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A enxada - Bernardo Élis (1)

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CONTOS

DE

VERANICO DE JANEIRO

. . .

A ENXADA

Matou, roubou,

mas foi pra cadeia.

Matou, roubou,

mas foi pre cadeia.

(Toada dos conguinhosde Corurnba de Goias.)

- Cala boca sem-veigonha,De tuda vez e assim:

- 0 m.uie tem. pacienca

La nin.guem. fia di m.im..

Tratasde nossas galinha

E zela de nossos pintim.,

Que agora com poucos dia

Eu leva outo caiguerim.

Do Folclore Goiano,

de J. Aparecida Teixeira,

"NAO SEI ADONDEque. Piano aprendeu tanto

preceito" 1 - pensava Dona Alice. E ninguem podia tirar sua ra-

zao. SW:Fri~RQ @ ra {'lio, illjQy ;Q ;l 4 l] tr l lp i lb o , -pas deljcado e presti.

moso como ele 56. Naquele dia, por exemplo, chegou no sitio de

Seu Joaquim Faleiro, marido de Dona Alice, beirando ai as sete

horas, no momenta em que a' mulher mais os filhos estavarn

sapecandof urn capado matado indagorinba.

- Com sua licenca, Dona Alice - e Piano sapecou 0 bicho,

abriu, separou a barrigada, tirou as pegas de carne, 0 toucinho

e, na bora do almoco, ja estava tudo prontinho na salga. Ai Sen

loaquim chegou da roga para 0 almoco e enconvidou P Piano para

comer, mas 'ele enjeitou.

Estava em jejum desde 0dia anterior, porem menfiu que bavia

almocado. Com 0 cheiro do decomer seu estomago roncava e ele

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.salivava pelos cantos da casa, mas nao aceitou a b6ia. E que Piano

care cia de uma erixada e queria que Seu Joaquim Ihe emprestasse.

N a sua logiea, achava que se aceitasse a comida, Seu Joaquimjulgava bern pago 0 service da ar rurriacao do capado e nao ia

emp1'estar-Ihe a errxad a, Nao aceitando' 0 almoco, 0 'sitiante natu-

ralmente ficaria sem jeito de Ihe negar 0 errrp rest irno da fer-

ramenta.

Depois do alrnoco (0 cafe ele nao dispensou ) clesembuchou:

- Seu Joaquim, num ve que estou hi com a roca no pique de

planta" e nao tern enxada. Sen) que mece tern alguma ai pra me

.ernprestar '?

o pedjdQ nao foi formulado assim de urn 56 jato nao. Piano

roncou, guspiu 5 de esguicho, falou uns "quer dizer ", "num ve

qui", Co\;ou-se na caheca e na hunda, consertou 0 pigarro. Seu

Joaquim permaneceu silencioso e de cara fechada 0 tanto de se

rezar uma ave-maria, e Piano completou:

- J . 1 . genIe nao qJJe)' de' graca E so co1ber a roea a gente

paga ...

o sitiante meteu 0 indicador entre as gengivas e as bochechas,

limpou os detritos de faririha e arroz, lambeu aquilo e por Iirn

guspinhou pra riba de urn cachorro que dormia debaixo damesa.

- E proce mesmo, que mal pergunte? - inteuogou depois

de alguns minutos de meditaciio, os olhos vagos para 0 rumo onde

estava deitado 0 cachorro.

Piano trocou de pernas, gaguejou, teve vontade de niio dizer.

mas acabou por inforrnar que era pra plantar a, roya de Seu Elpi-

dio Chaveiro.

- Ai que 0 carro pega - disse Joaquim energico,

- Pra : voce eu te dou tudo; praquele miseravel num dou

.nadiriha dessa vida. Vou pincha. resto de comida no mato, e coisa

se:n serventia pra mirn, mas se esse Elp idio' 'falar para mirn -

"0 Joaquim, me da isso " - eu num dou de jeito nenhum!

De imediato Seu Joaquim se levantou e saiu, deixando Pianoali sem almoeo e sem enxada. Seu Joaquim saiu assim de supetao,

com coisa que estivesse avexado, 6 ate com agravo para Piano, a

-qual pensou consigo que urn homem riiio deve de tratar outro pOl'

essa forma, que e faltar com a preceito da boa maneira.

Joaquim Faleiro era sitiante pobre, dono de uma nesguinha de

vertente boa. Vivia de fazer sua rociriha , que ele mesmo, a mu-

lher e clois cunhados iam tocanclo. Vendiam urn pou co de manti-

rnen to , engordavam uns capadinhos, criavam umas vinte e pou-

cas reses e Iabricavam algU111aScm-gas de rapadura na engenb;Jca

de tras da casa, wod", Fenger va cowercio. 0 resto Deus dava

deterrn inaciio . 0 diabo, porem, era aguele tal d i: capiIao Elpidio

Chaveiro nas e-' cuern estava 0 sitiante inl' rensado assirn

c_9P10 jabulicaha va forquilha. POI' derrudeiro arranjou lpi 10

ericrcnca com 0 acude que abastecia de agua a morada de' Joaquim,

que estava no ponto de acender vela em cabeceira de defunto. 7

Essa terida S e que descleixava D Seu Joaquim emprestar a enxada

a Piano, a quem, para demonstrar amizade, disse, ja virando as

costas:

- Vern trabillbar milis ell Piano. Te dou terra de dado te

dou interesse .. .

Mas podia Piano J:j aceitm-? Obra de cinco anos, Piano pegml

1,!ll' empre i tQ de quin ta l de cafti com Q de1e8"ado l f tmpQ TPjm,

doenca da mulher, estatuto do contrato muito destrangola~

vai 0 camarada nao p6~ 8HHoi lf lFiI 8 8S8:r it s @ {icOlJ eJevendo urn

conto de' n~is para 0 delegado. Ao depois vieram os negocios de

Capitao Benedito com Joao Brandiio, a respeito do tal peixe de

ouro de Sa Doriana, e no fritar, dos ovos acabou Supriano entre-

gue a Eipidio, pelo delegado, para pagamento da divida. Com

ele , foram a muIher entrevada das pernas e 0 filho idiota, que

vieram para a ForquiIha, terrus pertencentes a Desideria e Ma-

nuel do Carmo, mas que 0 filho de Donana comprou ao Estado

como terra devoluta. Supriano devia traba1bar ate 0 {jm da diyida.

Na ForC4uiIha, recebeu Supriano urn [edaco de mato derruba-

do; C4ueimado e limpo. Era do velho Terto, que niio pode tocar

porter morrido de sezao , Como 0 delegado houvesse aprevenido

o novo dono de que Piano era muito velhaco, aD entregar a terra

Eipidio ponderou muito braboso:

- Q UAna yer qlle ipz9U8 voce vai jpveptar para DaD p1anta.r

~. _. Olha Ill. que nao sou quitanda! 11

Suprjano nao tivba inzona nenbuma Perguntou, porque {oi s6

isso que veio a mente do coit~ po

E a e o xa da , adoude 'I]]~ Qeta , R _ B e S ?

Elpidio quase que engasga com a guspe de tanta jeriza:

- Ne~o a-toa, nao vale a divida e ainda esta guerendo que

t€ de enxada! Hum, tern muita gras;a!

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Piano era trahaJhador e honesto. Deyia an deleg-ado porl4ue

llinguem era homem de ace.rtar contas com esse excomun~

Pior que Capitao Beriedi to em tres dobros. Se , por ern , the pagas-

sern 0 trabalho, capaz de aprumar. Nao tinha muita sa ude , por

via do papo, l:~ mas era born de service .. Assirn , dia n te da zoada

do patrao , foi pelando-se de medo que 0 camarada arrisco u urn

pedido:

- Nle perdoa a conf ianca , meu patriio , mas rriece fia a enxada

da gente e na safra , Deus ajudando, a gente paga corn juro ...

- ,Oce que paga, seu bedam_erda! 1:1 - e Seu Elpidio ficou

mais ira do ainda. - Te dou enxada e oce fica deverido a conta

do delegado e a enxada pro r iba. Nao senhor. Va plantar meu

attor jii ja

- Meu patriiozi nho,

lhou: - Vai-se emhora

mas plantar sem... - Elpidio 0 ata-

negro E se fugjr te bota solclado no

Piano tornou 0 mach ado ernprestado de Seu loaquiID e tafu-

lhou lBno mato. Foi feliz porque trouxe mel de jatai, que e 0

rna. is gostoso e 0 rnais sadio. Mel, porern , e eoisa que ninguem

compra: torlo mundo que:r:-comer de graya. 0 homem andou de

porta em porta e mal deu conta de vender urna garrafinha, apu-

ran do mil-reis. Ia coptimJar oferecepclo mas Sen EIpir]io eercou

ele no laT~o do ceIDiterio. Seu Elpidio disse que 0 errcontro fill

Pol' aeaso, mas Piano acha que foi muito de pror5sito. 0 patrao

chegou corn rompa,nte, enorme eID r iba da rnu ona, as esporas

tinindo,as armassacolejando.

- la plantou a roca ? - trovejou ele, mal e mal se vendo a

boca rel umiando ouro por debaixo do chapeu de aha grande.

Supriano expl icou que estava vendendo urn melziriho, mode

cOlnprar ua enxada. Apoisque tocar lavoura carece de tel' fer.ra-

menta, 0 senhor nao aprova?Por debaixo do chapeu , entremeio as orelhas da hurrona , piano

so divisou urn sorriso feroz, de dentes alumiando Duro e a vozona

de senhor dao:

- Esta brincando moleque mas en tepego voce.

Na mesma da hot a os ferros das esporas tirriram, os arreios ran-

giram e a mula chega jogou gorgulho pra tras. Ja indo de ida, 0

Elpidio muito rei na sua hornencia deeretou pro r iha dos ombros:

- Em dia de Santa Luzia, tu ainda nesse dia nao tenha vIan-

tado 0 arrOz, te IJonho soldado no lombo, ra-l'ii.

