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Realização: Apoio: TÍTULO: A CONSTRUÇÃO DO CINEMA POLÍTICO DE GLAUBER ROCHA: UMA ÓTICA DELEUZIANA DO FILME DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL (1964) CATEGORIA: CONCLUÍDO ÁREA: CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS SUBÁREA: Artes Visuais INSTITUIÇÃO: Faculdade de Comunicação e Marketing da Fundação Armando Álvares Penteado - FACOM-FAAP AUTOR(ES): GIULIA SCHLIEPER TESSITORE ORIENTADOR(ES): GABRIELA CORBISIER TESSITORE

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Realização: Apoio:

TÍTULO: A CONSTRUÇÃO DO CINEMA POLÍTICO DE GLAUBER ROCHA: UMA ÓTICA DELEUZIANA DOFILME DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL (1964)

CATEGORIA: CONCLUÍDO

ÁREA: CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

SUBÁREA: Artes Visuais

INSTITUIÇÃO: Faculdade de Comunicação e Marketing da Fundação Armando Álvares Penteado -FACOM-FAAP

AUTOR(ES): GIULIA SCHLIEPER TESSITORE

ORIENTADOR(ES): GABRIELA CORBISIER TESSITORE

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FACULDADE ARMANDO ÁLVARES PENTEADO

ÁREA DE COMUNICAÇÃO

PROGRAMA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA DE 2019

A CONSTRUÇÃO DO CINEMA POLÍTICO DE GLAUBER ROCHA:

Uma ótica Deleuziana do filme Deus e o Diabo na terra do sol (1964)

Giulia Schlieper Tessitore

Projeto apresentado à área de iniciação

científica de comunicação da FAAP

com orientação da Prof. Gabriela

Corbisier Tessitore

Junho/2019

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RESUMO

Este trabalho tem como objetivo desenvolver a seguinte pesquisa: a partir dos conceitos

de cinema político de Deleuze, como o filme Deus e o Diabo na terra do sol (1964), de Glauber

Rocha, se constrói politicamente?

O tema proposto trata de uma questão relevante por abordar um movimento político do

cinema brasileiro muitas vezes incompreendido. Este estudo buscará analisar o filme Deus e o

Diabo na terra do sol por um olhar não usual mas que dialoga de forma bastante clara com o

texto-manifesto escrito por Glauber Rocha, Estética da fome1.

HISTÓRICO

Este projeto surge principalmente a partir do meu interesse pela filosofia de Deleuze.

Entendo que a ambição de estudar um teórico como Deleuze necessite de uma paixão pelo tema

alinhada de bases acadêmicas para guiar os estudos. Desta forma, venho acrescentando aos

meus estudos encontros e aulas sobre o assunto, como o “Micropolítica e subjetividade em

Deleuze & Guattari” ministrado pelo prof. de filosofia Amauri Ferreira2. Além disso, ainda na

minha antiga graduação, já existia on interesse pelo cinema brasileiro, que guiou a minha

matrícula na disciplina História do Audiovisual Brasileiro com o prof. Carlos Calil3 na ECA-

USP.

A proposta é de que este projeto seja orientado pela Professora Gabriela Corbisier

Tessitore que já vem acompanhando concepção desta ideia e demonstrou-se disponível e

interessada para continuar auxiliando no direcionamento ano que vem. Para compreender

melhor a relação que proponho encontrei como alternativa a extensão acadêmica como a

proposta pela iniciação científica.

Desde que concluí a matéria na ECA-USP, quando ainda estudava na FEA-USP,

direcionei meus estudos para o cinema brasileiro. Meu foco esteve no cinema político nacional

1 Texto publicado em: http://www.tempoglauber.com.br/t_estetica.html 2 Possui graduação em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (1989), mestrado em

Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1995) e doutorado em Ciências da

Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (2002). Pós doutorado em Educação pela UFMG(2009).

Filósofo, escritor e professor. Desde 2006 ministra cursos livres de filosofia e palestras em diversos espaços

culturais e instituições de ensino. É autor do livro Singularidades Criadoras. É também autor de livros e artigos

sobre a filosofia de Spinoza, Nietzsche e Bergson. Disponível em <https://www.amauriferreira.com/ > 3 Currículo Lattes do professor disponível em: < http://www3.eca.usp.br/ctr/carlos.calil >

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mas sempre pela ótica de documentários, e por isso realizei o curso de documentário na AIC4

por um semestre. Porém, apenas neste ano, após uma palestra sobre Glauber Rocha na semana

de comunicação da FAAP, que o interesse pelo cineasta surgiu. O que me atraiu, inicialmente,

foi me deparar com uma figura extremamente polêmica até hoje e por perceber o quanto

incompreendidas eram suas obras entre o próprio meio cinematográfico.

