A história da educação - Thomas ransom giles

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  • http://www.rbhe.sbhe.org.br p-ISSN: 1519-5902 e-ISSN: 2238-0094

    http://dx.doi.org/10.4025/rbhe.v14i3.574.2

    Rev. bras. hist. educ., Maring-PR, v. 14, n. 3 (36), p. 205-233, set./dez. 2014 205

    A histria da educao por Thomas Ransom Giles

    Aline de Morais Limeira Pasche*

    Resumo:Este estudo pretende compor uma srie de investimentos acerca da constituio e organizao do campo da Histria da Educao. Prope-se a analisar uma experincia particular de escrita cuja autoria de Thomas Ransom Giles (1937-2009) norte-americano de nascimento, radicado no Brasil. O livro Histria da Educao foi publicado pela Editora Pedaggica e Universitria, em 1987. Interessa pensar os recursos arrolados, a operao metodolgica, os modelos narrativos com que dialoga e legitima, bem como as representaes acerca do Continente Americano (Brasil e EUA) que faz circular em sua obra. cogente ressaltar o interesse em conjeturar as diferentes experincias envolvidas com a produo desse saber, e em observar os ecos produzidos pela circulao das obras desse autor.

    Palavras-chave:manuais de histria da educao; historiografia da educao; educao norte-americana; educao brasileira; sistemas de ensino.

    * Doutoranda em Educao pela UERJ. Integrante do Ncleo de Ensino e Pesquisa em Histria da Educao (NEPHE-UERJ). Professora do ensino fundamental da prefeitura do Rio de Janeiro. Bolsista CAPES.

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    The History of Education by Thomas Ransom Giles

    Aline de Morais Limeira Pasche

    Abstract: This study intends to compose a series of investments on the establishment and organization of the field of History of Education. It set out to analyze a particular writing experience, that of Ransom Giles Thomas (1937-2009) an American by birth who settled in Brazil. The book History of Education was published by Pedagogical and University Publishers in 1987. It focused on analyzing enrolled resources, methodological operation, narrative models it legitimizes and with which it dialogues, as well as the representations about the Americas (Brazil and USA) the author circulates in his work. It is cogent to note the interest in conjecturing the different experiences involved in producing this knowledge, and in observing the echoes produced by the circulation of the works by this author.

    Keywords:history of education textbooks; historiography of education; American education; Brazilian education; education systems.

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    La Historia de la Educacin por Thomas Ransom Giles

    Aline de Morais Limeira Pasche

    Resumen: Este estudio pretende componer una serie de investigaciones acerca de la constitucin y organizacin del campo de la Historia de la Educacin. Se propone analizar una experiencia particular de escritura, cuya autora es de Thomas Ransom Giles (1937-2009), un norteamericano de nacimiento, radicado en Brasil. El libro Historia de la Educacin fue publicado por la Editora Pedaggica y Universitaria en 1987. Interes pensar los recursos utilizados, la operacin metodolgica, los modelos narrativos con los que dialoga y legitima, as como las representaciones sobre el Continente Americano (Brasil y los Estados Unidos) que circulan en su obra. Es importante resaltar el inters en conjeturar las diferentes experiencias involucradas con la produccin de este saber, y en observar los ecos producidos por la circulacin de las obras de este autor.

    Palabras clave:manuales de historia de la educacin; historiografa de la educacin; educacin norteamericana; educacin brasilea; sistemas de enseanza.

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    Uma sociedade sem histria incapaz de projeto (PROST, 2008, p. 272).

    Talvez por estarem to intimamente relacionados, a histria e os projetos de sociedade, como aponta Prost nesta epgrafe, que tenham sido (e so) muitos os investimentos cujo intento refletir acerca das experincias educacionais, sociais, culturais, polticas de outros tempos, outros espaos, outros sujeitos. Nesse caso, a escrita funciona como um dispositivo. A historiografia procura legitimar sua autoridade, querendo provar que o lugar onde se produz capaz de compreender o passado, [...] fingindo no presente o privilgio de recapitular o passado num saber (CERTEAU, 2007, p. 17).

    Compartilhando tais pressupostos, este estudo pretende compor uma srie de investimentos que vm sendo realizados, a partir das parcerias entre instituies ou pesquisadores, dos estudos que tm circulado em livros, revistas ou nos eventos, com intuito de refletir acerca de alguns aspectos relacionados constituio e organizao do campo da Histria da Educao, no que se refere produo e circulao desse saber no Brasil e na Amrica. Como exemplo, pode ser mencionada a obra Histria da Educao na Amrica Latina: Ensinar & Escrever, organizada pelos professores Jos Gonalves Gondra (UERJ) e Jos Cludio Sooma (UFRJ), (GONDRA, 2011), ou mesmo o estudo recente concludo em nvel de doutorado por Roberlayne Borges Roballo (2012) na Universidade Federal do Paran, entre outros.

    Portanto, o objetivo que se constitui aqui de inventariar uma escrita da Histria de Educao erigida em uma experincia particular, o que se justifica por considerar que [...] as fronteiras que definem diferentes modos de ver e explicar a Histria da Educao brasileira so menos ntidas do que muitas vezes podem aparentar (XAVIER, 2011, p. 19), haja vista que, muitas vezes, h dilogos estabelecidos entre perspectivas diversificadas; ou seja, permitem pensar nosso prprio campo, nosso lugar de produo.