Piano atarantou, perdeu a cabeea e nem teve mente de the ofe-

recer uma gatrafihha de mel, TaIvez que se ele tivesse o£eJ'tado

tuna: "- Olha essa a ui e' um arado ros seus filhinhos" -

bem que 0 coracao do chefao capaz que tive5se ficado malS brando.

Mas perdeu a cabeca de tudo e de la de longe ainda vieram mais

relurniando de Duro as palavras hOrror05as:

seu rasto.

E Elpidio punha rnesmo , que este fora otrato: Elpidio ficar ia

com Supriano se 0 delegado se obrigasse a buscar 0 negro em caso

de fuga. Fuga n a a se. dar'ja. · Piano- DaD tj'pba Qqljbre ·para isso.

Essafama 0 delegado inveritou mode 0 Chaveiro nao aceitar

Piano e desistir da divida. Entretanto nemassi.rn Elpidio desistiu.

- Passe para a roca ja, seu , . .-comandou Elpidio.

Supriano botou a miio ina oaheca: adonde achar fia enxada, meu

Divino Padre Eterrio! Como desmanchar esse home feio que lhe

tinha postoo malvado do delegado? Quem sera que ia Ihe em-

prestar lima enxada? Ele tinha conhecimento como coronel , mas

este nao 0 serviria, Procurar negociante era pura bestagem. Elpi-

dio estar ia ja de lingua passadacom todos eles para nao vende-

rem nada 'a prazo para os. camaradas, Q . . u e . w . . . . e que nao conhecia

0 costume de Seu ElpidiQ? Era fazendeiro q.ne exigia que' to do

Jllundo pedisse menagetn 14 para de. Ele.e que £ornecia enxada,

mantimento, roupa e rernedie, para seus ernpregados. Ninguem

niio iria pois vender uma enxada para Supriano. So Ihe restava

ir para casa, largando de mao de levar cobre e meio de sene 15

que a mulher encomendara.

Primeiro, pensou em rnatar urn caifitu, vender 0couro e com-

prar a enxada. 0 calculo no cntanto ia muito hem ate 0 ponto

em ,que Piano se Iembrou que para rnata r 0 bicho carecia de

polvora, espoleta, chumbo e espingarda. E elepossula a1guma

~~"':.~j,,,.,Mais fauil era tirar mel. (

amais ,ideia pa}'a nada. Sempre {oj aSS1mafobado

Se aperreavam ele, at nao ava conta e fazer eoisa alguma des sa

vida. E 0 diabo desse Elpidio corn coisa que tinha formiga riabunda , N ew paeienci-a tipha de esperaf '1U~ Q QiilmaraQ.Q QQui9S.8

sua frase entendesse e formulasse 0pensamento numa re5p05ta

snfjcje~:t@ Falava e sara nB. carreira.,

Se perguntassem como Piano chegou em casa, ele niio sahia

in£ormar.E 0 dinheir inho da venda da garrafinha de mel, que

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destino teria tomado? Bem que a mulher tiriha direito de ficar

malinando. 1< Nao esta ri a Piano gastando dinheiro na rua com

as "tias" que pOl' Iii existi am cada qual rnais bonita e sern-vcr-

gonha?

Dar em diante, no diario, 0 camarada -foi tical' na porteira das

terr as de Seu Elpidio, pOl' onde rompia a estrada salineira. Um

viajante passava e Piano formulava seu TOgO:

- Seu rnoco , num ve que tou aqui com uma Toga de arTOZ no

ponto de planta e num tern enxada ? Com perclao da pergunta,

mas sera que rnece niio tern pOl' Iii alguma enxada assim meia

velha pTa ceder para a gente'?

Mas ferramenta em tal tempo e coisa vasqueiro. rs As poucas

existentes estao ocupadas e nin~uem cedi a fen-amenta para cams-

rada, pOTgue no final era 0 ineSilla qnp ceder par? Q p?tr~8 @.

esse tinha Iii J}recisao de emprestjmo? De toadinha era 0 PO\O

passando e 0 cama rada requcrcndo ,

Supriano jii estava quase desistirido. POl' vezes, viriha a idcia

de Iurtar , 0 diaho, porQl'Q\ @ 1i'19 m o era fiicil. Assistia 19 pOlica

gente pela redondeza, todos conhecidos e os feno5 cram majs co-

nhecido .... is??, de modo que sem tardanca os furtos se desco-

hziam, Nap se lemhra do Dos Anjo? Estava pubando 20 na cadeia

pOl' causa de urn CUbU21 de enxada que diziam tel' ele furtado.

Tinha tarnbem 0 caso do Felisbino, que foi para a cadeia pOTque

matou 0 sogro nurna briga somente pOl' causa de lImafoj!,e. E

outros que nem sequel' tinham chegado a ser presos, rnortos ali

mesmo pelo mato pOl' simples suspeita de furtos?

E os dias passavam. Santa Luzia vinha chegando de galope. s..priano tacou um punhado de feijao num buraco da parede do

rancho. Cada dia era urn feijfio que ele pinchava fora. Os bagos

estavam no firn.

depois das ave-rn arias! Nessa porteira existia uma faritasma 22

moradeira das mais brabas desse mundo! Credo! E Supriano fazia

o pelo-sinal duas vezes de toada.

Era 0 de1egado ';PIe G01~j?nlUa noire, Iii ia ele p assarido pela

portcira. Que a bicha bateu, 0 delegado sentiu que a mula chega

gClneu e se cncolheu corn coisa que uma gente hcuvesse pu lado

na garupa. Tambern 0 delegado sent iu assim uma como especi e

de ar r ocho pOl' debaixo dos braces, como se alguem 0 abracasse

peIas costas. E era um abraco frio, esquisito. Ele levou a mao na

garupa, mas nao deparou ninguem. Correu as esporas no animal

e Iii se foi, a mula assoprando, encolhida, dan do de banda, Ore-

lhas murchas. Foi assim ate que avistou a cruz da tone da igreja

do povoado. Ai 0 delegado sentiu que quem vinha ria garupa

pulava pra baixo e a mula pegava sua marcha costumeira, pedindo

redea para .chcgar logo. 0 fri ume pOI' debaixo do sovaco tambem

soverteu.

Contudo, sua preocupacao era tanta que, mesmo dormindo,

quando a cancela batia no rno iriio ele sonhava que passara justa-

men te naquela hora um sujeito com uma enxada desocupada.

No souba; padecio Q grapQQ tQ\ 5"L~Y:tQ Q'S ler p.~dido a ferta ..

lllenta. Por yia d i s < ; ; : Q , '"ada uojte que n aa estjyesSP de tocaja va

porteira, custava a ganar no sono; e, se dorm ia, acordava acule-

rado , A porteira estrondava no batente e Piano dava aquele tranco

no couro de boi adonde dorrni a. No escuro Olaia £azia 0 pelo-sinal ,

A to do baque da porteira , Olaia se benzia: "Se for 0 Cao, tes-

conjuro., Se for viajante, Senhora. .da Guia que te guie, filho de

Deus!" Habito velho.

o Iilho e que nao se movia. Era bobo babento, caheludo, que

vivia roncando pelos cantos da casa ou zanzando pelos arredcres

no seu passo de joelho mole. Diziam que fucava ria lama tal e

qual um. porco dos mais atentados. Capaz que fosse verdade, por-

que a £ungayao dele e 0 modo de olhar era vel' um porco, sem

tirar nem POI',

Piano jii estava enjoado de esperar, quando deu de acoritecer

que passou pela porteira 0 seu vigario. Adiante 0 sacristao numa

mulinha troncha.F" vermelha, atras 0 vigiirio ria sua mulona fer-

rada , guarda-sol aberto , dos hrancos pOl' fora e azuis pOl' dentro ,

lendo 0 hreviario, muito seu fresco.

A benca, seu vigal'io.

MesIDa de Dajte 0 cawarzl'Je l figauQ 9-8 Ql"slka ·em pe, que neln

coelho.

Olaia, sua mulher, ficava muito cismada com isso. Porteira 6

lugar perigoso que nem dente de cascavel , pois nao e ai que mora

o Saci e outras assombracoes ? S]]priauo tambgl+l t i;Q~a liRQdQ..

De onca de cobra. de gente, DaD; mas de ah~7 cuisa-ruirn. A

valenca que a porterra era nova e nunca n inguem nao tinha vista

visa gem alguma. Ah, que se fosse em como na porteira velha do

Engenho, pOl' dinheiro nenhum que Supriano ia demorar pOl' Ii

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- Deus te ahencoe ,

Lnem teria esbarrado 0 alimaL nem seguer olhado g,uem 1he

tomara a bencao, se Piano nao insistisse:

- A rno que vai numa desobriga,:24 que mal pregunte?

Seu vigario deteve 0 ginete, fechou 0 livro e exp licou que 0

Antero das Pedras de Fogo estava passanr lo mal.

"Qpe tero que nada" llellsou Piano. 0 que e1e queria era

Dntra cojsa que gente morrendo. iS50 tinha de toadinha toda a

~. E, de chapeu 11a mao, com 0 outro brace estendido , apon-

tava a grota onde se assentava 0 rancho.

- Vamos ate Ia, seu vigario. E urn pulico a-tea.

Seu vigario, que ja vin ha viajeir ando desde cedo, aceitou 0

convite e Ia se for am as tres rumo ao rancho: de pe, na Trente,

Piano; arras, na mul inha, a sancr istiio.F" e, mais arras de tudo,

o vigario, mode preservar-se dos carrapatos e rodoleiros ~6 que por

ali davam demais.

De dentrodo rancho veio Olaia, as gengivas supurosas a mos-

tra , searrastando, pois a coitadiuha era entrevada das pernas, em

desde 27 0 parto do hobo. Bonachao, 0 padre .se ria. Espiando pelas

gretas do harro v d o pau-a-p ique, 0 bobo careteava. Piano se des-

rnanchava ern desculpas: Que 0 vigario niio botasse repam, ele ia

dar urn t:...CO.no co..mpadre Joa.quim. e ja v.olt.ava. Olaia pre.:;:~ .._,servir algmna coisinha ao padre e tinha nada dessa vida.' _

cana para bater com urn pau, e depois torcer namao fazendo

garapa, des tinham.

