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SILVINA MARÍA CARRO A assistência social no universo da proteção social - Brasil, França, Argentina - DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO 2008

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SILVINA MARÍA CARRO

A assistência social no universo da proteção social

- Brasil, França, Argentina -

DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO 2008

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SILVINA MARÍA CARRO

A assistência social no universo da proteção social

- Brasil, França, Argentina -

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutora em Serviço Social, sob orientação da Professora Doutora Aldaíza Sposati

DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

2008

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Página de Aprovação ----------------------------------------

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Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta tese por processos fotocopiados ou eletrônicos.

Assinatura__________________________

Local_______________________________

Data________________________________

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AGRADECIMENTOS

Expresso meu agradecimento e reconhecimento ao conjunto dos professores do Programa

de Pós-Graduação em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

(PUC-SP), por sua receptividade, generosidade e sabedoria - entre outros inumeráveis

atributos que o caracterizam. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível

Superior (Capes), ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

(CNPQ), e, por sua intermediação, ao Brasil, pelo inestimável apoio econômico ofertado

por meio da bolsa de estudos que permitiu a realização do curso de doutorado.

Agradeço à Professora Doutora Aldaíza Sposati por suas orientações metodológicas, de

leitura, e pela oportunidade dada de expressar-me neste percurso que começou no ano

2000, por ocasião do mestrado em Serviço Social, e, fundamentalmente, por transmitir-me

e possibilitar-me compartilhar seu conhecimento, sua paixão e seu interesse pelo estudo

das dimensões da assistência social, não só no Brasil como em outros lugares do mundo.

Faço extensivo este agradecimento aos colegas do Núcleo de Estudos e Pesquisa em

Seguridade e Assistência Social (Nepsas) da PUC-SP, por compartilhar desse objeto de

estudo e intervenção que nos une, nos instiga a valorá-lo, apreendê-lo e a ser criativos em

todas suas facetas.

Expresso minha gratidão às Professoras Carmelita Yazbek e Maria Lucia Martinelli, por

sua abertura e generosidade em relação aos cursos de mestrado e de doutorado, assim

como aos Professores Evaldo Viera, José Paulo Netto e Vera Telles, do Departamento de

Sociologia da Universidade de São Paulo (USP), por seu acompanhamento e partilha do

seu saber em cada uma das disciplinas que tive a oportunidade de cursar como doutoranda.

Menciono também os professores da Faculdade de Economia e Gestão e do Instituto de

Estudos Políticos da Université Pierre Mendés, Grenoble II, França: Alain Euzeby, Chantal

Euzeby e Claudine Offredi, que me receberam no estágio de estudo ancorado no projeto

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Capes-Cofecub coordenado pela Professora Aldaíza Sposati, com a participação da

Professora Mariangêla Belfiore Wanderley.

Não podendo deixar de citar minhas colegas Alice Dianezi Gambardella, Carla Bressan,

Carina Moljo, Dirce Koga, Euniciana Peloso da Silva, Íris Maria de Oliveira, Márcia

Mousallem, Maria Angelina Baia de Carvalho, Maria Argenice Souza Brito, Neire Bruno

Chiachio, Rosângela Carvalho Barbosa, Solange Pacheco, Sonia Nozabielli, Tânia Santana

dos Santos com as quais tive o prazer de conviver nestes anos e que muito me auxiliaram

no percurso até este ponto.

Aos colegas e professores do Curso de Trabalho Social da Faculdade de Ciências Sociais

da Universidade de Buenos Aires. Aos meus companheiros do Centro de Saúde nº 8, que

pertence ao Hospital Municipal José M. Penna, da Cidade de Buenos Aires, e da Biblioteca

Nacional de Maestros da República Argentina por sua colaboração inestimável. Agradeço

às pessoas e instituições que contribuíram de diferentes formas e em diversos momentos no

caminho do meu desenvolvimento pessoal e profissional. Todas elas mereceriam

agradecimentos personalizados, mas, pela extensão e as limitações de espaço, certamente

incorreria em faltas.

Aos que não estão: avós Llano-Díaz e Grovas-Carro, tios, primos, pela experiência social

deixada em terras onde não nasceram, mas se fixaram, fugindo da pobreza e onde

construíram uma nova vida para eles e para os que foram chegando. Aos meus pais: José

Armando (in memoriam) e Emérita; e meus sobrinhos: Pamela, Federico e Tomás.

Ao César, por sua presença em minha vida.

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RESUMO Este trabalho analisa a assistência social nos sistemas de proteção social do Brasil, da França e da Argentina, privilegiando dois cortes: a passagem das formas assistenciais do campo privado para o campo público e sua relação com a seguridade social. O capítulo 1 aborda a política de assistência social francesa como um dos eixos do sistema de proteção social, tomando como ponto de partida os conteúdos da história constitucional. Demarca o momento da passagem das primeiras feições da assistência pública e a posterior configuração em decorrência dos seguros sociais. Inclui aspectos da reforma jurídica da assistência social de 1953 e apresenta as tensões nos dispositivos e nas bases do Direito já instaladas a partir da Renda Mínima de Inserção. O capítulo 2 analisa a Argentina. O processo de passagem da beneficência e a inclusão no aparelho estatal das primeiras formas assistenciais, as atividades da Fundação Eva Perón, concomitantemente a outras formas estatais de proteção. Aprofunda a perspectiva jurídica da seguridade social e da assistência social. Analisa os desafios colocados por volta da metade da década de 1980 quando ocorre a descentralização dos serviços sociais e dos programas sociais. O capítulo 3 estuda o Brasil. Apresenta as atividades assistenciais durante a transição do Brasil Imperial para a Velha República. Evoca a criação da Legião Brasileira de Assistência (LBA), o formato das Constituições de 1934 e 1946 e a relação com a legislação trabalhista. Retoma o debate sobre o papel do Estado a partir das discussões internacionais sobre seguridade social. Destaca o objetivo que prevalece na definição da seguridade social no período anterior à Constituição de 1988. Indica o percurso de construção da política de assistência social após 1988 em face da descentralização e da rede de proteção social. As considerações finais oferecem indicações e demonstram as tensões que contribuem para melhor delinear o lugar da assistência social na passagem das formas privadas às públicas. Destacam-se os processos de centralização e de descentralização político-administrativa que ocorrem a partir da década de 1980, usando como referência a experiência dos três países. Palavras-chaves: Proteção Social, Assistência Social, Seguridade Social, Direitos Sociais, Constitucionalismo

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ABSTRACT This work analyzes the social assistance in the systems of social protection of Brazil, France and Argentina, favoring two parts: the transition from the assisting forms of the private field to the public field and its relationship with the social security. The chapter 1 approaches the French social assistance policy as one of the main points of the social protection system, taking as the initial point the constitutional history contents. It marks the transition moment of the first features of the public assistance and the following configuration because of the social securities. It includes aspects of the juridical reform of the social assistance of 1953 and it presents the tensions on the devices and on the basis of Law already installed since the Minimal Insertion Income. The chapter 2 analyzes Argentina. The passage process of the beneficence and the inclusion in the apparatus of the State in the first assisting forms, the activities of the Eva Perón Foundation, concomitantly to other protection forms of the State. It makes a profound study in the juridical perspective of the social security and the social assistance. It indicates the challenges that were placed in the middle of the 1980 decade in face of the decentralization of the social services and programs. The chapter 3 studies Brazil. It presents the assisting activities during the transition of the Imperial Brazil to the Old Republic. It evokes the creation of the Brazilian Legion of Assistance (LBA – Legião Brasileira de Assistência), the Constitutions formats of the 1934 and 1946 and the relationship with the working legislation. It retakes the debate over the State role starting on the international discussions over social security. It accentuates the objective that prevails in the definition of the social security in the period before the Constitution of 1988. It indicates the path of the political construction of social assistance after 1988 in face of the decentralization and the social protection network. The final considerations offer indications and show the tensions that contribute to a better delineation of the social assistance place in the passage of the private forms to the public ones, in the centralization and in the processes of political-administrative decentralization of the decade of 1980, using as a reference the experience of the three countries. Keywords: Social Protection, Social Assistance, Social Security, Social Rights, Constitutionalism

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SUMÁRIO

RESUMO............................................................................................................................vii ABSTRACT.......................................................................................................................viii LISTA DE ILUSTRAÇÕES .............................................................................................xii INTRODUÇÃO....................................................................................................................1 CAPÍTULO 1 FRANÇA. A ASSISTÊNCIA SOCIAL NO SISTEMA DE PROTEÇÃO SOCIAL....31 1.1 A construção jurídica contemporânea da assistência social...........................................34

1.2 A assistência social na arquitetura do sistema de proteção social .................................39

1.3 A assistência social e as leis fundadoras do sistema de seguridade social ....................48

1.4 A reforma jurídica de 1953: a assistência social............................................................53

1.5 As discussões sobre a evolução dos Estados-Providência, o caso francês.....................56

1.6 A lógica da ação social em diálogo com a lógica da assistência social.........................58

1.7 A abordagem organizacional e funcional da assistência social e da ação social...........61

1.8 A inserção em debate: os mínimos sociais em face das novas propostas de

intervenção...........................................................................................................................63

1.9 A Renda Mínima de Inserção e a assistência social: entre a proteção e a inserção.......72

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1.10 Desafios para a política de assistência social francesa a partir de 2002.......................79

CAPÍTULO 2 ARGENTINA. A ASSISTÊNCIA SOCIAL NO SISTEMA DE PROTEÇÃO SOCIAL...............................................................................................................................81 2.1 A institucionalização da beneficência ...........................................................................83 2.2 A construção de um saber sobre o social ......................................................................86 2.3 Institucionalização da assistência social e os seguros sociais .......................................89 2.4 A centralização e a incorporação da perspectiva técnica na assistência social .............94 2.5 A Direção Nacional de Assistência Social e a Fundação María Eva Duarte de Perón.....................................................................................................................................97 2.6 A Constituição de 1949 e os direitos sociais ...............................................................101 2.7 A assistência social e as discussões sobre a gênese e desenvolvimento do Estado de bem-estar argentino ...........................................................................................................105 2.8 A conformação das áreas da proteção social e assistência social ................................112 2.9 O social na Constituição Nacional de 1994 .................................................................118 2.10 O Estado outorgará: uma interpretação do princípio subsidiário do Estado e as prestações de assistência social .........................................................................................130 2.11 A assistência social e os desafios das mudanças nas formas de administração e gestão a partir da década de 1990 .................................................................................................134 CAPÍTULO 3 BRASIL. A ASSISTÊNCIA SOCIAL NO SISTEMA DE PROTEÇÃO SOCIAL ...138 3.1 As formas assistenciais na passagem do Brasil Imperial à Velha República...............140

3.2 A institucionalização das formas assistenciais e a previdência na Velha República...141

3.3 A assistência social e o Estado de bem-estar...............................................................156

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3.4 Assistência social e os processos pré e pós-Constituição de 1988...............................172

3.5 A descentralização da assistência social com bse na Loas e na rede de proteção

social...................................................................................................................................179

3.6 Desafios para a política de assistência social desde a perspectiva da proteção

social...................................................................................................................................187

CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................190 ANEXO 1. Presença da assistência social nas Constituições de países membros da Base de Dados Políticos das Américas............................................................................................206 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................................................218

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES Tabela 1. Dados de despesas destinadas à proteção social em países da União Européia para o intervalo 2000-2004, em porcentagem do PIB..........................................................32 Quadro 1. Aspectos relevantes para o estudo da assistência social na proteção social na França, período monárquico- 1941......................................................................................47 Figura 1 As três lógicas do sistema francês de proteção social: assistência, previdência, seguridade social..................................................................................................................52 Figura 2. Assistência social na França, em 2004, por categorias de usuários e por prestações.............................................................................................................................55 Quadro 2. Caracterização do sistema de proteção social francês em 2004 na perspectiva dos modelos clássicos de proteção social.............................................................................57 Quadro 3. Organização político-administrativa da assistência social na França em 2004...62 Figura 3. Políticas transversais a assistência social na França em 2004.............................68

Quadro 4. Atividades dos serviços de acolhida....................................................................69

Quadro 5. Modalidades de abrigo e formas associadas de inserção em 2004......................71

Quadro 6. Conformação do sistema francês de proteção social, por tipos de regimes, em

2004......................................................................................................................................72

Quadro 7. Aspectos relevantes para o estudo da assistência social na proteção social na

França, período de 1945 a 2002...........................................................................................78

Quadro 8. Fundamentos e ações da beneficência na constituição do Estado moderno argentino...............................................................................................................................85 Quadro 9. Aspectos relevantes para o estudo da assistência social na proteção social na Argentina, período colonial – 1930......................................................................................93 Quadro 10. Aspectos relevantes para o estudo da assistência social na proteção social na Argentina, período de 1930 a 2001....................................................................................110 Quadro 11. Artigos de referência nas constituições da província de Buenos Aires e da Cidade Autônoma de Buenos Aires...................................................................................121

Quadro 12. Artigos de referência na constituição da província de Neuquén.....................122

Quadro 13. Artigos de referência na constituição da província de Entre Rios.................122

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Quadro 14. Artigos de referência nas constituições das províncias de Tierra del Fuego e Ilhas do Atlântico Sul, Catamarca e Santa Fé....................................................................123 Quadro 15. Artigos de referência nas Constituições das províncias de Chaco, Chubut, Córdoba, La Rioja, Misiones, Rio Negro, Salta, San Juan, San Luis, Santiago del Estero e Tucumán.............................................................................................................................125

Quadro 16. Artigos de referência nas Constituições das províncias de Formosa e Jujuy..128

Quadro 17. Aspectos relevantes para o estudo da assistência social na proteção social no Brasil, período colonial – 1936..........................................................................................155 Quadro 18. Aspectos relevantes para o estudo da assistência social na proteção social no Brasil, período de 1938 a 2007...........................................................................................186

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INTRODUÇÃO No ano de 2001, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), durante a Conferência

Internacional do Trabalho, lançou a Campanha Mundial sobre Segurança Social e

Cobertura para Todos.1 A estimativa do organismo previa que, a cada cinco pessoas no

mundo, apenas uma delas teria uma cobertura de segurança social adequada. As outras

quatro pessoas teriam igualmente necessidade desta cobertura, embora vivessem sem ela

de alguma maneira.

No documento então elaborado, a OIT define segurança social como a proteção oferecida

por uma sociedade às pessoas e famílias, destinada a garantir o acesso à assistência

sanitária e à seguridade, particularmente, em situações de idade avançada, desemprego,

doença, deficiência, lesão profissional, maternidade ou perda do suporte familiar. O

documento acrescentou dados que indicavam que 80% da população mundial carecia de

um nível adequado de cobertura de seguridade social, isto é, mais da metade dos habitantes

do planeta não disporiam de nenhum tipo de proteção. Os governos e as organizações de

empregadores e de trabalhadores consideraram que deveria ser dada máxima prioridade às

"políticas e iniciativas que façam chegar a segurança social a todos aqueles que não estão

ainda abrangidos pelos sistemas já existentes".

A ausência da proteção social extensiva a todos os que dela necessitam é um problema

legítimo que merece ser considerado. A constatação exprime que as metas formuladas em

meados do século XX, e que foram a base da institucionalização dos sistemas de proteção

social nas sociedades ocidentais, estão longe de ser alcançadas.

No andamento das sociedades modernas, a assistência social, como parte desses sistemas,

contribuiu com os movimentos de ampliação de seus conteúdos e suas proteções, assim

como com os movimentos de retração da sua presença no sistema, quando a seguridade

social foi considerada como já plenamente estendida. Nas últimas décadas, a inserção ou

não inserção da assistência social nas sociedades com alto nível de desemprego, de

1Disponível em: www.ilo.org. Durante a 91ª Conferência Internacional do Trabalho (CIT), a OIT lançou a campanha mundial sobre Seguridade Social e Cobertura para Todos, apresentada oficialmente por Juan Somavia, o então diretor geral da OIT.

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migração externa e interna, e desigualdade social, tem colocado o foco nas chamadas

políticas de inserção ou de inclusão social e dos programas de transferência de renda.

Contudo, a falta da abrangência social da proteção no mundo continua sendo um problema

a ser resolvido no século XXI.

Considero que a análise da assistência social e da forma que ela adota no conjunto da

proteção social de cada país, seja em sua formulação baseada em direitos, seja nos planos e

políticas e em sua forma de institucionalização, constitui um dos caminhos possíveis para

consolidá-la como campo de política pública e de acesso aos direitos, ao mesmo tempo em

que essa abordagem da questão permite confrontar diversas definições produzidas em

outros campos da academia, assim como coopera na produção de um tipo de conhecimento

que melhora a ação pública nessa área.

Os projetos, programas e serviços sociais, sustentados numa definição de assistência social

como política de direitos, têm fundamental importância para o enfrentamento da

desigualdade social naqueles países que possuem um sistema de proteção social ainda não

desenvolvido ou em desenvolvimento e, conseqüentemente, para o estudo sobre como

estender a proteção para o conjunto dos seus habitantes.

Este trabalho tem por objeto de análise a assistência social nos sistemas de proteção social

de diferentes formações históricas: no Brasil, na França e na Argentina, enquadrados na

realidade histórico-social e política de cada um desses países. Propõe-se a problematizar o

processo de continuidade e descontinuidade das regulações desses sistemas a partir de dois

cortes: a passagem das formas sócio-assistenciais do campo privado para o campo público,

e a assistência social em sua relação com os sistemas de seguridade social, na perspectiva

de aprofundar como essa inclusão pode ter sido qualificadora ou não qualificadora da

assistência social quando vinculada ao conjunto de prestações fornecidas pela proteção

social.

Para isso, examina os momentos diferenciados da conformação da assistência social nos

sistemas de proteção social do Brasil, da França, e da Argentina, notadamente nos

processos de passagem das primeiras formas sócio-assistenciais para as formas reguladas

pelo Estado e sua inclusão no processo de extensão da seguridade social para usuários,

serviços sociais, prestações e benefícios. Os serviços sociais têm fundamental importância

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nos países com sistemas de proteção social ainda não desenvolvida ou em

desenvolvimento.

A categoria “serviço” é um dos componentes da seguridade das prestações no tempo, além

de ser um dos componentes de concreção material da cidadania. A França vem

desenvolvendo a assistência social como parte de um sistema de proteção desde a

Revolução Francesa. Na América Latina, contudo, é discussão recente, pois, embora

ancorada em herança cultural francesa, transita ainda seu processo de consolidação no

início do terceiro milênio.

A escolha desse tema decorreu, em primeiro lugar, das indagações surgidas a partir do

estudo das produções acadêmicas sobre o direito à assistência social no Brasil, incorporado

como tal na Constituição brasileira de 1988, assim como de outros estudos relativos ao

tema desenvolvidos no Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Assistência Social e

Seguridade Social (Nepsas), e nas disciplinas do Programa de Pós-Graduação em Serviço

Social da PUC-SP. Essas produções me colocaram em face do desafio de pensar e “me

pensar” na situação de meu país de origem: Argentina, e de como poderia descrever, e

fazer refletir sobre aquela realidade, a trajetória de desenvolvimento da assistência social

no conjunto da proteção social, além de me levar a retomar os estudos já realizados por

outros colegas argentinos nessa perspectiva. Esse processo ampliou-se, quase

simultaneamente, para a realidade francesa, sendo então estimulada por minha orientadora

a incluir essa dimensão na pesquisa proposta pelo Projeto Capes-Cofecub, “A Proteção

Social contra a Exclusão Social e a Serviço da Inclusão Social”.

Nesse projeto, participaram docentes e estudantes da França e do Brasil. Estiveram

envolvidos os cursos de Pós-graduados em Serviço Social, Economia e Administração da

PUC-SP, e da Equipe de Pesquisas Econômicas e Sociais (ERES), da Faculdade de

Economia e Gestão da Université Pierre Mendès France de Grenoble. O trabalho foi

coordenado pela Professora Doutora Aldaíza Sposati, pelo lado brasileiro, e, do lado

francês, pelo Professor Doutor Alain Euzeby. Um dos objetivos deste estudo foi

desenvolver trabalhos de pesquisa, nos dois países, para analisar as políticas voltadas à

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inclusão social de assistência social, transferência de renda, assistência social voltada às

crianças e adolescentes, e ações dirigidas ao atendimento de urgências no plantão social.2

A França possui longa e sistematizada tradição de estudo sobre a proteção social, os

sistemas de seguridade social e seus componentes, contando com um Comitê de Estudo da

História da Proteção Social e da Seguridade Social, e também com centros associados a

esse Comitê Central para algumas regiões da França, fato pelo qual algumas das

aproximações aqui contidas ancoram-se nesses modelos de abordagem analisados durante

a experiência da bolsa sanduíche.3 Portanto, procura-se exprimir o percurso dessas três

vertentes de estudo na perspectiva de aprofundar um dos aspectos fundamentais da

assistência social como política pública, isto é, o trânsito de um campo baseado em práticas

subjetivas pautadas na benemerência ou na filantropia para um campo de práticas objetivas

inseridas no processo de regulação Estado-Sociedade, a partir da modernidade e do

estabelecimento do contrato de trabalho, e, nele, a evolução do alcance da legislação social

do trabalho e as formas subseqüentes que conformam o universo da proteção social.

Perspectiva teórico-metodológica

Para cumprir o objetivo deste trabalho que é esclarecer os pontos de contato e as

particularidades pelas quais a França, o Brasil e a Argentina institucionalizaram - ou não -

a assistência social como política de direitos à proteção social, é preciso tornar claro, a

princípio, o entendimento que aqui é empregado para: proteção social, assistência social,

seguro social, bem-estar social e, neste, suas relações com a assistência social, em

particular para a América Latina.

2 Como produtos desse projeto, já foram defendidas as seguintes teses de doutorado, orientadas pela Professora Aldaíza Sposati, na PUC-SP. Em cotutela, Carla Bressan (2006): O direito de proteção social não contributiva à infância e à adolescência no Brasil e na França; Maria Argenice de Souza Brito (2005): Transições necessárias do plantão social na gestão do Sistema Único de Assistência Social. Ancorada nestes estudos, em 2003 a Doutora Dirce Koga publicou o livro Medidas de cidades: entre territórios de vida e territórios vividos, que se refere ao conteúdo de sua tese de doutorado. 3 Disponível em: www.sante.gouv.fr.

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A proteção social

Uma das formas de aproximar-se do estudo da proteção social é por meio da economia,

analisando o contexto das contas fiscais (orçamentos, transferência de recursos financeiros

do nível central aos estados e municípios, etc.). Outro caminho é aquele que considera o

conjunto de normas e organizações destinado a fazer cumprir os objetivos da política

pública. Para o objeto deste estudo, é insuficiente indagar a relação entre economia e

política no nível da macro-teoria, embora se reconheça o valor heurístico dessa relação no

contexto global deste trabalho. Tem-se como ponto de partida que só um olhar de alcance

médio permitirá incorporar à análise os padrões de regularidade de cada sociedade, assim

como as principais marcas do seu cenário sociopolítico definidoras do quadro de

acontecimentos contingentes em relação às normas e à organização.

A proteção social, como experiência histórico-social, abrange um conjunto de

acontecimentos datados e localizados, e formas institucionalizadas, mas, ao mesmo tempo,

envolve ações regulares, princípios e normas voltados à defesa de grupos e indivíduos em

situação de abandono, desamparo ou em condições de não sobrevivência, para aumentar a

capacidade de autoproteção e para enfrentar a deterioração econômica e as ocorrências da

vida social.

São freqüentes as referências à proteção “pré-moderna”, em que dominavam os laços da

família, da linhagem e dos grupos de proximidade e em que a seguridade de proteção

estava garantida pela pertença a uma comunidade. Em seu livro A Grande Transformação,

Karl Polanyi (1947) prova que a maior transformação não foi uma evolução progressiva e

acumulativa do econômico. A deslocação social que implicou a implantação de uma

economia de mercado fez despregar uma lógica oposta e restringível: o princípio da

proteção social. 4 E duas categorias se perfilam como objeto das intervenções sociais

enquadradas na proteção social no fim do século XVIII: uma que envolve situações de

dependência reconhecidas, constituída por aqueles que não podem atender às suas

necessidades básicas e não têm condições de entrar na ordem do trabalho, por deficiências

4 Karl POLANYI, La gran transformación: los orígenes políticos y económicos de nuestro tiempo, 1992. A edição original é datada de 1947. O estudo analisa como o Estado cumpriu função decisiva na formação dos mercados de trabalho, de terras e de dinheiro. A mercantilização da força de trabalho é componente central do mercado, porém, sua principal debilidade, pois desencadeia simultaneamente um movimento de signo oposto: o esforço para proteger a sociedade do mercado.

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físicas ou psíquicas manifestas, pela idade, por doenças ou por situações sociais de

cuidado. São os idosos indigentes, crianças sem pais, aleijados, cegos, paralíticos, viúva

com filhos, que passam a formar parte do perfil de “assistidos” ou “indigentes válidos”. E

outra categoria, totalmente diferente, é aquela que envolve os que, contando com

capacidade de trabalhar e não o fazem, ficam fora dos dispositivos de assistência social e

também dos dispositivos do trabalho.5

Com o advento da modernidade, a proteção social articula-se em múltiplas instituições:

governamentais nacionais, estaduais ou municipais, sistemas públicos de seguridade social,

fundos de aposentadoria, seguros coletivos, entidades públicas ou privadas de assistência

social, que conformam um sistema para o qual confluem intervenções públicas e privadas,

e em que não prevalece a reciprocidade simultânea nem se baseia em acordos estritamente

individuais ou privados.

As diferentes formas assumidas pela proteção social podem ser estudadas a partir do

contexto sociopolítico que teve origem desde o alvorecer do Estado moderno,

estabelecendo contextos diferenciados para as relações políticas e jurídico-normativas. O

estudo do lugar da assistência social relacionada à proteção social na evolução dos modos

de regulação dos Estados modernos situa-se no ponto de cruzamento de saberes já

estabelecidos, dos quais é possível retomar os conceitos principais: o direito, a economia, a

sociologia e a ciência política enquanto ciência do “Estado em ação”. A análise dos

conteúdos produzidos no campo das políticas públicas é, sem dúvida, outro aspecto, no

campo teórico, ao qual é possível recorrer para dar conta dessa caracterização.

A análise da assistência social como mediadora entre o Estado e a sociedade é um dos

caminhos que permite reconhecer e estudar os aspectos do caráter social, do histórico dos

direitos sociais que cada país destina aos seus habitantes. Isso adquire profunda

importância na análise da assistência social como objeto de estudo, de intervenção e como

direito social, pois, em sua origem, surge ligada a outras formas sócio-assistenciais

(caridade, filantropia), e, em sua conformação posterior, no que tange à evolução nas

mudanças da regulação estatal, aparece envolvida não só na perspectiva de regular a

provisão de bens e serviços, mas, também, numa posição em que se definem e reatualizam

5 Consultar Robert CASTEL, La metamorfosis de la cuestión social: una crónica del salariado, 1997, e ¿La inseguridad social: qué es estar protegido?, 2004.

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7

os seus limites na relação com outras formas de proteção, e na evolução dos sistemas de

proteção social dos Estados modernos.

A assistência social

Nos últimos trinta anos, o estudo das políticas públicas alcançou alto grau de interesse e de

desenvolvimento, tanto na Europa como na América Latina, notadamente no que se refere

aos aspectos teórico-analíticos quanto à sua formulação e sua forma, segundo sua

capacidade para se constituir ou não em suporte para a promoção de mudanças e reformas

do Estado.

Vários trabalhos no campo da ciência política elegeram como objeto de estudo a

construção temática das políticas públicas. Alguns autores dessa disciplina, como Oscar

Oszlack (1980) e, recentemente, Zimermann (2001),6 afirmam que, por um lado, expande-

se o estudo das políticas públicas associada ao crescimento do Estado, denominado welfare

state, “estado de bem-estar” ou “estado providência” - como preferem nominá-lo alguns

autores franceses. Com a aparição do modelo bismarckiano é que começa o interesse por

estender o estudo da atividade do Estado a áreas em que sua competência, até aquele

momento, era escassa ou nula, como aconteceu com a proposta dos seguros sociais.

A simbiose entre um tipo de atividade e um determinado tipo de Estado propiciou o estudo

das políticas públicas segundo o enfoque de uma teoria de Estado associada a um modelo

de economia: capitalista ou socialista. Atualmente, a compreensão das políticas públicas

não se centra exclusivamente no suporte ideológico-produtivo de cada Estado ou no

enfoque partidário; os estudos incorporam uma tendência a compreender, descrever e

analisar toda a atividade e a gestão das autoridades públicas num formato que, por um

lado, recupera a capacidade de gestão do poder público, e, ao mesmo tempo, pode

aprofundar o conhecimento sobre as competências estatais de controle, de intervenção ou

de regulação.

6 Vide Oscar OSZLACK, Políticas públicas y regímenes políticos: reflexiones a partir de algunas experiencias latinoamericanas, 1980; Héctor ZIMMERMAN, Origen y actualidad de las políticas públicas, 2001.

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Muller (2004)7 acrescenta que, em alguns países europeus, entre eles a França, a

abordagem de políticas públicas associou-se ao conceito de Estado como uma instituição

que domina a sociedade, a modela, e a transcende. Essa definição erigiu-se na comunidade

científica, que fundamenta suas reflexões na cultura jurídica e na filosofia do Estado. Para

essa escola, formular e implementar políticas é a essência da atividade do Estado. Nesse

raciocínio, essa abordagem proporciona uma opção de pesquisa associada ao estudo da

transformação dos modos de ação do Estado, no curso dos últimos cinqüenta anos, como

este se modificou, e de que forma foi estabelecendo seu papel regulador nas sociedades

industriais ocidentais.

Em um trabalho clássico que estuda a relação entre as políticas públicas e os regimes

políticos, Oscar Oszlack (1980) assinala que a formulação de uma política - em sentido

amplo - implica definir a direção que deverá ter a ação. Essa definição contém elementos

normativos e prescritivos, dos quais resulta uma visão sobre um futuro desejável. 8 Entre a

formulação e a ação, medeia a distância entre o abstrato e o materializado: “a política”.

Essa interpretação rechaça o caráter monolítico do Estado e também uma possível visão

conspirativa que se derivaria de tal condição; pelo contrário, concebe o Estado como uma

instância de articulação que condensa conflitos e contradições, tanto através da tomada de

posição como de regulações. Assim, o âmbito institucional do Estado é o lugar em que

prevalecem interesses contrapostos e no qual se dirimem questões socialmente

problematizadas.

Os sistemas de proteção social e suas dimensões, entre elas a assistência social como

objeto de estudo e de intervenção com uma especificidade, são produto de uma construção

sócio-histórica. As políticas de assistência social e a sua organização na esfera estatal não

são somente o resultado de um processo racional de diferenciação estrutural e

especialização funcional. Sua formação geralmente apresenta uma trajetória errática e

sinuosa, na qual se observam sedimentos de diferentes estratégias e programas de ação

política. Os esforços para materializar projetos, iniciativas e prioridades dos regimes que se

7 Pierre MULLER, Les politiques publiques, 2004, p. 3-5. 8 Oscar OSZLACK, Políticas públicas y regímenes políticos: reflexiones a partir de algunas experiencias latinoamericanas, 1980.

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alternam no controle do Estado tendem a se manifestar, no interior da sua conformação, em

múltiplas formas organizativas e variadas modalidades de funcionamento.

Nessa linha, trata-se de pensar em um modelo de análise que incorpora a perspectiva do

Estado como peça fundamental de regulação e financiamento, assim como garantia de

produção de serviços básicos e como fator de processamento de sucessivas "tomadas de

posição" (ou políticas) que implicam diferentes atores sociais e estatais, em face das

questões problemáticas próprias ao desenvolvimento da vida social e da vida política.

Um dos principais desafios para se abordar esse objeto é a heterogeneidade, o alcance do

termo “assistência social”, e a falta de correspondência entre os conteúdos produzidos pela

esfera acadêmica e pela gestão institucional. Alguns autores reconhecem o campo de

estudo da assistência social como ainda residual ou de importância relativa.

O estudo da assistência social apresenta controvérsias nem sempre satisfatoriamente

respondidas. Por um lado, a assistência social tem importante tradição histórica, quase

sempre associada ideologicamente à benemerência e à filantropia; em termos

institucionais, trata-se de uma área que aparece fragmentada e com uma importância

administrativa relativa. Segundo autores especialistas nos sistemas de bem-estar europeu, o

estudo da assistência social redunda num setor de ação pública residual, de baixa imagem

social, ausência de imagem sócio-científica e duvidosa efetividade social. 9

Os pesquisadores procedentes do campo do Serviço Social reconhecem que a assistência

social é um componente que define a identidade profissional do assistente social. Isso

exige incorporar a perspectiva histórica e as formas assistenciais na reconstrução histórica

da profissão. É oportuno, nesta altura da exposição, fazer uma distinção necessária, já que

existe uma tendência a identificar assistência social com assistencialismo. Define-se a

caridade e a filantropia como formas sócio-assistenciais, para, desta forma, estabelecer a

diferenciação com as intervenções estatais em matéria de assistência social. Nessa linha de

reflexão, uma definição clássica de assistencialismo, de Norberto Alayón, na década de

198010, entende que: o assistencialismo constituiu a essência não só das formas de ajuda

ou formas assistenciais anteriores à profissão do Serviço Social, mas também, do próprio

9 Demetrio CASADO, Acción social y servicios sociales, Madrid, 1994. 10 Norberto ALAYON, Asistencia o asistencialismo, 1989, Capítulo 4, “El asistencialismo en la política social y en el trabajo social”.

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Serviço Social. [...] É a orientação ideológico-política da prática assistencial o que

determina se esta é assistencialista ou não. Se a atividade assistencial é assumida como

direito inalienável, e interpretada na perspectiva da igualdade e da justiça social,

obviamente não pode se falar de assistencialismo.

Robert Castel (1997:33), em seu livro Metamorfose da Questão Social, analisa duas

vertentes da questão social na transição para o mundo do trabalho: a sócio-assistencial, e a

que ele chama de os ‘desafiliados’. Segundo o autor, a sócio-assistencial organiza-se em

torno de categorias formais que, sem dúvida, encontrariam equivalentes em todas as

sociedades históricas. O termo “assistência” recobre, não obstante, uma categoria comum

a um conjunto extraordinariamente diversificado de práticas que são determinadas pela

existência de certas categorias de populações carentes e pela necessidade de fazer-se

cargo delas. [...] sem dúvida, esta constelação da assistência tomou formas particulares

nas distintas formações sociais.

Outros autores argumentam que dispositivos variados de assistência social ganharam

importância crescente na maioria dos países industrializados, embora seja de menor

importância quando comparada com os estudos sobre o welfare state. Ian Gough (1997) e

Ditch, entre outros autores, procuraram construir tipologias da assistência social nos países

europeus com o intuito de mapear “as espécies” de assistência social em 24 países da

OCDE,11 propondo-se a relacionar e classificar os “tipos” de assistência social mais do que

oferecer uma teoria explicativa da assistência social, de sua variedade e formas de

evolução.12

No estudo, eles reconhecem que o termo “assistência social” não tem uma única tradução

ou entendimento universal. Em alguns desses países, o termo significa uma ajuda formada

por variados recursos não baseados em testes, mas categorizados como ajuda a grupos de

órfãos, imigrantes e idosos. Em outros países, a assistência social inclui benefícios sujeitos

à comprovação de ausência de recurso, ou benefícios de complementação de renda

administrados como parte da seguridade social. Há alguns países nos quais a assistência

social inclui extensos programas de caridade ou doação de dinheiro.

11 Organization for Economic Co-operation and Development (OECD). 12 Ian GOUGH, Social assistance in OECD countries, 1997.

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Nesta pesquisa, foram identificados oito diferentes regimes de assistência social, baseados

nas dimensões extensão, cobertura e magnitude. Os regimes de assistência social propostos

pelo estudo de Gough (1997) não se enquadram na já clássica tipologia de Esping-

Andersen (1993) para os regimes de bem-estar social.13 Nela, os países do mundo social-

democrata, nos quais o capitalismo acompanhado de bem-estar social, compreende países

com benefícios universais e redistribuição substancial, características dos países nórdicos e

da Holanda, que exibem padrões similares de assistência social – pelo menos até o

momento de crescimento do desemprego. Os países com Estado de Bem-Estar

“corporativo” permanecem no esquema de recursos contributivos e ocupacionais,

reproduzindo benefícios estratificados e diferenciados. Os arquétipos são a Alemanha,

Áustria, Bélgica, França e Itália, nos quais há alta similaridade com o tipo de assistência

social provida pelos países nos quais existe alta relevância das categorias.

Por outro lado, durante muitos anos, os estudos das áreas de emprego e seguridade social,

fundamentalmente aqueles que avaliavam os sistemas de bem-estar social europeus

posteriores à Segunda Guerra Mundial, previam que uma proporção crescente da

população ativa acabaria integrando-se a empregos do setor estruturado e com cobertura da

seguridade social, e, portanto, a assistência social, como campo, não seria necessária ou

apenas uma prática remanescente do trabalho. A evolução dos dados mundiais do final do

século XX, em matéria de emprego, exprime que as taxas de trabalho informal deram lugar

a taxas de cobertura estanques ou em declínio e à crescente falta de proteção social, o que

permite pensar na centralidade que seu estudo adquire.

Na análise dos conteúdos das dimensões da assistência social, como política de proteção

social nos três países aqui estudados, o contexto econômico-social internacional introduz

um ponto de vista polêmico, se consideradas as relações de assimetria entre o mundo

desenvolvido, ao qual a França pertence, e o mundo não desenvolvido, em que se situam o

Brasil e a Argentina. Os problemas da globalização econômica, da reestruturação

produtiva, das inovações tecnológicas; o princípio da qualidade e da competitividade; as

transformações do mundo do trabalho e a desocupação estrutural; o controle das

informações; a ideologia da sociedade de consumo; o aumento da desigualdade e da

pobreza nas diversas regiões do mundo; as diferenças de acesso aos serviços sociais, entre

13 Gosta ESPING-ANDERSEN, Los tres mundos del estado de bienestar, 1993.

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os quais a assistência social; os diferentes percursos históricos e culturais de cada um dos

três países, propiciam um quadro diversificado. Algumas questões são comuns, entretanto,

como, por exemplo, as exigências impostas pela reestruturação produtiva (novas

tecnologias, nova organização e novas relações de trabalho), devida à mundialização dos

processos produtivos, políticos e culturais.14

Assistência social e o seguro social

Na construção da ordem institucional do Estado moderno, as contradições entre os

princípios de organização da democracia política e a ordem econômica de mercado

ocuparam o centro do debate de todas as vertentes ideológicas desde a metade do século

XIX. A difusão das noções de classe social, classe proletária, exploração social, questiona

o conteúdo atribuído aos princípios de liberdade, igualdade e fraternidade, que se

arvoravam como símbolos da construção dessa ordem. Há consenso entre os analistas,

como já foi dito, que na aparição do modelo bismarckiano é que começa o interesse por

estender o estudo da atividade do Estado a áreas em que sua competência, até esse

momento, era escassa ou nula.

A exigência pela atenção às expressões da questão social, um dos efeitos da Revolução

Industrial, impôs mudança nos instrumentos e na concepção jurídico-administrativa do

Estado, que se exprimiu na necessidade de legitimar sua reforma social, moral e política,

por meio de novas técnicas e intervenções que atendessem ao social. A Inglaterra contava

com ampla legislação, que regulava o trabalho nas fábricas; a Alemanha levava a cabo um

conjunto de intervenções articuladas dirigidas a assentar as bases de um sistema de

previdência social, concretizado entre 1883 e 1889, por meio de programas de seguro

obrigatório contra as doenças, a velhice e a invalidez.

A obra de Otto von Bismarck encontrou apoio na Constituição alemã de 1873, que

manifestou os princípios dos reformistas alemães. Tanto a legislação do trabalho inglesa

como a proposta alemã tiveram ampla difusão nos países europeus e latino-americanos.

Essas reformas, nascidas na Alemanha, ao final do século XIX, assinalaram a origem de

14 Maria CIAVATTO FRANCO, Quando nós somos o outro: questões teórico-metodológicas sobre os estudos comparados, 2000.

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um Estado que ampliava seu comprometimento com a administração e o financiamento de

programas de seguridade social, ainda que, do ponto de vista do seu posicionamento

ideológico-político, houvesse um intento de reduzir o poder do socialismo por meio da

dependência das atenções aos trabalhadores pelo Estado.

O período corresponde à institucionalização paulatina de formas assistenciais na

perspectiva da centralização e da incorporação da técnica na atividade estatal. Também é

considerado, por alguns teóricos, como o momento da introdução da noção do risco na

administração das políticas sociais (EWALD, 1986). 15

A técnica do seguro social introduzida na Alemanha do século XIX diferenciou-se

notavelmente das formas tradicionais de assistência social. As leis surgidas durante esse

período assinalam a institucionalização de uma nova forma de relação entre o Estado e a

sociedade. A noção de risco que envolveu o seguro social é uma construção racional e se

diferencia das concepções que transitavam entre a moralidade e o secularismo. O risco

tem duas características. Por um lado, corresponde a uma equação calculável em termos

individuais: para que um acontecimento se torne um risco é preciso avaliar a possibilidade

de sua ocorrência. Por outro lado, o risco representa também o coletivo, a sociedade, o que

é um fator de ponderação sobre o individual. O risco é individual, mas é também coletivo,

pois é ponderável a partir do conjunto da sociedade. A técnica do seguro social introduz a

socialização dos riscos entre a população.

Segundo Tenti (1991), “o risco vai ganhando espaço no Estado até tornar-se a base da

definição da gestão social, e, a partir do qual, a sociedade passa a ser definida como uma

forma de associação mútua contra múltiplos riscos”. A assistência social aos “deserdados”,

aos pobres, aos doentes fora do mercado de trabalho, também é compreendida sob um

conteúdo científico: a defesa social que traz forte apelo moral. Os cuidados para com

aqueles percebidos como uma ameaça potencial à saúde, à ordem das cidades, à ordem em

geral, passaram a integrar a esfera da obrigação moral. Em relação a estes, ninguém está

juridicamente obrigado a fazer o bem, o que se sanciona é o preceito de não causar danos

aos outros.

15 Esses temas são trabalhados, entre outros, por François EWALD, L´etat providence, 1986; Emilio TENTI, Pobreza y política social. In: El estado benefactor , 1991; Robert CASTEL, La metamorfosis de la cuestión social: una crónica del salariado, 1997 e ¿La inseguridad social: qué es estar protegido?, 2004.

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François Ewald (1986) assinala que, como resultado desse processo, redefineram-se as

responsabilidades do Estado em matéria social. Por um lado, introduziu-se a idéia de

solidariedade social, e, por outro, a idéia de obrigação, que fundará mais uma ordem

jurídica. Portanto, para cada homem, “o simples fato de existir lhe dá direitos, o que o faz

credor deles; por outro lado e correlativamente, a obrigação de não causar danos aos outros

se reforça com a obrigação muito mais positiva de contribuir para a sua realização”

(EWALD, 1986:349). No final do século XIX, os juristas franceses empreenderam a tarefa

de reconstruir o direito a partir da noção de risco (em substituição da noção de acidente,

ligada à culpa individual sobre o fato), e da transferência da noção de responsabilidade

individual para a responsabilidade da sociedade.

Conseqüentemente, embora os danos e os prejuízos continuassem a ser individuais, é a

sociedade que se faz responsável por repartir os custos de suas seqüelas e danos. O novo

programa, baseado no direito social, consiste em um ideal de justiça puramente reparadora,

que exclui todo elemento de penalidade; em sua técnica de socialização dos danos e

repartição dos riscos segundo os princípios da solidariedade e da mutualidade; em seus

efeitos, ocorre a modificação da incidência do azar e do destino em função da eqüidade

(EWALD, 1986: 356).

A população submetida ao risco constitui-se em objeto da política social. O risco não é

resultado de um perigo definido precisamente por um indivíduo ou um grupo concreto.

Pelo contrário, é produto da inter-relação de dados e fatores que tornam mais ou menos

prováveis alguns comportamentos não desejáveis. Essa estratégia, segundo os reformistas,

vai requerer o fortalecimento de um centro, o Estado nacional, para conceber, desenhar e

executar as intervenções sobre a população. Toda a população converte-se em objeto de

estudo e, para ser administrada, precisa ser conhecida e estudada detalhadamente. A partir

do final do século XIX, começa a ser objeto de observação e de intervenção por

profissionais especializados: higienistas, médicos, visitadoras de higiene, professores, etc.. 16

Nesse conjunto de regulações, e em momentos históricos distintos, ocorreu a singularidade

de uma política social de proteção que não se vinculou nem à legislação social do trabalho

nem à proteção da saúde. Um campo que se ocuparia da qualidade das relações como

16 Cf. Emilio TENTI, El estado benefactor , 1991, pp. 112-114.

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resistência a riscos sociais que deterioram ou tornam precário o convívio humano, ou ainda

que provocam o isolamento, o abandono e a apartação social. O núcleo primeiro dessas

relações localiza-se na experiência cotidiana da vida em família (genética ou construída) e

as transgressões que nele vão se apresentando reduzem sua capacidade de ser o núcleo

básico de proteção social. Outra centralidade está na capacidade e na possibilidade

concreta de provisionar a sobrevivência de cada um sob os padrões aceitáveis em cada

sociedade. As garantias que a sociedade constrói para responder a essas situações, via de

regra, são as que constituem o campo da assistência social.

Fundamentos do Estado de bem-estar

Os problemas sintetizados sob a noção de “questão social” viram-se potencializados pela

crise de 1929, quando a desocupação em massa da força de trabalho nas sociedades de

capitalismo avançado, somada à recessão econômica, questionaram o núcleo das linhas

políticas até então vigentes. No lugar de um mundo estacionário ou de movimentos

contínuos, a instabilidade e a incerteza se apoderam da vida cotidiana. A estabilidade do

ciclo econômico e do emprego colocou-se como prioridade na reformulação do sistema de

políticas públicas. A expansão do direito social dá-se concomitantemente com a difusão do

pensamento keynesiano, que via na demanda efetiva um instrumento eficaz para alcançar

esses objetivos. A idéia de estabilidade econômica referia-se à manutenção de um processo

sustentado na acumulação de capital.

Os esquemas de seguro social bismarckiano, que tinham sido definidos a partir da tradição

alemã na área social, foram questionados à luz dos princípios de igualdade de trato e

direito universal e a extensão de serviços. Esses definiram as linhas fundamentais do

conceito de seguridade social desenvolvido na Inglaterra. O esquema alemão sustentava

que a relação assalariada era o eixo sobre o qual se deveria construir a política social e,

portanto, os responsáveis ou beneficiários eram os próprios trabalhadores e seus

empregadores, que aportariam os fundos para o financiamento. O esquema anglo-saxão

trasladava essa responsabilidade para o conjunto da sociedade; neste, o cidadão devia ser o

beneficiário e contribuir para o financiamento da política social.

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16

O Estado de Bem-Estar constitui-se no modelo da pós-guerra que gozou de certa

autonomia ao resguardar o crescimento e a expansão do capital, a expansão de direitos

sociais e o reconhecimento de condições mínimas de vida para o conjunto da população.

Os países europeus, como é o caso da Franca, depois da Segunda Guerra Mundial,

protagonizaram um período de crescimento econômico e de “paz social”. Nas sociedades

latino-americanas, esse período foi peculiar e contraditório, diverso, em seus caminhos, do

contexto europeu. No entanto, os modelos institucionalizados do Estado de Bem-Estar

contêm em si mesmos uma contradição essencial, que atravessa a história da sociedade

capitalista moderna, e, conseqüentemente, o Estado moderno: a existência de um

“contrato” que relaciona indivíduos livres (isolados) entre si e os unifica (iguala) no

mercado.

Claus Offe (1990) define o Estado de Bem-Estar como o conjunto de disposições legais

que dá direito aos cidadãos de receber prestações da seguridade social obrigatória e contar

com serviços estatais organizados (no campo da saúde, da educação, etc.), numa ampla

variedade de situações denominadas de contingências. Os meios através dos quais intervém

são regras burocráticas e disposições legais, subsídios em dinheiro, e serviços baseados na

experiência profissional de professores, médicos e assistentes sociais. Esse modelo de

Estado exprimiu os valores da economia política: crescimento econômico e seguridade

social. Suas origens ideológicas são diversas, desde socialistas até católico-conservadoras,

e têm como base teórica o modelo keynesiano.

O exemplo mais próximo a essa definição é a política levada na Grã Bretanha durante a

Segunda Guerra Mundial. A partir de 1945, a maioria dos países ocidentais implementa

planos de seguridade social inspirados no informe produzido na Inglaterra por lord

Beveridge, o “Full employment in a free society”: independentemente de sua remuneração,

todos os cidadãos, enquanto tais, têm direito a estar protegidos em situações de

dependência a longo prazo (velhice ou invalidez) ou de breve prazo (doenças, desemprego,

gravidez).17

17 Na história inglesa, até o término do século XIX, o indigente era distinguido de seus vizinhos por um status nitidamente definido, pelo qual perdia sua liberdade pessoal e seu direito ao sufrágio. A assistência aos pobres era concebida fora do mercado, e de forma tal que não interferisse em seu funcionamento. O Estado de Bem-Estar social britânico representou a antítese dessa concepção. No sistema inglês, houve uma fusão de categorias em virtude do princípio de cobertura universal de Beveridge, que significou uma oposição à fragmentação da Lei de Pobres (Poor Low).

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17

Até esse momento, as Constituições proclamaram direitos civis e políticos. A partir dele, as

sociedades exprimem outra forma de proteção, incorporando aos direitos individuais da

pessoa humana às coberturas e seguridades necessárias que deveriam ser ofertadas pelo

Estado para reduzir as contingências de doenças, velhice, morte, falta de atividade

industrial. Segundo Bobbio (1983), o que distingue o Estado de Bem-Estar de outros tipos

de estado não é só a intervenção direta nas estruturas públicas para melhorar o nível de

vida da população, porém, o fato de que tal ação é reivindicada pelos cidadãos como um

direito,

O clássico trabalho de T.H. Marshall, Cidadania e Classe Social 18, aponta que na história

política das sociedades industriais há três fases no processo de constituição da cidadania: a

primeira, em torno do século XVIII, está dominada pela conquista dos direitos civis

(liberdade de pensamento, liberdade de expressão, etc.); a fase seguinte, ao redor do século

XIX, está centrada na reivindicação dos direitos políticos (de organização, de propaganda,

de voto, etc.); e culmina com a conquista do sufrágio universal.

O desenvolvimento da democracia e o aumento do poder político das organizações dos

trabalhadores inauguram uma terceira fase, caracterizada pelo problema dos direitos

sociais, cujo respeito é requisito indispensável para a participação política na sociedade.

Por direitos sociais, Marshall (1967) entende a participação na herança social e na

possibilidade de todos viverem como seres civilizados, de acordo com os padrões

existentes na sociedade, destacando o sistema educacional e os serviços sociais como

aqueles diretamente relacionados aos direitos sociais.

Portanto, a definição da noção do direito do indivíduo e as dimensões da cidadania em sua

forma moderna se configuram entre o período que compreende a Revolução Francesa,

1789, e a formalização da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, que se

propõe a ultrapassar o reconhecimento dos direitos no âmbito de uma nação, ou de um

Estado em particular, para uma visão de caráter universal, isto é, como pertencente a todos

18 T.H.MARSHALL, Cidadania, classe social e status, 1967. A obra aborda as conseqüências sociais e as políticas do desenvolvimento econômico e social, focalizando os processos dentro das sociedades globais. O Capítulo III, “Cidadania e Classe Social”, é, desde sua edição, um clássico das ciências sociais. Trata-se de uma palestra do autor num ciclo de conferências dedicadas a Alfred Marshall. A idéia que se depreende da definição é que a pertença total a uma comunidade outorga algum tipo de igualdade social diversa das desigualdades por pertença em níveis econômicos diversos, numa sociedade.

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os indivíduos, sem distinção de raça, religião, credo político, idade ou sexo. Até esse

momento, as Constituições se limitaram a proclamar direitos civis e políticos e a formalizar

e garantir estruturas que nivelassem esses poderes. Esse movimento normativo, que se

concluiu com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, e, em particular,

para a América Latina, quando esta foi incorporada na Convenção Americana dos Direitos

Humanos ou Pacto de São José de Costa Rica, de 1969, assentou as bases para que, na

metade do século XX, os países do mundo ocidental incorporassem os direitos sociais em

suas Constituições. O processo, denominado constitucionalista social, 19 incorporou

finalmente aos direitos individuais as coberturas e seguridades necessárias que deveriam

ser oferecidas pelo Estado para atenuar as contingências da doença, velhice, morte ou

diminuição e/ou falta da atividade laboral, exigindo-lhe um tratamento de proteção diante

dessas incertezas.

A assistência social e o estudo dos regimes de bem-estar social

O enfoque que estuda a conformação dos regimes de bem-estar social europeus contribui

com elementos de análise que permitem estabelecer relações entre política econômica e

social, e os condicionantes econômicos e sociais. As diferentes formas ideais assumidas

pela proteção social podem ser pensadas a partir do contexto histórico-político no qual

tiveram origem, desde o surgimento do Estado Moderno, e foram profundamente marcadas

em termos das relações políticas, jurídicas e institucionais, podendo-se distinguir três

modalidades principais: primeiras formas assistenciais, seguro social e Estado de Bem-

Estar Social. Embora tenham surgido em contextos históricos sucessivos, isso não quer

dizer que se trata de um processo linear rumo à concreção de uma cidadania plena; pelo

contrário, as três formas sobrevivem ainda com conflitos e contradições. 20

O conhecimento da construção histórica dos Estados-Providência é necessário para se

compreender a arquitetura dos sistemas de proteção social contemporâneos. Se os Estados

estiveram freqüentemente confrontados com os mesmos tipos de problemas e a formulação

19 Elina MECLE, Los derechos en la constitución argentina y su vinculación con la política y las políticas sociales, 2001. 20 Patrice BOURDELAIS, Lucie PAQUY (dirs.), Les systèmes européens de protection sociale: une mise en perspective, 2004.

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19

e os caminhos para tratá-los forem diferentes, esses formatos ainda pesam muito sobre as

configurações atuais.

É possível distinguir três períodos, na história da evolução dos Estados-Providência. O

primeiro, até o final do século XIX, que pode ser definido como uma fase de emergência e

de edificação conflituosa: no caso dos países europeus, foi adotada a legislação de proteção

social, mas em ritmos diferentes e segundo modalidades diversas. Um segundo período,

que se estende da Segunda Guerra Mundial até os anos de 1970, que corresponde à “idade

de ouro” dos Estados-Providência, as controvérsias atenuam-se e a proteção social tende a

se generalizar para todas as faixas da população. A terceira fase é aquela que corresponde à

estagnação dos Estados-Providência, em que os sistemas de proteção social são

confrontados com a crise econômica e, ao mesmo tempo, com as transformações na

estrutura de riscos e necessidades sociais, que se agudizam com o novo modelo econômico

produtivo conhecido como neoliberal.

As primeiras formas de assistência social transitaram de um campo de atenções com

reconhecimento pleno do direito, como no caso francês, até as respostas de alívio a

necessitados, sob o marco teórico-ideológico das primeiras formas do liberalismo. Nessa

última perspectiva, a assistência social assume uma feição compensatória e punitiva, em

que pessoas em situação de necessidade são submetidas a rituais de apresentação de

atestados de miséria, entre outros. Poderia ser caracterizada como um estágio da política

em que há ausência de uma relação formalizada entre direito e beneficio.

O seguro social caracteriza-se por destinar-se à cobertura da população assalariada, com a

qual estabelece uma relação de tipo contratual, pois os benefícios são, em regra,

proporcionais à contribuição efetuada, e não guardam relação direta com as necessidades

do beneficiário. As instituições responsáveis pela prestação de serviços e benefícios

tendem a ser financiadas com base na contribuição salarial, aportes específicos do Estado e

sob a lógica de capitalização de reservas. Essa forma de proteção envolve a redistribuição

de renda entre os beneficiários, mas exclui da proteção os grupos que estão à margem do

mercado formal de trabalho.

Na tipologia pura do modelo de proteção, o Estado de Bem-Estar social deveria, pelo

menos em concepção, romper com a proteção social com base na evidência da necessidade

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ou do contrato firmado, e estabelecer uma relação pela qual o Estado está obrigado a

fornecer, a todos os cidadãos, a garantia de um mínimo vital destinado à saúde, educação,

pensão e seguro de desemprego. Trata-se de um projeto de redefinição das relações sociais

na perspectiva da redistribuição de renda e que implica a organização nacional da política

social em que o Estado assuma os ônus básicos de administração e financiamento do

sistema.

A construção dos Estados de bem-estar na América Latina

Durante muito tempo, os estudos sobre os estados de bem-estar e os sistemas de proteção

social na América Latina foram discutidos quase como um atributo exclusivo dos países

desenvolvidos, possivelmente, até, só restrito a alguns países da Europa, pelo variado e

complexo conjunto de dimensões a serem consideradas na análise. Apesar dessa suposta

limitação, a leitura desses trabalhos contribuiu para assentar as bases de um novo modo de

pensar as categorias intermédias, por exemplo, o conceito de regime, que deu lugar à

construção de uma mediação entre categorias gerais e abstratas e situações concretas e

específicas, que retêm atributos do geral, mas, ao mesmo tempo, capta atributos próprios

aos casos particulares. Nesse sentido, cooperaram para identificar configurações histórico-

institucionais presentes no ponto de partida dos Estados modernos e revelaram-se como

potentes instrumentais metodológicos para caracterizar a conformação das instituições

atuais.

Em um trabalho recente, Regulação Social Tardia: característica das políticas sociais

latino-americanas na passagem entre o segundo e terceiro milênio, Aldaíza Sposati

caracteriza alguns dos regimes latino-americanos como de regulação social tardia:

Caracterizo como regulação social tardia os países nos quais os direitos sociais foram legalmente

reconhecidos no último quartil do século XX e cujo reconhecimento legal não significa que estejam

sendo efetivados, isto é, podem continuar a ser direitos de papel que não passam nem pelas

institucionalidades, nem pelos orçamentos públicos. Portanto, não cessa a luta dos movimentos

pela inclusão de necessidades de maioria e de minorias na agenda pública. Embora estejam

inscritos em lei, seu caráter difuso não os torna autoaplicáveis ou reclamáveis nos tribunais.21

21 Cf. Aldaíza SPOSATI, Regulação social tardia: característica das políticas sociais latino-americanas na passagem entre o segundo e terceiro milênio, 2002, p. 3.

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21

Nesse trabalho, assinala que o Brasil só reconhece os direitos sociais e humanos no último

quartil do século XX, após ditaduras militares que, embora empregando a ideologia

nacionalista – ou o modelo desenvolvimentista de Estado-Nação –, não praticavam a

universalidade da cidadania. O direito à educação pública só aparece no final do segundo

quartil do século XX – na Constituição de 1946 – e dentro de forte movimento de

educadores e intelectuais de destaque. Outros direitos sociais, como à saúde pública, só são

reconhecidos nas últimas décadas do século XX – na Constituição de 1988. Nesse

momento, a sociedade já luta por direitos difusos, entre os quais os de gênero, os etários,

de etnia, de opção sexual. Ao contrário de um “desmanche social”, vai ocorrer a

construção de um novo modelo de regulação social que vincula democracia e cidadania e é

descentrado da noção de pleno emprego ou de garantia de trabalho formal a todos. Este

modelo de regulação social se afasta da universalização dos direitos trabalhistas e se

aproxima da conquista de direitos humanos, ainda que de modo incipiente.22

A trajetória da Argentina, em matéria de extensão de direitos sociais e construção de um

sistema de proteção social, também está marcada pela alternância entre governos

democráticos e ditatoriais. Os estudos sobre o desenvolvimento das políticas sociais e a

expansão dos direitos sociais são permeados pelas mudanças constitucionais, mas, ao

mesmo tempo, pelo surgimento de estruturas sedimentárias de instituições fundadoras.

Durante a segunda metade do século XIX, estabelecem-se as bases para a construção de

instituições políticas com objetivos próprios de uma visão de Estado associada à visão

moderna do Estado-Nação, mas ainda conservadora sob o ponto de vista dos problemas

sociais e das formas de intervenção. Na década de 1940, notadamente durante os governos

do General Perón, formulam-se as propostas de extensão do seguro social e dos direitos

sociais. Autores como Aldo Isuani (2004) assinalam que a política social argentina baseou-

se nos princípios de discricionariedade e de contribuição. 23

Seguindo os conteúdos da proposta de Aldaíza Sposati, o fato de a assistência social ter

sido reconhecida no Brasil com o estatuto da seguridade social, supõe definir os riscos, as

coberturas de proteção social com que essa política se ocupa, o seu campo de provisão.

Como política de proteção social, tem um campo de provisão próprio, gera uma rede de

22 Cf. Aldaíza SPOSATI, Regulação social tardia: característica das políticas sociais latino-americanas na passagem entre o segundo e terceiro milênio, 2002, pp. 3- 4. 23 Aldo ISUANI, Política social, derecho para todos, 2004.

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apoios ou seguranças ao cidadão não só em termos de transferência de recursos e

benefícios, mas em garantia de serviços continuados, o que permite o planejamento, a

gestão e a avaliação, pois aquilo que é “descontínuo” não gera direitos. 24

Essa proposta teórico-metodológica, embora referida ao Brasil, será potencialmente

utilizada para analisar as dimensões da assistência social e os critérios de definição e

regulação da política de assistência social em um padrão dominante de bem-estar social.

Uma política de proteção social é composta pelos direitos de uma sociedade ou o elenco

das manifestações de solidariedade para com os seus membros.

A análise

O debate sobre o Estado de Bem-Estar na América Latina tem sofrido altos e baixos. Nas

últimas décadas, vêm se dando os primeiros passos para a compreensão dos sistemas

latino-americanos de proteção social à luz de teorias e conceitos amplos gerados pelo

estudo do fenômeno em outras partes do mundo. Há extensa literatura sobre as reformas de

programas sociais gerada pelos governos, universidades e organismos internacionais que,

freqüentemente, trata as políticas sociais como programas orientados a áreas ou a grupos

específicos. Embora seja legítima, essa abordagem, muitas vezes, trata de um enfoque

fragmentado, que dificilmente responde a questões referentes ao sistema de proteção social

como um todo.

Os sistemas de proteção social latino-americanos nem sempre têm sido reconhecidos e

analisados como tais. Pelo contrário, na procura de estudos sobre o tema, comprovamos

que existe uma abordagem, que geralmente justifica aquela posição, na especificidade

histórica da região e na diversidade dos países que a compõem. Acreditamos que algumas

contribuições recentes, produzidas em diferentes áreas da política social, convidam a

repensar essa perspectiva e a explorar as potencialidades analíticas abertas pela literatura

contemporânea, na procura de identificar conceitos e matrizes analíticas que possam nutrir

novas leituras dos variados sistemas de proteção social latino-americanos de uma

perspectiva que considere a história e os processos de desenvolvimento econômico e

social.

