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1MALIRRE ABADI GHADIM
A CRISE DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO
UNIVERSIDADE CATOLICA DOM BOSCO
Campo Grande MS2015
2
MALIRRE ABADI GHADIM
A CRISE DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO
Monografia apresentada á UCDB – Universidade Católica Dom Bosco, Curso de Direito, sob a orientação temática do Prof. Renato Ferreira Rocha e orientação metodológica da Prof.ª Arlinda Cantero Dorsa, para efeito de avaliação da disciplina de Monografia Jurídica.
CAMPO GRANDE MS2015
3
Este documento corresponde à versão final da monografia intitulada
‘O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO’, defendida por
MALIRRE ABADI GHADIM perante a Banca Examinadora
do curso de Direito da Universidade Católica Dom Bosco, tendo sido
considerado ________________________________________________.
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________
Prof. Me. Renato Rocha Ferreira
Orientador
______________________________________________
Profº:
______________________________________________
Profº:
4
‘Reprovemos os erros, mas respeitemos as pessoas’’. (Dom Bosco 18151888)
5
À Deus, pela
oportunidade de
evolução através do
estudo, e por me
dar, todos os dias,
forças para
perseguir meu
sonho;
À minha mãe, meu
porto seguro, que
acredita em mim
mais do que eu
mesma, e por todo
o seu amor
incondicional e
eterno;
6
AGRADECIMENTOS
Á Deus, pelo dom da vida e pela força concedida para lutar por meu sonho.
Ao meu orientador Prof. Renato Ferreira Rocha, por sua presteza e dedicação na orientação deste trabalho;
À minha família, especialmente minha mãe, minha maior incentivadora, patrocinadora e melhor amiga;
Aos meus colegas de faculdade e de estágio, por dividirem comigo suas brilhantes idéias e por estarem ao meu lado durante a jornada acadêmica.
7
GHADIM, Malirre Abadi. A crise do sistema prisional brasileiro.126fl. 2015. Monografia (Curso de Direito Bacharelado) – Universidade Católica Dom Bosco, Campo Grande, MS.
RESUMO
Este trabalho se presta ao estudo da crise do sistema prisional, analisando os diversos fatores que contribuem para sua exasperação, com enfoque na análise do aparato prisional brasileiro, promovendo reflexão sobre a crise enfrentada pela sistema carcerário nacional, especialmente no que tange aos fenômenos da superlotação carcerária e à supressão dos direitos fundamentais dos internos do sistema, ambos causados pela deficiência da Justiça Criminal em conciliar a execução de penas com a garantia dos direitos humanos, bem como sua dificuldade para ressocializálos. A dissertação sobre o tema, partirá da análise histórica de constituição do sistema punitivo e das prisões, passará à análise de dados e dinâmica dos sistemas prisionais ao redor do mundo comparando o direito penitenciário, e chegará a reflexão sobre o sistema prisional do Brasil, onde serão estudados separadamente os elementos que constituem a crise do sistema, e o quê transportaa para um nível de caos institucionalizado, e em promoverseão as considerações sobre o sistema prisional do estado de Mato Grosso do Sul, evidenciando seu funcionamento, os focos de avaria de seu funcionamento, bem como as dificuldades enfrentadas pela Justiça Criminal em promover a manutenção não só de um sistema prisional com condições físicas adequadas, mas em proporcionar e garantir aos sujeitos diretos e indiretos do sistema, os direitos fundamentais constitucionalmente previstos, em especial, os direitos humanos. Em verdade, o presente trabalho tem como foco evidenciar a importância de se construir um sistema penal com base na proteção dos direitos humanos, criando mecanismos alternativos a privação da liberdade, como penas alternativas, ressaltando a importância de mudar a lógica encarceradora e vingativa da sociedade, para um discurso de tolerância e compreensão da condição humana do delinquente, dandolhe a oportunidade de se defender dignamente, buscando a aproximação com a real justiça e a pacificação social.
Palavraschave: Dignidade humana; Sistema punitivo (des)humanizado; Sistema prisional; Crise penitenciária; Justiça criminal restaurativa;
8
INTRODUÇÃO
A atual crise de segurança e violência que enfrenta a
sociedade faz surgir, cada vez mais, o anseio de ver processados e
punidos aqueles que cometem crimes. Porém, esta punição só gera
contentamento se realizada através de uma pena privativa de liberdade, o
que se acredita, na maioria das vezes, ser capaz de combater o mal
causado com a prática do crime e evitar a reincidência.
Contudo, o que foge do conhecimento da massa, é que o
processo criminal não termina com a condenação do réu, mas se
desdobra em uma nova fase, a execução penal, novo procedimento, que
não acontece ás vistas da sociedade, é discreto e só diz respeito ás
partes interessadas, cujo cumprimento é que realmente concretiza a
justiça buscada na fase investigatória.
Nesta trilha, uma vez iniciada a execução da pena aplicada ao
réu, sendo esta privativa de liberdade, é importante aplicar rigorosamente
os dispositivos legais atinentes á execução penal, fundados em conceitos
e princípios criminológicos, a fim de se garantir a correção do condenado,
objetivando sua regeneração, ou melhor, ressocialização.
Ocorre que este é justamente um dos maiores entraves da
justiça criminal, não só do Brasil, mas de muitos países ao redor do
mundo.
Constatase uma realidade assustadora, uma face do sistema
criminal até então rejeitada, o fato de o Brasil acomodar a quarta maior
população carcerária do planeta, perdendo somente para países mais
populosos, como a Rússia (3º), os EUA (2º) e China (1º), países estes
que inclusive instituíram a pena de morte, na tentativa, frustrada, de
conter a violência e reduzir o numero de criminosos.
De acordo com pesquisa realizada pela Comissão Permanente
de Direitos Humanos da OAB – Conselho Federal aponta que no Brasil há
mais de 560 mil pessoas atrás das grades. No estado de Mato Grosso do
9Sul, estimase uma população carcerária de 12.431 presos, conforme
relatório da Comissão Provisória de Direito Carcerário da OAB/MS.
Igualmente, estudos apontam que quase metade dos detentos
do Brasil ainda aguarda julgamento, sem nenhuma expectativa de ter
acesso ao direito/princípio da presunção da inocência, tendo privada
precocemente sua liberdade, sem nem ter passado pelo devido processo
legal.
Estes dados revelam uma realidade muito mais cruel do que
imaginada pela maioria da sociedade, vivida e enfrentada sem o mínimo
de dignidade pelos apenados, que sofrem um efeito colateral muito mais
nefasto, o processo de bestialização do individuo que cumpre a pena.
Existe um abismo entre o que determina a Lei de Execução
Penal e a realidade, aparentemente impossível de ser ultrapassado, ainda
mais com a atual configuração do sistema carcerário, o que revela a
dificuldade da Justiça criminal em conciliar a execução das penas com a
garantia dos direitos humanos.
Surge então o interesse em buscar o motivo pelo qual o
sistema prisional falhou tanto na busca da ressocialização e combate ao
crime.
O presente trabalho visa expor a crise e as condições
medievais em que se encontra o sistema carcerário brasileiro,
especialmente do estado de Mato Grosso do Sul, em que os abusos na
execução das penas é regra nacional, com base nas suas origens,
história e direito comparado, com foco na integração do binômio direito
penaldireitos humanos.
Para tanto, esta obra conta com três capítulos, que abordam os
aspectos mais relevantes do tema, sendo que o primeiro apresentar a
origem histórica do sistema prisional, demonstrando sua evolução e
refinamento de práticas de acordo com a evolução do conceito de pena e
da justiça criminal.
O segundo capítulo se presta a analisar o sistema prisional
com base no direito comparado, demonstrando as dificuldades
enfrentadas pelos países da América Latina que também estão em
profunda crise, além de apontar soluções encontradas em países mais
10desenvolvidos, que conseguiram reduzir á zero o número de presos em
prisões, graças á políticas de penas alternativas para crimes não
violentos.
Em seguida, o terceiro capítulo se volta ao estudo do sistema
penitenciário no Brasil, com foco no estado de Mato Grosso do Sul,
buscando identificar suas maiores dificuldades e também apontar os raros
casos de sucesso na execução das penas através de presídios íntegros
que produzem resultados positivos no caminho da ressocialização de
seus detentos.
11
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..............................................................................................................08
1 ORIGEM HISTÓRICA DOS SISTEMAS PRISIONAIS..............................................12
1.1 O PODER PUNITIVO..............................................................................................12
1.2 MECANISMOS DO PODER PUNITIVO..................................................................13
1.3. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO SISTEMA PRISIONAL............................................14
1.3.1. Idade Antiga................................................................................................14
1.3.2. Idade Média.................................................................................................15
1.3.3. Idade Moderna............................................................................................19
1.3.4 Breve histórico das prisões no Brasil.......................................................22
1.4. A REFORMA DO SISTEMA PRISIONAL..............................................................34 1.4.1. A Reforma de Cesare Beccaria.................................................................35 1.4.2 John Howard e o Penitenciarismo............................................................36 1.4.3 Jeremy Bentham e o Desenho do Panótico.............................................382 OS SISTEMAS PRISIONAIS NO DIREITO COMPARADO......................................462.1 SISTEMAS PROSIONAIS AO REDOR DO MUNDO..............................................46
2.1.1 Europa.............................................................................................................502.1.2 América do Norte: EUA e Canadá................................................................592.1.3 A América Latina...........................................................................................652.1.4 Ásia, África e Oceania...................................................................................71
3 A CRISE DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO................................................ .753.1 SISTEMA PENITENCIÁRIO EM NÚMEROS.....................................................79
4 O SISTEMA PRISIONAL DE MATO GROSSO DO SUL..........................................944.1 DADOS DO SISTEMA PENITENCIÁRIO DO ESTADO.....................................94
4.2 A CRISE DO SISTEMA PENITENCIÁRIO NOS ESTABELECIMENTOS DE
MATO GROSSO DO SUL.............................................................................................98
4.2.1 Presídios femininos.......................................................................................984.2.2 Presídios masculinos..................................................................................1024.2.3 A penitenciária federal de segurança máxima de MS..............................1054.3 CONSIDERAÇÕES SOBRE A CRISE PENITENCIÁRIA EM MATO GROSSO
DO SUL ......................................................................................................................108
CONCLUSÃO.........................................................................................................114REFERENCIAS......................................................................................................119
121. ORIGEM HISTÓRICA DOS SISTEMAS PRISIONAIS
Em razão do objeto da presente obra ser o estudo do sistema
prisional, antes aprofundar a discussão sobre sua crise, é imprescindível
analisar seu processo de construção ao longo da história, juntamente com
a própria evolução da sociedade e da Justiça criminal.
1.1 O poder punitivo
Por meio da teoria do Contrato Social1, os cidadãos concedem
ao Estado, o poder de regulamentar a sociedade, protegendoa contra a
maldade nata do ser humano, que poderia por em risco a segurança e
ordem sociais a tal ponto, que seria capaz de promover a reversão do
processo civilizatório.
O Estado assim, revestido da legitimidade que fora concedida
por seus próprios criadores, desenvolve mecanismos para auxiliálo na
árdua tarefa de manter sob rígidas rédeas a organização social e a
civilização, por meio de regramentos, ou melhor, leis, as quais uma vez
violadas desencadeiam um dos principais e mais eficazes dos poderes
deste Estado, o poder punitivo.
É o exercício do poder punitivo que permite ao Estado, por meio
das penas, controlar e retribuir as agressões ao ordenamento jurídico e
claro, ao corpo social. É através dele que se permite a criação das penas,
os castigos institucionalizados, a serem aplicadas aos ‘homensmaus’
que, por motivos vários, desviaramse da conduta geral definida na lei.
1 ROUSSEAU, J. J. O Contrato Social,. Saraiva. 2011.
131.2 Mecanismos do poder punitivo
Para que o Estado consiga exercer este poderdever, são
criados instrumentos capazes de assegurar a aplicação das punições
devidas aos transgressores do sistema social.
Relevante contribuição para o estudo das origens do sistema
punitivo, foi a obra de Michel Foucault, que na década de 1920, escreveu
o livro ‘Vigiar e Punir’2, no qual traz a definição do sistema punitivo como
sendo ‘instrumentos destinados à punição do delinquente através do
castigo corporal, a fim de reprimir os erros e impedir o cometimento de
novos atos que possam oferecer risco á paz social e afrontar a autoridade
estatal’3.
Assim, verificase que o sistema punitivo, baseado na teoria
clássica do contrato social, se concretiza quando o Estado cria meios de
garantir a execução da punição imposta ao criminoso, que conjuga a
privação da liberdade com castigos sobre o corpo do apenado.
Porém, o grande passo evolutivo deste poderdever, reside na
finalidade a que se propunham tais castigos, sendo que o nos primórdios
deste mecanismo punitivo, no período da Idade Média, por exemplo, a
reclusão dos condenados em locais específicos, não consistia na punição
em si, mas no meio que se utilizava para aplicala.
O entendimento de que a reclusão dos acusados ou
condenados constituise por si só, em castigo capaz de retribuir o mal
cometido, surgiu séculos depois, na Idade Moderna, após a evolução do
pensamento políticosocial, motivado por movimentos como o Iluminismo.
2 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão (Surveiller et punir)– 20ª ed. – Petrópolis: Vozes, 1999.
3 Idem, p.545
141.3. Evolução histórica do sistema prisional
1.3.1. Idade Antiga
O conceito de pena na Idade Antiga guarda relação direta com
o conceito de sistema prisional, já que nesta época, a prisão não era
considerada como sanção penal, servindo apenas para objetivos de
contenção e guarda de réus, para preserválos fisicamente até o
momento de serem julgados ou executados4.
Neste sentido, verificase que até fins do século XVIII, a prisão
era um meio usado para manter o réu sob a custódia da autoridade até
que se lhe aplicasse o castigo, bem definido por Foucault como ‘suplício’,
uma ‘espécie de antessala do suplício’5.
Assim, as antigas civilizações como a Grécia e Roma,
mantinham em seu ordenamento penas corporais e capitais, de modo que
as prisões eram destinadas a impedir que o ‘culpado pudesse subtrairse
do castigo. ’6
Cumpre ressaltar que, em termos de estruturação do
mecanismo punitivo, em sede de execução penal, na Idade Antiga já era
comum o hábito de as autoridades criminais reservarem os piores
estabelecimentos para acondicionar os condenados que aguardavam a
aplicação de suas penas.
Nesta mesma narrativa, destaca Bittencourt sobre as
condições em que eram postos os condenados, que já naquele tempo,
sofriam duas punições, uma na espera pela execução e outra, com a
própria aplicação do castigo:
4 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 2001, p. 075 Idem,p. 046 Idem, p. 08
15[...] Os lugares onde se mantinham os acusados até a celebração do julgamento eram bem diversos, já que naquela época não existia uma arquitetura penitenciária própria. Os piores lugares eram empregados como prisões: utilizavamse horrendos calabouços, aposentos frequentemente em ruínas ou insalubres de castelos, torres, conventos abandonados, palácios e outros edifícios. [...] 7
Ocorre que, mesmo com o fim da Idade Antiga, após invasão
dos bárbaros na Europa, o costume do Estado em manter seus
condenados em locais aviltantes foi importado para a organização do
poder punitivo medieval, que inclusive potencializou tais más condições,
ganhando o posto da Idade das Trevas, também pelos horrores
praticados em nome do exercício do poder de punir.
1.3.2. Idade Média
A temática da aplicação da pena através da criação e
funcionamento do sistema penitenciário na Idade Média reúne todas as
seqüelas ruins do método de prisãocustódia, implementados pelo
sistema de prisãocustódia da Idade Antiga.
Assim, mais uma vez, para compreender a sistemática do
sistema prisional neste período histórico, devese recorrer ao significado
da pena, definir o conceito de prisãocustódia, já que as sociedades
medievais não haviam ainda concebido a idéia de pena privativa de
liberdade como sanção penal em si.
Nesta trilha, podese afirmar que as penas inseridas no
ordenamento jurídico medieval se constituíam em ‘terríveis tormentos’’8,
os quais serviam de entretenimento à população, que alimentava o
sadismo das sanções, dando papel secundário á medida da segregação
física do condenado através da privação de liberdade, o que originou a
legitimação da pena de suplício.
7 BITTENCOURT, Op. cit, p. 078 Idem, p. 09
16Corroborando com este entendimento, Foucault explora a
importância que tiveram os suplícios, para o desenvolvimento do sistema
penal e carcerário, conceituandoo em sua obra da seguinte forma:
[...] uma pena, para ser considerada um suplício, deve obedecer a três critérios principais: em primeiro lugar, produzir uma certa quantidade de sofrimento que se possa, se não medir exatamente, ao menos, apreciar, comparar e hierarquizar; [...] o suplício faz parte de um ritual. É um elemento na liturgia punitiva, e que obedece a duas exigências, em relação à vítima, ele deve ser marcante: destinase a [...] tornar infame aquele que é a vítima. [...] e pelo lado da justiça que o impõe, o suplício deve ser ostentoso, deve ser constatado por todos, um pouco como seu triunfo. [...]9
Desta maneira o filósofo traz o entendimento do que
representava para o próprio Estado, no exercício de seu poder punitivo, a
aplicação das penas de suplício, como se estas servissem de dispositivos
de manutenção do poder oriundo do contrato social.
Para ele, a administração dos suplícios sobre os corpos dos
condenados, servia de amostra da ‘’[...]força soberana que dá origem ao
direito de punir, diante da qual, todas as vozes devemse calar. ’’10
Portanto, dentro da lógica de um sistema embasado na crença
de que a repressão dos atos delituosos se dá pela opressão física do
condenado, administrandolhe castigos graduados conforme a gravidade
de suas condutas, os estabelecimentos prisionais eram apenas parte de
todo o espetáculo promovido pela justiça, que comumente estava
‘‘submetida ao arbítrio dos governantes’’11.
Igualmente, pelo fato de a política da Idade Medieval ter sido
fortemente influenciada pela religião, criando um sistema judicial em que
a lei e o místico se fundiam, não raro era possível identificar uma divisão
dentro deste sistema, levando á existência de espécies de prisões.
9 FOUCAULT, idem, p. 3710 Idem, p. 5511 BITTENCOURT, op cit, p. 09
17Conforme aponta Bittencourt, ‘‘nessa época surgem a prisão
de Estado e a prisão eclesiástica’’12, sendo esta última destinada á
punição de membros da Igreja, que por influencia do direito canônico,
apresentavam estrutura e funcionamento diferente da primeira, sendo
inclusive mais branda.
Foi tão forte o direito canônico para a constituição do sistema
punitivoprisional deste período, que é possível identificálo facilmente na
filosofia de organização do judiciário medieval, como bem demonstra
Bittencourt:
[...] Santo Agostinho, em sua obra mais importante, A Cidade de Deus, afirmava que o castigo não deve orientarse à destruição do culpado, mas ao seu melhoramento. Essas noções de arrependimento, meditação, aceitação íntima da própria culpa, são idéias que se encontram intimamente vinculadas ao direito canônico ou a conceitos que provieram do Antigo e do Novo Testamento. [...]13
Ocorre que, por força da influência exercida pela Igreja e o
Direito Canônico, muitos dos juízes medievais, passaram a selecionar e
separar os delitos que receberiam a aplicação dos suplícios dos que
poderiam ser cumpridos mediante paga, como ocorria com a venda das
indulgências. 14
Contudo a adoção deste sistema, ainda excluía grande parte
dos condenados, os quais miseráveis e doentes, não reuniam condições
de livrarse da custódia prisional para poderem cumprir as penas
recebidas.
Desta maneira, o sistema medieval, já nos últimos anos, na
tentativa de conciliar os métodos de punição comuns com o sistema
eclesiástico, somente acelerou a processo de exclusão daqueles que se
viam condenados e não possuíam bens pagar as multas e livrarse do
encarceramento, que aos poucos se revestiu de caráter seletivo, o que
agrava mais ainda o sofrimento dos condenados.
12 BITTENCOURT, idem.13 Idem p. 1314 Idem, p. 1011.
18Os princípios de pena medicinal, nas quais a reclusão tinha
como objetivo induzir ao arrependimento pelas faltas e emendar através
da compreensão da gravidade das culpas15, apesar de ainda restrito ás
condições préfixadas pelo Estado, com base em interesses financeiros,
foram timidamente dando espaço á idéia de reforma do sistema punitivo
prisional.
E ainda, diante da gradativa redução da sensibilidade do
público aos suplícios, causada pelas guerras religiosas, a grande fome e
a peste, o foco do sistema punitivo desviarase da repressão aos
bárbaros escárnios, para a contenção de delitos mais discretos, em
grande maioria, voltados ao patrimônio, devido ao crescimento da
mendicância e das desigualdades sociais.16
Entretanto, seria ingênuo afirmar que esta mudança no sistema
punitivo e no aparato prisional se deu forma autônoma e desembaraçada
no período de transição entre a Idade Média e Moderna.
De acordo com os arquivos judiciários, ‘[...] o duplo movimento
pelo qual, [...] os crimes parecem perder violência, enquanto as punições,
reciprocamente, reduzem em parte sua intensidade se deu ás custas de
múltiplas intervenções’’, as quais foram enfrentadas somente a partir de
ideais reformadores do próprio sistema punitivo.17
É por causa deste lento processo de transformação, que todo o
sistema era contagiado, do início ao fim, pelo abuso da punição, traço
marcante deste período.
O sistema prisional já nascia fadado á caminhar por rumos
tortuosos, pois as penas a que fora destinado a executar, foram impostas
aos seus sujeitos por um processo confuso e obscuro. A exemplo disto,
assevera Foucault, na seguinte passagem:
15 BITTENCOURT, Cesar Roberto, idem, p. 1316 FOUCAULT, Michel, op cit, p. 9817 Idem, p. 96;
19Na França, como na maior parte dos países europeus [...] todo o processo criminal, até a sentença, permanecia secreto: ou seja opaco não só para o público mas para o próprio acusado. O processo se desenrolava sem ele, ou pelo menos sem que ele pudesse conhecer a imputação, os depoimentos, as provas.[...] A forma secreta e escrita do processo confere com o princípio de que em matéria criminal o estabelecimento da verdade era para o soberano e seus juízes um direito absoluto e um poder exclusivo.18
Ora, resta evidente a complexidade e profundidade da crise
enfrentada pelo sistema prisional, o qual tinha como tarefa cumprir a
execução de penas desmedidas extraídas de um processo arbitrário,
inquisitivo, o que logicamente não poderia dar certo, não havendo outro
fim senão o colapso enfrentado.
Nessa perspectiva, para adentrarmos no estudo do sistema
prisional na Idade Moderna, devemos nos atentar ao importante serviço
prestado pelos reformadores criminais que deram o pontapé inicial para a
transição da prisãocustódia para prisãopena.
Esta análise será feita na seção a seguir.
1.3.3. Idade Moderna
O início dos séculos XVI e XVII foi marcado pela pobreza
generalizada, em especial na Europa, o que forçou o Estado a abandonar
certas medidas, e adotar outras, mais eficazes para manter o controle
social.
Deste modo, principalmente por razões de política criminal, os
suplícios, ou melhor, as penas corporais e a de morte perderam eficácia e
se tornaram inviáveis, já que ‘’no ano de 1556 os pobres formavam quase
a quarta parte da população’’19, e a delinqüência crescera
vertiginosamente, a ponto de impedir a aplicação das punições a este
grande número de pessoas.
18 FOUCAULT, Michel, op cit, p.38.19 BITTENCOURT, Cesar Roberto, op cit, p. 15
20Estabeleceuse então uma sensação de instabilidade
generalizada, principalmente por parte do Estado, que viu seu poder
ameaçado pela multiplicação da pobreza e delinqüência.
Neste sentido, confirma Bittencourt ao relatar o seguinte:
[...]. Eram muitos para serem todos enforcados, e sua miséria, como todos sabiam, era maior que a sua má vontade. [...] contudo, como em algum lugar tinham de estar, iam de uma cidade a outra. [...] Na Europa, cindida de em numerosos Estados minúsculos e cidades independentes, ameaçavam, só com uma massa crescente, dominar o poder do Estado. [...]20
Foi a partir deste quadro que ‘’iniciouse um movimento de
grande transcendência do desenvolvimento das penas privativas de
liberdade, na criação e construção de prisões organizadas para a
correção dos apenados. ’’ 21
Frisese a idéia de correção embutida nesta nova abordagem
da política criminal desenvolvida neste período, que assume caráter
reformador a partir do reconhecimento pelo Estado das causas do crime.
Sob esta ótica, verificase o desenvolvimento das primeiras
linhas do estudo da criminologia, quando são considerados, para métodos
de aplicação das penas dentro de um sistema punitivo, os fatores
contributivos da conduta do criminoso.
Segundo Foucault, as condições em que se encontrava a
massa marginalizada e delinqüente, maior parte, foram determinantes
para esta transição do sistema prisional. Assim dispõe:
[...] os criminosos do século XVII são homens prostrados, mal alimentados, levados pelos impulsos e pela cólera, criminosos deVerão; os do XVIII, velhacos, espertos, matreiros que calculam, criminalidade de marginais, modificase enfim a organização interna da delinqüência: os grandes bandos de malfeitores (assaltantes formados em
20 BITTENCOURT, Cesar Roberto, op cit, p. 1521 Idem.
21pequenas unidades armadas, tropas de contrabandistas que faziam fogo contra os agentes do Fisco, soldados licenciados ou desertores que vagabundeiam juntos) tendem a se dissociar; mais bem caçados, sem dúvida, obrigados a se fazer menores para passar despercebidos — não mais que um punhado de homens, muitas vezes — contentamse com operações mais furtivas, com menor demonstração de forças e menores riscos de massacres [...]22
Faziase urgente a criação de um sistema prisional que
comportasse o contingente de criminosos, de modo a buscar outro meio
de sanção que não fossem as penas capitais, caso contrário, o Estado
promoveria um extermínio de sua população sob a justificativa de
exercício do poder punitivo.
Uma alternativa encontrada foi a instituição de locais destinados
ao recolhimento e custódia destas pessoas, que serviam inclusive de
abrigo para miseráveis, semtetos, os quais, todos, eram submetidos á
métodos disciplinadores pertinentes à realidade enfrentada pela
sociedade da época.