Seu vigario era prevenido e conheeia das casas velhas a rocei-

.rarna de sua freguesia. Deu nova risadinha e rnandou 0 sancr istao

arr iar osalforges contendo cafe, acircar , vasilhame, Era so fazer

-0 cafe. Quando a bebida fico1;lpront;,l, seu vigario estava dizendo

.a Piano que nab havia duv'ida, Amarihii ele chegaria a cidade e

Piano podia ir Ia que receberia lima enxada ,

o vigario esperou 0 sol quebrar a ardencia , pegi:m as vasi lhas,

deixou 0 resro das coisas rara Olaia, mont au e saiu mais 0

eancristiio.

Ora, como 0 sol estivesse rneio altinho obra deduas bracas,

Piano resolveu sair para a cidade nesse dia mesmo , 0 comercio

f'icava meio Iongiriho ; de a, pe, Ievava-se bern urn dia .. para ir e

voltar. 0melhor era sair aquela hora, pousar no Furo; no outro

90 b. e.

.~

\..l

dia chegava cedoa cid ade , ai 0 padre ja regressara, pegava a

cnxacla e airida vinha pousar no rancho.

Com pouco prazo a pl'ecata 28 de Piano estalava no gorgulho

do espigao , Foi justo 0 tempo de ir a casa de Seu joaqu im, pedir

urn IJOUCO de toicinho com uns ovos e farinha. Olaia fazer urn

virado que ele meteu nurna cabeca de palha e enfincou 0 pe

no chao.

Nebliriava pelosbaixos quando Piano entrou na cidade, no otrtro

dia. Como chegou, procurou 0vigario, mas ele nao haver a retor-

nado ai nda ; aiPiano ficou bestando com a sela, sem saber 0 que

fszer' ia dar urn bordo pela cidade, topar algum conhecido. Por

falar n isso , Homero ferreiro, por onde sera que anda,.8 M8f1J::e!'8,

minha gente? Dantes ele morava no fim da ru a, tinha oficina,

fole, bigorna. Seu malho enchia 0 comercio de tinido, fahricando

cravejamento e chapas para carros de bois.

A Piano representou ver Homero vestido com urn avental de

COUTO,semirru, forj ando foices, boas foices, as chispas espirrando

que nem caga-fogo 2)) em entrada das iiguas. Homem, se Iazia

foice, por certo que fazia enxadas - pensou Supriano se dirigindo

para ondemorava 0 oficial f'erreiro, enquanto acendia na binga 80

o cigarro que acahara de fazer.

No fim da rua, no entanto,nenhum tinido de bigorna. Na

vcndola de Seu HeirnundorP! uns cavalinhos amarrados a sombra

do abacatei ro, dentto umas pess.oas, inclusive 0 dono deitado no

balcao , Da rua, Piano conheceu trm amigo Ia dentro e por Isso

acercou-se, salvou 3:2 6 conhecido que 0 convidou a tornar assento

e beber uma pingu inha. Piano aceitou, tomou 0 gole de cachaca,

guspiu grosso, limpou os heicos com as costas das miios, no born

preceito. 0 conhecido Ihe deu furno, ele fez novo cigarro e, para

passar 0 tempo, perguntou 0 prego do furno que Seu Reinrundo

tinha em riba do balcao. 0 fumo ,era born e nao era caro, Se saisse

a enxada, levaria urn pedaco.

Conversa vai, conversa vern, Piano ficou inteirado que ~

TOnao trabalhava mais porque cachaca nao deixava. Dia e noite

o infeliz vivia caido pelas caleadas, as moscas passeando nos be i-

.,;os descascados. Uma desgraca! A obriga.,;ao 3.3 passando privacdes,

com a mulher cheia de macacoas ,34 e assim mesmo tendo' que pro-

duzir doees e quitandas que os meninos vendiam pelas ruas, Sol

descambando, Piano se despediu e foi ao largo em busca do viga-

seleta 91

I · , .

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rio, que havia chegado. Seu vlgano 0 recebeu naquele seu alegrao

de sempre, mandou assen t ar e deu orrleris para traze rern a erixada .

Passado UIU q u cu : .t .a . .. .d e h o r/) 9'1 CI"tl9, 9 gaJe=rlst?Q Follon jnstruindo

qJJ.f' naD e~tia enxada nerihumji: eertamente a haviam roubado ,

A poticia espantou 0 v1gano que, em' pessoa, a~

Piano, xevirou 0 porao da casa e . uintal. In£eliznlente,

babau enxaca. U

- Seni que nao estei elllprestada?

- {)lpaz - mal respondeu 0 sacristao, que mostrava sex um

sujeitinho muito intimadol" e en£atuado.

De hi seu vigario deu de estar banzeiro, meio recol hido no seu

cacarido jeito de acertar quem tinha leva do emprestado

Na mata dos Chavei ros , a noite 0 alcancou. Como era dezembro,

a noite riao veio assim de haque. Veio negaceando, jaguatirica

cacando jao , joganclo punhado de cinza nos arvorcdos, uma hrurna

leve pelos valados arroxeando a barra do horizonte, urn trern qual-

quer piarido triste num lugar perdido, coruja decerto. Supria no

£oi pou;::ar no Vau dos Araujos, que alcancou j a com a pap a-ceia ;:9

alumiando , Dali ate ° sitio do irrniio do conheciclo Iaz.iam bern

tres leguas puxad as, distancias que venceria s~m demora, se r0111-

pesse de madrugadinha.

De fato. Estrelas no ceu, Piano se levantou e, sem esperarpelo

cafe, abalou-se. Urn 50150 esparrarnado re£letia-se nas p0<;as d'agua

das derradeiras chuvas quando ele chegou ria chapada, no alto,

para revi rar a cabeceira do Cocal. As seriemas corriarn por entre

as gabiroheiras,40 muricizeiros e mangaheiras carregadas. No esti-rao, quase descambando para 0 Cocal, Piano ouviu tropel de cava-

los. Olhou para tras e viu dois cavaleiros que lei vinham a toda,

De relancim ate pareceu soldados. "Mas soldados por ali?" Piano

destorceu para dentro da saroba, 41 mas nesse meio de tempo ouviu

um estarnpido e barulho de ramos estracalhados pOl' bala. Se dei-

xou cair no chao, onde ficou encolhido feito filhote de nhambu,

mas 0 ouvido alertado. QU:.:ln'doviu 'foi as patas irnensas dos cavalos

pisando 0 barro juntiriho com sua cara e jei Piano senti a uns

s~noes, saGos pescoryoes PU5eram ele de pe, amarraram as mu-

nbecas com sedenho. Tudo tao no sufragante! 42

Retintim dos ferros dos estr ibos, dos freios, dos fuzis, <las espo-

ras, Piano sentiu·se empurrado na £rente dos animais,....caHB fie

espingarda cutucando nas costas.

- Pera, gente, oi. Eu ...

Novas empurroes, um nome feio, levantando Ialso n a pohre da

sua mae. De mistura com 0 xingo, um cheiro ruim de arroto

azedo, fedor de cachaca jadeeomposta no estomag« dos soldados.

- Pe10 amor de nens, Fe)? ' Ive 'tJle pstao fazendo iSSQcom a

gente, ara?Novos empurroes deram com Piano na lama, um cavalo saltou

por cima, lambada de pirai doendo como queimadura de cansan-

9ao-de-leite. 43 Piano se pos de pe mal e mal e saiu numa carreira

tonta de galinha de asas amarradas que matava os polidoros 44

de tanto rir.

Dois dias de cadeia sem comer nuda. No tereeiro dia urn sol-

seieta 93

dar-lbe maiores trabalhos. Deixasse a Ul o. ue se odia

Mplhor entregar vara Deus, que e Jlai. Piano pediu louvado e suiu

no maior dos desconsolos, a ideia no Ferreiro, que pena que ele

bebesse daquela quantia! IS50 era por demais. A hem qIlP dpyia

de tel' uma lei, devia de ter urn dele ado so ara nao deixar ue

gentp de tanto talento que nem 0 perdesse na he-

bedeira.

Na rua da Palha topou outre conhecido, que ate nao era dos

mais chegados nada. Por sinal que Piano nern nao era sabedor

de sua gra9a; 36 contudo, para nao desperdicar tempo, perguntou

se por acaso nao 'ter ia. uma enxada para emprestar ou para ven-

der, mas com 0 trato de receher a paga com a safra do arroz.

o conhecido nao tinha, pois agora niio mexia mais cam faze:nda

nao. Estava mas era trahalhando de ajudante de caminhao , muito

rna is melhor, pois 0 cristao deparava vez de conhecer outros co-

mercies e outras pra9as. Porem representou s? a Piano que um

irmao seu morador no rio Vermelho estava muito remediado e

era suficiente para Ihe arranjar a enxada. Fosse lao Piano naodeixasse de ir lao Era ate niio muito distanciado ...

"Devera - pensou Piano - e a gente dando com a cabeca

pelas cercas, imitando boi que nunca levou tapa." Despedin-se do

conhecido, apalpou 0 taco de fumo, calculou 0 volume da Earofa

rest ante na cabeca de palha e dali ja ganhou a ponte, torando 38

para 0 no Vermelho, numa vereda,

92 b. e.

5/14/2018 A enxada - Bernardo à lis (1) - slidepdf.com

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d~do 0 oond.uzi u a cas~ d~ Donana, a presenca de Seu Elpidio, que

la estava n.a sua tcrrencra corn aqueles bracoes depend·urados, a

cara lamp~]alldo dentes de ou r o, 0 o.lhar duro mesrno quando se

riapor baixo das abas !argas do cbapen de fina Iebre.

Ra-ra! Num falei proce que 1rrincadeira c.drn homem fede

a. defunto! ~ proclamou ele de riba das esporonas sempre r eti.

nmtes nos cachor ros de ferro. 4 "F o m e incom ree s-sede-

~ h? .~ortou fundo, q.rdume das lapadas de sabre no lombo, revo ta

l r l lJ h : J : ;Q ; l, Q : - J , :6 t:ftffi;;J ~l'l'M~l'iy"",:t nU1lthl;1._ri'6itt;ffl;e;r~socorro

- ~;Qj ,@lu li !'1 'F Ii Me&~YianQ 54 Ylplfil(! cQntm~ forte

como um governo.

