35
A ERA DOS IMPÉRIOS Apenas uma confusão politico completa e um otimismo ingênuo podem impedir que se reconheça que os esforços inevitáveis em favor da expansão comercial de todas as nações civilizadas, sob controle da burguesia, apos um período de transição de concorrência aparentemente pacifica, se aproximam nitidamente do ponto em que apenas o poder decidira a parte que caberá a cada nação no controle econômico da Terra e, portanto, a esfera de ação de seus povos e, especialmente, do potencial de ganho de seus trabalhadores. Max Weber, 1894' "Quando estiverdes entre os chineses" . . . diz [o Imperador da Alemanha], "lembrai que sois a vanguarda da Cristandade", diz ele, "e atravessai com vossas baionetas todo odioso infiel de marfim que virdes", diz ele. "Fazei-os compreender o que significa a nossa civilização ocidental. .. E se, por um acaso, tomardes uma pequena extensão de terra enquanto isso, não deixeis nunca que um francês ou um russo a tomem de vós". Mr. Dooley's Philosophy, 1900. 2 Parte I Era muito provável que uma economia mundial cujo ritmo era determinado por seu niicleo capitalista desenvolvido ou em desenvolvimento se transformasse num mundo onde os "avanca-dos" dominariam os "atrasados"; em suma, num mundo de imperio. Mas, paradoxalmente, o período entre 1875 e 1914 pode Pag. 88 ser chamado de Era dos Impérios não apenas por ter criado urn novo tipo de imperialismo, mas também por um motivo muito mais antiquado. Foi provavelmente o período da historia mundial moderna em que chegou ao máximo o numero de governantes que se autodenominavam "imperadores", ou que eram considerados pelos diplomatas ocidentais como merecedores desse titulo. Na Europa, os governantes da Alemanha, Áustria, Rússia, Turquia e (em sua qualidade de dirigentes da Índia) Grã-Bretanha reivindicavam esse titulo. Dois deles (Alemanha e Grã-Bretanha/Índia) eram

A Era Dos Imperios

Embed Size (px)

DESCRIPTION

autou: Eric Hobsbawm

Citation preview

A ERA DOS IMPRIOSApenas uma confuso politico completa e um otimismo ingnuo podem impedir que se reconhea que os esforos inevitveis em favor da expanso comercial de todas as naes civilizadas, sob controle da burguesia, apos um perodo de transio de concorrncia aparentemente pacifica, se aproximam nitidamente do ponto em que apenas o poder decidira a parte que caber a cada nao no controle econmico da Terra e, portanto, a esfera de ao de seus povos e, especialmente, do potencial de ganho de seus trabalhadores.Max Weber, 1894'"Quando estiverdes entre os chineses" . . . diz [o Imperador da Alemanha], "lembrai que sois a vanguarda da Cristandade", diz ele, "e atravessai com vossas baionetas todo odioso infiel de marfim que virdes", diz ele. "Fazei-os compreender o que significa a nossa civilizao ocidental. .. E se, por um acaso, tomardes uma pequena extenso de terra enquanto isso, no deixeis nunca que um francs ou um russo a tomem de vs".Mr. Dooley's Philosophy, 1900. 2

Parte I

Era muito provvel que uma economia mundial cujo ritmo era determinado por seu niicleo capitalista desenvolvido ou em desenvolvimento se transformasse num mundo onde os "avanca-dos" dominariam os "atrasados"; em suma, num mundo de imperio. Mas, paradoxalmente, o perodo entre 1875 e 1914 podePag. 88

ser chamado de Era dos Imprios no apenas por ter criado urn novo tipo de imperialismo, mas tambm por um motivo muito mais antiquado. Foi provavelmente o perodo da historia mundial moderna em que chegou ao mximo o numero de governantes que se autodenominavam "imperadores", ou que eram considerados pelos diplomatas ocidentais como merecedores desse titulo.Na Europa, os governantes da Alemanha, ustria, Rssia, Turquia e (em sua qualidade de dirigentes da ndia) Gr-Bretanha reivindicavam esse titulo. Dois deles (Alemanha e Gr-Bretanha/ndia) eram inovaes dos anos 1870. Eles mais que compensaram o desaparecimento do "Segundo Imprio" de Napoleo III, da Franca. Fora da Europa, os dirigentes da China, Japo, Prsia e talvez com maior cortesia diplomtica internacional Etipia e Marrocos * eram normalmente autorizados a usar esse titulo, ao passo que, ate 1889, sobreviveu um imperador americano, o do Brasil. Pode-se acrescentar a lista um ou dois imperadores ainda mais obscuros. Em 1918, cinco deles haviam desaparecido. Hoje (1987) o nico sobrevivente titular desse seleto grupo de supermonarcas o governante do Japo, cujo perfil politico e fraco e cuja influencia politica e insignificante.Num sentido menos superficial, o perodo que nos ocupa e obviamente a era de um novo tipo de imprio, o colonial. A supremacia econmica e militar dos pases capitalistas ha muito no era seriamente ameaada, mas no houvera nenhuma tentativa sistemtica de traduzi-la em conquista formal, anexao e administrao entre o final do sculo XVIII e o ultimo quartel do XIX. Isto se deu entre 1880 e 1914, e a maior parte do mundo, a exceo da Europa e das Amricas, foi formalmente dividida em territ6rios sob governo direto ou sob dominao politica indireta de um ou outro Estado de um pequeno grupo: principalmente Gr-Bretanha, Frana, Alemanha, Itlia, Holanda, Blgica, EUA e Japo. As vitimas desse processo foram, at certo ponto, os antigos imprios europeus pr-industriais sobreviventes da Espanha e de Portugal, o primeiro mais que o segundo, apesar de tentativas de estender o territrio sob seu controle no* O sulto do Marrocos prefere o titulo de "rei". Nenhum dos outros minis sultes sobreviventes do mundo islmico era ou podia ser encarado como "rei dos reis".Pag. 89noroeste africano. Entretanto, a permanncia dos principais territrios Portugueses na frica (Angola e Moambique), que sobreviveriam as outras colnias imperialistas, deveu-se basicamente a incapacidade de seus rivais modernos chegarem a um acordo quanto a maneira exata de dividi-los entre si. Nenhuma rivalidade desse tipo salvou os despojos do Imprio Espanhol nas Amricas (Cuba, Porto Rico) e no Pacifico (Filipinas) dos EUA em 1898. A maioria dos grandes imprios tradicionais da sia permaneceu nominalmente independente, embora as potencias ocidentais tenham delimitado ali "zonas de influencia" ou mesmo de administrao direta que (como no caso do acordo anglo-russo sobre a Prsia em 1907) podiam cobrir a totalidade do territrio. Na verdade, seu desamparo politico e militar era dado como certo. Sua independncia dependia de sua utilidade como Estados-tampo (como o Sio hoje Tailndia , que separava as zonas britnica e francesa no Sudeste asitico, ou do Afeganisto, que separava a Gr-Bretanha e Rssia), da incapacidade de as potencies imperais rivais concordarem numa formula para a diviso, ou meramente de sua extenso. O nico Estado no europeu que resistiu com xito a conquista colonial formal, quando esta foi tentada, foi a Etipia, que conseguiu resistir a Itlia, o mais fraco dos Estados imperiais.Duas regies maiores do mundo foram, para fins prticos, inteiramente divididas: frica e Pacfico. No restou qualquer Estado independente no Pacifico, ento totalmente distribudo entre britnicos, franceses, alemes, holandeses, norte-americanos e ainda em escala modesta japoneses. Por volta de 1914, a frica pertencia inteiramente aos imprios britnico, francs, alemo, belga, portugus e. marginalmente, espanhol, a exceo da Etipia, da insignificante Libria e daquela parte do Marrocos que ainda resistia a conquista completa. A sia, como vimos, conservava uma extensa rea nominalmente independente, embora os mais antigos dos imprios europeus tenham ampliado e completado seus vastos domnios a Gr-Bretanha, anexando a Birmnia ao seu imprio indiano e implantando ou reforc.ando a zona de influencia nas reas do Tibete, da Prsia e do golfo Prsico; a Rssia, avanando sobre a sia Central c (com menos xito) sobre a Sibria e a Mandchuria do lado do Pacifico: os holandeses. implementando um controle maisPag. 90

firme nas regies mais distantes da Indonsia. Dois imprios praticamente novos foram criados pela conquista francesa da Indochina, iniciada no governo de Napoleo IH, e pela conquista japonesa da Coria e de Taiwan (1895), s custas da China, e, posteriormente, de forma mais modesta, s custas da Rssia (1905). S uma das regies principais do planeta no foi afetada substancialmente por esse processo de diviso. As Amricas eram, em 1914, o que haviam sido em 1875, ou, neste sentido, nos anos 1820: uma coleo nica de repblicas soberanas, com exceo do Canad, das ilhas do Caribe e de partes do litoral caribenho. exceo dos EUA, seu status poltico raramente impressionava algum, alm de seus vizinhos. Era perfeitamente claro que, do ponto de vista econmico, elas eram dependentes do mundo desenvolvido. Contudo, nem os EUA, que crescentemente afirmavam sua hegemonia poltica e militar na rea, tentaram seriamente conquist-Ias e administr-Ias. Suas nicas anexaes diretas se restringiram a Porto Rico (permitindo que Cuba mantivesse uma independncia meramente nominal) e a uma estreita faixa ao longo do novo Canal do Panam, que fazia parte de outra repblica pequena e nominalmente independente - para este fim destacada da Colmbia, bem maior, por uma revoluo local conveniente. Na Amrica Latina, a dominao econmica, e a presso poltica, quando necessria, eram implementadas sem conquista formal. As Amricas constituam, claro, a nica regio importante do globo onde no houve rivalidade sria entre grandes potncias. exceo da Gr-Bretanha nenhum Estado europeu possua mais que restos dispersos dos imprios coloniais (principalmente caribenho) do sculo XVIII, sem maior significado econmico ou outro. Nem os britnicos nem' qualquer das outras nacionalidades viam boa razo para hostilizar os EUA, desafiando a Doutrina Monroe. *Notas: Esta doutrina, expressa pela primeira vez em 1823 e subsequentemente repetida e elaborada pelos governos dos EUA, manifestava hostilidade a qualquer outra colonizao ou interveno poltica de potncias europeias no hemisfrio ocidental. Mais tarde, isto passou a significar que os EUA eram a nica potncia com o direito de interferir em qualquer ponto do hemisfrio. medida que os EUA foram se tomando mais poderosos, a Doutrina Monroe foi sendo encarada com mais seriedade pelos Estados europeus.Pag. 91Essa repartio do mundo entre um pequeno nmero de Estados, que d ttulo ao presente volume, foi a expresso mais espetacular da crescente diviso do planeta em fortes e fracos, em ..avanados" e "atrasados" que j observamos. Foi tambm notavelmente nova, Entre 1876 e 1915, cerca de um quarto da superfcie continental do globo foi distribudo ou redistribudo, como colnia, entre meia dzia de Estados, A Gr-Bretanha aumentou seus territrios em cerca de dez milhes de quilmetros quadrados, J Frana em- cerca de nove, a