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1
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIEcircNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM PSICOLOGIA
A EXPERIEcircNCIA DOS PROFISSIONAIS DE SAUacuteDE DA UTI NEONATAL Agrave LUZ
DA FENOMENOLOGIA HERMENEcircUTICA HEIDEGGERIANA
Lucila Moura Ramos Vasconcelos
Natal RN
2018
2
Lucila Moura Ramos Vasconcelos
A EXPERIEcircNCIA DOS PROFISSIONAIS DE SAUacuteDE DA UTI NEONATAL Agrave LUZ
DA FENOMENOLOGIA HERMENEcircUTICA HEIDEGGERIANA
Natal RN
2018
Tese elaborada sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Elza Dutra
e apresentado ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em
Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte como requisito parcial para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de
Doutora em Psicologia
3
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogaccedilatildeo de Publicaccedilatildeo na Fonte UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciecircncias Humanas Letras e Artes -
CCHLA
Vasconcelos Lucila Moura Ramos
A experiecircncia dos profissionais de sauacutede da uti neonatal agrave luz
da fenomenologia hermenecircutica Heideggeriana Lucila Moura Ramos
Vasconcelos - Natal 2018
160f il color
Tese (doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande do
Norte Centro de Ciecircncias Humanas Letras e Artes Programa de
Poacutes-Graduaccedilatildeo em Psicologia
Orientadora Profa Dra Elza Dutra
1 Pesquisa fenomenoloacutegica - Tese 2 Profissionais de sauacutede
- Tese 3 UTI Neonatal - Morte - Receacutem-nascido - Tese I
Dutra Elza II Tiacutetulo
RNUFBS-CCHLA CDU 1599
Elaborado por Heverton Thiago Luiz da Silva - CRB-15710
4
5
ldquo Eacute preciso amor
Pra poder pulsar
Eacute preciso paz pra poder sorrir
Eacute preciso a chuva para florir
Todo mundo ama um dia
Todo mundo chora
Um dia a gente chega
E no outro vai embora
Cada um de noacutes compotildee a sua histoacuteria
Cada ser em si
Carrega o dom de ser capaz
E ser felizrdquo
Almir Sater
6
AGRADECIMENTOS
A Deus pelo dom da vida pela infinita bondade e sabedoria
Aos meus pais Ricardo e Luacutecia meu eterno agradecimento por tudo o que sou Por serem o
meu porto seguro meus grandes professores exemplos de vida fontes de inspiraccedilatildeo Muito
obrigada pelas orientaccedilotildees pela escuta atenta pela ternura no olhar pelo amor incondicional
Aos meus irmatildeos Ricardo e Rafael meus mestres obrigada pelo incentivo exemplo forccedila
aprendizado e afeto
Ao meu esposo Rodrigo meu amor meu amigo meu parceiro Ao seu lado sinto-me mais
forte para alcanccedilar os nossos objetivos Obrigada pelo apoio pela compreensatildeo e incentivo
Ao meu lindo filho Felipe um receacutem-nascido que me inspirou a buscar novos projetos
iluminou a minha vida deu um novo sentido ao meu existir
A minha orientadora professora Elza Dutra por ter acreditado em mim desde o iniacutecio do
doutorado Obrigada pelas orientaccedilotildees pelo aprendizado sobre pesquisa Obrigada por ser tatildeo
inspiradora por iluminar o meu caminho e possibilitar o meu crescimento enquanto ser-no-
mundo
Aos professores e colegas do GESDH Grupo de Estudos Subjetividade e Desenvolvimento
Humano obrigada pela troca de informaccedilotildees pelas ideias compartilhadas e incentivo agrave
pesquisa
Agraves professoras Ana Karina Azevedo e Simone Tomaz Moreira pelas valiosas contribuiccedilotildees
para a minha tese
A Daphene Lucas Mariana e Carol pelo auxiacutelio nas transcriccedilotildees das entrevistas Foi muito
bom trabalhar com vocecircs
A todos os voluntaacuterios do estudo obrigada pela solicitude disponibilidade e interesse
Aos meus amigos muito obrigada pela compreensatildeo e incentivo O mundo eacute muito mais doce
e radiante com a presenccedila de vocecircs
A todas as pessoas que contribuiacuteram direta e indiretamente para que este sonho se tornasse
realidade
7
Sumaacuterio
Resumo 11
Introduccedilatildeo 13
Capiacutetulo I Os sentidos da morte ao longo da histoacuteria 31
Capiacutetulo II Contemplando alguns existenciais da fenomenologia
Heideggeriana
45
Capiacutetulo III O profissional de sauacutede 67
Capiacutetulo IV Meacutetodo A escolha do caminho 83
Capiacutetulo V As narrativas dos participantes os sentidos de ser profissional de
sauacutede em UTI Neonatal
95
Capiacutetulo VI Destecendo a trama da existecircncia reflexotildees a partir das
narrativas dos profissionais de sauacutede
139
Referecircncias 150
Anexos 157
8
Lista de Figuras
Figura Paacutegina
1 O Contexto de Atuaccedilatildeo Profissional de Sauacutede na UTI Neonatal 24
2 O Ciacuterculo Hermenecircutico 93
9
Lista de Tabelas
Tabela Paacutegina
1 Nuacutemero de oacutebitos notificados e investigados por tipo e ano de ocorrecircncia
na MEJC NatalRN
18
10
Lista de Siglas
ANVISA Agecircncia Nacional de Vigilecircncia Sanitaacuteria
BVS Biblioteca Virtual em Sauacutede
CAPES Coordenaccedilatildeo de Aperfeiccediloamento de Pessoal de Niacutevel Superior
EBSERRH Empresa Brasileira de Serviccedilos Hospitalares
HUOL Hospital Universitaacuterio Onofre Lopes
IMI Instituto Materno Infantil
MEJC Maternidade Escola Januaacuterio Cicco
UTI Unidade de Terapia Intensiva
UTIN Unidade de Terapia Intensiva Neonatal
11
Resumo
Desde a transferecircncia dos doentes para os hospitais foi delegado aos profissionais de sauacutede o
papel de promover o cuidado aos pacientes Nestes locais a morte eacute evitada podendo ser
justificada pela ocorrecircncia de falhas e erros E em Instituiccedilotildees de sauacutede especiacuteficas as
maternidades menos se fala na possibilidade da morte apesar da sua presenccedila em meio agrave vida
Com a evoluccedilatildeo da medicina e a consequente ampliaccedilatildeo das teacutecnicas e tipos de equipamentos
a serem utilizados as maternidades tornaram-se locais munidos de um aparato tecnoloacutegico
considerado necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo da vida concentrados em uma unidade de terapia
intensiva neonatal Em meio a este contexto os profissionais de sauacutede aleacutem de precisarem do
conhecimento teacutecnico e do entendimento e cumprimento dos protocolos de seguranccedila ainda
lidam com a anguacutestia e o abalo emocional ao vivenciarem situaccedilotildees de morte e perdas no
cotidiano de trabalho Diante do exposto o presente estudo tem como objetivo compreender a
experiecircncia de profissionais que atuam em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal A
Maternidade Escola Januaacuterio Cicco referecircncia no estado do Rio Grande do Norte para a
gestaccedilatildeo de alto risco foi escolhida como campo de estudo Como orientaccedilatildeo metodoloacutegica foi
utilizada a fenomenologia hermenecircutica heideggeriana e como possibilidade de escuta a
entrevista narrativa Foram realizadas 9 entrevistas com profissionais de sauacutede de diversas
formaccedilotildees (meacutedicos enfermeiros teacutecnicos de enfermagem psicoacutelogos fisioterapeutas
assistente social) A anaacutelise das narrativas foi feita tendo como inspiraccedilatildeo o ciacuterculo
hermenecircutico proposta por Martin Heidegger na Analiacutetica da Existecircncia As interpretaccedilotildees
mostraram os profissionais relatando sentimentos de frustraccedilatildeo impotecircncia culpa e tristeza
diante da morte de receacutem-nascidos Tambeacutem apontam as dificuldades existentes no cotidiano
de trabalho Verificou-se a necessidade de ampliar os projetos ainda incipientes de atenccedilatildeo
aos profissionais de sauacutede com a estruturaccedilatildeo de espaccedilos de plantatildeo psicoloacutegico e realizaccedilatildeo
de reuniotildees multidisciplinares de forma a promover uma maior integraccedilatildeo entre os diversos
profissionais O estudo tambeacutem traz reflexotildees para as instituiccedilotildees formadoras no sentido de
instituiacuterem ou ampliarem o espaccedilo na academia para abordar a temaacutetica da morte de
pacientes A importacircncia deste estudo estaacute justamente na compreensatildeo da experiecircncia dos
profissionais de sauacutede com o intuito de gerar contribuiccedilotildees para a comunidade acadecircmica a
instituiccedilatildeo hospitalar e consequentemente para a assistecircncia dos pacientes e de seus familiares
Palavras-chave Pesquisa fenomenoloacutegica profissionais de sauacutede UTI Neonatal morte
receacutem-nascido
12
Abstract
Since the transfer of patients to hospitals the role of promoting patient care has been delegated
to health professionals In these places death is avoided and can be justified by the occurrence
of failures and errors And in specific health institutions maternity hospitals the less is the
possibility of death despite their midlife presence With the evolution of medicine and the
consequent expansion of the techniques and types of equipment to be used maternities became
places equipped with a technological apparatus considered necessary for the maintenance of
life concentrated in a unit of neonatal intensiva therapy In this context health professionals
in addition to needing technical knowledge and understanding and compliance with safety
protocols still deal with distress and emotional shock experiencing death situations and losses
in their daily work In view of the above the present study aims to understand the experience
of professionals working in Neonatal Intensive Care Units The Maternidade Escola Januaacuterio
Cicco reference in the state of Rio Grande do Norte for high risk gestation was chosen as a
field of study As a methodological orientation was used the heideggerian hermeneutic
phenomenology and as a possibility of listening the narrative interview Nine interviews were
conducted with health professionals from different backgrounds (doctors nurses nursing
technicians psychologists physiotherapists social workers) The analysis of the narratives was
inspired by the hermeneutic circle proposed by Martin Heidegger in the Analytic of Existence
The interpretations showed the professionals reporting feelings of frustration impotence guilt
and sadness at the death of newborns They also point out the difficulties in daily work There
was a need to expand the still incipient projects of attention to health professionals with the
structuring of spaces for psychological counseling and the holding of multidisciplinary
meetings in order to promote greater integration among the different professionals The study
also brings reflections to the training institutions in order to institute or expand space in the
academy to address the issue of patient death The importance of this study is precisely in the
understanding of the experience of health professionals in order to generate contributions to
the academic community the hospital institution and consequently to the care of patients and
their families
Keywords Phenomenological research health professionals neonatal ICU death newborn
13
Introduccedilatildeo
O poema nos inspira a refletir sobre o que seria uma UTI Neonatal Porto seguro Local
assustador Matildeo renascedora Misto de amor e tecnologia Tantas possibilidades para um local
tatildeo peculiar onde nascimento e morte estatildeo presentes intensamente Onde a vida aparece em
uma fragilidade tamanha que assusta ao mesmo tempo que pode promover um encantamento
pela necessidade de zelo e carinho
A UTI Neonatal
Uma grande escola de valorizaccedilatildeo da vida
Por entre equipos e leitos e sensores
E monitores e bombas de infusatildeo
A tecnologia aliviando as dores
A esperanccedila alimentando o coraccedilatildeo
Por entre antibioacuteticos e perfusores
Coletas rastreando a infecccedilatildeo
Profissionais e procedimentos salvadores
Pais e bebecircs esperando a salvaccedilatildeo
A UTI Neonatal assustadora
Tentando ser a matildeo renascedora
Tentando ser o manto que alivia
A UTI Neonatal porto seguro
Oaacutesis da esperanccedila em um futuro
Misto de amor e tecnologia
Dr Luiz Alberto Mussa Tavares Poemas para Almas Apressadas 2017
14
Um local em que estatildeo presentes vidas que brotam como fraacutegeis sementes em terrenos
aacuteridos Vidas-sementes pelas quais alguns cuidadores como jardineiros dedicados se
desdobram se empenham para realizar os procedimentos necessaacuterios se envolvem com o seu
desenvolvimento ou finitude
Satildeo estes cuidadores que seratildeo contemplados no presente estudo Nosso convite eacute
justamente para olhar a realidade de uma UTI Neonatal sobre o prisma de quem estaacute laacute imerso
no cotidiano do trabalho marcado pelas aberturas e afetaccedilotildees
Diante da escuta destes profissionais apresentamos reflexotildees sobre as suas
experiecircncias contemplamos o ponto de vista dos trabalhadores que vivenciam grandes
dificuldades anguacutestias e acalentos que sofrem se encantam e se surpreendem
Estas reflexotildees sobre a realidade dos profissionais entretanto natildeo iniciaram com o
presente estudo Partiram da minha atuaccedilatildeo enquanto psicoacuteloga em instituiccedilotildees hospitalares
Ao acompanhar o trabalho dos profissionais de sauacutede pude observar o contexto da prestaccedilatildeo
de assistecircncia aos pacientes bem como a maneira como trabalhavam Aleacutem dos momentos em
que eu era solicitada pela equipe (meacutedicos enfermeiros nutricionistas) para dar assistecircncia
aos pacientes existiam outros nos quais quem me procurava eram os proacuteprios profissionais para
relatarem suas anguacutestias diante da morte de pacientes nas Unidades de Terapia Intensiva
inclusive na UTI Neonatal Como uma enfermeira que se angustiava profundamente diante da
morte de pacientes na UTI Um sofrimento refletido na sua proacutepria vida e na condiccedilatildeo de ser
um profissional da aacuterea de sauacutede
O limite entre a dedicaccedilatildeo na assistecircncia ao paciente e o envolvimento ao ponto de
adoecer eacute muito tecircnue E se apresenta como um desafio constante na atuaccedilatildeo dos profissionais
Faz parte da rotina lidar com o sofrimento dos pacientes e a dor da perda dos seus familiares
Por outro lado diante do sofrimento tambeacutem ocorria um certo distanciamento ou natildeo
envolvimento O atendimento era realizado de uma forma automaacutetica com o olhar voltado para
15
a presenccedila de sintomas para o controle da medicaccedilatildeo e para o funcionamento dos
equipamentos
A inspiraccedilatildeo para o presente estudo foi proveniente do desejo de contemplar a
experiecircncia dos profissionais de sauacutede que atuam na UTI Neonatal seu contexto de atuaccedilatildeo e
as dificuldades enfrentadas em um ambiente caracterizado pela presenccedila do risco de morte o
tempo inteiro A morte assume um destaque no estudo por fazer parte do cotidiano dos
profissionais em um local que existe em funccedilatildeo da busca pela cura e da tentativa de evitar a
morte
A morte eacute o tempo todo lembrada na UTI Neonatal como um fato que ocorre no dia a
dia de trabalho A partir desta constataccedilatildeo alguns questionamentos foram surgindo Em uma
sociedade que interdita a morte que valoriza a cura e a vida como eacute para o profissional de
sauacutede conviver com a lembranccedila desta possibilidade de finitude o tempo inteiro Em uma
sociedade que valoriza a juventude como eacute conviver com a morte de receacutem-nascidos Diante
da crenccedila desta sociedade de que os bebecircs teriam a vida inteira pela frente a morte destes
seres pareceria injusta ou mais difiacutecil de ser compreendida
Diante destes questionamentos iniciais e na busca por autores que refletissem pelas
temaacuteticas da morte das perdas do cuidado tive um ldquoencontrordquo com um filoacutesofo que
influenciou sobremaneira a minha forma de compreender o ser-no-mundo Martin Heidegger
A ontologia heideggeriana nos oferece a possibilidade de compreender o fenocircmeno a
experiecircncia do outro como algo que se desvela em um contexto especiacutefico Como aquilo que
se apresenta a partir da compreensatildeo e das afetaccedilotildees dos que estatildeo ali vivenciando o fenocircmeno
Ao escrever Ser e Tempo sua obra mais conhecida publicada em 1927 Heidegger
trouxe agrave luz a questatildeo do sentido do ser E junto com ela reflexotildees profundas sobre a existecircncia
Rompeu com a dicotomia entre homem e mundo ao afirmar que natildeo existe uma separaccedilatildeo entre
ambos uma vez que o homem eacute ser-no-mundo Eacute tambeacutem desde o seu nascimento um ser-
16
para-a-morte E a morte eacute a possibilidade mais proacutepria insuperaacutevel do homem enquanto
projeto
Mas ao se deparar com a possibilidade da morte o ser se angustia por se dar conta que
a finitude deixa todos os projetos inacabados torna todas as escolhas questionaacuteveis modifica
valores reprograma a vida Como nos inspira Feijoo (2000 p 90) ldquoNa anguacutestia frente agrave
constataccedilatildeo do ser-para-a-morte o ser-lanccedilado surge para a pre-senccedila de modo mais proacuteprio
Antecipando a morte como possibilidade insuperaacutevel e certa a pre-senccedila assume todas as suas
possibilidades inclusive a de existir na totalidade do seu poder-serrdquo
Diante da iminecircncia da proacutepria morte a vida pode ser revista E diante da morte do
outro Heidegger (1927 2015) afirma que natildeo temos acesso agrave experiecircncia vivida por quem
morre no maacuteximo estamos apenas junto Noacutes soacute poderemos saber o que eacute morrer quando
morremos Entretanto a morte do outro nos faz lembrar da possibilidade da nossa proacutepria
morte Algo que nos alerta em meio a um turbilhatildeo de atividades da vida cotidiana Como a luz
distante de um barco em meio agraves ondas agitadas do oceano
Para os profissionais de sauacutede que no cotidiano de trabalho lidam com a morte de
pacientes como eacute viver com a lembranccedila diaacuteria da possibilidade de morte Escolher trabalhar
com a assistecircncia em hospitais implica em assumir tambeacutem este desafio aleacutem de todas as outras
atribuiccedilotildees inerentes ao cargo que ocupa
A partir da reflexatildeo sobre a realidade dos profissionais de sauacutede alguns
questionamentos comeccedilaram a surgir Ao escolher esta carreira esta ocupaccedilatildeo o profissional
reflete sobre isso Se prepara para isso Podemos nos considerar preparados para lidar com a
morte Durante a atuaccedilatildeo profissional existe um suporte para lidar com tanto sofrimento
proveniente das perdas da vida De que lugar estamos falando
Vivemos em uma sociedade em um contexto histoacuterico especiacutefico Uma sociedade que
valoriza a juventude a teacutecnica a vida Que enaltece os aparatos tecnoloacutegicos o sucesso
17
profissional as agendas lotadas de atividades Uma sociedade que diz correr contra o tempo
como se isso fosse possiacutevel
Para a sociedade que interdita a finitude a possibilidade assustadora de parar a
produtividade e refletir sobre a conduccedilatildeo da vida resiste ainda mais agrave morte de crianccedilas e agrave
morte de bebecircs Entretanto enquanto existe o ser-no-mundo eacute ser-para-a-morte Desde a
primeira respiraccedilatildeo esta possibilidade estaacute posta na nossa existecircncia podendo ocorrer a
qualquer momento
Embora mesmo que da forma mais difiacutecil parecemos aceitar quando a morte eacute de um
idoso (que jaacute viveu muito cumpriu a sua missatildeo) Para uma crianccedila (com a vida toda pela
frente) a morte parece injusta e incomoda profundamente Ao longo deste trabalho veremos
que nem sempre a morte foi vista desta forma caracteriacutestica da sociedade ocidental
contemporacircnea Na Greacutecia Antiga existia ldquoprazordquo para o luto de crianccedilas Natildeo havia a
preocupaccedilatildeo com os iacutendices de mortalidade infantil como na atualidade
Aparentemente seria contraditoacuterio abordar a temaacutetica da morte em um ambiente
destinado agrave propagaccedilatildeo da vida Entretanto estudos demonstram que o Brasil ainda estaacute muito
longe de atingir iacutendices de mortalidade infantil considerados ldquoaceitaacuteveisrdquo O Brasil encontra-se
em 90ordm lugar entre 187 paiacuteses no ranking das Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) atraacutes de
paiacuteses como Cuba Chile Argentina China e Meacutexico E apresentando um iacutendice de 1988
mortes por mil nascimentos vivos O que demonstra que as estrateacutegias de combate agrave mortalidade
materno-infantil falharam em reduzir significantemente a mortalidade neonatal cujo
componente neonatal precoce (de 0 a 6 dias) sofreu menor reduccedilatildeo (Ministeacuterio da Sauacutede
2012 Maranhatildeo Vasconcelos Trindade et al 2012 Lansky Friche Silva et al 2014)
A morte de receacutem-nascidos tatildeo pouco divulgada ainda eacute mais constante do que supotildee
o senso comum A pesquisa Nascer no Brasil um estudo sobre a mortalidade neonatal no paiacutes
foi realizada no periacuteodo de fevereiro de 2011 a outubro de 2012 por meio de entrevistas e
18
avaliaccedilatildeo de prontuaacuterios de 23940 pueacuterperas Os resultados indicaram que os oacutebitos neonatais
se concentraram nas regiotildees Nordeste (383) e Sudeste (305) do Brasil e entre receacutem-
nascidos prematuros e com baixo peso ao nascer (817 e 82) O baixo peso ao nascer o
risco gestacional e condiccedilotildees do receacutem-nascido foram os principais fatores associados ao oacutebito
neonatal (Lansky Friche Silva et al 2014)
No Brasil 60 da mortalidade infantil ocorre no periacuteodo neonatal Cerca de 62 dos
oacutebitos de nascidos vivos com peso superior a 1500g ao nascer satildeo evitaacuteveis sendo as afecccedilotildees
perinatais o principal grupo de causas baacutesicas correspondendo a cerca de 60 das mortes
infantis e 80 das mortes neonatais (Ministeacuterio da Sauacutede 2012)
A mortalidade perinatal afeta desproporcionalmente diferentes classes socio-
econocircmicas e regiotildees brasileiras Populaccedilotildees vulneraacuteveis sobretudo as residentes nas regiotildees
Norte e Nordeste brasileiras registram piores condiccedilotildees sanitaacuterias e de acesso e uso de serviccedilos
de sauacutede consequentemente detecircm as mais elevadas taxas de mortalidade infantil do paiacutes
(Ministeacuterio da Sauacutede 2012)
Situada na regiatildeo Nordeste a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco eacute referecircncia no estado
do Rio Grande do Norte para assistecircncia agraves mulheres com HIV Preacute-Natal de alto risco
histeroscopia O Relatoacuterio de Vigilacircncia Epidemioloacutegica da Maternidade (2016) apresenta o
nuacutemero de oacutebitos no periacuteodo de 2010 a 2016 (sendo que os dados referentes ao ano de 2016
contemplam apenas os meses de janeiro a junho)
Tabela 1 ndash Nuacutemero de oacutebitos notificados e investigados por tipo e ano de ocorrecircncia na MEJC
NatalRN
19
Os dados demonstram a ocorrecircncia de mortes de receacutem-nascidos ao longo de todos os
meses do ano o que indica a existecircncia de um campo de pesquisa para a investigaccedilatildeo tanto das
causas das mortes das consequecircncias das mesmas para os profissionais de sauacutede assim como
da forma como os mesmos compreendem este fenocircmeno e lidam com a morte do receacutem-
nascido
Caracterizada por um aparato tecnoloacutegico pela normatizaccedilatildeo de procedimentos pelo
atendimento de receacutem-nascidos de alto risco a Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN)
eacute um ambiente onde vida e morte estatildeo presentes nos corpos tatildeo delicados dos bebecircs A morte
de um bebecirc se transforma no sentido de perda para os pais agraves vezes ateacute na sensaccedilatildeo de morte
em vida
Muitas vezes os profissionais que decidem atender em maternidades relatam que iratildeo
trabalhar com a vida Entretanto em meio a tantos nascimentos a morte tambeacutem estaacute presente
A sensaccedilatildeo de perigo iminente a tensatildeo oriunda do risco da perda satildeo constantes no cotidiano
da UTI Neonatal
Para os profissionais de sauacutede a morte eacute como a perda do controle da dor de se deparar
com a possibilidade de natildeo salvar a vida de falhar de natildeo conseguir Em uma sociedade
caracterizada pelo avanccedilo da medicina e pela busca incessante da cura a morte eacute indesejada E
quando ocorre traz consigo a lembranccedila dos limites do homem e da possibilidade de falhas
(Bernieri e Hirdes 2007)
Na sociedade contemporacircnea a morte eacute interditada Entretanto nem sempre foi
considerada desta forma ao longo da histoacuteria Como qualquer fenocircmeno da vida humana a
morte eacute contextualizada adquirindo sentido conforme o momento histoacuterico e social em que eacute
vivenciada (Ariegraves 2003)
20
O exemplo de uma realidade distinta que propotildee uma maneira diferente de falar sobre a
morte foi retratado no livro ldquoQual eacute a tua obrardquo de Maacuterio Sergio Cortella (2015) O autor relata
no livro que um general romano ao vencer uma batalha recebia a mais alta honraria ramos de
palmeiras em uma bandeja de prata (de onde se originou o termo salva de palmas
posteriormente imortalizado nos aplausos) Para tanto
A morte era lembrada em um momento de gloacuteria talvez no intuito de conter a vaidade
de rememorar o limite da existecircncia que por mais gloriosa que seja teraacute o mesmo fim das
demais ldquoLembra-te que eacutes mortalrdquo Que natildeo eacutes melhor que ningueacutem Que assim como tudo na
vida passa este momento de gloacuteria tambeacutem passaraacute E natildeo deveraacutes ser consumido pela vaidade
que tambeacutem se finda
Imagine se no dia a dia tiveacutessemos algueacutem nos lembrando da condiccedilatildeo de mortais
Como o grilo falante a voz da consciecircncia tambeacutem podendo ser denominada nestas ocasiotildees
de reflexatildeo sobre a finitude de anguacutestia Os profissionais de sauacutede se deparam com a
possibilidade de morte do outro no cotidiano de trabalho e isto pode levar a uma reflexatildeo sobre
a proacutepria finitude No caso da morte de bebecircs a ocorrecircncia destas mortes pode levar a uma
reflexatildeo sobre a possibilidade do falecimento do proacuteprio filho e da necessidade de rever
algumas escolhas em relaccedilatildeo ao uso do tempo livre com a crianccedila e a possibilidade de dedicar
mais atenccedilatildeo ao filho A lembranccedila da morte pode por assim dizer resignificar a vida
Como define Heidegger (1927 2015) o ser-aiacute eacute histoacuterico eacute um ser-no-mundo e o
mundo dita as regras para a existecircncia impotildee limites O mundo faz parte do ser-aiacute como este
() ldquoo general ia em direccedilatildeo ao senado e por lei um segundo escravo
acompanhava a biga a peacute Esse segundo escravo tinha uma obrigaccedilatildeo legal
a cada quinhentas jardas ele tinha que subir na biga e soprar no ouvido do
general a seguinte frase Lembra-te de que eacutes mortalrdquo (Cortella 2015 pp
139)
21
faz parte do mundo Ser e mundo satildeo portanto indissociaacuteveis se constituem e se transformam
conjuntamente
Diante desta perspectiva de mundo inspirada na fenomenologia heideggeriana ao
longo deste estudo temos como objetivo compreender a experiecircncia de profissionais que atuam
em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal Tendo em vista esta temaacutetica foi escolhida como
campo de estudo a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco (MEJC) referecircncia no estado do Rio
Grande do Norte para a gestaccedilatildeo de alto risco
A definiccedilatildeo do local para a realizaccedilatildeo da pesquisa foi resultado da minha visita aos
hospitais na capital do Estado do Rio Grande do Norte da conversa com alguns profissionais
de sauacutede e da identificaccedilatildeo de uma demanda de sofrimento e da necessidade de suporte relatada
pelos profissionais da Maternidade Escola Januaacuterio Cicco Por assim dizer abordaremos a
questatildeo da morte em um local dedicados agrave vida onde as dificuldades e desafios estatildeo presentes
cotidianamente
Dentre os desafios enfrentados pelos profissionais de sauacutede os paradoxos se
apresentam contidos nas orientaccedilotildees de conduta permanecer calmo em ambientes turbulentos
de urgecircncia ser aacutegil diante de procedimentos difiacuteceis e delicados para salvar uma vida
concentrar-se nos procedimentos mecacircnicos e na atenccedilatildeo a pacientes e familiares escolher entre
dar apoio aos que estatildeo proacuteximos agrave morte ou atender aos que exigem outros tipos de cuidados
Natildeo haacute tempo para tudo A rotina caracterizada por uma seacuterie de procedimentos sobrecarrega
o profissional e o obriga a fazer escolhas difiacuteceis de realizar Quando a morte chega traz junto
com ela o sentimento de impotecircncia o medo de falhar novamente a duacutevida do que fazer diante
deste fato e sobre o que falar para a famiacutelia (Gerow Conejo Alonzo 2009 Silva Valenccedila e
Germano 2010)
Diante da morte do receacutem-nascido alguns dilemas surgem na atuaccedilatildeo dos profissionais
de sauacutede como a dificuldade para dar a notiacutecia para os pais do bebecirc a natildeo aceitaccedilatildeo de que os
22
procedimentos realizados natildeo tiveram ecircxito e a dificuldade para decidir sobre a viabilidade do
tratamento Para uma vida tatildeo fraacutegil a possibilidade de qualquer erro gera a preocupaccedilatildeo com
a finitude de um ser Trata-se de uma linha muito tecircnue entre a vida e a morte que gera uma
tensatildeo rotineira nos trabalhadores da aacuterea de sauacutede (Silva 2007)
Estes paradoxos e dilemas estatildeo presentes na atuaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede do
mundo contemporacircneo Satildeo problemas contextualizados relativos a uma realidade voltada para
a busca da cura e para a interdiccedilatildeo da morte Heidegger (1927 2015) traz esta reflexatildeo ao falar
sobre o impessoal que dita as regras de conduta necessaacuterias para a sobrevivecircncia do homem no
mundo O impessoal fornece as diretrizes fundamentais para a vida em sociedade E o homem
vive mergulhado no impessoal nas vaacuterias atribuiccedilotildees que compotildeem a vida cotidiana
O impessoal delimita os espaccedilos e as regras de conduta que influenciam na conduccedilatildeo
da vida Como relata Casanova (2013)
Esta reflexatildeo proposta por Casanova serve para lembrarmos a pergunta De que lugar
estamos falando Na sociedade atual com o discurso da importacircncia do parto humanizado e
diante da preocupaccedilatildeo crescente com a queda na mortalidade infantil os protocolos de cuidados
para o nascimento dos bebecircs e com os receacutem-nascidos tornaram-se orientaccedilotildees para as praacuteticas
dos profissionais de sauacutede que atuam nas maternidades (Ministeacuterio da Sauacutede 2012)
ldquoQue tipo de espaccedilo nos espera ao nascermos que tipo de roupa seremos
imediatamente obrigados a usar ou a natildeo usar que cuidados ou ausecircncia de
cuidados vatildeo estar dedicados ao bebecirc e mesmo ao feto em seus primeiros
movimentos existenciais tudo isso depende sempre e necessariamente em que
mundo nascemos No mundo da ontologia da ciecircncia meacutedica com suas
preocupaccedilotildees sanitaristas incessantes eacute claro que uma crianccedila vai ser cercada na
primeira infacircncia por uma seacuterie de cuidados de higiene visando justamente a
proteger o seu estado de sauacutede pleno Em uma comunidade indiacutegena por outro
lado na qual o nascimento eacute marcado por elementos rituais muito peculiares eacute por
vezes o pai que faz o parto que corta o cordatildeo umbilical e que acompanha na oca
a relaccedilatildeo da matildee com a crianccedila ateacute o momento em que o cordatildeo cai
completamenterdquo (Casanova 2013 pp 38)
23
Estes procedimentos e protocolos fazem parte do mundo dos profissionais de sauacutede que
trabalham em UTI Neonatal Entretanto ao percorrer o hospital tambeacutem tive a oportunidade
de conversar com uma gestora que demostrou uma grande preocupaccedilatildeo com o natildeo
cumprimento por todos os profissionais de sauacutede dos protocolos de seguranccedila preconizados
pela Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria Uma preocupaccedilatildeo salutar uma vez que uma
das causas mais frequentes de morte de receacutem-nascidos satildeo as Infecccedilotildees Relacionadas agrave
Assistecircncia em Sauacutede (IRAS) (Ministeacuterio da Sauacutede 2012)
O contexto do trabalho em hospitais apresenta grandes desafios que envolvem os
cuidados e a busca da cura dos pacientes Particularmente em Unidades de Terapia Intensiva
Neonatal os cuidados satildeo intensificados em meio a um aparato de equipamentos e agrave fragilidade
da vida dos receacutem-nascidos
Diante do exposto pode-se analisar brevemente o contexto de atuaccedilatildeo do profissional
de sauacutede em UTIN de acordo com a figura apresentada a seguir A anaacutelise breve se daacute como
uma posiccedilatildeo preacutevia da situaccedilatildeo considerando o olhar de algueacutem que natildeo pertence a este
contexto que natildeo estaacute atuando enquanto profissional de sauacutede em UTIN mas que construiu
um conceito inicial antes de comeccedilar a fase de entrevistas
24
Figura 1- O Contexto de Atuaccedilatildeo Profissional de Sauacutede na UTI Neonatal
O profissional de sauacutede atuante em UTIN apresenta como desafios a necessidade
constante de conhecimento teacutecnico que precisa ser aperfeiccediloado ao longo do tempo ao mesmo
tempo em que tambeacutem precisa entender sobre o funcionamento dos equipamentos e se adequar
aos novos protocolos de seguranccedila que estatildeo sendo implantados na maternidade
Estes primeiros desafios compotildeem a parte teacutecnica e objetiva da atividade realizada que
por ser conduzida por pessoas pode apresentar alteraccedilotildees quanto ao cumprimento das
determinaccedilotildees do protocolo o que amplia o risco de ocorrecircncia de eventos adversos
Os demais fatores envolvem o atendimento aos receacutem-nascidos com alto risco de morte
e consequentemente o acompanhamento dos familiares Como prerrogativa da assistecircncia
humanizada as matildees participam ativamente do processo de assistecircncia ao receacutem-nascido
demandando informaccedilotildees e atenccedilatildeo dos profissionais de sauacutede (Ministeacuterio da Sauacutede 2004)
Neste contexto de atuaccedilatildeo caracterizado por desafios e dificuldades ocorrem eventos
adversos dentre estes a morte de receacutem-nascidos Segundo relatos de profissionais de sauacutede da
Profissional de Sauacutede
Teacutecnica
Protocolos de
seguranccedila
Matildees dos pacientes
Bebecircs em alto risco de morte
Equipamentos
25
maternidade os mesmos ainda participam do processo inicial de luto oferecendo suporte aos
pais
Como no caso contado por uma psicoacuteloga que prestou assistecircncia agrave famiacutelia enlutada
junto com a meacutedica Segundo o relato a matildee natildeo aceitava que o filho havia morrido Mesmo
quando o corpo da crianccedila foi entregue aos pais para despedida ela acreditava que o bebecirc estava
dormindo Os profissionais precisaram acompanhar o processo de luto ateacute a matildee compreender
que o bebecirc havia morrido diante da frase ldquoo coraccedilatildeo dele parourdquo Apoacutes o entendimento da matildee
os pais puderam iniciar o processo de despedida do bebecirc Algo que gerou muito sofrimento
para a famiacutelia e um grande desgaste emocional para os profissionais de sauacutede que ofereceram
o suporte aos pais
As informaccedilotildees apresentadas retratam a realidade de atuaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede
em meio a tantas exigecircncias e responsabilidades Trata-se de uma anaacutelise sobre o prisma de
quem apenas olha pelo lado de fora da janela Pela metodologia proposta neste estudo os
profissionais foram convidados a narrar uma histoacuteria de perda da morte de um receacutem-nascido
durante a sua atuaccedilatildeo na UTIN Por meio deste convite tivemos a oportunidade de compreender
o modo de atuaccedilatildeo de cada profissional os sentidos atribuiacutedos as suas vivecircncias e a forma como
enfrentaram a morte dos pacientes A forma como o profissional sente e vivencia as suas
experiecircncias interfere diretamente na prestaccedilatildeo da assistecircncia agrave sauacutede
Aleacutem desses fatores as pesquisas realizadas em banco de dados revelam a necessidade
de ampliar os estudos sobre a aacuterea utilizando a abordagem da fenomenologia como forma de
compreensatildeo da experiecircncia Por meio do portal da Capes a busca na base do Pubmed
utilizando os descritores ldquohealthcare professionalrdquo and ldquodeathrdquo and ldquonewbornrdquo revelaram a
existencia de 1257 publicaccedilotildees Entretanto ao adicionar o descritor ldquophenomenologyrdquo aos
demais foram localizados duas publicaccedilotildees ambas fazendo referecircncia apenas ao trabalho de
enfermeiros (Silva Valenccedila amp Germano 2010 Rubarth 2003) A busca com os descritores
26
ldquohealthcare professionalrdquo and ldquodeathrdquo and ldquonewbornrdquo na base da BVS psicologia natildeo localizou
nenhuma publicaccedilatildeo O mesmo ocorreu com o portal do scielo
Os artigos citados revelam que diante da morte de receacutem-nascidos enfermeiros e
teacutecnicos de enfermagem apresentam sentimentos de auto-reprovaccedilatildeo baixa auto-estima e
culpa A morte de bebecircs eacute vista como uma falha da equipe no processo de cura No espaccedilo em
que os profissionais de sauacutede trabalham muito tempo e esforccedilo eacute direcionado para teacutecnicas que
possam prolongar a vida Quando estas natildeo funcionam satildeo gerados sentimentos de impotecircncia
fracasso frustraccedilatildeo e incapacidade (Silva Valenccedila amp Germano 2010 Rubarth 2003)
Sentimos falta de mais estudos que buscassem compreender a experiecircncia da morte de
receacutem-nascidos em UTI Neonatal utilizando a fenomenologia hermenecircutica heideggeriana
como orientaccedilatildeo metodoloacutegica Tambeacutem sentimos falta de estudos que contemplassem os
profissionais que compotildeem a equipe de uma UTI Neonatal (meacutedicos enfermeiros teacutecnicos de
enfermagem fisioterapeutas psicoacutelogos) Encontramos estudos dedicados especificamente a
uma ou duas categorias de profissionais (meacutedicos e profissionais da aacuterea de enfermagem)
Como seria ouvir representantes das diversas formaccedilotildees que compotildeem a equipe multidiciplinar
da UTI Neonatal Este questionamento tambeacutem contribui para a decisatildeo de contemplar
profissionais com formaccedilotildees diversas mas que precisam trabalhar em conjunto para oferecer
assistecircncia aos pacientes e familiares A partir destes questionamentos foi escolhida uma
direccedilatildeo para um caminho que seraacute delimitado nos proacuteximos capiacutetulos
A importacircncia deste estudo estaacute justamente na compreensatildeo da experiecircncia dos
profissionais de sauacutede que atuam na UTI Neonatal no intuito de gerar contribuiccedilotildees para a
comunidade acadecircmica os profissionais de sauacutede a instituiccedilatildeo hospitalar e consequentemente
para a assistecircncia dos pacientes e de seus familiares
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A partir do exposto seratildeo contemplados os capiacutetulos da tese os quais foram organizados
da seguinte forma
- Capiacutetulo 1 Os sentidos da morte ao longo da histoacuteria
O capiacutetulo abordaraacute as diferentes concepccedilotildees de morte para sociedades em contextos
histoacutericos especiacuteficos No iniacutecio do capiacutetulo eacute apresentada a figura da obra de arte ldquoO gritordquo
Este quadro foi pintado pelo norueguecircs Edvard Munch em 1893 O quadro representa o
sentimento de anguacutestia do ser humano diante das perdas Considerei oportuno refletir sobre a
morte a partir de uma figura que demonstra o assombro de um ser diante da dor da perda do
desconhecido E a fragilidade humana em meio ao crepuacutesculo de um por-do-sol marcante
-Capiacutetulo 2 Contemplando alguns existenciais da fenomenologia Heideggeriana
Este capiacutetulo iraacute discorrer sobre alguns existenciais que compotildee a ontologia
Heideggeriana Dentre os existenciais mencionados seratildeo contemplados ser-no-mundo ser-
com cuidado ser-para-a-morte anguacutestia
No iniacutecio do capiacutetulo estaacute apresentada uma das obras de arte mais conhecidas de
Salvador Daliacute ldquoA Persistecircncia da Memoacuteriardquo datada de 1931 A obra nos faz refletir sobre o
nosso entendimento racional do mundo Na figura os reloacutegios estatildeo deformados dando a
impressatildeo da diluiccedilatildeo do tempo como algo natildeo fixo ou linear A escolha desta obra serve como
uma inspiraccedilatildeo inicial para as valiosas contribuiccedilotildees de Heidegger agrave compreensatildeo do ser e do
tempo
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-Capiacutetulo 3 O profissional de sauacutede
Neste capiacutetulo estatildeo contemplados aspectos referentes aos profissionais de sauacutede as
dificuldades enfrentadas o ambiente hospitalar o contexto da maternidade e em particular da
UTI Neonatal
O iniacutecio do capiacutetulo eacute ilustrado com uma parte dos afrescos da Capela Sistina a obra
intitulada ldquoA Criaccedilatildeo da Humanidade e sua quedardquo pintada por Michelangelo em 1512 A vida
eacute representada pelo toque de Deus na criaccedilatildeo no ser do homem A escolha desta obra reflete o
olhar para o modelo meacutedico a analogia com a figura de quem cuida da vida e busca evitar a
morte o profissional de sauacutede que tantas vezes estaacute com a vida do outro em suas matildeos Em
particular na UTI Neonatal onde os bebecircs satildeo tatildeo fraacutegeis agraves vezes ateacute do tamanho de duas
matildeos unidas onde nascimento e morte criaccedilatildeo e queda estatildeo bem proacuteximos
-Capiacutetulo 4 Meacutetodo A escolha do caminho
Este capiacutetulo eacute dedicado agrave fenomenologia enquanto meacutetodo escolhido para
compreender a experiecircncia dos profissionais A fenomenologia nos convida a ver aleacutem das
aparecircncias A olhar o sentido das experiecircncias dos profissionais a partir da narrativa dos
mesmos
Ao longo do texto o ciacuterculo hermenecircutico eacute posto em ecircnfase assim como os
procedimentos que seratildeo utilizados para as entrevistas abrangendo os criteacuterios de inclusatildeo e
exclusatildeo dos participantes
Para introduzir este capiacutetulo uma obra prima de Van Gogh de 1888 ldquoO pintor a
caminho do trabalhordquo Em um belo dia sob um sol escaldante o pintor caminha para o seu
trabalho carregando seus instrumentos No caminho descobrem-se as belas paisagens e um novo
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colorido De forma similar o pesquisador ao realizar o estudo busca compreender o fenocircmeno
ao mesmo tempo em que se transforma ao longo da caminhada
-Capiacutetulo 5 As narrativas dos participantes os sentidos de ser profissional de sauacutede em
UTI Neonatal
Este capiacutetulo eacute dedicado aos profissionais de sauacutede atuantes na UTI Neonatal da
Maternidade Escola Januaacuterio Cicco Durante o mesmo satildeo apresentados trechos das narrativas
dos participantes a partir das anaacutelises realizadas tendo como inspiraccedilatildeo a hermenecircutica
heideggeriana
No iniacutecio do capiacutetulo eacute apresentada a obra do pintor surrealista Vladimir Kush que
retrata a uacuteltima ceia representada por flores de diferentes espeacutecies reunidas em torno de uma
mesa e em meio a um cenaacuterio iluminado por um azul celeste A obra tambeacutem faz uma
homenagem agraves participantes do estudo que receberam nomes fictiacutecios de flores
-Capiacutetulo 6 Destecendo a trama da existecircncia reflexotildees a partir das narrativas dos
profissionais de sauacutede
Neste capiacutetulo o pesquisador apresenta algumas reflexotildees a partir das narrativas dos
participantes natildeo com o intuito de fazer um fechamento Mas de assumir a condiccedilatildeo daquele
que pergunta e tem consciecircncia de que a compreensatildeo do fenocircmeno parte do olhar de quem
interroga (Critelli 1996) As reflexotildees iniciais contempladas partem portanto do pesquisador
que realizou as entrevistas leu e releu as narrativas como tambeacutem as entrelinhas considerou o
que foi dito e o natildeo dito o que estava expliacutecito e o que estava aparentemente oculto mas que
assumiu um sentido para o observador
No iniacutecio do capiacutetulo estaacute representada a obra de Vladimir Kush que retrata uma mulher
borboleta dentro de um livro segurando um casulo como quem segura um bebecirc A homenagem
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estaacute portanto nas paacuteginas deste livro na contemplaccedilatildeo das narrativas das mulheres que cuidam
dos receacutem-nascidos e ao cuidar vatildeo se transformando
Ao final deste projeto de tese estatildeo apresentados os Termos de Consentimento Livre e
Esclarecido de Gravaccedilatildeo de Voz No mais a partir destas consideraccedilotildees contempladas na
introduccedilatildeo comeccedilaremos fazendo uma retrospectiva sobre os sentidos da morte ao longo da
histoacuteria ateacute a contemporaneidade
31
Capiacutetulo 1 Os sentidos da morte ao longo da histoacuteria
ldquoO Gritordquo Edvard Munch 1893
32
Capiacutetulo 1 Os sentidos da morte ao longo da histoacuteria
A morte tratada como o grande misteacuterio da humanidade sempre fez parte da vida seja
como algo inaceitaacutevel seja como algo naturalizado como o destino de todas as espeacutecies As
atitudes e crenccedilas sobre a morte estiveram presentes ao longo do tempo retratando o contexto
histoacuterico e social de cada eacutepoca
Partindo do pressuposto de que todo comportamento social eacute historicamente ancorado
iniciaremos um breve relato sobre as vivecircncias da morte em diferentes sociedades ao longo da
histoacuteria da humanidade Falaremos de atitudes dentro de um cenaacuterio que natildeo pode limitar-se a
ser o fundo de uma figura mas como parte desta lhe oferece o contorno necessaacuterio agrave existecircncia
Desde o periacuteodo preacute-histoacuterico o homem demonstrava preocupaccedilatildeo com a morte e com
o que existiria apoacutes a vida Uma demonstraccedilatildeo disto satildeo os achados arqueoloacutegicos nos tuacutemulos
dos neandertais datados de aproximadamente 150000 anos Dentro dos tuacutemulos foram
encontrados utensiacutelios domeacutesticos e comida proacuteximas ao corpo do morto Ancoradas nestes
rituais estava a crenccedila da necessidade de se prevenir para o poacutes-morte Neste periacuteodo foram
encontrados os primeiros indiacutecios de preocupaccedilatildeo com o destino dos corpos em locais
reservados como as cavidades de rochas nas quais os corpos eram colocados de coacutecoras e
cobertos por pedras (Despelder e Strickland 2001)
No periacuteodo Paleoliacutetico Superior (30000 a 8000 anos aC) os corpos eram encontrados
em posiccedilatildeo fetal ou de barriga para cima e havia uma maior a quantidade de alimentos e
ldquoEacute impossiacutevel conhecer o homem sem lhe estudar a
morte porque talvez mais do que na vida eacute na morte
que o homem se revela Eacute nas atitudes e crenccedilas perante
a morte que o homem exprime o que a vida tem mais de
fundamentalrdquo
(Edgar Morin 1997 p32)
33
utensiacutelios domeacutesticos mais elaborados que os do periacuteodo anterior Alguns corpos estavam
pintados de ocre vermelho e a posiccedilatildeo fetal indicava a busca do renascimento Para os povos
primitivos a morte anunciava um renascimento como um ciclo natural de metamorfose e de
transmutaccedilatildeo (Morin 1997 Santos 2009)
Na antiguidade os egiacutepcios tambeacutem criavam vaacuterios rituais fuacutenebres A construccedilatildeo das
tumbas e das piracircmides enquanto morada dos mortos revelavam a preocupaccedilatildeo com a vida
apoacutes a morte Os locais de sepultamento retratavam o estilo de vida da pessoa que havia
falecido e a grandiosidade dos tuacutemulos representava o seu status social Para compor o local
um aparato de objetos era enterrado junto com o morto inclusive animais mumificados como
gatos macacos e falcotildees aleacutem das estaacutetuas que ganhariam vida como servos Os ornamentos
tinham a finalidade de preservar a morada do indiviacuteduo de tal forma que quando acordasse se
sentisse em casa e natildeo voltasse para se vingar dos vivos (Santos 2009)
Outra crenccedila central da cultura egiacutepcia era a necessidade de preservar o corpo (ka) para
o retorno do espiacuterito (ba) em outros tempos Por isso a mumificaccedilatildeo era tatildeo valorizada ao
ponto de o corpo ficar 30 dias longe da famiacutelia e retornar como era em vida inclusive com a
conservaccedilatildeo de detalhes como ciacutelios e sobrancelhas A morte era difundida na sociedade
atraveacutes da mitologia Os registros das praacuteticas fuacutenebres estavam contidos no Livro dos Mortos
escritos que ensinavam sobre a forma de pensar e de se comportar em relaccedilatildeo agrave morte O Livro
dos Mortos orientava o pensamento de um povo servindo tambeacutem como um guia que orientava
o morto para as vaacuterias provas que deveria passar com o objetivo de se unir agrave divindade de Osiacuteris
Caso o indiviacuteduo falhasse ocorreria uma segunda morte entendida como o destino para o
eterno esquecimento Este era considerado como o pior dos castigos para um individuo ser
destinado ao esquecimento completo (Santos 2009)
Para os egiacutepcios a morte era uma puniccedilatildeo dos Deuses Enquanto puniccedilatildeo a ideia da
proacutepria morte trazia o temor do castigo do abandono e da rejeiccedilatildeo E a morte do outro gerava
34
o medo da retaliaccedilatildeo ou da perda Aleacutem do medo da morte enquanto castigo havia uma
preocupaccedilatildeo com o que viria depois diante da crenccedila de que o poacutes vida era caracterizado por
vaacuterios desafios a serem superados O primeiro dos desafios era o julgamento de Maat deusa da
justiccedila da verdade e da ordem Neste julgamento a deusa oferecia uma pena a ser colocada em
um dos lados da balanccedila o outro lado era destinado ao coraccedilatildeo do morto que deveria ser puro
e verdadeiro ao ponto de tornar-se mais leve que a pena Todos passariam por este julgamento
do escravo ao faraoacute Natildeo havia portanto uma distinccedilatildeo social entre vivos e mortos no que
concerne ao destino no poacutes- vida O livro dos Mortos era companhia certa em todos os tuacutemulos
Embora natildeo tivesse utilidade alguma caso o morto natildeo tivesse realizado boas accedilotildees em vida
De nada serviriam as orientaccedilotildees contidas no livro se o indiviacuteduo natildeo tivesse ldquocreacuteditordquo para
utilizaacute-las (Kastenbaum amp Aisenberg 1983)
A civilizaccedilatildeo egiacutepcia deixa como legado uma preocupaccedilatildeo com o poacutes-vida concretizada
em uma seacuterie de rituais voltados para trazer o conforto e aparente seguranccedila ao morto A
civilizaccedilatildeo mesopotacircmica (2000 ac) entretanto natildeo apresentava a mesma crenccedila em relaccedilatildeo a
morte Para os povos que habitaram a mesopotacircmia a existecircncia humana tinha a finalidade de
servir aos deuses A morte ocorreria para todos e natildeo havia uma possibilidade de salvaccedilatildeo
individual ou coletiva independentemente das accedilotildees praticadas em vida A imortalidade era um
atributo exclusivo dos deuses Natildeo havia a crenccedila na imortalidade mas existia o temor de que
os mortos poderiam perturbar os vivos Caberia agrave famiacutelia a organizaccedilatildeo dos rituais fuacutenebres e
em particular ao filho mais velho a realizaccedilatildeo de algumas atividades para acalmar o morto
como raspar o cabelo servir alimentos e bebidas e construir um altar para reverenciaacute-lo
(Santos 2009)
Os persas (por volta do seacuteculo VI ac) por sua vez defendiam que a morte poderia levar
agrave elevaccedilatildeo do espiacuterito Ao deixar este mundo o morto passava por uma ponte Se tivesse
praticado boas accedilotildees encontraria em bela moccedila que lhe conduziria ao paraiacuteso Caso contraacuterio
35
uma velha desfigurada lhe perseguiria ateacute que caiacutesse da ponte em direccedilatildeo ao inferno Para
aqueles que praticaram tanto boas quanto maacutes accedilotildees de forma que se igualassem em quantidade
e importacircncia o destino era o limbo um local em que natildeo sentiam nem alegrias nem tristezas
Mas para todos caberia o julgamento final (que deveria ocorrer aproximadamente em 6000
dc) momento em que todo segundo a crenccedila dos persas todo o mal desapareceraacute e os bons
receberatildeo corpos jovens e indestrutiacuteveis (Kastenbaum amp Aisenberg 1983)
Um aspecto importante a considerar na civilizaccedilatildeo egiacutepcia bem como em outras
sociedades primitivas como a dos malaios eacute o fato das praacuteticas fuacutenebres serem constituiacutedas e
desenvolvidas pela comunidade Natildeo havia uma ecircnfase nas reaccedilotildees individuais Existiam regras
que conduziam toda a sociedade a se comportar diante da ameaccedila da morte e que
posteriormente orientavam como minimizar os efeitos negativos que a morte causava no seio
da comunidade O indiviacuteduo fazia parte de algo maior a sociedade e a sua morte atingia este
coletivo Por isso as praacuteticas representavam a uniatildeo e o poder do grupo sobre a morte
(Kastenbaum amp Aisenberg 1983)
Este breve relato sobre a morte na Antiguidade natildeo poderia deixar de contemplar a
cultura grega Nesta sociedade havia uma preocupaccedilatildeo com a sauacutede puacuteblica Diante disso os
restos mortais de todos sem distinccedilatildeo social eram enterrados fora das cidades Entretanto o
local e o monumento que representava o morto era de acordo com o niacutevel socioeconocircmico
Outro aspecto relevante eacute que o luto era permitido de uma forma geral por um periacuteodo de um
ano Para as crianccedilas que falecessem com ateacute seis anos de idade entretanto o prazo destinado
ao luto era de apenas um mecircs A expressatildeo do luto que se estendesse aleacutem deste periacuteodo estava
sujeita agrave recriminaccedilatildeo social (Agraveries 2003 Santos 2009)
Para os antigos gregos o pensamento preponderante em relaccedilatildeo ao poacutes vida era o da
imortalidade da alma Um defensor desta ideia foi Soacutecrates A morte deste importante filoacutesofo
foi retratada no seacuteculo XVIII em um quadro intitulado ldquoA morte de Soacutecratesrdquo
36
A morte de Soacutecrates Autor Jacques-Louis David 1787
Platatildeo descreveu a morte de Soacutecrates em um dos seus diaacutelogos o Feacutedon relatando uma
das formas de compreensatildeo da morte pelos gregos antigos que a associava agrave imortalidade da
alma A morte era como uma passagem do mundo sensiacutevel para o mundo suprassensiacutevel E o
que os gregos chamavam de exercitamento para a morte era justamente a preparaccedilatildeo para este
momento de passagem com destino agrave imortalidade Uma preparaccedilatildeo vivenciada e relatada por
Soacutecrates nos momentos em que esperou pela morte na cadeia no periacuteodo entre o julgamento e
a ocasiatildeo da sua morte
Durante este periacuteodo Soacutecrates recebia os filoacutesofos e dialogava sobre as suas ideias
refletindo inclusive sobre o significado da morte e a condiccedilatildeo do ser humano De acordo com
o relato de Soacutecrates ldquoeacute melhor estar morto do que vivordquo Mas a condiccedilatildeo de morto eacute dada por
uma divindade Uma vez que ldquonoacutes homens nos encontramos em uma espeacutecie de caacutercere que
nos eacute vedado abrir para escaparrdquo Apenas aos deuses caberia a decisatildeo da hora da morte do
homem no caso de Soacutecrates a condenaccedilatildeo para beber cicuta deixava-o livre para seguir para
outro mundo (p5)
Diferentemente desta compreensatildeo sobre a morte outro caminho preconizado pelos
antigos gregos particularmente os estoicos e epicuristas defendia a naturalizaccedilatildeo da morte
37
enquanto um destino de todas as espeacutecies Como algo que desagrega o que foi agregado em
vida Vida e morte fariam parte assim de um ciclo que terminava com a morte natildeo existindo
a possibilidade de imortalidade da alma (Nunes 2012)
Concepccedilotildees tatildeo distintas inspiraram os antigos gregos a refletir sobre a morte e sobre a
forma de conduzir a vida Morte e vida estatildeo entrelaccedilados como fios de uma mesma manta O
sentido da morte interfere na existecircncia do ser neste mundo E em cada eacutepoca as crenccedilas que
a sociedade propagava sobre a morte influenciaram as pessoas na maneira de compreendecirc-la
e de vivenciaacute-la
Em uma sociedade com ideias distintas acerca da morte preconizava-se o mesmo fim
para os bebecircs que nascessem com alguma deficiecircncia Em Esparta natildeo soacute os bebecircs como
tambeacutem as pessoas que adquiriam alguma deficiecircncia eram lanccediladas ao mar ou em precipiacutecios
por natildeo serem consideradas uacuteteis para a sociedade De forma similar na Roma Antiga nobres
e plebeus tinham a permissatildeo para sacrificar os bebecircs que nascessem com algum tipo de
deficiecircncia Crianccedilas com ldquodefeitosrdquo natildeo eram bem vindas ao mundo deveriam ser mortas ou
abandonadas ao relento ateacute a morte (Santos 2009)
No iniacutecio da Idade Meacutedia (seacutec V ao seacutec XII) a morte estava presente no cotidiano e
era aceita socialmente como algo simples e familiar Vivos e mortos coexistiam de forma
natural Morrer era o destino de todas as espeacutecies Algo previsiacutevel tambeacutem para o ser humano
que natildeo temia a morte em si mas o fato de morrer sozinho A morte desejada era anunciada
Esperada no leito como uma cerimocircnia puacuteblica e organizada conduzida pelo proacuteprio enfermo
que se despedia realizando as suas uacuteltimas vontades e direcionando o ritual fuacutenebre de
preparaccedilatildeo para a morte Neste ritual estavam presentes muitas vezes natildeo soacute os familiares a
proacutepria comunidade participava e acessava livremente o quarto do morto inclusive as crianccedilas
tambeacutem presenciavam os momentos de despedida A morte era domada domesticada tatildeo
cotidiana quanto a vida (Ariegraves 2003)
38
Nesta sociedade as crianccedilas eram vistas como adultos em miniatura sem distinccedilatildeo
quanto agraves regras sociais ou mesmo a dedicaccedilatildeo de maiores cuidados com exceccedilatildeo dos bebecircs
conforme relata Ariegraves (1981) ldquo um sentimento superficial da crianccedila - a que chamei
paparicaccedilatildeo era reservado agrave criancinha em seus primeiros anos de vida enquanto ela ainda
era uma coisinha engraccediladinha As pessoas se divertiam com a crianccedila pequena como com um
animalzinho um macaquinho impudico Se ela morresse entatildeo como muitas vezes acontecia
alguns podiam ficar desolados mas a regra geral era natildeo fazer muito caso pois uma outra
crianccedila logo a substituiria A crianccedila natildeo chegava a sair de uma espeacutecie de anonimatordquo (p 4)
Em todo o ritual de despedida a crianccedila tinha o seu papel definido Os adultos
explicavam a situaccedilatildeo e a crianccedila participava de tudo do veloacuterio ao enterro Natildeo existia uma
distinccedilatildeo com os adultos para o enfrentamento da morte inclusive na vivecircncia do luto e na ida
regular ao cemiteacuterio A vivecircncia do luto tambeacutem era natural as pessoas poderiam expressar os
seus sentimentos e participar de todo o processo desde a despedida ao enfermo ateacute o
acompanhamento do cortejo fuacutenebre O receio que as pessoas tinham era da morte brusca
repentina sem despedida sem o cumprimento de todo o ritual fuacutenebre (Kovaacutecs 1992)
As proacuteprias condiccedilotildees da sociedade como um todo contribuiacuteam para esta morte
anunciada os avanccedilos da medicina ainda eram incipientes para boa parte das doenccedilas natildeo havia
cura restando agrave comunidade a aceitaccedilatildeo e previsatildeo de que a morte viria logo As condiccedilotildees
sanitaacuterias eram precaacuterias e natildeo havia uma preocupaccedilatildeo social em relaccedilatildeo a isto Vivos e mortos
coexistiam As pessoas entravam nos quartos dos enfermos as crianccedilas brincavam nos
cemiteacuterios locais tambeacutem utilizados como palcos para danccedilas e jogos (Ariegraves 2003)
Os doentes sabiam que iriam morrer e assim se preparavam para a chegada da morte
dentro do seio da famiacutelia A morte familiar foi tambeacutem denominada por Ariegraves (2003) de morte
domada E do ritual de despedida participavam todos da famiacutelia da comunidade inclusive as
crianccedilas Natildeo havia uma preocupaccedilatildeo em isolaacute-las deste acontecimento tido como natural
39
Apoacutes todas as despedidas a morte vinha como um sono profundo durante o qual as almas
aguardariam o retorno de Cristo para o momento da ressurreiccedilatildeo assegurada pela Igreja Desta
crenccedila na ressurreiccedilatildeo surgiu o costume de enterrar os corpos em cemiteacuterios proacuteximos agrave Igreja
cabendo aos mais ricos a construccedilatildeo de tuacutemulos dentro das capelas (Kastenbaum amp Aisenberg
1983 Ariegraves 2003)
Vale salientar que na Idade Meacutedia doenccedilas malignas assolaram a Europa em
particular a peste negra que dizimou mais de 13 da populaccedilatildeo A morte tornou-se natildeo soacute uma
triste realidade cotidiana como tambeacutem uma forma de puniccedilatildeo de Deus para os homens como
um castigo que atingia a todos Outro evento que contribui para associar a morte agrave puniccedilatildeo foi
a atuaccedilatildeo da Inquisiccedilatildeo que utilizava a tortura e a morte como instrumentos para controlar a
ordem preconizada pela Igreja (Santos 2009)
Na segunda metade da idade Meacutedia (seacutec XII ao seacutec XV) mudanccedilas sutis comeccedilaram
a acontecer que influenciaram de forma decisiva na maneira das pessoas lidarem com a morte
Com a ideia do Juiacutezo Final propagada pela Igreja o morto seria julgado pelas accedilotildees executadas
em vida Passou-se a ter uma preocupaccedilatildeo com a morte de si mesmo com a individualidade do
morto e com o que este havia feito em vida A culpa o pedido de perdatildeo predominava nos
momentos proacuteximos a morte E as cerimocircnias ganharam um caraacuteter dramaacutetico Os homens
buscavam garantias para chegarem ao paraiacuteso representadas pelos donativos pelas obras
realizadas durante a vida pela compra de reliacutequias consideradas sagradas pela Igreja (Ariegraves
2003 Kovaacutecs 1992)
A preocupaccedilatildeo com a proacutepria morte se amplia no periacuteodo do Romantismo para o temor
diante da morte do outro O sofrimento com a perda as lembranccedilas o culto aos cemiteacuterios se
tornaram preponderantes neste periacuteodo A morte remetia agrave ideia de ruptura da dor de perder o
ente querido Diante deste cenaacuterio a recordaccedilatildeo dava uma certa condiccedilatildeo de imortalidade ao
indiviacuteduo Os mortos passaram a ser valorizados tanto quanto os vivos pelo legado que
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deixariam tantas vezes representados na concretude das sepulturas individualizadas e
majestosas da aristocracia (Ariegraves 2003 Kovaacutecs 1992)
Esta preocupaccedilatildeo com a morte do outro vai tomando outras proporccedilotildees ao longo do
tempo ocupando lugar na forma como a morte era vivenciada Com o intuito de poupar o outro
que estaacute proacuteximo a morte passou-se a omitir o seu estado O moribundo que na Idade Meacutedia
conduzia os momentos de despedida se tornava alheio ao processo e passava a morrer sozinho
em um leito frio de hospital Da preocupaccedilatildeo com o morto o incocircmodo de falar sobre a morte
e expressar o sofrimento do luto estendeu-se para toda a sociedade Diante deste contexto
origina-se o que Ariegraves (2003) denomina de morte interditada
A forma como as crianccedilas vivenciavam a morte do outro tambeacutem foi se modificando
de acordo com as mudanccedilas sociais que ocorreram ao longo do tempo A partir do seacuteculo XVII
a escola passou a ocupar um lugar importante na sociedade substituindo o aprendizado
fornecido agraves crianccedilas pela imitaccedilatildeo dos adultos na execuccedilatildeo dos seus ofiacutecios A crianccedila foi
separada dos adultos e mantida em uma certa distacircncia antes de ser solta no mundo Iniciava-
se entatildeo um longo processo que perduraria ateacute os dias de hoje a escolarizaccedilatildeo Essa separaccedilatildeo
das crianccedilas denominada por Arieacutes (1981) de enclausuramento fez parte de um grande
movimento de moralizaccedilatildeo promovido pelos reformadores catoacutelicos ou protestantes ligados agraves
leis ou ao Estado
Entretanto este movimento natildeo teria sido possiacutevel sem a cumplicidade sentimental das
famiacutelias A famiacutelia tornou-se o lugar de uma afeiccedilatildeo necessaacuteria entre os cocircnjuges e entre pais e
filhos algo que ela natildeo era antes Segundo Ariegraves (1981) as famiacutelias eram unidas por laccedilos de
honra e lealdade natildeo havendo necessariamente afeiccedilatildeo entre seus membros mas sim uma
espeacutecie de sociabilidade Exemplo disto eacute um fenocircmeno muito importante que comeccedila a ser
mais conhecido a persistecircncia no fim do seacuteculo XVII do infanticiacutedio tolerado Natildeo se tratava
de uma praacutetica aceita era considerada um crime Entretanto era praticado em segredo
ldquoO fato de ajudar a natureza a fazer desaparecer criaturas tatildeo pouco dotadas
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camuflada sob a forma de um acidente as crianccedilas morriam asfixiadas naturalmente na cama
dos pais onde dormiam Natildeo se fazia nada para salvaacute-las
Com a importacircncia atribuiacuteda agrave educaccedilatildeo os pais passaram a se interessar pelos estudos
dos filhos e a acompanhar o seu desenvolvimento Esta praacutetica era vista como algo natural nos
seacuteculos XIX e XX mas anteriormente natildeo existia desta forma com tanto zelo preocupaccedilatildeo e
solicitude A famiacutelia comeccedilava a se organizar em torno da crianccedila e a lhe dar tanta importacircncia
que a crianccedila saiu de seu antigo anonimato tornando-se impossiacutevel perdecirc-la ou substituiacute-la sem
uma enorme dor Se por um lado natildeo poderia se tolerar a repeticcedilatildeo desta dor por outro tornou-
se necessaacuterio limitar o nuacutemero de crianccedilas para melhor cuidar da sua educaccedilatildeo Portanto essa
revoluccedilatildeo escolar e sentimental teve como consequecircncia com o passar do tempo uma reduccedilatildeo
voluntaacuteria da natalidade observaacutevel a partir do seacuteculo XVIII (Ariegraves 1981)
Das famiacutelias numerosas nas quais era comum a morte de filhos a sociedade foi
modificando-se para famiacutelias pequenas onde palavras como ldquoplanejamento familiarrdquo e
ldquoinvestimento na educaccedilatildeo dos filhosrdquo passaram a fazer parte do contexto de vida de pelo
menos uma parte da populaccedilatildeo O filho planejado e desejado vinha ao mundo como um ser que
jaacute tinha a missatildeo de realizar um projeto dos pais como uma fonte de investimento de amor de
cuidados e de realizaccedilatildeo A dor da perda destes filhos ganhou uma nova proporccedilatildeo para a
sociedade contemporacircnea
Estas mudanccedilas na vida das pessoas consequentemente nas vivecircncias da morte tambeacutem
faziam parte de um cenaacuterio caracterizado pelos avanccedilos da medicina e como isto pela natildeo
aceitaccedilatildeo da doenccedila como preluacutedio da morte Buscava-se a cura representada pelo retorno agrave
vida A partir da deacutecada de 1930 os doentes eram encaminhados para os hospitais locais
destinados aos cuidados dos enfermos No contexto hospitalar o cuidado com o contaacutegio
distanciava as pessoas proacuteximas Havia horaacuterios a cumprir aparelhos a programar e uma serie
de aparatos que foram se tornando cada vez mais complexos Aliada a esta complexidade
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crescia para os profissionais de sauacutede a responsabilidade de segurar a vida de controlar a
existecircncia Formava-se assim o cenaacuterio para a exclusatildeo social da morte (Santos 2009)
No hospital a morte tornou-se oculta Evita-se falar da morte para os pacientes bem
como para as crianccedilas com o intuito de poupaacute-las Mas a crianccedila pode perceber que algo natildeo
estaacute bem Entatildeo as justificativas dos adultos satildeo permeadas por histoacuterias como os antigos
contos que escondiam aspectos referentes agrave sexualidade Assim como os bebecircs vecircm ao mundo
trazidos pelas cegonhas o avocirc foi dormir o pai viajouEnfim satildeo contadas histoacuterias inspiradas
no conceito de uma morte interditada Por vezes estas histoacuterias levam a outros
comportamentos como o medo de dormir e natildeo mais acordar gerando temores nas crianccedilas
(Pinto amp Veiga 2005)
A contemporaneidade constituiu-se no mundo trazendo outras mensagens sobre a vida
e assumindo como caracteriacutesticas a exacerbaccedilatildeo do individualismo a busca incessante do
prazer e da felicidade e consequentemente a necessidade de evitar o que atrapalhasse esta
busca A morte o luto a tristeza a anguacutestia satildeo todos fatores que natildeo contribuem para o
sucesso a juventude e o controle emocional
Antes de abordarmos a vivecircncia da morte na sociedade atual consideramos importante
refletir sobre alguns aspectos apresentados por Kastenbaum e Aisenberg (1983) como
ldquocondiccedilotildees que contribuiacuteram significativamente para o contexto de vida do qual emergiram as
interpretaccedilotildees sobre a morterdquo a expectativa de vida a presenccedila da morte o senso de possuir
reduzido controle sobre a natureza e o status do indiviacuteduo (p150)
Em sociedades onde a guerra a peste outras doenccedilas contagiosas ou natildeo eram
frequentes natildeo se esperava vida longa No decorrer da histoacuteria da humanidade a expectativa
de vida do homem era curta tantas vezes natildeo chegava aos trinta anos Com a precarizaccedilatildeo das
condiccedilotildees de sauacutede muitas mulheres morriam no parto e as crianccedilas nasciam mortas ou
faleciam muito cedo Para as que sobreviviam cabia a luta pela vida sem espaccedilo distinto para
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a vivecircncia de uma infacircncia O mundo dos adultos era tambeacutem o seu mundo Tanto que a hora
da morte era assistida por todos natildeo existia um isolamento no momento do desenlace Em meio
a tantas fraquezas perante agraves doenccedilas restava ao homem o senso de possuir reduzido controle
sobre as forccedilas da natureza inclusive sobre a sua proacutepria vida
Somadas a estas circunstacircncias outra caracteriacutestica relevante a ser mencionada eacute o status
social do indiviacuteduo Que nas civilizaccedilotildees antigas existia para a manutenccedilatildeo da sociedade para
o bem de algo maior natildeo servindo essencialmente ao benefiacutecio do indiviacuteduo isolado em
detrimento do grupo social
Estes fatores foram elencados por Kastenbaum e Aisenberg (1983) como significativos
para as interpretaccedilotildees sobre a morte existentes nas sociedades ao longo da histoacuteria Analisando
os mesmos fatores na eacutepoca atual diante de mudanccedilas tatildeo profundas no decorrer do tempo nos
deparamos com uma sociedade que apresenta um grande desenvolvimento tecnoloacutegico e da
medicina conseguiu com isto a ampliaccedilatildeo da expectativa de vida e a propagaccedilatildeo de valores
de sucesso e juventude ao mesmo tempo em que favorece o individualismo e interdita a morte
a um espaccedilo tatildeo reduzido quanto o esquecimento relegado ao fracasso e a frustraccedilatildeo
Vivemos em uma sociedade paradoxal que exige velocidade e calma ao mesmo tempo
que dita normas as quais geram ansiedade e para evitaacute-la divulga foacutermulas e medicamentos
Existem soluccedilotildees para o ldquobem viverrdquo segundo os bons costumes soluccedilotildees que aprisionam os
que se adequam e excluem os que natildeo conseguem caminhar como os demais A sociedade do
consumo e da busca de soluccedilotildees imediatas para o alcance do prazer
Uma sociedade que valoriza os avanccedilos tecnoloacutegicos e a juventude E estes avanccedilos
geraram uma noccedilatildeo de controle sobre a vida desde o seu iniacutecio durante o seu curso e na
necessidade de prolongamento do tempo neste mundo Em periacuteodos anteriores a morte
predominava em todos os periacuteodos a gravidez tantas vezes era um risco para a mulher bem
como a morte de receacutem-nascidos vista com naturalidade pela comunidade Na sociedade atual
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ldquoa morte conserva-se a uma distacircncia reconfortante ou uma boa distacircncia dos jovens e dos
adultos de meia idade Quem morre Os velhos (noacutes natildeo) A crescente associaccedilatildeo estatiacutestica
entre mortalidade e idade avanccedilada imediata e perpeacutetua para um prospecto distante remotordquo
(Kastenbaum e Aisenberg 1983 p 166)
Por isso a morte de jovens na contemporaneidade pode comover ao remeter agrave ideia
de uma vida interrompida antes mesmo de concretizar os objetivos propostos antes de dar
retorno agrave sociedade A morte eacute destinada aos que se tornaram obsoletos natildeo satildeo mais
produtivos E mesmo assim ela eacute evitada interditada pouco presente nas conversas cotidianas
A morte passa a ter uma participaccedilatildeo perifeacuterica na vida das pessoas quando na realidade eacute
uma condiccedilatildeo inerente ao ser-no-mundo
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Capiacutetulo 2 ndash Contemplando alguns existenciais da fenomenologia Heideggeriana
ldquoA Persistecircncia da Memoacuteriardquo Salvador Daliacute 1931
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Capiacutetulo 2 ndash Contemplando alguns existenciais da fenomenologia Heideggeriana
ldquoA morte chega cedordquo afinal que seguranccedila me traz o desconhecido O caminho que
natildeo percorri O abandono do ente querido Enquanto certeza incerta a morte assusta pela
imprecisatildeo possiacutevel pela hora natildeo marcada pelo temor escondido de quem vive na sociedade
que cultua o controle da vida do iniacutecio ao fim A morte que chega para o outro natildeo pertence
a mim mas me consome e leva consigo uma parte do que valorizo algo precioso que perdi
ldquoO amor foi comeccedilado o ideal natildeo acabourdquo A morte interrompe o que foi iniciado ao
mesmo tempo que gera o sentimento de perda do que foi e do que poderia ter sido Sofremos
pelo que perdemos e pelo que gostariacuteamos de ter realizado A morte do outro nos remete a todos
esses sentimentos de incompletude de inseguranccedila agraves vezes de arrependimento e tantas outras
a uma reflexatildeo sobre a proacutepria vida seus medos e seus alcances
A morte chega cedo pois chega sem avisar Como a visita que abre a porta sem bater
entra sem cerimocircnia leva o que lhe cabe e deixa quem fica a chorar Hoje um choro mais
contido um ritual mais reservado um luto mal vivido mas natildeo menos sofrido Apenas
controlado em meio a um cenaacuterio que prima pelo esquecimento da morte em detrimento da
valorizaccedilatildeo da vida e da juventude
O poema de Fernando Pessoa foi escolhido para iniciar este capiacutetulo por retratar da
forma mais bela que a poesia permite reflexotildees fundamentais sobre a morte e a vida que me
A Morte Chega Cedo
A morte chega cedo pois breve eacute toda vida
O instante eacute o arremedo de uma coisa perdida
O amor foi comeccedilado o ideal natildeo acabou
E quem tenha alcanccedilado natildeo sabe o que alcanccedilou
E tudo isto a morte risca por natildeo estar certo
No caderno da sorte que Deus deixou aberto
Fernando Pessoa in Cancioneiro
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remetem aos existenciais difundidos por Heidegger (19272015) e que inspiraram o presente
estudo
Para o entendimento do ser Heidegger (19272015) apresenta conceitos importantes
definidos como existenciais Antes de abordarmos alguns existenciais (inerentes agrave condiccedilatildeo
humana) partiremos de conceitos iniciais desenvolvidos pelo referido autor
Em sua principal obra publicada em 1927 Ser e Tempo Heidegger realiza um
questionamento fundamental inclusive para o modo de pensar preponderante do positivismo e
da metafiacutesica Ele natildeo pergunta o que eacute o ser Esta pergunta requer uma resposta traduzida
como uma definiccedilatildeo Desta forma poderia apresentar inuacutemeras respostas tais como o homem
eacute um animal racional o homem eacute um ser divino Enfim respostas provenientes dos mais
diversos interesses sejam estes filosoacuteficos cientiacuteficos religiosos
A pergunta fundamental de Ser e Tempo que origina todas as outras e ainda permanece
inacabada eacute Qual o sentido do ser Esta eacute uma pergunta que gera por si soacute inquietude Imagine
questionar para uma pessoa quem eacute vocecirc A resposta pode se definir da forma mais simples
ou da maneira mais prolixa mas existe uma resposta ldquoSou psicoacuteloga sou brasileira Sou filha
derdquoAgora questione a pessoa ldquoqual o sentido do serrdquo A resposta ganha outra complexidade
e uma reflexatildeo bem mais profunda
E o que se configura como sentido Sentido eacute o que nos move eacute o que Critelli (1996)
define como um destinar-se da existecircncia O sentido daacute a direccedilatildeo da nossa vida afeta as nossas
escolhas O homem natildeo possui determinaccedilotildees essenciais Sendo indeterminado a existecircncia
acontece como sentido O sentido tem a ver com o para que e tambeacutem com o ainda natildeo
Ao refletir sobre o sentido do ser Heidegger (19272015) considera que a palavra
sentido pode apresentar duas interpretaccedilotildees a primeira refere-se agrave significaccedilatildeo ou seja que
todo gesto humano eacute significado e a segunda contempla a direccedilatildeo perpassando a ideia segundo
a qual quem sou estaacute vinculado ao que eu posso ser O sentido me fornece a direccedilatildeo um
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caminho a ser seguido E tudo o que faccedilo estaacute vinculado com algo que ainda natildeo sou Sentido
eacute portanto direccedilatildeo e significado Eacute como me encontro no mundo hoje projetado para como eu
quero me encontrar no futuro A vida tem sentido quando compreendo o seu significado e
encontro atraveacutes deste o direcionamento para seguir em frente
Tambeacutem eacute importante a distinccedilatildeo entre o que Heidegger (19272015) denomina de
ocircntico do que ele define como ontoloacutegico O ocircntico estaacute dado no mundo eacute referente ao ente
(objetos inanimados plantas animais que servem ao homem enquanto instrumentos ou tem
algum tipo de utilidade como tambeacutem o proacuteprio homem eacute tambeacutem um ente) O ontoloacutegico eacute
relativo ao ser remete aos aspectos constituintes do ser como por exemplo os que satildeo
denominados por Heidegger de existenciais (o cuidado a linguagem)
Outro aspecto que merece relevacircncia na ontologia heideggeriana eacute a utilizaccedilatildeo dos
hiacutefens com o intuito de unir palavras para assumirem um novo sugnificado Heidegger tinha o
objetivo de desvincular o significado das palavras do senso comum e atribuir uma nova forma
de compreensatildeo das mesmas Ser no mundo pode ser entendido como um ser que estaacute no
mundo ou dentro do mundo ser-no-mundo por sua vez revela uma ligaccedilatildeo indissociaacutevel uma
relaccedilatildeo diferente de estar contido no outro mas como unidade separada passando a significar
natildeo ser compreendido sem o outro de maneira isolada
A partir do ser-no-mundo abordaremos de forma breve alguns existenciais o ser-com
o cuidado o ser-para-a-morte a anguacutestia Estes existenciais foram escolhidos pela inspiraccedilatildeo
que trazem agrave temaacutetica do presente estudo Os profissionais de sauacutede rementem agrave ideia do
cuidado em relaccedilatildeo aos pacientes satildeo por vezes considerados profissionais do cuidado Vivem
cotidianamente presenciado a morte dos outros e tambeacutem se angustiam diante da realidade que
Vale sublinhar que para Heidegger haacute duas regiotildees distintas de entes [i] o
ente intramundano (o simplesmente dado) que tem como caraacuteter ontoloacutegico
as categorias (ldquodeixar e fazer todos verem o ente em seu serrdquo12) [ii] E o ente
ser-no-mundo (a presenccedila) que tem como caraacuteter ontoloacutegico os existenciais
Na primeira regiatildeo temos o ponto de vista naturalista dos entes e na segunda
o ponto de vista existencial (Ferreira 2010 p 112)
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vivenciam Uma realidade marcada pela relaccedilatildeo com tantos outros os bebecircs os familiares dos
pacientes os colegas de trabalho Enfim os outros que fazem parte do cotidiano destes
profissionais de sauacutede Ao longo do texto os existenciais propostos por Heidegger (1927 2015)
seratildeo apresentados em itaacutelico com o intuito de enfatizar estas palavras que ao se unirem
ganham outro sentido
O ser-aiacute como bem expressa o termo eacute um ser que existe no mundo O que natildeo significa
que o ser estaacute inserido no mundo ou dentro do mundo Ele existe no mundo em uma relaccedilatildeo
de co-pertencimento O termo ldquoaiacuterdquo natildeo se refere a um lugar especiacutefico e sim a uma abertura
ao entendimento do homem enquanto ser-para-fora Esta definiccedilatildeo por si soacute jaacute diz muita coisa
Primeiramente desconstroacutei a concepccedilatildeo do senso comum de que o ser aparece no mundo e
depois o mundo surge para o ser A dicotomia homemmundo se esvai assim como a noccedilatildeo do
cogito com a ceacutelebre frase ldquopenso logo existordquo se perde Porque primeiramente o ser existe
eacute pre-senccedila antes ateacute de se definir enquanto um ser pensante
Em segundo lugar por estar-no-mundo lanccedilado no mundo o ser-aiacute estaacute aberto ao
mundo e agraves possibilidades apresentadas no mesmo em um contexto histoacuterico especiacutefico no qual
estaacute imerso O ser existe aiacute eacute pre-senccedila no mundo em uma relaccedilatildeo de co-pertencimento Por
assim dizer ele nunca estaraacute completo pois a relaccedilatildeo permaneceraacute aiacute enquanto ele existir no
mundo O ser-aiacute nada mais eacute que o modo de ser do homem enquanto ser-no-mundo
Ao estar no mundo o ser-aiacute depara-se com a sua facticidade ou seja encontra-se em
um corpo diante de uma realidade constituiacuteda de valores histoacuteria cultura e mitos
caracteriacutesticos de uma determinada sociedade A facticidade natildeo pode ser confundida com a
() ser-no-mundo natildeo eacute uma ldquopropriedaderdquo que o ser-aiacute agraves vezes apresenta
e outras natildeo como se pudesse ser igualmente com ela ou sem ela O homem
natildeo ldquoeacuterdquo no sentido de ser e aleacutem disso ter uma relaccedilatildeo com o mundo o qual
por vezes lhe viesse a ser acrescentado (Heidegger 2015 pp 95-96)
50
ideia de destino de determinaccedilatildeo do ser uma vez que pela condiccedilatildeo existencial de abertura o
ser-no-mundo realiza escolhas e busca o poder-ser a realizaccedilatildeo de projetos
O ser-aiacute tambeacutem eacute denominado de Dasein onde ldquoDardquo significa aiacute e ldquoSeinrdquo significa ser
existecircncia Dasein eacute uma palavra em alematildeo que define o ser que estaacute presente e aberto a
inuacutemeras possibilidades ldquoO Dasein eacute a proacutepria abertura de sentido na qual pode vir agrave luz o ser
dos entes que se datildeo ao seu encontrordquo (Saacute Matar amp Rodrigues 2006 p 113)
O Dasein existe no mundo e natildeo mais fora deste e ao estar no mundo projeta nele as
suas accedilotildees A existecircncia eacute portanto essencialmente projeto No mundo estatildeo os utensiacutelios
necessaacuterios agrave ocupaccedilatildeo do homem que eacute originariamente um ser-no-mundo um ser que se
ocupa no cuidar das coisas Ao estar-no-mundo o homem natildeo pode ser considerado como um
espectador que assiste ao grande espetaacuteculo da vida Ele estaacute envolvido com o mundo com os
seus desafios e vicissitudes E ao transformar o mundo transforma a si mesmo
O mundo a que Heidegger faz referecircncia natildeo se limita ao local fiacutesico e geograacutefico
envolve a cultura os costumes todos os fatores que constituem um mundo para o indiviacuteduo
enquanto morada Eacute a fonte de referecircncia o local de sobrevivecircncia estrutura de sentido
Partindo deste pressuposto eacute preciso compreender o ser-no-mundo para entender as suas
escolhas o seu modo de ser Alguns valores que direcionam as accedilotildees das pessoas que nascem
em uma cultura aacuterabe por exemplo satildeo distintos dos que predominam na cultura americana e
consequentemente os comportamentos sociais dos referidos indiviacuteduos aacuterabes ou americanos
Portanto o mundo para Heidegger eacute constituinte do Dasein
O trabalho de Heidegger mostra que o ser-no-mundo eacute a condiccedilatildeo primeira
para o entendimento do ser do homem As vicissitudes do ser-no-mundo satildeo
anteriores agraves elaboraccedilotildees teoacutericas quanto a um ponto de partida ou uma
caracteriacutestica definidora que norteie um percurso compreensivo Jaacute haacute uma
determinaccedilatildeo insuperaacutevel que todavia tende a se manter velada no
cotidiano a existecircncia como ser-no-mundo (Roehe Dutra 2014 p 107)
Mundo eacute o todo da constituiccedilatildeo ontoloacutegica Ele natildeo eacute apenas o todo da
natureza da convivecircncia histoacuterica do proacuteprio ser si-mesmo e das coisas de
uso Ao contraacuterio ele eacute a totalidade especiacutefica da multiplicidade ontoloacutegica
que eacute compreendida de maneira una no ser-com os outros no ser junto a e
no ser-si-mesmo (Heidegger 19872009 p328)
51
Na mundanidade do mundo a presenccedila encontra-se em um mundo (ser-em) junto de
outros entes intramundanos (ser-junto) e com a copresenccedila (ser-com) A articulaccedilatildeo destes
existenciais eacute a estrutura fundamental e primordial da presenccedila na analiacutetica existencial
(Ferreira 2010 p113)
ldquoSendo o ser-em um existencial o ldquoemrdquo originalmente natildeo expressa uma relaccedilatildeo
espacial ldquoemrdquo deriva de innan- que significa morar habitar deter-se estar familiarizado a
habituado a estar junto-a Tambeacutem aqui ser-junto natildeo indica uma relaccedilatildeo de justaposiccedilatildeo
em que algo estaacute ldquoao lado derdquo ldquocolado ardquo Natildeo podemos pensar em um ente o Dasein junto
de outro ente o mundo da mesma maneira natildeo faz sentido pensarmos em um ente o homem
como uma coisa corporal dentro de um outro ente o mundo que o acomoda ou ainda um
ente a alma conjugada a outro ente o corpo Ser-junto ao mundo implica uma atitude de
empenhar-se no mundo de relacionar-se com ele buscando transformaacute-lo Dessa forma soacute o
Dasein pode ser-junto ao mundo (Leite 2013 p 188)
Heidegger (19272015) ao contemplar o conceito de ser-no-mundo afirma que este eacute
essencialmente um modo de ocupaccedilatildeo O Dasein eacute o uacutenico ser vivo que tem um mundo para
as coisas tudo eacute simplesmente dado Natildeo existe um mundo de sentido O ser-aiacute entretanto vive
ao lidar familiarmente na ocupaccedilatildeo com os entes ao realizar coisas produzir algo discutir
interrogar enfim todos os modos de se comportar os modos de ser-no-mundo
Em meio a esta totalidade do mundo estaacute presente o existencial de corporeidade
Heidegger aborda a corporeidade nos Seminaacuterio de Zollikon (1987 p 114) ldquoO corporar do
corpo [Leiben des Leibes] eacute assim um modo de ser do Da-seinrdquo O entendimento da
corporeidade enquanto existencial requer a compreensatildeo da perspectiva ontoloacutegica-existencial
do corpo natildeo limitando-se agrave visatildeo bioloacutegica do mesmo
Pela visatildeo bioloacutegica nos limitamos agrave visatildeo do corpo enquanto ele se apresenta para noacutes
como uma aparecircncia Ao refletir sobre a concepccedilatildeo da visatildeo bioloacutegica do corpo pensei no ser
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doente enquanto ser com possibilidades limitadas e que depende da assistecircncia do outro Como
seria a visatildeo do corpo do ser doente pelo profissional de sauacutede Agraves vezes alguns poderiam se
concentrar apenas no olhar para o corpo quase como uma maacutequina que precisa de conserto
Sem abranger o ser que habita este corpo
Agora imagine o profissional de sauacutede que trabalha em UTI Neonatal a visatildeo bioloacutegica
do corpo de um receacutem-nascido se restringe a um ser bem pequenino tantas vezes ocupando as
palmas de duas matildeos unidas A visatildeo bioloacutegica desse corpo remete a uma fragilidade imensa
agrave necessidade latente de assistecircncia e atenccedilatildeo aos miacutenimos detalhes para a sobrevivecircncia Um
corpo que natildeo fala pela boca mas que se expressa em pequenos movimentos e que pode gerar
compaixatildeo pelo simples fato de estar no mundo naquelas condiccedilotildees existenciais
Para tentarmos elucidar um pouco mais a compreensatildeo de Heidegger sobre a
corporeidade retomaremos o entendimento de Descartes acerca do corpo Entendimento que
ateacute hoje influencia na forma como compreendemos o mundo e as coisas que dele fazem parte
Para Descartes ldquoa extensatildeo em comprimento largura e altura constituem a natureza da
substacircncia corporal e o pensamento constitui a natureza da coisa que pensardquo a alma (Descartes
Princiacutepios I n 53 p 44)
Para Heidegger (1927 2015) a percepccedilatildeo dos nossos sentidos apenas informa sobre a
aparecircncia dos entes mas natildeo sobre a sua natureza Os sentidos ldquoanunciam meramente a
utilidade e a desvantagem das coisas intramundanas lsquoexternasrsquo para o ser humano dotado de
corporeidaderdquo (Heidegger p 146)
A compreensatildeo da corporeidade enquanto existencial vai muito aleacutem das informaccedilotildees
sensoriais Para Heidegger (1987 2009 p 127) ldquotodo comportamento do ser humano como
um ser-no-mundo eacute determinado pelo corporar do corpordquo
A corporeidade estaacute nos modos de ser da presenccedila na forma de se comportar de falar
de ouvir a expressatildeo dos sentimentos nos orientam no mundo enquanto um ser-corporal E o
53
nosso corpo eacute a cada vez enquanto presenccedila como um ser de abertura Somente o ser-aiacute tem a
possibilidade de existir E existir eacute ldquoec-sistirrdquo ou seja existir eacute para fora de si Eacute ser abertura eacute
ser projeto ldquoDizer que o dasein eacute projeto eacute livraacute-lo de qualquer substancialidade como algo
dado que o determina previamente Uma aacutervore eacute mas natildeo existe ela eacute incapaz de perguntar
pelo seu proacuteprio ser Fechada em si a aacutervore natildeo sabe que eacute nem lhe eacute dado o encontro com
outros entesrdquo (Ferreiro 2010 Leite 2013 p 190)
Por assim dizer ao refletirmos sobre o profissional de sauacutede eacute importante
compreendermos as relaccedilotildees que estabelece no seu cotidiano de trabalho enquanto um espaccedilo
para expressar a sua corporeidade O ldquomundordquo da UTI Neonatal apresenta vaacuterias
caracteriacutesticas regras e padrotildees estabelecidos pela Instituiccedilatildeo E o ser-no-mundo de cada
profissional de sauacutede eacute uacutenico pois apesar de conviver no local de trabalho possue outras
ocupaccedilotildees na vida no sentido de modos de ser no mundo que o torna sigular Embora
universalmente se constitue como todos os daseins que satildeo em sua essecircncia cuidado cura
O dasein que estaacute presente no mundo com possibilidades de fazer escolhas eacute tambeacutem
um ser-com constituiacutedo na relaccedilatildeo com os outros Ainda que se encontre em uma situaccedilatildeo de
isolamento o ser-aiacute eacute um ser-com-os-outros e jamais se define de forma isolada Mesmo o
estar-soacute da pre-senccedila eacute ser-com no mundo A falta e a ausecircncia tambeacutem se configuram como
co-presenccedila O dasein se apresenta portanto por meio da co-existecircncia na condiccedilatildeo de estar
sempre com o outro (Heidegger 19272015)
Numa primeira aproximaccedilatildeo e na maior parte das vezes a presenccedila se
estende a partir de seu mundo e a copresenccedila dos outros vem ao encontro
das mais diversas formas a partir do que estaacute agrave matildeo dentro do mundo Mas
mesmo quando a presenccedila dos outros se torna por assim dizer temaacutetica
eles natildeo chegam ao encontro como pessoas simplesmente dadas Noacutes as
encontramos por exemplo ldquojunto ao trabalhordquo o que significa
primordialmente em seu ser-no-mundo (Heidegger 2015 p 176)
54
Junto ao trabalho o ser-com se configura em meio a relaccedilatildeo com os outros Na realidade
de uma UTI Neonatal os outros se apresentam como colegas de trabalho que constituem uma
equipe multidisciplinar bem como os pais dos bebecircs que participam do processo de tratamento
dos receacutem-nascidos O ser profissional de sauacutede convive no seu cotidiano com o ser-doente E
o ser-doente se caracteriza por estar com possibilidades limitadas Da mesmo forma os pais do
receacutem-nascido tambeacutem estatildeo diante de uma realidade com restriccedilotildees Em meio agraves frustraccedilotildees
de natildeo levar o bebecirc para casa e de vecirc-lo em uma situaccedilatildeo de tamanha fragilidade Eles estatildeo
juntos com o seu bebecirc que se encontra no limite entre a vida e a morte ao mesmo tempo em
que precisam se ausentar das suas ocupaccedilotildees e compromissos As suas possibilidades se
restrigem e se concentram nas expectativas de deixar o hospital com o filho nos braccedilos
O receacutem-nascido enquanto ser-no-mundo se constitui enquanto ser-com O dasein
existe desde o seu nascimento ateacute a morte Estes satildeo os limites da existecircncia A partir do
momento em que eacute pre-senccedila se configura em meio agrave co-presenccedila dos outros ldquoO mundo da
presenccedila eacute mundo compartilhadordquo (Heidegger 2015 p 175) Ao considerarmos os limites da
existecircncia e refletirmos sobre o receacutem-nascido enquanto ser-no-mundo tambeacutem
desmistificamos a maacutexima cartesiana do ldquopenso logo existordquo A existecircncia vem antes do
pensamento entendido pelos outros O bebecirc eacute de fato ser-no-mundo e a sua pre-senccedila tem um
impacto significativo nas vidas dos outros Ela por si soacute transforma a existecircncia de outros
Daseins
O encontro com os outros natildeo se daacute numa apreensatildeo preacutevia em que um sujeito
de iniacutecio jaacute simplesmente dado se distingue dos demais sujeitos nem numa visatildeo
primeira de si onde entatildeo se estabelece o referencial da diferenccedila Eles veem ao
encontro a partir do mundo em que a presenccedila se manteacutem de modo essencial
empenhada em ocupaccedilotildees guiadas por uma circunvisatildeo Em oposiccedilatildeo aos
ldquoesclarecimentosrdquo teoacutericos que facilmente se impotildee sobre o ser simplesmente
dado dos outros deve-se ater ao teor fenomenal demonstrado de seu encontro no
mundo circundante (Heidegger 2015 p 175)
55
Heidegger (19272015) utiliza o termo alematildeo Sorge com o significado de cura que
tambeacutem pode ser definido como cuidado O cuidado eacute a proacutepria abertura que constitui o dasein
Eacute uma denominaccedilatildeo usada com o intuito de expressar a caracteriacutestica ontoloacutegica do dasein de
se estruturar atraveacutes do fenocircmeno da cura de sempre estar referido a outro ente O ser humano
eacute um ser de cuidado uma vez que cuidar eacute ao mesmo tempo origem (ser lanccedilado) e condiccedilatildeo
do ser (projetar agir) ldquoPorque em sua essecircncia o ser-no-mundo eacute cura pode-se compreender
nas anaacutelises precedentes o ser junto ao manual como ocupaccedilatildeo e o ser como co-presenccedila dos
outros nos encontros dentro do mundo como preocupaccedilatildeo (Heidegger 19272015 p260)
O cuidado pode se expressar atraveacutes de dois tipos de relaccedilatildeo a de ocupaccedilatildeo e a de
preocupaccedilatildeo A ocupaccedilatildeo eacute caracterizada pela relaccedilatildeo de manualidade com os entes os quais
apresentam o seu ser jaacute previamente determinado como os objetos Jaacute a preocupaccedilatildeo envolve
as relaccedilotildees com os outros daseins com os outros seres indeterminados inclusive consigo
mesmo (Heidegger 1927 2015)
O modo de cuidado da preocupaccedilatildeo enquanto forma de ser com o outro pode se
manifestar de duas formas o substitutivo e o antepositivo A primeira forma refere-se ao
cuidado que faz tudo pelo outro tornando-o dependente A segunda convida o outro a voltar-
se para si mesmo abrindo-se para novas possibilidades para a realizaccedilatildeo de suas proacuteprias
escolhas tornando-se assim livre Esta segunda forma de cuidado eacute definida por Heidegger
(1981) como o autecircntico cuidar ou solicitude Vale salientar que as denominaccedilotildees de cuidado
como substitutivo e antepositivo natildeo apresentam superioridade ou julgamento de valor Ambas
existem e devem existir no ser-com
O cuidado de uma matildee com o filho muitas vezes requer a tomada de decisatildeo a atitude
que evita o perigo Mas a mesma matildee deve entender o cuidado antepositivo quando ajuda o
seu filho a fazer as suas proacuteprias escolhas em relaccedilatildeo a sua vida A sabedoria estaacute em fornecer
o cuidado substitutivo ou antepositivo quando assim for necessaacuterio Natildeo caberia a uma matildee
56
oferecer um cuidado antepositivo para um filho pequeno e doente Nem tatildeo pouco um
substitutivo para um filho adulto no momento em que precisa fazer escolhas quanto a sua
profissatildeo por exemplo
Mas dentro da impessoalidade eacute possiacutevel que a relaccedilatildeo com o outro se decirc na ordem da
utilidade da indiferenccedila ou seja pode ocorrer de modo deficiente caracterizando a relaccedilatildeo
com o outro como um ser simplesmente dado Eacute o tipo de cuidado voltado para objetos que
torna o outro algo que pode ser substituiacutedo
No proacuteximo capiacutetulo abriremos um espaccedilo para discutir sobre o cuidado nos hospitais
em meio ao modelo da racionalidade meacutedica O cuidado tornou-se uma palavra amplamente
utilizada pelos profissionais de sauacutede como tambeacutem o termo assistecircncia A partir da ontologia
do cuidado de Heidegger muitas reflexotildees podem ser geradas em relaccedilatildeo a forma de lidar com
o ser-doente inclusive diante da possibilidade da morte do outro
Imerso no mundo o homem pode fazer escolhas dentre vaacuterias possibilidades Pode se
dedicar a esta ou aquela profissatildeo optar por ter muitos filhos ou natildeo ter nenhum por dedicar a
vida ao estudo ao trabalho ou a ajudar ao proacuteximo Entretanto entre muitas possibilidades
existe uma da qual o homem natildeo pode escapar a morte O homem pode fazer vaacuterias escolhas
mas natildeo pode deixar de morrer E ao morrer natildeo mais existe no mundo A morte por assim
dizer faz com que todas as outras possibilidades deixem de existir Com a morte natildeo haacute mais
projetos a realizar Ela encerra o inacabado
O ser-no-mundo que eacute ser-com-os-outros caminha para o fim ou seja eacute
intrinsecamente desde o princiacutepio um ser-para-a-morte Mas durante a sua vida deixa-se
envolver com as ocupaccedilotildees do mundo o que Heidegger (19272015) denomina de existecircncia
inautecircntica A reflexatildeo sobre a sua finitude leva o homem a uma existecircncia autecircntica ao pensar
sobre o sentido do seu ser dos seus projetos
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A morte eacute uma possibilidade que encerra todas as outras E enquanto o dasein existe
jaacute eacute destinado para o fim Eacute um fenocircmeno intriacutenseco agrave vida que lhe impotildee o limite Eacute a
possibilidade mais proacutepria e insuperaacutevel de natildeo mais existir de natildeo mais estar presente no
mundo (Heidegger 19272015)
A experiecircncia da morte tambeacutem eacute singular Soacute podendo ser vivenciada por cada
indiviacuteduo Mas sendo essencialmente ser-com-os-outros sentimos a morte do outro como uma
perda A morte do outro se concretiza de maneira objetivamente acessiacutevel em nossas vidas
Sentimos falta da presenccedila do outro Embora mesmo apoacutes a morte os cuidados com o morto
natildeo o torna um ser simplesmente dado como um objeto Os cuidados com o morto demonstram
uma preocupaccedilatildeo reverencial e natildeo apenas uma ocupaccedilatildeo com o corpo A morte do outro nos
lembra que a morte existe e pode nos levar a refletir sobre a nossa proacutepria morte
De acordo com Heidegger (2015 p 313) ldquo Em sentido genuiacuteno natildeo fazemos a
experiecircncia da morte dos outros Estamos apenas juntordquo Esta afirmaccedilatildeo do referido autor
merece algumas consideraccedilotildees Primeiramente a expressatildeo ldquoestar juntordquo se refere a uma troca
de sentimentos possiacutevel entre os daseins Como pontua Ferreira (2010 p112) ldquoA cadeira estaacute
junto da parede mas ela natildeo estaacute com a parede porque ela natildeo toca e natildeo eacute tocada pela parede
Ao contraacuterio para ela eacute indiferente estar junto da parede ou da mesa Jaacute o estar junto do ser-no-
mundo eacute diferente do estar junto do ente intramundano pois quando ele estaacute junto da parede eacute
tocado ao mesmo tempo em que toca Somente o ente constituiacutedo pela abertura preacutevia do ser-
em pode tocar e ser tocadordquo
Em segundo lugar o fato de ldquonatildeo fazermos a experiecircncia da morte dos outrosrdquo significa
que natildeo podemos morrer pelo outro Mesmo que ofereccedilamos a nossa vida no lugar da de outra
pessoa esta atitude pode ser entendida como sacrifiacutecio jamais como experienciar a morte do
outro A morte eacute um fenocircmeno singular assim como o nascimento e todas as experiecircncias
vividas e interpretadas por cada ser-no-mundo
58
Conhecemos a morte como algo que ocorre com o outro mas distante da realidade
proacutepria como afirma Heidegger (2015 p 331) ldquoa explicaccedilatildeo do ser-para-a-morte no cotidiano
deteve-se na falaccedilatildeo do impessoal algum dia se morre mas por hora ainda natildeordquo Vive-se com
a certeza da morte embora esta certeza eacute tida como uma verdade distante para a qual se foge
com o mergulho na impessoalidade
Ao longo da trajetoacuteria de vida as perdas podem ser sentidas de diferentes formas que
deixam marcas resignificam a vida mas natildeo mudam de condiccedilatildeo ou significado satildeo perdas
Grandes e pequenas mortes com as quais precisamos aprender a lidar no cotidiano a conviver
com a ausecircncia
E da mesma forma que na contemporaneidade fugimos da morte tentamos evitar ao
maacuteximo pensar na morte dos outros e na nossa proacutepria morte e mascaramos o luto noacutes tambeacutem
fugimos das perdas escondemos os fracassos encobrimos as falhas buscamos culpados para a
natildeo-realizaccedilatildeo dos desejos e sonhos nos concentramos em outras demandas para natildeo olhar para
o que perdemos Caiacutemos na impessoalidade e ficamos na superfiacutecie das histoacuterias das relaccedilotildees
das atividades cotidianas Tomamos piacutelulas para emagrecer remeacutedios para esquecer das dores
para dormir o sono que evita a culpa
As perdas demonstram que natildeo temos o controle sobre o mundo e tambeacutem indicam que
somos seres em deacutebito Sempre que escolhemos algo abrimos matildeo de outras possibilidades o
tempo inteiro Estamos em deacutebito com o que natildeo escolhemos e diante de decisotildees muito
importantes para a nossa vida o nosso deacutebito torna-se ainda maior conosco E esta diacutevida vai
sendo cobrada ao longo da existecircncia ateacute a finitude quando deixamos a condiccedilatildeo de ser-no-
mundo (Heidegger 19272015)
Ter consciecircncia de ser algueacutem em deacutebito nos torna mais reflexivos quanto agraves escolhas
que realizamos Tantas vezes o sim para o mundo pode ser o natildeo para si proacuteprio E a dor da
sequecircncia de perdas pode levar ao adoecimento e agrave perda de sentido da vida
59
A consciecircncia da finitude faz parte da histoacuteria da humanidade e sempre interferiu na sua
existecircncia Desde o iniacutecio apresenta-se como uma certeza sem resposta mas pautada em
explicaccedilotildees as mais diversas tanto de filoacutesofos como de religiosos que ao longo dos seacuteculos
influenciaram na maneira como o homem vivencia a experiecircncia da morte do outro e tambeacutem
na forma como encara a proacutepria morte
Seja um castigo ou fonte de expiaccedilatildeo dos pecados Seja o fim da existecircncia ou um novo
comeccedilo a morte continuaraacute na verdade como presenccedila como uma possibilidade certa na nossa
existecircncia um marco divisoacuterio entre estar-no-mundo e deixar de ser-no-mundo
O viver para a morte constitui o sentido autecircntico da existecircncia E esta experiecircncia de
refletir sobre a existecircncia se torna possiacutevel por meio da anguacutestia Outro existencial definido
por Heidegger (19272015) que revela ao homem a presenccedila do nada a sua finitude A anguacutestia
natildeo pode ser confundida com o medo direcionado a um determinado objeto Ela eacute uma abertura
para o nada para o fim das possibilidades que se daacute com a morte E no meio das ocupaccedilotildees
do mundo o homem se exime de viver esta experiecircncia que o incomoda
A anguacutestia incomoda pois nos fornece um sinal de alerta um despertar para a existecircncia
e para o nada o fim da mesma A experiecircncia da anguacutestia desperta a condiccedilatildeo do ser-para-a-
morte como algo inerente ao homem e da morte como destino dos que vivem Um destino
certo para ocorrecircncia e incerto quanto ao tempo A anguacutestia eacute portanto algo necessaacuterio agrave vida
como um dote do nosso estar-aiacute (Boss 1981)
Cada anguacutestia humana tem um de que do qual ela tem medo e um pelo que
pelo qual ela temeO do que de cada anguacutestia eacute sempre um ataque lesivo agrave
possibilidade de estar aiacute (dasein) humano No fundo cada anguacutestia teme a
extinccedilatildeo deste ou seja a possibilidade de um dia natildeo mais estar aqui O pelo
que da anguacutestia humana eacute por isto o proacuteprio estar-aiacute na medida em que ela
se preocupa e zela soacute pela duraccedilatildeo deste Por isso as pessoas que mais temem
a morte satildeo sempre as mesmas que mais tecircm medo da vida pois eacute sempre o
viver da vida que desgasta e potildee em perigo o estar aiacute (Boss 1981 p26)
60
A anguacutestia se angustia com o ser-no-mundo com a condiccedilatildeo de desamparo que o ser se
encontra O desamparo observado nas incertezas na sensaccedilatildeo de incompletude nas
inseguranccedilas do cotidiano Inseguranccedilas mascaradas no apego agraves coisas mundanas como uma
forma de se situar no mundo de criar raiacutezes e de aparentemente se estabilizar O desamparo eacute
portanto inerente ao ser-no-mundo E talvez para natildeo pensar neste desamparo a reflexatildeo
sobre a proacutepria morte seja evitada
Entretanto morte e vida estatildeo interligadas fim e comeccedilo se entrelaccedilam E na perspectiva
do sentido natildeo vivemos um tempo somos tempo O tempo da vida do ser-aiacute que natildeo pode ser
medido por horas e minutos Pode apenas ser vivido enquanto lhe eacute permitido E esta
consciecircncia faz da permissatildeo a melhor das daacutedivas Permitir-se viver da forma mais autecircntica
torna-se mais valioso quando se sabe que esta possibilidade eacute finita Parece que se valoriza mais
o que se pode perder
O tempo eacute outra temaacutetica importante abordada por Heidegger no livro Ser e Tempo
(19272015) A noccedilatildeo de temporalidade humana da vida atual e cotidiana eacute distinta da pensada
pelo referido autor Talvez por vermos o tempo como a contagem de horas reduzidas a minutos
e segundos julgamos que a morte da crianccedila eacute mais sofrida que a do adulto que por sua vez
eacute mais dolorida que a do anciatildeo Acreditamos que o anciatildeo teve tempo de cumprir a sua missatildeo
Aquilo com que a anguacutestia se angustia eacute o nada que natildeo se revela ldquoem parte
algumardquo Fenomenalmente a impertinecircncia do nada e do em parte alguma
intramundanos significa que a anguacutestia se angustia com o mundo como tal
[hellip] O nada da manualidade funda-se em ldquoalgordquo mais originaacuterio isto eacute no
mundo Do ponto de vista ontoloacutegico poreacutem ele pertence essencialmente ao
ser do Dasein como ser-no-mundo Se portanto o nada ou seja o mundo
como tal se apresenta como aquilo com que a anguacutestia se angustia isso
significa que a anguacutestia se angustia com o proacuteprio ser-no-mundo
(Heidegger 19272015 pp 253)
61
de viver muitas experiecircncias mas o tempo contado em horas e minutos o tempo cronoloacutegico
natildeo eacute condiccedilatildeo imprescindiacutevel para o bem viver para que ldquoa missatildeo seja concluiacutedardquo
Ao falarmos sobre a histoacuteria de vida pensamos como uma sequecircncia de acontecimentos
uma linha de tempo linear entre passado presente e futuro Mas o ser-aiacute natildeo preenche as fases
de um trajeto A sua existecircncia eacute prolongar-se sobre si mesmo desdobrar-se para fora Ele natildeo
cumpre uma sequecircncia de eventos no tempo como algo determinado A existecircncia eacute tempo e
natildeo uma soma de unidades de horas minutos e segundos (Heidegger 19272015)
Quando a vida eacute contada como uma soma de unidades de tempo a morte de bebecircs e
crianccedilas se apresenta como uma ruptura da ldquoordem natural das coisasrdquo nas quais os pais vatildeo
antes Mas a morte pode chegar ldquocedordquo no seio da esperanccedila de uma nova vida Vem como um
vento forte que leva uma semente e junto com ela todos os projetos que jaacute germinaram A
morte de um receacutem-nascido pode gerar comoccedilatildeo pelo natildeo vivido pela falta do que natildeo veio e
era tatildeo esperado E a comoccedilatildeo se amplia dos pais e familiares para todos os envolvidos com o
iniacutecio de uma histoacuteria interrompida
Existem crianccedilas que vivem de forma muito mais intensa que adultos dedicados agrave
impessoalidade do mundo Por assim dizer ldquoo tempo deixa de ser uma sucessatildeo de minutos
simplesmente dados e se torna o tempo especiacutefico da singularidade de maneira que o ser-aiacute
singular se torna o seu proacuteprio tempoe passa a ser o lsquoespaccedilorsquo da temporalizaccedilatildeo do mundordquo
(Costa 2015 p 79)
A vivecircncia da dor do sofrimento da sabedoria da alegria e da compaixatildeo natildeo pode ser
medida pelo tempo cronoloacutegico E sim contemplada na narrativa das experiecircncias singulares
de cada ser humano Que ao narrar a sua histoacuteria resignifica o passado reflete sobre o presente
e projeta-se para o futuro (Dutra 2002)
Com relaccedilatildeo agrave compreensatildeo do homem enquanto ser histoacuterico eacute importante salientar
que Heidegger diferencia duas palavras para o termo histoacuteria Historie e Geschitchte A
62
primeira eacute referente ao estudo dos acontecimentos passados enquanto ciecircncia que investiga
fatos O termo Geschichte entretanto faz referencia agrave histoacuteria enquanto o proacuteprio acontecer
remetendo agrave ideia de historicidade do ser-no-mundo (Tonin 2015)
A existecircncia eacute sempre biograacutefica Considerar a historicidade do dasein eacute fundamental
portanto para a compreensatildeo do ser-no-mundo Com este intuito o proacuteximo abordaremos a
temaacutetica da era da teacutecnica apresentando a preocupaccedilatildeo de Heidegger com o dasein diante da
sociedade moderna caracterizada pelos dos avanccedilos tecnoloacutegicos pela velocidade na difusatildeo
de informaccedilotildees e pela fuga de pensamentos
Ao abordar a temaacutetica em ldquoA questatildeo da teacutecnicardquo Heidegger (2007) nos leva a uma
importante reflexatildeo sobre existir no mundo da modernidade A teacutecnica que seraacute colocada em
ecircnfase aqui natildeo se restringe ao uso de instrumentos ou ateacute mesmo ao domiacutenio do conhecimento
para utilizaacute-los Mas sim ao modo de ser do homem na modernidade ao espiacuterito presente em
uma eacutepoca
Para compreendermos melhor as afirmaccedilotildees expostas recorremos a uma comparaccedilatildeo
dos modos de produccedilatildeo agriacutecola feita pelo referido autor Com o intuito de ampliar a produccedilatildeo
armazenar insumos estocar comida o homem faz uso de teacutecnicas inovadoras de plantio utiliza
produtos que ampliam as colheitas que antecipam o amadurecimento de frutos ou a sua melhor
conservaccedilatildeo A teacutecnica eacute utilizada para a obtenccedilatildeo de uma maior produccedilatildeo que vai muito aleacutem
da necessidade de subsistecircncia
Entretanto para um semedor que acompanha o movimento da natureza cultivar consiste
em plantar a semente e aguardar o seu desabrochar naturalmente em seu tempo Assim a
semente prospera e cresce sem o controle do homem que acompanha cultiva e colhe os seus
A pergunta sobre o ser eacute ela mesma uma pergunta histoacuterica e que se faz na
histoacuteria O circulo ontoloacutegico eacute tambeacutem um circulo histoacuterico a compreensatildeo
preacutevia do Dasein uma vez liberada igualmente libera o fundo da histoacuteria
(Nunes 2012 p151)
63
frutos Eis aiacute o que Heidegger (1927 2015) denomina de desvelar-se de ldquodeixar vir agrave
presenccedilardquo rememorando o conceito grego de Aletheia a verdade enquanto desvelamento E
este desvelamento pode ser comparado a uma clareira em meio a uma floresta
O ser-no-mundo se apresenta portanto como desvelamento e ocultamento Assim ele
se relaciona consigo e com os outros daseins Os objetos entretanto se apresentam na clareira
satildeo simplesmente dados e ganham significado na medida em que satildeo utilizados Ainda
retomando os gregos Heidegger tambeacutem faz referecircncia agrave palavra teacutechne ao se referir agrave arte agrave
manufatura desvelada pelo artista (denominado de techinite)
Para Heidegger a diferenccedila entre a teacutecnica e a teacutechne estaacute no modo de desvelamento
Com o uso da teacutecnica o desvelamento se daacute pela produccedilatildeo a partir de uma postura de
provocaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave natureza ao mesmo tempo em que prima pelo controle dos processos
e resultados Na teacutechne o objetivo eacute de deixar-acontecer aceitando os limites sem impor
desafios O desvelamento se daacute no descobrimento de algo naturalmente (Feijoo 2004)
Considerando estas duas formas de cultivo da terra marcadas provocaccedilatildeo ou pela
postura de deixar-acontecer voltamos a refletir sobre as diferentes maneiras de pensar do
homem Na sua obra denominada ldquoSerenidaderdquo (1959) Heidegger apresenta duas modalidades
de pensamento calculante e meditante tambeacutem denominados de pensamento que calcula e
No comeccedilo do destino do Ocidente na Greacutecia as artes elevaram-se agraves maiores
alturas do desabrigar a elas consentidas Elas permitiram que a presenccedila dos
deuses e o diaacutelogo entre o destino humano e o destino divino brilhassemEla
era um singular e muacuteltiplo desabrigar As artes natildeo decorriam do artiacutestico As
obras de arte natildeo eram fruiacutedas esteticamente A arte natildeo era um setor da
produccedilatildeo cultural O que era a arte Era talvez arte somente por breves tempos
Ela era um desabrigar que levava e punha agrave luzhellip (Heidegger 2007 p 395)
Nas regiotildees cobertas por aacutervores a luz natildeo chega e o que estaacute nessa regiatildeo
fica oculto Na regiatildeo clara (clareira) as coisas satildeo manifestadas A partir
dessa imagem podemos pensar os entes como aquilo que aparece na
clareira Para se pensar o ser entretanto temos que incluir tambeacutem a
ocultaccedilatildeo originaacuteria (Evangelista 2010 p5)
64
reflexatildeo O pensamento que calcula esta voltado para o controle de tudo a sua volta Para o
domiacutenio do conhecimento como um desafio assumindo um comportamento de provocaccedilatildeo
diante da natureza Caracteriza-se pela investigaccedilatildeo pela mensuraccedilatildeo ldquoO pensamento que
calcula faz caacutelculos Faz caacutelculos com possibilidades continuamente novas sempre com
maiores perspectivas e simultaneamente mais econocircmicas O pensamento que calcula corre de
oportunidade em oportunidade O pensamento que calcula nunca para nunca chega a meditarrdquo
(Heidegger 1959 p 13)
Em contrapartida o pensamento meditante propotildee uma reflexatildeo sobre o sentido da
existecircncia Meditar envolve uma postura de parar diante das coisas e refletir sobre o que nos
estaacute mais proacuteximo ldquoO pensamento que medita exige de noacutes que natildeo fiquemos unilateralmente
presos a uma representaccedilatildeo que natildeo continuemos a correr em sentido uacutenico na direccedilatildeo de uma
representaccedilatildeo O pensamento que medita exige que nos ocupemos daquilo que agrave primeira vista
parece inconciliaacutevelrdquo (Heidegger 1959 p 23)
A reflexatildeo faz parte da existecircncia do homem mas exige deste um grande esforccedilo que
pode ser depreendido por qualquer pessoa cada qual dentro dos seus limites ldquoBasta
demorarmo-nos junto ao que estaacute perto e meditarmos sobre o que estaacute mais proacuteximo aquilo
que diz respeito a cada um de noacutes aqui e agorardquo (Heidegger 1959 p14)
Estamos em uma era marcada pela velocidade das informaccedilotildees Em que os
acontecimentos satildeo rapidamente divulgados para milhotildees de pessoas As novidades percorrem
diversos canais publicitaacuterios aparecendo na miacutedia como novas soluccedilotildees para os problemas
cotidianos Heidegger (1959) nos alerta que apesar de estarmos imersos em um mundo com
novos aparatos teacutecnicos e muitas informaccedilotildees eacute preciso distinguir entre simplesmente ouvir ou
ler algo isto eacute tomar conhecimento no sentido de ser informado sobre algo e realmente
adquirir o conhecimento ou seja refletir sobre o que foi ouvido e lido
65
O problema da teacutecnica natildeo estaacute no fato da utilizaccedilatildeo de equipamentos e aparatos
tecnoloacutegicos mas sim na forma como lidar com os mesmos Trata-se de uma reflexatildeo sobre o
pensamento no mundo moderno onde a teacutecnica de produccedilatildeo eacute importante mas natildeo pode
predominar sobre a vida do homem que deve fazer uso da teacutecnica sem assumir uma postura
de aceitaccedilatildeo incondicional de rejeiccedilatildeo nem tatildeo pouco de alienaccedilatildeo
O homem natildeo pode ficar escravo da teacutecnica dos equipamentos que utiliza no seu
cotidiano Devendo assumir uma postura de serenidade diante das coisas ao ponto de utilizaacute-
las quando achar necessaacuterio e deixar de usaacute-las quando desejar Esta postura de serenidade no
leva a utilizar o nosso conhecimento teacutecnico a nosso favor evitando assim a alienaccedilatildeo ou a
dependecircncia
Ao refletirmos sobre a atuaccedilatildeo do profissional de sauacutede eacute preciso salientar que
atualmente diante do modelo biomeacutedico os profissionais se encontram envoltos em aparatos e
novas tecnologias precisando dominaacute-las amplamente Mas e quando o conhecimento teacutecnico
natildeo eacute suficiente Quando os equipamentos natildeo fornecem as respostas necessaacuterias ou mesmo as
almejadas A teacutecnica natildeo iraacute fornecer todas as respostas Ela existe para servir ao homem e natildeo
para limitaacute-lo enquanto profissional que oferece assistecircncia em sauacutede que precisa desenvolver
o pensamento meditante continuamente diante de quem estaacute mais proacuteximo
Buscar compreender o outro os seus anseios e o que efetivamente importa para ele satildeo
preocupaccedilotildees que fazem suscitar os problemas ditos eacuteticos nos hospitais Assim como as
decisotildees quanto agrave realizaccedilatildeo de procedimentos considerados inviaacuteveis a ocorrecircncia de eventos
adversos ou mesmo da morte devido a erros no tratamento as dificuldades para explicar aos
familiares os fatos ocorridos dentre outras situaccedilotildees que se apresentam no cotidiano de
trabalho Estes satildeo aspectos que merecem uma reflexatildeo sobre cada situaccedilatildeo em particular e a
respeito do sentido da experiecircncia para o profissional de sauacutede
66
Quando o homem se esconde atraacutes da teacutecnica e natildeo busca refletir sobre as suas accedilotildees
acaba deixando de lado o que tem de mais valioso a sua capacidade de meditar de refletir Eacute
esta capacidade que o direciona para novas escolhas novos modos de ser-no-mundo
67
Capiacutetulo 3 O profissional de Sauacutede
ldquoA Criaccedilatildeo da Humanidade e sua quedardquo Michelangelo 1512
68
Capiacutetulo 3 O profissional de Sauacutede
O presente capiacutetulo contempla aspectos referentes aos profissionais de sauacutede agraves
dificuldades enfrentadas ao ambiente hospitalar ao contexto da maternidade e em particular
da UTI Neonatal Inicialmente seraacute feita uma retrospectiva quanto ao ambiente de trabalho o
hospital o local destinado ao envio de doentes
O cuidador
Tanta palavra
Tanto trabalho
Tanto diagnoacutestico Avassalador
Tanta cultura
Entre a dor e a cura
Tanta procura
Pelo fim da dor
Tanta rotina
Tanto medicamento
Tanto equipamento De alto valor
Tanta tecnologia
Envolvendo tanta gente
E nada disso
Aparentemente
Eacute suficiente
Para garantir
Verdadeiramente
Um cuidador
Dr Luiz Alberto Mussa Tavares Poemas para Almas
Apressadas 2017
69
A palavra hospital vem do latim hospitalis que significa o que hospeda ou daacute agasalho
Nos dias de hoje o hospital eacute compreendido como uma instituiccedilatildeo destinada ao tratamento e
cura de doentes e feridos Mas nem sempre o hospital foi associado agrave ideia de cura (Pitta
2003)
Os primeiros hospitais foram construiacutedos entre 369-372 na Capadoacutecia e em Roma Eram
locais de dor e de morte Em 542 foram construiacutedos dois hospitais na Franccedila o Hocirctel Dieu de
Lyon e o Hocirctel Dieu de Paris O primeiro hospital da Inglaterra St John foi inaugurado em
1084 ainda com as mesmas caracteriacutesticas dos demais destinados a receber os doentes com
condiccedilotildees extremamente precaacuterias para o acolhimento Assim desde o seu iniacutecio os hospitais
eram associados agrave morte locais temidos para os vivos e destinados aos enfermos que natildeo tinham
outra possibilidade de acolhimento (Zaidhaft 1990)
O surgimento do hospital como local voltado para praacuteticas terapecircuticas eacute relativamente
recente datado do final do seacuteculo XVIII quando Howard um filantropo inglecircs desenvolveu
um primeiro estudo denunciando as condiccedilotildees de trabalho hospitalar No mesmo periacuteodo (1775-
1780) a Academia de Ciecircncias da Franccedila designou um meacutedico chamado Tenon para percorrer
hospitais na Europa e elaborar um relatoacuterio examinando os fluxos de trabalho denunciando as
condiccedilotildees de maus tratos enfim relatando o cotidiano hospitalar e contribuindo assim para
gerar reflexotildees sobre a suas funccedilotildees terapecircuticas (Pitta 2003)
Naquela eacutepoca os hospitais devido agraves condiccedilotildees de higiene geravam no seu interior
surtos epidecircmicos dizimadores Eram locais relegados agrave morte de doentes Como bem retrata
Foucault (1981 p 102) ldquo o personagem ideal do hospital ateacute o seacuteculo XVIII natildeo eacute o doente
que eacute preciso curar mas o pobre que estaacute morrendo Eacute algueacutem a que se deve dar os uacuteltimos
cuidados e o uacuteltimo sacramento Esta eacute a funccedilatildeo essencial do hospital Dizia-se correntemente
nesta eacutepoca que o hospital era um morredouro um lugar de morrer E o pessoal hospitalar natildeo
era fundamentalmente destinado a realizar a cura do doente mas conseguir a sua proacutepria
70
salvaccedilatildeo Era um pessoal caritativo ndash religioso ou leigo ndash que estava no hospital para fazer uma
obra de caridade que lhe assegurasse a salvaccedilatildeo eternardquo
De forma semelhante no seacuteculo XIX os hospitais existiam na sociedade para atenderem
aos dependentes e necessitados Para agravequeles que natildeo tinham assistecircncia em seus proacuteprios
domiciacutelios O hospital era associado a ideia de abandono e desemparo um local destinado a
acolher doentes sem outra alternativa de cuidados Neste sentido natildeo era um local destinado a
matildees e bebecircs Uma mulher que aceitasse dar agrave luz em um hospital puacuteblico deveria ser
extremamente pobre com problemas mentais ou vivendo na prostituiccedilatildeo e certamente sem
apoio de amigos e familiares Era comum dar agrave luz em casa com o auxiacutelio da parteira e o apoio
dos familiares (Pitta 2003 Ungerer amp Miranda 1999)
As matildees que davam agrave luz em hospitais permaneciam com as crianccedilas aos peacutes do seu
leito Natildeo havendo um local especiacutefico para os bebecircs A origem do primeiro berccedilaacuterio data de
1893 em Paris na Maison drsquoAccouchements da Boulevard de PortRoyal A sua criaccedilatildeo eacute
atribuiacuteda agrave enfermeira chefe da Casa de Partos Mme Henry que tinha como objetivo atender
crianccedilas prematuras consideradas muito fracas ldquoNesse local Mme Henry utilizava uma
geringonccedila criada por Steacutephane Etienne Tarnier para aquecer os bebecircs que chegavam muito
frios Esse aparelho baseado na chocadeira de ovos ganhou o nome de ldquocouveuserdquo ou em
portuguecircs incubadorardquo (Ungerer amp Miranda 1999 p6)
Cerca de dois anos depois Pierre Budin um importante obstetra francecircs passou a dar
continuidade ao atendimento de bebecircs chamando a atenccedilatildeo para faotores como o controle da
temperatura a alimentaccedilatildeo a higiene a presenccedila e o carinho das matildees Tais aspectos passaram
a ser considerados por ele como fundamentais para a sauacutede dos receacutem-nascidos e para a
diminuiccedilatildeo da mortalidade dos bebecircs (Ungerer amp Miranda 1999)
Com o progresso da medicina as preocupaccedilotildees com a assientecircncia aos bebecircs se
ampliaram Com a ampliaccedilatildeo das teacutecnicas voltadas para cura os hospitais passaram a ser
71
referecircncia de atendimento para puacuteblico diverso inclusive para o parto Essa nova forma de
atendimento aos pacientes os afastava dos cuidados dos familiares inclusive os receacutem-nascidos
que ficavam distantes das matildees nos berccedilaacuterios
Essa nova forma de atender aos enfermos os retirava de seus lares e de perto de seus
familiares e ateacute mesmo os receacutem-nascidos deveriam ficar longe de suas matildees confinados em
berccedilaacuterios ateacute o momento da alta com o o bjetivo de evitar qualquer tipo de infecccedilatildeo Entretanto
ao final da deacutecada de 1940 pesquisadores comeccedilaram a observar que a separaccedilatildeo matildee-filho
logo apoacutes o nascimento natildeo era positiva para a crianccedila nem como tambeacutem para o
estabelecimento de viacutenculos familiares podendo ocasionar desajustes Voltou-se entatildeo a deixar
a crianccedila proacuteximo a mae desde o nascimento ateacute a alta criando-se o conceito de alojamento
conjunto Este projeto entretanto foi extinto por vaacuterios anos sendo retomado apenas na deacutecada
de 1970 com o apoio de orgazaccedilotildees internacionais como a OMS (Organizaccedilatildeo Mundia de
Sauacutede) e o UNICEF (Fundo das Naccedilotildees Unidas para a Infacircncia) (Ungerer amp Miranda 1999)
De acordo com as Normas Baacutesicas para Alojamento Conjunto do Ministeacuterio da Sauacutede
passaram a ocupar o alojamento conjunto as matildees (na ausecircncia de patologia que impossibilite
ou contra-indique o contato com o receacutem-nascido) e os receacutem-nascidos (com boa vitalidade
capacidade de succcedilatildeo e controle teacutermico a criteacuterio de elemento da equipe de sauacutede
Considerando-se com boa vitalidade os receacutem-nascidos com mais de 2 quilos mais de 35
semanas de gestaccedilatildeo e iacutendice de APGAR maior que 6 no 5deg minuto) (Instituto Nacional de
Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo 1993)
Os receacutem-nascidos que precisam de mais atenccedilatildeo devido ao maior risco de morte satildeo
encaminhados para as Unidades de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) De acordo com o artigo
10 da Portaria GMMS Nordm 930 de 10 de maio de 2012 que define as diretrizes e objetivos para
a organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo integral e humanizada ldquoUTIN satildeo serviccedilos hospitalares voltados para
o atendimento de receacutem-nascido grave ou com risco de morte assim considerados
72
I receacutem-nascidos de qualquer idade gestacional que necessitem de ventilaccedilatildeo mecacircnica
ou em fase aguda de insuficiecircncia respiratoacuteria com FiO2 maior que 30 (trinta por cento)
II receacutem-nascidos menores de 30 semanas de idade gestacional ou com peso de
nascimento menor de 1000 gramas
III receacutem-nascidos que necessitem de cirurgias de grande porte ou poacutes-operatoacuterio
imediato de cirurgias de pequeno e meacutedio porte
IV - receacutem-nascidos que necessitem de nutriccedilatildeo parenteral e
V - receacutem-nascidos que necessitem de cuidados especializados tais como uso de cateter
venoso central drogas vasoativas prostaglandina uso de antibioacuteticos para tratamento de
infecccedilatildeo grave uso de ventilaccedilatildeo mecacircnica e Fraccedilatildeo de Oxigecircnio (FiO2) maior que 30 (trinta
por cento) exsanguineotransfusatildeo ou transfusatildeo de hemoderivados por quadros hemoliacuteticos
agudos ou distuacuterbios de coagulaccedilatildeo (Redaccedilatildeo dada pela PRT GMMS nordm 3389 de
30122013)rdquo
A UTIN poderaacute ser dos tipos II ou III e para a habilitaccedilatildeo em cada niacutevel existe uma seacuterie
de exigecircncias quanto a estrutura de pessoal e tecnologia dos equipamentos
As Unidades de Terapia Intensiva Neonatal satildeo considerados ambientes inoacutespitos nos
quais os receacutem-nascidos satildeo expostos agrave luz intensa e contiacutenua aos ruiacutedos e a procedimentos
cliacutenicos invasivos Aleacutem disso as UTINs satildeo caracterizadas pela presenccedila de equipamentos de
alta tecnologia e devem ter no seu quadro de pessoal uma equipe multidisciplinar capacitada
para oferecer assistecircncia aos pacientes e familiares Os profissionais se deparam com o
sofrimento dos pais os quais podem se sentir amedrontados e ou culpados por terem gerado
um bebecirc fraacutegil ao mesmo tempo em que podem se sentir incapazes de oferecer os cuidados
necessaacuterios agrave sobrevivecircncia do filho (Braga amp Morsch 2003 Lamego Deslandes amp Moreira
2005 Costa amp Padilha 2011)
73
Diante deste cenaacuterio de sofrimento e das prerrogativas da poliacutetica de humanizaccedilatildeo as
matildees tem acesso livre agraves UTINs Natildeo existindo um limite de horaacuterio de visitas como nas
Unidades de Terapia Intensiva estruturadas para adultos (Ministeacuterio da Sauacutede 2004)
O meacutetodo Matildee Canguru proposto em 1978 pelo Dr Edgar Rey Sanabria no Instituto
Materno-Infantil (IMI) de Bogotaacute na Colocircmbia Foi adaptado para a realidade brasileira a partir
de 2002 Este meacutetodo tem como objetivo promover a atenccedilatildeo humanizada ao receacutem-nascido de
baixo peso promovendo um conjunto de accedilotildees de assistecircncia abrangendo os profissionais de
sauacutede o receacutem-nascido e sua famiacutelia (Lamy 2005)
Dentre estas accedilotildees estimula o contato pele a pele precoce entre a matildee e o receacutem-nascido
de baixo peso pelo tempo que for considerado prazeroso e suficiente permitindo a participaccedilatildeo
da matildee no cuidado com o seu filho tambeacutem estimula o aleitamento materno a atenccedilatildeo aos
cuidados teacutecnicos com o bebecirc (manuseio cuidado com ruiacutedos luz e odores no ambiente) e o
envolvimento dos familiares (Baltazar Gomes amp Cardoso 2010)
Apesar do incentivo do Ministeacuterio da Sauacutede estudos apontam alguns impasses a
implantaccedilatildeo de uma assistecircncia humanizada em UTI neonatal devido aos conflitos existentes
no cotidianos de trabalho e adaptaccedilotildees a rotina Aleacutem da existecircncia de condiccedilotildees insatisfatoacuterias
de trabalho relacionadas agrave precariedade de recursos humanos o que pode gerar sobrecarga
emocional e de trabalho Outros fatores mencionados satildeo a fadiga pelo ritmo de trabalho
excessivo o fato de lidar com questotildees de vida e morte as questotildees eacuteticas envolvidas nas
decisotildees sobre o tratamento dentre outras Estas dificuldades apontam para a necessidade
A humanizaccedilatildeo do cuidado neonatal preconiza vaacuterias accedilotildees propostas pelo
Ministeacuterio da Sauacutede baseando-se nas adaptaccedilotildees brasileiras ao Meacutetodo
Canguru (Lamy 2003) para receacutem-nascidos de baixo peso Estas satildeo
voltadas para o respeito agraves individualidades agrave garantia de tecnologia que
permita a seguranccedila do receacutem-nato e o acolhimento ao bebecirc e sua famiacutelia
com ecircnfase no cuidado voltado para o desenvolvimento e psiquismo
buscando facilitar o viacutenculo matildee-bebecirc durante a sua permanecircncia no
hospital e apoacutes a alta (Lamego Deslandes amp Moreira 2005 p 670)
74
ampliar os investimentos nas condiccedilotildees de trabalho adequadas na capacitaccedilatildeo dos gestores e
dos profissionais de sauacutede que trabalham nas UTINs (Lamego Deslandes amp Moreira 2005
Scochi et al 2001)
No estado do Rio Grande do Norte a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco eacute referecircncia
no atendimento agrave gestatildeo de alto risco O subtoacutepico a seguir seraacute dedicado a maternidade o local
escolhido para a realizaccedilatildeo desta pesquisa
31 ndash Maternidade Escola Januaacuterio Cicco
A Maternidade Escola foi idealizada pelo Dr Januaacuterio Cicco um meacutedico que deixou
importantes contribuiccedilotildees para a reorganizaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica no Estado no iniacutecio do
seacuteculo XX como a criaccedilatildeo da Sociedade de Assistecircncia Hospitalar em 1926 No iniacutecio da
deacutecada de 1940 a maternidade jaacute estava pronta para funcionar mas devido a Segunda Guerra
Mundial o local foi ocupado como Quartel General das Forccedilas Aliadas e Hospital de
Campanha Com o final da guerra iniciou-se uma campanha para inauguraccedilatildeo da maternidade
que ocorreu no dia 12 de fevereiro de 1950 (Empresa Brasileira de Serviccedilos Hospitalares 2015)
Atualmente a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco (MEJC) especializada na assistecircncia
materno-infantil eacute Hospital Universitaacuterio e de Ensino e integra o Complexo Hospitalar da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte Funciona como um campo de ensino e aplicaccedilatildeo
praacutetica para profissionais da aacuterea da sauacutede E tem como Missatildeo ldquoPromover a excelecircncia no
atendimento global e humanizado a sauacutede da mulher e do receacutem-nascido e a formaccedilatildeo de
recursos humanos em accedilotildees de aprendizado ensino pesquisa e extensatildeo multiprofissionalrdquo
(EBSERH 2015)
Desde 2013 a MEJC passou a ser administrada pela EBSERH Empresa Brasileira de
Serviccedilos Hospitalares uma empresa puacuteblica vinculada ao Ministeacuterio da Educaccedilatildeo A
maternidade apresenta uma estrutura de Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) com
75
23 leitos (sendo que treze leitos dentre os vinte e trecircs que compotildee a UTIN foram inaugurados
recentemente em janeiro de 2017) correspondendo a 30 do total disponiacutevel no Estado do
RN (UFRN 2017)
Apesar de serem locais dedicados agrave vida a morte faz parte da realidade da maternidade
A UTIN em particular eacute o local com a segunda maior ocorrecircncia de oacutebitos (com a ocorrecircncia
de cerca de 80 mortes por ano) exigindo preparo da equipe de profissionais para lidar com a
morte de pacientes e fornecer assistecircncia aos familiares
De acordo com o Relatoacuterio de Dimensionamento dos Serviccedilos Assistenciais e da
Gerecircncia de Ensino e Pesquisa (2013) a UTI Neonatal da MEJC apresenta uma equipe
multidisciplinar seguindo os criteacuterios contidos na Portaria GMMS Nordm 930 de 10 de maio de
2012 Esta portaria define as diretrizes e objetivos para a organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo integral e
humanizada ao receacutem-nascido grave ou potencialmente grave e os criteacuterios de classificaccedilatildeo e
habilitaccedilatildeo de leitos de Unidade Neonatal no acircmbito do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS)
A portaria estabelece como Equipe miacutenima para UTI II Neonatal (UTIN)
a) 01 (um) meacutedico responsaacutevel teacutecnico com jornada miacutenima de 04 horas diaacuterias com
certificado de habilitaccedilatildeo em Neonatologia ou Tiacutetulo de Especialista em Medicina Intensiva
Pediaacutetrica fornecido pela Sociedade Brasileira de Pediatria ou Residecircncia Meacutedica em
Neonatologia reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo ou Residecircncia Meacutedica em Medicina
Intensiva Pediaacutetrica reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo
b) 01 (um) meacutedico com jornada horizontal diaacuteria miacutenima de 04 (quatro) horas com
certificado de habilitaccedilatildeo em Neonatologia ou Tiacutetulo de Especialista em Pediatria (TEP)
fornecido pela Sociedade Brasileira de Pediatria ou Residecircncia Meacutedica em Neonatologia ou
Residecircncia Meacutedica em Medicina Intensiva Pediaacutetrica reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo
ou Residecircncia Meacutedica em Pediatria reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para cada 10
(dez) leitos ou fraccedilatildeo
76
c) 01 (um) meacutedico plantonista com Tiacutetulo de Especialista em Pediatria (TEP) e com
certificado de habilitaccedilatildeo em Neonatologia ou Tiacutetulo de Especialista em Pediatria (TEP)
fornecido pela Sociedade Brasileira de Pediatria ou Residecircncia Meacutedica em Medicina Intensiva
Pediaacutetrica reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo ou Residecircncia Meacutedica em Neonatologia
ou Residecircncia Meacutedica em Pediatria reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para cada 10
(dez) leitos ou fraccedilatildeo em cada turno
d) 01 (um) enfermeiro coordenador com jornada horizontal diaacuteria de 8 horas com
habilitaccedilatildeo em neonatologia ou no miacutenimo 02 (dois) anos de experiecircncia profissional
comprovada em terapia intensiva pediaacutetrica ou neonatal
e) 01 (um) enfermeiro assistencial para cada 10 (dez) leitos ou fraccedilatildeo em cada turno
f) 01 (um) fisioterapeuta exclusivo para cada 10 leitos ou fraccedilatildeo em cada turno
g) 01 (um) fisioterapeuta coordenador com no miacutenimo 02 anos de experiecircncia
profissional comprovada em unidade terapia intensiva pediaacutetrica ou neonatal com jornada
horizontal diaacuteria miacutenima de 06 (seis) horas
h) teacutecnicos de enfermagem no miacutenimo 01 (um) para cada 02 (dois) leitos em cada
turno
i) 01 (um) funcionaacuterio exclusivo responsaacutevel pelo serviccedilo de limpeza em cada turno
j) 01 (um) fonoaudioacutelogo disponiacutevel para a unidade
Um mesmo profissional meacutedico poderaacute acumular a responsabilidade teacutecnica e o papel
de meacutedico com jornada horizontal previstos nos incisos I e II do caput O coordenador de
fisioterapia poderaacute ser um dos fisioterapeutas assistenciais
Para a classificaccedilatildeo da UTIN II existem uma seacuterie de criteacuterios preconizados na Portaria
GMMS Nordm 930 de 10 de maio de 2012 dentre estes a disponibilidade de assistecircncia
psicoloacutegica no hospital A MEJC apresenta psicoacutelogas hospitalares no seu quadro de
77
funcionaacuterios e uma em particular que atende agraves demandas da UTI Neonatal incluive
fornecendo apoio aos familiares dos receacutem-nascidos
Apoacutes a caracterizaccedilatildeo da equipe que compotildee a UTIN da maternidade iremos no
proacuteximo subtoacutepico contemplar aspectos referentes a atuaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede na era
da teacutecnica e diante da morte de pacientes
32 ndash O profissional de sauacutede diante da morte de pacientes
No capiacutetulo anterior vimos de forma breve sobre a ontologia do cuidado
Compreendemos que para Heidegger (1927 2015) o cuidado eacute uma forma de ser com o outro
e que o ser-no-mundo existe em relaccedilatildeo com os outros entes O cuidado eacute portanto inerente a
condiccedilatildeo do dasein e ele pode ocorrer de duas formas pela ocupaccedilatildeo e pela preocupaccedilatildeo A
ocupaccedilatildeo acontece pelo manuseio de objetos e a preocupaccedilatildeo quando envolve outros daseins
inclusive o proacuteprio indiviacuteduo
O modo de preocupaccedilatildeo pode ser substitutivo ou antepositivo No modo substitutivo o
cuidador toma as decisotildees pela pessoa que estaacute sendo cuidada eacute considerado um modo inferior
de cuidado por natildeo resgatar a liberdade do ser a sua condiccedilatildeo de escolher entre as varias
possibilidades que vem ao seu encontro Vale salientar que por ser considerado como modo
inferior natildeo significa que o cuidado substitutivo deva ser inexistente No cotidiano este modo
de cuidado se faz necessaacuterio O modo antepositivo por sua vez devolve ao outro a sua
responsabilidade de ser auxilia nos seus processos de escolha
Estes termos de cuidado e cuidador estatildeo muito presentes na aacuterea de sauacutede e outra
nomenclatura bastante utilizada eacute assistecircncia O modelo meacutedico de assistecircncia propotildee a
racionalidade na conduta terapecircutica baseada no binocircmio mentecorpo na separaccedilatildeo entre a
doenccedila e o doente primando pela anaacutelise objetiva das doenccedilas e pela obtenccedilatildeo da cura
(Rebouccedilas 2015)
78
Ao isolar a doenccedila do doente e priorizar as relaccedilotildees de causa e efeito o olhar para os
pacientes e seus familiares enquanto pessoas passando por dificuldades natildeo eacute preponderante
na atuaccedilatildeo profissional natildeo eacute visto como central para a compreensatildeo do ser-doente enquanto
ser-no-mundo diante de possibilidades limitadas
Este modelo baseado na racionalidade meacutedica mostra-se contraditoacuterio para a busca de
um atendimento humanizado Falar de atendimento humanizado para seres humanos que
cuidam de outros seres humanos eacute tambeacutem por si soacute contraditoacuterio Eacute como lembrar que algo
foi perdido que doenccedila e doente estatildeo de fato separados e o paciente natildeo pode ser tratado
como coisa objeto
O discurso da humanizaccedilatildeo nos faz lembrar que no caminho da teacutecnica em meio ao
pensamento calculante pouco se tem refletido sobre o sentido do ser para o ser que adoece
Agora imaginemos esta situaccedilatildeo para um ser que chegou ao mundo de forma tatildeo fragilizada e
que ainda natildeo utiliza a linguagem verbal para expressar as suas vontades Mas que desde o
nascimento eacute um ser-no-mundo e um ser-para-a-morte E eacute um ser que vem ao mundo
enquanto projeto e tambeacutem como parte da vida de outros seres que construiacuteram sonhos e
expectativas
Se a assistecircncia oferecida ao receacutem-nascido e seus familiares for apenas da ordem da
medicalizaccedilatildeo manuseio de equipamentos sem a devida orientaccedilatildeo e explicaccedilatildeo sobre o estado
de sauacutede do bebecirc para os seus pais inclusive mencionando as intecorrecircncias e os detalhes sobre
o tratamento estamos falando apenas a respeito de um cuidado substitutivo Como Heidegger
(1927 2015) comentou trata-se de uma forma de cuidado inferior mas eacute uma forma de
cuidado por vezes necessaacuteria O que natildeo poderia acontecer eacute esta forma de cuidado ser a uacutenica
ser preponderante na assistecircncia aos pacientes e familiares
Um exemplo disto eacute que mesmo quando o acesso dos pais as UTINs eacute incentivado
algumas dificuldades como o medo a inseguranccedila e o estresse na relaccedilatildeo dos pais com o bebecirc
79
apontam a necessidade de ampliar os cuidados dirigidos agraves famiacutelias As praacuteticas em UTIs
Neonatais satildeo permeadas por conflitos e negociaccedilotildees constituindo um desafio agrave construccedilatildeo de
um modelo assistencial humanizado que alie diferentes tecnologias respeito e acolhimento agraves
necessidades de pacientes e profissionais (Lamego Deslandes amp Moreira 2005)
Estas dificuldades se ampliam no caso da morte de pacientes Enquanto ser-no-mundo
a morte apresenta-se para o homem como uma possibilidade de natildeo mais poder de natildeo mais
estar aqui Uma possibilidade que se apresenta ao ser desde o nascimento o que torna o homem
um ser-para-a-morte que reflete sobre a sua proacutepria finitude e sobre a morte do outro
(Heidegger 1927 2015)
Satildeo muitos os desafios enfrentados pelos profissionais de sauacutede agraves dificuldades no
cotidiano do trabalho somam-se o fato de vivenciarem situaccedilotildees de eminencia de morte ou da
morte em si dos pacientes A falta de autonomia apresenta um peso neste processo em razatildeo do
que natildeo eacute dito aos pacientes e familiares E o natildeo dito tambeacutem incomoda aflige ou distancia
paralisa neutraliza A morte por assim dizer apresenta-se como uma grande dificuldade
enfrentada pelos profissionais tanto pela vivecircncia do sofrimento como pela impotecircncia diante
da organizaccedilatildeo do sistema hospitalar (Costa Lima 2005 Bernieri Hirdes 2007 Poles Bolso
2006)
Elizabeth Kluber-Ross (1969 1996) realizou pesquisas pioneiras com pacientes
proacuteximos a morte levando a reflexotildees importantes sobre as atitudes dos profissionais de sauacutede
diante da morte de pacientes relatando que muito pode ser feito nos momentos em que pelo
prisma da racionalidade meacutedica se supotildee que ldquonatildeo haacute mais nada a fazerrdquo A referida autora ao
abordar esta temaacutetica reconhece que o conhecimento teoacuterico eacute importante mas natildeo eacute suficiente
propondo que deveria se trabalhar com o coraccedilatildeo e a alma Tambeacutem traz reflexotildees em relaccedilatildeo
aos membros da famiacutelia do paciente terminal afirmando que os mesmos merecem cuidados e
orientaccedilatildeo para evitar que adoeccedilam
80
Vaacuterios estudos que utilizam a abordagem fenomenoloacutegica apontam as dificuldades
apresentadas pelos profissionais de sauacutede diante da morte de pacientes Sentimentos de perda
tristeza impotecircncia culpa raiva foram relatados em pesquisas realizadas com enfermeiros
como presentes de forma recorrente no ambiente de trabalho (Saines 1997 Shorter amp Stayt
2009 Wong Lee amp Lee 2000 Seno 2010)
Outro sentimento vivenciado pelos profissionais de enfermagem foi denominado como
um conflito em relaccedilatildeo ao uso do tempo a escolha entre acompanhar um paciente que estaacute
morrendo e precisa de apoio e atender agraves necessidades dos outros pacientes Os profissionais
sentem-se impotentes dividindo seu tempo entre estas demandas o que pode levar a
manifestaccedilatildeo de outros sentimentos como culpa frustraccedilatildeo e raiva (Hopkinson Hallett amp
Luker 2003)
Em pesquisa realizada sobre o papel do meacutedico no enfrentamento do processo de morte
de pacientes foram identificadas cinco atitudes ou papeacuteis desejados associados ao
comportamento do meacutedico perante o paciente agrave morte evitar a chegada da morte promover
qualidade de vidamorte dar suporte emocional e estabelecer uma comunicaccedilatildeo transparente
com a famiacutelia ficar ateacute o fim com o paciente seguir a rotina sem se abalar com o oacutebito (Silva
2006)
Em estudo realizado com meacutedicos diante da morte de pacientes foi constatado que estes
profissionais ldquoconvivem com a morte com sentimento de estranheza e natildeo com uma disposiccedilatildeo
de familiaridade como seria natural pensar afinal lidam com a possibilidade de morte mais
frequentemente que os leigos devido ao seu ofiacutecio Diriacuteamos que eles tecircm a possibilidade mais
presente da morte pela proacutepria natureza do seu trabalho cotidiano Ao serem questionados
sobre a morte de pacientes os meacutedicos buscavam desviar do assuntordquo E ao relatarem sobre
os sentimentos diante da morte revelavam frustraccedilatildeo tristeza desconforto (Mello amp Silva
2012 p 54)
81
Como relatado anteriormente os profissionais se sentem desconfortaacuteveis e frustrados
diante da morte de pacientes o momento de comunicar este fato para os familiares eacute por assim
dizer muito delicado De acordo com pesquisa realizada com meacutedicos e familiares sobre a
comunicaccedilatildeo do oacutebito de pacientes foi constatado que a maioria das famiacutelias ficou sabendo do
oacutebito por telefone (747) Cinco famiacutelias (47) descobriram o oacutebito quando foram visitar o
paciente demonstrando insatisfaccedilatildeo com a situaccedilatildeo (Starzewski Jr Rolin amp Morrone 2005)
Quando os profissionais que comunicam a morte de pacientes foram questionados
925 relataram que apresentam dificuldades para falar com os familiares sobre o assunto
Apenas quatro profissionais (75) acharam que natildeo existem dificuldades para falar com
familiares sobre o tema Enfrentar a morte de pacientes no cotidiano de trabalho apresentou-se
como algo difiacutecil de lidar pela falta de preparo pelo desgaste emocional A situaccedilatildeo torna-se
ainda mais complicada diante dos casos de morte suacutebita e do falecimento de crianccedilas A morte
precoce causa um estresse emocional imenso em todos que atendem pais familiares e
profissionais de sauacutede A morte de uma crianccedila foi considerada mais sofrida que a de um adulto
(Starzewski Jr Rolin amp Morrone 2005)
Dentre os profissionais de sauacutede o psicoacutelogo tambeacutem se depara com a realidade de
oferecer suporte para os pacientes familiares e para os colegas de trabalho Na sua atuaccedilatildeo o
psicoacutelogo de sauacutede-hospitalar prima por oferecer a oportunidade para o paciente expressar as
suas emoccedilotildees de modo que encontre a melhor maneira de lidar com as limitaccedilotildees impostas
pela doenccedilahospitalizaccedilatildeo Aleacutem de proporcionar a abertura necessaacuteria para que o paciente
possa dar significado a sua doenccedila dentro do seu contexto de vida reconhecendo-o enquanto
um ser provido de emoccedilotildees e sentimentos os quais interferem no seu comportamento
(Medeiros amp Lustosa 2011)
O estudo realizado por Morais amp Nobre (2013) eacute dedicado agrave praacutetica de psicoacutelogos em
oncologia pediaacutetrica e traz importantes reflexotildees sobre a atuaccedilatildeo destes profissionais em meio
82
ao estigma do cacircncer associado ao sofrimento e agrave morte Um elemento que se apresenta na
praacutetica cotidiana destes profissionais eacute a iminecircncia de morte de crianccedilas que tende a afetar mais
do que a morte de adultos Diante deste cenaacuterio os psicoacutelogos enquanto profissionais que
promovem o cuidado dos pacientes familiares e colegas de trabalho tambeacutem sentem a
necessidade de cuidar de proacuteprios ldquoA praacutetica gera a necessidade de um cuidado de si mesmo
a delimitaccedilatildeo e o cultivo de um espaccedilo para si mesmo o reconhecimento de limites e a luta por
um espaccedilo de cultivo do oacuteciordquo (p 405)
Quando se trata da assitecircncia em UTI Neonatal o psicoacutelogo oferece o suporte aos
familiares do receacutem-nascido que chegam fragilizados e com muitas expectativas em relaccedilatildeo agrave
alta hospitalar do seu filho De acordo com Baltazar Gomes amp Cardoso (2010) a atuaccedilatildeo do
psicoacutelogo em UTI Neonatal ldquoimplica na organizaccedilatildeo de uma proposta de rotina e participaccedilatildeo
quotidiana nos acontecimentos do serviccedilo numa proposta que natildeo se restrinja a pareceres
psicoloacutegicos mas na abordagem regular das famiacutelias e seus bebecircsrdquo (p 16)
As situaccedilotildees de morte e luto exigem que o profissional de psicologia ofereccedila suporte
aos familiares dos pacientes e agraves vezes para a proacuteprios colegas de trabalho envolvidos com os
sentimentos de frustraccedilatildeo e tristeza A morte apresenta-se como um fato recorrente no cotidiano
de trabalho destes profissionais Um tema que merece ser estudado aponto de ganhar espaccedilo
para ser abordado durante os cursos de graduaccedilatildeo e formaccedilatildeo profissional
Diante das reflexotildees presentes nos primeiros capiacutetulos o presente estudo segue
contemplando o caminho realizado pelo pesquisador em direccedilatildeo ao objetivo da pesquisa
83
Capiacutetulo 4 ndash Meacutetodo A escolha do caminho
ldquoO Pintor a Caminho do Trabalhordquo Van Gogh 1888
84
Capiacutetulo 4 ndash Meacutetodo A escolha do caminho
Falar sobre meacutetodo implica sobretudo na escolha do caminho que se quer seguir
enquanto pesquisador No caminho eacute possiacutevel admirar a paisagem olhar novos horizontes
compreender o fenocircmeno Eacute no percurso que ocorrem os encontros entre as indagaccedilotildees
anteriores e a experiecircncia relatada pelo participante entre as ideias preconcebidas e o mundo
real expresso por meio da narrativa A escolha do caminho por assim dizer direciona o olhar
sobre a pesquisa
Na tentativa de escolha do meu caminho convidei o gato do paiacutes das maravilhas para
um diaacutelogo inspirado na reflexatildeo e no questionamento Onde quero chegar Qual a minha
questatildeo central Qual o objetivo da minha pesquisa A questatildeo central surgiu do olhar para a
praacutetica da minha experiecircncia em instituiccedilotildees hospitalares Ao verificar que os profissionais de
sauacutede enfrentam muitos desafios e dificuldades no ambiente de trabalho dentre estas a vivecircncia
da morte do outro O objetivo da pesquisa estaacute estruturado portanto da seguinte forma
compreender a experiecircncia de profissionais que atuam em Unidades de Terapia Intensiva
Neonatal
Escolhido o objetivo passei a olhar para o caminho Para compreender eacute preciso ouvir
atentamente o outro ver o contexto detalhado em forma de histoacuteria de acontecimentos narrados
e repletos de sentidos e significados Compreender eacute diferente de avaliar de generalizar dados
com base no olhar para a superfiacutecie A escolha do caminho de pesquisa me levou a percorrer
uma estrada em que era possiacutevel observar os detalhes por meio de um olhar proacuteximo ao
fenocircmeno
Podes dizer-me por favor que caminho devo seguir para sair
daqui
Isso depende muito de para onde queres ir - respondeu o gato
Preocupa-me pouco aonde ir - disse Alice
Nesse caso pouco importa o caminho que sigas - replicou o
gato
Lewis Carroll
85
Este olhar para o fenocircmeno buscando ver o que estaacute aleacutem das aparecircncias foi possiacutevel
com a inspiraccedilatildeo proporcionada pela fenomenologia Enquanto concepccedilatildeo filosoacutefica a
fenomenologia traz em seu cerne reflexotildees profundas para o pesquisador que se propotildee a
realizar um estudo voltado para a compreensatildeo dos fenocircmenos
A fenomenologia aquela fundamentada nos preceitos de Heidegger (1927 2015)
busca o entendimento do ser humano enquanto ser-aiacute Dasein um ser que tem capacidade de
questionar interrogar sobre o seu proacuteprio ser aleacutem de ter a consciecircncia sobre a sua finitude
Heidegger (1927 2015) propotildee uma compreensatildeo do homem enquanto ser-no-mundo
aberto a possibilidades que vive em relaccedilatildeo com os outros e na manualidade das coisas
simplesmente dadas Um ser que eacute mundo que constroacutei o seu mundo envolvido em uma trama
de sentidos e significados mutaacuteveis passageiros Um ser que tem a linguagem enquanto
morada que permite a expressatildeo dos sentidos Compreender esse ser envolve portanto desde
o princiacutepio ouviacute-lo entendecirc-lo considerando o olhar que tem sobre a vida e cientes de que a
experiecircncia humana eacute uma fluidez constante Natildeo existe portanto a seguranccedila e o controle
como premissas
Diante do exposto pode-se mencionar que a escolha da fenomenologia fundamentada
nas ideias de Heidegger deve-se ao fato da mesma orientar o entendimento do ser humano
a fenomenologia natildeo nasceu como um meacutetodo tal qual como as ciecircncias e
teacutecnicas modernas o supotildeem (como rigorosa prescriccedilatildeo de procedimentos e
instrumentais) mas grosso modo como um questionamento da dissoluccedilatildeo da
filosofia no modo cientiacutefico de pensar da loacutegica inerente agraves ciecircncias modernas
como criacutetica da metodologia de conhecimento cientiacutefico que rejeita do acircmbito do
real e do proacuteprio conhecimento tudo aquilo que natildeo possa estar submetido agrave estrita
noccedilatildeo de verdade [enquanto verificaacutevel por um meacutetodo] de sujeito cognoscente
e de objeto cognosciacutevel (Critelli 1996 p 7)
86
enquanto ser-aiacute dasein um ser que tem como tarefa cuidar de si proacuteprio e construir-se no
mundo (Heidegger 19271989)
A fenomenologia hermenecircutica heideggeriana eacute um modo de ver o mundo E serviu
como inspiraccedilatildeo para a compreensatildeo da experiecircncia dos profissionais de sauacutede atuantes na UTI
Neonatal A busca desta compreensatildeo estava ancorada portanto na orientaccedilatildeo desta filisofia
que traz conceitos relevantes particularmente para a temaacutetica do presente estudo como o ser-
para-a-morte o ser-no-mundo a anguacutestia e o cuidado
Aleacutem disso o referencial fenomenoloacutegico ao abordar a experiecircncia contempla a
existecircncia considerando que o ser humano somente se constitui enquanto tal existindo no
mundo Esta compreensatildeo da existecircncia considera que o caminhante transforma-se a medida
que caminha Como nos inspira Critelli (1996 p 80) ldquoA existecircncia eacute erupccedilatildeo e transformaccedilatildeo
inesgotaacuteveis Daiacute se fala em existecircncia como vir-a-ser o que eacute ou o que estaacute sendo estaacute vindo
a serrdquo
Olhar para o fenocircmeno com este referencial implica em considerar que os profissionais
de sauacutede modificaram-se ao longo da sua jornada Eles fizeram escolhas enfrentaram desafios
vivenciaram perdas e momentos alegres e podem ter modificado a sua visatildeo de mundo ao longo
da jornada De forma similar o pesquisador tambeacutem modifica a sua compreensatildeo sobre o
fenocircmeno As ideias iniciais podem ser contempladas ou mesmo desconsideradas diante dos
encontros com novas perspectivas sobre o fenocircmeno
A pesquisa fenomenoloacutegica considera que ldquoinvestigar eacute sempre colocar em andamento
uma interrogaccedilatildeordquo (Critelli 1996 p27) Em meio aos encontros com os participantes o
fenocircmeno se apresenta e se desvela a partir dos sentidos e interpretaccedilotildees do pesquisador
Ao considerar que a experiecircncia de cada participante eacute uacutenica que a existecircncia eacute singular
o referencial da fenomenologia natildeo defende uma verdade absoluta para os fenecircmenos A
verdade eacute relativa A compreensatildeo sobre a existecircncia eacute referente ao momento da pesquisa e
87
considera um horizonte histoacuterico especiacutefico que dita normas valores e formas de ver o mundo
Por assim dizer em um novo encontro o participante pode resignificar a sua experiecircncia
desvelar novos sentidos para a sua existecircncia
A fenomenologia propotildee uma criacutetica ao modelo metafiacutesico que busca uma relaccedilatildeo de
causa e efeito e a verdade absoluta para o que foi pesquisado Escolher esta orientaccedilatildeo para
realizar pesquisa natildeo significa entendecirc-la enquanto uma metodologia mas sim de uma forma
mais ampla como um modo de ver o mundo e compreender os fenocircmenos
A partir da compreensatildeo do meacutetodo com um caminho a ser percorrido de ora em diante
seratildeo apresentadas as formas escolhidas para trilhar este caminho ou seja como as informaccedilotildees
sobre os participantes foram obtidas e posteriormente como buscou-se a compreensatildeo diante
do que foi narrado
41-Participantes da pesquisa
A pesquisa teve como participantes profissionais de sauacutede atuantes na UTI Neonatal da
Maternidade Escola Januaacuterio Cicco A definiccedilatildeo dos participantes ocorreu de forma intencional
considerando a disponibilidade dos profissionais em participar Pretendeu-se inicialmente
contemplar pelo menos um representante de cada formaccedilatildeo profissional necessaacuteria para a
estruturaccedilatildeo de uma equipe de UTI Neonatal
Vale salientar que o interesse da pesquisa natildeo estaacute no nuacutemero expressivo de
participantes mas sim no conteuacutedo de sua experiecircncia Desta forma foram realizadas nove
entrevistas com profissionais de sauacutede de diferentes especialidades meacutedicos enfermeiros
teacutecnicos de enfermagem fisioterapeutas psicoacutelogo e assistente social (Turato 2005)
Os participantes apresentavam idade compreendida entre a faixa etaacuteria de 25 anos a 45
anos Quanto ao tempo de atuaccedilatildeo na UTI neonatal existiram profissionais que atuam a mais
de 20 anos e outros que vieram de diferentes locais de trabalho como de um hospital geral e
88
estatildeo trabalhando na UTI neonatal haacute aproximadamente 3 anos oriundos do concurso da
EBSERH
A equipe da UTI Neonatal eacute muldiciplinar No mecircs em que foram realizadas as
entrevistas possuiacutea o seguinte quantitativo de pessoal 8 fisioterapeutas 21 enfermeiros 28
meacutedicos 1 psicoacutelogo 1 assistente social 1 terapeuta ocupacional 2 fonodioacutelogos e 49 teacutecnicos
de enfermagem
42-Criteacuterios de Inclusatildeo e Exclusatildeo
Foram convidados a participar do estudo os profissionais de sauacutede atuantes na UTI-
Neonatal contemplando as diferentes formaccedilotildees necessaacuterias agrave formaccedilatildeo de uma equipe
multidisciplinar (meacutedicos enfermeiros teacutecnicos de enfermagem psicoacutelogos fisioterapeutas) e
que tiveram disponibilidade e interesse para participar da pesquisa Os criteacuterios de inclusatildeo
delimitados foram trabalhar na UTI Neonatal ter algum tipo de formaccedilatildeo (seja esta teacutecnica ou
de niacutevel superior)
Como criteacuterio de exclusatildeo foi definida a ausecircncia de formaccedilatildeo (de graduaccedilatildeo ou teacutecnica
para o exerciacutecio da funccedilatildeo) ou seja os estudantes que fazem estaacutegio ou residecircncia na
Maternidade Escola natildeo participaram do estudo Natildeo foram considerados como criteacuterios de
exclusatildeo a idade sexo o tempo de formaccedilatildeo profissional e o tempo de atuaccedilatildeo na Unidade de
Terapia Intensiva Neonatal
Por se tratar de um estudo que tem inspiraccedilatildeo na fenomenologia hermenecircutica
heideggeriana considerou-se a experiecircncia de cada participante como uacutenica Por assim dizer a
idade o tempo de atuaccedilatildeo na UTI Neonatal natildeo se apresentam como aspectos relevantes para
a compreensatildeo da experiecircncia dos participantes nem tatildeo pouco para servir como referecircncia a
tiacutetulo de comparaccedilatildeo entre as narrativas Pelos motivos expostos estes criteacuterios natildeo foram
considerados para a interpretaccedilatildeo das entrevistas
89
43-Aspectos eacuteticos
O presente estudo foi submetido e aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica da UFRN
Universidade Federal do Rio Grande do Norte com a anuecircncia da Maternidade Escola Januaacuterio
Cicco (CAAE 68533517000005537) Antes do iniacutecio de cada entrevista foi apresentado o
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para os profissionais que desejaram
participar Neste termo constam os riscos e benefiacutecios envolvidos na participaccedilatildeo da pesquisa
(termo apresentado em anexo) Nos casos de concordacircncia na participaccedilatildeo tambeacutem foi
solicitada a assinatura do Termo de Autorizaccedilatildeo para Gravaccedilatildeo de Voz (termo apresentado em
anexo)
As entrevistas foram realizadas em uma sala reservada na Maternidade Escola Januaacuterio
Cicco no horaacuterio mais conveniente para os entrevistados de forma que natildeo comprometeu o
desenvolvimento das atividades laborais
Por se tratar de uma pesquisa realizada com profissionais de uma uacutenica instituiccedilatildeo a
preocupaccedilatildeo com as questotildees eacuteticas foi muito aleacutem da assinatura do TCLE envolveu um
cuidado para a preservaccedilatildeo do sigilo quanto agrave identidade dos participantes de forma que eles
pudessem expressar as suas opiniotildees seus pontos de vista espontaneamente sem receio de
alguma represaacutelia por parte da instituiccedilatildeo ou mesmo dos colegas de trabalho
Como outra alternativas para o cumprimento com o sigilo foram adotados nomes
fictiacutecios para as participantes Tais como as flores que trazem beleza ao ambiente e ao mesmo
tempo deixam frutos e sementes por onde passam as participantes da pesquisa se dedicam para
tornar o ambiente da UTI Neonatal mais acolhedor e leve apesar do solo aacuterido de um trabalho
com o limiar da vida As flores nos inspiraram assim a denominar as participantes como
Rosa Margarida Orquiacutedea Tulipa Iacuteris Angeacutelica Violeta Amariacutelis e Girassol
90
44- Formas de trilhar o caminho
Para chegar ateacute os participantes foram cumpridas todas as exigecircncias necessaacuterias quanto
agrave parte burocraacutetica Inicialmente o projeto de tese foi submetido agrave avaliaccedilatildeo da Gerecircncia de
Pesquisa da MEJC Com a anuecircncia da maternidade o projeto foi submetido ao Comitecirc de Eacutetica
da UFRN Apoacutes a aprovaccedilatildeo no referido Comitecirc de Eacutetica foi realizado um novo contato com
a Gerecircncia de Pesquisa da MEJC para enviar a documentaccedilatildeo de aprovaccedilatildeo e solicitar o crachaacute
de acesso agraves instalaccedilotildees da maternidade conforme orientado anteriormente Cumprida esta
etapa foi agendada uma reuniatildeo com a enfermeira chefe da UTI Neonatal para explicar sobre
a pesquisa
Apoacutes a reuniatildeo a pesquisadora foi apresentada a alguns profissionais da UTI Neonatal
dentro das instalaccedilotildees da UTIN quando uma profissional questionou se poderia ser entrevistada
naquele momento demonstrando bastante interesse pela pesquisa Diante da solicitaccedilatildeo como
a pesquisadora estava com todo o material necessaacuterio (TCLE Termo de Gravaccedilatildeo de Voz
gravador) as entrevistas se iniciaram naquele mesmo dia
Apoacutes a primeira entrevista jaacute havia outra profissional interessada Assim as entrevistas
narrativas foram sendo agendadas tendo como caracteriacutestica a procura espontacircnea das
profissionais e de acordo com a disponibilidade dos mesmos As entrevistas ocorreram ao longo
do mecircs de julho de 2017 em uma sala dentro da UTIN da MEJC destinada ao atendimento de
matildees ou a reuniotildees dos profissionais de sauacutede
A entrevista narrativa foi utilizada na presente pesquisa por permitir o acesso ao
fenocircmeno agrave histoacuteria contada pelo narrador da forma como ele a compreende e vivencia A
narrativa se apresenta como uma expressatildeo da compreensatildeo Atraveacutes da narrativa o
participante relata o que considera relevante para a sua trajetoacuteria vivencial contada por meio
de fatos acontecimentos e afetos (Dutra 2002)
91
A narrativa contempla a experiecircncia narrada pelo participante e ouvida pelo
pesquisador que ao relatar o que ouviu se torna outro narrador o qual conta a histoacuteria a partir
da compreensatildeo que teve do fenocircmeno O pesquisador assume portanto uma postura ativa
durante todo o processo de conduccedilatildeo do estudo (Benjamim 2008 Dutra 2002)
Desta forma o pesquisador pode direcionar a entrevista agrave temaacutetica que for do seu
interesse e o participante torna-se o narrador da sua proacutepria experiecircncia Como natildeo existe uma
busca pela verdade universal dos fatos e sim uma compreensatildeo do fenocircmeno para a pessoa que
o vivenciou a narrativa contribui para o intuito da fenomenologia de retornar ldquoagraves coisas
mesmasrdquo como satildeo na forma que se desvelam para o mundo (Dutra 2016)
A narrativa por assim dizer reflete a experiecircncia humana como ela foi vivenciada e
resignificada pelo narrador e a fenomenologia busca compreender o fenocircmeno experienciado
pelo participante Diante do exposto a entrevista narrativa foi utilizada tendo como questatildeo
disparadora
ldquoVocecirc poderia me falar a respeito da sua experiecircncia enquanto profissional de sauacutede em UTI
Neonatalrdquo
42- Orientaccedilatildeo para a interpretaccedilatildeo
A interpretaccedilatildeo das narrativas ocorreu agrave luz da hermenecircutica heideggeriana Heidegger
buscou inspiraccedilatildeo na hermenecircutica para a estruturaccedilatildeo de uma nova forma de pensar a
fenomenologia A origem da palavra hermenecircutica remete a Hermes o deus mediador que na
Greacutecia Antiga era conhecido como o mensageiro o responsaacutevel pela origem da linguagem
verbal e escrita aquele que fazia a traduccedilatildeo da linguagem dos deuses para a linguagem humana
Desde a Greacutecia Antiga valorizava-se a arte de interpretar as palavras Mas foi somente no
seacuteculo XVII que se passou a utilizar a denominaccedilatildeo de hermenecircutica em referecircncia agrave ciecircncia
da interpretaccedilatildeo (Rohden 2012)
92
Para Heidegger a hermenecircutica tambeacutem eacute considerada como sinocircnimo de interpretaccedilatildeo
utilizando-se do mesmo conceito da Greacutecia Antiga Heidegger entende que o ser humano
sempre interpreta e isto faz parte da existecircncia da sua relaccedilatildeo com o mundo No livro Ser e
Tempo o referido autor dedica-se a compreender a questatildeo do ser e passa a definir o ser humano
como dasein como ser-aiacute temporal e histoacuterico caracterizado por uma abertura (Heidegger
19272015)
Esta abertura ocorre por meio de trecircs existenciais propostos por Heidegger a disposiccedilatildeo
afetiva (befindlickeit) a compreensatildeo e a linguagem Inicialmente o dasein se abre para o
mundo por um estado de acircnimo uma disposiccedilatildeo afetiva algo que comove que desperta o
interesse do ser O fato de estar no mundo faz com os seres sejam sempre afetados pelas coisas
que acontecem no mundo e esta afetaccedilatildeo pode ocorrer por meio de humores positivos como
tambeacutem por estados de acircnimos distintos como o teacutedio e a indiferenccedila que iratildeo permitir a
abertura do ser para o mundo de outro modo
A compreensatildeo eacute apresentada por Heidegger como outro existencial para abertura do
ser como caracteriacutestica fundamental da existecircncia humana uma vez que o ser-aiacute eacute um poder-
ser aberto a possibilidades Um ser de projetos que interage com o mundo com as
possibilidades escolhas e responsabilidades A compreensatildeo eacute o poder-ser a possibilidade de
ser algo para os outros e principalmente para si mesmo Heidegger (1989 p 200) entende a
compreensatildeo como ldquoo ser existencial do proacuteprio poder-ser da pre-senccedila de tal maneira que em
si mesmo esse ser abre e mostra a quantas anda seu proacuteprio serrdquo
A elaboraccedilatildeo do projeto da compreensatildeo por sua vez eacute definida por Heidegger como
interpretaccedilatildeo Interpretaccedilatildeo e compreensatildeo natildeo satildeo entendidas pelo referido autor como etapas
separadas mas como intriacutensecas ao entender humano A compreensatildeo revela a abertura para as
possibilidades que ganham forma por meio da interpretaccedilatildeo
93
A compreensatildeo eacute expressa por meio da linguagem verbal e natildeo-verbal e a expressatildeo
da linguagem pode gerar uma nova interpretaccedilatildeo do que foi vivido E o homem se expressa por
meio do discurso Segundo Heidegger (2003 p 203)
ldquo falar eacute por si mesmo escutar Falar eacute escutar a linguagem que falamos O falar natildeo
eacute ao mesmo tempo mas antes uma escuta Esta escuta da linguagem precede da
maneira mais insuspeita todas as demais escutas possiacuteveis Natildeo falamos simplesmente
a linguagem Falamos a partir da linguagemrdquo
Como relatado anteriormente a narrativa promove para o narrador uma reflexatildeo sobre
os acontecimentos e uma ressignificaccedilatildeo das experiecircncias para o ouvinte a possibilidade de
gerar uma compreensatildeo do que foi narrado considerando a forma como este interpreta o mundo
Os existenciais definidos por Heidegger fundamentam a relaccedilatildeo do ser-com o mundo e
compotildee uma circularidade onde nada estaacute pronto e acabado onde natildeo existe uma verdade
absoluta e o ser-no-mundo eacute o ser-aiacute inserido em uma temporalidade e em um contexto
histoacuterico especiacutefico
Congruente com a ideia de circularidade Heidegger propotildee o ciacuterculo hermenecircutico que
compreende trecircs estados natildeo-lineares indissociaacuteveis a posiccedilatildeo preacutevia a visatildeo preacutevia e a
concepccedilatildeo preacutevia Conforme apresentado na figura a seguir
Figura 2 - O ciacuterculo hermenecircutico
Posiccedilatildeo Preacutevia
Visatildeo PreacuteviaConcepccedilatildeo
Preacutevia
Abertura Disposiccedilatildeo
compreensatildeo linguagem
(Azevedo 2013 Maux 2014)
94
A posiccedilatildeo preacutevia apresenta o conhecimento anterior do pesquisador (as leituras
realizadas sobre a temaacutetica de estudo os sentidos que levaram ao interesse pela pesquisa a
escuta de outros atores que influenciaram no processo enfim as informaccedilotildees anteriores ao
encontro com os participantes da pesquisa) O pesquisador natildeo vai escutar a narrativa do
participante de forma neutra pois ele eacute um ser-no-mundo envolvido em um contexto histoacuterico
especiacutefico e com um preacute-conhecimento sobre o fenocircmeno que seraacute estudado
A visatildeo preacutevia apresenta-se como possibilidades de compreensatildeo diante do que foi
ouvido do participante Eacute um recorte feito pelo pesquisador a partir de uma abertura uma
disposiccedilatildeo afetiva para a escuta do outro E a concepccedilatildeo preacutevia resgata os conhecimentos
apresentados na posiccedilatildeo preacutevia com o recorte da escuta proveniente da visatildeo preacutevia Eacute a
interpretaccedilatildeo que cria algo novo que torna o ouvinte narrador de uma histoacuteria estruturada com
base na sua compreensatildeo de mundo
A relaccedilatildeo proposta pela hermenecircutica e pela fenomenologia considera o dito e o natildeo
dito ou seja natildeo somente o conteuacutedo anunciado pelo sujeito mas os pressupostos que ele natildeo
anuncia E o pesquisador tem uma postura ativa no processo cabendo a ele as possibilidades
de ver novas perguntas e respostas dependendo da conduccedilatildeo da proacutepria entrevista Esta
abertura e postura ativa do pesquisador possibilita que o mesmo acesse o fenocircmeno buscando
a compreensatildeo da experiecircncia do outro
A anaacutelise e interpretaccedilatildeo do fenocircmeno foi realizada em congruecircncia com a circularidade
hermenecircutica (Heidegger 1927 2015) e teve as suas etapas definidas utilizando como fontes
de inspiraccedilatildeo as propostas de Dutra (2002) Azevedo (2013) e Maux (2014)
-Registro das afetaccedilotildees do pesquisador durante a entrevista Apoacutes a entrevista o
pesquisador descreve aspectos relevantes para o mesmo as afetaccedilotildees e ateacute reflexotildees e
questionamentos tendo com base a visatildeo preacutevia e a posiccedilatildeo preacutevia
-Transcriccedilatildeo da entrevista e posterior releitura do pesquisador
95
-Identificaccedilatildeo de temas que emergem das narrativas como um desvelamento da tramas
da existecircncia de cada participante Os temas retratam aspectos significativos para os
participantes que satildeo contemplados ao longo das narrativas e que afetaram o pesquisador
narrador
-Interpretaccedilatildeo do fenocircmeno com base na concepccedilatildeo preacutevia em que os conhecimentos
anteriores satildeo refletidos junto agraves entrevistas transcritas Nesta etapa o todo da pesquisa eacute
apresentado diante da reflexatildeo do pesquisador para a estruturaccedilatildeo da compreensatildeo do
fenocircmeno
A transcriccedilatildeo eacute uma etapa que consiste na primeira versatildeo das entrevistas que apresenta
a narrativa da forma como foi gravada com as falas do pesquisador e do entrevistado (Maux
amp Dutra 2009 Schmidt 2006)
Apoacutes descrever as etapas para interpretaccedilatildeo das narrativas eacute importante ressaltar que
assim como a obra de Van Gogh ldquoo pintor a caminho do trabalhordquo o pesquisador ao longo do
percurso da pesquisa entra em contato com o fenocircmeno jaacute com uma compreensatildeo preacutevia do
mesmo Ao longo da caminhada surgem novas nuances novas formas de compreender o
fenocircmeno a partir do olhar de quem o vivenciou Como afirma Critelli (1996 p 81) ldquoeacute atraveacutes
do desveladoreveladotestemunhado que os homens se relacionam entre siAgrave medida que as
coisas testemunhadas em comum satildeo elementos de mediaccedilatildeo entre os homens elas estatildeo
instaurando o mundo uma trama significativa comum O mundo se daacute e se recusa aos homens
atraveacutes daquilo com que estatildeo em contato e a respeito do que falamrdquo
A narrativa traz em si os fatos acontecimentos e afetos Apresenta pontos de vista e a
historicidade do ser-no-mundo Oferece a quem narra e a quem ouve a possibilidade de um
encontro e nesse encontro a possibilidade de refletir e resignificar o vivido O proacuteximo capiacutetulo
seraacute dedicado justamente agraves narrativas destes profissionais que se dedicam a cuidar da vida e
buscam formas de lidar com a finitude
96
-Capiacutetulo 5 As narrativas dos participantes os sentidos de ser profissional de sauacutede em
UTI Neonatal
ldquoLast Supperrdquo ldquoA Uacuteltima Ceiardquo Vladimir Kush
97
-Capiacutetulo 5 As narrativas dos participantes os sentidos de ser profissional de sauacutede em
UTI Neonatal
Este capiacutetulo eacute dedicado agraves participantes do estudo as profissionais de sauacutede atuantes
na UTI Neonatal da Maternidade Escola Januaacuterio Cicco homenageadas atraveacutes do quadro
apresentado no iniacutecio do capiacutetulo do pintor surrealista Vladimir Kush As flores reunidas em
torno de uma mesa serviram de inspiraccedilatildeo para falar sobre a experiecircncia das colaboradores que
integram uma equipe multiprofissional Ser profissional de sauacutede eacute tambeacutem ser-com os colegas
de trabalho das diversas aacutereas por assim dizer faz parte do mundo de cada profissional as
relaccedilotildees que constituem com o outro
Assim como as distintas flores ao redor de uma mesa apresentadas no quadro tantas
vezes os profissionais com formaccedilotildees distintas precisam se reunir em torno de um caso em
nome da assistecircncia ao receacutem-nascido e seus familiares Como as flores que compotildee um belo
jardim deixam espaccedilo para a sobrevivecircncia e florescimento das demais o trabalho de cada
integrante da equipe tem a sua relevacircncia e os papeacuteis dos profissionais precisam estar claros
bem como a importacircncia que cada um pode gerar para o todo em benefiacutecio da assistecircncia aos
bebecircs
As flores satildeo belas e delicadas mas tambeacutem possuem espinhos Ora estatildeo mais floridas
ora um pouco murchas Tambeacutem precisam de aacutegua e insumos para sobreviver Sofrem quando
o solo estaacute demasiadamente aacuterido ou quando precisam enfrentar tempestades Os seres
humanos agraves vezes estatildeo mais sorridentes e alegres para vida Em outros momentos mais
murchos e contidos ou mesmo tristes e sem enxergar novas possibilidades
As afetaccedilotildees os estados de humor satildeo como lentes que direcionam o nosso olhar para
as possibilidades da existecircncia O encantamento o estar apaixonado pode levar a ver o mundo
cor de rosa com novas nuances a tristeza por sua vez pode levar o olhar para algo obscuro
sem possibilidades ou alternativas para soluccedilatildeo
98
Como seres humanos os profissionais de sauacutede tambeacutem possuem a afetaccedilatildeo como
caracteriacutestica ontoloacutegica natildeo satildeo como maacutequinas que apresentam reaccedilotildees calculadas
Simplesmente existem dias em que natildeo aguentam ver tanto sofrimento e em outros
conseguem oferecer o suporte esperado O fato eacute que precisam ter um domiacutenio teacutecnico dos
instrumentais e equipamentos e ao mesmo tempo fornecer uma assistecircncia humanizada
dedicando atenccedilatildeo aos pais e familiares
Diante das consideraccedilotildees eacuteticas levantadas quanto ao sigilo dos participantes optamos
por realizar a anaacutelise das entrevistas a partir dos temas que emergiram das afetaccedilotildees do
pesquisador apoacutes as leituras e releituras das transcriccedilotildees das entrevistas Estes temas
apresentados a seguir seratildeo discutidos agrave luz da fenomenologia hermenecircutica heideggeriana
contemplando o olhar da pesquisadora para a experiecircncia dos profissionais 1-A escolha para
trabalhar na UTI Neonatal 2- As dificuldades do trabalho em uma UTI Neonatal 3- Os
sentimentos diante da morte de receacutem-nascidos 4- O ser-com-os-outros as matildees dos pacientes
os receacutem-nascidos e os colegas de trabalho 5- A formaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede 6-
Reflexotildees sobre a atuaccedilatildeo profissional de sauacutede concepccedilatildeo de cuidado novas possibilidades e
projetos
De ora em diante seguiremos com os temas propostos envolvendo trechos das falas dos
participantes e as reflexotildees acerca da experiecircncia de ser-com os profissionais de sauacutede atuantes
da UTI Neonatal
1-A escolha para trabalhar na UTI Neonatal
Ao relatarem sobre a sua experiecircncia na UTI Neonatal os profissionais naturalmente
contavam sobre o seu percurso profissional na aacuterea de sauacutede ateacute chegar agrave UTI Neonatal da
MEJC A construccedilatildeo da narrativa por assim dizer gerava direccedilatildeo e sentido Em cada relato
passado presente e futuro se entrelaccedilavam e resultavam na composiccedilatildeo de uma histoacuteria de vida
Este toacutepico sobre ldquoa escolha para trabalhar na UTI Neonatalrdquo assumiu uma relevacircncia durante
99
a anaacutelise das narrativas por se apresentar como um marco na trajetoacuteria de vida destes
profissionais um ldquodivisor de aacuteguasrdquo que gera desdobramentos para os demais toacutepicos definidos
durante a anaacutelise
Dentre as nove entrevistadas quatro demonstraram interesse pela aacuterea de neonatologia
durante a faculdade e buscaram fazer residecircncia na aacuterea Estas revelaram um encantamento
inicial com a aacuterea principalmente pelo fato de trabalhar com bebecircs com o iniacutecio da vida
Algumas vezes a ideia do nascimento aparece como uma perspectiva positiva principalmente
quando seguida da possibilidade de contribuir com o desenvolvimento dos receacutem-nascidos
Seguem alguns relatos que ilustram isso
ldquoNo final da faculdade eu me apaixonei por Neo E a primeira vez que eu entrei ou na
enfermaria canguru ou aqui eu jaacute senti uma afinidade muito grande Eu natildeo sei explicar
da onde veio tanto amor assim mas eu gosto muito de trabalhar na aacuterea eu tento pensar na
famiacutelia como se fosse minha famiacutelia como eu queria que tratassem um filho meurdquo
(Margarida)
ldquoO meu sentimento em relaccedilatildeo agrave UTI eacute de uma casa mesmo porque eu brinco dizendo
que eu nasci profissionalmente aqui e eacute aqui que eu guardo todo o meu sentimento
tudinho de cuidado neacute Eu cuido dessa UTI como se ela fosse minha mesmo minha
casa a extensatildeo da minha famiacuteliardquo (Angeacutelica)
As demais (outras cinco profissionais) tiveram o direcionamento para a aacuterea a partir do
concurso puacuteblico para a MEJC Duas se destacaram pelos relatos de natildeo desejarem trabalhar
em UTI Neonatal tanto pelo desgaste da rotina como pela dificuldade em lidar com a morte de
bebecircs Apesar disso por questotildees administrativas acabaram integrando a equipe e alegam que
hoje conseguiram resignificar a experiecircncia de trabalhar com bebecircs graves e suas famiacutelias
ldquo Quando eu fui chamada em Marccedilo pra caacute me choquei de antematildeo porque eu natildeo
vim pra UTI Nunca quis trabalhar com Neo Tem uma carga emocional muito
grande se a gente jaacute sofre com perdas de pacientes adultos imagina com crianccedilas
receacutem-nascidas que tem uma vida toda pela frenterdquo (Tulipa)
100
ldquoNa verdade eu nunca tive experiecircncia em UTI E quando eu fui convocada devido
aqui na UTI Neo ter um deacuteficit de funcionaacuterios entatildeo eu meio que fui induzida a
aceitar Como havia essa necessidade entatildeo eles me convenceramrdquo (Amariacutelis)
Apesar da resistecircncia inicial de algumas para trabalhar na UTI Neo o que existe em
comum em todos os relatos eacute o encantamento com o trabalho realizado A possibilidade de
ajudar os bebecircs e suas famiacutelias aparece como um acalento um retorno muito significativo da
dedicaccedilatildeo do trabalho realizado O cuidado com os bebecircs e a possibilidade de vecirc-los sair de
uma situaccedilatildeo limiacutetrofe para uma nova vida faz as profissionais se emocionaram e desejarem
continuar nesta jornada apesar das dificuldades encontradas
Ao buscar compreender o outro a partir de uma perspectiva da fenomenologia
existencial passamos a consideraacute-lo como um ser-no-mundo que se constitui agrave medida que
constroacutei seu caminhar que se planeja realiza projetos mas pode se deparar com situaccedilotildees
diversas das quais imaginava e de uma forma ou de outras vai lidando com isso tudo
Foi interessante o relato de uma profissional que natildeo considerava a sua atuaccedilatildeo na UTI
Neonatal como uma escolha apesar de ter mais de 20 anos de experiecircncia na aacuterea de
Neonatologia iniciou a sua trajetoacuteria tirando feacuterias de uma colega em uma UTI Neonatal seu
primeiro emprego Para a profissional trabalhar nesta aacuterea foi ldquouma oportunidade que depois
virou um caminhordquo natildeo uma escolha por preferecircncia ou identificaccedilatildeo inicial Depois as
oportunidades foram surgindo devido a sua experiecircncia na aacuterea e assim o seu percurso
profissional foi se desenvolvendo
ldquoFoi a oportunidade que surgiu que me fez conhecer e querer seguir essa aacuterea natildeo
foi uma coisa assim ldquoah eu sonhei em fazerrdquo a gente natildeo escolhe a aacuterea a
oportunidade que escolhe a genterdquo (Girassol)
O relato de Girassol traz uma reflexatildeo acerca da indeterminaccedilatildeo do sujeito que
enquanto ser-no-mundo estaacute aberto a possibilidades que vatildeo surgindo e assim um caminho vai
sendo construiacutedo Este caminho eacute incerto natildeo estaacute definido por certezas pautadas na ideia de
101
uma vocaccedilatildeo encapsulada que estaacute presente dentro do indiviacuteduo para ser exercida no mercado
de trabalho O ser-aiacute eacute aberto a possibilidades e vai modificando-se ao longo do percurso da
vida O que poderia natildeo ser imaginado como local de atuaccedilatildeo tempos atraacutes pode tornar-se fonte
de subsistecircncia em outro momento da vida O indiviacuteduo pode resignificar a sua atuaccedilatildeo
profissional e observar de forma diferente o local em que estaacute trabalhando
O que observamos ao longo dos relatos foi que a ideia de trabalhar com bebecircs natildeo
implica necessariamente em uma identificaccedilatildeo ou vocaccedilatildeo originaacuteria agraves vezes tatildeo presente na
concepccedilatildeo do senso comum Mas em possibilidades que surgem e passam a ser consideradas
como parte de um caminho E a magia do caminhar estaacute justamente na possiacutevel transformaccedilatildeo
do caminhante ao olhar novas paisagens e vivenciar novas experiecircncias
Esta reflexatildeo inicial tem o intuito de lanccedilar um olhar para as escolhas destes
profissionais a partir da fenomenologia existencial considerando a indeterminaccedilatildeo do sujeito
Afinal de contas como nos inspiram Feijoo Protaacutesio e Magnam (2014) ldquo Outra determinaccedilatildeo
baacutesica para uma psicologia existencial consiste em tomar o modo de ser e comportar-se do
homem como fundado em seu caraacuteter de indeterminaccedilatildeo e poder-ser ou seja seu modo de ser
encontra-se sempre em jogo no seu existir Sendo a existecircncia marcada pela indeterminaccedilatildeo
natildeo eacute possiacutevel prescrever ou determinar o melhor caminho a seguirrdquo (p 58)
A partir deste olhar para a indeterminaccedilatildeo do sujeito considerando o horizonte
histoacuterico as limitaccedilotildees nas quais estatildeo imersos partiremos para o outro toacutepico que contempla
o trabalho na UTI Neonatal
2- As dificuldades do trabalho em uma UTI Neonatal
A UTI Neonatal na MEJC foi ampliada no ano de 2017 passando a apresentar duas
unidades com capacidade para atender 23 receacutem-nascidos Compotildee a UTI Neonatal um
corredor central com uma sala aberta para os prontuaacuterios uma sala de apoio com equipamentos
uma copa as salas de descanso e uma sala de acolhimento (tambeacutem receacutem-inaugurada)
102
Eacute um local frio em termos de temperatura de ausecircncia de cores da presenccedila de um
maquinaacuterio sofisticado da luz constante e contiacutenua que gera uma distacircncia em relaccedilatildeo ao que
ocorre fora das instalaccedilotildees da UTI Natildeo existem janelas nas aacutereas dedicadas ao tratamento dos
receacutem-nascidos e consequentemente ao trabalho dos profissionais de sauacutede Isto foi relatado
por uma das profissionais como uma caracteriacutestica do trabalho na UTI Neonatal
ldquoEu acho que a dificuldade eacuteo confinamento eacute vocecirc taacute num lugar que vocecirc natildeo vecirc se
eacute de dia se eacute de noite se taacute chovendo se taacute fazendo sol entendeu O ambiente fechado
ao longo do tempo ele pesa Eacute tanto que quando fizeram a reforma daqui eu disse ldquoai
que coisa boa Vai ter janelardquo porque acredito ateacute que eacute uma coisa boa pras crianccedilas
tomar banho de solrdquo (Girassol)
Sentir-se confinado em um ambiente sem janela sem saber se eacute dia ou noite eacute um fator
que pode gerar um incocircmodo maior para alguns profissionais como no relato apresentado por
Girassol Fizemos uma analogia a esta flor que busca constantemente o sol para o seu
desenvolvimento com a profissional que se sente inserida em um ambiente que apresenta uma
caracteriacutestica de confinamento Este confinamento faz parte da atuaccedilatildeo da maior parte dos
profissionais da UTI Neonatal com exceccedilatildeo para a as aacutereas da psicologia e serviccedilo social que
circulam pelas instalaccedilotildees do hospital inclusive para dar assistecircncia agraves matildees dos bebecircs
Alguns estudos apontam que trabalhar em local confinado eacute uma dificuldade vivenciada
pelos profissionais de sauacutede Algo que gera um certo incocircmodo tanto em relaccedilatildeo agrave falta da luz
solar como tambeacutem quanto aos cheiros e agrave temperatura Na tentativa de humanizar o ambiente
algumas estrateacutegias satildeo sugeridas como colocar um pano em cima das incubadoras para
ldquoinduzirrdquo um ciclo de dia-noite diminuir o volume dos ruiacutedos sonoros ou substituiacute-los por
alarmes luminosos Estas praacuteticas tem o intuito de reduzir o impacto das consequecircncias do
confinamento para os pacientes Para os profissionais entretanto pode gerar mais demanda de
trabalho mais atividades para executar (Brasil 2003 Lamego Deslandes e Moreira 2005
Rocha Souza e Teixeira 2015)
103
Outra dificuldade apresentada por vaacuterios profissionais entrevistados refere-se agrave
sobrecarga de trabalho em especial para a categoria de teacutecnicos de enfermagem que apresenta
um nuacutemero inferior ao necessaacuterio para atendimento dos receacutem-nascidos
ldquo A gente passa muitos periacuteodos difiacuteceis por ter menos teacutecnicos de enfermagem do
que deveria ter Porque a gente sabe que um teacutecnico soacute pode ficar com tantos nuacutemeros
de bebecircs quando ele fica com mais bebecircs pra cuidar do que ele deveria ficar isso acaba
levando a maior risco de erros de sobrecarga pra aquele profissional E acontece erros
na assistecircncia por conta dissordquo (Orquiacutedea)
ldquoEles se preocupam em abrir leitos leitos Mas natildeo compreendem que tecircm poucos
profissionais pra isso e que deveriam bloquear Tem dias que a gente tem que ficar
com seis teacutecnicos cinco teacutecnicos pra vinte um vinte e dois bebecircs e isso natildeo eacute correto
e acaba deixando a gente tenso porque a gente trabalha sob uma certa pressatildeo Eacute tanto
que vaacuterios teacutecnicos que entraram aqui muitos jaacute saiacuteram com atestado psiquiaacutetricordquo
(Amariacutelis)
A sobrecarga leva os profissionais a trabalharem no limite do desgaste fiacutesico e
psicoloacutegico podendo resultar no afastamento do trabalho por motivos de sauacutede De acordo com
o Relatoacuterio de Absenteiacutesmo da Maternidade (referente ao periacuteodo de 20161) 8273 dos
afastamentos satildeo para tratamento de sauacutede e a categoria que apresenta o maior nuacutemero de
atestados eacute a de teacutecnicos de enfermagem O relatoacuterio confirma portanto os relatos apresentados
pelos profissionais
Vaacuterios estudos afirmam que o ambiente da UTI Neonatal pode exercer uma influecircncia
negativa sobre a sauacutede de seus profissionais devido a tensatildeo e estresse presentes em um local
onde sucesso e fracasso oscilam rapidamente e vida e morte estatildeo presentes de forma intensa
Como satildeo locais que utilizam tecnologia muito avanccedilada as exigecircncias para a atualizaccedilatildeo dos
profissionais satildeo constantes De acordo com os autores a sobrecarga de trabalho caracteriza-se
pela falta de profissionais suficientes para a demanda de bebecircs que somada agrave falta de preparo
104
da equipe teacutecnica e ao espaccedilo fiacutesico inadequado comprometem sobremaneira a qualidade de
vida dos trabalhadores (Fogaccedila et al 2008 Rocha Souza Teixeira 2015 Fogaccedila 2010)
A partir dos relatos apresentados gostaria de propor uma reflexatildeo sobre como os
profissionais se sentem diante deste contexto de trabalho Para tanto buscarei inspiraccedilatildeo em
Heidegger (2007) em ldquoA questatildeo da teacutecnicardquo A inspiraccedilatildeo necessaacuteria para refletir sobre o
contexto de atuaccedilatildeo destes profissionais de sauacutede mas sem a pretensatildeo de elucidar alguma
questatildeo como bem pontua Heidegger (2007 p 375) ldquoo questionar constroacutei num caminhordquo
Vamos portanto trazer elementos que envolvam a questatildeo teacutecnica
Ao falar sobre teacutecnica podemos assumir os dois sentidos o domiacutenio do conhecimento
teacutecnico propriamente dito ou seja o conhecer e saber fazer e o horizonte histoacuterico no qual
estamos imersos a era da teacutecnica que valoriza o saber a velocidade das informaccedilotildees os
resultados o pensamento calculante (Heidegger 2007)
Uma atmosfera que nos conduz a agir para dar respostas a um mundo praacutetico que
valoriza a objetividade a rapidez e o retorno seja este financeiro de status de reconhecimento
Assim as pessoas vatildeo correndo contra o tempo para atingir objetivos previamente definidos e
agraves vezes sem mensurar possiacuteveis consequecircncias das escolhas realizadas A era da teacutecnica
produz um discurso ora expliacutecito ora posto nas entrelinhas do que eacute aceitaacutevel valorizado
Como pode ser observado no relato a seguir
ldquoE se vocecirc cometer algum erro Quem vai responder eacute vocecirc que tava na assistecircncia
Aiacute se a gente recusa alegam logo que a gente taacute negando assistecircncia Muitas das
vezes tecircm alguns profissionais que natildeo sabem abordar e diz que vocecirc tem que dobrar
Natildeo sei nem dizer se eacute isso uma ameaccedila mas vocecirc se sente coagidaldquoAh vocecirc
abandonou eacute abandono issordquo (Amariacutelis)
Este eacute apenas um trecho de um relato bem extenso sobre este conflito vivido pela
profissional Ao falar ela repetia que natildeo estava abandonando os bebecircs e que natildeo considerava
correto permanecer no trabalho sem as condiccedilotildees fiacutesicas e emocionais para isto Foi um discurso
105
que envolvia sentimentos contraditoacuterios como a culpa e a indignaccedilatildeo diante das exigecircncias
impostas e das consequecircncias geradas Como exigir que um profissional permaneccedila em uma
atividade aleacutem dos seus limites ainda mais se esta atividade caracterizar-se pela assistecircncia a
pacientes graves muitas vezes em consiccedilotildees limiacutetrofes entre a vida e a morte
O que fazer diante de um discurso que gera cobranccedila ameaccedila e ateacute culpa Um discurso
que tantas vezes estaacute internalizado nos proacuteprios profissionais que precisam decidir entre o que
pode ser considerado abandono e a permanecircncia altruiacutesta que pode resultar em falhas e ateacute na
morte dos bebecircs O abandono eacute efetivamente uma escolha ou ele estaria presente de uma forma
ou de outra em ambas as alternativas Se analisarmos mais profundamente tambeacutem estaacute
presente mesmo que temporariamente nas outras demandas da vida famiacutelia estudo descanso
No deixar de lado o que aparentemente pode soar como supeacuterfluo diante da complexidade de
pacientes graves Mas ao longo do tempo por repetidas vezes o que poderia significar este
tipo de abandono
O discurso cheio de paradoxos estaacute presente no cotidiano destes profissionais
refletindo uma expectativa social do papel dos profissionais de sauacutede A ideia da
responsabilidade pela manutenccedilatildeo da vida da necessidade de zelo e dedicaccedilatildeo na assistecircncia
ao paciente ou mesmo da caridade destinada aos doentes Como pode ser observado na
profissatildeo de enfermagem que teve a sua origem nas irmatildes de caridade que abdicavam da sua
vida para atender aos doentes mais necessitados A origem dos hospitais tambeacutem estaacute
inicialmente vinculada ao atendimento das pessoas mais carentes e que natildeo tinham os cuidados
familiares durante a enfermidade (Padilha Mancia 2005 Ministeacuterio da Sauacutede 1944)
Estes satildeo exemplos de raiacutezes histoacutericas que podem contribuir para gerar esta
obrigatoriedade de ldquodoaccedilatildeordquo de tempo e esforccedilo aleacutem do limite como uma obrigaccedilatildeo para os
profissionais da aacuterea de sauacutede Satildeo mensagens que permenecem tantas vezes na sociedade
interferindo nas expectativas e na percepccedilatildeo sobre o papel dos profissionais de sauacutede
106
Aleacutem destas questotildees o horizonte histoacuterico da nossa eacutepoca influencia sobremaneira nos
comportamentos dita os costumes orienta a respeito do que eacute considerado certo e errado
reprovaacutevel ou louvaacutevel A era da teacutecnica pode ser compreendida portanto como o nosso
horizonte histoacuterico que influencia as nossas atitudes diante dos desafios cotidianos De acordo
com Heidegger (2007 p 380)
O desafio que estaacute presente no discurso trazido pelas miacutedias de comunicaccedilatildeo em massa
ressaltando a capacidade do homem de vencer obstaacuteculos de propor cura para novas doenccedilas
de buscar mecanismos de prorrogar a juventude ou de procrastinar o envelhecimento Os
homens que satildeo movidos a desafioscomo ldquolutar com um dragatildeo todos os diasrdquo (Amariacutelis)
Fazendo uma analogia com os filmes e quadrinhos vivemos em um mundo que valoriza
o super-heroacutei aquele que resolve todos os problemas que encontra soluccedilotildees enfrenta
dificuldades e assume as consequecircncias O super-heroacutei que eacute responsaacutevel pela conduccedilatildeo da sua
vida carreira escolhas Eacute aquele que precisa encontrar superpoderes para enfrentar os
obstaacuteculos Eacute o sujeito idealizado forte e capaz de alcanccedilar os resultados almejados Seraacute que
realmente conseguimos lidar continuamente com a sobrecarga
ldquoO que cansa realmente na UTI Neonatal eacute a sobrecarga Eacute a gente tem um trabalho
de alta complexidade e a gente natildeo tem tanta maleabilidade de horaacuterio de trocas Em
ldquoA teacutecnica natildeo eacute portanto meramente um meio Eacute um modo de desabrigar Se
atentarmos para isso abrir-se-aacute para noacutes um acircmbito totalmente diferente para a
essecircncia da teacutecnica Trata-se do acircmbito do desabrigamento isto eacute da verdade O
desabrigar imperante na teacutecnica moderna eacute um desafiar que estabelece para a natureza
a exigecircncia de fornecer energia suscetiacutevel de ser extraiacuteda e armazenada enquanto tal
Eacute um extrair na medida em que explora e destaca Este extrair contudo permanece
previamente disposto a exigir outra coisa isto eacute impelir adiante para o maacuteximo de
proveito a partir do miacutenimo de despesas O desabrigar que domina a teacutecnica moderna
tem o caraacuteter do pocircr no sentido do desafiordquo
107
relaccedilatildeo a insalubridade a gente recebe a mesma coisa setor fechado lidar com morte
assimrdquo (Violeta)
ldquoEu jaacute vi relatos de teacutecnica de enfermagem chorando muito por ter tido uma situaccedilatildeo
que por erro dela um bebecirc por exemplo poderia ter pedido a perna Se doeu tanto
pra ela aquele erro eacute porque ela se identifica com o trabalho natildeo eacute uma falta de
identificaccedilatildeo mas a sobrecarga que aumenta a chance de erro que jaacute eacute decorrente da
falta de pessoalrdquo (Rosa)
Um ciclo vicioso se configura a falta de profissionais leva agrave sobrecarga que por um
lado pode promover o adoecimento e gerar mais ausecircncias e aumentar a sobrecarga para os que
ficam e por outro lado amplia o desgaste fiacutesico e psicoloacutegico resultando em possiacuteveis falhas
e ateacute na morte de pacientes
Aleacutem das questotildees referentes ao ambiente de trabalho relatos tambeacutem trazem uma
reflexatildeo sobre as pressotildees inerentes agrave atividade ao trabalho e as consequecircncias do mesmo
Retratam o profissional de sauacutede buscando a cura tentando evitar o erro as falhas pelas
consequecircncias que podem gerar
ldquoEacute uma pressatildeo de que tem que dar certo porque por traacutes de uma crianccedila tem uma
famiacutelia Eu sinto que eu tenho que fazer o meu maacuteximo o meu melhor Quase o
impossiacutevel pra que tudo decirc certo pra que isso natildeo cause sofrimento pras pessoasrdquo
(Tulipa)
Novamente se coloca em ecircnfase o domiacutenio da teacutecnica dos instrumentos do
conhecimento que promova um retorno positivo para os pacientes Heidegger nos faz refletir
sobre esse aspecto ao afirmar que ldquoA teacutecnica moderna eacute um meio para fins Por isso todo
esforccedilo para conduzir o homem a uma correta relaccedilatildeo com a teacutecnica eacute determinado pela
concepccedilatildeo instrumental da teacutecnica Tudo se reduz ao lidar de modo adequado com a teacutecnica
enquanto meio Pretende-se dominaacute-lardquo (Heidegger 2007 p 376)
E o que seria esse escapar do domiacutenio dos homens A morte poderia ser essa
possibilidade inerente agrave vida e que foge ao controle dos homens Por isso assusta
108
desestabiliza gera frustraccedilatildeo e desconforto para os que ficam Sobre este toacutepico que envolve
os sentimentos diante da morte dos receacutem-nascidos iremos abordar a seguir
3-Os sentimentos diante da morte de receacutem-nascidos
Este toacutepico eacute dedicado aos sentimentos relatados pelos profissionais diante da morte de
receacutem-nascidos Alguns relatos revelam sentimentos de impotecircncia e frustraccedilatildeo Tambeacutem eacute
contemplada a aparente contradiccedilatildeo de se pensar em morte na maternidade local associado agrave
ideia de vida Como se a morte tivesse um lugar para chegar e fosse inaceitaacutevel em outros
contextos Assim se configura o pensamento dicotocircmico refletido em paradoxos vida e morte
certo e errado verdade e natildeo-verdade Natildeo existe lugar certo para morte assim como natildeo haacute
verdade absoluta nem uma uacutenica explicaccedilatildeo para os fatos A morte eacute algo inerente a vida
Somos desde o nascimento um ser-para-a-morte Por assim dizer natildeo existe hora nem lugar
adequado para morrer (Heidegger 1927 2015)
ldquoEacute porque assim quando a gente pensa em maternidade a gente pensa na vida
quando a gente pensa em UTI a gente pensa em salvar vidas E a gente salva Salva
Mas quando eu falo em impotecircncia O sentimento que a gente tem de forma geral eacute
que chega um momento que a gente natildeo tem o que fazer Aiacute a gente precisa lidar
com essa morteIsso daacute uma sensaccedilatildeo de impotecircncia muito granderdquo (Iacuteris)
A sensaccedilatildeo de ver o sofrimento e natildeo poder fazer nada para evitar aquilo gera
sofrimento nos proacuteprios profissionais Principalmente quando se colocam no lugar do outro
da matildee que sofre ao perder um filho tatildeo amado e desejado Estes sentimentos de impotecircncia e
tristeza tambeacutem aparecem em outros estudo dedicados agrave experiecircncia dos profissionais de sauacutede
em relaccedilatildeo agrave morte de pacientes (Costa Lima 2005 Bernieri Hirdes 2007 Poles Bolso
2006 Shimizu 2007 Sadala Silva 2009 Souza e Ferreira 2008)
109
Outro aspecto tambeacutem relevante estaacute na intensidade dos viacutenculos estabelecidos Como
se apresenta no relato de Violeta quanto maior for o viacutenculo do profissional com o paciente e
seus familiares maior eacute o sofrimento do profissional diante da morte do receacutem-nascido
ldquo Tem alguns bebecircs eu natildeo sei explicar porque a morte eacute mais dolorosa Eu oro
pelos pais pela famiacutelia sinto pelo bebecirc tambeacutem Aqui eu jaacute tive dois que me
marcaram muito tambeacutem pelo contato com a matildee contato com o bebezinho era uma
matildee que tinha um viacutenculo muito bom com a equipe (Violeta)
Talvez por isso alguns profissionais desenvolvam o que autores (Gerow Conejo
Alonzo et al 2009) denominaram de ldquocortina de proteccedilatildeordquo estabelecendo um certo
distanciamento dos pacientes considerados mais graves tentando se proteger do sofrimento
conforme pode ser constatado nos relatos a seguir
ldquoA gente cria mecanismos de defesa Porque quem cria um viacutenculo afetivo perde a
capacidade de cuidar Entatildeo vocecirc natildeo vai cortar vocecirc natildeo vai furar vocecirc natildeo vai fazer
uma coisa que doa numa pessoa que vocecirc goste Algueacutem precisa fazer essa parteA
gente natildeo fica insensiacutevel mas cria formas de se protegerrdquo (Girassol)
ldquoQuem cria um viacutenculo afetivo perda a capacidade de cuidarrdquo Este trecho da fala diz
muita coisa E cabe algumas ressalvas A referecircncia da profissional agrave capacidade de cuidar
remete agrave ideia de uma dificuldade para realizar os procedimentos em virtude de um abalo
emocional diante do sofrimento do outro A compreensatildeo do cuidado pela ontologia
Heideggeriana entretanto concebe esta atuaccedilatildeo profissional como uma forma de cuidado Uma
vez que somos cuidado ateacute a indiferenccedila se configura como cuidado (Heidegger 1927 2015)
A profissional apresenta a necessidade de criar maneiras de se proteger do sofrimento
para que possa realizar os procedimentos necessaacuterios como tambeacutem para que ela consiga
suportar o trabalho na UTI Neonatal O relato a seguir demonstra mais explicitamente esta
necessidade de criar mecanismos de proteccedilatildeo para continuar trabalhando
110
ldquoAcho que natildeo era nem um mecircs que eu tava aqui entraram na parada meacutedico
enfermeiro fisio E eu fiquei olhando de fora e assim a pressatildeo caiu eu fiquei sudorenta
na hora e o bebecirc morreu Quando a matildee chegou ai eles botam no colo o bebecirc morto no
colo Vocecirc natildeo tem noccedilatildeo de como eu passei mal Eu desci fiquei na calccedilada
chorando Ai depois ateacute a meacutedica a chefe da UTI disse ldquoAf Maria vocecirc era pra taacute num
shopping vendendo roupa natildeo era pra taacute aqui natildeordquo eu disse ldquome respeiterdquo Depois eu
cheguei em casa mal chorei abracei muito minha filha Foi bem difiacutecilE ai as coisas
foram acontecendo eu fui entrando mais no clima Daquela parte emocional vocecirc tenta
dar um freio colocar um limite entre vocecirc mesma e aquilo que taacute acontecendo pra que
vocecirc natildeo sofra tantordquo (Tulipa)
O proacuteprio contexto exige do profissional a postura considerada adequada Ateacute os colegas
de trabalho podem ser severos diante da expressatildeo dos sentimentos dos demais Valoriza-se o
controle emocional a assertividade na resoluccedilatildeo das situaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da teacutecnica Assim
este limite ou freio apresentado no trecho acima passa a ser uma exigecircncia do proacuteprio
profissional como algo inerente ao trabalho como uma condiccedilatildeo para sobreviver naquele
ambiente Eacute preciso ldquoentrar no climardquo O clima falado reflete agrave atmosfera do ambiente ao
como as coisas funcionam aos comportamento considerados adequados ao ambiente mais frio
e racional
De fato podemos pensar que ningueacutem aguentaria passar mal da forma que foi
apresentada todas as vezes que morresse um bebecirc Mas por outro lado refletimos sobre o
quanto esta profissional se sentiu sozinha para lidar com estas emoccedilotildees tatildeo humanas tatildeo
passiacuteveis de serem expostas
Os relatos demonstram portanto a necessidade de ocorrer um afastamento dos
profissionais diante da possibilidade de morte iminente uma certa preparaccedilatildeo para o que pode
ocorrer como uma forma de proteccedilatildeo de minimizar o sofrimento Entretanto quando a morte
eacute anunciada por sinais e sintomas alguns comportamentos para lidar com isto vatildeo surgindo
seja de afastamento de conformismo de aceitaccedilatildeo Quando a morte ocorre diante de um bom
111
prognoacutestico surpreende aparece como um evento assustador podendo gerar maior sofrimento
nos profissionais
ldquo Quando vocecirc comeccedila a perceber que aquele bebecirc taacute piorando piorando vocecirc comeccedila
a se afastar vocecirc atende outro vocecirc natildeo fica mais com ele As pessoas se organizam
quando a gente percebe que algueacutem taacute com um viacutenculo muito forte com o bebecirc aiacute jaacute
comeccedila a tirar de perto jaacute comeccedila a botar com outro entendeu Todo mundo vai meio
que se cuidando porque sabe que a perda vai existir e se a gente sofrer por todas as
perdas como uma pessoa da famiacutelia a gente vai junto entendeurdquo (Girassol)
Surgem portanto as estrateacutegias de preservaccedilatildeo diante do sofrimento No relato acima
pode-se verificar um apoio aos colegas no sentido de tentar evitar um maior vinculo com os
pacientes que apresenta um prognostico ruim O distanciamento aparece como possibilidade
Uma forma de diminuir o sofrimento do profissional
Diante do exposto poderiacuteamos nos questionar De onde vecircm os sentimentos de
impotecircncia e frustraccedilatildeo diante da morte Por que os profissionais de sauacutede se sentem frustrados
e impotentes Eacute interessante a partir desses questionamentos refletirmos sobre o nosso
horizonte histoacuterico Novamente as ideias de Heidegger (1927 2015) nos inspiram para abordar
a questatildeo da era da teacutecnica do quanto eacute difiacutecil natildeo ter o controle sobre as coisas sobre os
acontecimentos do mundo
De acordo com Heidegger (2007 p 376) ldquoO querer-dominar se torna tatildeo mais iminente
quanto mais a teacutecnica ameaccedila escapar do domiacutenio dos homensrdquo Quanto mais difiacutecil for o
desafio e maior a probabilidade de perder o controle o homem tende a buscar novas soluccedilotildees
e alternativas como se lutasse contra algo que incomoda pelo simples fato de resistir ao
aparente controle Este querer-dominar pode estar presente na difiacutecil decisatildeo da hora de tentar
parar de salvar um paciente que jaacute daacute sinais de despedida A decisatildeo sobre a hora de parar eacute
muito difiacutecil para alguns profissionais como pode ser observado no seguinte relato
ldquoUma das coisas mais difiacuteceis eacute vocecirc optar pelo fim de uma reanimaccedilatildeo As diretrizes
mandam que com 10 minutos 15 minutos de reanimaccedilatildeo em assistolia o coraccedilatildeo natildeo
taacute mais batendo vocecirc paacutera de reanimar Noacutes jaacute reanimamos menino aqui por mais de
112
hora Que vocecirc natildeo quer acreditar que ele morreu Esse momento realmente eacute o
momento mais difiacutecil A hora de parar Agraves vezes quando vocecirc diz assim ldquonatildeo vou
maisrdquo vocecirc sente que alguns olhares lhe bombardeiam dizendo assim ldquoPor que Tente
mais um pouquinhordquo Esse momento realmente eacute o conflito dentro da UTI A hora de
pararrdquo (Angeacutelica)
Definir qual a hora de parar aparece como uma grande dificuldade eacute como reconhecer
que existe um limite e junto com ele o sentimento de impotecircncia Existe uma cobranccedila pela
cura tanto por parte dos proacuteprios profissionais como tambeacutem pelos familiares A sensaccedilatildeo de
esgotar todas as possibilidades surge como uma forma de dizer que tudo que era possiacutevel foi
feito O difiacutecil eacute reconhecer quando natildeo eacute mais possiacutevel
Outra profissional tambeacutem falou a respeito da hora de parar ao retratar uma situaccedilatildeo na
qual uma residente estava desesperada e pediu para retirar a famiacutelia da UTI Neonatal Ao falar
com a meacutedica a residente pedia para tentar novamente e a meacutedica respondeu ldquoMas vocecirc sabe
que a gente jaacute tentou e natildeo deu certo e isso soacute faz gerar um sofrimento nesse bebecirc a mais
porque assim natildeo tem muito o que fazerrdquo
Ateacute que ponto esta tentativa de evitar a morte era o melhor para o paciente Natildeo seria o
reflexo dessa dificuldade do profissional em lidar com a morte com as perdas Os relatos
abordam a dificuldade de tomar uma decisatildeo que envolve a vida do paciente e nos remete a um
sentimento de responsabilidade e culpa diante destas situaccedilotildees Como pode ser observado de
forma mais expliacutecita nos trechos de depoimentos a seguir
ldquoToda a vida que um bebecirc vai a oacutebito Eu acabo sentindo muito porque eacute como se a
gente carregasse a culpa nas nossas costas (Choro) Entatildeo natildeo tem como natildeo se sentir
responsaacutevel por aquele oacutebito Ou porque a gente fica sempre pensando ldquoSeraacute que foi
porque eu natildeo orientei a minha equipe de forma adequada Seraacute que eacute porque eu natildeo
orientei os estudantes de forma adequada Foi alguma coisa que eu deixei passarrdquo
ldquoSeraacute que eu natildeo fui a responsaacutevel rdquo(Orquiacutedea)
113
ldquo CulpaCulpa Eu fiz o que foi que eu errei Aonde foi que eu errei E aiacute tem que
parar Repensar e natildeo baixar a cabeccedila se frustrar Tem muita gente que endoida
porque a profissatildeo eacute cruel Tem muita colega nosso que ou comeccedila a usar remeacutedio ou
faz quadros de depressatildeo porque eacute difiacutecil vocecirc lidar justamente com esse turbilhatildeo de
emoccedilotildees que se passa dentro do dia a diardquo (Angeacutelica)
Nestes relatos a culpa entra em cena com algo que incomoda profundamente as
participantes Mas o que seria essa culpa Uma culpa atrelada a uma responsabilidade de cuidar
dos pacientes de gerenciar uma equipe de buscar salvar vidas e evitar erros e falhas Uma
culpa inerente a uma condiccedilatildeo humana ao ser-no-mundo
A culpa e a anguacutestia satildeo caracteriacutesticas ontoloacutegicas do homem enquanto ser-no-mundo
Satildeo inerentes ao Dasein enquanto ser jogado no mundo que precisa reafirmar-se
cotidianamente durante a sua existecircncia (Ferreira 2002 Boss 1981)
Reafirmar-se cotidianamente pode ser percebido como um fardo bem pesado talvez
por isso o homem caia na impessoalidade na decadecircncia Eacute importante ressaltar que cair na
decadecircncia natildeo significa sair de um estaacutegio superior para um inferior a decadecircncia eacute uma
determinaccedilatildeo existencial indicando que o homem encontra-se entregue agrave impessoalidade do
cotidiano Trata-se de uma condiccedilatildeo da existecircncia humana pois mesmo decadente o homem
estaacute de alguma forma sendo E esta forma de ser eacute a de um modo natildeo proacuteprio de ser
(Heidegger 1927 2015)
A culpa por sua vez eacute o fundamento ontoloacutegico do homem decadente faz parte do ser
portanto pode-se compreender que ldquoa culpa eacute a determinaccedilatildeo ontoloacutegica do existencial da
facticidade nesse sentido ela eacute um modo de ser do ser-aiacute faacutetico e diz respeito ao fato de o
homem estar-lanccedilado no mundo e misturado com elerdquo (Ferreira 2002 p1)
Podemos compreender a partir da afirmaccedilatildeo anterior que todos noacutes sentiremos culpa
Uma vez que a facticidade eacute a forma mais ordinaacuteria do ser-aiacute no sentido de a forma mais
114
comum a culpa nos acompanharaacute ao longo da existecircncia Seraacute algo inerente ao nosso ser que
estaacute destinado a ser sendo e no cotidiano da vida estar continuamente se reafirmando
Entatildeo quando vivo em um mundo na impessoalidade em meio ao falatoacuterio a
ambiguidade e a curiosidade estou suscetiacutevel agrave culpa de natildeo ser o que queria ser de natildeo cumprir
com os padrotildees estabelecidos pelo mundo de falhar com o que foi prescrito ou previsto
anteriormente A culpa de natildeo cumprir ou natildeo me encaixar nos padrotildees previamente
estabelecidos A culpa expressa pela locuccedilatildeo adverbial ldquodeveria ter feitordquo Eacute o futuro do
preteacuterito do indicativo que indica um arrependimento de um passado que natildeo mais se
materializaraacute no futuro algo que natildeo tem mais volta Embora deixe no lugar da resoluccedilatildeo a
culpa
A partir destas reflexotildees pode surgir uma pergunta como diminuir esta culpa Para
pensarmos sobre isso caberia falar sobre o horizonte histoacuterico em que vivemos que dita o que
eacute certo e o que eacute errado O que eacute aceito ou rejeitado socialmente Nos contos dos heroacuteis da Idade
Antiga natildeo se falava em culpa pela morte dos outros inimigos natildeo eram acusados de assassinos
Eram respeitados e tratados como guerreiros corajosos por salvarem toda uma populaccedilatildeo das
ameaccedilas externas (Bulfinch 2014)
Muitos fatores influenciam a sociedade na determinaccedilatildeo de quem seriam os culpados e
os inocentes as religiotildees a cultura os papeacuteis sociais os costumes de um povo tambeacutem falam
sobre culpa Em uma sociedade com a medicina pouco desenvolvida com as pestes e outras
doenccedilas assolando a humanidade em meio a condiccedilotildees higiecircnicas e de saneamento degradantes
como na eacutepoca da peste negra na Europa Medieval talvez os meacutedicos natildeo fossem acusados de
tantas mortes ou natildeo se sentissem culpados diante de um cenaacuterio tatildeo complexo de infortuacutenios
e orientado pelos paracircmetros divinos preconizados pela Igreja Natildeo era o homem que estava no
centro da vida e sim a vontade divina Mas decerto outros tipos de culpas existiam como faltar
ou deixar de cumprir com alguma determinaccedilatildeo da Igreja
115
A culpa eacute por assim dizer inerente a condiccedilatildeo de dasein ldquoPor que o dasein eacute culpado
O proacuteprio dasein faz uma escolha ele natildeo pode transferir a responsabilidade para o eles ou para
alguma pessoa Toda escolha vai ter consequecircncias que o dasein natildeo previu nem
pretendeurdquo(Inwood 2004 p 99)
A culpa eacute tatildeo cotidiana quanto viver na impessoalidade Em uma sociedade que
centraliza o homem e lhe oferece o poder de decidir sobre a vida que oferece tantas
possibilidades de escolha o ldquodeveria ter feitordquo pode tornar-se mais frequente Quando a
referecircncia estaacute no mundo e vive-se na impropriedade a culpa existiraacute na proporccedilatildeo que o ser
introjeta os valores deste mundo
Em meio agraves afetaccedilotildees e sentimentos os profissionais de sauacutede vatildeo realizando as suas
atividades envolvidos nas relaccedilotildees com os outros os quais fazem parte do seu ambiente de
trabalho O proacuteximo toacutepico eacute dedicado justamente a estas relaccedilotildees agrave convivecircncia cotidiana dos
profissionais com os receacutem-nascidos com as matildees dos pacientes e com os proacuteprios colegas de
trabalho
4 ndash O ser-com-os-outros as matildees dos pacientes os receacutem-nascidos e os colegas de
trabalho
Heidegger (19272015) nos apresenta o ser-com como um existencial O modo de
presenccedila do ser-no-mundo se daacute na co-presenccedila com outros daseins ou seja o homem vive em
relaccedilatildeo com os outros mesmo quando estes natildeo estatildeo presentes fisicamente naquele momento
O homem eacute inerentemente um ser em relaccedilatildeo com outros seres (daseins) Eacute justamente sobre
essa relaccedilatildeo que iremos abordar neste toacutepico
Ao olharmos para a UTI Neonatal aleacutem do ambiente fiacutesico precisamos considerar que
ela se constitui como uma rede de relaccedilotildees entre as pessoas que por laacute transitam Cada
profissional de sauacutede precisa lidar no seu cotidiano com os colegas de trabalho com os bebecircs
em tratamento e com os familiares que frequentam o ambiente da UTI Neonatal principalmente
116
as matildees Satildeo vaacuterios ldquooutrosrdquo que interferem na execuccedilatildeo das atividades que opinam
questionam provocam reaccedilotildees Com o foco nas relaccedilotildees que os profissionais estabelecem
iniciaremos por abordar a percepccedilatildeo que os mesmos tecircm sobre a presenccedila das matildees nas
instalaccedilotildees da UTI Neonatal
ldquoEacute muito complicado sabe Natildeo eacute o fato da presenccedila porque a gente acha que eacute
importante ela acompanhar todo o processo Ela precisa ver ela precisa saber o que
taacute acontecendo natildeo pode existir um buraco entre o nascimento e a morte O problema
eacute que hoje a gente lida com pessoas muito emocionalmente eu natildeo sei se eacute
desequilibrada mas com pessoas que transferem pra gente um monte de noacuteia Por
exemplo trata mal interfere no procedimento As pessoas natildeo confiam como se a
gente saiacutesse de casa todo dia pra fazer o errado e natildeo todo mundo sai de casa pra
fazer o melhor Eacute como se a gente tivesse o tempo todo sendo julgadordquo (Girassol)
A presenccedila das matildees eacute defendida pelas poliacuteticas de humanizaccedilatildeo como algo
fundamental para os bebecircs Os profissionais reconhecem isso mas tambeacutem apontam que os
familiares interferem questionam a conduta adotada sofrem durante os procedimentos enfim
acabam sendo mais um motivo de preocupaccedilatildeo Como lidar com matildees que choram e
questionam o procedimento ao tentar localizar uma veia em um receacutem-nascido
Os familiares fazem parte das relaccedilotildees que os profissionais estabelecem no ambiente de
trabalho Eles compotildee parte da histoacuteria dos pacientes pequenos seres que jaacute inspiraram novos
projetos e ressignificaram vidas As matildees satildeo tatildeo importantes nessa relaccedilatildeo que podemos
perceber no trecho do relato acima uma preocupaccedilatildeo relevante ldquo Natildeo pode existir um buraco
entre o nascimento e a morterdquo A matildee precisa saber o que aconteceu precisa participar tornar-
se parte do processo Caso contraacuterio como ela ficaraacute depois Entre o nascimento e a morte fatos
aconteceram Neste ldquoentrerdquo o receacutem-nascido se constitui enquanto ser-no-mundo Este ldquoentrerdquo
envolve a sua histoacuteria
117
Os relatos apresentam as cobranccedilas dos pais as pressotildees exercidas sobre os profissionais
em relaccedilatildeo agraves condutas adotadas Satildeo situaccedilotildees muito delicadas que envolvem o risco de morte
de um filho as dificuldades de lidar com isso as desconfianccedilas No trecho a seguir uma
profissional fala a respeito da reuniatildeo que realiza com as matildees no intuito de escutaacute-las e tentar
esclarecer alguma duacutevida que possa ter surgido
ldquoUma das reclamaccedilotildees frequentes eacute que ldquoah aquele doutor eu vou perguntar uma
coisa a ele ele eacute muito seco ele eacute muito friordquo aiacute ldquonatildeo natildeo eacute que ele seja frio eacute porque
tem outros mais melososrdquo Tem uma colega nossa que eu disse ldquose eu tivesse de receber
uma notiacutecia ruim eu queria receber por vocecircrdquo porque ela eacute assim ldquomatildeezinha o seu
bebezinho taacute assim gravinhordquoTem outros que a matildee chega ldquocomo eacute que taacute meu
bebecircrdquo ldquotaacute estaacutevelrdquo O que eacute estaacutevel pra vocecirc Por isso que vem as mais diversas
reclamaccedilotildeesldquoEu natildeo gosto que tal teacutecnico de enfermagem fique com o meu bebecirc
porque ele vai laacute faz o que tem pra fazer volta pra mesa pega o celular e fica usandordquo
Entatildeo essa sensaccedilatildeo meio que de abandono tambeacutem judia da matildee neacute Ela quer entrar
ali ela quer ser acolhidardquo (Angeacutelica)
Uma reflexatildeo interessante sobre essa relaccedilatildeo com o outro envolve uma complexidade de
expectativas dos profissionais dos pacientes sobre o que eacute esperado deles qual a forma de
conduta mais adequada Enfim se no cotidiano criamos expectativas sobre o comportamento
das pessoas imagine como estas ficam agrave flor da pele em situaccedilotildees de hospitalizaccedilatildeo e iminecircncia
de morte Eacute possiacutevel se chegar a um padratildeo do que seria um bom atendimento de um
profissional de sauacutede Bom para quem Para um familiar quando um profissional explica tudo
detalhadamente no diminutivo pode ser uma boa forma de atendimento para outro este tipo de
tratamento poderia ateacute incomodar Nessa relaccedilatildeo com o outro existe muito de noacutes de cada um
no outro
De acordo com Oliveira (2010 p 59) ldquo Um ponto importante a ser pensado eacute a visatildeo
de Heidegger do outro como um reflexo do proacuteprio ser-aiacute Ou seja o ser-aiacute se vecirc no outro faz
parte do outro se identifica com o outro pois este natildeo lhe eacute de forma alguma estranho Essa
118
interpretaccedilatildeo soacute pode ser entendida atraveacutes do delineamento da sua teoria do impessoal no
qual segundo Heidegger todo mundo eacute o outro e ningueacutem eacute si mesmordquo
Nessa relaccedilatildeo com o outro em si mesmo o ser se transforma continuamente Eacute
interessante observar o relato de duas profissionais que modificaram sua maneira de ser diante
das experiecircncias que tiveram na UTI neonatal uma delas se viu no papel de uma matildee
preocupada com o seu receacutem-nascido internado em uma UTIN de outro hospital Ao ocupar
temporariamente este papel ela passou a refletir sobre a sua proacutepria atuaccedilatildeo profissional e a
sua relaccedilatildeo com as matildees dos receacutem-nascidos internados
ldquoOutro grande marco da minha vida foi quando eu tive a minha primeira menina ela
foi um bebecirc de UTI Eacute uma UTI que eu trabalho e o fato de eu entrar pela porta natildeo