Agora ne/:r~ fu~ao" e pegar 0 caminho da TOea e plantar

0.....aTTa? Sa;gta I pz)? fa· ?J

A necessidade de enxada era tamanba que mesmo naqlle1e tzan-

se os h1bios de Piano mnrmuraram:

- Sou hQnrado capitao. 0 que deyo, pago. Mas em antes

preciso de enxada mode J?lantar.

Cala a b~ca so! Aqui quem fala e s o etJ, - Elpi'dio acerideu

nov.ani:nt~ 0 cigarro ,de palha ereafirmou: - Olha aqui , Piano.

Ho]e e dia onze .. Ate dia treze, se oce num tiver plantado meu

arroz , e55e5 dois soldados ja tao apalavrados, Vao te trazer o c rdebaixo de £acaQ~ yap te meter pcP va cadeja que e pra nio ~air

nnpea mai$ Poe bem sentido nisso e pensa sua vida direito olha

Ia! - Nesse po~to Seu Elpidio se despropositou , 47 Ate parecia

queestavam duv idando dele: - Ora,' PSS? e bo a ~4@ fag@ B8:@ Q @

heRta, g-nerendo passar me1ado nQ :Alell bg_i~Q A !?f@~tQH se, Je-

vantou-se de urn

nele voce passou a perna, mas

QO 'Senador ElJ?idio Cbayeiro

Ha-de-o! Riu seu ri50 de deptes

senhor rei: - E baixo mOreno'

o cabo, que chegou nesse entretanto , tambem riu bocalmente

e, encostando 0 fuzil na mesa da sala, permitiu-se tornar con-

fiancas, pedirido fumo e palha a SeuElpidio.

De ca 0 canivete tambem. Nois ta ai de grito, capitao,

Percisano ...

Elpi8:i@, pelcni,. via 1108

94 b. e.

soldad~os tantos- - - - - - - - - - - - - - - - - -amaradas,

l1;)J

I

f

I

apenas que momentaneamente armados de f1,1zil. Nao consentia

(~ ....Qmassem copfjaug9 Fez que riao ouvia nada e num r e-

}Jelao t0D101,10 canivete e 0 fumo e comandou:

- Voce me leve esse fujao ate a saida da rua, viu?

Piano fez urn gesto de quem levasse a mao ,ao chapeu, }Jara

despedir-se, rnas pegou foi na carapinha enlameada e suja de

sangue coa1hado, que 0 bagayo de chapeu se perdera. Perdera-se

ou foi 0 soldado que TOllbm!?

i

IJ

iI

Tudo .isso Piano relernbruva enquanto Seu .loaquim mais um

curihado se afastavam pelotrilheiro tortuoso da frente da casa,

enxada ao ornbro , espantando as corujinhas assentadas nos cupins

enos moiroes da cerca do pastinho ,

Os dois homens desapareceram e Piano se martirizava r'ecorn-

pondo na cabeca a. cena da cadeia, as pranchadas de refe , 48 osmaus-tratos dos soldados. "Nurn matei, num roubei, num buli

com muie dos oulros, iTnle.- Q que en quem e lima enxada pra

mode lavorar. E num quem de gra~a nag Agora nao pORRO pagar,

mas a safra tal me~mo e ell pago com jur6'"

Arranoou-o desse reiriar uma topada dcsgracada nUma pedra

cristal. Entao e que deu por fe que regressava para 0 rancho.

Q uede Seu Joaquim? Quede a. c~sa dele, com Dona Alice, 0 porco

e os meninos? Tudo tinha ficado para tras, Ia' longe. 'I'ransposto

o corrego, estaria em terras de Seu Elpidio; ~, J3el5ftftB:O (1), litttlRS

por deniro das teTras baixas entuJ?idas de tiriricas, ia sair no ~eu

rancho.

·0 J?e sangrava e doia. Piano parou ria grota, meteu 0pe na

ag~a fresca e cacou jeito de estancat 0 sangue com 0 harrn pe-

gaJoso da margem, com que barreou a fer-ida. Nesse ponto, sentiu

ferne. Uma bambeza grande pelo corpo que suava, Veio-lhe tam-

hem a Iembranca de que ali ao lado estava 0 terreno que Terto

descoivarou 49 e que ele deveria plantar. A Iembranea aumen-

tou-Ihe 0mal-estar, trazendo a sensacao de que 0 ama rravam , 0

sujigavam, tapavam-Ihs a suspiracao, 0 estavam sufocando.

Num salto , deixou a grota e saiu numa carreira de uruhu pelo

carniriho Iundo, sem ao menos querer voltar a vista para 0 lado

do terrene da roca , Muito adiante foi que moderou 0 galope. Uma

canseira forte 0 dominava; sua resp inacao saia rascante e difi-

cultosa por causa do papo, aquele papo in como do que pesava

eeleia 95

5/14/2018 A enxada - Bernardo à lis (1) - slidepdf.com

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qua:;;e UU18 ar roba , Dirninui u 0 chouto. chupou folego e, sen-

tin do a vista turva , se assen tou. Passada a zonz ura. percebcu que

fazi urn calor de matar , cmbnra riao se visse 0 sol. Nuvens pc-

sadissirn as, negras. baixas, toldavam o ceu. "Tomara que ehova."

Com. esse veran ico , quem.e que pede plantar'? "Embora dcspre-

ven i.do de enxada,se 0 diabo desse solao contrnuasse como ia

niio s~?ejaria qua lquer esperaw;a de colheita. "T'ornara qu~

chova."' ChUV8 murta. dessa chuvinha criadeira, porgue no dia

seguinte .Seu Elpidio ia mandar sold ado saber se a roea estava

plantada. Chuva dia e noire. Nao chuva hraha aue S;nta Bar-

bara o de£endcsse, que essa Ievaria a terra .. enchc;ia 0 ccrresro e. . . o·

arrastaria todo 0 arroz qt;:c Piano ia plantar pelaencosta arriha ,

o ar roz que crescia bonito, verdirihn, verd iriho , fazendo oridas ao

vento.

D.IU grande ali"yi -o encbcn 0 peito do how em, seP5i'aqao de desafogp COWQ se bopyesSQ j5 pJoptadg a roea inteirinha co.. . ~. , ._. ct, ,=0 'ie

o arrozaJ subisse verrlinho pela enCQ~ta oIldranclo aD vento "Sera

que ja l)lantei a meu anoz? Sim. Plantara. Pais na~ vira a ro\,a

que estava uma beleza?" Agora 0 que sentia era urn desejo da-

nado 'de ver Q. seu arrozal, a rORa que ja havia pJantado e que

se estendia peIn encost$. arriba. Queria tel' ccrteza de que a plan-

tara. Queria pegal" no ar roz, te-Io em s as 0 ra

que 0 terreno 1cava' a para tra5, na beira do corrego, e seu COT~O

nao podia voltar ate Iii E:stuva catJsado ramada muito causa 0

meSilla

Piano abandonou a estrada, foi ate a heira do mato. subiu

num pe de jatobsi-do-campo. De' Ia tentou enxergar, m:as era

impossivel, 0 mato tapava tudo, Subiu mais ate as galhos fi"

nirihos, de modo a £icar com a cabeca acirna da Iroride, mal se

equi.librando nas grimpas.Perig() de 0 gaIho partir e ele des-

pencar para 0 chao. Jatoba naoe Ieito goiabeira que morgueia , 51).

jatoba costurna quebrar de uma vezada so. Nesse mcio-temp., 0

jatobazeiro pegou de halangar. 51 Um pe-de-vento , chamando

guia da chuva, sacolejava 0 rnatarriu , desengoncando asarvores,

descabelando-as, Num memento que 0 mato se espandongava, sa-

racoteando, Piano pode visltrrnhrar sua raga. 0 terrene enegre-

cido, sujo de troncos queirnados, nu de qualquer p.larrtacao, onde

o capim ja pegava a crescer afobadamente de parelha com as ar-

vures derrubadas que deitavam hrotos riovos.

96 b. e.

IJ

f

I

Gotas gordas debulhavam do ceu , esborrachavam nos galhos do

jatobazeiro elIas suas folhas duras, rnolhand., as costas de Piano,

sua caheca, 0 mato ao redor , Urna canseira, urn cicCi.animo agar-

ra. rarn de novo 0 camarada e foi a custo que ele desceu do pau

e se assentou encostado ao trorico , deixando que a agua the mo.

Ihasse a cara e a roupa rasgada e suja,

- B anjop enxad a? grmen QJaja perto cla fornalha quase

apagada.

Piano nao respon deu de imcdiato. 'I'irando com os .grossos

dedos urn a br asa no borralho para acender 0 pito, balancou a

cabeca negativamente, apenas.

- Inteirando dois dias que nos ta Iazendc cruz na boca -

eon tinuou a mulher a falar no escuro.

Eraurna voz pastosa, viscosa, fria. As 'palavras eram cornidasquase que completamente, restando apenas 0 miolo, Pa-ra alguem

que nao fosse roceiro os vocahulos seriam ininteligiveis.

NUll .xixixi chiava a chuva fina ria saroba que afogava 0

rancho. Irrsetos e vermes ro iam e guinchavam pela. paIhado teto

apodrecida pela chuva. Nos buracos do chao encharcado, escor-

):~gadio e podre, outros biehos ~ambem rotum,. raspavam e zu-

ruam.

- Lnda se tivesse graxa 52 a gente comia esse arrozdaj

contirruava Olaia espasmodicamente a falar e, com obei~o In-

ferior esticado, indicou as duas sacas de semente que Elpidio ali

deixara para a planta.