    Histria da Educao o ttulo do livro publicado em 1987 por Thomas Ransom Giles. No contexto, j havia circulado no Brasil um conjunto de obras relacionadas ao campo da Histria da Educao,

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    mormente no que se refere s iniciativas da Coleo Atualidades Pedaggicas da Companhia Editora Nacional. Algumas dessas iniciativas compuseram a Biblioteca Pedaggica Brasileira dirigida por Fernando de Azevedo (1931- 1945) e Damasco Penna (1946-1978). Onze o nmero de manuais de Histria da Educao publicados pela CAP nos anos de 1930 a 1970, entre os quais Noes de Histria da Educao (1933), de Afrnio Peixoto; Histria da Educao (1939), de Paul Monroe; Noes de Histria da Educao (1945), de Theobaldo Miranda Santos; Histria da Educao e da Pedagogia (1955), de Lorenzo Luzuriaga e Histria da Pedagogia (1957), de Ren Hubert.

    Entretanto, o movimento de escrita desse saber na forma de manual se deu igualmente como investimento de diversos outros sujeitos e instituies. grande o nmero de editoras e autores que fizeram circular em livro alguns conhecimentos, abordagens e interpretaes relacionadas Histria da Educao no Brasil e no mundo. Sem a pretenso de esgotar a lista, possvel elencar algumas obras:

    x Pequena histria da Educao Madre Francisca Peeters e Madre Maria Augusta de Cooman, pela Editora Cia. Melhoramentos (1936);

    x Histria da Educao Bento de Andrade Filho, pela Editora Saraiva (1941);

    x Esboo da Histria da Educao Ruy de Ayres Bello, pela Companhia Editora Nacional (1945);

    x Pequena Histria da Educao Ruy de Ayres Bello, pela Editora Brasil (1957);

    x Histria da Educao Bento de Andrade Filho, pela Editora Saraiva (1953);

    x Primrdios da Educao no Brasil: o Perodo Heroico (1549 a 1570) Luiz Alves de Mattos, pela Editora Aurora (1958);

    x Histria da educao Luso-brasileira Tito Lvio Ferreira, pela Editora Saraiva (1966);

    x Histria da educao brasileira Jos Antonio Tobias, pela Editora Juriscredi (1977);

    x Histria da Educao no Brasil Otaza de Oliveira Romanelli, pela Editora Vozes, (1975);

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    x As Origens e a Evoluo da Educao Moderna Elizabeth S. Lawrence, pela Editora Ulisseia Limitada (1950);

    x Histria da educao brasileira: a organizao escolar Maria Lusa Santos Ribeiro, pela Editora Cortez & Moraes (1978);

    x Fundamentos da educao: histria e filosofia da educao Gilberto Vieira Cotrim, Mrio Parisi, pela Editora Saraiva (1979);

    x A Histria da Educao atravs dos textos Maria da Glria Rosa, pela Editora Cultrix (1971);

    x Histria da Educao Moderna Frederik Eby, pela Editora Globo (1978);

    x Histria Geral da Pedagogia Francisco Larroyo, pela Editora Mestre Jou (1974);

    x Histria da Educao Roger Gal, pela Editora Nacional (1987);

    x Filosofia e Histria da Educao Claudino Piletti e Nelson Piletti, pela Editora tica (1985);

    x Estado e Educao na Histria Brasileira 1750 / 1922 Leonardo Trevisan, pela Editora Moraes (1987);

    x Viso panormica da Histria da Educao na Europa Irmo Pierri Zind, pela Editora do Centro de Estudos Maristas (1987);

    x Histria e Pensamento na Educao Brasileira Regis de Morais, pela Editora Papirus (1985);

    x Histria Esquemtica da Educao e das Universidades no Mundo David Carneiro, pela Editora UFPR (1984).

    A partir desse quadro, inobstante incompleto e provisrio, o intuito constatar o desenvolvimento do mercado editorial e do seu interesse por um produto cuja demanda era proporcionalmente crescente. Diferentes editoras e autores, a partir de diversificadas filiaes nos campos religioso, filosfico, sociolgico ou educacional, tornaram-se responsveis pela ampliao da produo e da circulao de manuais de Histria da Educao no nosso pas.

    Partilhando o empenho por esquadrinhar mecanismos, redes de sociabilidades, investimentos em tradues, criao de colees,

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    participao de determinados autores e campos, narrativas empregadas, entre outros aspectos articulados a esse movimento no campo, o estudo prope pensar mais detidamente acerca da nica edio de Histria da Educao, que, diferentemente do que aparece em algumas pesquisas, no se trata de um manual estrangeiro, mas de um livro escrito e publicado no pas, em lngua portuguesa, cujo autor, de nacionalidade estrangeira, tinha sido radicado no Brasil h 22 anos (desde 1965).

    Figura 1 Histria da Educao

    Fonte: O autor.

    Thomas Giles nasceu em 1937 e faleceu em 2009 em Nova Iorque nos Estados Unidos, onde provavelmente viveu at o final da dcada de 1990. Essas parcas informaes so os vestgios possveis de localizar at o momento, a partir de um cruzamento de dados disponibilizados em notas biogrficas que se repetem, em alguns de seus livros, e por sucessivos investimentos de pesquisas na internet.

    O que se sabe, a partir dos indcios dados a ver nesses materiais sinalizados, que sua filiao intelectual, pessoal e profissional se deu pela aproximao com o campo da filosofia e com a doutrina religiosa do catolicismo, tendo sido indicado, inclusive, como padre por uma das editoras pelas quais teve seus livros publicados. De seu nascimento sua morte, possvel saber apenas que Thomas Giles doutorou-se em Histria da Filosofia pela Universidade Catlica de Louvain em 1964.