como meacutedica mas como matildee de paciente mexeu muito comigo entatildeo meio que foi um
divisor de aacuteguas na minha carreira Eu passei a ver o paciente de uma outra maneira
menos teacutecnico Porque eacute diferente Vocecirc sente vocecirc sabe exatamente o que aquela matildee
taacute sentindo Vocecirc meio que bloqueia a sua razatildeo e vocecirc vira soacute emoccedilatildeo mesmo laacute
dentrordquo (Angeacutelica)
Este trecho do relato apresenta a transformaccedilatildeo desta profissional ao se ver em uma
situaccedilatildeo similar ao de algumas matildees com filhos internados Literalmente colocar-se no lugar
do outro proporcionou uma nova forma de atendimento a partir do que a profissional passou a
considerar como necessidades da matildee de um receacutem-nascido internado Novamente podemos
refletir sobre o quanto de noacutes estaacute na relaccedilatildeo com o outro
Esta situaccedilatildeo tambeacutem pode remeter ao mito de Quiacuteron Na mitologia grega Quiacuteron era
um centauro um ser metade homem e metade cavalo que nasceu da uniatildeo entre Cronos e a bela
Filira Quiacuteron recebeu do pai grandes virtudes tornando-se muito saacutebio Pela sua educaccedilatildeo e
sabedoria foi considerado o rei dos centauros Em certa ocasiatildeo foi ferido pelas flechas de
Heacutercules Por ser imortal e ter uma ferida incuraacutevel sofria grandes dores Assim tornou-se o
grande mestre dos meacutedicos Ao ser tocado pela sua dor era capaz de se sensibilizar com a dor
119
dos outros Eacute o que acontece tambeacutem com os profissionais de sauacutede em contato com suas
proacuteprias dores e perdas tornando-se sensiacuteveis ao sofrimento das pessoas sob seus cuidados
(Carvalho 1996)
Para outra profissional a experiecircncia com as matildees resultou em uma vontade de tornar-
se matildee e poder vivenciar o que denominou de amor incondicional
ldquoEu sempre ouvi falar que amor de matildee eacute imensuraacutevel mas natildeo imaginava o quanto
Diante de todas as situaccedilotildees agraves vezes o bebezinho todo mal formadinho mas a matildee acha
ele lindo a matildee vecirc como uma coisa natural E natildeo se envergonha Quer ele do jeito
que ele taacute Acho maravilhoso Eu acho que ateacute a questatildeo da vontade de ser matildee como
eacute que pode todas as pessoas que trabalham na UTI elas geralmente engravidam acho
que eacute porque o instinto materno aflora na mulher Eu quero experimentar desse amor
de matildee que eu soacute imaginordquo (Amariacutelis)
O relato demonstra como o ser se transforma a partir das experiecircncias vivenciadas no
contidiano de trabalho Como certas questotildees tocam profundamente a vida dos profissionais e
geram novos desejos e projetos Conforme aponta Critelli (1996 p80) ldquoeacute impossiacutevel ao homem
natildeo renascer com cada nova visatildeo ou manifestaccedilatildeo dos entes em seu ser A manifestaccedilatildeo eacute
ininterrupta A existecircncia eacute erupccedilatildeo e transformaccedilatildeo inesgotaacuteveis Daiacute se fala em existecircncia
como vir-a-ser o que eacute ou o que estaacute sendo estaacute vindo-a-serrdquo
Ainda envolvendo as experiecircncias com o outro gostaria de tecer algumas consideraccedilotildees
sobre um ser que apesar do pouco tempo de existecircncia eacute a razatildeo de existir da UTI Neonatal o
ser-bebecirc No cotidiano de trabalho todos os aparatos a estrutura e o trabalho dos profissionais
satildeo voltados para o receacutem-nascido que requer cuidados especiais
De acordo com Sodelli e Glaser (2016 p 70) ldquoO estabelecimento da relaccedilatildeo do bebecirc
com o seu ser se daacute no mundo faacutetico por meio do cuidado de seu cuidador e de outras pessoas
que lhe apresentam o mundo os entes sempre de algum determinado modo e em uma dada
direccedilatildeo Entatildeo eacute a partir do modo como o bebecirc eacute cuidado concomitantemente com sua
120
compreensatildeo que o bebecirc vai se constituindo como um si mesmo e que um sentido de realidade
vai sendo construiacutedordquo
Os autores enfatizam a importacircncia do cuidado para a constituiccedilatildeo do bebecirc como em si
mesmo Eacute interessante notar o quanto esta necessidade do bebecirc pode envolver as profissionais
da UTI Neonatal mesmo que natildeo seja de forma intencionalmente vinculada a uma teoria
especiacutefica Uma preocupaccedilatildeo em oferecer acolhimento amor e carinho pode estar presente
tanto quanto com a administraccedilatildeo de equipamentos Essa relaccedilatildeo da profissional com o bebecirc
pode apresentar-se de uma forma distinta da relaccedilatildeo que seria estabelecida com um paciente
adulto conforme pode ser verificado no relato a seguir
ldquoQuem trabalha com bebecirc jaacute tem um olhar diferente Vocecirc vecirc um teacutecnico de
enfermagem com um bebecirc chorando e a matildee natildeo estaacute por exemplo colocando no colo
e cantando pra ele Agraves vezes termina de dar a dieta e daacute um cheirinho na cabeccedila Eacute
algo que vai aleacutem da obrigaccedilatildeo daquela pessoa Existe realmente uma relaccedilatildeo de afeto
com esse bebecirc E quanto mais tempo esse bebecirc fica ali Muitas vezes a equipe se refere
a um bebecirc que estaacute laacute como ldquomeu bebecircrdquo (Rosa)
Na trama de existecircncia do bebecirc a relaccedilatildeo ser-com-os-outros eacute fundamental Desde o
iniacutecio o bebecirc eacute um ser aberto e compreensivo e natildeo um ser encerrado em si mesmo (Loparic
2008) A partir dos primeiros dias de vida ldquoos entes vatildeo chegando ao encontro do bebecirc que
vai se ocupando deles (chupar a chupeta mamar dormir brincar tomar banho trocar a fralda
receber uma visita ficar no colo)
Poderiacuteamos perguntar como eacute possiacutevel que os entes se manifestem ao bebecirc (ou seja se
tornem acessiacuteveis ao ser humano) Atraveacutes do cuidado que o cuidador (pai matildee avoacutes babaacute)
do bebecirc e outras pessoas despendam a ele As pessoas satildeo de extrema importacircncia para o bebecirc
Na fase inicial de vida o bebecirc depende absolutamente de outra pessoa Para aleacutem de o bebecirc
precisar de outra pessoa para os chamados cuidados baacutesicos (ser alimentado ser colocado no
121
berccedilo ser vestido ser dado banho etc) o bebecirc precisa de um outro para tornar-se real para que
ele se torne si-mesmordquo (Sodelli e Glaser 2016 p 71)
No ambiente hospitalar outros cuidadores assumem este papel de oferecer os cuidados
baacutesicos ao bebecirc um papel que poderia ser destinado aos familiares e entes mais proacuteximos E se
preocupam ainda mais em dar atenccedilatildeo aos bebecircs quando existe um abandono por parte dos
familiares principalmente das matildees
ldquoA gente teve bebecirc com microcefalia que a matildee abandonou a gente teve bebecircs que
foram de gestaccedilotildees de uma matildee muito jovem que era de um homem casado e ela tentou
abortar e acabou que natildeo conseguiu a bebezinha nasceu muito prematura mas que
chegou o momento que ela verbalizou que realmente natildeo queria isso pra vida dela
Entatildeo a gente trabalha tambeacutem muito em parceria com a vara da infacircncia e da
juventude exatamente nessa questatildeo da adoccedilatildeordquo (Iacuteris)
Conforme apresentado no relato existe uma preocupaccedilatildeo com a histoacuteria familiar do
receacutem-nascido um envolvimento emocional com as situaccedilotildees apresentadas uma compreensatildeo
de que este bebecirc natildeo estaacute sozinho na UTIN jaacute estaacute envolvido em uma trama de relaccedilotildees que
vatildeo constituindo a sua histoacuteria Como eacute lidar com isto tudo Um caminho envolve reconhecer
as limitaccedilotildees da atuaccedilatildeo natildeo eacute possiacutevel adotar as crianccedilas abandonadas entatildeo me afasto evito
um maior envolvimento para natildeo me apegar pode-se ateacute lidar com indiferenccedila e se concentrar
diretamente no trabalho teacutecnico pode-se aprender com as histoacuterias familiares a adotar uma
nova postura sobre a vida O relato a seguir apresenta uma mudanccedila ocorrida em uma
profissional a partir das observaccedilotildees das histoacuterias familiares
ldquo Agraves vezes a gente julga e a gente natildeo sabe o que tem por traacutes e todo mundo tem uma
histoacuteria Hoje eu me policio muito Por exemplo teve um bebecirc que era cardiopata e a
matildee tinha dezesseis anos O pai dela estuprou ela e matou a matildee dela e aiacute a matildee do
namorado dela pegou ela pra criar Foi quando ela engravidou desse bebecirc o bebecirc natildeo
eacute do pai dela natildeo eacute do namorado mesmo mas assim ela tem dezesseis anos o namorado
122
dezenove Ela natildeo vinha o menino ficou aqui acho que uns dois meses agora nos
uacuteltimos dias eacute que ela tava vindo mas vocecirc vai julgar uma pessoa dessa Natildeo vai A
gente sente falta a gente botava o menino no colo Natildeo eacute como a matildee mas a gente
tentava Depois quando ela comeccedilou a vir ele tava bem grave mesmo jaacute natildeo tinha
mais jeitordquo (Tulipa)
Como julgar diante de histoacuterias tatildeo sofridas O relato da profissional nos faz refletir sobre
o julgamento que fazemos das pessoas das situaccedilotildees a partir dos nossos valores das
possibilidades que vislumbramos Entretanto para buscarmos compreender o outro como o
outro estaacute como pode se sentir diante da proacutepria vida eacute necessaacuterio uma abertura uma afetaccedilatildeo
que favoreccedila a escuta o olhar atencioso Isso me faz lembrar do ciacuterculo hermenecircutico da
compreensatildeo como algo circular contiacutenuo De como a afetaccedilatildeo pode gerar a disponibilidade
de sair de uma posiccedilatildeo preacutevia para uma visatildeo preacutevia e para uma concepccedilatildeo preacutevia com as
articulaccedilotildees da posiccedilatildeo e da visatildeo anterior Ou seja do quanto o ser-no-mundo eacute sendo vai se
transformando agrave medida que experiencia que vive e ao mesmo tempo que apresenta a abertura
para novas possibilidades
Os profissionais de sauacutede no contexto de trabalho lidam com a fragilidade da vida com
a morte de pacientes com os familiares tantas vezes estressados nervosos com resistecircncia para
entender os procediementos adotados com os colegas de trabalho em vaacuterios momentos
cansados da sobrecarga da rotina das exigecircncias Enfim satildeo pessoas com sentimentos
diversos em um ambiente inoacutespito que faz aflorar emoccedilotildees agraves vezes indesejadas mas
sobretudo humanas
Finalizando esta trama de relaccedilotildees no contexto de trabalho de ora em diante seratildeo
contempladas as experiecircncias com os colegas profissionais com os quais compartilham os
desafios do trabalho e que podem se apresentar em alguns momentos como mais uma
dificuldade a ser enfrentada
123
ldquoEu acho que assim a maior dificuldade eacute questatildeo de lidar com o colega Um quer ser
mais esperto que o outro Tirar vantagem em alguma coisa Natildeo quer ajudar o outro
colega quer assim se livrar de alguma coisardquo (Violeta)
O dasein enquanto ser-com-os-outros se constitui em relaccedilatildeo com outros daseins que
apresentam interesses vontades quereres tantas vezes distintos Este pode ser visto como um
dos grandes desafios da vida ter o compromisso de trabalhar por um objetivo e para isso
depender de uma rede de relaccedilotildees de outras pessoas que interferem orientam desorientam
mandam ditam regras e normas
ldquoA UTI Neonatal eacute vista assim como o bicho papatildeo que as pessoas satildeo chatas Soacute
que eu percebi que natildeo eacute isso eacute que a gente tem uma sobrecarga de trabalho tatildeo grande
que a maternidade que o serviccedilo acha que todos os bebecircs que estatildeo naquela instituiccedilatildeo
satildeo de responsabilidade da UTI Neonatal por exemplo tudo que for relacionado a bebecirc
eles querem que a UTI Neonatal resolva Tudo por exemplo nasce bebecirc no centro
ciruacutergico natildeo tem vaga na UTI Neonatal eles querem que a UTI Neonatal decirc esse
suporte ldquoVocecircs tem que vir cuidar do bebecirc aquirdquo ldquoSe vocecircs natildeo vierem o bebecirc vai
morrer e a culpa vai ser suardquo Eu vou porque ai se o bebecirc morrer a culpa vai ser minha
e natildeo eacute eacute responsabilidade do profissional que estaacute dentro do centro ciruacutergico que tem
que cuidar do bebecirc E eles se negam a aprender a cuidar do bebecircrdquo (Violeta)
As formas de cuidado satildeo inerentes ao ser-no-mundo e por assim dizer tambeacutem se
apresentam nas relaccedilotildees de trabalho Seja pela indiferenccedila pelo aparente natildeo importar-se com
o outro seja pela preocupaccedilatildeo antepositiva de contribuir para as escolhas e para o crescimento
do outro seja na preocupaccedilatildeo substitutiva que decide pelo outro as medidas que precisam ser
tomadas tornando-o dependente em relaccedilatildeo agrave conduccedilatildeo da sua proacutepria vida
Nas relaccedilotildees de trabalho pode-se observar o natildeo se importar com o outro com o
desenvolvimento da sua atividade de trabalho ou o olhar apenas para o que eacute de
responsabilidade eou interesse proacuteprio Isso em meio a um discurso de trabalho em equipe
Este tipo de situaccedilatildeo indica a necessidade de ampliar os espaccedilos para discussatildeo dos
profissionais de deixar mais transparente para todos as atividades a serem exercidas as
responsabilidades de cada aacuterea e principalmente a missatildeo da instituiccedilatildeo enquanto algo maior
124
que setores isolados O apoio dos colegas de trabalho pode representar muito mais que uma boa
convivecircncia e sim um estiacutemulo para ir trabalhar uma boa razatildeo para enfrentar os desafios
cotidianos
ldquoA gente taacute conquistando as coisas aos pouco mas ainda falta muito Eu acho que noacutes
somos uma equipe entatildeo cada um tem sua importacircncia Acho que taacute na hora de ver a
questatildeo de uma reuniatildeo natildeo separada tipo assim soacute os teacutecnicos soacute os enfermeiros soacute
os meacutedicos Tudo eacute separado ateacute as festas aqui satildeo separadas entendeu Natildeo tem
aquela festa todo mundo junto Confraternizaccedilatildeo Eu acho isso um absurdo Todos os
lugares que eu jaacute trabalhei a festa de final de ano eram todos os profissionais Aqui natildeo
eacute tudo separado Eu acho que haacute um pouco dessa divisatildeo e eu natildeo acho isso corretordquo
(Amariacutelis)
Diante da pressatildeo da proacutepria atividade inerente a uma UTIN as dificuldades de
relacionamento interpessoal agravariam a situaccedilatildeo como foi apresentados nos relatos anteriores
Eacute interessante refletir sobre a possibilidade de ampliar o diaacutelogo entre os profissionais que
trabalham no hospital As experiecircncias em comum facilitam o entendimento daqueles que
convivem com as mesmas dificuldades
De acordo com Critelli (1996 p81) ldquoa medida que as coisas testemunhadas em comum
satildeo os elementos da mediaccedilatildeo entre os homens elas estatildeo instaurando o mundo uma trama
significativa comum O homem se daacute e se recusa aos homens atraveacutes daquilo com que estatildeo em
contato e a respeito do que falam A partir do testemunho os homens datildeo realidade agravequilo que
entre eles se abre em comum e simultaneamente datildeo realidade a si mesmo mutualmenterdquo
O compartilhar experiecircncias e dificuldades inerentes ao cotidiano de trabalho pode
aproximar as pessoas em torno de um objetivo em comum Ainda refletindo sobre este aspecto
do compartilhar pretende-se dedicar o proacuteximo toacutepico a questatildeo da formaccedilatildeo profissional de
sauacutede particularmente no que concerne ao preparo para lidar com as perdas no cotidiano de
trabalho
125
5- A formaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede
Vaacuterios autores jaacute tem alertado sobre isso ressaltando a importacircncia da preparaccedilatildeo dos
profissionais de sauacutede tanto para lidar com a morte como para cuidar da vida para enfrentar e
resignificar as perdas e respeitar os limites que a medicina oferece (Koacutevacs 2003 Franccedila
Botomeacute 2005 Silva 2006)
Maria Juacutelia Koacutevacs propotildee que durante a formaccedilatildeo na aacuterea de sauacutede temas como
compaixatildeo sensibilidade e amorosidade sejam contemplados como capacidades aspectos a
serem desenvolvidos pelos profissionais de Sauacutede para lidar melhor com a morte (Koacutevacs
2003)
Os relatos apresentados por alguns entrevistados indicam a falta de preparo para lidar com
as mortes de pacientes durante a formaccedilatildeo profissional
ldquoEssa questatildeo de transmitir maacutes notiacutecias de lidar com esse momento da morte nenhum
momento na minha graduaccedilatildeo eu tive formaccedilatildeo pra isso nem na minha graduaccedilatildeo Na
residecircncia a gente acaba tendo porque a residecircncia eacute uma residecircncia em serviccedilo
entatildeo vocecirc vai atuando e vocecirc vai vendo na praacutetica como fazer isso mas natildeo houve por
exemplo uma preparaccedilatildeo especiacutefica pra esse momento Muito do que eu sei hoje foi
aprendendo realmente na praacuteticardquo (Orquiacutedea)
Observou-se nos profissionais de uma forma geral uma falta de preparo durante a
graduaccedilatildeo em relaccedilatildeo a estes aspectos A temaacutetica das perdas tornou-se relevante no exerciacutecio
profissional ou mesmo na residecircncia mas natildeo de forma significativa na faculdade
ldquoEacute eu acho que a formaccedilatildeo ainda eacute muito falha Porque isso natildeo eacute uma coisa que eacute
pontual tem que vir desde o comeccedilo e ser uma crescente ateacute chegar a formaccedilatildeo e isso
acaba caindo dentro da assistecircncia quando essas pessoas comeccedilam a trabalhar que
os conflitos realmente vatildeo e muitos deles desistem natildeo por falta de oportunidade ou
por falta de teacutecnica mas realmente por dificuldade de encontrar as respostas pras suas
ansiedades Entatildeo a gente vecirc muito aluno bom tecnicamente que acaba desistindo
Por dificuldade de lidar justamente com as frustraccedilotildees com as perdas com a equipe
entatildeo acabam indo fazer outra coisa e realmente natildeo continuam Entatildeo a formaccedilatildeo
126
precisa voltar pra isso Na verdade eu natildeo sei aonde eacute que ele taacute se perdendo
entendeu Como eacute que ele chega na formaccedilatildeo no uacuteltimo estaacutegio com uma imaturidade
emocional tatildeo granderdquo (Girassol)
A segunda profissional traz o relato de sua experiecircncia enquanto docente das dificuldades
que observa nos alunos de enfrentar frustraccedilotildees e lidar com as perdas apontando a necessidade
de se ter mais espaccedilos durante a formaccedilatildeo para discutir estas temaacuteticas De acordo com o relato
as falhas na formaccedilatildeo acabam interferindo na atuaccedilatildeo dos profissionais que agraves vezes se frustam
e ateacute desistem da atuaccedilatildeo na aacuterea de sauacutede
O trecho apresentado se encerra com uma colocaccedilatildeo que merece uma anaacutelise ldquoComo eacute
que ele chega na formaccedilatildeo no uacuteltimo estaacutegio com uma imaturidade emocional tatildeo granderdquo
O olhar para a formaccedilatildeo natildeo deve se limitar em relaccedilatildeo a esta discussatildeo agrave preparaccedilatildeo teoacuterica
sobre como lidar com as mortes e perdas
Um estudo com estudantes de medicina por exemplo aponta para as dificuldades
enfrentadas pelos alunos no decorrer do curso como o relacionamento com os professores
considerados autoritaacuterios e exigentes os residentes que reproduzem as praacuteticas autoritaacuterias as
dificuldades com os pacientes diante do sofrimento e da dor e da morte Tantas dificuldades
podem levar os alunos a apresentarem sintomas psicoloacutegicos como os decorrentes de ansiedade
e o estresse Com tanta pressatildeo como os estudantes tratam os pacientes Como desenvolver
habilidades de relacionamento interpessoal se os mesmos encontram-se estressados e sem saber
como lidar com as dificuldades (Moreira Vasconcelos Heath 2015)
Uma alternativa apresentada pelos autores eacute justamente possibilitar a expressatildeo dos
sentimentos negativos pelos estudantes de forma que eles possam refletir sobre o que sentem
e como lidar com isso O apoio psicoloacutegico pode contribuir para isso Outras respostas
adaptativas apresentadas no estudo incluem as atividades fiacutesicas o lazer e a espiritualidade
(Moreira Vasconcelos Heath 2015)
127
A reflexatildeo em relaccedilatildeo agrave formaccedilatildeo se estende portanto agrave necessidade de os alunos
desenvolverem competecircncias eacuteticas e relacionais Para tanto a universidade deve proporcionar
espaccedilos para que os alunos se expressem e reflitam sobre os seus sentimentos Assim poderatildeo
se preparar emocionalmente para oferecer uma maior atenccedilatildeo aos pacientes e seus familiares
(Ayres 2004 Moreira Vasconcelos Heath 2015)
A falta de preparo em relaccedilatildeo agraves questotildees emocionais pode refletir na praacutetica profissional
nas estrateacutegias utilizadas diante das perdas Conforme pode ser observado no relato a seguir a
respeito da reaccedilatildeo de alguns profissionais diante da morte de receacutem-nascidos na UTIN
ldquo Eu acho que eacute uma coisa que precisa ser trabalhada com a equipe eacute a questatildeo da
gente respeitar o momento da famiacutelia entendeu Por exemplo tem um bebecirc morrendo
aqui com a famiacutelia e taacute todo mundo atrapalhando conversando entrando saindo
telefone tocando algueacutem rindo sabe Eacute meio que as pessoas fazem de conta que natildeo
estatildeo vendo pra natildeo sofrer talvez natildeo sei Isso realmente eacute uma coisa que me incomoda
todas as vezes que acontece e eacute muito frequente Eacute como hoje vocecirc ir num veloacuterio e ter
um monte de gente fazendo selfie entendeu A coisa taacute meio assimrdquo (Girassol)
Este relato jaacute nos apresenta outra possibilidade de reflexatildeo em relaccedilatildeo a atitude dos
profissionais diante da morte de pacientes Foi um comentaacuterio no final da entrevista no espaccedilo
reservado para a pergunta ldquoVocecirc gostaria de acrescentar mais alguma coisardquo E aiacute veio o
desabafo na forma de um incocircmodo contido guardado no silecircncio de nunca ter comentado com
ningueacutem e sem saber ao certo o que fazer diante desta situaccedilatildeo
A atitude dos profissionais diante da morte de pacientes eacute algo que deve ser discutido
durante a formaccedilatildeo mas tambeacutem no ambiente de trabalho Compreender a morte enquanto parte
da vida eacute importante para a realizaccedilatildeo das atividades profissionais mas desconsiderar que
outras pessoas estatildeo sofrendo em decorrecircncia disso eacute algo que precisa ser posto em pauta para
reflexatildeo
Costumo dizer que o ser humano tem uma grande virtude e um grande defeito ao mesmo
tempo noacutes nos acostumamos agraves coisas agraves situaccedilotildees A virtude poderia ser compreendida
128
enquanto uma capacidade de adaptaccedilatildeo necessaacuteria agrave sobrevivecircncia e agrave vida em sociedade O
defeito estaacute justamente na falta de uma reflexatildeo profunda sobre o que nos acostumamos a ver
a fazer sobre o que naturalizamos e vemos como ldquonormalrdquo ou ldquosempre foi assimrdquo Como algo
que acontece tanto que natildeo requer mais atenccedilatildeo e zelo Assim banalizamos as notiacutecias
recorrentes sobre violecircncia podemos ser indiferentes com relaccedilatildeo agrave pobreza e marginalizaccedilatildeo
Nos hospitais os profissionais de sauacutede podem se acostumar a ver tanto sofrimento mas
existe uma diferenccedila grande entre sofrer muito junto com pacientes e familiares e tratar disso
como se o sofrimento dos outros natildeo mais os tocasse ou comovesse a ponto de natildeo silenciar
de natildeo respeitar o momento A reflexatildeo sobre a formaccedilatildeo se estende portanto para a atuaccedilatildeo
dos profissionais como algo que exige atenccedilatildeo e suporte para os trabalhadores que lidam com
sofrimento no cotidiano
Vale ressaltar tambeacutem que mesmo para os profissionais os quais estudaram em
instituiccedilotildees que abordam a questatildeo da morte de pacientes ainda eacute apresentado nos discursos
um distanciamento com a vivecircncia praacutetica como pode ser analisado nos relatos a seguir
ldquoEntatildeo o que a gente teve na formaccedilatildeo foi como a gente tinha que lidar com o paciente
em relaccedilatildeo a morte como eacute que o profissional lidava com a morte e como eacute que a gente
lidaria com os familiares mas foi uma coisa muito teoacuterica natildeo teve naquele momento
aquilo natildeo era tatildeo palpaacutevel pra mim Quando eu comecei na UTI Neo Que eu vi
aqueles bebezinhos realmente indo a oacutebito ai foi que eu comecei realmente a trabalhar
isso em mim ldquoMeu Deus eu vou lidar com isso eu vou conseguir lidar com isso assim
Eacute isso mesmo que eu querordquo (Violeta)
De acordo com Silva (2006 p 232) ldquoapesar da presenccedila do discurso de re-humanizaccedilatildeo
do processo de morte de um paciente a praacutetica dessas interaccedilotildees eacute dificultada pelo pouco
suporte de ensino-aprendizagem nessa direccedilatildeo aliada a uma falta de acolhimento e continecircncia
aos aspectos emocionais dos proacuteprios estudantes que mais tarde poderatildeo reproduzir essa
mesma falta em seus pacientesrdquo
129
Alguns profissionais ainda ressaltaram a importacircncia da praacutetica para aprender a lidar com
as questotildees das perdas como se a maturidade trouxesse uma maior serenidade diante da morte
ldquoQuando vocecirc termina vocecirc eacute muito impulsivo Vocecirc eacute muito razatildeo Eacute esse equiliacutebrio que
vocecirc vai conseguindo adquirir com a maturidade a emoccedilatildeo e a razatildeo Vocecirc luta luta
mas vocecirc vai conseguindo ponderar isso vocecirc vai sabendo qual eacute o seu limite A
Medicina tem um limite ela natildeo eacute infundada E eacute esse limite que eu tenho que
reconhecerrdquo (Angeacutelica)
Embora nem sempre seja possiacutevel Existem os limites momentacircneos de cada um e os
limites de atuaccedilatildeo diante da vida e da morte Mas como identificar estes limites Como
reconhecer em si a possibilidade de natildeo mais poder
Heidegger (2007) nos traz uma inspiraccedilatildeo profunda ao falar sobre o pensamento
calculante e o pensamento reflexivo O pensamento calculante se configura na racionalidade
voltada para as atividades do cotidiano Movidos pelo mundo em meio ao impessoal na era da
teacutecnica vamos agindo e reagindo como em um piloto automaacutetico fazendo o que se espera que
seja feito No caso dos profissionais de sauacutede existe muito a ser feito controle dos
equipamentos o manuseio dos bebecircs os procedimentos as anotaccedilotildees nos prontuaacuterios As
mediccedilotildees das reaccedilotildees corporais que podem indicar um bom ou mal prognoacutestico
Assim segue-se a rotina em meio a protocolos e tarefas E quando as coisas saem do
controle Quando a morte chega O que pode ser feito diante disso Talvez ao refletir pode se
chegar agrave conclusatildeo de que existem limites que natildeo puderam ser superados pela medicina ou de
que ocorreram falhas nos procedimentos ou de que a morte estaacute aiacute como possibilidade para a
minha vida para a vida dos meus filhos diante disto como estou conduzindo a vida Quais as
escolhas que estou fazendo
A morte do outro pode servir como um alerta pode tornar-se uma parada obrigatoacuteria
em meio ao turbilhatildeo de ocupaccedilotildees para refletir profundamente sobre a conduccedilatildeo da vida e
para lembrar sobre a condiccedilatildeo de mortal inerente a cada ser vivo sem hora ou tempo certo
130
para acontecer Este eacute outro ponto que merece ser ressaltado o tempo para a morte Os
profissionais de sauacutede da UTI Neonatal trabalham com novas vidas ou vidas novas que se
renovam ou findam em um curto periacuteodo de tempo Um tempo cronoloacutegico que natildeo diz sobre
o tempo da dor sobre quando eacute a hora de parar de tentar salvar a vida ou de natildeo chorar pela
morte Um tempo cronoloacutegico que diz pouco sobre o ser que vai e o que o fica diante das
expectativas geradas dos projetos desenhados da ausecircncia repentina e totalmente inesperada
Uma vida que dura poucos dias pode marcar para sempre tantas outras vidas de
familiares e profissionais que lutaram para que o resultado fosse diferente E este eacute outro aspecto
que envolve a atuaccedilatildeo na UTI Neonatal as crenccedilas a religiosidade e a compreensatildeo dos limites
da medicina dos recursos controlaacuteveis pelos homens No decorrer das entrevistas existiram
relatos surpreendentes de crianccedilas que sobreviveram sem a menor perspectiva da equipe e
outras que faleceram diante da esperanccedila de uma melhora Situaccedilotildees que demonstram os limites
da atuaccedilatildeo profissional diante das possibilidades de cura e da ldquoobrigaccedilatildeordquo desvelada na
cobranccedila interior para salvar vidas E nos levam a refletir sobre como agir diante de situaccedilotildees
tatildeo complexas O trecho do relato da profissional apresentado anteriormente fala a respeito de
uma maturidade conquistada por meio da experiecircncia
Para Ayres (2004) esta maturidade pode ser compreendida resgatando o conceito
aristoteacutelico de sabedoria praacutetica que ldquodiz respeito a um saber conduzir-se frente agraves questotildees da
praacutexis vital que natildeo segue leis universais ou modos de fazer conhecidos a priori mas
desenvolve-se como um tipo de racionalidade que nasce da praacutexisrdquo (p 20)
A sabedoria praacutetica traz uma compreensatildeo sobre o mundo que vai muito aleacutem da teacutecnica
Trata-se de uma capacidade para analisar as situaccedilotildees e resolver problemas com um niacutevel de
complexidade elevado que natildeo apresentam respostas em manuais ou simplesmente na teacutecnica
por si soacute Esta sabedoria tambeacutem gera no individuo a maturidade para olhar as situaccedilotildees de
outra forma e a abertura para novas possibilidades para resolvecirc-las
131
Considerando a importacircncia deste conceito cabe aqui um reflexatildeo a sabedoria praacutetica eacute
oriunda da vivecircncia do profissional de cada indiviacuteduo mas o compartilhar das experiecircncias
poderia fomentar o desenvolvimento de habilidades nos demais profissionais Poderia
contribuir para o aprimoramento da equipe como um todo Atraveacutes do troca de experiecircncias e
possiacuteveis soluccedilotildees para os problemas vivenciados no cotidiano novos projetos podem surgir
Este movimento estaacute acontecendo na maternidade Com os profissionais se reunindo para
implantar projetos visando a melhoria na assistecircncia aos pacientes e seus familiares
Inspirados pelas novas possibilidades de atuaccedilatildeo oriundas de um novo olhar para o
sofrimento do outro abordaremos no proacuteximo toacutepico os novos projetos que estatildeo sendo
desenvolvidos na maternidade os quais mesmo na fase inicial jaacute deixaram frutos e se
apresentam como resultado da reflexatildeo de alguns profissionais sobre as suas praacuteticas e da busca
contiacutenua para oferecer uma melhor assistecircncia para os pacientes e seus familiares
6- Reflexotildees sobre a atuaccedilatildeo profissional de sauacutede concepccedilatildeo de cuidado novas
possibilidades e projetos
A UTIN da Maternidade Escola Januaacuterio Cicco vem passando por uma seacuterie de
transformaccedilotildees nos uacuteltimos anos A partir de 2014 com o ingresso de novos servidores atraveacutes
do concurso puacuteblico comeccedilou-se a estruturar uma equipe multidisciplinar Aleacutem disso as
reformas que aconteceram em 2016 culminaram na ampliaccedilatildeo do nuacutemero de leitos em 2017
Outro fator positivo ocorrido no referido ano foi a ampliaccedilatildeo da residecircncia multiprofissional
para outras aacutereas aleacutem da medicina da enfermagem da fisioterapia como psicologia
fonodiologia terapia ocupacional O que possibilita a ampliaccedilatildeo das atividades desenvolvidas
pelos profissionais
132
Diante deste contexto novos projetos que estatildeo surgindo como o grupo de cuidados
paliativos que estaacute iniciando as suas atividades conforme pode ser constatado nos relatos a
seguir
ldquo A gente taacute tentando transformar a morte em alguma coisa bonita natildeo sei como mas
a gente taacute sabe Assim quando a gente deixa uma matildee ficar ali e diz ldquoOlha o coraccedilatildeo
do seu bebecirc taacute parandordquo E aiacute a matildee pergunta ldquoTaacute morrendo rdquo e a meacutedica diz ldquoTaacute
o que vocecirc quer fazer com ele rdquo ldquoFala o que vocecirc quer pro seu filho taacute aquirdquo A gente
taacute tentando dar essa oportunidade Entatildeo tem sido triste Tem mas tem sido bonito
sabe quando essas matildees elas podem cantar pegar pra fazer carinho beijar e aiacute a gente
comeccedila a ver assim eacute uma despedida Todo mundo sofre mas a gente taacute tentando tirar
essa frieza da morte E aiacute eu acho que isso tem confortado a equipe assim que a gente
entende que a gente taacute fazendo algo para aleacutem pra essas famiacuteliasrdquo (Iacuteris)
O relato foi feito por uma profissional que havia passado recentemente pela morte da
matildee No hospital em que a matildee faleceu em outro estado existiam accedilotildees de cuidado paliativo
que passaram a fazer sentido para ela Uma experiecircncia pessoal a tocou profundamente e a
incentivou a participar do grupo de cuidados paliativos na MEJC
ldquo A portaria saiu essa semana E aiacute a gente comeccedilou a estudar a possibilidade e aiacute
foi Orquiacutedea que pensou Orquiacutedea me chamou e eu falei ldquoOrquiacutedea assim eacute tatildeo
contraditoacuterio neacute Eu preciso taacute nesse grupo pela UTI e por mim porque ai assim pra
tentar entender o que eu vivenciei por tanto tempo sem nem saber o que eacute que eu tava
vivenciandordquo E aiacute essa coisa do cuidado paliativo parece de repente que comeccedilou a
rondar a minha pessoa assim como profissional como filhardquo (Iacuteris)
Na trama de sentidos da existecircncia natildeo eacute possiacutevel separar o lado profissional do lado
pessoal e familiar porque na realidade natildeo existe um lado ou outro existe um ser-no-mundo
em relaccedilatildeo com outros daseins e que se transforma sendo As experiecircncias de vida podem
contribuir para uma nova visatildeo e compreensatildeo sobre o mundo sobre a assistecircncia prestada aos
pacientes e seus familiares As experiecircncias no trabalho tambeacutem podem promover mudanccedilas
nos valores nas formas de conduzir a vida como pode ser percebido nos relatos a seguir
133
ldquoUma matildee me perguntou ldquo Qual eacute o padratildeo de perfeiccedilatildeordquo Eu fiquei com aquilo
encafifado ldquoPadratildeo de perfeiccedilatildeo eacute belezardquo Aiacute eu fiquei calada Ela disse ldquonatildeo eacute
Perfeiccedilatildeo eacute o que vocecirc vecirc como perfeito Esse bebecirc pra mimrdquo E era um menino
monstruoso assim de chocava olhar aiacute ela disse ldquopra mim o meu bebecirc eacute perfeito
porque esse foi feito pra mimrdquo E aiacute eu fiquei com aquilo no meu pensamento Eu digo
ldquorealmente perfeiccedilatildeo eacute um padratildeo que eacute estipulado por alguma minoria que tem que
ser belo lindo loiro e um bebecirc Johnsonrsquos neacuterdquo A gente natildeo tem esse direito de dizer
porque eacute um bebecirc que tem alguma coisa uma pessoa que tem algum defeito que natildeo eacute
perfeito depende ao olho de quem Entatildeo vocecirc aprende tanta coisa Aiacute vocecirc chega em
casa aiacute vocecirc olha assim pros seus Aiacute vocecirc diz assim ldquoeu natildeo posso reclamar de nada
eu soacute posso ser felizrdquo (Angeacutelica)
O conceito de perfeiccedilatildeo pode ser relativo natildeo obedecendo certos padrotildees ditados pelo
mundo no horizonte histoacuterico em que nos encontramos Da mesma forma o entendimento
sobre o que eacute importante para o outro pode gerar outra maneira de prestar assistecircncia Agraves vezes
as atitudes dos profissionais tem como base o que eles acham que eacute necessaacuterio para os familiares
dos pacientes sem ouviacute-los enquanto pessoas abertas a possibilidades e capazes de realizar
escolhas
ldquoE hoje a gente tem visto a morte de outra forma se a morte eacute inevitaacutevel entatildeo vamos
humanizaacute-la vamos proporcionar a esse bebecirc a essa famiacutelia esse contato esses uacuteltimos
contatos pra que esse bebecirc tenha a morte proacutexima a essas pessoas que ele ama e que o
amam Quando agraves vezes o bebecirc piorava e chegava e dizia assim ldquoNatildeo mas a matildee natildeo
pode ver isso porque ela vai sofrerrdquo e uma coisa que a gente tinha conversado com a
equipe de que a gente precisa dar a possibilidade dessa matildee de escolher pode ser que
ela natildeo suporte ver esse sofrimento e queira se retirar mas pode ser que ela queira estar
com esse bebecirc durante todo o processo e natildeo somos noacutes que vamos dizer ldquoNatildeo eacute muito
sofrimento pra ela estar suportandordquo a gente vai dar essa possibilidade pra elardquo
(Rosa)
O relato apresentado coloca em ecircnfase a questatildeo do cuidado nas suas formas antepositiva
e substitutiva Em determinados momentos eacute necessaacuterio indicar os procedimentos tomar
134
decisotildees relativas ao paciente Mas existem outros nos quais eacute importante deixar os familiares
decidirem o que consideram melhor para eles cabendo aos profissionais de sauacutede oferecer estas
possibilidades e o suporte necessaacuterio O cuidado antepositivo tambeacutem precisa estar presente na
assistecircncia Deixar os familiares decidirem com base nos proacuteprios valores eacute como dar
autonomia para que experienciem o momento e consigam lidar melhor com as consequecircncias
dos proacuteprios atos A forma como cada um deseja se despedir de seu ente querido eacute uma decisatildeo
individual que precisa ser respeitada inclusive para facilitar o processo de vivecircncia do luto e
evitar frases do tipo ldquoeu queria ter me despedido do meu filhordquo
Diante do exposto a escuta dos familiares torna-se fundamental para o suporte nos
momentos de perda Sobre este aspecto falas de algumas participantes defendem a importacircncia
dos profissionais desenvolverem a empatia
ldquoEntatildeo acho que quando a gente se coloca no lugar do outro fica mais faacutecil a gente
ver que momento eu vou me calar que momento eu vou falar que informaccedilotildees dar acho
que eu resumiria como empatia que eacute isso que taacute tentando que estamos buscando cada
profissional conseguir se colocar no lugar dessa matildeerdquo (Rosa)
ldquoVocecirc fez um juramento e assim eacute um compromisso que vocecirc tem com aquele paciente
de cuidar dele entatildeo eacute vocecirc se colocar no lugar ldquoSe fosse eu que tivesse sendo cuidada
por mim mesma eu estaria sendo bem cuidadardquo Entatildeo eacute isso que eu levordquo (Violeta)
No proacuteximo relato a participante contempla o cuidar como um conceito mais amplo
muito aleacutem de tratar A ideia que ela quis passar pode ser compreendida apesar de utilizando
os conceitos da fenomenologia heideggeriana sabemos que ambas satildeo formas de cuidado Pois
o cuidado nos contitui eacute inerente ao ser-no-mundo
ldquo Cuidar como um todo natildeo soacute da doenccedila mas cuidar da alma da pessoa da famiacutelia
do colega da equipe Cuidar eacute abrangente o tratar eacute restrito Agora assim cuidar eacute
complicado difiacutecil O que vocecirc sabe sobre cuidar Vocecirc sabe cuidar de algueacutem ou
vocecirc soacute sabe tratar algueacutem Porque satildeo coisas diferentes Entatildeo eu vou encabeccedilar
135
mesmo essa ideia porque tratar eacute faacutecil a bula do remeacutedio diz como fazer agora cuidar
eacute difiacutecilrdquo (Angeacutelica)
Os profissionais se deparam no dia a dia com o desafio de adotar praacuteticas de humanizaccedilatildeo
no hospital Segundo Ayres (2004 p 22) ldquoo importante para a humanizaccedilatildeo eacute justamente a
permeabilidade do teacutecnico ao natildeo-teacutecnico o diaacutelogo entre essas duas dimensotildees interligadasrdquo
O domiacutenio da teacutecnica eacute imprencindiacutevel para o tratamento do paciente mas natildeo eacute suficiente
quando se fala em humanizaccedilatildeo na aacuterea da sauacutede
Outra colaboraccedilatildeo trazida pelo referido autor define o cuidado ldquocomo designaccedilatildeo de uma
atenccedilatildeo agrave sauacutede imediatamente interessada no sentido existencial da experiecircncia do
adoecimento fiacutesico ou mental e por conseguinte tambeacutem das praacuteticas de promoccedilatildeo proteccedilatildeo
ou recuperaccedilatildeo da sauacutede (Ayres 2004 p22)
Compreender o cuidado enquanto uma atitude terapecircutica significa ir aleacutem dos sinais e
sintomas envolve considerar a histoacuteria do indiviacuteduo seus sentimentos diante do adoecimento
da possibilidade iminente de morte implica em uma escuta atenta e em uma explicaccedilatildeo sobre
o que estaacute acontecendo (os procedimentos adotados os exames que precisam ser feitos) Enfim
implica em considerar o outro como um ser lanccedilado no mundo aberto a possibilidades e capaz
de fazer escolhas
Novamente aqui cabe uma reflexatildeo quanto a capacidade dos profissionais de consiguerem
desenvolver as competecircncias teacutecnicas e relacionais e ainda conseguirem ser assertivos e
atenciosos no atendimento dos pacientes particularmente tambeacutem nos momentos criacuteticos de
perda e morte Trata-se de uma exigecircncia consideraacutevel que precisa ser cumprida mas necessita
de atenccedilatildeo para tornar-se viaacutevel e se sustentar Exige-se do profissional individualmente o
domiacutenio teacutecnico para a funccedilatildeo que executa e as habilidade relacionais necessaacuterias agraves praacuteticas
de humanizaccedilatildeo Entretanto eacute importante mencionar a necessidade de oferecer suporte para
estes profissionais desde a formaccedilatildeo como tambeacutem no dia a dia de trabalho
136
O cotidiano da UTI Neonatal aleacutem de ser tenso de apresentar uma atmosfera com muita
pressatildeo possui dificuldades referentes ao quantitativo de pessoal agrave sobrecarga de trabalho aos
relacionamentos interpessoais e com os familiares de pacientes Enfim isso tudo repercute na
sauacutede do trabalhador aumenta o niacutevel de absenteiacutesmo o que gera mais sobrecarga para os que
ficam no trabalho Estes fatores motivaram alguns profissionaia da UTI Neo a iniciar um projeto
intitulado ldquocuidar do cuidadorrdquo
ldquo A gente tava com o niacutevel de absenteiacutesmo muito alto os profissionais principalmente
os teacutecnicos de enfermagem adoecendo muito na UTI neonatal Jaacute estava chegando num
niacutevel que a equipe estava muito adoecida e se a gente natildeo parasse pra fazer algo com a
equipe natildeo ia conseguir ajudar tambeacutem esses pacientes porque a gente precisa primeiro
cuidar delas primeiro natildeo em paralelo neacute E aiacute a gente comeccedilou um trabalho junto
com a equipe entatildeo a gente taacute montando o projeto Satildeo encontros mensais ontem
inclusive foi o segundo encontro A gente trabalha com musicalizaccedilatildeo com elas com
dinacircmica de grupo ginaacutestica laboral entatildeo as reuniotildees eram tidas elas falam como
chicote soacute era reclamaccedilatildeo e a proposta natildeo eacute nem que o nome seja reuniatildeo satildeo
encontrosrdquo (Rosa)
ldquoCuidar do cuidadorrdquo realmente parece um projeto que apesar de inicial estaacute rendendo
bons frutos Como contribuiccedilatildeo poderia ser ampliado de forma a envolver a equipe
multiciplinar da UTI Neonatal e natildeo somente a equipe de teacutecnicos de enfermagem tendo outros
profissionais como facilitadores Estes encontros poderiam ser mantidos mas com a abertura
para novas possibilidades de reuniotildees envolvendo outros profissionais para faciliar o
entrosamento e ateacute a troca de informaccedilotildees
Outra sugestatildeo que poderia ser passada refere-se ao estabelecimento de um plantatildeo
psicoloacutegico para os profissionais de sauacutede Um espaccedilo para escuta dos mesmos nos momentos
que acharem oportuno e necessaacuterio O simples fato de ser ouvido pode acalentar o coraccedilatildeo dos
que sofrem Esta sugestatildeo vai aleacutem da defesa da importacircncia destes momentos para os
137
funcionaacuterios eacute proveniente de uma demanda da observaccedilatildeo do cotidiano de trabalho e da
expressatildeo dos profissionais como pode ser constatado no relato a seguir
ldquo Assim eu soacute acho que eu gostei muito dessa nossa conversa porque a gente natildeo
tem apoio assim psicoloacutegico a natildeo ser que seja solicitado como jaacute aconteceu que a
gente tem assim uma equipe muito reduzida de teacutecnicos e ai sobrecarrega toda equipe e
a gente solicitou que a gente precisa de um acompanhamento psicoloacutegico que a gente
natildeo aguenta mais o iacutendice de atestado meacutedico por doenccedila fiacutesica e mental foi muito
grande na UTI tanto eacute que foi o setor com mais absenteiacutesmo afastamento por atestado
meacutedico da maternidade inteira e a gente fez ldquonatildeo a gente tem que saber o que eacute vamos
fazer um grupo neacuterdquo Veio uma psicoacuteloga da chefia ela se propocircs a fazer grupos de
conversa porque a gente natildeo tem esse apoio assim claro que por exemplo se dispotildee
ldquogente se vocecircs precisarem eu tocirc aqui pra ajudar vocecircsrdquo mas natildeo eacute aquilo assim ldquoah
a psicoacuteloga dos profissionaisrdquo eacute porque ela se dispotildee mesmo Isso eacute muito bom a gente
ser escutada porque eacute muita obrigaccedilatildeo pra gente e eacute muito dever pra gente vocecirc tem
que fazer vocecirc tem que fazer e a gente natildeo em essa contrapartida de nos ajudar tambeacutem
uma pessoa pra nos ouvir muito bom gostei muitordquo (Violeta)
Esta profissional foi uma das primeiras a ser entrevistada Ao realizar a divulgaccedilatildeo da
pesquisa dentro da UTIN ela se ofereceu prontamente e perguntou se poderia ser ouvida naquele
momento de imediato E assim foi feito Realmente pode-se verificar a importacircncia de um
espaccedilo de escuta para um profissional de sauacutede que lida com tantos desafios e temores Ao final
da entrevista ela fez um agradecimento simplemente pelo fato de ser ouvida
Para mim isto serve de inspiraccedilatildeo quanto a postura cliacutenica do pesquisador da aacuterea de
fenomenologia Noacutes natildeo nos disponibilizamos somente para fazer pesquisa temos consciecircncia
que na relaccedilatildeo com os outros nos encontros estamos envolvidos em uma trama de sentidos
que eacute transformadora para ambas as partes o narrador e o pesquisador que se torna um narrador
agrave medida em que busca compreender o outro e produzir uma nova narrativa com base em como
o que foi ouvido o afetou
138
E eacute justamente sobre estas reflexotildees que trataremos no proacuteximo capiacutetulo No qual a
circularidade se apresenta condensada em palavras as quais tentam resumir o vivido ao longo
do processo de pesquisa Mas jamais tecircm a pretensatildeo de se apresentarem como conclusotildees
Pois a cada vez que satildeo lidas refletidas e analisadas se transformam e nos convidam a serem
reescritas como uma obra inacabada sujeita a interpretaccedilotildees diversas fundamentadas nas
distintas compreensotildees de mundo
139
Capiacutetulo 6 Destecendo a trama da existecircncia reflexotildees a partir das narrativas dos
profissionais de sauacutede
ldquoVladimir Kushrdquo
140
O SONHO
Sonhe com aquilo que vocecirc quer ser
Porque vocecirc possui apenas uma vida
E nela soacute se tem uma chance
De fazer aquilo que quer
Tenha felicidade bastante para fazecirc-la doce
Dificuldades para fazecirc-la forte
Tristeza para fazecirc-la humana
E esperanccedila suficiente para fazecirc-la feliz
As pessoas mais felizes natildeo tecircm as melhores coisas
Elas sabem fazer o melhor das oportunidades
Que aparecem em seus caminhos
A felicidade aparece para aqueles que choram
Para aqueles que se machucam
Para aqueles que buscam e tentam sempre
E para aqueles que reconhecem
A importacircncia das pessoas que passaram por suas vidasrdquo
Clarice Lispector
A vida eacute uma trama repleta de encontros dos fios que tecem o existir ela se constitui
continuamente ateacute o momento em que eacute interrompida e deixa sempre algo para ser acabado
Assim vamos vivendo enfrentando os desafios impostos pelo mundo e por noacutes mesmos
imersos em um horizonte histoacuterico de cobranccedilas marcado por uma busca pela felicidade (que
precisa ser exposta como uma conquista contiacutenua e necessaacuteria) pelo culto ao corpo e agrave
juventude (revelada nas cirurgias plaacutesticas nos cremes e piacutelulas) pela busca da cura e
interdiccedilatildeo da morte (configurada no choro contido na maquiagem dos mortos na induacutestria
141
fuacutenebre que tem crescido vertiginosamente) pelo sucesso profissional (marcado pelas
necessidades de realizaccedilatildeo de status de reconhecimento)
Neste contexto a definiccedilatildeo de ldquoaquilo que vocecirc quer serrdquo pode ser deveras complicada
bastante complexa Porque nem sempre o que se quer eacute possiacutevel ter e nem sempre se sabe o que
se realmente quer Mas mesmo diante destas inconsistecircncias precisamos fazer as escolhas tatildeo
necessaacuterias agrave sobrevivecircncia neste mundo
Como pude observar nos relatos alguns profissionais de sauacutede natildeo queriam inicialmente
trabalhar com bebecircs e ateacute se assustavam sobremaneira com a possibilidade de lidar
constantemente com a morte de seres tatildeo fraacutegeis envoltos em complexas relaccedilotildees familiares
Escolheram em funccedilatildeo de vagas de trabalho da aprovaccedilatildeo em um concurso da alegaccedilatildeo da
administraccedilatildeo hospitalar das necessidades de ampliar a equipe da UTI Neonatal Escolheram e
como bem coloca Clarice Lispector ldquosabem fazer o melhor das oportunidades que aparecem em
seus caminhosrdquo
Os relatos revelam o encantamento com a possibilidade de ajudar os bebecircs e suas
famiacutelias o comprometimento com o trabalho realizado mesmo diante das dificuldades Os
profissionais entrevistados admitem o sofrimento o choro por vezes contido diante dos
familiares e ateacute o distanciamento proposital dos mesmos quando a possibilidade da morte se
amplia Admitem tentar se proteger do sofrimento natildeo se envolver em demasia para seguir
adiante
Falaram sobre o medo da morte sobre o sentimento de impotecircncia e frustraccedilatildeo diante
da morte de receacutem-nascidos E tambeacutem falaram sobre o resignificar da vida diante das
experiecircncias da vontade de dar mais atenccedilatildeo aos filhos ao lembrarem das matildees que natildeo podem
mais tecirc-los por perto A morte do outro no caso das profissionais que satildeo matildees relembra sobre
a possibilidade de perda dos proacuteprios filhos da necessidade de fazer melhores escolhas sobre o
uso do pouco tempo disponiacutevel para atenccedilatildeo dedicada aos mesmos
142
Muitas coisas foram ditas as dificuldades do cotidiano foram contempladas bem como
as significativas melhorias apresentadas na estrutura fiacutesica de trabalho Os novos projetos
tambeacutem apareceram com a boa vontade de propor melhorias de oferecer uma melhor
assistecircncia aos pacientes familiares e aos proacuteprios funcionaacuterios
O que fico me perguntando a partir da escuta atenta destas narrativas eacute o que pode ser
feito diante de tudo o que foi dito Acredito que a primeira reflexatildeo que se apresenta estaacute na
importacircncia de olhar para a o mundo atual para esta atmosfera que nos move para o controle
para o domiacutenio dos instrumentos para o raciociacutenio da causa e efeito para a necessidade de cura
para o sentimento de culpa Compreender que estamos imersos nesta visatildeo de mundo eacute
reconhecer que os instrumentos satildeo necessaacuterios para a relaccedilatildeo que o homem estabelece com o
trabalho com os outros neste mundo E principalmente eacute tambeacutem reconhecer que apesar de
todo o aparato tecnoloacutegico de toda dedicaccedilatildeo humana natildeo temos o controle sobre a vida As
limitaccedilotildees vatildeo existir as falhas fazem parte do processo e em uma hora surpreendentemente
indefinida a morte iraacute chegar
A morte chega e nos diz que a vida iraacute acabar mesmo que a consideremos inacabada
Que as coisas iratildeo acontecer independentemente da nossa vontade Aiacute entramos em um ponto
especialmente delicado o homem enquanto senhor das suas vontades Do querer realizar o
querer que nos mobiliza o natildeo querer que paralisa que gera inconformidade intoleracircncia que
embriaga a visatildeo e dissipa a realidade nua e crua Coloca uma nuvem uma neblina que natildeo
deixa enxergar o natildeo querer
Somos movidos pelos sentimentos e mais atenccedilatildeo precisa ser dada a isso Muito mais
do que se imagina Mais atenccedilatildeo ao que sentimos com o olhar voltado para si mais atenccedilatildeo ao
que os outros sentem com o olhar para o proacuteximo Eacute preciso escutar mais as pessoas entender
o que querem ao que datildeo importacircncia e dentro das possibilidades oferecerem um pouco do
que querem e a reflexatildeo sobre o muito do que natildeo podem sobre as limitaccedilotildees para o querer
143
Voltando para a realidade dos profissionais de sauacutede muitas vezes eles querem ser
ouvidos em sua anguacutestia consolados em seu luto atendidos em relaccedilatildeo agraves condiccedilotildees baacutesicas de
trabalho Satildeo quereres aparentemente possiacuteveis diante dos desafios cotidianos no ambiente de
trabalho Mas quereres tantas vezes pouco atendidos Fala-se na necessidade de cuidar do
cuidador mas o que seria este cuidado senatildeo passar pela escuta atenta das suas necessidades
De que tipo de cuidado estamos falando Mesmo quando as empresas adotam praacuteticas de
atenccedilatildeo aos cuidadores qual a fonte de inspiraccedilatildeo destas praacuteticas O que acham que eacute adequado
ou suficiente para os trabalhadores Ou o que realmente importa para eles
Ainda pensando na questatildeo da morte e fazendo uma articulaccedilatildeo com as experiecircncias dos
profissionais de sauacutede podemos compreender que a morte faz parte da vida do ser-no-mundo
embora tenha sido experienciada de diferentes formas ao longo da histoacuteria da humanidade
Congruente com este pensamento Heidegger (1927 2015) enfatiza a ideia de sempre considerar
o contexto social especiacutefico para interpretar o discurso do outro
Para os profissionais de sauacutede a ocorrecircncia das mortes faz lembrar das limitaccedilotildees
existentes na atuaccedilatildeo profissional Em meio a busca pela cura pela prolongaccedilatildeo da vida a
ocorrecircncia de morte leva agrave frustraccedilatildeo de saber que por mais que se queira curar existem
limitaccedilotildees para a atuaccedilatildeo profissional
Na realidade de uma forma geral independente de refletirmos ou natildeo sobre a morte
esta possibilidade estaacute lanccedilada o tempo todo como algo inerente agrave existecircncia E assim
tecemos os fios da nossa vida Vamos estruturando o nosso tecido pelas experiecircncias que
vivemos enquanto ser-no-mundo um ser que se relaciona com os outros e com o mundo em
um contexto histoacuterico especiacutefico
No contexto atual sem o controle o homem se sente perdido incomodado como se
faltasse algo que lhe trouxesse seguranccedila A anguacutestia retira o ser da situaccedilatildeo de aparente
controle
144
A anguacutestia nos arranca da familiaridade cotidiana nos faz sentir como estranhos no
mundo Ela incomoda por nos trazer algo que ameaccedila a nossa existecircncia e nos lembra do poder
natildeo mais ser E a anguacutestia eacute antes de tudo uma disposiccedilatildeo afetiva uma abertura para o mundo
Desta forma Heidegger (19272015) nos lembra da importacircncia dos afetos para o ser-
no-mundo Somos seres tambeacutem de afeto Mesmo a melhor das teorias natildeo se consolida apenas
com a razatildeo requer sobremaneira a sensibilidade do pesquisador A disposiccedilatildeo afetiva para
realizar algo inclusive para refletir E a anguacutestia favorece isto cria uma atmosfera propiacutecia para
o olhar profundo em relaccedilatildeo a si proacuteprio enquanto ser-no-mundo
O dasein ao ser tomado pela anguacutestia eacute capaz de concentrar-se nas proacuteprias escolhas
de se permitir fazer referecircncia a si mesmo de forma autecircntica podendo assim exercitar a
capacidade de ser propriamente livre
Ao encarar a morte de frente pode-se pensar na melhor forma de viver a vida no
sentido mais autecircntico e verdadeiro para si proacuteprio No sentido de fazer escolhas que geram o
sentimento de valer a pena A ideia de ldquoaceitar o fimrdquo eacute muito mais complexa que o simples
citar desta frase pode implicar em resignificar o comeccedilo em fazer novas escolhas no presente
e projetar-se para o futuro com a consciecircncia que viveraacute do modo mais verdadeiro para si
proacuteprio e que natildeo teraacute o controle sobre tudo e sobre todos
Costumo dizer que planejamos para melhor improvisar Eacute ilusatildeo acharmos que quanto
mais racionais e apegados aos detalhes teremos a previsatildeo dos fatos da vida Planejamos para
melhor improvisar pois enquanto ser-aiacute estamos no mundo abertos a muitas possibilidades
Inclusive na relaccedilatildeo com os outros sobre os quais natildeo temos controle Improvisar faz parte da
vida tanto quanto a noccedilatildeo de projeto Sem projeto natildeo temos sentido para a vida mas se
tornarmos o projeto estaacutetico ele jamais se concretiza inclusive pela nossa proacutepria insatisfaccedilatildeo
com o mesmo
145
Planejamos para melhor improvisar pode tambeacutem ser compreendido como nos
prepararmos para esperar o inesperado ou seja para termos consciecircncia de que por mais que
nos dediquemos a ponto de oferecermos o nosso melhor natildeo teremos o controle sobre o mundo
nem tatildeo pouco sobre os resultados que esperamos para o nosso proacuteprio esforccedilo
Com base nesta reflexatildeo caberia uma pergunta Eacute possiacutevel uma preparaccedilatildeo para a
morte No sentido de prever os acontecimentos como se existissem e efetivamente vivenciaacute-
los a minha resposta seria natildeo Mas no sentido de aliado a preparaccedilatildeo teacutecnica existir uma
reflexatildeo pautada nas limitaccedilotildees humanas e na condiccedilatildeo do dasein enquanto ser-para-a-morte
poderia ser um caminho Este tipo de preparaccedilatildeo poderia minimizar a cobranccedila pela cura e a
culpa pelo aparente fracasso Seria um contraponto para um pensamento que aprisiona na busca
da perfeiccedilatildeo e do controle de algo incontrolaacutevel A preparaccedilatildeo seria portanto de considerar a
realidade de que somos mortais e de que apesar disso buscamos um projeto de vida que nos
faccedila sentido que nos decirc direccedilatildeo agraves nossas atitudes
Ser profissional de sauacutede eacute percorrer um caminho que se constroacutei no cotidiano eacute um
contiacutenuo tornar-se sendo Pelas experiecircncias vivenciadas cada qual constroacutei a sua histoacuteria a
sua maneira de ver a vida projeta o futuro e resignifica o passado Mas ao longo do percurso
aleacutem da preparaccedilatildeo inicial para lidar com a morte eu diria que eacute necessaacuterio um suporte para os
momentos de enfrentamento Como um amparo ao longo da caminhada Seria interessante um
espaccedilo de escuta para estes profissionais nas suas anguacutestias e dificuldades como um plantatildeo
psicoloacutegico Ao mesmo tempo em que seria interessante ampliar as possibilidades de reuniotildees
multidisciplinares com a participaccedilatildeo dos profissionais de distintas formaccedilotildees Espaccedilos de
escuta de troca de informaccedilotildees e ideias podem gerar um sentimento de integraccedilatildeo e facilitar o
caminhar a jornada
146
Diante das narrativas dos profissionais de sauacutede fiquei reflexiva quanto a um aspecto
o quanto estamos sozinhos Alguns se sentem mais acolhidos pelos pares outros menos Mas
de uma forma ou de outra todos utilizam mecanismos para enfrentar as dificuldades
Na realidade o estar sozinho tambeacutem remete agrave condiccedilatildeo de desamparo do dasein Natildeo
temos seguranccedila nesta vida Somos seres desamparados Talvez por isso nos apegamos agraves
coisas do mundo as ocupaccedilotildees do cotidiano Na tentativa de preenchermos um vazio uma
sensaccedilatildeo de desamparo que eacute inerente ao ser-no-mundo
Somos seres sozinhos em meio a uma multidatildeo correndo contra o tempo Nos
consideramos imortais ao deixarmos de refletir sobre a condiccedilatildeo de finitude Cultivamos o
poder de realizar multitarefas de dominar muitos conhecimentos de acumular todo tipo de
informaccedilotildees Fazer vaacuterias coisas ao mesmo tempo passou a ser louvaacutevel digno do meacuterito de
quem acumula coisas
Os profissionais de sauacutede satildeo seres sozinhos no sentido de serem obrigados a dominar
vaacuterios conhecimentos e teacutecnicas de serem considerados responsaacuteveis pela cura dos pacientes
de terem que abdicar ateacute da vida pessoal para ajudar o proacuteximo seja dobrando o plantatildeo seja
assumindo a postura louvaacutevel daquele que estaacute sempre apto para salvar para consolar e dar
atenccedilatildeo
Estatildeo sozinhos quando falta material equipamentos adequados pessoas suficientes e
mesmo assim os problemas precisam ser resolvidos e enfrentados Sozinhos quando precisam
chorar suportar as dores e anguacutestias pois ao se mostrarem fragilizados natildeo satildeo considerados
capazes de ocupar aquele lugar Como no caso da profissional que chorava copiosamente diante
da morte do receacutem-nascido e a colega afirmou que ela deveria trabalhar em um shopping
Estes profissionais encontram-se imersos em uma realidade da sauacutede puacuteblica brasileira
caracterizada pela deficiecircncia pela falta dos materiais equipamentos e pessoas necessaacuterias para
a execuccedilatildeo efetiva das atividades As notiacutecias nos diversos meios de comunicaccedilatildeo (jornais
147
televisatildeo internet raacutedio) destacam como a sauacutede puacuteblica natildeo eacute uma prioridade no Brasil A
populaccedilatildeo sofre muito com isso assim como os profissionais de sauacutede
Diante da falta de condiccedilotildees de trabalho a sobrecarga apresenta-se como rotina como
o padratildeo caracteriacutestico do cotidiano de trabalho destes profissionais Assim configura-se o ciclo
vicioso A sobrecarga leva ao adoecimento que leva agrave ausecircncia do trabalho e amplia a
sobrecarga para os que ficam provavelmente os proacuteximos a adoecerem
Em meio a esta realidade muitas vezes os profissionais satildeo mal remunerados pouco
valorizados e se submetem a um concurso puacuteblico como forma de garantir a estabilidade do
emprego mas natildeo necessariamente apresentam o interesse ou mesmo o perfil para a atuaccedilatildeo
em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal Existem ainda os que precisam para aumentar a
renda trabalhar em outros hospitais tantas vezes saindo de um plantatildeo para outro gerando
desgaste fiacutesico e psicoloacutegico
Temos os que se afastam do trabalho os que trabalham sofrendo os que se afastam no
trabalho procurando se distanciar do sofrimento Diante de tudo isso eacute importante enfatizar
que os profissionais precisam ser ouvidos precisam de suporte psicoloacutegico no ambiente de
trabalho precisam de uma formaccedilatildeo que priorize as temaacuteticas da morte e das perdas de uma
forma reflexiva Mas precisam sobretudo de condiccedilotildees adequadas de trabalho (em termos de
materias equipamentos carga horaacuteria) e de reconhecimento Eacute contraditoacuterio culpar o
profissional pela morte de pacientes e mais seriamente fazecirc-lo se sentir culpado quando natildeo
satildeo oferecidas as condiccedilotildees necessaacuterias inclusive para evitar que algumas morte aconteccedilam
A sobrecarga de trabalho favorece a ocorrecircncia de erros que podem levar a morte dos
bebecircs Aleacutem de conviver com a sobrecarga agraves vezes ateacute com a exaustatildeo e o adoecimento o
profissional precisa salvar vidas e quando isso natildeo ocorre encontrar meios para lidar com as
frustraccedilotildees com os sentimentos de impotecircncia e de culpa E quando reivindicam tantas vezes
satildeo lembrados da ldquovocaccedilatildeordquo originaacuteria de ajudar o proacuteximo salvar vidas dedicar-se ao bem do
148
outro Natildeo dobrar um plantatildeo pode significar o abandono dos bebecircs E quanto ao abandono de
si proacuteprio e dos outros papeacuteis que ocupa na vida
Ao longo do percurso da vida muitas mortes satildeo vivenciadas inclusive as perdas
cotidianas os desejos e sonhos natildeo realizados o fim de relacionamentos a perda de emprego
o tornar-se aposentado Os fechamentos de ciclos na vida podem ser sentidos como verdadeiras
mortes que deixam marcas e levam um pouco de noacutes Diante destas mortes eacute necessaacuterio refletir
sobre a direccedilatildeo tomada o sentido da vida e o novo caminho a ser trilhado Quando isso natildeo eacute
possiacutevel a morte paralisa leva agrave perda de sentido aos afastamentos do trabalho ao teacutedio agrave
depressatildeo e ateacute ao suiciacutedio
Tudo depende do significado atribuiacutedo ao fato Para quem o trabalho representa a razatildeo
de existir a necessidade de se sentir uacutetil o ciclo social de convivecircncia a aposentadoria pode
significar a morte de toda uma vida de dedicaccedilatildeo de uma rede de relaccedilotildees e de um
pertencimento a um mundo que natildeo mais existe E se aleacutem deste significado faltar a direccedilatildeo
um projeto para o futuro um novo olhar para o mundo o sentido da vida pode esvair-se como
a aacutegua entre os dedos O ser se perde morre ainda vivo morre para o mundo e para os outros
Ao longo da trajetoacuteria a vivecircncia das perdas pode ser sentida de diferentes formas que
deixam marcas resignificam a vida mas natildeo mudam de condiccedilatildeo ou significado satildeo perdas
Grandes e pequenas mortes com as quais precisamos aprender a lidar no cotidiano
Da mesma forma que na contemporaneidade fugimos da morte tentamos evitar ao
maacuteximo pensar na morte dos outros e na nossa proacutepria morte e mascaramos o luto noacutes tambeacutem
fugimos das perdas escondemos os fracassos encobrimos as falhas buscamos culpados para a
natildeo-realizaccedilatildeo dos desejos e sonhos nos concentramos em outras demandas para natildeo olhar para
o que perdemos Caiacutemos na impessoalidade e ficamos na superfiacutecie das histoacuterias das relaccedilotildees
das atividades cotidianas Tomamos piacutelulas para emagrecer remeacutedios para esquecer das dores
para dormir o sono que evita a culpa
149
As perdas demonstram que natildeo temos o controle sobre o mundo e tambeacutem indicam que
somos seres em deacutebito Sempre que escolhemos algo abrimos matildeo de outras possibilidades o
tempo inteiro Estamos em deacutebito com o que natildeo escolhemos e se satildeo decisotildees importantes
para a nossa vida nos encontramos em um deacutebito ainda maior conosco O mais doloroso disso
tudo eacute que esta diacutevida vai sendo cobrada ao longo da existecircncia ateacute a finitude quando deixamos
a condiccedilatildeo de ser-no-mundo
Ter consciecircncia de ser algueacutem em deacutebito nos torna mais reflexivos quanto agraves escolhas
que realizamos Tantas vezes o sim para o mundo pode ser o natildeo para si proacuteprio E a dor da
sequecircncia de perdas pode levar ao adoecimento e agrave perda de sentido da vida
Seja entendida como um castigo ou fonte de expiaccedilatildeo dos pecados Seja compreendida
como o fim da existecircncia ou um novo comeccedilo a morte continuaraacute na verdade como presenccedila
como uma possibilidade certa na nossa existecircncia um marco divisoacuterio entre estar-no-mundo e
deixar de ser-no-mundo Cabe a noacutes escolher ateacute como lidar com tudo isso
150
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157
ANEXOS
158
Paacutegina 1 de 1
TERMO DE GRAVACcedilAtildeO DE VOZ
Eu__________________________________________ autorizo a gravaccedilatildeo da
entrevistadepoimento a qual integra a pesquisa intitulada ldquoOs profissionais de sauacutede e a
experiecircncia da morte em UTI Neonatal agrave luz da fenomenologia hermenecircutica
heideggerianardquo na qual participo como voluntaacuterio(a) Este estudo tem como pesquisadora
responsaacutevel Lucila Moura Ramos Vasconcelos sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Elza Dutra
vinculadas ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Psicologia da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte
Com este termo estou ciente que esta gravaccedilatildeo possui a finalidade de contribuir para a
compreensatildeo do fenocircmeno aqui estudado e autorizo que a mesma seja realizada nas condiccedilotildees
propostas pela pesquisadora permitir que a gravaccedilatildeo aconteccedila nos encontros propostos para a
realizaccedilatildeo da escuta dos depoimentos podendo ser pausada a cada momento que for necessaacuterio
durante o transcorrer da entrevista
Estou ciente que o conteuacutedo destas gravaccedilotildees seraacute armazenado pela pesquisadora
responsaacutevel em local seguro por um periacuteodo de 5 anos Tambeacutem seraacute preservado o sigilo quanto
agrave identidade dos participantes desta pesquisa
Natal _________ _____________________________________________________
Assinatura do participante da pesquisa
Impressatildeo datiloscoacutepica do participante da pesquisa
159
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ndash TCLE
Este eacute um convite para vocecirc participar da pesquisa intitulada ldquoOs profissionais de
sauacutede e a experiecircncia da morte em UTI Neonatal agrave luz da fenomenologia hermenecircutica
heideggerianardquo Este estudo tem como pesquisadora responsaacutevel Lucila Moura Ramos
Vasconcelos sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Elza Dutra vinculadas ao Programa de Poacutes-
Graduaccedilatildeo em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
A motivaccedilatildeo para o presente estudo surgiu da praacutetica profissional da pesquisadora e do
olhar para a atuaccedilatildeo dos trabalhadores que se dedicam a promover a assistecircncia aos pacientes
No cotidiano de trabalho os profissionais de sauacutede aleacutem de precisarem do conhecimento
teacutecnico e do entendimento e cumprimento dos protocolos de seguranccedila ainda vivenciam
situaccedilotildees de morte de pacientes
Diante do exposto o presente estudo tem como objetivo geral compreender como os
profissionais de sauacutede atuantes em UTI Neonatal experienciam a morte de receacutem-nascidos e
como objetivos especiacuteficos conhecer as concepccedilotildees dos profissionais sobre a morte entender
como os profissionais lidam com as exigecircncias inerentes ao trabalho em UTI Neonatal entender
os sentidos de ser profissional de sauacutede atuante em UTI Neonatal Tendo em vista esta temaacutetica
foi escolhida como campo de estudo a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco (MEJC) referecircncia
no estado do Rio Grande do Norte para a gestaccedilatildeo de alto risco
Se vocecirc decidir participar vocecirc seraacute entrevistado(a) A entrevista poderaacute durar 1 (uma)
hora e seraacute gravada em aacuteudio Em momento posterior a pesquisadora iraacute transcrever o que foi
gravado para uso na pesquisa Durante a realizaccedilatildeo da entrevista vocecirc poderaacute sentir um
desconforto emocional causado por alguma pergunta da entrevista mas vale lembrar que o
pesquisadora eacute psicoacuteloga e possui condiccedilotildees de lhe oferecer acolhimento se for necessaacuterio
Vocecirc teraacute como benefiacutecio a possibilidade de falar sobre sua experiecircncia enquanto profissional
de sauacutede e sobre os sentidos que vocecirc atribui a essa experiecircncia Dessa forma vocecirc contribuiraacute
para a produccedilatildeo de conhecimento na aacuterea desse estudo
A importacircncia deste estudo estaacute na compreensatildeo da experiecircncia da morte de receacutem-
nascidos pelos profissionais de sauacutede no intuito de gerar contribuiccedilotildees para proacuteprios os
profissionais de sauacutede a instituiccedilatildeo hospitalar e consequentemente para a assistecircncia dos
pacientes e de seus familiares Ao serem ouvidos cada participante contaraacute sobre os fatos que
vivenciaram e a realidade do seu trabalho Isto por si soacute poderaacute promover reflexotildees sobre a
Paacutegina 1 de 3
160
conduccedilatildeo das suas atividades e sobre os sentimentos diante das perdas Estas informaccedilotildees
poderatildeo indicar a necessidade de suporte psicoloacutegico eou da equipe de trabalho no
enfrentamento das perdas Tambeacutem poderatildeo suscitar na Instituiccedilatildeo a necessidade de novas
orientaccedilotildees eou capacitaccedilotildees para os funcionaacuterios bem como accedilotildees voltadas para a sauacutede e
qualidade de vida no trabalho
Vocecirc tem o direito de se recusar a participar da pesquisa ou retirar seu consentimento
em qualquer momento da entrevista Isto significa que vocecirc poderaacute parar a entrevista em
qualquer momento Vocecirc tambeacutem tem o direito de se recusar a responder qualquer pergunta
As informaccedilotildees que vocecirc iraacute fornecer seratildeo confidenciais Estas informaccedilotildees seratildeo divulgadas
apenas em congressos ou publicaccedilotildees cientiacuteficas mas nenhum dado que possa lhe identificar
seraacute divulgado Esses dados seratildeo guardados pela pesquisadora responsaacutevel em local seguro
por um periacuteodo de 5 anos
Se vocecirc tiver algum gasto pela sua participaccedilatildeo nessa pesquisa ele seraacute assumido pela
pesquisadora e reembolsado para vocecirc Se vocecirc sofrer algum dano comprovadamente causado
por esta pesquisa vocecirc seraacute indenizado O participante da pesquisa tem direito a indenizaccedilatildeo
conforme as leis vigentes no paiacutes caso ocorra dano decorrente de participaccedilatildeo na pesquisa
Durante todo o periacuteodo da pesquisa vocecirc poderaacute tirar suas duacutevidas ligando para Lucila
Moura Ramos Vasconcelos atraveacutes do celular 084-99970-4550 ou do e-mail
lucilamourayahoocombr Tambeacutem poderaacute entrar em contato com a orientadora da pesquisa
a Profordf Drordf Elza Dutra por meio do celular 084-99924-4175 ou de seu e-mail
elzadutrarngmailcom
Para tirar qualquer duacutevida sobre os aspectos eacuteticos dessa pesquisa vocecirc deveraacute ligar para
o Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Universitaacuterio Onofre Lopes (084-3342 5003) como
poderaacute enviar e-mail para cep_huolyahoocombr ou comparecer diretamente no Hospital
Universitaacuterio Onofre Lopes localizado na Avenida Nilo Peccedilanha 620 no bairro de Petroacutepolis
(CEP 59012-300)
Este documento foi impresso em duas vias Uma ficaraacute com vocecirc e a outra com a
pesquisadora responsaacutevel Lucila Moura Ramos Vasconcelos
Apoacutes ter sido informado(a) sobre os objetivos a importacircncia e a forma como as
informaccedilotildees seratildeo coletadas nessa pesquisa e de conhecer os riscos desconfortos e benefiacutecios
Paacutegina 2 de 3
161
Paacutegina 3 de 3
e ter conhecimento de todos os meus direitos concordo em participar da pesquisa ldquoOs
profissionais de sauacutede e a experiecircncia da morte em UTI Neonatal agrave luz da fenomenologia
hermenecircutica heideggerianardquo e autorizo a divulgaccedilatildeo das informaccedilotildees fornecidas em
congressos eou publicaccedilotildees cientiacuteficas desde que nenhum dado possa me identificar
Natal _________ _____________________________________________________
Assinatura do participante da pesquisa
Impressatildeo datiloscoacutepica do participante da pesquisa
2
Lucila Moura Ramos Vasconcelos
A EXPERIEcircNCIA DOS PROFISSIONAIS DE SAUacuteDE DA UTI NEONATAL Agrave LUZ
DA FENOMENOLOGIA HERMENEcircUTICA HEIDEGGERIANA
Natal RN
2018
Tese elaborada sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Elza Dutra
e apresentado ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em
Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte como requisito parcial para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de
Doutora em Psicologia
3
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogaccedilatildeo de Publicaccedilatildeo na Fonte UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciecircncias Humanas Letras e Artes -
CCHLA
Vasconcelos Lucila Moura Ramos
A experiecircncia dos profissionais de sauacutede da uti neonatal agrave luz
da fenomenologia hermenecircutica Heideggeriana Lucila Moura Ramos
Vasconcelos - Natal 2018
160f il color
Tese (doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande do
Norte Centro de Ciecircncias Humanas Letras e Artes Programa de
Poacutes-Graduaccedilatildeo em Psicologia
Orientadora Profa Dra Elza Dutra
1 Pesquisa fenomenoloacutegica - Tese 2 Profissionais de sauacutede
- Tese 3 UTI Neonatal - Morte - Receacutem-nascido - Tese I
Dutra Elza II Tiacutetulo
RNUFBS-CCHLA CDU 1599
Elaborado por Heverton Thiago Luiz da Silva - CRB-15710
4
5
ldquo Eacute preciso amor
Pra poder pulsar
Eacute preciso paz pra poder sorrir
Eacute preciso a chuva para florir
Todo mundo ama um dia
Todo mundo chora
Um dia a gente chega
E no outro vai embora
Cada um de noacutes compotildee a sua histoacuteria
Cada ser em si
Carrega o dom de ser capaz
E ser felizrdquo
Almir Sater
6
AGRADECIMENTOS
A Deus pelo dom da vida pela infinita bondade e sabedoria
Aos meus pais Ricardo e Luacutecia meu eterno agradecimento por tudo o que sou Por serem o
meu porto seguro meus grandes professores exemplos de vida fontes de inspiraccedilatildeo Muito
obrigada pelas orientaccedilotildees pela escuta atenta pela ternura no olhar pelo amor incondicional
Aos meus irmatildeos Ricardo e Rafael meus mestres obrigada pelo incentivo exemplo forccedila
aprendizado e afeto
Ao meu esposo Rodrigo meu amor meu amigo meu parceiro Ao seu lado sinto-me mais
forte para alcanccedilar os nossos objetivos Obrigada pelo apoio pela compreensatildeo e incentivo
Ao meu lindo filho Felipe um receacutem-nascido que me inspirou a buscar novos projetos
iluminou a minha vida deu um novo sentido ao meu existir
A minha orientadora professora Elza Dutra por ter acreditado em mim desde o iniacutecio do
doutorado Obrigada pelas orientaccedilotildees pelo aprendizado sobre pesquisa Obrigada por ser tatildeo
inspiradora por iluminar o meu caminho e possibilitar o meu crescimento enquanto ser-no-
mundo
Aos professores e colegas do GESDH Grupo de Estudos Subjetividade e Desenvolvimento
Humano obrigada pela troca de informaccedilotildees pelas ideias compartilhadas e incentivo agrave
pesquisa
Agraves professoras Ana Karina Azevedo e Simone Tomaz Moreira pelas valiosas contribuiccedilotildees
para a minha tese
A Daphene Lucas Mariana e Carol pelo auxiacutelio nas transcriccedilotildees das entrevistas Foi muito
bom trabalhar com vocecircs
A todos os voluntaacuterios do estudo obrigada pela solicitude disponibilidade e interesse
Aos meus amigos muito obrigada pela compreensatildeo e incentivo O mundo eacute muito mais doce
e radiante com a presenccedila de vocecircs
A todas as pessoas que contribuiacuteram direta e indiretamente para que este sonho se tornasse
realidade
7
Sumaacuterio
Resumo 11
Introduccedilatildeo 13
Capiacutetulo I Os sentidos da morte ao longo da histoacuteria 31
Capiacutetulo II Contemplando alguns existenciais da fenomenologia
Heideggeriana
45
Capiacutetulo III O profissional de sauacutede 67
Capiacutetulo IV Meacutetodo A escolha do caminho 83
Capiacutetulo V As narrativas dos participantes os sentidos de ser profissional de
sauacutede em UTI Neonatal
95
Capiacutetulo VI Destecendo a trama da existecircncia reflexotildees a partir das
narrativas dos profissionais de sauacutede
139
Referecircncias 150
Anexos 157
8
Lista de Figuras
Figura Paacutegina
1 O Contexto de Atuaccedilatildeo Profissional de Sauacutede na UTI Neonatal 24
2 O Ciacuterculo Hermenecircutico 93
9
Lista de Tabelas
Tabela Paacutegina
1 Nuacutemero de oacutebitos notificados e investigados por tipo e ano de ocorrecircncia
na MEJC NatalRN
18
10
Lista de Siglas
ANVISA Agecircncia Nacional de Vigilecircncia Sanitaacuteria
BVS Biblioteca Virtual em Sauacutede
CAPES Coordenaccedilatildeo de Aperfeiccediloamento de Pessoal de Niacutevel Superior
EBSERRH Empresa Brasileira de Serviccedilos Hospitalares
HUOL Hospital Universitaacuterio Onofre Lopes
IMI Instituto Materno Infantil
MEJC Maternidade Escola Januaacuterio Cicco
UTI Unidade de Terapia Intensiva
UTIN Unidade de Terapia Intensiva Neonatal
11
Resumo
Desde a transferecircncia dos doentes para os hospitais foi delegado aos profissionais de sauacutede o
papel de promover o cuidado aos pacientes Nestes locais a morte eacute evitada podendo ser
justificada pela ocorrecircncia de falhas e erros E em Instituiccedilotildees de sauacutede especiacuteficas as
maternidades menos se fala na possibilidade da morte apesar da sua presenccedila em meio agrave vida
Com a evoluccedilatildeo da medicina e a consequente ampliaccedilatildeo das teacutecnicas e tipos de equipamentos
a serem utilizados as maternidades tornaram-se locais munidos de um aparato tecnoloacutegico
considerado necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo da vida concentrados em uma unidade de terapia
intensiva neonatal Em meio a este contexto os profissionais de sauacutede aleacutem de precisarem do
conhecimento teacutecnico e do entendimento e cumprimento dos protocolos de seguranccedila ainda
lidam com a anguacutestia e o abalo emocional ao vivenciarem situaccedilotildees de morte e perdas no
cotidiano de trabalho Diante do exposto o presente estudo tem como objetivo compreender a
experiecircncia de profissionais que atuam em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal A
Maternidade Escola Januaacuterio Cicco referecircncia no estado do Rio Grande do Norte para a
gestaccedilatildeo de alto risco foi escolhida como campo de estudo Como orientaccedilatildeo metodoloacutegica foi
utilizada a fenomenologia hermenecircutica heideggeriana e como possibilidade de escuta a
entrevista narrativa Foram realizadas 9 entrevistas com profissionais de sauacutede de diversas
formaccedilotildees (meacutedicos enfermeiros teacutecnicos de enfermagem psicoacutelogos fisioterapeutas
assistente social) A anaacutelise das narrativas foi feita tendo como inspiraccedilatildeo o ciacuterculo
hermenecircutico proposta por Martin Heidegger na Analiacutetica da Existecircncia As interpretaccedilotildees
mostraram os profissionais relatando sentimentos de frustraccedilatildeo impotecircncia culpa e tristeza
diante da morte de receacutem-nascidos Tambeacutem apontam as dificuldades existentes no cotidiano
de trabalho Verificou-se a necessidade de ampliar os projetos ainda incipientes de atenccedilatildeo
aos profissionais de sauacutede com a estruturaccedilatildeo de espaccedilos de plantatildeo psicoloacutegico e realizaccedilatildeo
de reuniotildees multidisciplinares de forma a promover uma maior integraccedilatildeo entre os diversos
profissionais O estudo tambeacutem traz reflexotildees para as instituiccedilotildees formadoras no sentido de
instituiacuterem ou ampliarem o espaccedilo na academia para abordar a temaacutetica da morte de
pacientes A importacircncia deste estudo estaacute justamente na compreensatildeo da experiecircncia dos
profissionais de sauacutede com o intuito de gerar contribuiccedilotildees para a comunidade acadecircmica a
instituiccedilatildeo hospitalar e consequentemente para a assistecircncia dos pacientes e de seus familiares
Palavras-chave Pesquisa fenomenoloacutegica profissionais de sauacutede UTI Neonatal morte
receacutem-nascido
12
Abstract
Since the transfer of patients to hospitals the role of promoting patient care has been delegated
to health professionals In these places death is avoided and can be justified by the occurrence
of failures and errors And in specific health institutions maternity hospitals the less is the
possibility of death despite their midlife presence With the evolution of medicine and the
consequent expansion of the techniques and types of equipment to be used maternities became
places equipped with a technological apparatus considered necessary for the maintenance of
life concentrated in a unit of neonatal intensiva therapy In this context health professionals
in addition to needing technical knowledge and understanding and compliance with safety
protocols still deal with distress and emotional shock experiencing death situations and losses
in their daily work In view of the above the present study aims to understand the experience
of professionals working in Neonatal Intensive Care Units The Maternidade Escola Januaacuterio
Cicco reference in the state of Rio Grande do Norte for high risk gestation was chosen as a
field of study As a methodological orientation was used the heideggerian hermeneutic
phenomenology and as a possibility of listening the narrative interview Nine interviews were
conducted with health professionals from different backgrounds (doctors nurses nursing
technicians psychologists physiotherapists social workers) The analysis of the narratives was
inspired by the hermeneutic circle proposed by Martin Heidegger in the Analytic of Existence
The interpretations showed the professionals reporting feelings of frustration impotence guilt
and sadness at the death of newborns They also point out the difficulties in daily work There
was a need to expand the still incipient projects of attention to health professionals with the
structuring of spaces for psychological counseling and the holding of multidisciplinary
meetings in order to promote greater integration among the different professionals The study
also brings reflections to the training institutions in order to institute or expand space in the
academy to address the issue of patient death The importance of this study is precisely in the
understanding of the experience of health professionals in order to generate contributions to
the academic community the hospital institution and consequently to the care of patients and
their families
Keywords Phenomenological research health professionals neonatal ICU death newborn
13
Introduccedilatildeo
O poema nos inspira a refletir sobre o que seria uma UTI Neonatal Porto seguro Local
assustador Matildeo renascedora Misto de amor e tecnologia Tantas possibilidades para um local
tatildeo peculiar onde nascimento e morte estatildeo presentes intensamente Onde a vida aparece em
uma fragilidade tamanha que assusta ao mesmo tempo que pode promover um encantamento
pela necessidade de zelo e carinho
A UTI Neonatal
Uma grande escola de valorizaccedilatildeo da vida
Por entre equipos e leitos e sensores
E monitores e bombas de infusatildeo
A tecnologia aliviando as dores
A esperanccedila alimentando o coraccedilatildeo
Por entre antibioacuteticos e perfusores
Coletas rastreando a infecccedilatildeo
Profissionais e procedimentos salvadores
Pais e bebecircs esperando a salvaccedilatildeo
A UTI Neonatal assustadora
Tentando ser a matildeo renascedora
Tentando ser o manto que alivia
A UTI Neonatal porto seguro
Oaacutesis da esperanccedila em um futuro
Misto de amor e tecnologia
Dr Luiz Alberto Mussa Tavares Poemas para Almas Apressadas 2017
14
Um local em que estatildeo presentes vidas que brotam como fraacutegeis sementes em terrenos
aacuteridos Vidas-sementes pelas quais alguns cuidadores como jardineiros dedicados se
desdobram se empenham para realizar os procedimentos necessaacuterios se envolvem com o seu
desenvolvimento ou finitude
Satildeo estes cuidadores que seratildeo contemplados no presente estudo Nosso convite eacute
justamente para olhar a realidade de uma UTI Neonatal sobre o prisma de quem estaacute laacute imerso
no cotidiano do trabalho marcado pelas aberturas e afetaccedilotildees
Diante da escuta destes profissionais apresentamos reflexotildees sobre as suas
experiecircncias contemplamos o ponto de vista dos trabalhadores que vivenciam grandes
dificuldades anguacutestias e acalentos que sofrem se encantam e se surpreendem
Estas reflexotildees sobre a realidade dos profissionais entretanto natildeo iniciaram com o
presente estudo Partiram da minha atuaccedilatildeo enquanto psicoacuteloga em instituiccedilotildees hospitalares
Ao acompanhar o trabalho dos profissionais de sauacutede pude observar o contexto da prestaccedilatildeo
de assistecircncia aos pacientes bem como a maneira como trabalhavam Aleacutem dos momentos em
que eu era solicitada pela equipe (meacutedicos enfermeiros nutricionistas) para dar assistecircncia
aos pacientes existiam outros nos quais quem me procurava eram os proacuteprios profissionais para
relatarem suas anguacutestias diante da morte de pacientes nas Unidades de Terapia Intensiva
inclusive na UTI Neonatal Como uma enfermeira que se angustiava profundamente diante da
morte de pacientes na UTI Um sofrimento refletido na sua proacutepria vida e na condiccedilatildeo de ser
um profissional da aacuterea de sauacutede
O limite entre a dedicaccedilatildeo na assistecircncia ao paciente e o envolvimento ao ponto de
adoecer eacute muito tecircnue E se apresenta como um desafio constante na atuaccedilatildeo dos profissionais
Faz parte da rotina lidar com o sofrimento dos pacientes e a dor da perda dos seus familiares
Por outro lado diante do sofrimento tambeacutem ocorria um certo distanciamento ou natildeo
envolvimento O atendimento era realizado de uma forma automaacutetica com o olhar voltado para
15
a presenccedila de sintomas para o controle da medicaccedilatildeo e para o funcionamento dos
equipamentos
A inspiraccedilatildeo para o presente estudo foi proveniente do desejo de contemplar a
experiecircncia dos profissionais de sauacutede que atuam na UTI Neonatal seu contexto de atuaccedilatildeo e
as dificuldades enfrentadas em um ambiente caracterizado pela presenccedila do risco de morte o
tempo inteiro A morte assume um destaque no estudo por fazer parte do cotidiano dos
profissionais em um local que existe em funccedilatildeo da busca pela cura e da tentativa de evitar a
morte
A morte eacute o tempo todo lembrada na UTI Neonatal como um fato que ocorre no dia a
dia de trabalho A partir desta constataccedilatildeo alguns questionamentos foram surgindo Em uma
sociedade que interdita a morte que valoriza a cura e a vida como eacute para o profissional de
sauacutede conviver com a lembranccedila desta possibilidade de finitude o tempo inteiro Em uma
sociedade que valoriza a juventude como eacute conviver com a morte de receacutem-nascidos Diante
da crenccedila desta sociedade de que os bebecircs teriam a vida inteira pela frente a morte destes
seres pareceria injusta ou mais difiacutecil de ser compreendida
Diante destes questionamentos iniciais e na busca por autores que refletissem pelas
temaacuteticas da morte das perdas do cuidado tive um ldquoencontrordquo com um filoacutesofo que
influenciou sobremaneira a minha forma de compreender o ser-no-mundo Martin Heidegger
A ontologia heideggeriana nos oferece a possibilidade de compreender o fenocircmeno a
experiecircncia do outro como algo que se desvela em um contexto especiacutefico Como aquilo que
se apresenta a partir da compreensatildeo e das afetaccedilotildees dos que estatildeo ali vivenciando o fenocircmeno
Ao escrever Ser e Tempo sua obra mais conhecida publicada em 1927 Heidegger
trouxe agrave luz a questatildeo do sentido do ser E junto com ela reflexotildees profundas sobre a existecircncia
Rompeu com a dicotomia entre homem e mundo ao afirmar que natildeo existe uma separaccedilatildeo entre
ambos uma vez que o homem eacute ser-no-mundo Eacute tambeacutem desde o seu nascimento um ser-
16
para-a-morte E a morte eacute a possibilidade mais proacutepria insuperaacutevel do homem enquanto
projeto
Mas ao se deparar com a possibilidade da morte o ser se angustia por se dar conta que
a finitude deixa todos os projetos inacabados torna todas as escolhas questionaacuteveis modifica
valores reprograma a vida Como nos inspira Feijoo (2000 p 90) ldquoNa anguacutestia frente agrave
constataccedilatildeo do ser-para-a-morte o ser-lanccedilado surge para a pre-senccedila de modo mais proacuteprio
Antecipando a morte como possibilidade insuperaacutevel e certa a pre-senccedila assume todas as suas
possibilidades inclusive a de existir na totalidade do seu poder-serrdquo
Diante da iminecircncia da proacutepria morte a vida pode ser revista E diante da morte do
outro Heidegger (1927 2015) afirma que natildeo temos acesso agrave experiecircncia vivida por quem
morre no maacuteximo estamos apenas junto Noacutes soacute poderemos saber o que eacute morrer quando
morremos Entretanto a morte do outro nos faz lembrar da possibilidade da nossa proacutepria
morte Algo que nos alerta em meio a um turbilhatildeo de atividades da vida cotidiana Como a luz
distante de um barco em meio agraves ondas agitadas do oceano
Para os profissionais de sauacutede que no cotidiano de trabalho lidam com a morte de
pacientes como eacute viver com a lembranccedila diaacuteria da possibilidade de morte Escolher trabalhar
com a assistecircncia em hospitais implica em assumir tambeacutem este desafio aleacutem de todas as outras
atribuiccedilotildees inerentes ao cargo que ocupa
A partir da reflexatildeo sobre a realidade dos profissionais de sauacutede alguns
questionamentos comeccedilaram a surgir Ao escolher esta carreira esta ocupaccedilatildeo o profissional
reflete sobre isso Se prepara para isso Podemos nos considerar preparados para lidar com a
morte Durante a atuaccedilatildeo profissional existe um suporte para lidar com tanto sofrimento
proveniente das perdas da vida De que lugar estamos falando
Vivemos em uma sociedade em um contexto histoacuterico especiacutefico Uma sociedade que
valoriza a juventude a teacutecnica a vida Que enaltece os aparatos tecnoloacutegicos o sucesso
17
profissional as agendas lotadas de atividades Uma sociedade que diz correr contra o tempo
como se isso fosse possiacutevel
Para a sociedade que interdita a finitude a possibilidade assustadora de parar a
produtividade e refletir sobre a conduccedilatildeo da vida resiste ainda mais agrave morte de crianccedilas e agrave
morte de bebecircs Entretanto enquanto existe o ser-no-mundo eacute ser-para-a-morte Desde a
primeira respiraccedilatildeo esta possibilidade estaacute posta na nossa existecircncia podendo ocorrer a
qualquer momento
Embora mesmo que da forma mais difiacutecil parecemos aceitar quando a morte eacute de um
idoso (que jaacute viveu muito cumpriu a sua missatildeo) Para uma crianccedila (com a vida toda pela
frente) a morte parece injusta e incomoda profundamente Ao longo deste trabalho veremos
que nem sempre a morte foi vista desta forma caracteriacutestica da sociedade ocidental
contemporacircnea Na Greacutecia Antiga existia ldquoprazordquo para o luto de crianccedilas Natildeo havia a
preocupaccedilatildeo com os iacutendices de mortalidade infantil como na atualidade
Aparentemente seria contraditoacuterio abordar a temaacutetica da morte em um ambiente
destinado agrave propagaccedilatildeo da vida Entretanto estudos demonstram que o Brasil ainda estaacute muito
longe de atingir iacutendices de mortalidade infantil considerados ldquoaceitaacuteveisrdquo O Brasil encontra-se
em 90ordm lugar entre 187 paiacuteses no ranking das Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) atraacutes de
paiacuteses como Cuba Chile Argentina China e Meacutexico E apresentando um iacutendice de 1988
mortes por mil nascimentos vivos O que demonstra que as estrateacutegias de combate agrave mortalidade
materno-infantil falharam em reduzir significantemente a mortalidade neonatal cujo
componente neonatal precoce (de 0 a 6 dias) sofreu menor reduccedilatildeo (Ministeacuterio da Sauacutede
2012 Maranhatildeo Vasconcelos Trindade et al 2012 Lansky Friche Silva et al 2014)
A morte de receacutem-nascidos tatildeo pouco divulgada ainda eacute mais constante do que supotildee
o senso comum A pesquisa Nascer no Brasil um estudo sobre a mortalidade neonatal no paiacutes
foi realizada no periacuteodo de fevereiro de 2011 a outubro de 2012 por meio de entrevistas e
18
avaliaccedilatildeo de prontuaacuterios de 23940 pueacuterperas Os resultados indicaram que os oacutebitos neonatais
se concentraram nas regiotildees Nordeste (383) e Sudeste (305) do Brasil e entre receacutem-
nascidos prematuros e com baixo peso ao nascer (817 e 82) O baixo peso ao nascer o
risco gestacional e condiccedilotildees do receacutem-nascido foram os principais fatores associados ao oacutebito
neonatal (Lansky Friche Silva et al 2014)
No Brasil 60 da mortalidade infantil ocorre no periacuteodo neonatal Cerca de 62 dos
oacutebitos de nascidos vivos com peso superior a 1500g ao nascer satildeo evitaacuteveis sendo as afecccedilotildees
perinatais o principal grupo de causas baacutesicas correspondendo a cerca de 60 das mortes
infantis e 80 das mortes neonatais (Ministeacuterio da Sauacutede 2012)
A mortalidade perinatal afeta desproporcionalmente diferentes classes socio-
econocircmicas e regiotildees brasileiras Populaccedilotildees vulneraacuteveis sobretudo as residentes nas regiotildees
Norte e Nordeste brasileiras registram piores condiccedilotildees sanitaacuterias e de acesso e uso de serviccedilos
de sauacutede consequentemente detecircm as mais elevadas taxas de mortalidade infantil do paiacutes
(Ministeacuterio da Sauacutede 2012)
Situada na regiatildeo Nordeste a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco eacute referecircncia no estado
do Rio Grande do Norte para assistecircncia agraves mulheres com HIV Preacute-Natal de alto risco
histeroscopia O Relatoacuterio de Vigilacircncia Epidemioloacutegica da Maternidade (2016) apresenta o
nuacutemero de oacutebitos no periacuteodo de 2010 a 2016 (sendo que os dados referentes ao ano de 2016
contemplam apenas os meses de janeiro a junho)
Tabela 1 ndash Nuacutemero de oacutebitos notificados e investigados por tipo e ano de ocorrecircncia na MEJC
NatalRN
19
Os dados demonstram a ocorrecircncia de mortes de receacutem-nascidos ao longo de todos os
meses do ano o que indica a existecircncia de um campo de pesquisa para a investigaccedilatildeo tanto das
causas das mortes das consequecircncias das mesmas para os profissionais de sauacutede assim como
da forma como os mesmos compreendem este fenocircmeno e lidam com a morte do receacutem-
nascido
Caracterizada por um aparato tecnoloacutegico pela normatizaccedilatildeo de procedimentos pelo
atendimento de receacutem-nascidos de alto risco a Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN)
eacute um ambiente onde vida e morte estatildeo presentes nos corpos tatildeo delicados dos bebecircs A morte
de um bebecirc se transforma no sentido de perda para os pais agraves vezes ateacute na sensaccedilatildeo de morte
em vida
Muitas vezes os profissionais que decidem atender em maternidades relatam que iratildeo
trabalhar com a vida Entretanto em meio a tantos nascimentos a morte tambeacutem estaacute presente
A sensaccedilatildeo de perigo iminente a tensatildeo oriunda do risco da perda satildeo constantes no cotidiano
da UTI Neonatal
Para os profissionais de sauacutede a morte eacute como a perda do controle da dor de se deparar
com a possibilidade de natildeo salvar a vida de falhar de natildeo conseguir Em uma sociedade
caracterizada pelo avanccedilo da medicina e pela busca incessante da cura a morte eacute indesejada E
quando ocorre traz consigo a lembranccedila dos limites do homem e da possibilidade de falhas
(Bernieri e Hirdes 2007)
Na sociedade contemporacircnea a morte eacute interditada Entretanto nem sempre foi
considerada desta forma ao longo da histoacuteria Como qualquer fenocircmeno da vida humana a
morte eacute contextualizada adquirindo sentido conforme o momento histoacuterico e social em que eacute
vivenciada (Ariegraves 2003)
20
O exemplo de uma realidade distinta que propotildee uma maneira diferente de falar sobre a
morte foi retratado no livro ldquoQual eacute a tua obrardquo de Maacuterio Sergio Cortella (2015) O autor relata
no livro que um general romano ao vencer uma batalha recebia a mais alta honraria ramos de
palmeiras em uma bandeja de prata (de onde se originou o termo salva de palmas
posteriormente imortalizado nos aplausos) Para tanto
A morte era lembrada em um momento de gloacuteria talvez no intuito de conter a vaidade
de rememorar o limite da existecircncia que por mais gloriosa que seja teraacute o mesmo fim das
demais ldquoLembra-te que eacutes mortalrdquo Que natildeo eacutes melhor que ningueacutem Que assim como tudo na
vida passa este momento de gloacuteria tambeacutem passaraacute E natildeo deveraacutes ser consumido pela vaidade
que tambeacutem se finda
Imagine se no dia a dia tiveacutessemos algueacutem nos lembrando da condiccedilatildeo de mortais
Como o grilo falante a voz da consciecircncia tambeacutem podendo ser denominada nestas ocasiotildees
de reflexatildeo sobre a finitude de anguacutestia Os profissionais de sauacutede se deparam com a
possibilidade de morte do outro no cotidiano de trabalho e isto pode levar a uma reflexatildeo sobre
a proacutepria finitude No caso da morte de bebecircs a ocorrecircncia destas mortes pode levar a uma
reflexatildeo sobre a possibilidade do falecimento do proacuteprio filho e da necessidade de rever
algumas escolhas em relaccedilatildeo ao uso do tempo livre com a crianccedila e a possibilidade de dedicar
mais atenccedilatildeo ao filho A lembranccedila da morte pode por assim dizer resignificar a vida
Como define Heidegger (1927 2015) o ser-aiacute eacute histoacuterico eacute um ser-no-mundo e o
mundo dita as regras para a existecircncia impotildee limites O mundo faz parte do ser-aiacute como este
() ldquoo general ia em direccedilatildeo ao senado e por lei um segundo escravo
acompanhava a biga a peacute Esse segundo escravo tinha uma obrigaccedilatildeo legal
a cada quinhentas jardas ele tinha que subir na biga e soprar no ouvido do
general a seguinte frase Lembra-te de que eacutes mortalrdquo (Cortella 2015 pp
139)
21
faz parte do mundo Ser e mundo satildeo portanto indissociaacuteveis se constituem e se transformam
conjuntamente
Diante desta perspectiva de mundo inspirada na fenomenologia heideggeriana ao
longo deste estudo temos como objetivo compreender a experiecircncia de profissionais que atuam
em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal Tendo em vista esta temaacutetica foi escolhida como
campo de estudo a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco (MEJC) referecircncia no estado do Rio
Grande do Norte para a gestaccedilatildeo de alto risco
A definiccedilatildeo do local para a realizaccedilatildeo da pesquisa foi resultado da minha visita aos
hospitais na capital do Estado do Rio Grande do Norte da conversa com alguns profissionais
de sauacutede e da identificaccedilatildeo de uma demanda de sofrimento e da necessidade de suporte relatada
pelos profissionais da Maternidade Escola Januaacuterio Cicco Por assim dizer abordaremos a
questatildeo da morte em um local dedicados agrave vida onde as dificuldades e desafios estatildeo presentes
cotidianamente
Dentre os desafios enfrentados pelos profissionais de sauacutede os paradoxos se
apresentam contidos nas orientaccedilotildees de conduta permanecer calmo em ambientes turbulentos
de urgecircncia ser aacutegil diante de procedimentos difiacuteceis e delicados para salvar uma vida
concentrar-se nos procedimentos mecacircnicos e na atenccedilatildeo a pacientes e familiares escolher entre
dar apoio aos que estatildeo proacuteximos agrave morte ou atender aos que exigem outros tipos de cuidados
Natildeo haacute tempo para tudo A rotina caracterizada por uma seacuterie de procedimentos sobrecarrega
o profissional e o obriga a fazer escolhas difiacuteceis de realizar Quando a morte chega traz junto
com ela o sentimento de impotecircncia o medo de falhar novamente a duacutevida do que fazer diante
deste fato e sobre o que falar para a famiacutelia (Gerow Conejo Alonzo 2009 Silva Valenccedila e
Germano 2010)
Diante da morte do receacutem-nascido alguns dilemas surgem na atuaccedilatildeo dos profissionais
de sauacutede como a dificuldade para dar a notiacutecia para os pais do bebecirc a natildeo aceitaccedilatildeo de que os
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procedimentos realizados natildeo tiveram ecircxito e a dificuldade para decidir sobre a viabilidade do
tratamento Para uma vida tatildeo fraacutegil a possibilidade de qualquer erro gera a preocupaccedilatildeo com
a finitude de um ser Trata-se de uma linha muito tecircnue entre a vida e a morte que gera uma
tensatildeo rotineira nos trabalhadores da aacuterea de sauacutede (Silva 2007)
Estes paradoxos e dilemas estatildeo presentes na atuaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede do
mundo contemporacircneo Satildeo problemas contextualizados relativos a uma realidade voltada para
a busca da cura e para a interdiccedilatildeo da morte Heidegger (1927 2015) traz esta reflexatildeo ao falar
sobre o impessoal que dita as regras de conduta necessaacuterias para a sobrevivecircncia do homem no
mundo O impessoal fornece as diretrizes fundamentais para a vida em sociedade E o homem
vive mergulhado no impessoal nas vaacuterias atribuiccedilotildees que compotildeem a vida cotidiana
O impessoal delimita os espaccedilos e as regras de conduta que influenciam na conduccedilatildeo
da vida Como relata Casanova (2013)
Esta reflexatildeo proposta por Casanova serve para lembrarmos a pergunta De que lugar
estamos falando Na sociedade atual com o discurso da importacircncia do parto humanizado e
diante da preocupaccedilatildeo crescente com a queda na mortalidade infantil os protocolos de cuidados
para o nascimento dos bebecircs e com os receacutem-nascidos tornaram-se orientaccedilotildees para as praacuteticas
dos profissionais de sauacutede que atuam nas maternidades (Ministeacuterio da Sauacutede 2012)
ldquoQue tipo de espaccedilo nos espera ao nascermos que tipo de roupa seremos
imediatamente obrigados a usar ou a natildeo usar que cuidados ou ausecircncia de
cuidados vatildeo estar dedicados ao bebecirc e mesmo ao feto em seus primeiros
movimentos existenciais tudo isso depende sempre e necessariamente em que
mundo nascemos No mundo da ontologia da ciecircncia meacutedica com suas
preocupaccedilotildees sanitaristas incessantes eacute claro que uma crianccedila vai ser cercada na
primeira infacircncia por uma seacuterie de cuidados de higiene visando justamente a
proteger o seu estado de sauacutede pleno Em uma comunidade indiacutegena por outro
lado na qual o nascimento eacute marcado por elementos rituais muito peculiares eacute por
vezes o pai que faz o parto que corta o cordatildeo umbilical e que acompanha na oca
a relaccedilatildeo da matildee com a crianccedila ateacute o momento em que o cordatildeo cai
completamenterdquo (Casanova 2013 pp 38)
23
Estes procedimentos e protocolos fazem parte do mundo dos profissionais de sauacutede que
trabalham em UTI Neonatal Entretanto ao percorrer o hospital tambeacutem tive a oportunidade
de conversar com uma gestora que demostrou uma grande preocupaccedilatildeo com o natildeo
cumprimento por todos os profissionais de sauacutede dos protocolos de seguranccedila preconizados
pela Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria Uma preocupaccedilatildeo salutar uma vez que uma
das causas mais frequentes de morte de receacutem-nascidos satildeo as Infecccedilotildees Relacionadas agrave
Assistecircncia em Sauacutede (IRAS) (Ministeacuterio da Sauacutede 2012)
O contexto do trabalho em hospitais apresenta grandes desafios que envolvem os
cuidados e a busca da cura dos pacientes Particularmente em Unidades de Terapia Intensiva
Neonatal os cuidados satildeo intensificados em meio a um aparato de equipamentos e agrave fragilidade
da vida dos receacutem-nascidos
Diante do exposto pode-se analisar brevemente o contexto de atuaccedilatildeo do profissional
de sauacutede em UTIN de acordo com a figura apresentada a seguir A anaacutelise breve se daacute como
uma posiccedilatildeo preacutevia da situaccedilatildeo considerando o olhar de algueacutem que natildeo pertence a este
contexto que natildeo estaacute atuando enquanto profissional de sauacutede em UTIN mas que construiu
um conceito inicial antes de comeccedilar a fase de entrevistas
24
Figura 1- O Contexto de Atuaccedilatildeo Profissional de Sauacutede na UTI Neonatal
O profissional de sauacutede atuante em UTIN apresenta como desafios a necessidade
constante de conhecimento teacutecnico que precisa ser aperfeiccediloado ao longo do tempo ao mesmo
tempo em que tambeacutem precisa entender sobre o funcionamento dos equipamentos e se adequar
aos novos protocolos de seguranccedila que estatildeo sendo implantados na maternidade
Estes primeiros desafios compotildeem a parte teacutecnica e objetiva da atividade realizada que
por ser conduzida por pessoas pode apresentar alteraccedilotildees quanto ao cumprimento das
determinaccedilotildees do protocolo o que amplia o risco de ocorrecircncia de eventos adversos
Os demais fatores envolvem o atendimento aos receacutem-nascidos com alto risco de morte
e consequentemente o acompanhamento dos familiares Como prerrogativa da assistecircncia
humanizada as matildees participam ativamente do processo de assistecircncia ao receacutem-nascido
demandando informaccedilotildees e atenccedilatildeo dos profissionais de sauacutede (Ministeacuterio da Sauacutede 2004)
Neste contexto de atuaccedilatildeo caracterizado por desafios e dificuldades ocorrem eventos
adversos dentre estes a morte de receacutem-nascidos Segundo relatos de profissionais de sauacutede da
Profissional de Sauacutede
Teacutecnica
Protocolos de
seguranccedila
Matildees dos pacientes
Bebecircs em alto risco de morte
Equipamentos
25
maternidade os mesmos ainda participam do processo inicial de luto oferecendo suporte aos
pais
Como no caso contado por uma psicoacuteloga que prestou assistecircncia agrave famiacutelia enlutada
junto com a meacutedica Segundo o relato a matildee natildeo aceitava que o filho havia morrido Mesmo
quando o corpo da crianccedila foi entregue aos pais para despedida ela acreditava que o bebecirc estava
dormindo Os profissionais precisaram acompanhar o processo de luto ateacute a matildee compreender
que o bebecirc havia morrido diante da frase ldquoo coraccedilatildeo dele parourdquo Apoacutes o entendimento da matildee
os pais puderam iniciar o processo de despedida do bebecirc Algo que gerou muito sofrimento
para a famiacutelia e um grande desgaste emocional para os profissionais de sauacutede que ofereceram
o suporte aos pais
As informaccedilotildees apresentadas retratam a realidade de atuaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede
em meio a tantas exigecircncias e responsabilidades Trata-se de uma anaacutelise sobre o prisma de
quem apenas olha pelo lado de fora da janela Pela metodologia proposta neste estudo os
profissionais foram convidados a narrar uma histoacuteria de perda da morte de um receacutem-nascido
durante a sua atuaccedilatildeo na UTIN Por meio deste convite tivemos a oportunidade de compreender
o modo de atuaccedilatildeo de cada profissional os sentidos atribuiacutedos as suas vivecircncias e a forma como
enfrentaram a morte dos pacientes A forma como o profissional sente e vivencia as suas
experiecircncias interfere diretamente na prestaccedilatildeo da assistecircncia agrave sauacutede
Aleacutem desses fatores as pesquisas realizadas em banco de dados revelam a necessidade
de ampliar os estudos sobre a aacuterea utilizando a abordagem da fenomenologia como forma de
compreensatildeo da experiecircncia Por meio do portal da Capes a busca na base do Pubmed
utilizando os descritores ldquohealthcare professionalrdquo and ldquodeathrdquo and ldquonewbornrdquo revelaram a
existencia de 1257 publicaccedilotildees Entretanto ao adicionar o descritor ldquophenomenologyrdquo aos
demais foram localizados duas publicaccedilotildees ambas fazendo referecircncia apenas ao trabalho de
enfermeiros (Silva Valenccedila amp Germano 2010 Rubarth 2003) A busca com os descritores
26
ldquohealthcare professionalrdquo and ldquodeathrdquo and ldquonewbornrdquo na base da BVS psicologia natildeo localizou
nenhuma publicaccedilatildeo O mesmo ocorreu com o portal do scielo
Os artigos citados revelam que diante da morte de receacutem-nascidos enfermeiros e
teacutecnicos de enfermagem apresentam sentimentos de auto-reprovaccedilatildeo baixa auto-estima e
culpa A morte de bebecircs eacute vista como uma falha da equipe no processo de cura No espaccedilo em
que os profissionais de sauacutede trabalham muito tempo e esforccedilo eacute direcionado para teacutecnicas que
possam prolongar a vida Quando estas natildeo funcionam satildeo gerados sentimentos de impotecircncia
fracasso frustraccedilatildeo e incapacidade (Silva Valenccedila amp Germano 2010 Rubarth 2003)
Sentimos falta de mais estudos que buscassem compreender a experiecircncia da morte de
receacutem-nascidos em UTI Neonatal utilizando a fenomenologia hermenecircutica heideggeriana
como orientaccedilatildeo metodoloacutegica Tambeacutem sentimos falta de estudos que contemplassem os
profissionais que compotildeem a equipe de uma UTI Neonatal (meacutedicos enfermeiros teacutecnicos de
enfermagem fisioterapeutas psicoacutelogos) Encontramos estudos dedicados especificamente a
uma ou duas categorias de profissionais (meacutedicos e profissionais da aacuterea de enfermagem)
Como seria ouvir representantes das diversas formaccedilotildees que compotildeem a equipe multidiciplinar
da UTI Neonatal Este questionamento tambeacutem contribui para a decisatildeo de contemplar
profissionais com formaccedilotildees diversas mas que precisam trabalhar em conjunto para oferecer
assistecircncia aos pacientes e familiares A partir destes questionamentos foi escolhida uma
direccedilatildeo para um caminho que seraacute delimitado nos proacuteximos capiacutetulos
A importacircncia deste estudo estaacute justamente na compreensatildeo da experiecircncia dos
profissionais de sauacutede que atuam na UTI Neonatal no intuito de gerar contribuiccedilotildees para a
comunidade acadecircmica os profissionais de sauacutede a instituiccedilatildeo hospitalar e consequentemente
para a assistecircncia dos pacientes e de seus familiares
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A partir do exposto seratildeo contemplados os capiacutetulos da tese os quais foram organizados
da seguinte forma
- Capiacutetulo 1 Os sentidos da morte ao longo da histoacuteria
O capiacutetulo abordaraacute as diferentes concepccedilotildees de morte para sociedades em contextos
histoacutericos especiacuteficos No iniacutecio do capiacutetulo eacute apresentada a figura da obra de arte ldquoO gritordquo
Este quadro foi pintado pelo norueguecircs Edvard Munch em 1893 O quadro representa o
sentimento de anguacutestia do ser humano diante das perdas Considerei oportuno refletir sobre a
morte a partir de uma figura que demonstra o assombro de um ser diante da dor da perda do
desconhecido E a fragilidade humana em meio ao crepuacutesculo de um por-do-sol marcante
-Capiacutetulo 2 Contemplando alguns existenciais da fenomenologia Heideggeriana
Este capiacutetulo iraacute discorrer sobre alguns existenciais que compotildee a ontologia
Heideggeriana Dentre os existenciais mencionados seratildeo contemplados ser-no-mundo ser-
com cuidado ser-para-a-morte anguacutestia
No iniacutecio do capiacutetulo estaacute apresentada uma das obras de arte mais conhecidas de
Salvador Daliacute ldquoA Persistecircncia da Memoacuteriardquo datada de 1931 A obra nos faz refletir sobre o
nosso entendimento racional do mundo Na figura os reloacutegios estatildeo deformados dando a
impressatildeo da diluiccedilatildeo do tempo como algo natildeo fixo ou linear A escolha desta obra serve como
uma inspiraccedilatildeo inicial para as valiosas contribuiccedilotildees de Heidegger agrave compreensatildeo do ser e do
tempo
28
-Capiacutetulo 3 O profissional de sauacutede
Neste capiacutetulo estatildeo contemplados aspectos referentes aos profissionais de sauacutede as
dificuldades enfrentadas o ambiente hospitalar o contexto da maternidade e em particular da
UTI Neonatal
O iniacutecio do capiacutetulo eacute ilustrado com uma parte dos afrescos da Capela Sistina a obra
intitulada ldquoA Criaccedilatildeo da Humanidade e sua quedardquo pintada por Michelangelo em 1512 A vida
eacute representada pelo toque de Deus na criaccedilatildeo no ser do homem A escolha desta obra reflete o
olhar para o modelo meacutedico a analogia com a figura de quem cuida da vida e busca evitar a
morte o profissional de sauacutede que tantas vezes estaacute com a vida do outro em suas matildeos Em
particular na UTI Neonatal onde os bebecircs satildeo tatildeo fraacutegeis agraves vezes ateacute do tamanho de duas
matildeos unidas onde nascimento e morte criaccedilatildeo e queda estatildeo bem proacuteximos
-Capiacutetulo 4 Meacutetodo A escolha do caminho
Este capiacutetulo eacute dedicado agrave fenomenologia enquanto meacutetodo escolhido para
compreender a experiecircncia dos profissionais A fenomenologia nos convida a ver aleacutem das
aparecircncias A olhar o sentido das experiecircncias dos profissionais a partir da narrativa dos
mesmos
Ao longo do texto o ciacuterculo hermenecircutico eacute posto em ecircnfase assim como os
procedimentos que seratildeo utilizados para as entrevistas abrangendo os criteacuterios de inclusatildeo e
exclusatildeo dos participantes
Para introduzir este capiacutetulo uma obra prima de Van Gogh de 1888 ldquoO pintor a
caminho do trabalhordquo Em um belo dia sob um sol escaldante o pintor caminha para o seu
trabalho carregando seus instrumentos No caminho descobrem-se as belas paisagens e um novo
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colorido De forma similar o pesquisador ao realizar o estudo busca compreender o fenocircmeno
ao mesmo tempo em que se transforma ao longo da caminhada
-Capiacutetulo 5 As narrativas dos participantes os sentidos de ser profissional de sauacutede em
UTI Neonatal
Este capiacutetulo eacute dedicado aos profissionais de sauacutede atuantes na UTI Neonatal da
Maternidade Escola Januaacuterio Cicco Durante o mesmo satildeo apresentados trechos das narrativas
dos participantes a partir das anaacutelises realizadas tendo como inspiraccedilatildeo a hermenecircutica
heideggeriana
No iniacutecio do capiacutetulo eacute apresentada a obra do pintor surrealista Vladimir Kush que
retrata a uacuteltima ceia representada por flores de diferentes espeacutecies reunidas em torno de uma
mesa e em meio a um cenaacuterio iluminado por um azul celeste A obra tambeacutem faz uma
homenagem agraves participantes do estudo que receberam nomes fictiacutecios de flores
-Capiacutetulo 6 Destecendo a trama da existecircncia reflexotildees a partir das narrativas dos
profissionais de sauacutede
Neste capiacutetulo o pesquisador apresenta algumas reflexotildees a partir das narrativas dos
participantes natildeo com o intuito de fazer um fechamento Mas de assumir a condiccedilatildeo daquele
que pergunta e tem consciecircncia de que a compreensatildeo do fenocircmeno parte do olhar de quem
interroga (Critelli 1996) As reflexotildees iniciais contempladas partem portanto do pesquisador
que realizou as entrevistas leu e releu as narrativas como tambeacutem as entrelinhas considerou o
que foi dito e o natildeo dito o que estava expliacutecito e o que estava aparentemente oculto mas que
assumiu um sentido para o observador
No iniacutecio do capiacutetulo estaacute representada a obra de Vladimir Kush que retrata uma mulher
borboleta dentro de um livro segurando um casulo como quem segura um bebecirc A homenagem
30
estaacute portanto nas paacuteginas deste livro na contemplaccedilatildeo das narrativas das mulheres que cuidam
dos receacutem-nascidos e ao cuidar vatildeo se transformando
Ao final deste projeto de tese estatildeo apresentados os Termos de Consentimento Livre e
Esclarecido de Gravaccedilatildeo de Voz No mais a partir destas consideraccedilotildees contempladas na
introduccedilatildeo comeccedilaremos fazendo uma retrospectiva sobre os sentidos da morte ao longo da
histoacuteria ateacute a contemporaneidade
31
Capiacutetulo 1 Os sentidos da morte ao longo da histoacuteria
ldquoO Gritordquo Edvard Munch 1893
32
Capiacutetulo 1 Os sentidos da morte ao longo da histoacuteria
A morte tratada como o grande misteacuterio da humanidade sempre fez parte da vida seja
como algo inaceitaacutevel seja como algo naturalizado como o destino de todas as espeacutecies As
atitudes e crenccedilas sobre a morte estiveram presentes ao longo do tempo retratando o contexto
histoacuterico e social de cada eacutepoca
Partindo do pressuposto de que todo comportamento social eacute historicamente ancorado
iniciaremos um breve relato sobre as vivecircncias da morte em diferentes sociedades ao longo da
histoacuteria da humanidade Falaremos de atitudes dentro de um cenaacuterio que natildeo pode limitar-se a
ser o fundo de uma figura mas como parte desta lhe oferece o contorno necessaacuterio agrave existecircncia
Desde o periacuteodo preacute-histoacuterico o homem demonstrava preocupaccedilatildeo com a morte e com
o que existiria apoacutes a vida Uma demonstraccedilatildeo disto satildeo os achados arqueoloacutegicos nos tuacutemulos
dos neandertais datados de aproximadamente 150000 anos Dentro dos tuacutemulos foram
encontrados utensiacutelios domeacutesticos e comida proacuteximas ao corpo do morto Ancoradas nestes
rituais estava a crenccedila da necessidade de se prevenir para o poacutes-morte Neste periacuteodo foram
encontrados os primeiros indiacutecios de preocupaccedilatildeo com o destino dos corpos em locais
reservados como as cavidades de rochas nas quais os corpos eram colocados de coacutecoras e
cobertos por pedras (Despelder e Strickland 2001)
No periacuteodo Paleoliacutetico Superior (30000 a 8000 anos aC) os corpos eram encontrados
em posiccedilatildeo fetal ou de barriga para cima e havia uma maior a quantidade de alimentos e
ldquoEacute impossiacutevel conhecer o homem sem lhe estudar a
morte porque talvez mais do que na vida eacute na morte
que o homem se revela Eacute nas atitudes e crenccedilas perante
a morte que o homem exprime o que a vida tem mais de
fundamentalrdquo
(Edgar Morin 1997 p32)
33
utensiacutelios domeacutesticos mais elaborados que os do periacuteodo anterior Alguns corpos estavam
pintados de ocre vermelho e a posiccedilatildeo fetal indicava a busca do renascimento Para os povos
primitivos a morte anunciava um renascimento como um ciclo natural de metamorfose e de
transmutaccedilatildeo (Morin 1997 Santos 2009)
Na antiguidade os egiacutepcios tambeacutem criavam vaacuterios rituais fuacutenebres A construccedilatildeo das
tumbas e das piracircmides enquanto morada dos mortos revelavam a preocupaccedilatildeo com a vida
apoacutes a morte Os locais de sepultamento retratavam o estilo de vida da pessoa que havia
falecido e a grandiosidade dos tuacutemulos representava o seu status social Para compor o local
um aparato de objetos era enterrado junto com o morto inclusive animais mumificados como
gatos macacos e falcotildees aleacutem das estaacutetuas que ganhariam vida como servos Os ornamentos
tinham a finalidade de preservar a morada do indiviacuteduo de tal forma que quando acordasse se
sentisse em casa e natildeo voltasse para se vingar dos vivos (Santos 2009)
Outra crenccedila central da cultura egiacutepcia era a necessidade de preservar o corpo (ka) para
o retorno do espiacuterito (ba) em outros tempos Por isso a mumificaccedilatildeo era tatildeo valorizada ao
ponto de o corpo ficar 30 dias longe da famiacutelia e retornar como era em vida inclusive com a
conservaccedilatildeo de detalhes como ciacutelios e sobrancelhas A morte era difundida na sociedade
atraveacutes da mitologia Os registros das praacuteticas fuacutenebres estavam contidos no Livro dos Mortos
escritos que ensinavam sobre a forma de pensar e de se comportar em relaccedilatildeo agrave morte O Livro
dos Mortos orientava o pensamento de um povo servindo tambeacutem como um guia que orientava
o morto para as vaacuterias provas que deveria passar com o objetivo de se unir agrave divindade de Osiacuteris
Caso o indiviacuteduo falhasse ocorreria uma segunda morte entendida como o destino para o
eterno esquecimento Este era considerado como o pior dos castigos para um individuo ser
destinado ao esquecimento completo (Santos 2009)
Para os egiacutepcios a morte era uma puniccedilatildeo dos Deuses Enquanto puniccedilatildeo a ideia da
proacutepria morte trazia o temor do castigo do abandono e da rejeiccedilatildeo E a morte do outro gerava
34
o medo da retaliaccedilatildeo ou da perda Aleacutem do medo da morte enquanto castigo havia uma
preocupaccedilatildeo com o que viria depois diante da crenccedila de que o poacutes vida era caracterizado por
vaacuterios desafios a serem superados O primeiro dos desafios era o julgamento de Maat deusa da
justiccedila da verdade e da ordem Neste julgamento a deusa oferecia uma pena a ser colocada em
um dos lados da balanccedila o outro lado era destinado ao coraccedilatildeo do morto que deveria ser puro
e verdadeiro ao ponto de tornar-se mais leve que a pena Todos passariam por este julgamento
do escravo ao faraoacute Natildeo havia portanto uma distinccedilatildeo social entre vivos e mortos no que
concerne ao destino no poacutes- vida O livro dos Mortos era companhia certa em todos os tuacutemulos
Embora natildeo tivesse utilidade alguma caso o morto natildeo tivesse realizado boas accedilotildees em vida
De nada serviriam as orientaccedilotildees contidas no livro se o indiviacuteduo natildeo tivesse ldquocreacuteditordquo para
utilizaacute-las (Kastenbaum amp Aisenberg 1983)
A civilizaccedilatildeo egiacutepcia deixa como legado uma preocupaccedilatildeo com o poacutes-vida concretizada
em uma seacuterie de rituais voltados para trazer o conforto e aparente seguranccedila ao morto A
civilizaccedilatildeo mesopotacircmica (2000 ac) entretanto natildeo apresentava a mesma crenccedila em relaccedilatildeo a
morte Para os povos que habitaram a mesopotacircmia a existecircncia humana tinha a finalidade de
servir aos deuses A morte ocorreria para todos e natildeo havia uma possibilidade de salvaccedilatildeo
individual ou coletiva independentemente das accedilotildees praticadas em vida A imortalidade era um
atributo exclusivo dos deuses Natildeo havia a crenccedila na imortalidade mas existia o temor de que
os mortos poderiam perturbar os vivos Caberia agrave famiacutelia a organizaccedilatildeo dos rituais fuacutenebres e
em particular ao filho mais velho a realizaccedilatildeo de algumas atividades para acalmar o morto
como raspar o cabelo servir alimentos e bebidas e construir um altar para reverenciaacute-lo
(Santos 2009)
Os persas (por volta do seacuteculo VI ac) por sua vez defendiam que a morte poderia levar
agrave elevaccedilatildeo do espiacuterito Ao deixar este mundo o morto passava por uma ponte Se tivesse
praticado boas accedilotildees encontraria em bela moccedila que lhe conduziria ao paraiacuteso Caso contraacuterio
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uma velha desfigurada lhe perseguiria ateacute que caiacutesse da ponte em direccedilatildeo ao inferno Para
aqueles que praticaram tanto boas quanto maacutes accedilotildees de forma que se igualassem em quantidade
e importacircncia o destino era o limbo um local em que natildeo sentiam nem alegrias nem tristezas
Mas para todos caberia o julgamento final (que deveria ocorrer aproximadamente em 6000
dc) momento em que todo segundo a crenccedila dos persas todo o mal desapareceraacute e os bons
receberatildeo corpos jovens e indestrutiacuteveis (Kastenbaum amp Aisenberg 1983)
Um aspecto importante a considerar na civilizaccedilatildeo egiacutepcia bem como em outras
sociedades primitivas como a dos malaios eacute o fato das praacuteticas fuacutenebres serem constituiacutedas e
desenvolvidas pela comunidade Natildeo havia uma ecircnfase nas reaccedilotildees individuais Existiam regras
que conduziam toda a sociedade a se comportar diante da ameaccedila da morte e que
posteriormente orientavam como minimizar os efeitos negativos que a morte causava no seio
da comunidade O indiviacuteduo fazia parte de algo maior a sociedade e a sua morte atingia este
coletivo Por isso as praacuteticas representavam a uniatildeo e o poder do grupo sobre a morte
(Kastenbaum amp Aisenberg 1983)
Este breve relato sobre a morte na Antiguidade natildeo poderia deixar de contemplar a
cultura grega Nesta sociedade havia uma preocupaccedilatildeo com a sauacutede puacuteblica Diante disso os
restos mortais de todos sem distinccedilatildeo social eram enterrados fora das cidades Entretanto o
local e o monumento que representava o morto era de acordo com o niacutevel socioeconocircmico
Outro aspecto relevante eacute que o luto era permitido de uma forma geral por um periacuteodo de um
ano Para as crianccedilas que falecessem com ateacute seis anos de idade entretanto o prazo destinado
ao luto era de apenas um mecircs A expressatildeo do luto que se estendesse aleacutem deste periacuteodo estava
sujeita agrave recriminaccedilatildeo social (Agraveries 2003 Santos 2009)
Para os antigos gregos o pensamento preponderante em relaccedilatildeo ao poacutes vida era o da
imortalidade da alma Um defensor desta ideia foi Soacutecrates A morte deste importante filoacutesofo
foi retratada no seacuteculo XVIII em um quadro intitulado ldquoA morte de Soacutecratesrdquo
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A morte de Soacutecrates Autor Jacques-Louis David 1787
Platatildeo descreveu a morte de Soacutecrates em um dos seus diaacutelogos o Feacutedon relatando uma
das formas de compreensatildeo da morte pelos gregos antigos que a associava agrave imortalidade da
alma A morte era como uma passagem do mundo sensiacutevel para o mundo suprassensiacutevel E o
que os gregos chamavam de exercitamento para a morte era justamente a preparaccedilatildeo para este
momento de passagem com destino agrave imortalidade Uma preparaccedilatildeo vivenciada e relatada por
Soacutecrates nos momentos em que esperou pela morte na cadeia no periacuteodo entre o julgamento e
a ocasiatildeo da sua morte
Durante este periacuteodo Soacutecrates recebia os filoacutesofos e dialogava sobre as suas ideias
refletindo inclusive sobre o significado da morte e a condiccedilatildeo do ser humano De acordo com
o relato de Soacutecrates ldquoeacute melhor estar morto do que vivordquo Mas a condiccedilatildeo de morto eacute dada por
uma divindade Uma vez que ldquonoacutes homens nos encontramos em uma espeacutecie de caacutercere que
nos eacute vedado abrir para escaparrdquo Apenas aos deuses caberia a decisatildeo da hora da morte do
homem no caso de Soacutecrates a condenaccedilatildeo para beber cicuta deixava-o livre para seguir para
outro mundo (p5)
Diferentemente desta compreensatildeo sobre a morte outro caminho preconizado pelos
antigos gregos particularmente os estoicos e epicuristas defendia a naturalizaccedilatildeo da morte
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enquanto um destino de todas as espeacutecies Como algo que desagrega o que foi agregado em
vida Vida e morte fariam parte assim de um ciclo que terminava com a morte natildeo existindo
a possibilidade de imortalidade da alma (Nunes 2012)
Concepccedilotildees tatildeo distintas inspiraram os antigos gregos a refletir sobre a morte e sobre a
forma de conduzir a vida Morte e vida estatildeo entrelaccedilados como fios de uma mesma manta O
sentido da morte interfere na existecircncia do ser neste mundo E em cada eacutepoca as crenccedilas que
a sociedade propagava sobre a morte influenciaram as pessoas na maneira de compreendecirc-la
e de vivenciaacute-la
Em uma sociedade com ideias distintas acerca da morte preconizava-se o mesmo fim
para os bebecircs que nascessem com alguma deficiecircncia Em Esparta natildeo soacute os bebecircs como
tambeacutem as pessoas que adquiriam alguma deficiecircncia eram lanccediladas ao mar ou em precipiacutecios
por natildeo serem consideradas uacuteteis para a sociedade De forma similar na Roma Antiga nobres
e plebeus tinham a permissatildeo para sacrificar os bebecircs que nascessem com algum tipo de
deficiecircncia Crianccedilas com ldquodefeitosrdquo natildeo eram bem vindas ao mundo deveriam ser mortas ou
abandonadas ao relento ateacute a morte (Santos 2009)
No iniacutecio da Idade Meacutedia (seacutec V ao seacutec XII) a morte estava presente no cotidiano e
era aceita socialmente como algo simples e familiar Vivos e mortos coexistiam de forma
natural Morrer era o destino de todas as espeacutecies Algo previsiacutevel tambeacutem para o ser humano
que natildeo temia a morte em si mas o fato de morrer sozinho A morte desejada era anunciada
Esperada no leito como uma cerimocircnia puacuteblica e organizada conduzida pelo proacuteprio enfermo
que se despedia realizando as suas uacuteltimas vontades e direcionando o ritual fuacutenebre de
preparaccedilatildeo para a morte Neste ritual estavam presentes muitas vezes natildeo soacute os familiares a
proacutepria comunidade participava e acessava livremente o quarto do morto inclusive as crianccedilas
tambeacutem presenciavam os momentos de despedida A morte era domada domesticada tatildeo
cotidiana quanto a vida (Ariegraves 2003)
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Nesta sociedade as crianccedilas eram vistas como adultos em miniatura sem distinccedilatildeo
quanto agraves regras sociais ou mesmo a dedicaccedilatildeo de maiores cuidados com exceccedilatildeo dos bebecircs
conforme relata Ariegraves (1981) ldquo um sentimento superficial da crianccedila - a que chamei
paparicaccedilatildeo era reservado agrave criancinha em seus primeiros anos de vida enquanto ela ainda
era uma coisinha engraccediladinha As pessoas se divertiam com a crianccedila pequena como com um
animalzinho um macaquinho impudico Se ela morresse entatildeo como muitas vezes acontecia
alguns podiam ficar desolados mas a regra geral era natildeo fazer muito caso pois uma outra
crianccedila logo a substituiria A crianccedila natildeo chegava a sair de uma espeacutecie de anonimatordquo (p 4)
Em todo o ritual de despedida a crianccedila tinha o seu papel definido Os adultos
explicavam a situaccedilatildeo e a crianccedila participava de tudo do veloacuterio ao enterro Natildeo existia uma
distinccedilatildeo com os adultos para o enfrentamento da morte inclusive na vivecircncia do luto e na ida
regular ao cemiteacuterio A vivecircncia do luto tambeacutem era natural as pessoas poderiam expressar os
seus sentimentos e participar de todo o processo desde a despedida ao enfermo ateacute o
acompanhamento do cortejo fuacutenebre O receio que as pessoas tinham era da morte brusca
repentina sem despedida sem o cumprimento de todo o ritual fuacutenebre (Kovaacutecs 1992)
As proacuteprias condiccedilotildees da sociedade como um todo contribuiacuteam para esta morte
anunciada os avanccedilos da medicina ainda eram incipientes para boa parte das doenccedilas natildeo havia
cura restando agrave comunidade a aceitaccedilatildeo e previsatildeo de que a morte viria logo As condiccedilotildees
sanitaacuterias eram precaacuterias e natildeo havia uma preocupaccedilatildeo social em relaccedilatildeo a isto Vivos e mortos
coexistiam As pessoas entravam nos quartos dos enfermos as crianccedilas brincavam nos
cemiteacuterios locais tambeacutem utilizados como palcos para danccedilas e jogos (Ariegraves 2003)
Os doentes sabiam que iriam morrer e assim se preparavam para a chegada da morte
dentro do seio da famiacutelia A morte familiar foi tambeacutem denominada por Ariegraves (2003) de morte
domada E do ritual de despedida participavam todos da famiacutelia da comunidade inclusive as
crianccedilas Natildeo havia uma preocupaccedilatildeo em isolaacute-las deste acontecimento tido como natural
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Apoacutes todas as despedidas a morte vinha como um sono profundo durante o qual as almas
aguardariam o retorno de Cristo para o momento da ressurreiccedilatildeo assegurada pela Igreja Desta
crenccedila na ressurreiccedilatildeo surgiu o costume de enterrar os corpos em cemiteacuterios proacuteximos agrave Igreja
cabendo aos mais ricos a construccedilatildeo de tuacutemulos dentro das capelas (Kastenbaum amp Aisenberg
1983 Ariegraves 2003)
Vale salientar que na Idade Meacutedia doenccedilas malignas assolaram a Europa em
particular a peste negra que dizimou mais de 13 da populaccedilatildeo A morte tornou-se natildeo soacute uma
triste realidade cotidiana como tambeacutem uma forma de puniccedilatildeo de Deus para os homens como
um castigo que atingia a todos Outro evento que contribui para associar a morte agrave puniccedilatildeo foi
a atuaccedilatildeo da Inquisiccedilatildeo que utilizava a tortura e a morte como instrumentos para controlar a
ordem preconizada pela Igreja (Santos 2009)
Na segunda metade da idade Meacutedia (seacutec XII ao seacutec XV) mudanccedilas sutis comeccedilaram
a acontecer que influenciaram de forma decisiva na maneira das pessoas lidarem com a morte
Com a ideia do Juiacutezo Final propagada pela Igreja o morto seria julgado pelas accedilotildees executadas
em vida Passou-se a ter uma preocupaccedilatildeo com a morte de si mesmo com a individualidade do
morto e com o que este havia feito em vida A culpa o pedido de perdatildeo predominava nos
momentos proacuteximos a morte E as cerimocircnias ganharam um caraacuteter dramaacutetico Os homens
buscavam garantias para chegarem ao paraiacuteso representadas pelos donativos pelas obras
realizadas durante a vida pela compra de reliacutequias consideradas sagradas pela Igreja (Ariegraves
2003 Kovaacutecs 1992)
A preocupaccedilatildeo com a proacutepria morte se amplia no periacuteodo do Romantismo para o temor
diante da morte do outro O sofrimento com a perda as lembranccedilas o culto aos cemiteacuterios se
tornaram preponderantes neste periacuteodo A morte remetia agrave ideia de ruptura da dor de perder o
ente querido Diante deste cenaacuterio a recordaccedilatildeo dava uma certa condiccedilatildeo de imortalidade ao
indiviacuteduo Os mortos passaram a ser valorizados tanto quanto os vivos pelo legado que
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deixariam tantas vezes representados na concretude das sepulturas individualizadas e
majestosas da aristocracia (Ariegraves 2003 Kovaacutecs 1992)
Esta preocupaccedilatildeo com a morte do outro vai tomando outras proporccedilotildees ao longo do
tempo ocupando lugar na forma como a morte era vivenciada Com o intuito de poupar o outro
que estaacute proacuteximo a morte passou-se a omitir o seu estado O moribundo que na Idade Meacutedia
conduzia os momentos de despedida se tornava alheio ao processo e passava a morrer sozinho
em um leito frio de hospital Da preocupaccedilatildeo com o morto o incocircmodo de falar sobre a morte
e expressar o sofrimento do luto estendeu-se para toda a sociedade Diante deste contexto
origina-se o que Ariegraves (2003) denomina de morte interditada
A forma como as crianccedilas vivenciavam a morte do outro tambeacutem foi se modificando
de acordo com as mudanccedilas sociais que ocorreram ao longo do tempo A partir do seacuteculo XVII
a escola passou a ocupar um lugar importante na sociedade substituindo o aprendizado
fornecido agraves crianccedilas pela imitaccedilatildeo dos adultos na execuccedilatildeo dos seus ofiacutecios A crianccedila foi
separada dos adultos e mantida em uma certa distacircncia antes de ser solta no mundo Iniciava-
se entatildeo um longo processo que perduraria ateacute os dias de hoje a escolarizaccedilatildeo Essa separaccedilatildeo
das crianccedilas denominada por Arieacutes (1981) de enclausuramento fez parte de um grande
movimento de moralizaccedilatildeo promovido pelos reformadores catoacutelicos ou protestantes ligados agraves
leis ou ao Estado
Entretanto este movimento natildeo teria sido possiacutevel sem a cumplicidade sentimental das
famiacutelias A famiacutelia tornou-se o lugar de uma afeiccedilatildeo necessaacuteria entre os cocircnjuges e entre pais e
filhos algo que ela natildeo era antes Segundo Ariegraves (1981) as famiacutelias eram unidas por laccedilos de
honra e lealdade natildeo havendo necessariamente afeiccedilatildeo entre seus membros mas sim uma
espeacutecie de sociabilidade Exemplo disto eacute um fenocircmeno muito importante que comeccedila a ser
mais conhecido a persistecircncia no fim do seacuteculo XVII do infanticiacutedio tolerado Natildeo se tratava
de uma praacutetica aceita era considerada um crime Entretanto era praticado em segredo
ldquoO fato de ajudar a natureza a fazer desaparecer criaturas tatildeo pouco dotadas
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camuflada sob a forma de um acidente as crianccedilas morriam asfixiadas naturalmente na cama
dos pais onde dormiam Natildeo se fazia nada para salvaacute-las
Com a importacircncia atribuiacuteda agrave educaccedilatildeo os pais passaram a se interessar pelos estudos
dos filhos e a acompanhar o seu desenvolvimento Esta praacutetica era vista como algo natural nos
seacuteculos XIX e XX mas anteriormente natildeo existia desta forma com tanto zelo preocupaccedilatildeo e
solicitude A famiacutelia comeccedilava a se organizar em torno da crianccedila e a lhe dar tanta importacircncia
que a crianccedila saiu de seu antigo anonimato tornando-se impossiacutevel perdecirc-la ou substituiacute-la sem
uma enorme dor Se por um lado natildeo poderia se tolerar a repeticcedilatildeo desta dor por outro tornou-
se necessaacuterio limitar o nuacutemero de crianccedilas para melhor cuidar da sua educaccedilatildeo Portanto essa
revoluccedilatildeo escolar e sentimental teve como consequecircncia com o passar do tempo uma reduccedilatildeo
voluntaacuteria da natalidade observaacutevel a partir do seacuteculo XVIII (Ariegraves 1981)
Das famiacutelias numerosas nas quais era comum a morte de filhos a sociedade foi
modificando-se para famiacutelias pequenas onde palavras como ldquoplanejamento familiarrdquo e
ldquoinvestimento na educaccedilatildeo dos filhosrdquo passaram a fazer parte do contexto de vida de pelo
menos uma parte da populaccedilatildeo O filho planejado e desejado vinha ao mundo como um ser que
jaacute tinha a missatildeo de realizar um projeto dos pais como uma fonte de investimento de amor de
cuidados e de realizaccedilatildeo A dor da perda destes filhos ganhou uma nova proporccedilatildeo para a
sociedade contemporacircnea
Estas mudanccedilas na vida das pessoas consequentemente nas vivecircncias da morte tambeacutem
faziam parte de um cenaacuterio caracterizado pelos avanccedilos da medicina e como isto pela natildeo
aceitaccedilatildeo da doenccedila como preluacutedio da morte Buscava-se a cura representada pelo retorno agrave
vida A partir da deacutecada de 1930 os doentes eram encaminhados para os hospitais locais
destinados aos cuidados dos enfermos No contexto hospitalar o cuidado com o contaacutegio
distanciava as pessoas proacuteximas Havia horaacuterios a cumprir aparelhos a programar e uma serie
de aparatos que foram se tornando cada vez mais complexos Aliada a esta complexidade
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crescia para os profissionais de sauacutede a responsabilidade de segurar a vida de controlar a
existecircncia Formava-se assim o cenaacuterio para a exclusatildeo social da morte (Santos 2009)
No hospital a morte tornou-se oculta Evita-se falar da morte para os pacientes bem
como para as crianccedilas com o intuito de poupaacute-las Mas a crianccedila pode perceber que algo natildeo
estaacute bem Entatildeo as justificativas dos adultos satildeo permeadas por histoacuterias como os antigos
contos que escondiam aspectos referentes agrave sexualidade Assim como os bebecircs vecircm ao mundo
trazidos pelas cegonhas o avocirc foi dormir o pai viajouEnfim satildeo contadas histoacuterias inspiradas
no conceito de uma morte interditada Por vezes estas histoacuterias levam a outros
comportamentos como o medo de dormir e natildeo mais acordar gerando temores nas crianccedilas
(Pinto amp Veiga 2005)
A contemporaneidade constituiu-se no mundo trazendo outras mensagens sobre a vida
e assumindo como caracteriacutesticas a exacerbaccedilatildeo do individualismo a busca incessante do
prazer e da felicidade e consequentemente a necessidade de evitar o que atrapalhasse esta
busca A morte o luto a tristeza a anguacutestia satildeo todos fatores que natildeo contribuem para o
sucesso a juventude e o controle emocional
Antes de abordarmos a vivecircncia da morte na sociedade atual consideramos importante
refletir sobre alguns aspectos apresentados por Kastenbaum e Aisenberg (1983) como
ldquocondiccedilotildees que contribuiacuteram significativamente para o contexto de vida do qual emergiram as
interpretaccedilotildees sobre a morterdquo a expectativa de vida a presenccedila da morte o senso de possuir
reduzido controle sobre a natureza e o status do indiviacuteduo (p150)
Em sociedades onde a guerra a peste outras doenccedilas contagiosas ou natildeo eram
frequentes natildeo se esperava vida longa No decorrer da histoacuteria da humanidade a expectativa
de vida do homem era curta tantas vezes natildeo chegava aos trinta anos Com a precarizaccedilatildeo das
condiccedilotildees de sauacutede muitas mulheres morriam no parto e as crianccedilas nasciam mortas ou
faleciam muito cedo Para as que sobreviviam cabia a luta pela vida sem espaccedilo distinto para
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a vivecircncia de uma infacircncia O mundo dos adultos era tambeacutem o seu mundo Tanto que a hora
da morte era assistida por todos natildeo existia um isolamento no momento do desenlace Em meio
a tantas fraquezas perante agraves doenccedilas restava ao homem o senso de possuir reduzido controle
sobre as forccedilas da natureza inclusive sobre a sua proacutepria vida
Somadas a estas circunstacircncias outra caracteriacutestica relevante a ser mencionada eacute o status
social do indiviacuteduo Que nas civilizaccedilotildees antigas existia para a manutenccedilatildeo da sociedade para
o bem de algo maior natildeo servindo essencialmente ao benefiacutecio do indiviacuteduo isolado em
detrimento do grupo social
Estes fatores foram elencados por Kastenbaum e Aisenberg (1983) como significativos
para as interpretaccedilotildees sobre a morte existentes nas sociedades ao longo da histoacuteria Analisando
os mesmos fatores na eacutepoca atual diante de mudanccedilas tatildeo profundas no decorrer do tempo nos
deparamos com uma sociedade que apresenta um grande desenvolvimento tecnoloacutegico e da
medicina conseguiu com isto a ampliaccedilatildeo da expectativa de vida e a propagaccedilatildeo de valores
de sucesso e juventude ao mesmo tempo em que favorece o individualismo e interdita a morte
a um espaccedilo tatildeo reduzido quanto o esquecimento relegado ao fracasso e a frustraccedilatildeo
Vivemos em uma sociedade paradoxal que exige velocidade e calma ao mesmo tempo
que dita normas as quais geram ansiedade e para evitaacute-la divulga foacutermulas e medicamentos
Existem soluccedilotildees para o ldquobem viverrdquo segundo os bons costumes soluccedilotildees que aprisionam os
que se adequam e excluem os que natildeo conseguem caminhar como os demais A sociedade do
consumo e da busca de soluccedilotildees imediatas para o alcance do prazer
Uma sociedade que valoriza os avanccedilos tecnoloacutegicos e a juventude E estes avanccedilos
geraram uma noccedilatildeo de controle sobre a vida desde o seu iniacutecio durante o seu curso e na
necessidade de prolongamento do tempo neste mundo Em periacuteodos anteriores a morte
predominava em todos os periacuteodos a gravidez tantas vezes era um risco para a mulher bem
como a morte de receacutem-nascidos vista com naturalidade pela comunidade Na sociedade atual
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ldquoa morte conserva-se a uma distacircncia reconfortante ou uma boa distacircncia dos jovens e dos
adultos de meia idade Quem morre Os velhos (noacutes natildeo) A crescente associaccedilatildeo estatiacutestica
entre mortalidade e idade avanccedilada imediata e perpeacutetua para um prospecto distante remotordquo
(Kastenbaum e Aisenberg 1983 p 166)
Por isso a morte de jovens na contemporaneidade pode comover ao remeter agrave ideia
de uma vida interrompida antes mesmo de concretizar os objetivos propostos antes de dar
retorno agrave sociedade A morte eacute destinada aos que se tornaram obsoletos natildeo satildeo mais
produtivos E mesmo assim ela eacute evitada interditada pouco presente nas conversas cotidianas
A morte passa a ter uma participaccedilatildeo perifeacuterica na vida das pessoas quando na realidade eacute
uma condiccedilatildeo inerente ao ser-no-mundo
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Capiacutetulo 2 ndash Contemplando alguns existenciais da fenomenologia Heideggeriana
ldquoA Persistecircncia da Memoacuteriardquo Salvador Daliacute 1931
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Capiacutetulo 2 ndash Contemplando alguns existenciais da fenomenologia Heideggeriana
ldquoA morte chega cedordquo afinal que seguranccedila me traz o desconhecido O caminho que
natildeo percorri O abandono do ente querido Enquanto certeza incerta a morte assusta pela
imprecisatildeo possiacutevel pela hora natildeo marcada pelo temor escondido de quem vive na sociedade
que cultua o controle da vida do iniacutecio ao fim A morte que chega para o outro natildeo pertence
a mim mas me consome e leva consigo uma parte do que valorizo algo precioso que perdi
ldquoO amor foi comeccedilado o ideal natildeo acabourdquo A morte interrompe o que foi iniciado ao
mesmo tempo que gera o sentimento de perda do que foi e do que poderia ter sido Sofremos
pelo que perdemos e pelo que gostariacuteamos de ter realizado A morte do outro nos remete a todos
esses sentimentos de incompletude de inseguranccedila agraves vezes de arrependimento e tantas outras
a uma reflexatildeo sobre a proacutepria vida seus medos e seus alcances
A morte chega cedo pois chega sem avisar Como a visita que abre a porta sem bater
entra sem cerimocircnia leva o que lhe cabe e deixa quem fica a chorar Hoje um choro mais
contido um ritual mais reservado um luto mal vivido mas natildeo menos sofrido Apenas
controlado em meio a um cenaacuterio que prima pelo esquecimento da morte em detrimento da
valorizaccedilatildeo da vida e da juventude
O poema de Fernando Pessoa foi escolhido para iniciar este capiacutetulo por retratar da
forma mais bela que a poesia permite reflexotildees fundamentais sobre a morte e a vida que me
A Morte Chega Cedo
A morte chega cedo pois breve eacute toda vida
O instante eacute o arremedo de uma coisa perdida
O amor foi comeccedilado o ideal natildeo acabou
E quem tenha alcanccedilado natildeo sabe o que alcanccedilou
E tudo isto a morte risca por natildeo estar certo
No caderno da sorte que Deus deixou aberto
Fernando Pessoa in Cancioneiro
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remetem aos existenciais difundidos por Heidegger (19272015) e que inspiraram o presente
estudo
Para o entendimento do ser Heidegger (19272015) apresenta conceitos importantes
definidos como existenciais Antes de abordarmos alguns existenciais (inerentes agrave condiccedilatildeo
humana) partiremos de conceitos iniciais desenvolvidos pelo referido autor
Em sua principal obra publicada em 1927 Ser e Tempo Heidegger realiza um
questionamento fundamental inclusive para o modo de pensar preponderante do positivismo e
da metafiacutesica Ele natildeo pergunta o que eacute o ser Esta pergunta requer uma resposta traduzida
como uma definiccedilatildeo Desta forma poderia apresentar inuacutemeras respostas tais como o homem
eacute um animal racional o homem eacute um ser divino Enfim respostas provenientes dos mais
diversos interesses sejam estes filosoacuteficos cientiacuteficos religiosos
A pergunta fundamental de Ser e Tempo que origina todas as outras e ainda permanece
inacabada eacute Qual o sentido do ser Esta eacute uma pergunta que gera por si soacute inquietude Imagine
questionar para uma pessoa quem eacute vocecirc A resposta pode se definir da forma mais simples
ou da maneira mais prolixa mas existe uma resposta ldquoSou psicoacuteloga sou brasileira Sou filha
derdquoAgora questione a pessoa ldquoqual o sentido do serrdquo A resposta ganha outra complexidade
e uma reflexatildeo bem mais profunda
E o que se configura como sentido Sentido eacute o que nos move eacute o que Critelli (1996)
define como um destinar-se da existecircncia O sentido daacute a direccedilatildeo da nossa vida afeta as nossas
escolhas O homem natildeo possui determinaccedilotildees essenciais Sendo indeterminado a existecircncia
acontece como sentido O sentido tem a ver com o para que e tambeacutem com o ainda natildeo
Ao refletir sobre o sentido do ser Heidegger (19272015) considera que a palavra
sentido pode apresentar duas interpretaccedilotildees a primeira refere-se agrave significaccedilatildeo ou seja que
todo gesto humano eacute significado e a segunda contempla a direccedilatildeo perpassando a ideia segundo
a qual quem sou estaacute vinculado ao que eu posso ser O sentido me fornece a direccedilatildeo um
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caminho a ser seguido E tudo o que faccedilo estaacute vinculado com algo que ainda natildeo sou Sentido
eacute portanto direccedilatildeo e significado Eacute como me encontro no mundo hoje projetado para como eu
quero me encontrar no futuro A vida tem sentido quando compreendo o seu significado e
encontro atraveacutes deste o direcionamento para seguir em frente
Tambeacutem eacute importante a distinccedilatildeo entre o que Heidegger (19272015) denomina de
ocircntico do que ele define como ontoloacutegico O ocircntico estaacute dado no mundo eacute referente ao ente
(objetos inanimados plantas animais que servem ao homem enquanto instrumentos ou tem
algum tipo de utilidade como tambeacutem o proacuteprio homem eacute tambeacutem um ente) O ontoloacutegico eacute
relativo ao ser remete aos aspectos constituintes do ser como por exemplo os que satildeo
denominados por Heidegger de existenciais (o cuidado a linguagem)
Outro aspecto que merece relevacircncia na ontologia heideggeriana eacute a utilizaccedilatildeo dos
hiacutefens com o intuito de unir palavras para assumirem um novo sugnificado Heidegger tinha o
objetivo de desvincular o significado das palavras do senso comum e atribuir uma nova forma
de compreensatildeo das mesmas Ser no mundo pode ser entendido como um ser que estaacute no
mundo ou dentro do mundo ser-no-mundo por sua vez revela uma ligaccedilatildeo indissociaacutevel uma
relaccedilatildeo diferente de estar contido no outro mas como unidade separada passando a significar
natildeo ser compreendido sem o outro de maneira isolada
A partir do ser-no-mundo abordaremos de forma breve alguns existenciais o ser-com
o cuidado o ser-para-a-morte a anguacutestia Estes existenciais foram escolhidos pela inspiraccedilatildeo
que trazem agrave temaacutetica do presente estudo Os profissionais de sauacutede rementem agrave ideia do
cuidado em relaccedilatildeo aos pacientes satildeo por vezes considerados profissionais do cuidado Vivem
cotidianamente presenciado a morte dos outros e tambeacutem se angustiam diante da realidade que
Vale sublinhar que para Heidegger haacute duas regiotildees distintas de entes [i] o
ente intramundano (o simplesmente dado) que tem como caraacuteter ontoloacutegico
as categorias (ldquodeixar e fazer todos verem o ente em seu serrdquo12) [ii] E o ente
ser-no-mundo (a presenccedila) que tem como caraacuteter ontoloacutegico os existenciais
Na primeira regiatildeo temos o ponto de vista naturalista dos entes e na segunda
o ponto de vista existencial (Ferreira 2010 p 112)
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vivenciam Uma realidade marcada pela relaccedilatildeo com tantos outros os bebecircs os familiares dos
pacientes os colegas de trabalho Enfim os outros que fazem parte do cotidiano destes
profissionais de sauacutede Ao longo do texto os existenciais propostos por Heidegger (1927 2015)
seratildeo apresentados em itaacutelico com o intuito de enfatizar estas palavras que ao se unirem
ganham outro sentido
O ser-aiacute como bem expressa o termo eacute um ser que existe no mundo O que natildeo significa
que o ser estaacute inserido no mundo ou dentro do mundo Ele existe no mundo em uma relaccedilatildeo
de co-pertencimento O termo ldquoaiacuterdquo natildeo se refere a um lugar especiacutefico e sim a uma abertura
ao entendimento do homem enquanto ser-para-fora Esta definiccedilatildeo por si soacute jaacute diz muita coisa
Primeiramente desconstroacutei a concepccedilatildeo do senso comum de que o ser aparece no mundo e
depois o mundo surge para o ser A dicotomia homemmundo se esvai assim como a noccedilatildeo do
cogito com a ceacutelebre frase ldquopenso logo existordquo se perde Porque primeiramente o ser existe
eacute pre-senccedila antes ateacute de se definir enquanto um ser pensante
Em segundo lugar por estar-no-mundo lanccedilado no mundo o ser-aiacute estaacute aberto ao
mundo e agraves possibilidades apresentadas no mesmo em um contexto histoacuterico especiacutefico no qual
estaacute imerso O ser existe aiacute eacute pre-senccedila no mundo em uma relaccedilatildeo de co-pertencimento Por
assim dizer ele nunca estaraacute completo pois a relaccedilatildeo permaneceraacute aiacute enquanto ele existir no
mundo O ser-aiacute nada mais eacute que o modo de ser do homem enquanto ser-no-mundo
Ao estar no mundo o ser-aiacute depara-se com a sua facticidade ou seja encontra-se em
um corpo diante de uma realidade constituiacuteda de valores histoacuteria cultura e mitos
caracteriacutesticos de uma determinada sociedade A facticidade natildeo pode ser confundida com a
() ser-no-mundo natildeo eacute uma ldquopropriedaderdquo que o ser-aiacute agraves vezes apresenta
e outras natildeo como se pudesse ser igualmente com ela ou sem ela O homem
natildeo ldquoeacuterdquo no sentido de ser e aleacutem disso ter uma relaccedilatildeo com o mundo o qual
por vezes lhe viesse a ser acrescentado (Heidegger 2015 pp 95-96)
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ideia de destino de determinaccedilatildeo do ser uma vez que pela condiccedilatildeo existencial de abertura o
ser-no-mundo realiza escolhas e busca o poder-ser a realizaccedilatildeo de projetos
O ser-aiacute tambeacutem eacute denominado de Dasein onde ldquoDardquo significa aiacute e ldquoSeinrdquo significa ser
existecircncia Dasein eacute uma palavra em alematildeo que define o ser que estaacute presente e aberto a
inuacutemeras possibilidades ldquoO Dasein eacute a proacutepria abertura de sentido na qual pode vir agrave luz o ser
dos entes que se datildeo ao seu encontrordquo (Saacute Matar amp Rodrigues 2006 p 113)
O Dasein existe no mundo e natildeo mais fora deste e ao estar no mundo projeta nele as
suas accedilotildees A existecircncia eacute portanto essencialmente projeto No mundo estatildeo os utensiacutelios
necessaacuterios agrave ocupaccedilatildeo do homem que eacute originariamente um ser-no-mundo um ser que se
ocupa no cuidar das coisas Ao estar-no-mundo o homem natildeo pode ser considerado como um
espectador que assiste ao grande espetaacuteculo da vida Ele estaacute envolvido com o mundo com os
seus desafios e vicissitudes E ao transformar o mundo transforma a si mesmo
O mundo a que Heidegger faz referecircncia natildeo se limita ao local fiacutesico e geograacutefico
envolve a cultura os costumes todos os fatores que constituem um mundo para o indiviacuteduo
enquanto morada Eacute a fonte de referecircncia o local de sobrevivecircncia estrutura de sentido
Partindo deste pressuposto eacute preciso compreender o ser-no-mundo para entender as suas
escolhas o seu modo de ser Alguns valores que direcionam as accedilotildees das pessoas que nascem
em uma cultura aacuterabe por exemplo satildeo distintos dos que predominam na cultura americana e
consequentemente os comportamentos sociais dos referidos indiviacuteduos aacuterabes ou americanos
Portanto o mundo para Heidegger eacute constituinte do Dasein
O trabalho de Heidegger mostra que o ser-no-mundo eacute a condiccedilatildeo primeira
para o entendimento do ser do homem As vicissitudes do ser-no-mundo satildeo
anteriores agraves elaboraccedilotildees teoacutericas quanto a um ponto de partida ou uma
caracteriacutestica definidora que norteie um percurso compreensivo Jaacute haacute uma
determinaccedilatildeo insuperaacutevel que todavia tende a se manter velada no
cotidiano a existecircncia como ser-no-mundo (Roehe Dutra 2014 p 107)
Mundo eacute o todo da constituiccedilatildeo ontoloacutegica Ele natildeo eacute apenas o todo da
natureza da convivecircncia histoacuterica do proacuteprio ser si-mesmo e das coisas de
uso Ao contraacuterio ele eacute a totalidade especiacutefica da multiplicidade ontoloacutegica
que eacute compreendida de maneira una no ser-com os outros no ser junto a e
no ser-si-mesmo (Heidegger 19872009 p328)
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Na mundanidade do mundo a presenccedila encontra-se em um mundo (ser-em) junto de
outros entes intramundanos (ser-junto) e com a copresenccedila (ser-com) A articulaccedilatildeo destes
existenciais eacute a estrutura fundamental e primordial da presenccedila na analiacutetica existencial
(Ferreira 2010 p113)
ldquoSendo o ser-em um existencial o ldquoemrdquo originalmente natildeo expressa uma relaccedilatildeo
espacial ldquoemrdquo deriva de innan- que significa morar habitar deter-se estar familiarizado a
habituado a estar junto-a Tambeacutem aqui ser-junto natildeo indica uma relaccedilatildeo de justaposiccedilatildeo
em que algo estaacute ldquoao lado derdquo ldquocolado ardquo Natildeo podemos pensar em um ente o Dasein junto
de outro ente o mundo da mesma maneira natildeo faz sentido pensarmos em um ente o homem
como uma coisa corporal dentro de um outro ente o mundo que o acomoda ou ainda um
ente a alma conjugada a outro ente o corpo Ser-junto ao mundo implica uma atitude de
empenhar-se no mundo de relacionar-se com ele buscando transformaacute-lo Dessa forma soacute o
Dasein pode ser-junto ao mundo (Leite 2013 p 188)
Heidegger (19272015) ao contemplar o conceito de ser-no-mundo afirma que este eacute
essencialmente um modo de ocupaccedilatildeo O Dasein eacute o uacutenico ser vivo que tem um mundo para
as coisas tudo eacute simplesmente dado Natildeo existe um mundo de sentido O ser-aiacute entretanto vive
ao lidar familiarmente na ocupaccedilatildeo com os entes ao realizar coisas produzir algo discutir
interrogar enfim todos os modos de se comportar os modos de ser-no-mundo
Em meio a esta totalidade do mundo estaacute presente o existencial de corporeidade
Heidegger aborda a corporeidade nos Seminaacuterio de Zollikon (1987 p 114) ldquoO corporar do
corpo [Leiben des Leibes] eacute assim um modo de ser do Da-seinrdquo O entendimento da
corporeidade enquanto existencial requer a compreensatildeo da perspectiva ontoloacutegica-existencial
do corpo natildeo limitando-se agrave visatildeo bioloacutegica do mesmo
Pela visatildeo bioloacutegica nos limitamos agrave visatildeo do corpo enquanto ele se apresenta para noacutes
como uma aparecircncia Ao refletir sobre a concepccedilatildeo da visatildeo bioloacutegica do corpo pensei no ser
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doente enquanto ser com possibilidades limitadas e que depende da assistecircncia do outro Como
seria a visatildeo do corpo do ser doente pelo profissional de sauacutede Agraves vezes alguns poderiam se
concentrar apenas no olhar para o corpo quase como uma maacutequina que precisa de conserto
Sem abranger o ser que habita este corpo
Agora imagine o profissional de sauacutede que trabalha em UTI Neonatal a visatildeo bioloacutegica
do corpo de um receacutem-nascido se restringe a um ser bem pequenino tantas vezes ocupando as
palmas de duas matildeos unidas A visatildeo bioloacutegica desse corpo remete a uma fragilidade imensa
agrave necessidade latente de assistecircncia e atenccedilatildeo aos miacutenimos detalhes para a sobrevivecircncia Um
corpo que natildeo fala pela boca mas que se expressa em pequenos movimentos e que pode gerar
compaixatildeo pelo simples fato de estar no mundo naquelas condiccedilotildees existenciais
Para tentarmos elucidar um pouco mais a compreensatildeo de Heidegger sobre a
corporeidade retomaremos o entendimento de Descartes acerca do corpo Entendimento que
ateacute hoje influencia na forma como compreendemos o mundo e as coisas que dele fazem parte
Para Descartes ldquoa extensatildeo em comprimento largura e altura constituem a natureza da
substacircncia corporal e o pensamento constitui a natureza da coisa que pensardquo a alma (Descartes
Princiacutepios I n 53 p 44)
Para Heidegger (1927 2015) a percepccedilatildeo dos nossos sentidos apenas informa sobre a
aparecircncia dos entes mas natildeo sobre a sua natureza Os sentidos ldquoanunciam meramente a
utilidade e a desvantagem das coisas intramundanas lsquoexternasrsquo para o ser humano dotado de
corporeidaderdquo (Heidegger p 146)
A compreensatildeo da corporeidade enquanto existencial vai muito aleacutem das informaccedilotildees
sensoriais Para Heidegger (1987 2009 p 127) ldquotodo comportamento do ser humano como
um ser-no-mundo eacute determinado pelo corporar do corpordquo
A corporeidade estaacute nos modos de ser da presenccedila na forma de se comportar de falar
de ouvir a expressatildeo dos sentimentos nos orientam no mundo enquanto um ser-corporal E o
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nosso corpo eacute a cada vez enquanto presenccedila como um ser de abertura Somente o ser-aiacute tem a
possibilidade de existir E existir eacute ldquoec-sistirrdquo ou seja existir eacute para fora de si Eacute ser abertura eacute
ser projeto ldquoDizer que o dasein eacute projeto eacute livraacute-lo de qualquer substancialidade como algo
dado que o determina previamente Uma aacutervore eacute mas natildeo existe ela eacute incapaz de perguntar
pelo seu proacuteprio ser Fechada em si a aacutervore natildeo sabe que eacute nem lhe eacute dado o encontro com
outros entesrdquo (Ferreiro 2010 Leite 2013 p 190)
Por assim dizer ao refletirmos sobre o profissional de sauacutede eacute importante
compreendermos as relaccedilotildees que estabelece no seu cotidiano de trabalho enquanto um espaccedilo
para expressar a sua corporeidade O ldquomundordquo da UTI Neonatal apresenta vaacuterias
caracteriacutesticas regras e padrotildees estabelecidos pela Instituiccedilatildeo E o ser-no-mundo de cada
profissional de sauacutede eacute uacutenico pois apesar de conviver no local de trabalho possue outras
ocupaccedilotildees na vida no sentido de modos de ser no mundo que o torna sigular Embora
universalmente se constitue como todos os daseins que satildeo em sua essecircncia cuidado cura
O dasein que estaacute presente no mundo com possibilidades de fazer escolhas eacute tambeacutem
um ser-com constituiacutedo na relaccedilatildeo com os outros Ainda que se encontre em uma situaccedilatildeo de
isolamento o ser-aiacute eacute um ser-com-os-outros e jamais se define de forma isolada Mesmo o
estar-soacute da pre-senccedila eacute ser-com no mundo A falta e a ausecircncia tambeacutem se configuram como
co-presenccedila O dasein se apresenta portanto por meio da co-existecircncia na condiccedilatildeo de estar
sempre com o outro (Heidegger 19272015)
Numa primeira aproximaccedilatildeo e na maior parte das vezes a presenccedila se
estende a partir de seu mundo e a copresenccedila dos outros vem ao encontro
das mais diversas formas a partir do que estaacute agrave matildeo dentro do mundo Mas
mesmo quando a presenccedila dos outros se torna por assim dizer temaacutetica
eles natildeo chegam ao encontro como pessoas simplesmente dadas Noacutes as
encontramos por exemplo ldquojunto ao trabalhordquo o que significa
primordialmente em seu ser-no-mundo (Heidegger 2015 p 176)
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Junto ao trabalho o ser-com se configura em meio a relaccedilatildeo com os outros Na realidade
de uma UTI Neonatal os outros se apresentam como colegas de trabalho que constituem uma
equipe multidisciplinar bem como os pais dos bebecircs que participam do processo de tratamento
dos receacutem-nascidos O ser profissional de sauacutede convive no seu cotidiano com o ser-doente E
o ser-doente se caracteriza por estar com possibilidades limitadas Da mesmo forma os pais do
receacutem-nascido tambeacutem estatildeo diante de uma realidade com restriccedilotildees Em meio agraves frustraccedilotildees
de natildeo levar o bebecirc para casa e de vecirc-lo em uma situaccedilatildeo de tamanha fragilidade Eles estatildeo
juntos com o seu bebecirc que se encontra no limite entre a vida e a morte ao mesmo tempo em
que precisam se ausentar das suas ocupaccedilotildees e compromissos As suas possibilidades se
restrigem e se concentram nas expectativas de deixar o hospital com o filho nos braccedilos
O receacutem-nascido enquanto ser-no-mundo se constitui enquanto ser-com O dasein
existe desde o seu nascimento ateacute a morte Estes satildeo os limites da existecircncia A partir do
momento em que eacute pre-senccedila se configura em meio agrave co-presenccedila dos outros ldquoO mundo da
presenccedila eacute mundo compartilhadordquo (Heidegger 2015 p 175) Ao considerarmos os limites da
existecircncia e refletirmos sobre o receacutem-nascido enquanto ser-no-mundo tambeacutem
desmistificamos a maacutexima cartesiana do ldquopenso logo existordquo A existecircncia vem antes do
pensamento entendido pelos outros O bebecirc eacute de fato ser-no-mundo e a sua pre-senccedila tem um
impacto significativo nas vidas dos outros Ela por si soacute transforma a existecircncia de outros
Daseins
O encontro com os outros natildeo se daacute numa apreensatildeo preacutevia em que um sujeito
de iniacutecio jaacute simplesmente dado se distingue dos demais sujeitos nem numa visatildeo
primeira de si onde entatildeo se estabelece o referencial da diferenccedila Eles veem ao
encontro a partir do mundo em que a presenccedila se manteacutem de modo essencial
empenhada em ocupaccedilotildees guiadas por uma circunvisatildeo Em oposiccedilatildeo aos
ldquoesclarecimentosrdquo teoacutericos que facilmente se impotildee sobre o ser simplesmente
dado dos outros deve-se ater ao teor fenomenal demonstrado de seu encontro no
mundo circundante (Heidegger 2015 p 175)
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Heidegger (19272015) utiliza o termo alematildeo Sorge com o significado de cura que
tambeacutem pode ser definido como cuidado O cuidado eacute a proacutepria abertura que constitui o dasein
Eacute uma denominaccedilatildeo usada com o intuito de expressar a caracteriacutestica ontoloacutegica do dasein de
se estruturar atraveacutes do fenocircmeno da cura de sempre estar referido a outro ente O ser humano
eacute um ser de cuidado uma vez que cuidar eacute ao mesmo tempo origem (ser lanccedilado) e condiccedilatildeo
do ser (projetar agir) ldquoPorque em sua essecircncia o ser-no-mundo eacute cura pode-se compreender
nas anaacutelises precedentes o ser junto ao manual como ocupaccedilatildeo e o ser como co-presenccedila dos
outros nos encontros dentro do mundo como preocupaccedilatildeo (Heidegger 19272015 p260)
O cuidado pode se expressar atraveacutes de dois tipos de relaccedilatildeo a de ocupaccedilatildeo e a de
preocupaccedilatildeo A ocupaccedilatildeo eacute caracterizada pela relaccedilatildeo de manualidade com os entes os quais
apresentam o seu ser jaacute previamente determinado como os objetos Jaacute a preocupaccedilatildeo envolve
as relaccedilotildees com os outros daseins com os outros seres indeterminados inclusive consigo
mesmo (Heidegger 1927 2015)
O modo de cuidado da preocupaccedilatildeo enquanto forma de ser com o outro pode se
manifestar de duas formas o substitutivo e o antepositivo A primeira forma refere-se ao
cuidado que faz tudo pelo outro tornando-o dependente A segunda convida o outro a voltar-
se para si mesmo abrindo-se para novas possibilidades para a realizaccedilatildeo de suas proacuteprias
escolhas tornando-se assim livre Esta segunda forma de cuidado eacute definida por Heidegger
(1981) como o autecircntico cuidar ou solicitude Vale salientar que as denominaccedilotildees de cuidado
como substitutivo e antepositivo natildeo apresentam superioridade ou julgamento de valor Ambas
existem e devem existir no ser-com
O cuidado de uma matildee com o filho muitas vezes requer a tomada de decisatildeo a atitude
que evita o perigo Mas a mesma matildee deve entender o cuidado antepositivo quando ajuda o
seu filho a fazer as suas proacuteprias escolhas em relaccedilatildeo a sua vida A sabedoria estaacute em fornecer
o cuidado substitutivo ou antepositivo quando assim for necessaacuterio Natildeo caberia a uma matildee
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oferecer um cuidado antepositivo para um filho pequeno e doente Nem tatildeo pouco um
substitutivo para um filho adulto no momento em que precisa fazer escolhas quanto a sua
profissatildeo por exemplo
Mas dentro da impessoalidade eacute possiacutevel que a relaccedilatildeo com o outro se decirc na ordem da
utilidade da indiferenccedila ou seja pode ocorrer de modo deficiente caracterizando a relaccedilatildeo
com o outro como um ser simplesmente dado Eacute o tipo de cuidado voltado para objetos que
torna o outro algo que pode ser substituiacutedo
No proacuteximo capiacutetulo abriremos um espaccedilo para discutir sobre o cuidado nos hospitais
em meio ao modelo da racionalidade meacutedica O cuidado tornou-se uma palavra amplamente
utilizada pelos profissionais de sauacutede como tambeacutem o termo assistecircncia A partir da ontologia
do cuidado de Heidegger muitas reflexotildees podem ser geradas em relaccedilatildeo a forma de lidar com
o ser-doente inclusive diante da possibilidade da morte do outro
Imerso no mundo o homem pode fazer escolhas dentre vaacuterias possibilidades Pode se
dedicar a esta ou aquela profissatildeo optar por ter muitos filhos ou natildeo ter nenhum por dedicar a
vida ao estudo ao trabalho ou a ajudar ao proacuteximo Entretanto entre muitas possibilidades
existe uma da qual o homem natildeo pode escapar a morte O homem pode fazer vaacuterias escolhas
mas natildeo pode deixar de morrer E ao morrer natildeo mais existe no mundo A morte por assim
dizer faz com que todas as outras possibilidades deixem de existir Com a morte natildeo haacute mais
projetos a realizar Ela encerra o inacabado
O ser-no-mundo que eacute ser-com-os-outros caminha para o fim ou seja eacute
intrinsecamente desde o princiacutepio um ser-para-a-morte Mas durante a sua vida deixa-se
envolver com as ocupaccedilotildees do mundo o que Heidegger (19272015) denomina de existecircncia
inautecircntica A reflexatildeo sobre a sua finitude leva o homem a uma existecircncia autecircntica ao pensar
sobre o sentido do seu ser dos seus projetos
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A morte eacute uma possibilidade que encerra todas as outras E enquanto o dasein existe
jaacute eacute destinado para o fim Eacute um fenocircmeno intriacutenseco agrave vida que lhe impotildee o limite Eacute a
possibilidade mais proacutepria e insuperaacutevel de natildeo mais existir de natildeo mais estar presente no
mundo (Heidegger 19272015)
A experiecircncia da morte tambeacutem eacute singular Soacute podendo ser vivenciada por cada
indiviacuteduo Mas sendo essencialmente ser-com-os-outros sentimos a morte do outro como uma
perda A morte do outro se concretiza de maneira objetivamente acessiacutevel em nossas vidas
Sentimos falta da presenccedila do outro Embora mesmo apoacutes a morte os cuidados com o morto
natildeo o torna um ser simplesmente dado como um objeto Os cuidados com o morto demonstram
uma preocupaccedilatildeo reverencial e natildeo apenas uma ocupaccedilatildeo com o corpo A morte do outro nos
lembra que a morte existe e pode nos levar a refletir sobre a nossa proacutepria morte
De acordo com Heidegger (2015 p 313) ldquo Em sentido genuiacuteno natildeo fazemos a
experiecircncia da morte dos outros Estamos apenas juntordquo Esta afirmaccedilatildeo do referido autor
merece algumas consideraccedilotildees Primeiramente a expressatildeo ldquoestar juntordquo se refere a uma troca
de sentimentos possiacutevel entre os daseins Como pontua Ferreira (2010 p112) ldquoA cadeira estaacute
junto da parede mas ela natildeo estaacute com a parede porque ela natildeo toca e natildeo eacute tocada pela parede
Ao contraacuterio para ela eacute indiferente estar junto da parede ou da mesa Jaacute o estar junto do ser-no-
mundo eacute diferente do estar junto do ente intramundano pois quando ele estaacute junto da parede eacute
tocado ao mesmo tempo em que toca Somente o ente constituiacutedo pela abertura preacutevia do ser-
em pode tocar e ser tocadordquo
Em segundo lugar o fato de ldquonatildeo fazermos a experiecircncia da morte dos outrosrdquo significa
que natildeo podemos morrer pelo outro Mesmo que ofereccedilamos a nossa vida no lugar da de outra
pessoa esta atitude pode ser entendida como sacrifiacutecio jamais como experienciar a morte do
outro A morte eacute um fenocircmeno singular assim como o nascimento e todas as experiecircncias
vividas e interpretadas por cada ser-no-mundo
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Conhecemos a morte como algo que ocorre com o outro mas distante da realidade
proacutepria como afirma Heidegger (2015 p 331) ldquoa explicaccedilatildeo do ser-para-a-morte no cotidiano
deteve-se na falaccedilatildeo do impessoal algum dia se morre mas por hora ainda natildeordquo Vive-se com
a certeza da morte embora esta certeza eacute tida como uma verdade distante para a qual se foge
com o mergulho na impessoalidade
Ao longo da trajetoacuteria de vida as perdas podem ser sentidas de diferentes formas que
deixam marcas resignificam a vida mas natildeo mudam de condiccedilatildeo ou significado satildeo perdas
Grandes e pequenas mortes com as quais precisamos aprender a lidar no cotidiano a conviver
com a ausecircncia
E da mesma forma que na contemporaneidade fugimos da morte tentamos evitar ao
maacuteximo pensar na morte dos outros e na nossa proacutepria morte e mascaramos o luto noacutes tambeacutem
fugimos das perdas escondemos os fracassos encobrimos as falhas buscamos culpados para a
natildeo-realizaccedilatildeo dos desejos e sonhos nos concentramos em outras demandas para natildeo olhar para
o que perdemos Caiacutemos na impessoalidade e ficamos na superfiacutecie das histoacuterias das relaccedilotildees
das atividades cotidianas Tomamos piacutelulas para emagrecer remeacutedios para esquecer das dores
para dormir o sono que evita a culpa
As perdas demonstram que natildeo temos o controle sobre o mundo e tambeacutem indicam que
somos seres em deacutebito Sempre que escolhemos algo abrimos matildeo de outras possibilidades o
tempo inteiro Estamos em deacutebito com o que natildeo escolhemos e diante de decisotildees muito
importantes para a nossa vida o nosso deacutebito torna-se ainda maior conosco E esta diacutevida vai
sendo cobrada ao longo da existecircncia ateacute a finitude quando deixamos a condiccedilatildeo de ser-no-
mundo (Heidegger 19272015)
Ter consciecircncia de ser algueacutem em deacutebito nos torna mais reflexivos quanto agraves escolhas
que realizamos Tantas vezes o sim para o mundo pode ser o natildeo para si proacuteprio E a dor da
sequecircncia de perdas pode levar ao adoecimento e agrave perda de sentido da vida
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A consciecircncia da finitude faz parte da histoacuteria da humanidade e sempre interferiu na sua
existecircncia Desde o iniacutecio apresenta-se como uma certeza sem resposta mas pautada em
explicaccedilotildees as mais diversas tanto de filoacutesofos como de religiosos que ao longo dos seacuteculos
influenciaram na maneira como o homem vivencia a experiecircncia da morte do outro e tambeacutem
na forma como encara a proacutepria morte
Seja um castigo ou fonte de expiaccedilatildeo dos pecados Seja o fim da existecircncia ou um novo
comeccedilo a morte continuaraacute na verdade como presenccedila como uma possibilidade certa na nossa
existecircncia um marco divisoacuterio entre estar-no-mundo e deixar de ser-no-mundo
O viver para a morte constitui o sentido autecircntico da existecircncia E esta experiecircncia de
refletir sobre a existecircncia se torna possiacutevel por meio da anguacutestia Outro existencial definido
por Heidegger (19272015) que revela ao homem a presenccedila do nada a sua finitude A anguacutestia
natildeo pode ser confundida com o medo direcionado a um determinado objeto Ela eacute uma abertura
para o nada para o fim das possibilidades que se daacute com a morte E no meio das ocupaccedilotildees
do mundo o homem se exime de viver esta experiecircncia que o incomoda
A anguacutestia incomoda pois nos fornece um sinal de alerta um despertar para a existecircncia
e para o nada o fim da mesma A experiecircncia da anguacutestia desperta a condiccedilatildeo do ser-para-a-
morte como algo inerente ao homem e da morte como destino dos que vivem Um destino
certo para ocorrecircncia e incerto quanto ao tempo A anguacutestia eacute portanto algo necessaacuterio agrave vida
como um dote do nosso estar-aiacute (Boss 1981)
Cada anguacutestia humana tem um de que do qual ela tem medo e um pelo que
pelo qual ela temeO do que de cada anguacutestia eacute sempre um ataque lesivo agrave
possibilidade de estar aiacute (dasein) humano No fundo cada anguacutestia teme a
extinccedilatildeo deste ou seja a possibilidade de um dia natildeo mais estar aqui O pelo
que da anguacutestia humana eacute por isto o proacuteprio estar-aiacute na medida em que ela
se preocupa e zela soacute pela duraccedilatildeo deste Por isso as pessoas que mais temem
a morte satildeo sempre as mesmas que mais tecircm medo da vida pois eacute sempre o
viver da vida que desgasta e potildee em perigo o estar aiacute (Boss 1981 p26)
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A anguacutestia se angustia com o ser-no-mundo com a condiccedilatildeo de desamparo que o ser se
encontra O desamparo observado nas incertezas na sensaccedilatildeo de incompletude nas
inseguranccedilas do cotidiano Inseguranccedilas mascaradas no apego agraves coisas mundanas como uma
forma de se situar no mundo de criar raiacutezes e de aparentemente se estabilizar O desamparo eacute
portanto inerente ao ser-no-mundo E talvez para natildeo pensar neste desamparo a reflexatildeo
sobre a proacutepria morte seja evitada
Entretanto morte e vida estatildeo interligadas fim e comeccedilo se entrelaccedilam E na perspectiva
do sentido natildeo vivemos um tempo somos tempo O tempo da vida do ser-aiacute que natildeo pode ser
medido por horas e minutos Pode apenas ser vivido enquanto lhe eacute permitido E esta
consciecircncia faz da permissatildeo a melhor das daacutedivas Permitir-se viver da forma mais autecircntica
torna-se mais valioso quando se sabe que esta possibilidade eacute finita Parece que se valoriza mais
o que se pode perder
O tempo eacute outra temaacutetica importante abordada por Heidegger no livro Ser e Tempo
(19272015) A noccedilatildeo de temporalidade humana da vida atual e cotidiana eacute distinta da pensada
pelo referido autor Talvez por vermos o tempo como a contagem de horas reduzidas a minutos
e segundos julgamos que a morte da crianccedila eacute mais sofrida que a do adulto que por sua vez
eacute mais dolorida que a do anciatildeo Acreditamos que o anciatildeo teve tempo de cumprir a sua missatildeo
Aquilo com que a anguacutestia se angustia eacute o nada que natildeo se revela ldquoem parte
algumardquo Fenomenalmente a impertinecircncia do nada e do em parte alguma
intramundanos significa que a anguacutestia se angustia com o mundo como tal
[hellip] O nada da manualidade funda-se em ldquoalgordquo mais originaacuterio isto eacute no
mundo Do ponto de vista ontoloacutegico poreacutem ele pertence essencialmente ao
ser do Dasein como ser-no-mundo Se portanto o nada ou seja o mundo
como tal se apresenta como aquilo com que a anguacutestia se angustia isso
significa que a anguacutestia se angustia com o proacuteprio ser-no-mundo
(Heidegger 19272015 pp 253)
61
de viver muitas experiecircncias mas o tempo contado em horas e minutos o tempo cronoloacutegico
natildeo eacute condiccedilatildeo imprescindiacutevel para o bem viver para que ldquoa missatildeo seja concluiacutedardquo
Ao falarmos sobre a histoacuteria de vida pensamos como uma sequecircncia de acontecimentos
uma linha de tempo linear entre passado presente e futuro Mas o ser-aiacute natildeo preenche as fases
de um trajeto A sua existecircncia eacute prolongar-se sobre si mesmo desdobrar-se para fora Ele natildeo
cumpre uma sequecircncia de eventos no tempo como algo determinado A existecircncia eacute tempo e
natildeo uma soma de unidades de horas minutos e segundos (Heidegger 19272015)
Quando a vida eacute contada como uma soma de unidades de tempo a morte de bebecircs e
crianccedilas se apresenta como uma ruptura da ldquoordem natural das coisasrdquo nas quais os pais vatildeo
antes Mas a morte pode chegar ldquocedordquo no seio da esperanccedila de uma nova vida Vem como um
vento forte que leva uma semente e junto com ela todos os projetos que jaacute germinaram A
morte de um receacutem-nascido pode gerar comoccedilatildeo pelo natildeo vivido pela falta do que natildeo veio e
era tatildeo esperado E a comoccedilatildeo se amplia dos pais e familiares para todos os envolvidos com o
iniacutecio de uma histoacuteria interrompida
Existem crianccedilas que vivem de forma muito mais intensa que adultos dedicados agrave
impessoalidade do mundo Por assim dizer ldquoo tempo deixa de ser uma sucessatildeo de minutos
simplesmente dados e se torna o tempo especiacutefico da singularidade de maneira que o ser-aiacute
singular se torna o seu proacuteprio tempoe passa a ser o lsquoespaccedilorsquo da temporalizaccedilatildeo do mundordquo
(Costa 2015 p 79)
A vivecircncia da dor do sofrimento da sabedoria da alegria e da compaixatildeo natildeo pode ser
medida pelo tempo cronoloacutegico E sim contemplada na narrativa das experiecircncias singulares
de cada ser humano Que ao narrar a sua histoacuteria resignifica o passado reflete sobre o presente
e projeta-se para o futuro (Dutra 2002)
Com relaccedilatildeo agrave compreensatildeo do homem enquanto ser histoacuterico eacute importante salientar
que Heidegger diferencia duas palavras para o termo histoacuteria Historie e Geschitchte A
62
primeira eacute referente ao estudo dos acontecimentos passados enquanto ciecircncia que investiga
fatos O termo Geschichte entretanto faz referencia agrave histoacuteria enquanto o proacuteprio acontecer
remetendo agrave ideia de historicidade do ser-no-mundo (Tonin 2015)
A existecircncia eacute sempre biograacutefica Considerar a historicidade do dasein eacute fundamental
portanto para a compreensatildeo do ser-no-mundo Com este intuito o proacuteximo abordaremos a
temaacutetica da era da teacutecnica apresentando a preocupaccedilatildeo de Heidegger com o dasein diante da
sociedade moderna caracterizada pelos dos avanccedilos tecnoloacutegicos pela velocidade na difusatildeo
de informaccedilotildees e pela fuga de pensamentos
Ao abordar a temaacutetica em ldquoA questatildeo da teacutecnicardquo Heidegger (2007) nos leva a uma
importante reflexatildeo sobre existir no mundo da modernidade A teacutecnica que seraacute colocada em
ecircnfase aqui natildeo se restringe ao uso de instrumentos ou ateacute mesmo ao domiacutenio do conhecimento
para utilizaacute-los Mas sim ao modo de ser do homem na modernidade ao espiacuterito presente em
uma eacutepoca
Para compreendermos melhor as afirmaccedilotildees expostas recorremos a uma comparaccedilatildeo
dos modos de produccedilatildeo agriacutecola feita pelo referido autor Com o intuito de ampliar a produccedilatildeo
armazenar insumos estocar comida o homem faz uso de teacutecnicas inovadoras de plantio utiliza
produtos que ampliam as colheitas que antecipam o amadurecimento de frutos ou a sua melhor
conservaccedilatildeo A teacutecnica eacute utilizada para a obtenccedilatildeo de uma maior produccedilatildeo que vai muito aleacutem
da necessidade de subsistecircncia
Entretanto para um semedor que acompanha o movimento da natureza cultivar consiste
em plantar a semente e aguardar o seu desabrochar naturalmente em seu tempo Assim a
semente prospera e cresce sem o controle do homem que acompanha cultiva e colhe os seus
A pergunta sobre o ser eacute ela mesma uma pergunta histoacuterica e que se faz na
histoacuteria O circulo ontoloacutegico eacute tambeacutem um circulo histoacuterico a compreensatildeo
preacutevia do Dasein uma vez liberada igualmente libera o fundo da histoacuteria
(Nunes 2012 p151)
63
frutos Eis aiacute o que Heidegger (1927 2015) denomina de desvelar-se de ldquodeixar vir agrave
presenccedilardquo rememorando o conceito grego de Aletheia a verdade enquanto desvelamento E
este desvelamento pode ser comparado a uma clareira em meio a uma floresta
O ser-no-mundo se apresenta portanto como desvelamento e ocultamento Assim ele
se relaciona consigo e com os outros daseins Os objetos entretanto se apresentam na clareira
satildeo simplesmente dados e ganham significado na medida em que satildeo utilizados Ainda
retomando os gregos Heidegger tambeacutem faz referecircncia agrave palavra teacutechne ao se referir agrave arte agrave
manufatura desvelada pelo artista (denominado de techinite)
Para Heidegger a diferenccedila entre a teacutecnica e a teacutechne estaacute no modo de desvelamento
Com o uso da teacutecnica o desvelamento se daacute pela produccedilatildeo a partir de uma postura de
provocaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave natureza ao mesmo tempo em que prima pelo controle dos processos
e resultados Na teacutechne o objetivo eacute de deixar-acontecer aceitando os limites sem impor
desafios O desvelamento se daacute no descobrimento de algo naturalmente (Feijoo 2004)
Considerando estas duas formas de cultivo da terra marcadas provocaccedilatildeo ou pela
postura de deixar-acontecer voltamos a refletir sobre as diferentes maneiras de pensar do
homem Na sua obra denominada ldquoSerenidaderdquo (1959) Heidegger apresenta duas modalidades
de pensamento calculante e meditante tambeacutem denominados de pensamento que calcula e
No comeccedilo do destino do Ocidente na Greacutecia as artes elevaram-se agraves maiores
alturas do desabrigar a elas consentidas Elas permitiram que a presenccedila dos
deuses e o diaacutelogo entre o destino humano e o destino divino brilhassemEla
era um singular e muacuteltiplo desabrigar As artes natildeo decorriam do artiacutestico As
obras de arte natildeo eram fruiacutedas esteticamente A arte natildeo era um setor da
produccedilatildeo cultural O que era a arte Era talvez arte somente por breves tempos
Ela era um desabrigar que levava e punha agrave luzhellip (Heidegger 2007 p 395)
Nas regiotildees cobertas por aacutervores a luz natildeo chega e o que estaacute nessa regiatildeo
fica oculto Na regiatildeo clara (clareira) as coisas satildeo manifestadas A partir
dessa imagem podemos pensar os entes como aquilo que aparece na
clareira Para se pensar o ser entretanto temos que incluir tambeacutem a
ocultaccedilatildeo originaacuteria (Evangelista 2010 p5)
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reflexatildeo O pensamento que calcula esta voltado para o controle de tudo a sua volta Para o
domiacutenio do conhecimento como um desafio assumindo um comportamento de provocaccedilatildeo
diante da natureza Caracteriza-se pela investigaccedilatildeo pela mensuraccedilatildeo ldquoO pensamento que
calcula faz caacutelculos Faz caacutelculos com possibilidades continuamente novas sempre com
maiores perspectivas e simultaneamente mais econocircmicas O pensamento que calcula corre de
oportunidade em oportunidade O pensamento que calcula nunca para nunca chega a meditarrdquo
(Heidegger 1959 p 13)
Em contrapartida o pensamento meditante propotildee uma reflexatildeo sobre o sentido da
existecircncia Meditar envolve uma postura de parar diante das coisas e refletir sobre o que nos
estaacute mais proacuteximo ldquoO pensamento que medita exige de noacutes que natildeo fiquemos unilateralmente
presos a uma representaccedilatildeo que natildeo continuemos a correr em sentido uacutenico na direccedilatildeo de uma
representaccedilatildeo O pensamento que medita exige que nos ocupemos daquilo que agrave primeira vista
parece inconciliaacutevelrdquo (Heidegger 1959 p 23)
A reflexatildeo faz parte da existecircncia do homem mas exige deste um grande esforccedilo que
pode ser depreendido por qualquer pessoa cada qual dentro dos seus limites ldquoBasta
demorarmo-nos junto ao que estaacute perto e meditarmos sobre o que estaacute mais proacuteximo aquilo
que diz respeito a cada um de noacutes aqui e agorardquo (Heidegger 1959 p14)
Estamos em uma era marcada pela velocidade das informaccedilotildees Em que os
acontecimentos satildeo rapidamente divulgados para milhotildees de pessoas As novidades percorrem
diversos canais publicitaacuterios aparecendo na miacutedia como novas soluccedilotildees para os problemas
cotidianos Heidegger (1959) nos alerta que apesar de estarmos imersos em um mundo com
novos aparatos teacutecnicos e muitas informaccedilotildees eacute preciso distinguir entre simplesmente ouvir ou
ler algo isto eacute tomar conhecimento no sentido de ser informado sobre algo e realmente
adquirir o conhecimento ou seja refletir sobre o que foi ouvido e lido
65
O problema da teacutecnica natildeo estaacute no fato da utilizaccedilatildeo de equipamentos e aparatos
tecnoloacutegicos mas sim na forma como lidar com os mesmos Trata-se de uma reflexatildeo sobre o
pensamento no mundo moderno onde a teacutecnica de produccedilatildeo eacute importante mas natildeo pode
predominar sobre a vida do homem que deve fazer uso da teacutecnica sem assumir uma postura
de aceitaccedilatildeo incondicional de rejeiccedilatildeo nem tatildeo pouco de alienaccedilatildeo
O homem natildeo pode ficar escravo da teacutecnica dos equipamentos que utiliza no seu
cotidiano Devendo assumir uma postura de serenidade diante das coisas ao ponto de utilizaacute-
las quando achar necessaacuterio e deixar de usaacute-las quando desejar Esta postura de serenidade no
leva a utilizar o nosso conhecimento teacutecnico a nosso favor evitando assim a alienaccedilatildeo ou a
dependecircncia
Ao refletirmos sobre a atuaccedilatildeo do profissional de sauacutede eacute preciso salientar que
atualmente diante do modelo biomeacutedico os profissionais se encontram envoltos em aparatos e
novas tecnologias precisando dominaacute-las amplamente Mas e quando o conhecimento teacutecnico
natildeo eacute suficiente Quando os equipamentos natildeo fornecem as respostas necessaacuterias ou mesmo as
almejadas A teacutecnica natildeo iraacute fornecer todas as respostas Ela existe para servir ao homem e natildeo
para limitaacute-lo enquanto profissional que oferece assistecircncia em sauacutede que precisa desenvolver
o pensamento meditante continuamente diante de quem estaacute mais proacuteximo
Buscar compreender o outro os seus anseios e o que efetivamente importa para ele satildeo
preocupaccedilotildees que fazem suscitar os problemas ditos eacuteticos nos hospitais Assim como as
decisotildees quanto agrave realizaccedilatildeo de procedimentos considerados inviaacuteveis a ocorrecircncia de eventos
adversos ou mesmo da morte devido a erros no tratamento as dificuldades para explicar aos
familiares os fatos ocorridos dentre outras situaccedilotildees que se apresentam no cotidiano de
trabalho Estes satildeo aspectos que merecem uma reflexatildeo sobre cada situaccedilatildeo em particular e a
respeito do sentido da experiecircncia para o profissional de sauacutede
66
Quando o homem se esconde atraacutes da teacutecnica e natildeo busca refletir sobre as suas accedilotildees
acaba deixando de lado o que tem de mais valioso a sua capacidade de meditar de refletir Eacute
esta capacidade que o direciona para novas escolhas novos modos de ser-no-mundo
67
Capiacutetulo 3 O profissional de Sauacutede
ldquoA Criaccedilatildeo da Humanidade e sua quedardquo Michelangelo 1512
68
Capiacutetulo 3 O profissional de Sauacutede
O presente capiacutetulo contempla aspectos referentes aos profissionais de sauacutede agraves
dificuldades enfrentadas ao ambiente hospitalar ao contexto da maternidade e em particular
da UTI Neonatal Inicialmente seraacute feita uma retrospectiva quanto ao ambiente de trabalho o
hospital o local destinado ao envio de doentes
O cuidador
Tanta palavra
Tanto trabalho
Tanto diagnoacutestico Avassalador
Tanta cultura
Entre a dor e a cura
Tanta procura
Pelo fim da dor
Tanta rotina
Tanto medicamento
Tanto equipamento De alto valor
Tanta tecnologia
Envolvendo tanta gente
E nada disso
Aparentemente
Eacute suficiente
Para garantir
Verdadeiramente
Um cuidador
Dr Luiz Alberto Mussa Tavares Poemas para Almas
Apressadas 2017
69
A palavra hospital vem do latim hospitalis que significa o que hospeda ou daacute agasalho
Nos dias de hoje o hospital eacute compreendido como uma instituiccedilatildeo destinada ao tratamento e
cura de doentes e feridos Mas nem sempre o hospital foi associado agrave ideia de cura (Pitta
2003)
Os primeiros hospitais foram construiacutedos entre 369-372 na Capadoacutecia e em Roma Eram
locais de dor e de morte Em 542 foram construiacutedos dois hospitais na Franccedila o Hocirctel Dieu de
Lyon e o Hocirctel Dieu de Paris O primeiro hospital da Inglaterra St John foi inaugurado em
1084 ainda com as mesmas caracteriacutesticas dos demais destinados a receber os doentes com
condiccedilotildees extremamente precaacuterias para o acolhimento Assim desde o seu iniacutecio os hospitais
eram associados agrave morte locais temidos para os vivos e destinados aos enfermos que natildeo tinham
outra possibilidade de acolhimento (Zaidhaft 1990)
O surgimento do hospital como local voltado para praacuteticas terapecircuticas eacute relativamente
recente datado do final do seacuteculo XVIII quando Howard um filantropo inglecircs desenvolveu
um primeiro estudo denunciando as condiccedilotildees de trabalho hospitalar No mesmo periacuteodo (1775-
1780) a Academia de Ciecircncias da Franccedila designou um meacutedico chamado Tenon para percorrer
hospitais na Europa e elaborar um relatoacuterio examinando os fluxos de trabalho denunciando as
condiccedilotildees de maus tratos enfim relatando o cotidiano hospitalar e contribuindo assim para
gerar reflexotildees sobre a suas funccedilotildees terapecircuticas (Pitta 2003)
Naquela eacutepoca os hospitais devido agraves condiccedilotildees de higiene geravam no seu interior
surtos epidecircmicos dizimadores Eram locais relegados agrave morte de doentes Como bem retrata
Foucault (1981 p 102) ldquo o personagem ideal do hospital ateacute o seacuteculo XVIII natildeo eacute o doente
que eacute preciso curar mas o pobre que estaacute morrendo Eacute algueacutem a que se deve dar os uacuteltimos
cuidados e o uacuteltimo sacramento Esta eacute a funccedilatildeo essencial do hospital Dizia-se correntemente
nesta eacutepoca que o hospital era um morredouro um lugar de morrer E o pessoal hospitalar natildeo
era fundamentalmente destinado a realizar a cura do doente mas conseguir a sua proacutepria
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salvaccedilatildeo Era um pessoal caritativo ndash religioso ou leigo ndash que estava no hospital para fazer uma
obra de caridade que lhe assegurasse a salvaccedilatildeo eternardquo
De forma semelhante no seacuteculo XIX os hospitais existiam na sociedade para atenderem
aos dependentes e necessitados Para agravequeles que natildeo tinham assistecircncia em seus proacuteprios
domiciacutelios O hospital era associado a ideia de abandono e desemparo um local destinado a
acolher doentes sem outra alternativa de cuidados Neste sentido natildeo era um local destinado a
matildees e bebecircs Uma mulher que aceitasse dar agrave luz em um hospital puacuteblico deveria ser
extremamente pobre com problemas mentais ou vivendo na prostituiccedilatildeo e certamente sem
apoio de amigos e familiares Era comum dar agrave luz em casa com o auxiacutelio da parteira e o apoio
dos familiares (Pitta 2003 Ungerer amp Miranda 1999)
As matildees que davam agrave luz em hospitais permaneciam com as crianccedilas aos peacutes do seu
leito Natildeo havendo um local especiacutefico para os bebecircs A origem do primeiro berccedilaacuterio data de
1893 em Paris na Maison drsquoAccouchements da Boulevard de PortRoyal A sua criaccedilatildeo eacute
atribuiacuteda agrave enfermeira chefe da Casa de Partos Mme Henry que tinha como objetivo atender
crianccedilas prematuras consideradas muito fracas ldquoNesse local Mme Henry utilizava uma
geringonccedila criada por Steacutephane Etienne Tarnier para aquecer os bebecircs que chegavam muito
frios Esse aparelho baseado na chocadeira de ovos ganhou o nome de ldquocouveuserdquo ou em
portuguecircs incubadorardquo (Ungerer amp Miranda 1999 p6)
Cerca de dois anos depois Pierre Budin um importante obstetra francecircs passou a dar
continuidade ao atendimento de bebecircs chamando a atenccedilatildeo para faotores como o controle da
temperatura a alimentaccedilatildeo a higiene a presenccedila e o carinho das matildees Tais aspectos passaram
a ser considerados por ele como fundamentais para a sauacutede dos receacutem-nascidos e para a
diminuiccedilatildeo da mortalidade dos bebecircs (Ungerer amp Miranda 1999)
Com o progresso da medicina as preocupaccedilotildees com a assientecircncia aos bebecircs se
ampliaram Com a ampliaccedilatildeo das teacutecnicas voltadas para cura os hospitais passaram a ser
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referecircncia de atendimento para puacuteblico diverso inclusive para o parto Essa nova forma de
atendimento aos pacientes os afastava dos cuidados dos familiares inclusive os receacutem-nascidos
que ficavam distantes das matildees nos berccedilaacuterios
Essa nova forma de atender aos enfermos os retirava de seus lares e de perto de seus
familiares e ateacute mesmo os receacutem-nascidos deveriam ficar longe de suas matildees confinados em
berccedilaacuterios ateacute o momento da alta com o o bjetivo de evitar qualquer tipo de infecccedilatildeo Entretanto
ao final da deacutecada de 1940 pesquisadores comeccedilaram a observar que a separaccedilatildeo matildee-filho
logo apoacutes o nascimento natildeo era positiva para a crianccedila nem como tambeacutem para o
estabelecimento de viacutenculos familiares podendo ocasionar desajustes Voltou-se entatildeo a deixar
a crianccedila proacuteximo a mae desde o nascimento ateacute a alta criando-se o conceito de alojamento
conjunto Este projeto entretanto foi extinto por vaacuterios anos sendo retomado apenas na deacutecada
de 1970 com o apoio de orgazaccedilotildees internacionais como a OMS (Organizaccedilatildeo Mundia de
Sauacutede) e o UNICEF (Fundo das Naccedilotildees Unidas para a Infacircncia) (Ungerer amp Miranda 1999)
De acordo com as Normas Baacutesicas para Alojamento Conjunto do Ministeacuterio da Sauacutede
passaram a ocupar o alojamento conjunto as matildees (na ausecircncia de patologia que impossibilite
ou contra-indique o contato com o receacutem-nascido) e os receacutem-nascidos (com boa vitalidade
capacidade de succcedilatildeo e controle teacutermico a criteacuterio de elemento da equipe de sauacutede
Considerando-se com boa vitalidade os receacutem-nascidos com mais de 2 quilos mais de 35
semanas de gestaccedilatildeo e iacutendice de APGAR maior que 6 no 5deg minuto) (Instituto Nacional de
Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo 1993)
Os receacutem-nascidos que precisam de mais atenccedilatildeo devido ao maior risco de morte satildeo
encaminhados para as Unidades de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) De acordo com o artigo
10 da Portaria GMMS Nordm 930 de 10 de maio de 2012 que define as diretrizes e objetivos para
a organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo integral e humanizada ldquoUTIN satildeo serviccedilos hospitalares voltados para
o atendimento de receacutem-nascido grave ou com risco de morte assim considerados
72
I receacutem-nascidos de qualquer idade gestacional que necessitem de ventilaccedilatildeo mecacircnica
ou em fase aguda de insuficiecircncia respiratoacuteria com FiO2 maior que 30 (trinta por cento)
II receacutem-nascidos menores de 30 semanas de idade gestacional ou com peso de
nascimento menor de 1000 gramas
III receacutem-nascidos que necessitem de cirurgias de grande porte ou poacutes-operatoacuterio
imediato de cirurgias de pequeno e meacutedio porte
IV - receacutem-nascidos que necessitem de nutriccedilatildeo parenteral e
V - receacutem-nascidos que necessitem de cuidados especializados tais como uso de cateter
venoso central drogas vasoativas prostaglandina uso de antibioacuteticos para tratamento de
infecccedilatildeo grave uso de ventilaccedilatildeo mecacircnica e Fraccedilatildeo de Oxigecircnio (FiO2) maior que 30 (trinta
por cento) exsanguineotransfusatildeo ou transfusatildeo de hemoderivados por quadros hemoliacuteticos
agudos ou distuacuterbios de coagulaccedilatildeo (Redaccedilatildeo dada pela PRT GMMS nordm 3389 de
30122013)rdquo
A UTIN poderaacute ser dos tipos II ou III e para a habilitaccedilatildeo em cada niacutevel existe uma seacuterie
de exigecircncias quanto a estrutura de pessoal e tecnologia dos equipamentos
As Unidades de Terapia Intensiva Neonatal satildeo considerados ambientes inoacutespitos nos
quais os receacutem-nascidos satildeo expostos agrave luz intensa e contiacutenua aos ruiacutedos e a procedimentos
cliacutenicos invasivos Aleacutem disso as UTINs satildeo caracterizadas pela presenccedila de equipamentos de
alta tecnologia e devem ter no seu quadro de pessoal uma equipe multidisciplinar capacitada
para oferecer assistecircncia aos pacientes e familiares Os profissionais se deparam com o
sofrimento dos pais os quais podem se sentir amedrontados e ou culpados por terem gerado
um bebecirc fraacutegil ao mesmo tempo em que podem se sentir incapazes de oferecer os cuidados
necessaacuterios agrave sobrevivecircncia do filho (Braga amp Morsch 2003 Lamego Deslandes amp Moreira
2005 Costa amp Padilha 2011)
73
Diante deste cenaacuterio de sofrimento e das prerrogativas da poliacutetica de humanizaccedilatildeo as
matildees tem acesso livre agraves UTINs Natildeo existindo um limite de horaacuterio de visitas como nas
Unidades de Terapia Intensiva estruturadas para adultos (Ministeacuterio da Sauacutede 2004)
O meacutetodo Matildee Canguru proposto em 1978 pelo Dr Edgar Rey Sanabria no Instituto
Materno-Infantil (IMI) de Bogotaacute na Colocircmbia Foi adaptado para a realidade brasileira a partir
de 2002 Este meacutetodo tem como objetivo promover a atenccedilatildeo humanizada ao receacutem-nascido de
baixo peso promovendo um conjunto de accedilotildees de assistecircncia abrangendo os profissionais de
sauacutede o receacutem-nascido e sua famiacutelia (Lamy 2005)
Dentre estas accedilotildees estimula o contato pele a pele precoce entre a matildee e o receacutem-nascido
de baixo peso pelo tempo que for considerado prazeroso e suficiente permitindo a participaccedilatildeo
da matildee no cuidado com o seu filho tambeacutem estimula o aleitamento materno a atenccedilatildeo aos
cuidados teacutecnicos com o bebecirc (manuseio cuidado com ruiacutedos luz e odores no ambiente) e o
envolvimento dos familiares (Baltazar Gomes amp Cardoso 2010)
Apesar do incentivo do Ministeacuterio da Sauacutede estudos apontam alguns impasses a
implantaccedilatildeo de uma assistecircncia humanizada em UTI neonatal devido aos conflitos existentes
no cotidianos de trabalho e adaptaccedilotildees a rotina Aleacutem da existecircncia de condiccedilotildees insatisfatoacuterias
de trabalho relacionadas agrave precariedade de recursos humanos o que pode gerar sobrecarga
emocional e de trabalho Outros fatores mencionados satildeo a fadiga pelo ritmo de trabalho
excessivo o fato de lidar com questotildees de vida e morte as questotildees eacuteticas envolvidas nas
decisotildees sobre o tratamento dentre outras Estas dificuldades apontam para a necessidade
A humanizaccedilatildeo do cuidado neonatal preconiza vaacuterias accedilotildees propostas pelo
Ministeacuterio da Sauacutede baseando-se nas adaptaccedilotildees brasileiras ao Meacutetodo
Canguru (Lamy 2003) para receacutem-nascidos de baixo peso Estas satildeo
voltadas para o respeito agraves individualidades agrave garantia de tecnologia que
permita a seguranccedila do receacutem-nato e o acolhimento ao bebecirc e sua famiacutelia
com ecircnfase no cuidado voltado para o desenvolvimento e psiquismo
buscando facilitar o viacutenculo matildee-bebecirc durante a sua permanecircncia no
hospital e apoacutes a alta (Lamego Deslandes amp Moreira 2005 p 670)
74
ampliar os investimentos nas condiccedilotildees de trabalho adequadas na capacitaccedilatildeo dos gestores e
dos profissionais de sauacutede que trabalham nas UTINs (Lamego Deslandes amp Moreira 2005
Scochi et al 2001)
No estado do Rio Grande do Norte a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco eacute referecircncia
no atendimento agrave gestatildeo de alto risco O subtoacutepico a seguir seraacute dedicado a maternidade o local
escolhido para a realizaccedilatildeo desta pesquisa
31 ndash Maternidade Escola Januaacuterio Cicco
A Maternidade Escola foi idealizada pelo Dr Januaacuterio Cicco um meacutedico que deixou
importantes contribuiccedilotildees para a reorganizaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica no Estado no iniacutecio do
seacuteculo XX como a criaccedilatildeo da Sociedade de Assistecircncia Hospitalar em 1926 No iniacutecio da
deacutecada de 1940 a maternidade jaacute estava pronta para funcionar mas devido a Segunda Guerra
Mundial o local foi ocupado como Quartel General das Forccedilas Aliadas e Hospital de
Campanha Com o final da guerra iniciou-se uma campanha para inauguraccedilatildeo da maternidade
que ocorreu no dia 12 de fevereiro de 1950 (Empresa Brasileira de Serviccedilos Hospitalares 2015)
Atualmente a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco (MEJC) especializada na assistecircncia
materno-infantil eacute Hospital Universitaacuterio e de Ensino e integra o Complexo Hospitalar da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte Funciona como um campo de ensino e aplicaccedilatildeo
praacutetica para profissionais da aacuterea da sauacutede E tem como Missatildeo ldquoPromover a excelecircncia no
atendimento global e humanizado a sauacutede da mulher e do receacutem-nascido e a formaccedilatildeo de
recursos humanos em accedilotildees de aprendizado ensino pesquisa e extensatildeo multiprofissionalrdquo
(EBSERH 2015)
Desde 2013 a MEJC passou a ser administrada pela EBSERH Empresa Brasileira de
Serviccedilos Hospitalares uma empresa puacuteblica vinculada ao Ministeacuterio da Educaccedilatildeo A
maternidade apresenta uma estrutura de Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) com
75
23 leitos (sendo que treze leitos dentre os vinte e trecircs que compotildee a UTIN foram inaugurados
recentemente em janeiro de 2017) correspondendo a 30 do total disponiacutevel no Estado do
RN (UFRN 2017)
Apesar de serem locais dedicados agrave vida a morte faz parte da realidade da maternidade
A UTIN em particular eacute o local com a segunda maior ocorrecircncia de oacutebitos (com a ocorrecircncia
de cerca de 80 mortes por ano) exigindo preparo da equipe de profissionais para lidar com a
morte de pacientes e fornecer assistecircncia aos familiares
De acordo com o Relatoacuterio de Dimensionamento dos Serviccedilos Assistenciais e da
Gerecircncia de Ensino e Pesquisa (2013) a UTI Neonatal da MEJC apresenta uma equipe
multidisciplinar seguindo os criteacuterios contidos na Portaria GMMS Nordm 930 de 10 de maio de
2012 Esta portaria define as diretrizes e objetivos para a organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo integral e
humanizada ao receacutem-nascido grave ou potencialmente grave e os criteacuterios de classificaccedilatildeo e
habilitaccedilatildeo de leitos de Unidade Neonatal no acircmbito do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS)
A portaria estabelece como Equipe miacutenima para UTI II Neonatal (UTIN)
a) 01 (um) meacutedico responsaacutevel teacutecnico com jornada miacutenima de 04 horas diaacuterias com
certificado de habilitaccedilatildeo em Neonatologia ou Tiacutetulo de Especialista em Medicina Intensiva
Pediaacutetrica fornecido pela Sociedade Brasileira de Pediatria ou Residecircncia Meacutedica em
Neonatologia reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo ou Residecircncia Meacutedica em Medicina
Intensiva Pediaacutetrica reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo
b) 01 (um) meacutedico com jornada horizontal diaacuteria miacutenima de 04 (quatro) horas com
certificado de habilitaccedilatildeo em Neonatologia ou Tiacutetulo de Especialista em Pediatria (TEP)
fornecido pela Sociedade Brasileira de Pediatria ou Residecircncia Meacutedica em Neonatologia ou
Residecircncia Meacutedica em Medicina Intensiva Pediaacutetrica reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo
ou Residecircncia Meacutedica em Pediatria reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para cada 10
(dez) leitos ou fraccedilatildeo
76
c) 01 (um) meacutedico plantonista com Tiacutetulo de Especialista em Pediatria (TEP) e com
certificado de habilitaccedilatildeo em Neonatologia ou Tiacutetulo de Especialista em Pediatria (TEP)
fornecido pela Sociedade Brasileira de Pediatria ou Residecircncia Meacutedica em Medicina Intensiva
Pediaacutetrica reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo ou Residecircncia Meacutedica em Neonatologia
ou Residecircncia Meacutedica em Pediatria reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para cada 10
(dez) leitos ou fraccedilatildeo em cada turno
d) 01 (um) enfermeiro coordenador com jornada horizontal diaacuteria de 8 horas com
habilitaccedilatildeo em neonatologia ou no miacutenimo 02 (dois) anos de experiecircncia profissional
comprovada em terapia intensiva pediaacutetrica ou neonatal
e) 01 (um) enfermeiro assistencial para cada 10 (dez) leitos ou fraccedilatildeo em cada turno
f) 01 (um) fisioterapeuta exclusivo para cada 10 leitos ou fraccedilatildeo em cada turno
g) 01 (um) fisioterapeuta coordenador com no miacutenimo 02 anos de experiecircncia
profissional comprovada em unidade terapia intensiva pediaacutetrica ou neonatal com jornada
horizontal diaacuteria miacutenima de 06 (seis) horas
h) teacutecnicos de enfermagem no miacutenimo 01 (um) para cada 02 (dois) leitos em cada
turno
i) 01 (um) funcionaacuterio exclusivo responsaacutevel pelo serviccedilo de limpeza em cada turno
j) 01 (um) fonoaudioacutelogo disponiacutevel para a unidade
Um mesmo profissional meacutedico poderaacute acumular a responsabilidade teacutecnica e o papel
de meacutedico com jornada horizontal previstos nos incisos I e II do caput O coordenador de
fisioterapia poderaacute ser um dos fisioterapeutas assistenciais
Para a classificaccedilatildeo da UTIN II existem uma seacuterie de criteacuterios preconizados na Portaria
GMMS Nordm 930 de 10 de maio de 2012 dentre estes a disponibilidade de assistecircncia
psicoloacutegica no hospital A MEJC apresenta psicoacutelogas hospitalares no seu quadro de
77
funcionaacuterios e uma em particular que atende agraves demandas da UTI Neonatal incluive
fornecendo apoio aos familiares dos receacutem-nascidos
Apoacutes a caracterizaccedilatildeo da equipe que compotildee a UTIN da maternidade iremos no
proacuteximo subtoacutepico contemplar aspectos referentes a atuaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede na era
da teacutecnica e diante da morte de pacientes
32 ndash O profissional de sauacutede diante da morte de pacientes
No capiacutetulo anterior vimos de forma breve sobre a ontologia do cuidado
Compreendemos que para Heidegger (1927 2015) o cuidado eacute uma forma de ser com o outro
e que o ser-no-mundo existe em relaccedilatildeo com os outros entes O cuidado eacute portanto inerente a
condiccedilatildeo do dasein e ele pode ocorrer de duas formas pela ocupaccedilatildeo e pela preocupaccedilatildeo A
ocupaccedilatildeo acontece pelo manuseio de objetos e a preocupaccedilatildeo quando envolve outros daseins
inclusive o proacuteprio indiviacuteduo
O modo de preocupaccedilatildeo pode ser substitutivo ou antepositivo No modo substitutivo o
cuidador toma as decisotildees pela pessoa que estaacute sendo cuidada eacute considerado um modo inferior
de cuidado por natildeo resgatar a liberdade do ser a sua condiccedilatildeo de escolher entre as varias
possibilidades que vem ao seu encontro Vale salientar que por ser considerado como modo
inferior natildeo significa que o cuidado substitutivo deva ser inexistente No cotidiano este modo
de cuidado se faz necessaacuterio O modo antepositivo por sua vez devolve ao outro a sua
responsabilidade de ser auxilia nos seus processos de escolha
Estes termos de cuidado e cuidador estatildeo muito presentes na aacuterea de sauacutede e outra
nomenclatura bastante utilizada eacute assistecircncia O modelo meacutedico de assistecircncia propotildee a
racionalidade na conduta terapecircutica baseada no binocircmio mentecorpo na separaccedilatildeo entre a
doenccedila e o doente primando pela anaacutelise objetiva das doenccedilas e pela obtenccedilatildeo da cura
(Rebouccedilas 2015)
78
Ao isolar a doenccedila do doente e priorizar as relaccedilotildees de causa e efeito o olhar para os
pacientes e seus familiares enquanto pessoas passando por dificuldades natildeo eacute preponderante
na atuaccedilatildeo profissional natildeo eacute visto como central para a compreensatildeo do ser-doente enquanto
ser-no-mundo diante de possibilidades limitadas
Este modelo baseado na racionalidade meacutedica mostra-se contraditoacuterio para a busca de
um atendimento humanizado Falar de atendimento humanizado para seres humanos que
cuidam de outros seres humanos eacute tambeacutem por si soacute contraditoacuterio Eacute como lembrar que algo
foi perdido que doenccedila e doente estatildeo de fato separados e o paciente natildeo pode ser tratado
como coisa objeto
O discurso da humanizaccedilatildeo nos faz lembrar que no caminho da teacutecnica em meio ao
pensamento calculante pouco se tem refletido sobre o sentido do ser para o ser que adoece
Agora imaginemos esta situaccedilatildeo para um ser que chegou ao mundo de forma tatildeo fragilizada e
que ainda natildeo utiliza a linguagem verbal para expressar as suas vontades Mas que desde o
nascimento eacute um ser-no-mundo e um ser-para-a-morte E eacute um ser que vem ao mundo
enquanto projeto e tambeacutem como parte da vida de outros seres que construiacuteram sonhos e
expectativas
Se a assistecircncia oferecida ao receacutem-nascido e seus familiares for apenas da ordem da
medicalizaccedilatildeo manuseio de equipamentos sem a devida orientaccedilatildeo e explicaccedilatildeo sobre o estado
de sauacutede do bebecirc para os seus pais inclusive mencionando as intecorrecircncias e os detalhes sobre
o tratamento estamos falando apenas a respeito de um cuidado substitutivo Como Heidegger
(1927 2015) comentou trata-se de uma forma de cuidado inferior mas eacute uma forma de
cuidado por vezes necessaacuteria O que natildeo poderia acontecer eacute esta forma de cuidado ser a uacutenica
ser preponderante na assistecircncia aos pacientes e familiares
Um exemplo disto eacute que mesmo quando o acesso dos pais as UTINs eacute incentivado
algumas dificuldades como o medo a inseguranccedila e o estresse na relaccedilatildeo dos pais com o bebecirc
79
apontam a necessidade de ampliar os cuidados dirigidos agraves famiacutelias As praacuteticas em UTIs
Neonatais satildeo permeadas por conflitos e negociaccedilotildees constituindo um desafio agrave construccedilatildeo de
um modelo assistencial humanizado que alie diferentes tecnologias respeito e acolhimento agraves
necessidades de pacientes e profissionais (Lamego Deslandes amp Moreira 2005)
Estas dificuldades se ampliam no caso da morte de pacientes Enquanto ser-no-mundo
a morte apresenta-se para o homem como uma possibilidade de natildeo mais poder de natildeo mais
estar aqui Uma possibilidade que se apresenta ao ser desde o nascimento o que torna o homem
um ser-para-a-morte que reflete sobre a sua proacutepria finitude e sobre a morte do outro
(Heidegger 1927 2015)
Satildeo muitos os desafios enfrentados pelos profissionais de sauacutede agraves dificuldades no
cotidiano do trabalho somam-se o fato de vivenciarem situaccedilotildees de eminencia de morte ou da
morte em si dos pacientes A falta de autonomia apresenta um peso neste processo em razatildeo do
que natildeo eacute dito aos pacientes e familiares E o natildeo dito tambeacutem incomoda aflige ou distancia
paralisa neutraliza A morte por assim dizer apresenta-se como uma grande dificuldade
enfrentada pelos profissionais tanto pela vivecircncia do sofrimento como pela impotecircncia diante
da organizaccedilatildeo do sistema hospitalar (Costa Lima 2005 Bernieri Hirdes 2007 Poles Bolso
2006)
Elizabeth Kluber-Ross (1969 1996) realizou pesquisas pioneiras com pacientes
proacuteximos a morte levando a reflexotildees importantes sobre as atitudes dos profissionais de sauacutede
diante da morte de pacientes relatando que muito pode ser feito nos momentos em que pelo
prisma da racionalidade meacutedica se supotildee que ldquonatildeo haacute mais nada a fazerrdquo A referida autora ao
abordar esta temaacutetica reconhece que o conhecimento teoacuterico eacute importante mas natildeo eacute suficiente
propondo que deveria se trabalhar com o coraccedilatildeo e a alma Tambeacutem traz reflexotildees em relaccedilatildeo
aos membros da famiacutelia do paciente terminal afirmando que os mesmos merecem cuidados e
orientaccedilatildeo para evitar que adoeccedilam
80
Vaacuterios estudos que utilizam a abordagem fenomenoloacutegica apontam as dificuldades
apresentadas pelos profissionais de sauacutede diante da morte de pacientes Sentimentos de perda
tristeza impotecircncia culpa raiva foram relatados em pesquisas realizadas com enfermeiros
como presentes de forma recorrente no ambiente de trabalho (Saines 1997 Shorter amp Stayt
2009 Wong Lee amp Lee 2000 Seno 2010)
Outro sentimento vivenciado pelos profissionais de enfermagem foi denominado como
um conflito em relaccedilatildeo ao uso do tempo a escolha entre acompanhar um paciente que estaacute
morrendo e precisa de apoio e atender agraves necessidades dos outros pacientes Os profissionais
sentem-se impotentes dividindo seu tempo entre estas demandas o que pode levar a
manifestaccedilatildeo de outros sentimentos como culpa frustraccedilatildeo e raiva (Hopkinson Hallett amp
Luker 2003)
Em pesquisa realizada sobre o papel do meacutedico no enfrentamento do processo de morte
de pacientes foram identificadas cinco atitudes ou papeacuteis desejados associados ao
comportamento do meacutedico perante o paciente agrave morte evitar a chegada da morte promover
qualidade de vidamorte dar suporte emocional e estabelecer uma comunicaccedilatildeo transparente
com a famiacutelia ficar ateacute o fim com o paciente seguir a rotina sem se abalar com o oacutebito (Silva
2006)
Em estudo realizado com meacutedicos diante da morte de pacientes foi constatado que estes
profissionais ldquoconvivem com a morte com sentimento de estranheza e natildeo com uma disposiccedilatildeo
de familiaridade como seria natural pensar afinal lidam com a possibilidade de morte mais
frequentemente que os leigos devido ao seu ofiacutecio Diriacuteamos que eles tecircm a possibilidade mais
presente da morte pela proacutepria natureza do seu trabalho cotidiano Ao serem questionados
sobre a morte de pacientes os meacutedicos buscavam desviar do assuntordquo E ao relatarem sobre
os sentimentos diante da morte revelavam frustraccedilatildeo tristeza desconforto (Mello amp Silva
2012 p 54)
81
Como relatado anteriormente os profissionais se sentem desconfortaacuteveis e frustrados
diante da morte de pacientes o momento de comunicar este fato para os familiares eacute por assim
dizer muito delicado De acordo com pesquisa realizada com meacutedicos e familiares sobre a
comunicaccedilatildeo do oacutebito de pacientes foi constatado que a maioria das famiacutelias ficou sabendo do
oacutebito por telefone (747) Cinco famiacutelias (47) descobriram o oacutebito quando foram visitar o
paciente demonstrando insatisfaccedilatildeo com a situaccedilatildeo (Starzewski Jr Rolin amp Morrone 2005)
Quando os profissionais que comunicam a morte de pacientes foram questionados
925 relataram que apresentam dificuldades para falar com os familiares sobre o assunto
Apenas quatro profissionais (75) acharam que natildeo existem dificuldades para falar com
familiares sobre o tema Enfrentar a morte de pacientes no cotidiano de trabalho apresentou-se
como algo difiacutecil de lidar pela falta de preparo pelo desgaste emocional A situaccedilatildeo torna-se
ainda mais complicada diante dos casos de morte suacutebita e do falecimento de crianccedilas A morte
precoce causa um estresse emocional imenso em todos que atendem pais familiares e
profissionais de sauacutede A morte de uma crianccedila foi considerada mais sofrida que a de um adulto
(Starzewski Jr Rolin amp Morrone 2005)
Dentre os profissionais de sauacutede o psicoacutelogo tambeacutem se depara com a realidade de
oferecer suporte para os pacientes familiares e para os colegas de trabalho Na sua atuaccedilatildeo o
psicoacutelogo de sauacutede-hospitalar prima por oferecer a oportunidade para o paciente expressar as
suas emoccedilotildees de modo que encontre a melhor maneira de lidar com as limitaccedilotildees impostas
pela doenccedilahospitalizaccedilatildeo Aleacutem de proporcionar a abertura necessaacuteria para que o paciente
possa dar significado a sua doenccedila dentro do seu contexto de vida reconhecendo-o enquanto
um ser provido de emoccedilotildees e sentimentos os quais interferem no seu comportamento
(Medeiros amp Lustosa 2011)
O estudo realizado por Morais amp Nobre (2013) eacute dedicado agrave praacutetica de psicoacutelogos em
oncologia pediaacutetrica e traz importantes reflexotildees sobre a atuaccedilatildeo destes profissionais em meio
82
ao estigma do cacircncer associado ao sofrimento e agrave morte Um elemento que se apresenta na
