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A CIÊNCIA DA FELICIDADE: OS DESAFIOS DE UMA NOVA RELIGIÃO
JAPONESA NO BRASIL
Diogo Gonçalves Ferreira**
Rafael Vilaça Epifani Costa***
Resumo
A Happy Science, ou Ciência da Felicidade, é uma religião fundada pelo empresário japonês Ryuho Okawa. Embora seja uma religião recente, ela rapidamente se espalhou pelo mundo, assim como outras Novas Religiões Japonesas (NRJ), divulgando não apenas a sua doutrina,
pautada em um pesado sincretismo de elementos religiosos do Oriente e do Ocidente, como também lançando mão de um inovador modelo de proselitismo que vem gerando resultados.
Um desses resultados foi a chegada da religião no Brasil, um país que há muito tempo vêm acolhendo religiões oriundas do Japão. Este trabalho tem por finalidade apresentar uma visão geral da Ciência da Felicidade, sua doutrina, sua atual situação no Brasil, e os planos do seu fundador com a implantação desta curiosa religião no país.
Palavras-chave: Ciência da Felicidade. Novas Religiões Japonesas. Religiões no Brasil.
INTRODUÇÃO
A Kôfuku no Kagaku (do japonês, Ciência da Felicidade), ou Happy
Science, como é conhecida internacionalmente, foi fundada em 1986 pelo
empresário japonês Ryuho Okawa. Segundo a Ciência da Felicidade, em
1981, Okawa atingiu a Iluminação, tomando consciência de que é a atual
reencarnação do Deus Criador, chamado El Cantare, que ao longo das
eras escolheu outras figuras religiosas como Buda, Jesus, Moisés, Confúcio
e Nichiren para difundir sua mensagem pelo mundo, tal como fez com
Okawa.
A Ciência da Felicidade possui uma doutrina sincrética, que abarca
desde princípios do Budismo, Cristianismo, Xintoísmo até o culto a
entidades próprias. A doutrina dessa nova religião também se apropria
além dos elementos das religiões acima citadas, conceitos da Nova Era,
Trabalho apresentado no III Congresso Nordestino de Ciências da Religião, realizado
entre os dias 08 e 10 de setembro de 2016 na UNICAP, PE. ** Mestrando em Ciências da Religião pela Universidade Católica de Pernambuco. *** Mestrando em Ciências da Religião pela Universidade Católica de Pernambuco.
III CONGRESSO NORDESTINO DE CIÊNCIAS DA RELIGIÃO E TEOLOGIA | Recife, 8 a 10 de setembro de 2016
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como a existência da mítica Atlântida, civilizações extraterrestres e um
complexo sistema de vida após a morte baseado em planos espirituais.
Embora seja uma religião fundada recentemente, ela se espalhou
rapidamente pelo mundo – assim como outras Novas Religiões Japonesas
(NRJ) –, divulgando não apenas a sua doutrina, como também lançando
mão de um inovador modelo de proselitismo que vem gerando resultados.
Um desses resultados foi a chegada da religião no Brasil, um país que há
muito tempo vêm acolhendo religiões oriundas do Japão.
Este trabalho tem por finalidade apresentar uma visão geral da
Ciência da Felicidade, sua doutrina, sua atual situação no Brasil, e os
planos do seu fundador com a implantação desta curiosa religião no país.
RYUHO OKAWA
O nome verdadeiro de Ryuho Okawa é Nakagawa Takashi, tendo ele
nascido na ilha de Shikoku em 07 de julho de 1956. As inclinações
religiosas de Okawa se devem ao seu pai, que foi membro de uma NRJ
chamada Associação da Luz de Deus, fundada em 1969 por Takahashi
Shinji.
Os seus ensinamentos básicos têm por base uma série de ideias
existentes no mundo religioso japonês, incluindo os valores morais
budistas e confucionistas relacionados com o auto-
aperfeiçoamento através da formação espiritual, e a crença na
interdependência entre os vivos e os espíritos dos mortos. [...] Os
ensinamentos de Takahashi tiveram um grande impacto no
desenvolvimento de outras novas religiões, como o Kôkufu no
Kagaku. Este movimento, agora uma das maiores novas religiões
japonesas (In: PARTRIDGE (org.), 2006, p. 258).
O forte contato de Okawa com as crenças de sua família fez com
que nutrisse um forte sentimento religioso, inspirado no arquétipo oriental
do Deus-Vivo – do japonês, ikigami –, dessa forma, assumindo o papel de
“messias moderno”, o qual possuiria a missão de redimir a humanidade
através de novas revelações ditadas diretamente por Deus.
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A despeito dessa crença japonesa em líderes religiosos como
“Deuses-Vivos”, temos esta prática presente em outras NRJ surgidas
antes da Ciência da Felicidade, a exemplo de Motiki Okada, fundador da
Igreja Messiânica Mundial, que atribuiu a si o título de Meishu-Sama – “O
Senhor da Luz”. Também temos outros líderes religiosos como Yoshikazu
Okada, fundador da Mahikari, que adotou o título honorífico de Kotama –
“Joia de Luz” – e Miki Nakayama, fundadora da Tenrikyo, como Oyassama
– “Nossa Mãe”. Fora do Japão, o maior exponente desse “messianismo
oriental” é Sun Myung Moon (1920-2012), fundador da Igreja da
Unificação, na Coreia do Sul, o qual seus seguidores acreditam ser a
manifestação da Segunda Vinda de Cristo.
Dessa forma, aos vinte e cinco anos, tal como as figuras acima
citadas, Okawa passou a receber uma série de mensagens dos mundos
espirituais.