Comp . se a Ixlll1her houvpssP devorado- 0 ·artoz Piano senti]]'I

a modos que urn coice no peito. 0 sangue parou nas veias e a

boca a,ma.rgou, correu ate 0 canto e examinou cuidadosamenteas

sacas empilhadas sobre uns- toletes de madeira .. Nag CQntente

com 0 que seus olhos "iam, apalpou os saeos, esfregou neles as

pernas sentju que estaYam jntartQS e The vejo desta certeza urn

grande descansO, tamanho qJle deu urn assopro ii"ual ao de urn·

cazala no e S P Q J Q , e os mllsclllO$ relaxaram de vez. 56 entao per-

cebeu que estava molhadinho, riritando de frio. Quanto tempo

feria fieado estendido no chao, ao pe do jatobazeiro, dehaixo da

ehuva? Estavaai uma coisa de que nao podia fazer ideia, Lem-

hrava que 0 tempo escureceu de soco 53 e a noite chegou com a

chuva, E agora, que hor.as seriam? Devia de ser tarde, a escur'i-

seleto. 97

5/14/2018 A enxada - Bernardo à lis (1) - slidepdf.com

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dao era mu i ta , Piano acercou-se da fornalha e quis rean imar 0

fogo, mas faltava lenha; foi onde estava 0 bobo e pegou a

chama-Io , 0 mentecapto roncava, revirando-se sobre os trapos de

haixei ro suarentos, fedendo a carn ica de pisadur as, estendidos no

chao e que the serviam de cama. Pjano ernp])TTfjlll el e com 0 pe

o bjcbo leyanlQll-Se ZQnzp cai aql1i cai ac ohi aD s rODeOS fejto

urn porco magro; perto da fornalha, a luz escassa das hrasas meio

mortas, Piano Ihe fez acenos ate que 0 animal se dispos a sair

para fora do rancho. Piano tjro]) a roupa jogou-a por cima de

urn varal e como nao tinha outra muda. amar.ro u nos rins urn

dQs haixeiT~s 54 iU e serVIam de cama a~ doente e se acocorou

e8nteJosamepte junto do fogo moribundo.

o boho eritrou fungando rnais so ~5 peba e jogou uma bracada de

lenha encharcada ao chao, com a qual Piano rearicou 0 lume.

A furnaca tomou conta do comedo, ardendo nos olhos e fazendo

escorrer 0 nariz. Olaia se mexia desajeitadamente, querendo aco-

modar as pernas frias de estuporada. Que nem urn cachorro , era

na beira da fornalha que permanecia dia e noite; ali cozirihava,

ali Iavava roupa e rerriendava, ali dorrn ia, ali fazia suas preci-

soes. Perrias dela eram 0 bobo, que ela conservava sempre en-

costado. Quando tinha de ir mais longe, amontava na cacunda 56

dele e hi se iam aqueles destrocos humanos pelos trilheiros, numa

fungagao de anta no vicio.

Com as labaredas altas, 0 comedo clareou e 0 bobo veio de seu

canto com os trapos restantes, os quais estendeu perto do fogo e

se aninhou de novo. Embrulhando tudo, a solidao como urn bo-

cado de -picuma que agente pudesse pegar com a . mao. 0 ermo

como que alargado com 0 trilili dos grilos, com 0 sapear da

saparia e 0 grogolo da enxurrada crescida na grota, onde irida-

gorinha as saracuras apitavam.

A porteira das terras de Seu Elyidio. hateu. Batido chocho,_

como se estivesse empapada d'agua. Olaia fez 0 pelo-sinal e seus

heicos bateram uma jaculatoria. ·57 Piano se levantou cambaleante,

ajeitandoa saia de aniagem, e foi encostar na porta do rancho.

A noite ia grossa, igual a urn fiapo de babo de hobo, com ..0

chuvisco pesado pir iricando na saroba. Berres de reses brotavam

de dentro do breu, e 0 cheiro de mijo e de gada chegava ate as

narrnas de Piano, fazendo ele representar copos de leite espu-

moso e quente. E requeijiio? Olaia sabia fabricar urn requeijiio

98 b. e.

llloreno, bern gordo, parn comer com acucar refinado, com folha

de hortela!

"Como e que pode ter tanto vaga-lume, meu Divino?"

perguntava a si mesmo 0 camar ada admirado da infinidade de

pirilampos que riscavam a noite , Riscavam na copa dos mur icis,

dos paus-terra, das lobeiras da frente do rancho. Piscavam nos

ares, aqueles tracos de fogo imi ta ntes fagulhas de que imada.

"Que Hem Romero Ferreiro." Romero com avental de couro , a

peitaria a mostra, metendo 0 malho no ferro que espirrava pi-

rilampos, enquanto a foice ia saindo. Ah, enxada! Se Romero nao

vi vesse donnindo pelas ruas, amanha mesmo iria encomendar

uma enxada para Romero, enxada de duas Iibras, Se tiyesse en-

xada, nao seria novamente pres~, na~ levaria chicotadas no lombo,

nao seria maltratado. Pela frente do rancho, os vultos negros

dos cup ins, das lobeiras, das moitas de sarandis eram Ierreiros

arcados nas £orjas fabricando enxadas, as faiscas dos caga-fogo,;

espirrando a torto e a direito, no escuro da noite.

Urn tropel no chao batido e molhado. Uma voz.

- E a Nego, que mal pregunte?

- Nhor sim.

Tinido de freios e de esporas, Cheiro de animal molhado e

suarento. Rangido de sela molhada e mal engraxada.

- Barno desapear,

- Demora e curta. Noite ta escura desproposito , G8 Careco de

romper.

o cavalo assoprou amigo. Tremeu 0 pelo dehaixo dos haixeiros

ensopados .. 0 freio, as estrihos, as espor as, as fivelas retinirain

como faiscas. E do breu , como urn arroto de bebado , veio a fala

do passante. Piano nem deu por fe. Era isso que tinlb.a que as-

suceder. Era: do jeitinho como ele esperava que ia acontecer.

Parecia que tinham em antes soletrado tudo, por mitido, para

Piano. Ate as palavras que 0 portador soletrava, Piano sabia que

so podium ser aquelas: .

- Amanha e Santa Luzia, soldado e-vem amanha.

'I'amhem nao precisava enxergar. Piano sabia que Olaia se

benzeu naquele seu modo esquisito, porque a porteira estrondou

novamente dentro da noite, mas agora com Ulna forca como

nurica Piano imaginou pudesse existir. Olaia tambem recitava a

jaculatoria. Os ouvidos de Piano tiniam como se ele estivesse

eeleta 99

5/14/2018 A enxada - Bernardo à lis (1) - slidepdf.com

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com dicta (ie qUInmo, mas eram as bigornas nialhando. Faziam

enxadas e m.ais enxadas. As faiscas espirrando do ferro em brasa.

Muitos fer reiros, muitos HQJueros marte1_'!udo tRilluHtes 8 :8 cnxa-

das Enxadas .hoas de dn3S ljhras.s de ana? hbras L~ pjeia e a ttde tres libras.

ferreiro gr'audo, colheu uma

sacudir Olaia:

Piano investiu ate perto de urn

enxada , revirou para 0 rancho e foi

- O1aia. OIaja vigia a enxada.

As labaredasbrigavam com as sombras, pintando

ou de preto a cap barbuda de Piano arcado sohrede vermelho

a pru al.itica:.__ \!igia 56 .-. §rQ~(l4~8!

Olaia, adrni rada , pa5sou a rniio pelos oIhos. Sera quenao es-

t_ava dorrrrindo ? POl' p]ais que ptQClTras~e uer a Bnxa1et ' 1 7 " 1 ' ' 8 PiaIlo

lhelllQst-ravB 0 que percAbjo er7!l urn pedaeo de ga],hp yeTrIe em

suas m.aos. Talvez muriei, ta.lvez mangabeira. MilS ferramentanenhuma eia nao via. "0 hornern tava niio regulando, s,ed?" _

pensou Olaia otusa .59

- Enxada!

Piano avancou com ar decid ido , atracou 0 saeo de arroz, rrurn

holcio jogou-o ao omhro, as pernas encarocadas de rniisculos r'e-

tesos saindo pOt baixo. do saiote de baixeiro , tao desconforme. 0

passo pesado ,e duro de Piano batendo incerto no chao molhado

e escorregadio, cambaleando sob o peso dos trinta quilos, afastou-se

socarido, socarido , e se perdeu no engrolo do enxorr o na grota do

fundo do rancho. Olaia quis seguir com os ouvidos os movimentos

de Piano, mas 0 que vinha do negrume era urn mugido de gado "

triste. Depois, quase sum indo, 0 Iatido de urn cfio, Iaiido esgui,:

sho, OJaia jall1ais havera eseutado urn ganjr mais {eia ate fjeava

arre:piada na cHcnnda upa frjo! "Decerto, a morte que pa~sou

pot perto ou tava campeando alguem."

- Olha a enxada, Olaia. •

A mulher espantou-se rtovamertte, pois estava coch i lando, na-

quela madorria que a fome produz. Sera que fora 56 urn cochi.lao

ou dorrnir a um eito de tempo? Devia ja tel' passado muito tempo.

E 0 oao com seu latido de mau agouro? Nem bois berravam.

Mas 0 que via ante seus olhos horrorizados eram as maos grccsas

de Piano manando sangue e lama, agarrando com dificuldade

urn bagaco verde de ramo de iarvor e. Seria visao ? 0 fogo, 0 fogo

morria n as brasas que piriricavam, muito verrnelhas, tudo aln-

100 b. e.