Alemanha conquistou mais de dois milhes e meio, a Blgica e a Itlia pouco menos que essa extenso cada uma. Os EUA conquistaram cerca de 250 mil, principalmente da Espanha o Japo algo em torno da mesma quantidade s custas da China, da Rssia e da Coria As antigas colnias africanas de Portugal se ampliaram em cerca de 750 mil quilmetros quadrados; a Espanha, mesmo sendo uma perdedora lquida (para os EUA), ainda conseguiu tomar alguns territrios pedregosos no Marrocos e no Saara ocidental. O crescimento da Rssia imperial mais difcil de avaliar, pois todo ele se deu em territrios adjacentes e constituiu o prosseguimento de alguns sculos de expanso territorial do Estado czarista; ademais, como veremos, a Rssia perdeu algum territrio para o Japo. Dentre os principais imprios coloniais, apenas o holands no conseguiu, ou no quis, adquirir novos territrios, salvo por meio da extenso de seu controle efetivo s ilhas indonsias, que h muito "possua" formalmente. Dentre os menores, a Sucia liquidou a nica colnia que lhe restava, uma ilha das ndias Ocidentais, vendendo-a Frana, e a Dinamarca estava prestes a fazer o mesmo -- conservando apenas a Islndia e a Groenlndia com territrios dependentes. O mais espetacular no necessariamente o mais importante, Quando os observadores do panorama mundial do final dos anos 1890 comearam a analisar o que parecia obviamente uma nova fase no padro geral de desenvolvimento nacional e internacional, notavelmente diferente do mundo liberal de livre comrcio e livre concorrncia de meados do sculo, eles consideraram criao de imprios coloniais apenas um de seus aspectos. Os observadores ortodoxos pensavam discernir, em termos gerais, uma nova era de expanso nacional na qual teomo sugerimos) os elementos polticos e econmicos j noPag. 92eram claramente separveis e o Estado desempenhava um papel cada vez mais ativo e crucial tanto a nvel interno como externo. Os observadores heterodoxos analisaram o perodo mais especificamente como uma nova fase de desenvolvimento capitalista, decorrente de vrias tendncias nele discernveis. A mais influente dessas anlises do que logo foi chamado de "imperialismo", o pequeno livro de Lenin de 1916, na verdade s abordou "a diviso do mundo entre as grandes potncias" no sexto de seus dez captulos. 3 Entretanto, mesmo sendo o colonialismo apenas um dos aspectos de uma mudana mais geral das questes mundiais, foi, com toda clareza, o de impacto mais imediato. Ele constituiu o ponto de partida de anlises mais amplas, pois no h dvida de que a palavra "imperialismo" passou a fazer parte do vocabulrio poltico e jornalstico nos anos 1890, no decorrer das discusses sobre a conquista colonial. Ademais, foi ento que adquiriu a dimenso econmica que, como conceito, nunca mais perdeu. Eis por que so inteis as referncias s antigas formas de expanso poltica e militar em que o termo baseado. Os imperadores e imprios eram antigos, mas o imperialismo era novssimo. A palavra (que no figura nas obras de KarI Marx, falecido em 1883) foi introduzida na poltica na Gr-Bretanha nos anos 1870, e ainda era considerada neologismo no fim da dcada. Sua exploso no uso geral data dos anos 1890. Por volta de 1900, quando os intelectuais comearam a escrever livros sobre o imperialismo, ele estava - para citar um dos primeiros deles, o liberal britnico T. A. Hobson "na boca de todo mundo... e [era] usado para denotar o movimento mais poderoso na poltica atual do mundo ocidental". 4 Em suma. era um termo novo, criado para descrever um fenmeno novo. Este fato evidente o bastante para descartar uma das muitas escolas participantes desse tenso e acirrado debate ideolgico sobre o "imperialismo", a que argumentava que ele no era nada de novo, que talvez fosse mesmo um mero remanescente pr-capitalista. De qualquer maneira, era sentido e discutido como novo. As discusses em torno desse tema sensvel so to apaixonadas, densas e confusas que a primeira tarefa do historiador desemaranh-Ias para que o fenmeno em si possa ser visto.Pag. 93Pois a maioria das discusses no tinha como tema o que aconteceu no mundo de 1875-1914, e sim o marxismo, tema capaz de suscitar sentimentos fortes: acontece que a anlise (altamente crtica) do imperialismo na verso de Lenin se tornaria central no marxismo revolucionrio dos movimentos comunistas aps 1917 e dos movimentos revolucionrios do Terceiro Mundo. O que deu particular aspereza ao debate foi que um dos lados em disputa parece ter tido uma ligeira vantagem embutida - pois aqueles defensores e opositores do imperialismo se enfrentavam desde 1890 -, ou seja, a prpria palavra adquiriu gradualmente, e agora improvvel que perca, uma conorao pejorativa. Ao contrrio da "democracia" que, devido a suas conotaes favorveis, mesmo seus inimigos gostam de reivindicar, o "imperialismo" normalmente algo reprovado e, portanto, feito por outros. Em 1914, inmeros polticos se orgulhavam de se denominarem imperialistas, mas no transcorrer de nosso sculo eles praticamente desapareceram de vista. O cerne da anlise leninista (que se baseava abertamente em vrios autores da poca, tanto marxianos como no marxianos) era que as razes econmicas do novo imperialismo residiam numa nova etapa especfica de capitalismo que, entre outras coisas, levava "diviso territorial do mundo entre as grandes potncias capitalistas", configurando um conjunto de colnias formais e informais e de esferas de influncia. As rivalidades entre as potncias capitalistas que levaram a essa diviso tambm geraram a Primeira Guerra Mundial. No precisamos discutir aqui os mecanismos especficos atravs dos quais o "capitalismo monopolista" levou ao colonialismo - as opinies divergem a esse respeito, mesmo entre os marxistas - ou a ampliao mais recente dessa anlise numa "teoria da dependncia" de alcance mais geral, no fim do sculo XX. De uma forma ou de outra, todas partem do princpio de que a expanso econmica ultramarina e a explorao do mundo ultramarino foram cruciais para os pases capitalistas. No seria particularmente interessante fazer uma crtica dessas teorias, o que seria irrelevante no presente contexto. O ponto a observar apenas que os analistas no-marxistas do imperialismo tenderam a arguir o oposto dos que os marxistas diziam, obscurecendo assim o tema. Tenderam a negar qualquer Pag. 94conexo especfica entre o imperialismo do fim do sculo XIX e do sculo XX com o capitalismo em geral, ou com sua etapa particular que, como vimos, parecia emergir no final do sculo XIX. Negaram que o imperialismo tivesse razes econmicas importantes, que beneficiasse economicamente os pases imperiais e, menos ainda, que a explorao das zonas atrasadas fosse, de alguma forma, essencial ao capitalismo, e que seus efeitos nas economias coloniais fossem negativos. Argumentaram que o imperialismo no levou a rivalidades incontornveis entre as potncias imperiais e que sua relao com a origem da Primeira Guerra Mundial no foi significativa. Rejeitando as explicaes econmicas, eles se concentraram em argumentos de ordem psicolgica, ideolgica, cultural e poltica, embora normalmente evitassem com todo cuidado o terreno perigoso da poltica interna, pois os marxistas tambm tendiam a ressaltar as vantagens que as classes dirigentes metropolitanas auferiam com as polticas e propaganda imperialistas, pois estas, entre outras coisas, se contrapunham ao crescente interesse das classes trabalhadoras pelos movimentos operrios de massa. Alguns desses contra-ataques se mostraram poderosos e eficazes, embora muitas dessas linhas de argumentao fossem mutuamente incompatveis. Na verdade, boa parte da literatura terica pioneira do anti-imperialismo no defensvel. Mas a desvantagem da literatura contrria a ela a no-explicao efetiva da conjugao de fatores econmicos e polticos, nacionais e internacionais, cujo impacto seus contemporneos acharam to importante, por volta de 1900, que procuraram dar-lhes uma explicao abrangente. Ela no explica por que seus contemporneos acharam que o "imperialismo" era a um s tempo uma novidade e um acontecimento historicamente central. Em suma, boa parte dessa literatura se limita a negar fatos que eram bastante bvios poca e ainda so. Deixando o leninismo e o antileninismo de lado, a primeira coisa que o historiador tem de restabelecer fato bvio, que ningum teria negado nos anos 1890, de que a diviso do globo tinha uma dimenso econmica. Demonstr-lo no explicar tudo sobre o perodo do imperialismo. O desenvolvimento econmico no uma espcie de ventrloquo com o resto da histria como seu boneco, Neste sentido, mesmo o homem dePag. 95negcios mais limitado procura do lucro em, digamos, minas sul-africanas de ouro e diamantes jamais pode ser tratado exclusivamente como uma mquina de ganhar dinheiro. Ele no ficava imune aos apelos polticos, emocionais, ideolgicos, patriticos ou mesmo raciais associados de modo to patente expanso imperial. Entretanto, embora seja possvel determinar uma conexo econmica entre as tendncias do desenvolvimento econmico no centro capitalista do mundo na poca e sua expanso na periferia, torna-se muito menos plausvel imputar todo o peso da explicao do imperialismo a motivos que no tenham uma conexo intrnseca com a penetrao e a conquista do mundo no-ocidental. E mesmo os que parecem ter, como os clculos estratgicos das potncias rivais, devem ser analisados tendo em mente a dimenso econmica. Nem a poltica atual no Oriente Mdio, que est longe de ser explicvel apenas em termos econmicos, pode ser discutida realisticamente sem levar em conta o petrleo. Ento, O fato maior do sculo XIX a criao de uma economia global nica, que atinge progressivamente as mais remotas paragens do mundo, uma rede cada vez mais densa de transaes econmicas, comunicaes e movimentos de bens, dinheiro e pessoas ligando os pases desenvolvidos entre si e ao mundo no desenvolvido (ver A Era do Capital, capo 3). Sem isso no haveria um motivo especial para que os Estados euro-. peus tivessem um interesse algo mais que fugaz nas questes, digamos, da bacia do rio Congo, ou tivessem se empenhado em disputas diplomticas em torno de algum atol do Pacfico. Essa globalizao da economia no era nova, embora tivesse se acelerado consideravelmente nas dcadas centrais do sculo. Ela continuou a crescer - menos notavelmente em termos relativos, porm mais maciamente em termos de volume e cifras - entre 1875 e 1914. As exportaes europias, de fato, tinham mais que quadruplicado entre 1848 e 1875, ao passo que entre esta ltima data e 1915 apenas duplicaram. Mas a navegao mercante mundial, entre 1840 e 1870, passou s de 10 a 16 milhes de toneladas, para dobrar nos quarenta anos seguintes, enquanto a rede ferroviria mundial passava de pouco mais de 200 mil quilmetros (1870), a mais de 1 milho s vsperas da Primeira Guerra Mundial.Pag. 96Essa malha de transportes cada vez mais fina incorporou at os pases atrasados e anteriormente marginais economia mundial. e criou nos velhos centros de riqueza e desenvolvimento um interesse novo por essas reas remotas. De fato, agora que eram acessveis, muitas dessas regies pareciam primeira vista meras extenses potenciais do mundo desenvolvido, que j estavam sendo povoadas e desenvolvidas por homens e mulheres ,de origem europeia, eliminando ou repelindo os habitantes nativos, gerando cidades e sem dvida, com o tempo, civilizao industrial: EUA a oeste do Mississippi, Canad, Austrlia, Nova Zelndia, frica do Sul, Arglia, o Cone Sul da Amrica do Sul. A previso, como veremos, estava errada. Entretanto, embora muitas vezes remotas, essas reas eram, na mentalidade da poca, diferentes daquelas outras regies que, por motivos climticos, no atraam o povoamento branco, mas aonde - citando um destacado administrador imperial da poca - "o europeu podia ir, em nmero reduzido, com seu capital, sua energia e seu conhecimento para desenvolver um comrcio extremamente lucrativo e obter produtos necessrios ao uso de sua civilizao avanada". 