24 Aldaíza SPOSATI, Mínimos sociais e seguridade social: uma revolução de consciência, 1997.

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23

Este estudo busca preservar a singularidade de cada país na análise do tema, sem

uniformizar a coleta de dados, nem forçar a existência das mesmas variáveis para conhecer

o fenômeno. Não se pretende transpor modelos de um país para outro. Sua importância está

no conhecimento das diversas experiências, com seus trajetos próprios de interrogações e

de imprevistos, como algo já realizado e avaliado por outros sujeitos sociais ou por novas

gerações, de modo a reconhecer antecipadamente naquele contexto, naquela conjuntura, a

natureza dos problemas e as suas possíveis soluções. Seguindo a proposta de Hugo

Zemelman25, em relação aos estudos comparados de políticas públicas, não há aqui o

propósito de “provar” um conceito, mas sim de descobrir sua especificidade no interior de

uma articulação.

Sob esta preocupação, é necessário introduzir a idéia de que não existe um modelo único

de Estado de Bem-Estar que transcenda o tempo e o espaço, assim como não existe uma

única expressão das contradições que lhe são próprias. A própria definição de bem-estar é

um processo de permanente construção social e, mais que encarnar um valor absoluto,

representa as contradições e a complexidade social e política. Existiram propostas

internacionais de mudanças na relação Estado-Sociedade, e do lugar da política de

assistência social neles. Para avaliar a assistência social, tanto no momento da inclusão de

direitos sociais nas cartas constitucionais, na centralização e introdução de técnicas na

política de assistência social, como no momento da extensão dos seguros sociais, foi

utilizado um critério descritivo que faz referência a sua natureza funcional e à área de

problemas à qual se destina. Cada Estado processou isso de maneira diferente, revelando

tendências e movimentos específicos.

A França é o país que conta com informação mais sistematizada e organizada em relação à

proteção social, e à política de assistência social como parte de um sistema. O Brasil conta

com um número importante de contribuições produzidas pela academia, e pelos

organismos de governo. No caso da Argentina, a análise apresentou-se mais complexa,

pois não existe tradição de estudo da assistência social como um direito; há contribuições

25 Nora KRAWCZYK, Reginaldo MORAES, Estudos comparados, projeto histórico e análise de políticas públicas: entrevista com Hugo Zemelman, 2003. O Professor Hugo Zemelman nasceu no Chile e atualmente está radicado no México. É conhecido por seu vasto conhecimento e experiência nas áreas da epistemologia das políticas sociais. Nessa entrevista, aborda os problemas metodológicos nas análises políticas que trabalham com a noção de comparação e sua preocupação em propor o desafio da construção de um conhecimento sobre a realidade latino-americana que incorpore a historicidade dos diferentes processos nacionais, isto é, a complexidade dos fenômenos políticos, sociais, culturais ou econômicos no momento em que eles são abordados.

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que tenderam a propor esse debate desde o âmbito do Serviço Social; 26 em uma tradição

de estudo da seguridade social ancorada no campo do direito, e estudos financiados por

organismos internacionais, como a OIT, que descrevem a proteção social na Argentina a

partir da década de 1990.

A escolha da proteção social como enquadramento para estudar a assistência social na

evolução dos três países decorreu do caráter amplo que o conceito tem em relação a outros

enquadramentos, pela própria definição jurídico-administrativa, e pela possibilidade de

incorporar processos de institucionalização de programas e serviços, em três conformações

sócio-históricas e políticas diferentes. Na França, a assistência social não faz parte do que

se considera a seguridade social, no sentido da definição clássica do termo, mas tem longa

tradição como parte da proteção social e como parte do direito administrativo. No Brasil, a

assistência social faz parte da seguridade social, desde a sua inclusão na Constituição

Federal de 1988. Na Argentina, a assistência social é possível de ser estudada a partir dos

processos de institucionalização de categorias e benefícios.

Quanto ao legado de dispositivos e programas de proteção social e sua articulação, a

Argentina registrou importante desenvolvimento no início do século XX, com a introdução

e expansão de instituições e programas de corte bismarkiano, ligados a um contexto de

pleno emprego. Paralelamente, desenvolveram-se políticas públicas que colaboraram na

expansão e provisão de bens públicos. A complexidade do estudo vem dada pela estrutura

federativa das instituições públicas, questão que foi provocando permanente fragmentação

das propostas de proteção. Embora tenham havido momentos nos quais convergiram

propostas de unificação e estandardização de programas, a separação de responsabilidades

e funções entre os diferentes níveis do governo (nacional e provincial) pode ser um dos

obstáculos para o estudo da assistência social, entre outras proteções.

Merece ser submetido à consideração do leitor deste trabalho, o fato da minha própria

pertença ao campo do Serviço Social e meu desempenho como assistente social e

pesquisadora durante anos anteriores. Essa reflexão exprime parte das minhas

preocupações do presente, que encontram origem nesse passado, o qual apresenta

26 Debates já registrados, como o do Professor Norberto Alayón, em seu trabalho Assistência ou Assistencialismo, e algumas pesquisas recentes, como a iniciada pelas Professoras Gloria Mendicoa e Claudia Krmpotic, nas quais se discutem as dimensões da institucionalização do social no Mercosul.

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vantagens pela possibilidade que tive de aceder por direito próprio a algumas perguntas da

profissão a partir da observação, compreensão do observado e seleção da informação, que

serviram como orientação na procura de dados no intuito de imbricar o geral (a proteção

social, a seguridade social, o seguro social) e o específico à assistência social.

O exame da realidade de cada país partiu de uma rota similar orientada pelas categorias

que embasam essa reflexão, considerando sempre as distintas variáveis que moldam a

trajetória sócio-histórica de cada país analisado. Nesse emaranhado de particularidades, é

possível identificar, na análise das Constituições; dos processos de institucionalização da

assistência social; da relação desta com a extensão do seguro social e dos processos

recentes de descentralização político- administrativa, o início de um percurso estritamente

restrito à ordem jurídica positiva: constituição, leis, regulamentos, enquanto base legal.

Ainda assim, o recurso ao exame das Constituições nacionais não configura este estudo a

um enfoque legalista mas à inclusão dessa dimensão às demais aqui examinadas para cada

país.

O segundo roteiro adotado nesse caminho busca colocar a assistência social em situação de

análise, isto é, procura identificar fontes não somente por meioatravés do estudo de textos

ou da jurisprudência, mas sim dos registros que permitem examinar os processos de sua

institucionalização e as alterações que a ela apontam em tempos posteriores. Portanto, para

essa abordagem, a proposta foi a de caracterizar a inserção da assistência social na

arquitetura do sistema de proteção social, com ênfase na passagem das primeiras formas de

assistência social às primeiras formas reguladas e o seu enquadramento jurídico-

administrativo.

O terceiro roteiro destaca os fundamentos do direito à assistência social, priorizando sua

expansão e alcance no estudo das constituições, ementários ou leis fundadoras, assim como

das disposições administrativas que poderiam dar conta da sua explicitação.

A periodização da análise não foi predeterminada; ela foi registrada para cada país a partir

do momento em que a seguridade social coexistiu com a assistência social, buscando

identificar os princípios reitores, os domínios e as articulações entre ambas, se existiram,

com ênfase na delimitação das prestações oferecidas, das categorias de usuários aos quais

se orientou a assistência social, e as condições de admissão.

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Quanto aos procedimentos para a coleta de dados, a ênfase foi colocada na consulta

bibliográfica e na análise documental, privilegiando uma óptica sociopolítica dos

componentes jurídico-organizativos e técnicos da política de assistência social, em diálogo

com as outras formas de proteção social. Cada uma dessas dimensões envolve um conjunto

de definições ou feições particulares a respeito de questões específicas.

Em relação ao componente jurídico-organizativo, as informações que resultaram

indispensáveis para o decorrer dos capítulos estão contidas em documentos de diversos

tipos: constituições, textos fundadores, registros, protocolos e/ou informes, assim como nos

aportes produzidos por personalidades de destaque no debate político e da academia em

particular, sobre a assistência social e as formas de proteção social para os três países.

Um dos estudos preliminares desenvolvidos foi o de consulta das Constituições nacionais

vigentes em 19 países latino-americanos na busca de nelas identificar a presença/ausência

de referências à assistência social. Esse levantamento consta no Anexo e a partir dele pode

constatar-se que a Bolívia garante os serviços de assistência social; o Brasil reconhece a

assistência social como um direito; Cuba reconhece a assistência social como uma

proteção; Honduras e Panamá se comprometem constitucionalmente a criar instituições

unificadas de assistência social.

A ênfase do trabalho de análise dos documentos esteve orientada sob os referenciais:

a) definição das prioridades da política de assistência social com relação ao sistema de

seguridade social;

b) tipo de ações, prestações ou serviços que incumbem à assistência social;

c) critérios de elegibilidade e inclusão na política;

d) instituições executoras;

e) serviços ou programas institucionalizados.

A lógica de exposição de cada capítulo responde a um movimento duplo, que parte da

observação desses referenciais e realiza a aproximação ao objeto de estudo em cada país.

Um primeiro movimento decorreu da aproximação às investigações brasileiras na área da

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assistência social, a partir das quais foi se constituindo o universo de pesquisa deste

trabalho. Portanto, as perguntas iniciais surgem das indagações sobre a inclusão do direito

à assistência social na Constituição Brasileira de 1988. Conseqüentemente, foi feita a

escolha de classificar cada capítulo por país, incorporando o formato atual das

Constituições e os artigos que possam contribuir para neles configurar a assistência social,

para, ulteriormente, introduzir a análise da transição das formas de assistência do campo do

privado ao público e a sua conformação no estabelecimento e amadurecimentos da

proposta de seguro social e dos modelos de Estado de Bem-Estar. Reconhece-se que o Estado estabeleceu, e ainda estabelece, relações constitutivas de

associação ou parceria com organizações sociais ligadas a práticas assistenciais. A prática

da assistência social não fica restrita aos organismos públicos de prestação direta de

serviços, subvenções ou convênios são repassados às entidades sociais privadas assim

como a execução de programas sócio-assistenciais e de serviços de infra-estrutura social

(creches, asilos, centros de formação de mão-de-obra, centros de reabilitação). Nesse

sentido, foram examinadas somente aquelas formas que, por sua magnitude e presença

pública, poderiam colaborar para a compreensão das discussões e desafios contemporâneos

da política de assistência social.

Entende-se que a assistência social é um dos elementos que define a identidade do

profissional do Serviço Social, portanto, foi relevante incluir referências ao papel do

Serviço Social quando à regulação estatal da assistência social.

A configuração da assistência social durante o período desenvolvimentista e durante as

ditaduras militares da década de 1970 na América Latina – percursos que se

corresponderiam com a consolidação e a expansão das estruturas institucionais estatais,

assim como com as posteriores propostas de ajuste estrutural –, será resgatada no formato

de possíveis estruturas sedimentares, de modo a facilitar a compreensão dessa configuração

nas estruturas do aparelho estatal, mas não serão detalhadamente examinadas. O segundo movimento apresentou-se no decorrer da própria pesquisa. A partir da

indagação de dados na área da sociopolítica e da história, foram identificadas avaliações ex

post desses processos, o que exigiu a inserção, na estrutura dos capítulos e da análise, de

uma introdução aos desafios atuais da política de assistência social para os três países e

incorporar, assim, as possíveis continuidades e descontinuidades para cada país, em um

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andamento da contemporaneidade, em diálogo com os seus momentos fundantes, de forma

a resgatar, nessa trajetória, as características da sedimentação processual vigente. A análise

atende à possível fragmentação da ação estatal, e orienta o olhar para diferentes aparatos

estatais que, com variável grau de autonomia, aparecem envolvidos no processo de tomada

de decisões em relação à assistência social.

Mesmo assim, para cada país, se apresentam aproximações clássicas em relação ao Estado

nos períodos examinados, no sentido de construir um espaço teórico-conceptual no qual se

inscrevessem as problemáticas do bem-estar, da assistência social e sua institucionalização,

com o intuito de configurar as práticas e as instituições nas quais a assistência social pode

ser distinguida. Para melhor delinear o seu conteúdo, na introdução, são abordados os

fundamentos conceituais e as ferramentas de análise

O Capítulo 1 aborda a política de assistência social francesa como um dos eixos do sistema

de proteção social local. A lógica de exposição desta parte difere das do Brasil e da

Argentina, no que tange ao tratamento inicial do andaime constitucional e legislativo em

que se assenta a assistência social. Existe uma trajetória de estudo da assistência social

nesse país ancorada na perspetiva do direito e no formato organizacional e administrativo

dela no aparelho estatal. Em virtude disso, a abordagem toma como ponto de partida os

conteúdos da história constitucional que fundamentam a construção jurídica

contemporânea da assistência social, assim como a sua codificação, que atende à

classificação por grupos ou categorias, e está contida no Código da Ação Social e das

Famílias.

Um segundo momento demarca o momento histórico-social que sinaliza a passagem às

primeiras feições da assistência pública e à posterior configuração em decorrência dos

seguros sociais. Examina as leis fundadoras da seguridade social sob as lógicas

constitutivas da proteção social: assistencial, previdência e seguridade social e inclui

assinalamentos sobre a reforma jurídica de 1953, que atingiu diretamente as regulações da

assistência social. Indaga sobre a influência beveridgiana ou bismarckiana no modelo de

proteção social e na conformação do Estado-Providência. Finalmente, são colocadas as

feições das últimas duas décadas que provocam tensões nos dispositivos e nas bases do

direito já instaladas, tais como a Renda Mínima de Inserção, e são brevemente

apresentadas duas mudanças medulares que foram introduzidas em 2002, às quais está

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submetida a área da assistência social em face da Lei da Renovação da Ação Médico-

Social de 2002 e do Código dos Usuários de estabelecimentos médico-sociais.

O Capítulo 2 analisa as particularidades do caso argentino. Toma-se como referência as

Constituições de 1994 e de 1949; o processo de passagem da beneficência à inclusão no

aparelho estatal das primeiras formas sócio-assistenciais; a posição outorgada à assistência

social no discurso de Eva Perón e nas atividades da Fundação Eva Perón,

concomitantemente a outras formas estatais no contexto da seguridade social. No

desenvolvimento da assistência social na Argentina, foi necessário aprofundar os

pormenores do fenômeno do constitucionalismo social e da perspectiva jurídica da

seguridade social, para melhor circundar o caráter discricionário e subsidiário da

assistência social em seu percurso histórico. A esse respeito, concedeu-se tratamento

especial às constituições provinciais para melhor contornar os conteúdos da configuração

da assistência social. Fato que não foi necessário para os outros dois países, que contam

com tradições de estudo já desenvolvidas. Por último, avaliam-se os desafios da Argentina

a partir de meados da década de 1980 que, sob uma redefinição do rol do Estado no plano

federal da gestão do social, em face da mudança de um modelo apoiado na centralidade

estatal, que alcançou seu ponto máximo entre os anos de 1940 e 1980, para uma

perspectiva de descentralização dos serviços sociais, como educação e saúde e programas

sociais.

O Capítulo 3 ocupa-se da assistência social no Brasil. Apresenta a introdução da noção de

socorros públicos na Carta de 1824 e das atividades desenvolvidas pela Irmandade da

Santa Misericórdia na transição do Brasil Imperial à Velha República. Carateriza a

discussão sobre formas sócio-assistenciais pautadas nos patamares que traziam as

propostas internacionais sobre a concepção de um mundo moderno e como organizá-lo, a

política sanitarista e os primórdios previdenciários na Velha República. Evoca a criação da

Legião Brasileira de Assistência (LBA), o formato da Constituição dos anos de 1934 e de

1946 e sua relação com a legislação trabalhista. Retoma o surgimento da Primeira Escola

de Serviço Social em São Paulo, criada pela Igreja Católica, e as produções escritas sobre o

papel do Estado e a assistência social para o Brasil, no contexto das discussões

internacionais sobre seguridade social. Por último, destaca o intuito prevalecente durante a

elaboração dos capítulos sociais e a definição da seguridade social no período prévio à

redação da Constituição de 1988. Denota o percurso de construção da política de

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assistência social após a Constituição Brasileira de 1988 e da implantação da Lei Orgânica

de Assistência Social (LOAS), assim como as feições recentes configuradas pela

descentralização político-administrativa e a rede de proteção social.

As Considerações Finais têm por finalidade oferecer indicações e tensões que contribuam

para melhor delinear o lugar da assistência social no constitucionalismo, em sua passagem

das formas privadas às públicas, na institucionalização e na centralização pela

administração estatal, e em consonância com os processos de reforma do Estado e

descentralização político-administrativa da década de 1980, usando como referência a

experiência dos três países analisados.

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CAPITULO 1

FRANÇA. A ASSISTÊNCIA SOCIAL NO SISTEMA DE PROTEÇÃO SOCIAL

Este capítulo aborda a política de assistência social francesa como um dos eixos do sistema

de proteção social local. O sistema é fundado sobre o princípio da solidariedade social e

compreende um conjunto de dispositivos de intervenção relativamente autônomos tanto

pelas suas finalidades como na construção jurídica e seu funcionamento.

A assistência social é herdeira, em sua forma moderna, dos princípios de direito à

assistência, proclamados durante a Revolução Francesa e, no que tange às suas

conseqüências práticas, é arquitetada, essencialmente, pelas leis promulgadas no fim do

século XIX. Paralelamente a sua consolidação, outros dispositivos de solidariedade

coletiva desenvolveram-se: os seguros sociais e, em etapas sucessivas, a seguridade social.

A França e o modelo social europeu, em geral, distinguem-se pelo alto nível de proteção

social representado em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) de cada país. Segundo

dados de 2004, a média representava 27,3% do PIB destinado à proteção social para os

países que integravam a União Européia. A França destinou para a proteção social, durante

esse mesmo ano, 31,2% do PIB. O orçamento social francês é financiado por

contribuições, impostos e taxas.

Na composição das estatísticas sobre a proteção social francesa, participam diferentes

organismos: seguridade social, instituições de proteção complementares, seguro de

desemprego, serviços estatais e das coletividades locais: mínimos sociais, assistência

social, etc.27 A seguir, apresentam-se os dados ilustrativos sobre a relação proteção social–

PIB, para o intervalo 2000-2004, produzidos pelo portal informativo da União Européia,

com destaque particular para a França.

27 Marc MONTALEMBERT (dir.), La protection sociale en France: les notices, 2001, p. 5.

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32 Tabela 1: Dados de despesas destinadas à proteção social em países da União Européia para o intervalo 2000-2004, em porcentagem do PIB

2000 2001 2002 2003 2004

UE-25 26,6 26,8 27.0 27,4 27,3 UE-15 26,9 27,1 27,4 27,7 27,6

BE 26,5 27,3 28.0 29,1 29,3 CZ 19,5 19,4 20,2 20,2 19,6 DK 28,9 29,2 29,7 30,7 30,7 DE 29,2 29,3 29,9 30,2 29,5 EE 14.0 13,1 12,7 12,9 13,4 IE 14,1 15.0 16.0 16,5 17.0 EL 25,7 26,7 26,2 26.0 26.0 ES 19,7 19,5 19,8 19,9 20.0 FR 29,5 29,6 30,4 30,9 31,2 IT 24,7 24,9 25,3 25,8 26,1 CY 14,8 14,9 16,3 18,5 17,8 LV 15,3 14,3 13,9 13,4 12,6 LT 15,8 14,7 14,1 13,6 13,3 LU 19,6 20,8 21,4 22,2 22,6 HU 19,3 19,3 20,3 21,1 20,7 MT 16,3 17,1 17,1 17,9 18,8 NL 26,4 26,5 27,6 28,3 28,5 AT 28,2 28,6 29,1 29,5 29,1 PL 19,5 20,8 21,2 20,9 20.0 PT 21,7 22,7 23,7 24,2 24,9 SK 19,3 18,9 19.0 18,2 17,2 SI 24,9 25,3 25,3 24,6 24,3 FI 25,1 24,9 25,6 26,5 26,7 SE 30,7 31,3 32,3 33,3 32,9 UK 27,1 27,5 26,4 26,4 26,3 RO 13,2 13,2 13,4 12,6 14.9 IS 19,3 19,6 21,6 23,3 23.0 NO 24,6 25,6 26,2 27,5 26,3 CH 27,4 28,1 28,7 29,3 29,5

Fonte: Eurostat (Sítio de Informação Estatística da União Européia)28

Longe de constituir um conjunto homogêneo, o sistema de proteção social francês é o

resultado de processos de sedimentação, ou seja, em diversas épocas do seu

desenvolvimento, novos mecanismos se reagruparam aos dispositivos antigos e, ao mesmo

tempo, se adaptaram aos anteriores, sem perder as características essenciais.

A assistência social e a seguridade social são tradicionalmente consideradas, na França,

como dois eixos do sistema de proteção social e é freqüente opô-las, quando estudadas no 28 Disponível em: www.europa.eu.int. European Social Statistics-Social Protection, 2005.

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33

desenvolvimento histórico dos sistemas de proteção social, por um lado, como a

seguridade social e, por outro, como a assistência social. Ainda assim, ambas podem ser

distinguidas pelos princípios que as fundam e suas implicações em termos de direito e de

deveres e condições de acesso. 29

A seguridade social é tradicionalmente apresentada como um sistema que repousa sobre

mecanismos de transferência do tipo contribuição-retribuição. Os trabalhadores depositam

uma cota em função da sua renda e obtêm assim um direito “objetivo” da sociedade. Esse

direito consiste em perceber uma prestação cujo montante tem relação com o seu salário,

em caso de interrupção ou de privação do emprego.

A noção de seguro social inspirou-se nos princípios do mutualismo de riscos, cujo

fundamento guarda relação com a idéia de que a probabilidade de efetivação de um risco

no conjunto da comunidade de assegurados é muito baixa. Essa baixa probabilidade de

risco permite dividir o montante da indenização pelo número de pessoas que se cotizam

para assim reduzir o montante da contribuição de cada um.

A seguridade social na França desenvolveu-se paralelamente à emergência do trabalho

assalariado para reduzir os riscos de uma perda de salário como conseqüência de acidentes,

desemprego, ou velhice. Em termos gerais, exprimiu a necessidade de instaurar uma

proteção que permitisse a cada trabalhador constituir uma renda de substituição sobre a

base de contribuições prévias. A lógica de seguridade, inicialmente limitada à proteção

individual foi progressivamente aplicada aos sistemas coletivos de seguridade social.

A assistência social na França foi se distinguindo de outras formas de proteção por

constituir seus fundamentos em prestações sem contrapartida para os seus beneficiários. As

prestações sem contrapartida referem-se a todas as prestações monetárias ou não

monetárias que constituem obrigação para as coletividades públicas e que são destinadas

aos beneficiários em face de uma necessidade. 30 Na contemporaneidade, está baseada em

conteúdos constitucionais, leis, regulamentos, que foram se amalgamando em camadas

sucessivas para conformar as dimensões atuais.

29 Vide: Guy PERRIN, Para una teoría sociológica de la seguridad social, 1978. Henri HATZFELD, Du paupérisme a la sécurité sociale : essai sur les origines de la sécurité sociale en Franc,: 1850-1940, 1971. 30 Michel BORGUETTO; Robert LAFORE, Droit de l´aide et de la action socials, 2004, p. 73.

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34

1.1 A construção jurídica contemporânea da assistência social

O direito à assistência social na França está contido no Código de Ação Social e das

Famílias, cujo texto contém as disposições legislativas e regulamentares que abrangem as

dimensões da assistência social: o alcance do direito, as condições de admissão, a

organização político-administrativa, as políticas transversais, etc. As regras com valor

constitucional, na França, que o enquadram são:

• A declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, do dia 26 de agosto de 1789,

assim como os princípios fundamentais reconhecidos pela República; as leis

orgânicas submetidas ao Conselho Constitucional antes da sua promulgação e

destinadas a completar a Constituição.

• O preâmbulo da Constituição de 27 de outubro de 1946.

• A Constituição de 4 de outubro de 1958.

Os códigos franceses têm como função facilitar a implementação e a compreensão dos

direitos e obrigações, tanto para os cidadãos como para os responsáveis administrativos e

políticos. O conteúdo desses códigos compreende as regras com valor constitucional, Leis

Orgânicas (LO) e Leis (L), Decretos do Conselho do Estado (R) e Decretos simples (D),

que são reagrupados na parte regulamentária.31

O direito à assistência social está regrado no Código da Ação Social e das Famílias, no

artigo L. 111-1 e seguintes: 32 “Sob a reserva dos artigos L. 111-2 e L. 111-3, toda pessoa

residente na França é beneficiaria se cumpre as condições legais de atribuição de

assistência social tal como são definidas no presente código”.

Artigo L111-2

(Lei n. 2002-1576 de 30 de dezembro de 2002, art. 57 e Lei n. 2006-911 de 24 de julho de

2006, art. 95 I )

As pessoas de nacionalidade estrangeira serão beneficiárias nas condições próprias de cada uma destas

prestações:

31 Manteve-se a classificação por letras L, LO e R, tal como aparece na legislação e nos documentos franceses, embora não haja tradução exata para a língua portuguesa em alguns itens, para manter a relação com a fonte. 32 Disponível em: www.legifrance.gouv.fr. Code de l’action sociale et des familles, Partie Législative, Chapitre Ier: Droit à l'aide sociale.

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351. das prestações de assistência social à infância ;

2. das prestações em caso de serem admitidos num centro de abrigo ou de inserção social, ou num

centro de acolhida para demandantes de asilo;

3. da assistência médica do Estado ;

4. as alocações para pessoas idosas previstas no artigo 231-1, com a condição que justifiquem uma

residência ininterrupta na França metropolitana desde ao menos quinze anos antes dos setenta anos.33

Elas podem se beneficiar de outras formas de assistência social a condição de justificar mediante um

titulo de residência exigido como condição para todas as pessoas de nacionalidade estrangeira residir

regularmente na França.

Artigo L111-3

(Lei n. 2003-1200 de 18 de dezembro de 2003, art. 13 e Portaria n. 2005-1477 de 1º de

dezembro de 2005, art. 1)

As pessoas que se encontrem no território metropolitano, cuja presença resulte de circunstâncias

excepcionais e que não possam escolher o seu lugar de residência, ou as pessoas que não possam fixar

nem determinar um endereço fixo, têm direito à assistência social nas condições previstas para cada

uma delas no presente código. As disposições deste artigo não se opõem ao depósito de uma demanda

de alocação ou de uma demanda de renda mínima de inserção.

Artigo L111-3-1

(Lei n. 2002-2 de 2 de janeiro de 2002, art. 84 e Lei n. 2006-911 de 24 de julho de 2006,

art. 95 II)

A demanda de admissão de assistência social nos centros de hospedagem, reinserção social, ou nos

centros de acolhida, para demandantes de asilo, é aceita, até o momento em que o representante estatal

departamental faz conhecer sua resposta, no prazo de um mês a partir da data da recepção. Quando a

duração da acolhida previsível não exceder os cinco dias, a admissão na assistência social do Estado é

aceita.

As formas de assistência social segundo grupos ou categorias, a partir do Código da Ação

Social e das Famílias são:

33 Refere-se à relação nação-colônias, portanto atribuível a todas as pessoas que moram na França.

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36

Assistência social às famílias 34

Artigo L212-1 Quando os recursos das famílias são insuficientes, as famílias cujo sustento cumpra as obrigações do

serviço nacional, sejam residentes ou não na França, têm o direito às alocações familiares. Estas

alocações estão a cargo do orçamento do Estado e são acordadas pela autoridade administrativa.

Artigo L212-2 Um decreto do Conselho de Estado determina o modo de cálculo da alocação prevista no artigo L 212-

1.

Infância 35 Artigo L221-1 (Lei n. 2002-2 de 2 de janeiro de 2002, art. 75 I, 2º e Lei n. 2007-293 de 5 de março de 2007, art. 3, 1º)

O serviço de assistência social à infância é um serviço não personalizado a cargo das seguintes

missões:

1. Dar um sustento material, educativo e psicológico tanto aos menores como à sua família ou àquele

que represente autoridade de parentesco, destinado a confrontar as dificuldades que ponham em risco a

saúde, seguridade, moralidade dos menores ou que comprometam gravemente a sua educação, o seu

desenvolvimento físico, afetivo, intelectual e social. Portanto, quando se trata de menor emancipado

ou de menos de vinte e um anos confrontados a dificuldades familiares, sociais e educativas

susceptíveis de comprometer gravemente seu equilíbrio.

2. Organizar, no lugar onde se manifestem riscos de falta de adaptação social, as ações coletivas

tendentes a prevenir a marginalidade e facilitar a inserção ou a promoção social dos jovens e das suas

famílias, particularmente aqueles que possam estar inclusos no artigo L. 121-1.

3. Organizar em forma urgente ações de proteção em favor dos menores mencionados na parte 1do

presente artigo.

4. Prover ao conjunto de necessidades dos menores confiados ao serviço e vigiar pela sua orientação

em colaboração com a família ou representante legal.

5. Organizar, particularmente, ações de prevenção de situações de risco em relação aos menores e, sem

prejuízo das competências da autoridade judicial, organizar a coletânea e a comunicação, nas

condições previstas no artigo L. 226-3, de informações relativas aos menores cuja saúde, seguridade,

34 Disponível em: www.legifrance.gouv.fr/ Code de L'Action sociale et des famillies. (Partie Législative). Chapitre II : Aide sociale aux familles. Article L212-1. 35 Disponível em: www.legifrance.gouv.fr/ Code de L'Action sociale et des famillies. (Partie Législative). Chapitre II: Aide sociale aux familles. Article L221-1.

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37moralidade estejam em perigo ou em risco de estarem, ou cuja educação ou desenvolvimento estejam

comprometidos ou em risco de estarem, e participar na sua proteção.

6. Para a realização da sua missão e sem prejuízo das suas responsabilidades em relação aos menores

que lhe são confiados, o serviço de assistência social à infância pode apelar a organismos públicos ou

privados habilitados nas condições previstas nos artigos L. 313-8 e L. 313-9 ou a pessoas físicas. O

serviço controla as pessoas físicas a quem são confiados os menores, com vistas a assegurar as

condições materiais e morais durante sua permanência.

Artigo L221-2 (Lei n. 2005-706 de 27 de junho de 2005)

O serviço de assistência social à infância repousa sobre a autoridade do presidente do Conselho Geral.

O departamento organiza sobre uma base territorial os meios necessários à acolhida e abrigo dos

menores confiados ao seu serviço. Um projeto de serviço de assistência social à infância é elaborado

em cada departamento. Esse serviço precisa contar particularmente com prestações de acolhida de

urgência, com modalidades de recrutamento de assistentes familiares, assim como cuidar da

organização e do funcionamento das equipes de trabalho com os assistentes familiares que são

membros das equipes em tempo integral. O departamento deve dispor de estruturas de acolhida para

menores grávidas, e para mães com crianças. Para a aplicação das condições anteriores o departamento

pode realizar acordos com outras coletividades territoriais ou recorrer a outros estabelecimentos

habilitados.

Prestações de assistência social à infância 36

Artigo L222-2

A assistência social domiciliar é atribuída sobre demanda ou acordo com a mãe, o pai ou a pessoa que

assume os cuidados da criança quando a sua seguridade ou os cuidados com a sua educação assim o

exijam e quando se tratam de prestações financeiras, quando o demandante não disponha dos recursos

suficientes.

A assistência social domiciliar é outorgada às mulheres grávidas confrontadas a dificuldades médicas,

sociais ou financeiras.

A assistência social domiciliar pode ser concedida a menores emancipados ou menores de vinte e um

anos confrontados a dificuldades sociais.

36 Disponível em: www.legifrance.gouv.fr/ Code de L'Action sociale et des familles. (Partie Législative). Chapitre II: Aide sociale à l´enfance.

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38

Artigo L222-3 (Lei n. 2007-293 de 5 de março de 2007)

A assistência social domiciliar compreende as seguintes instâncias, que poderão ser implementadas de

forma conjunta ou separadamente:

- a ação de um técnico especializado em intervenção familiar ou de uma assistência doméstica;

- um acompanhamento na economia social e familiar;

- a intervenção de um serviço de ação educativa;

- o pagamento de ajudas financeiras efetuadas sob as formas de socorros excepcionais, seja de

alocações mensais, a título definitivo ou sob condição de reembolso e, eventualmente, pagamentos em

dinheiro.

Pessoas idosas 37 Artigo L 113-1 (Regulamento n. 2005-1477 de 1º de dezembro de 2005)

Toda pessoa a partir de 65 anos privada de recursos suficientes pode beneficiar-se de assistência

social, seja no seu domicilio ou em um estabelecimento onde esteja alojada. As pessoas de mais de 65

anos podem se beneficiar das mesmas vantagens daqueles reconhecidos como não aptos para o

trabalho.

Assistência social domiciliar38 Artigo L231-1

A assistência social em domicílio pode ser atribuída em forma de ações ou de dinheiro. A assistência

financeira compreende uma alocação simples e eventualmente uma alocação representativa dos

serviços domésticos. A alocação simples pode ser atribuída em forma plena ou reduzida, levando-se

em conta os recursos dos postulantes como são definidos no artigo L231-2.

37 Disponível em: www.legifrance.gouv.fr/ Code de L'Action sociale et des familles. (Partie Législative). Chapitre III: Personnes âgées. 38 Disponível em: www.legifrance.gouv.fr/ Code de L'Action sociale et des familles. (Partie Législative). Chapitre Ier: Aide à domicile et placement.

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39

1.2 A assistência social na arquitetura do sistema de proteção social

O estudo da assistência social na “arquitetura” da proteção social relacionou-se com o

interesse por compreender e descrever a evolução no conjunto das formas de proteção, de

categorias a serem protegidas e das formas institucionais para atendê-las, assim como dos

conteúdos jurídicos das formas de assistência pública, da assistência social no momento de

surgimento dos seguros sociais, no momento de extensão do sistema de seguridade social e

considerando expressões atuais associadas às políticas de luta contra a exclusão.

Nesse percurso, não se pode deixar de mencionar três momentos assinalados no item

precedente, que constituem a base jurídico-constitucional do direito à assistência social e

que são os princípios fundamentais reconhecidos pela República: a Declaração dos

Direitos do Homem e do Cidadão de 26 de agosto de 1789, o preâmbulo da Constituição

de 27 de outubro de 1946 e a Constituição de 4 de outubro de 1958 quando o direito à

assistência social foi finalmente incorporado às bases do sistema de proteção social

francês.

Como já antecipado, a assistência social foi se construindo a partir de uma história e de

uma lógica diferentes da formulada posteriormente no formato dos seguros sociais. A

assistência pública constitui-se na primeira tentativa das autoridades políticas para

enfrentar os problemas de inseguridade latente que representavam aqueles indivíduos ou

grupos que se situavam sob um nível considerado legítimo de integração ao médio.

Um exemplo, foi a criação do Grande Ofício dos Pobres de Paris, em 1544, para assumir o

direcionamento social das camadas consideradas em perigo. Essas atribuições à assistência

pública caracterizaram-se pelo objetivo de “defesa social” dado a essa forma assistencial.

Objetivo que transitou entre a repressão e proteção, segregação e detenção, asilo e prisão.

Ainda nesse momento de sua evolução, as categorias e eventualidades a serem cobertas e

os métodos ou dispositivos aplicáveis para aqueles que utilizavam a assistência pública,

confundiam-se numa interpretação global e complexa.

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40

A falta de meios de subsistência e de integração a uma coletividade territorial foi

interpretada como uma ameaça, antes de ser percebida como um atentado contra os direitos

individuais da pessoa. A característica dessa forma de assistência pública foi o não-

reconhecimento expresso do direito dos interessados à ajuda outorgada; pelo contrário,

instalou-se uma interpretação ancorada na idéia da dívida que os assistidos contraiam com

a sociedade.

A passagem da assistência pública à assistência social (1953), segundo Guy Perrin,39

representou, apesar das aparências, uma mudança de concepção entre duas tradições. Por

um lado, a transição foi progressiva, no que atinge as instituições ligadas à assistência,

mas, por outro lado, foi marcada fortemente pelos pressupostos ideológicos da doutrina

sobre assistência elaborada no curso dos anos que se seguiram à Revolução Francesa de

1789, nos trabalhos do Comitê de Mendicidade da Assembléia Constituinte, e, em seguida,

nos Comitês de Socorros Públicos da Assembléia Legislativa e na Convenção. Os

princípios de igualdade e solidariedade nacional de meados do século XX constituíram-se

na base para enquadrar definitivamente a assistência social como um dever da sociedade.

Assim, o fundamento religioso que acompanhou as práticas assistenciais pré-

revolucionárias foi substituído definitivamente por um fundamento social.

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, inspirada na Revolução Americana de

1776 e nas idéias filosóficas do Iluminismo, foi aprovada na Assembléia Nacional

Constituinte da França revolucionária no dia 26 de agosto de 1789 e votada

definitivamente no dia 2 de outubro do mesmo ano. Essa declaração sintetizou em 17

artigos e um preâmbulo os ideais libertários e liberais da primeira fase da Revolução

Francesa.

Pela primeira vez, foram proclamados a liberdade e os direitos fundamentais do homem

moderno sem estarem ligados a concepções religiosas e visando abarcar a conjunto da

humanidade. Após a caída do rei e a proclamação da República, no dia 23 de junho de

1793, a Convenção votou uma nova Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Os

35 artigos reproduziram os princípios da Declaração de 1789, insistindo na igualdade como

o primeiro dos direitos naturais e imprescritíveis, na noção de solidariedade, assim como

39 Guy PERRIN, Para una teoría sociológica de la seguridad social, 1978.

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41

enunciou novos direitos: direito à assistência - artigo 21-, o direito ao trabalho - artigo 17 e

21-, o direito à instrução - artigo 22-, e o direito à insurreição - artigo 35. 40

Assim, o dever de assistência da coletividade nacional, que foi proclamado a partir da

Revolução Francesa em relação aos cidadãos em situação de necessidade, opôs-se à

concepção de sociedade do Antigo Regime. O cuidado de assegurar a subsistência do

pobre é considerado uma expressão da solidariedade social resultante de uma verdadeira

dívida nacional.

Em relação às categorias e eventualidades concernentes à assistência social, os indigentes,

as crianças e os idosos conformaram o conjunto de “frágeis” aos quais a sociedade

reconheceu um dever de justiça. Em 1794, ampliou-se a concepção das categorias atingidas

para mães e viúvas com crianças aos seus cuidados, idosos, beneficiários de socorros e

assistência médica em domicílio. 41

Ainda que os postulados da Revolução Francesa em relação ao direito à assistência – entre

outros – tenham abalado as estruturas sociais e políticas do Antigo Regime, não

conseguiram gerar uma mudança institucional, no sentido de gerar novas proposições.

Além do mais, os efeitos da revolução industrial sobrevieram em um sentido

rigorosamente oposto ao horizonte de uma sociedade de iguais. As alterações nas técnicas

de produção e condições de trabalho, o restabelecimento de uma estrutura social rígida e a

segregação espacial e social dos trabalhadores – efeitos próprios do capitalismo liberal –

tornaram urgente a necessidade de atenuar as conseqüências desse processo de

industrialização.

O processo de transição até o estabelecimento dessas duas formas de proteção social nas

sociedades européias – assistência social e seguros sociais – foi realizado não sem poucas

preocupações e discussões, e seria pouco provável de serem enunciadas em toda sua

riqueza e extensão neste trabalho.

Segundo Henri Hatzfeld (1971), para compreender porque contemporaneamente o sistema

de seguridade social francês aparece como diferente da assistência social, torna-se

40 Disponível em: www.legifrance.gouv.fr ou www.elysee.fr. 41 Disponível em: www.vie-publique.fr/decouverte_instit. Vide: Jean-Jacques DUPEROUX, Droit de la sécurité sociale, 1980.

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42

necessário saber que, por trás, há uma longa gênese, na qual as duas noções aparecem

misturadas. A história da legislação em torno de cada uma – a assistência social e os

seguros sociais – é que separou cada campo das proteções.42

As particularidades do direito à assistência e as particularidades do direito do trabalho

como direito social foram os conceitos centrais das contendas ideológicas sobre as quais se

assentaram as bases do sistema de proteção social francês e de outros países da Europa.

Os seguros sociais surgiram em face de necessidade de atenuar as conseqüências do

processo de industrialização nas sociedades européias, ao fim do século XIX, e foram

objeto de acirradas discussões entre os parlamentares franceses ao redor dos fundamentos,

limites das eventualidades a serem cobertas, e a quem caberia, e em que proporção, a

proteção dos assalariados.

Henri Hatzfeld assinalou, a respeito da situação européia, que o século XIX conheceu uma

contradição entre a idéia segundo a qual o assalariado seria um estado transitório do qual

os melhores trabalhadores estariam destinados a sair para acessar a pequena propriedade, e

os efeitos que o próprio movimento da indústria gerou quando reduziu as chances e os

poderes das pequenas empresas e estabeleceu o estado de assalariado em um estado

definitivo a uma proporção cada vez maior da população ativa. 43

Essas discussões acontecidas no parlamento francês, sobre as quais se assentaram as bases

dos seguros sociais, tiveram como fundamento a necessidade de dar continuidade ao

processo de industrialização, assim como de atenuar as conseqüências não desejadas desse

processo. A idéia sobre a “incerteza da existência” dominou o debate.

No início do século XIX, a idéia oposta: a “seguridade da existência” relacionou-se

diretamente à dupla seguridade-regime de propriedade. Aquele que possuía capital ou

patrimônio representava a seguridade. No entanto uma das funções da propriedade é 42 Cf. Henri HATZFELD, Du paupérisme à la sécurité sociale : essai sur les origines de la sécurité sociale en France, 1850-1940, 1971, pp. 67-69. 43 Cf. Henri HATZFELD, Du paupérisme a la sécurité sociale : essai sur les origines de la sécurité sociale en France, 1850-1940, 1971, pp. 326-327. O livro apresenta estudo sobre a origem da seguridade social na França a partir dos debates dos parlamentares franceses, assim como o processo de discussão sobre a pertinência do estabelecimento de um regime de seguro aos trabalhadores. Esse debate se entrosa com as discussões sobre a assistência pública instituída e outras instituições ainda não reformadas na perspectiva do direito ao trabalho, assim como as conseqüências dos efeitos associados ao processo do trabalho na vida dos trabalhadores e do pauperismo crescente.

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43

oferecer seguridade ao possuidor, enquanto que aqueles que não possuíam bens materiais,

ou só seu trabalho, não entravam nessa lógica de seguridade. Eles potencialmente

dependeriam de outros, em caso de necessidade.44 Perante essa lógica, institucionalizam-se

os aspectos essenciais das mutuais obreiras e dos sistemas de inspiração corporativa,

públicos ou privados, que se desenvolveram nos alvores da industrialização e que foram a

expressão das primeiras formas de proteção dos trabalhadores no processo de produção;

enquanto que os seguros sociais afirmaram-se como um instrumento de proteção dos

trabalhadores assalariados da indústria.

Os seguros sociais constituíram o estágio inicial do direito social dos trabalhadores das

indústrias e também assinalaram a distância entre o direito à assistência social e o direito

ao trabalho, com respeito à forma de fazer face às incertezas da existência e aos seus

fundamentos sociais e às categorias e eventualidades cobertas. O processo de legislação e

institucionalização sobre a assistência social e os seguros sociais, longe de ser linear,

inscreve-se na diferenciação de categorias a serem cobertas e às formas de tratamento

institucional das mesmas.

Nesse período, particularmente durante as últimas décadas do século XIX, que abrangeram

o que se conhece como a Terceira República Francesa,45 organizaram-se e controlaram-se

as formas de intervenção social já institucionalizadas e associadas à benemerência e à

Igreja Católica. Cria-se a Direção de Assistência e Higiene, em 1886; implanta-se um

corpo de inspetores gerais, em 1887; e instala-se um Conselho Superior de Assistência

Pública, entre 1888 e 1893, a partir do qual associou-se uma oficina de assistência em cada

comuna.

Esse período corresponde também ao momento no qual tomaram forma as primeiras leis de

assistência pública.46

- Lei de 24 de julho de 1889, sobre as crianças maltratadas e moralmente abandonadas.

44 Cf. Henri HATZFELD, Du paupérisme à la sécurité sociale : essai sur les origines de la sécurité sociale en France, 1850-1940, 1971, pp. 26-28. 45 A Terceira República Francesa (1870/75 - 10 de julho de 1940) abrange os governos que administraram a França desde o fim do Segundo Império até o estabelecimento da República de Vichy. Foi uma democracia parlamentar cujo iníciosremonta à captura de Napoleão III, durante a Guerra Franco-Prusiana, em 4 de setembro de 1870. 46 Henri HATZFELD, Du paupérisme à la sécurité sociale : essai sur les origines de la sécurité sociale en France, 1850-1940, 1971. Jacques DONZELOT, L´invention du social, 1994.

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44

- Lei de 15 de julho de 1893, sobre a assistência médica gratuita.

- Lei de 27 e 30 de junho de 1904, sobre as crianças assistidas.

- Lei de 17 de junho de 1913, sobre as mulheres grávidas.

- Lei de 14 de julho de 1913, sobre as famílias numerosas e necessitadas.

Nesse período de vinte anos, em que são promulgadas as primeiras leis de assistência

pública, e esta adquire o status de instituição diferenciada de outras, como a Igreja

Católica, é possível distinguir alguns traços que a caracterizaram:47

• concerniu a doentes privados de recursos, idosos, mulheres grávidas e famílias

numerosas sem recursos;

• criou-se uma lista anual de assistidos, na qual constava o beneficio e a forma de

assistência em que estiveram inscritos;

• as prestações corresponderam aos cuidados gratuitos, à admissão hospitalar ou à

mesma alocação para todas as categorias de assistidos;

• o rol essencial na relação beneficio-demandante que se desprendia para a

assistência pública é a questão da pertença a uma comunidade.

Do ponto de vista estritamente cronológico, e comparativamente a outros países europeus,

a França caracterizou-se por ter um grau de atraso na adoção do sistema de seguros sociais.

De fato, é entre 1928 e 1930 que um dispositivo obrigatório passa a cobrir os riscos de

doença, invalidez e velhice. Entretanto, uma das particularidades da construção do sistema

francês de proteção social foi a implantação de um dispositivo de assistência pública

nacional, que perdurará até depois da criação das leis de seguros sociais.

Contrariamente às leis inglesas destinadas aos pobres, as leis de assistência pública

francesas do fim do século XIX vieram fornecer os meios de subsistência aos indigentes

definidos em função de um critério de renda.

Essas leis esperavam cobrir os riscos particulares e especificados para cada legislação:

doença, velhice, família. Seus beneficiários foram, em grande parte, trabalhadores

47 Vide Amédée THÉVENET, L’aide sociale aujourd’hui: nouvelle étape pour la décentralisation, 2004 ; Jacques DONZELOT, La policía de las familias, 1990 e L´invention du social: essai sur le déclin des passions politiques, 1984.

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45

regulares, obreiros, camponeses, artesãos, que foram considerados “provisoriamente” em

necessidade para afrentar as eventualidades da vida.48

Do ponto de vista dos problemas a serem tratados, a assistência pública conformou-se em

um pólo que envolveu uma condição moralizante associada à idéia de “dever de fazer o

bem”, e uma condição política de controle das populações consideradas “em perigo”.

Orientou-se aos indivíduos que sobreviviam em um status inferior em relação àqueles que

podiam viver de seu trabalho.

Pelo contrário, no pólo dos seguros sociais, o indivíduo torna-se portador de um direito

mediado pela condição de trabalho e apóia-se nos mecanismos de solidariedade entre as

pessoas para adquirir essa igualdade de direito e de status.

No campo que correspondeu às práticas sócio-assistenciais definiu as condições de direito

e o quadro de intervenção. Por um lado, para poder se beneficiar da assistência pública, foi

necessário provar a pertença a um território. Para os seguros sociais, pelo contrário,

prevaleceu a pertença profissional.

Foi essa referência territorial que marcou a continuidade das práticas assistenciais desde o

século XV até o século XVIII, as quais, posteriormente, desenvolveram-se e

regularizaram-se com as leis de assistência pública, promulgadas entre 1893 e 1913.

A Lei de Assistência Pública de 1893 recomendava que a assistência pública é de essência

comunal. É a comuna que deve indicar os beneficiários da assistência porque é ela que está

em situação de conhecê-los.49

Robert Castel (1997) assinala que a relação de proximidade que deveria existir entre o

beneficiário e a instância é que outorga ao benefício um dos vetores fundamentais da

assistência social.

48 Vide Didier RENARD, Une définition instituionnelle du lien social, 1988; Guy PERRIN, Para una teoría sociológica de la seguridad social, 1978. 49 Cf. Amédée THÉVENET, L’aide sociale aujourd’hui: nouvelle étape pour la décentralisation, 2004, pp. 27-29.

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46

As primeiras formas assistenciais, sejam elas formuladas pela Igreja ou pelo Estado, foram

inicialmente encomendadas às comunas; a “exigência de inseri-las num território” é um

dos traços marcantes em que se fundam.

O socioassistencial vem dado pelo reconhecimento da inscrição de um beneficiário numa

comunidade territorial cujo domicílio foi ao mesmo tempo o ponto de apoio do benefício e

a condição. A Terceira República reafirmou a “referência territorial” como enquadre da

intervenção social e confiou a gestão das leis de assistência social às autoridades e

instituições locais.50

50 Robert, CASTEL, La metamorfosis de la cuestión social: una crónica del salariado, 1997. Vide: Introdução e Capítulo I.

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47Quadro 1. Aspectos relevantes para o estudo da assistência social na proteção social na França,

período monárquico- 1941

Ano Aspectos relevantes para o estudo da proteção social na

França Aspectos relevantes da evolução política

Século XVI

1544: Criação do Grand Bureau des Pauvres em Paris. Implantação de uma taxa comunal destinada a financiar as despesas hospitalares e os socorros domiciliares

Dinastia dos Bourbon

Século XVII

Criação do Hospital Geral em Paris (1656). A partir de 1662, criação de instituições equivalentes em outras comunas

Dinastia dos Bourbon Antigo Regime

1789 A Constituinte implanta o Comitê da Mendicidade A Convenção reconhece a existência de uma dívida da sociedade em matéria de socorros públicos Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão dea 26 de agosto

Revolução Francesa

1848 Fraternidade como princípio fundamental do regime II República (1848-1852)

1849 Leis relativas a uma Caixa Nacional de Aposentadorias e instituição das sociedades de socorros mútuos

Napoléon Bonaparte

1870 III República (1870-1940) 1889 Exposição Internacional de Paris

Congresso Internacional de Assistência Social Governo de Sadi Carnot (1887-1894)

1893 Processo de institucionalização da assistência social. Lei sobre a assistência médica gratuita

1898 Lei sobre acidentes de trabalho Auge da doutrina da solidariedade social

População total: 39 milhões de habitantes População rural: 59% Governo de Félix Faure (1985-1899)

1904 Reorganização do serviço de assistência à infância Governo de Émile Loubet (1899-1906)

1905 Lei relativa aos deficientes incuráveis e idosos dá direito a uma pensão e a um lugar em estabelecimentos de acolhida

1909 Resolução do Conselho de Estado do dia 15 de fevereiro: “a assistência é dada em virtude do direito da lei e não por uma decisão discricional de uma autoridade administrativa”

Governo de Armand Fallières (1906-1913)

1910 Lei sobre as aposentadorias obreiras e campesinas 1913 Assistência a famílias numerosas e socorro a mulheres grávidas

sem recursos Coexistência da Assistência Pública e Previsão Coletiva (aparição de numerosos regimes de proteção ligados a categorias particulares da população: mineiros, marinhos, funcionários)

Governo de Raymond Poincaré (1913-1920)

1914 Primeira Guerra Mundial 1928-1930

Lei sobre seguros sociais Crise de 1930 Governo de Gastón Doumerge (1924-1931)

1932 Lei sobre as alocações familiares Governo de Paulo Doumer (1931-1932) e Governo de Albert Lebrun (1932-1940)

1939 Código da Família 1941 Mínimo Velhice Governo provisório da

República Francesa Fontes: Jean-Jacques DUPEROUX, Droit de la sécurité sociale, 1980. Michel BORGETTO, Robert LAFORE, Droit de l'aide et de l'action sociales, 2004. Aulas da disciplina Mundialisation et regulation sociale. Professora Chantal Euzeby. Aulas da disciplina Politiques sociales et performances économiques. Professor AlaiEuzeby. (Construção própria)

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48

1.3 A assistência social e as leis fundadoras do sistema de seguridade social

Em lugar de exigir a demonstração de pertença a um território e a dependência das

autoridades locais, o sistema de proteção social que tomou forma a partir de 1945

condicionou os direitos sociais à pertença profissional e ao pagamento de contribuições.

Entre 1928-1930, definiu-se um quadro de ação para ambas as formas de proteção. A

assistência continuou sendo territorial e o seguro social tendeu a ter uma base setorial: a

indústria, o comércio, a função pública, a agricultura. A respeito, Bruno Palier 51apresenta

um estudo sobre as mudanças nos critérios de acesso às prestações sociais e aos laços

sociais. Esse estudo assinalou que, embora até o século XIX a comuna tenha sido o

primeiro lugar de incumbência de responsabilidade da assistência pública, a questão do

domicílio como condição de acesso à prestação da assistência não mudou, ainda quando

foram definidas leis de caráter nacional de assistência social durante 1893. O caráter

nacional do dispositivo de assistência não impediu que o lugar de residência, a base

territorial, continuasse sendo o modo principal de aquisição dos benefícios sócio-

assistenciais. Foi com as leis de seguros sociais que o critério mudou para a hegemonia da

concepção de cotização e a pertença socioprofissional como substrato da proteção social,

em vez da residência.

O sistema francês de seguridade social esteve freqüentemente em oposição ao

desenvolvimento da assistência pública. Segundo Palier, a seguridade social construiu-se

por oposição à assistência social,52 pois os beneficiários previstos foram os trabalhadores,

mais que os cidadãos; a pobreza não constituiu a preocupação central desse sistema, os

esforços foram orientados ao trabalhador e à sua família.

Nesse cenário, as práticas sócio-assistenciais foram consideradas negativas e retrógradas,

sob um horizonte de futuro, em que o pleno emprego e a conseqüente afiliação às

proteções derivadas resolveriam os problemas das incertezas da existência. Para essa

explicação, a continuidade da assistência pública tornou-se impensável, pois a proteção

para os problemas derivados das vicissitudes da vida viria pela via do mundo do trabalho.

51 Bruno PALIER, Gouverner la sécurite social., 2005, cita de Didier RENARD, Une définition instituionnelle du lien social, 1988. 52 Bruno PALIER, Gouverner la sécurité social, Segunda Parte: A progressão histórica da proteção social em França, 2003.

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49

O Decreto n. 45-2258 de 4 de outubro de 1945 é considerado o texto que organiza o

sistema de seguridade social francês. Em sua Parte 1 assinala: É instituída uma

organização da seguridade social destinada a proteger os trabalhadores e suas famílias

contra os riscos de toda natureza susceptíveis de reduzir ou suprimir suas capacidades

econômicas, a cobrir as despesas de maternidade e as cargas associadas. 53

Pierre Laroque foi considerado o “pai fundador” da seguridade social francesa. Depois da

liberação da França, o ministro de Trabalho do governo provisório, Alexandre Parodi,

encomendou-lhe a elaboração do plano francês de seguridade social. 54 Laroque não

somente participou da elaboração das primeiras leis de seguros como formulou a principal

regulamentação que instaurou esse sistema de seguridade social entre os anos de 1945 e

1946, e algumas das institucionalizações contemporâneas.55

Segundo Palier (2003), ao contrário da sugestão contida no relatório Beveridge, as

reformas francesas de 1945 privilegiaram os trabalhadores mais do que os cidadãos. Os

fundamentos desse relatório assinalavam que o meio de garantir a universalidade da

proteção social seria assegurar um mínimo vital, mediante um sistema universal e único,

que garantisse os mesmos direitos sociais a todos os cidadãos, qualquer que fosse sua

situação profissional.

Em um sistema de seguridade social construído sobre o princípio da contribuição, o acesso

às prestações é baseado em contribuições. O sistema francês de proteção social de 1945 foi

arquitetado sobre as contribuições como componente do regime de base e, paralelamente,

sobre os conteúdos jurídico-constitucionais da República, que se ampararam no preâmbulo

da Constituição de 1946, a qual reconheceu o direito à proteção social para todos os

cidadãos. 56

53 Vide : www.legifrance.gouv.fr: Journel Officiel do dia 6 de outubro de 1945 ; Jean-Jacques DUPEROUX, Droit de la sécurité sociale, 1980; Bruno PALIER, Gouverner la sécurite sociale, 2005. 54 A França foi libertada pela ação dos Aliados, e da Resistência Francesa organizada em Londres pelo general Charles de Gaulle. Em 6 de junho de 1944, os Aliados desembarcaram na Normandia e avançaram em direção a Paris, que foi libertada em 25 de agosto. O governo provisório, presidido por De Gaulle, se instalou imediatamente. O período que posterior a esses acontecimentos é considerado como a Quarta República Francesa. Até 1947, a França foi governada por um Governo Provisório. Em desacordo com a maioria da primeira Assembléia Constituinte, o general De Gaulle pediu demissão em janeiro de 1946. Seguiu-se o estabelecimento da Quarta República, com Vincent Auriol como presidente. A Constituição de 1946, adotada por referendo, entrou em vigor em janeiro de 1947. 55 Pierre Laroque foi diretor-geral da Seguridade Social francesa entre 1944 e 1951. 56 Disponível em: www.legifrance.gouv.fr; www.elysee.fr.

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50

O preâmbulo da Constituição de 194657 definiu assim um direito positivo que se garantiria

por instituições precisas:

Apenas alcançada pelos povos livres a vitória sobre os regimes que pretenderem subjugar e degradar a

pessoa humana, o povo francês proclama, uma vez mais, que todo ser humano, sem distinção de raça,

de religião ou de crenças, possui direitos inalienáveis e sagrados. Reafirma solenemente os direitos e

liberdades do homem e do cidadão consagrados pela Declaração de Direitos de 1789, e os princípios

fundamentais reconhecidos pelas leis da República.

Proclama, como particularmente necessários para nossa época, os seguintes princípios políticos,

econômicos e sociais:

A lei garante à mulher, em todas as esferas, direitos iguais aos do homem.

Todo homem perseguido por causa das suas ações em favor da liberdade goza do direito de asilo nos

territórios da República.

Todos têm o dever de trabalhar e o direito de obter um emprego. Ninguém pode ser prejudicado em

seu trabalho ou em seu emprego por causa de suas origens, de suas opiniões ou de suas crenças.

Todo homem pode defender seus diretos e seus interesses mediante a ação sindical e aderir ao

sindicato da sua eleição.

O direito à greve exerce-se com arranjo às leis que o regulamentam.

Todo trabalhador participa, através dos seus delegados, da determinação coletiva das condições de

trabalho e gestão das empresas.

Todo bem e toda empresa cuja exploração possua ou adquira os caracteres de um serviço público

nacional ou de um monopólio de fato deve passar a ser propriedade da coletividade.

A Nação proporciona ao indivíduo e à família as condições necessárias para seu desenvolvimento.

Garante a todos, em especial às crianças, à mãe e aos trabalhadores idosos, a proteção da sua saúde, de

sua seguridade material, de seu descanso e de seu tempo livre. Todo ser humano que, em razão da sua

idade, de seu estado físico ou mental ou da situação econômica, encontre-se incapacitado para

trabalhar, tem direito a obter da coletividade meios de existência decorosos.

A Nação proclama a solidariedade e a igualdade de todos os franceses ante os gravames resultantes de

calamidades nacionais.

Alguns autores58 consideram que o modelo francês de proteção social instituído em 1945

definiu um objetivo de cobertura universal para toda a população - todo indivíduo tem

57Henri HATZFELD, Du paupérisme à la sécurité sociale : essai sur les origines de la sécurité sociale en Franc, 1850-1940, 1971, p. 27, citando o preâmbulo: “ A Nação garante a todos, particularmente às crianças, as mães e aos trabalhadores, a proteção da saúde, a seguridade material, o repouso e o lazer. Todo ser humano que, em razão da sua idade, se encontre sem capacidade de trabalhar, tem o direito a obter da coletividade os meios convenientes para sua existência”. 58 Jean-Jacques DUPEROUX, Droit de la sécurité sociale, 1980; Bruno PALIER, Gouverner la sécurité social: les réformes du systéme français de protection sociale depuis 1945, 2003; Michel BORGETTO, Robert LAFORE, Droit de l'aide et de l'action sociales, 2004; Amédée THÉVENET, L’aide sociale aujourd’hui: nouvelle étape pour la décentralisation, 2004.

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51

direito, por pertencer ao grupo social, de adquirir benefícios de cobertura -, próprio a uma

concepção beveridgiana. Mas, ao mesmo tempo, esse modelo conservou técnicas

bismarckianas de seguros, que se associaram essencialmente ao status salarial, se

assentaram na inserção no processo de trabalho e se ampliaram com os direitos derivados.

Sob uma lógica bismarckiana, o sistema de seguridade social, hipoteticamente, deveria ter

se estendido, e a assistência social tenderia a desaparecer progressivamente, na medida em

que se ampliassem as proteções. Mas, de fato, isso não aconteceu no caso francês.

Por um lado, multiplicaram-se os regimes autônomos de proteção provenientes de

profissionais não-assalariados que não se incorporaram ao regime geral de seguridade

social e que criaram suas próprias condições de proteção. Permaneceram integrados e

colaboraram na extensão da proteção social geral, mas não como parte de um sistema

único de seguridade social.

A assistência pública continuou incorporando as categorias que o sistema de seguridade

social, ou o regime autônomo, não tinha condição de incorporar, seja pela idade do

interessado ou pela condição física. A maioria dos autores que estudou a assistência

pública neste período – Amédée Thévenet, Borguetto e Lafore, Duperoux, Palier – afirma

que as despesas com assistência pública aumentaram, os processos de generalização da

seguridade social foram lentos, as despesas hospitalares cresceram e os seguros não

cobriam todos os gastos associados.

Ainda com a introdução da seguridade social como um dos componentes da proteção

social francesa, a assistência social manteve o papel que vinha sendo construído. Mas, ao

mesmo tempo, a institucionalização da seguridade social deu andamento a uma

complexidade crescente no conjunto do sistema que alcançou níveis de superposição e

interpenetração de lógicas diferenciadas.

Os princípios de fraternidade e de solidariedade foram os eixos constitutivos das principais

linhas dessa política e sustentaram um esquema que contemplava, naquele momento, três

tradições:

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52

• os dispositivos da assistência pública chamados “socorros públicos”, do tempo da

Revolução Francesa, que mobilizavam o Estado enquanto devedor de prestações e

eram orientados a todos aqueles que estavam impossibilitados de cuidar de si

mesmos;

• por outro lado, a previdência, que se apoiava nos princípios do mutualismo,

compreendendo a associação de diferentes grupos socioprofissionais, através dos

princípios da divisão dos riscos, ofereciam seguridade econômica aos assalariados

dessas categorias;

• por último, a seguridade social, longe de ser uma simples extensão da previdência,

concebeu, com as primeiras leis sociais, entre o fim do século XIX e o começo do

século XX, uma proteção social ampliada, em termos de direitos e obrigações, que

contribuiu para estabelecer o princípio da solidariedade na sociedade salarial.

Figura 1. As três lógicas do sistema francês de proteção social: assistência, previdência, seguridade social

Fonte : www.vie-publique.fr. (construção própria)

Assistência Social ou Lógica

Assistencial

Previdência

Social

Seguridade Social

Proteção Social

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53

1.4 A reforma jurídica de 1953: a assistência social

Um ponto de inflexão no desenvolvimento das leis de assistência pública na França foram

as reformas do ano de 1953, momento no qual as ações e as leis associadas à assistência

pública passaram a ser denominadas de “assistência social”.

