPBELL, Tony. Portolan Charts from the Late Thirteenth Century to 1500. In: HARLEY, J.B.,WOODWARD, David (eds.). The History of Cartography. Volume I: Cartography in Prehistoric, Ancient, andMedieval Europe and Mediterranean. Chicago: at the University Press, 1987. p.409.48Ibid., p. 415.49MORTENSEN, Lars Boje, BISGAARD, Lars. Medieval Urban Civilization and its North European Variant.In: BISGAARD, Lars, MORTENSEN, Lars Boje, PETTITT, Tom (eds.). Guilds, Towns, and Cultural

    Transmission in the North, 1300-1500. Odense: University Press of Southern Denmark, 2013. p. 09.50MORTENSEN, Lars Boje, BISGAARD, Lars, op. cit., p. 08.

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    os relatos e escritos em prosa, veiculam a ideia de que a Groenlndia fora um continente,

    ligado a leste com a Sibria e a oeste com a Vinland.

    O mapa da Vinland, no entanto, mostra-a como uma ilha, concepo bastante

    recente. No h nenhum padro T-O, o norte fica na parte superior enfim, o mapa

    muito provavelmente de autoria mais recente (ver Figura 02).

    O mapa mais antigo medieval propriamente escandinavo originrio de Lund, mas

    atualmente est depositado em Berlin, aonde consta como Berlin MS.theol.Lat.149, fol.27r.51

    T-O, segundo a tradio salustiana, porm sem iconografia alguma. Escrito por

    uma mo germnica, traz poucos nomes na Europa: apenas Roma, Bari, Acaia

    (Achaia), Constantinopla (Constantinopole), Grcia, Colnia, Inglaterra, Dacia e

    Ctia (Suithia)52 . Indica de seu autor um conhecimento ou formao clssicos, e

    conexes entre Lund, Colnia e Inglaterra, por outro lado.

    Trs dos cincoMappaemundiislandeses so zonais, climticos ou macrobianos:

    dividem a regio setentrional e habitvel da Terra em trs continentes (sia, Europa e

    frica). Encontram-se depositados na Arnemagnean Collection, no manuscrito AM 736

    I 4to 1v (incio do XIV). H uma cpia efetuada no sculo XVIII na Copenhagen

    Kongelige Bibliotek, sob o registro Ny Kongelige Samling Nks 359, 4to, p.15, bem como

    uma registrada como AM 732b, 4to, 3r, do incio do sculo XIV.

    51

    Informaes, mas sem a foto disponibilizada, em 52SIMEK, 2000: 538.

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    Figura 03:O mapa da Vinland.53

    O manuscrito Gks 1812, 4to54contm trs mapas:

    O primeiro, no flio 11v, consiste em um pequeno mapa do sculo XIII, registrado

    como GamleKongelige Samling MS Gks 1812, 4to, 11v.Depositado na Copenhagen

    Kongelige Bibliotek e copiado no sculo XVII para o AM 252, fol. 59v., no mostra a

    diviso zonal. Esse mapa uma cpia de alguns mapas similares no tratado cosmogrfico

    Defilosofia mundi,escrito c.1130 por William de Conches. O texto foi adaptado dele,

    e nele est incorretamente atribudo em alguns manuscritos a Beda.

    O mesmo manuscrito contm dois mapas T-O. O primeiro, copiado em AM 252,

    fol, 58r, extremamente simples. Contm a diviso dos trs continentes com seus nomes

    apenas, consistindo no centro de um diagrama maior que contm direes cardinais,

    ventos, estaes, idades do homem, meses do ano e signos do zodaco respectivos.

    O outro exemplar de maior interesse aos nossos propsitos. Est copiado no AM

    252, fol, 62r. Em pgina dupla (5v-6r), contm mais de 100 nomes, cerca de 70 dos quais

    53Obtido em GRAHAM-CAMPBELL, James. Os Viquingues: origens da Cultura Escandinava. Vol. II.Madrid: Edies de Prado, 1997. p.177.54

    Descrio e informaes do manuscrito em . ltimo acessoem 21/10/2014.

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    so nomes de pases, quase todos em latim. Esse mapa mostra similaridade com algumas

    das cosmografias e listas citadas anteriormente, mas no h uma ligao clara de autoria

    entre eles.

    Carl Christian Rafn datou-o por volta do ano 1150 55; Kristian Klund, de ca.

    125056.