5 Pois a sua civilizao agora precisava do extico. O desenvolvimento tecnolgico agora dependia de matrias-primas que, devido ao clima ou ao acaso geolgico, seriam encontradas exclusiva ou profusamente em lugares remotos. O motor de combusto interna, criao tpica do perodo que nos ocupa, dependia do petrleo e da borracha. O petrleo ainda vinha predominantemente dos EUA e da Europa (da Rssia e, muito atrs, da Romnia) mas os campos petrolferos do Oriente Mdio j eram objeto de intenso confronto e conchavo diplomtico. A borracha era um produto exclusivamente tropical, extrada com uma explorao atroz de nativos nas florestas equatoriais do Congo e da Amaznia, alvo de protestos anti-imperialistas precoces e justificados. Com o tempo, foi extensamente cultivada na Malaia. * O estanho provinha da sia e da Amrica do Sul. Os metais no-ferrosos, que anteriormente eram irrelevantes, tornaram-se essenciais para as ligas de ao exigidas pela tecnologia da alta velocidade. Alguns deles eram abundantes no mundo desenvolvido, notadamente nos EUA, mas outrosPag. 97no. As novas indstrias eltrica e de motores precisavam muito de um dos metais mais antigos. o cobre. Suas principais reservas, e, por conseguinte, seus maiores produtores, estavam no que o final do sculo XX chamaria de Terceiro Mundo: Chile, Peru, Zaire, Zmbia. E, claro, havia uma demanda constante e nunca satisfeita de metais preciosos que, neste perodo, transformaram a frica do Sul, de longe, no maior produtor de ouro do mundo, sem contar sua riqueza em diamantes, As minas eram os principais pioneiros da abertura do mundo ao imperialismo, muito eficazes nesse papel, porque os lucros eram suficientemente excepcionais para justificar tambm a construo de ramais de ferrovias. Independente das exigncias de uma nova tecnologia, o crescimento do consumo de massa nos pases metropolitanos gerou um mercado em rpida expanso para os produtos alimentcios. Em volume absoluto, ele era dominado pelos produtos alimentcios bsicos da zona temperada, cereais e carne, agora reduzidos de modo barato e em grandes quantidades em vrias zonas de povoamento europeu - Amrica do Sul e do Norte, Rssia e Australsia. Mas ele tambm transformou o mercado dos produtos h muito - e caracteristicamente conhecidos (ao menos em alemo) como "bens coloniais" e vendidos nos armazns do mundo desenvolvido: acar, ch, caf. cacau e seus derivados. Com o transporte rpido e a conservao, as frutas tropicais e subtropicais passaram a estar disponveis: eles viabilizaram a banana republic. Os britnicos, que haviam consumido 700 gramas de ch per capita nos anos 1840 e 1,5 kg nos anos 1860, estavam consumindo 2,6 kg nos anos 1890, mas isso representava uma mdia anual de importao de 102 mil toneladas, contra menos de 45 mil toneladas nos anos 1860 e cerca de 18 nos anos 1840. Enquanto os britnicos abandonavam as poucas xcaras de caf que bebiam, para encher seus bules com ch da lndia e do Ceilo (Sri Lanka), os americanos e alemes importavam caf em quantidades cada vez mais espetaculares, notadamente da Amrica Latina. No incio dos anos 1900, as famlias de Nova forque consumiam meio quilo de caf por semana. Os fabricantes Ouaker de bebidas e chocolate da Inglaterra, felizes por distribuir bebidas no alcolicas, obtinham sua matria-primaPag. 98na frica Ocidental e na Amrica do Sul. Os astutos homens de negcios de Boston, que fundaram a United Fruit Company em 1885, criaram imprios privados no Caribe para fornecer Amrica a antes insignificante banana. Os fabricantes de sabo, explorando o primeiro mercado a demonstrar cabalmente a potencial idade da nova indstria publicitria, se voltaram para os leos vegetais da frica. As plantations, as grandes propriedades rurais e as fazendas eram o segundo pilar das economias imperiais. Os comerciantes e financistas metropolitanos eram o terceiro. Esses fatos no mudaram a forma nem o carter dos pases industrializados ou em processo de industrializao, embora tenham criado novos ramos de grandes negcios, cujos destinos ligavam-se intimamente aos de determinadas partes do planeta. como as companhias de petrleo. Mas transformaram o resto do mundo, na medida em que o tornaram um complexo de territrios coloniais e semicoloniais que crescentemente evoluam em produtores especializados de um ou dois produtos primrios de exportao para o mercado mundial, de cujos caprichos eram totalmente dependentes. A Malaia cada vez mais significava borracha e estanho; o Brasil, caf; o Chile, nitratos; o Uruguai, carne; Cuba, acar e charutos. Na verdade, exceo dos EUA, mesmo as colnias de povoamento branco fracassaram em sua industrializao (nesta etapa), porque tambm ficaram presas na gaiola da especializao internacional. Elas podiam tornar-se extraordinariamente prsperas, mesmo para padres europeus, sobretudo quando seus habitantes eram imigrantes europeus livres e. em geral, militantes com fora poltica em assembleias eleitas, cujo radicalismo democrtico podia ser tremendo, embora normalmente no inclusse os nativos." Um europeu que desejasse emigrar, na Era dos Imprios, provavelmente teria feito melhor em ir para a Austrlia, Nova Zelndia, Argentina ou Uruguai do que para qualquer outro lugar, inclusive os EUA. Todos esses pases desenvolveram partidos trabalhistas e radical-democratas, ou mesmo governos, e ambiciosos sistemas pblicos de bem-estar e previdncia social (Nova Zelndia, Uru Na verdade, a democracia branca os exclua dos benefcios conquistados para os de pele branca, e inclusive se recusava a consider-los como plenamente humanos.Pag. 99guai) muito antes dos Estados europeus. Mas o fizeram como complementos da economia industrial europia (isto , essencialmente britnica) e, portanto, para eles - ou, em todo caso, para os interesses vinculados exportao de produtos primrios - no era negcio se industrializar. No que as metrpoles fossem receber de braos abertos sua industrializao. Qualquer que fosse a retrica oficial, a funo das colnias e das dependncias informais era complementar as economias metropolitanas e no fazer-Ihes concorrncia. Os territrios dependentes que no pertenciam ao que foi denominado "capitalismo de povoamento" (branco) no se saram to bem. Seu interesse econmico residia na combinao de recursos a uma fora de trabalho que, composta de "nativos", custava pouco e podia ser mantida barata. Entretanto. as oligarquias de proprietrios de terras e de comerciantes agentes de potncias estrangeiras - locais, importados da Europa ou ambos - e, onde existiam, de seus governantes, beneficiavam-se com a durao absoluta do perodo de expanso das matrias primas de exportao de suas regies, interrompido apenas por crises breves, embora s vezes dramticas (como na Argentina em 1890), geradas pelo ciclo comercial, pela excessiva especulao, pela paz e a guerra. Entretanto, embora a Primeira Guerra Mundial tenha desorganizado alguns de seus mercados, os produtores dependentes estavam muito distantes dela. Do ponto de vista destes, a era dos imprios, que comeou no final do sculo XIX, durou at a Grande Depresso de 1929-1933. Ainda assim, no transcurso deste perodo eles se tornariam crescentemente vulnerveis, pois suas fortunas eram, cada vez mais, funo do preo do caf (que em 1914 j era responsvel por 5810 do valor das exportaes brasileiras e 53% das colombianas), da borracha, do estanho, do cacau, da carne ou da l. Porm. at a queda vertical dos preos das mercadorias primrias durante a depresso de 1929, essa vulnerabilidade, quando considerada a longo prazo, no parecia ser muito significativa comparada aparentemente ilimitada expanso das exportaes e dos crditos. Ao contrrio, como vimos, antes de 1914 os termos de troca pareciam evoluir a favor dos fornecedores de produtos primrios.Pag. 100Entretanto, a importncia econmica crescente dessas reas para a economia mundial no explica por que, entre outras coisas, os principais Estados industriais deveriam ter se precipitado em dividir o planeta em colnias e esferas de influncia. A anlise anti-imperialista do imperialismo sugeriu vrios motivos por que os acontecimentos deveriam ter se desenrolado assim. O mais conhecido deles - a presso do capital por investimentos mais rentveis do que os realizados em seu prprio pas, investimentos garantidos contra a rivalidade do capital estrangeiro - o menos convincente. Como a exportao britnica de capital se expandiu imensamente no ltimo tero do sculo e, de fato, a renda desses investimentos se tornou essencial para o balano de pagamentos britnico, era perfeitamente natural relacionar o "novo imperialismo" s exportaes de capital, como fez 1. A. Hobson. Mas no h como negar que, na verdade, muito pouco desse fluxo macio tomou o rumo dos novos imprios coloniais: a maior parte do investimento ultramarino britnico se dirigiu s colnias de povoamento branco - que estavam se desenvolvendo rpido e eram em geral antigas que em breve teriam reconhecido o status de "domnios" praticamente independentes (Canad, Austrlia, Nova Zelndia, Africa do Sul), e aos que podem ser chamados de domnios "honorrios", como a Argentina e o Uruguai, sem falar nos EUA. Ademais, o grosso desses investimentos (76% em 1913) revestiu a forma de emprstimos pblicos a ferrovias e empresas de servios pblicos, que certamente remuneravam melhor que o investimento na dvida interna do governo britnico - com mdias respectivamente de 5% e 3% - mas eram, por certo, igualmente menos lucrativos que os benefcios do capital industrial na Gr-Bretanha, exceto, sem dvida, para os banqueiros que os administravam. Esperava-se que fossem investimentos mais seguros do que altamente remuneradores. Nenhum Lesses fatores significa que as colnias no foram adquiridas porque algum grupo de investidores no esperasse enriquecer da noite para o dia, ou em defesa de investimentos j realizados. Independente da ideologia, o motivo para a Guerra dos Boers foi o ouro. Um motivo geral mais convincente para a expanso colonial foi a procura de mercados. O fato de esta muitas vezes fracassar irrelevante. Era amplamente disseminada a crenaPag. 