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    H indcios de que, no Brasil, instalou-se em So Paulo onde ministrou aulas no Curso Superior de Filosofia do Mosteiro de So Bento e em [...] outras faculdades particulares, e na Universidade de So Paulo, (GILES, 1987, p. orelha) como informado por seu editor. No ano de 1999, quando j somava alguns livros publicados, fundou, com os demais membros, a Sociedade Brasileira de Fenomenologia cujos fins so [...] exclusivamente educacionais, culturais e cientficos1.

    O manual Histria da Educao foi publicado em 1987 pela Editora Pedaggica e Universitria (EPU)2, quando j havia escrito

    1 Disponvel em

    . Acesso em: 19 ago. 2014.

    2 Fundada em 1952, como Herder Editora e Livraria Ltda., importadora e distribuidora dos livros de Editorial Herder (Espanha) e Verlag Herder (Alemanha) no Brasil. Em 1973, a Herder transferiu sua participao para a Editora Klett (Alemanha). Com isso, a EPU iniciou uma nova fase de evoluo dinmica nas reas de Psicologia, Educao, Medicina, Enfermagem, Filosofia, Idiomas, sobretudo Portugus (do Brasil) como lngua estrangeira etc. Em 1983, a scia alem se retirou e todas as cotas foram adquiridas pelos scios Franziska Knapp e Wolfgang Knapp. A partir de 1983, a EPU publica quase exclusivamente autores brasileiros. A partir de 2011, a editora foi adquirida pelo grupo Gen (Grupo editorial Nacional). De acordo com o site da instituio, Com essa aquisio, o GEN [...] amplia seu catlogo com obras nas reas de idiomas, pedagogia, educao, filosofia, psicologia e publicaes de contedo profissionalizante de medicina, enfermagem e exatas. Conforme Mauro Koogan Lorch, presidente do GEN, a aquisio da EPU acontece em bom momento. Nosso interesse com a compra de uma editora tradicional como a EPU o seu catlogo abrangente, com obras voltadas para educao, idiomas e formao de profissionais, para suprir uma necessidade atual do mercado de trabalho. A aquisio beneficia diretamente aos leitores com mais contedo de qualidade, comenta Lorch. Para Wolfgang Knapp, scio fundador da EPU, o fator determinante para a venda da editora ao Grupo Editorial Nacional a nfase do grupo na busca pelo aprimoramento contnuo do negcio, incluindo novas formas de distribuio do contedo e a parceria com os autores. Nossa principal preocupao a continuidade do trabalho que fizemos em quase 60 anos de atuao, e ns encontramos o perfil que procurvamos no GEN, comenta Knapp. O objetivo do Grupo prover o mais completo contedo educacional para as reas cientfica, tcnica e profissional (CTP). Com sedes no Rio de Janeiro e em So Paulo, e representantes em todo Brasil, o GEN oferece um catlogo, agora com mais de 2.800 ttulos. Todas as citaes esto disponveis em: . Acesso em: 19 ago. 2014.

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    outros ttulos. Com essa empresa e seu proprietrio, Wolfgang Knapp alemo que residia no Brasil desde 1961 e adquiriu o empreendimento no qual j trabalhava como diretor em 1984 foi estabelecida parceria de alguns anos. Thomas Giles publicou mais de 10 livros:

    Figura 2 - Histria do existencialismo e da fenomenologia (EPU, 1975, e 2. edio, 1989).

    Fonte: O autor.

    Figura 3 - Introduo Filosofia (EPU, 1979).

    Fonte: O autor

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    O que filosofar? (EPU, 1984).

    Figura 4 - Estado, Poder, Ideologia (EPU, 1985).

    Fonte: O autor.

    Figura 5 - Filosofia da Educao - Coleo Temas Bsicos de Educao e Ensino (EPU, 1983 e 2. edio, 1987).

    Fonte: O autor.

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    Teologia em perspectiva (EPU, 1990).

    Dicionrio de Filosofia Termos e Filsofos (EPU, 1993).

    A filosofia: origem, significado e panorama histrico (EPU, 1995).

    A filosofia e as cincias exatas ou naturais (EPU, 1995).

    Figura 6 - Jerusalm e Atenas. Filosofia e Teologia (EPU, 2001).

    Fonte: Livraria Saraiva. Disponvel em: . Acesso em: 19 ago. 2014.

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    Figura 7 - Nietzsche no limiar do sculo XXI (EPU, 2003 e 2. edio, 2008).

    Fonte: Buscap. Disponivel em: . Acesso em: 19 ago. 2014. Somados a essas publicaes, h outros investimentos do autor

    com as editoras Santurio3 e Vozes4:

    3 De acordo com o site, a Editora foi criada em 1900 com "[...] objetivo

    pastoral claro: facilitar, por meio da imprensa, a evangelizao, principalmente dos mais pobres. Eles so a razo e a identificao de nossa existncia. O trabalho com os mais pobres algo muito querido para os redentoristas, herdeiros do carisma missionrio de Santo Afonso. A fundao da Editora Santurio liga-se ao Santurio de Nossa Senhora Aparecida, unindo a f do peregrino com um veculo de comunicao. A nasceu o Jornal Santurio de Aparecida, que em todo este tempo nunca deixou de ser impresso". As informaes esto disponveis em: http://www.a12.com/editora-santuario/institucional/detalhes/historia.Acesso em 11 de set. 2014.

