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De uma forma muito completa mas, ao mesmo tempo, bastante simples, George Bragues traça o retrato da crise portuguesa à luz dos factos que marcaram a sua História recente e a economia do país no mesmo período. Um artigo a não perder numa tradução da responsabilidade de Luís Pedro Mateus para o Gabinete de Estudos Gonçalo Begonha, essencial para quem quer perceber verdadeiramente o contexto em que vivemos.
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A Crise de Portugal - O Papel da Social-democracia | George Bragues
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A Crise de Portugal - O Papel da Social-democracia | George Bragues
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A Crise de Portugal - O Papel da Social-democracia | George Bragues
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A Crise de Portugal O Papel da Social-Democracia
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George Bragues
Tradução do inglês para português por Luís Pedro Mateus
A Crise de Portugal - O Papel da Social-democracia | George Bragues
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ortugal nunca conseguiu recuperar a influência que outrora teve no panorama
económico internacional quando transformou a descoberta, por Vasco da Gama,
do caminho marítimo para a Índia, num império de comércio mundial.
Entretanto, nos finais de 2010, a pequena nação ibérica acaba por ser vista por todo o
mundo como um corredor crucial através do qual, se os chamados vigilantes de dívida
passassem, a crise de dívida soberana do euro ameaçaria a Espanha, uma economia
muito maior cujos problemas muito bem podem vaticinar o fim da moeda europeia. Se o
problema que paira na zona euro alguma vez iria ser parado, muitos tinham chegado à
conclusão de que o mesmo teria de ser parado em Portugal. Pela primavera de 2011,
essa previsão estava a ser posta à prova quando Portugal se viu obrigado a seguir Grécia
e Irlanda a recorrer ao fundo de 750 biliões de euros de fundo de resgate da UE e FMI.
A causa imediata da chegada do país a esta posição inevitável foi a escalada de taxas de
juro. Os yield spreads em dívida a 10 anos, a subir de forma estável desde o início da
crise financeira de 2007-2009, chegou ao aumento de 500 pontos base no primeiro
quarto de 2011. Este aumento significou que as taxas de longo prazo portuguesas, que
tinham começado 2010 a 4%, tinham catapultado para mais de 8%, bem além do limite
que o mercado geralmente observa como incomportável para o governo financiar (Wise
2011). Com taxas a subir, investidores foram influenciados também por uma dívida que
em relação ao PIB tinha crescido para exceder 90%, um défice orçamental em relação ao
PIB de 8,6% e um governo que, apesar de promessas em contrário, não tinha
demonstrado a disciplina de evitar que a despesa aumentasse em 2010. Pior ainda, à luz
de experiência recente, os mercados ainda duvidam da capacidade de Portugal criar
nova riqueza suficiente para pagar a sua dívida: o país passou recentemente pela sua
década perdida de crescimento anémico real de PIB. De 2000 a 2010, a economia
portuguesa cresceu a uns meros 0,5% por ano em média ("The Winter of Living
Dangerously" 2011).
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A Crise de Portugal - O Papel da Social-democracia | George Bragues
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Uma visão comum das dificuldades portuguesas é a de que se está agora apagar o preço
de ter entrado no panorama do euro sem que se tivesse os fundamentos económicos
presentes para sobreviver aos rigores de um regime de moeda ao lado de nações como a
Alemanha que têm histórias mais fortes de probidade fiscal (Blanchard 2007; Krugman
2011). Apesar desta visão ter um fundo de verdade, pelo menos no facto de a economia
portuguesa ser estruturalmente vulnerável, a questão sobre como chegou a esta
situação e o porquê de os seus problemas nunca terem sido resolvidos durante as duas
décadas em que esteve ou a preparar-se para, ou já a usar o euro, continua de pé. Figura
1, que mostra o historial de movimentos do rácio de dívida/PIB, apresenta uma pista
acerca da origem escondida dos problemas do país.
O que é imediatamente espantoso aqui é que a dívida do país bateu no mínimo em 1973
a 13,6% do PIB. Desde aí, tem estavelmente subido. Esse ano, 1973, aconteceu ser o ano
antes do derrube, pela "Revolução dos Cravos", de uma longa ditadura, liderada
primeiro por António de Oliveira Salazar e depois, por um período mais curto, por
Marcelo Caetano. Desta mudança de regime em 1974, foi construída uma social-
democracia. Aproximando esta transformação como uma experiência natural para testar
o impacto de um Estado Social robusto e democratização da vida económica é a chave
para compreender as contrariedades do país. Assim, analisando a história do país antes
e depois da revolução de 1974, colocando em relevo tanto as variáveis políticas e
económicas que se mantiveram e mudaram, eu descubro que a social-democracia é a
primeira culpada da difícil situação portuguesa.
A Crise de Portugal - O Papel da Social-democracia | George Bragues
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Antes da Revolução
o amanhecer do século XX, Portugal era um país pobre, maioritariamente
analfabeto e, para todos os efeitos e propósitos, um vassalo do seu multisecular
aliado, a Grã-Bretanha. Logo depois da vigente monarquia se ter ajoelhado a um
ultimato britânico em 1890 com respeito à delimitação de fronteiras nas colónias
africanas, a decadência de procura de exportações portuguesas precipitou uma crise
financeira em 1892. Ambos estes eventos, combinados com uma crise política atiçada
por ataques republicanos ao regime e um intelectualismo zeitgeist marcado por
pessimismo e desastre acerca do futuro do país, pavimentou as condições prévias para o
derrube da monarquia em 1910, personificada pela última vez pelo Rei D. Manuel II
(Sardica 2008, 19-22). Em seu lugar, uma ordem republicana foi instituída e que apenas
durou 16 anos, atolada que estava em instabilidade política, desordem pública e caos
económico. Para resolver as finanças desesperadas do país, a junta militar que havia
tomado as rédeas do poder dos republicanos, apelou ao Dr. António de Oliveira Salazar,
então um professor de política económica e finanças na Universidade de Coimbra, a
Universidade mais antiga e conceituada de Portugal. Depois de inicialmente recusar os
militares e depois tendo-lhe sido concedido a autoridade sobre todos os gastos do verno,
Salazar tornou-se ministro das finanças em 1928. Mais rapidamente do que qualquer
pessoa tinha esperado, Salazar colocou as finanças nacionais sob controlo. A sua
reputação assim cresceu nacional e internacionalmente, e pacientemente foi cimentando
alianças com elementos civis do regime e neutralizou a oposição de facções militares
ganhando finalmente o apoio do Presidente Óscar Carmona, o então Chefe de Estado.
Carmona nomeou Salazar como Primeiro-Ministro em 1932 (Meneses 2009, 62-82).
Um ano depois, Salazar introduziu uma nova constituição que estabelecia o Estado Novo,
a arquitectura política que governou Portugal até à revolução de 1974. Pelo Artigo 5 da
Constituição de 1933, o Estado Novo de Portugal era definido como uma "república
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unitária e corporativa" (Nova Publicação 1971). Para a economia, esta república
concebeu um sistema corporativista em que a concorrência individual era rejeitada, e a
produção era, ao invés, organizada por e entre grupos pela virtude das suas
características partilhadas, interesses e propósitos. Cada um destes grupos - as
corporações - representaria comércios e indústrias específicas. Numa tentativa de
eliminar conflito de classes, empregadores e trabalhadores deveriam resolver,
supostamente, as suas diferenças num espírito cooperativo. Para facilitar esta resolução,
ou pelo menos para prevenir que degenerasse em antagonismo, greves e bloqueios
foram proibidos pelo Estatuto Laboral Nacional (Kay 1979, 57). Apesar de Salazar
gostar de enfatizar a autonomia das corporações, o Estado reservou-se ao direito de
coordenar as suas actividades e definia-se possuidor do direito e obrigação de regular e
dirigir a vida económica e social (Nova Publicação 1971, Art. 10).