A iniciativa da abordagem deleuziana surge por tratar de um filósofo contemporâneo

conceituado que dedica parte de sua vida ao estudo do cinema. O desdobramento deste estudo

feito por ele resulta em duas obras: Cinema I - A Imagem-Movimento (1984) e Cinema II - A

Imagem-Tempo (2007), que se referem, respectivamente, ao Cinema Clássico e ao Moderno.

A aproximação da filosofia de Deleuze do cinema de Glauber Rocha é feita pelo próprio autor

no seu segundo livro. Porém, mesmo com a citação, em diversas pesquisas realizadas, fui capaz

de encontrar apenas um estudo que faz essa relação de forma explícita. O estudo encontrado e

que serve de inspiração para a pesquisa foi: “Deleuze e o cinema político de Glauber Rocha.

Violência revolucionária e violência nômade.”, realizado pelo professor de Filosofia da

Universidade de Toulouse Le Mirail Jean-Christophe Goddard.

INTRODUÇÃO

A importância da teoria de Deleuze para a filosofia já é bastante conhecida, porém sua

influência na teoria do cinema vem crescendo nas últimas décadas como afirma Robert Stam

(STAM, 2003)5 ao analisar dois artigos que apresentam esta visão (RODOWICK, 19976 e

SHAVIRO, 19937). O olhar de Deleuze para o cinema mostra-se disruptivo uma vez que é

crítico da semiologia do cinema baseada no linguista Saussure, cuja centralidade dos códigos

lhe parece reducionista, pois esvazia o cinema de sua base tão valorizada por Deleuze, o

movimento. Além do mais, existe uma preocupação de tratar o cinema como acontecimento e

não apenas como representação, contornando a desgastada questão da “arte cinematográfica”

apenas como forma mimética. Deste modo, o autor percebe o cinema como sendo um

instrumento filosófico capaz de gerar novos conceitos e produzir textos, não somente por sua

linguagem mas por seus movimentos e duração.

4 Academia Internacional de Cinema (AIC) - São Paulo, SP - Cursos de Cinema 5 STAM, R. Introdução à teoria do cinema. Papirus Editora. São Paulo, 2003. 6 'Gilles Deleuze, Philosopher of Cinema' Special Issue edited by D. N. Rodowick Iris, no. 23, Spring 1997 7 THE CINEMATIC BODY REDUX, by Steven Shaviro, 1993

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Em seu segundo livro (Cinema II), Deleuze discorre sobre a sua teoria do cinema

moderno. Em um de seus capítulos, o autor infere sobre o cinema do terceiro mundo, citando

o cineasta Glauber Rocha diversas vezes. Como apresentado por GODDARD8:

“Tal ponto merece atenção: a ideia revolucionária clássica e

ultrapassada segundo a qual “tudo é possível” ou “sim, nós

podemos” – aliás mobilizadas de diversas formas pelos

pretendentes contemporâneos ao poder de Estado –, é contrária

à “tomada de consciência” (idem) política moderna tal como foi,

segundo Deleuze, alcançada pelo cinema do terceiro-mundo.

Esta tomada de consciência é, sem dúvida, aquela da falta de

povo, de seu estilhaçamento definitivo em minorias, numa

multiplicidade, numa infinidade de povos definitivamente

dispersos e impossíveis de unir. ”

A partir desta convergência de ideias, do cinema político de Glauber Rocha e da

filosofia de Deleuze, alguns conceitos devem ser apresentados para que seja possível seguir

com a análise. No único artigo encontrado que analisa esta convergência de ideias, em nenhum

momento é retomada a explicação de conceitos básicos da filosofia de Deleuze e Guattari. Este

é um grande desafio proposto neste projeto para que tal resultado seja compreendido e

qualificado mesmo por aqueles que não estão familiarizados com tais denominações.

Obviamente, não se pretenderá resumir uma teoria tão complexa, porém desenvolver as ideias

de “máquina de guerra”, “violência nômade” e “espaço liso”.