Essas reformas pretendiam codificar todos os numerosos dispositivos legais e

regulamentares existentes, assim como simplificar os procedimentos. Essa mudança

implicou uma passagem no tratamento legislativo da noção “insuficiência de recursos”,

que fundamentava a maioria das legislações da área, para a noção jurídica de “privação de

recursos”, assim como reafirmou o princípio de obrigação da coletividade pública em

relação às pessoas em situação de necessidade.

Segundo Amédée Thévenet, o direito à assistência pública ficou bem delimitado na

Resolução do Conselho de Estado de 15 de fevereiro de 1909: “a assistência é dada em

virtude do direito da lei e não por uma decisão discricional de uma autoridade

administrativa”.59 De fato, do ponto de vista do reconhecimento do direito, a função das

autoridades administrativas seria apreciar se as condições legais estavam sendo cumpridas.

Trata-se de um direito que não é oponível ou não é atribuível por argumentos ligados à

indignidade do demandante, à sua falta de responsabilidade ou às suas condições de

residência. É um direito subordinado à entrada em uma das categorias definidas.

As reformas de 1953, com modificações, foram inseridas no Código de Ação Social e das

Famílias por lei de 3 de abril de 1958. Em sua relação com a seguridade social, o direito

de assistência social e da ação social foi se legitimando no sistema jurídico francês.

As mutualidades de previdência, longe de verem seu campo de ação reduzido,

desenvolveram-se e organizaram-se de maneira a introduzir o princípio de afiliação

obrigatória para propor aos diferentes grupos socioprofissionais uma melhora diferenciada

das prestações de seguridade social, somando uma proteção complementar facultativa que

significou um retorno – em alguma medida – à previsão individual.

59 Amédée THÉVENET, L’aide sociale aujourd’hui: nouvelle étape pour la décentralisation, 2004 , p. 36.

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54

O direito à assistência social não foi absorvido pelos regimes de seguridade social e os seus

direitos específicos exprimiram os limites do mesmo sistema de seguridade social. A

assistência social, nessa conformação, continuou sendo herdeira da lógica da assistência

pública, mas, longe de ser residual, manteve-se como um componente estrutural do sistema

de proteção social que, desde o nascimento até os formatos atuais de começo do século

XX, passou por um momento de extensão da sua cobertura e momentos de redução de seu

campo.60

A extensão do campo da assistência social, nos anos que se seguiram à reforma de 1953,

foi dada pela incorporação de categorias e benefícios: assistência social aos vagabundos

(1959), centros de abrigo e de reinserção social (1959-1974), alocação para aluguel (1961),

alocação para assistência em tarefas domésticas (1962), alocações militares (1964-1973).

Nesse percurso, as ações de assistência social adquiriram características específicas, entre

elas, o seu caráter subsidiário à constatação da existência de recursos, embora isso pareça

contraditório com relação às características dadas ao direito: as prestações são outorgadas

dependendo da constatação da falta de outro tipo de recursos.

A questão dos recursos é um dos aspectos discutido pelas comissões de assistência social.

Existem defasagens quando se tratam de pessoas idosas ou deficientes, internadas em

instituições, que possuem propriedades pessoais (casa própria), mas não recursos

financeiros para complementar o pagamento da sua internação. Nesses casos, as comissões

departamentais são as que decidem a respeito. A partir da descentralização político-

administrativa houve a conciliação desses critérios e alguns deles foram fixados pelos

conselhos gerais dos departamentos.

Outros dois aspectos foram conseqüência da reforma da assistência social ocorrida em

1953. Por um lado, a assistência social teve aumentada sua abrangência, com a

60 Vide : Jean-Jacques DUPEROUX, Droit de la sécurité soclal,1980; Bruno PALIER, Gouverner la sécurité social : les réformes du systéme français de protection sociale depuis 1945, 2003; Michel BORGETTO ; Robert LAFORE, Droit de l'aide et de l'action social, 2004; Lucie PAQUY; Patrice BOURDELAIS (dirs.), “Les systèmes européens de protection sociale : une mise en perspective, 2004.

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55

incorporação de novas necessidades. Por outro lado, foram envolvidas, nessa área,

ferramentas de organização administrativa e regulamentações que organizaram o esquema

departamental dos estabelecimentos e serviços médico-sociais. Na Figura 2, apresentamos

um esquema das prestações de assistência social ordenadas por categoria de usuários. Figura 2. Assistência social na França, em 2004, por categorias de usuários e por prestações

Fontes: Michel BORGETTO; Robert LAFORE, Droit de l'aide et de l'action sociales. 2004 : Amédée THEVENET, L’aide sociale aujourd´hui: nouvelle étape pour la décentralisation, 2004. (Construção própria)

Aide Social ou Assistência Social

Assistência Social à Infância

Assistência Social aos Adultos

Assistência Social às Pessoas Idosas

Assistência Social às Pessoas Deficientes

Assistência Social de Reinserção

Assistência em Domicílio em Forma de Prestações ou em

Dinheiro

Prestações de Acolhida

Alocação Personalizada de

Autonomia

Alocação de Adultos Deficientes

RMI Renda Mínima de Inserção,

atualmente, RMA

Assistência Médica

Alocação Suplementária por

Invalidez

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56 1.5 As discussões sobre a evolução dos Estados-Providência, o caso francês

A partir dos anos 1980, no contexto das reformas dos sistemas nacionais de proteção social

europeus, vem se desenvolvendo uma discussão sobre o desenvolvimento dos Estados de

Bem-Estar. Nesses debates, priorizaram-se os estudos sobre a emergência dos modelos de

bem-estar nos países industriais; a identificação de tipologias, variáveis explicativas; assim

como uma leitura que enfatiza a análise das trajetórias de desmantelamento parcial dos

mecanismos de proteção social e sua adaptabilidade relativa às mudanças econômico-

sociais e estruturais.

Vale destacar que boa parte da literatura francesa que estuda os sistemas de proteção social

refere-se ao Estado-Providência,61 no lugar de welfare state. François Ewald (1986)

assinala o nascimento do Estado-Providência a partir da legislação sobre acidentes de

trabalho, em 1898. Na concepção atual, o termo refere-se ao papel da intervenção estatal

como elemento regulador das situações de risco social e individual. Quando surgiu, o

conceito foi cunhado pelos liberais que criticavam a intervenção estatal e consideravam

esse modo de agir próprio da intervenção divina, segundo explica Pierre Rosanvallon.

Discute-se, na França, durante os últimos anos, um aspecto da classificação dada por

Esping-Andersen que esse país em uma forma conservadora-corporativa. Na tipologia de

Esping-Andersen, cada regime de proteção social percorre um objetivo diferente. O regime

liberal, associado aos países anglo-saxões, visa lutar contra a pobreza e o desemprego; o

regime social-democrata dos países escandinavos tem por objetivo garantir a igualdade, a

coesão e a homogeneidade dos grupos sociais, enquanto que o regime conservador-

corporativista visa manter a renda dos trabalhadores em caso de risco social. Para dar conta

do cumprimento desses objetivos, os países passaram a aplicar técnicas diferentes: na

concepção liberal, as prestações funcionam de acordo com a necessidade e submetem-se à

condição de recursos; na concepção social-democrata, os direitos sociais derivam da

situação de emprego e as prestações são proporcionais às rendas.

61 Vide : François EWALD, L'État providence, 1986 ; Michel BORGETTO, Robert LAFORE, Droit de l'aide et de l'action sociales, 2004; Pierre ROSANVALLON, La nueva cuestión social: repensar el Estado providencia, 1995; Bruno PALIER, Gouverner la sécurité social: les réformes du systéme français de protection sociale depuis 1945, 2003; Lucie PAQUY, Patrice, BOURDELAIS(dirs.) Les systèmes européens de protection sociale : une mise en perspective, 2004.

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As críticas francesas recentes em relação a essa tipologia centram-se em defender que a

construção de Esping-Andersen reforça só o modelo assegurador obrigatório e ignora o

modelo herdeiro da Revolução Francesa, que reconhece o direito dos pobres na sociedade,

assim como o papel do modelo republicano no desenvolvimento da assistência pública da

Terceira República. Essas argumentações defendem a análise das trajetórias do Estado e

dos sistemas de proteção social sob uma perspectiva dinâmica. Nesse contexto,

enquadram-se os trabalhos recentes de Bruno Palier, entre outros.62 Um esquema da

conformação atual que contempla esses argumentos é apresentado a seguir.

Quadro 2. Caracterização do sistema de proteção social francês em 2004 na perspectiva dos modelos clássicos de proteção social

Modelo bismarckiano Modelo beveridgiano Características dos modelos por natureza dos riscos

Perda de renda Princípio universalista

Objetivos Assegurar renda de substituição Assegurar mínimo vital

Condições de acesso às prestações

Pertença profissional e exercício profissional presente ou passado

Existência de necessidade

Tipo de prestação

Contributiva (para ter o direito é necessário cotizar)

Não contributiva

Contribuições Proporcionais à renda Uniforme

Financiamento

Contribuições Impostos para todos (mesmo para aqueles que não trabalham)

Natureza da redistribuição Horizontal (os que estão bem pagam pelos que estão mal)

Vertical (dos ricos em direção aos pobres)

Fonte: Discussão da disciplina Mondialisation et régulation sociale, 2005, Professora Chantal EUZEBY. (Construção própria)

Da análise do sistema contemporâneo de proteção social francês a partir do seu

funcionamento, destaca-se que:63

62 Vide: Michel BORGETTO, Robert LAFORE, Droit de l'aide et de l'action sociales, 2004; Lucie PAQUY ; Patrice BOURDELAIS (dirs.), Les systèmes européens de protection social: une mise en perspective, 2004; Bruno PALIER,Gouverner la sécurité social : les réformes du systéme français de protection sociale depuis 1945, 2003. 63 Cf. Chantal.EUZEBY, Discussão da disciplina Mondialisation et régulation sociale, 2005.

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• É categorial. A proteção social foi se construindo por profissões e pouco a pouco se

unificou em nome da universalidade. O sistema prevê a individualização das

categorias de beneficiários, demandando de cada indivíduo a pertença a certo

grupo.

• É centralizado e unificado. Na tradição francesa, os riscos foram e são definidos

em nível nacional, do mesmo modo que as categorias e as modalidades de

intervenção. A descentralização político-administrativa não mudou essa lógica.

Mudou-se a forma de intervir, a partir da transferência das intervenções locais, mas

manteve-se a definição dos riscos, que continua sendo elaborada pelo aspecto

nacional. Um exemplo recente é a Renda Mínima de Inserção (RMI). Amédée

Thévenet (2004) refere-se ao sistema francês como um mix entre desconcentração e

descentralização. Por um lado, o sistema é desconcentrado, porque o Estado

continua “proprietário” do poder, mas exerce esse poder localmente, por meio de

seus representantes. A descentralização do Estado transferiu apenas algumas de

suas competências para as comunidades locais.

• Apóia-se no princípio da justiça comutativa: cada um recebe segundo seu aporte.

Essas três tradições, longe de ser uma simples coabitação com a organização de relatórios

mútuos, tenderam a se sobrepor e constituíram uma arquitetura complexa; em alguns casos,

com escassas diferenças, como demonstra a relação entre a ação social e a assistência

social.

1.6 A lógica da ação social em diálogo com a lógica da assistência social

No início deste capítulo, foi assinalado que a assistência social vem sendo regulada pelo

Código de Ação Social e das Famílias. Com a mudança de conceitos operada pela

Revolução Francesa, a assistência social estabeleceu-se sobre princípios próprios, os quais

contribuíram para distinguí-la da ação social.

A característica fundamental da assistência social está em sua sua articulação como um

direito sem contrapartida do beneficiário e no estabelecimento da obrigação, por parte das

coletividades públicas, da regulação estatal que lhe corresponde.

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A ação social repousa sobre a idéia da livre iniciativa dos seus promotores, sejam eles

públicos ou privados, e compreendeu e compreende um conjunto de intervenções

implementadas por atores que buscam remediar as carências ou a falta da assistência social

por meio de uma forma que propõe extensões ou melhoras.

A ação social construiu-se em vários tipos de intervenção. Por um lado, essas intervenções

são herdeiras das mais antigas formas de intervenção social – como a caridade e a

filantropia. Por outro lado, adquiriu um formato inovador, quando se orientou a categorias

que não eram atingidas, em todas as suas dimensões, pelos dispositivos do direito como

uma estratégia de complemento e coordenação a formas de proteção ainda não legisladas

ou instituídas. A ação social, por exemplo, pode orientar suas ações a pessoas idosas,

pessoas sem domicílio, a crianças com problemas de adaptação, como complemento de

prestações obrigatórias; ao financiamento de ações novas e/ou comprometimento com

ações coletivas, como ajuda aos imigrantes, ação social direcionada às pessoas idosas, aos

jovens sem moradia. As intervenções da ação social supõem o acompanhamento

individualizado das pessoas, com o intuito de atenuar ou testemunhar o efeito pontual da

simples prestação.

A ação social, por sua vez, não contou, durante muito tempo, com uma definição legal ou

regulamentada. A expressão apareceu mais e mais freqüentemente nos textos, mas algumas

vezes com um sentido parecido ou aproximado com o da assistência social.64 Autores

especialistas no campo do direito e da assistência social, na França, como é o caso do

Amédée Thévenet,65 assinalam que se trata de uma noção empírica, que atinge diversas

ações: ajudas financeiras temporárias ou, algumas vezes, regulares, para moradia, ações de

socorro e de conselho, serviço em domicílio.

Essa concepção foi produto da extensão e do aumento da incorporação de demandas das

diferentes esferas estatais na implementação de políticas e programas orientados de grupos

específicos, em alguns casos, beneficiários da assistência social. Portanto, diversas ações

foram direcionadas às pessoas com deficiência e aos equipamentos necessários ao seu

64 Cf. Michel BORGETTO, Robert LAFORE, Droit de l'aide et de l'action sociales, 2004, p. 73. Como exemplo, os autores colocam que o antigo Bureau d´Aide Sociale (BAS), foi rebatizado como Centre Communal d´Action Sociale (CCAS), sem que se note uma evolução significativa de suas missões. 65 Amédée THÉVENET, L’aide sociale aujourd’hui, 2004, p. 34-35.

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bem-estar. A ação social foi se definindo em matéria de emprego, de formação, de

moradia, de acesso aos cuidados daqueles que apresentaram necessidades.

A assistência social repousa sempre sobre as coletividades públicas, mesmo se no processo

de intervenção associa-se a diferentes atores, incluindo os privados. A ação social está

associada a várias instituições, pode ser desenvolvida pelo Estado, pelas coletividades

locais, pelos estabelecimentos públicos, os organismos de seguridade social e pelas pessoas

privadas.

Da perspectiva funcional, a ação social envolve as intervenções que abandonam a lógica de

prestação individual e agem sobre o conjunto da vida social de uma população, como, por

exemplo, na escola de um bairro, na política de equipamentos coletivos, nos clubes e com

as equipes de prevenção ou a sua extensão a um desenvolvimento programado de bairros.

Compreende um conjunto diversificado de intervenções e prestações, cujo caráter

dominante é aquele pelo qual é possível distinguí-la da assistência social: o caráter

discricionário, sem condições. Também denota uma intervenção não estabelecida sobre um

direito nem subjetivo nem subsidiário.

Constrói-se com o objetivo de complementar, coordenar e ampliar os dispositivos legais da

assistência social e da seguridade social, a partir das iniciativas das coletividades locais, do

Estado, dos organismos de seguridade social ou das instituições privadas.

Em síntese, a ação social foi se distinguindo das formas tradicionais complementares e das

ações de assistência social em face das situações de urgência, assim como das ações que

supõem uma interação com os diferentes setores das políticas sociais, das políticas de

territórios ou de desenvolvimento urbano. Em 2004, a ação social exprimiu-se nas ações de

inserção nos territórios, que passaram a ter algum tipo de influência na economia, como foi

o caso das políticas de inserção profissional e de moradia.

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61

1.7 A abordagem organizacional e funcional da assistência social e da ação social

Assim como as demais políticas públicas, aquelas que se referem à assistência social e à

ação social construíram-se sobre um conjunto de instituições que definiram as suas

principais orientações, asseguraram seu acionamento e controlaram o seu funcionamento.

Para dar conta desse conjunto de especificidades para a política de assistência social e ação

social na proteção social francesa, foram privilegiadas duas aproximações: a

organizacional e a funcional. A abordagem organizacional visa identificar as diversas

instâncias que estruturam e gerenciam essas políticas assim como os profissionais

específicos que apareceram para aplicá-las ou executá-las. A abordagem funcional visa

analisar como é que se assume a missão e a regulação do conjunto; quais são as

responsabilidades atribuídas aos diversos intervenientes e os meios e recursos de que

dispõem os interessados, em particular os usuários do serviço público, para defender e

fazer valer seus direitos.

O processo de descentralização da assistência social e da ação social foi deflagrado pela lei

de 2 de março de 1982 e teve como finalidade organizar a descentralização e prever

competência em todas as regiões. Foi complementado pelas leis do dia 7 de janeiro de

1983 e do dia 22 de julho de 1983, que detalharam as competências entre a Direção

Departamental de Assuntos Sanitários e Social (DDASS) - de representação governamental

- e o Conselho Geral do Departamento. A DDASS tem como atribuição gerir o

financiamento da seguridade social, da higiene e do RMI.

A partir de 1984, cada departamento viu-se obrigado a criar uma DDASS associada ao

Ministério da Saúde Pública. Esse serviço reagrupou, sob o poder do prefeito

departamental, diversos serviços anteriormente independentes, como: saúde, assistência

social, proteção à infância, higiene pública e profilaxia. A DDASS constitui-se em uma

instância de execução da prefeitura, portanto, de representação governamental.

O diretor do departamento é responsável pela implantação das políticas sociais e pelas

ações de assistência social na região, e se guia pelos seguintes objetivos:

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62

• implantação das políticas de integração, de inserção, de solidariedade e de

desenvolvimento social;

• desenvolvimento de ações de promoção e de prevenção da saúde pública, bem

como a luta contra as epidemias e endemias;

• exercer a proteção sanitária e do meio ambiente e realizar o controle das regras da

higiene;

• finalizar e controlar os estabelecimentos sanitários, médico-sociais e sociais.

Os diretores da DDASS e da Direção Regional de Assuntos Sanitários e Sociais (DRASS)

são chamados para opinar sobre os efeitos em matéria sanitária e social das propostas dos

serviços estatais na área do departamento, sobre o arranjo do território, urbanismo,

moradia, transporte e educação.66

No quadro, pode se apreciar os componentes principais da organização político-

administrativa e a articulação da assistência social nesse domínio.

Quadro 3. Organização político-administrativa da assistência social na França em 2004

Poder Político Coletividades Deliberante

Executivo

Estrutura Administrativa Sanitária e Social

Estado

Parlamento

Presidente da República Governo

Ministério a cargo dos Assuntos Sociais

Região

Conselho Regional

Líder do Conselho Regional Governador

Líder do governo regional (Préfet) Direção Regional de Assuntos Sanitários e Sociais (Drass)

Departamento

Conselho Geral Líder do Conselho Geral

Líder do governo departamental (Préfet) Direção Departamental de Assuntos Sanitários e Sociais (DDASS)

Comuna

Conselho Municipal

Prefeito Centro Comunal de Ação Social (CCAS) e Centros Intercomunais de Ação Social (Cias)

Fonte: Disponível em : www.vie-publique.fr ; Amédée, THEVENET, L’aide sociale aujourd´hui, 2004. 66 Amédée THÉVENET, L´aide sociale aujourd´hui : nouvelle étape pour la décentralisation, 2004.Os departamentos, na França, são equivalentes aos Estados no caso brasileiro e as Províncias no caso argentino.

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63

1.8 A inserção em debate: os mínimos sociais em face das novas propostas de intervenção

O que se conhece com o nome de mínimos sociais conforma um conjunto de oito

prestações não contributivas, que complementam o direito comum e cujo objetivo é

fornecer o que se considera um mínimo de recursos em dinheiro às pessoas que são

consideradas insuficientemente cobertas pelo sistema de proteção social francês.

Os mínimos sociais adquirem importância quando pensados em relação ao direito à

assistência social. Esses mínimos são considerados essenciais para a prossecução dos testes

de recursos necessários para acesso às prestações da assistência social. Em segundo lugar,

a RMI surgiu como um mínimo, mas, em sua institucionalização entrosou-se num conjunto

de requerimentos que, por um lado, pertenciam à lógica da assistência social e, por outro,

passaram a compor um novo conjunto de demandas postas pelas políticas de inserção e

ativação do trabalho.

Os mínimos mais antigos coincidem com o momento da generalização da proteção social,

na década de 1960. Naquele momento, foram denominados “prestações não contributivas

da seguridade social”. Posteriormente, foi criado outro conjunto de prestações da

seguridade social que abrangiam um outro conjunto de garantias mínimas de recursos. Por

último, surgiram os mínimos, que são frutos das políticas dos anos de 1980 e ancorados

nas políticas de luta contra os efeitos do desemprego de massa. As transferências deles vão

se constituir em “prestações de subsistência” para os excluídos do trabalho e da proteção

social do direito comum. A RMI somou-se a esse conjunto de dispositivos de transferência

de recursos que foram pouco a pouco instituídos e dirigidos a esses grupos.

Os oito mínimos sociais vigentes em 2004 foram:

• Mínimo Velhice;

• Alocação para Adultos Deficientes;

• Alocação de Parente Só com Crianças aos seus Cuidados;

• Alocação Suplementária de Invalidez;

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• Alocação de Solidariedade Específica (caso geral do desempregado de idade avançada);

• Alocação de Inserção;

• Renda Mínima de Inserção (RMI).

O mais antigo deses benefícios é o Mínimo Velhice (mininum viellesse) criado em 1941 e

várias vezes reformado. Em 2004, passou a ser financiado pelo Fundo de Solidariedade à

Velhice. As pessoas com deficiência, a partir da lei de 30 de junho de 1975, puderam se

beneficiar com a Alocação para Adultos Deficientes (Allocation Adulte Handicapé -

AAH).

Os grupos familiares sob a responsabilidade de uma pessoa só, com crianças, sem renda ou

com renda em patamar ou piso menor que o salário mínimo foram beneficiadas com outro

mínimo denominado Alocação Monoparental, (Allocation Parente Isole - API).

A alocação de auxílio por invalidez orientou-se para que os segurados sem condição de

trabalhar percebessem uma prestação considerada como um mínimo de sobrevivência.

A prestação de auxílio à viúva ou viúvo de um segurado social com crianças sob sua

responsabilidade teve como objetivo garantir também um mínimo de recursos e, embora

tenha sido suprimida desde 2003 e integrada aos sistemas de pensões, tem continuidade

para aqueles que já contavam com o beneficio. Elas são consideradas como duplas das

prestações não contributivas para os beneficiários, como a AAH e a API. Sua legitimidade

funda-se sobre a aposentadoria de uma atividade profissional, seja por invalidez ou por

necessidade de cuidados familiares.

Os anos 1980 foram cenário de outra lógica, em relação aos mínimos sociais. Em sua

concepção de base, o mínimo social orientava-se a atingir as pessoas sem renda direta ou

indireta, excluídas da atividade profissional por deficiência, por idade ou por terem

crianças aos seus cuidados.

A RMI repousou sobre uma lógica muito mais aberta, em relação aos requisitos exigidos

para ter acesso a esse dispositivo. Em primeiro lugar, contemplou a insuficiência de

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65

recursos, mas também orientou-se às pessoas ativas e com capacidade de trabalhar. Essa

característica própria da RMI impôs o debate com a opinião pública francesa sobre os

limites e as possibilidades dessa forma de intervenção, pois ligava uma prestação

monetária a um dispositivo de inserção. Nesse movimento, que compreende a prestação

monetária associada à inserção, estabeleceu-se um novo quadro jurídico global,

configurado pelo “direito à inserção”, que recriou os marcos legais da política social

francesa.

A dupla de conceitos exclusão-inserção foi, pouco a pouco, se impondo, nas intervenções

sociais do fim do século XX, em substituição de outras denominações, como “indigentes”,

“inadaptados”, “deficientes sociais”. Essa evolução não foi fortuita, pois exprimiu as

mudanças e inflexões dos problemas a serem enfrentados em um novo contexto de ameaça

de perda do emprego e de aumento das correntes imigratórias que chegaram ao território

francês.

O conceito de estar inserido ou incluído, longe de nomear uma carência ou um desvio em

relação à normalidade, como expressou em outros momentos o termo “inadaptação”, ou

estabelecer relações entre um déficit individual, em face das normas de socialização, como

indicava o sentido de “deficiente”, entrosou-se nas discussões sobre os limites e

possibilidades dos problemas sociais ligados ao desemprego de massa e a falta da filiação

ao mundo do trabalho.

A noção de inserção, surgida na década de 1980, alavancou-se na definição das políticas

urbanas orientadas ao desenvolvimento social nos bairros suburbanos parisienses, e,

particularmente, nas formulações sobre a luta contra a delinqüência juvenil e os

condicionantes que envolvem o acesso ao emprego pelos jovens. Finalmente, com a

formulação da RMI, construiu-se um arcabouço jurídico que envolveu um conjunto de

problemas, os quais, até esse momento, tinham sido considerados isoladamente. A RMI

definiu-se sobre a plataforma da inserção e passou a incluir uma categoria de beneficiários,

considerados como numerosos e diversificados em várias áreas das políticas sociais, mas

ponderados isoladamente em termos de intervenção.

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66

Segundo Borgetto e Lafore,67 a inclusão do termo inserção trouxe mudanças na concepção

das políticas sociais que afetaram três níveis:

a) A noção clássica de direito social.

A noção de direito social clássica, fundada na necessidade de estabelecer critérios

objetivos no que tange às respostas aos problemas sociais, reenvia essas respostas a um

conjunto de prestações segundo a sua incumbência. Aquelas orientadas diretamente à

“cobertura de” – no direito francês – definem-se como necessidades de subsistência e

correspondem à forma de proteção dada pela assistência social; quando são prestações

orientadas a dar cobertura a um risco social ou individual, a proteção legitimada

corresponde ao campo da seguridade social.

Essas prestações estão inseridas em lógicas estatutárias que articulam o direito à definição

de regulamentos que organizam o seu acesso. As definições desses direitos sociais estão

em consonância com as concepções solidárias do direito, nas quais as pessoas são

enquadradas a partir de grupos de pertença: trabalhadores, pessoas com deficiências,

pessoas idosas, cujos direitos e obrigações são negociados por meio de amplas negociações

coletivas.

Em face da relativa erosão dessas formas de pertença e a partir das mudanças no mundo do

trabalho, assim como nas formas de organização social privada e pública, do ponto de vista

do direito, ressurgiu do reconhecimento do indivíduo como sujeito de direitos, assim como

dos relatórios e textos fundadores da ordem política e social moderna.

Daí a redescoberta de importantes textos da ordem política e social, como as declarações

internacionais e nacionais dos direitos individuais e a vontade de colocá-los como escritos

que ordenam e regulam a vida social. Nesse raciocínio, o modelo jurídico da inserção se

apoiou na invocação dos “direitos fundamentais” - direito à saúde, moradia, etc. -; na luta

social e política, por meio dos movimentos sociais que defendem o direito dos imigrantes

ao acesso às prestações de inserção e o direito à saúde; do direito positivo, pois

apresentam-se como referências para a elaboração das políticas públicas; e o controle da

67Michel BORGETTO, Robert LAFORE, Droit de l'aide et de l'action sociales, 2004.

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67

constitucionalidade das leis e dos textos legislativos como princípios orientadores da ação

pública.

b) A inserção tornou-se num objetivo amplo para as políticas sociais e as intervenções

sociais.

O reconhecimento da necessidade de inserção que envolvesse intervenções promoveu uma

configuração das políticas sociais associada a objetivos amplos que visam instituir cada

pessoa como ator na sociedade; assim concebida, a ação pública orienta-se para

intervenções individualizadas e ordenadas em um projeto, no qual o beneficiário da

política de inserção desempenha um papel central. O contrato que expressa essa relação de

inserção tem o papel de suporte dessa ação. Assim, o modelo baseado na solidariedade da

proteção fundado sobre pertença a um coletivo é penetrado por uma abordagem que

reforça a autonomia dos indivíduos. 68

c) Transversalidade e territorialidade da ação pública.

Nas estruturas de ação pública, a inserção supõe uma transversalidade e uma

territorialidade da ação que rompem com as lógicas tradicionais anteriores, sejam elas

centrais e/ou setoriais. A perspectiva da inserção prevê construir intervenções que sejam

adaptadas, por um lado, às realidades sociais em que essas intervenções inscrevem-se, e,

por outro lado, à especificidade dos indivíduos e grupos beneficiários. As ações de

inserção desenvolveram-se em consonância com as temáticas dos associados à inserção:

organizações não-governamentais (ONGs), empresas privadas, outros organismos

públicos, do território e do projeto, que constituem, em si mesmos e nas mesmas

proporções, problemas complexos para a administração pública, e os atores privados que

intervêm na implementação dessa nova modalidade de acesso à política social.

Segundo Borgetto e Lafore (2004), a incorporação da inserção como eixo das políticas

sociais francesas assinala a passagem para um modelo no qual a ação social, entendida

como uma lógica de intervenção global, coerente e adaptada aos beneficiários, impôs e

instrumentalizou diversos dispositivos de prestações que antes estavam diversamente

articulados e respondiam a fins próprios (prestações da assistência social e da seguridade

social). A administração pública organizada em torno de objetivos especializados – a

inserção – precisou refazer-se e dar lugar a um “Estado Animador” (Etat Animateur) que 68 Cf. Michel BORGETTO, Robert LAFORE, Droit de l'aide et de l'action sociales, 2004, p. 517.

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68

enfrentou a necessidade de mobilizar uma pluralidade de atores e reinstituir dinâmicas

individuais e coletivas.69

A política de inserção, desde a década de 1980, pode ser considerada uma das políticas

transversais da área da assistência social. Essa política articulou-se em torno de três eixos:

emprego, abrigo-moradia e igualdade de chances. Um conjunto de dispositivos foi

acionado em sua implementação: acompanhamento de pessoas demandantes de emprego,

inserção social e profissional de jovens, desenvolvimento de oferta de alojamentos sociais,

dispositivos de acolhida, alojamento de inserção, acesso aos direitos de saúde e educação.

Figura 3. Políticas transversais a assistência social na França em 2004

Fontes: Amédée THEVENET, L’aide sociale aujourd´hui: nouvelle étape pour la décentralisation, 2004. Michel BORGETTO, Robert LAFORE, Droit de l'aide et de l'action sociales, 2004. (Construção própria)

O dispositivo de acolhida, moradia e inserção foi definido como de caráter nacional e seu

objetivo geral foi dar uma resposta que priorizasse aqueles grupos considerados mais

vulneráveis: famílias com filhos, mulheres vítimas de violência, pessoas com a saúde

69 Michel BORGETTO; Robert LAFORE, Droit de l'aide et de l'action sociales, 2004, p. 518 .

Política de acesso a moradia

Política de acesso ao direito

e à justiça

Política de acesso aos cuidados

Política de luta contra a exclusão social

Assistência Social

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69

fragilizada e pessoas que moram na rua. O dispositivo é reforçado no inverno e se baseia

em duas ações: acolhida - alojamento de urgência e alojamento - inserção.

Quadro 4. Atividades dos serviços de acolhida

Acolhida e Abrigo de Urgência *

Serviço de acolhida

telefônica para

abrigo de urgência

(Serviço de Urgências)

Samu social e equipe

móvel

Centros de Abrigo

alojamento de

urgência

Lugares de acolhida

durante o dia

Serviço telefônico de

caráter nacional cuja

função é responder às

demandas de

situações de urgência

e encaminhá-las ao

serviço

departamental. Se a

pessoa não deseja

identificar-se, a

ligação pode ser

anônima. O serviço

disponibiliza

informação

atualizada sobre as

possibilidades de

alojamento.

São equipes com

mobilidade, que operam

na rua e têm como função

principal estabelecer o

primeiro contato com a

pessoa. As equipes podem

conduzí-la até um abrigo

de urgência ou um lugar

de acolhida durante o dia

ou à noite; e, em caso de

apresentar problemas

associados de saúde, a um

setor de urgência

hospitalar. Em caso de

negativa da pessoa em ser

conduzida aos abrigos do

Samu, os profissionais

intervenientes podem

oferecer a opção de

assistência na rua.

Têm como função

acolher a pessoa sem

domicílio fixo durante

um curto período de

tempo. A partir da

avaliação

diagnosticada, a pessoa

é orientada a escolher

uma estrutura de

inserção que se adapte

às necessidades dela.

Acolhem pessoas sem

domicílio fixo. São de

pequeno porte e possuem

espaços nos quais a

pessoa pode dispor de

serviços: ducha, café,

lavanderia e, em alguns

casos, refeições. Nesses

locais, a pessoa pode

manter contato com

trabalhadores sociais ou

voluntários para se

informar e ser orientada

em seus direitos assim

como em relação à oferta

de estrutura disponível

para o enfrentamento da

situação dela.

* Abrigo ou alojamento suplementar durante o inverno

Fontes: Haut comité pour le logement des personnes défavorisées: L´hébergement d´urgence: un devoir d´assistance à personne en danger ,2004. Disponível em: www.social.gouv.fr. (Construção própria)

Esse dispositivo é reforçado durante o inverno e está orientado especialmente para as pessoas que

moram na rua. Compreende três níveis:

Nível 1: Mobilização invernal, ativada entre os dias 1º de novembro e 31 março e pode ser

estendida além desse período, se as condições climáticas o requererem.

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70Nível 2: Muito frio. É ativado quando as temperaturas chegam a -5º e a -10º, durante a noite. A

capacidade de acolhida suplementar deve ser prevista em cada departamento e informada por meio

do telefone 115. Os centros, de dia, são abertos igualmente e orientados às pessoas que resistem a ir

para um abrigo.

Nível 3: Frio extremo. Corresponde a temperaturas excepcionalmente baixas, inferiores a -10º , e

identifica com antecedência lugares que permitam abrigar grande quantidade de pessoas.

Segundo o Ministere de l´Emploi de la Cohésion Sociale et du Logement, estavam

disponíveis, no conjunto do território francês, em 2005: 60 Samus sociais, a metade deles

podendo intervir ao longo do ano; 18.800 lugares nos centros de alojamento – abrigo de

urgência, durante todo o ano, e 270 centros de acolhida durante o dia. 70

A finalidade desse dispositivo é orientar as pessoas que estão saindo da urgência a

encontrar os meios de se integrar no mundo do trabalho, da moradia e na vida social. Nesse

período, dispõem de alojamentos temporários (intermediários entre o alojamento de

urgência e o alojamento autônomo) e prestações que acompanham o processo de

reinserção. Depois da acolhida e do abrigo, cada pessoa é acompanhada no que se

denomina um percurso de inserção, definido em função das necessidades individuais.

70 Disponível em: www.social.gouv.fr

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71Quadro 5. Modalidades de abrigo e formas associadas de inserção em 2004

Modalidades de Abrigo

Centros de Abrigo e de Reinserção Social

Casas de Residência Transitória Residências Sociais

A primeira missão desses centros é fornecer acolhida em situações de emergência. Essa missão vai desde o asilo por uma noite até por duração mais longa. Assim como as prestações de inserção:

• acolhida, escuta, informação e orientação;

• organização de um seguimento social de longa duração;

• ações que permitam o acesso a uma moradia autônoma;

• ações concernentes à formação profissional e o emprego.

São estruturas pequenas, de 10 a 30 lugares, que acolhem pessoas em situação de grande exclusão, sem possibilidade de viver de forma autônoma: pessoas isoladas, que moraram na rua ou com múltiplas passagens pelos Centros de Abrigo e de Reinserção Social (CHRS). Uma das missões é criar ou recriar um vínculo social. A coordenadoria da casa tem papel fundamental na dinâmica da organização de acolhida. Há limite de tempo de permanência, porém estabelece-se um acordo com as pessoas sobre o percurso e o tempo de permanência.

São estruturas formadas por aproximadamente 30 apartamentos, que permitem às pessoas isoladas ou aos grupos familiares disporem de um local de moradia temporária antes de acederem a uma moradia autônoma. Além da possibilidade de acolhida e de permanência, podem contar com o apoio personalizado para algumas despesas.

Abrigo e Inserção

Prestações de estabilização Prestações de orientação Prestações de acesso à vida autônoma

Orientam o acesso aos direitos e o restabelececimento dos vínculos familiares, assim como o desenvolvevimento da auto-estima e re-dinamização das pessoas.

Definem e procuram nos melhores prazos, um dispositivo de “acolhida, alojamento e inserção” para as pessoas demandantes.

Designam todas as prestações que permitam às pessoas retomarem sua autonomia no quadro de um projeto individualizado, com ações orientadas à saúde, à cultura e à vida social, como, por exemplo, ações ligadas à alimentação, esportivas, de acesso à informação.

Fonte: Amédée THÉVENET, L’aide sociale aujourd´hui: nouvelle étape pour la décentralisation, 2004 ; Haut comité pour le logement des personnes défavorisées : L´hébergement d´urgence : un devoir d´assistance à personne en danger, 2004. Disponível em :www.social.gouv.fr. Dossiers thématiques. (Construção própria)

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72

1.9 A Renda Mínima de Inserção e a assistência social: entre a proteção e a inserção

A Renda Mínima de Inserção (RMI) 71 foi instituída pela lei de 1º de dezembro de 1988, no

contexto do que se denominou o ressurgimento das discussões sobre a pobreza e o que,

nesse momento, se denominou “nova pobreza” ligada à temática da exclusão. Para alguns

autores, a explicação dessa categoria aparece associada à recomposição tecnológica e ao

desenvolvimento do desemprego de massa. Essa prestação foi se desenvolvendo na tensão

proteção-reinserção, pois, ao mesmo tempo em que visa inserir os beneficiários pela via de

programas de âmbitos social e profissional, procura manter a sua proteção e integração na

sociedade pela via de uma renda.

As formas de implementação da RMI foram objeto de importantes debates, na França, pelo

seu caráter complexo, dado pela articulação de direitos de proteção social e obrigações

associadas ao mundo do trabalho, tal como esse aspecto foi trabalhado neste capítulo em

pontos precedentes.

Quadro 6. Conformação do sistema francês de proteção social, por tipos de regimes, em 2004

Seguridade Social Regimes Complementares

Unedic * Assistência Social

Fornece cobertura de riscos por “doença, invalidez, morte”, “acidentes de trabalho, doenças profissionais”, “ velhice” e “ família” que correspondem cada um a uma faixa. É composta por diferentes regimes, segundo o tipo de atividade profissional: - regime geral: comum. É isso que conduz a situar a RMI em concerne à maior parte dos assalariados, estudantes, beneficiários de certas prestações e residentes; - regime especial: oferece cobertura aos assalariados que não fazem parte do regime geral (funcionários, agentes da SNCF, d´EDF-GDF) **; - regime dos não-assalariados não-agrícolas: dá cobertura separadamente aos artesãos, comerciantes ou industriais, profissionais liberais, para o seguro-velhice, risco “enfermidade” e é objeto da gestão comunal; - regime agrícola: abrange os salários agrícolas. É o único regime de seguridade social que não depende do Ministério do Trabalho e da Solidariedade. Depende do Ministério de Agricultura.

Podem fornecer cobertura suplementária de riscos que são tomados a cargo da seguridade social. Alguns são obrigatórios: regimes complementares de aposentadoria de assalariados do setor privado e outros facultativos (mutualidades de saúde, instituições de previdência).

Gera o regime seguro-desemprego.

É tarefa do Estado e dos departamentos em termos de aporte aos que apresentam necessidades.

*Union National pour l´emploi dans l´industrie et le commerce. **Système National de Chemins de Fer. Fonte: www.vie-publique.fr (Construção própria)

71 RMI (Revenu Minimun d´Insertion)

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73

A lei definiu uma articulação inédita: por um lado, afirmou a RMI como um direito para

toda pessoa sem recursos suficientes, mas, por outro lado, afirmou a inserção profissional

dos beneficiários como um imperativo nacional e que os poderes públicos devem organizar

e fornecer diversos meios para isso, assim como constitui-se uma obrigação para o

beneficiário se comprometer a participar das atividades e ações definidas com ele, com o

objetivo de inserí-lo no mundo do trabalho.

A Renda Mínima de Inserção apresenta-se como um direito finalizado, quando é

considerada como uma dívida da coletividade, na forma do próprio beneficio RMI e de

oferta de serviços de inserção, mas exige, ao mesmo tempo, do beneficiário, o

compromisso de participar de uma dinâmica de integração e qualificação profissional para

reencontrar seu lugar na sociedade.

Portanto, a RMI exprime-se como uma “cesta de direitos”, pois a lei de luta contra as

exclusões o colocou como um dos elementos de um dispositivo global contra a pobreza e

toda forma de exclusão, especialmente nos domínios do emprego, da educação, da

formação, da saúde, da moradia. A lei deu espaço para anexar um conjunto de direitos

associados à vontade de extrair os beneficiários do RMI de sua situação de exclusão a

outro conjunto de direitos coligados: os beneficiários da RMI são automaticamente

assegurados, a partir da lei do dia 27 de julho de 1999, à proteção universal para doentes

(couverture maladie universelle) - que se estende a todos os membros do grupo familiar - e

à alocação de moradia social.

O direito à RMI pareceria quase universal, em relação a outras prestações especializadas,

ou por categorias, tais como a Alocação de Adulto Deficiente ou a Alocação

Monoparental. O artigo 2 da Lei 88-1088 de 1º de dezembro de 1988 indica que “toda

pessoa residente na França cujos recursos não atinjam o montante do RMI tem direito ao

RMI”.72 Portanto, assim expressado, é um direito que tem validade em todo o território

francês e em outros departamentos das colônias francesas.

No campo individual, a RMI atinge várias categorias: ex-assalariados, artesãos, etc. Em

princípio, a alocação não apresenta restrições e sua universalidade pode ser interpretada

72Michel BORGETTO, Robert LAFORE, Droit de l'aide et de l'action sociales, 2004, p. 476.

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74

seguindo o argumento de que se trata de uma prestação não relacionada a uma necessidade

determinada e cujo objetivo é fornecer um recurso básico aos indivíduos ou às famílias

potencialmente beneficiárias. Embora assim expressado, é possível assinalar que há

exceções:

• Os beneficiários devem ter 25 anos, mas essa condição pode ser alterada, no caso

de terem menos que essa idade e serem responsáveis por crianças. Nessa situação, a

idade para acessar o RMI é fixada em 18 anos. Para amenizar os impedimentos ao

acesso de jovens na faixa de 18 a 25 anos, instituiu-se um fundo de ajuda aos que

estiverem em dificuldades, que é coordenado e financiado por departamento e

coordenado por um comitê local, e implementado com ajudas financeiras diretas

durante um tempo determinado que permita a inserção dos beneficiários. Esses

auxílios são subsidiários a outros dispositivos relacionados aos jovens;73

• A segunda exceção concerne aos estrangeiros, pois devem residir em França de

forma regular, isto é, dispor de título de estada (titre de sejour) e residir ao menos

há três anos, mas essa última condição está parcialmente descartada em virtude de

convenções internacionais subscritas pela França;

• No mesmo sentido, as pessoas que têm a qualidade de aluno, estudante ou

estagiário, não podem se beneficiar da RMI, salvo se a condição estiver ligada a

uma atividade de inserção relacionada ao quadro da RMI;

• O benefício é unicamente ligado a recursos objetivamente definidos, que devem ser

menores do que certo piso definido por decreto. A diferença entre a RMI e as

ajudas sociais legais, próprias do universo da assistência social, não está

condicionada por um estado de necessidade; é somente a situação econômica

objetiva o critério considerado.

Segundo Borgetto, a RMI fica na esfera do modelo assistencial. Os debates parlamentares

demonstraram que o RMI não deve desorganizar o mercado de trabalho, os dispositivos de

formação para o emprego e nem perturbar os mecanismos de proteção social existentes;

trata-se de uma ajuda orientada às carências dos mecanismos de proteção existentes e

73 CASF (Code de l´Action Social et de la Famille).

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75

profissionais do direito comum. É isso que conduz a situar a RMI em um umbral

relativamente baixo de sobrevivência, no qual a conservação psíquica mínima das pessoas

se torna problemática. Nesse sentido, o SMIC (Salaire Mininum Interprofessional de

Croissance), o Salário Mínimo,74 representou um papel considerável, sendo que a RMI não

deve ser fixada em um montante tal que desanime o exercício de uma atividade

profissional.75

O montante do auxílio é determinado por decreto, uma vez por ano,76 tendo em conta a

evolução dos preços e aumenta conforme o número de pessoas que compõem o lar,

considerando os jovens menores de 25 anos. A soma efetivamente depositada para o

beneficiário é resultado da diferença entre o montante máximo fixado por decreto, levando

em conta o número de pessoas ao seu encargo, e os recursos que o conjunto de pessoas que

compõem o lar possam ter (renda por trabalho, outras alocações, etc.). A alocação RMI foi

estabelecida, a partir de 1º de janeiro de 2004, em 417,88 euros, por mês, para uma pessoa

só e 626,82 euros para um casal sem filhos; um casal com um filho passa para 752,18

euros; um casal com dois filhos, para 877,54 euros, e, a partir desse ponto, cada criança ou

pessoa suplementar terá direito a 167,15 euros a mais.77

Enquanto a RMI teve por finalidade imediata pôr fim às situações de extrema precariedade,

os circuitos administrativos de depósito da demanda são vários: os serviços departamentais

de ação social (DDAS), os Centros de Coordenação de Ação Social (CCAS), as

associações e os organismos reconhecidos pelo presidente do Conselho Geral (Caisse

d´Allocations Familiales - CAF) e MSA (Caisse de Mutualité Sociale Agricole). Os

organismos que recebem a demanda efetuam a “instrução administrativa e social”, que

consiste na ajuda no preenchimento dos formulários e fornecimento de justificativas

relativas ao estabelecimento dos recursos. As pessoas sem domicílio devem fixá-lo em um

dos organismos orientados para esse fim. 78

74 O valor do SMIC foi definido, durante 2005, em 1.217,91 euros/mês, baseado em um contrato equivalente a 35 horas de trabalho. 75 Michel BORGETTO, Robert LAFORE, Droit de l'aide et de l'action sociales, 2004, p. 478. 76 Até 2003, o montante da RMI era fixado duas vezes ao ano. A lei de 18 de dezembro de 2003 previu que a fixação fosse feita uma vez. (Code Action Social et des Familles - Casf, L. 262-2) 77 Segundo o CASF (Code Action Social et des Familles, L. 262-2) o montante é maior do que 50% para a primeira pessoa beneficiária do RMI; de 30% para cada pessoa complementária; e de 40% a partir do terceiro filho. Disciplina Mondialisation et régulation sociale, Professora: Madame Chantal Euzeby, 2005. Michel BORGETTO, Robert LAFORE, Droit de l'aide et de l'action sociales, 2004, p. 478. 78 CASF (Code Action Social et des Familles L. 262-15)

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76

A demanda do RMI não é um “instrutivo”, no sentido da assistência social francesa, pois o

organismo que recebe a demanda não é obrigado a apreciar o estado de necessidade social

do demandante e também não verifica as declarações dele.79 A demanda é transmitida aos

organismos que pagam essa prestação (CAF e MAS). A escolha destas duas instituições

pode parecer curiosa, pois faz intervir duas estruturas relevantes da seguridade social para

uma gestão que não é da seguridade social, com o intuito de tornar a prestação o mais

eficaz possível. São ditas instituições que calculam o montante e fazem proposições

relativas à dispensa ou à neutralização de rendas após verificação. A decisão de outorgar a

prestação pertence ao presidente do Conselho Geral. 80

A alocação é inicialmente atribuída por três meses, prazo considerado indispensável para

estabelecer, com os serviços correspondentes, um “contrato de inserção”. Assim, a RMI só

pode ser atribuída pelo presidente do Conselho Geral por um período que varia de 3 a 12

meses. E pode estar sujeito a apreciações da Comissão Local de Inserção (CLI), em caso

de requisitória, na hipótese de suspensão do benefício. 81

Se consideradas a assistência social e a RMI, no universo da proteção social, a lógica

assistencial, longe de se fechar na assistência social e na ação social, se inseriu na lógica da

seguridade social com as prestações sociais não contributivas que começaram a funcionar

como mínimos sociais.

A RMI incorporou-se à assistência social a partir de 1988, como um dispositivo

diferenciado tanto em sua concepção, que está baseada na inserção, quanto em sua

organização, já que tem um papel fundamental como última possibilidade de proteção para

todos aqueles que não entram na proteção do direito comum; e, ao mesmo tempo, com o

imperativo de inserção no mundo do trabalho.

Em segundo lugar, a seguridade social, no sentido estrito, por um lado, manteve junto com

o regime geral de salários, os regimes autônomos e especiais, porém, algumas de suas

agências são encarregadas de efetivar o pagamento do RMI, indicando que existe uma

superposição de lógicas baseadas nas diversas tradições da proteção social.

79 CASF (Code Action Social et des Familles L. 262-37) 80 Michel BORGETTO, Robert LAFORE, Droit de l'aide et de l'action sociales, 2004, p. 482. 81 CASF (Code Action Social et des Familles L. 262-41)

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77

Em um dos extremos, há mecanismos facultativos que se tornam obrigatórios para

completar prestações insuficientes e, ao mesmo tempo, a lógica iniciada em 1945, que não

conseguiu unificar as prestações asseguradas na seguridade social a torna segmentada em

múltiplos regimes, fundados nas solidariedades socioprofissionais; no outro extremo,

introduzem-se, na seguridade social, prestações não contributivas, que são próprias da

lógica assistencial.

A assistência bifurcou-se. A RMI constitui-se no principal dispositivo de proteção social,

ao lado de prestações legais antigas que se mantêm. Em conseqüência, em 2004,

coexistiam, no sistema francês de proteção social, um pólo claramente assistencial,

constituído pela RMI e a assistência social, até mecanismos de seguridade muito próximos

de dispositivos institucionais autônomos e associados numa lógica complementária e de

substituição recíproca, segundo apresenta o quadro. 82

82 Cf. Michel BORGETTO, Robert LAFORE, Droit de l'aide et de l'action sociales, 2004, p. 71-73.

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78Quadro 7. Aspectos relevantes para o estudo da assistência social na proteção social na França,

período de 1945 a 2002

Ano Aspectos relevantes para o estudo da proteção social na

França Aspectos relevantes da evolução política

1945 Instituição da Seguridade Social Libération. Início da Quarta República

1946 Constituição de 27 de outubro Governo de Vincent Auriol (1947-1954)

1947 Criação do Regime de Aposentadoria Complementar de Executivos

Quarta República (1946-1958)

1953 Reformas na área da assistência social 1956 Assistência social (passagem do nome assistance para aide

sociale)

1957 Criação de uma caixa de aposentadoria complementar para os não executivos (UNIRS)

Governo de René Coty (1954-1959)

1958 Constituição de 4 de outubro Criação do regime de desemprego

Quinta República

1959 Centros de Abrigo e Reinserção Social Assistência social aos vagabundos

Governo de Charles de Gaulle (1959-1969)

1961 Alocação para aluguel 1962 Alocações para tarefas domésticas 1967 Passagem de uma caixa única de seguridade social a três caixas

nacionais autônomas População total: 50 milhões de habitantes

1971 Lei Boulin: pensão geral representa 50% dos dez melhores anos, aposentadoria aos 65 anos e 37,5 anos de contribuição

Governo de Georges Pompidou (1969-1974)

1975 Alocação para Adulto Deficiente Governo de Giscard d´Estaing (1974-1981)

1976 Alocação Monoparental (Alocation Adulte Isole - API) 1978 Generalização das prestações familiares. Suprime-se o critério de

atividade

1982 Aposentadoria aos 60 anos

1986 Novo Código da Seguridade Social

Governo de François Miterrand (1981-1995) População total: 55 milhões de habitantes População rural: 26.6% População urbana: 73,4 %

1988 Criação da Renda Mínima de Inserção (RMI) 1991 Implantação da Contribuição Social (CSG) (Contribution Sociale

Généralisée)

1992 Substituição da Comunidade Européia pela União Européia Tratado de Maastricht 1993 Reforma Balladur do sistema geral de aposentadorias: passagem

progressiva a 40 anos de contribuição e 25 melhores salários

1995 Plano de Reforma Juppé: leis de financiamento da seguridade social

Governo de Jacques Chirac (1995-2007)

1998 Lei de luta contra a exclusão

1999 Cobertura Universal de Saúde. (CMU) (Couverture Maladie Universelle)

População total: 61 milhões de habitantes

2002 Lei de Renovação da Ação Médico-Social

Fontes: DUPEROUX, Jean-Jacques. Droit de la sécurité sociale, 1980. BORGETTO, Michel; LAFORE, Robert, Droit de l'aide et de l'action sociales, 2004. Aulas da disciplina Mundialisation et regulation sociale. Professora Chantal Euzeby. Aulas da disciplina Politiques sociales et performances économiques. Professor Alain Euzeby. (Construção própria)

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79

1.10 Desafios para a política de assistência social francesa a partir de 2002 Um dos desafios para a política de assistência social e ação social foi a falta de uma

definição para a ação social e para o universo das intervenções sociais por elas

desenvolvidas. A Lei 2002-2 procurou assentar as bases de uma renovação das ações no

campo da “ação social e do médico-social” por meio da reorganização dos

estabelecimentos e serviços nele envolvidos.

Essa lei redefiniu as práticas e os alcances das intervenções sociais. No que concerne ao

objeto da ação social, o artigo L.116-1 do CASF 83 precisou que os objetivos dela são

“promover a autonomia e a proteção das pessoas, a coesão social, o exercício da cidadania,

assim como prevenir a exclusão e corrigir seus efeitos”. 84

Os cinco eixos principais fixados pela lei dizem respeito a:

• renovar o status dos estabelecimentos públicos;

• promover e definir os direitos dos usuários dos estabelecimentos médicos e sociais.

A lei prevê que as pessoas usuárias desses estabelecimentos podem ter registro de

acolhida, carta de direitos e deveres, contrato de estada, o regulamento de

funcionamento do estabelecimento ou serviço, o projeto do estabelecimento ou do

serviço, e participar no conselho de administração desses serviços ou

estabelecimentos;

• definir a missão da ação social desenvolvida por esses estabelecimentos, assim

como enquadrar uma nomenclatura dos serviços e os tipos de intervenção. A lei

propôs uma definição para os objetivos de coordenação e cooperação, os objetivos

de evacuação e da qualidade das prestações, assim como a definição das

modalidades de organização;

• melhorar os procedimentos técnicos e de direção desses estabelecimentos. A lei

propôs classificar os estabelecimentos segundo um esquema de acolhida temporária

ou permanente, com ou sem alojamento, abertos, semi-abertos, que acolhem ou não 83 CASF : Code de l´Action Sociale et des Familles. (Código da Ação Social e das Famílias). Disponível em: www.legifrance.fr. 84 Cf. Michel BORGETTO, Robert LAFORE, Droit de l'aide et de l'action sociale, 2004, p. 74.

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80

famílias. Também propôs diversificar os serviços pelo tipo de segmentos e

introduziu novas categorias, como a de deficientes idosos, equipes móveis de

atenção, serviços domiciliares, departamentos de coordenação terapêutica. Todos

eles previstos em uma base legal explícita;

• instaurar uma coordenação entre os diferentes atores da ação social (prefeito,

conselho local, nível nacional e estabelecimentos de ação social) para avaliar o

esquema de organização desses estabelecimentos levando em conta: a natureza das

necessidades, o resumo qualitativo e quantitativo das necessidades atendidas, as

perspetivas e os objetivos do desenvolvimento da oferta institucional, a

coordenação e a cooperação das ações desenvolvidas. Essa avaliação deveria

priorizar: a compatibilidade da autorização de funcionamento outorgada e a

proposta apresentada para as autoridades públicas; a duração da proposta; a

renovação positiva ou não da proposta; a incorporação de autorizações tácitas; os

interesses dos usuários, e a possibilidade de outorgar autorizações experimentais.

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81

CAPITULO 2

ARGENTINA. A ASSISTÊNCIA SOCIAL NO SISTEMA DE PROTEÇÃO SOCIAL

O presente capítulo tem por perspectiva resgatar elementos que contribuam para caraterizar

o lugar da assistência social no sistema de proteção social argentino a partir do exame dos

arranjos legais e institucionais, e, de outro, das articulações ocorridas nos períodos sob

análise, que interferem no comportamento do objeto estudado, de reconhecida legitimidade

teórica no campo que nos ocupa, Trata-se de observar, registrar e analisar o processo de

institucionalização de práticas de assistência social no espaço de tempo da consolidação do

Estado nacional argentino, e a partir do estabelecimento da seguridade social.

A Argentina conta com uma longa história em matéria de proteção social, observável nos

indicadores sociais que a colocam entre os países com alto desenvolvimento humano no

contexto da América Latina. Foi um país pioneiro no desenvolvimento da seguridade

social e atingiu considerável grau de cobertura das suas políticas sociais. Mas, destacadas

avaliações ex-post consideram que ainda não se consolidou um sistema de proteção social

que elimine as brechas de cobertura e evite a exclusão social no interior do mesmo sistema.

Um desses estudos sobre a proteção social na Argentina foi realizado sob a coordenação de

Fabio Bertranou e Damián Bonari, “Proteção Social na Argentina: financiamento,

cobertura e desempenho, 1990-2003”. Os autores assinalam que é necessário tomar certos

cuidados ao considerar o termo “sistema de proteção social”; pois, a proteção social

argentina não chega a se configurar como um sistema com a coordenação e a articulação

necessárias para ser qualificado como tal. Pelo contrário, existe um conjunto de esquemas

e programas, em distintos níveis de governo e administrados por instituições públicas e

privadas de diferentes naturezas e, ainda, sem o suficiente vínculo entre as diversas áreas e

suas formas de coordenação. 85

85 Cf. Fabio BERTRANOU, Damián BONARI (coords.), Protección Social en Argentina: financiamento, cobertura y desempeño, 1990-2003, 2005, p. 62. Essa publicação contém um diagnóstico geral do esquema de proteção social em seus diferentes aspectos. O estudo foi promovido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em diferentes países selecionados da África, América Latina, Ásia e Europa, em parceria com a Secretaria de Política Econômica do Ministério de Economia da República Argentina, e no contexto da proposta de “efetividade da proteção social para todos”. Sob o intuito de que os conteúdos da pesquisa constituam uma ferramenta de difusão e promoção das políticas de proteção social baseadas na evidência

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82

Na busca de atender a essa complexidade, a lógica da exposição deste capítulo estará

sujeita a essas particularidades. A perspectiva aqui adotada contempla uma visão ampla da

proteção social, e tem como ponto de partida aspectos das primeiras formas assistenciais e

seu processo de conformação na consolidação do Estado argentino, envolvendo os

conteúdos normativos vigentes na época. Resgata a maneira como a Constituição de 1949

entendeu o social no período de extensão das formas de proteção social aos trabalhadores,

assim como o Estado institucionalizou a assistência social e as formas paralelas de

intervenção social, construindo o andaime institucional de programas e instituições a partir

de problemáticas que atenderam a categorias específicas. Por último, examina as áreas da

proteção social, a partir da década de 1990, na Constituição Nacional Argentina vigente, e

nas Constituições provinciais, destacando as colocações acerca do caráter subsidiário do

Estado argentino e sua influência nas políticas sociais, particularmente a assistência social.

É consenso considerar que as áreas que conformam a proteção social na Argentina

abrangem saúde, deficiência, acidentes de trabalho, doenças profissionais, previdência

social (que envolve velhice, invalidez e sobrevivência), família e filhos, entendidas como

proteções familiares; proteção contra o desemprego e mercado de trabalho; habitação e

saneamento; educação, alimentação e nutrição, assistência social, e outras.

Essas áreas, para alguns autores, e, em particular, as estritamente ligadas às políticas de

assistência social na Argentina, resultam de camadas de programas ou de intervenções

específicas. Emilio Tenti, em seu trabalho “Políticas de assistência e promoção social na

Argentina”, assinala que a organização do Estado assistencial argentino se assemelha

mais a uma capa de Arlequim do que a um sistema racional estruturado em função de fins

claramente delimitados. Desse modo, os programas e as instituições se acumulam uns ao

lado de outros, e dão lugar a um aparato administrativo que, como a superfície terrestre,

está constituído por uma série de camadas geológicas superpostas sem outra

racionalidade que a das suas gênesis históricas sucessivas no tempo.86

A ênfase nas formas assistenciais e assistência social procura recuperar a sua evolução

nesse percurso e como se processaram as propostas internacionais na matéria, e, nesse

devir, contribuir com respostas a algumas interrogações tendentes a repensar as

empírica, o trabalho abordou os diferentes aspectos da proteção social no decurso de i) relevância das áreas que a compõem, ii) avaliação do gasto, financiamento, cobertura e desempenho. (pp. 13-17). 86 Emilio TENTI, Políticas de asistencia y promoción social en la Argentina, 1987, p. 118.

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articulações possíveis entre legislação social e os direitos sociais. A escolha das

informações aqui apresentadas foi feita a partir das produções escritas de autores com vasta

experiência e protagonistas na área, de modo que a autoridade de seus apontamentos é

altamente valiosa e contribui para a caracterização proposta.

A seguir, examinaremos as feições distintivas de formas assistenciais e de assistência

social, que colaboram para melhorar a compreensão da construção do Estado assistencial

argentino.

A introdução destes assinalamentos é essencial para acompanhar o percurso das

intervenções do Estado no período que compreende a institucionalização das primeiras

formas de assistência, e a incorporação da seguridade social no conjunto da proteção

social.

2.1 A institucionalização da beneficência

Uma das formas desse estudo parte de um enfoque que prioriza o processo de

institucionalização de intervenções estatais orientadas para a atenção das necessidades

sociais. O trabalho de Emilio Tenti, “Políticas de assistência e promoção social na

Argentina”, resgata um estudo pormenorizado de como o Estado moderno instala

instituições especializadas na intervenção sobre necessidades específicas dos setores

tipificados como pobres, privilegiando uma abordagem que o autor denominou de “análise

das políticas assistenciais e de promoção”.

A Sociedade de Beneficência foi criada em 2 de janeiro de 1823 e constitui uma das

primeiras formas de intervenção orgânica em assuntos sociais do Estado Argentino, na

tentativa de se deslocar dos padrões básicos da caridade cristã da qual herdou alguns ritos e

formas.

Cabe destacar que essa forma assistencial, anterior à Constituição Argentina de 1853,87 que

é considerada o primeiro ordenamento constitucional sobre o qual se assentaram as bases

do Estado moderno, traz três décadas de disputas entre as províncias.88

87 Inicia-se com um preâmbulo que sintetiza o programa legislativo e político dos constituintes. “Nós, os representantes do povo da Nação Argentina, reunidos em Congresso Geral Constituinte por vontade e eleição das províncias que a compõem, em cumprimento dos pactos preexistentes, com o objeto de constituir a união

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A Sociedade de Beneficência expandiu suas atividades na atenção às crianças órfãs, idosos,

mães desamparadas e pessoas em situação de pobreza geral ao ritmo do crescimento e

institucionalização do aparelho estatal argentino. Sob sua égide, difundiu-se e empregou-se

a categoria do “pobre envergonhado” e indecoroso, que tem uma larga tradição na

Argentina e fez parte do discurso das estratégias de beneficência até quase 1940.