Em 23 de março de 1981, pouco antes de se formar na
Universidade, Okawa começou a receber mensagens de um
espírito superior, e muitos outros espíritos divinos começaram a
entrar em contato com ele. Em julho de 1981, ele se tornou
consciente de sua missão de trazer felicidade para toda a
humanidade e de sua identidade como a encarnação do grande
espírito, El Cantare. [...] Seu pai, Saburo Yoshikawa, gravou os
diálogos mantidos entre Okawa e vários espíritos, tendo editado
uma grande quantidade de registros. Mais de quatro anos depois
do início das experiências religiosas de Okawa, foi publicado o
primeiro volume destas mensagens espirituais. Foi intitulado
Nichiren no Reigen (As Mensagens Espirituais de Nichiren) e saindo
sob o nome de Yoshikawa (1985). Em 1986, com a idade de trinta
anos, Okawa deixou a sua empresa e estabeleceu a Kofuku-no-
Kagaku (Instituto de Pesquisa para Desenvolvimento da Felicidade
Humana), que obteve o status oficial de religião, em Tóquio, em
1991 (CLARKE, 2006, p. 467).1
1 On 23 March 1981, just before graduating from University, Okawa suddenly began to
receive messages from a high spirit, and many more divine spirits started to contact
him. In July 1981, he became aware of his mission to bring happiness to all humanity
and of his identity as the incarnation of the grand spirit, El Cantare. [...] His father,
Saburo Yoshikawa, taped the dialogues held between Okawa and various spirits and
edited a vast amount of recordings. Over four years after Okawa's religious experiences
had first started, the first volume of these spiritual messages was published. It was
entitled Nichiren no Reigen (The Spiritual Messages of Nichiren) and appeared under
Yoshikawa's name (1985). In 1986, at the age of thirty, Okawa left his firm and
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Segundo Okawa, esse “espírito superior” do qual passou a receber
as primeiras mensagens do mundo espiritual era Takahashi Shinji, o
fundador da Associação da Luz de Deus. A partir de então, ele seria
orientado por muitas outras entidades espirituais para conduzir seu
próprio movimento religioso, com base nos conhecimentos que havia
recebido até então.
A DOUTRINA
O texto fundamental da Ciência da Felicidade é o Shin Taiyô no Hou,
do japonês As Leis do Sol, publicado em 1987 por Okawa. Embora não
exista um texto sagrado nos moldes de outras religiões, este livro é uma
espécie de Bíblia, pois contém boa parte da doutrina. Tal como atesta o
próprio autor em sua obra, “a partir de seu lançamento, em 1987, no
Japão, As Leis do Sol se transformou num best-seller com tiragem de sete
milhões de exemplares, tornando conhecidos os nomes de Ryuho Okawa e
da Ciência da felicidade” (OKAWA, 1996, p. 9).
O Deus Criador para a Ciência da Felicidade se chama El Cantare,
que de acordo com Okawa significa “Terra, Magnífico Reino de Luz”
(OKAWA, 1996, p. 38). De acordo com os ensinamentos da Ciência da
Felicidade, El Cantare encarnou sete vezes no mundo: Como La Mu, rei de
uma antiga civilização de mesmo nome; Thoth, sábio da civilização de
Atlântida; Rient Arl Croud, um rei Inca; Ophealis, líder político e militar
grego; Hermes, rei de Creta; Siddharta Gautama, o Buda; e atualmente
como Ryuho Okawa, no Japão. Embora se fale de um Deus Supremo, essa
Divindade se desdobra em muitas outras, algo comum nas NRJ, tal como
explica Rochedieu.
established Kofuku-no-Kagaku (The Institute for Research in Human Happiness), which
obtained official religious body status in Tokyo in 1991.
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O objeto de adoração – quer se trate de Deus, de Buda ou de um
rolo sagrado – não é necessariamente considerado como só e
único; porém, na prática, os fieis de cada religião veem nesse deus
que adoram o Deus único e o “único” que deve merecer
importância. Todavia, em muitos casos, as doutrinas ensinam que
neste único objeto de adoração estão incluídos os antepassados,
todas as outras divindades e os diversos Budas (ROCHEDIEU,
1982, p. 204).
Para se entender o conceito de revelação para a Ciência da
Felicidade, é preciso entender a ideia de espírito guardião. As religiões
japonesas dão muita importância à figura dos antepassados. No entanto,
esses espíritos protetores não são visto como antepassados. A Ciência da
Felicidade considera que esses “espíritos guardiães” são as nossas
próprias encarnações anteriores, as quais nos conferem não apenas
proteção, como também orientação durante nossa vida.
De acordo com os escritos de Okawa, a “revelação” dada por esses
espíritos, se daria por meio do contato do indivíduo com uma encarnação
passada sua, que no caso de Okawa, ocorreu por meio da consciência das
encarnações de El Cantare. Tendo a consciência de suas vidas passadas
como o Ser Supremo, Ryuho conheceu a Verdade Suprema, tornando-se
um Buda, um ser Iluminado, o que, como consequência, também lhe
permite ter livre acesso às revelações de outras personalidades que não
são encarnações diretas do Deus Criador, como Jesus, Moisés, Confúcio, e
outros líderes religiosos, tornando-se um canal para que elas sejam
reveladas ao mundo.
A Ciência da Felicidade é, talvez, a mais sincrética das novas
religiões japonesas, surgidas da metade do século XX para cá. Como
expõe Rochedieu, o sincretismo é um dos elementos mais marcantes das
NRJ, onde constantemente existem referências a religiões nestas
doutrinas.