O sistema económico que acabou por evoluir nas seguintes décadas apenas comportava
uma semelhança residual com o ideal corporativista. Esta diferença não era surpresa
nenhuma. Sob o sistema económico que prevalecia, cada corporação, precisamente
porque era livre de determinar as condições do seu respectivo comércio ou indústria,
não necessitava de se conformar com preferências de consumidores. Mesmo que uma
corporação o quisesse fazer, a falta de preços num sistema onde as decisões de
produção dependiam de negociações entre o conjunto de grupos significava que seria
impossível de discernir o que os consumidores queriam. Uma corporação iria então
inevitavelmente optar por políticas que beneficiassem os seus próprios membros em
detrimento de outsiders. Uma vez que todas as corporações actuavam desta maneira, o
dano económico infligido na sociedade seria enorme. O governo é então forçado a
intervir e dirigir os vários agrupamentos socioeconómicos de forma a trazer algum tipo
de ordem (para mais sobre este tipo de situação, ver Mises 1996, 816-20). O que acabou
por ser instalado no Estado Novo de Salazar foi então uma forma de intervencionismo,
até ao ponto em que a propriedade privada era retida, mas o governo procurou impedir
e modificar o que as forças de mercado, deixadas a si mesmas, iriam em caso contrário,
criar.
O Estado Novo mantinha, pelo menos publicamente, que a superior espiritualidade do
Catolicismo e o objectivo nacionalista de aumentar a independência económica de
Portugal guiava as limitações da intervenção no materialismo económico. Apesar destes
motivos não poderem ser descontados inteiramente, a interferência do governo era
motivada significativamente pela necessidade de se manter no poder porque as políticas
do Estado Novo procuravam promover o crescimento controlado de uma forma que não
causasse distúrbio no equilíbrio dos interesses socioeconómicos, ao mesmo tempo que
se favorecia uma estreita elite comercial que consistia numas quarenta e poucas famílias
que apoiavam o regime (Corkill 1993, 20-21). As características do regime
intervencionista que produziram este resultado envolviam um sistema de
condicionamento industrial, onde a entrada para uma dada área da economia requeria
aprovação governamental. Comércio extra fronteiras era canalizado para as colónias,
principalmente Angola e Moçambique, que eram tratadas como fontes cativas de
matéria prima e mercados para os bens produzidos no país-mãe. Medidas
A Crise de Portugal - O Papel da Social-democracia | George Bragues
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proteccionistas serviram, igualmente, para promover industrialização por firmas
domésticas via substituição de importação (Meneses 2009, 336-41).
Tal intervenção não conduziu a prosperidade económica. Apesar de Portugal ter
sobrevivido à Grande Depressão relativamente ileso e ter conseguido de forma bem
sucedida manter a neutralidade durante a 2ª Guerra Mundial, em 1950 estava na mesma
posição em relação aos seus pares mais ricos da Europa Ocidental, que estava na altura
da fundação do Estado Novo em 1933. O seu PIB per capita continuava a 42% do PIB per
capita das 12 nações europeias ocidentais (Austria, Bélgica, Dinamarca, Finlândia,
França, Alemanha, Itália, Holanda, Noruega, Suécia, Suíça e Reino Unido) (Maddison
2010). No entanto, nos anos 50, o regime de condicionamento industrial começou a ser
reformado, e investimento estrangeiro e turismo foram sendo encorajados (Corkill 1993,
13-17; Neves 1996, 339).
Esta tendência liberalizante acelerou nos anos 60, com a entrada de Portugal na EFTA
(Associação Europeia de Livre Comércio) em 1960, no Banco Mundial e no FMI no
mesmo ano, e com o Acordo Geral de Tarifas e Comércio em 1962 (Meneses 2009, 356-
57). Para lidar com insurgências que começavam a surgir, o governo português
concedeu às suas colónias alguma soberania política e liberdade de comércio. Este
conjunto de políticas de libertação de mercado deu aso às maiores taxas de crescimento
na história de Portugal (figura 2): o PIB real cresceu 6,2% por ano entre 1959 até 1965,
e 7,5% por ano de 1966 a 1973 (Neves 1996, 337). Por altura de 1973, nas vésperas da
Revolução dos Cravos, o PIB per capita tinha atingido 58% do PIB per capita das nações
ocidentais europeias mais desenvolvidas, tendo subido 16 pontos percentuais desde
1950 (Maddison 2010).
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O Aspecto "Social" na Mudança
para a Social-democracia
Guerra frequentemente cria revolução. Em Portugal, que havia
desafiado a opinião internacional desde os inícios dos anos 60 ao insistir
numa luta quixotesca contra movimentos independentistas nas suas
colónias, tal certamente aconteceu. Marcelo Caetano, que havia tomado conta
como Primeiro Ministro em 1968 depois de Salazar sofrer um enfarte,
inicialmente despertou esperanças entre oficiais do exército mais novos de um
acordo negociado na Guerra Colonial. Quando estas esperanças foram
eventualmente se desvanecendo, um grupo de capitães do exército, conhecido
como o Movimento das Forças Armadas (MFA), lançou um golpe de estado em 25
de Abril de 1974. Nos dois anos seguintes o país sofreu os custos económicos da
incerteza de regime, com elementos esquerdistas radicais do MFA em aliança
com o Partido Comunista tentavam manter o poder contra uma coligação pró-
democrática constituída principalmente pelo Partido Socialista, Partido Popular
Democrata, e moderados dentro do MFA (Manuel 1995). O PIB de Portugal caiu
0,3% em 1974 e desmoronou-se uns espantosos 9% em 1975 antes de ganhar pé,
de certa maneira, em 1976, ao cair apenas 0,2% (Amaral 2010, 28). Uma
explicação esclarecedora para o colapso de 1975 é o ganho inicial de ascendência
por parte dos radicais - a certo ponto, Henry Kissinger, então o Secretário de
Estado dos Estados Unidos da América, resignou-se em perder Portugal para o
comunismo (Garthoff 1994, 539) - ao mesmo tempo que uma grande parte da
indústria portuguesa era nacionalizada, incluindo os sectores da petroquímica,
da química, do aço, segurador e bancário. Depois duma tentativa violenta de
tomar o poder por parte da extrema-esquerda radical ter falhado em Novembro
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de 1975, as forças pró-democráticas ganharam posição ascendente, avançando
subsequentemente a sua causa com a promulgação em 1976 de uma nova
constituição que estabelecia um sistema parlamentar fiscalizado e equilibrado
por um presidente eleito, servindo como chefe de estado.
Mais do que a Constituição de 1933, cuja visão corporativista não tinha sido
realmente implementada no terreno, o documento de 1976 é crítico no
entendimento do sistema económico que foi construído depois da revolução.
Características chave da social-democracia de Portugal foram codificadas na
Constituição de 1976 e subsequentemente decretou que a política do governo
estivesse em linha com as suas provisões. Até este dia, a perspectiva de reformas
de mercado frequentemente levanta o coro de que as mudanças desrespeitariam
a Constituição. Em algum número de ocasiões, esta inconsistência tem sido
manifestamente suficiente para requerir emendas. Estas modificações contudo,
na tese de Louis Hartz (1955) - em que dizia que a paisagem ideológica
americana era determinada pelas ideias políticas dominantes na sua fundação -
pode ser adaptada a Portugal, onde as visões do mundo socialistas prevalentes
no rescaldo imediato da revolução têm sido mantidas vivas desde então.