praacutetica cotidiana destes profissionais eacute a iminecircncia de morte de crianccedilas que tende a afetar mais
do que a morte de adultos Diante deste cenaacuterio os psicoacutelogos enquanto profissionais que
promovem o cuidado dos pacientes familiares e colegas de trabalho tambeacutem sentem a
necessidade de cuidar de proacuteprios ldquoA praacutetica gera a necessidade de um cuidado de si mesmo
a delimitaccedilatildeo e o cultivo de um espaccedilo para si mesmo o reconhecimento de limites e a luta por
um espaccedilo de cultivo do oacuteciordquo (p 405)
Quando se trata da assitecircncia em UTI Neonatal o psicoacutelogo oferece o suporte aos
familiares do receacutem-nascido que chegam fragilizados e com muitas expectativas em relaccedilatildeo agrave
alta hospitalar do seu filho De acordo com Baltazar Gomes amp Cardoso (2010) a atuaccedilatildeo do
psicoacutelogo em UTI Neonatal ldquoimplica na organizaccedilatildeo de uma proposta de rotina e participaccedilatildeo
quotidiana nos acontecimentos do serviccedilo numa proposta que natildeo se restrinja a pareceres
psicoloacutegicos mas na abordagem regular das famiacutelias e seus bebecircsrdquo (p 16)
As situaccedilotildees de morte e luto exigem que o profissional de psicologia ofereccedila suporte
aos familiares dos pacientes e agraves vezes para a proacuteprios colegas de trabalho envolvidos com os
sentimentos de frustraccedilatildeo e tristeza A morte apresenta-se como um fato recorrente no cotidiano
de trabalho destes profissionais Um tema que merece ser estudado aponto de ganhar espaccedilo
para ser abordado durante os cursos de graduaccedilatildeo e formaccedilatildeo profissional
Diante das reflexotildees presentes nos primeiros capiacutetulos o presente estudo segue
contemplando o caminho realizado pelo pesquisador em direccedilatildeo ao objetivo da pesquisa
83
Capiacutetulo 4 ndash Meacutetodo A escolha do caminho
ldquoO Pintor a Caminho do Trabalhordquo Van Gogh 1888
84
Capiacutetulo 4 ndash Meacutetodo A escolha do caminho
Falar sobre meacutetodo implica sobretudo na escolha do caminho que se quer seguir
enquanto pesquisador No caminho eacute possiacutevel admirar a paisagem olhar novos horizontes
compreender o fenocircmeno Eacute no percurso que ocorrem os encontros entre as indagaccedilotildees
anteriores e a experiecircncia relatada pelo participante entre as ideias preconcebidas e o mundo
real expresso por meio da narrativa A escolha do caminho por assim dizer direciona o olhar
sobre a pesquisa
Na tentativa de escolha do meu caminho convidei o gato do paiacutes das maravilhas para
um diaacutelogo inspirado na reflexatildeo e no questionamento Onde quero chegar Qual a minha
questatildeo central Qual o objetivo da minha pesquisa A questatildeo central surgiu do olhar para a
praacutetica da minha experiecircncia em instituiccedilotildees hospitalares Ao verificar que os profissionais de
sauacutede enfrentam muitos desafios e dificuldades no ambiente de trabalho dentre estas a vivecircncia
da morte do outro O objetivo da pesquisa estaacute estruturado portanto da seguinte forma
compreender a experiecircncia de profissionais que atuam em Unidades de Terapia Intensiva
Neonatal
Escolhido o objetivo passei a olhar para o caminho Para compreender eacute preciso ouvir
atentamente o outro ver o contexto detalhado em forma de histoacuteria de acontecimentos narrados
e repletos de sentidos e significados Compreender eacute diferente de avaliar de generalizar dados
com base no olhar para a superfiacutecie A escolha do caminho de pesquisa me levou a percorrer
uma estrada em que era possiacutevel observar os detalhes por meio de um olhar proacuteximo ao
fenocircmeno
Podes dizer-me por favor que caminho devo seguir para sair
daqui
Isso depende muito de para onde queres ir - respondeu o gato
Preocupa-me pouco aonde ir - disse Alice
Nesse caso pouco importa o caminho que sigas - replicou o
gato
Lewis Carroll
85
Este olhar para o fenocircmeno buscando ver o que estaacute aleacutem das aparecircncias foi possiacutevel
com a inspiraccedilatildeo proporcionada pela fenomenologia Enquanto concepccedilatildeo filosoacutefica a
fenomenologia traz em seu cerne reflexotildees profundas para o pesquisador que se propotildee a
realizar um estudo voltado para a compreensatildeo dos fenocircmenos
A fenomenologia aquela fundamentada nos preceitos de Heidegger (1927 2015)
busca o entendimento do ser humano enquanto ser-aiacute Dasein um ser que tem capacidade de
questionar interrogar sobre o seu proacuteprio ser aleacutem de ter a consciecircncia sobre a sua finitude
Heidegger (1927 2015) propotildee uma compreensatildeo do homem enquanto ser-no-mundo
aberto a possibilidades que vive em relaccedilatildeo com os outros e na manualidade das coisas
simplesmente dadas Um ser que eacute mundo que constroacutei o seu mundo envolvido em uma trama
de sentidos e significados mutaacuteveis passageiros Um ser que tem a linguagem enquanto
morada que permite a expressatildeo dos sentidos Compreender esse ser envolve portanto desde
o princiacutepio ouviacute-lo entendecirc-lo considerando o olhar que tem sobre a vida e cientes de que a
experiecircncia humana eacute uma fluidez constante Natildeo existe portanto a seguranccedila e o controle
como premissas
Diante do exposto pode-se mencionar que a escolha da fenomenologia fundamentada
nas ideias de Heidegger deve-se ao fato da mesma orientar o entendimento do ser humano
a fenomenologia natildeo nasceu como um meacutetodo tal qual como as ciecircncias e
teacutecnicas modernas o supotildeem (como rigorosa prescriccedilatildeo de procedimentos e
instrumentais) mas grosso modo como um questionamento da dissoluccedilatildeo da
filosofia no modo cientiacutefico de pensar da loacutegica inerente agraves ciecircncias modernas
como criacutetica da metodologia de conhecimento cientiacutefico que rejeita do acircmbito do
real e do proacuteprio conhecimento tudo aquilo que natildeo possa estar submetido agrave estrita
noccedilatildeo de verdade [enquanto verificaacutevel por um meacutetodo] de sujeito cognoscente
e de objeto cognosciacutevel (Critelli 1996 p 7)
86
enquanto ser-aiacute dasein um ser que tem como tarefa cuidar de si proacuteprio e construir-se no
mundo (Heidegger 19271989)
A fenomenologia hermenecircutica heideggeriana eacute um modo de ver o mundo E serviu
como inspiraccedilatildeo para a compreensatildeo da experiecircncia dos profissionais de sauacutede atuantes na UTI
Neonatal A busca desta compreensatildeo estava ancorada portanto na orientaccedilatildeo desta filisofia
que traz conceitos relevantes particularmente para a temaacutetica do presente estudo como o ser-
para-a-morte o ser-no-mundo a anguacutestia e o cuidado
Aleacutem disso o referencial fenomenoloacutegico ao abordar a experiecircncia contempla a
existecircncia considerando que o ser humano somente se constitui enquanto tal existindo no
mundo Esta compreensatildeo da existecircncia considera que o caminhante transforma-se a medida
que caminha Como nos inspira Critelli (1996 p 80) ldquoA existecircncia eacute erupccedilatildeo e transformaccedilatildeo
inesgotaacuteveis Daiacute se fala em existecircncia como vir-a-ser o que eacute ou o que estaacute sendo estaacute vindo
a serrdquo
Olhar para o fenocircmeno com este referencial implica em considerar que os profissionais
de sauacutede modificaram-se ao longo da sua jornada Eles fizeram escolhas enfrentaram desafios
vivenciaram perdas e momentos alegres e podem ter modificado a sua visatildeo de mundo ao longo
da jornada De forma similar o pesquisador tambeacutem modifica a sua compreensatildeo sobre o
fenocircmeno As ideias iniciais podem ser contempladas ou mesmo desconsideradas diante dos
encontros com novas perspectivas sobre o fenocircmeno
A pesquisa fenomenoloacutegica considera que ldquoinvestigar eacute sempre colocar em andamento
uma interrogaccedilatildeordquo (Critelli 1996 p27) Em meio aos encontros com os participantes o
fenocircmeno se apresenta e se desvela a partir dos sentidos e interpretaccedilotildees do pesquisador
Ao considerar que a experiecircncia de cada participante eacute uacutenica que a existecircncia eacute singular
o referencial da fenomenologia natildeo defende uma verdade absoluta para os fenecircmenos A
verdade eacute relativa A compreensatildeo sobre a existecircncia eacute referente ao momento da pesquisa e
87
considera um horizonte histoacuterico especiacutefico que dita normas valores e formas de ver o mundo
Por assim dizer em um novo encontro o participante pode resignificar a sua experiecircncia
desvelar novos sentidos para a sua existecircncia
A fenomenologia propotildee uma criacutetica ao modelo metafiacutesico que busca uma relaccedilatildeo de
causa e efeito e a verdade absoluta para o que foi pesquisado Escolher esta orientaccedilatildeo para
realizar pesquisa natildeo significa entendecirc-la enquanto uma metodologia mas sim de uma forma
mais ampla como um modo de ver o mundo e compreender os fenocircmenos
A partir da compreensatildeo do meacutetodo com um caminho a ser percorrido de ora em diante
seratildeo apresentadas as formas escolhidas para trilhar este caminho ou seja como as informaccedilotildees
sobre os participantes foram obtidas e posteriormente como buscou-se a compreensatildeo diante
do que foi narrado
41-Participantes da pesquisa
A pesquisa teve como participantes profissionais de sauacutede atuantes na UTI Neonatal da
Maternidade Escola Januaacuterio Cicco A definiccedilatildeo dos participantes ocorreu de forma intencional
considerando a disponibilidade dos profissionais em participar Pretendeu-se inicialmente
contemplar pelo menos um representante de cada formaccedilatildeo profissional necessaacuteria para a
estruturaccedilatildeo de uma equipe de UTI Neonatal
Vale salientar que o interesse da pesquisa natildeo estaacute no nuacutemero expressivo de
participantes mas sim no conteuacutedo de sua experiecircncia Desta forma foram realizadas nove
entrevistas com profissionais de sauacutede de diferentes especialidades meacutedicos enfermeiros
teacutecnicos de enfermagem fisioterapeutas psicoacutelogo e assistente social (Turato 2005)
Os participantes apresentavam idade compreendida entre a faixa etaacuteria de 25 anos a 45
anos Quanto ao tempo de atuaccedilatildeo na UTI neonatal existiram profissionais que atuam a mais
de 20 anos e outros que vieram de diferentes locais de trabalho como de um hospital geral e
88
estatildeo trabalhando na UTI neonatal haacute aproximadamente 3 anos oriundos do concurso da
EBSERH
A equipe da UTI Neonatal eacute muldiciplinar No mecircs em que foram realizadas as
entrevistas possuiacutea o seguinte quantitativo de pessoal 8 fisioterapeutas 21 enfermeiros 28
meacutedicos 1 psicoacutelogo 1 assistente social 1 terapeuta ocupacional 2 fonodioacutelogos e 49 teacutecnicos
de enfermagem
42-Criteacuterios de Inclusatildeo e Exclusatildeo
Foram convidados a participar do estudo os profissionais de sauacutede atuantes na UTI-
Neonatal contemplando as diferentes formaccedilotildees necessaacuterias agrave formaccedilatildeo de uma equipe
multidisciplinar (meacutedicos enfermeiros teacutecnicos de enfermagem psicoacutelogos fisioterapeutas) e
que tiveram disponibilidade e interesse para participar da pesquisa Os criteacuterios de inclusatildeo
delimitados foram trabalhar na UTI Neonatal ter algum tipo de formaccedilatildeo (seja esta teacutecnica ou
de niacutevel superior)
Como criteacuterio de exclusatildeo foi definida a ausecircncia de formaccedilatildeo (de graduaccedilatildeo ou teacutecnica
para o exerciacutecio da funccedilatildeo) ou seja os estudantes que fazem estaacutegio ou residecircncia na
Maternidade Escola natildeo participaram do estudo Natildeo foram considerados como criteacuterios de
exclusatildeo a idade sexo o tempo de formaccedilatildeo profissional e o tempo de atuaccedilatildeo na Unidade de
Terapia Intensiva Neonatal
Por se tratar de um estudo que tem inspiraccedilatildeo na fenomenologia hermenecircutica
heideggeriana considerou-se a experiecircncia de cada participante como uacutenica Por assim dizer a
idade o tempo de atuaccedilatildeo na UTI Neonatal natildeo se apresentam como aspectos relevantes para
a compreensatildeo da experiecircncia dos participantes nem tatildeo pouco para servir como referecircncia a
tiacutetulo de comparaccedilatildeo entre as narrativas Pelos motivos expostos estes criteacuterios natildeo foram
considerados para a interpretaccedilatildeo das entrevistas
89
43-Aspectos eacuteticos
O presente estudo foi submetido e aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica da UFRN
Universidade Federal do Rio Grande do Norte com a anuecircncia da Maternidade Escola Januaacuterio
Cicco (CAAE 68533517000005537) Antes do iniacutecio de cada entrevista foi apresentado o
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para os profissionais que desejaram
participar Neste termo constam os riscos e benefiacutecios envolvidos na participaccedilatildeo da pesquisa
(termo apresentado em anexo) Nos casos de concordacircncia na participaccedilatildeo tambeacutem foi
solicitada a assinatura do Termo de Autorizaccedilatildeo para Gravaccedilatildeo de Voz (termo apresentado em
anexo)
As entrevistas foram realizadas em uma sala reservada na Maternidade Escola Januaacuterio
Cicco no horaacuterio mais conveniente para os entrevistados de forma que natildeo comprometeu o
desenvolvimento das atividades laborais
Por se tratar de uma pesquisa realizada com profissionais de uma uacutenica instituiccedilatildeo a
preocupaccedilatildeo com as questotildees eacuteticas foi muito aleacutem da assinatura do TCLE envolveu um
cuidado para a preservaccedilatildeo do sigilo quanto agrave identidade dos participantes de forma que eles
pudessem expressar as suas opiniotildees seus pontos de vista espontaneamente sem receio de
alguma represaacutelia por parte da instituiccedilatildeo ou mesmo dos colegas de trabalho
Como outra alternativas para o cumprimento com o sigilo foram adotados nomes
fictiacutecios para as participantes Tais como as flores que trazem beleza ao ambiente e ao mesmo
tempo deixam frutos e sementes por onde passam as participantes da pesquisa se dedicam para
tornar o ambiente da UTI Neonatal mais acolhedor e leve apesar do solo aacuterido de um trabalho
com o limiar da vida As flores nos inspiraram assim a denominar as participantes como
Rosa Margarida Orquiacutedea Tulipa Iacuteris Angeacutelica Violeta Amariacutelis e Girassol
90
44- Formas de trilhar o caminho
Para chegar ateacute os participantes foram cumpridas todas as exigecircncias necessaacuterias quanto
agrave parte burocraacutetica Inicialmente o projeto de tese foi submetido agrave avaliaccedilatildeo da Gerecircncia de
Pesquisa da MEJC Com a anuecircncia da maternidade o projeto foi submetido ao Comitecirc de Eacutetica
da UFRN Apoacutes a aprovaccedilatildeo no referido Comitecirc de Eacutetica foi realizado um novo contato com
a Gerecircncia de Pesquisa da MEJC para enviar a documentaccedilatildeo de aprovaccedilatildeo e solicitar o crachaacute
de acesso agraves instalaccedilotildees da maternidade conforme orientado anteriormente Cumprida esta
etapa foi agendada uma reuniatildeo com a enfermeira chefe da UTI Neonatal para explicar sobre
a pesquisa
Apoacutes a reuniatildeo a pesquisadora foi apresentada a alguns profissionais da UTI Neonatal
dentro das instalaccedilotildees da UTIN quando uma profissional questionou se poderia ser entrevistada
naquele momento demonstrando bastante interesse pela pesquisa Diante da solicitaccedilatildeo como
a pesquisadora estava com todo o material necessaacuterio (TCLE Termo de Gravaccedilatildeo de Voz
gravador) as entrevistas se iniciaram naquele mesmo dia
Apoacutes a primeira entrevista jaacute havia outra profissional interessada Assim as entrevistas
narrativas foram sendo agendadas tendo como caracteriacutestica a procura espontacircnea das
profissionais e de acordo com a disponibilidade dos mesmos As entrevistas ocorreram ao longo
do mecircs de julho de 2017 em uma sala dentro da UTIN da MEJC destinada ao atendimento de
matildees ou a reuniotildees dos profissionais de sauacutede
A entrevista narrativa foi utilizada na presente pesquisa por permitir o acesso ao
fenocircmeno agrave histoacuteria contada pelo narrador da forma como ele a compreende e vivencia A
narrativa se apresenta como uma expressatildeo da compreensatildeo Atraveacutes da narrativa o
participante relata o que considera relevante para a sua trajetoacuteria vivencial contada por meio
de fatos acontecimentos e afetos (Dutra 2002)
91
A narrativa contempla a experiecircncia narrada pelo participante e ouvida pelo
pesquisador que ao relatar o que ouviu se torna outro narrador o qual conta a histoacuteria a partir
da compreensatildeo que teve do fenocircmeno O pesquisador assume portanto uma postura ativa
durante todo o processo de conduccedilatildeo do estudo (Benjamim 2008 Dutra 2002)
Desta forma o pesquisador pode direcionar a entrevista agrave temaacutetica que for do seu
interesse e o participante torna-se o narrador da sua proacutepria experiecircncia Como natildeo existe uma
busca pela verdade universal dos fatos e sim uma compreensatildeo do fenocircmeno para a pessoa que
o vivenciou a narrativa contribui para o intuito da fenomenologia de retornar ldquoagraves coisas
mesmasrdquo como satildeo na forma que se desvelam para o mundo (Dutra 2016)
A narrativa por assim dizer reflete a experiecircncia humana como ela foi vivenciada e
resignificada pelo narrador e a fenomenologia busca compreender o fenocircmeno experienciado
pelo participante Diante do exposto a entrevista narrativa foi utilizada tendo como questatildeo
disparadora
ldquoVocecirc poderia me falar a respeito da sua experiecircncia enquanto profissional de sauacutede em UTI
Neonatalrdquo
42- Orientaccedilatildeo para a interpretaccedilatildeo
A interpretaccedilatildeo das narrativas ocorreu agrave luz da hermenecircutica heideggeriana Heidegger
buscou inspiraccedilatildeo na hermenecircutica para a estruturaccedilatildeo de uma nova forma de pensar a
fenomenologia A origem da palavra hermenecircutica remete a Hermes o deus mediador que na
Greacutecia Antiga era conhecido como o mensageiro o responsaacutevel pela origem da linguagem
verbal e escrita aquele que fazia a traduccedilatildeo da linguagem dos deuses para a linguagem humana
Desde a Greacutecia Antiga valorizava-se a arte de interpretar as palavras Mas foi somente no
seacuteculo XVII que se passou a utilizar a denominaccedilatildeo de hermenecircutica em referecircncia agrave ciecircncia
da interpretaccedilatildeo (Rohden 2012)
92
Para Heidegger a hermenecircutica tambeacutem eacute considerada como sinocircnimo de interpretaccedilatildeo
utilizando-se do mesmo conceito da Greacutecia Antiga Heidegger entende que o ser humano
sempre interpreta e isto faz parte da existecircncia da sua relaccedilatildeo com o mundo No livro Ser e
Tempo o referido autor dedica-se a compreender a questatildeo do ser e passa a definir o ser humano
como dasein como ser-aiacute temporal e histoacuterico caracterizado por uma abertura (Heidegger
19272015)
Esta abertura ocorre por meio de trecircs existenciais propostos por Heidegger a disposiccedilatildeo
afetiva (befindlickeit) a compreensatildeo e a linguagem Inicialmente o dasein se abre para o
mundo por um estado de acircnimo uma disposiccedilatildeo afetiva algo que comove que desperta o
interesse do ser O fato de estar no mundo faz com os seres sejam sempre afetados pelas coisas
que acontecem no mundo e esta afetaccedilatildeo pode ocorrer por meio de humores positivos como
tambeacutem por estados de acircnimos distintos como o teacutedio e a indiferenccedila que iratildeo permitir a
abertura do ser para o mundo de outro modo
A compreensatildeo eacute apresentada por Heidegger como outro existencial para abertura do
ser como caracteriacutestica fundamental da existecircncia humana uma vez que o ser-aiacute eacute um poder-
ser aberto a possibilidades Um ser de projetos que interage com o mundo com as
possibilidades escolhas e responsabilidades A compreensatildeo eacute o poder-ser a possibilidade de
ser algo para os outros e principalmente para si mesmo Heidegger (1989 p 200) entende a
compreensatildeo como ldquoo ser existencial do proacuteprio poder-ser da pre-senccedila de tal maneira que em
si mesmo esse ser abre e mostra a quantas anda seu proacuteprio serrdquo
A elaboraccedilatildeo do projeto da compreensatildeo por sua vez eacute definida por Heidegger como
interpretaccedilatildeo Interpretaccedilatildeo e compreensatildeo natildeo satildeo entendidas pelo referido autor como etapas
separadas mas como intriacutensecas ao entender humano A compreensatildeo revela a abertura para as
possibilidades que ganham forma por meio da interpretaccedilatildeo
93
A compreensatildeo eacute expressa por meio da linguagem verbal e natildeo-verbal e a expressatildeo
da linguagem pode gerar uma nova interpretaccedilatildeo do que foi vivido E o homem se expressa por
meio do discurso Segundo Heidegger (2003 p 203)
ldquo falar eacute por si mesmo escutar Falar eacute escutar a linguagem que falamos O falar natildeo
eacute ao mesmo tempo mas antes uma escuta Esta escuta da linguagem precede da
maneira mais insuspeita todas as demais escutas possiacuteveis Natildeo falamos simplesmente
a linguagem Falamos a partir da linguagemrdquo
Como relatado anteriormente a narrativa promove para o narrador uma reflexatildeo sobre
os acontecimentos e uma ressignificaccedilatildeo das experiecircncias para o ouvinte a possibilidade de
gerar uma compreensatildeo do que foi narrado considerando a forma como este interpreta o mundo
Os existenciais definidos por Heidegger fundamentam a relaccedilatildeo do ser-com o mundo e
compotildee uma circularidade onde nada estaacute pronto e acabado onde natildeo existe uma verdade
absoluta e o ser-no-mundo eacute o ser-aiacute inserido em uma temporalidade e em um contexto
histoacuterico especiacutefico
Congruente com a ideia de circularidade Heidegger propotildee o ciacuterculo hermenecircutico que
compreende trecircs estados natildeo-lineares indissociaacuteveis a posiccedilatildeo preacutevia a visatildeo preacutevia e a
concepccedilatildeo preacutevia Conforme apresentado na figura a seguir
Figura 2 - O ciacuterculo hermenecircutico
Posiccedilatildeo Preacutevia
Visatildeo PreacuteviaConcepccedilatildeo
Preacutevia
Abertura Disposiccedilatildeo
compreensatildeo linguagem
(Azevedo 2013 Maux 2014)
94
A posiccedilatildeo preacutevia apresenta o conhecimento anterior do pesquisador (as leituras
realizadas sobre a temaacutetica de estudo os sentidos que levaram ao interesse pela pesquisa a
escuta de outros atores que influenciaram no processo enfim as informaccedilotildees anteriores ao
encontro com os participantes da pesquisa) O pesquisador natildeo vai escutar a narrativa do
participante de forma neutra pois ele eacute um ser-no-mundo envolvido em um contexto histoacuterico
especiacutefico e com um preacute-conhecimento sobre o fenocircmeno que seraacute estudado
A visatildeo preacutevia apresenta-se como possibilidades de compreensatildeo diante do que foi
ouvido do participante Eacute um recorte feito pelo pesquisador a partir de uma abertura uma
disposiccedilatildeo afetiva para a escuta do outro E a concepccedilatildeo preacutevia resgata os conhecimentos
apresentados na posiccedilatildeo preacutevia com o recorte da escuta proveniente da visatildeo preacutevia Eacute a
interpretaccedilatildeo que cria algo novo que torna o ouvinte narrador de uma histoacuteria estruturada com
base na sua compreensatildeo de mundo
A relaccedilatildeo proposta pela hermenecircutica e pela fenomenologia considera o dito e o natildeo
dito ou seja natildeo somente o conteuacutedo anunciado pelo sujeito mas os pressupostos que ele natildeo
anuncia E o pesquisador tem uma postura ativa no processo cabendo a ele as possibilidades
de ver novas perguntas e respostas dependendo da conduccedilatildeo da proacutepria entrevista Esta
abertura e postura ativa do pesquisador possibilita que o mesmo acesse o fenocircmeno buscando
a compreensatildeo da experiecircncia do outro
A anaacutelise e interpretaccedilatildeo do fenocircmeno foi realizada em congruecircncia com a circularidade
hermenecircutica (Heidegger 1927 2015) e teve as suas etapas definidas utilizando como fontes
de inspiraccedilatildeo as propostas de Dutra (2002) Azevedo (2013) e Maux (2014)
-Registro das afetaccedilotildees do pesquisador durante a entrevista Apoacutes a entrevista o
pesquisador descreve aspectos relevantes para o mesmo as afetaccedilotildees e ateacute reflexotildees e
questionamentos tendo com base a visatildeo preacutevia e a posiccedilatildeo preacutevia
-Transcriccedilatildeo da entrevista e posterior releitura do pesquisador
95
-Identificaccedilatildeo de temas que emergem das narrativas como um desvelamento da tramas
da existecircncia de cada participante Os temas retratam aspectos significativos para os
participantes que satildeo contemplados ao longo das narrativas e que afetaram o pesquisador
narrador
-Interpretaccedilatildeo do fenocircmeno com base na concepccedilatildeo preacutevia em que os conhecimentos
anteriores satildeo refletidos junto agraves entrevistas transcritas Nesta etapa o todo da pesquisa eacute
apresentado diante da reflexatildeo do pesquisador para a estruturaccedilatildeo da compreensatildeo do
fenocircmeno
A transcriccedilatildeo eacute uma etapa que consiste na primeira versatildeo das entrevistas que apresenta
a narrativa da forma como foi gravada com as falas do pesquisador e do entrevistado (Maux
amp Dutra 2009 Schmidt 2006)
Apoacutes descrever as etapas para interpretaccedilatildeo das narrativas eacute importante ressaltar que
assim como a obra de Van Gogh ldquoo pintor a caminho do trabalhordquo o pesquisador ao longo do
percurso da pesquisa entra em contato com o fenocircmeno jaacute com uma compreensatildeo preacutevia do
mesmo Ao longo da caminhada surgem novas nuances novas formas de compreender o
fenocircmeno a partir do olhar de quem o vivenciou Como afirma Critelli (1996 p 81) ldquoeacute atraveacutes
do desveladoreveladotestemunhado que os homens se relacionam entre siAgrave medida que as
coisas testemunhadas em comum satildeo elementos de mediaccedilatildeo entre os homens elas estatildeo
instaurando o mundo uma trama significativa comum O mundo se daacute e se recusa aos homens
atraveacutes daquilo com que estatildeo em contato e a respeito do que falamrdquo
A narrativa traz em si os fatos acontecimentos e afetos Apresenta pontos de vista e a
historicidade do ser-no-mundo Oferece a quem narra e a quem ouve a possibilidade de um
encontro e nesse encontro a possibilidade de refletir e resignificar o vivido O proacuteximo capiacutetulo
seraacute dedicado justamente agraves narrativas destes profissionais que se dedicam a cuidar da vida e
buscam formas de lidar com a finitude
96
-Capiacutetulo 5 As narrativas dos participantes os sentidos de ser profissional de sauacutede em
UTI Neonatal
ldquoLast Supperrdquo ldquoA Uacuteltima Ceiardquo Vladimir Kush
97
-Capiacutetulo 5 As narrativas dos participantes os sentidos de ser profissional de sauacutede em
UTI Neonatal
Este capiacutetulo eacute dedicado agraves participantes do estudo as profissionais de sauacutede atuantes
na UTI Neonatal da Maternidade Escola Januaacuterio Cicco homenageadas atraveacutes do quadro
apresentado no iniacutecio do capiacutetulo do pintor surrealista Vladimir Kush As flores reunidas em
torno de uma mesa serviram de inspiraccedilatildeo para falar sobre a experiecircncia das colaboradores que
integram uma equipe multiprofissional Ser profissional de sauacutede eacute tambeacutem ser-com os colegas
de trabalho das diversas aacutereas por assim dizer faz parte do mundo de cada profissional as
relaccedilotildees que constituem com o outro
Assim como as distintas flores ao redor de uma mesa apresentadas no quadro tantas
vezes os profissionais com formaccedilotildees distintas precisam se reunir em torno de um caso em
nome da assistecircncia ao receacutem-nascido e seus familiares Como as flores que compotildee um belo
jardim deixam espaccedilo para a sobrevivecircncia e florescimento das demais o trabalho de cada
integrante da equipe tem a sua relevacircncia e os papeacuteis dos profissionais precisam estar claros
bem como a importacircncia que cada um pode gerar para o todo em benefiacutecio da assistecircncia aos
bebecircs
As flores satildeo belas e delicadas mas tambeacutem possuem espinhos Ora estatildeo mais floridas
ora um pouco murchas Tambeacutem precisam de aacutegua e insumos para sobreviver Sofrem quando
o solo estaacute demasiadamente aacuterido ou quando precisam enfrentar tempestades Os seres
humanos agraves vezes estatildeo mais sorridentes e alegres para vida Em outros momentos mais
murchos e contidos ou mesmo tristes e sem enxergar novas possibilidades
As afetaccedilotildees os estados de humor satildeo como lentes que direcionam o nosso olhar para
as possibilidades da existecircncia O encantamento o estar apaixonado pode levar a ver o mundo
cor de rosa com novas nuances a tristeza por sua vez pode levar o olhar para algo obscuro
sem possibilidades ou alternativas para soluccedilatildeo
98
Como seres humanos os profissionais de sauacutede tambeacutem possuem a afetaccedilatildeo como
caracteriacutestica ontoloacutegica natildeo satildeo como maacutequinas que apresentam reaccedilotildees calculadas
Simplesmente existem dias em que natildeo aguentam ver tanto sofrimento e em outros
conseguem oferecer o suporte esperado O fato eacute que precisam ter um domiacutenio teacutecnico dos
instrumentais e equipamentos e ao mesmo tempo fornecer uma assistecircncia humanizada
dedicando atenccedilatildeo aos pais e familiares
Diante das consideraccedilotildees eacuteticas levantadas quanto ao sigilo dos participantes optamos
por realizar a anaacutelise das entrevistas a partir dos temas que emergiram das afetaccedilotildees do
pesquisador apoacutes as leituras e releituras das transcriccedilotildees das entrevistas Estes temas
apresentados a seguir seratildeo discutidos agrave luz da fenomenologia hermenecircutica heideggeriana
contemplando o olhar da pesquisadora para a experiecircncia dos profissionais 1-A escolha para
trabalhar na UTI Neonatal 2- As dificuldades do trabalho em uma UTI Neonatal 3- Os
sentimentos diante da morte de receacutem-nascidos 4- O ser-com-os-outros as matildees dos pacientes
os receacutem-nascidos e os colegas de trabalho 5- A formaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede 6-
Reflexotildees sobre a atuaccedilatildeo profissional de sauacutede concepccedilatildeo de cuidado novas possibilidades e
projetos
De ora em diante seguiremos com os temas propostos envolvendo trechos das falas dos
participantes e as reflexotildees acerca da experiecircncia de ser-com os profissionais de sauacutede atuantes
da UTI Neonatal
1-A escolha para trabalhar na UTI Neonatal
Ao relatarem sobre a sua experiecircncia na UTI Neonatal os profissionais naturalmente
contavam sobre o seu percurso profissional na aacuterea de sauacutede ateacute chegar agrave UTI Neonatal da
MEJC A construccedilatildeo da narrativa por assim dizer gerava direccedilatildeo e sentido Em cada relato
passado presente e futuro se entrelaccedilavam e resultavam na composiccedilatildeo de uma histoacuteria de vida
Este toacutepico sobre ldquoa escolha para trabalhar na UTI Neonatalrdquo assumiu uma relevacircncia durante
99
a anaacutelise das narrativas por se apresentar como um marco na trajetoacuteria de vida destes
profissionais um ldquodivisor de aacuteguasrdquo que gera desdobramentos para os demais toacutepicos definidos
durante a anaacutelise
Dentre as nove entrevistadas quatro demonstraram interesse pela aacuterea de neonatologia
durante a faculdade e buscaram fazer residecircncia na aacuterea Estas revelaram um encantamento
inicial com a aacuterea principalmente pelo fato de trabalhar com bebecircs com o iniacutecio da vida
Algumas vezes a ideia do nascimento aparece como uma perspectiva positiva principalmente
quando seguida da possibilidade de contribuir com o desenvolvimento dos receacutem-nascidos
Seguem alguns relatos que ilustram isso
ldquoNo final da faculdade eu me apaixonei por Neo E a primeira vez que eu entrei ou na
enfermaria canguru ou aqui eu jaacute senti uma afinidade muito grande Eu natildeo sei explicar
da onde veio tanto amor assim mas eu gosto muito de trabalhar na aacuterea eu tento pensar na
famiacutelia como se fosse minha famiacutelia como eu queria que tratassem um filho meurdquo
(Margarida)
ldquoO meu sentimento em relaccedilatildeo agrave UTI eacute de uma casa mesmo porque eu brinco dizendo
que eu nasci profissionalmente aqui e eacute aqui que eu guardo todo o meu sentimento
tudinho de cuidado neacute Eu cuido dessa UTI como se ela fosse minha mesmo minha
casa a extensatildeo da minha famiacuteliardquo (Angeacutelica)
As demais (outras cinco profissionais) tiveram o direcionamento para a aacuterea a partir do
concurso puacuteblico para a MEJC Duas se destacaram pelos relatos de natildeo desejarem trabalhar
em UTI Neonatal tanto pelo desgaste da rotina como pela dificuldade em lidar com a morte de
bebecircs Apesar disso por questotildees administrativas acabaram integrando a equipe e alegam que
hoje conseguiram resignificar a experiecircncia de trabalhar com bebecircs graves e suas famiacutelias
ldquo Quando eu fui chamada em Marccedilo pra caacute me choquei de antematildeo porque eu natildeo
vim pra UTI Nunca quis trabalhar com Neo Tem uma carga emocional muito
grande se a gente jaacute sofre com perdas de pacientes adultos imagina com crianccedilas
receacutem-nascidas que tem uma vida toda pela frenterdquo (Tulipa)
100
ldquoNa verdade eu nunca tive experiecircncia em UTI E quando eu fui convocada devido
aqui na UTI Neo ter um deacuteficit de funcionaacuterios entatildeo eu meio que fui induzida a
aceitar Como havia essa necessidade entatildeo eles me convenceramrdquo (Amariacutelis)
Apesar da resistecircncia inicial de algumas para trabalhar na UTI Neo o que existe em
comum em todos os relatos eacute o encantamento com o trabalho realizado A possibilidade de
ajudar os bebecircs e suas famiacutelias aparece como um acalento um retorno muito significativo da
dedicaccedilatildeo do trabalho realizado O cuidado com os bebecircs e a possibilidade de vecirc-los sair de
uma situaccedilatildeo limiacutetrofe para uma nova vida faz as profissionais se emocionaram e desejarem
continuar nesta jornada apesar das dificuldades encontradas
Ao buscar compreender o outro a partir de uma perspectiva da fenomenologia
existencial passamos a consideraacute-lo como um ser-no-mundo que se constitui agrave medida que
constroacutei seu caminhar que se planeja realiza projetos mas pode se deparar com situaccedilotildees
diversas das quais imaginava e de uma forma ou de outras vai lidando com isso tudo
Foi interessante o relato de uma profissional que natildeo considerava a sua atuaccedilatildeo na UTI
Neonatal como uma escolha apesar de ter mais de 20 anos de experiecircncia na aacuterea de
Neonatologia iniciou a sua trajetoacuteria tirando feacuterias de uma colega em uma UTI Neonatal seu
primeiro emprego Para a profissional trabalhar nesta aacuterea foi ldquouma oportunidade que depois
virou um caminhordquo natildeo uma escolha por preferecircncia ou identificaccedilatildeo inicial Depois as
oportunidades foram surgindo devido a sua experiecircncia na aacuterea e assim o seu percurso
profissional foi se desenvolvendo
ldquoFoi a oportunidade que surgiu que me fez conhecer e querer seguir essa aacuterea natildeo
foi uma coisa assim ldquoah eu sonhei em fazerrdquo a gente natildeo escolhe a aacuterea a
oportunidade que escolhe a genterdquo (Girassol)
O relato de Girassol traz uma reflexatildeo acerca da indeterminaccedilatildeo do sujeito que
enquanto ser-no-mundo estaacute aberto a possibilidades que vatildeo surgindo e assim um caminho vai
sendo construiacutedo Este caminho eacute incerto natildeo estaacute definido por certezas pautadas na ideia de
101
uma vocaccedilatildeo encapsulada que estaacute presente dentro do indiviacuteduo para ser exercida no mercado
de trabalho O ser-aiacute eacute aberto a possibilidades e vai modificando-se ao longo do percurso da
vida O que poderia natildeo ser imaginado como local de atuaccedilatildeo tempos atraacutes pode tornar-se fonte
de subsistecircncia em outro momento da vida O indiviacuteduo pode resignificar a sua atuaccedilatildeo
profissional e observar de forma diferente o local em que estaacute trabalhando
O que observamos ao longo dos relatos foi que a ideia de trabalhar com bebecircs natildeo
implica necessariamente em uma identificaccedilatildeo ou vocaccedilatildeo originaacuteria agraves vezes tatildeo presente na
concepccedilatildeo do senso comum Mas em possibilidades que surgem e passam a ser consideradas
como parte de um caminho E a magia do caminhar estaacute justamente na possiacutevel transformaccedilatildeo
do caminhante ao olhar novas paisagens e vivenciar novas experiecircncias
Esta reflexatildeo inicial tem o intuito de lanccedilar um olhar para as escolhas destes
profissionais a partir da fenomenologia existencial considerando a indeterminaccedilatildeo do sujeito
Afinal de contas como nos inspiram Feijoo Protaacutesio e Magnam (2014) ldquo Outra determinaccedilatildeo
baacutesica para uma psicologia existencial consiste em tomar o modo de ser e comportar-se do
homem como fundado em seu caraacuteter de indeterminaccedilatildeo e poder-ser ou seja seu modo de ser
encontra-se sempre em jogo no seu existir Sendo a existecircncia marcada pela indeterminaccedilatildeo
natildeo eacute possiacutevel prescrever ou determinar o melhor caminho a seguirrdquo (p 58)
A partir deste olhar para a indeterminaccedilatildeo do sujeito considerando o horizonte
histoacuterico as limitaccedilotildees nas quais estatildeo imersos partiremos para o outro toacutepico que contempla
o trabalho na UTI Neonatal
2- As dificuldades do trabalho em uma UTI Neonatal
A UTI Neonatal na MEJC foi ampliada no ano de 2017 passando a apresentar duas
unidades com capacidade para atender 23 receacutem-nascidos Compotildee a UTI Neonatal um
corredor central com uma sala aberta para os prontuaacuterios uma sala de apoio com equipamentos
uma copa as salas de descanso e uma sala de acolhimento (tambeacutem receacutem-inaugurada)
102
Eacute um local frio em termos de temperatura de ausecircncia de cores da presenccedila de um
maquinaacuterio sofisticado da luz constante e contiacutenua que gera uma distacircncia em relaccedilatildeo ao que
ocorre fora das instalaccedilotildees da UTI Natildeo existem janelas nas aacutereas dedicadas ao tratamento dos
receacutem-nascidos e consequentemente ao trabalho dos profissionais de sauacutede Isto foi relatado
por uma das profissionais como uma caracteriacutestica do trabalho na UTI Neonatal
ldquoEu acho que a dificuldade eacuteo confinamento eacute vocecirc taacute num lugar que vocecirc natildeo vecirc se
eacute de dia se eacute de noite se taacute chovendo se taacute fazendo sol entendeu O ambiente fechado
ao longo do tempo ele pesa Eacute tanto que quando fizeram a reforma daqui eu disse ldquoai
que coisa boa Vai ter janelardquo porque acredito ateacute que eacute uma coisa boa pras crianccedilas
tomar banho de solrdquo (Girassol)
Sentir-se confinado em um ambiente sem janela sem saber se eacute dia ou noite eacute um fator
que pode gerar um incocircmodo maior para alguns profissionais como no relato apresentado por
Girassol Fizemos uma analogia a esta flor que busca constantemente o sol para o seu
desenvolvimento com a profissional que se sente inserida em um ambiente que apresenta uma
caracteriacutestica de confinamento Este confinamento faz parte da atuaccedilatildeo da maior parte dos
profissionais da UTI Neonatal com exceccedilatildeo para a as aacutereas da psicologia e serviccedilo social que
circulam pelas instalaccedilotildees do hospital inclusive para dar assistecircncia agraves matildees dos bebecircs
Alguns estudos apontam que trabalhar em local confinado eacute uma dificuldade vivenciada
pelos profissionais de sauacutede Algo que gera um certo incocircmodo tanto em relaccedilatildeo agrave falta da luz
solar como tambeacutem quanto aos cheiros e agrave temperatura Na tentativa de humanizar o ambiente
algumas estrateacutegias satildeo sugeridas como colocar um pano em cima das incubadoras para
ldquoinduzirrdquo um ciclo de dia-noite diminuir o volume dos ruiacutedos sonoros ou substituiacute-los por
alarmes luminosos Estas praacuteticas tem o intuito de reduzir o impacto das consequecircncias do
confinamento para os pacientes Para os profissionais entretanto pode gerar mais demanda de
trabalho mais atividades para executar (Brasil 2003 Lamego Deslandes e Moreira 2005
Rocha Souza e Teixeira 2015)
103
Outra dificuldade apresentada por vaacuterios profissionais entrevistados refere-se agrave
sobrecarga de trabalho em especial para a categoria de teacutecnicos de enfermagem que apresenta
um nuacutemero inferior ao necessaacuterio para atendimento dos receacutem-nascidos
ldquo A gente passa muitos periacuteodos difiacuteceis por ter menos teacutecnicos de enfermagem do
que deveria ter Porque a gente sabe que um teacutecnico soacute pode ficar com tantos nuacutemeros
de bebecircs quando ele fica com mais bebecircs pra cuidar do que ele deveria ficar isso acaba
levando a maior risco de erros de sobrecarga pra aquele profissional E acontece erros
na assistecircncia por conta dissordquo (Orquiacutedea)
ldquoEles se preocupam em abrir leitos leitos Mas natildeo compreendem que tecircm poucos
profissionais pra isso e que deveriam bloquear Tem dias que a gente tem que ficar
com seis teacutecnicos cinco teacutecnicos pra vinte um vinte e dois bebecircs e isso natildeo eacute correto
e acaba deixando a gente tenso porque a gente trabalha sob uma certa pressatildeo Eacute tanto
que vaacuterios teacutecnicos que entraram aqui muitos jaacute saiacuteram com atestado psiquiaacutetricordquo
(Amariacutelis)
A sobrecarga leva os profissionais a trabalharem no limite do desgaste fiacutesico e
psicoloacutegico podendo resultar no afastamento do trabalho por motivos de sauacutede De acordo com
o Relatoacuterio de Absenteiacutesmo da Maternidade (referente ao periacuteodo de 20161) 8273 dos
afastamentos satildeo para tratamento de sauacutede e a categoria que apresenta o maior nuacutemero de
atestados eacute a de teacutecnicos de enfermagem O relatoacuterio confirma portanto os relatos apresentados
pelos profissionais
Vaacuterios estudos afirmam que o ambiente da UTI Neonatal pode exercer uma influecircncia
negativa sobre a sauacutede de seus profissionais devido a tensatildeo e estresse presentes em um local
onde sucesso e fracasso oscilam rapidamente e vida e morte estatildeo presentes de forma intensa
Como satildeo locais que utilizam tecnologia muito avanccedilada as exigecircncias para a atualizaccedilatildeo dos
profissionais satildeo constantes De acordo com os autores a sobrecarga de trabalho caracteriza-se
pela falta de profissionais suficientes para a demanda de bebecircs que somada agrave falta de preparo
104
da equipe teacutecnica e ao espaccedilo fiacutesico inadequado comprometem sobremaneira a qualidade de
vida dos trabalhadores (Fogaccedila et al 2008 Rocha Souza Teixeira 2015 Fogaccedila 2010)
A partir dos relatos apresentados gostaria de propor uma reflexatildeo sobre como os
profissionais se sentem diante deste contexto de trabalho Para tanto buscarei inspiraccedilatildeo em
Heidegger (2007) em ldquoA questatildeo da teacutecnicardquo A inspiraccedilatildeo necessaacuteria para refletir sobre o
contexto de atuaccedilatildeo destes profissionais de sauacutede mas sem a pretensatildeo de elucidar alguma
questatildeo como bem pontua Heidegger (2007 p 375) ldquoo questionar constroacutei num caminhordquo
Vamos portanto trazer elementos que envolvam a questatildeo teacutecnica
Ao falar sobre teacutecnica podemos assumir os dois sentidos o domiacutenio do conhecimento
teacutecnico propriamente dito ou seja o conhecer e saber fazer e o horizonte histoacuterico no qual
estamos imersos a era da teacutecnica que valoriza o saber a velocidade das informaccedilotildees os
resultados o pensamento calculante (Heidegger 2007)
Uma atmosfera que nos conduz a agir para dar respostas a um mundo praacutetico que
valoriza a objetividade a rapidez e o retorno seja este financeiro de status de reconhecimento
Assim as pessoas vatildeo correndo contra o tempo para atingir objetivos previamente definidos e
agraves vezes sem mensurar possiacuteveis consequecircncias das escolhas realizadas A era da teacutecnica
produz um discurso ora expliacutecito ora posto nas entrelinhas do que eacute aceitaacutevel valorizado
Como pode ser observado no relato a seguir
ldquoE se vocecirc cometer algum erro Quem vai responder eacute vocecirc que tava na assistecircncia
Aiacute se a gente recusa alegam logo que a gente taacute negando assistecircncia Muitas das
vezes tecircm alguns profissionais que natildeo sabem abordar e diz que vocecirc tem que dobrar
Natildeo sei nem dizer se eacute isso uma ameaccedila mas vocecirc se sente coagidaldquoAh vocecirc
abandonou eacute abandono issordquo (Amariacutelis)
Este eacute apenas um trecho de um relato bem extenso sobre este conflito vivido pela
profissional Ao falar ela repetia que natildeo estava abandonando os bebecircs e que natildeo considerava
correto permanecer no trabalho sem as condiccedilotildees fiacutesicas e emocionais para isto Foi um discurso
105
que envolvia sentimentos contraditoacuterios como a culpa e a indignaccedilatildeo diante das exigecircncias
impostas e das consequecircncias geradas Como exigir que um profissional permaneccedila em uma
atividade aleacutem dos seus limites ainda mais se esta atividade caracterizar-se pela assistecircncia a
pacientes graves muitas vezes em consiccedilotildees limiacutetrofes entre a vida e a morte
O que fazer diante de um discurso que gera cobranccedila ameaccedila e ateacute culpa Um discurso
que tantas vezes estaacute internalizado nos proacuteprios profissionais que precisam decidir entre o que
pode ser considerado abandono e a permanecircncia altruiacutesta que pode resultar em falhas e ateacute na
morte dos bebecircs O abandono eacute efetivamente uma escolha ou ele estaria presente de uma forma
ou de outra em ambas as alternativas Se analisarmos mais profundamente tambeacutem estaacute
presente mesmo que temporariamente nas outras demandas da vida famiacutelia estudo descanso
No deixar de lado o que aparentemente pode soar como supeacuterfluo diante da complexidade de
pacientes graves Mas ao longo do tempo por repetidas vezes o que poderia significar este
tipo de abandono
O discurso cheio de paradoxos estaacute presente no cotidiano destes profissionais
refletindo uma expectativa social do papel dos profissionais de sauacutede A ideia da
responsabilidade pela manutenccedilatildeo da vida da necessidade de zelo e dedicaccedilatildeo na assistecircncia
ao paciente ou mesmo da caridade destinada aos doentes Como pode ser observado na
profissatildeo de enfermagem que teve a sua origem nas irmatildes de caridade que abdicavam da sua
vida para atender aos doentes mais necessitados A origem dos hospitais tambeacutem estaacute
inicialmente vinculada ao atendimento das pessoas mais carentes e que natildeo tinham os cuidados
familiares durante a enfermidade (Padilha Mancia 2005 Ministeacuterio da Sauacutede 1944)
Estes satildeo exemplos de raiacutezes histoacutericas que podem contribuir para gerar esta
obrigatoriedade de ldquodoaccedilatildeordquo de tempo e esforccedilo aleacutem do limite como uma obrigaccedilatildeo para os
profissionais da aacuterea de sauacutede Satildeo mensagens que permenecem tantas vezes na sociedade
interferindo nas expectativas e na percepccedilatildeo sobre o papel dos profissionais de sauacutede
106
Aleacutem destas questotildees o horizonte histoacuterico da nossa eacutepoca influencia sobremaneira nos
comportamentos dita os costumes orienta a respeito do que eacute considerado certo e errado
reprovaacutevel ou louvaacutevel A era da teacutecnica pode ser compreendida portanto como o nosso
horizonte histoacuterico que influencia as nossas atitudes diante dos desafios cotidianos De acordo
com Heidegger (2007 p 380)
O desafio que estaacute presente no discurso trazido pelas miacutedias de comunicaccedilatildeo em massa
ressaltando a capacidade do homem de vencer obstaacuteculos de propor cura para novas doenccedilas
de buscar mecanismos de prorrogar a juventude ou de procrastinar o envelhecimento Os
homens que satildeo movidos a desafioscomo ldquolutar com um dragatildeo todos os diasrdquo (Amariacutelis)
Fazendo uma analogia com os filmes e quadrinhos vivemos em um mundo que valoriza
o super-heroacutei aquele que resolve todos os problemas que encontra soluccedilotildees enfrenta
dificuldades e assume as consequecircncias O super-heroacutei que eacute responsaacutevel pela conduccedilatildeo da sua
vida carreira escolhas Eacute aquele que precisa encontrar superpoderes para enfrentar os
obstaacuteculos Eacute o sujeito idealizado forte e capaz de alcanccedilar os resultados almejados Seraacute que
realmente conseguimos lidar continuamente com a sobrecarga
ldquoO que cansa realmente na UTI Neonatal eacute a sobrecarga Eacute a gente tem um trabalho
de alta complexidade e a gente natildeo tem tanta maleabilidade de horaacuterio de trocas Em
ldquoA teacutecnica natildeo eacute portanto meramente um meio Eacute um modo de desabrigar Se
atentarmos para isso abrir-se-aacute para noacutes um acircmbito totalmente diferente para a
essecircncia da teacutecnica Trata-se do acircmbito do desabrigamento isto eacute da verdade O
desabrigar imperante na teacutecnica moderna eacute um desafiar que estabelece para a natureza
a exigecircncia de fornecer energia suscetiacutevel de ser extraiacuteda e armazenada enquanto tal
Eacute um extrair na medida em que explora e destaca Este extrair contudo permanece
previamente disposto a exigir outra coisa isto eacute impelir adiante para o maacuteximo de
proveito a partir do miacutenimo de despesas O desabrigar que domina a teacutecnica moderna
tem o caraacuteter do pocircr no sentido do desafiordquo
107
relaccedilatildeo a insalubridade a gente recebe a mesma coisa setor fechado lidar com morte
assimrdquo (Violeta)
ldquoEu jaacute vi relatos de teacutecnica de enfermagem chorando muito por ter tido uma situaccedilatildeo
que por erro dela um bebecirc por exemplo poderia ter pedido a perna Se doeu tanto
pra ela aquele erro eacute porque ela se identifica com o trabalho natildeo eacute uma falta de
identificaccedilatildeo mas a sobrecarga que aumenta a chance de erro que jaacute eacute decorrente da
falta de pessoalrdquo (Rosa)
Um ciclo vicioso se configura a falta de profissionais leva agrave sobrecarga que por um
lado pode promover o adoecimento e gerar mais ausecircncias e aumentar a sobrecarga para os que
ficam e por outro lado amplia o desgaste fiacutesico e psicoloacutegico resultando em possiacuteveis falhas
e ateacute na morte de pacientes
Aleacutem das questotildees referentes ao ambiente de trabalho relatos tambeacutem trazem uma
reflexatildeo sobre as pressotildees inerentes agrave atividade ao trabalho e as consequecircncias do mesmo
Retratam o profissional de sauacutede buscando a cura tentando evitar o erro as falhas pelas
consequecircncias que podem gerar
ldquoEacute uma pressatildeo de que tem que dar certo porque por traacutes de uma crianccedila tem uma
famiacutelia Eu sinto que eu tenho que fazer o meu maacuteximo o meu melhor Quase o
impossiacutevel pra que tudo decirc certo pra que isso natildeo cause sofrimento pras pessoasrdquo
(Tulipa)
Novamente se coloca em ecircnfase o domiacutenio da teacutecnica dos instrumentos do
conhecimento que promova um retorno positivo para os pacientes Heidegger nos faz refletir
sobre esse aspecto ao afirmar que ldquoA teacutecnica moderna eacute um meio para fins Por isso todo
esforccedilo para conduzir o homem a uma correta relaccedilatildeo com a teacutecnica eacute determinado pela
concepccedilatildeo instrumental da teacutecnica Tudo se reduz ao lidar de modo adequado com a teacutecnica
enquanto meio Pretende-se dominaacute-lardquo (Heidegger 2007 p 376)
E o que seria esse escapar do domiacutenio dos homens A morte poderia ser essa
possibilidade inerente agrave vida e que foge ao controle dos homens Por isso assusta
108
desestabiliza gera frustraccedilatildeo e desconforto para os que ficam Sobre este toacutepico que envolve
os sentimentos diante da morte dos receacutem-nascidos iremos abordar a seguir
3-Os sentimentos diante da morte de receacutem-nascidos
Este toacutepico eacute dedicado aos sentimentos relatados pelos profissionais diante da morte de
receacutem-nascidos Alguns relatos revelam sentimentos de impotecircncia e frustraccedilatildeo Tambeacutem eacute
contemplada a aparente contradiccedilatildeo de se pensar em morte na maternidade local associado agrave
ideia de vida Como se a morte tivesse um lugar para chegar e fosse inaceitaacutevel em outros
contextos Assim se configura o pensamento dicotocircmico refletido em paradoxos vida e morte
certo e errado verdade e natildeo-verdade Natildeo existe lugar certo para morte assim como natildeo haacute
verdade absoluta nem uma uacutenica explicaccedilatildeo para os fatos A morte eacute algo inerente a vida
Somos desde o nascimento um ser-para-a-morte Por assim dizer natildeo existe hora nem lugar
adequado para morrer (Heidegger 1927 2015)
ldquoEacute porque assim quando a gente pensa em maternidade a gente pensa na vida
quando a gente pensa em UTI a gente pensa em salvar vidas E a gente salva Salva
Mas quando eu falo em impotecircncia O sentimento que a gente tem de forma geral eacute
que chega um momento que a gente natildeo tem o que fazer Aiacute a gente precisa lidar
com essa morteIsso daacute uma sensaccedilatildeo de impotecircncia muito granderdquo (Iacuteris)
A sensaccedilatildeo de ver o sofrimento e natildeo poder fazer nada para evitar aquilo gera
sofrimento nos proacuteprios profissionais Principalmente quando se colocam no lugar do outro
da matildee que sofre ao perder um filho tatildeo amado e desejado Estes sentimentos de impotecircncia e
tristeza tambeacutem aparecem em outros estudo dedicados agrave experiecircncia dos profissionais de sauacutede
em relaccedilatildeo agrave morte de pacientes (Costa Lima 2005 Bernieri Hirdes 2007 Poles Bolso
2006 Shimizu 2007 Sadala Silva 2009 Souza e Ferreira 2008)
109
Outro aspecto tambeacutem relevante estaacute na intensidade dos viacutenculos estabelecidos Como
se apresenta no relato de Violeta quanto maior for o viacutenculo do profissional com o paciente e
seus familiares maior eacute o sofrimento do profissional diante da morte do receacutem-nascido
ldquo Tem alguns bebecircs eu natildeo sei explicar porque a morte eacute mais dolorosa Eu oro
pelos pais pela famiacutelia sinto pelo bebecirc tambeacutem Aqui eu jaacute tive dois que me
marcaram muito tambeacutem pelo contato com a matildee contato com o bebezinho era uma
matildee que tinha um viacutenculo muito bom com a equipe (Violeta)
Talvez por isso alguns profissionais desenvolvam o que autores (Gerow Conejo
Alonzo et al 2009) denominaram de ldquocortina de proteccedilatildeordquo estabelecendo um certo
distanciamento dos pacientes considerados mais graves tentando se proteger do sofrimento
conforme pode ser constatado nos relatos a seguir
ldquoA gente cria mecanismos de defesa Porque quem cria um viacutenculo afetivo perde a
capacidade de cuidar Entatildeo vocecirc natildeo vai cortar vocecirc natildeo vai furar vocecirc natildeo vai fazer
uma coisa que doa numa pessoa que vocecirc goste Algueacutem precisa fazer essa parteA
gente natildeo fica insensiacutevel mas cria formas de se protegerrdquo (Girassol)
ldquoQuem cria um viacutenculo afetivo perda a capacidade de cuidarrdquo Este trecho da fala diz
muita coisa E cabe algumas ressalvas A referecircncia da profissional agrave capacidade de cuidar
remete agrave ideia de uma dificuldade para realizar os procedimentos em virtude de um abalo
emocional diante do sofrimento do outro A compreensatildeo do cuidado pela ontologia
Heideggeriana entretanto concebe esta atuaccedilatildeo profissional como uma forma de cuidado Uma
vez que somos cuidado ateacute a indiferenccedila se configura como cuidado (Heidegger 1927 2015)
A profissional apresenta a necessidade de criar maneiras de se proteger do sofrimento
para que possa realizar os procedimentos necessaacuterios como tambeacutem para que ela consiga
suportar o trabalho na UTI Neonatal O relato a seguir demonstra mais explicitamente esta
necessidade de criar mecanismos de proteccedilatildeo para continuar trabalhando
110
ldquoAcho que natildeo era nem um mecircs que eu tava aqui entraram na parada meacutedico
enfermeiro fisio E eu fiquei olhando de fora e assim a pressatildeo caiu eu fiquei sudorenta
na hora e o bebecirc morreu Quando a matildee chegou ai eles botam no colo o bebecirc morto no
colo Vocecirc natildeo tem noccedilatildeo de como eu passei mal Eu desci fiquei na calccedilada
chorando Ai depois ateacute a meacutedica a chefe da UTI disse ldquoAf Maria vocecirc era pra taacute num
shopping vendendo roupa natildeo era pra taacute aqui natildeordquo eu disse ldquome respeiterdquo Depois eu
cheguei em casa mal chorei abracei muito minha filha Foi bem difiacutecilE ai as coisas
foram acontecendo eu fui entrando mais no clima Daquela parte emocional vocecirc tenta
dar um freio colocar um limite entre vocecirc mesma e aquilo que taacute acontecendo pra que
vocecirc natildeo sofra tantordquo (Tulipa)
O proacuteprio contexto exige do profissional a postura considerada adequada Ateacute os colegas
de trabalho podem ser severos diante da expressatildeo dos sentimentos dos demais Valoriza-se o
controle emocional a assertividade na resoluccedilatildeo das situaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da teacutecnica Assim
este limite ou freio apresentado no trecho acima passa a ser uma exigecircncia do proacuteprio
profissional como algo inerente ao trabalho como uma condiccedilatildeo para sobreviver naquele
ambiente Eacute preciso ldquoentrar no climardquo O clima falado reflete agrave atmosfera do ambiente ao
como as coisas funcionam aos comportamento considerados adequados ao ambiente mais frio
e racional
De fato podemos pensar que ningueacutem aguentaria passar mal da forma que foi
apresentada todas as vezes que morresse um bebecirc Mas por outro lado refletimos sobre o
quanto esta profissional se sentiu sozinha para lidar com estas emoccedilotildees tatildeo humanas tatildeo
passiacuteveis de serem expostas
Os relatos demonstram portanto a necessidade de ocorrer um afastamento dos
profissionais diante da possibilidade de morte iminente uma certa preparaccedilatildeo para o que pode
ocorrer como uma forma de proteccedilatildeo de minimizar o sofrimento Entretanto quando a morte
eacute anunciada por sinais e sintomas alguns comportamentos para lidar com isto vatildeo surgindo
seja de afastamento de conformismo de aceitaccedilatildeo Quando a morte ocorre diante de um bom
111
prognoacutestico surpreende aparece como um evento assustador podendo gerar maior sofrimento
nos profissionais
ldquo Quando vocecirc comeccedila a perceber que aquele bebecirc taacute piorando piorando vocecirc comeccedila
a se afastar vocecirc atende outro vocecirc natildeo fica mais com ele As pessoas se organizam
quando a gente percebe que algueacutem taacute com um viacutenculo muito forte com o bebecirc aiacute jaacute
comeccedila a tirar de perto jaacute comeccedila a botar com outro entendeu Todo mundo vai meio
que se cuidando porque sabe que a perda vai existir e se a gente sofrer por todas as
perdas como uma pessoa da famiacutelia a gente vai junto entendeurdquo (Girassol)
Surgem portanto as estrateacutegias de preservaccedilatildeo diante do sofrimento No relato acima
pode-se verificar um apoio aos colegas no sentido de tentar evitar um maior vinculo com os
pacientes que apresenta um prognostico ruim O distanciamento aparece como possibilidade
Uma forma de diminuir o sofrimento do profissional
Diante do exposto poderiacuteamos nos questionar De onde vecircm os sentimentos de
impotecircncia e frustraccedilatildeo diante da morte Por que os profissionais de sauacutede se sentem frustrados
e impotentes Eacute interessante a partir desses questionamentos refletirmos sobre o nosso
horizonte histoacuterico Novamente as ideias de Heidegger (1927 2015) nos inspiram para abordar
a questatildeo da era da teacutecnica do quanto eacute difiacutecil natildeo ter o controle sobre as coisas sobre os
acontecimentos do mundo
De acordo com Heidegger (2007 p 376) ldquoO querer-dominar se torna tatildeo mais iminente
quanto mais a teacutecnica ameaccedila escapar do domiacutenio dos homensrdquo Quanto mais difiacutecil for o
desafio e maior a probabilidade de perder o controle o homem tende a buscar novas soluccedilotildees
e alternativas como se lutasse contra algo que incomoda pelo simples fato de resistir ao
aparente controle Este querer-dominar pode estar presente na difiacutecil decisatildeo da hora de tentar
parar de salvar um paciente que jaacute daacute sinais de despedida A decisatildeo sobre a hora de parar eacute
muito difiacutecil para alguns profissionais como pode ser observado no seguinte relato
ldquoUma das coisas mais difiacuteceis eacute vocecirc optar pelo fim de uma reanimaccedilatildeo As diretrizes
mandam que com 10 minutos 15 minutos de reanimaccedilatildeo em assistolia o coraccedilatildeo natildeo
taacute mais batendo vocecirc paacutera de reanimar Noacutes jaacute reanimamos menino aqui por mais de
112
hora Que vocecirc natildeo quer acreditar que ele morreu Esse momento realmente eacute o
momento mais difiacutecil A hora de parar Agraves vezes quando vocecirc diz assim ldquonatildeo vou
maisrdquo vocecirc sente que alguns olhares lhe bombardeiam dizendo assim ldquoPor que Tente
mais um pouquinhordquo Esse momento realmente eacute o conflito dentro da UTI A hora de
pararrdquo (Angeacutelica)
Definir qual a hora de parar aparece como uma grande dificuldade eacute como reconhecer
que existe um limite e junto com ele o sentimento de impotecircncia Existe uma cobranccedila pela
cura tanto por parte dos proacuteprios profissionais como tambeacutem pelos familiares A sensaccedilatildeo de
esgotar todas as possibilidades surge como uma forma de dizer que tudo que era possiacutevel foi
feito O difiacutecil eacute reconhecer quando natildeo eacute mais possiacutevel
Outra profissional tambeacutem falou a respeito da hora de parar ao retratar uma situaccedilatildeo na
qual uma residente estava desesperada e pediu para retirar a famiacutelia da UTI Neonatal Ao falar
com a meacutedica a residente pedia para tentar novamente e a meacutedica respondeu ldquoMas vocecirc sabe
que a gente jaacute tentou e natildeo deu certo e isso soacute faz gerar um sofrimento nesse bebecirc a mais
porque assim natildeo tem muito o que fazerrdquo
Ateacute que ponto esta tentativa de evitar a morte era o melhor para o paciente Natildeo seria o
reflexo dessa dificuldade do profissional em lidar com a morte com as perdas Os relatos
abordam a dificuldade de tomar uma decisatildeo que envolve a vida do paciente e nos remete a um
sentimento de responsabilidade e culpa diante destas situaccedilotildees Como pode ser observado de
forma mais expliacutecita nos trechos de depoimentos a seguir
ldquoToda a vida que um bebecirc vai a oacutebito Eu acabo sentindo muito porque eacute como se a
gente carregasse a culpa nas nossas costas (Choro) Entatildeo natildeo tem como natildeo se sentir
responsaacutevel por aquele oacutebito Ou porque a gente fica sempre pensando ldquoSeraacute que foi
porque eu natildeo orientei a minha equipe de forma adequada Seraacute que eacute porque eu natildeo
orientei os estudantes de forma adequada Foi alguma coisa que eu deixei passarrdquo
ldquoSeraacute que eu natildeo fui a responsaacutevel rdquo(Orquiacutedea)
113
ldquo CulpaCulpa Eu fiz o que foi que eu errei Aonde foi que eu errei E aiacute tem que
parar Repensar e natildeo baixar a cabeccedila se frustrar Tem muita gente que endoida
porque a profissatildeo eacute cruel Tem muita colega nosso que ou comeccedila a usar remeacutedio ou
faz quadros de depressatildeo porque eacute difiacutecil vocecirc lidar justamente com esse turbilhatildeo de
emoccedilotildees que se passa dentro do dia a diardquo (Angeacutelica)
Nestes relatos a culpa entra em cena com algo que incomoda profundamente as
participantes Mas o que seria essa culpa Uma culpa atrelada a uma responsabilidade de cuidar
dos pacientes de gerenciar uma equipe de buscar salvar vidas e evitar erros e falhas Uma
culpa inerente a uma condiccedilatildeo humana ao ser-no-mundo
A culpa e a anguacutestia satildeo caracteriacutesticas ontoloacutegicas do homem enquanto ser-no-mundo
Satildeo inerentes ao Dasein enquanto ser jogado no mundo que precisa reafirmar-se
cotidianamente durante a sua existecircncia (Ferreira 2002 Boss 1981)
Reafirmar-se cotidianamente pode ser percebido como um fardo bem pesado talvez
por isso o homem caia na impessoalidade na decadecircncia Eacute importante ressaltar que cair na
decadecircncia natildeo significa sair de um estaacutegio superior para um inferior a decadecircncia eacute uma
determinaccedilatildeo existencial indicando que o homem encontra-se entregue agrave impessoalidade do
cotidiano Trata-se de uma condiccedilatildeo da existecircncia humana pois mesmo decadente o homem
estaacute de alguma forma sendo E esta forma de ser eacute a de um modo natildeo proacuteprio de ser
(Heidegger 1927 2015)
A culpa por sua vez eacute o fundamento ontoloacutegico do homem decadente faz parte do ser
portanto pode-se compreender que ldquoa culpa eacute a determinaccedilatildeo ontoloacutegica do existencial da
facticidade nesse sentido ela eacute um modo de ser do ser-aiacute faacutetico e diz respeito ao fato de o
homem estar-lanccedilado no mundo e misturado com elerdquo (Ferreira 2002 p1)
Podemos compreender a partir da afirmaccedilatildeo anterior que todos noacutes sentiremos culpa
Uma vez que a facticidade eacute a forma mais ordinaacuteria do ser-aiacute no sentido de a forma mais
114
comum a culpa nos acompanharaacute ao longo da existecircncia Seraacute algo inerente ao nosso ser que
estaacute destinado a ser sendo e no cotidiano da vida estar continuamente se reafirmando
Entatildeo quando vivo em um mundo na impessoalidade em meio ao falatoacuterio a
ambiguidade e a curiosidade estou suscetiacutevel agrave culpa de natildeo ser o que queria ser de natildeo cumprir
com os padrotildees estabelecidos pelo mundo de falhar com o que foi prescrito ou previsto
anteriormente A culpa de natildeo cumprir ou natildeo me encaixar nos padrotildees previamente
estabelecidos A culpa expressa pela locuccedilatildeo adverbial ldquodeveria ter feitordquo Eacute o futuro do
preteacuterito do indicativo que indica um arrependimento de um passado que natildeo mais se
materializaraacute no futuro algo que natildeo tem mais volta Embora deixe no lugar da resoluccedilatildeo a
culpa
A partir destas reflexotildees pode surgir uma pergunta como diminuir esta culpa Para
pensarmos sobre isso caberia falar sobre o horizonte histoacuterico em que vivemos que dita o que
eacute certo e o que eacute errado O que eacute aceito ou rejeitado socialmente Nos contos dos heroacuteis da Idade
Antiga natildeo se falava em culpa pela morte dos outros inimigos natildeo eram acusados de assassinos
Eram respeitados e tratados como guerreiros corajosos por salvarem toda uma populaccedilatildeo das
ameaccedilas externas (Bulfinch 2014)
Muitos fatores influenciam a sociedade na determinaccedilatildeo de quem seriam os culpados e
os inocentes as religiotildees a cultura os papeacuteis sociais os costumes de um povo tambeacutem falam
sobre culpa Em uma sociedade com a medicina pouco desenvolvida com as pestes e outras
doenccedilas assolando a humanidade em meio a condiccedilotildees higiecircnicas e de saneamento degradantes
como na eacutepoca da peste negra na Europa Medieval talvez os meacutedicos natildeo fossem acusados de
tantas mortes ou natildeo se sentissem culpados diante de um cenaacuterio tatildeo complexo de infortuacutenios
e orientado pelos paracircmetros divinos preconizados pela Igreja Natildeo era o homem que estava no
centro da vida e sim a vontade divina Mas decerto outros tipos de culpas existiam como faltar
ou deixar de cumprir com alguma determinaccedilatildeo da Igreja
115
A culpa eacute por assim dizer inerente a condiccedilatildeo de dasein ldquoPor que o dasein eacute culpado
O proacuteprio dasein faz uma escolha ele natildeo pode transferir a responsabilidade para o eles ou para
alguma pessoa Toda escolha vai ter consequecircncias que o dasein natildeo previu nem
pretendeurdquo(Inwood 2004 p 99)
A culpa eacute tatildeo cotidiana quanto viver na impessoalidade Em uma sociedade que
centraliza o homem e lhe oferece o poder de decidir sobre a vida que oferece tantas
possibilidades de escolha o ldquodeveria ter feitordquo pode tornar-se mais frequente Quando a
referecircncia estaacute no mundo e vive-se na impropriedade a culpa existiraacute na proporccedilatildeo que o ser
introjeta os valores deste mundo
Em meio agraves afetaccedilotildees e sentimentos os profissionais de sauacutede vatildeo realizando as suas
atividades envolvidos nas relaccedilotildees com os outros os quais fazem parte do seu ambiente de
trabalho O proacuteximo toacutepico eacute dedicado justamente a estas relaccedilotildees agrave convivecircncia cotidiana dos
profissionais com os receacutem-nascidos com as matildees dos pacientes e com os proacuteprios colegas de
trabalho
4 ndash O ser-com-os-outros as matildees dos pacientes os receacutem-nascidos e os colegas de
trabalho
Heidegger (19272015) nos apresenta o ser-com como um existencial O modo de
presenccedila do ser-no-mundo se daacute na co-presenccedila com outros daseins ou seja o homem vive em
relaccedilatildeo com os outros mesmo quando estes natildeo estatildeo presentes fisicamente naquele momento
O homem eacute inerentemente um ser em relaccedilatildeo com outros seres (daseins) Eacute justamente sobre
essa relaccedilatildeo que iremos abordar neste toacutepico
Ao olharmos para a UTI Neonatal aleacutem do ambiente fiacutesico precisamos considerar que
ela se constitui como uma rede de relaccedilotildees entre as pessoas que por laacute transitam Cada
profissional de sauacutede precisa lidar no seu cotidiano com os colegas de trabalho com os bebecircs
em tratamento e com os familiares que frequentam o ambiente da UTI Neonatal principalmente
116
as matildees Satildeo vaacuterios ldquooutrosrdquo que interferem na execuccedilatildeo das atividades que opinam
questionam provocam reaccedilotildees Com o foco nas relaccedilotildees que os profissionais estabelecem
iniciaremos por abordar a percepccedilatildeo que os mesmos tecircm sobre a presenccedila das matildees nas
instalaccedilotildees da UTI Neonatal
ldquoEacute muito complicado sabe Natildeo eacute o fato da presenccedila porque a gente acha que eacute
importante ela acompanhar todo o processo Ela precisa ver ela precisa saber o que
taacute acontecendo natildeo pode existir um buraco entre o nascimento e a morte O problema
eacute que hoje a gente lida com pessoas muito emocionalmente eu natildeo sei se eacute
desequilibrada mas com pessoas que transferem pra gente um monte de noacuteia Por
exemplo trata mal interfere no procedimento As pessoas natildeo confiam como se a
gente saiacutesse de casa todo dia pra fazer o errado e natildeo todo mundo sai de casa pra
fazer o melhor Eacute como se a gente tivesse o tempo todo sendo julgadordquo (Girassol)
A presenccedila das matildees eacute defendida pelas poliacuteticas de humanizaccedilatildeo como algo
fundamental para os bebecircs Os profissionais reconhecem isso mas tambeacutem apontam que os
familiares interferem questionam a conduta adotada sofrem durante os procedimentos enfim
acabam sendo mais um motivo de preocupaccedilatildeo Como lidar com matildees que choram e
questionam o procedimento ao tentar localizar uma veia em um receacutem-nascido
Os familiares fazem parte das relaccedilotildees que os profissionais estabelecem no ambiente de
trabalho Eles compotildee parte da histoacuteria dos pacientes pequenos seres que jaacute inspiraram novos
projetos e ressignificaram vidas As matildees satildeo tatildeo importantes nessa relaccedilatildeo que podemos
perceber no trecho do relato acima uma preocupaccedilatildeo relevante ldquo Natildeo pode existir um buraco
entre o nascimento e a morterdquo A matildee precisa saber o que aconteceu precisa participar tornar-
se parte do processo Caso contraacuterio como ela ficaraacute depois Entre o nascimento e a morte fatos
aconteceram Neste ldquoentrerdquo o receacutem-nascido se constitui enquanto ser-no-mundo Este ldquoentrerdquo
envolve a sua histoacuteria
117
Os relatos apresentam as cobranccedilas dos pais as pressotildees exercidas sobre os profissionais
em relaccedilatildeo agraves condutas adotadas Satildeo situaccedilotildees muito delicadas que envolvem o risco de morte
de um filho as dificuldades de lidar com isso as desconfianccedilas No trecho a seguir uma
profissional fala a respeito da reuniatildeo que realiza com as matildees no intuito de escutaacute-las e tentar
esclarecer alguma duacutevida que possa ter surgido
ldquoUma das reclamaccedilotildees frequentes eacute que ldquoah aquele doutor eu vou perguntar uma
coisa a ele ele eacute muito seco ele eacute muito friordquo aiacute ldquonatildeo natildeo eacute que ele seja frio eacute porque
tem outros mais melososrdquo Tem uma colega nossa que eu disse ldquose eu tivesse de receber
uma notiacutecia ruim eu queria receber por vocecircrdquo porque ela eacute assim ldquomatildeezinha o seu
bebezinho taacute assim gravinhordquoTem outros que a matildee chega ldquocomo eacute que taacute meu
bebecircrdquo ldquotaacute estaacutevelrdquo O que eacute estaacutevel pra vocecirc Por isso que vem as mais diversas
reclamaccedilotildeesldquoEu natildeo gosto que tal teacutecnico de enfermagem fique com o meu bebecirc
porque ele vai laacute faz o que tem pra fazer volta pra mesa pega o celular e fica usandordquo
Entatildeo essa sensaccedilatildeo meio que de abandono tambeacutem judia da matildee neacute Ela quer entrar
ali ela quer ser acolhidardquo (Angeacutelica)
Uma reflexatildeo interessante sobre essa relaccedilatildeo com o outro envolve uma complexidade de
expectativas dos profissionais dos pacientes sobre o que eacute esperado deles qual a forma de
conduta mais adequada Enfim se no cotidiano criamos expectativas sobre o comportamento
das pessoas imagine como estas ficam agrave flor da pele em situaccedilotildees de hospitalizaccedilatildeo e iminecircncia
de morte Eacute possiacutevel se chegar a um padratildeo do que seria um bom atendimento de um
profissional de sauacutede Bom para quem Para um familiar quando um profissional explica tudo
detalhadamente no diminutivo pode ser uma boa forma de atendimento para outro este tipo de
tratamento poderia ateacute incomodar Nessa relaccedilatildeo com o outro existe muito de noacutes de cada um
no outro
De acordo com Oliveira (2010 p 59) ldquo Um ponto importante a ser pensado eacute a visatildeo
de Heidegger do outro como um reflexo do proacuteprio ser-aiacute Ou seja o ser-aiacute se vecirc no outro faz
parte do outro se identifica com o outro pois este natildeo lhe eacute de forma alguma estranho Essa
118
interpretaccedilatildeo soacute pode ser entendida atraveacutes do delineamento da sua teoria do impessoal no
qual segundo Heidegger todo mundo eacute o outro e ningueacutem eacute si mesmordquo
Nessa relaccedilatildeo com o outro em si mesmo o ser se transforma continuamente Eacute
interessante observar o relato de duas profissionais que modificaram sua maneira de ser diante
das experiecircncias que tiveram na UTI neonatal uma delas se viu no papel de uma matildee
preocupada com o seu receacutem-nascido internado em uma UTIN de outro hospital Ao ocupar
temporariamente este papel ela passou a refletir sobre a sua proacutepria atuaccedilatildeo profissional e a
sua relaccedilatildeo com as matildees dos receacutem-nascidos internados
ldquoOutro grande marco da minha vida foi quando eu tive a minha primeira menina ela
foi um bebecirc de UTI Eacute uma UTI que eu trabalho e o fato de eu entrar pela porta natildeo
como meacutedica mas como matildee de paciente mexeu muito comigo entatildeo meio que foi um
divisor de aacuteguas na minha carreira Eu passei a ver o paciente de uma outra maneira
menos teacutecnico Porque eacute diferente Vocecirc sente vocecirc sabe exatamente o que aquela matildee
taacute sentindo Vocecirc meio que bloqueia a sua razatildeo e vocecirc vira soacute emoccedilatildeo mesmo laacute
dentrordquo (Angeacutelica)
Este trecho do relato apresenta a transformaccedilatildeo desta profissional ao se ver em uma
situaccedilatildeo similar ao de algumas matildees com filhos internados Literalmente colocar-se no lugar
do outro proporcionou uma nova forma de atendimento a partir do que a profissional passou a
considerar como necessidades da matildee de um receacutem-nascido internado Novamente podemos
refletir sobre o quanto de noacutes estaacute na relaccedilatildeo com o outro
Esta situaccedilatildeo tambeacutem pode remeter ao mito de Quiacuteron Na mitologia grega Quiacuteron era
um centauro um ser metade homem e metade cavalo que nasceu da uniatildeo entre Cronos e a bela
Filira Quiacuteron recebeu do pai grandes virtudes tornando-se muito saacutebio Pela sua educaccedilatildeo e
sabedoria foi considerado o rei dos centauros Em certa ocasiatildeo foi ferido pelas flechas de
Heacutercules Por ser imortal e ter uma ferida incuraacutevel sofria grandes dores Assim tornou-se o
grande mestre dos meacutedicos Ao ser tocado pela sua dor era capaz de se sensibilizar com a dor
119
dos outros Eacute o que acontece tambeacutem com os profissionais de sauacutede em contato com suas
proacuteprias dores e perdas tornando-se sensiacuteveis ao sofrimento das pessoas sob seus cuidados
(Carvalho 1996)
Para outra profissional a experiecircncia com as matildees resultou em uma vontade de tornar-
se matildee e poder vivenciar o que denominou de amor incondicional
ldquoEu sempre ouvi falar que amor de matildee eacute imensuraacutevel mas natildeo imaginava o quanto
Diante de todas as situaccedilotildees agraves vezes o bebezinho todo mal formadinho mas a matildee acha
ele lindo a matildee vecirc como uma coisa natural E natildeo se envergonha Quer ele do jeito
que ele taacute Acho maravilhoso Eu acho que ateacute a questatildeo da vontade de ser matildee como
eacute que pode todas as pessoas que trabalham na UTI elas geralmente engravidam acho
que eacute porque o instinto materno aflora na mulher Eu quero experimentar desse amor
de matildee que eu soacute imaginordquo (Amariacutelis)
O relato demonstra como o ser se transforma a partir das experiecircncias vivenciadas no
contidiano de trabalho Como certas questotildees tocam profundamente a vida dos profissionais e
geram novos desejos e projetos Conforme aponta Critelli (1996 p80) ldquoeacute impossiacutevel ao homem
natildeo renascer com cada nova visatildeo ou manifestaccedilatildeo dos entes em seu ser A manifestaccedilatildeo eacute
ininterrupta A existecircncia eacute erupccedilatildeo e transformaccedilatildeo inesgotaacuteveis Daiacute se fala em existecircncia
como vir-a-ser o que eacute ou o que estaacute sendo estaacute vindo-a-serrdquo
Ainda envolvendo as experiecircncias com o outro gostaria de tecer algumas consideraccedilotildees
sobre um ser que apesar do pouco tempo de existecircncia eacute a razatildeo de existir da UTI Neonatal o
ser-bebecirc No cotidiano de trabalho todos os aparatos a estrutura e o trabalho dos profissionais
satildeo voltados para o receacutem-nascido que requer cuidados especiais
De acordo com Sodelli e Glaser (2016 p 70) ldquoO estabelecimento da relaccedilatildeo do bebecirc
com o seu ser se daacute no mundo faacutetico por meio do cuidado de seu cuidador e de outras pessoas
que lhe apresentam o mundo os entes sempre de algum determinado modo e em uma dada
direccedilatildeo Entatildeo eacute a partir do modo como o bebecirc eacute cuidado concomitantemente com sua
120
compreensatildeo que o bebecirc vai se constituindo como um si mesmo e que um sentido de realidade
vai sendo construiacutedordquo
Os autores enfatizam a importacircncia do cuidado para a constituiccedilatildeo do bebecirc como em si
mesmo Eacute interessante notar o quanto esta necessidade do bebecirc pode envolver as profissionais
da UTI Neonatal mesmo que natildeo seja de forma intencionalmente vinculada a uma teoria
especiacutefica Uma preocupaccedilatildeo em oferecer acolhimento amor e carinho pode estar presente
tanto quanto com a administraccedilatildeo de equipamentos Essa relaccedilatildeo da profissional com o bebecirc
pode apresentar-se de uma forma distinta da relaccedilatildeo que seria estabelecida com um paciente
adulto conforme pode ser verificado no relato a seguir
ldquoQuem trabalha com bebecirc jaacute tem um olhar diferente Vocecirc vecirc um teacutecnico de
enfermagem com um bebecirc chorando e a matildee natildeo estaacute por exemplo colocando no colo
e cantando pra ele Agraves vezes termina de dar a dieta e daacute um cheirinho na cabeccedila Eacute
algo que vai aleacutem da obrigaccedilatildeo daquela pessoa Existe realmente uma relaccedilatildeo de afeto
com esse bebecirc E quanto mais tempo esse bebecirc fica ali Muitas vezes a equipe se refere
a um bebecirc que estaacute laacute como ldquomeu bebecircrdquo (Rosa)
Na trama de existecircncia do bebecirc a relaccedilatildeo ser-com-os-outros eacute fundamental Desde o
iniacutecio o bebecirc eacute um ser aberto e compreensivo e natildeo um ser encerrado em si mesmo (Loparic
2008) A partir dos primeiros dias de vida ldquoos entes vatildeo chegando ao encontro do bebecirc que
vai se ocupando deles (chupar a chupeta mamar dormir brincar tomar banho trocar a fralda
receber uma visita ficar no colo)
Poderiacuteamos perguntar como eacute possiacutevel que os entes se manifestem ao bebecirc (ou seja se
tornem acessiacuteveis ao ser humano) Atraveacutes do cuidado que o cuidador (pai matildee avoacutes babaacute)
do bebecirc e outras pessoas despendam a ele As pessoas satildeo de extrema importacircncia para o bebecirc
Na fase inicial de vida o bebecirc depende absolutamente de outra pessoa Para aleacutem de o bebecirc
precisar de outra pessoa para os chamados cuidados baacutesicos (ser alimentado ser colocado no
121
berccedilo ser vestido ser dado banho etc) o bebecirc precisa de um outro para tornar-se real para que
ele se torne si-mesmordquo (Sodelli e Glaser 2016 p 71)
No ambiente hospitalar outros cuidadores assumem este papel de oferecer os cuidados
baacutesicos ao bebecirc um papel que poderia ser destinado aos familiares e entes mais proacuteximos E se
preocupam ainda mais em dar atenccedilatildeo aos bebecircs quando existe um abandono por parte dos
familiares principalmente das matildees
ldquoA gente teve bebecirc com microcefalia que a matildee abandonou a gente teve bebecircs que
foram de gestaccedilotildees de uma matildee muito jovem que era de um homem casado e ela tentou
abortar e acabou que natildeo conseguiu a bebezinha nasceu muito prematura mas que
chegou o momento que ela verbalizou que realmente natildeo queria isso pra vida dela
Entatildeo a gente trabalha tambeacutem muito em parceria com a vara da infacircncia e da
juventude exatamente nessa questatildeo da adoccedilatildeordquo (Iacuteris)
Conforme apresentado no relato existe uma preocupaccedilatildeo com a histoacuteria familiar do
receacutem-nascido um envolvimento emocional com as situaccedilotildees apresentadas uma compreensatildeo
de que este bebecirc natildeo estaacute sozinho na UTIN jaacute estaacute envolvido em uma trama de relaccedilotildees que
vatildeo constituindo a sua histoacuteria Como eacute lidar com isto tudo Um caminho envolve reconhecer
as limitaccedilotildees da atuaccedilatildeo natildeo eacute possiacutevel adotar as crianccedilas abandonadas entatildeo me afasto evito
um maior envolvimento para natildeo me apegar pode-se ateacute lidar com indiferenccedila e se concentrar
diretamente no trabalho teacutecnico pode-se aprender com as histoacuterias familiares a adotar uma
nova postura sobre a vida O relato a seguir apresenta uma mudanccedila ocorrida em uma
profissional a partir das observaccedilotildees das histoacuterias familiares
ldquo Agraves vezes a gente julga e a gente natildeo sabe o que tem por traacutes e todo mundo tem uma
histoacuteria Hoje eu me policio muito Por exemplo teve um bebecirc que era cardiopata e a
matildee tinha dezesseis anos O pai dela estuprou ela e matou a matildee dela e aiacute a matildee do
namorado dela pegou ela pra criar Foi quando ela engravidou desse bebecirc o bebecirc natildeo
eacute do pai dela natildeo eacute do namorado mesmo mas assim ela tem dezesseis anos o namorado
122
dezenove Ela natildeo vinha o menino ficou aqui acho que uns dois meses agora nos
uacuteltimos dias eacute que ela tava vindo mas vocecirc vai julgar uma pessoa dessa Natildeo vai A
gente sente falta a gente botava o menino no colo Natildeo eacute como a matildee mas a gente
tentava Depois quando ela comeccedilou a vir ele tava bem grave mesmo jaacute natildeo tinha
mais jeitordquo (Tulipa)
Como julgar diante de histoacuterias tatildeo sofridas O relato da profissional nos faz refletir sobre
o julgamento que fazemos das pessoas das situaccedilotildees a partir dos nossos valores das
possibilidades que vislumbramos Entretanto para buscarmos compreender o outro como o
outro estaacute como pode se sentir diante da proacutepria vida eacute necessaacuterio uma abertura uma afetaccedilatildeo
que favoreccedila a escuta o olhar atencioso Isso me faz lembrar do ciacuterculo hermenecircutico da
compreensatildeo como algo circular contiacutenuo De como a afetaccedilatildeo pode gerar a disponibilidade
de sair de uma posiccedilatildeo preacutevia para uma visatildeo preacutevia e para uma concepccedilatildeo preacutevia com as
articulaccedilotildees da posiccedilatildeo e da visatildeo anterior Ou seja do quanto o ser-no-mundo eacute sendo vai se
transformando agrave medida que experiencia que vive e ao mesmo tempo que apresenta a abertura
para novas possibilidades
Os profissionais de sauacutede no contexto de trabalho lidam com a fragilidade da vida com
a morte de pacientes com os familiares tantas vezes estressados nervosos com resistecircncia para
entender os procediementos adotados com os colegas de trabalho em vaacuterios momentos
cansados da sobrecarga da rotina das exigecircncias Enfim satildeo pessoas com sentimentos
diversos em um ambiente inoacutespito que faz aflorar emoccedilotildees agraves vezes indesejadas mas
sobretudo humanas
Finalizando esta trama de relaccedilotildees no contexto de trabalho de ora em diante seratildeo
contempladas as experiecircncias com os colegas profissionais com os quais compartilham os
desafios do trabalho e que podem se apresentar em alguns momentos como mais uma
dificuldade a ser enfrentada
123
ldquoEu acho que assim a maior dificuldade eacute questatildeo de lidar com o colega Um quer ser
mais esperto que o outro Tirar vantagem em alguma coisa Natildeo quer ajudar o outro
colega quer assim se livrar de alguma coisardquo (Violeta)
O dasein enquanto ser-com-os-outros se constitui em relaccedilatildeo com outros daseins que
apresentam interesses vontades quereres tantas vezes distintos Este pode ser visto como um
dos grandes desafios da vida ter o compromisso de trabalhar por um objetivo e para isso
depender de uma rede de relaccedilotildees de outras pessoas que interferem orientam desorientam
mandam ditam regras e normas
ldquoA UTI Neonatal eacute vista assim como o bicho papatildeo que as pessoas satildeo chatas Soacute
que eu percebi que natildeo eacute isso eacute que a gente tem uma sobrecarga de trabalho tatildeo grande
que a maternidade que o serviccedilo acha que todos os bebecircs que estatildeo naquela instituiccedilatildeo
satildeo de responsabilidade da UTI Neonatal por exemplo tudo que for relacionado a bebecirc
eles querem que a UTI Neonatal resolva Tudo por exemplo nasce bebecirc no centro
ciruacutergico natildeo tem vaga na UTI Neonatal eles querem que a UTI Neonatal decirc esse
suporte ldquoVocecircs tem que vir cuidar do bebecirc aquirdquo ldquoSe vocecircs natildeo vierem o bebecirc vai
morrer e a culpa vai ser suardquo Eu vou porque ai se o bebecirc morrer a culpa vai ser minha
e natildeo eacute eacute responsabilidade do profissional que estaacute dentro do centro ciruacutergico que tem
que cuidar do bebecirc E eles se negam a aprender a cuidar do bebecircrdquo (Violeta)
As formas de cuidado satildeo inerentes ao ser-no-mundo e por assim dizer tambeacutem se
apresentam nas relaccedilotildees de trabalho Seja pela indiferenccedila pelo aparente natildeo importar-se com
o outro seja pela preocupaccedilatildeo antepositiva de contribuir para as escolhas e para o crescimento
do outro seja na preocupaccedilatildeo substitutiva que decide pelo outro as medidas que precisam ser
tomadas tornando-o dependente em relaccedilatildeo agrave conduccedilatildeo da sua proacutepria vida
Nas relaccedilotildees de trabalho pode-se observar o natildeo se importar com o outro com o
desenvolvimento da sua atividade de trabalho ou o olhar apenas para o que eacute de
responsabilidade eou interesse proacuteprio Isso em meio a um discurso de trabalho em equipe
Este tipo de situaccedilatildeo indica a necessidade de ampliar os espaccedilos para discussatildeo dos
profissionais de deixar mais transparente para todos as atividades a serem exercidas as
responsabilidades de cada aacuterea e principalmente a missatildeo da instituiccedilatildeo enquanto algo maior
124
que setores isolados O apoio dos colegas de trabalho pode representar muito mais que uma boa
convivecircncia e sim um estiacutemulo para ir trabalhar uma boa razatildeo para enfrentar os desafios
cotidianos
ldquoA gente taacute conquistando as coisas aos pouco mas ainda falta muito Eu acho que noacutes
somos uma equipe entatildeo cada um tem sua importacircncia Acho que taacute na hora de ver a
questatildeo de uma reuniatildeo natildeo separada tipo assim soacute os teacutecnicos soacute os enfermeiros soacute
os meacutedicos Tudo eacute separado ateacute as festas aqui satildeo separadas entendeu Natildeo tem
aquela festa todo mundo junto Confraternizaccedilatildeo Eu acho isso um absurdo Todos os
lugares que eu jaacute trabalhei a festa de final de ano eram todos os profissionais Aqui natildeo
eacute tudo separado Eu acho que haacute um pouco dessa divisatildeo e eu natildeo acho isso corretordquo
(Amariacutelis)
Diante da pressatildeo da proacutepria atividade inerente a uma UTIN as dificuldades de
relacionamento interpessoal agravariam a situaccedilatildeo como foi apresentados nos relatos anteriores
Eacute interessante refletir sobre a possibilidade de ampliar o diaacutelogo entre os profissionais que
trabalham no hospital As experiecircncias em comum facilitam o entendimento daqueles que
convivem com as mesmas dificuldades
De acordo com Critelli (1996 p81) ldquoa medida que as coisas testemunhadas em comum
satildeo os elementos da mediaccedilatildeo entre os homens elas estatildeo instaurando o mundo uma trama
significativa comum O homem se daacute e se recusa aos homens atraveacutes daquilo com que estatildeo em
contato e a respeito do que falam A partir do testemunho os homens datildeo realidade agravequilo que
entre eles se abre em comum e simultaneamente datildeo realidade a si mesmo mutualmenterdquo
O compartilhar experiecircncias e dificuldades inerentes ao cotidiano de trabalho pode
aproximar as pessoas em torno de um objetivo em comum Ainda refletindo sobre este aspecto
do compartilhar pretende-se dedicar o proacuteximo toacutepico a questatildeo da formaccedilatildeo profissional de
sauacutede particularmente no que concerne ao preparo para lidar com as perdas no cotidiano de
trabalho
125
5- A formaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede
Vaacuterios autores jaacute tem alertado sobre isso ressaltando a importacircncia da preparaccedilatildeo dos
profissionais de sauacutede tanto para lidar com a morte como para cuidar da vida para enfrentar e
resignificar as perdas e respeitar os limites que a medicina oferece (Koacutevacs 2003 Franccedila
Botomeacute 2005 Silva 2006)
Maria Juacutelia Koacutevacs propotildee que durante a formaccedilatildeo na aacuterea de sauacutede temas como
compaixatildeo sensibilidade e amorosidade sejam contemplados como capacidades aspectos a
serem desenvolvidos pelos profissionais de Sauacutede para lidar melhor com a morte (Koacutevacs
2003)
Os relatos apresentados por alguns entrevistados indicam a falta de preparo para lidar com
as mortes de pacientes durante a formaccedilatildeo profissional
ldquoEssa questatildeo de transmitir maacutes notiacutecias de lidar com esse momento da morte nenhum
momento na minha graduaccedilatildeo eu tive formaccedilatildeo pra isso nem na minha graduaccedilatildeo Na
residecircncia a gente acaba tendo porque a residecircncia eacute uma residecircncia em serviccedilo
entatildeo vocecirc vai atuando e vocecirc vai vendo na praacutetica como fazer isso mas natildeo houve por
exemplo uma preparaccedilatildeo especiacutefica pra esse momento Muito do que eu sei hoje foi
aprendendo realmente na praacuteticardquo (Orquiacutedea)
Observou-se nos profissionais de uma forma geral uma falta de preparo durante a
graduaccedilatildeo em relaccedilatildeo a estes aspectos A temaacutetica das perdas tornou-se relevante no exerciacutecio
profissional ou mesmo na residecircncia mas natildeo de forma significativa na faculdade
ldquoEacute eu acho que a formaccedilatildeo ainda eacute muito falha Porque isso natildeo eacute uma coisa que eacute
pontual tem que vir desde o comeccedilo e ser uma crescente ateacute chegar a formaccedilatildeo e isso
acaba caindo dentro da assistecircncia quando essas pessoas comeccedilam a trabalhar que
os conflitos realmente vatildeo e muitos deles desistem natildeo por falta de oportunidade ou
por falta de teacutecnica mas realmente por dificuldade de encontrar as respostas pras suas
ansiedades Entatildeo a gente vecirc muito aluno bom tecnicamente que acaba desistindo
Por dificuldade de lidar justamente com as frustraccedilotildees com as perdas com a equipe
entatildeo acabam indo fazer outra coisa e realmente natildeo continuam Entatildeo a formaccedilatildeo
126
precisa voltar pra isso Na verdade eu natildeo sei aonde eacute que ele taacute se perdendo
entendeu Como eacute que ele chega na formaccedilatildeo no uacuteltimo estaacutegio com uma imaturidade
emocional tatildeo granderdquo (Girassol)
A segunda profissional traz o relato de sua experiecircncia enquanto docente das dificuldades
que observa nos alunos de enfrentar frustraccedilotildees e lidar com as perdas apontando a necessidade
de se ter mais espaccedilos durante a formaccedilatildeo para discutir estas temaacuteticas De acordo com o relato
as falhas na formaccedilatildeo acabam interferindo na atuaccedilatildeo dos profissionais que agraves vezes se frustam
e ateacute desistem da atuaccedilatildeo na aacuterea de sauacutede
O trecho apresentado se encerra com uma colocaccedilatildeo que merece uma anaacutelise ldquoComo eacute
que ele chega na formaccedilatildeo no uacuteltimo estaacutegio com uma imaturidade emocional tatildeo granderdquo
O olhar para a formaccedilatildeo natildeo deve se limitar em relaccedilatildeo a esta discussatildeo agrave preparaccedilatildeo teoacuterica
sobre como lidar com as mortes e perdas
Um estudo com estudantes de medicina por exemplo aponta para as dificuldades
enfrentadas pelos alunos no decorrer do curso como o relacionamento com os professores
considerados autoritaacuterios e exigentes os residentes que reproduzem as praacuteticas autoritaacuterias as
dificuldades com os pacientes diante do sofrimento e da dor e da morte Tantas dificuldades
podem levar os alunos a apresentarem sintomas psicoloacutegicos como os decorrentes de ansiedade
e o estresse Com tanta pressatildeo como os estudantes tratam os pacientes Como desenvolver
habilidades de relacionamento interpessoal se os mesmos encontram-se estressados e sem saber
como lidar com as dificuldades (Moreira Vasconcelos Heath 2015)
Uma alternativa apresentada pelos autores eacute justamente possibilitar a expressatildeo dos
sentimentos negativos pelos estudantes de forma que eles possam refletir sobre o que sentem
e como lidar com isso O apoio psicoloacutegico pode contribuir para isso Outras respostas
adaptativas apresentadas no estudo incluem as atividades fiacutesicas o lazer e a espiritualidade
(Moreira Vasconcelos Heath 2015)
127
A reflexatildeo em relaccedilatildeo agrave formaccedilatildeo se estende portanto agrave necessidade de os alunos
desenvolverem competecircncias eacuteticas e relacionais Para tanto a universidade deve proporcionar
espaccedilos para que os alunos se expressem e reflitam sobre os seus sentimentos Assim poderatildeo
se preparar emocionalmente para oferecer uma maior atenccedilatildeo aos pacientes e seus familiares
(Ayres 2004 Moreira Vasconcelos Heath 2015)
A falta de preparo em relaccedilatildeo agraves questotildees emocionais pode refletir na praacutetica profissional
nas estrateacutegias utilizadas diante das perdas Conforme pode ser observado no relato a seguir a
respeito da reaccedilatildeo de alguns profissionais diante da morte de receacutem-nascidos na UTIN
ldquo Eu acho que eacute uma coisa que precisa ser trabalhada com a equipe eacute a questatildeo da
gente respeitar o momento da famiacutelia entendeu Por exemplo tem um bebecirc morrendo
aqui com a famiacutelia e taacute todo mundo atrapalhando conversando entrando saindo
telefone tocando algueacutem rindo sabe Eacute meio que as pessoas fazem de conta que natildeo
estatildeo vendo pra natildeo sofrer talvez natildeo sei Isso realmente eacute uma coisa que me incomoda
todas as vezes que acontece e eacute muito frequente Eacute como hoje vocecirc ir num veloacuterio e ter
um monte de gente fazendo selfie entendeu A coisa taacute meio assimrdquo (Girassol)
Este relato jaacute nos apresenta outra possibilidade de reflexatildeo em relaccedilatildeo a atitude dos
profissionais diante da morte de pacientes Foi um comentaacuterio no final da entrevista no espaccedilo
reservado para a pergunta ldquoVocecirc gostaria de acrescentar mais alguma coisardquo E aiacute veio o
desabafo na forma de um incocircmodo contido guardado no silecircncio de nunca ter comentado com
ningueacutem e sem saber ao certo o que fazer diante desta situaccedilatildeo
A atitude dos profissionais diante da morte de pacientes eacute algo que deve ser discutido
durante a formaccedilatildeo mas tambeacutem no ambiente de trabalho Compreender a morte enquanto parte
da vida eacute importante para a realizaccedilatildeo das atividades profissionais mas desconsiderar que
outras pessoas estatildeo sofrendo em decorrecircncia disso eacute algo que precisa ser posto em pauta para
reflexatildeo
Costumo dizer que o ser humano tem uma grande virtude e um grande defeito ao mesmo
tempo noacutes nos acostumamos agraves coisas agraves situaccedilotildees A virtude poderia ser compreendida
128
enquanto uma capacidade de adaptaccedilatildeo necessaacuteria agrave sobrevivecircncia e agrave vida em sociedade O
defeito estaacute justamente na falta de uma reflexatildeo profunda sobre o que nos acostumamos a ver
a fazer sobre o que naturalizamos e vemos como ldquonormalrdquo ou ldquosempre foi assimrdquo Como algo
que acontece tanto que natildeo requer mais atenccedilatildeo e zelo Assim banalizamos as notiacutecias
recorrentes sobre violecircncia podemos ser indiferentes com relaccedilatildeo agrave pobreza e marginalizaccedilatildeo
Nos hospitais os profissionais de sauacutede podem se acostumar a ver tanto sofrimento mas
existe uma diferenccedila grande entre sofrer muito junto com pacientes e familiares e tratar disso
como se o sofrimento dos outros natildeo mais os tocasse ou comovesse a ponto de natildeo silenciar
de natildeo respeitar o momento A reflexatildeo sobre a formaccedilatildeo se estende portanto para a atuaccedilatildeo
dos profissionais como algo que exige atenccedilatildeo e suporte para os trabalhadores que lidam com
sofrimento no cotidiano
Vale ressaltar tambeacutem que mesmo para os profissionais os quais estudaram em
instituiccedilotildees que abordam a questatildeo da morte de pacientes ainda eacute apresentado nos discursos
um distanciamento com a vivecircncia praacutetica como pode ser analisado nos relatos a seguir
ldquoEntatildeo o que a gente teve na formaccedilatildeo foi como a gente tinha que lidar com o paciente
em relaccedilatildeo a morte como eacute que o profissional lidava com a morte e como eacute que a gente
lidaria com os familiares mas foi uma coisa muito teoacuterica natildeo teve naquele momento
aquilo natildeo era tatildeo palpaacutevel pra mim Quando eu comecei na UTI Neo Que eu vi
aqueles bebezinhos realmente indo a oacutebito ai foi que eu comecei realmente a trabalhar
isso em mim ldquoMeu Deus eu vou lidar com isso eu vou conseguir lidar com isso assim
Eacute isso mesmo que eu querordquo (Violeta)
De acordo com Silva (2006 p 232) ldquoapesar da presenccedila do discurso de re-humanizaccedilatildeo
do processo de morte de um paciente a praacutetica dessas interaccedilotildees eacute dificultada pelo pouco
suporte de ensino-aprendizagem nessa direccedilatildeo aliada a uma falta de acolhimento e continecircncia
aos aspectos emocionais dos proacuteprios estudantes que mais tarde poderatildeo reproduzir essa
mesma falta em seus pacientesrdquo
129
Alguns profissionais ainda ressaltaram a importacircncia da praacutetica para aprender a lidar com
as questotildees das perdas como se a maturidade trouxesse uma maior serenidade diante da morte
ldquoQuando vocecirc termina vocecirc eacute muito impulsivo Vocecirc eacute muito razatildeo Eacute esse equiliacutebrio que
vocecirc vai conseguindo adquirir com a maturidade a emoccedilatildeo e a razatildeo Vocecirc luta luta
mas vocecirc vai conseguindo ponderar isso vocecirc vai sabendo qual eacute o seu limite A
Medicina tem um limite ela natildeo eacute infundada E eacute esse limite que eu tenho que
reconhecerrdquo (Angeacutelica)
Embora nem sempre seja possiacutevel Existem os limites momentacircneos de cada um e os
limites de atuaccedilatildeo diante da vida e da morte Mas como identificar estes limites Como
reconhecer em si a possibilidade de natildeo mais poder
Heidegger (2007) nos traz uma inspiraccedilatildeo profunda ao falar sobre o pensamento
calculante e o pensamento reflexivo O pensamento calculante se configura na racionalidade
voltada para as atividades do cotidiano Movidos pelo mundo em meio ao impessoal na era da
teacutecnica vamos agindo e reagindo como em um piloto automaacutetico fazendo o que se espera que
seja feito No caso dos profissionais de sauacutede existe muito a ser feito controle dos
equipamentos o manuseio dos bebecircs os procedimentos as anotaccedilotildees nos prontuaacuterios As
mediccedilotildees das reaccedilotildees corporais que podem indicar um bom ou mal prognoacutestico
Assim segue-se a rotina em meio a protocolos e tarefas E quando as coisas saem do
controle Quando a morte chega O que pode ser feito diante disso Talvez ao refletir pode se
chegar agrave conclusatildeo de que existem limites que natildeo puderam ser superados pela medicina ou de
que ocorreram falhas nos procedimentos ou de que a morte estaacute aiacute como possibilidade para a
minha vida para a vida dos meus filhos diante disto como estou conduzindo a vida Quais as
escolhas que estou fazendo
A morte do outro pode servir como um alerta pode tornar-se uma parada obrigatoacuteria
em meio ao turbilhatildeo de ocupaccedilotildees para refletir profundamente sobre a conduccedilatildeo da vida e
para lembrar sobre a condiccedilatildeo de mortal inerente a cada ser vivo sem hora ou tempo certo
130
para acontecer Este eacute outro ponto que merece ser ressaltado o tempo para a morte Os
profissionais de sauacutede da UTI Neonatal trabalham com novas vidas ou vidas novas que se
renovam ou findam em um curto periacuteodo de tempo Um tempo cronoloacutegico que natildeo diz sobre
o tempo da dor sobre quando eacute a hora de parar de tentar salvar a vida ou de natildeo chorar pela
morte Um tempo cronoloacutegico que diz pouco sobre o ser que vai e o que o fica diante das
expectativas geradas dos projetos desenhados da ausecircncia repentina e totalmente inesperada
Uma vida que dura poucos dias pode marcar para sempre tantas outras vidas de
familiares e profissionais que lutaram para que o resultado fosse diferente E este eacute outro aspecto
que envolve a atuaccedilatildeo na UTI Neonatal as crenccedilas a religiosidade e a compreensatildeo dos limites
da medicina dos recursos controlaacuteveis pelos homens No decorrer das entrevistas existiram
relatos surpreendentes de crianccedilas que sobreviveram sem a menor perspectiva da equipe e
outras que faleceram diante da esperanccedila de uma melhora Situaccedilotildees que demonstram os limites
da atuaccedilatildeo profissional diante das possibilidades de cura e da ldquoobrigaccedilatildeordquo desvelada na
cobranccedila interior para salvar vidas E nos levam a refletir sobre como agir diante de situaccedilotildees
tatildeo complexas O trecho do relato da profissional apresentado anteriormente fala a respeito de
uma maturidade conquistada por meio da experiecircncia
Para Ayres (2004) esta maturidade pode ser compreendida resgatando o conceito
aristoteacutelico de sabedoria praacutetica que ldquodiz respeito a um saber conduzir-se frente agraves questotildees da
praacutexis vital que natildeo segue leis universais ou modos de fazer conhecidos a priori mas
desenvolve-se como um tipo de racionalidade que nasce da praacutexisrdquo (p 20)
A sabedoria praacutetica traz uma compreensatildeo sobre o mundo que vai muito aleacutem da teacutecnica
Trata-se de uma capacidade para analisar as situaccedilotildees e resolver problemas com um niacutevel de
complexidade elevado que natildeo apresentam respostas em manuais ou simplesmente na teacutecnica
por si soacute Esta sabedoria tambeacutem gera no individuo a maturidade para olhar as situaccedilotildees de
outra forma e a abertura para novas possibilidades para resolvecirc-las
131
Considerando a importacircncia deste conceito cabe aqui um reflexatildeo a sabedoria praacutetica eacute
oriunda da vivecircncia do profissional de cada indiviacuteduo mas o compartilhar das experiecircncias
poderia fomentar o desenvolvimento de habilidades nos demais profissionais Poderia
contribuir para o aprimoramento da equipe como um todo Atraveacutes do troca de experiecircncias e
possiacuteveis soluccedilotildees para os problemas vivenciados no cotidiano novos projetos podem surgir
Este movimento estaacute acontecendo na maternidade Com os profissionais se reunindo para
implantar projetos visando a melhoria na assistecircncia aos pacientes e seus familiares
Inspirados pelas novas possibilidades de atuaccedilatildeo oriundas de um novo olhar para o
sofrimento do outro abordaremos no proacuteximo toacutepico os novos projetos que estatildeo sendo
desenvolvidos na maternidade os quais mesmo na fase inicial jaacute deixaram frutos e se
apresentam como resultado da reflexatildeo de alguns profissionais sobre as suas praacuteticas e da busca
contiacutenua para oferecer uma melhor assistecircncia para os pacientes e seus familiares
6- Reflexotildees sobre a atuaccedilatildeo profissional de sauacutede concepccedilatildeo de cuidado novas
possibilidades e projetos
A UTIN da Maternidade Escola Januaacuterio Cicco vem passando por uma seacuterie de
transformaccedilotildees nos uacuteltimos anos A partir de 2014 com o ingresso de novos servidores atraveacutes
do concurso puacuteblico comeccedilou-se a estruturar uma equipe multidisciplinar Aleacutem disso as
reformas que aconteceram em 2016 culminaram na ampliaccedilatildeo do nuacutemero de leitos em 2017
Outro fator positivo ocorrido no referido ano foi a ampliaccedilatildeo da residecircncia multiprofissional
para outras aacutereas aleacutem da medicina da enfermagem da fisioterapia como psicologia
fonodiologia terapia ocupacional O que possibilita a ampliaccedilatildeo das atividades desenvolvidas
pelos profissionais
132
Diante deste contexto novos projetos que estatildeo surgindo como o grupo de cuidados
paliativos que estaacute iniciando as suas atividades conforme pode ser constatado nos relatos a
seguir
ldquo A gente taacute tentando transformar a morte em alguma coisa bonita natildeo sei como mas
a gente taacute sabe Assim quando a gente deixa uma matildee ficar ali e diz ldquoOlha o coraccedilatildeo
do seu bebecirc taacute parandordquo E aiacute a matildee pergunta ldquoTaacute morrendo rdquo e a meacutedica diz ldquoTaacute
o que vocecirc quer fazer com ele rdquo ldquoFala o que vocecirc quer pro seu filho taacute aquirdquo A gente
taacute tentando dar essa oportunidade Entatildeo tem sido triste Tem mas tem sido bonito
sabe quando essas matildees elas podem cantar pegar pra fazer carinho beijar e aiacute a gente
comeccedila a ver assim eacute uma despedida Todo mundo sofre mas a gente taacute tentando tirar
essa frieza da morte E aiacute eu acho que isso tem confortado a equipe assim que a gente
entende que a gente taacute fazendo algo para aleacutem pra essas famiacuteliasrdquo (Iacuteris)
O relato foi feito por uma profissional que havia passado recentemente pela morte da
matildee No hospital em que a matildee faleceu em outro estado existiam accedilotildees de cuidado paliativo
que passaram a fazer sentido para ela Uma experiecircncia pessoal a tocou profundamente e a
incentivou a participar do grupo de cuidados paliativos na MEJC
ldquo A portaria saiu essa semana E aiacute a gente comeccedilou a estudar a possibilidade e aiacute
foi Orquiacutedea que pensou Orquiacutedea me chamou e eu falei ldquoOrquiacutedea assim eacute tatildeo
contraditoacuterio neacute Eu preciso taacute nesse grupo pela UTI e por mim porque ai assim pra
tentar entender o que eu vivenciei por tanto tempo sem nem saber o que eacute que eu tava
vivenciandordquo E aiacute essa coisa do cuidado paliativo parece de repente que comeccedilou a
rondar a minha pessoa assim como profissional como filhardquo (Iacuteris)
Na trama de sentidos da existecircncia natildeo eacute possiacutevel separar o lado profissional do lado
pessoal e familiar porque na realidade natildeo existe um lado ou outro existe um ser-no-mundo
em relaccedilatildeo com outros daseins e que se transforma sendo As experiecircncias de vida podem
contribuir para uma nova visatildeo e compreensatildeo sobre o mundo sobre a assistecircncia prestada aos
pacientes e seus familiares As experiecircncias no trabalho tambeacutem podem promover mudanccedilas
nos valores nas formas de conduzir a vida como pode ser percebido nos relatos a seguir
133
ldquoUma matildee me perguntou ldquo Qual eacute o padratildeo de perfeiccedilatildeordquo Eu fiquei com aquilo
encafifado ldquoPadratildeo de perfeiccedilatildeo eacute belezardquo Aiacute eu fiquei calada Ela disse ldquonatildeo eacute
Perfeiccedilatildeo eacute o que vocecirc vecirc como perfeito Esse bebecirc pra mimrdquo E era um menino
monstruoso assim de chocava olhar aiacute ela disse ldquopra mim o meu bebecirc eacute perfeito
porque esse foi feito pra mimrdquo E aiacute eu fiquei com aquilo no meu pensamento Eu digo
ldquorealmente perfeiccedilatildeo eacute um padratildeo que eacute estipulado por alguma minoria que tem que
ser belo lindo loiro e um bebecirc Johnsonrsquos neacuterdquo A gente natildeo tem esse direito de dizer
porque eacute um bebecirc que tem alguma coisa uma pessoa que tem algum defeito que natildeo eacute
perfeito depende ao olho de quem Entatildeo vocecirc aprende tanta coisa Aiacute vocecirc chega em
casa aiacute vocecirc olha assim pros seus Aiacute vocecirc diz assim ldquoeu natildeo posso reclamar de nada
eu soacute posso ser felizrdquo (Angeacutelica)
O conceito de perfeiccedilatildeo pode ser relativo natildeo obedecendo certos padrotildees ditados pelo
mundo no horizonte histoacuterico em que nos encontramos Da mesma forma o entendimento
sobre o que eacute importante para o outro pode gerar outra maneira de prestar assistecircncia Agraves vezes
as atitudes dos profissionais tem como base o que eles acham que eacute necessaacuterio para os familiares
dos pacientes sem ouviacute-los enquanto pessoas abertas a possibilidades e capazes de realizar
escolhas
ldquoE hoje a gente tem visto a morte de outra forma se a morte eacute inevitaacutevel entatildeo vamos
humanizaacute-la vamos proporcionar a esse bebecirc a essa famiacutelia esse contato esses uacuteltimos
contatos pra que esse bebecirc tenha a morte proacutexima a essas pessoas que ele ama e que o
amam Quando agraves vezes o bebecirc piorava e chegava e dizia assim ldquoNatildeo mas a matildee natildeo
pode ver isso porque ela vai sofrerrdquo e uma coisa que a gente tinha conversado com a
equipe de que a gente precisa dar a possibilidade dessa matildee de escolher pode ser que
ela natildeo suporte ver esse sofrimento e queira se retirar mas pode ser que ela queira estar
com esse bebecirc durante todo o processo e natildeo somos noacutes que vamos dizer ldquoNatildeo eacute muito
sofrimento pra ela estar suportandordquo a gente vai dar essa possibilidade pra elardquo
(Rosa)
O relato apresentado coloca em ecircnfase a questatildeo do cuidado nas suas formas antepositiva
e substitutiva Em determinados momentos eacute necessaacuterio indicar os procedimentos tomar
134
decisotildees relativas ao paciente Mas existem outros nos quais eacute importante deixar os familiares
decidirem o que consideram melhor para eles cabendo aos profissionais de sauacutede oferecer estas
possibilidades e o suporte necessaacuterio O cuidado antepositivo tambeacutem precisa estar presente na
assistecircncia Deixar os familiares decidirem com base nos proacuteprios valores eacute como dar
autonomia para que experienciem o momento e consigam lidar melhor com as consequecircncias
dos proacuteprios atos A forma como cada um deseja se despedir de seu ente querido eacute uma decisatildeo
individual que precisa ser respeitada inclusive para facilitar o processo de vivecircncia do luto e
evitar frases do tipo ldquoeu queria ter me despedido do meu filhordquo
Diante do exposto a escuta dos familiares torna-se fundamental para o suporte nos
momentos de perda Sobre este aspecto falas de algumas participantes defendem a importacircncia
dos profissionais desenvolverem a empatia
ldquoEntatildeo acho que quando a gente se coloca no lugar do outro fica mais faacutecil a gente
ver que momento eu vou me calar que momento eu vou falar que informaccedilotildees dar acho
que eu resumiria como empatia que eacute isso que taacute tentando que estamos buscando cada
profissional conseguir se colocar no lugar dessa matildeerdquo (Rosa)
ldquoVocecirc fez um juramento e assim eacute um compromisso que vocecirc tem com aquele paciente
de cuidar dele entatildeo eacute vocecirc se colocar no lugar ldquoSe fosse eu que tivesse sendo cuidada
por mim mesma eu estaria sendo bem cuidadardquo Entatildeo eacute isso que eu levordquo (Violeta)
No proacuteximo relato a participante contempla o cuidar como um conceito mais amplo
muito aleacutem de tratar A ideia que ela quis passar pode ser compreendida apesar de utilizando
os conceitos da fenomenologia heideggeriana sabemos que ambas satildeo formas de cuidado Pois
o cuidado nos contitui eacute inerente ao ser-no-mundo
ldquo Cuidar como um todo natildeo soacute da doenccedila mas cuidar da alma da pessoa da famiacutelia
do colega da equipe Cuidar eacute abrangente o tratar eacute restrito Agora assim cuidar eacute
complicado difiacutecil O que vocecirc sabe sobre cuidar Vocecirc sabe cuidar de algueacutem ou
vocecirc soacute sabe tratar algueacutem Porque satildeo coisas diferentes Entatildeo eu vou encabeccedilar
135
mesmo essa ideia porque tratar eacute faacutecil a bula do remeacutedio diz como fazer agora cuidar
eacute difiacutecilrdquo (Angeacutelica)
Os profissionais se deparam no dia a dia com o desafio de adotar praacuteticas de humanizaccedilatildeo
no hospital Segundo Ayres (2004 p 22) ldquoo importante para a humanizaccedilatildeo eacute justamente a
permeabilidade do teacutecnico ao natildeo-teacutecnico o diaacutelogo entre essas duas dimensotildees interligadasrdquo
O domiacutenio da teacutecnica eacute imprencindiacutevel para o tratamento do paciente mas natildeo eacute suficiente
quando se fala em humanizaccedilatildeo na aacuterea da sauacutede
Outra colaboraccedilatildeo trazida pelo referido autor define o cuidado ldquocomo designaccedilatildeo de uma
atenccedilatildeo agrave sauacutede imediatamente interessada no sentido existencial da experiecircncia do
adoecimento fiacutesico ou mental e por conseguinte tambeacutem das praacuteticas de promoccedilatildeo proteccedilatildeo
ou recuperaccedilatildeo da sauacutede (Ayres 2004 p22)
Compreender o cuidado enquanto uma atitude terapecircutica significa ir aleacutem dos sinais e
sintomas envolve considerar a histoacuteria do indiviacuteduo seus sentimentos diante do adoecimento
da possibilidade iminente de morte implica em uma escuta atenta e em uma explicaccedilatildeo sobre
o que estaacute acontecendo (os procedimentos adotados os exames que precisam ser feitos) Enfim
implica em considerar o outro como um ser lanccedilado no mundo aberto a possibilidades e capaz
de fazer escolhas
Novamente aqui cabe uma reflexatildeo quanto a capacidade dos profissionais de consiguerem
desenvolver as competecircncias teacutecnicas e relacionais e ainda conseguirem ser assertivos e
atenciosos no atendimento dos pacientes particularmente tambeacutem nos momentos criacuteticos de
perda e morte Trata-se de uma exigecircncia consideraacutevel que precisa ser cumprida mas necessita
de atenccedilatildeo para tornar-se viaacutevel e se sustentar Exige-se do profissional individualmente o
domiacutenio teacutecnico para a funccedilatildeo que executa e as habilidade relacionais necessaacuterias agraves praacuteticas
de humanizaccedilatildeo Entretanto eacute importante mencionar a necessidade de oferecer suporte para
estes profissionais desde a formaccedilatildeo como tambeacutem no dia a dia de trabalho
136
O cotidiano da UTI Neonatal aleacutem de ser tenso de apresentar uma atmosfera com muita
pressatildeo possui dificuldades referentes ao quantitativo de pessoal agrave sobrecarga de trabalho aos
relacionamentos interpessoais e com os familiares de pacientes Enfim isso tudo repercute na
sauacutede do trabalhador aumenta o niacutevel de absenteiacutesmo o que gera mais sobrecarga para os que
ficam no trabalho Estes fatores motivaram alguns profissionaia da UTI Neo a iniciar um projeto
intitulado ldquocuidar do cuidadorrdquo
ldquo A gente tava com o niacutevel de absenteiacutesmo muito alto os profissionais principalmente
os teacutecnicos de enfermagem adoecendo muito na UTI neonatal Jaacute estava chegando num
niacutevel que a equipe estava muito adoecida e se a gente natildeo parasse pra fazer algo com a
equipe natildeo ia conseguir ajudar tambeacutem esses pacientes porque a gente precisa primeiro
cuidar delas primeiro natildeo em paralelo neacute E aiacute a gente comeccedilou um trabalho junto
com a equipe entatildeo a gente taacute montando o projeto Satildeo encontros mensais ontem
inclusive foi o segundo encontro A gente trabalha com musicalizaccedilatildeo com elas com
dinacircmica de grupo ginaacutestica laboral entatildeo as reuniotildees eram tidas elas falam como
chicote soacute era reclamaccedilatildeo e a proposta natildeo eacute nem que o nome seja reuniatildeo satildeo
encontrosrdquo (Rosa)
ldquoCuidar do cuidadorrdquo realmente parece um projeto que apesar de inicial estaacute rendendo
bons frutos Como contribuiccedilatildeo poderia ser ampliado de forma a envolver a equipe
multiciplinar da UTI Neonatal e natildeo somente a equipe de teacutecnicos de enfermagem tendo outros
profissionais como facilitadores Estes encontros poderiam ser mantidos mas com a abertura
para novas possibilidades de reuniotildees envolvendo outros profissionais para faciliar o
entrosamento e ateacute a troca de informaccedilotildees
Outra sugestatildeo que poderia ser passada refere-se ao estabelecimento de um plantatildeo
psicoloacutegico para os profissionais de sauacutede Um espaccedilo para escuta dos mesmos nos momentos
que acharem oportuno e necessaacuterio O simples fato de ser ouvido pode acalentar o coraccedilatildeo dos
que sofrem Esta sugestatildeo vai aleacutem da defesa da importacircncia destes momentos para os
137
funcionaacuterios eacute proveniente de uma demanda da observaccedilatildeo do cotidiano de trabalho e da
expressatildeo dos profissionais como pode ser constatado no relato a seguir
ldquo Assim eu soacute acho que eu gostei muito dessa nossa conversa porque a gente natildeo
tem apoio assim psicoloacutegico a natildeo ser que seja solicitado como jaacute aconteceu que a
gente tem assim uma equipe muito reduzida de teacutecnicos e ai sobrecarrega toda equipe e
a gente solicitou que a gente precisa de um acompanhamento psicoloacutegico que a gente
natildeo aguenta mais o iacutendice de atestado meacutedico por doenccedila fiacutesica e mental foi muito
grande na UTI tanto eacute que foi o setor com mais absenteiacutesmo afastamento por atestado
meacutedico da maternidade inteira e a gente fez ldquonatildeo a gente tem que saber o que eacute vamos
fazer um grupo neacuterdquo Veio uma psicoacuteloga da chefia ela se propocircs a fazer grupos de
conversa porque a gente natildeo tem esse apoio assim claro que por exemplo se dispotildee
ldquogente se vocecircs precisarem eu tocirc aqui pra ajudar vocecircsrdquo mas natildeo eacute aquilo assim ldquoah
a psicoacuteloga dos profissionaisrdquo eacute porque ela se dispotildee mesmo Isso eacute muito bom a gente
ser escutada porque eacute muita obrigaccedilatildeo pra gente e eacute muito dever pra gente vocecirc tem
que fazer vocecirc tem que fazer e a gente natildeo em essa contrapartida de nos ajudar tambeacutem
uma pessoa pra nos ouvir muito bom gostei muitordquo (Violeta)
Esta profissional foi uma das primeiras a ser entrevistada Ao realizar a divulgaccedilatildeo da
pesquisa dentro da UTIN ela se ofereceu prontamente e perguntou se poderia ser ouvida naquele
momento de imediato E assim foi feito Realmente pode-se verificar a importacircncia de um
espaccedilo de escuta para um profissional de sauacutede que lida com tantos desafios e temores Ao final
da entrevista ela fez um agradecimento simplemente pelo fato de ser ouvida
Para mim isto serve de inspiraccedilatildeo quanto a postura cliacutenica do pesquisador da aacuterea de
fenomenologia Noacutes natildeo nos disponibilizamos somente para fazer pesquisa temos consciecircncia
que na relaccedilatildeo com os outros nos encontros estamos envolvidos em uma trama de sentidos
que eacute transformadora para ambas as partes o narrador e o pesquisador que se torna um narrador
agrave medida em que busca compreender o outro e produzir uma nova narrativa com base em como
o que foi ouvido o afetou
138
E eacute justamente sobre estas reflexotildees que trataremos no proacuteximo capiacutetulo No qual a
circularidade se apresenta condensada em palavras as quais tentam resumir o vivido ao longo
do processo de pesquisa Mas jamais tecircm a pretensatildeo de se apresentarem como conclusotildees
Pois a cada vez que satildeo lidas refletidas e analisadas se transformam e nos convidam a serem
reescritas como uma obra inacabada sujeita a interpretaccedilotildees diversas fundamentadas nas
distintas compreensotildees de mundo
139
Capiacutetulo 6 Destecendo a trama da existecircncia reflexotildees a partir das narrativas dos
profissionais de sauacutede
ldquoVladimir Kushrdquo
140
O SONHO
Sonhe com aquilo que vocecirc quer ser
Porque vocecirc possui apenas uma vida
E nela soacute se tem uma chance
De fazer aquilo que quer
Tenha felicidade bastante para fazecirc-la doce
Dificuldades para fazecirc-la forte
Tristeza para fazecirc-la humana
E esperanccedila suficiente para fazecirc-la feliz
As pessoas mais felizes natildeo tecircm as melhores coisas
Elas sabem fazer o melhor das oportunidades
Que aparecem em seus caminhos
A felicidade aparece para aqueles que choram
Para aqueles que se machucam
Para aqueles que buscam e tentam sempre
E para aqueles que reconhecem
A importacircncia das pessoas que passaram por suas vidasrdquo
Clarice Lispector
A vida eacute uma trama repleta de encontros dos fios que tecem o existir ela se constitui
continuamente ateacute o momento em que eacute interrompida e deixa sempre algo para ser acabado
Assim vamos vivendo enfrentando os desafios impostos pelo mundo e por noacutes mesmos
imersos em um horizonte histoacuterico de cobranccedilas marcado por uma busca pela felicidade (que
precisa ser exposta como uma conquista contiacutenua e necessaacuteria) pelo culto ao corpo e agrave
juventude (revelada nas cirurgias plaacutesticas nos cremes e piacutelulas) pela busca da cura e
interdiccedilatildeo da morte (configurada no choro contido na maquiagem dos mortos na induacutestria
141
fuacutenebre que tem crescido vertiginosamente) pelo sucesso profissional (marcado pelas
necessidades de realizaccedilatildeo de status de reconhecimento)
Neste contexto a definiccedilatildeo de ldquoaquilo que vocecirc quer serrdquo pode ser deveras complicada
bastante complexa Porque nem sempre o que se quer eacute possiacutevel ter e nem sempre se sabe o que
se realmente quer Mas mesmo diante destas inconsistecircncias precisamos fazer as escolhas tatildeo
necessaacuterias agrave sobrevivecircncia neste mundo
Como pude observar nos relatos alguns profissionais de sauacutede natildeo queriam inicialmente
trabalhar com bebecircs e ateacute se assustavam sobremaneira com a possibilidade de lidar
constantemente com a morte de seres tatildeo fraacutegeis envoltos em complexas relaccedilotildees familiares
Escolheram em funccedilatildeo de vagas de trabalho da aprovaccedilatildeo em um concurso da alegaccedilatildeo da
administraccedilatildeo hospitalar das necessidades de ampliar a equipe da UTI Neonatal Escolheram e
como bem coloca Clarice Lispector ldquosabem fazer o melhor das oportunidades que aparecem em
seus caminhosrdquo
Os relatos revelam o encantamento com a possibilidade de ajudar os bebecircs e suas
famiacutelias o comprometimento com o trabalho realizado mesmo diante das dificuldades Os
profissionais entrevistados admitem o sofrimento o choro por vezes contido diante dos
familiares e ateacute o distanciamento proposital dos mesmos quando a possibilidade da morte se
amplia Admitem tentar se proteger do sofrimento natildeo se envolver em demasia para seguir
adiante
Falaram sobre o medo da morte sobre o sentimento de impotecircncia e frustraccedilatildeo diante
da morte de receacutem-nascidos E tambeacutem falaram sobre o resignificar da vida diante das
experiecircncias da vontade de dar mais atenccedilatildeo aos filhos ao lembrarem das matildees que natildeo podem
mais tecirc-los por perto A morte do outro no caso das profissionais que satildeo matildees relembra sobre
a possibilidade de perda dos proacuteprios filhos da necessidade de fazer melhores escolhas sobre o
uso do pouco tempo disponiacutevel para atenccedilatildeo dedicada aos mesmos
142
Muitas coisas foram ditas as dificuldades do cotidiano foram contempladas bem como
as significativas melhorias apresentadas na estrutura fiacutesica de trabalho Os novos projetos
tambeacutem apareceram com a boa vontade de propor melhorias de oferecer uma melhor
assistecircncia aos pacientes familiares e aos proacuteprios funcionaacuterios
O que fico me perguntando a partir da escuta atenta destas narrativas eacute o que pode ser
feito diante de tudo o que foi dito Acredito que a primeira reflexatildeo que se apresenta estaacute na
importacircncia de olhar para a o mundo atual para esta atmosfera que nos move para o controle
para o domiacutenio dos instrumentos para o raciociacutenio da causa e efeito para a necessidade de cura
para o sentimento de culpa Compreender que estamos imersos nesta visatildeo de mundo eacute
reconhecer que os instrumentos satildeo necessaacuterios para a relaccedilatildeo que o homem estabelece com o
trabalho com os outros neste mundo E principalmente eacute tambeacutem reconhecer que apesar de
todo o aparato tecnoloacutegico de toda dedicaccedilatildeo humana natildeo temos o controle sobre a vida As
limitaccedilotildees vatildeo existir as falhas fazem parte do processo e em uma hora surpreendentemente
indefinida a morte iraacute chegar
A morte chega e nos diz que a vida iraacute acabar mesmo que a consideremos inacabada
Que as coisas iratildeo acontecer independentemente da nossa vontade Aiacute entramos em um ponto
especialmente delicado o homem enquanto senhor das suas vontades Do querer realizar o
querer que nos mobiliza o natildeo querer que paralisa que gera inconformidade intoleracircncia que
embriaga a visatildeo e dissipa a realidade nua e crua Coloca uma nuvem uma neblina que natildeo
deixa enxergar o natildeo querer
Somos movidos pelos sentimentos e mais atenccedilatildeo precisa ser dada a isso Muito mais
do que se imagina Mais atenccedilatildeo ao que sentimos com o olhar voltado para si mais atenccedilatildeo ao
que os outros sentem com o olhar para o proacuteximo Eacute preciso escutar mais as pessoas entender
o que querem ao que datildeo importacircncia e dentro das possibilidades oferecerem um pouco do
que querem e a reflexatildeo sobre o muito do que natildeo podem sobre as limitaccedilotildees para o querer
143
Voltando para a realidade dos profissionais de sauacutede muitas vezes eles querem ser
ouvidos em sua anguacutestia consolados em seu luto atendidos em relaccedilatildeo agraves condiccedilotildees baacutesicas de
trabalho Satildeo quereres aparentemente possiacuteveis diante dos desafios cotidianos no ambiente de
trabalho Mas quereres tantas vezes pouco atendidos Fala-se na necessidade de cuidar do
cuidador mas o que seria este cuidado senatildeo passar pela escuta atenta das suas necessidades
De que tipo de cuidado estamos falando Mesmo quando as empresas adotam praacuteticas de
atenccedilatildeo aos cuidadores qual a fonte de inspiraccedilatildeo destas praacuteticas O que acham que eacute adequado
ou suficiente para os trabalhadores Ou o que realmente importa para eles
Ainda pensando na questatildeo da morte e fazendo uma articulaccedilatildeo com as experiecircncias dos
profissionais de sauacutede podemos compreender que a morte faz parte da vida do ser-no-mundo
embora tenha sido experienciada de diferentes formas ao longo da histoacuteria da humanidade
Congruente com este pensamento Heidegger (1927 2015) enfatiza a ideia de sempre considerar
o contexto social especiacutefico para interpretar o discurso do outro
Para os profissionais de sauacutede a ocorrecircncia das mortes faz lembrar das limitaccedilotildees
existentes na atuaccedilatildeo profissional Em meio a busca pela cura pela prolongaccedilatildeo da vida a
ocorrecircncia de morte leva agrave frustraccedilatildeo de saber que por mais que se queira curar existem
limitaccedilotildees para a atuaccedilatildeo profissional
Na realidade de uma forma geral independente de refletirmos ou natildeo sobre a morte
esta possibilidade estaacute lanccedilada o tempo todo como algo inerente agrave existecircncia E assim
tecemos os fios da nossa vida Vamos estruturando o nosso tecido pelas experiecircncias que
vivemos enquanto ser-no-mundo um ser que se relaciona com os outros e com o mundo em
um contexto histoacuterico especiacutefico
No contexto atual sem o controle o homem se sente perdido incomodado como se
faltasse algo que lhe trouxesse seguranccedila A anguacutestia retira o ser da situaccedilatildeo de aparente
controle
144
A anguacutestia nos arranca da familiaridade cotidiana nos faz sentir como estranhos no
mundo Ela incomoda por nos trazer algo que ameaccedila a nossa existecircncia e nos lembra do poder
natildeo mais ser E a anguacutestia eacute antes de tudo uma disposiccedilatildeo afetiva uma abertura para o mundo
Desta forma Heidegger (19272015) nos lembra da importacircncia dos afetos para o ser-
no-mundo Somos seres tambeacutem de afeto Mesmo a melhor das teorias natildeo se consolida apenas
com a razatildeo requer sobremaneira a sensibilidade do pesquisador A disposiccedilatildeo afetiva para
realizar algo inclusive para refletir E a anguacutestia favorece isto cria uma atmosfera propiacutecia para
o olhar profundo em relaccedilatildeo a si proacuteprio enquanto ser-no-mundo
O dasein ao ser tomado pela anguacutestia eacute capaz de concentrar-se nas proacuteprias escolhas
de se permitir fazer referecircncia a si mesmo de forma autecircntica podendo assim exercitar a
capacidade de ser propriamente livre
Ao encarar a morte de frente pode-se pensar na melhor forma de viver a vida no
sentido mais autecircntico e verdadeiro para si proacuteprio No sentido de fazer escolhas que geram o
sentimento de valer a pena A ideia de ldquoaceitar o fimrdquo eacute muito mais complexa que o simples
citar desta frase pode implicar em resignificar o comeccedilo em fazer novas escolhas no presente
e projetar-se para o futuro com a consciecircncia que viveraacute do modo mais verdadeiro para si
proacuteprio e que natildeo teraacute o controle sobre tudo e sobre todos
Costumo dizer que planejamos para melhor improvisar Eacute ilusatildeo acharmos que quanto
mais racionais e apegados aos detalhes teremos a previsatildeo dos fatos da vida Planejamos para
melhor improvisar pois enquanto ser-aiacute estamos no mundo abertos a muitas possibilidades
Inclusive na relaccedilatildeo com os outros sobre os quais natildeo temos controle Improvisar faz parte da
vida tanto quanto a noccedilatildeo de projeto Sem projeto natildeo temos sentido para a vida mas se
tornarmos o projeto estaacutetico ele jamais se concretiza inclusive pela nossa proacutepria insatisfaccedilatildeo
com o mesmo
145
Planejamos para melhor improvisar pode tambeacutem ser compreendido como nos
prepararmos para esperar o inesperado ou seja para termos consciecircncia de que por mais que
nos dediquemos a ponto de oferecermos o nosso melhor natildeo teremos o controle sobre o mundo
nem tatildeo pouco sobre os resultados que esperamos para o nosso proacuteprio esforccedilo
Com base nesta reflexatildeo caberia uma pergunta Eacute possiacutevel uma preparaccedilatildeo para a
morte No sentido de prever os acontecimentos como se existissem e efetivamente vivenciaacute-
los a minha resposta seria natildeo Mas no sentido de aliado a preparaccedilatildeo teacutecnica existir uma
reflexatildeo pautada nas limitaccedilotildees humanas e na condiccedilatildeo do dasein enquanto ser-para-a-morte
poderia ser um caminho Este tipo de preparaccedilatildeo poderia minimizar a cobranccedila pela cura e a
culpa pelo aparente fracasso Seria um contraponto para um pensamento que aprisiona na busca
da perfeiccedilatildeo e do controle de algo incontrolaacutevel A preparaccedilatildeo seria portanto de considerar a
realidade de que somos mortais e de que apesar disso buscamos um projeto de vida que nos
faccedila sentido que nos decirc direccedilatildeo agraves nossas atitudes
Ser profissional de sauacutede eacute percorrer um caminho que se constroacutei no cotidiano eacute um
contiacutenuo tornar-se sendo Pelas experiecircncias vivenciadas cada qual constroacutei a sua histoacuteria a
sua maneira de ver a vida projeta o futuro e resignifica o passado Mas ao longo do percurso
aleacutem da preparaccedilatildeo inicial para lidar com a morte eu diria que eacute necessaacuterio um suporte para os
momentos de enfrentamento Como um amparo ao longo da caminhada Seria interessante um
espaccedilo de escuta para estes profissionais nas suas anguacutestias e dificuldades como um plantatildeo
psicoloacutegico Ao mesmo tempo em que seria interessante ampliar as possibilidades de reuniotildees
multidisciplinares com a participaccedilatildeo dos profissionais de distintas formaccedilotildees Espaccedilos de
escuta de troca de informaccedilotildees e ideias podem gerar um sentimento de integraccedilatildeo e facilitar o
caminhar a jornada
146
Diante das narrativas dos profissionais de sauacutede fiquei reflexiva quanto a um aspecto
o quanto estamos sozinhos Alguns se sentem mais acolhidos pelos pares outros menos Mas
de uma forma ou de outra todos utilizam mecanismos para enfrentar as dificuldades
Na realidade o estar sozinho tambeacutem remete agrave condiccedilatildeo de desamparo do dasein Natildeo
temos seguranccedila nesta vida Somos seres desamparados Talvez por isso nos apegamos agraves
coisas do mundo as ocupaccedilotildees do cotidiano Na tentativa de preenchermos um vazio uma
sensaccedilatildeo de desamparo que eacute inerente ao ser-no-mundo
Somos seres sozinhos em meio a uma multidatildeo correndo contra o tempo Nos
consideramos imortais ao deixarmos de refletir sobre a condiccedilatildeo de finitude Cultivamos o
poder de realizar multitarefas de dominar muitos conhecimentos de acumular todo tipo de
informaccedilotildees Fazer vaacuterias coisas ao mesmo tempo passou a ser louvaacutevel digno do meacuterito de
quem acumula coisas
Os profissionais de sauacutede satildeo seres sozinhos no sentido de serem obrigados a dominar
vaacuterios conhecimentos e teacutecnicas de serem considerados responsaacuteveis pela cura dos pacientes
de terem que abdicar ateacute da vida pessoal para ajudar o proacuteximo seja dobrando o plantatildeo seja
assumindo a postura louvaacutevel daquele que estaacute sempre apto para salvar para consolar e dar
atenccedilatildeo
Estatildeo sozinhos quando falta material equipamentos adequados pessoas suficientes e
mesmo assim os problemas precisam ser resolvidos e enfrentados Sozinhos quando precisam
chorar suportar as dores e anguacutestias pois ao se mostrarem fragilizados natildeo satildeo considerados
capazes de ocupar aquele lugar Como no caso da profissional que chorava copiosamente diante
da morte do receacutem-nascido e a colega afirmou que ela deveria trabalhar em um shopping
Estes profissionais encontram-se imersos em uma realidade da sauacutede puacuteblica brasileira
caracterizada pela deficiecircncia pela falta dos materiais equipamentos e pessoas necessaacuterias para
a execuccedilatildeo efetiva das atividades As notiacutecias nos diversos meios de comunicaccedilatildeo (jornais
147
televisatildeo internet raacutedio) destacam como a sauacutede puacuteblica natildeo eacute uma prioridade no Brasil A
populaccedilatildeo sofre muito com isso assim como os profissionais de sauacutede
Diante da falta de condiccedilotildees de trabalho a sobrecarga apresenta-se como rotina como
o padratildeo caracteriacutestico do cotidiano de trabalho destes profissionais Assim configura-se o ciclo
vicioso A sobrecarga leva ao adoecimento que leva agrave ausecircncia do trabalho e amplia a
sobrecarga para os que ficam provavelmente os proacuteximos a adoecerem
Em meio a esta realidade muitas vezes os profissionais satildeo mal remunerados pouco
valorizados e se submetem a um concurso puacuteblico como forma de garantir a estabilidade do
emprego mas natildeo necessariamente apresentam o interesse ou mesmo o perfil para a atuaccedilatildeo
em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal Existem ainda os que precisam para aumentar a
renda trabalhar em outros hospitais tantas vezes saindo de um plantatildeo para outro gerando
desgaste fiacutesico e psicoloacutegico
Temos os que se afastam do trabalho os que trabalham sofrendo os que se afastam no
trabalho procurando se distanciar do sofrimento Diante de tudo isso eacute importante enfatizar
que os profissionais precisam ser ouvidos precisam de suporte psicoloacutegico no ambiente de
trabalho precisam de uma formaccedilatildeo que priorize as temaacuteticas da morte e das perdas de uma
forma reflexiva Mas precisam sobretudo de condiccedilotildees adequadas de trabalho (em termos de
materias equipamentos carga horaacuteria) e de reconhecimento Eacute contraditoacuterio culpar o
profissional pela morte de pacientes e mais seriamente fazecirc-lo se sentir culpado quando natildeo
satildeo oferecidas as condiccedilotildees necessaacuterias inclusive para evitar que algumas morte aconteccedilam
A sobrecarga de trabalho favorece a ocorrecircncia de erros que podem levar a morte dos
bebecircs Aleacutem de conviver com a sobrecarga agraves vezes ateacute com a exaustatildeo e o adoecimento o
profissional precisa salvar vidas e quando isso natildeo ocorre encontrar meios para lidar com as
frustraccedilotildees com os sentimentos de impotecircncia e de culpa E quando reivindicam tantas vezes
satildeo lembrados da ldquovocaccedilatildeordquo originaacuteria de ajudar o proacuteximo salvar vidas dedicar-se ao bem do
148
outro Natildeo dobrar um plantatildeo pode significar o abandono dos bebecircs E quanto ao abandono de
si proacuteprio e dos outros papeacuteis que ocupa na vida
Ao longo do percurso da vida muitas mortes satildeo vivenciadas inclusive as perdas
cotidianas os desejos e sonhos natildeo realizados o fim de relacionamentos a perda de emprego
o tornar-se aposentado Os fechamentos de ciclos na vida podem ser sentidos como verdadeiras
mortes que deixam marcas e levam um pouco de noacutes Diante destas mortes eacute necessaacuterio refletir
sobre a direccedilatildeo tomada o sentido da vida e o novo caminho a ser trilhado Quando isso natildeo eacute
possiacutevel a morte paralisa leva agrave perda de sentido aos afastamentos do trabalho ao teacutedio agrave
depressatildeo e ateacute ao suiciacutedio
Tudo depende do significado atribuiacutedo ao fato Para quem o trabalho representa a razatildeo
de existir a necessidade de se sentir uacutetil o ciclo social de convivecircncia a aposentadoria pode
significar a morte de toda uma vida de dedicaccedilatildeo de uma rede de relaccedilotildees e de um
pertencimento a um mundo que natildeo mais existe E se aleacutem deste significado faltar a direccedilatildeo
um projeto para o futuro um novo olhar para o mundo o sentido da vida pode esvair-se como
a aacutegua entre os dedos O ser se perde morre ainda vivo morre para o mundo e para os outros
Ao longo da trajetoacuteria a vivecircncia das perdas pode ser sentida de diferentes formas que
deixam marcas resignificam a vida mas natildeo mudam de condiccedilatildeo ou significado satildeo perdas
Grandes e pequenas mortes com as quais precisamos aprender a lidar no cotidiano
Da mesma forma que na contemporaneidade fugimos da morte tentamos evitar ao
maacuteximo pensar na morte dos outros e na nossa proacutepria morte e mascaramos o luto noacutes tambeacutem
fugimos das perdas escondemos os fracassos encobrimos as falhas buscamos culpados para a
natildeo-realizaccedilatildeo dos desejos e sonhos nos concentramos em outras demandas para natildeo olhar para
o que perdemos Caiacutemos na impessoalidade e ficamos na superfiacutecie das histoacuterias das relaccedilotildees
das atividades cotidianas Tomamos piacutelulas para emagrecer remeacutedios para esquecer das dores
para dormir o sono que evita a culpa
149
As perdas demonstram que natildeo temos o controle sobre o mundo e tambeacutem indicam que
somos seres em deacutebito Sempre que escolhemos algo abrimos matildeo de outras possibilidades o
tempo inteiro Estamos em deacutebito com o que natildeo escolhemos e se satildeo decisotildees importantes
para a nossa vida nos encontramos em um deacutebito ainda maior conosco O mais doloroso disso
tudo eacute que esta diacutevida vai sendo cobrada ao longo da existecircncia ateacute a finitude quando deixamos
a condiccedilatildeo de ser-no-mundo
Ter consciecircncia de ser algueacutem em deacutebito nos torna mais reflexivos quanto agraves escolhas
que realizamos Tantas vezes o sim para o mundo pode ser o natildeo para si proacuteprio E a dor da
sequecircncia de perdas pode levar ao adoecimento e agrave perda de sentido da vida
Seja entendida como um castigo ou fonte de expiaccedilatildeo dos pecados Seja compreendida
como o fim da existecircncia ou um novo comeccedilo a morte continuaraacute na verdade como presenccedila
como uma possibilidade certa na nossa existecircncia um marco divisoacuterio entre estar-no-mundo e
deixar de ser-no-mundo Cabe a noacutes escolher ateacute como lidar com tudo isso
150
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157
ANEXOS
158
Paacutegina 1 de 1
TERMO DE GRAVACcedilAtildeO DE VOZ
Eu__________________________________________ autorizo a gravaccedilatildeo da
entrevistadepoimento a qual integra a pesquisa intitulada ldquoOs profissionais de sauacutede e a
experiecircncia da morte em UTI Neonatal agrave luz da fenomenologia hermenecircutica
heideggerianardquo na qual participo como voluntaacuterio(a) Este estudo tem como pesquisadora
responsaacutevel Lucila Moura Ramos Vasconcelos sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Elza Dutra
vinculadas ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Psicologia da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte
Com este termo estou ciente que esta gravaccedilatildeo possui a finalidade de contribuir para a
compreensatildeo do fenocircmeno aqui estudado e autorizo que a mesma seja realizada nas condiccedilotildees
propostas pela pesquisadora permitir que a gravaccedilatildeo aconteccedila nos encontros propostos para a
realizaccedilatildeo da escuta dos depoimentos podendo ser pausada a cada momento que for necessaacuterio
durante o transcorrer da entrevista
Estou ciente que o conteuacutedo destas gravaccedilotildees seraacute armazenado pela pesquisadora
responsaacutevel em local seguro por um periacuteodo de 5 anos Tambeacutem seraacute preservado o sigilo quanto
agrave identidade dos participantes desta pesquisa
Natal _________ _____________________________________________________
Assinatura do participante da pesquisa
Impressatildeo datiloscoacutepica do participante da pesquisa
159
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ndash TCLE
Este eacute um convite para vocecirc participar da pesquisa intitulada ldquoOs profissionais de
sauacutede e a experiecircncia da morte em UTI Neonatal agrave luz da fenomenologia hermenecircutica
heideggerianardquo Este estudo tem como pesquisadora responsaacutevel Lucila Moura Ramos
Vasconcelos sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Elza Dutra vinculadas ao Programa de Poacutes-
Graduaccedilatildeo em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
A motivaccedilatildeo para o presente estudo surgiu da praacutetica profissional da pesquisadora e do
olhar para a atuaccedilatildeo dos trabalhadores que se dedicam a promover a assistecircncia aos pacientes
No cotidiano de trabalho os profissionais de sauacutede aleacutem de precisarem do conhecimento
teacutecnico e do entendimento e cumprimento dos protocolos de seguranccedila ainda vivenciam
situaccedilotildees de morte de pacientes
Diante do exposto o presente estudo tem como objetivo geral compreender como os
profissionais de sauacutede atuantes em UTI Neonatal experienciam a morte de receacutem-nascidos e
como objetivos especiacuteficos conhecer as concepccedilotildees dos profissionais sobre a morte entender
como os profissionais lidam com as exigecircncias inerentes ao trabalho em UTI Neonatal entender
os sentidos de ser profissional de sauacutede atuante em UTI Neonatal Tendo em vista esta temaacutetica
foi escolhida como campo de estudo a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco (MEJC) referecircncia
no estado do Rio Grande do Norte para a gestaccedilatildeo de alto risco
Se vocecirc decidir participar vocecirc seraacute entrevistado(a) A entrevista poderaacute durar 1 (uma)
hora e seraacute gravada em aacuteudio Em momento posterior a pesquisadora iraacute transcrever o que foi
gravado para uso na pesquisa Durante a realizaccedilatildeo da entrevista vocecirc poderaacute sentir um
desconforto emocional causado por alguma pergunta da entrevista mas vale lembrar que o
pesquisadora eacute psicoacuteloga e possui condiccedilotildees de lhe oferecer acolhimento se for necessaacuterio
Vocecirc teraacute como benefiacutecio a possibilidade de falar sobre sua experiecircncia enquanto profissional
de sauacutede e sobre os sentidos que vocecirc atribui a essa experiecircncia Dessa forma vocecirc contribuiraacute
para a produccedilatildeo de conhecimento na aacuterea desse estudo
A importacircncia deste estudo estaacute na compreensatildeo da experiecircncia da morte de receacutem-
nascidos pelos profissionais de sauacutede no intuito de gerar contribuiccedilotildees para proacuteprios os
profissionais de sauacutede a instituiccedilatildeo hospitalar e consequentemente para a assistecircncia dos
pacientes e de seus familiares Ao serem ouvidos cada participante contaraacute sobre os fatos que
vivenciaram e a realidade do seu trabalho Isto por si soacute poderaacute promover reflexotildees sobre a
Paacutegina 1 de 3
160
conduccedilatildeo das suas atividades e sobre os sentimentos diante das perdas Estas informaccedilotildees
poderatildeo indicar a necessidade de suporte psicoloacutegico eou da equipe de trabalho no
enfrentamento das perdas Tambeacutem poderatildeo suscitar na Instituiccedilatildeo a necessidade de novas
orientaccedilotildees eou capacitaccedilotildees para os funcionaacuterios bem como accedilotildees voltadas para a sauacutede e
qualidade de vida no trabalho
Vocecirc tem o direito de se recusar a participar da pesquisa ou retirar seu consentimento
em qualquer momento da entrevista Isto significa que vocecirc poderaacute parar a entrevista em
qualquer momento Vocecirc tambeacutem tem o direito de se recusar a responder qualquer pergunta
As informaccedilotildees que vocecirc iraacute fornecer seratildeo confidenciais Estas informaccedilotildees seratildeo divulgadas
apenas em congressos ou publicaccedilotildees cientiacuteficas mas nenhum dado que possa lhe identificar
seraacute divulgado Esses dados seratildeo guardados pela pesquisadora responsaacutevel em local seguro
por um periacuteodo de 5 anos
Se vocecirc tiver algum gasto pela sua participaccedilatildeo nessa pesquisa ele seraacute assumido pela
pesquisadora e reembolsado para vocecirc Se vocecirc sofrer algum dano comprovadamente causado
por esta pesquisa vocecirc seraacute indenizado O participante da pesquisa tem direito a indenizaccedilatildeo
conforme as leis vigentes no paiacutes caso ocorra dano decorrente de participaccedilatildeo na pesquisa
Durante todo o periacuteodo da pesquisa vocecirc poderaacute tirar suas duacutevidas ligando para Lucila
Moura Ramos Vasconcelos atraveacutes do celular 084-99970-4550 ou do e-mail
lucilamourayahoocombr Tambeacutem poderaacute entrar em contato com a orientadora da pesquisa
a Profordf Drordf Elza Dutra por meio do celular 084-99924-4175 ou de seu e-mail
elzadutrarngmailcom
Para tirar qualquer duacutevida sobre os aspectos eacuteticos dessa pesquisa vocecirc deveraacute ligar para
o Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Universitaacuterio Onofre Lopes (084-3342 5003) como
poderaacute enviar e-mail para cep_huolyahoocombr ou comparecer diretamente no Hospital
Universitaacuterio Onofre Lopes localizado na Avenida Nilo Peccedilanha 620 no bairro de Petroacutepolis
(CEP 59012-300)
Este documento foi impresso em duas vias Uma ficaraacute com vocecirc e a outra com a
pesquisadora responsaacutevel Lucila Moura Ramos Vasconcelos
Apoacutes ter sido informado(a) sobre os objetivos a importacircncia e a forma como as
informaccedilotildees seratildeo coletadas nessa pesquisa e de conhecer os riscos desconfortos e benefiacutecios
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161
Paacutegina 3 de 3
e ter conhecimento de todos os meus direitos concordo em participar da pesquisa ldquoOs
profissionais de sauacutede e a experiecircncia da morte em UTI Neonatal agrave luz da fenomenologia
hermenecircutica heideggerianardquo e autorizo a divulgaccedilatildeo das informaccedilotildees fornecidas em
congressos eou publicaccedilotildees cientiacuteficas desde que nenhum dado possa me identificar
Natal _________ _____________________________________________________
Assinatura do participante da pesquisa
Impressatildeo datiloscoacutepica do participante da pesquisa
3
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogaccedilatildeo de Publicaccedilatildeo na Fonte UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciecircncias Humanas Letras e Artes -
CCHLA
Vasconcelos Lucila Moura Ramos
A experiecircncia dos profissionais de sauacutede da uti neonatal agrave luz
da fenomenologia hermenecircutica Heideggeriana Lucila Moura Ramos
Vasconcelos - Natal 2018
160f il color
Tese (doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande do
Norte Centro de Ciecircncias Humanas Letras e Artes Programa de
Poacutes-Graduaccedilatildeo em Psicologia
Orientadora Profa Dra Elza Dutra
1 Pesquisa fenomenoloacutegica - Tese 2 Profissionais de sauacutede
- Tese 3 UTI Neonatal - Morte - Receacutem-nascido - Tese I
Dutra Elza II Tiacutetulo
RNUFBS-CCHLA CDU 1599
Elaborado por Heverton Thiago Luiz da Silva - CRB-15710
4
5
ldquo Eacute preciso amor
Pra poder pulsar
Eacute preciso paz pra poder sorrir
Eacute preciso a chuva para florir
Todo mundo ama um dia
Todo mundo chora
Um dia a gente chega
E no outro vai embora
Cada um de noacutes compotildee a sua histoacuteria
Cada ser em si
Carrega o dom de ser capaz
E ser felizrdquo
Almir Sater
6
AGRADECIMENTOS
A Deus pelo dom da vida pela infinita bondade e sabedoria
Aos meus pais Ricardo e Luacutecia meu eterno agradecimento por tudo o que sou Por serem o
meu porto seguro meus grandes professores exemplos de vida fontes de inspiraccedilatildeo Muito
obrigada pelas orientaccedilotildees pela escuta atenta pela ternura no olhar pelo amor incondicional
Aos meus irmatildeos Ricardo e Rafael meus mestres obrigada pelo incentivo exemplo forccedila
aprendizado e afeto
Ao meu esposo Rodrigo meu amor meu amigo meu parceiro Ao seu lado sinto-me mais
forte para alcanccedilar os nossos objetivos Obrigada pelo apoio pela compreensatildeo e incentivo
Ao meu lindo filho Felipe um receacutem-nascido que me inspirou a buscar novos projetos
iluminou a minha vida deu um novo sentido ao meu existir
A minha orientadora professora Elza Dutra por ter acreditado em mim desde o iniacutecio do
doutorado Obrigada pelas orientaccedilotildees pelo aprendizado sobre pesquisa Obrigada por ser tatildeo
inspiradora por iluminar o meu caminho e possibilitar o meu crescimento enquanto ser-no-
mundo
Aos professores e colegas do GESDH Grupo de Estudos Subjetividade e Desenvolvimento
Humano obrigada pela troca de informaccedilotildees pelas ideias compartilhadas e incentivo agrave
pesquisa
Agraves professoras Ana Karina Azevedo e Simone Tomaz Moreira pelas valiosas contribuiccedilotildees
para a minha tese
A Daphene Lucas Mariana e Carol pelo auxiacutelio nas transcriccedilotildees das entrevistas Foi muito
bom trabalhar com vocecircs
A todos os voluntaacuterios do estudo obrigada pela solicitude disponibilidade e interesse
Aos meus amigos muito obrigada pela compreensatildeo e incentivo O mundo eacute muito mais doce
e radiante com a presenccedila de vocecircs
A todas as pessoas que contribuiacuteram direta e indiretamente para que este sonho se tornasse
realidade
7
Sumaacuterio
Resumo 11
Introduccedilatildeo 13
Capiacutetulo I Os sentidos da morte ao longo da histoacuteria 31
Capiacutetulo II Contemplando alguns existenciais da fenomenologia
Heideggeriana
45
Capiacutetulo III O profissional de sauacutede 67
Capiacutetulo IV Meacutetodo A escolha do caminho 83
Capiacutetulo V As narrativas dos participantes os sentidos de ser profissional de
sauacutede em UTI Neonatal
95
Capiacutetulo VI Destecendo a trama da existecircncia reflexotildees a partir das
narrativas dos profissionais de sauacutede
139
Referecircncias 150
Anexos 157
8
Lista de Figuras
Figura Paacutegina
1 O Contexto de Atuaccedilatildeo Profissional de Sauacutede na UTI Neonatal 24
2 O Ciacuterculo Hermenecircutico 93
9
Lista de Tabelas
Tabela Paacutegina
1 Nuacutemero de oacutebitos notificados e investigados por tipo e ano de ocorrecircncia
na MEJC NatalRN
18
10
Lista de Siglas
ANVISA Agecircncia Nacional de Vigilecircncia Sanitaacuteria
BVS Biblioteca Virtual em Sauacutede
CAPES Coordenaccedilatildeo de Aperfeiccediloamento de Pessoal de Niacutevel Superior
EBSERRH Empresa Brasileira de Serviccedilos Hospitalares
HUOL Hospital Universitaacuterio Onofre Lopes
IMI Instituto Materno Infantil
MEJC Maternidade Escola Januaacuterio Cicco
UTI Unidade de Terapia Intensiva
UTIN Unidade de Terapia Intensiva Neonatal
11
Resumo
Desde a transferecircncia dos doentes para os hospitais foi delegado aos profissionais de sauacutede o
papel de promover o cuidado aos pacientes Nestes locais a morte eacute evitada podendo ser
justificada pela ocorrecircncia de falhas e erros E em Instituiccedilotildees de sauacutede especiacuteficas as
maternidades menos se fala na possibilidade da morte apesar da sua presenccedila em meio agrave vida
Com a evoluccedilatildeo da medicina e a consequente ampliaccedilatildeo das teacutecnicas e tipos de equipamentos
a serem utilizados as maternidades tornaram-se locais munidos de um aparato tecnoloacutegico
considerado necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo da vida concentrados em uma unidade de terapia
intensiva neonatal Em meio a este contexto os profissionais de sauacutede aleacutem de precisarem do
conhecimento teacutecnico e do entendimento e cumprimento dos protocolos de seguranccedila ainda
lidam com a anguacutestia e o abalo emocional ao vivenciarem situaccedilotildees de morte e perdas no
cotidiano de trabalho Diante do exposto o presente estudo tem como objetivo compreender a
experiecircncia de profissionais que atuam em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal A
Maternidade Escola Januaacuterio Cicco referecircncia no estado do Rio Grande do Norte para a
gestaccedilatildeo de alto risco foi escolhida como campo de estudo Como orientaccedilatildeo metodoloacutegica foi
utilizada a fenomenologia hermenecircutica heideggeriana e como possibilidade de escuta a
entrevista narrativa Foram realizadas 9 entrevistas com profissionais de sauacutede de diversas
formaccedilotildees (meacutedicos enfermeiros teacutecnicos de enfermagem psicoacutelogos fisioterapeutas
assistente social) A anaacutelise das narrativas foi feita tendo como inspiraccedilatildeo o ciacuterculo
hermenecircutico proposta por Martin Heidegger na Analiacutetica da Existecircncia As interpretaccedilotildees
mostraram os profissionais relatando sentimentos de frustraccedilatildeo impotecircncia culpa e tristeza
diante da morte de receacutem-nascidos Tambeacutem apontam as dificuldades existentes no cotidiano
de trabalho Verificou-se a necessidade de ampliar os projetos ainda incipientes de atenccedilatildeo
aos profissionais de sauacutede com a estruturaccedilatildeo de espaccedilos de plantatildeo psicoloacutegico e realizaccedilatildeo
de reuniotildees multidisciplinares de forma a promover uma maior integraccedilatildeo entre os diversos
profissionais O estudo tambeacutem traz reflexotildees para as instituiccedilotildees formadoras no sentido de
instituiacuterem ou ampliarem o espaccedilo na academia para abordar a temaacutetica da morte de
pacientes A importacircncia deste estudo estaacute justamente na compreensatildeo da experiecircncia dos
profissionais de sauacutede com o intuito de gerar contribuiccedilotildees para a comunidade acadecircmica a
instituiccedilatildeo hospitalar e consequentemente para a assistecircncia dos pacientes e de seus familiares
Palavras-chave Pesquisa fenomenoloacutegica profissionais de sauacutede UTI Neonatal morte
receacutem-nascido
12
Abstract
Since the transfer of patients to hospitals the role of promoting patient care has been delegated
to health professionals In these places death is avoided and can be justified by the occurrence
of failures and errors And in specific health institutions maternity hospitals the less is the
possibility of death despite their midlife presence With the evolution of medicine and the
consequent expansion of the techniques and types of equipment to be used maternities became
places equipped with a technological apparatus considered necessary for the maintenance of
life concentrated in a unit of neonatal intensiva therapy In this context health professionals
in addition to needing technical knowledge and understanding and compliance with safety
protocols still deal with distress and emotional shock experiencing death situations and losses
in their daily work In view of the above the present study aims to understand the experience
of professionals working in Neonatal Intensive Care Units The Maternidade Escola Januaacuterio
Cicco reference in the state of Rio Grande do Norte for high risk gestation was chosen as a
field of study As a methodological orientation was used the heideggerian hermeneutic
phenomenology and as a possibility of listening the narrative interview Nine interviews were
conducted with health professionals from different backgrounds (doctors nurses nursing
technicians psychologists physiotherapists social workers) The analysis of the narratives was
inspired by the hermeneutic circle proposed by Martin Heidegger in the Analytic of Existence
The interpretations showed the professionals reporting feelings of frustration impotence guilt
and sadness at the death of newborns They also point out the difficulties in daily work There
was a need to expand the still incipient projects of attention to health professionals with the
structuring of spaces for psychological counseling and the holding of multidisciplinary
meetings in order to promote greater integration among the different professionals The study
also brings reflections to the training institutions in order to institute or expand space in the
academy to address the issue of patient death The importance of this study is precisely in the
understanding of the experience of health professionals in order to generate contributions to
the academic community the hospital institution and consequently to the care of patients and
their families
Keywords Phenomenological research health professionals neonatal ICU death newborn
13
Introduccedilatildeo
O poema nos inspira a refletir sobre o que seria uma UTI Neonatal Porto seguro Local
assustador Matildeo renascedora Misto de amor e tecnologia Tantas possibilidades para um local
tatildeo peculiar onde nascimento e morte estatildeo presentes intensamente Onde a vida aparece em
uma fragilidade tamanha que assusta ao mesmo tempo que pode promover um encantamento
pela necessidade de zelo e carinho
A UTI Neonatal
Uma grande escola de valorizaccedilatildeo da vida
Por entre equipos e leitos e sensores
E monitores e bombas de infusatildeo
A tecnologia aliviando as dores
A esperanccedila alimentando o coraccedilatildeo
Por entre antibioacuteticos e perfusores
Coletas rastreando a infecccedilatildeo
Profissionais e procedimentos salvadores
Pais e bebecircs esperando a salvaccedilatildeo
A UTI Neonatal assustadora
Tentando ser a matildeo renascedora
Tentando ser o manto que alivia
A UTI Neonatal porto seguro
Oaacutesis da esperanccedila em um futuro
Misto de amor e tecnologia
Dr Luiz Alberto Mussa Tavares Poemas para Almas Apressadas 2017
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Um local em que estatildeo presentes vidas que brotam como fraacutegeis sementes em terrenos
aacuteridos Vidas-sementes pelas quais alguns cuidadores como jardineiros dedicados se
desdobram se empenham para realizar os procedimentos necessaacuterios se envolvem com o seu
desenvolvimento ou finitude
Satildeo estes cuidadores que seratildeo contemplados no presente estudo Nosso convite eacute
justamente para olhar a realidade de uma UTI Neonatal sobre o prisma de quem estaacute laacute imerso
no cotidiano do trabalho marcado pelas aberturas e afetaccedilotildees
Diante da escuta destes profissionais apresentamos reflexotildees sobre as suas
experiecircncias contemplamos o ponto de vista dos trabalhadores que vivenciam grandes
dificuldades anguacutestias e acalentos que sofrem se encantam e se surpreendem
Estas reflexotildees sobre a realidade dos profissionais entretanto natildeo iniciaram com o
presente estudo Partiram da minha atuaccedilatildeo enquanto psicoacuteloga em instituiccedilotildees hospitalares
Ao acompanhar o trabalho dos profissionais de sauacutede pude observar o contexto da prestaccedilatildeo
de assistecircncia aos pacientes bem como a maneira como trabalhavam Aleacutem dos momentos em
que eu era solicitada pela equipe (meacutedicos enfermeiros nutricionistas) para dar assistecircncia
aos pacientes existiam outros nos quais quem me procurava eram os proacuteprios profissionais para
relatarem suas anguacutestias diante da morte de pacientes nas Unidades de Terapia Intensiva
inclusive na UTI Neonatal Como uma enfermeira que se angustiava profundamente diante da
morte de pacientes na UTI Um sofrimento refletido na sua proacutepria vida e na condiccedilatildeo de ser
um profissional da aacuterea de sauacutede
O limite entre a dedicaccedilatildeo na assistecircncia ao paciente e o envolvimento ao ponto de
adoecer eacute muito tecircnue E se apresenta como um desafio constante na atuaccedilatildeo dos profissionais
Faz parte da rotina lidar com o sofrimento dos pacientes e a dor da perda dos seus familiares
Por outro lado diante do sofrimento tambeacutem ocorria um certo distanciamento ou natildeo
envolvimento O atendimento era realizado de uma forma automaacutetica com o olhar voltado para
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a presenccedila de sintomas para o controle da medicaccedilatildeo e para o funcionamento dos
equipamentos
A inspiraccedilatildeo para o presente estudo foi proveniente do desejo de contemplar a
experiecircncia dos profissionais de sauacutede que atuam na UTI Neonatal seu contexto de atuaccedilatildeo e
as dificuldades enfrentadas em um ambiente caracterizado pela presenccedila do risco de morte o
tempo inteiro A morte assume um destaque no estudo por fazer parte do cotidiano dos
profissionais em um local que existe em funccedilatildeo da busca pela cura e da tentativa de evitar a
morte
A morte eacute o tempo todo lembrada na UTI Neonatal como um fato que ocorre no dia a
dia de trabalho A partir desta constataccedilatildeo alguns questionamentos foram surgindo Em uma
sociedade que interdita a morte que valoriza a cura e a vida como eacute para o profissional de
sauacutede conviver com a lembranccedila desta possibilidade de finitude o tempo inteiro Em uma
sociedade que valoriza a juventude como eacute conviver com a morte de receacutem-nascidos Diante
da crenccedila desta sociedade de que os bebecircs teriam a vida inteira pela frente a morte destes
seres pareceria injusta ou mais difiacutecil de ser compreendida
Diante destes questionamentos iniciais e na busca por autores que refletissem pelas
temaacuteticas da morte das perdas do cuidado tive um ldquoencontrordquo com um filoacutesofo que
influenciou sobremaneira a minha forma de compreender o ser-no-mundo Martin Heidegger
A ontologia heideggeriana nos oferece a possibilidade de compreender o fenocircmeno a
experiecircncia do outro como algo que se desvela em um contexto especiacutefico Como aquilo que
se apresenta a partir da compreensatildeo e das afetaccedilotildees dos que estatildeo ali vivenciando o fenocircmeno
Ao escrever Ser e Tempo sua obra mais conhecida publicada em 1927 Heidegger
trouxe agrave luz a questatildeo do sentido do ser E junto com ela reflexotildees profundas sobre a existecircncia
Rompeu com a dicotomia entre homem e mundo ao afirmar que natildeo existe uma separaccedilatildeo entre
ambos uma vez que o homem eacute ser-no-mundo Eacute tambeacutem desde o seu nascimento um ser-
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para-a-morte E a morte eacute a possibilidade mais proacutepria insuperaacutevel do homem enquanto
projeto
Mas ao se deparar com a possibilidade da morte o ser se angustia por se dar conta que
a finitude deixa todos os projetos inacabados torna todas as escolhas questionaacuteveis modifica
valores reprograma a vida Como nos inspira Feijoo (2000 p 90) ldquoNa anguacutestia frente agrave
constataccedilatildeo do ser-para-a-morte o ser-lanccedilado surge para a pre-senccedila de modo mais proacuteprio
Antecipando a morte como possibilidade insuperaacutevel e certa a pre-senccedila assume todas as suas
possibilidades inclusive a de existir na totalidade do seu poder-serrdquo
Diante da iminecircncia da proacutepria morte a vida pode ser revista E diante da morte do
outro Heidegger (1927 2015) afirma que natildeo temos acesso agrave experiecircncia vivida por quem
morre no maacuteximo estamos apenas junto Noacutes soacute poderemos saber o que eacute morrer quando
morremos Entretanto a morte do outro nos faz lembrar da possibilidade da nossa proacutepria
morte Algo que nos alerta em meio a um turbilhatildeo de atividades da vida cotidiana Como a luz
distante de um barco em meio agraves ondas agitadas do oceano
Para os profissionais de sauacutede que no cotidiano de trabalho lidam com a morte de
pacientes como eacute viver com a lembranccedila diaacuteria da possibilidade de morte Escolher trabalhar
com a assistecircncia em hospitais implica em assumir tambeacutem este desafio aleacutem de todas as outras
atribuiccedilotildees inerentes ao cargo que ocupa
A partir da reflexatildeo sobre a realidade dos profissionais de sauacutede alguns
questionamentos comeccedilaram a surgir Ao escolher esta carreira esta ocupaccedilatildeo o profissional
reflete sobre isso Se prepara para isso Podemos nos considerar preparados para lidar com a
morte Durante a atuaccedilatildeo profissional existe um suporte para lidar com tanto sofrimento
proveniente das perdas da vida De que lugar estamos falando
Vivemos em uma sociedade em um contexto histoacuterico especiacutefico Uma sociedade que
valoriza a juventude a teacutecnica a vida Que enaltece os aparatos tecnoloacutegicos o sucesso
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profissional as agendas lotadas de atividades Uma sociedade que diz correr contra o tempo
como se isso fosse possiacutevel
Para a sociedade que interdita a finitude a possibilidade assustadora de parar a
produtividade e refletir sobre a conduccedilatildeo da vida resiste ainda mais agrave morte de crianccedilas e agrave
morte de bebecircs Entretanto enquanto existe o ser-no-mundo eacute ser-para-a-morte Desde a
primeira respiraccedilatildeo esta possibilidade estaacute posta na nossa existecircncia podendo ocorrer a
qualquer momento
Embora mesmo que da forma mais difiacutecil parecemos aceitar quando a morte eacute de um
idoso (que jaacute viveu muito cumpriu a sua missatildeo) Para uma crianccedila (com a vida toda pela
frente) a morte parece injusta e incomoda profundamente Ao longo deste trabalho veremos
que nem sempre a morte foi vista desta forma caracteriacutestica da sociedade ocidental
contemporacircnea Na Greacutecia Antiga existia ldquoprazordquo para o luto de crianccedilas Natildeo havia a
preocupaccedilatildeo com os iacutendices de mortalidade infantil como na atualidade
Aparentemente seria contraditoacuterio abordar a temaacutetica da morte em um ambiente
destinado agrave propagaccedilatildeo da vida Entretanto estudos demonstram que o Brasil ainda estaacute muito
longe de atingir iacutendices de mortalidade infantil considerados ldquoaceitaacuteveisrdquo O Brasil encontra-se
em 90ordm lugar entre 187 paiacuteses no ranking das Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) atraacutes de
paiacuteses como Cuba Chile Argentina China e Meacutexico E apresentando um iacutendice de 1988
mortes por mil nascimentos vivos O que demonstra que as estrateacutegias de combate agrave mortalidade
materno-infantil falharam em reduzir significantemente a mortalidade neonatal cujo
componente neonatal precoce (de 0 a 6 dias) sofreu menor reduccedilatildeo (Ministeacuterio da Sauacutede
2012 Maranhatildeo Vasconcelos Trindade et al 2012 Lansky Friche Silva et al 2014)
A morte de receacutem-nascidos tatildeo pouco divulgada ainda eacute mais constante do que supotildee
o senso comum A pesquisa Nascer no Brasil um estudo sobre a mortalidade neonatal no paiacutes
foi realizada no periacuteodo de fevereiro de 2011 a outubro de 2012 por meio de entrevistas e
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avaliaccedilatildeo de prontuaacuterios de 23940 pueacuterperas Os resultados indicaram que os oacutebitos neonatais
se concentraram nas regiotildees Nordeste (383) e Sudeste (305) do Brasil e entre receacutem-
nascidos prematuros e com baixo peso ao nascer (817 e 82) O baixo peso ao nascer o
risco gestacional e condiccedilotildees do receacutem-nascido foram os principais fatores associados ao oacutebito
neonatal (Lansky Friche Silva et al 2014)
No Brasil 60 da mortalidade infantil ocorre no periacuteodo neonatal Cerca de 62 dos
oacutebitos de nascidos vivos com peso superior a 1500g ao nascer satildeo evitaacuteveis sendo as afecccedilotildees
perinatais o principal grupo de causas baacutesicas correspondendo a cerca de 60 das mortes
infantis e 80 das mortes neonatais (Ministeacuterio da Sauacutede 2012)
A mortalidade perinatal afeta desproporcionalmente diferentes classes socio-
econocircmicas e regiotildees brasileiras Populaccedilotildees vulneraacuteveis sobretudo as residentes nas regiotildees
Norte e Nordeste brasileiras registram piores condiccedilotildees sanitaacuterias e de acesso e uso de serviccedilos
de sauacutede consequentemente detecircm as mais elevadas taxas de mortalidade infantil do paiacutes
(Ministeacuterio da Sauacutede 2012)
Situada na regiatildeo Nordeste a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco eacute referecircncia no estado
do Rio Grande do Norte para assistecircncia agraves mulheres com HIV Preacute-Natal de alto risco
histeroscopia O Relatoacuterio de Vigilacircncia Epidemioloacutegica da Maternidade (2016) apresenta o
nuacutemero de oacutebitos no periacuteodo de 2010 a 2016 (sendo que os dados referentes ao ano de 2016
contemplam apenas os meses de janeiro a junho)
Tabela 1 ndash Nuacutemero de oacutebitos notificados e investigados por tipo e ano de ocorrecircncia na MEJC
NatalRN
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Os dados demonstram a ocorrecircncia de mortes de receacutem-nascidos ao longo de todos os
meses do ano o que indica a existecircncia de um campo de pesquisa para a investigaccedilatildeo tanto das
causas das mortes das consequecircncias das mesmas para os profissionais de sauacutede assim como
da forma como os mesmos compreendem este fenocircmeno e lidam com a morte do receacutem-
nascido
Caracterizada por um aparato tecnoloacutegico pela normatizaccedilatildeo de procedimentos pelo
atendimento de receacutem-nascidos de alto risco a Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN)
eacute um ambiente onde vida e morte estatildeo presentes nos corpos tatildeo delicados dos bebecircs A morte
de um bebecirc se transforma no sentido de perda para os pais agraves vezes ateacute na sensaccedilatildeo de morte
em vida
Muitas vezes os profissionais que decidem atender em maternidades relatam que iratildeo
trabalhar com a vida Entretanto em meio a tantos nascimentos a morte tambeacutem estaacute presente
A sensaccedilatildeo de perigo iminente a tensatildeo oriunda do risco da perda satildeo constantes no cotidiano
da UTI Neonatal
Para os profissionais de sauacutede a morte eacute como a perda do controle da dor de se deparar
com a possibilidade de natildeo salvar a vida de falhar de natildeo conseguir Em uma sociedade
caracterizada pelo avanccedilo da medicina e pela busca incessante da cura a morte eacute indesejada E
quando ocorre traz consigo a lembranccedila dos limites do homem e da possibilidade de falhas
(Bernieri e Hirdes 2007)
Na sociedade contemporacircnea a morte eacute interditada Entretanto nem sempre foi
considerada desta forma ao longo da histoacuteria Como qualquer fenocircmeno da vida humana a
morte eacute contextualizada adquirindo sentido conforme o momento histoacuterico e social em que eacute
vivenciada (Ariegraves 2003)
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O exemplo de uma realidade distinta que propotildee uma maneira diferente de falar sobre a
morte foi retratado no livro ldquoQual eacute a tua obrardquo de Maacuterio Sergio Cortella (2015) O autor relata
no livro que um general romano ao vencer uma batalha recebia a mais alta honraria ramos de
palmeiras em uma bandeja de prata (de onde se originou o termo salva de palmas
posteriormente imortalizado nos aplausos) Para tanto
A morte era lembrada em um momento de gloacuteria talvez no intuito de conter a vaidade
de rememorar o limite da existecircncia que por mais gloriosa que seja teraacute o mesmo fim das
demais ldquoLembra-te que eacutes mortalrdquo Que natildeo eacutes melhor que ningueacutem Que assim como tudo na
vida passa este momento de gloacuteria tambeacutem passaraacute E natildeo deveraacutes ser consumido pela vaidade
que tambeacutem se finda
Imagine se no dia a dia tiveacutessemos algueacutem nos lembrando da condiccedilatildeo de mortais
Como o grilo falante a voz da consciecircncia tambeacutem podendo ser denominada nestas ocasiotildees
de reflexatildeo sobre a finitude de anguacutestia Os profissionais de sauacutede se deparam com a
possibilidade de morte do outro no cotidiano de trabalho e isto pode levar a uma reflexatildeo sobre
a proacutepria finitude No caso da morte de bebecircs a ocorrecircncia destas mortes pode levar a uma
reflexatildeo sobre a possibilidade do falecimento do proacuteprio filho e da necessidade de rever
algumas escolhas em relaccedilatildeo ao uso do tempo livre com a crianccedila e a possibilidade de dedicar
mais atenccedilatildeo ao filho A lembranccedila da morte pode por assim dizer resignificar a vida
Como define Heidegger (1927 2015) o ser-aiacute eacute histoacuterico eacute um ser-no-mundo e o
mundo dita as regras para a existecircncia impotildee limites O mundo faz parte do ser-aiacute como este
() ldquoo general ia em direccedilatildeo ao senado e por lei um segundo escravo
acompanhava a biga a peacute Esse segundo escravo tinha uma obrigaccedilatildeo legal
a cada quinhentas jardas ele tinha que subir na biga e soprar no ouvido do
general a seguinte frase Lembra-te de que eacutes mortalrdquo (Cortella 2015 pp
139)
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faz parte do mundo Ser e mundo satildeo portanto indissociaacuteveis se constituem e se transformam
conjuntamente
Diante desta perspectiva de mundo inspirada na fenomenologia heideggeriana ao
longo deste estudo temos como objetivo compreender a experiecircncia de profissionais que atuam
em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal Tendo em vista esta temaacutetica foi escolhida como
campo de estudo a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco (MEJC) referecircncia no estado do Rio
Grande do Norte para a gestaccedilatildeo de alto risco
A definiccedilatildeo do local para a realizaccedilatildeo da pesquisa foi resultado da minha visita aos
hospitais na capital do Estado do Rio Grande do Norte da conversa com alguns profissionais
de sauacutede e da identificaccedilatildeo de uma demanda de sofrimento e da necessidade de suporte relatada
pelos profissionais da Maternidade Escola Januaacuterio Cicco Por assim dizer abordaremos a
questatildeo da morte em um local dedicados agrave vida onde as dificuldades e desafios estatildeo presentes
cotidianamente
Dentre os desafios enfrentados pelos profissionais de sauacutede os paradoxos se
apresentam contidos nas orientaccedilotildees de conduta permanecer calmo em ambientes turbulentos
de urgecircncia ser aacutegil diante de procedimentos difiacuteceis e delicados para salvar uma vida
concentrar-se nos procedimentos mecacircnicos e na atenccedilatildeo a pacientes e familiares escolher entre
dar apoio aos que estatildeo proacuteximos agrave morte ou atender aos que exigem outros tipos de cuidados
Natildeo haacute tempo para tudo A rotina caracterizada por uma seacuterie de procedimentos sobrecarrega
o profissional e o obriga a fazer escolhas difiacuteceis de realizar Quando a morte chega traz junto
com ela o sentimento de impotecircncia o medo de falhar novamente a duacutevida do que fazer diante
deste fato e sobre o que falar para a famiacutelia (Gerow Conejo Alonzo 2009 Silva Valenccedila e
Germano 2010)
Diante da morte do receacutem-nascido alguns dilemas surgem na atuaccedilatildeo dos profissionais
de sauacutede como a dificuldade para dar a notiacutecia para os pais do bebecirc a natildeo aceitaccedilatildeo de que os
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procedimentos realizados natildeo tiveram ecircxito e a dificuldade para decidir sobre a viabilidade do
tratamento Para uma vida tatildeo fraacutegil a possibilidade de qualquer erro gera a preocupaccedilatildeo com
a finitude de um ser Trata-se de uma linha muito tecircnue entre a vida e a morte que gera uma
tensatildeo rotineira nos trabalhadores da aacuterea de sauacutede (Silva 2007)
Estes paradoxos e dilemas estatildeo presentes na atuaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede do
mundo contemporacircneo Satildeo problemas contextualizados relativos a uma realidade voltada para
a busca da cura e para a interdiccedilatildeo da morte Heidegger (1927 2015) traz esta reflexatildeo ao falar
sobre o impessoal que dita as regras de conduta necessaacuterias para a sobrevivecircncia do homem no
mundo O impessoal fornece as diretrizes fundamentais para a vida em sociedade E o homem
vive mergulhado no impessoal nas vaacuterias atribuiccedilotildees que compotildeem a vida cotidiana
O impessoal delimita os espaccedilos e as regras de conduta que influenciam na conduccedilatildeo
da vida Como relata Casanova (2013)
Esta reflexatildeo proposta por Casanova serve para lembrarmos a pergunta De que lugar
estamos falando Na sociedade atual com o discurso da importacircncia do parto humanizado e
diante da preocupaccedilatildeo crescente com a queda na mortalidade infantil os protocolos de cuidados
para o nascimento dos bebecircs e com os receacutem-nascidos tornaram-se orientaccedilotildees para as praacuteticas
dos profissionais de sauacutede que atuam nas maternidades (Ministeacuterio da Sauacutede 2012)
ldquoQue tipo de espaccedilo nos espera ao nascermos que tipo de roupa seremos
imediatamente obrigados a usar ou a natildeo usar que cuidados ou ausecircncia de
cuidados vatildeo estar dedicados ao bebecirc e mesmo ao feto em seus primeiros
movimentos existenciais tudo isso depende sempre e necessariamente em que
mundo nascemos No mundo da ontologia da ciecircncia meacutedica com suas
preocupaccedilotildees sanitaristas incessantes eacute claro que uma crianccedila vai ser cercada na
primeira infacircncia por uma seacuterie de cuidados de higiene visando justamente a
proteger o seu estado de sauacutede pleno Em uma comunidade indiacutegena por outro
lado na qual o nascimento eacute marcado por elementos rituais muito peculiares eacute por
vezes o pai que faz o parto que corta o cordatildeo umbilical e que acompanha na oca
a relaccedilatildeo da matildee com a crianccedila ateacute o momento em que o cordatildeo cai
completamenterdquo (Casanova 2013 pp 38)
23
Estes procedimentos e protocolos fazem parte do mundo dos profissionais de sauacutede que
trabalham em UTI Neonatal Entretanto ao percorrer o hospital tambeacutem tive a oportunidade
de conversar com uma gestora que demostrou uma grande preocupaccedilatildeo com o natildeo
cumprimento por todos os profissionais de sauacutede dos protocolos de seguranccedila preconizados
pela Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria Uma preocupaccedilatildeo salutar uma vez que uma
das causas mais frequentes de morte de receacutem-nascidos satildeo as Infecccedilotildees Relacionadas agrave
Assistecircncia em Sauacutede (IRAS) (Ministeacuterio da Sauacutede 2012)
O contexto do trabalho em hospitais apresenta grandes desafios que envolvem os
cuidados e a busca da cura dos pacientes Particularmente em Unidades de Terapia Intensiva
Neonatal os cuidados satildeo intensificados em meio a um aparato de equipamentos e agrave fragilidade
da vida dos receacutem-nascidos
Diante do exposto pode-se analisar brevemente o contexto de atuaccedilatildeo do profissional
de sauacutede em UTIN de acordo com a figura apresentada a seguir A anaacutelise breve se daacute como
uma posiccedilatildeo preacutevia da situaccedilatildeo considerando o olhar de algueacutem que natildeo pertence a este
contexto que natildeo estaacute atuando enquanto profissional de sauacutede em UTIN mas que construiu
um conceito inicial antes de comeccedilar a fase de entrevistas
24
Figura 1- O Contexto de Atuaccedilatildeo Profissional de Sauacutede na UTI Neonatal
O profissional de sauacutede atuante em UTIN apresenta como desafios a necessidade
constante de conhecimento teacutecnico que precisa ser aperfeiccediloado ao longo do tempo ao mesmo
tempo em que tambeacutem precisa entender sobre o funcionamento dos equipamentos e se adequar
aos novos protocolos de seguranccedila que estatildeo sendo implantados na maternidade
Estes primeiros desafios compotildeem a parte teacutecnica e objetiva da atividade realizada que
por ser conduzida por pessoas pode apresentar alteraccedilotildees quanto ao cumprimento das
determinaccedilotildees do protocolo o que amplia o risco de ocorrecircncia de eventos adversos
Os demais fatores envolvem o atendimento aos receacutem-nascidos com alto risco de morte
e consequentemente o acompanhamento dos familiares Como prerrogativa da assistecircncia
humanizada as matildees participam ativamente do processo de assistecircncia ao receacutem-nascido
demandando informaccedilotildees e atenccedilatildeo dos profissionais de sauacutede (Ministeacuterio da Sauacutede 2004)
Neste contexto de atuaccedilatildeo caracterizado por desafios e dificuldades ocorrem eventos
adversos dentre estes a morte de receacutem-nascidos Segundo relatos de profissionais de sauacutede da
Profissional de Sauacutede
Teacutecnica
Protocolos de
seguranccedila
Matildees dos pacientes
Bebecircs em alto risco de morte
Equipamentos
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maternidade os mesmos ainda participam do processo inicial de luto oferecendo suporte aos
pais
Como no caso contado por uma psicoacuteloga que prestou assistecircncia agrave famiacutelia enlutada
junto com a meacutedica Segundo o relato a matildee natildeo aceitava que o filho havia morrido Mesmo
quando o corpo da crianccedila foi entregue aos pais para despedida ela acreditava que o bebecirc estava
dormindo Os profissionais precisaram acompanhar o processo de luto ateacute a matildee compreender
que o bebecirc havia morrido diante da frase ldquoo coraccedilatildeo dele parourdquo Apoacutes o entendimento da matildee
os pais puderam iniciar o processo de despedida do bebecirc Algo que gerou muito sofrimento
para a famiacutelia e um grande desgaste emocional para os profissionais de sauacutede que ofereceram
o suporte aos pais
As informaccedilotildees apresentadas retratam a realidade de atuaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede
em meio a tantas exigecircncias e responsabilidades Trata-se de uma anaacutelise sobre o prisma de
quem apenas olha pelo lado de fora da janela Pela metodologia proposta neste estudo os
profissionais foram convidados a narrar uma histoacuteria de perda da morte de um receacutem-nascido
durante a sua atuaccedilatildeo na UTIN Por meio deste convite tivemos a oportunidade de compreender
o modo de atuaccedilatildeo de cada profissional os sentidos atribuiacutedos as suas vivecircncias e a forma como
enfrentaram a morte dos pacientes A forma como o profissional sente e vivencia as suas
experiecircncias interfere diretamente na prestaccedilatildeo da assistecircncia agrave sauacutede
Aleacutem desses fatores as pesquisas realizadas em banco de dados revelam a necessidade
de ampliar os estudos sobre a aacuterea utilizando a abordagem da fenomenologia como forma de
compreensatildeo da experiecircncia Por meio do portal da Capes a busca na base do Pubmed
utilizando os descritores ldquohealthcare professionalrdquo and ldquodeathrdquo and ldquonewbornrdquo revelaram a
existencia de 1257 publicaccedilotildees Entretanto ao adicionar o descritor ldquophenomenologyrdquo aos
demais foram localizados duas publicaccedilotildees ambas fazendo referecircncia apenas ao trabalho de
enfermeiros (Silva Valenccedila amp Germano 2010 Rubarth 2003) A busca com os descritores
26
ldquohealthcare professionalrdquo and ldquodeathrdquo and ldquonewbornrdquo na base da BVS psicologia natildeo localizou
nenhuma publicaccedilatildeo O mesmo ocorreu com o portal do scielo
Os artigos citados revelam que diante da morte de receacutem-nascidos enfermeiros e
teacutecnicos de enfermagem apresentam sentimentos de auto-reprovaccedilatildeo baixa auto-estima e
culpa A morte de bebecircs eacute vista como uma falha da equipe no processo de cura No espaccedilo em
que os profissionais de sauacutede trabalham muito tempo e esforccedilo eacute direcionado para teacutecnicas que
possam prolongar a vida Quando estas natildeo funcionam satildeo gerados sentimentos de impotecircncia
fracasso frustraccedilatildeo e incapacidade (Silva Valenccedila amp Germano 2010 Rubarth 2003)
Sentimos falta de mais estudos que buscassem compreender a experiecircncia da morte de
receacutem-nascidos em UTI Neonatal utilizando a fenomenologia hermenecircutica heideggeriana
como orientaccedilatildeo metodoloacutegica Tambeacutem sentimos falta de estudos que contemplassem os
profissionais que compotildeem a equipe de uma UTI Neonatal (meacutedicos enfermeiros teacutecnicos de
enfermagem fisioterapeutas psicoacutelogos) Encontramos estudos dedicados especificamente a
uma ou duas categorias de profissionais (meacutedicos e profissionais da aacuterea de enfermagem)
Como seria ouvir representantes das diversas formaccedilotildees que compotildeem a equipe multidiciplinar
da UTI Neonatal Este questionamento tambeacutem contribui para a decisatildeo de contemplar
profissionais com formaccedilotildees diversas mas que precisam trabalhar em conjunto para oferecer
assistecircncia aos pacientes e familiares A partir destes questionamentos foi escolhida uma
direccedilatildeo para um caminho que seraacute delimitado nos proacuteximos capiacutetulos
A importacircncia deste estudo estaacute justamente na compreensatildeo da experiecircncia dos
profissionais de sauacutede que atuam na UTI Neonatal no intuito de gerar contribuiccedilotildees para a
comunidade acadecircmica os profissionais de sauacutede a instituiccedilatildeo hospitalar e consequentemente
para a assistecircncia dos pacientes e de seus familiares
27
A partir do exposto seratildeo contemplados os capiacutetulos da tese os quais foram organizados
da seguinte forma
- Capiacutetulo 1 Os sentidos da morte ao longo da histoacuteria
O capiacutetulo abordaraacute as diferentes concepccedilotildees de morte para sociedades em contextos
histoacutericos especiacuteficos No iniacutecio do capiacutetulo eacute apresentada a figura da obra de arte ldquoO gritordquo
Este quadro foi pintado pelo norueguecircs Edvard Munch em 1893 O quadro representa o
sentimento de anguacutestia do ser humano diante das perdas Considerei oportuno refletir sobre a
morte a partir de uma figura que demonstra o assombro de um ser diante da dor da perda do
desconhecido E a fragilidade humana em meio ao crepuacutesculo de um por-do-sol marcante
-Capiacutetulo 2 Contemplando alguns existenciais da fenomenologia Heideggeriana
Este capiacutetulo iraacute discorrer sobre alguns existenciais que compotildee a ontologia
Heideggeriana Dentre os existenciais mencionados seratildeo contemplados ser-no-mundo ser-
com cuidado ser-para-a-morte anguacutestia
No iniacutecio do capiacutetulo estaacute apresentada uma das obras de arte mais conhecidas de
Salvador Daliacute ldquoA Persistecircncia da Memoacuteriardquo datada de 1931 A obra nos faz refletir sobre o
nosso entendimento racional do mundo Na figura os reloacutegios estatildeo deformados dando a
impressatildeo da diluiccedilatildeo do tempo como algo natildeo fixo ou linear A escolha desta obra serve como
uma inspiraccedilatildeo inicial para as valiosas contribuiccedilotildees de Heidegger agrave compreensatildeo do ser e do
tempo
28
-Capiacutetulo 3 O profissional de sauacutede
Neste capiacutetulo estatildeo contemplados aspectos referentes aos profissionais de sauacutede as
dificuldades enfrentadas o ambiente hospitalar o contexto da maternidade e em particular da
UTI Neonatal
O iniacutecio do capiacutetulo eacute ilustrado com uma parte dos afrescos da Capela Sistina a obra
intitulada ldquoA Criaccedilatildeo da Humanidade e sua quedardquo pintada por Michelangelo em 1512 A vida
eacute representada pelo toque de Deus na criaccedilatildeo no ser do homem A escolha desta obra reflete o
olhar para o modelo meacutedico a analogia com a figura de quem cuida da vida e busca evitar a
morte o profissional de sauacutede que tantas vezes estaacute com a vida do outro em suas matildeos Em
particular na UTI Neonatal onde os bebecircs satildeo tatildeo fraacutegeis agraves vezes ateacute do tamanho de duas
matildeos unidas onde nascimento e morte criaccedilatildeo e queda estatildeo bem proacuteximos
-Capiacutetulo 4 Meacutetodo A escolha do caminho
Este capiacutetulo eacute dedicado agrave fenomenologia enquanto meacutetodo escolhido para
compreender a experiecircncia dos profissionais A fenomenologia nos convida a ver aleacutem das
aparecircncias A olhar o sentido das experiecircncias dos profissionais a partir da narrativa dos
mesmos
Ao longo do texto o ciacuterculo hermenecircutico eacute posto em ecircnfase assim como os
procedimentos que seratildeo utilizados para as entrevistas abrangendo os criteacuterios de inclusatildeo e
exclusatildeo dos participantes
Para introduzir este capiacutetulo uma obra prima de Van Gogh de 1888 ldquoO pintor a
caminho do trabalhordquo Em um belo dia sob um sol escaldante o pintor caminha para o seu
trabalho carregando seus instrumentos No caminho descobrem-se as belas paisagens e um novo
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colorido De forma similar o pesquisador ao realizar o estudo busca compreender o fenocircmeno
ao mesmo tempo em que se transforma ao longo da caminhada
-Capiacutetulo 5 As narrativas dos participantes os sentidos de ser profissional de sauacutede em
UTI Neonatal
Este capiacutetulo eacute dedicado aos profissionais de sauacutede atuantes na UTI Neonatal da
Maternidade Escola Januaacuterio Cicco Durante o mesmo satildeo apresentados trechos das narrativas
dos participantes a partir das anaacutelises realizadas tendo como inspiraccedilatildeo a hermenecircutica
heideggeriana
No iniacutecio do capiacutetulo eacute apresentada a obra do pintor surrealista Vladimir Kush que
retrata a uacuteltima ceia representada por flores de diferentes espeacutecies reunidas em torno de uma
mesa e em meio a um cenaacuterio iluminado por um azul celeste A obra tambeacutem faz uma
homenagem agraves participantes do estudo que receberam nomes fictiacutecios de flores
-Capiacutetulo 6 Destecendo a trama da existecircncia reflexotildees a partir das narrativas dos
profissionais de sauacutede
Neste capiacutetulo o pesquisador apresenta algumas reflexotildees a partir das narrativas dos
participantes natildeo com o intuito de fazer um fechamento Mas de assumir a condiccedilatildeo daquele
que pergunta e tem consciecircncia de que a compreensatildeo do fenocircmeno parte do olhar de quem
interroga (Critelli 1996) As reflexotildees iniciais contempladas partem portanto do pesquisador
que realizou as entrevistas leu e releu as narrativas como tambeacutem as entrelinhas considerou o
que foi dito e o natildeo dito o que estava expliacutecito e o que estava aparentemente oculto mas que
assumiu um sentido para o observador
No iniacutecio do capiacutetulo estaacute representada a obra de Vladimir Kush que retrata uma mulher
borboleta dentro de um livro segurando um casulo como quem segura um bebecirc A homenagem
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estaacute portanto nas paacuteginas deste livro na contemplaccedilatildeo das narrativas das mulheres que cuidam
dos receacutem-nascidos e ao cuidar vatildeo se transformando
Ao final deste projeto de tese estatildeo apresentados os Termos de Consentimento Livre e
Esclarecido de Gravaccedilatildeo de Voz No mais a partir destas consideraccedilotildees contempladas na
introduccedilatildeo comeccedilaremos fazendo uma retrospectiva sobre os sentidos da morte ao longo da
histoacuteria ateacute a contemporaneidade
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Capiacutetulo 1 Os sentidos da morte ao longo da histoacuteria
ldquoO Gritordquo Edvard Munch 1893
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Capiacutetulo 1 Os sentidos da morte ao longo da histoacuteria
A morte tratada como o grande misteacuterio da humanidade sempre fez parte da vida seja
como algo inaceitaacutevel seja como algo naturalizado como o destino de todas as espeacutecies As
atitudes e crenccedilas sobre a morte estiveram presentes ao longo do tempo retratando o contexto
histoacuterico e social de cada eacutepoca
Partindo do pressuposto de que todo comportamento social eacute historicamente ancorado
iniciaremos um breve relato sobre as vivecircncias da morte em diferentes sociedades ao longo da
histoacuteria da humanidade Falaremos de atitudes dentro de um cenaacuterio que natildeo pode limitar-se a
ser o fundo de uma figura mas como parte desta lhe oferece o contorno necessaacuterio agrave existecircncia
Desde o periacuteodo preacute-histoacuterico o homem demonstrava preocupaccedilatildeo com a morte e com
o que existiria apoacutes a vida Uma demonstraccedilatildeo disto satildeo os achados arqueoloacutegicos nos tuacutemulos
dos neandertais datados de aproximadamente 150000 anos Dentro dos tuacutemulos foram
encontrados utensiacutelios domeacutesticos e comida proacuteximas ao corpo do morto Ancoradas nestes
rituais estava a crenccedila da necessidade de se prevenir para o poacutes-morte Neste periacuteodo foram
encontrados os primeiros indiacutecios de preocupaccedilatildeo com o destino dos corpos em locais
reservados como as cavidades de rochas nas quais os corpos eram colocados de coacutecoras e
cobertos por pedras (Despelder e Strickland 2001)
No periacuteodo Paleoliacutetico Superior (30000 a 8000 anos aC) os corpos eram encontrados
em posiccedilatildeo fetal ou de barriga para cima e havia uma maior a quantidade de alimentos e
ldquoEacute impossiacutevel conhecer o homem sem lhe estudar a
morte porque talvez mais do que na vida eacute na morte
que o homem se revela Eacute nas atitudes e crenccedilas perante
a morte que o homem exprime o que a vida tem mais de
fundamentalrdquo
(Edgar Morin 1997 p32)
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utensiacutelios domeacutesticos mais elaborados que os do periacuteodo anterior Alguns corpos estavam
pintados de ocre vermelho e a posiccedilatildeo fetal indicava a busca do renascimento Para os povos
primitivos a morte anunciava um renascimento como um ciclo natural de metamorfose e de
transmutaccedilatildeo (Morin 1997 Santos 2009)
Na antiguidade os egiacutepcios tambeacutem criavam vaacuterios rituais fuacutenebres A construccedilatildeo das
tumbas e das piracircmides enquanto morada dos mortos revelavam a preocupaccedilatildeo com a vida
apoacutes a morte Os locais de sepultamento retratavam o estilo de vida da pessoa que havia
falecido e a grandiosidade dos tuacutemulos representava o seu status social Para compor o local
um aparato de objetos era enterrado junto com o morto inclusive animais mumificados como
gatos macacos e falcotildees aleacutem das estaacutetuas que ganhariam vida como servos Os ornamentos
tinham a finalidade de preservar a morada do indiviacuteduo de tal forma que quando acordasse se
sentisse em casa e natildeo voltasse para se vingar dos vivos (Santos 2009)
Outra crenccedila central da cultura egiacutepcia era a necessidade de preservar o corpo (ka) para
o retorno do espiacuterito (ba) em outros tempos Por isso a mumificaccedilatildeo era tatildeo valorizada ao
ponto de o corpo ficar 30 dias longe da famiacutelia e retornar como era em vida inclusive com a
conservaccedilatildeo de detalhes como ciacutelios e sobrancelhas A morte era difundida na sociedade
atraveacutes da mitologia Os registros das praacuteticas fuacutenebres estavam contidos no Livro dos Mortos
escritos que ensinavam sobre a forma de pensar e de se comportar em relaccedilatildeo agrave morte O Livro
dos Mortos orientava o pensamento de um povo servindo tambeacutem como um guia que orientava
o morto para as vaacuterias provas que deveria passar com o objetivo de se unir agrave divindade de Osiacuteris
Caso o indiviacuteduo falhasse ocorreria uma segunda morte entendida como o destino para o
eterno esquecimento Este era considerado como o pior dos castigos para um individuo ser
destinado ao esquecimento completo (Santos 2009)
Para os egiacutepcios a morte era uma puniccedilatildeo dos Deuses Enquanto puniccedilatildeo a ideia da
proacutepria morte trazia o temor do castigo do abandono e da rejeiccedilatildeo E a morte do outro gerava
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o medo da retaliaccedilatildeo ou da perda Aleacutem do medo da morte enquanto castigo havia uma
preocupaccedilatildeo com o que viria depois diante da crenccedila de que o poacutes vida era caracterizado por
vaacuterios desafios a serem superados O primeiro dos desafios era o julgamento de Maat deusa da
justiccedila da verdade e da ordem Neste julgamento a deusa oferecia uma pena a ser colocada em
um dos lados da balanccedila o outro lado era destinado ao coraccedilatildeo do morto que deveria ser puro
e verdadeiro ao ponto de tornar-se mais leve que a pena Todos passariam por este julgamento
do escravo ao faraoacute Natildeo havia portanto uma distinccedilatildeo social entre vivos e mortos no que
concerne ao destino no poacutes- vida O livro dos Mortos era companhia certa em todos os tuacutemulos
Embora natildeo tivesse utilidade alguma caso o morto natildeo tivesse realizado boas accedilotildees em vida
De nada serviriam as orientaccedilotildees contidas no livro se o indiviacuteduo natildeo tivesse ldquocreacuteditordquo para
utilizaacute-las (Kastenbaum amp Aisenberg 1983)
A civilizaccedilatildeo egiacutepcia deixa como legado uma preocupaccedilatildeo com o poacutes-vida concretizada
em uma seacuterie de rituais voltados para trazer o conforto e aparente seguranccedila ao morto A
civilizaccedilatildeo mesopotacircmica (2000 ac) entretanto natildeo apresentava a mesma crenccedila em relaccedilatildeo a
morte Para os povos que habitaram a mesopotacircmia a existecircncia humana tinha a finalidade de
servir aos deuses A morte ocorreria para todos e natildeo havia uma possibilidade de salvaccedilatildeo
individual ou coletiva independentemente das accedilotildees praticadas em vida A imortalidade era um
atributo exclusivo dos deuses Natildeo havia a crenccedila na imortalidade mas existia o temor de que
os mortos poderiam perturbar os vivos Caberia agrave famiacutelia a organizaccedilatildeo dos rituais fuacutenebres e
em particular ao filho mais velho a realizaccedilatildeo de algumas atividades para acalmar o morto
como raspar o cabelo servir alimentos e bebidas e construir um altar para reverenciaacute-lo
(Santos 2009)
Os persas (por volta do seacuteculo VI ac) por sua vez defendiam que a morte poderia levar
agrave elevaccedilatildeo do espiacuterito Ao deixar este mundo o morto passava por uma ponte Se tivesse
praticado boas accedilotildees encontraria em bela moccedila que lhe conduziria ao paraiacuteso Caso contraacuterio
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uma velha desfigurada lhe perseguiria ateacute que caiacutesse da ponte em direccedilatildeo ao inferno Para
aqueles que praticaram tanto boas quanto maacutes accedilotildees de forma que se igualassem em quantidade
e importacircncia o destino era o limbo um local em que natildeo sentiam nem alegrias nem tristezas
Mas para todos caberia o julgamento final (que deveria ocorrer aproximadamente em 6000
dc) momento em que todo segundo a crenccedila dos persas todo o mal desapareceraacute e os bons
receberatildeo corpos jovens e indestrutiacuteveis (Kastenbaum amp Aisenberg 1983)
Um aspecto importante a considerar na civilizaccedilatildeo egiacutepcia bem como em outras
sociedades primitivas como a dos malaios eacute o fato das praacuteticas fuacutenebres serem constituiacutedas e
desenvolvidas pela comunidade Natildeo havia uma ecircnfase nas reaccedilotildees individuais Existiam regras
que conduziam toda a sociedade a se comportar diante da ameaccedila da morte e que
posteriormente orientavam como minimizar os efeitos negativos que a morte causava no seio
da comunidade O indiviacuteduo fazia parte de algo maior a sociedade e a sua morte atingia este
coletivo Por isso as praacuteticas representavam a uniatildeo e o poder do grupo sobre a morte
(Kastenbaum amp Aisenberg 1983)
Este breve relato sobre a morte na Antiguidade natildeo poderia deixar de contemplar a
cultura grega Nesta sociedade havia uma preocupaccedilatildeo com a sauacutede puacuteblica Diante disso os
restos mortais de todos sem distinccedilatildeo social eram enterrados fora das cidades Entretanto o
local e o monumento que representava o morto era de acordo com o niacutevel socioeconocircmico
Outro aspecto relevante eacute que o luto era permitido de uma forma geral por um periacuteodo de um
ano Para as crianccedilas que falecessem com ateacute seis anos de idade entretanto o prazo destinado
ao luto era de apenas um mecircs A expressatildeo do luto que se estendesse aleacutem deste periacuteodo estava
sujeita agrave recriminaccedilatildeo social (Agraveries 2003 Santos 2009)
Para os antigos gregos o pensamento preponderante em relaccedilatildeo ao poacutes vida era o da
imortalidade da alma Um defensor desta ideia foi Soacutecrates A morte deste importante filoacutesofo
foi retratada no seacuteculo XVIII em um quadro intitulado ldquoA morte de Soacutecratesrdquo
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A morte de Soacutecrates Autor Jacques-Louis David 1787
Platatildeo descreveu a morte de Soacutecrates em um dos seus diaacutelogos o Feacutedon relatando uma
das formas de compreensatildeo da morte pelos gregos antigos que a associava agrave imortalidade da
alma A morte era como uma passagem do mundo sensiacutevel para o mundo suprassensiacutevel E o
que os gregos chamavam de exercitamento para a morte era justamente a preparaccedilatildeo para este
momento de passagem com destino agrave imortalidade Uma preparaccedilatildeo vivenciada e relatada por
Soacutecrates nos momentos em que esperou pela morte na cadeia no periacuteodo entre o julgamento e
a ocasiatildeo da sua morte
Durante este periacuteodo Soacutecrates recebia os filoacutesofos e dialogava sobre as suas ideias
refletindo inclusive sobre o significado da morte e a condiccedilatildeo do ser humano De acordo com
o relato de Soacutecrates ldquoeacute melhor estar morto do que vivordquo Mas a condiccedilatildeo de morto eacute dada por
uma divindade Uma vez que ldquonoacutes homens nos encontramos em uma espeacutecie de caacutercere que
nos eacute vedado abrir para escaparrdquo Apenas aos deuses caberia a decisatildeo da hora da morte do
homem no caso de Soacutecrates a condenaccedilatildeo para beber cicuta deixava-o livre para seguir para
outro mundo (p5)
Diferentemente desta compreensatildeo sobre a morte outro caminho preconizado pelos
antigos gregos particularmente os estoicos e epicuristas defendia a naturalizaccedilatildeo da morte
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enquanto um destino de todas as espeacutecies Como algo que desagrega o que foi agregado em
vida Vida e morte fariam parte assim de um ciclo que terminava com a morte natildeo existindo
a possibilidade de imortalidade da alma (Nunes 2012)
Concepccedilotildees tatildeo distintas inspiraram os antigos gregos a refletir sobre a morte e sobre a
forma de conduzir a vida Morte e vida estatildeo entrelaccedilados como fios de uma mesma manta O
sentido da morte interfere na existecircncia do ser neste mundo E em cada eacutepoca as crenccedilas que
a sociedade propagava sobre a morte influenciaram as pessoas na maneira de compreendecirc-la
e de vivenciaacute-la
Em uma sociedade com ideias distintas acerca da morte preconizava-se o mesmo fim
para os bebecircs que nascessem com alguma deficiecircncia Em Esparta natildeo soacute os bebecircs como
tambeacutem as pessoas que adquiriam alguma deficiecircncia eram lanccediladas ao mar ou em precipiacutecios
por natildeo serem consideradas uacuteteis para a sociedade De forma similar na Roma Antiga nobres
e plebeus tinham a permissatildeo para sacrificar os bebecircs que nascessem com algum tipo de
deficiecircncia Crianccedilas com ldquodefeitosrdquo natildeo eram bem vindas ao mundo deveriam ser mortas ou
abandonadas ao relento ateacute a morte (Santos 2009)
No iniacutecio da Idade Meacutedia (seacutec V ao seacutec XII) a morte estava presente no cotidiano e
era aceita socialmente como algo simples e familiar Vivos e mortos coexistiam de forma
natural Morrer era o destino de todas as espeacutecies Algo previsiacutevel tambeacutem para o ser humano
que natildeo temia a morte em si mas o fato de morrer sozinho A morte desejada era anunciada
Esperada no leito como uma cerimocircnia puacuteblica e organizada conduzida pelo proacuteprio enfermo
que se despedia realizando as suas uacuteltimas vontades e direcionando o ritual fuacutenebre de
preparaccedilatildeo para a morte Neste ritual estavam presentes muitas vezes natildeo soacute os familiares a
proacutepria comunidade participava e acessava livremente o quarto do morto inclusive as crianccedilas
tambeacutem presenciavam os momentos de despedida A morte era domada domesticada tatildeo
cotidiana quanto a vida (Ariegraves 2003)
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Nesta sociedade as crianccedilas eram vistas como adultos em miniatura sem distinccedilatildeo
quanto agraves regras sociais ou mesmo a dedicaccedilatildeo de maiores cuidados com exceccedilatildeo dos bebecircs
conforme relata Ariegraves (1981) ldquo um sentimento superficial da crianccedila - a que chamei
paparicaccedilatildeo era reservado agrave criancinha em seus primeiros anos de vida enquanto ela ainda
era uma coisinha engraccediladinha As pessoas se divertiam com a crianccedila pequena como com um
animalzinho um macaquinho impudico Se ela morresse entatildeo como muitas vezes acontecia
alguns podiam ficar desolados mas a regra geral era natildeo fazer muito caso pois uma outra
crianccedila logo a substituiria A crianccedila natildeo chegava a sair de uma espeacutecie de anonimatordquo (p 4)
Em todo o ritual de despedida a crianccedila tinha o seu papel definido Os adultos
explicavam a situaccedilatildeo e a crianccedila participava de tudo do veloacuterio ao enterro Natildeo existia uma
distinccedilatildeo com os adultos para o enfrentamento da morte inclusive na vivecircncia do luto e na ida
regular ao cemiteacuterio A vivecircncia do luto tambeacutem era natural as pessoas poderiam expressar os
seus sentimentos e participar de todo o processo desde a despedida ao enfermo ateacute o
acompanhamento do cortejo fuacutenebre O receio que as pessoas tinham era da morte brusca
repentina sem despedida sem o cumprimento de todo o ritual fuacutenebre (Kovaacutecs 1992)
As proacuteprias condiccedilotildees da sociedade como um todo contribuiacuteam para esta morte
anunciada os avanccedilos da medicina ainda eram incipientes para boa parte das doenccedilas natildeo havia
cura restando agrave comunidade a aceitaccedilatildeo e previsatildeo de que a morte viria logo As condiccedilotildees
sanitaacuterias eram precaacuterias e natildeo havia uma preocupaccedilatildeo social em relaccedilatildeo a isto Vivos e mortos
coexistiam As pessoas entravam nos quartos dos enfermos as crianccedilas brincavam nos
cemiteacuterios locais tambeacutem utilizados como palcos para danccedilas e jogos (Ariegraves 2003)
Os doentes sabiam que iriam morrer e assim se preparavam para a chegada da morte
dentro do seio da famiacutelia A morte familiar foi tambeacutem denominada por Ariegraves (2003) de morte
domada E do ritual de despedida participavam todos da famiacutelia da comunidade inclusive as
crianccedilas Natildeo havia uma preocupaccedilatildeo em isolaacute-las deste acontecimento tido como natural
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Apoacutes todas as despedidas a morte vinha como um sono profundo durante o qual as almas
aguardariam o retorno de Cristo para o momento da ressurreiccedilatildeo assegurada pela Igreja Desta
crenccedila na ressurreiccedilatildeo surgiu o costume de enterrar os corpos em cemiteacuterios proacuteximos agrave Igreja
cabendo aos mais ricos a construccedilatildeo de tuacutemulos dentro das capelas (Kastenbaum amp Aisenberg
1983 Ariegraves 2003)
Vale salientar que na Idade Meacutedia doenccedilas malignas assolaram a Europa em
particular a peste negra que dizimou mais de 13 da populaccedilatildeo A morte tornou-se natildeo soacute uma
triste realidade cotidiana como tambeacutem uma forma de puniccedilatildeo de Deus para os homens como
um castigo que atingia a todos Outro evento que contribui para associar a morte agrave puniccedilatildeo foi
a atuaccedilatildeo da Inquisiccedilatildeo que utilizava a tortura e a morte como instrumentos para controlar a
ordem preconizada pela Igreja (Santos 2009)
Na segunda metade da idade Meacutedia (seacutec XII ao seacutec XV) mudanccedilas sutis comeccedilaram
a acontecer que influenciaram de forma decisiva na maneira das pessoas lidarem com a morte
Com a ideia do Juiacutezo Final propagada pela Igreja o morto seria julgado pelas accedilotildees executadas
em vida Passou-se a ter uma preocupaccedilatildeo com a morte de si mesmo com a individualidade do
morto e com o que este havia feito em vida A culpa o pedido de perdatildeo predominava nos
momentos proacuteximos a morte E as cerimocircnias ganharam um caraacuteter dramaacutetico Os homens
buscavam garantias para chegarem ao paraiacuteso representadas pelos donativos pelas obras
realizadas durante a vida pela compra de reliacutequias consideradas sagradas pela Igreja (Ariegraves
2003 Kovaacutecs 1992)
A preocupaccedilatildeo com a proacutepria morte se amplia no periacuteodo do Romantismo para o temor
diante da morte do outro O sofrimento com a perda as lembranccedilas o culto aos cemiteacuterios se
tornaram preponderantes neste periacuteodo A morte remetia agrave ideia de ruptura da dor de perder o
ente querido Diante deste cenaacuterio a recordaccedilatildeo dava uma certa condiccedilatildeo de imortalidade ao
indiviacuteduo Os mortos passaram a ser valorizados tanto quanto os vivos pelo legado que
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deixariam tantas vezes representados na concretude das sepulturas individualizadas e
majestosas da aristocracia (Ariegraves 2003 Kovaacutecs 1992)
Esta preocupaccedilatildeo com a morte do outro vai tomando outras proporccedilotildees ao longo do
tempo ocupando lugar na forma como a morte era vivenciada Com o intuito de poupar o outro
que estaacute proacuteximo a morte passou-se a omitir o seu estado O moribundo que na Idade Meacutedia
conduzia os momentos de despedida se tornava alheio ao processo e passava a morrer sozinho
em um leito frio de hospital Da preocupaccedilatildeo com o morto o incocircmodo de falar sobre a morte
e expressar o sofrimento do luto estendeu-se para toda a sociedade Diante deste contexto
origina-se o que Ariegraves (2003) denomina de morte interditada
A forma como as crianccedilas vivenciavam a morte do outro tambeacutem foi se modificando
de acordo com as mudanccedilas sociais que ocorreram ao longo do tempo A partir do seacuteculo XVII
a escola passou a ocupar um lugar importante na sociedade substituindo o aprendizado
fornecido agraves crianccedilas pela imitaccedilatildeo dos adultos na execuccedilatildeo dos seus ofiacutecios A crianccedila foi
separada dos adultos e mantida em uma certa distacircncia antes de ser solta no mundo Iniciava-
se entatildeo um longo processo que perduraria ateacute os dias de hoje a escolarizaccedilatildeo Essa separaccedilatildeo
das crianccedilas denominada por Arieacutes (1981) de enclausuramento fez parte de um grande
movimento de moralizaccedilatildeo promovido pelos reformadores catoacutelicos ou protestantes ligados agraves
leis ou ao Estado
Entretanto este movimento natildeo teria sido possiacutevel sem a cumplicidade sentimental das
famiacutelias A famiacutelia tornou-se o lugar de uma afeiccedilatildeo necessaacuteria entre os cocircnjuges e entre pais e
filhos algo que ela natildeo era antes Segundo Ariegraves (1981) as famiacutelias eram unidas por laccedilos de
honra e lealdade natildeo havendo necessariamente afeiccedilatildeo entre seus membros mas sim uma
espeacutecie de sociabilidade Exemplo disto eacute um fenocircmeno muito importante que comeccedila a ser
mais conhecido a persistecircncia no fim do seacuteculo XVII do infanticiacutedio tolerado Natildeo se tratava
de uma praacutetica aceita era considerada um crime Entretanto era praticado em segredo
ldquoO fato de ajudar a natureza a fazer desaparecer criaturas tatildeo pouco dotadas
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camuflada sob a forma de um acidente as crianccedilas morriam asfixiadas naturalmente na cama
dos pais onde dormiam Natildeo se fazia nada para salvaacute-las
Com a importacircncia atribuiacuteda agrave educaccedilatildeo os pais passaram a se interessar pelos estudos
dos filhos e a acompanhar o seu desenvolvimento Esta praacutetica era vista como algo natural nos
seacuteculos XIX e XX mas anteriormente natildeo existia desta forma com tanto zelo preocupaccedilatildeo e
solicitude A famiacutelia comeccedilava a se organizar em torno da crianccedila e a lhe dar tanta importacircncia
que a crianccedila saiu de seu antigo anonimato tornando-se impossiacutevel perdecirc-la ou substituiacute-la sem
uma enorme dor Se por um lado natildeo poderia se tolerar a repeticcedilatildeo desta dor por outro tornou-
se necessaacuterio limitar o nuacutemero de crianccedilas para melhor cuidar da sua educaccedilatildeo Portanto essa
revoluccedilatildeo escolar e sentimental teve como consequecircncia com o passar do tempo uma reduccedilatildeo
voluntaacuteria da natalidade observaacutevel a partir do seacuteculo XVIII (Ariegraves 1981)
Das famiacutelias numerosas nas quais era comum a morte de filhos a sociedade foi
modificando-se para famiacutelias pequenas onde palavras como ldquoplanejamento familiarrdquo e
ldquoinvestimento na educaccedilatildeo dos filhosrdquo passaram a fazer parte do contexto de vida de pelo
menos uma parte da populaccedilatildeo O filho planejado e desejado vinha ao mundo como um ser que
jaacute tinha a missatildeo de realizar um projeto dos pais como uma fonte de investimento de amor de
cuidados e de realizaccedilatildeo A dor da perda destes filhos ganhou uma nova proporccedilatildeo para a
sociedade contemporacircnea
Estas mudanccedilas na vida das pessoas consequentemente nas vivecircncias da morte tambeacutem
faziam parte de um cenaacuterio caracterizado pelos avanccedilos da medicina e como isto pela natildeo
aceitaccedilatildeo da doenccedila como preluacutedio da morte Buscava-se a cura representada pelo retorno agrave
vida A partir da deacutecada de 1930 os doentes eram encaminhados para os hospitais locais
destinados aos cuidados dos enfermos No contexto hospitalar o cuidado com o contaacutegio
distanciava as pessoas proacuteximas Havia horaacuterios a cumprir aparelhos a programar e uma serie
de aparatos que foram se tornando cada vez mais complexos Aliada a esta complexidade
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crescia para os profissionais de sauacutede a responsabilidade de segurar a vida de controlar a
existecircncia Formava-se assim o cenaacuterio para a exclusatildeo social da morte (Santos 2009)
No hospital a morte tornou-se oculta Evita-se falar da morte para os pacientes bem
como para as crianccedilas com o intuito de poupaacute-las Mas a crianccedila pode perceber que algo natildeo
estaacute bem Entatildeo as justificativas dos adultos satildeo permeadas por histoacuterias como os antigos
contos que escondiam aspectos referentes agrave sexualidade Assim como os bebecircs vecircm ao mundo
trazidos pelas cegonhas o avocirc foi dormir o pai viajouEnfim satildeo contadas histoacuterias inspiradas
no conceito de uma morte interditada Por vezes estas histoacuterias levam a outros
comportamentos como o medo de dormir e natildeo mais acordar gerando temores nas crianccedilas
(Pinto amp Veiga 2005)
A contemporaneidade constituiu-se no mundo trazendo outras mensagens sobre a vida
e assumindo como caracteriacutesticas a exacerbaccedilatildeo do individualismo a busca incessante do
prazer e da felicidade e consequentemente a necessidade de evitar o que atrapalhasse esta
busca A morte o luto a tristeza a anguacutestia satildeo todos fatores que natildeo contribuem para o
sucesso a juventude e o controle emocional
Antes de abordarmos a vivecircncia da morte na sociedade atual consideramos importante
refletir sobre alguns aspectos apresentados por Kastenbaum e Aisenberg (1983) como
ldquocondiccedilotildees que contribuiacuteram significativamente para o contexto de vida do qual emergiram as
interpretaccedilotildees sobre a morterdquo a expectativa de vida a presenccedila da morte o senso de possuir
reduzido controle sobre a natureza e o status do indiviacuteduo (p150)
Em sociedades onde a guerra a peste outras doenccedilas contagiosas ou natildeo eram
frequentes natildeo se esperava vida longa No decorrer da histoacuteria da humanidade a expectativa
de vida do homem era curta tantas vezes natildeo chegava aos trinta anos Com a precarizaccedilatildeo das
condiccedilotildees de sauacutede muitas mulheres morriam no parto e as crianccedilas nasciam mortas ou
faleciam muito cedo Para as que sobreviviam cabia a luta pela vida sem espaccedilo distinto para
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a vivecircncia de uma infacircncia O mundo dos adultos era tambeacutem o seu mundo Tanto que a hora
da morte era assistida por todos natildeo existia um isolamento no momento do desenlace Em meio
a tantas fraquezas perante agraves doenccedilas restava ao homem o senso de possuir reduzido controle
sobre as forccedilas da natureza inclusive sobre a sua proacutepria vida
Somadas a estas circunstacircncias outra caracteriacutestica relevante a ser mencionada eacute o status
social do indiviacuteduo Que nas civilizaccedilotildees antigas existia para a manutenccedilatildeo da sociedade para
o bem de algo maior natildeo servindo essencialmente ao benefiacutecio do indiviacuteduo isolado em
detrimento do grupo social
Estes fatores foram elencados por Kastenbaum e Aisenberg (1983) como significativos
para as interpretaccedilotildees sobre a morte existentes nas sociedades ao longo da histoacuteria Analisando
os mesmos fatores na eacutepoca atual diante de mudanccedilas tatildeo profundas no decorrer do tempo nos
deparamos com uma sociedade que apresenta um grande desenvolvimento tecnoloacutegico e da
medicina conseguiu com isto a ampliaccedilatildeo da expectativa de vida e a propagaccedilatildeo de valores
de sucesso e juventude ao mesmo tempo em que favorece o individualismo e interdita a morte
a um espaccedilo tatildeo reduzido quanto o esquecimento relegado ao fracasso e a frustraccedilatildeo
Vivemos em uma sociedade paradoxal que exige velocidade e calma ao mesmo tempo
que dita normas as quais geram ansiedade e para evitaacute-la divulga foacutermulas e medicamentos
Existem soluccedilotildees para o ldquobem viverrdquo segundo os bons costumes soluccedilotildees que aprisionam os
que se adequam e excluem os que natildeo conseguem caminhar como os demais A sociedade do
consumo e da busca de soluccedilotildees imediatas para o alcance do prazer
Uma sociedade que valoriza os avanccedilos tecnoloacutegicos e a juventude E estes avanccedilos
geraram uma noccedilatildeo de controle sobre a vida desde o seu iniacutecio durante o seu curso e na
necessidade de prolongamento do tempo neste mundo Em periacuteodos anteriores a morte
predominava em todos os periacuteodos a gravidez tantas vezes era um risco para a mulher bem
como a morte de receacutem-nascidos vista com naturalidade pela comunidade Na sociedade atual
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ldquoa morte conserva-se a uma distacircncia reconfortante ou uma boa distacircncia dos jovens e dos
adultos de meia idade Quem morre Os velhos (noacutes natildeo) A crescente associaccedilatildeo estatiacutestica
entre mortalidade e idade avanccedilada imediata e perpeacutetua para um prospecto distante remotordquo
(Kastenbaum e Aisenberg 1983 p 166)
Por isso a morte de jovens na contemporaneidade pode comover ao remeter agrave ideia
de uma vida interrompida antes mesmo de concretizar os objetivos propostos antes de dar
retorno agrave sociedade A morte eacute destinada aos que se tornaram obsoletos natildeo satildeo mais
produtivos E mesmo assim ela eacute evitada interditada pouco presente nas conversas cotidianas
A morte passa a ter uma participaccedilatildeo perifeacuterica na vida das pessoas quando na realidade eacute
uma condiccedilatildeo inerente ao ser-no-mundo
45
Capiacutetulo 2 ndash Contemplando alguns existenciais da fenomenologia Heideggeriana
ldquoA Persistecircncia da Memoacuteriardquo Salvador Daliacute 1931
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Capiacutetulo 2 ndash Contemplando alguns existenciais da fenomenologia Heideggeriana
ldquoA morte chega cedordquo afinal que seguranccedila me traz o desconhecido O caminho que
natildeo percorri O abandono do ente querido Enquanto certeza incerta a morte assusta pela
imprecisatildeo possiacutevel pela hora natildeo marcada pelo temor escondido de quem vive na sociedade
que cultua o controle da vida do iniacutecio ao fim A morte que chega para o outro natildeo pertence
a mim mas me consome e leva consigo uma parte do que valorizo algo precioso que perdi
ldquoO amor foi comeccedilado o ideal natildeo acabourdquo A morte interrompe o que foi iniciado ao
mesmo tempo que gera o sentimento de perda do que foi e do que poderia ter sido Sofremos
pelo que perdemos e pelo que gostariacuteamos de ter realizado A morte do outro nos remete a todos
esses sentimentos de incompletude de inseguranccedila agraves vezes de arrependimento e tantas outras
a uma reflexatildeo sobre a proacutepria vida seus medos e seus alcances
A morte chega cedo pois chega sem avisar Como a visita que abre a porta sem bater
entra sem cerimocircnia leva o que lhe cabe e deixa quem fica a chorar Hoje um choro mais