    Figura 04:OMappamundiislands do Gks 1812, 4to, 5v-6r.57

    A estruturao desteMappamundi bastante simples. O esquema T-O apresenta-

    se meramente como o parmetro geral de organizao, divindindo os continentes em trs

    reas separadas pelo Mediterrneo, Egito e Don (Tanakvisl),no havendo nenhuma

    tentativa de representao das localidades via um sistema de coordenadas matemtico-

    55RAFN, Carl Christian (ed).Antiquits Russes d'aprs les monuments historique des anciens et des IslandaisScandinaves. Copenhague, 1850-1852, vol. 1.56

    KLUND, Kristian (ed).Landalsingar m.fl.. In: Alfri slenzk 3. Copenhague: Mller, 1917s.57Obtido em PRITSAK, Omeljan. The Origin of Rus. Cambridge: Harvard University Press, 1982

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    geogrficas, tampouco alguma tentativa de representao grfica dos locais. As

    localidades esto representadas apenas por seus nomes, inclusive os rios e mares.

    Os quatro cantos possuem as direes cardinais em antigo nrdico e latim:

    austr/oriens, sur/meridies, occidens/vestr e norr/septentrio. A disposio geral do

    mapa, com o sul para o alto, apresenta semelhana mais com as tradies cartogrficas

    rabes do que propriamente com as do medievo ocidental, que normalmente apresentam

    a sia no canto superior; aparentemente, temos um modelo T-O ocidental inserido em

    uma estrutura ao menos influenciada pela cartografia islmica.

    Entretanto, de se destacar que, nos pontos de interceco entre os dois folios,

    tanto no canto superior quanto inferior, existem duas sees separadas, espcie de tabelas,

    contendo informaes pouco usuais em mapas T-O:

    a) Interseco entre sia e frica:

    SurMeridies(euro)? (dies)?Estas calida.Iuuenta calor (spiritus)

    b) Interseco entre sia e Europa (logo abaixo de Biarmarhabitavit hic.):

    (Norr)?SeptentrioCircius qui et troaciasHiemps frigidaDe crepita frigus corporis

    A mesma circunstncia d-se nos outros pontos cardinais; na rea a leste, na sia,

    encontram-se as seguintes inscries:

    Septemtrio Aquilo qui et boreas; Vvlturnus qui et calcias. Sub solanus. qui et afeliotes. EurusVer tepidu(m)

    Infancia tepor sangvinis.Asia

    Enquanto que, no oposto, ao ocidente, pode-se ler o seguinte:

    Auster qui et nothus. Euro nothus Affricus qui et libs. Zephirus. qui et fauonius. Corus qui et ariestes.Autumnus humidusSenecta humor aqua

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    Tal espcie de informao, em particular a de natureza climtica (ie. Autumnus

    humidus,outonomido), muito mais comum nos mapas zonais, demonstrando uma

    influncia dos mesmos, acentuada pela diviso circular, em particular na sia.

    Todo esse esquema est inserido em uma srie de crculos concntricos. As

    informaes e nomes contidos no crculo central so as localidades geogrficas; a metade

    do mapa contendo a regio da sia, mais detalhada, possui ainda dois outros nveis, nos

    quais regies mais amplas so descritas. Por exemplo, o nvel mais central contm

    localidades como Calldea e Babilon (nome que se repete em outra rea); o nvel

    superior contm Mesopotamia,e o nvel ainda superior a ele locais como Parthia,

    Media, o que apresenta uma espcie de organizao em provncias e localidades

    internas a estas em espcies de grupos contendo subgrupos, mas acaba por no se

    apresentar de forma to precisa.

    Nas regies da frica e Europa todos os nomes de localidades esto inseridos no

    crculo central. Nos nveis superiores esto as indicaes de continente (AfRica e

    EuRopa).

    O flio 5v totalmente preenchido pela sia. Nessa seo, podem ser lidas

    algumas breves descries e explicaes latinas acerca do clima, j citadas h pouco, e

    os seguintes nomes:

    Monstras58, India, Massagete, Caspies, Colci, Seres, Bactria, Hircania,Armenia, Parthia, Media, Persidia, Carmania, Caria, Frigia, Troia,Pamphilia, Hiberia, Tigris fluuius,Mesopotamiam, CharraciuitasAbrahe, Asia minor, Isauria, Cilicia ciuitas Thar(s)us,Cappadocia, Commagena, Palestina, Cesarea, Sidon, Tyrus, Assiria,Calldea, Babilon, Evfrates, Arabiaibi est mons Syna id est,Horeb,Ptholomais, Philistea, Libanusmons,Madianite, Iudea, Hebronibisepulltus est Adamprimus,Galathia, Nazareth, Hierusalem, Galilea,Hiericho, Egiptus, Babilon, Syria, Ascalia, Iopen, Alexandria,

    Tanakvislfluuius maximus,Nilusflumen Egipti.