Esse conjunto de visões figuram de forma proeminente no preâmbulo da
Constituição, que ordena o governo a abrir o caminho para uma sociedade
socialista. Para este fim, a lei fundamental portuguesa reconhece uma panóplia
de direitos positivos em vez de se limitar à provisão de direitos negativos. Em
vez de promover meramente a protecção de liberdades individuais contra acção
governamental, promete aos cidadãos portugueses vários bens e serviços que
requerem acção do governo. O ênfase nos direitos positivos inicialmente ia par a
par com a abordagem socialista mais tradicional de depender de um poder
estatal da economia; as nacionalizações de 1975 foram constitucionalmente
entrincheiradas em 1976. Durante os anos 80, no entanto, as classes políticas de
Portugal começaram geralmente por vir a reconhecer a ineficiência de empresas
dirigidas pelo Estado, e em 1989 a Constituição foi emendada para permitir a
privatização destas empresas. Desde então, na tentativa de avançar o projecto
social-democrata ou, como é chamado em Portugal, o Estado Social, o foco tem
sido o de construir um aparato estatal que assegure os direitos positivos em vez
da posse estatal dos meios de produção.
Assim, a Constituição garante o direito à vida; liberdade de consciência e religião;
segurança da pessoa; liberdade de expressão; liberdade de movimento dentro e
para fora do país; o direito à associação; à protecção de propriedade; o direito de
procurar sobrevivência; e liberdade de detenção, prisão ou deportação arbitrária.
Mas também vai para além destes direitos negativos para garantir segurança de
trabalho, formação de trabalho, um salário que reflicta a quantidade e qualidade
A Crise de Portugal - O Papel da Social-democracia | George Bragues
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de esforço, níveis de salário mínimo, assistência ao desemprego, sindicalização
com direito à greve, limites às horas de trabalho e férias pagas (Art. 53-59). É
dado aos cidadãos o direito a segurança social, na qual o governo é compelido a
providenciar seguro contra doença, velhice, deficiência, desemprego, e perda de
apoio marital ou parental (Art. 63). Para reduzir os riscos individuais colocados
por doença, a Constituição especifica provisão de um sistema de saúde universal
no qual os serviços médicos serão prestados a baixo ou nenhum custo para os
indivíduos (Art. 64). O direito a abrigo é, também, reconhecido: a Constituição
requer que o Estado promova habitação social e de baixo custo e que se
certifique que as rendas são consistentes com o rendimento das famílias (Art.
65). Não se restringindo a si mesma às dimensões financeiras e corporais da
existência humana, a Constituição prossegue para dotar as faculdade mentais
dos cidadãos ao proclamar o direito à educação e à cultura (Art. 73-78). Ao
especificar este direito, o documento mandata um sistema público de educação
básica que é obrigatório, gratuito e universal. As Universidades têm de ser
abertas numa base democrática, com o objectivo final de oferecer educação
superior a preço zero.
Os políticos portugueses, independentemente de que partido estivesse no poder,
obedientemente cumpriram estas obrigações constitucionais ao erigir o Estado
Social. Em 1979, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) foi estabelecido. Apesar de
uma estrutura mínima de segurança social já ter sido criada durante o período
republicano e no Estado Novo, e ter sido expandida durante os anos de Marcelo
Caetano, os desenvolvimentos mais significativos começaram em 1977 com a
criação de várias agências nacionais e regionais, os corpos de chefia agora
consistindo do Instituto da Segurança Social) e da Direcção Geral da Segurança
Social. Juntos, estes corpos garantem um regime que providencia subsídios de
desemprego, benefícios familiares e de sobrevivência, assistência a aqueles que
estejam em necessidades socioeconómicas, e pensões para idosos e inválidos
(Segurança Social 2011). Nenhuma área recebeu maior ímpeto no empurrão de
recursos do Estado na fase imediata do pós-revolução do que a da educação - um
dos principais criticismos do Estado Novo tinha sempre sido que haveria
mantido deliberadamente a população iletrada e ignorante. Uma panóplia de
escolas foi construída e um batalhão de professores foram contratados; a
duração obrigatória da educação foi aumentada de 6 anos, no final do Estado
Novo, para 9 e subsequentemente 12 (Amaral 2010, 52-53, 76). O emprego
aumentou significativamente não apenas no sector educacional, mas por todo o
aparato estatal, que acabou por ser aumentado para dar substância a todos os
direitos positivos mandatados constitucionalmente. Desde 1974, o número de
trabalhadores do sector público aumento de 200,000 para cerca de 800,000 hoje
(Amaral 2010, 55).
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Também reflectindo a Constituição de 1976, estes trabalhadores, a par com os
seus equivalentes no sector privado, foram dotados de um dos modelos mais
rígidos de lei laboral do mundo desenvolvido. Ao estipular a segurança de
trabalho como um direito, a Lei fundamental de Portugal restringe
explicitamente despedimentos apenas para situações de justa causa,
efectivamente proibindo livre emprego (Art. 53). De facto, o governo já tinha
definido "justa causa" mais especificamente em 1975 com o Decreto Lei 372-
A/75, em que de acordo com o mesmo, justa causa abrange casos onde é
absolutamente e definitivamente impossível, no presente e no futuro, ao
trabalhador fazer o seu trabalho ou a empresa aceitar o trabalho dele (Art. 8, qtd.
in Martins 2009, 260). Além de ter de cumprir com estas condições exactas, uma
empresa que pense despedir um trabalhador é obrigada a embarcar num
processo administrativo consumidor de tempo que envolve, entre outras coisas,
a submissão de um documento escrito que estabeleça as razões para a demissão
e a colecção de provas recolhidas por entrevistas com alguém que o empregado
identifique como sendo relevante para o caso. Se a empresa for levada a tribunal
para defender o despedimento do empregado, e perder, é obrigada a reinstituir o
empregado e pagar de volta salários do período desde o aviso de despedimento.
Mesmo que a empresa ganhe o caso ou o empregado não processe a empresa
pelo despedimento, a empresa é ainda obrigada a pagar uma considerável
indemnização. Em 1989, depois de muita acrimónia que incluiu uma greve geral
e uma referência ao Tribunal Constitucional, o código laboral foi revisto para
permitir que empresas pudessem demitir trabalhadores em resposta a
imperativos estruturais, mudanças tecnológicas e movimentos no ciclo de
negócios. Pequenas empresas, também, foram isentadas de todas menos quatro
dos requerimentos administrativos (Martins 2009, 260). Ao mesmo tempo, as
regras que rodeavam contratos de curto-prazo - focando apenas em
trabalhadores permanentes - foram apertadas nas revisões de 1989, apesar do
seu uso ter persistido e de ter, apesar de tudo, se tornado mais frequente. Tão
difundidos estão os recibos verdes que Portugal tem a terceira maior proporção
de trabalho temporário entre nações da OCDE, atrás apenas da Espanha e da
Polónia (Pereira 2011).
Desta forma, tal como o Estado Novo, o Estado Social representa um sistema de
intervencionismo. Desde 1974, o Estado Português tem continuado a depender
principalmente nos seus poderes coercivos para suplantar o livre movimento da
oferta e da procura num contexto de propriedade privada e ordem de mercado.