contido um ritual mais reservado um luto mal vivido mas natildeo menos sofrido Apenas
controlado em meio a um cenaacuterio que prima pelo esquecimento da morte em detrimento da
valorizaccedilatildeo da vida e da juventude
O poema de Fernando Pessoa foi escolhido para iniciar este capiacutetulo por retratar da
forma mais bela que a poesia permite reflexotildees fundamentais sobre a morte e a vida que me
A Morte Chega Cedo
A morte chega cedo pois breve eacute toda vida
O instante eacute o arremedo de uma coisa perdida
O amor foi comeccedilado o ideal natildeo acabou
E quem tenha alcanccedilado natildeo sabe o que alcanccedilou
E tudo isto a morte risca por natildeo estar certo
No caderno da sorte que Deus deixou aberto
Fernando Pessoa in Cancioneiro
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remetem aos existenciais difundidos por Heidegger (19272015) e que inspiraram o presente
estudo
Para o entendimento do ser Heidegger (19272015) apresenta conceitos importantes
definidos como existenciais Antes de abordarmos alguns existenciais (inerentes agrave condiccedilatildeo
humana) partiremos de conceitos iniciais desenvolvidos pelo referido autor
Em sua principal obra publicada em 1927 Ser e Tempo Heidegger realiza um
questionamento fundamental inclusive para o modo de pensar preponderante do positivismo e
da metafiacutesica Ele natildeo pergunta o que eacute o ser Esta pergunta requer uma resposta traduzida
como uma definiccedilatildeo Desta forma poderia apresentar inuacutemeras respostas tais como o homem
eacute um animal racional o homem eacute um ser divino Enfim respostas provenientes dos mais
diversos interesses sejam estes filosoacuteficos cientiacuteficos religiosos
A pergunta fundamental de Ser e Tempo que origina todas as outras e ainda permanece
inacabada eacute Qual o sentido do ser Esta eacute uma pergunta que gera por si soacute inquietude Imagine
questionar para uma pessoa quem eacute vocecirc A resposta pode se definir da forma mais simples
ou da maneira mais prolixa mas existe uma resposta ldquoSou psicoacuteloga sou brasileira Sou filha
derdquoAgora questione a pessoa ldquoqual o sentido do serrdquo A resposta ganha outra complexidade
e uma reflexatildeo bem mais profunda
E o que se configura como sentido Sentido eacute o que nos move eacute o que Critelli (1996)
define como um destinar-se da existecircncia O sentido daacute a direccedilatildeo da nossa vida afeta as nossas
escolhas O homem natildeo possui determinaccedilotildees essenciais Sendo indeterminado a existecircncia
acontece como sentido O sentido tem a ver com o para que e tambeacutem com o ainda natildeo
Ao refletir sobre o sentido do ser Heidegger (19272015) considera que a palavra
sentido pode apresentar duas interpretaccedilotildees a primeira refere-se agrave significaccedilatildeo ou seja que
todo gesto humano eacute significado e a segunda contempla a direccedilatildeo perpassando a ideia segundo
a qual quem sou estaacute vinculado ao que eu posso ser O sentido me fornece a direccedilatildeo um
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caminho a ser seguido E tudo o que faccedilo estaacute vinculado com algo que ainda natildeo sou Sentido
eacute portanto direccedilatildeo e significado Eacute como me encontro no mundo hoje projetado para como eu
quero me encontrar no futuro A vida tem sentido quando compreendo o seu significado e
encontro atraveacutes deste o direcionamento para seguir em frente
Tambeacutem eacute importante a distinccedilatildeo entre o que Heidegger (19272015) denomina de
ocircntico do que ele define como ontoloacutegico O ocircntico estaacute dado no mundo eacute referente ao ente
(objetos inanimados plantas animais que servem ao homem enquanto instrumentos ou tem
algum tipo de utilidade como tambeacutem o proacuteprio homem eacute tambeacutem um ente) O ontoloacutegico eacute
relativo ao ser remete aos aspectos constituintes do ser como por exemplo os que satildeo
denominados por Heidegger de existenciais (o cuidado a linguagem)
Outro aspecto que merece relevacircncia na ontologia heideggeriana eacute a utilizaccedilatildeo dos
hiacutefens com o intuito de unir palavras para assumirem um novo sugnificado Heidegger tinha o
objetivo de desvincular o significado das palavras do senso comum e atribuir uma nova forma
de compreensatildeo das mesmas Ser no mundo pode ser entendido como um ser que estaacute no
mundo ou dentro do mundo ser-no-mundo por sua vez revela uma ligaccedilatildeo indissociaacutevel uma
relaccedilatildeo diferente de estar contido no outro mas como unidade separada passando a significar
natildeo ser compreendido sem o outro de maneira isolada
A partir do ser-no-mundo abordaremos de forma breve alguns existenciais o ser-com
o cuidado o ser-para-a-morte a anguacutestia Estes existenciais foram escolhidos pela inspiraccedilatildeo
que trazem agrave temaacutetica do presente estudo Os profissionais de sauacutede rementem agrave ideia do
cuidado em relaccedilatildeo aos pacientes satildeo por vezes considerados profissionais do cuidado Vivem
cotidianamente presenciado a morte dos outros e tambeacutem se angustiam diante da realidade que
Vale sublinhar que para Heidegger haacute duas regiotildees distintas de entes [i] o
ente intramundano (o simplesmente dado) que tem como caraacuteter ontoloacutegico
as categorias (ldquodeixar e fazer todos verem o ente em seu serrdquo12) [ii] E o ente
ser-no-mundo (a presenccedila) que tem como caraacuteter ontoloacutegico os existenciais
Na primeira regiatildeo temos o ponto de vista naturalista dos entes e na segunda
o ponto de vista existencial (Ferreira 2010 p 112)
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vivenciam Uma realidade marcada pela relaccedilatildeo com tantos outros os bebecircs os familiares dos
pacientes os colegas de trabalho Enfim os outros que fazem parte do cotidiano destes
profissionais de sauacutede Ao longo do texto os existenciais propostos por Heidegger (1927 2015)
seratildeo apresentados em itaacutelico com o intuito de enfatizar estas palavras que ao se unirem
ganham outro sentido
O ser-aiacute como bem expressa o termo eacute um ser que existe no mundo O que natildeo significa
que o ser estaacute inserido no mundo ou dentro do mundo Ele existe no mundo em uma relaccedilatildeo
de co-pertencimento O termo ldquoaiacuterdquo natildeo se refere a um lugar especiacutefico e sim a uma abertura
ao entendimento do homem enquanto ser-para-fora Esta definiccedilatildeo por si soacute jaacute diz muita coisa
Primeiramente desconstroacutei a concepccedilatildeo do senso comum de que o ser aparece no mundo e
depois o mundo surge para o ser A dicotomia homemmundo se esvai assim como a noccedilatildeo do
cogito com a ceacutelebre frase ldquopenso logo existordquo se perde Porque primeiramente o ser existe
eacute pre-senccedila antes ateacute de se definir enquanto um ser pensante
Em segundo lugar por estar-no-mundo lanccedilado no mundo o ser-aiacute estaacute aberto ao
mundo e agraves possibilidades apresentadas no mesmo em um contexto histoacuterico especiacutefico no qual
estaacute imerso O ser existe aiacute eacute pre-senccedila no mundo em uma relaccedilatildeo de co-pertencimento Por
assim dizer ele nunca estaraacute completo pois a relaccedilatildeo permaneceraacute aiacute enquanto ele existir no
mundo O ser-aiacute nada mais eacute que o modo de ser do homem enquanto ser-no-mundo
Ao estar no mundo o ser-aiacute depara-se com a sua facticidade ou seja encontra-se em
um corpo diante de uma realidade constituiacuteda de valores histoacuteria cultura e mitos
caracteriacutesticos de uma determinada sociedade A facticidade natildeo pode ser confundida com a
() ser-no-mundo natildeo eacute uma ldquopropriedaderdquo que o ser-aiacute agraves vezes apresenta
e outras natildeo como se pudesse ser igualmente com ela ou sem ela O homem
natildeo ldquoeacuterdquo no sentido de ser e aleacutem disso ter uma relaccedilatildeo com o mundo o qual
por vezes lhe viesse a ser acrescentado (Heidegger 2015 pp 95-96)
50
ideia de destino de determinaccedilatildeo do ser uma vez que pela condiccedilatildeo existencial de abertura o
ser-no-mundo realiza escolhas e busca o poder-ser a realizaccedilatildeo de projetos
O ser-aiacute tambeacutem eacute denominado de Dasein onde ldquoDardquo significa aiacute e ldquoSeinrdquo significa ser
existecircncia Dasein eacute uma palavra em alematildeo que define o ser que estaacute presente e aberto a
inuacutemeras possibilidades ldquoO Dasein eacute a proacutepria abertura de sentido na qual pode vir agrave luz o ser
dos entes que se datildeo ao seu encontrordquo (Saacute Matar amp Rodrigues 2006 p 113)
O Dasein existe no mundo e natildeo mais fora deste e ao estar no mundo projeta nele as
suas accedilotildees A existecircncia eacute portanto essencialmente projeto No mundo estatildeo os utensiacutelios
necessaacuterios agrave ocupaccedilatildeo do homem que eacute originariamente um ser-no-mundo um ser que se
ocupa no cuidar das coisas Ao estar-no-mundo o homem natildeo pode ser considerado como um
espectador que assiste ao grande espetaacuteculo da vida Ele estaacute envolvido com o mundo com os
seus desafios e vicissitudes E ao transformar o mundo transforma a si mesmo
O mundo a que Heidegger faz referecircncia natildeo se limita ao local fiacutesico e geograacutefico
envolve a cultura os costumes todos os fatores que constituem um mundo para o indiviacuteduo
enquanto morada Eacute a fonte de referecircncia o local de sobrevivecircncia estrutura de sentido
Partindo deste pressuposto eacute preciso compreender o ser-no-mundo para entender as suas
escolhas o seu modo de ser Alguns valores que direcionam as accedilotildees das pessoas que nascem
em uma cultura aacuterabe por exemplo satildeo distintos dos que predominam na cultura americana e
consequentemente os comportamentos sociais dos referidos indiviacuteduos aacuterabes ou americanos
Portanto o mundo para Heidegger eacute constituinte do Dasein
O trabalho de Heidegger mostra que o ser-no-mundo eacute a condiccedilatildeo primeira
para o entendimento do ser do homem As vicissitudes do ser-no-mundo satildeo
anteriores agraves elaboraccedilotildees teoacutericas quanto a um ponto de partida ou uma
caracteriacutestica definidora que norteie um percurso compreensivo Jaacute haacute uma
determinaccedilatildeo insuperaacutevel que todavia tende a se manter velada no
cotidiano a existecircncia como ser-no-mundo (Roehe Dutra 2014 p 107)
Mundo eacute o todo da constituiccedilatildeo ontoloacutegica Ele natildeo eacute apenas o todo da
natureza da convivecircncia histoacuterica do proacuteprio ser si-mesmo e das coisas de
uso Ao contraacuterio ele eacute a totalidade especiacutefica da multiplicidade ontoloacutegica
que eacute compreendida de maneira una no ser-com os outros no ser junto a e
no ser-si-mesmo (Heidegger 19872009 p328)
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Na mundanidade do mundo a presenccedila encontra-se em um mundo (ser-em) junto de
outros entes intramundanos (ser-junto) e com a copresenccedila (ser-com) A articulaccedilatildeo destes
existenciais eacute a estrutura fundamental e primordial da presenccedila na analiacutetica existencial
(Ferreira 2010 p113)
ldquoSendo o ser-em um existencial o ldquoemrdquo originalmente natildeo expressa uma relaccedilatildeo
espacial ldquoemrdquo deriva de innan- que significa morar habitar deter-se estar familiarizado a
habituado a estar junto-a Tambeacutem aqui ser-junto natildeo indica uma relaccedilatildeo de justaposiccedilatildeo
em que algo estaacute ldquoao lado derdquo ldquocolado ardquo Natildeo podemos pensar em um ente o Dasein junto
de outro ente o mundo da mesma maneira natildeo faz sentido pensarmos em um ente o homem
como uma coisa corporal dentro de um outro ente o mundo que o acomoda ou ainda um
ente a alma conjugada a outro ente o corpo Ser-junto ao mundo implica uma atitude de
empenhar-se no mundo de relacionar-se com ele buscando transformaacute-lo Dessa forma soacute o
Dasein pode ser-junto ao mundo (Leite 2013 p 188)
Heidegger (19272015) ao contemplar o conceito de ser-no-mundo afirma que este eacute
essencialmente um modo de ocupaccedilatildeo O Dasein eacute o uacutenico ser vivo que tem um mundo para
as coisas tudo eacute simplesmente dado Natildeo existe um mundo de sentido O ser-aiacute entretanto vive
ao lidar familiarmente na ocupaccedilatildeo com os entes ao realizar coisas produzir algo discutir
interrogar enfim todos os modos de se comportar os modos de ser-no-mundo
Em meio a esta totalidade do mundo estaacute presente o existencial de corporeidade
Heidegger aborda a corporeidade nos Seminaacuterio de Zollikon (1987 p 114) ldquoO corporar do
corpo [Leiben des Leibes] eacute assim um modo de ser do Da-seinrdquo O entendimento da
corporeidade enquanto existencial requer a compreensatildeo da perspectiva ontoloacutegica-existencial
do corpo natildeo limitando-se agrave visatildeo bioloacutegica do mesmo
Pela visatildeo bioloacutegica nos limitamos agrave visatildeo do corpo enquanto ele se apresenta para noacutes
como uma aparecircncia Ao refletir sobre a concepccedilatildeo da visatildeo bioloacutegica do corpo pensei no ser
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doente enquanto ser com possibilidades limitadas e que depende da assistecircncia do outro Como
seria a visatildeo do corpo do ser doente pelo profissional de sauacutede Agraves vezes alguns poderiam se
concentrar apenas no olhar para o corpo quase como uma maacutequina que precisa de conserto
Sem abranger o ser que habita este corpo
Agora imagine o profissional de sauacutede que trabalha em UTI Neonatal a visatildeo bioloacutegica
do corpo de um receacutem-nascido se restringe a um ser bem pequenino tantas vezes ocupando as
palmas de duas matildeos unidas A visatildeo bioloacutegica desse corpo remete a uma fragilidade imensa
agrave necessidade latente de assistecircncia e atenccedilatildeo aos miacutenimos detalhes para a sobrevivecircncia Um
corpo que natildeo fala pela boca mas que se expressa em pequenos movimentos e que pode gerar
compaixatildeo pelo simples fato de estar no mundo naquelas condiccedilotildees existenciais
Para tentarmos elucidar um pouco mais a compreensatildeo de Heidegger sobre a
corporeidade retomaremos o entendimento de Descartes acerca do corpo Entendimento que
ateacute hoje influencia na forma como compreendemos o mundo e as coisas que dele fazem parte
Para Descartes ldquoa extensatildeo em comprimento largura e altura constituem a natureza da
substacircncia corporal e o pensamento constitui a natureza da coisa que pensardquo a alma (Descartes
Princiacutepios I n 53 p 44)
Para Heidegger (1927 2015) a percepccedilatildeo dos nossos sentidos apenas informa sobre a
aparecircncia dos entes mas natildeo sobre a sua natureza Os sentidos ldquoanunciam meramente a
utilidade e a desvantagem das coisas intramundanas lsquoexternasrsquo para o ser humano dotado de
corporeidaderdquo (Heidegger p 146)
A compreensatildeo da corporeidade enquanto existencial vai muito aleacutem das informaccedilotildees
sensoriais Para Heidegger (1987 2009 p 127) ldquotodo comportamento do ser humano como
um ser-no-mundo eacute determinado pelo corporar do corpordquo
A corporeidade estaacute nos modos de ser da presenccedila na forma de se comportar de falar
de ouvir a expressatildeo dos sentimentos nos orientam no mundo enquanto um ser-corporal E o
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nosso corpo eacute a cada vez enquanto presenccedila como um ser de abertura Somente o ser-aiacute tem a
possibilidade de existir E existir eacute ldquoec-sistirrdquo ou seja existir eacute para fora de si Eacute ser abertura eacute
ser projeto ldquoDizer que o dasein eacute projeto eacute livraacute-lo de qualquer substancialidade como algo
dado que o determina previamente Uma aacutervore eacute mas natildeo existe ela eacute incapaz de perguntar
pelo seu proacuteprio ser Fechada em si a aacutervore natildeo sabe que eacute nem lhe eacute dado o encontro com
outros entesrdquo (Ferreiro 2010 Leite 2013 p 190)
Por assim dizer ao refletirmos sobre o profissional de sauacutede eacute importante
compreendermos as relaccedilotildees que estabelece no seu cotidiano de trabalho enquanto um espaccedilo
para expressar a sua corporeidade O ldquomundordquo da UTI Neonatal apresenta vaacuterias
caracteriacutesticas regras e padrotildees estabelecidos pela Instituiccedilatildeo E o ser-no-mundo de cada
profissional de sauacutede eacute uacutenico pois apesar de conviver no local de trabalho possue outras
ocupaccedilotildees na vida no sentido de modos de ser no mundo que o torna sigular Embora
universalmente se constitue como todos os daseins que satildeo em sua essecircncia cuidado cura
O dasein que estaacute presente no mundo com possibilidades de fazer escolhas eacute tambeacutem
um ser-com constituiacutedo na relaccedilatildeo com os outros Ainda que se encontre em uma situaccedilatildeo de
isolamento o ser-aiacute eacute um ser-com-os-outros e jamais se define de forma isolada Mesmo o
estar-soacute da pre-senccedila eacute ser-com no mundo A falta e a ausecircncia tambeacutem se configuram como
co-presenccedila O dasein se apresenta portanto por meio da co-existecircncia na condiccedilatildeo de estar
sempre com o outro (Heidegger 19272015)
Numa primeira aproximaccedilatildeo e na maior parte das vezes a presenccedila se
estende a partir de seu mundo e a copresenccedila dos outros vem ao encontro
das mais diversas formas a partir do que estaacute agrave matildeo dentro do mundo Mas
mesmo quando a presenccedila dos outros se torna por assim dizer temaacutetica
eles natildeo chegam ao encontro como pessoas simplesmente dadas Noacutes as
encontramos por exemplo ldquojunto ao trabalhordquo o que significa
primordialmente em seu ser-no-mundo (Heidegger 2015 p 176)
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Junto ao trabalho o ser-com se configura em meio a relaccedilatildeo com os outros Na realidade
de uma UTI Neonatal os outros se apresentam como colegas de trabalho que constituem uma
equipe multidisciplinar bem como os pais dos bebecircs que participam do processo de tratamento
dos receacutem-nascidos O ser profissional de sauacutede convive no seu cotidiano com o ser-doente E
o ser-doente se caracteriza por estar com possibilidades limitadas Da mesmo forma os pais do
receacutem-nascido tambeacutem estatildeo diante de uma realidade com restriccedilotildees Em meio agraves frustraccedilotildees
de natildeo levar o bebecirc para casa e de vecirc-lo em uma situaccedilatildeo de tamanha fragilidade Eles estatildeo
juntos com o seu bebecirc que se encontra no limite entre a vida e a morte ao mesmo tempo em
que precisam se ausentar das suas ocupaccedilotildees e compromissos As suas possibilidades se
restrigem e se concentram nas expectativas de deixar o hospital com o filho nos braccedilos
O receacutem-nascido enquanto ser-no-mundo se constitui enquanto ser-com O dasein
existe desde o seu nascimento ateacute a morte Estes satildeo os limites da existecircncia A partir do
momento em que eacute pre-senccedila se configura em meio agrave co-presenccedila dos outros ldquoO mundo da
presenccedila eacute mundo compartilhadordquo (Heidegger 2015 p 175) Ao considerarmos os limites da
existecircncia e refletirmos sobre o receacutem-nascido enquanto ser-no-mundo tambeacutem
desmistificamos a maacutexima cartesiana do ldquopenso logo existordquo A existecircncia vem antes do
pensamento entendido pelos outros O bebecirc eacute de fato ser-no-mundo e a sua pre-senccedila tem um
impacto significativo nas vidas dos outros Ela por si soacute transforma a existecircncia de outros
Daseins
O encontro com os outros natildeo se daacute numa apreensatildeo preacutevia em que um sujeito
de iniacutecio jaacute simplesmente dado se distingue dos demais sujeitos nem numa visatildeo
primeira de si onde entatildeo se estabelece o referencial da diferenccedila Eles veem ao
encontro a partir do mundo em que a presenccedila se manteacutem de modo essencial
empenhada em ocupaccedilotildees guiadas por uma circunvisatildeo Em oposiccedilatildeo aos
ldquoesclarecimentosrdquo teoacutericos que facilmente se impotildee sobre o ser simplesmente
dado dos outros deve-se ater ao teor fenomenal demonstrado de seu encontro no
mundo circundante (Heidegger 2015 p 175)
55
Heidegger (19272015) utiliza o termo alematildeo Sorge com o significado de cura que
tambeacutem pode ser definido como cuidado O cuidado eacute a proacutepria abertura que constitui o dasein
Eacute uma denominaccedilatildeo usada com o intuito de expressar a caracteriacutestica ontoloacutegica do dasein de
se estruturar atraveacutes do fenocircmeno da cura de sempre estar referido a outro ente O ser humano
eacute um ser de cuidado uma vez que cuidar eacute ao mesmo tempo origem (ser lanccedilado) e condiccedilatildeo
do ser (projetar agir) ldquoPorque em sua essecircncia o ser-no-mundo eacute cura pode-se compreender
nas anaacutelises precedentes o ser junto ao manual como ocupaccedilatildeo e o ser como co-presenccedila dos
outros nos encontros dentro do mundo como preocupaccedilatildeo (Heidegger 19272015 p260)
O cuidado pode se expressar atraveacutes de dois tipos de relaccedilatildeo a de ocupaccedilatildeo e a de
preocupaccedilatildeo A ocupaccedilatildeo eacute caracterizada pela relaccedilatildeo de manualidade com os entes os quais
apresentam o seu ser jaacute previamente determinado como os objetos Jaacute a preocupaccedilatildeo envolve
as relaccedilotildees com os outros daseins com os outros seres indeterminados inclusive consigo
mesmo (Heidegger 1927 2015)
O modo de cuidado da preocupaccedilatildeo enquanto forma de ser com o outro pode se
manifestar de duas formas o substitutivo e o antepositivo A primeira forma refere-se ao
cuidado que faz tudo pelo outro tornando-o dependente A segunda convida o outro a voltar-
se para si mesmo abrindo-se para novas possibilidades para a realizaccedilatildeo de suas proacuteprias
escolhas tornando-se assim livre Esta segunda forma de cuidado eacute definida por Heidegger
(1981) como o autecircntico cuidar ou solicitude Vale salientar que as denominaccedilotildees de cuidado
como substitutivo e antepositivo natildeo apresentam superioridade ou julgamento de valor Ambas
existem e devem existir no ser-com
O cuidado de uma matildee com o filho muitas vezes requer a tomada de decisatildeo a atitude
que evita o perigo Mas a mesma matildee deve entender o cuidado antepositivo quando ajuda o
seu filho a fazer as suas proacuteprias escolhas em relaccedilatildeo a sua vida A sabedoria estaacute em fornecer
o cuidado substitutivo ou antepositivo quando assim for necessaacuterio Natildeo caberia a uma matildee
56
oferecer um cuidado antepositivo para um filho pequeno e doente Nem tatildeo pouco um
substitutivo para um filho adulto no momento em que precisa fazer escolhas quanto a sua
profissatildeo por exemplo
Mas dentro da impessoalidade eacute possiacutevel que a relaccedilatildeo com o outro se decirc na ordem da
utilidade da indiferenccedila ou seja pode ocorrer de modo deficiente caracterizando a relaccedilatildeo
com o outro como um ser simplesmente dado Eacute o tipo de cuidado voltado para objetos que
torna o outro algo que pode ser substituiacutedo
No proacuteximo capiacutetulo abriremos um espaccedilo para discutir sobre o cuidado nos hospitais
em meio ao modelo da racionalidade meacutedica O cuidado tornou-se uma palavra amplamente
utilizada pelos profissionais de sauacutede como tambeacutem o termo assistecircncia A partir da ontologia
do cuidado de Heidegger muitas reflexotildees podem ser geradas em relaccedilatildeo a forma de lidar com
o ser-doente inclusive diante da possibilidade da morte do outro
Imerso no mundo o homem pode fazer escolhas dentre vaacuterias possibilidades Pode se
dedicar a esta ou aquela profissatildeo optar por ter muitos filhos ou natildeo ter nenhum por dedicar a
vida ao estudo ao trabalho ou a ajudar ao proacuteximo Entretanto entre muitas possibilidades
existe uma da qual o homem natildeo pode escapar a morte O homem pode fazer vaacuterias escolhas
mas natildeo pode deixar de morrer E ao morrer natildeo mais existe no mundo A morte por assim
dizer faz com que todas as outras possibilidades deixem de existir Com a morte natildeo haacute mais
projetos a realizar Ela encerra o inacabado
O ser-no-mundo que eacute ser-com-os-outros caminha para o fim ou seja eacute
intrinsecamente desde o princiacutepio um ser-para-a-morte Mas durante a sua vida deixa-se
envolver com as ocupaccedilotildees do mundo o que Heidegger (19272015) denomina de existecircncia
inautecircntica A reflexatildeo sobre a sua finitude leva o homem a uma existecircncia autecircntica ao pensar
sobre o sentido do seu ser dos seus projetos
57
A morte eacute uma possibilidade que encerra todas as outras E enquanto o dasein existe
jaacute eacute destinado para o fim Eacute um fenocircmeno intriacutenseco agrave vida que lhe impotildee o limite Eacute a
possibilidade mais proacutepria e insuperaacutevel de natildeo mais existir de natildeo mais estar presente no
mundo (Heidegger 19272015)
A experiecircncia da morte tambeacutem eacute singular Soacute podendo ser vivenciada por cada
indiviacuteduo Mas sendo essencialmente ser-com-os-outros sentimos a morte do outro como uma
perda A morte do outro se concretiza de maneira objetivamente acessiacutevel em nossas vidas
Sentimos falta da presenccedila do outro Embora mesmo apoacutes a morte os cuidados com o morto
natildeo o torna um ser simplesmente dado como um objeto Os cuidados com o morto demonstram
uma preocupaccedilatildeo reverencial e natildeo apenas uma ocupaccedilatildeo com o corpo A morte do outro nos
lembra que a morte existe e pode nos levar a refletir sobre a nossa proacutepria morte
De acordo com Heidegger (2015 p 313) ldquo Em sentido genuiacuteno natildeo fazemos a
experiecircncia da morte dos outros Estamos apenas juntordquo Esta afirmaccedilatildeo do referido autor
merece algumas consideraccedilotildees Primeiramente a expressatildeo ldquoestar juntordquo se refere a uma troca
de sentimentos possiacutevel entre os daseins Como pontua Ferreira (2010 p112) ldquoA cadeira estaacute
junto da parede mas ela natildeo estaacute com a parede porque ela natildeo toca e natildeo eacute tocada pela parede
Ao contraacuterio para ela eacute indiferente estar junto da parede ou da mesa Jaacute o estar junto do ser-no-
mundo eacute diferente do estar junto do ente intramundano pois quando ele estaacute junto da parede eacute
tocado ao mesmo tempo em que toca Somente o ente constituiacutedo pela abertura preacutevia do ser-
em pode tocar e ser tocadordquo
Em segundo lugar o fato de ldquonatildeo fazermos a experiecircncia da morte dos outrosrdquo significa
que natildeo podemos morrer pelo outro Mesmo que ofereccedilamos a nossa vida no lugar da de outra
pessoa esta atitude pode ser entendida como sacrifiacutecio jamais como experienciar a morte do
outro A morte eacute um fenocircmeno singular assim como o nascimento e todas as experiecircncias
vividas e interpretadas por cada ser-no-mundo
58
Conhecemos a morte como algo que ocorre com o outro mas distante da realidade
proacutepria como afirma Heidegger (2015 p 331) ldquoa explicaccedilatildeo do ser-para-a-morte no cotidiano
deteve-se na falaccedilatildeo do impessoal algum dia se morre mas por hora ainda natildeordquo Vive-se com
a certeza da morte embora esta certeza eacute tida como uma verdade distante para a qual se foge
com o mergulho na impessoalidade
Ao longo da trajetoacuteria de vida as perdas podem ser sentidas de diferentes formas que
deixam marcas resignificam a vida mas natildeo mudam de condiccedilatildeo ou significado satildeo perdas
Grandes e pequenas mortes com as quais precisamos aprender a lidar no cotidiano a conviver
com a ausecircncia
E da mesma forma que na contemporaneidade fugimos da morte tentamos evitar ao
maacuteximo pensar na morte dos outros e na nossa proacutepria morte e mascaramos o luto noacutes tambeacutem
fugimos das perdas escondemos os fracassos encobrimos as falhas buscamos culpados para a
natildeo-realizaccedilatildeo dos desejos e sonhos nos concentramos em outras demandas para natildeo olhar para
o que perdemos Caiacutemos na impessoalidade e ficamos na superfiacutecie das histoacuterias das relaccedilotildees
das atividades cotidianas Tomamos piacutelulas para emagrecer remeacutedios para esquecer das dores
para dormir o sono que evita a culpa
As perdas demonstram que natildeo temos o controle sobre o mundo e tambeacutem indicam que
somos seres em deacutebito Sempre que escolhemos algo abrimos matildeo de outras possibilidades o
tempo inteiro Estamos em deacutebito com o que natildeo escolhemos e diante de decisotildees muito
importantes para a nossa vida o nosso deacutebito torna-se ainda maior conosco E esta diacutevida vai
sendo cobrada ao longo da existecircncia ateacute a finitude quando deixamos a condiccedilatildeo de ser-no-
mundo (Heidegger 19272015)
Ter consciecircncia de ser algueacutem em deacutebito nos torna mais reflexivos quanto agraves escolhas
que realizamos Tantas vezes o sim para o mundo pode ser o natildeo para si proacuteprio E a dor da
sequecircncia de perdas pode levar ao adoecimento e agrave perda de sentido da vida
59
A consciecircncia da finitude faz parte da histoacuteria da humanidade e sempre interferiu na sua
existecircncia Desde o iniacutecio apresenta-se como uma certeza sem resposta mas pautada em
explicaccedilotildees as mais diversas tanto de filoacutesofos como de religiosos que ao longo dos seacuteculos
influenciaram na maneira como o homem vivencia a experiecircncia da morte do outro e tambeacutem
na forma como encara a proacutepria morte
Seja um castigo ou fonte de expiaccedilatildeo dos pecados Seja o fim da existecircncia ou um novo
comeccedilo a morte continuaraacute na verdade como presenccedila como uma possibilidade certa na nossa
existecircncia um marco divisoacuterio entre estar-no-mundo e deixar de ser-no-mundo
O viver para a morte constitui o sentido autecircntico da existecircncia E esta experiecircncia de
refletir sobre a existecircncia se torna possiacutevel por meio da anguacutestia Outro existencial definido
por Heidegger (19272015) que revela ao homem a presenccedila do nada a sua finitude A anguacutestia
natildeo pode ser confundida com o medo direcionado a um determinado objeto Ela eacute uma abertura
para o nada para o fim das possibilidades que se daacute com a morte E no meio das ocupaccedilotildees
do mundo o homem se exime de viver esta experiecircncia que o incomoda
A anguacutestia incomoda pois nos fornece um sinal de alerta um despertar para a existecircncia
e para o nada o fim da mesma A experiecircncia da anguacutestia desperta a condiccedilatildeo do ser-para-a-
morte como algo inerente ao homem e da morte como destino dos que vivem Um destino
certo para ocorrecircncia e incerto quanto ao tempo A anguacutestia eacute portanto algo necessaacuterio agrave vida
como um dote do nosso estar-aiacute (Boss 1981)
Cada anguacutestia humana tem um de que do qual ela tem medo e um pelo que
pelo qual ela temeO do que de cada anguacutestia eacute sempre um ataque lesivo agrave
possibilidade de estar aiacute (dasein) humano No fundo cada anguacutestia teme a
extinccedilatildeo deste ou seja a possibilidade de um dia natildeo mais estar aqui O pelo
que da anguacutestia humana eacute por isto o proacuteprio estar-aiacute na medida em que ela
se preocupa e zela soacute pela duraccedilatildeo deste Por isso as pessoas que mais temem
a morte satildeo sempre as mesmas que mais tecircm medo da vida pois eacute sempre o
viver da vida que desgasta e potildee em perigo o estar aiacute (Boss 1981 p26)
60
A anguacutestia se angustia com o ser-no-mundo com a condiccedilatildeo de desamparo que o ser se
encontra O desamparo observado nas incertezas na sensaccedilatildeo de incompletude nas
inseguranccedilas do cotidiano Inseguranccedilas mascaradas no apego agraves coisas mundanas como uma
forma de se situar no mundo de criar raiacutezes e de aparentemente se estabilizar O desamparo eacute
portanto inerente ao ser-no-mundo E talvez para natildeo pensar neste desamparo a reflexatildeo
sobre a proacutepria morte seja evitada
Entretanto morte e vida estatildeo interligadas fim e comeccedilo se entrelaccedilam E na perspectiva
do sentido natildeo vivemos um tempo somos tempo O tempo da vida do ser-aiacute que natildeo pode ser
medido por horas e minutos Pode apenas ser vivido enquanto lhe eacute permitido E esta
consciecircncia faz da permissatildeo a melhor das daacutedivas Permitir-se viver da forma mais autecircntica
torna-se mais valioso quando se sabe que esta possibilidade eacute finita Parece que se valoriza mais
o que se pode perder
O tempo eacute outra temaacutetica importante abordada por Heidegger no livro Ser e Tempo
(19272015) A noccedilatildeo de temporalidade humana da vida atual e cotidiana eacute distinta da pensada
pelo referido autor Talvez por vermos o tempo como a contagem de horas reduzidas a minutos
e segundos julgamos que a morte da crianccedila eacute mais sofrida que a do adulto que por sua vez
eacute mais dolorida que a do anciatildeo Acreditamos que o anciatildeo teve tempo de cumprir a sua missatildeo
Aquilo com que a anguacutestia se angustia eacute o nada que natildeo se revela ldquoem parte
algumardquo Fenomenalmente a impertinecircncia do nada e do em parte alguma
intramundanos significa que a anguacutestia se angustia com o mundo como tal
[hellip] O nada da manualidade funda-se em ldquoalgordquo mais originaacuterio isto eacute no
mundo Do ponto de vista ontoloacutegico poreacutem ele pertence essencialmente ao
ser do Dasein como ser-no-mundo Se portanto o nada ou seja o mundo
como tal se apresenta como aquilo com que a anguacutestia se angustia isso
significa que a anguacutestia se angustia com o proacuteprio ser-no-mundo
(Heidegger 19272015 pp 253)
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de viver muitas experiecircncias mas o tempo contado em horas e minutos o tempo cronoloacutegico
natildeo eacute condiccedilatildeo imprescindiacutevel para o bem viver para que ldquoa missatildeo seja concluiacutedardquo
Ao falarmos sobre a histoacuteria de vida pensamos como uma sequecircncia de acontecimentos
uma linha de tempo linear entre passado presente e futuro Mas o ser-aiacute natildeo preenche as fases
de um trajeto A sua existecircncia eacute prolongar-se sobre si mesmo desdobrar-se para fora Ele natildeo
cumpre uma sequecircncia de eventos no tempo como algo determinado A existecircncia eacute tempo e
natildeo uma soma de unidades de horas minutos e segundos (Heidegger 19272015)
Quando a vida eacute contada como uma soma de unidades de tempo a morte de bebecircs e
crianccedilas se apresenta como uma ruptura da ldquoordem natural das coisasrdquo nas quais os pais vatildeo
antes Mas a morte pode chegar ldquocedordquo no seio da esperanccedila de uma nova vida Vem como um
vento forte que leva uma semente e junto com ela todos os projetos que jaacute germinaram A
morte de um receacutem-nascido pode gerar comoccedilatildeo pelo natildeo vivido pela falta do que natildeo veio e
era tatildeo esperado E a comoccedilatildeo se amplia dos pais e familiares para todos os envolvidos com o
iniacutecio de uma histoacuteria interrompida
Existem crianccedilas que vivem de forma muito mais intensa que adultos dedicados agrave
impessoalidade do mundo Por assim dizer ldquoo tempo deixa de ser uma sucessatildeo de minutos
simplesmente dados e se torna o tempo especiacutefico da singularidade de maneira que o ser-aiacute
singular se torna o seu proacuteprio tempoe passa a ser o lsquoespaccedilorsquo da temporalizaccedilatildeo do mundordquo
(Costa 2015 p 79)
A vivecircncia da dor do sofrimento da sabedoria da alegria e da compaixatildeo natildeo pode ser
medida pelo tempo cronoloacutegico E sim contemplada na narrativa das experiecircncias singulares
de cada ser humano Que ao narrar a sua histoacuteria resignifica o passado reflete sobre o presente
e projeta-se para o futuro (Dutra 2002)
Com relaccedilatildeo agrave compreensatildeo do homem enquanto ser histoacuterico eacute importante salientar
que Heidegger diferencia duas palavras para o termo histoacuteria Historie e Geschitchte A
62
primeira eacute referente ao estudo dos acontecimentos passados enquanto ciecircncia que investiga
fatos O termo Geschichte entretanto faz referencia agrave histoacuteria enquanto o proacuteprio acontecer
remetendo agrave ideia de historicidade do ser-no-mundo (Tonin 2015)
A existecircncia eacute sempre biograacutefica Considerar a historicidade do dasein eacute fundamental
portanto para a compreensatildeo do ser-no-mundo Com este intuito o proacuteximo abordaremos a
temaacutetica da era da teacutecnica apresentando a preocupaccedilatildeo de Heidegger com o dasein diante da
sociedade moderna caracterizada pelos dos avanccedilos tecnoloacutegicos pela velocidade na difusatildeo
de informaccedilotildees e pela fuga de pensamentos
Ao abordar a temaacutetica em ldquoA questatildeo da teacutecnicardquo Heidegger (2007) nos leva a uma
importante reflexatildeo sobre existir no mundo da modernidade A teacutecnica que seraacute colocada em
ecircnfase aqui natildeo se restringe ao uso de instrumentos ou ateacute mesmo ao domiacutenio do conhecimento
para utilizaacute-los Mas sim ao modo de ser do homem na modernidade ao espiacuterito presente em
uma eacutepoca
Para compreendermos melhor as afirmaccedilotildees expostas recorremos a uma comparaccedilatildeo
dos modos de produccedilatildeo agriacutecola feita pelo referido autor Com o intuito de ampliar a produccedilatildeo
armazenar insumos estocar comida o homem faz uso de teacutecnicas inovadoras de plantio utiliza
produtos que ampliam as colheitas que antecipam o amadurecimento de frutos ou a sua melhor
conservaccedilatildeo A teacutecnica eacute utilizada para a obtenccedilatildeo de uma maior produccedilatildeo que vai muito aleacutem
da necessidade de subsistecircncia
Entretanto para um semedor que acompanha o movimento da natureza cultivar consiste
em plantar a semente e aguardar o seu desabrochar naturalmente em seu tempo Assim a
semente prospera e cresce sem o controle do homem que acompanha cultiva e colhe os seus
A pergunta sobre o ser eacute ela mesma uma pergunta histoacuterica e que se faz na
histoacuteria O circulo ontoloacutegico eacute tambeacutem um circulo histoacuterico a compreensatildeo
preacutevia do Dasein uma vez liberada igualmente libera o fundo da histoacuteria
(Nunes 2012 p151)
63
frutos Eis aiacute o que Heidegger (1927 2015) denomina de desvelar-se de ldquodeixar vir agrave
presenccedilardquo rememorando o conceito grego de Aletheia a verdade enquanto desvelamento E
este desvelamento pode ser comparado a uma clareira em meio a uma floresta
O ser-no-mundo se apresenta portanto como desvelamento e ocultamento Assim ele
se relaciona consigo e com os outros daseins Os objetos entretanto se apresentam na clareira
satildeo simplesmente dados e ganham significado na medida em que satildeo utilizados Ainda
retomando os gregos Heidegger tambeacutem faz referecircncia agrave palavra teacutechne ao se referir agrave arte agrave
manufatura desvelada pelo artista (denominado de techinite)
Para Heidegger a diferenccedila entre a teacutecnica e a teacutechne estaacute no modo de desvelamento
Com o uso da teacutecnica o desvelamento se daacute pela produccedilatildeo a partir de uma postura de
provocaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave natureza ao mesmo tempo em que prima pelo controle dos processos
e resultados Na teacutechne o objetivo eacute de deixar-acontecer aceitando os limites sem impor
desafios O desvelamento se daacute no descobrimento de algo naturalmente (Feijoo 2004)
Considerando estas duas formas de cultivo da terra marcadas provocaccedilatildeo ou pela
postura de deixar-acontecer voltamos a refletir sobre as diferentes maneiras de pensar do
homem Na sua obra denominada ldquoSerenidaderdquo (1959) Heidegger apresenta duas modalidades
de pensamento calculante e meditante tambeacutem denominados de pensamento que calcula e
No comeccedilo do destino do Ocidente na Greacutecia as artes elevaram-se agraves maiores
alturas do desabrigar a elas consentidas Elas permitiram que a presenccedila dos
deuses e o diaacutelogo entre o destino humano e o destino divino brilhassemEla
era um singular e muacuteltiplo desabrigar As artes natildeo decorriam do artiacutestico As
obras de arte natildeo eram fruiacutedas esteticamente A arte natildeo era um setor da
produccedilatildeo cultural O que era a arte Era talvez arte somente por breves tempos
Ela era um desabrigar que levava e punha agrave luzhellip (Heidegger 2007 p 395)
Nas regiotildees cobertas por aacutervores a luz natildeo chega e o que estaacute nessa regiatildeo
fica oculto Na regiatildeo clara (clareira) as coisas satildeo manifestadas A partir
dessa imagem podemos pensar os entes como aquilo que aparece na
clareira Para se pensar o ser entretanto temos que incluir tambeacutem a
ocultaccedilatildeo originaacuteria (Evangelista 2010 p5)
64
reflexatildeo O pensamento que calcula esta voltado para o controle de tudo a sua volta Para o
domiacutenio do conhecimento como um desafio assumindo um comportamento de provocaccedilatildeo
diante da natureza Caracteriza-se pela investigaccedilatildeo pela mensuraccedilatildeo ldquoO pensamento que
calcula faz caacutelculos Faz caacutelculos com possibilidades continuamente novas sempre com
maiores perspectivas e simultaneamente mais econocircmicas O pensamento que calcula corre de
oportunidade em oportunidade O pensamento que calcula nunca para nunca chega a meditarrdquo
(Heidegger 1959 p 13)
Em contrapartida o pensamento meditante propotildee uma reflexatildeo sobre o sentido da
existecircncia Meditar envolve uma postura de parar diante das coisas e refletir sobre o que nos
estaacute mais proacuteximo ldquoO pensamento que medita exige de noacutes que natildeo fiquemos unilateralmente
presos a uma representaccedilatildeo que natildeo continuemos a correr em sentido uacutenico na direccedilatildeo de uma
representaccedilatildeo O pensamento que medita exige que nos ocupemos daquilo que agrave primeira vista
parece inconciliaacutevelrdquo (Heidegger 1959 p 23)
A reflexatildeo faz parte da existecircncia do homem mas exige deste um grande esforccedilo que
pode ser depreendido por qualquer pessoa cada qual dentro dos seus limites ldquoBasta
demorarmo-nos junto ao que estaacute perto e meditarmos sobre o que estaacute mais proacuteximo aquilo
que diz respeito a cada um de noacutes aqui e agorardquo (Heidegger 1959 p14)
Estamos em uma era marcada pela velocidade das informaccedilotildees Em que os
acontecimentos satildeo rapidamente divulgados para milhotildees de pessoas As novidades percorrem
diversos canais publicitaacuterios aparecendo na miacutedia como novas soluccedilotildees para os problemas
cotidianos Heidegger (1959) nos alerta que apesar de estarmos imersos em um mundo com
novos aparatos teacutecnicos e muitas informaccedilotildees eacute preciso distinguir entre simplesmente ouvir ou
ler algo isto eacute tomar conhecimento no sentido de ser informado sobre algo e realmente
adquirir o conhecimento ou seja refletir sobre o que foi ouvido e lido
65
O problema da teacutecnica natildeo estaacute no fato da utilizaccedilatildeo de equipamentos e aparatos
tecnoloacutegicos mas sim na forma como lidar com os mesmos Trata-se de uma reflexatildeo sobre o
pensamento no mundo moderno onde a teacutecnica de produccedilatildeo eacute importante mas natildeo pode
predominar sobre a vida do homem que deve fazer uso da teacutecnica sem assumir uma postura
de aceitaccedilatildeo incondicional de rejeiccedilatildeo nem tatildeo pouco de alienaccedilatildeo
O homem natildeo pode ficar escravo da teacutecnica dos equipamentos que utiliza no seu
cotidiano Devendo assumir uma postura de serenidade diante das coisas ao ponto de utilizaacute-
las quando achar necessaacuterio e deixar de usaacute-las quando desejar Esta postura de serenidade no
leva a utilizar o nosso conhecimento teacutecnico a nosso favor evitando assim a alienaccedilatildeo ou a
dependecircncia
Ao refletirmos sobre a atuaccedilatildeo do profissional de sauacutede eacute preciso salientar que
atualmente diante do modelo biomeacutedico os profissionais se encontram envoltos em aparatos e
novas tecnologias precisando dominaacute-las amplamente Mas e quando o conhecimento teacutecnico
natildeo eacute suficiente Quando os equipamentos natildeo fornecem as respostas necessaacuterias ou mesmo as
almejadas A teacutecnica natildeo iraacute fornecer todas as respostas Ela existe para servir ao homem e natildeo
para limitaacute-lo enquanto profissional que oferece assistecircncia em sauacutede que precisa desenvolver
o pensamento meditante continuamente diante de quem estaacute mais proacuteximo
Buscar compreender o outro os seus anseios e o que efetivamente importa para ele satildeo
preocupaccedilotildees que fazem suscitar os problemas ditos eacuteticos nos hospitais Assim como as
decisotildees quanto agrave realizaccedilatildeo de procedimentos considerados inviaacuteveis a ocorrecircncia de eventos
adversos ou mesmo da morte devido a erros no tratamento as dificuldades para explicar aos
familiares os fatos ocorridos dentre outras situaccedilotildees que se apresentam no cotidiano de
trabalho Estes satildeo aspectos que merecem uma reflexatildeo sobre cada situaccedilatildeo em particular e a
respeito do sentido da experiecircncia para o profissional de sauacutede
66
Quando o homem se esconde atraacutes da teacutecnica e natildeo busca refletir sobre as suas accedilotildees
acaba deixando de lado o que tem de mais valioso a sua capacidade de meditar de refletir Eacute
esta capacidade que o direciona para novas escolhas novos modos de ser-no-mundo
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Capiacutetulo 3 O profissional de Sauacutede
ldquoA Criaccedilatildeo da Humanidade e sua quedardquo Michelangelo 1512
68
Capiacutetulo 3 O profissional de Sauacutede
O presente capiacutetulo contempla aspectos referentes aos profissionais de sauacutede agraves
dificuldades enfrentadas ao ambiente hospitalar ao contexto da maternidade e em particular
da UTI Neonatal Inicialmente seraacute feita uma retrospectiva quanto ao ambiente de trabalho o
hospital o local destinado ao envio de doentes
O cuidador
Tanta palavra
Tanto trabalho
Tanto diagnoacutestico Avassalador
Tanta cultura
Entre a dor e a cura
Tanta procura
Pelo fim da dor
Tanta rotina
Tanto medicamento
Tanto equipamento De alto valor
Tanta tecnologia
Envolvendo tanta gente
E nada disso
Aparentemente
Eacute suficiente
Para garantir
Verdadeiramente
Um cuidador
Dr Luiz Alberto Mussa Tavares Poemas para Almas
Apressadas 2017
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A palavra hospital vem do latim hospitalis que significa o que hospeda ou daacute agasalho
Nos dias de hoje o hospital eacute compreendido como uma instituiccedilatildeo destinada ao tratamento e
cura de doentes e feridos Mas nem sempre o hospital foi associado agrave ideia de cura (Pitta
2003)
Os primeiros hospitais foram construiacutedos entre 369-372 na Capadoacutecia e em Roma Eram
locais de dor e de morte Em 542 foram construiacutedos dois hospitais na Franccedila o Hocirctel Dieu de
Lyon e o Hocirctel Dieu de Paris O primeiro hospital da Inglaterra St John foi inaugurado em
1084 ainda com as mesmas caracteriacutesticas dos demais destinados a receber os doentes com
condiccedilotildees extremamente precaacuterias para o acolhimento Assim desde o seu iniacutecio os hospitais
eram associados agrave morte locais temidos para os vivos e destinados aos enfermos que natildeo tinham
outra possibilidade de acolhimento (Zaidhaft 1990)
O surgimento do hospital como local voltado para praacuteticas terapecircuticas eacute relativamente
recente datado do final do seacuteculo XVIII quando Howard um filantropo inglecircs desenvolveu
um primeiro estudo denunciando as condiccedilotildees de trabalho hospitalar No mesmo periacuteodo (1775-
1780) a Academia de Ciecircncias da Franccedila designou um meacutedico chamado Tenon para percorrer
hospitais na Europa e elaborar um relatoacuterio examinando os fluxos de trabalho denunciando as
condiccedilotildees de maus tratos enfim relatando o cotidiano hospitalar e contribuindo assim para
gerar reflexotildees sobre a suas funccedilotildees terapecircuticas (Pitta 2003)
Naquela eacutepoca os hospitais devido agraves condiccedilotildees de higiene geravam no seu interior
surtos epidecircmicos dizimadores Eram locais relegados agrave morte de doentes Como bem retrata
Foucault (1981 p 102) ldquo o personagem ideal do hospital ateacute o seacuteculo XVIII natildeo eacute o doente
que eacute preciso curar mas o pobre que estaacute morrendo Eacute algueacutem a que se deve dar os uacuteltimos
cuidados e o uacuteltimo sacramento Esta eacute a funccedilatildeo essencial do hospital Dizia-se correntemente
nesta eacutepoca que o hospital era um morredouro um lugar de morrer E o pessoal hospitalar natildeo
era fundamentalmente destinado a realizar a cura do doente mas conseguir a sua proacutepria
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salvaccedilatildeo Era um pessoal caritativo ndash religioso ou leigo ndash que estava no hospital para fazer uma
obra de caridade que lhe assegurasse a salvaccedilatildeo eternardquo
De forma semelhante no seacuteculo XIX os hospitais existiam na sociedade para atenderem
aos dependentes e necessitados Para agravequeles que natildeo tinham assistecircncia em seus proacuteprios
domiciacutelios O hospital era associado a ideia de abandono e desemparo um local destinado a
acolher doentes sem outra alternativa de cuidados Neste sentido natildeo era um local destinado a
matildees e bebecircs Uma mulher que aceitasse dar agrave luz em um hospital puacuteblico deveria ser
extremamente pobre com problemas mentais ou vivendo na prostituiccedilatildeo e certamente sem
apoio de amigos e familiares Era comum dar agrave luz em casa com o auxiacutelio da parteira e o apoio
dos familiares (Pitta 2003 Ungerer amp Miranda 1999)
As matildees que davam agrave luz em hospitais permaneciam com as crianccedilas aos peacutes do seu
leito Natildeo havendo um local especiacutefico para os bebecircs A origem do primeiro berccedilaacuterio data de
1893 em Paris na Maison drsquoAccouchements da Boulevard de PortRoyal A sua criaccedilatildeo eacute
atribuiacuteda agrave enfermeira chefe da Casa de Partos Mme Henry que tinha como objetivo atender
crianccedilas prematuras consideradas muito fracas ldquoNesse local Mme Henry utilizava uma
geringonccedila criada por Steacutephane Etienne Tarnier para aquecer os bebecircs que chegavam muito
frios Esse aparelho baseado na chocadeira de ovos ganhou o nome de ldquocouveuserdquo ou em
portuguecircs incubadorardquo (Ungerer amp Miranda 1999 p6)
Cerca de dois anos depois Pierre Budin um importante obstetra francecircs passou a dar
continuidade ao atendimento de bebecircs chamando a atenccedilatildeo para faotores como o controle da
temperatura a alimentaccedilatildeo a higiene a presenccedila e o carinho das matildees Tais aspectos passaram
a ser considerados por ele como fundamentais para a sauacutede dos receacutem-nascidos e para a
diminuiccedilatildeo da mortalidade dos bebecircs (Ungerer amp Miranda 1999)
Com o progresso da medicina as preocupaccedilotildees com a assientecircncia aos bebecircs se
ampliaram Com a ampliaccedilatildeo das teacutecnicas voltadas para cura os hospitais passaram a ser
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referecircncia de atendimento para puacuteblico diverso inclusive para o parto Essa nova forma de
atendimento aos pacientes os afastava dos cuidados dos familiares inclusive os receacutem-nascidos
que ficavam distantes das matildees nos berccedilaacuterios
Essa nova forma de atender aos enfermos os retirava de seus lares e de perto de seus
familiares e ateacute mesmo os receacutem-nascidos deveriam ficar longe de suas matildees confinados em
berccedilaacuterios ateacute o momento da alta com o o bjetivo de evitar qualquer tipo de infecccedilatildeo Entretanto
ao final da deacutecada de 1940 pesquisadores comeccedilaram a observar que a separaccedilatildeo matildee-filho
logo apoacutes o nascimento natildeo era positiva para a crianccedila nem como tambeacutem para o
estabelecimento de viacutenculos familiares podendo ocasionar desajustes Voltou-se entatildeo a deixar
a crianccedila proacuteximo a mae desde o nascimento ateacute a alta criando-se o conceito de alojamento
conjunto Este projeto entretanto foi extinto por vaacuterios anos sendo retomado apenas na deacutecada
de 1970 com o apoio de orgazaccedilotildees internacionais como a OMS (Organizaccedilatildeo Mundia de
Sauacutede) e o UNICEF (Fundo das Naccedilotildees Unidas para a Infacircncia) (Ungerer amp Miranda 1999)
De acordo com as Normas Baacutesicas para Alojamento Conjunto do Ministeacuterio da Sauacutede
passaram a ocupar o alojamento conjunto as matildees (na ausecircncia de patologia que impossibilite
ou contra-indique o contato com o receacutem-nascido) e os receacutem-nascidos (com boa vitalidade
capacidade de succcedilatildeo e controle teacutermico a criteacuterio de elemento da equipe de sauacutede
Considerando-se com boa vitalidade os receacutem-nascidos com mais de 2 quilos mais de 35
semanas de gestaccedilatildeo e iacutendice de APGAR maior que 6 no 5deg minuto) (Instituto Nacional de
Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo 1993)
Os receacutem-nascidos que precisam de mais atenccedilatildeo devido ao maior risco de morte satildeo
encaminhados para as Unidades de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) De acordo com o artigo
10 da Portaria GMMS Nordm 930 de 10 de maio de 2012 que define as diretrizes e objetivos para
a organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo integral e humanizada ldquoUTIN satildeo serviccedilos hospitalares voltados para
o atendimento de receacutem-nascido grave ou com risco de morte assim considerados
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I receacutem-nascidos de qualquer idade gestacional que necessitem de ventilaccedilatildeo mecacircnica
ou em fase aguda de insuficiecircncia respiratoacuteria com FiO2 maior que 30 (trinta por cento)
II receacutem-nascidos menores de 30 semanas de idade gestacional ou com peso de
nascimento menor de 1000 gramas
III receacutem-nascidos que necessitem de cirurgias de grande porte ou poacutes-operatoacuterio
imediato de cirurgias de pequeno e meacutedio porte
IV - receacutem-nascidos que necessitem de nutriccedilatildeo parenteral e
V - receacutem-nascidos que necessitem de cuidados especializados tais como uso de cateter
venoso central drogas vasoativas prostaglandina uso de antibioacuteticos para tratamento de
infecccedilatildeo grave uso de ventilaccedilatildeo mecacircnica e Fraccedilatildeo de Oxigecircnio (FiO2) maior que 30 (trinta
por cento) exsanguineotransfusatildeo ou transfusatildeo de hemoderivados por quadros hemoliacuteticos
agudos ou distuacuterbios de coagulaccedilatildeo (Redaccedilatildeo dada pela PRT GMMS nordm 3389 de
30122013)rdquo
A UTIN poderaacute ser dos tipos II ou III e para a habilitaccedilatildeo em cada niacutevel existe uma seacuterie
de exigecircncias quanto a estrutura de pessoal e tecnologia dos equipamentos
As Unidades de Terapia Intensiva Neonatal satildeo considerados ambientes inoacutespitos nos
quais os receacutem-nascidos satildeo expostos agrave luz intensa e contiacutenua aos ruiacutedos e a procedimentos
cliacutenicos invasivos Aleacutem disso as UTINs satildeo caracterizadas pela presenccedila de equipamentos de
alta tecnologia e devem ter no seu quadro de pessoal uma equipe multidisciplinar capacitada
para oferecer assistecircncia aos pacientes e familiares Os profissionais se deparam com o
sofrimento dos pais os quais podem se sentir amedrontados e ou culpados por terem gerado
um bebecirc fraacutegil ao mesmo tempo em que podem se sentir incapazes de oferecer os cuidados
necessaacuterios agrave sobrevivecircncia do filho (Braga amp Morsch 2003 Lamego Deslandes amp Moreira
2005 Costa amp Padilha 2011)
73
Diante deste cenaacuterio de sofrimento e das prerrogativas da poliacutetica de humanizaccedilatildeo as
matildees tem acesso livre agraves UTINs Natildeo existindo um limite de horaacuterio de visitas como nas
Unidades de Terapia Intensiva estruturadas para adultos (Ministeacuterio da Sauacutede 2004)
O meacutetodo Matildee Canguru proposto em 1978 pelo Dr Edgar Rey Sanabria no Instituto
Materno-Infantil (IMI) de Bogotaacute na Colocircmbia Foi adaptado para a realidade brasileira a partir
de 2002 Este meacutetodo tem como objetivo promover a atenccedilatildeo humanizada ao receacutem-nascido de
baixo peso promovendo um conjunto de accedilotildees de assistecircncia abrangendo os profissionais de
sauacutede o receacutem-nascido e sua famiacutelia (Lamy 2005)
Dentre estas accedilotildees estimula o contato pele a pele precoce entre a matildee e o receacutem-nascido
de baixo peso pelo tempo que for considerado prazeroso e suficiente permitindo a participaccedilatildeo
da matildee no cuidado com o seu filho tambeacutem estimula o aleitamento materno a atenccedilatildeo aos
cuidados teacutecnicos com o bebecirc (manuseio cuidado com ruiacutedos luz e odores no ambiente) e o
envolvimento dos familiares (Baltazar Gomes amp Cardoso 2010)
Apesar do incentivo do Ministeacuterio da Sauacutede estudos apontam alguns impasses a
implantaccedilatildeo de uma assistecircncia humanizada em UTI neonatal devido aos conflitos existentes
no cotidianos de trabalho e adaptaccedilotildees a rotina Aleacutem da existecircncia de condiccedilotildees insatisfatoacuterias
de trabalho relacionadas agrave precariedade de recursos humanos o que pode gerar sobrecarga
emocional e de trabalho Outros fatores mencionados satildeo a fadiga pelo ritmo de trabalho
excessivo o fato de lidar com questotildees de vida e morte as questotildees eacuteticas envolvidas nas
decisotildees sobre o tratamento dentre outras Estas dificuldades apontam para a necessidade
A humanizaccedilatildeo do cuidado neonatal preconiza vaacuterias accedilotildees propostas pelo
Ministeacuterio da Sauacutede baseando-se nas adaptaccedilotildees brasileiras ao Meacutetodo
Canguru (Lamy 2003) para receacutem-nascidos de baixo peso Estas satildeo
voltadas para o respeito agraves individualidades agrave garantia de tecnologia que
permita a seguranccedila do receacutem-nato e o acolhimento ao bebecirc e sua famiacutelia
com ecircnfase no cuidado voltado para o desenvolvimento e psiquismo
buscando facilitar o viacutenculo matildee-bebecirc durante a sua permanecircncia no
hospital e apoacutes a alta (Lamego Deslandes amp Moreira 2005 p 670)
74
ampliar os investimentos nas condiccedilotildees de trabalho adequadas na capacitaccedilatildeo dos gestores e
dos profissionais de sauacutede que trabalham nas UTINs (Lamego Deslandes amp Moreira 2005
Scochi et al 2001)
No estado do Rio Grande do Norte a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco eacute referecircncia
no atendimento agrave gestatildeo de alto risco O subtoacutepico a seguir seraacute dedicado a maternidade o local
escolhido para a realizaccedilatildeo desta pesquisa
31 ndash Maternidade Escola Januaacuterio Cicco
A Maternidade Escola foi idealizada pelo Dr Januaacuterio Cicco um meacutedico que deixou
importantes contribuiccedilotildees para a reorganizaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica no Estado no iniacutecio do
seacuteculo XX como a criaccedilatildeo da Sociedade de Assistecircncia Hospitalar em 1926 No iniacutecio da
deacutecada de 1940 a maternidade jaacute estava pronta para funcionar mas devido a Segunda Guerra
Mundial o local foi ocupado como Quartel General das Forccedilas Aliadas e Hospital de
Campanha Com o final da guerra iniciou-se uma campanha para inauguraccedilatildeo da maternidade
que ocorreu no dia 12 de fevereiro de 1950 (Empresa Brasileira de Serviccedilos Hospitalares 2015)
Atualmente a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco (MEJC) especializada na assistecircncia
materno-infantil eacute Hospital Universitaacuterio e de Ensino e integra o Complexo Hospitalar da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte Funciona como um campo de ensino e aplicaccedilatildeo
praacutetica para profissionais da aacuterea da sauacutede E tem como Missatildeo ldquoPromover a excelecircncia no
atendimento global e humanizado a sauacutede da mulher e do receacutem-nascido e a formaccedilatildeo de
recursos humanos em accedilotildees de aprendizado ensino pesquisa e extensatildeo multiprofissionalrdquo
(EBSERH 2015)
Desde 2013 a MEJC passou a ser administrada pela EBSERH Empresa Brasileira de
Serviccedilos Hospitalares uma empresa puacuteblica vinculada ao Ministeacuterio da Educaccedilatildeo A
maternidade apresenta uma estrutura de Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) com
75
23 leitos (sendo que treze leitos dentre os vinte e trecircs que compotildee a UTIN foram inaugurados
recentemente em janeiro de 2017) correspondendo a 30 do total disponiacutevel no Estado do
RN (UFRN 2017)
Apesar de serem locais dedicados agrave vida a morte faz parte da realidade da maternidade
A UTIN em particular eacute o local com a segunda maior ocorrecircncia de oacutebitos (com a ocorrecircncia
de cerca de 80 mortes por ano) exigindo preparo da equipe de profissionais para lidar com a
morte de pacientes e fornecer assistecircncia aos familiares
De acordo com o Relatoacuterio de Dimensionamento dos Serviccedilos Assistenciais e da
Gerecircncia de Ensino e Pesquisa (2013) a UTI Neonatal da MEJC apresenta uma equipe
multidisciplinar seguindo os criteacuterios contidos na Portaria GMMS Nordm 930 de 10 de maio de
2012 Esta portaria define as diretrizes e objetivos para a organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo integral e
humanizada ao receacutem-nascido grave ou potencialmente grave e os criteacuterios de classificaccedilatildeo e
habilitaccedilatildeo de leitos de Unidade Neonatal no acircmbito do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS)
A portaria estabelece como Equipe miacutenima para UTI II Neonatal (UTIN)
a) 01 (um) meacutedico responsaacutevel teacutecnico com jornada miacutenima de 04 horas diaacuterias com
certificado de habilitaccedilatildeo em Neonatologia ou Tiacutetulo de Especialista em Medicina Intensiva
Pediaacutetrica fornecido pela Sociedade Brasileira de Pediatria ou Residecircncia Meacutedica em
Neonatologia reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo ou Residecircncia Meacutedica em Medicina
Intensiva Pediaacutetrica reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo
b) 01 (um) meacutedico com jornada horizontal diaacuteria miacutenima de 04 (quatro) horas com
certificado de habilitaccedilatildeo em Neonatologia ou Tiacutetulo de Especialista em Pediatria (TEP)
fornecido pela Sociedade Brasileira de Pediatria ou Residecircncia Meacutedica em Neonatologia ou
Residecircncia Meacutedica em Medicina Intensiva Pediaacutetrica reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo
ou Residecircncia Meacutedica em Pediatria reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para cada 10
(dez) leitos ou fraccedilatildeo
76
c) 01 (um) meacutedico plantonista com Tiacutetulo de Especialista em Pediatria (TEP) e com
certificado de habilitaccedilatildeo em Neonatologia ou Tiacutetulo de Especialista em Pediatria (TEP)
fornecido pela Sociedade Brasileira de Pediatria ou Residecircncia Meacutedica em Medicina Intensiva
Pediaacutetrica reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo ou Residecircncia Meacutedica em Neonatologia
ou Residecircncia Meacutedica em Pediatria reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para cada 10
(dez) leitos ou fraccedilatildeo em cada turno
d) 01 (um) enfermeiro coordenador com jornada horizontal diaacuteria de 8 horas com
habilitaccedilatildeo em neonatologia ou no miacutenimo 02 (dois) anos de experiecircncia profissional
comprovada em terapia intensiva pediaacutetrica ou neonatal
e) 01 (um) enfermeiro assistencial para cada 10 (dez) leitos ou fraccedilatildeo em cada turno
f) 01 (um) fisioterapeuta exclusivo para cada 10 leitos ou fraccedilatildeo em cada turno
g) 01 (um) fisioterapeuta coordenador com no miacutenimo 02 anos de experiecircncia
profissional comprovada em unidade terapia intensiva pediaacutetrica ou neonatal com jornada
horizontal diaacuteria miacutenima de 06 (seis) horas
h) teacutecnicos de enfermagem no miacutenimo 01 (um) para cada 02 (dois) leitos em cada
turno
i) 01 (um) funcionaacuterio exclusivo responsaacutevel pelo serviccedilo de limpeza em cada turno
j) 01 (um) fonoaudioacutelogo disponiacutevel para a unidade
Um mesmo profissional meacutedico poderaacute acumular a responsabilidade teacutecnica e o papel
de meacutedico com jornada horizontal previstos nos incisos I e II do caput O coordenador de
fisioterapia poderaacute ser um dos fisioterapeutas assistenciais
Para a classificaccedilatildeo da UTIN II existem uma seacuterie de criteacuterios preconizados na Portaria
GMMS Nordm 930 de 10 de maio de 2012 dentre estes a disponibilidade de assistecircncia
psicoloacutegica no hospital A MEJC apresenta psicoacutelogas hospitalares no seu quadro de
77
funcionaacuterios e uma em particular que atende agraves demandas da UTI Neonatal incluive
fornecendo apoio aos familiares dos receacutem-nascidos
Apoacutes a caracterizaccedilatildeo da equipe que compotildee a UTIN da maternidade iremos no
proacuteximo subtoacutepico contemplar aspectos referentes a atuaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede na era
da teacutecnica e diante da morte de pacientes
32 ndash O profissional de sauacutede diante da morte de pacientes
No capiacutetulo anterior vimos de forma breve sobre a ontologia do cuidado
Compreendemos que para Heidegger (1927 2015) o cuidado eacute uma forma de ser com o outro
e que o ser-no-mundo existe em relaccedilatildeo com os outros entes O cuidado eacute portanto inerente a
condiccedilatildeo do dasein e ele pode ocorrer de duas formas pela ocupaccedilatildeo e pela preocupaccedilatildeo A
ocupaccedilatildeo acontece pelo manuseio de objetos e a preocupaccedilatildeo quando envolve outros daseins
inclusive o proacuteprio indiviacuteduo
O modo de preocupaccedilatildeo pode ser substitutivo ou antepositivo No modo substitutivo o
cuidador toma as decisotildees pela pessoa que estaacute sendo cuidada eacute considerado um modo inferior
de cuidado por natildeo resgatar a liberdade do ser a sua condiccedilatildeo de escolher entre as varias
possibilidades que vem ao seu encontro Vale salientar que por ser considerado como modo
inferior natildeo significa que o cuidado substitutivo deva ser inexistente No cotidiano este modo
de cuidado se faz necessaacuterio O modo antepositivo por sua vez devolve ao outro a sua
responsabilidade de ser auxilia nos seus processos de escolha
Estes termos de cuidado e cuidador estatildeo muito presentes na aacuterea de sauacutede e outra
nomenclatura bastante utilizada eacute assistecircncia O modelo meacutedico de assistecircncia propotildee a
racionalidade na conduta terapecircutica baseada no binocircmio mentecorpo na separaccedilatildeo entre a
doenccedila e o doente primando pela anaacutelise objetiva das doenccedilas e pela obtenccedilatildeo da cura
(Rebouccedilas 2015)
78
Ao isolar a doenccedila do doente e priorizar as relaccedilotildees de causa e efeito o olhar para os
pacientes e seus familiares enquanto pessoas passando por dificuldades natildeo eacute preponderante
na atuaccedilatildeo profissional natildeo eacute visto como central para a compreensatildeo do ser-doente enquanto
ser-no-mundo diante de possibilidades limitadas
Este modelo baseado na racionalidade meacutedica mostra-se contraditoacuterio para a busca de
um atendimento humanizado Falar de atendimento humanizado para seres humanos que
cuidam de outros seres humanos eacute tambeacutem por si soacute contraditoacuterio Eacute como lembrar que algo
foi perdido que doenccedila e doente estatildeo de fato separados e o paciente natildeo pode ser tratado
como coisa objeto
O discurso da humanizaccedilatildeo nos faz lembrar que no caminho da teacutecnica em meio ao
pensamento calculante pouco se tem refletido sobre o sentido do ser para o ser que adoece
Agora imaginemos esta situaccedilatildeo para um ser que chegou ao mundo de forma tatildeo fragilizada e
que ainda natildeo utiliza a linguagem verbal para expressar as suas vontades Mas que desde o
nascimento eacute um ser-no-mundo e um ser-para-a-morte E eacute um ser que vem ao mundo
enquanto projeto e tambeacutem como parte da vida de outros seres que construiacuteram sonhos e
expectativas
Se a assistecircncia oferecida ao receacutem-nascido e seus familiares for apenas da ordem da
medicalizaccedilatildeo manuseio de equipamentos sem a devida orientaccedilatildeo e explicaccedilatildeo sobre o estado
de sauacutede do bebecirc para os seus pais inclusive mencionando as intecorrecircncias e os detalhes sobre
o tratamento estamos falando apenas a respeito de um cuidado substitutivo Como Heidegger
(1927 2015) comentou trata-se de uma forma de cuidado inferior mas eacute uma forma de
cuidado por vezes necessaacuteria O que natildeo poderia acontecer eacute esta forma de cuidado ser a uacutenica
ser preponderante na assistecircncia aos pacientes e familiares
Um exemplo disto eacute que mesmo quando o acesso dos pais as UTINs eacute incentivado
algumas dificuldades como o medo a inseguranccedila e o estresse na relaccedilatildeo dos pais com o bebecirc
79
apontam a necessidade de ampliar os cuidados dirigidos agraves famiacutelias As praacuteticas em UTIs
Neonatais satildeo permeadas por conflitos e negociaccedilotildees constituindo um desafio agrave construccedilatildeo de
um modelo assistencial humanizado que alie diferentes tecnologias respeito e acolhimento agraves
necessidades de pacientes e profissionais (Lamego Deslandes amp Moreira 2005)
Estas dificuldades se ampliam no caso da morte de pacientes Enquanto ser-no-mundo
a morte apresenta-se para o homem como uma possibilidade de natildeo mais poder de natildeo mais
estar aqui Uma possibilidade que se apresenta ao ser desde o nascimento o que torna o homem
um ser-para-a-morte que reflete sobre a sua proacutepria finitude e sobre a morte do outro
(Heidegger 1927 2015)
Satildeo muitos os desafios enfrentados pelos profissionais de sauacutede agraves dificuldades no
cotidiano do trabalho somam-se o fato de vivenciarem situaccedilotildees de eminencia de morte ou da
morte em si dos pacientes A falta de autonomia apresenta um peso neste processo em razatildeo do
que natildeo eacute dito aos pacientes e familiares E o natildeo dito tambeacutem incomoda aflige ou distancia
paralisa neutraliza A morte por assim dizer apresenta-se como uma grande dificuldade
enfrentada pelos profissionais tanto pela vivecircncia do sofrimento como pela impotecircncia diante
da organizaccedilatildeo do sistema hospitalar (Costa Lima 2005 Bernieri Hirdes 2007 Poles Bolso
2006)
Elizabeth Kluber-Ross (1969 1996) realizou pesquisas pioneiras com pacientes
proacuteximos a morte levando a reflexotildees importantes sobre as atitudes dos profissionais de sauacutede
diante da morte de pacientes relatando que muito pode ser feito nos momentos em que pelo
prisma da racionalidade meacutedica se supotildee que ldquonatildeo haacute mais nada a fazerrdquo A referida autora ao
abordar esta temaacutetica reconhece que o conhecimento teoacuterico eacute importante mas natildeo eacute suficiente
propondo que deveria se trabalhar com o coraccedilatildeo e a alma Tambeacutem traz reflexotildees em relaccedilatildeo
aos membros da famiacutelia do paciente terminal afirmando que os mesmos merecem cuidados e
orientaccedilatildeo para evitar que adoeccedilam
80
Vaacuterios estudos que utilizam a abordagem fenomenoloacutegica apontam as dificuldades
apresentadas pelos profissionais de sauacutede diante da morte de pacientes Sentimentos de perda
tristeza impotecircncia culpa raiva foram relatados em pesquisas realizadas com enfermeiros
como presentes de forma recorrente no ambiente de trabalho (Saines 1997 Shorter amp Stayt
2009 Wong Lee amp Lee 2000 Seno 2010)
Outro sentimento vivenciado pelos profissionais de enfermagem foi denominado como
um conflito em relaccedilatildeo ao uso do tempo a escolha entre acompanhar um paciente que estaacute
morrendo e precisa de apoio e atender agraves necessidades dos outros pacientes Os profissionais
sentem-se impotentes dividindo seu tempo entre estas demandas o que pode levar a
manifestaccedilatildeo de outros sentimentos como culpa frustraccedilatildeo e raiva (Hopkinson Hallett amp
Luker 2003)
Em pesquisa realizada sobre o papel do meacutedico no enfrentamento do processo de morte
de pacientes foram identificadas cinco atitudes ou papeacuteis desejados associados ao
comportamento do meacutedico perante o paciente agrave morte evitar a chegada da morte promover
qualidade de vidamorte dar suporte emocional e estabelecer uma comunicaccedilatildeo transparente
com a famiacutelia ficar ateacute o fim com o paciente seguir a rotina sem se abalar com o oacutebito (Silva
2006)
Em estudo realizado com meacutedicos diante da morte de pacientes foi constatado que estes
profissionais ldquoconvivem com a morte com sentimento de estranheza e natildeo com uma disposiccedilatildeo
de familiaridade como seria natural pensar afinal lidam com a possibilidade de morte mais
frequentemente que os leigos devido ao seu ofiacutecio Diriacuteamos que eles tecircm a possibilidade mais
presente da morte pela proacutepria natureza do seu trabalho cotidiano Ao serem questionados
sobre a morte de pacientes os meacutedicos buscavam desviar do assuntordquo E ao relatarem sobre
os sentimentos diante da morte revelavam frustraccedilatildeo tristeza desconforto (Mello amp Silva
2012 p 54)
81
Como relatado anteriormente os profissionais se sentem desconfortaacuteveis e frustrados
diante da morte de pacientes o momento de comunicar este fato para os familiares eacute por assim
dizer muito delicado De acordo com pesquisa realizada com meacutedicos e familiares sobre a
comunicaccedilatildeo do oacutebito de pacientes foi constatado que a maioria das famiacutelias ficou sabendo do
oacutebito por telefone (747) Cinco famiacutelias (47) descobriram o oacutebito quando foram visitar o
paciente demonstrando insatisfaccedilatildeo com a situaccedilatildeo (Starzewski Jr Rolin amp Morrone 2005)
Quando os profissionais que comunicam a morte de pacientes foram questionados
925 relataram que apresentam dificuldades para falar com os familiares sobre o assunto
Apenas quatro profissionais (75) acharam que natildeo existem dificuldades para falar com
familiares sobre o tema Enfrentar a morte de pacientes no cotidiano de trabalho apresentou-se
como algo difiacutecil de lidar pela falta de preparo pelo desgaste emocional A situaccedilatildeo torna-se
ainda mais complicada diante dos casos de morte suacutebita e do falecimento de crianccedilas A morte
precoce causa um estresse emocional imenso em todos que atendem pais familiares e
profissionais de sauacutede A morte de uma crianccedila foi considerada mais sofrida que a de um adulto
(Starzewski Jr Rolin amp Morrone 2005)
Dentre os profissionais de sauacutede o psicoacutelogo tambeacutem se depara com a realidade de
oferecer suporte para os pacientes familiares e para os colegas de trabalho Na sua atuaccedilatildeo o
psicoacutelogo de sauacutede-hospitalar prima por oferecer a oportunidade para o paciente expressar as
suas emoccedilotildees de modo que encontre a melhor maneira de lidar com as limitaccedilotildees impostas
pela doenccedilahospitalizaccedilatildeo Aleacutem de proporcionar a abertura necessaacuteria para que o paciente
possa dar significado a sua doenccedila dentro do seu contexto de vida reconhecendo-o enquanto
um ser provido de emoccedilotildees e sentimentos os quais interferem no seu comportamento
(Medeiros amp Lustosa 2011)
O estudo realizado por Morais amp Nobre (2013) eacute dedicado agrave praacutetica de psicoacutelogos em
oncologia pediaacutetrica e traz importantes reflexotildees sobre a atuaccedilatildeo destes profissionais em meio
82
ao estigma do cacircncer associado ao sofrimento e agrave morte Um elemento que se apresenta na
praacutetica cotidiana destes profissionais eacute a iminecircncia de morte de crianccedilas que tende a afetar mais
do que a morte de adultos Diante deste cenaacuterio os psicoacutelogos enquanto profissionais que
promovem o cuidado dos pacientes familiares e colegas de trabalho tambeacutem sentem a
necessidade de cuidar de proacuteprios ldquoA praacutetica gera a necessidade de um cuidado de si mesmo
a delimitaccedilatildeo e o cultivo de um espaccedilo para si mesmo o reconhecimento de limites e a luta por
um espaccedilo de cultivo do oacuteciordquo (p 405)
Quando se trata da assitecircncia em UTI Neonatal o psicoacutelogo oferece o suporte aos
familiares do receacutem-nascido que chegam fragilizados e com muitas expectativas em relaccedilatildeo agrave
alta hospitalar do seu filho De acordo com Baltazar Gomes amp Cardoso (2010) a atuaccedilatildeo do
psicoacutelogo em UTI Neonatal ldquoimplica na organizaccedilatildeo de uma proposta de rotina e participaccedilatildeo
quotidiana nos acontecimentos do serviccedilo numa proposta que natildeo se restrinja a pareceres
psicoloacutegicos mas na abordagem regular das famiacutelias e seus bebecircsrdquo (p 16)
As situaccedilotildees de morte e luto exigem que o profissional de psicologia ofereccedila suporte
aos familiares dos pacientes e agraves vezes para a proacuteprios colegas de trabalho envolvidos com os
sentimentos de frustraccedilatildeo e tristeza A morte apresenta-se como um fato recorrente no cotidiano
de trabalho destes profissionais Um tema que merece ser estudado aponto de ganhar espaccedilo
para ser abordado durante os cursos de graduaccedilatildeo e formaccedilatildeo profissional
Diante das reflexotildees presentes nos primeiros capiacutetulos o presente estudo segue
contemplando o caminho realizado pelo pesquisador em direccedilatildeo ao objetivo da pesquisa
83
Capiacutetulo 4 ndash Meacutetodo A escolha do caminho
ldquoO Pintor a Caminho do Trabalhordquo Van Gogh 1888
84
Capiacutetulo 4 ndash Meacutetodo A escolha do caminho
Falar sobre meacutetodo implica sobretudo na escolha do caminho que se quer seguir
enquanto pesquisador No caminho eacute possiacutevel admirar a paisagem olhar novos horizontes
compreender o fenocircmeno Eacute no percurso que ocorrem os encontros entre as indagaccedilotildees
anteriores e a experiecircncia relatada pelo participante entre as ideias preconcebidas e o mundo
real expresso por meio da narrativa A escolha do caminho por assim dizer direciona o olhar
sobre a pesquisa
Na tentativa de escolha do meu caminho convidei o gato do paiacutes das maravilhas para
um diaacutelogo inspirado na reflexatildeo e no questionamento Onde quero chegar Qual a minha
questatildeo central Qual o objetivo da minha pesquisa A questatildeo central surgiu do olhar para a
praacutetica da minha experiecircncia em instituiccedilotildees hospitalares Ao verificar que os profissionais de
sauacutede enfrentam muitos desafios e dificuldades no ambiente de trabalho dentre estas a vivecircncia
da morte do outro O objetivo da pesquisa estaacute estruturado portanto da seguinte forma
compreender a experiecircncia de profissionais que atuam em Unidades de Terapia Intensiva
Neonatal
Escolhido o objetivo passei a olhar para o caminho Para compreender eacute preciso ouvir
atentamente o outro ver o contexto detalhado em forma de histoacuteria de acontecimentos narrados
e repletos de sentidos e significados Compreender eacute diferente de avaliar de generalizar dados
com base no olhar para a superfiacutecie A escolha do caminho de pesquisa me levou a percorrer
uma estrada em que era possiacutevel observar os detalhes por meio de um olhar proacuteximo ao
fenocircmeno
Podes dizer-me por favor que caminho devo seguir para sair
daqui
Isso depende muito de para onde queres ir - respondeu o gato
Preocupa-me pouco aonde ir - disse Alice
Nesse caso pouco importa o caminho que sigas - replicou o
gato
Lewis Carroll
85
Este olhar para o fenocircmeno buscando ver o que estaacute aleacutem das aparecircncias foi possiacutevel
com a inspiraccedilatildeo proporcionada pela fenomenologia Enquanto concepccedilatildeo filosoacutefica a
fenomenologia traz em seu cerne reflexotildees profundas para o pesquisador que se propotildee a
realizar um estudo voltado para a compreensatildeo dos fenocircmenos
A fenomenologia aquela fundamentada nos preceitos de Heidegger (1927 2015)
busca o entendimento do ser humano enquanto ser-aiacute Dasein um ser que tem capacidade de
questionar interrogar sobre o seu proacuteprio ser aleacutem de ter a consciecircncia sobre a sua finitude
Heidegger (1927 2015) propotildee uma compreensatildeo do homem enquanto ser-no-mundo
aberto a possibilidades que vive em relaccedilatildeo com os outros e na manualidade das coisas
simplesmente dadas Um ser que eacute mundo que constroacutei o seu mundo envolvido em uma trama
de sentidos e significados mutaacuteveis passageiros Um ser que tem a linguagem enquanto
morada que permite a expressatildeo dos sentidos Compreender esse ser envolve portanto desde
o princiacutepio ouviacute-lo entendecirc-lo considerando o olhar que tem sobre a vida e cientes de que a
experiecircncia humana eacute uma fluidez constante Natildeo existe portanto a seguranccedila e o controle
como premissas
Diante do exposto pode-se mencionar que a escolha da fenomenologia fundamentada
nas ideias de Heidegger deve-se ao fato da mesma orientar o entendimento do ser humano
a fenomenologia natildeo nasceu como um meacutetodo tal qual como as ciecircncias e
teacutecnicas modernas o supotildeem (como rigorosa prescriccedilatildeo de procedimentos e
instrumentais) mas grosso modo como um questionamento da dissoluccedilatildeo da
filosofia no modo cientiacutefico de pensar da loacutegica inerente agraves ciecircncias modernas
como criacutetica da metodologia de conhecimento cientiacutefico que rejeita do acircmbito do
real e do proacuteprio conhecimento tudo aquilo que natildeo possa estar submetido agrave estrita
noccedilatildeo de verdade [enquanto verificaacutevel por um meacutetodo] de sujeito cognoscente
e de objeto cognosciacutevel (Critelli 1996 p 7)
86
enquanto ser-aiacute dasein um ser que tem como tarefa cuidar de si proacuteprio e construir-se no
mundo (Heidegger 19271989)
A fenomenologia hermenecircutica heideggeriana eacute um modo de ver o mundo E serviu
como inspiraccedilatildeo para a compreensatildeo da experiecircncia dos profissionais de sauacutede atuantes na UTI
Neonatal A busca desta compreensatildeo estava ancorada portanto na orientaccedilatildeo desta filisofia
que traz conceitos relevantes particularmente para a temaacutetica do presente estudo como o ser-
para-a-morte o ser-no-mundo a anguacutestia e o cuidado
Aleacutem disso o referencial fenomenoloacutegico ao abordar a experiecircncia contempla a
existecircncia considerando que o ser humano somente se constitui enquanto tal existindo no
mundo Esta compreensatildeo da existecircncia considera que o caminhante transforma-se a medida
que caminha Como nos inspira Critelli (1996 p 80) ldquoA existecircncia eacute erupccedilatildeo e transformaccedilatildeo
inesgotaacuteveis Daiacute se fala em existecircncia como vir-a-ser o que eacute ou o que estaacute sendo estaacute vindo
a serrdquo
Olhar para o fenocircmeno com este referencial implica em considerar que os profissionais
de sauacutede modificaram-se ao longo da sua jornada Eles fizeram escolhas enfrentaram desafios
vivenciaram perdas e momentos alegres e podem ter modificado a sua visatildeo de mundo ao longo
da jornada De forma similar o pesquisador tambeacutem modifica a sua compreensatildeo sobre o
fenocircmeno As ideias iniciais podem ser contempladas ou mesmo desconsideradas diante dos
encontros com novas perspectivas sobre o fenocircmeno
A pesquisa fenomenoloacutegica considera que ldquoinvestigar eacute sempre colocar em andamento
uma interrogaccedilatildeordquo (Critelli 1996 p27) Em meio aos encontros com os participantes o
fenocircmeno se apresenta e se desvela a partir dos sentidos e interpretaccedilotildees do pesquisador
Ao considerar que a experiecircncia de cada participante eacute uacutenica que a existecircncia eacute singular
o referencial da fenomenologia natildeo defende uma verdade absoluta para os fenecircmenos A
verdade eacute relativa A compreensatildeo sobre a existecircncia eacute referente ao momento da pesquisa e
87
considera um horizonte histoacuterico especiacutefico que dita normas valores e formas de ver o mundo
Por assim dizer em um novo encontro o participante pode resignificar a sua experiecircncia
desvelar novos sentidos para a sua existecircncia
A fenomenologia propotildee uma criacutetica ao modelo metafiacutesico que busca uma relaccedilatildeo de
causa e efeito e a verdade absoluta para o que foi pesquisado Escolher esta orientaccedilatildeo para
realizar pesquisa natildeo significa entendecirc-la enquanto uma metodologia mas sim de uma forma
mais ampla como um modo de ver o mundo e compreender os fenocircmenos
A partir da compreensatildeo do meacutetodo com um caminho a ser percorrido de ora em diante
seratildeo apresentadas as formas escolhidas para trilhar este caminho ou seja como as informaccedilotildees
sobre os participantes foram obtidas e posteriormente como buscou-se a compreensatildeo diante
do que foi narrado
41-Participantes da pesquisa
A pesquisa teve como participantes profissionais de sauacutede atuantes na UTI Neonatal da
Maternidade Escola Januaacuterio Cicco A definiccedilatildeo dos participantes ocorreu de forma intencional
considerando a disponibilidade dos profissionais em participar Pretendeu-se inicialmente
contemplar pelo menos um representante de cada formaccedilatildeo profissional necessaacuteria para a
estruturaccedilatildeo de uma equipe de UTI Neonatal
Vale salientar que o interesse da pesquisa natildeo estaacute no nuacutemero expressivo de
participantes mas sim no conteuacutedo de sua experiecircncia Desta forma foram realizadas nove
entrevistas com profissionais de sauacutede de diferentes especialidades meacutedicos enfermeiros
teacutecnicos de enfermagem fisioterapeutas psicoacutelogo e assistente social (Turato 2005)
Os participantes apresentavam idade compreendida entre a faixa etaacuteria de 25 anos a 45
anos Quanto ao tempo de atuaccedilatildeo na UTI neonatal existiram profissionais que atuam a mais
de 20 anos e outros que vieram de diferentes locais de trabalho como de um hospital geral e
88
estatildeo trabalhando na UTI neonatal haacute aproximadamente 3 anos oriundos do concurso da
EBSERH
A equipe da UTI Neonatal eacute muldiciplinar No mecircs em que foram realizadas as
entrevistas possuiacutea o seguinte quantitativo de pessoal 8 fisioterapeutas 21 enfermeiros 28
meacutedicos 1 psicoacutelogo 1 assistente social 1 terapeuta ocupacional 2 fonodioacutelogos e 49 teacutecnicos
de enfermagem
42-Criteacuterios de Inclusatildeo e Exclusatildeo
Foram convidados a participar do estudo os profissionais de sauacutede atuantes na UTI-
Neonatal contemplando as diferentes formaccedilotildees necessaacuterias agrave formaccedilatildeo de uma equipe
multidisciplinar (meacutedicos enfermeiros teacutecnicos de enfermagem psicoacutelogos fisioterapeutas) e
que tiveram disponibilidade e interesse para participar da pesquisa Os criteacuterios de inclusatildeo
delimitados foram trabalhar na UTI Neonatal ter algum tipo de formaccedilatildeo (seja esta teacutecnica ou
de niacutevel superior)
Como criteacuterio de exclusatildeo foi definida a ausecircncia de formaccedilatildeo (de graduaccedilatildeo ou teacutecnica
para o exerciacutecio da funccedilatildeo) ou seja os estudantes que fazem estaacutegio ou residecircncia na
Maternidade Escola natildeo participaram do estudo Natildeo foram considerados como criteacuterios de
exclusatildeo a idade sexo o tempo de formaccedilatildeo profissional e o tempo de atuaccedilatildeo na Unidade de
Terapia Intensiva Neonatal
Por se tratar de um estudo que tem inspiraccedilatildeo na fenomenologia hermenecircutica
heideggeriana considerou-se a experiecircncia de cada participante como uacutenica Por assim dizer a
idade o tempo de atuaccedilatildeo na UTI Neonatal natildeo se apresentam como aspectos relevantes para
a compreensatildeo da experiecircncia dos participantes nem tatildeo pouco para servir como referecircncia a
tiacutetulo de comparaccedilatildeo entre as narrativas Pelos motivos expostos estes criteacuterios natildeo foram
considerados para a interpretaccedilatildeo das entrevistas
89
43-Aspectos eacuteticos
O presente estudo foi submetido e aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica da UFRN
Universidade Federal do Rio Grande do Norte com a anuecircncia da Maternidade Escola Januaacuterio
Cicco (CAAE 68533517000005537) Antes do iniacutecio de cada entrevista foi apresentado o
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para os profissionais que desejaram
participar Neste termo constam os riscos e benefiacutecios envolvidos na participaccedilatildeo da pesquisa
(termo apresentado em anexo) Nos casos de concordacircncia na participaccedilatildeo tambeacutem foi
solicitada a assinatura do Termo de Autorizaccedilatildeo para Gravaccedilatildeo de Voz (termo apresentado em
anexo)
As entrevistas foram realizadas em uma sala reservada na Maternidade Escola Januaacuterio
Cicco no horaacuterio mais conveniente para os entrevistados de forma que natildeo comprometeu o
desenvolvimento das atividades laborais
Por se tratar de uma pesquisa realizada com profissionais de uma uacutenica instituiccedilatildeo a
preocupaccedilatildeo com as questotildees eacuteticas foi muito aleacutem da assinatura do TCLE envolveu um
cuidado para a preservaccedilatildeo do sigilo quanto agrave identidade dos participantes de forma que eles
pudessem expressar as suas opiniotildees seus pontos de vista espontaneamente sem receio de
alguma represaacutelia por parte da instituiccedilatildeo ou mesmo dos colegas de trabalho
Como outra alternativas para o cumprimento com o sigilo foram adotados nomes
fictiacutecios para as participantes Tais como as flores que trazem beleza ao ambiente e ao mesmo
tempo deixam frutos e sementes por onde passam as participantes da pesquisa se dedicam para
tornar o ambiente da UTI Neonatal mais acolhedor e leve apesar do solo aacuterido de um trabalho
com o limiar da vida As flores nos inspiraram assim a denominar as participantes como
Rosa Margarida Orquiacutedea Tulipa Iacuteris Angeacutelica Violeta Amariacutelis e Girassol
90
44- Formas de trilhar o caminho
Para chegar ateacute os participantes foram cumpridas todas as exigecircncias necessaacuterias quanto
agrave parte burocraacutetica Inicialmente o projeto de tese foi submetido agrave avaliaccedilatildeo da Gerecircncia de
Pesquisa da MEJC Com a anuecircncia da maternidade o projeto foi submetido ao Comitecirc de Eacutetica
da UFRN Apoacutes a aprovaccedilatildeo no referido Comitecirc de Eacutetica foi realizado um novo contato com
a Gerecircncia de Pesquisa da MEJC para enviar a documentaccedilatildeo de aprovaccedilatildeo e solicitar o crachaacute
de acesso agraves instalaccedilotildees da maternidade conforme orientado anteriormente Cumprida esta
etapa foi agendada uma reuniatildeo com a enfermeira chefe da UTI Neonatal para explicar sobre
a pesquisa
Apoacutes a reuniatildeo a pesquisadora foi apresentada a alguns profissionais da UTI Neonatal
dentro das instalaccedilotildees da UTIN quando uma profissional questionou se poderia ser entrevistada
naquele momento demonstrando bastante interesse pela pesquisa Diante da solicitaccedilatildeo como
a pesquisadora estava com todo o material necessaacuterio (TCLE Termo de Gravaccedilatildeo de Voz
gravador) as entrevistas se iniciaram naquele mesmo dia
Apoacutes a primeira entrevista jaacute havia outra profissional interessada Assim as entrevistas
narrativas foram sendo agendadas tendo como caracteriacutestica a procura espontacircnea das
profissionais e de acordo com a disponibilidade dos mesmos As entrevistas ocorreram ao longo
do mecircs de julho de 2017 em uma sala dentro da UTIN da MEJC destinada ao atendimento de
matildees ou a reuniotildees dos profissionais de sauacutede
A entrevista narrativa foi utilizada na presente pesquisa por permitir o acesso ao
fenocircmeno agrave histoacuteria contada pelo narrador da forma como ele a compreende e vivencia A
narrativa se apresenta como uma expressatildeo da compreensatildeo Atraveacutes da narrativa o
participante relata o que considera relevante para a sua trajetoacuteria vivencial contada por meio
de fatos acontecimentos e afetos (Dutra 2002)
91
A narrativa contempla a experiecircncia narrada pelo participante e ouvida pelo
pesquisador que ao relatar o que ouviu se torna outro narrador o qual conta a histoacuteria a partir
da compreensatildeo que teve do fenocircmeno O pesquisador assume portanto uma postura ativa
durante todo o processo de conduccedilatildeo do estudo (Benjamim 2008 Dutra 2002)
Desta forma o pesquisador pode direcionar a entrevista agrave temaacutetica que for do seu
interesse e o participante torna-se o narrador da sua proacutepria experiecircncia Como natildeo existe uma
busca pela verdade universal dos fatos e sim uma compreensatildeo do fenocircmeno para a pessoa que
o vivenciou a narrativa contribui para o intuito da fenomenologia de retornar ldquoagraves coisas
mesmasrdquo como satildeo na forma que se desvelam para o mundo (Dutra 2016)
A narrativa por assim dizer reflete a experiecircncia humana como ela foi vivenciada e
resignificada pelo narrador e a fenomenologia busca compreender o fenocircmeno experienciado
pelo participante Diante do exposto a entrevista narrativa foi utilizada tendo como questatildeo
disparadora
ldquoVocecirc poderia me falar a respeito da sua experiecircncia enquanto profissional de sauacutede em UTI
Neonatalrdquo
42- Orientaccedilatildeo para a interpretaccedilatildeo
A interpretaccedilatildeo das narrativas ocorreu agrave luz da hermenecircutica heideggeriana Heidegger
buscou inspiraccedilatildeo na hermenecircutica para a estruturaccedilatildeo de uma nova forma de pensar a
fenomenologia A origem da palavra hermenecircutica remete a Hermes o deus mediador que na
Greacutecia Antiga era conhecido como o mensageiro o responsaacutevel pela origem da linguagem
verbal e escrita aquele que fazia a traduccedilatildeo da linguagem dos deuses para a linguagem humana
Desde a Greacutecia Antiga valorizava-se a arte de interpretar as palavras Mas foi somente no
seacuteculo XVII que se passou a utilizar a denominaccedilatildeo de hermenecircutica em referecircncia agrave ciecircncia
da interpretaccedilatildeo (Rohden 2012)
92
Para Heidegger a hermenecircutica tambeacutem eacute considerada como sinocircnimo de interpretaccedilatildeo
utilizando-se do mesmo conceito da Greacutecia Antiga Heidegger entende que o ser humano
sempre interpreta e isto faz parte da existecircncia da sua relaccedilatildeo com o mundo No livro Ser e
Tempo o referido autor dedica-se a compreender a questatildeo do ser e passa a definir o ser humano
como dasein como ser-aiacute temporal e histoacuterico caracterizado por uma abertura (Heidegger
19272015)
Esta abertura ocorre por meio de trecircs existenciais propostos por Heidegger a disposiccedilatildeo
afetiva (befindlickeit) a compreensatildeo e a linguagem Inicialmente o dasein se abre para o
mundo por um estado de acircnimo uma disposiccedilatildeo afetiva algo que comove que desperta o
interesse do ser O fato de estar no mundo faz com os seres sejam sempre afetados pelas coisas
que acontecem no mundo e esta afetaccedilatildeo pode ocorrer por meio de humores positivos como
tambeacutem por estados de acircnimos distintos como o teacutedio e a indiferenccedila que iratildeo permitir a
abertura do ser para o mundo de outro modo
A compreensatildeo eacute apresentada por Heidegger como outro existencial para abertura do
ser como caracteriacutestica fundamental da existecircncia humana uma vez que o ser-aiacute eacute um poder-
ser aberto a possibilidades Um ser de projetos que interage com o mundo com as
possibilidades escolhas e responsabilidades A compreensatildeo eacute o poder-ser a possibilidade de
ser algo para os outros e principalmente para si mesmo Heidegger (1989 p 200) entende a
compreensatildeo como ldquoo ser existencial do proacuteprio poder-ser da pre-senccedila de tal maneira que em
si mesmo esse ser abre e mostra a quantas anda seu proacuteprio serrdquo
A elaboraccedilatildeo do projeto da compreensatildeo por sua vez eacute definida por Heidegger como
interpretaccedilatildeo Interpretaccedilatildeo e compreensatildeo natildeo satildeo entendidas pelo referido autor como etapas
separadas mas como intriacutensecas ao entender humano A compreensatildeo revela a abertura para as
possibilidades que ganham forma por meio da interpretaccedilatildeo
93
A compreensatildeo eacute expressa por meio da linguagem verbal e natildeo-verbal e a expressatildeo
da linguagem pode gerar uma nova interpretaccedilatildeo do que foi vivido E o homem se expressa por
meio do discurso Segundo Heidegger (2003 p 203)
ldquo falar eacute por si mesmo escutar Falar eacute escutar a linguagem que falamos O falar natildeo
eacute ao mesmo tempo mas antes uma escuta Esta escuta da linguagem precede da
maneira mais insuspeita todas as demais escutas possiacuteveis Natildeo falamos simplesmente
a linguagem Falamos a partir da linguagemrdquo
Como relatado anteriormente a narrativa promove para o narrador uma reflexatildeo sobre
os acontecimentos e uma ressignificaccedilatildeo das experiecircncias para o ouvinte a possibilidade de
gerar uma compreensatildeo do que foi narrado considerando a forma como este interpreta o mundo
Os existenciais definidos por Heidegger fundamentam a relaccedilatildeo do ser-com o mundo e
compotildee uma circularidade onde nada estaacute pronto e acabado onde natildeo existe uma verdade
absoluta e o ser-no-mundo eacute o ser-aiacute inserido em uma temporalidade e em um contexto
histoacuterico especiacutefico
Congruente com a ideia de circularidade Heidegger propotildee o ciacuterculo hermenecircutico que
compreende trecircs estados natildeo-lineares indissociaacuteveis a posiccedilatildeo preacutevia a visatildeo preacutevia e a
concepccedilatildeo preacutevia Conforme apresentado na figura a seguir
Figura 2 - O ciacuterculo hermenecircutico
Posiccedilatildeo Preacutevia
Visatildeo PreacuteviaConcepccedilatildeo
Preacutevia
Abertura Disposiccedilatildeo
compreensatildeo linguagem
(Azevedo 2013 Maux 2014)
94
A posiccedilatildeo preacutevia apresenta o conhecimento anterior do pesquisador (as leituras
realizadas sobre a temaacutetica de estudo os sentidos que levaram ao interesse pela pesquisa a
escuta de outros atores que influenciaram no processo enfim as informaccedilotildees anteriores ao
encontro com os participantes da pesquisa) O pesquisador natildeo vai escutar a narrativa do
participante de forma neutra pois ele eacute um ser-no-mundo envolvido em um contexto histoacuterico
especiacutefico e com um preacute-conhecimento sobre o fenocircmeno que seraacute estudado
A visatildeo preacutevia apresenta-se como possibilidades de compreensatildeo diante do que foi
ouvido do participante Eacute um recorte feito pelo pesquisador a partir de uma abertura uma
disposiccedilatildeo afetiva para a escuta do outro E a concepccedilatildeo preacutevia resgata os conhecimentos
apresentados na posiccedilatildeo preacutevia com o recorte da escuta proveniente da visatildeo preacutevia Eacute a
interpretaccedilatildeo que cria algo novo que torna o ouvinte narrador de uma histoacuteria estruturada com
base na sua compreensatildeo de mundo
A relaccedilatildeo proposta pela hermenecircutica e pela fenomenologia considera o dito e o natildeo
dito ou seja natildeo somente o conteuacutedo anunciado pelo sujeito mas os pressupostos que ele natildeo
anuncia E o pesquisador tem uma postura ativa no processo cabendo a ele as possibilidades
de ver novas perguntas e respostas dependendo da conduccedilatildeo da proacutepria entrevista Esta
abertura e postura ativa do pesquisador possibilita que o mesmo acesse o fenocircmeno buscando
a compreensatildeo da experiecircncia do outro
A anaacutelise e interpretaccedilatildeo do fenocircmeno foi realizada em congruecircncia com a circularidade
hermenecircutica (Heidegger 1927 2015) e teve as suas etapas definidas utilizando como fontes
de inspiraccedilatildeo as propostas de Dutra (2002) Azevedo (2013) e Maux (2014)
-Registro das afetaccedilotildees do pesquisador durante a entrevista Apoacutes a entrevista o
pesquisador descreve aspectos relevantes para o mesmo as afetaccedilotildees e ateacute reflexotildees e
questionamentos tendo com base a visatildeo preacutevia e a posiccedilatildeo preacutevia
-Transcriccedilatildeo da entrevista e posterior releitura do pesquisador
95
-Identificaccedilatildeo de temas que emergem das narrativas como um desvelamento da tramas
da existecircncia de cada participante Os temas retratam aspectos significativos para os
participantes que satildeo contemplados ao longo das narrativas e que afetaram o pesquisador
narrador
-Interpretaccedilatildeo do fenocircmeno com base na concepccedilatildeo preacutevia em que os conhecimentos
anteriores satildeo refletidos junto agraves entrevistas transcritas Nesta etapa o todo da pesquisa eacute
apresentado diante da reflexatildeo do pesquisador para a estruturaccedilatildeo da compreensatildeo do
fenocircmeno
A transcriccedilatildeo eacute uma etapa que consiste na primeira versatildeo das entrevistas que apresenta
a narrativa da forma como foi gravada com as falas do pesquisador e do entrevistado (Maux
amp Dutra 2009 Schmidt 2006)
Apoacutes descrever as etapas para interpretaccedilatildeo das narrativas eacute importante ressaltar que
assim como a obra de Van Gogh ldquoo pintor a caminho do trabalhordquo o pesquisador ao longo do
percurso da pesquisa entra em contato com o fenocircmeno jaacute com uma compreensatildeo preacutevia do
mesmo Ao longo da caminhada surgem novas nuances novas formas de compreender o
fenocircmeno a partir do olhar de quem o vivenciou Como afirma Critelli (1996 p 81) ldquoeacute atraveacutes
do desveladoreveladotestemunhado que os homens se relacionam entre siAgrave medida que as
coisas testemunhadas em comum satildeo elementos de mediaccedilatildeo entre os homens elas estatildeo
instaurando o mundo uma trama significativa comum O mundo se daacute e se recusa aos homens
atraveacutes daquilo com que estatildeo em contato e a respeito do que falamrdquo
A narrativa traz em si os fatos acontecimentos e afetos Apresenta pontos de vista e a
historicidade do ser-no-mundo Oferece a quem narra e a quem ouve a possibilidade de um
encontro e nesse encontro a possibilidade de refletir e resignificar o vivido O proacuteximo capiacutetulo
seraacute dedicado justamente agraves narrativas destes profissionais que se dedicam a cuidar da vida e
buscam formas de lidar com a finitude
96
-Capiacutetulo 5 As narrativas dos participantes os sentidos de ser profissional de sauacutede em
UTI Neonatal
ldquoLast Supperrdquo ldquoA Uacuteltima Ceiardquo Vladimir Kush
97
-Capiacutetulo 5 As narrativas dos participantes os sentidos de ser profissional de sauacutede em
UTI Neonatal
Este capiacutetulo eacute dedicado agraves participantes do estudo as profissionais de sauacutede atuantes
na UTI Neonatal da Maternidade Escola Januaacuterio Cicco homenageadas atraveacutes do quadro
apresentado no iniacutecio do capiacutetulo do pintor surrealista Vladimir Kush As flores reunidas em
torno de uma mesa serviram de inspiraccedilatildeo para falar sobre a experiecircncia das colaboradores que
integram uma equipe multiprofissional Ser profissional de sauacutede eacute tambeacutem ser-com os colegas
de trabalho das diversas aacutereas por assim dizer faz parte do mundo de cada profissional as
relaccedilotildees que constituem com o outro
Assim como as distintas flores ao redor de uma mesa apresentadas no quadro tantas
vezes os profissionais com formaccedilotildees distintas precisam se reunir em torno de um caso em
nome da assistecircncia ao receacutem-nascido e seus familiares Como as flores que compotildee um belo
jardim deixam espaccedilo para a sobrevivecircncia e florescimento das demais o trabalho de cada
integrante da equipe tem a sua relevacircncia e os papeacuteis dos profissionais precisam estar claros
bem como a importacircncia que cada um pode gerar para o todo em benefiacutecio da assistecircncia aos
bebecircs
As flores satildeo belas e delicadas mas tambeacutem possuem espinhos Ora estatildeo mais floridas
ora um pouco murchas Tambeacutem precisam de aacutegua e insumos para sobreviver Sofrem quando
o solo estaacute demasiadamente aacuterido ou quando precisam enfrentar tempestades Os seres
humanos agraves vezes estatildeo mais sorridentes e alegres para vida Em outros momentos mais
murchos e contidos ou mesmo tristes e sem enxergar novas possibilidades
As afetaccedilotildees os estados de humor satildeo como lentes que direcionam o nosso olhar para
as possibilidades da existecircncia O encantamento o estar apaixonado pode levar a ver o mundo
cor de rosa com novas nuances a tristeza por sua vez pode levar o olhar para algo obscuro
sem possibilidades ou alternativas para soluccedilatildeo
98
Como seres humanos os profissionais de sauacutede tambeacutem possuem a afetaccedilatildeo como
caracteriacutestica ontoloacutegica natildeo satildeo como maacutequinas que apresentam reaccedilotildees calculadas
Simplesmente existem dias em que natildeo aguentam ver tanto sofrimento e em outros
conseguem oferecer o suporte esperado O fato eacute que precisam ter um domiacutenio teacutecnico dos
instrumentais e equipamentos e ao mesmo tempo fornecer uma assistecircncia humanizada
dedicando atenccedilatildeo aos pais e familiares
Diante das consideraccedilotildees eacuteticas levantadas quanto ao sigilo dos participantes optamos
por realizar a anaacutelise das entrevistas a partir dos temas que emergiram das afetaccedilotildees do
pesquisador apoacutes as leituras e releituras das transcriccedilotildees das entrevistas Estes temas
apresentados a seguir seratildeo discutidos agrave luz da fenomenologia hermenecircutica heideggeriana
contemplando o olhar da pesquisadora para a experiecircncia dos profissionais 1-A escolha para
trabalhar na UTI Neonatal 2- As dificuldades do trabalho em uma UTI Neonatal 3- Os
sentimentos diante da morte de receacutem-nascidos 4- O ser-com-os-outros as matildees dos pacientes
os receacutem-nascidos e os colegas de trabalho 5- A formaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede 6-
Reflexotildees sobre a atuaccedilatildeo profissional de sauacutede concepccedilatildeo de cuidado novas possibilidades e
projetos
De ora em diante seguiremos com os temas propostos envolvendo trechos das falas dos
participantes e as reflexotildees acerca da experiecircncia de ser-com os profissionais de sauacutede atuantes
da UTI Neonatal
1-A escolha para trabalhar na UTI Neonatal
Ao relatarem sobre a sua experiecircncia na UTI Neonatal os profissionais naturalmente
contavam sobre o seu percurso profissional na aacuterea de sauacutede ateacute chegar agrave UTI Neonatal da
MEJC A construccedilatildeo da narrativa por assim dizer gerava direccedilatildeo e sentido Em cada relato
passado presente e futuro se entrelaccedilavam e resultavam na composiccedilatildeo de uma histoacuteria de vida
Este toacutepico sobre ldquoa escolha para trabalhar na UTI Neonatalrdquo assumiu uma relevacircncia durante
99
a anaacutelise das narrativas por se apresentar como um marco na trajetoacuteria de vida destes
profissionais um ldquodivisor de aacuteguasrdquo que gera desdobramentos para os demais toacutepicos definidos
durante a anaacutelise
Dentre as nove entrevistadas quatro demonstraram interesse pela aacuterea de neonatologia
durante a faculdade e buscaram fazer residecircncia na aacuterea Estas revelaram um encantamento
inicial com a aacuterea principalmente pelo fato de trabalhar com bebecircs com o iniacutecio da vida
Algumas vezes a ideia do nascimento aparece como uma perspectiva positiva principalmente
quando seguida da possibilidade de contribuir com o desenvolvimento dos receacutem-nascidos
Seguem alguns relatos que ilustram isso
ldquoNo final da faculdade eu me apaixonei por Neo E a primeira vez que eu entrei ou na
enfermaria canguru ou aqui eu jaacute senti uma afinidade muito grande Eu natildeo sei explicar
da onde veio tanto amor assim mas eu gosto muito de trabalhar na aacuterea eu tento pensar na
famiacutelia como se fosse minha famiacutelia como eu queria que tratassem um filho meurdquo
(Margarida)
ldquoO meu sentimento em relaccedilatildeo agrave UTI eacute de uma casa mesmo porque eu brinco dizendo
que eu nasci profissionalmente aqui e eacute aqui que eu guardo todo o meu sentimento
tudinho de cuidado neacute Eu cuido dessa UTI como se ela fosse minha mesmo minha
casa a extensatildeo da minha famiacuteliardquo (Angeacutelica)
As demais (outras cinco profissionais) tiveram o direcionamento para a aacuterea a partir do
concurso puacuteblico para a MEJC Duas se destacaram pelos relatos de natildeo desejarem trabalhar
em UTI Neonatal tanto pelo desgaste da rotina como pela dificuldade em lidar com a morte de
bebecircs Apesar disso por questotildees administrativas acabaram integrando a equipe e alegam que
hoje conseguiram resignificar a experiecircncia de trabalhar com bebecircs graves e suas famiacutelias
ldquo Quando eu fui chamada em Marccedilo pra caacute me choquei de antematildeo porque eu natildeo
vim pra UTI Nunca quis trabalhar com Neo Tem uma carga emocional muito
grande se a gente jaacute sofre com perdas de pacientes adultos imagina com crianccedilas
receacutem-nascidas que tem uma vida toda pela frenterdquo (Tulipa)
100
ldquoNa verdade eu nunca tive experiecircncia em UTI E quando eu fui convocada devido
aqui na UTI Neo ter um deacuteficit de funcionaacuterios entatildeo eu meio que fui induzida a
aceitar Como havia essa necessidade entatildeo eles me convenceramrdquo (Amariacutelis)
Apesar da resistecircncia inicial de algumas para trabalhar na UTI Neo o que existe em
comum em todos os relatos eacute o encantamento com o trabalho realizado A possibilidade de
ajudar os bebecircs e suas famiacutelias aparece como um acalento um retorno muito significativo da
dedicaccedilatildeo do trabalho realizado O cuidado com os bebecircs e a possibilidade de vecirc-los sair de
uma situaccedilatildeo limiacutetrofe para uma nova vida faz as profissionais se emocionaram e desejarem
continuar nesta jornada apesar das dificuldades encontradas
Ao buscar compreender o outro a partir de uma perspectiva da fenomenologia
existencial passamos a consideraacute-lo como um ser-no-mundo que se constitui agrave medida que
constroacutei seu caminhar que se planeja realiza projetos mas pode se deparar com situaccedilotildees
diversas das quais imaginava e de uma forma ou de outras vai lidando com isso tudo
Foi interessante o relato de uma profissional que natildeo considerava a sua atuaccedilatildeo na UTI
Neonatal como uma escolha apesar de ter mais de 20 anos de experiecircncia na aacuterea de
Neonatologia iniciou a sua trajetoacuteria tirando feacuterias de uma colega em uma UTI Neonatal seu
primeiro emprego Para a profissional trabalhar nesta aacuterea foi ldquouma oportunidade que depois
virou um caminhordquo natildeo uma escolha por preferecircncia ou identificaccedilatildeo inicial Depois as
oportunidades foram surgindo devido a sua experiecircncia na aacuterea e assim o seu percurso
profissional foi se desenvolvendo
ldquoFoi a oportunidade que surgiu que me fez conhecer e querer seguir essa aacuterea natildeo
foi uma coisa assim ldquoah eu sonhei em fazerrdquo a gente natildeo escolhe a aacuterea a
oportunidade que escolhe a genterdquo (Girassol)
O relato de Girassol traz uma reflexatildeo acerca da indeterminaccedilatildeo do sujeito que
enquanto ser-no-mundo estaacute aberto a possibilidades que vatildeo surgindo e assim um caminho vai
sendo construiacutedo Este caminho eacute incerto natildeo estaacute definido por certezas pautadas na ideia de
101
uma vocaccedilatildeo encapsulada que estaacute presente dentro do indiviacuteduo para ser exercida no mercado
de trabalho O ser-aiacute eacute aberto a possibilidades e vai modificando-se ao longo do percurso da
vida O que poderia natildeo ser imaginado como local de atuaccedilatildeo tempos atraacutes pode tornar-se fonte
de subsistecircncia em outro momento da vida O indiviacuteduo pode resignificar a sua atuaccedilatildeo
profissional e observar de forma diferente o local em que estaacute trabalhando
O que observamos ao longo dos relatos foi que a ideia de trabalhar com bebecircs natildeo
implica necessariamente em uma identificaccedilatildeo ou vocaccedilatildeo originaacuteria agraves vezes tatildeo presente na
concepccedilatildeo do senso comum Mas em possibilidades que surgem e passam a ser consideradas
como parte de um caminho E a magia do caminhar estaacute justamente na possiacutevel transformaccedilatildeo
do caminhante ao olhar novas paisagens e vivenciar novas experiecircncias
Esta reflexatildeo inicial tem o intuito de lanccedilar um olhar para as escolhas destes
profissionais a partir da fenomenologia existencial considerando a indeterminaccedilatildeo do sujeito
Afinal de contas como nos inspiram Feijoo Protaacutesio e Magnam (2014) ldquo Outra determinaccedilatildeo
baacutesica para uma psicologia existencial consiste em tomar o modo de ser e comportar-se do
homem como fundado em seu caraacuteter de indeterminaccedilatildeo e poder-ser ou seja seu modo de ser
encontra-se sempre em jogo no seu existir Sendo a existecircncia marcada pela indeterminaccedilatildeo
natildeo eacute possiacutevel prescrever ou determinar o melhor caminho a seguirrdquo (p 58)
A partir deste olhar para a indeterminaccedilatildeo do sujeito considerando o horizonte
histoacuterico as limitaccedilotildees nas quais estatildeo imersos partiremos para o outro toacutepico que contempla
o trabalho na UTI Neonatal
2- As dificuldades do trabalho em uma UTI Neonatal
A UTI Neonatal na MEJC foi ampliada no ano de 2017 passando a apresentar duas
unidades com capacidade para atender 23 receacutem-nascidos Compotildee a UTI Neonatal um
corredor central com uma sala aberta para os prontuaacuterios uma sala de apoio com equipamentos
uma copa as salas de descanso e uma sala de acolhimento (tambeacutem receacutem-inaugurada)
102
Eacute um local frio em termos de temperatura de ausecircncia de cores da presenccedila de um
maquinaacuterio sofisticado da luz constante e contiacutenua que gera uma distacircncia em relaccedilatildeo ao que
ocorre fora das instalaccedilotildees da UTI Natildeo existem janelas nas aacutereas dedicadas ao tratamento dos
receacutem-nascidos e consequentemente ao trabalho dos profissionais de sauacutede Isto foi relatado
por uma das profissionais como uma caracteriacutestica do trabalho na UTI Neonatal
ldquoEu acho que a dificuldade eacuteo confinamento eacute vocecirc taacute num lugar que vocecirc natildeo vecirc se
eacute de dia se eacute de noite se taacute chovendo se taacute fazendo sol entendeu O ambiente fechado
ao longo do tempo ele pesa Eacute tanto que quando fizeram a reforma daqui eu disse ldquoai
que coisa boa Vai ter janelardquo porque acredito ateacute que eacute uma coisa boa pras crianccedilas
tomar banho de solrdquo (Girassol)
Sentir-se confinado em um ambiente sem janela sem saber se eacute dia ou noite eacute um fator
que pode gerar um incocircmodo maior para alguns profissionais como no relato apresentado por
Girassol Fizemos uma analogia a esta flor que busca constantemente o sol para o seu
desenvolvimento com a profissional que se sente inserida em um ambiente que apresenta uma
caracteriacutestica de confinamento Este confinamento faz parte da atuaccedilatildeo da maior parte dos
profissionais da UTI Neonatal com exceccedilatildeo para a as aacutereas da psicologia e serviccedilo social que
circulam pelas instalaccedilotildees do hospital inclusive para dar assistecircncia agraves matildees dos bebecircs
Alguns estudos apontam que trabalhar em local confinado eacute uma dificuldade vivenciada
pelos profissionais de sauacutede Algo que gera um certo incocircmodo tanto em relaccedilatildeo agrave falta da luz
solar como tambeacutem quanto aos cheiros e agrave temperatura Na tentativa de humanizar o ambiente
algumas estrateacutegias satildeo sugeridas como colocar um pano em cima das incubadoras para
ldquoinduzirrdquo um ciclo de dia-noite diminuir o volume dos ruiacutedos sonoros ou substituiacute-los por
alarmes luminosos Estas praacuteticas tem o intuito de reduzir o impacto das consequecircncias do
confinamento para os pacientes Para os profissionais entretanto pode gerar mais demanda de
trabalho mais atividades para executar (Brasil 2003 Lamego Deslandes e Moreira 2005
Rocha Souza e Teixeira 2015)
103
Outra dificuldade apresentada por vaacuterios profissionais entrevistados refere-se agrave
sobrecarga de trabalho em especial para a categoria de teacutecnicos de enfermagem que apresenta
um nuacutemero inferior ao necessaacuterio para atendimento dos receacutem-nascidos
ldquo A gente passa muitos periacuteodos difiacuteceis por ter menos teacutecnicos de enfermagem do
que deveria ter Porque a gente sabe que um teacutecnico soacute pode ficar com tantos nuacutemeros
de bebecircs quando ele fica com mais bebecircs pra cuidar do que ele deveria ficar isso acaba
levando a maior risco de erros de sobrecarga pra aquele profissional E acontece erros
na assistecircncia por conta dissordquo (Orquiacutedea)
ldquoEles se preocupam em abrir leitos leitos Mas natildeo compreendem que tecircm poucos
profissionais pra isso e que deveriam bloquear Tem dias que a gente tem que ficar
com seis teacutecnicos cinco teacutecnicos pra vinte um vinte e dois bebecircs e isso natildeo eacute correto
e acaba deixando a gente tenso porque a gente trabalha sob uma certa pressatildeo Eacute tanto
que vaacuterios teacutecnicos que entraram aqui muitos jaacute saiacuteram com atestado psiquiaacutetricordquo
(Amariacutelis)
A sobrecarga leva os profissionais a trabalharem no limite do desgaste fiacutesico e
psicoloacutegico podendo resultar no afastamento do trabalho por motivos de sauacutede De acordo com
o Relatoacuterio de Absenteiacutesmo da Maternidade (referente ao periacuteodo de 20161) 8273 dos
afastamentos satildeo para tratamento de sauacutede e a categoria que apresenta o maior nuacutemero de
atestados eacute a de teacutecnicos de enfermagem O relatoacuterio confirma portanto os relatos apresentados
pelos profissionais
Vaacuterios estudos afirmam que o ambiente da UTI Neonatal pode exercer uma influecircncia
negativa sobre a sauacutede de seus profissionais devido a tensatildeo e estresse presentes em um local
onde sucesso e fracasso oscilam rapidamente e vida e morte estatildeo presentes de forma intensa
Como satildeo locais que utilizam tecnologia muito avanccedilada as exigecircncias para a atualizaccedilatildeo dos
profissionais satildeo constantes De acordo com os autores a sobrecarga de trabalho caracteriza-se
pela falta de profissionais suficientes para a demanda de bebecircs que somada agrave falta de preparo
104
da equipe teacutecnica e ao espaccedilo fiacutesico inadequado comprometem sobremaneira a qualidade de
vida dos trabalhadores (Fogaccedila et al 2008 Rocha Souza Teixeira 2015 Fogaccedila 2010)
A partir dos relatos apresentados gostaria de propor uma reflexatildeo sobre como os
profissionais se sentem diante deste contexto de trabalho Para tanto buscarei inspiraccedilatildeo em
Heidegger (2007) em ldquoA questatildeo da teacutecnicardquo A inspiraccedilatildeo necessaacuteria para refletir sobre o
contexto de atuaccedilatildeo destes profissionais de sauacutede mas sem a pretensatildeo de elucidar alguma
questatildeo como bem pontua Heidegger (2007 p 375) ldquoo questionar constroacutei num caminhordquo
Vamos portanto trazer elementos que envolvam a questatildeo teacutecnica
Ao falar sobre teacutecnica podemos assumir os dois sentidos o domiacutenio do conhecimento
teacutecnico propriamente dito ou seja o conhecer e saber fazer e o horizonte histoacuterico no qual
estamos imersos a era da teacutecnica que valoriza o saber a velocidade das informaccedilotildees os
resultados o pensamento calculante (Heidegger 2007)
Uma atmosfera que nos conduz a agir para dar respostas a um mundo praacutetico que
valoriza a objetividade a rapidez e o retorno seja este financeiro de status de reconhecimento
Assim as pessoas vatildeo correndo contra o tempo para atingir objetivos previamente definidos e
agraves vezes sem mensurar possiacuteveis consequecircncias das escolhas realizadas A era da teacutecnica
produz um discurso ora expliacutecito ora posto nas entrelinhas do que eacute aceitaacutevel valorizado
Como pode ser observado no relato a seguir
ldquoE se vocecirc cometer algum erro Quem vai responder eacute vocecirc que tava na assistecircncia
Aiacute se a gente recusa alegam logo que a gente taacute negando assistecircncia Muitas das
vezes tecircm alguns profissionais que natildeo sabem abordar e diz que vocecirc tem que dobrar
Natildeo sei nem dizer se eacute isso uma ameaccedila mas vocecirc se sente coagidaldquoAh vocecirc
abandonou eacute abandono issordquo (Amariacutelis)
Este eacute apenas um trecho de um relato bem extenso sobre este conflito vivido pela
profissional Ao falar ela repetia que natildeo estava abandonando os bebecircs e que natildeo considerava
correto permanecer no trabalho sem as condiccedilotildees fiacutesicas e emocionais para isto Foi um discurso
105
que envolvia sentimentos contraditoacuterios como a culpa e a indignaccedilatildeo diante das exigecircncias
impostas e das consequecircncias geradas Como exigir que um profissional permaneccedila em uma
atividade aleacutem dos seus limites ainda mais se esta atividade caracterizar-se pela assistecircncia a
pacientes graves muitas vezes em consiccedilotildees limiacutetrofes entre a vida e a morte
O que fazer diante de um discurso que gera cobranccedila ameaccedila e ateacute culpa Um discurso
que tantas vezes estaacute internalizado nos proacuteprios profissionais que precisam decidir entre o que
pode ser considerado abandono e a permanecircncia altruiacutesta que pode resultar em falhas e ateacute na
morte dos bebecircs O abandono eacute efetivamente uma escolha ou ele estaria presente de uma forma
ou de outra em ambas as alternativas Se analisarmos mais profundamente tambeacutem estaacute
presente mesmo que temporariamente nas outras demandas da vida famiacutelia estudo descanso
No deixar de lado o que aparentemente pode soar como supeacuterfluo diante da complexidade de
pacientes graves Mas ao longo do tempo por repetidas vezes o que poderia significar este
tipo de abandono
O discurso cheio de paradoxos estaacute presente no cotidiano destes profissionais
refletindo uma expectativa social do papel dos profissionais de sauacutede A ideia da
responsabilidade pela manutenccedilatildeo da vida da necessidade de zelo e dedicaccedilatildeo na assistecircncia
ao paciente ou mesmo da caridade destinada aos doentes Como pode ser observado na
profissatildeo de enfermagem que teve a sua origem nas irmatildes de caridade que abdicavam da sua
vida para atender aos doentes mais necessitados A origem dos hospitais tambeacutem estaacute
inicialmente vinculada ao atendimento das pessoas mais carentes e que natildeo tinham os cuidados
familiares durante a enfermidade (Padilha Mancia 2005 Ministeacuterio da Sauacutede 1944)
Estes satildeo exemplos de raiacutezes histoacutericas que podem contribuir para gerar esta
obrigatoriedade de ldquodoaccedilatildeordquo de tempo e esforccedilo aleacutem do limite como uma obrigaccedilatildeo para os
profissionais da aacuterea de sauacutede Satildeo mensagens que permenecem tantas vezes na sociedade
interferindo nas expectativas e na percepccedilatildeo sobre o papel dos profissionais de sauacutede
106
Aleacutem destas questotildees o horizonte histoacuterico da nossa eacutepoca influencia sobremaneira nos
comportamentos dita os costumes orienta a respeito do que eacute considerado certo e errado
reprovaacutevel ou louvaacutevel A era da teacutecnica pode ser compreendida portanto como o nosso
horizonte histoacuterico que influencia as nossas atitudes diante dos desafios cotidianos De acordo
com Heidegger (2007 p 380)
O desafio que estaacute presente no discurso trazido pelas miacutedias de comunicaccedilatildeo em massa
ressaltando a capacidade do homem de vencer obstaacuteculos de propor cura para novas doenccedilas
de buscar mecanismos de prorrogar a juventude ou de procrastinar o envelhecimento Os
homens que satildeo movidos a desafioscomo ldquolutar com um dragatildeo todos os diasrdquo (Amariacutelis)
Fazendo uma analogia com os filmes e quadrinhos vivemos em um mundo que valoriza
o super-heroacutei aquele que resolve todos os problemas que encontra soluccedilotildees enfrenta
dificuldades e assume as consequecircncias O super-heroacutei que eacute responsaacutevel pela conduccedilatildeo da sua
vida carreira escolhas Eacute aquele que precisa encontrar superpoderes para enfrentar os
obstaacuteculos Eacute o sujeito idealizado forte e capaz de alcanccedilar os resultados almejados Seraacute que
realmente conseguimos lidar continuamente com a sobrecarga
ldquoO que cansa realmente na UTI Neonatal eacute a sobrecarga Eacute a gente tem um trabalho
de alta complexidade e a gente natildeo tem tanta maleabilidade de horaacuterio de trocas Em
ldquoA teacutecnica natildeo eacute portanto meramente um meio Eacute um modo de desabrigar Se
atentarmos para isso abrir-se-aacute para noacutes um acircmbito totalmente diferente para a
essecircncia da teacutecnica Trata-se do acircmbito do desabrigamento isto eacute da verdade O
desabrigar imperante na teacutecnica moderna eacute um desafiar que estabelece para a natureza
a exigecircncia de fornecer energia suscetiacutevel de ser extraiacuteda e armazenada enquanto tal
Eacute um extrair na medida em que explora e destaca Este extrair contudo permanece
previamente disposto a exigir outra coisa isto eacute impelir adiante para o maacuteximo de
proveito a partir do miacutenimo de despesas O desabrigar que domina a teacutecnica moderna
tem o caraacuteter do pocircr no sentido do desafiordquo
107
relaccedilatildeo a insalubridade a gente recebe a mesma coisa setor fechado lidar com morte
assimrdquo (Violeta)
ldquoEu jaacute vi relatos de teacutecnica de enfermagem chorando muito por ter tido uma situaccedilatildeo
que por erro dela um bebecirc por exemplo poderia ter pedido a perna Se doeu tanto
pra ela aquele erro eacute porque ela se identifica com o trabalho natildeo eacute uma falta de
identificaccedilatildeo mas a sobrecarga que aumenta a chance de erro que jaacute eacute decorrente da
falta de pessoalrdquo (Rosa)
Um ciclo vicioso se configura a falta de profissionais leva agrave sobrecarga que por um
lado pode promover o adoecimento e gerar mais ausecircncias e aumentar a sobrecarga para os que
ficam e por outro lado amplia o desgaste fiacutesico e psicoloacutegico resultando em possiacuteveis falhas
e ateacute na morte de pacientes
Aleacutem das questotildees referentes ao ambiente de trabalho relatos tambeacutem trazem uma
reflexatildeo sobre as pressotildees inerentes agrave atividade ao trabalho e as consequecircncias do mesmo
Retratam o profissional de sauacutede buscando a cura tentando evitar o erro as falhas pelas
consequecircncias que podem gerar
ldquoEacute uma pressatildeo de que tem que dar certo porque por traacutes de uma crianccedila tem uma
famiacutelia Eu sinto que eu tenho que fazer o meu maacuteximo o meu melhor Quase o
impossiacutevel pra que tudo decirc certo pra que isso natildeo cause sofrimento pras pessoasrdquo
(Tulipa)
Novamente se coloca em ecircnfase o domiacutenio da teacutecnica dos instrumentos do
conhecimento que promova um retorno positivo para os pacientes Heidegger nos faz refletir
sobre esse aspecto ao afirmar que ldquoA teacutecnica moderna eacute um meio para fins Por isso todo
esforccedilo para conduzir o homem a uma correta relaccedilatildeo com a teacutecnica eacute determinado pela
concepccedilatildeo instrumental da teacutecnica Tudo se reduz ao lidar de modo adequado com a teacutecnica
enquanto meio Pretende-se dominaacute-lardquo (Heidegger 2007 p 376)
E o que seria esse escapar do domiacutenio dos homens A morte poderia ser essa
possibilidade inerente agrave vida e que foge ao controle dos homens Por isso assusta
108
desestabiliza gera frustraccedilatildeo e desconforto para os que ficam Sobre este toacutepico que envolve
os sentimentos diante da morte dos receacutem-nascidos iremos abordar a seguir
3-Os sentimentos diante da morte de receacutem-nascidos
Este toacutepico eacute dedicado aos sentimentos relatados pelos profissionais diante da morte de
receacutem-nascidos Alguns relatos revelam sentimentos de impotecircncia e frustraccedilatildeo Tambeacutem eacute
contemplada a aparente contradiccedilatildeo de se pensar em morte na maternidade local associado agrave
ideia de vida Como se a morte tivesse um lugar para chegar e fosse inaceitaacutevel em outros
contextos Assim se configura o pensamento dicotocircmico refletido em paradoxos vida e morte
certo e errado verdade e natildeo-verdade Natildeo existe lugar certo para morte assim como natildeo haacute
verdade absoluta nem uma uacutenica explicaccedilatildeo para os fatos A morte eacute algo inerente a vida
Somos desde o nascimento um ser-para-a-morte Por assim dizer natildeo existe hora nem lugar
adequado para morrer (Heidegger 1927 2015)
ldquoEacute porque assim quando a gente pensa em maternidade a gente pensa na vida
quando a gente pensa em UTI a gente pensa em salvar vidas E a gente salva Salva
Mas quando eu falo em impotecircncia O sentimento que a gente tem de forma geral eacute
que chega um momento que a gente natildeo tem o que fazer Aiacute a gente precisa lidar
com essa morteIsso daacute uma sensaccedilatildeo de impotecircncia muito granderdquo (Iacuteris)
A sensaccedilatildeo de ver o sofrimento e natildeo poder fazer nada para evitar aquilo gera
sofrimento nos proacuteprios profissionais Principalmente quando se colocam no lugar do outro
da matildee que sofre ao perder um filho tatildeo amado e desejado Estes sentimentos de impotecircncia e
tristeza tambeacutem aparecem em outros estudo dedicados agrave experiecircncia dos profissionais de sauacutede
em relaccedilatildeo agrave morte de pacientes (Costa Lima 2005 Bernieri Hirdes 2007 Poles Bolso
2006 Shimizu 2007 Sadala Silva 2009 Souza e Ferreira 2008)
109
Outro aspecto tambeacutem relevante estaacute na intensidade dos viacutenculos estabelecidos Como
se apresenta no relato de Violeta quanto maior for o viacutenculo do profissional com o paciente e
seus familiares maior eacute o sofrimento do profissional diante da morte do receacutem-nascido
ldquo Tem alguns bebecircs eu natildeo sei explicar porque a morte eacute mais dolorosa Eu oro
pelos pais pela famiacutelia sinto pelo bebecirc tambeacutem Aqui eu jaacute tive dois que me
marcaram muito tambeacutem pelo contato com a matildee contato com o bebezinho era uma
matildee que tinha um viacutenculo muito bom com a equipe (Violeta)
Talvez por isso alguns profissionais desenvolvam o que autores (Gerow Conejo
Alonzo et al 2009) denominaram de ldquocortina de proteccedilatildeordquo estabelecendo um certo
distanciamento dos pacientes considerados mais graves tentando se proteger do sofrimento
conforme pode ser constatado nos relatos a seguir
ldquoA gente cria mecanismos de defesa Porque quem cria um viacutenculo afetivo perde a
capacidade de cuidar Entatildeo vocecirc natildeo vai cortar vocecirc natildeo vai furar vocecirc natildeo vai fazer
uma coisa que doa numa pessoa que vocecirc goste Algueacutem precisa fazer essa parteA
gente natildeo fica insensiacutevel mas cria formas de se protegerrdquo (Girassol)
ldquoQuem cria um viacutenculo afetivo perda a capacidade de cuidarrdquo Este trecho da fala diz
muita coisa E cabe algumas ressalvas A referecircncia da profissional agrave capacidade de cuidar
remete agrave ideia de uma dificuldade para realizar os procedimentos em virtude de um abalo
emocional diante do sofrimento do outro A compreensatildeo do cuidado pela ontologia
Heideggeriana entretanto concebe esta atuaccedilatildeo profissional como uma forma de cuidado Uma
vez que somos cuidado ateacute a indiferenccedila se configura como cuidado (Heidegger 1927 2015)
A profissional apresenta a necessidade de criar maneiras de se proteger do sofrimento
para que possa realizar os procedimentos necessaacuterios como tambeacutem para que ela consiga
suportar o trabalho na UTI Neonatal O relato a seguir demonstra mais explicitamente esta
necessidade de criar mecanismos de proteccedilatildeo para continuar trabalhando
110
ldquoAcho que natildeo era nem um mecircs que eu tava aqui entraram na parada meacutedico
enfermeiro fisio E eu fiquei olhando de fora e assim a pressatildeo caiu eu fiquei sudorenta
na hora e o bebecirc morreu Quando a matildee chegou ai eles botam no colo o bebecirc morto no
colo Vocecirc natildeo tem noccedilatildeo de como eu passei mal Eu desci fiquei na calccedilada
chorando Ai depois ateacute a meacutedica a chefe da UTI disse ldquoAf Maria vocecirc era pra taacute num
shopping vendendo roupa natildeo era pra taacute aqui natildeordquo eu disse ldquome respeiterdquo Depois eu
cheguei em casa mal chorei abracei muito minha filha Foi bem difiacutecilE ai as coisas
foram acontecendo eu fui entrando mais no clima Daquela parte emocional vocecirc tenta
dar um freio colocar um limite entre vocecirc mesma e aquilo que taacute acontecendo pra que
vocecirc natildeo sofra tantordquo (Tulipa)
O proacuteprio contexto exige do profissional a postura considerada adequada Ateacute os colegas
de trabalho podem ser severos diante da expressatildeo dos sentimentos dos demais Valoriza-se o
controle emocional a assertividade na resoluccedilatildeo das situaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da teacutecnica Assim
este limite ou freio apresentado no trecho acima passa a ser uma exigecircncia do proacuteprio
profissional como algo inerente ao trabalho como uma condiccedilatildeo para sobreviver naquele
ambiente Eacute preciso ldquoentrar no climardquo O clima falado reflete agrave atmosfera do ambiente ao
como as coisas funcionam aos comportamento considerados adequados ao ambiente mais frio
e racional
De fato podemos pensar que ningueacutem aguentaria passar mal da forma que foi
apresentada todas as vezes que morresse um bebecirc Mas por outro lado refletimos sobre o
quanto esta profissional se sentiu sozinha para lidar com estas emoccedilotildees tatildeo humanas tatildeo
passiacuteveis de serem expostas
Os relatos demonstram portanto a necessidade de ocorrer um afastamento dos
profissionais diante da possibilidade de morte iminente uma certa preparaccedilatildeo para o que pode
ocorrer como uma forma de proteccedilatildeo de minimizar o sofrimento Entretanto quando a morte
eacute anunciada por sinais e sintomas alguns comportamentos para lidar com isto vatildeo surgindo
seja de afastamento de conformismo de aceitaccedilatildeo Quando a morte ocorre diante de um bom
111
prognoacutestico surpreende aparece como um evento assustador podendo gerar maior sofrimento
nos profissionais
ldquo Quando vocecirc comeccedila a perceber que aquele bebecirc taacute piorando piorando vocecirc comeccedila
a se afastar vocecirc atende outro vocecirc natildeo fica mais com ele As pessoas se organizam
quando a gente percebe que algueacutem taacute com um viacutenculo muito forte com o bebecirc aiacute jaacute
comeccedila a tirar de perto jaacute comeccedila a botar com outro entendeu Todo mundo vai meio
que se cuidando porque sabe que a perda vai existir e se a gente sofrer por todas as
perdas como uma pessoa da famiacutelia a gente vai junto entendeurdquo (Girassol)
Surgem portanto as estrateacutegias de preservaccedilatildeo diante do sofrimento No relato acima
pode-se verificar um apoio aos colegas no sentido de tentar evitar um maior vinculo com os
pacientes que apresenta um prognostico ruim O distanciamento aparece como possibilidade
Uma forma de diminuir o sofrimento do profissional
Diante do exposto poderiacuteamos nos questionar De onde vecircm os sentimentos de
impotecircncia e frustraccedilatildeo diante da morte Por que os profissionais de sauacutede se sentem frustrados
e impotentes Eacute interessante a partir desses questionamentos refletirmos sobre o nosso
horizonte histoacuterico Novamente as ideias de Heidegger (1927 2015) nos inspiram para abordar
a questatildeo da era da teacutecnica do quanto eacute difiacutecil natildeo ter o controle sobre as coisas sobre os
acontecimentos do mundo
De acordo com Heidegger (2007 p 376) ldquoO querer-dominar se torna tatildeo mais iminente
quanto mais a teacutecnica ameaccedila escapar do domiacutenio dos homensrdquo Quanto mais difiacutecil for o
desafio e maior a probabilidade de perder o controle o homem tende a buscar novas soluccedilotildees
e alternativas como se lutasse contra algo que incomoda pelo simples fato de resistir ao
aparente controle Este querer-dominar pode estar presente na difiacutecil decisatildeo da hora de tentar
parar de salvar um paciente que jaacute daacute sinais de despedida A decisatildeo sobre a hora de parar eacute
muito difiacutecil para alguns profissionais como pode ser observado no seguinte relato
ldquoUma das coisas mais difiacuteceis eacute vocecirc optar pelo fim de uma reanimaccedilatildeo As diretrizes
mandam que com 10 minutos 15 minutos de reanimaccedilatildeo em assistolia o coraccedilatildeo natildeo
taacute mais batendo vocecirc paacutera de reanimar Noacutes jaacute reanimamos menino aqui por mais de
112
hora Que vocecirc natildeo quer acreditar que ele morreu Esse momento realmente eacute o
momento mais difiacutecil A hora de parar Agraves vezes quando vocecirc diz assim ldquonatildeo vou
maisrdquo vocecirc sente que alguns olhares lhe bombardeiam dizendo assim ldquoPor que Tente
mais um pouquinhordquo Esse momento realmente eacute o conflito dentro da UTI A hora de
pararrdquo (Angeacutelica)
Definir qual a hora de parar aparece como uma grande dificuldade eacute como reconhecer
que existe um limite e junto com ele o sentimento de impotecircncia Existe uma cobranccedila pela
cura tanto por parte dos proacuteprios profissionais como tambeacutem pelos familiares A sensaccedilatildeo de
esgotar todas as possibilidades surge como uma forma de dizer que tudo que era possiacutevel foi
feito O difiacutecil eacute reconhecer quando natildeo eacute mais possiacutevel
Outra profissional tambeacutem falou a respeito da hora de parar ao retratar uma situaccedilatildeo na
qual uma residente estava desesperada e pediu para retirar a famiacutelia da UTI Neonatal Ao falar
com a meacutedica a residente pedia para tentar novamente e a meacutedica respondeu ldquoMas vocecirc sabe
que a gente jaacute tentou e natildeo deu certo e isso soacute faz gerar um sofrimento nesse bebecirc a mais
porque assim natildeo tem muito o que fazerrdquo
Ateacute que ponto esta tentativa de evitar a morte era o melhor para o paciente Natildeo seria o
reflexo dessa dificuldade do profissional em lidar com a morte com as perdas Os relatos
abordam a dificuldade de tomar uma decisatildeo que envolve a vida do paciente e nos remete a um
sentimento de responsabilidade e culpa diante destas situaccedilotildees Como pode ser observado de
forma mais expliacutecita nos trechos de depoimentos a seguir
ldquoToda a vida que um bebecirc vai a oacutebito Eu acabo sentindo muito porque eacute como se a
gente carregasse a culpa nas nossas costas (Choro) Entatildeo natildeo tem como natildeo se sentir
responsaacutevel por aquele oacutebito Ou porque a gente fica sempre pensando ldquoSeraacute que foi
porque eu natildeo orientei a minha equipe de forma adequada Seraacute que eacute porque eu natildeo
orientei os estudantes de forma adequada Foi alguma coisa que eu deixei passarrdquo
ldquoSeraacute que eu natildeo fui a responsaacutevel rdquo(Orquiacutedea)
113
ldquo CulpaCulpa Eu fiz o que foi que eu errei Aonde foi que eu errei E aiacute tem que
parar Repensar e natildeo baixar a cabeccedila se frustrar Tem muita gente que endoida
porque a profissatildeo eacute cruel Tem muita colega nosso que ou comeccedila a usar remeacutedio ou
faz quadros de depressatildeo porque eacute difiacutecil vocecirc lidar justamente com esse turbilhatildeo de
emoccedilotildees que se passa dentro do dia a diardquo (Angeacutelica)
Nestes relatos a culpa entra em cena com algo que incomoda profundamente as
participantes Mas o que seria essa culpa Uma culpa atrelada a uma responsabilidade de cuidar
dos pacientes de gerenciar uma equipe de buscar salvar vidas e evitar erros e falhas Uma
culpa inerente a uma condiccedilatildeo humana ao ser-no-mundo
A culpa e a anguacutestia satildeo caracteriacutesticas ontoloacutegicas do homem enquanto ser-no-mundo
Satildeo inerentes ao Dasein enquanto ser jogado no mundo que precisa reafirmar-se
cotidianamente durante a sua existecircncia (Ferreira 2002 Boss 1981)
Reafirmar-se cotidianamente pode ser percebido como um fardo bem pesado talvez
por isso o homem caia na impessoalidade na decadecircncia Eacute importante ressaltar que cair na
decadecircncia natildeo significa sair de um estaacutegio superior para um inferior a decadecircncia eacute uma
determinaccedilatildeo existencial indicando que o homem encontra-se entregue agrave impessoalidade do
cotidiano Trata-se de uma condiccedilatildeo da existecircncia humana pois mesmo decadente o homem
estaacute de alguma forma sendo E esta forma de ser eacute a de um modo natildeo proacuteprio de ser
(Heidegger 1927 2015)
A culpa por sua vez eacute o fundamento ontoloacutegico do homem decadente faz parte do ser
portanto pode-se compreender que ldquoa culpa eacute a determinaccedilatildeo ontoloacutegica do existencial da
facticidade nesse sentido ela eacute um modo de ser do ser-aiacute faacutetico e diz respeito ao fato de o
homem estar-lanccedilado no mundo e misturado com elerdquo (Ferreira 2002 p1)
Podemos compreender a partir da afirmaccedilatildeo anterior que todos noacutes sentiremos culpa
Uma vez que a facticidade eacute a forma mais ordinaacuteria do ser-aiacute no sentido de a forma mais
114
comum a culpa nos acompanharaacute ao longo da existecircncia Seraacute algo inerente ao nosso ser que
estaacute destinado a ser sendo e no cotidiano da vida estar continuamente se reafirmando
Entatildeo quando vivo em um mundo na impessoalidade em meio ao falatoacuterio a
ambiguidade e a curiosidade estou suscetiacutevel agrave culpa de natildeo ser o que queria ser de natildeo cumprir
com os padrotildees estabelecidos pelo mundo de falhar com o que foi prescrito ou previsto
anteriormente A culpa de natildeo cumprir ou natildeo me encaixar nos padrotildees previamente
estabelecidos A culpa expressa pela locuccedilatildeo adverbial ldquodeveria ter feitordquo Eacute o futuro do
preteacuterito do indicativo que indica um arrependimento de um passado que natildeo mais se
materializaraacute no futuro algo que natildeo tem mais volta Embora deixe no lugar da resoluccedilatildeo a
culpa
A partir destas reflexotildees pode surgir uma pergunta como diminuir esta culpa Para
pensarmos sobre isso caberia falar sobre o horizonte histoacuterico em que vivemos que dita o que
eacute certo e o que eacute errado O que eacute aceito ou rejeitado socialmente Nos contos dos heroacuteis da Idade
Antiga natildeo se falava em culpa pela morte dos outros inimigos natildeo eram acusados de assassinos
Eram respeitados e tratados como guerreiros corajosos por salvarem toda uma populaccedilatildeo das
ameaccedilas externas (Bulfinch 2014)
Muitos fatores influenciam a sociedade na determinaccedilatildeo de quem seriam os culpados e
os inocentes as religiotildees a cultura os papeacuteis sociais os costumes de um povo tambeacutem falam
sobre culpa Em uma sociedade com a medicina pouco desenvolvida com as pestes e outras
doenccedilas assolando a humanidade em meio a condiccedilotildees higiecircnicas e de saneamento degradantes
como na eacutepoca da peste negra na Europa Medieval talvez os meacutedicos natildeo fossem acusados de
tantas mortes ou natildeo se sentissem culpados diante de um cenaacuterio tatildeo complexo de infortuacutenios
e orientado pelos paracircmetros divinos preconizados pela Igreja Natildeo era o homem que estava no
centro da vida e sim a vontade divina Mas decerto outros tipos de culpas existiam como faltar
ou deixar de cumprir com alguma determinaccedilatildeo da Igreja
115
A culpa eacute por assim dizer inerente a condiccedilatildeo de dasein ldquoPor que o dasein eacute culpado
O proacuteprio dasein faz uma escolha ele natildeo pode transferir a responsabilidade para o eles ou para
alguma pessoa Toda escolha vai ter consequecircncias que o dasein natildeo previu nem
pretendeurdquo(Inwood 2004 p 99)
A culpa eacute tatildeo cotidiana quanto viver na impessoalidade Em uma sociedade que
centraliza o homem e lhe oferece o poder de decidir sobre a vida que oferece tantas
possibilidades de escolha o ldquodeveria ter feitordquo pode tornar-se mais frequente Quando a
referecircncia estaacute no mundo e vive-se na impropriedade a culpa existiraacute na proporccedilatildeo que o ser
introjeta os valores deste mundo
Em meio agraves afetaccedilotildees e sentimentos os profissionais de sauacutede vatildeo realizando as suas
atividades envolvidos nas relaccedilotildees com os outros os quais fazem parte do seu ambiente de
trabalho O proacuteximo toacutepico eacute dedicado justamente a estas relaccedilotildees agrave convivecircncia cotidiana dos
profissionais com os receacutem-nascidos com as matildees dos pacientes e com os proacuteprios colegas de
trabalho
4 ndash O ser-com-os-outros as matildees dos pacientes os receacutem-nascidos e os colegas de
trabalho
Heidegger (19272015) nos apresenta o ser-com como um existencial O modo de
presenccedila do ser-no-mundo se daacute na co-presenccedila com outros daseins ou seja o homem vive em
relaccedilatildeo com os outros mesmo quando estes natildeo estatildeo presentes fisicamente naquele momento
O homem eacute inerentemente um ser em relaccedilatildeo com outros seres (daseins) Eacute justamente sobre
essa relaccedilatildeo que iremos abordar neste toacutepico
Ao olharmos para a UTI Neonatal aleacutem do ambiente fiacutesico precisamos considerar que
ela se constitui como uma rede de relaccedilotildees entre as pessoas que por laacute transitam Cada
profissional de sauacutede precisa lidar no seu cotidiano com os colegas de trabalho com os bebecircs
em tratamento e com os familiares que frequentam o ambiente da UTI Neonatal principalmente
116
as matildees Satildeo vaacuterios ldquooutrosrdquo que interferem na execuccedilatildeo das atividades que opinam
questionam provocam reaccedilotildees Com o foco nas relaccedilotildees que os profissionais estabelecem
iniciaremos por abordar a percepccedilatildeo que os mesmos tecircm sobre a presenccedila das matildees nas
instalaccedilotildees da UTI Neonatal
ldquoEacute muito complicado sabe Natildeo eacute o fato da presenccedila porque a gente acha que eacute
importante ela acompanhar todo o processo Ela precisa ver ela precisa saber o que
taacute acontecendo natildeo pode existir um buraco entre o nascimento e a morte O problema
eacute que hoje a gente lida com pessoas muito emocionalmente eu natildeo sei se eacute
desequilibrada mas com pessoas que transferem pra gente um monte de noacuteia Por
exemplo trata mal interfere no procedimento As pessoas natildeo confiam como se a
gente saiacutesse de casa todo dia pra fazer o errado e natildeo todo mundo sai de casa pra
fazer o melhor Eacute como se a gente tivesse o tempo todo sendo julgadordquo (Girassol)
A presenccedila das matildees eacute defendida pelas poliacuteticas de humanizaccedilatildeo como algo
fundamental para os bebecircs Os profissionais reconhecem isso mas tambeacutem apontam que os
familiares interferem questionam a conduta adotada sofrem durante os procedimentos enfim
acabam sendo mais um motivo de preocupaccedilatildeo Como lidar com matildees que choram e
questionam o procedimento ao tentar localizar uma veia em um receacutem-nascido
Os familiares fazem parte das relaccedilotildees que os profissionais estabelecem no ambiente de
trabalho Eles compotildee parte da histoacuteria dos pacientes pequenos seres que jaacute inspiraram novos
projetos e ressignificaram vidas As matildees satildeo tatildeo importantes nessa relaccedilatildeo que podemos
perceber no trecho do relato acima uma preocupaccedilatildeo relevante ldquo Natildeo pode existir um buraco
entre o nascimento e a morterdquo A matildee precisa saber o que aconteceu precisa participar tornar-
se parte do processo Caso contraacuterio como ela ficaraacute depois Entre o nascimento e a morte fatos
aconteceram Neste ldquoentrerdquo o receacutem-nascido se constitui enquanto ser-no-mundo Este ldquoentrerdquo
envolve a sua histoacuteria
117
Os relatos apresentam as cobranccedilas dos pais as pressotildees exercidas sobre os profissionais
em relaccedilatildeo agraves condutas adotadas Satildeo situaccedilotildees muito delicadas que envolvem o risco de morte
de um filho as dificuldades de lidar com isso as desconfianccedilas No trecho a seguir uma
profissional fala a respeito da reuniatildeo que realiza com as matildees no intuito de escutaacute-las e tentar
esclarecer alguma duacutevida que possa ter surgido
ldquoUma das reclamaccedilotildees frequentes eacute que ldquoah aquele doutor eu vou perguntar uma
coisa a ele ele eacute muito seco ele eacute muito friordquo aiacute ldquonatildeo natildeo eacute que ele seja frio eacute porque
tem outros mais melososrdquo Tem uma colega nossa que eu disse ldquose eu tivesse de receber
uma notiacutecia ruim eu queria receber por vocecircrdquo porque ela eacute assim ldquomatildeezinha o seu
bebezinho taacute assim gravinhordquoTem outros que a matildee chega ldquocomo eacute que taacute meu
bebecircrdquo ldquotaacute estaacutevelrdquo O que eacute estaacutevel pra vocecirc Por isso que vem as mais diversas
reclamaccedilotildeesldquoEu natildeo gosto que tal teacutecnico de enfermagem fique com o meu bebecirc
porque ele vai laacute faz o que tem pra fazer volta pra mesa pega o celular e fica usandordquo
Entatildeo essa sensaccedilatildeo meio que de abandono tambeacutem judia da matildee neacute Ela quer entrar
ali ela quer ser acolhidardquo (Angeacutelica)
Uma reflexatildeo interessante sobre essa relaccedilatildeo com o outro envolve uma complexidade de
expectativas dos profissionais dos pacientes sobre o que eacute esperado deles qual a forma de
conduta mais adequada Enfim se no cotidiano criamos expectativas sobre o comportamento
das pessoas imagine como estas ficam agrave flor da pele em situaccedilotildees de hospitalizaccedilatildeo e iminecircncia
de morte Eacute possiacutevel se chegar a um padratildeo do que seria um bom atendimento de um
profissional de sauacutede Bom para quem Para um familiar quando um profissional explica tudo
detalhadamente no diminutivo pode ser uma boa forma de atendimento para outro este tipo de
tratamento poderia ateacute incomodar Nessa relaccedilatildeo com o outro existe muito de noacutes de cada um
no outro
De acordo com Oliveira (2010 p 59) ldquo Um ponto importante a ser pensado eacute a visatildeo
de Heidegger do outro como um reflexo do proacuteprio ser-aiacute Ou seja o ser-aiacute se vecirc no outro faz
parte do outro se identifica com o outro pois este natildeo lhe eacute de forma alguma estranho Essa
118
interpretaccedilatildeo soacute pode ser entendida atraveacutes do delineamento da sua teoria do impessoal no
qual segundo Heidegger todo mundo eacute o outro e ningueacutem eacute si mesmordquo
Nessa relaccedilatildeo com o outro em si mesmo o ser se transforma continuamente Eacute
interessante observar o relato de duas profissionais que modificaram sua maneira de ser diante
das experiecircncias que tiveram na UTI neonatal uma delas se viu no papel de uma matildee
preocupada com o seu receacutem-nascido internado em uma UTIN de outro hospital Ao ocupar
temporariamente este papel ela passou a refletir sobre a sua proacutepria atuaccedilatildeo profissional e a
sua relaccedilatildeo com as matildees dos receacutem-nascidos internados
ldquoOutro grande marco da minha vida foi quando eu tive a minha primeira menina ela
foi um bebecirc de UTI Eacute uma UTI que eu trabalho e o fato de eu entrar pela porta natildeo
como meacutedica mas como matildee de paciente mexeu muito comigo entatildeo meio que foi um
divisor de aacuteguas na minha carreira Eu passei a ver o paciente de uma outra maneira
menos teacutecnico Porque eacute diferente Vocecirc sente vocecirc sabe exatamente o que aquela matildee
taacute sentindo Vocecirc meio que bloqueia a sua razatildeo e vocecirc vira soacute emoccedilatildeo mesmo laacute
dentrordquo (Angeacutelica)
Este trecho do relato apresenta a transformaccedilatildeo desta profissional ao se ver em uma
situaccedilatildeo similar ao de algumas matildees com filhos internados Literalmente colocar-se no lugar
do outro proporcionou uma nova forma de atendimento a partir do que a profissional passou a
considerar como necessidades da matildee de um receacutem-nascido internado Novamente podemos
refletir sobre o quanto de noacutes estaacute na relaccedilatildeo com o outro
Esta situaccedilatildeo tambeacutem pode remeter ao mito de Quiacuteron Na mitologia grega Quiacuteron era
um centauro um ser metade homem e metade cavalo que nasceu da uniatildeo entre Cronos e a bela
Filira Quiacuteron recebeu do pai grandes virtudes tornando-se muito saacutebio Pela sua educaccedilatildeo e
sabedoria foi considerado o rei dos centauros Em certa ocasiatildeo foi ferido pelas flechas de
Heacutercules Por ser imortal e ter uma ferida incuraacutevel sofria grandes dores Assim tornou-se o
grande mestre dos meacutedicos Ao ser tocado pela sua dor era capaz de se sensibilizar com a dor
119
dos outros Eacute o que acontece tambeacutem com os profissionais de sauacutede em contato com suas
proacuteprias dores e perdas tornando-se sensiacuteveis ao sofrimento das pessoas sob seus cuidados
(Carvalho 1996)
Para outra profissional a experiecircncia com as matildees resultou em uma vontade de tornar-
se matildee e poder vivenciar o que denominou de amor incondicional
ldquoEu sempre ouvi falar que amor de matildee eacute imensuraacutevel mas natildeo imaginava o quanto
Diante de todas as situaccedilotildees agraves vezes o bebezinho todo mal formadinho mas a matildee acha
ele lindo a matildee vecirc como uma coisa natural E natildeo se envergonha Quer ele do jeito
que ele taacute Acho maravilhoso Eu acho que ateacute a questatildeo da vontade de ser matildee como
eacute que pode todas as pessoas que trabalham na UTI elas geralmente engravidam acho
que eacute porque o instinto materno aflora na mulher Eu quero experimentar desse amor
de matildee que eu soacute imaginordquo (Amariacutelis)
O relato demonstra como o ser se transforma a partir das experiecircncias vivenciadas no
contidiano de trabalho Como certas questotildees tocam profundamente a vida dos profissionais e
geram novos desejos e projetos Conforme aponta Critelli (1996 p80) ldquoeacute impossiacutevel ao homem
natildeo renascer com cada nova visatildeo ou manifestaccedilatildeo dos entes em seu ser A manifestaccedilatildeo eacute
ininterrupta A existecircncia eacute erupccedilatildeo e transformaccedilatildeo inesgotaacuteveis Daiacute se fala em existecircncia
como vir-a-ser o que eacute ou o que estaacute sendo estaacute vindo-a-serrdquo
Ainda envolvendo as experiecircncias com o outro gostaria de tecer algumas consideraccedilotildees
sobre um ser que apesar do pouco tempo de existecircncia eacute a razatildeo de existir da UTI Neonatal o
ser-bebecirc No cotidiano de trabalho todos os aparatos a estrutura e o trabalho dos profissionais
satildeo voltados para o receacutem-nascido que requer cuidados especiais
De acordo com Sodelli e Glaser (2016 p 70) ldquoO estabelecimento da relaccedilatildeo do bebecirc
com o seu ser se daacute no mundo faacutetico por meio do cuidado de seu cuidador e de outras pessoas
que lhe apresentam o mundo os entes sempre de algum determinado modo e em uma dada
direccedilatildeo Entatildeo eacute a partir do modo como o bebecirc eacute cuidado concomitantemente com sua
120
compreensatildeo que o bebecirc vai se constituindo como um si mesmo e que um sentido de realidade
vai sendo construiacutedordquo
Os autores enfatizam a importacircncia do cuidado para a constituiccedilatildeo do bebecirc como em si
mesmo Eacute interessante notar o quanto esta necessidade do bebecirc pode envolver as profissionais
da UTI Neonatal mesmo que natildeo seja de forma intencionalmente vinculada a uma teoria
especiacutefica Uma preocupaccedilatildeo em oferecer acolhimento amor e carinho pode estar presente
tanto quanto com a administraccedilatildeo de equipamentos Essa relaccedilatildeo da profissional com o bebecirc
pode apresentar-se de uma forma distinta da relaccedilatildeo que seria estabelecida com um paciente
adulto conforme pode ser verificado no relato a seguir
ldquoQuem trabalha com bebecirc jaacute tem um olhar diferente Vocecirc vecirc um teacutecnico de
enfermagem com um bebecirc chorando e a matildee natildeo estaacute por exemplo colocando no colo
e cantando pra ele Agraves vezes termina de dar a dieta e daacute um cheirinho na cabeccedila Eacute
algo que vai aleacutem da obrigaccedilatildeo daquela pessoa Existe realmente uma relaccedilatildeo de afeto
com esse bebecirc E quanto mais tempo esse bebecirc fica ali Muitas vezes a equipe se refere
a um bebecirc que estaacute laacute como ldquomeu bebecircrdquo (Rosa)
Na trama de existecircncia do bebecirc a relaccedilatildeo ser-com-os-outros eacute fundamental Desde o
iniacutecio o bebecirc eacute um ser aberto e compreensivo e natildeo um ser encerrado em si mesmo (Loparic
2008) A partir dos primeiros dias de vida ldquoos entes vatildeo chegando ao encontro do bebecirc que
vai se ocupando deles (chupar a chupeta mamar dormir brincar tomar banho trocar a fralda
receber uma visita ficar no colo)
Poderiacuteamos perguntar como eacute possiacutevel que os entes se manifestem ao bebecirc (ou seja se
tornem acessiacuteveis ao ser humano) Atraveacutes do cuidado que o cuidador (pai matildee avoacutes babaacute)
do bebecirc e outras pessoas despendam a ele As pessoas satildeo de extrema importacircncia para o bebecirc
Na fase inicial de vida o bebecirc depende absolutamente de outra pessoa Para aleacutem de o bebecirc
precisar de outra pessoa para os chamados cuidados baacutesicos (ser alimentado ser colocado no
121
berccedilo ser vestido ser dado banho etc) o bebecirc precisa de um outro para tornar-se real para que
ele se torne si-mesmordquo (Sodelli e Glaser 2016 p 71)
No ambiente hospitalar outros cuidadores assumem este papel de oferecer os cuidados
baacutesicos ao bebecirc um papel que poderia ser destinado aos familiares e entes mais proacuteximos E se
preocupam ainda mais em dar atenccedilatildeo aos bebecircs quando existe um abandono por parte dos
familiares principalmente das matildees
ldquoA gente teve bebecirc com microcefalia que a matildee abandonou a gente teve bebecircs que
foram de gestaccedilotildees de uma matildee muito jovem que era de um homem casado e ela tentou
abortar e acabou que natildeo conseguiu a bebezinha nasceu muito prematura mas que
chegou o momento que ela verbalizou que realmente natildeo queria isso pra vida dela
Entatildeo a gente trabalha tambeacutem muito em parceria com a vara da infacircncia e da
juventude exatamente nessa questatildeo da adoccedilatildeordquo (Iacuteris)
Conforme apresentado no relato existe uma preocupaccedilatildeo com a histoacuteria familiar do
receacutem-nascido um envolvimento emocional com as situaccedilotildees apresentadas uma compreensatildeo
de que este bebecirc natildeo estaacute sozinho na UTIN jaacute estaacute envolvido em uma trama de relaccedilotildees que
vatildeo constituindo a sua histoacuteria Como eacute lidar com isto tudo Um caminho envolve reconhecer
as limitaccedilotildees da atuaccedilatildeo natildeo eacute possiacutevel adotar as crianccedilas abandonadas entatildeo me afasto evito
um maior envolvimento para natildeo me apegar pode-se ateacute lidar com indiferenccedila e se concentrar
diretamente no trabalho teacutecnico pode-se aprender com as histoacuterias familiares a adotar uma
nova postura sobre a vida O relato a seguir apresenta uma mudanccedila ocorrida em uma
profissional a partir das observaccedilotildees das histoacuterias familiares
ldquo Agraves vezes a gente julga e a gente natildeo sabe o que tem por traacutes e todo mundo tem uma
histoacuteria Hoje eu me policio muito Por exemplo teve um bebecirc que era cardiopata e a
matildee tinha dezesseis anos O pai dela estuprou ela e matou a matildee dela e aiacute a matildee do
namorado dela pegou ela pra criar Foi quando ela engravidou desse bebecirc o bebecirc natildeo
eacute do pai dela natildeo eacute do namorado mesmo mas assim ela tem dezesseis anos o namorado
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dezenove Ela natildeo vinha o menino ficou aqui acho que uns dois meses agora nos
uacuteltimos dias eacute que ela tava vindo mas vocecirc vai julgar uma pessoa dessa Natildeo vai A
gente sente falta a gente botava o menino no colo Natildeo eacute como a matildee mas a gente
tentava Depois quando ela comeccedilou a vir ele tava bem grave mesmo jaacute natildeo tinha
mais jeitordquo (Tulipa)
Como julgar diante de histoacuterias tatildeo sofridas O relato da profissional nos faz refletir sobre
o julgamento que fazemos das pessoas das situaccedilotildees a partir dos nossos valores das
possibilidades que vislumbramos Entretanto para buscarmos compreender o outro como o
outro estaacute como pode se sentir diante da proacutepria vida eacute necessaacuterio uma abertura uma afetaccedilatildeo
que favoreccedila a escuta o olhar atencioso Isso me faz lembrar do ciacuterculo hermenecircutico da
compreensatildeo como algo circular contiacutenuo De como a afetaccedilatildeo pode gerar a disponibilidade
de sair de uma posiccedilatildeo preacutevia para uma visatildeo preacutevia e para uma concepccedilatildeo preacutevia com as
articulaccedilotildees da posiccedilatildeo e da visatildeo anterior Ou seja do quanto o ser-no-mundo eacute sendo vai se
transformando agrave medida que experiencia que vive e ao mesmo tempo que apresenta a abertura
para novas possibilidades
Os profissionais de sauacutede no contexto de trabalho lidam com a fragilidade da vida com
a morte de pacientes com os familiares tantas vezes estressados nervosos com resistecircncia para
entender os procediementos adotados com os colegas de trabalho em vaacuterios momentos
cansados da sobrecarga da rotina das exigecircncias Enfim satildeo pessoas com sentimentos
diversos em um ambiente inoacutespito que faz aflorar emoccedilotildees agraves vezes indesejadas mas
sobretudo humanas
Finalizando esta trama de relaccedilotildees no contexto de trabalho de ora em diante seratildeo
contempladas as experiecircncias com os colegas profissionais com os quais compartilham os
desafios do trabalho e que podem se apresentar em alguns momentos como mais uma
dificuldade a ser enfrentada
123
ldquoEu acho que assim a maior dificuldade eacute questatildeo de lidar com o colega Um quer ser
mais esperto que o outro Tirar vantagem em alguma coisa Natildeo quer ajudar o outro
colega quer assim se livrar de alguma coisardquo (Violeta)
O dasein enquanto ser-com-os-outros se constitui em relaccedilatildeo com outros daseins que
apresentam interesses vontades quereres tantas vezes distintos Este pode ser visto como um
dos grandes desafios da vida ter o compromisso de trabalhar por um objetivo e para isso
depender de uma rede de relaccedilotildees de outras pessoas que interferem orientam desorientam
mandam ditam regras e normas
ldquoA UTI Neonatal eacute vista assim como o bicho papatildeo que as pessoas satildeo chatas Soacute
que eu percebi que natildeo eacute isso eacute que a gente tem uma sobrecarga de trabalho tatildeo grande
que a maternidade que o serviccedilo acha que todos os bebecircs que estatildeo naquela instituiccedilatildeo
satildeo de responsabilidade da UTI Neonatal por exemplo tudo que for relacionado a bebecirc
eles querem que a UTI Neonatal resolva Tudo por exemplo nasce bebecirc no centro
ciruacutergico natildeo tem vaga na UTI Neonatal eles querem que a UTI Neonatal decirc esse
suporte ldquoVocecircs tem que vir cuidar do bebecirc aquirdquo ldquoSe vocecircs natildeo vierem o bebecirc vai
morrer e a culpa vai ser suardquo Eu vou porque ai se o bebecirc morrer a culpa vai ser minha
e natildeo eacute eacute responsabilidade do profissional que estaacute dentro do centro ciruacutergico que tem
que cuidar do bebecirc E eles se negam a aprender a cuidar do bebecircrdquo (Violeta)
As formas de cuidado satildeo inerentes ao ser-no-mundo e por assim dizer tambeacutem se
apresentam nas relaccedilotildees de trabalho Seja pela indiferenccedila pelo aparente natildeo importar-se com
o outro seja pela preocupaccedilatildeo antepositiva de contribuir para as escolhas e para o crescimento
do outro seja na preocupaccedilatildeo substitutiva que decide pelo outro as medidas que precisam ser
tomadas tornando-o dependente em relaccedilatildeo agrave conduccedilatildeo da sua proacutepria vida
Nas relaccedilotildees de trabalho pode-se observar o natildeo se importar com o outro com o
desenvolvimento da sua atividade de trabalho ou o olhar apenas para o que eacute de
responsabilidade eou interesse proacuteprio Isso em meio a um discurso de trabalho em equipe
Este tipo de situaccedilatildeo indica a necessidade de ampliar os espaccedilos para discussatildeo dos
profissionais de deixar mais transparente para todos as atividades a serem exercidas as
responsabilidades de cada aacuterea e principalmente a missatildeo da instituiccedilatildeo enquanto algo maior
124
que setores isolados O apoio dos colegas de trabalho pode representar muito mais que uma boa
convivecircncia e sim um estiacutemulo para ir trabalhar uma boa razatildeo para enfrentar os desafios
cotidianos
ldquoA gente taacute conquistando as coisas aos pouco mas ainda falta muito Eu acho que noacutes
somos uma equipe entatildeo cada um tem sua importacircncia Acho que taacute na hora de ver a
questatildeo de uma reuniatildeo natildeo separada tipo assim soacute os teacutecnicos soacute os enfermeiros soacute
os meacutedicos Tudo eacute separado ateacute as festas aqui satildeo separadas entendeu Natildeo tem
aquela festa todo mundo junto Confraternizaccedilatildeo Eu acho isso um absurdo Todos os
lugares que eu jaacute trabalhei a festa de final de ano eram todos os profissionais Aqui natildeo
eacute tudo separado Eu acho que haacute um pouco dessa divisatildeo e eu natildeo acho isso corretordquo
(Amariacutelis)
Diante da pressatildeo da proacutepria atividade inerente a uma UTIN as dificuldades de
relacionamento interpessoal agravariam a situaccedilatildeo como foi apresentados nos relatos anteriores
Eacute interessante refletir sobre a possibilidade de ampliar o diaacutelogo entre os profissionais que
trabalham no hospital As experiecircncias em comum facilitam o entendimento daqueles que
convivem com as mesmas dificuldades
De acordo com Critelli (1996 p81) ldquoa medida que as coisas testemunhadas em comum
satildeo os elementos da mediaccedilatildeo entre os homens elas estatildeo instaurando o mundo uma trama
significativa comum O homem se daacute e se recusa aos homens atraveacutes daquilo com que estatildeo em
contato e a respeito do que falam A partir do testemunho os homens datildeo realidade agravequilo que
entre eles se abre em comum e simultaneamente datildeo realidade a si mesmo mutualmenterdquo
O compartilhar experiecircncias e dificuldades inerentes ao cotidiano de trabalho pode
aproximar as pessoas em torno de um objetivo em comum Ainda refletindo sobre este aspecto
do compartilhar pretende-se dedicar o proacuteximo toacutepico a questatildeo da formaccedilatildeo profissional de
sauacutede particularmente no que concerne ao preparo para lidar com as perdas no cotidiano de
trabalho
125
5- A formaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede
Vaacuterios autores jaacute tem alertado sobre isso ressaltando a importacircncia da preparaccedilatildeo dos
profissionais de sauacutede tanto para lidar com a morte como para cuidar da vida para enfrentar e
resignificar as perdas e respeitar os limites que a medicina oferece (Koacutevacs 2003 Franccedila
Botomeacute 2005 Silva 2006)
Maria Juacutelia Koacutevacs propotildee que durante a formaccedilatildeo na aacuterea de sauacutede temas como
compaixatildeo sensibilidade e amorosidade sejam contemplados como capacidades aspectos a
serem desenvolvidos pelos profissionais de Sauacutede para lidar melhor com a morte (Koacutevacs
2003)
Os relatos apresentados por alguns entrevistados indicam a falta de preparo para lidar com
as mortes de pacientes durante a formaccedilatildeo profissional
ldquoEssa questatildeo de transmitir maacutes notiacutecias de lidar com esse momento da morte nenhum
momento na minha graduaccedilatildeo eu tive formaccedilatildeo pra isso nem na minha graduaccedilatildeo Na
residecircncia a gente acaba tendo porque a residecircncia eacute uma residecircncia em serviccedilo
entatildeo vocecirc vai atuando e vocecirc vai vendo na praacutetica como fazer isso mas natildeo houve por
exemplo uma preparaccedilatildeo especiacutefica pra esse momento Muito do que eu sei hoje foi
aprendendo realmente na praacuteticardquo (Orquiacutedea)
Observou-se nos profissionais de uma forma geral uma falta de preparo durante a
graduaccedilatildeo em relaccedilatildeo a estes aspectos A temaacutetica das perdas tornou-se relevante no exerciacutecio
profissional ou mesmo na residecircncia mas natildeo de forma significativa na faculdade
ldquoEacute eu acho que a formaccedilatildeo ainda eacute muito falha Porque isso natildeo eacute uma coisa que eacute
pontual tem que vir desde o comeccedilo e ser uma crescente ateacute chegar a formaccedilatildeo e isso
acaba caindo dentro da assistecircncia quando essas pessoas comeccedilam a trabalhar que
os conflitos realmente vatildeo e muitos deles desistem natildeo por falta de oportunidade ou
por falta de teacutecnica mas realmente por dificuldade de encontrar as respostas pras suas
ansiedades Entatildeo a gente vecirc muito aluno bom tecnicamente que acaba desistindo
Por dificuldade de lidar justamente com as frustraccedilotildees com as perdas com a equipe
entatildeo acabam indo fazer outra coisa e realmente natildeo continuam Entatildeo a formaccedilatildeo
126
precisa voltar pra isso Na verdade eu natildeo sei aonde eacute que ele taacute se perdendo
entendeu Como eacute que ele chega na formaccedilatildeo no uacuteltimo estaacutegio com uma imaturidade
emocional tatildeo granderdquo (Girassol)
A segunda profissional traz o relato de sua experiecircncia enquanto docente das dificuldades
que observa nos alunos de enfrentar frustraccedilotildees e lidar com as perdas apontando a necessidade
de se ter mais espaccedilos durante a formaccedilatildeo para discutir estas temaacuteticas De acordo com o relato
as falhas na formaccedilatildeo acabam interferindo na atuaccedilatildeo dos profissionais que agraves vezes se frustam
e ateacute desistem da atuaccedilatildeo na aacuterea de sauacutede
O trecho apresentado se encerra com uma colocaccedilatildeo que merece uma anaacutelise ldquoComo eacute
que ele chega na formaccedilatildeo no uacuteltimo estaacutegio com uma imaturidade emocional tatildeo granderdquo
O olhar para a formaccedilatildeo natildeo deve se limitar em relaccedilatildeo a esta discussatildeo agrave preparaccedilatildeo teoacuterica
sobre como lidar com as mortes e perdas
Um estudo com estudantes de medicina por exemplo aponta para as dificuldades
enfrentadas pelos alunos no decorrer do curso como o relacionamento com os professores
considerados autoritaacuterios e exigentes os residentes que reproduzem as praacuteticas autoritaacuterias as
dificuldades com os pacientes diante do sofrimento e da dor e da morte Tantas dificuldades
podem levar os alunos a apresentarem sintomas psicoloacutegicos como os decorrentes de ansiedade
e o estresse Com tanta pressatildeo como os estudantes tratam os pacientes Como desenvolver
habilidades de relacionamento interpessoal se os mesmos encontram-se estressados e sem saber
como lidar com as dificuldades (Moreira Vasconcelos Heath 2015)
Uma alternativa apresentada pelos autores eacute justamente possibilitar a expressatildeo dos
sentimentos negativos pelos estudantes de forma que eles possam refletir sobre o que sentem
e como lidar com isso O apoio psicoloacutegico pode contribuir para isso Outras respostas
adaptativas apresentadas no estudo incluem as atividades fiacutesicas o lazer e a espiritualidade
(Moreira Vasconcelos Heath 2015)
127
A reflexatildeo em relaccedilatildeo agrave formaccedilatildeo se estende portanto agrave necessidade de os alunos
desenvolverem competecircncias eacuteticas e relacionais Para tanto a universidade deve proporcionar
espaccedilos para que os alunos se expressem e reflitam sobre os seus sentimentos Assim poderatildeo
se preparar emocionalmente para oferecer uma maior atenccedilatildeo aos pacientes e seus familiares
(Ayres 2004 Moreira Vasconcelos Heath 2015)
A falta de preparo em relaccedilatildeo agraves questotildees emocionais pode refletir na praacutetica profissional
nas estrateacutegias utilizadas diante das perdas Conforme pode ser observado no relato a seguir a
respeito da reaccedilatildeo de alguns profissionais diante da morte de receacutem-nascidos na UTIN
ldquo Eu acho que eacute uma coisa que precisa ser trabalhada com a equipe eacute a questatildeo da
gente respeitar o momento da famiacutelia entendeu Por exemplo tem um bebecirc morrendo
aqui com a famiacutelia e taacute todo mundo atrapalhando conversando entrando saindo
telefone tocando algueacutem rindo sabe Eacute meio que as pessoas fazem de conta que natildeo
estatildeo vendo pra natildeo sofrer talvez natildeo sei Isso realmente eacute uma coisa que me incomoda
todas as vezes que acontece e eacute muito frequente Eacute como hoje vocecirc ir num veloacuterio e ter
um monte de gente fazendo selfie entendeu A coisa taacute meio assimrdquo (Girassol)
Este relato jaacute nos apresenta outra possibilidade de reflexatildeo em relaccedilatildeo a atitude dos
profissionais diante da morte de pacientes Foi um comentaacuterio no final da entrevista no espaccedilo
reservado para a pergunta ldquoVocecirc gostaria de acrescentar mais alguma coisardquo E aiacute veio o
desabafo na forma de um incocircmodo contido guardado no silecircncio de nunca ter comentado com
ningueacutem e sem saber ao certo o que fazer diante desta situaccedilatildeo
A atitude dos profissionais diante da morte de pacientes eacute algo que deve ser discutido
durante a formaccedilatildeo mas tambeacutem no ambiente de trabalho Compreender a morte enquanto parte
da vida eacute importante para a realizaccedilatildeo das atividades profissionais mas desconsiderar que
outras pessoas estatildeo sofrendo em decorrecircncia disso eacute algo que precisa ser posto em pauta para
reflexatildeo
Costumo dizer que o ser humano tem uma grande virtude e um grande defeito ao mesmo
tempo noacutes nos acostumamos agraves coisas agraves situaccedilotildees A virtude poderia ser compreendida
128
enquanto uma capacidade de adaptaccedilatildeo necessaacuteria agrave sobrevivecircncia e agrave vida em sociedade O
defeito estaacute justamente na falta de uma reflexatildeo profunda sobre o que nos acostumamos a ver
a fazer sobre o que naturalizamos e vemos como ldquonormalrdquo ou ldquosempre foi assimrdquo Como algo
que acontece tanto que natildeo requer mais atenccedilatildeo e zelo Assim banalizamos as notiacutecias
recorrentes sobre violecircncia podemos ser indiferentes com relaccedilatildeo agrave pobreza e marginalizaccedilatildeo
Nos hospitais os profissionais de sauacutede podem se acostumar a ver tanto sofrimento mas
existe uma diferenccedila grande entre sofrer muito junto com pacientes e familiares e tratar disso
como se o sofrimento dos outros natildeo mais os tocasse ou comovesse a ponto de natildeo silenciar
de natildeo respeitar o momento A reflexatildeo sobre a formaccedilatildeo se estende portanto para a atuaccedilatildeo
dos profissionais como algo que exige atenccedilatildeo e suporte para os trabalhadores que lidam com
sofrimento no cotidiano
Vale ressaltar tambeacutem que mesmo para os profissionais os quais estudaram em
instituiccedilotildees que abordam a questatildeo da morte de pacientes ainda eacute apresentado nos discursos
um distanciamento com a vivecircncia praacutetica como pode ser analisado nos relatos a seguir
ldquoEntatildeo o que a gente teve na formaccedilatildeo foi como a gente tinha que lidar com o paciente
em relaccedilatildeo a morte como eacute que o profissional lidava com a morte e como eacute que a gente
lidaria com os familiares mas foi uma coisa muito teoacuterica natildeo teve naquele momento
aquilo natildeo era tatildeo palpaacutevel pra mim Quando eu comecei na UTI Neo Que eu vi
aqueles bebezinhos realmente indo a oacutebito ai foi que eu comecei realmente a trabalhar
isso em mim ldquoMeu Deus eu vou lidar com isso eu vou conseguir lidar com isso assim
Eacute isso mesmo que eu querordquo (Violeta)
De acordo com Silva (2006 p 232) ldquoapesar da presenccedila do discurso de re-humanizaccedilatildeo
do processo de morte de um paciente a praacutetica dessas interaccedilotildees eacute dificultada pelo pouco
suporte de ensino-aprendizagem nessa direccedilatildeo aliada a uma falta de acolhimento e continecircncia
aos aspectos emocionais dos proacuteprios estudantes que mais tarde poderatildeo reproduzir essa
mesma falta em seus pacientesrdquo
129
Alguns profissionais ainda ressaltaram a importacircncia da praacutetica para aprender a lidar com
as questotildees das perdas como se a maturidade trouxesse uma maior serenidade diante da morte
ldquoQuando vocecirc termina vocecirc eacute muito impulsivo Vocecirc eacute muito razatildeo Eacute esse equiliacutebrio que
vocecirc vai conseguindo adquirir com a maturidade a emoccedilatildeo e a razatildeo Vocecirc luta luta
mas vocecirc vai conseguindo ponderar isso vocecirc vai sabendo qual eacute o seu limite A
Medicina tem um limite ela natildeo eacute infundada E eacute esse limite que eu tenho que
reconhecerrdquo (Angeacutelica)
Embora nem sempre seja possiacutevel Existem os limites momentacircneos de cada um e os
limites de atuaccedilatildeo diante da vida e da morte Mas como identificar estes limites Como
reconhecer em si a possibilidade de natildeo mais poder
Heidegger (2007) nos traz uma inspiraccedilatildeo profunda ao falar sobre o pensamento
calculante e o pensamento reflexivo O pensamento calculante se configura na racionalidade
voltada para as atividades do cotidiano Movidos pelo mundo em meio ao impessoal na era da
teacutecnica vamos agindo e reagindo como em um piloto automaacutetico fazendo o que se espera que
seja feito No caso dos profissionais de sauacutede existe muito a ser feito controle dos
equipamentos o manuseio dos bebecircs os procedimentos as anotaccedilotildees nos prontuaacuterios As
mediccedilotildees das reaccedilotildees corporais que podem indicar um bom ou mal prognoacutestico
Assim segue-se a rotina em meio a protocolos e tarefas E quando as coisas saem do
controle Quando a morte chega O que pode ser feito diante disso Talvez ao refletir pode se
chegar agrave conclusatildeo de que existem limites que natildeo puderam ser superados pela medicina ou de
que ocorreram falhas nos procedimentos ou de que a morte estaacute aiacute como possibilidade para a
minha vida para a vida dos meus filhos diante disto como estou conduzindo a vida Quais as
escolhas que estou fazendo
A morte do outro pode servir como um alerta pode tornar-se uma parada obrigatoacuteria
em meio ao turbilhatildeo de ocupaccedilotildees para refletir profundamente sobre a conduccedilatildeo da vida e
para lembrar sobre a condiccedilatildeo de mortal inerente a cada ser vivo sem hora ou tempo certo
130
para acontecer Este eacute outro ponto que merece ser ressaltado o tempo para a morte Os
profissionais de sauacutede da UTI Neonatal trabalham com novas vidas ou vidas novas que se
renovam ou findam em um curto periacuteodo de tempo Um tempo cronoloacutegico que natildeo diz sobre
o tempo da dor sobre quando eacute a hora de parar de tentar salvar a vida ou de natildeo chorar pela
morte Um tempo cronoloacutegico que diz pouco sobre o ser que vai e o que o fica diante das
expectativas geradas dos projetos desenhados da ausecircncia repentina e totalmente inesperada
Uma vida que dura poucos dias pode marcar para sempre tantas outras vidas de
familiares e profissionais que lutaram para que o resultado fosse diferente E este eacute outro aspecto
que envolve a atuaccedilatildeo na UTI Neonatal as crenccedilas a religiosidade e a compreensatildeo dos limites
da medicina dos recursos controlaacuteveis pelos homens No decorrer das entrevistas existiram
relatos surpreendentes de crianccedilas que sobreviveram sem a menor perspectiva da equipe e
outras que faleceram diante da esperanccedila de uma melhora Situaccedilotildees que demonstram os limites
da atuaccedilatildeo profissional diante das possibilidades de cura e da ldquoobrigaccedilatildeordquo desvelada na
cobranccedila interior para salvar vidas E nos levam a refletir sobre como agir diante de situaccedilotildees
tatildeo complexas O trecho do relato da profissional apresentado anteriormente fala a respeito de
uma maturidade conquistada por meio da experiecircncia
Para Ayres (2004) esta maturidade pode ser compreendida resgatando o conceito
aristoteacutelico de sabedoria praacutetica que ldquodiz respeito a um saber conduzir-se frente agraves questotildees da
praacutexis vital que natildeo segue leis universais ou modos de fazer conhecidos a priori mas
desenvolve-se como um tipo de racionalidade que nasce da praacutexisrdquo (p 20)
A sabedoria praacutetica traz uma compreensatildeo sobre o mundo que vai muito aleacutem da teacutecnica
Trata-se de uma capacidade para analisar as situaccedilotildees e resolver problemas com um niacutevel de
complexidade elevado que natildeo apresentam respostas em manuais ou simplesmente na teacutecnica
por si soacute Esta sabedoria tambeacutem gera no individuo a maturidade para olhar as situaccedilotildees de
outra forma e a abertura para novas possibilidades para resolvecirc-las
131
Considerando a importacircncia deste conceito cabe aqui um reflexatildeo a sabedoria praacutetica eacute
oriunda da vivecircncia do profissional de cada indiviacuteduo mas o compartilhar das experiecircncias
poderia fomentar o desenvolvimento de habilidades nos demais profissionais Poderia
contribuir para o aprimoramento da equipe como um todo Atraveacutes do troca de experiecircncias e
possiacuteveis soluccedilotildees para os problemas vivenciados no cotidiano novos projetos podem surgir
Este movimento estaacute acontecendo na maternidade Com os profissionais se reunindo para
implantar projetos visando a melhoria na assistecircncia aos pacientes e seus familiares
Inspirados pelas novas possibilidades de atuaccedilatildeo oriundas de um novo olhar para o
sofrimento do outro abordaremos no proacuteximo toacutepico os novos projetos que estatildeo sendo
desenvolvidos na maternidade os quais mesmo na fase inicial jaacute deixaram frutos e se
apresentam como resultado da reflexatildeo de alguns profissionais sobre as suas praacuteticas e da busca
contiacutenua para oferecer uma melhor assistecircncia para os pacientes e seus familiares
6- Reflexotildees sobre a atuaccedilatildeo profissional de sauacutede concepccedilatildeo de cuidado novas
possibilidades e projetos
A UTIN da Maternidade Escola Januaacuterio Cicco vem passando por uma seacuterie de
transformaccedilotildees nos uacuteltimos anos A partir de 2014 com o ingresso de novos servidores atraveacutes
do concurso puacuteblico comeccedilou-se a estruturar uma equipe multidisciplinar Aleacutem disso as
reformas que aconteceram em 2016 culminaram na ampliaccedilatildeo do nuacutemero de leitos em 2017
Outro fator positivo ocorrido no referido ano foi a ampliaccedilatildeo da residecircncia multiprofissional
para outras aacutereas aleacutem da medicina da enfermagem da fisioterapia como psicologia
fonodiologia terapia ocupacional O que possibilita a ampliaccedilatildeo das atividades desenvolvidas
pelos profissionais
132
Diante deste contexto novos projetos que estatildeo surgindo como o grupo de cuidados
paliativos que estaacute iniciando as suas atividades conforme pode ser constatado nos relatos a
seguir
ldquo A gente taacute tentando transformar a morte em alguma coisa bonita natildeo sei como mas
a gente taacute sabe Assim quando a gente deixa uma matildee ficar ali e diz ldquoOlha o coraccedilatildeo
do seu bebecirc taacute parandordquo E aiacute a matildee pergunta ldquoTaacute morrendo rdquo e a meacutedica diz ldquoTaacute
o que vocecirc quer fazer com ele rdquo ldquoFala o que vocecirc quer pro seu filho taacute aquirdquo A gente
taacute tentando dar essa oportunidade Entatildeo tem sido triste Tem mas tem sido bonito
sabe quando essas matildees elas podem cantar pegar pra fazer carinho beijar e aiacute a gente
comeccedila a ver assim eacute uma despedida Todo mundo sofre mas a gente taacute tentando tirar
essa frieza da morte E aiacute eu acho que isso tem confortado a equipe assim que a gente
entende que a gente taacute fazendo algo para aleacutem pra essas famiacuteliasrdquo (Iacuteris)
O relato foi feito por uma profissional que havia passado recentemente pela morte da
matildee No hospital em que a matildee faleceu em outro estado existiam accedilotildees de cuidado paliativo
que passaram a fazer sentido para ela Uma experiecircncia pessoal a tocou profundamente e a
incentivou a participar do grupo de cuidados paliativos na MEJC
ldquo A portaria saiu essa semana E aiacute a gente comeccedilou a estudar a possibilidade e aiacute
foi Orquiacutedea que pensou Orquiacutedea me chamou e eu falei ldquoOrquiacutedea assim eacute tatildeo
contraditoacuterio neacute Eu preciso taacute nesse grupo pela UTI e por mim porque ai assim pra
tentar entender o que eu vivenciei por tanto tempo sem nem saber o que eacute que eu tava
vivenciandordquo E aiacute essa coisa do cuidado paliativo parece de repente que comeccedilou a
rondar a minha pessoa assim como profissional como filhardquo (Iacuteris)
Na trama de sentidos da existecircncia natildeo eacute possiacutevel separar o lado profissional do lado
pessoal e familiar porque na realidade natildeo existe um lado ou outro existe um ser-no-mundo
em relaccedilatildeo com outros daseins e que se transforma sendo As experiecircncias de vida podem
contribuir para uma nova visatildeo e compreensatildeo sobre o mundo sobre a assistecircncia prestada aos
pacientes e seus familiares As experiecircncias no trabalho tambeacutem podem promover mudanccedilas
nos valores nas formas de conduzir a vida como pode ser percebido nos relatos a seguir
133
ldquoUma matildee me perguntou ldquo Qual eacute o padratildeo de perfeiccedilatildeordquo Eu fiquei com aquilo
encafifado ldquoPadratildeo de perfeiccedilatildeo eacute belezardquo Aiacute eu fiquei calada Ela disse ldquonatildeo eacute
Perfeiccedilatildeo eacute o que vocecirc vecirc como perfeito Esse bebecirc pra mimrdquo E era um menino
monstruoso assim de chocava olhar aiacute ela disse ldquopra mim o meu bebecirc eacute perfeito
porque esse foi feito pra mimrdquo E aiacute eu fiquei com aquilo no meu pensamento Eu digo
ldquorealmente perfeiccedilatildeo eacute um padratildeo que eacute estipulado por alguma minoria que tem que
ser belo lindo loiro e um bebecirc Johnsonrsquos neacuterdquo A gente natildeo tem esse direito de dizer
porque eacute um bebecirc que tem alguma coisa uma pessoa que tem algum defeito que natildeo eacute
perfeito depende ao olho de quem Entatildeo vocecirc aprende tanta coisa Aiacute vocecirc chega em
casa aiacute vocecirc olha assim pros seus Aiacute vocecirc diz assim ldquoeu natildeo posso reclamar de nada
eu soacute posso ser felizrdquo (Angeacutelica)
O conceito de perfeiccedilatildeo pode ser relativo natildeo obedecendo certos padrotildees ditados pelo
mundo no horizonte histoacuterico em que nos encontramos Da mesma forma o entendimento
sobre o que eacute importante para o outro pode gerar outra maneira de prestar assistecircncia Agraves vezes
as atitudes dos profissionais tem como base o que eles acham que eacute necessaacuterio para os familiares
dos pacientes sem ouviacute-los enquanto pessoas abertas a possibilidades e capazes de realizar
escolhas
ldquoE hoje a gente tem visto a morte de outra forma se a morte eacute inevitaacutevel entatildeo vamos
humanizaacute-la vamos proporcionar a esse bebecirc a essa famiacutelia esse contato esses uacuteltimos
contatos pra que esse bebecirc tenha a morte proacutexima a essas pessoas que ele ama e que o
amam Quando agraves vezes o bebecirc piorava e chegava e dizia assim ldquoNatildeo mas a matildee natildeo
pode ver isso porque ela vai sofrerrdquo e uma coisa que a gente tinha conversado com a
equipe de que a gente precisa dar a possibilidade dessa matildee de escolher pode ser que
ela natildeo suporte ver esse sofrimento e queira se retirar mas pode ser que ela queira estar
com esse bebecirc durante todo o processo e natildeo somos noacutes que vamos dizer ldquoNatildeo eacute muito
sofrimento pra ela estar suportandordquo a gente vai dar essa possibilidade pra elardquo
(Rosa)
O relato apresentado coloca em ecircnfase a questatildeo do cuidado nas suas formas antepositiva
e substitutiva Em determinados momentos eacute necessaacuterio indicar os procedimentos tomar
134
decisotildees relativas ao paciente Mas existem outros nos quais eacute importante deixar os familiares
decidirem o que consideram melhor para eles cabendo aos profissionais de sauacutede oferecer estas
possibilidades e o suporte necessaacuterio O cuidado antepositivo tambeacutem precisa estar presente na
assistecircncia Deixar os familiares decidirem com base nos proacuteprios valores eacute como dar
autonomia para que experienciem o momento e consigam lidar melhor com as consequecircncias
dos proacuteprios atos A forma como cada um deseja se despedir de seu ente querido eacute uma decisatildeo
individual que precisa ser respeitada inclusive para facilitar o processo de vivecircncia do luto e
evitar frases do tipo ldquoeu queria ter me despedido do meu filhordquo
Diante do exposto a escuta dos familiares torna-se fundamental para o suporte nos
momentos de perda Sobre este aspecto falas de algumas participantes defendem a importacircncia
dos profissionais desenvolverem a empatia
ldquoEntatildeo acho que quando a gente se coloca no lugar do outro fica mais faacutecil a gente
ver que momento eu vou me calar que momento eu vou falar que informaccedilotildees dar acho
que eu resumiria como empatia que eacute isso que taacute tentando que estamos buscando cada
profissional conseguir se colocar no lugar dessa matildeerdquo (Rosa)
ldquoVocecirc fez um juramento e assim eacute um compromisso que vocecirc tem com aquele paciente
de cuidar dele entatildeo eacute vocecirc se colocar no lugar ldquoSe fosse eu que tivesse sendo cuidada
por mim mesma eu estaria sendo bem cuidadardquo Entatildeo eacute isso que eu levordquo (Violeta)
No proacuteximo relato a participante contempla o cuidar como um conceito mais amplo
muito aleacutem de tratar A ideia que ela quis passar pode ser compreendida apesar de utilizando
os conceitos da fenomenologia heideggeriana sabemos que ambas satildeo formas de cuidado Pois
o cuidado nos contitui eacute inerente ao ser-no-mundo
ldquo Cuidar como um todo natildeo soacute da doenccedila mas cuidar da alma da pessoa da famiacutelia
do colega da equipe Cuidar eacute abrangente o tratar eacute restrito Agora assim cuidar eacute
complicado difiacutecil O que vocecirc sabe sobre cuidar Vocecirc sabe cuidar de algueacutem ou
vocecirc soacute sabe tratar algueacutem Porque satildeo coisas diferentes Entatildeo eu vou encabeccedilar
135
mesmo essa ideia porque tratar eacute faacutecil a bula do remeacutedio diz como fazer agora cuidar
eacute difiacutecilrdquo (Angeacutelica)
Os profissionais se deparam no dia a dia com o desafio de adotar praacuteticas de humanizaccedilatildeo
no hospital Segundo Ayres (2004 p 22) ldquoo importante para a humanizaccedilatildeo eacute justamente a
permeabilidade do teacutecnico ao natildeo-teacutecnico o diaacutelogo entre essas duas dimensotildees interligadasrdquo
O domiacutenio da teacutecnica eacute imprencindiacutevel para o tratamento do paciente mas natildeo eacute suficiente
quando se fala em humanizaccedilatildeo na aacuterea da sauacutede
Outra colaboraccedilatildeo trazida pelo referido autor define o cuidado ldquocomo designaccedilatildeo de uma
atenccedilatildeo agrave sauacutede imediatamente interessada no sentido existencial da experiecircncia do
adoecimento fiacutesico ou mental e por conseguinte tambeacutem das praacuteticas de promoccedilatildeo proteccedilatildeo
ou recuperaccedilatildeo da sauacutede (Ayres 2004 p22)
Compreender o cuidado enquanto uma atitude terapecircutica significa ir aleacutem dos sinais e
sintomas envolve considerar a histoacuteria do indiviacuteduo seus sentimentos diante do adoecimento
da possibilidade iminente de morte implica em uma escuta atenta e em uma explicaccedilatildeo sobre
o que estaacute acontecendo (os procedimentos adotados os exames que precisam ser feitos) Enfim
implica em considerar o outro como um ser lanccedilado no mundo aberto a possibilidades e capaz
de fazer escolhas
Novamente aqui cabe uma reflexatildeo quanto a capacidade dos profissionais de consiguerem
desenvolver as competecircncias teacutecnicas e relacionais e ainda conseguirem ser assertivos e
atenciosos no atendimento dos pacientes particularmente tambeacutem nos momentos criacuteticos de
perda e morte Trata-se de uma exigecircncia consideraacutevel que precisa ser cumprida mas necessita
de atenccedilatildeo para tornar-se viaacutevel e se sustentar Exige-se do profissional individualmente o
domiacutenio teacutecnico para a funccedilatildeo que executa e as habilidade relacionais necessaacuterias agraves praacuteticas
de humanizaccedilatildeo Entretanto eacute importante mencionar a necessidade de oferecer suporte para
estes profissionais desde a formaccedilatildeo como tambeacutem no dia a dia de trabalho
136
O cotidiano da UTI Neonatal aleacutem de ser tenso de apresentar uma atmosfera com muita
pressatildeo possui dificuldades referentes ao quantitativo de pessoal agrave sobrecarga de trabalho aos
relacionamentos interpessoais e com os familiares de pacientes Enfim isso tudo repercute na
sauacutede do trabalhador aumenta o niacutevel de absenteiacutesmo o que gera mais sobrecarga para os que
ficam no trabalho Estes fatores motivaram alguns profissionaia da UTI Neo a iniciar um projeto
intitulado ldquocuidar do cuidadorrdquo
ldquo A gente tava com o niacutevel de absenteiacutesmo muito alto os profissionais principalmente
os teacutecnicos de enfermagem adoecendo muito na UTI neonatal Jaacute estava chegando num
niacutevel que a equipe estava muito adoecida e se a gente natildeo parasse pra fazer algo com a
equipe natildeo ia conseguir ajudar tambeacutem esses pacientes porque a gente precisa primeiro
cuidar delas primeiro natildeo em paralelo neacute E aiacute a gente comeccedilou um trabalho junto
com a equipe entatildeo a gente taacute montando o projeto Satildeo encontros mensais ontem
inclusive foi o segundo encontro A gente trabalha com musicalizaccedilatildeo com elas com
dinacircmica de grupo ginaacutestica laboral entatildeo as reuniotildees eram tidas elas falam como
chicote soacute era reclamaccedilatildeo e a proposta natildeo eacute nem que o nome seja reuniatildeo satildeo
encontrosrdquo (Rosa)
ldquoCuidar do cuidadorrdquo realmente parece um projeto que apesar de inicial estaacute rendendo
bons frutos Como contribuiccedilatildeo poderia ser ampliado de forma a envolver a equipe
multiciplinar da UTI Neonatal e natildeo somente a equipe de teacutecnicos de enfermagem tendo outros
profissionais como facilitadores Estes encontros poderiam ser mantidos mas com a abertura
para novas possibilidades de reuniotildees envolvendo outros profissionais para faciliar o
entrosamento e ateacute a troca de informaccedilotildees
Outra sugestatildeo que poderia ser passada refere-se ao estabelecimento de um plantatildeo
psicoloacutegico para os profissionais de sauacutede Um espaccedilo para escuta dos mesmos nos momentos
que acharem oportuno e necessaacuterio O simples fato de ser ouvido pode acalentar o coraccedilatildeo dos
que sofrem Esta sugestatildeo vai aleacutem da defesa da importacircncia destes momentos para os
137
funcionaacuterios eacute proveniente de uma demanda da observaccedilatildeo do cotidiano de trabalho e da
expressatildeo dos profissionais como pode ser constatado no relato a seguir
ldquo Assim eu soacute acho que eu gostei muito dessa nossa conversa porque a gente natildeo
tem apoio assim psicoloacutegico a natildeo ser que seja solicitado como jaacute aconteceu que a
gente tem assim uma equipe muito reduzida de teacutecnicos e ai sobrecarrega toda equipe e
a gente solicitou que a gente precisa de um acompanhamento psicoloacutegico que a gente
natildeo aguenta mais o iacutendice de atestado meacutedico por doenccedila fiacutesica e mental foi muito
grande na UTI tanto eacute que foi o setor com mais absenteiacutesmo afastamento por atestado
meacutedico da maternidade inteira e a gente fez ldquonatildeo a gente tem que saber o que eacute vamos
fazer um grupo neacuterdquo Veio uma psicoacuteloga da chefia ela se propocircs a fazer grupos de
conversa porque a gente natildeo tem esse apoio assim claro que por exemplo se dispotildee
ldquogente se vocecircs precisarem eu tocirc aqui pra ajudar vocecircsrdquo mas natildeo eacute aquilo assim ldquoah
a psicoacuteloga dos profissionaisrdquo eacute porque ela se dispotildee mesmo Isso eacute muito bom a gente
ser escutada porque eacute muita obrigaccedilatildeo pra gente e eacute muito dever pra gente vocecirc tem
que fazer vocecirc tem que fazer e a gente natildeo em essa contrapartida de nos ajudar tambeacutem
uma pessoa pra nos ouvir muito bom gostei muitordquo (Violeta)
Esta profissional foi uma das primeiras a ser entrevistada Ao realizar a divulgaccedilatildeo da
pesquisa dentro da UTIN ela se ofereceu prontamente e perguntou se poderia ser ouvida naquele
momento de imediato E assim foi feito Realmente pode-se verificar a importacircncia de um
espaccedilo de escuta para um profissional de sauacutede que lida com tantos desafios e temores Ao final
da entrevista ela fez um agradecimento simplemente pelo fato de ser ouvida
Para mim isto serve de inspiraccedilatildeo quanto a postura cliacutenica do pesquisador da aacuterea de
fenomenologia Noacutes natildeo nos disponibilizamos somente para fazer pesquisa temos consciecircncia
que na relaccedilatildeo com os outros nos encontros estamos envolvidos em uma trama de sentidos
que eacute transformadora para ambas as partes o narrador e o pesquisador que se torna um narrador
agrave medida em que busca compreender o outro e produzir uma nova narrativa com base em como
o que foi ouvido o afetou
138
E eacute justamente sobre estas reflexotildees que trataremos no proacuteximo capiacutetulo No qual a
circularidade se apresenta condensada em palavras as quais tentam resumir o vivido ao longo
do processo de pesquisa Mas jamais tecircm a pretensatildeo de se apresentarem como conclusotildees
Pois a cada vez que satildeo lidas refletidas e analisadas se transformam e nos convidam a serem
reescritas como uma obra inacabada sujeita a interpretaccedilotildees diversas fundamentadas nas
distintas compreensotildees de mundo
139
Capiacutetulo 6 Destecendo a trama da existecircncia reflexotildees a partir das narrativas dos
profissionais de sauacutede
ldquoVladimir Kushrdquo
140
O SONHO
Sonhe com aquilo que vocecirc quer ser
Porque vocecirc possui apenas uma vida
E nela soacute se tem uma chance
De fazer aquilo que quer
Tenha felicidade bastante para fazecirc-la doce
Dificuldades para fazecirc-la forte
Tristeza para fazecirc-la humana
E esperanccedila suficiente para fazecirc-la feliz
As pessoas mais felizes natildeo tecircm as melhores coisas
Elas sabem fazer o melhor das oportunidades
Que aparecem em seus caminhos
A felicidade aparece para aqueles que choram
Para aqueles que se machucam
Para aqueles que buscam e tentam sempre
E para aqueles que reconhecem
A importacircncia das pessoas que passaram por suas vidasrdquo
Clarice Lispector
A vida eacute uma trama repleta de encontros dos fios que tecem o existir ela se constitui
continuamente ateacute o momento em que eacute interrompida e deixa sempre algo para ser acabado
Assim vamos vivendo enfrentando os desafios impostos pelo mundo e por noacutes mesmos
imersos em um horizonte histoacuterico de cobranccedilas marcado por uma busca pela felicidade (que
precisa ser exposta como uma conquista contiacutenua e necessaacuteria) pelo culto ao corpo e agrave
juventude (revelada nas cirurgias plaacutesticas nos cremes e piacutelulas) pela busca da cura e
interdiccedilatildeo da morte (configurada no choro contido na maquiagem dos mortos na induacutestria
141
fuacutenebre que tem crescido vertiginosamente) pelo sucesso profissional (marcado pelas
necessidades de realizaccedilatildeo de status de reconhecimento)
Neste contexto a definiccedilatildeo de ldquoaquilo que vocecirc quer serrdquo pode ser deveras complicada
bastante complexa Porque nem sempre o que se quer eacute possiacutevel ter e nem sempre se sabe o que
se realmente quer Mas mesmo diante destas inconsistecircncias precisamos fazer as escolhas tatildeo
necessaacuterias agrave sobrevivecircncia neste mundo
Como pude observar nos relatos alguns profissionais de sauacutede natildeo queriam inicialmente
trabalhar com bebecircs e ateacute se assustavam sobremaneira com a possibilidade de lidar
constantemente com a morte de seres tatildeo fraacutegeis envoltos em complexas relaccedilotildees familiares
Escolheram em funccedilatildeo de vagas de trabalho da aprovaccedilatildeo em um concurso da alegaccedilatildeo da
administraccedilatildeo hospitalar das necessidades de ampliar a equipe da UTI Neonatal Escolheram e
como bem coloca Clarice Lispector ldquosabem fazer o melhor das oportunidades que aparecem em
seus caminhosrdquo
Os relatos revelam o encantamento com a possibilidade de ajudar os bebecircs e suas
famiacutelias o comprometimento com o trabalho realizado mesmo diante das dificuldades Os
profissionais entrevistados admitem o sofrimento o choro por vezes contido diante dos
familiares e ateacute o distanciamento proposital dos mesmos quando a possibilidade da morte se
amplia Admitem tentar se proteger do sofrimento natildeo se envolver em demasia para seguir
adiante
Falaram sobre o medo da morte sobre o sentimento de impotecircncia e frustraccedilatildeo diante
da morte de receacutem-nascidos E tambeacutem falaram sobre o resignificar da vida diante das
experiecircncias da vontade de dar mais atenccedilatildeo aos filhos ao lembrarem das matildees que natildeo podem
mais tecirc-los por perto A morte do outro no caso das profissionais que satildeo matildees relembra sobre
a possibilidade de perda dos proacuteprios filhos da necessidade de fazer melhores escolhas sobre o
uso do pouco tempo disponiacutevel para atenccedilatildeo dedicada aos mesmos
142
Muitas coisas foram ditas as dificuldades do cotidiano foram contempladas bem como
as significativas melhorias apresentadas na estrutura fiacutesica de trabalho Os novos projetos
tambeacutem apareceram com a boa vontade de propor melhorias de oferecer uma melhor
assistecircncia aos pacientes familiares e aos proacuteprios funcionaacuterios
O que fico me perguntando a partir da escuta atenta destas narrativas eacute o que pode ser
feito diante de tudo o que foi dito Acredito que a primeira reflexatildeo que se apresenta estaacute na
importacircncia de olhar para a o mundo atual para esta atmosfera que nos move para o controle
para o domiacutenio dos instrumentos para o raciociacutenio da causa e efeito para a necessidade de cura
para o sentimento de culpa Compreender que estamos imersos nesta visatildeo de mundo eacute
reconhecer que os instrumentos satildeo necessaacuterios para a relaccedilatildeo que o homem estabelece com o
trabalho com os outros neste mundo E principalmente eacute tambeacutem reconhecer que apesar de
todo o aparato tecnoloacutegico de toda dedicaccedilatildeo humana natildeo temos o controle sobre a vida As
limitaccedilotildees vatildeo existir as falhas fazem parte do processo e em uma hora surpreendentemente
indefinida a morte iraacute chegar
A morte chega e nos diz que a vida iraacute acabar mesmo que a consideremos inacabada
Que as coisas iratildeo acontecer independentemente da nossa vontade Aiacute entramos em um ponto
especialmente delicado o homem enquanto senhor das suas vontades Do querer realizar o
querer que nos mobiliza o natildeo querer que paralisa que gera inconformidade intoleracircncia que
embriaga a visatildeo e dissipa a realidade nua e crua Coloca uma nuvem uma neblina que natildeo
deixa enxergar o natildeo querer
Somos movidos pelos sentimentos e mais atenccedilatildeo precisa ser dada a isso Muito mais
do que se imagina Mais atenccedilatildeo ao que sentimos com o olhar voltado para si mais atenccedilatildeo ao
que os outros sentem com o olhar para o proacuteximo Eacute preciso escutar mais as pessoas entender
o que querem ao que datildeo importacircncia e dentro das possibilidades oferecerem um pouco do
que querem e a reflexatildeo sobre o muito do que natildeo podem sobre as limitaccedilotildees para o querer
143
Voltando para a realidade dos profissionais de sauacutede muitas vezes eles querem ser
ouvidos em sua anguacutestia consolados em seu luto atendidos em relaccedilatildeo agraves condiccedilotildees baacutesicas de
trabalho Satildeo quereres aparentemente possiacuteveis diante dos desafios cotidianos no ambiente de
trabalho Mas quereres tantas vezes pouco atendidos Fala-se na necessidade de cuidar do
cuidador mas o que seria este cuidado senatildeo passar pela escuta atenta das suas necessidades
De que tipo de cuidado estamos falando Mesmo quando as empresas adotam praacuteticas de
atenccedilatildeo aos cuidadores qual a fonte de inspiraccedilatildeo destas praacuteticas O que acham que eacute adequado
ou suficiente para os trabalhadores Ou o que realmente importa para eles
Ainda pensando na questatildeo da morte e fazendo uma articulaccedilatildeo com as experiecircncias dos
profissionais de sauacutede podemos compreender que a morte faz parte da vida do ser-no-mundo
embora tenha sido experienciada de diferentes formas ao longo da histoacuteria da humanidade
Congruente com este pensamento Heidegger (1927 2015) enfatiza a ideia de sempre considerar
o contexto social especiacutefico para interpretar o discurso do outro
Para os profissionais de sauacutede a ocorrecircncia das mortes faz lembrar das limitaccedilotildees
existentes na atuaccedilatildeo profissional Em meio a busca pela cura pela prolongaccedilatildeo da vida a
ocorrecircncia de morte leva agrave frustraccedilatildeo de saber que por mais que se queira curar existem
limitaccedilotildees para a atuaccedilatildeo profissional
Na realidade de uma forma geral independente de refletirmos ou natildeo sobre a morte
esta possibilidade estaacute lanccedilada o tempo todo como algo inerente agrave existecircncia E assim
tecemos os fios da nossa vida Vamos estruturando o nosso tecido pelas experiecircncias que
vivemos enquanto ser-no-mundo um ser que se relaciona com os outros e com o mundo em
um contexto histoacuterico especiacutefico
No contexto atual sem o controle o homem se sente perdido incomodado como se
faltasse algo que lhe trouxesse seguranccedila A anguacutestia retira o ser da situaccedilatildeo de aparente
controle
144
A anguacutestia nos arranca da familiaridade cotidiana nos faz sentir como estranhos no
mundo Ela incomoda por nos trazer algo que ameaccedila a nossa existecircncia e nos lembra do poder
natildeo mais ser E a anguacutestia eacute antes de tudo uma disposiccedilatildeo afetiva uma abertura para o mundo
Desta forma Heidegger (19272015) nos lembra da importacircncia dos afetos para o ser-
no-mundo Somos seres tambeacutem de afeto Mesmo a melhor das teorias natildeo se consolida apenas
com a razatildeo requer sobremaneira a sensibilidade do pesquisador A disposiccedilatildeo afetiva para
realizar algo inclusive para refletir E a anguacutestia favorece isto cria uma atmosfera propiacutecia para
o olhar profundo em relaccedilatildeo a si proacuteprio enquanto ser-no-mundo
O dasein ao ser tomado pela anguacutestia eacute capaz de concentrar-se nas proacuteprias escolhas
de se permitir fazer referecircncia a si mesmo de forma autecircntica podendo assim exercitar a
capacidade de ser propriamente livre
Ao encarar a morte de frente pode-se pensar na melhor forma de viver a vida no
sentido mais autecircntico e verdadeiro para si proacuteprio No sentido de fazer escolhas que geram o
sentimento de valer a pena A ideia de ldquoaceitar o fimrdquo eacute muito mais complexa que o simples
citar desta frase pode implicar em resignificar o comeccedilo em fazer novas escolhas no presente
e projetar-se para o futuro com a consciecircncia que viveraacute do modo mais verdadeiro para si
proacuteprio e que natildeo teraacute o controle sobre tudo e sobre todos
Costumo dizer que planejamos para melhor improvisar Eacute ilusatildeo acharmos que quanto
mais racionais e apegados aos detalhes teremos a previsatildeo dos fatos da vida Planejamos para
melhor improvisar pois enquanto ser-aiacute estamos no mundo abertos a muitas possibilidades
Inclusive na relaccedilatildeo com os outros sobre os quais natildeo temos controle Improvisar faz parte da
vida tanto quanto a noccedilatildeo de projeto Sem projeto natildeo temos sentido para a vida mas se
tornarmos o projeto estaacutetico ele jamais se concretiza inclusive pela nossa proacutepria insatisfaccedilatildeo
com o mesmo
145
Planejamos para melhor improvisar pode tambeacutem ser compreendido como nos
prepararmos para esperar o inesperado ou seja para termos consciecircncia de que por mais que
nos dediquemos a ponto de oferecermos o nosso melhor natildeo teremos o controle sobre o mundo
nem tatildeo pouco sobre os resultados que esperamos para o nosso proacuteprio esforccedilo
Com base nesta reflexatildeo caberia uma pergunta Eacute possiacutevel uma preparaccedilatildeo para a
morte No sentido de prever os acontecimentos como se existissem e efetivamente vivenciaacute-
los a minha resposta seria natildeo Mas no sentido de aliado a preparaccedilatildeo teacutecnica existir uma
reflexatildeo pautada nas limitaccedilotildees humanas e na condiccedilatildeo do dasein enquanto ser-para-a-morte
poderia ser um caminho Este tipo de preparaccedilatildeo poderia minimizar a cobranccedila pela cura e a
culpa pelo aparente fracasso Seria um contraponto para um pensamento que aprisiona na busca
da perfeiccedilatildeo e do controle de algo incontrolaacutevel A preparaccedilatildeo seria portanto de considerar a
realidade de que somos mortais e de que apesar disso buscamos um projeto de vida que nos
faccedila sentido que nos decirc direccedilatildeo agraves nossas atitudes
Ser profissional de sauacutede eacute percorrer um caminho que se constroacutei no cotidiano eacute um
contiacutenuo tornar-se sendo Pelas experiecircncias vivenciadas cada qual constroacutei a sua histoacuteria a
sua maneira de ver a vida projeta o futuro e resignifica o passado Mas ao longo do percurso
aleacutem da preparaccedilatildeo inicial para lidar com a morte eu diria que eacute necessaacuterio um suporte para os
momentos de enfrentamento Como um amparo ao longo da caminhada Seria interessante um
espaccedilo de escuta para estes profissionais nas suas anguacutestias e dificuldades como um plantatildeo
psicoloacutegico Ao mesmo tempo em que seria interessante ampliar as possibilidades de reuniotildees
multidisciplinares com a participaccedilatildeo dos profissionais de distintas formaccedilotildees Espaccedilos de
escuta de troca de informaccedilotildees e ideias podem gerar um sentimento de integraccedilatildeo e facilitar o
caminhar a jornada
146
Diante das narrativas dos profissionais de sauacutede fiquei reflexiva quanto a um aspecto
o quanto estamos sozinhos Alguns se sentem mais acolhidos pelos pares outros menos Mas
de uma forma ou de outra todos utilizam mecanismos para enfrentar as dificuldades
Na realidade o estar sozinho tambeacutem remete agrave condiccedilatildeo de desamparo do dasein Natildeo
temos seguranccedila nesta vida Somos seres desamparados Talvez por isso nos apegamos agraves
coisas do mundo as ocupaccedilotildees do cotidiano Na tentativa de preenchermos um vazio uma
sensaccedilatildeo de desamparo que eacute inerente ao ser-no-mundo
Somos seres sozinhos em meio a uma multidatildeo correndo contra o tempo Nos
consideramos imortais ao deixarmos de refletir sobre a condiccedilatildeo de finitude Cultivamos o
poder de realizar multitarefas de dominar muitos conhecimentos de acumular todo tipo de
informaccedilotildees Fazer vaacuterias coisas ao mesmo tempo passou a ser louvaacutevel digno do meacuterito de
quem acumula coisas
Os profissionais de sauacutede satildeo seres sozinhos no sentido de serem obrigados a dominar
vaacuterios conhecimentos e teacutecnicas de serem considerados responsaacuteveis pela cura dos pacientes
de terem que abdicar ateacute da vida pessoal para ajudar o proacuteximo seja dobrando o plantatildeo seja
assumindo a postura louvaacutevel daquele que estaacute sempre apto para salvar para consolar e dar
atenccedilatildeo
Estatildeo sozinhos quando falta material equipamentos adequados pessoas suficientes e
mesmo assim os problemas precisam ser resolvidos e enfrentados Sozinhos quando precisam
chorar suportar as dores e anguacutestias pois ao se mostrarem fragilizados natildeo satildeo considerados
capazes de ocupar aquele lugar Como no caso da profissional que chorava copiosamente diante
da morte do receacutem-nascido e a colega afirmou que ela deveria trabalhar em um shopping
Estes profissionais encontram-se imersos em uma realidade da sauacutede puacuteblica brasileira
caracterizada pela deficiecircncia pela falta dos materiais equipamentos e pessoas necessaacuterias para
a execuccedilatildeo efetiva das atividades As notiacutecias nos diversos meios de comunicaccedilatildeo (jornais
147
televisatildeo internet raacutedio) destacam como a sauacutede puacuteblica natildeo eacute uma prioridade no Brasil A
populaccedilatildeo sofre muito com isso assim como os profissionais de sauacutede
Diante da falta de condiccedilotildees de trabalho a sobrecarga apresenta-se como rotina como
o padratildeo caracteriacutestico do cotidiano de trabalho destes profissionais Assim configura-se o ciclo
vicioso A sobrecarga leva ao adoecimento que leva agrave ausecircncia do trabalho e amplia a
sobrecarga para os que ficam provavelmente os proacuteximos a adoecerem
Em meio a esta realidade muitas vezes os profissionais satildeo mal remunerados pouco
valorizados e se submetem a um concurso puacuteblico como forma de garantir a estabilidade do
emprego mas natildeo necessariamente apresentam o interesse ou mesmo o perfil para a atuaccedilatildeo
em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal Existem ainda os que precisam para aumentar a
renda trabalhar em outros hospitais tantas vezes saindo de um plantatildeo para outro gerando
desgaste fiacutesico e psicoloacutegico
Temos os que se afastam do trabalho os que trabalham sofrendo os que se afastam no
trabalho procurando se distanciar do sofrimento Diante de tudo isso eacute importante enfatizar
que os profissionais precisam ser ouvidos precisam de suporte psicoloacutegico no ambiente de
trabalho precisam de uma formaccedilatildeo que priorize as temaacuteticas da morte e das perdas de uma
forma reflexiva Mas precisam sobretudo de condiccedilotildees adequadas de trabalho (em termos de
materias equipamentos carga horaacuteria) e de reconhecimento Eacute contraditoacuterio culpar o
profissional pela morte de pacientes e mais seriamente fazecirc-lo se sentir culpado quando natildeo
satildeo oferecidas as condiccedilotildees necessaacuterias inclusive para evitar que algumas morte aconteccedilam
A sobrecarga de trabalho favorece a ocorrecircncia de erros que podem levar a morte dos
bebecircs Aleacutem de conviver com a sobrecarga agraves vezes ateacute com a exaustatildeo e o adoecimento o
profissional precisa salvar vidas e quando isso natildeo ocorre encontrar meios para lidar com as
frustraccedilotildees com os sentimentos de impotecircncia e de culpa E quando reivindicam tantas vezes
satildeo lembrados da ldquovocaccedilatildeordquo originaacuteria de ajudar o proacuteximo salvar vidas dedicar-se ao bem do
148
outro Natildeo dobrar um plantatildeo pode significar o abandono dos bebecircs E quanto ao abandono de
si proacuteprio e dos outros papeacuteis que ocupa na vida
Ao longo do percurso da vida muitas mortes satildeo vivenciadas inclusive as perdas
cotidianas os desejos e sonhos natildeo realizados o fim de relacionamentos a perda de emprego
o tornar-se aposentado Os fechamentos de ciclos na vida podem ser sentidos como verdadeiras
mortes que deixam marcas e levam um pouco de noacutes Diante destas mortes eacute necessaacuterio refletir
sobre a direccedilatildeo tomada o sentido da vida e o novo caminho a ser trilhado Quando isso natildeo eacute
possiacutevel a morte paralisa leva agrave perda de sentido aos afastamentos do trabalho ao teacutedio agrave
depressatildeo e ateacute ao suiciacutedio
Tudo depende do significado atribuiacutedo ao fato Para quem o trabalho representa a razatildeo
de existir a necessidade de se sentir uacutetil o ciclo social de convivecircncia a aposentadoria pode
significar a morte de toda uma vida de dedicaccedilatildeo de uma rede de relaccedilotildees e de um
pertencimento a um mundo que natildeo mais existe E se aleacutem deste significado faltar a direccedilatildeo
um projeto para o futuro um novo olhar para o mundo o sentido da vida pode esvair-se como
a aacutegua entre os dedos O ser se perde morre ainda vivo morre para o mundo e para os outros
Ao longo da trajetoacuteria a vivecircncia das perdas pode ser sentida de diferentes formas que
deixam marcas resignificam a vida mas natildeo mudam de condiccedilatildeo ou significado satildeo perdas
Grandes e pequenas mortes com as quais precisamos aprender a lidar no cotidiano
Da mesma forma que na contemporaneidade fugimos da morte tentamos evitar ao
maacuteximo pensar na morte dos outros e na nossa proacutepria morte e mascaramos o luto noacutes tambeacutem
fugimos das perdas escondemos os fracassos encobrimos as falhas buscamos culpados para a
natildeo-realizaccedilatildeo dos desejos e sonhos nos concentramos em outras demandas para natildeo olhar para
o que perdemos Caiacutemos na impessoalidade e ficamos na superfiacutecie das histoacuterias das relaccedilotildees
das atividades cotidianas Tomamos piacutelulas para emagrecer remeacutedios para esquecer das dores
para dormir o sono que evita a culpa
149
As perdas demonstram que natildeo temos o controle sobre o mundo e tambeacutem indicam que
somos seres em deacutebito Sempre que escolhemos algo abrimos matildeo de outras possibilidades o
tempo inteiro Estamos em deacutebito com o que natildeo escolhemos e se satildeo decisotildees importantes
para a nossa vida nos encontramos em um deacutebito ainda maior conosco O mais doloroso disso
tudo eacute que esta diacutevida vai sendo cobrada ao longo da existecircncia ateacute a finitude quando deixamos
a condiccedilatildeo de ser-no-mundo
Ter consciecircncia de ser algueacutem em deacutebito nos torna mais reflexivos quanto agraves escolhas
que realizamos Tantas vezes o sim para o mundo pode ser o natildeo para si proacuteprio E a dor da
sequecircncia de perdas pode levar ao adoecimento e agrave perda de sentido da vida
Seja entendida como um castigo ou fonte de expiaccedilatildeo dos pecados Seja compreendida
como o fim da existecircncia ou um novo comeccedilo a morte continuaraacute na verdade como presenccedila
como uma possibilidade certa na nossa existecircncia um marco divisoacuterio entre estar-no-mundo e
deixar de ser-no-mundo Cabe a noacutes escolher ateacute como lidar com tudo isso
150
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ANEXOS
158
Paacutegina 1 de 1
TERMO DE GRAVACcedilAtildeO DE VOZ
Eu__________________________________________ autorizo a gravaccedilatildeo da
entrevistadepoimento a qual integra a pesquisa intitulada ldquoOs profissionais de sauacutede e a
experiecircncia da morte em UTI Neonatal agrave luz da fenomenologia hermenecircutica
heideggerianardquo na qual participo como voluntaacuterio(a) Este estudo tem como pesquisadora
responsaacutevel Lucila Moura Ramos Vasconcelos sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Elza Dutra
vinculadas ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Psicologia da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte
Com este termo estou ciente que esta gravaccedilatildeo possui a finalidade de contribuir para a
compreensatildeo do fenocircmeno aqui estudado e autorizo que a mesma seja realizada nas condiccedilotildees
propostas pela pesquisadora permitir que a gravaccedilatildeo aconteccedila nos encontros propostos para a
realizaccedilatildeo da escuta dos depoimentos podendo ser pausada a cada momento que for necessaacuterio
durante o transcorrer da entrevista
Estou ciente que o conteuacutedo destas gravaccedilotildees seraacute armazenado pela pesquisadora
responsaacutevel em local seguro por um periacuteodo de 5 anos Tambeacutem seraacute preservado o sigilo quanto
agrave identidade dos participantes desta pesquisa
Natal _________ _____________________________________________________
Assinatura do participante da pesquisa
Impressatildeo datiloscoacutepica do participante da pesquisa
159
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ndash TCLE
Este eacute um convite para vocecirc participar da pesquisa intitulada ldquoOs profissionais de
sauacutede e a experiecircncia da morte em UTI Neonatal agrave luz da fenomenologia hermenecircutica
heideggerianardquo Este estudo tem como pesquisadora responsaacutevel Lucila Moura Ramos
Vasconcelos sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Elza Dutra vinculadas ao Programa de Poacutes-
Graduaccedilatildeo em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
A motivaccedilatildeo para o presente estudo surgiu da praacutetica profissional da pesquisadora e do
olhar para a atuaccedilatildeo dos trabalhadores que se dedicam a promover a assistecircncia aos pacientes
No cotidiano de trabalho os profissionais de sauacutede aleacutem de precisarem do conhecimento
teacutecnico e do entendimento e cumprimento dos protocolos de seguranccedila ainda vivenciam
situaccedilotildees de morte de pacientes
Diante do exposto o presente estudo tem como objetivo geral compreender como os
profissionais de sauacutede atuantes em UTI Neonatal experienciam a morte de receacutem-nascidos e
como objetivos especiacuteficos conhecer as concepccedilotildees dos profissionais sobre a morte entender
como os profissionais lidam com as exigecircncias inerentes ao trabalho em UTI Neonatal entender
os sentidos de ser profissional de sauacutede atuante em UTI Neonatal Tendo em vista esta temaacutetica
foi escolhida como campo de estudo a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco (MEJC) referecircncia
no estado do Rio Grande do Norte para a gestaccedilatildeo de alto risco
Se vocecirc decidir participar vocecirc seraacute entrevistado(a) A entrevista poderaacute durar 1 (uma)
hora e seraacute gravada em aacuteudio Em momento posterior a pesquisadora iraacute transcrever o que foi
gravado para uso na pesquisa Durante a realizaccedilatildeo da entrevista vocecirc poderaacute sentir um
desconforto emocional causado por alguma pergunta da entrevista mas vale lembrar que o
pesquisadora eacute psicoacuteloga e possui condiccedilotildees de lhe oferecer acolhimento se for necessaacuterio
Vocecirc teraacute como benefiacutecio a possibilidade de falar sobre sua experiecircncia enquanto profissional
de sauacutede e sobre os sentidos que vocecirc atribui a essa experiecircncia Dessa forma vocecirc contribuiraacute
para a produccedilatildeo de conhecimento na aacuterea desse estudo
A importacircncia deste estudo estaacute na compreensatildeo da experiecircncia da morte de receacutem-
nascidos pelos profissionais de sauacutede no intuito de gerar contribuiccedilotildees para proacuteprios os
profissionais de sauacutede a instituiccedilatildeo hospitalar e consequentemente para a assistecircncia dos
pacientes e de seus familiares Ao serem ouvidos cada participante contaraacute sobre os fatos que
vivenciaram e a realidade do seu trabalho Isto por si soacute poderaacute promover reflexotildees sobre a
Paacutegina 1 de 3
160
conduccedilatildeo das suas atividades e sobre os sentimentos diante das perdas Estas informaccedilotildees
poderatildeo indicar a necessidade de suporte psicoloacutegico eou da equipe de trabalho no
enfrentamento das perdas Tambeacutem poderatildeo suscitar na Instituiccedilatildeo a necessidade de novas
orientaccedilotildees eou capacitaccedilotildees para os funcionaacuterios bem como accedilotildees voltadas para a sauacutede e
qualidade de vida no trabalho
Vocecirc tem o direito de se recusar a participar da pesquisa ou retirar seu consentimento
em qualquer momento da entrevista Isto significa que vocecirc poderaacute parar a entrevista em
qualquer momento Vocecirc tambeacutem tem o direito de se recusar a responder qualquer pergunta
As informaccedilotildees que vocecirc iraacute fornecer seratildeo confidenciais Estas informaccedilotildees seratildeo divulgadas
apenas em congressos ou publicaccedilotildees cientiacuteficas mas nenhum dado que possa lhe identificar
seraacute divulgado Esses dados seratildeo guardados pela pesquisadora responsaacutevel em local seguro
por um periacuteodo de 5 anos
Se vocecirc tiver algum gasto pela sua participaccedilatildeo nessa pesquisa ele seraacute assumido pela
pesquisadora e reembolsado para vocecirc Se vocecirc sofrer algum dano comprovadamente causado
por esta pesquisa vocecirc seraacute indenizado O participante da pesquisa tem direito a indenizaccedilatildeo
conforme as leis vigentes no paiacutes caso ocorra dano decorrente de participaccedilatildeo na pesquisa
Durante todo o periacuteodo da pesquisa vocecirc poderaacute tirar suas duacutevidas ligando para Lucila