L

II miarido pel" rnerades. Piano rnesmo, ela via po<'" d,k as m.aos

f em sangue e lama, parte das pernas musculosas sumindo debaixo

I do haixei.ro , os pes ern lama e respingos tambem vermelhos, se-

I . 'ng0s de sangue? Urn pe s u r n i u, ressurgiu, m}!o:;u!o:d. : . : , l l o l l . . , . . . d : . i ; l.. .c'-- --,

---"'_~:~~:a;l .. adonde? ~inda ou a mulher, em duvida

Ep~:l~o mostrava 0 mesmo bagac;o de madeira esfiapado ern

fibras brancas do cerne e verdes da casca , exibia. as duas maos

r

que eramduas bolas de lama, de cujas rachaduras urn sangue

grosso corria e pirigava , de mistura com pelancas. pcnduradas,

~ tacos de unha,pedac;os denervQs e OS805, que 0 diabo do fogo

! " nao deixava divulgar nada certo, clareando e apagando no bra-

seir o que palpitava e trernia. _

De novo· 0 silencio devorou 0 passo pesado, cambaleanto e mse-aura de Piano que levou 0segundo saco desementes para plantar,

:ntes que 0 sol desporrtasse, antes que Seu Elpidio, despach~sse

os soldados pa,ra espanca1' Piano, hurni lha-Io , machuca-Io e afin al

jQgar no calabouco da cadeia para 0 resto da vida como urn

nezro crirninoso. As palpebras de Olaia pesavam de sono. Q ..to • t

mundo existia aos retalh05. Ela quis reagn, tacar o sono no rna 0,

l;';ntar-se, chamaI' Plano, accnder 0 fogo ever direito que his-

t6ria estur dia era aquc1a. Mas 0 silencio era de churnbo, eta

como uma lagoa viscosa estorvando os movimcntos e a vontade.

o cao 0 cao Iatia ainda ? Ou vol tou a latir riaqueje mornen to

pontual? Ou e!am grilos? Passarinhos? Eram galos? Urn pan-

tano 0 silencio,

- Oi de fora!

"Sera que estavam chamando? Chamando tao tarde? Para

njio ser Piano, quem estar ia destraviado pOl' aqueles oeos de

mundo nurna noite assirn tao feia, em horas tao fora de hota?"

Olaia arrastou-se. Se nao houvesse aquele chuvisqueiro de pa-

leio cOpor certo que 0 sol ja devia de estar hem urn palmo arribado cerrado. Mas a rnanha imitava assim urn fundo de cam a-

rinha, escuroso de cirizerito, tudo encharcado , pespingando.6L 0

que Olaia entreviu foi dois soldados ria Frerite do rancho, mori-

tados a cavalo, as capas escorrendo ligua. De comeco , niio tinha

certeza se eram soldados; mas ai eles contaram e, abrindo a capa,

mostraram a farda par baixo. E tiraram para fora 0 fuzilao preto,

eeieta 101

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muito grande demais. Os anim.ais fumegavarn e arfavam de ventas

dilatadas, r essop rarrdo 0 ar frioso.

- Til na roca , m.eu amo - informou Olaia , com iia rriao

apontando a rOya, corn a outra segura duro no bentinho do pes-

COyO, preso pela volta de contas de Ligrima.c:-de·nossa-senhora.

"Bern que aqueles latidos nao era boa coisa!" SoJdarlo para e1a

tinha parte com Q Sujo. Era uma nacao de gente que metia medo

pela ziiindade. Soldado nao podia ser fiJho de Dells. Nem con-

vidou para desapear , "Que Deus. me livre de urn trem desse

entrar no meu rancho!"

Como des nao atinassern com 0 caminho da roca , a parali tica

deu exp licaciio: pegassem 0 trilheiro que beiradeava 0 mato ate

sair na grota do corgo. Desse ponto ja estavam avistando a rOya,

pra banda do brace direito.

Chegando na grota, logo os soldados virarn a roca. Piano ja

havia plantado 0 terreno baixo das mar gens do corgo, onde a

terra era mais tern-a, e agora estava plantando a encosta, onde 0

chao era Ina is duro. 0 carom'ada tacava os cotos sangrentos de

InaO na terra, fazia um buraco COInum pedaco de pau, depunha

~algulnas sementes de arroz, tampava logo com os pes e

principiava nova cova. Estava nu da cintura pra cima , com a

saia de baixeiro suja e molhada, emprestando-lhe um jeito gro-

tesco de velha ou de pongo.62

Os soldados aproximararn-se mais para se certificarem se aquele

era mesmo 0 preto Supriano. Tao esquisito! Que diabo serra

aquilo? Ai Piano os descobriu e, delicada cowo era suspendeu a

rabalho or um momento ara salva-los: ~

ode dizer pra Seu Elpidio ue ta no finzinho

Vill1 Ab , '{llg com a a]uda de Santa Luzia. . E cow Nirja

agora tafulhava 0 toco de mao no chao molhado, desimportando

de rasgar as carries e partir os ossos do punho, 0 taco de gra-_

veto virando bagayo: - ... em an'te do mei-dia, 63 Deus adju-

torando ...

Um soldado que estava ainda em jejum sentiu uma coisaruim por dentro, pegou a amarelar e com pouco estava gomi-

tando.64 0 outro chegou para perto do que se sentia mal e se

pos a Eavorece-lo com Ulna ajuda. No que, eles conversavam,

trocando ideias. De 0 . 0 nao podia ouvir, mas

teve wedo Teve muito medo, mode a cara

102 b. e.

Embora de longe e olhasse s o de soslaio, desajudado da luz em-

haciada da marihii chuvosa, pede 0 camarada ohservar que a

cara do soldado se fechava, como que escurecia anoitecida e in-

chava num inchume de ruindade, recrescia de vulto ; virava

feiyao de Seu Elpidio, ate os dentes de ouro relumiando fogo de

satanas. 0 soldado se sacolejava vestido na capona de chuva; e

preto, catuzado, dava sintoma assirn de urubu farejando carnica,

nuns passos asquerosos de coisa-r uirn. Vote! 65

Ai 0 soldado abriu a tunica, tirou de debaixo urn bentinho

sujo de baeta vertnelha, beijou, fez 0 pelo-sinal , manobrou 0

fuzil, lelTo.v 0 bruto a cara no rumo do camarada.

Do sen lJJgar Piano mejo qJ]e se escoudeu pOT tt2s de 11m

toco de peroba-rosa que. nao queimou, mas 0cano do fuzil cam-

peal! cresceu, tampou toda a sua vista, ocultou 0 eeu inteirinho,

o mato longe. a mancba pOt tr?s do soldadool..,que era 0 sol que-

:r.:.e..ndoomper as nuvens.

Os periquitos que roiam 0 olho dos buritis da vargem espana-

mararn seu voo verdolengo numa algazarra de menino, porque 0

baque de um tiro sacudiu 0 frio da manha. Nalgum ponto, umas

araras ralharam severas.

No rancho, cui dan do que foi,baque da porteira, Olaia fez 0

sinal-da-cruz e gungunou dente no dente: "Nossa Senhora da

Guia que te guie, meu Irrnao." Certamente eram os capetas 'que

la iam de volta para a cidade, pen sou ela, que ficou com os

ouvidos eampeando outros rastros,mas 0 tempo se feehava ainda

mais, de ceu baixo, e longe, como um fiapinho sumindo no hori-

zonte, era Q meSilla ui¥o de CaD que Ol1yjra durante a noite -

"credo! ".

Olhava-se para a banda da :Mata, vinha gente. Olhava-se para

o lado do Barreiro, vinha gente. Para onde quer que se olhasse

estava gente chegando para a festa do Divino Espirito Santo:

gente de a cavalo, cargueirama, carros de bois e uns poucos de

a pe. Os pastos da redondeza logo pretejaram de animais, de bois

de carro, polacos 66 e cincerros tilintando. 0 diabo da minha egua

rosilha que eu deixei peada ria heira do rio, nao e que a peia

sumiu, gente!

A cidade como que engordava, uma alegria forte abrindo r isos

nas hocas, muita conversa, apertos de mao e abracos, "Ara, co-

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madre, e eu que achava que a senhora nem num vinha. Apois,

eritiio eu ia soltar seu compadre no meio de tanta moca bonita!

E baixo, uai! Ca-(,a10velho num reseste eguada nova."

:Muitas casas que pennaneciam fechadas, tr .istorihas, vel' tapera

fora da quadra da festa, agora Sf: alrriarn, com. a roceirama en-

tu pi n do as sa las, sentados nos toscos e pesados ban cos de jatoba

encostados nas paredes, ou agachados pelas cunzinhas, pelos

quintais, numa conversa cheia de risadas que entravam pela noite

adentro. Debaixo de uma tolda, na porta da verida de Ze Ro- .

xinho, montaram dois gameloes e a jogatina ia entusiasmada ate I.'

tarde cla noite, rendendo ja alguma pancadaria.

Algumas casas haviam sido rebocadas e caiadas, 0 que den

ensejo a que Martinho pedreiro ganhasse uns pedacos de rapa- Idura, uns metros de pano ou urn tiquinho de diriheiro.Em casa de Neca havia urn 1'01' de gente arranchada. 'I'ambern ',.["

em. casa de Chiquinha do Amaro. A bern dizer , chegaram hos-

pedes em todas as casas, excetas as casas dos graudos, como 0

coronel, Don ana e Seu Evangelista. Esses nao tinham parentes imoradores na roca e nao aceitavam roceiros em casa. A casa de !Capi tiio Benedito estava que nao cabia de genros e nor as, cada iroceirfio de pe mais grosso que casco de boi, camisa de banda

de fora das calcas, Iacao jacare na cintura. Passavam 0 dia aga-

chados pelos cantos, chapeu enterrado na caheca, ronronando

conversas pontilhadas de risos tossidos e soltando cada gusparada

que inundava a sala. A con versa era' em torno de bois,' vacas,

cavalos, porcos, sela, capa, mantimentos e fazendas·. A festa era ~

uma grande feira para negociatas e badrocas.Y? Que 0 Ieilao ia

ser muito arrojado, que Estevo da Estiva deu urn par de novilho

mestico de zebu, urn trem chi que mesmo. Capaz que alcance

born preyo, pois 0 compadre Niceto .andaya ron cando que os mar-

ruas eram dele, mesmo que tivesse de vender a fazenda inteira.

- Mas vende, hem!

- Aquilo e Iarroma so, que hesorro tamhern ronca.

POI' tras do balcao da casa de comercio do coronel, Hilarinho

nao dava conta do service. Ate meia-noite a labuta pesada, aten-

dendo 0 queijeiro mo1engo e inzoneiro, que gastava duas horas

para comprar urn carretel de linha ou urn par de ouvidos de

espingarda.

104 b. e.