Desta forma, o que fundamentalmente distingue os dois regimes não são tanto os
meios escolhidos pelos legisladores na persecução de fins económicos e políticos,
mas mais o conteúdo desses fins. Se o Estado Novo de Salazar, no princípio pelo
menos, apontava para desenvolver lealdades nacionalistas paralelamente a uma
A Crise de Portugal - O Papel da Social-democracia | George Bragues
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economia que reflectisse valores espirituais, o Estado Social procura criar uma
sociedade secular e materialmente afluente na qual a cada pessoa é dada igual
preocupação e respeito económico. Numa avaliação dos seus méritos relativos,
seria natural focar-se nos seus respectivos fins, especialmente porque os meios
económicos que adoptaram foram essencialmente similares. Mas então aí
teríamos de ir além da economia e entrar nas regiões da filosofia moral, pelo
menos no que diz respeito a se os fins últimos da acção humana envolvem
reivindicações de como o mundo deveria ser. Porque tais reivindicações estão
para além de adjudicação científica, é mais prudente aqui limitar a discussão a
uma avaliação da aptidão dos meios escolhidos para atingir os fins procurados.
Em argumentos puramente económicos, o Estado Novo não ficaria mal colocado
neste teste. Se uma comunidade em que a maximização dos acessórios dos
cidadãos é o objectivo, uma política intervencionista que corta os laços das
pessoas da divisão internacional do trabalho é um meio plausível. Se o objectivo
é limitar a provisão de bens materiais em nome de bens imateriais mais valiosos,
então seguramente não existirá método mais eficaz de reduzir abundância
económica do que interferência sistemática no mercado. Mesmo quando o
Estado Novo, do fim dos anos 50 em diante, mudou para uma ordem mais pró-
crescimento de forma a poder manter apoio popular e financiar a Guerra
Colonial, reduzindo o grau de intervencionismo como fez foi a abordagem
correcta. No entanto, o mesmo não pode ser dito para o Estado Social, uma vez
que comete o erro de enfatizar a intervenção como forma de trazer a
prosperidade.
É difícil de encontrar um fluxo de pensamento económico mais inflexível e
inequívoco sobre as armadilhas do intervencionismo preconizado pela social-
democracia do que a Escola Austríaca. Então se essa concepção politico-
económica for, afinal, a raiz dos problemas de Portugal, não existe melhor
concepção teórica do que a Escola Austríaca para revelar esse facto. Para Ludwig
von Mises, um líder teórico da Escola Austríaca, o principal defeito do
intervencionismo e, de forma mais abrangente, do socialismo sublinhado nele, é
que o mesmo constitui uma espécie de ácido que vai corroendo o stock de capital
de uma sociedade (1981, 413-52). Ele preocupa-se acerca dos perigos morais
envolvidos na provisão governamental de segurança social porque a mesma
reduz incentivos às pessoas para manterem comportamentos saudáveis e
trabalharem de forma árdua. Os impostos necessários para financiar o esquema
baixam os incentivos para investir (Mises 1996, 804-5). Além do mais, legislação
de protecção do trabalho, além de tornar mais difícil para empresas ajustarem a
sua mão de obra a mudanças de procura do consumidor, aumenta efectivamente
o custo de contratar trabalhadores. "Ao pesar os prós e contras de contratar
trabalhadores", Mises nota, "o empregador não pergunta a si mesmo o que é que
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os trabalhadores recebem como salário que levam para casa. A única pergunta
relevante para si é: Qual é o preço total que tenho de gastar para segurar os
serviços deste trabalhador?" (1996, 601). Portanto, a intervenção governamental
no mercado, seja por desencorajar maior acumulação de capital ou por encorajar
o consumo de capital que gerações anteriores acumularam, segundo Mises
argumenta, deixa a comunidade com menos instrumentos com os quais produzir
maiores quantidades de bens e serviços. Afinal de contas, recursos capitais como
fábricas, escritórios, maquinaria, tecnologias, e ferramentas - são o que fazem o
trabalho humano mais produtivo ao transformar os escassos recursos
disponíveis em formas que melhor satisfazem os desejos subjectivos das pessoas.
Uma sociedade rica é nada mais do que um grupo de indivíduos cuja combinada
capacidade produtiva lhes permite satisfazer um imenso conjunto dos seus
desejos subjectivos. Minar a base de capital de uma sociedade é atacar o seu
potencial de criação de riqueza.
A este argumento, os sociais democratas irão imediatamente opor que o
intervencionismo tem sido a política pública do mundo evoluído e
industrializado desde o início a meados do século XX, e ainda assim as economias
destes países têm continuado a crescer até ao início do século XXI. O que explica
este aparentemente incongruente facto, no entanto, é que os estados sociais de
hoje em dia não sufocaram completamente as instituições e prácticas de
mercado. Um sistema socialista não pode existir, argumenta Mises, "a não ser
que seja um fragmento de socialismo dentro de um sistema de ordem económica
a assentar em propriedade privada" (1981, 414). Uma crítica a esta visão
Misesiana pode ainda tentar insistir na questão ao fazer notar o falhanço da
previsão de Mises de que o sistema intervencionista irá desaparecer e ser
substituído ou pelo capitalismo, ou pelo socialismo. Em Acção Humana, ele
elabora esta previsão, argumentando que o fundo de reserva dos capitalistas
ricos pelo qual os intervencionistas inicialmente tentam financiar despesas
públicas irá inevitavelmente esgotar-se e o recurso será feito pelas fontes de
capital detidas pela grande parte da população (1996, 858-61). Assim que a
situação atinja este ponto, o esquema torna-se vulnerável a protestos massivos
uma vez que toda a gente acarreta os custos. Que esta previsão ainda não se
tenha cumprido pode ser explicado pelo facto de Mises não ter tido em conta a
dívida pública. A emissão deste tipo de dívida, através da venda de obrigações do
Estado, oferece a estados intervencionistas meios de esvaziar capital dos mais
ricos e manter o dilema de financiamento à costa por mais algum tempo.
Portugal exemplifica este cenário tão bem quanto a reivindicação maioritária de
que políticas intervencionistas danificam o stock de capital. Se tais danos de
facto ocorrerem, como Mises insiste, tal será ainda mais óbvio num país como
Portugal que, comparado com outros regimes sociais democratas, construiu o
A Crise de Portugal - O Papel da Social-democracia | George Bragues
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seu próprio Estado Social num prazo relativamente mais curto num base mais
fraca de capital. A forma como Portugal fez tal, tão rapidamente, pode ser visto
na figura 3.
Em 1973, mesmo antes da revolução, a despesa do governo em percentagem do
PIB estava ligeiramente acima dos 20%. Apesar das despesas sociais terem
subido ligeiramente durante o regime de Caetano, o papel do governo estava
limitado às tradicionais, pré-estado social, funções de defesa militar,
administração interna e construção de infraestruturas. A segurança social e
funções de estado social tinham sido deixadas na sua maior parte a apoio
familiar, caridades privadas, a Igreja Católica e a uns poucos dos corpos
corporativos do Estado Novo. Depois da revolução, movidas por um aumento
brutal de despesa social, as despesas públicas praticamente duplicaram em
percentagem do PIB em 11 anos, chegando aos 37,5% em 1985. Estas despesas
excederam os 40% nos inícios dos anos 90 e mantinha-se nos 49,3% em 2010.
Esta percentagem coloca Portugal muito perto da média da União Europeia, que
em 2010 era 50,6% (Comissão Europeia 2011). Para colocar esta percentagem
em contexto comparativo, considere-se que a França precisou de setenta e sete
anos para ir de uma despesa de 17% do PIB para 49,8% do PIB (Tanzi e
Schuknecht 2000, 6). Em 1937, as despesas do governo dos Estados Unidos eram
A Crise de Portugal - O Papel da Social-democracia | George Bragues
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equivalentes às do estado português em 1973. Ainda assim, até agora os Estados
Unidos, com despesas governamentais aproximadamente nos 40% do PIB, ainda
não chegaram aos níveis de Portugal.