[...] os Japoneses, ao longo da sua história, mostraram sempre
um gosto acentuado por aquilo que não apresente carácter
dogmático e uma admirável maleabilidade no seu poder de
adaptação. Praticam a arte de harmonizar pontos de vista opostos
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e detestam opiniões demasiado rígidas. Sem dificuldade farão as
suas devoções sucessivamente diante de uma efígie de Buda, no
santuário xintoísta e ainda numa igreja cristã. Esta disposição de
espírito encontra-se nas novas religiões, onde podemos ouvir
pronunciar, da mesma assentada, os nomes de Cristo, de Buda, de
Confúcio, de Maomé e do fundador da seita que está a celebrar o
serviço (ROCHEDIEU, 1982, pp. 199-200).
Um dos exemplos dessa devoção pautada em um sincretismo de
crenças orientais e ocidentais está na própria figura de El Cantare, que, de
acordo com a doutrina da Ciência da Felicidade, encarnou em diversas
figuras religiosas, como o Buda, o rei Hermes, entidades próprias da
religião, como La Mu, e, atualmente, fazendo morada na pessoa de
Ryuho.
Algo interessante a pontuar é que a figura de Jesus é praticamente
citada em todas as obras de Okawa, o que o levou a escrever um livro
específico chamado Iesu Kirisuto-no-Reigen, do japonês, Mensagens de
Jesus Cristo. Segundo tal obra, Jesus foi um importante enviado de Deus
para ensinar o amor à humanidade. Quando Jesus se referia ao “Pai”,
fazia alusão à El Cantare. E quando esteve presente na Terra, teve a sua
missão guiada pelo espírito de Hermes. Da mesma forma que o
Cristianismo, a Ciência da Felicidade ensina que Jesus foi crucificado,
ressuscitou dos mortos e ascendeu aos planos superiores, de onde voltará
num futuro próximo para inaugurar uma nova era no mundo, através dos
novos ensinamentos promulgados pela Religião de Okawa.
[...] isso deverá acontecer, e não será num futuro muito distante.
Creio que ocorrerá dentro de uns 400 anos. O local ainda não está
definido, porém, provavelmente será numa nação hoje
considerada ocidental. Ao nascer nesse país, pretendo ampliar o
grande mundo de amor. Utilizando o trabalho da Happy Science
como base, como se fosse o Antigo Testamento, eu pretendo
disseminar um Novo Testamento, a Nova Bíblia. Pretendo difundir
um Novo Evangelho (OKAWA, 2009, p. 128).
Em relação à vida após a morte, seu sistema de crenças apresenta
um plano espiritual composto de dimensões. Além das três dimensões que
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vivemos, existem a 4ª (Mundo dos espíritos puros e Inferno), 5ª (Mundo
dos virtuosos), 6ª (Mundo das pessoas que promoveram a evolução da
humanidade), 7ª (Mundo dos Bosatsus, divindades, etc.), 8ª (Mundo dos
Nyorai, Budas, etc.), 9ª (Mundo Cósmico). A partir de então, essas
dimensões chegam limite no qual não podem ser mais descritas. Nas
palavras de Okawa, “a explicação [dessa cosmologia] através da
linguagem só é possível até esse nível dimensional; Buda Fundamental
(Deus Criador) do Grande Universo é uma entidade provavelmente de
dimensão igual ou superior à vigésima” (OKAWA, 1996, p. 31). Porém,
vale ressaltar que a cosmologia da Ciência da Felicidade foi adaptada dos
ensinamentos da Associação da Luz de Deus (ADL), religião da qual o pai
de Okawa fez parte (In: PARTRIDGE (org.), 2006, p. 262).
Esses planos espirituais são administrados por entidades das mais
diversas ordens, que, através de sua sabedoria são encarregados de
ministrar suas luzes. Entre algumas dessas personalidades se encontram o
próprio Buda, Moisés, Jesus, Maitreya, Confúcio, Manu, e até o cientista
Isaac Newton.
A doutrina ética da Ciência da Felicidade está assentada, em sua
maioria, sobre os ensinamentos do Budismo ortodoxo. No entanto, tais
ensinamentos foram renomeados de acordo com as crenças de Okawa.
Assim, “As Quatro Nobres Verdades” tornaram-se “Os Quatro Princípios da
Felicidade” (amor, sabedoria, reflexão e desenvolvimento). Alguns
princípios judaico-cristãos como os Dez Mandamentos também se uniram
ao “Nobre Caminho Óctuplo” do Budismo. Dessa forma, seria possível
transcender as barreiras religiosas, e com a união de tais verdades
atemporais seria possível aproximar os homens do amor de Deus, uma
vez que El Cantare é o “Deus do Amor”.
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O PERFIL DE UMA NOVA NRJ
A Ciência da Felicidade está inserida no espectro de religiões que
surgiram entre o fim do século XIX e início do século XX. A este grupo de
religiões denominamos de Novos Movimentos Religiosos (NMR). No
entanto, como parte dos NMR, ela também integra as chamadas Novas
Religiões Japonesas (NRJ) – do japonês, shinkô shukyô. Por isso,
precisamos entender a diferença entre estes dois conceitos.
Vamos considerar, aqui, NMR todos os movimentos de cunho
religioso ou espiritualista que tenham surgido recentemente, no
bojo do movimento de contracultura, após 1960. Vamos incluir,
além desses, os movimentos surgidos até no final do século XIX ou
começo do século XX e que permaneceram à margem das grandes
religiões, mas se tornaram mais visíveis junto com os demais
(GUERRIERO, 2010, p. 43).
Muito se fala das novas religiões que surgiram nos Estados Unidos e
em outros países como a Índia. No entanto, com o advento do século XX,
houve uma verdadeira proliferação de religiões em solo nipônico.