101de que a "superproduo" da Grande Depresso poderia ser resolvida por meio de um vasto esforo de exportao. Os homens de negcios, sempre propensos a preencher os espaos em branco no mapa do comrcio mundial com altos nmeros de clientes potenciais, naturalmente procurariam estas reas inexploradas: a China, uma das que povoava a imaginao dos homens de venda - e se cada um daqueles 300 milhes comprasse a, penas uma caixa de percevejos de estanho? - e a frica, o continente desconhecido, a outra. As Cmaras de Comrcio das cidades britnicas, no incio dos anos 1880, em plena depresso, ficaram indignadas s de pensar que as negociaes diplomticas podiam impedir o acesso de seus comerciantes bacia do Congo, que se acreditava oferecer indizveis perspectivas de vendas, ainda mais quando esta colnia estava sendo explorada por aquele homem de negcios coroado, o rei dos belgas, Leopoldo 11,7 como um projeto lucrativo. (Seu mtodo favorito de explorao, por meio do trabalho forado, no visava incentivar elevadas compras per capita, quando no diminuindo efetivamente o nmero de fregueses com a tortura e o massacre.) Mas o ponto crucial da situao econmica global foi que um certo nmero de economias desenvolvidas sentiu simultaneamente a necessidade de novos mercados. Quando sua fora era suficiente, seu ideal eram "portas abertas" nos mercados do mundo subdesenvolvido; caso contrrio, elas tinham a esperana de conseguir para si territrios que, em virtude da sua dominao, garantissem economia nacional uma posio monopolista ou ao menos uma vantagem substancial. A consequncia lgica foi a repartio das partes no ocupadas do Terceiro Mundo. Num certo sentido, tratava-se da extenso do protecionismo, que ganhou terreno em quase todas as partes aps 1879 (ver captulo anterior). "Se vocs no fossem protecionistas to teimosos", disse o primeiro-ministro britnico ao embaixador francs em 1897, "no nos achariam to vidos por anexar territrios". 8 Neste sentido, o "novo imperialismo" foi o subproduto natural de uma economia internacional baseada na rivalidade entre vrias economias industriais concorrentes, intensificada pela presso econmica dos anos 1880. Da no decorre que se esperasse a transformao de qualquer colnia em partiPag. 102cular, por si s, no Eldorado, embora isto tenha efetivamente acontecido no caso da Africa do Sul, que se tomou o maior produtor mundial de ouro. As colnias podiam propiciar apenas bases adequadas ou trampolins para a penetrao na economia da regio. Isto foi declarado com toda clareza por um funcionrio do Departamento de Estado dos EUA por volta da virada do sculo, quando os EUA seguiram o estilo internacional, fazendo uma breve investida para a construo de um imprio colonial prprio. A essa altura toma-se difcil separar os motivos econmicos para a aquisio de territrios coloniais da ao poltica necessria para este fim, pois o protecionismo de qualquer tipo a economia operando com a ajuda da poltica. O motivo estratgico para a colonizao era evidentemente mais forte na Gr-Bretanha, que tinha colnias de h muito estabelecidas em locais cruciais para o controle do acesso a vrias regies terrestres e martimas consideradas como vitais para os interesses mundiais comerciais e martimos britnicos ou que, com o surgimento do navio a vapor, podiam funcionar como postos de abastecimento de carvo. (Gibraltar e Malta so antigos exemplos das primeiras, Bermudas e Aden vieram a ser exemplos teis das segundas.) Sem esquecer o significado simblico ou real que tem para os ladres obter uma parcela apropriada do produto da pilhagem. Uma vez que as potncias rivais comearam a recortar o mapa da Africa ou da Oceania, cada uma delas tentou, naturalmente, evitar que uma poro excessiva (ou uma parcela particularmente atraente) fosse para outras mos. Uma vez que o status de grande potncia se associou, assim, sua bandeira tremulando em alguma praia bordada de palmeiras (ou, mais provavelmente, em reas cobertas de arbustos secos), a aquisio de colnias se tornou um smbolo de status em si, independente de seu valor. Por volta de 1900, at os EUA, cujo tipo de imperialismo nunca antes, nem depois fora especialmente associado posse de colnias formais, sentiramse obrigados a adotar o modelo. A Alemanha ficou profundamente ofendida por uma nao to poderosa e dinmica como ela possuir uma parte to notavelmente menor de territrio colonial que os britnicos e franceses, embora tambm a importncia econmica de suas colnias fosse pouca, e a estratgica aindaPag. 103menor. A Itlia insistiu em tomar extenses decididamente desinteressantes de desertos e montanhas africanas, no intuito de dar respaldo sua posio de grande potncia; e, sem dvida, seu fracasso na conquista da Etipia em 1896 prejudicou essa posio. Pois se as grandes potncias eram Estados que adquiriam colnias, as pequenas naes no tinham, por assim dizer, "nenhum direito" a elas. A Espanha perdeu a maior parte do que lhe restava de imprio colonial em decorrncia da Guerra Hispano-Americana de' '1898. Como vimos, foram seriamente discutidos planos de repartir o remanescente do imprio africano de Portugal entre os novos colonialistas. Apenas os holandeses mantiveram, em silncio, suas ricas e antigas colnias (principalmente no sudeste asitico), e ao Rei dos belgas, como tambm vimos, foi permitido demarcar seu domnio privado na frica, com a condio de manter seu acesso aberto a todos, porque nenhuma grande potncia estava disposta a dar a outra uma parte significativa da grande bacia do rio Congo. Devemos, claro, acrescentar que em vastas extenses da sia e das Amricas uma repartio macia por potncias europeias estava fora de questo por motivos polticos. Nas Amricas, a situao das colnias europeias sobreviventes estava congelada pela Doutrina Monroe: s os EUA tinham liberdade de ao. Na maior parte da sia, a luta era por esferas de influncia em Estados nominalmente independentes, notadamente China, Prsia e Imprio Otomano. Havia a exceo dos russos e dos japoneses - os primeiros estendendo com xito sua rea na sia Central, mas fracassando na conquista de parcelas apreciveis no norte da China, os ltimos incorporando a Coria e Formosa (Taiwan) como resultado de uma guerra com a China em 18941895. As principais regies onde havia competio pela deteno de terras ficavam, assim, na prtica, na frica e na Oceania. Assim sendo, explicaes essencialmente estratgicas do imperialismo atraram alguns historiadores, que tentaram colocar os motivos da expanso britnica na frica em termos da necessidade de defender as rotas para a ndia, bem como suas vias de acesso martimas e terrestres, contra ameaas potenciais. De fato, importante recordar que, globalmente falando, a ndia era o cerne da estratgia britnica e que esta exigia o controlePag. 104no apenas das rotas martimas curtas (Egito, Oriente Mdio. Mar Vermelho, Golfo Prsico e Arbia do Sul) e longas (Cabo da Boa Esperana e Cingapura) para o subcontinente, mas de todo o Oceano Indico, inclusive de setores cruciais do litoral e do interior da frica. Os governos britnicos tinham aguda conscincia disto. Tambm verdade que a desintegrao do poder local em algumas reas cruciais para este fim, como o Egito (incluindo o Sudo), levou os britnicos a implementarem uma presena poltica direta muito maior que sua inteno inicial e, inclusive, governo efetivo. Contudo, esses argumentos no invalidam uma anlise econmica do imperialismo. Em primeiro lugar, eles subestimam o incentivo diretamente econmico para a aquisio de alguns territrios africanos, dos quais o sul da frica o mais bvio. A disputa pela frica Ocidental e pelo Congo, em todo caso, foi basicamente econmica. Em segundo lugar, eles passam por alto o fato de a ndia ser a "gema mais esplndida da coroa imperial" e o cerne do pensamento estratgico britnico global, justamente em virtude de sua importncia muito real para a economia britnica. Esta importncia nunca foi maior que ento, quando at 60% das exportaes britnicas de algodo iam para a ndia e o Extremo Oriente, principalmente para a ndia - s para ela foram 40-45% - e o balano de pagamentos internacional da Gr-Bretanha dependia do supervit propiciado pela ndia. Em terceiro lugar, a prpria desintegrao dos governos nacionais locais, que s vezes acarretou a implantao de um governo europeu em reas que os europeus anteriormente no tinham se preocupado em administrar, derivou do fato de as estruturas locais terem sido solapadas pela penetrao econmica. E, por fim, v a tentativa de provar que nada no desenvolvimento interno do capitalismo ocidental nos anos 1880 explica a rediviso territorial do mundo, pois o capitalismo mundial nesse perodo foi claramente diferente do que fora nos anos 1860. Agora, ele consistia numa pluralidade de "economias nacionais" rivais, "protegendo-se" umas das outras. Em suma, a poltica e a economia no podem ser separadas na sociedade capitalista, assim como a religio e a sociedade no podem ser isoladas nas regies islmicas. A tentativa de formular uma explicao puramente no econmicaPag. 