    4 De acordo com o site, Empreendedora, comprometida com a cultura e a evangelizao. assim que se pode definir a empresa Editora Vozes Ltda. A partir de sua sede em Petrpolis, regio serrana do Estado do Rio de Janeiro, onde tambm se situa seu moderno parque grfico, seus livros e revistas chegam a todo o Brasil e a Portugal atravs de seus 13 centros de distribuio, de sua rede de livrarias e sua sucursal em Lisboa. O catlogo da Editora Vozes soma mais de 2 mil ttulos ativos, nmero este que acrescido a cada ms com uma mdia de 15 lanamentos. Ao longo dos anos, as linhas de publicao da Editora Vozes passaram a ser reconhecidas por sua seriedade e consistncia, consolidando assim uma liderana editorial em diversas reas do conhecimento

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    Rumos da pastoral vocacional (Editora Santurio, 1976).

    Coragem! O senhor te chama (Editora Santurio, 1978).

    Figura 8 - Hora santa vocacional. Senhor que queres que eu faa?(Editora Santurio, 1983).

    Fonte: Estante Virtual. Disponvel em: . Acesso em: 19 ago. 2014.

    Crtica fenomenolgica e experimental da psicologia experimental em M. Merleau-Ponty (Editora Vozes, 1979).

    como Pedagogia, Filosofia, Psicologia, Sociologia, Catequese, Ensino Religioso e outros Disponvel em: . Acesso em: 19 ago. 2014.

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    Considerando a leitura dos ttulos mencionados, o ano de publicao dos livros, as empresas mobilizadas nesse mercado editorial e os temas arrolados em cada obra, constata-se que Giles publicou obras de temas distintos, a partir de trs diferentes editoras e em pocas concomitantes. O conjunto de obras remete aos campos da filosofia, filosofia da educao, histria da educao, educao, doutrina crist e teologia. No coincidncia que as marcas da religiosidade e da filosofia apaream explicitamente nos vestgios (de parte de) sua formao em filosofia em uma instituio catlica, como foi possvel identificar.

    Thomas Ransom Giles comeou a sua trajetria de publicaes quando completou uma dcada, residindo no pas. Quais foram os vnculos, as experincias e os investimentos pessoais ou profissionais estabelecidos desde o ano de 1965, quando chegou ao pas? Como se deu o processo de concesso do visto de permanncia (cuja indicao de que tenha sido concedido no mesmo ano em que chega ao Brasil)? Por que retornou aos EUA? Seria interessante localizar mais informaes que pudessem esclarecer sua aproximao com grupos religiosos como Mosteiro de So Bento (SP), Editora Santurio, Editora Vozes, com o campo da filosofia da educao, com a Editora Pedaggica e Universitria com quem publicou grande parte de suas obras bem como seu interesse pela escrita de um manual de Histria da Educao.

    Atinente sua aproximao com o campo da educao pela filosofia e pela histria, a hiptese de que sua abordagem de Histria da Educao tenha sido desenvolvida a partir de suas experincias no magistrio (nas faculdades particulares de So Paulo, USP e Mosteiro de So Bento, como indicado) ou por orientao editorial. Alm do mais, sabido que a Histria da Educao no Brasil esteve fortemente marcada em sua emergncia como campo de conhecimento pela relao com a Filosofia e Sociologia da Educao, no sentido de esses ramos do saber comporem disciplinas escolares de fundamentos da educao nos cursos de formao de professores. Nesse sentido, era bastante comum acompanhar os conhecimentos dessa matria em circulao em manuais como relatos da histria das ideias pedaggica, narrativa dos grandes pensadores, da evoluo dos modelos pedaggicos no tempo.

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    Uma experincia particular de escrita

    [...] o processo educativo almeja integrar a pessoa [...] em determinado contexto e tradio sociocultural. Uma vez consolidado, o processo educativo visa transmisso desta tradio, pois esta que sustenta os valores em que a sociedade se apoia. Entretanto, Histria da Educao compete no somente o relato das diversas tradies educativas, mas, sobretudo, a tarefa de ajudar a formar uma viso crtica das mesmas (GILES, 1987, p. 1).

    Interessa analisar esta experincia particular de escrita, refletindo acerca dos dilogos estabelecidos por Thomas Giles nas 304 pginas do seu manual com a Histria da Educao. Em 22 captulos, ele pretendia realizar um estudo que sintetizasse as questes educacionais em alguns pases desde os tempos primitivos ao final da dcada de 1980, seu tempo atual. No que se refere ao emprego de recortes cronolgicos, sabido que essa operao sempre implica determinados efeitos. Pode-se tanto compreender que [...] voltar to longe no ceder miragem das origens indefinidamente reproduzidas da inovao, mas [...] apreciar melhor a significao, a amplitude e tambm os limites recolocando-a em um contexto que a viu nascer e que a tornou possvel [...], quanto entender que esse olhar panormico pode ceder a simplificaes (REVEL, 2010, p. 22).