Estes estabelecimentos espalharamse rapidamente pela
Europa, muitos deles conduzidos com pulso firme pelo clero, que
recebeu a concessão do poder punitivo do Estado, já que este sozinho
não atingia a contenção suficiente da delinqüência capaz de manter a
ordem social.
Em geral, estas ‘novas prisões’, mantinham a ‘’ convicção [...]
de que o trabalho e a férrea disciplina são um meio indiscutível para
reforma do recluso’’, demonstrando a clara disposição de mudança da
lógica punitiva tida até então, que falhara diante das adversidades sociais.
Na Inglaterra, por exemplo, em Londres, surgiram prisões
denominadas workhouses ou houses of correction, que estabeleciam uma
rotina de trabalho disciplinado, voltado para retirada de mendigos e
andarilhos das ruas e emenda de ladrões, através do trabalho e
produção.23
22 FOUCAULT, Michel, op. cit, p. 96
22
Logo em seguida, em Amsterdã, os países baixos
aperfeiçoaram este sistema de reclusão, dividindo em unidades
masculinas, femininas e posteriormente para jovens, em que se
realizavam atividades compatíveis com as condições dos condenados,
reservando os castigos físicos como punição somente àqueles que
cometiam delitos mais graves.24
Concluise, portanto, que este contexto de mudanças na
legislação penal européia desencadeou a inquietação de operadores do
direito, filósofos, pensadores, cujas idéias eram norteadas por um sendo
humanitário e racional exaltados por movimentos sociais como a
Revolução Francesa a o Iluminismo.
1.3.4. Breve histórico das Prisões no Brasil
Os registros históricos sobre a justiça criminal brasileira, em
especial do seu sistema penitenciário são escassos, principalmente em
relação ao período compreendido entre o descobrimento (1500) e
chegada da Família Real (1808). Contudo não é difícil obter um panorama
do ‘que’ se tratava o mecanismo punitivo do Brasil dos séculos XV a XVIII.
Amaral, em seu artigo desenvolvido em parceria com o Grupo
de Estudos Carcerários Aplicados da USP – Universidade de São Paulo,
faz sucinta análise deste período:
[...] No período que vai do descobrimento à chegada da família real ao Brasil (1808), só se pode falar em um sistema penal de organização incipiente, e assim mesmo restrito aos últimos 60 anos desse período. Menos ainda se pode falar em um sistema carcerário. Como em boa parte do Mundo nesse período, aqui a prisão também era usada como um local infecto e lúgubre onde se aguardava pelo julgamento, ou onde os acusados eram esquecidos até que morressem. O aprisionamento não era pena autônoma, mas medida de contenção do imputado até que este recebesse uma pena, que quase sempre era a capital ou infamante. [...]25
23 BITTENCOURT, Cesar Roberto, op cit, p. 17;24 Idem.25 AMARAL, C. A evolução histórica e perspectivas sobre o encarcerado no Brasil como sujeito de direitos.2013, p. 02. http://www.gecap.direitorp.usp.br/index.php/20130204135003/201302041348
23
Como se sabe, durante a época de colonização do Brasil, o
país era regido pelas leis de Portugal, que durante os anos de 1446 e
1603 editou três ‘Ordenações’, sendo a primeira as ‘Ordenações
Afonsinas’, depois as ‘Manoelinas’ e por último as ‘Filipinas’, já que estas
vigeram até 1824, ano em que foi editada a primeira Constituição do
Brasil.
Em que pese a coroa portuguesa ter editado três Ordenações
ao deste período, não houve grande inovação quanto ao seu conteúdo, já
que as penas bem como o sistema processual mantinhamse arraigados
em princípios medievais, sendo que, além disso, deixavase a encargo
dos Governadores das Capitanias Hereditárias a livre aplicação da lei
penal, o que tornava ainda mais abusivo o sistema no Brasil Colônia.
Neste sentido, é interessante transcrever as palavras de
Amaral, as quais explicam um pouco da lógica da legislação que deu
origem a todo o sistema criminal brasileiro, e que talvez ajude a explicar a
atual crise do sistema penitenciário:[...] O Livro V das Ordenações Filipinas são um modelo do sistema penal daquele período, prevendo e aplicando penas desproporcionais em relação ao delitos, cruéis e injustas, além de continuar fazendo da pena de morte comum para os crimes. Um autêntico balaio de gatos entre moral, religião e direito. Pior, a desigualdade de tratamento penal conforme o sexo e a posição social era uma instituição, como se pode verificar, por exemplo, na previsão de que “achando o homem casado sua mulher em adultério, licitamente poderá matar, assi a ella, como o adúltero, salvo se o marido for peão e o adultero Fidalgo ou nosso Desembargador, ou pessoa de maior qualidade”.26
Com o advento do iluminismo, ocorreu a mitigação das penas
cruéis, previstas nas Ordenações portuguesas, e ainda, devido aos
acontecimentos sóciopolíticos entre o Brasil colônia e a coroa, que
embalaram os anos de 1800 e seguintes, abriuse caminho para a edição
do marco legislativo em matéria de direito penal: a Constituição de 1824.
55/artigospublicados/13artigoevolucaohistoricaeperspectivassobreoencarceradonobrasilcomosujeitodedireitos>26 AMARAL,C., op cit, p. 3
24Com a edição da Constituição de 1824, ‘criaramse todas as
condições para [...] uma legislação penal mais humana e gerada no
Brasil’27, e ainda, podese afirmar que nela esteve registrada o embrião
do Princípio da Presunção da Inocência dentro do ordenamento jurídico
brasileiro, ao que se constata da análise do art. 79, inciso IX da referida
Carta:
IX. Ainda com culpa formada, ninguem será conduzido á prisão, ou nella conservado estando já preso, se prestar fiança idonea, nos casos, que a Lei a admitte: e em geral nos crimes, que não tiverem maior pena, do que a de seis mezes de prisão, ou desterro para fóra da Comarca, poderá o Réo livrarse solto.28
Pelo mesmo viés, é importante citar outro dispositivo inserido na
Constituição de 1824, que inaugurou uma legislação voltada para a
melhoria das instalações carcerárias, como meio próprio de se assegurar
a eficácia do cumprimento da pena prisão, qual seja, o art. 179, inciso
XVIII, que em linhas gerais, prescrevia as condições físicas em que
deveriam ser mantidas as penitenciárias, de forma a manter a segurança,
higiene, celas adequadas, além de prever a fiança como meio alternativo
para os crimes de menor ofensividade.29
Apesar de a Carta de 1824 ter inserido timidamente princípios
penais mais brandos, pouca foi a repercussão de seus dispositivos sobre
o mundo prático da execução penal, já que desde aquele tempo
enfrentavase o problema da administração insuficiente das prisões, no
que muitas das vezes, constatavase péssimas condições de
habitualidade nas cadeias pelas Comissões Fiscalizadoras envidas pelo
governo para verificar o cumprimento da lei.
Por conseguinte, é relevante esclarecer que, no ano de 1830,
foi editado o primeiro Código Penal do país, dotado de um perfume
humanista típico daquele período, este ainda não trouxe as mudanças
esperadas, já que não abolira a pena de morte, muito menos as cruéis ou
infamantes.
27 AMARAL,C., op cit, p. 03.28 Idem.29 Idem.
25
Contudo, tal dispositivo, se prestava a condicionar as prisões
brasileiras, em seu aspecto externo, já que, claramente influenciado pelos
ideais de Bentham, tratava da organização arquitetônica das
penitenciárias mais do que da própria política criminal, o que na verdade é
compreensível, já que o pais ainda não dispunha de um aparato prisional
pleno e eficaz.
Se por um lado o Código Penal de 1830 avançou em relação á
infraestrutura prisional, o Código que o sucedeu, no ano de 1890,
confirmou o que há muito já vinha sendo proposto mundo afora, a
condução de um sistema penal mais qualitativo e eficaz, o que se
evidenciou com o afastamento30 da pena de morte como pena usual
dentro do mecanismo punitivo brasileiro.
Igualmente, foi o Código de 1890 que, além de estipular as
espécies de penasprisão, foi o primeiro a traçar ‘[...] as primeiras linhas
para um sistema progressivo’, na qual se previa a possibilidade evolução
do isolamento total para a autorização de exercício de alguma atividade
laboral, tal como ocorria no sistema auburniano31.
Mais adiante, os reformadores brasileiros adotaram o sistema
penitenciário Progressista Irlandês, que consistia numa espécie de fusão
dos sistemas pensilvânico e auburniano, o que se verifica nitidamente nos
arts. 45 e 50 do referido código, cuja análise faz oportuna:
Art. 45. A pena de prisão cellular será cumprida em estabelecimento especial com isolamento cellular e trabalho obrigatorio, observadas as seguintes regras:a) si não exceder de um anno, com isolamento cellular pela quinta parte de sua duração;b) si exceder desse prazo, por um periodo igual a 4ª parte da duração da pena e que não poderá exceder de dous annos; e nos periodos sucessivos, com trabalho em commum, segregação nocturna e silencio durante o dia.Art. 50. O condemnado a prisão cellular por tempo excedente de seis annos e que houver cumprido metade da pena, mostrando bom comportamento, poderá ser transferido para alguma penitenciaria agricola, afim de ahi cumprir o restante da pena.
30 AMARAL,C., op cit, p. 0331 Idem.
26§ 1º Si não perseverar no bom comportamento, a concessão será revogada e voltará a cumprir a pena no estabelecimento de onde sahiu.§ 2º Si perseverar no bom comportamento, de modo a fazer presumir emenda, poderá obter livramento condicional, comtanto que o restante da pena a cumprir não exceda de dous anos.32
Além disso, de acordo com Amaral, ‘o código de 1890 também
previa o livramento condicional, deixando clara a ideia de que deve haver
o ganho de uma liberdade vigiada durante o cumprimento da pena, caso o
condenado assim faça por merecer. ’33
Ocorre que os códigos penal e de processo penal da república
já se encontravam distantes da realidade carcerária do Brasil, sendo que
Engbruch e Santis apontam, como tentativa de corrigir eventuais desvios
entre a lei e realidade, o art. 409 do mesmo código que permitia a
execução da pena de prisão em locais diversos das penitenciárias, caso o
magistrado constatasse que estas não cumpriam com os requisitos
mínimos de infraestrutura. 34
Sob esta ótica, os dispositivos supramencionados muito se
assemelham com os dispositivos que regulamentam a progressão de
regimes prisionais do moderno Código de Processo Penal, porém não se
pode dizer que foram suficientes para resolver os entraves da execução
penal da época.
A exemplo, verificase que desde antes mesmo da edição do
Código de 1890, já se enfrentava o problema da falta de estabelecimentos
prisionais que comportassem o grande número de detentos, além de que
suas instalações já estavam prejudicadas pela ação do tempo, carecendo,
em sua maioria, de reformas.
32 ENGBRUCH, W.; SANITS, B. M. D, A., A evolução histórica do sistema prisional e a Penitenciária do Estado de São Paulo, Revista Liberdades, IBCCRIM – Instituto Brasileiro de Ciencias Criminais, 2012, p.3. Disponível em:< http://www.ibccrim.org.br/revista_liberdades_artigo/145HISTRIA>33 AMARAL,C., op cit, p. 0334 BRASIL. Código Penal. 1890 Art. 409. Enquanto não entrar em inteira execução o systema penitenciario, a pena de prisão cellular será cumprida como a de prisão com trabalho nos estabelecimentos penitenciarios existentes, segundo o regimen actual; e nos logares em que os não houver, será convertida em prisão simples, com augmento da sexta parte do tempo.
27Contudo, fora somente no ano de 1905 que surge nova
alternativa para a crise que se instalara no sistema prisional, com a
iniciativa de edição de nova lei (Lei nº. 267A, de 24/12/1905), no Estado
de São Paulo, a fim de substituir uma da maiores e mais antigas
penitenciárias do Brasil, a do estado de São Paulo, a qual fora finalmente
inaugurada em 1920, tendo como projeto vagas para 1.200 detentos,
celas individuais com espeço adequado, boa ventilação e iluminação.35
É relevante citar a evolução desta penitenciária pelo fato de ter
sido considerada entre as décadas de 20 e 40 uma prisão modelo, em
que ‘’a organização laboral foi um dos carroschefes para a boa
opinião’’36 do público, fazendo contraponto com a má impressão causada
pelo sistema implantado pelo Código de 1830 que se externava pelas
‘’Casas de Correção’’.
Os pesquisadores apontam como fatores preponderantes para
a mudança de opinião em relação ao estabelecimento prisional do estado
de São Paulo, que à época representava o que havia de mais moderno no
aparato estatal quando se falava em controle social e criminológico, os
fatores a seguir transcritos:
[...]o indivíduo preso teria um pouco mais de dignidade no aspecto da saúde, onde não teriam celas com pessoas amontoadas como se objetos inanimados fossem e onde, precipuamente, regenerarseiam seres humanos, de sorte que poderiam recompor o corpo social, criase a melhor das expectativas. [...] Nada melhor aos olhos da sociedade (frisese: a elite paulista, em especial) do que um preso trabalhando, produzindo, estando fora do estado ocioso para pensar no cometimento de novos crimes ou algo do gênero (pensamento ainda constante na sociedade brasileira). [...]Além de auxiliar a economia paulista, tinhase a ideia de autossustentabilidade econômica (instituições dessa natureza custam muito ao erário público) da Penitenciária e, de forma subsidiária, ao próprio Estado, fornecendo riquezas e produtos aos órgãos públicos. [...] voltando à esfera pedagógica, entendiase que a disciplina laboral auxiliava a própria disciplina do preso com seus pares e com a própria administração e, em um plano futuro, com a sociedade. Outra característica positiva era, ainda na organização laboral, o cultivo de alimentos naturais via horta cultivada pelos próprios presos e que servia o presídio em quase sua totalidade. [...]37
35 ENGBRUCH, W.; SANTIS, B. M. D, A, op cit, p.436 Idem, p. 537 ENGBRUCH, W.; SANTIS, B. M. D, A, op cit, p.5
28Essa nova maneira de conduzir uma penitenciária repercutiu
positivamente na sociedade naquele tempo, de forma que a nova prisão
de São Paulo chegou a ser considerada além de modelo, um sistema
‘perfeito’ de prisão, pois além de enclausurar criminosos, traziamlhe nova
perspectiva ao inserir em seu regime de cumprimento de pena a atividade
laboral, em especial a produção industrial, casando perfeitamente os
interesses socioeconômicos da sociedade em expansão econômica
daquele período.
Contudo, é importante destacar que, em que pese os muitos
elogios tecidos ao sistema de São Paulo, a tese de um sistema
penitenciário perfeito se viu mitigada diante dos entraves práticos
encontrados durante seu funcionamento.
Assim, apesar de implantar o sistema de reclusão aliada ao
trabalho, e de propor uma arquitetura voltada para a melhor acomodação
dos presos, visando a manutenção de sua saúde, evitando mortes e
rebeliões, infelizmente, a própria mentalidade no modo de conduzir o
sistema de execução penal paulista não permitiu que na prática se
atingisse as maravilhas lançadas no projeto daquela penitenciária.
Ilustrativamente, a desconstrução do ‘mito’ de prisão modelo se
deu pela involução da maneira como os indivíduos que estavam inseridos
no sistema eram vistos, e na própria deficiência do Estado em conciliar
seus interesses com os direitos individuais dos detentos. Assim afirmam
Engbruch e Santis:A liberdade de expressão era suprimida na Penitenciária do Estado. Em análise históricodocumental, autores afirmam a existência de movimentos de presos a fim de reivindicar algo (ato de expressão natural, inerente à pessoa humana), mas não de forma violenta, apenas de forma petitória. Tais manifestos eram a “força motriz deflagradora” para a imposição de punições internas (notem: em contraposição à lei penal da época), como privação de alimentos, submissão à degradação da pessoa mediante a enclausuração por tempo indeterminado ou, a mais branda de todas, perda de vantagens regulamentares.38
38 ENGBRUCH, W.; SANTIS, B. M. D, A, op cit, p.6
29Não obstante, outros problemas de gestão de política
criminal começaram a aparecer no funcionamento da penitenciária, dentre
eles, o mais relevante, foi a dificuldade encontrada pelos detentos em
progredir de regime quando atingiam os requisitos para pleitear este
direito, que no fundo representava a evolução de sua ressocialização e
uma boa alternativa para desafogar as celas, que já estavam com
números maiores de detentos do que o previsto.
Tal entrave se encontra bem descrito em estudo aprofundado
que Engbruch e Santis realizaram sobre o aparato do sistema prisional
paulista, que se segue:
[...] Os estágios do regime progressivo nem sempre eram concedidos de “ofício” pelo juiz. Muitas vezes o preso ou seus representantes legais requeriam ao Magistrado a progressão do regime. Quando deste pedido, é de rotina que se expede um exame criminológico do preso, ora requerente. No caso da Penitenciária do Estado, tais exames eram exarados pelo competente da área médica designado e pela diretoria. Esperase, do Estado – ora aprisionador ora detentor – que adote, no mínimo, justos critérios ao expedir tal exame, reservadas as ordens técnicas do instituto em comento. A diretoria, durante o período observado, utilizou critérios espúrios, quando não eram apócrifos, nos pareceres tendentes a rejeitar a maioria dos pedidos de progressão de regime, em especial a liberdade condicional. [...]
Cumpre esclarecer que o problema apresentado na
penitenciária de São Paulo não se limita somente a esta instituição, já que
ainda hoje vemos isto acontecer nos estabelecimentos modernos, porém
a diferença provavelmente resida no fato de que ainda não foi encontrada
uma forma de construir um sistema prisional que se adapte às
necessidades da justiça criminal, e nem que se expanda para comportar a
demanda de presos, o que consequentemente incha os presídios e
também o Judiciário, que por isso não consegue julgar em tempo hábil os
processos criminais.
Nesta trilha, retomando a sequência histórica de
desenvolvimento do sistema prisional brasileiro, cumpre mencionar que
posteriormente, no ano de 1937 foi editada nova Constituição, que
segundo historiadores representou um ‘’retrocesso penal e
humanitário’’39 ao restabelecer a pena de morte.
30
Em seguida no ano de 1940, foi criado o novo Código Penal
brasileiro, o qual vige até hoje, que não manteve a pena de morte,
mantendo sistema progressivo no regime de cumprimento das penas,
contudo ainda não trazia disposições específicas sobre a execução das
penas no Brasil.40
Seguindo uma linha cronológica, o desenvolvimento do sistema
prisional brasileiro temos como um dos períodos mais marcantes, o que
compreende a metade final do século XX, especialmente entre os anos de
1964 a 1985, pois foi este o de instituição da Ditadura Militar no país.
Assim, Mattos, estudioso sobre o tema que desenvolveu
trabalho conjunto com o Conselho de Serviço Social de Minas Gerais,
pondera que a crise do sistema prisional brasileiro, acentuouse devido ao
regime militar, período da história brasileira que foi muito bem retratada
em suas palavras:
Se a tortura não foi inventada pelos militares, ela foi certamente institucionalizada pela ditadura militar, que a adotou como método de governo, como política de Estado. Vinte e um longos anos de ditadura militar: aumento desenfreado dos meios de violência do Estado, que nunca abre mão de suas conquistas neste terreno. Estão aí como evidencias empíricas o paudearara, os choques elétricos, afogamentos, os desaparecimentos forçados, as execuções ditas extralegais [...] A tortura tornouse a instituição central da ditadura militar e permanece como uma das instituições mais sólidas e mais longevas do país. [...]41
Com vistas ao que expôs o autor, verificase que neste
período, a justiça criminal brasileira, caminhou para um modelo prisional
que muito se assemelhava às práticas punitivas da Idade Média,
transformando o que deveria ser o exercício de um deverpoder legitimo
do Estado, em abuso escancarado dos direitos fundamentais daqueles
que estavam sob sua custódia, em nome de possíveis transgressões
contra o ordenamento jurídico.
39 AMARAL,C., op cit, p. 0340 Idem.41 MATTOS, Virgílio. Desconstrução das Práticas Punitivas. Editora e Gráfica O Lutador, 2010, p.29.
31Complementarmente, o autor demonstra que o mecanismo
punitivo desenvolvido pelo Estado militar, deixou frutos envenenados que
hoje, repercutem em nosso atual sistema, tais quais ‘ a cultura do terror,
do extermínio, da impunidade, do sigilo’42, e que inclusive correspondem
às mais recorrentes dificuldades enfrentadas por aqueles que desejam
promover uma reforma basilar do sistema prisional moderno no país.
Adiante, no ano de 1984, foi elaborada a Lei de Execução
Penal (Lei nº 7.210/84), que apesar de viger já no final do regime militar
brasileiro, perpetuou a mentalidade encarceradora e castigadora que
movia o sistema criminal do Regime, perceptível ao longo de sua
redação, a começar pela ‘primeira das faltas qualificadas como graves’43,
constante no inciso I do art. 50 da referida lei44.
Neste viés, segundo o autor, os termos inseridos no corpo do
texto da nova lei, representavam na verdade, modalidades de abuso do
poder punitivo em sede de execução das penas, no que as penalidades
impostas àqueles que infringem as regras de conduta dentro da prisão,
como o isolamento na própria cela, p.ex., levam a um mundo paralelo, um
subsistema em que há uma espécie de ‘prisão dentro da prisão’, o que
constitui encarceramento duplo dos apenados. 45
Isso porque, segundo Mattos ‘’ [...] o isolamento na própria cela
[...] vulnera o postulado da proporcionalidade, ao impor, para meras
transgressões disciplinares, condições de privação de liberdade ainda
mais rigorosas do que [...] as impostas diante da prática de crimes. ’’46
De forma semelhante, ainda cita a Lei nº 10.792/2003, que
instituiu o sistema de regime disciplinar diferenciado, cujo problema
apontado também foi a previsão de infração disciplinar, que também
incide no vocábulo ‘subversão da ordem ou disciplina’, só que desta vez,
aplicada à presos provisórios e outros indivíduos considerados nocivos ao
42 MATTOS, Virgílio, 2010, op cit, p. 21;43 Idem.44 BRASIL. Lei 7.210/84 – ‘Art. 50. Comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que: I incitar ou participar de movimento para subverter a ordem ou a disciplina; ’45 MATTOS, Virgílio, 2010, op cit, p. 21;46 Idem.
32próprio sistema, promovendo o que denomina de ‘alargamento da
prisão dentro da prisão’.47
Cumpre transcrever a justificativa pela qual Mattos defende a
inconstitucionalidade de tais medidas inseridas no sistema de execução
penal, instituídos a partir das referidas leis:
[...] sua aplicação [...] desautorizadamente prevê a imposição de uma pena antecipada seja para quem apenas é atribuída a prática de um crime sem que haja reconhecimento definitivo desta prática em um processo regularmente desenvolvido, seja para quem é vagamente apontado como perigoso.
Por conseguinte, em relação ao breve apanhado histórico que
se pretende fazer nesta seção, não há como falar em história do sistema
prisional no Brasil, sem passar por um dos acontecimentos que mais
marcaram a história das penitenciárias no país, o massacre do Carandiru,
ocorrido em 02 de outubro de 1992.
O evento ocorrido na prisão, que era considerada uma das
maiores da América Latina e contava com mais de 7 mil detentos,
recebeu o nome de massacre, pois segundo o escritor do livro ‘Carandiru’
e médico da Casa de Detenção na época, Dráuzio Varella, ‘’qualquer
massacre, qualquer contenda, que resulte em 111 mortes, sem nenhum
ferido, não recebe outro nome que não seja massacre’’48.
Em verdade o massacre representa o excesso cometido pela
Estado brasileiro no exercício do seu poder punitivo, pois, ao tentar conter
as infrações disciplinares de certos detentos, as medidas adotadas sob
comando do conjunto de profissionais que deveriam bem administrar a
prisão, causaram impacto considerável, já que violaram gravemente
direitos humanos em detrimento do frio cumprimento de regulamentos
administrativosdisciplinares.
47 MATTOS, Virgílio, 2010, op cit, p. 21;48 GARCIA, J; FUJITA, G. Massacre do Carandiru foi um marco, mas cadeias ainda não recuperam presos, diz Drauzio Varella. 2013. Acesso: junho/2015. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimasnoticias/2013/04/06/massacredocarandirufoiummarcomascadeiasaindanaorecuperampresosdizdrauziovarella.htm>
33Dentre todas as informações divulgadas sobre o evento, o
que mais chama a atenção são as circunstâncias e as condições em que
se encontrava a Casa de Detenção, no estado de São Paulo, ensejadoras
do massacre, as quais revelam as falhas que mais afetam o sistema
prisional transpondoo a um patamar caótico.
Conforme registros, o local onde se iniciou uma briga entre
detentos, o Pavilhão 09, servia de alojamento de presos primários, os
quais, em maioria, ainda aguardava julgamento, sendo ainda o pavilhão,
assim como todos os outros, mantido em rarefeitas condições de
habitalidade, colocando os internos em completa carência de direitos
básicos, o que no mínimo despertava sua revolta e servia de combustível
para conflitos entre si e, principalmente, com os carcerários e policiais49.
Não obstante, a forma como era conduzida a relação entre
dominador e dominado, ou seja, o tratamento dispensado aos detentos
pelos carcerários e policiais, igualmente contribuiu para o embate,
expondo também outro problema dentro do sistema penitenciário que
ainda persiste, o pensamento maniqueísta construído fora dali, que divide
os sujeitos entre maus (os detentos) e bons (o resto da sociedade) e
incita o ódio, afastando ainda mais da concretude o ideal de
ressocialização do egresso.
É plausível concluir, a exemplo do massacre do Carandiru e de
seu emblemático julgamento, ocorrido em 2013, que os problemas
enfrentados pelo sistema prisional são apenas reflexos de um problema
maior, o colapso da justiça criminal brasileira, que se apega ainda a
princípios punitivos antiquados que pouco servem para afastar a
violência, e dispõe de estruturas pouco desenvolvidas para abrigar a
demanda de presos, estimulada pelo ânimo encarcerador.