Esse surgimento e proliferação de novas religiões se deu, em
especial, pela “derrota do Japão na Segunda Guerra Mundial e a
promulgação da nova constituição contendo o decreto sobre a liberdade
de culto em todo o país, bem como a separação entre religião e Estado”
(OZAKI, 1990, p. 25). De acordo com o próprio Okawa, a Ciência da
Felicidade está inserida em uma Quinta Onda Religiosa, dentro de uma
classificação das novas religiões que surgiram em solo nipônico.
Primeira Onda Religiosa teve seu início no final da Era Edo (1603 a
1868), permanecendo até o início da Era Meiji (1868 a 1912),
quando surgiram novas religiões, tais como: Kurosumikyo,
Konkokyo e Tenrikyo. A Segunda Onda teve início com o advento
da nova religião chamada Oomotokyo, que teve o seu auge na Era
Taisho (1912 a 1926) até o início da Era Showa (1926 a 1939). A
Terceira Onda representa o pós-guerra, quando houve uma
verdadeira avalanche de novas religiões. A Quarta Onda
representa a década de 70, época em que novas religiões que
exploravam forças espirituais sobrenaturais prosperaram: GLA,
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Mahikari e Agonshu. Embora esta onda tenha servido de ajuda
para recuperar a espiritualidade, estimulou também o surgimento
de seitas que têm causado problemas sociais [que nesta edição
Okawa provavelmente se refere à Aum Shinrikyo]. A Quinta Onda
Religiosa surgiu com o advento da Ciência da Felicidade (OKAWA,
1996, p. 46).
De acordo com a tipologia das NRJ, feita por Shimazono (1994), a
Ciência da Felicidade estaria enquadrada em uma categoria chamada
“ideológico-intelectualizada”. De acordo com Andréa Tomita, essas
religiões
Constituíram-se a partir da junção de bases teóricas com crenças
mágicas de salvação. Os fundadores deste tipo de NRJ eram
pessoas de interesse acadêmico, possuidores, até certo ponto, de
conhecimentos históricos, científicos, religiosos e teorias modernas
em geral. [...] Foi através de uma junção de concepções
intelectualizadas e crenças mágicas de salvação que estas NRJ
ganharam espaço junto ao povo em geral. Neste processo de
junção, destaca-se a singularidade da criatividade conceitual e
poder de orientação destes fundadores (TOMITA, 2014, pp. 132-
133).
E foi por meio do poder carismático do seu fundador que a Ciência
da Felicidade se expandiu rapidamente no Japão, usando como estratégia
os meios de comunicação de massa, técnicas de marketing e propaganda,
estabelecendo suas próprias instituições, prometendo os mais variados
tipos de milagres e prosperidades, materiais e espirituais, e
desenvolvendo um proselitismo mais ativo do que outras NRJ.
Da mesma forma, devemos considerar que, assim como muitas
outras NRJ, a Ciência da Felicidade deu um novo sentido a doutrinas
basilares de religiões tradicionais como o Budismo. De acordo com Nissim
Cohen, o conceito de um Deus criador escapa à doutrina pura do Budismo,
uma vez que “o Buda não apontou para uma suprema força exterior (um
Deus ou deuses) como condição indispensável para a obtenção desta
libertação ou salvação, mas, sim para o interior, para a dinâmica da nossa
vida mental e espiritual” (2008, p. 33). Sobre esta questão, Cohen aponta
para uma gradual transformação da figura da imagem do Buda histórico,
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ao longo das eras, por parte escolas budistas ou por influências de outras
religiões como o Hindusímo.
[...] tanto no Theravãda quanto no Mahãyãna, o Buda foi elevado
à posição de um ser transcendental e onisciente, enquanto o
Mahãyana foi ao extremo de defender que o corpo real do Buda é
o todo-penetrante não-dual dharmakãya (corpo do Darma). Foi
somente após tal concepção transcendentalista ter dominado o
budismo que os hindus (os sucessores dos sábios Upanixádicos)
tornaram o Buda a mais alta encarnação (avatãr) do deus Vixnu
(Visnu). No decorrer do tempo, a figura do Buda continuou a sofrer
transformações radicais – mas, isto está fora do escopo desta obra
(COHEN, 2008, p. 41).
Como vemos, a doutrina do Budismo não concebe a ideia de que
exista um Deus Criador aos moldes das religiões teístas, ou que a figura
do Buda seja equiparada a um avatar ou encarnação de uma divindade
semelhante às crenças hindus.
Se Cohen desejasse se aprofundar mais nesse tema, com certeza
teria entrado no mérito da ressignificação do conceito do Buda dentro das
NRJ, onde poderia usar como exemplo o conceito de Buda como um Deus
Criador tal como ele é apresentado na Ciência da Felicidade. Okawa, por
sua vez, destaca que “ao longo deste livro, foi utilizada a palavra Buda
referindo-se a Deus, pois aquela é a mais correta do ponto de vista do
pensamento básico de Buda” (OKAWA, 2006, p. 251).
De acordo com o que diz Edmond Rochedieu, percebemos que o
perfil de Okawa está em conformidade com os fundadores e líderes de
outras NRJ, quando este se considera não apenas escolhido para difundir
mensagens divinas, como também, se considera a própria encarnação do
Deus/Buda vivo.