    O fato que o autor de Histria da Educao procurou pensar, de forma conjunta, algumas tradies, modelos e ideias enquanto relatou experincias de escolarizao ou sistemas de ensino. Para Giles (1987, p. 1), a histria das ideias, das instituies e o processo educativo so inseparveis. Esse aspecto, que mais geral da sua narrativa, pode ser percebido pelo sumrio apresentado no livro (GILES, 1987), a saber:

    1. O homem primitivo e o processo educativo 2. O simbolismo: a expresso escrita e o processo

    educativo (1 subttulo) 3. A tradio da Grcia (6 subttulos) 4. A tradio de Roma: a formao do cidado (6

    subttulos) 5. A tradio hebraica (6 subttulos)

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    6. A tradio crist (9 subttulos) 7. A tradio feudal (12 subttulos) 8. A presena islmica e o processo educativo 9. A fundao das universidades (6 subttulos) 10. A tradio renascentista (11 subttulos) 11. A expanso do humanismo e o processo educativo (6

    subttulos) 12. O humanismo cristo e o processo educativo (12

    subttulos) 13. A tradio moderna (7 subttulos) 14. A caminho do Iluminismo: a extenso do processo

    educativo (8 subttulos) 15. O iluminismo (4 subttulos) 16. A poca das revolues e o processo educativo (4

    subttulos) 17. O incio dos sistemas nacionais (4 subttulos) 18. As reformas liberais e a reao conservadora (6

    subttulos) 19. As cincias exatas e o processo educativo (3 subttulos) 20. A aurora de uma poca no processo educativo (9

    subttulos) 21. O planejamento nacional e o processo educativo (4

    subttulos) 22. Quadros da Histria do processo educativo no Brasil (5

    subttulos)

    A partir desse quadro, crvel notar duas questes interessantes. O autor compreende as experincias educativas do homem como anteriores escrita e escola esta instituio moderna cujas caractersticas principais so as que conhecemos hoje: [...] a escola, no sentido formal, no existe [...] (GILES, 1987, p. 4). No obstante, reconhece que [...] o processo educativo torna-se preso palavra escrita [...] (GILES, 1987, p. 9). Nesse sentido, a Histria da Educao que prope erigir situa o olhar do leitor para os diferentes modos de educar no tempo sem imprimir uma ideia de escola, anacronicamente, poca estudada, embora classifique tal momento como primitivo (brbaro, incivilizado?). Ainda assim, nota-se seu interesse por explorar aspectos das experincias culturais e educacionais da sociedade oriental, quando d a ver suas consideraes acerca da tradio hebraica e da presena islmica.

    Para empreender a tarefa de inquirir acerca dos sistemas de ensino no mundo e em diferentes pocas, o autor dialogou com 55 ttulos que

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    figuram em sua bibliografia, brasileiros e estrangeiros, cujas obras foram publicadas entre os anos de 1912 (Maria Montessori) e 1978 (Valmir Chagas). Entre os 22 autores estrangeiros, a grande maioria de livros publicados nos EUA, com exceo de trs publicaes de Londres e uma francesa. Contando com um total de 13 obras brasileiras, a lista de autores convidados ao dilogo apresenta os seguintes nomes: Jayme Abreu, Fernando de Azevedo, Florestan Fernandes, Tito Livio Ferreira, Paulo Freire (citado tambm em Filosofia da Educao, 1983), Cruz Costa, Edgar Carone, Luiz Antnio R. da Cunha, Maria de Lourdes Mariotto Haidar, Otaza Romanelli, Jorge Nagle, Ruy Afonso da Costa Nunes.

    Os indicativos desvelados por suas referncias bibliogrficas, as quais aparecem, exclusivamente, na parte final do livro no tendo sido citadas ao longo do texto so evidncias de seu investimento na Historiografia da Educao, relativamente recente ao perodo de publicao do livro. H indicao de livros de Histria e manuais de Histria da Educao; com isso, ainda que sua formao estivesse ancorada no campo da filosofia, percebe-se que Thomas Giles investiu no levantamento (no possvel afirmar se na leitura tambm) das produes relacionadas ao projeto que, aparentemente, soa como desvio na comparao com os demais.

    Talvez essas referncias bibliogrficas indiquem o reconhecimento da autonomia entre tais disciplinas. certo que Filosofia da Educao e Histria da Educao mobilizam diferentes ferramentas ou instrumentos e evidenciam as complexidades do processo educativo no tempo e no espao com perspectivas particulares, embora dialoguem entre si.

    Em sua escrita, h uma prescrio acerca do que se compreende como funo da Histria da Educao cuja responsabilidade menos o [...] relato [...] das diversas tradies educativas que a elaborao de um processo de reflexo crtica das experincias de escolarizao (GILES, 1987, p. 1).

    De um modo geral, o dispositivo da escrita resulta em determinados efeitos, mediante as escolhas operadas. No seu desenvolvimento, especificamente, so erigidas representaes gerais acerca do processo educativo. Neste caso, interessa atentar ao que dado a ver na narrativa acerca do continente em que est inserido o prprio autor: Amrica. Quais so os aspectos postos em destaque, no que se refere s experincias educativas no Brasil e nos Estados Unidos? Que

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    compreenso forjada? Que comparao elaborada? Como a operao que desenvolve?