Por fim, é interessante trazer à baila deste trabalho, no
encerramento desta seção, a opinião de dois grandes pensadores
brasileiros, que expressam com competência, a situação de ‘extermínio
da juventude negra e pobre’50 que representa a mais aguda relação entre
49 GARCIA, J.;FUJITA,G.2013, op cit.
34as desigualdades sociais e as relações de poder que foi o massacre do
Carandiru, assim descrita:
“E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo diante da chacina111 presos indefesos, mas presos são quase todos pretosOu quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobresE pobres são como podres e todos sabem como se tratam os pretos” (Caetano Veloso e Gilberto Gil)
1.4. A reforma do sistema prisional e as contribuições para a contemporaneidade
Muitos foram os pensadores dispostos á promover a
discussão e desenvolvimento de teses sobre o sistema prisional do século
XVIII, porém destacaramse os que trouxeram análise mais profunda e
liberta dos conceitos conservadores da época.
Dentre eles, destacamse Beccaria, Howard e Benthan, que
dedicaram parte de sua vida á compreensão do funcionamento do
sistema criminal e seu aperfeiçoamento.
Dada às relevantes contribuições trazidas por cada um deles,
passase a estudar suas teses separadamente:
1.4.1. A Reforma de Cesare Beccaria
Alguns autores definem a tese criminal de Beccaria com uma
junção do contratualismo com o utilitarismo, contudo suas idéias são
inovadores em relação ao estudo penológico que demonstrou em sua
50 Justiça Global. Após 20 anos do Massacre do Carandiru pouca coisa mudou no sistema penitenciário brasileiro e no tratamento de jovens negros e pobres. Rio de Janeiro. 2012. Acesso em: Junho/2015. Disponível em: < http://global.org.br/programas/apos20anosdomassacredocarandirupoucacoisamudounosistemapenitenciariobrasileiroenotratamentodejovensnegrosepobres/>
35célebre obra Dos Delitos e Das Penas, segundo o qual, o sistema
penitenciário deve despirse do caráter confuso e abusivo para alcançar a
ressocialização de seus internos e prevenir a propagação da violência.51
Nesta seara, aborda a temática da pena com base na
administração de forma proporcional aos atos praticados, recomendando
que sua aplicação estivesse anteriormente prevista, propagando um dos
princípios do processo penal, a anterioridade da lei penal.
Assim explica Beccaria acerca da tendência por ele lançada a
respeito da proporcionalidade das sanções penais:
[...] para não ser um ato de violência contra o cidadão, a pena deve ser, de modo essencial, pública, pronta necessária, a menor das penas aplicáveis nas circunstâncias referidas, proporcionada ao delito e determinada pela lei’’. 52
Ademais, traz a luz da nova mentalidade criminal, a restrição da
pena de morte, não a sua exclusão, mas o seu condicionamento á
circunstâncias cuidadosamente verificadas pelo magistrado ao longo o
processo.
Complementarmente á este pensamento, é oportuno citar a
observação que o autor faz a respeito de um silogismo, de autoria de
Viceno Facchinei de Corfu, do convento de Vallombreuse, citado em sua
obra, que permite compreender claramente do que se trata a reforma por
ele proposta:
Não se deve impor a pena de morte, se esta não é realmente útil e necessária; contudo, apena de morte não é necessária nem realmente útil. Portanto, não se deve inflingir a pena de morte.53
Esta observação trazida por Beccaria é pertinente á reforma do
sistema prisional pelo fato de este silogismo representar a economia do
poder de castigar54, desenvolvido na obra de Foucault, demonstrando a
51 BITTENCOURT, Cesar Roberto, op cit, p. 323352 BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas, tradução de Torrieri Guimarães, São Paulo, Ed Hemus, 1983, p. 33.53 BECCARIA, C., op cit, p. 37
36relação de eficácia que a sanção penal guarda com a administração da
pena exercida pelo Estado através da execução da pena.
Embora as idéias de Beccaria tenham se concentrado na
reforma da filosofia do sistema criminal, também trouxe importantes
considerações sobre a estrutura e organização das prisões,
argumentando sempre que nos estabelecimentos prisionais ‘não devem
predominar a sujeira e fome, defendendo uma atividade humanitária e
compassiva na administração da justiça’.55
Cumpre ressaltar que os ideais implantados pela proposta de
reforma de Beccaria são atemporais, tendo inclusive inspirado outros
grandes reformadores, que inspirados em sua teoria, aperfeiçoaram o
sistema prisional.
1. 4. 2 John Howard e o Penitenciarismo
John Howard foi um reformador inglês que desenvolveu seu
trabalho baseado na proposta de humanização das prisões, tendo
inclusive se inspirado nas idéias de Beccaria, citandoo muitas vezes em
suas obras.
Segundo Bittencourt, Howard inspirou a ‘’ corrente
penitenciarista, preocupada em constituir estabelecimentos apropriados
para o cumprimento da pena privativa de liberdade’’56, sendo o pioneiro
no estudo do aparelho prisional, considerando seu melhoramento uma
modalidade de política criminal.
Atribuemlhe um enorme senso humanitário, pelo fato de nunca
conformarse com ‘’ as condições deploráveis em que se encontravam as
prisões inglesas’’57, e já naquele tempo, enfrentava o problema da falta
de interesse dos governantes pelo tema.
54 FOUCAULT, Michel. op cit, p. 10155 BITTENCOURT, Cesar Roberto. op cit, p. 3856 Idem, p. 4057 BITTENCOURT, Cesar Roberto. Op. cit, p. 40
37Apesar de ter se esforçado para reestruturar o sistema
prisional, não obteve êxito pelo fato de faltar estrutura capaz de por em
pratica sua teoria e promover a ressocialização ao invés mero controle e
punição.
Contudo, seu pensamento inovou quando trouxe á discussão
do sistema, uma estrutura de prisões celulares, em que o ponto principal
de sua tese é o ‘’ isolamento noturno, que se mantém em vigor’’58 sendo
inclusive adota pela Convenção de Direitos Humanos de Genebra de
1955.
Demonstrou também a necessidade de recrutar pessoal
específico para vigiar a carceragem dos condenados, explicando que os
carcerários devem ter como principal qualidade a honra e humanidade.
Além disso, evidenciou que convém á organização das prisões,
a sua fiscalização a fim de manter seu funcionamento organizado, que se
faria na pessoa de um juiz criminal especializado na execução das penas.
Este sistema também é adotado atualmente, de forma
aperfeiçoada é claro, sendo defendido por ele nos seguintes termos:
[...] A administração de uma prisão é coisa muito
importante para abandonála completamente aos
cuidados de um carcerário. Em cada condado, em cada
cidade, é preciso um inspetor eleito por eles ou nomeado
pelo Parlamento cuide da ordem das prisões.59
Impende destacar que a contribuição de Howard para o atual
sistema penitenciário foi extremamente relevante para o direito penal,
pois, ao subdividir o direito penal, em direito material e direito de
execução penal, facilitou a sistematização do estudo deste sistema.
58 BITTENCOURT, Cesar Roberto. Op. cit, p. 4059 Idem, p. 43
38Igualmente, ao apresentar a proposta de um sistema
carcerário celular, baseado no isolamento, inclusive noturno, bem como,
ao adotar o fim reformador da prisão, conseguiu definir o marco ‘da luta
interminável para alcançar a humanização das prisões e a reforma do
delinquente’’, dando origem ao que hoje se conhece por penitenciarismo.
1.4.3 Jeremy Bentham e o Desenho do Panótico
Bentham (17481832) citado por Bittencourt60, trouxe
profundas modificações para o sistema prisional através de sua obra,
voltada mais para o aparato prisional do que para a mudança de
pensamento e conceituação da penologia.
Entretanto, não se pode negar que também contribuiu para o
assentamento da teoria da finalidade reformadora da pena, já que não
considerava ‘’a crueldade da pena um fim em si mesmo’’ afastandose da
tese de que a pena deveria causar profunda dor e sofrimento61. Contudo,
sua tese filosófica não abria tanta margem para a investigação quanto
suas considerações sobre o instrumento que compõe o sistema
carcerário.
Desta feita, Bentham foi o pioneiro no desenvolvimento de um
estudo voltado para a estrutura física do sistema prisional, ‘’ já que as
prisões considerava ‘’ com suas condições inadequadas e seu
ambiente de ociosidade, despojavam o réu de sua honra e hábito
laboriosos’’62.
O autor acreditava que a prisão servia como meio para
alcançar a regeneração do recluso, era um mal necessário para evitar
danos maiores á sociedade. Sendo assim, desenvolveu o projeto do
panótico, uma nova modalidade de arquitetura prisional, que influenciou
consideravelmente a construção das prisões ao redor do planeta e
permanece ditando regras para o sistema atual63.
60 BITTENCOURT, Cesar Roberto, op cit, p. 43;61 Idem, p. 49;62 Idem.
39
Nas palavras de Foucault, ‘’ o efeito mais importante do
Panoptico era induzir no detento um estado consciente e permanente de
visibilidade que assegurava o funcionamento automático do poder [...]’’ e
complementa, explicando que o sistema desenvolvido por Bentham
tornava dispensável que o detento fosse vigiado o tempo todo, já que
causavalhe a sensação de estar sempre observado devido à arquitetura
da prisão.64
Na verdade, o sistema do panotico desenvolvido por Bentham,
constituíase em uma construção, de acordo ainda com Foucault, muito
semelhante a um zoológico, em especial o de Le Vaux, pertencente ao
palácio de Versalhes na França, tendo como base para seu desenho ‘’ a
preocupação com a observação individualizadora e com disposição
analítica do espaço.’’ 65
Sob esta análise, o projeto arquitetônico de Bentham permitia
que a autoridade penitenciária vigiasse o maior número de pessoas, de
modo a controlar melhor e garantir a segurança do estabelecimento, além
de conceder aos detentos condições mínimas de humanidade para
suportar a pena de reclusão.
É possível observar com clareza essas características marcantes no sistema arquitetônico desenvolvido pelo cientista criminal, através das figuras inseridas na obra de Foucault, que se seguem:
Figura 1 – ‘Projeto de Penitenciária’66
63 BITTENCOURT, Cesar Roberto. Op cit Idem, p. 465064 FOUCAULT, Michel. Op cit, p. 22465BITTENCOURT, Cesar Roberto, op cit, p. 50;66 FOUCAULT apud N. HarouRomain. Projetos de penitenciárias, idem, p. 47
40
Fonte: FOUCAUL, 1999, p. 47
Figura 2 – ‘Composição celular de isolamento do Panoptico’67
Fonte: FOUCAUL, 1999, p. 48
É justamente o objetivo principal do projeto arquitetônico que
deu nome á arquitetura por ele desenvolvida, pois de acordo com
Bittencourt: ‘’ [...] o nome ‘panótico’ expresso em uma só palavra sua
utilidade essencial, é a faculdade de ver com um olhar, tudo o que nele se
faz’’68.
Complementarmente à finalidade de onipotência da vigilância,
o projeto também se direcionava á promoção do resgate dos condenados
através de atividades laborais, intelectuais, recreativas e espirituais ao
longo do dia, evitando que os internos ficassem isolados o dia todo nas
células que compunham as galerias da prisão.
67 FOUCAULT apud N. HarouRomain. Projetos de penitenciárias, idem, p. 4868 BITTENCOURT, Cesar Robert, op cit, p. 51;
41Pelo mesmo viés, Bentham aliava ao projeto,
recomendações, ainda na esfera prática e funcional, que acreditava
surtirem efeitos relevantes para a reabilitação dos detentos, dentre eles: ‘’
uma disciplina severa, uma vestimenta humilhante e uma alimentação
grosseira’, que considerava ‘castigos moderados’ capazes de gerar bons
resultados tanto do ponto de vista da prevenção geral quanto da
especial’’69.
Com base nos conceitos acima analisados, podese concluir
que o panótico de Bentham alterou substancialmente a essência dos
sistemas prisionais, que a partir de então, agilizou a implementação da
prisãopena, ao passo em que se estabeleceu como ‘’ uma espécie de
laboratório do poder’’70.
Neste sentido, Bittencourt explana que o desenho do panótico
representa algo além de simples arquitetura prisional, ele ‘’ proporciona os
elementos básicos das prisões atuais’’71, o que é bem verdade, posto
que nos estabelecimentos contemporâneos é fácil identificar a presença
de tais elementos, que sofreram alterações tecnológicas apenas.
Foucault evidencia essa característica de múltipla utilidade e
praticidade do panótico, quando diz que ‘’ o desenho de Bentham resolve
os problemas de vigilância, não só das prisões, mas de hospitais,
indústrias, escolas, [...] porque consegue estabelecer uma relação
importante entre arquitetura e poder.’’72
Em que pese Bentham ter dispendido esforços durante grande
parte de sua carreira cientifica, no sentido de buscar soluções para a crise
do sistema prisional, a materialização do panótico restou frustrada, porém
o desenho representa um divisor de águas dentro do sistema prisional.
Sua proposta de reforma abriu precedentes para o aperfeiçoamento de
outros sistemas penitenciários ao redor do mundo.
69 BITTENCOURT, Cesar Robert, op cit, p. 53;70 FOUCAULT, op cit, p. 22871BITTENCOURT, op cit, p. 5472 FOUCAULT, Michel. Op cit, p. 11;
42Assim, em análise mais atenta às instituições prisionais já na
Idade Contemporânea, tanto na Europa quanto na América, esta,
principalmente nos Estados Unidos, constatase a indubitável contribuição
dos juristas reformadores para o aperfeiçoamento dos seus mecanismos
de execução das penas.
Neste sentido, verificase que nestes sistemas jurídicos a
adoção de princípios penais conjugados com uma política criminal mais
aberta para as condições sociais, tais quais a tentativa de reforma do
delinquente, através da reclusão em si, cominada com a rígida disciplina e
direcionamento para o trabalho e atividades produtivas, começou a
apresentar resultados satisfatórios.
Cumpre destacar dois expoentes do século XIX, ambos
sistemas norteamericanos, que incorporaram ideais progressistas
reformadores, o sistema de ‘congregação’ de Auburn (Nova Iorque) e o
sistema ‘de isolamento’ da Filadélfia (Pensilvânia), os quais serviram de
parâmetro para críticas ao sistema francês.73
Estes dois sistemas penitenciários contemporâneos, foram
estudados em 1838 por Alexis de Tocqueville, historiador francês, que em
viagem para a américa observou as prisões estadunidenses mais
famosas, tendo identificado inclusive certa competição entre os estados
de Nova Iorque e Pensilvânia pelo título de mais eficiente e segura
penitenciária.74
Em seu estudo, Tocqueville descreveu a ‘Auburn State Prision’
como uma instituição em que os detentos ficavam isolados apenas a
noite, sendo que durante o dia, executavam trabalhos coletivos, os quais
geravam lucros para industriários que exploravam sua mão de obra e,
para a própria penitenciária.
73 SANTOS, M. S.A prisão dos ébrios, capoeiras e vagabundos no início da Era Republicana. 2004,p. 141. Disponível: <http://www.revistatopoi.org/numeros_anteriores/Topoi08/topoi8a4.pdf>74 Idem.
43Já o sistema pensilvânico, adotado pela penitenciária da
Filadélfia, assumia a postura de isolamento integral dos internos, sendo
permitido a eles a execução de trabalhos menos lucrativos e individuais,
apresentando inclusive custo mais elevado do que a sistema de Auburn e
maiores índices de mortalidade, contudo segundo Tocqueville, este último
sistema se prestava melhor ao fim de recuperação dos detentos, já que
sua capacidade de intimidação e transformação moral eram maiores. 75
Se faz necessário ressaltar que as conclusões extraídas do
estudo e observação de Tocqueville permitiram implantar dentro do
sistema europeu, inicialmente na França, aperfeiçoamentos que
otimizaram os sistemas prisionais do século XIX.
Complementarmente, é interessante citar o exemplo da prisão
de Norfolk, também localizada no estado da Pensilvânia nos Estados
Unidos, criada ainda no período colonial, que se destacou por conjugar os
dois sistemas penitenciários, o de Auburn e o da Filadélfia, criando um
sistema ‘misto’ baseado na adoção de métodos que levassem à evolução
de estágios da pena prisão dos condenados, criando assim, precedentes
para o que hoje denominase ‘progressão de regime’.
Os autores Engbruch e Santis explicam através de publicação
realizada no boletim periódico do IBCCRIM – Instituto Brasileiro de
Ciências Criminais, doravante IBCCRIM, que a prisão de Norfolk conduzia
seu sistema da seguinte maneira:
[...]O regime inicial funcionava como o Sistema da Filadélfia, ou seja, de isolamento total do preso; após esse período inicial o preso então era submetido ao isolamento somente noturno, trabalhando durante os dias sob a regra do silêncio (sistema de Auburn). Nesse estágio, o preso ia adquirindo “vales” e, depois de algum tempo acumulando esses vales, poderia entrar no terceiro estágio, no qual ficaria em um regime semelhante ao da “liberdade condicional” e, depois de cumprir determinado prazo de sua pena, seguindo as regras do regime, obteria a liberdade em definitivo. [...]76
Ainda de acordo com os pesquisadores, este sistema de
Norfolk, obteve tanto êxito, que foi capaz de levar a inovação do sistema
75 SANTOS. M.S., op cit, p. 14114276 ENGBRUCH, W.; SANITS, B. M. D, A. op cit, p. 02.
44penitenciário nele instituído, da colônia para a metrópole, a Inglaterra, e
posteriormente para a Irlanda, onde foi lapidado, dando origem a um
‘quarto sistema’ o qual também foi adotado pela Suíça, em que os
prisioneiros trabalhavam em locais sem barreiras físicas, ao ar livre, e em
seguida recebia a ‘liberdade condicional’.77
Fotografias históricas retratam o cotidiano vivido nesta
instituição localizada na colônia inglesa da Pensilvânia, traduzindo o
espírito de ressocialização projetado pelos reformadores, como bem se
observa a seguir:
Figura 3 – Jogo de baseball no pátio da prisão de Norfolk78
Fonte: Sweeney, 2013.
Figura 4 – Detentos trabalhando em marcenaria dentro da Norfolk Prison.79
Fonte: Sweeney, 2013.
77 ENGBRUCH, W.; SANITS, B. M. D, A, 2012, op cit.78 SWEENEY, E. Warden’s son recalls life at state prison. 2013. Acesso: Maio/2015. Disponível em: < http://www.bostonglobe.com/metro/regionals/west/2013/01/13/secretsnorfolktalksecretsnorfolksecretsbarsnorfolkprisonwardenrecallsunorthodoxchildhoodnorfolkprisonsecretsbehindtalksecretsnorfolksecretsprisonbehind/Th1V3ZsB3LgMrIP2iPlC4H/story.html>
79 SWEENEY, op cit, 2013.
45Nesta trilha, um caminho de refinamento dos sistemas
prisionais iniciouse na Europa, dando origem a vários outros sistemas,
tais como o ‘Sistema de Montesinos na Espanha que tinha trabalho
remunerado e previa um caráter ‘regenerador’ da pena’80, que inclusive
pode ser considerado como o embrião das modernas Colônias Penais
Industriais ou Agrícolas.
É possível afirmar que os referidos sistemas trouxeram
importante contribuição para a administração dos recursos humanos
dentro do universo carcerário, já que a possibilidade de execução de
atividades laborais pelos detentos, claro que atualmente não de forma
forçada, permitiu sua integração com o mundo externo, facilitando sua
posterior reintegração, bem como permitiu que alguns setores da
economia pudessem beneficiarse da renda por eles gerada.
Em vista do estudo realizado neste capítulo sobre o sistema
punitivoprisional, instituído pelo Estado como meio de exercer o poder
punitivo a ele concedido por meio da teoria contratualista, concluise que
o sistema prisional surge e evolui conforme o processo civilizatório da
sociedade, e a sua compreensão do conceito da pena.
Sua evolução e aperfeiçoamento ao longo da história da
humanidade se deram graças aos honoráveis esforços dos pensadores
ora citados, levando à progressiva sofisticação do aparato prisional.
Assim, cabe a este trabalho, no próximo capítulo, prosseguir no
estudo do aparato penitenciário, com base agora, não mais em conceitos
filosóficojurídicos, mas na análise das diferentes espécies de sistemas
prisionais, já instituídos, com base no direito comparado.
80 ENGBRUCH, W.; SANITS, B. M. D, A, op cit, p.2
462 . OS SISTEMAS PRISIONAIS NO DIREITO COMPARADO
Este capítulo se presta à análise dos sistemas prisionais ao
redor do mundo, fazendo um comparativo com o sistema brasileiro,
partindo da interpretação de dados obtidos por pesquisas realizadas por
órgãos internacionais que atuam na defesa de direitos humanos, tomando
como exemplo, países em que há maior número de população carcerária,
bem como aqueles apontados como exemplo de sucesso, seja pelo nível
de segurança oferecido pelos seus estabelecimentos, seja pelos
resultados positivos apresentados pela conjugação de seu aparato
prisional com a política criminal que adotam.
2.1 – Sistemas prisionais ao redor do mundo
Primordialmente, antes de analisar o sistema prisional
brasileiro e seus dilemas, se faz necessária a interpretação do fenômeno
mundial em que a crise nacional está inserida, o qual representa uma
tendência social motivada por fatores sociais, políticos e econômicos, que
conjugados, levam ao atual entrave sócio jurídico enfrentado não só por
um grupo, mas verificado na grande maioria dos países ao redor do
mundo, com raras exceções, que igualmente serão estudadas, a fim de
que se identifique, ou ao menos é o que se pretende, a fórmula de seu
sucesso.
Um dos pontos mais relevantes no estudo dos sistemas
prisionais é, certamente, a temática do crescimento das prisões e da
população carcerária, um a realidade que se mostra contraditória aos
objetivos, quase unos, dos Estados, que é a redução da criminalidade e
violência, bem como a ressocialização e a diminuição da reincidência
daqueles que cumpriram a pena privativa de liberdade.
Sob esta perspectiva, podese afirmar que a sociedade
moderna, no que tange ao enfrentamento do problema da violência, uma
das raízes do sistema prisional, ainda não encontrou o acerto na medida
do exercício do poder punitivo dentro de um mecanismo desenvolvido
47para a manutenção do que Foucault chama de ‘relações de poder’81,
que é o a justiça criminal e seu instrumento, o aparato prisional.
Neste sentido, Virgílio de Mattos afirma em sua obra que ‘o
agigantamento do poder punitivo, a partir das últimas décadas do século
XX, trouxe consigo o crescimento da prisão’82, apontando assim, uma
das causas políticas do fenômeno da crise penitenciária mundial.
O cientista social Elionaldo Julião, faz acertada síntese da
extensão e do ‘que’ é a atual crise penitenciária no mundo, quando afirma
que:
Seja no Rio de Janeiro, como em Nova York, Paris, Buenos Aires e/ou Cingapura, é fato convir que o interno penitenciário é, em sua grande maioria, o excluído de direitos sociais relevantes. Neste sentido, segunda a teoria fundamentada na ‘’corrente crítica’’[...] parece que o sistema penal foi instituído socialmente com o objetivo de aprisionar as suas mazelas sociais, escamoteando as chagas abertas pela exclusão social e pela ganancia por poder geradas pelas lutas de classes. [...].83
Foucault, expunha a crise do sistema prisional como um aviso
da necessidade de mudanças no setor de organização políticosocial, a
eminente e inevitável alteração do modo de pensar da sociedade e,
consequentemente, do Estado, no que diz respeito ao conceito de ‘punir’,
das bases do mecanismo punitivo, dos fundamentos da justiça criminal,
em contraponto à aparente evolução do sistema, o qual encontrase em
situação caótica, mesmo em certos países considerados
desenvolvidos.84
Com esteio nestas ideias, não é surpreendente constatar que
hoje, na grande maioria dos países, enfrentase uma realidade complexa
e comum a toda a sociedade: a dificuldade de conjugação de um sistema
criminal eficaz (que aplica suas leis penais) com a garantia dos direitos
individuais dos condenados, situação agravada por um instrumento
81 FOUCAULT, op cit.82 MATTOS, Op cit, p. 16.83 JULIÃO, Elionaldo Fernandes. Sistema Penitenciário Brasileiro: política de execução penal. 1ª ED. – Petrópolis, RJ: De Petrus et Alii; Rio de Janeiro: Faperj, 2012, p. 43.84 FOUCAULT, op cit.
48prisional com infraestrutura precária e que comporta números elevados
de internos.
Ante tal dilema enfrentado pela justiça criminal, apesar de
todos os meios criados como alternativa para as penas privativas de
liberdade, ainda não foi descoberta opção para aqueles indivíduos que
põem em risco a ordem social e o poder do Estado, e por isso, precisam
ser mantidos presos.
E é por este motivo, a incompleta evolução do mecanismo
punitivo estatal, ‘que a prisão não só subsiste, como maiores se fazem
sua incidência e seu rigor’85.
Este quadro de incontinência dos crimes e do recorrente uso
da pena privativa de liberdade, se traduz em dados, muito bem
observados em relatório expedido em novembro de 2013, pelo
International Centre of Prison Studies, da Universidade de Essex, no
Reino Unido, que aponta uma população carcerária mundial já na marca
de 10.2 milhões de pessoas86.
De acordo com o estudo, o crescimento da população
carcerária mundial é expressivo e supera os índices de crescimento
populacional dos cinco continentes, já que a população carcerária teve
um crescimento estimado entre 25 e 30%, enquanto a população mundial
aumentou 20% nos últimos 15 anos87.
Isso significa, levando em consideração que a população
mundial em 2013 era de 7 bilhões de pessoas (segundo a Organização
das Nações Unidas), que a proporção de pessoas é de 144 detentos para
cada 100 mil habitantes88.
85 MATTOS, op cit, p. 16.86 ICPS International Centre of Prison Studies. World Prision Population List – (Lista da População Carcerária Mundial). 10ª Ed. EssexUK. 2013, p. 01. Acesso em: Junho/2015. Disponível em:< http://www.prisonstudies.org/news/more102millionprisonersworldnewicpsreportshows>87 Idem.88 Idem
49De forma complementar às informações ora colacionadas, é
interessante reproduzir gráfico elaborado pelo Infopen Sistema Integrado
de Informações Penitenciárias, do Ministério da Justiça, que traz
comparativo entre os dados obtidos dos sistemas prisionais mundiais e o
Brasil, a seguir:
Figura 5 – Dados comparados do sistema carcerário89
Fonte: Infopen, Ministério da Justiça, Brasil, 2014.