105para o "novo imperialismo" to irrealista como a de explicar em termos puramente no econmicos o surgimento dos partidos operrios. Na verdade, o surgimento dos movimentos operrios ou, de maneira mais geral, da poltica democrtica (ver prximo captulo) teve uma relao ntida com o surgimento do "novo imperialismo". A partir do momento em que o grande imperialista Cecil Rhodes observou em 1895 que, para evitar a guerra civil, era preciso se tornar imperialista, 9 a maioria dos observadores se conscientizou do .assim chamado "imperialismo social", isto , da tentativa de usar a expanso imperial para diminuir o descontentamento interno por meio de avano econmico ou reforma social, ou de outras maneiras. No h dvida de que todos os polticos eram perfeitamente conscientes dos benefcios potenciais do imperialismo. Em alguns casos - notadamente na Alemanha - o surgimento do imperialismo foi basicamente explicado em termos da "primazia da poltica interna". A verso de Cecil Rhodes do imperialismo social, que pensou basicamente nos benefcios econmicos que o imprio, direta ou indiretamente, podia proporcionar s massas descontentes, foi talvez a menos relevante. No h provas vlidas de que a conquista colonial corno tal tenha tido muita relao com o nvel de emprego ou com os rendimentos reais da maioria dos operrios dos pases metropolitanos, * e a ideia de que a emigrao para as colnias propiciaria uma vlvula de escape aos pases superpovoados foi pouco mais que urna fantasia demaggica. (Na verdade, nunca foi to fcil encontrar um lugar para onde emigrar que entre 1880 e 1914, e apenas urna nfima minoria de emigrantes se dirigiu s colnias - ou precisou faz-lo.) Muito mais relevante era a conhecida prtica de oferecer aos eleitores a glria, muito mais que reformas onerosas: e o que h de mais glorioso que conquistas de territrios exticos e raas de pele escura, sobretudo quando normalmente era baratoNotas: Em casos isolados o imprio pode ser til. Os mineiros da Cornualha trocaram em massa as minas de estanho decadentes de sua pennsula pelos campos aurferos da frica do Sul, onde ganhavam muito dinheiro e morriam ainda mais cedo que de costume de enfermidades pulmonares. Os proprietrios de minas de Comualha, com menos risco para suas vidas, compraram novas minas de estanho na Malaia.Pag. 106domin-los? De forma mais geral, o imperialismo encorajou as massas, e sobretudo as potencialmente descontentes, a se identificarem ao Estado e nao imperiais, outorgando assim, inconscientemente, ao sistema poltico e social representado por esse Estado justificao e legitimidade. Numa era de poltica de massa (ver prximo captulo), mesmo os sistemas antigos precisavam de nova legitimidade. Uma vez mais, seus contemporneos tinham total clareza a este respeito. A cerimnia britnica de coroao de 1902, cuidadosamente remodelada, foi elogiada por visar a expressar "o reconhecimento, por uma democracia livre, de uma coroa hereditria como smbolo do domnio mundial de sua espcie" (grifo meu). Em suma, o imprio era um excelente aglutinante ideolgico. . No totalmente claro at que ponto essa variante especfica de patriotismo exacerbado foi eficaz, especialmente em pases onde o liberalismo e a esquerda, mais radical, contavam com fortes tradies antiimperial, antimilitar, anticolonial ou, de maneira mais geral, antiaristocrtica. Sabe-se que, em vrios pases, o imperialismo era extremamente popular entre os novos estratos mdios e de colarinhos brancos, cuja identidade social residia, em grande medida, na reivindicao de serem os instrumentos preferenciais do patriotismo (ver capo 8). So muito menos numerosos os indcios de qualquer entusiasmo espontneo dos operrios pelas conquistas coloniais, ainda menos pelas guerras, ou, na verdade, de qualquer grande interesse nas colnias, novas ou antigas ( exceo das de povoamento branco). O xito das tentativas de institucionalizar o orgulho pelo imperialismo, como com a fixao de um "Dia do Imprio" na Gr-Bretanha (1902), dependia amplamente da mobilizao de um pblico cativo de escolares (O apelo ao patriotismo, em sentido mais geral, ser abordado abaixo.) Entretanto, impossvel negar que a ideia da superioridade em relao a um mundo de peles escuras situado em lugares remotos e sua dominao era autenticamente popular, beneficiando, assim, a poltica do imperialismo. Em suas grandes exposies internacionais (ver A Era do Capital, cap. 2), a civilizao burguesa sempre se orgulhara do triunfo triplo da cincia, da tecnologia e das manufaturas. Na era dos imprios, ela tambm se orgulhar de suas colnias. No final do sculo multiplicaram-sePag. 107 os "pavilhes coloniais", at ento praticamente desconhecidos: dezoito deles complementaram a Torre Eiffel em 1889, catorze atraram os turistas a Paris em 1900. 11 Tratava-se, sem dvida, de publicidade proposital, mas como toda propaganda - comercial ou poltica - realmente bem-sucedida, s teve xito por ter tocado um ponto sensvel do pblico. As exposies coloniais eram um sucesso. Os jubileus, funerais e coroaes reais britnicos eram ainda mais impressionantes porque, como os 'antigos triunfos romanos, exibiam marajs submissos com vestimentas preciosas - livremente leais e no cativos. As paradas militares tornavam-se ainda mais coloridas por incluir sikhs enturbantados, rajputs bigodudos, gurkas sorridentes e implacveis, cavalarianos argelinos e altos senegaleses negros: o mundo do que era considerado como barbrie a servio da civilizao. Mesmo na Viena dos Habsburgo, desinteressada de colnias ultramarinas, um povoado ashanti fascinou os visitantes. O douanier * Rousseau no era o nico a sonhar com os trpicos. Assim sendo, a sensao de superioridade que uniu os brancos ocidentais - ricos, classe mdia e pobres - no se deveu apenas ao fato de todos eles desfrutarem de privilgios de governante, sobretudo quando efetivamente estavam nas colnias. Em Dacar ou Mombaa, o mais modesto funcionrio era um amo e era aceito como gentleman por pessoas que nem teriam notado sua existncia em Paris ou Londres; o operrio branco era um comandante de negros. Mas mesmo onde a ideologia insistia numa igualdade, mesmo potencial, esta se transformava gradualmente em dominao. A Frana acreditava na transformao de seus sditos em franceses, teoricamente descendentes de nos anctres, les gaulois (nossos ancestrais, os gauleses) - como os livros didticos insistiam, tanto em Timbuctu como na Martinica e em Bordeaux - ao contrrio dos britnicos, convencidos do carter no-ingls essencial e permanente dos bengalis e iorubs. Contudo, a existncia mesma desses estratos de volus nativos ressaltava a falta de "evoluo" da grande maioria. As Igrejas empreenderam a converso dos pagos a vrias verses da verdadeira f crist, exceto onde ativamente desencorajadasNotas: Oficial da alfndega francesa. (N. da T.)Pag. 108pelos governos coloniais (como na ndia) ou onde a tarefa era claramente impossvel (como nas regies islmicas). Essa foi a poca clssica de empenho missionrio macio. * O trabalho missionrio no foi, de forma alguma, um intermedirio da poltica imperialista. Muitas vezes se ops s autoridades coloniais; quase sempre colocou os interesses de seus convertidos em primeiro lugar. Contudo, o sucesso do Senhor se dava em funo do avano imperialista. Ainda pode ser debatido se o comrcio seguiu a bandeira, mas no h dvida de que a conquista colonial abriu o caminho ao missionria efetiva - como em Uganda, na Rodsia (Zmbia e Zimbbue) e Niassalndia (Malaui). E se a cristandade insistia na igualdade de almas, ressaltava a desigualdade de corpos - mesmo de corpos clericais. Era algo feito pelos brancos para os nativos, e pago pelos brancos. E embora os fiis nativos se multiplicassem, ao menos a metade do clero continuou branca. Quanto a um bispo de cor, seria necessrio um microscpio potente para detect-lo em algum lugar entre 1880 e 1914. A Igreja Catlica s sagrou seus primeiros bispos asiticos nos anos 1920, oitenta anos aps ter observado o quanto isso seria desejvel. 13 Quanto ao movimento mais apaixonadamente devotado igualdade entre todos os homens, ele falava com duas vozes. A esquerda secular era anti-imperialista em seus princpios e frequentemente em sua prtica. A liberdade para a ndia, como a liberdade para o Egito e a Irlanda, eram o objetivo do movimento trabalhista britnico. A esquerda nunca vacilou em sua condenao das guerras e conquistas coloniais, correndo muitas vezes o risco considervel de uma impopularidade temporria - como na oposio britnica Guerra dos Boers. Os radicais revelaram os horrores do Congo, das plantaes metropolitanas de cacau nas ilhas africanas, do Egito. A campanha que levou grande vitria eleitoral do Partido Liberal britnico em 1906 foi travada, em grande medida, por meio de denncias pblicas do "escravismo chins" nas minas sul-africanas. Contudo, com rarssimas excees (como a Indonsia holandesa), os socialistasNotas: Entre 1876 e 1902 houve 119 tradues da Bblia, contra 74 nos trinta anos precedentes e 40 no perodo 1816-1845. O nmero de misses protestantes novas na frica entre 1886 e 1895 foi de 23, cerca de trs vezes a cifra de qualquer dcada anterior. 12Pag. 109ocidentais pouco fizeram efetivamente para organizar a resistncia dos povos coloniais contra seus governantes at a era da Internacional Comunista. Dentro do movimento socialista e operrio, aqueles que aceitavam abertamente o imperialismo como algo desejvel, ou ao menos como uma etapa essencial na histria dos povos que ainda no estavam "preparados para um governo autnomo", eram uma minoria da direita revisionista e fabiana, embora muitos lderes sindicais provavelmente considerassem as discusses sobre as colnias como irrelevantes, ou encarassem os povos de cor basicamente como fora de trabalho barata que ameaava os resolutos operrios brancos. Certamente, a presso em favor da proibio da imigrao de cor, que gerou as polticas da "Califrnia Branca" e "Austrlia Branca" entre 1880 e 1914, originou-se basicamente na classe operria, e os sindicatos de Lancashire se uniram aos patres do setor de algodo da regio para insistir em que a ndia devia permanecer no industrializada. Internacionalmente. o socialismo anterior a 1914 continuou sendo um movimento predominantemente de europeus e de emigrantes brancos e seus descendentes (ver capo 5). O colonialismo permaneceu um interesse marginal para eles. Na verdade, sua anlise e definio da nova etapa "imperialista" do capitalismo, que eles detectaram a partir do final dos anos 1890, considerava acertadamente a anexao e a explorao coloniais apenas como um sintoma e uma caracterstica dessa nova etapa: indesejvel, como todas as suas caractersticas, mas no central em si. Foram poucos os socialistas que, como Lenin, j estavam com os olhos postos no "material inflamvel" na periferia do capitalismo mundial. Na medida em que a anlise socialista (isto , sobretudo marxista) integrava o colonialismo a um conceito muito mais amplo de uma "nova etapa" do capitalismo, ela era indubitavelmente correta em princpio. embora no necessariamente nos detalhes de seu modelo terico. Essa anlise s vezes tambm era propensa demais - como. alis. as anlises capitalistas da poca - a exagerar significado econmico da expanso colonial para os pases metropolitanos. O imperialismo do final do sculo XIX foi indubitavelmente "novo". Foi produto de uma era de concorrncia entre economias industrial-capitalistas rivais. raio novo e intensificado pela presso em favor da obtenoPag. 