    H uma grande riqueza de tradio bblica e clssica. Os nomes listados incluem

    no apenas cidades e pases, como Jerusalm, Babilnia e Tria, mas tambm elementos

    topogrficos e hidrogrficos: Libanus monsMontes Lbanos, localizados ao norte da

    58

    Segundo RAFN, Carl Christian (ed).Antiquits Russes d'aprs les monuments historique des anciens et desIslandais Scandinaves. Copenhague, 1850-1852, vol. II, p. 392, Monstrosa.

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    Judia, Tanakvisl fluuius maximus o Don, incluindo aqui o nico nome em antigo

    nrdico59em tal seo do mapa.

    Os comentrios, inclusive, permitem-nos ter vislumbres e suposies sobre a

    natureza das discusses relativas ao conhecimento bblico e clssico dos eruditos islandeses:

    a especificao de Cilicia ciuitas Thar(s)usnos demonstra a preocupao do(s) autor(es) do

    mapa em especificar qual Tarss est em questo, a Trsis-Tarso, local de nascimento do

    apstolo Paulo, prxima regio da Cilicia, ou a Trsis-Tartessos dos fencios, localizada

    no estrito de Gibraltar, para onde supostamente rumava o profeta Jonas.

    O nome Babilon encontrado duas vezes no mapa. Em uma delas, est na regio

    na qual se espera encontr-lo, numa lista que incluiAssiria, Calldea,BabiloneEvfrates.

    Na outra apario, no entanto, est colocado ao lado deEgiptus, abaixo deHierusaleme

    acima deNilus flumen Egipti. Poderamos nos perguntar se porventura, antes de um erro,

    no se trata de uma interpretao teolgica envolvendo o simbolismo de Babilnia como

    cidade da perdio e mal, conectando o ao Egito, lugar do cativeiro de Israel.

    Quanto ao folio 6r, preenchido na parte superior pela frica e na inferior, pela

    Europa. Enquanto a rea da sia, j referida, apresenta-se bastante completa com nomes

    de locais retirados das tradies clssica e bblica, o mapa no to preciso nos

    continentes restantes. Na Europa a nomenclatura razoavelmente precisa, refletindo bem

    a diviso geogrfica dos sculos XII e XIII, mas trazendo pouco detalhe sobre a regio

    Bltica e do prprio norte da Europa; o prprio Mar Bltico no citado. Quanto ao texto

    na frica traz poucas localidades e preciso; os poucos nomes, com um nmero

    relativamente grande de acontecimentos, derivam tambm da tradio clssica.

    Segue uma transcrio do folio 6r, que contm os continentes da frica e Europa.

    Encontra-se em itlico os nomes cuja direo da escrita foi alterada ou rotacionada para

    possibilitar a leitura em nosso meio de transmisso. As propores e distncias,

    entretanto, foram mantidas com preciso, inclusive a diviso das palavras em linhas:

    59O rio DonTanais para os autores gregos, Tanakvisl para os escandinavos.

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    Occidens vestr

    Auster qui et nothus. Euro nothus Affricus qui et libs. Zephirus. qui et fauonius. Corus qui et ariestes.

    Autumnus humidus

    Senecta humor aqua

    AfRica EuRopa

    Hic s(unt)

    solitu- E

    dines thi

    o

    inacces pia

    sibiles

    (et) arene

    usque, huc

    Normannia

    Brittannia

    Vasconia

    Galicia

    Hispania

    Tile Island

    Libia prouincia

    Affrice que est

    circa Cirenen

    Garamannia

    Getulia ibi in-

    fantes ludunt

    serpentib(us)

    Gaulo insula ibi

    nec serpens nasci-

    tur nec uiuit

    Numidia

    Mauritanie.III.

    MediterranumMare Ibernia

    Anglia Scocia

    Parmomontes60Gallia Frisia

    DanmorcFra(n)cia] Saxonia

    Germania

    La(n)gobardia

    RomaItalia

    Apulia

    Constantinopolis

    Tracia

    Grecia

    Norvegie

    Gautland

    Sviio

    Rvsia

    Kio

    Eronei61

    Sparta

    Scithia

    frigida

    Misia

    Bia(r)ma(r)

    habitavit hic.

    Pentapolis rgio

    ibi sunt v urbes

    Trogita prouincia

    ibi in uenitur carbu(n)-

    culus igneus (et) al-

    ter exacontalit(us).LX.

    colorib(us) micans

    Bizancena fruc-

    tissima terra

    H poucas regies que se referem ao mundo escandinavo. No mundo atlntico,

    em reas distintas encontramos Tile/Island (Islndia), Ibernia (Hibernia - Irlanda),

    Anglia, Scotia (Inglaterra e Esccia). Na Escandinvia propriamente dita temos um

    60Para Klund, o correto seria Pireneus. KLUND, Kristian (ed).Landalsingar m.fl.. In: Alfri slenzk

    3. Copenhague: Mller, 1917s.61Nmades.

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    agrupamento de Norvegie (Noruega), Gautland (a regio meridional da Sucia,

    Gotaland), Sviio(nome para a Sucia dos Svear, a norte de Gotaland) comRvsia(Rus),

    enquanto que a Dinamarca (Danmorc) est listada entreFrisiae Saxonia.