Moura Ramos Vasconcelos atraveacutes do celular 084-99970-4550 ou do e-mail
lucilamourayahoocombr Tambeacutem poderaacute entrar em contato com a orientadora da pesquisa
a Profordf Drordf Elza Dutra por meio do celular 084-99924-4175 ou de seu e-mail
elzadutrarngmailcom
Para tirar qualquer duacutevida sobre os aspectos eacuteticos dessa pesquisa vocecirc deveraacute ligar para
o Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Universitaacuterio Onofre Lopes (084-3342 5003) como
poderaacute enviar e-mail para cep_huolyahoocombr ou comparecer diretamente no Hospital
Universitaacuterio Onofre Lopes localizado na Avenida Nilo Peccedilanha 620 no bairro de Petroacutepolis
(CEP 59012-300)
Este documento foi impresso em duas vias Uma ficaraacute com vocecirc e a outra com a
pesquisadora responsaacutevel Lucila Moura Ramos Vasconcelos
Apoacutes ter sido informado(a) sobre os objetivos a importacircncia e a forma como as
informaccedilotildees seratildeo coletadas nessa pesquisa e de conhecer os riscos desconfortos e benefiacutecios
Paacutegina 2 de 3
161
Paacutegina 3 de 3
e ter conhecimento de todos os meus direitos concordo em participar da pesquisa ldquoOs
profissionais de sauacutede e a experiecircncia da morte em UTI Neonatal agrave luz da fenomenologia
hermenecircutica heideggerianardquo e autorizo a divulgaccedilatildeo das informaccedilotildees fornecidas em
congressos eou publicaccedilotildees cientiacuteficas desde que nenhum dado possa me identificar
Natal _________ _____________________________________________________
Assinatura do participante da pesquisa
Impressatildeo datiloscoacutepica do participante da pesquisa
4
5
ldquo Eacute preciso amor
Pra poder pulsar
Eacute preciso paz pra poder sorrir
Eacute preciso a chuva para florir
Todo mundo ama um dia
Todo mundo chora
Um dia a gente chega
E no outro vai embora
Cada um de noacutes compotildee a sua histoacuteria
Cada ser em si
Carrega o dom de ser capaz
E ser felizrdquo
Almir Sater
6
AGRADECIMENTOS
A Deus pelo dom da vida pela infinita bondade e sabedoria
Aos meus pais Ricardo e Luacutecia meu eterno agradecimento por tudo o que sou Por serem o
meu porto seguro meus grandes professores exemplos de vida fontes de inspiraccedilatildeo Muito
obrigada pelas orientaccedilotildees pela escuta atenta pela ternura no olhar pelo amor incondicional
Aos meus irmatildeos Ricardo e Rafael meus mestres obrigada pelo incentivo exemplo forccedila
aprendizado e afeto
Ao meu esposo Rodrigo meu amor meu amigo meu parceiro Ao seu lado sinto-me mais
forte para alcanccedilar os nossos objetivos Obrigada pelo apoio pela compreensatildeo e incentivo
Ao meu lindo filho Felipe um receacutem-nascido que me inspirou a buscar novos projetos
iluminou a minha vida deu um novo sentido ao meu existir
A minha orientadora professora Elza Dutra por ter acreditado em mim desde o iniacutecio do
doutorado Obrigada pelas orientaccedilotildees pelo aprendizado sobre pesquisa Obrigada por ser tatildeo
inspiradora por iluminar o meu caminho e possibilitar o meu crescimento enquanto ser-no-
mundo
Aos professores e colegas do GESDH Grupo de Estudos Subjetividade e Desenvolvimento
Humano obrigada pela troca de informaccedilotildees pelas ideias compartilhadas e incentivo agrave
pesquisa
Agraves professoras Ana Karina Azevedo e Simone Tomaz Moreira pelas valiosas contribuiccedilotildees
para a minha tese
A Daphene Lucas Mariana e Carol pelo auxiacutelio nas transcriccedilotildees das entrevistas Foi muito
bom trabalhar com vocecircs
A todos os voluntaacuterios do estudo obrigada pela solicitude disponibilidade e interesse
Aos meus amigos muito obrigada pela compreensatildeo e incentivo O mundo eacute muito mais doce
e radiante com a presenccedila de vocecircs
A todas as pessoas que contribuiacuteram direta e indiretamente para que este sonho se tornasse
realidade
7
Sumaacuterio
Resumo 11
Introduccedilatildeo 13
Capiacutetulo I Os sentidos da morte ao longo da histoacuteria 31
Capiacutetulo II Contemplando alguns existenciais da fenomenologia
Heideggeriana
45
Capiacutetulo III O profissional de sauacutede 67
Capiacutetulo IV Meacutetodo A escolha do caminho 83
Capiacutetulo V As narrativas dos participantes os sentidos de ser profissional de
sauacutede em UTI Neonatal
95
Capiacutetulo VI Destecendo a trama da existecircncia reflexotildees a partir das
narrativas dos profissionais de sauacutede
139
Referecircncias 150
Anexos 157
8
Lista de Figuras
Figura Paacutegina
1 O Contexto de Atuaccedilatildeo Profissional de Sauacutede na UTI Neonatal 24
2 O Ciacuterculo Hermenecircutico 93
9
Lista de Tabelas
Tabela Paacutegina
1 Nuacutemero de oacutebitos notificados e investigados por tipo e ano de ocorrecircncia
na MEJC NatalRN
18
10
Lista de Siglas
ANVISA Agecircncia Nacional de Vigilecircncia Sanitaacuteria
BVS Biblioteca Virtual em Sauacutede
CAPES Coordenaccedilatildeo de Aperfeiccediloamento de Pessoal de Niacutevel Superior
EBSERRH Empresa Brasileira de Serviccedilos Hospitalares
HUOL Hospital Universitaacuterio Onofre Lopes
IMI Instituto Materno Infantil
MEJC Maternidade Escola Januaacuterio Cicco
UTI Unidade de Terapia Intensiva
UTIN Unidade de Terapia Intensiva Neonatal
11
Resumo
Desde a transferecircncia dos doentes para os hospitais foi delegado aos profissionais de sauacutede o
papel de promover o cuidado aos pacientes Nestes locais a morte eacute evitada podendo ser
justificada pela ocorrecircncia de falhas e erros E em Instituiccedilotildees de sauacutede especiacuteficas as
maternidades menos se fala na possibilidade da morte apesar da sua presenccedila em meio agrave vida
Com a evoluccedilatildeo da medicina e a consequente ampliaccedilatildeo das teacutecnicas e tipos de equipamentos
a serem utilizados as maternidades tornaram-se locais munidos de um aparato tecnoloacutegico
considerado necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo da vida concentrados em uma unidade de terapia
intensiva neonatal Em meio a este contexto os profissionais de sauacutede aleacutem de precisarem do
conhecimento teacutecnico e do entendimento e cumprimento dos protocolos de seguranccedila ainda
lidam com a anguacutestia e o abalo emocional ao vivenciarem situaccedilotildees de morte e perdas no
cotidiano de trabalho Diante do exposto o presente estudo tem como objetivo compreender a
experiecircncia de profissionais que atuam em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal A
Maternidade Escola Januaacuterio Cicco referecircncia no estado do Rio Grande do Norte para a
gestaccedilatildeo de alto risco foi escolhida como campo de estudo Como orientaccedilatildeo metodoloacutegica foi
utilizada a fenomenologia hermenecircutica heideggeriana e como possibilidade de escuta a
entrevista narrativa Foram realizadas 9 entrevistas com profissionais de sauacutede de diversas
formaccedilotildees (meacutedicos enfermeiros teacutecnicos de enfermagem psicoacutelogos fisioterapeutas
assistente social) A anaacutelise das narrativas foi feita tendo como inspiraccedilatildeo o ciacuterculo
hermenecircutico proposta por Martin Heidegger na Analiacutetica da Existecircncia As interpretaccedilotildees
mostraram os profissionais relatando sentimentos de frustraccedilatildeo impotecircncia culpa e tristeza
diante da morte de receacutem-nascidos Tambeacutem apontam as dificuldades existentes no cotidiano
de trabalho Verificou-se a necessidade de ampliar os projetos ainda incipientes de atenccedilatildeo
aos profissionais de sauacutede com a estruturaccedilatildeo de espaccedilos de plantatildeo psicoloacutegico e realizaccedilatildeo
de reuniotildees multidisciplinares de forma a promover uma maior integraccedilatildeo entre os diversos
profissionais O estudo tambeacutem traz reflexotildees para as instituiccedilotildees formadoras no sentido de
instituiacuterem ou ampliarem o espaccedilo na academia para abordar a temaacutetica da morte de
pacientes A importacircncia deste estudo estaacute justamente na compreensatildeo da experiecircncia dos
profissionais de sauacutede com o intuito de gerar contribuiccedilotildees para a comunidade acadecircmica a
instituiccedilatildeo hospitalar e consequentemente para a assistecircncia dos pacientes e de seus familiares
Palavras-chave Pesquisa fenomenoloacutegica profissionais de sauacutede UTI Neonatal morte
receacutem-nascido
12
Abstract
Since the transfer of patients to hospitals the role of promoting patient care has been delegated
to health professionals In these places death is avoided and can be justified by the occurrence
of failures and errors And in specific health institutions maternity hospitals the less is the
possibility of death despite their midlife presence With the evolution of medicine and the
consequent expansion of the techniques and types of equipment to be used maternities became
places equipped with a technological apparatus considered necessary for the maintenance of
life concentrated in a unit of neonatal intensiva therapy In this context health professionals
in addition to needing technical knowledge and understanding and compliance with safety
protocols still deal with distress and emotional shock experiencing death situations and losses
in their daily work In view of the above the present study aims to understand the experience
of professionals working in Neonatal Intensive Care Units The Maternidade Escola Januaacuterio
Cicco reference in the state of Rio Grande do Norte for high risk gestation was chosen as a
field of study As a methodological orientation was used the heideggerian hermeneutic
phenomenology and as a possibility of listening the narrative interview Nine interviews were
conducted with health professionals from different backgrounds (doctors nurses nursing
technicians psychologists physiotherapists social workers) The analysis of the narratives was
inspired by the hermeneutic circle proposed by Martin Heidegger in the Analytic of Existence
The interpretations showed the professionals reporting feelings of frustration impotence guilt
and sadness at the death of newborns They also point out the difficulties in daily work There
was a need to expand the still incipient projects of attention to health professionals with the
structuring of spaces for psychological counseling and the holding of multidisciplinary
meetings in order to promote greater integration among the different professionals The study
also brings reflections to the training institutions in order to institute or expand space in the
academy to address the issue of patient death The importance of this study is precisely in the
understanding of the experience of health professionals in order to generate contributions to
the academic community the hospital institution and consequently to the care of patients and
their families
Keywords Phenomenological research health professionals neonatal ICU death newborn
13
Introduccedilatildeo
O poema nos inspira a refletir sobre o que seria uma UTI Neonatal Porto seguro Local
assustador Matildeo renascedora Misto de amor e tecnologia Tantas possibilidades para um local
tatildeo peculiar onde nascimento e morte estatildeo presentes intensamente Onde a vida aparece em
uma fragilidade tamanha que assusta ao mesmo tempo que pode promover um encantamento
pela necessidade de zelo e carinho
A UTI Neonatal
Uma grande escola de valorizaccedilatildeo da vida
Por entre equipos e leitos e sensores
E monitores e bombas de infusatildeo
A tecnologia aliviando as dores
A esperanccedila alimentando o coraccedilatildeo
Por entre antibioacuteticos e perfusores
Coletas rastreando a infecccedilatildeo
Profissionais e procedimentos salvadores
Pais e bebecircs esperando a salvaccedilatildeo
A UTI Neonatal assustadora
Tentando ser a matildeo renascedora
Tentando ser o manto que alivia
A UTI Neonatal porto seguro
Oaacutesis da esperanccedila em um futuro
Misto de amor e tecnologia
Dr Luiz Alberto Mussa Tavares Poemas para Almas Apressadas 2017
14
Um local em que estatildeo presentes vidas que brotam como fraacutegeis sementes em terrenos
aacuteridos Vidas-sementes pelas quais alguns cuidadores como jardineiros dedicados se
desdobram se empenham para realizar os procedimentos necessaacuterios se envolvem com o seu
desenvolvimento ou finitude
Satildeo estes cuidadores que seratildeo contemplados no presente estudo Nosso convite eacute
justamente para olhar a realidade de uma UTI Neonatal sobre o prisma de quem estaacute laacute imerso
no cotidiano do trabalho marcado pelas aberturas e afetaccedilotildees
Diante da escuta destes profissionais apresentamos reflexotildees sobre as suas
experiecircncias contemplamos o ponto de vista dos trabalhadores que vivenciam grandes
dificuldades anguacutestias e acalentos que sofrem se encantam e se surpreendem
Estas reflexotildees sobre a realidade dos profissionais entretanto natildeo iniciaram com o
presente estudo Partiram da minha atuaccedilatildeo enquanto psicoacuteloga em instituiccedilotildees hospitalares
Ao acompanhar o trabalho dos profissionais de sauacutede pude observar o contexto da prestaccedilatildeo
de assistecircncia aos pacientes bem como a maneira como trabalhavam Aleacutem dos momentos em
que eu era solicitada pela equipe (meacutedicos enfermeiros nutricionistas) para dar assistecircncia
aos pacientes existiam outros nos quais quem me procurava eram os proacuteprios profissionais para
relatarem suas anguacutestias diante da morte de pacientes nas Unidades de Terapia Intensiva
inclusive na UTI Neonatal Como uma enfermeira que se angustiava profundamente diante da
morte de pacientes na UTI Um sofrimento refletido na sua proacutepria vida e na condiccedilatildeo de ser
um profissional da aacuterea de sauacutede
O limite entre a dedicaccedilatildeo na assistecircncia ao paciente e o envolvimento ao ponto de
adoecer eacute muito tecircnue E se apresenta como um desafio constante na atuaccedilatildeo dos profissionais
Faz parte da rotina lidar com o sofrimento dos pacientes e a dor da perda dos seus familiares
Por outro lado diante do sofrimento tambeacutem ocorria um certo distanciamento ou natildeo
envolvimento O atendimento era realizado de uma forma automaacutetica com o olhar voltado para
15
a presenccedila de sintomas para o controle da medicaccedilatildeo e para o funcionamento dos
equipamentos
A inspiraccedilatildeo para o presente estudo foi proveniente do desejo de contemplar a
experiecircncia dos profissionais de sauacutede que atuam na UTI Neonatal seu contexto de atuaccedilatildeo e
as dificuldades enfrentadas em um ambiente caracterizado pela presenccedila do risco de morte o
tempo inteiro A morte assume um destaque no estudo por fazer parte do cotidiano dos
profissionais em um local que existe em funccedilatildeo da busca pela cura e da tentativa de evitar a
morte
A morte eacute o tempo todo lembrada na UTI Neonatal como um fato que ocorre no dia a
dia de trabalho A partir desta constataccedilatildeo alguns questionamentos foram surgindo Em uma
sociedade que interdita a morte que valoriza a cura e a vida como eacute para o profissional de
sauacutede conviver com a lembranccedila desta possibilidade de finitude o tempo inteiro Em uma
sociedade que valoriza a juventude como eacute conviver com a morte de receacutem-nascidos Diante
da crenccedila desta sociedade de que os bebecircs teriam a vida inteira pela frente a morte destes
seres pareceria injusta ou mais difiacutecil de ser compreendida
Diante destes questionamentos iniciais e na busca por autores que refletissem pelas
temaacuteticas da morte das perdas do cuidado tive um ldquoencontrordquo com um filoacutesofo que
influenciou sobremaneira a minha forma de compreender o ser-no-mundo Martin Heidegger
A ontologia heideggeriana nos oferece a possibilidade de compreender o fenocircmeno a
experiecircncia do outro como algo que se desvela em um contexto especiacutefico Como aquilo que
se apresenta a partir da compreensatildeo e das afetaccedilotildees dos que estatildeo ali vivenciando o fenocircmeno
Ao escrever Ser e Tempo sua obra mais conhecida publicada em 1927 Heidegger
trouxe agrave luz a questatildeo do sentido do ser E junto com ela reflexotildees profundas sobre a existecircncia
Rompeu com a dicotomia entre homem e mundo ao afirmar que natildeo existe uma separaccedilatildeo entre
ambos uma vez que o homem eacute ser-no-mundo Eacute tambeacutem desde o seu nascimento um ser-
16
para-a-morte E a morte eacute a possibilidade mais proacutepria insuperaacutevel do homem enquanto
projeto
Mas ao se deparar com a possibilidade da morte o ser se angustia por se dar conta que
a finitude deixa todos os projetos inacabados torna todas as escolhas questionaacuteveis modifica
valores reprograma a vida Como nos inspira Feijoo (2000 p 90) ldquoNa anguacutestia frente agrave
constataccedilatildeo do ser-para-a-morte o ser-lanccedilado surge para a pre-senccedila de modo mais proacuteprio
Antecipando a morte como possibilidade insuperaacutevel e certa a pre-senccedila assume todas as suas
possibilidades inclusive a de existir na totalidade do seu poder-serrdquo
Diante da iminecircncia da proacutepria morte a vida pode ser revista E diante da morte do
outro Heidegger (1927 2015) afirma que natildeo temos acesso agrave experiecircncia vivida por quem
morre no maacuteximo estamos apenas junto Noacutes soacute poderemos saber o que eacute morrer quando
morremos Entretanto a morte do outro nos faz lembrar da possibilidade da nossa proacutepria
morte Algo que nos alerta em meio a um turbilhatildeo de atividades da vida cotidiana Como a luz
distante de um barco em meio agraves ondas agitadas do oceano
Para os profissionais de sauacutede que no cotidiano de trabalho lidam com a morte de
pacientes como eacute viver com a lembranccedila diaacuteria da possibilidade de morte Escolher trabalhar
com a assistecircncia em hospitais implica em assumir tambeacutem este desafio aleacutem de todas as outras
atribuiccedilotildees inerentes ao cargo que ocupa
A partir da reflexatildeo sobre a realidade dos profissionais de sauacutede alguns
questionamentos comeccedilaram a surgir Ao escolher esta carreira esta ocupaccedilatildeo o profissional
reflete sobre isso Se prepara para isso Podemos nos considerar preparados para lidar com a
morte Durante a atuaccedilatildeo profissional existe um suporte para lidar com tanto sofrimento
proveniente das perdas da vida De que lugar estamos falando
Vivemos em uma sociedade em um contexto histoacuterico especiacutefico Uma sociedade que
valoriza a juventude a teacutecnica a vida Que enaltece os aparatos tecnoloacutegicos o sucesso
17
profissional as agendas lotadas de atividades Uma sociedade que diz correr contra o tempo
como se isso fosse possiacutevel
Para a sociedade que interdita a finitude a possibilidade assustadora de parar a
produtividade e refletir sobre a conduccedilatildeo da vida resiste ainda mais agrave morte de crianccedilas e agrave
morte de bebecircs Entretanto enquanto existe o ser-no-mundo eacute ser-para-a-morte Desde a
primeira respiraccedilatildeo esta possibilidade estaacute posta na nossa existecircncia podendo ocorrer a
qualquer momento
Embora mesmo que da forma mais difiacutecil parecemos aceitar quando a morte eacute de um
idoso (que jaacute viveu muito cumpriu a sua missatildeo) Para uma crianccedila (com a vida toda pela
frente) a morte parece injusta e incomoda profundamente Ao longo deste trabalho veremos
que nem sempre a morte foi vista desta forma caracteriacutestica da sociedade ocidental
contemporacircnea Na Greacutecia Antiga existia ldquoprazordquo para o luto de crianccedilas Natildeo havia a
preocupaccedilatildeo com os iacutendices de mortalidade infantil como na atualidade
Aparentemente seria contraditoacuterio abordar a temaacutetica da morte em um ambiente
destinado agrave propagaccedilatildeo da vida Entretanto estudos demonstram que o Brasil ainda estaacute muito
longe de atingir iacutendices de mortalidade infantil considerados ldquoaceitaacuteveisrdquo O Brasil encontra-se
em 90ordm lugar entre 187 paiacuteses no ranking das Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) atraacutes de
paiacuteses como Cuba Chile Argentina China e Meacutexico E apresentando um iacutendice de 1988
mortes por mil nascimentos vivos O que demonstra que as estrateacutegias de combate agrave mortalidade
materno-infantil falharam em reduzir significantemente a mortalidade neonatal cujo
componente neonatal precoce (de 0 a 6 dias) sofreu menor reduccedilatildeo (Ministeacuterio da Sauacutede
2012 Maranhatildeo Vasconcelos Trindade et al 2012 Lansky Friche Silva et al 2014)
A morte de receacutem-nascidos tatildeo pouco divulgada ainda eacute mais constante do que supotildee
o senso comum A pesquisa Nascer no Brasil um estudo sobre a mortalidade neonatal no paiacutes
foi realizada no periacuteodo de fevereiro de 2011 a outubro de 2012 por meio de entrevistas e
18
avaliaccedilatildeo de prontuaacuterios de 23940 pueacuterperas Os resultados indicaram que os oacutebitos neonatais
se concentraram nas regiotildees Nordeste (383) e Sudeste (305) do Brasil e entre receacutem-
nascidos prematuros e com baixo peso ao nascer (817 e 82) O baixo peso ao nascer o
risco gestacional e condiccedilotildees do receacutem-nascido foram os principais fatores associados ao oacutebito
neonatal (Lansky Friche Silva et al 2014)
No Brasil 60 da mortalidade infantil ocorre no periacuteodo neonatal Cerca de 62 dos
oacutebitos de nascidos vivos com peso superior a 1500g ao nascer satildeo evitaacuteveis sendo as afecccedilotildees
perinatais o principal grupo de causas baacutesicas correspondendo a cerca de 60 das mortes
infantis e 80 das mortes neonatais (Ministeacuterio da Sauacutede 2012)
A mortalidade perinatal afeta desproporcionalmente diferentes classes socio-
econocircmicas e regiotildees brasileiras Populaccedilotildees vulneraacuteveis sobretudo as residentes nas regiotildees
Norte e Nordeste brasileiras registram piores condiccedilotildees sanitaacuterias e de acesso e uso de serviccedilos
de sauacutede consequentemente detecircm as mais elevadas taxas de mortalidade infantil do paiacutes
(Ministeacuterio da Sauacutede 2012)
Situada na regiatildeo Nordeste a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco eacute referecircncia no estado
do Rio Grande do Norte para assistecircncia agraves mulheres com HIV Preacute-Natal de alto risco
histeroscopia O Relatoacuterio de Vigilacircncia Epidemioloacutegica da Maternidade (2016) apresenta o
nuacutemero de oacutebitos no periacuteodo de 2010 a 2016 (sendo que os dados referentes ao ano de 2016
contemplam apenas os meses de janeiro a junho)
Tabela 1 ndash Nuacutemero de oacutebitos notificados e investigados por tipo e ano de ocorrecircncia na MEJC
NatalRN
19
Os dados demonstram a ocorrecircncia de mortes de receacutem-nascidos ao longo de todos os
meses do ano o que indica a existecircncia de um campo de pesquisa para a investigaccedilatildeo tanto das
causas das mortes das consequecircncias das mesmas para os profissionais de sauacutede assim como
da forma como os mesmos compreendem este fenocircmeno e lidam com a morte do receacutem-
nascido
Caracterizada por um aparato tecnoloacutegico pela normatizaccedilatildeo de procedimentos pelo
atendimento de receacutem-nascidos de alto risco a Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN)
eacute um ambiente onde vida e morte estatildeo presentes nos corpos tatildeo delicados dos bebecircs A morte
de um bebecirc se transforma no sentido de perda para os pais agraves vezes ateacute na sensaccedilatildeo de morte
em vida
Muitas vezes os profissionais que decidem atender em maternidades relatam que iratildeo
trabalhar com a vida Entretanto em meio a tantos nascimentos a morte tambeacutem estaacute presente
A sensaccedilatildeo de perigo iminente a tensatildeo oriunda do risco da perda satildeo constantes no cotidiano
da UTI Neonatal
Para os profissionais de sauacutede a morte eacute como a perda do controle da dor de se deparar
com a possibilidade de natildeo salvar a vida de falhar de natildeo conseguir Em uma sociedade
caracterizada pelo avanccedilo da medicina e pela busca incessante da cura a morte eacute indesejada E
quando ocorre traz consigo a lembranccedila dos limites do homem e da possibilidade de falhas
(Bernieri e Hirdes 2007)
Na sociedade contemporacircnea a morte eacute interditada Entretanto nem sempre foi
considerada desta forma ao longo da histoacuteria Como qualquer fenocircmeno da vida humana a
morte eacute contextualizada adquirindo sentido conforme o momento histoacuterico e social em que eacute
vivenciada (Ariegraves 2003)
20
O exemplo de uma realidade distinta que propotildee uma maneira diferente de falar sobre a
morte foi retratado no livro ldquoQual eacute a tua obrardquo de Maacuterio Sergio Cortella (2015) O autor relata
no livro que um general romano ao vencer uma batalha recebia a mais alta honraria ramos de
palmeiras em uma bandeja de prata (de onde se originou o termo salva de palmas
posteriormente imortalizado nos aplausos) Para tanto
A morte era lembrada em um momento de gloacuteria talvez no intuito de conter a vaidade
de rememorar o limite da existecircncia que por mais gloriosa que seja teraacute o mesmo fim das
demais ldquoLembra-te que eacutes mortalrdquo Que natildeo eacutes melhor que ningueacutem Que assim como tudo na
vida passa este momento de gloacuteria tambeacutem passaraacute E natildeo deveraacutes ser consumido pela vaidade
que tambeacutem se finda
Imagine se no dia a dia tiveacutessemos algueacutem nos lembrando da condiccedilatildeo de mortais
Como o grilo falante a voz da consciecircncia tambeacutem podendo ser denominada nestas ocasiotildees
de reflexatildeo sobre a finitude de anguacutestia Os profissionais de sauacutede se deparam com a
possibilidade de morte do outro no cotidiano de trabalho e isto pode levar a uma reflexatildeo sobre
a proacutepria finitude No caso da morte de bebecircs a ocorrecircncia destas mortes pode levar a uma
reflexatildeo sobre a possibilidade do falecimento do proacuteprio filho e da necessidade de rever
algumas escolhas em relaccedilatildeo ao uso do tempo livre com a crianccedila e a possibilidade de dedicar
mais atenccedilatildeo ao filho A lembranccedila da morte pode por assim dizer resignificar a vida
Como define Heidegger (1927 2015) o ser-aiacute eacute histoacuterico eacute um ser-no-mundo e o
mundo dita as regras para a existecircncia impotildee limites O mundo faz parte do ser-aiacute como este
() ldquoo general ia em direccedilatildeo ao senado e por lei um segundo escravo
acompanhava a biga a peacute Esse segundo escravo tinha uma obrigaccedilatildeo legal
a cada quinhentas jardas ele tinha que subir na biga e soprar no ouvido do
general a seguinte frase Lembra-te de que eacutes mortalrdquo (Cortella 2015 pp
139)
21
faz parte do mundo Ser e mundo satildeo portanto indissociaacuteveis se constituem e se transformam
conjuntamente
Diante desta perspectiva de mundo inspirada na fenomenologia heideggeriana ao
longo deste estudo temos como objetivo compreender a experiecircncia de profissionais que atuam
em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal Tendo em vista esta temaacutetica foi escolhida como
campo de estudo a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco (MEJC) referecircncia no estado do Rio
Grande do Norte para a gestaccedilatildeo de alto risco
A definiccedilatildeo do local para a realizaccedilatildeo da pesquisa foi resultado da minha visita aos
hospitais na capital do Estado do Rio Grande do Norte da conversa com alguns profissionais
de sauacutede e da identificaccedilatildeo de uma demanda de sofrimento e da necessidade de suporte relatada
pelos profissionais da Maternidade Escola Januaacuterio Cicco Por assim dizer abordaremos a
questatildeo da morte em um local dedicados agrave vida onde as dificuldades e desafios estatildeo presentes
cotidianamente
Dentre os desafios enfrentados pelos profissionais de sauacutede os paradoxos se
apresentam contidos nas orientaccedilotildees de conduta permanecer calmo em ambientes turbulentos
de urgecircncia ser aacutegil diante de procedimentos difiacuteceis e delicados para salvar uma vida
concentrar-se nos procedimentos mecacircnicos e na atenccedilatildeo a pacientes e familiares escolher entre
dar apoio aos que estatildeo proacuteximos agrave morte ou atender aos que exigem outros tipos de cuidados
Natildeo haacute tempo para tudo A rotina caracterizada por uma seacuterie de procedimentos sobrecarrega
o profissional e o obriga a fazer escolhas difiacuteceis de realizar Quando a morte chega traz junto
com ela o sentimento de impotecircncia o medo de falhar novamente a duacutevida do que fazer diante
deste fato e sobre o que falar para a famiacutelia (Gerow Conejo Alonzo 2009 Silva Valenccedila e
Germano 2010)
Diante da morte do receacutem-nascido alguns dilemas surgem na atuaccedilatildeo dos profissionais
de sauacutede como a dificuldade para dar a notiacutecia para os pais do bebecirc a natildeo aceitaccedilatildeo de que os
22
procedimentos realizados natildeo tiveram ecircxito e a dificuldade para decidir sobre a viabilidade do
tratamento Para uma vida tatildeo fraacutegil a possibilidade de qualquer erro gera a preocupaccedilatildeo com
a finitude de um ser Trata-se de uma linha muito tecircnue entre a vida e a morte que gera uma
tensatildeo rotineira nos trabalhadores da aacuterea de sauacutede (Silva 2007)
Estes paradoxos e dilemas estatildeo presentes na atuaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede do
mundo contemporacircneo Satildeo problemas contextualizados relativos a uma realidade voltada para
a busca da cura e para a interdiccedilatildeo da morte Heidegger (1927 2015) traz esta reflexatildeo ao falar
sobre o impessoal que dita as regras de conduta necessaacuterias para a sobrevivecircncia do homem no
mundo O impessoal fornece as diretrizes fundamentais para a vida em sociedade E o homem
vive mergulhado no impessoal nas vaacuterias atribuiccedilotildees que compotildeem a vida cotidiana
O impessoal delimita os espaccedilos e as regras de conduta que influenciam na conduccedilatildeo
da vida Como relata Casanova (2013)
Esta reflexatildeo proposta por Casanova serve para lembrarmos a pergunta De que lugar
estamos falando Na sociedade atual com o discurso da importacircncia do parto humanizado e
diante da preocupaccedilatildeo crescente com a queda na mortalidade infantil os protocolos de cuidados
para o nascimento dos bebecircs e com os receacutem-nascidos tornaram-se orientaccedilotildees para as praacuteticas
dos profissionais de sauacutede que atuam nas maternidades (Ministeacuterio da Sauacutede 2012)
ldquoQue tipo de espaccedilo nos espera ao nascermos que tipo de roupa seremos
imediatamente obrigados a usar ou a natildeo usar que cuidados ou ausecircncia de
cuidados vatildeo estar dedicados ao bebecirc e mesmo ao feto em seus primeiros
movimentos existenciais tudo isso depende sempre e necessariamente em que
mundo nascemos No mundo da ontologia da ciecircncia meacutedica com suas
preocupaccedilotildees sanitaristas incessantes eacute claro que uma crianccedila vai ser cercada na
primeira infacircncia por uma seacuterie de cuidados de higiene visando justamente a
proteger o seu estado de sauacutede pleno Em uma comunidade indiacutegena por outro
lado na qual o nascimento eacute marcado por elementos rituais muito peculiares eacute por
vezes o pai que faz o parto que corta o cordatildeo umbilical e que acompanha na oca
a relaccedilatildeo da matildee com a crianccedila ateacute o momento em que o cordatildeo cai
completamenterdquo (Casanova 2013 pp 38)
23
Estes procedimentos e protocolos fazem parte do mundo dos profissionais de sauacutede que
trabalham em UTI Neonatal Entretanto ao percorrer o hospital tambeacutem tive a oportunidade
de conversar com uma gestora que demostrou uma grande preocupaccedilatildeo com o natildeo
cumprimento por todos os profissionais de sauacutede dos protocolos de seguranccedila preconizados
pela Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria Uma preocupaccedilatildeo salutar uma vez que uma
das causas mais frequentes de morte de receacutem-nascidos satildeo as Infecccedilotildees Relacionadas agrave
Assistecircncia em Sauacutede (IRAS) (Ministeacuterio da Sauacutede 2012)
O contexto do trabalho em hospitais apresenta grandes desafios que envolvem os
cuidados e a busca da cura dos pacientes Particularmente em Unidades de Terapia Intensiva
Neonatal os cuidados satildeo intensificados em meio a um aparato de equipamentos e agrave fragilidade
da vida dos receacutem-nascidos
Diante do exposto pode-se analisar brevemente o contexto de atuaccedilatildeo do profissional
de sauacutede em UTIN de acordo com a figura apresentada a seguir A anaacutelise breve se daacute como
uma posiccedilatildeo preacutevia da situaccedilatildeo considerando o olhar de algueacutem que natildeo pertence a este
contexto que natildeo estaacute atuando enquanto profissional de sauacutede em UTIN mas que construiu
um conceito inicial antes de comeccedilar a fase de entrevistas
24
Figura 1- O Contexto de Atuaccedilatildeo Profissional de Sauacutede na UTI Neonatal
O profissional de sauacutede atuante em UTIN apresenta como desafios a necessidade
constante de conhecimento teacutecnico que precisa ser aperfeiccediloado ao longo do tempo ao mesmo
tempo em que tambeacutem precisa entender sobre o funcionamento dos equipamentos e se adequar
aos novos protocolos de seguranccedila que estatildeo sendo implantados na maternidade
Estes primeiros desafios compotildeem a parte teacutecnica e objetiva da atividade realizada que
por ser conduzida por pessoas pode apresentar alteraccedilotildees quanto ao cumprimento das
determinaccedilotildees do protocolo o que amplia o risco de ocorrecircncia de eventos adversos
Os demais fatores envolvem o atendimento aos receacutem-nascidos com alto risco de morte
e consequentemente o acompanhamento dos familiares Como prerrogativa da assistecircncia
humanizada as matildees participam ativamente do processo de assistecircncia ao receacutem-nascido
demandando informaccedilotildees e atenccedilatildeo dos profissionais de sauacutede (Ministeacuterio da Sauacutede 2004)
Neste contexto de atuaccedilatildeo caracterizado por desafios e dificuldades ocorrem eventos
adversos dentre estes a morte de receacutem-nascidos Segundo relatos de profissionais de sauacutede da
Profissional de Sauacutede
Teacutecnica
Protocolos de
seguranccedila
Matildees dos pacientes
Bebecircs em alto risco de morte
Equipamentos
25
maternidade os mesmos ainda participam do processo inicial de luto oferecendo suporte aos
pais
Como no caso contado por uma psicoacuteloga que prestou assistecircncia agrave famiacutelia enlutada
junto com a meacutedica Segundo o relato a matildee natildeo aceitava que o filho havia morrido Mesmo
quando o corpo da crianccedila foi entregue aos pais para despedida ela acreditava que o bebecirc estava
dormindo Os profissionais precisaram acompanhar o processo de luto ateacute a matildee compreender
que o bebecirc havia morrido diante da frase ldquoo coraccedilatildeo dele parourdquo Apoacutes o entendimento da matildee
os pais puderam iniciar o processo de despedida do bebecirc Algo que gerou muito sofrimento
para a famiacutelia e um grande desgaste emocional para os profissionais de sauacutede que ofereceram
o suporte aos pais
As informaccedilotildees apresentadas retratam a realidade de atuaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede
em meio a tantas exigecircncias e responsabilidades Trata-se de uma anaacutelise sobre o prisma de
quem apenas olha pelo lado de fora da janela Pela metodologia proposta neste estudo os
profissionais foram convidados a narrar uma histoacuteria de perda da morte de um receacutem-nascido
durante a sua atuaccedilatildeo na UTIN Por meio deste convite tivemos a oportunidade de compreender
o modo de atuaccedilatildeo de cada profissional os sentidos atribuiacutedos as suas vivecircncias e a forma como
enfrentaram a morte dos pacientes A forma como o profissional sente e vivencia as suas
experiecircncias interfere diretamente na prestaccedilatildeo da assistecircncia agrave sauacutede
Aleacutem desses fatores as pesquisas realizadas em banco de dados revelam a necessidade
de ampliar os estudos sobre a aacuterea utilizando a abordagem da fenomenologia como forma de
compreensatildeo da experiecircncia Por meio do portal da Capes a busca na base do Pubmed
utilizando os descritores ldquohealthcare professionalrdquo and ldquodeathrdquo and ldquonewbornrdquo revelaram a
existencia de 1257 publicaccedilotildees Entretanto ao adicionar o descritor ldquophenomenologyrdquo aos
demais foram localizados duas publicaccedilotildees ambas fazendo referecircncia apenas ao trabalho de
enfermeiros (Silva Valenccedila amp Germano 2010 Rubarth 2003) A busca com os descritores
26
ldquohealthcare professionalrdquo and ldquodeathrdquo and ldquonewbornrdquo na base da BVS psicologia natildeo localizou
nenhuma publicaccedilatildeo O mesmo ocorreu com o portal do scielo
Os artigos citados revelam que diante da morte de receacutem-nascidos enfermeiros e
teacutecnicos de enfermagem apresentam sentimentos de auto-reprovaccedilatildeo baixa auto-estima e
culpa A morte de bebecircs eacute vista como uma falha da equipe no processo de cura No espaccedilo em
que os profissionais de sauacutede trabalham muito tempo e esforccedilo eacute direcionado para teacutecnicas que
possam prolongar a vida Quando estas natildeo funcionam satildeo gerados sentimentos de impotecircncia
fracasso frustraccedilatildeo e incapacidade (Silva Valenccedila amp Germano 2010 Rubarth 2003)
Sentimos falta de mais estudos que buscassem compreender a experiecircncia da morte de
receacutem-nascidos em UTI Neonatal utilizando a fenomenologia hermenecircutica heideggeriana
como orientaccedilatildeo metodoloacutegica Tambeacutem sentimos falta de estudos que contemplassem os
profissionais que compotildeem a equipe de uma UTI Neonatal (meacutedicos enfermeiros teacutecnicos de
enfermagem fisioterapeutas psicoacutelogos) Encontramos estudos dedicados especificamente a
uma ou duas categorias de profissionais (meacutedicos e profissionais da aacuterea de enfermagem)
Como seria ouvir representantes das diversas formaccedilotildees que compotildeem a equipe multidiciplinar
da UTI Neonatal Este questionamento tambeacutem contribui para a decisatildeo de contemplar
profissionais com formaccedilotildees diversas mas que precisam trabalhar em conjunto para oferecer
assistecircncia aos pacientes e familiares A partir destes questionamentos foi escolhida uma
direccedilatildeo para um caminho que seraacute delimitado nos proacuteximos capiacutetulos
A importacircncia deste estudo estaacute justamente na compreensatildeo da experiecircncia dos
profissionais de sauacutede que atuam na UTI Neonatal no intuito de gerar contribuiccedilotildees para a
comunidade acadecircmica os profissionais de sauacutede a instituiccedilatildeo hospitalar e consequentemente
para a assistecircncia dos pacientes e de seus familiares
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A partir do exposto seratildeo contemplados os capiacutetulos da tese os quais foram organizados
da seguinte forma
- Capiacutetulo 1 Os sentidos da morte ao longo da histoacuteria
O capiacutetulo abordaraacute as diferentes concepccedilotildees de morte para sociedades em contextos
histoacutericos especiacuteficos No iniacutecio do capiacutetulo eacute apresentada a figura da obra de arte ldquoO gritordquo
Este quadro foi pintado pelo norueguecircs Edvard Munch em 1893 O quadro representa o
sentimento de anguacutestia do ser humano diante das perdas Considerei oportuno refletir sobre a
morte a partir de uma figura que demonstra o assombro de um ser diante da dor da perda do
desconhecido E a fragilidade humana em meio ao crepuacutesculo de um por-do-sol marcante
-Capiacutetulo 2 Contemplando alguns existenciais da fenomenologia Heideggeriana
Este capiacutetulo iraacute discorrer sobre alguns existenciais que compotildee a ontologia
Heideggeriana Dentre os existenciais mencionados seratildeo contemplados ser-no-mundo ser-
com cuidado ser-para-a-morte anguacutestia
No iniacutecio do capiacutetulo estaacute apresentada uma das obras de arte mais conhecidas de
Salvador Daliacute ldquoA Persistecircncia da Memoacuteriardquo datada de 1931 A obra nos faz refletir sobre o
nosso entendimento racional do mundo Na figura os reloacutegios estatildeo deformados dando a
impressatildeo da diluiccedilatildeo do tempo como algo natildeo fixo ou linear A escolha desta obra serve como
uma inspiraccedilatildeo inicial para as valiosas contribuiccedilotildees de Heidegger agrave compreensatildeo do ser e do
tempo
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-Capiacutetulo 3 O profissional de sauacutede
Neste capiacutetulo estatildeo contemplados aspectos referentes aos profissionais de sauacutede as
dificuldades enfrentadas o ambiente hospitalar o contexto da maternidade e em particular da
UTI Neonatal
O iniacutecio do capiacutetulo eacute ilustrado com uma parte dos afrescos da Capela Sistina a obra
intitulada ldquoA Criaccedilatildeo da Humanidade e sua quedardquo pintada por Michelangelo em 1512 A vida
eacute representada pelo toque de Deus na criaccedilatildeo no ser do homem A escolha desta obra reflete o
olhar para o modelo meacutedico a analogia com a figura de quem cuida da vida e busca evitar a
morte o profissional de sauacutede que tantas vezes estaacute com a vida do outro em suas matildeos Em
particular na UTI Neonatal onde os bebecircs satildeo tatildeo fraacutegeis agraves vezes ateacute do tamanho de duas
matildeos unidas onde nascimento e morte criaccedilatildeo e queda estatildeo bem proacuteximos
-Capiacutetulo 4 Meacutetodo A escolha do caminho
Este capiacutetulo eacute dedicado agrave fenomenologia enquanto meacutetodo escolhido para
compreender a experiecircncia dos profissionais A fenomenologia nos convida a ver aleacutem das
aparecircncias A olhar o sentido das experiecircncias dos profissionais a partir da narrativa dos
mesmos
Ao longo do texto o ciacuterculo hermenecircutico eacute posto em ecircnfase assim como os
procedimentos que seratildeo utilizados para as entrevistas abrangendo os criteacuterios de inclusatildeo e
exclusatildeo dos participantes
Para introduzir este capiacutetulo uma obra prima de Van Gogh de 1888 ldquoO pintor a
caminho do trabalhordquo Em um belo dia sob um sol escaldante o pintor caminha para o seu
trabalho carregando seus instrumentos No caminho descobrem-se as belas paisagens e um novo
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colorido De forma similar o pesquisador ao realizar o estudo busca compreender o fenocircmeno
ao mesmo tempo em que se transforma ao longo da caminhada
-Capiacutetulo 5 As narrativas dos participantes os sentidos de ser profissional de sauacutede em
UTI Neonatal
Este capiacutetulo eacute dedicado aos profissionais de sauacutede atuantes na UTI Neonatal da
Maternidade Escola Januaacuterio Cicco Durante o mesmo satildeo apresentados trechos das narrativas
dos participantes a partir das anaacutelises realizadas tendo como inspiraccedilatildeo a hermenecircutica
heideggeriana
No iniacutecio do capiacutetulo eacute apresentada a obra do pintor surrealista Vladimir Kush que
retrata a uacuteltima ceia representada por flores de diferentes espeacutecies reunidas em torno de uma
mesa e em meio a um cenaacuterio iluminado por um azul celeste A obra tambeacutem faz uma
homenagem agraves participantes do estudo que receberam nomes fictiacutecios de flores
-Capiacutetulo 6 Destecendo a trama da existecircncia reflexotildees a partir das narrativas dos
profissionais de sauacutede
Neste capiacutetulo o pesquisador apresenta algumas reflexotildees a partir das narrativas dos
participantes natildeo com o intuito de fazer um fechamento Mas de assumir a condiccedilatildeo daquele
que pergunta e tem consciecircncia de que a compreensatildeo do fenocircmeno parte do olhar de quem
interroga (Critelli 1996) As reflexotildees iniciais contempladas partem portanto do pesquisador
que realizou as entrevistas leu e releu as narrativas como tambeacutem as entrelinhas considerou o
que foi dito e o natildeo dito o que estava expliacutecito e o que estava aparentemente oculto mas que
assumiu um sentido para o observador
No iniacutecio do capiacutetulo estaacute representada a obra de Vladimir Kush que retrata uma mulher
borboleta dentro de um livro segurando um casulo como quem segura um bebecirc A homenagem
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estaacute portanto nas paacuteginas deste livro na contemplaccedilatildeo das narrativas das mulheres que cuidam
dos receacutem-nascidos e ao cuidar vatildeo se transformando
Ao final deste projeto de tese estatildeo apresentados os Termos de Consentimento Livre e
Esclarecido de Gravaccedilatildeo de Voz No mais a partir destas consideraccedilotildees contempladas na
introduccedilatildeo comeccedilaremos fazendo uma retrospectiva sobre os sentidos da morte ao longo da
histoacuteria ateacute a contemporaneidade
31
Capiacutetulo 1 Os sentidos da morte ao longo da histoacuteria
ldquoO Gritordquo Edvard Munch 1893
32
Capiacutetulo 1 Os sentidos da morte ao longo da histoacuteria
A morte tratada como o grande misteacuterio da humanidade sempre fez parte da vida seja
como algo inaceitaacutevel seja como algo naturalizado como o destino de todas as espeacutecies As
atitudes e crenccedilas sobre a morte estiveram presentes ao longo do tempo retratando o contexto
histoacuterico e social de cada eacutepoca
Partindo do pressuposto de que todo comportamento social eacute historicamente ancorado
iniciaremos um breve relato sobre as vivecircncias da morte em diferentes sociedades ao longo da
histoacuteria da humanidade Falaremos de atitudes dentro de um cenaacuterio que natildeo pode limitar-se a
ser o fundo de uma figura mas como parte desta lhe oferece o contorno necessaacuterio agrave existecircncia
Desde o periacuteodo preacute-histoacuterico o homem demonstrava preocupaccedilatildeo com a morte e com
o que existiria apoacutes a vida Uma demonstraccedilatildeo disto satildeo os achados arqueoloacutegicos nos tuacutemulos
dos neandertais datados de aproximadamente 150000 anos Dentro dos tuacutemulos foram
encontrados utensiacutelios domeacutesticos e comida proacuteximas ao corpo do morto Ancoradas nestes
rituais estava a crenccedila da necessidade de se prevenir para o poacutes-morte Neste periacuteodo foram
encontrados os primeiros indiacutecios de preocupaccedilatildeo com o destino dos corpos em locais
reservados como as cavidades de rochas nas quais os corpos eram colocados de coacutecoras e
cobertos por pedras (Despelder e Strickland 2001)
No periacuteodo Paleoliacutetico Superior (30000 a 8000 anos aC) os corpos eram encontrados
em posiccedilatildeo fetal ou de barriga para cima e havia uma maior a quantidade de alimentos e
ldquoEacute impossiacutevel conhecer o homem sem lhe estudar a
morte porque talvez mais do que na vida eacute na morte
que o homem se revela Eacute nas atitudes e crenccedilas perante
a morte que o homem exprime o que a vida tem mais de
fundamentalrdquo
(Edgar Morin 1997 p32)
33
utensiacutelios domeacutesticos mais elaborados que os do periacuteodo anterior Alguns corpos estavam
pintados de ocre vermelho e a posiccedilatildeo fetal indicava a busca do renascimento Para os povos
primitivos a morte anunciava um renascimento como um ciclo natural de metamorfose e de
transmutaccedilatildeo (Morin 1997 Santos 2009)
Na antiguidade os egiacutepcios tambeacutem criavam vaacuterios rituais fuacutenebres A construccedilatildeo das
tumbas e das piracircmides enquanto morada dos mortos revelavam a preocupaccedilatildeo com a vida
apoacutes a morte Os locais de sepultamento retratavam o estilo de vida da pessoa que havia
falecido e a grandiosidade dos tuacutemulos representava o seu status social Para compor o local
um aparato de objetos era enterrado junto com o morto inclusive animais mumificados como
gatos macacos e falcotildees aleacutem das estaacutetuas que ganhariam vida como servos Os ornamentos
tinham a finalidade de preservar a morada do indiviacuteduo de tal forma que quando acordasse se
sentisse em casa e natildeo voltasse para se vingar dos vivos (Santos 2009)
Outra crenccedila central da cultura egiacutepcia era a necessidade de preservar o corpo (ka) para
o retorno do espiacuterito (ba) em outros tempos Por isso a mumificaccedilatildeo era tatildeo valorizada ao
ponto de o corpo ficar 30 dias longe da famiacutelia e retornar como era em vida inclusive com a
conservaccedilatildeo de detalhes como ciacutelios e sobrancelhas A morte era difundida na sociedade
atraveacutes da mitologia Os registros das praacuteticas fuacutenebres estavam contidos no Livro dos Mortos
escritos que ensinavam sobre a forma de pensar e de se comportar em relaccedilatildeo agrave morte O Livro
dos Mortos orientava o pensamento de um povo servindo tambeacutem como um guia que orientava
o morto para as vaacuterias provas que deveria passar com o objetivo de se unir agrave divindade de Osiacuteris
Caso o indiviacuteduo falhasse ocorreria uma segunda morte entendida como o destino para o
eterno esquecimento Este era considerado como o pior dos castigos para um individuo ser
destinado ao esquecimento completo (Santos 2009)
Para os egiacutepcios a morte era uma puniccedilatildeo dos Deuses Enquanto puniccedilatildeo a ideia da
proacutepria morte trazia o temor do castigo do abandono e da rejeiccedilatildeo E a morte do outro gerava
34
o medo da retaliaccedilatildeo ou da perda Aleacutem do medo da morte enquanto castigo havia uma
preocupaccedilatildeo com o que viria depois diante da crenccedila de que o poacutes vida era caracterizado por
vaacuterios desafios a serem superados O primeiro dos desafios era o julgamento de Maat deusa da
justiccedila da verdade e da ordem Neste julgamento a deusa oferecia uma pena a ser colocada em
um dos lados da balanccedila o outro lado era destinado ao coraccedilatildeo do morto que deveria ser puro
e verdadeiro ao ponto de tornar-se mais leve que a pena Todos passariam por este julgamento
do escravo ao faraoacute Natildeo havia portanto uma distinccedilatildeo social entre vivos e mortos no que
concerne ao destino no poacutes- vida O livro dos Mortos era companhia certa em todos os tuacutemulos
Embora natildeo tivesse utilidade alguma caso o morto natildeo tivesse realizado boas accedilotildees em vida
De nada serviriam as orientaccedilotildees contidas no livro se o indiviacuteduo natildeo tivesse ldquocreacuteditordquo para
utilizaacute-las (Kastenbaum amp Aisenberg 1983)
A civilizaccedilatildeo egiacutepcia deixa como legado uma preocupaccedilatildeo com o poacutes-vida concretizada
em uma seacuterie de rituais voltados para trazer o conforto e aparente seguranccedila ao morto A
civilizaccedilatildeo mesopotacircmica (2000 ac) entretanto natildeo apresentava a mesma crenccedila em relaccedilatildeo a
morte Para os povos que habitaram a mesopotacircmia a existecircncia humana tinha a finalidade de
servir aos deuses A morte ocorreria para todos e natildeo havia uma possibilidade de salvaccedilatildeo
individual ou coletiva independentemente das accedilotildees praticadas em vida A imortalidade era um
atributo exclusivo dos deuses Natildeo havia a crenccedila na imortalidade mas existia o temor de que
os mortos poderiam perturbar os vivos Caberia agrave famiacutelia a organizaccedilatildeo dos rituais fuacutenebres e
em particular ao filho mais velho a realizaccedilatildeo de algumas atividades para acalmar o morto
como raspar o cabelo servir alimentos e bebidas e construir um altar para reverenciaacute-lo
(Santos 2009)
Os persas (por volta do seacuteculo VI ac) por sua vez defendiam que a morte poderia levar
agrave elevaccedilatildeo do espiacuterito Ao deixar este mundo o morto passava por uma ponte Se tivesse
praticado boas accedilotildees encontraria em bela moccedila que lhe conduziria ao paraiacuteso Caso contraacuterio
35
uma velha desfigurada lhe perseguiria ateacute que caiacutesse da ponte em direccedilatildeo ao inferno Para
aqueles que praticaram tanto boas quanto maacutes accedilotildees de forma que se igualassem em quantidade
e importacircncia o destino era o limbo um local em que natildeo sentiam nem alegrias nem tristezas
Mas para todos caberia o julgamento final (que deveria ocorrer aproximadamente em 6000
dc) momento em que todo segundo a crenccedila dos persas todo o mal desapareceraacute e os bons
receberatildeo corpos jovens e indestrutiacuteveis (Kastenbaum amp Aisenberg 1983)
Um aspecto importante a considerar na civilizaccedilatildeo egiacutepcia bem como em outras
sociedades primitivas como a dos malaios eacute o fato das praacuteticas fuacutenebres serem constituiacutedas e
desenvolvidas pela comunidade Natildeo havia uma ecircnfase nas reaccedilotildees individuais Existiam regras
que conduziam toda a sociedade a se comportar diante da ameaccedila da morte e que
posteriormente orientavam como minimizar os efeitos negativos que a morte causava no seio
da comunidade O indiviacuteduo fazia parte de algo maior a sociedade e a sua morte atingia este
coletivo Por isso as praacuteticas representavam a uniatildeo e o poder do grupo sobre a morte
(Kastenbaum amp Aisenberg 1983)
Este breve relato sobre a morte na Antiguidade natildeo poderia deixar de contemplar a
cultura grega Nesta sociedade havia uma preocupaccedilatildeo com a sauacutede puacuteblica Diante disso os
restos mortais de todos sem distinccedilatildeo social eram enterrados fora das cidades Entretanto o
local e o monumento que representava o morto era de acordo com o niacutevel socioeconocircmico
Outro aspecto relevante eacute que o luto era permitido de uma forma geral por um periacuteodo de um
ano Para as crianccedilas que falecessem com ateacute seis anos de idade entretanto o prazo destinado
ao luto era de apenas um mecircs A expressatildeo do luto que se estendesse aleacutem deste periacuteodo estava
sujeita agrave recriminaccedilatildeo social (Agraveries 2003 Santos 2009)
Para os antigos gregos o pensamento preponderante em relaccedilatildeo ao poacutes vida era o da
imortalidade da alma Um defensor desta ideia foi Soacutecrates A morte deste importante filoacutesofo
foi retratada no seacuteculo XVIII em um quadro intitulado ldquoA morte de Soacutecratesrdquo
36
A morte de Soacutecrates Autor Jacques-Louis David 1787
Platatildeo descreveu a morte de Soacutecrates em um dos seus diaacutelogos o Feacutedon relatando uma
das formas de compreensatildeo da morte pelos gregos antigos que a associava agrave imortalidade da
alma A morte era como uma passagem do mundo sensiacutevel para o mundo suprassensiacutevel E o
que os gregos chamavam de exercitamento para a morte era justamente a preparaccedilatildeo para este
momento de passagem com destino agrave imortalidade Uma preparaccedilatildeo vivenciada e relatada por
Soacutecrates nos momentos em que esperou pela morte na cadeia no periacuteodo entre o julgamento e
a ocasiatildeo da sua morte
Durante este periacuteodo Soacutecrates recebia os filoacutesofos e dialogava sobre as suas ideias
refletindo inclusive sobre o significado da morte e a condiccedilatildeo do ser humano De acordo com
o relato de Soacutecrates ldquoeacute melhor estar morto do que vivordquo Mas a condiccedilatildeo de morto eacute dada por
uma divindade Uma vez que ldquonoacutes homens nos encontramos em uma espeacutecie de caacutercere que
nos eacute vedado abrir para escaparrdquo Apenas aos deuses caberia a decisatildeo da hora da morte do
homem no caso de Soacutecrates a condenaccedilatildeo para beber cicuta deixava-o livre para seguir para
outro mundo (p5)
Diferentemente desta compreensatildeo sobre a morte outro caminho preconizado pelos
antigos gregos particularmente os estoicos e epicuristas defendia a naturalizaccedilatildeo da morte
37
enquanto um destino de todas as espeacutecies Como algo que desagrega o que foi agregado em
vida Vida e morte fariam parte assim de um ciclo que terminava com a morte natildeo existindo
a possibilidade de imortalidade da alma (Nunes 2012)
Concepccedilotildees tatildeo distintas inspiraram os antigos gregos a refletir sobre a morte e sobre a
forma de conduzir a vida Morte e vida estatildeo entrelaccedilados como fios de uma mesma manta O
sentido da morte interfere na existecircncia do ser neste mundo E em cada eacutepoca as crenccedilas que
a sociedade propagava sobre a morte influenciaram as pessoas na maneira de compreendecirc-la
e de vivenciaacute-la
Em uma sociedade com ideias distintas acerca da morte preconizava-se o mesmo fim
para os bebecircs que nascessem com alguma deficiecircncia Em Esparta natildeo soacute os bebecircs como
tambeacutem as pessoas que adquiriam alguma deficiecircncia eram lanccediladas ao mar ou em precipiacutecios
por natildeo serem consideradas uacuteteis para a sociedade De forma similar na Roma Antiga nobres
e plebeus tinham a permissatildeo para sacrificar os bebecircs que nascessem com algum tipo de
deficiecircncia Crianccedilas com ldquodefeitosrdquo natildeo eram bem vindas ao mundo deveriam ser mortas ou
abandonadas ao relento ateacute a morte (Santos 2009)
No iniacutecio da Idade Meacutedia (seacutec V ao seacutec XII) a morte estava presente no cotidiano e
era aceita socialmente como algo simples e familiar Vivos e mortos coexistiam de forma
natural Morrer era o destino de todas as espeacutecies Algo previsiacutevel tambeacutem para o ser humano
que natildeo temia a morte em si mas o fato de morrer sozinho A morte desejada era anunciada
Esperada no leito como uma cerimocircnia puacuteblica e organizada conduzida pelo proacuteprio enfermo
que se despedia realizando as suas uacuteltimas vontades e direcionando o ritual fuacutenebre de
preparaccedilatildeo para a morte Neste ritual estavam presentes muitas vezes natildeo soacute os familiares a
proacutepria comunidade participava e acessava livremente o quarto do morto inclusive as crianccedilas
tambeacutem presenciavam os momentos de despedida A morte era domada domesticada tatildeo
cotidiana quanto a vida (Ariegraves 2003)
38
Nesta sociedade as crianccedilas eram vistas como adultos em miniatura sem distinccedilatildeo
quanto agraves regras sociais ou mesmo a dedicaccedilatildeo de maiores cuidados com exceccedilatildeo dos bebecircs
conforme relata Ariegraves (1981) ldquo um sentimento superficial da crianccedila - a que chamei
paparicaccedilatildeo era reservado agrave criancinha em seus primeiros anos de vida enquanto ela ainda
era uma coisinha engraccediladinha As pessoas se divertiam com a crianccedila pequena como com um
animalzinho um macaquinho impudico Se ela morresse entatildeo como muitas vezes acontecia
alguns podiam ficar desolados mas a regra geral era natildeo fazer muito caso pois uma outra
crianccedila logo a substituiria A crianccedila natildeo chegava a sair de uma espeacutecie de anonimatordquo (p 4)
Em todo o ritual de despedida a crianccedila tinha o seu papel definido Os adultos
explicavam a situaccedilatildeo e a crianccedila participava de tudo do veloacuterio ao enterro Natildeo existia uma
distinccedilatildeo com os adultos para o enfrentamento da morte inclusive na vivecircncia do luto e na ida
regular ao cemiteacuterio A vivecircncia do luto tambeacutem era natural as pessoas poderiam expressar os
seus sentimentos e participar de todo o processo desde a despedida ao enfermo ateacute o
acompanhamento do cortejo fuacutenebre O receio que as pessoas tinham era da morte brusca
repentina sem despedida sem o cumprimento de todo o ritual fuacutenebre (Kovaacutecs 1992)
As proacuteprias condiccedilotildees da sociedade como um todo contribuiacuteam para esta morte
anunciada os avanccedilos da medicina ainda eram incipientes para boa parte das doenccedilas natildeo havia
cura restando agrave comunidade a aceitaccedilatildeo e previsatildeo de que a morte viria logo As condiccedilotildees
sanitaacuterias eram precaacuterias e natildeo havia uma preocupaccedilatildeo social em relaccedilatildeo a isto Vivos e mortos
coexistiam As pessoas entravam nos quartos dos enfermos as crianccedilas brincavam nos
cemiteacuterios locais tambeacutem utilizados como palcos para danccedilas e jogos (Ariegraves 2003)
Os doentes sabiam que iriam morrer e assim se preparavam para a chegada da morte
dentro do seio da famiacutelia A morte familiar foi tambeacutem denominada por Ariegraves (2003) de morte
domada E do ritual de despedida participavam todos da famiacutelia da comunidade inclusive as
crianccedilas Natildeo havia uma preocupaccedilatildeo em isolaacute-las deste acontecimento tido como natural
39
Apoacutes todas as despedidas a morte vinha como um sono profundo durante o qual as almas
aguardariam o retorno de Cristo para o momento da ressurreiccedilatildeo assegurada pela Igreja Desta
crenccedila na ressurreiccedilatildeo surgiu o costume de enterrar os corpos em cemiteacuterios proacuteximos agrave Igreja
cabendo aos mais ricos a construccedilatildeo de tuacutemulos dentro das capelas (Kastenbaum amp Aisenberg
1983 Ariegraves 2003)
Vale salientar que na Idade Meacutedia doenccedilas malignas assolaram a Europa em
particular a peste negra que dizimou mais de 13 da populaccedilatildeo A morte tornou-se natildeo soacute uma
triste realidade cotidiana como tambeacutem uma forma de puniccedilatildeo de Deus para os homens como
um castigo que atingia a todos Outro evento que contribui para associar a morte agrave puniccedilatildeo foi
a atuaccedilatildeo da Inquisiccedilatildeo que utilizava a tortura e a morte como instrumentos para controlar a
ordem preconizada pela Igreja (Santos 2009)
Na segunda metade da idade Meacutedia (seacutec XII ao seacutec XV) mudanccedilas sutis comeccedilaram
a acontecer que influenciaram de forma decisiva na maneira das pessoas lidarem com a morte
Com a ideia do Juiacutezo Final propagada pela Igreja o morto seria julgado pelas accedilotildees executadas
em vida Passou-se a ter uma preocupaccedilatildeo com a morte de si mesmo com a individualidade do
morto e com o que este havia feito em vida A culpa o pedido de perdatildeo predominava nos
momentos proacuteximos a morte E as cerimocircnias ganharam um caraacuteter dramaacutetico Os homens
buscavam garantias para chegarem ao paraiacuteso representadas pelos donativos pelas obras
realizadas durante a vida pela compra de reliacutequias consideradas sagradas pela Igreja (Ariegraves
2003 Kovaacutecs 1992)
A preocupaccedilatildeo com a proacutepria morte se amplia no periacuteodo do Romantismo para o temor
diante da morte do outro O sofrimento com a perda as lembranccedilas o culto aos cemiteacuterios se
tornaram preponderantes neste periacuteodo A morte remetia agrave ideia de ruptura da dor de perder o
ente querido Diante deste cenaacuterio a recordaccedilatildeo dava uma certa condiccedilatildeo de imortalidade ao
indiviacuteduo Os mortos passaram a ser valorizados tanto quanto os vivos pelo legado que
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deixariam tantas vezes representados na concretude das sepulturas individualizadas e
majestosas da aristocracia (Ariegraves 2003 Kovaacutecs 1992)
Esta preocupaccedilatildeo com a morte do outro vai tomando outras proporccedilotildees ao longo do
tempo ocupando lugar na forma como a morte era vivenciada Com o intuito de poupar o outro
que estaacute proacuteximo a morte passou-se a omitir o seu estado O moribundo que na Idade Meacutedia
conduzia os momentos de despedida se tornava alheio ao processo e passava a morrer sozinho
em um leito frio de hospital Da preocupaccedilatildeo com o morto o incocircmodo de falar sobre a morte
e expressar o sofrimento do luto estendeu-se para toda a sociedade Diante deste contexto
origina-se o que Ariegraves (2003) denomina de morte interditada
A forma como as crianccedilas vivenciavam a morte do outro tambeacutem foi se modificando
de acordo com as mudanccedilas sociais que ocorreram ao longo do tempo A partir do seacuteculo XVII
a escola passou a ocupar um lugar importante na sociedade substituindo o aprendizado
fornecido agraves crianccedilas pela imitaccedilatildeo dos adultos na execuccedilatildeo dos seus ofiacutecios A crianccedila foi
separada dos adultos e mantida em uma certa distacircncia antes de ser solta no mundo Iniciava-
se entatildeo um longo processo que perduraria ateacute os dias de hoje a escolarizaccedilatildeo Essa separaccedilatildeo
das crianccedilas denominada por Arieacutes (1981) de enclausuramento fez parte de um grande
movimento de moralizaccedilatildeo promovido pelos reformadores catoacutelicos ou protestantes ligados agraves
leis ou ao Estado
Entretanto este movimento natildeo teria sido possiacutevel sem a cumplicidade sentimental das
famiacutelias A famiacutelia tornou-se o lugar de uma afeiccedilatildeo necessaacuteria entre os cocircnjuges e entre pais e
filhos algo que ela natildeo era antes Segundo Ariegraves (1981) as famiacutelias eram unidas por laccedilos de
honra e lealdade natildeo havendo necessariamente afeiccedilatildeo entre seus membros mas sim uma
espeacutecie de sociabilidade Exemplo disto eacute um fenocircmeno muito importante que comeccedila a ser
mais conhecido a persistecircncia no fim do seacuteculo XVII do infanticiacutedio tolerado Natildeo se tratava
de uma praacutetica aceita era considerada um crime Entretanto era praticado em segredo
ldquoO fato de ajudar a natureza a fazer desaparecer criaturas tatildeo pouco dotadas
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camuflada sob a forma de um acidente as crianccedilas morriam asfixiadas naturalmente na cama
dos pais onde dormiam Natildeo se fazia nada para salvaacute-las
Com a importacircncia atribuiacuteda agrave educaccedilatildeo os pais passaram a se interessar pelos estudos
dos filhos e a acompanhar o seu desenvolvimento Esta praacutetica era vista como algo natural nos
seacuteculos XIX e XX mas anteriormente natildeo existia desta forma com tanto zelo preocupaccedilatildeo e
solicitude A famiacutelia comeccedilava a se organizar em torno da crianccedila e a lhe dar tanta importacircncia
que a crianccedila saiu de seu antigo anonimato tornando-se impossiacutevel perdecirc-la ou substituiacute-la sem
uma enorme dor Se por um lado natildeo poderia se tolerar a repeticcedilatildeo desta dor por outro tornou-
se necessaacuterio limitar o nuacutemero de crianccedilas para melhor cuidar da sua educaccedilatildeo Portanto essa
revoluccedilatildeo escolar e sentimental teve como consequecircncia com o passar do tempo uma reduccedilatildeo
voluntaacuteria da natalidade observaacutevel a partir do seacuteculo XVIII (Ariegraves 1981)
Das famiacutelias numerosas nas quais era comum a morte de filhos a sociedade foi
modificando-se para famiacutelias pequenas onde palavras como ldquoplanejamento familiarrdquo e
ldquoinvestimento na educaccedilatildeo dos filhosrdquo passaram a fazer parte do contexto de vida de pelo
menos uma parte da populaccedilatildeo O filho planejado e desejado vinha ao mundo como um ser que
jaacute tinha a missatildeo de realizar um projeto dos pais como uma fonte de investimento de amor de
cuidados e de realizaccedilatildeo A dor da perda destes filhos ganhou uma nova proporccedilatildeo para a
sociedade contemporacircnea
Estas mudanccedilas na vida das pessoas consequentemente nas vivecircncias da morte tambeacutem
faziam parte de um cenaacuterio caracterizado pelos avanccedilos da medicina e como isto pela natildeo
aceitaccedilatildeo da doenccedila como preluacutedio da morte Buscava-se a cura representada pelo retorno agrave
vida A partir da deacutecada de 1930 os doentes eram encaminhados para os hospitais locais
destinados aos cuidados dos enfermos No contexto hospitalar o cuidado com o contaacutegio
distanciava as pessoas proacuteximas Havia horaacuterios a cumprir aparelhos a programar e uma serie
de aparatos que foram se tornando cada vez mais complexos Aliada a esta complexidade
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crescia para os profissionais de sauacutede a responsabilidade de segurar a vida de controlar a
existecircncia Formava-se assim o cenaacuterio para a exclusatildeo social da morte (Santos 2009)
No hospital a morte tornou-se oculta Evita-se falar da morte para os pacientes bem
como para as crianccedilas com o intuito de poupaacute-las Mas a crianccedila pode perceber que algo natildeo
estaacute bem Entatildeo as justificativas dos adultos satildeo permeadas por histoacuterias como os antigos
contos que escondiam aspectos referentes agrave sexualidade Assim como os bebecircs vecircm ao mundo
trazidos pelas cegonhas o avocirc foi dormir o pai viajouEnfim satildeo contadas histoacuterias inspiradas
no conceito de uma morte interditada Por vezes estas histoacuterias levam a outros
comportamentos como o medo de dormir e natildeo mais acordar gerando temores nas crianccedilas
(Pinto amp Veiga 2005)
A contemporaneidade constituiu-se no mundo trazendo outras mensagens sobre a vida
e assumindo como caracteriacutesticas a exacerbaccedilatildeo do individualismo a busca incessante do
prazer e da felicidade e consequentemente a necessidade de evitar o que atrapalhasse esta
busca A morte o luto a tristeza a anguacutestia satildeo todos fatores que natildeo contribuem para o
sucesso a juventude e o controle emocional
Antes de abordarmos a vivecircncia da morte na sociedade atual consideramos importante
refletir sobre alguns aspectos apresentados por Kastenbaum e Aisenberg (1983) como
ldquocondiccedilotildees que contribuiacuteram significativamente para o contexto de vida do qual emergiram as
interpretaccedilotildees sobre a morterdquo a expectativa de vida a presenccedila da morte o senso de possuir
reduzido controle sobre a natureza e o status do indiviacuteduo (p150)
Em sociedades onde a guerra a peste outras doenccedilas contagiosas ou natildeo eram
frequentes natildeo se esperava vida longa No decorrer da histoacuteria da humanidade a expectativa
de vida do homem era curta tantas vezes natildeo chegava aos trinta anos Com a precarizaccedilatildeo das
condiccedilotildees de sauacutede muitas mulheres morriam no parto e as crianccedilas nasciam mortas ou
faleciam muito cedo Para as que sobreviviam cabia a luta pela vida sem espaccedilo distinto para
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a vivecircncia de uma infacircncia O mundo dos adultos era tambeacutem o seu mundo Tanto que a hora
da morte era assistida por todos natildeo existia um isolamento no momento do desenlace Em meio
a tantas fraquezas perante agraves doenccedilas restava ao homem o senso de possuir reduzido controle
sobre as forccedilas da natureza inclusive sobre a sua proacutepria vida
Somadas a estas circunstacircncias outra caracteriacutestica relevante a ser mencionada eacute o status
social do indiviacuteduo Que nas civilizaccedilotildees antigas existia para a manutenccedilatildeo da sociedade para
o bem de algo maior natildeo servindo essencialmente ao benefiacutecio do indiviacuteduo isolado em
detrimento do grupo social
Estes fatores foram elencados por Kastenbaum e Aisenberg (1983) como significativos
para as interpretaccedilotildees sobre a morte existentes nas sociedades ao longo da histoacuteria Analisando
os mesmos fatores na eacutepoca atual diante de mudanccedilas tatildeo profundas no decorrer do tempo nos
deparamos com uma sociedade que apresenta um grande desenvolvimento tecnoloacutegico e da
medicina conseguiu com isto a ampliaccedilatildeo da expectativa de vida e a propagaccedilatildeo de valores
de sucesso e juventude ao mesmo tempo em que favorece o individualismo e interdita a morte
a um espaccedilo tatildeo reduzido quanto o esquecimento relegado ao fracasso e a frustraccedilatildeo
Vivemos em uma sociedade paradoxal que exige velocidade e calma ao mesmo tempo
que dita normas as quais geram ansiedade e para evitaacute-la divulga foacutermulas e medicamentos
Existem soluccedilotildees para o ldquobem viverrdquo segundo os bons costumes soluccedilotildees que aprisionam os
que se adequam e excluem os que natildeo conseguem caminhar como os demais A sociedade do
consumo e da busca de soluccedilotildees imediatas para o alcance do prazer
Uma sociedade que valoriza os avanccedilos tecnoloacutegicos e a juventude E estes avanccedilos
geraram uma noccedilatildeo de controle sobre a vida desde o seu iniacutecio durante o seu curso e na
necessidade de prolongamento do tempo neste mundo Em periacuteodos anteriores a morte
predominava em todos os periacuteodos a gravidez tantas vezes era um risco para a mulher bem
como a morte de receacutem-nascidos vista com naturalidade pela comunidade Na sociedade atual
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ldquoa morte conserva-se a uma distacircncia reconfortante ou uma boa distacircncia dos jovens e dos
adultos de meia idade Quem morre Os velhos (noacutes natildeo) A crescente associaccedilatildeo estatiacutestica
entre mortalidade e idade avanccedilada imediata e perpeacutetua para um prospecto distante remotordquo
(Kastenbaum e Aisenberg 1983 p 166)
Por isso a morte de jovens na contemporaneidade pode comover ao remeter agrave ideia
de uma vida interrompida antes mesmo de concretizar os objetivos propostos antes de dar
retorno agrave sociedade A morte eacute destinada aos que se tornaram obsoletos natildeo satildeo mais
produtivos E mesmo assim ela eacute evitada interditada pouco presente nas conversas cotidianas
A morte passa a ter uma participaccedilatildeo perifeacuterica na vida das pessoas quando na realidade eacute
uma condiccedilatildeo inerente ao ser-no-mundo
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Capiacutetulo 2 ndash Contemplando alguns existenciais da fenomenologia Heideggeriana
ldquoA Persistecircncia da Memoacuteriardquo Salvador Daliacute 1931
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Capiacutetulo 2 ndash Contemplando alguns existenciais da fenomenologia Heideggeriana
ldquoA morte chega cedordquo afinal que seguranccedila me traz o desconhecido O caminho que
natildeo percorri O abandono do ente querido Enquanto certeza incerta a morte assusta pela
imprecisatildeo possiacutevel pela hora natildeo marcada pelo temor escondido de quem vive na sociedade
que cultua o controle da vida do iniacutecio ao fim A morte que chega para o outro natildeo pertence
a mim mas me consome e leva consigo uma parte do que valorizo algo precioso que perdi
ldquoO amor foi comeccedilado o ideal natildeo acabourdquo A morte interrompe o que foi iniciado ao
mesmo tempo que gera o sentimento de perda do que foi e do que poderia ter sido Sofremos
pelo que perdemos e pelo que gostariacuteamos de ter realizado A morte do outro nos remete a todos
esses sentimentos de incompletude de inseguranccedila agraves vezes de arrependimento e tantas outras
a uma reflexatildeo sobre a proacutepria vida seus medos e seus alcances
A morte chega cedo pois chega sem avisar Como a visita que abre a porta sem bater
entra sem cerimocircnia leva o que lhe cabe e deixa quem fica a chorar Hoje um choro mais
contido um ritual mais reservado um luto mal vivido mas natildeo menos sofrido Apenas
controlado em meio a um cenaacuterio que prima pelo esquecimento da morte em detrimento da
valorizaccedilatildeo da vida e da juventude
O poema de Fernando Pessoa foi escolhido para iniciar este capiacutetulo por retratar da
forma mais bela que a poesia permite reflexotildees fundamentais sobre a morte e a vida que me
A Morte Chega Cedo
A morte chega cedo pois breve eacute toda vida
O instante eacute o arremedo de uma coisa perdida
O amor foi comeccedilado o ideal natildeo acabou
E quem tenha alcanccedilado natildeo sabe o que alcanccedilou
E tudo isto a morte risca por natildeo estar certo
No caderno da sorte que Deus deixou aberto
Fernando Pessoa in Cancioneiro
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remetem aos existenciais difundidos por Heidegger (19272015) e que inspiraram o presente
estudo
Para o entendimento do ser Heidegger (19272015) apresenta conceitos importantes
definidos como existenciais Antes de abordarmos alguns existenciais (inerentes agrave condiccedilatildeo
humana) partiremos de conceitos iniciais desenvolvidos pelo referido autor
Em sua principal obra publicada em 1927 Ser e Tempo Heidegger realiza um
questionamento fundamental inclusive para o modo de pensar preponderante do positivismo e
da metafiacutesica Ele natildeo pergunta o que eacute o ser Esta pergunta requer uma resposta traduzida
como uma definiccedilatildeo Desta forma poderia apresentar inuacutemeras respostas tais como o homem
eacute um animal racional o homem eacute um ser divino Enfim respostas provenientes dos mais
diversos interesses sejam estes filosoacuteficos cientiacuteficos religiosos
A pergunta fundamental de Ser e Tempo que origina todas as outras e ainda permanece
inacabada eacute Qual o sentido do ser Esta eacute uma pergunta que gera por si soacute inquietude Imagine
questionar para uma pessoa quem eacute vocecirc A resposta pode se definir da forma mais simples
ou da maneira mais prolixa mas existe uma resposta ldquoSou psicoacuteloga sou brasileira Sou filha
derdquoAgora questione a pessoa ldquoqual o sentido do serrdquo A resposta ganha outra complexidade
e uma reflexatildeo bem mais profunda
E o que se configura como sentido Sentido eacute o que nos move eacute o que Critelli (1996)
define como um destinar-se da existecircncia O sentido daacute a direccedilatildeo da nossa vida afeta as nossas
escolhas O homem natildeo possui determinaccedilotildees essenciais Sendo indeterminado a existecircncia
acontece como sentido O sentido tem a ver com o para que e tambeacutem com o ainda natildeo
Ao refletir sobre o sentido do ser Heidegger (19272015) considera que a palavra
sentido pode apresentar duas interpretaccedilotildees a primeira refere-se agrave significaccedilatildeo ou seja que
todo gesto humano eacute significado e a segunda contempla a direccedilatildeo perpassando a ideia segundo
a qual quem sou estaacute vinculado ao que eu posso ser O sentido me fornece a direccedilatildeo um
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caminho a ser seguido E tudo o que faccedilo estaacute vinculado com algo que ainda natildeo sou Sentido
eacute portanto direccedilatildeo e significado Eacute como me encontro no mundo hoje projetado para como eu
quero me encontrar no futuro A vida tem sentido quando compreendo o seu significado e
encontro atraveacutes deste o direcionamento para seguir em frente
Tambeacutem eacute importante a distinccedilatildeo entre o que Heidegger (19272015) denomina de
ocircntico do que ele define como ontoloacutegico O ocircntico estaacute dado no mundo eacute referente ao ente
(objetos inanimados plantas animais que servem ao homem enquanto instrumentos ou tem
algum tipo de utilidade como tambeacutem o proacuteprio homem eacute tambeacutem um ente) O ontoloacutegico eacute
relativo ao ser remete aos aspectos constituintes do ser como por exemplo os que satildeo
denominados por Heidegger de existenciais (o cuidado a linguagem)
Outro aspecto que merece relevacircncia na ontologia heideggeriana eacute a utilizaccedilatildeo dos
hiacutefens com o intuito de unir palavras para assumirem um novo sugnificado Heidegger tinha o
objetivo de desvincular o significado das palavras do senso comum e atribuir uma nova forma
de compreensatildeo das mesmas Ser no mundo pode ser entendido como um ser que estaacute no
mundo ou dentro do mundo ser-no-mundo por sua vez revela uma ligaccedilatildeo indissociaacutevel uma
relaccedilatildeo diferente de estar contido no outro mas como unidade separada passando a significar
natildeo ser compreendido sem o outro de maneira isolada
A partir do ser-no-mundo abordaremos de forma breve alguns existenciais o ser-com
o cuidado o ser-para-a-morte a anguacutestia Estes existenciais foram escolhidos pela inspiraccedilatildeo
que trazem agrave temaacutetica do presente estudo Os profissionais de sauacutede rementem agrave ideia do
cuidado em relaccedilatildeo aos pacientes satildeo por vezes considerados profissionais do cuidado Vivem
cotidianamente presenciado a morte dos outros e tambeacutem se angustiam diante da realidade que
Vale sublinhar que para Heidegger haacute duas regiotildees distintas de entes [i] o
ente intramundano (o simplesmente dado) que tem como caraacuteter ontoloacutegico
as categorias (ldquodeixar e fazer todos verem o ente em seu serrdquo12) [ii] E o ente
ser-no-mundo (a presenccedila) que tem como caraacuteter ontoloacutegico os existenciais
Na primeira regiatildeo temos o ponto de vista naturalista dos entes e na segunda
o ponto de vista existencial (Ferreira 2010 p 112)
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vivenciam Uma realidade marcada pela relaccedilatildeo com tantos outros os bebecircs os familiares dos
pacientes os colegas de trabalho Enfim os outros que fazem parte do cotidiano destes
profissionais de sauacutede Ao longo do texto os existenciais propostos por Heidegger (1927 2015)
seratildeo apresentados em itaacutelico com o intuito de enfatizar estas palavras que ao se unirem
ganham outro sentido
O ser-aiacute como bem expressa o termo eacute um ser que existe no mundo O que natildeo significa
que o ser estaacute inserido no mundo ou dentro do mundo Ele existe no mundo em uma relaccedilatildeo
de co-pertencimento O termo ldquoaiacuterdquo natildeo se refere a um lugar especiacutefico e sim a uma abertura
ao entendimento do homem enquanto ser-para-fora Esta definiccedilatildeo por si soacute jaacute diz muita coisa
Primeiramente desconstroacutei a concepccedilatildeo do senso comum de que o ser aparece no mundo e
depois o mundo surge para o ser A dicotomia homemmundo se esvai assim como a noccedilatildeo do
cogito com a ceacutelebre frase ldquopenso logo existordquo se perde Porque primeiramente o ser existe
eacute pre-senccedila antes ateacute de se definir enquanto um ser pensante
Em segundo lugar por estar-no-mundo lanccedilado no mundo o ser-aiacute estaacute aberto ao
mundo e agraves possibilidades apresentadas no mesmo em um contexto histoacuterico especiacutefico no qual
estaacute imerso O ser existe aiacute eacute pre-senccedila no mundo em uma relaccedilatildeo de co-pertencimento Por
assim dizer ele nunca estaraacute completo pois a relaccedilatildeo permaneceraacute aiacute enquanto ele existir no
mundo O ser-aiacute nada mais eacute que o modo de ser do homem enquanto ser-no-mundo
Ao estar no mundo o ser-aiacute depara-se com a sua facticidade ou seja encontra-se em
um corpo diante de uma realidade constituiacuteda de valores histoacuteria cultura e mitos
caracteriacutesticos de uma determinada sociedade A facticidade natildeo pode ser confundida com a
() ser-no-mundo natildeo eacute uma ldquopropriedaderdquo que o ser-aiacute agraves vezes apresenta
e outras natildeo como se pudesse ser igualmente com ela ou sem ela O homem
natildeo ldquoeacuterdquo no sentido de ser e aleacutem disso ter uma relaccedilatildeo com o mundo o qual
por vezes lhe viesse a ser acrescentado (Heidegger 2015 pp 95-96)
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ideia de destino de determinaccedilatildeo do ser uma vez que pela condiccedilatildeo existencial de abertura o
ser-no-mundo realiza escolhas e busca o poder-ser a realizaccedilatildeo de projetos
O ser-aiacute tambeacutem eacute denominado de Dasein onde ldquoDardquo significa aiacute e ldquoSeinrdquo significa ser
existecircncia Dasein eacute uma palavra em alematildeo que define o ser que estaacute presente e aberto a
inuacutemeras possibilidades ldquoO Dasein eacute a proacutepria abertura de sentido na qual pode vir agrave luz o ser
dos entes que se datildeo ao seu encontrordquo (Saacute Matar amp Rodrigues 2006 p 113)
O Dasein existe no mundo e natildeo mais fora deste e ao estar no mundo projeta nele as
suas accedilotildees A existecircncia eacute portanto essencialmente projeto No mundo estatildeo os utensiacutelios
necessaacuterios agrave ocupaccedilatildeo do homem que eacute originariamente um ser-no-mundo um ser que se
ocupa no cuidar das coisas Ao estar-no-mundo o homem natildeo pode ser considerado como um
espectador que assiste ao grande espetaacuteculo da vida Ele estaacute envolvido com o mundo com os
seus desafios e vicissitudes E ao transformar o mundo transforma a si mesmo
O mundo a que Heidegger faz referecircncia natildeo se limita ao local fiacutesico e geograacutefico
envolve a cultura os costumes todos os fatores que constituem um mundo para o indiviacuteduo
enquanto morada Eacute a fonte de referecircncia o local de sobrevivecircncia estrutura de sentido
Partindo deste pressuposto eacute preciso compreender o ser-no-mundo para entender as suas
escolhas o seu modo de ser Alguns valores que direcionam as accedilotildees das pessoas que nascem
em uma cultura aacuterabe por exemplo satildeo distintos dos que predominam na cultura americana e
consequentemente os comportamentos sociais dos referidos indiviacuteduos aacuterabes ou americanos
Portanto o mundo para Heidegger eacute constituinte do Dasein
O trabalho de Heidegger mostra que o ser-no-mundo eacute a condiccedilatildeo primeira
para o entendimento do ser do homem As vicissitudes do ser-no-mundo satildeo
anteriores agraves elaboraccedilotildees teoacutericas quanto a um ponto de partida ou uma
caracteriacutestica definidora que norteie um percurso compreensivo Jaacute haacute uma
determinaccedilatildeo insuperaacutevel que todavia tende a se manter velada no
cotidiano a existecircncia como ser-no-mundo (Roehe Dutra 2014 p 107)
Mundo eacute o todo da constituiccedilatildeo ontoloacutegica Ele natildeo eacute apenas o todo da
natureza da convivecircncia histoacuterica do proacuteprio ser si-mesmo e das coisas de
uso Ao contraacuterio ele eacute a totalidade especiacutefica da multiplicidade ontoloacutegica
que eacute compreendida de maneira una no ser-com os outros no ser junto a e
no ser-si-mesmo (Heidegger 19872009 p328)
51
Na mundanidade do mundo a presenccedila encontra-se em um mundo (ser-em) junto de
outros entes intramundanos (ser-junto) e com a copresenccedila (ser-com) A articulaccedilatildeo destes
existenciais eacute a estrutura fundamental e primordial da presenccedila na analiacutetica existencial
(Ferreira 2010 p113)
ldquoSendo o ser-em um existencial o ldquoemrdquo originalmente natildeo expressa uma relaccedilatildeo
espacial ldquoemrdquo deriva de innan- que significa morar habitar deter-se estar familiarizado a
habituado a estar junto-a Tambeacutem aqui ser-junto natildeo indica uma relaccedilatildeo de justaposiccedilatildeo
em que algo estaacute ldquoao lado derdquo ldquocolado ardquo Natildeo podemos pensar em um ente o Dasein junto
de outro ente o mundo da mesma maneira natildeo faz sentido pensarmos em um ente o homem
como uma coisa corporal dentro de um outro ente o mundo que o acomoda ou ainda um
ente a alma conjugada a outro ente o corpo Ser-junto ao mundo implica uma atitude de
empenhar-se no mundo de relacionar-se com ele buscando transformaacute-lo Dessa forma soacute o
Dasein pode ser-junto ao mundo (Leite 2013 p 188)
Heidegger (19272015) ao contemplar o conceito de ser-no-mundo afirma que este eacute
essencialmente um modo de ocupaccedilatildeo O Dasein eacute o uacutenico ser vivo que tem um mundo para
as coisas tudo eacute simplesmente dado Natildeo existe um mundo de sentido O ser-aiacute entretanto vive
ao lidar familiarmente na ocupaccedilatildeo com os entes ao realizar coisas produzir algo discutir
interrogar enfim todos os modos de se comportar os modos de ser-no-mundo
Em meio a esta totalidade do mundo estaacute presente o existencial de corporeidade
Heidegger aborda a corporeidade nos Seminaacuterio de Zollikon (1987 p 114) ldquoO corporar do
corpo [Leiben des Leibes] eacute assim um modo de ser do Da-seinrdquo O entendimento da
corporeidade enquanto existencial requer a compreensatildeo da perspectiva ontoloacutegica-existencial
do corpo natildeo limitando-se agrave visatildeo bioloacutegica do mesmo
Pela visatildeo bioloacutegica nos limitamos agrave visatildeo do corpo enquanto ele se apresenta para noacutes
como uma aparecircncia Ao refletir sobre a concepccedilatildeo da visatildeo bioloacutegica do corpo pensei no ser
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doente enquanto ser com possibilidades limitadas e que depende da assistecircncia do outro Como
seria a visatildeo do corpo do ser doente pelo profissional de sauacutede Agraves vezes alguns poderiam se
concentrar apenas no olhar para o corpo quase como uma maacutequina que precisa de conserto
Sem abranger o ser que habita este corpo
Agora imagine o profissional de sauacutede que trabalha em UTI Neonatal a visatildeo bioloacutegica
do corpo de um receacutem-nascido se restringe a um ser bem pequenino tantas vezes ocupando as
palmas de duas matildeos unidas A visatildeo bioloacutegica desse corpo remete a uma fragilidade imensa
agrave necessidade latente de assistecircncia e atenccedilatildeo aos miacutenimos detalhes para a sobrevivecircncia Um
corpo que natildeo fala pela boca mas que se expressa em pequenos movimentos e que pode gerar
compaixatildeo pelo simples fato de estar no mundo naquelas condiccedilotildees existenciais
Para tentarmos elucidar um pouco mais a compreensatildeo de Heidegger sobre a
corporeidade retomaremos o entendimento de Descartes acerca do corpo Entendimento que
ateacute hoje influencia na forma como compreendemos o mundo e as coisas que dele fazem parte
Para Descartes ldquoa extensatildeo em comprimento largura e altura constituem a natureza da
substacircncia corporal e o pensamento constitui a natureza da coisa que pensardquo a alma (Descartes
Princiacutepios I n 53 p 44)
Para Heidegger (1927 2015) a percepccedilatildeo dos nossos sentidos apenas informa sobre a
aparecircncia dos entes mas natildeo sobre a sua natureza Os sentidos ldquoanunciam meramente a
utilidade e a desvantagem das coisas intramundanas lsquoexternasrsquo para o ser humano dotado de
corporeidaderdquo (Heidegger p 146)
A compreensatildeo da corporeidade enquanto existencial vai muito aleacutem das informaccedilotildees
sensoriais Para Heidegger (1987 2009 p 127) ldquotodo comportamento do ser humano como
um ser-no-mundo eacute determinado pelo corporar do corpordquo
A corporeidade estaacute nos modos de ser da presenccedila na forma de se comportar de falar
de ouvir a expressatildeo dos sentimentos nos orientam no mundo enquanto um ser-corporal E o
53
nosso corpo eacute a cada vez enquanto presenccedila como um ser de abertura Somente o ser-aiacute tem a
possibilidade de existir E existir eacute ldquoec-sistirrdquo ou seja existir eacute para fora de si Eacute ser abertura eacute
ser projeto ldquoDizer que o dasein eacute projeto eacute livraacute-lo de qualquer substancialidade como algo
dado que o determina previamente Uma aacutervore eacute mas natildeo existe ela eacute incapaz de perguntar
pelo seu proacuteprio ser Fechada em si a aacutervore natildeo sabe que eacute nem lhe eacute dado o encontro com
outros entesrdquo (Ferreiro 2010 Leite 2013 p 190)
Por assim dizer ao refletirmos sobre o profissional de sauacutede eacute importante
compreendermos as relaccedilotildees que estabelece no seu cotidiano de trabalho enquanto um espaccedilo
para expressar a sua corporeidade O ldquomundordquo da UTI Neonatal apresenta vaacuterias
caracteriacutesticas regras e padrotildees estabelecidos pela Instituiccedilatildeo E o ser-no-mundo de cada
profissional de sauacutede eacute uacutenico pois apesar de conviver no local de trabalho possue outras
ocupaccedilotildees na vida no sentido de modos de ser no mundo que o torna sigular Embora
universalmente se constitue como todos os daseins que satildeo em sua essecircncia cuidado cura
O dasein que estaacute presente no mundo com possibilidades de fazer escolhas eacute tambeacutem
um ser-com constituiacutedo na relaccedilatildeo com os outros Ainda que se encontre em uma situaccedilatildeo de
isolamento o ser-aiacute eacute um ser-com-os-outros e jamais se define de forma isolada Mesmo o
estar-soacute da pre-senccedila eacute ser-com no mundo A falta e a ausecircncia tambeacutem se configuram como
co-presenccedila O dasein se apresenta portanto por meio da co-existecircncia na condiccedilatildeo de estar
sempre com o outro (Heidegger 19272015)
Numa primeira aproximaccedilatildeo e na maior parte das vezes a presenccedila se
estende a partir de seu mundo e a copresenccedila dos outros vem ao encontro
das mais diversas formas a partir do que estaacute agrave matildeo dentro do mundo Mas
mesmo quando a presenccedila dos outros se torna por assim dizer temaacutetica
eles natildeo chegam ao encontro como pessoas simplesmente dadas Noacutes as
encontramos por exemplo ldquojunto ao trabalhordquo o que significa
primordialmente em seu ser-no-mundo (Heidegger 2015 p 176)
54
Junto ao trabalho o ser-com se configura em meio a relaccedilatildeo com os outros Na realidade
de uma UTI Neonatal os outros se apresentam como colegas de trabalho que constituem uma
equipe multidisciplinar bem como os pais dos bebecircs que participam do processo de tratamento
dos receacutem-nascidos O ser profissional de sauacutede convive no seu cotidiano com o ser-doente E
o ser-doente se caracteriza por estar com possibilidades limitadas Da mesmo forma os pais do
receacutem-nascido tambeacutem estatildeo diante de uma realidade com restriccedilotildees Em meio agraves frustraccedilotildees
de natildeo levar o bebecirc para casa e de vecirc-lo em uma situaccedilatildeo de tamanha fragilidade Eles estatildeo
juntos com o seu bebecirc que se encontra no limite entre a vida e a morte ao mesmo tempo em
que precisam se ausentar das suas ocupaccedilotildees e compromissos As suas possibilidades se
restrigem e se concentram nas expectativas de deixar o hospital com o filho nos braccedilos
O receacutem-nascido enquanto ser-no-mundo se constitui enquanto ser-com O dasein
existe desde o seu nascimento ateacute a morte Estes satildeo os limites da existecircncia A partir do
momento em que eacute pre-senccedila se configura em meio agrave co-presenccedila dos outros ldquoO mundo da
presenccedila eacute mundo compartilhadordquo (Heidegger 2015 p 175) Ao considerarmos os limites da
existecircncia e refletirmos sobre o receacutem-nascido enquanto ser-no-mundo tambeacutem
desmistificamos a maacutexima cartesiana do ldquopenso logo existordquo A existecircncia vem antes do
pensamento entendido pelos outros O bebecirc eacute de fato ser-no-mundo e a sua pre-senccedila tem um
impacto significativo nas vidas dos outros Ela por si soacute transforma a existecircncia de outros
Daseins
O encontro com os outros natildeo se daacute numa apreensatildeo preacutevia em que um sujeito
de iniacutecio jaacute simplesmente dado se distingue dos demais sujeitos nem numa visatildeo
primeira de si onde entatildeo se estabelece o referencial da diferenccedila Eles veem ao
encontro a partir do mundo em que a presenccedila se manteacutem de modo essencial
empenhada em ocupaccedilotildees guiadas por uma circunvisatildeo Em oposiccedilatildeo aos
ldquoesclarecimentosrdquo teoacutericos que facilmente se impotildee sobre o ser simplesmente
dado dos outros deve-se ater ao teor fenomenal demonstrado de seu encontro no
mundo circundante (Heidegger 2015 p 175)
55
Heidegger (19272015) utiliza o termo alematildeo Sorge com o significado de cura que
tambeacutem pode ser definido como cuidado O cuidado eacute a proacutepria abertura que constitui o dasein
Eacute uma denominaccedilatildeo usada com o intuito de expressar a caracteriacutestica ontoloacutegica do dasein de
se estruturar atraveacutes do fenocircmeno da cura de sempre estar referido a outro ente O ser humano
eacute um ser de cuidado uma vez que cuidar eacute ao mesmo tempo origem (ser lanccedilado) e condiccedilatildeo
do ser (projetar agir) ldquoPorque em sua essecircncia o ser-no-mundo eacute cura pode-se compreender
nas anaacutelises precedentes o ser junto ao manual como ocupaccedilatildeo e o ser como co-presenccedila dos
outros nos encontros dentro do mundo como preocupaccedilatildeo (Heidegger 19272015 p260)
O cuidado pode se expressar atraveacutes de dois tipos de relaccedilatildeo a de ocupaccedilatildeo e a de
preocupaccedilatildeo A ocupaccedilatildeo eacute caracterizada pela relaccedilatildeo de manualidade com os entes os quais
apresentam o seu ser jaacute previamente determinado como os objetos Jaacute a preocupaccedilatildeo envolve
as relaccedilotildees com os outros daseins com os outros seres indeterminados inclusive consigo
mesmo (Heidegger 1927 2015)
O modo de cuidado da preocupaccedilatildeo enquanto forma de ser com o outro pode se
manifestar de duas formas o substitutivo e o antepositivo A primeira forma refere-se ao
cuidado que faz tudo pelo outro tornando-o dependente A segunda convida o outro a voltar-
se para si mesmo abrindo-se para novas possibilidades para a realizaccedilatildeo de suas proacuteprias
escolhas tornando-se assim livre Esta segunda forma de cuidado eacute definida por Heidegger
(1981) como o autecircntico cuidar ou solicitude Vale salientar que as denominaccedilotildees de cuidado
como substitutivo e antepositivo natildeo apresentam superioridade ou julgamento de valor Ambas
existem e devem existir no ser-com
O cuidado de uma matildee com o filho muitas vezes requer a tomada de decisatildeo a atitude
que evita o perigo Mas a mesma matildee deve entender o cuidado antepositivo quando ajuda o
seu filho a fazer as suas proacuteprias escolhas em relaccedilatildeo a sua vida A sabedoria estaacute em fornecer
o cuidado substitutivo ou antepositivo quando assim for necessaacuterio Natildeo caberia a uma matildee
56
oferecer um cuidado antepositivo para um filho pequeno e doente Nem tatildeo pouco um
substitutivo para um filho adulto no momento em que precisa fazer escolhas quanto a sua
profissatildeo por exemplo
Mas dentro da impessoalidade eacute possiacutevel que a relaccedilatildeo com o outro se decirc na ordem da
utilidade da indiferenccedila ou seja pode ocorrer de modo deficiente caracterizando a relaccedilatildeo
com o outro como um ser simplesmente dado Eacute o tipo de cuidado voltado para objetos que
torna o outro algo que pode ser substituiacutedo
No proacuteximo capiacutetulo abriremos um espaccedilo para discutir sobre o cuidado nos hospitais
em meio ao modelo da racionalidade meacutedica O cuidado tornou-se uma palavra amplamente
utilizada pelos profissionais de sauacutede como tambeacutem o termo assistecircncia A partir da ontologia
do cuidado de Heidegger muitas reflexotildees podem ser geradas em relaccedilatildeo a forma de lidar com
o ser-doente inclusive diante da possibilidade da morte do outro
Imerso no mundo o homem pode fazer escolhas dentre vaacuterias possibilidades Pode se
dedicar a esta ou aquela profissatildeo optar por ter muitos filhos ou natildeo ter nenhum por dedicar a
vida ao estudo ao trabalho ou a ajudar ao proacuteximo Entretanto entre muitas possibilidades
existe uma da qual o homem natildeo pode escapar a morte O homem pode fazer vaacuterias escolhas
mas natildeo pode deixar de morrer E ao morrer natildeo mais existe no mundo A morte por assim
dizer faz com que todas as outras possibilidades deixem de existir Com a morte natildeo haacute mais
projetos a realizar Ela encerra o inacabado
O ser-no-mundo que eacute ser-com-os-outros caminha para o fim ou seja eacute
intrinsecamente desde o princiacutepio um ser-para-a-morte Mas durante a sua vida deixa-se
envolver com as ocupaccedilotildees do mundo o que Heidegger (19272015) denomina de existecircncia
inautecircntica A reflexatildeo sobre a sua finitude leva o homem a uma existecircncia autecircntica ao pensar
sobre o sentido do seu ser dos seus projetos
57
A morte eacute uma possibilidade que encerra todas as outras E enquanto o dasein existe
jaacute eacute destinado para o fim Eacute um fenocircmeno intriacutenseco agrave vida que lhe impotildee o limite Eacute a
possibilidade mais proacutepria e insuperaacutevel de natildeo mais existir de natildeo mais estar presente no
mundo (Heidegger 19272015)
A experiecircncia da morte tambeacutem eacute singular Soacute podendo ser vivenciada por cada
indiviacuteduo Mas sendo essencialmente ser-com-os-outros sentimos a morte do outro como uma
perda A morte do outro se concretiza de maneira objetivamente acessiacutevel em nossas vidas
Sentimos falta da presenccedila do outro Embora mesmo apoacutes a morte os cuidados com o morto
natildeo o torna um ser simplesmente dado como um objeto Os cuidados com o morto demonstram
uma preocupaccedilatildeo reverencial e natildeo apenas uma ocupaccedilatildeo com o corpo A morte do outro nos
lembra que a morte existe e pode nos levar a refletir sobre a nossa proacutepria morte
De acordo com Heidegger (2015 p 313) ldquo Em sentido genuiacuteno natildeo fazemos a
experiecircncia da morte dos outros Estamos apenas juntordquo Esta afirmaccedilatildeo do referido autor
merece algumas consideraccedilotildees Primeiramente a expressatildeo ldquoestar juntordquo se refere a uma troca
de sentimentos possiacutevel entre os daseins Como pontua Ferreira (2010 p112) ldquoA cadeira estaacute
junto da parede mas ela natildeo estaacute com a parede porque ela natildeo toca e natildeo eacute tocada pela parede
Ao contraacuterio para ela eacute indiferente estar junto da parede ou da mesa Jaacute o estar junto do ser-no-
mundo eacute diferente do estar junto do ente intramundano pois quando ele estaacute junto da parede eacute
tocado ao mesmo tempo em que toca Somente o ente constituiacutedo pela abertura preacutevia do ser-
em pode tocar e ser tocadordquo
Em segundo lugar o fato de ldquonatildeo fazermos a experiecircncia da morte dos outrosrdquo significa
que natildeo podemos morrer pelo outro Mesmo que ofereccedilamos a nossa vida no lugar da de outra
pessoa esta atitude pode ser entendida como sacrifiacutecio jamais como experienciar a morte do
outro A morte eacute um fenocircmeno singular assim como o nascimento e todas as experiecircncias
vividas e interpretadas por cada ser-no-mundo
58
Conhecemos a morte como algo que ocorre com o outro mas distante da realidade
proacutepria como afirma Heidegger (2015 p 331) ldquoa explicaccedilatildeo do ser-para-a-morte no cotidiano
deteve-se na falaccedilatildeo do impessoal algum dia se morre mas por hora ainda natildeordquo Vive-se com
a certeza da morte embora esta certeza eacute tida como uma verdade distante para a qual se foge
com o mergulho na impessoalidade
Ao longo da trajetoacuteria de vida as perdas podem ser sentidas de diferentes formas que
deixam marcas resignificam a vida mas natildeo mudam de condiccedilatildeo ou significado satildeo perdas
Grandes e pequenas mortes com as quais precisamos aprender a lidar no cotidiano a conviver
com a ausecircncia
E da mesma forma que na contemporaneidade fugimos da morte tentamos evitar ao
maacuteximo pensar na morte dos outros e na nossa proacutepria morte e mascaramos o luto noacutes tambeacutem
fugimos das perdas escondemos os fracassos encobrimos as falhas buscamos culpados para a
natildeo-realizaccedilatildeo dos desejos e sonhos nos concentramos em outras demandas para natildeo olhar para
o que perdemos Caiacutemos na impessoalidade e ficamos na superfiacutecie das histoacuterias das relaccedilotildees
das atividades cotidianas Tomamos piacutelulas para emagrecer remeacutedios para esquecer das dores
para dormir o sono que evita a culpa
As perdas demonstram que natildeo temos o controle sobre o mundo e tambeacutem indicam que
somos seres em deacutebito Sempre que escolhemos algo abrimos matildeo de outras possibilidades o
tempo inteiro Estamos em deacutebito com o que natildeo escolhemos e diante de decisotildees muito
importantes para a nossa vida o nosso deacutebito torna-se ainda maior conosco E esta diacutevida vai
sendo cobrada ao longo da existecircncia ateacute a finitude quando deixamos a condiccedilatildeo de ser-no-
mundo (Heidegger 19272015)
Ter consciecircncia de ser algueacutem em deacutebito nos torna mais reflexivos quanto agraves escolhas
que realizamos Tantas vezes o sim para o mundo pode ser o natildeo para si proacuteprio E a dor da
sequecircncia de perdas pode levar ao adoecimento e agrave perda de sentido da vida
59
A consciecircncia da finitude faz parte da histoacuteria da humanidade e sempre interferiu na sua
existecircncia Desde o iniacutecio apresenta-se como uma certeza sem resposta mas pautada em
explicaccedilotildees as mais diversas tanto de filoacutesofos como de religiosos que ao longo dos seacuteculos
influenciaram na maneira como o homem vivencia a experiecircncia da morte do outro e tambeacutem
na forma como encara a proacutepria morte
Seja um castigo ou fonte de expiaccedilatildeo dos pecados Seja o fim da existecircncia ou um novo
comeccedilo a morte continuaraacute na verdade como presenccedila como uma possibilidade certa na nossa
existecircncia um marco divisoacuterio entre estar-no-mundo e deixar de ser-no-mundo
O viver para a morte constitui o sentido autecircntico da existecircncia E esta experiecircncia de
refletir sobre a existecircncia se torna possiacutevel por meio da anguacutestia Outro existencial definido
por Heidegger (19272015) que revela ao homem a presenccedila do nada a sua finitude A anguacutestia
natildeo pode ser confundida com o medo direcionado a um determinado objeto Ela eacute uma abertura
para o nada para o fim das possibilidades que se daacute com a morte E no meio das ocupaccedilotildees
do mundo o homem se exime de viver esta experiecircncia que o incomoda
A anguacutestia incomoda pois nos fornece um sinal de alerta um despertar para a existecircncia
e para o nada o fim da mesma A experiecircncia da anguacutestia desperta a condiccedilatildeo do ser-para-a-
morte como algo inerente ao homem e da morte como destino dos que vivem Um destino
certo para ocorrecircncia e incerto quanto ao tempo A anguacutestia eacute portanto algo necessaacuterio agrave vida
como um dote do nosso estar-aiacute (Boss 1981)
Cada anguacutestia humana tem um de que do qual ela tem medo e um pelo que
pelo qual ela temeO do que de cada anguacutestia eacute sempre um ataque lesivo agrave
possibilidade de estar aiacute (dasein) humano No fundo cada anguacutestia teme a
extinccedilatildeo deste ou seja a possibilidade de um dia natildeo mais estar aqui O pelo
que da anguacutestia humana eacute por isto o proacuteprio estar-aiacute na medida em que ela
se preocupa e zela soacute pela duraccedilatildeo deste Por isso as pessoas que mais temem
a morte satildeo sempre as mesmas que mais tecircm medo da vida pois eacute sempre o
viver da vida que desgasta e potildee em perigo o estar aiacute (Boss 1981 p26)
60
A anguacutestia se angustia com o ser-no-mundo com a condiccedilatildeo de desamparo que o ser se
encontra O desamparo observado nas incertezas na sensaccedilatildeo de incompletude nas
inseguranccedilas do cotidiano Inseguranccedilas mascaradas no apego agraves coisas mundanas como uma
forma de se situar no mundo de criar raiacutezes e de aparentemente se estabilizar O desamparo eacute
portanto inerente ao ser-no-mundo E talvez para natildeo pensar neste desamparo a reflexatildeo
sobre a proacutepria morte seja evitada
Entretanto morte e vida estatildeo interligadas fim e comeccedilo se entrelaccedilam E na perspectiva
do sentido natildeo vivemos um tempo somos tempo O tempo da vida do ser-aiacute que natildeo pode ser
medido por horas e minutos Pode apenas ser vivido enquanto lhe eacute permitido E esta
consciecircncia faz da permissatildeo a melhor das daacutedivas Permitir-se viver da forma mais autecircntica
torna-se mais valioso quando se sabe que esta possibilidade eacute finita Parece que se valoriza mais
o que se pode perder
O tempo eacute outra temaacutetica importante abordada por Heidegger no livro Ser e Tempo
(19272015) A noccedilatildeo de temporalidade humana da vida atual e cotidiana eacute distinta da pensada
pelo referido autor Talvez por vermos o tempo como a contagem de horas reduzidas a minutos
e segundos julgamos que a morte da crianccedila eacute mais sofrida que a do adulto que por sua vez
eacute mais dolorida que a do anciatildeo Acreditamos que o anciatildeo teve tempo de cumprir a sua missatildeo
Aquilo com que a anguacutestia se angustia eacute o nada que natildeo se revela ldquoem parte
algumardquo Fenomenalmente a impertinecircncia do nada e do em parte alguma
intramundanos significa que a anguacutestia se angustia com o mundo como tal
[hellip] O nada da manualidade funda-se em ldquoalgordquo mais originaacuterio isto eacute no
mundo Do ponto de vista ontoloacutegico poreacutem ele pertence essencialmente ao
ser do Dasein como ser-no-mundo Se portanto o nada ou seja o mundo
como tal se apresenta como aquilo com que a anguacutestia se angustia isso
significa que a anguacutestia se angustia com o proacuteprio ser-no-mundo
(Heidegger 19272015 pp 253)
61
de viver muitas experiecircncias mas o tempo contado em horas e minutos o tempo cronoloacutegico
natildeo eacute condiccedilatildeo imprescindiacutevel para o bem viver para que ldquoa missatildeo seja concluiacutedardquo
Ao falarmos sobre a histoacuteria de vida pensamos como uma sequecircncia de acontecimentos
uma linha de tempo linear entre passado presente e futuro Mas o ser-aiacute natildeo preenche as fases
de um trajeto A sua existecircncia eacute prolongar-se sobre si mesmo desdobrar-se para fora Ele natildeo
cumpre uma sequecircncia de eventos no tempo como algo determinado A existecircncia eacute tempo e
natildeo uma soma de unidades de horas minutos e segundos (Heidegger 19272015)
Quando a vida eacute contada como uma soma de unidades de tempo a morte de bebecircs e
crianccedilas se apresenta como uma ruptura da ldquoordem natural das coisasrdquo nas quais os pais vatildeo
antes Mas a morte pode chegar ldquocedordquo no seio da esperanccedila de uma nova vida Vem como um
vento forte que leva uma semente e junto com ela todos os projetos que jaacute germinaram A
morte de um receacutem-nascido pode gerar comoccedilatildeo pelo natildeo vivido pela falta do que natildeo veio e
era tatildeo esperado E a comoccedilatildeo se amplia dos pais e familiares para todos os envolvidos com o
iniacutecio de uma histoacuteria interrompida
Existem crianccedilas que vivem de forma muito mais intensa que adultos dedicados agrave
impessoalidade do mundo Por assim dizer ldquoo tempo deixa de ser uma sucessatildeo de minutos
simplesmente dados e se torna o tempo especiacutefico da singularidade de maneira que o ser-aiacute
singular se torna o seu proacuteprio tempoe passa a ser o lsquoespaccedilorsquo da temporalizaccedilatildeo do mundordquo
(Costa 2015 p 79)
A vivecircncia da dor do sofrimento da sabedoria da alegria e da compaixatildeo natildeo pode ser
medida pelo tempo cronoloacutegico E sim contemplada na narrativa das experiecircncias singulares
de cada ser humano Que ao narrar a sua histoacuteria resignifica o passado reflete sobre o presente
e projeta-se para o futuro (Dutra 2002)
Com relaccedilatildeo agrave compreensatildeo do homem enquanto ser histoacuterico eacute importante salientar
que Heidegger diferencia duas palavras para o termo histoacuteria Historie e Geschitchte A
62
primeira eacute referente ao estudo dos acontecimentos passados enquanto ciecircncia que investiga
fatos O termo Geschichte entretanto faz referencia agrave histoacuteria enquanto o proacuteprio acontecer
remetendo agrave ideia de historicidade do ser-no-mundo (Tonin 2015)
A existecircncia eacute sempre biograacutefica Considerar a historicidade do dasein eacute fundamental
portanto para a compreensatildeo do ser-no-mundo Com este intuito o proacuteximo abordaremos a
temaacutetica da era da teacutecnica apresentando a preocupaccedilatildeo de Heidegger com o dasein diante da
sociedade moderna caracterizada pelos dos avanccedilos tecnoloacutegicos pela velocidade na difusatildeo
de informaccedilotildees e pela fuga de pensamentos
Ao abordar a temaacutetica em ldquoA questatildeo da teacutecnicardquo Heidegger (2007) nos leva a uma
importante reflexatildeo sobre existir no mundo da modernidade A teacutecnica que seraacute colocada em
ecircnfase aqui natildeo se restringe ao uso de instrumentos ou ateacute mesmo ao domiacutenio do conhecimento
para utilizaacute-los Mas sim ao modo de ser do homem na modernidade ao espiacuterito presente em
uma eacutepoca
Para compreendermos melhor as afirmaccedilotildees expostas recorremos a uma comparaccedilatildeo
dos modos de produccedilatildeo agriacutecola feita pelo referido autor Com o intuito de ampliar a produccedilatildeo
armazenar insumos estocar comida o homem faz uso de teacutecnicas inovadoras de plantio utiliza
produtos que ampliam as colheitas que antecipam o amadurecimento de frutos ou a sua melhor
conservaccedilatildeo A teacutecnica eacute utilizada para a obtenccedilatildeo de uma maior produccedilatildeo que vai muito aleacutem
da necessidade de subsistecircncia
Entretanto para um semedor que acompanha o movimento da natureza cultivar consiste
em plantar a semente e aguardar o seu desabrochar naturalmente em seu tempo Assim a
semente prospera e cresce sem o controle do homem que acompanha cultiva e colhe os seus
A pergunta sobre o ser eacute ela mesma uma pergunta histoacuterica e que se faz na
histoacuteria O circulo ontoloacutegico eacute tambeacutem um circulo histoacuterico a compreensatildeo
preacutevia do Dasein uma vez liberada igualmente libera o fundo da histoacuteria
(Nunes 2012 p151)
63
frutos Eis aiacute o que Heidegger (1927 2015) denomina de desvelar-se de ldquodeixar vir agrave
presenccedilardquo rememorando o conceito grego de Aletheia a verdade enquanto desvelamento E
este desvelamento pode ser comparado a uma clareira em meio a uma floresta
O ser-no-mundo se apresenta portanto como desvelamento e ocultamento Assim ele
se relaciona consigo e com os outros daseins Os objetos entretanto se apresentam na clareira
satildeo simplesmente dados e ganham significado na medida em que satildeo utilizados Ainda
retomando os gregos Heidegger tambeacutem faz referecircncia agrave palavra teacutechne ao se referir agrave arte agrave
manufatura desvelada pelo artista (denominado de techinite)
Para Heidegger a diferenccedila entre a teacutecnica e a teacutechne estaacute no modo de desvelamento
Com o uso da teacutecnica o desvelamento se daacute pela produccedilatildeo a partir de uma postura de
provocaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave natureza ao mesmo tempo em que prima pelo controle dos processos
e resultados Na teacutechne o objetivo eacute de deixar-acontecer aceitando os limites sem impor
desafios O desvelamento se daacute no descobrimento de algo naturalmente (Feijoo 2004)
Considerando estas duas formas de cultivo da terra marcadas provocaccedilatildeo ou pela
postura de deixar-acontecer voltamos a refletir sobre as diferentes maneiras de pensar do
homem Na sua obra denominada ldquoSerenidaderdquo (1959) Heidegger apresenta duas modalidades
de pensamento calculante e meditante tambeacutem denominados de pensamento que calcula e
No comeccedilo do destino do Ocidente na Greacutecia as artes elevaram-se agraves maiores
alturas do desabrigar a elas consentidas Elas permitiram que a presenccedila dos
deuses e o diaacutelogo entre o destino humano e o destino divino brilhassemEla
era um singular e muacuteltiplo desabrigar As artes natildeo decorriam do artiacutestico As
obras de arte natildeo eram fruiacutedas esteticamente A arte natildeo era um setor da
produccedilatildeo cultural O que era a arte Era talvez arte somente por breves tempos
Ela era um desabrigar que levava e punha agrave luzhellip (Heidegger 2007 p 395)
Nas regiotildees cobertas por aacutervores a luz natildeo chega e o que estaacute nessa regiatildeo
fica oculto Na regiatildeo clara (clareira) as coisas satildeo manifestadas A partir
dessa imagem podemos pensar os entes como aquilo que aparece na
clareira Para se pensar o ser entretanto temos que incluir tambeacutem a
ocultaccedilatildeo originaacuteria (Evangelista 2010 p5)
64
reflexatildeo O pensamento que calcula esta voltado para o controle de tudo a sua volta Para o
domiacutenio do conhecimento como um desafio assumindo um comportamento de provocaccedilatildeo
diante da natureza Caracteriza-se pela investigaccedilatildeo pela mensuraccedilatildeo ldquoO pensamento que
calcula faz caacutelculos Faz caacutelculos com possibilidades continuamente novas sempre com
maiores perspectivas e simultaneamente mais econocircmicas O pensamento que calcula corre de
oportunidade em oportunidade O pensamento que calcula nunca para nunca chega a meditarrdquo
(Heidegger 1959 p 13)
Em contrapartida o pensamento meditante propotildee uma reflexatildeo sobre o sentido da
existecircncia Meditar envolve uma postura de parar diante das coisas e refletir sobre o que nos
estaacute mais proacuteximo ldquoO pensamento que medita exige de noacutes que natildeo fiquemos unilateralmente
presos a uma representaccedilatildeo que natildeo continuemos a correr em sentido uacutenico na direccedilatildeo de uma
representaccedilatildeo O pensamento que medita exige que nos ocupemos daquilo que agrave primeira vista
parece inconciliaacutevelrdquo (Heidegger 1959 p 23)
A reflexatildeo faz parte da existecircncia do homem mas exige deste um grande esforccedilo que
pode ser depreendido por qualquer pessoa cada qual dentro dos seus limites ldquoBasta
demorarmo-nos junto ao que estaacute perto e meditarmos sobre o que estaacute mais proacuteximo aquilo
que diz respeito a cada um de noacutes aqui e agorardquo (Heidegger 1959 p14)
Estamos em uma era marcada pela velocidade das informaccedilotildees Em que os
acontecimentos satildeo rapidamente divulgados para milhotildees de pessoas As novidades percorrem
diversos canais publicitaacuterios aparecendo na miacutedia como novas soluccedilotildees para os problemas
cotidianos Heidegger (1959) nos alerta que apesar de estarmos imersos em um mundo com
novos aparatos teacutecnicos e muitas informaccedilotildees eacute preciso distinguir entre simplesmente ouvir ou
ler algo isto eacute tomar conhecimento no sentido de ser informado sobre algo e realmente
adquirir o conhecimento ou seja refletir sobre o que foi ouvido e lido
65
O problema da teacutecnica natildeo estaacute no fato da utilizaccedilatildeo de equipamentos e aparatos
tecnoloacutegicos mas sim na forma como lidar com os mesmos Trata-se de uma reflexatildeo sobre o
pensamento no mundo moderno onde a teacutecnica de produccedilatildeo eacute importante mas natildeo pode
predominar sobre a vida do homem que deve fazer uso da teacutecnica sem assumir uma postura
de aceitaccedilatildeo incondicional de rejeiccedilatildeo nem tatildeo pouco de alienaccedilatildeo
O homem natildeo pode ficar escravo da teacutecnica dos equipamentos que utiliza no seu
cotidiano Devendo assumir uma postura de serenidade diante das coisas ao ponto de utilizaacute-
las quando achar necessaacuterio e deixar de usaacute-las quando desejar Esta postura de serenidade no
leva a utilizar o nosso conhecimento teacutecnico a nosso favor evitando assim a alienaccedilatildeo ou a
dependecircncia
Ao refletirmos sobre a atuaccedilatildeo do profissional de sauacutede eacute preciso salientar que
atualmente diante do modelo biomeacutedico os profissionais se encontram envoltos em aparatos e
novas tecnologias precisando dominaacute-las amplamente Mas e quando o conhecimento teacutecnico
natildeo eacute suficiente Quando os equipamentos natildeo fornecem as respostas necessaacuterias ou mesmo as
almejadas A teacutecnica natildeo iraacute fornecer todas as respostas Ela existe para servir ao homem e natildeo
para limitaacute-lo enquanto profissional que oferece assistecircncia em sauacutede que precisa desenvolver
o pensamento meditante continuamente diante de quem estaacute mais proacuteximo
Buscar compreender o outro os seus anseios e o que efetivamente importa para ele satildeo
preocupaccedilotildees que fazem suscitar os problemas ditos eacuteticos nos hospitais Assim como as
decisotildees quanto agrave realizaccedilatildeo de procedimentos considerados inviaacuteveis a ocorrecircncia de eventos
adversos ou mesmo da morte devido a erros no tratamento as dificuldades para explicar aos
familiares os fatos ocorridos dentre outras situaccedilotildees que se apresentam no cotidiano de
trabalho Estes satildeo aspectos que merecem uma reflexatildeo sobre cada situaccedilatildeo em particular e a
respeito do sentido da experiecircncia para o profissional de sauacutede
66
Quando o homem se esconde atraacutes da teacutecnica e natildeo busca refletir sobre as suas accedilotildees
acaba deixando de lado o que tem de mais valioso a sua capacidade de meditar de refletir Eacute
esta capacidade que o direciona para novas escolhas novos modos de ser-no-mundo
67
Capiacutetulo 3 O profissional de Sauacutede
ldquoA Criaccedilatildeo da Humanidade e sua quedardquo Michelangelo 1512
68
Capiacutetulo 3 O profissional de Sauacutede
O presente capiacutetulo contempla aspectos referentes aos profissionais de sauacutede agraves
dificuldades enfrentadas ao ambiente hospitalar ao contexto da maternidade e em particular
da UTI Neonatal Inicialmente seraacute feita uma retrospectiva quanto ao ambiente de trabalho o
hospital o local destinado ao envio de doentes
O cuidador
Tanta palavra
Tanto trabalho
Tanto diagnoacutestico Avassalador
Tanta cultura
Entre a dor e a cura
Tanta procura
Pelo fim da dor
Tanta rotina
Tanto medicamento
Tanto equipamento De alto valor
Tanta tecnologia
Envolvendo tanta gente
E nada disso
Aparentemente
Eacute suficiente
Para garantir
Verdadeiramente
Um cuidador
Dr Luiz Alberto Mussa Tavares Poemas para Almas
Apressadas 2017
69
A palavra hospital vem do latim hospitalis que significa o que hospeda ou daacute agasalho
Nos dias de hoje o hospital eacute compreendido como uma instituiccedilatildeo destinada ao tratamento e
cura de doentes e feridos Mas nem sempre o hospital foi associado agrave ideia de cura (Pitta
2003)
Os primeiros hospitais foram construiacutedos entre 369-372 na Capadoacutecia e em Roma Eram
locais de dor e de morte Em 542 foram construiacutedos dois hospitais na Franccedila o Hocirctel Dieu de
Lyon e o Hocirctel Dieu de Paris O primeiro hospital da Inglaterra St John foi inaugurado em
1084 ainda com as mesmas caracteriacutesticas dos demais destinados a receber os doentes com
condiccedilotildees extremamente precaacuterias para o acolhimento Assim desde o seu iniacutecio os hospitais
eram associados agrave morte locais temidos para os vivos e destinados aos enfermos que natildeo tinham
outra possibilidade de acolhimento (Zaidhaft 1990)
O surgimento do hospital como local voltado para praacuteticas terapecircuticas eacute relativamente
recente datado do final do seacuteculo XVIII quando Howard um filantropo inglecircs desenvolveu
um primeiro estudo denunciando as condiccedilotildees de trabalho hospitalar No mesmo periacuteodo (1775-
1780) a Academia de Ciecircncias da Franccedila designou um meacutedico chamado Tenon para percorrer
hospitais na Europa e elaborar um relatoacuterio examinando os fluxos de trabalho denunciando as
condiccedilotildees de maus tratos enfim relatando o cotidiano hospitalar e contribuindo assim para
gerar reflexotildees sobre a suas funccedilotildees terapecircuticas (Pitta 2003)
Naquela eacutepoca os hospitais devido agraves condiccedilotildees de higiene geravam no seu interior
surtos epidecircmicos dizimadores Eram locais relegados agrave morte de doentes Como bem retrata
Foucault (1981 p 102) ldquo o personagem ideal do hospital ateacute o seacuteculo XVIII natildeo eacute o doente
que eacute preciso curar mas o pobre que estaacute morrendo Eacute algueacutem a que se deve dar os uacuteltimos
cuidados e o uacuteltimo sacramento Esta eacute a funccedilatildeo essencial do hospital Dizia-se correntemente
nesta eacutepoca que o hospital era um morredouro um lugar de morrer E o pessoal hospitalar natildeo
era fundamentalmente destinado a realizar a cura do doente mas conseguir a sua proacutepria
70
salvaccedilatildeo Era um pessoal caritativo ndash religioso ou leigo ndash que estava no hospital para fazer uma
obra de caridade que lhe assegurasse a salvaccedilatildeo eternardquo
De forma semelhante no seacuteculo XIX os hospitais existiam na sociedade para atenderem
aos dependentes e necessitados Para agravequeles que natildeo tinham assistecircncia em seus proacuteprios
domiciacutelios O hospital era associado a ideia de abandono e desemparo um local destinado a
acolher doentes sem outra alternativa de cuidados Neste sentido natildeo era um local destinado a
matildees e bebecircs Uma mulher que aceitasse dar agrave luz em um hospital puacuteblico deveria ser
extremamente pobre com problemas mentais ou vivendo na prostituiccedilatildeo e certamente sem
apoio de amigos e familiares Era comum dar agrave luz em casa com o auxiacutelio da parteira e o apoio
dos familiares (Pitta 2003 Ungerer amp Miranda 1999)
As matildees que davam agrave luz em hospitais permaneciam com as crianccedilas aos peacutes do seu
leito Natildeo havendo um local especiacutefico para os bebecircs A origem do primeiro berccedilaacuterio data de
1893 em Paris na Maison drsquoAccouchements da Boulevard de PortRoyal A sua criaccedilatildeo eacute
atribuiacuteda agrave enfermeira chefe da Casa de Partos Mme Henry que tinha como objetivo atender
crianccedilas prematuras consideradas muito fracas ldquoNesse local Mme Henry utilizava uma
geringonccedila criada por Steacutephane Etienne Tarnier para aquecer os bebecircs que chegavam muito
frios Esse aparelho baseado na chocadeira de ovos ganhou o nome de ldquocouveuserdquo ou em
portuguecircs incubadorardquo (Ungerer amp Miranda 1999 p6)
Cerca de dois anos depois Pierre Budin um importante obstetra francecircs passou a dar
continuidade ao atendimento de bebecircs chamando a atenccedilatildeo para faotores como o controle da
temperatura a alimentaccedilatildeo a higiene a presenccedila e o carinho das matildees Tais aspectos passaram
a ser considerados por ele como fundamentais para a sauacutede dos receacutem-nascidos e para a
diminuiccedilatildeo da mortalidade dos bebecircs (Ungerer amp Miranda 1999)
Com o progresso da medicina as preocupaccedilotildees com a assientecircncia aos bebecircs se
ampliaram Com a ampliaccedilatildeo das teacutecnicas voltadas para cura os hospitais passaram a ser
71
referecircncia de atendimento para puacuteblico diverso inclusive para o parto Essa nova forma de
atendimento aos pacientes os afastava dos cuidados dos familiares inclusive os receacutem-nascidos
que ficavam distantes das matildees nos berccedilaacuterios
Essa nova forma de atender aos enfermos os retirava de seus lares e de perto de seus
familiares e ateacute mesmo os receacutem-nascidos deveriam ficar longe de suas matildees confinados em
berccedilaacuterios ateacute o momento da alta com o o bjetivo de evitar qualquer tipo de infecccedilatildeo Entretanto
ao final da deacutecada de 1940 pesquisadores comeccedilaram a observar que a separaccedilatildeo matildee-filho
logo apoacutes o nascimento natildeo era positiva para a crianccedila nem como tambeacutem para o
estabelecimento de viacutenculos familiares podendo ocasionar desajustes Voltou-se entatildeo a deixar
a crianccedila proacuteximo a mae desde o nascimento ateacute a alta criando-se o conceito de alojamento
conjunto Este projeto entretanto foi extinto por vaacuterios anos sendo retomado apenas na deacutecada
de 1970 com o apoio de orgazaccedilotildees internacionais como a OMS (Organizaccedilatildeo Mundia de
Sauacutede) e o UNICEF (Fundo das Naccedilotildees Unidas para a Infacircncia) (Ungerer amp Miranda 1999)
De acordo com as Normas Baacutesicas para Alojamento Conjunto do Ministeacuterio da Sauacutede
passaram a ocupar o alojamento conjunto as matildees (na ausecircncia de patologia que impossibilite
ou contra-indique o contato com o receacutem-nascido) e os receacutem-nascidos (com boa vitalidade
capacidade de succcedilatildeo e controle teacutermico a criteacuterio de elemento da equipe de sauacutede
Considerando-se com boa vitalidade os receacutem-nascidos com mais de 2 quilos mais de 35
semanas de gestaccedilatildeo e iacutendice de APGAR maior que 6 no 5deg minuto) (Instituto Nacional de
Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo 1993)
Os receacutem-nascidos que precisam de mais atenccedilatildeo devido ao maior risco de morte satildeo
encaminhados para as Unidades de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) De acordo com o artigo
10 da Portaria GMMS Nordm 930 de 10 de maio de 2012 que define as diretrizes e objetivos para
a organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo integral e humanizada ldquoUTIN satildeo serviccedilos hospitalares voltados para
o atendimento de receacutem-nascido grave ou com risco de morte assim considerados
72
I receacutem-nascidos de qualquer idade gestacional que necessitem de ventilaccedilatildeo mecacircnica
ou em fase aguda de insuficiecircncia respiratoacuteria com FiO2 maior que 30 (trinta por cento)
II receacutem-nascidos menores de 30 semanas de idade gestacional ou com peso de
nascimento menor de 1000 gramas
III receacutem-nascidos que necessitem de cirurgias de grande porte ou poacutes-operatoacuterio
imediato de cirurgias de pequeno e meacutedio porte
IV - receacutem-nascidos que necessitem de nutriccedilatildeo parenteral e
V - receacutem-nascidos que necessitem de cuidados especializados tais como uso de cateter
venoso central drogas vasoativas prostaglandina uso de antibioacuteticos para tratamento de
infecccedilatildeo grave uso de ventilaccedilatildeo mecacircnica e Fraccedilatildeo de Oxigecircnio (FiO2) maior que 30 (trinta
por cento) exsanguineotransfusatildeo ou transfusatildeo de hemoderivados por quadros hemoliacuteticos
agudos ou distuacuterbios de coagulaccedilatildeo (Redaccedilatildeo dada pela PRT GMMS nordm 3389 de
30122013)rdquo
A UTIN poderaacute ser dos tipos II ou III e para a habilitaccedilatildeo em cada niacutevel existe uma seacuterie
de exigecircncias quanto a estrutura de pessoal e tecnologia dos equipamentos
As Unidades de Terapia Intensiva Neonatal satildeo considerados ambientes inoacutespitos nos
quais os receacutem-nascidos satildeo expostos agrave luz intensa e contiacutenua aos ruiacutedos e a procedimentos
cliacutenicos invasivos Aleacutem disso as UTINs satildeo caracterizadas pela presenccedila de equipamentos de
alta tecnologia e devem ter no seu quadro de pessoal uma equipe multidisciplinar capacitada
para oferecer assistecircncia aos pacientes e familiares Os profissionais se deparam com o
sofrimento dos pais os quais podem se sentir amedrontados e ou culpados por terem gerado
um bebecirc fraacutegil ao mesmo tempo em que podem se sentir incapazes de oferecer os cuidados
necessaacuterios agrave sobrevivecircncia do filho (Braga amp Morsch 2003 Lamego Deslandes amp Moreira
2005 Costa amp Padilha 2011)
73
Diante deste cenaacuterio de sofrimento e das prerrogativas da poliacutetica de humanizaccedilatildeo as
matildees tem acesso livre agraves UTINs Natildeo existindo um limite de horaacuterio de visitas como nas
Unidades de Terapia Intensiva estruturadas para adultos (Ministeacuterio da Sauacutede 2004)
O meacutetodo Matildee Canguru proposto em 1978 pelo Dr Edgar Rey Sanabria no Instituto
Materno-Infantil (IMI) de Bogotaacute na Colocircmbia Foi adaptado para a realidade brasileira a partir
de 2002 Este meacutetodo tem como objetivo promover a atenccedilatildeo humanizada ao receacutem-nascido de
baixo peso promovendo um conjunto de accedilotildees de assistecircncia abrangendo os profissionais de
sauacutede o receacutem-nascido e sua famiacutelia (Lamy 2005)
Dentre estas accedilotildees estimula o contato pele a pele precoce entre a matildee e o receacutem-nascido
de baixo peso pelo tempo que for considerado prazeroso e suficiente permitindo a participaccedilatildeo
da matildee no cuidado com o seu filho tambeacutem estimula o aleitamento materno a atenccedilatildeo aos
cuidados teacutecnicos com o bebecirc (manuseio cuidado com ruiacutedos luz e odores no ambiente) e o
envolvimento dos familiares (Baltazar Gomes amp Cardoso 2010)
Apesar do incentivo do Ministeacuterio da Sauacutede estudos apontam alguns impasses a
implantaccedilatildeo de uma assistecircncia humanizada em UTI neonatal devido aos conflitos existentes
no cotidianos de trabalho e adaptaccedilotildees a rotina Aleacutem da existecircncia de condiccedilotildees insatisfatoacuterias
de trabalho relacionadas agrave precariedade de recursos humanos o que pode gerar sobrecarga
emocional e de trabalho Outros fatores mencionados satildeo a fadiga pelo ritmo de trabalho
excessivo o fato de lidar com questotildees de vida e morte as questotildees eacuteticas envolvidas nas
decisotildees sobre o tratamento dentre outras Estas dificuldades apontam para a necessidade
A humanizaccedilatildeo do cuidado neonatal preconiza vaacuterias accedilotildees propostas pelo
Ministeacuterio da Sauacutede baseando-se nas adaptaccedilotildees brasileiras ao Meacutetodo
Canguru (Lamy 2003) para receacutem-nascidos de baixo peso Estas satildeo
voltadas para o respeito agraves individualidades agrave garantia de tecnologia que
permita a seguranccedila do receacutem-nato e o acolhimento ao bebecirc e sua famiacutelia
com ecircnfase no cuidado voltado para o desenvolvimento e psiquismo
buscando facilitar o viacutenculo matildee-bebecirc durante a sua permanecircncia no
hospital e apoacutes a alta (Lamego Deslandes amp Moreira 2005 p 670)
74
ampliar os investimentos nas condiccedilotildees de trabalho adequadas na capacitaccedilatildeo dos gestores e
dos profissionais de sauacutede que trabalham nas UTINs (Lamego Deslandes amp Moreira 2005
Scochi et al 2001)
No estado do Rio Grande do Norte a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco eacute referecircncia
no atendimento agrave gestatildeo de alto risco O subtoacutepico a seguir seraacute dedicado a maternidade o local
escolhido para a realizaccedilatildeo desta pesquisa
31 ndash Maternidade Escola Januaacuterio Cicco
A Maternidade Escola foi idealizada pelo Dr Januaacuterio Cicco um meacutedico que deixou
importantes contribuiccedilotildees para a reorganizaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica no Estado no iniacutecio do
seacuteculo XX como a criaccedilatildeo da Sociedade de Assistecircncia Hospitalar em 1926 No iniacutecio da
deacutecada de 1940 a maternidade jaacute estava pronta para funcionar mas devido a Segunda Guerra
Mundial o local foi ocupado como Quartel General das Forccedilas Aliadas e Hospital de
Campanha Com o final da guerra iniciou-se uma campanha para inauguraccedilatildeo da maternidade
que ocorreu no dia 12 de fevereiro de 1950 (Empresa Brasileira de Serviccedilos Hospitalares 2015)
Atualmente a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco (MEJC) especializada na assistecircncia
materno-infantil eacute Hospital Universitaacuterio e de Ensino e integra o Complexo Hospitalar da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte Funciona como um campo de ensino e aplicaccedilatildeo
praacutetica para profissionais da aacuterea da sauacutede E tem como Missatildeo ldquoPromover a excelecircncia no
atendimento global e humanizado a sauacutede da mulher e do receacutem-nascido e a formaccedilatildeo de
recursos humanos em accedilotildees de aprendizado ensino pesquisa e extensatildeo multiprofissionalrdquo
(EBSERH 2015)
Desde 2013 a MEJC passou a ser administrada pela EBSERH Empresa Brasileira de
Serviccedilos Hospitalares uma empresa puacuteblica vinculada ao Ministeacuterio da Educaccedilatildeo A
maternidade apresenta uma estrutura de Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) com
75
23 leitos (sendo que treze leitos dentre os vinte e trecircs que compotildee a UTIN foram inaugurados
recentemente em janeiro de 2017) correspondendo a 30 do total disponiacutevel no Estado do
RN (UFRN 2017)
Apesar de serem locais dedicados agrave vida a morte faz parte da realidade da maternidade
A UTIN em particular eacute o local com a segunda maior ocorrecircncia de oacutebitos (com a ocorrecircncia
de cerca de 80 mortes por ano) exigindo preparo da equipe de profissionais para lidar com a
morte de pacientes e fornecer assistecircncia aos familiares
De acordo com o Relatoacuterio de Dimensionamento dos Serviccedilos Assistenciais e da
Gerecircncia de Ensino e Pesquisa (2013) a UTI Neonatal da MEJC apresenta uma equipe
multidisciplinar seguindo os criteacuterios contidos na Portaria GMMS Nordm 930 de 10 de maio de
2012 Esta portaria define as diretrizes e objetivos para a organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo integral e
humanizada ao receacutem-nascido grave ou potencialmente grave e os criteacuterios de classificaccedilatildeo e
habilitaccedilatildeo de leitos de Unidade Neonatal no acircmbito do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS)
A portaria estabelece como Equipe miacutenima para UTI II Neonatal (UTIN)
a) 01 (um) meacutedico responsaacutevel teacutecnico com jornada miacutenima de 04 horas diaacuterias com
certificado de habilitaccedilatildeo em Neonatologia ou Tiacutetulo de Especialista em Medicina Intensiva
Pediaacutetrica fornecido pela Sociedade Brasileira de Pediatria ou Residecircncia Meacutedica em
Neonatologia reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo ou Residecircncia Meacutedica em Medicina
Intensiva Pediaacutetrica reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo
b) 01 (um) meacutedico com jornada horizontal diaacuteria miacutenima de 04 (quatro) horas com
certificado de habilitaccedilatildeo em Neonatologia ou Tiacutetulo de Especialista em Pediatria (TEP)
fornecido pela Sociedade Brasileira de Pediatria ou Residecircncia Meacutedica em Neonatologia ou
Residecircncia Meacutedica em Medicina Intensiva Pediaacutetrica reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo
ou Residecircncia Meacutedica em Pediatria reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para cada 10
(dez) leitos ou fraccedilatildeo
76
c) 01 (um) meacutedico plantonista com Tiacutetulo de Especialista em Pediatria (TEP) e com
certificado de habilitaccedilatildeo em Neonatologia ou Tiacutetulo de Especialista em Pediatria (TEP)
fornecido pela Sociedade Brasileira de Pediatria ou Residecircncia Meacutedica em Medicina Intensiva
Pediaacutetrica reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo ou Residecircncia Meacutedica em Neonatologia
ou Residecircncia Meacutedica em Pediatria reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para cada 10
(dez) leitos ou fraccedilatildeo em cada turno
d) 01 (um) enfermeiro coordenador com jornada horizontal diaacuteria de 8 horas com
habilitaccedilatildeo em neonatologia ou no miacutenimo 02 (dois) anos de experiecircncia profissional
comprovada em terapia intensiva pediaacutetrica ou neonatal
e) 01 (um) enfermeiro assistencial para cada 10 (dez) leitos ou fraccedilatildeo em cada turno
f) 01 (um) fisioterapeuta exclusivo para cada 10 leitos ou fraccedilatildeo em cada turno
g) 01 (um) fisioterapeuta coordenador com no miacutenimo 02 anos de experiecircncia
profissional comprovada em unidade terapia intensiva pediaacutetrica ou neonatal com jornada
horizontal diaacuteria miacutenima de 06 (seis) horas
h) teacutecnicos de enfermagem no miacutenimo 01 (um) para cada 02 (dois) leitos em cada
turno
i) 01 (um) funcionaacuterio exclusivo responsaacutevel pelo serviccedilo de limpeza em cada turno
j) 01 (um) fonoaudioacutelogo disponiacutevel para a unidade
Um mesmo profissional meacutedico poderaacute acumular a responsabilidade teacutecnica e o papel
de meacutedico com jornada horizontal previstos nos incisos I e II do caput O coordenador de
fisioterapia poderaacute ser um dos fisioterapeutas assistenciais
Para a classificaccedilatildeo da UTIN II existem uma seacuterie de criteacuterios preconizados na Portaria
GMMS Nordm 930 de 10 de maio de 2012 dentre estes a disponibilidade de assistecircncia
psicoloacutegica no hospital A MEJC apresenta psicoacutelogas hospitalares no seu quadro de
77
funcionaacuterios e uma em particular que atende agraves demandas da UTI Neonatal incluive
fornecendo apoio aos familiares dos receacutem-nascidos
Apoacutes a caracterizaccedilatildeo da equipe que compotildee a UTIN da maternidade iremos no
proacuteximo subtoacutepico contemplar aspectos referentes a atuaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede na era
da teacutecnica e diante da morte de pacientes
32 ndash O profissional de sauacutede diante da morte de pacientes
No capiacutetulo anterior vimos de forma breve sobre a ontologia do cuidado
Compreendemos que para Heidegger (1927 2015) o cuidado eacute uma forma de ser com o outro
e que o ser-no-mundo existe em relaccedilatildeo com os outros entes O cuidado eacute portanto inerente a
condiccedilatildeo do dasein e ele pode ocorrer de duas formas pela ocupaccedilatildeo e pela preocupaccedilatildeo A
ocupaccedilatildeo acontece pelo manuseio de objetos e a preocupaccedilatildeo quando envolve outros daseins
inclusive o proacuteprio indiviacuteduo
O modo de preocupaccedilatildeo pode ser substitutivo ou antepositivo No modo substitutivo o
cuidador toma as decisotildees pela pessoa que estaacute sendo cuidada eacute considerado um modo inferior
de cuidado por natildeo resgatar a liberdade do ser a sua condiccedilatildeo de escolher entre as varias
possibilidades que vem ao seu encontro Vale salientar que por ser considerado como modo
inferior natildeo significa que o cuidado substitutivo deva ser inexistente No cotidiano este modo
de cuidado se faz necessaacuterio O modo antepositivo por sua vez devolve ao outro a sua
responsabilidade de ser auxilia nos seus processos de escolha
Estes termos de cuidado e cuidador estatildeo muito presentes na aacuterea de sauacutede e outra
nomenclatura bastante utilizada eacute assistecircncia O modelo meacutedico de assistecircncia propotildee a
racionalidade na conduta terapecircutica baseada no binocircmio mentecorpo na separaccedilatildeo entre a
doenccedila e o doente primando pela anaacutelise objetiva das doenccedilas e pela obtenccedilatildeo da cura
(Rebouccedilas 2015)
78
Ao isolar a doenccedila do doente e priorizar as relaccedilotildees de causa e efeito o olhar para os
pacientes e seus familiares enquanto pessoas passando por dificuldades natildeo eacute preponderante
na atuaccedilatildeo profissional natildeo eacute visto como central para a compreensatildeo do ser-doente enquanto
ser-no-mundo diante de possibilidades limitadas
Este modelo baseado na racionalidade meacutedica mostra-se contraditoacuterio para a busca de
um atendimento humanizado Falar de atendimento humanizado para seres humanos que
cuidam de outros seres humanos eacute tambeacutem por si soacute contraditoacuterio Eacute como lembrar que algo
foi perdido que doenccedila e doente estatildeo de fato separados e o paciente natildeo pode ser tratado
como coisa objeto
O discurso da humanizaccedilatildeo nos faz lembrar que no caminho da teacutecnica em meio ao
pensamento calculante pouco se tem refletido sobre o sentido do ser para o ser que adoece
Agora imaginemos esta situaccedilatildeo para um ser que chegou ao mundo de forma tatildeo fragilizada e
que ainda natildeo utiliza a linguagem verbal para expressar as suas vontades Mas que desde o
nascimento eacute um ser-no-mundo e um ser-para-a-morte E eacute um ser que vem ao mundo
enquanto projeto e tambeacutem como parte da vida de outros seres que construiacuteram sonhos e
expectativas
Se a assistecircncia oferecida ao receacutem-nascido e seus familiares for apenas da ordem da
medicalizaccedilatildeo manuseio de equipamentos sem a devida orientaccedilatildeo e explicaccedilatildeo sobre o estado
de sauacutede do bebecirc para os seus pais inclusive mencionando as intecorrecircncias e os detalhes sobre
o tratamento estamos falando apenas a respeito de um cuidado substitutivo Como Heidegger
(1927 2015) comentou trata-se de uma forma de cuidado inferior mas eacute uma forma de
cuidado por vezes necessaacuteria O que natildeo poderia acontecer eacute esta forma de cuidado ser a uacutenica
ser preponderante na assistecircncia aos pacientes e familiares
Um exemplo disto eacute que mesmo quando o acesso dos pais as UTINs eacute incentivado
algumas dificuldades como o medo a inseguranccedila e o estresse na relaccedilatildeo dos pais com o bebecirc
79
apontam a necessidade de ampliar os cuidados dirigidos agraves famiacutelias As praacuteticas em UTIs
Neonatais satildeo permeadas por conflitos e negociaccedilotildees constituindo um desafio agrave construccedilatildeo de
um modelo assistencial humanizado que alie diferentes tecnologias respeito e acolhimento agraves
necessidades de pacientes e profissionais (Lamego Deslandes amp Moreira 2005)
Estas dificuldades se ampliam no caso da morte de pacientes Enquanto ser-no-mundo
a morte apresenta-se para o homem como uma possibilidade de natildeo mais poder de natildeo mais
estar aqui Uma possibilidade que se apresenta ao ser desde o nascimento o que torna o homem
um ser-para-a-morte que reflete sobre a sua proacutepria finitude e sobre a morte do outro
(Heidegger 1927 2015)
Satildeo muitos os desafios enfrentados pelos profissionais de sauacutede agraves dificuldades no
cotidiano do trabalho somam-se o fato de vivenciarem situaccedilotildees de eminencia de morte ou da
morte em si dos pacientes A falta de autonomia apresenta um peso neste processo em razatildeo do
que natildeo eacute dito aos pacientes e familiares E o natildeo dito tambeacutem incomoda aflige ou distancia
paralisa neutraliza A morte por assim dizer apresenta-se como uma grande dificuldade
enfrentada pelos profissionais tanto pela vivecircncia do sofrimento como pela impotecircncia diante
da organizaccedilatildeo do sistema hospitalar (Costa Lima 2005 Bernieri Hirdes 2007 Poles Bolso
2006)
Elizabeth Kluber-Ross (1969 1996) realizou pesquisas pioneiras com pacientes
proacuteximos a morte levando a reflexotildees importantes sobre as atitudes dos profissionais de sauacutede
diante da morte de pacientes relatando que muito pode ser feito nos momentos em que pelo
prisma da racionalidade meacutedica se supotildee que ldquonatildeo haacute mais nada a fazerrdquo A referida autora ao
abordar esta temaacutetica reconhece que o conhecimento teoacuterico eacute importante mas natildeo eacute suficiente
propondo que deveria se trabalhar com o coraccedilatildeo e a alma Tambeacutem traz reflexotildees em relaccedilatildeo
aos membros da famiacutelia do paciente terminal afirmando que os mesmos merecem cuidados e
orientaccedilatildeo para evitar que adoeccedilam
80
Vaacuterios estudos que utilizam a abordagem fenomenoloacutegica apontam as dificuldades
apresentadas pelos profissionais de sauacutede diante da morte de pacientes Sentimentos de perda
tristeza impotecircncia culpa raiva foram relatados em pesquisas realizadas com enfermeiros
como presentes de forma recorrente no ambiente de trabalho (Saines 1997 Shorter amp Stayt
2009 Wong Lee amp Lee 2000 Seno 2010)
Outro sentimento vivenciado pelos profissionais de enfermagem foi denominado como
um conflito em relaccedilatildeo ao uso do tempo a escolha entre acompanhar um paciente que estaacute
morrendo e precisa de apoio e atender agraves necessidades dos outros pacientes Os profissionais
sentem-se impotentes dividindo seu tempo entre estas demandas o que pode levar a
manifestaccedilatildeo de outros sentimentos como culpa frustraccedilatildeo e raiva (Hopkinson Hallett amp
Luker 2003)
Em pesquisa realizada sobre o papel do meacutedico no enfrentamento do processo de morte
de pacientes foram identificadas cinco atitudes ou papeacuteis desejados associados ao
comportamento do meacutedico perante o paciente agrave morte evitar a chegada da morte promover
qualidade de vidamorte dar suporte emocional e estabelecer uma comunicaccedilatildeo transparente
com a famiacutelia ficar ateacute o fim com o paciente seguir a rotina sem se abalar com o oacutebito (Silva
2006)
Em estudo realizado com meacutedicos diante da morte de pacientes foi constatado que estes
profissionais ldquoconvivem com a morte com sentimento de estranheza e natildeo com uma disposiccedilatildeo
de familiaridade como seria natural pensar afinal lidam com a possibilidade de morte mais
frequentemente que os leigos devido ao seu ofiacutecio Diriacuteamos que eles tecircm a possibilidade mais
presente da morte pela proacutepria natureza do seu trabalho cotidiano Ao serem questionados
sobre a morte de pacientes os meacutedicos buscavam desviar do assuntordquo E ao relatarem sobre
os sentimentos diante da morte revelavam frustraccedilatildeo tristeza desconforto (Mello amp Silva
2012 p 54)
81
Como relatado anteriormente os profissionais se sentem desconfortaacuteveis e frustrados
diante da morte de pacientes o momento de comunicar este fato para os familiares eacute por assim
dizer muito delicado De acordo com pesquisa realizada com meacutedicos e familiares sobre a
comunicaccedilatildeo do oacutebito de pacientes foi constatado que a maioria das famiacutelias ficou sabendo do
oacutebito por telefone (747) Cinco famiacutelias (47) descobriram o oacutebito quando foram visitar o
paciente demonstrando insatisfaccedilatildeo com a situaccedilatildeo (Starzewski Jr Rolin amp Morrone 2005)
Quando os profissionais que comunicam a morte de pacientes foram questionados
925 relataram que apresentam dificuldades para falar com os familiares sobre o assunto
Apenas quatro profissionais (75) acharam que natildeo existem dificuldades para falar com
familiares sobre o tema Enfrentar a morte de pacientes no cotidiano de trabalho apresentou-se
como algo difiacutecil de lidar pela falta de preparo pelo desgaste emocional A situaccedilatildeo torna-se
ainda mais complicada diante dos casos de morte suacutebita e do falecimento de crianccedilas A morte
precoce causa um estresse emocional imenso em todos que atendem pais familiares e
profissionais de sauacutede A morte de uma crianccedila foi considerada mais sofrida que a de um adulto
(Starzewski Jr Rolin amp Morrone 2005)
Dentre os profissionais de sauacutede o psicoacutelogo tambeacutem se depara com a realidade de
oferecer suporte para os pacientes familiares e para os colegas de trabalho Na sua atuaccedilatildeo o
psicoacutelogo de sauacutede-hospitalar prima por oferecer a oportunidade para o paciente expressar as
suas emoccedilotildees de modo que encontre a melhor maneira de lidar com as limitaccedilotildees impostas
pela doenccedilahospitalizaccedilatildeo Aleacutem de proporcionar a abertura necessaacuteria para que o paciente
possa dar significado a sua doenccedila dentro do seu contexto de vida reconhecendo-o enquanto
um ser provido de emoccedilotildees e sentimentos os quais interferem no seu comportamento
(Medeiros amp Lustosa 2011)
O estudo realizado por Morais amp Nobre (2013) eacute dedicado agrave praacutetica de psicoacutelogos em
oncologia pediaacutetrica e traz importantes reflexotildees sobre a atuaccedilatildeo destes profissionais em meio
82
ao estigma do cacircncer associado ao sofrimento e agrave morte Um elemento que se apresenta na
praacutetica cotidiana destes profissionais eacute a iminecircncia de morte de crianccedilas que tende a afetar mais
do que a morte de adultos Diante deste cenaacuterio os psicoacutelogos enquanto profissionais que
promovem o cuidado dos pacientes familiares e colegas de trabalho tambeacutem sentem a
necessidade de cuidar de proacuteprios ldquoA praacutetica gera a necessidade de um cuidado de si mesmo
a delimitaccedilatildeo e o cultivo de um espaccedilo para si mesmo o reconhecimento de limites e a luta por
um espaccedilo de cultivo do oacuteciordquo (p 405)
Quando se trata da assitecircncia em UTI Neonatal o psicoacutelogo oferece o suporte aos
familiares do receacutem-nascido que chegam fragilizados e com muitas expectativas em relaccedilatildeo agrave
alta hospitalar do seu filho De acordo com Baltazar Gomes amp Cardoso (2010) a atuaccedilatildeo do
psicoacutelogo em UTI Neonatal ldquoimplica na organizaccedilatildeo de uma proposta de rotina e participaccedilatildeo
quotidiana nos acontecimentos do serviccedilo numa proposta que natildeo se restrinja a pareceres
psicoloacutegicos mas na abordagem regular das famiacutelias e seus bebecircsrdquo (p 16)
As situaccedilotildees de morte e luto exigem que o profissional de psicologia ofereccedila suporte
aos familiares dos pacientes e agraves vezes para a proacuteprios colegas de trabalho envolvidos com os
sentimentos de frustraccedilatildeo e tristeza A morte apresenta-se como um fato recorrente no cotidiano
de trabalho destes profissionais Um tema que merece ser estudado aponto de ganhar espaccedilo
para ser abordado durante os cursos de graduaccedilatildeo e formaccedilatildeo profissional
Diante das reflexotildees presentes nos primeiros capiacutetulos o presente estudo segue
contemplando o caminho realizado pelo pesquisador em direccedilatildeo ao objetivo da pesquisa
83
Capiacutetulo 4 ndash Meacutetodo A escolha do caminho
ldquoO Pintor a Caminho do Trabalhordquo Van Gogh 1888
84
Capiacutetulo 4 ndash Meacutetodo A escolha do caminho
Falar sobre meacutetodo implica sobretudo na escolha do caminho que se quer seguir
enquanto pesquisador No caminho eacute possiacutevel admirar a paisagem olhar novos horizontes
compreender o fenocircmeno Eacute no percurso que ocorrem os encontros entre as indagaccedilotildees
anteriores e a experiecircncia relatada pelo participante entre as ideias preconcebidas e o mundo
real expresso por meio da narrativa A escolha do caminho por assim dizer direciona o olhar
sobre a pesquisa
Na tentativa de escolha do meu caminho convidei o gato do paiacutes das maravilhas para
um diaacutelogo inspirado na reflexatildeo e no questionamento Onde quero chegar Qual a minha
questatildeo central Qual o objetivo da minha pesquisa A questatildeo central surgiu do olhar para a
praacutetica da minha experiecircncia em instituiccedilotildees hospitalares Ao verificar que os profissionais de
sauacutede enfrentam muitos desafios e dificuldades no ambiente de trabalho dentre estas a vivecircncia
da morte do outro O objetivo da pesquisa estaacute estruturado portanto da seguinte forma
compreender a experiecircncia de profissionais que atuam em Unidades de Terapia Intensiva
Neonatal
Escolhido o objetivo passei a olhar para o caminho Para compreender eacute preciso ouvir
atentamente o outro ver o contexto detalhado em forma de histoacuteria de acontecimentos narrados
e repletos de sentidos e significados Compreender eacute diferente de avaliar de generalizar dados
com base no olhar para a superfiacutecie A escolha do caminho de pesquisa me levou a percorrer
uma estrada em que era possiacutevel observar os detalhes por meio de um olhar proacuteximo ao
fenocircmeno
Podes dizer-me por favor que caminho devo seguir para sair
daqui
Isso depende muito de para onde queres ir - respondeu o gato
Preocupa-me pouco aonde ir - disse Alice
Nesse caso pouco importa o caminho que sigas - replicou o
gato
Lewis Carroll
85
Este olhar para o fenocircmeno buscando ver o que estaacute aleacutem das aparecircncias foi possiacutevel
com a inspiraccedilatildeo proporcionada pela fenomenologia Enquanto concepccedilatildeo filosoacutefica a
fenomenologia traz em seu cerne reflexotildees profundas para o pesquisador que se propotildee a
realizar um estudo voltado para a compreensatildeo dos fenocircmenos
A fenomenologia aquela fundamentada nos preceitos de Heidegger (1927 2015)
busca o entendimento do ser humano enquanto ser-aiacute Dasein um ser que tem capacidade de
questionar interrogar sobre o seu proacuteprio ser aleacutem de ter a consciecircncia sobre a sua finitude
Heidegger (1927 2015) propotildee uma compreensatildeo do homem enquanto ser-no-mundo
aberto a possibilidades que vive em relaccedilatildeo com os outros e na manualidade das coisas
simplesmente dadas Um ser que eacute mundo que constroacutei o seu mundo envolvido em uma trama
de sentidos e significados mutaacuteveis passageiros Um ser que tem a linguagem enquanto
morada que permite a expressatildeo dos sentidos Compreender esse ser envolve portanto desde
o princiacutepio ouviacute-lo entendecirc-lo considerando o olhar que tem sobre a vida e cientes de que a
experiecircncia humana eacute uma fluidez constante Natildeo existe portanto a seguranccedila e o controle
como premissas
Diante do exposto pode-se mencionar que a escolha da fenomenologia fundamentada
nas ideias de Heidegger deve-se ao fato da mesma orientar o entendimento do ser humano
a fenomenologia natildeo nasceu como um meacutetodo tal qual como as ciecircncias e
teacutecnicas modernas o supotildeem (como rigorosa prescriccedilatildeo de procedimentos e
instrumentais) mas grosso modo como um questionamento da dissoluccedilatildeo da
filosofia no modo cientiacutefico de pensar da loacutegica inerente agraves ciecircncias modernas
como criacutetica da metodologia de conhecimento cientiacutefico que rejeita do acircmbito do
real e do proacuteprio conhecimento tudo aquilo que natildeo possa estar submetido agrave estrita
noccedilatildeo de verdade [enquanto verificaacutevel por um meacutetodo] de sujeito cognoscente
e de objeto cognosciacutevel (Critelli 1996 p 7)
86
enquanto ser-aiacute dasein um ser que tem como tarefa cuidar de si proacuteprio e construir-se no
mundo (Heidegger 19271989)
A fenomenologia hermenecircutica heideggeriana eacute um modo de ver o mundo E serviu
como inspiraccedilatildeo para a compreensatildeo da experiecircncia dos profissionais de sauacutede atuantes na UTI
Neonatal A busca desta compreensatildeo estava ancorada portanto na orientaccedilatildeo desta filisofia
que traz conceitos relevantes particularmente para a temaacutetica do presente estudo como o ser-
para-a-morte o ser-no-mundo a anguacutestia e o cuidado
Aleacutem disso o referencial fenomenoloacutegico ao abordar a experiecircncia contempla a
existecircncia considerando que o ser humano somente se constitui enquanto tal existindo no
mundo Esta compreensatildeo da existecircncia considera que o caminhante transforma-se a medida
que caminha Como nos inspira Critelli (1996 p 80) ldquoA existecircncia eacute erupccedilatildeo e transformaccedilatildeo
inesgotaacuteveis Daiacute se fala em existecircncia como vir-a-ser o que eacute ou o que estaacute sendo estaacute vindo
a serrdquo
Olhar para o fenocircmeno com este referencial implica em considerar que os profissionais
de sauacutede modificaram-se ao longo da sua jornada Eles fizeram escolhas enfrentaram desafios
vivenciaram perdas e momentos alegres e podem ter modificado a sua visatildeo de mundo ao longo
da jornada De forma similar o pesquisador tambeacutem modifica a sua compreensatildeo sobre o
fenocircmeno As ideias iniciais podem ser contempladas ou mesmo desconsideradas diante dos
encontros com novas perspectivas sobre o fenocircmeno
A pesquisa fenomenoloacutegica considera que ldquoinvestigar eacute sempre colocar em andamento
uma interrogaccedilatildeordquo (Critelli 1996 p27) Em meio aos encontros com os participantes o
fenocircmeno se apresenta e se desvela a partir dos sentidos e interpretaccedilotildees do pesquisador
Ao considerar que a experiecircncia de cada participante eacute uacutenica que a existecircncia eacute singular
o referencial da fenomenologia natildeo defende uma verdade absoluta para os fenecircmenos A
verdade eacute relativa A compreensatildeo sobre a existecircncia eacute referente ao momento da pesquisa e
87
considera um horizonte histoacuterico especiacutefico que dita normas valores e formas de ver o mundo
Por assim dizer em um novo encontro o participante pode resignificar a sua experiecircncia
desvelar novos sentidos para a sua existecircncia
A fenomenologia propotildee uma criacutetica ao modelo metafiacutesico que busca uma relaccedilatildeo de
causa e efeito e a verdade absoluta para o que foi pesquisado Escolher esta orientaccedilatildeo para
realizar pesquisa natildeo significa entendecirc-la enquanto uma metodologia mas sim de uma forma
mais ampla como um modo de ver o mundo e compreender os fenocircmenos
A partir da compreensatildeo do meacutetodo com um caminho a ser percorrido de ora em diante
seratildeo apresentadas as formas escolhidas para trilhar este caminho ou seja como as informaccedilotildees
sobre os participantes foram obtidas e posteriormente como buscou-se a compreensatildeo diante
do que foi narrado
41-Participantes da pesquisa
A pesquisa teve como participantes profissionais de sauacutede atuantes na UTI Neonatal da
Maternidade Escola Januaacuterio Cicco A definiccedilatildeo dos participantes ocorreu de forma intencional
considerando a disponibilidade dos profissionais em participar Pretendeu-se inicialmente
contemplar pelo menos um representante de cada formaccedilatildeo profissional necessaacuteria para a
estruturaccedilatildeo de uma equipe de UTI Neonatal
Vale salientar que o interesse da pesquisa natildeo estaacute no nuacutemero expressivo de
participantes mas sim no conteuacutedo de sua experiecircncia Desta forma foram realizadas nove
entrevistas com profissionais de sauacutede de diferentes especialidades meacutedicos enfermeiros
teacutecnicos de enfermagem fisioterapeutas psicoacutelogo e assistente social (Turato 2005)
Os participantes apresentavam idade compreendida entre a faixa etaacuteria de 25 anos a 45
anos Quanto ao tempo de atuaccedilatildeo na UTI neonatal existiram profissionais que atuam a mais
de 20 anos e outros que vieram de diferentes locais de trabalho como de um hospital geral e
88
estatildeo trabalhando na UTI neonatal haacute aproximadamente 3 anos oriundos do concurso da
EBSERH
A equipe da UTI Neonatal eacute muldiciplinar No mecircs em que foram realizadas as
entrevistas possuiacutea o seguinte quantitativo de pessoal 8 fisioterapeutas 21 enfermeiros 28
meacutedicos 1 psicoacutelogo 1 assistente social 1 terapeuta ocupacional 2 fonodioacutelogos e 49 teacutecnicos
de enfermagem
42-Criteacuterios de Inclusatildeo e Exclusatildeo
Foram convidados a participar do estudo os profissionais de sauacutede atuantes na UTI-
Neonatal contemplando as diferentes formaccedilotildees necessaacuterias agrave formaccedilatildeo de uma equipe
multidisciplinar (meacutedicos enfermeiros teacutecnicos de enfermagem psicoacutelogos fisioterapeutas) e
que tiveram disponibilidade e interesse para participar da pesquisa Os criteacuterios de inclusatildeo
delimitados foram trabalhar na UTI Neonatal ter algum tipo de formaccedilatildeo (seja esta teacutecnica ou
de niacutevel superior)
Como criteacuterio de exclusatildeo foi definida a ausecircncia de formaccedilatildeo (de graduaccedilatildeo ou teacutecnica
para o exerciacutecio da funccedilatildeo) ou seja os estudantes que fazem estaacutegio ou residecircncia na
Maternidade Escola natildeo participaram do estudo Natildeo foram considerados como criteacuterios de
exclusatildeo a idade sexo o tempo de formaccedilatildeo profissional e o tempo de atuaccedilatildeo na Unidade de
Terapia Intensiva Neonatal
Por se tratar de um estudo que tem inspiraccedilatildeo na fenomenologia hermenecircutica
heideggeriana considerou-se a experiecircncia de cada participante como uacutenica Por assim dizer a
idade o tempo de atuaccedilatildeo na UTI Neonatal natildeo se apresentam como aspectos relevantes para
a compreensatildeo da experiecircncia dos participantes nem tatildeo pouco para servir como referecircncia a
tiacutetulo de comparaccedilatildeo entre as narrativas Pelos motivos expostos estes criteacuterios natildeo foram
considerados para a interpretaccedilatildeo das entrevistas
89
43-Aspectos eacuteticos
O presente estudo foi submetido e aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica da UFRN
Universidade Federal do Rio Grande do Norte com a anuecircncia da Maternidade Escola Januaacuterio
Cicco (CAAE 68533517000005537) Antes do iniacutecio de cada entrevista foi apresentado o
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para os profissionais que desejaram
participar Neste termo constam os riscos e benefiacutecios envolvidos na participaccedilatildeo da pesquisa
(termo apresentado em anexo) Nos casos de concordacircncia na participaccedilatildeo tambeacutem foi
solicitada a assinatura do Termo de Autorizaccedilatildeo para Gravaccedilatildeo de Voz (termo apresentado em
anexo)
As entrevistas foram realizadas em uma sala reservada na Maternidade Escola Januaacuterio
Cicco no horaacuterio mais conveniente para os entrevistados de forma que natildeo comprometeu o
desenvolvimento das atividades laborais
Por se tratar de uma pesquisa realizada com profissionais de uma uacutenica instituiccedilatildeo a
preocupaccedilatildeo com as questotildees eacuteticas foi muito aleacutem da assinatura do TCLE envolveu um
cuidado para a preservaccedilatildeo do sigilo quanto agrave identidade dos participantes de forma que eles
pudessem expressar as suas opiniotildees seus pontos de vista espontaneamente sem receio de
alguma represaacutelia por parte da instituiccedilatildeo ou mesmo dos colegas de trabalho
Como outra alternativas para o cumprimento com o sigilo foram adotados nomes
fictiacutecios para as participantes Tais como as flores que trazem beleza ao ambiente e ao mesmo
tempo deixam frutos e sementes por onde passam as participantes da pesquisa se dedicam para
tornar o ambiente da UTI Neonatal mais acolhedor e leve apesar do solo aacuterido de um trabalho
com o limiar da vida As flores nos inspiraram assim a denominar as participantes como
Rosa Margarida Orquiacutedea Tulipa Iacuteris Angeacutelica Violeta Amariacutelis e Girassol
90
44- Formas de trilhar o caminho
Para chegar ateacute os participantes foram cumpridas todas as exigecircncias necessaacuterias quanto
agrave parte burocraacutetica Inicialmente o projeto de tese foi submetido agrave avaliaccedilatildeo da Gerecircncia de
Pesquisa da MEJC Com a anuecircncia da maternidade o projeto foi submetido ao Comitecirc de Eacutetica
da UFRN Apoacutes a aprovaccedilatildeo no referido Comitecirc de Eacutetica foi realizado um novo contato com
a Gerecircncia de Pesquisa da MEJC para enviar a documentaccedilatildeo de aprovaccedilatildeo e solicitar o crachaacute
de acesso agraves instalaccedilotildees da maternidade conforme orientado anteriormente Cumprida esta
etapa foi agendada uma reuniatildeo com a enfermeira chefe da UTI Neonatal para explicar sobre
a pesquisa
Apoacutes a reuniatildeo a pesquisadora foi apresentada a alguns profissionais da UTI Neonatal
dentro das instalaccedilotildees da UTIN quando uma profissional questionou se poderia ser entrevistada
naquele momento demonstrando bastante interesse pela pesquisa Diante da solicitaccedilatildeo como
a pesquisadora estava com todo o material necessaacuterio (TCLE Termo de Gravaccedilatildeo de Voz
gravador) as entrevistas se iniciaram naquele mesmo dia
Apoacutes a primeira entrevista jaacute havia outra profissional interessada Assim as entrevistas
narrativas foram sendo agendadas tendo como caracteriacutestica a procura espontacircnea das
profissionais e de acordo com a disponibilidade dos mesmos As entrevistas ocorreram ao longo
do mecircs de julho de 2017 em uma sala dentro da UTIN da MEJC destinada ao atendimento de
matildees ou a reuniotildees dos profissionais de sauacutede
A entrevista narrativa foi utilizada na presente pesquisa por permitir o acesso ao
fenocircmeno agrave histoacuteria contada pelo narrador da forma como ele a compreende e vivencia A
narrativa se apresenta como uma expressatildeo da compreensatildeo Atraveacutes da narrativa o
participante relata o que considera relevante para a sua trajetoacuteria vivencial contada por meio
de fatos acontecimentos e afetos (Dutra 2002)
91
A narrativa contempla a experiecircncia narrada pelo participante e ouvida pelo
pesquisador que ao relatar o que ouviu se torna outro narrador o qual conta a histoacuteria a partir
da compreensatildeo que teve do fenocircmeno O pesquisador assume portanto uma postura ativa
durante todo o processo de conduccedilatildeo do estudo (Benjamim 2008 Dutra 2002)
Desta forma o pesquisador pode direcionar a entrevista agrave temaacutetica que for do seu
interesse e o participante torna-se o narrador da sua proacutepria experiecircncia Como natildeo existe uma
busca pela verdade universal dos fatos e sim uma compreensatildeo do fenocircmeno para a pessoa que
o vivenciou a narrativa contribui para o intuito da fenomenologia de retornar ldquoagraves coisas
mesmasrdquo como satildeo na forma que se desvelam para o mundo (Dutra 2016)
A narrativa por assim dizer reflete a experiecircncia humana como ela foi vivenciada e
resignificada pelo narrador e a fenomenologia busca compreender o fenocircmeno experienciado
pelo participante Diante do exposto a entrevista narrativa foi utilizada tendo como questatildeo
disparadora
ldquoVocecirc poderia me falar a respeito da sua experiecircncia enquanto profissional de sauacutede em UTI
Neonatalrdquo
42- Orientaccedilatildeo para a interpretaccedilatildeo
A interpretaccedilatildeo das narrativas ocorreu agrave luz da hermenecircutica heideggeriana Heidegger
buscou inspiraccedilatildeo na hermenecircutica para a estruturaccedilatildeo de uma nova forma de pensar a
fenomenologia A origem da palavra hermenecircutica remete a Hermes o deus mediador que na
Greacutecia Antiga era conhecido como o mensageiro o responsaacutevel pela origem da linguagem
verbal e escrita aquele que fazia a traduccedilatildeo da linguagem dos deuses para a linguagem humana
Desde a Greacutecia Antiga valorizava-se a arte de interpretar as palavras Mas foi somente no
seacuteculo XVII que se passou a utilizar a denominaccedilatildeo de hermenecircutica em referecircncia agrave ciecircncia
da interpretaccedilatildeo (Rohden 2012)
92
Para Heidegger a hermenecircutica tambeacutem eacute considerada como sinocircnimo de interpretaccedilatildeo
utilizando-se do mesmo conceito da Greacutecia Antiga Heidegger entende que o ser humano
sempre interpreta e isto faz parte da existecircncia da sua relaccedilatildeo com o mundo No livro Ser e
Tempo o referido autor dedica-se a compreender a questatildeo do ser e passa a definir o ser humano
como dasein como ser-aiacute temporal e histoacuterico caracterizado por uma abertura (Heidegger
19272015)
Esta abertura ocorre por meio de trecircs existenciais propostos por Heidegger a disposiccedilatildeo
afetiva (befindlickeit) a compreensatildeo e a linguagem Inicialmente o dasein se abre para o
mundo por um estado de acircnimo uma disposiccedilatildeo afetiva algo que comove que desperta o
interesse do ser O fato de estar no mundo faz com os seres sejam sempre afetados pelas coisas
que acontecem no mundo e esta afetaccedilatildeo pode ocorrer por meio de humores positivos como
tambeacutem por estados de acircnimos distintos como o teacutedio e a indiferenccedila que iratildeo permitir a
abertura do ser para o mundo de outro modo
A compreensatildeo eacute apresentada por Heidegger como outro existencial para abertura do
ser como caracteriacutestica fundamental da existecircncia humana uma vez que o ser-aiacute eacute um poder-
ser aberto a possibilidades Um ser de projetos que interage com o mundo com as
possibilidades escolhas e responsabilidades A compreensatildeo eacute o poder-ser a possibilidade de
ser algo para os outros e principalmente para si mesmo Heidegger (1989 p 200) entende a
compreensatildeo como ldquoo ser existencial do proacuteprio poder-ser da pre-senccedila de tal maneira que em
si mesmo esse ser abre e mostra a quantas anda seu proacuteprio serrdquo
A elaboraccedilatildeo do projeto da compreensatildeo por sua vez eacute definida por Heidegger como
interpretaccedilatildeo Interpretaccedilatildeo e compreensatildeo natildeo satildeo entendidas pelo referido autor como etapas
separadas mas como intriacutensecas ao entender humano A compreensatildeo revela a abertura para as
possibilidades que ganham forma por meio da interpretaccedilatildeo
93
A compreensatildeo eacute expressa por meio da linguagem verbal e natildeo-verbal e a expressatildeo
da linguagem pode gerar uma nova interpretaccedilatildeo do que foi vivido E o homem se expressa por
meio do discurso Segundo Heidegger (2003 p 203)
ldquo falar eacute por si mesmo escutar Falar eacute escutar a linguagem que falamos O falar natildeo
eacute ao mesmo tempo mas antes uma escuta Esta escuta da linguagem precede da
maneira mais insuspeita todas as demais escutas possiacuteveis Natildeo falamos simplesmente
a linguagem Falamos a partir da linguagemrdquo
Como relatado anteriormente a narrativa promove para o narrador uma reflexatildeo sobre
os acontecimentos e uma ressignificaccedilatildeo das experiecircncias para o ouvinte a possibilidade de
gerar uma compreensatildeo do que foi narrado considerando a forma como este interpreta o mundo
Os existenciais definidos por Heidegger fundamentam a relaccedilatildeo do ser-com o mundo e
compotildee uma circularidade onde nada estaacute pronto e acabado onde natildeo existe uma verdade
absoluta e o ser-no-mundo eacute o ser-aiacute inserido em uma temporalidade e em um contexto
histoacuterico especiacutefico
Congruente com a ideia de circularidade Heidegger propotildee o ciacuterculo hermenecircutico que
compreende trecircs estados natildeo-lineares indissociaacuteveis a posiccedilatildeo preacutevia a visatildeo preacutevia e a
concepccedilatildeo preacutevia Conforme apresentado na figura a seguir
Figura 2 - O ciacuterculo hermenecircutico
Posiccedilatildeo Preacutevia
Visatildeo PreacuteviaConcepccedilatildeo
Preacutevia
Abertura Disposiccedilatildeo
compreensatildeo linguagem
(Azevedo 2013 Maux 2014)
94
A posiccedilatildeo preacutevia apresenta o conhecimento anterior do pesquisador (as leituras
realizadas sobre a temaacutetica de estudo os sentidos que levaram ao interesse pela pesquisa a
escuta de outros atores que influenciaram no processo enfim as informaccedilotildees anteriores ao
encontro com os participantes da pesquisa) O pesquisador natildeo vai escutar a narrativa do
participante de forma neutra pois ele eacute um ser-no-mundo envolvido em um contexto histoacuterico
especiacutefico e com um preacute-conhecimento sobre o fenocircmeno que seraacute estudado
A visatildeo preacutevia apresenta-se como possibilidades de compreensatildeo diante do que foi
ouvido do participante Eacute um recorte feito pelo pesquisador a partir de uma abertura uma
disposiccedilatildeo afetiva para a escuta do outro E a concepccedilatildeo preacutevia resgata os conhecimentos
apresentados na posiccedilatildeo preacutevia com o recorte da escuta proveniente da visatildeo preacutevia Eacute a
interpretaccedilatildeo que cria algo novo que torna o ouvinte narrador de uma histoacuteria estruturada com
base na sua compreensatildeo de mundo
A relaccedilatildeo proposta pela hermenecircutica e pela fenomenologia considera o dito e o natildeo
dito ou seja natildeo somente o conteuacutedo anunciado pelo sujeito mas os pressupostos que ele natildeo
anuncia E o pesquisador tem uma postura ativa no processo cabendo a ele as possibilidades
de ver novas perguntas e respostas dependendo da conduccedilatildeo da proacutepria entrevista Esta
abertura e postura ativa do pesquisador possibilita que o mesmo acesse o fenocircmeno buscando
a compreensatildeo da experiecircncia do outro
A anaacutelise e interpretaccedilatildeo do fenocircmeno foi realizada em congruecircncia com a circularidade
hermenecircutica (Heidegger 1927 2015) e teve as suas etapas definidas utilizando como fontes
de inspiraccedilatildeo as propostas de Dutra (2002) Azevedo (2013) e Maux (2014)
-Registro das afetaccedilotildees do pesquisador durante a entrevista Apoacutes a entrevista o
pesquisador descreve aspectos relevantes para o mesmo as afetaccedilotildees e ateacute reflexotildees e
questionamentos tendo com base a visatildeo preacutevia e a posiccedilatildeo preacutevia
-Transcriccedilatildeo da entrevista e posterior releitura do pesquisador
95
-Identificaccedilatildeo de temas que emergem das narrativas como um desvelamento da tramas
da existecircncia de cada participante Os temas retratam aspectos significativos para os
participantes que satildeo contemplados ao longo das narrativas e que afetaram o pesquisador
narrador
-Interpretaccedilatildeo do fenocircmeno com base na concepccedilatildeo preacutevia em que os conhecimentos
anteriores satildeo refletidos junto agraves entrevistas transcritas Nesta etapa o todo da pesquisa eacute
apresentado diante da reflexatildeo do pesquisador para a estruturaccedilatildeo da compreensatildeo do
fenocircmeno
A transcriccedilatildeo eacute uma etapa que consiste na primeira versatildeo das entrevistas que apresenta
a narrativa da forma como foi gravada com as falas do pesquisador e do entrevistado (Maux
amp Dutra 2009 Schmidt 2006)
Apoacutes descrever as etapas para interpretaccedilatildeo das narrativas eacute importante ressaltar que
assim como a obra de Van Gogh ldquoo pintor a caminho do trabalhordquo o pesquisador ao longo do
percurso da pesquisa entra em contato com o fenocircmeno jaacute com uma compreensatildeo preacutevia do
mesmo Ao longo da caminhada surgem novas nuances novas formas de compreender o
fenocircmeno a partir do olhar de quem o vivenciou Como afirma Critelli (1996 p 81) ldquoeacute atraveacutes
do desveladoreveladotestemunhado que os homens se relacionam entre siAgrave medida que as
coisas testemunhadas em comum satildeo elementos de mediaccedilatildeo entre os homens elas estatildeo
instaurando o mundo uma trama significativa comum O mundo se daacute e se recusa aos homens
atraveacutes daquilo com que estatildeo em contato e a respeito do que falamrdquo
A narrativa traz em si os fatos acontecimentos e afetos Apresenta pontos de vista e a
historicidade do ser-no-mundo Oferece a quem narra e a quem ouve a possibilidade de um
encontro e nesse encontro a possibilidade de refletir e resignificar o vivido O proacuteximo capiacutetulo
seraacute dedicado justamente agraves narrativas destes profissionais que se dedicam a cuidar da vida e
buscam formas de lidar com a finitude
96
-Capiacutetulo 5 As narrativas dos participantes os sentidos de ser profissional de sauacutede em
UTI Neonatal
ldquoLast Supperrdquo ldquoA Uacuteltima Ceiardquo Vladimir Kush
97
-Capiacutetulo 5 As narrativas dos participantes os sentidos de ser profissional de sauacutede em
UTI Neonatal
Este capiacutetulo eacute dedicado agraves participantes do estudo as profissionais de sauacutede atuantes
na UTI Neonatal da Maternidade Escola Januaacuterio Cicco homenageadas atraveacutes do quadro
apresentado no iniacutecio do capiacutetulo do pintor surrealista Vladimir Kush As flores reunidas em
torno de uma mesa serviram de inspiraccedilatildeo para falar sobre a experiecircncia das colaboradores que
integram uma equipe multiprofissional Ser profissional de sauacutede eacute tambeacutem ser-com os colegas
de trabalho das diversas aacutereas por assim dizer faz parte do mundo de cada profissional as
relaccedilotildees que constituem com o outro
Assim como as distintas flores ao redor de uma mesa apresentadas no quadro tantas
vezes os profissionais com formaccedilotildees distintas precisam se reunir em torno de um caso em
nome da assistecircncia ao receacutem-nascido e seus familiares Como as flores que compotildee um belo
jardim deixam espaccedilo para a sobrevivecircncia e florescimento das demais o trabalho de cada
integrante da equipe tem a sua relevacircncia e os papeacuteis dos profissionais precisam estar claros
bem como a importacircncia que cada um pode gerar para o todo em benefiacutecio da assistecircncia aos
bebecircs
As flores satildeo belas e delicadas mas tambeacutem possuem espinhos Ora estatildeo mais floridas
ora um pouco murchas Tambeacutem precisam de aacutegua e insumos para sobreviver Sofrem quando
o solo estaacute demasiadamente aacuterido ou quando precisam enfrentar tempestades Os seres
humanos agraves vezes estatildeo mais sorridentes e alegres para vida Em outros momentos mais
murchos e contidos ou mesmo tristes e sem enxergar novas possibilidades
As afetaccedilotildees os estados de humor satildeo como lentes que direcionam o nosso olhar para
as possibilidades da existecircncia O encantamento o estar apaixonado pode levar a ver o mundo
cor de rosa com novas nuances a tristeza por sua vez pode levar o olhar para algo obscuro
sem possibilidades ou alternativas para soluccedilatildeo
98
Como seres humanos os profissionais de sauacutede tambeacutem possuem a afetaccedilatildeo como
caracteriacutestica ontoloacutegica natildeo satildeo como maacutequinas que apresentam reaccedilotildees calculadas
Simplesmente existem dias em que natildeo aguentam ver tanto sofrimento e em outros
conseguem oferecer o suporte esperado O fato eacute que precisam ter um domiacutenio teacutecnico dos
instrumentais e equipamentos e ao mesmo tempo fornecer uma assistecircncia humanizada
dedicando atenccedilatildeo aos pais e familiares
Diante das consideraccedilotildees eacuteticas levantadas quanto ao sigilo dos participantes optamos
por realizar a anaacutelise das entrevistas a partir dos temas que emergiram das afetaccedilotildees do
pesquisador apoacutes as leituras e releituras das transcriccedilotildees das entrevistas Estes temas
apresentados a seguir seratildeo discutidos agrave luz da fenomenologia hermenecircutica heideggeriana
contemplando o olhar da pesquisadora para a experiecircncia dos profissionais 1-A escolha para
trabalhar na UTI Neonatal 2- As dificuldades do trabalho em uma UTI Neonatal 3- Os
sentimentos diante da morte de receacutem-nascidos 4- O ser-com-os-outros as matildees dos pacientes
os receacutem-nascidos e os colegas de trabalho 5- A formaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede 6-
Reflexotildees sobre a atuaccedilatildeo profissional de sauacutede concepccedilatildeo de cuidado novas possibilidades e
projetos
De ora em diante seguiremos com os temas propostos envolvendo trechos das falas dos
participantes e as reflexotildees acerca da experiecircncia de ser-com os profissionais de sauacutede atuantes
da UTI Neonatal
1-A escolha para trabalhar na UTI Neonatal
Ao relatarem sobre a sua experiecircncia na UTI Neonatal os profissionais naturalmente
contavam sobre o seu percurso profissional na aacuterea de sauacutede ateacute chegar agrave UTI Neonatal da
MEJC A construccedilatildeo da narrativa por assim dizer gerava direccedilatildeo e sentido Em cada relato
passado presente e futuro se entrelaccedilavam e resultavam na composiccedilatildeo de uma histoacuteria de vida
Este toacutepico sobre ldquoa escolha para trabalhar na UTI Neonatalrdquo assumiu uma relevacircncia durante
99
a anaacutelise das narrativas por se apresentar como um marco na trajetoacuteria de vida destes
profissionais um ldquodivisor de aacuteguasrdquo que gera desdobramentos para os demais toacutepicos definidos
durante a anaacutelise
Dentre as nove entrevistadas quatro demonstraram interesse pela aacuterea de neonatologia
durante a faculdade e buscaram fazer residecircncia na aacuterea Estas revelaram um encantamento
inicial com a aacuterea principalmente pelo fato de trabalhar com bebecircs com o iniacutecio da vida
Algumas vezes a ideia do nascimento aparece como uma perspectiva positiva principalmente
quando seguida da possibilidade de contribuir com o desenvolvimento dos receacutem-nascidos
Seguem alguns relatos que ilustram isso
ldquoNo final da faculdade eu me apaixonei por Neo E a primeira vez que eu entrei ou na
enfermaria canguru ou aqui eu jaacute senti uma afinidade muito grande Eu natildeo sei explicar
da onde veio tanto amor assim mas eu gosto muito de trabalhar na aacuterea eu tento pensar na
famiacutelia como se fosse minha famiacutelia como eu queria que tratassem um filho meurdquo
(Margarida)
ldquoO meu sentimento em relaccedilatildeo agrave UTI eacute de uma casa mesmo porque eu brinco dizendo
que eu nasci profissionalmente aqui e eacute aqui que eu guardo todo o meu sentimento
tudinho de cuidado neacute Eu cuido dessa UTI como se ela fosse minha mesmo minha
casa a extensatildeo da minha famiacuteliardquo (Angeacutelica)
As demais (outras cinco profissionais) tiveram o direcionamento para a aacuterea a partir do
concurso puacuteblico para a MEJC Duas se destacaram pelos relatos de natildeo desejarem trabalhar
em UTI Neonatal tanto pelo desgaste da rotina como pela dificuldade em lidar com a morte de
bebecircs Apesar disso por questotildees administrativas acabaram integrando a equipe e alegam que
hoje conseguiram resignificar a experiecircncia de trabalhar com bebecircs graves e suas famiacutelias
ldquo Quando eu fui chamada em Marccedilo pra caacute me choquei de antematildeo porque eu natildeo
vim pra UTI Nunca quis trabalhar com Neo Tem uma carga emocional muito
grande se a gente jaacute sofre com perdas de pacientes adultos imagina com crianccedilas
receacutem-nascidas que tem uma vida toda pela frenterdquo (Tulipa)
100
ldquoNa verdade eu nunca tive experiecircncia em UTI E quando eu fui convocada devido
aqui na UTI Neo ter um deacuteficit de funcionaacuterios entatildeo eu meio que fui induzida a
aceitar Como havia essa necessidade entatildeo eles me convenceramrdquo (Amariacutelis)
Apesar da resistecircncia inicial de algumas para trabalhar na UTI Neo o que existe em
comum em todos os relatos eacute o encantamento com o trabalho realizado A possibilidade de
ajudar os bebecircs e suas famiacutelias aparece como um acalento um retorno muito significativo da
dedicaccedilatildeo do trabalho realizado O cuidado com os bebecircs e a possibilidade de vecirc-los sair de
uma situaccedilatildeo limiacutetrofe para uma nova vida faz as profissionais se emocionaram e desejarem
continuar nesta jornada apesar das dificuldades encontradas
Ao buscar compreender o outro a partir de uma perspectiva da fenomenologia
existencial passamos a consideraacute-lo como um ser-no-mundo que se constitui agrave medida que
constroacutei seu caminhar que se planeja realiza projetos mas pode se deparar com situaccedilotildees
diversas das quais imaginava e de uma forma ou de outras vai lidando com isso tudo
Foi interessante o relato de uma profissional que natildeo considerava a sua atuaccedilatildeo na UTI
Neonatal como uma escolha apesar de ter mais de 20 anos de experiecircncia na aacuterea de
Neonatologia iniciou a sua trajetoacuteria tirando feacuterias de uma colega em uma UTI Neonatal seu
primeiro emprego Para a profissional trabalhar nesta aacuterea foi ldquouma oportunidade que depois
virou um caminhordquo natildeo uma escolha por preferecircncia ou identificaccedilatildeo inicial Depois as
oportunidades foram surgindo devido a sua experiecircncia na aacuterea e assim o seu percurso
profissional foi se desenvolvendo
ldquoFoi a oportunidade que surgiu que me fez conhecer e querer seguir essa aacuterea natildeo
foi uma coisa assim ldquoah eu sonhei em fazerrdquo a gente natildeo escolhe a aacuterea a
oportunidade que escolhe a genterdquo (Girassol)
O relato de Girassol traz uma reflexatildeo acerca da indeterminaccedilatildeo do sujeito que
enquanto ser-no-mundo estaacute aberto a possibilidades que vatildeo surgindo e assim um caminho vai
sendo construiacutedo Este caminho eacute incerto natildeo estaacute definido por certezas pautadas na ideia de
101
uma vocaccedilatildeo encapsulada que estaacute presente dentro do indiviacuteduo para ser exercida no mercado
de trabalho O ser-aiacute eacute aberto a possibilidades e vai modificando-se ao longo do percurso da
vida O que poderia natildeo ser imaginado como local de atuaccedilatildeo tempos atraacutes pode tornar-se fonte
de subsistecircncia em outro momento da vida O indiviacuteduo pode resignificar a sua atuaccedilatildeo
profissional e observar de forma diferente o local em que estaacute trabalhando
O que observamos ao longo dos relatos foi que a ideia de trabalhar com bebecircs natildeo
implica necessariamente em uma identificaccedilatildeo ou vocaccedilatildeo originaacuteria agraves vezes tatildeo presente na
concepccedilatildeo do senso comum Mas em possibilidades que surgem e passam a ser consideradas
como parte de um caminho E a magia do caminhar estaacute justamente na possiacutevel transformaccedilatildeo
do caminhante ao olhar novas paisagens e vivenciar novas experiecircncias
Esta reflexatildeo inicial tem o intuito de lanccedilar um olhar para as escolhas destes
profissionais a partir da fenomenologia existencial considerando a indeterminaccedilatildeo do sujeito
Afinal de contas como nos inspiram Feijoo Protaacutesio e Magnam (2014) ldquo Outra determinaccedilatildeo
baacutesica para uma psicologia existencial consiste em tomar o modo de ser e comportar-se do
homem como fundado em seu caraacuteter de indeterminaccedilatildeo e poder-ser ou seja seu modo de ser
encontra-se sempre em jogo no seu existir Sendo a existecircncia marcada pela indeterminaccedilatildeo
natildeo eacute possiacutevel prescrever ou determinar o melhor caminho a seguirrdquo (p 58)
A partir deste olhar para a indeterminaccedilatildeo do sujeito considerando o horizonte
histoacuterico as limitaccedilotildees nas quais estatildeo imersos partiremos para o outro toacutepico que contempla
o trabalho na UTI Neonatal
2- As dificuldades do trabalho em uma UTI Neonatal
A UTI Neonatal na MEJC foi ampliada no ano de 2017 passando a apresentar duas
unidades com capacidade para atender 23 receacutem-nascidos Compotildee a UTI Neonatal um
corredor central com uma sala aberta para os prontuaacuterios uma sala de apoio com equipamentos
uma copa as salas de descanso e uma sala de acolhimento (tambeacutem receacutem-inaugurada)
102
Eacute um local frio em termos de temperatura de ausecircncia de cores da presenccedila de um
maquinaacuterio sofisticado da luz constante e contiacutenua que gera uma distacircncia em relaccedilatildeo ao que
ocorre fora das instalaccedilotildees da UTI Natildeo existem janelas nas aacutereas dedicadas ao tratamento dos
receacutem-nascidos e consequentemente ao trabalho dos profissionais de sauacutede Isto foi relatado
por uma das profissionais como uma caracteriacutestica do trabalho na UTI Neonatal
ldquoEu acho que a dificuldade eacuteo confinamento eacute vocecirc taacute num lugar que vocecirc natildeo vecirc se
eacute de dia se eacute de noite se taacute chovendo se taacute fazendo sol entendeu O ambiente fechado
ao longo do tempo ele pesa Eacute tanto que quando fizeram a reforma daqui eu disse ldquoai
que coisa boa Vai ter janelardquo porque acredito ateacute que eacute uma coisa boa pras crianccedilas
tomar banho de solrdquo (Girassol)
Sentir-se confinado em um ambiente sem janela sem saber se eacute dia ou noite eacute um fator
que pode gerar um incocircmodo maior para alguns profissionais como no relato apresentado por
Girassol Fizemos uma analogia a esta flor que busca constantemente o sol para o seu
desenvolvimento com a profissional que se sente inserida em um ambiente que apresenta uma
caracteriacutestica de confinamento Este confinamento faz parte da atuaccedilatildeo da maior parte dos
profissionais da UTI Neonatal com exceccedilatildeo para a as aacutereas da psicologia e serviccedilo social que
circulam pelas instalaccedilotildees do hospital inclusive para dar assistecircncia agraves matildees dos bebecircs
Alguns estudos apontam que trabalhar em local confinado eacute uma dificuldade vivenciada
pelos profissionais de sauacutede Algo que gera um certo incocircmodo tanto em relaccedilatildeo agrave falta da luz
solar como tambeacutem quanto aos cheiros e agrave temperatura Na tentativa de humanizar o ambiente
algumas estrateacutegias satildeo sugeridas como colocar um pano em cima das incubadoras para
ldquoinduzirrdquo um ciclo de dia-noite diminuir o volume dos ruiacutedos sonoros ou substituiacute-los por
alarmes luminosos Estas praacuteticas tem o intuito de reduzir o impacto das consequecircncias do
confinamento para os pacientes Para os profissionais entretanto pode gerar mais demanda de
trabalho mais atividades para executar (Brasil 2003 Lamego Deslandes e Moreira 2005
Rocha Souza e Teixeira 2015)
103
Outra dificuldade apresentada por vaacuterios profissionais entrevistados refere-se agrave
sobrecarga de trabalho em especial para a categoria de teacutecnicos de enfermagem que apresenta
um nuacutemero inferior ao necessaacuterio para atendimento dos receacutem-nascidos
ldquo A gente passa muitos periacuteodos difiacuteceis por ter menos teacutecnicos de enfermagem do
que deveria ter Porque a gente sabe que um teacutecnico soacute pode ficar com tantos nuacutemeros
de bebecircs quando ele fica com mais bebecircs pra cuidar do que ele deveria ficar isso acaba
levando a maior risco de erros de sobrecarga pra aquele profissional E acontece erros
na assistecircncia por conta dissordquo (Orquiacutedea)
ldquoEles se preocupam em abrir leitos leitos Mas natildeo compreendem que tecircm poucos
profissionais pra isso e que deveriam bloquear Tem dias que a gente tem que ficar
com seis teacutecnicos cinco teacutecnicos pra vinte um vinte e dois bebecircs e isso natildeo eacute correto
e acaba deixando a gente tenso porque a gente trabalha sob uma certa pressatildeo Eacute tanto
que vaacuterios teacutecnicos que entraram aqui muitos jaacute saiacuteram com atestado psiquiaacutetricordquo
(Amariacutelis)
A sobrecarga leva os profissionais a trabalharem no limite do desgaste fiacutesico e
psicoloacutegico podendo resultar no afastamento do trabalho por motivos de sauacutede De acordo com
o Relatoacuterio de Absenteiacutesmo da Maternidade (referente ao periacuteodo de 20161) 8273 dos
afastamentos satildeo para tratamento de sauacutede e a categoria que apresenta o maior nuacutemero de
atestados eacute a de teacutecnicos de enfermagem O relatoacuterio confirma portanto os relatos apresentados
pelos profissionais
Vaacuterios estudos afirmam que o ambiente da UTI Neonatal pode exercer uma influecircncia
negativa sobre a sauacutede de seus profissionais devido a tensatildeo e estresse presentes em um local
onde sucesso e fracasso oscilam rapidamente e vida e morte estatildeo presentes de forma intensa
Como satildeo locais que utilizam tecnologia muito avanccedilada as exigecircncias para a atualizaccedilatildeo dos
profissionais satildeo constantes De acordo com os autores a sobrecarga de trabalho caracteriza-se
pela falta de profissionais suficientes para a demanda de bebecircs que somada agrave falta de preparo
104
da equipe teacutecnica e ao espaccedilo fiacutesico inadequado comprometem sobremaneira a qualidade de
vida dos trabalhadores (Fogaccedila et al 2008 Rocha Souza Teixeira 2015 Fogaccedila 2010)
A partir dos relatos apresentados gostaria de propor uma reflexatildeo sobre como os
profissionais se sentem diante deste contexto de trabalho Para tanto buscarei inspiraccedilatildeo em
Heidegger (2007) em ldquoA questatildeo da teacutecnicardquo A inspiraccedilatildeo necessaacuteria para refletir sobre o
contexto de atuaccedilatildeo destes profissionais de sauacutede mas sem a pretensatildeo de elucidar alguma
questatildeo como bem pontua Heidegger (2007 p 375) ldquoo questionar constroacutei num caminhordquo
Vamos portanto trazer elementos que envolvam a questatildeo teacutecnica
Ao falar sobre teacutecnica podemos assumir os dois sentidos o domiacutenio do conhecimento
teacutecnico propriamente dito ou seja o conhecer e saber fazer e o horizonte histoacuterico no qual
estamos imersos a era da teacutecnica que valoriza o saber a velocidade das informaccedilotildees os
resultados o pensamento calculante (Heidegger 2007)
Uma atmosfera que nos conduz a agir para dar respostas a um mundo praacutetico que
valoriza a objetividade a rapidez e o retorno seja este financeiro de status de reconhecimento
Assim as pessoas vatildeo correndo contra o tempo para atingir objetivos previamente definidos e
agraves vezes sem mensurar possiacuteveis consequecircncias das escolhas realizadas A era da teacutecnica
produz um discurso ora expliacutecito ora posto nas entrelinhas do que eacute aceitaacutevel valorizado
Como pode ser observado no relato a seguir
ldquoE se vocecirc cometer algum erro Quem vai responder eacute vocecirc que tava na assistecircncia
Aiacute se a gente recusa alegam logo que a gente taacute negando assistecircncia Muitas das
vezes tecircm alguns profissionais que natildeo sabem abordar e diz que vocecirc tem que dobrar
Natildeo sei nem dizer se eacute isso uma ameaccedila mas vocecirc se sente coagidaldquoAh vocecirc
abandonou eacute abandono issordquo (Amariacutelis)
Este eacute apenas um trecho de um relato bem extenso sobre este conflito vivido pela
profissional Ao falar ela repetia que natildeo estava abandonando os bebecircs e que natildeo considerava
correto permanecer no trabalho sem as condiccedilotildees fiacutesicas e emocionais para isto Foi um discurso
105
que envolvia sentimentos contraditoacuterios como a culpa e a indignaccedilatildeo diante das exigecircncias
impostas e das consequecircncias geradas Como exigir que um profissional permaneccedila em uma
atividade aleacutem dos seus limites ainda mais se esta atividade caracterizar-se pela assistecircncia a
pacientes graves muitas vezes em consiccedilotildees limiacutetrofes entre a vida e a morte
O que fazer diante de um discurso que gera cobranccedila ameaccedila e ateacute culpa Um discurso
que tantas vezes estaacute internalizado nos proacuteprios profissionais que precisam decidir entre o que
pode ser considerado abandono e a permanecircncia altruiacutesta que pode resultar em falhas e ateacute na
morte dos bebecircs O abandono eacute efetivamente uma escolha ou ele estaria presente de uma forma
ou de outra em ambas as alternativas Se analisarmos mais profundamente tambeacutem estaacute
presente mesmo que temporariamente nas outras demandas da vida famiacutelia estudo descanso
No deixar de lado o que aparentemente pode soar como supeacuterfluo diante da complexidade de
pacientes graves Mas ao longo do tempo por repetidas vezes o que poderia significar este
tipo de abandono
O discurso cheio de paradoxos estaacute presente no cotidiano destes profissionais
refletindo uma expectativa social do papel dos profissionais de sauacutede A ideia da
responsabilidade pela manutenccedilatildeo da vida da necessidade de zelo e dedicaccedilatildeo na assistecircncia
ao paciente ou mesmo da caridade destinada aos doentes Como pode ser observado na
profissatildeo de enfermagem que teve a sua origem nas irmatildes de caridade que abdicavam da sua
vida para atender aos doentes mais necessitados A origem dos hospitais tambeacutem estaacute
inicialmente vinculada ao atendimento das pessoas mais carentes e que natildeo tinham os cuidados
familiares durante a enfermidade (Padilha Mancia 2005 Ministeacuterio da Sauacutede 1944)
Estes satildeo exemplos de raiacutezes histoacutericas que podem contribuir para gerar esta
obrigatoriedade de ldquodoaccedilatildeordquo de tempo e esforccedilo aleacutem do limite como uma obrigaccedilatildeo para os
profissionais da aacuterea de sauacutede Satildeo mensagens que permenecem tantas vezes na sociedade
interferindo nas expectativas e na percepccedilatildeo sobre o papel dos profissionais de sauacutede
106
Aleacutem destas questotildees o horizonte histoacuterico da nossa eacutepoca influencia sobremaneira nos
comportamentos dita os costumes orienta a respeito do que eacute considerado certo e errado
reprovaacutevel ou louvaacutevel A era da teacutecnica pode ser compreendida portanto como o nosso
horizonte histoacuterico que influencia as nossas atitudes diante dos desafios cotidianos De acordo
com Heidegger (2007 p 380)
O desafio que estaacute presente no discurso trazido pelas miacutedias de comunicaccedilatildeo em massa
ressaltando a capacidade do homem de vencer obstaacuteculos de propor cura para novas doenccedilas
de buscar mecanismos de prorrogar a juventude ou de procrastinar o envelhecimento Os
homens que satildeo movidos a desafioscomo ldquolutar com um dragatildeo todos os diasrdquo (Amariacutelis)
Fazendo uma analogia com os filmes e quadrinhos vivemos em um mundo que valoriza
o super-heroacutei aquele que resolve todos os problemas que encontra soluccedilotildees enfrenta
dificuldades e assume as consequecircncias O super-heroacutei que eacute responsaacutevel pela conduccedilatildeo da sua
vida carreira escolhas Eacute aquele que precisa encontrar superpoderes para enfrentar os
obstaacuteculos Eacute o sujeito idealizado forte e capaz de alcanccedilar os resultados almejados Seraacute que
realmente conseguimos lidar continuamente com a sobrecarga
ldquoO que cansa realmente na UTI Neonatal eacute a sobrecarga Eacute a gente tem um trabalho
de alta complexidade e a gente natildeo tem tanta maleabilidade de horaacuterio de trocas Em
ldquoA teacutecnica natildeo eacute portanto meramente um meio Eacute um modo de desabrigar Se
atentarmos para isso abrir-se-aacute para noacutes um acircmbito totalmente diferente para a
essecircncia da teacutecnica Trata-se do acircmbito do desabrigamento isto eacute da verdade O
desabrigar imperante na teacutecnica moderna eacute um desafiar que estabelece para a natureza
a exigecircncia de fornecer energia suscetiacutevel de ser extraiacuteda e armazenada enquanto tal
Eacute um extrair na medida em que explora e destaca Este extrair contudo permanece
previamente disposto a exigir outra coisa isto eacute impelir adiante para o maacuteximo de
proveito a partir do miacutenimo de despesas O desabrigar que domina a teacutecnica moderna
tem o caraacuteter do pocircr no sentido do desafiordquo
107
relaccedilatildeo a insalubridade a gente recebe a mesma coisa setor fechado lidar com morte
assimrdquo (Violeta)
ldquoEu jaacute vi relatos de teacutecnica de enfermagem chorando muito por ter tido uma situaccedilatildeo
que por erro dela um bebecirc por exemplo poderia ter pedido a perna Se doeu tanto
pra ela aquele erro eacute porque ela se identifica com o trabalho natildeo eacute uma falta de
identificaccedilatildeo mas a sobrecarga que aumenta a chance de erro que jaacute eacute decorrente da
falta de pessoalrdquo (Rosa)
Um ciclo vicioso se configura a falta de profissionais leva agrave sobrecarga que por um
lado pode promover o adoecimento e gerar mais ausecircncias e aumentar a sobrecarga para os que
ficam e por outro lado amplia o desgaste fiacutesico e psicoloacutegico resultando em possiacuteveis falhas
e ateacute na morte de pacientes
Aleacutem das questotildees referentes ao ambiente de trabalho relatos tambeacutem trazem uma
reflexatildeo sobre as pressotildees inerentes agrave atividade ao trabalho e as consequecircncias do mesmo
Retratam o profissional de sauacutede buscando a cura tentando evitar o erro as falhas pelas
consequecircncias que podem gerar
ldquoEacute uma pressatildeo de que tem que dar certo porque por traacutes de uma crianccedila tem uma
famiacutelia Eu sinto que eu tenho que fazer o meu maacuteximo o meu melhor Quase o
impossiacutevel pra que tudo decirc certo pra que isso natildeo cause sofrimento pras pessoasrdquo
(Tulipa)
Novamente se coloca em ecircnfase o domiacutenio da teacutecnica dos instrumentos do
conhecimento que promova um retorno positivo para os pacientes Heidegger nos faz refletir
sobre esse aspecto ao afirmar que ldquoA teacutecnica moderna eacute um meio para fins Por isso todo
esforccedilo para conduzir o homem a uma correta relaccedilatildeo com a teacutecnica eacute determinado pela
concepccedilatildeo instrumental da teacutecnica Tudo se reduz ao lidar de modo adequado com a teacutecnica
enquanto meio Pretende-se dominaacute-lardquo (Heidegger 2007 p 376)
E o que seria esse escapar do domiacutenio dos homens A morte poderia ser essa
possibilidade inerente agrave vida e que foge ao controle dos homens Por isso assusta
108
desestabiliza gera frustraccedilatildeo e desconforto para os que ficam Sobre este toacutepico que envolve
os sentimentos diante da morte dos receacutem-nascidos iremos abordar a seguir
3-Os sentimentos diante da morte de receacutem-nascidos
Este toacutepico eacute dedicado aos sentimentos relatados pelos profissionais diante da morte de
receacutem-nascidos Alguns relatos revelam sentimentos de impotecircncia e frustraccedilatildeo Tambeacutem eacute
contemplada a aparente contradiccedilatildeo de se pensar em morte na maternidade local associado agrave
ideia de vida Como se a morte tivesse um lugar para chegar e fosse inaceitaacutevel em outros
contextos Assim se configura o pensamento dicotocircmico refletido em paradoxos vida e morte
certo e errado verdade e natildeo-verdade Natildeo existe lugar certo para morte assim como natildeo haacute
verdade absoluta nem uma uacutenica explicaccedilatildeo para os fatos A morte eacute algo inerente a vida
Somos desde o nascimento um ser-para-a-morte Por assim dizer natildeo existe hora nem lugar
adequado para morrer (Heidegger 1927 2015)
ldquoEacute porque assim quando a gente pensa em maternidade a gente pensa na vida
quando a gente pensa em UTI a gente pensa em salvar vidas E a gente salva Salva
Mas quando eu falo em impotecircncia O sentimento que a gente tem de forma geral eacute
que chega um momento que a gente natildeo tem o que fazer Aiacute a gente precisa lidar
com essa morteIsso daacute uma sensaccedilatildeo de impotecircncia muito granderdquo (Iacuteris)
A sensaccedilatildeo de ver o sofrimento e natildeo poder fazer nada para evitar aquilo gera
sofrimento nos proacuteprios profissionais Principalmente quando se colocam no lugar do outro
da matildee que sofre ao perder um filho tatildeo amado e desejado Estes sentimentos de impotecircncia e
tristeza tambeacutem aparecem em outros estudo dedicados agrave experiecircncia dos profissionais de sauacutede
em relaccedilatildeo agrave morte de pacientes (Costa Lima 2005 Bernieri Hirdes 2007 Poles Bolso
2006 Shimizu 2007 Sadala Silva 2009 Souza e Ferreira 2008)
109
Outro aspecto tambeacutem relevante estaacute na intensidade dos viacutenculos estabelecidos Como
se apresenta no relato de Violeta quanto maior for o viacutenculo do profissional com o paciente e
seus familiares maior eacute o sofrimento do profissional diante da morte do receacutem-nascido
ldquo Tem alguns bebecircs eu natildeo sei explicar porque a morte eacute mais dolorosa Eu oro
pelos pais pela famiacutelia sinto pelo bebecirc tambeacutem Aqui eu jaacute tive dois que me
marcaram muito tambeacutem pelo contato com a matildee contato com o bebezinho era uma
matildee que tinha um viacutenculo muito bom com a equipe (Violeta)
Talvez por isso alguns profissionais desenvolvam o que autores (Gerow Conejo
Alonzo et al 2009) denominaram de ldquocortina de proteccedilatildeordquo estabelecendo um certo
distanciamento dos pacientes considerados mais graves tentando se proteger do sofrimento
conforme pode ser constatado nos relatos a seguir
ldquoA gente cria mecanismos de defesa Porque quem cria um viacutenculo afetivo perde a
capacidade de cuidar Entatildeo vocecirc natildeo vai cortar vocecirc natildeo vai furar vocecirc natildeo vai fazer
uma coisa que doa numa pessoa que vocecirc goste Algueacutem precisa fazer essa parteA
gente natildeo fica insensiacutevel mas cria formas de se protegerrdquo (Girassol)
ldquoQuem cria um viacutenculo afetivo perda a capacidade de cuidarrdquo Este trecho da fala diz
muita coisa E cabe algumas ressalvas A referecircncia da profissional agrave capacidade de cuidar
remete agrave ideia de uma dificuldade para realizar os procedimentos em virtude de um abalo
emocional diante do sofrimento do outro A compreensatildeo do cuidado pela ontologia
Heideggeriana entretanto concebe esta atuaccedilatildeo profissional como uma forma de cuidado Uma
vez que somos cuidado ateacute a indiferenccedila se configura como cuidado (Heidegger 1927 2015)
A profissional apresenta a necessidade de criar maneiras de se proteger do sofrimento
para que possa realizar os procedimentos necessaacuterios como tambeacutem para que ela consiga
suportar o trabalho na UTI Neonatal O relato a seguir demonstra mais explicitamente esta
necessidade de criar mecanismos de proteccedilatildeo para continuar trabalhando
110
ldquoAcho que natildeo era nem um mecircs que eu tava aqui entraram na parada meacutedico
enfermeiro fisio E eu fiquei olhando de fora e assim a pressatildeo caiu eu fiquei sudorenta
na hora e o bebecirc morreu Quando a matildee chegou ai eles botam no colo o bebecirc morto no
colo Vocecirc natildeo tem noccedilatildeo de como eu passei mal Eu desci fiquei na calccedilada
chorando Ai depois ateacute a meacutedica a chefe da UTI disse ldquoAf Maria vocecirc era pra taacute num
shopping vendendo roupa natildeo era pra taacute aqui natildeordquo eu disse ldquome respeiterdquo Depois eu
cheguei em casa mal chorei abracei muito minha filha Foi bem difiacutecilE ai as coisas
foram acontecendo eu fui entrando mais no clima Daquela parte emocional vocecirc tenta
dar um freio colocar um limite entre vocecirc mesma e aquilo que taacute acontecendo pra que
vocecirc natildeo sofra tantordquo (Tulipa)
O proacuteprio contexto exige do profissional a postura considerada adequada Ateacute os colegas
de trabalho podem ser severos diante da expressatildeo dos sentimentos dos demais Valoriza-se o
controle emocional a assertividade na resoluccedilatildeo das situaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da teacutecnica Assim
este limite ou freio apresentado no trecho acima passa a ser uma exigecircncia do proacuteprio
profissional como algo inerente ao trabalho como uma condiccedilatildeo para sobreviver naquele
ambiente Eacute preciso ldquoentrar no climardquo O clima falado reflete agrave atmosfera do ambiente ao
como as coisas funcionam aos comportamento considerados adequados ao ambiente mais frio
e racional
De fato podemos pensar que ningueacutem aguentaria passar mal da forma que foi
apresentada todas as vezes que morresse um bebecirc Mas por outro lado refletimos sobre o
quanto esta profissional se sentiu sozinha para lidar com estas emoccedilotildees tatildeo humanas tatildeo
passiacuteveis de serem expostas
Os relatos demonstram portanto a necessidade de ocorrer um afastamento dos
profissionais diante da possibilidade de morte iminente uma certa preparaccedilatildeo para o que pode
ocorrer como uma forma de proteccedilatildeo de minimizar o sofrimento Entretanto quando a morte
eacute anunciada por sinais e sintomas alguns comportamentos para lidar com isto vatildeo surgindo
seja de afastamento de conformismo de aceitaccedilatildeo Quando a morte ocorre diante de um bom
111
prognoacutestico surpreende aparece como um evento assustador podendo gerar maior sofrimento
nos profissionais
ldquo Quando vocecirc comeccedila a perceber que aquele bebecirc taacute piorando piorando vocecirc comeccedila
a se afastar vocecirc atende outro vocecirc natildeo fica mais com ele As pessoas se organizam
quando a gente percebe que algueacutem taacute com um viacutenculo muito forte com o bebecirc aiacute jaacute
comeccedila a tirar de perto jaacute comeccedila a botar com outro entendeu Todo mundo vai meio
que se cuidando porque sabe que a perda vai existir e se a gente sofrer por todas as
perdas como uma pessoa da famiacutelia a gente vai junto entendeurdquo (Girassol)
Surgem portanto as estrateacutegias de preservaccedilatildeo diante do sofrimento No relato acima
pode-se verificar um apoio aos colegas no sentido de tentar evitar um maior vinculo com os
pacientes que apresenta um prognostico ruim O distanciamento aparece como possibilidade
Uma forma de diminuir o sofrimento do profissional
Diante do exposto poderiacuteamos nos questionar De onde vecircm os sentimentos de
impotecircncia e frustraccedilatildeo diante da morte Por que os profissionais de sauacutede se sentem frustrados
e impotentes Eacute interessante a partir desses questionamentos refletirmos sobre o nosso
horizonte histoacuterico Novamente as ideias de Heidegger (1927 2015) nos inspiram para abordar
a questatildeo da era da teacutecnica do quanto eacute difiacutecil natildeo ter o controle sobre as coisas sobre os
acontecimentos do mundo
De acordo com Heidegger (2007 p 376) ldquoO querer-dominar se torna tatildeo mais iminente
quanto mais a teacutecnica ameaccedila escapar do domiacutenio dos homensrdquo Quanto mais difiacutecil for o
desafio e maior a probabilidade de perder o controle o homem tende a buscar novas soluccedilotildees
e alternativas como se lutasse contra algo que incomoda pelo simples fato de resistir ao
aparente controle Este querer-dominar pode estar presente na difiacutecil decisatildeo da hora de tentar
parar de salvar um paciente que jaacute daacute sinais de despedida A decisatildeo sobre a hora de parar eacute
muito difiacutecil para alguns profissionais como pode ser observado no seguinte relato
ldquoUma das coisas mais difiacuteceis eacute vocecirc optar pelo fim de uma reanimaccedilatildeo As diretrizes
mandam que com 10 minutos 15 minutos de reanimaccedilatildeo em assistolia o coraccedilatildeo natildeo
taacute mais batendo vocecirc paacutera de reanimar Noacutes jaacute reanimamos menino aqui por mais de
112
hora Que vocecirc natildeo quer acreditar que ele morreu Esse momento realmente eacute o
momento mais difiacutecil A hora de parar Agraves vezes quando vocecirc diz assim ldquonatildeo vou
maisrdquo vocecirc sente que alguns olhares lhe bombardeiam dizendo assim ldquoPor que Tente
mais um pouquinhordquo Esse momento realmente eacute o conflito dentro da UTI A hora de
pararrdquo (Angeacutelica)
Definir qual a hora de parar aparece como uma grande dificuldade eacute como reconhecer
que existe um limite e junto com ele o sentimento de impotecircncia Existe uma cobranccedila pela
cura tanto por parte dos proacuteprios profissionais como tambeacutem pelos familiares A sensaccedilatildeo de
esgotar todas as possibilidades surge como uma forma de dizer que tudo que era possiacutevel foi
feito O difiacutecil eacute reconhecer quando natildeo eacute mais possiacutevel
Outra profissional tambeacutem falou a respeito da hora de parar ao retratar uma situaccedilatildeo na
qual uma residente estava desesperada e pediu para retirar a famiacutelia da UTI Neonatal Ao falar
com a meacutedica a residente pedia para tentar novamente e a meacutedica respondeu ldquoMas vocecirc sabe
que a gente jaacute tentou e natildeo deu certo e isso soacute faz gerar um sofrimento nesse bebecirc a mais
porque assim natildeo tem muito o que fazerrdquo
Ateacute que ponto esta tentativa de evitar a morte era o melhor para o paciente Natildeo seria o
reflexo dessa dificuldade do profissional em lidar com a morte com as perdas Os relatos
abordam a dificuldade de tomar uma decisatildeo que envolve a vida do paciente e nos remete a um
sentimento de responsabilidade e culpa diante destas situaccedilotildees Como pode ser observado de
forma mais expliacutecita nos trechos de depoimentos a seguir
ldquoToda a vida que um bebecirc vai a oacutebito Eu acabo sentindo muito porque eacute como se a
gente carregasse a culpa nas nossas costas (Choro) Entatildeo natildeo tem como natildeo se sentir
responsaacutevel por aquele oacutebito Ou porque a gente fica sempre pensando ldquoSeraacute que foi
porque eu natildeo orientei a minha equipe de forma adequada Seraacute que eacute porque eu natildeo
orientei os estudantes de forma adequada Foi alguma coisa que eu deixei passarrdquo
ldquoSeraacute que eu natildeo fui a responsaacutevel rdquo(Orquiacutedea)
113
ldquo CulpaCulpa Eu fiz o que foi que eu errei Aonde foi que eu errei E aiacute tem que
parar Repensar e natildeo baixar a cabeccedila se frustrar Tem muita gente que endoida
porque a profissatildeo eacute cruel Tem muita colega nosso que ou comeccedila a usar remeacutedio ou
faz quadros de depressatildeo porque eacute difiacutecil vocecirc lidar justamente com esse turbilhatildeo de
emoccedilotildees que se passa dentro do dia a diardquo (Angeacutelica)
Nestes relatos a culpa entra em cena com algo que incomoda profundamente as
participantes Mas o que seria essa culpa Uma culpa atrelada a uma responsabilidade de cuidar
dos pacientes de gerenciar uma equipe de buscar salvar vidas e evitar erros e falhas Uma
culpa inerente a uma condiccedilatildeo humana ao ser-no-mundo
A culpa e a anguacutestia satildeo caracteriacutesticas ontoloacutegicas do homem enquanto ser-no-mundo
Satildeo inerentes ao Dasein enquanto ser jogado no mundo que precisa reafirmar-se
cotidianamente durante a sua existecircncia (Ferreira 2002 Boss 1981)
Reafirmar-se cotidianamente pode ser percebido como um fardo bem pesado talvez
por isso o homem caia na impessoalidade na decadecircncia Eacute importante ressaltar que cair na
decadecircncia natildeo significa sair de um estaacutegio superior para um inferior a decadecircncia eacute uma
determinaccedilatildeo existencial indicando que o homem encontra-se entregue agrave impessoalidade do
cotidiano Trata-se de uma condiccedilatildeo da existecircncia humana pois mesmo decadente o homem
estaacute de alguma forma sendo E esta forma de ser eacute a de um modo natildeo proacuteprio de ser
(Heidegger 1927 2015)
A culpa por sua vez eacute o fundamento ontoloacutegico do homem decadente faz parte do ser
portanto pode-se compreender que ldquoa culpa eacute a determinaccedilatildeo ontoloacutegica do existencial da
facticidade nesse sentido ela eacute um modo de ser do ser-aiacute faacutetico e diz respeito ao fato de o
homem estar-lanccedilado no mundo e misturado com elerdquo (Ferreira 2002 p1)
Podemos compreender a partir da afirmaccedilatildeo anterior que todos noacutes sentiremos culpa
Uma vez que a facticidade eacute a forma mais ordinaacuteria do ser-aiacute no sentido de a forma mais
114
comum a culpa nos acompanharaacute ao longo da existecircncia Seraacute algo inerente ao nosso ser que
estaacute destinado a ser sendo e no cotidiano da vida estar continuamente se reafirmando
Entatildeo quando vivo em um mundo na impessoalidade em meio ao falatoacuterio a
ambiguidade e a curiosidade estou suscetiacutevel agrave culpa de natildeo ser o que queria ser de natildeo cumprir
com os padrotildees estabelecidos pelo mundo de falhar com o que foi prescrito ou previsto
anteriormente A culpa de natildeo cumprir ou natildeo me encaixar nos padrotildees previamente
estabelecidos A culpa expressa pela locuccedilatildeo adverbial ldquodeveria ter feitordquo Eacute o futuro do
preteacuterito do indicativo que indica um arrependimento de um passado que natildeo mais se
materializaraacute no futuro algo que natildeo tem mais volta Embora deixe no lugar da resoluccedilatildeo a
culpa
A partir destas reflexotildees pode surgir uma pergunta como diminuir esta culpa Para
pensarmos sobre isso caberia falar sobre o horizonte histoacuterico em que vivemos que dita o que
eacute certo e o que eacute errado O que eacute aceito ou rejeitado socialmente Nos contos dos heroacuteis da Idade
Antiga natildeo se falava em culpa pela morte dos outros inimigos natildeo eram acusados de assassinos
Eram respeitados e tratados como guerreiros corajosos por salvarem toda uma populaccedilatildeo das
ameaccedilas externas (Bulfinch 2014)
Muitos fatores influenciam a sociedade na determinaccedilatildeo de quem seriam os culpados e
os inocentes as religiotildees a cultura os papeacuteis sociais os costumes de um povo tambeacutem falam
sobre culpa Em uma sociedade com a medicina pouco desenvolvida com as pestes e outras
doenccedilas assolando a humanidade em meio a condiccedilotildees higiecircnicas e de saneamento degradantes
como na eacutepoca da peste negra na Europa Medieval talvez os meacutedicos natildeo fossem acusados de
tantas mortes ou natildeo se sentissem culpados diante de um cenaacuterio tatildeo complexo de infortuacutenios
e orientado pelos paracircmetros divinos preconizados pela Igreja Natildeo era o homem que estava no
centro da vida e sim a vontade divina Mas decerto outros tipos de culpas existiam como faltar
ou deixar de cumprir com alguma determinaccedilatildeo da Igreja
115
A culpa eacute por assim dizer inerente a condiccedilatildeo de dasein ldquoPor que o dasein eacute culpado
O proacuteprio dasein faz uma escolha ele natildeo pode transferir a responsabilidade para o eles ou para
alguma pessoa Toda escolha vai ter consequecircncias que o dasein natildeo previu nem
pretendeurdquo(Inwood 2004 p 99)
A culpa eacute tatildeo cotidiana quanto viver na impessoalidade Em uma sociedade que
centraliza o homem e lhe oferece o poder de decidir sobre a vida que oferece tantas
possibilidades de escolha o ldquodeveria ter feitordquo pode tornar-se mais frequente Quando a
referecircncia estaacute no mundo e vive-se na impropriedade a culpa existiraacute na proporccedilatildeo que o ser
introjeta os valores deste mundo
Em meio agraves afetaccedilotildees e sentimentos os profissionais de sauacutede vatildeo realizando as suas
atividades envolvidos nas relaccedilotildees com os outros os quais fazem parte do seu ambiente de
trabalho O proacuteximo toacutepico eacute dedicado justamente a estas relaccedilotildees agrave convivecircncia cotidiana dos
profissionais com os receacutem-nascidos com as matildees dos pacientes e com os proacuteprios colegas de
trabalho
4 ndash O ser-com-os-outros as matildees dos pacientes os receacutem-nascidos e os colegas de
trabalho
Heidegger (19272015) nos apresenta o ser-com como um existencial O modo de
presenccedila do ser-no-mundo se daacute na co-presenccedila com outros daseins ou seja o homem vive em
relaccedilatildeo com os outros mesmo quando estes natildeo estatildeo presentes fisicamente naquele momento
O homem eacute inerentemente um ser em relaccedilatildeo com outros seres (daseins) Eacute justamente sobre
essa relaccedilatildeo que iremos abordar neste toacutepico
Ao olharmos para a UTI Neonatal aleacutem do ambiente fiacutesico precisamos considerar que
ela se constitui como uma rede de relaccedilotildees entre as pessoas que por laacute transitam Cada
profissional de sauacutede precisa lidar no seu cotidiano com os colegas de trabalho com os bebecircs
em tratamento e com os familiares que frequentam o ambiente da UTI Neonatal principalmente
116
as matildees Satildeo vaacuterios ldquooutrosrdquo que interferem na execuccedilatildeo das atividades que opinam
questionam provocam reaccedilotildees Com o foco nas relaccedilotildees que os profissionais estabelecem
iniciaremos por abordar a percepccedilatildeo que os mesmos tecircm sobre a presenccedila das matildees nas
instalaccedilotildees da UTI Neonatal
ldquoEacute muito complicado sabe Natildeo eacute o fato da presenccedila porque a gente acha que eacute
importante ela acompanhar todo o processo Ela precisa ver ela precisa saber o que
taacute acontecendo natildeo pode existir um buraco entre o nascimento e a morte O problema
eacute que hoje a gente lida com pessoas muito emocionalmente eu natildeo sei se eacute
desequilibrada mas com pessoas que transferem pra gente um monte de noacuteia Por
exemplo trata mal interfere no procedimento As pessoas natildeo confiam como se a
gente saiacutesse de casa todo dia pra fazer o errado e natildeo todo mundo sai de casa pra
fazer o melhor Eacute como se a gente tivesse o tempo todo sendo julgadordquo (Girassol)
A presenccedila das matildees eacute defendida pelas poliacuteticas de humanizaccedilatildeo como algo
fundamental para os bebecircs Os profissionais reconhecem isso mas tambeacutem apontam que os
familiares interferem questionam a conduta adotada sofrem durante os procedimentos enfim
acabam sendo mais um motivo de preocupaccedilatildeo Como lidar com matildees que choram e
questionam o procedimento ao tentar localizar uma veia em um receacutem-nascido
Os familiares fazem parte das relaccedilotildees que os profissionais estabelecem no ambiente de
trabalho Eles compotildee parte da histoacuteria dos pacientes pequenos seres que jaacute inspiraram novos
projetos e ressignificaram vidas As matildees satildeo tatildeo importantes nessa relaccedilatildeo que podemos
perceber no trecho do relato acima uma preocupaccedilatildeo relevante ldquo Natildeo pode existir um buraco
entre o nascimento e a morterdquo A matildee precisa saber o que aconteceu precisa participar tornar-
se parte do processo Caso contraacuterio como ela ficaraacute depois Entre o nascimento e a morte fatos
aconteceram Neste ldquoentrerdquo o receacutem-nascido se constitui enquanto ser-no-mundo Este ldquoentrerdquo
envolve a sua histoacuteria
117
Os relatos apresentam as cobranccedilas dos pais as pressotildees exercidas sobre os profissionais
em relaccedilatildeo agraves condutas adotadas Satildeo situaccedilotildees muito delicadas que envolvem o risco de morte
de um filho as dificuldades de lidar com isso as desconfianccedilas No trecho a seguir uma
profissional fala a respeito da reuniatildeo que realiza com as matildees no intuito de escutaacute-las e tentar
esclarecer alguma duacutevida que possa ter surgido
ldquoUma das reclamaccedilotildees frequentes eacute que ldquoah aquele doutor eu vou perguntar uma
coisa a ele ele eacute muito seco ele eacute muito friordquo aiacute ldquonatildeo natildeo eacute que ele seja frio eacute porque
tem outros mais melososrdquo Tem uma colega nossa que eu disse ldquose eu tivesse de receber
uma notiacutecia ruim eu queria receber por vocecircrdquo porque ela eacute assim ldquomatildeezinha o seu
bebezinho taacute assim gravinhordquoTem outros que a matildee chega ldquocomo eacute que taacute meu
bebecircrdquo ldquotaacute estaacutevelrdquo O que eacute estaacutevel pra vocecirc Por isso que vem as mais diversas
reclamaccedilotildeesldquoEu natildeo gosto que tal teacutecnico de enfermagem fique com o meu bebecirc
porque ele vai laacute faz o que tem pra fazer volta pra mesa pega o celular e fica usandordquo
Entatildeo essa sensaccedilatildeo meio que de abandono tambeacutem judia da matildee neacute Ela quer entrar
ali ela quer ser acolhidardquo (Angeacutelica)
Uma reflexatildeo interessante sobre essa relaccedilatildeo com o outro envolve uma complexidade de
expectativas dos profissionais dos pacientes sobre o que eacute esperado deles qual a forma de
conduta mais adequada Enfim se no cotidiano criamos expectativas sobre o comportamento
das pessoas imagine como estas ficam agrave flor da pele em situaccedilotildees de hospitalizaccedilatildeo e iminecircncia
de morte Eacute possiacutevel se chegar a um padratildeo do que seria um bom atendimento de um
profissional de sauacutede Bom para quem Para um familiar quando um profissional explica tudo
detalhadamente no diminutivo pode ser uma boa forma de atendimento para outro este tipo de
tratamento poderia ateacute incomodar Nessa relaccedilatildeo com o outro existe muito de noacutes de cada um
no outro
De acordo com Oliveira (2010 p 59) ldquo Um ponto importante a ser pensado eacute a visatildeo
de Heidegger do outro como um reflexo do proacuteprio ser-aiacute Ou seja o ser-aiacute se vecirc no outro faz
parte do outro se identifica com o outro pois este natildeo lhe eacute de forma alguma estranho Essa
118
interpretaccedilatildeo soacute pode ser entendida atraveacutes do delineamento da sua teoria do impessoal no
qual segundo Heidegger todo mundo eacute o outro e ningueacutem eacute si mesmordquo
Nessa relaccedilatildeo com o outro em si mesmo o ser se transforma continuamente Eacute
interessante observar o relato de duas profissionais que modificaram sua maneira de ser diante
das experiecircncias que tiveram na UTI neonatal uma delas se viu no papel de uma matildee
preocupada com o seu receacutem-nascido internado em uma UTIN de outro hospital Ao ocupar
temporariamente este papel ela passou a refletir sobre a sua proacutepria atuaccedilatildeo profissional e a
sua relaccedilatildeo com as matildees dos receacutem-nascidos internados
ldquoOutro grande marco da minha vida foi quando eu tive a minha primeira menina ela
foi um bebecirc de UTI Eacute uma UTI que eu trabalho e o fato de eu entrar pela porta natildeo