110 e da preservao de mercados num perodo de incerteza econmica (ver capo 2); em suma, foi uma era em que" tarifas alfandegrias e expanso tornam-se a reivindicao comum s classes dirigentes" .14 Foi parte de um processo de abandono de um capitalismo de polticas pblicas e privadas de laissez-laire, o que tambm era novo, e implicou o surgimento de grandes sociedades annimas e oligoplios, bem como a crescente interveno do Estado nos assuntos econmicos. O imperialismo pertencia a um perodo em que a parte perifrica da economia mundial tornou-se crescentemente significativa. Foi um fenmeno que pareceu to "natural" em 1900 como teria parecido implausvel em 1860. Mas se no fosse por essa vinculao entre o capitalismo ps-1873 e a expanso ao mundo no industrializado, h dvidas at sobre se o "imperialismo social" teria tido o mesmo papel que desempenhou na poltica interna dos Estados que estavam se adaptando poltica eleitoral de massa. Todas as tentativas de isolar a explicao do imperialismo do desenvolvimento especfico do capitalismo no fim do sculo XIX devem ser encaradas como exerccios ideolgicos, embora frequentemente eruditos e s vezes argutos.2Ainda nos restam as perguntas relativas ao impacto da expanso ocidental (e, a partir dos anos 1890, japonesa) sobre o resto do mundo, e as relacionadas ao significado dos aspectos "imperiais" do imperialismo para os pases metropolitanos. A primeira destas perguntas pode ser respondida mais rapidamente que a segunda. O impacto econmico do imperialismo foi significativo, mas',' claro, o que ele teve de mais significativo foi sua profunda desigualdade, pois as relaes entre metrpoles e pases dependentes eram altamente assimtricas. O impacto das primeiras sobre os segundos foi dramtico e decisivo, mesmo sem ocupao efetiva, ao passo que o impacto dos segundos sobre as primeiras pode ser insignificante e raramente foi uma questo de vida ou morte. Cuba prosperava ou declinava dependendo do preo do acar e da disposio dos EUA a import-lo, mas nem pases "desenvolvidos" bastante pequenos - digamos. a Sucia - sofreriam graves inconvenientesPag. 111se todo o acar do Caribe desaparecesse do mercado, porque no dependiam exclusivamente daquela rea para esse artigo. Praticamente todas as importaes e exportaes de qualquer regio da frica subsaariana iam ou vinham de um pequeno nmero de metrpoles ocidentais, mas o comrcio metropolitano com a frica, a sia e a Oceania, embora aumentando modestamente entre 1870 e 1914, permaneceu bastante marginal. Cerca de 80% do comrcio europeu durante todo o sculo XIX, importao como exportao, era feito com outros pases desenvolvidos; o mesmo verdade no que tange aos investimentos europeus no exterior. 15 A parcela dos investimentos destinada a pases ultramarinos era majoritariamente direcionada a um pequeno nmero de economias em desenvolvimento rpido, sobretudo povoadas por descendentes de europeus - Canad, Austrlia, frica do Sul, Argentina, etc. - bem como, claro, aos EUA. Neste sentido a era do imperialismo tem um aspecto muito diferente quando enfocado do ponto de vista da Nicargua ou da Malaia, ou da Alemanha ou da Frana. Dentre os pases metropolitanos, foi obviamente para a Gr-Bretanha que o imperialismo teve maior importncia, uma vez que sua supremacia econmica sempre dependera de sua relao especial com os mercados ultramarinos e as fontes de produtos primrios. Na verdade, pode-se arguir que em momento algum, a partir da revoluo industrial, as manufaturas do Reino Unido haviam sido particularmente competitivas nos mercados das economias em vias de industrializao, salvo, talvez, durante as dcadas douradas de 1850-1870. Para a economia britnica, preservar o mais possvel seu acesso privilegiado ao mundo no europeu era, portanto, uma questo de vida ou morte. 16 No final do sculo XIX, o sucesso obtido nesse terreno foi notvel estendendo incidentalmente a rea controlada oficial ou efetivamente pela monarquia britnica a um quarto da superfcie do globo (que os atlas britnicos orgulhosamente colocariam de vermelho). Se incluirmos o assim chamado "imprio informal" de Estados independentes que na verdade eram economias satlites da Gr-Bretanha, talvez um tero do planeta fosse britnico em sentido econmico e, na verdade, cultural. Pois a Gr-Bretanha exportou at a forma especfica de suas caixas coletoras de correspondncia para Portugal e uma instituioPag. 112do mais puro estilo britnico. como a loja de departamentos Harrods, para Buenos Aires. Mas. por volta de 1914. outras potncias j estavam se infiltrando em boa parte desta zona de influncia indireta. especialmente na Amrica Latina. Entretanto, boa parte dessa operao defensiva bem-sucedida era independente da "nova" expanso imperialista, exceo do mais rico e inesperado dos files: os diamantes e o ouro da frica do Sul. Isto gerou uma safra instantnea de milionrios (majoritariamente alemes) - os Wernher, Beit, Eckstein e outros - a maioria dos quais foi tambm instantaneamente incorporada alta sociedade britnica, nunca to receptiva ao dinheiro de primeira gerao, desde que este se espalhasse sua volta em quantidades suficientemente grandes. Isto levou tambm ao maior dos conflitos coloniais, a Guerra Sul-africana de 1899-1902, que eliminou a resistncia de duas pequenas repblicas locais povoadas por camponeses brancos. A maior parte do sucesso ultramarino britnico deveu-se explorao mais sistemtica das possesses britnicas j existentes ou da posio especial do pas como maior importador de reas como a Amrica do Sul, bem como seu maior investidor. exceo da ndia, do Egito e da frica do Sul, a maior parte da atividade econmica britnica ocorria em pases praticamente independentes, como os "domnios" brancos, ou em reas como os EUA e a Amrica Latina, onde a ao do Estado britnico no era, ou no podia ser, efetivamente desenvolvida. Pois, apesar dos gritos de dor da Associao de Detentores de Debntures Estrangeiras (criada durante a Grande Depresso) ao se defrontar com a conhecida prtica latina de suspender o pagamento da dvida ou pag-la em moeda desvalorizada, o governo no deu um respaldo efetivo a seus investidores na Amrica Latina, porque no podia. A Grande Depresso foi um teste de fogo nesse sentido, porque, como depresses mundiais posteriores (inclusive a dos anos 1970 e 1980), levou a uma crise de endividamento internacional de vulto, que ps os bancos das metrpoles em srio risco. O mximo que o governo britnico pde fazer foi tomar providncias para salvar a grande casa de Baring da insolvncia na "crise Baring" de 1890, quando esse banco se aventurou, como fazem os bancos, com excessivo desembarao na voragem das inadimplentes finanas argentinas.Pag. 113Se ele respaldou os investidores com a diplomacia da fora, como crescentemente aps 1905, foi para ajud-los a en[rentar empresrios de outros pases apoiados por seus prprios governos, e no contra os governos mais fortes do mundo dependente. * Na verdade, considerando os anos bons e os maus, os capitalistas britnicos se saram geralmente bem em seu imprio informal ou "livre". Quase a metade do capital acionrio a longo prazo britnico estava, em 1914, no Canad, na Austrlia e na Amrica Latina: Mais da metade da poupana britnica foi investida no exterior aps 1900. A Gr-Bretanha se apossou, claro, de sua parte nas regies recentemente colonizadas do mundo, e, dadas a fora e a experincia britnicas, era uma parte maior e provavelmente mais valiosa que a de qualquer outro. A Frana ocupava a maior parte da frica Ocidental, mas as quatro colnias britnicas na rea controlavam as parcelas onde havia "as populaes africanas mais densas, as maiores instalaes produtivas e a preponderncia do comrcio"." Contudo, o objetivo britnico no era a expanso, mas impedir a intromisso de outros em territrios at ento dominados pelo comrcio e pelo capital britnicos, como a maior parte do mundo ultramarino. Ser que as outras naes tiraram benefcios proporcionais de sua expanso colonial? E impossvel dizer, pois a colonizao formal era apenas um aspecto da expanso e da concorrncia econmica global e, no caso das duas principais potncias industriais, Alemanha e EUA, no era um aspecto maior. Ademais, como j vimos, uma relao especial com o mundo no-industrial no era economicamente crucial para nenhum outro pas alm da Gr-Bretanha (com a possvel exceo da Holanda). Isso tudo o que podemos dizer com razovel certeza. EmNotas: Houve um pequeno nmero de casos de "economia de canhoneira" como na Venezuela, Guatemala, Haiti, Honduras e Mxico - mas no modificaram seriamente esse quadro. E claro, os governos e capitalistas britnicos, confrontados com a escolha entre partidos ou Estados locais que favorecessem os interesses econmicos britnicos ou os hostilizassem, no deixariam de apoiar o lado mais proveitoso para os lucros britnicos: o Chile contra o Peru na "Guerra do Pacfico" (1879-1882), os inimigos do presidente Balmaceda no Chile em 1891. Em questo, os nitratos.Pag. 114primeiro lugar, a ofensiva colonial parece ter sido inversamente proporcional ao dinamismo econmico dos pases metropolitanos, onde at certo ponto servia para compensar sua inferioridade econmica e poltica em relao a seus rivais - e, no caso da Frana, sua inferioridade demogrfica e militar. Em segundo lugar, em todos os casos houve forte presso de grupos econmicos especficos - notadamente os associados ao comrcio ultramarino e s indstrias que usavam matria-prima ultramarina - em favor da expanso colonial, que eles naturalmente justificavam com as perspectivas de vantagens nacionais. Em terceiro lugar, enquanto alguns desses grupos se saam bastante bem dessa expanso - a Compagnie Franaise de l'Airique Occidentale pagou dividendos de 26 por cento em 191318 -, a maioria das novas colnias efetivas atraiu pouco capital, e seus resultados econmicos foram decepcionantes. * Em suma, o novo colonialismo foi um subproduto de uma era de rivalidade econmico-poltica entre economias nacionais concorrentes, intensificada pelo protecionismo. Entretanto, na medida em que o comrcio metropolitano com as colnias quase invariavelmente aumentou em termos de porcentagem de seu comrcio total. aquele protecionismo teve algum xito. Contudo, a Era dos Imprios no foi apenas um fenmeno econmico e poltico, mas tambm cultural: a conquista do globo pelas imagens, ideias e aspiraes transformadas de sua minoria "desenvolvida", tanto pela fora e pelas instituies como por meio do exemplo e da transformao social. Nos pases dependentes isto dificilmente afetou algum fora das elites locais, embora, claro", se deva lembrar que em algumas regies, como a frica subsaariana, foi o prprio imperialismo, ou o fenmeno associado das misses crists, que criou a possibilidade da existncia de uma nova elite social baseada na educao de estilo ocidental. A diviso entre Estados africanosNotas: A Frana nem conseguiu integrar totalmente suas novas colnias a um sistema protecionista embora 55% do comrcio do imprio francs em 1913 