Atualmente, a população carcerária mundial é composta por
países que, inclusive, adotaram a apena de morte em seu ordenamento
como método de tentar conter a criminalidade, o que evidentemente, não
deu certo.
Assim, quase metade da população carcerária pertence aos
Estados Unidos, com 2.24 milhões de detentos, seguido da China, com
1.64 presos condenados e 650 mil detentos ainda não condenados, a
Rússia, com 680 mil presos, e finalmente, o Brasil, que ocupa a quarta
posição no ranking mundial com cerca de 548 mil pessoas atrás das
grades.90
Os números confirmam uma realidade muito mais preocupante
do que se pode imaginar, já que a violência avança mais rápido do que os
89 Ministério da Justiça, Infopen –Sistema Prisional Estatística. 2014. Acesso em: Julho/2015. Disponível:<http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJD574E9CEITEMIDC37B2AE94C6840068B1624D28407509CPTBRIE.htm>90 ICPS International Centre of Prison Studies. World Prision Population List – (Lista da População Carcerária Mundial). 10ª Ed. EssexUK. 2013, p. 03. Acesso em: Junho/2015. Disponível em:< http://www.prisonstudies.org/news/more102millionprisonersworldnewicpsreportshows>
50índices de dominação do crime, levando ao aumento exagerado da
população carcerária mundial.
Desta forma, cada prisão, na situação de inchaço populacional
em que se encontra, se torna uma ‘panela de pressão’ pronta para
explodir e afetar os direitos básicos a que deveria o Estado assegurar, a
segurança pública, é claro, já que o risco de fugas aumenta, a saúde, pois
as doenças se proliferam nestes ambientes precários, a educação, que é
suprimida, já que os detentos que em maioria, já não têm bom nível de
escolaridade, e dificilmente receberão instrução adequada que lhes
garanta competitividade no mercado de trabalho quando egressos, entre
outras consequências reflexas, igualmente nocivas à sociedade.
Nesta trilha, este capítulo, através das seções seguintes, se
presta a analisar o quadro do sistema prisional no mundo, estudando
alguns de seus aspectos mais relevantes, considerando a região
geográfica, o desenvolvimento socioeconômico dos países, e as
modalidades de política criminal por eles adotadas e seus efeitos sobre o
sistema prisional.
2.1.1 – Europa
Segundo o estudo realizado pela universidade inglesa, o
aumento no número de presos na Europa também é significativo, ainda
mais quando a análise parte das regiões Leste e Sul da Europa, as quais
concentram a maior parte da população carcerária deste continente.
Os países com maior população carcerária são a Rússia,
evidentemente, com seus 681,600 presos, depois a Turquia com cerca de
137.133 detentos, e em terceiro lugar a Inglaterra e País de Gales com
aproximadamente 84,430 presos.91
Fenômeno interessante ocorrido com a França, foi a
exasperação do número de presos em um período em que justamente
foram criadas leis para buscar um maior aproveitamento da finalidade das
91 ICPS – International Centre of Prison Studies,Essex, 2014,op cit, p. 0506.
51sanções criminais, através da implantação de dispositivos que previam
penas alternativas ao encarceramento.
Mattos, citando dados colhidos em estudo coordenados pelo
CPS – Centre of Prison Studies, aponta que ‘[...] a população carcerária
dobrou entre 1975 e 1995, embora a população francesa tivesse
aumentado em 10% no mesmo período [...]’.92
De acordo com o professor de Direito Penal da UFPA e
estudioso do sistema prisional, Edmundo Oliveira, o período de maior
crescimento da população carcerária francesa, entre a década de 70 e
meados de 90, foi marcada por reformas na legislação penal. Assim
escreveu:
Em 1975, os substitutivos às penas de prisão começam a ser ampliados. A pena de morte foi abolida em 1981, continuando a prisão perpétua, até hoje, como a pena de maior rigor. Em 1983 foi aprovada a lei que criou o ‘trabalho de interesse geral’, alternativa à prisão implantada com a expectativa de que seria o ‘carrochefe’ entre as medidas substitutivas à disposição do juiz penal. [...]93
Vale notar que o relaxamento no sistema criminal instigado
pela edição de leis reformadoras, não surtiu efeito imediato na França,
muito provavelmente, pelo fato das medidas alternativas apontadas serem
pouco aproveitadas pelo Judiciário, já que ainda havia preferência pelas
penas privativas de liberdade, o que demonstra a dificuldade de um
diploma legal implantar nova cultura em uma sociedade apegada a
princípios conservadores.
Atualmente, a França possui cerca de 98 presos para cada 100
mil habitantes, o que corresponde a aproximadamente 62.443 detentos,
de acordo com o relatório da universidade inglesa94.
92 MATTOS, op cit, p. 17.93 OLIVEIRA, E. Política Criminal e Alternativas à Prisão. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Forense.1997, p. 61.94 ICPS – International Centre of Prison Studies,Essex, 2014,op cit, p. 05;
52Cumpre ressaltar que parte das prisões francesas segue um
modelo de privatização caracterizado pela ‘dupla responsabilidade’, em
que o Estado divide com a empresa particular a administração da prisão.
Esclarece o autor Assis a respeito do sistema prisional
implantado na França:
[...] Nesse modelo compete ao Estado a indicação do DiretorGeral do estabelecimento, a quem competia o relacionamento com o juízo da execução penal e a responsabilidade pela segurança interna e externa da prisão. A empresa privada encarregase de promover, no estabelecimento prisional, o trabalho, a educação, o transporte, a alimentação, o lazer, bem como a assistência social, jurídica, espiritual e a saúde física e mental do preso, vindo a receber do Estado uma quantia por preso/dia para a execução desses serviços95.
O atual modelo francês, é fruto de uma política neoliberal
implantada na década de 80, que apesar de não reduzir os índices de
superpopulação carcerária como se espera, vem apresentando bons
resultados, especialmente quando se diz do bom funcionamento e
tratamento dos internos, o que por si só já colabora para a não ocorrência
de outros efeitos indesejados da pena privativa de liberdade, a
reincidência.96
Igualmente, a Rússia, país europeu com a maior população
carcerária, com uma média de 475 presos para cada 100 mil habitantes97
, apresenta um dos mais rígidos sistemas prisionais do mundo,
evidenciando a dificuldade que tem o Estado em promover o combate à
criminalidade e à reincidência, talvez, por conta dos fortes traços da
política soviética, muito rígida, que ainda caracteriza o sistema prisional
deste país, apesar do longo processo de humanização pelo qual passou
ao longo dos últimos anos.
Uma das peculiaridades da justiça criminal russa, é que dentro do
sistema prisional, a execução da pena privativa de liberdade se divide em
fases, de modo que os detentos, para cumprirem a integralidade da pena
95 ASSIS, de D. R. Privatização de prisões e adoção de um modelo de gestão privatizada. 2007. Acesso em: Junho/2015. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3483/Privatizacaodeprisoeseadocaodeummodelodegestaoprivatizada>
96 Idem.97 ICPS – International Centre of Prison Studies,Essex, 2014,op cit, p. 05.
53recebida, são transferidos constantemente de estabelecimentos
prisionais, não possuindo um local específico e fixo para sua estada, este
sistema de constantes transferência de estabelecimento prisional do
detento recebe o nome de ‘etapirovane’ (mudança por períodos)98.
Deste modo, as pessoas submetidas à custódia do Estado em
função de acusações de infração às mais diversas leis penais, passam
grande parte do tempo em que deveriam cumprir suas penas, ou em que
aguardam um julgamento, viajando em vagões de trem pelo vasto
território russo, enfrentando condições desumanas de tratamento, além
de ter reduzidos seus direitos, já que em muitas das vezes, o Judiciário
não tem a obrigação de comunicar aos familiares e advogados, o
paradeiro dos presos.
Em entrevista realizada pela revista Reuters, o subdiretor do
Centro pela Reforma de Prisões (CRP) da Rússia, Valeri Sergueyev,
declarou que as condições a que são submetidos os presos pela justiça
criminal russa são aviltantes, demonstrando quão obsoleto é o sistema
prisional deste país, especialmente no contexto europeu, em que estão
localizados a maioria dos países ‘mais desenvolvidos’ do planeta99.
A respeito do sistema de remanejamento dos presos, a
‘etapirovane’, e a semelhança dos estabelecimentos prisionais à
‘purgatórios’, Sergueyev declara:
[...] A viagem de transferência pode durar semanas ou até meses, já que as distâncias na Rússia chegam a milhares de quilômetros, motivo pelo qual os presos realizam paradas e pernoites em prisões preventivas especiais espalhadas por toda a "geografia penitenciária nacional. Eles podem permanecer durante semanas em celas de isolamento em prisões de passagem, onde as acomodações são ainda menores que em uma prisão normal, especialmente no que se refere aos cuidados médicos e à alimentação. No entanto, essas prisões parecem hotéis em comparação com os vagões. Quando estão sendo transferidos nessas câmaras, os presos só podem ir duas vezes por dia ao banheiro, recebem água quente para o chá com contagotas e a ventilação é quase inexistente. Devido à falta de espaço, já que podem levar até
98 ORTEGA, I apud KHITROV, S. Russian Reuters. Em sistema prisional obsoleto, vagões russos são purgatório. Revista Exame Online. 2013. Acesso em: Junho/2015. Disponível em:<http://exame.abril.com.br/mundo/noticias/emsistemaprisionalobsoletovagoesrussossaopurgatorio>99 Idem.
5450 quilos de pertences, os presos viajam sentados e precisam se curvar para dormir. É um sistema incivilizado herdado da rede de gulags (campos de trabalho) da União Soviética. A Suprema Corte ordenou limitar de 16 para 12 o número máximo de presos em um vagão, mas continuam sendo muitos. [...]100
Em sua concepção, as condições de tratamento dispensadas
aos detentos, além de permitir que passem muito pais tempo em trânsito
do que cumprindo efetivamente a pena privativa de liberdade, tolhem
seus direitos individuais e afastam a possibilidade de alcance de bons
resultados na seara da pacificação social, de modo que o sistema russo
não conseguiu ainda, com este modelo, otimizar a experiência do cárcere,
um mal necessário à administração da justiça.101
Sob esta ótica, inferese que na Rússia, bem como na grande
maioria das sociedades modernas, infelizmente, ‘nem o governo nem a
sociedade acreditam na retificação e na reinserção social dos presos’102.
Assim declara o ativista pela reforma prisional da Rússia:
[...] A maioria considera que uma vez preso, acabou. Nas prisões as pessoas não melhoram. O sistema quase militar instaurado nas penitenciárias russas prima pela disciplina e extermina o indivíduo.103
Em vista da situação exposta pela reportagem, é possível
constatar que a crise do sistema prisional, com todas as suas mazelas, a
superpopulação, a restrição aos direitos humanos dos detentos e a
deficiência em sua recuperação social, não são ‘privilégios’ de países
menos desenvolvidos ou menos ricos, como o Brasil, por exemplo.
Enquanto certos países, como a França, mantêm uma política
carcerária que apresenta resultados medianos no que se refere à
contenção da criminalidade, mantendo níveis controlados de crescimento
da população carcerária, outros países europeus como a Rússia, apesar
de todo o avanço econômico e político, ainda enfrentam dificuldades na
administração da execução penal, fazendo surgir a ideia de que muitos
100 ORTEGA, I., 2013, Op cit.101 Idem.102 Idem.103 Idem.
55problemas verificados neste âmbito, poderiam ser superados se
houvesse iniciativa em promover políticas criminais voltadas a alternativas
para a privação da liberdade.
Contudo, a atual realidade dos sistemas prisionais europeus
não pode ser retratada apenas por Estados com resultados numéricos
medianos ou em processo de desenvolvimento das políticas criminais, já
que existem países que mostram resultados excepcionais quando se fala
em administração da execução penal e condução dos estabelecimentos
prisionais.
Exemplo disto são os países nórdicos, entre os quais verifica
se como indicadores do bom funcionamento do sistema prisional e das
medidas de combate ao crime, as menores taxas de população carcerária
do mundo.
Em avaliação dos dados divulgados pela lista de população
carcerária no mundo, feita pelo Instituto de Estudos Prisionais da
Universidade de Essex, em contraponto à tendência mundial, os países
com menor número de detentos são justamente aqueles localizados no
Norte da Europa, e que inclusive figuram como os dez maiores Índices de
Desenvolvimento HumanoIDH do mundo104.
Assim, verificase que o líder no ranking com menor população
carcerária é a Islândia, que conta com apenas 152 detentos, o que
equivale à uma média de 47 presos para cada 100 mil habitantes, seguida
pela Eslovênia, que possui cerca de 1.357 presos, e depois a Finlândia
que conta com 3.134 presos, e a Estônia com aproximadamente 3.186
detentos, conforme último recenseamento feito no ano de 2013105.
Além destes citados, outro destaque se dá aos sistemas dos
países escandinavos (Noruega, Suécia e Dinamarca), os quais o sistema
104 BORGES, B.; CALGARO, F. Brasil fica em 79º no ranking mundial de IDH; veja resultado de todos os países. 2014. Acesso: Junho /2015. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/infograficos/2014/07/22/brasilficaem79norankingmundialdeidhvejaresultadodetodosospaises.htm>
105 ICPS – International Centre of Prison Studies,Essex, 2014,op cit, p. 05.
56prisional é considerado referência no mundo, especialmente pelos altos
índices de reabilitação dos egressos e pela qualidade das instituições
prisionais.
Não raro, constantemente são divulgadas na mídia reportagens
que retratam as eficientes políticas criminais, e até mesmo a curiosa
situação, principalmente para países como o nosso, em que presídios são
fechados por simplesmente faltar detentos para ocupálos, como ocorreu
com a Suécia, que em 2013 fechou 4 estabelecimentos prisionais, de
acordo com o jornal inglês The Guardian.106
No entendimento de especialistas, os países escandinavos
ocupam destaque pelo fato de seus sistemas prisionais serem fundados
em princípios diferentes dos restantes ao redor do mundo, especialmente
no que se refere à função por eles atribuída à pena privativa de liberdade,
sem falar no amplo acesso que sua população tem à direitos básicos, os
quais são fornecidos com serviços públicos de qualidade em sede de
educação, saúde, lazer.
A título de exemplo, cumpre citar a Noruega, que além de
ocupar o primeiro lugar entre os países com IDH muito alto em todo o
mundo, possui as melhores prisões do planeta, chegando a ser
consideradas por tabloides, como ‘spa’s’, devido às condições oferecidas
aos detentos.
Contudo o excelente sistema prisional norueguês vai além da
ótima estrutura física de suas prisões, está arraigado em princípios penais
sólidos, cujo pilar central da execução de penas privativas de liberdade é
a recuperação do delinquente. Neste sentido:
[...] Fundamentalmente, acreditamos que a reabilitação do prisioneiro deve começar no dia em que ele chega à prisão", explicou a ministra júnior da Justiça da Noruega, Kristin Bergersen, à BBC. "A reabilitação do preso é do maior interesse público, em termos de segurança", disse. O sistema de execução penal da Noruega exclui a ideia de vingança, que
106 BOCCHINI, L. Suécia fecha 4 prisões e prova: a questão é social. Carta Capital. 2013. Acesso Em: Junho/2015. Disponível em:< http://www.cartacapital.com.br/sociedade/sueciafecha4prisoeseprovamaisumavezaquestaoesocial334.html>
57não funciona, e se foca na reabilitação do criminoso, que é estimulado a fazer sua parte através de um sistema progressivo de benefícios — ou privilégios — dentro das instituições penais. O país tem prisões comuns, sem o mau cheiro das prisões americanas, dizem os jornais, e duas “instituições” que seriam lugares para se passar férias, não fosse pela privação da liberdade: a prisão de Halden e a prisão de Bostoy, em uma ilha.107
O sistema prisional norueguês vem apresentando bons
resultados, que confirmam seus objetivos de recuperação do detento, já
que pesquisas apontam para um índice de 80% de egressos efetivamente
ressocializados, e um nível de reincidência de apenas 16%, sendo os
crimes praticados pelos reincidentes, todos, de menor periculosidade do
que os cometidos pela primeira vez.108
O estudo aponta para a existência de duas prisõesmodelo na
Noruega, a de Halden e a prisão da ilha de Batoy, sendo esta última
apelidada de ‘ilha paradisíaca’109 devido à sua organização e às
atividades desenvolvidas com os detentos durante o cumprimento da
pena.
Cumpre destacar que a alta capacidade restaurativa das
prisões norueguesas, se deve, principalmente à sua estrutura física de
primeiro mundo, além dos princípios humanísticos encravados na justiça
criminal do país. Assim afirma Melo em seu artigo científico:
Os detentos dessas prisões estão negociando seu reingresso na sociedade, não o regresso para prisões comuns. [...] os detentos vivem, em pequenos grupos, em espécies de chalés espalhados pela ilha [...]O lugar tem uma grande biblioteca, escola, sala de música, sala de cinema, sala de ginástica, capela, loja, enfermaria, dentista, oficinas para conserto de bicicletas (o meio de transporte dos presos pela ilha) e de outros equipamentos, carpintaria, serviços hidráulicos, estábulo (onde os prisioneiros cuidam dos animais), campo de futebol, quadra de tênis e sauna. Trabalham no estábulo, na oficina, na floresta e nas instalações do prédio principal, praticam esportes, fazem cursos, pescam, nadam na praia exclusiva da "prisão" e tomam banho de sol no verão — para o inverno, há uma máquina de bronzear. [...]A comida é preparada e servida pelos detentos e todos se sentam às mesas em companhia dos guardas, funcionários administrativos e do governador da
107 MELO, J. O. de. Noruega consegue reabilitar 80% de seus criminosos. Revista Consultor Jurídico. 2012. Acesso em: Junho/2015. Disponível em:< http://www.conjur.com.br/2012jun27/noruegareabilitar80criminososprisoes>108 Idem.109 Idem.
58prisão. [...] Todas as manhãs, os detentos se levantam, tomam um café da manhã "reforçado", preparam um lanche para levar para o trabalho, que começa pontualmente às 8h30. Trabalham até as 14h30 (por cerca de R$ 21 por dia), almoçam a partir das 14h45 e, depois disso, estão "livres" para praticar outras atividades, até às 23h, quando devem se recolher a seus aposentos. Com o trabalho dos detentos, a prisão é autossustentável e tão ecológica quanto possível, diz o governador da prisão de Bastoy, Arne KvernvikNilsen. Os detentos fazem reciclagem, usam energia solar e, a não ser pelos tratores, seus meios de transporte para trabalho, diversão e tudo mais são apenas cavalos e bicicletas. Bastoy é a prisão mais barata da Noruega. [...]110
É admissível concluir que a rotina estabelecida na prisão/ilha
de Batoy é desenvolvida e criada para reintegrar o detento na rotina e
estilo de vida de um cidadão comum da Noruega, unindo métodos
terapêuticos com os educacionais, todos voltados à emenda do indivíduo.
De modo semelhante, a prisão de Halden, outro modelo de
prisão para o mundo, é considerada pelos próprios noruegueses uma das
‘prisões mais humanas do mundo’, tendo incorporada em sua filosofia o
princípio do respeito para com o detento, de modo que seus
administradores entendem que a reabilitação do detento se faz possível, a
partir do momento que este sentese respeitado e por conseguinte,
desenvolve a capacidade de respeitar o restante da sociedade e suas
regras de convívio, passando então, a não mais cometer crimes.111
Resta evidente com isso, que um sistema prisional, também é
reflexo da mentalidade de todo um corpo social, de modo que o conceito
de pena contido em determinada organização social e seu ordenamento
jurídico, quanto mais evoluído no sentido de resguardar valores humanos,
contribui diretamente para a evolução e consequente saneamento dos
déficits do sistema prisional.
Por esse prisma, Melo expõe em sua obra, a respeito da
organização jurídica criminal da Noruega e seu sistema prisional:
A prisão de Halden foi projetada para incorporar a ideia que os noruegueses têm de execução penal [...]A pena é a privação da liberdade. Não é o tratamento cruel, que só torna qualquer
110 MELO,J.O., 2012, Op cit.111 Idem.
59pessoa em criminoso mais endurecido, diz o governador de Halden. O objetivo é a reabilitação, não a vingança. Mas, os esforços de reabilitação não são exclusivos do sistema. Os detentos são obrigados a mostrar progressos nos treinamentos de qualificação profissional e de reabilitação, para ter direito a desfrutar das "prisões mais humanas do mundo". Se, ao contrário, quebrarem as regras ou se recusarem a fazer sua parte nos esforços de reabilitação, podem regredir para prisões tradicionais. [...]112
De maneira complementar às ideias apresentadas por Melo,
em relação ao sistema prisional europeu e a evidente necessidade
constatada pelos Estados em promover alternativas à pena de prisão, e
assim, melhorar o mecanismo punitivo, o jurista Edmundo Oliveira,
esclarece:
A busca de alternativas às penas curtas de privação de liberdade não é preocupação recente. [...] A clássica suspensão de execução da pena sob condição de boa conduta foi aplicada em vários países da Europa a partir do século XV, não obstante o instituto da suspensão condicional da prisão, como sistema de prova, tenhase projetado a partir dos exemplos da Bélgica em 1888 e da França em 1891. [...]113
Com esteio nestas ideais, percebese que provavelmente o
ponto chave para desvendar a fórmula de sucesso dos sistemas
prisionais dos países escandinavos, é a construção de um sistema
criminal com base em princípios que valorizem mais os seres humanos,
os destinatários das leis, ao invés do cego cumprimento dos diplomas
legais para fins de cumprir metas e atingir estatísticas de encarceramento,
já que prisão por si só, já constatouse não mais ser suficiente para
recuperar aqueles que cometem crimes.
2.1.2 – América do Norte: EUA e Canadá
Depreendese da análise dos dados apresentados pelo
relatório inglês, que a população carcerária dos Estados Unidos
igualmente ao movimento ocorrido na Europa, cresceu vertiginosamente
nas últimas décadas, fazendo contraponto à visão tida de que seu
sistema prisional é um dos mais seguros e eficazes na tarefa de conter
112 MELO,J.O., 2012, Op cit.113 OLIVEIRA, E. op cit, p. 33.
60dentro de seus muros os detentos, sendo referência quando se trata de
prisões de segurança máxima.
Em análise promovida pela obra de Mattos, notase que o
número de pessoas cumprindo penas privativas de liberdade nos EUA
quadruplicou entre os anos de 1980 e 2007.
Atualmente, o país norte americano conta com uma estimativa
de 2.239.751 presos, levandoo à segunda posição no ranking dos países
com maior população carcerária do planeta, correspondendo à 716
presos para cada 100 mil habitantes. 114
Outra consideração relevante apontada pelo autor é que,
quando os dados são analisados partindose da estratificação social e
divisão racial, verificase que a proporção se elevava em grupos
compostos por homens afroamericanos, sendo esta de 1 preso para
cada 21 indivíduos, enquanto que para homens brancos, a proporção era
de 1 para 138.115
Nesta vertente, é possível extrair do quadro representado pelas
estatísticas, que o bom funcionamento e a eficácia social de um sistema
prisional não está relacionada à riqueza produzida por um Estado ou
nação, já que os EUA possuem o 5º maior IDH mundial, pelo contrário,
são relevantes para efeitos de redução da violência e reabilitação dos
condenados o sistema desenvolvido pelo Estado para aplacar as
desigualdades sócias e a concentração de recursos em setores seletos
da sociedade.
O autor ainda considera, a respeito das mudanças que
precedem a melhoria da crise do sistema prisional e a redução do número
de detentos, o seguinte:
É preciso encontrar os meios para fazer cessar a desigualdade e a exclusão. Assegurara que todas as pessoas tenham comida, casa, educação, trabalho, cultura, lazer, bemestar.
114 ICPS – International Centre of Prison Studies,Essex, 2014,op cit, p. 03.115 MATTOS, Virgílio, op cit, p. 17.
61Assegurara que todas as pessoas tenham a oportunidade de buscar a felicidade. Não porque isso eventualmente possa trazer mais segurança; mas sim porque esses são direitos fundamentais que devem ser garantidos a todos os indivíduos. É preciso [...] compreender que não apenas os bens e as riquezas devem ser compartilhados e divididos de forma mais equitativa. ´e preciso aprender a compartilhar também os desconfortos e desvios gerados no interior da sociedade [...] para tentar [...] superálos, não com a exclusão, a intolerância ou a marginalização daqueles que se comportam de maneira ofensiva ou desagradável, mas sim com a inclusão, a integração, tolerância, a compaixão e o perdão.116
Nesta vertente, é possível afirmar que a percepção pela
sociedade e consequentemente, pelo Estado, da necessidade de
implantação em seu ordenamento jurídico de tais princípios, faz surtir o
efeito tão buscado por aqueles que acreditam na pena privativa de
liberdade como eixo central do mecanismo punitivo que integra a
organização de seu estado democrático.
Esta conclusão remete ao sucesso apresentado pelo sistema
prisional europeu, especialmente os da Suécia e Noruega, que ao
incorporar politicas criminais mais humanizadas, conjugando o direito
penal com práticas de reabilitação social, conseguiram reduzir
drasticamente o número de internos no sistema, bem como aumentar
consideravelmente os níveis de reabilitação dos egressos, refletindo na
baixa ocorrência de reincidência.
No entanto, percebese como característica do sistema prisional
dos Estados Unidos que apesar de todo um aparato altamente
desenvolvido para garantir que o Estado mantenha absoluto controle
sobre aqueles que estão em sua custódia, inclusive sobre sua própria
vida, já que 37 estados adotam a pena de morte117, seus resultados são
pouco satisfatórios, principalmente quando se trata de uma das maiores
potências mundiais.