Um sinal à primeira vista de que esta ascensão em intervencionismo em Portugal
enfraqueceu a sua base de capital é o abrandamento de progresso económico
depois de 1974. A figura 4 ilustra as taxas de crescimento, alisadas em médias de
10 anos), do PIB entre 1900 e 2010.
Depois de um avanço bem marcado que começou no final dos anos 30, o passo
atingiu o máximo no início dos anos 70 e, excepto um ligeiro movimento
ascendente no final dos anos 80 e início dos anos 90, a taxa tem de forma estável
tendido a descer para uma valor pouco acima de zero. A taxa de crescimento
português está espantosamente de volta onde estava no final do seu período
monárquico e início de período republicano do início do século XX.
Esta regressão tem sido reflectida no PIB per capita relativo de Portugal. A figura
4 ajuda-nos a lembrar que durante o período aproximado de 40 anos de vigência
do Estado Novo, o PIB per capita de Portugal, em relação aos seus pares
europeus mais desenvolvidos, floresceu em 16 pontos percentuais para 58%. De
1974 até 2008, o Estado Social convergiu uns meros 7 pontos percentuais
adicionais para 65% (Madison 2010), o que era menor do que o máximo de
69,3% atingidos em 2001.
Fazer medições de capital é um assunto problemático, dado que não é, como
economistas ortodoxos pressupõem, um monte homogéneo de recursos, mas
A Crise de Portugal - O Papel da Social-democracia | George Bragues
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antes uma estrutura de bens heterogéneos ligados a diferentes planos
empreendedores para produzir futuro output (Kirzner 1976). Com este dilema
em mente, é ainda importante notar que os cálculos de economistas ortodoxos
de acumulação de capital e produtividade de capital indicam que estas variáveis
eram maiores nas últimas décadas do Estado Novo do que têm sido desde o
início do Estado Social (Neves 1996; Pereira e Lains 2010). A figura 6 ilustra a
média a 10 anos de taxas de crescimento anuais da formação de capital bruto.
Estas taxas estavam em níveis de dois dígitos no início dos anos 70 e têm tendido
principalmente a baixar desde então. Nos últimos dois anos, esta básica
demonstração de investimento de novo capital tem-se tornado negativa. Com
trabalhadores a terem relativamente menos capital adicional ao seu dispor, o
aumento da produtividade laboral, medida como PIB por hora, tem similarmente
desacelerado (figura 7).
Considere-se, igualmente, o que é descoberto quando a era pós-1974 é dividida
em segmentos periódicos. O período no qual a economia Portuguesa teve melhor
performance coincide com uma fase na qual o governo tomou uma direcção pró-
mercado mais decisiva. Durante os meados dos finais dos anos 80 até aos inícios
dos anos 90, quando o PIB real aumentava regularmente a taxas anuais maiores
que 3% e a formação de capital estava a acelerar de forma estável, Portugal
aderiu a zona de comércio livre da CEE (1986), privatizou muito do que tinha
sido anteriormente nacionalizado no rescaldo da revolução, e estabilizou o nível
de despesa do governo.
A Crise de Portugal - O Papel da Social-democracia | George Bragues
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A Crise de Portugal - O Papel da Social-democracia | George Bragues
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Em contraste, o pior subperíodo desde 1974, de 2000 em diante, está associado
com um aumento na intervenção do governo. Em 2000, Portugal estava situado
em 45 no ranking de liberdade económica do Heritage Foundation. Pouco mais
de uma década depois, em 2011, a posição do país tinha piorado para um
ranking de 69 (Heritage Foundation 2011; Vasconcellos 2011).
Por contraste, a versão generalizada da ida a zeros na entrada de Portugal para o
euro não explica igualmente as dificuldades do país. A evidência mais forte a
favor desta explicação é que a performance económica mais fraca de Portugal na
fase pós-revolucionária coincide com o seu uso do euro desde 2002. Mesmo
previamente, na década anterior, Portugal teve de se qualificar para a entrada na
moeda única ao ter de seguir uma política monetária apertada para conter
inflacção e colocar as taxas de juro abaixo dos níveis especificados no Tratado de
Maastricht. Apesar deste período, desde 1990 até 2001, não ter sido um
especialmente pobre para a economia portuguesa, um notável abrandamento
ocorreu no crescimento económico, tornando-se mais pronunciado assim que o
novo milénio começou. Tanto durante esta fase preparatória como depois, diz
este argumento, faltou a Portugal a habilidade de ajustar a sua taxa de câmbio
estrangeiro de forma a tornar as suas exportações mais competitivas nos
mercados mundiais.
A Crise de Portugal - O Papel da Social-democracia | George Bragues
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A falha nesta lógica, no entanto, é que Portugal nunca perdeu a sua capacidade de
se adaptar à mudança de condições internacionais através de custos de trabalho.
Como tal, o apelo geral de que o regime de taxa de câmbio assume
implicitamente que ajustes de salários não podem ser feitos. É como se as
condições do mercado de trabalho fossem um facto da vida a par da morte, que
ninguém pode mudar, devendo simplesmente aceitá-lo. Claro que a
racionalização convencional desta teoria é a história Keynesiana de que os
trabalhadores não aceitam salários mais baixos durante retrocessos da
actividade económica. Na situação portuguesa, no entanto, não se está a lidar
simplesmente com uma matéria de psicologia do trabalhador comum a todas as
nações. Estamos confrontados mais especificamente com uma ordem
constitucional e legal que dá grande poder ao trabalho ou, para ser mais preciso,
aos segmentos de força de trabalho mais organizados cujos membros não foram
relegados para a situação mais precária de terem de contratar os seus serviços
temporariamente via recibos verdes.
Esta inclinação pró-trabalho fez-se sentir imediatamente depois da revolução de
1974, quando os salários dispararam - em 30% só em 1975 - apesar das adições
à oferta de mão de obra por parte dos chamados retornados (Amaral 2010, 28),
pessoas que tinham estado a viver nas colónias portuguesas e voltaram à
metrópole depois da independência das mesmas. Uma longa década de
desvalorização da moeda, que viu o escudo sofrer uma desvalorização de 87%
face ao dólar, trouxe as taxas do salário de volta ao nível da produtividade do
trabalhador (Amaral 2010, 87). A suportar o peso deste ajustamento estavam os
consumidores e firmas que tinham de pagar mais por bens importados assim
como os detentores de bens capitais e financeiros com posições a longo prazo em
escudos. De acordo com o FMI, Portugal tem as leis laborais mais rígidas da zona
euro (2009, 20, 32). Está situado no lugar 168 em termos de liberdade laboral,
praticamente último entre as nações desenvolvidas (Vasconcelos 2010; Heritage
Foundation 2011). Pedro S. Martins (2009) confirmou que esta rigidez impediu
uma firme performance. Descobriu que as pequenos empresas isentadas
parcialmente das cargas onerosas do código laboral português depois de ter sido
revisto em 1989, subsequentemente superaram em performance as empresas
maiores que continuaram firmemente sujeitas à lei. Também não constitui
nenhuma surpresa, à vista desta lei, que o aumento em salários relativo à
produtividade laboral recomeçou nos anos 90 e continuou até aos anos 2000.
Compensação laboral por empregado subiu 68% de 1995 a 2008, enquanto que
o PIB por hora aumentou apenas 15% (Conference Board 2011; OCDE 2011).
Aqui jazem as raízes do problema de competitividade português.