OBJETIVO

A partir desta introdução teórica, a lógica da pesquisa será de, inicialmente, apresentar

o contexto político brasileiro que o objeto de estudo retratará. Esta apresentação pretende ser a

fundamentação para o entendimento do engajamento político do Cinema Novo. Para isso,

alguns episódios da história brasileira serão contextualizados, como o movimento da

comunidade de Canudos e o banditismo social do Cangaço.

8 GODDARD, J. Deleuze e o cinema político de Glauber Rocha: Violência revolucionária e violência

nômade. Lugar Comum Nº31, pp. 181- 189.

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Após, o estudo deve caminhar para exposição do cinema moderno brasileiro pela

Estética da Fome. O Neorrealismo é considerado, por muitos estudiosos, incluindo Deleuze

(1995), a revolução mundial que marca a modernidade do cinema. Na Itália o movimento teve

duração breve (1945-1955), mas foi impactante o suficiente para motivar uma onda de

insurreição anti-hollywoodiana (HENEBELLE, 1978, p. 11). Os desdobramentos na frança

formaram a Nouvelle Vague e, caso central deste estudo, o Cinema Novo brasileiro. Então,

neste contexto mundial durante os anos 60, o Brasil sente o impacto do cinema moderno, porém

seria um equívoco reduzi-lo a um mero reflexo desta tendência mundial. Aqui, um dos

principais componentes do Cinema Novo era a política de autor que buscava a pessoalidade da

expressão individual em oposição ao cinema industrial e padronizado. Este rompimento com o

cinema clássico é descrito por Ismail Xavier (2005) como:

“O cinema moderno cria uma outra scénographie quebrando o

pacto desta promessa de algo além (atrás da porta) e tornando

a imagem “chata”, pura superfície que ela efetivamente é em sua

imanência, sem profundidade. A tela devolve o olhar ao

espectador, faz a guerra contra o ilusionismo, desnaturalizar o

teatro e busca a sua afinidade com a pintura.” (p. 190-191).

O filme que será analisado, “Deus e Diabo na terra do sol” (1964), é concebido pelo

diretor Glauber Rocha seguindo o conceito proposto pelo seu texto-manifesto “Uma estética

da fome”. Glauber é um dos maiores nomes do cinema nacional e líder do Cinema Novo,

movimento cuja proposta estava embasada no desenvolvimento de uma temática brasileira que

retratasse o homem do povo e a realidade do subdesenvolvimento. Sua trajetória se inicia a

partir do lema “uma câmera na mão e uma idéia na cabeça” com o experimentalismo estético.

O filme escolhido surge de um projeto bastante ambicioso e polêmico para a época devido à

sua concepção estética e as inovações como câmera na mão, cortes contínuos, fotografia

estelada, diálogo livre, improvisação, texto narrativo, e música interpretativa (SALES, M.

2005).

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CONTEXTO POLÍTICO BRASILEIRO: O MESSIANISMO E O

BANDITISMO SOCIAL

No final do século XIX, o Brasil vivia seus primeiros anos de república, marcados pela

crise econômica e social na região do nordeste devido a latifúndios improdutivos, desemprego

crônico, e as secas cíclicas que agravavam os outros problemas. Neste contexto, surgiram dois

movimentos, ambos considerados marginais, mas de naturezas distintas: o messianismo, que

gerou a comunidade de Canudos, e o Cangaço, que gerou o bando de lampião. As dificuldades

do sertão apontam para a coexistência de dois países em um só – um litorâneo adiantado e

outro interiorano atrasado.

O episódio de Canudos teve como protagonista Antônio Conselheiro, líder carismático

que foi capaz de juntar mais de 25 mil seguidores, conseguindo articular tamanha resistência

às expedições militares que, uma a uma, iam deixando milhares de mortos. Este movimento

liderado por Conselheiro deu à história um novo rumo e enquanto Belo Monte se estruturava,

gerou uma forma de vida autônoma e subversiva para milhares de desabrigados. Setores

influentes moveram expedições das tropas republicanas que culminaram na devastação e

massacre de Canudos. Antônio Conselheiro foi morto e sua cabeça decepada e enviada para

laboratórios para que pudessem estudar o crânio de um "fanático louco". Apesar disso, a

esperança gerada em Canudos, de uma utopia, deu vida ao Cangaço, a despeito das dificuldades

geográficas do sertão árido.