Este [...] é geralmente uma personalidade forte, bastante segura
de si. [...] se acredita que uma força ou forças divinas inspiraram
este ser de qualidades excepcionais e confiaram-lhe uma missão
salvadora. [...] Alguns consideram-se os salvadores do tempo
presente, outros igualam-se a Moisés, a Cristo, a Buda, a Confúcio
ou a determinado imperador japonês. Há ainda os que reivindicam
para si mesmos o uso exclusivo de tal ou tal epíteto, pelo qual
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querem ser chamados: o Grande Deus, o Deus Vivo, o Salvador da
Espécie Humana, o Homem-Deus Esperado pelo Mundo, o
Santuário de Deus, a Mediadora entre Deus e os Homens, o Buda
Vivo, o Senhor Iluminado (ROCHEDIEU, 1982, pp. 195-196).
A figura de Okawa se assemelha a um empresário, vestido sempre
de terno e gravata, ou dentro do contexto religioso, a de um pastor
evangélico dos dias atuais. No entanto, uma característica que o destaca
como parte das NRJ é a utilização de um josho (estola), semelhante às
utilizadas pela Igreja Messiânica Mundial.
Não é errado fazer um comparativo entre as práticas da Ciência da
Felicidade e a Teologia da Prosperidade, adotada por muitas igrejas
evangélicas nos dias de hoje, em especial as neopentecostais no Brasil.
Nesse aspecto de difusão midiática e discurso proselitista, a Ciência da
Felicidade se aproxima bastante de denominações cristãs como a Igreja
Universal do Reino de Deus (IURD), pioneira do Neopentecostalismo no
país.
As Novas Religiões Japonesas (e novíssimas) demonstram maior
preocupação com os efeitos das mudanças da modernidade e
contemporaneidade no indivíduo e na sociedade do que as
religiões estabelecidas. Também oferecem crenças e práticas
japonesas que lhes possibilitam reagir às rápidas mudanças
culturais, políticas e econômicas vividas no seu país nos últimos
150 anos, sobretudo desde o pós-guerra [...] No Ocidente, os
simpatizantes das NRJ geralmente apontam a relevância das
crenças e práticas no cotidiano e consideram convincentes as
explicações dadas sobre a causalidade espiritual e o controle de
vida proporcionado pelas explicações dadas com relação à doença.
Também apontam a preocupação com a paz e meio ambiente. Sua
visão permite que membros e aspirantes, ao invés de se sentirem
impotentes e incapacitados pela modernidade, sintam-se capazes
de controlá-la e aproveitá-la de forma compatível à sua felicidade
pessoal e bem viver aqui na Terra (CLARKE, 1999, p. 201).
O centro das atividades da CF e o discurso utilizado durante as
reuniões estão centrados em torno de uma prosperidade que pode ser
alcançada através da prática dos ensinamentos de Ryuho Okawa. Isso
denota a criação de uma teologia da prosperidade oriental, tendo como
sua pioneira a Ciência da Felicidade, que adota um discurso positivo,
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523 GT 6 – Religiões Orientais | Diogo Gonçalves Ferreira /Rafael Vilaça Epifani Costa
sempre centrado na resolução de problemas terrenos que são sempre de
ordem psicológica, econômica e de realizações pessoais. O próprio fato de
Okawa ter sido um empresário no passado faz com que, ele possua todas
as competências para liderar a religião como se fosse uma verdadeira
empresa. E isto também está evidenciado com o discurso voltado para o
sucesso nos negócios de seus seguidores, cujas ideias de Okawa sobre tal
assunto estão sintetizadas em suas obras A Mente Inabalável, Pense
Grande e Pensamento Vencedor. Considerando o perfil empreendedor da
religião, unido à imagem de forte liderança que Okawa transmite, cada
vez mais pessoas se sentem atraídas pelas promessas de “felicidade e
prosperidade” divulgadas pela sua religião.
UMA RELIGIÃO POLÊMICA
Em sua principal obra, As Leis do Sol, Okawa afirma que a “Ciência
da Felicidade possui atualmente mais de 10 milhões de membros no
mundo todo” (OKAWA, 1996, p. 251), chegando ao ponto de dizer sem
medo que sua religião é a que “mais cresceu em número de adeptos nos
últimos anos e está caminhando para se tornar a quarta religião mundial,
ao lado do budismo, cristianismo e islamismo” (OKAWA, 1996, p. 46).
Porém, em seu estudo sobre a Ciência da Felicidade, Robert Kisala pontua
que “apesar de ser difícil avaliar o numero de membros, é provável que
totalizem algumas centenas de milhares” (In: PARTRIDGE (org.), 2006, p.
262).
Além dos livros de Ryuho Okawa, prática de divulgação adotada pela
totalidade das religiões, em especial as novas religiões, a Ciência da
Felicidade passou a produzir uma série de filmes em estilo Anime
(animação japonesa). Estes filmes basicamente são produções baseadas
nos mais importantes livros de Okawa. Entre elas temos As Leis do Sol, As
Leis Douradas, As Leis Místicas, As Leis da Eternidade, O Renascimento de
Buda, A História do Rei Hermes. Esses filmes envolvem personagens
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ficcionais que são inseridos dentro do universo da religião, em enredos
que envolvem muitos elementos da ficção científica, como Viagens no
Tempo, uso de tecnologias avançadas e encontros com personalidades
religiosas do mundo antigo e cientistas modernos.
Desse modo, temos histórias em que jovens viajam no tempo e se
encontram com avatares, divindades orientais, e personagens como Buda,
Moisés e Jesus, ao mesmo tempo em que conhecem outros mundos, de
acordo com a cosmogonia da Ciência da Felicidade, encontrando nestes
outros planos superiores cientistas como Einstein, Pasteur e tantos outros
que, de acordo com a Ciência da Felicidade, são responsáveis pela
administração dos mundos espirituais. Embora contenham muitas alusões,
sobretudo, ao Budismo e episódios da vida do Buda, todos eles são
contextualizados com a doutrina da Ciência da Felicidade.