Correspondem nesse momento àqueles que padeceram de um descenso social consideram-

os como “merecedores” da ajuda social.

Emilio Tenti (1989) e Estela Grassi (1989) 89 coincidem em assinalar que, apesar dos

reiterados discursos comemorando a iniciativa privada, a maior parte dos fundos da

instituição provinham do orçamento nacional; situação que contrasta com o uso

discricionário que fizeram deles as damas que compunham sua direção. As damas da

beneficência da Capital provinham dos estratos mais altos da estrutura social da época,

todas foram recrutadas entre esposas e parentes próximos dos grandes latifundiários,

comerciantes e proprietários significativos da cidade e da província de Buenos Aires.

nacional, afiançar a justiça, consolidar a paz interior, prover à defesa comum, promover o bem-estar geral, e assegurar os benefícios da liberdade para nós, para nossa posteridade e para todos os homens do mundo que querem habitar no solo argentino; invocando a proteção de Deus, fonte de toda razão e justiça: ordenamos, decretamos e estabelecemos esta Constituição para a Nação Argentina.” Esse Preâmbulo teve valor interpretativo para a doutrina constitucional argentina, tanto que a Corte Suprema de Justiça da Nação explicou que a idéia de promover o bem-estar geral é sinônimo de bem comum. 88 O conteúdo do texto recebeu a inspiração da Constituição estadunidense, ao adotar o modelo presidencialista e o federalismo, componente essencial da ordem constitucional norte-americana. A Constituição foi aprovada com o apoio dos governos provinciais, com exceção de Buenos Aires, que se separou da Confederação Argentina até 1859, quando negociou sua reincorporarão à condição de modificar o texto constitucional. 89 Cf. Emilio TENTI, Estado y pobreza: estrategias típicas de intervención, 1989, p. 41-44. Também se pode consultar Estela GRASSI, La mujer y la profesión de asistente social, 1989. A autora faz um percurso pela história da assistência social na Argentina, para conciliar os conteúdos da sua hipótese, que apontava que as condições que justificavam a presença de mulheres para o exercício da beneficência se mantinham vigentes como atitude necessária para o desempenho de trabalho social ao fim da década de 1980. Claudia KRMPOTIC, La protección social pre-mercantilizada: la experiencia argentina desde la sociedad colonial hasta la caída de Rosas (1515-1852), 2002.

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Quadro 8. Fundamentos e ações da beneficência na constituição do Estado moderno argentino

Beneficência • Constitui-se na instituição típica de

intervenção no social no momento constitutivo do Estado moderno.

• Inscreve-se no processo de consolidação

da laicização de intervenção social, a qual, em uma etapa anterior, pertenceu a outras corporações: igreja, congregações, etnias, etc.

• O Estado intervém por delegação, embora

os recursos sejam públicos, aleatórios e descontínuos.

• Exprime-se por meio de ações exemplares dirigidas aos beneficiários que exaltaram a moral dos atos de vida.

• Prioriza a internação e a segregação.

• Não é responsabilidade de “especialistas” nem

de um corpo de funcionários do Estado, mas sim de pessoas dotadas de tempo, riqueza e condições morais consideradas superiores.

• Estabelece-se uma relação de tutela entre o

que da e o que se recebe.

• É um dever para aquele que dá e não um direito para quem recebe.

Fontes: Norberto ALAYON, Hacia la historia del trabajo social en la Argentina, 1980; Emilio TENTI, Estado y pobreza: estrategias típicas de intervención, 1989; Estela GRASSI, La mujer y la profesión de asistente social, 1989.

Embora surgissem nesses anos outras entidades privadas laicas e religiosas, a Sociedade de

Beneficência foi hegemônica nessa área, até que começaram a se perfilar os argumentos

provenientes do campo da medicina social e da higiene públicas, que fundamentaram a

intervenção do Estado no social. Na fase constitutiva do Estado argentino, as intervenções

estatais atendiam a diferentes níveis de necessidades: educação, saúde, abandono, velhice,

etc., e foram feitas de forma indistinta até, progressivamente, se constituírem em políticas

especializadas: educação e saúde. A política de assistência foi se ancorando naquelas

pessoas que não eram atendidas pelos sistemas formais de prestação em formação nas

quais o incipiente Estado argentino delegou o controle e a expansão da beneficência e, por

sinal, a educação primária esteve em mãos de uma sociedade privada que foi subsidiada e

constituída, como tal, pelo poder público.

Em 1880, foi criado o Departamento Nacional de Higiene e seu diretor, Dr. Juan Gil,

formulou um anteprojeto de lei sanitária, de higiene e beneficência públicas, pelo qual a

Sociedade de Beneficência passou a depender do Governo Nacional. Essa direção nacional

seria a encarregada de administrar economicamente todos os estabelecimentos públicos de

caridade ou beneficência custeados ou subvencionados com recursos nacionais ou

municipais.

No início do século XX, com o processo de expansão da vida urbana e a imigração em

massa, a dádiva e o prêmio, que exemplificavam e moralizavam, não constituíram mais os

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recursos eficazes para resolver os desafios modernos que envolviam os problemas de

moradia, saúde pública e criminalidade urbana. Esses assuntos tornaram-se os vetores

principais dos debates sobre a questão social. No momento de instituição da beneficência,

a concepção de pobreza era explicada com base em dois argumentos: o azar (doença, morte

ou acidente), ou falta de moral e ausência de virtude. A ação da beneficência foi uma

iniciativa do poder público sob um tom moralizador e não se constituiu em resposta a uma

demanda ou exigência na qual se impõe uma visão da sociedade organizada em estratos

com deveres e obrigações.

2.2 A construção de um saber sobre o social

Esse período assinalou um espaço de tempo no qual a relação entre Estado e Sociedade, e

as instituições políticas e sociais em que essa relação se exprimiu, foi debatida por várias

vertentes reformistas: católica, socialista e liberal, não só do ponto de vista estatístico,

social e econômico, como também um desafio intelectual e fator de ponderação para a

elaboração de um projeto de transformações políticas e ideológicas.90 Surgem os esquemas

e as classificações explícitas e sistemáticas dos pobres, em consonância com a expansão de

serviços sociais, e, notadamente nos hospitais que dependem da Assistência Pública da

Municipalidade de Buenos Aires, estabelecem-se regulamentos nos quais se exige um

atestado de pobreza dos pacientes.

O desenvolvimento de uma nova legislação social e das instituições que deveriam tratar os

novos problemas sociais exigia um novo tipo de conhecimento, que economistas,

sociólogos e juristas podiam proporcionar. Eduardo Zimerman (1992) assinala que esses

intelectuais se manifestaram como um grupo nitidamente diferenciado e manifestadamente

comprometido em levar adiante a transformação institucional do país. O autor distingue

três distinções nessa geração de intelectuais que constituiu o reformismo liberal:

• quanto à sua base social, foram os profissionais advogados e médicos, com vocação

para a vida intelectual e ativa participação no mundo acadêmico;

90 Para aprofundar o tema, pode-se consultar: Eduardo ZIMMERMAN, Los intelectuales, las ciencias sociales y el reformismo liberal: 1890-1916, 1992; Mirta LOBATO, Nueva historia Argentina: el progreso, la modernización y sus límites (1880-1916), 2000; José Luis ROMERO e Luis Alberto ROMERO, Buenos Aires: historia de cuatro siglos, 2000; Alfredo CARBALLEDA, Del desorden de los cuerpos al desorden de la sociedad, 2004; Margarita ROZAS, Las modificaciones de la intervención profesional en relación a la cuestión social en el contexto del Estado argentino: el caso del Trabajo Social, 2001.

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• ideologicamente, foram os liberais com convicções ligadas à idéia de progresso,

freqüentemente com marcada oposição ao clero. Suas posturas quanto à solução da

questão social dirigiram-se à busca de um caminho intermediário entre o modo de

fazer (laissez-faire) ortodoxo e o socialismo de Estado;

• as posturas reformistas no social basearam-se na legalidade, ou na convicção de

que a política parlamentar era a instância própria para a busca de soluções, a partir

de um olhar científico que acentuará a importância das ciências sociais como guias

da política estatal na matéria. Esse olhar baseado na ciência inspirava-se nas

produções científicas que estreavam no panorama internacional, e procurava

adaptar às condições locais os precedentes estrangeiros. A partir do exame do

período pode-se distinguir uma nova linguagem política, centrada no

“social”:91Aqueles que advogavam por uma extensão das atividades estatais em

matéria social, não estavam introduzindo um conceito revolucionário no discurso

político do momento. De fato, na mudança do século, havia suficientes instâncias

de intervenção estatal em matéria econômica e social para tornarem difícil a

categorização das políticas oficiais como um estrito laissez-faire;

• não obstante o reconhecimento da situação prévia, não há dúvida de que a nova

linguagem do “social” introduzida no debate político a partir das ciências sociais

significou um forte impulso ao movimento reformista. O surgimento da sociologia

como ciência ‘total’ da sociedade, a substituição de postulados individualistas da

economia política clássica pela nova “economia social”, desenvolvimentos de

teoria jurídica que introduziram conceitos como “defesa social” em direito criminal

ou “risco social” e “obrigação social” em matéria civil deram nova forma à noção

tradicional de responsabilidade. A medicina social obteve alto grau de prestígio

acadêmico e acompanhou a fundação de instituições como o Museu Social

Argentino. Essas feições foram alguns dos sinais do impacto que essa nova 91 Em anos recentes, os historiadores das idéias argumentaram que o objeto próprio da disciplina deveria ser não a repetida encadeação de idéias ou grandes textos que conformam o princípio geral do pensamento político ocidental, mas, pelo contrário, o estudo do surgimento de novas linguagens políticas, e das formas de inserção dessas novas linguagens no contexto social e intelectual do período em estudo. Pode-se aprofundar essas idéias em Eduardo ZIMMERMAN, Los intelectuales, las ciencias sociales y el reformismo liberal: 1890-1916, 1992, p. 563, cita: J.G. POCOCK, Languages and their implications: the transformation of the study of the political thought”, In: Politics, language and time: essays on political and history, (Londres, Methuen, 1972). pp. 3-41, SKINNER, “Some problems in the analysis of political thought and action” (In: Political theory, 23, 1974), pp. 277-303.

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linguagem política do “social” produz na sociedade argentina no começo do século

XX;

• a introdução da corrente reformista social modificou profundamente a definição das

relações entre o Estado e a sociedade, fato nem sempre reconhecido na

historiografia do período. Contudo, isso não produziu o abandono dos fundamentos

liberais na política, na economia e na cultura. Os mesmos reformistas reconheciam

os princípios liberais como ainda vigentes nesse momento. Foi a chegada do

radicalismo ao poder que abalou a confluência entre liberalismo e reforma social.

Em definitivo, seria nos anos de entre-guerras que o nacionalismo e as novas

correntes ideológicas afetariam de maneira dramática o debate político argentino e

que o demarcaram entre o Estado e a questão social com forte influência nas

décadas que se seguiram.

Uma das caraterísticas da corrente acadêmica ligada ao reformismo social, político e moral

foi orientar as incipientes ciências sociais argentinas para o estudo de problemas práticos,

numa perspectiva que ponderava os limites da intervenção estatal na sociedade, sem

esquecer a necessidade de efetivar uma reforma moral, social e política. Muitos deles

consideram como parte do seu dever pôr em prática suas idéias por meio da criação de

novas instituições estatais orientadas para distintas áreas da reforma, situando seus

argumentos em um ponto eqüidistante entre a concepção de Estado não intervencionista, a

concepção de laissez-faire ortodoxa, e o socialismo de Estado.

Eduardo Wilde e Guillermo Rawson, reconhecidos médicos ligados à corrente higienista,

foram os primeiros a argumentar a favor da ampliação de um conceito de saúde pública

que envolvesse a idia da saúde física e moral da população. Assim, na medida em que a

pauperização da população foi reconhecida como um problema colectivo e não individual,

reclamaram pela institucionalização de serviços que, por um lado, satisfariam às

necessidades da população e, por outro, melhorariam as condições gerais de acesso ao

trabalho.92

92 Desde o governo de Bernardino Rivadavia, os médicos desempenharam funções no Estado para as quais apenas eles tinham habilitação. Durante a segunda metade do século XIX, organizados em associações, reorganizaram velhas faculdades ou recriaram outras; criaram a Academia de Medicina e deram vida a numerosas publicações médico-profissionais. Por múltiplos caminhos, ofereceram à sociedade uma imagem de si mesmos caritativa e científica e foi por isso que assumiram funções destinadas a preservar a saúde pública e manter as repartições de assistência pública municipal.

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2.3 Institucionalização da assistência social e os seguros sociais

Desde meados do século XIX, a cidade de Buenos Aires, os Estados nacional e provinciais

desenvolveram obras isoladas de assistência em instituições que a Sociedade de

Beneficência havia recebido a seu cargo em 1823. Ambas formavam um significativo

conjunto. De acordo com dados de Emilio Coni, em 1916, a cidade capital contava com

vários asilos noturnos para desamparados, dois deles municipais. O primeiro Asilo

Noturno Municipal foi inaugurado por Coni, em 1892. Esse asilo estava destinado a

oferecer hospedagem durante a noite e café pela manhã e planejava estender seu campo de

ação “proporcionando-lhes banhos, roupas, cuidados de asseio e até trabalho, como

acontece nos asilos franceses”. Em 1880, foi fundado o Departamento Nacional de

Higiene, e, em 1883, a Assistência Pública da Capital Federal.93

A assistência social pública e as mutualidades, as medidas de salubridade, higiene pública

e social e as incipientes legislações do trabalho constituíram-se nos esboços do sistema de

proteção social argentino. Nesse cenário, a assistência social, enquanto ação

governamental, passa a ser distribuidora de serviços orientados a segmentos caracterizados

como ‘necessitados sociais’, e, paralelamente, vai se conformando o espaço dos

assegurados.

Esse desenvolvimento esteve acompanhado por políticas imigratórias, processos de

urbanização e emergência de novas forças sociais e políticas. Segundo autores como

Ernesto Isuani,94 no contexto do Estado liberal, no qual o movimento trabalhador ainda

estava em formação, as políticas de seguro social foram basicamente uma iniciativa estatal.

O movimento dos trabalhadores como força social ficou marginalizado do aparato estatal,

pois estava composto majoritariamente por imigrantes que não possuíam direitos políticos;

também, do ponto de vista político-ideológico, sua conformação era basicamente

anarquista e, por isso, rechaçavam os instrumentos eleitorais e parlamentares. Os

93 Emilio CONI, Higiene social: asistencia y previsión social, Buenos Aires caritativo y previsor, 1918. O Doutor Emilio Coni, quando criança, morou na França e, de volta a Buenos Aires, estudou no Colégio Nacional Buenos Aires. Posteriormente, graduou-se na Faculdade de Ciências Médicas e representou o país nas grandes conferências de higiene e medicina que se realizavam na época: em Haia, Genebra, Londres e Washington. Em 1887, publicou em Paris um longo ensaio intitulado “Progès de l’hygiène dans la République Argentine”. Em 1892, foi diretor da Administração Sanitária e Assistência Pública de Buenos Aires. 94 Cf. Ernesto A. ISUANI, Los orígenes conflictivos de la seguridad social argentina, 1985, pp.117-125. Também, se pode consultar Héctor RECALDE, Beneficencia, asistencialismo estatal y previsión social, 1991.

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empresários da área industrial, por sua vez, não tiveram maior impacto no Estado, pois

grande parte deles era de origem estrangeira e com interesses subordinados aos grupos

agrários e mercantis.

O primeiro projeto argentino de legislação sobre os riscos profissionais foi apresentado no

Congresso Nacional, em 1902, por Belisario Roldán Filho e Marco M. Avellaneda. Com

base em antecedentes europeus, principalmente a lei francesa de 1898 e a lei espanhola de

1900, consagrou o princípio de risco profissional. A lei francesa sobre risques

professionels foi uma importante base para a doutrina argentina. Belisario Roldán Filho

(1929) citava em seu apoio o debate parlamentar francês sobre o tema: “desde que a

indústria substituiu a máquina humana pela máquina de aço, a força inteligente é

responsável pela força cega e irresponsável, [...] ao domínio da liberdade do sucedido, o

risco; em outros termos, o problema que antes era jurídico, é, hoje, econômico e social”.95

Entre 1902 e 1912, o Estado foi o principal propositor de políticas sobre acidentes de

trabalho. Esas medidas estiveram permeadas pelos interesses dos grupos agrário-mercantis

representados pelo Partido Autonomista Nacional, que pugnavam pela entrada no mercado

internacional, por meio da venda de produtos alimentícios aos países europeus. Alguns

congressistas, como é o caso de Avellaneda, Escobar e Roldán, provenientes do campo

conservador, foram os propulsores dessas iniciativas. Os conflitos dos trabalhadores

estiveram orientados para questões salariais e para a redução da jornada de trabalho, mas,

em termos de proteção social, o papel central foi assumido na esfera estatal. A partir de

1919, as poucas iniciativas em matéria de legislação social já estavam ligadas aos reclamos

dos trabalhadores, como o projeto de jornada de trabalho de oito horas, as aposentadorias

para trabalhadores de bonde e o Código de Trabalho do Presidente Irigoyen.96

Zimmerman (1992) analisa como fato destacado a influência dos intelectuais na

formulação de um projeto de reforma política, sendo organizado, no ano de 1916, pelo

95 Diario de Sesiones de la Cámara de Diputados, 1902, vol. I, pp. 118-123; Belisario ROLDÁN (filho), Discursos Completos, (El Ateneo, 1929); cita de Eduardo ZIMMERMAN em Los intelectuales, las ciencias sociales y el reformismo liberal: 1890-1916, 1992, p. 560. 96 Para aprofundar este esse período, pode-se consultar: Alberto BARBEITO, Rubén LO VUOLO, La modernización excluyente, 1995, VII, 2: “Construção e maduração do sistema de políticas sociais argentino”; José PANETTIERI, Las primeras leyes obreras, 1984; Guillermo ALONSO, Política y seguridad social en la Argentina de los ’90, 2000, capítulo I e capítulo II; Margarita, ROZAS, “Las modificaciones de la intervención profesional en relación a la cuestión social en el contexto del Estado argentino: el caso del trabajo social”, 2001.

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governo, o Congresso Americano de Ciências Sociais,97 atividade que fez parte das

festividades do Centenário da Declaração da Independência.

O comitê organizador foi integrado por nomes representativos, associados ao

desenvolvimento das incipientes ciências sociais argentinas, entre eles: Gregorio Aráoz

Alfaro, Carlos O. Bunge, Joaquin V. González, Alfredo Palacios.

Na seção do congresso denominada de Trabalho, Previsão e Assistência Social, reuniram-

se representantes das distintas correntes reformistas ocupadas com a questão social do

período: o Círculo de Trabalhadores Católicos, o Museu Social Argentino, a União

Industrial Argentina, o Departamento do Trabalho, o Movimento Social Católico e o

Socialismo Argentino.

A comissão dedicou-se ao estudo da legislação social destinada a melhorar o nível de vida

das classes trabalhadoras. A ênfase foi colocada sobre a necessidade de sancionar

legislação do trabalho e social, assim como na criação de instituições estatais que deram

uma resposta científica aos novos problemas sociais. Nesse ponto, surgiram grandes

similitudes com outros movimentos reformistas liberais da Europa e dos Estados Unidos.98

Gregorio Aráoz Alfaro, precursor da higiene e da medicina social argentina, insistia na

necessidade de que o ensino universitário fosse orientado para as necessidades básicas,

destacando, como exemplos, as doenças do trabalho, a organização da assistência social e

da higiene industrial, entre outros. Augusto Bunge e José Ingenieros dirigiram a Seção de

Higiene Industrial do Departamento Nacional de Higiene e o Instituto de Criminologia.

Nesse período, as instituições de assistência social foram todas de caráter oficial e, em

grande número, estavam subsidiadas pelo Estado. Esses subsídios correspondiam a um

97 O congresso foi organizado em 11 seções que abrangeram: o direito civil, direito criminal, direito comercial, a economia, as finanças públicas, as relações internacionais, a imigração, a história, a sociologia, a higiene, a medicina social, a moral pública, o trabalho e a assistência pública. Eduardo Zimmerman destaca que a realização desse Congresso não era um fato novo, pois, desde 1898, quando aconteceu o primeiro Congresso Científico Latino-americano na cidade de Buenos Aires, as elites intelectuais argentinas haviam exteriorizado sua inclinação para esse tipo de encontro. O Congresso Científico Pan-americano (com a participação dos Estados Unidos) celebrado em Santiago de Chile, em 1908, colocou várias resoluções concernentes à questão social e, em particular, à organização e regulação das relações industriais. 98 Eduardo ZIMMERMAN em Los intelectuales, las ciencias sociales y el reformismo liberal: 1890-1916, 1992, pp. 561-562.

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anexo do orçamento da Nação, denominado Assistência Social.99 Duas linhas aparecem

constantemente, confrontadas com a problemática da moralidade dos pobres e a

resignação: o tronco assistencial, ligado à velha Sociedade de Beneficência, que negava

que o Estado se imiscuísse em suas ações, e os higienistas, que propunham estratégias mais

eficientes nas intervenções assistenciais do Estado.

As oposições de discurso e de ação, entre ambas as linhas, centravam-se notavelmente na

forma de outorgar subsídios, por parte do Estado, para obras privadas de assistência social,

ainda atendidas pela obra da beneficência, e na falta de coordenação dos recursos

(instituições e subsídios) para obras de assistência social que atendessem a um formato

eficiente, racional, centralizado e aos padrões internacionais.

Os fatos históricos aqui resgatados denotam um ponto de inflexão para a área da

assistência social, e para a forma de conceber a proteção social durante esse período. Ele é

seguido por um período de forte atividade estatal, orientado para tarefas centralizadoras e

técnico-organizativas, na área de assistência social.

99 Estela GRASSI, La mujer y la profesión de asistente social, 1989, em citação de Francisco José MARTONE, Medicina preventiva, asistencia social, servicio social, ed. Cesaria, Buenos Aires, 1956.

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93Quadro 9. Aspectos relevantes para o estudo da assistência social na proteção social na Argentina,

período colonial - 1930

Ano Aspectos relevantes para o estudo da proteção social na Argentina

Aspectos relevantes da evolução política

Século XVII

Criação de “hospitalitos” para o atendimento de urgências

Colonização de terras Dependência da Coroa Espanhola

1789 Revolução Francesa 1810

1820

25 de maio: processo de independência da coroa espanhola Nascimento do incipiente Estado argentino

Primeira Junta de Governo. Etapa revolucionária

1823 Criação da Sociedade de Beneficência Beneficência Pública

Unitários (partidários do poder central em Buenos Aires) e Federais (partidários das autonomias provinciais). Governo de Bernardino Rivadavia (1826-1827)

1853 Congresso Constituinte de Santa Fé Constituição de 1853

Estado de Buenos Aires e Federação Governo de Justo José de Urquiza (1854-1860)

1857 Sociedade Tipográfica Período de organização nacional

1880 Criação do Departamento Nacional de Higiene

Buenos Aires passa a formar parte da Federação. Governo de Julio A. Roca (1880-1886). Incorporação da Argentina ao mercado mundial como exportadora de matérias-primas

1884 Lei 1.420: educação pública, gratuita, laica, comum a todos e graduada

Ocupação do território nacional e organização institucional: economia, imigração, comunicações, ferrovias

1889 Congresso Internacional de Assistência Social na França

Governo de Miguel Juárez Celman (1886-1890)

1895 População total: 4.044.911. População urbana: 37,4%. Governo de José Uriburu (1895-1898)

1907

Criação do Departamento Nacional do Trabalho

Governo de José Figueroa Alcorta (1906-1910)

1911 Criação do Museu Social Argentino Governo de Roque Sáenz Peña (1910-1914)

1914

Projeto de Seguro Social

1915

Primeira Lei de Acidentes de Trabalho. Primeira Lei de Seguridade Social Argentina Lei sobre Descanso Dominical Lei sobre Trabalho de Mulheres e Menores Lei de Aposentadorias para Trabalhadores Ferroviários

Primeira Guerra Mundial (1914-1918). População total: 7.903.662 habitantes. População urbana: 52,7% Governo de Victorino de la Plaza (1914-1916)

1916

Centenário da Declaração da Independência Congresso Americano de Ciências Sociais

Governo de Hipólito Yrigoyen (1916-1922) União Cívica Radical (UCR)

1923 Lei de Aposentadorias Governo de Marcelo Torcuato de Alvear (1922-1928)

Fontes: Norberto ALAYON, Hacia la historia del trabajo social en la Argentina, 1980; Ernesto ISUANI, Los orígenes conflictivos de la seguridad social argentina, 1985; Estela GRASSI, La mujer y la profesión de asistente social: el control de la vida cotidiana, 1989; Emilio TENTI, “Estado y pobreza: estrategias típicas de intervención”, 1989; Fabio BERTRANOU, Damián BONARI (coords.), Protección Social en Argentina: financiamento, cobertura y desempeño, 2005. Os dados referentes à população correspondem a dados censitários disponíveis no relatório da OIT. (Construção própria.)

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2.4 A centralização e a incorporação da perspectiva técnica na assistência social

As três grandes áreas de ação social processadas durante o período que cinge as três

primeiras décadas do século XX foram a saúde e a higiene pública; a delinqüência; e o

desamparo. Essa época assinala um ponto de inflexão no percurso da proteção social: a

saúde constitui uma área estratégica em que os médicos higienistas inspiraram as correntes

filantrópicas que reclamavam a intervenção estatal. Na área jurídico-judicial, mantiveram-

se as formas assistenciais privadas subsidiadas pelo Estado; mas ambas as estratégias

convergiam no intuito de incorporar a intervenção na proteção, direção e educação da

família. Nelas se exprimem as tendências que tendem a definir “a população” como um

conceito claro e exato, por meio de variáveis próprias: morbidez, fecundidade, estado de

saúde, formas de alimentação e moradia. Todas elas categorias passíveis de estudo e

intervenção, a partir das quais se definem as políticas específicas.

No ano de 1911 foi inaugurado o Museu Social Argentino, fundado pelo engenheiro

Tomás Amadeo e inspirado no Museu Social de Paris (1894). Sob sua égide, no ano de

1930, foi inaugurada a Escola de Serviço Social, orientada pelo médico higienista

Germinal Rodriguez, que indicava, como métodos para a nova ciência social chamada

Serviço Social, a estatística, a antropologia social, a genética, a patologia social, a higiene

social e a terapêutica social.

Em um artigo intitulado “A Escola de Serviço Social”, escrito pelo Dr. Germinal

Rodríguez e publicado no jornal La Nación, de Buenos Aires, em 2 de dezembro de 1927,

em um anexo denominado “A Ciência do Serviço Social”, refere-se ao papel da assistência

pública:100

A Assistência Pública nutriu durante muitos anos as necessidades dos desamparados e preenchia sua obra

humanitária dando cama aos doentes, comida aos necessitados, abrigo aos sem refúgio. Mas a assistência

pública trata somente dos efeitos da miséria, sem entrar na averiguação das causas pessoais ou sociais que

levaram o sujeito a colocar-se na senda da indigência.

100 Citado por Norberto ALAYON, Hacia la historia del trabajo social en la Argentina, 1980, Anexo do capítulo V, “Escuela de Servicio Social del Museo Social Argentino”.

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95Quando a profilaxia das doenças infecciosas veio a demonstrar que a vacina, o isolamento e a desinfecção

resolviam o problema das doenças contagiosas a mínimo custo e sem dor, um amplo horizonte se apresentou

às ciências médicas e um novo postulado de ação se impôs com caráter axiomático, afirmando que valia mais

prevenir que curar. [...]

Com quanta razão não se teria que produzir uma evolução igual dentro da medicina social, quando a análise

dos fatos vem a confirmar que muitas das causas sociais da dor humana são bem evitáveis se são atendidas a

tempo![...]

A assistência social, à diferença da assistência pública, remonta ao estudo dessas causas sociais, tais como a

miséria e a procura de tratamento da mesma para evitar seus efeitos.

Na área jurídica, a profissionalização da área da assistência social não foi tardia em relação

à área que nasceu envolvida com a medicina; os objetivos vinculavam-se à defesa social, à

prevenção e à vigilância social. Durante o ano de 1918, foi inaugurado o Patronato de

Liberados, entidade de natureza privada com reconhecimento oficial e, no ano de 1933, foi

fundado, para atender às necessidades femininas, o Patronato de Reclusas e Liberadas. A

política assistencial tendeu a incorporar um saber científico sobre o problema social e a

tecnologia social - mas com embates acirrados entre o higienismo e a linha jurídica -,

substituindo as considerações religiosas e humanitárias que legitimavam a ação social do

Estado por uma racionalização da ação estatal através de um discurso que propunha a

eficiência, e a ação centralizada do Estado.

Em 1932, é regulado o Fundo de Assistência Social com o intuito de definir as condições

que devem reunir as instituições que pretendem o subsídio, os procedimentos para fazê-lo

efetivo e a vigilância dos estabelecimentos subsidiados.

Os fatos marcantes que contribuíram para a construção do andaime assistencial estatal

durante esse período foram: a racionalização dos subsídios outorgados às entidades

privadas relacionadas com o velho tronco assistencial da Sociedade de Beneficência, e a

realização da Conferência Nacional de Assistência Social de 1933, convocada pelo

governo nacional.101

101 Norberto ALAYON, Hacia la historia del trabajo social en Argentina, 1980; Estela GRASSI, La mujer y la profesión de asistente social, 1989; Emilio TENTI, Estado y pobreza: estrategias típicas de intervención, 1989; Claudia KRMPOTIC, La conferencia nacional de asistencia social de 1933. Los debates en torno al progreso, la pobreza y la intervención estatal, 2002.

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A Primeira Conferência Nacional de Assistência Social exprimiu dois eixos de debate:

• o eixo jurídico e administrativo, que assinalava as bases do melhor aproveitamento

dos recursos públicos e privados;

• o eixo técnico-científico, que promovia a difusão de saberes e técnicas que

contribuiriam para tornar as práticas assistenciais voltadas a uma administração

eficiente e científica da população.

Emilio Tenti (1989) denota que, durante a Conferência, exprimiu-se uma mudança de

perspectiva em relação à responsabilidade que caberia ao Estado na assistência social.

Tratou-se de deixar manifesto que a “responsabilidade de dar” - por oposição à

beneficência e à caridade - seria transferida ao Estado como expressão do critério de

administrador racional dos recursos públicos com vistas ao desenvolvimento e progresso

da sociedade, mas, nessa relação Estado-Sociedade, o Estado seria obrigado a intervir

como quem dá e não como quem garante o direito dos que necessitam.

A década de 1940 marca a hierarquização das instâncias administrativas encarregadas da

gestão da saúde e da assistência social. Inicialmente, criou-se o Registro Nacional de

Assistência Social, que tinha, entre suas funções, registrar as entidades de assistência

social, oficiais ou privadas, assim como centralizar as investigações e informações sobre a

matéria.

Durante o ano de 1944, pela modificação do artigo 1º do Decreto 12.311, criou-se a

Direção Nacional de Saúde Pública e Assistência Social. Tudo o que se relacionava até

esse momento à beneficência, aos lares e à assistência social dependeria da Secretaria de

Trabalho e Previdência sob um novo organismo: a Direção-Geral de Assistência Social,

que envolveu: o Registro Nacional de Assistência Social, a Comissão Nacional de Ajuda

Escolar, o Patronato Nacional de Cegos. A Sociedade de Beneficência continua

dependendo da Direção Nacional de Saúde Pública.

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2.5 A Direção Nacional de Assistência Social e a Fundação María Eva Duarte de

Perón

Em 19 de junho de 1948, foi criada a Fundação de Ajuda Social María Eva Duarte de

Perón com o objetivo de realizar uma obra de “verdadeiro interesse social” - segundo os

seus estatutos. Em seu desenvolvimento, se registraram duas etapas diferentes: a primeira,

até a morte de Eva Perón; a segunda, a partir desse momento até a sua dissolução.

Ambas as instituições, a Fundação Eva Perón e a Direção Nacional de Assistência Social,

coexistiram a partir de 1948. A primeira exerceu uma preponderância, em termos da ação

social estatal, durante todo o governo do general Perón, por um lado, intervindo em áreas

inéditas da ação médico-social - trem sanitário, hospitais modernos para a época - e, por

outro, pela magnitude das suas intervenções. Situou-se em um ponto eqüidistante entre a

administração central do Estado – o patrimônio era subvencionado por lei, legados e

doações particulares - e a administração privada. 102 Advirta-se, também, que a Direção

Nacional de Assistência Social incorporou as numerosas atividades e instituições ligadas à

tradicional Sociedade de Beneficência, e, portanto, coexistiram duas formas de se conceber

a assistência social.

A Fundação teve ingerência durante sete anos. Desenvolveu suas atividades em três áreas:

ação social, ação educativa e ação médica. A atividade social estendeu-se por todo o país.

Em relação à beneficência e à ajuda social, María Eva Duarte de Perón dizia: “Eu sempre

lutei contra a beneficência. A beneficência satisfaz a quem a pratica. A ajuda social satisfaz

ao povo. A beneficência deprime, a ajuda social dignifica. Beneficência não, ajuda social

sim, porque significa justiça”. 103

102 Norberto ALAYON, Hacia la historia del trabajo social en la Argentina, 1980; Estela GRASSI, La mujer y la profesión de asistente social: el control de la vida cotidiana, 1989; Emilio TENTI FANFANI, Estado y pobreza: estrategias típicas de intervención, 1989. 103 Norberto ALAYON, Hacia la historia del trabajo social en la Argentina, 1980. O professor Alayón realiza um estudo e seleção dos pensamentos de Eva Perón em relação à beneficência, e à ajuda social, baseado em livros de Eva Perón, tais como “La razón de mi vida”, “Historia do peronismo” e “La palabra, el pensamiento y la acción de Eva Perón”, e outros que aludem às atividades desenvolvidas por esta, tais como o de Silverio Pontieri, “La Fundación”, publicado em 1972.

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A Fundação desenvolveu sua ação assistencial em dois planos de atividade: a construção

de grandes estabelecimentos - hospitais regionais, lares para idosos, escolas-lares, lares

transitórios e centros turísticos -, e a distribuição de subsídios e bens materiais - a Memória

e Balanço do ano de 1954 indica a distribuição de 3.726.164 unidades de roupa, calçado,

livros, móveis, etc. A ajuda social direta não tinha limites nem geográficos nem de

requerimentos e foi conformada por móveis, roupas, medicamentos, brinquedos,

ferramentas, artigos para a casa, cozinha, livros e materiais escolares, máquinas de costura,

etc.

Estes trabalhos eram realizados pelas “células mínimas”. Eva Perón dizia, sobre elas:

As células mínimas são as assistentes sociais que percorrem o território da pátria para ir

verem cada casa, em cada lugar, o problema que haverá de se solucionar de imediato.

Com um organismo burocrático na Capital Federal, com filiais no interior do país, não

faríamos mais que empregar funcionários, sem chegar a solucionar o problema social, que

é o que nos interessa. 104

Entre as obras de infra-estrutura, construíram-se quatro policlínicas, assim como havia um

trem sanitário que percorreu as províncias oferecendo serviços de assistência médica geral.

Foram criadas clínicas de readaptação para crianças, instalados serviços médicos para

vários grêmios. A Fundação possuía colônias de férias em Córdoba e Mar del Plata, desse

modo, muitas crianças gozaram pela primeira vez de férias em lugares onde se acessava as

assistências médica, escolar, física, cultural e recreativa. A Fundação criou sua própria

escola de enfermaria. No campo educacional, construíram-se mil escolas, que foram

vendidas ao Estado após a morte de Eva Perón. Foi construída a Cidade Universitária de

Córdoba, com capacidade para dar alojamento a 400 alunos argentinos e 150 estrangeiros.

Segundo Tenti, baseando-se nas Memórias da Fundação, esta mobilizou um equivalente

em recursos que, inicialmente, correspondeu a 50% do orçamento nacional em assistência

104 Em citação de Norberto ALAYON, Hacia la historia del trabajo social en la Argentina, 1980, p. 98, destacamos que, quase concomitantemente, foi criada a Escola de Assistentes Sociais da Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires. Essa escola dependeu da Escola de Assistentes Penais e, nela, encontra-se a instituição que deu origem à atual Faculdade de Trabalho Social da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires.

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social. Em 1953 representou 123% do orçamento da administração nacional em assistência

social. 105

Para se referir a como deveria ser denominada a ação social desenvolvida pela Fundação,

Eva Perón assinalava: 106

Não é filantropia, não é caridade, nem é esmola, não é solidariedade social, nem

beneficência. Nem sequer é ajuda social, embora o nome aproximado que eu lhe dei foi

esse. [...] Para mim é estritamente justiça. O que mais me indignava no princípio da ajuda

social era que a qualificassem como esmola ou beneficência. [...] Porque a esmola para

mim sempre foi um prazer dos ricos: o prazer desalmado de excitar o desejo dos pobres

sem deixá-lo nunca satisfeito. E, para isso, para que a esmola fosse ainda mais miserável e

cruel, inventaram a beneficência e assim somaram ao prazer perverso da esmola, o prazer

de se divertir alegremente com o pretexto da fome dos pobres. A esmola e a beneficência

são para mim uma ostentação de riqueza e de poder para humilhar os humildes.

Quando eu concebi minha obra de ajuda social, não pensei nem remotamente que teria

necessidade de fazer tudo o que depois me vi obrigada a realizar. A mim me obrigou a

necessidade dos pobres. Nisto se diferencia minha obra da que realizaram as decadentes

sociedades de damas de beneficência. [...] As obras da Fundação surgem da necessidade

dos descamisados de minha Pátria. As obras de assistência social que as “damas”

construíram na velha Argentina estavam pensadas por pessoas que ignoraram sempre a

necessidade dos pobres.

A Fundação proclamou os direitos dos idosos, os quais foram inclusos na Constituição de

1949. Foram construídos lares para idosos na Província de Buenos Aires, em Santa Fé, San

Miguel de Tucumán e Córdoba. E, ainda, três abrigos de trânsito na Capital Federal, com

capacidade para 1150 camas. Contava também com o Lar da Empregada “General Don

José de San Martín”, com uma capacidade de 500 camas, que disponibilizava abrigo a

empregadas domésticas que, por virem das províncias ou por não terem um lugar digno

para viver, precisavam de alojamento e alimentação.

105 Emilio TENTI FANFANI, Estado y pobreza: estrategias típicas de intervención, 1989, p. 81. 106 Em citação de Norberto ALAYON, Norberto. Hacia la historia del trabajo social en la Argentina, 1980, pp. 100-101.

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100

No dia 26 de julho de 1952, falece Eva Perón, e, como conseqüência, há uma mudança

significativa no funcionamento da Fundação. Dando seguimento ao regulamento

estatutário, passou a ser dirigida por um Conselho, que inicialmente foi presidido pelo

general Perón, e, finalmente, foi dissolvida em junho de 1956, com o fim do governo

peronista. Os estabelecimentos a ela vinculados passaram a integrar o Instituto Nacional de

Ação Social, os Ministérios de Assistência Social e Saúde Pública e os Ministérios de

Educação e Justiça.

Há um impasse em relação aos objetivos e à concepção da assistência social durante esse

período. Em alguns trabalhos, a opinião é que as intervenções da Fundação eram quase

sempre de ações pontuais, que não condiziam com a noção de direito à satisfação de

necessidades. Os bens e serviços foram atendidos caso a caso, em virtude de uma demanda

que recebia tratamento menos arbitrário por parte de quem tinha o poder de distribuí-los e

outorgá-los. 107

Margarita Rozas resgata três posições em relação às tarefas desenvolvidas pela Fundação:

uns, que defendem que a assistência social foi considerada um direito, e os pobres se

constituíram em sujeitos de direito; outros consideram que foi um espaço que praticava

uma assistência clientelista para desenvolver lealdades em relação ao governo peronista;

outros consideram que a Fundação, como organismo nacional de assistência social,

conjuntamente com outras políticas sociais, favoreceu um processo de inclusão dos setores

dominados da sociedade por meio do mecanismo de redistribuição da riqueza, isso

constituiu um avanço na ampliação de direitos sociais, mas não de direitos civis e políticos. 108

Considero que a Fundação Eva Perón combinou um trabalho que envolveu a ajuda social

direta e a efetivação de grandes obras de infra-estrutura ligadas às políticas universais de

saúde e educação, assim como incorporou necessidades e campos nunca considerados até

então, tais como o lazer e o turismo social. Ao ponderar, conjuntamente, que a ajuda social

direta e as obras de infra-estrutura possibilitaram o acesso massivo a serviços básicos para

uma grande parte da população, ocorreu uma efetiva mudança para aqueles que, até esse

momento, só tinham acesso a prestações e serviços restritos.

107 Cf. Emilio TENTI, Estado y pobreza: estrategias típicas de intervención, 1989, pp. 79-80. 108 Margarita, ROZAS, Las modificaciones de la intervención profesional en relación a la cuestión social en el contexto del Estado argentino: el caso del trabajo social, 2001, p. 110.

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101

2.6 A Constituição de 1949 e os direitos sociais

Durante o primeiro governo do general Perón, no ano de 1949, foi reformada a

Constituição Nacional. Essa modificação regeu o ordenamento jurídico da Argentina até o

ano de 1955 . A reforma introduziu novos direitos que se somaram aos da Carta Magna de

1853 com as modificações de 1860. Entre eles, destacam-se os direitos do trabalhador, os

direitos da família, da velhice, da educação, da cultura. Assim como referências à função

social da propriedade, à intervenção do Estado na economia, à propriedade estatal sobre as

fontes de energia e aos serviços públicos. 109

Os antecedentes normativos-constitucionais internacionais da reforma constitucional do

ano de 1949 podem ser referenciados no marco do constitucionalismo social, movimento

que nos países ocidentais exprimiu a ampliação do regime de garantias e uma limitação das

contingências sociais produzidas pelas características próprias do modo de produção

capitalista, pela crise mundial pós-Segunda Guerra Mundial e, para alguns autores, pelos

temores sobre o surgimento de movimentos políticos ligados ao socialismo. A

institucionalização da instância tripartite - Estado, trabalhadores, empresários - constituiu

uma matéria fundamental para a construção dos eixos da seguridade social e da

solidariedade social. O Capítulo III, consagrado aos trabalhadores, à família, à velhice, à

educação e à cultura, exprime uma boa parte dos conteúdos do projeto político social do

período, portanto, as bases das políticas que foram implementadas. A seguir, são

apresentados os títulos que tratam dos direitos do trabalhador, da família e da velhice.

Capítulo III. Direitos do trabalhador, da família, da velhice, da educação e da cultura.110

Capítulo III. Título 1. Do trabalhador.

1. Direito de trabalhar: o trabalho é um meio indispensável para satisfazer as necessidades espirituais e

materiais do indivíduo e da comunidade, a causa de todas as conquistas da civilização e o fundamento

da prosperidade geral; daí que o direito de trabalhar deva ser protegido pela sociedade, considerando-o

com a dignidade que merece e provendo ocupação a quem dela necessite.

109 Vide: www.saij.jus.gov.ar 110 Vide: www.saij.jus.gov.ar. Sistema Argentino de Informação Jurídica.

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1022. Direito a uma retribuição justa: sendo a riqueza, a renda e o interesse do capital frutos exclusivos do

trabalho humano, a comunidade deve organizar e reativar as fontes de produção de forma tal a

possibilitar e garantir ao trabalhador uma retribuição moral e material que satisfaça suas necessidades

vitais e seja compensatória do rendimento obtido e do esforço realizado.

3. Direito à capacitação: o melhoramento da condição humana e a preeminência dos valores do

espírito impõem a necessidade de propiciar a elevação da cultura e a atitude profissional, almejando

que todas as inteligências possam se orientar em todas as direções do conhecimento, e incumbe à

sociedade estimular o esforço individual, proporcionando os meios para que, em igualdade de

oportunidades, todo indivíduo possa exercitar o direito a aprender e se aperfeiçoar.

4. Direito a condições dignas de trabalho: a consideração devida ao ser humano, a importância que o

trabalho reveste como função social e o respeito recíproco entre os fatores congruentes da produção

consagram o direito dos indivíduos a exigir condições dignas e justas para o desenvolvimento da sua

atividade e a obrigação da sociedade de cuidar da estrita observância dos preceitos que as instituem e

regulamentam.

5. Direito à preservação da saúde: o cuidado da saúde física e moral dos indivíduos deve ser uma

preocupação primordial e constante da sociedade, à qual corresponde cuidar para que o regime de

trabalho reúna requisitos adequados de higiene e seguridade, não exceda as possibilidades normais de

esforço e possibilite a oportunidade de recuperação pelo repouso.

6. Direito ao bem-estar: o direito dos trabalhadores ao bem-estar, cuja expressão mínima se concretiza

na possibilidade de disporem de moradia, indumentária e alimentação adequadas, de satisfazerem sem

angústias suas necessidades, e as da família, de forma que lhes permita trabalhar com satisfação,

descansar livres de preocupações e gozar de expansões espirituais e materiais, impõe a necessidade

social de elevar o nível de vida e de trabalho com os recursos diretos e indiretos que permitam o

desenvolvimento econômico.

7. Direito à seguridade social: o direito dos indivíduos a serem amparados nos casos de diminuição,

suspensão ou perda de sua capacidade para o trabalho promove a obrigação da sociedade de tomar de

forma unilateral a seu cargo as prestações correspondentes ou de promover regimes de ajuda mútua

obrigatória destinados, uns e outros, a cobrir ou complementar as insuficiências ou a falta de aptidão,

próprias de certos períodos da vida ou das que resultem de infortúnios provenientes de riscos

eventuais.

8. Direito à proteção da família: a proteção da família responde a um natural desígnio do indivíduo,

desde que nela se geram seus mais elevados sentimentos, e todo o empenho tendente a seu bem-estar

deve ser estimulado e favorecido pela comunidade como o modo mais indicado de propender ao

melhoramento do gênero humano e à consolidação de princípios espirituais e morais que constituem a

essência da convivência social.

9. Direito à melhora econômica: a capacidade produtora e o empenho de superação encontram um

incentivo natural nas possibilidades de melhoramento econômico, motivo pelo qual a sociedade deve

apoiar e favorecer as iniciativas dos indivíduos tendentes a esse fim, e estimular a formação e

utilização de capitais, enquanto constitua elementos ativos da produção e contribuam para a

prosperidade geral.

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10310. Direito à defesa dos interesses profissionais: o direito de se agremiar livremente e de participar em

outras atividades lícitas tendentes à defesa dos interesses profissionais, constituem atribuições

essenciais dos trabalhadores, que a sociedade deve respeitar e proteger, assegurando seu livre exercício

e reprimindo todo ato que possa dificultá-lo ou impedí-lo.

II. Da família

A família, como núcleo primário e fundamental da sociedade, será objeto de proteção preferencial por

parte do Estado, que reconhece seus direitos no que diz respeito a sua constituição, defesa e ao

cumprimento de seus fins.

1. O Estado protege o matrimônio, garante a igualdade jurídica dos cônjuges e o pátrio poder.

2. O Estado formará a unidade econômica familiar, de conformidade com o que uma lei especial

estabeleça.

3. O Estado garante o bem da família conforme a lei especial que o determine.

4. A atenção e a assistência à mãe e da criança gozarão da especial e privilegiada consideração do

Estado.

III. Da velhice

1. Direito à assistência: todo idoso tem direito à sua proteção integral, por conta e cargo de sua família.

Em caso de desamparo, corresponde ao Estado prover a essa proteção, seja de forma direta ou por

intermédio das instituições e fundações criadas, ou que se criarem com esse fim, sem prejuízo da sub-

rogação do Estado ou de ditas instituições, para demandar aos familiares remissos e solventes os

aportes que lhes correspondam.

2. Direito à moradia: o direito a um albergue higiênico, com um mínimo de comodidades do lar, é

inerente à condição humana.

3. Direito à alimentação: a alimentação saudável e adequada, que corresponda à idade e ao estado

físico de cada um, deve ser contemplada de forma particular.

4. Direito à vestimenta: o vestido decoroso e apropriado ao clima complementa o direito anterior.

5. Direito ao cuidado da saúde física: o cuidado da saúde física dos idosos há de ser preocupação

especial e permanente.

6. Direito ao cuidado da saúde moral: deve se assegurar o livre exercício das expansões espirituais,

acordes com a moral e o culto.

7. Direito ao lazer: há de se reconhecer para os idosos o direito de gozar, com mesura, de um mínimo

de entretenimentos para que possam sobrelevar com satisfação suas horas de espera.

8. Direito ao trabalho: quando o estado e as condições o permitam, a ocupação por meio da terapia de

trabalho produtivo. Evitar-se-á assim, a diminuição da auto-estima.

9. Direito à tranqüilidade: gozar de tranqüilidade, livre de angústias e preocupações, nos últimos anos

de existência, é patrimônio do idoso.

10. Direito ao respeito: a velhice tem direito ao respeito e consideração de seus semelhantes.

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104

A Constituição de 1949 foi derrogada pela chamada Revolução Libertadora, no ano de

1956, e a Convenção Constituinte promoveu outra reforma constitucional, que se conhece

como Reforma de 1957. Reforma pela qual ficava sem efeito a Constituição de 1949 e se

retomava a Constituição de 1853, e cuja ênfase, enquanto projeto social, volta a estar no

artigo 14 bis, que garante direitos civis e políticos. O fundamento ideológico da “reforma

do ano 49” na Argentina, foi a justiça social, entendida como a prática social e política do

que se chamou Estado de Bem-Estar, cujo desenvolvimento se entrosou com a

institucionalização e a implementação de políticas sociais.

No que se refere à institucionalização da assistência social, podem-se destacar duas feições

importantes, a primeira, relativa às mudanças na formação dos profissionais da assistência

social, no ano de 1959, como decorrência da criação do Instituto de Serviço Social,

dependente do Ministério de Assistência Social e Saúde da Nação, durante a presidência do

Doutor Arturo Frondizi.111

Essa instituição foi desenhada a partir das recomendações da assessora chilena, Valentina

Maidagán de Ugarte, que assinalava que as denominações de “Instituto de Serviço Social”

e de “Trabalhador Social” (título utilizado pela primeira vez na Argentina para os

graduados de Serviço Social) tinham por objetivo diferenciar e dar nível profissional ao

ensino que, pela intensidade e duração dos estudos e práticas, era totalmente distinto do

oferecido até esse momento. Concluía assim uma etapa iniciada em 1957, dando origem a

um relevante centro de formação em Serviço Social, que se constitui em bastião

profissional do período ‘desenvolvimentista’. Erigiu-se como um elemento fundamental de

atualização e dinamização profissional, com a conseqüente seqüela de conflitos inerentes a

esse tipo de situações.112

111 Segundo assinala Norberto ALAYON, no livro Historia del trabajo social en la Argentina, 1980, p. 219-220. No ano de 1957, o governo argentino tinha solicitado à Administração de Assistência Técnica das Nações Unidas a missão de assessorar tecnicamente a efetivação do ensino de Serviço Social. As tarefas específicas encomendadas a Maidagán de Ugarte foram as de a) revisar os programas das Escolas de Serviço Social em funcionamento, acentuando a importância da “super- vigilância” do trabalho prático, b) promover uma relação estreita entre as escolas de Serviço Social e c) interpretar o Serviço Social como uma profissão, nas instituições e organismos interessados, por meio de dissertações, entrevistas, reuniões, etc. 112 Norberto ALAYON, Hacia la historia del trabajo social en la Argentina, 1980. p. 225. O livro aporta, em apêndice, dados sobre as escolas de Serviço Social que conformam os antecedentes, na Cidade de Buenos Aires, do período denominado de profissionalização do Serviço Social. A Escola de Serviço Social da Faculdade de Direito e Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires (atualmente funciona na Faculdade de Ciências Sociais) foi fundada em abril de 1941 e a Escola de Visitadoras de Higiene, dependente da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Buenos Aires, foi fundada em agosto de 1924. A

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105

Outro fato importante, em termos de institucionalização da assistência social, deu-se

durante o ano de 1966, quando da criação do Ministério de Bem-Estar Social e, em cuja

égide, instalou-se a Secretaria de Promoção e Assistência à Comunidade. Foi a partir desse

ministério que se desenvolveram as tarefas ligadas ao desenvolvimento da comunidade

relacionado às políticas de governos de tom desenvolvimentista para a América Latina. A

mudança social é concebida como produto do esforço consciente dos governos e dos

técnicos. As políticas sociais e, dentre elas, a assistência social, estiveram tensionadas entre

as propostas que se vinham desenvolvendo desde 1930 e o advento da comunidade como

ferramenta para a mudança.

Segundo Barbeito e Lo Vuolo (1998), a visão do “desenvolvimento da comunidade”, que

alimentou a ideologia e a prática de importantes grupos vinculados à área das políticas

sociais na Argentina explica, em parte, a dinâmica das políticas assistenciais. A ideologia

corporativa-comunitária permeou a construção do Estado de Bem-Estar autóctone, pelo

menos em dois aspectos: 1) a transferência de fundos públicos a organizações

intermediárias (sindicatos, corporações e instituições religiosas); 2) o privilégio nas

políticas de assistência social enquanto práticas isoladas e focalizadas, e a limitação das

possibilidades de mobilizar os setores beneficiários na perspetiva de um modelo de Estado

social baseado na integração.

2.7 A assistência aocial e as discussões sobre a gênese e desenvolvimento do Estado de

bem-estar argentino

Existe consenso em reconhecer que entre 1943 e 1950 se formularam as bases do que seria

o Estado de Bem-Estar argentino e, do mesmo modo, se considera que o modelo se

alongou até 1976, ano que marca o início do último governo do regime militar. Em vista

disso, o modelo teve como característica a alternância de regimes de governo democráticos

e militares. O modelo argentino de Estado de Bem-Estar conservou algumas características

do modelo clássico atribuído aos países europeus, como a intervenção estatal na economia,

no contexto de trânsito de uma economia agro-exportadora ao modelo de substituição de

importações, e instituições sociais que não foram desmontadas, apesar da alternância de

Faculdade de Serviço Social da Universidade do Museu Social Argentino foi fundada em junho de 1930. O Instituto de Serviço Social, criado em 1959, ligada ao Ministério, deixou de funcionar no ano de 1969.

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106

regimes, embora não se possa falar claramente da ocorrência da desmercadorização de

acessos sociais, como afirma Esping Andersen na caraterização dos welfare states. A

escolha das datas não invalida os processos. O trânsito, entre uma forma de relação Estado

e Sociedade, sem dúvida, responde a processos e não a datas ajustadas. A escolha, no caso

argentino, tem a ver com os períodos de governo cuja caraterística determina ou não a

prevalência das garantias e direitos constitucionais, o que resulta útil para a exposição das

idéias preponderantes.

Numa avaliação relativamente recente, Barbeito e Lo Vuolo, 113 tomando como modelo a

tipologia de análise proposta por Esping-Andersen, abalizam que, na Argentina, no período

de amadurecimento do Estado de Bem-Estar, configurou-se um “híbrido institucional” no

qual confluíram um modelo conservador ou corporativo de proteção social e traços do

modelo social- democrata. As políticas que assumiram aspectos típicos do modelo

corporativo foram as de previdência social, de alocações familiares e de obras sociais

baseadas na trajetória de trabalho formal dos beneficiários (que se constituíam em

possuidores do direito a partir da realização de contribuições baseadas na inserção pelo

trabalho). As políticas que assumiram traços do modelo social-democrata foram a

educação e alguns itens da saúde. Nesse modelo, segundo esses autores, as políticas de

assistência social foram residuais, pelas funções e objetivos difusos atribuídos às mesmas.

Dois momentos recentes geraram uma profunda revisão dos princípios fundadores da

relação Estado-Sociedade na Argentina, e, em particular, da gênese e amadurecimento do

Estado de Bem-Estar: as reformas estatais e da economia, na década de 1990, e a crise de

2001. Nesse percurso, ocorreram dois fatos marcantes: o governo militar iniciado em 1976,

que correspondeu a um dos períodos não democráticos mais extensos na história argentina,

e os anos conhecidos como de redemocratização, a partir do governo de Raúl Alfonsín, em

1983. Numerosos trabalhos na área das ciências sociais foram produzidos nesses anos,

cujos conteúdos contribuíram para se repensar a relação Estado-Sociedade, e as políticas

desenvolvidas no período entre as décadas de 1940 e 1976.

Ainda que o objetivo aqui não seja elucidar o caráter do Estado de Bem-Estar argentino -

nem apresentar um relato pormenorizado dos fatos recentes da história argentina - mas

113 Alberto BARBEITO e Rubén LO VUOLO, La nueva oscuridad de la política social: del estado populista al neoconservador, 1998; Guillermo ALONSO, Política y seguridad social en la Argentina de los ’90, 2000, capítulo I e capítulo II.

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107

contribuir com a configuração histórica da assistência social nos diversos contextos, as

reflexões sobre o caráter desse modelo social poderão colaborar para uma melhor

compreensão do enquadramento do objeto de estudo. Já é de praxe pôr em questão a idéia

da existência de um Estado de Bem-Estar na Argentina, assim como em outros países da

América Latina, se amparando no argumento de que os países dessa região não atingiram o

patamar de desenvolvimento das condições de universalidade alcançadas por alguns dos

países europeus. Segundo Repetto, durante grande parte da segunda metade do século XX,

na Argentina, gerou-se a ilusão de se contar com um sistema universal de política social

cujo eixo dominante foi a seguridade social e no qual o alcance da previdência social e das

contribuições familiares aumentaram consideravelmente.

A educação, a partir da Lei 1.420, promulgada no ano de 1884, teve um caráter universal e

com garantia de acesso a todos os cidadãos, sem distinção. Na saúde, existiu uma

superposição de uma proposta universal e os interesses dos sindicatos, cuja força e poder

decisório aumentaram durante os governos peronistas, que defenderam as “obras

sociais”.114 como prestadoras de serviços de saúde e por ramo do trabalho e cuja

conseqüência foi um modelo misto de cidadão-trabalhador, que perdurou até o fim dos

anos 1980. O desenvolvimento da categoria de trabalhador e seus direitos específicos

mantiveram como residual a assistência social destinada àqueles que não pudessem se

incorporar ao mercado de trabalho.

Grassi, Hintze e Neufeld (1994) assinalam que a característica da Argentina foi um

escasso desenvolvimento da categoria de cidadão, e um amplo alcance da categoria de

trabalhador, e reconhecem que a expansão dos direitos sociais não esteve ligada à

cidadania, mas sim à constituição da categoria de trabalhador. O processo de

universalização de direitos derivou-se na ampliação dessa categoria, quase sobreposta à de

cidadão, mas as autoras reconhecem que a questão se reveste de maior complexidade

porque se superpõem direitos constitutivos (e complementares) que obrigam a considerar

as políticas por campo de direitos. No entanto, a educação foi um caso típico de política

cujo direito de acesso constitui cidadãos, qualquer que seja o lugar destes na estrutura

114 Instituições ligadas aos sindicatos de categorias profissionais, com o objetivo de fornecer, aos trabalhadores sindicalizados, serviços de saúde, cultura e lazer, de forma gratuita ou em condições adequadas para esses trabalhadores. A Lei 18.810 determinou uma contribuição de 3% do salário para este fim, que é administrada pelo sindicato da categoria correspondente.

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social, e as obras sociais e a previsão social foram determinadas pela posição e capacidade

de contribuição ao sistema.

Em trabalho de tese recente, Margarita Rozas destaca que o ponto máximo do princípio da

universalidade, na Argentina, foi atingido no momento em que toda a população esteve

juridicamente amparada pela assistência social e pelo regime de seguros sociais. Esse

período corresponde aos anos de 1950-1956, no qual o seguro social operou a previdência

social, e a cobertura de saúde era complementada com a provisão de assistência social e de

saúde prestada nos hospitais públicos. Também a educação gratuita oferecida nos

estabelecimentos estatais nos níveis primário, secundário e superior, a expansão do salário

familiar e as aproximações ao pleno emprego implicavam uma seguridade integral em

relação ao salário, à saúde e educação. 115

Para alguns autores, a constituição dos traços que modelaram a etapa inicial de constituição

do Estado de Bem-Estar tornou necessária uma redefinição do Estado em sua relação com

a sociedade, por via das políticas sociais e das políticas laborais. A justificativa da

assistência em termos de justiça, e da regulação do mercado e das relações laborais em

termos de direitos, dão o caráter fundador a um novo modelo social, no qual e a partir do

qual a categoria de trabalhador se redefine e amplia, atingindo - e dando identidade - a um

espectro de categorias que ultrapassam a categoria de trabalhador da indústria, mas que

cabem na de assalariado formal. A regulação de âmbitos laborais, tão distintos como a do

jornalismo (com a sanção do estatuto do jornalista) e o de peões rurais (com o estatuto do

peão rural), são bons exemplos do alcance desta categoria e da formalização do trabalho,

que assim pode se constituir em quase substitutiva da cidadania. 116 O sujeito dos direitos

tem sido o trabalhador (mais ainda o trabalhador formal) e as altas taxas de ocupação

deram sustento a estigmatizar a clientela pobre da assistência social, população excluída

do mercado de trabalho e dos direitos específicos de seus membros. 117

115 Margarita ROZAS, Las modificaciones de la intervención profesional en relación a la cuestión social en el contexto del Estado argentino: el caso del Trabajo Social, 2001, p. 93, citando a tese de doutorado de Mercedes Escalada, da Universidade Iberoamericana, México, 1997. 116 Estela GRASSI, Susana HINTZE, María Rosa NEUFELD, Políticas sociales, crisis y ajuste estructural, 1994, p. 122. 117Cf. Estela GRASSI, Susana HINTZE, María Rosa NEUFELD, Políticas sociales, crisis y ajuste estructural, 1994, p. 123. Também assinalado por Alberto BARBEITO, Rubén LO VUOLO, La modernización excluyente, 1995, pp. 120-122.