Em análise convergente, Melo explica que a raiz da crise norte
americana está na forma como foi constituído seu sistema, assim explica:
116 MATTOS,Virgílio, op cit, p. 25.117 OLIVEIRA, E., op cit, p. 141.
62A diferença entre os países está nas teorias que sustentam seus sistemas de execução penal. Segundo o projeto de reforma do sistema penal e prisional americano, descritos na Wikipédia, eles se baseiam em três teorias: 1) Teoria da "retribuição, vingança e retaliação", baseada na filosofia do "olho por olho, dente por dente"; assim, a justiça para um crime de morte é a pena de morte, em sua expressão mais forte; 2) Teoria da dissuasão (deterrence) que é uma retaliação contra o criminoso e uma ameaça a outros, tentados a cometer o mesmo crime; em outras palavras, é uma punição exemplar; por exemplo, uma pessoa pode ser condenada à prisão perpétua por passar segredos a outros países ou a pagar indenização de US$ 675 mil dólares a indústria fonográfica, como aconteceu com um estudante de Boston, por fazer o download e compartilhar 30 músicas – US$ 22.500 por música; 3) Teoria da reabilitação, reforma e correição, em que a ideia é reformar deficiências do indivíduo (não o sistema) para que ele retorne à sociedade como um membro produtivo. 118
Levando em consideração a fala do autor, percebese os
países escandinavos, ao estruturar seu sistema penitenciário moderno,
não adotaram o sistema penitenciário de isolamento celular tal como o da
Pensilvânia ou de Auburn, nos EUA, eles adotaram organização mais
aberta e filiada à terceira teoria, em que a reabilitação não é
consequência acessória da pena privativa de liberdade, mas uma
obrigação recíproca do sistema prisional e do, este não tem opção, ou
reintegrase à sociedade ou continua cumprindo a pena em
estabelecimentos mais rígidos, é claro.
Já o sistema dos EUA, apegase mais às duas primeiras
teorias, provavelmente pela própria natureza de ostentação de força e
superioridade que possui seu Estado democrático, as quais, em primeira
instância, até apresentam eficientes efeitos sobre a violência, porém não
servem para acumular conquistas duradouras quando se trata de
resultados sociológicos.
Neste sentido, um estudo feito sobre as prisões dos EUA,
evidencia a diferença de tratamento entre o sistema norteamericano e a
organização das prisões modelo da Europa, sendo a rotina dentro dos
presídios da América, muito mais entediante e menos concessiva,
vejamos:
118 MELO, J.O., op cit.
63Quando os novos presos chegam à prisão, eles geralmente são despidos, banhados e inspecionados de maneira rigorosa para garantir que não estão contrabandeando nada. Suas posses são catalogadas e colocadas em caixas. Não é permitido que os presos tragam muitas coisas de fora. Normalmente, só são permitidos óculos, alguns livros e documentos. As prisões estaduais podem ser mais tolerantes do que as federais nesse ponto [...] Os presos são mantidos nesse local por pelo menos 30 dias, enquanto os oficiais da prisão preparam suas fichas, encontram lugar no presídio e designam trabalhos para eles. A grande maioria dos trabalhos domésticos na prisão, como lavagem de roupas, manutenção, limpeza, cozinhar e cuidar do jardim, é feita pelos presidiários por apenas 10 centavos a hora. [...]. Uma cela típica tem cerca de 2,5 m por 1,8 m, com uma cama de metal (presa na parede ou com pés de metal), uma pia e um vaso sanitário. Também pode haver uma janela com vista para fora da prisão. A superlotação das prisões faz que muitas delas sejam obrigadas a manter dois presidiários em cada cela. Nesse caso, uma outra cama de metal é colocada. Em casos mais graves, três presos são colocados em uma cela.119
Igualmente, se por um lado cresce o número de detentos,
também é aumentado o número de pessoas que cumprem alguma pena
alternativa, as ‘probations paroles’, ‘’que em 31 de dezembro de 2006,
eram 5.035.225 pessoas, mantendose maios ou menos a proporção de
mais de duas pessoas submetidas ao controle extramuros para cada
preso’.120
Conforme dados do Bureau of Justice Statistics, US
Department of Justice dos EUA, ao final do mesmo ano, ‘dezenove
estados e o sistema federal operavam acima de sua capacidade’’, cerca
de 36% a mais.121
Tal realidade, assim como ocorre no Brasil, viola direitos
humanos daqueles que estão presos, ferindo também a Constituição dos
EUA e Tratados Internacionais de Direitos Humanos por ele assinados, de
modo que há precedentes nas Cortes para que o Estado tome medidas e
apresente, em prazo estabelecido pelos magistrados, a redução do
número de detentos nestas regiões.122
119 GRABIANOWSKI, E. Como funcionam os presídios nos Estados Unidos. How Stuff Works Brasil. 2014. Acesso em: Junho/2015. Disponível em:< http://pessoas.hsw.uol.com.br/presidios.htm>120 MATTOS, Virgílio. op cit, p. 18.121 Idem, p. 20.122 MATTOS, Virgílio, op cit, p. 22.
64Sobre as referidas determinações das Cortes para esvaziar
as penitenciárias superlotadas, Oliveira explica:
Como nos Estados Unidos os Tribunais estão estabelecendo ordens fixando o limite da população carcerária em cada Estado, criamse problemas para os juízes que, vez por outra, querem mandar alguém para a prisão além de problemas para o Poder Legislativo, que se vê limitado a votar leis envolvendo emprisionamento, sem que o próprio Governo disponha de recursos financeiros específicos para criar novas bases estruturais, com o objetivo de acomodar as estratégias legislativas.123
Além do entrave apontado pelo autor, outra crítica que se faz
ao sistema prisional dos Estados Unidos, além da condição alarmante de
superlotação, são os altos custos de manutenção de uma penitenciária
naquele país, o que levam a sociedade buscar em conjunto com o
governo, alternativas ao encarceramento, solução esta apontada como
tendência em sede de política criminal ao redor do mundo.
Segundo o jurista, ‘ [...] o público quer mais proteção contra o
crime e gastar menos com as prisões, por isso [...] estão buscando [...]
alternativas, que não sejam tão brandas como um presente ao infrator,
nem tão dispendiosas e sem proveito como as prisões. ’’124
Complementarmente, Mattos esclarece sobre a crise do
sistema prisional norteamericano, que diante da dificuldade do Estado
em manter a ordem e segurança sociais, sem abrir mão do cárcere como
sanção, se faz urgente a adoção de alternativas, como a ‘transferência
dos presos excedentes para o regime de prisão domiciliar ou de
livramento condicional, seguindose critérios fundados na gravidade do
crime [...] ou no tempo restante da pena.’’125
Ainda sobre os sistemas prisionais da América do Norte,
cumpre tecer algumas considerações sobre o Canadá, país que
apresenta uma média baixa se comparado com seu vizinho do Sul (EUA),
pois conta com uma proporção de 118 presos para cada 100 mil
habitantes, segundo o levantamento do ICPS.126
123 OLIVEIRA,E., op cit, p. 142.124 Idem.125 MATTOS, Virgílio, op cit, p. 22.
65
A diferença entre os dois países reside também no modelo de
prisão implantado no Canadá, já que o Estado, desde o ano de 1830, já
se preocupava com a adoção de políticas criminais que visassem "uma
disciplina rigorosa, mas humana e da reforma e reabilitação dos presos",
que contribuiu significativamente para a ocorrência dos baixos índices de
pessoas encarceradas.127
2.1.3 – A América Latina
A respeito dos sistemas prisionais da América Latina, cumpre
dizer que sua realidade é bem diferente dos países europeus e norte
americanos, em que pese a maioria das nações latinoamericanas não
ocuparem os primeiros lugares do ranking da superlotação, com exceção
do Brasil, que ocupa a quarta posição entre as maiores populações
carcerárias do mundo.
Na verdade, o ponto de colapso dos sistemas prisionais da
América Latina consiste, além das condições de superlotação, na
deficiência que estes sistemas têm em conservar sua infraestrutura e
garantir que os detentos sejam alojados nas condições previstas em suas
próprias leis de execução penal e conforme os Tratados internacionais de
direitos humanos que assinaram, já que se identifica graves violações aos
direitos e garantias individuais dentro destes sistemas.
A análise dos dados emitidos pelo relatório inglês, permite
comprovar, sem dúvidas, que uma das chagas destes sistemas é a
superlotação das prisões, deste modo, além do Brasil, verificase na
América Central, o México, com uma população carcerária de 246.226
detentos, seguido da Colômbia, na América do Sul, com estimativa de
118.201 presos, e em terceiro lugar, Cuba no Caribe, com 57.337
pessoas cumprindo penas privativas de liberdade128.
126 ICPS – International Centre of Prison Studies, Essex, 2014,op cit, p. 03.
127 UBC University of British Columbia. General Information on Canadian Prisons. 2012. Acesso em: Junho/2015. Disponível em: < http://www.cscscc.gc.ca/text/organi/org051eng.shtml>
66
Esta realidade alarmante, é tema de análise não só das
autoridades nacionais, mas de entidades que defendem os direitos
humanos e estudam a direito penal no mundo todo, chamando atenção,
inclusive, da mídia mundial, de modo que, em 2012 a revista inglesa, The
Economist, realizou uma reportagem sobre as condições degradantes das
prisões da América Latina, a qual serve de instrumento de análise, pois
apresenta a opinião de quem está fora do sistema e olha o problema de
forma menos afetada.
De acordo com a matéria, a supressão de direitos e garantias
dos detentos, juntamente com condições desumanas de alojamento e a
superlotação dos presídios, são condições que ‘estão mais perto da regra
do que da exceção nas prisões da América Latina [...] a região mantém
encarcerada uma percentagem maior de sua população, perdendo
apenas para os Estados Unidos’129.
Sobre a situação verificada pela reportagem inglesa, Melo
relata:
Poucas prisões na América Latina cumprem as funções básicas de punir e reabilitar criminosos. Os presos são frequentemente sujeitos a tratamento brutal, em condições de superlotação e sordidez extraordinária. E muitas prisões são controladas por gangues de criminosos [...]130
Em análise convergente, disse o relator especial das Nações
Unidas contra a Tortura, o argentino Juan Ernesto Méndez, ‘que não há
nenhum país da América Latina que tenha um 'sistema carcerário
humano'131.
128 ICPS – International Centre of Prison Studies, Essex, 2014,op cit, p. 02.129 MELO, J.O. op cit, p. 01.130 Idem.131 SIERRA, O. ONU: nenhum sistema carcerário da América Latina é humano. Revista Exame Online. 2012. Acesso em: Junho/2015. Disponível em:< http://exame.abril.com.br/mundo/noticias/onunenhumsistemacarcerariodaamericalatinaehumano>
67Os especialistas apontam como possível causa sóciopolítica
da degradação dos sistemas prisionais, os sistemas punitivos implantados
pelos governos ditatoriais das décadas de 1960 a 1980.
Nas palavras do representante da ONU Organização das
Nações Unidas, além da herança ditatorial, falta interesse político dos
atuais Estados democráticos em resolver a crise:
Em parte, os governos latinoamericanos não querem torturar os réus, mas dão muito pouca prioridade às reformas da Justiça Criminal e à reforma carcerária, e a superpopulação é uma mostra da falta de prioridade e investimento [...] nenhum país na América do Sul estabeleceu um Mecanismo Nacional de Prevenção da Tortura132
Complementarmente às ideias apresentadas, constatase
outros problemas na organização da Justiça Criminal destes países, que
contribuem para o aumento da crise do sistema prisional, como bem
demonstra Edmundo Oliveira, que em sua obra, ao criticar o
procedimento adotado pela Costa Rica:
[...] na Costa Rica, o juiz que fixa a pena não tem controle sobre a condenação, visto que esse controle é realizado pelo Poder Executivo e pelo juiz de execução da pena. Cabe então, ao juiz da causa instruir o processo, julgar e condenar, sem se preocupar com o que vem depois. [...]133
Os casos relatados de violação aos direitos humanos nestes
sistemas são vários, sendo que em maioria, as más condições das
penitenciárias, remontam a era medieval do sistema punitivo, devolvendo
às penas privativas de liberdade a característica dos suplícios, fazendo
com que seu cumprimento se torne uma ‘jornada ao inferno’ 134, como
disse a revista inglesa, The Economist.
Cumpre transcrever as constatações realizadas pelas
Comissões de Fiscalização dos Conselhos de Direitos Humanos
divulgadas pela reportagem, que ilustram a falta de controle estatal sobre
as instituições prisionais, que se alastra pelo continente, assim descritas:
132 Idem.133 OLIVEIRA,E., op cit, p. 121122134MELO,J.O., op cit, p.01.
68[...]a reportagem aponta um surto de massacres em prisões e incêndios provocados deliberadamente [...]Em Honduras, um incêndio matou mais de 350 detentos, em uma cadeia no centro de Comayagua, em fevereiro. No mesmo mês, no México, três dúzias de membros da Zetas, uma gangue de traficantes, matou 44 presos em uma cadeia de Apodaca, próxima a Monterrey, antes de escaparem. Em julho, pelo menos 26 prisioneiros morreram em uma guerra de gangues na prisão de Yare, na Venezuela [...]. Um fogo, que começou durante uma briga de prisioneiros na prisão de San Miguel, em Santiago, no Chile, em dezembro de 2010, terminou com 81 prisioneiros mortos e 15 feridos. Todas as vítimas serviam sentenças inferiores a cinco anos, por crimes como pirataria de DVD e roubos. Na Venezuela, 400 presos são mortos por ano, em média. [...] A principal razão de tantas mortes [...]. Muitas mortes resultam de guerras entre gangues rivais, por causa do negócio lucrativo da extorsão de dinheiro de detentos, tráfego de drogas e contrabando de armas para dentro das prisões. [...]135
Sob esta ótica, críticos apresentam como causas para a
situação caótica das prisões latinoamericanas, especialmente para
superpopulação, a falta de recursos financeiros destinados pelos Estados
para a manutenção e melhoria do aparato prisional, que carece de
infraestrutura básica para manter as condições humanas determinadas
pelos órgãos de fiscalização internacionais, como a ONU, por
exemplo.136
Além da falta de recursos para aplicação e melhoria dos
sistemas, ainda são apontadas como determinantes para a crise, as
políticas criminais adotadas pelas Justiças da América Latina, em que
muitas das vezes, são aplicadas penas privativas de liberdade a crimes
não violentos, como furtos de itens de baixo valor, tráfico e uso de drogas.
Igualmente, a falta de atuação do Estado nestes países, em
criar políticas e mecanismos que preservem a segurança pública, faz
surgir o sentimento generalizado na população de que o encarceramento
é a solução mais adequada para retirar do convívio aqueles que oferecem
risco à seu patrimônio, ainda mais em países em que a distribuição de
renda é desigual e os bens são adquiridos por pequeno grupo detentor da
renda.
135 MELO, J.O., op cit, p.01.136 Idem, p. 04.
69Desta forma, o encarceramento como meio de política
criminal, evidentemente falho, se mostra medida rápida e de efeitos
instantâneos, porém pouco duradouros, nestes governos. Mattos
apresenta análise dos efeitos deste imediatismo em sua obra, vejamos:
Penas privativas de liberdade executadas de tal forma revelam um abuso do poder punitivo do Estado [...]. Aplaudindo e sentindonos mais seguros, diante dos muros e grades [...] isolando, estigmatizando e ainda submetendo aqueles que seleciona ao inútil e desumano sofrimento da prisão, o sistema penal faz com que esses indivíduos selecionados para cumprir o papel de criminosos’ se tornem mais desadaptados ao convívio social e, consequentemente, mais aptos a praticar agressões e outras condutas socialmente negativas e indesejáveis [...].137
Diante da análise feita pelo autor, é possível concluir que a
baixa capacidade dos sistemas prisionais da América Latina em reabilitar
seus internos e ressocializálos, como bem observou o representante da
ONU, se deve, de maneira proporcional, à forma como está estruturada
fisicamente e também ideologicamente a prisão nestes países,
evidenciando a necessidade de evolução de seu mecanismo punitivo, de
modo que se busque a aplicação da pena privativa de liberdade como
meio, não de retribuição pura e simples do mal cometido, mas como
forma de emenda da índole do delinquente, resguardando sua identidade
humana, ao garantirlhe os direitos e garantias fundamentais dentro do
sistema.
Neste diapasão, é consenso entre os estudiosos, que é
necessário ‘buscar novos procedimentos para punir de modo coerente o
infrator’138, procurando evitar o encarceramento massivo e quase que
automático implantado atualmente na política criminal destes países,
assim como na maior parte do mundo.
Contudo, há de se considerar que os sistemas prisionais da
América Latina não são de um todo perdidos, já que há indícios de
mudanças no continente, a exemplo de países como a República
137 MATTOS, Virgílio, op cit, p. 2223138 OLIVEIRA, E., op cit, p. 122.
70Dominicana, que no ano de 2003 iniciou sua reforma prisional, a qual
serviu de exemplo para os países vizinhos.139
Melo destaca em sua obra, os principais pontos da reforma
dominicana, assim descritos:
[...]quase a metade de suas 35 cadeias agora são operadas sob novas regras. Uma delas é recrutar pessoal civil, que não tem qualquer ligação com a polícia ou com os militares, para operar as prisões. Os civis recrutados passam por um treinamento de um ano em uma faculdade que funciona em uma vila extravagante, [...] ganham até US$ 1,5 mil por mês e os carcereiros cerca de US$ 400 – três ou quatro vezes os salários anteriores [...]. As prisões devem ser transformadas em escola para proporcionar uma formação educacional aos presos [...]Roberto Santana, exreitor de universidade, que era diretor do novo sistema prisional [...] decretou a obrigatoriedade de os prisioneiros aprenderem a ler, sob pena de perder seus privilégios, como visitas conjugais e telefonemas [...], impediu que as prisões ficassem superlotadas ao se recusar, polemicamente, a aceitar novos presos quando não havia espaço para eles [...]isso dissuadiu os juízes e promotores a mandar pessoas para a cadeia, sem uma boa razão. As autoridades prisionais fazem um grande esforço para manter os detentos em contato com suas famílias [...]. O custo de cada prisioneiro, por dia, aumentou para US$ 12, praticamente o dobro do anterior [...]. mas Roberto Santana insiste que é "um investimento que retorna grandes economias para a sociedade". Dentro do novo sistema, a taxa de reincidência, em três anos, caiu para 3%. No sistema anterior, essa taxa era de 50%. A República Dominicana se tornou um modelo para outros países. [...]140
Com esteio nas informações apresentadas no estudo do autor,
a respeito da crise dos sistemas prisionais da América Latina, concluise
que a saída para os Estados que se veem em situação caótica é a
construção de nova lógica punitiva, adotando políticas criminais,
principalmente, baseadas em alternativas à prisão, bem como, destinado
parte de sua receita para a melhoria das prisões, pois não há como
garantir o fim humanístico e reformador da pena de prisão dentro de um
sistema degradante e desumano.
139 MELO, op cit, p. 05.140 ICPSInternational Centre of Prison Studies, Essex,2014,op cit, p. 0506.
71
2.1.4 – Ásia, África e Oceania
Seguindo na análise dos sistemas prisionais no direito
comparado, é possível constatar que nestes continentes também existe
crise, porém em níveis diferentes.
Assim, na Ásia verificamos que a China detém uma das
maiores populações carcerárias mundiais, com cerca de 1.64 milhões de
detentos141, mesmo com um ordenamento penal em que está implantada
a pena de morte, apesar da pouca disseminação de informações a
respeito da organização de seu sistema prisional, devido ao governo
comunista, que detém o controle da imprensa.
Igualmente, os três países com maior população carcerária do
continente asiático, além da China é claro, são a Índia, naturalmente por
ser um dos países mais populosos do mundo, com cerca de 385.135
detentos, seguida da Tailândia, que conta com 279.854 presos, e em
terceiro lugar o Irã, teocracia islâmica que atingiu o número de 217 mil
presos, de acordo com o levantamento inglês.142
Vale mencionar, país que merece destaque no continente
asiático, é o Japão, que desde o século XIX demonstra preocupação pela
busca de alternativas ao encarceramento.143
Na concepção de Edmundo Oliveira, que direcionou sua
pesquisa acadêmica ao estúdio de medidas alternativas à prisão privativa
de liberdade, o sistema adotado pelo Japão implantou método de
reabilitação dos condenados através do trabalho direcionado à sua
reinserção no mercado, de forma que não cometam mais crimes quando
egressos.
141 Idem, p. 04.142 ICPSInternational Centre of Prison Studies, Essex,2014,op cit, p. 04143 OLIVEIRA, op cit, p. 97.
72O autor esclarece sobre a política criminal reformadora do
Japão que contribuiu para a redução da população das prisões:
[...] vamos dar especial atenção ao emprego da probation [...] vem se constituindo na principal estratégia de alternativa á prisão no Japão, nos últimos 40 anos. A supervisão inclui as funções de controlar a atividade dos condenados, para que não voltem a delinquir, assim, como dar a eles a devida assistência com vista à reintegração social. Muitas pessoas, apoiadas por entidades comunitárias, atuam como oficiais voluntários da probation, enquanto os centros oficiais de reabilitação se ocupam com o comando da supervisão dos infratores submetidos a esse regime. Esse conjunto de atuação é que tem garantido sucesso da probation supervisionada pela própria comunidade.144
Em conclusão comparativa, diante da reforma prisional pela
qual passou o Japão nas últimas décadas conjugada com os dados
levantados pelas entidades internacionais, não é surpreendente constatar,
que em um continente de tamanha abrangência como a Ásia, dotado de
números assustadoramente elevados como os da China, os índices de
população carcerária baixos que apresenta o país, com uma média de 51
presos para cada 100 mil habitantes145, índice que se aproxima dos
padrões de sucesso europeus.
Por conseguinte, a África apresenta dados tão preocupantes
quanto os da América Latina, de modo que a grande população
carcerária, serve como indicador da crise do seu sistema prisional, pois
está atrelada à outras condições de violação aos direitos humanos, e
revela a degradação do sistema criminal de seus países.
Mediante análise, inferese que os maiores condensadores de
detentos no continente africano são a África do Sul, país dotado de
grandes e históricas desigualdades socioeconômicas, com seus 156.370
presos, seguida da Etiópia, um dos países recordistas nos índices do
mapa da fome no mundo, que conta com 112.361 detentos, e em terceiro
lugar o Marrocos, com 72 mil pessoas cumprindo penas privativas de
liberdade, em maioria, por conta de crimes não violentos, porém
144 ICPSInternational Centre of Prison Studies, Essex,2014,op cit, p. 04.145 ICPSInternational Centre of Prison Studies, Essex,2014,op cit, p. 04.
73considerados graves por atentar contra a organização e religião do
Estado146.
Nesta trilha, em relação à Oceania, os país com maior
população carcerária é a Austrália, com quase 30 mil pessoas atrás das
grades, sucedida pela Nova Zelândia, com 8,5 mil detentos, e em terceiro,
a ilha de Nova Guiné, com cerca de 3.467 detentos.147
Em tal contexto, o sistema adotado pelas penitenciárias da
Oceania, principalmente as da Nova Zelândia, muito se assemelham ao
implantado pelos países escandinavos na Europa, sendo a prisão da
cidade de Otago, considerada uma das mais humanizadas e luxuosas do
mundo.148
Já as prisões da Austrália não são tão sofisticadas quanto as
da Nova Zelândia, seguem um modelo mais tradicional, semelhante ao
Inglês, porém o país com o segundo maior IDH do mundo, também
apresenta um sistema prisional eficaz e igualmente reabilitador,
possuindo ainda muitas Prisões de Segurança Máxima, já que foi fundado
com esta finalidade, em que ‘ [...] as instituições penais do século 18 e 19
[...] tinham funções tanto de reabilitação, em alguns casos, como de
campos de trabalho forçado para a construção de colônias [...]’.149
No que tange as ideias e teorias apresentadas neste capítulo,
cumpre observar que a situação dos sistemas prisionais ao redor do
planeta, em especial aqueles que contam com a crise da superlotação e
da ineficácia da prisão para combater a violência, o caminho para
evolução do aparato prisional e aperfeiçoamento da Justiça criminal, está
na busca por medidas que afastem da regra o encarceramento.
146 idem, p. 02.147 Idem, p. 06.148 FREEMAN, A. 10 of the World’s Most Luxurious Prisons, and One Wild Card Thriller. Takepart. 2012. Acesso em: Junho/2015. Disponível em:< http://www.takepart.com/photos/worldsmostluxuriousprisons/bastoyprisonnorway>149 TERRA, Online apud UNESCO. Lugares para se preservar. Acesso em: Junho/2015. Disponível em:< http://www.terra.com.br/turismo/infograficos/patrimoniosdahumanidade/patrimoniosdahumanidade21.htm>
74O jurista Edmundo Oliveira faz acertada análise do problema
exposto, sendo que suas palavras merecem ser reproduzidas para melhor
compreensão:
[...] a solução para os problemas que afetam o sistema penitenciário, em todos os continentes, só será obtida se baseada na convicção de que esta não é uma questão isolada, estanque. Ao contrário, necessita ser entendida como um verdadeiro sistema de vasos comunicantes, fundamentada em quatro pontos: a justiça social; a sistema policial; o sistema judiciário e o sistema penitenciário. Além disso, exige ampla discussão a envolver todos os segmentos sociais, cujos componentes não devem continuar contaminados e imobilizados pelo preconceito e pela indiferença.150
Por derradeiro, após a análise dos sistemas prisionais e seus
maiores desafios ao redor do mundo, fazendo comparativo entre seus
ordenamentos jurídicos, o próximo capítulo, se presta à análise das
prisões brasileiras, de modo que sua exploração em separado se justifica
pelas peculiaridades que possui, as quais merecem estudo
pormenorizado.
150 OLIVEIRA,E., op cit, p. 10.
75
3 . A CRISE DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO
O presente capítulo se volta ao estudo do sistema penitenciário
no Brasil, com enfoque especial para o estado de Mato Grosso do Sul,
buscando identificar suas maiores dificuldades na execução das penas
através de presídios íntegros que produzem resultados positivos no
caminho da ressocialização de seus detentos.
A Constituição Federal, em seu art. 5º, mais precisamente nos
incisos XLVII, alínea ‘e’, XLVIII, XLIX, e L até LVII, traz os princípios
norteadores do cumprimento das penas151, e as disposições sobre os
estabelecimentos de execução de penas privativas de liberdade, com
base nos direitos humanos e convenções a que se filia, que servem de
norte para a legislação infraconstitucional.