    Sabendo que [...] enquanto falam da histria esto sempre situados na histria [...] (CERTEAU, 2007, p. 32), o empenho ser no sentido de ver o que Thomas Giles apreende como Histria da Educao Norte-Americana e Brasileira, sendo ambos lugares de onde fala. Portanto, interroga-se a [...] representncia [...], ou [...] intencionalidade do discurso histrico [...] em Giles (RICOEUR, 2008, p. 2). Em se tratando de educao, os EUA assumem a dianteira

    Nos sintticos subcaptulos 17.3 Os Estados Unidos: a educao para o republicanismo (com 4 pginas) e 21.1 Os Estados Unidos e os pases da Europa do Norte (com 6 pginas), Thomas Giles emprega dados estatsticos, discorre acerca das questes de gnero, raciais e estabelece comparaes com outros pases (Inglaterra, Nova Zelndia, Irlanda, Canad, Frana, Alemanha, Blgica, ustria). Somada a essas operaes, destaca ainda diferentes foras que atuaram em prol da escolarizao no seu pas, mormente o papel desempenhado pelos religiosos, sobretudo catlicos neste caso, sua experincia de religiosidade catlica pode ter contribudo com essa forma particular de dar a ver a presena do elemento religioso nos EUA.

    Para ele, no incio do sculo XX, em termos estatsticos, os Estados Unidos assumem a dianteira como pas que [...] expande os horizontes do processo educativo [...] (GILES, 1987, p. 265):

    Em 1900, a porcentagem da populao escolarizada de 22% do total, ndice inaudito na poca. Tambm ao nvel secundrio e de faculdade essa porcentagem aumenta, subindo de menos de 5% da populao, em 1900, para 10% em 1920 e 42% em 1940 (GILES, 1987, p. 265).

    A razo de tal progresso diagnosticada como resultado das relaes imbricadas entre as esferas pblicas e privadas na promoo do ensino. Entretanto, a questo racial, alm de outros [...] argumentos elitistas [...], fizeram esbarrar a implementao de ideais educativos,

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    incluindo o cumprimento da legislao sobre a obrigatoriedade da escolarizao (GILES, 1987, p. 265).

    Giles apresenta ainda o projeto de escolarizao como algo derramado por toda a sociedade, tendo sido, inclusive, fomentado por iniciativas de grupos sociais, como os negros que criavam escolas primrias, secundrias e tambm faculdades. Na sua perspectiva, o sculo XX apresenta um quadro de estruturao quando, por exemplo, em 1917, instituiu-se o [...] Certificado Escolar [...] cuja finalidade era [...] uniformizar ainda mais o sistema (GILES, 1987, p. 267). Esse quadro de desenvolvimento, no entanto, no esconde o fato de que havia uma maioria dos filhos de operrios, ainda excludos da escolarizao formal. De um modo geral, suas consideraes apontam existir um princpio norteador da instruo oferecida populao: sua democratizao.

    A educao entre ns: Brasil No captulo exclusivo para as reflexes acerca das experincias

    brasileiras, o ltimo do seu livro, Giles dedicou 13 pginas; trata-se de 22. Quadros da Histria do processo educativo no Brasil. A partir dele, estabeleceu uma narrativa segmentada em cinco subitens.

    Para ele, [...] h fatores que condicionam o processo educativo [...] (GILES, 1987, p. 283) e, no caso brasileiro, os fatores so culturais, polticos e econmicos. Nas suas palavras, [...] (GILES, 1987, p. 283) a herana cultural lusa aparece como sinal de atraso, descolamento com a realidade local, sendo uma grande barreira extenso do territrio e, consequentemente, os conflitos constantes entre [...] poder local e poder central (GILES, 1987, p. 285).

    Em 22.1 poca colonial, imperial e o incio do perodo republicano, Giles discorre a respeito de mais de quatrocentos anos de histria em cinco pginas, afirmando a importncia do papel da Companhia de Jesus na constituio do sistema escolar brasileiro, enquanto enumera exemplos de colgios, seminrios e instituies criados e mantidos por esses religiosos.

    O papel do Estado assinalado como de grande importncia no momento em que obrigado a [...] assumir toda a responsabilidade pelo processo educativo [...] (GILES, 1987, p. 286), quando os Jesutas so expulsos. Para ele, o sculo XIX apresenta um quadro muito diferente

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    em termos polticos, culturais e econmicos, o que resulta na criao de instituies culturais e de ensino. No entanto, [...] o empenho do Imprio [...] se deu com medidas para desenvolver o ensino superior e no os outros nveis de ensino (GILES, 1987, p. 287).

    Tencionando refletir sobre 22.2 A poca moderna e novos rumos no processo educativo, Thomas Giles destaca [...] a urgncia de fundar uma nova ordem scio-poltica, o que exige um governo firme e nitidamente voltado para os interesses nacionais [...], e, em suas palavras, o [...] movimento de 1930 visa realizar este objetivo (GILES, 1987, p. 290). Neste caso, engana-se o leitor se pensou que estejam sendo retratadas as mobilizaes polticas, culturais e educativas da dcada de 1930, realizadas por alguns intelectuais, professores, polticos e artistas uns, conhecidos como Pioneiros da Educao; outros, annimos. Nas suas consideraes, foi a [...] Revoluo de 1930 [...] que criou [...] condies [...] de se expandir o ensino, para nele incluir uma parcela maior da populao (GILES, 1987, p. 290). Desse modo, a organizao poltica da poca, com suas caractersticas autoritrias ou ditatoriais, tornou-se um meio eficiente para levar o pas ao processo de expanso do ensino Toda a conjuntura scio-poltica permite a proclamao do Estado Novo, em 1937. Vargas j detm todos os poderes para realizar os objetivos idealizados, inclusive o projeto de industrializao do pas (GILES, 1987, p. 290).