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Para Barbeito e Lo Vuolo, a matriz política que permeou a construção e maturação do

Estado de Bem-Estar argentino não se explica nem pela coabitação entre partidos

políticos competitivos e políticas econômicas keynesianas – ao estilo das sociais-

democracias européias - nem também como um jogo de pressão de forças sociais

organizadas em torno de reivindicações de classe. Antes bem, aparece como uma

complexa teia de aranha em que se foram agregando de forma anárquica as negociações

do poder político de turno e os diferentes grupos corporativos, sob o amparo de uma visão

dualista do funcionamento do sistema econômico.118

A idéia de que a economia argentina se desenvolvia num círculo virtuoso de crescimento

auto-sustentado, sem problemas de absorção de emprego assalariado e com tendência

crescente de salário, alimentou um discurso que supunha a universalização da cobertura

mediante a agregação de corpos autônomos de seguros sociais, identificados com

contingências e grupos laborais específicos, aspectos estes permeados por uma constante

tensão entre o universalismo e o particularismo. A confusão entre uma pretensão universal

e uma prática particular permeou a construção do sistema de políticas sociais e encontrou

um ambiente funcional no modelo econômico prevalecente durante o processo de

industrialização por substituição de importações. Essa lógica permeou o processo de

construção e maturação do sistema de políticas sociais na Argentina. Junto com o discurso

universal, global e solidário, convive uma realidade fragmentada, particularista e

corporativa. A expansão das atividades públicas na Argentina deve ser entendida como um

instrumento utilizado para consolidar lealdades e construir poder político. 119

118 Cf. Alberto BARBEITO, Rubén LO VUOLO, La modernización excluyente, 1995, p. 119. 119 Cf. Alberto BARBEITO, Ribén, LO VUOLO, Rubén. La modernización excluyente: transformación económica y Estado de Bienestar en Argentina, 1995. O termo corporativo, segundo os autores, não esgota a referência às tradicionais associações sindicais ou empresarias; elas incluem grupos de interesse vinculados com diversas áreas do Estado, seja ao interior do mesmo, como empreiteiros de obras, fornecedores de insumos, instituições subsidiadas, e grupos de profissionais de diferentes áreas: advogados na administração de justiça, médicos na saúde, docentes na educação, etc. Pode-se consultar: Alberto BARBEITO e Rubén LO VUOLO, La nueva oscuridad de la política social: del estado populista al neoconservador, 1998; Guillermo ALONSO, Política y seguridad social en la Argentina de los ’90, 2000, capítulo I e capítulo II; Fabián REPETTO e Guillermo ALONSO, La economía política de la política social argentina, 2004.

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110Quadro 10. Aspectos relevantes para o estudo da assistência social na proteção social na Argentina,

período de 1930 a 2001

Ano Aspectos relevantes para o estudo da proteção social na Argentina

Aspectos relevantes da evolução política

1930 Subsídio à maternidade Governo de José Félix Uriburu Crise Mundial de 1930

1932

Criação da Comissão de Assistência Social ao desemprego Criação do Fundo de Assistência Social (antes Fundo de Subsídios)

Governo de Agustín P. Justo (1932-1938)

1933 Primeira Conferência Nacional de Assistência Social organizada pelo Ministério de Relações Exteriores e Culto

Pacto Roca-Runciman: maior dependência com a Inglaterra

1937

Criação do Registro de Entidades de Assistência Social e organização do Ficheiro de necessitados de assistência social

Governo de Roberto Ortiz (1928-1942)

1940 Criação do Registro Nacional de Entidades de Assistência Social Criação do subsídio por filho

Governo de Ramón Castillo (1942-1943)

1941 Criação da Direção-Geral de Subsídios 1943

Direção Nacional de Saúde Pública e Assistência Social (incluía o Departamento de Higiene, a Comissão Assessora de Albergues e Hospitais, o Instituto Nacional de Nutrição, a Sociedade de Beneficência da Capital Federal, o Registro Nacional de Assistência Social e Médicos). Criação da Secretaria de Trabalho e Previdência

1944

Criação da Direção Geral de Assistência Social (beneficência, lares e abrigos, assistência social), dependente da Secretaria de Trabalho e Previsão Criação da Comissão de Serviços Sociais, cujo objetivo foi impulsionar a criação de serviços sociais em estabelecimentos dedicados a diferentes áreas da atividade humana Direção Nacional de Saúde Pública

Governo de Farrell (1944-1946)

1945

Criação da Direção de Serviço Social, dependente da Direção de Assistência Social da Secretaria de Trabalho e Previdência.

O general Perón é o secretário de Trabalho e Previdência.

1948

19 de junho. Criação da Fundação de Ajuda Social María Eva Duarte de Perón, cujos objetivos incluíam a criação de estabelecimentos hospitalares, assistenciais, turísticos, a construção de moradia, a outorga de bolsas, subsídios, a promoção do esporte infantil e juvenil, etc. Agosto. Criação da Direção Nacional de Assistência Social (Direção-Geral de Assistência Social da Secretaria de Trabalho e Previsão, Sociedade de Beneficência da Capital Federal e associações, com fins idênticos, localizadas no território nacional)

População total: 15.893.811. População urbana: 62,2%. Governo de Juan Domingo Perón (1946-1952 e 1952-1955) Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948

1949 Constituição de 1949: inclusão dos direitos sociais.

1955 Fim da Fundação Eva Perón. A estrutura passa a formar parte do Instituto Nacional de Ação Social, dependente da Presidência Provisional da Nação.

Governo do general Lonardi (1955)

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1111956 Dissolução da Fundação Eva Perón. Os

estabelecimentos dependentes dela se incorporaram ao Instituto Nacional de Ação Social, ao Ministério de Assistência Social e Saúde Pública; e ao Ministério de Educação e Justiça

Governo do general Pedro Eugenio Aramburu (1955-1958)

1957 Reforma Constitucional do ano de 1957 Retorno aos conteúdos da Constituição de 1853

1958

Governo de Arturo Frondizi (1958-1962). Modelo Desenvolvimentista

1959

Criação do Instituto de Serviço Social do Ministério de Assistência Social e Saúde Pública da Nação

População total: 20.013.793. População urbana: 72% (dados para 1960) Governo de Arturo Illia (1963-1966).

1973 Governo de Cámpora, Lastiri e Juan Domingo Perón. Governo de Maria Estela Martínez de Perón (1974-1976)

1976 Ditadura militar (1976-1983) Governo Militar do general Videla (1976-1981)

1980

População total: 27.949.480. População urbana: 82,8%.

1983 Restabelecimento de liberdades públicas e direitos humanos

Governo de Raúl Alfonsín (1983-1989)

1991

Reformas econômicas Privatização de serviços públicos Descentralização da educação primária, educação secundária e saúde Lei 24.013. Seguro-desemprego (cobertura oficial a todos os trabalhadores formais de todos os setores)

Governo de Carlos Saúl Menem (1989-1999). População total: 32.615.528 População urbana: 88,4%.

1994

Reforma constitucional de 1994. Constituição vigente Lei 24.241. Sistema Integrado de Aposentadorias e Pensões Criação da Secretaria de Desenvolvimento Social

1995 Lei 24.557. Lei de Riscos do Trabalho (LRT).

1997 Lei 24.907. Criação do Sistema de Prestações Básicas de Atenção Integral a Favor das Pessoas com Deficiência.

2001 Criação do Conselho Nacional de Coordenação de Políticas Sociais (CNCPS)

Governo Fernando de la Rua. Crise de 2001. População total: 36.260.130 População urbana: 89,4%

Fontes: Norberto ALAYON, Hacia la historia del trabajo social en la Argentina, 1980; Ernesto ISUANI, Los orígenes conflictivos de la seguridad social argentina, 1985; Estela GRASSI, La mujer y la profesión de asistente social: el control de la vida cotidiana, 1989; Emilio TENTI FANFANI, Estado y pobreza: estrategias típicas de interv2.8ención, 1989; Fabio M. BERTRANOU e Damián, BONARI (coords.), Protección Social en Argentina: financiamento, cobertura y desempeño, 2005. Os dados referentes à população correspondem a dados censitários disponíveis no relatório da OIT. (Construção própria)

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112

2.8 A conformação das áreas da proteção social e assistência social

Na introdução deste capítulo, acentuaram-se as áreas da proteção social na Argentina.

Aqui, vai se tratar da síntese de sua inclusão nesta arquitetura, desde a década de 1990.

A área de saúde foi entendida como responsabilidade do Estado, durante as décadas de

1940 e 1950, sob um projeto que atingiu a atenção das condições sanitárias de toda a

população. Evoluiu de um sistema baseado na beneficência e o mutualismo em direção a

um sistema fragmentado, assentado na provisão pública administrada pelos governos

provinciais, o sistema de seguro social das obras sociais, e o setor privado, cujos serviços

são financiados pelas instituições de seguridade social e os aportes dos particulares.

Inicialmente, o sistema público de atenção médica estava composto por estabelecimentos

municipais, em todo o território nacional, sociedades de beneficência com aportes dos

benfeitores, subsídios públicos e tarifas sobre as prestações e estabelecimentos nacionais,

com sede na cidade de Buenos Aires. Durante a década de 1990, definiram-se os três eixos:

o setor público, a seguridade social e o setor privado.

A Lei 22.431, de 1981, é o antecedente mais importante da área de deficiência.120 Essa lei

dispôs que o Estado deve garantir a atenção integral à saúde, educação e condições

adequadas de emprego às pessoas cuja situação esteja certificada pelo Ministério de Saúde

e Meio Ambiente, sempre e quando careçam de sustento econômico e cobertura de

saúde.121 Durante o ano de 1997, criou-se o Sistema de Prestações Básicas de Atenção

Integral a favor das pessoas com deficiência, pela Lei 24.901, cujo fim é assegurar a

universalidade da atenção a essas pessoas por meio de políticas e recursos institucionais

próprios. Esse sistema oferece prestações de caráter preventivo, de reabilitação,

terapêuticas, educativas e assistenciais.

120 Essa lei considera como deficiente “toda pessoa que padeça de uma alteração funcional permanente ou prolongada, física ou mental em relação a sua idade e meio social, implique desvantagens consideráveis para sua integração familiar, social, educacional ou trabalhista”. A Comissão Nacional Assessora para a Integração de Pessoas com Deficiência tem a função de regular e elaborar normas a respeito. Para implementar o sistema, foi criado o Registro Nacional de Pessoas com Deficiência e o Registro Nacional de Prestadores, assim como se estabeleceu uma nomenclatura para padronizar as prestações e os critérios de financiamento. A responsabilidade final ficou a cargo do Serviço Nacional de Pessoas com Deficiência, dependente do Ministério de Saúde e de Meio Ambiente. Em caso de descumprimento, as pessoas com deficiência podem recorrer à justiça e apresentar recursos de amparo - liminares - e, assim, solicitar o cumprimento de seus direitos. 121 Lei 22.431, Institución del Sistema Integral de Personas Discapacitadas, Buenos Aires, 16 de março de 1981.

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113

A área de acidentes de trabalho e doenças profissionais está contemplada no sistema

integrado de prevenção e reparação dos sinistros trabalhistas, que se incorporou à estrutura

jurídica no ano de 1995, a partir da sanção da Lei 24.557, conhecida como LRT (Lei de

Riscos do Trabalho) 122. Até então, a legislação só contemplava a compensação econômica

do dano ocorrido, sem procurar medidas preventivas.

A área que inclui velhice, invalidez e sobrevivência conformou-se a partir do sistema de

previdência, ao final do século XIX, a partir dos regimes de seguridade social para grupos

específicos de trabalhadores; os primeiros a receber proteção foram os militares e juízes,

posteriormente, esta se estendeu a empregados públicos e segmentos minoritários de

assalariados.

A partir da década de 1940, a cobertura do sistema estendeu-se até quase alcançar a

totalidade dos trabalhadores formais e uma parte dos trabalhadores autônomos. Ao fim da

década de 1960, essa extensão foi consolidada pelo Sistema Nacional de Previdência

Social. Em 1994, pela Lei 24.241, introduziu-se uma reforma estrutural do sistema

previdenciário e se estabeleceu o Sistema Integrado de Aposentadorias e Pensões, que

passou a compreender todos os trabalhadores maiores de 18 anos em relação de

dependência, na atividade pública ou privada, e os trabalhadores autônomos. Os

empregados públicos provinciais ou municipais mantiveram suas coberturas nesses

níveis.123

A área família e filhos inclui o sistema de alocações familiares. 124 Esse sistema surgiu em

meados da década de 1930, com o subsídio à maternidade, e, na década de 1940,

incorporou-se o subsídio por filho, no setor bancário. Esse sistema estabelece que o

122 Alicia GIORGI, Manual de Seguridad Social, 1999, capítulo VIII. Considera-se acidente de trabalho, todo acontecimento súbito e violento ocorrido pelo trabalho ou em ocasião do trabalho, ou no trajeto entre o domicílio do trabalhador e o local de trabalho. Com relação às doenças profissionais, o seu reconhecimento está vinculado à relação de doenças profissionais que a lei especifica. 123 A Lei 18.037, de 1969, determinou um único regime para os trabalhadores em relação de dependência e, pela Lei 18.038, estabeleceu-se um regime para os trabalhadores autônomos. (Alicia GIORGI, Manual de Seguridad Social, 1999, capítulo VI.) 124 Alicia GIORGI, Manual de Seguridad Social, 1999, capítulo IX. Na década de 1950, formalizou-se o sistema de alocações, a partir da criação de caixas compensadoras estabelecidas pelos convênios coletivos de trabalho. A partir de 1967, unificou-se a normativa do sistema, embora cada caixa (por convênio de trabalho) mantivesse sua estrutura administrativa independente. Nos inícios da década de 1970, estendeu-se o beneficio aos empregados públicos, e, no ano de 1973, aos aposentados. As caixas mantiveram seu caráter público não estatal e as prestações dos passivos eram cobertas com os aportes dos ativos.

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114

empregador deve pagar mensalmente o montante total de alocações familiares, calculado

como uma porcentagem fixa da massa salarial. As alocações por nascimento, adoção e

matrimônio são pagas pelo empregador, enquanto que as alocações por matrimônio, pré-

natal, filhos, filhos com deficiência, e ajuda escolar são solicitadas à Administração

Nacional da Seguridade Social (ANSES). 125

A área de proteção do desemprego e mercado laboral e a implementação do seguro-

desemprego que cobre todos os setores, são tardias. A partir da sanção da Lei 24.013, no

ano de 1991, geraram-se condições necessárias para implantar o seguro-desemprego e

programas de emprego. 126

Os programas de emprego adquirem importância na década de 1990, a partir da sanção da

Lei 24.013, que autorizou o Ministério de Trabalho e Seguridade Social a estabelecer

periodicamente programas destinados a fomentar o emprego de trabalhadores desocupados. 127 Durante o ano de 2002, no marco do que o Poder Executivo Nacional denominou

Emergência Ocupacional, implementou-se o Plano Chefas e Chefes de Lares

Desempregados, cujo objetivo foi dar uma ajuda mensal não remunerativa de 150 pesos

aos chefes de lar desempregados com filhos menores de 18 anos, com o fim de proteger os

lares e assegurar a concorrência à escola e o controle da saúde dos filhos a seu cargo.128

125 Esse montante pode exceder ou não o total efetivamente pago aos trabalhadores por alocações familiares. O sistema permite o cômputo da diferença como crédito ou débito dos aportes de alocações familiares à caixa compensadora. O sistema limita o recebimento de alocações familiares a um dos cônjuges, e os limites de ingressos se aplicam sobre os salários individuais e não sobre os familiares. O montante das alocações é determinado pelo Poder Executivo Nacional e não conta com um mecanismo de atualização. 126 Alicia GIORGI, Manual de Seguridad Social, 1999, capítulo X. O seguro-desemprego pode ser solicitado pelos trabalhadores compreendidos na Lei de Contrato de Trabalho 20.744, de 1974, sob as seguintes condições: ter aportado ao Fundo Nacional de Emprego durante ao menos 12 meses, e ter perdido o seu trabalho por causas consideradas como situações legais do desemprego: a) demitido sem causa justa, b) demitido for falta ou diminuição de trabalho, não imputável ao empregador, c) rescisão do contrato por denúncia do trabalhador fundada em causa justa, d) extinção coletiva total por motivo econômico ou tecnológico do contrato de trabalho, e) extinção do contrato por falência ou concurso do empregador, f) expiração do tempo acordado para a realização da obra ou serviço objeto do contrato, g) morte, aposentadoria ou invalidez do empresário e sob as condições que determinem a expiração do contrato, h) não reinício do contrato de trabalho de temporada por causas alheias ao trabalhador. 127 A partir de 1997, as províncias complementam o acionar da Nação com planos de financiamento e desenho próprios. Os mais importantes programas nacionais desde 2001 foram: Programa de Emergência Laboral Trabalhar e Criar Trabalho, Proemprego, Serviços Comunitários, Programas Especiais de Emprego e Programa Forestar. Fabio M. BERTRANOU e Damián, BONARI (coords.), Protección Social en Argentina: financiamento, cobertura y desempeño, 1990-2003, 2005. 128 Os municípios e os Conselhos Consultivos Locais determinam as atividades que deveriam cumprir os beneficiários do programa como contraprestação. Nos mesmos, podem participar organismos públicos ou privados, sem fins lucrativos, propondo atividades ou projetos e assim incorporando beneficiários para que realizem uma contraprestação. Para isso, devem estar habilitados como “organismos executores” pelos Conselhos Consultivos Locais.

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115

A área das Pensões não Contributivas toma forma no ano de 1994, quando é separada dos

regimes contributivos do Sistema Integrado de Aposentadorias e Pensões. Em princípio,

essas pensões dependiam da Secretaria de Desenvolvimento Social, da Presidência da

Nação, e, desde 1999, são administradas pelo Ministério de Desenvolvimento Social. Essas

pensões são outorgadas sob diversas modalidades: por velhice, por invalidez, mães com

mais de sete filhos, para aqueles que foram combatentes da Guerra das Malvinas, para

familiares de desaparecidos durante a ditadura, pensões discricionárias para legisladores

nacionais.

Existem, ainda, a área de educação básica, que compreende os programas destinados a

complementar as atividades do sistema educativo (programas de bolsas, provisão de livros

e materiais escolares) e a melhorar a prestação do serviço educativo nas escolas

desfavorecidas, e a área de moradia e saneamento.

Na área de assistência social, um dos fatos que marcou a década de 1990 foi a criação da

Secretaria de Desenvolvimento Social, no ano de 1994, sob o objetivo de “centralizar e

aprofundar as políticas de assistência social da população, incluindo na mesma estrutura o

setor da moradia, as políticas voltadas à terceira idade e o desenvolvimento de projetos de

cooperação técnica com outros ministérios e com organismos internacionais”.129 Durante o

ano de 2000, elevou-se a condição da Secretaria de Desenvolvimento Social e institui-se o

Ministério de Desenvolvimento Social e Meio Ambiente, cujo objetivo foi “o de coordenar

e executar as políticas de promoção dos grupos humanos com necessidades básicas

insatisfeitas, gerar e implementar programas para proteger o meio ambiente e executar

programas para promover o esporte”.

Segundo assinala o Relatório da OIT, os programas sociais nacionais caracterizaram-se por

um reduzido grau de permanência, e só alguns se mantiveram durante o período de 1994-

2003: o Programa Social Agropecuário, o Programa de Desenvolvimento Social de Áreas

de Fronteira do Noroeste Argentino com Necessidades Básicas Insatisfeitas. Por outro

lado, praticamente todos os programas de assistência social são focalizados - por critérios

129 A secretaria implementou programas focalizados em diferentes dimensões, e em cuja definição intervieram os organismos internacionais, o Banco Mundial especialmente. Em 1997, como tentativa para reduzir a fragmentação dos programas sociais e com o propósito de definir metas claras para a alocação de recursos, se constituiu o Gabinete Social, como âmbito interministerial e integrado pelos ministros de Trabalho, Economia, Saúde, do Interior, o secretário de Desenvolvimento Social e o presidente da Comissão Nacional de Terras Fiscais Nacionais; em 2002 foi dissolvido.

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116

geográficos, de auto-exclusão ou por indicadores socioeconômicos - e são executados

pelos governos provinciais, municipais e por organizações da sociedade civil, embora

financiados com recursos nacionais e crédito externo. 130

O principal programa, o Ingresso para o Desenvolvimento Humano (IDH) inicia-se com o

intuito de contribuir para reduzir a emergência social, e seus recursos provinham, na etapa

inicial, da reformulação do programa de atenção a grupos vulneráveis, e de créditos

específicos outorgados pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Os eixos do

programa são:

• o ingresso para as famílias, por meio de subsídios sujeitos a contraprestação em

saúde e escolaridade, para aquelas com filhos menores de 19 anos, e que não

recebam ajuda econômica do Estado, nem alocações familiares. O montante é

calculado em proporção ao tamanho da família, sendo 100 pesos para o primeiro

filho, e incrementa-se com o número de filhos até um máximo de 200 pesos;

• a gestão associada, cujo objetivo é facilitar o acesso dos beneficiários aos serviços

de saúde básicos e de educação, e, ao mesmo tempo, como parte das

contraprestações requeridas.

A área de alimentação e nutrição encontra origem no ano de 1936, com a criação da

Direção Nacional de Maternidade e Infância e o Programa Materno-Infantil (PMI)

implementado um ano depois, com o objetivo de atender e promover a saúde das mulheres

grávidas, mães, filhos e adolescentes.131 Na década de 1960, a unidade de intervenção

passou a ser a comunidade, no lugar do indivíduo. Nesse contexto, surgiu o Programa de

Refeitórios Escolares, e, tempo depois, o programa de Promoção Social Nutricional, da

Secretaria de Bem-Estar Social, para dar ajuda alimentária aos engenhos açucareiros de

Tucumán afetados pela crise econômica. Em 1984, foi implementado o Programa

Alimentar Nacional (PAN), que atingiu quase cinco milhões de beneficiários e cujo

130 Cf. Fabio M. BERTRANOU e Damián BONARI (coords.), Protección Social en Argentina: financiamento, cobertura y desempeño, 1990-2003, 2005, p. 168-169. Pode-se consultar a respeito: Claudia KRMPOTIC e María Beatriz LUCUIX, La reforma de la asistencia social en Argentina y Brasil: ciudadanía y marco jurídico-institucional en una perspectiva comparada, 2001. 131 No ano de 1946, o PMI passou a depender do Ministério de Saúde e, em 1948 incorporou às suas prestações a entrega de leite. No ano de 1989, foram implantados os Bônus Solidários (Bonos Solidarios), que os beneficiários podiam trocar por alimentos e roupas. O programa Políticas Sociais Comunitárias (Posoco), aprovado em 1989, absorveu os recursos do PAN e do Bônus Solidário.

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objetivo foi enfrentar a situação de deficiência alimentar. Em 2001, no marco do processo

de descentralização dos serviços sociais, o Programa de Políticas Sociais Comunitárias e o

Programa Social Nutricional foram transferidos às províncias, com a correspondente

afetação de recursos de co-participação dos impostos.

Por outro lado, desde o ano de 1993, o Ministério de Saúde e Meio Ambiente executa o

Programa Materno-Infantil e Nutricional e o Programa Materno-Infantil, cujas principais

ações são entregar o leite a mulheres grávidas e crianças até seis anos, fornecer

medicamentos, e capacitar equipes de saúde.

A partir do Ministério de Desenvolvimento Social, também se implementaram vários

programas. Durante 1990, foi criado o Programa Prohorta, para o estabelecimento de

hortas familiares, escolares e comunitárias. No ano de 1993, o Programa Solidário para

Adultos Maiores (Asoma), cujo fim é atender adultos maiores sem cobertura da

previdência, com foco na alimentação. No ano de 1996, foi criado o Programa Alimentar

Nutricional Infantil (Prani), orientado para crianças em situação de pobreza e,

especificamente, para transferir recursos aos lares com maior risco social. Durante o ano de

2000, esses programas foram reestruturados no âmbito da Secretaria de Políticas Sociais do

Ministério de Desenvolvimento Social, no que se chamou Programa Unidos. 132

No ano 2000, foi criado o Plano Solidariedade, sob a égide do Ministério de

Desenvolvimento Social, do Ministério de Saúde e Ministério de Educação, e cujo objetivo

foi fortalecer a família em suas condições de nutrição, alimentar, de saúde e através de

ações de promoção, educação e prevenção, mas problemas operacionais e dificuldades de

articulação entre os ministérios impediram que não fosse implementado da forma prevista.

132 O Instituto Nacional de Aposentados financia os refeitórios de centros de aposentados e a entrega de sacolas com alimentos, mediante o programa Probienestar, cujos beneficiários são afiliados titulares ao Instituto, deficientes, ou esposas e esposos de aposentados com filhos menores de 14 anos sob sua responsabilidade. Os programas alimentares nacionais, salvo o Probienestar, executam-se de forma descentralizada, mediante transferências dos governos provinciais, que atuam de forma direta ou indireta, por meio dos governos municipais ou de organizações da sociedade civil.

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118

2.9 O social na Constituição Nacional de 1994

A Constituição Argentina de 1994 estabelece a ordem de hierarquia das normas,

constituída por ela mesma como máxima categoria na “pirâmide legislativa”, à qual se

incorporam, no mesmo nível de reconhecimento, os tratados de caráter constitucional.

Esses tratados e concordatas têm hierarquia superior às leis da nação e compreendem: a

Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem; a Declaração Universal dos

Direitos Humanos; a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos; o Pacto

Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e seu Protocolo Facultativo; a Convenção

sobre a Prevenção e a Sanção do Delito de Genocídio; a Convenção Internacional sobre a

eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher; a Convenção contra a

tortura e outros tratos ou penas cruéis ou degradantes; a Convenção sobre os Direitos das

Crianças.133

A Constituição Nacional está subdividida em duas partes: direitos e garantias individuais e

organização política da Nação. Os direitos sociais, 134 introduzidos pelo constitucionalismo

social, aparecem inclusos no preâmbulo, que enfatiza a noção de justiça, e na declaração de

direitos e garantias, no artigo 14 bis, que é produto da reforma constitucional de 1957.

• O artigo 14 bis, primeira parte, capítulo primeiro, Declarações, Direitos e

Garantias, da Constituição Argentina, está fracionado em três porções de texto que

se referem ao direito do trabalho, direito coletivo do trabalho e à seguridade social: 135

Artigo 14 bis: O trabalho em suas diversas formas terá a proteção das leis, que assegurarão ao

trabalhador: condições dignas e eqüitativas de labor, jornada limitada; descanso e férias pagas;

retribuição justa; salário mínimo vital e móvel; igual remuneração por igual tarefa; participação nos

ganhos das empresas, com controle da produção e colaboração na direção; proteção contra a demissão

arbitrária; estabilidade do empregado público; organização sindical livre e democrática, reconhecida

pela simples inscrição num registro especial.

133 Esses tratados, nas condições de vigência, têm hierarquia constitucional, não derrogam artigo algum da primeira parte da Constituição e devem ser entendidos como complementares aos direitos e garantias por ela reconhecidos. Só poderão ser denunciados pelo Poder Executivo Nacional, com prévia aprovação das duas terceiras partes da totalidade dos integrantes de cada Câmara (Deputados e Senadores). 134 Alicia GIORGI, Manual de Seguridad Social, 1999, Capítulo III; Equipo Federal del Trabajo, Derechos sociales en la Constitución Nacional y principio de la legalidad, 1999. Pode-se consultar: www. georgetown.edu/pdba, Universidad Georgetown, Base de datos políticos de las Américas. 135 Disponível em: www.gobiernoelectronico.ar/constitucion_nacional

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119Resta garantido aos grêmios: concertar convênios coletivos de trabalho, recorrer à conciliação e

arbitragem, e o direito à greve. Os representantes gremiais disporão das garantias necessárias para o

cumprimento da sua gestão sindical e as relacionadas com a estabilidade do emprego.

O Estado outorgará os benefícios da seguridade social, que terá caráter de integral e irrenunciável. Em

especial, a lei estabelecerá: o seguro social obrigatório, que estará a cargo de entidades nacionais ou

provinciais, com autonomia financeira e econômica, administradas pelos interessados com a

participação do Estado, sem que possa existir superposição de aportes; aposentadoria e rendas móveis;

a proteção integral da família; a defesa do bem da família; a compensação econômica familiar e o

acesso a uma moradia digna.

Segundo especialistas em direito da seguridade social, o artigo 14 bis, quando se refere à

seguridade social em particular, contém uma cláusula de caráter programático, da qual se

depreende o reconhecimento de um direito universal, integral e irrenunciável, solidário e

sem especificação da técnica de instrumentação; sendo, o seguro social, uma técnica

possível, preferível, mas não a única. As prestações não contributivas também estão

compreendidas. A idéia de proteção ao sujeito social família previsto na mesma cláusula

seria incompatível com um sistema exclusivamente de seguro social porque dito sistema

supõe a contribuição. O artigo 75, inciso 23, também prevê a proteção integral da criança

em situações de desamparo, a qual também seria incompatível com um sistema de

contribuições de seguro social.136

Contudo, a Argentina não ratificou o Convênio da OIT, “Norma Mínima da Seguridade

Social” n. 102137, cujo regulamento estabelece suas próprias limitações em face de riscos

não cobertos. Na Argentina, reconhece-se a infância e a velhice como sendo os dois

extremos da sociedade mais vulneráveis. Em vista disso, as necessidades desses

segmentos, que se consideram legítimas e necessárias de cobertura, são: cuidados, albergue

especializado (permanente ou transitório), atenção médica e, em alguns casos, readaptação,

ajuda especializada para patologias mentais, alcoolismo, adições às drogas, delinqüência,

prevenção sanitária e a acidentes, entre outras. O financiamento realiza-se com a

participação do Estado, as prestações guardam relação com a necessidade e são

transitórias.138

136 Cf. Alicia GIORGI, Manual de Seguridad Social, 1999, p. 30. 137 Convênio 102: relativo á norma mínima de seguridade social proposta pela OIT. Data de entrada em vigor: 27 de abril de 1955. 138 Cf. Alicia GIORGI, Manual de Seguridad Social, 1999, p. 30. No direito do trabalho, subsistem prestações como a proteção temporária dentro da empresa pelo desemprego, o período de aviso prévio e doenças inculpáveis.

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A Argentina está dividida em 24 jurisdições, que compreendem 23 províncias e a Cidade

Autônoma de Buenos Aires, que é a sede do governo nacional. A forma de governo

adotada pela nação Argentina - segundo o artigo 1 da Constituição Nacional - é a

representativa, republicana e federal.

O artigo 5 da mesma Constituição Nacional assinala que cada província tem a obrigação de

ditar para si, sua própria Constituição, sob o sistema representativo republicano, e de

acordo com os princípios e garantias da Carta Magna; nessas condições, o governo federal

garante a cada província o exercício das suas instituições, assegura a autonomia municipal

e o conteúdo da ordem institucional, política, administrativa, econômica e financeira. A

seguir, será exposta uma análise detalhada de cada constituição provincial, na procura de

melhor compreender o projeto social constitucional argentino e obter uma melhor

caracterização do lugar da assistência social nele.

As províncias de Corrientes, La Pampa, Santa Cruz e Mendoza não apresentam artigos

específicos, isto não significa um óbice para o enquadramento na Constituição maior, tal

como foi assinalado no parágrafo precedente.

A província de Buenos Aires e a Cidade Autônoma de Buenos Aires enfatizam a

necessidade da proteção moral e material das famílias, das políticas de assistência social

orientadas a segmentos específicos: mães sós a cargo do lar, e ao grupo familiar. Assim

como reconhece, no campo dos direitos sociais, os direitos dos deficientes, dos idosos, da

família, da infância, da mulher. Segue o quadro que examina os artigos constitucionais a

respeito.

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Quadro 11. Artigos de referência nas constituições da província de Buenos Aires e da Cidade Autônoma de Buenos Aires

Província Artigos de referência da Constituição Provincial

Buenos Aires

Seção primeira. Declarações, direitos e garantias. Art. 36. A província promoverá a eliminação dos obstáculos econômicos, sociais, ou de qualquer outra natureza, que afetem ou impeçam o exercício dos direitos e garantias constitucionais. Atendendo a tal fim, reconhece os seguintes direitos sociais: Da família. 1. A família é o núcleo primário e fundamental da sociedade. A província estabelecerá políticas que procurem seu fortalecimento. Da infância. 2. Toda criança tem direito à proteção e formação integral, ao cuidado preventivo e supletivo do Estado em situações de desamparo e à assistência tutelar e jurídica em todos os casos. Da mulher. 4. Toda mulher tem direito a não ser discriminada por seu sexo, à igualdade de oportunidades, a uma proteção especial durante os estados de gravidez e lactação e as condições de trabalho deverão permitir o cumprimento da sua essencial função familiar. A província promoverá políticas de assistência à mãe só ao cargo do lar. Da deficiência. 5. Toda pessoa deficiente tem direito à proteção integral do Estado. A província garantirá a reabilitação, educação e capacitação em estabelecimentos especiais tendendo à equiparação; promoverá sua inserção social, no mundo do trabalho e a tomada de consciência com respeito aos deveres de solidariedade com os deficientes. Da terceira idade. 6. Todas as pessoas da terceira idade têm direito à proteção integral por parte de sua família. A província promoverá políticas assistenciais e de revalorização de seu papel ativo. Da moradia. [...]

Cidade Autônoma de Buenos Aires

Livro Primeiro. Direitos, garantias e políticas especiais. Capítulo Primeiro. Disposições Comuns. [...] Art. 17. A Cidade desenvolve políticas sociais coordenadas para superar as condições de pobreza e exclusão mediante recursos orçamentários, técnicos e humanos. Assiste às pessoas com necessidades básicas insatisfeitas, e promove o acesso aos serviços públicos para os que têm menores possibilidades. 6. Reconhece aos idosos o direito a uma assistência particularizada. 7. Garante a prevenção da deficiência e a atenção integral das pessoas com necessidades especiais. Capítulo décimo. Crianças e adolescentes. Art. 39. […] Quando se achem afetados ou ameaçados, podem requer por si mesmos a intervenção dos organismos competentes. Outorga-se prioridade no conjunto das políticas públicas, às destinadas às crianças e adolescentes, às que devem promover a contenção do núcleo familiar e assegurar: 1. A responsabilidade da Cidade com respeito às crianças privadas de seu meio familiar, com cuidados alternativos à institucionalização; 2. O amparo às vítimas de violência e exploração sexual; 3. […] A Cidade intervém necessariamente nas causas assistenciais. Capítulo décimo-terceiro. Pessoas com necessidades especiais. Art. 42. A Cidade garante às pessoas com necessidades especiais o direito a sua plena integração, à informação e à equiparação de oportunidades. Executa políticas de promoção e proteção integral, tendentes à prevenção, reabilitação, capacitação, educação e inserção social e laboral. [...]

Fonte: www.argentina.gov.ar/provincias; www.biblioteca.jus.gov.ar

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A província de Neuquén faz referência à assistência social assumindo uma perspetiva da

saúde e da higiene públicas e estabelecendo uma relação expressa entre medicina e

assistência social, como pode se examinar no próximo quadro.

Quadro 12. Artigos de referência na constituição da província de Neuquén

Província Artigos de referência da Constituição Provincial

Neuquén Sexta Parte. Capítulo 2. Asistencia Social. Art. 287. É obrigação iniludível da Província zelar pela saúde e a higiene públicas, especialmente no que se refere à prevenção de doenças, pondo à disposição de seus habitantes serviços gratuitos e obrigatórios em defesa da saúde, pelo que esta significa como capital social. Art. 288. A Província reconhece que o melhoramento das condições sanitárias da população está condicionado às premissas seguintes: a. Criação de fontes de trabalho em todo o território da Província; b. Medicina preventiva; c. Medicina assistencial adequada; d. Efetivos serviços de assistência social; e. Condições de salubridade no trabalho; f. Implantação de um amplo regime de amparo social. Art. 289. Coordenar-se-á, em grau especial com os municípios, todos os serviços assistenciais de profilaxia preventiva e curativa, tendentes a assegurar a saúde do indivíduo, da família e da comunidade. Art. 290. A coordenação, planejamento e formas de aplicação destes serviços estarão a cargo de um Conselho Provincial de Sanidade [...]

Fonte: www.argentina.gov.ar/provincias; www.biblioteca.jus.gov.ar

A província de Entre Ríos inclui como parte de seu projeto social o que se denomina

regime econômico e do trabalho, e se refere à assistência social como complemento de

outras formas de previdência.

Quadro 13. Artigos de referência na constituição da província de Entre Ríos

Província Artigos de referência da Constituição Provincial

Entre Ríos

Capítulo 2. Seção II. Regime econômico e do trabalho. Art. 42. [...] A Província regulamentará por leis especiais as condições de trabalho dos obreiros e empregados residentes. Regulamentará, especialmente, a) a jornada e a seguridade do trabalho [...]; b) Os seguros e o socorro mútuo, em caso de doença, gravidez, morte, infância desvalida, velhice e deficiência; c) as outras formas de previdência e de assistência social. [...]

Fonte: www.argentina.gov.ar/provincias; www.biblioteca.jus.gov.ar

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As províncias de Tierra del Fuego e Ilhas do Atlântico Sul, Santa Fé e Catamarca,

enfatizam em suas Constituições os direitos sociais da família, da infância, assim como a

idéia do amparo e da proteção que potencialmente compete ao Estado exercer. Os

princípios da seguridade social surgem no artigo 52 da Constituição de Tierra del Fuego,

Antártica e Ilhas do Atlântico Sul.

Quadro 14. Artigos de referência nas constituições das províncias de Tierra del Fuego e Ilhas do Atlântico Sul, Catamarca e Santa Fé Província Artigos de referência da Constituição Provincial

Tierra del Fuego, Antártica e Ilhas do Atlântico Sul

Seção Segunda. Direitos. Capítulo II. Direitos Sociais. [...] Da mulher. Art. 17. [...] A mãe goza de adequada proteção durante a gravidez. As condições de trabalho devem lhe permitir o cumprimento de sua essencial função familiar. Da infância. Art. 18. As crianças têm direito à proteção e formação integral por conta e cargo da sua família; merecem trato especial e respeito a sua identidade. O Estado prevê e penaliza qualquer forma de mortificação ou exploração que sofreram. Têm direito a que o Estado provincial, mediante o seu acionar preventivo e subsidiário, lhes garanta seus direitos, especialmente quando se encontrem em situação desprotegida, carente ou de exercício abusivo da autoridade familiar ou sob qualquer outra forma de discriminação. Em caso de desamparo, corresponde ao Estado provincial prover dita proteção, seja em lares adotivos ou substitutos ou em lares com pessoal especializado, orientando sua formação com base nos valores da argentinidade, solidariedade e amizade, sem prejuízo da obrigação de se sub-rogar o exercício de ações para demandar os aportes correspondentes aos familiares obrigados.

Catamarca

Seção primeira. Capítulo I. Princípios, declarações, direitos e garantias. Art. 58. [...] A província garantirá a constituição e o funcionamento de: i) A família como base fundamental da sociedade é responsável primária dos cuidados e educação dos filhos. O Estado promove as condições necessárias para sua unidade e garantirá a “pátria potestade” e o direito dos cônjuges a procriar e, de acordo com a lei, fomenta o acesso à moradia própria, à unidade econômica familiar e à compensação econômica familiar. Fomenta a adoção dos menores abandonados e facilita o funcionamento dos lares substitutos e contará com o aporte econômico do Estado.

Santa Fé

Seção Primeira. Capítulo Único. Princípios, direitos, garantias e deveres. Art. 21. O Estado cria as condições necessárias para promover a seus habitantes um nível de vida que assegure seu bem-estar e das suas famílias, especialmente, a alimentação, a vestimenta, a moradia, os cuidados médicos e serviços sociais necessários. Toda pessoa tem direito à provisão dos meios adequados a suas exigências de vida se estiver impedida de trabalhar e carecer dos recursos indispensáveis. Nesse caso, tem direito à readaptação e reabilitação profissional. O Estado institui um sistema de seguridade social, que tem caráter integral e irrenunciável. Em especial, a lei propende ao estabelecimento do seguro social obrigatório, aposentadorias e pensões [...] Art. 23. A Província contribui para a formação e defesa integral da família e o cumprimento das funções que lhe são próprias, com medidas econômicas ou de qualquer outra índole enquadradas na esfera de seus poderes. Promove que a criança cresça sob a responsabilidade, e amparo, do núcleo familiar. Protege, no âmbito material e no moral, a maternidade, a infância, a juventude e a velhice, diretamente ou fomentando as instituições privadas orientadas a tal fim. [...]

Fonte: www.argentina.gov.ar/provincias; www.biblioteca.jus.gov.ar

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As Constituições de 11 províncias argentinas: Chaco, Chubut, Córdoba, La Rioja,

Misiones, Rio Negro, Salta, San Juan, San Luis, Santiago del Estero e Tucumán enfatizam

proteções para os segmentos: família, infância, idosos e deficientes, e algumas incluem os

direitos do trabalho.

Em alguns dos seus conteúdos, é possível distinguir o caráter subsidiário atribuído a

algumas formas de proteção social reconhecidas pelo Estado argentino. No caso da

província de Chubut, aparece expressamente a cláusula que diz que “em caso de falta de

amparo, o Estado proverá sua proteção, sem prejuízo da obrigação de pôr em exercício

ações para demandar os aportes correspondentes aos familiares obrigados”. No caso da

província de Córdoba, inclui-se a assistência entre as proteções integrais.

A Constituição da província de Santiago del Estero reconhece o caráter preventivo e

subsidiário do Estado Provincial. A província de Río Negro destaca, para os idosos, o

papel das famílias como componente fundamental da proteção: As pessoas da terceira

idade [...] “têm direito a sua proteção integral por conta e cargo de sua família. Em caso

de desamparo, corresponde ao Estado prover dita proteção, em lares com pessoal

especializado, sem prejuízo da obrigação de se sub-rogar no exercício das ações para

demandar, aos familiares obrigados, os aportes correspondentes”.

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125Quadro 15. Artigos de referência nas Constituições das províncias de Chaco, Chubut, Córdoba, La Rioja, Misiones, Rio Negro, Salta, San Juan, San Luis, Santiago del Estero e Tucumán Província Artigos de referência da Constituição Provincial

Chaco

Capítulo III. Direitos Sociais. Família Art. 35. A família, baseada na união do homem e da mulher, como célula primária e fundamental da sociedade, é o agente natural da educação, lhe assiste tal direito com respeito aos seus filhos, de acordo com suas tradições, valores religiosos e culturais. [...] O Estado protege integralmente a família e lhe assegura as condições necessárias para sua constituição regular, sua unidade, o acesso a uma moradia digna e ao bem de família. Garantirá a proteção da maternidade, a assistência à mãe em situação de desamparo, da mulher chefa de família e das mães solteiras e adolescentes. Também reconhece a existência das uniões de fato e as protege. Esta Constituição assegura os seguintes direitos: 1. Da mulher. [...] 2. Da infância. [...] Sem prejuízo do dever dos pais, o Estado, mediante sua responsabilidade preventiva e subsidiaria, garantirá estes direitos e assegura, com caráter não delegatório, a assistência à menoridade desprotegida, carente ou a respeito de qualquer outra forma de discriminação, ou de exercício abusivo da autoridade familiar ou de terceiros. [...] 4. Dos idosos. [...] 5. Das pessoas deficientes. O Estado garante a prevenção, assistência e amparo de pessoas com deficiência, promovendo a educação especializada, terapia de reabilitação e a incorporação à atividade social em função das capacidades.

Chubut Capítulo II. Direitos Sociais. Art. 25. Da família. O Estado reconhece o direito de todo habitante a constituir uma família e assegurar sua proteção social, econômica e jurídica como núcleo primário e fundamental da sociedade. [...] Art. 26. Da mulher. [...] A mãe gozará de adequada proteção desde a gravidez. As condições de trabalho devem garantir o cumprimento de sua essencial função familiar. Art. 27. Da infância. A família assegura prioritariamente a proteção integral da criança. O Estado, em forma subsidiária, promove e executa políticas tendentes ao pleno gozo de seus direitos. [...] Art. 29 Dos idosos. A família prioritariamente, a sociedade e o Estado promovem a proteção do idoso de forma a evitar sua marginalidade social e cultural, promovendo o desenvolvimento de tarefas criativas e de serviço. [...] Em caso de falta de amparo, o Estado proverá sua proteção, sem prejuízo da obrigação de pôr em exercício ações para demandar os aportes correspondentes aos familiares obrigados. Art. 30 Da deficiência. A família, a sociedade e o Estado têm a seu cargo a proteção integral das pessoas deficientes. Essa proteção atinge a prevenção, assistência, reabilitação, educação, capacitação, inserção na vida social e no trabalho.

Córdoba

Capítulo II. Direitos Sociais. Da mulher. Art. 24. A mãe gozará de adequada proteção desde a gravidez. As condições de trabalho devem garantir o cumprimento de sua essencial função familiar. Da infância. Art. 25. A criança tem direito a que o Estado, mediante sua responsabilidade preventiva e subsidiaria, garanta o crescimento, o desenvolvimento harmônico e o pleno gozo dos direitos, especialmente quando se ache em situação de desproteção, carente ou de qualquer forma de discriminação ou de exercício abusivo de autoridade familiar. Da juventude. Art. 26. Da deficiência. Art. 27. Os deficientes têm direito a obter a proteção integral do Estado, que abranja prevenção, assistência, reabilitação, educação, capacitação, inserção na vida social e promoção de políticas tendentes à tomada de consciência da sociedade com respeito aos deveres da solidariedade. Dos idosos. Art. 28

La Rioja Capítulo II. Direitos e garantias. Art. 34. Proteção à família. A família como núcleo primário e fundamental da sociedade será objeto preferente de atenção por parte do Estado provincial, que reconhece seus direitos no que diz respeito à constituição familiar, defesa e cumprimento de seus fins. […] A atenção e a assistência da mãe e da criança gozarão de especial consideração do Estado. [...] Art. 36. Proteção da criança e do adolescente. Toda criança ou adolescente têm direito à proteção integral por conta e cargo da sua família. Em caso de desamparo total ou parcial, moral ou material, permanente ou transitório, corresponde à Província, como inescusável dever social, prover a dita proteção, seja em forma direta ou por meio de instituições.

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126Art. 37. Proteção da velhice. Todo idoso tem direito à proteção integral por conta e cargo de sua família. Em caso de desamparo, corresponde ao Estado prover a dita proteção, seja em forma direta ou por intermédio das instituições ou fundações criadas para esse fim. Art. 38. Proteção do deficiente. A Província promoverá políticas de prevenção e proteção, reabilitação e integração dos deficientes físicos e psíquicos […].

Misiones Capítulo II. Família. Proteção à velhice e à menoridade. Art. 37. A lei assegurará: 1) a proteção integral da família, assegurando-lhe os meios que sejam necessários para o cumprimento de suas funções espirituais, culturais, econômicas e sociais; 2) o amparo à maternidade, à infância, aos menores, deficientes e à velhice de quem carece de família. Art. 38. Toda mulher que esteja para dar à luz ou haja dado à luz, todo idoso, todo deficiente e todo menor de idade que se encontre em estado de desamparo, serão protegidos pelo Estado. Para tal efeito, a lei criará os organismos que assumirão essas tarefas.

Río Negro

Capítulo III. Direitos Sociais. Proteção à família. Art. 31. O Estado protege a família, como célula base da sociedade, estabelecida, organizada e projetada através do afeto, facilitando sua constituição e o logro de seus fins culturais, sociais e econômicos. Os pais têm o direito e a obrigação de cuidar e de educar seus filhos. [...] Amparo à infância. Art. 33. As crianças têm direito à proteção e formação integral por conta e cargo da família; merecem trato especial e respeito a sua identidade, o Estado previne e penaliza qualquer forma de mortificação ou exploração. Em caso de desamparo, corresponde ao Estado prover dita proteção, em lares com pessoal especializado, sem prejuízo da obrigação de se sub-rogar no exercício das ações para demandar, aos familiares obrigados, os aportes correspondentes. [...] Direitos da terceira idade. Art. 35. As pessoas de terceira idade, por sua experiência e sabedoria, continuam aportando para o progresso da comunidade. Se lhes garante o direito a trabalhar e a gozar do lazer, tranqüilidade e respeito de seus semelhantes. Têm direito a sua proteção integral por conta e cargo de sua família. Em caso de desamparo, corresponde ao Estado prover dita proteção, em lares com pessoal especializado, sem prejuízo da obrigação de se sub-rogar no exercício das ações para demandar, aos familiares obrigados, os aportes correspondentes. Deficientes – Excepcionais. Art. 36. O Estado protege integralmente toda pessoa deficiente, garantindo sua assistência, reabilitação, educação, capacitação e inserção na vida social. Implementa políticas de prevenção e promove que a sociedade tome consciência e adote atitudes solidárias. As construções públicas prevêem o deslocamento normal dos deficientes. [...]

Salta Capítulo III. Deveres e direitos sociais. Da família. Art. 32. Reconhecimento e proteção da família. A família é o núcleo primário e fundamental da sociedade. Os poderes públicos protegem e reconhecem os seus direitos para o cumprimento de seus fins. A mãe goza de especial proteção e as condições laborais devem lhe permitir o cumprimento de sua essencial função familiar. Art. 33. Da infância. O Estado assegura a proteção da infância, cobrindo suas necessidades afetivas, ambientais, de educação, saúde, alimentação e lazer. [...] Art. 35. Da velhice. Reconhece-se à velhice o direito a uma existência digna, considerando-a como uma etapa fecunda da vida, suscetível de integração ativa; é dever do Estado, proteger, assistir e assegurar os direitos. A Província assegura aos habitantes da terceira idade: a assistência, a moradia, a alimentação, o vestuário, a saúde física, a saúde moral, o lazer, o trabalho adequado às suas condições físicas, a tranqüilidade, o respeito. Art. 36. Dos deficientes. Os poderes públicos brindam aos deficientes físicos, ou psíquicos, a assistência apropriada, com especial ênfase na terapia de reabilitação e na educação especializada. Ampara-se-os para que gozem dos direitos que lhes correspondam como membros plenos da comunidade. [...]

San Juan

Capítulo IV. Direitos, liberdades e garantias sociais. Proteção da família. Art. 52. O Estado assegura a proteção integral da família, como elemento natural espontâneo e fundamental da sociedade, promove a auto-satisfação econômica da unidade familiar, elabora programas de apoio materno-infantil e sistema de proteção para os problemas econômicos e sociais da infância e da velhice. Proteção materna. Art. 53. O Estado protege a maternidade com assistência integral e garante uma satisfatória realização pessoal da mãe, com plena participação no trabalho, intelectual, profissional, cívica e possibilita o cumprimento de sua essencial função familiar. Proteção da infância. Art. 54. As crianças têm direito, em especial os órfãos e abandonados, à proteção estatal contra qualquer forma de discriminação, de opressão ou autoritarismo, da família e demais

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127instituições. É obrigação do Estado atender à nutrição suficiente dos menores até os seis anos de idade, no mínimo. Criar-se-á um registro dos menores carentes para se individualizar os beneficiários. Toda falsa declaração dirigida à obtenção dos benefícios da prestação alimentar será punida. Proteção aos deficientes. Art. 56. O Estado deve instrumentar políticas de prevenção, proteção, reabilitação e integração dos deficientes físicos e mentais, incluídas as ações que apontem para a tomada de consciência da sociedade a respeito dos deveres de solidariedade para com eles. Proteção da velhice. Art. 57. O Estado e os habitantes devem promulgar a proteção dos idosos e a sua integração social e cultural, evitando sua marginalidade, e com a finalidade de que eles possam realizar tarefas de criação livre, realização pessoal e de serviço para a sociedade.

Santiago del Estero

Título II. Direitos. Capítulo IV. Da família. Art. 27. Promoção da família. A família é o núcleo fundamental da sociedade. Deve gozar das condições sociais, econômicas, culturais e os serviços essenciais necessários para seu desenvolvimento integral. O Estado Provincial a protege, facilita sua promoção e o cumprimento de seus fins. O cuidado e a educação dos filhos são um direito, e uma obrigação dos pais. [...] Da mulher. Art. 28. Proteção da mulher. […] A Província ditará um regime de seguridade especial de proteção da mãe durante a gravidez e o período de lactação. As condições de trabalho deverão permitir à mãe o cumprimento das suas funções familiares essenciais. Da infância. Art. 29. Proteção à infância. A Província assegura a proteção da infância e o respeito a sua identidade, prevenindo e penalizando qualquer forma de mortificação, tráfico ou exploração que sofrer. O Estado Provincial, mediante ações preventivas e subsidiárias, garantirá os direitos da criança, especialmente quando se encontrem em situação desprotegida, carente, de exercício abusivo de autoridade familiar ou sob qualquer forma de discriminação. Em caso de desamparo, corresponde ao Estado Provincial prover dita proteção, seja em lares adotivos ou substitutos ou em lares com pessoal especializado. Atenderá também à nutrição suficiente de menores, com um registro, controle e seguimento individual dos beneficiários, cuja implementação estará a cargo do organismo que determine a lei. Declara-se vigente em todo o território provincial e incorpora-se como texto constitucional, a Convenção sobre os Direitos da Criança aprovada pela Lei 23.849.[...] Pessoas com necessidades especiais. Art. 33. O Estado Provincial promoverá políticas de proteção a toda pessoa com necessidades especiais e a sua família, facilitando sua assistência, reabilitação, educação, capacitação e integração na vida social e no trabalho. Implementa políticas de prevenção. […] Da velhice. Art. 34. Amparo à velhice. A família prioritariamente, a sociedade e o Estado Provincial atenderão à assistência e proteção dos idosos, propiciando que a legislação contemple: o acesso irrestrito à saúde, à moradia e sua integração social e cultural, tendendo a que desenvolvam tarefas de reinserção laboral, de realização pessoal e serviços à comunidade.

Tucumán Seção 1. Capítulo 1. Declarações, direitos e garantias. Art. 35. Na esfera de suas atribuições, a província procurará especialmente que as pessoas gozem dos seguintes direitos: [...] 3. a uma adequada proteção da maternidade, favorecendo a participação no trabalho sem que isso afete as tarefas próprias do lar. A trabalhadora grávida terá um tratamento especial no trabalho em virtude da gravidez, e depois do parto. 4. [...] as crianças órfãs e abandonadas serão devidamente protegidas mediante uma legislação especial. 5. Os deficientes terão, por parte do Estado, a necessária proteção, a fim de assegurar sua reabilitação, promovendo sua incorporação às atividades laborais em função da sua capacidade, sem discriminação alguma. 9. As pessoas idosas serão protegidas adequadamente para se assegurar o desenvolvimento de atividades úteis a si mesmas e à sociedade.

Fonte: www.argentina.gov.ar; www.biblioteca.jus.gov.ar

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128 As Constituições provinciais de Formosa e Jujuy incluem também o regime de seguridade

social como parte do regime social, na seção correspondente às declarações, direitos e

garantias.

Quadro 16. Artigos de referência nas Constituições das províncias de Formosa e Jujuy Província Artigos de referência da Constituição Provincial

Formosa

Capítulo IV. Regime Social. Art. 68. A Província protege a família como célula base da sociedade estabelecida, organizada e projetada através do afeto, facilitando sua constituição e o logro de seus fins culturais, sociais e econômicos. [...] Art. 69. A família tem o direito e a obrigação de proteger a criança de forma integral. O Estado ampara, especialmente, ao desprotegido e carente. Assume a responsabilidade subsidiária e preventiva, particularmente sobre crianças que se encontram sob qualquer forma de discriminação ou exercício abusivo de autoridade familiar ou de terceiros. Em caso de desamparo, corresponde ao Estado prover dita proteção, em forma direta ou através de institutos com pessoal especializado, e com vocação de serviço, ou lares substitutos, sem prejuízo da obrigação de se sub-rogar no exercício das ações para demandar os aportes correspondentes aos familiares obrigados. O Estado criará e estimulará a formação de associações intermediadoras ou fundações destinadas a esses fins. Do mesmo modo, resguardará a criança dos efeitos perniciosos dos medicamentos, da dependência das drogas, a corrupção, o alcoolismo e o tabagismo, e emitirá pelos meios de comunicação mensagens pacíficas e orientadas a sua formação, com base nos valores da argentinidade, solidariedade e amizade. [...] Art. 71. O Estado propiciará para as pessoas da terceira idade uma proteção integral que as valorize como ativos protagonistas da sociedade. Em caso de desamparo, corresponde ao Estado prover dita proteção, seja de forma direta ou por intermédio de instituições e fundações criadas ou por criar, com estes fins: atenção de caráter familiar; estabelecimentos especiais organizados com fins preventivos; lares ou centros de dia; assistência integral domiciliar; acesso à moradia através do crédito de ampliação, de adjudicação em propriedade ou em comodato vitalício, destinando uma porcentagem das moradias construídas com fundos nacionais ou provinciais e municipais; promover sua reinserção laboral com fins de laborterapia e aproveitamento de sua experiência e capacitação, a qual será regulamentada por lei para o justo gozo de dito direito. Art. 72. Os deficientes têm direito: À proteção integral do Estado, seja de forma direta ou por intermédio das instituições e fundações criadas ou a serem criadas para esse fim. À atenção em estabelecimentos especiais de tratamento preventivo, sendo o Estado que controla os objetivos definidos. À promoção de políticas que desenvolvam a consciência social e a solidariedade em relação a eles. [...] Art. 73. O Estado [...] oferecerá especial amparo as mães solteiras desprotegidas. Implementará creches zonais de forma direta ou com entidades competentes. Art. 76. A Província estabelecerá um regime de seguridade social que compreenderá toda a população, durante o transcurso da existência humana, contemplando as contingências econômico-sociais da desocupação, nascimento, doença, desamparo, invalidez, velhice e morte. Fomentará as instituições de solidariedade social.

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Jujuy Seção Primeira. Declarações, direitos, deveres e garantias. Capítulo III: Direitos e deveres sociais.

Art. 44. Proteção à família […] Art. 45. Proteção à maternidade e paternidade. [...] 3. A mãe e a criança gozarão de especial e privilegiada proteção e assistência. Atendendo a esses fins, o Estado arbitrará os recursos necessários. Art. 46. Proteção à infância. 1. O Estado possibilitará que a criança possa gozar de uma vida saudável, mitigando os efeitos da miséria, da orfandade ou seu desamparo material ou moral. 2. Os funcionários do Ministério Público de Menores, quando as crianças careçam de pais ou de representantes legais, ou quando estes não cumprirem com suas obrigações, deverão solicitar a designação de tutores especiais para que demandem o que seja necessário para a adequada proteção material e espiritual delas, sob sua supervisão. [...] Art. 47. Garantias para a juventude. [...] Art. 48. Proteção aos deficientes. O Estado garante o direito à assistência educativa e integral dos deficientes, fornecendo os meios que lhes sejam necessários para sua integração plena à sociedade. Art. 49. Proteção às pessoas em idade avançada. As pessoas de idade avançada têm direito à seguridade econômica e social, ao gozo da cultura, do tempo livre, a uma moradia digna e a condições de convivência que possam lhes proporcionar oportunidades de realização plena por meio de uma participação ativa na vida da comunidade. [...] Art. 59. Seguridade social. 1. O Estado, dentro de sua competência e, em alguns casos, em coordenação com o Governo Federal e as províncias, outorgará os benefícios da seguridade social, que terá caráter de integral e irrenunciável, sem prejuízo da ação de instituições particulares de solidariedade e assistência social. [...]

Fonte: www.argentina.gov.ar; www.biblioteca.jus.gov.ar

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2. 10 O Estado outorgará: uma interpretação do princípio subsidiário do Estado e as prestações de assistência social Bernabé Chirinos, especialista em direito da seguridade social, faz uma análise do

princípio de obrigação estatal e a sua relação com os benefícios de seguridade social. Para

realizar a análise, parte de uma reflexão sobre o tipo de Estado e o marco constitucional

para poder configurar que tipo de papel lhe cabe na seguridade social.

Para Chirinos, a estrutura do Estado argentino com base na divisão de poderes, determina o

Estado de direito, no qual a lei é soberana e não a vontade soberana de algumas pessoas.

No Estado democrático, vemos duas grandes linhas de ação, que aparecem perfeitamente

delineadas em nosso sistema institucional. A primeira linha está dada pelos denominados

seguros sociais, no artigo 14 bis, e, a segunda, pela responsabilidade estatal de organizar a

assistência social, que emana do princípio inserto no preâmbulo da Constituição Nacional,

de promover o bem-estar geral. Ambas as linhas de ação não devem ser competitivas,

senão concorrentes. Nas ações que denominamos assistenciais a cargo do Estado, não se

deve excluir a atividade responsável dos particulares, seja através de sistemas contributivos

ou impositivos.139

Segundo Chirinos, se analisado o princípio “o Estado outorgará os benefícios da

seguridade social”, cabe determinar se é o Estado que deve garantir as proteções por meio

de atos de gestão direta e prestação de serviços ou, pelo contrário, o termo “outorgará”

refere-se só à função de poder de polícia do Estado e, por conseqüência, de controle de

acesso à seguridade social.

Da perspectiva da função que cabe ao Estado em relação aos particulares, há uma função

subsidiária e supletiva.

A mesma deve ser exercitada, uma vez esgotados os esforços de cada pessoa emergente de

sua responsabilidade individual, para amparar ou socorrer suas necessidades se ditos

esforços não são suficientes para tal fim. Neste terreno, se encontram as prestações dos

serviços assistenciais ou as que se devem prestar quando a atividade privada ou setorial, é

insuficiente para cobrir as necessidades emergentes das contingências. (CHIRINOS, 1991:

43-44). 139 Bernabé CHIRINOS, La seguridad social y la Argentina, 1991, pp. 35-37.

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Nessa interpretação, o Estado tem uma função de suplência, e atua em situações

excepcionais nas intervenções transitórias justificadas por razões urgentes que incumbam

ao bem comum. O termo “outorgará” que surge da Constituição “é o exercício da

faculdade legislativa de que está investido o Estado para plasmar em lei os direitos e

obrigações do campo da seguridade social, e exercer as funções próprias da assistência

social, quando esta deva ser prestada, em função do disposto em relação a prover ao bem-

estar geral”. 140

Até aqui foram apresentados os conteúdos medulares do debate sobre o rol do Estado na

seguridade e na assistência social, que abalizam as linhas sobre as quais foram se

edificando as intervenções sociais na Argentina. Sem dúvida, essas linhas constitucionais

devem ser compreendidas na complexidade do regime político argentino e nas alternâncias

entre governos civis e militares e conseqüente suspensão das garantias constitucionais.

Entre 1930 e 1976 se sucederam seis governos militares: 1930, 1943, 1955, 1962 e 1976, e

nem se pôde consolidar a democracia nem se puderam estabilizar no poder os governos

militares.

No período de 1949 a 1955 teve vigência a denominada Constituição de 1949, na qual foi

incluso o direito ao trabalho como direito social, assim como os direitos dos idosos e da

família. Essa Constituição perdeu vigência em 1957, momento a partir do qual voltaram os

conteúdos da versão anterior ao ano de 1949, mas com reformas. Sem dúvida, esses

condicionantes devem ser levados em conta no acompanhamento da construção das

intervenções estatais na área social, embora se deter neles exceda as possibilidades deste

trabalho.

A partir da revisão dos elementos que compõem o sistema de proteção social na Argentina,

e, particularmente nele, o lugar da assistência social, é possível observar que, na

perspectiva constitucional e dos direitos, a assistência social não é contemplada como tal.

Nem na Constituição de 1949, que mesmo não vigente, se destaca pelo seu papel na

incorporação do direito ao trabalho, dos direitos dos idosos e dos direitos da família - entre

outros direitos sociais - no andaime constitucional. Isto também é notado no regime

constitucional atual, vigente desde 1994, no qual, a partir da ponderação do texto 140 Bernabé CHIRINOS, La seguridad social y la Argentina, 1991, pp. 43-44.

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constitucional e dos conteúdos das Constituições provinciais, observa-se que se destacam

claramente proteções a segmentos específicos: trabalhadores, pessoas com deficiência,

idosos, família, mas de um ponto de vista que reforça a noção de um “Estado garantidor” e

obrigado em relação à necessidade.

Os questionamentos sobre o papel do Estado na seguridade social e na assistência social

foram tratados a partir da análise de alguns especialistas do campo do direito, das quais se

desprende o caráter transitório, desse ponto de vista do direito, das prestações de

assistência social. Pareceria estar inclusa na seguridade social, mas com a característica de

estar sujeita à legalidade, e à afirmação das prestações do seguro social já legalizadas.