tenham sido realizados com a metrpole. Incapaz de romper os vnculos econmicos j estabelecidos dessas reas com outras regies e metrpoles, a Frana tinha que comprar grande parte dos produtos coloniais de que necessitava - borracha, peles e couro, madeira tropical - via Hamburgo, Anturpia e Liverpool.Pag. 115"francfonos" e "anglfonos" de hoje espelha exatamente a distribuio dos imprios coloniais francs e britnico. * Salvo na frica e na Oceania, onde as misses crists s vezes obtinham converses em massa religio ocidental, a grande massa das populaes coloniais, se tivesse escolha, dificilmente mudaria seus estilos de vida. E, para constrangimento dos missionrios mais rgidos, o que os povos indgenas adotaram no foi tanto a f importada do Ocidente, mas aqueles dentre seus elementos que faziam sentido para eles em termos de seu prprio sistema de crenas e suas instituies, ou necessidades. Exatamente como os esportes levados aos ilhus do Pacfico por administradores coloniais britnicos entusiastas (tantas vezes escolhidos entre os produtos mais robustos da classe mdia), a religio colonial com muita frequncia parecia to inesperada ao observador ocidental como o cricket de Samoa. Era o caso mesmo dos fiis que nominalmente seguiam as ortodoxias de sua denominao. Mas eles tambm foram capazes de desenvolver suas prprias verses da f, notadamente na frica do Sul - a nica regio da frica onde houve converses realmente macias -, onde um "movimento etope" abandonou as misses j em 1892, para estabelecer uma forma de cristandade menos identificada aos brancos. O que o imperialismo trouxe s elites efetivas ou potenciais do mundo dependente foi, portanto, essencialmente a "ocidentalizao". Esse processo j estava, sem dvida, em curso h muito tempo. Por vrias dcadas fora claro, para todos os governos e elites confrontados dependncia ou conquista, que eles tinham que se ocidentalizar, caso contrrio desapareceriam (ver A Era do Capital, caps. 7, 8: 2). E, de fato, as ideologias que inspiraram essas elites na era do imperialismo datavam dos anos entre a Revoluo Francesa e meados do sculo XIX, como quando revestiram a forma do positivismo de Auguste Comte (1798-1857), doutrina modernizadora que inspirou os governos do Brasil, do Mxico e do incio da Revoluo Turca (ver pp. 393, 401 e ss.). A resistncia da elite ao Ocidente era ocidentalizante, mesmo quando se opunha ocidentalizao indiscriminada no terreno da religio, da moral, da ideologia ou doNotas: Que, aps 1918, dividiram entre si as antigas colnias alems.Pag. 116pragmatismo poltico. A figura com a aura de santidade do Mahatma Gandhi, vestindo tanga e usando uma roca (para desencorajar a industrializao), no apenas era apoiada e financiada pelos proprietrios de cotonifcios mecanizados em Ahmedabad, * como ele mesmo era um advogado formado no Ocidente e visivelmente influenciado pelas ideologias dele derivadas. f: totalmente impossvel compreend-lo vendo nele apenas um hindu tradicionalista. Na verdade, Gandhi ilustra bastante bem o impacto especfico da era do imperialismo. Nascido numa casta relativamente modesta de comerciantes e prestamistas, anteriormente no muito associada elite ocidentalizada que administrava a ndia sob a direo de superiores britnicos, ele adquiriu, contudo, uma educao profissional e poltica na Inglaterra. Por volta do final dos anos 1880, esta era uma opo to aceita para jovens ambiciosos de seu pas, que o prprio Gandhi comeou a redigir um guia da vida inglesa para futuros estudantes de posses modestas como ele. Escrito em excelente ingls, aconselhava-os sobre todos os pontos, da viagem para Londres no vapor da companhia P & O e como encontrar moradia, a maneira de satisfazer s exigncias da dieta dos piedosos hindus e como se acostumar com o surpreendente hbito ocidental de se barbear, em vez de recorrer a um barbeiro." Gandhi claramente no se via nem como um assimilador nem como um opositor incondicional das coisas britnicas. Como muitos pioneiros da libertao colonial fizeram desde ento, durante sua estadia temporria na metrpole ele escolheu frequentar crculos ocidentais ideologicamente compatveis - neste caso, os de vegetarianos britnicos, que certamente podiam ser considerados favorveis tambm a outras causas "progressistas". Gandhi aprendeu sua tcnica caracterstica de mobilizar massas tradicionais para fins no-tradicionais por meio da resistncia passiva num ambiente criado pelo "novo imperialismo". Era, como se podia esperar, uma fuso de elementos ocidentais e orientais, pois ele no fez segredo de sua dvida intelectual para com John Ruskin e Tolstoi. (Antes dos anos 1880, a fertilizao de flores polticas indianas com plen levaNotas: "Ah", teria exclamado um desses patrocinadores, "se Bapuji soubesse o quanto custa mant-lo pobre!".Pag. 117do da Rssia teria sido inconcebvel, mas por volta da primeira dcada do novo sculo isto j era comum entre os indianos, como seria entre radicais chineses e japoneses.) A frica do Sul, pas do boom dos diamantes e do ouro, atraiu uma vasta comunidade de imigrantes modestos da ndia, e a discriminao racial neste novo cenrio criou uma das poucas situaes em que os indianos no pertencentes elite se dispuseram mobilizao poltica moderna. Gandhi adquiriu experincia poltica e granjeou sua fama como defensor dos direitos indianos na frica do Sul. Por ora ele dificilmente poderia ter feito o mesmo na prpria ndia, para onde finalmente retomou - mas apenas aps a deflagrao da guerra de 14 - para se tornar a figura chave do movimento nacional indiano. Em suma, a Era dos Imprios criou tanto as condies que formaram lderes anti-imperialistas como as condies que, como veremos (cap. 12), comearam a propiciar ressonncia a suas vozes. Mas, claro, um anacronismo e um equvoco apresentar a histria dos povos e regies submetidas dominao e influncia das metrpoles ocidentais basicamente em termos de resistncia ao Ocidente. um anacronismo porque, com excees que sero apontadas abaixo, o incio mais precoce da era dos movimentos antiimperiais significativos se d, para a maioria das regies, com a Primeira Guerra Mundial e a Revoluo Russa; um equvoco por ler o texto do nacionalismo moderno - independncia, autodeterminao dos povos, formao de Estados territoriais, etc. (ver capo 6) - num registro histrico que ainda no o continha nem podia cont-Ia. Na verdade, foram as elites ocidentalizadas as primeiras a entrar em contato com essas ideias, atravs de suas visitas ao Ocidente e s suas instituies educacionais, pois esta era sua origem. Jovens estudantes indianos de volta da Gr-Bretanha podiam levar consigo as palavras de ordem de Mazzini e Garibaldi; mas, poca, poucos habitantes do Punjab, sem falar de regies como o Sudo, teriam a mnima ideia do que poderiam significar. Assim sendo, o mais poderoso legado cultural do imperialismo foi uma educao em moldes ocidentais para minorias de vrios tipos: para' os pouco favorecidos que se alfabetizaram, descobrindo portanto, com ou sem a ajuda da converso crist,Pag. 118o caminho mais direto para a ambio, que usava o colarinho branco dos clrigos, professores, burocratas ou funcionrios de escritrio. Em algumas regies tambm se incluam aqueles que haviam adquirido novos costumes, como soldados e policiais dos novos governantes, envergando suas roupas, adotando suas ideias peculiares de tempo, de lugar e de organizao domstica. Estes constituam, claro, as minorias de instigadores e agitadores potenciais, motivo pelo qual a era do colonialismo, breve mesmo quando medida por uma nica vida humana, surtiu efeitos to duradouros. Pois surpreendente que na maior parte da frica a totalidade da experincia do colonialismo, da ocupao inicial formao de Estados independentes, caiba no lapso de uma nica vida - digamos, na de Sir Winston Churchill (1874-1965).E quanto ao efeito oposto do mundo dependente sobre o dominante? O exotismo fora um subproduto da expanso europeia desde o sculo XVI, embora observadores filosficos da era do Iluminismo tenham, na maioria das vezes, tratado os pases estranhos distantes da Europa e do povoamento europeu como uma espcie de barmetro moral da civilizao europeia. Onde eram nitidamente civilizados, podiam ilustrar as deficincias institucionais do Ocidente, como nas Cartas Persas, de Montesquieu; caso contrrio, a tendncia era trat-los como os nobres selvagens, cujo comportamento natural e admirvel ilustrava a depravao da sociedade civilizada. A novidade no sculo XIX era que os no europeus e suas sociedades eram crescente e geralmente tratados como inferiores, indesejveis, fracos e atrasados, ou mesmo infantis. Eles eram objetos perfeitos de conquista, ou ao menos de converso aos valores da nica verdadeira civilizao, aquela representada por comerciantes, missionrios e grupos de homens equipados com armas de fogo e aguardente. E, em certo sentido, os valores das sociedades tradicionais no ocidentais tomaram-se cada vez mais irrelevantes para sua sobrevivncia, numa era em que apenas contavam a fora e a tecnologia militar. A sofisticao da Pequim imperial por acaso evitou que os brbaros ocidentais queimassem e saqueassem o Palcio de Vero mais de uma vez? A elegncia da cultura de elite em Mughal, a capital em declnio, retratada com tanta beleza por Satyajit Ray em Os Enxadristas,Pag. 119impediu o avano dos britnicos? Para o europeu mdio, essas pessoas se tornaram objeto de desprezo. Os nicos no europeus que mereciam sua estima eram os guerreiros, de preferncia os que podiam ser recrutados para seus prprios exrcitos coloniais (sikhs, gurkas, montanheses brberes, afegos, bedunos). O Imprio Otomano conquistou o respeito, concedido a contragosto, porque mesmo em seu declnio tinha uma infantaria capaz de resistir aos exrcitos europeus. O Japo comeou a ser tratado como um igual quando comeou a ganhar guerras. Contudo, a densidade mesma da rede global de comunicaes, a prpria facilidade do acesso a pases estrangeiros intensificaram, direta ou indiretamente, o confronto e a entremescla dos mundos ocidental e extico. Eram poucos os que conheciam e refletiam sobre ambos, embora esse nmero tenha sido aumentado no perodo imperialista por escritores que escolheram ser os intermedirios entre eles: escritores ou intelectuais por vocao e por profisso marinheiros (como Pierre Loti e, o maior deles, Joseph Conrad), soldados e administradores (como o orientalista Louis Massignon) ou jornalistas coloniais (como Rudyard Kipling). Mas o extico se tornou crescentemente parte da educao cotidiana, como na literatura juvenil de enorme sucesso de Karl May (1842-1912), cujo heri alemo imaginrio percorreu o faroeste e o Oriente islmico, com incurses frica negra e Amrica Latina; nos romances de aventuras, cujos viles agora incluam orientais inescrutveis e todo-poderosos como o Dr. Fu Manchu de Sax Rohmer; em revistas escolares baratas para garotos britnicos, que agora incluam um hindu rico falando um barroco ingls-babu, esteretipo previsvel. O extico podia at tomar-se uma parte ocasional porm previsvel da experincia cotidiana, como no show do Oeste Bravio de Buffalo Bill, com seus igualmente exticos cowboys e ndios, que conquistaram a Europa a partir de 1887, ou nos "povoados coloniais" cada vez mais elaborados ou mostras das grandes exposies internacionais. Qualquer que fosse sua inteno, esses lampejos de mundos estranhos no tinham carter documentrio. Eles eram ideolgicos, em geral reforando o sentimento de superioridade do "civilizado" em relao ao "primitivo". Eram imperialistas apenas porque, como mostram osPag. 