É possível tomar como exemplo do retrato do que é hoje o
sistema penitenciário nacional, o claro desrespeito ao inciso XLVII, alínea
‘e’, da CF/88: ‘’ XLVII não haverá penas: [...] e) cruéis. ’’
Ora, por penas cruéis, entendese não apenas aquelas que
não devem ser cominadas em abstrato no Código Penal, mas aquelas
cujo cumprimento se desvia do fim humanístico a que se propôs: o de
recuperar o delinquente e de reparar a conduta praticada, através da
privação de um dos maiores bens jurídicos, a liberdade.
Nesse sentido, a pena tornase cruel quando seu cumprimento
se torna danoso à integridade física, moral e espiritual do apenado, seja
151 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Art.5º [...]: XLVII não haverá penas: [...] e) cruéis; XLVIII a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado; XLIX é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral; L às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação; LIV ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; LVII ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;
76através da punição que lhe é imposta, seja pelo local onde é levado a
cumprila.
Consequentemente, nos deparamos com mais uma regra do
art. 5º da CF/88 quebrada, a do inciso XLIX, que assegura aos presos o
respeito à integridade física e moral. Regra esta, que não pode ser
mantida com o desinteresse no resguardo das garantias e direitos
fundamentais destes indivíduos, cuja proteção, por si só, já constitui
política criminal de prevenção ao crime.
Igualmente, a LEP Lei de Execução Penal, (Lei nº
7.210/1984) traz outras disposições complementares, destinadas a
nortear os sistemas prisionais do país, assegurando, em tese, os direitos
e garantias fundamentais das pessoas que são submetidas à pena de
prisão, seja para cumprir condenação ou ainda que provisória.
No entendimento generalizado do direito penal, ‘[..]
estabelecimentos são todos aqueles utilizados pela justiça, na finalidade
de alojar pessoas presas quer sejam provisórios ou condenados, ou ainda
os submetidos às medidas de segurança [...]. ’152
Assim, a Lei de Execução Penal, especificamente no Título IV
de seu texto, traz as diretrizes que devem ser observadas para a
execução das penas privativas de liberdade, em especial no que tange
aos locais e procedimentos a serem adotados para cada tipo de regime
prisional e também para as peculiaridades dos presos. 153
De acordo com o diploma legal, são os seguintes
estabelecimentos que compõem o sistema prisional no Brasil, e suas
finalidades, respectivamente:
Penitenciárias: estabelecimentos fechados, geralmente para condenados e também de segurança máxima; Colônias agrícolas e industriais: regime semiaberto; Casa
152 CAMARGO, Virginia. Realidade do Sistema Prisional no Brasil. Âmbito Juridico. Acesso
em:Julho/2015. Disponível em: < http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1299>153 BRASIL. Lei nº 7.210/1984. Institui a Lei de Execução Penal.
77do Albergado: regime aberto; Hospital de Custodia e Tratamento Psiquiátrico: destinase a inimputáveis e semiimputáveis, que dependem de tratamento de substancias químicas; Cadeia Pública: serve para a custodia do provisório e cumprimento de pena breve.154
Sabese que apesar de todas da Lei de Execução Penal, na
prática o sistema prisional não funciona como o previsto, na verdade o
administrador prisional enfrenta grandes dificuldades em garantir a
proteção dos direitos fundamentais dos internos, diante das inúmeras
avarias em termos de estrutura e funcionamento que possuem as prisões
brasileiras.
Nesta vertente, em que pese a CF/88 trazer claramente
vedações e recomendações acerca do funcionamento do sistema punitivo
brasileiro, o que se vê na prática é o afastamento e até o esquecimento
dos direitos e garantias fundamentais destes cidadãos, que estão
inseridos no sistema penitenciário nacional sem boas expectativas em
relação ao seu futuro na sociedade.
Por este prisma, devese destacar que a crise do sistema
prisional é problema antigo no sistema jurídico, chegando a ultrapassar as
barreiras do Direito, tornandose objeto de estudo da filosofia, sociologia,
psicologia e educação, tamanho o impacto causado na sociedade.
Impende rememorar que o sistema penitenciário tem origens
religiosas, eles remetem à ideia de um mecanismo destinado à
purificação através de penitências155, daí o nome ‘penitenciária’, e por
isso, com o desenvolvimento da sociedade e a sua frequente exposição á
violência, passaram a um estágio em que as prisões são encaradas
como locais específicos para a ‘purgação’ dos pecados (crimes), de modo
que é conveniente que se assemelhem a um purgatório, este no sentido
mais próximo da descrição feita pelo poeta italiano Dante Alighieri em sua
obra a Divina Comédia156.
154 CAMARGO, Virginia. Op cit.155 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão (Surveiller et punir) – 20ª ed. – Petrópolis: Vozes, 1999.156 ALIGHIERI, Dante. A divina comédia. Porto Alegre: L&PM, 2004, p.344.
78Na concepção do jurista brasileiro Aury Lopes Jr., o sistema
carcerário brasileiro encontrase em condições medievais, segundo ele,
‘[...] a violência ilegítima, os excessos e abusos na execução da pena[...]’
desviaram o foco do instituto da pena privativa de liberdade no Brasil, pois
‘[...] muitos ainda não se deram conta de que punir é um ato legítimo e
civilizatório [...]’.157
Neste contexto, diante do estágio avançado de deterioração do
sistema prisional brasileiro, que ainda está apegado a conceitos
involuídos de sanção penal, cumpre transcrever a fala do professor de
direito da Faculdade de Direito de São Paulo, Me. Alvino Augusto de Sá,
que muito bem descreve a atual crise:
[...] a questão penitenciária hoje, é um câncer na sociedade. Lançar mão indiscriminadamente da pena privativa de liberdade, como se faz hoje, é tratar com irresponsabilidade o próprio poder de punir. [...] é a perpetuação da violência cometida com o crime, que agora se tornou uma forma de purgação da dignidade humana do preso. [...] os presídios são sucursais do inferno. [...]158
A crise do sistema prisional brasileiro possui complexa
dinâmica, envolvendo diversos fatores que contribuem para sua
exasperação, tais quais as bases históricas e sociais, fundadas em uma
política criminal seletiva e excludente, além dos interesses econômicos
em torno da manutenção dos quase 3.000 estabelecimentos prisionais do
país, que agonizam diante dos recursos estatais rarefeitos que lhes são
destinados.
Sendo assim, é possível afirmar que a crise do sistema
prisional brasileiro reside na dificuldade do Judiciário em aplicar os
dispositivos atinentes à execução penal, buscando a ressocialização do
condenado, em um sistema carcerário falido, incapaz de repassar aos
internos as ‘benesses’ da restrição de liberdade, em vistas da carência de
157 LOPES JR, Aury. Caos do sistema carcerário: todo mundo fala, todo mundo sabe, ninguém faz nada. 2013. Acesso em: Julho/2015. Disponível em:< https://www.facebook.com/aurylopesjr/posts/397337003686629?fref=nf>158 PUPPO, Eugênio. Sem Pena. 2014. Documentário, longametragem. Heco Produções. Acesso em: Julho/2015. Disponível em:< http://www.sempena.com.br/
79atenção e trabalho conjunto por parte dos Poderes Executivo e
Legislativo no sentido de melhorar o sistema criminal como um todo.
Sob esta ótica, a fim de ter um panorama do complexo
penitenciário nacional, é oportuna a análise de dados, de pareceres
científicos e de notícias veiculadas na imprensa, que se prestam a trazer
às claras a outra face da justiça criminal brasileira, mostrando que o
processo criminal não termina com a condenação do réu, mas abre
espaço para uma nova fase, a de execução da pena privativa de
liberdade.
3.1 – Sistema penitenciário em números
O cuidado do Estado com o sistema penitenciário, incluindo a
forma como lida e o tratamento dispensado às pessoas que estão sob sua
custódia, reflete a capacidade e o grau de evolução do seu próprio poder
de controle social através do mecanismo desenvolvido para auxílio da
Justiça criminal.
Impende destacar os números expressivos apontados em
pesquisas realizadas sobre os estabelecimentos prisionais do Brasil, os
quais representam não só o evidente problema da superpopulação
carcerária, mas a deterioração do sistema penitenciário como um todo e a
deficiência do Estado em gerir o mecanismo punitivo por ele criado.
Nesse sentido, concluise que o sistema penitenciário brasileiro
precisa melhorar, e muito, já que os dados levantados por entidades
especializadas demonstram como está desordenada administração dos
estabelecimentos destinados ao cumprimento das penas privativas de
liberdade.
Deste modo, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ (doravante
CNJ), realizou levantamento em todo o país, e com base em dados
colhidos nos 2.775 estabelecimentos prisionais, elaborou um projeto
denominado ‘Geopresídios’, que na verdade consiste em um mapa virtual
que aponta os principais dados sobre os presídios, estaduais e federais,
80uma verdadeira ‘radiografia do sistema prisional’, levando a
conhecimento público a realidade de uma população esquecida pelo
governo.159
De acordo com o relatório, o Brasil possui um déficit de
229.744 vagas em seus estabelecimentos prisionais, tornando as
condições do cumprimento das penas privativas de liberdade mais
aviltantes ainda, pois a superlotação dos presídios afeta profundamente
as tentativas de reabilitação dos internos, principalmente quando estes
estão inseridos em um sistema carente de infraestrutura, administração
humanizada e de acesso à direitos básicos. 160
O quadro a seguir demonstra o estado alarmante dos presídios
brasileiros, que têm de lidar com a superlotação, resultado da lógica
encarceradora que move a justiça criminal do país, elaborado com base
nos dados fornecidos pelo CNJ Conselho Nacional de Justiça:
Quadro NacionalEstabelecimentos Vagas Presos Déficit
2.775 378.675 608.419 229.744
Fonte: Geopresídios/ CNJ, 2014.
Em análise complementar, a opinião comumente propagada
pelas mídias nacionais, fundada em discursos leigos e populistas, de que
no Brasil não há punição para quem comete crimes porque os ‘bandidos’
não são presos, é um conceito obsoleto e equivocado, já que o país é
justamente um dos integrantes das maiores populações carcerárias do
mundo, a qual ‘ [...] cresceu mais de 74% nos últimos sete anos. ‘’161
Igualmente, estudos apontam que dos mais de 600 mil presos,
cerca de 42% ainda estão aguardando julgamento, ou seja, permanecem,
159 Relatório Mensal do Cadastro Nacional de Inspeções nos Estabelecimentos Penais (CNIEP). Geopresídios. 2014. CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Acesso em: Julho/2015. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/inspecao_penal/mapa.php>160 Relatório Mensal do Cadastro Nacional de Inspeções nos Estabelecimentos Penais (CNIEP). Geopresídios. 2014. CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Acesso em: Julho/2015. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/inspecao_penal/mapa.php>161 SEMER, Marcelo. Pesquisas mostram que a polícia prende, e os juízes também. 2015. Acesso em: Julho/2015. Disponível em: <http://justificando.com/2015/06/13/pesquisasmostramquepoliciaprendeeosjuizestambem/>
81há mais de ano atrás das grades, sem nenhuma expectativa de ter
acesso ao direito/princípio da presunção da inocência contrariando as
disposições legais sobre a duração da prisão temporária, cabível em
casos de investigação do delito p. ex., que preveem sua extensão máxima
para até 30 dias.162
Além disso, outro fator relevante para a compreensão do tema,
é a distribuição que se faz das penas de prisão para a natureza dos
crimes praticados.
Neste sentido, esclarece a socióloga Jaqueline Sinhoretto,
coordenadora do projeto ‘Mapa do Encarceramento’, em parceria com a
Secretaria Nacional da Juventude, da Presidência da República:
Os crimes contra a vida, [...] são quase irrelevantes no conjunto da população prisional. Mal representam 12% dos presos, enquanto aqueles resultantes da somatória de crimes patrimoniais com os de entorpecentes atingem o patamar de 75%. Nada de espantar, combinandose o fato de que a propriedade é o alvo preferencial da tutela penal e que a expressiva maioria das denúncias criminais vem baseada em prisões em flagrante da Polícia Militar em proporção muito destacada em relação às investigações da Polícia Civil.163
Corroborando o perfil traçado pela socióloga dos detentos, o
professor Alvino Agusto Sá, declara:
Os nossos cárceres são povoados por assaltantes, por pessoas que praticaram crime de furto, tráfico, estelionato. São pessoas cujos crimes têm relação extrínseca e atual com a sociedade moderna. [...] são homens, jovens, negros, que geralmente são presos em flagrante comercializando drogas não químicas, sem vínculos com quaisquer associações criminosas. Não se tratam todos de agressores sexuais ou seriais killers, não são doentes. [...] 164
Depreendese, portanto, que a maioria dos crimes investigados
nos últimos anos, os quais levaram à prisão, são de natureza patrimonial,
162 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal, 4ª Ed. São Paulo: RT, 2008.163 SEMER, Marcelo. Pesquisas mostram que a polícia prende, e os juízes também. 2015. Acesso em: Julho/2015. Disponível em: <http://justificando.com/2015/06/13/pesquisasmostramquepoliciaprendeeosjuizestambem/>164 PUPPO, Eugenio, 2014. Op cit.
82como o furto geralmente, e não violentos, tais quais o tráfico de drogas,
o que demonstra a radicalização da mentalidade da Justiça criminal
brasileira, que poderia evitar o cárcere e partir para medidas efetivamente
reabilitadores, se aplicasse à casos como estes, penas alternativas.
Por conseguinte, outro problema social constatado através do
fenômeno da superlotação carcerária, é que a maior parte dos detentos é
composta por negros, evidenciando assim, a desigualdade racial ainda
muito forte no país, exacerbada pelas condições de pobreza e
marginalização por que passam estas pessoas.
De acordo com estudo realizado pela Secretaria Nacional da
Juventude, é preocupante o crescimento do número de detentos negros
nos últimos anos, reforçando a exclusão social pelo qual passam há mais
de dois séculos no país165.
Para melhor ilustrar as informações apontadas, segue o gráfico
elaborado com base nos referidos dados:
Figura 6 Taxa de encarceramento de negros no Brasil
Fonte: Reis, 2015.
Conforme se observa, o estado de São Paulo, detentor do
maior número de presidiários negros, é justamente um dos três estados
com maior déficit de vagas em presídios do país, contando atualmente
165 REIS, Thiago. Estudo revela que SP tem maior taxa de encarceramento de negros do país. G1Portal de notícias da Globo. 2015. Acesso em: Julho:2015. Disponível em:< http://g1.globo.com/saopaulo/noticia/2015/06/estudorevelaquesptemmaiortaxadeencarceramentodenegrosdopais.html>
83com 72,74% menos vagas do que o necessário, conforme relatório
elaborado pelo CNJ em 2014.166
Igualmente, o estado de Mato Grosso do Sul, que está na
terceira posição do ranking de presos negros, possui um déficit de
aproximadamente 1467 vagas em seus presídios167, além de contar com
estabelecimentos em condições precárias, fazendo com que sejam
comparados por especialistas á ‘senzalas da era digital’.168
Pondera ainda a socióloga Jaqueline Sinhoretto, ‘’ a vigilância
policial está focada nos jovens negros. Eles são o alvo das prisões e
compõem a maior parte da população carcerária [...]’’169.
Impende destacar, que a prisão de 1,5 vezes mais negros do
que brancos, reforça os estigmas sociais que envolvem a crise do sistema
prisional brasileiro, e ainda, demonstra que o Judiciário enfrenta
dificuldades em conjugar as diferenças sociais com a administração da
justiça criminal.
De modo similar, no que tange à proporção entre o sexo das
pessoas que integram o sistema penitenciário, cumpre esclarecer que
apenas 6,1% da população carcerária nacional é composta por mulheres,
as quais, quase 80% praticaram crime de tráfico de drogas, proporção
elevada, que se justifica pelo endurecimento da Lei Antidrogas nos
últimos anos.170
A respeito do tratamento dispensado às mulheres dentro do
sistema prisional, Andrew Coyle, especialista em estudos prisionais,
afirma:
166 Relatório Mensal do Cadastro Nacional de Inspeções nos Estabelecimentos Penais (CNIEP). Geopresídios. 2014. CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Acesso em: Julho/2015. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/inspecao_penal/mapa.php>167 Idem.168 JUNIOR, Francisco. OAB compara situação dos presídios de MS a ‘’senzalas da era digital’’. Campo Grande News. 2014. Acesso em: Julho/2015. Disponível em:<http://www.campograndenews.com.br/cidades/oabcomparasituacaodepresidiosdemsasenzalasnaeradigital>169 REIS, Thiago. Op cit.170 ICPS International Centre of Prison Studies. World Prision Brief. 2013. Acesso: Julho/2015. Disponível:< http://www.prisonstudies.org/country/brazil>
84[...] geralmente [...] são direcionados para atender às necessidades da maioria da população masculina e simplesmente adaptadas (embora nem sempre) às necessidades da mulher. O resultado é a discriminação [...] por vários aspectos. [...]. Seja por ser em menor número ou devido às limitações das instalações prisionais, o acesso das presas a atividades, geralmente, é mais limitado do que ocorre no caso dos homens. As oportunidades educacionais ou de capacitação, por exemplo, podem ser reduzidas. A oportunidade de trabalho, talvez, se limite a ocupações consideradas tipicamente femininas, como costura ou limpeza. [...]. É preciso atenção especial para com as necessidades da mulher, prestes a receber seu alvará de soltura. Talvez seja impossível voltarem ao seio da família, justamente por serem exprisioneiras. As autoridades prisionais devem articularse com entidades comunitárias de apoio e organizações nãogovernamentais, a fim de ajudar essas mulheres na sua readaptação à comunidade.171
Deste modo, concluise que as condições enfrentadas pelas
mulheres internas do sistema prisional, muito se assemelham ás
dificuldades suportadas pela população carcerária masculina,
evidenciando o largo alcance dos maus efeitos produzidos pela atual
degradação do sistema penitenciário do Brasil.
Por conseguinte, vale notar que pelo fato de o Brasil contar
com uma população carcerária de aproximadamente 548 mil pessoas
atrás das grades172, o sistema carcerário é acometido por um grande
déficit de vagas nos presídios para acomodar os condenados a penas
privativas de liberdade, ou até mesmo os presos provisórios.
No que tange ao déficit de vagas em estabelecimentos
prisionais no Brasil, conforme dados do Conselho Nacional de Justiça –
CNJ173, o quadro abaixo (de elaboração da autora) demonstra os
estados brasileiros com maiores e menores déficits de vagas,
respectivamente, vejamos:
171 COYLE, Andrew. Administração Prisional: uma abordagem em direitos humanos – Manual para servidores prisionais. 2ª Ed. Tradução Odilza Lines de Almeida.– London : International Centre for Prison Studies, 2009. P. 169173.172 ICPS International Centre of Prison Studies. World Prision Population List – (Lista da População Carcerária Mundial). 10ª Ed. EssexUK. 2013, p. 03. Acesso em: Junho/2015. Disponível:< http://www.prisonstudies.org/news/more102millionprisonersworldnewicpsreportshows>173 Relatório Mensal do Cadastro Nacional de Inspeções nos Estabelecimentos Penais (CNIEP). Geopresídios. 2014. CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Acesso em: Julho/2015. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/inspecao_penal/mapa.php>
85
Maiores déficits1º PE 223,85%2º DF 117,03%3º GO 79,84%
Menores déficits1º MA 17,51%2º MS 18,55%3º PR 23,06%
Da mesma forma, o quadro a seguir (de elaboração da autora)
revela quais são os estados com maior número de presos provisórios174,
submetidos a privação da liberdade, em contrariedade ao que dispõe a
Constituição Federal de 1988175 e o Código de Processo Penal.
Vejamos:
Índices de presos provisórios no Brasil
Maior índice nacional1º Sergipe 78,70%2º Amazonas 76,53%3º Bahia 65,93%
Menor índice nacional1º Distrito Federal 25,32%2º Santa Catarina 27,55%3º Amapá 28,78%
Conforme bem observa Eugenio Puppo, ‘’ embora a liberdade seja a regra e prisão cautelar a exceção, a sociedade não só aceita como prefere o encarceramento antes mesmo do julgamento definitivo, em clara afronta ao princípio constitucional da presunção da inocência. ’’176
Ora, este fenômeno de excesso da prisão provisória ou
temporária, aplicada, muitas vezes, de forma desmedida a casos em que
a simples adoção de medidas assecuratórias permitiria a aplicação da lei
penal àqueles que cometeram crimes não violentos ou contra a vida,
culmina no efeito indesejado da superpopulação carcerária, que
assombra o sistema prisional brasileiro.
174CNIEPRelatório Mensal do Cadastro Nacional de Inspeções nos Estabelecimentos Penais Geopresídios. 2014, op cit.175 BRASIL. Constituição Federal da República Federativa do Brasil. 1988. Art. 5º, incisos LIV, LVII e LXI;176 PUPPO, Eugênio. Sem Pena. 2014. Documentário, longametragem. Heco Produções. Acesso em: Julho/2015. Disponível em:< http://www.sempena.com.br/
86Neste sentido, a ONG Conectas de Direitos Humanos,
representada por sua Diretora Executiva, Lucia Nader, declarou que os
números obtidos pelos levantamentos realizados nos estabelecimentos
prisionais do Brasil, revelam ‘’ [...] um sistema violador de valores [...] um
sistema inaceitável, ilegal e ineficiente [...]. ’’177
Pelo mesmo viés, no que diz respeito à crise do sistema
prisional do Brasil, é inegável que a superlotação carcerária é um dos
pilares de sua degradação, já que o número de presos 90% superior ao
de vagas disponíveis serve como fator relevante para o distanciamento
entre a aplicação da pena privativa de liberdade e a recuperação do
detento, ainda mais quando este é submetido a condições sub
humanas.178
É interessante reproduzir o gráfico elaborado pela ONG
Conectas de Direitos Humanos179, que expõe algumas das principais
dificuldades enfrentadas pelo sistema de execução penal do Brasil:
Figura 7 – Sistema prisional brasileiro em falência
Fonte: Conectas Direitos Humanos, 2014.
A análise do gráfico permite comprovar, que a crise do
sistema prisional brasileiro é resultado de uma série de outros pequenos
entraves suportados pelo aparato da justiça criminal no país, que por
descaso, ou falta de interesse político, não atendem ás necessidades dos
indivíduos envolvidos no processo criminal.
177 Consultor Jurídico. Problemas nas prisões brasileiras ganham destaque mundial. 2014. Acesso em: Julho/2015. Disponível em:< http://www.conjur.com.br/2014jan08/problemasprisoesbrasileirasganhamdestaqueimprensamundial>178 SEMER, Marcelo. 2015. Op cit.179 Consultor Jurídico. 2014. Op cit.
87Enquanto a taxa de crescimento da população brasileira foi
de 30% nos últimos 20 anos, a taxa de crescimento de pessoas em
situação de cárcere atingiu proporções estratosféricas, atingindo a marca
de 380% no mesmo período. Não raro, o Brasil é constantemente
elencado em noticiários mundo afora, como o país com maior crescimento
de população carcerária do planeta.180
Ademais, além da inflexibilidade na aplicação das penas, que
quase sempre resulta no encarceramento, outro entrave que agrava a
crise penitenciária, é a falta de acesso ao direito de defesa por parte
daqueles que estão submetidos ao cárcere.
Conforme exposto, somente no município da Barra Funda, no
estado de São Paulo, cada defensor público é responsável por mais de
dois mil processos criminais, situação esta não muito diferente do resto do
país, tornando humanamente impossível e inviável e extremamente
morosa a defesa das pessoas que respondem a processos criminais.
De acordo com a ANADEP – Associação Nacional dos
Defensores Públicos, o Brasil possui um déficit de 10.578 defensores
públicos181, evidenciando a falta de investimento do Estado no
mecanismo de defesa dos direitos e interesses de seus cidadãos, o que
acarreta em sérios problemas sociais, que serão, posteriormente, muito
mais custosos do que a contratação suficiente de profissionais
qualificados para agir na defesa criminal desta parcela da população.
Cumpre reproduzir o Mapa da Defensoria Pública no Brasil182,
a título de ilustração do problema de falta de acesso à defesa técnica
enfrentada pela grande maioria das pessoas em cárcere, que não
possuem condições financeiras de constituir um advogado para agir em
prol de seus interesses durante a execução das penas privativas de
liberdade:
180 PUPPO, Eugênio, 2014, op cit.181 IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Déficit de defensores públicos – Mapa da Defensoria Pública no Brasil. 2013. Acesso em: Julho/2015. Disponível em:< http://www.ipea.gov.br/sites/mapadefensoria/deficitdedefensores>182 Idem.
88
Figura 8 Estimativa de déficit de defensor público no país
Fonte: ANADEP, 2013; IBGE, Censo, 2010.
Desta forma, resta claro que, ante a falta de oportunidade dos
detentos em constituir um advogado, ainda que público, é praticamente
impossível estancar o processo de superlotação dos presídios, pois ficam
inacessíveis os direitos dos detentos de, por exemplo, solicitar aos juízos
de execução penal o relaxamento de prisão provisória, ou a progressão
de regime, restando fadados à permanência, mesmo que indevida e
inconstitucional, nos estabelecimentos prisionais.
As taxas de reincidência dos egressos de presídios no Brasil,
são igualmente alarmantes, reforçando a imagem de fracasso do sistema
na recuperação e reinserção dos detentos na sociedade.
Conforme assinalam as pesquisas, o sistema penitenciário
nacional não consegue evitar a reincidência de cerca de 75% dos
egressos, tornandose na verdade, nas palavras do antropólogo Luís
Eduardo Soares, uma ‘faculdade do crime’.183
Soares opina que é um mecanismo de transformação do
indivíduo, que o expõe o detento 24 horas por dia a condições
degradantes, em locais de mobilidade extremamente reduzida, sem
atividades direcionadas à profissionalização, tendo como produto um ser
183 PUPPO, Eugenio, 2014, op cit.
89humano completamente desiquilibrado, aleijado física, moral e
mentalmente, imbuído pela revolta contra a organização social.184
Nessa perspectiva, conforme matéria divulgada pela revista
Veja, em abril de 2015, os índices de reincidência dos egressos do
sistema prisional do Brasil, só comprovam que os presídios servem de
‘centros de formação para o crime’, transformando os detentos em
indivíduos ‘mais perigosos, organizados e letais’.185
Segue abaixo gráfico, reproduzido a fim de elucidar a questão
da reincidência alta no Brasil:
Figura 9 Taxa de reincidência no Brasil
Fonte: Veja, 2015.