Autores relevantes da área da proteção social na Argentina, como é o caso de Aldo Isuani

(2006),141 insistem em colocar no debate atual a revisão do caráter deste Estado e de suas

obrigações no desenvolvimento e amadurecimento do Estado-Nação e do Estado de Bem-

Estar. Para esse autor, há três princípios sobre os quais se estruturou a política social na

Argentina. Por um lado, o princípio discricionário, pelo qual quem dá não tem obrigação

de dar e quem recebe não tem direito a receber; esse modelo se correlaciona com a

beneficência e se mantém até o presente momento nas políticas públicas argentinas.

Isuani coloca como exemplos recentes os programas de subsídios, as políticas alimentares

e o plano de chefas e chefes de lar desempregados; baseados em que não existe obrigação

de continuidade, os programas são montados ou desmontados e podem ser mudados por

outros. Um segundo princípio no andaime das políticas públicas é a contribuição, na qual

estão inclusos: o seguro social, as obras sociais e as aposentadorias. E o terceiro princípio

corresponde à cidadania, que se adquiriu e se defendeu, nas políticas de saúde e educação e

que, como acompanhamos de forma breve, no momento das avaliações ex post do Estado

de Bem-Estar na Argentina, teve uma trajetória diferente, no sentido das bases legislativas

e constitucionais constitutivas.

Na Argentina, as primeiras políticas foram as discricionárias, desde o século XIX, desde a

Sociedade de Beneficência, passando pela Fundação Eva Perón até o atual Ministério de

Desenvolvimento Social. Há toda uma linha de políticas que se administram segundo o

princípio de discricionariedade. O seguro social nasce no século XX e se desenvolve até 141 Ernesto Aldo ISUANI, Política social, derecho para todos, 2004; Compensar o distribuir, 2006.

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agora. Logo se desenvolveram os sistemas de cidadania, que são o sistema educativo,

implementado desde começos do século XX, e o sistema púublico de saúde, desde meados

do século XX. Então, temos hoje uma camada geológica, uma política social que mantém

três subsistemas com princípios diferentes. Se observados os gastos, a metade dos recursos

é utilizada em educação pública e saúde pública. Isto significa que a cidadania leva a

metade dos recursos das políticas sociais, o resto, praticamente, leva o seguro social. Resta

uma pequena proporção, que é destinada a planos assistenciais e programas de caráter

discricionário que conhecemos.142

Contudo, é necessário considerar que, no imaginário argentino, embora já entrado o século

XXI, com menor força, primou um discurso ligado à idéia do direito muito forte. Tal como

foi assinalado, no item consagrado à ação assistencial da Fundação Eva Perón e aos

governos peronistas da metade de século XX, a racionalidade ideológico-política, das

ações desenvolvidas pela Fundação, foi acompanhada por um discurso que apresentava as

ações assistenciais como orientadas para transferir um “direito”, direito dos trabalhadores,

dos idosos, das crianças, e já não como um dever dos membros mais privilegiados da

sociedade. Essa representação - segundo este autor - foi relevante porque assumida pelos

setores vinculados à classe trabalhadora e àqueles que não estavam incorporados ao

mercado de trabalho, os quais começaram a traduzir suas necessidades em interesses

explícitos e demandas pontuais ante as instâncias nas quais se decidem as políticas

públicas.

A tendência a perceber o benefício como exclusivamente vinculado com um direito,

independentemente de outras considerações (oportunidade, recursos, etc.), constitui uma

característica básica da ideologia dos setores populares argentinos que subsiste até a

atualidade e se entronca com esse rasgo da cultura nacional que constitui o Estado como

depositário de todas as esperanças e dono das soluções de todos os problemas que

apresenta a sociedade (TENTI, E. 1989: 82).

Talvez esta trajetória, construída a partir da metade do século XX, em disputa com os

fundamentos legais das políticas, seja uns dos caminhos em que repousa a confusão que

acompanha as práticas no campo das políticas assistenciais. Além disso, se analisadas as

142 Cf. Aldo ISUANI, Compensar o distribuir, 2006, pp. 15-16.

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políticas assistenciais do ponto de vista da institucionalização, merece se considerar que

houve momentos de marcada importância nessa trajetória, tais como no início do século

XX, em que se fixaram as bases institucionais e de centralização da assistência social,

inclusive incorporando consistentemente as noções e os princípios da experiência francesa,

que acabaram dando forma ao aparelho institucional argentino, ainda que, devemos

admitir, essas idéias fossem legisladas na construção de uma arquitetura institucional, e

não pelos princípios constitucionais e legislativos.

2.11 A assistência social e os desafios das mudanças nas formas de administração e

gestão a partir da década de 1990

A partir de 1990, a economia e a administração do Estado passaram por reformas

estruturais que envolveram a privatização de empresas públicas, abertura financeira e

comercial com taxa de câmbio fixa, passagem de serviços públicos ao setor privado,

desregulação de mercados internos e igual tratamento para o capital estrangeiro e local. Do

ponto de vista do desenho institucional, redefiniu as normas no denominado “processo de

modernização do Estado” como imperativo para consolidar a estabilidade econômica e as

mudanças institucionais. Em segundo lugar, foi reformulada a Constituição Nacional, e

começou a ter vigência a Constituição de 1994, que foi tratada neste capítulo. Cabe

lembrar que, na tradição latino-americana, a Constituição é considerada uma fonte

relevante de legitimidade dos atos do poder político, um argumento importante dos atos

dos governos e partidos políticos, enfatizando direitos e garantias. Na área social, se

descentralizou a educação primária e a secundária; foi instituída uma nova lei nacional

para o regimento do sistema educativo: a Lei Federal de Educação. Houve mudanças no

sistema de saúde e de obras sociais, foi reorganizado o sistema da previdência e reformado

o regime de acidentes de trabalho e doenças profissionais.

Até meados da década de 1970, acreditava-se que as oscilações próprias da economia

compunham o processo de crescimento e desenvolvimento. A idéia dos bloqueios ao

desenvolvimento era meramente circunstancial e os arranjos institucionais do Estado de

Bem-Estar se construíram como prolongamento do suposto funcionamento positivo da

economia. Pode-se falar de crise do Estado de Bem-Estar na América Latina desde a

década de 1980, quando a recuperação do Estado de direito na ordem política foi

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acompanhada por ações tendentes à desregulacão normativa das instituições públicas em

favor da “regulação” automática das forças do mercado.

As reformas implementadas na Argentina, a partir de algumas medidas tomadas durante o

governo de Raúl Alfonsín (1983-1989), mais amplamente aprofundadas durante o governo

de Carlos Menem (1989-2000), são consideradas como uma fundação dos novos desenhos

institucionais no âmbito social e na economia da Argentina. Para alguns autores, deixou de

ser um modelo híbrido para se assemelhar a um regime residual de tipo liberal. 143

A descentralização constitui-se, na Argentina, em uma idéia-chave das reformas sociais do

governo de Carlos Menem. Foi considerada como a principal solução para superar as

falhas de decisão e gestão concentradas que tinham caracterizado a política social dos

serviços de caráter universal: saúde, educação e fundos sociais da área da moradia e de

política alimentar, durante o século XX. O processo de descentralização teve caráter

setorial administrativo, feito por meio da transferência de poderes ao âmbito local – as

províncias –, como a decisão e a gestão de serviços públicos. O mecanismo que

caracterizou o processo foi a transferência de estruturas organizacionais e recursos

humanos para um esquema de certa autonomia política (“descentralização política”)

aumentando o protagonismo das províncias e diminuindo, ao mesmo tempo, o

protagonismo dos municípios, com exceção de alguns casos pontuais.144

A partir desse diferencial, as políticas de assistência enfrentam dois desafios, se

considerados sob a análise da conformação do desenho institucional argentino a partir da

reforma:

• o federalismo, que é um marco institucional de referência: desde suas origens, o

funcionamento e financiamento do Estado caracterizaram-se pela separação de

responsabilidades e funções constitucionais entre os diferentes níveis de governo, o

nacional e o provincial, tal como foi apresentado nos primeiros parágrafos. As

atribuições e a capacidade de arrecadar impostos do governo nacional prevalecem

143 Alberto BARBEITO e Rubén LO VUOLO, La nueva oscuridad de la política social: del estado populista al neoconservador. 1998. 144 Para esse processo, pode-se consultar o trabalho de Fabián REPETTO e Guillermo ALONSO, La economía política de la política social argentina, 2004, item III. “La descentralización de los servicios sociales (y de fondos sociales): tránsito hacia un nuevo federalismo.”

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sobre os governos provinciais e ambos os governos estão articulados pelo regime

de co-participação federal de impostos, permanentemente sujeito a uma disputa

pela distribuição de recursos entre o governo nacional e as províncias;

• a fragmentação institucional: em diversos acordos institucionais, vem se tentando

articular políticas de proteção social entre o governo nacional e as províncias. O

processo de transferência de responsabilidades nas áreas de saúde, educação e

execução de programas sociais às jurisdições provinciais, a partir da reforma de

1990, demandou a criação de conselhos coordenadores, entre os quais se destacam

os “conselhos federais”: Conselho Federal de Saúde, o Conselho Federal de

Educação, o Conselho Federal do Trabalho e o Conselho Federal de Previdência

Social.

Repetto e Alonso (2004) observam que as províncias receptoras de serviços e programas

sociais correspondem a um “heterogêneo mosaico de realidades”. Naquelas províncias que

já tinham uma estratégia própria de política social que incorporava aspectos da

descentralização ou que tiveram capacidade para construí-la rapidamente durante o

processo, a transferência do nível central de serviços e programas e recursos resultou

positiva, pois permitiu potenciar uma ação própria e coerente de uma perspectiva

territorial. Nas províncias que careciam de estratégias próprias, a descentralização

promovida a partir do plano nacional acentuou a falta de projetos autônomos. Contudo, os

processos de descentralização derivaram numa marcada dispersão e fragmentação do modo

de decidir, desenhar, financiar, implementar e avaliar a política social argentina. O

problema não é a coexistência de múltiplos desenhos institucionais, mas a dispersão e

fragmentação, a baixa qualidade institucional formal e informal e a falta de acordos básicos

e sustentáveis para definir quem faz o que (e com que recursos).

Pela profundidade da crise durante o ano de 2001, criou-se o Conselho Nacional de

Coordenação de Políticas Sociais (CNCPS), cujas funções são:

• a coordenação horizontal entre os distintos executores das políticas setoriais no

território nacional, a fim de integrar e orientar algumas intervenções;

• a fixação de políticas, a concessão de recursos e o fortalecimento da gestão;

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• a busca de atenuar e resolver as desigualdades entre os atores da área das políticas

sociais: um governo nacional relativamente forte e governos provinciais frágeis e

muito heterogêneos;

• a busca de outorgar legitimidade aos programas nacionais e aos organismos

financeiros internacionais.

A relação entre direitos, legislação e políticas é fundamental para definir um modelo de

país, pois determina, entre outros aspectos, o marco institucional medular a partir do qual

se exprimem as políticas sociais. Este exercício, acredito que pode contribuir para reparar,

no valor do nível jurídico-normativo, na definição, elaboração e implementação de

políticas sociais, em particular, as de assistência social. Nos últimos anos, as

“formalidades” jurídicas foram se deslocando de um raciocínio que exalta a discordância

entre o direito formal e a realidade social, fato que não nego, mas, ao mesmo tempo, há um

aumento e multiplicidade de normas organizativas que se incorporam à estrutura

institucional estatal. Contudo, um Estado que procure garantir integração e bem-estar ao

conjunto dos cidadãos, é compelido a incorporar o direito como mediação entre o Estado e

a Sociedade, para o logro desses fins. Trata-se de fins do Estado que estão além do direito,

mas que se realizam por meio dele. Sua ação vai ser mensurável pelo cumprimento de

normas jurídicas e também pela aplicação de objetivos éticos, sociais, econômicos e

interesses políticos. Conclui-se que é nesse contexto que se deve pensar os processos de

reorganização político-institucional e um novo debate que incorpore o direito à assistência

social nos processos de concepção jurídico-legislativa das políticas sociais argentinas.

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CAPITULO 3

BRASIL. A ASSISTÊNCIA SOCIAL NO SISTEMA DE PROTEÇÃO SOCIAL

A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988, introduziu a

seguridade social, integrando nela as políticas de saúde, previdência e assistência social. O

caráter social do texto constitucional constituiu-se no ponto de partida para redirecionar o

papel do Estado na redução das desigualdades sociais e na busca de um novo padrão de

relações entre Estado-Sociedade.

A Carta Magna, ainda que não respondesse a todos os anseios dos vários segmentos da

sociedade, sem dúvida nenhuma é a garantia jurídico-formal das liberdades e direitos

básicos dos cidadãos brasileiros. Elevou o nível dos direitos sociais e responsabilizou o

Estado pela direção de mais justiça social. Reabriu o espaço para o reencontro do Estado

de direito, fincando-o em modernos princípios liberais.

A partir do estudo produzido pela Universidade de Georgetown, em parceria com a

Organzação dos Estados Americanos (OEA) e a Faculdade Latino-americana de Ciências

Sociais do Chile (Flacso), que compara as Constituições de países latino-americanos, pode-

se ponderar que apenas as Constituições da Bolívia e a de Cuba fazem menção à

assistência social, embora com nuanças de proteção ou amparo social. Honduras e Panamá

comprometem-se a institucionalizar a assistência social. O México promulgou

recentemente uma lei de assistência social, mas não detalha em sua Carta Magna referência

à assistência social. A inclusão do direito à assistência social nos conteúdos constitucionais

de 1988 coloca o Brasil em posição avançada, pela adesão a um conceito amplo de

cidadania, que responsabiliza prioritariamente o poder público pelas políticas sociais,

situadas em um patamar de destaque e harmonizadas com uma política ampla de proteção

social. 145

145 A Base de Dados Políticos das Américas é um projeto do Centro de Estudos Latino-americanos da Universidade de Georgetown em colaboração com a Subsecretária de Assuntos Políticos da Organização dos Estados Americanos e a Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais do Chile. Oferece informação sistematizada sobre instituições e processos políticos, constituições nacionais, poderes do Estado, eleições, estudos político-constitucionais e outros temas vinculados à democracia, para os seguintes países: Antiga and Barbuda; Argentina; Bahamas; Barbados; Belize; Bolívia; Brasil; Canadá; Chile; Colômbia; Costa Rica; Cuba; Dominica; Equador; El Salvador; Estados Unidos da América; Granada; Guatemala; Guiana; Haiti;

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A introdução da assistência social na seguridade social apresentou, nos anos posteriores a

1988, várias inquietações. Por um lado, o conceito de seguridade social, sistematizado em

1942 pelo I Relatório de Lord Beveridge, já exprimira uma postura com relação à pobreza,

estabelecendo o reconhecimento do cidadão, atribuindo-lhe direitos sociais, propondo a

universalização dos programas de saúde, educação e assistência social e sustentando a

concepção de Estado de Bem-Estar Social. A Constituição de 1988 surge quando o Brasil

se encontra no estágio de ter que levar o Estado a assumir suas responsabilidades na área

social e responsabilizá-lo por esta política de atenção - embora em parceria com toda a

sociedade civil -, com quem devia assumir o custeio e a sua construção. Na mesma época,

nos países capitalistas desenvolvidos, ocorrem discussões a respeito da crise do Estado de

Bem-Estar Social, revendo-se a proteção estatal conquistada no pós-guerra sob a égide da

seguridade social e colocando-se como fundamental a cooperação subsidiária da sociedade.

Além do mais, iniciava-se no país um vasto percurso reflexivo da prática da assistência

social, e desta como política pública - nunca antes considerada pela tradição constitucional

-, visando desvendar uma retórica que avança no sentido da democracia e da conquista de

direitos sociais, mas que, ao mesmo tempo, encontra raízes em práticas e fundamentos

teórico-ideológicos conservadores.

Este capítulo propõe retomar esses conteúdos sobre a assistência social e examinar os

fundamentos teórico-ideológicos, as faces da regulamentação estatal das formas

assistenciais e da assistência social a partir da perspectiva que incorpora os conteúdos

constitucionais e as formas assumidas por essas regulações no contexto da configuração

assumida pela proteção social. A constituição da assistência social é parte de um processo

complexo, no qual o Estado têm objetivos diversos, que se exprimem em uma política e

construção de uma arquitetura institucional para implementá-la. A exposição parte das

questões propostas pelos trabalhos de Aldaíza Sposati (1987 e 1988) e Maria Luiza

Mestriner (1992 e 2001), utilizando-os como fontes, e sugere um análise que procura

recuperar as relações entre a conformação do Estado e a assistência social, com ênfase nos

conteúdos constitucionais, no período da passagem das formas assistenciais do Brasil

Honduras; Jamaica; México; Nicarágua; Panamá; Paraguai; Peru; República Dominicana; San Kits e Nevis; Santa Luzia; San Vincent e as Granadinas; Suriname; Trindade e Tobago; Uruguai; Venezuela. (Anexo I)

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Imperial à Velha República e na constituição do Estado de Bem- Estar, para finalizar com

a abordagem da configuração recente.

3.1 As formas assistenciais na passagem do Brasil Imperial à Velha República

Na Carta de 1824, encontra-se o primeiro intento de formalizar a proteção social no Brasil

imperial. Essa Constituição, ancorada no conceito liberal, coloca uma base para a

construção do andaime protecional. Esses postulados podem ser rastreados no capítulo das

“Disposições Gerais, e Garantias dos Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos Brasileiros”.

No capítulo está definido o “socorro” como um direito do ser humano, cuja garantia é a

própria Lei Magna, numa formulação ainda incipiente: a Constituição também garante os

socorros públicos (art. 179, inciso 31, da Constituição de 1824).146

Ainda assim, a Legislação Imperial que regulava a ação das Câmaras Municipais, na Carta

Lei de 1828 estabelecia no seu art. 69, no subitem “posturas policiais”, que as “Câmaras

deveriam cuidar de observar o estabelecimento e conservação de casas de caridade, a

criação de órfãos, a atenção aos doentes e a vacinação de todos os meninos do distrito.147.

Aldaíza Sposati (1987) demonstra que, em todo o Brasil, as práticas assistenciais com

maior visibilidade partiram da Irmandade de Misericórdia, que, para manter seus orfanatos

e Santas Casas, possuíam como provedores os próprios governadores, inaugurando já a

forma de transferência das responsabilidades do poder público para as ações de

benemerência. Instalou-se em São Paulo, como uma pequena enfermaria que era ao mesmo

tempo albergue e hospital, atendendo com abrigo, alimentação e enfermagem a escravos e

homens livres. Tomando-se como exemplo a cidade de São Paulo, o quadro de

organizações sociais no Brasil vem se formando há mais de 400 anos.

Francisco de Varnhagem148 relata que a primeira Casa de Misericórdia foi a de Lisboa,

instituída pela rainha Dona Leonor, em agosto de 1498, e foi recomendada às outras

146 Constituição Política do Império do Brasil de 25 de março de 1824. Dísponíivel em: www.planalto.gov.br/legislacao. Aldaíza SPOSATI, História da pobreza assistida em São Paulo, 1987, e Vida urbana e gestão da pobreza, 1988. 147 Aldaíza SPOSATI, Vida urbana e gestão da pobreza, 1988, p. 81. 148 Francisco de VARNHAGEM, História geral do Brasil: tomo segundo, 1975, pp. 23-24.

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cidades e vilas do reino, pela Carta Real de 1499, para cumprirem obras piedosas entre os

presos e os desamparados. Em Santos, foi introduzida em 1543 por Brás Cubas. Além das

Misericórdias para os pobres e desamparados havia também irmandades ou comunidades,

em que, sob a invocação de algum santo, e com certas práticas devotas, os irmãos se

obrigavam, por compromissos, a prestar auxílio. Essas irmandades, que depois se

estenderam como anexas a ordens religiosas, produziram hospitais e outros benefícios,

junto com os beneditinos, franciscanos e carmelitas. A Santa Casa de Misericórdia foi

exemplo expressivo da ação social das ordens religiosas, sendo o atendimento

predominante durante esse período.

Em 1874, a primeira Conferência Vicentina da Sociedade São Vicente de Paulo foi

instalada em São Paulo. E a primeira Associação das Damas de Caridade da Sociedade São

Vicente de Paulo foi fundada em 1887. As obras pias, localizadas em conventos e igrejas

católicas, inicialmente procuraram abrigar necessitados, sem separá-los e classificá-los. Já

na segunda metade do século XIX, reorganizam-se para prestar a assistência higienista,

desenvolvida em aliança com a medicina social, visando prevenir a sociedade das doenças

contagiosas. 149

3.2 A institucionalização das formas assistenciais e a previdência na Velha República

Com o advento do regime republicano no Brasil (1889) inaugura-se um período de largas

transformações. Apesar de seu caráter provisório, adapta, por força, leis e mudanças de

direito público que supunham ser a essência de uma nova fórmula, assim como ocorrem

mudanças estruturais decorrentes da passagem de uma economia mercantil escravista para

uma economia exportadora capitalista. Fortalece-se o baronato, com o distanciamento da

metrópole portuguesa e a inserção do país no mercado internacional.

No final do século XIX, os grandes centros do Brasil são marcados pela emergência do

modo de produção de mercadorias, São Paulo, em particular, é marcado pelo crescimento

da atividade cafeeira, o desenvolvimento comercial da cidade e a instalação de melhoras

públicas. Essa mudança na economia provoca um aumento significativo da população

149 Cf. Maria Luiza MESTRINER, Assistência Social: oposições e aproximações, 1992, pp. 40-41. O período focalizado nesta dissertação de mestrado se estende de outubro de 1988, desde o estabelecimento da seguridade social pela Constituição da República Federativa do Brasil, incluindo a assistência social como sua política componente e o percurso na busca da sua regulamentação subconstitucional, pela aprovação da sua Lei Orgânica, até o primeiro semestre de 1992.

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urbana, o desenvolvimento comercial da cidade e melhorias públicas. A mão-de-obra

estrangeira era tão volumosa que os salários só eram rentáveis para os proprietários.

Assim, o imigrante era o mais um expropriado, vivendo em situação de pauperismo. Como

apoio a esta mão-de-obra, é criada, em 1888, no Estado de São Paulo, a Hospedaria do

Imigrante, para abrigar o recém-chegado e adota medidas de higiene, com manutenção de

quarentena, vacinação, etc. A direção cabe à Sociedade Protetora da Imigração, criada por

fazendeiros paulistas, que, em contrato com a Irmandade da Misericórdia, reservaram a

possibilidade de atenção médica, em Hospital recém-inaugurado.150

Pouco antes da promulgação da Constituição Republicana, entre os anos de 1888 e 1891,

sob o governo provisório, criou-se uma legislação que dá proteção material setorial às

diversas categorias de trabalhadores do serviço público federal, bem como uma legislação

que regulamenta o trabalho do menor no Distrito Federal (interdição do trabalho fabril aos

menores de 12 anos, jornada máxima de nove horas não-consecutivas para esses menores,

etc.).

A Lei 3.397, de 24 de novembro de 1888, é considerada a primeira com conteúdo

previdenciário, a partir da qual se criou a Caixa de Socorros para os trabalhadores das

estradas de ferro de propriedade do Estado, acompanhadas, no ano seguinte, de normas

para os seguros sociais obrigatórios dos empregados do correio, das oficinas da Imprensa

Régia e o montepio dos empregados do Ministério da Fazenda.

A primeira Constituição republicana do país relegou a Constituição Imperial que continha

os traços liberais de sua época. A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil

de 24 de fevereiro de 1891, inspirada no modelo norte-americano, viria a consagrar como

forma de governo a República liberal federativa, garantindo ampla autonomia para os

Estados e instituindo um regime formalmente representativo democrático.

Na Constituição de 1891, constam dois artigos, em suas disposições constitucionais, acerca

da proteção social, descritos nos artigos 5 e 75, a saber:

150 Aldaíza SPOSATI, História da pobreza assistida em São Paulo, 1987.

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143Art. 5. Incumbe a cada Estado prover, a expensas próprias, as necessidades de seu Governo e

administração; a União, porém, prestará socorros ao Estado que, em caso de calamidade pública, os

solicitar. [...]

Art. 75. A aposentadoria só poderá ser dada aos funcionários públicos em caso de invalidez no serviço

da Nação. [...]

Constata-se que a Carta Magna Republicana inaugura, em seu artigo 75, a proteção social

vinculada a uma categoria de trabalhadores, assegurando uma das prestações concedidas

até hoje pela previdência social: a aposentadoria. Nesse texto, não existem ainda regras

acerca da previdência social, mas já assinala uma inflexão na proteção social pela

possibilidade de incorporar a previsão, embora ainda orientada aos funcionários públicos.

Não fez nenhuma referência às atividades da saúde. Se a previdência começa a ganhar

forma com todo esse processo acelerado de mudanças sociais, o mesmo não acontece com

a saúde e a assistência social. No período republicano, a saúde e a assistência vão

gradualmente se institucionalizar, embora esta última continue mantendo o caráter de

benesse, enquanto que a previdência social vai se estruturar como direito.

Tomando como exemplo as ocorrências na cidade de São Paulo, verifica-se que o trabalho

assalariado da mão-de-obra estrangeira passa a ser usado na lavoura de café. É, sobretudo,

o imigrante estrangeiro que, a partir do final do século, e no início da República, vai

constituir o maior contingente de trabalhadores assalariados, tanto nas fazendas, como na

indústria urbana. Assim, inicialmente, no sistema de parceria de endividamento, os

estrangeiros são submetidos a um processo de trabalho espoliador, em que, além de

trabalhar um número de horas excessivo, ainda dependiam do preço de gêneros de

subsistência estabelecido pelo proprietário. 151

Durante a Primeira Guerra Mundial, a indústria brasileira registrou alto índice de expansão,

fruto do declínio do comércio internacional e da conseqüente necessidade de substituição

das importações. Com o aumento das atividades industriais, cresce o contingente de

trabalhadores organizados, o que fortaleceu o movimento operário. Uma das formas

iniciais de manifestação coletiva dos trabalhadores foi o mutualismo ou a organização de

sistemas de socorro mútuo. No ano de 1859, já havia sido fundada a Benemérita

151 Cf. Maria Luiza MESTRINER, Assistência Social: oposições e aproximações, 1992, pp. 45-46.

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Associação Portuguesa de Beneficência152 por um grupo de imigrantes de Portugal. Sua

finalidade inicial: procurar emprego para a subsistência dos que não pudessem trabalhar,

auxílio a doentes, sepultamento de indigentes. Também eram seus objetivos facilitar a

educação de filhos de portugueses, angariar recursos para os que precisavam voltar a

Portugal e contratar advogados para auxiliar em questões jurídicas. Seus fundadores

possuíam as mais variadas profissões: alfaiates, barbeiros, vendedores, leiloeiros.

A identidade nas dificuldades entre os grupos de ocupação ou de imigrantes, somada

algumas vezes à aspiração de romper sua subalternidade e mostrar força, potenciam as

organizações de socorro mútuo. Os cuidados médico-assistenciais, tendo no hospital o

“locus” privilegiado dessa ação, caraterizam o modo perfilado pela Beneficência

Portuguesa. Esta foi a organização mutualista de maior vulto, embora não fosse

representativa do operariado.153

A prática do mutualismo serve de base para conceber uma parte da sua organização ligada

à proteção. No decorrer desse período, surgem inúmeras federações e confederações de

operários.

A virada da década de 1910 para a de 1920 foi uma época em que eclodiram grandes

greves nas principais cidades do país. O movimento operário ganhava força e reivindicava

melhores condições de vida e de trabalho. A esses movimentos, a resposta principal do

Estado da Primeira República foi a repressão policial.154 Em decorrência, o debate sobre a

questão social e sobre as medidas necessárias para enfrentá-la ganhou espaço no cenário

político nacional, assim como acontecia no plano internacional. A esse respeito colocaram-

se posicionamentos que refletiam no Brasil as correntes filosóficas européias em torno das

propostas de solução, embora, para a maioria dos políticos da época, a questão social não

fosse percebida como de natureza econômica ou mesmo social, mas, sim, como um

problema de moral e higiene. Com o tempo, a questão educacional e a questão sanitária

152 Disponível em: www.beneficencia.org.br. 153 Aldaíza SPOSATI, Vida urbana e gestão da pobreza, 1988, p. 97. 154 Uma das mais importantes foi a greve de 1917, em São Paulo. Durou uma semana e foi duramente reprimida. Uma das justificativas era que o movimento operário era controlado por lideranças estrangeiras que iludiam aos trabalhadores nacionais. Por conta disso, foi aprovada, em 1921, a Lei de Expulsão de Estrangeiros, que permitia a deportação de lideranças envolvidas em distúrbios da ordem e o fechamento de organizações operárias.

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abriram-se para novas discussões, sobre as reformas educacionais e o movimento

sanitarista.

O Centro Industrial do Brasil (CIB) funcionou como um órgão de negociação. Jorge Street,

industrial presidente do CIB, representava a corrente mais favorável à concessão de certos

direitos para a classe trabalhadora. Além disso, aceitava a intervenção estatal na

regulamentação do mercado de trabalho, até então relativamente ausente, desde que fosse

respeitada a iniciativa individual dos empresários.

Em face da pressão reivindicatória, entre meados da década de 1910 e a segunda metade da

década de 1920, a legislação trabalhista vai ser a parte fundamental da regulamentação

jurídica do mercado de trabalho. Um grande número de projetos referentes às áreas

trabalhista e previdenciária foram apresentados no Congresso, procurando regulamentar

questões relativas à situação sanitária das indústrias, assim como ao trabalho de menores e

mulheres.

Em 1919, foi aprovado o projeto apresentado ao Congresso em 1915, por Adolfo Gordo,

referente a acidentes de trabalho ocorridos na área urbano-industrial e também na

agroindústria. A novidade desse dispositivo legal, com relação à lei civil anteriormente

vigente, estava em que ele substituía o princípio da responsabilidade pelo princípio do

risco profissional. No regime jurídico anterior, para que se pudesse pedir na justiça uma

indenização ao empregador, por danos pessoais resultantes de um acidente do trabalho,

dever-se-ia provar em juízo que tal acidente teria sido provocado, por dolo ou por culpa,

pelo patrão. A partir da lei de 1919, todo acidente do trabalho passava a ser

invariavelmente de responsabilidade do empregador, por ser encarado como um risco

objetivamente inerente a certo tipo de atividade econômica.155

Em seguida é promulgada a Lei Eloi Chaves, no dia 24 de janeiro de 1923, considerada a

primeira lei brasileira de previdência social. Ela assenta as bases para a criação das Caixas

de Aposentadorias e Pensões (Caps) para a categoria dos ferroviários, segundo um modelo

organizacional que será aplicado em outras categorias. Tais Caixas, embora nominalmente

relacionadas com a categoria profissional dos ferroviários, foram organizadas por empresa,

abrangendo todos os empregados - ferroviários ou não - e diferentes ramos da atividade 155 Décio AZEVEDO, Direitos sociais e transição para o capitalismo: o caso da Primeira República Brasileira (1889– 1930), 2006, pp. 26-27.

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industrial.156 Seguindo o modelo proposto por esta lei, em 1926, criam-se as Caixas de

Aposentadorias e Pensões (Caps) para portuários e marítimos. Desde então, difundiu-se

rapidamente esse formato previdenciário: em 1926, já havia 33 Caps.157

O diferencial entre as Caixas e os Institutos consistia principalmente na abrangência dos

segmentos protegidos. As Caixas restringiam-se aos trabalhadores de empresas

determinadas e os Institutos abarcavam categorias profissionais conexas e tinham alcance

nacional, diferente das Caixas. Ambas as entidades estavam vinculadas e submetidas ao

controle financeiro, administrativo e diretivo do governo federal.

A par das mudanças no sistema previdenciário, houve um importante progresso da política

sanitária, que afetou notavelmente o formato assumido pela proteção social do período. A

corrente sanitarista, também chamada higienista, foi sua principal propulsora. Essas idéias

chegaram ao Brasil no fim do século XIX e início do século XX, e, mediante

reapropriações e reinterpretações, propunham um novo ideal, cujo eixo era a preocupação

com a saúde da população, coletiva e individual.

Em 1916, a publicação do relatório da expedição realizada ao Norte e Nordeste brasileiros

e a repercussão da frase do médico Miguel Pereira "o Brasil é um imenso hospital"

transformaram as precárias condições de saúde do homem do interior em tema de debate

público, em prol do saneamento dos sertões brasileiros. Respaldados pelos resultados

empíricos das viagens científicas organizadas pelo Instituto Oswaldo Cruz, o principal

obstáculo ao desenvolvimento nacional eram as doenças, sobretudo as endemias rurais.

Assim, para redimir o Brasil, seria necessário o saneamento e, para isso, tornava-se

fundamental o aumento da intervenção do Estado na área da saúde pública.158

Entre 1918 e 1919, esse movimento congregou um grande número de intelectuais,

médicos, políticos, jornalistas e cientistas em volta da necessidade de uma ação mais

vigorosa no combate às endemias rurais, especialmente a Doença de Chagas, a

156 O financiamento de cada Caixa far-se-ia por contribuição partilhada entre o empregador, o empregado e, o governo; e, cobriria tanto as aposentadorias por tempo de serviço e as pensões por velhice, invalidez ou morte. A administração de cada Caixa estaria a cargo de representantes dos patrões e dos empregados, sem interferência do governo. 157 Aldaíza SPOSATI, História da pobreza assistida em São Paulo, 1987; Maria Luiza MESTRINER, Assistência e seguridade social: oposições e aproximações, 1992; Décio AZEVEDO, Direitos sociais e transição para o capitalismo: o caso da Primeira República Brasileira (1889 – 1930), 2006. 158 Cf. Gilberto HOCHMAN, A Era do Saneamento: as bases da política de saúde pública no Brasil, 1998.

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ancilostomose e a malária. A campanha pelo saneamento rural formaliza-se e ganha maior

amplitude com a atuação da Liga Pró-Saneamento do Brasil, criada em 1918, cuja

principal proposta foi institucionalizar o combate às endemias rurais por meio de uma

política sanitária de caráter nacional exercida de maneira centralizada pelo governo federal.

Contando com a adesão de importantes setores da sociedade civil, a Liga confere grande

visibilidade ao tema da saúde pública, que se tornou uma questão central no debate político

nacional.

Suas propostas residiam na defesa da saúde e da educação pública e no ensino de novos

hábitos higiênicos. A idéia central foi a de valorizar a população como um bem, como

capital, como recurso principal da nação e as propostas eram traduzidas na intervenção

pública. O principal resultado prático da campanha pelo saneamento do Brasil é a criação,

pelo Congresso Nacional, em janeiro de 1920, do Departamento Nacional de Saúde

Pública, órgão que, sob a direção de Carlos Chagas, reorganiza os serviços sanitários do

país e amplia a todo o território nacional a competência da União na promoção e regulação

desses serviços.

Essas propostas atingiam diretamente o cotidiano das pessoas, corporificadas em uma

legislação sanitária, na construção de edifícios públicos e privados, e na circulação pela

cidade. Se o primeiro período republicano é identificado pelo controle científico de

doenças infectocontagiosas pela aplicação da bacteriologia, o período a partir de 1910 é

marcado pela presença da educação sanitária nos serviços de saúde, do médico na ação

preventiva, e do surgimento gradativo do centro de saúde como espaço de novas práticas

governamentais.159

Também nessa época ocorre um rápido desenvolvimento das ações assistenciais praticadas

por particulares e, acentuadamente, pela Igreja Católica. De forma concomitante,

desenvolve-se o apostolado social e se expande em todo o país a Ação Católica. Proliferam

as entidades sociais de religiosos ou de leigos. A maioria delas, de amparo a crianças,

predominando as de atenção a meninos e meninas órfãos, como internatos, educandários,

de caráter asilar e dispensarial. Multiplicam-se também instituições instrucionais centradas

na disciplina e no preparo para o trabalho: escolas paroquiais, escolas noturnas, albergues e

associações de benemerência. Na medida em que o número e o tipo dessas instituições

159 Cf.Aldaíza SPOSATI, História da pobreza assistida em São Paulo, 1987

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aumentam, o poder público desenvolve seu caráter fiscalizador e, para este fim, cria-se a

Junta de Auxílios e Subvenções.

No livro Vida Urbana e Gestão da Pobreza, Aldaíza Sposati resgata como foi colocado o

debate para a opinião pública sobre as questões assistenciais assumidas durante os

primeiros anos republicanos do Brasil, a partir da experiência de um Juiz de Corte de

Apelação do Rio de Janeiro, que traz a discussão que se dava contemporaneamente na

França, na Inglaterra, na Itália e na Alemanha sobre o lugar da assistência pública e a

beneficência privada. Ataulpho Nápoles de Paiva esteve presente no Congresso

Internacional de Assistência Pública e Privada, ocorrido em Paris, por ocasião da

Exposição Universal, em 1889.

As exposições internacionais condensaram o que o século XIX entendeu como

modernidade. O moderno conceito de ciência desenvolveu-se em meados desse século,

facilitado pelo progresso dos novos meios de comunicação e pela reorganização das

universidades. Essas exposições foram organizadas sob a idéia da possibilidade infinita de

um progresso supranacional alavancado nos avanços da ciência e da indústria. A liberdade

foi entendida como livre mercado. O cosmopolitismo baseou-se na idéia de que o

conhecimento humano e a produção seriam transnacionais, objetivos e sem limites. As

exposições ofereceram o material simbólico e as descobertas científicas que serviram de

base para sustentar a construção e a organização político-administrativa dos Estados

ocidentais que cresceram após a Primeira Guerra Mundial.

Com respeito à assistência, na Exposição Universal de Paris, se discutiram-se duas

posições. Uma delas baseou seus fundamentos nas concepções altruístas de La

Rochefoucauld Liancourt, para quem a assistência seria um dever da república e não um

benefício, assim como, também, essa forma republicana deveria garantir a sobrevivência

dos cidadãos necessitados pelo trabalho ou pelos socorros aos que não tivessem condição

física de trabalhar. Thiers160 desenvolveu em 1850, um posicionamento que considerava

ações assistenciais como um sinal da destruição dos costumes e do amor ao trabalho. Para

160 Após a derrota da França na guerra franco-prussiana, Louis Adolphe Thiers (1797-1977) foi eleito presidente do Governo Provisório de Defesa Nacional que declara novamente a III República Francesa. Desempenhou um importante papel na repressão à Comuna de Paris, em 1871, por ocasião da resistência popular ante a invasão alemã. A Comuna de Paris é considerado o primeiro governo operário da história; durou oficialmente de 26 de março a 28 de maio, e enfrentou tanto o invasor alemão como também tropas francesas. Mais de 20.000 communards foram executados pelas forças de Thiers.

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149

ele, essas ações deveriam se restringir à manifestação espontânea da virtude dos

indivíduos. Ataulpho de Paiva resgatou esses ideais para propor a criação de um órgão

nacional de controle das ações de assistência que deveria associar a ação pública e privada

e introduzir uma organização racional e um saber no processo de ajuda. Nessa concepção,

era preciso saber dar esmolas; a ação estatal teria fiscalização da filantropia para não

alimentar a aparição de mendigos e bandidos; o Estado posicionar-se-ia como fiscalizador

da mendicidade para que os asilos socorressem os verdadeiros mendigos. 161

Paiva, articulista do Jornal do Comércio do Rio de Janeiro, usou esse espaço para difundir

a idéia da criação de um órgão nacional de controle das ações de assistência, que,

associando as iniciativas públicas e privadas, romperia o espontaneismo da assistência

esmolada e introduziria uma organização racional no processo de ajuda. Conforme essa

concepção, o Estado manteria posição supletiva à iniciativa privada na atenção àqueles

temporária ou definitivamente impossibilitados de, pelo trabalho ou pelo apoio familiar,

prover as necessidades de sobrevivência. Paiva defende a criação do Ofício Geral de

Assistência Pública na condição de uma diretoria-geral de assistência pública, por cerca de

25 anos, mas o projeto de lei que chega a apresentar no Congresso Internacional de Milão,

em 1906, como a posição do Brasil em relação à assistência pública, não segue adiante.162

Apesar dos apelos de Ataulpho de Paiva, só em 1938 consolida-se a primeira

regulamentação da assistência social no Brasil, com a criação do Conselho Nacional de

Serviço Social (CNSS), no tecido de outras instituições que exprimiram a centralização da

ação estatal durante o governo de Getúlio Vargas, principalmente em sua face ditatorial

pós-Estado Novo de 1937.

Até o ano de 1930, no Brasil, vigorou a República Velha, como é conhecida hoje. Esta

tinha forte embasamento na economia cafeeira e, portanto, vínculos com grandes

proprietários de terras. O Estado que a sucede, após a Revolução de 1930, se orientará para

uma organização da sociedade civil com base em entidades representativas dos interesses

de diferentes categorias profissionais e de diferentes setores da elite. Ao mesmo tempo,

inaugura-se uma nova forma de inserção do Estado na relação capital-trabalho, na qual tem

primazia o trabalho como princípio regulador.

161 Cf. Aldaíza SPOSATI, História da pobreza assistida em São Paulo, 1987. 162 Cf. Aldaíza SPOSATI, Vida urbana e gestão da pobreza, 1988.

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150

Com a reestruturação do Estado, em 1930, inicia-se um processo de centralização do

controle e administração dos processos administrativos, em consonância com as tendências

mundiais que impeliam à construção de um aparelho institucional e das bases de um poder

central que estabeleceu novas relações com a sociedade. Essas medidas de aparelhamento

administrativo foram acompanhadas por programas de ordenamento econômico, criação de

infra-estrutura física, constituição de empresas públicas e providências que atingiram a

proteção social.

Em 1930, foi criado o Ministério de Trabalho, Indústria e Comércio, o Ministério de

Educação e o Ministério de Saúde Pública. A regulação estatal da assistência social no

Brasil começa na década de 1930, com a atribuição direta de auxílios a organizações

sociais, com a contribuição da caridade cobrada sobre a importação de bebidas alcóolicas e

distribuída em cotas por meio de um direito anual.

Esse processo continuou com a criação, em 1931, da Caixa de Subvenções, pelo Decreto

20.531/31, para auxiliar instituições de caridade, exigindo atestado de funcionamento e

gratuidade dos serviços e atribuindo ao Ministério de Justiça e dos Negócios a fiscalização

e o registro dos requerentes. A Lei Federal 119/35 extingue essa Caixa e cria um conselho

de caráter consultivo, formado por cinco especialistas da área e nove representantes

governamentais, vinculado ao Presidente da República, ampliando o universo de

instituições e incluindo as de saúde e educação.163

O Conselho Nacional de Serviço Social (1938) foi um dos órgãos de cooperação do

Ministério da Educação e Saúde e constituí-se na primeira forma de presença da assistência

social na administração estatal federal, com a função de subsidiar as organizações sociais

de amparo social. 164

Foi integrado por personalidades que possuíam vasta experiência pública na área e

pertenciam ao quadro diretivo de instituições sociais destacadas: Liga Brasileira contra a

Tuberculose (Rio de Janeiro), Preventório Da. Amélia (Paquetá), Dispensário Viscondessa

163 Cf. Maria Luiza MESTRINER, O Estado entre a filantropia e a assistência social, 2001. pp. 58-63. 164Cf. Aldaíza SPOSATI, Cidadania ou filantropia: um dilema para o CNAS, 1994. pp. 58-59. A “Caixa de Subvenções” foi criada no Ministério de Justiça e Negócios Interiores. Destinava-se a auxiliar estabelecimentos de caridade, como hospitais, maternidades, creches, leprosários, institutos de proteção à criança, entre outros, imprimindo no pós-30 nova racionalidade na relação entre o Estado e as atividades caritativas ou filantrópicas.

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151

de Morais, Dispensário Azevedo Lima e Serviço de Vacinação BCG, Serviço de Obras

Sociais do Distrito Federal, Associação Cristã Feminina do Rio de Janeiro, Abrigo Cristo

Redentor, Associação das Senhoras Brasileiras. Constitui-se, de fato, num conselho de

auxílios e subvenções, cumprindo, na época, o papel do Estado de subsidiar a ação das

instituições privadas. As atas e os atos desse conselho fazem referência à assistência social

a partir do conceito de amparo social, em contraponto ao desamparo que as populações

urbanas imersas nos efeitos da questão social padeciam.165

Na primeira fase, o Conselho cadastrou e atribuiu subvenções, assim como ensaiou uma

função normatizadora e fiscalizadora. Apresentou projetos de lei ao governo, bem como

elaborou propostas de criação de serviços, centros sociais e outras. O Presidente Vargas

acompanhava seu funcionamento e, segundo assinala Maria Luiza Mestriner citando Maria

Isolina Pinheiro, o seu interesse pelo serviço social era muito grande e ele examinava

pessoalmente muitas das solicitações de subvenções, atendendo as justas, segundo o

parecer do Conselho. 166

Ao reconhecer a “questão social”, o governo Vargas faz seu enquadramento jurídico,

intervindo no domínio das relações entre capital e trabalho. A compreensão da natureza

específica desta “questão” será colocada no discurso governamental como dever do

Estado nacional, que reconhece a sua função de velar pelo bem-estar da sociedade e de

proteger os mais fracos, propiciando-lhes uma situação mais digna e humana (é claro que

de forma ocasional e não universal) [....] O trabalho, antes forma de escravidão, será

enfocado no novo discurso oficial como valor social. Passa a ser um direito e um dever do

homem, uma tarefa moral e um ato de realização, uma obrigação para com a sociedade e

o Estado e uma necessidade do próprio indivíduo.167

A Constituição de 1934, com influência da Constituição alemã de Weimar, alarga os

direitos fundamentais, incluindo os direitos sociais: da família, os direitos do trabalho, e

entre eles as férias remuneradas, a regulamentação do trabalho de mulheres e crianças.

Tanto que as Cartas de 1824 e 1891 assumiram a característica de Constituições liberais, a

165 Maria Luiza MESTRINER, O Estado entre a filantropia e a assistência social, 2001, p. 56, detalha uma vasta referência sobre a biografia de Ataulpho Nápoles de Paiva, quem finalmente acabou presidindo, em 1938, o Conselho Nacional de Serviço Social representando a Liga Brasileira contra a Tuberculose. 166 Maria Luiza MESTRINER, O Estado entre a filantropia e a assistência social, 2001, p. 65, citação de Maria Isolina Pinheiro em Serviço Social: uma interpretação do pionerismo no Rio de Janeiro, Edições UERJ, 1985. 167 Maria Luiza MESTRINER, O Estado entre a filantropia e a assistência social, 2001, pp. 72-73.

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Constituição de 1934 e seguintes (com exceção da Carta de 1937) podem ser classificadas

como Constituições Sociais. Nelas, objetivava-se disciplinar aquela categoria de direitos

que assinalam o primado da Sociedade sobre o Estado.

A declaração de direitos sociais na Constituição de 1934, nos artigos 34 e 144, destaca o

lugar da responsabilidade de amparo estatal à família.

Título III. Da Declaração de Direitos. Capítulo II. Dos Direitos e das Garantias Individuais 168

Art. 34: A todos cabe o direito de prover à própria subsistência e à de sua família, mediante trabalho

honesto. O Poder Público deve amparar, na forma da lei, os que estejam em indigência.

Título V. Da Família, da Educação e da Cultura. Capítulo I. Da Família

Art. 144: a família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do Estado.

A mesma declaração introduziu instrumentos de proteção para o mundo do trabalho, no

capítulo relativo à Ordem Econômica e Social. Apesar de sua curta duração, representou

um instrumento de grande valia na evolução histórico-constitucional do Brasil. Segundo

Wagner Balera (1989), teve como ponto marcante a consagração do modelo tripartite de

financiamento do sistema de previdência social e os limites amplos da proteção social.

Título IV. Da Ordem Econômica e Social

Art. 121: a lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições do trabalho, na cidade e

nos campos, tendo em vista a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do país.

1º A legislação do trabalho observará os seguintes preceitos, além de outros que colimem melhorar as

condições do trabalhador:

a) proibição de diferença de salário para um mesmo trabalho, por motivo de idade, sexo, nacionalidade

ou estado civil;

b) salário mínimo, capaz de satisfazer, conforme as condições de cada região, às necessidades normais

do trabalhador;

c) trabalho diário não excedente de oito horas, reduzíveis, mas só prorrogáveis nos casos previstos em

lei;

d) proibição de trabalho a menores de 14 anos; de trabalho noturno a menores de 16 e em indústrias

insalubres, a menores de 18 anos e a mulheres;

168 Disponível em: www.planalto.gov.br/legislação

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153e) repouso hebdomadário, de preferência aos domingos;

f) férias anuais remuneradas;

g) indenização ao trabalhador dispensado sem justa causa;

h) assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante, assegurando a esta descanso antes e

depois do parto, sem prejuízo do salário e do emprego, e instituição de previdência, mediante

contribuição igual da União, do empregador e do empregado, a favor da velhice, da invalidez, da

maternidade e nos casos de acidentes de trabalho ou de morte;

i) regulamentação do exercício de todas as profissões;

j) reconhecimento das convenções coletivas de trabalho.

2º Para o efeito deste artigo, não há distinção entre o trabalho manual e o trabalho intelectual ou

técnico, nem entre os profissionais respectivos.

3º Os serviços de amparo à maternidade e à infância, os referentes ao lar e ao trabalho feminino, assim

como a fiscalização e a orientação respectivas, serão incumbidos de preferência a mulheres

habilitadas.

4º O trabalho agrícola será objeto de regulamentação especial, em que se atenderá, quanto possível, ao

disposto neste artigo. Procurar-se-á fixar o homem no campo, cuidar da sua educação rural, e

assegurar ao trabalhador nacional a preferência na colonização e aproveitamento das terras públicas.

5º A União promoverá, em cooperação com os Estados, a organização de colônias agrícolas, para onde

serão encaminhados os habitantes de zonas empobrecidas, que o desejarem, e os sem trabalho.

Art. 138: incumbe à União, aos Estados e aos Municípios, nos termos das leis respectivas:

a) assegurar amparo aos desvalidos, criando serviços especializados e animando os serviços sociais,

cuja orientação procurarão coordenar;

b) estimular a educação eugênica;

c) amparar a maternidade e a infância;

d) socorrer as famílias de prole numerosa;

e) proteger a juventude contra toda exploração, bem como contra o abandono físico, moral e

intelectual;

f) adotar medidas legislativas e administrativas tendentes a restringir a morbidade infantil; e de

higiene social, que impeçam a propagação das doenças transmissíveis;

g) cuidar da higiene mental e incentivar a luta contra os venenos sociais.

Os conteúdos constitucionais de 1934, além de dar legitimidade à legislação social,

incluíram interesses expressos da Igreja Católica por meio da garantia de

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institucionalização de alguns de seus princípios fundamentais e posições no aparelho de

Estado essenciais a sua função de controle social e político.169

A Carta Constitucional reconheceu explicitamente o catolicismo como religião oficial, a

indissolubilidade do matrimônio com a validação do casamento religioso pela lei civil,

garantia do acesso da Igreja à educação pública e outras instituições de interesse público.

As atividades desenvolvidas pela Igreja Católica, segundo Raul Carvalho (1982), resultam

de uma complexa relação com o governo de Vargas.

No que se refere à montagem de aparelhos próprios, a partir de 1932, a Igreja imprime

vigor ao trabalho organizativo. Tendo como base instâncias já existentes - como o Centro

Dom Vital, de grande influência nesse período, e a Confederação Católica -, promoveu a

formação da Ação Universitária Católica, do Instituto de Estudos Superiores, da

Associação de Bibliotecas Católicas, de círculos operários, da Confederação Nacional de

Operários, da Liga Eleitoral Católica e da Ação Católica, esta em 1935. Da incrementação

desse processo, e produto de um seminário sobre Serviço Social na Bélgica em que

participaram jovens da Ação Católica e da Ação Social, foi criado o Centro de Estudos e

Ação Social (Ceas). Esse Centro foi considerado o vestíbulo da profissionalização do

Serviço Social no Brasil. Poucos anos depois, em 1936, criava-se a Escola de Serviço

Social de São Paulo, diretamente inspirada pela Ação Católica e pela Ação Social.170

A persistência do componente liberal nos conteúdos constitucionais fará com que se

determine o equacionamento da assistência social, sempre tendo como referência, de um

lado, o trabalho, e, de outro, o princípio de subsidiaridade, que desresponsabiliza e libera o

Estado dessa intervenção.

169 Em 1931, comemorando os 40 anos da Encíclica Rerum Novarum (centrada na questão operária), divulgava-se em Roma a encíclica Quadragésimo Ano, na qual se promovia a restauração da ordem social, a reforma das instituições e a melhora dos costumes e da qual se inferem componentes da prática do serviço social. A Rerum Novarum foi inspiradora de uma verdadeira ciência social católica, avaliava as relações operárias-patronais, o papel do Estado, a função dos católicos, e o perigo que o socialismo representava para a ordem burguesa. 170 Cf. Manuel MANRIQUE CASTRO, História do Serviço Social na América Latina, 2000. pp. 103-104

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155Quadro 17. Aspectos relevantes para o estudo da assistência social na proteção social no Brasil, período colonial - 1936

Ano Aspectos relevantes para o estudo da proteção social no Brasil

Aspectos relevantes da evolução política

Século XVI

Irmandade da Misericórdia Santa Casa do Porto de Santos

Brasil colonial (1560-1822)

1789 Revolução Francesa 1802 Lazareto de São Paulo

Filantropia caritativa Obras pias orientadas a órfãos, inválidos, enfermos, delinqüentes e alienados Carta Imperial (1824)

Brasil imperial (1822-1889) Imperador Dom Pedro I

1888 Regulação do direito à aposentadoria dos empregados dos Correios Inauguração da Hospedaria do Imigrante em São Paulo

1889 Congresso Internacional de Assistência Social na França Criação do Fundo de Pensões do Pessoal das Oficinas da Imprensa Nacional Filantropia higiênica Início da diversificação dos atendimentos por segmentos e por instituições específicas: orfanatos, internados, asilos, hospícios, sanatórios, lazaretos, associações de socorro mútuo

Velha República ou Primeira República (1889-1930) Governo Provisório Marechal Deodoro da Fonseca (1889-1891)

1890 Aposentadoria para os empregados da Estrada de Ferro Central do Brasil

População: 14.333.915 habitantes

1891 Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil

Primeiro Governo Republicano do Marechal Deodoro da Fonseca (1891)

1894

O projeto de lei apresentado pelo deputado Medeiros e Albuquerque visava instituir um seguro de acidente do trabalho

Governo de Floriano Peixoto (1891-1894)

1904 Diretoria-Geral de Saúde Pública Governo de Rodrigues Alves (1902-1906) Primeira Guerra Mundial (1914-1918)

Governo de Wensceslau Braz (1914-1918)

1919 Lei 3.724 que responsabiliza as empresas pelos acidentes de trabalho

Governo de Delfim Moreira (1918-1919)

1921 Reforma Carlos Chagas. Criação de serviços de atenção hospitalar, combate à tuberculose, lepra e doenças venéreas

População em 1920: 30.635.605 habitantes Governo de Epitácio Pessoa (1919-1922)

1923 Criação do Conselho Nacional do Trabalho, com atribuições relativas à previdência social Lei 4.682 ou Lei Eloi Chaves: criação de uma Caixa de Aposentadoria e Pensões para os empregados de cada empresa ferroviária. Primeira lei brasileira de previdência social

Governo de Arthur Bernardes (1922-1926)

Governo de Washington Luiz (1926- 1930)

1930

Criação do Ministério do Trabalho e do Ministério da Educação e Saúde

Revolução de 1930 Governo Provisório de Getúlio Vargas (1930-1934)

1931 Criação da Caixa de Subvenções 1933 Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Marítimos:

primeira instituição brasileira de previdência social de âmbito nacional, com base na atividade genérica da empresa

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1561934

Constituição de 1934 Código Penal Código de Processo Penal Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)

Governo de Getúlio Vargas (1934-1937)

1935 Departamento de Assistência Social de São Paulo Lei Federal 119/35 que regula a distribuição de subvenções a instituições de assistência, educação e cultura

1936 Criação da Escola de Serviço Social do Centro de Estudos e Ação Social

Fontes: Aldaíza SPOSATI et al., Assistência na trajetória das políticas sociais brasileiras: uma questão em análise, 1985; Aldaíza SPOSATI, História da pobreza assistida em São Paulo, 1987 e Cidadania ou Filantropia: um dilema para o CNAS, 1994; Maria Luiza MESTRINER, Assistência e seguridade social: oposições e aproximações, 1992 e O Estado entre a filantropia e a assistência social, 2001; www.previdenciasocial.gov.br; www.ibge.gov.br; www.planalto.gov.br; www.mds.gov.br. (Construção própria)

3.3 A assistência social e o Estado de bem-estar

Após a Segunda Guerra Mundial, que na Europa deu origem ao formato dos Estados de

Bem-Estar Social, ocorre uma direção particular no Brasil.

A Carta Constitucional de 1934 vigorou até 1937, quando Vargas implantou o período

ditatorial conhecido como Estado Novo, foi estruturada em face do processo de

modernização internacional e do desenvolvimento do próprio modo de produção capitalista

brasileiro e acompanhada de um projeto social que institucionalizou uma legislação social

para servir de sustentação ao processo de desenvolvimento do setor industrial.

Em 1935, já existia, em São Paulo, o Departamento de Serviço Social, e em seguida o

Conselho Nacional de Serviço Social, assim, o aparelho estatal para a assistência social e a

particularização de uma política específica no Brasil se instalou a partir dos anos de 1940,

quando as ações e as intervenções vão se configurando numa esfera diferente da do

trabalho e adquirindo um formato institucional e conteúdos próprios.

Pelo lado do trabalho, entre 1930 e 1945, foram criados o Ministério de Trabalho, Indústria

e Comércio; o Instituto de Aposentadorias e Pensões; o salário mínimo, em 1940, que foi

interpretado como salário de subsistência; a indenização por dispensa de trabalho sem justa

causa; a regulamentação dos sindicatos; a Lei Orgânica do Ensino Industrial; o Serviço

Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai); a Lei Orgânica do Ensino Comercial; o

Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac); a Consolidação das Leis do

Trabalho (CLT), que, entre outras medidas, estabelece a proteção ao trabalho da mulher e

do menor e a diminuição da jornada de trabalho; a legislação que enfatizava os ensinos

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primário e o secundário, dando a este o cunho profissionalizante; o Departamento Nacional

da Tuberculose, o Departamento Nacional da Criança, o Serviço Nacional da Malária.

A Constituição outorgada de 1937, embora não se harmonizasse com a ordem instituída

pela Carta de 1934, não deixou de enumerar riscos sociais cobertos pelo seguro social.

Apenas empregou a expressão “seguro social” em vez de “previdência social” em seu

texto. No campo de direitos sociais, a área trabalhista ganhou destaque, mas também

assinalando uma regulamentação rígida em relação à organização dos trabalhadores, entre

elas, a proibição de greve. Sob a sua égide, foi editado o Decreto 7526, de 7 de maio de

1945, que determinou a criação de um só Instituto de Previdência, denominado de Instituto

de Seguros Sociais do Brasil (ISSB), que não chegou a ser instalado.

O volume das medidas e de atribuições que são assumidas pelo Estado durante o período

de 1930-1945 permite ponderar a relevância dada à questão do trabalho e ao recurso da

legislação social centrada no controle estatal. A saúde e a educação relacionam-se com o

trabalho. De um lado, a educação favorece a formação de mão-de-obra qualificada por

meio do ensino profissionalizante, e os investimentos na saúde melhoram a capacidade

produtiva do trabalhador. O Estado regula o trabalho no campo sindical, transformando os

sindicatos em organismos oficiais, numericamente restritos e voltados exclusivamente para

as reivindicações profissionais.

Mas, paralelamente à regulamentação e legislação que protege o trabalhador e suas

condições de vida, criam-se formas institucionalizadas com considerável presença

feminina na assistência social, tais como a Legião Brasileira de Assistência (LBA).

Em 1942, foi criada a primeira grande instituição brasileira de assistência social, a LBA,

com origem na mobilização do trabalho civil, feminino e de elite em apoio ao esforço

nacional representado pela entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial. Nela, o caráter

de doação é exaltado para aqueles que não são capazes de prover sua própria subsistência,

assim como esse formato exprime um dos pilares sob os quais vai se erigindo um setor da

política com eixos, legislação e formato institucional diferentes daqueles que se ocupam

dos que têm vínculos trabalhistas.

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Assim, surgem as voluntárias da defesa passiva-antiaérea, preparadas para atuar na

proteção da população em caso de provável bombardeio; as voluntárias da alimentação,

preparadas para transmitir ensinamentos às donas de casa sobre práticas da economia e

consumo de alimentos; as visitadoras e educadoras sociais, responsáveis pela prestação de

assistência às famílias dos soldados – esposas e filhos; as samaritanas socorridas, formadas

para o atendimento de enfermagem. 171

Em 1942, quando surgiu, a Legião Brasileira de Assistência destinava-se a apoiar as

famílias dos soldados brasileiros que participavam da FEB e lutavam na Itália contra o

nazi-fascismo. Dona Darcy, mulher do Presidente Vargas, assumiu a responsabilidade de

liderar as mulheres brasileiras para participar do esforço de guerra que se fazia no país.

As voluntárias da LBA fizeram um belíssimo trabalho. Quando a guerra acabou, decidiu-

se que a Legião continuaria fazendo na paz o que fez tão bem na guerra, assistindo aos

necessitados e, especialmente, as crianças e suas mães.172

Apesar de o nascimento da LBA estar associado ao esforço de guerra, a instituição surgiu

com diretrizes em relação ao papel que caberia aos brasileiros e ao Serviço Social. Em seu

primeiro estatuto, tinha como finalidades básicas:173

I. Executar seu programa pela fórmula do trabalho em colaboração com o poder público e a iniciativa

privada;

II. Congregar os brasileiros de boa vontade, coordenando-lhes a ação no empenho de se promover, por

todas as formas, serviços de assistência social;

III. Prestar, dentro do esforço nacional pela vitória, decidido concurso do governo;

IV. trabalhar em favor do progresso do Serviço Social no Brasil.

Com o objetivo de prestar assistência social, diretamente ou em colaboração com

instituições especializadas, foi reconhecida como órgão de cooperação do Estado e de

consulta no que concerne ao funcionamento de associações de congêneres. Voltada a

aglutinar as organizações assistenciais, vai integrar a iniciativa privada às intervenções do

171 Cf. Ivana SMILI, A construção de uma personagem: a trajetória da primeira-dama Darcy Vargas (1930-1945), 2007. 172 Apud Aldaíza SPOSATI, Maria do Carmo BRANT DE CARVALHO, Maria do Carmo. LBA: identidade e efetividade das ações no enfrentamento da pobreza brasileira, 1989, p. 13. Palavras do Presidente Sarney no programa “Conversa ao Pé do Rádio”, por ocasião do 44o aniversário da Instituição, em 1986. 173 Estatutos LBA, 1942, apud Maria de Fátima LIMA EVANGELISTA em LBA: tratamento pobre para o pobre, 1994.

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159

Estado na era Vargas, assegurando estatutariamente a presidência às primeiras-damas da

República.