A cidade inteira retrnia com 0 retintim das enxadas limpando

o mato dos quintais das casas .que permaneceram fechadas du-

rante 0 ano , Os moradores cla cidade tambem se valiarn da quad~'a

cla festa para Iimpar as calcadas, capiriando a grama que crescia

entremeio as Iajes, abrir urna estradiriha no largo, enfim, dar

urn toque rnais urbano a cidade tao rural.

Na porta da igreja, os mordornos cumpri am suas tarefas: as

fogueiras do Divino, de Sao Benedito e Santa I£ig~nia iam-se er-

auendo. A do Divino riatur alrnen te que era a mars alta e larga

das tres. As rest antes er arn de santos de negro e de pobres e

nao podiam tel' a imponencia , a intirnaciio das outras, que isso

ate era mesmo uma determinagao de Deus' Nosainho .. Ainda no

ceu haver a de «uardar estatuto de primazia e la mars do que

na terra isso deb grandezas e horrrarias era muito baseado-, coruoder de castiao para quem nao cortasse em rihinha do r.1SCO.

p .. b . indaiba ToiOs rnast.ros, pela rnesrna forma, se arranjavam: a pIn ar a 01

descascada e agora pintavam nela as ciritas de toa e oca, enquanto

prendiam aqui e ali pencas de laranjas e ramos de flores,

Seu Amadeus das Porteiras tinha sido sorteado Impe1'ador do

Divino e estava numa lavoura desde uns seis meses, prepara~~o

os doces e as bebidas para a mesada. Esse traba1ho ocupou Inacla

de Flores, Mar ia do Galdininho e outras mul?eres habeis na fa-

hricacao das veronicas, alfinins, doc:s de cldra. e marnao , as

quais favoreciam 0 festeiro no arr anjo dos enfeites para a me-

sada. 'NIeio-dia, 0 sino repicava .e redobrava, os ~oguetes estralavam

no ar. Mestre Ambrosino comandava a bandmha queespantava

a quieteza e chamava para a porta da igreja a n:eninada rocei;-a,

cada qual com a cara mais espantada por baIXO dos chapeus

novos desajeitados.

No de repente, pra banda de baixo armou-se urn tendepa,

aquele guaili, que vinha vindo para ca. Assovios, gritos, empur-

roes, epa, arreda, ·gente! Evvem, e-vem , a poeira toma conta, asportas e janelas ficam entupidas de gente, alguns comerido

outros pitando, mulheres carregando criancas, ou:ras dando de

mamar'. Sera que e soldado prendendo gente? Ei, que f'alararn

que e Joao Brandao que ja sujou 0 carater e vern, mas vern co~

vontade de meter bala em todo 0 mundo! Fasta, negrada, que e

hoi brabo,

8eleta 105

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Que Jojio Branrla., que nada , que tudo isso e festa, ara!

Na porta do coronel 0 hloco ahriu-se em redemunho.

a cacunda ua velha rnarna ue

nem urn Iouva-deus. Ai, na porta do corone , e e argou a mulher

no cl~ao, a qual saiu se :urastando, surui-ucou na Ioja e garrou

a ped~r esmolas. ~m r.esl~eltO ao cororiel , a meninada dispersou-se,

mas ficou pelas imediaeoes querendo tacar pedra e cochichando

e !a~endo ·gatimonias. 0 £ilho de Diomede, esse que era do co-

mercio e menos respeitador , pegou a gritar:

- Otomove!

Era 0 apelido que haviam outorgado aos in£elizes.

- Otomove - resporidia 0 coro.

.Com pouco de prazo, a rnolecorebavf amontoou novamente

gntando, rindo e assoviando. Novamente 0 homeln trotava hal-

deando a velha na cacunda. Adiante, soltou-a na calcada e ela

se ~r.rastou, entrou noutra Ioja e se pos novamente a pedir um

auxIll~ pelo. arnor de D~us, que favorecesse uma pobre aleijada

que tmha airida a desdita de sustentar urn filho surdo-mudo

como aquele,

Ninguem nunca nao vir a essa gente? Isto e, apareceu ali na

rua uma conversa que 0 vigario teria dito que aquela velha era

a, mu~er eo, hoho,~ra 0 filho de urn tal de Supr iano , por ape-

hdo Pl~110, ~m sujerto papudo, muito delicado demais, que por

derradeiro foi carnarada do delegado e do Capitao Elpidio Cha-

veiro,

- ~h, hem que eu fa lei qu.e tava reconhecendo as fei\<oe5...

Conheci muito esse tal de Piano - disse 0 Neca 0 qual, des.

cendo do mocho furado posto do Iado de dentro' da janela da1 ' '69sa a, vero pratlcar· com 0par de mendigos,

Inquiriu, reinquiriu, mas era dificultoso demais entender

aquela gente. 0 bobo era bobo interrado,' de so roncar £eito porco.

A mulher ate que era boa de lingua, mas nao ,explicava nada.

Informava que sempre moron no rna to e que nao tinha ido nuncanuma cidade, no que muita gente desacreditava. Entao seria isso

possivel, uma pessoa ja derrubando os dentes e nunca ter visto

uma .rua , qual! Via-se que ela desqueria dar seguimento a qual-

quer defirrieiio ,

E Piano? Piano era seu marido?

106 i: e.

_ Nhor nao . - E a mulher fechou a car a hrabosa, mas-

cando cada palavra como quem come raiz de losna ,

E de toada pegon a dar arrancos no braco do hobo, 0 qual

se aprochegou e foi arcando para 0 chao, £eito um cavalo ensi-

nado e num "upa" el.a ja estava em riba da cacunda dele.

Nesse auto, 0 bobo tamhem esta muito brabo, hraceja, aponta

para 0oorneco da r ua , da siria is de pavor e esta querendo esca-

pulir. A mulher tarnbem profcre uns sons que 0bobo en ten de e

ela igualmente esta irada, retr eme e gesticula, ate que 0 bobo

desabala pela rua fora numa corr ida dura, sacudida, desconcha-

vada, com os calcanhares socando as lajes. A molecada grita,

assovia , joga pedras e tampa atras do casal.

- Que sera que eles vir arn ? - pergunta Neca .

E, Que sera mesmo? No corneco da rua nao tern nada de anor-

mal. 0 que vem Ia sao urn cabo e urn pra~a.

- Sera que e medo de soldado? Capaz - concIoi Neca.

NOTAS

1 Preceito: regra de bern proceder; - 2 Sapecando: tostando; crestando;

- 3 Enconvidou: temos aqui 0 prefixo en- que aparece aqui e ali em

derivacoes pouco correntes como "enfincou" (cf. nota 3 da pag. 20) e"empretejou"; _4 No pique de planta: prestes a, preparada para. Atente-se

ainda para a. riqueza dos dcverbais em Bernardo Elis: planta 'plantacao'!Mais adiantef emos 0 deverbal "ernpreito"; - 5 Guspiu: cuspiu, Temos

aqui urn exemplo, que nao e isolado, da passagem POl', sonorizacao,

do c- inicial a g- em alguns falares brasileiros. 0 Autor s6 usa, nestes

excertos, a forma com g-: "guspinhou", "guspe", "gusparada"; -6 A vexado: apressado. A forma primitiva e sem a- inicial: "vexado",

do latim vexatu- 'agitado com f'orca', 'sacudido'. No suI do pais nao

corre 0 verbo "vexar" ou "avexar" no sentido apontado nesta nota; --.:.

Acender vela em cabeceira de de/unto: cometer urn assassinate; matar

alguern ; - 8 Tenda: contend a, rixa, desinteligencia. Este vocabulo estasern duvida nenhumana formacao de "tendepa", seu sin6nimo, objeto

cianota 25 da pag. 54; Por 1SS0 nao aceitarnos a Iicao do rnestre Nascentes,

que ve em "teridepa" uma possivel palavra expressiva (cf. Dicionario Eli-

moi6gico Resumido, s .v.); - 9 Desdeixav a: nao deixava. 0 emprego do

prefixo negativo des- onde pref erimos 0 adverbio "nao" e grato a Bernardo

[:lis. Nelly Alves de Almeida (Estudos Sobre Quatro Regionalistas,

seleta 107

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pag. 98-100) dedica urn capitulo a este fato. Assim temos no Autor

"desde ixar", "desacisrnar", "despropositar ", "desimportar" "desajudar"

"desquerer", "desacreditar" (este de uso geral); _ 10 Destrangolado.~

estr angulado, apertado. Note-so a perrnuta de es- por des-, muito comum

na lmgua.popular. Cf. nota 12 da pag. 14; - 11 Niio sou quit anda; nao

sou de brmcadel;a .. Esta aCe~9a? de. "quitarida" crernos ser uma extensao

de S;ntIdo de quinquilharia', conjuntr, de coisas pequenas e de poucovalor (aplicado agora a pessoas) , que se encontra em Portugal per

~xeml?lo; !3ernardo Elis tambern corihece 0 vocabulo na desjgna~~o deblS~OIto, bolo'; 'frutas', 'legumes' etc.: "e assim mesmo tendo que pro-

d_uzlrdoces e ~ultandas que o~meninos vendiam pelas ruas" (p. 91). Note-se

~Inda que na lmgua popular e muito frequente a expressao feita pela rima'