O Cangaço ganhava força pela busca de justiça e vingança pelo desemprego, a escassez

de alimento e a falta de participação política. Devido à exclusão econômica e social, grupos

marginalizados e subversivos se formaram de forma irregular e nômade, saqueando cidades,

matando e vagando pelo Sertão.

Este contexto gera uma rica produção literária nos anos 30 que aborda o drama rural e

procura entender a formação social brasileira e denunciar a precariedade da vida nordestina. O

mesmo contexto é retomado pelo cinema moderno brasileiro dos anos 60. No Cinema Novo,

movimento liderado por Glauber Rocha, existe a retomada da vida nordestina, porém com uma

nova abordagem que será desenvolvida no próximo tópico. Por este motivo, o Cinema Novo é

um cinema engajado politicamente e que exige um envolvimento nos processos econômicos e

culturais do continente latino-americano.

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A ESTÉTICA DA FOME

O cineasta Glauber Rocha publica em 1965, um ano após o lançamento do filme Deus

e o Diabo na terra do sol, seu manifesto: Eztetyka da fome. O que motiva este texto é indignação

diante da visão que o colonizador europeu tem do Brasil e como a indústria cinematográfica

brasileira compactuava com essa visão eurocêntrica. O manifesto funciona como um convite

para a participação dos cineastas brasileiros no Cinema Novo.

O objetivo era acabar com os exotismos formais na linguagem que, por sua vez,

vulgarizavam os problemas sociais do Brasil na medida em que para o observador europeu os

processos de criação artística do mundo subdesenvolvido buscavam confirmar a ideia

romântica de um primitivismo “terceiro mundista”. Existe uma retomada do drama rural que a

literatura de 30 apresentava, porém, no Cinema Novo, se buscava um afastamento da ideia do

filme como denúncia social, como um pedido de ajuda ao pai. O que estava em jogo era a

exibição da realidade de um problema e a emancipação política do colonizado.

Diversas técnicas são utilizadas para atingir este efeito. Uma delas foi a sutileza de

Glauber Rocha se apropriar das próprias condições adversas do Brasil. A saída para a luz forte

do sol nordestino, por exemplo, foi bastante criativa. Segundo um artigo da Associação

Brasileira de Cinematografia (Desafio Da Luz Tropical), o diretor de fotografia Waldemar

Lima se inspirou na estética da textura da xilogravura dos cordéis para lançar a fotografia do

filme tão polêmico quanto aclamado pela crítica e público. A partir da super-exposição, ou luz

estourada, essa textura seria composta. Porém, essa tentativa se viu frustrada pelo empenho do

laboratório em corrigir o erro de contraste.

Além da questão técnica que é transformada em linguagem, a fala também sofre essa

transformação. Se a ideia é expressar a essência da realidade brasileira, e gerar engajamento

político, a utilização de formas de expressão populares deve compor tal linguagem. A fala

coloquial, o português falado no Brasil, gera uma nova experiência social. A narração é

substituída pela trilha sonora de Sérgio Ricardo que se empenha em oferecer um estilo

nordestino com os versos de Glauber do poema de cordel Deus e o Diabo na terra do sol.

"O que fez do Cinema Novo um fenômeno de importância

internacional foi justamente seu alto nível de compromisso com

a verdade, foi seu próprio miserabilismo, que, antes escrito pela

literatura de 30, foi agora fotografado pelo cinema de 60; e, se

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antes era escrito como denúncia social, hoje passou a ser

discutido como problema político. [...] Para o europeu, é um

estranho surrealismo tropical. Para o brasileiro, é uma

vergonha nacional. Ele não come, mas tem vergonha de dizer

isto; e, sobretudo, não sabe de onde vem esta fome. Sabemos nós

– que fizemos estes filmes feios e tristes, estes filmes gritados e

desesperados onde nem sempre a razão falou mais alto, – que a

fome não será curada pelos planejamentos de gabinete e que os

remendos do tecnicolor não escondem, mas agravam os tumores.

Assim, somente uma cultura da fome, minando suas próprias

estruturas, pode superar-se qualitativamente. E a mais nobre

manifestação cultural da fome é a violência." (ROCHA, G. 1965)

Dois aspectos são fortemente mencionados no manifesto: a fome e a violência. A

metáfora da fome faz alusão à miséria vivida no nordeste brasileiro mas que é apresentada de

forma bastante literal em seu cinema: "personagens comendo terra, personagens comendo

raízes, personagens roubando para comer, personagens matando para comer, personagens

fugindo para comer, personagens sujas, feias, descarnadas, morando em casas sujas, feias,

escuras. (ROCHA, G. 1965) ". Fica clara a exposição da fome nestes casos, sem dissimulá-la

nem combatê-la, porque somente a fome nos distancia de uma forma inacessível ao

colonizador.