Dona Darcy, quando criou a LBA, deu inicialmente o nome de Legião de Caridade Darcy

Vargas. Depois trocou o nome para Legião Brasileira de Assistência por achar que

caridade poderia significar apenas ajuda aos pobres, aos necessitados.174

A LBA foi criada em nível federal, registrada no Ministério da Justiça e Negócios

Interiores, com núcleos por todo o país, como uma sociedade civil de finalidades não

econômicas e voltada para congregar as organizações assistenciais. Desde sua criação,

expressa um vínculo entre o público e o privado e atua fundamentalmente com parcerias.

Administrativamente, esse vínculo institucional da LBA foi duplo, de um lado, o

Ministério da Justiça e Negócios Interiores para as ações sociais, e, de outro, o Ministério

de Trabalho, Indústria e Comércio, para aplicação de recursos. Seus recursos procedem de

cotas iguais de colaboração entre empregados, empregadores e a União.

Não tem seu aparecer social imediatamente atrelado ao governo, e a esposa do governante

não se identifica com um órgão público gerenciado por técnicos e com capacidade de

propor ações fundadas em análises, planos e teorias. Naquele momento, a LBA não tinha

quadro funcional próprio. Sua organização expressa a parceria entre o voluntariado civil e

o empresariado. A criação da LBA coloca o papel contributivo da mulher no

enfrentamento das situações sociais adversas.175

A ação da mulher como voluntária e a mobilização da contribuição da sociedade para

enfrentar situações adversas seguem sendo, até os dias atuais, marcos que a LBA

institucionalizou na sociedade brasileira. A LBA em sua criação, portanto, é a expressão

da parceria entre o Estado, o empresariado e o voluntariado feminino civil, para entender

a pobreza.176

174 Apud Aldaíza SPOSATI, Maria do Carmo BRANT DE CARVALHO, Maria do Carmo. LBA: identidade e efetividade das ações no enfrentamento da pobreza brasileira, 1989, p. 16. 175 Cf. Aldaíza SPOSATI, Maria do Carmo BRANT DE CARVALHO, LBA: identidade e efetividade das ações no enfrentamento da pobreza brasileira, 1989, pp. 13-14. 176Aldaíza SPOSATI, Maria do Carmo BRANT DE CARVALHO, LBA: identidade e efetividade das ações no enfrentamento da pobreza brasileira, 1989, p. 16.

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160

Do corpo do voluntariado, as voluntárias da defesa passiva antiaérea foram transformadas

em peças-chave das engrenagens institucionais. Embora os fins visados com a atuação

delas fosse proteger a população, elas tiveram participação ativa nas campanhas

desenvolvidas pela instituição, como, por exemplo, da borracha usada, a Horta da Vitória e

foram as responsáveis pela intermediação do contato entre a instituição e os soldados,

distribuindo os objetos coletados pela LBA nos quartéis onde os soldados estavam

aguardando o embarque para o front de guerra, como cigarros, roupas, fósforos, dentre

outros. Além das voluntárias formadas pela instituição, as mulheres também aderiram a

outras espécies de trabalho voluntário: as legionárias da costura, responsáveis pela

produção de materiais médico-hospitalares para serem usados no front de guerra e de

roupas para serem doadas aos soldados; as madrinhas dos combatentes, que se incumbiram

da escrita de cartas para os soldados no front; e mulheres que se envolveram em diversos

serviços, como, por exemplo, a organização da biblioteca do combatente, angariando livros

e levando leitura aos soldados aquartelados.177

A LBA retomou um discurso já advogado no Brasil do século XIX, que defendeu a

educação das mulheres em função do bendito fruto de seu ventre, o futuro cidadão

brasileiro. Em 1946, Viçoso Jardim, presidente da LBA no Estado do Rio de Janeiro,

expressava:

Lembrando que 8% dos jovens de 20 anos, já selecionados pelo exame de convocação,

haviam sido recusados para os serviços da Forca Expedicionária Brasileira por

problemas de saúde – alarmante fenômeno que ameaçava tão seriamente o nosso futuro e

que à LBA caberia doravante a sua atividade e todos os seus recursos na defesa de nossa

raça, cuidando das mães e das crianças, os homens de amanhã.178

As preocupações da LBA com esses três objetivos para a mãe e a criança foram então

expressas nos Boletins: 179

177 Cf. Ivana SIMILI, A construção de uma personagem: a trajetória da primeira-dama Darcy Vargas (1930-1945), 2007. 178 Apud Maria de Fátima LIMA EVANGELISTA em LBA: tratamento pobre para o pobre, 1994, p. 35. 179 Apud Maria de Fátima LIMA EVANGELISTA em LBA: tratamento pobre para o pobre, 1994. pp. 36-37. A partir de 1966, com a alteração dos estatutos, inclui em seus objetivos: a pesquisa, o estudo e a avaliação de grupos comunitários, e implementam-se os programas de Educação para o Trabalho, Serviço Social e Medicina e de Assistência e Registro Civil.

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161A proteção à saúde, através da assistência médica, dentária e alimentar, com o objetivo de melhorar as

condições de vida e de nutrição, produzirá seres perfeitos sob o ponto de vista biológico, promovendo

a sua adaptação e seu completo equilíbrio vital (LBA, Boletim 1946);

[...] tornar os indivíduos moral e intelectualmente capazes de uma assimilação perfeita e integração,

tanto quanto possível completa, ao ambiente social LBA (LBA, Boletim, 1946);

[...] conjunto de meios de reivindicação e defesa dos direitos da criança, baseados na legislação

específica, para evitar (a) a ociosidade e a mendicância, vistas como conseqüência do abandono

infantil e a decadência moral do meio, e (b) o problema dos filhos ilegítimos, considerados como

filhos sem pai (LBA, Boletim, 1946);

Disso decorre que uma problemática a ser pensada é a participação do feminino na política

do Estado brasileiro e no desenvolvimento de políticas sociais e assistenciais destinadas à

infância e à maternidade por intermédio das mulheres. No que cabe à proteção social em

seu conjunto, cria-se, nesses anos, um quadro institucional em que a saúde pública e a

previdência social procuram delimitar espaços de atuação mais ou menos claros e a rede de

serviços da LBA vai aparecer como de alta relevância, exprimindo-se como extensão da

proteção dada aos trabalhadores pela legislação trabalhista e previdenciária. 180

Ainda assim, o Serviço Social procura ultrapassar a concessão de auxílios financeiros e

materiais, com aplicação de técnicas psicossociais, para redução da dependência e

capacitação do cliente, fazendo surgir a dicotomia entre assistência e promoção social.

Com a teorização e maior racionalidade do Serviço Social, a assistência passa a ser

relegada a voluntários e auxiliares sociais.

Os estatutos da LBA foram reformulados, em 1946, e ela passa a atingir rapidamente 90%

dos municípios brasileiros, redefinindo-se como instituição de defesa da maternidade e

infância, criando unidades próprias como creches, lactários, maternidades e hospitais

infantis, em mútua relação governo-sociedade. Um de seus programas-base foi chamado

180 No período pós-64, a LBA transita de um perfil legionário para o de órgão governamental. Desde meados da década de 1970, a LBA esteve vinculada ao Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), ao Ministério do Interior (MI), ao Ministério de Habitação e Bem-Estar Social (MHBES), ao Ministério de Ação Social (MAS) e ao Ministério de Bem-Estar Social (MBES). A vida da instituição é permeada por histórias de extinção e de crises financeiras. A primeira, em 1945, com o final da guerra, sugerida pelo então presidente interino, José Linhares. A segunda ameaça de extinção ocorreu em 1988, no momento da Assembléia Constituinte, em que setores ligados a uma postura de defessa dos direitos entendiam ser desnecessária a existência da estrutura da LBA. Finalmente, em 1991, pela atuação da primeira-dama Rosane Collor, que presidia o caso, desencadeando-se uma forte crise política, com denúncias de corrupção e 14 inquéritos policiais.

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“Educação da Mulher” e previa a assistência material, social e jurídica da infância. O

andamento da instituição acompanhava a preocupação do pós-guerra pela modernização

administrativa e ativação social dos órgãos estatais.

O pacto do pós-guerra começa a exigir do empresariado maior organização e novas

atitudes e relação à força de trabalho. O desenvolvimento social passa a ser compreendido

como um dever do Estado, e a figurar nos discursos governamentais como bandeira. Com o

fim da Segunda Guerra Mundial e o processo de redemocratização, vieram também as

reformulações constitucionais, inclusive no Brasil. A Assembléia Constituinte de 18 de

setembro de 1946 promulga a Nova Constituição, que introduz uma organização política

diferente da Constituição do Estado Novo, mas, entretanto, manteve vários artigos que

regulamentavam a legislação social.

Essa Constituição caracterizou-se por abolir a expressão “seguro social”, dando ênfase pela

primeira vez na Carta da República à expressão “previdência social”, e consagrando-a em

seu artigo 157.181

Título V. Da Ordem Econômica e Social

Art. 145. [...] Parágrafo único - A todos é assegurado trabalho que possibilite existência digna. O

trabalho é obrigação social.

Art. 157. A legislação do trabalho e a da previdência social obedecerão aos seguintes preceitos, além

de outros que visem a melhoria da condição dos trabalhadores:

I. salário mínimo capaz de satisfazer, conforme as condições de cada região, as necessidades normais

do trabalhador e de sua família;

II. proibição de diferença de salário para um mesmo trabalho por motivo de idade, sexo,

nacionalidade ou estado civil;

III. salário do trabalho noturno superior ao do diurno;

IV. participação obrigatória e direta do trabalhador nos lucros da empresa, nos termos e pela forma

que a lei determinar;

V. duração diária do trabalho não excedente a oito horas, exceto nos casos e condições previstos em lei; VI. repouso semanal remunerado, preferentemente aos domingos e, no limite das exigências técnicas das empresas, nos feriados civis e religiosos, de acordo com a tradição local;

181 Disponível em: www.planalto.gov.br

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163VII. férias anuais remuneradas;

VIII. higiene e segurança do trabalho;

IX. proibição de trabalho a menores de quatorze anos; em indústrias insalubres, a mulheres e a

menores de dezoito anos; e de trabalho noturno a menores de dezoito anos, respeitadas, em qualquer

caso, as condições estabelecidas em lei e as exceções admitidas pelo Juiz competente;

X. direito da gestante a descanso antes e depois do parto, sem prejuízo do emprego nem do salário;

XI - fixação das percentagens de empregados brasileiros nos serviços públicos dados em concessão e

nos estabelecimentos de determinados ramos do comércio e da indústria;

XII - estabilidade, na empresa ou na exploração rural, e indenização ao trabalhador despedido, nos

casos e nas condições que a lei estatuir;

XIII - reconhecimento das convenções coletivas de trabalho;

XIV - assistência sanitária, inclusive hospitalar e médica preventiva, ao trabalhador e à gestante.

Os incisos XV a XVII tratavam da obrigatoriedade da instituição do seguro de acidente de

trabalho por conta do empregador e dos desempregados. O inciso XVI do artigo 157

mencionava que a previdência social, custeada com a contribuição da União, do

empregador e do empregado, deveria garantir a maternidade, bem como os riscos sociais,

tais como: a doença, a velhice, a invalidez e a morte.

XV - assistência aos desempregados;

XVI - previdência, mediante contribuição da União, do empregador e do empregado, em favor da

maternidade e contra as conseqüências da doença, da velhice, da invalidez e da morte;

XVII - obrigatoriedade da instituição do seguro pelo empregador contra os acidentes do trabalho.

O Capítulo dedicado às famílias reforça a idéia de amparo social e da proteção do Estado:

Título VI. Da Família, da Educação e da Cultura. Capítulo I. Da Família

Art. 163. A família é constituída pelo casamento de vínculo indissolúvel e terá direito à proteção

especial do Estado. [...]

Art. 164. É obrigatória, em todo o território nacional, a assistência à maternidade, à infância e à

adolescência. A lei instituirá o amparo de famílias de prole numerosa. [...]

Esse texto constitucional, promulgado durante o Governo de Eurico Gaspar Dutra, mantém

a regulação dos direitos trabalhistas, retoma a liberdade de associação sindical e o direito a

greve. Um dos fatos mais destacáveis da Constituição de 1946 foi a imposição aos

empregadores de manterem o seguro de acidente de trabalho, e, embora não houvesse

outras mudanças substanciais nela, deu margem à legislação infraconstitucional como o

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projeto de lei que previa a proteção social a toda a população, que, após longo período de

tramitação, em virtude dos debates realizados, resultou na Lei Orgânica da Previdência, em

1960.

Os rumos do seguro social e a dinâmica das políticas públicas, entre elas a assistência

social, foram longamente discutidos entre as décadas de 1940 e 1960.

Gilberto Hochman (1987) examina essas discussões a partir dos trabalhos publicados por

cientistas sociais que analisaram a previdência social, em consonância com a perspectiva

da difusão de experiências internacionais. 182

Nessa linha, em 1947, foi realizado o Primeiro Congresso Brasileiro de Serviço Social, na

Cidade de São Paulo. O Congresso foi estruturado em seis comissões: o Serviço Social e a

Família, o Serviço Social de Menores, Educação Popular e Lazeres, Serviço Social

Médico, o Serviço Social na Indústria, Comércio e Agricultura, os Agentes de Serviço

Social.

O prefácio do livro que contém as teses e comunicações selecionadas e apresentadas nesse

evento exprime a posição do Serviço Social nesse momento:

Destinado a estabelecer, por processos científicos e técnicos o bem-estar social da pessoa humana,

individualmente ou em grupo, ao Serviço Social se reserva um papel sobremaneira relevante em nosso

meio [...] Ação entroncada na arvore cristã, o Serviço Social conduz no seu âmago a semente

renovadora da caridade, do sentimento caloroso de proximidade evangélica, porquanto não se pode

compreender uma atividade, essencialmente inclinativa, sem o apoio do amor que manda o homem

reconhecer no homem o irmão e samaritanamente consolá-lo, socorrê-lo, aquecê-lo de

amizade.[....]Serviço Social não deixa o homem só. Com Serviço Social não haverá solidão para o

homem. É, aliás, um conceito que precisa ficar assentado, neste século de tantas solidez. [...]

Os trabalhos apresentados ao Congresso revelam o intuito de construir uma profissão

baseada em critérios técnicos e portadora de uma racionalidade administrativa e de um

182 Gilberto HOCHMAN, Aprendizado e difusão na constituição de políticas: a previdência social e seus técnicos, 1987. O trabalho examina a discussão sobre a criação do Instituto de Serviços Sociais do Brasil (ISSB) em 1945, e o debate sobre os rumos do seguro social durante a tramitação do projeto de Lei Orgânica da Previdência Social, aprovada em 1960, até a unificação do sistema previdenciário, em 1967. O estudo foi realizado a partir dos trabalhos publicados por cientistas sociais que analisaram a previdência social, em consonância com a perspectiva da difusão de experiências internacionais no entendimento da dinâmica das políticas públicas entre as décadas de 1940 e 1960.

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conhecimento técnico conforme às discussões internacionais sobre previdência social com

a assistência social. Houve posições que procuraram esclarecer a relação do Serviço Social

e a assistência social, trazendo o debate internacional para a perspetiva brasileira. Moacyr

Velloso Cardoso de Oliveira, especialista em direito previdenciário, exprimiu essas

diferenças utilizando os conteúdos da época para contornar ambos aspectos. Na

conferência intitulada O Serviço Social: chave da solução dos problemas sociais

contemporâneos, avalia-se que:

Há um sentido genérico de expressão, que abrange, assim, as diferentes manifestações da “assistência

social” e que, de algum modo, com ela se confunde. Eis como o definiu a “Primeira Conferência

Internacional de Serviço social”: o Serviço Social é o conjunto dos esforços que visam mitigar os

sofrimentos provenientes da miséria (assistência paliativa); reajustar os indivíduos e as famílias às

condições normais da existência (assistência curativa); prevenir os males sociais (assistência

preventiva); melhorar as condições sociais e elevar o nível de existência (assistência

construtiva).Igualmente o Bureau Internacional do Trabalho, em seu relatório de 1933, classificou,

entre os “serviços sociais”, os serviços relativos: a acidentes, doenças, maternidade, invalidez, velhice,

desemprego, responsabilidades familiares, seguros sociais, assistência, casas operárias, abonos.

A publicação do relatório de William Beveridge e suas propostas de reforma do sistema

previdenciário inglês tiveram forte impacto no debate internacional sobre os caminhos do

seguro social e os direitos sociais. A ressonância dessas idéias, no Brasil, foi quase

imediata, influenciando todo um grupo de técnicos e especialistas, entre os quais estava

Moacyr Velloso, que buscavam um melhor entendimento sobre previdência social. Esse

autor resgata como esses intelectuais interpretaram o espírito da época em relação às

propostas e transformações das políticas sociais e dos sistemas previdenciários que

ocorrem no plano internacional no pós-guerra, e, do mesmo modo, a inserção desse grupo

no debate internacional sobre seguridade social, que lhe garantiu o status de especialista na

questão e o colocou em lugar privilegiado no tratamento da política previdenciária,

principalmente na proposição de como ela "deveria ser". 183

O modelo de seguridade social discutido internacionalmente, que propunha uma mudança

"radical" nos sistemas previdenciários, a difusão do debate sobre a maximização da

eqüidade no seguro social e a propagação da redemocratização do pós-guerra, que

implicou rediscutir a cidadania e os direitos sociais, foi reforçado pela presença das

183 Gilberto HOCHMAN, Aprendizado e difusão na constituição de políticas: a previdência social e seus técnicos, 1987, pp. 17-18.

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agências internacionais, pela OIT e a Associação Internacional de Seguro Social (Aiss).

Esses movimentos influenciaram, balizaram e informaram as propostas de políticas em

outros países, inclusive no Brasil, ainda que dentro de um contexto totalmente diverso

daquele em que foram originalmente elaborados e gerando resultados diferentes.

Segundo Hochman (1987), esse processo de difusão foi possível por causa dessa elite

técnica, que operou como agente do aprendizado institucional e da inovação. Ainda que

nem sempre bem-sucedidos, os temas de mudança introduzidos pelos técnicos continuaram

em questão, fazendo com que o grupo fosse referência como portador da racionalidade

administrativa e do conhecimento técnico sobre previdência social e, ainda, ultrapassando

as conjunturas governamentais.

Nesse linha, Moacyr Velloso Cardoso de Oliveira trouxe, ao Primeiro Congresso Brasileiro

de Serviço Social, uma proposta para a assistência social e o Serviço Social:

Há, porém, um outro sentido de “Serviço Social”, mais restrito, que nos parece mais importante, pelo

menos na fase de sua evolução que vimos atravessando, no Brasil. É aquele de “assistência social

tecnicamente realizada”, ou, melhor ainda, da própria técnica de realização da assistência. Nesse

sentido, não é toda a forma de “assistência social” necessariamente um “Serviço Social”, senão aquela

realizada de conformidade com uma determinada “técnica de ação”, resultado da aplicação de

princípios previamente estudados por pessoas que se especializaram para esse fim. Representa isto

uma nítida evolução dos métodos de “ação social”, determinada pela complexidade cada dia maior dos

problemas a resolver [...] É o Serviço Social, portanto, como que a penetração de uma seiva nova nas

obras sociais, um fermento que penetra em toda a ação social [...] Sobre a ação desse fermento, a

assistência passa a agir em bases seguras, aplicando métodos cientificamente estudados e

demonstrados, para atingir a fins previamente conhecidos e de alcance preestabelecido. 184

A mesma exposição retoma e examina o papel do Estado, os conteúdos constitucionais de

1946 e os serviços sociais.

À luz do Serviço Social a própria ação do Estado adquire especial significação; deixa de ter aquele

caráter paternal, que tanto desagrada aos beneficiados e que tem sido a causa do fracasso de tantas

obras sociais realizadas com as melhores e mais puras intenções, mesmo pelos particulares.

O Estado, aplicando a técnica do Serviço Social, não sufocará as iniciativas individuais, antes as

estimulará, garantindo-lhes a independência e a personalidade. Em suas obras mesmas, o Estado não

aparecerá como o benfeitor, a exigir a cada momento o reconhecimento dos assistidos; será tão-

184 Moacyr VELLOSO CARDOSO de OLIVEIRA, Primeiro Congresso Brasileiro de Serviço Social, 1947.

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167somente o anjo tutelar que vela pela consecução dos seus fins, cuida que tudo ande bem, mas quase

sem ser percebido.

E é este um ponto essencial a ser defendido em nossa organização democrática, tal como o consigna o

art. 145 da Constituição Federal de 1946: “A ordem econômica deve ser organizada conforme os

princípios da justiça social, conciliando a liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho

humano”.

Longe o Estado total, o Estado providência, do qual tudo se espera e que tudo dá. Na democracia, a

iniciativa não pode nunca ser tirada ao homem e transferida totalmente ao Estado. 185

A assistência social no aparato estatal constitui-se um tema relevante nos debates da época

mas ainda oscilando entre uma retórica portadora de uma racionalidade organizativa e

ações de caráter conservador.

A era de Juscelino Kubistchek (1956-1961) representou o início da modernização do

aparelho do Estado, pela implantação de grandes usinas elétricas, siderurgia e da

institucionalização gradativa de órgãos estatais voltados às políticas sociais com um tom

nitidamente assistencial. A LBA seguiu sua trajetória de órgão paralelo à ação

governamental. Suas ações assistenciais evoluíram desde a arrecadação de fundos para a

manutenção de instituições carentes, auxílio econômico, amparo e apoio à família,

orientação maternal, campanhas de higiene, fornecimento de filtros, assistência médico-

odontológica, manutenção de creches e orfanatos, lactários, colônias de férias, concessão

de instrumentos de trabalho, etc., até as ações mais técnicas. Expandiu, na época, na

maioria dos Estados, sua rede de equipamentos sociais: Casas da Criança, Postos de

Puericultura, Hospitais Infantis, Maternidades, Educandários. 186

A gestão pública da LBA foi centralizada e com representação nos 26 Estados da

Federação e do Distrito Federal e sua linha programática foi se constituindo em diferentes

áreas:

• Assistência social;

• Assistência judiciária;

• Atendimento médico-social e materno-infantil;

• Distribuição de alimentos para gestantes, crianças e nutrizes; 185 Moacyr VELLOSO CARDOSO de OLIVEIRA, Primeiro Congresso Brasileiro de Serviço Social, 1947. 186 Aldaíza SPOSATI, Maria do Carmo BRANT DE CARVALHO, LBA: identidade e efetividade das ações no enfrentamento da pobreza brasileira, 1989, p. 19.

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• Assistência integral a crianças, adolescentes e jovens (creches e abrigos);

• Qualificação e iniciação profissional;

• Liberação de instrumentos de trabalho;

• Orientação advocatícia para a regularização e registro de entidades;

• Programas educacionais para o trabalho;

• Geração de renda;

• Projetos de desenvolvimento social local (serviços de microempresas - creches,

cooperativas e outros);

• Assistência ao idoso (asilos e centros de convivência);

• Assistência à pessoa portadora de deficiência;

• Assistência ao desenvolvimento social e comunitário;

• Programa nacional de voluntariado.

Essa instituição adequou a sua linha programática para os ciclos de vida das populações

mais vulneráveis e para isso estabeleceu parceria com cerca de 6.000 organizações não-

governamentais, governos estaduais e municipais. Dispôs de um Programa Nacional de

Voluntariado, com coordenação nos 26 Estados e no Distrito Federal, que contou com

aproximadamente 3.000 voluntários.

Na análise da evolução discursiva da LBA desde seus primórdios até a década de 1990,

Maria de Fátima Lima Evangelista (1993) assinala que esta não pode ser classificada de

maneira linear. Os discursos, via de regra, que anunciavam uma prática nova, justificavam

ou criticavam a prática anterior. Não pareciam discursos orientadores de uma ação

programática, mas, ao contrário, justificadores. No recorte do discurso acerca da

assistência social que foi veiculada pela instituição a cada nova gestão presidencial, o

discurso transitou desde o reconhecimento de certo espírito filantrópico carente de

sistematização técnica até a incorporação de inovações técnico-científicas nos

atendimentos.

Numa avaliação ex post das atividades da LBA, Sposati e Brant de Carvalho (1989)

denotam que na trajetória histórica da ação foram se ampliando seus programas e

modernizando suas ações em três eixos. A creche substitui o orfanato, embora subsista o

orfanato. A assistência à mulher transitou da distribuição de alimentos ou agasalhos à

educação social, ao controle da natalidade, à formação profissional, etc. Contudo, nos

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programas da área da assistência, novas e velhas formas se combinam, daí o amplo elenco

de programas nos quais convivem formas arcaicas e modernas. Em segundo lugar, a

expansão dos programas da LBA deu-se via introdução de atividades decorrentes da

conjuntura econômica-política, como, por exemplo, na década de 1970, a área de formação

e reciclagem de mão-de-obra. Finalmente, a LBA assumiu áreas não desenvolvidas pelas

demais políticas sociais, como os idosos, os excepcionais e a infra-estrutura urbana para os

destituídos.

Quanto ao padrão de consolidação e do formato da proteção social desenvolvidos no Brasil

entre 1930 e 1950, Sonia Fleury (1997) pondera que a ascensão de Vargas exprimiu uma

centralização do poder político nem um aparelho estatal modernizado, que foi capaz de

incorporar as demandas dos setores médio e industrial, sem ferir os interesses dos setores

agrários tradicionais. O Estado se estabelece como regulador das estruturas de proteção

social, com a organização de demandas dos trabalhadores por instrumentos de política

social, e da legislação trabalhista, mas incorporando seletivamente aquelas frações da

classe trabalhadora que, por estarem situadas em setores mais dinâmicos da economia,

incrementaram seu poder de pressão e negociação. Portanto, estabelecendo um modelo de

proteção a partir do qual se corporizou uma estrutura fragmentada composta por

multiplicidade de instituições, cada uma delas funcionando com diferentes parâmetros de

contribuições, critérios de negociação e categoria de benefícios; dependendo do poder de

negociação e poder no interior do aparelho estatal da categoria do assegurado.

Sposati e Brant de Carvalho (1989) avaliaram que os programas sociais tiveram forte

caráter assistencial e foram se alterando e se moldando às diversas conjunturas,

respondendo às necessidades do capital - preparo de mão-de-obra, ampliação de demanda

por bens de consumo e controle social. A rede de serviços da LBA apareceu como de alta

relevância naquilo que já se insinuava claro: a assistência social é complemento

fundamental das políticas sociais no que refere a extensão de alguns serviços à massa de

trabalhadores pauperizados.

Sintetizando, pode se referir que a política de assistência social, a partir da década de 1940,

foi administrada como uma forma sócio-assistencial que nasceu centralizada, construiu

uma destacável estrutura administrativa descentralizada e uma rede de serviços próprios,

ancorada sob os cuidados da primeira-dama, mas independente de uma política estatal, e

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desvinculada da perspetiva do direito. Por outro lado, os programas de seguridade social,

durante os governos de Getúlio Vargas, foram influenciados pelo modelo alemão de fins

do século XIX; basearam-se no princípio da contribuição individual e foram co-

financiados pelo empregador e pelo Estado. Nesse período, o modelo ainda não avançou

para aqueles trabalhadores não inseridos formalmente no mundo do trabalho.

A expansão da cobertura da seguridade social, na primeira metade do século XX, rela-

cionou-se com o poder econômico e de negociação dos grupos socioprofissionais. Nesse

contexto, foi o contrato de trabalho que definiu as condições de pertença do trabalhador à

esfera da previdência ou à esfera da assistência social.

Dessa forma, o resultado foi um Estado de Bem-Estar estratificado, que reproduzia, e em

alguns casos aprofundava, a desigualdade social. Da mesma forma que em outros países da

América Latina, os trabalhadores com menor visibilidade ou menor reconhecimento social

- trabalhadores informais, trabalhadores domésticos e trabalhadores rurais - sem suficiente

poder de negociação política, não foram efetivamente incluídos na cobertura da seguridade

social até o fim da década de 1960.

Sposati (1990) denominou de um modelo de Bem-Estar Ocupacional, no qual são

substituídas as relações de direitos constitucionalmente assegurados pelas de direito

contratual; contudo, o campo da previdência social foi o dos “assegurados”, e o campo da

assistência social foi o dos “necessitados”.

A edição da Lei 3.807, de 26 de agosto de 1960, denominada de Lei Orgânica da

Previdência Social (Lops), uniformizou as normas existentes sobre previdência social e se

constituiu no elo da universalidade da previdência social, ainda que alguns segmentos de

trabalhadores (domésticos e rurais) não fossem contemplados pela nova norma. No

entanto, teve a virtude de padronizar o sistema, aumentar as prestações ofertadas - auxílio-

natalidade, auxílio-funeral, auxílio-reclusão e a aposentadoria especial -, e direcionar o

percurso subseqüente da seguridade social. A unificação administrativa da previdência

social só veio com a criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), pelo

Decreto-Lei 72, de 21 de novembro de 1966. 187

187 Maria Luiza MESTRINER, Assistência e seguridade social: oposições e aproximações, 1992.

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O Serviço Social Rural, em 1955, destinado à proteção de serviços sociais no meio rural,

teve o mérito de servir de marco da preocupação com os problemas dos homens ligados à

atividade agrícola. Posteriormente, surgia o Fundo de Assistência e Previdência do

Trabalhador Rural (Funrural) aperfeiçoado e implementado por Leis Complementares de

1971 e outubro de 1973.

A sanção da Lei 4.266, regulamentada pelo Decreto 55.153, de 10 de dezembro de 1963,

instituiu o salário-família, não apenas para os que recebiam salário mínimo, mas para todos

os trabalhadores de empresas ligadas à Previdência Social. Essa medida foi posteriormente

incluída no artigo 158 da Constituição de 1967, que assegurou, entre os direitos do

trabalhador, "o salário-família aos seus dependentes".188

Em matéria de proteção social, a Carta de 1967 previu os mesmos riscos sociais arrolados

desde a Constituição de 1934. A década seguinte caracteriza-se pela necessidade de

investimento no desenvolvimento e pela expansão acelerada da economia, assim como

pelo crescimento e aumento da complexidade do aparelho estatal federal, estaduais e

municipais.

Em 1974, foi criado o Ministério da Previdência e Assistência Social, desmembrado do

Ministério do Trabalho e Previdência Social e baseado na centralidade e exclusividade da

ação federal. Mas, será com o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social

(Sinpas), criado pela Lei 6.439, de 1° de setembro de 1977, que se desenvolve um modelo

concentrado de ações para a assistência social no nível federal e se estende a cobertura

previdenciária à quase totalidade da população urbana e parte da população rural.

O Sinpas foi controlado pelo Ministério da Previdência e Assistência Social que

permaneceu como responsável pela proposição da política de previdência e assistência

médica, farmacêutica e social, bem como pela supervisão dos órgãos que lhe são

subordinados e das entidades a ele vinculadas.

188 A Lei nº 5.890, de 1973, integrou o salário-família no elenco das prestações asseguradas pela Previdência Social, delegando aos empregadores o encargo de conceder e pagar as quotas aos respectivos empregados. A Constituição Federal de ´88, no artigo 7, assegurou o salário-família a todos os trabalhadores, sem distinção quanto ao valor da remuneração. Com a Emenda Constitucional nº 20, desde 16 de dezembro de 1998, o salário-família passou a ser um benefício restrito aos trabalhadores de baixa renda. A alteração constitucional outorgou-o aos trabalhadores com renda inferior a um teto fixado regularmente por lei.

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172

Esse sistema nacional teve a finalidade de integrar todas as atribuições ligadas à

previdência social rural e urbana, tanto a dos servidores públicos federais quanto a das

empresas privadas e traçou o caminho para a construção de um sistema de seguridade

social, como pretendido pela Constituição de 1988. Foi composto de sete entidades:

Instituto Nacional Previdência Social (INPS), Instituto de Administração Financeira da

Previdência e Assistência Social (Iapas), Instituto Nacional de Assistência Médica e

Previdência Social (Inamps), Legião Brasileira de Assistência (LBA), Fundação Nacional

de Bem-Estar do Menor (Funabem), Empresa de Processamento de Dados da Previdência

(Dataprev) e Central de Medicamentos (Ceme). 189

3.4 Assistência social e os processos pré e pós-Constituição de 1988

Entre os anos de 1985 e 1990, a assistência social passou a ser amplamente debatida e teve

um espaço definido nas áreas públicas. O debate abrangeu os trabalhadores da LBA que

desenvolveram, em 1986, um seminário nacional sobre a Transformação da Assistência

Social no Brasil. Em 1986, foi criado, na Secretaria de Assistência Social, o Grupo

Interministerial de Pesquisa, que produziu investigações sobre assistência social. O Plano

Setorial do Ministério de Previdência e Assistência Social 1986/89 formulou um conjunto

de princípios como: democratização da gestão, contemplando a participação de

contribuintes, beneficiários e usuários; a descentralização das ações, em particular da

assistência médica e da assistência social; a modernização e a racionalização gerencial,

instituindo mecanismos eficazes de planejamento e implementação e controle das ações. A

articulação que se gestou entre intelectuais e profissionais da prática da assistência social,

elaborou coletivamente propostas de ação, mas ainda não amadurecidas como proposta de

política de assistência social.190

O intuito prevalecente durante a elaboração dos capítulos sociais da Constituição de 1988,

escrita após o fim do governo militar, objetivava a adoção de medidas de caráter universal

para evitar os vazios deixados pelas decisões anteriores. Ainda assim, uma ala

conservadora do Congresso Nacional centrou seus esforços nas questões econômicas e

financeiras. Paralelamente, várias propostas dos grupos de interesse ligados à defesa de

direitos, com trajetória nos movimentos sociais, que, desde a metade dos anos 1970,

189 Aécio PEREIRA, Evolução histórica da Previdência Social e os direitos fundamentais, 2005. 190 Maria Luiza MESTRINER, Assistência Social: oposições e aproximações, capítulo 6, A trajetória da regulamentação constitucional da seguridade social, 1992. pp. 79-82.

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lutavam por esses direitos, impulsionaram demandas, de forma que implementassem

mudanças profundas nos princípios da política social. Isso significou, entre outros, a

introdução de um conceito amplo de seguridade social, conceito novo no Brasil, que

passou a ser entendida como a conjunção e coordenação das políticas de Previdência

Social, Assistência Social e Saúde.

A inclusão da assistência social na Constituição de 1988, integrando o tripé formativo da

seguridade social tornou-se algo inédito para essa área, embora fossem denotadas

preocupações desde o ano 1986, quando o Grupo de Trabalho para a Reestruturação da

Nova Previdência, por meio do documento “Rumos da Nova Previdência”, antecipava a

necessidade de um sistema integrado de proteção social. Maria Luiza Mestriner (1992)

resgata,191 a partir de uma entrevista com Aloisio Teixeira, que existiu uma vontade de

reestruturar essa área desde o Ministério de Waldir Pires. Esse ministro impulsionou

estudos com a assessoria de técnicos especializados, mas, apesar de a gestão de Pires ter

sido interrompida, desses estudos resultou uma primeira medida, que foi a universalização

do atendimento médico na rede hospitalar do Instituto Nacional de Assistência Médica e

Previdência Social (Inamps), antes privativa dos contribuintes. A produção desse grupo foi

a semente da reforma constitucional, não ficando restrita só à previdência, embora tenha

sido seu foco inicial, mas promovendo a integração de um conjunto com a saúde e a

assistência social desde uma perspectiva conceitual e de harmonização de um sistema que

comporte uma ação estatal inclusiva de todos os segmentos da sociedade.

A separação das áreas que compõem o sistema de seguridade social, entre previdência,

saúde e assistência, teve como marco diferenciador o espectro de abrangência das camadas

de proteção. Em vez do formato de um modelo bismarckiano, tratou de introduzir no

sistema de proteção social brasileiro conceitos universalistas inspirados no modelo

proposto por Lord William Beveridge para o pós-guerra inglês. Essa proposta previa que,

além de um eixo contributivo previdenciário, o Estado também provê benefícios básicos

mínimos, financiados por meio de tributos, para evitar as situações de pobreza naqueles

grupos sociais que possuíssem baixa capacidade contributiva individual. A saúde e a

assistência social estão focadas para o atendimento do que se convencionou chamar de

191 Maria Luiza MESTRINER, Assistência Social: oposições e aproximações, capítulo 6, A trajetória da regulamentação constitucional da seguridade social, 1992.

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mínimos sociais, a previdência social busca "assegurar níveis economicamente mais

elevados de subsistência, limitados, porém, a certo valor”. 192

Deste modo, a Constituição Federal de 1988, ergue-se como o marco legal para a

compreensão das transformações e redefinições do perfil histórico da assistência social no

Brasil, que a qualificou como política de seguridade social no artigo 194.193

Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes

Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à

assistência social.

Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base

nos seguintes objetivos:

I - universalidade da cobertura e do atendimento;

II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais;

III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;

IV - irredutibilidade do valor dos benefícios;

V - eqüidade na forma de participação no custeio;

VI - diversidade da base de financiamento;

VII - caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a participação da

comunidade, em especial de trabalhadores, empresários e aposentados.

Essa Carta constitucional dedica, no Capítulo da Seguridade Social, uma seção específica

para a assistência social, prevendo, inicialmente, em seu artigo 203, os destinatários desse

segmento da ordem social.

Art. 203: A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição

à seguridade social, e tem por objetivos:

I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;

II - o amparo às crianças e adolescentes carentes;

III - a promoção da integração ao mercado de trabalho;

IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração

à vida comunitária;

192 Para aprofundar o estudo do processo da história da inclusão da assistência social na política de proteção social brasileira na Constituição de 1988, pode-se consultar: Aldaíza SPOSATI, Carta tema: a assistência social no Brasil (1983-1990), 1988; a dissertação de Mestrado em Serviço Social de Maria Luiza MESTRINER, Assistência e seguridade social: oposições e aproximações, 1992, realiza um análise detalhado dos processos que envolveram a inclusão da assistência social na seguridade social na Constituição de 1988; Aldaíza SPOSATI, Cidadania ou filantropia: um dilema para o CNAS, 1994. 193 Disponível em: www.planalto.gov.br

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175V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso

que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família,

conforme dispuser a lei.

Já o artigo seguinte, 204, não somente indica a fonte primária dos recursos que custearão

tais ações, mas, sobretudo, as diretrizes a serem adotadas na política de assistência social.

Art. 204: As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do

orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base

nas seguintes diretrizes:

I - descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal

e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a

entidades beneficentes e de assistência social;

II - participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e

no controle das ações em todos os níveis.

No que diz respeito às ações a serem desenvolvidas neste setor, no artigo 204 da

Constituição, exprimem-se dois aspectos fundamentais: a descentralização político-

administrativa e a participação da sociedade brasileira na discussão dos temas afetos ao

setor.

Em 1989, após a promulgação dessa Carta constitucional, no dia 5 de outubro de 1988 foi

eleito o primeiro presidente, desde o início dos anos 1960. Essa Constituição dispunha, em

suas disposições transitórias, que a organização da seguridade social e dos planos de

custeio e de benefícios seriam apresentados pelo Poder Executivo, no prazo máximo de

seis meses, ao Congresso Nacional e que este teria um período similar para ponderá-los.

No entanto, a eleição do Presidente Collor, em 1989, não facilitou a seqüência da

regulamentação dos aspectos relativos à assistência social. Até logo depois do prazo

estipulado, o Poder Executivo não havia encaminhado ao Congresso as propostas de lei da

assistência social. Contudo, a primeira versão da lei de assistência social foi vetada pelo

Presidente Collor, durante seu mandato.

A Lei 8.742, Lei Orgânica de Assistência Social, foi finalmente aprovada depois do

processo de impeachment, ao que foi submetido o Presidente Collor, durante o ano de

1992, e foi sancionada após a apresentação, discussão e negociação de vários projetos e

emendas pelo Presidente Itamar Franco, em 7 de dezembro de 1993, e publicada no Diário

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Oficial da União de 8 de dezembro de 1993, mas, só veio a ser plenamente implementada

em 1995.194

Essa lei estabeleceu a mudança da estrutura institucional da política de assistência social.

Assim, a Legião Brasileira de Assistência e outras instituições governamentais de formato

fragmentado deixaram de funcionar. Embora a Secretaria de Assistência Social do

Ministério da Previdência e Assistência Social tenha sido criada em 1977, foi

implementada somente em 1995, e sob sua responsabilidade ficou a coordenação, a

formulação e a execução de políticas da área da assistência social.

Sob esse formato, a política de assistência social passou a ser progressivamente

descentralizada e os níveis federal, regional e local a tomar parte na elaboração conjunta de

políticas, bem como a dividir, entre si, o financiamento das ações. Também passaram a

participar diferentes grupos da sociedade civil, por meio do Conselho de Assistência

Social, nos três níveis federativos. Em cada nível, requereu-se a elaboração de um

documento básico, que apresentasse os fundamentos da respectiva política de assistência

social, respaldados em diagnóstico dos problemas e das necessidades locais.

Entre 1995 e 1998, diversos instrumentos previstos e requeridos pela Lei Orgânica de

Assistência Social (Loas) tiveram de ser definidos: foi criada uma Política Nacional de

Assistência Social e foram emitidas Normas Operacionais Básicas (NOB) para instituir

comissões administrativas bipartites e tripartites, capazes de promover diálogo entre os três

níveis governamentais: federal, estaduais e municipais, determinar o escopo de ação de

cada nível governamental, acertar aspectos financeiros e implementar os conselhos

participativos nos níveis nacional, regional e local.

Antes da Constituição de 1988 e da Loas, a assistência social não fora uma política pública

ancorada em direitos. Essa lei tem a qualidade de introduzir, no artigo 1, a definição da

assistência social como uma política de seguridade social não contributiva, sendo os

mínimos sociais o parâmetro que direciona essa política.

Por um lado, a definição de mínimos sociais colocou no debate os limites da cidadania que

a normativa constitucional expressa na seguridade social brasileira traria, mas também

194 Disponível em: www.mds.gov.br /Histórico da política de assistência social

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impulsionou um conjunto de ações e de medidas que foram usadas para operacionalizar

essa política desde a perspectiva de um patamar de direitos e de alargamento da cidadania. Do ponto de vista das possibilidades dos mínimos sociais, a argumentação de Aldaíza

Sposati (1997) é esclarecedora a respeito. Para essa autora, a provisão dos mínimos sociais

prevista na Loas, longe de uma proposta minimalista ou de um pacto pelo conformismo,

exprimiu um padrão básico de inclusão vinculado a patamares de padrão de vida digno.

Essa conceituação, entendida em geral como o limite de subsistência no limiar da pobreza

absoluta, ou sobrevivência biológica, implica ter condições para o enfrentamento do

mercado de trabalho e obter renda, na perspectiva de alcançar um padrão de vida digno e

de atenção e acesso a um padrão de qualidade de vida por meio de serviços e garantias. Na

definição da autora, “mínimos sociais são os pressupostos para a cidadania, isto é, oferta de

oportunidades de educação, saúde, trabalho, segurança e qualidade de vida e não somente o

atendimento às necessidades básicas”. 195

Um dos avanços relevantes obtidos com a Loas foi a reforma do sistema de benefícios,

com a implementação do Benefício de Prestação Continuada (BPC). Esse beneficio

começou a ter vigência em janeiro de 1996, e é direcionado a pessoas com 67 anos ou

mais; e incapacitados, incluindo aqueles com deficiências congênitas. Em ambos os casos,

exige-se que a renda familiar per capita do candidato ao benefício não ultrapasse um

quarto do valor do salário mínimo.

Da Silva, Yazbek e di Giovanni196 apontam que Constituição Brasileira de 1988 institui

três benefícios mínimos: a equiparação dos mínimos da previdências ao salário mínimo, a

Previdência Social Rural, e a Renda Mensal Vitalícia, que passaram ao âmbito da

assistência social. O primeiro benefício implicou a ampliação da base dos candidatos a

esses benefícios. Os outros dois comportaram a base dos programas de transferência de

renda.197

195 Aldaíza SPOSATI, Mínimos sociais e seguridade social: uma revolução da consciência da cidadania, 1997. 196 Maria Ozanira da SILVA, Carmelita YAZBEK, Geraldo di GIOVANNI, A política social brasileira no século XXI, capítulo 1: Os programas de transferência de renda, inserção no contexto do sistema brasileiro de proteção social, 2004. 197 Em 2007, a Previdência Social oferece dez modalidades de benefícios vinculados às contribuições trabalhistas, além da aposentadoria: aposentadoria por idade, aposentadoria por invalidez, aposentadoria por tempo de contribuição, aposentadoria especial, auxílio-doença, auxílio-acidente, auxílio-reclusão, pensão por morte, salário-maternidade e salário-família.

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O Beneficio de Prestação Continuada (BPC) substitui a Renda Mensal Vitalícia (RMV),

que tinha sido criada na década de 1970, durante o regime militar. Esse beneficio estava

direcionado às pessoas com deficiências ou com 70 anos ou mais de idade, incapazes de

prover o próprio sustento ou de serem sustentados por suas famílias, contudo, deveriam

também ter feito, no mínimo, 12 contribuições à previdência social, ao longo de sua vida

ativa. Assim, parte da população portadora de deficiência e/ou aqueles que nunca

ingressaram no mercado de trabalho formal não tiveram acesso à RMV.198

A importante distinção da RMV com relação aos BPC é o aspecto contributivo. Enquanto

que a RMV tinha como condição a contribuição à previdência social de pelo menos um

ano, o BPC tem caráter não contributivo e implicou uma importante expansão da cobertura

de beneficiários. Além disso o BPC foi previsto no artigo 203 no Ordenamento

constitucional de 1988 e assegurado pela Loas nos artigos 21 e 22.199

Da Silva; Yazbek e di Giovanni (2004) denotam que outros benefícios surgidos no devir da

proteção social brasileira podem ser enquadrados como mínimos sociais: o “salário

mínimo”, introduzido na legislação brasileira em meados da década de 1930 e

regulamentado pelo Decreto-Lei 2.162, de 1º de maio de 1940;200 o seguro-desemprego,

instituído em 1986;201o Abono Salarial,202 destinado aos empregados que tenham

198 O valor da RMV, até a Constituição de 1988, era de meio salário mínimo. O benefício era concedido e pago pelo INPS para os segurados urbanos e pelo Funrural, entanto, existiu, para os beneficiários de áreas rurais. 199 A coordenação do BPC é realizada pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e é avaliado em cooperação pelas Secretarias Estaduais e Municipais de Assistência Social. O pagamento é feito no INSS, por intermédio da rede bancária e mediante cartão magnético. 200 A Lei 185 de janeiro de 1936 e o Decreto-Lei 399 de abril de 1938 regulamentaram a instituição do salário mínimo. Na origem, sua instituição do SM significou o estabelecimento de um salário-base, cujo objetivo era garantir condições de habitação, vestuário, cuidados médicos e educação para o trabalhador e sua família, mas a entrada em vigor demorou quase quatro anos. Essa medida tem o significado de uma renda mínima para os trabalhadores legalmente inseridos no mercado de trabalho e, portanto, não inclui aqueles que participam do mercado informal de trabalho. In: www.mte.gov.br 201 Essa medida tem como objetivo prover assistência financeira temporária ao trabalhador desempregado, em virtude da dispensa sem justa causa, bem como auxiliar os trabalhadores requerentes de novo emprego, inclusive possibilitando sua reciclagem profissional. O benefício é concedido por um período máximo de quatro meses, de forma contínua ou alternada, a cada período aquisitivo de 16 meses, sendo considerada a data da dispensa que deu origem à primeira habilitação. Os critérios de acesso forma revistos pela Lei 8.845, de 20 de janeiro de 1994, ficando dispensado ao trabalhador desempregado comprovar os 15 meses de trabalho nos últimos 24 meses (seguro-desemprego especial), passando a ter direito a receber, uma única vez, três parcelas do referido seguro, mesmo que já o tenha recebido anteriormente. In: www.mte.gov.br 202 O programa do Abono Salarial é um benefício que surge conforme determina o artigo 239, § 3º da Constituição Federal, aos que atendam aos critérios definidos pela Lei 7.998, de 11 de janeiro de 1990, especificamente em seu artigo 9º, quais sejam: 1. Tenham exercido atividade remunerada pelo menos durante 30 dias no ano-base; 2. Estejam cadastrados há pelo menos 5 anos no Fundo de Participação PIS/Pasep ou no Cadastro Nacional do Trabalhador. Instituído em 1970, por intermédio das Leis Complementares 7 e 8, de forma similar para Empregados Privados e Servidores Públicos, objetiva promover a integração na vida e no

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percebido salário de empregadores que contribuem para o Programa de Integração Social

(PIS), ou para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep).

Contudo, em 2004, o BPC foi considerado um dos maiores programas de transferência de

renda do mundo, tendo beneficiado, até dezembro de 2001, um total de 1.339.119 pessoas,

sendo 870.072 pessoas portadoras de deficiência e 469.947 idosos, com recursos gastos

na ordem de R$ 1.767.245.000.203

Durante o ano de 1999, a assistência social é desvinculada do Ministério da Previdência e

Assistência Social (MPAS) e a Secretaria Nacional de Assistência Social é transformada

em Ministério de Assistência Social (MAS). Logo após, absorvida no novo Ministério de

Desenvolvimento Social e Combate à Fome, em 2004.

3.5 A descentralização da assistência social com base na Loas e a rede de proteção

social

Na última década, podem se identificar duas trajetórias, que contornam a configuração da

assistência social como política pública: o processo de descentralização e

institucionalização da assistência em face dos postulados da Loas; e o desenvolvimento de

uma rede de proteção social apoiada nos programas de transferência de renda, que tiveram

como novidade a exigência de contrapartida com o propósito de criar condições para sua

futura independência econômica: assistência à escola e visitas familiares aos centros de

saúde, por parte dos beneficiários.

O governo federal, a partir do ano de 2001, desenvolveu a rede de proteção social para

articular os programas existentes cujo eixo foram os programas nacionais de transferência

de renda: Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti); o Programa Agente Jovem;

o Programa Nacional de Renda Mínima (Bolsa-Escola), vinculado ao Ministério de

Educação; o Programa Bolsa-Alimentação, vinculado ao Ministério de Saúde; o Auxilio-

Gás, do Ministério de Minas e Energia; e, mais recentemente, o Programa Cartão-

desenvolvimento das Empresas/Entidades Públicas, mediante contribuições dos empregadores a serem distribuídas em contas individuais em nome de cada empregado/servidor. Posteriormente, foram unificados, sob a denominação de PIS/Pasep, os fundos constituídos com recursos do Programa de Integração Social (PIS) e do (PASEP) Programa de Formação do Servidor Público (Lei Complementar 26, de 1975). 203 Apud. Maria Ozanira da SILVA, Carmelita YAZBEK, Geraldo di GIOVANNI, A política social brasileira no século XXI, 2004, p. 34.

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Alimentação, do Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome

instituído em 2003 pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva.204

Sob a justificativa de reduzir custos e proporcionar maior controle das concessões, foi

instituído, mediante o Decreto 3.877, de 24 de julho de 2001, o Cadastro Único de

Programas Sociais do Governo Federal, com o objetivo cadastrar, com uso do formulário

único, as famílias em situação de extrema pobreza de todos os municípios brasileiros,

tendo em vista a focalização das políticas públicas nessa população. Na perspectiva de

unificação no atendimento da população-alvo dessa rede também foi instituído o Cartão-

Cidadão, que substitui os diversos cartões magnéticos utilizados em cada programa, e

permitir às famílias retirarem diretamente no banco o valor monetário correspondente ao

beneficio que lhe é devido.

Considerada a política de assistência social do ponto de vista da administração e da

organização nos patamares previstos pela Loas, a assistência social se descentralizou de

forma progressiva entre os níveis federal, estaduais e municipais. O Capítulo III dessa lei

trata da organização e da gestão da assistência social, assim como define que as ações de

assistência social deverão ser organizadas em sistema descentralizado e participativo,

cabendo ao Estado a primazia e a responsabilidade na condução da política de assistência

social nas esferas de governo.

Os conteúdos prevêem a repartição de funções entre as instituições de cada nível

administrativo e a participação dos três níveis governamentais na elaboração de políticas e

no financiamento dos programas requer articulações entre comissões bipartites ou

tripartites segundo o níveis governamentais inclusos em cada comissão.

Todavia, se impõe a elaboração de documentos básicos que exprimissem os fundamentos

da política de assistência social, respaldados no diagnóstico dos problemas e necessidades

locais. As definições legais atinentes à regulamentação da Política Pública da Assistência

Social, no período entre 1993 e 2003, se estabeleceram sob a base de três instrumentos, a

saber: a Loas, em 1993; o primeiro texto da Política Nacional de Assistência Social

(PNAS), de 1998; e as Normas Operacionais Básicas: NOB/97 e NOB/98. As NOBs

constituíram-se em instrumentos normatizadores e que exprimiriam as pactuações 204 Maria Ozanira da SILVA, Carmelita YAZBEK, Geraldo di GIOVANNI, A política social brasileira no século XXI, 2004.

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resultantes da negociação entre as três esferas de governo para assumir co-responsabilidade

em relação à gestão da assistência social.205

A NOB/97 conceituou o sistema descentralizado e participativo, estabelecendo condições

para garantir sua eficácia e eficiência, explicitando a concepção de descentralização da

assistência social. Ademais, ampliou as competências dos níveis de governo com a gestão

da política, sem, entretanto, delimitá-las. Propôs a criação de uma Comissão Tripartite, de

caráter consultivo, com representantes dos três níveis de governo, para discutir e pactuar

acerca dos aspectos relativos à gestão da política. Dessa forma, o modelo de gestão foi

fundado nas relações intergovernamentais, como estratégia capaz de revisar o papel do

Estado no campo da Assistência Social. 206

A Norma Operacional Básica da Assistência Social de 1998 conceituou e definiu

estratégias, princípios e diretrizes para operacionalizar a Política Nacional de Assistência

Social de 1998, e explicitou a diferenciação quanto ao financiamento dos serviços,

programas e projetos.

Ampliou as atribuições dos Conselhos de Assistência Social e propôs a criação de espaços

de negociação e pactuação, de caráter permanente, para a discussão dos aspectos

operacionais da gestão do sistema descentralizado e participativo da assistência social.

Esses espaços de pactuação foram denominados de Comissão Intergestores Tripartite (CIT)

e Comissão Intergestores Bipartite (CIB), que passaram a ter caráter deliberativo no âmbito

operacional da gestão da política. A CIT foi constituída pelas três instâncias gestoras do

sistema: a União, representada pela então Secretaria de Assistência Social (SAS), os

estados, representados pelo Fórum Nacional de Secretários de Estado de Assistência Social

(Fonseas) e os municípios, representados pelo Colegiado Nacional de Gestores da

Assistência Social (Congemas).207

Do Conselho Nacional de Assistência Social participam diversos segmentos da sociedade

em decisões relacionadas com os princípios da política. De acordo com a Loas, os níveis

regional e local devem ser os principais executores da política, em consonância com o

205 Disponível em: www.mds.gov.br/legislacao. As pactuações incluiriam a definição de mecanismos e critérios de partilha e transferência de recursos do Fundo Nacional de Assistência para os Fundos Estaduais, do Distrito Federal, e Municipais de Assistência Social. 206 Disponível em: www.mds.gov.br/legislacao 207 Disponível em: www.mds.gov.br/legislacao

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princípio de descentralização. No entanto, o governo federal, por meio da Secretaria de

Assistência Social, possui um papel de coordenação em nível nacional.208 Mais

recentemente, em 2007, o Plano Decenal tem sua primeira versão em debate.

Em 2004, foi criado o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), e,

em novembro desse mesmo ano, foi definida a Política Nacional de Assistência Social

(PNAS). 209 A relação de debate com a sociedade efetivada por meio dos mecanismos de

participação, o processo desencadeado pelo Conselho Nacional de Assistência Social

(CNAS) e pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), e a

realização das conferências municipais, do Distrito Federal, estaduais e nacional da

assistência social, culminou na definição das novas bases e diretrizes para a nova Política

Nacional da Assistência Social (PNAS), concretizada em setembro de 2004.210

A PNAS significou um importante passo na definição da assistência social como política

de proteção social, que garanta a provisão dessa proteção a todos que dela necessitarem

sem exigência de contribuição prévia.211

Essa política define os princípios, as diretrizes, os objetivos, os usuários e as proteções

(social básica e social especial). Ainda, a Proteção Social Especial de Média Complexidade

e a Proteção Social Especial de Alta Complexidade levam em conta três vertentes de

proteção social: as pessoas, as suas circunstâncias e, entre elas, as famílias.

A proteção social definida pela PNAS, em 2004, exprimiu a necessidade da maior

aproximação possível do cotidiano da vida das pessoas, pois é nele que os riscos e as

vulnerabilidades se manifestam. Sob esse princípio, propôs se relacionar com as pessoas e

seus territórios, no caso, os municípios que, do ponto de vista federal, considerados como a

208 Cf. Helmut, SCHWARZER e Ana Carolina QUERINO, Benefícios sociais e pobreza: programas não contributivos da seguridade social brasileira, 2002. 209 Uma versão preliminar da PNAS foi apresentada ao CNAS, em 23 de junho de 2004, pelo MDS/SNAS. Essa primeira variante da PNAS foi divulgada e discutida nos Estados brasileiros em encontros, seminários, reuniões, oficinas e palestras. O processo culminou com um debate na reunião do CNAS, realizada entre os dias 20 e 22 de setembro de 2004, onde foi aprovada, por unanimidade, por aquele colegiado. Contribuíram nesse processo os Conselhos de Assistência Social, o Fórum Nacional de Secretários de Assistência Social – Fonseas, o Colegiado de Gestores Nacional, Estaduais e Municipais de Assistência Social, as Associações de Municípios, os Fóruns Estaduais, Regionais, governamentais e não-governamentais, as Secretarias Estaduais, do Distrito Federal e Municipais de Assistência Social, as Universidades e os Núcleos de Estudos, as entidades de assistência social, os estudantes de Escolas de Serviço Social, a Escola de gestores da assistência social, além de pesquisadores, estudiosos da área. Disponível em: www.mds.gov.br/legislacao 210 Em dezembro de 2007, foi realizada a VI Conferência Nacional. A primeira delas data de 1995. 211 Aldaíza SPOSATI, Assistência Social: como construir e implementar uma gestão inclusiva, 2003.

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menor escala administrativa governamental. Essa política denotou, ademais, a

possibilidade de existir a territorialização intra-urbana, trazendo a condição de outra

totalidade, além da nação. Assim como foi destacada a unidade sócio-familiar como aquela

que potencialmente permitirá estabelecer o exame da realidade a partir das necessidades e

dos recursos de cada núcleo/domicílio. 212

A Política Pública de Assistência Social marcou sua especificidade no campo das políticas

sociais, pois configurou as responsabilidades do Estado a assegurá-las aos cidadãos

brasileiros. Os princípios reguladores que configuraram a assistência social tal como

definida na PNAS apontaram ainda a possibilidade do reconhecimento público da

legitimidade das demandas de seus usuários e um espaço de ampliação de seu

protagonismo para sua reprodução social em padrão digno e cidadão.213

A noção de segurança como garantia desse padrão de dignidade que a assistência social,

como política de proteção social, deve contemplar foi inovadora para o campo da

assistência social.

Freqüentemente, a assistência social é vinculada a definições “pela falta”, culpabilizadoras,

ou pela compensação, quando outras políticas de direitos não atuam, ou também como uma

política para os desprotegidos. A virada do padrão de inclusão da assistência social na

proteção social para a possibilidade “de segurança” da garantia e da responsabilidade do

Estado nessa condição, foi radicalmente transformadora.

A PNAS define a segurança como:214

Por segurança da acolhida, entende-se como uma das seguranças primordiais da política de assistência

social. Ela opera com a provisão de necessidades humanas que começa com os direitos à alimentação,

ao vestuário e ao abrigo, próprios à vida humana em sociedade. A conquista da autonomia na provisão

dessas necessidades básicas é a orientação desta segurança da assistência social. A proteção social

deve garantir as seguintes seguranças: segurança de sobrevivência (de rendimento e de autonomia); de

acolhida; de convívio ou vivência familiar.

A segurança de rendimentos não é uma compensação do valor do salário mínimo inadequado, mas a

garantia de que todos tenham uma forma monetária de garantir sua sobrevivência, independentemente

212 Disponível em: www.mds.gov.br/legislacao. 213 Aldaíza SPOSATI, Assistência Social: como construir e implementar uma gestão inclusiva, 2003. 214 Disponível em: www.mds.gov.br/legislacao

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184de suas limitações para o trabalho ou do desemprego. É o caso de pessoas com deficiência, idosos,

desempregados, famílias numerosas, famílias desprovidas das condições básicas, todavia, que alguns

indivíduos não conquistem por toda a sua vida, ou por um período dela, a autonomia destas provisões

básicas, por exemplo, pela idade – uma criança ou um idoso –, por alguma deficiência ou por uma

restrição momentânea ou contínua da saúde física ou mental. Outra situação que pode demandar

acolhida, nos tempos atuais, é a necessidade de separação da família ou da parentela por múltiplas

situações, como violência familiar ou social, drogadição, alcoolismo, desemprego prolongado e

criminalidade. Podem ocorrer também situações de desastre ou acidentes naturais, além da profunda

destituição e abandono que demandam tal provisão.

A segurança da vivência familiar ou a segurança do convívio é uma das necessidades a ser preenchida

pela política de assistência social. Isto supõe a não aceitação de situações de reclusão, de situações de

perda das relações. É próprio da natureza humana o comportamento gregário. É na relação que o ser

cria sua identidade e reconhece a sua subjetividade. A dimensão societária da vida desenvolve

potencialidades, subjetividades coletivas, construções culturais, políticas e, sobretudo, os processos

civilizatórios. As barreiras relacionais criadas por questões individuais, grupais, sociais por

discriminação ou múltiplas inaceitações ou intolerâncias estão no campo do convívio humano. A

dimensão multicultural, intergeracional, interterritoriais, intersubjetivas, entre outras, devem ser

ressaltadas na perspectiva do direito ao convívio.

Essa forma de conceber a política tinha sido experimentada no Plano de Assistência Social

da Cidade de São Paulo (Plas-SP), em 2002, e estudada desde meados dos anos 1990, no

Núcleo de Pesquisa em Seguridade Social e Assistência Social (NEPSAS) da PUC-SP

coordenado pela Professora Aldaíza Sposati.

A idéia de proteção social exige forte mudança na organização das atenções, pois implica em superar a

concepção de que se atua nas situações só após instaladas, isto é, depois que ocorre uma

“desproteção”. A aplicação ao termo “desproteção” destaca o usual sentido de ações emergências

historicamente atribuído e operado no campo da assistência social. A proteção exige que se

desenvolvam ações preventivas. Por decorrência, deste entendimento é que a assistência social no

modelo brasileiro de proteção social não contributiva passa a ter três funções conforme explica a

Política Nacional de Assistência Social – PNAS -. Para além da proteção ela deve manter a vigilância

social e a defesa de direitos socioassistenciais.215

215 Aldaíza SPOSATI, Modelo brasileiro de proteção social não contributiva: concepções fundantes, 2007, p. 4.

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Assim mesmo, os conteúdos dessa política estipulam as bases conceituais para a definição

do Sistema Único de Assistência Social (Suas). Durante o ano de 2005 é apresentada a

NOB 2005 com as diretrizes do Suas.