Os investimentos do Estado Social na educação têm feito pouco para corrigir esta
discrepância ao aumentar o componente da produtividade implícito na equação
A Crise de Portugal - O Papel da Social-democracia | George Bragues
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do custo unitário do trabalho. A proporção do PIB alocado à educação em
Portugal triplicou de 1,3% em 1974 para 5,2% em 2009, e o país situa-se no
lugar 15 no mundo em gastos por estudante relativamente ao PIB per capita
(Pereira e Lains 2010, 22; Pordata 2011). A noção de que a educação é um
enorme potenciador de crescimento tornou-se moda entre economistas que
apelam a uma teoria de capital humano (Becker 1975). No entanto, a evidência
para a relação entre obtenção de educação e crescimento económico é mais
intrínseco do que é normalmente considerado (Hanushek and Woessman 2008).
Simplesmente aumentando o número de anos frequentados entre a população do
país negligencia o papel desempenhado pela qualidade do sistema educacional
ao desenvolver capacidades cognitivas. Estas capacidades - reflectidas por
competência em matemática, leitura e ciência - correlacionam-se mais
fortemente com performance económica.
O impacto da educação depende também na estrutura politico-económica
existente. Se esta estrutura encoraja actividade produtiva garantido o primado
da Lei e direitos de propriedade privada, então a educação irá aumentar a
prosperidade. Caso contrário, as classes educadas serão responsáveis por
dedicarem as suas capacidades cognitivas em actividades rentáveis. Tal como
será discutido na próxima secção, a natureza do regime democrático de Portugal
sugere que uma mudança para o segundo cenário ocorreu. Além disto, os rígidos
mercados de trabalho em Portugal desencorajam a contratação de juventude
com muitos estudos. Os custos gigantes de despedir trabalhadores significa que a
produtividade maior prometida pelo regime escolar terá de ser ainda bastante
maior para convencer empregadores a arriscarem em recém formados.
A educação consiste em grande parte na socialização da juventude em dogmas e
valores que prevalecem (Rothbard 2001, 827). As escolas tendem a preparar os
indivíduos para ocupações rotineiras; não cultivam, geralmente, génio e
criatividade que empreendedores possuem (Mises 1996, 314-15). Apesar da
educação aumentar o rendimento das pessoas ao equipá-las com capacidades
específicas, um risco mantêm-se sempre de que o investimento não compense
porque a disponibilidade de trabalho relevante é contingente à procura do
mercado (Mises 1996, 624-25). Não é a educação, por si, que aumenta a
produtividade, mas antes a educação que é dirigida principalmente às
necessidades particulares dos consumidores. É duvidoso que o estado consiga
afinar muito bem a sua alocação de fundos educacionais para cumprir este
imperativo. O Estado Português tem feito certamente pouco para dissipar estas
dúvidas. O desemprego jovem é superior a 20% (Estatísticas de Portugal 2011).
Professores sindicalizados - os mais pobres sendo praticamente impossíveis de
despedir, dado o código de trabalho do país - têm conseguido cativar uma parte
desproporcionada dos fundos investidos na educação. Os seus salários
A Crise de Portugal - O Papel da Social-democracia | George Bragues
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representam 93% dos gastos comparado com a média de 74,4% entre nações da
OCDE (Guichard and Larre 2006, 16). As autoridades também alocaram
demasiados recursos em educação genérica e muito poucos em treino técnico e
vocacional (Guichard and Larre 2006, 20).
O máximo que pode ser dito sobre os investimentos consideráveis de Portugal na
educação é que a população do país passa agora mais anos na escola. Ainda
assim, defeitos institucionais conseguiram deixar os cidadãos portugueses
continuamente atrasados em relação aos seus pares europeus neste aspecto, e a
obterem resultados a rondar os níveis suficientes de leitura e aritmética (OCDE
2010; Pereira e Lains 2010, 22-24). Não é de admirar que as empresas têm sido
relativamente suspeitosas em acumular capital, que iria aumentar produtividade
e promover um mais rápido crescimento económico.
A Crise de Portugal - O Papel da Social-democracia | George Bragues
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O Factor Democracia
pesar dos problemas económicos de Portugal poderem ser detectados
no intervencionismo dos governos, as grandes questões do país são
fundamentalmente políticas na sua natureza. Para ser concreto,
problemas económicos são quase sempre políticos uma vez que são
normalmente causados pela interferência no mercado por parte do Estado ou
por este efectivamente colocar de parte o sistema de preços a favor de diktats
burocráticos. Mas a experiência de Portugal permite-nos analisar mais
profundamente as razões políticas de performances económicas abaixo da média.
Afinal de contas, como tenho argumentado, o problema da nação é o culminar
das políticas implementadas na construção do Estado Social, que por sua vez
surgiu e evoluiu de uma mudança de regime de uma autocracia para uma
democracia. Até que ponto, então, é que forma democrática de governo acarreta
responsabilidade nos problemas de Portugal?
Esta é uma pergunta desinquietante para colocar porque a crença de que a
democracia é a melhor forma de regime está entre as opiniões fundacionais que
passam largamente inquestionadas na vida política ocidental. A força desta
crença torna-se especialmente óbvia quando forças de oposição num país
estrangeiro abraçam a causa da democracia tentando destituir um ditador ou
oligarquia reinante. Políticos ocidentais e comentadores com poucas excepções
tipicamente apoiam a democratização do país em causa como um imperativo
moral, salvaguardando-se contra ela apenas em algumas instâncias devido a feias
necessidades impostas pela real-politik da política externa. Mesmo assim, nada
disto tem evitado os cientistas sociais de investigar a relação entre democracia e
A
A Crise de Portugal - O Papel da Social-democracia | George Bragues
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crescimento económico. Estes estudos, no entanto, não têm gerado quaisquer
conclusões firmes. John F. Helliwell (1994) conclui que o impacto da democracia
é negativamente insignificante; Robert J. Barro (1996) descobre que é algo
negativo; e uma meta-análise por Chris Doucouliagos e Mehmet Ali Ulubasoglu
(2008) sugere que não é prejudicial. Dani Rodrik (1997) concede falta de
correlação entre democracia e crescimento mas argumenta que a economia
exibe menos volatilidade em regimes eleitos popularmente. Um pode justamente
questionar a presunção nestes estudos de que os mesmos tenham desenlaçado a
democracia da miríade de outros factores que se impingem sobre a economia.
Devido à ausência e presença de democracia serem tão claramente marcadas na
história recente de Portugal, Portugal oferece o potencial para um caso de estudo
ideal que possa iluminar um assunto que cientistas sociais, com os seus métodos
matemáticos e empíricos, têm até agora sido incapazes de descortinar.
Não estando disposta a um grande entusiasmo pela democracia e estando aberta
ao tipo de análise qualitativa que economistas convencionais cada vez mais
evitam, a tradição austríaca oferece uma estrutura apropriada para analisar a
dinâmica política de Portugal, da mesma maneira que o fez ao analisar a
construção pós-1974 de um Estado Social. Mises reconhece a superioridade da
democracia em relação às alternativas (2005, 19-25), no entanto não o faz
porque a democracia ser moralmente requerida para dar substância a direitos
individuais de autonomia ou porque a população é moralmente e
intelectualmente superior a elites ou porque permite a todos tomar parte na
função alegadamente nobre de vigilância dos assuntos públicos. A defesa de
Mises da democracia assenta na reflexão de que a última fonte de poder político
serem as massas. Apesar do poder parecer residir no governo, a realidade é que
aqueles que exercem autoridade governamental são invariavelmente
ultrapassados em número por quem governam. A população precisa apenas de
se combinar para despachar a elite governamental. Apesar da última ter um
exército e forças de segurança interna ao seu comando, estas forças também
ultrapassam em número os governantes. Numa situação em que aqueles que
garantem a máquina coerciva do Estado tenham de escolher entre o povo e os
governantes, a lógica dos números favorece que se alinhem com os primeiros,
especialmente quando o descontentamento popular se torna intenso e espalhado
por toda a parte.