como meacutedica mas como matildee de paciente mexeu muito comigo entatildeo meio que foi um
divisor de aacuteguas na minha carreira Eu passei a ver o paciente de uma outra maneira
menos teacutecnico Porque eacute diferente Vocecirc sente vocecirc sabe exatamente o que aquela matildee
taacute sentindo Vocecirc meio que bloqueia a sua razatildeo e vocecirc vira soacute emoccedilatildeo mesmo laacute
dentrordquo (Angeacutelica)
Este trecho do relato apresenta a transformaccedilatildeo desta profissional ao se ver em uma
situaccedilatildeo similar ao de algumas matildees com filhos internados Literalmente colocar-se no lugar
do outro proporcionou uma nova forma de atendimento a partir do que a profissional passou a
considerar como necessidades da matildee de um receacutem-nascido internado Novamente podemos
refletir sobre o quanto de noacutes estaacute na relaccedilatildeo com o outro
Esta situaccedilatildeo tambeacutem pode remeter ao mito de Quiacuteron Na mitologia grega Quiacuteron era
um centauro um ser metade homem e metade cavalo que nasceu da uniatildeo entre Cronos e a bela
Filira Quiacuteron recebeu do pai grandes virtudes tornando-se muito saacutebio Pela sua educaccedilatildeo e
sabedoria foi considerado o rei dos centauros Em certa ocasiatildeo foi ferido pelas flechas de
Heacutercules Por ser imortal e ter uma ferida incuraacutevel sofria grandes dores Assim tornou-se o
grande mestre dos meacutedicos Ao ser tocado pela sua dor era capaz de se sensibilizar com a dor
119
dos outros Eacute o que acontece tambeacutem com os profissionais de sauacutede em contato com suas
proacuteprias dores e perdas tornando-se sensiacuteveis ao sofrimento das pessoas sob seus cuidados
(Carvalho 1996)
Para outra profissional a experiecircncia com as matildees resultou em uma vontade de tornar-
se matildee e poder vivenciar o que denominou de amor incondicional
ldquoEu sempre ouvi falar que amor de matildee eacute imensuraacutevel mas natildeo imaginava o quanto
Diante de todas as situaccedilotildees agraves vezes o bebezinho todo mal formadinho mas a matildee acha
ele lindo a matildee vecirc como uma coisa natural E natildeo se envergonha Quer ele do jeito
que ele taacute Acho maravilhoso Eu acho que ateacute a questatildeo da vontade de ser matildee como
eacute que pode todas as pessoas que trabalham na UTI elas geralmente engravidam acho
que eacute porque o instinto materno aflora na mulher Eu quero experimentar desse amor
de matildee que eu soacute imaginordquo (Amariacutelis)
O relato demonstra como o ser se transforma a partir das experiecircncias vivenciadas no
contidiano de trabalho Como certas questotildees tocam profundamente a vida dos profissionais e
geram novos desejos e projetos Conforme aponta Critelli (1996 p80) ldquoeacute impossiacutevel ao homem
natildeo renascer com cada nova visatildeo ou manifestaccedilatildeo dos entes em seu ser A manifestaccedilatildeo eacute
ininterrupta A existecircncia eacute erupccedilatildeo e transformaccedilatildeo inesgotaacuteveis Daiacute se fala em existecircncia
como vir-a-ser o que eacute ou o que estaacute sendo estaacute vindo-a-serrdquo
Ainda envolvendo as experiecircncias com o outro gostaria de tecer algumas consideraccedilotildees
sobre um ser que apesar do pouco tempo de existecircncia eacute a razatildeo de existir da UTI Neonatal o
ser-bebecirc No cotidiano de trabalho todos os aparatos a estrutura e o trabalho dos profissionais
satildeo voltados para o receacutem-nascido que requer cuidados especiais
De acordo com Sodelli e Glaser (2016 p 70) ldquoO estabelecimento da relaccedilatildeo do bebecirc
com o seu ser se daacute no mundo faacutetico por meio do cuidado de seu cuidador e de outras pessoas
que lhe apresentam o mundo os entes sempre de algum determinado modo e em uma dada
direccedilatildeo Entatildeo eacute a partir do modo como o bebecirc eacute cuidado concomitantemente com sua
120
compreensatildeo que o bebecirc vai se constituindo como um si mesmo e que um sentido de realidade
vai sendo construiacutedordquo
Os autores enfatizam a importacircncia do cuidado para a constituiccedilatildeo do bebecirc como em si
mesmo Eacute interessante notar o quanto esta necessidade do bebecirc pode envolver as profissionais
da UTI Neonatal mesmo que natildeo seja de forma intencionalmente vinculada a uma teoria
especiacutefica Uma preocupaccedilatildeo em oferecer acolhimento amor e carinho pode estar presente
tanto quanto com a administraccedilatildeo de equipamentos Essa relaccedilatildeo da profissional com o bebecirc
pode apresentar-se de uma forma distinta da relaccedilatildeo que seria estabelecida com um paciente
adulto conforme pode ser verificado no relato a seguir
ldquoQuem trabalha com bebecirc jaacute tem um olhar diferente Vocecirc vecirc um teacutecnico de
enfermagem com um bebecirc chorando e a matildee natildeo estaacute por exemplo colocando no colo
e cantando pra ele Agraves vezes termina de dar a dieta e daacute um cheirinho na cabeccedila Eacute
algo que vai aleacutem da obrigaccedilatildeo daquela pessoa Existe realmente uma relaccedilatildeo de afeto
com esse bebecirc E quanto mais tempo esse bebecirc fica ali Muitas vezes a equipe se refere
a um bebecirc que estaacute laacute como ldquomeu bebecircrdquo (Rosa)
Na trama de existecircncia do bebecirc a relaccedilatildeo ser-com-os-outros eacute fundamental Desde o
iniacutecio o bebecirc eacute um ser aberto e compreensivo e natildeo um ser encerrado em si mesmo (Loparic
2008) A partir dos primeiros dias de vida ldquoos entes vatildeo chegando ao encontro do bebecirc que
vai se ocupando deles (chupar a chupeta mamar dormir brincar tomar banho trocar a fralda
receber uma visita ficar no colo)
Poderiacuteamos perguntar como eacute possiacutevel que os entes se manifestem ao bebecirc (ou seja se
tornem acessiacuteveis ao ser humano) Atraveacutes do cuidado que o cuidador (pai matildee avoacutes babaacute)
do bebecirc e outras pessoas despendam a ele As pessoas satildeo de extrema importacircncia para o bebecirc
Na fase inicial de vida o bebecirc depende absolutamente de outra pessoa Para aleacutem de o bebecirc
precisar de outra pessoa para os chamados cuidados baacutesicos (ser alimentado ser colocado no
121
berccedilo ser vestido ser dado banho etc) o bebecirc precisa de um outro para tornar-se real para que
ele se torne si-mesmordquo (Sodelli e Glaser 2016 p 71)
No ambiente hospitalar outros cuidadores assumem este papel de oferecer os cuidados
baacutesicos ao bebecirc um papel que poderia ser destinado aos familiares e entes mais proacuteximos E se
preocupam ainda mais em dar atenccedilatildeo aos bebecircs quando existe um abandono por parte dos
familiares principalmente das matildees
ldquoA gente teve bebecirc com microcefalia que a matildee abandonou a gente teve bebecircs que
foram de gestaccedilotildees de uma matildee muito jovem que era de um homem casado e ela tentou
abortar e acabou que natildeo conseguiu a bebezinha nasceu muito prematura mas que
chegou o momento que ela verbalizou que realmente natildeo queria isso pra vida dela
Entatildeo a gente trabalha tambeacutem muito em parceria com a vara da infacircncia e da
juventude exatamente nessa questatildeo da adoccedilatildeordquo (Iacuteris)
Conforme apresentado no relato existe uma preocupaccedilatildeo com a histoacuteria familiar do
receacutem-nascido um envolvimento emocional com as situaccedilotildees apresentadas uma compreensatildeo
de que este bebecirc natildeo estaacute sozinho na UTIN jaacute estaacute envolvido em uma trama de relaccedilotildees que
vatildeo constituindo a sua histoacuteria Como eacute lidar com isto tudo Um caminho envolve reconhecer
as limitaccedilotildees da atuaccedilatildeo natildeo eacute possiacutevel adotar as crianccedilas abandonadas entatildeo me afasto evito
um maior envolvimento para natildeo me apegar pode-se ateacute lidar com indiferenccedila e se concentrar
diretamente no trabalho teacutecnico pode-se aprender com as histoacuterias familiares a adotar uma
nova postura sobre a vida O relato a seguir apresenta uma mudanccedila ocorrida em uma
profissional a partir das observaccedilotildees das histoacuterias familiares
ldquo Agraves vezes a gente julga e a gente natildeo sabe o que tem por traacutes e todo mundo tem uma
histoacuteria Hoje eu me policio muito Por exemplo teve um bebecirc que era cardiopata e a
matildee tinha dezesseis anos O pai dela estuprou ela e matou a matildee dela e aiacute a matildee do
namorado dela pegou ela pra criar Foi quando ela engravidou desse bebecirc o bebecirc natildeo
eacute do pai dela natildeo eacute do namorado mesmo mas assim ela tem dezesseis anos o namorado
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dezenove Ela natildeo vinha o menino ficou aqui acho que uns dois meses agora nos
uacuteltimos dias eacute que ela tava vindo mas vocecirc vai julgar uma pessoa dessa Natildeo vai A
gente sente falta a gente botava o menino no colo Natildeo eacute como a matildee mas a gente
tentava Depois quando ela comeccedilou a vir ele tava bem grave mesmo jaacute natildeo tinha
mais jeitordquo (Tulipa)
Como julgar diante de histoacuterias tatildeo sofridas O relato da profissional nos faz refletir sobre
o julgamento que fazemos das pessoas das situaccedilotildees a partir dos nossos valores das
possibilidades que vislumbramos Entretanto para buscarmos compreender o outro como o
outro estaacute como pode se sentir diante da proacutepria vida eacute necessaacuterio uma abertura uma afetaccedilatildeo
que favoreccedila a escuta o olhar atencioso Isso me faz lembrar do ciacuterculo hermenecircutico da
compreensatildeo como algo circular contiacutenuo De como a afetaccedilatildeo pode gerar a disponibilidade
de sair de uma posiccedilatildeo preacutevia para uma visatildeo preacutevia e para uma concepccedilatildeo preacutevia com as
articulaccedilotildees da posiccedilatildeo e da visatildeo anterior Ou seja do quanto o ser-no-mundo eacute sendo vai se
transformando agrave medida que experiencia que vive e ao mesmo tempo que apresenta a abertura
para novas possibilidades
Os profissionais de sauacutede no contexto de trabalho lidam com a fragilidade da vida com
a morte de pacientes com os familiares tantas vezes estressados nervosos com resistecircncia para
entender os procediementos adotados com os colegas de trabalho em vaacuterios momentos
cansados da sobrecarga da rotina das exigecircncias Enfim satildeo pessoas com sentimentos
diversos em um ambiente inoacutespito que faz aflorar emoccedilotildees agraves vezes indesejadas mas
sobretudo humanas
Finalizando esta trama de relaccedilotildees no contexto de trabalho de ora em diante seratildeo
contempladas as experiecircncias com os colegas profissionais com os quais compartilham os
desafios do trabalho e que podem se apresentar em alguns momentos como mais uma
dificuldade a ser enfrentada
123
ldquoEu acho que assim a maior dificuldade eacute questatildeo de lidar com o colega Um quer ser
mais esperto que o outro Tirar vantagem em alguma coisa Natildeo quer ajudar o outro
colega quer assim se livrar de alguma coisardquo (Violeta)
O dasein enquanto ser-com-os-outros se constitui em relaccedilatildeo com outros daseins que
apresentam interesses vontades quereres tantas vezes distintos Este pode ser visto como um
dos grandes desafios da vida ter o compromisso de trabalhar por um objetivo e para isso
depender de uma rede de relaccedilotildees de outras pessoas que interferem orientam desorientam
mandam ditam regras e normas
ldquoA UTI Neonatal eacute vista assim como o bicho papatildeo que as pessoas satildeo chatas Soacute
que eu percebi que natildeo eacute isso eacute que a gente tem uma sobrecarga de trabalho tatildeo grande
que a maternidade que o serviccedilo acha que todos os bebecircs que estatildeo naquela instituiccedilatildeo
satildeo de responsabilidade da UTI Neonatal por exemplo tudo que for relacionado a bebecirc
eles querem que a UTI Neonatal resolva Tudo por exemplo nasce bebecirc no centro
ciruacutergico natildeo tem vaga na UTI Neonatal eles querem que a UTI Neonatal decirc esse
suporte ldquoVocecircs tem que vir cuidar do bebecirc aquirdquo ldquoSe vocecircs natildeo vierem o bebecirc vai
morrer e a culpa vai ser suardquo Eu vou porque ai se o bebecirc morrer a culpa vai ser minha
e natildeo eacute eacute responsabilidade do profissional que estaacute dentro do centro ciruacutergico que tem
que cuidar do bebecirc E eles se negam a aprender a cuidar do bebecircrdquo (Violeta)
As formas de cuidado satildeo inerentes ao ser-no-mundo e por assim dizer tambeacutem se
apresentam nas relaccedilotildees de trabalho Seja pela indiferenccedila pelo aparente natildeo importar-se com
o outro seja pela preocupaccedilatildeo antepositiva de contribuir para as escolhas e para o crescimento
do outro seja na preocupaccedilatildeo substitutiva que decide pelo outro as medidas que precisam ser
tomadas tornando-o dependente em relaccedilatildeo agrave conduccedilatildeo da sua proacutepria vida
Nas relaccedilotildees de trabalho pode-se observar o natildeo se importar com o outro com o
desenvolvimento da sua atividade de trabalho ou o olhar apenas para o que eacute de
responsabilidade eou interesse proacuteprio Isso em meio a um discurso de trabalho em equipe
Este tipo de situaccedilatildeo indica a necessidade de ampliar os espaccedilos para discussatildeo dos
profissionais de deixar mais transparente para todos as atividades a serem exercidas as
responsabilidades de cada aacuterea e principalmente a missatildeo da instituiccedilatildeo enquanto algo maior
124
que setores isolados O apoio dos colegas de trabalho pode representar muito mais que uma boa
convivecircncia e sim um estiacutemulo para ir trabalhar uma boa razatildeo para enfrentar os desafios
cotidianos
ldquoA gente taacute conquistando as coisas aos pouco mas ainda falta muito Eu acho que noacutes
somos uma equipe entatildeo cada um tem sua importacircncia Acho que taacute na hora de ver a
questatildeo de uma reuniatildeo natildeo separada tipo assim soacute os teacutecnicos soacute os enfermeiros soacute
os meacutedicos Tudo eacute separado ateacute as festas aqui satildeo separadas entendeu Natildeo tem
aquela festa todo mundo junto Confraternizaccedilatildeo Eu acho isso um absurdo Todos os
lugares que eu jaacute trabalhei a festa de final de ano eram todos os profissionais Aqui natildeo
eacute tudo separado Eu acho que haacute um pouco dessa divisatildeo e eu natildeo acho isso corretordquo
(Amariacutelis)
Diante da pressatildeo da proacutepria atividade inerente a uma UTIN as dificuldades de
relacionamento interpessoal agravariam a situaccedilatildeo como foi apresentados nos relatos anteriores
Eacute interessante refletir sobre a possibilidade de ampliar o diaacutelogo entre os profissionais que
trabalham no hospital As experiecircncias em comum facilitam o entendimento daqueles que
convivem com as mesmas dificuldades
De acordo com Critelli (1996 p81) ldquoa medida que as coisas testemunhadas em comum
satildeo os elementos da mediaccedilatildeo entre os homens elas estatildeo instaurando o mundo uma trama
significativa comum O homem se daacute e se recusa aos homens atraveacutes daquilo com que estatildeo em
contato e a respeito do que falam A partir do testemunho os homens datildeo realidade agravequilo que
entre eles se abre em comum e simultaneamente datildeo realidade a si mesmo mutualmenterdquo
O compartilhar experiecircncias e dificuldades inerentes ao cotidiano de trabalho pode
aproximar as pessoas em torno de um objetivo em comum Ainda refletindo sobre este aspecto
do compartilhar pretende-se dedicar o proacuteximo toacutepico a questatildeo da formaccedilatildeo profissional de
sauacutede particularmente no que concerne ao preparo para lidar com as perdas no cotidiano de
trabalho
125
5- A formaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede
Vaacuterios autores jaacute tem alertado sobre isso ressaltando a importacircncia da preparaccedilatildeo dos
profissionais de sauacutede tanto para lidar com a morte como para cuidar da vida para enfrentar e
resignificar as perdas e respeitar os limites que a medicina oferece (Koacutevacs 2003 Franccedila
Botomeacute 2005 Silva 2006)
Maria Juacutelia Koacutevacs propotildee que durante a formaccedilatildeo na aacuterea de sauacutede temas como
compaixatildeo sensibilidade e amorosidade sejam contemplados como capacidades aspectos a
serem desenvolvidos pelos profissionais de Sauacutede para lidar melhor com a morte (Koacutevacs
2003)
Os relatos apresentados por alguns entrevistados indicam a falta de preparo para lidar com
as mortes de pacientes durante a formaccedilatildeo profissional
ldquoEssa questatildeo de transmitir maacutes notiacutecias de lidar com esse momento da morte nenhum
momento na minha graduaccedilatildeo eu tive formaccedilatildeo pra isso nem na minha graduaccedilatildeo Na
residecircncia a gente acaba tendo porque a residecircncia eacute uma residecircncia em serviccedilo
entatildeo vocecirc vai atuando e vocecirc vai vendo na praacutetica como fazer isso mas natildeo houve por
exemplo uma preparaccedilatildeo especiacutefica pra esse momento Muito do que eu sei hoje foi
aprendendo realmente na praacuteticardquo (Orquiacutedea)
Observou-se nos profissionais de uma forma geral uma falta de preparo durante a
graduaccedilatildeo em relaccedilatildeo a estes aspectos A temaacutetica das perdas tornou-se relevante no exerciacutecio
profissional ou mesmo na residecircncia mas natildeo de forma significativa na faculdade
ldquoEacute eu acho que a formaccedilatildeo ainda eacute muito falha Porque isso natildeo eacute uma coisa que eacute
pontual tem que vir desde o comeccedilo e ser uma crescente ateacute chegar a formaccedilatildeo e isso
acaba caindo dentro da assistecircncia quando essas pessoas comeccedilam a trabalhar que
os conflitos realmente vatildeo e muitos deles desistem natildeo por falta de oportunidade ou
por falta de teacutecnica mas realmente por dificuldade de encontrar as respostas pras suas
ansiedades Entatildeo a gente vecirc muito aluno bom tecnicamente que acaba desistindo
Por dificuldade de lidar justamente com as frustraccedilotildees com as perdas com a equipe
entatildeo acabam indo fazer outra coisa e realmente natildeo continuam Entatildeo a formaccedilatildeo
126
precisa voltar pra isso Na verdade eu natildeo sei aonde eacute que ele taacute se perdendo
entendeu Como eacute que ele chega na formaccedilatildeo no uacuteltimo estaacutegio com uma imaturidade
emocional tatildeo granderdquo (Girassol)
A segunda profissional traz o relato de sua experiecircncia enquanto docente das dificuldades
que observa nos alunos de enfrentar frustraccedilotildees e lidar com as perdas apontando a necessidade
de se ter mais espaccedilos durante a formaccedilatildeo para discutir estas temaacuteticas De acordo com o relato
as falhas na formaccedilatildeo acabam interferindo na atuaccedilatildeo dos profissionais que agraves vezes se frustam
e ateacute desistem da atuaccedilatildeo na aacuterea de sauacutede
O trecho apresentado se encerra com uma colocaccedilatildeo que merece uma anaacutelise ldquoComo eacute
que ele chega na formaccedilatildeo no uacuteltimo estaacutegio com uma imaturidade emocional tatildeo granderdquo
O olhar para a formaccedilatildeo natildeo deve se limitar em relaccedilatildeo a esta discussatildeo agrave preparaccedilatildeo teoacuterica
sobre como lidar com as mortes e perdas
Um estudo com estudantes de medicina por exemplo aponta para as dificuldades
enfrentadas pelos alunos no decorrer do curso como o relacionamento com os professores
considerados autoritaacuterios e exigentes os residentes que reproduzem as praacuteticas autoritaacuterias as
dificuldades com os pacientes diante do sofrimento e da dor e da morte Tantas dificuldades
podem levar os alunos a apresentarem sintomas psicoloacutegicos como os decorrentes de ansiedade
e o estresse Com tanta pressatildeo como os estudantes tratam os pacientes Como desenvolver
habilidades de relacionamento interpessoal se os mesmos encontram-se estressados e sem saber
como lidar com as dificuldades (Moreira Vasconcelos Heath 2015)
Uma alternativa apresentada pelos autores eacute justamente possibilitar a expressatildeo dos
sentimentos negativos pelos estudantes de forma que eles possam refletir sobre o que sentem
e como lidar com isso O apoio psicoloacutegico pode contribuir para isso Outras respostas
adaptativas apresentadas no estudo incluem as atividades fiacutesicas o lazer e a espiritualidade
(Moreira Vasconcelos Heath 2015)
127
A reflexatildeo em relaccedilatildeo agrave formaccedilatildeo se estende portanto agrave necessidade de os alunos
desenvolverem competecircncias eacuteticas e relacionais Para tanto a universidade deve proporcionar
espaccedilos para que os alunos se expressem e reflitam sobre os seus sentimentos Assim poderatildeo
se preparar emocionalmente para oferecer uma maior atenccedilatildeo aos pacientes e seus familiares
(Ayres 2004 Moreira Vasconcelos Heath 2015)
A falta de preparo em relaccedilatildeo agraves questotildees emocionais pode refletir na praacutetica profissional
nas estrateacutegias utilizadas diante das perdas Conforme pode ser observado no relato a seguir a
respeito da reaccedilatildeo de alguns profissionais diante da morte de receacutem-nascidos na UTIN
ldquo Eu acho que eacute uma coisa que precisa ser trabalhada com a equipe eacute a questatildeo da
gente respeitar o momento da famiacutelia entendeu Por exemplo tem um bebecirc morrendo
aqui com a famiacutelia e taacute todo mundo atrapalhando conversando entrando saindo
telefone tocando algueacutem rindo sabe Eacute meio que as pessoas fazem de conta que natildeo
estatildeo vendo pra natildeo sofrer talvez natildeo sei Isso realmente eacute uma coisa que me incomoda
todas as vezes que acontece e eacute muito frequente Eacute como hoje vocecirc ir num veloacuterio e ter
um monte de gente fazendo selfie entendeu A coisa taacute meio assimrdquo (Girassol)
Este relato jaacute nos apresenta outra possibilidade de reflexatildeo em relaccedilatildeo a atitude dos
profissionais diante da morte de pacientes Foi um comentaacuterio no final da entrevista no espaccedilo
reservado para a pergunta ldquoVocecirc gostaria de acrescentar mais alguma coisardquo E aiacute veio o
desabafo na forma de um incocircmodo contido guardado no silecircncio de nunca ter comentado com
ningueacutem e sem saber ao certo o que fazer diante desta situaccedilatildeo
A atitude dos profissionais diante da morte de pacientes eacute algo que deve ser discutido
durante a formaccedilatildeo mas tambeacutem no ambiente de trabalho Compreender a morte enquanto parte
da vida eacute importante para a realizaccedilatildeo das atividades profissionais mas desconsiderar que
outras pessoas estatildeo sofrendo em decorrecircncia disso eacute algo que precisa ser posto em pauta para
reflexatildeo
Costumo dizer que o ser humano tem uma grande virtude e um grande defeito ao mesmo
tempo noacutes nos acostumamos agraves coisas agraves situaccedilotildees A virtude poderia ser compreendida
128
enquanto uma capacidade de adaptaccedilatildeo necessaacuteria agrave sobrevivecircncia e agrave vida em sociedade O
defeito estaacute justamente na falta de uma reflexatildeo profunda sobre o que nos acostumamos a ver
a fazer sobre o que naturalizamos e vemos como ldquonormalrdquo ou ldquosempre foi assimrdquo Como algo
que acontece tanto que natildeo requer mais atenccedilatildeo e zelo Assim banalizamos as notiacutecias
recorrentes sobre violecircncia podemos ser indiferentes com relaccedilatildeo agrave pobreza e marginalizaccedilatildeo
Nos hospitais os profissionais de sauacutede podem se acostumar a ver tanto sofrimento mas
existe uma diferenccedila grande entre sofrer muito junto com pacientes e familiares e tratar disso
como se o sofrimento dos outros natildeo mais os tocasse ou comovesse a ponto de natildeo silenciar
de natildeo respeitar o momento A reflexatildeo sobre a formaccedilatildeo se estende portanto para a atuaccedilatildeo
dos profissionais como algo que exige atenccedilatildeo e suporte para os trabalhadores que lidam com
sofrimento no cotidiano
Vale ressaltar tambeacutem que mesmo para os profissionais os quais estudaram em
instituiccedilotildees que abordam a questatildeo da morte de pacientes ainda eacute apresentado nos discursos
um distanciamento com a vivecircncia praacutetica como pode ser analisado nos relatos a seguir
ldquoEntatildeo o que a gente teve na formaccedilatildeo foi como a gente tinha que lidar com o paciente
em relaccedilatildeo a morte como eacute que o profissional lidava com a morte e como eacute que a gente
lidaria com os familiares mas foi uma coisa muito teoacuterica natildeo teve naquele momento
aquilo natildeo era tatildeo palpaacutevel pra mim Quando eu comecei na UTI Neo Que eu vi
aqueles bebezinhos realmente indo a oacutebito ai foi que eu comecei realmente a trabalhar
isso em mim ldquoMeu Deus eu vou lidar com isso eu vou conseguir lidar com isso assim
Eacute isso mesmo que eu querordquo (Violeta)
De acordo com Silva (2006 p 232) ldquoapesar da presenccedila do discurso de re-humanizaccedilatildeo
do processo de morte de um paciente a praacutetica dessas interaccedilotildees eacute dificultada pelo pouco
suporte de ensino-aprendizagem nessa direccedilatildeo aliada a uma falta de acolhimento e continecircncia
aos aspectos emocionais dos proacuteprios estudantes que mais tarde poderatildeo reproduzir essa
mesma falta em seus pacientesrdquo
129
Alguns profissionais ainda ressaltaram a importacircncia da praacutetica para aprender a lidar com
as questotildees das perdas como se a maturidade trouxesse uma maior serenidade diante da morte
ldquoQuando vocecirc termina vocecirc eacute muito impulsivo Vocecirc eacute muito razatildeo Eacute esse equiliacutebrio que
vocecirc vai conseguindo adquirir com a maturidade a emoccedilatildeo e a razatildeo Vocecirc luta luta
mas vocecirc vai conseguindo ponderar isso vocecirc vai sabendo qual eacute o seu limite A
Medicina tem um limite ela natildeo eacute infundada E eacute esse limite que eu tenho que
reconhecerrdquo (Angeacutelica)
Embora nem sempre seja possiacutevel Existem os limites momentacircneos de cada um e os
limites de atuaccedilatildeo diante da vida e da morte Mas como identificar estes limites Como
reconhecer em si a possibilidade de natildeo mais poder
Heidegger (2007) nos traz uma inspiraccedilatildeo profunda ao falar sobre o pensamento
calculante e o pensamento reflexivo O pensamento calculante se configura na racionalidade
voltada para as atividades do cotidiano Movidos pelo mundo em meio ao impessoal na era da
teacutecnica vamos agindo e reagindo como em um piloto automaacutetico fazendo o que se espera que
seja feito No caso dos profissionais de sauacutede existe muito a ser feito controle dos
equipamentos o manuseio dos bebecircs os procedimentos as anotaccedilotildees nos prontuaacuterios As
mediccedilotildees das reaccedilotildees corporais que podem indicar um bom ou mal prognoacutestico
Assim segue-se a rotina em meio a protocolos e tarefas E quando as coisas saem do
controle Quando a morte chega O que pode ser feito diante disso Talvez ao refletir pode se
chegar agrave conclusatildeo de que existem limites que natildeo puderam ser superados pela medicina ou de
que ocorreram falhas nos procedimentos ou de que a morte estaacute aiacute como possibilidade para a
minha vida para a vida dos meus filhos diante disto como estou conduzindo a vida Quais as
escolhas que estou fazendo
A morte do outro pode servir como um alerta pode tornar-se uma parada obrigatoacuteria
em meio ao turbilhatildeo de ocupaccedilotildees para refletir profundamente sobre a conduccedilatildeo da vida e
para lembrar sobre a condiccedilatildeo de mortal inerente a cada ser vivo sem hora ou tempo certo
130
para acontecer Este eacute outro ponto que merece ser ressaltado o tempo para a morte Os
profissionais de sauacutede da UTI Neonatal trabalham com novas vidas ou vidas novas que se
renovam ou findam em um curto periacuteodo de tempo Um tempo cronoloacutegico que natildeo diz sobre
o tempo da dor sobre quando eacute a hora de parar de tentar salvar a vida ou de natildeo chorar pela
morte Um tempo cronoloacutegico que diz pouco sobre o ser que vai e o que o fica diante das
expectativas geradas dos projetos desenhados da ausecircncia repentina e totalmente inesperada
Uma vida que dura poucos dias pode marcar para sempre tantas outras vidas de
familiares e profissionais que lutaram para que o resultado fosse diferente E este eacute outro aspecto
que envolve a atuaccedilatildeo na UTI Neonatal as crenccedilas a religiosidade e a compreensatildeo dos limites
da medicina dos recursos controlaacuteveis pelos homens No decorrer das entrevistas existiram
relatos surpreendentes de crianccedilas que sobreviveram sem a menor perspectiva da equipe e
outras que faleceram diante da esperanccedila de uma melhora Situaccedilotildees que demonstram os limites
da atuaccedilatildeo profissional diante das possibilidades de cura e da ldquoobrigaccedilatildeordquo desvelada na
cobranccedila interior para salvar vidas E nos levam a refletir sobre como agir diante de situaccedilotildees
tatildeo complexas O trecho do relato da profissional apresentado anteriormente fala a respeito de
uma maturidade conquistada por meio da experiecircncia
Para Ayres (2004) esta maturidade pode ser compreendida resgatando o conceito
aristoteacutelico de sabedoria praacutetica que ldquodiz respeito a um saber conduzir-se frente agraves questotildees da
praacutexis vital que natildeo segue leis universais ou modos de fazer conhecidos a priori mas
desenvolve-se como um tipo de racionalidade que nasce da praacutexisrdquo (p 20)
A sabedoria praacutetica traz uma compreensatildeo sobre o mundo que vai muito aleacutem da teacutecnica
Trata-se de uma capacidade para analisar as situaccedilotildees e resolver problemas com um niacutevel de
complexidade elevado que natildeo apresentam respostas em manuais ou simplesmente na teacutecnica
por si soacute Esta sabedoria tambeacutem gera no individuo a maturidade para olhar as situaccedilotildees de
outra forma e a abertura para novas possibilidades para resolvecirc-las
131
Considerando a importacircncia deste conceito cabe aqui um reflexatildeo a sabedoria praacutetica eacute
oriunda da vivecircncia do profissional de cada indiviacuteduo mas o compartilhar das experiecircncias
poderia fomentar o desenvolvimento de habilidades nos demais profissionais Poderia
contribuir para o aprimoramento da equipe como um todo Atraveacutes do troca de experiecircncias e
possiacuteveis soluccedilotildees para os problemas vivenciados no cotidiano novos projetos podem surgir
Este movimento estaacute acontecendo na maternidade Com os profissionais se reunindo para
implantar projetos visando a melhoria na assistecircncia aos pacientes e seus familiares
Inspirados pelas novas possibilidades de atuaccedilatildeo oriundas de um novo olhar para o
sofrimento do outro abordaremos no proacuteximo toacutepico os novos projetos que estatildeo sendo
desenvolvidos na maternidade os quais mesmo na fase inicial jaacute deixaram frutos e se
apresentam como resultado da reflexatildeo de alguns profissionais sobre as suas praacuteticas e da busca
contiacutenua para oferecer uma melhor assistecircncia para os pacientes e seus familiares
6- Reflexotildees sobre a atuaccedilatildeo profissional de sauacutede concepccedilatildeo de cuidado novas
possibilidades e projetos
A UTIN da Maternidade Escola Januaacuterio Cicco vem passando por uma seacuterie de
transformaccedilotildees nos uacuteltimos anos A partir de 2014 com o ingresso de novos servidores atraveacutes
do concurso puacuteblico comeccedilou-se a estruturar uma equipe multidisciplinar Aleacutem disso as
reformas que aconteceram em 2016 culminaram na ampliaccedilatildeo do nuacutemero de leitos em 2017
Outro fator positivo ocorrido no referido ano foi a ampliaccedilatildeo da residecircncia multiprofissional
para outras aacutereas aleacutem da medicina da enfermagem da fisioterapia como psicologia
fonodiologia terapia ocupacional O que possibilita a ampliaccedilatildeo das atividades desenvolvidas
pelos profissionais
132
Diante deste contexto novos projetos que estatildeo surgindo como o grupo de cuidados
paliativos que estaacute iniciando as suas atividades conforme pode ser constatado nos relatos a
seguir
ldquo A gente taacute tentando transformar a morte em alguma coisa bonita natildeo sei como mas
a gente taacute sabe Assim quando a gente deixa uma matildee ficar ali e diz ldquoOlha o coraccedilatildeo
do seu bebecirc taacute parandordquo E aiacute a matildee pergunta ldquoTaacute morrendo rdquo e a meacutedica diz ldquoTaacute
o que vocecirc quer fazer com ele rdquo ldquoFala o que vocecirc quer pro seu filho taacute aquirdquo A gente
taacute tentando dar essa oportunidade Entatildeo tem sido triste Tem mas tem sido bonito
sabe quando essas matildees elas podem cantar pegar pra fazer carinho beijar e aiacute a gente
comeccedila a ver assim eacute uma despedida Todo mundo sofre mas a gente taacute tentando tirar
essa frieza da morte E aiacute eu acho que isso tem confortado a equipe assim que a gente
entende que a gente taacute fazendo algo para aleacutem pra essas famiacuteliasrdquo (Iacuteris)
O relato foi feito por uma profissional que havia passado recentemente pela morte da
matildee No hospital em que a matildee faleceu em outro estado existiam accedilotildees de cuidado paliativo
que passaram a fazer sentido para ela Uma experiecircncia pessoal a tocou profundamente e a
incentivou a participar do grupo de cuidados paliativos na MEJC
ldquo A portaria saiu essa semana E aiacute a gente comeccedilou a estudar a possibilidade e aiacute
foi Orquiacutedea que pensou Orquiacutedea me chamou e eu falei ldquoOrquiacutedea assim eacute tatildeo
contraditoacuterio neacute Eu preciso taacute nesse grupo pela UTI e por mim porque ai assim pra
tentar entender o que eu vivenciei por tanto tempo sem nem saber o que eacute que eu tava
vivenciandordquo E aiacute essa coisa do cuidado paliativo parece de repente que comeccedilou a
rondar a minha pessoa assim como profissional como filhardquo (Iacuteris)
Na trama de sentidos da existecircncia natildeo eacute possiacutevel separar o lado profissional do lado
pessoal e familiar porque na realidade natildeo existe um lado ou outro existe um ser-no-mundo
em relaccedilatildeo com outros daseins e que se transforma sendo As experiecircncias de vida podem
contribuir para uma nova visatildeo e compreensatildeo sobre o mundo sobre a assistecircncia prestada aos
pacientes e seus familiares As experiecircncias no trabalho tambeacutem podem promover mudanccedilas
nos valores nas formas de conduzir a vida como pode ser percebido nos relatos a seguir
133
ldquoUma matildee me perguntou ldquo Qual eacute o padratildeo de perfeiccedilatildeordquo Eu fiquei com aquilo
encafifado ldquoPadratildeo de perfeiccedilatildeo eacute belezardquo Aiacute eu fiquei calada Ela disse ldquonatildeo eacute
Perfeiccedilatildeo eacute o que vocecirc vecirc como perfeito Esse bebecirc pra mimrdquo E era um menino
monstruoso assim de chocava olhar aiacute ela disse ldquopra mim o meu bebecirc eacute perfeito
porque esse foi feito pra mimrdquo E aiacute eu fiquei com aquilo no meu pensamento Eu digo
ldquorealmente perfeiccedilatildeo eacute um padratildeo que eacute estipulado por alguma minoria que tem que
ser belo lindo loiro e um bebecirc Johnsonrsquos neacuterdquo A gente natildeo tem esse direito de dizer
porque eacute um bebecirc que tem alguma coisa uma pessoa que tem algum defeito que natildeo eacute
perfeito depende ao olho de quem Entatildeo vocecirc aprende tanta coisa Aiacute vocecirc chega em
casa aiacute vocecirc olha assim pros seus Aiacute vocecirc diz assim ldquoeu natildeo posso reclamar de nada
eu soacute posso ser felizrdquo (Angeacutelica)
O conceito de perfeiccedilatildeo pode ser relativo natildeo obedecendo certos padrotildees ditados pelo
mundo no horizonte histoacuterico em que nos encontramos Da mesma forma o entendimento
sobre o que eacute importante para o outro pode gerar outra maneira de prestar assistecircncia Agraves vezes
as atitudes dos profissionais tem como base o que eles acham que eacute necessaacuterio para os familiares
dos pacientes sem ouviacute-los enquanto pessoas abertas a possibilidades e capazes de realizar
escolhas
ldquoE hoje a gente tem visto a morte de outra forma se a morte eacute inevitaacutevel entatildeo vamos
humanizaacute-la vamos proporcionar a esse bebecirc a essa famiacutelia esse contato esses uacuteltimos
contatos pra que esse bebecirc tenha a morte proacutexima a essas pessoas que ele ama e que o
amam Quando agraves vezes o bebecirc piorava e chegava e dizia assim ldquoNatildeo mas a matildee natildeo
pode ver isso porque ela vai sofrerrdquo e uma coisa que a gente tinha conversado com a
equipe de que a gente precisa dar a possibilidade dessa matildee de escolher pode ser que
ela natildeo suporte ver esse sofrimento e queira se retirar mas pode ser que ela queira estar
com esse bebecirc durante todo o processo e natildeo somos noacutes que vamos dizer ldquoNatildeo eacute muito
sofrimento pra ela estar suportandordquo a gente vai dar essa possibilidade pra elardquo
(Rosa)
O relato apresentado coloca em ecircnfase a questatildeo do cuidado nas suas formas antepositiva
e substitutiva Em determinados momentos eacute necessaacuterio indicar os procedimentos tomar
134
decisotildees relativas ao paciente Mas existem outros nos quais eacute importante deixar os familiares
decidirem o que consideram melhor para eles cabendo aos profissionais de sauacutede oferecer estas
possibilidades e o suporte necessaacuterio O cuidado antepositivo tambeacutem precisa estar presente na
assistecircncia Deixar os familiares decidirem com base nos proacuteprios valores eacute como dar
autonomia para que experienciem o momento e consigam lidar melhor com as consequecircncias
dos proacuteprios atos A forma como cada um deseja se despedir de seu ente querido eacute uma decisatildeo
individual que precisa ser respeitada inclusive para facilitar o processo de vivecircncia do luto e
evitar frases do tipo ldquoeu queria ter me despedido do meu filhordquo
Diante do exposto a escuta dos familiares torna-se fundamental para o suporte nos
momentos de perda Sobre este aspecto falas de algumas participantes defendem a importacircncia
dos profissionais desenvolverem a empatia
ldquoEntatildeo acho que quando a gente se coloca no lugar do outro fica mais faacutecil a gente
ver que momento eu vou me calar que momento eu vou falar que informaccedilotildees dar acho
que eu resumiria como empatia que eacute isso que taacute tentando que estamos buscando cada
profissional conseguir se colocar no lugar dessa matildeerdquo (Rosa)
ldquoVocecirc fez um juramento e assim eacute um compromisso que vocecirc tem com aquele paciente
de cuidar dele entatildeo eacute vocecirc se colocar no lugar ldquoSe fosse eu que tivesse sendo cuidada
por mim mesma eu estaria sendo bem cuidadardquo Entatildeo eacute isso que eu levordquo (Violeta)
No proacuteximo relato a participante contempla o cuidar como um conceito mais amplo
muito aleacutem de tratar A ideia que ela quis passar pode ser compreendida apesar de utilizando
os conceitos da fenomenologia heideggeriana sabemos que ambas satildeo formas de cuidado Pois
o cuidado nos contitui eacute inerente ao ser-no-mundo
ldquo Cuidar como um todo natildeo soacute da doenccedila mas cuidar da alma da pessoa da famiacutelia
do colega da equipe Cuidar eacute abrangente o tratar eacute restrito Agora assim cuidar eacute
complicado difiacutecil O que vocecirc sabe sobre cuidar Vocecirc sabe cuidar de algueacutem ou
vocecirc soacute sabe tratar algueacutem Porque satildeo coisas diferentes Entatildeo eu vou encabeccedilar
135
mesmo essa ideia porque tratar eacute faacutecil a bula do remeacutedio diz como fazer agora cuidar
eacute difiacutecilrdquo (Angeacutelica)
Os profissionais se deparam no dia a dia com o desafio de adotar praacuteticas de humanizaccedilatildeo
no hospital Segundo Ayres (2004 p 22) ldquoo importante para a humanizaccedilatildeo eacute justamente a
permeabilidade do teacutecnico ao natildeo-teacutecnico o diaacutelogo entre essas duas dimensotildees interligadasrdquo
O domiacutenio da teacutecnica eacute imprencindiacutevel para o tratamento do paciente mas natildeo eacute suficiente
quando se fala em humanizaccedilatildeo na aacuterea da sauacutede
Outra colaboraccedilatildeo trazida pelo referido autor define o cuidado ldquocomo designaccedilatildeo de uma
atenccedilatildeo agrave sauacutede imediatamente interessada no sentido existencial da experiecircncia do
adoecimento fiacutesico ou mental e por conseguinte tambeacutem das praacuteticas de promoccedilatildeo proteccedilatildeo
ou recuperaccedilatildeo da sauacutede (Ayres 2004 p22)
Compreender o cuidado enquanto uma atitude terapecircutica significa ir aleacutem dos sinais e
sintomas envolve considerar a histoacuteria do indiviacuteduo seus sentimentos diante do adoecimento
da possibilidade iminente de morte implica em uma escuta atenta e em uma explicaccedilatildeo sobre
o que estaacute acontecendo (os procedimentos adotados os exames que precisam ser feitos) Enfim
implica em considerar o outro como um ser lanccedilado no mundo aberto a possibilidades e capaz
de fazer escolhas
Novamente aqui cabe uma reflexatildeo quanto a capacidade dos profissionais de consiguerem
desenvolver as competecircncias teacutecnicas e relacionais e ainda conseguirem ser assertivos e
atenciosos no atendimento dos pacientes particularmente tambeacutem nos momentos criacuteticos de
perda e morte Trata-se de uma exigecircncia consideraacutevel que precisa ser cumprida mas necessita
de atenccedilatildeo para tornar-se viaacutevel e se sustentar Exige-se do profissional individualmente o
domiacutenio teacutecnico para a funccedilatildeo que executa e as habilidade relacionais necessaacuterias agraves praacuteticas
de humanizaccedilatildeo Entretanto eacute importante mencionar a necessidade de oferecer suporte para
estes profissionais desde a formaccedilatildeo como tambeacutem no dia a dia de trabalho
136
O cotidiano da UTI Neonatal aleacutem de ser tenso de apresentar uma atmosfera com muita
pressatildeo possui dificuldades referentes ao quantitativo de pessoal agrave sobrecarga de trabalho aos
relacionamentos interpessoais e com os familiares de pacientes Enfim isso tudo repercute na
sauacutede do trabalhador aumenta o niacutevel de absenteiacutesmo o que gera mais sobrecarga para os que
ficam no trabalho Estes fatores motivaram alguns profissionaia da UTI Neo a iniciar um projeto
intitulado ldquocuidar do cuidadorrdquo
ldquo A gente tava com o niacutevel de absenteiacutesmo muito alto os profissionais principalmente
os teacutecnicos de enfermagem adoecendo muito na UTI neonatal Jaacute estava chegando num
niacutevel que a equipe estava muito adoecida e se a gente natildeo parasse pra fazer algo com a
equipe natildeo ia conseguir ajudar tambeacutem esses pacientes porque a gente precisa primeiro
cuidar delas primeiro natildeo em paralelo neacute E aiacute a gente comeccedilou um trabalho junto
com a equipe entatildeo a gente taacute montando o projeto Satildeo encontros mensais ontem
inclusive foi o segundo encontro A gente trabalha com musicalizaccedilatildeo com elas com
dinacircmica de grupo ginaacutestica laboral entatildeo as reuniotildees eram tidas elas falam como
chicote soacute era reclamaccedilatildeo e a proposta natildeo eacute nem que o nome seja reuniatildeo satildeo
encontrosrdquo (Rosa)
ldquoCuidar do cuidadorrdquo realmente parece um projeto que apesar de inicial estaacute rendendo
bons frutos Como contribuiccedilatildeo poderia ser ampliado de forma a envolver a equipe
multiciplinar da UTI Neonatal e natildeo somente a equipe de teacutecnicos de enfermagem tendo outros
profissionais como facilitadores Estes encontros poderiam ser mantidos mas com a abertura
para novas possibilidades de reuniotildees envolvendo outros profissionais para faciliar o
entrosamento e ateacute a troca de informaccedilotildees
Outra sugestatildeo que poderia ser passada refere-se ao estabelecimento de um plantatildeo
psicoloacutegico para os profissionais de sauacutede Um espaccedilo para escuta dos mesmos nos momentos
que acharem oportuno e necessaacuterio O simples fato de ser ouvido pode acalentar o coraccedilatildeo dos
que sofrem Esta sugestatildeo vai aleacutem da defesa da importacircncia destes momentos para os
137
funcionaacuterios eacute proveniente de uma demanda da observaccedilatildeo do cotidiano de trabalho e da
expressatildeo dos profissionais como pode ser constatado no relato a seguir
ldquo Assim eu soacute acho que eu gostei muito dessa nossa conversa porque a gente natildeo
tem apoio assim psicoloacutegico a natildeo ser que seja solicitado como jaacute aconteceu que a
gente tem assim uma equipe muito reduzida de teacutecnicos e ai sobrecarrega toda equipe e
a gente solicitou que a gente precisa de um acompanhamento psicoloacutegico que a gente
natildeo aguenta mais o iacutendice de atestado meacutedico por doenccedila fiacutesica e mental foi muito
grande na UTI tanto eacute que foi o setor com mais absenteiacutesmo afastamento por atestado
meacutedico da maternidade inteira e a gente fez ldquonatildeo a gente tem que saber o que eacute vamos
fazer um grupo neacuterdquo Veio uma psicoacuteloga da chefia ela se propocircs a fazer grupos de
conversa porque a gente natildeo tem esse apoio assim claro que por exemplo se dispotildee
ldquogente se vocecircs precisarem eu tocirc aqui pra ajudar vocecircsrdquo mas natildeo eacute aquilo assim ldquoah
a psicoacuteloga dos profissionaisrdquo eacute porque ela se dispotildee mesmo Isso eacute muito bom a gente
ser escutada porque eacute muita obrigaccedilatildeo pra gente e eacute muito dever pra gente vocecirc tem
que fazer vocecirc tem que fazer e a gente natildeo em essa contrapartida de nos ajudar tambeacutem
uma pessoa pra nos ouvir muito bom gostei muitordquo (Violeta)
Esta profissional foi uma das primeiras a ser entrevistada Ao realizar a divulgaccedilatildeo da
pesquisa dentro da UTIN ela se ofereceu prontamente e perguntou se poderia ser ouvida naquele
momento de imediato E assim foi feito Realmente pode-se verificar a importacircncia de um
espaccedilo de escuta para um profissional de sauacutede que lida com tantos desafios e temores Ao final
da entrevista ela fez um agradecimento simplemente pelo fato de ser ouvida
Para mim isto serve de inspiraccedilatildeo quanto a postura cliacutenica do pesquisador da aacuterea de
fenomenologia Noacutes natildeo nos disponibilizamos somente para fazer pesquisa temos consciecircncia
que na relaccedilatildeo com os outros nos encontros estamos envolvidos em uma trama de sentidos
que eacute transformadora para ambas as partes o narrador e o pesquisador que se torna um narrador
agrave medida em que busca compreender o outro e produzir uma nova narrativa com base em como
o que foi ouvido o afetou
138
E eacute justamente sobre estas reflexotildees que trataremos no proacuteximo capiacutetulo No qual a
circularidade se apresenta condensada em palavras as quais tentam resumir o vivido ao longo
do processo de pesquisa Mas jamais tecircm a pretensatildeo de se apresentarem como conclusotildees
Pois a cada vez que satildeo lidas refletidas e analisadas se transformam e nos convidam a serem
reescritas como uma obra inacabada sujeita a interpretaccedilotildees diversas fundamentadas nas
distintas compreensotildees de mundo
139
Capiacutetulo 6 Destecendo a trama da existecircncia reflexotildees a partir das narrativas dos
profissionais de sauacutede
ldquoVladimir Kushrdquo
140
O SONHO
Sonhe com aquilo que vocecirc quer ser
Porque vocecirc possui apenas uma vida
E nela soacute se tem uma chance
De fazer aquilo que quer
Tenha felicidade bastante para fazecirc-la doce
Dificuldades para fazecirc-la forte
Tristeza para fazecirc-la humana
E esperanccedila suficiente para fazecirc-la feliz
As pessoas mais felizes natildeo tecircm as melhores coisas
Elas sabem fazer o melhor das oportunidades
Que aparecem em seus caminhos
A felicidade aparece para aqueles que choram
Para aqueles que se machucam
Para aqueles que buscam e tentam sempre
E para aqueles que reconhecem
A importacircncia das pessoas que passaram por suas vidasrdquo
Clarice Lispector
A vida eacute uma trama repleta de encontros dos fios que tecem o existir ela se constitui
continuamente ateacute o momento em que eacute interrompida e deixa sempre algo para ser acabado
Assim vamos vivendo enfrentando os desafios impostos pelo mundo e por noacutes mesmos
imersos em um horizonte histoacuterico de cobranccedilas marcado por uma busca pela felicidade (que
precisa ser exposta como uma conquista contiacutenua e necessaacuteria) pelo culto ao corpo e agrave
juventude (revelada nas cirurgias plaacutesticas nos cremes e piacutelulas) pela busca da cura e
interdiccedilatildeo da morte (configurada no choro contido na maquiagem dos mortos na induacutestria
141
fuacutenebre que tem crescido vertiginosamente) pelo sucesso profissional (marcado pelas
necessidades de realizaccedilatildeo de status de reconhecimento)
Neste contexto a definiccedilatildeo de ldquoaquilo que vocecirc quer serrdquo pode ser deveras complicada
bastante complexa Porque nem sempre o que se quer eacute possiacutevel ter e nem sempre se sabe o que
se realmente quer Mas mesmo diante destas inconsistecircncias precisamos fazer as escolhas tatildeo
necessaacuterias agrave sobrevivecircncia neste mundo
Como pude observar nos relatos alguns profissionais de sauacutede natildeo queriam inicialmente
trabalhar com bebecircs e ateacute se assustavam sobremaneira com a possibilidade de lidar
constantemente com a morte de seres tatildeo fraacutegeis envoltos em complexas relaccedilotildees familiares
Escolheram em funccedilatildeo de vagas de trabalho da aprovaccedilatildeo em um concurso da alegaccedilatildeo da
administraccedilatildeo hospitalar das necessidades de ampliar a equipe da UTI Neonatal Escolheram e
como bem coloca Clarice Lispector ldquosabem fazer o melhor das oportunidades que aparecem em
seus caminhosrdquo
Os relatos revelam o encantamento com a possibilidade de ajudar os bebecircs e suas
famiacutelias o comprometimento com o trabalho realizado mesmo diante das dificuldades Os
profissionais entrevistados admitem o sofrimento o choro por vezes contido diante dos
familiares e ateacute o distanciamento proposital dos mesmos quando a possibilidade da morte se
amplia Admitem tentar se proteger do sofrimento natildeo se envolver em demasia para seguir
adiante
Falaram sobre o medo da morte sobre o sentimento de impotecircncia e frustraccedilatildeo diante
da morte de receacutem-nascidos E tambeacutem falaram sobre o resignificar da vida diante das
experiecircncias da vontade de dar mais atenccedilatildeo aos filhos ao lembrarem das matildees que natildeo podem
mais tecirc-los por perto A morte do outro no caso das profissionais que satildeo matildees relembra sobre
a possibilidade de perda dos proacuteprios filhos da necessidade de fazer melhores escolhas sobre o
uso do pouco tempo disponiacutevel para atenccedilatildeo dedicada aos mesmos
142
Muitas coisas foram ditas as dificuldades do cotidiano foram contempladas bem como
as significativas melhorias apresentadas na estrutura fiacutesica de trabalho Os novos projetos
tambeacutem apareceram com a boa vontade de propor melhorias de oferecer uma melhor
assistecircncia aos pacientes familiares e aos proacuteprios funcionaacuterios
O que fico me perguntando a partir da escuta atenta destas narrativas eacute o que pode ser
feito diante de tudo o que foi dito Acredito que a primeira reflexatildeo que se apresenta estaacute na
importacircncia de olhar para a o mundo atual para esta atmosfera que nos move para o controle
para o domiacutenio dos instrumentos para o raciociacutenio da causa e efeito para a necessidade de cura
para o sentimento de culpa Compreender que estamos imersos nesta visatildeo de mundo eacute
reconhecer que os instrumentos satildeo necessaacuterios para a relaccedilatildeo que o homem estabelece com o
trabalho com os outros neste mundo E principalmente eacute tambeacutem reconhecer que apesar de
todo o aparato tecnoloacutegico de toda dedicaccedilatildeo humana natildeo temos o controle sobre a vida As
limitaccedilotildees vatildeo existir as falhas fazem parte do processo e em uma hora surpreendentemente
indefinida a morte iraacute chegar
A morte chega e nos diz que a vida iraacute acabar mesmo que a consideremos inacabada
Que as coisas iratildeo acontecer independentemente da nossa vontade Aiacute entramos em um ponto
especialmente delicado o homem enquanto senhor das suas vontades Do querer realizar o
querer que nos mobiliza o natildeo querer que paralisa que gera inconformidade intoleracircncia que
embriaga a visatildeo e dissipa a realidade nua e crua Coloca uma nuvem uma neblina que natildeo
deixa enxergar o natildeo querer
Somos movidos pelos sentimentos e mais atenccedilatildeo precisa ser dada a isso Muito mais
do que se imagina Mais atenccedilatildeo ao que sentimos com o olhar voltado para si mais atenccedilatildeo ao
que os outros sentem com o olhar para o proacuteximo Eacute preciso escutar mais as pessoas entender
o que querem ao que datildeo importacircncia e dentro das possibilidades oferecerem um pouco do
que querem e a reflexatildeo sobre o muito do que natildeo podem sobre as limitaccedilotildees para o querer
143
Voltando para a realidade dos profissionais de sauacutede muitas vezes eles querem ser
ouvidos em sua anguacutestia consolados em seu luto atendidos em relaccedilatildeo agraves condiccedilotildees baacutesicas de
trabalho Satildeo quereres aparentemente possiacuteveis diante dos desafios cotidianos no ambiente de
trabalho Mas quereres tantas vezes pouco atendidos Fala-se na necessidade de cuidar do
cuidador mas o que seria este cuidado senatildeo passar pela escuta atenta das suas necessidades
De que tipo de cuidado estamos falando Mesmo quando as empresas adotam praacuteticas de
atenccedilatildeo aos cuidadores qual a fonte de inspiraccedilatildeo destas praacuteticas O que acham que eacute adequado
ou suficiente para os trabalhadores Ou o que realmente importa para eles
Ainda pensando na questatildeo da morte e fazendo uma articulaccedilatildeo com as experiecircncias dos
profissionais de sauacutede podemos compreender que a morte faz parte da vida do ser-no-mundo
embora tenha sido experienciada de diferentes formas ao longo da histoacuteria da humanidade
Congruente com este pensamento Heidegger (1927 2015) enfatiza a ideia de sempre considerar
o contexto social especiacutefico para interpretar o discurso do outro
Para os profissionais de sauacutede a ocorrecircncia das mortes faz lembrar das limitaccedilotildees
existentes na atuaccedilatildeo profissional Em meio a busca pela cura pela prolongaccedilatildeo da vida a
ocorrecircncia de morte leva agrave frustraccedilatildeo de saber que por mais que se queira curar existem
limitaccedilotildees para a atuaccedilatildeo profissional
Na realidade de uma forma geral independente de refletirmos ou natildeo sobre a morte
esta possibilidade estaacute lanccedilada o tempo todo como algo inerente agrave existecircncia E assim
tecemos os fios da nossa vida Vamos estruturando o nosso tecido pelas experiecircncias que
vivemos enquanto ser-no-mundo um ser que se relaciona com os outros e com o mundo em
um contexto histoacuterico especiacutefico
No contexto atual sem o controle o homem se sente perdido incomodado como se
faltasse algo que lhe trouxesse seguranccedila A anguacutestia retira o ser da situaccedilatildeo de aparente
controle
144
A anguacutestia nos arranca da familiaridade cotidiana nos faz sentir como estranhos no
mundo Ela incomoda por nos trazer algo que ameaccedila a nossa existecircncia e nos lembra do poder
natildeo mais ser E a anguacutestia eacute antes de tudo uma disposiccedilatildeo afetiva uma abertura para o mundo
Desta forma Heidegger (19272015) nos lembra da importacircncia dos afetos para o ser-
no-mundo Somos seres tambeacutem de afeto Mesmo a melhor das teorias natildeo se consolida apenas
com a razatildeo requer sobremaneira a sensibilidade do pesquisador A disposiccedilatildeo afetiva para
realizar algo inclusive para refletir E a anguacutestia favorece isto cria uma atmosfera propiacutecia para
o olhar profundo em relaccedilatildeo a si proacuteprio enquanto ser-no-mundo
O dasein ao ser tomado pela anguacutestia eacute capaz de concentrar-se nas proacuteprias escolhas
de se permitir fazer referecircncia a si mesmo de forma autecircntica podendo assim exercitar a
capacidade de ser propriamente livre
Ao encarar a morte de frente pode-se pensar na melhor forma de viver a vida no
sentido mais autecircntico e verdadeiro para si proacuteprio No sentido de fazer escolhas que geram o
sentimento de valer a pena A ideia de ldquoaceitar o fimrdquo eacute muito mais complexa que o simples
citar desta frase pode implicar em resignificar o comeccedilo em fazer novas escolhas no presente
e projetar-se para o futuro com a consciecircncia que viveraacute do modo mais verdadeiro para si
proacuteprio e que natildeo teraacute o controle sobre tudo e sobre todos
Costumo dizer que planejamos para melhor improvisar Eacute ilusatildeo acharmos que quanto
mais racionais e apegados aos detalhes teremos a previsatildeo dos fatos da vida Planejamos para
melhor improvisar pois enquanto ser-aiacute estamos no mundo abertos a muitas possibilidades
Inclusive na relaccedilatildeo com os outros sobre os quais natildeo temos controle Improvisar faz parte da
vida tanto quanto a noccedilatildeo de projeto Sem projeto natildeo temos sentido para a vida mas se
tornarmos o projeto estaacutetico ele jamais se concretiza inclusive pela nossa proacutepria insatisfaccedilatildeo
com o mesmo
145
Planejamos para melhor improvisar pode tambeacutem ser compreendido como nos
prepararmos para esperar o inesperado ou seja para termos consciecircncia de que por mais que
nos dediquemos a ponto de oferecermos o nosso melhor natildeo teremos o controle sobre o mundo
nem tatildeo pouco sobre os resultados que esperamos para o nosso proacuteprio esforccedilo
Com base nesta reflexatildeo caberia uma pergunta Eacute possiacutevel uma preparaccedilatildeo para a
morte No sentido de prever os acontecimentos como se existissem e efetivamente vivenciaacute-
los a minha resposta seria natildeo Mas no sentido de aliado a preparaccedilatildeo teacutecnica existir uma
reflexatildeo pautada nas limitaccedilotildees humanas e na condiccedilatildeo do dasein enquanto ser-para-a-morte
poderia ser um caminho Este tipo de preparaccedilatildeo poderia minimizar a cobranccedila pela cura e a
culpa pelo aparente fracasso Seria um contraponto para um pensamento que aprisiona na busca
da perfeiccedilatildeo e do controle de algo incontrolaacutevel A preparaccedilatildeo seria portanto de considerar a
realidade de que somos mortais e de que apesar disso buscamos um projeto de vida que nos
faccedila sentido que nos decirc direccedilatildeo agraves nossas atitudes
Ser profissional de sauacutede eacute percorrer um caminho que se constroacutei no cotidiano eacute um
contiacutenuo tornar-se sendo Pelas experiecircncias vivenciadas cada qual constroacutei a sua histoacuteria a
sua maneira de ver a vida projeta o futuro e resignifica o passado Mas ao longo do percurso
aleacutem da preparaccedilatildeo inicial para lidar com a morte eu diria que eacute necessaacuterio um suporte para os
momentos de enfrentamento Como um amparo ao longo da caminhada Seria interessante um
espaccedilo de escuta para estes profissionais nas suas anguacutestias e dificuldades como um plantatildeo
psicoloacutegico Ao mesmo tempo em que seria interessante ampliar as possibilidades de reuniotildees
multidisciplinares com a participaccedilatildeo dos profissionais de distintas formaccedilotildees Espaccedilos de
escuta de troca de informaccedilotildees e ideias podem gerar um sentimento de integraccedilatildeo e facilitar o
caminhar a jornada
146
Diante das narrativas dos profissionais de sauacutede fiquei reflexiva quanto a um aspecto
o quanto estamos sozinhos Alguns se sentem mais acolhidos pelos pares outros menos Mas
de uma forma ou de outra todos utilizam mecanismos para enfrentar as dificuldades
Na realidade o estar sozinho tambeacutem remete agrave condiccedilatildeo de desamparo do dasein Natildeo
temos seguranccedila nesta vida Somos seres desamparados Talvez por isso nos apegamos agraves
coisas do mundo as ocupaccedilotildees do cotidiano Na tentativa de preenchermos um vazio uma
sensaccedilatildeo de desamparo que eacute inerente ao ser-no-mundo
Somos seres sozinhos em meio a uma multidatildeo correndo contra o tempo Nos
consideramos imortais ao deixarmos de refletir sobre a condiccedilatildeo de finitude Cultivamos o
poder de realizar multitarefas de dominar muitos conhecimentos de acumular todo tipo de
informaccedilotildees Fazer vaacuterias coisas ao mesmo tempo passou a ser louvaacutevel digno do meacuterito de
quem acumula coisas
Os profissionais de sauacutede satildeo seres sozinhos no sentido de serem obrigados a dominar
vaacuterios conhecimentos e teacutecnicas de serem considerados responsaacuteveis pela cura dos pacientes
de terem que abdicar ateacute da vida pessoal para ajudar o proacuteximo seja dobrando o plantatildeo seja
assumindo a postura louvaacutevel daquele que estaacute sempre apto para salvar para consolar e dar
atenccedilatildeo
Estatildeo sozinhos quando falta material equipamentos adequados pessoas suficientes e
mesmo assim os problemas precisam ser resolvidos e enfrentados Sozinhos quando precisam
chorar suportar as dores e anguacutestias pois ao se mostrarem fragilizados natildeo satildeo considerados
capazes de ocupar aquele lugar Como no caso da profissional que chorava copiosamente diante
da morte do receacutem-nascido e a colega afirmou que ela deveria trabalhar em um shopping
Estes profissionais encontram-se imersos em uma realidade da sauacutede puacuteblica brasileira
caracterizada pela deficiecircncia pela falta dos materiais equipamentos e pessoas necessaacuterias para
a execuccedilatildeo efetiva das atividades As notiacutecias nos diversos meios de comunicaccedilatildeo (jornais
147
televisatildeo internet raacutedio) destacam como a sauacutede puacuteblica natildeo eacute uma prioridade no Brasil A
populaccedilatildeo sofre muito com isso assim como os profissionais de sauacutede
Diante da falta de condiccedilotildees de trabalho a sobrecarga apresenta-se como rotina como
o padratildeo caracteriacutestico do cotidiano de trabalho destes profissionais Assim configura-se o ciclo
vicioso A sobrecarga leva ao adoecimento que leva agrave ausecircncia do trabalho e amplia a
sobrecarga para os que ficam provavelmente os proacuteximos a adoecerem
Em meio a esta realidade muitas vezes os profissionais satildeo mal remunerados pouco
valorizados e se submetem a um concurso puacuteblico como forma de garantir a estabilidade do
emprego mas natildeo necessariamente apresentam o interesse ou mesmo o perfil para a atuaccedilatildeo
em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal Existem ainda os que precisam para aumentar a
renda trabalhar em outros hospitais tantas vezes saindo de um plantatildeo para outro gerando
desgaste fiacutesico e psicoloacutegico
Temos os que se afastam do trabalho os que trabalham sofrendo os que se afastam no
trabalho procurando se distanciar do sofrimento Diante de tudo isso eacute importante enfatizar
que os profissionais precisam ser ouvidos precisam de suporte psicoloacutegico no ambiente de
trabalho precisam de uma formaccedilatildeo que priorize as temaacuteticas da morte e das perdas de uma
forma reflexiva Mas precisam sobretudo de condiccedilotildees adequadas de trabalho (em termos de
materias equipamentos carga horaacuteria) e de reconhecimento Eacute contraditoacuterio culpar o
profissional pela morte de pacientes e mais seriamente fazecirc-lo se sentir culpado quando natildeo
satildeo oferecidas as condiccedilotildees necessaacuterias inclusive para evitar que algumas morte aconteccedilam
A sobrecarga de trabalho favorece a ocorrecircncia de erros que podem levar a morte dos
bebecircs Aleacutem de conviver com a sobrecarga agraves vezes ateacute com a exaustatildeo e o adoecimento o
profissional precisa salvar vidas e quando isso natildeo ocorre encontrar meios para lidar com as
frustraccedilotildees com os sentimentos de impotecircncia e de culpa E quando reivindicam tantas vezes
satildeo lembrados da ldquovocaccedilatildeordquo originaacuteria de ajudar o proacuteximo salvar vidas dedicar-se ao bem do
148
outro Natildeo dobrar um plantatildeo pode significar o abandono dos bebecircs E quanto ao abandono de
si proacuteprio e dos outros papeacuteis que ocupa na vida
Ao longo do percurso da vida muitas mortes satildeo vivenciadas inclusive as perdas
cotidianas os desejos e sonhos natildeo realizados o fim de relacionamentos a perda de emprego
o tornar-se aposentado Os fechamentos de ciclos na vida podem ser sentidos como verdadeiras
mortes que deixam marcas e levam um pouco de noacutes Diante destas mortes eacute necessaacuterio refletir
sobre a direccedilatildeo tomada o sentido da vida e o novo caminho a ser trilhado Quando isso natildeo eacute
possiacutevel a morte paralisa leva agrave perda de sentido aos afastamentos do trabalho ao teacutedio agrave
depressatildeo e ateacute ao suiciacutedio
Tudo depende do significado atribuiacutedo ao fato Para quem o trabalho representa a razatildeo
de existir a necessidade de se sentir uacutetil o ciclo social de convivecircncia a aposentadoria pode
significar a morte de toda uma vida de dedicaccedilatildeo de uma rede de relaccedilotildees e de um
pertencimento a um mundo que natildeo mais existe E se aleacutem deste significado faltar a direccedilatildeo
um projeto para o futuro um novo olhar para o mundo o sentido da vida pode esvair-se como
a aacutegua entre os dedos O ser se perde morre ainda vivo morre para o mundo e para os outros
Ao longo da trajetoacuteria a vivecircncia das perdas pode ser sentida de diferentes formas que
deixam marcas resignificam a vida mas natildeo mudam de condiccedilatildeo ou significado satildeo perdas
Grandes e pequenas mortes com as quais precisamos aprender a lidar no cotidiano
Da mesma forma que na contemporaneidade fugimos da morte tentamos evitar ao
maacuteximo pensar na morte dos outros e na nossa proacutepria morte e mascaramos o luto noacutes tambeacutem
fugimos das perdas escondemos os fracassos encobrimos as falhas buscamos culpados para a
natildeo-realizaccedilatildeo dos desejos e sonhos nos concentramos em outras demandas para natildeo olhar para
o que perdemos Caiacutemos na impessoalidade e ficamos na superfiacutecie das histoacuterias das relaccedilotildees
das atividades cotidianas Tomamos piacutelulas para emagrecer remeacutedios para esquecer das dores
para dormir o sono que evita a culpa
149
As perdas demonstram que natildeo temos o controle sobre o mundo e tambeacutem indicam que
somos seres em deacutebito Sempre que escolhemos algo abrimos matildeo de outras possibilidades o
tempo inteiro Estamos em deacutebito com o que natildeo escolhemos e se satildeo decisotildees importantes
para a nossa vida nos encontramos em um deacutebito ainda maior conosco O mais doloroso disso
tudo eacute que esta diacutevida vai sendo cobrada ao longo da existecircncia ateacute a finitude quando deixamos
a condiccedilatildeo de ser-no-mundo
Ter consciecircncia de ser algueacutem em deacutebito nos torna mais reflexivos quanto agraves escolhas
que realizamos Tantas vezes o sim para o mundo pode ser o natildeo para si proacuteprio E a dor da
sequecircncia de perdas pode levar ao adoecimento e agrave perda de sentido da vida
Seja entendida como um castigo ou fonte de expiaccedilatildeo dos pecados Seja compreendida
como o fim da existecircncia ou um novo comeccedilo a morte continuaraacute na verdade como presenccedila
como uma possibilidade certa na nossa existecircncia um marco divisoacuterio entre estar-no-mundo e
deixar de ser-no-mundo Cabe a noacutes escolher ateacute como lidar com tudo isso
150
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157
ANEXOS
158
Paacutegina 1 de 1
TERMO DE GRAVACcedilAtildeO DE VOZ
Eu__________________________________________ autorizo a gravaccedilatildeo da
entrevistadepoimento a qual integra a pesquisa intitulada ldquoOs profissionais de sauacutede e a
experiecircncia da morte em UTI Neonatal agrave luz da fenomenologia hermenecircutica
heideggerianardquo na qual participo como voluntaacuterio(a) Este estudo tem como pesquisadora
responsaacutevel Lucila Moura Ramos Vasconcelos sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Elza Dutra
vinculadas ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Psicologia da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte
Com este termo estou ciente que esta gravaccedilatildeo possui a finalidade de contribuir para a
compreensatildeo do fenocircmeno aqui estudado e autorizo que a mesma seja realizada nas condiccedilotildees
propostas pela pesquisadora permitir que a gravaccedilatildeo aconteccedila nos encontros propostos para a
realizaccedilatildeo da escuta dos depoimentos podendo ser pausada a cada momento que for necessaacuterio
durante o transcorrer da entrevista
Estou ciente que o conteuacutedo destas gravaccedilotildees seraacute armazenado pela pesquisadora
responsaacutevel em local seguro por um periacuteodo de 5 anos Tambeacutem seraacute preservado o sigilo quanto
agrave identidade dos participantes desta pesquisa
Natal _________ _____________________________________________________
Assinatura do participante da pesquisa
Impressatildeo datiloscoacutepica do participante da pesquisa
159
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ndash TCLE
Este eacute um convite para vocecirc participar da pesquisa intitulada ldquoOs profissionais de
sauacutede e a experiecircncia da morte em UTI Neonatal agrave luz da fenomenologia hermenecircutica
heideggerianardquo Este estudo tem como pesquisadora responsaacutevel Lucila Moura Ramos
Vasconcelos sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Elza Dutra vinculadas ao Programa de Poacutes-
Graduaccedilatildeo em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
A motivaccedilatildeo para o presente estudo surgiu da praacutetica profissional da pesquisadora e do
olhar para a atuaccedilatildeo dos trabalhadores que se dedicam a promover a assistecircncia aos pacientes
No cotidiano de trabalho os profissionais de sauacutede aleacutem de precisarem do conhecimento
teacutecnico e do entendimento e cumprimento dos protocolos de seguranccedila ainda vivenciam
situaccedilotildees de morte de pacientes
Diante do exposto o presente estudo tem como objetivo geral compreender como os
profissionais de sauacutede atuantes em UTI Neonatal experienciam a morte de receacutem-nascidos e
como objetivos especiacuteficos conhecer as concepccedilotildees dos profissionais sobre a morte entender
como os profissionais lidam com as exigecircncias inerentes ao trabalho em UTI Neonatal entender
os sentidos de ser profissional de sauacutede atuante em UTI Neonatal Tendo em vista esta temaacutetica
foi escolhida como campo de estudo a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco (MEJC) referecircncia
no estado do Rio Grande do Norte para a gestaccedilatildeo de alto risco
Se vocecirc decidir participar vocecirc seraacute entrevistado(a) A entrevista poderaacute durar 1 (uma)
hora e seraacute gravada em aacuteudio Em momento posterior a pesquisadora iraacute transcrever o que foi
gravado para uso na pesquisa Durante a realizaccedilatildeo da entrevista vocecirc poderaacute sentir um
desconforto emocional causado por alguma pergunta da entrevista mas vale lembrar que o
pesquisadora eacute psicoacuteloga e possui condiccedilotildees de lhe oferecer acolhimento se for necessaacuterio
Vocecirc teraacute como benefiacutecio a possibilidade de falar sobre sua experiecircncia enquanto profissional
de sauacutede e sobre os sentidos que vocecirc atribui a essa experiecircncia Dessa forma vocecirc contribuiraacute
para a produccedilatildeo de conhecimento na aacuterea desse estudo
A importacircncia deste estudo estaacute na compreensatildeo da experiecircncia da morte de receacutem-
nascidos pelos profissionais de sauacutede no intuito de gerar contribuiccedilotildees para proacuteprios os
profissionais de sauacutede a instituiccedilatildeo hospitalar e consequentemente para a assistecircncia dos
pacientes e de seus familiares Ao serem ouvidos cada participante contaraacute sobre os fatos que
vivenciaram e a realidade do seu trabalho Isto por si soacute poderaacute promover reflexotildees sobre a
Paacutegina 1 de 3
160
conduccedilatildeo das suas atividades e sobre os sentimentos diante das perdas Estas informaccedilotildees
poderatildeo indicar a necessidade de suporte psicoloacutegico eou da equipe de trabalho no
enfrentamento das perdas Tambeacutem poderatildeo suscitar na Instituiccedilatildeo a necessidade de novas
orientaccedilotildees eou capacitaccedilotildees para os funcionaacuterios bem como accedilotildees voltadas para a sauacutede e
qualidade de vida no trabalho
Vocecirc tem o direito de se recusar a participar da pesquisa ou retirar seu consentimento
em qualquer momento da entrevista Isto significa que vocecirc poderaacute parar a entrevista em
qualquer momento Vocecirc tambeacutem tem o direito de se recusar a responder qualquer pergunta
As informaccedilotildees que vocecirc iraacute fornecer seratildeo confidenciais Estas informaccedilotildees seratildeo divulgadas
apenas em congressos ou publicaccedilotildees cientiacuteficas mas nenhum dado que possa lhe identificar
seraacute divulgado Esses dados seratildeo guardados pela pesquisadora responsaacutevel em local seguro
por um periacuteodo de 5 anos
Se vocecirc tiver algum gasto pela sua participaccedilatildeo nessa pesquisa ele seraacute assumido pela
pesquisadora e reembolsado para vocecirc Se vocecirc sofrer algum dano comprovadamente causado
por esta pesquisa vocecirc seraacute indenizado O participante da pesquisa tem direito a indenizaccedilatildeo
conforme as leis vigentes no paiacutes caso ocorra dano decorrente de participaccedilatildeo na pesquisa
Durante todo o periacuteodo da pesquisa vocecirc poderaacute tirar suas duacutevidas ligando para Lucila
Moura Ramos Vasconcelos atraveacutes do celular 084-99970-4550 ou do e-mail
lucilamourayahoocombr Tambeacutem poderaacute entrar em contato com a orientadora da pesquisa
a Profordf Drordf Elza Dutra por meio do celular 084-99924-4175 ou de seu e-mail
elzadutrarngmailcom
Para tirar qualquer duacutevida sobre os aspectos eacuteticos dessa pesquisa vocecirc deveraacute ligar para
o Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Universitaacuterio Onofre Lopes (084-3342 5003) como
poderaacute enviar e-mail para cep_huolyahoocombr ou comparecer diretamente no Hospital
Universitaacuterio Onofre Lopes localizado na Avenida Nilo Peccedilanha 620 no bairro de Petroacutepolis
(CEP 59012-300)
Este documento foi impresso em duas vias Uma ficaraacute com vocecirc e a outra com a
pesquisadora responsaacutevel Lucila Moura Ramos Vasconcelos
Apoacutes ter sido informado(a) sobre os objetivos a importacircncia e a forma como as
informaccedilotildees seratildeo coletadas nessa pesquisa e de conhecer os riscos desconfortos e benefiacutecios
Paacutegina 2 de 3
161
Paacutegina 3 de 3
e ter conhecimento de todos os meus direitos concordo em participar da pesquisa ldquoOs
profissionais de sauacutede e a experiecircncia da morte em UTI Neonatal agrave luz da fenomenologia
hermenecircutica heideggerianardquo e autorizo a divulgaccedilatildeo das informaccedilotildees fornecidas em
congressos eou publicaccedilotildees cientiacuteficas desde que nenhum dado possa me identificar
Natal _________ _____________________________________________________
Assinatura do participante da pesquisa
Impressatildeo datiloscoacutepica do participante da pesquisa
5
ldquo Eacute preciso amor
Pra poder pulsar
Eacute preciso paz pra poder sorrir
Eacute preciso a chuva para florir
Todo mundo ama um dia
Todo mundo chora
Um dia a gente chega
E no outro vai embora
Cada um de noacutes compotildee a sua histoacuteria
Cada ser em si
Carrega o dom de ser capaz
E ser felizrdquo
Almir Sater
6
AGRADECIMENTOS
A Deus pelo dom da vida pela infinita bondade e sabedoria
Aos meus pais Ricardo e Luacutecia meu eterno agradecimento por tudo o que sou Por serem o
meu porto seguro meus grandes professores exemplos de vida fontes de inspiraccedilatildeo Muito
obrigada pelas orientaccedilotildees pela escuta atenta pela ternura no olhar pelo amor incondicional
Aos meus irmatildeos Ricardo e Rafael meus mestres obrigada pelo incentivo exemplo forccedila
aprendizado e afeto
Ao meu esposo Rodrigo meu amor meu amigo meu parceiro Ao seu lado sinto-me mais
forte para alcanccedilar os nossos objetivos Obrigada pelo apoio pela compreensatildeo e incentivo
Ao meu lindo filho Felipe um receacutem-nascido que me inspirou a buscar novos projetos
iluminou a minha vida deu um novo sentido ao meu existir
A minha orientadora professora Elza Dutra por ter acreditado em mim desde o iniacutecio do
doutorado Obrigada pelas orientaccedilotildees pelo aprendizado sobre pesquisa Obrigada por ser tatildeo
inspiradora por iluminar o meu caminho e possibilitar o meu crescimento enquanto ser-no-
mundo
Aos professores e colegas do GESDH Grupo de Estudos Subjetividade e Desenvolvimento
Humano obrigada pela troca de informaccedilotildees pelas ideias compartilhadas e incentivo agrave
pesquisa
Agraves professoras Ana Karina Azevedo e Simone Tomaz Moreira pelas valiosas contribuiccedilotildees
para a minha tese
A Daphene Lucas Mariana e Carol pelo auxiacutelio nas transcriccedilotildees das entrevistas Foi muito
bom trabalhar com vocecircs
A todos os voluntaacuterios do estudo obrigada pela solicitude disponibilidade e interesse
Aos meus amigos muito obrigada pela compreensatildeo e incentivo O mundo eacute muito mais doce
e radiante com a presenccedila de vocecircs
A todas as pessoas que contribuiacuteram direta e indiretamente para que este sonho se tornasse
realidade
7
Sumaacuterio
Resumo 11
Introduccedilatildeo 13
Capiacutetulo I Os sentidos da morte ao longo da histoacuteria 31
Capiacutetulo II Contemplando alguns existenciais da fenomenologia
Heideggeriana
45
Capiacutetulo III O profissional de sauacutede 67
Capiacutetulo IV Meacutetodo A escolha do caminho 83
Capiacutetulo V As narrativas dos participantes os sentidos de ser profissional de
sauacutede em UTI Neonatal
95
Capiacutetulo VI Destecendo a trama da existecircncia reflexotildees a partir das
narrativas dos profissionais de sauacutede
139
Referecircncias 150
Anexos 157
8
Lista de Figuras
Figura Paacutegina
1 O Contexto de Atuaccedilatildeo Profissional de Sauacutede na UTI Neonatal 24
2 O Ciacuterculo Hermenecircutico 93
9
Lista de Tabelas
Tabela Paacutegina
1 Nuacutemero de oacutebitos notificados e investigados por tipo e ano de ocorrecircncia
na MEJC NatalRN
18
10
Lista de Siglas
ANVISA Agecircncia Nacional de Vigilecircncia Sanitaacuteria
BVS Biblioteca Virtual em Sauacutede
CAPES Coordenaccedilatildeo de Aperfeiccediloamento de Pessoal de Niacutevel Superior
EBSERRH Empresa Brasileira de Serviccedilos Hospitalares
HUOL Hospital Universitaacuterio Onofre Lopes
IMI Instituto Materno Infantil
MEJC Maternidade Escola Januaacuterio Cicco
UTI Unidade de Terapia Intensiva
UTIN Unidade de Terapia Intensiva Neonatal
11
Resumo
Desde a transferecircncia dos doentes para os hospitais foi delegado aos profissionais de sauacutede o
papel de promover o cuidado aos pacientes Nestes locais a morte eacute evitada podendo ser
justificada pela ocorrecircncia de falhas e erros E em Instituiccedilotildees de sauacutede especiacuteficas as
maternidades menos se fala na possibilidade da morte apesar da sua presenccedila em meio agrave vida
Com a evoluccedilatildeo da medicina e a consequente ampliaccedilatildeo das teacutecnicas e tipos de equipamentos
a serem utilizados as maternidades tornaram-se locais munidos de um aparato tecnoloacutegico
considerado necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo da vida concentrados em uma unidade de terapia
intensiva neonatal Em meio a este contexto os profissionais de sauacutede aleacutem de precisarem do
conhecimento teacutecnico e do entendimento e cumprimento dos protocolos de seguranccedila ainda
lidam com a anguacutestia e o abalo emocional ao vivenciarem situaccedilotildees de morte e perdas no
cotidiano de trabalho Diante do exposto o presente estudo tem como objetivo compreender a
experiecircncia de profissionais que atuam em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal A
Maternidade Escola Januaacuterio Cicco referecircncia no estado do Rio Grande do Norte para a
gestaccedilatildeo de alto risco foi escolhida como campo de estudo Como orientaccedilatildeo metodoloacutegica foi
utilizada a fenomenologia hermenecircutica heideggeriana e como possibilidade de escuta a
entrevista narrativa Foram realizadas 9 entrevistas com profissionais de sauacutede de diversas
formaccedilotildees (meacutedicos enfermeiros teacutecnicos de enfermagem psicoacutelogos fisioterapeutas
assistente social) A anaacutelise das narrativas foi feita tendo como inspiraccedilatildeo o ciacuterculo
hermenecircutico proposta por Martin Heidegger na Analiacutetica da Existecircncia As interpretaccedilotildees
mostraram os profissionais relatando sentimentos de frustraccedilatildeo impotecircncia culpa e tristeza
diante da morte de receacutem-nascidos Tambeacutem apontam as dificuldades existentes no cotidiano
de trabalho Verificou-se a necessidade de ampliar os projetos ainda incipientes de atenccedilatildeo
aos profissionais de sauacutede com a estruturaccedilatildeo de espaccedilos de plantatildeo psicoloacutegico e realizaccedilatildeo
de reuniotildees multidisciplinares de forma a promover uma maior integraccedilatildeo entre os diversos
profissionais O estudo tambeacutem traz reflexotildees para as instituiccedilotildees formadoras no sentido de
instituiacuterem ou ampliarem o espaccedilo na academia para abordar a temaacutetica da morte de
pacientes A importacircncia deste estudo estaacute justamente na compreensatildeo da experiecircncia dos
profissionais de sauacutede com o intuito de gerar contribuiccedilotildees para a comunidade acadecircmica a
instituiccedilatildeo hospitalar e consequentemente para a assistecircncia dos pacientes e de seus familiares
Palavras-chave Pesquisa fenomenoloacutegica profissionais de sauacutede UTI Neonatal morte
receacutem-nascido
12
Abstract
Since the transfer of patients to hospitals the role of promoting patient care has been delegated
to health professionals In these places death is avoided and can be justified by the occurrence
of failures and errors And in specific health institutions maternity hospitals the less is the
possibility of death despite their midlife presence With the evolution of medicine and the
consequent expansion of the techniques and types of equipment to be used maternities became
places equipped with a technological apparatus considered necessary for the maintenance of
life concentrated in a unit of neonatal intensiva therapy In this context health professionals
in addition to needing technical knowledge and understanding and compliance with safety
protocols still deal with distress and emotional shock experiencing death situations and losses
in their daily work In view of the above the present study aims to understand the experience
of professionals working in Neonatal Intensive Care Units The Maternidade Escola Januaacuterio
Cicco reference in the state of Rio Grande do Norte for high risk gestation was chosen as a
field of study As a methodological orientation was used the heideggerian hermeneutic
phenomenology and as a possibility of listening the narrative interview Nine interviews were
conducted with health professionals from different backgrounds (doctors nurses nursing
technicians psychologists physiotherapists social workers) The analysis of the narratives was
inspired by the hermeneutic circle proposed by Martin Heidegger in the Analytic of Existence
The interpretations showed the professionals reporting feelings of frustration impotence guilt
and sadness at the death of newborns They also point out the difficulties in daily work There
was a need to expand the still incipient projects of attention to health professionals with the
structuring of spaces for psychological counseling and the holding of multidisciplinary
meetings in order to promote greater integration among the different professionals The study
also brings reflections to the training institutions in order to institute or expand space in the
academy to address the issue of patient death The importance of this study is precisely in the
understanding of the experience of health professionals in order to generate contributions to
the academic community the hospital institution and consequently to the care of patients and
their families
Keywords Phenomenological research health professionals neonatal ICU death newborn
13
Introduccedilatildeo
O poema nos inspira a refletir sobre o que seria uma UTI Neonatal Porto seguro Local
assustador Matildeo renascedora Misto de amor e tecnologia Tantas possibilidades para um local
tatildeo peculiar onde nascimento e morte estatildeo presentes intensamente Onde a vida aparece em
uma fragilidade tamanha que assusta ao mesmo tempo que pode promover um encantamento
pela necessidade de zelo e carinho
A UTI Neonatal
Uma grande escola de valorizaccedilatildeo da vida
Por entre equipos e leitos e sensores
E monitores e bombas de infusatildeo
A tecnologia aliviando as dores
A esperanccedila alimentando o coraccedilatildeo
Por entre antibioacuteticos e perfusores
Coletas rastreando a infecccedilatildeo
Profissionais e procedimentos salvadores
Pais e bebecircs esperando a salvaccedilatildeo
A UTI Neonatal assustadora
Tentando ser a matildeo renascedora
Tentando ser o manto que alivia
A UTI Neonatal porto seguro
Oaacutesis da esperanccedila em um futuro
Misto de amor e tecnologia
Dr Luiz Alberto Mussa Tavares Poemas para Almas Apressadas 2017
14
Um local em que estatildeo presentes vidas que brotam como fraacutegeis sementes em terrenos
aacuteridos Vidas-sementes pelas quais alguns cuidadores como jardineiros dedicados se
desdobram se empenham para realizar os procedimentos necessaacuterios se envolvem com o seu
desenvolvimento ou finitude
Satildeo estes cuidadores que seratildeo contemplados no presente estudo Nosso convite eacute
justamente para olhar a realidade de uma UTI Neonatal sobre o prisma de quem estaacute laacute imerso
no cotidiano do trabalho marcado pelas aberturas e afetaccedilotildees
Diante da escuta destes profissionais apresentamos reflexotildees sobre as suas
experiecircncias contemplamos o ponto de vista dos trabalhadores que vivenciam grandes
dificuldades anguacutestias e acalentos que sofrem se encantam e se surpreendem
Estas reflexotildees sobre a realidade dos profissionais entretanto natildeo iniciaram com o
presente estudo Partiram da minha atuaccedilatildeo enquanto psicoacuteloga em instituiccedilotildees hospitalares
Ao acompanhar o trabalho dos profissionais de sauacutede pude observar o contexto da prestaccedilatildeo
de assistecircncia aos pacientes bem como a maneira como trabalhavam Aleacutem dos momentos em
que eu era solicitada pela equipe (meacutedicos enfermeiros nutricionistas) para dar assistecircncia
aos pacientes existiam outros nos quais quem me procurava eram os proacuteprios profissionais para
relatarem suas anguacutestias diante da morte de pacientes nas Unidades de Terapia Intensiva
inclusive na UTI Neonatal Como uma enfermeira que se angustiava profundamente diante da
morte de pacientes na UTI Um sofrimento refletido na sua proacutepria vida e na condiccedilatildeo de ser
um profissional da aacuterea de sauacutede
O limite entre a dedicaccedilatildeo na assistecircncia ao paciente e o envolvimento ao ponto de
adoecer eacute muito tecircnue E se apresenta como um desafio constante na atuaccedilatildeo dos profissionais
Faz parte da rotina lidar com o sofrimento dos pacientes e a dor da perda dos seus familiares
Por outro lado diante do sofrimento tambeacutem ocorria um certo distanciamento ou natildeo
envolvimento O atendimento era realizado de uma forma automaacutetica com o olhar voltado para
15
a presenccedila de sintomas para o controle da medicaccedilatildeo e para o funcionamento dos
equipamentos
A inspiraccedilatildeo para o presente estudo foi proveniente do desejo de contemplar a
experiecircncia dos profissionais de sauacutede que atuam na UTI Neonatal seu contexto de atuaccedilatildeo e
as dificuldades enfrentadas em um ambiente caracterizado pela presenccedila do risco de morte o
tempo inteiro A morte assume um destaque no estudo por fazer parte do cotidiano dos
profissionais em um local que existe em funccedilatildeo da busca pela cura e da tentativa de evitar a
morte
A morte eacute o tempo todo lembrada na UTI Neonatal como um fato que ocorre no dia a
dia de trabalho A partir desta constataccedilatildeo alguns questionamentos foram surgindo Em uma
sociedade que interdita a morte que valoriza a cura e a vida como eacute para o profissional de
sauacutede conviver com a lembranccedila desta possibilidade de finitude o tempo inteiro Em uma
sociedade que valoriza a juventude como eacute conviver com a morte de receacutem-nascidos Diante
da crenccedila desta sociedade de que os bebecircs teriam a vida inteira pela frente a morte destes
seres pareceria injusta ou mais difiacutecil de ser compreendida
Diante destes questionamentos iniciais e na busca por autores que refletissem pelas
temaacuteticas da morte das perdas do cuidado tive um ldquoencontrordquo com um filoacutesofo que
influenciou sobremaneira a minha forma de compreender o ser-no-mundo Martin Heidegger
A ontologia heideggeriana nos oferece a possibilidade de compreender o fenocircmeno a
experiecircncia do outro como algo que se desvela em um contexto especiacutefico Como aquilo que
se apresenta a partir da compreensatildeo e das afetaccedilotildees dos que estatildeo ali vivenciando o fenocircmeno
Ao escrever Ser e Tempo sua obra mais conhecida publicada em 1927 Heidegger
trouxe agrave luz a questatildeo do sentido do ser E junto com ela reflexotildees profundas sobre a existecircncia
Rompeu com a dicotomia entre homem e mundo ao afirmar que natildeo existe uma separaccedilatildeo entre
ambos uma vez que o homem eacute ser-no-mundo Eacute tambeacutem desde o seu nascimento um ser-
16
para-a-morte E a morte eacute a possibilidade mais proacutepria insuperaacutevel do homem enquanto
projeto
Mas ao se deparar com a possibilidade da morte o ser se angustia por se dar conta que
a finitude deixa todos os projetos inacabados torna todas as escolhas questionaacuteveis modifica
valores reprograma a vida Como nos inspira Feijoo (2000 p 90) ldquoNa anguacutestia frente agrave
constataccedilatildeo do ser-para-a-morte o ser-lanccedilado surge para a pre-senccedila de modo mais proacuteprio
Antecipando a morte como possibilidade insuperaacutevel e certa a pre-senccedila assume todas as suas
possibilidades inclusive a de existir na totalidade do seu poder-serrdquo
Diante da iminecircncia da proacutepria morte a vida pode ser revista E diante da morte do
outro Heidegger (1927 2015) afirma que natildeo temos acesso agrave experiecircncia vivida por quem
morre no maacuteximo estamos apenas junto Noacutes soacute poderemos saber o que eacute morrer quando
morremos Entretanto a morte do outro nos faz lembrar da possibilidade da nossa proacutepria
morte Algo que nos alerta em meio a um turbilhatildeo de atividades da vida cotidiana Como a luz
distante de um barco em meio agraves ondas agitadas do oceano
Para os profissionais de sauacutede que no cotidiano de trabalho lidam com a morte de
pacientes como eacute viver com a lembranccedila diaacuteria da possibilidade de morte Escolher trabalhar
com a assistecircncia em hospitais implica em assumir tambeacutem este desafio aleacutem de todas as outras
atribuiccedilotildees inerentes ao cargo que ocupa
A partir da reflexatildeo sobre a realidade dos profissionais de sauacutede alguns
questionamentos comeccedilaram a surgir Ao escolher esta carreira esta ocupaccedilatildeo o profissional
reflete sobre isso Se prepara para isso Podemos nos considerar preparados para lidar com a
morte Durante a atuaccedilatildeo profissional existe um suporte para lidar com tanto sofrimento
proveniente das perdas da vida De que lugar estamos falando
Vivemos em uma sociedade em um contexto histoacuterico especiacutefico Uma sociedade que
valoriza a juventude a teacutecnica a vida Que enaltece os aparatos tecnoloacutegicos o sucesso
17
profissional as agendas lotadas de atividades Uma sociedade que diz correr contra o tempo
como se isso fosse possiacutevel
Para a sociedade que interdita a finitude a possibilidade assustadora de parar a
produtividade e refletir sobre a conduccedilatildeo da vida resiste ainda mais agrave morte de crianccedilas e agrave
morte de bebecircs Entretanto enquanto existe o ser-no-mundo eacute ser-para-a-morte Desde a
primeira respiraccedilatildeo esta possibilidade estaacute posta na nossa existecircncia podendo ocorrer a
qualquer momento
Embora mesmo que da forma mais difiacutecil parecemos aceitar quando a morte eacute de um
idoso (que jaacute viveu muito cumpriu a sua missatildeo) Para uma crianccedila (com a vida toda pela
frente) a morte parece injusta e incomoda profundamente Ao longo deste trabalho veremos
que nem sempre a morte foi vista desta forma caracteriacutestica da sociedade ocidental
contemporacircnea Na Greacutecia Antiga existia ldquoprazordquo para o luto de crianccedilas Natildeo havia a
preocupaccedilatildeo com os iacutendices de mortalidade infantil como na atualidade
Aparentemente seria contraditoacuterio abordar a temaacutetica da morte em um ambiente
destinado agrave propagaccedilatildeo da vida Entretanto estudos demonstram que o Brasil ainda estaacute muito
longe de atingir iacutendices de mortalidade infantil considerados ldquoaceitaacuteveisrdquo O Brasil encontra-se
em 90ordm lugar entre 187 paiacuteses no ranking das Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) atraacutes de
paiacuteses como Cuba Chile Argentina China e Meacutexico E apresentando um iacutendice de 1988
mortes por mil nascimentos vivos O que demonstra que as estrateacutegias de combate agrave mortalidade
materno-infantil falharam em reduzir significantemente a mortalidade neonatal cujo
componente neonatal precoce (de 0 a 6 dias) sofreu menor reduccedilatildeo (Ministeacuterio da Sauacutede
2012 Maranhatildeo Vasconcelos Trindade et al 2012 Lansky Friche Silva et al 2014)
A morte de receacutem-nascidos tatildeo pouco divulgada ainda eacute mais constante do que supotildee
o senso comum A pesquisa Nascer no Brasil um estudo sobre a mortalidade neonatal no paiacutes
foi realizada no periacuteodo de fevereiro de 2011 a outubro de 2012 por meio de entrevistas e
18
avaliaccedilatildeo de prontuaacuterios de 23940 pueacuterperas Os resultados indicaram que os oacutebitos neonatais
se concentraram nas regiotildees Nordeste (383) e Sudeste (305) do Brasil e entre receacutem-
nascidos prematuros e com baixo peso ao nascer (817 e 82) O baixo peso ao nascer o
risco gestacional e condiccedilotildees do receacutem-nascido foram os principais fatores associados ao oacutebito
neonatal (Lansky Friche Silva et al 2014)
No Brasil 60 da mortalidade infantil ocorre no periacuteodo neonatal Cerca de 62 dos
oacutebitos de nascidos vivos com peso superior a 1500g ao nascer satildeo evitaacuteveis sendo as afecccedilotildees
perinatais o principal grupo de causas baacutesicas correspondendo a cerca de 60 das mortes
infantis e 80 das mortes neonatais (Ministeacuterio da Sauacutede 2012)
A mortalidade perinatal afeta desproporcionalmente diferentes classes socio-
econocircmicas e regiotildees brasileiras Populaccedilotildees vulneraacuteveis sobretudo as residentes nas regiotildees
Norte e Nordeste brasileiras registram piores condiccedilotildees sanitaacuterias e de acesso e uso de serviccedilos
de sauacutede consequentemente detecircm as mais elevadas taxas de mortalidade infantil do paiacutes
(Ministeacuterio da Sauacutede 2012)
Situada na regiatildeo Nordeste a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco eacute referecircncia no estado
do Rio Grande do Norte para assistecircncia agraves mulheres com HIV Preacute-Natal de alto risco
histeroscopia O Relatoacuterio de Vigilacircncia Epidemioloacutegica da Maternidade (2016) apresenta o
nuacutemero de oacutebitos no periacuteodo de 2010 a 2016 (sendo que os dados referentes ao ano de 2016
contemplam apenas os meses de janeiro a junho)
Tabela 1 ndash Nuacutemero de oacutebitos notificados e investigados por tipo e ano de ocorrecircncia na MEJC
NatalRN
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Os dados demonstram a ocorrecircncia de mortes de receacutem-nascidos ao longo de todos os
meses do ano o que indica a existecircncia de um campo de pesquisa para a investigaccedilatildeo tanto das
causas das mortes das consequecircncias das mesmas para os profissionais de sauacutede assim como
da forma como os mesmos compreendem este fenocircmeno e lidam com a morte do receacutem-
nascido
Caracterizada por um aparato tecnoloacutegico pela normatizaccedilatildeo de procedimentos pelo
atendimento de receacutem-nascidos de alto risco a Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN)
eacute um ambiente onde vida e morte estatildeo presentes nos corpos tatildeo delicados dos bebecircs A morte
de um bebecirc se transforma no sentido de perda para os pais agraves vezes ateacute na sensaccedilatildeo de morte
em vida
Muitas vezes os profissionais que decidem atender em maternidades relatam que iratildeo
trabalhar com a vida Entretanto em meio a tantos nascimentos a morte tambeacutem estaacute presente
A sensaccedilatildeo de perigo iminente a tensatildeo oriunda do risco da perda satildeo constantes no cotidiano
da UTI Neonatal
Para os profissionais de sauacutede a morte eacute como a perda do controle da dor de se deparar
com a possibilidade de natildeo salvar a vida de falhar de natildeo conseguir Em uma sociedade
caracterizada pelo avanccedilo da medicina e pela busca incessante da cura a morte eacute indesejada E
quando ocorre traz consigo a lembranccedila dos limites do homem e da possibilidade de falhas
(Bernieri e Hirdes 2007)
Na sociedade contemporacircnea a morte eacute interditada Entretanto nem sempre foi
considerada desta forma ao longo da histoacuteria Como qualquer fenocircmeno da vida humana a
morte eacute contextualizada adquirindo sentido conforme o momento histoacuterico e social em que eacute
vivenciada (Ariegraves 2003)
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O exemplo de uma realidade distinta que propotildee uma maneira diferente de falar sobre a
morte foi retratado no livro ldquoQual eacute a tua obrardquo de Maacuterio Sergio Cortella (2015) O autor relata
no livro que um general romano ao vencer uma batalha recebia a mais alta honraria ramos de
palmeiras em uma bandeja de prata (de onde se originou o termo salva de palmas
posteriormente imortalizado nos aplausos) Para tanto
A morte era lembrada em um momento de gloacuteria talvez no intuito de conter a vaidade
de rememorar o limite da existecircncia que por mais gloriosa que seja teraacute o mesmo fim das
demais ldquoLembra-te que eacutes mortalrdquo Que natildeo eacutes melhor que ningueacutem Que assim como tudo na
vida passa este momento de gloacuteria tambeacutem passaraacute E natildeo deveraacutes ser consumido pela vaidade
que tambeacutem se finda
Imagine se no dia a dia tiveacutessemos algueacutem nos lembrando da condiccedilatildeo de mortais
Como o grilo falante a voz da consciecircncia tambeacutem podendo ser denominada nestas ocasiotildees
de reflexatildeo sobre a finitude de anguacutestia Os profissionais de sauacutede se deparam com a
possibilidade de morte do outro no cotidiano de trabalho e isto pode levar a uma reflexatildeo sobre
a proacutepria finitude No caso da morte de bebecircs a ocorrecircncia destas mortes pode levar a uma
reflexatildeo sobre a possibilidade do falecimento do proacuteprio filho e da necessidade de rever
algumas escolhas em relaccedilatildeo ao uso do tempo livre com a crianccedila e a possibilidade de dedicar
mais atenccedilatildeo ao filho A lembranccedila da morte pode por assim dizer resignificar a vida
Como define Heidegger (1927 2015) o ser-aiacute eacute histoacuterico eacute um ser-no-mundo e o
mundo dita as regras para a existecircncia impotildee limites O mundo faz parte do ser-aiacute como este
() ldquoo general ia em direccedilatildeo ao senado e por lei um segundo escravo
acompanhava a biga a peacute Esse segundo escravo tinha uma obrigaccedilatildeo legal
a cada quinhentas jardas ele tinha que subir na biga e soprar no ouvido do
general a seguinte frase Lembra-te de que eacutes mortalrdquo (Cortella 2015 pp
139)
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faz parte do mundo Ser e mundo satildeo portanto indissociaacuteveis se constituem e se transformam
conjuntamente
Diante desta perspectiva de mundo inspirada na fenomenologia heideggeriana ao
longo deste estudo temos como objetivo compreender a experiecircncia de profissionais que atuam
em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal Tendo em vista esta temaacutetica foi escolhida como
campo de estudo a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco (MEJC) referecircncia no estado do Rio
Grande do Norte para a gestaccedilatildeo de alto risco
A definiccedilatildeo do local para a realizaccedilatildeo da pesquisa foi resultado da minha visita aos
hospitais na capital do Estado do Rio Grande do Norte da conversa com alguns profissionais
de sauacutede e da identificaccedilatildeo de uma demanda de sofrimento e da necessidade de suporte relatada
pelos profissionais da Maternidade Escola Januaacuterio Cicco Por assim dizer abordaremos a
questatildeo da morte em um local dedicados agrave vida onde as dificuldades e desafios estatildeo presentes
cotidianamente
Dentre os desafios enfrentados pelos profissionais de sauacutede os paradoxos se
apresentam contidos nas orientaccedilotildees de conduta permanecer calmo em ambientes turbulentos
de urgecircncia ser aacutegil diante de procedimentos difiacuteceis e delicados para salvar uma vida
concentrar-se nos procedimentos mecacircnicos e na atenccedilatildeo a pacientes e familiares escolher entre
dar apoio aos que estatildeo proacuteximos agrave morte ou atender aos que exigem outros tipos de cuidados
Natildeo haacute tempo para tudo A rotina caracterizada por uma seacuterie de procedimentos sobrecarrega
o profissional e o obriga a fazer escolhas difiacuteceis de realizar Quando a morte chega traz junto
com ela o sentimento de impotecircncia o medo de falhar novamente a duacutevida do que fazer diante
deste fato e sobre o que falar para a famiacutelia (Gerow Conejo Alonzo 2009 Silva Valenccedila e
Germano 2010)
Diante da morte do receacutem-nascido alguns dilemas surgem na atuaccedilatildeo dos profissionais
de sauacutede como a dificuldade para dar a notiacutecia para os pais do bebecirc a natildeo aceitaccedilatildeo de que os
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procedimentos realizados natildeo tiveram ecircxito e a dificuldade para decidir sobre a viabilidade do
tratamento Para uma vida tatildeo fraacutegil a possibilidade de qualquer erro gera a preocupaccedilatildeo com
a finitude de um ser Trata-se de uma linha muito tecircnue entre a vida e a morte que gera uma
tensatildeo rotineira nos trabalhadores da aacuterea de sauacutede (Silva 2007)
Estes paradoxos e dilemas estatildeo presentes na atuaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede do
mundo contemporacircneo Satildeo problemas contextualizados relativos a uma realidade voltada para
a busca da cura e para a interdiccedilatildeo da morte Heidegger (1927 2015) traz esta reflexatildeo ao falar
sobre o impessoal que dita as regras de conduta necessaacuterias para a sobrevivecircncia do homem no
mundo O impessoal fornece as diretrizes fundamentais para a vida em sociedade E o homem
vive mergulhado no impessoal nas vaacuterias atribuiccedilotildees que compotildeem a vida cotidiana
O impessoal delimita os espaccedilos e as regras de conduta que influenciam na conduccedilatildeo
da vida Como relata Casanova (2013)
Esta reflexatildeo proposta por Casanova serve para lembrarmos a pergunta De que lugar
estamos falando Na sociedade atual com o discurso da importacircncia do parto humanizado e
diante da preocupaccedilatildeo crescente com a queda na mortalidade infantil os protocolos de cuidados
para o nascimento dos bebecircs e com os receacutem-nascidos tornaram-se orientaccedilotildees para as praacuteticas
dos profissionais de sauacutede que atuam nas maternidades (Ministeacuterio da Sauacutede 2012)
ldquoQue tipo de espaccedilo nos espera ao nascermos que tipo de roupa seremos
imediatamente obrigados a usar ou a natildeo usar que cuidados ou ausecircncia de
cuidados vatildeo estar dedicados ao bebecirc e mesmo ao feto em seus primeiros
movimentos existenciais tudo isso depende sempre e necessariamente em que
mundo nascemos No mundo da ontologia da ciecircncia meacutedica com suas
preocupaccedilotildees sanitaristas incessantes eacute claro que uma crianccedila vai ser cercada na
primeira infacircncia por uma seacuterie de cuidados de higiene visando justamente a
proteger o seu estado de sauacutede pleno Em uma comunidade indiacutegena por outro
lado na qual o nascimento eacute marcado por elementos rituais muito peculiares eacute por
vezes o pai que faz o parto que corta o cordatildeo umbilical e que acompanha na oca
a relaccedilatildeo da matildee com a crianccedila ateacute o momento em que o cordatildeo cai
completamenterdquo (Casanova 2013 pp 38)
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Estes procedimentos e protocolos fazem parte do mundo dos profissionais de sauacutede que
trabalham em UTI Neonatal Entretanto ao percorrer o hospital tambeacutem tive a oportunidade
de conversar com uma gestora que demostrou uma grande preocupaccedilatildeo com o natildeo
cumprimento por todos os profissionais de sauacutede dos protocolos de seguranccedila preconizados
pela Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria Uma preocupaccedilatildeo salutar uma vez que uma
das causas mais frequentes de morte de receacutem-nascidos satildeo as Infecccedilotildees Relacionadas agrave
Assistecircncia em Sauacutede (IRAS) (Ministeacuterio da Sauacutede 2012)
O contexto do trabalho em hospitais apresenta grandes desafios que envolvem os
cuidados e a busca da cura dos pacientes Particularmente em Unidades de Terapia Intensiva
Neonatal os cuidados satildeo intensificados em meio a um aparato de equipamentos e agrave fragilidade
da vida dos receacutem-nascidos
Diante do exposto pode-se analisar brevemente o contexto de atuaccedilatildeo do profissional
de sauacutede em UTIN de acordo com a figura apresentada a seguir A anaacutelise breve se daacute como
uma posiccedilatildeo preacutevia da situaccedilatildeo considerando o olhar de algueacutem que natildeo pertence a este
contexto que natildeo estaacute atuando enquanto profissional de sauacutede em UTIN mas que construiu
um conceito inicial antes de comeccedilar a fase de entrevistas
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Figura 1- O Contexto de Atuaccedilatildeo Profissional de Sauacutede na UTI Neonatal
O profissional de sauacutede atuante em UTIN apresenta como desafios a necessidade
constante de conhecimento teacutecnico que precisa ser aperfeiccediloado ao longo do tempo ao mesmo
tempo em que tambeacutem precisa entender sobre o funcionamento dos equipamentos e se adequar
aos novos protocolos de seguranccedila que estatildeo sendo implantados na maternidade
Estes primeiros desafios compotildeem a parte teacutecnica e objetiva da atividade realizada que
por ser conduzida por pessoas pode apresentar alteraccedilotildees quanto ao cumprimento das
determinaccedilotildees do protocolo o que amplia o risco de ocorrecircncia de eventos adversos
Os demais fatores envolvem o atendimento aos receacutem-nascidos com alto risco de morte
e consequentemente o acompanhamento dos familiares Como prerrogativa da assistecircncia
humanizada as matildees participam ativamente do processo de assistecircncia ao receacutem-nascido
demandando informaccedilotildees e atenccedilatildeo dos profissionais de sauacutede (Ministeacuterio da Sauacutede 2004)
Neste contexto de atuaccedilatildeo caracterizado por desafios e dificuldades ocorrem eventos
adversos dentre estes a morte de receacutem-nascidos Segundo relatos de profissionais de sauacutede da
Profissional de Sauacutede
Teacutecnica
Protocolos de
seguranccedila
Matildees dos pacientes
Bebecircs em alto risco de morte
Equipamentos
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maternidade os mesmos ainda participam do processo inicial de luto oferecendo suporte aos
pais
Como no caso contado por uma psicoacuteloga que prestou assistecircncia agrave famiacutelia enlutada
junto com a meacutedica Segundo o relato a matildee natildeo aceitava que o filho havia morrido Mesmo
quando o corpo da crianccedila foi entregue aos pais para despedida ela acreditava que o bebecirc estava
dormindo Os profissionais precisaram acompanhar o processo de luto ateacute a matildee compreender
que o bebecirc havia morrido diante da frase ldquoo coraccedilatildeo dele parourdquo Apoacutes o entendimento da matildee
os pais puderam iniciar o processo de despedida do bebecirc Algo que gerou muito sofrimento
para a famiacutelia e um grande desgaste emocional para os profissionais de sauacutede que ofereceram
o suporte aos pais
As informaccedilotildees apresentadas retratam a realidade de atuaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede
em meio a tantas exigecircncias e responsabilidades Trata-se de uma anaacutelise sobre o prisma de
quem apenas olha pelo lado de fora da janela Pela metodologia proposta neste estudo os
profissionais foram convidados a narrar uma histoacuteria de perda da morte de um receacutem-nascido
durante a sua atuaccedilatildeo na UTIN Por meio deste convite tivemos a oportunidade de compreender
o modo de atuaccedilatildeo de cada profissional os sentidos atribuiacutedos as suas vivecircncias e a forma como
enfrentaram a morte dos pacientes A forma como o profissional sente e vivencia as suas
experiecircncias interfere diretamente na prestaccedilatildeo da assistecircncia agrave sauacutede
Aleacutem desses fatores as pesquisas realizadas em banco de dados revelam a necessidade
de ampliar os estudos sobre a aacuterea utilizando a abordagem da fenomenologia como forma de
compreensatildeo da experiecircncia Por meio do portal da Capes a busca na base do Pubmed
utilizando os descritores ldquohealthcare professionalrdquo and ldquodeathrdquo and ldquonewbornrdquo revelaram a
existencia de 1257 publicaccedilotildees Entretanto ao adicionar o descritor ldquophenomenologyrdquo aos
demais foram localizados duas publicaccedilotildees ambas fazendo referecircncia apenas ao trabalho de
enfermeiros (Silva Valenccedila amp Germano 2010 Rubarth 2003) A busca com os descritores
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ldquohealthcare professionalrdquo and ldquodeathrdquo and ldquonewbornrdquo na base da BVS psicologia natildeo localizou
nenhuma publicaccedilatildeo O mesmo ocorreu com o portal do scielo
Os artigos citados revelam que diante da morte de receacutem-nascidos enfermeiros e
teacutecnicos de enfermagem apresentam sentimentos de auto-reprovaccedilatildeo baixa auto-estima e
culpa A morte de bebecircs eacute vista como uma falha da equipe no processo de cura No espaccedilo em
que os profissionais de sauacutede trabalham muito tempo e esforccedilo eacute direcionado para teacutecnicas que
possam prolongar a vida Quando estas natildeo funcionam satildeo gerados sentimentos de impotecircncia
fracasso frustraccedilatildeo e incapacidade (Silva Valenccedila amp Germano 2010 Rubarth 2003)
Sentimos falta de mais estudos que buscassem compreender a experiecircncia da morte de
receacutem-nascidos em UTI Neonatal utilizando a fenomenologia hermenecircutica heideggeriana
como orientaccedilatildeo metodoloacutegica Tambeacutem sentimos falta de estudos que contemplassem os
profissionais que compotildeem a equipe de uma UTI Neonatal (meacutedicos enfermeiros teacutecnicos de
enfermagem fisioterapeutas psicoacutelogos) Encontramos estudos dedicados especificamente a
uma ou duas categorias de profissionais (meacutedicos e profissionais da aacuterea de enfermagem)
Como seria ouvir representantes das diversas formaccedilotildees que compotildeem a equipe multidiciplinar
da UTI Neonatal Este questionamento tambeacutem contribui para a decisatildeo de contemplar
profissionais com formaccedilotildees diversas mas que precisam trabalhar em conjunto para oferecer
assistecircncia aos pacientes e familiares A partir destes questionamentos foi escolhida uma
direccedilatildeo para um caminho que seraacute delimitado nos proacuteximos capiacutetulos
A importacircncia deste estudo estaacute justamente na compreensatildeo da experiecircncia dos
profissionais de sauacutede que atuam na UTI Neonatal no intuito de gerar contribuiccedilotildees para a
comunidade acadecircmica os profissionais de sauacutede a instituiccedilatildeo hospitalar e consequentemente
para a assistecircncia dos pacientes e de seus familiares
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A partir do exposto seratildeo contemplados os capiacutetulos da tese os quais foram organizados
da seguinte forma
- Capiacutetulo 1 Os sentidos da morte ao longo da histoacuteria
O capiacutetulo abordaraacute as diferentes concepccedilotildees de morte para sociedades em contextos
histoacutericos especiacuteficos No iniacutecio do capiacutetulo eacute apresentada a figura da obra de arte ldquoO gritordquo
Este quadro foi pintado pelo norueguecircs Edvard Munch em 1893 O quadro representa o
sentimento de anguacutestia do ser humano diante das perdas Considerei oportuno refletir sobre a
morte a partir de uma figura que demonstra o assombro de um ser diante da dor da perda do
desconhecido E a fragilidade humana em meio ao crepuacutesculo de um por-do-sol marcante
-Capiacutetulo 2 Contemplando alguns existenciais da fenomenologia Heideggeriana
Este capiacutetulo iraacute discorrer sobre alguns existenciais que compotildee a ontologia
Heideggeriana Dentre os existenciais mencionados seratildeo contemplados ser-no-mundo ser-
com cuidado ser-para-a-morte anguacutestia
No iniacutecio do capiacutetulo estaacute apresentada uma das obras de arte mais conhecidas de
Salvador Daliacute ldquoA Persistecircncia da Memoacuteriardquo datada de 1931 A obra nos faz refletir sobre o
nosso entendimento racional do mundo Na figura os reloacutegios estatildeo deformados dando a
impressatildeo da diluiccedilatildeo do tempo como algo natildeo fixo ou linear A escolha desta obra serve como
uma inspiraccedilatildeo inicial para as valiosas contribuiccedilotildees de Heidegger agrave compreensatildeo do ser e do
tempo
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-Capiacutetulo 3 O profissional de sauacutede
Neste capiacutetulo estatildeo contemplados aspectos referentes aos profissionais de sauacutede as
dificuldades enfrentadas o ambiente hospitalar o contexto da maternidade e em particular da
UTI Neonatal
O iniacutecio do capiacutetulo eacute ilustrado com uma parte dos afrescos da Capela Sistina a obra
intitulada ldquoA Criaccedilatildeo da Humanidade e sua quedardquo pintada por Michelangelo em 1512 A vida
eacute representada pelo toque de Deus na criaccedilatildeo no ser do homem A escolha desta obra reflete o
olhar para o modelo meacutedico a analogia com a figura de quem cuida da vida e busca evitar a
morte o profissional de sauacutede que tantas vezes estaacute com a vida do outro em suas matildeos Em
particular na UTI Neonatal onde os bebecircs satildeo tatildeo fraacutegeis agraves vezes ateacute do tamanho de duas
matildeos unidas onde nascimento e morte criaccedilatildeo e queda estatildeo bem proacuteximos
-Capiacutetulo 4 Meacutetodo A escolha do caminho
Este capiacutetulo eacute dedicado agrave fenomenologia enquanto meacutetodo escolhido para
compreender a experiecircncia dos profissionais A fenomenologia nos convida a ver aleacutem das
aparecircncias A olhar o sentido das experiecircncias dos profissionais a partir da narrativa dos
mesmos
Ao longo do texto o ciacuterculo hermenecircutico eacute posto em ecircnfase assim como os
procedimentos que seratildeo utilizados para as entrevistas abrangendo os criteacuterios de inclusatildeo e
exclusatildeo dos participantes
Para introduzir este capiacutetulo uma obra prima de Van Gogh de 1888 ldquoO pintor a
caminho do trabalhordquo Em um belo dia sob um sol escaldante o pintor caminha para o seu
trabalho carregando seus instrumentos No caminho descobrem-se as belas paisagens e um novo
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colorido De forma similar o pesquisador ao realizar o estudo busca compreender o fenocircmeno
ao mesmo tempo em que se transforma ao longo da caminhada
-Capiacutetulo 5 As narrativas dos participantes os sentidos de ser profissional de sauacutede em
UTI Neonatal
Este capiacutetulo eacute dedicado aos profissionais de sauacutede atuantes na UTI Neonatal da
Maternidade Escola Januaacuterio Cicco Durante o mesmo satildeo apresentados trechos das narrativas
dos participantes a partir das anaacutelises realizadas tendo como inspiraccedilatildeo a hermenecircutica
heideggeriana
No iniacutecio do capiacutetulo eacute apresentada a obra do pintor surrealista Vladimir Kush que
retrata a uacuteltima ceia representada por flores de diferentes espeacutecies reunidas em torno de uma
mesa e em meio a um cenaacuterio iluminado por um azul celeste A obra tambeacutem faz uma
homenagem agraves participantes do estudo que receberam nomes fictiacutecios de flores
-Capiacutetulo 6 Destecendo a trama da existecircncia reflexotildees a partir das narrativas dos
profissionais de sauacutede
Neste capiacutetulo o pesquisador apresenta algumas reflexotildees a partir das narrativas dos
participantes natildeo com o intuito de fazer um fechamento Mas de assumir a condiccedilatildeo daquele
que pergunta e tem consciecircncia de que a compreensatildeo do fenocircmeno parte do olhar de quem
interroga (Critelli 1996) As reflexotildees iniciais contempladas partem portanto do pesquisador
que realizou as entrevistas leu e releu as narrativas como tambeacutem as entrelinhas considerou o
que foi dito e o natildeo dito o que estava expliacutecito e o que estava aparentemente oculto mas que
assumiu um sentido para o observador
No iniacutecio do capiacutetulo estaacute representada a obra de Vladimir Kush que retrata uma mulher
borboleta dentro de um livro segurando um casulo como quem segura um bebecirc A homenagem
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estaacute portanto nas paacuteginas deste livro na contemplaccedilatildeo das narrativas das mulheres que cuidam
dos receacutem-nascidos e ao cuidar vatildeo se transformando
Ao final deste projeto de tese estatildeo apresentados os Termos de Consentimento Livre e
Esclarecido de Gravaccedilatildeo de Voz No mais a partir destas consideraccedilotildees contempladas na
introduccedilatildeo comeccedilaremos fazendo uma retrospectiva sobre os sentidos da morte ao longo da
histoacuteria ateacute a contemporaneidade
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Capiacutetulo 1 Os sentidos da morte ao longo da histoacuteria
ldquoO Gritordquo Edvard Munch 1893
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Capiacutetulo 1 Os sentidos da morte ao longo da histoacuteria
A morte tratada como o grande misteacuterio da humanidade sempre fez parte da vida seja
como algo inaceitaacutevel seja como algo naturalizado como o destino de todas as espeacutecies As
atitudes e crenccedilas sobre a morte estiveram presentes ao longo do tempo retratando o contexto
histoacuterico e social de cada eacutepoca
Partindo do pressuposto de que todo comportamento social eacute historicamente ancorado
iniciaremos um breve relato sobre as vivecircncias da morte em diferentes sociedades ao longo da
histoacuteria da humanidade Falaremos de atitudes dentro de um cenaacuterio que natildeo pode limitar-se a
ser o fundo de uma figura mas como parte desta lhe oferece o contorno necessaacuterio agrave existecircncia
Desde o periacuteodo preacute-histoacuterico o homem demonstrava preocupaccedilatildeo com a morte e com
o que existiria apoacutes a vida Uma demonstraccedilatildeo disto satildeo os achados arqueoloacutegicos nos tuacutemulos
dos neandertais datados de aproximadamente 150000 anos Dentro dos tuacutemulos foram
encontrados utensiacutelios domeacutesticos e comida proacuteximas ao corpo do morto Ancoradas nestes
rituais estava a crenccedila da necessidade de se prevenir para o poacutes-morte Neste periacuteodo foram
encontrados os primeiros indiacutecios de preocupaccedilatildeo com o destino dos corpos em locais
reservados como as cavidades de rochas nas quais os corpos eram colocados de coacutecoras e
cobertos por pedras (Despelder e Strickland 2001)
No periacuteodo Paleoliacutetico Superior (30000 a 8000 anos aC) os corpos eram encontrados
em posiccedilatildeo fetal ou de barriga para cima e havia uma maior a quantidade de alimentos e
ldquoEacute impossiacutevel conhecer o homem sem lhe estudar a
morte porque talvez mais do que na vida eacute na morte
que o homem se revela Eacute nas atitudes e crenccedilas perante
a morte que o homem exprime o que a vida tem mais de
fundamentalrdquo
(Edgar Morin 1997 p32)
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utensiacutelios domeacutesticos mais elaborados que os do periacuteodo anterior Alguns corpos estavam
pintados de ocre vermelho e a posiccedilatildeo fetal indicava a busca do renascimento Para os povos
primitivos a morte anunciava um renascimento como um ciclo natural de metamorfose e de
transmutaccedilatildeo (Morin 1997 Santos 2009)
Na antiguidade os egiacutepcios tambeacutem criavam vaacuterios rituais fuacutenebres A construccedilatildeo das
tumbas e das piracircmides enquanto morada dos mortos revelavam a preocupaccedilatildeo com a vida
apoacutes a morte Os locais de sepultamento retratavam o estilo de vida da pessoa que havia
falecido e a grandiosidade dos tuacutemulos representava o seu status social Para compor o local
um aparato de objetos era enterrado junto com o morto inclusive animais mumificados como
gatos macacos e falcotildees aleacutem das estaacutetuas que ganhariam vida como servos Os ornamentos
tinham a finalidade de preservar a morada do indiviacuteduo de tal forma que quando acordasse se
sentisse em casa e natildeo voltasse para se vingar dos vivos (Santos 2009)
Outra crenccedila central da cultura egiacutepcia era a necessidade de preservar o corpo (ka) para
o retorno do espiacuterito (ba) em outros tempos Por isso a mumificaccedilatildeo era tatildeo valorizada ao
ponto de o corpo ficar 30 dias longe da famiacutelia e retornar como era em vida inclusive com a
conservaccedilatildeo de detalhes como ciacutelios e sobrancelhas A morte era difundida na sociedade
atraveacutes da mitologia Os registros das praacuteticas fuacutenebres estavam contidos no Livro dos Mortos
escritos que ensinavam sobre a forma de pensar e de se comportar em relaccedilatildeo agrave morte O Livro
dos Mortos orientava o pensamento de um povo servindo tambeacutem como um guia que orientava
o morto para as vaacuterias provas que deveria passar com o objetivo de se unir agrave divindade de Osiacuteris
Caso o indiviacuteduo falhasse ocorreria uma segunda morte entendida como o destino para o
eterno esquecimento Este era considerado como o pior dos castigos para um individuo ser
destinado ao esquecimento completo (Santos 2009)
Para os egiacutepcios a morte era uma puniccedilatildeo dos Deuses Enquanto puniccedilatildeo a ideia da
proacutepria morte trazia o temor do castigo do abandono e da rejeiccedilatildeo E a morte do outro gerava
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o medo da retaliaccedilatildeo ou da perda Aleacutem do medo da morte enquanto castigo havia uma
preocupaccedilatildeo com o que viria depois diante da crenccedila de que o poacutes vida era caracterizado por
vaacuterios desafios a serem superados O primeiro dos desafios era o julgamento de Maat deusa da
justiccedila da verdade e da ordem Neste julgamento a deusa oferecia uma pena a ser colocada em
um dos lados da balanccedila o outro lado era destinado ao coraccedilatildeo do morto que deveria ser puro
e verdadeiro ao ponto de tornar-se mais leve que a pena Todos passariam por este julgamento
do escravo ao faraoacute Natildeo havia portanto uma distinccedilatildeo social entre vivos e mortos no que
concerne ao destino no poacutes- vida O livro dos Mortos era companhia certa em todos os tuacutemulos
Embora natildeo tivesse utilidade alguma caso o morto natildeo tivesse realizado boas accedilotildees em vida
De nada serviriam as orientaccedilotildees contidas no livro se o indiviacuteduo natildeo tivesse ldquocreacuteditordquo para
utilizaacute-las (Kastenbaum amp Aisenberg 1983)
A civilizaccedilatildeo egiacutepcia deixa como legado uma preocupaccedilatildeo com o poacutes-vida concretizada
em uma seacuterie de rituais voltados para trazer o conforto e aparente seguranccedila ao morto A
civilizaccedilatildeo mesopotacircmica (2000 ac) entretanto natildeo apresentava a mesma crenccedila em relaccedilatildeo a
morte Para os povos que habitaram a mesopotacircmia a existecircncia humana tinha a finalidade de
servir aos deuses A morte ocorreria para todos e natildeo havia uma possibilidade de salvaccedilatildeo
individual ou coletiva independentemente das accedilotildees praticadas em vida A imortalidade era um
atributo exclusivo dos deuses Natildeo havia a crenccedila na imortalidade mas existia o temor de que
os mortos poderiam perturbar os vivos Caberia agrave famiacutelia a organizaccedilatildeo dos rituais fuacutenebres e
em particular ao filho mais velho a realizaccedilatildeo de algumas atividades para acalmar o morto
como raspar o cabelo servir alimentos e bebidas e construir um altar para reverenciaacute-lo
(Santos 2009)
Os persas (por volta do seacuteculo VI ac) por sua vez defendiam que a morte poderia levar
agrave elevaccedilatildeo do espiacuterito Ao deixar este mundo o morto passava por uma ponte Se tivesse
praticado boas accedilotildees encontraria em bela moccedila que lhe conduziria ao paraiacuteso Caso contraacuterio
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uma velha desfigurada lhe perseguiria ateacute que caiacutesse da ponte em direccedilatildeo ao inferno Para
aqueles que praticaram tanto boas quanto maacutes accedilotildees de forma que se igualassem em quantidade
e importacircncia o destino era o limbo um local em que natildeo sentiam nem alegrias nem tristezas
Mas para todos caberia o julgamento final (que deveria ocorrer aproximadamente em 6000
dc) momento em que todo segundo a crenccedila dos persas todo o mal desapareceraacute e os bons
receberatildeo corpos jovens e indestrutiacuteveis (Kastenbaum amp Aisenberg 1983)
Um aspecto importante a considerar na civilizaccedilatildeo egiacutepcia bem como em outras
sociedades primitivas como a dos malaios eacute o fato das praacuteticas fuacutenebres serem constituiacutedas e
desenvolvidas pela comunidade Natildeo havia uma ecircnfase nas reaccedilotildees individuais Existiam regras
que conduziam toda a sociedade a se comportar diante da ameaccedila da morte e que
posteriormente orientavam como minimizar os efeitos negativos que a morte causava no seio
da comunidade O indiviacuteduo fazia parte de algo maior a sociedade e a sua morte atingia este
coletivo Por isso as praacuteticas representavam a uniatildeo e o poder do grupo sobre a morte
(Kastenbaum amp Aisenberg 1983)
Este breve relato sobre a morte na Antiguidade natildeo poderia deixar de contemplar a
cultura grega Nesta sociedade havia uma preocupaccedilatildeo com a sauacutede puacuteblica Diante disso os
restos mortais de todos sem distinccedilatildeo social eram enterrados fora das cidades Entretanto o
local e o monumento que representava o morto era de acordo com o niacutevel socioeconocircmico
Outro aspecto relevante eacute que o luto era permitido de uma forma geral por um periacuteodo de um
ano Para as crianccedilas que falecessem com ateacute seis anos de idade entretanto o prazo destinado
ao luto era de apenas um mecircs A expressatildeo do luto que se estendesse aleacutem deste periacuteodo estava
sujeita agrave recriminaccedilatildeo social (Agraveries 2003 Santos 2009)
Para os antigos gregos o pensamento preponderante em relaccedilatildeo ao poacutes vida era o da
imortalidade da alma Um defensor desta ideia foi Soacutecrates A morte deste importante filoacutesofo
foi retratada no seacuteculo XVIII em um quadro intitulado ldquoA morte de Soacutecratesrdquo
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A morte de Soacutecrates Autor Jacques-Louis David 1787
Platatildeo descreveu a morte de Soacutecrates em um dos seus diaacutelogos o Feacutedon relatando uma
das formas de compreensatildeo da morte pelos gregos antigos que a associava agrave imortalidade da
alma A morte era como uma passagem do mundo sensiacutevel para o mundo suprassensiacutevel E o
que os gregos chamavam de exercitamento para a morte era justamente a preparaccedilatildeo para este
momento de passagem com destino agrave imortalidade Uma preparaccedilatildeo vivenciada e relatada por
Soacutecrates nos momentos em que esperou pela morte na cadeia no periacuteodo entre o julgamento e
a ocasiatildeo da sua morte
Durante este periacuteodo Soacutecrates recebia os filoacutesofos e dialogava sobre as suas ideias
refletindo inclusive sobre o significado da morte e a condiccedilatildeo do ser humano De acordo com
o relato de Soacutecrates ldquoeacute melhor estar morto do que vivordquo Mas a condiccedilatildeo de morto eacute dada por
uma divindade Uma vez que ldquonoacutes homens nos encontramos em uma espeacutecie de caacutercere que
nos eacute vedado abrir para escaparrdquo Apenas aos deuses caberia a decisatildeo da hora da morte do
homem no caso de Soacutecrates a condenaccedilatildeo para beber cicuta deixava-o livre para seguir para
outro mundo (p5)
Diferentemente desta compreensatildeo sobre a morte outro caminho preconizado pelos
antigos gregos particularmente os estoicos e epicuristas defendia a naturalizaccedilatildeo da morte
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enquanto um destino de todas as espeacutecies Como algo que desagrega o que foi agregado em
vida Vida e morte fariam parte assim de um ciclo que terminava com a morte natildeo existindo
a possibilidade de imortalidade da alma (Nunes 2012)
Concepccedilotildees tatildeo distintas inspiraram os antigos gregos a refletir sobre a morte e sobre a
forma de conduzir a vida Morte e vida estatildeo entrelaccedilados como fios de uma mesma manta O
sentido da morte interfere na existecircncia do ser neste mundo E em cada eacutepoca as crenccedilas que
a sociedade propagava sobre a morte influenciaram as pessoas na maneira de compreendecirc-la
e de vivenciaacute-la
Em uma sociedade com ideias distintas acerca da morte preconizava-se o mesmo fim
para os bebecircs que nascessem com alguma deficiecircncia Em Esparta natildeo soacute os bebecircs como
tambeacutem as pessoas que adquiriam alguma deficiecircncia eram lanccediladas ao mar ou em precipiacutecios
por natildeo serem consideradas uacuteteis para a sociedade De forma similar na Roma Antiga nobres
e plebeus tinham a permissatildeo para sacrificar os bebecircs que nascessem com algum tipo de
deficiecircncia Crianccedilas com ldquodefeitosrdquo natildeo eram bem vindas ao mundo deveriam ser mortas ou
abandonadas ao relento ateacute a morte (Santos 2009)
No iniacutecio da Idade Meacutedia (seacutec V ao seacutec XII) a morte estava presente no cotidiano e
era aceita socialmente como algo simples e familiar Vivos e mortos coexistiam de forma
natural Morrer era o destino de todas as espeacutecies Algo previsiacutevel tambeacutem para o ser humano
que natildeo temia a morte em si mas o fato de morrer sozinho A morte desejada era anunciada
Esperada no leito como uma cerimocircnia puacuteblica e organizada conduzida pelo proacuteprio enfermo
que se despedia realizando as suas uacuteltimas vontades e direcionando o ritual fuacutenebre de
preparaccedilatildeo para a morte Neste ritual estavam presentes muitas vezes natildeo soacute os familiares a
proacutepria comunidade participava e acessava livremente o quarto do morto inclusive as crianccedilas
tambeacutem presenciavam os momentos de despedida A morte era domada domesticada tatildeo
cotidiana quanto a vida (Ariegraves 2003)
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Nesta sociedade as crianccedilas eram vistas como adultos em miniatura sem distinccedilatildeo
quanto agraves regras sociais ou mesmo a dedicaccedilatildeo de maiores cuidados com exceccedilatildeo dos bebecircs
conforme relata Ariegraves (1981) ldquo um sentimento superficial da crianccedila - a que chamei
paparicaccedilatildeo era reservado agrave criancinha em seus primeiros anos de vida enquanto ela ainda
era uma coisinha engraccediladinha As pessoas se divertiam com a crianccedila pequena como com um
animalzinho um macaquinho impudico Se ela morresse entatildeo como muitas vezes acontecia
alguns podiam ficar desolados mas a regra geral era natildeo fazer muito caso pois uma outra
crianccedila logo a substituiria A crianccedila natildeo chegava a sair de uma espeacutecie de anonimatordquo (p 4)
Em todo o ritual de despedida a crianccedila tinha o seu papel definido Os adultos
explicavam a situaccedilatildeo e a crianccedila participava de tudo do veloacuterio ao enterro Natildeo existia uma
distinccedilatildeo com os adultos para o enfrentamento da morte inclusive na vivecircncia do luto e na ida
regular ao cemiteacuterio A vivecircncia do luto tambeacutem era natural as pessoas poderiam expressar os
seus sentimentos e participar de todo o processo desde a despedida ao enfermo ateacute o
acompanhamento do cortejo fuacutenebre O receio que as pessoas tinham era da morte brusca
repentina sem despedida sem o cumprimento de todo o ritual fuacutenebre (Kovaacutecs 1992)
As proacuteprias condiccedilotildees da sociedade como um todo contribuiacuteam para esta morte
anunciada os avanccedilos da medicina ainda eram incipientes para boa parte das doenccedilas natildeo havia
cura restando agrave comunidade a aceitaccedilatildeo e previsatildeo de que a morte viria logo As condiccedilotildees
sanitaacuterias eram precaacuterias e natildeo havia uma preocupaccedilatildeo social em relaccedilatildeo a isto Vivos e mortos
coexistiam As pessoas entravam nos quartos dos enfermos as crianccedilas brincavam nos
cemiteacuterios locais tambeacutem utilizados como palcos para danccedilas e jogos (Ariegraves 2003)
Os doentes sabiam que iriam morrer e assim se preparavam para a chegada da morte
dentro do seio da famiacutelia A morte familiar foi tambeacutem denominada por Ariegraves (2003) de morte
domada E do ritual de despedida participavam todos da famiacutelia da comunidade inclusive as
crianccedilas Natildeo havia uma preocupaccedilatildeo em isolaacute-las deste acontecimento tido como natural
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Apoacutes todas as despedidas a morte vinha como um sono profundo durante o qual as almas
aguardariam o retorno de Cristo para o momento da ressurreiccedilatildeo assegurada pela Igreja Desta
crenccedila na ressurreiccedilatildeo surgiu o costume de enterrar os corpos em cemiteacuterios proacuteximos agrave Igreja
cabendo aos mais ricos a construccedilatildeo de tuacutemulos dentro das capelas (Kastenbaum amp Aisenberg
1983 Ariegraves 2003)
Vale salientar que na Idade Meacutedia doenccedilas malignas assolaram a Europa em
particular a peste negra que dizimou mais de 13 da populaccedilatildeo A morte tornou-se natildeo soacute uma
triste realidade cotidiana como tambeacutem uma forma de puniccedilatildeo de Deus para os homens como
um castigo que atingia a todos Outro evento que contribui para associar a morte agrave puniccedilatildeo foi
a atuaccedilatildeo da Inquisiccedilatildeo que utilizava a tortura e a morte como instrumentos para controlar a
ordem preconizada pela Igreja (Santos 2009)
Na segunda metade da idade Meacutedia (seacutec XII ao seacutec XV) mudanccedilas sutis comeccedilaram
a acontecer que influenciaram de forma decisiva na maneira das pessoas lidarem com a morte
Com a ideia do Juiacutezo Final propagada pela Igreja o morto seria julgado pelas accedilotildees executadas
em vida Passou-se a ter uma preocupaccedilatildeo com a morte de si mesmo com a individualidade do
morto e com o que este havia feito em vida A culpa o pedido de perdatildeo predominava nos
momentos proacuteximos a morte E as cerimocircnias ganharam um caraacuteter dramaacutetico Os homens
buscavam garantias para chegarem ao paraiacuteso representadas pelos donativos pelas obras
realizadas durante a vida pela compra de reliacutequias consideradas sagradas pela Igreja (Ariegraves
2003 Kovaacutecs 1992)
A preocupaccedilatildeo com a proacutepria morte se amplia no periacuteodo do Romantismo para o temor
diante da morte do outro O sofrimento com a perda as lembranccedilas o culto aos cemiteacuterios se
tornaram preponderantes neste periacuteodo A morte remetia agrave ideia de ruptura da dor de perder o
ente querido Diante deste cenaacuterio a recordaccedilatildeo dava uma certa condiccedilatildeo de imortalidade ao
indiviacuteduo Os mortos passaram a ser valorizados tanto quanto os vivos pelo legado que
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deixariam tantas vezes representados na concretude das sepulturas individualizadas e
majestosas da aristocracia (Ariegraves 2003 Kovaacutecs 1992)
Esta preocupaccedilatildeo com a morte do outro vai tomando outras proporccedilotildees ao longo do
tempo ocupando lugar na forma como a morte era vivenciada Com o intuito de poupar o outro
que estaacute proacuteximo a morte passou-se a omitir o seu estado O moribundo que na Idade Meacutedia
conduzia os momentos de despedida se tornava alheio ao processo e passava a morrer sozinho
em um leito frio de hospital Da preocupaccedilatildeo com o morto o incocircmodo de falar sobre a morte
e expressar o sofrimento do luto estendeu-se para toda a sociedade Diante deste contexto
origina-se o que Ariegraves (2003) denomina de morte interditada
A forma como as crianccedilas vivenciavam a morte do outro tambeacutem foi se modificando
de acordo com as mudanccedilas sociais que ocorreram ao longo do tempo A partir do seacuteculo XVII
a escola passou a ocupar um lugar importante na sociedade substituindo o aprendizado
fornecido agraves crianccedilas pela imitaccedilatildeo dos adultos na execuccedilatildeo dos seus ofiacutecios A crianccedila foi
separada dos adultos e mantida em uma certa distacircncia antes de ser solta no mundo Iniciava-
se entatildeo um longo processo que perduraria ateacute os dias de hoje a escolarizaccedilatildeo Essa separaccedilatildeo
das crianccedilas denominada por Arieacutes (1981) de enclausuramento fez parte de um grande
movimento de moralizaccedilatildeo promovido pelos reformadores catoacutelicos ou protestantes ligados agraves
leis ou ao Estado
Entretanto este movimento natildeo teria sido possiacutevel sem a cumplicidade sentimental das
famiacutelias A famiacutelia tornou-se o lugar de uma afeiccedilatildeo necessaacuteria entre os cocircnjuges e entre pais e
filhos algo que ela natildeo era antes Segundo Ariegraves (1981) as famiacutelias eram unidas por laccedilos de
honra e lealdade natildeo havendo necessariamente afeiccedilatildeo entre seus membros mas sim uma
espeacutecie de sociabilidade Exemplo disto eacute um fenocircmeno muito importante que comeccedila a ser
mais conhecido a persistecircncia no fim do seacuteculo XVII do infanticiacutedio tolerado Natildeo se tratava
de uma praacutetica aceita era considerada um crime Entretanto era praticado em segredo
ldquoO fato de ajudar a natureza a fazer desaparecer criaturas tatildeo pouco dotadas
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camuflada sob a forma de um acidente as crianccedilas morriam asfixiadas naturalmente na cama
dos pais onde dormiam Natildeo se fazia nada para salvaacute-las
Com a importacircncia atribuiacuteda agrave educaccedilatildeo os pais passaram a se interessar pelos estudos
dos filhos e a acompanhar o seu desenvolvimento Esta praacutetica era vista como algo natural nos
seacuteculos XIX e XX mas anteriormente natildeo existia desta forma com tanto zelo preocupaccedilatildeo e
solicitude A famiacutelia comeccedilava a se organizar em torno da crianccedila e a lhe dar tanta importacircncia
que a crianccedila saiu de seu antigo anonimato tornando-se impossiacutevel perdecirc-la ou substituiacute-la sem
uma enorme dor Se por um lado natildeo poderia se tolerar a repeticcedilatildeo desta dor por outro tornou-
se necessaacuterio limitar o nuacutemero de crianccedilas para melhor cuidar da sua educaccedilatildeo Portanto essa
revoluccedilatildeo escolar e sentimental teve como consequecircncia com o passar do tempo uma reduccedilatildeo
voluntaacuteria da natalidade observaacutevel a partir do seacuteculo XVIII (Ariegraves 1981)
Das famiacutelias numerosas nas quais era comum a morte de filhos a sociedade foi
modificando-se para famiacutelias pequenas onde palavras como ldquoplanejamento familiarrdquo e
ldquoinvestimento na educaccedilatildeo dos filhosrdquo passaram a fazer parte do contexto de vida de pelo
menos uma parte da populaccedilatildeo O filho planejado e desejado vinha ao mundo como um ser que
jaacute tinha a missatildeo de realizar um projeto dos pais como uma fonte de investimento de amor de
cuidados e de realizaccedilatildeo A dor da perda destes filhos ganhou uma nova proporccedilatildeo para a
sociedade contemporacircnea
Estas mudanccedilas na vida das pessoas consequentemente nas vivecircncias da morte tambeacutem
faziam parte de um cenaacuterio caracterizado pelos avanccedilos da medicina e como isto pela natildeo
aceitaccedilatildeo da doenccedila como preluacutedio da morte Buscava-se a cura representada pelo retorno agrave
vida A partir da deacutecada de 1930 os doentes eram encaminhados para os hospitais locais
destinados aos cuidados dos enfermos No contexto hospitalar o cuidado com o contaacutegio
distanciava as pessoas proacuteximas Havia horaacuterios a cumprir aparelhos a programar e uma serie
de aparatos que foram se tornando cada vez mais complexos Aliada a esta complexidade
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crescia para os profissionais de sauacutede a responsabilidade de segurar a vida de controlar a
existecircncia Formava-se assim o cenaacuterio para a exclusatildeo social da morte (Santos 2009)
No hospital a morte tornou-se oculta Evita-se falar da morte para os pacientes bem
como para as crianccedilas com o intuito de poupaacute-las Mas a crianccedila pode perceber que algo natildeo
estaacute bem Entatildeo as justificativas dos adultos satildeo permeadas por histoacuterias como os antigos
contos que escondiam aspectos referentes agrave sexualidade Assim como os bebecircs vecircm ao mundo
trazidos pelas cegonhas o avocirc foi dormir o pai viajouEnfim satildeo contadas histoacuterias inspiradas
no conceito de uma morte interditada Por vezes estas histoacuterias levam a outros
comportamentos como o medo de dormir e natildeo mais acordar gerando temores nas crianccedilas
(Pinto amp Veiga 2005)
A contemporaneidade constituiu-se no mundo trazendo outras mensagens sobre a vida
e assumindo como caracteriacutesticas a exacerbaccedilatildeo do individualismo a busca incessante do
prazer e da felicidade e consequentemente a necessidade de evitar o que atrapalhasse esta
busca A morte o luto a tristeza a anguacutestia satildeo todos fatores que natildeo contribuem para o
sucesso a juventude e o controle emocional
Antes de abordarmos a vivecircncia da morte na sociedade atual consideramos importante
refletir sobre alguns aspectos apresentados por Kastenbaum e Aisenberg (1983) como
ldquocondiccedilotildees que contribuiacuteram significativamente para o contexto de vida do qual emergiram as
interpretaccedilotildees sobre a morterdquo a expectativa de vida a presenccedila da morte o senso de possuir
reduzido controle sobre a natureza e o status do indiviacuteduo (p150)
Em sociedades onde a guerra a peste outras doenccedilas contagiosas ou natildeo eram
frequentes natildeo se esperava vida longa No decorrer da histoacuteria da humanidade a expectativa
de vida do homem era curta tantas vezes natildeo chegava aos trinta anos Com a precarizaccedilatildeo das
condiccedilotildees de sauacutede muitas mulheres morriam no parto e as crianccedilas nasciam mortas ou
faleciam muito cedo Para as que sobreviviam cabia a luta pela vida sem espaccedilo distinto para
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a vivecircncia de uma infacircncia O mundo dos adultos era tambeacutem o seu mundo Tanto que a hora
da morte era assistida por todos natildeo existia um isolamento no momento do desenlace Em meio
a tantas fraquezas perante agraves doenccedilas restava ao homem o senso de possuir reduzido controle
sobre as forccedilas da natureza inclusive sobre a sua proacutepria vida
Somadas a estas circunstacircncias outra caracteriacutestica relevante a ser mencionada eacute o status
social do indiviacuteduo Que nas civilizaccedilotildees antigas existia para a manutenccedilatildeo da sociedade para
o bem de algo maior natildeo servindo essencialmente ao benefiacutecio do indiviacuteduo isolado em
detrimento do grupo social
Estes fatores foram elencados por Kastenbaum e Aisenberg (1983) como significativos
para as interpretaccedilotildees sobre a morte existentes nas sociedades ao longo da histoacuteria Analisando
os mesmos fatores na eacutepoca atual diante de mudanccedilas tatildeo profundas no decorrer do tempo nos
deparamos com uma sociedade que apresenta um grande desenvolvimento tecnoloacutegico e da
medicina conseguiu com isto a ampliaccedilatildeo da expectativa de vida e a propagaccedilatildeo de valores
de sucesso e juventude ao mesmo tempo em que favorece o individualismo e interdita a morte
a um espaccedilo tatildeo reduzido quanto o esquecimento relegado ao fracasso e a frustraccedilatildeo
Vivemos em uma sociedade paradoxal que exige velocidade e calma ao mesmo tempo
que dita normas as quais geram ansiedade e para evitaacute-la divulga foacutermulas e medicamentos
Existem soluccedilotildees para o ldquobem viverrdquo segundo os bons costumes soluccedilotildees que aprisionam os
que se adequam e excluem os que natildeo conseguem caminhar como os demais A sociedade do
consumo e da busca de soluccedilotildees imediatas para o alcance do prazer
Uma sociedade que valoriza os avanccedilos tecnoloacutegicos e a juventude E estes avanccedilos
geraram uma noccedilatildeo de controle sobre a vida desde o seu iniacutecio durante o seu curso e na
necessidade de prolongamento do tempo neste mundo Em periacuteodos anteriores a morte
predominava em todos os periacuteodos a gravidez tantas vezes era um risco para a mulher bem
como a morte de receacutem-nascidos vista com naturalidade pela comunidade Na sociedade atual
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ldquoa morte conserva-se a uma distacircncia reconfortante ou uma boa distacircncia dos jovens e dos
adultos de meia idade Quem morre Os velhos (noacutes natildeo) A crescente associaccedilatildeo estatiacutestica
entre mortalidade e idade avanccedilada imediata e perpeacutetua para um prospecto distante remotordquo
(Kastenbaum e Aisenberg 1983 p 166)
Por isso a morte de jovens na contemporaneidade pode comover ao remeter agrave ideia
de uma vida interrompida antes mesmo de concretizar os objetivos propostos antes de dar
retorno agrave sociedade A morte eacute destinada aos que se tornaram obsoletos natildeo satildeo mais
produtivos E mesmo assim ela eacute evitada interditada pouco presente nas conversas cotidianas
A morte passa a ter uma participaccedilatildeo perifeacuterica na vida das pessoas quando na realidade eacute
uma condiccedilatildeo inerente ao ser-no-mundo
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Capiacutetulo 2 ndash Contemplando alguns existenciais da fenomenologia Heideggeriana
ldquoA Persistecircncia da Memoacuteriardquo Salvador Daliacute 1931
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Capiacutetulo 2 ndash Contemplando alguns existenciais da fenomenologia Heideggeriana
ldquoA morte chega cedordquo afinal que seguranccedila me traz o desconhecido O caminho que
natildeo percorri O abandono do ente querido Enquanto certeza incerta a morte assusta pela
imprecisatildeo possiacutevel pela hora natildeo marcada pelo temor escondido de quem vive na sociedade
que cultua o controle da vida do iniacutecio ao fim A morte que chega para o outro natildeo pertence
a mim mas me consome e leva consigo uma parte do que valorizo algo precioso que perdi
ldquoO amor foi comeccedilado o ideal natildeo acabourdquo A morte interrompe o que foi iniciado ao
mesmo tempo que gera o sentimento de perda do que foi e do que poderia ter sido Sofremos
pelo que perdemos e pelo que gostariacuteamos de ter realizado A morte do outro nos remete a todos
esses sentimentos de incompletude de inseguranccedila agraves vezes de arrependimento e tantas outras
a uma reflexatildeo sobre a proacutepria vida seus medos e seus alcances
A morte chega cedo pois chega sem avisar Como a visita que abre a porta sem bater
entra sem cerimocircnia leva o que lhe cabe e deixa quem fica a chorar Hoje um choro mais
contido um ritual mais reservado um luto mal vivido mas natildeo menos sofrido Apenas
controlado em meio a um cenaacuterio que prima pelo esquecimento da morte em detrimento da
valorizaccedilatildeo da vida e da juventude
O poema de Fernando Pessoa foi escolhido para iniciar este capiacutetulo por retratar da
forma mais bela que a poesia permite reflexotildees fundamentais sobre a morte e a vida que me
A Morte Chega Cedo
A morte chega cedo pois breve eacute toda vida
O instante eacute o arremedo de uma coisa perdida
O amor foi comeccedilado o ideal natildeo acabou
E quem tenha alcanccedilado natildeo sabe o que alcanccedilou
E tudo isto a morte risca por natildeo estar certo
No caderno da sorte que Deus deixou aberto
Fernando Pessoa in Cancioneiro
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remetem aos existenciais difundidos por Heidegger (19272015) e que inspiraram o presente
estudo
Para o entendimento do ser Heidegger (19272015) apresenta conceitos importantes
definidos como existenciais Antes de abordarmos alguns existenciais (inerentes agrave condiccedilatildeo
humana) partiremos de conceitos iniciais desenvolvidos pelo referido autor
Em sua principal obra publicada em 1927 Ser e Tempo Heidegger realiza um
questionamento fundamental inclusive para o modo de pensar preponderante do positivismo e
da metafiacutesica Ele natildeo pergunta o que eacute o ser Esta pergunta requer uma resposta traduzida
como uma definiccedilatildeo Desta forma poderia apresentar inuacutemeras respostas tais como o homem
eacute um animal racional o homem eacute um ser divino Enfim respostas provenientes dos mais
diversos interesses sejam estes filosoacuteficos cientiacuteficos religiosos
A pergunta fundamental de Ser e Tempo que origina todas as outras e ainda permanece
inacabada eacute Qual o sentido do ser Esta eacute uma pergunta que gera por si soacute inquietude Imagine
questionar para uma pessoa quem eacute vocecirc A resposta pode se definir da forma mais simples
ou da maneira mais prolixa mas existe uma resposta ldquoSou psicoacuteloga sou brasileira Sou filha
derdquoAgora questione a pessoa ldquoqual o sentido do serrdquo A resposta ganha outra complexidade
e uma reflexatildeo bem mais profunda
E o que se configura como sentido Sentido eacute o que nos move eacute o que Critelli (1996)
define como um destinar-se da existecircncia O sentido daacute a direccedilatildeo da nossa vida afeta as nossas
escolhas O homem natildeo possui determinaccedilotildees essenciais Sendo indeterminado a existecircncia
acontece como sentido O sentido tem a ver com o para que e tambeacutem com o ainda natildeo
Ao refletir sobre o sentido do ser Heidegger (19272015) considera que a palavra
sentido pode apresentar duas interpretaccedilotildees a primeira refere-se agrave significaccedilatildeo ou seja que
todo gesto humano eacute significado e a segunda contempla a direccedilatildeo perpassando a ideia segundo
a qual quem sou estaacute vinculado ao que eu posso ser O sentido me fornece a direccedilatildeo um
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caminho a ser seguido E tudo o que faccedilo estaacute vinculado com algo que ainda natildeo sou Sentido
eacute portanto direccedilatildeo e significado Eacute como me encontro no mundo hoje projetado para como eu
quero me encontrar no futuro A vida tem sentido quando compreendo o seu significado e
encontro atraveacutes deste o direcionamento para seguir em frente
Tambeacutem eacute importante a distinccedilatildeo entre o que Heidegger (19272015) denomina de
ocircntico do que ele define como ontoloacutegico O ocircntico estaacute dado no mundo eacute referente ao ente
(objetos inanimados plantas animais que servem ao homem enquanto instrumentos ou tem
algum tipo de utilidade como tambeacutem o proacuteprio homem eacute tambeacutem um ente) O ontoloacutegico eacute
relativo ao ser remete aos aspectos constituintes do ser como por exemplo os que satildeo
denominados por Heidegger de existenciais (o cuidado a linguagem)
Outro aspecto que merece relevacircncia na ontologia heideggeriana eacute a utilizaccedilatildeo dos
hiacutefens com o intuito de unir palavras para assumirem um novo sugnificado Heidegger tinha o
objetivo de desvincular o significado das palavras do senso comum e atribuir uma nova forma
de compreensatildeo das mesmas Ser no mundo pode ser entendido como um ser que estaacute no
mundo ou dentro do mundo ser-no-mundo por sua vez revela uma ligaccedilatildeo indissociaacutevel uma
relaccedilatildeo diferente de estar contido no outro mas como unidade separada passando a significar
natildeo ser compreendido sem o outro de maneira isolada
A partir do ser-no-mundo abordaremos de forma breve alguns existenciais o ser-com
o cuidado o ser-para-a-morte a anguacutestia Estes existenciais foram escolhidos pela inspiraccedilatildeo
que trazem agrave temaacutetica do presente estudo Os profissionais de sauacutede rementem agrave ideia do
cuidado em relaccedilatildeo aos pacientes satildeo por vezes considerados profissionais do cuidado Vivem
cotidianamente presenciado a morte dos outros e tambeacutem se angustiam diante da realidade que
Vale sublinhar que para Heidegger haacute duas regiotildees distintas de entes [i] o
ente intramundano (o simplesmente dado) que tem como caraacuteter ontoloacutegico
as categorias (ldquodeixar e fazer todos verem o ente em seu serrdquo12) [ii] E o ente
ser-no-mundo (a presenccedila) que tem como caraacuteter ontoloacutegico os existenciais
Na primeira regiatildeo temos o ponto de vista naturalista dos entes e na segunda
o ponto de vista existencial (Ferreira 2010 p 112)
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vivenciam Uma realidade marcada pela relaccedilatildeo com tantos outros os bebecircs os familiares dos
pacientes os colegas de trabalho Enfim os outros que fazem parte do cotidiano destes
profissionais de sauacutede Ao longo do texto os existenciais propostos por Heidegger (1927 2015)
seratildeo apresentados em itaacutelico com o intuito de enfatizar estas palavras que ao se unirem
ganham outro sentido
O ser-aiacute como bem expressa o termo eacute um ser que existe no mundo O que natildeo significa
que o ser estaacute inserido no mundo ou dentro do mundo Ele existe no mundo em uma relaccedilatildeo
de co-pertencimento O termo ldquoaiacuterdquo natildeo se refere a um lugar especiacutefico e sim a uma abertura
ao entendimento do homem enquanto ser-para-fora Esta definiccedilatildeo por si soacute jaacute diz muita coisa
Primeiramente desconstroacutei a concepccedilatildeo do senso comum de que o ser aparece no mundo e
depois o mundo surge para o ser A dicotomia homemmundo se esvai assim como a noccedilatildeo do
cogito com a ceacutelebre frase ldquopenso logo existordquo se perde Porque primeiramente o ser existe
eacute pre-senccedila antes ateacute de se definir enquanto um ser pensante
Em segundo lugar por estar-no-mundo lanccedilado no mundo o ser-aiacute estaacute aberto ao
mundo e agraves possibilidades apresentadas no mesmo em um contexto histoacuterico especiacutefico no qual
estaacute imerso O ser existe aiacute eacute pre-senccedila no mundo em uma relaccedilatildeo de co-pertencimento Por
assim dizer ele nunca estaraacute completo pois a relaccedilatildeo permaneceraacute aiacute enquanto ele existir no
mundo O ser-aiacute nada mais eacute que o modo de ser do homem enquanto ser-no-mundo
Ao estar no mundo o ser-aiacute depara-se com a sua facticidade ou seja encontra-se em
um corpo diante de uma realidade constituiacuteda de valores histoacuteria cultura e mitos
caracteriacutesticos de uma determinada sociedade A facticidade natildeo pode ser confundida com a
() ser-no-mundo natildeo eacute uma ldquopropriedaderdquo que o ser-aiacute agraves vezes apresenta
e outras natildeo como se pudesse ser igualmente com ela ou sem ela O homem
natildeo ldquoeacuterdquo no sentido de ser e aleacutem disso ter uma relaccedilatildeo com o mundo o qual
por vezes lhe viesse a ser acrescentado (Heidegger 2015 pp 95-96)
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ideia de destino de determinaccedilatildeo do ser uma vez que pela condiccedilatildeo existencial de abertura o
ser-no-mundo realiza escolhas e busca o poder-ser a realizaccedilatildeo de projetos
O ser-aiacute tambeacutem eacute denominado de Dasein onde ldquoDardquo significa aiacute e ldquoSeinrdquo significa ser
existecircncia Dasein eacute uma palavra em alematildeo que define o ser que estaacute presente e aberto a
inuacutemeras possibilidades ldquoO Dasein eacute a proacutepria abertura de sentido na qual pode vir agrave luz o ser
dos entes que se datildeo ao seu encontrordquo (Saacute Matar amp Rodrigues 2006 p 113)
O Dasein existe no mundo e natildeo mais fora deste e ao estar no mundo projeta nele as
suas accedilotildees A existecircncia eacute portanto essencialmente projeto No mundo estatildeo os utensiacutelios
necessaacuterios agrave ocupaccedilatildeo do homem que eacute originariamente um ser-no-mundo um ser que se
ocupa no cuidar das coisas Ao estar-no-mundo o homem natildeo pode ser considerado como um
espectador que assiste ao grande espetaacuteculo da vida Ele estaacute envolvido com o mundo com os
seus desafios e vicissitudes E ao transformar o mundo transforma a si mesmo
O mundo a que Heidegger faz referecircncia natildeo se limita ao local fiacutesico e geograacutefico
envolve a cultura os costumes todos os fatores que constituem um mundo para o indiviacuteduo
enquanto morada Eacute a fonte de referecircncia o local de sobrevivecircncia estrutura de sentido
Partindo deste pressuposto eacute preciso compreender o ser-no-mundo para entender as suas
escolhas o seu modo de ser Alguns valores que direcionam as accedilotildees das pessoas que nascem
em uma cultura aacuterabe por exemplo satildeo distintos dos que predominam na cultura americana e
consequentemente os comportamentos sociais dos referidos indiviacuteduos aacuterabes ou americanos
Portanto o mundo para Heidegger eacute constituinte do Dasein
O trabalho de Heidegger mostra que o ser-no-mundo eacute a condiccedilatildeo primeira
para o entendimento do ser do homem As vicissitudes do ser-no-mundo satildeo
anteriores agraves elaboraccedilotildees teoacutericas quanto a um ponto de partida ou uma
caracteriacutestica definidora que norteie um percurso compreensivo Jaacute haacute uma
determinaccedilatildeo insuperaacutevel que todavia tende a se manter velada no
cotidiano a existecircncia como ser-no-mundo (Roehe Dutra 2014 p 107)
Mundo eacute o todo da constituiccedilatildeo ontoloacutegica Ele natildeo eacute apenas o todo da
natureza da convivecircncia histoacuterica do proacuteprio ser si-mesmo e das coisas de
uso Ao contraacuterio ele eacute a totalidade especiacutefica da multiplicidade ontoloacutegica
que eacute compreendida de maneira una no ser-com os outros no ser junto a e
no ser-si-mesmo (Heidegger 19872009 p328)
51
Na mundanidade do mundo a presenccedila encontra-se em um mundo (ser-em) junto de
outros entes intramundanos (ser-junto) e com a copresenccedila (ser-com) A articulaccedilatildeo destes
existenciais eacute a estrutura fundamental e primordial da presenccedila na analiacutetica existencial
(Ferreira 2010 p113)
ldquoSendo o ser-em um existencial o ldquoemrdquo originalmente natildeo expressa uma relaccedilatildeo
espacial ldquoemrdquo deriva de innan- que significa morar habitar deter-se estar familiarizado a
habituado a estar junto-a Tambeacutem aqui ser-junto natildeo indica uma relaccedilatildeo de justaposiccedilatildeo
em que algo estaacute ldquoao lado derdquo ldquocolado ardquo Natildeo podemos pensar em um ente o Dasein junto
de outro ente o mundo da mesma maneira natildeo faz sentido pensarmos em um ente o homem
como uma coisa corporal dentro de um outro ente o mundo que o acomoda ou ainda um
ente a alma conjugada a outro ente o corpo Ser-junto ao mundo implica uma atitude de
empenhar-se no mundo de relacionar-se com ele buscando transformaacute-lo Dessa forma soacute o
Dasein pode ser-junto ao mundo (Leite 2013 p 188)
Heidegger (19272015) ao contemplar o conceito de ser-no-mundo afirma que este eacute
essencialmente um modo de ocupaccedilatildeo O Dasein eacute o uacutenico ser vivo que tem um mundo para
as coisas tudo eacute simplesmente dado Natildeo existe um mundo de sentido O ser-aiacute entretanto vive
ao lidar familiarmente na ocupaccedilatildeo com os entes ao realizar coisas produzir algo discutir
interrogar enfim todos os modos de se comportar os modos de ser-no-mundo
Em meio a esta totalidade do mundo estaacute presente o existencial de corporeidade
Heidegger aborda a corporeidade nos Seminaacuterio de Zollikon (1987 p 114) ldquoO corporar do
corpo [Leiben des Leibes] eacute assim um modo de ser do Da-seinrdquo O entendimento da
corporeidade enquanto existencial requer a compreensatildeo da perspectiva ontoloacutegica-existencial
do corpo natildeo limitando-se agrave visatildeo bioloacutegica do mesmo
Pela visatildeo bioloacutegica nos limitamos agrave visatildeo do corpo enquanto ele se apresenta para noacutes
como uma aparecircncia Ao refletir sobre a concepccedilatildeo da visatildeo bioloacutegica do corpo pensei no ser
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doente enquanto ser com possibilidades limitadas e que depende da assistecircncia do outro Como
seria a visatildeo do corpo do ser doente pelo profissional de sauacutede Agraves vezes alguns poderiam se
concentrar apenas no olhar para o corpo quase como uma maacutequina que precisa de conserto
Sem abranger o ser que habita este corpo
Agora imagine o profissional de sauacutede que trabalha em UTI Neonatal a visatildeo bioloacutegica
do corpo de um receacutem-nascido se restringe a um ser bem pequenino tantas vezes ocupando as
palmas de duas matildeos unidas A visatildeo bioloacutegica desse corpo remete a uma fragilidade imensa
agrave necessidade latente de assistecircncia e atenccedilatildeo aos miacutenimos detalhes para a sobrevivecircncia Um
corpo que natildeo fala pela boca mas que se expressa em pequenos movimentos e que pode gerar
compaixatildeo pelo simples fato de estar no mundo naquelas condiccedilotildees existenciais
Para tentarmos elucidar um pouco mais a compreensatildeo de Heidegger sobre a
corporeidade retomaremos o entendimento de Descartes acerca do corpo Entendimento que
ateacute hoje influencia na forma como compreendemos o mundo e as coisas que dele fazem parte
Para Descartes ldquoa extensatildeo em comprimento largura e altura constituem a natureza da
substacircncia corporal e o pensamento constitui a natureza da coisa que pensardquo a alma (Descartes
Princiacutepios I n 53 p 44)
Para Heidegger (1927 2015) a percepccedilatildeo dos nossos sentidos apenas informa sobre a
aparecircncia dos entes mas natildeo sobre a sua natureza Os sentidos ldquoanunciam meramente a
utilidade e a desvantagem das coisas intramundanas lsquoexternasrsquo para o ser humano dotado de
corporeidaderdquo (Heidegger p 146)
A compreensatildeo da corporeidade enquanto existencial vai muito aleacutem das informaccedilotildees
sensoriais Para Heidegger (1987 2009 p 127) ldquotodo comportamento do ser humano como
um ser-no-mundo eacute determinado pelo corporar do corpordquo
A corporeidade estaacute nos modos de ser da presenccedila na forma de se comportar de falar
de ouvir a expressatildeo dos sentimentos nos orientam no mundo enquanto um ser-corporal E o
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nosso corpo eacute a cada vez enquanto presenccedila como um ser de abertura Somente o ser-aiacute tem a
possibilidade de existir E existir eacute ldquoec-sistirrdquo ou seja existir eacute para fora de si Eacute ser abertura eacute
ser projeto ldquoDizer que o dasein eacute projeto eacute livraacute-lo de qualquer substancialidade como algo
dado que o determina previamente Uma aacutervore eacute mas natildeo existe ela eacute incapaz de perguntar
pelo seu proacuteprio ser Fechada em si a aacutervore natildeo sabe que eacute nem lhe eacute dado o encontro com
outros entesrdquo (Ferreiro 2010 Leite 2013 p 190)
Por assim dizer ao refletirmos sobre o profissional de sauacutede eacute importante
compreendermos as relaccedilotildees que estabelece no seu cotidiano de trabalho enquanto um espaccedilo
para expressar a sua corporeidade O ldquomundordquo da UTI Neonatal apresenta vaacuterias
caracteriacutesticas regras e padrotildees estabelecidos pela Instituiccedilatildeo E o ser-no-mundo de cada
profissional de sauacutede eacute uacutenico pois apesar de conviver no local de trabalho possue outras
ocupaccedilotildees na vida no sentido de modos de ser no mundo que o torna sigular Embora
universalmente se constitue como todos os daseins que satildeo em sua essecircncia cuidado cura
O dasein que estaacute presente no mundo com possibilidades de fazer escolhas eacute tambeacutem
um ser-com constituiacutedo na relaccedilatildeo com os outros Ainda que se encontre em uma situaccedilatildeo de
isolamento o ser-aiacute eacute um ser-com-os-outros e jamais se define de forma isolada Mesmo o
estar-soacute da pre-senccedila eacute ser-com no mundo A falta e a ausecircncia tambeacutem se configuram como
co-presenccedila O dasein se apresenta portanto por meio da co-existecircncia na condiccedilatildeo de estar
sempre com o outro (Heidegger 19272015)
Numa primeira aproximaccedilatildeo e na maior parte das vezes a presenccedila se
estende a partir de seu mundo e a copresenccedila dos outros vem ao encontro
das mais diversas formas a partir do que estaacute agrave matildeo dentro do mundo Mas
mesmo quando a presenccedila dos outros se torna por assim dizer temaacutetica
eles natildeo chegam ao encontro como pessoas simplesmente dadas Noacutes as
encontramos por exemplo ldquojunto ao trabalhordquo o que significa
primordialmente em seu ser-no-mundo (Heidegger 2015 p 176)
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Junto ao trabalho o ser-com se configura em meio a relaccedilatildeo com os outros Na realidade
de uma UTI Neonatal os outros se apresentam como colegas de trabalho que constituem uma
equipe multidisciplinar bem como os pais dos bebecircs que participam do processo de tratamento
dos receacutem-nascidos O ser profissional de sauacutede convive no seu cotidiano com o ser-doente E
o ser-doente se caracteriza por estar com possibilidades limitadas Da mesmo forma os pais do
receacutem-nascido tambeacutem estatildeo diante de uma realidade com restriccedilotildees Em meio agraves frustraccedilotildees
de natildeo levar o bebecirc para casa e de vecirc-lo em uma situaccedilatildeo de tamanha fragilidade Eles estatildeo
juntos com o seu bebecirc que se encontra no limite entre a vida e a morte ao mesmo tempo em
que precisam se ausentar das suas ocupaccedilotildees e compromissos As suas possibilidades se
restrigem e se concentram nas expectativas de deixar o hospital com o filho nos braccedilos
O receacutem-nascido enquanto ser-no-mundo se constitui enquanto ser-com O dasein
existe desde o seu nascimento ateacute a morte Estes satildeo os limites da existecircncia A partir do
momento em que eacute pre-senccedila se configura em meio agrave co-presenccedila dos outros ldquoO mundo da
presenccedila eacute mundo compartilhadordquo (Heidegger 2015 p 175) Ao considerarmos os limites da
existecircncia e refletirmos sobre o receacutem-nascido enquanto ser-no-mundo tambeacutem
desmistificamos a maacutexima cartesiana do ldquopenso logo existordquo A existecircncia vem antes do
pensamento entendido pelos outros O bebecirc eacute de fato ser-no-mundo e a sua pre-senccedila tem um
impacto significativo nas vidas dos outros Ela por si soacute transforma a existecircncia de outros
Daseins
O encontro com os outros natildeo se daacute numa apreensatildeo preacutevia em que um sujeito
de iniacutecio jaacute simplesmente dado se distingue dos demais sujeitos nem numa visatildeo
primeira de si onde entatildeo se estabelece o referencial da diferenccedila Eles veem ao
encontro a partir do mundo em que a presenccedila se manteacutem de modo essencial
empenhada em ocupaccedilotildees guiadas por uma circunvisatildeo Em oposiccedilatildeo aos
ldquoesclarecimentosrdquo teoacutericos que facilmente se impotildee sobre o ser simplesmente
dado dos outros deve-se ater ao teor fenomenal demonstrado de seu encontro no
mundo circundante (Heidegger 2015 p 175)
55
Heidegger (19272015) utiliza o termo alematildeo Sorge com o significado de cura que
tambeacutem pode ser definido como cuidado O cuidado eacute a proacutepria abertura que constitui o dasein
Eacute uma denominaccedilatildeo usada com o intuito de expressar a caracteriacutestica ontoloacutegica do dasein de
se estruturar atraveacutes do fenocircmeno da cura de sempre estar referido a outro ente O ser humano
eacute um ser de cuidado uma vez que cuidar eacute ao mesmo tempo origem (ser lanccedilado) e condiccedilatildeo
do ser (projetar agir) ldquoPorque em sua essecircncia o ser-no-mundo eacute cura pode-se compreender
nas anaacutelises precedentes o ser junto ao manual como ocupaccedilatildeo e o ser como co-presenccedila dos
outros nos encontros dentro do mundo como preocupaccedilatildeo (Heidegger 19272015 p260)
O cuidado pode se expressar atraveacutes de dois tipos de relaccedilatildeo a de ocupaccedilatildeo e a de
preocupaccedilatildeo A ocupaccedilatildeo eacute caracterizada pela relaccedilatildeo de manualidade com os entes os quais
apresentam o seu ser jaacute previamente determinado como os objetos Jaacute a preocupaccedilatildeo envolve
as relaccedilotildees com os outros daseins com os outros seres indeterminados inclusive consigo
mesmo (Heidegger 1927 2015)
O modo de cuidado da preocupaccedilatildeo enquanto forma de ser com o outro pode se
manifestar de duas formas o substitutivo e o antepositivo A primeira forma refere-se ao
cuidado que faz tudo pelo outro tornando-o dependente A segunda convida o outro a voltar-
se para si mesmo abrindo-se para novas possibilidades para a realizaccedilatildeo de suas proacuteprias
escolhas tornando-se assim livre Esta segunda forma de cuidado eacute definida por Heidegger
(1981) como o autecircntico cuidar ou solicitude Vale salientar que as denominaccedilotildees de cuidado
como substitutivo e antepositivo natildeo apresentam superioridade ou julgamento de valor Ambas
existem e devem existir no ser-com
O cuidado de uma matildee com o filho muitas vezes requer a tomada de decisatildeo a atitude
que evita o perigo Mas a mesma matildee deve entender o cuidado antepositivo quando ajuda o
seu filho a fazer as suas proacuteprias escolhas em relaccedilatildeo a sua vida A sabedoria estaacute em fornecer
o cuidado substitutivo ou antepositivo quando assim for necessaacuterio Natildeo caberia a uma matildee
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oferecer um cuidado antepositivo para um filho pequeno e doente Nem tatildeo pouco um
substitutivo para um filho adulto no momento em que precisa fazer escolhas quanto a sua
profissatildeo por exemplo
Mas dentro da impessoalidade eacute possiacutevel que a relaccedilatildeo com o outro se decirc na ordem da
utilidade da indiferenccedila ou seja pode ocorrer de modo deficiente caracterizando a relaccedilatildeo
com o outro como um ser simplesmente dado Eacute o tipo de cuidado voltado para objetos que
torna o outro algo que pode ser substituiacutedo
No proacuteximo capiacutetulo abriremos um espaccedilo para discutir sobre o cuidado nos hospitais
em meio ao modelo da racionalidade meacutedica O cuidado tornou-se uma palavra amplamente
utilizada pelos profissionais de sauacutede como tambeacutem o termo assistecircncia A partir da ontologia
do cuidado de Heidegger muitas reflexotildees podem ser geradas em relaccedilatildeo a forma de lidar com
o ser-doente inclusive diante da possibilidade da morte do outro
Imerso no mundo o homem pode fazer escolhas dentre vaacuterias possibilidades Pode se
dedicar a esta ou aquela profissatildeo optar por ter muitos filhos ou natildeo ter nenhum por dedicar a
vida ao estudo ao trabalho ou a ajudar ao proacuteximo Entretanto entre muitas possibilidades
existe uma da qual o homem natildeo pode escapar a morte O homem pode fazer vaacuterias escolhas
mas natildeo pode deixar de morrer E ao morrer natildeo mais existe no mundo A morte por assim
dizer faz com que todas as outras possibilidades deixem de existir Com a morte natildeo haacute mais
projetos a realizar Ela encerra o inacabado
O ser-no-mundo que eacute ser-com-os-outros caminha para o fim ou seja eacute
intrinsecamente desde o princiacutepio um ser-para-a-morte Mas durante a sua vida deixa-se
envolver com as ocupaccedilotildees do mundo o que Heidegger (19272015) denomina de existecircncia
inautecircntica A reflexatildeo sobre a sua finitude leva o homem a uma existecircncia autecircntica ao pensar
sobre o sentido do seu ser dos seus projetos
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A morte eacute uma possibilidade que encerra todas as outras E enquanto o dasein existe
jaacute eacute destinado para o fim Eacute um fenocircmeno intriacutenseco agrave vida que lhe impotildee o limite Eacute a
possibilidade mais proacutepria e insuperaacutevel de natildeo mais existir de natildeo mais estar presente no
mundo (Heidegger 19272015)
A experiecircncia da morte tambeacutem eacute singular Soacute podendo ser vivenciada por cada
indiviacuteduo Mas sendo essencialmente ser-com-os-outros sentimos a morte do outro como uma
perda A morte do outro se concretiza de maneira objetivamente acessiacutevel em nossas vidas
Sentimos falta da presenccedila do outro Embora mesmo apoacutes a morte os cuidados com o morto
natildeo o torna um ser simplesmente dado como um objeto Os cuidados com o morto demonstram
uma preocupaccedilatildeo reverencial e natildeo apenas uma ocupaccedilatildeo com o corpo A morte do outro nos
lembra que a morte existe e pode nos levar a refletir sobre a nossa proacutepria morte
De acordo com Heidegger (2015 p 313) ldquo Em sentido genuiacuteno natildeo fazemos a
experiecircncia da morte dos outros Estamos apenas juntordquo Esta afirmaccedilatildeo do referido autor
merece algumas consideraccedilotildees Primeiramente a expressatildeo ldquoestar juntordquo se refere a uma troca
de sentimentos possiacutevel entre os daseins Como pontua Ferreira (2010 p112) ldquoA cadeira estaacute
junto da parede mas ela natildeo estaacute com a parede porque ela natildeo toca e natildeo eacute tocada pela parede
Ao contraacuterio para ela eacute indiferente estar junto da parede ou da mesa Jaacute o estar junto do ser-no-
mundo eacute diferente do estar junto do ente intramundano pois quando ele estaacute junto da parede eacute
tocado ao mesmo tempo em que toca Somente o ente constituiacutedo pela abertura preacutevia do ser-
em pode tocar e ser tocadordquo
Em segundo lugar o fato de ldquonatildeo fazermos a experiecircncia da morte dos outrosrdquo significa
que natildeo podemos morrer pelo outro Mesmo que ofereccedilamos a nossa vida no lugar da de outra
pessoa esta atitude pode ser entendida como sacrifiacutecio jamais como experienciar a morte do
outro A morte eacute um fenocircmeno singular assim como o nascimento e todas as experiecircncias
vividas e interpretadas por cada ser-no-mundo
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Conhecemos a morte como algo que ocorre com o outro mas distante da realidade
proacutepria como afirma Heidegger (2015 p 331) ldquoa explicaccedilatildeo do ser-para-a-morte no cotidiano
deteve-se na falaccedilatildeo do impessoal algum dia se morre mas por hora ainda natildeordquo Vive-se com
a certeza da morte embora esta certeza eacute tida como uma verdade distante para a qual se foge
com o mergulho na impessoalidade
Ao longo da trajetoacuteria de vida as perdas podem ser sentidas de diferentes formas que
deixam marcas resignificam a vida mas natildeo mudam de condiccedilatildeo ou significado satildeo perdas
Grandes e pequenas mortes com as quais precisamos aprender a lidar no cotidiano a conviver
com a ausecircncia
E da mesma forma que na contemporaneidade fugimos da morte tentamos evitar ao
maacuteximo pensar na morte dos outros e na nossa proacutepria morte e mascaramos o luto noacutes tambeacutem
fugimos das perdas escondemos os fracassos encobrimos as falhas buscamos culpados para a
natildeo-realizaccedilatildeo dos desejos e sonhos nos concentramos em outras demandas para natildeo olhar para
o que perdemos Caiacutemos na impessoalidade e ficamos na superfiacutecie das histoacuterias das relaccedilotildees
das atividades cotidianas Tomamos piacutelulas para emagrecer remeacutedios para esquecer das dores
para dormir o sono que evita a culpa
As perdas demonstram que natildeo temos o controle sobre o mundo e tambeacutem indicam que
somos seres em deacutebito Sempre que escolhemos algo abrimos matildeo de outras possibilidades o
tempo inteiro Estamos em deacutebito com o que natildeo escolhemos e diante de decisotildees muito
importantes para a nossa vida o nosso deacutebito torna-se ainda maior conosco E esta diacutevida vai
sendo cobrada ao longo da existecircncia ateacute a finitude quando deixamos a condiccedilatildeo de ser-no-
mundo (Heidegger 19272015)
Ter consciecircncia de ser algueacutem em deacutebito nos torna mais reflexivos quanto agraves escolhas
que realizamos Tantas vezes o sim para o mundo pode ser o natildeo para si proacuteprio E a dor da
sequecircncia de perdas pode levar ao adoecimento e agrave perda de sentido da vida
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A consciecircncia da finitude faz parte da histoacuteria da humanidade e sempre interferiu na sua
existecircncia Desde o iniacutecio apresenta-se como uma certeza sem resposta mas pautada em
explicaccedilotildees as mais diversas tanto de filoacutesofos como de religiosos que ao longo dos seacuteculos
influenciaram na maneira como o homem vivencia a experiecircncia da morte do outro e tambeacutem
na forma como encara a proacutepria morte
Seja um castigo ou fonte de expiaccedilatildeo dos pecados Seja o fim da existecircncia ou um novo
comeccedilo a morte continuaraacute na verdade como presenccedila como uma possibilidade certa na nossa
existecircncia um marco divisoacuterio entre estar-no-mundo e deixar de ser-no-mundo
O viver para a morte constitui o sentido autecircntico da existecircncia E esta experiecircncia de
refletir sobre a existecircncia se torna possiacutevel por meio da anguacutestia Outro existencial definido
por Heidegger (19272015) que revela ao homem a presenccedila do nada a sua finitude A anguacutestia
natildeo pode ser confundida com o medo direcionado a um determinado objeto Ela eacute uma abertura
para o nada para o fim das possibilidades que se daacute com a morte E no meio das ocupaccedilotildees
do mundo o homem se exime de viver esta experiecircncia que o incomoda
A anguacutestia incomoda pois nos fornece um sinal de alerta um despertar para a existecircncia
e para o nada o fim da mesma A experiecircncia da anguacutestia desperta a condiccedilatildeo do ser-para-a-
morte como algo inerente ao homem e da morte como destino dos que vivem Um destino
certo para ocorrecircncia e incerto quanto ao tempo A anguacutestia eacute portanto algo necessaacuterio agrave vida
como um dote do nosso estar-aiacute (Boss 1981)
Cada anguacutestia humana tem um de que do qual ela tem medo e um pelo que
pelo qual ela temeO do que de cada anguacutestia eacute sempre um ataque lesivo agrave
possibilidade de estar aiacute (dasein) humano No fundo cada anguacutestia teme a
extinccedilatildeo deste ou seja a possibilidade de um dia natildeo mais estar aqui O pelo
que da anguacutestia humana eacute por isto o proacuteprio estar-aiacute na medida em que ela
se preocupa e zela soacute pela duraccedilatildeo deste Por isso as pessoas que mais temem
a morte satildeo sempre as mesmas que mais tecircm medo da vida pois eacute sempre o
viver da vida que desgasta e potildee em perigo o estar aiacute (Boss 1981 p26)
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A anguacutestia se angustia com o ser-no-mundo com a condiccedilatildeo de desamparo que o ser se
encontra O desamparo observado nas incertezas na sensaccedilatildeo de incompletude nas
inseguranccedilas do cotidiano Inseguranccedilas mascaradas no apego agraves coisas mundanas como uma
forma de se situar no mundo de criar raiacutezes e de aparentemente se estabilizar O desamparo eacute
portanto inerente ao ser-no-mundo E talvez para natildeo pensar neste desamparo a reflexatildeo
sobre a proacutepria morte seja evitada
Entretanto morte e vida estatildeo interligadas fim e comeccedilo se entrelaccedilam E na perspectiva
do sentido natildeo vivemos um tempo somos tempo O tempo da vida do ser-aiacute que natildeo pode ser
medido por horas e minutos Pode apenas ser vivido enquanto lhe eacute permitido E esta
consciecircncia faz da permissatildeo a melhor das daacutedivas Permitir-se viver da forma mais autecircntica
torna-se mais valioso quando se sabe que esta possibilidade eacute finita Parece que se valoriza mais
o que se pode perder
O tempo eacute outra temaacutetica importante abordada por Heidegger no livro Ser e Tempo
(19272015) A noccedilatildeo de temporalidade humana da vida atual e cotidiana eacute distinta da pensada
pelo referido autor Talvez por vermos o tempo como a contagem de horas reduzidas a minutos
e segundos julgamos que a morte da crianccedila eacute mais sofrida que a do adulto que por sua vez
eacute mais dolorida que a do anciatildeo Acreditamos que o anciatildeo teve tempo de cumprir a sua missatildeo
Aquilo com que a anguacutestia se angustia eacute o nada que natildeo se revela ldquoem parte
algumardquo Fenomenalmente a impertinecircncia do nada e do em parte alguma
intramundanos significa que a anguacutestia se angustia com o mundo como tal
[hellip] O nada da manualidade funda-se em ldquoalgordquo mais originaacuterio isto eacute no
mundo Do ponto de vista ontoloacutegico poreacutem ele pertence essencialmente ao
ser do Dasein como ser-no-mundo Se portanto o nada ou seja o mundo
como tal se apresenta como aquilo com que a anguacutestia se angustia isso
significa que a anguacutestia se angustia com o proacuteprio ser-no-mundo
(Heidegger 19272015 pp 253)
61
de viver muitas experiecircncias mas o tempo contado em horas e minutos o tempo cronoloacutegico
natildeo eacute condiccedilatildeo imprescindiacutevel para o bem viver para que ldquoa missatildeo seja concluiacutedardquo
Ao falarmos sobre a histoacuteria de vida pensamos como uma sequecircncia de acontecimentos
uma linha de tempo linear entre passado presente e futuro Mas o ser-aiacute natildeo preenche as fases
de um trajeto A sua existecircncia eacute prolongar-se sobre si mesmo desdobrar-se para fora Ele natildeo
cumpre uma sequecircncia de eventos no tempo como algo determinado A existecircncia eacute tempo e
natildeo uma soma de unidades de horas minutos e segundos (Heidegger 19272015)
Quando a vida eacute contada como uma soma de unidades de tempo a morte de bebecircs e
crianccedilas se apresenta como uma ruptura da ldquoordem natural das coisasrdquo nas quais os pais vatildeo
antes Mas a morte pode chegar ldquocedordquo no seio da esperanccedila de uma nova vida Vem como um
vento forte que leva uma semente e junto com ela todos os projetos que jaacute germinaram A
morte de um receacutem-nascido pode gerar comoccedilatildeo pelo natildeo vivido pela falta do que natildeo veio e
era tatildeo esperado E a comoccedilatildeo se amplia dos pais e familiares para todos os envolvidos com o
iniacutecio de uma histoacuteria interrompida
Existem crianccedilas que vivem de forma muito mais intensa que adultos dedicados agrave
impessoalidade do mundo Por assim dizer ldquoo tempo deixa de ser uma sucessatildeo de minutos
simplesmente dados e se torna o tempo especiacutefico da singularidade de maneira que o ser-aiacute
singular se torna o seu proacuteprio tempoe passa a ser o lsquoespaccedilorsquo da temporalizaccedilatildeo do mundordquo
(Costa 2015 p 79)
A vivecircncia da dor do sofrimento da sabedoria da alegria e da compaixatildeo natildeo pode ser
medida pelo tempo cronoloacutegico E sim contemplada na narrativa das experiecircncias singulares
de cada ser humano Que ao narrar a sua histoacuteria resignifica o passado reflete sobre o presente
e projeta-se para o futuro (Dutra 2002)
Com relaccedilatildeo agrave compreensatildeo do homem enquanto ser histoacuterico eacute importante salientar
que Heidegger diferencia duas palavras para o termo histoacuteria Historie e Geschitchte A
62
primeira eacute referente ao estudo dos acontecimentos passados enquanto ciecircncia que investiga
fatos O termo Geschichte entretanto faz referencia agrave histoacuteria enquanto o proacuteprio acontecer
remetendo agrave ideia de historicidade do ser-no-mundo (Tonin 2015)
A existecircncia eacute sempre biograacutefica Considerar a historicidade do dasein eacute fundamental
portanto para a compreensatildeo do ser-no-mundo Com este intuito o proacuteximo abordaremos a
temaacutetica da era da teacutecnica apresentando a preocupaccedilatildeo de Heidegger com o dasein diante da
sociedade moderna caracterizada pelos dos avanccedilos tecnoloacutegicos pela velocidade na difusatildeo
de informaccedilotildees e pela fuga de pensamentos
Ao abordar a temaacutetica em ldquoA questatildeo da teacutecnicardquo Heidegger (2007) nos leva a uma
importante reflexatildeo sobre existir no mundo da modernidade A teacutecnica que seraacute colocada em
ecircnfase aqui natildeo se restringe ao uso de instrumentos ou ateacute mesmo ao domiacutenio do conhecimento
para utilizaacute-los Mas sim ao modo de ser do homem na modernidade ao espiacuterito presente em
uma eacutepoca
Para compreendermos melhor as afirmaccedilotildees expostas recorremos a uma comparaccedilatildeo
dos modos de produccedilatildeo agriacutecola feita pelo referido autor Com o intuito de ampliar a produccedilatildeo
armazenar insumos estocar comida o homem faz uso de teacutecnicas inovadoras de plantio utiliza
produtos que ampliam as colheitas que antecipam o amadurecimento de frutos ou a sua melhor
conservaccedilatildeo A teacutecnica eacute utilizada para a obtenccedilatildeo de uma maior produccedilatildeo que vai muito aleacutem
da necessidade de subsistecircncia
Entretanto para um semedor que acompanha o movimento da natureza cultivar consiste
em plantar a semente e aguardar o seu desabrochar naturalmente em seu tempo Assim a
semente prospera e cresce sem o controle do homem que acompanha cultiva e colhe os seus
A pergunta sobre o ser eacute ela mesma uma pergunta histoacuterica e que se faz na
histoacuteria O circulo ontoloacutegico eacute tambeacutem um circulo histoacuterico a compreensatildeo
preacutevia do Dasein uma vez liberada igualmente libera o fundo da histoacuteria
(Nunes 2012 p151)
63
frutos Eis aiacute o que Heidegger (1927 2015) denomina de desvelar-se de ldquodeixar vir agrave
presenccedilardquo rememorando o conceito grego de Aletheia a verdade enquanto desvelamento E
este desvelamento pode ser comparado a uma clareira em meio a uma floresta
O ser-no-mundo se apresenta portanto como desvelamento e ocultamento Assim ele
se relaciona consigo e com os outros daseins Os objetos entretanto se apresentam na clareira
satildeo simplesmente dados e ganham significado na medida em que satildeo utilizados Ainda
retomando os gregos Heidegger tambeacutem faz referecircncia agrave palavra teacutechne ao se referir agrave arte agrave
manufatura desvelada pelo artista (denominado de techinite)
Para Heidegger a diferenccedila entre a teacutecnica e a teacutechne estaacute no modo de desvelamento
Com o uso da teacutecnica o desvelamento se daacute pela produccedilatildeo a partir de uma postura de
provocaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave natureza ao mesmo tempo em que prima pelo controle dos processos
e resultados Na teacutechne o objetivo eacute de deixar-acontecer aceitando os limites sem impor
desafios O desvelamento se daacute no descobrimento de algo naturalmente (Feijoo 2004)
Considerando estas duas formas de cultivo da terra marcadas provocaccedilatildeo ou pela
postura de deixar-acontecer voltamos a refletir sobre as diferentes maneiras de pensar do
homem Na sua obra denominada ldquoSerenidaderdquo (1959) Heidegger apresenta duas modalidades
de pensamento calculante e meditante tambeacutem denominados de pensamento que calcula e
No comeccedilo do destino do Ocidente na Greacutecia as artes elevaram-se agraves maiores
alturas do desabrigar a elas consentidas Elas permitiram que a presenccedila dos
deuses e o diaacutelogo entre o destino humano e o destino divino brilhassemEla
era um singular e muacuteltiplo desabrigar As artes natildeo decorriam do artiacutestico As
obras de arte natildeo eram fruiacutedas esteticamente A arte natildeo era um setor da
produccedilatildeo cultural O que era a arte Era talvez arte somente por breves tempos
Ela era um desabrigar que levava e punha agrave luzhellip (Heidegger 2007 p 395)
Nas regiotildees cobertas por aacutervores a luz natildeo chega e o que estaacute nessa regiatildeo
fica oculto Na regiatildeo clara (clareira) as coisas satildeo manifestadas A partir
dessa imagem podemos pensar os entes como aquilo que aparece na
clareira Para se pensar o ser entretanto temos que incluir tambeacutem a
ocultaccedilatildeo originaacuteria (Evangelista 2010 p5)
64
reflexatildeo O pensamento que calcula esta voltado para o controle de tudo a sua volta Para o
domiacutenio do conhecimento como um desafio assumindo um comportamento de provocaccedilatildeo
diante da natureza Caracteriza-se pela investigaccedilatildeo pela mensuraccedilatildeo ldquoO pensamento que
calcula faz caacutelculos Faz caacutelculos com possibilidades continuamente novas sempre com
maiores perspectivas e simultaneamente mais econocircmicas O pensamento que calcula corre de
oportunidade em oportunidade O pensamento que calcula nunca para nunca chega a meditarrdquo
(Heidegger 1959 p 13)
Em contrapartida o pensamento meditante propotildee uma reflexatildeo sobre o sentido da
existecircncia Meditar envolve uma postura de parar diante das coisas e refletir sobre o que nos
estaacute mais proacuteximo ldquoO pensamento que medita exige de noacutes que natildeo fiquemos unilateralmente
presos a uma representaccedilatildeo que natildeo continuemos a correr em sentido uacutenico na direccedilatildeo de uma
representaccedilatildeo O pensamento que medita exige que nos ocupemos daquilo que agrave primeira vista
parece inconciliaacutevelrdquo (Heidegger 1959 p 23)
A reflexatildeo faz parte da existecircncia do homem mas exige deste um grande esforccedilo que
pode ser depreendido por qualquer pessoa cada qual dentro dos seus limites ldquoBasta
demorarmo-nos junto ao que estaacute perto e meditarmos sobre o que estaacute mais proacuteximo aquilo
que diz respeito a cada um de noacutes aqui e agorardquo (Heidegger 1959 p14)
Estamos em uma era marcada pela velocidade das informaccedilotildees Em que os
acontecimentos satildeo rapidamente divulgados para milhotildees de pessoas As novidades percorrem
diversos canais publicitaacuterios aparecendo na miacutedia como novas soluccedilotildees para os problemas
cotidianos Heidegger (1959) nos alerta que apesar de estarmos imersos em um mundo com
novos aparatos teacutecnicos e muitas informaccedilotildees eacute preciso distinguir entre simplesmente ouvir ou
ler algo isto eacute tomar conhecimento no sentido de ser informado sobre algo e realmente
adquirir o conhecimento ou seja refletir sobre o que foi ouvido e lido
65
O problema da teacutecnica natildeo estaacute no fato da utilizaccedilatildeo de equipamentos e aparatos
tecnoloacutegicos mas sim na forma como lidar com os mesmos Trata-se de uma reflexatildeo sobre o
pensamento no mundo moderno onde a teacutecnica de produccedilatildeo eacute importante mas natildeo pode
predominar sobre a vida do homem que deve fazer uso da teacutecnica sem assumir uma postura
de aceitaccedilatildeo incondicional de rejeiccedilatildeo nem tatildeo pouco de alienaccedilatildeo
O homem natildeo pode ficar escravo da teacutecnica dos equipamentos que utiliza no seu
cotidiano Devendo assumir uma postura de serenidade diante das coisas ao ponto de utilizaacute-
las quando achar necessaacuterio e deixar de usaacute-las quando desejar Esta postura de serenidade no
leva a utilizar o nosso conhecimento teacutecnico a nosso favor evitando assim a alienaccedilatildeo ou a
dependecircncia
Ao refletirmos sobre a atuaccedilatildeo do profissional de sauacutede eacute preciso salientar que
atualmente diante do modelo biomeacutedico os profissionais se encontram envoltos em aparatos e
novas tecnologias precisando dominaacute-las amplamente Mas e quando o conhecimento teacutecnico
natildeo eacute suficiente Quando os equipamentos natildeo fornecem as respostas necessaacuterias ou mesmo as
almejadas A teacutecnica natildeo iraacute fornecer todas as respostas Ela existe para servir ao homem e natildeo
para limitaacute-lo enquanto profissional que oferece assistecircncia em sauacutede que precisa desenvolver
o pensamento meditante continuamente diante de quem estaacute mais proacuteximo
Buscar compreender o outro os seus anseios e o que efetivamente importa para ele satildeo
preocupaccedilotildees que fazem suscitar os problemas ditos eacuteticos nos hospitais Assim como as
decisotildees quanto agrave realizaccedilatildeo de procedimentos considerados inviaacuteveis a ocorrecircncia de eventos
adversos ou mesmo da morte devido a erros no tratamento as dificuldades para explicar aos
familiares os fatos ocorridos dentre outras situaccedilotildees que se apresentam no cotidiano de
trabalho Estes satildeo aspectos que merecem uma reflexatildeo sobre cada situaccedilatildeo em particular e a
respeito do sentido da experiecircncia para o profissional de sauacutede
66
Quando o homem se esconde atraacutes da teacutecnica e natildeo busca refletir sobre as suas accedilotildees
acaba deixando de lado o que tem de mais valioso a sua capacidade de meditar de refletir Eacute
esta capacidade que o direciona para novas escolhas novos modos de ser-no-mundo
67
Capiacutetulo 3 O profissional de Sauacutede
ldquoA Criaccedilatildeo da Humanidade e sua quedardquo Michelangelo 1512
68
Capiacutetulo 3 O profissional de Sauacutede
O presente capiacutetulo contempla aspectos referentes aos profissionais de sauacutede agraves
dificuldades enfrentadas ao ambiente hospitalar ao contexto da maternidade e em particular
da UTI Neonatal Inicialmente seraacute feita uma retrospectiva quanto ao ambiente de trabalho o
hospital o local destinado ao envio de doentes
O cuidador
Tanta palavra
Tanto trabalho
Tanto diagnoacutestico Avassalador
Tanta cultura
Entre a dor e a cura
Tanta procura
Pelo fim da dor
Tanta rotina
Tanto medicamento
Tanto equipamento De alto valor
Tanta tecnologia
Envolvendo tanta gente
E nada disso
Aparentemente
Eacute suficiente
Para garantir
Verdadeiramente
Um cuidador
Dr Luiz Alberto Mussa Tavares Poemas para Almas
Apressadas 2017
69
A palavra hospital vem do latim hospitalis que significa o que hospeda ou daacute agasalho
Nos dias de hoje o hospital eacute compreendido como uma instituiccedilatildeo destinada ao tratamento e
cura de doentes e feridos Mas nem sempre o hospital foi associado agrave ideia de cura (Pitta
2003)
Os primeiros hospitais foram construiacutedos entre 369-372 na Capadoacutecia e em Roma Eram
locais de dor e de morte Em 542 foram construiacutedos dois hospitais na Franccedila o Hocirctel Dieu de
Lyon e o Hocirctel Dieu de Paris O primeiro hospital da Inglaterra St John foi inaugurado em
1084 ainda com as mesmas caracteriacutesticas dos demais destinados a receber os doentes com
condiccedilotildees extremamente precaacuterias para o acolhimento Assim desde o seu iniacutecio os hospitais
eram associados agrave morte locais temidos para os vivos e destinados aos enfermos que natildeo tinham
outra possibilidade de acolhimento (Zaidhaft 1990)
O surgimento do hospital como local voltado para praacuteticas terapecircuticas eacute relativamente
recente datado do final do seacuteculo XVIII quando Howard um filantropo inglecircs desenvolveu
um primeiro estudo denunciando as condiccedilotildees de trabalho hospitalar No mesmo periacuteodo (1775-
1780) a Academia de Ciecircncias da Franccedila designou um meacutedico chamado Tenon para percorrer
hospitais na Europa e elaborar um relatoacuterio examinando os fluxos de trabalho denunciando as
condiccedilotildees de maus tratos enfim relatando o cotidiano hospitalar e contribuindo assim para
gerar reflexotildees sobre a suas funccedilotildees terapecircuticas (Pitta 2003)
Naquela eacutepoca os hospitais devido agraves condiccedilotildees de higiene geravam no seu interior
surtos epidecircmicos dizimadores Eram locais relegados agrave morte de doentes Como bem retrata
Foucault (1981 p 102) ldquo o personagem ideal do hospital ateacute o seacuteculo XVIII natildeo eacute o doente
que eacute preciso curar mas o pobre que estaacute morrendo Eacute algueacutem a que se deve dar os uacuteltimos
cuidados e o uacuteltimo sacramento Esta eacute a funccedilatildeo essencial do hospital Dizia-se correntemente
nesta eacutepoca que o hospital era um morredouro um lugar de morrer E o pessoal hospitalar natildeo
era fundamentalmente destinado a realizar a cura do doente mas conseguir a sua proacutepria
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salvaccedilatildeo Era um pessoal caritativo ndash religioso ou leigo ndash que estava no hospital para fazer uma
obra de caridade que lhe assegurasse a salvaccedilatildeo eternardquo
De forma semelhante no seacuteculo XIX os hospitais existiam na sociedade para atenderem
aos dependentes e necessitados Para agravequeles que natildeo tinham assistecircncia em seus proacuteprios
domiciacutelios O hospital era associado a ideia de abandono e desemparo um local destinado a
acolher doentes sem outra alternativa de cuidados Neste sentido natildeo era um local destinado a
matildees e bebecircs Uma mulher que aceitasse dar agrave luz em um hospital puacuteblico deveria ser
extremamente pobre com problemas mentais ou vivendo na prostituiccedilatildeo e certamente sem
apoio de amigos e familiares Era comum dar agrave luz em casa com o auxiacutelio da parteira e o apoio
dos familiares (Pitta 2003 Ungerer amp Miranda 1999)
As matildees que davam agrave luz em hospitais permaneciam com as crianccedilas aos peacutes do seu
leito Natildeo havendo um local especiacutefico para os bebecircs A origem do primeiro berccedilaacuterio data de
1893 em Paris na Maison drsquoAccouchements da Boulevard de PortRoyal A sua criaccedilatildeo eacute
atribuiacuteda agrave enfermeira chefe da Casa de Partos Mme Henry que tinha como objetivo atender
crianccedilas prematuras consideradas muito fracas ldquoNesse local Mme Henry utilizava uma
geringonccedila criada por Steacutephane Etienne Tarnier para aquecer os bebecircs que chegavam muito
frios Esse aparelho baseado na chocadeira de ovos ganhou o nome de ldquocouveuserdquo ou em
portuguecircs incubadorardquo (Ungerer amp Miranda 1999 p6)
Cerca de dois anos depois Pierre Budin um importante obstetra francecircs passou a dar
continuidade ao atendimento de bebecircs chamando a atenccedilatildeo para faotores como o controle da
temperatura a alimentaccedilatildeo a higiene a presenccedila e o carinho das matildees Tais aspectos passaram
a ser considerados por ele como fundamentais para a sauacutede dos receacutem-nascidos e para a
diminuiccedilatildeo da mortalidade dos bebecircs (Ungerer amp Miranda 1999)
Com o progresso da medicina as preocupaccedilotildees com a assientecircncia aos bebecircs se
ampliaram Com a ampliaccedilatildeo das teacutecnicas voltadas para cura os hospitais passaram a ser
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referecircncia de atendimento para puacuteblico diverso inclusive para o parto Essa nova forma de
atendimento aos pacientes os afastava dos cuidados dos familiares inclusive os receacutem-nascidos
que ficavam distantes das matildees nos berccedilaacuterios
Essa nova forma de atender aos enfermos os retirava de seus lares e de perto de seus
familiares e ateacute mesmo os receacutem-nascidos deveriam ficar longe de suas matildees confinados em
berccedilaacuterios ateacute o momento da alta com o o bjetivo de evitar qualquer tipo de infecccedilatildeo Entretanto
ao final da deacutecada de 1940 pesquisadores comeccedilaram a observar que a separaccedilatildeo matildee-filho
logo apoacutes o nascimento natildeo era positiva para a crianccedila nem como tambeacutem para o
estabelecimento de viacutenculos familiares podendo ocasionar desajustes Voltou-se entatildeo a deixar
a crianccedila proacuteximo a mae desde o nascimento ateacute a alta criando-se o conceito de alojamento
conjunto Este projeto entretanto foi extinto por vaacuterios anos sendo retomado apenas na deacutecada
de 1970 com o apoio de orgazaccedilotildees internacionais como a OMS (Organizaccedilatildeo Mundia de
Sauacutede) e o UNICEF (Fundo das Naccedilotildees Unidas para a Infacircncia) (Ungerer amp Miranda 1999)
De acordo com as Normas Baacutesicas para Alojamento Conjunto do Ministeacuterio da Sauacutede
passaram a ocupar o alojamento conjunto as matildees (na ausecircncia de patologia que impossibilite
ou contra-indique o contato com o receacutem-nascido) e os receacutem-nascidos (com boa vitalidade
capacidade de succcedilatildeo e controle teacutermico a criteacuterio de elemento da equipe de sauacutede
Considerando-se com boa vitalidade os receacutem-nascidos com mais de 2 quilos mais de 35
semanas de gestaccedilatildeo e iacutendice de APGAR maior que 6 no 5deg minuto) (Instituto Nacional de
Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo 1993)
Os receacutem-nascidos que precisam de mais atenccedilatildeo devido ao maior risco de morte satildeo
encaminhados para as Unidades de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) De acordo com o artigo
10 da Portaria GMMS Nordm 930 de 10 de maio de 2012 que define as diretrizes e objetivos para
a organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo integral e humanizada ldquoUTIN satildeo serviccedilos hospitalares voltados para
o atendimento de receacutem-nascido grave ou com risco de morte assim considerados
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I receacutem-nascidos de qualquer idade gestacional que necessitem de ventilaccedilatildeo mecacircnica
ou em fase aguda de insuficiecircncia respiratoacuteria com FiO2 maior que 30 (trinta por cento)
II receacutem-nascidos menores de 30 semanas de idade gestacional ou com peso de
nascimento menor de 1000 gramas
III receacutem-nascidos que necessitem de cirurgias de grande porte ou poacutes-operatoacuterio
imediato de cirurgias de pequeno e meacutedio porte
IV - receacutem-nascidos que necessitem de nutriccedilatildeo parenteral e
V - receacutem-nascidos que necessitem de cuidados especializados tais como uso de cateter
venoso central drogas vasoativas prostaglandina uso de antibioacuteticos para tratamento de
infecccedilatildeo grave uso de ventilaccedilatildeo mecacircnica e Fraccedilatildeo de Oxigecircnio (FiO2) maior que 30 (trinta
por cento) exsanguineotransfusatildeo ou transfusatildeo de hemoderivados por quadros hemoliacuteticos
agudos ou distuacuterbios de coagulaccedilatildeo (Redaccedilatildeo dada pela PRT GMMS nordm 3389 de
30122013)rdquo
A UTIN poderaacute ser dos tipos II ou III e para a habilitaccedilatildeo em cada niacutevel existe uma seacuterie
de exigecircncias quanto a estrutura de pessoal e tecnologia dos equipamentos
As Unidades de Terapia Intensiva Neonatal satildeo considerados ambientes inoacutespitos nos
quais os receacutem-nascidos satildeo expostos agrave luz intensa e contiacutenua aos ruiacutedos e a procedimentos
cliacutenicos invasivos Aleacutem disso as UTINs satildeo caracterizadas pela presenccedila de equipamentos de
alta tecnologia e devem ter no seu quadro de pessoal uma equipe multidisciplinar capacitada
para oferecer assistecircncia aos pacientes e familiares Os profissionais se deparam com o
sofrimento dos pais os quais podem se sentir amedrontados e ou culpados por terem gerado
um bebecirc fraacutegil ao mesmo tempo em que podem se sentir incapazes de oferecer os cuidados
necessaacuterios agrave sobrevivecircncia do filho (Braga amp Morsch 2003 Lamego Deslandes amp Moreira
2005 Costa amp Padilha 2011)
73
Diante deste cenaacuterio de sofrimento e das prerrogativas da poliacutetica de humanizaccedilatildeo as
matildees tem acesso livre agraves UTINs Natildeo existindo um limite de horaacuterio de visitas como nas
Unidades de Terapia Intensiva estruturadas para adultos (Ministeacuterio da Sauacutede 2004)
O meacutetodo Matildee Canguru proposto em 1978 pelo Dr Edgar Rey Sanabria no Instituto
Materno-Infantil (IMI) de Bogotaacute na Colocircmbia Foi adaptado para a realidade brasileira a partir
de 2002 Este meacutetodo tem como objetivo promover a atenccedilatildeo humanizada ao receacutem-nascido de
baixo peso promovendo um conjunto de accedilotildees de assistecircncia abrangendo os profissionais de
sauacutede o receacutem-nascido e sua famiacutelia (Lamy 2005)
Dentre estas accedilotildees estimula o contato pele a pele precoce entre a matildee e o receacutem-nascido
de baixo peso pelo tempo que for considerado prazeroso e suficiente permitindo a participaccedilatildeo
da matildee no cuidado com o seu filho tambeacutem estimula o aleitamento materno a atenccedilatildeo aos
cuidados teacutecnicos com o bebecirc (manuseio cuidado com ruiacutedos luz e odores no ambiente) e o
envolvimento dos familiares (Baltazar Gomes amp Cardoso 2010)
Apesar do incentivo do Ministeacuterio da Sauacutede estudos apontam alguns impasses a
implantaccedilatildeo de uma assistecircncia humanizada em UTI neonatal devido aos conflitos existentes
no cotidianos de trabalho e adaptaccedilotildees a rotina Aleacutem da existecircncia de condiccedilotildees insatisfatoacuterias
de trabalho relacionadas agrave precariedade de recursos humanos o que pode gerar sobrecarga
emocional e de trabalho Outros fatores mencionados satildeo a fadiga pelo ritmo de trabalho
excessivo o fato de lidar com questotildees de vida e morte as questotildees eacuteticas envolvidas nas
decisotildees sobre o tratamento dentre outras Estas dificuldades apontam para a necessidade
A humanizaccedilatildeo do cuidado neonatal preconiza vaacuterias accedilotildees propostas pelo
Ministeacuterio da Sauacutede baseando-se nas adaptaccedilotildees brasileiras ao Meacutetodo
Canguru (Lamy 2003) para receacutem-nascidos de baixo peso Estas satildeo
voltadas para o respeito agraves individualidades agrave garantia de tecnologia que
permita a seguranccedila do receacutem-nato e o acolhimento ao bebecirc e sua famiacutelia
com ecircnfase no cuidado voltado para o desenvolvimento e psiquismo
buscando facilitar o viacutenculo matildee-bebecirc durante a sua permanecircncia no
hospital e apoacutes a alta (Lamego Deslandes amp Moreira 2005 p 670)
74
ampliar os investimentos nas condiccedilotildees de trabalho adequadas na capacitaccedilatildeo dos gestores e
dos profissionais de sauacutede que trabalham nas UTINs (Lamego Deslandes amp Moreira 2005
Scochi et al 2001)
No estado do Rio Grande do Norte a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco eacute referecircncia
no atendimento agrave gestatildeo de alto risco O subtoacutepico a seguir seraacute dedicado a maternidade o local
escolhido para a realizaccedilatildeo desta pesquisa
31 ndash Maternidade Escola Januaacuterio Cicco
A Maternidade Escola foi idealizada pelo Dr Januaacuterio Cicco um meacutedico que deixou
importantes contribuiccedilotildees para a reorganizaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica no Estado no iniacutecio do
seacuteculo XX como a criaccedilatildeo da Sociedade de Assistecircncia Hospitalar em 1926 No iniacutecio da
deacutecada de 1940 a maternidade jaacute estava pronta para funcionar mas devido a Segunda Guerra
Mundial o local foi ocupado como Quartel General das Forccedilas Aliadas e Hospital de
Campanha Com o final da guerra iniciou-se uma campanha para inauguraccedilatildeo da maternidade
que ocorreu no dia 12 de fevereiro de 1950 (Empresa Brasileira de Serviccedilos Hospitalares 2015)
Atualmente a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco (MEJC) especializada na assistecircncia
materno-infantil eacute Hospital Universitaacuterio e de Ensino e integra o Complexo Hospitalar da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte Funciona como um campo de ensino e aplicaccedilatildeo
praacutetica para profissionais da aacuterea da sauacutede E tem como Missatildeo ldquoPromover a excelecircncia no
atendimento global e humanizado a sauacutede da mulher e do receacutem-nascido e a formaccedilatildeo de
recursos humanos em accedilotildees de aprendizado ensino pesquisa e extensatildeo multiprofissionalrdquo
(EBSERH 2015)
Desde 2013 a MEJC passou a ser administrada pela EBSERH Empresa Brasileira de
Serviccedilos Hospitalares uma empresa puacuteblica vinculada ao Ministeacuterio da Educaccedilatildeo A
maternidade apresenta uma estrutura de Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) com
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23 leitos (sendo que treze leitos dentre os vinte e trecircs que compotildee a UTIN foram inaugurados
recentemente em janeiro de 2017) correspondendo a 30 do total disponiacutevel no Estado do
RN (UFRN 2017)
Apesar de serem locais dedicados agrave vida a morte faz parte da realidade da maternidade
A UTIN em particular eacute o local com a segunda maior ocorrecircncia de oacutebitos (com a ocorrecircncia
de cerca de 80 mortes por ano) exigindo preparo da equipe de profissionais para lidar com a
morte de pacientes e fornecer assistecircncia aos familiares
De acordo com o Relatoacuterio de Dimensionamento dos Serviccedilos Assistenciais e da
Gerecircncia de Ensino e Pesquisa (2013) a UTI Neonatal da MEJC apresenta uma equipe
multidisciplinar seguindo os criteacuterios contidos na Portaria GMMS Nordm 930 de 10 de maio de
2012 Esta portaria define as diretrizes e objetivos para a organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo integral e
humanizada ao receacutem-nascido grave ou potencialmente grave e os criteacuterios de classificaccedilatildeo e
habilitaccedilatildeo de leitos de Unidade Neonatal no acircmbito do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS)
A portaria estabelece como Equipe miacutenima para UTI II Neonatal (UTIN)
a) 01 (um) meacutedico responsaacutevel teacutecnico com jornada miacutenima de 04 horas diaacuterias com
certificado de habilitaccedilatildeo em Neonatologia ou Tiacutetulo de Especialista em Medicina Intensiva
Pediaacutetrica fornecido pela Sociedade Brasileira de Pediatria ou Residecircncia Meacutedica em
Neonatologia reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo ou Residecircncia Meacutedica em Medicina
Intensiva Pediaacutetrica reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo
b) 01 (um) meacutedico com jornada horizontal diaacuteria miacutenima de 04 (quatro) horas com
certificado de habilitaccedilatildeo em Neonatologia ou Tiacutetulo de Especialista em Pediatria (TEP)
fornecido pela Sociedade Brasileira de Pediatria ou Residecircncia Meacutedica em Neonatologia ou
Residecircncia Meacutedica em Medicina Intensiva Pediaacutetrica reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo
ou Residecircncia Meacutedica em Pediatria reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para cada 10
(dez) leitos ou fraccedilatildeo
76
c) 01 (um) meacutedico plantonista com Tiacutetulo de Especialista em Pediatria (TEP) e com
certificado de habilitaccedilatildeo em Neonatologia ou Tiacutetulo de Especialista em Pediatria (TEP)
fornecido pela Sociedade Brasileira de Pediatria ou Residecircncia Meacutedica em Medicina Intensiva
Pediaacutetrica reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo ou Residecircncia Meacutedica em Neonatologia
ou Residecircncia Meacutedica em Pediatria reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para cada 10
(dez) leitos ou fraccedilatildeo em cada turno
d) 01 (um) enfermeiro coordenador com jornada horizontal diaacuteria de 8 horas com
habilitaccedilatildeo em neonatologia ou no miacutenimo 02 (dois) anos de experiecircncia profissional
comprovada em terapia intensiva pediaacutetrica ou neonatal
e) 01 (um) enfermeiro assistencial para cada 10 (dez) leitos ou fraccedilatildeo em cada turno
f) 01 (um) fisioterapeuta exclusivo para cada 10 leitos ou fraccedilatildeo em cada turno
g) 01 (um) fisioterapeuta coordenador com no miacutenimo 02 anos de experiecircncia
profissional comprovada em unidade terapia intensiva pediaacutetrica ou neonatal com jornada
horizontal diaacuteria miacutenima de 06 (seis) horas
h) teacutecnicos de enfermagem no miacutenimo 01 (um) para cada 02 (dois) leitos em cada
turno
i) 01 (um) funcionaacuterio exclusivo responsaacutevel pelo serviccedilo de limpeza em cada turno
j) 01 (um) fonoaudioacutelogo disponiacutevel para a unidade
Um mesmo profissional meacutedico poderaacute acumular a responsabilidade teacutecnica e o papel
de meacutedico com jornada horizontal previstos nos incisos I e II do caput O coordenador de
fisioterapia poderaacute ser um dos fisioterapeutas assistenciais
Para a classificaccedilatildeo da UTIN II existem uma seacuterie de criteacuterios preconizados na Portaria
GMMS Nordm 930 de 10 de maio de 2012 dentre estes a disponibilidade de assistecircncia
psicoloacutegica no hospital A MEJC apresenta psicoacutelogas hospitalares no seu quadro de
77
funcionaacuterios e uma em particular que atende agraves demandas da UTI Neonatal incluive
fornecendo apoio aos familiares dos receacutem-nascidos
Apoacutes a caracterizaccedilatildeo da equipe que compotildee a UTIN da maternidade iremos no
proacuteximo subtoacutepico contemplar aspectos referentes a atuaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede na era
da teacutecnica e diante da morte de pacientes
32 ndash O profissional de sauacutede diante da morte de pacientes
No capiacutetulo anterior vimos de forma breve sobre a ontologia do cuidado
Compreendemos que para Heidegger (1927 2015) o cuidado eacute uma forma de ser com o outro
e que o ser-no-mundo existe em relaccedilatildeo com os outros entes O cuidado eacute portanto inerente a
condiccedilatildeo do dasein e ele pode ocorrer de duas formas pela ocupaccedilatildeo e pela preocupaccedilatildeo A
ocupaccedilatildeo acontece pelo manuseio de objetos e a preocupaccedilatildeo quando envolve outros daseins
inclusive o proacuteprio indiviacuteduo
O modo de preocupaccedilatildeo pode ser substitutivo ou antepositivo No modo substitutivo o
cuidador toma as decisotildees pela pessoa que estaacute sendo cuidada eacute considerado um modo inferior
de cuidado por natildeo resgatar a liberdade do ser a sua condiccedilatildeo de escolher entre as varias
possibilidades que vem ao seu encontro Vale salientar que por ser considerado como modo
inferior natildeo significa que o cuidado substitutivo deva ser inexistente No cotidiano este modo
de cuidado se faz necessaacuterio O modo antepositivo por sua vez devolve ao outro a sua
responsabilidade de ser auxilia nos seus processos de escolha
Estes termos de cuidado e cuidador estatildeo muito presentes na aacuterea de sauacutede e outra
nomenclatura bastante utilizada eacute assistecircncia O modelo meacutedico de assistecircncia propotildee a
racionalidade na conduta terapecircutica baseada no binocircmio mentecorpo na separaccedilatildeo entre a
doenccedila e o doente primando pela anaacutelise objetiva das doenccedilas e pela obtenccedilatildeo da cura
(Rebouccedilas 2015)
78
Ao isolar a doenccedila do doente e priorizar as relaccedilotildees de causa e efeito o olhar para os
pacientes e seus familiares enquanto pessoas passando por dificuldades natildeo eacute preponderante
na atuaccedilatildeo profissional natildeo eacute visto como central para a compreensatildeo do ser-doente enquanto
ser-no-mundo diante de possibilidades limitadas
Este modelo baseado na racionalidade meacutedica mostra-se contraditoacuterio para a busca de
um atendimento humanizado Falar de atendimento humanizado para seres humanos que
cuidam de outros seres humanos eacute tambeacutem por si soacute contraditoacuterio Eacute como lembrar que algo
foi perdido que doenccedila e doente estatildeo de fato separados e o paciente natildeo pode ser tratado
como coisa objeto
O discurso da humanizaccedilatildeo nos faz lembrar que no caminho da teacutecnica em meio ao
pensamento calculante pouco se tem refletido sobre o sentido do ser para o ser que adoece
Agora imaginemos esta situaccedilatildeo para um ser que chegou ao mundo de forma tatildeo fragilizada e
que ainda natildeo utiliza a linguagem verbal para expressar as suas vontades Mas que desde o
nascimento eacute um ser-no-mundo e um ser-para-a-morte E eacute um ser que vem ao mundo
enquanto projeto e tambeacutem como parte da vida de outros seres que construiacuteram sonhos e
expectativas
Se a assistecircncia oferecida ao receacutem-nascido e seus familiares for apenas da ordem da
medicalizaccedilatildeo manuseio de equipamentos sem a devida orientaccedilatildeo e explicaccedilatildeo sobre o estado
de sauacutede do bebecirc para os seus pais inclusive mencionando as intecorrecircncias e os detalhes sobre
o tratamento estamos falando apenas a respeito de um cuidado substitutivo Como Heidegger
(1927 2015) comentou trata-se de uma forma de cuidado inferior mas eacute uma forma de
cuidado por vezes necessaacuteria O que natildeo poderia acontecer eacute esta forma de cuidado ser a uacutenica
ser preponderante na assistecircncia aos pacientes e familiares
Um exemplo disto eacute que mesmo quando o acesso dos pais as UTINs eacute incentivado
algumas dificuldades como o medo a inseguranccedila e o estresse na relaccedilatildeo dos pais com o bebecirc
79
apontam a necessidade de ampliar os cuidados dirigidos agraves famiacutelias As praacuteticas em UTIs
Neonatais satildeo permeadas por conflitos e negociaccedilotildees constituindo um desafio agrave construccedilatildeo de
um modelo assistencial humanizado que alie diferentes tecnologias respeito e acolhimento agraves
necessidades de pacientes e profissionais (Lamego Deslandes amp Moreira 2005)
Estas dificuldades se ampliam no caso da morte de pacientes Enquanto ser-no-mundo
a morte apresenta-se para o homem como uma possibilidade de natildeo mais poder de natildeo mais
estar aqui Uma possibilidade que se apresenta ao ser desde o nascimento o que torna o homem
um ser-para-a-morte que reflete sobre a sua proacutepria finitude e sobre a morte do outro
(Heidegger 1927 2015)
Satildeo muitos os desafios enfrentados pelos profissionais de sauacutede agraves dificuldades no
cotidiano do trabalho somam-se o fato de vivenciarem situaccedilotildees de eminencia de morte ou da
morte em si dos pacientes A falta de autonomia apresenta um peso neste processo em razatildeo do
que natildeo eacute dito aos pacientes e familiares E o natildeo dito tambeacutem incomoda aflige ou distancia
paralisa neutraliza A morte por assim dizer apresenta-se como uma grande dificuldade
enfrentada pelos profissionais tanto pela vivecircncia do sofrimento como pela impotecircncia diante
da organizaccedilatildeo do sistema hospitalar (Costa Lima 2005 Bernieri Hirdes 2007 Poles Bolso
2006)
Elizabeth Kluber-Ross (1969 1996) realizou pesquisas pioneiras com pacientes
proacuteximos a morte levando a reflexotildees importantes sobre as atitudes dos profissionais de sauacutede
diante da morte de pacientes relatando que muito pode ser feito nos momentos em que pelo
prisma da racionalidade meacutedica se supotildee que ldquonatildeo haacute mais nada a fazerrdquo A referida autora ao
abordar esta temaacutetica reconhece que o conhecimento teoacuterico eacute importante mas natildeo eacute suficiente
propondo que deveria se trabalhar com o coraccedilatildeo e a alma Tambeacutem traz reflexotildees em relaccedilatildeo
aos membros da famiacutelia do paciente terminal afirmando que os mesmos merecem cuidados e
orientaccedilatildeo para evitar que adoeccedilam
80
Vaacuterios estudos que utilizam a abordagem fenomenoloacutegica apontam as dificuldades
apresentadas pelos profissionais de sauacutede diante da morte de pacientes Sentimentos de perda
tristeza impotecircncia culpa raiva foram relatados em pesquisas realizadas com enfermeiros
como presentes de forma recorrente no ambiente de trabalho (Saines 1997 Shorter amp Stayt
2009 Wong Lee amp Lee 2000 Seno 2010)
Outro sentimento vivenciado pelos profissionais de enfermagem foi denominado como
um conflito em relaccedilatildeo ao uso do tempo a escolha entre acompanhar um paciente que estaacute
morrendo e precisa de apoio e atender agraves necessidades dos outros pacientes Os profissionais
sentem-se impotentes dividindo seu tempo entre estas demandas o que pode levar a
manifestaccedilatildeo de outros sentimentos como culpa frustraccedilatildeo e raiva (Hopkinson Hallett amp
Luker 2003)
Em pesquisa realizada sobre o papel do meacutedico no enfrentamento do processo de morte
de pacientes foram identificadas cinco atitudes ou papeacuteis desejados associados ao
comportamento do meacutedico perante o paciente agrave morte evitar a chegada da morte promover
qualidade de vidamorte dar suporte emocional e estabelecer uma comunicaccedilatildeo transparente
com a famiacutelia ficar ateacute o fim com o paciente seguir a rotina sem se abalar com o oacutebito (Silva
2006)
Em estudo realizado com meacutedicos diante da morte de pacientes foi constatado que estes
profissionais ldquoconvivem com a morte com sentimento de estranheza e natildeo com uma disposiccedilatildeo
de familiaridade como seria natural pensar afinal lidam com a possibilidade de morte mais
frequentemente que os leigos devido ao seu ofiacutecio Diriacuteamos que eles tecircm a possibilidade mais
presente da morte pela proacutepria natureza do seu trabalho cotidiano Ao serem questionados
sobre a morte de pacientes os meacutedicos buscavam desviar do assuntordquo E ao relatarem sobre
os sentimentos diante da morte revelavam frustraccedilatildeo tristeza desconforto (Mello amp Silva
2012 p 54)
81
Como relatado anteriormente os profissionais se sentem desconfortaacuteveis e frustrados
diante da morte de pacientes o momento de comunicar este fato para os familiares eacute por assim
dizer muito delicado De acordo com pesquisa realizada com meacutedicos e familiares sobre a
comunicaccedilatildeo do oacutebito de pacientes foi constatado que a maioria das famiacutelias ficou sabendo do
oacutebito por telefone (747) Cinco famiacutelias (47) descobriram o oacutebito quando foram visitar o
paciente demonstrando insatisfaccedilatildeo com a situaccedilatildeo (Starzewski Jr Rolin amp Morrone 2005)
Quando os profissionais que comunicam a morte de pacientes foram questionados
925 relataram que apresentam dificuldades para falar com os familiares sobre o assunto
Apenas quatro profissionais (75) acharam que natildeo existem dificuldades para falar com
familiares sobre o tema Enfrentar a morte de pacientes no cotidiano de trabalho apresentou-se
como algo difiacutecil de lidar pela falta de preparo pelo desgaste emocional A situaccedilatildeo torna-se
ainda mais complicada diante dos casos de morte suacutebita e do falecimento de crianccedilas A morte
precoce causa um estresse emocional imenso em todos que atendem pais familiares e
profissionais de sauacutede A morte de uma crianccedila foi considerada mais sofrida que a de um adulto
(Starzewski Jr Rolin amp Morrone 2005)
Dentre os profissionais de sauacutede o psicoacutelogo tambeacutem se depara com a realidade de
oferecer suporte para os pacientes familiares e para os colegas de trabalho Na sua atuaccedilatildeo o
psicoacutelogo de sauacutede-hospitalar prima por oferecer a oportunidade para o paciente expressar as
suas emoccedilotildees de modo que encontre a melhor maneira de lidar com as limitaccedilotildees impostas
pela doenccedilahospitalizaccedilatildeo Aleacutem de proporcionar a abertura necessaacuteria para que o paciente
possa dar significado a sua doenccedila dentro do seu contexto de vida reconhecendo-o enquanto
um ser provido de emoccedilotildees e sentimentos os quais interferem no seu comportamento
(Medeiros amp Lustosa 2011)
O estudo realizado por Morais amp Nobre (2013) eacute dedicado agrave praacutetica de psicoacutelogos em
oncologia pediaacutetrica e traz importantes reflexotildees sobre a atuaccedilatildeo destes profissionais em meio
82
ao estigma do cacircncer associado ao sofrimento e agrave morte Um elemento que se apresenta na
praacutetica cotidiana destes profissionais eacute a iminecircncia de morte de crianccedilas que tende a afetar mais
do que a morte de adultos Diante deste cenaacuterio os psicoacutelogos enquanto profissionais que
promovem o cuidado dos pacientes familiares e colegas de trabalho tambeacutem sentem a
necessidade de cuidar de proacuteprios ldquoA praacutetica gera a necessidade de um cuidado de si mesmo
a delimitaccedilatildeo e o cultivo de um espaccedilo para si mesmo o reconhecimento de limites e a luta por
um espaccedilo de cultivo do oacuteciordquo (p 405)
Quando se trata da assitecircncia em UTI Neonatal o psicoacutelogo oferece o suporte aos
familiares do receacutem-nascido que chegam fragilizados e com muitas expectativas em relaccedilatildeo agrave