    A Biarmaland encontra-se separada, com uma pequena descrio: Bia(r)ma(r)

    habitavit hic.

    No mbito da Rssia, temos poucos nomes:Eronei, significando nmades,Kio, para

    Kiev e, prximo a uma Sparta, temos Scithia frigida, a Ctiafria.A prpria Constantinopla

    est agrupada com cidades do Mediterrneo, e no associada ao mundo de Rus.

    3. Comentrios e concluses finais sobre o Mappamundi islands e o conceitogeogrfico de leste na Escandinvia

    A disposio de localidades, forma de organiz-las, incluses e omisses

    permitem-nos traar algumas concluses sobre as pessoas envolvidas na produo do

    mapa, e mesmo em relao a sua datao.

    Em primeiro lugar, o mapa evidentemente um instrumento de instruo, de

    materializao de conceitos, ao invs de um meio de localizao. A instruo, no caso,

    refere-se ao conhecimento das tradies bblica e clssica. A profuso de dados de ambas

    as tradies bastante evidente, seja na meticulosa caracterizao da sia ou na livresca

    apresentao africana.

    No h uma nfase nas prprias terras de origens escandinavas. Conquanto haja a

    diviso sueca entre Gotaland e Sviio, a especificidade escandinava quase se encerra por

    a. E o conhecimento sobre Escandinvia e adjacncias demonstrado ali est entremeado

    de interpretaes clssicas; note-se que a Islndia apresentada com o nome de Tile

    (Thule), a ilha setentrional dos navegadores gregos sobre cuja natureza a discusso perdura

    at os tempos contemporneos. J se teorizou sobre uma localizao exata, sobre um

    conhecimento prtico de tal ilha, identificando-a ora com a Islndia, ora com as Ilhas

    Britnicas, ou como mera estria de um lugar fantstico, setentrional, cercado de monstros

    e gelo. O autor do mapa, no entanto, identifica-o claramente com sua prpria ilha.

    Quanto Rssia, notvel estar listada conjuntamente com Noruega e Sucia, em

    contraparte ao ajuntamento da Dinamarca com as regies germnicas continentais. Mas

    aqui tambm h o influxo do saber bblico-clssico a uma tradio mais especificamente

    escandinava, e a identificao de Scithia frigidaremete-nos esta mistura de tradies e

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    regies ao lermos autores como Snorri, que chamaram a Rssia, ou a regio a norte do

    Mar Negro, de Sviio, a fria,ou a grande:

    En noran at Svarta-hafi gengr Svj in mikla ea in kalda

    Ao norte do Mar Negro fica Sviio, agrande,ou afria.

    (Heimskringla, Ynglingasaga,0162. Traduo e grifo nossos)

    A terminologia para as regies cardinais e a insero das regies escandinavas

    efetuada de forma tnue em tal mapa. Leste identificado majoritariamente com a sia;

    Europa (destarte, Escandinvia) resta a insero entre oeste e norte. No se pode

    encontrar nuances terminolgicas e maneirismos do antigo nrdico em tal terminologia.

    Austrvegr e Gararki so sequer mencionadas; o Bltico no est retratado, tampoucooutros rios significativos da Rus, com exceo do Donque o pela sua relevncia no

    costume dos mapas T-O.

    Bjarmaland tambm est, dessa forma, em um simples norte, sem matizao, sem

    as incorporaes literrias e conceituais sobre os Bjarmar, ainda que contendo uma

    inscrio. Tal, no entanto, coloca-os em patamar similar s descries de outras partes do

    mundo: aquihabitavam os Bjarmar;descrio distante, do outro, de um diverso mundo,

    de uma outra realidade.Em suma, o conhecimento que se obtm da cartografia medieval escandinava

    revela-nos antes o que ele nos traz sobre o aprendizado erudito escandinavo das tradies

    ocidentais e islmicas do que propriamente o conhecimento geogrfico especfico

    escandinavo, em particular no que toca ao leste. Neste sentido, o emprego de orientaes

    no-cartogrficas compostas por refernciasabsolutas ou nopermaneceria como uso

    corrente e predominante por sculos posteriores; tambm neste sentido a anlise de fontes

    de natureza escrita revela-se mais proveitosa para a apreenso das conceituaesgeogrficas mais propriamente ditas escandinavas.

    62JNSSON, Finnur (ed).Heimskringla: Nregs konunga sgur. Copenhagen: Gads, 1911. p.04.