A consequência para Mises, que aqui segue a análise de David Hume (1987), é
que a autoridade do governo assenta fundamentalmente na opinião pública. Uma
vez que esta opinião está sujeita à mudança, as instituições políticas têm de ser
enquadradas numa visão que permita a estas mudanças serem reflectidas no
aparato e políticas do governo com o mínimo de distúrbio na sociedade. Onde a
paz prevalece, o mercado é deixado imperturbado de ameaças à propriedade
A Crise de Portugal - O Papel da Social-democracia | George Bragues
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privada. Ao fazer as classes governantes regularmente responsabilizáveis
perante o eleitorado e apresentando um procedimento imediatamente
preparado para mudar os ocupantes de cargos públicos periodicamente, a
democracia oferece a solução menos disruptiva para o dilema de transição.
Portugal pagou o preço de não ter este mecanismo democrático instituído
quando a opinião pública eventualmente se virou contra o Estado Novo. Um
derrube revolucionário tornou-se inevitável, precipitando a queda abrupta no
PIB português de 1974 a 1976. Qualquer análise do papel da democracia na
performance económica do Portugal pós-revolucionário tem de atribuir uma
significante dose de culpa por aquela queda inicial ao anterior regime.
Além do mais, os confinamentos que a ditadura colocou na expressão da opinião
pública em oposição às políticas do governo serviram para radicalizar o zeitgeist
que acabou por prevalecer durante a revolução e que subsequentemente
influenciou o acordo constitucional de 1976. Quando as pessoas se viram diante
da perspectiva de prisão, tortura e exílio forçado, só os mais comprometidos
ideologicamente, que também tendiam a ser mais ideologicamente extremistas,
arriscavam trabalhar activamente na oposição ao Estado Novo. Apesar daquele
regime estar longe de ser pró-mercado na sua abordagem económica, a sua
associação com elites de interesses de negócios significou que o tom ideológico
da oposição a isso iria tomar uma forma decididamente anticapitalista.
A possibilidade não pode ser descurada, no entanto, de que o clima de opinião a
favor de um socialismo democrático simplesmente tenha reflectido as tradições
intelectuais de Portugal assim como os modos de pensamento na moda durante
o tempo em que o caminho pós-revolucionário do país estava a ser desenhado.
Tivesse a revolução ocorrido não em 1974, mas em 1984, no acordar do
movimento Reagan-Thatcher, as coisas poderiam ter-se desenvolvido
diferentemente. Mesmo assim, procura-se em vão por um fio condutor de
pensamento liberal clássico no passado de Portugal. O que passou por
liberalismo durante a 1ª República, que derrubou a monarquia no início do séc.
XX, era Jacobino na sua hostilidade em relação à religião e Rousseauiano na sua
vontade de empregar o Estado para obrigar as pessoas a tornarem-se iguais e
livres (Espada 2010). Apenas um dos significantes partidos políticos
contemporâneos, o Partido do Centro Democrático e Social - Partido Popular
(CDS-PP), advoga políticas de mercado-livre. É o único partido originalmente a
ter votado contra a Constituição de 1976 (Robinson 2002, 180). Apenas em
algumas ocasiões é que tem ganho mais de 10% dos votos em eleições
legislativas.
Mises qualificou o apoio pela democracia, contudo não é alheio aos vícios de tal
regime. Primeiro entre eles, para ele, é o papel que os partidos políticos
A Crise de Portugal - O Papel da Social-democracia | George Bragues
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desempenham (2005, 121-32). Antes do liberalismo e da democracia terem
ganho ascendência no século XVII e XIX, os partidos não existiam. Por sua vez, a
ordem hierárquica prevalecente significava que as pessoas quase sempre se
viam a si mesmas, de forma indistinta, como membros da casta ou classe na qual
tinham nascido. Neste mundo pré-moderno, a divisão política fundamental
separava os patrícios e os plebeus, os nobres e os comuns, os amos e os servos.
Depois das democracias modernas estabelecerem institucionalmente o princípio
liberal de que toda a gente é livre e igual perante a lei, os indivíduos viram-se
libertados da pressão social de se terem de identificar com a sua posição inicial
numa ordem social fixa e puderam, por sua vez, escolher as suas alianças
políticas. Partidos políticos surgiram para obter estas alianças com a vista de
segurar as rédeas do poder democrático.
Mas os partidos fazem-no, argumenta Mises, segmentando as pessoas de acordo
com os seus interesses especiais e oferecendo privilégios a grupos particulares à
custa de outros grupos. Este tipo de pilhagem é uma afronta à filosofia liberal
clássica, que exige o sacrifício, a curto-prazo, dos interesses particulares de um
indivíduo pelos benefícios maiores e a longo-prazo a serem ganhos por políticas
que avançam o bem comum. Quanto mais os partidos ignoram esta exigência,
mais a economia como um todo sofre do peso das despesas do estado e dos
vários impedimentos e restrições instituídos para criar privilégios a grupos
favorecidos. Com o suceder de um partido a outro ao providenciar vantagens
distintas aos seus apoiantes, no entanto, a situação está sujeita a chegar a um
estado de crise em que cada grupo deixa de ser privilegiado, tendo de passar a
financiar os benefícios da sua contraparte de um bolo económico reduzido. Muita
desta visão é prefigurada na tese de Mancur Olson (1971) de que nas
democracias, pequenos grupos capturam ganhos desproporcionais à custa da
maioria da comunidade ao terem os custos dos seus privilégios espalhados e
quantias individuais negligenciáveis. Mas em referência à miopia que engenha
este estado de coisas, Mises também prefigura a crítica mais radical da
democracia por Hans-Hermann Hoppe (2001). Na premissa de que a democracia
socializa a propriedade do Estado ao conferir os ocupantes de cargos políticos
com um controlo meramente temporário de recursos da sociedade, Hoppe
argumenta que as classes governativas têm incentivos de se beneficiarem a si
mesmas e aos seus apoiantes à custa de futuras gerações, assim aumentando o
tempo efectivo da taxa de desconto da sociedade.
Uma maneira de verificar se o argumento de Hoppe ajuda para explicar a
experiência democrática de Portugal é comparar taxas de poupança antes e
depois da revolução de 1974. Poupanças em declínio seriam sugestivas do tempo
de desconto da população a uma taxa maior. A figura 8 ilustra que a taxa de
poupança floresceu durante os anos 60 assim que a prosperidade crescente do
A Crise de Portugal - O Papel da Social-democracia | George Bragues
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período permitia os indivíduos colocar de parte uma maior porção dos seus
rendimentos para o futuro. Mas depois de chegar ao máximo nos anos 70, a taxa
de poupança tem notavelmente caído com a consolidação da democracia.
Tanto quanto as poupanças preenchem os meios para investimentos em bens de
capital, a mudança para a democracia corresponde portanto a uma redução nas
capacidades de crescimento de Portugal. Para além de contribuir para uma
escalada dos défices de conta-corrente, estavelmente a piorarem desde os finais
dos anos 90, os gastos extravagantes e inconsequentes de Portugal deixaram os
bancos do país com relativamente menos depósitos de clientes com os quais
financiar os seus portfolios de empréstimos. A consequência é que os bancos
portugueses são especialmente susceptíveis aos caprichos dos mercados de
dinheiro para se financiarem, uma susceptibilidade que ultimamente os tem
conduzido para depender do Banco Central Europeu ("The Winter of Living
Dangerously" 2011).