A ilustração acima, demonstra que a alta taxa de reincidência
criminal no Brasil, é efeito corolário das más condições do sistema
prisional, tendo em vista que o Estado não concede às administrações
dos estabelecimentos prisionais, condições de oferecer aos condenados a
chance de cumprirem com dignidade suas penas, e de reintegrarse à
sociedade, sem ter que recorrer a pratica delitiva novamente.
Nesta trilha, em relação a fala do antropólogo, a expressão
‘faculdade do crime’, faz emergir a análise de outro problema que permeia
a crise do sistema prisional brasileiro: os grandes custos na manutenção
dos presídios em detrimento de outras instituições igualmente importantes
184 Idem.185 MOREIRA, Kérisso. Pesquisa da Veja comprova que redução da maioridade penal é prejudicial para o país. 2015. Acesso em: Julho/2015. Disponível em:< http://www.opinandopolitica.com.br/2015/05/pesquisadevejacomprovaquereducao.html>
90para a sociedade, tais quais as escolas e universidades. Custos estes
que estão cada vez mais pesados e geram pouco ou quase nenhum
retorno para o governo.
Assim, de acordo com o DEPEN Departamento Penitenciário
Nacional, a média nacional de custos com um preso é de
aproximadamente R$2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) por mês,
quantia que atinge quase três vezes o salário mínimo vigente no país.186
Nas palavras do Secretário de administração penitenciária do
estado de São Paulo, Lourival Gomes:
O estado de São Paulo gasta, entre compra de roupas, materiais de higiene, alimentação, escolta e pagamento de advogados públicos, cerca de R$ 1.350,00 por mês com cada preso [...] é mais caro do que a mensalidade de uma faculdade por exemplo [...] é logico que quanto menor o número de presos, maiores os custos, quanto mais lotada estiver a prisão, o custo cai. [...], mas tudo isso, para tornalos piores. [...]187
Os altos gastos com a manutenção dos presos variam
conforme cada estado, porém não deixam de ser prejudiciais aos cofres
públicos.
O governo então, passa a dotar uma lógica financeira que
produz resultados imediatos, a contenção de despesas com o sistema
prisional, mas que prejudica profundamente a sociedade, já que interfere
na qualidade do sistema que se presta à regeneração do delinquente.
Em que pese os altos gastos do Estado com a manutenção do
sistema prisional, estes ainda não são suficientes para atender à todas as
suas carências.
Vale ressaltar que a adoção de políticas públicas secundárias à
repressão do crime, como o desenvolvimento e incentivo à educação,
186 PETROF, Daiana. O custo dos presos. Diário da Manhã. 2015. Acesso em:Julho/2015. Disponível em:< http://www.dm.com.br/cidades/centrooeste/2015/02/ocustodospresos.html>187 PUPPO, Eugenio, 2014. Op cit.
91seria alternativa viável, capaz de causar grandes melhorias em relação
à crise do sistema penitenciário.
Com esteio nesta ideia, o governo do Ceará, através das
Secretarias de Educação e de Segurança Pública, elaborou pesquisa que
comprova que os gastos com presos naquele estado são cinco vezes
maiores do que as despesas com estudantes do Ensino Médio por
exemplo.
A pesquisa informa que o estado possui pouco mais de 500 mil
estudantes, e que gasta com eles cerca de R$ 210,00 reais por mês,
sendo que em relação aos detentos, estes são cerca de 18 mil, os quais
dispendem até R$ 1.500,00 reais por mês188, dentro de um sistema
penitenciário que possui um dos dez maiores déficits de vagas, entre os
Tribunais de médio porte, conforme o projeto Geopresídios do CNJ.189
O sociólogo Joannes Fortes, evidencia que a disparidade entre
os gastos, demonstra que a educação básica, que poderia impedir que as
pessoas caiam no crime, não é priorizada no Brasil, mesmo sendo uma
clara alternativa para política de repressão ao crime.190
Igualmente pontua, que apesar dos altos custos, os presos
continuam submetidos a condições degradantes, sem perspectiva de
melhorias dentro do sistema, em suas palavras:
[...] A Lei de Execução Penal não vem sendo cumprida. Esses detentos são tratados como bichos. Eles vivem em péssimas condições de higiene. Não se respeita o limite de presos [...] Hoje, se gasta muito com o que não se faz’’.
188 TREIGHER, Tamiris. Gasto com preso é cinco vezes maior que com aluno no Ceará. 2012. Acesso em: Julho/2015. Disponível em:< http://tribunadoceara.uol.com.br/noticias/ceara/gastoscompresossaocincovezesmaiordoquecomestudantesnoceara/>189 Relatório Mensal do Cadastro Nacional de Inspeções nos Estabelecimentos Penais (CNIEP). Geopresídios. 2014. CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Acesso em: Julho/2015. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/inspecao_penal/mapa.php>190TREIGHER, Tamiris.2012, op cit.
92De forma convergente, cumpre transcrever o parecer de Aury
Lopes Jr. sobre a maneira como é conduzida a administração do sistema
carcerário nacional: [...] você pode impor uma pena privativa de liberdade, mas não está autorizado a humilhar, enxovalhar, bestializar o preso. O senso comum de quanto pior, melhor’, é de uma imbecilidade imensa. Se não compreendem pelo discurso do respeito à dignidade, que pelo menos se deem conta de que vamos pagar essa (altíssima) fatura de outra forma. Estamos tratandoos como bicho e eles vão sair (nos) mordendo [...].191
Ainda é possível verificar o perfume dos suplícios dentro dos
sistemas prisionais, em especial no Brasil, que sofre com o inchaço nos
índices da população carcerária e já não cumpre, há longa data, o
objetivo de ressocialização dos egressos deste sistema, que hoje é
chamado de ‘escola do crime’.
Estudos realizados por entidades internacionais, com base em
dados colhidos por Conselhos de Direitos Humanos do Brasil, por
exemplo, atestam o caos por que passa o sistema prisional:
[...] as prisões da América Latina estão longe de ser um lugar seguro para reabilitação. A contrário, são incubadoras violentas do crime. [...] os presos são frequentemente sujeitos a tratamento brutal, em condições de superlotação e sordidez extraordinária. E muitas prisões são controladas por gangues de criminosos. [...] uma peculiaridade do Brasil, é que uma das mais poderosas gangues do país, o Primeiro Comando da Capital (PCC), nasceu dentro do sistema prisional, em Taubaté, no ano de 1993. O objetivo inicial da organização era lutar pelos direitos dos prisioneiros e vingar o massacre, no ano anterior, de presos do Carandiru, em São Paulo. Mas a organização se transformou em uma gangue que opera extorsões, tráfico de drogas, prostituição e assassinatos. [...]. Outra falha sistêmica das cadeias e presídios da América Latina é a superpopulação, que resulta em péssimas condições humanas. [...]192
191 LOPES JR, Aury. 2013. Op cit.
192 MELO, J.O. The Economist critica prisões da América Latina. Consultor Jurídico, 2012, p. 01. Acesso em: Junho/2015. Disponível em:< http://www.conjur.com.br/2012set23/theeconomistfazdurascriticassistemaprisionalamericalatina>
93As penitenciárias superlotadas, nas quais, nem metade dos
detentos passou pelo julgamento ou recebeu uma pena condenatória á
reclusão, onde não há condições mínimas de alojamento de pessoas,
tornam o cumprimento das penas sem dúvida alguma, verdadeiro suplício
aos apenados, tirandolhes o último direito que lhes resta, a dignidade
humana, levandoos ao patamar de feras, entes despersonalizados,
destituídos de direitos, cujo único dever é o de resistirem ao
amontoamento de pessoas.
Resta evidente que não há como fugir do problema enfrentado
na execução das penas. A crise de superlotação e carência de
infraestrutura do sistema prisional brasileiro, especialmente, em estados
fronteiriços como o de Mato Grosso do Sul, faz com que os índices do
crime se potencializem, em função da proximidade com as divisas
internacionais.
É neste diapasão que se pretende analisar a crise do sistema
carcerário, especificamente no estado de Mato Grosso do Sul, no capítulo
a seguir.
94
4 O SISTEMA PRISIONAL DE MATO GROSSO DO SUL
No presente capítulo passase ao estudo da dinâmica de
funcionamento do aparato prisional do estado ante o fenômeno da crise
penitenciária nacional, levando em consideração sua constituição e
sintomas, observando como é conduzida a administração penitenciária
local, dentro de um universo dotado de peculiaridades que o levam à
destaque nacional.
Desta forma, incumbe a análise do sistema carcerário do
estado de Mato Grosso do Sul a partir de suas estatísticas, levantadas
com base em dados colhidos por todo o território estadual, pelas
entidades governamentais e não governamentais que trabalham em prol
da evolução e aperfeiçoamento do sistema criminal do estado, ainda
porque os índices de pesquisa são o espelho do quadro da crise aqui
enfrentada.
4.1 – Dados do sistema penitenciário do estado
Sob esta ótica, cumpre mencionar que sistema prisional do
estado de Mato Grosso do Sul é composto por 106 estabelecimentos,
adaptados para o cumprimento de penas privativas de liberdade, partindo
do regime fechado até locais específicos para cumprimento de medidas
de segurança, os quais estão distribuídos entre 52 cidades.193
De acordo com dados colhidos pelo Departamento de
Informações Penitenciárias do Ministério da Justiça, o estado de Mato
Grosso do Sul, em meados do ano de 2013 já contava com população
carcerária próxima do número de 12.716 pessoas.194
193 MINISTÉRIO DA JUSTIÇA DO BRASIL. DEPEN –Sistema Integrado de Informações Penitenciárias. Formulário Mato Grosso do Sul. 2013. Acesso em: Julho/2015. Disponível em:<http://www.justica.gov.br/seusdireitos/politicapenal/transparenciainstitucional/estatisticasprisional/anexossistemaprisional/ms_201306.pdf>194 Idem.
95Em relatório elaborado pela Comissão Provisória do Sistema
Carcerário da OAB/MS, verificase que a média nacional é de 250
detentos para cada 100 mil habitantes, porém em Mato Grosso do Sul, a
proporção é maior do que o dobro, e corresponde à média 600 presos
para cada 100 mil habitantes195.
Além disso, dos quase 13 mil presos no estado, cerca de
90,61% são homens, sendo que apenas 9,39% da população carcerária é
formada por mulheres, dentre as quais a maioria foi presa pela prática de
tráfico de drogas196.
O gráfico abaixo (de elaboração da autora), com dados
fornecidos pelo relatório penitenciário divulgado pela OAB/MS, demonstra
a proporção de presos provisórios e definitivos no sistema penitenciário
de Mato Grosso do Sul:
Conforme se observa da ilustração acima, o número de presos
com sentenças condenatórias definitivas no estado corresponde a
aproximadamente 9.065 pessoas, entre homens e mulheres, sendo que
os provisórios atingem a marca de 3.366 pessoas, conforme os dados
divulgados pela OAB, seccional de Mato Grosso do Sul.197
Igualmente, é importante mencionar que as penitenciárias do
estado não estão lotadas de delinquentes natos ou maníacos sexuais,
como acredita o senso comum, pelo contrário, seguem a tendência
195 JUNIOR, Francisco. OAB compara situação de presídios de MS a ‘senzalas da era digital’. Campo Grande News. 2014. Acesso em: Julho/2015. Disponível: http://www.campograndenews.com.br/cidades/oabcomparasituacaodepresidiosdemsasenzalasnaeradigital>196 JUNIOR, Francisco. Campo Grande News. 2014, op cit.197 Idem.
27%
73%
Prisão Provisória
Prisão Definitiva
96nacional, sendo que a maioria dos internos, tanto homens quanto
mulheres, foram privados da liberdade pela prática de crimes não
violentos.
Assim, de acordo ainda com o relatório da comissão da
OAB/MS, entre os homens presos, 42% praticaram crimes previstos na
Lei de Drogas, 25% cometeram crimes contra o patrimônio, seguidos de
15% que praticaram efetivamente crimes contra a pessoa, depois, 8%
estão presos por cometer crimes contra a dignidade sexual, e os outros
10% não foram especificados pela pesquisa198.
Com relação à população carcerária feminina, a maioria está
presa por prática de crimes previstos na Lei de Drogas, que corresponde
a 79,45%, sendo que 11,24% cometeu crimes contra o patrimônio, 4%
praticaram crimes contra a pessoa, sendo outros crimes na proporção de
3,52% e ainda, somente 1,955 cometeu crimes sexuais199.
Igualmente, a AGEPEN/MS Agencia Estadual de
Administração do Sistema Penitenciário, divulgou que o estado sofre com
déficit de aproximadamente 6.531 vagas, sendo que somente em Campo
Grande faltam 2.760 vagas no regime fechado e 280 no semiaberto, e no
interior o déficit é maior ainda, faltam 2.935 vagas no fechado e 235
vagas no semiaberto e aberto juntos.200
E ainda, além dos déficits em vagas e de contratação de
agentes penitenciários, o estado ainda enfrenta dificuldades
orçamentárias para a mantença dos mais de 12 mil presos, sendo que
gasta mensalmente com cada um cerca de R$1.400,00 por mês, sem,
contudo, proporcionarlhes condições razoáveis de vivencia dentro dos
presídios.201
198 JUNIOR, Francisco. Campo Grande News. 2014, op cit..199 Idem.200 Idem.201 Idem.
97De modo complementar, segundo o presidente da seccional
de Mato Grosso do Sul da OAB, Júlio Cezar Souza Rodrigues, as
condições de superlotação carcerária são preocupantes. Em suas
palavras:
[...]. Evidenciamos, mais uma vez, que a situação é alarmante. Já imaginávamos a gravidade, pois os dados nos revelavam a superlotação. [...] No Presídio de Trânsito as 49 celas que deveriam abrigar até 188 presos, acomodam 499 apenados. No Estabelecimento Penal Feminino, onde convivem 386 presas, são apenas 13 celas, com capacidade máxima para atender 231 mulheres.202
Resta claro, que as prisões do estado de Mato Grosso do Sul
sofrem, assim como o restante do país, com a superlotação, pois diante
da ausência de vagas, as administrações, para cumprir as ordens de
execução das penas privativas de liberdade, obrigamse a acomodar
muito mais pessoas dentro de uma cela do que o recomendado pela
legislação tratados de direitos humanos, e não sofrem fiscalizações
efetivas ou punições para que se adequem.
Tal contexto leva os detentos a condições ínfimas de dignidade
durante o cumprimento de suas penas, o que não é admissível em um
Estado democrático de direito evoluído, e que tem por bases a proteção
integral aos direitos humanos.
A superlotação dos estabelecimentos prisionais gera outros
inconvenientes, que somados, exasperam as más condições do sistema
prisional do estado, como p. ex., a falta de salubridade das celas e
pavilhões, seja pela falta de manutenção predial ou pela ausência de
limpeza, que põe em risco a saúde dos detentos e dos próprios
funcionários, a baixa frequência de assistência médica, o rarefeito acesso
a atividades laborais ou educacionais e profissionalizantes, além de
outros direitos básicos, que infelizmente são suprimidos.
202 OAB/MS. Comissão da OAB/MS visita mais duas unidades prisionais da Capital. 2014. Acesso: Julho/2015. Disponível:< http://www.oabms.org.br/Noticia/13534/ComissaodaOABMSvisitamaisduasunidadesprisionaisdaCapital>
98
Cumpre citar relatório emitido pela Comissão Provisória do
Sistema Carcerário da OAB/MS, após fiscalização de 12 presídios de
Mato Grosso do Sul, o qual constatou realidade preocupante em sede de
direitos humanos e reabilitação criminal dentro do sistema penitenciário
do estado.
Nas palavras do presidente da Comissão, o advogado Carlos
Magno Couto, as atuais prisões do estado, na forma como são mantidas,
assemelhamse a ‘ [...] senzalas da era digital’’, já que foram constatadas
situações de abuso aos direitos humanos dos detentos, em claro
desrespeito à Lei de Execução Penal (lei nº 7.210/84) e ‘ [...] às normas
da ONU – Organização das Nações Unidas, estabelecidas em 1955’’. 203
Pois bem, de modo a facilitar a compreensão da crise do
sistema penitenciário do estado, passase a dividir o estudo do tema em
tópicos, os quais analisarão as prisões femininas, masculinas, as
penitenciárias de segurança máxima dentre outros aspectos do sistema
estadual.
4.2– A crise penitenciária nos estabelecimentos de Mato Grosso do Sul
4.2.1 – Presídios femininos
Sobre as condições carcerárias dos estabelecimentos
femininos do estado, a comissão fiscalizadora da OAB/MS, tomou como
exemplo em seu relatório o Estabelecimento Prisional Irma Zorzi,
localizado em Campo Grande, para relatar a crise do sistema estadual.
O presidente da comissão, Carlos Magno Couto, opinou sobre
as condições verificadas neste local:
[...] nos pareceu um regresso à idade média. A cobertura dos alojamentos é de telha de amianto,
203 JUNIOR, Francisco. Campo Grande News. 2014, op cit.
99gerando um calor excessivo, com total insalubridade e falta de ventilação. Algumas presidiárias cumprem pena em lugares inadequados, como por exemplo, em ‘cela forte’, em razão de serem rejeitadas por outras detentas pelos crimes que praticaram [...].204
O vicepresidente, Luiz Carlos Saldanha Junior, complementa:
É um depósito humano com uma condição degradante. No feminino a situação é mais grave com internas grávidas dormindo no chão, com os filhos e filhas das detentas sem um espaço pedagógico e lúdico. Uma verdadeira desolação. As crianças sobrevivem por doações.205
De modo ilustrativo, reproduzse a seguinte fotografia
produzida pela comissão investigativa da OAB/MS, a qual serve de
quadro das más condições suportadas pelos presídios femininos do
estado.
Figura 10 – Cela do presidio Irma Zorzi
Fonte: OAB/MS, 2014.
Observese que a cela comum, com roupas infantis
penduradas em varal improvisado, além de estar com as estruturas físicas
deterioradas, abriga não só as detentas, mas seus filhos, que são
obrigados a compartilhar do cárcere com as mães, por falta de creche
dentro da penitenciária feminina, e convivem com adultos, em local
insalubre, mal ventilado, de pouca iluminação, sem higiene adequada
para uma criança.
204 OAB/MS. Comissão da OAB/MS visita mais duas unidades prisionais da Capital. 2014. Acesso: Julho /2015. Disponível:< http://www.oabms.org.br/Noticia/13534/ComissaodaOABMSvisitamaisduasunidadesprisionaisdaCapital>
205 OAB/MS, 2015, op cit.
100Existem denúncias por parte da Pastoral Carcerária de Mato
Grosso do Sul, que muitas vezes, as detentas não tem acesso a água
potável. A coordenadora da pastoral, Heidi Cerneka, assim relata:
Chegouse ao absurdo de que uma unidade feminina que não tem freezers para disponibilizar água gelada à população permite que a cantina encha garrafas pet com água da torneira, congele e venda às presas por 50 centavos ou um real.206
Esta constatação feita pela comissão fiscalizadora da OAB/MS
e a denúncia da Pastoral Carcerária, permitem concluir que existe
violação de direitos humanos fundamentais dentro sistema penitenciário
estadual, não só em relação aos internos, mas também em relação aos
seus familiares, especialmente ás crianças, filhos das presidiárias, o que
torna o estado da crise prisional mais grave ainda.
Ora é cediço que o Estado tem o dever de assegurar à criança,
com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de
colocálos a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão, nos termos do art. 227 da
Constituição Federal de 1988.
Além das disposições constitucionais, as quais deveriam ser
suficientes para obrigar o governo a dispensar tratamento adequado à
todos os personagens, principais e secundários do sistema prisional,
existem outras diretrizes que são inobservadas na condução dos
estabelecimentos prisionais femininos do estado.
A exemplo, Andrew Coyle, estudioso do sistema penitenciário
com foco em direitos humanos, afirma:
É particularmente importante que as presas, que são mães, tenham a oportunidade de manter contato com os filhos dos quais estão separadas. [...] elas devem ter
206 PASTORAL CARCERÁRIA. Sistema Prisional de MS precisa de melhorias. Acesso em: Julho/2015. Disponível:< http://carceraria.org.br/sistemaprisionaldomsprecisademelhoriasalertapastoralcarceraria.html#sthash.7CRMRFCC.dpuf>
101autorização para deixar a unidade prisional por curtos períodos de tempo para estarem com suas famílias. Quando os filhos as visitam na prisão, devese permitir o máximo de contato e privacidade possível. As visitas entre mães e filhos devem sempre incluir a aproximação física, nunca ser restritas ou sem contato físico – através de uma tela ou outras barreiras físicas entre eles, por exemplo. [...] Visitas familiares mais prolongadas [...] são de especial importância para as presas. Todo e qualquer esquema de revista de visitantes deve ser conduzido sempre tendo em conta os interesses das crianças.207
Porém, em análise crítica, parece que os filhos das
presidiárias, não têm acesso aos direitos constitucionalmente previstos ás
demais crianças, já que expostos a um sistema de abusos, em que o
Estado os trata como objetos indesejados do corpo social, negandolhes a
dignidade humana quando os mantém de forma inadequada e cruel ao
lado das mães em estabelecimentos ultrajantes como o acima
mencionado.
Deste modo, resta evidente a necessidade de o Estado investir
na melhoria e aprimoramento dos estabelecimentos prisionais de MS,
especialmente os femininos, ante as múltiplas necessidades das presas
durante a pena privativa de liberdade, principalmente em relação ás
estruturas físicas, criando e ampliando espaços destinados à
acomodação das internas que são mães, e para seus filhos, buscando
minimizar os impactos da prisão na vida dessas pessoas, que vivem em
situação de vulnerabilidade.
Ademais, em relação ás politicas criminais implantadas no
sistema carcerário estadual, em relação ás mulheres presas, identificase
uma carência de programas de ressocialização ligadas à educação e ao
trabalho, que objetivem a formação profissionalizante das presas, para
que saiam do ciclo do tráfico e violência, principalmente porque muitas
mulheres são mães e chefes de família, as quais acabam, por falta de
oportunidades quando egressas, em grande maioria, sendo aliciadas
novamente para o tráfico em troca de sustento para si e sua família.
207 COYLE, Andrew. Administração Prisional: uma abordagem em direitos humanos – Manual para servidores prisionais. 2ª Ed. Tradução Odilza Lines de Almeida.– London : International Centre for Prison Studies, 2009. P. 171.
102
4.2.2 – Presídios masculinos
Sobre a condição do sistema penitenciário estadual, sob a ótica
da crise nos presídios masculinos, incumbe a análise de fato que chamou
a atenção da mídia nacional com relação à superlotação dos presídios e
suas péssimas condições, e que acendeu a discussão sobre a
responsabilidade que o Estado tem em reparar os danos causados aos
detentos, pela exposição às precariedades do sistema.
Na opinião do presidente nacional da OAB, Marcus Vinicius
Furtado Coêlho, ‘’ esse é um caso que podemos considerar raro. E,
portanto, a decisão do Supremo deverá ser observada como referência para
todos os juízes do Brasil, analisando o caso concreto’’208, o que torna
interessante sua análise no estudo do presente tema.
Tratase de processo movido por expresidiario contra o estado
de MS, o qual alegou que durante os sete anos em que ficou preso no
presidio masculino da cidade de Corumbá, enfrentou superlotação, falta
de condições mínimas de higiene, exposição a doenças entre outras
precariedades, sendo privado de seus direitos humanos básicos durante
este período.209
Foi então, que em liberdade condicional, resolveu buscar a
tutela judicial para pleitear indenização por ter sofrido com o abandono
estatal e a omissão quanto aos seus direitos fundamentais,
constitucionalmente garantidos, que deveriam ter sido protegidos no
cárcere.
Em entrevista ao jornal Fantástico, o exdetento, Anderson
Nunes da Silva, relatou as condições do presídio de Corumbá:
208 GLOBO, Fantástico. Detento pede indenização do Estado por condições precárias de presídio. 2014. Acesso: Julho/2015. Disponível:< http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2014/12/detentopedeindenizacaodoestadoporcondicoesprecariasdepresidio.html>209 Idem.
103Uma cela que era para oito pessoas tinha 11, 12. Tinha pessoa que dormia até perto do banheiro, que trazia alergia, coceira. Muita nojeira, ninguém aguentava de barata. Acho que o ser humano não merece passar o que nem animal passa.210
Segue abaixo, foto do presidio de Corumbá em Mato Grosso
do Sul, a qual mostra o quanto está deteriorado o estabelecimento:Figura 11 – Presídio de Corumbá/MS211
Fonte: Globo, 2014.
De acordo com a Defensoria Pública, não se pretende com o
referido pleito desabonar a medida de cárcere adotada pelo Estado para
punir o crime cometido por Anderson, mas tão somente, tratase um meio
utilizado para cobrar do Estado a reparação por submeter o indivíduo a
tratamento subhumano e inadequado, quando na verdade este deveria
ter sido recolhido em estabelecimento que lhe oferecesse condições
dignas e plenas de reabilitação, para reintegrálo na sociedade.
Esclarece o Defensor Público a respeito dos direitos violados
dentro do sistema penitenciário estadual:
[...] na verdade o reconhecimento de um direito humano, um direito fundamental de todo brasileiro, que é ser tratado com um mínimo de dignidade. O fato dele ser o ofensor, o agressor, não desobriga o Estado de observar esses direitos. Caso contrário, a sociedade estaria praticando atos ainda piores do que aqueles que o sujeito que foi dito criminoso praticou.212
O processo de Anderson, chegou, em grau de recurso, ao
STF Supremo Tribunal Federal, por tratarse de caso raro e de relevante
210 GLOBO, Fantástico, 2014, op cit.Idem.211 Idem.212GLOBO, Fantástico, 2014, op cit.
104repercussão, e foi a discutido em plenário, em que os ministros ‘ Teori
Zavascki e Gilmar Mendes votaram a favor da indenização ao preso[...], ’
porém ‘[...] a decisão foi adiada depois que o ministro Luís Roberto Barroso
pediu novo prazo para avaliar a questão’.213
No entendimento de especialistas, a ação movida por
Anderson contra o Estado, é complexa por envolver a discussão de
direitos constitucionais, e exige a valoração entre princípios como as
integridades física e moral do preso e o dever estatal de garantir a
segurança pública, os quais são iguais perante a Constituição Federal.