'por seca e meca"; "sern eira nern beira"; "gato sapato"; "joao gouveia

chmelo com meia", et Talvez '''''t d" .c. aqui qUI an a apareca para rrrnarcom banda. Raramente se usa 0 simples "mao" oi "Ih. , p IS se e acrescentasel_ll mars aquela, a..expressao "de comer f'eijac"; Vou pega-Io Com esta

mao de comer f'eijao; - 1~ Papa: aumento do volume do pescoco

Pcrovocado por varras causas; b6cio; - 13 Bedamerda. Variacao debadameeo" 'hornern s . -' ,, . em importancra'. A palavra sofreu 0 inf'Iuxo dotermo. chulo que entra como segundo componente, pois ela mcsrna tarnbern

se aplica a pessoas e coisas de pouco valor e ocorre nas imprecacoes; _

14 , Menagem: horneriagern; atencoes especiais; - 15 Sene: erva purgante

usada na Medl~~na; ~ 10 Tafulhou:atafulhou, isto e, 'embrenhou-se"

no mato; -:: . M~!znando: fazendo barulho; reclarnando. 0 verbo

prend.e-s~ a malignar com" a passageI_TIno~mal do gn a n, pela quedado ~nmelro fonema, nos vocabulos semi-eruditos digriu _> dina (antigo)

malignu-. > malin0, (ant. e regional), signu-:> sino, benignu-. > benino (an~

tJgo): etc.; - l;S ~,coisa ~as,~ueiro: a construcao rigorosamente gramatical

pediria a f~exao ..vasqueira', a concordar com 0 substantivo "coisa",

Entretanto e, frequente essa cxcecao nao s6 em portugues mas tambern

em out~as lmguas, quando 0 substantivo passa a ter uma significacao

geral (e 0 caso de "coisa" do nosso exemplo) e assume urn valor" de

r;eutro, fazendo que 0 adjetivo apareca na 'forma de masculino (na rea-'"

lida ct.e outro neutr,o)" Assirn no portugues antigo era possivel lim aparentedesvio d<; concordancia em "algurn rem" ('alguma coisa') , ou noitalianoche cos altro (por altra) etc.; - 19 Assistia pouca gente pela redondera:

morava pouc.a gente pela .redondeza. Temos aqui 0 verbo "assistir" na

~esma, fr;qu~nte, o,cOr~e?;la no portugues moderno, como sentido de

morar, habitar ', ,re~ldlr. Entretanto esta acepcao continua viva em

~iguns fa.lares brasileiros; - 20 Pubar:do: apodrecendo, mofando;

lif'iCu~u. machado ou enxada velha, inservivel, Reoresenta urna sim-p 1 icacao de "cacumbu"; - 22 Uma [antasma: note-se 0 - ferni. d "f " . genero ern.t-

rumo e a.ntasma, fato muito cornurn na . lingua popular com os

nomes masculInos de, tema em-a: urna telefonema [por um telefon cmaj ;

- 23 Tronch.a: ar:u_nal que tern uma das orelhas caidas ou defeituosa ~

- ~4 DesobTl!fa_: visita que periodicamente faz 0 sacerdote a uma fre:guesia, para ~mlstrar 0 sacramento, Sobre "a m6 que" cf t?8 dpag 15' 2" S . - .' _ ' no a - a

., ancnstao: sacnstao. A nasalidade da primeira silaba,

108 t: e.

podc-se expli car por inf'luencia ciapalavr a "santo", de area sernantica af irn;_ ,"6 Rodoleir o: certo tipo de carrapato charnado "car rapato est rela",

"picac;o" ou "rodeleiro"; - 2, Em desde. Cf. nota 25 da pag. 15;

_ es Precat a: alpercata, que ja e LIma forma dissirn ulada de "alparcata",

vocabulo de origem ar abe . E dos t errnos que rnais apresentarn varin-~6es de forma: "alpar gata", "alpcrcata", "ap!-agata", "pr acata", "pragua".

"percata", "precata", "para gata", etc.; - : : : w Caga-j ogo: vaga-lurne, pir i-

lampo: - 30 Binga: isqueiro ou accndedor tosco, usado no interior do

Brasil; - 31 Reimundo: Raimunclo. NJo e isolacloeste exernp!o cl:l. pas-sagern do ditongo ai a ei: "reiva " (por "raiva"}, "treicao" (por "trai9ao");

32 Solv ou: saudou; - J:; Obrig acdo : familia; - M Macacoas;

achaques; doencas pouco importantes; - ;,;; Habau enxada': adeus enxada!

acabou-se! f'oi-se! "Babau" e uma interjeicao, de origem expr essiva, para

denotar que nao se pede contar com a coisa mencionada (aqui a enxada):_ 36 Graca: nome, Prende-se ao costume cristae, hoje poueo frcquent e ,

de se dar a crianca 0 nome do santo do dia em que nasceu para que

este Ihe renda gracas. Dai a expressao "qual e a sua graca?";

:07 Representou: pareceu; - 38 T'orando; partindo; inclo embora; -39 Papc-ceia: Venus, pela tarde e a estrela da tarde; matutina, e a

estrela da manha. Assim se chama por coincidir com a antiga hor a

cia ceia. Outr o nome que se the da e "boieira", por que, ao aparecer,

marca a hora em que 0 gado deve ser recolhido ao cLlrral.E oportuno

observar que s6 recentemente se Iixar arn novas horas para as refe icoes

em vista. das exigencias do mundo moderno. A denorninacao "papaceia"

revela-nos urn traco desse horatio antigo, a respeito do qual nos ensina

o mestre Camara Cascudo: "Ate a prirneir a decada do seculo XX, no

interior de todos os Estados clo Brasil, mantinha-se 0 horarioclassieo

de ref'eicoes, fiel a mais remota antiguidade. Alrnocava-se pela manha,

nove horas no maximo, jantava-se ao meio-dia e ceava-se ao escurecer,

ao cair da noite, logo depois que 0 sino da matriz ou da capela batia

as "trindades" ou 0 "angelus" e aparecia no ceu a papa-ceia, Venus

vespertina, rel6gio sideral da ultima ref'eicao. Ravia em muitas familias

a "merenda", entre as duas refeicoes, jantar 'e ceia" (Di cionarib doFolclore Brasileiro, II, 1962, p. 653); - 40 Gabirobeira: quabirobeira

(certo tipo de planta). E frequente Q desaparecirnento da sernivoga!

da silaba gua - > ga; - 41 Saroba: capoeira (mato que foi cortado edestruido) rasa. Os dicionarios trazern "saroba", oxitono e masculino;

entretanto 0 Autor s6 ernprega como aqui, paroxitono e f'eminino; -

42 No sufrag ante: rapidamente; imediatarnente; "em" (ou "no") flagrante;

- 43 Cansanciio-de-leite: certo tipo de urtiga; - 44 Polidoro: solclaclo de

policia estadual; - 45 Cachorros de ferro - garfo que sustenta asrosetas das esporas. Note-se as cornparacoes dessas pecas corn anirnais:"gatilho" (diminutivo de "gato"), ciio etc.; - 46 Tramelaram: fecharam

com tramela; 47 Se despro posiiou: f'alou arrebatadamente;

48 Reje: rifle; 49 Descoivarou: limpou 0 terreno onde houvera

uma coivara motivado por uma queimada; - 50 Morgueia: verga; dobra.

Os dicionarios registram "morgar" e "molgar", variantes de "amolgar";

Bernardo Elis, entreranto, usa "rnorguear "; - 51 Pegou de balangar:

seleta 109

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comeeou a balancar; - 52 Graxa: banha de porco; - 53 De soco:de repente; subitarnente; rapidamente , A expressao nao aparece dicio-

narizada, mas pertence ao grupo de locucoes forrnadas com substantive

designative de 'golpe', 'pancada' precedido da prep. de para denotarern

a rapidez com que se realiza uma acao . Trata-se de utna metafora ba-

seada .no movimentovbrusco com que em geral se golpeia. Estao neste

"de SQCO","de pancada", "de golpe", "de tacada" ('de uma so vez'); -

54 Baixeiro: manta qde se poe por baixoda sela; - 55 Mais so: que

hem; como; igual a. "Expressao popular para enfaticamente assinalar

a comparacao. "Peba" aqui e reducao de "tatu-peba", variedade de

tatu. "Peba" e urn vocabulo tupi que traduz a ideia de 'ehato' ou

'alongado". 0 tatu-peba e 0 que mais ronca: - 56 Cacunda: coreunda.

"Corcunda" admite uma variante popular "carcunda" que, pela queda

do -r da silaba inicial passa a "cacunda"; - 57 Jaculatoria: oracao

'curta e fervorosa rezada nas novenas e outras devocoes; - ss Des-proposito: outra expressao intensiva. "Escura desproposito" vale por

"muitissimo escura"; - 59 Otusa: obtusa; confusa. Note-se a assimi-lacao freqiiente de bt > It dos encontros consonanticos latinos e rorna-

nieos no portugues . Tals formas erarn correntes no portugues antigo

e foram transplantadas para 0 Brasil na epoca da colonizacao: -

60 Chuvisqueiro de paleio: chuvisqueiro fino; de aparente sem impor-

tancia, "Paleio" e desses vocabulos de rica extensao semantica em

portugues e por isso nao ereio que essas acepcoes viessem de espanhol

platino de onde os dicionarios etimologicos tiram 0 nosso vocabulo:

- 61 Pespingando: 6 0 pingar ou gotejar de folha em folha, depedra

em pedra , Formacao talvez semelhante a "pespegar", "pespontar". Aqui

a reduplicacao isilabica talvez sirva para expressar melhor a acao con-

tinuada ou iterativa; - 62 Pongo: bobo, idiota, sandeu, Caracteriza-se

pelo seu andar desengoncado; - 63 Mei-dia: meio-dia, por Ionetica sin-

tatica: - 64 Gomitando: vomitando. "Gomitar" econservacao da forma

antiga portuguesa, resultante da passagern do v- > g-, acredita-se par

inf'luencia germanica no latim, de que sao exemplos vastare > ' " gastarou viticula > guedelha. Em Golas, em vez de "vapor" usa-se "guapor";

- 65 Vote! (0): de origem tupi, usamos como interjeicao de espanto

ourevolta "tibi!", "vote!" au "tibi-vote!" e "vote-tibi!". Ernprega-se ainda

"votes!" au "voute!"(s). De vez em quando a analise morf'ica do es-critor a leva a eserever "'.'Qu-te";, - 66 Polacos e cincerros: cincerro

e a campainha de forma conica, que se prende ao pescoco do animal

que serve de guia; "polaco", que os dicionarios nao registram, e outro

tipo de campainha com f'ormato de pirarnide. E mais barato e popular

que 0 cincerro, pela sua fabricacao mais rudimentar; 67 Badroca: ne-

gocio escuso. 0 termo nao se acha nos nossos prineipais dicionarios;

68 Molecoreba: moleeada; - 69 Praticar: eonversar; dizer praticas ,

110 b. e.