Nessa verdadeira integração entre ficção científica, doutrina religiosa
e animação japonesa, a Ciência da Felicidade descobriu um modo bastante
prático de divulgar sua doutrina, sobretudo entre os jovens. O uso maciço
de tais tecnologias revela outra faceta das NRJ, especialmente aquelas
surgidas a partir da década de 70.
O advento dos meios de comunicação e suas tecnologias tem sido,
desde o final do século XIX, utilizando as palavras de Benjamon
Dorman, “faca de dois gumes”, especialmente para os novos
movimentos religiosos. Por um lado, os meios de comunicação e
tecnologias modernas têm sido amplamente utilizados por grupos
religiosos não só para divulgar suas mensagens e alcançar um
público mais amplo, mas também para promover a si mesmos
como uma forma de religião moderna e atualizada, apropriada
para uma era tecnológica moderna. Por outro lado, a grande mídia
tem sido uma grande – e certamente a mais perigosa e influente –
fonte de críticas para novas religiões. Morioka Kiyomi, por
exemplo, discutiu como, na década de 1950 o chamado “Caso
Yomiuri”, em que o proeminente jornal Yomiuri Shimbun criou uma
campanha contra a Risho Kossei-kai, uma das maiores novas
religiões japonesas, causando danos ao movimento e até mesmo
dando origem a um inquérito parlamentar (BAFFELLI; READER;
STAEMMELER, 2011).2
2 The advent of the mass media and its technologies has, since the late nineteenth
century, been, to use Benjamon Dorman's words, "a mixed blessing", especially for new
religious movements. On the one hand, modern media and technologies have been
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Essas campanhas empregadas pelos meios de comunicação
japoneses contra as mais recentes novas religiões do Japão, se deve,
sobretudo, ao ataque do metrô de Tóquio, em 1994, pela Aum Shinrikyo,
que desde cedo era tida como uma rival pela Ciência da Felicidade.
A Kôfuku no Kagaku afirmou-se como uma grande rival da Aum
Shinrikyô, no início de 1990, pelo facto de os dois grupos terem
aparecido na mesma altura, apostarem fortemente na publicação
das obras dos seus fundadores e dos seus representantes se terem
apresentado com um certo sensacionalismo num programa de
televisão bastante popular (In: PARTRIDGE (org.), 2006, p. 262).
O episódio do metrô de Tóquio criou uma espécie de desconfiança
geral em relação a esses grupos, que cada vez mais buscam galgar
espaços na política japonesa, se comportando não apenas como religião,
mas também como partidos políticos, algo não muito diferente do que
acontece atualmente no Brasil. E essa desconfiança chegou a um ponto no
Japão, em que tais grupos não são mais denominados pela grande mídia
como religiões (shukyô), mas no sentido pejorativo de cultos (BAFFELLI;
READER; STAEMMELER, 2011). Após o incidente, a Aum passou a ser
vista “numa posição diferente da assumida por outros novos movimentos
religiosos japoneses, ligando-o mais a grupos como o Ramo Davidiano e a
Ordem do Templo Solar” (In: PARTRIDGE (org.), 2006, p. 260), grupos
estes inseridos em uma categoria de religiões conhecida como “Cultos do
Dia do Juízo” (Doomsday Cult’s).
extensively used by religious groups not only to spread their messages and to try to
reach a wider audience, but also to promote themselve as a highly modern and up-to-
date form of religion appropriate for a modern technological age. On the other hand,
however, the mass media has been a major - and certainly the most dangerous and
influential - source of criticism towards new religions. Morioka Kiyomi, for example, has
discussed how, in the 1950s the so-called "Yomiuri affair", in which the proeminent daily
newspaper the Yomiuri shinbun waged a campaign against Risshô Kôseikai, one of the
largest Japanese new religions, did damage to the movement and even gave rise to a
parliamentary inquiry
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Em diversos países, com efeito, o crescimento dos NMR gerou
acirradas controvérsias públicas, suspeitas e receios generalizados,
sanções legais, ações políticas e administrativas, fortes reações de
oposição da imprensa e de outras mídias, além da formação de
entidades antisseitas por parte de dissidentes religiosos e
familiares de adeptos. A cobertura midiática sensacionalista de
certos casos extremos, como os dos suicídios coletivos de
membros do Templo dos Povos em Jonestown e de adeptos da
Ordem do Templo Solar na França, da morte de Davidianos no
Texas e do ataque terrorista com gás sarin no metrô de Tóquio,
realizado por membros da Aum Shinrikyo contribuiu para difundir
todo tipo de preconceito contra os NMR, questionar seu caráter
religioso e considerá-los desviantes, anômalos e perigosos (In:
PASSOS; USARSKI, 2013, p. 238).
Um bom exemplo desse preconceito contra os NMR – citado acima
por Ricardo Mariano – é a mídia japonesa, que passou a tratar as novas
religiões do país como se fossem uma nova Aum Shirinkyo. E devido às
aspirações políticas da Ciência da Felicidade, esta vem ganhando uma
atenção especial, junto com muitas críticas sobre suas posições
conservadoras.
Existem traços de nacionalismo na doutrina da Kôfuku no Kagaku
e, em tempos, com base nas profecias de Nostradamus, Okawa
chegou mesmo a prever que o Japão voltaria a ser uma potência
militar apta a conquistar o mundo no início do século XXI e
proporcionar deste modo uma idade de ouro para a humanidade.
O grupo tem vindo a defender algumas causas conservadoras no
Japão, sobretudo em torno de questões relacionadas com a moral
pública (In: PARTRIDGE (org.), 2006, p. 262).