Em oposição aos filmes considerados pelo autor como "digestivos", o resultado dessa

fome é a violência. "No Cinema Novo, o comportamento exato de um faminto é a violência, e

a violência de um faminto não é primitivismo. [...] Uma estética da violência antes de ser

primitiva é revolucionária, eis aí o ponto inicial para que o colonizador compreenda a existência

do colonizado" (ROCHA, G. 1965). Evidenciar esta resposta à fome é uma forma de tornar o

colonizado consciente de sua impossibilidade política, sendo o comportamento exato de um

esfomeado a sua própria violência. Porém, a violência apresentada não é composta por um

ressentimento ou ódio que busca o humanismo do colonizador. Seguindo esta análise

consolidada do filme, uma possível abordagem seria de entender que o oprimido, neste caso,

não apenas aniquila o aparelho de dominação dos senhores como destrói seus próprios mitos,

a rebelião dos cangaceiros e o messianismo. Como analisa GODDARD, J., “a destruição do

mito leva, sobretudo, a pôr em evidência o horror, o absurdo da violência revolucionária em si

mesma.". Nesta visão, além de funcionar como modo de atenção que o colonizado busca de

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seu colonizador, também realiza um papel de autocrítica e de reflexão sobre esta violência

revolucionária.

ANÁLISE DO FILME

Nesta sessão, a proposta é apresentar e analisar o objeto de estudo a partir de seu tema,

conflito e linguagem cinematográfica, por meio dos signos utilizados para a figuração em tela

e estilos estéticos escolhidos.

O conflito central do filme é posto ao protagonista Manuel quando este se liberta da

exploração do Coronel Moraes e foge para Monte Santo. Lá, segue o profeta Sebastião até

Antônio das Mortes matar todos os beatos, fazendo-o entrar para o cangaço no bando de

Corisco até o dia em que, de novo, Antônio das Mortes aparece e mata o cangaceiro. Ao final,

corre em direção ao mar à procura de liberdade. As quatro fugas de Manuel indicam uma

constante tentativa de libertação no Sertão. Primeiramente ao assassinar o Coronel que o

explorava, depois pela religião, pela revolução armada do cangaço e, por fim, correndo em

direção ao mar.

A partir deste conflito é possível apontar uma fuga de subjetividade da protagonista,

que não se encaixa em nenhum dos papéis que já estão pré-definidos no sertão. Sua liberdade

estará, então, na fuga final, que não se define muito claramente – o mar. Uma possível alusão

à subjetividade nômade, sem territórios definidos e que não foi ainda mapeada. Pela ótica da

filosofia de DELEUZE e GUATTARI, os três primeiros sujeitos – vaqueiro, beato e cangaceiro

– são as subjetividades já mapeadas que delimitam “um campo que neutraliza antecipadamente

as expressões e conexões rebeldes às significações conformes” (DELEUZE; GUATTARI,

2004 p.32). Por esta subjetividade nômade, o filme se constrói politicamente ao tratar de uma

subversão de um sistema que garante a ordem das subjetividades. Esta fuga de Manuel pode

ser vista como um enunciado não previsto pelo sistema, rebelde e, de certa forma,

revolucionário?s

A partir da narrativa de Manuel, pode-se dizer que um dos temas subjacentes seja a

impossibilidade de unificação de um povo. “A união do proletariado, em Glauber, não passa

de bandos desfeitos, quase que inteiramente dizimados, errantes na imensidão do sertão,

fazendo da impossibilidade, do inaceitável, da miséria, da guerra ou da ignorância, a condição

mesma da política.” (GODDARD, J.). A situação atual do vaqueiro implica numa

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impossibilidade política de tomada de consciência nas condições dadas tanto pela religião

quanto pela revolução. A partir deste fio-condutor, o filme traz as questões da fome, sede,

sexualidade, potência, morte, e adoração. O resultado disso é uma horrível e intencional

violência do Sertão, mas inevitável para a representação da realidade, como explica

AVELLAR, J., citando o diretor Glauber Rocha que acreditava que “[...] a mais nobre

manifestação cultural da fome é a violência” (AVELLAR, J., p.60). Para Deleuze, seria um

claro exemplo do cinema político moderno: “Tudo se passa como se o cinema político moderno

não se constituísse mais sobre uma possibilidade de evolução e de revolução, como o cinema

clássico, mas sobre impossibilidades, à maneira de Kafka: o intolerável.” DELEUZE (1990).