    Entre os [...] novos rumos [...] desse momento nacional, figurava uma demanda popular crescente pela escolarizao formal e a necessidade de erradicar o analfabetismo projeto que aparece como [...] prioridade dos governos [...], embora o [...] desequilbrio regional [...] ainda seja uma marca da [...] evoluo do sistema educativo (GILES, 1987, p. 291). Da mesma forma, apontada a questo dos nveis de ensino e o fato de os mesmos serem atendidos de forma desigual em suas reivindicaes e penrias.

    Aqui o autor procura evidenciar o conjunto de foras atuando pela realizao desses novos rumos da modernidade brasileira. Giles reala o papel desempenhado pelo Estado, mas tambm por algumas instituies e movimentos, como o Manifesto dos Pioneiros da Educao Nacional, a Associao Brasileira de Educao, o Conselho Nacional de Educao.

    Com o subttulo 22.3 O Estado novo e as leis orgnicas do ensino, destaca algumas caractersticas das regulamentaes

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    implantadas no Brasil. Segue com 22.4 A Constituio de 1946 e tentativas de democratizao do processo educativo e 22.5 O processo educativo no Brasil a partir e depois de 1946, observando as novas orientaes dadas ao financiamento e organizao do ensino. Sua perspectiva aponta a relao educao/trabalho como a grande caracterstica das novas proposies pblicas para o ensino no Brasil. Assim, relata, por exemplo, aquilo que considera ser a [...] nova etapa na evoluo do processo educativo, concretizada pela criao do Servio Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) [...] (GILES, 1987, p. 295), bem como convnios entre a esfera pblica e instituies internacionais, como o firmado entre o MEC e a Agncia para o Desenvolvimento Internacional (Agency for International Development).

    Com base nessa leitura indiciria e provisria, as palavras de Paul Ricoeur tomam forma. A [...] representao enquanto narrao no se volta ingenuamente para as coisas ocorridas [...], mas [...] interpe sua complexidade e sua opacidade [...] [...] pulso referencial da narrativa histrica (RICOEUR, 2008, p. 4). Do lugar de onde fala, ou melhor, escreve, Thomas Giles padre, norte-americano de nascimento, radicado no Brasil nos anos de 1960, professor do ensino superior, com vnculos de formao e atuao nos campos da teologia, educao, filosofia produz uma Histria da Educao cuja proposta retratar [...] avanos e retrocessos (GILES, 1987, p. 301). A operao realizada a partir desses dois horizontes evidencia, no entanto, suas perspectivas particulares acerca de determinadas escalas evolutivas; afinal, para ele, o processo de escolarizao [...] cumulativo [...], e h civilizaes com [...] etapas dessa evoluo [...] j ultrapassadas (GILES, 1987, p. 301). Nesse sentido, diz que mister [...] encontrar os caminhos que melhor permitam ao educador aproveitar os acertos do passado [...] para ser possvel [...] evitar os descompassos que s a Histria pode nos ensinar (GILES, 1987, p. 2).

    Talvez por considerar que os EUA e alguns pases europeus se encontravam em etapas mais evoludas do processo educativo, Thomas Giles no mencionou as experincias desenvolvidas pelos demais pases do continente americano. Com uma exceo, no entanto. As exposies atinentes s experincias brasileiras no ensino ficaram direcionadas ao ltimo captulo (com pequenas referncias na introduo), partilhando espao com relatos sobre os pases mais adiantados.

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    De modo geral, o Brasil, para ele, apresenta uma histria ainda repleta de reparos a serem realizados, no que tange ao campo educativo. Ainda sem perder de vista essa observao, nota-se que, ao elaborar os instrumentos de comparao, so selecionados e dados a ver, na narrativa, alguns modelos ou referenciais tidos como comparveis, a saber: EUA, Frana, Inglaterra, Prssia, Alemanha.

    Consideraes finais

    Para o educador com senso histrico, o passado do processo educativo est presente no atual momento sob forma de pressupostos, de prticas, de atitudes e, invariavelmente, de preconceitos. Elimina-se, portanto, a ideia da Histria da Educao como simples leitura passiva do passado, ou como simples relato cronolgico do desenrolar da teoria e prticas educativas. A verdadeira Histria busca, investigao e procura sistemticas, com o intuito de tornar o presente mais inteligvel (GILES, 1987, p. 1).

    A funo da histria tornar o presente inteligvel? Fazer com que se compreenda a realidade a partir de determinados ngulos? Importa mesmo compreender o fosso, aquele que nunca ser ultrapassado, que [...] separa a realidade do discurso e que relega este ltimo futilidade (CERTEAU, 2007, p. 20).

    As palavras no so as coisas, o discurso no a realidade, a narrativa no uma verdade. Nesse caso, o que ento justifica o empreendimento deste estudo? Interessou mesmo dar a ver uma experincia de escrita voltada aos assuntos da historiografia da educao, com caractersticas particulares. O esforo contribui para compreender a constituio do campo, o envolvimento de diferentes sujeitos e instituies com a Histria da Educao. Afinal,

    A histria uma escrita de uma ponta a outra: dos arquivos, dos textos de historiadores, escritos, publicados, dados a ler [...] O livro de histria faz-se documento, aberto srie das reinscries que submetem o conhecimento histrico a um processo contnuo de reviso (RICOEUR, 2008, p. 1).