Como reflexo desse nacionalismo exacerbado e tendências
conservadoras, Okawa fundou em 2009 o Partido para a Realização da
Felicidade (Kôfuku Jitsugen-tô), com a intenção de disputar as eleições
nacionais e servir de terceira via aos dois principais partidos do Japão, o
Partido Liberal Democrático e o Partido Democrático do Japão.
UMA NOVA RELIGIÃO JAPONESA NO BRASIL
A Ciência da Felicidade chegou ao Brasil em 1992, instalando-se na
cidade de São Paulo, com o nome de Happy Science do Brasil. Em
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527 GT 6 – Religiões Orientais | Diogo Gonçalves Ferreira /Rafael Vilaça Epifani Costa
novembro de 2010, Okawa visitou o Brasil pela primeira vez, realizando
uma série de palestras, expondo sua doutrina e divulgando o nome da
religião no país.
Embora o crescimento da Ciência da Felicidade ainda não possa ser
comparado com o de outras NRJ no Brasil, é notável, pois, atualmente a
religião possui nove templos em São Paulo, um em Londrina e outro no
Rio de Janeiro. O templo central, chamado de Shoshinkan – inaugurado
em 2010 –, fica localizado na Rua Domingos de Morais, nº 1154, no
coração do bairro Vila Mariana, em São Paulo. Sua proximidade do Metrô
já denota um cuidado em situá-lo em um bairro central, que facilite seu
acesso aos fiéis, seja por transporte privado ou público.
Embora as religiões oriundas do Japão tenham chegado ao Brasil
com o intuito de atender as necessidades da comunidade de imigrantes,
com o tempo “algumas entidades religiosas, principalmente as novas
religiões, começaram a atrair sensivelmente o público brasileiro, de modo
especial pela forma de ensino profundamente humanitário e pela cura de
doenças” (OZAKI, 1990, p. 21). Como exemplo de sucesso das NRJ em
terras brasileiras, Peter Clarke cita a Igreja Messiânica Mundial.
Podemos ver então que o sucesso da Igreja Messiânica Mundial no
Brasil é devido às semelhanças religiosas e adaptações, e isto
também serve para o sucesso de outras religiões japonesas. É
importante notar aqui que este é um processo de mão dupla: as
religiões japonesas em uma determinada maneira tornam seus
ensinamentos, práticas e linguagem mais "nativos" para que eles
possam ser compreendidos e aceitos pelos brasileiros; os
brasileiros, por sua vez, compreendem as religiões japonesas
baseados em motivos religiosos pré-existentes e nativos. O
resultado é que a adesão do brasileiro às novas religiões japonesas
ocorre sem choques culturais nem dilemas de consciência
(CLARKE, 2000, p. 124).3
3 We can see then that the success CWMB in Brazil is due to religious similarities and
adaptations, and this is true of the success of other japanese religions. It is important to
note here that this is a two-way process: the Japanese religions in a certain way make
their teachings, pratices and language more "native" so that they can be understood and
accepted by Brazilians; the Brazilians, in turn, understand the Japanese religions based
on pre-existing and native religious grounds. The result is that the adhesion of brazilian
to the new Japanese religions occurs with no cultural shocks nor conscience dilemmas.
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Aqui temos um ponto importante a considerar. A absorção das NRJ
pelos brasileiros a partir de modelos de crenças já existentes no país. Uma
das maiores diferenças das religiões orientais das ocidentais é a crença na
reencarnação. E no caso das religiões brasileiras, esta crença está
marcantemente presente no Espiritismo, religião adotada por 2% dos
brasileiros, de acordo com o Censo de 2010. Logo, assimilar o discurso
religioso de movimentos oriundos, por exemplo, do Japão, não é algo tão
difícil ao brasileiro. Crenças como a reencarnação – um dos pilares
centrais das religiões orientais – não é algo difícil para um povo que já
está acostumado a tais ideias religiosas. Da mesma forma, a capacidade
do brasileiro em migrar entre religiões, absorvendo doutrinas muitas
vezes opostas entre si, por meio de um processo sincretismo que já está
enraizado em nossa cultura religiosa, faz com que os ensinamentos da
Ciência da Felicidade possam ter fácil aceitação, tal como aconteceu com
outras NRJ.
Dentre outros fatores, essa fácil adesão de brasileiros a religiões
japonesas se deve ao fato de que a cultura japonesa já se incorporou ao
modo de vida do brasileiro, especialmente na culinária (ex.: Sushi), e não
menos importante, por meio do entretenimento, sobretudo, o estrondoso
sucesso que os animes japoneses tiveram entre o público jovem, em
especial nos anos 90, marcando uma geração que carrega até hoje a
cultura japonesa como algo positivo, quando não, se identifica em vários
aspectos com ela. E é por conta do sucesso dessa cultura nipo-brasileira
entre a população, que existe um ponto a favor para a Ciência da
Felicidade em relação ao estilo de proselitismo que ela promove. E este
ponto diz respeito aos seus filmes em estilo Anime.
Os filmes da Ciência da Felicidade, acima citados, se encontram
disponíveis no site Youtube, todos dublados. Isto revela o cuidado da
Ciência da Felicidade em garantir e facilitar o acesso a tal conteúdo por
parte dos brasileiros, que, em sua maioria, não falam inglês, muito menos
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japonês. Também se percebe que em muitos deles a quantidade de
visualizações já passa dos cem mil, o que demonstra o interesse – e no
mínimo a curiosidade – do brasileiro em conhecer tais produções.