120romances de Joseph Conrad, a vinculao central entre os mundos do extico e do cotidiano era a penetrao, formal ou informal, do Ocidente no Terceiro Mundo. Quando a linguagem coloquial absorveu palavras oriundas da experincia colonial efetiva - sobretudo sob a forma de vrios tipos de gria, notadamente a dos exrcitos coloniais - elas refletiam muitas vezes uma viso negativa dos sditos. Os operrios italianos chamavam os fura-greves de crumiri (nome de uma tribo do Norte da frica) e os polticos italianos chamavam as legies de dceis eleitores sulistas, levados s urnas pelos chefes locais, de ascari (tropas coloniais nativas). Caciques, os chefes ndios do imprio espanhol da Amrica, tornara-se sinnimo de qualquer chefe poltico; caids (chefe indgena da frica do Norte)' foi o termo aplicado a lderes de gangues criminosas na Frana. Houve, contudo, um lado mais positivo nesse exotismo. Os administradores e soldados com abertura intelectual - os homens de negcios se interessavam menos por tais assuntos refletiram profundamente sobre as diferenas entre suas prprias sociedades e aquelas que governavam. Produziram obras de impressionante erudio sobre elas, especialmente no imprio indiano, bem como reflexes tericas que transformaram as cincias sociais ocidentais. Boa parte desse trabalho foi o subproduto da dominao colonial ou visava a ajud-Ia, e a maioria repousava, inquestionavelmente, no sentimento firme e confiante da superioridade do conhecimento ocidental sobre qualquer outro, exceto talvez no terreno da religio, onde, por exemplo, a superioridade do metodismo em relao ao budismo no era bvia aos olhos de observadores imparciais. O imperialismo ocasionou um aumento notvel no interesse ocidental em formas de espiritualidade derivadas do Oriente. ou que diziam ser, e s vezes converses a elas.20 Contudo, apesar da crtica ps-colonial, esse conjunto de obras de erudio ocidental no pode ser simplesmente descartado como uma desqualificao arrogante de culturas no-europeias. No mnimo as melhores dentre elas as encararam com seriedade, como algo a ser respeitado, com quem era preciso aprender. No campo da arte, e especialmente das artes visuais, as vanguardas ocidentais trataram as culturas no-ocidentais em total p de igualdade. Na verdade, inspiraram-se preponderantemente nelas nesse perodo. Isso Pag. 121verdade no s em relao a artes que se pensava representarem civilizaes sofisticadas, por mais exticas que fossem (como a japonesa, cuja influncia nos pintores franceses foi marcante), mas em relao s encaradas corno "primitivas", notadamente as da frica e da Oceania. Seu "primitivismo" era, sem dvida, sua principal atrao, mas inegvel que as geraes de vanguarda do incio do sculo XX ensinaram os europeus a ver essas obras como arte - muitas vezes grande arte - em sua verdadeira grandeza': independentemente de sua origem. Um aspecto final do imperialismo deve ser brevemente mencionado: seu impacto nas classes dirigente e mdia dos prprios pases metropolitanos. Num certo sentido, o imperialismo destacou o triunfo dessas classes e das sociedades criadas sua imagem como nada mais poderia ter feito. Um pequeno nmero de pases, sobretudo do noroeste da Europa, dominou o planeta. Alguns imperialistas, para indignao dos latinos, sem falar dos eslavos gostavam at de ressaltar os mritos especficos como conquistadores dos europeus de origem teutnica e especialmente anglo-saxnica, a quem, independente de suas rivalidades, era atribuda uma afinidade mtua, que ainda ecoa no respeito ressentido de Hitler em relao Gr-Bretanha. Um pequeno nmero de homens das classes alta e mdia desses pases - altos funcionrios, administradores, homens de negcio, engenheiros - exerciam efetivamente aquela dominao. Por volta de 1890, pouco mais de seis mil funcionrios britnicos governavam quase 300 milhes de indianos, com a ajuda de pouco mais de 70 mil efetivos europeus, cujos soldados rasos eram, como as muito mais numerosas tropas indgenas, mercenrios que recebiam ordens e que eram provenientes, em nmero desproporcional, daquela antiga reserva de guerreiros coloniais nativos: os irlandeses. Este um caso extremo, mas que nem por isto deixa de ser tpico. Poderia haver prova mais extraordinria de superioridade absoluta? Assim, o nmero de pessoas diretamente envolvidas com o imprio era relativamente pequeno - mas seu significado simblico era enorme. Quando se pensou que o escritor Rudyard Kipling o bardo do imprio indiano, estava morrendo de pneumonia em 1899, no apenas os britnicos e os americanos ficaram pesarosos - Kipling acabara de dedicar um poema sobrePag. 122"O fardo do homem branco" aos EUA, sobre sua responsabilidade nas Filipinas - mas o imperador da Alemanha enviou um telegrama. 21 Contudo, o triunfo imperial gerou tambm a um tempo problemas e incertezas. Colocou problemas na medida em que a contradio entre o governo das classes dirigentes metropolitanas em seus imprios e seus prprios povos foi se tornando insolvel. Nas metrpoles, como veremos, a poltica democrtica eleitoral prevalecia ou, como parecia inevitvel, estava destinada a prevalecer crescentemente. Nos imprios coloniais, governava a autocracia, baseada na combinao da coero fsica submisso passiva a uma superioridade grande a ponto de parecer incontestvel e portanto legtima. Os militares e os "pro cnsules" autodisciplinados, homens isolados com poderes absolutos sobre territrios do tamanho de reinos, governavam continentes, ao passo que na metrpole as massas ignorantes e inferiores estavam revoltadas. No havia aqui uma lio - uma lio no sentido da Vontade de Poder, de Nietzsche - a ser aprendida? O imperialismo tambm gerou incertezas. Em primeiro lugar, confrontou uma pequena minoria de brancos - pois mesmo a maioria desta raa pertencia categoria dos destinados inferioridade, como a nova disciplina da eugenia alertava incessantemente (ver capo 10) - s massas de negros, pardos, talvez sobretudo amarelos, aquele "perigo amarelo" contra o qual o imperador Guilherme II conclamou unio e defesa do Ocidente.22 Ser que imprios mundiais to facilmente conquistados, com uma base to estreita, governados com uma facilidade to absurda graas devoo de uns poucos e a passividade de muitos, ser que eles podiam durar? Kipling, o maior - talvez o nico - poeta do imperialismo, saudou o grande momento de orgulho imperial demaggico, o Jubileu de Diamante da Rainha Vitria, em 1897, com um lembrete proftico da impermanncia dos imprios:Far-called, our navies melt away; On dune and headland sinks the jire: Lo, all our pomp of yesterdayPag. 123ls one with Nineveh and Tyre! ludge of the Nations, spare us yet, Lest we [orget, lest we [orget. 23 *A pompa planejou a construo de uma nova capital imperial enorme para a ndia em Nova Dlhi. Clemenceau teria sido o nico observador ctico a prever que esta seria a mais recente de uma longa srie de runas de capitais imperiais? E ser que a vulnerabilidade da dominao global era muito maior que a vulnerabilidade da dominao interna em relao s massas brancas? A incerteza era uma faca de dois gumes. Pois se o imprio (e o governo das classes dirigentes) era vulnervel a seus governados, embora talvez no ainda, no de modo imediato, no seria mais imediatamente vulnervel eroso interna da vontade de governar, da disposio de travar a luta darwiniana pela sobrevivncia do mais apto? Ser que a prpria riqueza e o prprio luxo que o poder e o esprito empreendedor haviam gerado no tinham enfraquecido as fibras daqueles msculos cujos esforos constantes eram necessrios para mant-los? Ser que o imprio no leva ao parasitismo no centro e ao triunfo final dos brbaros? Em nenhum lugar o destino parecia estar mais presente nessas perguntas que no maior e mais vulnervel de todos os imprios, naquele que ultrapassava em tamanho e glria todos os imprios do passado e que, contudo, sob outros aspectos estava beira do declnio. Mas mesmo os alemes, trabalhadores e vigorosos, percebiam que o imperialismo ia de par com aquele "estado que vive de rendas", que no podia seno levar ao declnio. Deixemos J. A. Hobson dar a voz a esses temores: se a China fosse repartida,"a maior parte da Europa ocidental poderia ento adquirir a aparncia e o carter j exibidos por parcelas de territrio do sul da Inglaterra, na Riviera e nas localidadesNotas:* "Atradas para longe, nossas marinhas desaparecem; / Entre dunas e promontrios naufraga o ardor; / Vejam, toda nossa pompa de ontem I Une-se a Nnive e Tiro! / Juiz das Naes, poupai-nos contudo, I Para que no esqueamos, para que no esqueamos." (N. da T.)Pag. 124residenciais ou infestadas de turistas da Itlia e da Sua: pequenos grupos de aristocratas ricos extraindo dividendos e penses do Extremo Oriente, com um grupo algo maior de servidores profissionais de alto gabarito e comerciantes de luxo, e um conjunto grande de criados pessoais e trabalhadores do setor de transporte e dos estgios finais da produo dos bens mais perecveis; todas as principais atividades importantes teriam desaparecido, pois os alimentos e produtos manufaturados bsicos afluiriam como um tributo da frica e da sia". 24A belle poque da burguesia iria portanto desarm-Ia. Os encantadores e inofensivos Elis, do romance. de H. G. Wells, que passavam a vida se divertindo ao sol, ficariam merc dos escuros Morlocks de quem dependiam e contra os quais estavam desamparados. 2S "A Europa", escreveu o economista alemo Schulze-Gaevernitz, "transferir o nus da labuta fsica - primeiro o da agricultura e da minerao, depois as fainas mais rduas da indstria - s raas de cor, contentando-se em viver de rendimentos, e talvez, neste sentido, preparar o terreno para a emancipao econmica. e mais tarde poltica, das raas de cor." 26 Esses eram os maus sonhos que tiravam o sono da belle poque. Neles, os pesadelos dos imprios se uniam ao medo da democracia.