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    Nesse caso, devotar ateno a essa escrita reafirma mesmo a compreenso de que o conhecimento histrico est submetido a um processo saudvel e contnuo de reviso. O fato de a obra ter tido apenas uma nica edio pode ser um indcio desse processo e dos limites de sua circulao, leitura, apropriaes. Ao mesmo tempo, indcio do movimento de renovao da historiografia da educao cujas causas/efeitos resultaram na autonomia da disciplina em relao aos demais fundamentos da educao e na reflexo acerca dos limites das narrativas tradicionais, da proposio de novas abordagens, fontes, objetos, do desenvolvimento de novas pesquisas com a criao dos cursos de ps-graduao em Educao etc. Pode no ser apenas um detalhe que o nico investimento do autor na escrita da Histria da Educao tenha sido esta obra publicada no mesmo ano e pela mesma editora, em que foi reeditado outro livro seu, intitulado Filosofia da Educao (lanado, pela primeira vez, em 1983).

    No entanto, isso no suficiente para afirmar que esse autor no foi, ou no , referncia bibliogrfica utilizada pelos pesquisadores do campo. Pode-se afirmar apenas que ele figura com raridade no horizonte de interesses dos pesquisadores em Histria da Educao (alguns estudos apenas mencionam esse manual). Encarando esta interrogao como um problema, foi realizado um levantamento parcial no intuito de perceber os ecos das leituras e da circulao das obras desse autor, inobstante nosso interesse estar centrado exclusivamente na leitura do seu manual Histria da Educao. Nesse caso, o despretensioso levantamento identificou essa presena em algumas ementas dos cursos de pedagogia5,

    5 Algumas ementas consultadas indicaram a presena deste autor e suas obras,

    como o projeto Pedaggico do curso de pedagogia do Centro Universitrio Luterano de Palmas para o ano de 2011, consta como leitura complementar o livro de Thomas Ransom Giles, Filosofia da Educao, a Universidade Federal do Piau, no curso de licenciatura plena em Biologia, aparecem, entre as referncias bibliogrficas, os livros O que filosofar e Histria da Educao noano de 2012, na proposta curricular para o Curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Paiu em 2006, nos cursos de Histria da Educao e Histria da Educao Brasileira, no Curso de pedagogia da Faculdade de Cincias Humanas do Serto Central , na Ementa do Curso de Pedagogia para o ano de 2012 da Faculdade Jos Lacerda Filho de Cincias Aplicadas, no Curso de pedagogia do Centro Universitrio no Cerrado Patrocnio, no Curso de pedagogia da Universidade Estadual de Santa Cruz, na Bahia, no Curso de pedagogia da Universidade Estadual de Gois, no projeto poltico pedaggico da Unidade Universitria So Lus de Belos Montes, na Disciplina de Antropologia da

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    em acervos de bibliotecas do estado do Rio de Janeiro6 e em referncias bibliogrficas7.

    Sublinhar essa escrita como dispositivo, suas ferramentas, modos de operar e, ao mesmo tempo, alguns usos (ou desusos) que se fazem dela pode dar a ver disputas, conflitos e ambiguidades que caracterizam diferentes experincias e investimentos que pretendem fornecer inteligibilidade para as coisas do passado educacional no Brasil e no mundo.

    Supe-se ser intrigante o interesse pelas coisas do passado, j que as mesmas esto nesse lugar do no mais atualizvel, atingvel, modificvel. Qual racionalidade justifica que o historiador da educao pense, leia, analise, reflita uma experincia ultrapassada se seu efeito morto no tempo que a sepultou? O tempo: uma iluso que [...] fornece a moldura vazia de uma sucesso linear (CERTEAU, 2007, p. 23).

    As coisas do passado so abolidas, mas ningum pode fazer com que no tenham sido (RICOEUR, 2008, p. 9). Assim, [...] tornar o presente mais inteligvel, como apontou Thomas Ransom Giles (1987, p 1) , pode ser a resposta. Afinal, como compreender o que constitui este hoje, o funcionamento desta maquinaria complexa de interveno (autorizada e obrigatria) na vida, que a escola, sem dar conta de pensar o processo a partir da qual ela se constituiu, ela se tornou o que hoje e, ao mesmo tempo, o que no foi e poderia ter sido. No se pode

    Educao do Centro Universitrio da Fundao Instituto de Ensino para Osasco, na Universidade Cidade de So Paulo, no Curso de Mestrado em Educao, que cita o livro Introduo Filosofia.

    6 Acervo de algumas bibliotecas, como UERJ, Centro de Educao e Humanidades (manual de Histria da Educao e mais quatro livros), UFRRJ (aparecem somente os ttulos relacionados filosofia) e PUC-RJ (somente os ttulos relacionados filosofia) Disponvel em: . Acesso em: 10 jul. 2013.

    7 Dois artigos na Revista de Cincias da Educao, do Centro Universitrio Salesiano de So Paulo, que citam fenomenologia e filosofia (PAPP, 2003; CARVALHO, 2003); Artigo da Revista HISTEDBR On-line, que cita como referncia bibliogrfica o livro de histria (FERRONATO, 2007); Palestra de apresentao do Terceiro Encontro de Educao Crist promovido pela Secretaria Presbiteral de Educao Crist do Presbitrio de So Bernardo do Campo, que cita o livro Filosofia da Educao (COSTA, 2008); Trabalho do XI Encontro de iniciao docncia da Universidade Federal da Paraba (TOMAZ; TAVARES, 2007); Artigo da Revista Percursos Histricos On line (SOARES, 2011).

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    perder de vista que [...] uma narrativa no se parece com o acontecimento que ela narra (RICOEUR, 2008, p. 9).

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