Para a figuração da mensagem proposta, o filme cria as seguintes personagens: o

vaqueiro Manuel; sua companheira Rosa; o matador de cangaceiro Antônio das Mortes; o

profeta religioso Sebastião; o cangaceiro sobrevivente do bando de Lampião Corisco; o cego

Zé de Monte Santo; e o próprio Sertão. Cada uma destas figuras compõem o cenário da

narrativa: a exploração do povo por seus senhores, a alienação dos beatos perante profecias

místicas, a violência pregada pela revolução armada, a resposta assassina do Estado e a

rivalidade econômica entre o cerrado semi árido e do litoral fértil.

O Sertão representa um importante papel na narrativa. A coexistência de dois “países”,

um litorâneo adiantado e um interiorano atrasado, evidência o drama rural. Desta forma, o

sertão aparece como um espaço que impossibilita a fixação na terra, com diversos grupos

nômades e moventes que vivem em constante disputa pela terra, ganhando e perdendo. Nesse

sentido, o filme apresenta um sertão desterritorializado, ou, como proposto por DELEUZE e

GUATTARI, um espaço liso9. Assim como o sertão, o mar, citado repetidamente pela trilha

sonora (“O sertão vai virar mar e o mar virar sertão”), também é uma representação de um

espaço liso por se tratar de um espaço não delimitado e em constante movimento. Tratando-se

de espaços lisos a saída só poderia se dar pela descodificação, libertando-se de interesses de

classe, onde qualquer repartição hierárquica é vã. Para GODDARD,J. “Dizer que o Sertão vai

virar mar, é afirmar seu devir liso, a impossibilidade de qualquer poder político conseguir

estriá-lo; dizer que o próprio mar vai virar Sertão é afirmar a extensibilidade ilimitada do

Sertão.”, ou seja, a saída não estaria em estriá-lo com reformas agrárias, rodovias e divisão de

terras.

9 Espaço liso e espaço estriado são conceitos problematizados por DELEUZE, Gilles .1440 - o liso e o estriado.

In: DELEUZE, G. & GUATARRI, Félix, Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia (1997).

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A esperança utópica do sertanejo é discutida logo na primeira parte do filme. Manuel é

inquietado pelos beatos que seguem São Sebastião e entusiasma-se com sua profecia. Em

oposição ao entusiasmo de Manuel, Rosa já possui uma certa desilusão com o messianismo.

Esse é o primeiro sentimento que move Manuel a se inconformar com a injustiça que sofre nas

mãos do Coronel Moraes. Por esta nova esperança do milagre de Sebastião ele enfrenta seu

patrão e, em uma briga, o mata. Essa passagem representa uma primeira tomada de consciência

de Manuel: a libertação de um vaqueiro da exploração de seu patrão. Porém, ela é movida por

outra problemática, a saber, o messianismo.

O vaqueiro se torna beato e passa a seguir Sebastião, o que produz um tenso conflito

com sua companheira, Rosa. Depois de alguns episódios, o próprio profeta se releva explorador

e argumenta que Deus havia enviado Manuel para ser a sua força física. Manuel não se

sensibiliza com o apelo que Rosa faz para que ele deixe de acreditar cegamente no líder

religioso e ele, inclusive, passa a acreditar que ela estaria possuída pelo Diabo. Neste

questionamento, Rosa diz: “para que fugir, se desgraçar na esperança. Vamo bora, vamos

trabalhar para ganhar a vida da gente”. A tomada de consciência, neste segundo momento não

é guiada por Rosa, mas sim quando o próprio Manuel presencia o ritual de Sebastião que mata

um recém nascido. O seguidor fica transtornado com a situação e repete a frase: “não posso

vingar a morte de Jesus Cristo com o sangue dos inocentes”. Nesta segunda fuga, rosa

protagonisa a morte do profeta ao apunhalá-lo nas costas. Juntos, Rosa e Manuel, fogem

transtornados.