Aqui entra outro ponto importante para se discutir, que é o poder da
mídia religiosa como um instrumento poderoso de proselitismo. De acordo
com Brenda Carranza
[...] a mídia religiosa tem um papel fundamental para as próprias
igrejas, tanto no campo religioso, quanto na sociedade. Em
cenários sociais de pluralidade, estar na mídia representa ampliar
os mecanismos de proselitismo e de reinstitucionalização dos fieis,
ao mesmo tempo em que é um ato de reconhecimento e de
legitimidade social das instituições eclesiais (In: PASSOS, João
Décio; USARSKI, Frank. (orgs.), 2013, p. 552).
A produção de conteúdo audiovisual para angariar mais fieis é uma
prática adotada por outros grupos religiosos, onde no meio cristão, temos
como um bom exemplo A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos
Dias – conhecidos como Mórmons.
O uso da imagem tem um impacto muito mais direto do que a
leitura de uma obra do fundador ou do texto sagrado, sendo tais
produções uma espécie de boas-vindas ou introdução ao universo da
religião. E aqui temos um duplo diferencial da Ciência da Felicidade, que é
o uso de um canal de veiculação abrangente e de baixíssimo custo, o
Youtube.
A veiculação de filmes da instituição – em estilo Anime – faz com
que se alcance o público desejado de forma mais sutil e objetiva. É o
indivíduo que busca tal conteúdo – seja por interesse ou curiosidade –, e
não o emissor que vai até ele, como em uma transmissão de determinada
Igreja, que paga transmitir seu conteúdo em algum canal televisivo.
Já o espectador, ao ter acesso a tais produções, acaba por conhecer
uma nova doutrina religiosa que não parece tão estranha a ele. Ela possui
mensagens espirituais, fala sobre Deus, sobre reencarnação,
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ensinamentos do Budismo, e até apresenta a figura de Jesus de um modo
lúdico, que atrai até mesmo as crianças, por se tratar de um desenho.
Pelos comentários nos filmes da Ciência da Felicidade, é possível
notar que o espectador não está preocupado em saber quem é o emissor
da mensagem ou sua filiação institucional, mas sim o quão tocante e
transformadora a mensagem é para este. Ao mesmo tempo em que isso
facilita a absorção da doutrina pelos espectadores, existe uma confusão
quanto às origens dos respectivos ensinamentos, que são apresentados
como se estes fizessem parte do Budismo ortodoxo, quando não são.
A ida a um dos templos da Ciência da Felicidade, a exemplo do
Shoshinkan, evidencia a importância que a Religião dá às suas produções.
Além das cerimônias de Preces e celebrações voltadas para grupos
específicos – como jovens ou a família –, ou workshops com temas
relativos à prosperidade financeira, em toda visita ao templo, existe um
momento em que palestras de Okawa ou as produções acima citadas são
transmitidas aos visitantes. Da mesma forma, a Ciência da Felicidade
lança mão de diagramas sobre a cosmologia e outros folhetos que
resumem sua doutrina.
O modo de ingresso na religião é bastante simples. Basta preencher
um formulário e participar de uma cerimônia em que é perguntado ao
novo membro se “ele acredita no Deus Supremo El Cantare”. Em seguida,
cada iniciado recebe o livro de orações “Darma do Correto Coração”
(OKAWA, 2007).
CONCLUSÃO
O crescimento em números da Ciência da Felicidade no Brasil é
notável, uma vez que, em comparação com outras NRJ, a exemplo da
Igreja Messiânica Mundial, a IMMB só foi inaugurar seu templo-sede – o
Solo Sagrado, em São Paulo – quarenta anos depois de sua chegada ao
Brasil, enquanto que em vinte anos de estabelecimento a Ciência da
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Felicidade já conta com uma grande sede e vários templos instalados no
país.
O diferencial da Ciência da Felicidade em relação a outras NRJ que
desembarcaram no Brasil é o uso maciço dos meios de comunicação para
difundir seus ensinamentos. Em outras palavras, como coloca Carranza,
“não há como a religião sair ilesa da sua relação com a mídia” (In:
PASSOS, João Décio; USARSKI, Frank. (orgs.), 2013, p. 552).
Se no Japão a Ciência da Felicidade enfrenta pesadas críticas da
mídia devido a episódios do passado, com sua vinda ao Brasil ela tem uma
oportunidade de usá-la como um instrumento de expansão. E para fazer
seu nome cada vez mais conhecido no mercado literário nacional, a
Ciência da Felicidade no Brasil conta com uma editora responsável pela
publicação dos livros de Okawa no país, a IRH Press, também responsável
pela publicação da revista Happy Science.
É inegável que, da metade do século XX pra cá, nosso país se tornou
um campo fértil para o florescimento de novos movimentos religiosos. E,
sem dúvida, esse interesse de Okawa no Brasil está em consonância com
o sucesso que outras NRJ tiveram aqui. Da mesma forma, percebe-se o
intento de Okawa em tornar sua religião uma NRJ global, o que é atestado
pela presença em países da América Latina e da África, como Uganda.
Percebe-se, portanto, que este rápido crescimento da Ciência da
Felicidade está apoiado em três pontos: Uma estratégia de marketing
pessoal do seu fundador enquanto um líder carismático, a promoção de
uma forte doutrina sincrética, baseada na prosperidade ainda neste
mundo – que se mostra de fácil absorção por parte do brasileiro –, e na
divulgação de suas doutrinas por meios de comunicação de rápida
transmissão e baixo custo – a produção de Animes e sua disponibilidade
para o acesso no Youtube.
Embora ainda seja uma religião recém-chegada no Brasil, é visando
tais elementos e o histórico das NRJ, que Okawa aposta no sucesso de
mais uma religião japonesa no país mais católico do mundo.
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