alta hospitalar do seu filho De acordo com Baltazar Gomes amp Cardoso (2010) a atuaccedilatildeo do
psicoacutelogo em UTI Neonatal ldquoimplica na organizaccedilatildeo de uma proposta de rotina e participaccedilatildeo
quotidiana nos acontecimentos do serviccedilo numa proposta que natildeo se restrinja a pareceres
psicoloacutegicos mas na abordagem regular das famiacutelias e seus bebecircsrdquo (p 16)
As situaccedilotildees de morte e luto exigem que o profissional de psicologia ofereccedila suporte
aos familiares dos pacientes e agraves vezes para a proacuteprios colegas de trabalho envolvidos com os
sentimentos de frustraccedilatildeo e tristeza A morte apresenta-se como um fato recorrente no cotidiano
de trabalho destes profissionais Um tema que merece ser estudado aponto de ganhar espaccedilo
para ser abordado durante os cursos de graduaccedilatildeo e formaccedilatildeo profissional
Diante das reflexotildees presentes nos primeiros capiacutetulos o presente estudo segue
contemplando o caminho realizado pelo pesquisador em direccedilatildeo ao objetivo da pesquisa
83
Capiacutetulo 4 ndash Meacutetodo A escolha do caminho
ldquoO Pintor a Caminho do Trabalhordquo Van Gogh 1888
84
Capiacutetulo 4 ndash Meacutetodo A escolha do caminho
Falar sobre meacutetodo implica sobretudo na escolha do caminho que se quer seguir
enquanto pesquisador No caminho eacute possiacutevel admirar a paisagem olhar novos horizontes
compreender o fenocircmeno Eacute no percurso que ocorrem os encontros entre as indagaccedilotildees
anteriores e a experiecircncia relatada pelo participante entre as ideias preconcebidas e o mundo
real expresso por meio da narrativa A escolha do caminho por assim dizer direciona o olhar
sobre a pesquisa
Na tentativa de escolha do meu caminho convidei o gato do paiacutes das maravilhas para
um diaacutelogo inspirado na reflexatildeo e no questionamento Onde quero chegar Qual a minha
questatildeo central Qual o objetivo da minha pesquisa A questatildeo central surgiu do olhar para a
praacutetica da minha experiecircncia em instituiccedilotildees hospitalares Ao verificar que os profissionais de
sauacutede enfrentam muitos desafios e dificuldades no ambiente de trabalho dentre estas a vivecircncia
da morte do outro O objetivo da pesquisa estaacute estruturado portanto da seguinte forma
compreender a experiecircncia de profissionais que atuam em Unidades de Terapia Intensiva
Neonatal
Escolhido o objetivo passei a olhar para o caminho Para compreender eacute preciso ouvir
atentamente o outro ver o contexto detalhado em forma de histoacuteria de acontecimentos narrados
e repletos de sentidos e significados Compreender eacute diferente de avaliar de generalizar dados
com base no olhar para a superfiacutecie A escolha do caminho de pesquisa me levou a percorrer
uma estrada em que era possiacutevel observar os detalhes por meio de um olhar proacuteximo ao
fenocircmeno
Podes dizer-me por favor que caminho devo seguir para sair
daqui
Isso depende muito de para onde queres ir - respondeu o gato
Preocupa-me pouco aonde ir - disse Alice
Nesse caso pouco importa o caminho que sigas - replicou o
gato
Lewis Carroll
85
Este olhar para o fenocircmeno buscando ver o que estaacute aleacutem das aparecircncias foi possiacutevel
com a inspiraccedilatildeo proporcionada pela fenomenologia Enquanto concepccedilatildeo filosoacutefica a
fenomenologia traz em seu cerne reflexotildees profundas para o pesquisador que se propotildee a
realizar um estudo voltado para a compreensatildeo dos fenocircmenos
A fenomenologia aquela fundamentada nos preceitos de Heidegger (1927 2015)
busca o entendimento do ser humano enquanto ser-aiacute Dasein um ser que tem capacidade de
questionar interrogar sobre o seu proacuteprio ser aleacutem de ter a consciecircncia sobre a sua finitude
Heidegger (1927 2015) propotildee uma compreensatildeo do homem enquanto ser-no-mundo
aberto a possibilidades que vive em relaccedilatildeo com os outros e na manualidade das coisas
simplesmente dadas Um ser que eacute mundo que constroacutei o seu mundo envolvido em uma trama
de sentidos e significados mutaacuteveis passageiros Um ser que tem a linguagem enquanto
morada que permite a expressatildeo dos sentidos Compreender esse ser envolve portanto desde
o princiacutepio ouviacute-lo entendecirc-lo considerando o olhar que tem sobre a vida e cientes de que a
experiecircncia humana eacute uma fluidez constante Natildeo existe portanto a seguranccedila e o controle
como premissas
Diante do exposto pode-se mencionar que a escolha da fenomenologia fundamentada
nas ideias de Heidegger deve-se ao fato da mesma orientar o entendimento do ser humano
a fenomenologia natildeo nasceu como um meacutetodo tal qual como as ciecircncias e
teacutecnicas modernas o supotildeem (como rigorosa prescriccedilatildeo de procedimentos e
instrumentais) mas grosso modo como um questionamento da dissoluccedilatildeo da
filosofia no modo cientiacutefico de pensar da loacutegica inerente agraves ciecircncias modernas
como criacutetica da metodologia de conhecimento cientiacutefico que rejeita do acircmbito do
real e do proacuteprio conhecimento tudo aquilo que natildeo possa estar submetido agrave estrita
noccedilatildeo de verdade [enquanto verificaacutevel por um meacutetodo] de sujeito cognoscente
e de objeto cognosciacutevel (Critelli 1996 p 7)
86
enquanto ser-aiacute dasein um ser que tem como tarefa cuidar de si proacuteprio e construir-se no
mundo (Heidegger 19271989)
A fenomenologia hermenecircutica heideggeriana eacute um modo de ver o mundo E serviu
como inspiraccedilatildeo para a compreensatildeo da experiecircncia dos profissionais de sauacutede atuantes na UTI
Neonatal A busca desta compreensatildeo estava ancorada portanto na orientaccedilatildeo desta filisofia
que traz conceitos relevantes particularmente para a temaacutetica do presente estudo como o ser-
para-a-morte o ser-no-mundo a anguacutestia e o cuidado
Aleacutem disso o referencial fenomenoloacutegico ao abordar a experiecircncia contempla a
existecircncia considerando que o ser humano somente se constitui enquanto tal existindo no
mundo Esta compreensatildeo da existecircncia considera que o caminhante transforma-se a medida
que caminha Como nos inspira Critelli (1996 p 80) ldquoA existecircncia eacute erupccedilatildeo e transformaccedilatildeo
inesgotaacuteveis Daiacute se fala em existecircncia como vir-a-ser o que eacute ou o que estaacute sendo estaacute vindo
a serrdquo
Olhar para o fenocircmeno com este referencial implica em considerar que os profissionais
de sauacutede modificaram-se ao longo da sua jornada Eles fizeram escolhas enfrentaram desafios
vivenciaram perdas e momentos alegres e podem ter modificado a sua visatildeo de mundo ao longo
da jornada De forma similar o pesquisador tambeacutem modifica a sua compreensatildeo sobre o
fenocircmeno As ideias iniciais podem ser contempladas ou mesmo desconsideradas diante dos
encontros com novas perspectivas sobre o fenocircmeno
A pesquisa fenomenoloacutegica considera que ldquoinvestigar eacute sempre colocar em andamento
uma interrogaccedilatildeordquo (Critelli 1996 p27) Em meio aos encontros com os participantes o
fenocircmeno se apresenta e se desvela a partir dos sentidos e interpretaccedilotildees do pesquisador
Ao considerar que a experiecircncia de cada participante eacute uacutenica que a existecircncia eacute singular
o referencial da fenomenologia natildeo defende uma verdade absoluta para os fenecircmenos A
verdade eacute relativa A compreensatildeo sobre a existecircncia eacute referente ao momento da pesquisa e
87
considera um horizonte histoacuterico especiacutefico que dita normas valores e formas de ver o mundo
Por assim dizer em um novo encontro o participante pode resignificar a sua experiecircncia
desvelar novos sentidos para a sua existecircncia
A fenomenologia propotildee uma criacutetica ao modelo metafiacutesico que busca uma relaccedilatildeo de
causa e efeito e a verdade absoluta para o que foi pesquisado Escolher esta orientaccedilatildeo para
realizar pesquisa natildeo significa entendecirc-la enquanto uma metodologia mas sim de uma forma
mais ampla como um modo de ver o mundo e compreender os fenocircmenos
A partir da compreensatildeo do meacutetodo com um caminho a ser percorrido de ora em diante
seratildeo apresentadas as formas escolhidas para trilhar este caminho ou seja como as informaccedilotildees
sobre os participantes foram obtidas e posteriormente como buscou-se a compreensatildeo diante
do que foi narrado
41-Participantes da pesquisa
A pesquisa teve como participantes profissionais de sauacutede atuantes na UTI Neonatal da
Maternidade Escola Januaacuterio Cicco A definiccedilatildeo dos participantes ocorreu de forma intencional
considerando a disponibilidade dos profissionais em participar Pretendeu-se inicialmente
contemplar pelo menos um representante de cada formaccedilatildeo profissional necessaacuteria para a
estruturaccedilatildeo de uma equipe de UTI Neonatal
Vale salientar que o interesse da pesquisa natildeo estaacute no nuacutemero expressivo de
participantes mas sim no conteuacutedo de sua experiecircncia Desta forma foram realizadas nove
entrevistas com profissionais de sauacutede de diferentes especialidades meacutedicos enfermeiros
teacutecnicos de enfermagem fisioterapeutas psicoacutelogo e assistente social (Turato 2005)
Os participantes apresentavam idade compreendida entre a faixa etaacuteria de 25 anos a 45
anos Quanto ao tempo de atuaccedilatildeo na UTI neonatal existiram profissionais que atuam a mais
de 20 anos e outros que vieram de diferentes locais de trabalho como de um hospital geral e
88
estatildeo trabalhando na UTI neonatal haacute aproximadamente 3 anos oriundos do concurso da
EBSERH
A equipe da UTI Neonatal eacute muldiciplinar No mecircs em que foram realizadas as
entrevistas possuiacutea o seguinte quantitativo de pessoal 8 fisioterapeutas 21 enfermeiros 28
meacutedicos 1 psicoacutelogo 1 assistente social 1 terapeuta ocupacional 2 fonodioacutelogos e 49 teacutecnicos
de enfermagem
42-Criteacuterios de Inclusatildeo e Exclusatildeo
Foram convidados a participar do estudo os profissionais de sauacutede atuantes na UTI-
Neonatal contemplando as diferentes formaccedilotildees necessaacuterias agrave formaccedilatildeo de uma equipe
multidisciplinar (meacutedicos enfermeiros teacutecnicos de enfermagem psicoacutelogos fisioterapeutas) e
que tiveram disponibilidade e interesse para participar da pesquisa Os criteacuterios de inclusatildeo
delimitados foram trabalhar na UTI Neonatal ter algum tipo de formaccedilatildeo (seja esta teacutecnica ou
de niacutevel superior)
Como criteacuterio de exclusatildeo foi definida a ausecircncia de formaccedilatildeo (de graduaccedilatildeo ou teacutecnica
para o exerciacutecio da funccedilatildeo) ou seja os estudantes que fazem estaacutegio ou residecircncia na
Maternidade Escola natildeo participaram do estudo Natildeo foram considerados como criteacuterios de
exclusatildeo a idade sexo o tempo de formaccedilatildeo profissional e o tempo de atuaccedilatildeo na Unidade de
Terapia Intensiva Neonatal
Por se tratar de um estudo que tem inspiraccedilatildeo na fenomenologia hermenecircutica
heideggeriana considerou-se a experiecircncia de cada participante como uacutenica Por assim dizer a
idade o tempo de atuaccedilatildeo na UTI Neonatal natildeo se apresentam como aspectos relevantes para
a compreensatildeo da experiecircncia dos participantes nem tatildeo pouco para servir como referecircncia a
tiacutetulo de comparaccedilatildeo entre as narrativas Pelos motivos expostos estes criteacuterios natildeo foram
considerados para a interpretaccedilatildeo das entrevistas
89
43-Aspectos eacuteticos
O presente estudo foi submetido e aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica da UFRN
Universidade Federal do Rio Grande do Norte com a anuecircncia da Maternidade Escola Januaacuterio
Cicco (CAAE 68533517000005537) Antes do iniacutecio de cada entrevista foi apresentado o
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para os profissionais que desejaram
participar Neste termo constam os riscos e benefiacutecios envolvidos na participaccedilatildeo da pesquisa
(termo apresentado em anexo) Nos casos de concordacircncia na participaccedilatildeo tambeacutem foi
solicitada a assinatura do Termo de Autorizaccedilatildeo para Gravaccedilatildeo de Voz (termo apresentado em
anexo)
As entrevistas foram realizadas em uma sala reservada na Maternidade Escola Januaacuterio
Cicco no horaacuterio mais conveniente para os entrevistados de forma que natildeo comprometeu o
desenvolvimento das atividades laborais
Por se tratar de uma pesquisa realizada com profissionais de uma uacutenica instituiccedilatildeo a
preocupaccedilatildeo com as questotildees eacuteticas foi muito aleacutem da assinatura do TCLE envolveu um
cuidado para a preservaccedilatildeo do sigilo quanto agrave identidade dos participantes de forma que eles
pudessem expressar as suas opiniotildees seus pontos de vista espontaneamente sem receio de
alguma represaacutelia por parte da instituiccedilatildeo ou mesmo dos colegas de trabalho
Como outra alternativas para o cumprimento com o sigilo foram adotados nomes
fictiacutecios para as participantes Tais como as flores que trazem beleza ao ambiente e ao mesmo
tempo deixam frutos e sementes por onde passam as participantes da pesquisa se dedicam para
tornar o ambiente da UTI Neonatal mais acolhedor e leve apesar do solo aacuterido de um trabalho
com o limiar da vida As flores nos inspiraram assim a denominar as participantes como
Rosa Margarida Orquiacutedea Tulipa Iacuteris Angeacutelica Violeta Amariacutelis e Girassol
90
44- Formas de trilhar o caminho
Para chegar ateacute os participantes foram cumpridas todas as exigecircncias necessaacuterias quanto
agrave parte burocraacutetica Inicialmente o projeto de tese foi submetido agrave avaliaccedilatildeo da Gerecircncia de
Pesquisa da MEJC Com a anuecircncia da maternidade o projeto foi submetido ao Comitecirc de Eacutetica
da UFRN Apoacutes a aprovaccedilatildeo no referido Comitecirc de Eacutetica foi realizado um novo contato com
a Gerecircncia de Pesquisa da MEJC para enviar a documentaccedilatildeo de aprovaccedilatildeo e solicitar o crachaacute
de acesso agraves instalaccedilotildees da maternidade conforme orientado anteriormente Cumprida esta
etapa foi agendada uma reuniatildeo com a enfermeira chefe da UTI Neonatal para explicar sobre
a pesquisa
Apoacutes a reuniatildeo a pesquisadora foi apresentada a alguns profissionais da UTI Neonatal
dentro das instalaccedilotildees da UTIN quando uma profissional questionou se poderia ser entrevistada
naquele momento demonstrando bastante interesse pela pesquisa Diante da solicitaccedilatildeo como
a pesquisadora estava com todo o material necessaacuterio (TCLE Termo de Gravaccedilatildeo de Voz
gravador) as entrevistas se iniciaram naquele mesmo dia
Apoacutes a primeira entrevista jaacute havia outra profissional interessada Assim as entrevistas
narrativas foram sendo agendadas tendo como caracteriacutestica a procura espontacircnea das
profissionais e de acordo com a disponibilidade dos mesmos As entrevistas ocorreram ao longo
do mecircs de julho de 2017 em uma sala dentro da UTIN da MEJC destinada ao atendimento de
matildees ou a reuniotildees dos profissionais de sauacutede
A entrevista narrativa foi utilizada na presente pesquisa por permitir o acesso ao
fenocircmeno agrave histoacuteria contada pelo narrador da forma como ele a compreende e vivencia A
narrativa se apresenta como uma expressatildeo da compreensatildeo Atraveacutes da narrativa o
participante relata o que considera relevante para a sua trajetoacuteria vivencial contada por meio
de fatos acontecimentos e afetos (Dutra 2002)
91
A narrativa contempla a experiecircncia narrada pelo participante e ouvida pelo
pesquisador que ao relatar o que ouviu se torna outro narrador o qual conta a histoacuteria a partir
da compreensatildeo que teve do fenocircmeno O pesquisador assume portanto uma postura ativa
durante todo o processo de conduccedilatildeo do estudo (Benjamim 2008 Dutra 2002)
Desta forma o pesquisador pode direcionar a entrevista agrave temaacutetica que for do seu
interesse e o participante torna-se o narrador da sua proacutepria experiecircncia Como natildeo existe uma
busca pela verdade universal dos fatos e sim uma compreensatildeo do fenocircmeno para a pessoa que
o vivenciou a narrativa contribui para o intuito da fenomenologia de retornar ldquoagraves coisas
mesmasrdquo como satildeo na forma que se desvelam para o mundo (Dutra 2016)
A narrativa por assim dizer reflete a experiecircncia humana como ela foi vivenciada e
resignificada pelo narrador e a fenomenologia busca compreender o fenocircmeno experienciado
pelo participante Diante do exposto a entrevista narrativa foi utilizada tendo como questatildeo
disparadora
ldquoVocecirc poderia me falar a respeito da sua experiecircncia enquanto profissional de sauacutede em UTI
Neonatalrdquo
42- Orientaccedilatildeo para a interpretaccedilatildeo
A interpretaccedilatildeo das narrativas ocorreu agrave luz da hermenecircutica heideggeriana Heidegger
buscou inspiraccedilatildeo na hermenecircutica para a estruturaccedilatildeo de uma nova forma de pensar a
fenomenologia A origem da palavra hermenecircutica remete a Hermes o deus mediador que na
Greacutecia Antiga era conhecido como o mensageiro o responsaacutevel pela origem da linguagem
verbal e escrita aquele que fazia a traduccedilatildeo da linguagem dos deuses para a linguagem humana
Desde a Greacutecia Antiga valorizava-se a arte de interpretar as palavras Mas foi somente no
seacuteculo XVII que se passou a utilizar a denominaccedilatildeo de hermenecircutica em referecircncia agrave ciecircncia
da interpretaccedilatildeo (Rohden 2012)
92
Para Heidegger a hermenecircutica tambeacutem eacute considerada como sinocircnimo de interpretaccedilatildeo
utilizando-se do mesmo conceito da Greacutecia Antiga Heidegger entende que o ser humano
sempre interpreta e isto faz parte da existecircncia da sua relaccedilatildeo com o mundo No livro Ser e
Tempo o referido autor dedica-se a compreender a questatildeo do ser e passa a definir o ser humano
como dasein como ser-aiacute temporal e histoacuterico caracterizado por uma abertura (Heidegger
19272015)
Esta abertura ocorre por meio de trecircs existenciais propostos por Heidegger a disposiccedilatildeo
afetiva (befindlickeit) a compreensatildeo e a linguagem Inicialmente o dasein se abre para o
mundo por um estado de acircnimo uma disposiccedilatildeo afetiva algo que comove que desperta o
interesse do ser O fato de estar no mundo faz com os seres sejam sempre afetados pelas coisas
que acontecem no mundo e esta afetaccedilatildeo pode ocorrer por meio de humores positivos como
tambeacutem por estados de acircnimos distintos como o teacutedio e a indiferenccedila que iratildeo permitir a
abertura do ser para o mundo de outro modo
A compreensatildeo eacute apresentada por Heidegger como outro existencial para abertura do
ser como caracteriacutestica fundamental da existecircncia humana uma vez que o ser-aiacute eacute um poder-
ser aberto a possibilidades Um ser de projetos que interage com o mundo com as
possibilidades escolhas e responsabilidades A compreensatildeo eacute o poder-ser a possibilidade de
ser algo para os outros e principalmente para si mesmo Heidegger (1989 p 200) entende a
compreensatildeo como ldquoo ser existencial do proacuteprio poder-ser da pre-senccedila de tal maneira que em
si mesmo esse ser abre e mostra a quantas anda seu proacuteprio serrdquo
A elaboraccedilatildeo do projeto da compreensatildeo por sua vez eacute definida por Heidegger como
interpretaccedilatildeo Interpretaccedilatildeo e compreensatildeo natildeo satildeo entendidas pelo referido autor como etapas
separadas mas como intriacutensecas ao entender humano A compreensatildeo revela a abertura para as
possibilidades que ganham forma por meio da interpretaccedilatildeo
93
A compreensatildeo eacute expressa por meio da linguagem verbal e natildeo-verbal e a expressatildeo
da linguagem pode gerar uma nova interpretaccedilatildeo do que foi vivido E o homem se expressa por
meio do discurso Segundo Heidegger (2003 p 203)
ldquo falar eacute por si mesmo escutar Falar eacute escutar a linguagem que falamos O falar natildeo
eacute ao mesmo tempo mas antes uma escuta Esta escuta da linguagem precede da
maneira mais insuspeita todas as demais escutas possiacuteveis Natildeo falamos simplesmente
a linguagem Falamos a partir da linguagemrdquo
Como relatado anteriormente a narrativa promove para o narrador uma reflexatildeo sobre
os acontecimentos e uma ressignificaccedilatildeo das experiecircncias para o ouvinte a possibilidade de
gerar uma compreensatildeo do que foi narrado considerando a forma como este interpreta o mundo
Os existenciais definidos por Heidegger fundamentam a relaccedilatildeo do ser-com o mundo e
compotildee uma circularidade onde nada estaacute pronto e acabado onde natildeo existe uma verdade
absoluta e o ser-no-mundo eacute o ser-aiacute inserido em uma temporalidade e em um contexto
histoacuterico especiacutefico
Congruente com a ideia de circularidade Heidegger propotildee o ciacuterculo hermenecircutico que
compreende trecircs estados natildeo-lineares indissociaacuteveis a posiccedilatildeo preacutevia a visatildeo preacutevia e a
concepccedilatildeo preacutevia Conforme apresentado na figura a seguir
Figura 2 - O ciacuterculo hermenecircutico
Posiccedilatildeo Preacutevia
Visatildeo PreacuteviaConcepccedilatildeo
Preacutevia
Abertura Disposiccedilatildeo
compreensatildeo linguagem
(Azevedo 2013 Maux 2014)
94
A posiccedilatildeo preacutevia apresenta o conhecimento anterior do pesquisador (as leituras
realizadas sobre a temaacutetica de estudo os sentidos que levaram ao interesse pela pesquisa a
escuta de outros atores que influenciaram no processo enfim as informaccedilotildees anteriores ao
encontro com os participantes da pesquisa) O pesquisador natildeo vai escutar a narrativa do
participante de forma neutra pois ele eacute um ser-no-mundo envolvido em um contexto histoacuterico
especiacutefico e com um preacute-conhecimento sobre o fenocircmeno que seraacute estudado
A visatildeo preacutevia apresenta-se como possibilidades de compreensatildeo diante do que foi
ouvido do participante Eacute um recorte feito pelo pesquisador a partir de uma abertura uma
disposiccedilatildeo afetiva para a escuta do outro E a concepccedilatildeo preacutevia resgata os conhecimentos
apresentados na posiccedilatildeo preacutevia com o recorte da escuta proveniente da visatildeo preacutevia Eacute a
interpretaccedilatildeo que cria algo novo que torna o ouvinte narrador de uma histoacuteria estruturada com
base na sua compreensatildeo de mundo
A relaccedilatildeo proposta pela hermenecircutica e pela fenomenologia considera o dito e o natildeo
dito ou seja natildeo somente o conteuacutedo anunciado pelo sujeito mas os pressupostos que ele natildeo
anuncia E o pesquisador tem uma postura ativa no processo cabendo a ele as possibilidades
de ver novas perguntas e respostas dependendo da conduccedilatildeo da proacutepria entrevista Esta
abertura e postura ativa do pesquisador possibilita que o mesmo acesse o fenocircmeno buscando
a compreensatildeo da experiecircncia do outro
A anaacutelise e interpretaccedilatildeo do fenocircmeno foi realizada em congruecircncia com a circularidade
hermenecircutica (Heidegger 1927 2015) e teve as suas etapas definidas utilizando como fontes
de inspiraccedilatildeo as propostas de Dutra (2002) Azevedo (2013) e Maux (2014)
-Registro das afetaccedilotildees do pesquisador durante a entrevista Apoacutes a entrevista o
pesquisador descreve aspectos relevantes para o mesmo as afetaccedilotildees e ateacute reflexotildees e
questionamentos tendo com base a visatildeo preacutevia e a posiccedilatildeo preacutevia
-Transcriccedilatildeo da entrevista e posterior releitura do pesquisador
95
-Identificaccedilatildeo de temas que emergem das narrativas como um desvelamento da tramas
da existecircncia de cada participante Os temas retratam aspectos significativos para os
participantes que satildeo contemplados ao longo das narrativas e que afetaram o pesquisador
narrador
-Interpretaccedilatildeo do fenocircmeno com base na concepccedilatildeo preacutevia em que os conhecimentos
anteriores satildeo refletidos junto agraves entrevistas transcritas Nesta etapa o todo da pesquisa eacute
apresentado diante da reflexatildeo do pesquisador para a estruturaccedilatildeo da compreensatildeo do
fenocircmeno
A transcriccedilatildeo eacute uma etapa que consiste na primeira versatildeo das entrevistas que apresenta
a narrativa da forma como foi gravada com as falas do pesquisador e do entrevistado (Maux
amp Dutra 2009 Schmidt 2006)
Apoacutes descrever as etapas para interpretaccedilatildeo das narrativas eacute importante ressaltar que
assim como a obra de Van Gogh ldquoo pintor a caminho do trabalhordquo o pesquisador ao longo do
percurso da pesquisa entra em contato com o fenocircmeno jaacute com uma compreensatildeo preacutevia do
mesmo Ao longo da caminhada surgem novas nuances novas formas de compreender o
fenocircmeno a partir do olhar de quem o vivenciou Como afirma Critelli (1996 p 81) ldquoeacute atraveacutes
do desveladoreveladotestemunhado que os homens se relacionam entre siAgrave medida que as
coisas testemunhadas em comum satildeo elementos de mediaccedilatildeo entre os homens elas estatildeo
instaurando o mundo uma trama significativa comum O mundo se daacute e se recusa aos homens
atraveacutes daquilo com que estatildeo em contato e a respeito do que falamrdquo
A narrativa traz em si os fatos acontecimentos e afetos Apresenta pontos de vista e a
historicidade do ser-no-mundo Oferece a quem narra e a quem ouve a possibilidade de um
encontro e nesse encontro a possibilidade de refletir e resignificar o vivido O proacuteximo capiacutetulo
seraacute dedicado justamente agraves narrativas destes profissionais que se dedicam a cuidar da vida e
buscam formas de lidar com a finitude
96
-Capiacutetulo 5 As narrativas dos participantes os sentidos de ser profissional de sauacutede em
UTI Neonatal
ldquoLast Supperrdquo ldquoA Uacuteltima Ceiardquo Vladimir Kush
97
-Capiacutetulo 5 As narrativas dos participantes os sentidos de ser profissional de sauacutede em
UTI Neonatal
Este capiacutetulo eacute dedicado agraves participantes do estudo as profissionais de sauacutede atuantes
na UTI Neonatal da Maternidade Escola Januaacuterio Cicco homenageadas atraveacutes do quadro
apresentado no iniacutecio do capiacutetulo do pintor surrealista Vladimir Kush As flores reunidas em
torno de uma mesa serviram de inspiraccedilatildeo para falar sobre a experiecircncia das colaboradores que
integram uma equipe multiprofissional Ser profissional de sauacutede eacute tambeacutem ser-com os colegas
de trabalho das diversas aacutereas por assim dizer faz parte do mundo de cada profissional as
relaccedilotildees que constituem com o outro
Assim como as distintas flores ao redor de uma mesa apresentadas no quadro tantas
vezes os profissionais com formaccedilotildees distintas precisam se reunir em torno de um caso em
nome da assistecircncia ao receacutem-nascido e seus familiares Como as flores que compotildee um belo
jardim deixam espaccedilo para a sobrevivecircncia e florescimento das demais o trabalho de cada
integrante da equipe tem a sua relevacircncia e os papeacuteis dos profissionais precisam estar claros
bem como a importacircncia que cada um pode gerar para o todo em benefiacutecio da assistecircncia aos
bebecircs
As flores satildeo belas e delicadas mas tambeacutem possuem espinhos Ora estatildeo mais floridas
ora um pouco murchas Tambeacutem precisam de aacutegua e insumos para sobreviver Sofrem quando
o solo estaacute demasiadamente aacuterido ou quando precisam enfrentar tempestades Os seres
humanos agraves vezes estatildeo mais sorridentes e alegres para vida Em outros momentos mais
murchos e contidos ou mesmo tristes e sem enxergar novas possibilidades
As afetaccedilotildees os estados de humor satildeo como lentes que direcionam o nosso olhar para
as possibilidades da existecircncia O encantamento o estar apaixonado pode levar a ver o mundo
cor de rosa com novas nuances a tristeza por sua vez pode levar o olhar para algo obscuro
sem possibilidades ou alternativas para soluccedilatildeo
98
Como seres humanos os profissionais de sauacutede tambeacutem possuem a afetaccedilatildeo como
caracteriacutestica ontoloacutegica natildeo satildeo como maacutequinas que apresentam reaccedilotildees calculadas
Simplesmente existem dias em que natildeo aguentam ver tanto sofrimento e em outros
conseguem oferecer o suporte esperado O fato eacute que precisam ter um domiacutenio teacutecnico dos
instrumentais e equipamentos e ao mesmo tempo fornecer uma assistecircncia humanizada
dedicando atenccedilatildeo aos pais e familiares
Diante das consideraccedilotildees eacuteticas levantadas quanto ao sigilo dos participantes optamos
por realizar a anaacutelise das entrevistas a partir dos temas que emergiram das afetaccedilotildees do
pesquisador apoacutes as leituras e releituras das transcriccedilotildees das entrevistas Estes temas
apresentados a seguir seratildeo discutidos agrave luz da fenomenologia hermenecircutica heideggeriana
contemplando o olhar da pesquisadora para a experiecircncia dos profissionais 1-A escolha para
trabalhar na UTI Neonatal 2- As dificuldades do trabalho em uma UTI Neonatal 3- Os
sentimentos diante da morte de receacutem-nascidos 4- O ser-com-os-outros as matildees dos pacientes
os receacutem-nascidos e os colegas de trabalho 5- A formaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede 6-
Reflexotildees sobre a atuaccedilatildeo profissional de sauacutede concepccedilatildeo de cuidado novas possibilidades e
projetos
De ora em diante seguiremos com os temas propostos envolvendo trechos das falas dos
participantes e as reflexotildees acerca da experiecircncia de ser-com os profissionais de sauacutede atuantes
da UTI Neonatal
1-A escolha para trabalhar na UTI Neonatal
Ao relatarem sobre a sua experiecircncia na UTI Neonatal os profissionais naturalmente
contavam sobre o seu percurso profissional na aacuterea de sauacutede ateacute chegar agrave UTI Neonatal da
MEJC A construccedilatildeo da narrativa por assim dizer gerava direccedilatildeo e sentido Em cada relato
passado presente e futuro se entrelaccedilavam e resultavam na composiccedilatildeo de uma histoacuteria de vida
Este toacutepico sobre ldquoa escolha para trabalhar na UTI Neonatalrdquo assumiu uma relevacircncia durante
99
a anaacutelise das narrativas por se apresentar como um marco na trajetoacuteria de vida destes
profissionais um ldquodivisor de aacuteguasrdquo que gera desdobramentos para os demais toacutepicos definidos
durante a anaacutelise
Dentre as nove entrevistadas quatro demonstraram interesse pela aacuterea de neonatologia
durante a faculdade e buscaram fazer residecircncia na aacuterea Estas revelaram um encantamento
inicial com a aacuterea principalmente pelo fato de trabalhar com bebecircs com o iniacutecio da vida
Algumas vezes a ideia do nascimento aparece como uma perspectiva positiva principalmente
quando seguida da possibilidade de contribuir com o desenvolvimento dos receacutem-nascidos
Seguem alguns relatos que ilustram isso
ldquoNo final da faculdade eu me apaixonei por Neo E a primeira vez que eu entrei ou na
enfermaria canguru ou aqui eu jaacute senti uma afinidade muito grande Eu natildeo sei explicar
da onde veio tanto amor assim mas eu gosto muito de trabalhar na aacuterea eu tento pensar na
famiacutelia como se fosse minha famiacutelia como eu queria que tratassem um filho meurdquo
(Margarida)
ldquoO meu sentimento em relaccedilatildeo agrave UTI eacute de uma casa mesmo porque eu brinco dizendo
que eu nasci profissionalmente aqui e eacute aqui que eu guardo todo o meu sentimento
tudinho de cuidado neacute Eu cuido dessa UTI como se ela fosse minha mesmo minha
casa a extensatildeo da minha famiacuteliardquo (Angeacutelica)
As demais (outras cinco profissionais) tiveram o direcionamento para a aacuterea a partir do
concurso puacuteblico para a MEJC Duas se destacaram pelos relatos de natildeo desejarem trabalhar
em UTI Neonatal tanto pelo desgaste da rotina como pela dificuldade em lidar com a morte de
bebecircs Apesar disso por questotildees administrativas acabaram integrando a equipe e alegam que
hoje conseguiram resignificar a experiecircncia de trabalhar com bebecircs graves e suas famiacutelias
ldquo Quando eu fui chamada em Marccedilo pra caacute me choquei de antematildeo porque eu natildeo
vim pra UTI Nunca quis trabalhar com Neo Tem uma carga emocional muito
grande se a gente jaacute sofre com perdas de pacientes adultos imagina com crianccedilas
receacutem-nascidas que tem uma vida toda pela frenterdquo (Tulipa)
100
ldquoNa verdade eu nunca tive experiecircncia em UTI E quando eu fui convocada devido
aqui na UTI Neo ter um deacuteficit de funcionaacuterios entatildeo eu meio que fui induzida a
aceitar Como havia essa necessidade entatildeo eles me convenceramrdquo (Amariacutelis)
Apesar da resistecircncia inicial de algumas para trabalhar na UTI Neo o que existe em
comum em todos os relatos eacute o encantamento com o trabalho realizado A possibilidade de
ajudar os bebecircs e suas famiacutelias aparece como um acalento um retorno muito significativo da
dedicaccedilatildeo do trabalho realizado O cuidado com os bebecircs e a possibilidade de vecirc-los sair de
uma situaccedilatildeo limiacutetrofe para uma nova vida faz as profissionais se emocionaram e desejarem
continuar nesta jornada apesar das dificuldades encontradas
Ao buscar compreender o outro a partir de uma perspectiva da fenomenologia
existencial passamos a consideraacute-lo como um ser-no-mundo que se constitui agrave medida que
constroacutei seu caminhar que se planeja realiza projetos mas pode se deparar com situaccedilotildees
diversas das quais imaginava e de uma forma ou de outras vai lidando com isso tudo
Foi interessante o relato de uma profissional que natildeo considerava a sua atuaccedilatildeo na UTI
Neonatal como uma escolha apesar de ter mais de 20 anos de experiecircncia na aacuterea de
Neonatologia iniciou a sua trajetoacuteria tirando feacuterias de uma colega em uma UTI Neonatal seu
primeiro emprego Para a profissional trabalhar nesta aacuterea foi ldquouma oportunidade que depois
virou um caminhordquo natildeo uma escolha por preferecircncia ou identificaccedilatildeo inicial Depois as
oportunidades foram surgindo devido a sua experiecircncia na aacuterea e assim o seu percurso
profissional foi se desenvolvendo
ldquoFoi a oportunidade que surgiu que me fez conhecer e querer seguir essa aacuterea natildeo
foi uma coisa assim ldquoah eu sonhei em fazerrdquo a gente natildeo escolhe a aacuterea a
oportunidade que escolhe a genterdquo (Girassol)
O relato de Girassol traz uma reflexatildeo acerca da indeterminaccedilatildeo do sujeito que
enquanto ser-no-mundo estaacute aberto a possibilidades que vatildeo surgindo e assim um caminho vai
sendo construiacutedo Este caminho eacute incerto natildeo estaacute definido por certezas pautadas na ideia de
101
uma vocaccedilatildeo encapsulada que estaacute presente dentro do indiviacuteduo para ser exercida no mercado
de trabalho O ser-aiacute eacute aberto a possibilidades e vai modificando-se ao longo do percurso da
vida O que poderia natildeo ser imaginado como local de atuaccedilatildeo tempos atraacutes pode tornar-se fonte
de subsistecircncia em outro momento da vida O indiviacuteduo pode resignificar a sua atuaccedilatildeo
profissional e observar de forma diferente o local em que estaacute trabalhando
O que observamos ao longo dos relatos foi que a ideia de trabalhar com bebecircs natildeo
implica necessariamente em uma identificaccedilatildeo ou vocaccedilatildeo originaacuteria agraves vezes tatildeo presente na
concepccedilatildeo do senso comum Mas em possibilidades que surgem e passam a ser consideradas
como parte de um caminho E a magia do caminhar estaacute justamente na possiacutevel transformaccedilatildeo
do caminhante ao olhar novas paisagens e vivenciar novas experiecircncias
Esta reflexatildeo inicial tem o intuito de lanccedilar um olhar para as escolhas destes
profissionais a partir da fenomenologia existencial considerando a indeterminaccedilatildeo do sujeito
Afinal de contas como nos inspiram Feijoo Protaacutesio e Magnam (2014) ldquo Outra determinaccedilatildeo
baacutesica para uma psicologia existencial consiste em tomar o modo de ser e comportar-se do
homem como fundado em seu caraacuteter de indeterminaccedilatildeo e poder-ser ou seja seu modo de ser
encontra-se sempre em jogo no seu existir Sendo a existecircncia marcada pela indeterminaccedilatildeo
natildeo eacute possiacutevel prescrever ou determinar o melhor caminho a seguirrdquo (p 58)
A partir deste olhar para a indeterminaccedilatildeo do sujeito considerando o horizonte
histoacuterico as limitaccedilotildees nas quais estatildeo imersos partiremos para o outro toacutepico que contempla
o trabalho na UTI Neonatal
2- As dificuldades do trabalho em uma UTI Neonatal
A UTI Neonatal na MEJC foi ampliada no ano de 2017 passando a apresentar duas
unidades com capacidade para atender 23 receacutem-nascidos Compotildee a UTI Neonatal um
corredor central com uma sala aberta para os prontuaacuterios uma sala de apoio com equipamentos
uma copa as salas de descanso e uma sala de acolhimento (tambeacutem receacutem-inaugurada)
102
Eacute um local frio em termos de temperatura de ausecircncia de cores da presenccedila de um
maquinaacuterio sofisticado da luz constante e contiacutenua que gera uma distacircncia em relaccedilatildeo ao que
ocorre fora das instalaccedilotildees da UTI Natildeo existem janelas nas aacutereas dedicadas ao tratamento dos
receacutem-nascidos e consequentemente ao trabalho dos profissionais de sauacutede Isto foi relatado
por uma das profissionais como uma caracteriacutestica do trabalho na UTI Neonatal
ldquoEu acho que a dificuldade eacuteo confinamento eacute vocecirc taacute num lugar que vocecirc natildeo vecirc se
eacute de dia se eacute de noite se taacute chovendo se taacute fazendo sol entendeu O ambiente fechado
ao longo do tempo ele pesa Eacute tanto que quando fizeram a reforma daqui eu disse ldquoai
que coisa boa Vai ter janelardquo porque acredito ateacute que eacute uma coisa boa pras crianccedilas
tomar banho de solrdquo (Girassol)
Sentir-se confinado em um ambiente sem janela sem saber se eacute dia ou noite eacute um fator
que pode gerar um incocircmodo maior para alguns profissionais como no relato apresentado por
Girassol Fizemos uma analogia a esta flor que busca constantemente o sol para o seu
desenvolvimento com a profissional que se sente inserida em um ambiente que apresenta uma
caracteriacutestica de confinamento Este confinamento faz parte da atuaccedilatildeo da maior parte dos
profissionais da UTI Neonatal com exceccedilatildeo para a as aacutereas da psicologia e serviccedilo social que
circulam pelas instalaccedilotildees do hospital inclusive para dar assistecircncia agraves matildees dos bebecircs
Alguns estudos apontam que trabalhar em local confinado eacute uma dificuldade vivenciada
pelos profissionais de sauacutede Algo que gera um certo incocircmodo tanto em relaccedilatildeo agrave falta da luz
solar como tambeacutem quanto aos cheiros e agrave temperatura Na tentativa de humanizar o ambiente
algumas estrateacutegias satildeo sugeridas como colocar um pano em cima das incubadoras para
ldquoinduzirrdquo um ciclo de dia-noite diminuir o volume dos ruiacutedos sonoros ou substituiacute-los por
alarmes luminosos Estas praacuteticas tem o intuito de reduzir o impacto das consequecircncias do
confinamento para os pacientes Para os profissionais entretanto pode gerar mais demanda de
trabalho mais atividades para executar (Brasil 2003 Lamego Deslandes e Moreira 2005
Rocha Souza e Teixeira 2015)
103
Outra dificuldade apresentada por vaacuterios profissionais entrevistados refere-se agrave
sobrecarga de trabalho em especial para a categoria de teacutecnicos de enfermagem que apresenta
um nuacutemero inferior ao necessaacuterio para atendimento dos receacutem-nascidos
ldquo A gente passa muitos periacuteodos difiacuteceis por ter menos teacutecnicos de enfermagem do
que deveria ter Porque a gente sabe que um teacutecnico soacute pode ficar com tantos nuacutemeros
de bebecircs quando ele fica com mais bebecircs pra cuidar do que ele deveria ficar isso acaba
levando a maior risco de erros de sobrecarga pra aquele profissional E acontece erros
na assistecircncia por conta dissordquo (Orquiacutedea)
ldquoEles se preocupam em abrir leitos leitos Mas natildeo compreendem que tecircm poucos
profissionais pra isso e que deveriam bloquear Tem dias que a gente tem que ficar
com seis teacutecnicos cinco teacutecnicos pra vinte um vinte e dois bebecircs e isso natildeo eacute correto
e acaba deixando a gente tenso porque a gente trabalha sob uma certa pressatildeo Eacute tanto
que vaacuterios teacutecnicos que entraram aqui muitos jaacute saiacuteram com atestado psiquiaacutetricordquo
(Amariacutelis)
A sobrecarga leva os profissionais a trabalharem no limite do desgaste fiacutesico e
psicoloacutegico podendo resultar no afastamento do trabalho por motivos de sauacutede De acordo com
o Relatoacuterio de Absenteiacutesmo da Maternidade (referente ao periacuteodo de 20161) 8273 dos
afastamentos satildeo para tratamento de sauacutede e a categoria que apresenta o maior nuacutemero de
atestados eacute a de teacutecnicos de enfermagem O relatoacuterio confirma portanto os relatos apresentados
pelos profissionais
Vaacuterios estudos afirmam que o ambiente da UTI Neonatal pode exercer uma influecircncia
negativa sobre a sauacutede de seus profissionais devido a tensatildeo e estresse presentes em um local
onde sucesso e fracasso oscilam rapidamente e vida e morte estatildeo presentes de forma intensa
Como satildeo locais que utilizam tecnologia muito avanccedilada as exigecircncias para a atualizaccedilatildeo dos
profissionais satildeo constantes De acordo com os autores a sobrecarga de trabalho caracteriza-se
pela falta de profissionais suficientes para a demanda de bebecircs que somada agrave falta de preparo
104
da equipe teacutecnica e ao espaccedilo fiacutesico inadequado comprometem sobremaneira a qualidade de
vida dos trabalhadores (Fogaccedila et al 2008 Rocha Souza Teixeira 2015 Fogaccedila 2010)
A partir dos relatos apresentados gostaria de propor uma reflexatildeo sobre como os
profissionais se sentem diante deste contexto de trabalho Para tanto buscarei inspiraccedilatildeo em
Heidegger (2007) em ldquoA questatildeo da teacutecnicardquo A inspiraccedilatildeo necessaacuteria para refletir sobre o
contexto de atuaccedilatildeo destes profissionais de sauacutede mas sem a pretensatildeo de elucidar alguma
questatildeo como bem pontua Heidegger (2007 p 375) ldquoo questionar constroacutei num caminhordquo
Vamos portanto trazer elementos que envolvam a questatildeo teacutecnica
Ao falar sobre teacutecnica podemos assumir os dois sentidos o domiacutenio do conhecimento
teacutecnico propriamente dito ou seja o conhecer e saber fazer e o horizonte histoacuterico no qual
estamos imersos a era da teacutecnica que valoriza o saber a velocidade das informaccedilotildees os
resultados o pensamento calculante (Heidegger 2007)
Uma atmosfera que nos conduz a agir para dar respostas a um mundo praacutetico que
valoriza a objetividade a rapidez e o retorno seja este financeiro de status de reconhecimento
Assim as pessoas vatildeo correndo contra o tempo para atingir objetivos previamente definidos e
agraves vezes sem mensurar possiacuteveis consequecircncias das escolhas realizadas A era da teacutecnica
produz um discurso ora expliacutecito ora posto nas entrelinhas do que eacute aceitaacutevel valorizado
Como pode ser observado no relato a seguir
ldquoE se vocecirc cometer algum erro Quem vai responder eacute vocecirc que tava na assistecircncia
Aiacute se a gente recusa alegam logo que a gente taacute negando assistecircncia Muitas das
vezes tecircm alguns profissionais que natildeo sabem abordar e diz que vocecirc tem que dobrar
Natildeo sei nem dizer se eacute isso uma ameaccedila mas vocecirc se sente coagidaldquoAh vocecirc
abandonou eacute abandono issordquo (Amariacutelis)
Este eacute apenas um trecho de um relato bem extenso sobre este conflito vivido pela
profissional Ao falar ela repetia que natildeo estava abandonando os bebecircs e que natildeo considerava
correto permanecer no trabalho sem as condiccedilotildees fiacutesicas e emocionais para isto Foi um discurso
105
que envolvia sentimentos contraditoacuterios como a culpa e a indignaccedilatildeo diante das exigecircncias
impostas e das consequecircncias geradas Como exigir que um profissional permaneccedila em uma
atividade aleacutem dos seus limites ainda mais se esta atividade caracterizar-se pela assistecircncia a
pacientes graves muitas vezes em consiccedilotildees limiacutetrofes entre a vida e a morte
O que fazer diante de um discurso que gera cobranccedila ameaccedila e ateacute culpa Um discurso
que tantas vezes estaacute internalizado nos proacuteprios profissionais que precisam decidir entre o que
pode ser considerado abandono e a permanecircncia altruiacutesta que pode resultar em falhas e ateacute na
morte dos bebecircs O abandono eacute efetivamente uma escolha ou ele estaria presente de uma forma
ou de outra em ambas as alternativas Se analisarmos mais profundamente tambeacutem estaacute
presente mesmo que temporariamente nas outras demandas da vida famiacutelia estudo descanso
No deixar de lado o que aparentemente pode soar como supeacuterfluo diante da complexidade de
pacientes graves Mas ao longo do tempo por repetidas vezes o que poderia significar este
tipo de abandono
O discurso cheio de paradoxos estaacute presente no cotidiano destes profissionais
refletindo uma expectativa social do papel dos profissionais de sauacutede A ideia da
responsabilidade pela manutenccedilatildeo da vida da necessidade de zelo e dedicaccedilatildeo na assistecircncia
ao paciente ou mesmo da caridade destinada aos doentes Como pode ser observado na
profissatildeo de enfermagem que teve a sua origem nas irmatildes de caridade que abdicavam da sua
vida para atender aos doentes mais necessitados A origem dos hospitais tambeacutem estaacute
inicialmente vinculada ao atendimento das pessoas mais carentes e que natildeo tinham os cuidados
familiares durante a enfermidade (Padilha Mancia 2005 Ministeacuterio da Sauacutede 1944)
Estes satildeo exemplos de raiacutezes histoacutericas que podem contribuir para gerar esta
obrigatoriedade de ldquodoaccedilatildeordquo de tempo e esforccedilo aleacutem do limite como uma obrigaccedilatildeo para os
profissionais da aacuterea de sauacutede Satildeo mensagens que permenecem tantas vezes na sociedade
interferindo nas expectativas e na percepccedilatildeo sobre o papel dos profissionais de sauacutede
106
Aleacutem destas questotildees o horizonte histoacuterico da nossa eacutepoca influencia sobremaneira nos
comportamentos dita os costumes orienta a respeito do que eacute considerado certo e errado
reprovaacutevel ou louvaacutevel A era da teacutecnica pode ser compreendida portanto como o nosso
horizonte histoacuterico que influencia as nossas atitudes diante dos desafios cotidianos De acordo
com Heidegger (2007 p 380)
O desafio que estaacute presente no discurso trazido pelas miacutedias de comunicaccedilatildeo em massa
ressaltando a capacidade do homem de vencer obstaacuteculos de propor cura para novas doenccedilas
de buscar mecanismos de prorrogar a juventude ou de procrastinar o envelhecimento Os
homens que satildeo movidos a desafioscomo ldquolutar com um dragatildeo todos os diasrdquo (Amariacutelis)
Fazendo uma analogia com os filmes e quadrinhos vivemos em um mundo que valoriza
o super-heroacutei aquele que resolve todos os problemas que encontra soluccedilotildees enfrenta
dificuldades e assume as consequecircncias O super-heroacutei que eacute responsaacutevel pela conduccedilatildeo da sua
vida carreira escolhas Eacute aquele que precisa encontrar superpoderes para enfrentar os
obstaacuteculos Eacute o sujeito idealizado forte e capaz de alcanccedilar os resultados almejados Seraacute que
realmente conseguimos lidar continuamente com a sobrecarga
ldquoO que cansa realmente na UTI Neonatal eacute a sobrecarga Eacute a gente tem um trabalho
de alta complexidade e a gente natildeo tem tanta maleabilidade de horaacuterio de trocas Em
ldquoA teacutecnica natildeo eacute portanto meramente um meio Eacute um modo de desabrigar Se
atentarmos para isso abrir-se-aacute para noacutes um acircmbito totalmente diferente para a
essecircncia da teacutecnica Trata-se do acircmbito do desabrigamento isto eacute da verdade O
desabrigar imperante na teacutecnica moderna eacute um desafiar que estabelece para a natureza
a exigecircncia de fornecer energia suscetiacutevel de ser extraiacuteda e armazenada enquanto tal
Eacute um extrair na medida em que explora e destaca Este extrair contudo permanece
previamente disposto a exigir outra coisa isto eacute impelir adiante para o maacuteximo de
proveito a partir do miacutenimo de despesas O desabrigar que domina a teacutecnica moderna
tem o caraacuteter do pocircr no sentido do desafiordquo
107
relaccedilatildeo a insalubridade a gente recebe a mesma coisa setor fechado lidar com morte
assimrdquo (Violeta)
ldquoEu jaacute vi relatos de teacutecnica de enfermagem chorando muito por ter tido uma situaccedilatildeo
que por erro dela um bebecirc por exemplo poderia ter pedido a perna Se doeu tanto
pra ela aquele erro eacute porque ela se identifica com o trabalho natildeo eacute uma falta de
identificaccedilatildeo mas a sobrecarga que aumenta a chance de erro que jaacute eacute decorrente da
falta de pessoalrdquo (Rosa)
Um ciclo vicioso se configura a falta de profissionais leva agrave sobrecarga que por um
lado pode promover o adoecimento e gerar mais ausecircncias e aumentar a sobrecarga para os que
ficam e por outro lado amplia o desgaste fiacutesico e psicoloacutegico resultando em possiacuteveis falhas
e ateacute na morte de pacientes
Aleacutem das questotildees referentes ao ambiente de trabalho relatos tambeacutem trazem uma
reflexatildeo sobre as pressotildees inerentes agrave atividade ao trabalho e as consequecircncias do mesmo
Retratam o profissional de sauacutede buscando a cura tentando evitar o erro as falhas pelas
consequecircncias que podem gerar
ldquoEacute uma pressatildeo de que tem que dar certo porque por traacutes de uma crianccedila tem uma
famiacutelia Eu sinto que eu tenho que fazer o meu maacuteximo o meu melhor Quase o
impossiacutevel pra que tudo decirc certo pra que isso natildeo cause sofrimento pras pessoasrdquo
(Tulipa)
Novamente se coloca em ecircnfase o domiacutenio da teacutecnica dos instrumentos do
conhecimento que promova um retorno positivo para os pacientes Heidegger nos faz refletir
sobre esse aspecto ao afirmar que ldquoA teacutecnica moderna eacute um meio para fins Por isso todo
esforccedilo para conduzir o homem a uma correta relaccedilatildeo com a teacutecnica eacute determinado pela
concepccedilatildeo instrumental da teacutecnica Tudo se reduz ao lidar de modo adequado com a teacutecnica
enquanto meio Pretende-se dominaacute-lardquo (Heidegger 2007 p 376)
E o que seria esse escapar do domiacutenio dos homens A morte poderia ser essa
possibilidade inerente agrave vida e que foge ao controle dos homens Por isso assusta
108
desestabiliza gera frustraccedilatildeo e desconforto para os que ficam Sobre este toacutepico que envolve
os sentimentos diante da morte dos receacutem-nascidos iremos abordar a seguir
3-Os sentimentos diante da morte de receacutem-nascidos
Este toacutepico eacute dedicado aos sentimentos relatados pelos profissionais diante da morte de
receacutem-nascidos Alguns relatos revelam sentimentos de impotecircncia e frustraccedilatildeo Tambeacutem eacute
contemplada a aparente contradiccedilatildeo de se pensar em morte na maternidade local associado agrave
ideia de vida Como se a morte tivesse um lugar para chegar e fosse inaceitaacutevel em outros
contextos Assim se configura o pensamento dicotocircmico refletido em paradoxos vida e morte
certo e errado verdade e natildeo-verdade Natildeo existe lugar certo para morte assim como natildeo haacute
verdade absoluta nem uma uacutenica explicaccedilatildeo para os fatos A morte eacute algo inerente a vida
Somos desde o nascimento um ser-para-a-morte Por assim dizer natildeo existe hora nem lugar
adequado para morrer (Heidegger 1927 2015)
ldquoEacute porque assim quando a gente pensa em maternidade a gente pensa na vida
quando a gente pensa em UTI a gente pensa em salvar vidas E a gente salva Salva
Mas quando eu falo em impotecircncia O sentimento que a gente tem de forma geral eacute
que chega um momento que a gente natildeo tem o que fazer Aiacute a gente precisa lidar
com essa morteIsso daacute uma sensaccedilatildeo de impotecircncia muito granderdquo (Iacuteris)
A sensaccedilatildeo de ver o sofrimento e natildeo poder fazer nada para evitar aquilo gera
sofrimento nos proacuteprios profissionais Principalmente quando se colocam no lugar do outro
da matildee que sofre ao perder um filho tatildeo amado e desejado Estes sentimentos de impotecircncia e
tristeza tambeacutem aparecem em outros estudo dedicados agrave experiecircncia dos profissionais de sauacutede
em relaccedilatildeo agrave morte de pacientes (Costa Lima 2005 Bernieri Hirdes 2007 Poles Bolso
2006 Shimizu 2007 Sadala Silva 2009 Souza e Ferreira 2008)
109
Outro aspecto tambeacutem relevante estaacute na intensidade dos viacutenculos estabelecidos Como
se apresenta no relato de Violeta quanto maior for o viacutenculo do profissional com o paciente e
seus familiares maior eacute o sofrimento do profissional diante da morte do receacutem-nascido
ldquo Tem alguns bebecircs eu natildeo sei explicar porque a morte eacute mais dolorosa Eu oro
pelos pais pela famiacutelia sinto pelo bebecirc tambeacutem Aqui eu jaacute tive dois que me
marcaram muito tambeacutem pelo contato com a matildee contato com o bebezinho era uma
matildee que tinha um viacutenculo muito bom com a equipe (Violeta)
Talvez por isso alguns profissionais desenvolvam o que autores (Gerow Conejo
Alonzo et al 2009) denominaram de ldquocortina de proteccedilatildeordquo estabelecendo um certo
distanciamento dos pacientes considerados mais graves tentando se proteger do sofrimento
conforme pode ser constatado nos relatos a seguir
ldquoA gente cria mecanismos de defesa Porque quem cria um viacutenculo afetivo perde a
capacidade de cuidar Entatildeo vocecirc natildeo vai cortar vocecirc natildeo vai furar vocecirc natildeo vai fazer
uma coisa que doa numa pessoa que vocecirc goste Algueacutem precisa fazer essa parteA
gente natildeo fica insensiacutevel mas cria formas de se protegerrdquo (Girassol)
ldquoQuem cria um viacutenculo afetivo perda a capacidade de cuidarrdquo Este trecho da fala diz
muita coisa E cabe algumas ressalvas A referecircncia da profissional agrave capacidade de cuidar
remete agrave ideia de uma dificuldade para realizar os procedimentos em virtude de um abalo
emocional diante do sofrimento do outro A compreensatildeo do cuidado pela ontologia
Heideggeriana entretanto concebe esta atuaccedilatildeo profissional como uma forma de cuidado Uma
vez que somos cuidado ateacute a indiferenccedila se configura como cuidado (Heidegger 1927 2015)
A profissional apresenta a necessidade de criar maneiras de se proteger do sofrimento
para que possa realizar os procedimentos necessaacuterios como tambeacutem para que ela consiga
suportar o trabalho na UTI Neonatal O relato a seguir demonstra mais explicitamente esta
necessidade de criar mecanismos de proteccedilatildeo para continuar trabalhando
110
ldquoAcho que natildeo era nem um mecircs que eu tava aqui entraram na parada meacutedico
enfermeiro fisio E eu fiquei olhando de fora e assim a pressatildeo caiu eu fiquei sudorenta
na hora e o bebecirc morreu Quando a matildee chegou ai eles botam no colo o bebecirc morto no
colo Vocecirc natildeo tem noccedilatildeo de como eu passei mal Eu desci fiquei na calccedilada
chorando Ai depois ateacute a meacutedica a chefe da UTI disse ldquoAf Maria vocecirc era pra taacute num
shopping vendendo roupa natildeo era pra taacute aqui natildeordquo eu disse ldquome respeiterdquo Depois eu
cheguei em casa mal chorei abracei muito minha filha Foi bem difiacutecilE ai as coisas
foram acontecendo eu fui entrando mais no clima Daquela parte emocional vocecirc tenta
dar um freio colocar um limite entre vocecirc mesma e aquilo que taacute acontecendo pra que
vocecirc natildeo sofra tantordquo (Tulipa)
O proacuteprio contexto exige do profissional a postura considerada adequada Ateacute os colegas
de trabalho podem ser severos diante da expressatildeo dos sentimentos dos demais Valoriza-se o
controle emocional a assertividade na resoluccedilatildeo das situaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da teacutecnica Assim
este limite ou freio apresentado no trecho acima passa a ser uma exigecircncia do proacuteprio
profissional como algo inerente ao trabalho como uma condiccedilatildeo para sobreviver naquele
ambiente Eacute preciso ldquoentrar no climardquo O clima falado reflete agrave atmosfera do ambiente ao
como as coisas funcionam aos comportamento considerados adequados ao ambiente mais frio
e racional
De fato podemos pensar que ningueacutem aguentaria passar mal da forma que foi
apresentada todas as vezes que morresse um bebecirc Mas por outro lado refletimos sobre o
quanto esta profissional se sentiu sozinha para lidar com estas emoccedilotildees tatildeo humanas tatildeo
passiacuteveis de serem expostas
Os relatos demonstram portanto a necessidade de ocorrer um afastamento dos
profissionais diante da possibilidade de morte iminente uma certa preparaccedilatildeo para o que pode
ocorrer como uma forma de proteccedilatildeo de minimizar o sofrimento Entretanto quando a morte
eacute anunciada por sinais e sintomas alguns comportamentos para lidar com isto vatildeo surgindo
seja de afastamento de conformismo de aceitaccedilatildeo Quando a morte ocorre diante de um bom
111
prognoacutestico surpreende aparece como um evento assustador podendo gerar maior sofrimento
nos profissionais
ldquo Quando vocecirc comeccedila a perceber que aquele bebecirc taacute piorando piorando vocecirc comeccedila
a se afastar vocecirc atende outro vocecirc natildeo fica mais com ele As pessoas se organizam
quando a gente percebe que algueacutem taacute com um viacutenculo muito forte com o bebecirc aiacute jaacute
comeccedila a tirar de perto jaacute comeccedila a botar com outro entendeu Todo mundo vai meio
que se cuidando porque sabe que a perda vai existir e se a gente sofrer por todas as
perdas como uma pessoa da famiacutelia a gente vai junto entendeurdquo (Girassol)
Surgem portanto as estrateacutegias de preservaccedilatildeo diante do sofrimento No relato acima
pode-se verificar um apoio aos colegas no sentido de tentar evitar um maior vinculo com os
pacientes que apresenta um prognostico ruim O distanciamento aparece como possibilidade
Uma forma de diminuir o sofrimento do profissional
Diante do exposto poderiacuteamos nos questionar De onde vecircm os sentimentos de
impotecircncia e frustraccedilatildeo diante da morte Por que os profissionais de sauacutede se sentem frustrados
e impotentes Eacute interessante a partir desses questionamentos refletirmos sobre o nosso
horizonte histoacuterico Novamente as ideias de Heidegger (1927 2015) nos inspiram para abordar
a questatildeo da era da teacutecnica do quanto eacute difiacutecil natildeo ter o controle sobre as coisas sobre os
acontecimentos do mundo
De acordo com Heidegger (2007 p 376) ldquoO querer-dominar se torna tatildeo mais iminente
quanto mais a teacutecnica ameaccedila escapar do domiacutenio dos homensrdquo Quanto mais difiacutecil for o
desafio e maior a probabilidade de perder o controle o homem tende a buscar novas soluccedilotildees
e alternativas como se lutasse contra algo que incomoda pelo simples fato de resistir ao
aparente controle Este querer-dominar pode estar presente na difiacutecil decisatildeo da hora de tentar
parar de salvar um paciente que jaacute daacute sinais de despedida A decisatildeo sobre a hora de parar eacute
muito difiacutecil para alguns profissionais como pode ser observado no seguinte relato
ldquoUma das coisas mais difiacuteceis eacute vocecirc optar pelo fim de uma reanimaccedilatildeo As diretrizes
mandam que com 10 minutos 15 minutos de reanimaccedilatildeo em assistolia o coraccedilatildeo natildeo
taacute mais batendo vocecirc paacutera de reanimar Noacutes jaacute reanimamos menino aqui por mais de
112
hora Que vocecirc natildeo quer acreditar que ele morreu Esse momento realmente eacute o
momento mais difiacutecil A hora de parar Agraves vezes quando vocecirc diz assim ldquonatildeo vou
maisrdquo vocecirc sente que alguns olhares lhe bombardeiam dizendo assim ldquoPor que Tente
mais um pouquinhordquo Esse momento realmente eacute o conflito dentro da UTI A hora de
pararrdquo (Angeacutelica)
Definir qual a hora de parar aparece como uma grande dificuldade eacute como reconhecer
que existe um limite e junto com ele o sentimento de impotecircncia Existe uma cobranccedila pela
cura tanto por parte dos proacuteprios profissionais como tambeacutem pelos familiares A sensaccedilatildeo de
esgotar todas as possibilidades surge como uma forma de dizer que tudo que era possiacutevel foi
feito O difiacutecil eacute reconhecer quando natildeo eacute mais possiacutevel
Outra profissional tambeacutem falou a respeito da hora de parar ao retratar uma situaccedilatildeo na
qual uma residente estava desesperada e pediu para retirar a famiacutelia da UTI Neonatal Ao falar
com a meacutedica a residente pedia para tentar novamente e a meacutedica respondeu ldquoMas vocecirc sabe
que a gente jaacute tentou e natildeo deu certo e isso soacute faz gerar um sofrimento nesse bebecirc a mais
porque assim natildeo tem muito o que fazerrdquo
Ateacute que ponto esta tentativa de evitar a morte era o melhor para o paciente Natildeo seria o
reflexo dessa dificuldade do profissional em lidar com a morte com as perdas Os relatos
abordam a dificuldade de tomar uma decisatildeo que envolve a vida do paciente e nos remete a um
sentimento de responsabilidade e culpa diante destas situaccedilotildees Como pode ser observado de
forma mais expliacutecita nos trechos de depoimentos a seguir
ldquoToda a vida que um bebecirc vai a oacutebito Eu acabo sentindo muito porque eacute como se a
gente carregasse a culpa nas nossas costas (Choro) Entatildeo natildeo tem como natildeo se sentir
responsaacutevel por aquele oacutebito Ou porque a gente fica sempre pensando ldquoSeraacute que foi
porque eu natildeo orientei a minha equipe de forma adequada Seraacute que eacute porque eu natildeo
orientei os estudantes de forma adequada Foi alguma coisa que eu deixei passarrdquo
ldquoSeraacute que eu natildeo fui a responsaacutevel rdquo(Orquiacutedea)
113
ldquo CulpaCulpa Eu fiz o que foi que eu errei Aonde foi que eu errei E aiacute tem que
parar Repensar e natildeo baixar a cabeccedila se frustrar Tem muita gente que endoida
porque a profissatildeo eacute cruel Tem muita colega nosso que ou comeccedila a usar remeacutedio ou
faz quadros de depressatildeo porque eacute difiacutecil vocecirc lidar justamente com esse turbilhatildeo de
emoccedilotildees que se passa dentro do dia a diardquo (Angeacutelica)
Nestes relatos a culpa entra em cena com algo que incomoda profundamente as
participantes Mas o que seria essa culpa Uma culpa atrelada a uma responsabilidade de cuidar
dos pacientes de gerenciar uma equipe de buscar salvar vidas e evitar erros e falhas Uma
culpa inerente a uma condiccedilatildeo humana ao ser-no-mundo
A culpa e a anguacutestia satildeo caracteriacutesticas ontoloacutegicas do homem enquanto ser-no-mundo
Satildeo inerentes ao Dasein enquanto ser jogado no mundo que precisa reafirmar-se
cotidianamente durante a sua existecircncia (Ferreira 2002 Boss 1981)
Reafirmar-se cotidianamente pode ser percebido como um fardo bem pesado talvez
por isso o homem caia na impessoalidade na decadecircncia Eacute importante ressaltar que cair na
decadecircncia natildeo significa sair de um estaacutegio superior para um inferior a decadecircncia eacute uma
determinaccedilatildeo existencial indicando que o homem encontra-se entregue agrave impessoalidade do
cotidiano Trata-se de uma condiccedilatildeo da existecircncia humana pois mesmo decadente o homem
estaacute de alguma forma sendo E esta forma de ser eacute a de um modo natildeo proacuteprio de ser
(Heidegger 1927 2015)
A culpa por sua vez eacute o fundamento ontoloacutegico do homem decadente faz parte do ser
portanto pode-se compreender que ldquoa culpa eacute a determinaccedilatildeo ontoloacutegica do existencial da
facticidade nesse sentido ela eacute um modo de ser do ser-aiacute faacutetico e diz respeito ao fato de o
homem estar-lanccedilado no mundo e misturado com elerdquo (Ferreira 2002 p1)
Podemos compreender a partir da afirmaccedilatildeo anterior que todos noacutes sentiremos culpa
Uma vez que a facticidade eacute a forma mais ordinaacuteria do ser-aiacute no sentido de a forma mais
114
comum a culpa nos acompanharaacute ao longo da existecircncia Seraacute algo inerente ao nosso ser que
estaacute destinado a ser sendo e no cotidiano da vida estar continuamente se reafirmando
Entatildeo quando vivo em um mundo na impessoalidade em meio ao falatoacuterio a
ambiguidade e a curiosidade estou suscetiacutevel agrave culpa de natildeo ser o que queria ser de natildeo cumprir
com os padrotildees estabelecidos pelo mundo de falhar com o que foi prescrito ou previsto
anteriormente A culpa de natildeo cumprir ou natildeo me encaixar nos padrotildees previamente
estabelecidos A culpa expressa pela locuccedilatildeo adverbial ldquodeveria ter feitordquo Eacute o futuro do
preteacuterito do indicativo que indica um arrependimento de um passado que natildeo mais se
materializaraacute no futuro algo que natildeo tem mais volta Embora deixe no lugar da resoluccedilatildeo a
culpa
A partir destas reflexotildees pode surgir uma pergunta como diminuir esta culpa Para
pensarmos sobre isso caberia falar sobre o horizonte histoacuterico em que vivemos que dita o que
eacute certo e o que eacute errado O que eacute aceito ou rejeitado socialmente Nos contos dos heroacuteis da Idade
Antiga natildeo se falava em culpa pela morte dos outros inimigos natildeo eram acusados de assassinos
Eram respeitados e tratados como guerreiros corajosos por salvarem toda uma populaccedilatildeo das
ameaccedilas externas (Bulfinch 2014)
Muitos fatores influenciam a sociedade na determinaccedilatildeo de quem seriam os culpados e
os inocentes as religiotildees a cultura os papeacuteis sociais os costumes de um povo tambeacutem falam
sobre culpa Em uma sociedade com a medicina pouco desenvolvida com as pestes e outras
doenccedilas assolando a humanidade em meio a condiccedilotildees higiecircnicas e de saneamento degradantes
como na eacutepoca da peste negra na Europa Medieval talvez os meacutedicos natildeo fossem acusados de
tantas mortes ou natildeo se sentissem culpados diante de um cenaacuterio tatildeo complexo de infortuacutenios
e orientado pelos paracircmetros divinos preconizados pela Igreja Natildeo era o homem que estava no
centro da vida e sim a vontade divina Mas decerto outros tipos de culpas existiam como faltar
ou deixar de cumprir com alguma determinaccedilatildeo da Igreja
115
A culpa eacute por assim dizer inerente a condiccedilatildeo de dasein ldquoPor que o dasein eacute culpado
O proacuteprio dasein faz uma escolha ele natildeo pode transferir a responsabilidade para o eles ou para
alguma pessoa Toda escolha vai ter consequecircncias que o dasein natildeo previu nem
pretendeurdquo(Inwood 2004 p 99)
A culpa eacute tatildeo cotidiana quanto viver na impessoalidade Em uma sociedade que
centraliza o homem e lhe oferece o poder de decidir sobre a vida que oferece tantas
possibilidades de escolha o ldquodeveria ter feitordquo pode tornar-se mais frequente Quando a
referecircncia estaacute no mundo e vive-se na impropriedade a culpa existiraacute na proporccedilatildeo que o ser
introjeta os valores deste mundo
Em meio agraves afetaccedilotildees e sentimentos os profissionais de sauacutede vatildeo realizando as suas
atividades envolvidos nas relaccedilotildees com os outros os quais fazem parte do seu ambiente de
trabalho O proacuteximo toacutepico eacute dedicado justamente a estas relaccedilotildees agrave convivecircncia cotidiana dos
profissionais com os receacutem-nascidos com as matildees dos pacientes e com os proacuteprios colegas de
trabalho
4 ndash O ser-com-os-outros as matildees dos pacientes os receacutem-nascidos e os colegas de
trabalho
Heidegger (19272015) nos apresenta o ser-com como um existencial O modo de
presenccedila do ser-no-mundo se daacute na co-presenccedila com outros daseins ou seja o homem vive em
relaccedilatildeo com os outros mesmo quando estes natildeo estatildeo presentes fisicamente naquele momento
O homem eacute inerentemente um ser em relaccedilatildeo com outros seres (daseins) Eacute justamente sobre
essa relaccedilatildeo que iremos abordar neste toacutepico
Ao olharmos para a UTI Neonatal aleacutem do ambiente fiacutesico precisamos considerar que
ela se constitui como uma rede de relaccedilotildees entre as pessoas que por laacute transitam Cada
profissional de sauacutede precisa lidar no seu cotidiano com os colegas de trabalho com os bebecircs
em tratamento e com os familiares que frequentam o ambiente da UTI Neonatal principalmente
116
as matildees Satildeo vaacuterios ldquooutrosrdquo que interferem na execuccedilatildeo das atividades que opinam
questionam provocam reaccedilotildees Com o foco nas relaccedilotildees que os profissionais estabelecem
iniciaremos por abordar a percepccedilatildeo que os mesmos tecircm sobre a presenccedila das matildees nas
instalaccedilotildees da UTI Neonatal
ldquoEacute muito complicado sabe Natildeo eacute o fato da presenccedila porque a gente acha que eacute
importante ela acompanhar todo o processo Ela precisa ver ela precisa saber o que
taacute acontecendo natildeo pode existir um buraco entre o nascimento e a morte O problema
eacute que hoje a gente lida com pessoas muito emocionalmente eu natildeo sei se eacute
desequilibrada mas com pessoas que transferem pra gente um monte de noacuteia Por
exemplo trata mal interfere no procedimento As pessoas natildeo confiam como se a
gente saiacutesse de casa todo dia pra fazer o errado e natildeo todo mundo sai de casa pra
fazer o melhor Eacute como se a gente tivesse o tempo todo sendo julgadordquo (Girassol)
A presenccedila das matildees eacute defendida pelas poliacuteticas de humanizaccedilatildeo como algo
fundamental para os bebecircs Os profissionais reconhecem isso mas tambeacutem apontam que os
familiares interferem questionam a conduta adotada sofrem durante os procedimentos enfim
acabam sendo mais um motivo de preocupaccedilatildeo Como lidar com matildees que choram e
questionam o procedimento ao tentar localizar uma veia em um receacutem-nascido
Os familiares fazem parte das relaccedilotildees que os profissionais estabelecem no ambiente de
trabalho Eles compotildee parte da histoacuteria dos pacientes pequenos seres que jaacute inspiraram novos
projetos e ressignificaram vidas As matildees satildeo tatildeo importantes nessa relaccedilatildeo que podemos
perceber no trecho do relato acima uma preocupaccedilatildeo relevante ldquo Natildeo pode existir um buraco
entre o nascimento e a morterdquo A matildee precisa saber o que aconteceu precisa participar tornar-
se parte do processo Caso contraacuterio como ela ficaraacute depois Entre o nascimento e a morte fatos
aconteceram Neste ldquoentrerdquo o receacutem-nascido se constitui enquanto ser-no-mundo Este ldquoentrerdquo
envolve a sua histoacuteria
117
Os relatos apresentam as cobranccedilas dos pais as pressotildees exercidas sobre os profissionais
em relaccedilatildeo agraves condutas adotadas Satildeo situaccedilotildees muito delicadas que envolvem o risco de morte
de um filho as dificuldades de lidar com isso as desconfianccedilas No trecho a seguir uma
profissional fala a respeito da reuniatildeo que realiza com as matildees no intuito de escutaacute-las e tentar
esclarecer alguma duacutevida que possa ter surgido
ldquoUma das reclamaccedilotildees frequentes eacute que ldquoah aquele doutor eu vou perguntar uma
coisa a ele ele eacute muito seco ele eacute muito friordquo aiacute ldquonatildeo natildeo eacute que ele seja frio eacute porque
tem outros mais melososrdquo Tem uma colega nossa que eu disse ldquose eu tivesse de receber
uma notiacutecia ruim eu queria receber por vocecircrdquo porque ela eacute assim ldquomatildeezinha o seu
bebezinho taacute assim gravinhordquoTem outros que a matildee chega ldquocomo eacute que taacute meu
bebecircrdquo ldquotaacute estaacutevelrdquo O que eacute estaacutevel pra vocecirc Por isso que vem as mais diversas
reclamaccedilotildeesldquoEu natildeo gosto que tal teacutecnico de enfermagem fique com o meu bebecirc
porque ele vai laacute faz o que tem pra fazer volta pra mesa pega o celular e fica usandordquo
Entatildeo essa sensaccedilatildeo meio que de abandono tambeacutem judia da matildee neacute Ela quer entrar
ali ela quer ser acolhidardquo (Angeacutelica)
Uma reflexatildeo interessante sobre essa relaccedilatildeo com o outro envolve uma complexidade de
expectativas dos profissionais dos pacientes sobre o que eacute esperado deles qual a forma de
conduta mais adequada Enfim se no cotidiano criamos expectativas sobre o comportamento
das pessoas imagine como estas ficam agrave flor da pele em situaccedilotildees de hospitalizaccedilatildeo e iminecircncia
de morte Eacute possiacutevel se chegar a um padratildeo do que seria um bom atendimento de um
profissional de sauacutede Bom para quem Para um familiar quando um profissional explica tudo
detalhadamente no diminutivo pode ser uma boa forma de atendimento para outro este tipo de
tratamento poderia ateacute incomodar Nessa relaccedilatildeo com o outro existe muito de noacutes de cada um
no outro
De acordo com Oliveira (2010 p 59) ldquo Um ponto importante a ser pensado eacute a visatildeo
de Heidegger do outro como um reflexo do proacuteprio ser-aiacute Ou seja o ser-aiacute se vecirc no outro faz
parte do outro se identifica com o outro pois este natildeo lhe eacute de forma alguma estranho Essa
118
interpretaccedilatildeo soacute pode ser entendida atraveacutes do delineamento da sua teoria do impessoal no
qual segundo Heidegger todo mundo eacute o outro e ningueacutem eacute si mesmordquo
Nessa relaccedilatildeo com o outro em si mesmo o ser se transforma continuamente Eacute
interessante observar o relato de duas profissionais que modificaram sua maneira de ser diante
das experiecircncias que tiveram na UTI neonatal uma delas se viu no papel de uma matildee
preocupada com o seu receacutem-nascido internado em uma UTIN de outro hospital Ao ocupar
temporariamente este papel ela passou a refletir sobre a sua proacutepria atuaccedilatildeo profissional e a
sua relaccedilatildeo com as matildees dos receacutem-nascidos internados
ldquoOutro grande marco da minha vida foi quando eu tive a minha primeira menina ela
foi um bebecirc de UTI Eacute uma UTI que eu trabalho e o fato de eu entrar pela porta natildeo
como meacutedica mas como matildee de paciente mexeu muito comigo entatildeo meio que foi um
divisor de aacuteguas na minha carreira Eu passei a ver o paciente de uma outra maneira
menos teacutecnico Porque eacute diferente Vocecirc sente vocecirc sabe exatamente o que aquela matildee
taacute sentindo Vocecirc meio que bloqueia a sua razatildeo e vocecirc vira soacute emoccedilatildeo mesmo laacute
dentrordquo (Angeacutelica)
Este trecho do relato apresenta a transformaccedilatildeo desta profissional ao se ver em uma
situaccedilatildeo similar ao de algumas matildees com filhos internados Literalmente colocar-se no lugar
do outro proporcionou uma nova forma de atendimento a partir do que a profissional passou a
considerar como necessidades da matildee de um receacutem-nascido internado Novamente podemos
refletir sobre o quanto de noacutes estaacute na relaccedilatildeo com o outro
Esta situaccedilatildeo tambeacutem pode remeter ao mito de Quiacuteron Na mitologia grega Quiacuteron era
um centauro um ser metade homem e metade cavalo que nasceu da uniatildeo entre Cronos e a bela
Filira Quiacuteron recebeu do pai grandes virtudes tornando-se muito saacutebio Pela sua educaccedilatildeo e
sabedoria foi considerado o rei dos centauros Em certa ocasiatildeo foi ferido pelas flechas de
Heacutercules Por ser imortal e ter uma ferida incuraacutevel sofria grandes dores Assim tornou-se o
grande mestre dos meacutedicos Ao ser tocado pela sua dor era capaz de se sensibilizar com a dor
119
dos outros Eacute o que acontece tambeacutem com os profissionais de sauacutede em contato com suas
proacuteprias dores e perdas tornando-se sensiacuteveis ao sofrimento das pessoas sob seus cuidados
(Carvalho 1996)
Para outra profissional a experiecircncia com as matildees resultou em uma vontade de tornar-
se matildee e poder vivenciar o que denominou de amor incondicional
ldquoEu sempre ouvi falar que amor de matildee eacute imensuraacutevel mas natildeo imaginava o quanto
Diante de todas as situaccedilotildees agraves vezes o bebezinho todo mal formadinho mas a matildee acha
ele lindo a matildee vecirc como uma coisa natural E natildeo se envergonha Quer ele do jeito
que ele taacute Acho maravilhoso Eu acho que ateacute a questatildeo da vontade de ser matildee como
eacute que pode todas as pessoas que trabalham na UTI elas geralmente engravidam acho
que eacute porque o instinto materno aflora na mulher Eu quero experimentar desse amor
de matildee que eu soacute imaginordquo (Amariacutelis)
O relato demonstra como o ser se transforma a partir das experiecircncias vivenciadas no
contidiano de trabalho Como certas questotildees tocam profundamente a vida dos profissionais e
geram novos desejos e projetos Conforme aponta Critelli (1996 p80) ldquoeacute impossiacutevel ao homem
natildeo renascer com cada nova visatildeo ou manifestaccedilatildeo dos entes em seu ser A manifestaccedilatildeo eacute
ininterrupta A existecircncia eacute erupccedilatildeo e transformaccedilatildeo inesgotaacuteveis Daiacute se fala em existecircncia
como vir-a-ser o que eacute ou o que estaacute sendo estaacute vindo-a-serrdquo
Ainda envolvendo as experiecircncias com o outro gostaria de tecer algumas consideraccedilotildees
sobre um ser que apesar do pouco tempo de existecircncia eacute a razatildeo de existir da UTI Neonatal o
ser-bebecirc No cotidiano de trabalho todos os aparatos a estrutura e o trabalho dos profissionais
satildeo voltados para o receacutem-nascido que requer cuidados especiais
De acordo com Sodelli e Glaser (2016 p 70) ldquoO estabelecimento da relaccedilatildeo do bebecirc
com o seu ser se daacute no mundo faacutetico por meio do cuidado de seu cuidador e de outras pessoas
que lhe apresentam o mundo os entes sempre de algum determinado modo e em uma dada
direccedilatildeo Entatildeo eacute a partir do modo como o bebecirc eacute cuidado concomitantemente com sua
120
compreensatildeo que o bebecirc vai se constituindo como um si mesmo e que um sentido de realidade
vai sendo construiacutedordquo
Os autores enfatizam a importacircncia do cuidado para a constituiccedilatildeo do bebecirc como em si
mesmo Eacute interessante notar o quanto esta necessidade do bebecirc pode envolver as profissionais
da UTI Neonatal mesmo que natildeo seja de forma intencionalmente vinculada a uma teoria
especiacutefica Uma preocupaccedilatildeo em oferecer acolhimento amor e carinho pode estar presente
tanto quanto com a administraccedilatildeo de equipamentos Essa relaccedilatildeo da profissional com o bebecirc
pode apresentar-se de uma forma distinta da relaccedilatildeo que seria estabelecida com um paciente
adulto conforme pode ser verificado no relato a seguir
ldquoQuem trabalha com bebecirc jaacute tem um olhar diferente Vocecirc vecirc um teacutecnico de
enfermagem com um bebecirc chorando e a matildee natildeo estaacute por exemplo colocando no colo
e cantando pra ele Agraves vezes termina de dar a dieta e daacute um cheirinho na cabeccedila Eacute
algo que vai aleacutem da obrigaccedilatildeo daquela pessoa Existe realmente uma relaccedilatildeo de afeto
com esse bebecirc E quanto mais tempo esse bebecirc fica ali Muitas vezes a equipe se refere
a um bebecirc que estaacute laacute como ldquomeu bebecircrdquo (Rosa)
Na trama de existecircncia do bebecirc a relaccedilatildeo ser-com-os-outros eacute fundamental Desde o
iniacutecio o bebecirc eacute um ser aberto e compreensivo e natildeo um ser encerrado em si mesmo (Loparic
2008) A partir dos primeiros dias de vida ldquoos entes vatildeo chegando ao encontro do bebecirc que
vai se ocupando deles (chupar a chupeta mamar dormir brincar tomar banho trocar a fralda
receber uma visita ficar no colo)
Poderiacuteamos perguntar como eacute possiacutevel que os entes se manifestem ao bebecirc (ou seja se
tornem acessiacuteveis ao ser humano) Atraveacutes do cuidado que o cuidador (pai matildee avoacutes babaacute)
do bebecirc e outras pessoas despendam a ele As pessoas satildeo de extrema importacircncia para o bebecirc
Na fase inicial de vida o bebecirc depende absolutamente de outra pessoa Para aleacutem de o bebecirc
precisar de outra pessoa para os chamados cuidados baacutesicos (ser alimentado ser colocado no
121
berccedilo ser vestido ser dado banho etc) o bebecirc precisa de um outro para tornar-se real para que
ele se torne si-mesmordquo (Sodelli e Glaser 2016 p 71)
No ambiente hospitalar outros cuidadores assumem este papel de oferecer os cuidados
baacutesicos ao bebecirc um papel que poderia ser destinado aos familiares e entes mais proacuteximos E se
preocupam ainda mais em dar atenccedilatildeo aos bebecircs quando existe um abandono por parte dos
familiares principalmente das matildees
ldquoA gente teve bebecirc com microcefalia que a matildee abandonou a gente teve bebecircs que
foram de gestaccedilotildees de uma matildee muito jovem que era de um homem casado e ela tentou
abortar e acabou que natildeo conseguiu a bebezinha nasceu muito prematura mas que
chegou o momento que ela verbalizou que realmente natildeo queria isso pra vida dela
Entatildeo a gente trabalha tambeacutem muito em parceria com a vara da infacircncia e da
juventude exatamente nessa questatildeo da adoccedilatildeordquo (Iacuteris)
Conforme apresentado no relato existe uma preocupaccedilatildeo com a histoacuteria familiar do
receacutem-nascido um envolvimento emocional com as situaccedilotildees apresentadas uma compreensatildeo
de que este bebecirc natildeo estaacute sozinho na UTIN jaacute estaacute envolvido em uma trama de relaccedilotildees que
vatildeo constituindo a sua histoacuteria Como eacute lidar com isto tudo Um caminho envolve reconhecer
as limitaccedilotildees da atuaccedilatildeo natildeo eacute possiacutevel adotar as crianccedilas abandonadas entatildeo me afasto evito
um maior envolvimento para natildeo me apegar pode-se ateacute lidar com indiferenccedila e se concentrar
diretamente no trabalho teacutecnico pode-se aprender com as histoacuterias familiares a adotar uma
nova postura sobre a vida O relato a seguir apresenta uma mudanccedila ocorrida em uma
profissional a partir das observaccedilotildees das histoacuterias familiares
ldquo Agraves vezes a gente julga e a gente natildeo sabe o que tem por traacutes e todo mundo tem uma
histoacuteria Hoje eu me policio muito Por exemplo teve um bebecirc que era cardiopata e a
matildee tinha dezesseis anos O pai dela estuprou ela e matou a matildee dela e aiacute a matildee do
namorado dela pegou ela pra criar Foi quando ela engravidou desse bebecirc o bebecirc natildeo
eacute do pai dela natildeo eacute do namorado mesmo mas assim ela tem dezesseis anos o namorado
122
dezenove Ela natildeo vinha o menino ficou aqui acho que uns dois meses agora nos
uacuteltimos dias eacute que ela tava vindo mas vocecirc vai julgar uma pessoa dessa Natildeo vai A
gente sente falta a gente botava o menino no colo Natildeo eacute como a matildee mas a gente
tentava Depois quando ela comeccedilou a vir ele tava bem grave mesmo jaacute natildeo tinha
mais jeitordquo (Tulipa)
Como julgar diante de histoacuterias tatildeo sofridas O relato da profissional nos faz refletir sobre
o julgamento que fazemos das pessoas das situaccedilotildees a partir dos nossos valores das
possibilidades que vislumbramos Entretanto para buscarmos compreender o outro como o
outro estaacute como pode se sentir diante da proacutepria vida eacute necessaacuterio uma abertura uma afetaccedilatildeo
que favoreccedila a escuta o olhar atencioso Isso me faz lembrar do ciacuterculo hermenecircutico da
compreensatildeo como algo circular contiacutenuo De como a afetaccedilatildeo pode gerar a disponibilidade
de sair de uma posiccedilatildeo preacutevia para uma visatildeo preacutevia e para uma concepccedilatildeo preacutevia com as
articulaccedilotildees da posiccedilatildeo e da visatildeo anterior Ou seja do quanto o ser-no-mundo eacute sendo vai se
transformando agrave medida que experiencia que vive e ao mesmo tempo que apresenta a abertura
para novas possibilidades
Os profissionais de sauacutede no contexto de trabalho lidam com a fragilidade da vida com
a morte de pacientes com os familiares tantas vezes estressados nervosos com resistecircncia para
entender os procediementos adotados com os colegas de trabalho em vaacuterios momentos
cansados da sobrecarga da rotina das exigecircncias Enfim satildeo pessoas com sentimentos
diversos em um ambiente inoacutespito que faz aflorar emoccedilotildees agraves vezes indesejadas mas
sobretudo humanas
Finalizando esta trama de relaccedilotildees no contexto de trabalho de ora em diante seratildeo
contempladas as experiecircncias com os colegas profissionais com os quais compartilham os
desafios do trabalho e que podem se apresentar em alguns momentos como mais uma
dificuldade a ser enfrentada
123
ldquoEu acho que assim a maior dificuldade eacute questatildeo de lidar com o colega Um quer ser
mais esperto que o outro Tirar vantagem em alguma coisa Natildeo quer ajudar o outro
colega quer assim se livrar de alguma coisardquo (Violeta)
O dasein enquanto ser-com-os-outros se constitui em relaccedilatildeo com outros daseins que
apresentam interesses vontades quereres tantas vezes distintos Este pode ser visto como um
dos grandes desafios da vida ter o compromisso de trabalhar por um objetivo e para isso
depender de uma rede de relaccedilotildees de outras pessoas que interferem orientam desorientam
mandam ditam regras e normas
ldquoA UTI Neonatal eacute vista assim como o bicho papatildeo que as pessoas satildeo chatas Soacute
que eu percebi que natildeo eacute isso eacute que a gente tem uma sobrecarga de trabalho tatildeo grande
que a maternidade que o serviccedilo acha que todos os bebecircs que estatildeo naquela instituiccedilatildeo
satildeo de responsabilidade da UTI Neonatal por exemplo tudo que for relacionado a bebecirc
eles querem que a UTI Neonatal resolva Tudo por exemplo nasce bebecirc no centro
ciruacutergico natildeo tem vaga na UTI Neonatal eles querem que a UTI Neonatal decirc esse
suporte ldquoVocecircs tem que vir cuidar do bebecirc aquirdquo ldquoSe vocecircs natildeo vierem o bebecirc vai
morrer e a culpa vai ser suardquo Eu vou porque ai se o bebecirc morrer a culpa vai ser minha
e natildeo eacute eacute responsabilidade do profissional que estaacute dentro do centro ciruacutergico que tem
que cuidar do bebecirc E eles se negam a aprender a cuidar do bebecircrdquo (Violeta)
As formas de cuidado satildeo inerentes ao ser-no-mundo e por assim dizer tambeacutem se
apresentam nas relaccedilotildees de trabalho Seja pela indiferenccedila pelo aparente natildeo importar-se com
o outro seja pela preocupaccedilatildeo antepositiva de contribuir para as escolhas e para o crescimento
do outro seja na preocupaccedilatildeo substitutiva que decide pelo outro as medidas que precisam ser
tomadas tornando-o dependente em relaccedilatildeo agrave conduccedilatildeo da sua proacutepria vida
Nas relaccedilotildees de trabalho pode-se observar o natildeo se importar com o outro com o
desenvolvimento da sua atividade de trabalho ou o olhar apenas para o que eacute de
responsabilidade eou interesse proacuteprio Isso em meio a um discurso de trabalho em equipe
Este tipo de situaccedilatildeo indica a necessidade de ampliar os espaccedilos para discussatildeo dos
profissionais de deixar mais transparente para todos as atividades a serem exercidas as
responsabilidades de cada aacuterea e principalmente a missatildeo da instituiccedilatildeo enquanto algo maior
124
que setores isolados O apoio dos colegas de trabalho pode representar muito mais que uma boa
convivecircncia e sim um estiacutemulo para ir trabalhar uma boa razatildeo para enfrentar os desafios
cotidianos
ldquoA gente taacute conquistando as coisas aos pouco mas ainda falta muito Eu acho que noacutes
somos uma equipe entatildeo cada um tem sua importacircncia Acho que taacute na hora de ver a
questatildeo de uma reuniatildeo natildeo separada tipo assim soacute os teacutecnicos soacute os enfermeiros soacute
os meacutedicos Tudo eacute separado ateacute as festas aqui satildeo separadas entendeu Natildeo tem
aquela festa todo mundo junto Confraternizaccedilatildeo Eu acho isso um absurdo Todos os
lugares que eu jaacute trabalhei a festa de final de ano eram todos os profissionais Aqui natildeo
eacute tudo separado Eu acho que haacute um pouco dessa divisatildeo e eu natildeo acho isso corretordquo
(Amariacutelis)
Diante da pressatildeo da proacutepria atividade inerente a uma UTIN as dificuldades de
relacionamento interpessoal agravariam a situaccedilatildeo como foi apresentados nos relatos anteriores
Eacute interessante refletir sobre a possibilidade de ampliar o diaacutelogo entre os profissionais que
trabalham no hospital As experiecircncias em comum facilitam o entendimento daqueles que
convivem com as mesmas dificuldades
De acordo com Critelli (1996 p81) ldquoa medida que as coisas testemunhadas em comum
satildeo os elementos da mediaccedilatildeo entre os homens elas estatildeo instaurando o mundo uma trama
significativa comum O homem se daacute e se recusa aos homens atraveacutes daquilo com que estatildeo em
contato e a respeito do que falam A partir do testemunho os homens datildeo realidade agravequilo que
entre eles se abre em comum e simultaneamente datildeo realidade a si mesmo mutualmenterdquo
O compartilhar experiecircncias e dificuldades inerentes ao cotidiano de trabalho pode
aproximar as pessoas em torno de um objetivo em comum Ainda refletindo sobre este aspecto
do compartilhar pretende-se dedicar o proacuteximo toacutepico a questatildeo da formaccedilatildeo profissional de
sauacutede particularmente no que concerne ao preparo para lidar com as perdas no cotidiano de
trabalho
125
5- A formaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede
Vaacuterios autores jaacute tem alertado sobre isso ressaltando a importacircncia da preparaccedilatildeo dos
profissionais de sauacutede tanto para lidar com a morte como para cuidar da vida para enfrentar e
resignificar as perdas e respeitar os limites que a medicina oferece (Koacutevacs 2003 Franccedila
Botomeacute 2005 Silva 2006)
Maria Juacutelia Koacutevacs propotildee que durante a formaccedilatildeo na aacuterea de sauacutede temas como
compaixatildeo sensibilidade e amorosidade sejam contemplados como capacidades aspectos a
serem desenvolvidos pelos profissionais de Sauacutede para lidar melhor com a morte (Koacutevacs
2003)
Os relatos apresentados por alguns entrevistados indicam a falta de preparo para lidar com
as mortes de pacientes durante a formaccedilatildeo profissional
ldquoEssa questatildeo de transmitir maacutes notiacutecias de lidar com esse momento da morte nenhum
momento na minha graduaccedilatildeo eu tive formaccedilatildeo pra isso nem na minha graduaccedilatildeo Na
residecircncia a gente acaba tendo porque a residecircncia eacute uma residecircncia em serviccedilo
entatildeo vocecirc vai atuando e vocecirc vai vendo na praacutetica como fazer isso mas natildeo houve por
exemplo uma preparaccedilatildeo especiacutefica pra esse momento Muito do que eu sei hoje foi
aprendendo realmente na praacuteticardquo (Orquiacutedea)
Observou-se nos profissionais de uma forma geral uma falta de preparo durante a
graduaccedilatildeo em relaccedilatildeo a estes aspectos A temaacutetica das perdas tornou-se relevante no exerciacutecio
profissional ou mesmo na residecircncia mas natildeo de forma significativa na faculdade
ldquoEacute eu acho que a formaccedilatildeo ainda eacute muito falha Porque isso natildeo eacute uma coisa que eacute
pontual tem que vir desde o comeccedilo e ser uma crescente ateacute chegar a formaccedilatildeo e isso
acaba caindo dentro da assistecircncia quando essas pessoas comeccedilam a trabalhar que
os conflitos realmente vatildeo e muitos deles desistem natildeo por falta de oportunidade ou
por falta de teacutecnica mas realmente por dificuldade de encontrar as respostas pras suas
ansiedades Entatildeo a gente vecirc muito aluno bom tecnicamente que acaba desistindo
Por dificuldade de lidar justamente com as frustraccedilotildees com as perdas com a equipe
entatildeo acabam indo fazer outra coisa e realmente natildeo continuam Entatildeo a formaccedilatildeo
126
precisa voltar pra isso Na verdade eu natildeo sei aonde eacute que ele taacute se perdendo
entendeu Como eacute que ele chega na formaccedilatildeo no uacuteltimo estaacutegio com uma imaturidade
emocional tatildeo granderdquo (Girassol)
A segunda profissional traz o relato de sua experiecircncia enquanto docente das dificuldades
que observa nos alunos de enfrentar frustraccedilotildees e lidar com as perdas apontando a necessidade
de se ter mais espaccedilos durante a formaccedilatildeo para discutir estas temaacuteticas De acordo com o relato
as falhas na formaccedilatildeo acabam interferindo na atuaccedilatildeo dos profissionais que agraves vezes se frustam
e ateacute desistem da atuaccedilatildeo na aacuterea de sauacutede
O trecho apresentado se encerra com uma colocaccedilatildeo que merece uma anaacutelise ldquoComo eacute
que ele chega na formaccedilatildeo no uacuteltimo estaacutegio com uma imaturidade emocional tatildeo granderdquo
O olhar para a formaccedilatildeo natildeo deve se limitar em relaccedilatildeo a esta discussatildeo agrave preparaccedilatildeo teoacuterica
sobre como lidar com as mortes e perdas
Um estudo com estudantes de medicina por exemplo aponta para as dificuldades
enfrentadas pelos alunos no decorrer do curso como o relacionamento com os professores
considerados autoritaacuterios e exigentes os residentes que reproduzem as praacuteticas autoritaacuterias as
dificuldades com os pacientes diante do sofrimento e da dor e da morte Tantas dificuldades
podem levar os alunos a apresentarem sintomas psicoloacutegicos como os decorrentes de ansiedade
e o estresse Com tanta pressatildeo como os estudantes tratam os pacientes Como desenvolver
habilidades de relacionamento interpessoal se os mesmos encontram-se estressados e sem saber
como lidar com as dificuldades (Moreira Vasconcelos Heath 2015)
Uma alternativa apresentada pelos autores eacute justamente possibilitar a expressatildeo dos
sentimentos negativos pelos estudantes de forma que eles possam refletir sobre o que sentem
e como lidar com isso O apoio psicoloacutegico pode contribuir para isso Outras respostas
adaptativas apresentadas no estudo incluem as atividades fiacutesicas o lazer e a espiritualidade
(Moreira Vasconcelos Heath 2015)
127
A reflexatildeo em relaccedilatildeo agrave formaccedilatildeo se estende portanto agrave necessidade de os alunos
desenvolverem competecircncias eacuteticas e relacionais Para tanto a universidade deve proporcionar
espaccedilos para que os alunos se expressem e reflitam sobre os seus sentimentos Assim poderatildeo
se preparar emocionalmente para oferecer uma maior atenccedilatildeo aos pacientes e seus familiares
(Ayres 2004 Moreira Vasconcelos Heath 2015)
A falta de preparo em relaccedilatildeo agraves questotildees emocionais pode refletir na praacutetica profissional
nas estrateacutegias utilizadas diante das perdas Conforme pode ser observado no relato a seguir a
respeito da reaccedilatildeo de alguns profissionais diante da morte de receacutem-nascidos na UTIN
ldquo Eu acho que eacute uma coisa que precisa ser trabalhada com a equipe eacute a questatildeo da
gente respeitar o momento da famiacutelia entendeu Por exemplo tem um bebecirc morrendo
aqui com a famiacutelia e taacute todo mundo atrapalhando conversando entrando saindo
telefone tocando algueacutem rindo sabe Eacute meio que as pessoas fazem de conta que natildeo
estatildeo vendo pra natildeo sofrer talvez natildeo sei Isso realmente eacute uma coisa que me incomoda
todas as vezes que acontece e eacute muito frequente Eacute como hoje vocecirc ir num veloacuterio e ter
um monte de gente fazendo selfie entendeu A coisa taacute meio assimrdquo (Girassol)
Este relato jaacute nos apresenta outra possibilidade de reflexatildeo em relaccedilatildeo a atitude dos
profissionais diante da morte de pacientes Foi um comentaacuterio no final da entrevista no espaccedilo
reservado para a pergunta ldquoVocecirc gostaria de acrescentar mais alguma coisardquo E aiacute veio o
desabafo na forma de um incocircmodo contido guardado no silecircncio de nunca ter comentado com
ningueacutem e sem saber ao certo o que fazer diante desta situaccedilatildeo
A atitude dos profissionais diante da morte de pacientes eacute algo que deve ser discutido
durante a formaccedilatildeo mas tambeacutem no ambiente de trabalho Compreender a morte enquanto parte
da vida eacute importante para a realizaccedilatildeo das atividades profissionais mas desconsiderar que
outras pessoas estatildeo sofrendo em decorrecircncia disso eacute algo que precisa ser posto em pauta para
reflexatildeo
Costumo dizer que o ser humano tem uma grande virtude e um grande defeito ao mesmo
tempo noacutes nos acostumamos agraves coisas agraves situaccedilotildees A virtude poderia ser compreendida
128
enquanto uma capacidade de adaptaccedilatildeo necessaacuteria agrave sobrevivecircncia e agrave vida em sociedade O
defeito estaacute justamente na falta de uma reflexatildeo profunda sobre o que nos acostumamos a ver
a fazer sobre o que naturalizamos e vemos como ldquonormalrdquo ou ldquosempre foi assimrdquo Como algo
que acontece tanto que natildeo requer mais atenccedilatildeo e zelo Assim banalizamos as notiacutecias
recorrentes sobre violecircncia podemos ser indiferentes com relaccedilatildeo agrave pobreza e marginalizaccedilatildeo
Nos hospitais os profissionais de sauacutede podem se acostumar a ver tanto sofrimento mas
existe uma diferenccedila grande entre sofrer muito junto com pacientes e familiares e tratar disso
como se o sofrimento dos outros natildeo mais os tocasse ou comovesse a ponto de natildeo silenciar
de natildeo respeitar o momento A reflexatildeo sobre a formaccedilatildeo se estende portanto para a atuaccedilatildeo
dos profissionais como algo que exige atenccedilatildeo e suporte para os trabalhadores que lidam com
sofrimento no cotidiano
Vale ressaltar tambeacutem que mesmo para os profissionais os quais estudaram em
instituiccedilotildees que abordam a questatildeo da morte de pacientes ainda eacute apresentado nos discursos
um distanciamento com a vivecircncia praacutetica como pode ser analisado nos relatos a seguir
ldquoEntatildeo o que a gente teve na formaccedilatildeo foi como a gente tinha que lidar com o paciente
em relaccedilatildeo a morte como eacute que o profissional lidava com a morte e como eacute que a gente
lidaria com os familiares mas foi uma coisa muito teoacuterica natildeo teve naquele momento
aquilo natildeo era tatildeo palpaacutevel pra mim Quando eu comecei na UTI Neo Que eu vi
aqueles bebezinhos realmente indo a oacutebito ai foi que eu comecei realmente a trabalhar
isso em mim ldquoMeu Deus eu vou lidar com isso eu vou conseguir lidar com isso assim
Eacute isso mesmo que eu querordquo (Violeta)
De acordo com Silva (2006 p 232) ldquoapesar da presenccedila do discurso de re-humanizaccedilatildeo
do processo de morte de um paciente a praacutetica dessas interaccedilotildees eacute dificultada pelo pouco
suporte de ensino-aprendizagem nessa direccedilatildeo aliada a uma falta de acolhimento e continecircncia
aos aspectos emocionais dos proacuteprios estudantes que mais tarde poderatildeo reproduzir essa
mesma falta em seus pacientesrdquo
129
Alguns profissionais ainda ressaltaram a importacircncia da praacutetica para aprender a lidar com
as questotildees das perdas como se a maturidade trouxesse uma maior serenidade diante da morte
ldquoQuando vocecirc termina vocecirc eacute muito impulsivo Vocecirc eacute muito razatildeo Eacute esse equiliacutebrio que
vocecirc vai conseguindo adquirir com a maturidade a emoccedilatildeo e a razatildeo Vocecirc luta luta
mas vocecirc vai conseguindo ponderar isso vocecirc vai sabendo qual eacute o seu limite A
Medicina tem um limite ela natildeo eacute infundada E eacute esse limite que eu tenho que
reconhecerrdquo (Angeacutelica)
Embora nem sempre seja possiacutevel Existem os limites momentacircneos de cada um e os
limites de atuaccedilatildeo diante da vida e da morte Mas como identificar estes limites Como
reconhecer em si a possibilidade de natildeo mais poder
Heidegger (2007) nos traz uma inspiraccedilatildeo profunda ao falar sobre o pensamento
calculante e o pensamento reflexivo O pensamento calculante se configura na racionalidade
voltada para as atividades do cotidiano Movidos pelo mundo em meio ao impessoal na era da
teacutecnica vamos agindo e reagindo como em um piloto automaacutetico fazendo o que se espera que
seja feito No caso dos profissionais de sauacutede existe muito a ser feito controle dos
equipamentos o manuseio dos bebecircs os procedimentos as anotaccedilotildees nos prontuaacuterios As
mediccedilotildees das reaccedilotildees corporais que podem indicar um bom ou mal prognoacutestico
Assim segue-se a rotina em meio a protocolos e tarefas E quando as coisas saem do
controle Quando a morte chega O que pode ser feito diante disso Talvez ao refletir pode se
chegar agrave conclusatildeo de que existem limites que natildeo puderam ser superados pela medicina ou de
que ocorreram falhas nos procedimentos ou de que a morte estaacute aiacute como possibilidade para a
minha vida para a vida dos meus filhos diante disto como estou conduzindo a vida Quais as
escolhas que estou fazendo
A morte do outro pode servir como um alerta pode tornar-se uma parada obrigatoacuteria
em meio ao turbilhatildeo de ocupaccedilotildees para refletir profundamente sobre a conduccedilatildeo da vida e
para lembrar sobre a condiccedilatildeo de mortal inerente a cada ser vivo sem hora ou tempo certo
130
para acontecer Este eacute outro ponto que merece ser ressaltado o tempo para a morte Os
profissionais de sauacutede da UTI Neonatal trabalham com novas vidas ou vidas novas que se
renovam ou findam em um curto periacuteodo de tempo Um tempo cronoloacutegico que natildeo diz sobre
o tempo da dor sobre quando eacute a hora de parar de tentar salvar a vida ou de natildeo chorar pela
morte Um tempo cronoloacutegico que diz pouco sobre o ser que vai e o que o fica diante das
expectativas geradas dos projetos desenhados da ausecircncia repentina e totalmente inesperada
Uma vida que dura poucos dias pode marcar para sempre tantas outras vidas de
familiares e profissionais que lutaram para que o resultado fosse diferente E este eacute outro aspecto
que envolve a atuaccedilatildeo na UTI Neonatal as crenccedilas a religiosidade e a compreensatildeo dos limites
da medicina dos recursos controlaacuteveis pelos homens No decorrer das entrevistas existiram
relatos surpreendentes de crianccedilas que sobreviveram sem a menor perspectiva da equipe e
outras que faleceram diante da esperanccedila de uma melhora Situaccedilotildees que demonstram os limites
da atuaccedilatildeo profissional diante das possibilidades de cura e da ldquoobrigaccedilatildeordquo desvelada na
cobranccedila interior para salvar vidas E nos levam a refletir sobre como agir diante de situaccedilotildees
tatildeo complexas O trecho do relato da profissional apresentado anteriormente fala a respeito de
uma maturidade conquistada por meio da experiecircncia
Para Ayres (2004) esta maturidade pode ser compreendida resgatando o conceito
aristoteacutelico de sabedoria praacutetica que ldquodiz respeito a um saber conduzir-se frente agraves questotildees da
praacutexis vital que natildeo segue leis universais ou modos de fazer conhecidos a priori mas
desenvolve-se como um tipo de racionalidade que nasce da praacutexisrdquo (p 20)
A sabedoria praacutetica traz uma compreensatildeo sobre o mundo que vai muito aleacutem da teacutecnica
Trata-se de uma capacidade para analisar as situaccedilotildees e resolver problemas com um niacutevel de
complexidade elevado que natildeo apresentam respostas em manuais ou simplesmente na teacutecnica
por si soacute Esta sabedoria tambeacutem gera no individuo a maturidade para olhar as situaccedilotildees de
outra forma e a abertura para novas possibilidades para resolvecirc-las
131
Considerando a importacircncia deste conceito cabe aqui um reflexatildeo a sabedoria praacutetica eacute
oriunda da vivecircncia do profissional de cada indiviacuteduo mas o compartilhar das experiecircncias
poderia fomentar o desenvolvimento de habilidades nos demais profissionais Poderia
contribuir para o aprimoramento da equipe como um todo Atraveacutes do troca de experiecircncias e
possiacuteveis soluccedilotildees para os problemas vivenciados no cotidiano novos projetos podem surgir
Este movimento estaacute acontecendo na maternidade Com os profissionais se reunindo para
implantar projetos visando a melhoria na assistecircncia aos pacientes e seus familiares
Inspirados pelas novas possibilidades de atuaccedilatildeo oriundas de um novo olhar para o
sofrimento do outro abordaremos no proacuteximo toacutepico os novos projetos que estatildeo sendo
desenvolvidos na maternidade os quais mesmo na fase inicial jaacute deixaram frutos e se
apresentam como resultado da reflexatildeo de alguns profissionais sobre as suas praacuteticas e da busca
contiacutenua para oferecer uma melhor assistecircncia para os pacientes e seus familiares
6- Reflexotildees sobre a atuaccedilatildeo profissional de sauacutede concepccedilatildeo de cuidado novas
possibilidades e projetos
A UTIN da Maternidade Escola Januaacuterio Cicco vem passando por uma seacuterie de
transformaccedilotildees nos uacuteltimos anos A partir de 2014 com o ingresso de novos servidores atraveacutes
do concurso puacuteblico comeccedilou-se a estruturar uma equipe multidisciplinar Aleacutem disso as
reformas que aconteceram em 2016 culminaram na ampliaccedilatildeo do nuacutemero de leitos em 2017
Outro fator positivo ocorrido no referido ano foi a ampliaccedilatildeo da residecircncia multiprofissional
para outras aacutereas aleacutem da medicina da enfermagem da fisioterapia como psicologia
fonodiologia terapia ocupacional O que possibilita a ampliaccedilatildeo das atividades desenvolvidas
pelos profissionais
132
Diante deste contexto novos projetos que estatildeo surgindo como o grupo de cuidados
paliativos que estaacute iniciando as suas atividades conforme pode ser constatado nos relatos a
seguir
ldquo A gente taacute tentando transformar a morte em alguma coisa bonita natildeo sei como mas
a gente taacute sabe Assim quando a gente deixa uma matildee ficar ali e diz ldquoOlha o coraccedilatildeo
do seu bebecirc taacute parandordquo E aiacute a matildee pergunta ldquoTaacute morrendo rdquo e a meacutedica diz ldquoTaacute
o que vocecirc quer fazer com ele rdquo ldquoFala o que vocecirc quer pro seu filho taacute aquirdquo A gente
taacute tentando dar essa oportunidade Entatildeo tem sido triste Tem mas tem sido bonito
sabe quando essas matildees elas podem cantar pegar pra fazer carinho beijar e aiacute a gente
comeccedila a ver assim eacute uma despedida Todo mundo sofre mas a gente taacute tentando tirar
essa frieza da morte E aiacute eu acho que isso tem confortado a equipe assim que a gente
entende que a gente taacute fazendo algo para aleacutem pra essas famiacuteliasrdquo (Iacuteris)
O relato foi feito por uma profissional que havia passado recentemente pela morte da
matildee No hospital em que a matildee faleceu em outro estado existiam accedilotildees de cuidado paliativo
que passaram a fazer sentido para ela Uma experiecircncia pessoal a tocou profundamente e a
incentivou a participar do grupo de cuidados paliativos na MEJC
ldquo A portaria saiu essa semana E aiacute a gente comeccedilou a estudar a possibilidade e aiacute
foi Orquiacutedea que pensou Orquiacutedea me chamou e eu falei ldquoOrquiacutedea assim eacute tatildeo
contraditoacuterio neacute Eu preciso taacute nesse grupo pela UTI e por mim porque ai assim pra
tentar entender o que eu vivenciei por tanto tempo sem nem saber o que eacute que eu tava
vivenciandordquo E aiacute essa coisa do cuidado paliativo parece de repente que comeccedilou a
rondar a minha pessoa assim como profissional como filhardquo (Iacuteris)
Na trama de sentidos da existecircncia natildeo eacute possiacutevel separar o lado profissional do lado
pessoal e familiar porque na realidade natildeo existe um lado ou outro existe um ser-no-mundo
em relaccedilatildeo com outros daseins e que se transforma sendo As experiecircncias de vida podem
contribuir para uma nova visatildeo e compreensatildeo sobre o mundo sobre a assistecircncia prestada aos
pacientes e seus familiares As experiecircncias no trabalho tambeacutem podem promover mudanccedilas
nos valores nas formas de conduzir a vida como pode ser percebido nos relatos a seguir
133
ldquoUma matildee me perguntou ldquo Qual eacute o padratildeo de perfeiccedilatildeordquo Eu fiquei com aquilo
encafifado ldquoPadratildeo de perfeiccedilatildeo eacute belezardquo Aiacute eu fiquei calada Ela disse ldquonatildeo eacute
Perfeiccedilatildeo eacute o que vocecirc vecirc como perfeito Esse bebecirc pra mimrdquo E era um menino
monstruoso assim de chocava olhar aiacute ela disse ldquopra mim o meu bebecirc eacute perfeito
porque esse foi feito pra mimrdquo E aiacute eu fiquei com aquilo no meu pensamento Eu digo
ldquorealmente perfeiccedilatildeo eacute um padratildeo que eacute estipulado por alguma minoria que tem que
ser belo lindo loiro e um bebecirc Johnsonrsquos neacuterdquo A gente natildeo tem esse direito de dizer
porque eacute um bebecirc que tem alguma coisa uma pessoa que tem algum defeito que natildeo eacute
perfeito depende ao olho de quem Entatildeo vocecirc aprende tanta coisa Aiacute vocecirc chega em
casa aiacute vocecirc olha assim pros seus Aiacute vocecirc diz assim ldquoeu natildeo posso reclamar de nada
eu soacute posso ser felizrdquo (Angeacutelica)
O conceito de perfeiccedilatildeo pode ser relativo natildeo obedecendo certos padrotildees ditados pelo
mundo no horizonte histoacuterico em que nos encontramos Da mesma forma o entendimento
sobre o que eacute importante para o outro pode gerar outra maneira de prestar assistecircncia Agraves vezes
as atitudes dos profissionais tem como base o que eles acham que eacute necessaacuterio para os familiares
dos pacientes sem ouviacute-los enquanto pessoas abertas a possibilidades e capazes de realizar
escolhas
ldquoE hoje a gente tem visto a morte de outra forma se a morte eacute inevitaacutevel entatildeo vamos
humanizaacute-la vamos proporcionar a esse bebecirc a essa famiacutelia esse contato esses uacuteltimos
contatos pra que esse bebecirc tenha a morte proacutexima a essas pessoas que ele ama e que o
amam Quando agraves vezes o bebecirc piorava e chegava e dizia assim ldquoNatildeo mas a matildee natildeo
pode ver isso porque ela vai sofrerrdquo e uma coisa que a gente tinha conversado com a
equipe de que a gente precisa dar a possibilidade dessa matildee de escolher pode ser que
ela natildeo suporte ver esse sofrimento e queira se retirar mas pode ser que ela queira estar
com esse bebecirc durante todo o processo e natildeo somos noacutes que vamos dizer ldquoNatildeo eacute muito
sofrimento pra ela estar suportandordquo a gente vai dar essa possibilidade pra elardquo
(Rosa)
O relato apresentado coloca em ecircnfase a questatildeo do cuidado nas suas formas antepositiva
e substitutiva Em determinados momentos eacute necessaacuterio indicar os procedimentos tomar
134
decisotildees relativas ao paciente Mas existem outros nos quais eacute importante deixar os familiares
decidirem o que consideram melhor para eles cabendo aos profissionais de sauacutede oferecer estas
possibilidades e o suporte necessaacuterio O cuidado antepositivo tambeacutem precisa estar presente na
assistecircncia Deixar os familiares decidirem com base nos proacuteprios valores eacute como dar
autonomia para que experienciem o momento e consigam lidar melhor com as consequecircncias
dos proacuteprios atos A forma como cada um deseja se despedir de seu ente querido eacute uma decisatildeo
individual que precisa ser respeitada inclusive para facilitar o processo de vivecircncia do luto e
evitar frases do tipo ldquoeu queria ter me despedido do meu filhordquo
Diante do exposto a escuta dos familiares torna-se fundamental para o suporte nos
momentos de perda Sobre este aspecto falas de algumas participantes defendem a importacircncia
dos profissionais desenvolverem a empatia
ldquoEntatildeo acho que quando a gente se coloca no lugar do outro fica mais faacutecil a gente
ver que momento eu vou me calar que momento eu vou falar que informaccedilotildees dar acho
que eu resumiria como empatia que eacute isso que taacute tentando que estamos buscando cada
profissional conseguir se colocar no lugar dessa matildeerdquo (Rosa)
ldquoVocecirc fez um juramento e assim eacute um compromisso que vocecirc tem com aquele paciente
de cuidar dele entatildeo eacute vocecirc se colocar no lugar ldquoSe fosse eu que tivesse sendo cuidada
por mim mesma eu estaria sendo bem cuidadardquo Entatildeo eacute isso que eu levordquo (Violeta)
No proacuteximo relato a participante contempla o cuidar como um conceito mais amplo
muito aleacutem de tratar A ideia que ela quis passar pode ser compreendida apesar de utilizando
os conceitos da fenomenologia heideggeriana sabemos que ambas satildeo formas de cuidado Pois
o cuidado nos contitui eacute inerente ao ser-no-mundo
ldquo Cuidar como um todo natildeo soacute da doenccedila mas cuidar da alma da pessoa da famiacutelia
do colega da equipe Cuidar eacute abrangente o tratar eacute restrito Agora assim cuidar eacute
complicado difiacutecil O que vocecirc sabe sobre cuidar Vocecirc sabe cuidar de algueacutem ou
vocecirc soacute sabe tratar algueacutem Porque satildeo coisas diferentes Entatildeo eu vou encabeccedilar
135
mesmo essa ideia porque tratar eacute faacutecil a bula do remeacutedio diz como fazer agora cuidar
eacute difiacutecilrdquo (Angeacutelica)
Os profissionais se deparam no dia a dia com o desafio de adotar praacuteticas de humanizaccedilatildeo
no hospital Segundo Ayres (2004 p 22) ldquoo importante para a humanizaccedilatildeo eacute justamente a
permeabilidade do teacutecnico ao natildeo-teacutecnico o diaacutelogo entre essas duas dimensotildees interligadasrdquo
O domiacutenio da teacutecnica eacute imprencindiacutevel para o tratamento do paciente mas natildeo eacute suficiente
quando se fala em humanizaccedilatildeo na aacuterea da sauacutede
Outra colaboraccedilatildeo trazida pelo referido autor define o cuidado ldquocomo designaccedilatildeo de uma
atenccedilatildeo agrave sauacutede imediatamente interessada no sentido existencial da experiecircncia do
adoecimento fiacutesico ou mental e por conseguinte tambeacutem das praacuteticas de promoccedilatildeo proteccedilatildeo
ou recuperaccedilatildeo da sauacutede (Ayres 2004 p22)
Compreender o cuidado enquanto uma atitude terapecircutica significa ir aleacutem dos sinais e
sintomas envolve considerar a histoacuteria do indiviacuteduo seus sentimentos diante do adoecimento
da possibilidade iminente de morte implica em uma escuta atenta e em uma explicaccedilatildeo sobre
o que estaacute acontecendo (os procedimentos adotados os exames que precisam ser feitos) Enfim
implica em considerar o outro como um ser lanccedilado no mundo aberto a possibilidades e capaz
de fazer escolhas
Novamente aqui cabe uma reflexatildeo quanto a capacidade dos profissionais de consiguerem
desenvolver as competecircncias teacutecnicas e relacionais e ainda conseguirem ser assertivos e
atenciosos no atendimento dos pacientes particularmente tambeacutem nos momentos criacuteticos de
perda e morte Trata-se de uma exigecircncia consideraacutevel que precisa ser cumprida mas necessita
de atenccedilatildeo para tornar-se viaacutevel e se sustentar Exige-se do profissional individualmente o
domiacutenio teacutecnico para a funccedilatildeo que executa e as habilidade relacionais necessaacuterias agraves praacuteticas
de humanizaccedilatildeo Entretanto eacute importante mencionar a necessidade de oferecer suporte para
estes profissionais desde a formaccedilatildeo como tambeacutem no dia a dia de trabalho
136
O cotidiano da UTI Neonatal aleacutem de ser tenso de apresentar uma atmosfera com muita
pressatildeo possui dificuldades referentes ao quantitativo de pessoal agrave sobrecarga de trabalho aos
relacionamentos interpessoais e com os familiares de pacientes Enfim isso tudo repercute na
sauacutede do trabalhador aumenta o niacutevel de absenteiacutesmo o que gera mais sobrecarga para os que
ficam no trabalho Estes fatores motivaram alguns profissionaia da UTI Neo a iniciar um projeto
intitulado ldquocuidar do cuidadorrdquo
ldquo A gente tava com o niacutevel de absenteiacutesmo muito alto os profissionais principalmente
os teacutecnicos de enfermagem adoecendo muito na UTI neonatal Jaacute estava chegando num
niacutevel que a equipe estava muito adoecida e se a gente natildeo parasse pra fazer algo com a
equipe natildeo ia conseguir ajudar tambeacutem esses pacientes porque a gente precisa primeiro
cuidar delas primeiro natildeo em paralelo neacute E aiacute a gente comeccedilou um trabalho junto
com a equipe entatildeo a gente taacute montando o projeto Satildeo encontros mensais ontem
inclusive foi o segundo encontro A gente trabalha com musicalizaccedilatildeo com elas com
dinacircmica de grupo ginaacutestica laboral entatildeo as reuniotildees eram tidas elas falam como
chicote soacute era reclamaccedilatildeo e a proposta natildeo eacute nem que o nome seja reuniatildeo satildeo
encontrosrdquo (Rosa)
ldquoCuidar do cuidadorrdquo realmente parece um projeto que apesar de inicial estaacute rendendo
bons frutos Como contribuiccedilatildeo poderia ser ampliado de forma a envolver a equipe
multiciplinar da UTI Neonatal e natildeo somente a equipe de teacutecnicos de enfermagem tendo outros
profissionais como facilitadores Estes encontros poderiam ser mantidos mas com a abertura
para novas possibilidades de reuniotildees envolvendo outros profissionais para faciliar o
entrosamento e ateacute a troca de informaccedilotildees
Outra sugestatildeo que poderia ser passada refere-se ao estabelecimento de um plantatildeo
psicoloacutegico para os profissionais de sauacutede Um espaccedilo para escuta dos mesmos nos momentos
que acharem oportuno e necessaacuterio O simples fato de ser ouvido pode acalentar o coraccedilatildeo dos
que sofrem Esta sugestatildeo vai aleacutem da defesa da importacircncia destes momentos para os
137
funcionaacuterios eacute proveniente de uma demanda da observaccedilatildeo do cotidiano de trabalho e da
expressatildeo dos profissionais como pode ser constatado no relato a seguir
ldquo Assim eu soacute acho que eu gostei muito dessa nossa conversa porque a gente natildeo
tem apoio assim psicoloacutegico a natildeo ser que seja solicitado como jaacute aconteceu que a
gente tem assim uma equipe muito reduzida de teacutecnicos e ai sobrecarrega toda equipe e
a gente solicitou que a gente precisa de um acompanhamento psicoloacutegico que a gente
natildeo aguenta mais o iacutendice de atestado meacutedico por doenccedila fiacutesica e mental foi muito
grande na UTI tanto eacute que foi o setor com mais absenteiacutesmo afastamento por atestado
meacutedico da maternidade inteira e a gente fez ldquonatildeo a gente tem que saber o que eacute vamos
fazer um grupo neacuterdquo Veio uma psicoacuteloga da chefia ela se propocircs a fazer grupos de
conversa porque a gente natildeo tem esse apoio assim claro que por exemplo se dispotildee
ldquogente se vocecircs precisarem eu tocirc aqui pra ajudar vocecircsrdquo mas natildeo eacute aquilo assim ldquoah
a psicoacuteloga dos profissionaisrdquo eacute porque ela se dispotildee mesmo Isso eacute muito bom a gente
ser escutada porque eacute muita obrigaccedilatildeo pra gente e eacute muito dever pra gente vocecirc tem
que fazer vocecirc tem que fazer e a gente natildeo em essa contrapartida de nos ajudar tambeacutem
uma pessoa pra nos ouvir muito bom gostei muitordquo (Violeta)
Esta profissional foi uma das primeiras a ser entrevistada Ao realizar a divulgaccedilatildeo da
pesquisa dentro da UTIN ela se ofereceu prontamente e perguntou se poderia ser ouvida naquele
momento de imediato E assim foi feito Realmente pode-se verificar a importacircncia de um
espaccedilo de escuta para um profissional de sauacutede que lida com tantos desafios e temores Ao final
da entrevista ela fez um agradecimento simplemente pelo fato de ser ouvida
Para mim isto serve de inspiraccedilatildeo quanto a postura cliacutenica do pesquisador da aacuterea de
fenomenologia Noacutes natildeo nos disponibilizamos somente para fazer pesquisa temos consciecircncia
que na relaccedilatildeo com os outros nos encontros estamos envolvidos em uma trama de sentidos
que eacute transformadora para ambas as partes o narrador e o pesquisador que se torna um narrador
agrave medida em que busca compreender o outro e produzir uma nova narrativa com base em como
o que foi ouvido o afetou
138
E eacute justamente sobre estas reflexotildees que trataremos no proacuteximo capiacutetulo No qual a
circularidade se apresenta condensada em palavras as quais tentam resumir o vivido ao longo
do processo de pesquisa Mas jamais tecircm a pretensatildeo de se apresentarem como conclusotildees
Pois a cada vez que satildeo lidas refletidas e analisadas se transformam e nos convidam a serem
reescritas como uma obra inacabada sujeita a interpretaccedilotildees diversas fundamentadas nas
distintas compreensotildees de mundo
139
Capiacutetulo 6 Destecendo a trama da existecircncia reflexotildees a partir das narrativas dos
profissionais de sauacutede
ldquoVladimir Kushrdquo
140
O SONHO
Sonhe com aquilo que vocecirc quer ser
Porque vocecirc possui apenas uma vida
E nela soacute se tem uma chance
De fazer aquilo que quer
Tenha felicidade bastante para fazecirc-la doce
Dificuldades para fazecirc-la forte
Tristeza para fazecirc-la humana
E esperanccedila suficiente para fazecirc-la feliz
As pessoas mais felizes natildeo tecircm as melhores coisas
Elas sabem fazer o melhor das oportunidades
Que aparecem em seus caminhos
A felicidade aparece para aqueles que choram
Para aqueles que se machucam
Para aqueles que buscam e tentam sempre
E para aqueles que reconhecem
A importacircncia das pessoas que passaram por suas vidasrdquo
Clarice Lispector
A vida eacute uma trama repleta de encontros dos fios que tecem o existir ela se constitui
continuamente ateacute o momento em que eacute interrompida e deixa sempre algo para ser acabado
Assim vamos vivendo enfrentando os desafios impostos pelo mundo e por noacutes mesmos
imersos em um horizonte histoacuterico de cobranccedilas marcado por uma busca pela felicidade (que
precisa ser exposta como uma conquista contiacutenua e necessaacuteria) pelo culto ao corpo e agrave
juventude (revelada nas cirurgias plaacutesticas nos cremes e piacutelulas) pela busca da cura e
interdiccedilatildeo da morte (configurada no choro contido na maquiagem dos mortos na induacutestria
141
fuacutenebre que tem crescido vertiginosamente) pelo sucesso profissional (marcado pelas
necessidades de realizaccedilatildeo de status de reconhecimento)
Neste contexto a definiccedilatildeo de ldquoaquilo que vocecirc quer serrdquo pode ser deveras complicada
bastante complexa Porque nem sempre o que se quer eacute possiacutevel ter e nem sempre se sabe o que
se realmente quer Mas mesmo diante destas inconsistecircncias precisamos fazer as escolhas tatildeo
necessaacuterias agrave sobrevivecircncia neste mundo
Como pude observar nos relatos alguns profissionais de sauacutede natildeo queriam inicialmente
trabalhar com bebecircs e ateacute se assustavam sobremaneira com a possibilidade de lidar
constantemente com a morte de seres tatildeo fraacutegeis envoltos em complexas relaccedilotildees familiares
Escolheram em funccedilatildeo de vagas de trabalho da aprovaccedilatildeo em um concurso da alegaccedilatildeo da
administraccedilatildeo hospitalar das necessidades de ampliar a equipe da UTI Neonatal Escolheram e
como bem coloca Clarice Lispector ldquosabem fazer o melhor das oportunidades que aparecem em
seus caminhosrdquo
Os relatos revelam o encantamento com a possibilidade de ajudar os bebecircs e suas
famiacutelias o comprometimento com o trabalho realizado mesmo diante das dificuldades Os
profissionais entrevistados admitem o sofrimento o choro por vezes contido diante dos
familiares e ateacute o distanciamento proposital dos mesmos quando a possibilidade da morte se
amplia Admitem tentar se proteger do sofrimento natildeo se envolver em demasia para seguir
adiante
Falaram sobre o medo da morte sobre o sentimento de impotecircncia e frustraccedilatildeo diante
da morte de receacutem-nascidos E tambeacutem falaram sobre o resignificar da vida diante das
experiecircncias da vontade de dar mais atenccedilatildeo aos filhos ao lembrarem das matildees que natildeo podem
mais tecirc-los por perto A morte do outro no caso das profissionais que satildeo matildees relembra sobre
a possibilidade de perda dos proacuteprios filhos da necessidade de fazer melhores escolhas sobre o
uso do pouco tempo disponiacutevel para atenccedilatildeo dedicada aos mesmos
142
Muitas coisas foram ditas as dificuldades do cotidiano foram contempladas bem como
as significativas melhorias apresentadas na estrutura fiacutesica de trabalho Os novos projetos
tambeacutem apareceram com a boa vontade de propor melhorias de oferecer uma melhor
assistecircncia aos pacientes familiares e aos proacuteprios funcionaacuterios
O que fico me perguntando a partir da escuta atenta destas narrativas eacute o que pode ser
feito diante de tudo o que foi dito Acredito que a primeira reflexatildeo que se apresenta estaacute na
importacircncia de olhar para a o mundo atual para esta atmosfera que nos move para o controle
para o domiacutenio dos instrumentos para o raciociacutenio da causa e efeito para a necessidade de cura
para o sentimento de culpa Compreender que estamos imersos nesta visatildeo de mundo eacute
reconhecer que os instrumentos satildeo necessaacuterios para a relaccedilatildeo que o homem estabelece com o
trabalho com os outros neste mundo E principalmente eacute tambeacutem reconhecer que apesar de
todo o aparato tecnoloacutegico de toda dedicaccedilatildeo humana natildeo temos o controle sobre a vida As
limitaccedilotildees vatildeo existir as falhas fazem parte do processo e em uma hora surpreendentemente
indefinida a morte iraacute chegar
A morte chega e nos diz que a vida iraacute acabar mesmo que a consideremos inacabada
Que as coisas iratildeo acontecer independentemente da nossa vontade Aiacute entramos em um ponto
especialmente delicado o homem enquanto senhor das suas vontades Do querer realizar o
querer que nos mobiliza o natildeo querer que paralisa que gera inconformidade intoleracircncia que
embriaga a visatildeo e dissipa a realidade nua e crua Coloca uma nuvem uma neblina que natildeo
deixa enxergar o natildeo querer
Somos movidos pelos sentimentos e mais atenccedilatildeo precisa ser dada a isso Muito mais
do que se imagina Mais atenccedilatildeo ao que sentimos com o olhar voltado para si mais atenccedilatildeo ao
que os outros sentem com o olhar para o proacuteximo Eacute preciso escutar mais as pessoas entender
o que querem ao que datildeo importacircncia e dentro das possibilidades oferecerem um pouco do
que querem e a reflexatildeo sobre o muito do que natildeo podem sobre as limitaccedilotildees para o querer
143
Voltando para a realidade dos profissionais de sauacutede muitas vezes eles querem ser
ouvidos em sua anguacutestia consolados em seu luto atendidos em relaccedilatildeo agraves condiccedilotildees baacutesicas de
trabalho Satildeo quereres aparentemente possiacuteveis diante dos desafios cotidianos no ambiente de
trabalho Mas quereres tantas vezes pouco atendidos Fala-se na necessidade de cuidar do
cuidador mas o que seria este cuidado senatildeo passar pela escuta atenta das suas necessidades
De que tipo de cuidado estamos falando Mesmo quando as empresas adotam praacuteticas de
atenccedilatildeo aos cuidadores qual a fonte de inspiraccedilatildeo destas praacuteticas O que acham que eacute adequado
ou suficiente para os trabalhadores Ou o que realmente importa para eles
Ainda pensando na questatildeo da morte e fazendo uma articulaccedilatildeo com as experiecircncias dos
profissionais de sauacutede podemos compreender que a morte faz parte da vida do ser-no-mundo
embora tenha sido experienciada de diferentes formas ao longo da histoacuteria da humanidade
Congruente com este pensamento Heidegger (1927 2015) enfatiza a ideia de sempre considerar
o contexto social especiacutefico para interpretar o discurso do outro
Para os profissionais de sauacutede a ocorrecircncia das mortes faz lembrar das limitaccedilotildees
existentes na atuaccedilatildeo profissional Em meio a busca pela cura pela prolongaccedilatildeo da vida a
ocorrecircncia de morte leva agrave frustraccedilatildeo de saber que por mais que se queira curar existem
limitaccedilotildees para a atuaccedilatildeo profissional
Na realidade de uma forma geral independente de refletirmos ou natildeo sobre a morte
esta possibilidade estaacute lanccedilada o tempo todo como algo inerente agrave existecircncia E assim
tecemos os fios da nossa vida Vamos estruturando o nosso tecido pelas experiecircncias que
vivemos enquanto ser-no-mundo um ser que se relaciona com os outros e com o mundo em
um contexto histoacuterico especiacutefico
No contexto atual sem o controle o homem se sente perdido incomodado como se
faltasse algo que lhe trouxesse seguranccedila A anguacutestia retira o ser da situaccedilatildeo de aparente
controle
144
A anguacutestia nos arranca da familiaridade cotidiana nos faz sentir como estranhos no
mundo Ela incomoda por nos trazer algo que ameaccedila a nossa existecircncia e nos lembra do poder
natildeo mais ser E a anguacutestia eacute antes de tudo uma disposiccedilatildeo afetiva uma abertura para o mundo
Desta forma Heidegger (19272015) nos lembra da importacircncia dos afetos para o ser-
no-mundo Somos seres tambeacutem de afeto Mesmo a melhor das teorias natildeo se consolida apenas
com a razatildeo requer sobremaneira a sensibilidade do pesquisador A disposiccedilatildeo afetiva para
realizar algo inclusive para refletir E a anguacutestia favorece isto cria uma atmosfera propiacutecia para
o olhar profundo em relaccedilatildeo a si proacuteprio enquanto ser-no-mundo
O dasein ao ser tomado pela anguacutestia eacute capaz de concentrar-se nas proacuteprias escolhas
de se permitir fazer referecircncia a si mesmo de forma autecircntica podendo assim exercitar a
capacidade de ser propriamente livre
Ao encarar a morte de frente pode-se pensar na melhor forma de viver a vida no
sentido mais autecircntico e verdadeiro para si proacuteprio No sentido de fazer escolhas que geram o
sentimento de valer a pena A ideia de ldquoaceitar o fimrdquo eacute muito mais complexa que o simples
citar desta frase pode implicar em resignificar o comeccedilo em fazer novas escolhas no presente
e projetar-se para o futuro com a consciecircncia que viveraacute do modo mais verdadeiro para si
proacuteprio e que natildeo teraacute o controle sobre tudo e sobre todos
Costumo dizer que planejamos para melhor improvisar Eacute ilusatildeo acharmos que quanto
mais racionais e apegados aos detalhes teremos a previsatildeo dos fatos da vida Planejamos para
melhor improvisar pois enquanto ser-aiacute estamos no mundo abertos a muitas possibilidades
Inclusive na relaccedilatildeo com os outros sobre os quais natildeo temos controle Improvisar faz parte da
vida tanto quanto a noccedilatildeo de projeto Sem projeto natildeo temos sentido para a vida mas se
tornarmos o projeto estaacutetico ele jamais se concretiza inclusive pela nossa proacutepria insatisfaccedilatildeo
com o mesmo
145
Planejamos para melhor improvisar pode tambeacutem ser compreendido como nos
prepararmos para esperar o inesperado ou seja para termos consciecircncia de que por mais que
nos dediquemos a ponto de oferecermos o nosso melhor natildeo teremos o controle sobre o mundo
nem tatildeo pouco sobre os resultados que esperamos para o nosso proacuteprio esforccedilo
Com base nesta reflexatildeo caberia uma pergunta Eacute possiacutevel uma preparaccedilatildeo para a
morte No sentido de prever os acontecimentos como se existissem e efetivamente vivenciaacute-
los a minha resposta seria natildeo Mas no sentido de aliado a preparaccedilatildeo teacutecnica existir uma
reflexatildeo pautada nas limitaccedilotildees humanas e na condiccedilatildeo do dasein enquanto ser-para-a-morte
poderia ser um caminho Este tipo de preparaccedilatildeo poderia minimizar a cobranccedila pela cura e a
culpa pelo aparente fracasso Seria um contraponto para um pensamento que aprisiona na busca
da perfeiccedilatildeo e do controle de algo incontrolaacutevel A preparaccedilatildeo seria portanto de considerar a
realidade de que somos mortais e de que apesar disso buscamos um projeto de vida que nos
faccedila sentido que nos decirc direccedilatildeo agraves nossas atitudes
Ser profissional de sauacutede eacute percorrer um caminho que se constroacutei no cotidiano eacute um
contiacutenuo tornar-se sendo Pelas experiecircncias vivenciadas cada qual constroacutei a sua histoacuteria a
sua maneira de ver a vida projeta o futuro e resignifica o passado Mas ao longo do percurso
aleacutem da preparaccedilatildeo inicial para lidar com a morte eu diria que eacute necessaacuterio um suporte para os
momentos de enfrentamento Como um amparo ao longo da caminhada Seria interessante um
espaccedilo de escuta para estes profissionais nas suas anguacutestias e dificuldades como um plantatildeo
psicoloacutegico Ao mesmo tempo em que seria interessante ampliar as possibilidades de reuniotildees
multidisciplinares com a participaccedilatildeo dos profissionais de distintas formaccedilotildees Espaccedilos de
escuta de troca de informaccedilotildees e ideias podem gerar um sentimento de integraccedilatildeo e facilitar o
caminhar a jornada
146
Diante das narrativas dos profissionais de sauacutede fiquei reflexiva quanto a um aspecto
o quanto estamos sozinhos Alguns se sentem mais acolhidos pelos pares outros menos Mas
de uma forma ou de outra todos utilizam mecanismos para enfrentar as dificuldades
Na realidade o estar sozinho tambeacutem remete agrave condiccedilatildeo de desamparo do dasein Natildeo
temos seguranccedila nesta vida Somos seres desamparados Talvez por isso nos apegamos agraves
coisas do mundo as ocupaccedilotildees do cotidiano Na tentativa de preenchermos um vazio uma
sensaccedilatildeo de desamparo que eacute inerente ao ser-no-mundo
Somos seres sozinhos em meio a uma multidatildeo correndo contra o tempo Nos
consideramos imortais ao deixarmos de refletir sobre a condiccedilatildeo de finitude Cultivamos o
poder de realizar multitarefas de dominar muitos conhecimentos de acumular todo tipo de
informaccedilotildees Fazer vaacuterias coisas ao mesmo tempo passou a ser louvaacutevel digno do meacuterito de
quem acumula coisas
Os profissionais de sauacutede satildeo seres sozinhos no sentido de serem obrigados a dominar
vaacuterios conhecimentos e teacutecnicas de serem considerados responsaacuteveis pela cura dos pacientes
de terem que abdicar ateacute da vida pessoal para ajudar o proacuteximo seja dobrando o plantatildeo seja
assumindo a postura louvaacutevel daquele que estaacute sempre apto para salvar para consolar e dar
atenccedilatildeo
Estatildeo sozinhos quando falta material equipamentos adequados pessoas suficientes e
mesmo assim os problemas precisam ser resolvidos e enfrentados Sozinhos quando precisam
chorar suportar as dores e anguacutestias pois ao se mostrarem fragilizados natildeo satildeo considerados
capazes de ocupar aquele lugar Como no caso da profissional que chorava copiosamente diante
da morte do receacutem-nascido e a colega afirmou que ela deveria trabalhar em um shopping
Estes profissionais encontram-se imersos em uma realidade da sauacutede puacuteblica brasileira
caracterizada pela deficiecircncia pela falta dos materiais equipamentos e pessoas necessaacuterias para
a execuccedilatildeo efetiva das atividades As notiacutecias nos diversos meios de comunicaccedilatildeo (jornais
147
televisatildeo internet raacutedio) destacam como a sauacutede puacuteblica natildeo eacute uma prioridade no Brasil A
populaccedilatildeo sofre muito com isso assim como os profissionais de sauacutede
Diante da falta de condiccedilotildees de trabalho a sobrecarga apresenta-se como rotina como
o padratildeo caracteriacutestico do cotidiano de trabalho destes profissionais Assim configura-se o ciclo
vicioso A sobrecarga leva ao adoecimento que leva agrave ausecircncia do trabalho e amplia a
sobrecarga para os que ficam provavelmente os proacuteximos a adoecerem
Em meio a esta realidade muitas vezes os profissionais satildeo mal remunerados pouco
valorizados e se submetem a um concurso puacuteblico como forma de garantir a estabilidade do
emprego mas natildeo necessariamente apresentam o interesse ou mesmo o perfil para a atuaccedilatildeo
em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal Existem ainda os que precisam para aumentar a
renda trabalhar em outros hospitais tantas vezes saindo de um plantatildeo para outro gerando
desgaste fiacutesico e psicoloacutegico
Temos os que se afastam do trabalho os que trabalham sofrendo os que se afastam no
trabalho procurando se distanciar do sofrimento Diante de tudo isso eacute importante enfatizar
que os profissionais precisam ser ouvidos precisam de suporte psicoloacutegico no ambiente de
trabalho precisam de uma formaccedilatildeo que priorize as temaacuteticas da morte e das perdas de uma
forma reflexiva Mas precisam sobretudo de condiccedilotildees adequadas de trabalho (em termos de
materias equipamentos carga horaacuteria) e de reconhecimento Eacute contraditoacuterio culpar o
profissional pela morte de pacientes e mais seriamente fazecirc-lo se sentir culpado quando natildeo
satildeo oferecidas as condiccedilotildees necessaacuterias inclusive para evitar que algumas morte aconteccedilam
A sobrecarga de trabalho favorece a ocorrecircncia de erros que podem levar a morte dos
bebecircs Aleacutem de conviver com a sobrecarga agraves vezes ateacute com a exaustatildeo e o adoecimento o
profissional precisa salvar vidas e quando isso natildeo ocorre encontrar meios para lidar com as
frustraccedilotildees com os sentimentos de impotecircncia e de culpa E quando reivindicam tantas vezes
satildeo lembrados da ldquovocaccedilatildeordquo originaacuteria de ajudar o proacuteximo salvar vidas dedicar-se ao bem do
148
outro Natildeo dobrar um plantatildeo pode significar o abandono dos bebecircs E quanto ao abandono de
si proacuteprio e dos outros papeacuteis que ocupa na vida
Ao longo do percurso da vida muitas mortes satildeo vivenciadas inclusive as perdas
cotidianas os desejos e sonhos natildeo realizados o fim de relacionamentos a perda de emprego
o tornar-se aposentado Os fechamentos de ciclos na vida podem ser sentidos como verdadeiras
mortes que deixam marcas e levam um pouco de noacutes Diante destas mortes eacute necessaacuterio refletir
sobre a direccedilatildeo tomada o sentido da vida e o novo caminho a ser trilhado Quando isso natildeo eacute
possiacutevel a morte paralisa leva agrave perda de sentido aos afastamentos do trabalho ao teacutedio agrave
depressatildeo e ateacute ao suiciacutedio
Tudo depende do significado atribuiacutedo ao fato Para quem o trabalho representa a razatildeo
de existir a necessidade de se sentir uacutetil o ciclo social de convivecircncia a aposentadoria pode
significar a morte de toda uma vida de dedicaccedilatildeo de uma rede de relaccedilotildees e de um
pertencimento a um mundo que natildeo mais existe E se aleacutem deste significado faltar a direccedilatildeo
um projeto para o futuro um novo olhar para o mundo o sentido da vida pode esvair-se como
a aacutegua entre os dedos O ser se perde morre ainda vivo morre para o mundo e para os outros
Ao longo da trajetoacuteria a vivecircncia das perdas pode ser sentida de diferentes formas que
deixam marcas resignificam a vida mas natildeo mudam de condiccedilatildeo ou significado satildeo perdas
Grandes e pequenas mortes com as quais precisamos aprender a lidar no cotidiano
Da mesma forma que na contemporaneidade fugimos da morte tentamos evitar ao
maacuteximo pensar na morte dos outros e na nossa proacutepria morte e mascaramos o luto noacutes tambeacutem
fugimos das perdas escondemos os fracassos encobrimos as falhas buscamos culpados para a
natildeo-realizaccedilatildeo dos desejos e sonhos nos concentramos em outras demandas para natildeo olhar para
o que perdemos Caiacutemos na impessoalidade e ficamos na superfiacutecie das histoacuterias das relaccedilotildees
das atividades cotidianas Tomamos piacutelulas para emagrecer remeacutedios para esquecer das dores
para dormir o sono que evita a culpa
149
As perdas demonstram que natildeo temos o controle sobre o mundo e tambeacutem indicam que
somos seres em deacutebito Sempre que escolhemos algo abrimos matildeo de outras possibilidades o
tempo inteiro Estamos em deacutebito com o que natildeo escolhemos e se satildeo decisotildees importantes
para a nossa vida nos encontramos em um deacutebito ainda maior conosco O mais doloroso disso
tudo eacute que esta diacutevida vai sendo cobrada ao longo da existecircncia ateacute a finitude quando deixamos
a condiccedilatildeo de ser-no-mundo
Ter consciecircncia de ser algueacutem em deacutebito nos torna mais reflexivos quanto agraves escolhas
que realizamos Tantas vezes o sim para o mundo pode ser o natildeo para si proacuteprio E a dor da
sequecircncia de perdas pode levar ao adoecimento e agrave perda de sentido da vida
Seja entendida como um castigo ou fonte de expiaccedilatildeo dos pecados Seja compreendida
como o fim da existecircncia ou um novo comeccedilo a morte continuaraacute na verdade como presenccedila
como uma possibilidade certa na nossa existecircncia um marco divisoacuterio entre estar-no-mundo e
deixar de ser-no-mundo Cabe a noacutes escolher ateacute como lidar com tudo isso
150
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157
ANEXOS
158
Paacutegina 1 de 1
TERMO DE GRAVACcedilAtildeO DE VOZ
Eu__________________________________________ autorizo a gravaccedilatildeo da
entrevistadepoimento a qual integra a pesquisa intitulada ldquoOs profissionais de sauacutede e a
experiecircncia da morte em UTI Neonatal agrave luz da fenomenologia hermenecircutica
heideggerianardquo na qual participo como voluntaacuterio(a) Este estudo tem como pesquisadora
responsaacutevel Lucila Moura Ramos Vasconcelos sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Elza Dutra
vinculadas ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Psicologia da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte
Com este termo estou ciente que esta gravaccedilatildeo possui a finalidade de contribuir para a
compreensatildeo do fenocircmeno aqui estudado e autorizo que a mesma seja realizada nas condiccedilotildees
propostas pela pesquisadora permitir que a gravaccedilatildeo aconteccedila nos encontros propostos para a
realizaccedilatildeo da escuta dos depoimentos podendo ser pausada a cada momento que for necessaacuterio
durante o transcorrer da entrevista
Estou ciente que o conteuacutedo destas gravaccedilotildees seraacute armazenado pela pesquisadora
responsaacutevel em local seguro por um periacuteodo de 5 anos Tambeacutem seraacute preservado o sigilo quanto
agrave identidade dos participantes desta pesquisa
Natal _________ _____________________________________________________
Assinatura do participante da pesquisa
Impressatildeo datiloscoacutepica do participante da pesquisa
159
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ndash TCLE
Este eacute um convite para vocecirc participar da pesquisa intitulada ldquoOs profissionais de
sauacutede e a experiecircncia da morte em UTI Neonatal agrave luz da fenomenologia hermenecircutica
heideggerianardquo Este estudo tem como pesquisadora responsaacutevel Lucila Moura Ramos
Vasconcelos sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Elza Dutra vinculadas ao Programa de Poacutes-
Graduaccedilatildeo em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
A motivaccedilatildeo para o presente estudo surgiu da praacutetica profissional da pesquisadora e do
olhar para a atuaccedilatildeo dos trabalhadores que se dedicam a promover a assistecircncia aos pacientes
No cotidiano de trabalho os profissionais de sauacutede aleacutem de precisarem do conhecimento
teacutecnico e do entendimento e cumprimento dos protocolos de seguranccedila ainda vivenciam
situaccedilotildees de morte de pacientes
Diante do exposto o presente estudo tem como objetivo geral compreender como os
profissionais de sauacutede atuantes em UTI Neonatal experienciam a morte de receacutem-nascidos e
como objetivos especiacuteficos conhecer as concepccedilotildees dos profissionais sobre a morte entender
como os profissionais lidam com as exigecircncias inerentes ao trabalho em UTI Neonatal entender
os sentidos de ser profissional de sauacutede atuante em UTI Neonatal Tendo em vista esta temaacutetica
foi escolhida como campo de estudo a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco (MEJC) referecircncia
no estado do Rio Grande do Norte para a gestaccedilatildeo de alto risco
Se vocecirc decidir participar vocecirc seraacute entrevistado(a) A entrevista poderaacute durar 1 (uma)
hora e seraacute gravada em aacuteudio Em momento posterior a pesquisadora iraacute transcrever o que foi
gravado para uso na pesquisa Durante a realizaccedilatildeo da entrevista vocecirc poderaacute sentir um
desconforto emocional causado por alguma pergunta da entrevista mas vale lembrar que o
pesquisadora eacute psicoacuteloga e possui condiccedilotildees de lhe oferecer acolhimento se for necessaacuterio
Vocecirc teraacute como benefiacutecio a possibilidade de falar sobre sua experiecircncia enquanto profissional
de sauacutede e sobre os sentidos que vocecirc atribui a essa experiecircncia Dessa forma vocecirc contribuiraacute
para a produccedilatildeo de conhecimento na aacuterea desse estudo
A importacircncia deste estudo estaacute na compreensatildeo da experiecircncia da morte de receacutem-
nascidos pelos profissionais de sauacutede no intuito de gerar contribuiccedilotildees para proacuteprios os
profissionais de sauacutede a instituiccedilatildeo hospitalar e consequentemente para a assistecircncia dos
pacientes e de seus familiares Ao serem ouvidos cada participante contaraacute sobre os fatos que
vivenciaram e a realidade do seu trabalho Isto por si soacute poderaacute promover reflexotildees sobre a
Paacutegina 1 de 3
160
conduccedilatildeo das suas atividades e sobre os sentimentos diante das perdas Estas informaccedilotildees
poderatildeo indicar a necessidade de suporte psicoloacutegico eou da equipe de trabalho no
enfrentamento das perdas Tambeacutem poderatildeo suscitar na Instituiccedilatildeo a necessidade de novas
orientaccedilotildees eou capacitaccedilotildees para os funcionaacuterios bem como accedilotildees voltadas para a sauacutede e
qualidade de vida no trabalho
Vocecirc tem o direito de se recusar a participar da pesquisa ou retirar seu consentimento
em qualquer momento da entrevista Isto significa que vocecirc poderaacute parar a entrevista em
qualquer momento Vocecirc tambeacutem tem o direito de se recusar a responder qualquer pergunta
As informaccedilotildees que vocecirc iraacute fornecer seratildeo confidenciais Estas informaccedilotildees seratildeo divulgadas
apenas em congressos ou publicaccedilotildees cientiacuteficas mas nenhum dado que possa lhe identificar
seraacute divulgado Esses dados seratildeo guardados pela pesquisadora responsaacutevel em local seguro
por um periacuteodo de 5 anos
Se vocecirc tiver algum gasto pela sua participaccedilatildeo nessa pesquisa ele seraacute assumido pela
pesquisadora e reembolsado para vocecirc Se vocecirc sofrer algum dano comprovadamente causado
por esta pesquisa vocecirc seraacute indenizado O participante da pesquisa tem direito a indenizaccedilatildeo
conforme as leis vigentes no paiacutes caso ocorra dano decorrente de participaccedilatildeo na pesquisa
Durante todo o periacuteodo da pesquisa vocecirc poderaacute tirar suas duacutevidas ligando para Lucila
Moura Ramos Vasconcelos atraveacutes do celular 084-99970-4550 ou do e-mail
lucilamourayahoocombr Tambeacutem poderaacute entrar em contato com a orientadora da pesquisa
a Profordf Drordf Elza Dutra por meio do celular 084-99924-4175 ou de seu e-mail
elzadutrarngmailcom
Para tirar qualquer duacutevida sobre os aspectos eacuteticos dessa pesquisa vocecirc deveraacute ligar para
o Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Universitaacuterio Onofre Lopes (084-3342 5003) como
poderaacute enviar e-mail para cep_huolyahoocombr ou comparecer diretamente no Hospital
Universitaacuterio Onofre Lopes localizado na Avenida Nilo Peccedilanha 620 no bairro de Petroacutepolis
(CEP 59012-300)
Este documento foi impresso em duas vias Uma ficaraacute com vocecirc e a outra com a
pesquisadora responsaacutevel Lucila Moura Ramos Vasconcelos
Apoacutes ter sido informado(a) sobre os objetivos a importacircncia e a forma como as
informaccedilotildees seratildeo coletadas nessa pesquisa e de conhecer os riscos desconfortos e benefiacutecios
Paacutegina 2 de 3
161
Paacutegina 3 de 3
e ter conhecimento de todos os meus direitos concordo em participar da pesquisa ldquoOs
profissionais de sauacutede e a experiecircncia da morte em UTI Neonatal agrave luz da fenomenologia
hermenecircutica heideggerianardquo e autorizo a divulgaccedilatildeo das informaccedilotildees fornecidas em
congressos eou publicaccedilotildees cientiacuteficas desde que nenhum dado possa me identificar
Natal _________ _____________________________________________________
Assinatura do participante da pesquisa
Impressatildeo datiloscoacutepica do participante da pesquisa
6
AGRADECIMENTOS
A Deus pelo dom da vida pela infinita bondade e sabedoria
Aos meus pais Ricardo e Luacutecia meu eterno agradecimento por tudo o que sou Por serem o
meu porto seguro meus grandes professores exemplos de vida fontes de inspiraccedilatildeo Muito
obrigada pelas orientaccedilotildees pela escuta atenta pela ternura no olhar pelo amor incondicional
Aos meus irmatildeos Ricardo e Rafael meus mestres obrigada pelo incentivo exemplo forccedila
aprendizado e afeto
Ao meu esposo Rodrigo meu amor meu amigo meu parceiro Ao seu lado sinto-me mais
forte para alcanccedilar os nossos objetivos Obrigada pelo apoio pela compreensatildeo e incentivo
Ao meu lindo filho Felipe um receacutem-nascido que me inspirou a buscar novos projetos
iluminou a minha vida deu um novo sentido ao meu existir
A minha orientadora professora Elza Dutra por ter acreditado em mim desde o iniacutecio do
doutorado Obrigada pelas orientaccedilotildees pelo aprendizado sobre pesquisa Obrigada por ser tatildeo
inspiradora por iluminar o meu caminho e possibilitar o meu crescimento enquanto ser-no-
mundo
Aos professores e colegas do GESDH Grupo de Estudos Subjetividade e Desenvolvimento
Humano obrigada pela troca de informaccedilotildees pelas ideias compartilhadas e incentivo agrave
pesquisa
Agraves professoras Ana Karina Azevedo e Simone Tomaz Moreira pelas valiosas contribuiccedilotildees
para a minha tese
A Daphene Lucas Mariana e Carol pelo auxiacutelio nas transcriccedilotildees das entrevistas Foi muito
bom trabalhar com vocecircs
A todos os voluntaacuterios do estudo obrigada pela solicitude disponibilidade e interesse
Aos meus amigos muito obrigada pela compreensatildeo e incentivo O mundo eacute muito mais doce
e radiante com a presenccedila de vocecircs
A todas as pessoas que contribuiacuteram direta e indiretamente para que este sonho se tornasse
realidade
7
Sumaacuterio
Resumo 11
Introduccedilatildeo 13
Capiacutetulo I Os sentidos da morte ao longo da histoacuteria 31
Capiacutetulo II Contemplando alguns existenciais da fenomenologia
Heideggeriana
45
Capiacutetulo III O profissional de sauacutede 67
Capiacutetulo IV Meacutetodo A escolha do caminho 83
Capiacutetulo V As narrativas dos participantes os sentidos de ser profissional de
sauacutede em UTI Neonatal
95
Capiacutetulo VI Destecendo a trama da existecircncia reflexotildees a partir das
narrativas dos profissionais de sauacutede
139
Referecircncias 150
Anexos 157
8
Lista de Figuras
Figura Paacutegina
1 O Contexto de Atuaccedilatildeo Profissional de Sauacutede na UTI Neonatal 24
2 O Ciacuterculo Hermenecircutico 93
9
Lista de Tabelas
Tabela Paacutegina
1 Nuacutemero de oacutebitos notificados e investigados por tipo e ano de ocorrecircncia
na MEJC NatalRN
18
10
Lista de Siglas
ANVISA Agecircncia Nacional de Vigilecircncia Sanitaacuteria
BVS Biblioteca Virtual em Sauacutede
CAPES Coordenaccedilatildeo de Aperfeiccediloamento de Pessoal de Niacutevel Superior
EBSERRH Empresa Brasileira de Serviccedilos Hospitalares
HUOL Hospital Universitaacuterio Onofre Lopes
IMI Instituto Materno Infantil
MEJC Maternidade Escola Januaacuterio Cicco
UTI Unidade de Terapia Intensiva
UTIN Unidade de Terapia Intensiva Neonatal
11
Resumo
Desde a transferecircncia dos doentes para os hospitais foi delegado aos profissionais de sauacutede o
papel de promover o cuidado aos pacientes Nestes locais a morte eacute evitada podendo ser
justificada pela ocorrecircncia de falhas e erros E em Instituiccedilotildees de sauacutede especiacuteficas as
maternidades menos se fala na possibilidade da morte apesar da sua presenccedila em meio agrave vida
Com a evoluccedilatildeo da medicina e a consequente ampliaccedilatildeo das teacutecnicas e tipos de equipamentos
a serem utilizados as maternidades tornaram-se locais munidos de um aparato tecnoloacutegico
considerado necessaacuterio agrave manutenccedilatildeo da vida concentrados em uma unidade de terapia
intensiva neonatal Em meio a este contexto os profissionais de sauacutede aleacutem de precisarem do
conhecimento teacutecnico e do entendimento e cumprimento dos protocolos de seguranccedila ainda
lidam com a anguacutestia e o abalo emocional ao vivenciarem situaccedilotildees de morte e perdas no
cotidiano de trabalho Diante do exposto o presente estudo tem como objetivo compreender a
experiecircncia de profissionais que atuam em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal A
Maternidade Escola Januaacuterio Cicco referecircncia no estado do Rio Grande do Norte para a
gestaccedilatildeo de alto risco foi escolhida como campo de estudo Como orientaccedilatildeo metodoloacutegica foi
utilizada a fenomenologia hermenecircutica heideggeriana e como possibilidade de escuta a
entrevista narrativa Foram realizadas 9 entrevistas com profissionais de sauacutede de diversas
formaccedilotildees (meacutedicos enfermeiros teacutecnicos de enfermagem psicoacutelogos fisioterapeutas
assistente social) A anaacutelise das narrativas foi feita tendo como inspiraccedilatildeo o ciacuterculo
hermenecircutico proposta por Martin Heidegger na Analiacutetica da Existecircncia As interpretaccedilotildees
mostraram os profissionais relatando sentimentos de frustraccedilatildeo impotecircncia culpa e tristeza
diante da morte de receacutem-nascidos Tambeacutem apontam as dificuldades existentes no cotidiano
de trabalho Verificou-se a necessidade de ampliar os projetos ainda incipientes de atenccedilatildeo
aos profissionais de sauacutede com a estruturaccedilatildeo de espaccedilos de plantatildeo psicoloacutegico e realizaccedilatildeo
de reuniotildees multidisciplinares de forma a promover uma maior integraccedilatildeo entre os diversos
profissionais O estudo tambeacutem traz reflexotildees para as instituiccedilotildees formadoras no sentido de
instituiacuterem ou ampliarem o espaccedilo na academia para abordar a temaacutetica da morte de
pacientes A importacircncia deste estudo estaacute justamente na compreensatildeo da experiecircncia dos
profissionais de sauacutede com o intuito de gerar contribuiccedilotildees para a comunidade acadecircmica a
instituiccedilatildeo hospitalar e consequentemente para a assistecircncia dos pacientes e de seus familiares
Palavras-chave Pesquisa fenomenoloacutegica profissionais de sauacutede UTI Neonatal morte
receacutem-nascido
12
Abstract
Since the transfer of patients to hospitals the role of promoting patient care has been delegated
to health professionals In these places death is avoided and can be justified by the occurrence
of failures and errors And in specific health institutions maternity hospitals the less is the
possibility of death despite their midlife presence With the evolution of medicine and the
consequent expansion of the techniques and types of equipment to be used maternities became
places equipped with a technological apparatus considered necessary for the maintenance of
life concentrated in a unit of neonatal intensiva therapy In this context health professionals
in addition to needing technical knowledge and understanding and compliance with safety
protocols still deal with distress and emotional shock experiencing death situations and losses
in their daily work In view of the above the present study aims to understand the experience
of professionals working in Neonatal Intensive Care Units The Maternidade Escola Januaacuterio
Cicco reference in the state of Rio Grande do Norte for high risk gestation was chosen as a
field of study As a methodological orientation was used the heideggerian hermeneutic
phenomenology and as a possibility of listening the narrative interview Nine interviews were
conducted with health professionals from different backgrounds (doctors nurses nursing
technicians psychologists physiotherapists social workers) The analysis of the narratives was
inspired by the hermeneutic circle proposed by Martin Heidegger in the Analytic of Existence
The interpretations showed the professionals reporting feelings of frustration impotence guilt
and sadness at the death of newborns They also point out the difficulties in daily work There
was a need to expand the still incipient projects of attention to health professionals with the
structuring of spaces for psychological counseling and the holding of multidisciplinary
meetings in order to promote greater integration among the different professionals The study
also brings reflections to the training institutions in order to institute or expand space in the
academy to address the issue of patient death The importance of this study is precisely in the
understanding of the experience of health professionals in order to generate contributions to
the academic community the hospital institution and consequently to the care of patients and
their families
Keywords Phenomenological research health professionals neonatal ICU death newborn
13
Introduccedilatildeo
O poema nos inspira a refletir sobre o que seria uma UTI Neonatal Porto seguro Local
assustador Matildeo renascedora Misto de amor e tecnologia Tantas possibilidades para um local
tatildeo peculiar onde nascimento e morte estatildeo presentes intensamente Onde a vida aparece em
uma fragilidade tamanha que assusta ao mesmo tempo que pode promover um encantamento
pela necessidade de zelo e carinho
A UTI Neonatal
Uma grande escola de valorizaccedilatildeo da vida
Por entre equipos e leitos e sensores
E monitores e bombas de infusatildeo
A tecnologia aliviando as dores
A esperanccedila alimentando o coraccedilatildeo
Por entre antibioacuteticos e perfusores
Coletas rastreando a infecccedilatildeo
Profissionais e procedimentos salvadores
Pais e bebecircs esperando a salvaccedilatildeo
A UTI Neonatal assustadora
Tentando ser a matildeo renascedora
Tentando ser o manto que alivia
A UTI Neonatal porto seguro
Oaacutesis da esperanccedila em um futuro
Misto de amor e tecnologia
Dr Luiz Alberto Mussa Tavares Poemas para Almas Apressadas 2017
14
Um local em que estatildeo presentes vidas que brotam como fraacutegeis sementes em terrenos
aacuteridos Vidas-sementes pelas quais alguns cuidadores como jardineiros dedicados se
desdobram se empenham para realizar os procedimentos necessaacuterios se envolvem com o seu
desenvolvimento ou finitude
Satildeo estes cuidadores que seratildeo contemplados no presente estudo Nosso convite eacute
justamente para olhar a realidade de uma UTI Neonatal sobre o prisma de quem estaacute laacute imerso
no cotidiano do trabalho marcado pelas aberturas e afetaccedilotildees
Diante da escuta destes profissionais apresentamos reflexotildees sobre as suas
experiecircncias contemplamos o ponto de vista dos trabalhadores que vivenciam grandes
dificuldades anguacutestias e acalentos que sofrem se encantam e se surpreendem
Estas reflexotildees sobre a realidade dos profissionais entretanto natildeo iniciaram com o
presente estudo Partiram da minha atuaccedilatildeo enquanto psicoacuteloga em instituiccedilotildees hospitalares
Ao acompanhar o trabalho dos profissionais de sauacutede pude observar o contexto da prestaccedilatildeo
de assistecircncia aos pacientes bem como a maneira como trabalhavam Aleacutem dos momentos em
que eu era solicitada pela equipe (meacutedicos enfermeiros nutricionistas) para dar assistecircncia
aos pacientes existiam outros nos quais quem me procurava eram os proacuteprios profissionais para
relatarem suas anguacutestias diante da morte de pacientes nas Unidades de Terapia Intensiva
inclusive na UTI Neonatal Como uma enfermeira que se angustiava profundamente diante da
morte de pacientes na UTI Um sofrimento refletido na sua proacutepria vida e na condiccedilatildeo de ser
um profissional da aacuterea de sauacutede
O limite entre a dedicaccedilatildeo na assistecircncia ao paciente e o envolvimento ao ponto de
adoecer eacute muito tecircnue E se apresenta como um desafio constante na atuaccedilatildeo dos profissionais
Faz parte da rotina lidar com o sofrimento dos pacientes e a dor da perda dos seus familiares
Por outro lado diante do sofrimento tambeacutem ocorria um certo distanciamento ou natildeo
envolvimento O atendimento era realizado de uma forma automaacutetica com o olhar voltado para
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a presenccedila de sintomas para o controle da medicaccedilatildeo e para o funcionamento dos
equipamentos
A inspiraccedilatildeo para o presente estudo foi proveniente do desejo de contemplar a
experiecircncia dos profissionais de sauacutede que atuam na UTI Neonatal seu contexto de atuaccedilatildeo e
as dificuldades enfrentadas em um ambiente caracterizado pela presenccedila do risco de morte o
tempo inteiro A morte assume um destaque no estudo por fazer parte do cotidiano dos
profissionais em um local que existe em funccedilatildeo da busca pela cura e da tentativa de evitar a
morte
A morte eacute o tempo todo lembrada na UTI Neonatal como um fato que ocorre no dia a
dia de trabalho A partir desta constataccedilatildeo alguns questionamentos foram surgindo Em uma
sociedade que interdita a morte que valoriza a cura e a vida como eacute para o profissional de
sauacutede conviver com a lembranccedila desta possibilidade de finitude o tempo inteiro Em uma
sociedade que valoriza a juventude como eacute conviver com a morte de receacutem-nascidos Diante
da crenccedila desta sociedade de que os bebecircs teriam a vida inteira pela frente a morte destes
seres pareceria injusta ou mais difiacutecil de ser compreendida
Diante destes questionamentos iniciais e na busca por autores que refletissem pelas
temaacuteticas da morte das perdas do cuidado tive um ldquoencontrordquo com um filoacutesofo que
influenciou sobremaneira a minha forma de compreender o ser-no-mundo Martin Heidegger
A ontologia heideggeriana nos oferece a possibilidade de compreender o fenocircmeno a
experiecircncia do outro como algo que se desvela em um contexto especiacutefico Como aquilo que
se apresenta a partir da compreensatildeo e das afetaccedilotildees dos que estatildeo ali vivenciando o fenocircmeno
Ao escrever Ser e Tempo sua obra mais conhecida publicada em 1927 Heidegger
trouxe agrave luz a questatildeo do sentido do ser E junto com ela reflexotildees profundas sobre a existecircncia
Rompeu com a dicotomia entre homem e mundo ao afirmar que natildeo existe uma separaccedilatildeo entre
ambos uma vez que o homem eacute ser-no-mundo Eacute tambeacutem desde o seu nascimento um ser-
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para-a-morte E a morte eacute a possibilidade mais proacutepria insuperaacutevel do homem enquanto
projeto
Mas ao se deparar com a possibilidade da morte o ser se angustia por se dar conta que
a finitude deixa todos os projetos inacabados torna todas as escolhas questionaacuteveis modifica
valores reprograma a vida Como nos inspira Feijoo (2000 p 90) ldquoNa anguacutestia frente agrave
constataccedilatildeo do ser-para-a-morte o ser-lanccedilado surge para a pre-senccedila de modo mais proacuteprio
Antecipando a morte como possibilidade insuperaacutevel e certa a pre-senccedila assume todas as suas
possibilidades inclusive a de existir na totalidade do seu poder-serrdquo
Diante da iminecircncia da proacutepria morte a vida pode ser revista E diante da morte do
outro Heidegger (1927 2015) afirma que natildeo temos acesso agrave experiecircncia vivida por quem
morre no maacuteximo estamos apenas junto Noacutes soacute poderemos saber o que eacute morrer quando
morremos Entretanto a morte do outro nos faz lembrar da possibilidade da nossa proacutepria
morte Algo que nos alerta em meio a um turbilhatildeo de atividades da vida cotidiana Como a luz
distante de um barco em meio agraves ondas agitadas do oceano
Para os profissionais de sauacutede que no cotidiano de trabalho lidam com a morte de
pacientes como eacute viver com a lembranccedila diaacuteria da possibilidade de morte Escolher trabalhar
com a assistecircncia em hospitais implica em assumir tambeacutem este desafio aleacutem de todas as outras
atribuiccedilotildees inerentes ao cargo que ocupa
A partir da reflexatildeo sobre a realidade dos profissionais de sauacutede alguns
questionamentos comeccedilaram a surgir Ao escolher esta carreira esta ocupaccedilatildeo o profissional
reflete sobre isso Se prepara para isso Podemos nos considerar preparados para lidar com a
morte Durante a atuaccedilatildeo profissional existe um suporte para lidar com tanto sofrimento
proveniente das perdas da vida De que lugar estamos falando
Vivemos em uma sociedade em um contexto histoacuterico especiacutefico Uma sociedade que
valoriza a juventude a teacutecnica a vida Que enaltece os aparatos tecnoloacutegicos o sucesso
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profissional as agendas lotadas de atividades Uma sociedade que diz correr contra o tempo
como se isso fosse possiacutevel
Para a sociedade que interdita a finitude a possibilidade assustadora de parar a
produtividade e refletir sobre a conduccedilatildeo da vida resiste ainda mais agrave morte de crianccedilas e agrave
morte de bebecircs Entretanto enquanto existe o ser-no-mundo eacute ser-para-a-morte Desde a
primeira respiraccedilatildeo esta possibilidade estaacute posta na nossa existecircncia podendo ocorrer a
qualquer momento
Embora mesmo que da forma mais difiacutecil parecemos aceitar quando a morte eacute de um
idoso (que jaacute viveu muito cumpriu a sua missatildeo) Para uma crianccedila (com a vida toda pela
frente) a morte parece injusta e incomoda profundamente Ao longo deste trabalho veremos
que nem sempre a morte foi vista desta forma caracteriacutestica da sociedade ocidental
contemporacircnea Na Greacutecia Antiga existia ldquoprazordquo para o luto de crianccedilas Natildeo havia a
preocupaccedilatildeo com os iacutendices de mortalidade infantil como na atualidade
Aparentemente seria contraditoacuterio abordar a temaacutetica da morte em um ambiente
destinado agrave propagaccedilatildeo da vida Entretanto estudos demonstram que o Brasil ainda estaacute muito
longe de atingir iacutendices de mortalidade infantil considerados ldquoaceitaacuteveisrdquo O Brasil encontra-se
em 90ordm lugar entre 187 paiacuteses no ranking das Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) atraacutes de
paiacuteses como Cuba Chile Argentina China e Meacutexico E apresentando um iacutendice de 1988
mortes por mil nascimentos vivos O que demonstra que as estrateacutegias de combate agrave mortalidade
materno-infantil falharam em reduzir significantemente a mortalidade neonatal cujo
componente neonatal precoce (de 0 a 6 dias) sofreu menor reduccedilatildeo (Ministeacuterio da Sauacutede
2012 Maranhatildeo Vasconcelos Trindade et al 2012 Lansky Friche Silva et al 2014)
A morte de receacutem-nascidos tatildeo pouco divulgada ainda eacute mais constante do que supotildee
o senso comum A pesquisa Nascer no Brasil um estudo sobre a mortalidade neonatal no paiacutes
foi realizada no periacuteodo de fevereiro de 2011 a outubro de 2012 por meio de entrevistas e
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avaliaccedilatildeo de prontuaacuterios de 23940 pueacuterperas Os resultados indicaram que os oacutebitos neonatais
se concentraram nas regiotildees Nordeste (383) e Sudeste (305) do Brasil e entre receacutem-
nascidos prematuros e com baixo peso ao nascer (817 e 82) O baixo peso ao nascer o
risco gestacional e condiccedilotildees do receacutem-nascido foram os principais fatores associados ao oacutebito
neonatal (Lansky Friche Silva et al 2014)
No Brasil 60 da mortalidade infantil ocorre no periacuteodo neonatal Cerca de 62 dos
oacutebitos de nascidos vivos com peso superior a 1500g ao nascer satildeo evitaacuteveis sendo as afecccedilotildees
perinatais o principal grupo de causas baacutesicas correspondendo a cerca de 60 das mortes
infantis e 80 das mortes neonatais (Ministeacuterio da Sauacutede 2012)
A mortalidade perinatal afeta desproporcionalmente diferentes classes socio-
econocircmicas e regiotildees brasileiras Populaccedilotildees vulneraacuteveis sobretudo as residentes nas regiotildees
Norte e Nordeste brasileiras registram piores condiccedilotildees sanitaacuterias e de acesso e uso de serviccedilos
de sauacutede consequentemente detecircm as mais elevadas taxas de mortalidade infantil do paiacutes
(Ministeacuterio da Sauacutede 2012)
Situada na regiatildeo Nordeste a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco eacute referecircncia no estado
do Rio Grande do Norte para assistecircncia agraves mulheres com HIV Preacute-Natal de alto risco
histeroscopia O Relatoacuterio de Vigilacircncia Epidemioloacutegica da Maternidade (2016) apresenta o
nuacutemero de oacutebitos no periacuteodo de 2010 a 2016 (sendo que os dados referentes ao ano de 2016
contemplam apenas os meses de janeiro a junho)
Tabela 1 ndash Nuacutemero de oacutebitos notificados e investigados por tipo e ano de ocorrecircncia na MEJC
NatalRN
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Os dados demonstram a ocorrecircncia de mortes de receacutem-nascidos ao longo de todos os
meses do ano o que indica a existecircncia de um campo de pesquisa para a investigaccedilatildeo tanto das
causas das mortes das consequecircncias das mesmas para os profissionais de sauacutede assim como
da forma como os mesmos compreendem este fenocircmeno e lidam com a morte do receacutem-
nascido
Caracterizada por um aparato tecnoloacutegico pela normatizaccedilatildeo de procedimentos pelo
atendimento de receacutem-nascidos de alto risco a Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN)
eacute um ambiente onde vida e morte estatildeo presentes nos corpos tatildeo delicados dos bebecircs A morte
de um bebecirc se transforma no sentido de perda para os pais agraves vezes ateacute na sensaccedilatildeo de morte
em vida
Muitas vezes os profissionais que decidem atender em maternidades relatam que iratildeo
trabalhar com a vida Entretanto em meio a tantos nascimentos a morte tambeacutem estaacute presente
A sensaccedilatildeo de perigo iminente a tensatildeo oriunda do risco da perda satildeo constantes no cotidiano
da UTI Neonatal
Para os profissionais de sauacutede a morte eacute como a perda do controle da dor de se deparar
com a possibilidade de natildeo salvar a vida de falhar de natildeo conseguir Em uma sociedade
caracterizada pelo avanccedilo da medicina e pela busca incessante da cura a morte eacute indesejada E
quando ocorre traz consigo a lembranccedila dos limites do homem e da possibilidade de falhas
(Bernieri e Hirdes 2007)
Na sociedade contemporacircnea a morte eacute interditada Entretanto nem sempre foi
considerada desta forma ao longo da histoacuteria Como qualquer fenocircmeno da vida humana a
morte eacute contextualizada adquirindo sentido conforme o momento histoacuterico e social em que eacute
vivenciada (Ariegraves 2003)
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O exemplo de uma realidade distinta que propotildee uma maneira diferente de falar sobre a
morte foi retratado no livro ldquoQual eacute a tua obrardquo de Maacuterio Sergio Cortella (2015) O autor relata
no livro que um general romano ao vencer uma batalha recebia a mais alta honraria ramos de
palmeiras em uma bandeja de prata (de onde se originou o termo salva de palmas
posteriormente imortalizado nos aplausos) Para tanto
A morte era lembrada em um momento de gloacuteria talvez no intuito de conter a vaidade
de rememorar o limite da existecircncia que por mais gloriosa que seja teraacute o mesmo fim das
demais ldquoLembra-te que eacutes mortalrdquo Que natildeo eacutes melhor que ningueacutem Que assim como tudo na
vida passa este momento de gloacuteria tambeacutem passaraacute E natildeo deveraacutes ser consumido pela vaidade
que tambeacutem se finda
Imagine se no dia a dia tiveacutessemos algueacutem nos lembrando da condiccedilatildeo de mortais
Como o grilo falante a voz da consciecircncia tambeacutem podendo ser denominada nestas ocasiotildees
de reflexatildeo sobre a finitude de anguacutestia Os profissionais de sauacutede se deparam com a
possibilidade de morte do outro no cotidiano de trabalho e isto pode levar a uma reflexatildeo sobre
a proacutepria finitude No caso da morte de bebecircs a ocorrecircncia destas mortes pode levar a uma
reflexatildeo sobre a possibilidade do falecimento do proacuteprio filho e da necessidade de rever
algumas escolhas em relaccedilatildeo ao uso do tempo livre com a crianccedila e a possibilidade de dedicar
mais atenccedilatildeo ao filho A lembranccedila da morte pode por assim dizer resignificar a vida
Como define Heidegger (1927 2015) o ser-aiacute eacute histoacuterico eacute um ser-no-mundo e o
mundo dita as regras para a existecircncia impotildee limites O mundo faz parte do ser-aiacute como este
() ldquoo general ia em direccedilatildeo ao senado e por lei um segundo escravo
acompanhava a biga a peacute Esse segundo escravo tinha uma obrigaccedilatildeo legal
a cada quinhentas jardas ele tinha que subir na biga e soprar no ouvido do
general a seguinte frase Lembra-te de que eacutes mortalrdquo (Cortella 2015 pp
139)
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faz parte do mundo Ser e mundo satildeo portanto indissociaacuteveis se constituem e se transformam
conjuntamente
Diante desta perspectiva de mundo inspirada na fenomenologia heideggeriana ao
longo deste estudo temos como objetivo compreender a experiecircncia de profissionais que atuam
em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal Tendo em vista esta temaacutetica foi escolhida como
campo de estudo a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco (MEJC) referecircncia no estado do Rio
Grande do Norte para a gestaccedilatildeo de alto risco
A definiccedilatildeo do local para a realizaccedilatildeo da pesquisa foi resultado da minha visita aos
hospitais na capital do Estado do Rio Grande do Norte da conversa com alguns profissionais
de sauacutede e da identificaccedilatildeo de uma demanda de sofrimento e da necessidade de suporte relatada
pelos profissionais da Maternidade Escola Januaacuterio Cicco Por assim dizer abordaremos a
questatildeo da morte em um local dedicados agrave vida onde as dificuldades e desafios estatildeo presentes
cotidianamente
Dentre os desafios enfrentados pelos profissionais de sauacutede os paradoxos se
apresentam contidos nas orientaccedilotildees de conduta permanecer calmo em ambientes turbulentos
de urgecircncia ser aacutegil diante de procedimentos difiacuteceis e delicados para salvar uma vida
concentrar-se nos procedimentos mecacircnicos e na atenccedilatildeo a pacientes e familiares escolher entre
dar apoio aos que estatildeo proacuteximos agrave morte ou atender aos que exigem outros tipos de cuidados
Natildeo haacute tempo para tudo A rotina caracterizada por uma seacuterie de procedimentos sobrecarrega
o profissional e o obriga a fazer escolhas difiacuteceis de realizar Quando a morte chega traz junto
com ela o sentimento de impotecircncia o medo de falhar novamente a duacutevida do que fazer diante
deste fato e sobre o que falar para a famiacutelia (Gerow Conejo Alonzo 2009 Silva Valenccedila e
Germano 2010)
Diante da morte do receacutem-nascido alguns dilemas surgem na atuaccedilatildeo dos profissionais
de sauacutede como a dificuldade para dar a notiacutecia para os pais do bebecirc a natildeo aceitaccedilatildeo de que os
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procedimentos realizados natildeo tiveram ecircxito e a dificuldade para decidir sobre a viabilidade do
tratamento Para uma vida tatildeo fraacutegil a possibilidade de qualquer erro gera a preocupaccedilatildeo com
a finitude de um ser Trata-se de uma linha muito tecircnue entre a vida e a morte que gera uma
tensatildeo rotineira nos trabalhadores da aacuterea de sauacutede (Silva 2007)
Estes paradoxos e dilemas estatildeo presentes na atuaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede do
mundo contemporacircneo Satildeo problemas contextualizados relativos a uma realidade voltada para
a busca da cura e para a interdiccedilatildeo da morte Heidegger (1927 2015) traz esta reflexatildeo ao falar
sobre o impessoal que dita as regras de conduta necessaacuterias para a sobrevivecircncia do homem no
mundo O impessoal fornece as diretrizes fundamentais para a vida em sociedade E o homem
vive mergulhado no impessoal nas vaacuterias atribuiccedilotildees que compotildeem a vida cotidiana
O impessoal delimita os espaccedilos e as regras de conduta que influenciam na conduccedilatildeo
da vida Como relata Casanova (2013)
Esta reflexatildeo proposta por Casanova serve para lembrarmos a pergunta De que lugar
estamos falando Na sociedade atual com o discurso da importacircncia do parto humanizado e
diante da preocupaccedilatildeo crescente com a queda na mortalidade infantil os protocolos de cuidados
para o nascimento dos bebecircs e com os receacutem-nascidos tornaram-se orientaccedilotildees para as praacuteticas
dos profissionais de sauacutede que atuam nas maternidades (Ministeacuterio da Sauacutede 2012)
ldquoQue tipo de espaccedilo nos espera ao nascermos que tipo de roupa seremos
imediatamente obrigados a usar ou a natildeo usar que cuidados ou ausecircncia de
cuidados vatildeo estar dedicados ao bebecirc e mesmo ao feto em seus primeiros
movimentos existenciais tudo isso depende sempre e necessariamente em que
mundo nascemos No mundo da ontologia da ciecircncia meacutedica com suas
preocupaccedilotildees sanitaristas incessantes eacute claro que uma crianccedila vai ser cercada na
primeira infacircncia por uma seacuterie de cuidados de higiene visando justamente a
proteger o seu estado de sauacutede pleno Em uma comunidade indiacutegena por outro
lado na qual o nascimento eacute marcado por elementos rituais muito peculiares eacute por
vezes o pai que faz o parto que corta o cordatildeo umbilical e que acompanha na oca
a relaccedilatildeo da matildee com a crianccedila ateacute o momento em que o cordatildeo cai
completamenterdquo (Casanova 2013 pp 38)
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Estes procedimentos e protocolos fazem parte do mundo dos profissionais de sauacutede que
trabalham em UTI Neonatal Entretanto ao percorrer o hospital tambeacutem tive a oportunidade
de conversar com uma gestora que demostrou uma grande preocupaccedilatildeo com o natildeo
cumprimento por todos os profissionais de sauacutede dos protocolos de seguranccedila preconizados
pela Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria Uma preocupaccedilatildeo salutar uma vez que uma
das causas mais frequentes de morte de receacutem-nascidos satildeo as Infecccedilotildees Relacionadas agrave
Assistecircncia em Sauacutede (IRAS) (Ministeacuterio da Sauacutede 2012)
O contexto do trabalho em hospitais apresenta grandes desafios que envolvem os
cuidados e a busca da cura dos pacientes Particularmente em Unidades de Terapia Intensiva
Neonatal os cuidados satildeo intensificados em meio a um aparato de equipamentos e agrave fragilidade
da vida dos receacutem-nascidos
Diante do exposto pode-se analisar brevemente o contexto de atuaccedilatildeo do profissional
de sauacutede em UTIN de acordo com a figura apresentada a seguir A anaacutelise breve se daacute como
uma posiccedilatildeo preacutevia da situaccedilatildeo considerando o olhar de algueacutem que natildeo pertence a este
contexto que natildeo estaacute atuando enquanto profissional de sauacutede em UTIN mas que construiu
um conceito inicial antes de comeccedilar a fase de entrevistas
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Figura 1- O Contexto de Atuaccedilatildeo Profissional de Sauacutede na UTI Neonatal
O profissional de sauacutede atuante em UTIN apresenta como desafios a necessidade
constante de conhecimento teacutecnico que precisa ser aperfeiccediloado ao longo do tempo ao mesmo
tempo em que tambeacutem precisa entender sobre o funcionamento dos equipamentos e se adequar
aos novos protocolos de seguranccedila que estatildeo sendo implantados na maternidade
Estes primeiros desafios compotildeem a parte teacutecnica e objetiva da atividade realizada que
por ser conduzida por pessoas pode apresentar alteraccedilotildees quanto ao cumprimento das
determinaccedilotildees do protocolo o que amplia o risco de ocorrecircncia de eventos adversos
Os demais fatores envolvem o atendimento aos receacutem-nascidos com alto risco de morte
e consequentemente o acompanhamento dos familiares Como prerrogativa da assistecircncia
humanizada as matildees participam ativamente do processo de assistecircncia ao receacutem-nascido
demandando informaccedilotildees e atenccedilatildeo dos profissionais de sauacutede (Ministeacuterio da Sauacutede 2004)
Neste contexto de atuaccedilatildeo caracterizado por desafios e dificuldades ocorrem eventos
adversos dentre estes a morte de receacutem-nascidos Segundo relatos de profissionais de sauacutede da
Profissional de Sauacutede
Teacutecnica
Protocolos de
seguranccedila
Matildees dos pacientes
Bebecircs em alto risco de morte
Equipamentos
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maternidade os mesmos ainda participam do processo inicial de luto oferecendo suporte aos
pais
Como no caso contado por uma psicoacuteloga que prestou assistecircncia agrave famiacutelia enlutada
junto com a meacutedica Segundo o relato a matildee natildeo aceitava que o filho havia morrido Mesmo
quando o corpo da crianccedila foi entregue aos pais para despedida ela acreditava que o bebecirc estava
dormindo Os profissionais precisaram acompanhar o processo de luto ateacute a matildee compreender
que o bebecirc havia morrido diante da frase ldquoo coraccedilatildeo dele parourdquo Apoacutes o entendimento da matildee
os pais puderam iniciar o processo de despedida do bebecirc Algo que gerou muito sofrimento
para a famiacutelia e um grande desgaste emocional para os profissionais de sauacutede que ofereceram
o suporte aos pais
As informaccedilotildees apresentadas retratam a realidade de atuaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede
em meio a tantas exigecircncias e responsabilidades Trata-se de uma anaacutelise sobre o prisma de
quem apenas olha pelo lado de fora da janela Pela metodologia proposta neste estudo os
profissionais foram convidados a narrar uma histoacuteria de perda da morte de um receacutem-nascido
durante a sua atuaccedilatildeo na UTIN Por meio deste convite tivemos a oportunidade de compreender
o modo de atuaccedilatildeo de cada profissional os sentidos atribuiacutedos as suas vivecircncias e a forma como
enfrentaram a morte dos pacientes A forma como o profissional sente e vivencia as suas
experiecircncias interfere diretamente na prestaccedilatildeo da assistecircncia agrave sauacutede
Aleacutem desses fatores as pesquisas realizadas em banco de dados revelam a necessidade
de ampliar os estudos sobre a aacuterea utilizando a abordagem da fenomenologia como forma de
compreensatildeo da experiecircncia Por meio do portal da Capes a busca na base do Pubmed
utilizando os descritores ldquohealthcare professionalrdquo and ldquodeathrdquo and ldquonewbornrdquo revelaram a
existencia de 1257 publicaccedilotildees Entretanto ao adicionar o descritor ldquophenomenologyrdquo aos
demais foram localizados duas publicaccedilotildees ambas fazendo referecircncia apenas ao trabalho de
enfermeiros (Silva Valenccedila amp Germano 2010 Rubarth 2003) A busca com os descritores
26
ldquohealthcare professionalrdquo and ldquodeathrdquo and ldquonewbornrdquo na base da BVS psicologia natildeo localizou
nenhuma publicaccedilatildeo O mesmo ocorreu com o portal do scielo
Os artigos citados revelam que diante da morte de receacutem-nascidos enfermeiros e
teacutecnicos de enfermagem apresentam sentimentos de auto-reprovaccedilatildeo baixa auto-estima e
culpa A morte de bebecircs eacute vista como uma falha da equipe no processo de cura No espaccedilo em
que os profissionais de sauacutede trabalham muito tempo e esforccedilo eacute direcionado para teacutecnicas que
possam prolongar a vida Quando estas natildeo funcionam satildeo gerados sentimentos de impotecircncia
fracasso frustraccedilatildeo e incapacidade (Silva Valenccedila amp Germano 2010 Rubarth 2003)
Sentimos falta de mais estudos que buscassem compreender a experiecircncia da morte de
receacutem-nascidos em UTI Neonatal utilizando a fenomenologia hermenecircutica heideggeriana
como orientaccedilatildeo metodoloacutegica Tambeacutem sentimos falta de estudos que contemplassem os
profissionais que compotildeem a equipe de uma UTI Neonatal (meacutedicos enfermeiros teacutecnicos de
enfermagem fisioterapeutas psicoacutelogos) Encontramos estudos dedicados especificamente a
uma ou duas categorias de profissionais (meacutedicos e profissionais da aacuterea de enfermagem)
Como seria ouvir representantes das diversas formaccedilotildees que compotildeem a equipe multidiciplinar
da UTI Neonatal Este questionamento tambeacutem contribui para a decisatildeo de contemplar
profissionais com formaccedilotildees diversas mas que precisam trabalhar em conjunto para oferecer
assistecircncia aos pacientes e familiares A partir destes questionamentos foi escolhida uma
direccedilatildeo para um caminho que seraacute delimitado nos proacuteximos capiacutetulos
A importacircncia deste estudo estaacute justamente na compreensatildeo da experiecircncia dos
profissionais de sauacutede que atuam na UTI Neonatal no intuito de gerar contribuiccedilotildees para a
comunidade acadecircmica os profissionais de sauacutede a instituiccedilatildeo hospitalar e consequentemente
para a assistecircncia dos pacientes e de seus familiares
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A partir do exposto seratildeo contemplados os capiacutetulos da tese os quais foram organizados
da seguinte forma
- Capiacutetulo 1 Os sentidos da morte ao longo da histoacuteria
O capiacutetulo abordaraacute as diferentes concepccedilotildees de morte para sociedades em contextos
histoacutericos especiacuteficos No iniacutecio do capiacutetulo eacute apresentada a figura da obra de arte ldquoO gritordquo
Este quadro foi pintado pelo norueguecircs Edvard Munch em 1893 O quadro representa o
sentimento de anguacutestia do ser humano diante das perdas Considerei oportuno refletir sobre a
morte a partir de uma figura que demonstra o assombro de um ser diante da dor da perda do
desconhecido E a fragilidade humana em meio ao crepuacutesculo de um por-do-sol marcante
-Capiacutetulo 2 Contemplando alguns existenciais da fenomenologia Heideggeriana
Este capiacutetulo iraacute discorrer sobre alguns existenciais que compotildee a ontologia
Heideggeriana Dentre os existenciais mencionados seratildeo contemplados ser-no-mundo ser-
com cuidado ser-para-a-morte anguacutestia
No iniacutecio do capiacutetulo estaacute apresentada uma das obras de arte mais conhecidas de
Salvador Daliacute ldquoA Persistecircncia da Memoacuteriardquo datada de 1931 A obra nos faz refletir sobre o
nosso entendimento racional do mundo Na figura os reloacutegios estatildeo deformados dando a
impressatildeo da diluiccedilatildeo do tempo como algo natildeo fixo ou linear A escolha desta obra serve como
uma inspiraccedilatildeo inicial para as valiosas contribuiccedilotildees de Heidegger agrave compreensatildeo do ser e do
tempo
28
-Capiacutetulo 3 O profissional de sauacutede
Neste capiacutetulo estatildeo contemplados aspectos referentes aos profissionais de sauacutede as
dificuldades enfrentadas o ambiente hospitalar o contexto da maternidade e em particular da
UTI Neonatal
O iniacutecio do capiacutetulo eacute ilustrado com uma parte dos afrescos da Capela Sistina a obra
intitulada ldquoA Criaccedilatildeo da Humanidade e sua quedardquo pintada por Michelangelo em 1512 A vida
eacute representada pelo toque de Deus na criaccedilatildeo no ser do homem A escolha desta obra reflete o
olhar para o modelo meacutedico a analogia com a figura de quem cuida da vida e busca evitar a
morte o profissional de sauacutede que tantas vezes estaacute com a vida do outro em suas matildeos Em
particular na UTI Neonatal onde os bebecircs satildeo tatildeo fraacutegeis agraves vezes ateacute do tamanho de duas
matildeos unidas onde nascimento e morte criaccedilatildeo e queda estatildeo bem proacuteximos
-Capiacutetulo 4 Meacutetodo A escolha do caminho
Este capiacutetulo eacute dedicado agrave fenomenologia enquanto meacutetodo escolhido para
compreender a experiecircncia dos profissionais A fenomenologia nos convida a ver aleacutem das
aparecircncias A olhar o sentido das experiecircncias dos profissionais a partir da narrativa dos
mesmos
Ao longo do texto o ciacuterculo hermenecircutico eacute posto em ecircnfase assim como os
procedimentos que seratildeo utilizados para as entrevistas abrangendo os criteacuterios de inclusatildeo e
exclusatildeo dos participantes
Para introduzir este capiacutetulo uma obra prima de Van Gogh de 1888 ldquoO pintor a
caminho do trabalhordquo Em um belo dia sob um sol escaldante o pintor caminha para o seu
trabalho carregando seus instrumentos No caminho descobrem-se as belas paisagens e um novo
29
colorido De forma similar o pesquisador ao realizar o estudo busca compreender o fenocircmeno
ao mesmo tempo em que se transforma ao longo da caminhada
-Capiacutetulo 5 As narrativas dos participantes os sentidos de ser profissional de sauacutede em
UTI Neonatal
Este capiacutetulo eacute dedicado aos profissionais de sauacutede atuantes na UTI Neonatal da
Maternidade Escola Januaacuterio Cicco Durante o mesmo satildeo apresentados trechos das narrativas
dos participantes a partir das anaacutelises realizadas tendo como inspiraccedilatildeo a hermenecircutica
heideggeriana
No iniacutecio do capiacutetulo eacute apresentada a obra do pintor surrealista Vladimir Kush que
retrata a uacuteltima ceia representada por flores de diferentes espeacutecies reunidas em torno de uma
mesa e em meio a um cenaacuterio iluminado por um azul celeste A obra tambeacutem faz uma
homenagem agraves participantes do estudo que receberam nomes fictiacutecios de flores
-Capiacutetulo 6 Destecendo a trama da existecircncia reflexotildees a partir das narrativas dos
profissionais de sauacutede
Neste capiacutetulo o pesquisador apresenta algumas reflexotildees a partir das narrativas dos
participantes natildeo com o intuito de fazer um fechamento Mas de assumir a condiccedilatildeo daquele
que pergunta e tem consciecircncia de que a compreensatildeo do fenocircmeno parte do olhar de quem
interroga (Critelli 1996) As reflexotildees iniciais contempladas partem portanto do pesquisador
que realizou as entrevistas leu e releu as narrativas como tambeacutem as entrelinhas considerou o
que foi dito e o natildeo dito o que estava expliacutecito e o que estava aparentemente oculto mas que
assumiu um sentido para o observador
No iniacutecio do capiacutetulo estaacute representada a obra de Vladimir Kush que retrata uma mulher
borboleta dentro de um livro segurando um casulo como quem segura um bebecirc A homenagem
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estaacute portanto nas paacuteginas deste livro na contemplaccedilatildeo das narrativas das mulheres que cuidam
dos receacutem-nascidos e ao cuidar vatildeo se transformando
Ao final deste projeto de tese estatildeo apresentados os Termos de Consentimento Livre e
Esclarecido de Gravaccedilatildeo de Voz No mais a partir destas consideraccedilotildees contempladas na
introduccedilatildeo comeccedilaremos fazendo uma retrospectiva sobre os sentidos da morte ao longo da
histoacuteria ateacute a contemporaneidade
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Capiacutetulo 1 Os sentidos da morte ao longo da histoacuteria
ldquoO Gritordquo Edvard Munch 1893
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Capiacutetulo 1 Os sentidos da morte ao longo da histoacuteria
A morte tratada como o grande misteacuterio da humanidade sempre fez parte da vida seja
como algo inaceitaacutevel seja como algo naturalizado como o destino de todas as espeacutecies As
atitudes e crenccedilas sobre a morte estiveram presentes ao longo do tempo retratando o contexto
histoacuterico e social de cada eacutepoca
Partindo do pressuposto de que todo comportamento social eacute historicamente ancorado
iniciaremos um breve relato sobre as vivecircncias da morte em diferentes sociedades ao longo da
histoacuteria da humanidade Falaremos de atitudes dentro de um cenaacuterio que natildeo pode limitar-se a
ser o fundo de uma figura mas como parte desta lhe oferece o contorno necessaacuterio agrave existecircncia
Desde o periacuteodo preacute-histoacuterico o homem demonstrava preocupaccedilatildeo com a morte e com
o que existiria apoacutes a vida Uma demonstraccedilatildeo disto satildeo os achados arqueoloacutegicos nos tuacutemulos
dos neandertais datados de aproximadamente 150000 anos Dentro dos tuacutemulos foram
encontrados utensiacutelios domeacutesticos e comida proacuteximas ao corpo do morto Ancoradas nestes
rituais estava a crenccedila da necessidade de se prevenir para o poacutes-morte Neste periacuteodo foram
encontrados os primeiros indiacutecios de preocupaccedilatildeo com o destino dos corpos em locais
reservados como as cavidades de rochas nas quais os corpos eram colocados de coacutecoras e
cobertos por pedras (Despelder e Strickland 2001)
No periacuteodo Paleoliacutetico Superior (30000 a 8000 anos aC) os corpos eram encontrados
em posiccedilatildeo fetal ou de barriga para cima e havia uma maior a quantidade de alimentos e
ldquoEacute impossiacutevel conhecer o homem sem lhe estudar a
morte porque talvez mais do que na vida eacute na morte
que o homem se revela Eacute nas atitudes e crenccedilas perante
a morte que o homem exprime o que a vida tem mais de
fundamentalrdquo
(Edgar Morin 1997 p32)
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utensiacutelios domeacutesticos mais elaborados que os do periacuteodo anterior Alguns corpos estavam
pintados de ocre vermelho e a posiccedilatildeo fetal indicava a busca do renascimento Para os povos
primitivos a morte anunciava um renascimento como um ciclo natural de metamorfose e de
transmutaccedilatildeo (Morin 1997 Santos 2009)
Na antiguidade os egiacutepcios tambeacutem criavam vaacuterios rituais fuacutenebres A construccedilatildeo das
tumbas e das piracircmides enquanto morada dos mortos revelavam a preocupaccedilatildeo com a vida
apoacutes a morte Os locais de sepultamento retratavam o estilo de vida da pessoa que havia
falecido e a grandiosidade dos tuacutemulos representava o seu status social Para compor o local
um aparato de objetos era enterrado junto com o morto inclusive animais mumificados como
gatos macacos e falcotildees aleacutem das estaacutetuas que ganhariam vida como servos Os ornamentos
tinham a finalidade de preservar a morada do indiviacuteduo de tal forma que quando acordasse se
sentisse em casa e natildeo voltasse para se vingar dos vivos (Santos 2009)
Outra crenccedila central da cultura egiacutepcia era a necessidade de preservar o corpo (ka) para
o retorno do espiacuterito (ba) em outros tempos Por isso a mumificaccedilatildeo era tatildeo valorizada ao
ponto de o corpo ficar 30 dias longe da famiacutelia e retornar como era em vida inclusive com a
conservaccedilatildeo de detalhes como ciacutelios e sobrancelhas A morte era difundida na sociedade
atraveacutes da mitologia Os registros das praacuteticas fuacutenebres estavam contidos no Livro dos Mortos
escritos que ensinavam sobre a forma de pensar e de se comportar em relaccedilatildeo agrave morte O Livro
dos Mortos orientava o pensamento de um povo servindo tambeacutem como um guia que orientava
o morto para as vaacuterias provas que deveria passar com o objetivo de se unir agrave divindade de Osiacuteris
Caso o indiviacuteduo falhasse ocorreria uma segunda morte entendida como o destino para o
eterno esquecimento Este era considerado como o pior dos castigos para um individuo ser
destinado ao esquecimento completo (Santos 2009)
Para os egiacutepcios a morte era uma puniccedilatildeo dos Deuses Enquanto puniccedilatildeo a ideia da
proacutepria morte trazia o temor do castigo do abandono e da rejeiccedilatildeo E a morte do outro gerava
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o medo da retaliaccedilatildeo ou da perda Aleacutem do medo da morte enquanto castigo havia uma
preocupaccedilatildeo com o que viria depois diante da crenccedila de que o poacutes vida era caracterizado por
vaacuterios desafios a serem superados O primeiro dos desafios era o julgamento de Maat deusa da
justiccedila da verdade e da ordem Neste julgamento a deusa oferecia uma pena a ser colocada em
um dos lados da balanccedila o outro lado era destinado ao coraccedilatildeo do morto que deveria ser puro
e verdadeiro ao ponto de tornar-se mais leve que a pena Todos passariam por este julgamento
do escravo ao faraoacute Natildeo havia portanto uma distinccedilatildeo social entre vivos e mortos no que
concerne ao destino no poacutes- vida O livro dos Mortos era companhia certa em todos os tuacutemulos
Embora natildeo tivesse utilidade alguma caso o morto natildeo tivesse realizado boas accedilotildees em vida
De nada serviriam as orientaccedilotildees contidas no livro se o indiviacuteduo natildeo tivesse ldquocreacuteditordquo para
utilizaacute-las (Kastenbaum amp Aisenberg 1983)
A civilizaccedilatildeo egiacutepcia deixa como legado uma preocupaccedilatildeo com o poacutes-vida concretizada
em uma seacuterie de rituais voltados para trazer o conforto e aparente seguranccedila ao morto A
civilizaccedilatildeo mesopotacircmica (2000 ac) entretanto natildeo apresentava a mesma crenccedila em relaccedilatildeo a
morte Para os povos que habitaram a mesopotacircmia a existecircncia humana tinha a finalidade de
servir aos deuses A morte ocorreria para todos e natildeo havia uma possibilidade de salvaccedilatildeo
individual ou coletiva independentemente das accedilotildees praticadas em vida A imortalidade era um
atributo exclusivo dos deuses Natildeo havia a crenccedila na imortalidade mas existia o temor de que
os mortos poderiam perturbar os vivos Caberia agrave famiacutelia a organizaccedilatildeo dos rituais fuacutenebres e
em particular ao filho mais velho a realizaccedilatildeo de algumas atividades para acalmar o morto
como raspar o cabelo servir alimentos e bebidas e construir um altar para reverenciaacute-lo
(Santos 2009)
Os persas (por volta do seacuteculo VI ac) por sua vez defendiam que a morte poderia levar
agrave elevaccedilatildeo do espiacuterito Ao deixar este mundo o morto passava por uma ponte Se tivesse
praticado boas accedilotildees encontraria em bela moccedila que lhe conduziria ao paraiacuteso Caso contraacuterio
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uma velha desfigurada lhe perseguiria ateacute que caiacutesse da ponte em direccedilatildeo ao inferno Para
aqueles que praticaram tanto boas quanto maacutes accedilotildees de forma que se igualassem em quantidade
e importacircncia o destino era o limbo um local em que natildeo sentiam nem alegrias nem tristezas
Mas para todos caberia o julgamento final (que deveria ocorrer aproximadamente em 6000
dc) momento em que todo segundo a crenccedila dos persas todo o mal desapareceraacute e os bons
receberatildeo corpos jovens e indestrutiacuteveis (Kastenbaum amp Aisenberg 1983)
Um aspecto importante a considerar na civilizaccedilatildeo egiacutepcia bem como em outras
sociedades primitivas como a dos malaios eacute o fato das praacuteticas fuacutenebres serem constituiacutedas e
desenvolvidas pela comunidade Natildeo havia uma ecircnfase nas reaccedilotildees individuais Existiam regras
que conduziam toda a sociedade a se comportar diante da ameaccedila da morte e que
posteriormente orientavam como minimizar os efeitos negativos que a morte causava no seio
da comunidade O indiviacuteduo fazia parte de algo maior a sociedade e a sua morte atingia este
coletivo Por isso as praacuteticas representavam a uniatildeo e o poder do grupo sobre a morte
(Kastenbaum amp Aisenberg 1983)
Este breve relato sobre a morte na Antiguidade natildeo poderia deixar de contemplar a
cultura grega Nesta sociedade havia uma preocupaccedilatildeo com a sauacutede puacuteblica Diante disso os
restos mortais de todos sem distinccedilatildeo social eram enterrados fora das cidades Entretanto o
local e o monumento que representava o morto era de acordo com o niacutevel socioeconocircmico
Outro aspecto relevante eacute que o luto era permitido de uma forma geral por um periacuteodo de um
ano Para as crianccedilas que falecessem com ateacute seis anos de idade entretanto o prazo destinado
ao luto era de apenas um mecircs A expressatildeo do luto que se estendesse aleacutem deste periacuteodo estava
sujeita agrave recriminaccedilatildeo social (Agraveries 2003 Santos 2009)
Para os antigos gregos o pensamento preponderante em relaccedilatildeo ao poacutes vida era o da
imortalidade da alma Um defensor desta ideia foi Soacutecrates A morte deste importante filoacutesofo
foi retratada no seacuteculo XVIII em um quadro intitulado ldquoA morte de Soacutecratesrdquo
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A morte de Soacutecrates Autor Jacques-Louis David 1787
Platatildeo descreveu a morte de Soacutecrates em um dos seus diaacutelogos o Feacutedon relatando uma
das formas de compreensatildeo da morte pelos gregos antigos que a associava agrave imortalidade da
alma A morte era como uma passagem do mundo sensiacutevel para o mundo suprassensiacutevel E o
que os gregos chamavam de exercitamento para a morte era justamente a preparaccedilatildeo para este
momento de passagem com destino agrave imortalidade Uma preparaccedilatildeo vivenciada e relatada por
Soacutecrates nos momentos em que esperou pela morte na cadeia no periacuteodo entre o julgamento e
a ocasiatildeo da sua morte
Durante este periacuteodo Soacutecrates recebia os filoacutesofos e dialogava sobre as suas ideias
refletindo inclusive sobre o significado da morte e a condiccedilatildeo do ser humano De acordo com
o relato de Soacutecrates ldquoeacute melhor estar morto do que vivordquo Mas a condiccedilatildeo de morto eacute dada por
uma divindade Uma vez que ldquonoacutes homens nos encontramos em uma espeacutecie de caacutercere que
nos eacute vedado abrir para escaparrdquo Apenas aos deuses caberia a decisatildeo da hora da morte do
homem no caso de Soacutecrates a condenaccedilatildeo para beber cicuta deixava-o livre para seguir para
outro mundo (p5)
Diferentemente desta compreensatildeo sobre a morte outro caminho preconizado pelos
antigos gregos particularmente os estoicos e epicuristas defendia a naturalizaccedilatildeo da morte
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enquanto um destino de todas as espeacutecies Como algo que desagrega o que foi agregado em
vida Vida e morte fariam parte assim de um ciclo que terminava com a morte natildeo existindo
a possibilidade de imortalidade da alma (Nunes 2012)
Concepccedilotildees tatildeo distintas inspiraram os antigos gregos a refletir sobre a morte e sobre a
forma de conduzir a vida Morte e vida estatildeo entrelaccedilados como fios de uma mesma manta O
sentido da morte interfere na existecircncia do ser neste mundo E em cada eacutepoca as crenccedilas que
a sociedade propagava sobre a morte influenciaram as pessoas na maneira de compreendecirc-la
e de vivenciaacute-la
Em uma sociedade com ideias distintas acerca da morte preconizava-se o mesmo fim
para os bebecircs que nascessem com alguma deficiecircncia Em Esparta natildeo soacute os bebecircs como
tambeacutem as pessoas que adquiriam alguma deficiecircncia eram lanccediladas ao mar ou em precipiacutecios
por natildeo serem consideradas uacuteteis para a sociedade De forma similar na Roma Antiga nobres
e plebeus tinham a permissatildeo para sacrificar os bebecircs que nascessem com algum tipo de
deficiecircncia Crianccedilas com ldquodefeitosrdquo natildeo eram bem vindas ao mundo deveriam ser mortas ou
abandonadas ao relento ateacute a morte (Santos 2009)
No iniacutecio da Idade Meacutedia (seacutec V ao seacutec XII) a morte estava presente no cotidiano e
era aceita socialmente como algo simples e familiar Vivos e mortos coexistiam de forma
natural Morrer era o destino de todas as espeacutecies Algo previsiacutevel tambeacutem para o ser humano
que natildeo temia a morte em si mas o fato de morrer sozinho A morte desejada era anunciada
Esperada no leito como uma cerimocircnia puacuteblica e organizada conduzida pelo proacuteprio enfermo
que se despedia realizando as suas uacuteltimas vontades e direcionando o ritual fuacutenebre de
preparaccedilatildeo para a morte Neste ritual estavam presentes muitas vezes natildeo soacute os familiares a
proacutepria comunidade participava e acessava livremente o quarto do morto inclusive as crianccedilas
tambeacutem presenciavam os momentos de despedida A morte era domada domesticada tatildeo
cotidiana quanto a vida (Ariegraves 2003)
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Nesta sociedade as crianccedilas eram vistas como adultos em miniatura sem distinccedilatildeo
quanto agraves regras sociais ou mesmo a dedicaccedilatildeo de maiores cuidados com exceccedilatildeo dos bebecircs
conforme relata Ariegraves (1981) ldquo um sentimento superficial da crianccedila - a que chamei
paparicaccedilatildeo era reservado agrave criancinha em seus primeiros anos de vida enquanto ela ainda
era uma coisinha engraccediladinha As pessoas se divertiam com a crianccedila pequena como com um
animalzinho um macaquinho impudico Se ela morresse entatildeo como muitas vezes acontecia
alguns podiam ficar desolados mas a regra geral era natildeo fazer muito caso pois uma outra
crianccedila logo a substituiria A crianccedila natildeo chegava a sair de uma espeacutecie de anonimatordquo (p 4)
Em todo o ritual de despedida a crianccedila tinha o seu papel definido Os adultos
explicavam a situaccedilatildeo e a crianccedila participava de tudo do veloacuterio ao enterro Natildeo existia uma
distinccedilatildeo com os adultos para o enfrentamento da morte inclusive na vivecircncia do luto e na ida
regular ao cemiteacuterio A vivecircncia do luto tambeacutem era natural as pessoas poderiam expressar os
seus sentimentos e participar de todo o processo desde a despedida ao enfermo ateacute o
acompanhamento do cortejo fuacutenebre O receio que as pessoas tinham era da morte brusca
repentina sem despedida sem o cumprimento de todo o ritual fuacutenebre (Kovaacutecs 1992)
As proacuteprias condiccedilotildees da sociedade como um todo contribuiacuteam para esta morte
anunciada os avanccedilos da medicina ainda eram incipientes para boa parte das doenccedilas natildeo havia
cura restando agrave comunidade a aceitaccedilatildeo e previsatildeo de que a morte viria logo As condiccedilotildees
sanitaacuterias eram precaacuterias e natildeo havia uma preocupaccedilatildeo social em relaccedilatildeo a isto Vivos e mortos
coexistiam As pessoas entravam nos quartos dos enfermos as crianccedilas brincavam nos
cemiteacuterios locais tambeacutem utilizados como palcos para danccedilas e jogos (Ariegraves 2003)
Os doentes sabiam que iriam morrer e assim se preparavam para a chegada da morte
dentro do seio da famiacutelia A morte familiar foi tambeacutem denominada por Ariegraves (2003) de morte
domada E do ritual de despedida participavam todos da famiacutelia da comunidade inclusive as
crianccedilas Natildeo havia uma preocupaccedilatildeo em isolaacute-las deste acontecimento tido como natural
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Apoacutes todas as despedidas a morte vinha como um sono profundo durante o qual as almas
aguardariam o retorno de Cristo para o momento da ressurreiccedilatildeo assegurada pela Igreja Desta
crenccedila na ressurreiccedilatildeo surgiu o costume de enterrar os corpos em cemiteacuterios proacuteximos agrave Igreja
cabendo aos mais ricos a construccedilatildeo de tuacutemulos dentro das capelas (Kastenbaum amp Aisenberg
1983 Ariegraves 2003)
Vale salientar que na Idade Meacutedia doenccedilas malignas assolaram a Europa em
particular a peste negra que dizimou mais de 13 da populaccedilatildeo A morte tornou-se natildeo soacute uma
triste realidade cotidiana como tambeacutem uma forma de puniccedilatildeo de Deus para os homens como
um castigo que atingia a todos Outro evento que contribui para associar a morte agrave puniccedilatildeo foi
a atuaccedilatildeo da Inquisiccedilatildeo que utilizava a tortura e a morte como instrumentos para controlar a
ordem preconizada pela Igreja (Santos 2009)
Na segunda metade da idade Meacutedia (seacutec XII ao seacutec XV) mudanccedilas sutis comeccedilaram
a acontecer que influenciaram de forma decisiva na maneira das pessoas lidarem com a morte
Com a ideia do Juiacutezo Final propagada pela Igreja o morto seria julgado pelas accedilotildees executadas
em vida Passou-se a ter uma preocupaccedilatildeo com a morte de si mesmo com a individualidade do
morto e com o que este havia feito em vida A culpa o pedido de perdatildeo predominava nos
momentos proacuteximos a morte E as cerimocircnias ganharam um caraacuteter dramaacutetico Os homens
buscavam garantias para chegarem ao paraiacuteso representadas pelos donativos pelas obras
realizadas durante a vida pela compra de reliacutequias consideradas sagradas pela Igreja (Ariegraves
2003 Kovaacutecs 1992)
A preocupaccedilatildeo com a proacutepria morte se amplia no periacuteodo do Romantismo para o temor
diante da morte do outro O sofrimento com a perda as lembranccedilas o culto aos cemiteacuterios se
tornaram preponderantes neste periacuteodo A morte remetia agrave ideia de ruptura da dor de perder o
ente querido Diante deste cenaacuterio a recordaccedilatildeo dava uma certa condiccedilatildeo de imortalidade ao
indiviacuteduo Os mortos passaram a ser valorizados tanto quanto os vivos pelo legado que
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deixariam tantas vezes representados na concretude das sepulturas individualizadas e
majestosas da aristocracia (Ariegraves 2003 Kovaacutecs 1992)
Esta preocupaccedilatildeo com a morte do outro vai tomando outras proporccedilotildees ao longo do
tempo ocupando lugar na forma como a morte era vivenciada Com o intuito de poupar o outro
que estaacute proacuteximo a morte passou-se a omitir o seu estado O moribundo que na Idade Meacutedia
conduzia os momentos de despedida se tornava alheio ao processo e passava a morrer sozinho
em um leito frio de hospital Da preocupaccedilatildeo com o morto o incocircmodo de falar sobre a morte
e expressar o sofrimento do luto estendeu-se para toda a sociedade Diante deste contexto
origina-se o que Ariegraves (2003) denomina de morte interditada
A forma como as crianccedilas vivenciavam a morte do outro tambeacutem foi se modificando
de acordo com as mudanccedilas sociais que ocorreram ao longo do tempo A partir do seacuteculo XVII
a escola passou a ocupar um lugar importante na sociedade substituindo o aprendizado
fornecido agraves crianccedilas pela imitaccedilatildeo dos adultos na execuccedilatildeo dos seus ofiacutecios A crianccedila foi
separada dos adultos e mantida em uma certa distacircncia antes de ser solta no mundo Iniciava-
se entatildeo um longo processo que perduraria ateacute os dias de hoje a escolarizaccedilatildeo Essa separaccedilatildeo
das crianccedilas denominada por Arieacutes (1981) de enclausuramento fez parte de um grande
movimento de moralizaccedilatildeo promovido pelos reformadores catoacutelicos ou protestantes ligados agraves
leis ou ao Estado
Entretanto este movimento natildeo teria sido possiacutevel sem a cumplicidade sentimental das
famiacutelias A famiacutelia tornou-se o lugar de uma afeiccedilatildeo necessaacuteria entre os cocircnjuges e entre pais e
filhos algo que ela natildeo era antes Segundo Ariegraves (1981) as famiacutelias eram unidas por laccedilos de
honra e lealdade natildeo havendo necessariamente afeiccedilatildeo entre seus membros mas sim uma
espeacutecie de sociabilidade Exemplo disto eacute um fenocircmeno muito importante que comeccedila a ser
mais conhecido a persistecircncia no fim do seacuteculo XVII do infanticiacutedio tolerado Natildeo se tratava
de uma praacutetica aceita era considerada um crime Entretanto era praticado em segredo
ldquoO fato de ajudar a natureza a fazer desaparecer criaturas tatildeo pouco dotadas
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camuflada sob a forma de um acidente as crianccedilas morriam asfixiadas naturalmente na cama
dos pais onde dormiam Natildeo se fazia nada para salvaacute-las
Com a importacircncia atribuiacuteda agrave educaccedilatildeo os pais passaram a se interessar pelos estudos
dos filhos e a acompanhar o seu desenvolvimento Esta praacutetica era vista como algo natural nos
seacuteculos XIX e XX mas anteriormente natildeo existia desta forma com tanto zelo preocupaccedilatildeo e
solicitude A famiacutelia comeccedilava a se organizar em torno da crianccedila e a lhe dar tanta importacircncia
que a crianccedila saiu de seu antigo anonimato tornando-se impossiacutevel perdecirc-la ou substituiacute-la sem
uma enorme dor Se por um lado natildeo poderia se tolerar a repeticcedilatildeo desta dor por outro tornou-
se necessaacuterio limitar o nuacutemero de crianccedilas para melhor cuidar da sua educaccedilatildeo Portanto essa
revoluccedilatildeo escolar e sentimental teve como consequecircncia com o passar do tempo uma reduccedilatildeo
voluntaacuteria da natalidade observaacutevel a partir do seacuteculo XVIII (Ariegraves 1981)
Das famiacutelias numerosas nas quais era comum a morte de filhos a sociedade foi
modificando-se para famiacutelias pequenas onde palavras como ldquoplanejamento familiarrdquo e
ldquoinvestimento na educaccedilatildeo dos filhosrdquo passaram a fazer parte do contexto de vida de pelo
menos uma parte da populaccedilatildeo O filho planejado e desejado vinha ao mundo como um ser que
jaacute tinha a missatildeo de realizar um projeto dos pais como uma fonte de investimento de amor de
cuidados e de realizaccedilatildeo A dor da perda destes filhos ganhou uma nova proporccedilatildeo para a
sociedade contemporacircnea
Estas mudanccedilas na vida das pessoas consequentemente nas vivecircncias da morte tambeacutem
faziam parte de um cenaacuterio caracterizado pelos avanccedilos da medicina e como isto pela natildeo
aceitaccedilatildeo da doenccedila como preluacutedio da morte Buscava-se a cura representada pelo retorno agrave
vida A partir da deacutecada de 1930 os doentes eram encaminhados para os hospitais locais
destinados aos cuidados dos enfermos No contexto hospitalar o cuidado com o contaacutegio
distanciava as pessoas proacuteximas Havia horaacuterios a cumprir aparelhos a programar e uma serie
de aparatos que foram se tornando cada vez mais complexos Aliada a esta complexidade
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crescia para os profissionais de sauacutede a responsabilidade de segurar a vida de controlar a
existecircncia Formava-se assim o cenaacuterio para a exclusatildeo social da morte (Santos 2009)
No hospital a morte tornou-se oculta Evita-se falar da morte para os pacientes bem
como para as crianccedilas com o intuito de poupaacute-las Mas a crianccedila pode perceber que algo natildeo
estaacute bem Entatildeo as justificativas dos adultos satildeo permeadas por histoacuterias como os antigos
contos que escondiam aspectos referentes agrave sexualidade Assim como os bebecircs vecircm ao mundo
trazidos pelas cegonhas o avocirc foi dormir o pai viajouEnfim satildeo contadas histoacuterias inspiradas
no conceito de uma morte interditada Por vezes estas histoacuterias levam a outros
comportamentos como o medo de dormir e natildeo mais acordar gerando temores nas crianccedilas
(Pinto amp Veiga 2005)
A contemporaneidade constituiu-se no mundo trazendo outras mensagens sobre a vida
e assumindo como caracteriacutesticas a exacerbaccedilatildeo do individualismo a busca incessante do
prazer e da felicidade e consequentemente a necessidade de evitar o que atrapalhasse esta
busca A morte o luto a tristeza a anguacutestia satildeo todos fatores que natildeo contribuem para o
sucesso a juventude e o controle emocional
Antes de abordarmos a vivecircncia da morte na sociedade atual consideramos importante
refletir sobre alguns aspectos apresentados por Kastenbaum e Aisenberg (1983) como
ldquocondiccedilotildees que contribuiacuteram significativamente para o contexto de vida do qual emergiram as
interpretaccedilotildees sobre a morterdquo a expectativa de vida a presenccedila da morte o senso de possuir
reduzido controle sobre a natureza e o status do indiviacuteduo (p150)
Em sociedades onde a guerra a peste outras doenccedilas contagiosas ou natildeo eram
frequentes natildeo se esperava vida longa No decorrer da histoacuteria da humanidade a expectativa
de vida do homem era curta tantas vezes natildeo chegava aos trinta anos Com a precarizaccedilatildeo das
condiccedilotildees de sauacutede muitas mulheres morriam no parto e as crianccedilas nasciam mortas ou
faleciam muito cedo Para as que sobreviviam cabia a luta pela vida sem espaccedilo distinto para
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a vivecircncia de uma infacircncia O mundo dos adultos era tambeacutem o seu mundo Tanto que a hora
da morte era assistida por todos natildeo existia um isolamento no momento do desenlace Em meio
a tantas fraquezas perante agraves doenccedilas restava ao homem o senso de possuir reduzido controle
sobre as forccedilas da natureza inclusive sobre a sua proacutepria vida
Somadas a estas circunstacircncias outra caracteriacutestica relevante a ser mencionada eacute o status
social do indiviacuteduo Que nas civilizaccedilotildees antigas existia para a manutenccedilatildeo da sociedade para
o bem de algo maior natildeo servindo essencialmente ao benefiacutecio do indiviacuteduo isolado em
detrimento do grupo social
Estes fatores foram elencados por Kastenbaum e Aisenberg (1983) como significativos
para as interpretaccedilotildees sobre a morte existentes nas sociedades ao longo da histoacuteria Analisando
os mesmos fatores na eacutepoca atual diante de mudanccedilas tatildeo profundas no decorrer do tempo nos
deparamos com uma sociedade que apresenta um grande desenvolvimento tecnoloacutegico e da
medicina conseguiu com isto a ampliaccedilatildeo da expectativa de vida e a propagaccedilatildeo de valores
de sucesso e juventude ao mesmo tempo em que favorece o individualismo e interdita a morte
a um espaccedilo tatildeo reduzido quanto o esquecimento relegado ao fracasso e a frustraccedilatildeo
Vivemos em uma sociedade paradoxal que exige velocidade e calma ao mesmo tempo
que dita normas as quais geram ansiedade e para evitaacute-la divulga foacutermulas e medicamentos
Existem soluccedilotildees para o ldquobem viverrdquo segundo os bons costumes soluccedilotildees que aprisionam os
que se adequam e excluem os que natildeo conseguem caminhar como os demais A sociedade do
consumo e da busca de soluccedilotildees imediatas para o alcance do prazer
Uma sociedade que valoriza os avanccedilos tecnoloacutegicos e a juventude E estes avanccedilos
geraram uma noccedilatildeo de controle sobre a vida desde o seu iniacutecio durante o seu curso e na
necessidade de prolongamento do tempo neste mundo Em periacuteodos anteriores a morte
predominava em todos os periacuteodos a gravidez tantas vezes era um risco para a mulher bem
como a morte de receacutem-nascidos vista com naturalidade pela comunidade Na sociedade atual
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ldquoa morte conserva-se a uma distacircncia reconfortante ou uma boa distacircncia dos jovens e dos
adultos de meia idade Quem morre Os velhos (noacutes natildeo) A crescente associaccedilatildeo estatiacutestica
entre mortalidade e idade avanccedilada imediata e perpeacutetua para um prospecto distante remotordquo
(Kastenbaum e Aisenberg 1983 p 166)
Por isso a morte de jovens na contemporaneidade pode comover ao remeter agrave ideia
de uma vida interrompida antes mesmo de concretizar os objetivos propostos antes de dar
retorno agrave sociedade A morte eacute destinada aos que se tornaram obsoletos natildeo satildeo mais
produtivos E mesmo assim ela eacute evitada interditada pouco presente nas conversas cotidianas
A morte passa a ter uma participaccedilatildeo perifeacuterica na vida das pessoas quando na realidade eacute
uma condiccedilatildeo inerente ao ser-no-mundo
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Capiacutetulo 2 ndash Contemplando alguns existenciais da fenomenologia Heideggeriana
ldquoA Persistecircncia da Memoacuteriardquo Salvador Daliacute 1931
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Capiacutetulo 2 ndash Contemplando alguns existenciais da fenomenologia Heideggeriana
ldquoA morte chega cedordquo afinal que seguranccedila me traz o desconhecido O caminho que
natildeo percorri O abandono do ente querido Enquanto certeza incerta a morte assusta pela
imprecisatildeo possiacutevel pela hora natildeo marcada pelo temor escondido de quem vive na sociedade
que cultua o controle da vida do iniacutecio ao fim A morte que chega para o outro natildeo pertence
a mim mas me consome e leva consigo uma parte do que valorizo algo precioso que perdi
ldquoO amor foi comeccedilado o ideal natildeo acabourdquo A morte interrompe o que foi iniciado ao
mesmo tempo que gera o sentimento de perda do que foi e do que poderia ter sido Sofremos
pelo que perdemos e pelo que gostariacuteamos de ter realizado A morte do outro nos remete a todos
esses sentimentos de incompletude de inseguranccedila agraves vezes de arrependimento e tantas outras
a uma reflexatildeo sobre a proacutepria vida seus medos e seus alcances
A morte chega cedo pois chega sem avisar Como a visita que abre a porta sem bater
entra sem cerimocircnia leva o que lhe cabe e deixa quem fica a chorar Hoje um choro mais
contido um ritual mais reservado um luto mal vivido mas natildeo menos sofrido Apenas
controlado em meio a um cenaacuterio que prima pelo esquecimento da morte em detrimento da
valorizaccedilatildeo da vida e da juventude
O poema de Fernando Pessoa foi escolhido para iniciar este capiacutetulo por retratar da
forma mais bela que a poesia permite reflexotildees fundamentais sobre a morte e a vida que me
A Morte Chega Cedo
A morte chega cedo pois breve eacute toda vida
O instante eacute o arremedo de uma coisa perdida
O amor foi comeccedilado o ideal natildeo acabou
E quem tenha alcanccedilado natildeo sabe o que alcanccedilou
E tudo isto a morte risca por natildeo estar certo
No caderno da sorte que Deus deixou aberto
Fernando Pessoa in Cancioneiro
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remetem aos existenciais difundidos por Heidegger (19272015) e que inspiraram o presente
estudo
Para o entendimento do ser Heidegger (19272015) apresenta conceitos importantes
definidos como existenciais Antes de abordarmos alguns existenciais (inerentes agrave condiccedilatildeo
humana) partiremos de conceitos iniciais desenvolvidos pelo referido autor
Em sua principal obra publicada em 1927 Ser e Tempo Heidegger realiza um
questionamento fundamental inclusive para o modo de pensar preponderante do positivismo e
da metafiacutesica Ele natildeo pergunta o que eacute o ser Esta pergunta requer uma resposta traduzida
como uma definiccedilatildeo Desta forma poderia apresentar inuacutemeras respostas tais como o homem
eacute um animal racional o homem eacute um ser divino Enfim respostas provenientes dos mais
diversos interesses sejam estes filosoacuteficos cientiacuteficos religiosos
A pergunta fundamental de Ser e Tempo que origina todas as outras e ainda permanece