A melhor maneira de determinar se o entendimento de Mises-Hoppe sobre as
democracias responde pelo caso português, no entanto, é considerar o historial
orçamental do governo. Se considerações de interesses especiais estão de facto a
conduzir tomadas de decisões políticas, a batalhar resultante por vantagem irá
aparecer em persistentes défices orçamentais. Assim que cada grupo de
interesses procura passar os custos dos seus privilégios para outros e
simultaneamente defender-se a si mesmo das imposições de grupos opostos, o
efeito de rede será deixar os jogadores menos poderosos do processo
democrático com o peso do pagamento. Numa democracia, o poder correlaciona-
se com representação, e gerações futuras formam um grupo profundamente
A Crise de Portugal - O Papel da Social-democracia | George Bragues
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afectado por orçamentos governamentais, mas necessariamente lhe faltando
voto corrente. Logo, são eles mesmos os mais prováveis de se verem presos com
a conta do devaneio orçamental da geração prévia.
Como a figura 9 torna perfeitamente claro, as contas dos governos de Portugal
desde o estabelecimento da democracia testemunham um processo político
infestado pelo comportamento tacanho e não isento de partidos políticos. Depois
de regularmente equilibrar o orçamento e gerir superavits nos regimes de
Salazar e Caetano antes de 1974, Portugal não conseguiu nem uma vez sequer,
nos 37 anos subsequentes, evitar um défice. Que esta situação tenha apenas
recentemente degenerado numa total crise de dívida reflecte a grande
capacidade de empréstimo ganha à custa da frugalidade do Estado Novo.
Reforçando a dinâmica partidos-e-interesses-especiais aqui em jogo está o facto
do sistema de representação proporcional do país conduzir a governos
minoritários. Dos 19 Governos desde a Constituição de 1976, apenas 3
conseguiram maioria na Assembleia da República. Governos de coligação
magnificam o equilíbrio de partidos políticos e seus apoiantes de interesses-
especiais dando-lhes poder de veto sobre legislação proposta (Pereira e Singh
2009).
Outro sinal revelador de que o facciosismo tormenta um sistema político é o
recorrer a uma entidade exterior para resolver problemas domésticos. Sempre
que a situação se torna premente e jogadores políticos rivais se recusam a
A Crise de Portugal - O Papel da Social-democracia | George Bragues
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cooperar no forjar de uma solução, a recorrência a uma agência externa torna-se
um meio tentador para quebrar o impasse. Tal agência pode permitir a um dos
lados na luta política doméstica impor a sua vontade debaixo da justificação de
que um poder maior requer aquela imposição. Ou a agência pode permitir a
todos os lados a seguirem o esquema de cooperação que delineou, permitindo
que cada lado racionalize as concessões necessárias ao explicar aos seus
apoiantes que outra entidade forçou a sua mão. Este processo tem-se
manifestado num número de instâncias do período democrático de Portugal.
Tanto em 1979 como em 1983, problemas de liquidez eventualmente
conduziram o país a procurar assistência do FMI. A decisão de Portugal juntar-se
à zona euro também pode ser vista, de forma discutível, como um apelo a uma
força exterior numa tentativa de superar os ímpetos políticos que anteriormente
tinham aberto caminho a inflação e desvalorização contínuas. A recente
requisição de ajuda do país à UE e ao FMI apenas confirma este padrão.
Não necessitamos de depender simplesmente nas maquinações dos interesses
especiais para justificar os falhanços políticos de Portugal no entanto. Não é
coincidência que um estado social extensivo se tenha repentinamente
desenvolvido em Portugal depois de ter sido dado uma voz à população em
decisões políticas. Afinal de contas, maiorias podem ser rapidamente
persuadidas a votar em políticos que oferecem o menú inteiro de serviços social-
democratas, especialmente entre aqueles que esperam ganhar mais em serviços
do governo do que aquilo que pagam por eles, com a expectativa de transferir os
custos para os mais ricos. Mas assim que o estado social se expande e o fundo de
reserva que pode ser apropriado dos ricos se torna insuficiente, impostos têm de
ser aumentados de forma geral de forma a que o orçamento se equilibre. Os
políticos têm poucos incentivos para aumentar impostos porque ao fazê-lo estão
aptos a perder votos para partidos competidores. Mesmo quando um votante
reconhece que benefícios garantidos pelo governo terão de ser pagos algum dia,
essa ocorrência mais remota atinge a sua mente de forma menos vívida do que a
dor presente de perder esses benefícios ou de ter de incorrer num imposto agora
para os financiar (Buchanan 1977, 101-9). O caminho mais fácil de seguir é o de
gerir défices e dessa forma depender do mercado de obrigações para financiar o
regime social-democrata a curto e médio-prazo, deixando o resultado das
consequências a longo-prazo para ser acarretado pelos novos, pelos ainda por
nascer, ou pelos distantes e enevoados nós no futuros. Como os défices
perpétuos de Portugal amplamente atestam, a sua classe governativa tem estado
viciada nesta estratégia pródiga. Antes da sua inclusão na zona euro, Portugal
podia fugir a difíceis escolhas políticas simplesmente ao mandar o banco central
imprimir mais dinheiro para pagar a contínua dívida que se acumulava. Depois
da inclusão, esta opção foi cortada dos líderes democráticos do país. Foi então
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apenas uma questão de tempo até que a improvidência dos gastos e
empréstimos do país fosse exposta.
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Conclusão
o mesmo tempo que escrevo isto, Portugal está no precipício de um
default. Contrariamente a muita da sabedoria convencional, não chegou
a este ponto simplesmente pela sua inclusão no eurogrupo. As suas
tormentas vão mais atrás no tempo, ao desenlace imediato da revolução de 74.
Nesse tempo, a fatídica decisão constitucional foi fazer instalar uma social-
democracia no meio dos remanescentes da ditadura precedente conhecida como
Estado Novo. Nas três décadas e meias seguintes, o Estado Social cresceria para
cerca de metade da economia portuguesa. A intervenção no mercado envolvida
neste crescimento minou o investimento de capital, deixando a economia numa
condição moribunda. Para piorar a situação, a democracia de Portugal sucumbiu
a uma vulnerabilidade do regime a partidos políticos de visão curta e movidos
por interesses. Os custos do Estado Social, consequentemente, nunca foram
pagos na sua totalidade pelos seus beneficiários correntes e foram passados, por
sua vez, às futuras gerações através do aumento da dívida pública. Essa conta
futura tornou-se agora numa realidade do presente.
A crise de Portugal é um aviso a outras nações ocidentais industrializadas, todas
as quais possuem estados sociais com uma ou outra forma para financiar. O
envelhecimento da população, tendendo para cada vez menos trabalhadores
para pagar as escaladoras pensões e benefícios de saúde, combinado com a
dívida adicional amealhada por governos a lidar com a recente crise financeira,
apresenta um desafio monumental aos governos que lidam com as despesas de
manterem os seus respectivos estados sociais. Portugal está entre os primeiros a
sucumbir a este desafio, apenas porque expandiu a sua social-democracia de
forma relativamente rápida e porque tinha uma menor acumulação de capital da
qual retirar recursos para a prestação de serviços públicos.
A
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Referências
Amaral, L. 2010. Economia Portuguesa: As ultimas decadas. Lisbon: Fundacao Francisco Manuel dos Santos.
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