A comunidade de seguidores criada por Sebastião remete à Canudos, o que incomoda

a elite local e, principalmente, um dos padres da cidade, que contrata Antônio das Mortes para

exterminar o bando. Ao chegar no alto do Monte Santo, o matador de aluguel dispara seu rifle

em direção a todos beatos, porém, é surpreendido ao encontrar o líder morto e explica ao cego

Zé que “foi o povo mesmo que matou o santo”.

Para desenvolver esta narrativa, diversos artifícios são utilizados. Um recurso bastante

presente neste projeto é o que Deleuze (1990) apresenta como cinema de agitação – a utilização

de câmeras na mão, que mimetizam um olhar subjetivo e criam tumulto na cena. Desta forma,

Deus e o Diabo na terra do sol é todo o tempo ansiedade e indignação. Este artifício é presente

no filme como um todo, mas evidencia-se quando a montagem aproxima momentos de

estabilidade com cenas de tumulto. As cenas de estabilidade se concentram na personagem de

Antônio das Mortes. Isto indica que a presença do matador de cangaceiro está associada

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momentos de insatisfação em Manuel, o protagonista. Desta forma, a direção consegue fazer

da câmera a própria narração.

Aos 30 minutos do longa: Antônio das Mortes em confronto com um cangaceiro (cena à esquerda).

Antônio das Mortes caminhando retomando para receber outro trabalho (cena à direita).

Outra característica marcante do cinema de Glauber Rocha que dialoga de forma clara

com o seu manifesto é a apropriação da precariedade das condições materiais, criando uma

nova relação do cineasta brasileiro com a carência de recursos. São incorporadas falhas técnicas

propositais, como, por exemplo, a luz estourada. O que pode parecer algo simples, na verdade

simboliza uma oposição ao modelo industrial cinematográfico dominante. A utilização de uma

linguagem precária torna o filme mais impactante, porém mais difícil de digerir. Indo contra o

padrão estético aceitável, o filme sofreu um notório boicote de canais de televisão,

principalmente dos canais abertos, que exigiam uma linguagem mais clássica.

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Aos 38 minutos do longa: Cena em que Antônio das Mortes recebe o trabalho de exterminar os beatos

seguidores de Sebastião.

“Da morte do monte Santo / Sobrou Manuel Vaqueiro / Por

piedade de Antonio / Matador de cangaceiro / A estória continua

/ Preste lá mais atenção / Andou Manuel e Rosa / Pelas veredas

do sertão / Até que um dia -pelo sim pelo não- / Entrou na vida

deles / Corisco o diabo de Lampião” (ROCHA, G. 1964 65 min.)

Manuel e Rosa vagam pelo Sertão, ainda atordoados mas com a ajuda do cego Zé

encontram uma nova esperança no cangaço. Ainda sofrendo com a morte de Lampião, o que

resta do cangaço continua ativo em busca de vingança. Manuel diz que quer vingar o mesmo

responsável pelo fim da comunidade religiosa de Monte Santo: o governo, e por isso partem

juntos nessa terceira etapa. Corisco aceita o pedido do casal afirmando: “Governo de peste.

Mataram o beato e mataram Lampião.”.

Com a análise das passagens de Rosa e Manuel pelo messianismo e belo banditismo

social, outra questão já pode ser apontada: o significado, de certa forma complexo, do título. A

quem estaria se referindo como Deus e como Diabo? O jogo é feito com personagens ambíguos,

ora Deus ora Diabo. A divisão de Manuel entre o beatismo e o banditismo poderia ser a divisão

entre Deus e o Diabo, respectivamente. Ou seria a bestidão de Sebastião quando assassina um

recém-nascido contra a divindade de Corisco que diz ser enviado de São Jorge? Até mesmo o

matador de cangaceiro por vezes tem parte de Deus e por vezes de Diabo. Mas toda essa

ambiguidade parece conduzir para uma questão central no filme: “a terra é do homem, nem de

deus nem do diabo” (AVELLAR, J. 1995 p. 22). Ao encontrar com Corisco, o cego Zé diz ver

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um demônio em sua alma mas que logo vai embora. Manuel surge como o homem de coragem

que faltava ao bando que salvará os pobres do estado da maldade. Em certa oposição, Corisco

diz que Manuel é nome de vaqueiro, e o batiza de Satanás. Outra cena que contribui para a

complexidade do filme é quando Corisco espera por Antônio das Mortes. Nesse momento diz

que será um confronto entre Deus (Corsico) e o Diabo (Antônio das Mortes), ou então, o Santo

Guerreiro contra o Dragão da Maldade10.