Sob esta ótica, afirma o professor de direito do Rio de Janeiro,
Paulo Freitas:
[...] o que está em questão é o direito dos presidiários. “A Constituição Federal, por exemplo, assegura o direito do preso, a garantia à sua integridade física e moral. A decisão judicial, sobretudo da mais alta Corte, que venha reconhecer esse direito, terá um efeito pedagógico.214
De modo complementar o professor de direito da Fundação
Getúlio Vargas, Daniel Vargas, afirma:
O que é decisivo ao meu ver não é apenas discutir qual é o custo econômico que isso vai ter para o Estado brasileiro. O que é decisivo discutir, [...] é se nós vamos submeter ao debate público e efetivo como o Brasil vai tratar uma parte da sua população, em geral composta por negros, pobres e analfabetos, que são completamente ignorados dentro do sistema prisional brasileiro.215
A fala dos professores evidencia justamente aquilo que se
pretende mostrar com a exposição do caso de Anderson neste trabalho, a
necessidade de reconhecer que o sistema prisional, não só do estado,
mas do Brasil, enfrenta uma epidemia de supressão dos direitos humanos
de seus internos, causada pela superlotação e condições degradantes, o
que revela a falta de interesse do Estado em melhorar o sistema
carcerário, que é um setor vital para a administração da Justiça no país.
213. GLOBO, Fantástico, 2014, op cit.214 Idem215 Idem.
105
Por outro lado, o caso relatado, evidencia também, outra causa
da superlotação dos presídios do estado, que é o encarceramento de
presos sob custódia da Justiça Federal em presídios estaduais, que hoje,
são cerca de 5 mil detentos216 no estado, como bem aponta o diretor da
AGEPEN de MS, Deusdete Oliveira.217
Por conseguinte, como os estabelecimentos prisionais de MS
abrigam mais presos federais do que os submetidos à custódia da Justiça
Estadual, passemos a análise dos estabelecimentos prisionais federais
dentro do estado, na seção a seguir.
4.2.3 – A penitenciária federal de segurança máxima de Mato
Grosso do Sul
O estado de Mato Grosso do Sul abriga uma das cinco
penitenciárias de segurança máxima do Brasil, construída após a edição
da nova Lei de Execução Penal, e inaugurada em dezembro de 2006,
sendo uma das primeiras do país a iniciar suas atividades218.
A penitenciária de segurança do estado de MS, está localizada
na zona rural da cidade de Campo Grande, capital do estado, e segue
padrões de funcionamento muito semelhantes aos norteamericanos.
Com raízes no modelo prisional da Filadélfia, as penitenciárias
de segurança máxima do Brasil, dentre elas a sulmatogrossense, são
verdadeiros ‘Big Brothers’, e submetem os internos a isolamento celular,
mantendoos em celas isoladas e individuais de 7m² durante 22 horas por
dia, com paredes que suportam impactos de até 300 kg, vigiados por mais
de 200 câmeras estrategicamente posicionadas, por 24 horas219.
216 JUNIOR, Francisco. Campo Grande News. 2014, op cit.217 Idem.218 WIKIPEDIA. Penitenciária Federal de Campo Grande. 2015. Acesso em: Julho/2015. Disponível:< https://pt.wikipedia.org/wiki/Penitenci%C3%A1ria_Federal_de_Campo_Grande>219 SOBRINHO, Wanderley Preite. Saiba por que ninguém foge dos presídios de segurança máxima no Brasil. R7 de Notícias. 2011. Acesso em:Julho/2015. Disponivel: <http://noticias.r7.com/brasil/noticias/saibaporqueninguemfogedospresidiosdesegurancamaximanobrasil20111002.html>
106De acordo com o DEPEN Departamento Penitenciário
Nacional (doravante DEPEN), a vigilância é um dos diferenciais desta
prisão em relação aos demais estabelecimentos do país, sendo a
característica que praticamente reduz à zero as possibilidades de fuga.
O governo federal diz que uma penitenciária de segurança
máxima como a do estado de MS, que abriga cerca de 112 internos,220
gera um gasto de R$ 6 (seis) milhões de reais por ano221.
Segue abaixo fotografia de uma das cinco penitenciárias
federais de segurança máxima, que seguem o mesmo padrão nacional:
Figura 12 – Penitenciária Federal de Segurança Máxima222
Fonte: Globo, 2012.
Sobre o funcionamento da penitenciária de segurança máxima
de MS, o DEPEN explica:Nos presídios federais, os agentes das torres de vigilância ficam armados com coletes e capacetes a prova de balas, fuzis de alto calibre, pistolas e granadas de diversos tipos, além de munição reserva para todos os armamentos. Há mais de 200 câmeras de vigilância, espalhadas por todo o presídio, exceto interior das celas. As celas, de 7,14m², têm chuveiro, uma cama, um vaso sanitário, uma pia e uma mesa. Os presos ficam em suas celas por 22 horas. As outras duas servem para banho de sol [...] ocorre em um espaço de 500m² cercado por muros de 7,10² e fechado por cima com telas de grades. Saem no máximo 13 presos por vez, que é o número máximo de presos de cada ala [...] para evitar fugas, as paredes e pisos foram feitos para suportar impactos de
220 LAURIANO, Carolina. Cerca de 25% dos presos mais perigosos do país são do RJ. Globo. 2012. Acesso: Julho/2015. Disponível:< http://g1.globo.com/riodejaneiro/noticia/2012/03/cercade25dospresosmaisperigososdopaissaodorj.html>221 SOBRINHO, W.P. 2011, op cit.222 LAURIANO, C. 2012, op cit.
107até 300 kg. Para evitar resgates por helicóptero, cabos de aço cruzam todo o pátio. Uma vez por semana, eles têm três horas para receber visita e podem assistir a um filme na cinemateca. O encontro é quinzenal, com a duração de uma hora [...]. É no parlatório que o preso tem contato com seus advogados e, às vezes, com visitantes [...] separados por um vidro blindado, eles conversam por interfone, como nos filmes. [...]. Somente parentes e amigos podem visitalos, desde que eles sejam cadastrados e tenham a vida investigada. Visita íntima, só para a companheira devidamente cadastrada.223
A penitenciária federal é considerada uma das mais seguras da
américa latina, e já abrigou vários detentos de notoriedade pública devido
à gravidade dos crimes cometidos e a alta periculosidade e risco
oferecidos a sociedade, como o traficante internacional Juan Carlos
Abadia224 e o traficante carioca Fernandinho BeiraMar225.
Cumpre mencionar que a referida penitenciária está localizada
a cerca de 500 metros do aterro sanitário da cidade de Campo Grande, e
por conta disto, o Ministério Público Federal, na véspera de inauguração,
alegou que o funcionamento do prédio ofereceria riscos às condições de
salubridade do prédio e imediações, já que a localização favoreceria ao
surgimento de doenças e demais incômodos à saúde dos internos e
funcionários.226
Tal situação, ainda que o Ministério Público Federal não tenha
conseguido barrar o funcionamento do presidio pelos motivos alegados,
evidencia que mesmo o Estado brasileiro, arcando com altos gastos e
suportando grandes riscos, ainda não se viu livre de um dos problemas
mais recorrentes no sistema prisional, que é a carência de estrutura para
sua manutenção, denotando que, apesar de ser um grande passo, ainda
parece distante a solução para a crise carcerária nacional.
223 R7, Portal de Notícias. Infográfico Saiba como funciona um presídio de segurança máxima. Acesso: Julho/2015. Disponível:< http://noticias.r7.com/brasil/infograficos/saibacomoviveumdetentoemumpresidiodesegurancamaxima.html>224 GLOBO, G1 Portal de Notícias. Três torres de segurança de presidio federal são alvo de tiros. 2008. Acesso em: Julho/2015. Disponível: http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,MUL4003325598,00tres+torres+de+seguranca+de+presidio+federal+sao+alvos+de+tiros.html>225 GLOBO, G1 Portal de Notícias. Governo Inaugura Presídio de Segurança Máxima no MS. 2006. Acesso em: Julho/2015. Disponível:< http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,AA13962175598,00GOVERNO+INAUGURA+PRESIDIO+DE+SEGURANCA+MAXIMA+NO+MS.html>226 Idem.
108Segundo críticos do sistema, ainda é um modelo carcerário
falho, pois apesar de retirar de circulação das prisões comuns, detentos
nocivos à ordem social, evidentemente gera altíssimos gastos, além de
submeter os internos a isolamento total, levandoos a ‘[...] alienação
mental, loucura ou extrema agressividade’, restando ao fracasso na
ressocialização através da pena de reclusão227.
4.3 – Considerações sobre a crise penitenciária de Mato Grosso do Sul
No que concerne à situação do sistema carcerário do estado
de Mato Grosso do Sul, um panorama da crise pode ser extraído da
interpretação conjunta dos diversos documentos e relatórios emitidos
pelas entidades engajadas em fiscalizar e denunciar os abusos e
depredação que os envolvem.
Desta forma, a organização não governamental Pastoral
Carcerária, emitiu parecer, com base em dados e constatações obtidas
após visitas a cerca de 25 estabelecimentos para cumprimento de penas
privativas, aduzindo que, de forma geral, a condição dos
estabelecimentos prisionais do estado exige melhoras inadiáveis.
A respeito das condições físicas precárias e de superlotação
dos alojamentos e celas, a coordenadora da pastoral, responsável pelo
relatório das cidades do interior do estado, Heidi Cerneka, declara:
[...] a superlotação em algumas unidades é 300% maior que a capacidade. O resultado é o calor insuportável nas celas e o descumprimento recorrente dos períodos de banho de sol. Há celas de castigo insalubres em algumas unidades. [...] Nas delegacias também há denuncias de tortura, com o agravante de que nesses locais não há controle social sobre as ações realizadas.228
227 GLOBO, G1 Portal de Notícias. Governo Inaugura Presídio de Segurança Máxima no MS. 2006. Acesso em: Julho/2015. Disponível:< http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,AA13962175598,00GOVERNO+INAUGURA+PRESIDIO+DE+SEGURANCA+MAXIMA+NO+MS.html>228 PASTORAL CARCERÁRIA. Sistema Prisional de MS precisa de melhorias. Acesso em: Julho/2015. Disponível:< http://carceraria.org.br/sistemaprisionaldomsprecisademelhoriasalertapastoralcarceraria.html#sthash.7CRMRFCC.dpuf>
109Outro ponto relevante que foi abordado na fala da
coordenadora da Pastoral carcerária no interior do MS, foi a denúncia a
ocorrência de punições disciplinares exageradas, as quais submetem a
tratamento animalesco os detentos que já estão extenuados pelas
condições enfrentadas dentro das celas.
Este problema também pode ser identificado pela Comissão
organizada pela OAB/ MS para fiscalizar e denunciar as irregularidades
dos presídios do estado. De modo similar, declarou Carlos Magno Couto:
[...] no Estabelecimento Penal de Corumbá [...] Passamos em frente de uma cela de isolamento e pedimos para que ela fosse aberta. O preso que lá estava ao sair para fora não conseguia abrir os olhos por conta da claridade. Ele estava lá porque foi pego com um celular [...]229
Com base nisto, concluise que a crise do sistema penitenciário
do estado não se limita às condições de superlotação, mas também
envolve problemas de má administração dos recursos humanos do
sistema prisional.
Sobre a administração de recursos humanos no sistema
penitenciário do estado, o relatório da Pastoral carcerária, aduz que há
déficit, além do de vagas, de funcionários para auxiliar na vigilância e
funcionamento dos presídios, vejamos:
A falta de agentes penitenciários prejudica os presos no acesso à educação, à justiça e ao trabalho. Aliás, em muitas unidades, os detentos não podem trabalhar devido à falta de funcionários que os vigiem. “Existe a necessidade não somente de promover um concurso, mas de garantir a criação de mais cargos por lei”. Os que trabalham nos presídios têm o benefício da remição de pena, mas a PCr entende que “é importante remunerar quem trabalha com serviços internos na unidade.230
Sabese que atualmente o estado de Mato Grosso do Sul
possui cerca de 1.200 agentes penitenciários trabalhando em todo o
estado, número este que é insuficiente para atender ás necessidades de
uma quantia dez vezes maior de detentos.231
229 JUNIOR, Francisco. Campo Grande News. 2014, op cit..230 CARCERÁRIA, Pastoral, op cit.
110
Diante disto, resta um déficit de aproximadamente 1.450
agentes técnicos penitenciários apara atender às recomendações da Lei
de Execução Penal e demais Convenções de direitos humanos
penitenciários.232
De modo complementar à necessidade de pessoal apontada
pelo relatório, é necessário que os agentes penitenciários recebam
qualificação técnica para lidar com a pratica penitenciária, a fim de que
saibam bem conduzir a atividade carcerária, sem nunca se esquecer dos
princípios humanísticos da prisão e da proporcionalidade das penas, de
modo que não cometam abusos, seja por omissão em relação aos
supervisionados (detentos) ou por exagero no exercício de suas funções.
Assim explica Andrew Coyle, em capítulo destinado a
compreensão dos procedimentos adotados para aplicação de sanções
disciplinares em penitenciárias, em respeito aos direitos humanos:
A lista de violações disciplinares, claramente definidas e divulgadas na prisão, deve ser acompanhada por uma lista completa das possíveis punições aplicáveis a qualquer pessoa presa que cometer uma das violações. Da mesma forma que na lista de violações, a lista de punições deve ser estipulada em um documento legal, aprovado pela autoridade competente. As punições sempre devem ser justas e proporcionais à violação em questão.233
A análise do autor permite afirmar que mesmo em situação de
cárcere, os presos continuam assegurados dos princípios informadores
do processo legal, sendo que nem mesmo em relação ás sanções
disciplinares, podem ser impedidos de defenderse amplamente ou de ter
acesso ao processamento das disciplinas que lhes são impostas.
Sendo assim, eventual situação de uso forçado destas
medidas, aplicadas ao suposto indisciplinado, por si só já denota
desrespeito aos seus direitos, tronandose grave a ocorrência de práticas
231 JUNIOR, Francisco, Campo Grande News, 2014, op cit.232 Idem.233 COYLE, Andrew, 2009, op cit, p 101.
111como a relatada pelo presidente da comissão fiscalizadora da
OAB/MS, Carlos Magno Couto, em visita ao presidio de Corumbá.
Por conseguinte, voltando à análise de outros aspectos da
crise penitenciária estadual, o relatório da Pastoral Carcerária aponta
ainda outros aspectos de tratamento dispensado aos internos, que
também constituem redução de direitos fundamentais em sede de
execução penal.
Dentre eles, cita a falta de fornecimento aos internos de
materiais de higiene pessoal, a prática de comercialização de alimentos
dentro dos presídios, enquanto o Estado deveria fornecer alimentação
adequada aos internos, entre outras práticas234.
A Pastoral ainda relata que as práticas de administração com
que são conduzidos os presídios no estado, também afetam diretamente
a vida dos familiares dos detentos, já que são estes quem custeiam a
alimentação, vestimenta, medicação dos familiares internos, além de
serem submetidas à tratamento vexatório durante as visitas, citando as
revistas intimas abusivas praticadas pelos agentes penitenciários235.
Nas palavras da representante da pastoral, Heidi Cerneka:[...] em todos os presídios no estado há cantinas que vendem produtos de higiene, limpeza e comida, a preços elevados. Segundo denúncias de detentos, as famílias são impedidas de levar produtos que estão à venda nas cantinas. Segundo os diretores todo lucro é revertido para as necessidades das unidades. Porém, se o dinheiro gasto na cantina é do próprio preso ou da família, então os presos estão financiando os próprios remédios e projetos de melhorias nas penitenciárias, quando esta função é do Estado, problematiza Heidi, fazendo outra denúncia.236
Estas situações, relatadas por entidades das mais diversas
naturezas, mas com o objetivo de defender o Direito de Defesa e a
dignidade de quem cumpre penas privativas de liberdade, são indicadores
234 PASTORAL CARCERÁRIA. Sistema Prisional de MS precisa de melhorias. Acesso em: Julho/2015. Disponível:< http://carceraria.org.br/sistemaprisionaldomsprecisademelhoriasalertapastoralcarceraria.html#sthash.7CRMRFCC.dpuf>235 Idem.236 CARCERÁRIA, Pastoral, op cit.
112da situação de vulnerabilidade do sistema carcerário atual, que já não
consegue mais sequer oferecer segurança para os próprios detentos, e
muito menos assegurar a pacificação social através da ressocialização
destes.
Podese inferir, que provavelmente a justificativa de
superlotação dos presídios do estado de Mato Grosso do Sul se dá pela
localização estratégica do estado na rota do tráfico internacional de
drogas, já que faz fronteira com o Paraguai e a Bolívia, dois grandes
exportadores de entorpecentes da América Latina.
Por este motivo, não é surpreendente constatar os elevados
índices de presos pela prática de crimes previstos na Lei de Drogas,
especificamente o tráfico, ainda mais quando se analise a população
feminina, já que as mulheres são frequentemente utilizadas pelos chefes
do tráfico para a comercialização e até mesmo transporte de drogas.
Por conseguinte, cumpre mencionar que o governo do estado
de Mato Grosso do Sul precisa construir no mínimo, três presídios para
comportar o número atual de presos, e ainda, estabelecer convênios com
o governo Federal, para suportar as despesas envolvidas na construção
destes estabelecimentos, a fim de que os projetos sejam executados
conforme as diretrizes estabelecidas pelo Departamento Penitenciário
Nacional.237
No que tange à necessidade de investimentos do poder público
para melhorar o aparato prisional do estado, de modo a oferecer
condições mais humanas para aqueles que cumprem uma pena restritiva
de liberdade, impende destacar que deve haver trabalho conjunto entre as
esferas administrativas, de modo que não fique apenas a encargo
somente do governo federal ou estadual os custos com o sistema.
Essa perspectiva dos sistemas prisionais do estado de MS,
demonstra o quão carentes de investimentos governamentais estão as
penitenciárias, pois é dever do Estado prestar assistência e garantir toda
237 JUNIOR, Francisco. Campo Grande News. 2014, op cit.
113a infraestrutura necessária ao cumprimento das penas, não só para
fins imediatos, mas para garantir que a experiência de reclusão seja
otimizada e seja possível atingir sua finalidade, que é a emenda de
conduta e regeneração do indivíduo, o que é quase impossível diante da
presente crise, não só estadual, mas nacional.
Por derradeiro, após breve análise da crise do sistema
penitenciário do estado de Mato Grosso do Sul, feita neste capítulo,
transcrevemse a seguir as impressões extraídas do estudo deste
fenômeno presente no aparato prisional, o qual afeta a dinâmica da
justiça criminal brasileira.
CONCLUSÃO
114O arremate do estudo da crise do sistema prisional
brasileiro deve observar a importância de conjugar o binômio do direito
penal – direitos humanos, para construir um sistema que possua
mecanismos alternativos a privação da liberdade, como penas
alternativas para crimes não violentos, a fim de reduzir o número de
detentos nos presídios.
A forma como uma sociedade, isso inclui o Judiciário, a
administração pública, o Legislativo, e as próprias pessoas ‘comuns’,
tratam os indivíduos culpados ou acusados de crimes, expõe o grau de
humanidade que têm.
Em verdade, é possível afirmar que se mede o grau de
evolução de uma sociedade não pela riqueza que esta acumula, mas pela
forma como lida, trata e cuida das relações humanas que envolvem o
funcionamento desse grupo.
Os seres humanos são o ‘bem’ mais precioso de uma
sociedade, são sua essência, e, portanto, destituirlhe desta condição,
retirando suas prerrogativas diante do grupo, os seus direitos, é um
atentado contra a própria organização social.
O presidente da África do Sul Nelson Mandela, em 1998 fez um
discurso para servidores prisionais, cuja reprodução se faz oportuna para
a compreensão do presente tema, ainda mais quando analisado sob o
aspecto humano, vejamos:
Dizse que ninguém conhece, de fato, um país até estar dentro de suas prisões. Uma nação não pode ser julgada pela forma como ela trata seus cidadãos mais elevados, mas sim como trata os mais simples.238
O Estado deve garantir a segurança a todos os cidadãos,
inclusive os que estão submetidos ao cárcere em função do cumprimento
238 COYLE, Andrew. Administração Prisional: uma abordagem em direitos humanos – Manual para servidores prisionais. 2ª Ed. Tradução Odilza Lines de Almeida.– London : International Centre for Prison Studies, 2009, pg. 17.
115de penas privativas de liberdade ou sendo investigados, de modo que
o acesso aos seus direitos fundamentais não seja restrito a qualidade do
crime que praticaram, ou ao orçamento financeiro da administração do
estabelecimento em que estão recolhidos.
Contudo, o sistema atual é, infelizmente, contaminado pela má
vontade de governos cujas práticas são ineficazes para atender aos
interesses da coletividade e, muito menos, para recuperar e reabilitar os
indivíduos inseridos no sistema penitenciário.
Na verdade, o que se percebe é que a forma como é conduzido
o atual mecanismo punitivo do país, através de seu aparto prisional, avilta
a dignidade destes indivíduos, a tal ponto, que os bestializa, fazendo com
que, ao fim de sua pena, saiam mais nocivos para a sociedade e a si
mesmos do que quando entraram, de modo que é inevitável a
retroalimentação da violência.
Assim, o sistema prisional somente sofrerá mudanças
substanciais quando a atual lógica encarceradora e vingativa não só da
sociedade, mas dos próprios operadores do direito, for substituída por um
discurso tolerante e compreensivo quanto á condição humana do detento,
dandolhe a oportunidade de cumprir sua pena dignamente, buscando a
sempre a plena pacificação social e justiça.
Sobre as mudanças no funcionamento das prisões, para que
estas se tornem uma extensão benéfica da justiça, Mandela disse:
Prisões seguras são essenciais para fazer do nosso sistema judiciário uma arma efetiva contra o crime […]. A contribuição plena que nossas prisões podem proporcionar para uma redução permanente nos índices de criminalidade do país também reside na forma em que se tratam os prisioneiros. Não podemos enfatizar com suficiência a importância tanto do profissionalismo quanto do respeito aos direitos humanos.239
239 COYLE, Andrew, 2009, op cit.
116A respeito disso, com relação à garantia do acesso aos
direitos fundamentais dos detentos, podese afirmar que há a
necessidade de promover o resgate da importância destes direitos
humanos para todos os indivíduos, e que é papel do Estado promovelos
e resguardálos, e quando respeitados, aliados a outras práticas de
promoção e resgate da dignidade destes indivíduos presos, por si só, já
se constitui em política criminal, ainda mais quando tratamos de um país
dotado de desigualdades sociais de proporção continental.
Os dilemas enfrentados pela Justiça Criminal, especialmente, a
morosidade, os entraves na execução das penas privativas de liberdade,
a urgência de aplicação de penas alternativas a crimes não violentos, a
falta de infraestrutura na prisão, de valorização da polícia, a falta do
próprio acesso à justiça e de estrutura das Defensorias Públicas, e
também, o descaso de diversos operadores do sistema de justiça
criminal, além da falta de espaço na mídia para a discussão ampla deste
tema com a sociedade, são os principais causadores da crise do sistema
penitenciário.
É possível apontar duas grandes necessidades hoje, do
sistema prisional brasileiro, a deficiência de infraestrutura dos
estabelecimentos penitenciários, os quais, muitos estão deteriorados, e a
preterição dos direitos e garantias fundamentais constitucionalmente
garantidos, aos indivíduos que estão presos, em detrimento da tentativa
de manutenção de ordem nestes estabelecimentos.
Complementarmente, o governo precisa investir em recursos
humanos para melhoria do sistema prisional, de forma a inserir em seu
funcionamento mais profissionais qualificados para promover o aumento
de sua qualidade do sistema, e desenvolver programas educacionais,
profissionalizantes dentro dos presídios, além de, evidentemente, colocar
mais servidores prisionais a fim de que a vigilância seja realizada nestes
ambientes com mais eficiência e de modo seguro aos carcerários.
117Deve haver cooperação entre as entidades governamentais
para promover melhorias e investir no sistema penitenciário do Brasil,
evitandose deixar a encargo somente da União ou dos Estados a
administração e manutenção destes estabelecimentos, pois a existência
de um aparato prisional sadio e seguro a todos interessa quando se trata
de administração da justiça.
Além disso, a adoção de políticas públicas secundárias à
repressão do crime, como o desenvolvimento e incentivo à educação e ao
trabalho, seriam alternativas viáveis, capazes de causar grandes
melhorias em relação aos índices de reincidência, amenizando os efeitos
da crise do sistema penitenciário nacional.
Ainda fazendo uso das ideias contidas no discurso do líder sul
africano, o caminho para a solução da crise do sistema penitenciário
nacional, muito provavelmente reside na convicção que o próprio
mecanismo punitivo deve ter de que a pena privativa de liberdade, não
deve ser um castigo, mas uma forma de emendar o indivíduo, e isto não é
possível com a violação de seus direitos.
Os préconceitos no Brasil, de que ‘a polícia prende e o juiz
solta’, ou que ‘bandido bom é bandido morto’, são o tipo de mentalidade
involuida e leiga que levam a exasperação dos abusos dentro de um
sistema que deveria servir como unidade intensiva social, capaz de
promover mudanças profundas e duradouras nos indivíduos que praticam
crimes.
É preciso evoluir os conceitos de pena, para uma concepção
mais humana, já que as sanções penais e os presídios foram feitos por
pessoas, e para as pessoas.
Devese abandonar os ideais prémedievais de justiça vingativa
e caminhar rumo à uma justiça restaurativa.
A chave para a solução da crise do sistema prisional, é a
compreensão de que os direitos humanos são tão essenciais para a
118manutenção da ordem e segurança sociais quanto os demais direitos
tutelados pelo Estado.
É preciso desenvolver um mecanismo punitivo fundado no
princípio da punição da conduta reprovável, ou seja, do erro, e não do
castigo à pessoa humana.
REFERÊNCIAS
119ALBERGARA, Jason. Manual de Direito Penitenciário. 1ª ed.– Rio de Janeiro: Aide, 1993.
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