inacabada eacute Qual o sentido do ser Esta eacute uma pergunta que gera por si soacute inquietude Imagine
questionar para uma pessoa quem eacute vocecirc A resposta pode se definir da forma mais simples
ou da maneira mais prolixa mas existe uma resposta ldquoSou psicoacuteloga sou brasileira Sou filha
derdquoAgora questione a pessoa ldquoqual o sentido do serrdquo A resposta ganha outra complexidade
e uma reflexatildeo bem mais profunda
E o que se configura como sentido Sentido eacute o que nos move eacute o que Critelli (1996)
define como um destinar-se da existecircncia O sentido daacute a direccedilatildeo da nossa vida afeta as nossas
escolhas O homem natildeo possui determinaccedilotildees essenciais Sendo indeterminado a existecircncia
acontece como sentido O sentido tem a ver com o para que e tambeacutem com o ainda natildeo
Ao refletir sobre o sentido do ser Heidegger (19272015) considera que a palavra
sentido pode apresentar duas interpretaccedilotildees a primeira refere-se agrave significaccedilatildeo ou seja que
todo gesto humano eacute significado e a segunda contempla a direccedilatildeo perpassando a ideia segundo
a qual quem sou estaacute vinculado ao que eu posso ser O sentido me fornece a direccedilatildeo um
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caminho a ser seguido E tudo o que faccedilo estaacute vinculado com algo que ainda natildeo sou Sentido
eacute portanto direccedilatildeo e significado Eacute como me encontro no mundo hoje projetado para como eu
quero me encontrar no futuro A vida tem sentido quando compreendo o seu significado e
encontro atraveacutes deste o direcionamento para seguir em frente
Tambeacutem eacute importante a distinccedilatildeo entre o que Heidegger (19272015) denomina de
ocircntico do que ele define como ontoloacutegico O ocircntico estaacute dado no mundo eacute referente ao ente
(objetos inanimados plantas animais que servem ao homem enquanto instrumentos ou tem
algum tipo de utilidade como tambeacutem o proacuteprio homem eacute tambeacutem um ente) O ontoloacutegico eacute
relativo ao ser remete aos aspectos constituintes do ser como por exemplo os que satildeo
denominados por Heidegger de existenciais (o cuidado a linguagem)
Outro aspecto que merece relevacircncia na ontologia heideggeriana eacute a utilizaccedilatildeo dos
hiacutefens com o intuito de unir palavras para assumirem um novo sugnificado Heidegger tinha o
objetivo de desvincular o significado das palavras do senso comum e atribuir uma nova forma
de compreensatildeo das mesmas Ser no mundo pode ser entendido como um ser que estaacute no
mundo ou dentro do mundo ser-no-mundo por sua vez revela uma ligaccedilatildeo indissociaacutevel uma
relaccedilatildeo diferente de estar contido no outro mas como unidade separada passando a significar
natildeo ser compreendido sem o outro de maneira isolada
A partir do ser-no-mundo abordaremos de forma breve alguns existenciais o ser-com
o cuidado o ser-para-a-morte a anguacutestia Estes existenciais foram escolhidos pela inspiraccedilatildeo
que trazem agrave temaacutetica do presente estudo Os profissionais de sauacutede rementem agrave ideia do
cuidado em relaccedilatildeo aos pacientes satildeo por vezes considerados profissionais do cuidado Vivem
cotidianamente presenciado a morte dos outros e tambeacutem se angustiam diante da realidade que
Vale sublinhar que para Heidegger haacute duas regiotildees distintas de entes [i] o
ente intramundano (o simplesmente dado) que tem como caraacuteter ontoloacutegico
as categorias (ldquodeixar e fazer todos verem o ente em seu serrdquo12) [ii] E o ente
ser-no-mundo (a presenccedila) que tem como caraacuteter ontoloacutegico os existenciais
Na primeira regiatildeo temos o ponto de vista naturalista dos entes e na segunda
o ponto de vista existencial (Ferreira 2010 p 112)
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vivenciam Uma realidade marcada pela relaccedilatildeo com tantos outros os bebecircs os familiares dos
pacientes os colegas de trabalho Enfim os outros que fazem parte do cotidiano destes
profissionais de sauacutede Ao longo do texto os existenciais propostos por Heidegger (1927 2015)
seratildeo apresentados em itaacutelico com o intuito de enfatizar estas palavras que ao se unirem
ganham outro sentido
O ser-aiacute como bem expressa o termo eacute um ser que existe no mundo O que natildeo significa
que o ser estaacute inserido no mundo ou dentro do mundo Ele existe no mundo em uma relaccedilatildeo
de co-pertencimento O termo ldquoaiacuterdquo natildeo se refere a um lugar especiacutefico e sim a uma abertura
ao entendimento do homem enquanto ser-para-fora Esta definiccedilatildeo por si soacute jaacute diz muita coisa
Primeiramente desconstroacutei a concepccedilatildeo do senso comum de que o ser aparece no mundo e
depois o mundo surge para o ser A dicotomia homemmundo se esvai assim como a noccedilatildeo do
cogito com a ceacutelebre frase ldquopenso logo existordquo se perde Porque primeiramente o ser existe
eacute pre-senccedila antes ateacute de se definir enquanto um ser pensante
Em segundo lugar por estar-no-mundo lanccedilado no mundo o ser-aiacute estaacute aberto ao
mundo e agraves possibilidades apresentadas no mesmo em um contexto histoacuterico especiacutefico no qual
estaacute imerso O ser existe aiacute eacute pre-senccedila no mundo em uma relaccedilatildeo de co-pertencimento Por
assim dizer ele nunca estaraacute completo pois a relaccedilatildeo permaneceraacute aiacute enquanto ele existir no
mundo O ser-aiacute nada mais eacute que o modo de ser do homem enquanto ser-no-mundo
Ao estar no mundo o ser-aiacute depara-se com a sua facticidade ou seja encontra-se em
um corpo diante de uma realidade constituiacuteda de valores histoacuteria cultura e mitos
caracteriacutesticos de uma determinada sociedade A facticidade natildeo pode ser confundida com a
() ser-no-mundo natildeo eacute uma ldquopropriedaderdquo que o ser-aiacute agraves vezes apresenta
e outras natildeo como se pudesse ser igualmente com ela ou sem ela O homem
natildeo ldquoeacuterdquo no sentido de ser e aleacutem disso ter uma relaccedilatildeo com o mundo o qual
por vezes lhe viesse a ser acrescentado (Heidegger 2015 pp 95-96)
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ideia de destino de determinaccedilatildeo do ser uma vez que pela condiccedilatildeo existencial de abertura o
ser-no-mundo realiza escolhas e busca o poder-ser a realizaccedilatildeo de projetos
O ser-aiacute tambeacutem eacute denominado de Dasein onde ldquoDardquo significa aiacute e ldquoSeinrdquo significa ser
existecircncia Dasein eacute uma palavra em alematildeo que define o ser que estaacute presente e aberto a
inuacutemeras possibilidades ldquoO Dasein eacute a proacutepria abertura de sentido na qual pode vir agrave luz o ser
dos entes que se datildeo ao seu encontrordquo (Saacute Matar amp Rodrigues 2006 p 113)
O Dasein existe no mundo e natildeo mais fora deste e ao estar no mundo projeta nele as
suas accedilotildees A existecircncia eacute portanto essencialmente projeto No mundo estatildeo os utensiacutelios
necessaacuterios agrave ocupaccedilatildeo do homem que eacute originariamente um ser-no-mundo um ser que se
ocupa no cuidar das coisas Ao estar-no-mundo o homem natildeo pode ser considerado como um
espectador que assiste ao grande espetaacuteculo da vida Ele estaacute envolvido com o mundo com os
seus desafios e vicissitudes E ao transformar o mundo transforma a si mesmo
O mundo a que Heidegger faz referecircncia natildeo se limita ao local fiacutesico e geograacutefico
envolve a cultura os costumes todos os fatores que constituem um mundo para o indiviacuteduo
enquanto morada Eacute a fonte de referecircncia o local de sobrevivecircncia estrutura de sentido
Partindo deste pressuposto eacute preciso compreender o ser-no-mundo para entender as suas
escolhas o seu modo de ser Alguns valores que direcionam as accedilotildees das pessoas que nascem
em uma cultura aacuterabe por exemplo satildeo distintos dos que predominam na cultura americana e
consequentemente os comportamentos sociais dos referidos indiviacuteduos aacuterabes ou americanos
Portanto o mundo para Heidegger eacute constituinte do Dasein
O trabalho de Heidegger mostra que o ser-no-mundo eacute a condiccedilatildeo primeira
para o entendimento do ser do homem As vicissitudes do ser-no-mundo satildeo
anteriores agraves elaboraccedilotildees teoacutericas quanto a um ponto de partida ou uma
caracteriacutestica definidora que norteie um percurso compreensivo Jaacute haacute uma
determinaccedilatildeo insuperaacutevel que todavia tende a se manter velada no
cotidiano a existecircncia como ser-no-mundo (Roehe Dutra 2014 p 107)
Mundo eacute o todo da constituiccedilatildeo ontoloacutegica Ele natildeo eacute apenas o todo da
natureza da convivecircncia histoacuterica do proacuteprio ser si-mesmo e das coisas de
uso Ao contraacuterio ele eacute a totalidade especiacutefica da multiplicidade ontoloacutegica
que eacute compreendida de maneira una no ser-com os outros no ser junto a e
no ser-si-mesmo (Heidegger 19872009 p328)
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Na mundanidade do mundo a presenccedila encontra-se em um mundo (ser-em) junto de
outros entes intramundanos (ser-junto) e com a copresenccedila (ser-com) A articulaccedilatildeo destes
existenciais eacute a estrutura fundamental e primordial da presenccedila na analiacutetica existencial
(Ferreira 2010 p113)
ldquoSendo o ser-em um existencial o ldquoemrdquo originalmente natildeo expressa uma relaccedilatildeo
espacial ldquoemrdquo deriva de innan- que significa morar habitar deter-se estar familiarizado a
habituado a estar junto-a Tambeacutem aqui ser-junto natildeo indica uma relaccedilatildeo de justaposiccedilatildeo
em que algo estaacute ldquoao lado derdquo ldquocolado ardquo Natildeo podemos pensar em um ente o Dasein junto
de outro ente o mundo da mesma maneira natildeo faz sentido pensarmos em um ente o homem
como uma coisa corporal dentro de um outro ente o mundo que o acomoda ou ainda um
ente a alma conjugada a outro ente o corpo Ser-junto ao mundo implica uma atitude de
empenhar-se no mundo de relacionar-se com ele buscando transformaacute-lo Dessa forma soacute o
Dasein pode ser-junto ao mundo (Leite 2013 p 188)
Heidegger (19272015) ao contemplar o conceito de ser-no-mundo afirma que este eacute
essencialmente um modo de ocupaccedilatildeo O Dasein eacute o uacutenico ser vivo que tem um mundo para
as coisas tudo eacute simplesmente dado Natildeo existe um mundo de sentido O ser-aiacute entretanto vive
ao lidar familiarmente na ocupaccedilatildeo com os entes ao realizar coisas produzir algo discutir
interrogar enfim todos os modos de se comportar os modos de ser-no-mundo
Em meio a esta totalidade do mundo estaacute presente o existencial de corporeidade
Heidegger aborda a corporeidade nos Seminaacuterio de Zollikon (1987 p 114) ldquoO corporar do
corpo [Leiben des Leibes] eacute assim um modo de ser do Da-seinrdquo O entendimento da
corporeidade enquanto existencial requer a compreensatildeo da perspectiva ontoloacutegica-existencial
do corpo natildeo limitando-se agrave visatildeo bioloacutegica do mesmo
Pela visatildeo bioloacutegica nos limitamos agrave visatildeo do corpo enquanto ele se apresenta para noacutes
como uma aparecircncia Ao refletir sobre a concepccedilatildeo da visatildeo bioloacutegica do corpo pensei no ser
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doente enquanto ser com possibilidades limitadas e que depende da assistecircncia do outro Como
seria a visatildeo do corpo do ser doente pelo profissional de sauacutede Agraves vezes alguns poderiam se
concentrar apenas no olhar para o corpo quase como uma maacutequina que precisa de conserto
Sem abranger o ser que habita este corpo
Agora imagine o profissional de sauacutede que trabalha em UTI Neonatal a visatildeo bioloacutegica
do corpo de um receacutem-nascido se restringe a um ser bem pequenino tantas vezes ocupando as
palmas de duas matildeos unidas A visatildeo bioloacutegica desse corpo remete a uma fragilidade imensa
agrave necessidade latente de assistecircncia e atenccedilatildeo aos miacutenimos detalhes para a sobrevivecircncia Um
corpo que natildeo fala pela boca mas que se expressa em pequenos movimentos e que pode gerar
compaixatildeo pelo simples fato de estar no mundo naquelas condiccedilotildees existenciais
Para tentarmos elucidar um pouco mais a compreensatildeo de Heidegger sobre a
corporeidade retomaremos o entendimento de Descartes acerca do corpo Entendimento que
ateacute hoje influencia na forma como compreendemos o mundo e as coisas que dele fazem parte
Para Descartes ldquoa extensatildeo em comprimento largura e altura constituem a natureza da
substacircncia corporal e o pensamento constitui a natureza da coisa que pensardquo a alma (Descartes
Princiacutepios I n 53 p 44)
Para Heidegger (1927 2015) a percepccedilatildeo dos nossos sentidos apenas informa sobre a
aparecircncia dos entes mas natildeo sobre a sua natureza Os sentidos ldquoanunciam meramente a
utilidade e a desvantagem das coisas intramundanas lsquoexternasrsquo para o ser humano dotado de
corporeidaderdquo (Heidegger p 146)
A compreensatildeo da corporeidade enquanto existencial vai muito aleacutem das informaccedilotildees
sensoriais Para Heidegger (1987 2009 p 127) ldquotodo comportamento do ser humano como
um ser-no-mundo eacute determinado pelo corporar do corpordquo
A corporeidade estaacute nos modos de ser da presenccedila na forma de se comportar de falar
de ouvir a expressatildeo dos sentimentos nos orientam no mundo enquanto um ser-corporal E o
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nosso corpo eacute a cada vez enquanto presenccedila como um ser de abertura Somente o ser-aiacute tem a
possibilidade de existir E existir eacute ldquoec-sistirrdquo ou seja existir eacute para fora de si Eacute ser abertura eacute
ser projeto ldquoDizer que o dasein eacute projeto eacute livraacute-lo de qualquer substancialidade como algo
dado que o determina previamente Uma aacutervore eacute mas natildeo existe ela eacute incapaz de perguntar
pelo seu proacuteprio ser Fechada em si a aacutervore natildeo sabe que eacute nem lhe eacute dado o encontro com
outros entesrdquo (Ferreiro 2010 Leite 2013 p 190)
Por assim dizer ao refletirmos sobre o profissional de sauacutede eacute importante
compreendermos as relaccedilotildees que estabelece no seu cotidiano de trabalho enquanto um espaccedilo
para expressar a sua corporeidade O ldquomundordquo da UTI Neonatal apresenta vaacuterias
caracteriacutesticas regras e padrotildees estabelecidos pela Instituiccedilatildeo E o ser-no-mundo de cada
profissional de sauacutede eacute uacutenico pois apesar de conviver no local de trabalho possue outras
ocupaccedilotildees na vida no sentido de modos de ser no mundo que o torna sigular Embora
universalmente se constitue como todos os daseins que satildeo em sua essecircncia cuidado cura
O dasein que estaacute presente no mundo com possibilidades de fazer escolhas eacute tambeacutem
um ser-com constituiacutedo na relaccedilatildeo com os outros Ainda que se encontre em uma situaccedilatildeo de
isolamento o ser-aiacute eacute um ser-com-os-outros e jamais se define de forma isolada Mesmo o
estar-soacute da pre-senccedila eacute ser-com no mundo A falta e a ausecircncia tambeacutem se configuram como
co-presenccedila O dasein se apresenta portanto por meio da co-existecircncia na condiccedilatildeo de estar
sempre com o outro (Heidegger 19272015)
Numa primeira aproximaccedilatildeo e na maior parte das vezes a presenccedila se
estende a partir de seu mundo e a copresenccedila dos outros vem ao encontro
das mais diversas formas a partir do que estaacute agrave matildeo dentro do mundo Mas
mesmo quando a presenccedila dos outros se torna por assim dizer temaacutetica
eles natildeo chegam ao encontro como pessoas simplesmente dadas Noacutes as
encontramos por exemplo ldquojunto ao trabalhordquo o que significa
primordialmente em seu ser-no-mundo (Heidegger 2015 p 176)
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Junto ao trabalho o ser-com se configura em meio a relaccedilatildeo com os outros Na realidade
de uma UTI Neonatal os outros se apresentam como colegas de trabalho que constituem uma
equipe multidisciplinar bem como os pais dos bebecircs que participam do processo de tratamento
dos receacutem-nascidos O ser profissional de sauacutede convive no seu cotidiano com o ser-doente E
o ser-doente se caracteriza por estar com possibilidades limitadas Da mesmo forma os pais do
receacutem-nascido tambeacutem estatildeo diante de uma realidade com restriccedilotildees Em meio agraves frustraccedilotildees
de natildeo levar o bebecirc para casa e de vecirc-lo em uma situaccedilatildeo de tamanha fragilidade Eles estatildeo
juntos com o seu bebecirc que se encontra no limite entre a vida e a morte ao mesmo tempo em
que precisam se ausentar das suas ocupaccedilotildees e compromissos As suas possibilidades se
restrigem e se concentram nas expectativas de deixar o hospital com o filho nos braccedilos
O receacutem-nascido enquanto ser-no-mundo se constitui enquanto ser-com O dasein
existe desde o seu nascimento ateacute a morte Estes satildeo os limites da existecircncia A partir do
momento em que eacute pre-senccedila se configura em meio agrave co-presenccedila dos outros ldquoO mundo da
presenccedila eacute mundo compartilhadordquo (Heidegger 2015 p 175) Ao considerarmos os limites da
existecircncia e refletirmos sobre o receacutem-nascido enquanto ser-no-mundo tambeacutem
desmistificamos a maacutexima cartesiana do ldquopenso logo existordquo A existecircncia vem antes do
pensamento entendido pelos outros O bebecirc eacute de fato ser-no-mundo e a sua pre-senccedila tem um
impacto significativo nas vidas dos outros Ela por si soacute transforma a existecircncia de outros
Daseins
O encontro com os outros natildeo se daacute numa apreensatildeo preacutevia em que um sujeito
de iniacutecio jaacute simplesmente dado se distingue dos demais sujeitos nem numa visatildeo
primeira de si onde entatildeo se estabelece o referencial da diferenccedila Eles veem ao
encontro a partir do mundo em que a presenccedila se manteacutem de modo essencial
empenhada em ocupaccedilotildees guiadas por uma circunvisatildeo Em oposiccedilatildeo aos
ldquoesclarecimentosrdquo teoacutericos que facilmente se impotildee sobre o ser simplesmente
dado dos outros deve-se ater ao teor fenomenal demonstrado de seu encontro no
mundo circundante (Heidegger 2015 p 175)
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Heidegger (19272015) utiliza o termo alematildeo Sorge com o significado de cura que
tambeacutem pode ser definido como cuidado O cuidado eacute a proacutepria abertura que constitui o dasein
Eacute uma denominaccedilatildeo usada com o intuito de expressar a caracteriacutestica ontoloacutegica do dasein de
se estruturar atraveacutes do fenocircmeno da cura de sempre estar referido a outro ente O ser humano
eacute um ser de cuidado uma vez que cuidar eacute ao mesmo tempo origem (ser lanccedilado) e condiccedilatildeo
do ser (projetar agir) ldquoPorque em sua essecircncia o ser-no-mundo eacute cura pode-se compreender
nas anaacutelises precedentes o ser junto ao manual como ocupaccedilatildeo e o ser como co-presenccedila dos
outros nos encontros dentro do mundo como preocupaccedilatildeo (Heidegger 19272015 p260)
O cuidado pode se expressar atraveacutes de dois tipos de relaccedilatildeo a de ocupaccedilatildeo e a de
preocupaccedilatildeo A ocupaccedilatildeo eacute caracterizada pela relaccedilatildeo de manualidade com os entes os quais
apresentam o seu ser jaacute previamente determinado como os objetos Jaacute a preocupaccedilatildeo envolve
as relaccedilotildees com os outros daseins com os outros seres indeterminados inclusive consigo
mesmo (Heidegger 1927 2015)
O modo de cuidado da preocupaccedilatildeo enquanto forma de ser com o outro pode se
manifestar de duas formas o substitutivo e o antepositivo A primeira forma refere-se ao
cuidado que faz tudo pelo outro tornando-o dependente A segunda convida o outro a voltar-
se para si mesmo abrindo-se para novas possibilidades para a realizaccedilatildeo de suas proacuteprias
escolhas tornando-se assim livre Esta segunda forma de cuidado eacute definida por Heidegger
(1981) como o autecircntico cuidar ou solicitude Vale salientar que as denominaccedilotildees de cuidado
como substitutivo e antepositivo natildeo apresentam superioridade ou julgamento de valor Ambas
existem e devem existir no ser-com
O cuidado de uma matildee com o filho muitas vezes requer a tomada de decisatildeo a atitude
que evita o perigo Mas a mesma matildee deve entender o cuidado antepositivo quando ajuda o
seu filho a fazer as suas proacuteprias escolhas em relaccedilatildeo a sua vida A sabedoria estaacute em fornecer
o cuidado substitutivo ou antepositivo quando assim for necessaacuterio Natildeo caberia a uma matildee
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oferecer um cuidado antepositivo para um filho pequeno e doente Nem tatildeo pouco um
substitutivo para um filho adulto no momento em que precisa fazer escolhas quanto a sua
profissatildeo por exemplo
Mas dentro da impessoalidade eacute possiacutevel que a relaccedilatildeo com o outro se decirc na ordem da
utilidade da indiferenccedila ou seja pode ocorrer de modo deficiente caracterizando a relaccedilatildeo
com o outro como um ser simplesmente dado Eacute o tipo de cuidado voltado para objetos que
torna o outro algo que pode ser substituiacutedo
No proacuteximo capiacutetulo abriremos um espaccedilo para discutir sobre o cuidado nos hospitais
em meio ao modelo da racionalidade meacutedica O cuidado tornou-se uma palavra amplamente
utilizada pelos profissionais de sauacutede como tambeacutem o termo assistecircncia A partir da ontologia
do cuidado de Heidegger muitas reflexotildees podem ser geradas em relaccedilatildeo a forma de lidar com
o ser-doente inclusive diante da possibilidade da morte do outro
Imerso no mundo o homem pode fazer escolhas dentre vaacuterias possibilidades Pode se
dedicar a esta ou aquela profissatildeo optar por ter muitos filhos ou natildeo ter nenhum por dedicar a
vida ao estudo ao trabalho ou a ajudar ao proacuteximo Entretanto entre muitas possibilidades
existe uma da qual o homem natildeo pode escapar a morte O homem pode fazer vaacuterias escolhas
mas natildeo pode deixar de morrer E ao morrer natildeo mais existe no mundo A morte por assim
dizer faz com que todas as outras possibilidades deixem de existir Com a morte natildeo haacute mais
projetos a realizar Ela encerra o inacabado
O ser-no-mundo que eacute ser-com-os-outros caminha para o fim ou seja eacute
intrinsecamente desde o princiacutepio um ser-para-a-morte Mas durante a sua vida deixa-se
envolver com as ocupaccedilotildees do mundo o que Heidegger (19272015) denomina de existecircncia
inautecircntica A reflexatildeo sobre a sua finitude leva o homem a uma existecircncia autecircntica ao pensar
sobre o sentido do seu ser dos seus projetos
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A morte eacute uma possibilidade que encerra todas as outras E enquanto o dasein existe
jaacute eacute destinado para o fim Eacute um fenocircmeno intriacutenseco agrave vida que lhe impotildee o limite Eacute a
possibilidade mais proacutepria e insuperaacutevel de natildeo mais existir de natildeo mais estar presente no
mundo (Heidegger 19272015)
A experiecircncia da morte tambeacutem eacute singular Soacute podendo ser vivenciada por cada
indiviacuteduo Mas sendo essencialmente ser-com-os-outros sentimos a morte do outro como uma
perda A morte do outro se concretiza de maneira objetivamente acessiacutevel em nossas vidas
Sentimos falta da presenccedila do outro Embora mesmo apoacutes a morte os cuidados com o morto
natildeo o torna um ser simplesmente dado como um objeto Os cuidados com o morto demonstram
uma preocupaccedilatildeo reverencial e natildeo apenas uma ocupaccedilatildeo com o corpo A morte do outro nos
lembra que a morte existe e pode nos levar a refletir sobre a nossa proacutepria morte
De acordo com Heidegger (2015 p 313) ldquo Em sentido genuiacuteno natildeo fazemos a
experiecircncia da morte dos outros Estamos apenas juntordquo Esta afirmaccedilatildeo do referido autor
merece algumas consideraccedilotildees Primeiramente a expressatildeo ldquoestar juntordquo se refere a uma troca
de sentimentos possiacutevel entre os daseins Como pontua Ferreira (2010 p112) ldquoA cadeira estaacute
junto da parede mas ela natildeo estaacute com a parede porque ela natildeo toca e natildeo eacute tocada pela parede
Ao contraacuterio para ela eacute indiferente estar junto da parede ou da mesa Jaacute o estar junto do ser-no-
mundo eacute diferente do estar junto do ente intramundano pois quando ele estaacute junto da parede eacute
tocado ao mesmo tempo em que toca Somente o ente constituiacutedo pela abertura preacutevia do ser-
em pode tocar e ser tocadordquo
Em segundo lugar o fato de ldquonatildeo fazermos a experiecircncia da morte dos outrosrdquo significa
que natildeo podemos morrer pelo outro Mesmo que ofereccedilamos a nossa vida no lugar da de outra
pessoa esta atitude pode ser entendida como sacrifiacutecio jamais como experienciar a morte do
outro A morte eacute um fenocircmeno singular assim como o nascimento e todas as experiecircncias
vividas e interpretadas por cada ser-no-mundo
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Conhecemos a morte como algo que ocorre com o outro mas distante da realidade
proacutepria como afirma Heidegger (2015 p 331) ldquoa explicaccedilatildeo do ser-para-a-morte no cotidiano
deteve-se na falaccedilatildeo do impessoal algum dia se morre mas por hora ainda natildeordquo Vive-se com
a certeza da morte embora esta certeza eacute tida como uma verdade distante para a qual se foge
com o mergulho na impessoalidade
Ao longo da trajetoacuteria de vida as perdas podem ser sentidas de diferentes formas que
deixam marcas resignificam a vida mas natildeo mudam de condiccedilatildeo ou significado satildeo perdas
Grandes e pequenas mortes com as quais precisamos aprender a lidar no cotidiano a conviver
com a ausecircncia
E da mesma forma que na contemporaneidade fugimos da morte tentamos evitar ao
maacuteximo pensar na morte dos outros e na nossa proacutepria morte e mascaramos o luto noacutes tambeacutem
fugimos das perdas escondemos os fracassos encobrimos as falhas buscamos culpados para a
natildeo-realizaccedilatildeo dos desejos e sonhos nos concentramos em outras demandas para natildeo olhar para
o que perdemos Caiacutemos na impessoalidade e ficamos na superfiacutecie das histoacuterias das relaccedilotildees
das atividades cotidianas Tomamos piacutelulas para emagrecer remeacutedios para esquecer das dores
para dormir o sono que evita a culpa
As perdas demonstram que natildeo temos o controle sobre o mundo e tambeacutem indicam que
somos seres em deacutebito Sempre que escolhemos algo abrimos matildeo de outras possibilidades o
tempo inteiro Estamos em deacutebito com o que natildeo escolhemos e diante de decisotildees muito
importantes para a nossa vida o nosso deacutebito torna-se ainda maior conosco E esta diacutevida vai
sendo cobrada ao longo da existecircncia ateacute a finitude quando deixamos a condiccedilatildeo de ser-no-
mundo (Heidegger 19272015)
Ter consciecircncia de ser algueacutem em deacutebito nos torna mais reflexivos quanto agraves escolhas
que realizamos Tantas vezes o sim para o mundo pode ser o natildeo para si proacuteprio E a dor da
sequecircncia de perdas pode levar ao adoecimento e agrave perda de sentido da vida
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A consciecircncia da finitude faz parte da histoacuteria da humanidade e sempre interferiu na sua
existecircncia Desde o iniacutecio apresenta-se como uma certeza sem resposta mas pautada em
explicaccedilotildees as mais diversas tanto de filoacutesofos como de religiosos que ao longo dos seacuteculos
influenciaram na maneira como o homem vivencia a experiecircncia da morte do outro e tambeacutem
na forma como encara a proacutepria morte
Seja um castigo ou fonte de expiaccedilatildeo dos pecados Seja o fim da existecircncia ou um novo
comeccedilo a morte continuaraacute na verdade como presenccedila como uma possibilidade certa na nossa
existecircncia um marco divisoacuterio entre estar-no-mundo e deixar de ser-no-mundo
O viver para a morte constitui o sentido autecircntico da existecircncia E esta experiecircncia de
refletir sobre a existecircncia se torna possiacutevel por meio da anguacutestia Outro existencial definido
por Heidegger (19272015) que revela ao homem a presenccedila do nada a sua finitude A anguacutestia
natildeo pode ser confundida com o medo direcionado a um determinado objeto Ela eacute uma abertura
para o nada para o fim das possibilidades que se daacute com a morte E no meio das ocupaccedilotildees
do mundo o homem se exime de viver esta experiecircncia que o incomoda
A anguacutestia incomoda pois nos fornece um sinal de alerta um despertar para a existecircncia
e para o nada o fim da mesma A experiecircncia da anguacutestia desperta a condiccedilatildeo do ser-para-a-
morte como algo inerente ao homem e da morte como destino dos que vivem Um destino
certo para ocorrecircncia e incerto quanto ao tempo A anguacutestia eacute portanto algo necessaacuterio agrave vida
como um dote do nosso estar-aiacute (Boss 1981)
Cada anguacutestia humana tem um de que do qual ela tem medo e um pelo que
pelo qual ela temeO do que de cada anguacutestia eacute sempre um ataque lesivo agrave
possibilidade de estar aiacute (dasein) humano No fundo cada anguacutestia teme a
extinccedilatildeo deste ou seja a possibilidade de um dia natildeo mais estar aqui O pelo
que da anguacutestia humana eacute por isto o proacuteprio estar-aiacute na medida em que ela
se preocupa e zela soacute pela duraccedilatildeo deste Por isso as pessoas que mais temem
a morte satildeo sempre as mesmas que mais tecircm medo da vida pois eacute sempre o
viver da vida que desgasta e potildee em perigo o estar aiacute (Boss 1981 p26)
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A anguacutestia se angustia com o ser-no-mundo com a condiccedilatildeo de desamparo que o ser se
encontra O desamparo observado nas incertezas na sensaccedilatildeo de incompletude nas
inseguranccedilas do cotidiano Inseguranccedilas mascaradas no apego agraves coisas mundanas como uma
forma de se situar no mundo de criar raiacutezes e de aparentemente se estabilizar O desamparo eacute
portanto inerente ao ser-no-mundo E talvez para natildeo pensar neste desamparo a reflexatildeo
sobre a proacutepria morte seja evitada
Entretanto morte e vida estatildeo interligadas fim e comeccedilo se entrelaccedilam E na perspectiva
do sentido natildeo vivemos um tempo somos tempo O tempo da vida do ser-aiacute que natildeo pode ser
medido por horas e minutos Pode apenas ser vivido enquanto lhe eacute permitido E esta
consciecircncia faz da permissatildeo a melhor das daacutedivas Permitir-se viver da forma mais autecircntica
torna-se mais valioso quando se sabe que esta possibilidade eacute finita Parece que se valoriza mais
o que se pode perder
O tempo eacute outra temaacutetica importante abordada por Heidegger no livro Ser e Tempo
(19272015) A noccedilatildeo de temporalidade humana da vida atual e cotidiana eacute distinta da pensada
pelo referido autor Talvez por vermos o tempo como a contagem de horas reduzidas a minutos
e segundos julgamos que a morte da crianccedila eacute mais sofrida que a do adulto que por sua vez
eacute mais dolorida que a do anciatildeo Acreditamos que o anciatildeo teve tempo de cumprir a sua missatildeo
Aquilo com que a anguacutestia se angustia eacute o nada que natildeo se revela ldquoem parte
algumardquo Fenomenalmente a impertinecircncia do nada e do em parte alguma
intramundanos significa que a anguacutestia se angustia com o mundo como tal
[hellip] O nada da manualidade funda-se em ldquoalgordquo mais originaacuterio isto eacute no
mundo Do ponto de vista ontoloacutegico poreacutem ele pertence essencialmente ao
ser do Dasein como ser-no-mundo Se portanto o nada ou seja o mundo
como tal se apresenta como aquilo com que a anguacutestia se angustia isso
significa que a anguacutestia se angustia com o proacuteprio ser-no-mundo
(Heidegger 19272015 pp 253)
61
de viver muitas experiecircncias mas o tempo contado em horas e minutos o tempo cronoloacutegico
natildeo eacute condiccedilatildeo imprescindiacutevel para o bem viver para que ldquoa missatildeo seja concluiacutedardquo
Ao falarmos sobre a histoacuteria de vida pensamos como uma sequecircncia de acontecimentos
uma linha de tempo linear entre passado presente e futuro Mas o ser-aiacute natildeo preenche as fases
de um trajeto A sua existecircncia eacute prolongar-se sobre si mesmo desdobrar-se para fora Ele natildeo
cumpre uma sequecircncia de eventos no tempo como algo determinado A existecircncia eacute tempo e
natildeo uma soma de unidades de horas minutos e segundos (Heidegger 19272015)
Quando a vida eacute contada como uma soma de unidades de tempo a morte de bebecircs e
crianccedilas se apresenta como uma ruptura da ldquoordem natural das coisasrdquo nas quais os pais vatildeo
antes Mas a morte pode chegar ldquocedordquo no seio da esperanccedila de uma nova vida Vem como um
vento forte que leva uma semente e junto com ela todos os projetos que jaacute germinaram A
morte de um receacutem-nascido pode gerar comoccedilatildeo pelo natildeo vivido pela falta do que natildeo veio e
era tatildeo esperado E a comoccedilatildeo se amplia dos pais e familiares para todos os envolvidos com o
iniacutecio de uma histoacuteria interrompida
Existem crianccedilas que vivem de forma muito mais intensa que adultos dedicados agrave
impessoalidade do mundo Por assim dizer ldquoo tempo deixa de ser uma sucessatildeo de minutos
simplesmente dados e se torna o tempo especiacutefico da singularidade de maneira que o ser-aiacute
singular se torna o seu proacuteprio tempoe passa a ser o lsquoespaccedilorsquo da temporalizaccedilatildeo do mundordquo
(Costa 2015 p 79)
A vivecircncia da dor do sofrimento da sabedoria da alegria e da compaixatildeo natildeo pode ser
medida pelo tempo cronoloacutegico E sim contemplada na narrativa das experiecircncias singulares
de cada ser humano Que ao narrar a sua histoacuteria resignifica o passado reflete sobre o presente
e projeta-se para o futuro (Dutra 2002)
Com relaccedilatildeo agrave compreensatildeo do homem enquanto ser histoacuterico eacute importante salientar
que Heidegger diferencia duas palavras para o termo histoacuteria Historie e Geschitchte A
62
primeira eacute referente ao estudo dos acontecimentos passados enquanto ciecircncia que investiga
fatos O termo Geschichte entretanto faz referencia agrave histoacuteria enquanto o proacuteprio acontecer
remetendo agrave ideia de historicidade do ser-no-mundo (Tonin 2015)
A existecircncia eacute sempre biograacutefica Considerar a historicidade do dasein eacute fundamental
portanto para a compreensatildeo do ser-no-mundo Com este intuito o proacuteximo abordaremos a
temaacutetica da era da teacutecnica apresentando a preocupaccedilatildeo de Heidegger com o dasein diante da
sociedade moderna caracterizada pelos dos avanccedilos tecnoloacutegicos pela velocidade na difusatildeo
de informaccedilotildees e pela fuga de pensamentos
Ao abordar a temaacutetica em ldquoA questatildeo da teacutecnicardquo Heidegger (2007) nos leva a uma
importante reflexatildeo sobre existir no mundo da modernidade A teacutecnica que seraacute colocada em
ecircnfase aqui natildeo se restringe ao uso de instrumentos ou ateacute mesmo ao domiacutenio do conhecimento
para utilizaacute-los Mas sim ao modo de ser do homem na modernidade ao espiacuterito presente em
uma eacutepoca
Para compreendermos melhor as afirmaccedilotildees expostas recorremos a uma comparaccedilatildeo
dos modos de produccedilatildeo agriacutecola feita pelo referido autor Com o intuito de ampliar a produccedilatildeo
armazenar insumos estocar comida o homem faz uso de teacutecnicas inovadoras de plantio utiliza
produtos que ampliam as colheitas que antecipam o amadurecimento de frutos ou a sua melhor
conservaccedilatildeo A teacutecnica eacute utilizada para a obtenccedilatildeo de uma maior produccedilatildeo que vai muito aleacutem
da necessidade de subsistecircncia
Entretanto para um semedor que acompanha o movimento da natureza cultivar consiste
em plantar a semente e aguardar o seu desabrochar naturalmente em seu tempo Assim a
semente prospera e cresce sem o controle do homem que acompanha cultiva e colhe os seus
A pergunta sobre o ser eacute ela mesma uma pergunta histoacuterica e que se faz na
histoacuteria O circulo ontoloacutegico eacute tambeacutem um circulo histoacuterico a compreensatildeo
preacutevia do Dasein uma vez liberada igualmente libera o fundo da histoacuteria
(Nunes 2012 p151)
63
frutos Eis aiacute o que Heidegger (1927 2015) denomina de desvelar-se de ldquodeixar vir agrave
presenccedilardquo rememorando o conceito grego de Aletheia a verdade enquanto desvelamento E
este desvelamento pode ser comparado a uma clareira em meio a uma floresta
O ser-no-mundo se apresenta portanto como desvelamento e ocultamento Assim ele
se relaciona consigo e com os outros daseins Os objetos entretanto se apresentam na clareira
satildeo simplesmente dados e ganham significado na medida em que satildeo utilizados Ainda
retomando os gregos Heidegger tambeacutem faz referecircncia agrave palavra teacutechne ao se referir agrave arte agrave
manufatura desvelada pelo artista (denominado de techinite)
Para Heidegger a diferenccedila entre a teacutecnica e a teacutechne estaacute no modo de desvelamento
Com o uso da teacutecnica o desvelamento se daacute pela produccedilatildeo a partir de uma postura de
provocaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave natureza ao mesmo tempo em que prima pelo controle dos processos
e resultados Na teacutechne o objetivo eacute de deixar-acontecer aceitando os limites sem impor
desafios O desvelamento se daacute no descobrimento de algo naturalmente (Feijoo 2004)
Considerando estas duas formas de cultivo da terra marcadas provocaccedilatildeo ou pela
postura de deixar-acontecer voltamos a refletir sobre as diferentes maneiras de pensar do
homem Na sua obra denominada ldquoSerenidaderdquo (1959) Heidegger apresenta duas modalidades
de pensamento calculante e meditante tambeacutem denominados de pensamento que calcula e
No comeccedilo do destino do Ocidente na Greacutecia as artes elevaram-se agraves maiores
alturas do desabrigar a elas consentidas Elas permitiram que a presenccedila dos
deuses e o diaacutelogo entre o destino humano e o destino divino brilhassemEla
era um singular e muacuteltiplo desabrigar As artes natildeo decorriam do artiacutestico As
obras de arte natildeo eram fruiacutedas esteticamente A arte natildeo era um setor da
produccedilatildeo cultural O que era a arte Era talvez arte somente por breves tempos
Ela era um desabrigar que levava e punha agrave luzhellip (Heidegger 2007 p 395)
Nas regiotildees cobertas por aacutervores a luz natildeo chega e o que estaacute nessa regiatildeo
fica oculto Na regiatildeo clara (clareira) as coisas satildeo manifestadas A partir
dessa imagem podemos pensar os entes como aquilo que aparece na
clareira Para se pensar o ser entretanto temos que incluir tambeacutem a
ocultaccedilatildeo originaacuteria (Evangelista 2010 p5)
64
reflexatildeo O pensamento que calcula esta voltado para o controle de tudo a sua volta Para o
domiacutenio do conhecimento como um desafio assumindo um comportamento de provocaccedilatildeo
diante da natureza Caracteriza-se pela investigaccedilatildeo pela mensuraccedilatildeo ldquoO pensamento que
calcula faz caacutelculos Faz caacutelculos com possibilidades continuamente novas sempre com
maiores perspectivas e simultaneamente mais econocircmicas O pensamento que calcula corre de
oportunidade em oportunidade O pensamento que calcula nunca para nunca chega a meditarrdquo
(Heidegger 1959 p 13)
Em contrapartida o pensamento meditante propotildee uma reflexatildeo sobre o sentido da
existecircncia Meditar envolve uma postura de parar diante das coisas e refletir sobre o que nos
estaacute mais proacuteximo ldquoO pensamento que medita exige de noacutes que natildeo fiquemos unilateralmente
presos a uma representaccedilatildeo que natildeo continuemos a correr em sentido uacutenico na direccedilatildeo de uma
representaccedilatildeo O pensamento que medita exige que nos ocupemos daquilo que agrave primeira vista
parece inconciliaacutevelrdquo (Heidegger 1959 p 23)
A reflexatildeo faz parte da existecircncia do homem mas exige deste um grande esforccedilo que
pode ser depreendido por qualquer pessoa cada qual dentro dos seus limites ldquoBasta
demorarmo-nos junto ao que estaacute perto e meditarmos sobre o que estaacute mais proacuteximo aquilo
que diz respeito a cada um de noacutes aqui e agorardquo (Heidegger 1959 p14)
Estamos em uma era marcada pela velocidade das informaccedilotildees Em que os
acontecimentos satildeo rapidamente divulgados para milhotildees de pessoas As novidades percorrem
diversos canais publicitaacuterios aparecendo na miacutedia como novas soluccedilotildees para os problemas
cotidianos Heidegger (1959) nos alerta que apesar de estarmos imersos em um mundo com
novos aparatos teacutecnicos e muitas informaccedilotildees eacute preciso distinguir entre simplesmente ouvir ou
ler algo isto eacute tomar conhecimento no sentido de ser informado sobre algo e realmente
adquirir o conhecimento ou seja refletir sobre o que foi ouvido e lido
65
O problema da teacutecnica natildeo estaacute no fato da utilizaccedilatildeo de equipamentos e aparatos
tecnoloacutegicos mas sim na forma como lidar com os mesmos Trata-se de uma reflexatildeo sobre o
pensamento no mundo moderno onde a teacutecnica de produccedilatildeo eacute importante mas natildeo pode
predominar sobre a vida do homem que deve fazer uso da teacutecnica sem assumir uma postura
de aceitaccedilatildeo incondicional de rejeiccedilatildeo nem tatildeo pouco de alienaccedilatildeo
O homem natildeo pode ficar escravo da teacutecnica dos equipamentos que utiliza no seu
cotidiano Devendo assumir uma postura de serenidade diante das coisas ao ponto de utilizaacute-
las quando achar necessaacuterio e deixar de usaacute-las quando desejar Esta postura de serenidade no
leva a utilizar o nosso conhecimento teacutecnico a nosso favor evitando assim a alienaccedilatildeo ou a
dependecircncia
Ao refletirmos sobre a atuaccedilatildeo do profissional de sauacutede eacute preciso salientar que
atualmente diante do modelo biomeacutedico os profissionais se encontram envoltos em aparatos e
novas tecnologias precisando dominaacute-las amplamente Mas e quando o conhecimento teacutecnico
natildeo eacute suficiente Quando os equipamentos natildeo fornecem as respostas necessaacuterias ou mesmo as
almejadas A teacutecnica natildeo iraacute fornecer todas as respostas Ela existe para servir ao homem e natildeo
para limitaacute-lo enquanto profissional que oferece assistecircncia em sauacutede que precisa desenvolver
o pensamento meditante continuamente diante de quem estaacute mais proacuteximo
Buscar compreender o outro os seus anseios e o que efetivamente importa para ele satildeo
preocupaccedilotildees que fazem suscitar os problemas ditos eacuteticos nos hospitais Assim como as
decisotildees quanto agrave realizaccedilatildeo de procedimentos considerados inviaacuteveis a ocorrecircncia de eventos
adversos ou mesmo da morte devido a erros no tratamento as dificuldades para explicar aos
familiares os fatos ocorridos dentre outras situaccedilotildees que se apresentam no cotidiano de
trabalho Estes satildeo aspectos que merecem uma reflexatildeo sobre cada situaccedilatildeo em particular e a
respeito do sentido da experiecircncia para o profissional de sauacutede
66
Quando o homem se esconde atraacutes da teacutecnica e natildeo busca refletir sobre as suas accedilotildees
acaba deixando de lado o que tem de mais valioso a sua capacidade de meditar de refletir Eacute
esta capacidade que o direciona para novas escolhas novos modos de ser-no-mundo
67
Capiacutetulo 3 O profissional de Sauacutede
ldquoA Criaccedilatildeo da Humanidade e sua quedardquo Michelangelo 1512
68
Capiacutetulo 3 O profissional de Sauacutede
O presente capiacutetulo contempla aspectos referentes aos profissionais de sauacutede agraves
dificuldades enfrentadas ao ambiente hospitalar ao contexto da maternidade e em particular
da UTI Neonatal Inicialmente seraacute feita uma retrospectiva quanto ao ambiente de trabalho o
hospital o local destinado ao envio de doentes
O cuidador
Tanta palavra
Tanto trabalho
Tanto diagnoacutestico Avassalador
Tanta cultura
Entre a dor e a cura
Tanta procura
Pelo fim da dor
Tanta rotina
Tanto medicamento
Tanto equipamento De alto valor
Tanta tecnologia
Envolvendo tanta gente
E nada disso
Aparentemente
Eacute suficiente
Para garantir
Verdadeiramente
Um cuidador
Dr Luiz Alberto Mussa Tavares Poemas para Almas
Apressadas 2017
69
A palavra hospital vem do latim hospitalis que significa o que hospeda ou daacute agasalho
Nos dias de hoje o hospital eacute compreendido como uma instituiccedilatildeo destinada ao tratamento e
cura de doentes e feridos Mas nem sempre o hospital foi associado agrave ideia de cura (Pitta
2003)
Os primeiros hospitais foram construiacutedos entre 369-372 na Capadoacutecia e em Roma Eram
locais de dor e de morte Em 542 foram construiacutedos dois hospitais na Franccedila o Hocirctel Dieu de
Lyon e o Hocirctel Dieu de Paris O primeiro hospital da Inglaterra St John foi inaugurado em
1084 ainda com as mesmas caracteriacutesticas dos demais destinados a receber os doentes com
condiccedilotildees extremamente precaacuterias para o acolhimento Assim desde o seu iniacutecio os hospitais
eram associados agrave morte locais temidos para os vivos e destinados aos enfermos que natildeo tinham
outra possibilidade de acolhimento (Zaidhaft 1990)
O surgimento do hospital como local voltado para praacuteticas terapecircuticas eacute relativamente
recente datado do final do seacuteculo XVIII quando Howard um filantropo inglecircs desenvolveu
um primeiro estudo denunciando as condiccedilotildees de trabalho hospitalar No mesmo periacuteodo (1775-
1780) a Academia de Ciecircncias da Franccedila designou um meacutedico chamado Tenon para percorrer
hospitais na Europa e elaborar um relatoacuterio examinando os fluxos de trabalho denunciando as
condiccedilotildees de maus tratos enfim relatando o cotidiano hospitalar e contribuindo assim para
gerar reflexotildees sobre a suas funccedilotildees terapecircuticas (Pitta 2003)
Naquela eacutepoca os hospitais devido agraves condiccedilotildees de higiene geravam no seu interior
surtos epidecircmicos dizimadores Eram locais relegados agrave morte de doentes Como bem retrata
Foucault (1981 p 102) ldquo o personagem ideal do hospital ateacute o seacuteculo XVIII natildeo eacute o doente
que eacute preciso curar mas o pobre que estaacute morrendo Eacute algueacutem a que se deve dar os uacuteltimos
cuidados e o uacuteltimo sacramento Esta eacute a funccedilatildeo essencial do hospital Dizia-se correntemente
nesta eacutepoca que o hospital era um morredouro um lugar de morrer E o pessoal hospitalar natildeo
era fundamentalmente destinado a realizar a cura do doente mas conseguir a sua proacutepria
70
salvaccedilatildeo Era um pessoal caritativo ndash religioso ou leigo ndash que estava no hospital para fazer uma
obra de caridade que lhe assegurasse a salvaccedilatildeo eternardquo
De forma semelhante no seacuteculo XIX os hospitais existiam na sociedade para atenderem
aos dependentes e necessitados Para agravequeles que natildeo tinham assistecircncia em seus proacuteprios
domiciacutelios O hospital era associado a ideia de abandono e desemparo um local destinado a
acolher doentes sem outra alternativa de cuidados Neste sentido natildeo era um local destinado a
matildees e bebecircs Uma mulher que aceitasse dar agrave luz em um hospital puacuteblico deveria ser
extremamente pobre com problemas mentais ou vivendo na prostituiccedilatildeo e certamente sem
apoio de amigos e familiares Era comum dar agrave luz em casa com o auxiacutelio da parteira e o apoio
dos familiares (Pitta 2003 Ungerer amp Miranda 1999)
As matildees que davam agrave luz em hospitais permaneciam com as crianccedilas aos peacutes do seu
leito Natildeo havendo um local especiacutefico para os bebecircs A origem do primeiro berccedilaacuterio data de
1893 em Paris na Maison drsquoAccouchements da Boulevard de PortRoyal A sua criaccedilatildeo eacute
atribuiacuteda agrave enfermeira chefe da Casa de Partos Mme Henry que tinha como objetivo atender
crianccedilas prematuras consideradas muito fracas ldquoNesse local Mme Henry utilizava uma
geringonccedila criada por Steacutephane Etienne Tarnier para aquecer os bebecircs que chegavam muito
frios Esse aparelho baseado na chocadeira de ovos ganhou o nome de ldquocouveuserdquo ou em
portuguecircs incubadorardquo (Ungerer amp Miranda 1999 p6)
Cerca de dois anos depois Pierre Budin um importante obstetra francecircs passou a dar
continuidade ao atendimento de bebecircs chamando a atenccedilatildeo para faotores como o controle da
temperatura a alimentaccedilatildeo a higiene a presenccedila e o carinho das matildees Tais aspectos passaram
a ser considerados por ele como fundamentais para a sauacutede dos receacutem-nascidos e para a
diminuiccedilatildeo da mortalidade dos bebecircs (Ungerer amp Miranda 1999)
Com o progresso da medicina as preocupaccedilotildees com a assientecircncia aos bebecircs se
ampliaram Com a ampliaccedilatildeo das teacutecnicas voltadas para cura os hospitais passaram a ser
71
referecircncia de atendimento para puacuteblico diverso inclusive para o parto Essa nova forma de
atendimento aos pacientes os afastava dos cuidados dos familiares inclusive os receacutem-nascidos
que ficavam distantes das matildees nos berccedilaacuterios
Essa nova forma de atender aos enfermos os retirava de seus lares e de perto de seus
familiares e ateacute mesmo os receacutem-nascidos deveriam ficar longe de suas matildees confinados em
berccedilaacuterios ateacute o momento da alta com o o bjetivo de evitar qualquer tipo de infecccedilatildeo Entretanto
ao final da deacutecada de 1940 pesquisadores comeccedilaram a observar que a separaccedilatildeo matildee-filho
logo apoacutes o nascimento natildeo era positiva para a crianccedila nem como tambeacutem para o
estabelecimento de viacutenculos familiares podendo ocasionar desajustes Voltou-se entatildeo a deixar
a crianccedila proacuteximo a mae desde o nascimento ateacute a alta criando-se o conceito de alojamento
conjunto Este projeto entretanto foi extinto por vaacuterios anos sendo retomado apenas na deacutecada
de 1970 com o apoio de orgazaccedilotildees internacionais como a OMS (Organizaccedilatildeo Mundia de
Sauacutede) e o UNICEF (Fundo das Naccedilotildees Unidas para a Infacircncia) (Ungerer amp Miranda 1999)
De acordo com as Normas Baacutesicas para Alojamento Conjunto do Ministeacuterio da Sauacutede
passaram a ocupar o alojamento conjunto as matildees (na ausecircncia de patologia que impossibilite
ou contra-indique o contato com o receacutem-nascido) e os receacutem-nascidos (com boa vitalidade
capacidade de succcedilatildeo e controle teacutermico a criteacuterio de elemento da equipe de sauacutede
Considerando-se com boa vitalidade os receacutem-nascidos com mais de 2 quilos mais de 35
semanas de gestaccedilatildeo e iacutendice de APGAR maior que 6 no 5deg minuto) (Instituto Nacional de
Alimentaccedilatildeo e Nutriccedilatildeo 1993)
Os receacutem-nascidos que precisam de mais atenccedilatildeo devido ao maior risco de morte satildeo
encaminhados para as Unidades de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) De acordo com o artigo
10 da Portaria GMMS Nordm 930 de 10 de maio de 2012 que define as diretrizes e objetivos para
a organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo integral e humanizada ldquoUTIN satildeo serviccedilos hospitalares voltados para
o atendimento de receacutem-nascido grave ou com risco de morte assim considerados
72
I receacutem-nascidos de qualquer idade gestacional que necessitem de ventilaccedilatildeo mecacircnica
ou em fase aguda de insuficiecircncia respiratoacuteria com FiO2 maior que 30 (trinta por cento)
II receacutem-nascidos menores de 30 semanas de idade gestacional ou com peso de
nascimento menor de 1000 gramas
III receacutem-nascidos que necessitem de cirurgias de grande porte ou poacutes-operatoacuterio
imediato de cirurgias de pequeno e meacutedio porte
IV - receacutem-nascidos que necessitem de nutriccedilatildeo parenteral e
V - receacutem-nascidos que necessitem de cuidados especializados tais como uso de cateter
venoso central drogas vasoativas prostaglandina uso de antibioacuteticos para tratamento de
infecccedilatildeo grave uso de ventilaccedilatildeo mecacircnica e Fraccedilatildeo de Oxigecircnio (FiO2) maior que 30 (trinta
por cento) exsanguineotransfusatildeo ou transfusatildeo de hemoderivados por quadros hemoliacuteticos
agudos ou distuacuterbios de coagulaccedilatildeo (Redaccedilatildeo dada pela PRT GMMS nordm 3389 de
30122013)rdquo
A UTIN poderaacute ser dos tipos II ou III e para a habilitaccedilatildeo em cada niacutevel existe uma seacuterie
de exigecircncias quanto a estrutura de pessoal e tecnologia dos equipamentos
As Unidades de Terapia Intensiva Neonatal satildeo considerados ambientes inoacutespitos nos
quais os receacutem-nascidos satildeo expostos agrave luz intensa e contiacutenua aos ruiacutedos e a procedimentos
cliacutenicos invasivos Aleacutem disso as UTINs satildeo caracterizadas pela presenccedila de equipamentos de
alta tecnologia e devem ter no seu quadro de pessoal uma equipe multidisciplinar capacitada
para oferecer assistecircncia aos pacientes e familiares Os profissionais se deparam com o
sofrimento dos pais os quais podem se sentir amedrontados e ou culpados por terem gerado
um bebecirc fraacutegil ao mesmo tempo em que podem se sentir incapazes de oferecer os cuidados
necessaacuterios agrave sobrevivecircncia do filho (Braga amp Morsch 2003 Lamego Deslandes amp Moreira
2005 Costa amp Padilha 2011)
73
Diante deste cenaacuterio de sofrimento e das prerrogativas da poliacutetica de humanizaccedilatildeo as
matildees tem acesso livre agraves UTINs Natildeo existindo um limite de horaacuterio de visitas como nas
Unidades de Terapia Intensiva estruturadas para adultos (Ministeacuterio da Sauacutede 2004)
O meacutetodo Matildee Canguru proposto em 1978 pelo Dr Edgar Rey Sanabria no Instituto
Materno-Infantil (IMI) de Bogotaacute na Colocircmbia Foi adaptado para a realidade brasileira a partir
de 2002 Este meacutetodo tem como objetivo promover a atenccedilatildeo humanizada ao receacutem-nascido de
baixo peso promovendo um conjunto de accedilotildees de assistecircncia abrangendo os profissionais de
sauacutede o receacutem-nascido e sua famiacutelia (Lamy 2005)
Dentre estas accedilotildees estimula o contato pele a pele precoce entre a matildee e o receacutem-nascido
de baixo peso pelo tempo que for considerado prazeroso e suficiente permitindo a participaccedilatildeo
da matildee no cuidado com o seu filho tambeacutem estimula o aleitamento materno a atenccedilatildeo aos
cuidados teacutecnicos com o bebecirc (manuseio cuidado com ruiacutedos luz e odores no ambiente) e o
envolvimento dos familiares (Baltazar Gomes amp Cardoso 2010)
Apesar do incentivo do Ministeacuterio da Sauacutede estudos apontam alguns impasses a
implantaccedilatildeo de uma assistecircncia humanizada em UTI neonatal devido aos conflitos existentes
no cotidianos de trabalho e adaptaccedilotildees a rotina Aleacutem da existecircncia de condiccedilotildees insatisfatoacuterias
de trabalho relacionadas agrave precariedade de recursos humanos o que pode gerar sobrecarga
emocional e de trabalho Outros fatores mencionados satildeo a fadiga pelo ritmo de trabalho
excessivo o fato de lidar com questotildees de vida e morte as questotildees eacuteticas envolvidas nas
decisotildees sobre o tratamento dentre outras Estas dificuldades apontam para a necessidade
A humanizaccedilatildeo do cuidado neonatal preconiza vaacuterias accedilotildees propostas pelo
Ministeacuterio da Sauacutede baseando-se nas adaptaccedilotildees brasileiras ao Meacutetodo
Canguru (Lamy 2003) para receacutem-nascidos de baixo peso Estas satildeo
voltadas para o respeito agraves individualidades agrave garantia de tecnologia que
permita a seguranccedila do receacutem-nato e o acolhimento ao bebecirc e sua famiacutelia
com ecircnfase no cuidado voltado para o desenvolvimento e psiquismo
buscando facilitar o viacutenculo matildee-bebecirc durante a sua permanecircncia no
hospital e apoacutes a alta (Lamego Deslandes amp Moreira 2005 p 670)
74
ampliar os investimentos nas condiccedilotildees de trabalho adequadas na capacitaccedilatildeo dos gestores e
dos profissionais de sauacutede que trabalham nas UTINs (Lamego Deslandes amp Moreira 2005
Scochi et al 2001)
No estado do Rio Grande do Norte a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco eacute referecircncia
no atendimento agrave gestatildeo de alto risco O subtoacutepico a seguir seraacute dedicado a maternidade o local
escolhido para a realizaccedilatildeo desta pesquisa
31 ndash Maternidade Escola Januaacuterio Cicco
A Maternidade Escola foi idealizada pelo Dr Januaacuterio Cicco um meacutedico que deixou
importantes contribuiccedilotildees para a reorganizaccedilatildeo da assistecircncia meacutedica no Estado no iniacutecio do
seacuteculo XX como a criaccedilatildeo da Sociedade de Assistecircncia Hospitalar em 1926 No iniacutecio da
deacutecada de 1940 a maternidade jaacute estava pronta para funcionar mas devido a Segunda Guerra
Mundial o local foi ocupado como Quartel General das Forccedilas Aliadas e Hospital de
Campanha Com o final da guerra iniciou-se uma campanha para inauguraccedilatildeo da maternidade
que ocorreu no dia 12 de fevereiro de 1950 (Empresa Brasileira de Serviccedilos Hospitalares 2015)
Atualmente a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco (MEJC) especializada na assistecircncia
materno-infantil eacute Hospital Universitaacuterio e de Ensino e integra o Complexo Hospitalar da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte Funciona como um campo de ensino e aplicaccedilatildeo
praacutetica para profissionais da aacuterea da sauacutede E tem como Missatildeo ldquoPromover a excelecircncia no
atendimento global e humanizado a sauacutede da mulher e do receacutem-nascido e a formaccedilatildeo de
recursos humanos em accedilotildees de aprendizado ensino pesquisa e extensatildeo multiprofissionalrdquo
(EBSERH 2015)
Desde 2013 a MEJC passou a ser administrada pela EBSERH Empresa Brasileira de
Serviccedilos Hospitalares uma empresa puacuteblica vinculada ao Ministeacuterio da Educaccedilatildeo A
maternidade apresenta uma estrutura de Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) com
75
23 leitos (sendo que treze leitos dentre os vinte e trecircs que compotildee a UTIN foram inaugurados
recentemente em janeiro de 2017) correspondendo a 30 do total disponiacutevel no Estado do
RN (UFRN 2017)
Apesar de serem locais dedicados agrave vida a morte faz parte da realidade da maternidade
A UTIN em particular eacute o local com a segunda maior ocorrecircncia de oacutebitos (com a ocorrecircncia
de cerca de 80 mortes por ano) exigindo preparo da equipe de profissionais para lidar com a
morte de pacientes e fornecer assistecircncia aos familiares
De acordo com o Relatoacuterio de Dimensionamento dos Serviccedilos Assistenciais e da
Gerecircncia de Ensino e Pesquisa (2013) a UTI Neonatal da MEJC apresenta uma equipe
multidisciplinar seguindo os criteacuterios contidos na Portaria GMMS Nordm 930 de 10 de maio de
2012 Esta portaria define as diretrizes e objetivos para a organizaccedilatildeo da atenccedilatildeo integral e
humanizada ao receacutem-nascido grave ou potencialmente grave e os criteacuterios de classificaccedilatildeo e
habilitaccedilatildeo de leitos de Unidade Neonatal no acircmbito do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS)
A portaria estabelece como Equipe miacutenima para UTI II Neonatal (UTIN)
a) 01 (um) meacutedico responsaacutevel teacutecnico com jornada miacutenima de 04 horas diaacuterias com
certificado de habilitaccedilatildeo em Neonatologia ou Tiacutetulo de Especialista em Medicina Intensiva
Pediaacutetrica fornecido pela Sociedade Brasileira de Pediatria ou Residecircncia Meacutedica em
Neonatologia reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo ou Residecircncia Meacutedica em Medicina
Intensiva Pediaacutetrica reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo
b) 01 (um) meacutedico com jornada horizontal diaacuteria miacutenima de 04 (quatro) horas com
certificado de habilitaccedilatildeo em Neonatologia ou Tiacutetulo de Especialista em Pediatria (TEP)
fornecido pela Sociedade Brasileira de Pediatria ou Residecircncia Meacutedica em Neonatologia ou
Residecircncia Meacutedica em Medicina Intensiva Pediaacutetrica reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo
ou Residecircncia Meacutedica em Pediatria reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para cada 10
(dez) leitos ou fraccedilatildeo
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c) 01 (um) meacutedico plantonista com Tiacutetulo de Especialista em Pediatria (TEP) e com
certificado de habilitaccedilatildeo em Neonatologia ou Tiacutetulo de Especialista em Pediatria (TEP)
fornecido pela Sociedade Brasileira de Pediatria ou Residecircncia Meacutedica em Medicina Intensiva
Pediaacutetrica reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo ou Residecircncia Meacutedica em Neonatologia
ou Residecircncia Meacutedica em Pediatria reconhecida pelo Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para cada 10
(dez) leitos ou fraccedilatildeo em cada turno
d) 01 (um) enfermeiro coordenador com jornada horizontal diaacuteria de 8 horas com
habilitaccedilatildeo em neonatologia ou no miacutenimo 02 (dois) anos de experiecircncia profissional
comprovada em terapia intensiva pediaacutetrica ou neonatal
e) 01 (um) enfermeiro assistencial para cada 10 (dez) leitos ou fraccedilatildeo em cada turno
f) 01 (um) fisioterapeuta exclusivo para cada 10 leitos ou fraccedilatildeo em cada turno
g) 01 (um) fisioterapeuta coordenador com no miacutenimo 02 anos de experiecircncia
profissional comprovada em unidade terapia intensiva pediaacutetrica ou neonatal com jornada
horizontal diaacuteria miacutenima de 06 (seis) horas
h) teacutecnicos de enfermagem no miacutenimo 01 (um) para cada 02 (dois) leitos em cada
turno
i) 01 (um) funcionaacuterio exclusivo responsaacutevel pelo serviccedilo de limpeza em cada turno
j) 01 (um) fonoaudioacutelogo disponiacutevel para a unidade
Um mesmo profissional meacutedico poderaacute acumular a responsabilidade teacutecnica e o papel
de meacutedico com jornada horizontal previstos nos incisos I e II do caput O coordenador de
fisioterapia poderaacute ser um dos fisioterapeutas assistenciais
Para a classificaccedilatildeo da UTIN II existem uma seacuterie de criteacuterios preconizados na Portaria
GMMS Nordm 930 de 10 de maio de 2012 dentre estes a disponibilidade de assistecircncia
psicoloacutegica no hospital A MEJC apresenta psicoacutelogas hospitalares no seu quadro de
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funcionaacuterios e uma em particular que atende agraves demandas da UTI Neonatal incluive
fornecendo apoio aos familiares dos receacutem-nascidos
Apoacutes a caracterizaccedilatildeo da equipe que compotildee a UTIN da maternidade iremos no
proacuteximo subtoacutepico contemplar aspectos referentes a atuaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede na era
da teacutecnica e diante da morte de pacientes
32 ndash O profissional de sauacutede diante da morte de pacientes
No capiacutetulo anterior vimos de forma breve sobre a ontologia do cuidado
Compreendemos que para Heidegger (1927 2015) o cuidado eacute uma forma de ser com o outro
e que o ser-no-mundo existe em relaccedilatildeo com os outros entes O cuidado eacute portanto inerente a
condiccedilatildeo do dasein e ele pode ocorrer de duas formas pela ocupaccedilatildeo e pela preocupaccedilatildeo A
ocupaccedilatildeo acontece pelo manuseio de objetos e a preocupaccedilatildeo quando envolve outros daseins
inclusive o proacuteprio indiviacuteduo
O modo de preocupaccedilatildeo pode ser substitutivo ou antepositivo No modo substitutivo o
cuidador toma as decisotildees pela pessoa que estaacute sendo cuidada eacute considerado um modo inferior
de cuidado por natildeo resgatar a liberdade do ser a sua condiccedilatildeo de escolher entre as varias
possibilidades que vem ao seu encontro Vale salientar que por ser considerado como modo
inferior natildeo significa que o cuidado substitutivo deva ser inexistente No cotidiano este modo
de cuidado se faz necessaacuterio O modo antepositivo por sua vez devolve ao outro a sua
responsabilidade de ser auxilia nos seus processos de escolha
Estes termos de cuidado e cuidador estatildeo muito presentes na aacuterea de sauacutede e outra
nomenclatura bastante utilizada eacute assistecircncia O modelo meacutedico de assistecircncia propotildee a
racionalidade na conduta terapecircutica baseada no binocircmio mentecorpo na separaccedilatildeo entre a
doenccedila e o doente primando pela anaacutelise objetiva das doenccedilas e pela obtenccedilatildeo da cura
(Rebouccedilas 2015)
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Ao isolar a doenccedila do doente e priorizar as relaccedilotildees de causa e efeito o olhar para os
pacientes e seus familiares enquanto pessoas passando por dificuldades natildeo eacute preponderante
na atuaccedilatildeo profissional natildeo eacute visto como central para a compreensatildeo do ser-doente enquanto
ser-no-mundo diante de possibilidades limitadas
Este modelo baseado na racionalidade meacutedica mostra-se contraditoacuterio para a busca de
um atendimento humanizado Falar de atendimento humanizado para seres humanos que
cuidam de outros seres humanos eacute tambeacutem por si soacute contraditoacuterio Eacute como lembrar que algo
foi perdido que doenccedila e doente estatildeo de fato separados e o paciente natildeo pode ser tratado
como coisa objeto
O discurso da humanizaccedilatildeo nos faz lembrar que no caminho da teacutecnica em meio ao
pensamento calculante pouco se tem refletido sobre o sentido do ser para o ser que adoece
Agora imaginemos esta situaccedilatildeo para um ser que chegou ao mundo de forma tatildeo fragilizada e
que ainda natildeo utiliza a linguagem verbal para expressar as suas vontades Mas que desde o
nascimento eacute um ser-no-mundo e um ser-para-a-morte E eacute um ser que vem ao mundo
enquanto projeto e tambeacutem como parte da vida de outros seres que construiacuteram sonhos e
expectativas
Se a assistecircncia oferecida ao receacutem-nascido e seus familiares for apenas da ordem da
medicalizaccedilatildeo manuseio de equipamentos sem a devida orientaccedilatildeo e explicaccedilatildeo sobre o estado
de sauacutede do bebecirc para os seus pais inclusive mencionando as intecorrecircncias e os detalhes sobre
o tratamento estamos falando apenas a respeito de um cuidado substitutivo Como Heidegger
(1927 2015) comentou trata-se de uma forma de cuidado inferior mas eacute uma forma de
cuidado por vezes necessaacuteria O que natildeo poderia acontecer eacute esta forma de cuidado ser a uacutenica
ser preponderante na assistecircncia aos pacientes e familiares
Um exemplo disto eacute que mesmo quando o acesso dos pais as UTINs eacute incentivado
algumas dificuldades como o medo a inseguranccedila e o estresse na relaccedilatildeo dos pais com o bebecirc
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apontam a necessidade de ampliar os cuidados dirigidos agraves famiacutelias As praacuteticas em UTIs
Neonatais satildeo permeadas por conflitos e negociaccedilotildees constituindo um desafio agrave construccedilatildeo de
um modelo assistencial humanizado que alie diferentes tecnologias respeito e acolhimento agraves
necessidades de pacientes e profissionais (Lamego Deslandes amp Moreira 2005)
Estas dificuldades se ampliam no caso da morte de pacientes Enquanto ser-no-mundo
a morte apresenta-se para o homem como uma possibilidade de natildeo mais poder de natildeo mais
estar aqui Uma possibilidade que se apresenta ao ser desde o nascimento o que torna o homem
um ser-para-a-morte que reflete sobre a sua proacutepria finitude e sobre a morte do outro
(Heidegger 1927 2015)
Satildeo muitos os desafios enfrentados pelos profissionais de sauacutede agraves dificuldades no
cotidiano do trabalho somam-se o fato de vivenciarem situaccedilotildees de eminencia de morte ou da
morte em si dos pacientes A falta de autonomia apresenta um peso neste processo em razatildeo do
que natildeo eacute dito aos pacientes e familiares E o natildeo dito tambeacutem incomoda aflige ou distancia
paralisa neutraliza A morte por assim dizer apresenta-se como uma grande dificuldade
enfrentada pelos profissionais tanto pela vivecircncia do sofrimento como pela impotecircncia diante
da organizaccedilatildeo do sistema hospitalar (Costa Lima 2005 Bernieri Hirdes 2007 Poles Bolso
2006)
Elizabeth Kluber-Ross (1969 1996) realizou pesquisas pioneiras com pacientes
proacuteximos a morte levando a reflexotildees importantes sobre as atitudes dos profissionais de sauacutede
diante da morte de pacientes relatando que muito pode ser feito nos momentos em que pelo
prisma da racionalidade meacutedica se supotildee que ldquonatildeo haacute mais nada a fazerrdquo A referida autora ao
abordar esta temaacutetica reconhece que o conhecimento teoacuterico eacute importante mas natildeo eacute suficiente
propondo que deveria se trabalhar com o coraccedilatildeo e a alma Tambeacutem traz reflexotildees em relaccedilatildeo
aos membros da famiacutelia do paciente terminal afirmando que os mesmos merecem cuidados e
orientaccedilatildeo para evitar que adoeccedilam
80
Vaacuterios estudos que utilizam a abordagem fenomenoloacutegica apontam as dificuldades
apresentadas pelos profissionais de sauacutede diante da morte de pacientes Sentimentos de perda
tristeza impotecircncia culpa raiva foram relatados em pesquisas realizadas com enfermeiros
como presentes de forma recorrente no ambiente de trabalho (Saines 1997 Shorter amp Stayt
2009 Wong Lee amp Lee 2000 Seno 2010)
Outro sentimento vivenciado pelos profissionais de enfermagem foi denominado como
um conflito em relaccedilatildeo ao uso do tempo a escolha entre acompanhar um paciente que estaacute
morrendo e precisa de apoio e atender agraves necessidades dos outros pacientes Os profissionais
sentem-se impotentes dividindo seu tempo entre estas demandas o que pode levar a
manifestaccedilatildeo de outros sentimentos como culpa frustraccedilatildeo e raiva (Hopkinson Hallett amp
Luker 2003)
Em pesquisa realizada sobre o papel do meacutedico no enfrentamento do processo de morte
de pacientes foram identificadas cinco atitudes ou papeacuteis desejados associados ao
comportamento do meacutedico perante o paciente agrave morte evitar a chegada da morte promover
qualidade de vidamorte dar suporte emocional e estabelecer uma comunicaccedilatildeo transparente
com a famiacutelia ficar ateacute o fim com o paciente seguir a rotina sem se abalar com o oacutebito (Silva
2006)
Em estudo realizado com meacutedicos diante da morte de pacientes foi constatado que estes
profissionais ldquoconvivem com a morte com sentimento de estranheza e natildeo com uma disposiccedilatildeo
de familiaridade como seria natural pensar afinal lidam com a possibilidade de morte mais
frequentemente que os leigos devido ao seu ofiacutecio Diriacuteamos que eles tecircm a possibilidade mais
presente da morte pela proacutepria natureza do seu trabalho cotidiano Ao serem questionados
sobre a morte de pacientes os meacutedicos buscavam desviar do assuntordquo E ao relatarem sobre
os sentimentos diante da morte revelavam frustraccedilatildeo tristeza desconforto (Mello amp Silva
2012 p 54)
81
Como relatado anteriormente os profissionais se sentem desconfortaacuteveis e frustrados
diante da morte de pacientes o momento de comunicar este fato para os familiares eacute por assim
dizer muito delicado De acordo com pesquisa realizada com meacutedicos e familiares sobre a
comunicaccedilatildeo do oacutebito de pacientes foi constatado que a maioria das famiacutelias ficou sabendo do
oacutebito por telefone (747) Cinco famiacutelias (47) descobriram o oacutebito quando foram visitar o
paciente demonstrando insatisfaccedilatildeo com a situaccedilatildeo (Starzewski Jr Rolin amp Morrone 2005)
Quando os profissionais que comunicam a morte de pacientes foram questionados
925 relataram que apresentam dificuldades para falar com os familiares sobre o assunto
Apenas quatro profissionais (75) acharam que natildeo existem dificuldades para falar com
familiares sobre o tema Enfrentar a morte de pacientes no cotidiano de trabalho apresentou-se
como algo difiacutecil de lidar pela falta de preparo pelo desgaste emocional A situaccedilatildeo torna-se
ainda mais complicada diante dos casos de morte suacutebita e do falecimento de crianccedilas A morte
precoce causa um estresse emocional imenso em todos que atendem pais familiares e
profissionais de sauacutede A morte de uma crianccedila foi considerada mais sofrida que a de um adulto
(Starzewski Jr Rolin amp Morrone 2005)
Dentre os profissionais de sauacutede o psicoacutelogo tambeacutem se depara com a realidade de
oferecer suporte para os pacientes familiares e para os colegas de trabalho Na sua atuaccedilatildeo o
psicoacutelogo de sauacutede-hospitalar prima por oferecer a oportunidade para o paciente expressar as
suas emoccedilotildees de modo que encontre a melhor maneira de lidar com as limitaccedilotildees impostas
pela doenccedilahospitalizaccedilatildeo Aleacutem de proporcionar a abertura necessaacuteria para que o paciente
possa dar significado a sua doenccedila dentro do seu contexto de vida reconhecendo-o enquanto
um ser provido de emoccedilotildees e sentimentos os quais interferem no seu comportamento
(Medeiros amp Lustosa 2011)
O estudo realizado por Morais amp Nobre (2013) eacute dedicado agrave praacutetica de psicoacutelogos em
oncologia pediaacutetrica e traz importantes reflexotildees sobre a atuaccedilatildeo destes profissionais em meio
82
ao estigma do cacircncer associado ao sofrimento e agrave morte Um elemento que se apresenta na
praacutetica cotidiana destes profissionais eacute a iminecircncia de morte de crianccedilas que tende a afetar mais
do que a morte de adultos Diante deste cenaacuterio os psicoacutelogos enquanto profissionais que
promovem o cuidado dos pacientes familiares e colegas de trabalho tambeacutem sentem a
necessidade de cuidar de proacuteprios ldquoA praacutetica gera a necessidade de um cuidado de si mesmo
a delimitaccedilatildeo e o cultivo de um espaccedilo para si mesmo o reconhecimento de limites e a luta por
um espaccedilo de cultivo do oacuteciordquo (p 405)
Quando se trata da assitecircncia em UTI Neonatal o psicoacutelogo oferece o suporte aos
familiares do receacutem-nascido que chegam fragilizados e com muitas expectativas em relaccedilatildeo agrave
alta hospitalar do seu filho De acordo com Baltazar Gomes amp Cardoso (2010) a atuaccedilatildeo do
psicoacutelogo em UTI Neonatal ldquoimplica na organizaccedilatildeo de uma proposta de rotina e participaccedilatildeo
quotidiana nos acontecimentos do serviccedilo numa proposta que natildeo se restrinja a pareceres
psicoloacutegicos mas na abordagem regular das famiacutelias e seus bebecircsrdquo (p 16)
As situaccedilotildees de morte e luto exigem que o profissional de psicologia ofereccedila suporte
aos familiares dos pacientes e agraves vezes para a proacuteprios colegas de trabalho envolvidos com os
sentimentos de frustraccedilatildeo e tristeza A morte apresenta-se como um fato recorrente no cotidiano
de trabalho destes profissionais Um tema que merece ser estudado aponto de ganhar espaccedilo
para ser abordado durante os cursos de graduaccedilatildeo e formaccedilatildeo profissional
Diante das reflexotildees presentes nos primeiros capiacutetulos o presente estudo segue
contemplando o caminho realizado pelo pesquisador em direccedilatildeo ao objetivo da pesquisa
83
Capiacutetulo 4 ndash Meacutetodo A escolha do caminho
ldquoO Pintor a Caminho do Trabalhordquo Van Gogh 1888
84
Capiacutetulo 4 ndash Meacutetodo A escolha do caminho
Falar sobre meacutetodo implica sobretudo na escolha do caminho que se quer seguir
enquanto pesquisador No caminho eacute possiacutevel admirar a paisagem olhar novos horizontes
compreender o fenocircmeno Eacute no percurso que ocorrem os encontros entre as indagaccedilotildees
anteriores e a experiecircncia relatada pelo participante entre as ideias preconcebidas e o mundo
real expresso por meio da narrativa A escolha do caminho por assim dizer direciona o olhar
sobre a pesquisa
Na tentativa de escolha do meu caminho convidei o gato do paiacutes das maravilhas para
um diaacutelogo inspirado na reflexatildeo e no questionamento Onde quero chegar Qual a minha
questatildeo central Qual o objetivo da minha pesquisa A questatildeo central surgiu do olhar para a
praacutetica da minha experiecircncia em instituiccedilotildees hospitalares Ao verificar que os profissionais de
sauacutede enfrentam muitos desafios e dificuldades no ambiente de trabalho dentre estas a vivecircncia
da morte do outro O objetivo da pesquisa estaacute estruturado portanto da seguinte forma
compreender a experiecircncia de profissionais que atuam em Unidades de Terapia Intensiva
Neonatal
Escolhido o objetivo passei a olhar para o caminho Para compreender eacute preciso ouvir
atentamente o outro ver o contexto detalhado em forma de histoacuteria de acontecimentos narrados
e repletos de sentidos e significados Compreender eacute diferente de avaliar de generalizar dados
com base no olhar para a superfiacutecie A escolha do caminho de pesquisa me levou a percorrer
uma estrada em que era possiacutevel observar os detalhes por meio de um olhar proacuteximo ao
fenocircmeno
Podes dizer-me por favor que caminho devo seguir para sair
daqui
Isso depende muito de para onde queres ir - respondeu o gato
Preocupa-me pouco aonde ir - disse Alice
Nesse caso pouco importa o caminho que sigas - replicou o
gato
Lewis Carroll
85
Este olhar para o fenocircmeno buscando ver o que estaacute aleacutem das aparecircncias foi possiacutevel
com a inspiraccedilatildeo proporcionada pela fenomenologia Enquanto concepccedilatildeo filosoacutefica a
fenomenologia traz em seu cerne reflexotildees profundas para o pesquisador que se propotildee a
realizar um estudo voltado para a compreensatildeo dos fenocircmenos
A fenomenologia aquela fundamentada nos preceitos de Heidegger (1927 2015)
busca o entendimento do ser humano enquanto ser-aiacute Dasein um ser que tem capacidade de
questionar interrogar sobre o seu proacuteprio ser aleacutem de ter a consciecircncia sobre a sua finitude
Heidegger (1927 2015) propotildee uma compreensatildeo do homem enquanto ser-no-mundo
aberto a possibilidades que vive em relaccedilatildeo com os outros e na manualidade das coisas
simplesmente dadas Um ser que eacute mundo que constroacutei o seu mundo envolvido em uma trama
de sentidos e significados mutaacuteveis passageiros Um ser que tem a linguagem enquanto
morada que permite a expressatildeo dos sentidos Compreender esse ser envolve portanto desde
o princiacutepio ouviacute-lo entendecirc-lo considerando o olhar que tem sobre a vida e cientes de que a
experiecircncia humana eacute uma fluidez constante Natildeo existe portanto a seguranccedila e o controle
como premissas
Diante do exposto pode-se mencionar que a escolha da fenomenologia fundamentada
nas ideias de Heidegger deve-se ao fato da mesma orientar o entendimento do ser humano
a fenomenologia natildeo nasceu como um meacutetodo tal qual como as ciecircncias e
teacutecnicas modernas o supotildeem (como rigorosa prescriccedilatildeo de procedimentos e
instrumentais) mas grosso modo como um questionamento da dissoluccedilatildeo da
filosofia no modo cientiacutefico de pensar da loacutegica inerente agraves ciecircncias modernas
como criacutetica da metodologia de conhecimento cientiacutefico que rejeita do acircmbito do
real e do proacuteprio conhecimento tudo aquilo que natildeo possa estar submetido agrave estrita
noccedilatildeo de verdade [enquanto verificaacutevel por um meacutetodo] de sujeito cognoscente
e de objeto cognosciacutevel (Critelli 1996 p 7)
86
enquanto ser-aiacute dasein um ser que tem como tarefa cuidar de si proacuteprio e construir-se no
mundo (Heidegger 19271989)
A fenomenologia hermenecircutica heideggeriana eacute um modo de ver o mundo E serviu
como inspiraccedilatildeo para a compreensatildeo da experiecircncia dos profissionais de sauacutede atuantes na UTI
Neonatal A busca desta compreensatildeo estava ancorada portanto na orientaccedilatildeo desta filisofia
que traz conceitos relevantes particularmente para a temaacutetica do presente estudo como o ser-
para-a-morte o ser-no-mundo a anguacutestia e o cuidado
Aleacutem disso o referencial fenomenoloacutegico ao abordar a experiecircncia contempla a
existecircncia considerando que o ser humano somente se constitui enquanto tal existindo no
mundo Esta compreensatildeo da existecircncia considera que o caminhante transforma-se a medida
que caminha Como nos inspira Critelli (1996 p 80) ldquoA existecircncia eacute erupccedilatildeo e transformaccedilatildeo
inesgotaacuteveis Daiacute se fala em existecircncia como vir-a-ser o que eacute ou o que estaacute sendo estaacute vindo
a serrdquo
Olhar para o fenocircmeno com este referencial implica em considerar que os profissionais
de sauacutede modificaram-se ao longo da sua jornada Eles fizeram escolhas enfrentaram desafios
vivenciaram perdas e momentos alegres e podem ter modificado a sua visatildeo de mundo ao longo
da jornada De forma similar o pesquisador tambeacutem modifica a sua compreensatildeo sobre o
fenocircmeno As ideias iniciais podem ser contempladas ou mesmo desconsideradas diante dos
encontros com novas perspectivas sobre o fenocircmeno
A pesquisa fenomenoloacutegica considera que ldquoinvestigar eacute sempre colocar em andamento
uma interrogaccedilatildeordquo (Critelli 1996 p27) Em meio aos encontros com os participantes o
fenocircmeno se apresenta e se desvela a partir dos sentidos e interpretaccedilotildees do pesquisador
Ao considerar que a experiecircncia de cada participante eacute uacutenica que a existecircncia eacute singular
o referencial da fenomenologia natildeo defende uma verdade absoluta para os fenecircmenos A
verdade eacute relativa A compreensatildeo sobre a existecircncia eacute referente ao momento da pesquisa e
87
considera um horizonte histoacuterico especiacutefico que dita normas valores e formas de ver o mundo
Por assim dizer em um novo encontro o participante pode resignificar a sua experiecircncia
desvelar novos sentidos para a sua existecircncia
A fenomenologia propotildee uma criacutetica ao modelo metafiacutesico que busca uma relaccedilatildeo de
causa e efeito e a verdade absoluta para o que foi pesquisado Escolher esta orientaccedilatildeo para
realizar pesquisa natildeo significa entendecirc-la enquanto uma metodologia mas sim de uma forma
mais ampla como um modo de ver o mundo e compreender os fenocircmenos
A partir da compreensatildeo do meacutetodo com um caminho a ser percorrido de ora em diante
seratildeo apresentadas as formas escolhidas para trilhar este caminho ou seja como as informaccedilotildees
sobre os participantes foram obtidas e posteriormente como buscou-se a compreensatildeo diante
do que foi narrado
41-Participantes da pesquisa
A pesquisa teve como participantes profissionais de sauacutede atuantes na UTI Neonatal da
Maternidade Escola Januaacuterio Cicco A definiccedilatildeo dos participantes ocorreu de forma intencional
considerando a disponibilidade dos profissionais em participar Pretendeu-se inicialmente
contemplar pelo menos um representante de cada formaccedilatildeo profissional necessaacuteria para a
estruturaccedilatildeo de uma equipe de UTI Neonatal
Vale salientar que o interesse da pesquisa natildeo estaacute no nuacutemero expressivo de
participantes mas sim no conteuacutedo de sua experiecircncia Desta forma foram realizadas nove
entrevistas com profissionais de sauacutede de diferentes especialidades meacutedicos enfermeiros
teacutecnicos de enfermagem fisioterapeutas psicoacutelogo e assistente social (Turato 2005)
Os participantes apresentavam idade compreendida entre a faixa etaacuteria de 25 anos a 45
anos Quanto ao tempo de atuaccedilatildeo na UTI neonatal existiram profissionais que atuam a mais
de 20 anos e outros que vieram de diferentes locais de trabalho como de um hospital geral e
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estatildeo trabalhando na UTI neonatal haacute aproximadamente 3 anos oriundos do concurso da
EBSERH
A equipe da UTI Neonatal eacute muldiciplinar No mecircs em que foram realizadas as
entrevistas possuiacutea o seguinte quantitativo de pessoal 8 fisioterapeutas 21 enfermeiros 28
meacutedicos 1 psicoacutelogo 1 assistente social 1 terapeuta ocupacional 2 fonodioacutelogos e 49 teacutecnicos
de enfermagem
42-Criteacuterios de Inclusatildeo e Exclusatildeo
Foram convidados a participar do estudo os profissionais de sauacutede atuantes na UTI-
Neonatal contemplando as diferentes formaccedilotildees necessaacuterias agrave formaccedilatildeo de uma equipe
multidisciplinar (meacutedicos enfermeiros teacutecnicos de enfermagem psicoacutelogos fisioterapeutas) e
que tiveram disponibilidade e interesse para participar da pesquisa Os criteacuterios de inclusatildeo
delimitados foram trabalhar na UTI Neonatal ter algum tipo de formaccedilatildeo (seja esta teacutecnica ou
de niacutevel superior)
Como criteacuterio de exclusatildeo foi definida a ausecircncia de formaccedilatildeo (de graduaccedilatildeo ou teacutecnica
para o exerciacutecio da funccedilatildeo) ou seja os estudantes que fazem estaacutegio ou residecircncia na
Maternidade Escola natildeo participaram do estudo Natildeo foram considerados como criteacuterios de
exclusatildeo a idade sexo o tempo de formaccedilatildeo profissional e o tempo de atuaccedilatildeo na Unidade de
Terapia Intensiva Neonatal
Por se tratar de um estudo que tem inspiraccedilatildeo na fenomenologia hermenecircutica
heideggeriana considerou-se a experiecircncia de cada participante como uacutenica Por assim dizer a
idade o tempo de atuaccedilatildeo na UTI Neonatal natildeo se apresentam como aspectos relevantes para
a compreensatildeo da experiecircncia dos participantes nem tatildeo pouco para servir como referecircncia a
tiacutetulo de comparaccedilatildeo entre as narrativas Pelos motivos expostos estes criteacuterios natildeo foram
considerados para a interpretaccedilatildeo das entrevistas
89
43-Aspectos eacuteticos
O presente estudo foi submetido e aprovado pelo Comitecirc de Eacutetica da UFRN
Universidade Federal do Rio Grande do Norte com a anuecircncia da Maternidade Escola Januaacuterio
Cicco (CAAE 68533517000005537) Antes do iniacutecio de cada entrevista foi apresentado o
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para os profissionais que desejaram
participar Neste termo constam os riscos e benefiacutecios envolvidos na participaccedilatildeo da pesquisa
(termo apresentado em anexo) Nos casos de concordacircncia na participaccedilatildeo tambeacutem foi
solicitada a assinatura do Termo de Autorizaccedilatildeo para Gravaccedilatildeo de Voz (termo apresentado em
anexo)
As entrevistas foram realizadas em uma sala reservada na Maternidade Escola Januaacuterio
Cicco no horaacuterio mais conveniente para os entrevistados de forma que natildeo comprometeu o
desenvolvimento das atividades laborais
Por se tratar de uma pesquisa realizada com profissionais de uma uacutenica instituiccedilatildeo a
preocupaccedilatildeo com as questotildees eacuteticas foi muito aleacutem da assinatura do TCLE envolveu um
cuidado para a preservaccedilatildeo do sigilo quanto agrave identidade dos participantes de forma que eles
pudessem expressar as suas opiniotildees seus pontos de vista espontaneamente sem receio de
alguma represaacutelia por parte da instituiccedilatildeo ou mesmo dos colegas de trabalho
Como outra alternativas para o cumprimento com o sigilo foram adotados nomes
fictiacutecios para as participantes Tais como as flores que trazem beleza ao ambiente e ao mesmo
tempo deixam frutos e sementes por onde passam as participantes da pesquisa se dedicam para
tornar o ambiente da UTI Neonatal mais acolhedor e leve apesar do solo aacuterido de um trabalho
com o limiar da vida As flores nos inspiraram assim a denominar as participantes como
Rosa Margarida Orquiacutedea Tulipa Iacuteris Angeacutelica Violeta Amariacutelis e Girassol
90
44- Formas de trilhar o caminho
Para chegar ateacute os participantes foram cumpridas todas as exigecircncias necessaacuterias quanto
agrave parte burocraacutetica Inicialmente o projeto de tese foi submetido agrave avaliaccedilatildeo da Gerecircncia de
Pesquisa da MEJC Com a anuecircncia da maternidade o projeto foi submetido ao Comitecirc de Eacutetica
da UFRN Apoacutes a aprovaccedilatildeo no referido Comitecirc de Eacutetica foi realizado um novo contato com
a Gerecircncia de Pesquisa da MEJC para enviar a documentaccedilatildeo de aprovaccedilatildeo e solicitar o crachaacute
de acesso agraves instalaccedilotildees da maternidade conforme orientado anteriormente Cumprida esta
etapa foi agendada uma reuniatildeo com a enfermeira chefe da UTI Neonatal para explicar sobre
a pesquisa
Apoacutes a reuniatildeo a pesquisadora foi apresentada a alguns profissionais da UTI Neonatal
dentro das instalaccedilotildees da UTIN quando uma profissional questionou se poderia ser entrevistada
naquele momento demonstrando bastante interesse pela pesquisa Diante da solicitaccedilatildeo como
a pesquisadora estava com todo o material necessaacuterio (TCLE Termo de Gravaccedilatildeo de Voz
gravador) as entrevistas se iniciaram naquele mesmo dia
Apoacutes a primeira entrevista jaacute havia outra profissional interessada Assim as entrevistas
narrativas foram sendo agendadas tendo como caracteriacutestica a procura espontacircnea das
profissionais e de acordo com a disponibilidade dos mesmos As entrevistas ocorreram ao longo
do mecircs de julho de 2017 em uma sala dentro da UTIN da MEJC destinada ao atendimento de
matildees ou a reuniotildees dos profissionais de sauacutede
A entrevista narrativa foi utilizada na presente pesquisa por permitir o acesso ao
fenocircmeno agrave histoacuteria contada pelo narrador da forma como ele a compreende e vivencia A
narrativa se apresenta como uma expressatildeo da compreensatildeo Atraveacutes da narrativa o
participante relata o que considera relevante para a sua trajetoacuteria vivencial contada por meio
de fatos acontecimentos e afetos (Dutra 2002)
91
A narrativa contempla a experiecircncia narrada pelo participante e ouvida pelo
pesquisador que ao relatar o que ouviu se torna outro narrador o qual conta a histoacuteria a partir
da compreensatildeo que teve do fenocircmeno O pesquisador assume portanto uma postura ativa
durante todo o processo de conduccedilatildeo do estudo (Benjamim 2008 Dutra 2002)
Desta forma o pesquisador pode direcionar a entrevista agrave temaacutetica que for do seu
interesse e o participante torna-se o narrador da sua proacutepria experiecircncia Como natildeo existe uma
busca pela verdade universal dos fatos e sim uma compreensatildeo do fenocircmeno para a pessoa que
o vivenciou a narrativa contribui para o intuito da fenomenologia de retornar ldquoagraves coisas
mesmasrdquo como satildeo na forma que se desvelam para o mundo (Dutra 2016)
A narrativa por assim dizer reflete a experiecircncia humana como ela foi vivenciada e
resignificada pelo narrador e a fenomenologia busca compreender o fenocircmeno experienciado
pelo participante Diante do exposto a entrevista narrativa foi utilizada tendo como questatildeo
disparadora
ldquoVocecirc poderia me falar a respeito da sua experiecircncia enquanto profissional de sauacutede em UTI
Neonatalrdquo
42- Orientaccedilatildeo para a interpretaccedilatildeo
A interpretaccedilatildeo das narrativas ocorreu agrave luz da hermenecircutica heideggeriana Heidegger
buscou inspiraccedilatildeo na hermenecircutica para a estruturaccedilatildeo de uma nova forma de pensar a
fenomenologia A origem da palavra hermenecircutica remete a Hermes o deus mediador que na
Greacutecia Antiga era conhecido como o mensageiro o responsaacutevel pela origem da linguagem
verbal e escrita aquele que fazia a traduccedilatildeo da linguagem dos deuses para a linguagem humana
Desde a Greacutecia Antiga valorizava-se a arte de interpretar as palavras Mas foi somente no
seacuteculo XVII que se passou a utilizar a denominaccedilatildeo de hermenecircutica em referecircncia agrave ciecircncia
da interpretaccedilatildeo (Rohden 2012)
92
Para Heidegger a hermenecircutica tambeacutem eacute considerada como sinocircnimo de interpretaccedilatildeo
utilizando-se do mesmo conceito da Greacutecia Antiga Heidegger entende que o ser humano
sempre interpreta e isto faz parte da existecircncia da sua relaccedilatildeo com o mundo No livro Ser e
Tempo o referido autor dedica-se a compreender a questatildeo do ser e passa a definir o ser humano
como dasein como ser-aiacute temporal e histoacuterico caracterizado por uma abertura (Heidegger
19272015)
Esta abertura ocorre por meio de trecircs existenciais propostos por Heidegger a disposiccedilatildeo
afetiva (befindlickeit) a compreensatildeo e a linguagem Inicialmente o dasein se abre para o
mundo por um estado de acircnimo uma disposiccedilatildeo afetiva algo que comove que desperta o
interesse do ser O fato de estar no mundo faz com os seres sejam sempre afetados pelas coisas
que acontecem no mundo e esta afetaccedilatildeo pode ocorrer por meio de humores positivos como
tambeacutem por estados de acircnimos distintos como o teacutedio e a indiferenccedila que iratildeo permitir a
abertura do ser para o mundo de outro modo
A compreensatildeo eacute apresentada por Heidegger como outro existencial para abertura do
ser como caracteriacutestica fundamental da existecircncia humana uma vez que o ser-aiacute eacute um poder-
ser aberto a possibilidades Um ser de projetos que interage com o mundo com as
possibilidades escolhas e responsabilidades A compreensatildeo eacute o poder-ser a possibilidade de
ser algo para os outros e principalmente para si mesmo Heidegger (1989 p 200) entende a
compreensatildeo como ldquoo ser existencial do proacuteprio poder-ser da pre-senccedila de tal maneira que em
si mesmo esse ser abre e mostra a quantas anda seu proacuteprio serrdquo
A elaboraccedilatildeo do projeto da compreensatildeo por sua vez eacute definida por Heidegger como
interpretaccedilatildeo Interpretaccedilatildeo e compreensatildeo natildeo satildeo entendidas pelo referido autor como etapas
separadas mas como intriacutensecas ao entender humano A compreensatildeo revela a abertura para as
possibilidades que ganham forma por meio da interpretaccedilatildeo
93
A compreensatildeo eacute expressa por meio da linguagem verbal e natildeo-verbal e a expressatildeo
da linguagem pode gerar uma nova interpretaccedilatildeo do que foi vivido E o homem se expressa por
meio do discurso Segundo Heidegger (2003 p 203)
ldquo falar eacute por si mesmo escutar Falar eacute escutar a linguagem que falamos O falar natildeo
eacute ao mesmo tempo mas antes uma escuta Esta escuta da linguagem precede da
maneira mais insuspeita todas as demais escutas possiacuteveis Natildeo falamos simplesmente
a linguagem Falamos a partir da linguagemrdquo
Como relatado anteriormente a narrativa promove para o narrador uma reflexatildeo sobre
os acontecimentos e uma ressignificaccedilatildeo das experiecircncias para o ouvinte a possibilidade de
gerar uma compreensatildeo do que foi narrado considerando a forma como este interpreta o mundo
Os existenciais definidos por Heidegger fundamentam a relaccedilatildeo do ser-com o mundo e
compotildee uma circularidade onde nada estaacute pronto e acabado onde natildeo existe uma verdade
absoluta e o ser-no-mundo eacute o ser-aiacute inserido em uma temporalidade e em um contexto
histoacuterico especiacutefico
Congruente com a ideia de circularidade Heidegger propotildee o ciacuterculo hermenecircutico que
compreende trecircs estados natildeo-lineares indissociaacuteveis a posiccedilatildeo preacutevia a visatildeo preacutevia e a
concepccedilatildeo preacutevia Conforme apresentado na figura a seguir
Figura 2 - O ciacuterculo hermenecircutico
Posiccedilatildeo Preacutevia
Visatildeo PreacuteviaConcepccedilatildeo
Preacutevia
Abertura Disposiccedilatildeo
compreensatildeo linguagem
(Azevedo 2013 Maux 2014)
94
A posiccedilatildeo preacutevia apresenta o conhecimento anterior do pesquisador (as leituras
realizadas sobre a temaacutetica de estudo os sentidos que levaram ao interesse pela pesquisa a
escuta de outros atores que influenciaram no processo enfim as informaccedilotildees anteriores ao
encontro com os participantes da pesquisa) O pesquisador natildeo vai escutar a narrativa do
participante de forma neutra pois ele eacute um ser-no-mundo envolvido em um contexto histoacuterico
especiacutefico e com um preacute-conhecimento sobre o fenocircmeno que seraacute estudado
A visatildeo preacutevia apresenta-se como possibilidades de compreensatildeo diante do que foi
ouvido do participante Eacute um recorte feito pelo pesquisador a partir de uma abertura uma
disposiccedilatildeo afetiva para a escuta do outro E a concepccedilatildeo preacutevia resgata os conhecimentos
apresentados na posiccedilatildeo preacutevia com o recorte da escuta proveniente da visatildeo preacutevia Eacute a
interpretaccedilatildeo que cria algo novo que torna o ouvinte narrador de uma histoacuteria estruturada com
base na sua compreensatildeo de mundo
A relaccedilatildeo proposta pela hermenecircutica e pela fenomenologia considera o dito e o natildeo
dito ou seja natildeo somente o conteuacutedo anunciado pelo sujeito mas os pressupostos que ele natildeo
anuncia E o pesquisador tem uma postura ativa no processo cabendo a ele as possibilidades
de ver novas perguntas e respostas dependendo da conduccedilatildeo da proacutepria entrevista Esta
abertura e postura ativa do pesquisador possibilita que o mesmo acesse o fenocircmeno buscando
a compreensatildeo da experiecircncia do outro
A anaacutelise e interpretaccedilatildeo do fenocircmeno foi realizada em congruecircncia com a circularidade
hermenecircutica (Heidegger 1927 2015) e teve as suas etapas definidas utilizando como fontes
de inspiraccedilatildeo as propostas de Dutra (2002) Azevedo (2013) e Maux (2014)
-Registro das afetaccedilotildees do pesquisador durante a entrevista Apoacutes a entrevista o
pesquisador descreve aspectos relevantes para o mesmo as afetaccedilotildees e ateacute reflexotildees e
questionamentos tendo com base a visatildeo preacutevia e a posiccedilatildeo preacutevia
-Transcriccedilatildeo da entrevista e posterior releitura do pesquisador
95
-Identificaccedilatildeo de temas que emergem das narrativas como um desvelamento da tramas
da existecircncia de cada participante Os temas retratam aspectos significativos para os
participantes que satildeo contemplados ao longo das narrativas e que afetaram o pesquisador
narrador
-Interpretaccedilatildeo do fenocircmeno com base na concepccedilatildeo preacutevia em que os conhecimentos
anteriores satildeo refletidos junto agraves entrevistas transcritas Nesta etapa o todo da pesquisa eacute
apresentado diante da reflexatildeo do pesquisador para a estruturaccedilatildeo da compreensatildeo do
fenocircmeno
A transcriccedilatildeo eacute uma etapa que consiste na primeira versatildeo das entrevistas que apresenta
a narrativa da forma como foi gravada com as falas do pesquisador e do entrevistado (Maux
amp Dutra 2009 Schmidt 2006)
Apoacutes descrever as etapas para interpretaccedilatildeo das narrativas eacute importante ressaltar que
assim como a obra de Van Gogh ldquoo pintor a caminho do trabalhordquo o pesquisador ao longo do
percurso da pesquisa entra em contato com o fenocircmeno jaacute com uma compreensatildeo preacutevia do
mesmo Ao longo da caminhada surgem novas nuances novas formas de compreender o
fenocircmeno a partir do olhar de quem o vivenciou Como afirma Critelli (1996 p 81) ldquoeacute atraveacutes
do desveladoreveladotestemunhado que os homens se relacionam entre siAgrave medida que as
coisas testemunhadas em comum satildeo elementos de mediaccedilatildeo entre os homens elas estatildeo
instaurando o mundo uma trama significativa comum O mundo se daacute e se recusa aos homens
atraveacutes daquilo com que estatildeo em contato e a respeito do que falamrdquo
A narrativa traz em si os fatos acontecimentos e afetos Apresenta pontos de vista e a
historicidade do ser-no-mundo Oferece a quem narra e a quem ouve a possibilidade de um
encontro e nesse encontro a possibilidade de refletir e resignificar o vivido O proacuteximo capiacutetulo
seraacute dedicado justamente agraves narrativas destes profissionais que se dedicam a cuidar da vida e
buscam formas de lidar com a finitude
96
-Capiacutetulo 5 As narrativas dos participantes os sentidos de ser profissional de sauacutede em
UTI Neonatal
ldquoLast Supperrdquo ldquoA Uacuteltima Ceiardquo Vladimir Kush
97
-Capiacutetulo 5 As narrativas dos participantes os sentidos de ser profissional de sauacutede em
UTI Neonatal
Este capiacutetulo eacute dedicado agraves participantes do estudo as profissionais de sauacutede atuantes
na UTI Neonatal da Maternidade Escola Januaacuterio Cicco homenageadas atraveacutes do quadro
apresentado no iniacutecio do capiacutetulo do pintor surrealista Vladimir Kush As flores reunidas em
torno de uma mesa serviram de inspiraccedilatildeo para falar sobre a experiecircncia das colaboradores que
integram uma equipe multiprofissional Ser profissional de sauacutede eacute tambeacutem ser-com os colegas
de trabalho das diversas aacutereas por assim dizer faz parte do mundo de cada profissional as
relaccedilotildees que constituem com o outro
Assim como as distintas flores ao redor de uma mesa apresentadas no quadro tantas
vezes os profissionais com formaccedilotildees distintas precisam se reunir em torno de um caso em
nome da assistecircncia ao receacutem-nascido e seus familiares Como as flores que compotildee um belo
jardim deixam espaccedilo para a sobrevivecircncia e florescimento das demais o trabalho de cada
integrante da equipe tem a sua relevacircncia e os papeacuteis dos profissionais precisam estar claros
bem como a importacircncia que cada um pode gerar para o todo em benefiacutecio da assistecircncia aos
bebecircs
As flores satildeo belas e delicadas mas tambeacutem possuem espinhos Ora estatildeo mais floridas
ora um pouco murchas Tambeacutem precisam de aacutegua e insumos para sobreviver Sofrem quando
o solo estaacute demasiadamente aacuterido ou quando precisam enfrentar tempestades Os seres
humanos agraves vezes estatildeo mais sorridentes e alegres para vida Em outros momentos mais
murchos e contidos ou mesmo tristes e sem enxergar novas possibilidades
As afetaccedilotildees os estados de humor satildeo como lentes que direcionam o nosso olhar para
as possibilidades da existecircncia O encantamento o estar apaixonado pode levar a ver o mundo
cor de rosa com novas nuances a tristeza por sua vez pode levar o olhar para algo obscuro
sem possibilidades ou alternativas para soluccedilatildeo
98
Como seres humanos os profissionais de sauacutede tambeacutem possuem a afetaccedilatildeo como
caracteriacutestica ontoloacutegica natildeo satildeo como maacutequinas que apresentam reaccedilotildees calculadas
Simplesmente existem dias em que natildeo aguentam ver tanto sofrimento e em outros
conseguem oferecer o suporte esperado O fato eacute que precisam ter um domiacutenio teacutecnico dos
instrumentais e equipamentos e ao mesmo tempo fornecer uma assistecircncia humanizada
dedicando atenccedilatildeo aos pais e familiares
Diante das consideraccedilotildees eacuteticas levantadas quanto ao sigilo dos participantes optamos
por realizar a anaacutelise das entrevistas a partir dos temas que emergiram das afetaccedilotildees do
pesquisador apoacutes as leituras e releituras das transcriccedilotildees das entrevistas Estes temas
apresentados a seguir seratildeo discutidos agrave luz da fenomenologia hermenecircutica heideggeriana
contemplando o olhar da pesquisadora para a experiecircncia dos profissionais 1-A escolha para
trabalhar na UTI Neonatal 2- As dificuldades do trabalho em uma UTI Neonatal 3- Os
sentimentos diante da morte de receacutem-nascidos 4- O ser-com-os-outros as matildees dos pacientes
os receacutem-nascidos e os colegas de trabalho 5- A formaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede 6-
Reflexotildees sobre a atuaccedilatildeo profissional de sauacutede concepccedilatildeo de cuidado novas possibilidades e
projetos
De ora em diante seguiremos com os temas propostos envolvendo trechos das falas dos
participantes e as reflexotildees acerca da experiecircncia de ser-com os profissionais de sauacutede atuantes
da UTI Neonatal
1-A escolha para trabalhar na UTI Neonatal
Ao relatarem sobre a sua experiecircncia na UTI Neonatal os profissionais naturalmente
contavam sobre o seu percurso profissional na aacuterea de sauacutede ateacute chegar agrave UTI Neonatal da
MEJC A construccedilatildeo da narrativa por assim dizer gerava direccedilatildeo e sentido Em cada relato
passado presente e futuro se entrelaccedilavam e resultavam na composiccedilatildeo de uma histoacuteria de vida
Este toacutepico sobre ldquoa escolha para trabalhar na UTI Neonatalrdquo assumiu uma relevacircncia durante
99
a anaacutelise das narrativas por se apresentar como um marco na trajetoacuteria de vida destes
profissionais um ldquodivisor de aacuteguasrdquo que gera desdobramentos para os demais toacutepicos definidos
durante a anaacutelise
Dentre as nove entrevistadas quatro demonstraram interesse pela aacuterea de neonatologia
durante a faculdade e buscaram fazer residecircncia na aacuterea Estas revelaram um encantamento
inicial com a aacuterea principalmente pelo fato de trabalhar com bebecircs com o iniacutecio da vida
Algumas vezes a ideia do nascimento aparece como uma perspectiva positiva principalmente
quando seguida da possibilidade de contribuir com o desenvolvimento dos receacutem-nascidos
Seguem alguns relatos que ilustram isso
ldquoNo final da faculdade eu me apaixonei por Neo E a primeira vez que eu entrei ou na
enfermaria canguru ou aqui eu jaacute senti uma afinidade muito grande Eu natildeo sei explicar
da onde veio tanto amor assim mas eu gosto muito de trabalhar na aacuterea eu tento pensar na
famiacutelia como se fosse minha famiacutelia como eu queria que tratassem um filho meurdquo
(Margarida)
ldquoO meu sentimento em relaccedilatildeo agrave UTI eacute de uma casa mesmo porque eu brinco dizendo
que eu nasci profissionalmente aqui e eacute aqui que eu guardo todo o meu sentimento
tudinho de cuidado neacute Eu cuido dessa UTI como se ela fosse minha mesmo minha
casa a extensatildeo da minha famiacuteliardquo (Angeacutelica)
As demais (outras cinco profissionais) tiveram o direcionamento para a aacuterea a partir do
concurso puacuteblico para a MEJC Duas se destacaram pelos relatos de natildeo desejarem trabalhar
em UTI Neonatal tanto pelo desgaste da rotina como pela dificuldade em lidar com a morte de
bebecircs Apesar disso por questotildees administrativas acabaram integrando a equipe e alegam que
hoje conseguiram resignificar a experiecircncia de trabalhar com bebecircs graves e suas famiacutelias
ldquo Quando eu fui chamada em Marccedilo pra caacute me choquei de antematildeo porque eu natildeo
vim pra UTI Nunca quis trabalhar com Neo Tem uma carga emocional muito
grande se a gente jaacute sofre com perdas de pacientes adultos imagina com crianccedilas
receacutem-nascidas que tem uma vida toda pela frenterdquo (Tulipa)
100
ldquoNa verdade eu nunca tive experiecircncia em UTI E quando eu fui convocada devido
aqui na UTI Neo ter um deacuteficit de funcionaacuterios entatildeo eu meio que fui induzida a
aceitar Como havia essa necessidade entatildeo eles me convenceramrdquo (Amariacutelis)
Apesar da resistecircncia inicial de algumas para trabalhar na UTI Neo o que existe em
comum em todos os relatos eacute o encantamento com o trabalho realizado A possibilidade de
ajudar os bebecircs e suas famiacutelias aparece como um acalento um retorno muito significativo da
dedicaccedilatildeo do trabalho realizado O cuidado com os bebecircs e a possibilidade de vecirc-los sair de
uma situaccedilatildeo limiacutetrofe para uma nova vida faz as profissionais se emocionaram e desejarem
continuar nesta jornada apesar das dificuldades encontradas
Ao buscar compreender o outro a partir de uma perspectiva da fenomenologia
existencial passamos a consideraacute-lo como um ser-no-mundo que se constitui agrave medida que
constroacutei seu caminhar que se planeja realiza projetos mas pode se deparar com situaccedilotildees
diversas das quais imaginava e de uma forma ou de outras vai lidando com isso tudo
Foi interessante o relato de uma profissional que natildeo considerava a sua atuaccedilatildeo na UTI
Neonatal como uma escolha apesar de ter mais de 20 anos de experiecircncia na aacuterea de
Neonatologia iniciou a sua trajetoacuteria tirando feacuterias de uma colega em uma UTI Neonatal seu
primeiro emprego Para a profissional trabalhar nesta aacuterea foi ldquouma oportunidade que depois
virou um caminhordquo natildeo uma escolha por preferecircncia ou identificaccedilatildeo inicial Depois as
oportunidades foram surgindo devido a sua experiecircncia na aacuterea e assim o seu percurso
profissional foi se desenvolvendo
ldquoFoi a oportunidade que surgiu que me fez conhecer e querer seguir essa aacuterea natildeo
foi uma coisa assim ldquoah eu sonhei em fazerrdquo a gente natildeo escolhe a aacuterea a
oportunidade que escolhe a genterdquo (Girassol)
O relato de Girassol traz uma reflexatildeo acerca da indeterminaccedilatildeo do sujeito que
enquanto ser-no-mundo estaacute aberto a possibilidades que vatildeo surgindo e assim um caminho vai
sendo construiacutedo Este caminho eacute incerto natildeo estaacute definido por certezas pautadas na ideia de
101
uma vocaccedilatildeo encapsulada que estaacute presente dentro do indiviacuteduo para ser exercida no mercado
de trabalho O ser-aiacute eacute aberto a possibilidades e vai modificando-se ao longo do percurso da
vida O que poderia natildeo ser imaginado como local de atuaccedilatildeo tempos atraacutes pode tornar-se fonte
de subsistecircncia em outro momento da vida O indiviacuteduo pode resignificar a sua atuaccedilatildeo
profissional e observar de forma diferente o local em que estaacute trabalhando
O que observamos ao longo dos relatos foi que a ideia de trabalhar com bebecircs natildeo
implica necessariamente em uma identificaccedilatildeo ou vocaccedilatildeo originaacuteria agraves vezes tatildeo presente na
concepccedilatildeo do senso comum Mas em possibilidades que surgem e passam a ser consideradas
como parte de um caminho E a magia do caminhar estaacute justamente na possiacutevel transformaccedilatildeo
do caminhante ao olhar novas paisagens e vivenciar novas experiecircncias
Esta reflexatildeo inicial tem o intuito de lanccedilar um olhar para as escolhas destes
profissionais a partir da fenomenologia existencial considerando a indeterminaccedilatildeo do sujeito
Afinal de contas como nos inspiram Feijoo Protaacutesio e Magnam (2014) ldquo Outra determinaccedilatildeo
baacutesica para uma psicologia existencial consiste em tomar o modo de ser e comportar-se do
homem como fundado em seu caraacuteter de indeterminaccedilatildeo e poder-ser ou seja seu modo de ser
encontra-se sempre em jogo no seu existir Sendo a existecircncia marcada pela indeterminaccedilatildeo
natildeo eacute possiacutevel prescrever ou determinar o melhor caminho a seguirrdquo (p 58)
A partir deste olhar para a indeterminaccedilatildeo do sujeito considerando o horizonte
histoacuterico as limitaccedilotildees nas quais estatildeo imersos partiremos para o outro toacutepico que contempla
o trabalho na UTI Neonatal
2- As dificuldades do trabalho em uma UTI Neonatal
A UTI Neonatal na MEJC foi ampliada no ano de 2017 passando a apresentar duas
unidades com capacidade para atender 23 receacutem-nascidos Compotildee a UTI Neonatal um
corredor central com uma sala aberta para os prontuaacuterios uma sala de apoio com equipamentos
uma copa as salas de descanso e uma sala de acolhimento (tambeacutem receacutem-inaugurada)
102
Eacute um local frio em termos de temperatura de ausecircncia de cores da presenccedila de um
maquinaacuterio sofisticado da luz constante e contiacutenua que gera uma distacircncia em relaccedilatildeo ao que
ocorre fora das instalaccedilotildees da UTI Natildeo existem janelas nas aacutereas dedicadas ao tratamento dos
receacutem-nascidos e consequentemente ao trabalho dos profissionais de sauacutede Isto foi relatado
por uma das profissionais como uma caracteriacutestica do trabalho na UTI Neonatal
ldquoEu acho que a dificuldade eacuteo confinamento eacute vocecirc taacute num lugar que vocecirc natildeo vecirc se
eacute de dia se eacute de noite se taacute chovendo se taacute fazendo sol entendeu O ambiente fechado
ao longo do tempo ele pesa Eacute tanto que quando fizeram a reforma daqui eu disse ldquoai
que coisa boa Vai ter janelardquo porque acredito ateacute que eacute uma coisa boa pras crianccedilas
tomar banho de solrdquo (Girassol)
Sentir-se confinado em um ambiente sem janela sem saber se eacute dia ou noite eacute um fator
que pode gerar um incocircmodo maior para alguns profissionais como no relato apresentado por
Girassol Fizemos uma analogia a esta flor que busca constantemente o sol para o seu
desenvolvimento com a profissional que se sente inserida em um ambiente que apresenta uma
caracteriacutestica de confinamento Este confinamento faz parte da atuaccedilatildeo da maior parte dos
profissionais da UTI Neonatal com exceccedilatildeo para a as aacutereas da psicologia e serviccedilo social que
circulam pelas instalaccedilotildees do hospital inclusive para dar assistecircncia agraves matildees dos bebecircs
Alguns estudos apontam que trabalhar em local confinado eacute uma dificuldade vivenciada
pelos profissionais de sauacutede Algo que gera um certo incocircmodo tanto em relaccedilatildeo agrave falta da luz
solar como tambeacutem quanto aos cheiros e agrave temperatura Na tentativa de humanizar o ambiente
algumas estrateacutegias satildeo sugeridas como colocar um pano em cima das incubadoras para
ldquoinduzirrdquo um ciclo de dia-noite diminuir o volume dos ruiacutedos sonoros ou substituiacute-los por
alarmes luminosos Estas praacuteticas tem o intuito de reduzir o impacto das consequecircncias do
confinamento para os pacientes Para os profissionais entretanto pode gerar mais demanda de
trabalho mais atividades para executar (Brasil 2003 Lamego Deslandes e Moreira 2005
Rocha Souza e Teixeira 2015)
103
Outra dificuldade apresentada por vaacuterios profissionais entrevistados refere-se agrave
sobrecarga de trabalho em especial para a categoria de teacutecnicos de enfermagem que apresenta
um nuacutemero inferior ao necessaacuterio para atendimento dos receacutem-nascidos
ldquo A gente passa muitos periacuteodos difiacuteceis por ter menos teacutecnicos de enfermagem do
que deveria ter Porque a gente sabe que um teacutecnico soacute pode ficar com tantos nuacutemeros
de bebecircs quando ele fica com mais bebecircs pra cuidar do que ele deveria ficar isso acaba
levando a maior risco de erros de sobrecarga pra aquele profissional E acontece erros
na assistecircncia por conta dissordquo (Orquiacutedea)
ldquoEles se preocupam em abrir leitos leitos Mas natildeo compreendem que tecircm poucos
profissionais pra isso e que deveriam bloquear Tem dias que a gente tem que ficar
com seis teacutecnicos cinco teacutecnicos pra vinte um vinte e dois bebecircs e isso natildeo eacute correto
e acaba deixando a gente tenso porque a gente trabalha sob uma certa pressatildeo Eacute tanto
que vaacuterios teacutecnicos que entraram aqui muitos jaacute saiacuteram com atestado psiquiaacutetricordquo
(Amariacutelis)
A sobrecarga leva os profissionais a trabalharem no limite do desgaste fiacutesico e
psicoloacutegico podendo resultar no afastamento do trabalho por motivos de sauacutede De acordo com
o Relatoacuterio de Absenteiacutesmo da Maternidade (referente ao periacuteodo de 20161) 8273 dos
afastamentos satildeo para tratamento de sauacutede e a categoria que apresenta o maior nuacutemero de
atestados eacute a de teacutecnicos de enfermagem O relatoacuterio confirma portanto os relatos apresentados
pelos profissionais
Vaacuterios estudos afirmam que o ambiente da UTI Neonatal pode exercer uma influecircncia
negativa sobre a sauacutede de seus profissionais devido a tensatildeo e estresse presentes em um local
onde sucesso e fracasso oscilam rapidamente e vida e morte estatildeo presentes de forma intensa
Como satildeo locais que utilizam tecnologia muito avanccedilada as exigecircncias para a atualizaccedilatildeo dos
profissionais satildeo constantes De acordo com os autores a sobrecarga de trabalho caracteriza-se
pela falta de profissionais suficientes para a demanda de bebecircs que somada agrave falta de preparo
104
da equipe teacutecnica e ao espaccedilo fiacutesico inadequado comprometem sobremaneira a qualidade de
vida dos trabalhadores (Fogaccedila et al 2008 Rocha Souza Teixeira 2015 Fogaccedila 2010)
A partir dos relatos apresentados gostaria de propor uma reflexatildeo sobre como os
profissionais se sentem diante deste contexto de trabalho Para tanto buscarei inspiraccedilatildeo em
Heidegger (2007) em ldquoA questatildeo da teacutecnicardquo A inspiraccedilatildeo necessaacuteria para refletir sobre o
contexto de atuaccedilatildeo destes profissionais de sauacutede mas sem a pretensatildeo de elucidar alguma
questatildeo como bem pontua Heidegger (2007 p 375) ldquoo questionar constroacutei num caminhordquo
Vamos portanto trazer elementos que envolvam a questatildeo teacutecnica
Ao falar sobre teacutecnica podemos assumir os dois sentidos o domiacutenio do conhecimento
teacutecnico propriamente dito ou seja o conhecer e saber fazer e o horizonte histoacuterico no qual
estamos imersos a era da teacutecnica que valoriza o saber a velocidade das informaccedilotildees os
resultados o pensamento calculante (Heidegger 2007)
Uma atmosfera que nos conduz a agir para dar respostas a um mundo praacutetico que
valoriza a objetividade a rapidez e o retorno seja este financeiro de status de reconhecimento
Assim as pessoas vatildeo correndo contra o tempo para atingir objetivos previamente definidos e
agraves vezes sem mensurar possiacuteveis consequecircncias das escolhas realizadas A era da teacutecnica
produz um discurso ora expliacutecito ora posto nas entrelinhas do que eacute aceitaacutevel valorizado
Como pode ser observado no relato a seguir
ldquoE se vocecirc cometer algum erro Quem vai responder eacute vocecirc que tava na assistecircncia
Aiacute se a gente recusa alegam logo que a gente taacute negando assistecircncia Muitas das
vezes tecircm alguns profissionais que natildeo sabem abordar e diz que vocecirc tem que dobrar
Natildeo sei nem dizer se eacute isso uma ameaccedila mas vocecirc se sente coagidaldquoAh vocecirc
abandonou eacute abandono issordquo (Amariacutelis)
Este eacute apenas um trecho de um relato bem extenso sobre este conflito vivido pela
profissional Ao falar ela repetia que natildeo estava abandonando os bebecircs e que natildeo considerava
correto permanecer no trabalho sem as condiccedilotildees fiacutesicas e emocionais para isto Foi um discurso
105
que envolvia sentimentos contraditoacuterios como a culpa e a indignaccedilatildeo diante das exigecircncias
impostas e das consequecircncias geradas Como exigir que um profissional permaneccedila em uma
atividade aleacutem dos seus limites ainda mais se esta atividade caracterizar-se pela assistecircncia a
pacientes graves muitas vezes em consiccedilotildees limiacutetrofes entre a vida e a morte
O que fazer diante de um discurso que gera cobranccedila ameaccedila e ateacute culpa Um discurso
que tantas vezes estaacute internalizado nos proacuteprios profissionais que precisam decidir entre o que
pode ser considerado abandono e a permanecircncia altruiacutesta que pode resultar em falhas e ateacute na
morte dos bebecircs O abandono eacute efetivamente uma escolha ou ele estaria presente de uma forma
ou de outra em ambas as alternativas Se analisarmos mais profundamente tambeacutem estaacute
presente mesmo que temporariamente nas outras demandas da vida famiacutelia estudo descanso
No deixar de lado o que aparentemente pode soar como supeacuterfluo diante da complexidade de
pacientes graves Mas ao longo do tempo por repetidas vezes o que poderia significar este
tipo de abandono
O discurso cheio de paradoxos estaacute presente no cotidiano destes profissionais
refletindo uma expectativa social do papel dos profissionais de sauacutede A ideia da
responsabilidade pela manutenccedilatildeo da vida da necessidade de zelo e dedicaccedilatildeo na assistecircncia
ao paciente ou mesmo da caridade destinada aos doentes Como pode ser observado na
profissatildeo de enfermagem que teve a sua origem nas irmatildes de caridade que abdicavam da sua
vida para atender aos doentes mais necessitados A origem dos hospitais tambeacutem estaacute
inicialmente vinculada ao atendimento das pessoas mais carentes e que natildeo tinham os cuidados
familiares durante a enfermidade (Padilha Mancia 2005 Ministeacuterio da Sauacutede 1944)
Estes satildeo exemplos de raiacutezes histoacutericas que podem contribuir para gerar esta
obrigatoriedade de ldquodoaccedilatildeordquo de tempo e esforccedilo aleacutem do limite como uma obrigaccedilatildeo para os
profissionais da aacuterea de sauacutede Satildeo mensagens que permenecem tantas vezes na sociedade
interferindo nas expectativas e na percepccedilatildeo sobre o papel dos profissionais de sauacutede
106
Aleacutem destas questotildees o horizonte histoacuterico da nossa eacutepoca influencia sobremaneira nos
comportamentos dita os costumes orienta a respeito do que eacute considerado certo e errado
reprovaacutevel ou louvaacutevel A era da teacutecnica pode ser compreendida portanto como o nosso
horizonte histoacuterico que influencia as nossas atitudes diante dos desafios cotidianos De acordo
com Heidegger (2007 p 380)
O desafio que estaacute presente no discurso trazido pelas miacutedias de comunicaccedilatildeo em massa
ressaltando a capacidade do homem de vencer obstaacuteculos de propor cura para novas doenccedilas
de buscar mecanismos de prorrogar a juventude ou de procrastinar o envelhecimento Os
homens que satildeo movidos a desafioscomo ldquolutar com um dragatildeo todos os diasrdquo (Amariacutelis)
Fazendo uma analogia com os filmes e quadrinhos vivemos em um mundo que valoriza
o super-heroacutei aquele que resolve todos os problemas que encontra soluccedilotildees enfrenta
dificuldades e assume as consequecircncias O super-heroacutei que eacute responsaacutevel pela conduccedilatildeo da sua
vida carreira escolhas Eacute aquele que precisa encontrar superpoderes para enfrentar os
obstaacuteculos Eacute o sujeito idealizado forte e capaz de alcanccedilar os resultados almejados Seraacute que
realmente conseguimos lidar continuamente com a sobrecarga
ldquoO que cansa realmente na UTI Neonatal eacute a sobrecarga Eacute a gente tem um trabalho
de alta complexidade e a gente natildeo tem tanta maleabilidade de horaacuterio de trocas Em
ldquoA teacutecnica natildeo eacute portanto meramente um meio Eacute um modo de desabrigar Se
atentarmos para isso abrir-se-aacute para noacutes um acircmbito totalmente diferente para a
essecircncia da teacutecnica Trata-se do acircmbito do desabrigamento isto eacute da verdade O
desabrigar imperante na teacutecnica moderna eacute um desafiar que estabelece para a natureza
a exigecircncia de fornecer energia suscetiacutevel de ser extraiacuteda e armazenada enquanto tal
Eacute um extrair na medida em que explora e destaca Este extrair contudo permanece
previamente disposto a exigir outra coisa isto eacute impelir adiante para o maacuteximo de
proveito a partir do miacutenimo de despesas O desabrigar que domina a teacutecnica moderna
tem o caraacuteter do pocircr no sentido do desafiordquo
107
relaccedilatildeo a insalubridade a gente recebe a mesma coisa setor fechado lidar com morte
assimrdquo (Violeta)
ldquoEu jaacute vi relatos de teacutecnica de enfermagem chorando muito por ter tido uma situaccedilatildeo
que por erro dela um bebecirc por exemplo poderia ter pedido a perna Se doeu tanto
pra ela aquele erro eacute porque ela se identifica com o trabalho natildeo eacute uma falta de
identificaccedilatildeo mas a sobrecarga que aumenta a chance de erro que jaacute eacute decorrente da
falta de pessoalrdquo (Rosa)
Um ciclo vicioso se configura a falta de profissionais leva agrave sobrecarga que por um
lado pode promover o adoecimento e gerar mais ausecircncias e aumentar a sobrecarga para os que
ficam e por outro lado amplia o desgaste fiacutesico e psicoloacutegico resultando em possiacuteveis falhas
e ateacute na morte de pacientes
Aleacutem das questotildees referentes ao ambiente de trabalho relatos tambeacutem trazem uma
reflexatildeo sobre as pressotildees inerentes agrave atividade ao trabalho e as consequecircncias do mesmo
Retratam o profissional de sauacutede buscando a cura tentando evitar o erro as falhas pelas
consequecircncias que podem gerar
ldquoEacute uma pressatildeo de que tem que dar certo porque por traacutes de uma crianccedila tem uma
famiacutelia Eu sinto que eu tenho que fazer o meu maacuteximo o meu melhor Quase o
impossiacutevel pra que tudo decirc certo pra que isso natildeo cause sofrimento pras pessoasrdquo
(Tulipa)
Novamente se coloca em ecircnfase o domiacutenio da teacutecnica dos instrumentos do
conhecimento que promova um retorno positivo para os pacientes Heidegger nos faz refletir
sobre esse aspecto ao afirmar que ldquoA teacutecnica moderna eacute um meio para fins Por isso todo
esforccedilo para conduzir o homem a uma correta relaccedilatildeo com a teacutecnica eacute determinado pela
concepccedilatildeo instrumental da teacutecnica Tudo se reduz ao lidar de modo adequado com a teacutecnica
enquanto meio Pretende-se dominaacute-lardquo (Heidegger 2007 p 376)
E o que seria esse escapar do domiacutenio dos homens A morte poderia ser essa
possibilidade inerente agrave vida e que foge ao controle dos homens Por isso assusta
108
desestabiliza gera frustraccedilatildeo e desconforto para os que ficam Sobre este toacutepico que envolve
os sentimentos diante da morte dos receacutem-nascidos iremos abordar a seguir
3-Os sentimentos diante da morte de receacutem-nascidos
Este toacutepico eacute dedicado aos sentimentos relatados pelos profissionais diante da morte de
receacutem-nascidos Alguns relatos revelam sentimentos de impotecircncia e frustraccedilatildeo Tambeacutem eacute
contemplada a aparente contradiccedilatildeo de se pensar em morte na maternidade local associado agrave
ideia de vida Como se a morte tivesse um lugar para chegar e fosse inaceitaacutevel em outros
contextos Assim se configura o pensamento dicotocircmico refletido em paradoxos vida e morte
certo e errado verdade e natildeo-verdade Natildeo existe lugar certo para morte assim como natildeo haacute
verdade absoluta nem uma uacutenica explicaccedilatildeo para os fatos A morte eacute algo inerente a vida
Somos desde o nascimento um ser-para-a-morte Por assim dizer natildeo existe hora nem lugar
adequado para morrer (Heidegger 1927 2015)
ldquoEacute porque assim quando a gente pensa em maternidade a gente pensa na vida
quando a gente pensa em UTI a gente pensa em salvar vidas E a gente salva Salva
Mas quando eu falo em impotecircncia O sentimento que a gente tem de forma geral eacute
que chega um momento que a gente natildeo tem o que fazer Aiacute a gente precisa lidar
com essa morteIsso daacute uma sensaccedilatildeo de impotecircncia muito granderdquo (Iacuteris)
A sensaccedilatildeo de ver o sofrimento e natildeo poder fazer nada para evitar aquilo gera
sofrimento nos proacuteprios profissionais Principalmente quando se colocam no lugar do outro
da matildee que sofre ao perder um filho tatildeo amado e desejado Estes sentimentos de impotecircncia e
tristeza tambeacutem aparecem em outros estudo dedicados agrave experiecircncia dos profissionais de sauacutede
em relaccedilatildeo agrave morte de pacientes (Costa Lima 2005 Bernieri Hirdes 2007 Poles Bolso
2006 Shimizu 2007 Sadala Silva 2009 Souza e Ferreira 2008)
109
Outro aspecto tambeacutem relevante estaacute na intensidade dos viacutenculos estabelecidos Como
se apresenta no relato de Violeta quanto maior for o viacutenculo do profissional com o paciente e
seus familiares maior eacute o sofrimento do profissional diante da morte do receacutem-nascido
ldquo Tem alguns bebecircs eu natildeo sei explicar porque a morte eacute mais dolorosa Eu oro
pelos pais pela famiacutelia sinto pelo bebecirc tambeacutem Aqui eu jaacute tive dois que me
marcaram muito tambeacutem pelo contato com a matildee contato com o bebezinho era uma
matildee que tinha um viacutenculo muito bom com a equipe (Violeta)
Talvez por isso alguns profissionais desenvolvam o que autores (Gerow Conejo
Alonzo et al 2009) denominaram de ldquocortina de proteccedilatildeordquo estabelecendo um certo
distanciamento dos pacientes considerados mais graves tentando se proteger do sofrimento
conforme pode ser constatado nos relatos a seguir
ldquoA gente cria mecanismos de defesa Porque quem cria um viacutenculo afetivo perde a
capacidade de cuidar Entatildeo vocecirc natildeo vai cortar vocecirc natildeo vai furar vocecirc natildeo vai fazer
uma coisa que doa numa pessoa que vocecirc goste Algueacutem precisa fazer essa parteA
gente natildeo fica insensiacutevel mas cria formas de se protegerrdquo (Girassol)
ldquoQuem cria um viacutenculo afetivo perda a capacidade de cuidarrdquo Este trecho da fala diz
muita coisa E cabe algumas ressalvas A referecircncia da profissional agrave capacidade de cuidar
remete agrave ideia de uma dificuldade para realizar os procedimentos em virtude de um abalo
emocional diante do sofrimento do outro A compreensatildeo do cuidado pela ontologia
Heideggeriana entretanto concebe esta atuaccedilatildeo profissional como uma forma de cuidado Uma
vez que somos cuidado ateacute a indiferenccedila se configura como cuidado (Heidegger 1927 2015)
A profissional apresenta a necessidade de criar maneiras de se proteger do sofrimento
para que possa realizar os procedimentos necessaacuterios como tambeacutem para que ela consiga
suportar o trabalho na UTI Neonatal O relato a seguir demonstra mais explicitamente esta
necessidade de criar mecanismos de proteccedilatildeo para continuar trabalhando
110
ldquoAcho que natildeo era nem um mecircs que eu tava aqui entraram na parada meacutedico
enfermeiro fisio E eu fiquei olhando de fora e assim a pressatildeo caiu eu fiquei sudorenta
na hora e o bebecirc morreu Quando a matildee chegou ai eles botam no colo o bebecirc morto no
colo Vocecirc natildeo tem noccedilatildeo de como eu passei mal Eu desci fiquei na calccedilada
chorando Ai depois ateacute a meacutedica a chefe da UTI disse ldquoAf Maria vocecirc era pra taacute num
shopping vendendo roupa natildeo era pra taacute aqui natildeordquo eu disse ldquome respeiterdquo Depois eu
cheguei em casa mal chorei abracei muito minha filha Foi bem difiacutecilE ai as coisas
foram acontecendo eu fui entrando mais no clima Daquela parte emocional vocecirc tenta
dar um freio colocar um limite entre vocecirc mesma e aquilo que taacute acontecendo pra que
vocecirc natildeo sofra tantordquo (Tulipa)
O proacuteprio contexto exige do profissional a postura considerada adequada Ateacute os colegas
de trabalho podem ser severos diante da expressatildeo dos sentimentos dos demais Valoriza-se o
controle emocional a assertividade na resoluccedilatildeo das situaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da teacutecnica Assim
este limite ou freio apresentado no trecho acima passa a ser uma exigecircncia do proacuteprio
profissional como algo inerente ao trabalho como uma condiccedilatildeo para sobreviver naquele
ambiente Eacute preciso ldquoentrar no climardquo O clima falado reflete agrave atmosfera do ambiente ao
como as coisas funcionam aos comportamento considerados adequados ao ambiente mais frio
e racional
De fato podemos pensar que ningueacutem aguentaria passar mal da forma que foi
apresentada todas as vezes que morresse um bebecirc Mas por outro lado refletimos sobre o
quanto esta profissional se sentiu sozinha para lidar com estas emoccedilotildees tatildeo humanas tatildeo
passiacuteveis de serem expostas
Os relatos demonstram portanto a necessidade de ocorrer um afastamento dos
profissionais diante da possibilidade de morte iminente uma certa preparaccedilatildeo para o que pode
ocorrer como uma forma de proteccedilatildeo de minimizar o sofrimento Entretanto quando a morte
eacute anunciada por sinais e sintomas alguns comportamentos para lidar com isto vatildeo surgindo
seja de afastamento de conformismo de aceitaccedilatildeo Quando a morte ocorre diante de um bom
111
prognoacutestico surpreende aparece como um evento assustador podendo gerar maior sofrimento
nos profissionais
ldquo Quando vocecirc comeccedila a perceber que aquele bebecirc taacute piorando piorando vocecirc comeccedila
a se afastar vocecirc atende outro vocecirc natildeo fica mais com ele As pessoas se organizam
quando a gente percebe que algueacutem taacute com um viacutenculo muito forte com o bebecirc aiacute jaacute
comeccedila a tirar de perto jaacute comeccedila a botar com outro entendeu Todo mundo vai meio
que se cuidando porque sabe que a perda vai existir e se a gente sofrer por todas as
perdas como uma pessoa da famiacutelia a gente vai junto entendeurdquo (Girassol)
Surgem portanto as estrateacutegias de preservaccedilatildeo diante do sofrimento No relato acima
pode-se verificar um apoio aos colegas no sentido de tentar evitar um maior vinculo com os
pacientes que apresenta um prognostico ruim O distanciamento aparece como possibilidade
Uma forma de diminuir o sofrimento do profissional
Diante do exposto poderiacuteamos nos questionar De onde vecircm os sentimentos de
impotecircncia e frustraccedilatildeo diante da morte Por que os profissionais de sauacutede se sentem frustrados
e impotentes Eacute interessante a partir desses questionamentos refletirmos sobre o nosso
horizonte histoacuterico Novamente as ideias de Heidegger (1927 2015) nos inspiram para abordar
a questatildeo da era da teacutecnica do quanto eacute difiacutecil natildeo ter o controle sobre as coisas sobre os
acontecimentos do mundo
De acordo com Heidegger (2007 p 376) ldquoO querer-dominar se torna tatildeo mais iminente
quanto mais a teacutecnica ameaccedila escapar do domiacutenio dos homensrdquo Quanto mais difiacutecil for o
desafio e maior a probabilidade de perder o controle o homem tende a buscar novas soluccedilotildees
e alternativas como se lutasse contra algo que incomoda pelo simples fato de resistir ao
aparente controle Este querer-dominar pode estar presente na difiacutecil decisatildeo da hora de tentar
parar de salvar um paciente que jaacute daacute sinais de despedida A decisatildeo sobre a hora de parar eacute
muito difiacutecil para alguns profissionais como pode ser observado no seguinte relato
ldquoUma das coisas mais difiacuteceis eacute vocecirc optar pelo fim de uma reanimaccedilatildeo As diretrizes
mandam que com 10 minutos 15 minutos de reanimaccedilatildeo em assistolia o coraccedilatildeo natildeo
taacute mais batendo vocecirc paacutera de reanimar Noacutes jaacute reanimamos menino aqui por mais de
112
hora Que vocecirc natildeo quer acreditar que ele morreu Esse momento realmente eacute o
momento mais difiacutecil A hora de parar Agraves vezes quando vocecirc diz assim ldquonatildeo vou
maisrdquo vocecirc sente que alguns olhares lhe bombardeiam dizendo assim ldquoPor que Tente
mais um pouquinhordquo Esse momento realmente eacute o conflito dentro da UTI A hora de
pararrdquo (Angeacutelica)
Definir qual a hora de parar aparece como uma grande dificuldade eacute como reconhecer
que existe um limite e junto com ele o sentimento de impotecircncia Existe uma cobranccedila pela
cura tanto por parte dos proacuteprios profissionais como tambeacutem pelos familiares A sensaccedilatildeo de
esgotar todas as possibilidades surge como uma forma de dizer que tudo que era possiacutevel foi
feito O difiacutecil eacute reconhecer quando natildeo eacute mais possiacutevel
Outra profissional tambeacutem falou a respeito da hora de parar ao retratar uma situaccedilatildeo na
qual uma residente estava desesperada e pediu para retirar a famiacutelia da UTI Neonatal Ao falar
com a meacutedica a residente pedia para tentar novamente e a meacutedica respondeu ldquoMas vocecirc sabe
que a gente jaacute tentou e natildeo deu certo e isso soacute faz gerar um sofrimento nesse bebecirc a mais
porque assim natildeo tem muito o que fazerrdquo
Ateacute que ponto esta tentativa de evitar a morte era o melhor para o paciente Natildeo seria o
reflexo dessa dificuldade do profissional em lidar com a morte com as perdas Os relatos
abordam a dificuldade de tomar uma decisatildeo que envolve a vida do paciente e nos remete a um
sentimento de responsabilidade e culpa diante destas situaccedilotildees Como pode ser observado de
forma mais expliacutecita nos trechos de depoimentos a seguir
ldquoToda a vida que um bebecirc vai a oacutebito Eu acabo sentindo muito porque eacute como se a
gente carregasse a culpa nas nossas costas (Choro) Entatildeo natildeo tem como natildeo se sentir
responsaacutevel por aquele oacutebito Ou porque a gente fica sempre pensando ldquoSeraacute que foi
porque eu natildeo orientei a minha equipe de forma adequada Seraacute que eacute porque eu natildeo
orientei os estudantes de forma adequada Foi alguma coisa que eu deixei passarrdquo
ldquoSeraacute que eu natildeo fui a responsaacutevel rdquo(Orquiacutedea)
113
ldquo CulpaCulpa Eu fiz o que foi que eu errei Aonde foi que eu errei E aiacute tem que
parar Repensar e natildeo baixar a cabeccedila se frustrar Tem muita gente que endoida
porque a profissatildeo eacute cruel Tem muita colega nosso que ou comeccedila a usar remeacutedio ou
faz quadros de depressatildeo porque eacute difiacutecil vocecirc lidar justamente com esse turbilhatildeo de
emoccedilotildees que se passa dentro do dia a diardquo (Angeacutelica)
Nestes relatos a culpa entra em cena com algo que incomoda profundamente as
participantes Mas o que seria essa culpa Uma culpa atrelada a uma responsabilidade de cuidar
dos pacientes de gerenciar uma equipe de buscar salvar vidas e evitar erros e falhas Uma
culpa inerente a uma condiccedilatildeo humana ao ser-no-mundo
A culpa e a anguacutestia satildeo caracteriacutesticas ontoloacutegicas do homem enquanto ser-no-mundo
Satildeo inerentes ao Dasein enquanto ser jogado no mundo que precisa reafirmar-se
cotidianamente durante a sua existecircncia (Ferreira 2002 Boss 1981)
Reafirmar-se cotidianamente pode ser percebido como um fardo bem pesado talvez
por isso o homem caia na impessoalidade na decadecircncia Eacute importante ressaltar que cair na
decadecircncia natildeo significa sair de um estaacutegio superior para um inferior a decadecircncia eacute uma
determinaccedilatildeo existencial indicando que o homem encontra-se entregue agrave impessoalidade do
cotidiano Trata-se de uma condiccedilatildeo da existecircncia humana pois mesmo decadente o homem
estaacute de alguma forma sendo E esta forma de ser eacute a de um modo natildeo proacuteprio de ser
(Heidegger 1927 2015)
A culpa por sua vez eacute o fundamento ontoloacutegico do homem decadente faz parte do ser
portanto pode-se compreender que ldquoa culpa eacute a determinaccedilatildeo ontoloacutegica do existencial da
facticidade nesse sentido ela eacute um modo de ser do ser-aiacute faacutetico e diz respeito ao fato de o
homem estar-lanccedilado no mundo e misturado com elerdquo (Ferreira 2002 p1)
Podemos compreender a partir da afirmaccedilatildeo anterior que todos noacutes sentiremos culpa
Uma vez que a facticidade eacute a forma mais ordinaacuteria do ser-aiacute no sentido de a forma mais
114
comum a culpa nos acompanharaacute ao longo da existecircncia Seraacute algo inerente ao nosso ser que
estaacute destinado a ser sendo e no cotidiano da vida estar continuamente se reafirmando
Entatildeo quando vivo em um mundo na impessoalidade em meio ao falatoacuterio a
ambiguidade e a curiosidade estou suscetiacutevel agrave culpa de natildeo ser o que queria ser de natildeo cumprir
com os padrotildees estabelecidos pelo mundo de falhar com o que foi prescrito ou previsto
anteriormente A culpa de natildeo cumprir ou natildeo me encaixar nos padrotildees previamente
estabelecidos A culpa expressa pela locuccedilatildeo adverbial ldquodeveria ter feitordquo Eacute o futuro do
preteacuterito do indicativo que indica um arrependimento de um passado que natildeo mais se
materializaraacute no futuro algo que natildeo tem mais volta Embora deixe no lugar da resoluccedilatildeo a
culpa
A partir destas reflexotildees pode surgir uma pergunta como diminuir esta culpa Para
pensarmos sobre isso caberia falar sobre o horizonte histoacuterico em que vivemos que dita o que
eacute certo e o que eacute errado O que eacute aceito ou rejeitado socialmente Nos contos dos heroacuteis da Idade
Antiga natildeo se falava em culpa pela morte dos outros inimigos natildeo eram acusados de assassinos
Eram respeitados e tratados como guerreiros corajosos por salvarem toda uma populaccedilatildeo das
ameaccedilas externas (Bulfinch 2014)
Muitos fatores influenciam a sociedade na determinaccedilatildeo de quem seriam os culpados e
os inocentes as religiotildees a cultura os papeacuteis sociais os costumes de um povo tambeacutem falam
sobre culpa Em uma sociedade com a medicina pouco desenvolvida com as pestes e outras
doenccedilas assolando a humanidade em meio a condiccedilotildees higiecircnicas e de saneamento degradantes
como na eacutepoca da peste negra na Europa Medieval talvez os meacutedicos natildeo fossem acusados de
tantas mortes ou natildeo se sentissem culpados diante de um cenaacuterio tatildeo complexo de infortuacutenios
e orientado pelos paracircmetros divinos preconizados pela Igreja Natildeo era o homem que estava no
centro da vida e sim a vontade divina Mas decerto outros tipos de culpas existiam como faltar
ou deixar de cumprir com alguma determinaccedilatildeo da Igreja
115
A culpa eacute por assim dizer inerente a condiccedilatildeo de dasein ldquoPor que o dasein eacute culpado
O proacuteprio dasein faz uma escolha ele natildeo pode transferir a responsabilidade para o eles ou para
alguma pessoa Toda escolha vai ter consequecircncias que o dasein natildeo previu nem
pretendeurdquo(Inwood 2004 p 99)
A culpa eacute tatildeo cotidiana quanto viver na impessoalidade Em uma sociedade que
centraliza o homem e lhe oferece o poder de decidir sobre a vida que oferece tantas
possibilidades de escolha o ldquodeveria ter feitordquo pode tornar-se mais frequente Quando a
referecircncia estaacute no mundo e vive-se na impropriedade a culpa existiraacute na proporccedilatildeo que o ser
introjeta os valores deste mundo
Em meio agraves afetaccedilotildees e sentimentos os profissionais de sauacutede vatildeo realizando as suas
atividades envolvidos nas relaccedilotildees com os outros os quais fazem parte do seu ambiente de
trabalho O proacuteximo toacutepico eacute dedicado justamente a estas relaccedilotildees agrave convivecircncia cotidiana dos
profissionais com os receacutem-nascidos com as matildees dos pacientes e com os proacuteprios colegas de
trabalho
4 ndash O ser-com-os-outros as matildees dos pacientes os receacutem-nascidos e os colegas de
trabalho
Heidegger (19272015) nos apresenta o ser-com como um existencial O modo de
presenccedila do ser-no-mundo se daacute na co-presenccedila com outros daseins ou seja o homem vive em
relaccedilatildeo com os outros mesmo quando estes natildeo estatildeo presentes fisicamente naquele momento
O homem eacute inerentemente um ser em relaccedilatildeo com outros seres (daseins) Eacute justamente sobre
essa relaccedilatildeo que iremos abordar neste toacutepico
Ao olharmos para a UTI Neonatal aleacutem do ambiente fiacutesico precisamos considerar que
ela se constitui como uma rede de relaccedilotildees entre as pessoas que por laacute transitam Cada
profissional de sauacutede precisa lidar no seu cotidiano com os colegas de trabalho com os bebecircs
em tratamento e com os familiares que frequentam o ambiente da UTI Neonatal principalmente
116
as matildees Satildeo vaacuterios ldquooutrosrdquo que interferem na execuccedilatildeo das atividades que opinam
questionam provocam reaccedilotildees Com o foco nas relaccedilotildees que os profissionais estabelecem
iniciaremos por abordar a percepccedilatildeo que os mesmos tecircm sobre a presenccedila das matildees nas
instalaccedilotildees da UTI Neonatal
ldquoEacute muito complicado sabe Natildeo eacute o fato da presenccedila porque a gente acha que eacute
importante ela acompanhar todo o processo Ela precisa ver ela precisa saber o que
taacute acontecendo natildeo pode existir um buraco entre o nascimento e a morte O problema
eacute que hoje a gente lida com pessoas muito emocionalmente eu natildeo sei se eacute
desequilibrada mas com pessoas que transferem pra gente um monte de noacuteia Por
exemplo trata mal interfere no procedimento As pessoas natildeo confiam como se a
gente saiacutesse de casa todo dia pra fazer o errado e natildeo todo mundo sai de casa pra
fazer o melhor Eacute como se a gente tivesse o tempo todo sendo julgadordquo (Girassol)
A presenccedila das matildees eacute defendida pelas poliacuteticas de humanizaccedilatildeo como algo
fundamental para os bebecircs Os profissionais reconhecem isso mas tambeacutem apontam que os
familiares interferem questionam a conduta adotada sofrem durante os procedimentos enfim
acabam sendo mais um motivo de preocupaccedilatildeo Como lidar com matildees que choram e
questionam o procedimento ao tentar localizar uma veia em um receacutem-nascido
Os familiares fazem parte das relaccedilotildees que os profissionais estabelecem no ambiente de
trabalho Eles compotildee parte da histoacuteria dos pacientes pequenos seres que jaacute inspiraram novos
projetos e ressignificaram vidas As matildees satildeo tatildeo importantes nessa relaccedilatildeo que podemos
perceber no trecho do relato acima uma preocupaccedilatildeo relevante ldquo Natildeo pode existir um buraco
entre o nascimento e a morterdquo A matildee precisa saber o que aconteceu precisa participar tornar-
se parte do processo Caso contraacuterio como ela ficaraacute depois Entre o nascimento e a morte fatos
aconteceram Neste ldquoentrerdquo o receacutem-nascido se constitui enquanto ser-no-mundo Este ldquoentrerdquo
envolve a sua histoacuteria
117
Os relatos apresentam as cobranccedilas dos pais as pressotildees exercidas sobre os profissionais
em relaccedilatildeo agraves condutas adotadas Satildeo situaccedilotildees muito delicadas que envolvem o risco de morte
de um filho as dificuldades de lidar com isso as desconfianccedilas No trecho a seguir uma
profissional fala a respeito da reuniatildeo que realiza com as matildees no intuito de escutaacute-las e tentar
esclarecer alguma duacutevida que possa ter surgido
ldquoUma das reclamaccedilotildees frequentes eacute que ldquoah aquele doutor eu vou perguntar uma
coisa a ele ele eacute muito seco ele eacute muito friordquo aiacute ldquonatildeo natildeo eacute que ele seja frio eacute porque
tem outros mais melososrdquo Tem uma colega nossa que eu disse ldquose eu tivesse de receber
uma notiacutecia ruim eu queria receber por vocecircrdquo porque ela eacute assim ldquomatildeezinha o seu
bebezinho taacute assim gravinhordquoTem outros que a matildee chega ldquocomo eacute que taacute meu
bebecircrdquo ldquotaacute estaacutevelrdquo O que eacute estaacutevel pra vocecirc Por isso que vem as mais diversas
reclamaccedilotildeesldquoEu natildeo gosto que tal teacutecnico de enfermagem fique com o meu bebecirc
porque ele vai laacute faz o que tem pra fazer volta pra mesa pega o celular e fica usandordquo
Entatildeo essa sensaccedilatildeo meio que de abandono tambeacutem judia da matildee neacute Ela quer entrar
ali ela quer ser acolhidardquo (Angeacutelica)
Uma reflexatildeo interessante sobre essa relaccedilatildeo com o outro envolve uma complexidade de
expectativas dos profissionais dos pacientes sobre o que eacute esperado deles qual a forma de
conduta mais adequada Enfim se no cotidiano criamos expectativas sobre o comportamento
das pessoas imagine como estas ficam agrave flor da pele em situaccedilotildees de hospitalizaccedilatildeo e iminecircncia
de morte Eacute possiacutevel se chegar a um padratildeo do que seria um bom atendimento de um
profissional de sauacutede Bom para quem Para um familiar quando um profissional explica tudo
detalhadamente no diminutivo pode ser uma boa forma de atendimento para outro este tipo de
tratamento poderia ateacute incomodar Nessa relaccedilatildeo com o outro existe muito de noacutes de cada um
no outro
De acordo com Oliveira (2010 p 59) ldquo Um ponto importante a ser pensado eacute a visatildeo
de Heidegger do outro como um reflexo do proacuteprio ser-aiacute Ou seja o ser-aiacute se vecirc no outro faz
parte do outro se identifica com o outro pois este natildeo lhe eacute de forma alguma estranho Essa
118
interpretaccedilatildeo soacute pode ser entendida atraveacutes do delineamento da sua teoria do impessoal no
qual segundo Heidegger todo mundo eacute o outro e ningueacutem eacute si mesmordquo
Nessa relaccedilatildeo com o outro em si mesmo o ser se transforma continuamente Eacute
interessante observar o relato de duas profissionais que modificaram sua maneira de ser diante
das experiecircncias que tiveram na UTI neonatal uma delas se viu no papel de uma matildee
preocupada com o seu receacutem-nascido internado em uma UTIN de outro hospital Ao ocupar
temporariamente este papel ela passou a refletir sobre a sua proacutepria atuaccedilatildeo profissional e a
sua relaccedilatildeo com as matildees dos receacutem-nascidos internados
ldquoOutro grande marco da minha vida foi quando eu tive a minha primeira menina ela
foi um bebecirc de UTI Eacute uma UTI que eu trabalho e o fato de eu entrar pela porta natildeo
como meacutedica mas como matildee de paciente mexeu muito comigo entatildeo meio que foi um
divisor de aacuteguas na minha carreira Eu passei a ver o paciente de uma outra maneira
menos teacutecnico Porque eacute diferente Vocecirc sente vocecirc sabe exatamente o que aquela matildee
taacute sentindo Vocecirc meio que bloqueia a sua razatildeo e vocecirc vira soacute emoccedilatildeo mesmo laacute
dentrordquo (Angeacutelica)
Este trecho do relato apresenta a transformaccedilatildeo desta profissional ao se ver em uma
situaccedilatildeo similar ao de algumas matildees com filhos internados Literalmente colocar-se no lugar
do outro proporcionou uma nova forma de atendimento a partir do que a profissional passou a
considerar como necessidades da matildee de um receacutem-nascido internado Novamente podemos
refletir sobre o quanto de noacutes estaacute na relaccedilatildeo com o outro
Esta situaccedilatildeo tambeacutem pode remeter ao mito de Quiacuteron Na mitologia grega Quiacuteron era
um centauro um ser metade homem e metade cavalo que nasceu da uniatildeo entre Cronos e a bela
Filira Quiacuteron recebeu do pai grandes virtudes tornando-se muito saacutebio Pela sua educaccedilatildeo e
sabedoria foi considerado o rei dos centauros Em certa ocasiatildeo foi ferido pelas flechas de
Heacutercules Por ser imortal e ter uma ferida incuraacutevel sofria grandes dores Assim tornou-se o
grande mestre dos meacutedicos Ao ser tocado pela sua dor era capaz de se sensibilizar com a dor
119
dos outros Eacute o que acontece tambeacutem com os profissionais de sauacutede em contato com suas
proacuteprias dores e perdas tornando-se sensiacuteveis ao sofrimento das pessoas sob seus cuidados
(Carvalho 1996)
Para outra profissional a experiecircncia com as matildees resultou em uma vontade de tornar-
se matildee e poder vivenciar o que denominou de amor incondicional
ldquoEu sempre ouvi falar que amor de matildee eacute imensuraacutevel mas natildeo imaginava o quanto
Diante de todas as situaccedilotildees agraves vezes o bebezinho todo mal formadinho mas a matildee acha
ele lindo a matildee vecirc como uma coisa natural E natildeo se envergonha Quer ele do jeito
que ele taacute Acho maravilhoso Eu acho que ateacute a questatildeo da vontade de ser matildee como
eacute que pode todas as pessoas que trabalham na UTI elas geralmente engravidam acho
que eacute porque o instinto materno aflora na mulher Eu quero experimentar desse amor
de matildee que eu soacute imaginordquo (Amariacutelis)
O relato demonstra como o ser se transforma a partir das experiecircncias vivenciadas no
contidiano de trabalho Como certas questotildees tocam profundamente a vida dos profissionais e
geram novos desejos e projetos Conforme aponta Critelli (1996 p80) ldquoeacute impossiacutevel ao homem
natildeo renascer com cada nova visatildeo ou manifestaccedilatildeo dos entes em seu ser A manifestaccedilatildeo eacute
ininterrupta A existecircncia eacute erupccedilatildeo e transformaccedilatildeo inesgotaacuteveis Daiacute se fala em existecircncia
como vir-a-ser o que eacute ou o que estaacute sendo estaacute vindo-a-serrdquo
Ainda envolvendo as experiecircncias com o outro gostaria de tecer algumas consideraccedilotildees
sobre um ser que apesar do pouco tempo de existecircncia eacute a razatildeo de existir da UTI Neonatal o
ser-bebecirc No cotidiano de trabalho todos os aparatos a estrutura e o trabalho dos profissionais
satildeo voltados para o receacutem-nascido que requer cuidados especiais
De acordo com Sodelli e Glaser (2016 p 70) ldquoO estabelecimento da relaccedilatildeo do bebecirc
com o seu ser se daacute no mundo faacutetico por meio do cuidado de seu cuidador e de outras pessoas
que lhe apresentam o mundo os entes sempre de algum determinado modo e em uma dada
direccedilatildeo Entatildeo eacute a partir do modo como o bebecirc eacute cuidado concomitantemente com sua
120
compreensatildeo que o bebecirc vai se constituindo como um si mesmo e que um sentido de realidade
vai sendo construiacutedordquo
Os autores enfatizam a importacircncia do cuidado para a constituiccedilatildeo do bebecirc como em si
mesmo Eacute interessante notar o quanto esta necessidade do bebecirc pode envolver as profissionais
da UTI Neonatal mesmo que natildeo seja de forma intencionalmente vinculada a uma teoria
especiacutefica Uma preocupaccedilatildeo em oferecer acolhimento amor e carinho pode estar presente
tanto quanto com a administraccedilatildeo de equipamentos Essa relaccedilatildeo da profissional com o bebecirc
pode apresentar-se de uma forma distinta da relaccedilatildeo que seria estabelecida com um paciente
adulto conforme pode ser verificado no relato a seguir
ldquoQuem trabalha com bebecirc jaacute tem um olhar diferente Vocecirc vecirc um teacutecnico de
enfermagem com um bebecirc chorando e a matildee natildeo estaacute por exemplo colocando no colo
e cantando pra ele Agraves vezes termina de dar a dieta e daacute um cheirinho na cabeccedila Eacute
algo que vai aleacutem da obrigaccedilatildeo daquela pessoa Existe realmente uma relaccedilatildeo de afeto
com esse bebecirc E quanto mais tempo esse bebecirc fica ali Muitas vezes a equipe se refere
a um bebecirc que estaacute laacute como ldquomeu bebecircrdquo (Rosa)
Na trama de existecircncia do bebecirc a relaccedilatildeo ser-com-os-outros eacute fundamental Desde o
iniacutecio o bebecirc eacute um ser aberto e compreensivo e natildeo um ser encerrado em si mesmo (Loparic
2008) A partir dos primeiros dias de vida ldquoos entes vatildeo chegando ao encontro do bebecirc que
vai se ocupando deles (chupar a chupeta mamar dormir brincar tomar banho trocar a fralda
receber uma visita ficar no colo)
Poderiacuteamos perguntar como eacute possiacutevel que os entes se manifestem ao bebecirc (ou seja se
tornem acessiacuteveis ao ser humano) Atraveacutes do cuidado que o cuidador (pai matildee avoacutes babaacute)
do bebecirc e outras pessoas despendam a ele As pessoas satildeo de extrema importacircncia para o bebecirc
Na fase inicial de vida o bebecirc depende absolutamente de outra pessoa Para aleacutem de o bebecirc
precisar de outra pessoa para os chamados cuidados baacutesicos (ser alimentado ser colocado no
121
berccedilo ser vestido ser dado banho etc) o bebecirc precisa de um outro para tornar-se real para que
ele se torne si-mesmordquo (Sodelli e Glaser 2016 p 71)
No ambiente hospitalar outros cuidadores assumem este papel de oferecer os cuidados
baacutesicos ao bebecirc um papel que poderia ser destinado aos familiares e entes mais proacuteximos E se
preocupam ainda mais em dar atenccedilatildeo aos bebecircs quando existe um abandono por parte dos
familiares principalmente das matildees
ldquoA gente teve bebecirc com microcefalia que a matildee abandonou a gente teve bebecircs que
foram de gestaccedilotildees de uma matildee muito jovem que era de um homem casado e ela tentou
abortar e acabou que natildeo conseguiu a bebezinha nasceu muito prematura mas que
chegou o momento que ela verbalizou que realmente natildeo queria isso pra vida dela
Entatildeo a gente trabalha tambeacutem muito em parceria com a vara da infacircncia e da
juventude exatamente nessa questatildeo da adoccedilatildeordquo (Iacuteris)
Conforme apresentado no relato existe uma preocupaccedilatildeo com a histoacuteria familiar do
receacutem-nascido um envolvimento emocional com as situaccedilotildees apresentadas uma compreensatildeo
de que este bebecirc natildeo estaacute sozinho na UTIN jaacute estaacute envolvido em uma trama de relaccedilotildees que
vatildeo constituindo a sua histoacuteria Como eacute lidar com isto tudo Um caminho envolve reconhecer
as limitaccedilotildees da atuaccedilatildeo natildeo eacute possiacutevel adotar as crianccedilas abandonadas entatildeo me afasto evito
um maior envolvimento para natildeo me apegar pode-se ateacute lidar com indiferenccedila e se concentrar
diretamente no trabalho teacutecnico pode-se aprender com as histoacuterias familiares a adotar uma
nova postura sobre a vida O relato a seguir apresenta uma mudanccedila ocorrida em uma
profissional a partir das observaccedilotildees das histoacuterias familiares
ldquo Agraves vezes a gente julga e a gente natildeo sabe o que tem por traacutes e todo mundo tem uma
histoacuteria Hoje eu me policio muito Por exemplo teve um bebecirc que era cardiopata e a
matildee tinha dezesseis anos O pai dela estuprou ela e matou a matildee dela e aiacute a matildee do
namorado dela pegou ela pra criar Foi quando ela engravidou desse bebecirc o bebecirc natildeo
eacute do pai dela natildeo eacute do namorado mesmo mas assim ela tem dezesseis anos o namorado
122
dezenove Ela natildeo vinha o menino ficou aqui acho que uns dois meses agora nos
uacuteltimos dias eacute que ela tava vindo mas vocecirc vai julgar uma pessoa dessa Natildeo vai A
gente sente falta a gente botava o menino no colo Natildeo eacute como a matildee mas a gente
tentava Depois quando ela comeccedilou a vir ele tava bem grave mesmo jaacute natildeo tinha
mais jeitordquo (Tulipa)
Como julgar diante de histoacuterias tatildeo sofridas O relato da profissional nos faz refletir sobre
o julgamento que fazemos das pessoas das situaccedilotildees a partir dos nossos valores das
possibilidades que vislumbramos Entretanto para buscarmos compreender o outro como o
outro estaacute como pode se sentir diante da proacutepria vida eacute necessaacuterio uma abertura uma afetaccedilatildeo
que favoreccedila a escuta o olhar atencioso Isso me faz lembrar do ciacuterculo hermenecircutico da
compreensatildeo como algo circular contiacutenuo De como a afetaccedilatildeo pode gerar a disponibilidade
de sair de uma posiccedilatildeo preacutevia para uma visatildeo preacutevia e para uma concepccedilatildeo preacutevia com as
articulaccedilotildees da posiccedilatildeo e da visatildeo anterior Ou seja do quanto o ser-no-mundo eacute sendo vai se
transformando agrave medida que experiencia que vive e ao mesmo tempo que apresenta a abertura
para novas possibilidades
Os profissionais de sauacutede no contexto de trabalho lidam com a fragilidade da vida com
a morte de pacientes com os familiares tantas vezes estressados nervosos com resistecircncia para
entender os procediementos adotados com os colegas de trabalho em vaacuterios momentos
cansados da sobrecarga da rotina das exigecircncias Enfim satildeo pessoas com sentimentos
diversos em um ambiente inoacutespito que faz aflorar emoccedilotildees agraves vezes indesejadas mas
sobretudo humanas
Finalizando esta trama de relaccedilotildees no contexto de trabalho de ora em diante seratildeo
contempladas as experiecircncias com os colegas profissionais com os quais compartilham os
desafios do trabalho e que podem se apresentar em alguns momentos como mais uma
dificuldade a ser enfrentada
123
ldquoEu acho que assim a maior dificuldade eacute questatildeo de lidar com o colega Um quer ser
mais esperto que o outro Tirar vantagem em alguma coisa Natildeo quer ajudar o outro
colega quer assim se livrar de alguma coisardquo (Violeta)
O dasein enquanto ser-com-os-outros se constitui em relaccedilatildeo com outros daseins que
apresentam interesses vontades quereres tantas vezes distintos Este pode ser visto como um
dos grandes desafios da vida ter o compromisso de trabalhar por um objetivo e para isso
depender de uma rede de relaccedilotildees de outras pessoas que interferem orientam desorientam
mandam ditam regras e normas
ldquoA UTI Neonatal eacute vista assim como o bicho papatildeo que as pessoas satildeo chatas Soacute
que eu percebi que natildeo eacute isso eacute que a gente tem uma sobrecarga de trabalho tatildeo grande
que a maternidade que o serviccedilo acha que todos os bebecircs que estatildeo naquela instituiccedilatildeo
satildeo de responsabilidade da UTI Neonatal por exemplo tudo que for relacionado a bebecirc
eles querem que a UTI Neonatal resolva Tudo por exemplo nasce bebecirc no centro
ciruacutergico natildeo tem vaga na UTI Neonatal eles querem que a UTI Neonatal decirc esse
suporte ldquoVocecircs tem que vir cuidar do bebecirc aquirdquo ldquoSe vocecircs natildeo vierem o bebecirc vai
morrer e a culpa vai ser suardquo Eu vou porque ai se o bebecirc morrer a culpa vai ser minha
e natildeo eacute eacute responsabilidade do profissional que estaacute dentro do centro ciruacutergico que tem
que cuidar do bebecirc E eles se negam a aprender a cuidar do bebecircrdquo (Violeta)
As formas de cuidado satildeo inerentes ao ser-no-mundo e por assim dizer tambeacutem se
apresentam nas relaccedilotildees de trabalho Seja pela indiferenccedila pelo aparente natildeo importar-se com
o outro seja pela preocupaccedilatildeo antepositiva de contribuir para as escolhas e para o crescimento
do outro seja na preocupaccedilatildeo substitutiva que decide pelo outro as medidas que precisam ser
tomadas tornando-o dependente em relaccedilatildeo agrave conduccedilatildeo da sua proacutepria vida
Nas relaccedilotildees de trabalho pode-se observar o natildeo se importar com o outro com o
desenvolvimento da sua atividade de trabalho ou o olhar apenas para o que eacute de
responsabilidade eou interesse proacuteprio Isso em meio a um discurso de trabalho em equipe
Este tipo de situaccedilatildeo indica a necessidade de ampliar os espaccedilos para discussatildeo dos
profissionais de deixar mais transparente para todos as atividades a serem exercidas as
responsabilidades de cada aacuterea e principalmente a missatildeo da instituiccedilatildeo enquanto algo maior
124
que setores isolados O apoio dos colegas de trabalho pode representar muito mais que uma boa
convivecircncia e sim um estiacutemulo para ir trabalhar uma boa razatildeo para enfrentar os desafios
cotidianos
ldquoA gente taacute conquistando as coisas aos pouco mas ainda falta muito Eu acho que noacutes
somos uma equipe entatildeo cada um tem sua importacircncia Acho que taacute na hora de ver a
questatildeo de uma reuniatildeo natildeo separada tipo assim soacute os teacutecnicos soacute os enfermeiros soacute
os meacutedicos Tudo eacute separado ateacute as festas aqui satildeo separadas entendeu Natildeo tem
aquela festa todo mundo junto Confraternizaccedilatildeo Eu acho isso um absurdo Todos os
lugares que eu jaacute trabalhei a festa de final de ano eram todos os profissionais Aqui natildeo
eacute tudo separado Eu acho que haacute um pouco dessa divisatildeo e eu natildeo acho isso corretordquo
(Amariacutelis)
Diante da pressatildeo da proacutepria atividade inerente a uma UTIN as dificuldades de
relacionamento interpessoal agravariam a situaccedilatildeo como foi apresentados nos relatos anteriores
Eacute interessante refletir sobre a possibilidade de ampliar o diaacutelogo entre os profissionais que
trabalham no hospital As experiecircncias em comum facilitam o entendimento daqueles que
convivem com as mesmas dificuldades
De acordo com Critelli (1996 p81) ldquoa medida que as coisas testemunhadas em comum
satildeo os elementos da mediaccedilatildeo entre os homens elas estatildeo instaurando o mundo uma trama
significativa comum O homem se daacute e se recusa aos homens atraveacutes daquilo com que estatildeo em
contato e a respeito do que falam A partir do testemunho os homens datildeo realidade agravequilo que
entre eles se abre em comum e simultaneamente datildeo realidade a si mesmo mutualmenterdquo
O compartilhar experiecircncias e dificuldades inerentes ao cotidiano de trabalho pode
aproximar as pessoas em torno de um objetivo em comum Ainda refletindo sobre este aspecto
do compartilhar pretende-se dedicar o proacuteximo toacutepico a questatildeo da formaccedilatildeo profissional de
sauacutede particularmente no que concerne ao preparo para lidar com as perdas no cotidiano de
trabalho
125
5- A formaccedilatildeo dos profissionais de sauacutede
Vaacuterios autores jaacute tem alertado sobre isso ressaltando a importacircncia da preparaccedilatildeo dos
profissionais de sauacutede tanto para lidar com a morte como para cuidar da vida para enfrentar e
resignificar as perdas e respeitar os limites que a medicina oferece (Koacutevacs 2003 Franccedila
Botomeacute 2005 Silva 2006)
Maria Juacutelia Koacutevacs propotildee que durante a formaccedilatildeo na aacuterea de sauacutede temas como
compaixatildeo sensibilidade e amorosidade sejam contemplados como capacidades aspectos a
serem desenvolvidos pelos profissionais de Sauacutede para lidar melhor com a morte (Koacutevacs
2003)
Os relatos apresentados por alguns entrevistados indicam a falta de preparo para lidar com
as mortes de pacientes durante a formaccedilatildeo profissional
ldquoEssa questatildeo de transmitir maacutes notiacutecias de lidar com esse momento da morte nenhum
momento na minha graduaccedilatildeo eu tive formaccedilatildeo pra isso nem na minha graduaccedilatildeo Na
residecircncia a gente acaba tendo porque a residecircncia eacute uma residecircncia em serviccedilo
entatildeo vocecirc vai atuando e vocecirc vai vendo na praacutetica como fazer isso mas natildeo houve por
exemplo uma preparaccedilatildeo especiacutefica pra esse momento Muito do que eu sei hoje foi
aprendendo realmente na praacuteticardquo (Orquiacutedea)
Observou-se nos profissionais de uma forma geral uma falta de preparo durante a
graduaccedilatildeo em relaccedilatildeo a estes aspectos A temaacutetica das perdas tornou-se relevante no exerciacutecio
profissional ou mesmo na residecircncia mas natildeo de forma significativa na faculdade
ldquoEacute eu acho que a formaccedilatildeo ainda eacute muito falha Porque isso natildeo eacute uma coisa que eacute
pontual tem que vir desde o comeccedilo e ser uma crescente ateacute chegar a formaccedilatildeo e isso
acaba caindo dentro da assistecircncia quando essas pessoas comeccedilam a trabalhar que
os conflitos realmente vatildeo e muitos deles desistem natildeo por falta de oportunidade ou
por falta de teacutecnica mas realmente por dificuldade de encontrar as respostas pras suas
ansiedades Entatildeo a gente vecirc muito aluno bom tecnicamente que acaba desistindo
Por dificuldade de lidar justamente com as frustraccedilotildees com as perdas com a equipe
entatildeo acabam indo fazer outra coisa e realmente natildeo continuam Entatildeo a formaccedilatildeo
126
precisa voltar pra isso Na verdade eu natildeo sei aonde eacute que ele taacute se perdendo
entendeu Como eacute que ele chega na formaccedilatildeo no uacuteltimo estaacutegio com uma imaturidade
emocional tatildeo granderdquo (Girassol)
A segunda profissional traz o relato de sua experiecircncia enquanto docente das dificuldades
que observa nos alunos de enfrentar frustraccedilotildees e lidar com as perdas apontando a necessidade
de se ter mais espaccedilos durante a formaccedilatildeo para discutir estas temaacuteticas De acordo com o relato
as falhas na formaccedilatildeo acabam interferindo na atuaccedilatildeo dos profissionais que agraves vezes se frustam
e ateacute desistem da atuaccedilatildeo na aacuterea de sauacutede
O trecho apresentado se encerra com uma colocaccedilatildeo que merece uma anaacutelise ldquoComo eacute
que ele chega na formaccedilatildeo no uacuteltimo estaacutegio com uma imaturidade emocional tatildeo granderdquo
O olhar para a formaccedilatildeo natildeo deve se limitar em relaccedilatildeo a esta discussatildeo agrave preparaccedilatildeo teoacuterica
sobre como lidar com as mortes e perdas
Um estudo com estudantes de medicina por exemplo aponta para as dificuldades
enfrentadas pelos alunos no decorrer do curso como o relacionamento com os professores
considerados autoritaacuterios e exigentes os residentes que reproduzem as praacuteticas autoritaacuterias as
dificuldades com os pacientes diante do sofrimento e da dor e da morte Tantas dificuldades
podem levar os alunos a apresentarem sintomas psicoloacutegicos como os decorrentes de ansiedade
e o estresse Com tanta pressatildeo como os estudantes tratam os pacientes Como desenvolver
habilidades de relacionamento interpessoal se os mesmos encontram-se estressados e sem saber
como lidar com as dificuldades (Moreira Vasconcelos Heath 2015)
Uma alternativa apresentada pelos autores eacute justamente possibilitar a expressatildeo dos
sentimentos negativos pelos estudantes de forma que eles possam refletir sobre o que sentem
e como lidar com isso O apoio psicoloacutegico pode contribuir para isso Outras respostas
adaptativas apresentadas no estudo incluem as atividades fiacutesicas o lazer e a espiritualidade
(Moreira Vasconcelos Heath 2015)
127
A reflexatildeo em relaccedilatildeo agrave formaccedilatildeo se estende portanto agrave necessidade de os alunos
desenvolverem competecircncias eacuteticas e relacionais Para tanto a universidade deve proporcionar
espaccedilos para que os alunos se expressem e reflitam sobre os seus sentimentos Assim poderatildeo
se preparar emocionalmente para oferecer uma maior atenccedilatildeo aos pacientes e seus familiares
(Ayres 2004 Moreira Vasconcelos Heath 2015)
A falta de preparo em relaccedilatildeo agraves questotildees emocionais pode refletir na praacutetica profissional
nas estrateacutegias utilizadas diante das perdas Conforme pode ser observado no relato a seguir a
respeito da reaccedilatildeo de alguns profissionais diante da morte de receacutem-nascidos na UTIN
ldquo Eu acho que eacute uma coisa que precisa ser trabalhada com a equipe eacute a questatildeo da
gente respeitar o momento da famiacutelia entendeu Por exemplo tem um bebecirc morrendo
aqui com a famiacutelia e taacute todo mundo atrapalhando conversando entrando saindo
telefone tocando algueacutem rindo sabe Eacute meio que as pessoas fazem de conta que natildeo
estatildeo vendo pra natildeo sofrer talvez natildeo sei Isso realmente eacute uma coisa que me incomoda
todas as vezes que acontece e eacute muito frequente Eacute como hoje vocecirc ir num veloacuterio e ter
um monte de gente fazendo selfie entendeu A coisa taacute meio assimrdquo (Girassol)
Este relato jaacute nos apresenta outra possibilidade de reflexatildeo em relaccedilatildeo a atitude dos
profissionais diante da morte de pacientes Foi um comentaacuterio no final da entrevista no espaccedilo
reservado para a pergunta ldquoVocecirc gostaria de acrescentar mais alguma coisardquo E aiacute veio o
desabafo na forma de um incocircmodo contido guardado no silecircncio de nunca ter comentado com
ningueacutem e sem saber ao certo o que fazer diante desta situaccedilatildeo
A atitude dos profissionais diante da morte de pacientes eacute algo que deve ser discutido
durante a formaccedilatildeo mas tambeacutem no ambiente de trabalho Compreender a morte enquanto parte
da vida eacute importante para a realizaccedilatildeo das atividades profissionais mas desconsiderar que
outras pessoas estatildeo sofrendo em decorrecircncia disso eacute algo que precisa ser posto em pauta para
reflexatildeo
Costumo dizer que o ser humano tem uma grande virtude e um grande defeito ao mesmo
tempo noacutes nos acostumamos agraves coisas agraves situaccedilotildees A virtude poderia ser compreendida
128
enquanto uma capacidade de adaptaccedilatildeo necessaacuteria agrave sobrevivecircncia e agrave vida em sociedade O
defeito estaacute justamente na falta de uma reflexatildeo profunda sobre o que nos acostumamos a ver
a fazer sobre o que naturalizamos e vemos como ldquonormalrdquo ou ldquosempre foi assimrdquo Como algo
que acontece tanto que natildeo requer mais atenccedilatildeo e zelo Assim banalizamos as notiacutecias
recorrentes sobre violecircncia podemos ser indiferentes com relaccedilatildeo agrave pobreza e marginalizaccedilatildeo
Nos hospitais os profissionais de sauacutede podem se acostumar a ver tanto sofrimento mas
existe uma diferenccedila grande entre sofrer muito junto com pacientes e familiares e tratar disso
como se o sofrimento dos outros natildeo mais os tocasse ou comovesse a ponto de natildeo silenciar
de natildeo respeitar o momento A reflexatildeo sobre a formaccedilatildeo se estende portanto para a atuaccedilatildeo
dos profissionais como algo que exige atenccedilatildeo e suporte para os trabalhadores que lidam com
sofrimento no cotidiano
Vale ressaltar tambeacutem que mesmo para os profissionais os quais estudaram em
instituiccedilotildees que abordam a questatildeo da morte de pacientes ainda eacute apresentado nos discursos
um distanciamento com a vivecircncia praacutetica como pode ser analisado nos relatos a seguir
ldquoEntatildeo o que a gente teve na formaccedilatildeo foi como a gente tinha que lidar com o paciente
em relaccedilatildeo a morte como eacute que o profissional lidava com a morte e como eacute que a gente
lidaria com os familiares mas foi uma coisa muito teoacuterica natildeo teve naquele momento
aquilo natildeo era tatildeo palpaacutevel pra mim Quando eu comecei na UTI Neo Que eu vi
aqueles bebezinhos realmente indo a oacutebito ai foi que eu comecei realmente a trabalhar
isso em mim ldquoMeu Deus eu vou lidar com isso eu vou conseguir lidar com isso assim
Eacute isso mesmo que eu querordquo (Violeta)
De acordo com Silva (2006 p 232) ldquoapesar da presenccedila do discurso de re-humanizaccedilatildeo
do processo de morte de um paciente a praacutetica dessas interaccedilotildees eacute dificultada pelo pouco
suporte de ensino-aprendizagem nessa direccedilatildeo aliada a uma falta de acolhimento e continecircncia
aos aspectos emocionais dos proacuteprios estudantes que mais tarde poderatildeo reproduzir essa
mesma falta em seus pacientesrdquo
129
Alguns profissionais ainda ressaltaram a importacircncia da praacutetica para aprender a lidar com
as questotildees das perdas como se a maturidade trouxesse uma maior serenidade diante da morte
ldquoQuando vocecirc termina vocecirc eacute muito impulsivo Vocecirc eacute muito razatildeo Eacute esse equiliacutebrio que
vocecirc vai conseguindo adquirir com a maturidade a emoccedilatildeo e a razatildeo Vocecirc luta luta
mas vocecirc vai conseguindo ponderar isso vocecirc vai sabendo qual eacute o seu limite A
Medicina tem um limite ela natildeo eacute infundada E eacute esse limite que eu tenho que
reconhecerrdquo (Angeacutelica)
Embora nem sempre seja possiacutevel Existem os limites momentacircneos de cada um e os
limites de atuaccedilatildeo diante da vida e da morte Mas como identificar estes limites Como
reconhecer em si a possibilidade de natildeo mais poder
Heidegger (2007) nos traz uma inspiraccedilatildeo profunda ao falar sobre o pensamento
calculante e o pensamento reflexivo O pensamento calculante se configura na racionalidade
voltada para as atividades do cotidiano Movidos pelo mundo em meio ao impessoal na era da
teacutecnica vamos agindo e reagindo como em um piloto automaacutetico fazendo o que se espera que
seja feito No caso dos profissionais de sauacutede existe muito a ser feito controle dos
equipamentos o manuseio dos bebecircs os procedimentos as anotaccedilotildees nos prontuaacuterios As
mediccedilotildees das reaccedilotildees corporais que podem indicar um bom ou mal prognoacutestico
Assim segue-se a rotina em meio a protocolos e tarefas E quando as coisas saem do
controle Quando a morte chega O que pode ser feito diante disso Talvez ao refletir pode se
chegar agrave conclusatildeo de que existem limites que natildeo puderam ser superados pela medicina ou de
que ocorreram falhas nos procedimentos ou de que a morte estaacute aiacute como possibilidade para a
minha vida para a vida dos meus filhos diante disto como estou conduzindo a vida Quais as
escolhas que estou fazendo
A morte do outro pode servir como um alerta pode tornar-se uma parada obrigatoacuteria
em meio ao turbilhatildeo de ocupaccedilotildees para refletir profundamente sobre a conduccedilatildeo da vida e
para lembrar sobre a condiccedilatildeo de mortal inerente a cada ser vivo sem hora ou tempo certo
130
para acontecer Este eacute outro ponto que merece ser ressaltado o tempo para a morte Os
profissionais de sauacutede da UTI Neonatal trabalham com novas vidas ou vidas novas que se
renovam ou findam em um curto periacuteodo de tempo Um tempo cronoloacutegico que natildeo diz sobre
o tempo da dor sobre quando eacute a hora de parar de tentar salvar a vida ou de natildeo chorar pela
morte Um tempo cronoloacutegico que diz pouco sobre o ser que vai e o que o fica diante das
expectativas geradas dos projetos desenhados da ausecircncia repentina e totalmente inesperada
Uma vida que dura poucos dias pode marcar para sempre tantas outras vidas de
familiares e profissionais que lutaram para que o resultado fosse diferente E este eacute outro aspecto
que envolve a atuaccedilatildeo na UTI Neonatal as crenccedilas a religiosidade e a compreensatildeo dos limites
da medicina dos recursos controlaacuteveis pelos homens No decorrer das entrevistas existiram
relatos surpreendentes de crianccedilas que sobreviveram sem a menor perspectiva da equipe e
outras que faleceram diante da esperanccedila de uma melhora Situaccedilotildees que demonstram os limites
da atuaccedilatildeo profissional diante das possibilidades de cura e da ldquoobrigaccedilatildeordquo desvelada na
cobranccedila interior para salvar vidas E nos levam a refletir sobre como agir diante de situaccedilotildees
tatildeo complexas O trecho do relato da profissional apresentado anteriormente fala a respeito de
uma maturidade conquistada por meio da experiecircncia
Para Ayres (2004) esta maturidade pode ser compreendida resgatando o conceito
aristoteacutelico de sabedoria praacutetica que ldquodiz respeito a um saber conduzir-se frente agraves questotildees da
praacutexis vital que natildeo segue leis universais ou modos de fazer conhecidos a priori mas
desenvolve-se como um tipo de racionalidade que nasce da praacutexisrdquo (p 20)
A sabedoria praacutetica traz uma compreensatildeo sobre o mundo que vai muito aleacutem da teacutecnica
Trata-se de uma capacidade para analisar as situaccedilotildees e resolver problemas com um niacutevel de
complexidade elevado que natildeo apresentam respostas em manuais ou simplesmente na teacutecnica
por si soacute Esta sabedoria tambeacutem gera no individuo a maturidade para olhar as situaccedilotildees de
outra forma e a abertura para novas possibilidades para resolvecirc-las
131
Considerando a importacircncia deste conceito cabe aqui um reflexatildeo a sabedoria praacutetica eacute
oriunda da vivecircncia do profissional de cada indiviacuteduo mas o compartilhar das experiecircncias
poderia fomentar o desenvolvimento de habilidades nos demais profissionais Poderia
contribuir para o aprimoramento da equipe como um todo Atraveacutes do troca de experiecircncias e
possiacuteveis soluccedilotildees para os problemas vivenciados no cotidiano novos projetos podem surgir
Este movimento estaacute acontecendo na maternidade Com os profissionais se reunindo para
implantar projetos visando a melhoria na assistecircncia aos pacientes e seus familiares
Inspirados pelas novas possibilidades de atuaccedilatildeo oriundas de um novo olhar para o
sofrimento do outro abordaremos no proacuteximo toacutepico os novos projetos que estatildeo sendo
desenvolvidos na maternidade os quais mesmo na fase inicial jaacute deixaram frutos e se
apresentam como resultado da reflexatildeo de alguns profissionais sobre as suas praacuteticas e da busca
contiacutenua para oferecer uma melhor assistecircncia para os pacientes e seus familiares
6- Reflexotildees sobre a atuaccedilatildeo profissional de sauacutede concepccedilatildeo de cuidado novas
possibilidades e projetos
A UTIN da Maternidade Escola Januaacuterio Cicco vem passando por uma seacuterie de
transformaccedilotildees nos uacuteltimos anos A partir de 2014 com o ingresso de novos servidores atraveacutes
do concurso puacuteblico comeccedilou-se a estruturar uma equipe multidisciplinar Aleacutem disso as
reformas que aconteceram em 2016 culminaram na ampliaccedilatildeo do nuacutemero de leitos em 2017
Outro fator positivo ocorrido no referido ano foi a ampliaccedilatildeo da residecircncia multiprofissional
para outras aacutereas aleacutem da medicina da enfermagem da fisioterapia como psicologia
fonodiologia terapia ocupacional O que possibilita a ampliaccedilatildeo das atividades desenvolvidas
pelos profissionais
132
Diante deste contexto novos projetos que estatildeo surgindo como o grupo de cuidados
paliativos que estaacute iniciando as suas atividades conforme pode ser constatado nos relatos a
seguir
ldquo A gente taacute tentando transformar a morte em alguma coisa bonita natildeo sei como mas
a gente taacute sabe Assim quando a gente deixa uma matildee ficar ali e diz ldquoOlha o coraccedilatildeo
do seu bebecirc taacute parandordquo E aiacute a matildee pergunta ldquoTaacute morrendo rdquo e a meacutedica diz ldquoTaacute
o que vocecirc quer fazer com ele rdquo ldquoFala o que vocecirc quer pro seu filho taacute aquirdquo A gente
taacute tentando dar essa oportunidade Entatildeo tem sido triste Tem mas tem sido bonito
sabe quando essas matildees elas podem cantar pegar pra fazer carinho beijar e aiacute a gente
comeccedila a ver assim eacute uma despedida Todo mundo sofre mas a gente taacute tentando tirar
essa frieza da morte E aiacute eu acho que isso tem confortado a equipe assim que a gente
entende que a gente taacute fazendo algo para aleacutem pra essas famiacuteliasrdquo (Iacuteris)
O relato foi feito por uma profissional que havia passado recentemente pela morte da
matildee No hospital em que a matildee faleceu em outro estado existiam accedilotildees de cuidado paliativo
que passaram a fazer sentido para ela Uma experiecircncia pessoal a tocou profundamente e a
incentivou a participar do grupo de cuidados paliativos na MEJC
ldquo A portaria saiu essa semana E aiacute a gente comeccedilou a estudar a possibilidade e aiacute
foi Orquiacutedea que pensou Orquiacutedea me chamou e eu falei ldquoOrquiacutedea assim eacute tatildeo
contraditoacuterio neacute Eu preciso taacute nesse grupo pela UTI e por mim porque ai assim pra
tentar entender o que eu vivenciei por tanto tempo sem nem saber o que eacute que eu tava
vivenciandordquo E aiacute essa coisa do cuidado paliativo parece de repente que comeccedilou a
rondar a minha pessoa assim como profissional como filhardquo (Iacuteris)
Na trama de sentidos da existecircncia natildeo eacute possiacutevel separar o lado profissional do lado
pessoal e familiar porque na realidade natildeo existe um lado ou outro existe um ser-no-mundo
em relaccedilatildeo com outros daseins e que se transforma sendo As experiecircncias de vida podem
contribuir para uma nova visatildeo e compreensatildeo sobre o mundo sobre a assistecircncia prestada aos
pacientes e seus familiares As experiecircncias no trabalho tambeacutem podem promover mudanccedilas
nos valores nas formas de conduzir a vida como pode ser percebido nos relatos a seguir
133
ldquoUma matildee me perguntou ldquo Qual eacute o padratildeo de perfeiccedilatildeordquo Eu fiquei com aquilo
encafifado ldquoPadratildeo de perfeiccedilatildeo eacute belezardquo Aiacute eu fiquei calada Ela disse ldquonatildeo eacute
Perfeiccedilatildeo eacute o que vocecirc vecirc como perfeito Esse bebecirc pra mimrdquo E era um menino
monstruoso assim de chocava olhar aiacute ela disse ldquopra mim o meu bebecirc eacute perfeito
porque esse foi feito pra mimrdquo E aiacute eu fiquei com aquilo no meu pensamento Eu digo
ldquorealmente perfeiccedilatildeo eacute um padratildeo que eacute estipulado por alguma minoria que tem que
ser belo lindo loiro e um bebecirc Johnsonrsquos neacuterdquo A gente natildeo tem esse direito de dizer
porque eacute um bebecirc que tem alguma coisa uma pessoa que tem algum defeito que natildeo eacute
perfeito depende ao olho de quem Entatildeo vocecirc aprende tanta coisa Aiacute vocecirc chega em
casa aiacute vocecirc olha assim pros seus Aiacute vocecirc diz assim ldquoeu natildeo posso reclamar de nada
eu soacute posso ser felizrdquo (Angeacutelica)
O conceito de perfeiccedilatildeo pode ser relativo natildeo obedecendo certos padrotildees ditados pelo
mundo no horizonte histoacuterico em que nos encontramos Da mesma forma o entendimento
sobre o que eacute importante para o outro pode gerar outra maneira de prestar assistecircncia Agraves vezes
as atitudes dos profissionais tem como base o que eles acham que eacute necessaacuterio para os familiares
dos pacientes sem ouviacute-los enquanto pessoas abertas a possibilidades e capazes de realizar
escolhas
ldquoE hoje a gente tem visto a morte de outra forma se a morte eacute inevitaacutevel entatildeo vamos
humanizaacute-la vamos proporcionar a esse bebecirc a essa famiacutelia esse contato esses uacuteltimos
contatos pra que esse bebecirc tenha a morte proacutexima a essas pessoas que ele ama e que o
amam Quando agraves vezes o bebecirc piorava e chegava e dizia assim ldquoNatildeo mas a matildee natildeo
pode ver isso porque ela vai sofrerrdquo e uma coisa que a gente tinha conversado com a
equipe de que a gente precisa dar a possibilidade dessa matildee de escolher pode ser que
ela natildeo suporte ver esse sofrimento e queira se retirar mas pode ser que ela queira estar
com esse bebecirc durante todo o processo e natildeo somos noacutes que vamos dizer ldquoNatildeo eacute muito
sofrimento pra ela estar suportandordquo a gente vai dar essa possibilidade pra elardquo
(Rosa)
O relato apresentado coloca em ecircnfase a questatildeo do cuidado nas suas formas antepositiva
e substitutiva Em determinados momentos eacute necessaacuterio indicar os procedimentos tomar
134
decisotildees relativas ao paciente Mas existem outros nos quais eacute importante deixar os familiares
decidirem o que consideram melhor para eles cabendo aos profissionais de sauacutede oferecer estas
possibilidades e o suporte necessaacuterio O cuidado antepositivo tambeacutem precisa estar presente na
assistecircncia Deixar os familiares decidirem com base nos proacuteprios valores eacute como dar
autonomia para que experienciem o momento e consigam lidar melhor com as consequecircncias
dos proacuteprios atos A forma como cada um deseja se despedir de seu ente querido eacute uma decisatildeo
individual que precisa ser respeitada inclusive para facilitar o processo de vivecircncia do luto e
evitar frases do tipo ldquoeu queria ter me despedido do meu filhordquo
Diante do exposto a escuta dos familiares torna-se fundamental para o suporte nos
momentos de perda Sobre este aspecto falas de algumas participantes defendem a importacircncia
dos profissionais desenvolverem a empatia
ldquoEntatildeo acho que quando a gente se coloca no lugar do outro fica mais faacutecil a gente
ver que momento eu vou me calar que momento eu vou falar que informaccedilotildees dar acho
que eu resumiria como empatia que eacute isso que taacute tentando que estamos buscando cada
profissional conseguir se colocar no lugar dessa matildeerdquo (Rosa)
ldquoVocecirc fez um juramento e assim eacute um compromisso que vocecirc tem com aquele paciente
de cuidar dele entatildeo eacute vocecirc se colocar no lugar ldquoSe fosse eu que tivesse sendo cuidada
por mim mesma eu estaria sendo bem cuidadardquo Entatildeo eacute isso que eu levordquo (Violeta)
No proacuteximo relato a participante contempla o cuidar como um conceito mais amplo
muito aleacutem de tratar A ideia que ela quis passar pode ser compreendida apesar de utilizando
os conceitos da fenomenologia heideggeriana sabemos que ambas satildeo formas de cuidado Pois
o cuidado nos contitui eacute inerente ao ser-no-mundo
ldquo Cuidar como um todo natildeo soacute da doenccedila mas cuidar da alma da pessoa da famiacutelia
do colega da equipe Cuidar eacute abrangente o tratar eacute restrito Agora assim cuidar eacute
complicado difiacutecil O que vocecirc sabe sobre cuidar Vocecirc sabe cuidar de algueacutem ou
vocecirc soacute sabe tratar algueacutem Porque satildeo coisas diferentes Entatildeo eu vou encabeccedilar
135
mesmo essa ideia porque tratar eacute faacutecil a bula do remeacutedio diz como fazer agora cuidar
eacute difiacutecilrdquo (Angeacutelica)
Os profissionais se deparam no dia a dia com o desafio de adotar praacuteticas de humanizaccedilatildeo
no hospital Segundo Ayres (2004 p 22) ldquoo importante para a humanizaccedilatildeo eacute justamente a
permeabilidade do teacutecnico ao natildeo-teacutecnico o diaacutelogo entre essas duas dimensotildees interligadasrdquo
O domiacutenio da teacutecnica eacute imprencindiacutevel para o tratamento do paciente mas natildeo eacute suficiente
quando se fala em humanizaccedilatildeo na aacuterea da sauacutede
Outra colaboraccedilatildeo trazida pelo referido autor define o cuidado ldquocomo designaccedilatildeo de uma
atenccedilatildeo agrave sauacutede imediatamente interessada no sentido existencial da experiecircncia do
adoecimento fiacutesico ou mental e por conseguinte tambeacutem das praacuteticas de promoccedilatildeo proteccedilatildeo
ou recuperaccedilatildeo da sauacutede (Ayres 2004 p22)
Compreender o cuidado enquanto uma atitude terapecircutica significa ir aleacutem dos sinais e
sintomas envolve considerar a histoacuteria do indiviacuteduo seus sentimentos diante do adoecimento
da possibilidade iminente de morte implica em uma escuta atenta e em uma explicaccedilatildeo sobre
o que estaacute acontecendo (os procedimentos adotados os exames que precisam ser feitos) Enfim
implica em considerar o outro como um ser lanccedilado no mundo aberto a possibilidades e capaz
de fazer escolhas
Novamente aqui cabe uma reflexatildeo quanto a capacidade dos profissionais de consiguerem
desenvolver as competecircncias teacutecnicas e relacionais e ainda conseguirem ser assertivos e
atenciosos no atendimento dos pacientes particularmente tambeacutem nos momentos criacuteticos de
perda e morte Trata-se de uma exigecircncia consideraacutevel que precisa ser cumprida mas necessita
de atenccedilatildeo para tornar-se viaacutevel e se sustentar Exige-se do profissional individualmente o
domiacutenio teacutecnico para a funccedilatildeo que executa e as habilidade relacionais necessaacuterias agraves praacuteticas
de humanizaccedilatildeo Entretanto eacute importante mencionar a necessidade de oferecer suporte para
estes profissionais desde a formaccedilatildeo como tambeacutem no dia a dia de trabalho
136
O cotidiano da UTI Neonatal aleacutem de ser tenso de apresentar uma atmosfera com muita
pressatildeo possui dificuldades referentes ao quantitativo de pessoal agrave sobrecarga de trabalho aos
relacionamentos interpessoais e com os familiares de pacientes Enfim isso tudo repercute na
sauacutede do trabalhador aumenta o niacutevel de absenteiacutesmo o que gera mais sobrecarga para os que
ficam no trabalho Estes fatores motivaram alguns profissionaia da UTI Neo a iniciar um projeto
intitulado ldquocuidar do cuidadorrdquo
ldquo A gente tava com o niacutevel de absenteiacutesmo muito alto os profissionais principalmente
os teacutecnicos de enfermagem adoecendo muito na UTI neonatal Jaacute estava chegando num
niacutevel que a equipe estava muito adoecida e se a gente natildeo parasse pra fazer algo com a
equipe natildeo ia conseguir ajudar tambeacutem esses pacientes porque a gente precisa primeiro
cuidar delas primeiro natildeo em paralelo neacute E aiacute a gente comeccedilou um trabalho junto
com a equipe entatildeo a gente taacute montando o projeto Satildeo encontros mensais ontem
inclusive foi o segundo encontro A gente trabalha com musicalizaccedilatildeo com elas com
dinacircmica de grupo ginaacutestica laboral entatildeo as reuniotildees eram tidas elas falam como
chicote soacute era reclamaccedilatildeo e a proposta natildeo eacute nem que o nome seja reuniatildeo satildeo
encontrosrdquo (Rosa)
ldquoCuidar do cuidadorrdquo realmente parece um projeto que apesar de inicial estaacute rendendo
bons frutos Como contribuiccedilatildeo poderia ser ampliado de forma a envolver a equipe
multiciplinar da UTI Neonatal e natildeo somente a equipe de teacutecnicos de enfermagem tendo outros
profissionais como facilitadores Estes encontros poderiam ser mantidos mas com a abertura
para novas possibilidades de reuniotildees envolvendo outros profissionais para faciliar o
entrosamento e ateacute a troca de informaccedilotildees
Outra sugestatildeo que poderia ser passada refere-se ao estabelecimento de um plantatildeo
psicoloacutegico para os profissionais de sauacutede Um espaccedilo para escuta dos mesmos nos momentos
que acharem oportuno e necessaacuterio O simples fato de ser ouvido pode acalentar o coraccedilatildeo dos
que sofrem Esta sugestatildeo vai aleacutem da defesa da importacircncia destes momentos para os
137
funcionaacuterios eacute proveniente de uma demanda da observaccedilatildeo do cotidiano de trabalho e da
expressatildeo dos profissionais como pode ser constatado no relato a seguir
ldquo Assim eu soacute acho que eu gostei muito dessa nossa conversa porque a gente natildeo
tem apoio assim psicoloacutegico a natildeo ser que seja solicitado como jaacute aconteceu que a
gente tem assim uma equipe muito reduzida de teacutecnicos e ai sobrecarrega toda equipe e
a gente solicitou que a gente precisa de um acompanhamento psicoloacutegico que a gente
natildeo aguenta mais o iacutendice de atestado meacutedico por doenccedila fiacutesica e mental foi muito
grande na UTI tanto eacute que foi o setor com mais absenteiacutesmo afastamento por atestado
meacutedico da maternidade inteira e a gente fez ldquonatildeo a gente tem que saber o que eacute vamos
fazer um grupo neacuterdquo Veio uma psicoacuteloga da chefia ela se propocircs a fazer grupos de
conversa porque a gente natildeo tem esse apoio assim claro que por exemplo se dispotildee
ldquogente se vocecircs precisarem eu tocirc aqui pra ajudar vocecircsrdquo mas natildeo eacute aquilo assim ldquoah
a psicoacuteloga dos profissionaisrdquo eacute porque ela se dispotildee mesmo Isso eacute muito bom a gente
ser escutada porque eacute muita obrigaccedilatildeo pra gente e eacute muito dever pra gente vocecirc tem
que fazer vocecirc tem que fazer e a gente natildeo em essa contrapartida de nos ajudar tambeacutem
uma pessoa pra nos ouvir muito bom gostei muitordquo (Violeta)
Esta profissional foi uma das primeiras a ser entrevistada Ao realizar a divulgaccedilatildeo da
pesquisa dentro da UTIN ela se ofereceu prontamente e perguntou se poderia ser ouvida naquele
momento de imediato E assim foi feito Realmente pode-se verificar a importacircncia de um
espaccedilo de escuta para um profissional de sauacutede que lida com tantos desafios e temores Ao final
da entrevista ela fez um agradecimento simplemente pelo fato de ser ouvida
Para mim isto serve de inspiraccedilatildeo quanto a postura cliacutenica do pesquisador da aacuterea de
fenomenologia Noacutes natildeo nos disponibilizamos somente para fazer pesquisa temos consciecircncia
que na relaccedilatildeo com os outros nos encontros estamos envolvidos em uma trama de sentidos
que eacute transformadora para ambas as partes o narrador e o pesquisador que se torna um narrador
agrave medida em que busca compreender o outro e produzir uma nova narrativa com base em como
o que foi ouvido o afetou
138
E eacute justamente sobre estas reflexotildees que trataremos no proacuteximo capiacutetulo No qual a
circularidade se apresenta condensada em palavras as quais tentam resumir o vivido ao longo
do processo de pesquisa Mas jamais tecircm a pretensatildeo de se apresentarem como conclusotildees
Pois a cada vez que satildeo lidas refletidas e analisadas se transformam e nos convidam a serem
reescritas como uma obra inacabada sujeita a interpretaccedilotildees diversas fundamentadas nas
distintas compreensotildees de mundo
139
Capiacutetulo 6 Destecendo a trama da existecircncia reflexotildees a partir das narrativas dos
profissionais de sauacutede
ldquoVladimir Kushrdquo
140
O SONHO
Sonhe com aquilo que vocecirc quer ser
Porque vocecirc possui apenas uma vida
E nela soacute se tem uma chance
De fazer aquilo que quer
Tenha felicidade bastante para fazecirc-la doce
Dificuldades para fazecirc-la forte
Tristeza para fazecirc-la humana
E esperanccedila suficiente para fazecirc-la feliz
As pessoas mais felizes natildeo tecircm as melhores coisas
Elas sabem fazer o melhor das oportunidades
Que aparecem em seus caminhos
A felicidade aparece para aqueles que choram
Para aqueles que se machucam
Para aqueles que buscam e tentam sempre
E para aqueles que reconhecem
A importacircncia das pessoas que passaram por suas vidasrdquo
Clarice Lispector
A vida eacute uma trama repleta de encontros dos fios que tecem o existir ela se constitui
continuamente ateacute o momento em que eacute interrompida e deixa sempre algo para ser acabado
Assim vamos vivendo enfrentando os desafios impostos pelo mundo e por noacutes mesmos
imersos em um horizonte histoacuterico de cobranccedilas marcado por uma busca pela felicidade (que
precisa ser exposta como uma conquista contiacutenua e necessaacuteria) pelo culto ao corpo e agrave
juventude (revelada nas cirurgias plaacutesticas nos cremes e piacutelulas) pela busca da cura e
interdiccedilatildeo da morte (configurada no choro contido na maquiagem dos mortos na induacutestria
141
fuacutenebre que tem crescido vertiginosamente) pelo sucesso profissional (marcado pelas
necessidades de realizaccedilatildeo de status de reconhecimento)
Neste contexto a definiccedilatildeo de ldquoaquilo que vocecirc quer serrdquo pode ser deveras complicada
bastante complexa Porque nem sempre o que se quer eacute possiacutevel ter e nem sempre se sabe o que
se realmente quer Mas mesmo diante destas inconsistecircncias precisamos fazer as escolhas tatildeo
necessaacuterias agrave sobrevivecircncia neste mundo
Como pude observar nos relatos alguns profissionais de sauacutede natildeo queriam inicialmente
trabalhar com bebecircs e ateacute se assustavam sobremaneira com a possibilidade de lidar
constantemente com a morte de seres tatildeo fraacutegeis envoltos em complexas relaccedilotildees familiares
Escolheram em funccedilatildeo de vagas de trabalho da aprovaccedilatildeo em um concurso da alegaccedilatildeo da
administraccedilatildeo hospitalar das necessidades de ampliar a equipe da UTI Neonatal Escolheram e
como bem coloca Clarice Lispector ldquosabem fazer o melhor das oportunidades que aparecem em
seus caminhosrdquo
Os relatos revelam o encantamento com a possibilidade de ajudar os bebecircs e suas
famiacutelias o comprometimento com o trabalho realizado mesmo diante das dificuldades Os
profissionais entrevistados admitem o sofrimento o choro por vezes contido diante dos
familiares e ateacute o distanciamento proposital dos mesmos quando a possibilidade da morte se
amplia Admitem tentar se proteger do sofrimento natildeo se envolver em demasia para seguir
adiante
Falaram sobre o medo da morte sobre o sentimento de impotecircncia e frustraccedilatildeo diante
da morte de receacutem-nascidos E tambeacutem falaram sobre o resignificar da vida diante das
experiecircncias da vontade de dar mais atenccedilatildeo aos filhos ao lembrarem das matildees que natildeo podem
mais tecirc-los por perto A morte do outro no caso das profissionais que satildeo matildees relembra sobre
a possibilidade de perda dos proacuteprios filhos da necessidade de fazer melhores escolhas sobre o
uso do pouco tempo disponiacutevel para atenccedilatildeo dedicada aos mesmos
142
Muitas coisas foram ditas as dificuldades do cotidiano foram contempladas bem como
as significativas melhorias apresentadas na estrutura fiacutesica de trabalho Os novos projetos
tambeacutem apareceram com a boa vontade de propor melhorias de oferecer uma melhor
assistecircncia aos pacientes familiares e aos proacuteprios funcionaacuterios
O que fico me perguntando a partir da escuta atenta destas narrativas eacute o que pode ser
feito diante de tudo o que foi dito Acredito que a primeira reflexatildeo que se apresenta estaacute na
importacircncia de olhar para a o mundo atual para esta atmosfera que nos move para o controle
para o domiacutenio dos instrumentos para o raciociacutenio da causa e efeito para a necessidade de cura
para o sentimento de culpa Compreender que estamos imersos nesta visatildeo de mundo eacute
reconhecer que os instrumentos satildeo necessaacuterios para a relaccedilatildeo que o homem estabelece com o
trabalho com os outros neste mundo E principalmente eacute tambeacutem reconhecer que apesar de
todo o aparato tecnoloacutegico de toda dedicaccedilatildeo humana natildeo temos o controle sobre a vida As
limitaccedilotildees vatildeo existir as falhas fazem parte do processo e em uma hora surpreendentemente
indefinida a morte iraacute chegar
A morte chega e nos diz que a vida iraacute acabar mesmo que a consideremos inacabada
Que as coisas iratildeo acontecer independentemente da nossa vontade Aiacute entramos em um ponto
especialmente delicado o homem enquanto senhor das suas vontades Do querer realizar o
querer que nos mobiliza o natildeo querer que paralisa que gera inconformidade intoleracircncia que
embriaga a visatildeo e dissipa a realidade nua e crua Coloca uma nuvem uma neblina que natildeo
deixa enxergar o natildeo querer
Somos movidos pelos sentimentos e mais atenccedilatildeo precisa ser dada a isso Muito mais
do que se imagina Mais atenccedilatildeo ao que sentimos com o olhar voltado para si mais atenccedilatildeo ao
que os outros sentem com o olhar para o proacuteximo Eacute preciso escutar mais as pessoas entender
o que querem ao que datildeo importacircncia e dentro das possibilidades oferecerem um pouco do
que querem e a reflexatildeo sobre o muito do que natildeo podem sobre as limitaccedilotildees para o querer
143
Voltando para a realidade dos profissionais de sauacutede muitas vezes eles querem ser
ouvidos em sua anguacutestia consolados em seu luto atendidos em relaccedilatildeo agraves condiccedilotildees baacutesicas de
trabalho Satildeo quereres aparentemente possiacuteveis diante dos desafios cotidianos no ambiente de
trabalho Mas quereres tantas vezes pouco atendidos Fala-se na necessidade de cuidar do
cuidador mas o que seria este cuidado senatildeo passar pela escuta atenta das suas necessidades
De que tipo de cuidado estamos falando Mesmo quando as empresas adotam praacuteticas de
atenccedilatildeo aos cuidadores qual a fonte de inspiraccedilatildeo destas praacuteticas O que acham que eacute adequado
ou suficiente para os trabalhadores Ou o que realmente importa para eles
Ainda pensando na questatildeo da morte e fazendo uma articulaccedilatildeo com as experiecircncias dos
profissionais de sauacutede podemos compreender que a morte faz parte da vida do ser-no-mundo
embora tenha sido experienciada de diferentes formas ao longo da histoacuteria da humanidade
Congruente com este pensamento Heidegger (1927 2015) enfatiza a ideia de sempre considerar
o contexto social especiacutefico para interpretar o discurso do outro
Para os profissionais de sauacutede a ocorrecircncia das mortes faz lembrar das limitaccedilotildees
existentes na atuaccedilatildeo profissional Em meio a busca pela cura pela prolongaccedilatildeo da vida a
ocorrecircncia de morte leva agrave frustraccedilatildeo de saber que por mais que se queira curar existem
limitaccedilotildees para a atuaccedilatildeo profissional
Na realidade de uma forma geral independente de refletirmos ou natildeo sobre a morte
esta possibilidade estaacute lanccedilada o tempo todo como algo inerente agrave existecircncia E assim
tecemos os fios da nossa vida Vamos estruturando o nosso tecido pelas experiecircncias que
vivemos enquanto ser-no-mundo um ser que se relaciona com os outros e com o mundo em
um contexto histoacuterico especiacutefico
No contexto atual sem o controle o homem se sente perdido incomodado como se
faltasse algo que lhe trouxesse seguranccedila A anguacutestia retira o ser da situaccedilatildeo de aparente
controle
144
A anguacutestia nos arranca da familiaridade cotidiana nos faz sentir como estranhos no
mundo Ela incomoda por nos trazer algo que ameaccedila a nossa existecircncia e nos lembra do poder
natildeo mais ser E a anguacutestia eacute antes de tudo uma disposiccedilatildeo afetiva uma abertura para o mundo
Desta forma Heidegger (19272015) nos lembra da importacircncia dos afetos para o ser-
no-mundo Somos seres tambeacutem de afeto Mesmo a melhor das teorias natildeo se consolida apenas
com a razatildeo requer sobremaneira a sensibilidade do pesquisador A disposiccedilatildeo afetiva para
realizar algo inclusive para refletir E a anguacutestia favorece isto cria uma atmosfera propiacutecia para
o olhar profundo em relaccedilatildeo a si proacuteprio enquanto ser-no-mundo
O dasein ao ser tomado pela anguacutestia eacute capaz de concentrar-se nas proacuteprias escolhas
de se permitir fazer referecircncia a si mesmo de forma autecircntica podendo assim exercitar a
capacidade de ser propriamente livre
Ao encarar a morte de frente pode-se pensar na melhor forma de viver a vida no
sentido mais autecircntico e verdadeiro para si proacuteprio No sentido de fazer escolhas que geram o
sentimento de valer a pena A ideia de ldquoaceitar o fimrdquo eacute muito mais complexa que o simples
citar desta frase pode implicar em resignificar o comeccedilo em fazer novas escolhas no presente
e projetar-se para o futuro com a consciecircncia que viveraacute do modo mais verdadeiro para si
proacuteprio e que natildeo teraacute o controle sobre tudo e sobre todos
Costumo dizer que planejamos para melhor improvisar Eacute ilusatildeo acharmos que quanto
mais racionais e apegados aos detalhes teremos a previsatildeo dos fatos da vida Planejamos para
melhor improvisar pois enquanto ser-aiacute estamos no mundo abertos a muitas possibilidades
Inclusive na relaccedilatildeo com os outros sobre os quais natildeo temos controle Improvisar faz parte da
vida tanto quanto a noccedilatildeo de projeto Sem projeto natildeo temos sentido para a vida mas se
tornarmos o projeto estaacutetico ele jamais se concretiza inclusive pela nossa proacutepria insatisfaccedilatildeo
com o mesmo
145
Planejamos para melhor improvisar pode tambeacutem ser compreendido como nos
prepararmos para esperar o inesperado ou seja para termos consciecircncia de que por mais que
nos dediquemos a ponto de oferecermos o nosso melhor natildeo teremos o controle sobre o mundo
nem tatildeo pouco sobre os resultados que esperamos para o nosso proacuteprio esforccedilo
Com base nesta reflexatildeo caberia uma pergunta Eacute possiacutevel uma preparaccedilatildeo para a
morte No sentido de prever os acontecimentos como se existissem e efetivamente vivenciaacute-
los a minha resposta seria natildeo Mas no sentido de aliado a preparaccedilatildeo teacutecnica existir uma
reflexatildeo pautada nas limitaccedilotildees humanas e na condiccedilatildeo do dasein enquanto ser-para-a-morte
poderia ser um caminho Este tipo de preparaccedilatildeo poderia minimizar a cobranccedila pela cura e a
culpa pelo aparente fracasso Seria um contraponto para um pensamento que aprisiona na busca
da perfeiccedilatildeo e do controle de algo incontrolaacutevel A preparaccedilatildeo seria portanto de considerar a
realidade de que somos mortais e de que apesar disso buscamos um projeto de vida que nos
faccedila sentido que nos decirc direccedilatildeo agraves nossas atitudes
Ser profissional de sauacutede eacute percorrer um caminho que se constroacutei no cotidiano eacute um
contiacutenuo tornar-se sendo Pelas experiecircncias vivenciadas cada qual constroacutei a sua histoacuteria a
sua maneira de ver a vida projeta o futuro e resignifica o passado Mas ao longo do percurso
aleacutem da preparaccedilatildeo inicial para lidar com a morte eu diria que eacute necessaacuterio um suporte para os
momentos de enfrentamento Como um amparo ao longo da caminhada Seria interessante um
espaccedilo de escuta para estes profissionais nas suas anguacutestias e dificuldades como um plantatildeo
psicoloacutegico Ao mesmo tempo em que seria interessante ampliar as possibilidades de reuniotildees
multidisciplinares com a participaccedilatildeo dos profissionais de distintas formaccedilotildees Espaccedilos de
escuta de troca de informaccedilotildees e ideias podem gerar um sentimento de integraccedilatildeo e facilitar o
caminhar a jornada
146
Diante das narrativas dos profissionais de sauacutede fiquei reflexiva quanto a um aspecto
o quanto estamos sozinhos Alguns se sentem mais acolhidos pelos pares outros menos Mas
de uma forma ou de outra todos utilizam mecanismos para enfrentar as dificuldades
Na realidade o estar sozinho tambeacutem remete agrave condiccedilatildeo de desamparo do dasein Natildeo
temos seguranccedila nesta vida Somos seres desamparados Talvez por isso nos apegamos agraves
coisas do mundo as ocupaccedilotildees do cotidiano Na tentativa de preenchermos um vazio uma
sensaccedilatildeo de desamparo que eacute inerente ao ser-no-mundo
Somos seres sozinhos em meio a uma multidatildeo correndo contra o tempo Nos
consideramos imortais ao deixarmos de refletir sobre a condiccedilatildeo de finitude Cultivamos o
poder de realizar multitarefas de dominar muitos conhecimentos de acumular todo tipo de
informaccedilotildees Fazer vaacuterias coisas ao mesmo tempo passou a ser louvaacutevel digno do meacuterito de
quem acumula coisas
Os profissionais de sauacutede satildeo seres sozinhos no sentido de serem obrigados a dominar
vaacuterios conhecimentos e teacutecnicas de serem considerados responsaacuteveis pela cura dos pacientes
de terem que abdicar ateacute da vida pessoal para ajudar o proacuteximo seja dobrando o plantatildeo seja
assumindo a postura louvaacutevel daquele que estaacute sempre apto para salvar para consolar e dar
atenccedilatildeo
Estatildeo sozinhos quando falta material equipamentos adequados pessoas suficientes e
mesmo assim os problemas precisam ser resolvidos e enfrentados Sozinhos quando precisam
chorar suportar as dores e anguacutestias pois ao se mostrarem fragilizados natildeo satildeo considerados
capazes de ocupar aquele lugar Como no caso da profissional que chorava copiosamente diante
da morte do receacutem-nascido e a colega afirmou que ela deveria trabalhar em um shopping
Estes profissionais encontram-se imersos em uma realidade da sauacutede puacuteblica brasileira
caracterizada pela deficiecircncia pela falta dos materiais equipamentos e pessoas necessaacuterias para
a execuccedilatildeo efetiva das atividades As notiacutecias nos diversos meios de comunicaccedilatildeo (jornais
147
televisatildeo internet raacutedio) destacam como a sauacutede puacuteblica natildeo eacute uma prioridade no Brasil A
populaccedilatildeo sofre muito com isso assim como os profissionais de sauacutede
Diante da falta de condiccedilotildees de trabalho a sobrecarga apresenta-se como rotina como
o padratildeo caracteriacutestico do cotidiano de trabalho destes profissionais Assim configura-se o ciclo
vicioso A sobrecarga leva ao adoecimento que leva agrave ausecircncia do trabalho e amplia a
sobrecarga para os que ficam provavelmente os proacuteximos a adoecerem
Em meio a esta realidade muitas vezes os profissionais satildeo mal remunerados pouco
valorizados e se submetem a um concurso puacuteblico como forma de garantir a estabilidade do
emprego mas natildeo necessariamente apresentam o interesse ou mesmo o perfil para a atuaccedilatildeo
em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal Existem ainda os que precisam para aumentar a
renda trabalhar em outros hospitais tantas vezes saindo de um plantatildeo para outro gerando
desgaste fiacutesico e psicoloacutegico
Temos os que se afastam do trabalho os que trabalham sofrendo os que se afastam no
trabalho procurando se distanciar do sofrimento Diante de tudo isso eacute importante enfatizar
que os profissionais precisam ser ouvidos precisam de suporte psicoloacutegico no ambiente de
trabalho precisam de uma formaccedilatildeo que priorize as temaacuteticas da morte e das perdas de uma
forma reflexiva Mas precisam sobretudo de condiccedilotildees adequadas de trabalho (em termos de
materias equipamentos carga horaacuteria) e de reconhecimento Eacute contraditoacuterio culpar o
profissional pela morte de pacientes e mais seriamente fazecirc-lo se sentir culpado quando natildeo
satildeo oferecidas as condiccedilotildees necessaacuterias inclusive para evitar que algumas morte aconteccedilam
A sobrecarga de trabalho favorece a ocorrecircncia de erros que podem levar a morte dos
bebecircs Aleacutem de conviver com a sobrecarga agraves vezes ateacute com a exaustatildeo e o adoecimento o
profissional precisa salvar vidas e quando isso natildeo ocorre encontrar meios para lidar com as
frustraccedilotildees com os sentimentos de impotecircncia e de culpa E quando reivindicam tantas vezes
satildeo lembrados da ldquovocaccedilatildeordquo originaacuteria de ajudar o proacuteximo salvar vidas dedicar-se ao bem do
148
outro Natildeo dobrar um plantatildeo pode significar o abandono dos bebecircs E quanto ao abandono de
si proacuteprio e dos outros papeacuteis que ocupa na vida
Ao longo do percurso da vida muitas mortes satildeo vivenciadas inclusive as perdas
cotidianas os desejos e sonhos natildeo realizados o fim de relacionamentos a perda de emprego
o tornar-se aposentado Os fechamentos de ciclos na vida podem ser sentidos como verdadeiras
mortes que deixam marcas e levam um pouco de noacutes Diante destas mortes eacute necessaacuterio refletir
sobre a direccedilatildeo tomada o sentido da vida e o novo caminho a ser trilhado Quando isso natildeo eacute
possiacutevel a morte paralisa leva agrave perda de sentido aos afastamentos do trabalho ao teacutedio agrave
depressatildeo e ateacute ao suiciacutedio
Tudo depende do significado atribuiacutedo ao fato Para quem o trabalho representa a razatildeo
de existir a necessidade de se sentir uacutetil o ciclo social de convivecircncia a aposentadoria pode
significar a morte de toda uma vida de dedicaccedilatildeo de uma rede de relaccedilotildees e de um
pertencimento a um mundo que natildeo mais existe E se aleacutem deste significado faltar a direccedilatildeo
um projeto para o futuro um novo olhar para o mundo o sentido da vida pode esvair-se como
a aacutegua entre os dedos O ser se perde morre ainda vivo morre para o mundo e para os outros
Ao longo da trajetoacuteria a vivecircncia das perdas pode ser sentida de diferentes formas que
deixam marcas resignificam a vida mas natildeo mudam de condiccedilatildeo ou significado satildeo perdas
Grandes e pequenas mortes com as quais precisamos aprender a lidar no cotidiano
Da mesma forma que na contemporaneidade fugimos da morte tentamos evitar ao
maacuteximo pensar na morte dos outros e na nossa proacutepria morte e mascaramos o luto noacutes tambeacutem
fugimos das perdas escondemos os fracassos encobrimos as falhas buscamos culpados para a
natildeo-realizaccedilatildeo dos desejos e sonhos nos concentramos em outras demandas para natildeo olhar para
o que perdemos Caiacutemos na impessoalidade e ficamos na superfiacutecie das histoacuterias das relaccedilotildees
das atividades cotidianas Tomamos piacutelulas para emagrecer remeacutedios para esquecer das dores
para dormir o sono que evita a culpa
149
As perdas demonstram que natildeo temos o controle sobre o mundo e tambeacutem indicam que
somos seres em deacutebito Sempre que escolhemos algo abrimos matildeo de outras possibilidades o
tempo inteiro Estamos em deacutebito com o que natildeo escolhemos e se satildeo decisotildees importantes
para a nossa vida nos encontramos em um deacutebito ainda maior conosco O mais doloroso disso
tudo eacute que esta diacutevida vai sendo cobrada ao longo da existecircncia ateacute a finitude quando deixamos
a condiccedilatildeo de ser-no-mundo
Ter consciecircncia de ser algueacutem em deacutebito nos torna mais reflexivos quanto agraves escolhas
que realizamos Tantas vezes o sim para o mundo pode ser o natildeo para si proacuteprio E a dor da
sequecircncia de perdas pode levar ao adoecimento e agrave perda de sentido da vida
Seja entendida como um castigo ou fonte de expiaccedilatildeo dos pecados Seja compreendida
como o fim da existecircncia ou um novo comeccedilo a morte continuaraacute na verdade como presenccedila
como uma possibilidade certa na nossa existecircncia um marco divisoacuterio entre estar-no-mundo e
deixar de ser-no-mundo Cabe a noacutes escolher ateacute como lidar com tudo isso
150
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ANEXOS
158
Paacutegina 1 de 1
TERMO DE GRAVACcedilAtildeO DE VOZ
Eu__________________________________________ autorizo a gravaccedilatildeo da
entrevistadepoimento a qual integra a pesquisa intitulada ldquoOs profissionais de sauacutede e a
experiecircncia da morte em UTI Neonatal agrave luz da fenomenologia hermenecircutica
heideggerianardquo na qual participo como voluntaacuterio(a) Este estudo tem como pesquisadora
responsaacutevel Lucila Moura Ramos Vasconcelos sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Elza Dutra
vinculadas ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Psicologia da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte
Com este termo estou ciente que esta gravaccedilatildeo possui a finalidade de contribuir para a
compreensatildeo do fenocircmeno aqui estudado e autorizo que a mesma seja realizada nas condiccedilotildees
propostas pela pesquisadora permitir que a gravaccedilatildeo aconteccedila nos encontros propostos para a
realizaccedilatildeo da escuta dos depoimentos podendo ser pausada a cada momento que for necessaacuterio
durante o transcorrer da entrevista
Estou ciente que o conteuacutedo destas gravaccedilotildees seraacute armazenado pela pesquisadora
responsaacutevel em local seguro por um periacuteodo de 5 anos Tambeacutem seraacute preservado o sigilo quanto
agrave identidade dos participantes desta pesquisa
Natal _________ _____________________________________________________
Assinatura do participante da pesquisa
Impressatildeo datiloscoacutepica do participante da pesquisa
159
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ndash TCLE
Este eacute um convite para vocecirc participar da pesquisa intitulada ldquoOs profissionais de
sauacutede e a experiecircncia da morte em UTI Neonatal agrave luz da fenomenologia hermenecircutica
heideggerianardquo Este estudo tem como pesquisadora responsaacutevel Lucila Moura Ramos
Vasconcelos sob a orientaccedilatildeo da Profordf Drordf Elza Dutra vinculadas ao Programa de Poacutes-
Graduaccedilatildeo em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
A motivaccedilatildeo para o presente estudo surgiu da praacutetica profissional da pesquisadora e do
olhar para a atuaccedilatildeo dos trabalhadores que se dedicam a promover a assistecircncia aos pacientes
No cotidiano de trabalho os profissionais de sauacutede aleacutem de precisarem do conhecimento
teacutecnico e do entendimento e cumprimento dos protocolos de seguranccedila ainda vivenciam
situaccedilotildees de morte de pacientes
Diante do exposto o presente estudo tem como objetivo geral compreender como os
profissionais de sauacutede atuantes em UTI Neonatal experienciam a morte de receacutem-nascidos e
como objetivos especiacuteficos conhecer as concepccedilotildees dos profissionais sobre a morte entender
como os profissionais lidam com as exigecircncias inerentes ao trabalho em UTI Neonatal entender
os sentidos de ser profissional de sauacutede atuante em UTI Neonatal Tendo em vista esta temaacutetica
foi escolhida como campo de estudo a Maternidade Escola Januaacuterio Cicco (MEJC) referecircncia
no estado do Rio Grande do Norte para a gestaccedilatildeo de alto risco
Se vocecirc decidir participar vocecirc seraacute entrevistado(a) A entrevista poderaacute durar 1 (uma)
hora e seraacute gravada em aacuteudio Em momento posterior a pesquisadora iraacute transcrever o que foi
gravado para uso na pesquisa Durante a realizaccedilatildeo da entrevista vocecirc poderaacute sentir um
desconforto emocional causado por alguma pergunta da entrevista mas vale lembrar que o
pesquisadora eacute psicoacuteloga e possui condiccedilotildees de lhe oferecer acolhimento se for necessaacuterio
Vocecirc teraacute como benefiacutecio a possibilidade de falar sobre sua experiecircncia enquanto profissional
de sauacutede e sobre os sentidos que vocecirc atribui a essa experiecircncia Dessa forma vocecirc contribuiraacute
para a produccedilatildeo de conhecimento na aacuterea desse estudo
A importacircncia deste estudo estaacute na compreensatildeo da experiecircncia da morte de receacutem-
nascidos pelos profissionais de sauacutede no intuito de gerar contribuiccedilotildees para proacuteprios os
profissionais de sauacutede a instituiccedilatildeo hospitalar e consequentemente para a assistecircncia dos
pacientes e de seus familiares Ao serem ouvidos cada participante contaraacute sobre os fatos que
vivenciaram e a realidade do seu trabalho Isto por si soacute poderaacute promover reflexotildees sobre a
Paacutegina 1 de 3
160
conduccedilatildeo das suas atividades e sobre os sentimentos diante das perdas Estas informaccedilotildees
poderatildeo indicar a necessidade de suporte psicoloacutegico eou da equipe de trabalho no
enfrentamento das perdas Tambeacutem poderatildeo suscitar na Instituiccedilatildeo a necessidade de novas
orientaccedilotildees eou capacitaccedilotildees para os funcionaacuterios bem como accedilotildees voltadas para a sauacutede e
qualidade de vida no trabalho
Vocecirc tem o direito de se recusar a participar da pesquisa ou retirar seu consentimento
em qualquer momento da entrevista Isto significa que vocecirc poderaacute parar a entrevista em
qualquer momento Vocecirc tambeacutem tem o direito de se recusar a responder qualquer pergunta
As informaccedilotildees que vocecirc iraacute fornecer seratildeo confidenciais Estas informaccedilotildees seratildeo divulgadas
apenas em congressos ou publicaccedilotildees cientiacuteficas mas nenhum dado que possa lhe identificar
seraacute divulgado Esses dados seratildeo guardados pela pesquisadora responsaacutevel em local seguro
por um periacuteodo de 5 anos
Se vocecirc tiver algum gasto pela sua participaccedilatildeo nessa pesquisa ele seraacute assumido pela
pesquisadora e reembolsado para vocecirc Se vocecirc sofrer algum dano comprovadamente causado
por esta pesquisa vocecirc seraacute indenizado O participante da pesquisa tem direito a indenizaccedilatildeo
conforme as leis vigentes no paiacutes caso ocorra dano decorrente de participaccedilatildeo na pesquisa
Durante todo o periacuteodo da pesquisa vocecirc poderaacute tirar suas duacutevidas ligando para Lucila
Moura Ramos Vasconcelos atraveacutes do celular 084-99970-4550 ou do e-mail
lucilamourayahoocombr Tambeacutem poderaacute entrar em contato com a orientadora da pesquisa
a Profordf Drordf Elza Dutra por meio do celular 084-99924-4175 ou de seu e-mail
elzadutrarngmailcom
Para tirar qualquer duacutevida sobre os aspectos eacuteticos dessa pesquisa vocecirc deveraacute ligar para
o Comitecirc de Eacutetica em Pesquisa do Hospital Universitaacuterio Onofre Lopes (084-3342 5003) como
poderaacute enviar e-mail para cep_huolyahoocombr ou comparecer diretamente no Hospital
Universitaacuterio Onofre Lopes localizado na Avenida Nilo Peccedilanha 620 no bairro de Petroacutepolis
(CEP 59012-300)
Este documento foi impresso em duas vias Uma ficaraacute com vocecirc e a outra com a
pesquisadora responsaacutevel Lucila Moura Ramos Vasconcelos
Apoacutes ter sido informado(a) sobre os objetivos a importacircncia e a forma como as
informaccedilotildees seratildeo coletadas nessa pesquisa e de conhecer os riscos desconfortos e benefiacutecios
Paacutegina 2 de 3
161
Paacutegina 3 de 3
e ter conhecimento de todos os meus direitos concordo em participar da pesquisa ldquoOs
profissionais de sauacutede e a experiecircncia da morte em UTI Neonatal agrave luz da fenomenologia
hermenecircutica heideggerianardquo e autorizo a divulgaccedilatildeo das informaccedilotildees fornecidas em
congressos eou publicaccedilotildees cientiacuteficas desde que nenhum dado possa me identificar
Natal _________ _____________________________________________________
Assinatura do participante da pesquisa
Impressatildeo datiloscoacutepica do participante da pesquisa