Durante a terceira etapa da jornada, Rosa não apresenta resistência ao cangaço e parece

muito envolvida pelo bando11, principalmente por Dadá, acompanhante de Corisco. A parte de

Diabo do cangaço vem a tona: sua violência, é representada pela destruição ao invadirem uma

fazenda, onde estupram e mutilam os proprietários. São cenas com gritos e gemidos,

acompanhados de Rosa e Dadá ao fundo, alheias ao que acontecia, sonhando com uma vida

diferente. O mesmo sentimento de Manuel quando presenciou o ritual de Sebastião é retomado

10 Em 1969 é lançado o filme O Dragão da Morte contra o Santo Guerreiro, de Glauber Rocha, que continua a história de Antônio das Mortes. 11 Em um estudo (TELLES, M. Nem Deus, nem o Diabo: Rosa na Terra do Sol. IMAGOFAGIA n.

5.) focado na personagem existe a leitura de Rosa como quem guia toda a trama. “Mais do que isso, em

Deus e o Diabo..., Glauber indica que o brasileiro é difícil de parir: libertar-se nesse sertão de obscuros

augúrios (“um dia vai virar mar”, “lugar esquecido por Deus”, a figura apocalíptica do cego repentista)

ainda não é possível. Há a necessidade de criar liberdade para o povo no e do futuro, através do filho

de Rosa e de Corisco, “fecundado” imaculadamente pelo beijo. Assim, é compreendendo a figura de

Rosa enquanto Maria – mãe de Deus (ou do povo brasileiro) e moça humilde do povo – que se percebe

o desígnio de transgressão do roteiro de Glauber Rocha. Mãe da brasilidade, moça humilde do povo

nordestino; Rosa é Maria mas também é Nossa Senhora Aparecida, principal devoção popular brasileira.

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quando se vê obrigado por Corisco a mutilar um homem – "não posso derramar sangue de

inocente". Porém, desta vez, Rosa que o encoraja a continuar no cangaço.

Aos 80 minutos do longa: Cena em que Dadá está ao piano e Rosa veste o véu da dona da casa que está sendo

estuprada pelo cangaceiro.

A espiral autodestrutiva coloca todos em uma espécie de transe. A filha de Dadá e

Corisco é morta, Antônio das Mortes cerca o bando e acaba com qualquer opção de fuga. Cabe

a Rosa a saída. Dessa vez, ela o faz pela união sexual com Corisco. Nessa alegoria, a mulher

do povo é fecundada pela face violenta da revolta popular. Depois da chegada do matador de

cangaceiro, apenas Rosa e Manuel conseguem fugir vivos. Atravessando o Sertão, o casal

chega ao mar.

"Mataram Corisco / Balearam Dadá / O sertão vai virá mar / E

o mar virá sertão / Tá contada a minha estória / Verdade e

imaginação / Espero que o sinhô / Tenha tirado uma lição / Que

assim mal dividido / Esse mundo anda errado / Que a terra é do

homem / Num é de Deus nem do Diabo" (ROCHA, G. 1964 117

min.)

Deus e o Diabo na Terra do Sol debate a necessidade do homem (Manuel) de libertar-

se das amarras da ordem do pensamento que prega a subserviência (a Deus, ao Diabo, a outros

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homens). Pela denominada estética da fome, o filme expande esse tema em busca de uma

experimentação artística verdadeiramente brasileira, complementando política com estética.

No todo da obra, o filme reencena a concepção do povo brasileiro (que não nasce na neste

filme), que pode vir a ser livre das subjetividades mapeadas no Sertão. Essa fuga se liberta das

amarras colonialistas e paternalistas, dos desígnios místicos e religiosos dos beatos profetas e

da violência sem objetivo dos cangaceiros e foras-da-lei (TELLES, M). Além disso, entender

o Mar e o Sertão como espaços lisos abre novas interpretações para a temática do filme, como

espaços fadados à subjetividade nômade. O filme pode ser interpretado como a libertação do

homem ao se tornar consciente de sua impossibilidade política ou como a impossibilidade da

união dos oprimidos pelo Sertão, mesmo que estes tenham como característica comum a

esperança de uma utopia.

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