A NOB/Suas 2005216 retoma as normas operacionais de 1997 e 1998 e constitui-se no

instrumento que estabelece as regulações do funcionamento do Sistema Único de

Assistência Social. Aborda, dentre outros aspectos: a divisão de competências e

responsabilidades entre as três esferas de governo; os níveis de gestão de cada uma dessas

esferas; as instâncias que compõem o processo de gestão e controle dessa política e como

elas se relacionam; a nova relação com as entidades e organizações governamentais e não-

governamentais; os principais instrumentos de gestão a serem utilizados; e a forma da

gestão financeira, que considera os mecanismos de transferência, os critérios de partilha e

de transferência de recursos.

216 Disponível em: www.mds.gov.br/legislacao

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186Quadro 18. Aspectos relevantes para o estudo da assistência social na proteção social no Brasil, período de 1938 a 2007

Ano Aspectos relevantes para o estudo da proteção social no Brasil

Aspectos relevantes da evolução política

1938 Criação do Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS)

Governo de Getúlio Vargas (1938-1945)

1940 Implantação do salário mínimo População: 41.236.315 habitantes

1942

Surgimento do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) Legião Brasileira de Assistência (LBA) Comissões Estaduais

1946 Constituição Nacional de 19 de setembro Lei Orgânica da Previdência Social Institutos de Aposentadorias e Pensões Mudança dos Estatutos a LBA (defesa da maternidade e da infância por meio da proteção à família)

Governo Eurico Gaspar Dutra (1946-1951)

1947

Primeiro Congresso Brasileiro de Serviço Social na Cidade de São Paulo

População em 1950: 51.944.937 habitantes Governo de Getúlio Vargas (1951-1954)

1955 Serviço Social Rural Governo de Café Filho (1954-1955) Governo de Nereu Ramos (1955-1956)

1960

Lei Orgânica da Previdência

População: 70.070.457 habitantes Governo de Juscelino Kubistchek (1956-1961)

1963 Salário família Governo de João Goulart (1961-1964) 1974 Criação do Ministério de Previdência e Assistência

Social

População em 1970: 93.139.037 habitantes Governo de Ernesto Geisel (1974-1979)

1977 Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (Sinpas)

1986 Criação do Seguro-Desemprego

População em 1980: 119.002.706 habitantes Governo de José Sarney (1985-1990)

1988 Constituição da República Federativa do Brasil que reconhece a assistência social como dever do Estado no campo da seguridade social

1989 Criação do Ministério do Bem-Estar Social que, pelo contrário, fortalece o modelo da LBA

1990 Aprovação da Lei Orgânica de Assistência Social (Loas)

População: 146.825.475 habitantes Governo de Fernando Collor (1990-1992)

1995

Secretaria de Assistência Social no Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS)

Governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-1999)

1996

Implantação do Programa Vale-Cidadania, posteriormente denominado Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) Programa Renda Cidadã, através do BPC

1997 Edição da Norma Operacional Básica (NOB) que conceitua o sistema descentralizado da assistência social

1998 Nova edição da NOB que diferencia serviços, programas e projetos e amplia as atribuições dos Conselhos de Assistência Social

1999 Ministério de Assistência Social Governo de Fernando Henrique Cardoso (1999-2002)

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1872001 Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à

educação: Bolsa-Escola Programa Bolsa-Alimentação Programa Auxílio-Gás Cadastro Único de Programas Sociais do Governo Federal

População em 2000: 169.799.170 habitantes

2003 Programa Fome Zero Cartão-Alimentação

Governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2007)

2004 Criação do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, que fortalece o processo de construção do Suas

2004 Política Nacional de Assistência Social

2005 Apresentação da NOB 2005 em que se discutem as diretrizes do Suas

Fontes: Aldaíza SPOSATI et al. Assistência na trajetória das políticas sociais brasileiras: uma questão em análise, 1985; Aldaíza SPOSATI, História da pobreza assistida em São Paulo, 1987, Cidadania ou Filantropia: um dilema para o CNAS, 1994; Maria Luiza MESTRINER, Assistência e seguridade social: oposições e aproximações, 1992 e O Estado entre a filantropia e a assistência social, 2001; Maria Ozanira da SILVA, Carmelita YAZBEK, Geraldo, di GIOVANNI, A política social brasileira no século XXI, 2004; www.previdenciasocial.gov.br; www.ibge.gov.br; www.planalto.gov.br; www.mds.gov.br (Construção própria)

3.6 Desafios para a política de assistência social desde a perspectiva da proteção social

Em um trabalho que apresenta propostas para a melhor compreensão e possibilidades de

intervenção no modelo brasileiro de proteção não contributiva, Aldaíza Sposati denota e

que se trata de uma mudança forte para a maioria das cidades. Assim como exige o

exercício de pensar a gestão estatal fundada em princípios e valores sociais enquanto

direitos sociais, cidadania e dever de Estado.

Daí a necessidade de que cada ente governamental tenha um plano de ação e pense

racionalmente no todo das necessidades de proteção social propondo o que vai realizar e

submeta essa decisão à aprovação de um conselho de constituição paritária entre

representantes do governo e da sociedade. Não resulta simplesmente da implantação de

novos programas de governo, mas de uma mudança que exige do gestor público assumir

um novo papel baseado na noção de usuário (e não no carente ou assistido), de seus

direitos e da responsabilidade do Estado em se comprometer com a capacidade das

famílias educarem seus filhos tratando-as como núcleos básicos de proteção social.217

217 Aldaíza SPOSATI, Modelo brasileiro de proteção social não contributiva: concepções fundantes, 2007, p.5.

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Se considerado o conjunto de desafios que a Política Nacional de Assistência Social

exprimiu como necessário para sua operacionalização, o rompimento com a tradição de

fragmentar na prática essa política foi um dos itens mais relevantes. O trabalho em rede,

desde uma concepção territorial impôs a condição de avaliar o rompimento de práticas

construídas historicamente que se pautaram na segmentação, na fragmentação e na

focalização. Portanto, formulou-se uma exigência imperativa de pensar essa rede a partir

de uma perspectiva que integre e articule aquelas práticas num compromisso com a

organização da política ancorada no direito.

Isso expressou a necessidade, segundo assinalado na PNAS,

de se repensar o desenho da rede sócio-assistencial, redirecionando-a na perspectiva de sua diversidade,

complexidade, cobertura, financiamento e do número potencial de usuários que dela possam necessitar, assim

como a estruturação de um sistema nacional e integrado de informação e de políticas de monitoramento e

avaliação que forneçam elementos para o desenvolvimento desta em todo o território nacional, entanto base

estruturante e produto do Sistema Único de Assistência Social. Assim como a integração das bases de dados

de interesse para o campo sócio-assistencial e a definição de indicadores específicos de tal política pública. 218

A nova forma de gerir e conceber a política exigiu alterações que incidiram na prática

profissional. No desenvolvimento histórico-institucional, a assistência social foi se

posicionando como política que tem um campo de atuação e relação estreita com outras

políticas. Isso implica a necessidade de pautar uma política de recursos humanos orientada

para aqueles que operam essa política e reconhecer sua natureza e especificidade, assim

como o conteúdo intersetorial de sua atuação, e de forma que acompanhe a legislação que

regula a assistência social e as demais políticas sociais.219

Desde 2004, a assistência social vem ganhando um novo status de gestão, assumindo um

formato de política estruturada com a elaborarão e materialização de um delineamento

jurídico e normativo que compreende as atribuições das três esferas de governo e abaliza as

relações entre as esferas pública e privada. O Sistema Único de Assistência Social, que

classifica os municípios de acordo com os níveis de gestão (inicial, básica e plena), e

estabelece os conteúdos da rede de proteção social, transformou radicalmente a assistência

218 Disponível em: www.mds.gov.br/legislacao, Política Nacional de Assistência Social, 2004. 219 Disponível em: www.mds.gov.br/legislacao, Política Nacional de Assistência Social, 2004.

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social. Talvez, o maior desafio seja ainda entrosar a noção de direito e o sistema, num

movimento que instale, na agenda social e política, o reconhecimento amplo e público da

assistência social como um direito social e a sua possibilidade de exigibilidade.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise do processo de regulação da política de assistência social na Franca, na

Argentina e no Brasil ofereceu a possibilidade de trazer à tona as tensões e as

particularidades de cada país, contornar as tendências da configuração da assistência social

como política, assim como o raciocínio utilizado para construir um modelo de atenção

pública no campo da assistência social em relação a outras formas de proteção social.

Os desenhos constitucionais, as feições das primeiras formas assistenciais, o desenho da

assistência social em face de outras políticas direcionadas a intervir no social, no período

de surgimento e expansão dos Estados de Bem-Estar social, e, ainda, nos processos de

descentralização político-administrativa, a partir da década de 1980, exprimem

movimentos de discussão sobre a possibilidade de intervenção ou não, da contração por

meio da centralização, e de expansão, do aparelho institucional estatal voltado à assistência

social.

No devir dos Estados modernos, a interpretação do trabalho como o eixo organizador da

vida dos cidadãos ergueu-se ao lado de outras concepções que diferenciavam aqueles que

recebiam dinheiro ou ajuda sem o correspondente esforço esperado para ganhá-los. Nesse

enfoque, a assistência social apareceu como residual e definida como necessária quando

não houve eficiência em outras políticas voltadas à regulação trabalhista. Contudo,

parafraseando o Professor Vicente de Paula Faleiros (1989) “a organização da assistência

social sempre foi um problema para a sociedade capitalista”, e, em particular, para a

arquitetura institucional do Estado moderno.

Embora a etapa mais intensa de preocupação estatal com a proteção social dos seus

cidadãos, em face das necessidades advindas das vicissitudes da vida em sociedade, tenha

ocorrido do fim do século XIX ao século XX, durante os séculos XVI e XVII, aconteceram

importantes regulações, que acompanharam o processo de secularização da vida social e

política dos Estados modernos.

Na França, durante o período monárquico, foi oficializada uma das primeiras instituições

de assistência no século XVI, o Grande Ofício dos Pobres de Paris, mas sob o objetivo da

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defesa social. Com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, é que se

extinguiram os privilégios feudais e foi determinada uma dívida social da sociedade para

com aqueles cidadãos em situação de necessidade e a prescrição de mecanismos de

proteção consubstanciados nos socorros públicos como expressão da solidariedade social.

Ainda assim, o processo de regulação foi se construindo entre os vestígios de sentimentos

religiosos ou humanistas.

A Poor Law, promulgada em 19 de dezembro de 1601, foi considerada um ponto de

partida para o processo de reconhecimento da necessidade de atendimento daqueles que

sofriam os efeitos do incipiente processo de industrialização. Essa lei assentou-se em

quatro princípios: a) a obrigação do socorro aos necessitados; b) a assistência pelo

trabalho; c) a taxa cobrada para o socorro aos pobres; d) a responsabilidade das paróquias

pela assistência de socorros e de trabalho.

O Estado desempenhou um papel crucial na construção da identidade nacional francesa, e

uma das suas finalidades foi integrar as diversas partes do país. Em meados do século XIX,

um quarto da população não falava o francês e morava em comunas com idiomas próprios.

A maioria dos franceses vivia na zona rural, afastada dos grandes centros. Nessa época, era

comum referir-se à existência de uma França civilizada, culta, herdeira da revolução e do

espírito iluminista, e, outra, que exprimia o espírito do Antigo Regime de características,

conservadoras, próprias das comunas afastadas da capital.

O processo de impor coesão a uma sociedade tradicionalmente dividida, teve início durante

o Antigo Regime e avançou por toda a Revolução Francesa e o período napoleônico. A

Terceira República estendeu-se por 70 anos e seus maiores desafios ancoraram-se nas

tensões existentes entre Paris e as províncias; a influência das comunas e as identidades

locais; a relação entre Estado e Igreja e as revoltas sociais associadas à industrialização.

Nesse contexto, as ciências sociais emergiram como instrumento das reformas políticas.

A legislação nacional francesa para a área da assistência social pública que se ergueu nesse

período ancorou-se nesses objetivos de unificação nacional e colocou definitivamente o

Estado na posição de órgão prestador de assistência àqueles que – por idade, saúde e

deficiência congênita ou adquirida – não tiveram meios de garantir sua própria

subsistência. Desde o século XV, já se vinham perfilando as categorias de beneficiários e o

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território, mas foi durante a III República Francesa que se definiu o ordenamento das

primeiras leis de assistência social pública e a institucionalização de um Conselho Superior

de Assistência Pública. Do mesmo modo que foram regulamentadas no nível nacional as

condições do direito e da pertença comunal como eixos da prática assistencial, assim como

a existência de uma administração de assistência para cada comuna.

A Argentina encontrou, na Constituição de 1853, uma fórmula que deu conta das

diferenças de interesses entre as elites regionais, mas a unidade efetiva do território só viria

a se concretizar em 1862.220 Mesmo depois disso, até 1880, o novo governo central

careceria não apenas de uma capital, mas de uma instituição financeira e da faculdade de

emitir moeda. A Argentina não dispunha de uma administração nacional, de funcionários,

de práticas administrativas, nem sequer de edifícios públicos que o simbolizassem. A

Constituição argentina de 1853, reformada em 1860, permaneceu inalterada durante quase

um século. 221

A Sociedade de Beneficência de Buenos Aires foi criada antes desse período de unificação

nacional, em 1823, e se conformou como uma das formas de intervenção orgânica em

assuntos sociais do Estado Argentino em construção. Essa instituição nasceu sob a égide

do processo de secularização da vida social e política dos Estados modernos. Um dos

mentores da Sociedade de Beneficência, Bernardino Rivadavia, representou aquelas

correntes de pensamento que propuseram a emancipação da moral da religião e

reivindicavam o primado da razão sobre as verdades reveladas. Contudo, essa instituição

conformou-se como um mix público-privado e perdurou, embora com mudanças, até o

século XX. No momento da instituição da beneficência, a pobreza foi explicada por meio

de dois argumentos: o azar (doença, morte ou acidente), ou a falta de moral ou ausência de

virtude. A ação da beneficência foi uma iniciativa do poder público moralizante e não

constitui uma resposta a uma demanda ou a uma exigência na qual se impunha uma visão

da sociedade organizada com deveres e obrigações como corresponderia a um Estado de

direito.

220 A Constituição de 1853 foi aceita pelas 13 províncias que integravam a Confederação Argentina e que nomearam como presidente o governador de Entre Rios, Justo José de Urquiza, líder de uma coalizão contra Rosas. 221 Cf. Boris FAUSTO, Fernando DEVOTO, Brasil e Argentina: um ensaio de história comparada (1850-2002), 2004. pp. 93-100.

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Segundo Boris Fausto e Fernando Devoto (2004) a situação do Brasil e da Argentina, em

1850, não era muito alentadora, em vários terrenos. Contudo, por meios diferentes, ambas

as nações vinham consolidando certa unidade. No Brasil, havia o claro reconhecimento de

um poder estatal; na Argentina, uma espécie de se habituar a um estado de coisas – a

Confederação de fato, tutelada por Buenos Aires. A Argentina não contava de saída com

nenhuma das vantagens do caso brasileiro. O Brasil possuía melhores condições de partida,

como uma ordem político-institucional mais estável. O poder imperial – tanto a dinastia

imperial quanto a burocracia estatal –, fincou raízes na sociedade por meio de uma aliança

de interesses, embora nem sempre harmônica, com os dois setores economicamente mais

importantes: o dos grandes fazendeiros, sobretudo os cafeicultores, e dos grandes

comerciantes. 222

A Carta Imperial de 1824 trouxe um primeiro intento de formalizar a proteção social por

meio da proposta de garantia de socorros públicos. No entanto, as práticas assistenciais

hegemônicas foram realizadas pela Igreja Católica, inspiradas naquelas que vinham sendo

implementadas no Império, e, ancoradas no fundamento de caridade cristã. Com o advento

da República, em 1889, é que ocorreram mudanças tendentes a institucionalizar medidas

protetoras em direção de alguns setores do serviço público federal e a dar início a uma

prática previdenciária sobre a qual se assentaram as bases de uma proteção formalizada.

Com a proclamação da República, o Brasil, assim como a Argentina, passaram a adotar o

mesmo sistema político: a República Federativa, inspirada no modelo norte-americano. As

semelhanças do modelo institucional nos dois países evidenciam-se ao se comparar os

textos das duas Constituições. Embora separadas, em sua promulgação, pelo espaço de

pouco mais de 37 anos, ambas adotaram o sistema presidencialista, estabeleceram a divisão

entre os poderes da República, fixaram as relações e respectivas competências da União

(governo federal, no caso brasileiro) e dos estados (províncias, no caso argentino), etc.223

A modernização política das nações coloniais passou a colocar na esfera estatal seu ponto

principal de sustentação e a implementar um formato de política que compreendia as

222 Cf. Boris FAUSTO, Fernando DEVOTO, Brasil e Argentina: um ensaio de história comparada (1850-2002), 2004. pp. 93-100. 223 Cf. Boris FAUSTO, Fernando DEVOTO, Brasil e Argentina: um ensaio de história comparada (1850-2002), 2004. pp. 93-100.

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necessidades de seus habitantes por meio de procedimentos administrativos públicos como

vinha sendo feito nos países que já tinham atingido certo grau de avanço na organização

jurídico-estatal, mas no contexto de uma realidade social fundada em padrões ainda ligados

à tradição.

No final do século XIX e primórdios do século XX, ocorreu um progressivo

aperfeiçoamento dos sistemas previdenciários das nações européias, cuja influência chegou

aos demais continentes, principalmente à América Latina. A revolução industrial, iniciada

na Europa no século XVIII e consolidada no século seguinte, deu impulso a mudanças de

caráter econômico, social e político. Com a urbanização, os laços comunitários tradicionais

foram desfeitos. Nesse processo, os problemas relativos à invalidez, morte prematura e

velhice se tornaram relevantes. A esses problemas, somaram-se os acidentes de trabalho e

o desemprego, que foram se definindo a partir de uma ótica previsível e regular e saindo do

campo da responsabilidade individual para o da solidariedade. Vem daí a organização de

uma forma de proteção assentada na técnica dos seguros, consolidada em 1883 na

Alemanha. Inspirada nela, em 1898, surgiu a lei sobre acidentes de trabalho francesa. Entre

1902 e 1912, legislou-se sobre acidentes de trabalho na Argentina. No Brasil, isso

aconteceu em 1919, com a primeira lei que responsabilizava as empresas por esses

acidentes.

A idéia de igualdade liberal fundada na dupla indivíduo-cidadão foi contestada pela

desigualdade social. Nesse cenário, acentuou-se a importância da criação e/ou

fortalecimento de instituições estatais – por meio de políticas e organismos públicos –

como elementos necessários para o tratamento da questão social e o estabelecimento de

uma nova modernidade. As exposições internacionais que foram realizadas no final do

século XIX promoveram a construção e a idealização das instituições dos Estados

modernos. As cidades nas quais as exposições foram montadas – Londres, Paris, Chicago,

entre outras – colocaram-se como o estágio mais avançado da civilização ocidental, mas

que ainda conviviam com os problemas advindos da desigualdade social de uma grande

parcela da população. Nesse sentido, propiciaram também o sentimento de estar em um

estágio de desagregação social em que tudo o que era familiar e seguro estava

desaparecendo.

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195

Nesse contexto, foi realizado, em Paris, no ano de 1889, o Congresso Internacional de

Assistência Pública e Privada, em que se afirmou a necessidade de avançar em direção a

uma atividade assistencial pública baseada em critérios racionais, e no desenvolvimento de

um campo de saber para esta área que se assentou nos conhecimentos em saúde e em

higiene pública. Para as instituições privadas de assistência social, propôs-se que o Estado

fosse o controlador de suas atividades. Para esse evento, influíram notavelmente as idéias

de Ataulpho de Paiva, acerca da organização da assistência social pública para o Brasil,

embora não tenha sido concretizada até meados do século XX. Na Argentina, o Doutor

Emilio Coni chegou a fundar – inspirado na experiência francesa –, a Assistência Pública

da Capital Federal, em 1888. A França escolheu a via legal administrativa para legitimar as

ações na área da assistência pública, uma resolução do Conselho de Estado, de 15 de

fevereiro de 1909, define que a assistência pública é dada em virtude do direito da lei e não

por uma decisão discricional da autoridade administrativa.

Os efeitos do fim da Primeira Guerra Mundial manifestaram-se no pensamento como um

projeto de transformação político-ideológica que implicou um debate sobre o papel do

Estado, e à sociedade, a transformação institucional e a introdução de uma nova legislação

sobre o social. As correntes reformistas: liberal, católica e socialista, tinham posições

diferenciadas sobre cada um desses pontos, mas as três coincidiram na necessidade de

intervir na questão social e os seus intelectuais ocuparam papel importante nessa

transformação. As idéias de estímulo à poupança, à previsão e à família como eixo da

intervenção socioassistencial assentaram as bases de um discurso e de uma intervenção

normativa na vida social mediada pelos aportes vindos do conhecimento científico vigente

na época.

No Brasil, o movimento sanitarista organizou uma campanha nacional em defessa da saúde

pública e a higiene, entre os anos de 1916 e 1920. Na Argentina, foi criado, em 1911, o

Museu Social Argentino, inspirado no Museu Social de Paris, e, sob sua égide, foi

inaugurada a Escola de Serviço Social, em 1930, ambas as instituições com inspiração

higienista. Em 1933, foi realizada a Primeira Conferência Nacional de Assistência Social.

Nela se avançou no papel do Estado como controlador das ações de assistência social e na

modernização das instituições sociais.

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A Igreja Católica assumiu uma postura crítica acerca das tendências do mundo moderno

que resultou na criação de uma organização unitária e disciplinada apta para atuar na

organização estatal e na sociedade. Desse espírito, nasceu a Ação Católica, em 1931, na

Argentina e, alguns anos mais tarde, em 1935, no Brasil. 224 A primeira Escola de Serviço

Social, no Brasil, surgiu em 1936, sob a inspiração da Igreja Católica.

As mudanças para a assistência social no período de entre guerras ocorreram em direção de

uma centralização da gestão governamental que a diferenciou, estrutural e

institucionalmente, de outras formas de proteção ancoradas no mundo do trabalho. Um

reordenamento institucional tendeu a dar especificidade ao social. A França culminou,

nesse período, a extensão da assistência social pública em todas as comunas. Nos casos

particulares da Argentina e do Brasil, foram institucionalizados os subsídios e o cadastro

de entidades ligadas à assistência social e a outras formas socioassistenciais, como a

caridade e a filantropia. Em 1932, foi criado, na Argentina, o Fundo de Assistência Social

e, em 1937, instituído o Registro de Entidades de Assistência Social. Em 1938, foi criado,

no Brasil, o Conselho Nacional de Serviço Social.

Destaca-se nesse período, a importância do Social Security Act, de 14 de agosto de 1935,

editada nos Estados Unidos como uma das medidas do New Deal, do governo Roosevelt,

em que se empregou pela primeira vez a expressão “seguridade social”.225 Essa lei

legitimou uma definição de seguridade social entendida como um conjunto de medidas que

deveria agregar os seguros sociais e a assistência social, organizados e coordenados pelo

poder público, visando atender ao desenvolvimento de toda a população. Além disso,

estabeleceu um compromisso para com os Estados democráticos de promover um nível de

vida minimamente digno para seus cidadãos.

Os relatórios da comissão formada pelo governo britânico e presidida por Sir William

Beveridge, em 1942 e 1944, foram tiveram a influência das idéias de Roosevelt, no que

tange ao postulado imperativo de erradicação das necessidades de toda a população, e pelo

economista Keynes, na defesa da distribuição de renda. Nessa proposta, o Estado devia

possibilitar a garantia da renda mínima, em caso de perda da capacidade para ganhá-la,

224 Um conjunto de acontecimentos como a própria guerra, a Revolução Russa, a reivindicação operária dos anos de 1917 e 1921, nos dois países, e a crise de 1929, contornou uma conjuntura de incertezas sobre as idéias liberais. 225 Essa lei teve como finalidade mitigar os problemas sociais trazidos pela crise de 1929.

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assim como o acesso aos serviços estatais de saúde, educação e serviços sociais, pois por

meio desse acesso se abriria a igualdade de oportunidades para todos os cidadãos. Essa

igualdade de oportunidades significava a prática da cidadania.

A devastação econômica e social provocada pela Segunda Guerra Mundial impeliu a

aceitação dos princípios de uma definição ampla de proteção social - baseada naqueles

relatórios - por parte dos países europeus, que os obrigou a reformular as políticas voltadas

ao social, ainda que tivessem saído vitoriosos do conflito armado. A França

institucionalizou a seguridade social ideada e conduzida por Pierre Laroque, em 1945, e

implantou, em 1946, uma nova Constituição Nacional.

A política de seguridade social previu que o sistema atingiria a todos os cidadãos, com o

pleno emprego e as proteções associadas a ele. Paralelamente, a partir de 1953, consolidou-

se uma ampla reforma jurídica da área da assistência social, que ampliou as diversas

categorias beneficiárias e as caraterísticas desses benefícios, que tinham sido legisladas em

anos anteriores, para todos aqueles não inclusos no sistema nacional francês de seguridade

social. O sistema de proteção social francês passou a incluir, além da ajuda monetária, o

sistema de cuidados em domicílio para algumas categorias de beneficiários, na assistência

social.

Embora existam numerosas críticas ao modelo de Estado Providência francês estruturado a

partir dessa época, a assistência social não se constitui como uma medida isolada, pelo

contrário, foi-se combinando ao interior do sistema de proteção social junto com a lógica

previdenciária e a lógica da seguridade social, mas se consolidando como um campo com

uma lógica própria, isto é, com uma legislação, uma organização e uma funcionalidade,

com categorias e benefícios definidos, com uma nomenclatura própria ao interior do

sistema de proteção.

Nos períodos pré e pós Segunda Guerra Mundial, o posicionamento acerca da proteção

social foi diferente, para o Brasil e para a Argentina.

Entre os anos 1930 e 1940, o Brasil, nos governos de Getúlio Vargas, desenvolveu uma

parte da legislação trabalhista. O ordenamento constitucional de 1934 outorgou o marco

jurídico necessário para que se assentassem parte dessas medidas. A Constituição de 1946

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incorporou a noção de previdência social. Em 1942, foi criada, sob os cuidados da esposa

do presidente, a primeira-dama, a Legião Brasileira de Assistência Social (LBA),

inicialmente orientada a sustentar as necessidades daqueles que participaram do conflito

armado, mas que evoluiu até se converter na maior instituição brasileira de assistência

social, se considerada sua extensão aos Estados e as categorias atingidas.

Na Argentina, em 1944, foi criada a Direção-Geral de Assistência Social e, durante o

primeiro governo do General Perón, foi criada a Fundação de Ajuda Social Eva María

Duarte de Perón (1948). Na Constituição Nacional Argentina de 1949, que rompeu com o

esquema liberal da Constituição de 1853, destacaram-se os capítulos sobre os direitos do

trabalho e dos idosos.

A Fundação Eva Perón e a Legião Brasileira de Assistência mostram, por um lado, o

percurso sócio-assistencial da esposa do presidente, e, por outro, trazem as marcas de como

o tratamento das expressões das questões sociais e assistenciais foi relacionado ao

feminino. Dizia Eva Perón, “me sinto responsável dos humildes como si fosse a mãe de

todos”. 226 Revelou-se, nas duas instituições, um discurso que defendia a preponderância

do sexo feminino, a natureza específica para a maternidade e o desempenho de atividades

relacionadas ao bem-estar das mulheres e das crianças, mas que, na prática, também foi

acompanhado explícita ou implicitamente de um alto conteúdo político.

De fato, tanto Darcy Vargas como Eva Perón foram esposas de presidentes em exercício, e

suas ações não poderiam estar fora de um cenário que impusesse ao mesmo tempo

legitimidade aos atos dos homens pela via da ajuda social. Ainda quando os objetivos sob

os quais ambas as instituições se fundaram foram diferentes. Por um lado, a LBA associou-

se ao esforço da guerra e da caridade, embora posteriormente evoluísse sob o nome de

Legião Brasileira de Assistência. A Fundação Eva Perón surgiu sob um rechaço direto à

beneficência, à caridade e à filantropia, e defendendo a ajuda social e ainda o direito à

assistência social, nunca legislado. Talvez isso possa ser pensado pelas origens sociais

diferentes das fundadoras. Evita provinha da classe baixa, enquanto que Dona Darcy era

filha de fazendeiros. Evita teve um discurso altamente opositor à burguesia portenha, e as

damas da beneficência foram um dos seus alvos. Dona Darcy invocou a classe média a

compartilhar as atividades da LBA. 226 Apud Estela GRASSI, La mujer y la profesión de asistente social, 1989, p. 94, citação do livro de Eva Perón La Razón de mi vida, 1953.

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Ambas as entidades promoveram a ajuda social direta e se expandiram aos Estados e às

províncias. As mulheres ocuparam um papel de destaque, nesse momento. Pelo lado da

Fundação, Eva Perón se apoiou nas “células mínimas”, militantes do Partido Peronista que

não somente executavam a ajuda direta como relevavam os pedidos e as necessidades nas

diferentes filiais. A LBA contava com as voluntárias femininas civis, que se transformaram

em executoras das campanhas e estiveram presentes naqueles serviços que a instituição

promovia.

A organização de ambas as instituições apresentou semelhanças e diferenças, que excedem

as possibilidades deste trabalho, porém a Fundação Eva Perón existiu até dois anos depois

da morte da sua fundadora, em 1954 - a infra-estrutura da Fundação foi absorvida pelo

Instituto Nacional de Ação Social, em 1955 – mas, apesar disso, a presença do seu acionar

permaneceu em boa parte na memória das gerações favorecidas por suas ações. A LBA

perdurou no tempo, ultrapassou o governo de Vargas, e, embora modificada, introduziu –

não sem acirradas críticas - a incumbência da primeira-dama no campo assistencial, no

Brasil, que subsistiu até finais do século XX, no nível federal, e se estendeu até hoje em

todos os Estados e municípios brasileiros.227

A configuração da assistência social no aparelho estatal da Argentina e do Brasil constitui

um tema relevante não só pelas atividades da LBA e da Fundação quanto pelo próprio

desenvolvimento do serviço social, como saber técnico, durante esse período. Ainda

percebe-se uma dualidade entre esse saber e as atividades de ambas as instituições, porém

a LBA, por haver permanecido vigente no tempo, conseguiu proceder a sua incorporação.

Também coexistiram com formas estatais centralizadas com racionalidade administrativa

voltada à assistência social; no caso brasileiro, com as atividades do Conselho Nacional de

Serviço Social (CNSS), e, no caso argentino, com a Direção Nacional de Assistência

Social, mas respondendo a lógicas diferentes. No caso da Fundação Eva Perón, houve certa

restrição de algumas ações voltadas ao auxílio imediato, imprimindo um sentido de

provisoriedade na prática que desenvolvera, mas, ao mesmo tempo, implantaram-se obras

de infra-estrutura de porte e magnitude – hospitais, escolas profissionais – que a

227 Esses dados surgem da pesquisa “Indicadores da gestão municipal da política de assistência social no Brasil: 2005/2006”, realizada pelo Núcleo de Pesquisa em Seguridade e Assistência Social (NEPSAS) da PUC/SP.

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ultrapassaram no tempo. A LBA chegou a possuir estrutura ampla de creches, lactários,

educandários, centros comunitários, hospitais, etc. e também ajudas diretas.

Em ambos os casos, persistiu o padrão da heterogeneidade e da fragmentação das práticas

e não houve uma legislação que as enquadrasse e lhes desse legitimidade, como foi

acontecendo no campo previdenciário. Ainda assim, têm sido instrumentos através dos

quais muitos indivíduos e grupos conseguiram satisfazer necessidades não contempladas

até esse momento. Lazer, férias, serviços de infra-estrutura, hospitais e escolas, no caso da

Fundação Eva Perón. A LBA conformou uma rede de serviços sociais (creches, abrigo

para idosos, atendimento a portadores de deficiências, hospitais) e serviços urbanos

(abertura de ruas, construção de habitações para os sem-renda, energia elétrica, perfuração

de poços d’água).

A ampliação dos serviços sociais foi um dos fundamentos sobre o qual se modelaram as

propostas de bem-estar, durante a década de 1940. As avaliações ex post que ponderam o

amadurecimento e desenvolvimento dos Estados de Bem-Estar para os três países revelam

que foram se construindo sobre uma arquitetura estatal complexa e que nenhum deles

responde a um modelo “puro”.

No caso francês, defende-se a postura de um mix bismarckiano e beveridgiano e ainda

destaca-se a herança da Revolução Francesa e do modelo republicano de desenvolvimento

da assistência pública da Terceira República como diferenciador em face da classificação

proposta por Esping Andersen. A partir de 1953, produziu-se uma extensão do campo da

assistência social que ampliou as categorias e os benefícios a partir da tipificação de

carências e segmentos, porém também incorporou-se o critério de comprovação de

recursos para as prestações próprias da área.

Na Argentina, alguns autores assinalam que ocorreu um momento de cobertura universal,

entre 1950 e 1956, durante o governo do General Perón. Porém, considerada sua evolução,

caraterizou-se por um modelo híbrido no qual primou a categoria do trabalhador sobre a de

cidadão, de uma forma complexa baseada na superposição de direitos constitutivos como

os de saúde e de educação e numa tensão entre a pretensão de universalidade de cobertura

e uma prática particular orientada aos trabalhadores organizados e com cobertura por

setores. Nessa perspectiva, a assistência social foi residual.

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No Brasil, prevaleceu um modelo de Bem-Estar ocupacional, em que o Estado

transformou-se em regulador mediado pela legislação trabalhista, mas incorporando

seletivamente setores da classe trabalhadora e com uma estrutura fragmentada, composta

por multiplicidade de instituições baseadas no modelo bismarckiano de seguro individual.

A assistência social foi administrada hegemonicamente pela LBAssistência e não ficou

restrita aos organismos públicos de prestação direta de serviços. Por meio de subvenções

ou convênios, foi repassada, às entidades sociais privadas, a execução de programas

socioassistenciais e de serviços de infra-estrutura social (creches, asilos, centros de

formação de mão-de-obra, centros de reabilitação).

Desde meados da década de 1980, impuseram-se mudanças nas formas de conceber a

relação Estado e Sociedade, que provocaram alterações nos modelos forjados em torno da

centralidade estatal, nos três países ligados à condução gerencial do aparelho de Estado. Os

paradigmas sobre o Estado de Bem-Estar keynesiano foram substituídos por uma visão na

que primou o convencimento de que um retorno ao predomínio da lógica do mercado

poderia resolver os problemas a respeito dos quais se queixavam a economia e a sociedade.

Assim, durante os anos 1980, a descentralização foi recomendada como estratégia para

alcançar um modelo de Estado adequado ao processo de internacionalização das

economias. Não obstante, a hegemonia dessa lógica como princípio da organização social e

a diversidade de formas sobre as quais se vinha constituindo a sociedade e o Estado

moderno, fizeram com que fossem processada de formas diversas e nem sempre resolvida

pelo único recurso da instauração de mecanismos de mercado. Isso indica a existência de

descentralizações que se exprimiram como um conjunto de tendências dentro da evolução

de um sistema administrativo com caraterísticas e conteúdos políticos intrínsecos.

Do ponto de vista político, nesse período, o Brasil e a Argentina saíram de ditaduras

militares e editaram novas Constituições nacionais, em 1988 e 1994 respectivamente. A

França manteve-se sob os preceitos da Quinta República, permanecendo vigentes os

conteúdos constitucionais de 1958, porém sob mudanças nas diretrizes principais de

recomposição da administração estatal, mas mantendo um Estado central forte, herança do

processo de construção da nação.

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Na França, os processos de descentralização administrativa do Estado foram interpretados

como de desconcentração de decisões, pois o poder central permaneceu forte e definindo

os lineamentos centrais das políticas prioritárias. A proteção social francesa tem como

caraterística não se desfazer dos dispositivos instituídos, daí que, ao final de 2002,

coexistiram o pólo assistencial, como vinha sendo definido desde a Terceira República, e a

Renda Mínima de Inserção, associados em uma lógica complementar e como resposta aos

desafios do que se definiu como “nova pobreza”, na qual se incluíam categorias e grupos

aptos para o trabalho, mas sem possibilidade de inclusão nele.

No quadro das transformações da relação Estado-Sociedade que se deram na década de

1990, as organizações não-governamentais – entidades da sociedade civil distintas do

Estado e das instâncias governamentais – foram adquirindo um papel central para atuar em

diferentes campos. Algumas delas orientaram-se à prestação de serviços diretos ou

indiretos de promoção, capacitação, pesquisa, assistência técnica de grupos, comunidades e

indivíduos excluídos do sistema formal de proteção social. A aide sociale francesa insere-

se nelas, pois oferece mais que auxílio em dinheiro ou em espécie àqueles cujas

necessidades não são atendidas por outros meios. Inclui serviços prestados aos doentes,

velhos, alienados mentais e aos sem-moradia.

Nesse contexto, e desde o ponto de vista da administração e organização da ação social, a

lei francesa de 2002 trouxe à consideração e à revisão o quadro de instituições públicas e

da sociedade civil prestadores de serviços de interesse público nos que se incluíram

aqueles ligados à aide sociale. Legislou sobre a racionalidade de recursos e de distribuição

de funções. Reconheceu a necessidade de uma revisão dos princípios sobre os quais se

assentaria a prestação dos serviços, de modo que cada estabelecimento deveria explicitar-

se em relação à competência que lhe caberia em face das administrações departamentais.

Assim como impôs a inclusão dos direitos dos usuários de estabelecimentos médicos e

sociais como elementos fundamentais de seu funcionamento.

Na Argentina, a descentralização significou, do ponto de vista administrativo e no que

tange às políticas sociais, a transferência de serviços nacionais às províncias, porém, em

1995, foi criada a Secretaria de Desenvolvimento Social, ligada à Presidência da

República, como uma tentativa de integrar os programas e as áreas diversas da política

social e superar a incerteza, por meio de uma função geral de orientação normativa dos

programas de intervenção, enquanto que a execução e a operação passaram a corresponder

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aos níveis administrativos locais e provinciais. Nesse momento, no esquema administrativo

de planejamento e execução de programas sociais, não apareciam claramente definidas as

funções que compreenderiam os organismos nacionais em relação com as instâncias

provinciais locais públicas e privadas, somado ao caráter descontínuo das intervenções. No

interior das grandes categorias programáticas, desenvolveram-se atividades e serviços

segmentados segundo a tipificação de carências, apresentado alterações e variações de

acordo como o quadro conjuntural.

Em 2001, foi criado o Conselho Nacional de Coordenação de Políticas Sociais, cujo

objetivo era coordenar e superar os obstáculos que a fragmentação institucional de

programas e da administração provincial de políticas trouxeram ao funcionamento do

sistema. A configuração da assistência social argentina foi se enquadrando nesse esquema

de funcionamento.

A partir da crise argentina de 2001, exprimiram-se posicionamentos que colocaram na

agenda pública o debate a respeito do princípio discricionário sobre o qual foi se

estruturando a política social argentina. Uma leitura das Constituições provinciais vigentes,

e das colocações de autores do campo do direito previdenciário argentino, revelam a

recorrência à noção de amparo, auxilio, ou ajuda às famílias e aos segmentos da sociedade,

quando se trata de configurar a assistência social.

A noção de amparo significa proteção como abrigo ou resguardo, mas também indica

impedimento a que ocorra proteção. A noção de proteção indica maior vigilância e tende a

desenvolver ações para que alguma destruição não venha ocorrer.228 Daí que o debate

sobre a estrutura da política social argentina, além de postular os problemas de

administração ou descentralização das políticas, impõe a necessidade de um movimento de

desvelamento de condicionamentos e de uma revisão dos princípios legais e

constitucionais, como base analítica para pensar um projeto social que pondere direitos

inclusivos para todas as áreas das políticas sociais.

Os processos de descentralização administrativa, no Brasil, ganharam vários significados

fundamentais para a assistência social no conjunto da proteção social. De fato, ela passou a

ser reconhecida como direito e regulamentada na Lei Orgânica de Assistência Social

228 Aldaíza SPOSATI, Modelo brasileiro de proteção social não contributiva: concepções fundantes, 2007.

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(Loas), de 1993, que exprimiu diversas preocupações, além da descentralização. A Loas

teve como intuito o estabelecimento de uma política baseada no direito à assistência social

ancorada em mecanismos participativos de decisão. Esse esforço tendeu a promover uma

reorganização de competências e atribuições entre as esferas de governo, bem como nos

órgãos envolvidos pelas ações assistenciais provocando a decolagem de um processo

amplo de descentralização política, administrativa e recentemente fiscal.

O processo de elaboração da Loas mobilizou universidades, instituições públicas, órgãos

da categoria e meios políticos, na busca de um padrão democrático e social da assistência

social. No debate sobre a política de assistência social brasileira, foi possível distinguir o

papel dos intelectuais da área, no posicionamento de temas na agenda pública. O livro

Carta Tema: a assistência social no Brasil: 1983-1990 denota quatro momentos no debate

brasileiro sobre a assistência social, entre o final da década de 1970 e a década de 1980,

que permitiram a desmontagem da noção não só como irracionalidade das primeiras-damas

mas também como tática e estratégia no interior das políticas sociais brasileiras. Os três

primeiros foram, as reflexões sobre o processo de reconceituação do serviço social, a

construção histórica que Marilda Iamamoto e Raul de Carvalho realizam em seu livro

Relações Sociais e Serviço Social (1982), a retomada das políticas sociais no campo da

previdência através da contribuição de Vicente Faleiros. A partir de 1983, com a pesquisa

A assistência na trajetória das políticas sociais brasileiras, do Programa de Estudos Pós-

Graduados em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, a partir da

qual o tema da assistência social ganha eixos de análise: a organicidade da assistência

social ao projeto societário brasileiro e organicidade da assistência social nas políticas

sociais públicas.229

Ainda nos processos desenvolvidos a partir de 2004, foi definida a Política Nacional de

Assistência Social, que introduziu a noção de segurança como um horizonte norteador para

a assistência social.

Do ponto de vista do direito, a França acorre mais às necessidades, ainda, quando utiliza,

desde a década de 1960, o critério de renda, pois os benefícios introduzem mecanismos de

eqüidade que diferenciam para mais o valor de benefícios mínimos, operando maior justiça

social. No Brasil, permanece sob a seleção de renda, que prevalece sobre a necessidade. Na

229 Aldaíza SPOSATI (coord.), Carta tema: a assistência social no Brasil 1983-1990, 1989.

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Argentina, traduz-se em uma proposta de comprovação de renda associada à necessidade

para alguns segmentos, mas prevalece o princípio subsidiário.

A assistência social, para os três países, foi se erigindo sobre um discurso construído com

conteúdos constitucionais, legislação social, aparelhos institucionais, programas, que

promoveram justificações e práticas que estigmatizaram a pobreza e o sistema que dela se

ocuparia. Na assistência social, conviveram o arcaico e o moderno, mas, quando ancorada

na segurança, facilita sua compreensão, desde uma concepção de “possibilidade positiva” e

permite captar os avanços para o enfrentamento das desproteções e vicissitudes da vida

humana.

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ANEXO 1. Presença da assistência social nas Constituições de países membros da Base de Dados Políticos das Américas

Países da América Latina

Conteúdo constitucional sobre assistência social, seguridade social e previdência

Argentina Art. 14 bis. O trabalho, em suas diversas formas, terá a proteção das leis, que assegurarão, ao trabalhador: condições dignas e eqüitativas de labor, jornada limitada; descanso e férias pagas; retribuição justa; salário mínimo vital e móvel; igual remuneração por igual tarefa; participação nos ganhos das empresas, com controle da produção e colaboração na direção; proteção contra a demissão arbitrária; estabilidade do empregado público; organização sindical livre e democrática, reconhecida pela simples inscrição num registro especial. O Estado outorgará os benefícios da seguridade social, que terá caráter de integral e irrenunciável. Em especial, a lei estabelecerá: o seguro social obrigatório, que estará a cargo de entidades nacionais ou provinciais, com autonomia financeira e econômica, administradas pelos interessados com a participação do Estado, sem que possa existir superposição de aportes; aposentadoria e rendas móveis; a proteção integral da família; a defesa do bem da família; a compensação econômica familiar e o acesso a uma moradia digna.

Bolívia Art. 7º. Toda pessoa tem os seguintes direitos fundamentais, conforme as leis que regulamentam seu exercício: k. À saúde pública e à seguridade social, na forma determinada por esta Constituição e as Leis. Art. 158. Seguridade social I. O Estado tem a obrigação de defender o capital humano protegendo a saúde da população; assegurará a continuidade de seus meios de subsistência e reabilitação das pessoas inutilizadas; se predispõe ao melhoramento das condições de vida do grupo familiar. II. Os regimes de seguridade social serão inspirados nos princípios de universalidade, solidariedade, unidade de gestão, economia, oportunidade e eficácia, cobrindo as contingências de enfermidade, maternidade, riscos profissionais, invalidez, velhice, morte, desemprego, alocações familiares e moradia de interesse social. Art. 164. O serviço e a assistência sociais são funções do Estado e suas condições serão determinadas por lei. As normas relativas à saúde pública são de caráter coercitivo e obrigatório.

Brasil Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 26, de 2000) Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: IV. Salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder

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aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim; Art.194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos: I. universalidade da cobertura e do atendimento; II. uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; III. seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; IV. irredutibilidade do valor dos benefícios; V. eqüidade na forma de participação no custeio; VI. diversidade da base de financiamento; VII. caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998 - D.O.U., 16 /12 /98) Art.195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I. do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998 - D.O.U., 16/12/98) a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998 - D.O.U., 16/12/98) b) a receita ou o faturamento; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998 - D.O.U., 16/12/98) c) o lucro; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998 - D.O.U., 16/12 /98) II. do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre a aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998 - D.O.U., 161/2/98) III. sobre a receita de concursos de prognósticos. IV. do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19/12/2003) § 1º. As receitas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinadas à seguridade social constarão dos respectivos orçamentos, não integrando o orçamento da União. § 2º. A proposta de orçamento da seguridade social será elaborada de forma integrada pelos órgãos responsáveis pela saúde, previdência social e assistência social, tendo em vista as metas e prioridades estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias, assegurada a cada área a gestão de seus recursos. § 3º. A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios. § 4º. A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido ao disposto no art. 154, I. § 5º. Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total. § 6º. As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas

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após decorridos 90 dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, “b”. § 7º. São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei. § 8º. O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998 - D.O.U., 16 ⁄12 ⁄98) § 9º. As contribuições sociais previstas no inciso I do caput deste artigo poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica, da utilização intensiva de mão-de-obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005) § 10. A lei definirá os critérios de transferência de recursos para o sistema único de saúde e ações de assistência social da União para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e dos Estados para os Municípios, observada a respectiva contrapartida de recursos. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998 - D.O.U., 16 ⁄12 ⁄98) § 11. É vedada a concessão de remissão ou anistia das contribuições sociais de que tratam os incisos I, “a”, e II deste artigo, para débitos em montante superior ao fixado em lei complementar. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998 - D.O.U., 16 ⁄12 ⁄98) § 12. A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, “b”; e IV do caput, serão não-cumulativas. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19 ⁄12 ⁄2003) § 13. Aplica-se o disposto no § 12 inclusive na hipótese de substituição gradual, total ou parcial, da contribuição incidente na forma do inciso I, “a”, pela incidente sobre a receita ou o faturamento. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19 ⁄12 ⁄2003) Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados os critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998 - D.O.U., 16 ⁄12 ⁄98) I. cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998 - D.O.U., 16 ⁄12 ⁄98) II. proteção à maternidade, especialmente à gestante; (Redação pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998 - D.O.U., 16 ⁄12 ⁄98) III. proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998 - D.O.U., 16 ⁄12 ⁄98) IV. salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998 - D.O.U., 16 ⁄12 ⁄98) V. pensão por morte dos segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998 - D.O.U., 16 ⁄12 ⁄98) § 1º. É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social,

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ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005) § 2º. Nenhum benefício que substitua o salário de contribuição ou o rendimento do trabalho do segurado terá valor mensal inferior ao salário mínimo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998 - D.O.U., 16 ⁄12 ⁄98) § 3º. Todos os salários de contribuição considerados para o cálculo de benefício serão devidamente atualizados, na forma da lei. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998 - D.O.U., 16 ⁄12 ⁄98) § 4º. É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios definidos em lei. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998 - D.O.U., 16 ⁄12 ⁄98) § 5º. É vedada a filiação ao regime geral de previdência social, na qualidade de segurado facultativo, de pessoa participante de regime próprio de previdência. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998 - D.O.U., 16 ⁄12 ⁄98) § 6º. A gratificação natalina dos aposentados e pensionistas terá por base o valor dos proventos do mês de dezembro de cada ano. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998 - D.O.U., 16 ⁄12 ⁄98) § 7º. É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, obedecidas as seguintes condições: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998 - D.O.U., 16 ⁄12 ⁄.98) I. trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998 - D.O.U., 16 ⁄12 ⁄98) II. sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, reduzido em cinco anos o limite para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998 - D.O.U. ,16 ⁄.12 ⁄98) § 8º. Os requisitos a que se refere o inciso I do parágrafo anterior serão reduzidos em cinco anos, para o professor que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio. (Redação dada pela Emenda Constitucional 20/98 - D.O.U., 16 ⁄12 ⁄98) § 9º. Para efeito de aposentadoria, é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural e urbana, hipótese em que os diversos regimes de previdência social se compensarão financeiramente, segundo critérios estabelecidos em lei. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998 - D.O.U., 16 ⁄12 ⁄98) § 10. Lei disciplinará a cobertura do risco de acidente do trabalho, a ser atendida concorrentemente pelo regime geral de previdência social e pelo setor privado. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998 - D.O.U., 16 ⁄.12 ⁄98) § 11. Os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e conseguinte repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998 - D.O.U., 16 ⁄12 ⁄98) § 12. Lei disporá sobre sistema especial de inclusão previdenciária para atender os trabalhadores de baixa renda e àqueles sem renda própria que se

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dediquem exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, desde que pertencentes a famílias de baixa renda, garantindo-lhes acesso a benefícios de valor igual a um salário-mínimo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005) § 13. O sistema especial de inclusão previdenciária de que trata o § 12 deste artigo terá alíquotas e carências inferiores às vigentes para os demais segurados do regime geral de previdência social. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005) Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar. (Redação dada pela Emenda Constitucional 20/98 - D.O.U., 16/12/98) § 1º. A lei complementar de que trata este artigo assegurará ao participante de planos de benefícios de entidades de previdência privada o pleno acesso às informações relativas à gestão de seus respectivos planos. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998 - D.O.U., 16 ⁄12 ⁄98) § 2º. As contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstas nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho dos participantes, assim como, à exceção dos benefícios concedidos, não integram a remuneração dos participantes, nos termos da lei. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998 - D.O.U., 16/12/98) § 3º. É vedado o aporte de recursos a entidade de previdência privada pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, suas autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista e outras entidades públicas, salvo na qualidade de patrocinador, situação na qual, em hipótese alguma, sua contribuição normal poderá exceder a do segurado. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998 - D.O.U. 16/12/98) § 4º. Lei complementar disciplinará a relação entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, inclusive suas autarquias, fundações sociedades de economia mista e empresas controladas direta ou indiretamente, enquanto patrocinadoras de entidades fechadas de previdência privada, e suas respectivas entidades fechadas de previdência privada. (Redação pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998 - D.O.U., 16/12/98) § 5º. A lei complementar de que trata o parágrafo anterior aplicar-se-á, no que couber, às empresas privadas permissionárias ou concessionárias de prestação de serviços públicos, quando patrocinadoras de entidades fechadas de previdência privada. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998 - D.O.U., 16/12 /98) § 6º. A lei complementar a que se refere o § 4º deste artigo estabelecerá os requisitos para a designação dos membros das diretorias das entidades fechadas de previdência privada e disciplinará a inserção dos participantes nos colegiados e instâncias de decisão em que seus interesses sejam objeto de discussão e deliberação. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998 - D.O.U., 16/12/98) Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I. a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II. o amparo às crianças e adolescentes carentes; III. a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV. a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de

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deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V. a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes: I . descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social; II. participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis. Parágrafo único. É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular a programa de apoio à inclusão e promoção social até cinco décimos por cento de sua receita tributária líquida, vedada a aplicação desses recursos no pagamento de: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19/12/2003) I. despesas com pessoal e encargos sociais; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19/12 /2003) II. serviço da dívida; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19/12/2003) III. qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente aos investimentos ou ações apoiados. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19/12 /2003)

Chile Art. 1. O Estado está a serviço da pessoa humana e sua finalidade é promover o bem comum, para o qual deve contribuir criando as condições sociais que permitam a todos e a cada um dos integrantes da comunidade nacional sua maior realização espiritual e material possível, com pleno respeito aos direitos e garantias que esta Constituição estabelece. [...] Art. 19. A Constituição assegura a todas as pessoas: 7. O direito à liberdade pessoal e à seguridade individual. h. Não poderá se aplicar como sanção a perda dos direitos previdenciários [...] 18. O direito à seguridade social. As leis que regularem o exercício deste direito serão de quórum qualificado. A ação do Estado estará dirigida a garantir o acesso de todos os habitantes ao gozo de prestações básicas uniformes, sejam outorgadas através de instituições públicas ou privadas. A lei poderá estabelecer contribuições obrigatórias. O Estado supervisionará o adequado exercício do direito à seguridade social.

Colômbia Art. 43. A mulher e o homem têm iguais direitos e oportunidades. A mulher não poderá ser submetida a nenhuma classe de discriminação. Durante a gravidez e após o parto gozará de especial assistência e proteção do Estado, e receberá do mesmo subsídio alimentar se estiver desempregada ou desamparada. O Estado apoiará de maneira especial a mulher chefe de família. Art. 46. O Estado, a sociedade e a família concorrerão para a proteção e a assistência das pessoas da terceira idade e promoverão sua integração à vida ativa e comunitária. O Estado lhes garantirá os serviços da Seguridade Social integral e o subsídio alimentar em caso de indigência. Art. 47. O Estado adiantará uma política de previdência, reabilitação e integração social para os deficientes físicos, sensoriais e psíquicos, aos quais se prestará a atenção especializada que requeiram. Art. 48. A Seguridade Social é um serviço público de caráter obrigatório que

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será prestada sob a direção, coordenação e controle do Estado, sujeitando-se aos princípios de eficiência, universalidade e solidariedade, nos termos que estabeleça a lei. É garantido a todos os habitantes o direito irrenunciável à Seguridade Social. O Estado, com a participação dos particulares, ampliará progressivamente a cobertura da Seguridade Social, que compreenderá a prestação dos serviços na forma que determine a lei. A Seguridade Social poderá ser prestada por entidades públicas ou privadas, em conformidade com a lei. Não se poderão destinar nem utilizar os recursos das instituições da Seguridade Social para outras finalidades. A lei definirá os meios para que os recursos destinados a pensões mantenham seu poder aquisitivo constante.

Costa Rica Art. 72. O Estado manterá, enquanto não exista seguro de desemprego, um sistema técnico e permanente de proteção aos desocupados involuntários, e procurará a reintegração dos mesmos ao trabalho. Art. 73. São estabelecidos os seguros sociais em benefício dos trabalhadores manuais e intelectuais, regulados pelo sistema de contribuição compulsória do Estado, patrões e trabalhadores, a fim de protegê-los contra os riscos de enfermidade, invalidez, maternidade, velhice, morte e demais contingências que a lei determine. A administração e a gerência dos seguros sociais estarão aos cuidados de uma instituição autônoma, denominada Caixa Costarriquense de Seguro Social. [...] Os seguros contra riscos profissionais serão de exclusiva conta dos patrões e serão regidos por disposições especiais.

Cuba Art. 47. Mediante o sistema de seguridade social, o Estado garante a proteção adequada ao trabalhador impedido por sua idade, invalidez ou enfermidade. Em caso de morte do trabalhador, garante similar proteção à sua família. Art. 48. o Estado protege, mediante a assistência social, aos anciãos sem recursos nem amparo e a qualquer pessoa não apta para trabalhar que careça de familiares em condições de lhe prestar ajuda.

Equador Art. 23. Sem prejuízo dos direitos estabelecidos nesta Constituição e nos instrumentos internacionais vigentes, o Estado reconhecerá e garantirá às pessoas o seguinte: o direito a dispor de bens e serviços, públicos e privados, de ótima qualidade; a escolhê-los com liberdade, assim como a receber informação adequada e verdadeira sobre seu conteúdo e característica. Art. 47. Nos âmbitos público e privado, receberão atenção prioritária, preferencial e especializada as crianças e adolescentes, as mulheres grávidas, as pessoas com incapacidade, as que sofrem de enfermidades catastróficas de alta complexidade e as da terceira idade. Do mesmo modo, serão atendidas as pessoas em situação de risco e vítimas de violência doméstica, maltrato infantil, desastres naturais ou antropogênicos. Art. 53. O Estado garantirá a prevenção das incapacidades e a atenção e reabilitação integral das pessoas com incapacidade, em especial em casos de indigência. Conjuntamente com a sociedade e a família, assumirá a responsabilidade de sua integração social e equiparação de oportunidades. O Estado estabelecerá medidas que garantam, às pessoas com incapacidade, a utilização de bens e serviços, especialmente nas áreas de saúde, educação, capacitação, inserção laboral e recreação, e as medidas que eliminem as barreiras de comunicação, assim como as urbanísticas, arquitetônicas e de acessibilidade ao transporte, que dificultem sua mobilidade. Os municípios terão a obrigação de adotar estas medidas no âmbito de suas atribuições e

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circunscrições. As pessoas com incapacidade terão tratamento preferencial na obtenção de créditos, isenções e descontos tributários, de conformidade com a lei. Reconhece-se o direito, das pessoas com incapacidade, à comunicação por meio de formas alternativas, como a linguagem dos sinais equatoriana para surdos, oralismo, o sistema braile e outras. Art. 54. O Estado garantirá, às pessoas da terceira idade e aos aposentados, o direito à assistência especial que lhes assegure um nível de vida digna, atenção integral de saúde gratuita e tratamento preferencial tributário e em serviços. O Estado, a sociedade e a família proverão, às pessoas da terceira idade e a outros grupos vulneráveis, uma adequada assistência econômica e psicológica que garanta sua estabilidade física e mental. A lei regulará a aplicação e defesa destes direitos e garantias. Art. 55. A seguridade social será dever do Estado e direito irrenunciável de todos os seus habitantes. Será prestada com a participação dos setores público e privado, de conformidade com a lei. Art. 56. Se estabelece o sistema nacional de seguridade social. A seguridade social será regida pelos princípios de solidariedade, obrigatoriedade, universalidade, eqüidade, eficiência, subsidiaridade e suficiência, para a atenção das necessidades individuais e coletivas, em procura do bem comum. Art. 57. O seguro geral obrigatório cobrirá as contingências de enfermidade, maternidade, riscos do trabalho, desemprego, velhice, invalidez, incapacidade e morte. A proteção do seguro geral obrigatório se estenderá progressivamente a toda a população urbana e rural, com relação de dependência laboral ou sem ela, conforme permitam as condições gerais do sistema. O seguro geral obrigatório será direito irrenunciável e imprescritível dos trabalhadores e suas famílias. Art. 58. A prestação do seguro geral obrigatório será responsabilidade do Instituto Equatoriano de Seguridade Social, entidade autônoma dirigida por um organismo técnico administrativo, integrado de forma tripartite e paritariamente por representantes de segurados, empregadores e Estado, os quais serão designados de acordo com a lei. Suas organização e gestão serão regidas pelos critérios de eficiência, descentralização e desconcentração, e suas prestações serão oportunas, suficientes e de qualidade. Poderá criar e promover a formação de instituições administradoras de recursos para fortalecer o sistema previdenciário e melhorar a atenção da saúde dos afiliados e suas famílias. O poder público poderá ter entidades de seguridade social. Art. 59. Os aportes e contribuições do Estado para o seguro geral obrigatório deverão constar anualmente no orçamento geral do Estado, e serão transferidos oportuna e obrigatoriamente por meio do Banco Central do Equador. [...] Os fundos e reservas do seguro social serão próprios e distintos dos do Estado, e servirão para cumprir adequadamente aos fins de sua criação e funções. Nenhuma instituição do Estado poderá intervir em seus fundos e reservas nem afetar seu patrimônio. As inversões do Instituto Equatoriano de Seguridade Social com recursos provenientes do seguro geral obrigatório serão realizadas por meio do mercado financeiro, com sujeição aos princípios de eficiência, seguridade e rentabilidade, e serão efetuadas por uma comissão técnica nomeada pelo organismo técnico administrativo do Instituto Equatoriano de Seguridade Social. A idoneidade de seus membros será aprovada pela superintendência

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sob cuja responsabilidade esteja a supervisão das atividades de seguros, que também regulará e controlará a qualidade dessas inversões. As pensões por aposentadoria deverão ajustar-se anualmente, conforme as disponibilidades do fundo respectivo, o qual será capitalizado para garantir uma pensão de acordo com as necessidades básicas de sustentação e custo de vida. Art. 61. Os seguros complementares estarão orientados a proteger contingências de seguridade social, não cobertas pelo seguro geral obrigatório, ou a melhorar suas prestações. Esses seguros serão de caráter opcional e financiados com o aporte dos segurados, e os empregadores poderão efetuar aportes voluntários. Serão administrados por entidades públicas, privadas ou mistas, reguladas pela lei.

Salvador Art. 50. A seguridade social constitui um serviço público de caráter obrigatório. A lei regulará seus alcances, extensão e forma. Tal serviço será prestado por uma ou várias instituições, que deverão guardar entre si a adequada coordenação para assegurar uma boa política de proteção social, de forma especializada e com ótima utilização dos recursos. Para os recursos da seguridade social, contribuirão os patrões, os trabalhadores e o Estado, na forma e quantia que determine a lei. O Estado e os patrões ficarão excluídos das obrigações que lhes impõem as leis em favor dos trabalhadores, na medida em que sejam cobertas pelo seguro social.

Guatemala Art. 100. Seguridade social. O Estado reconhece e garante o direito à seguridade social para beneficio dos habitantes da Nação. Seu regime se institui como função pública, de forma nacional, unitária e obrigatória. O Estado, os empregadores e os trabalhadores cobertos pelo regime, com a única exceção do previsto pelo artigo 88 desta Constituição, têm obrigação de contribuir para financiar tal regime e direito a participar de sua direção, procurando seu melhoramento progressivo. A aplicação do regime de seguridade social corresponde ao Instituto Guatemalteco de Seguridade Social, que é uma entidade autônoma com personalidade jurídica, patrimônio e funções próprias; goza de isenção total de impostos, contribuições e arbítrios, estabelecidos ou por serem estabelecidos. O Instituto Guatemalteco de Seguridade Social deve participar com as instituições de saúde de forma coordenada. O Organismo Executivo destacará, anualmente, no Orçamento de Receitas e Despesas do Estado, uma verba específica para cobrir a quota que corresponde ao Estado como tal e como empregador, a qual não poderá ser transferida nem cancelada durante o exercício fiscal e será fixada de conformidade com os estudos técnicos atuariais do instituto. Contra as resoluções que se “ditaminem” nesta matéria, cabem os recursos administrativos e contencioso-administrativos de conformidade com a lei. Quando se tratem de prestações que deve outorgar o regime, corresponderão os tribunais de trabalho e previdência social.

Honduras Art. 142. Toda pessoa tem direito à seguridade de seus meios econômicos de subsistência, em caso de incapacidade para trabalhar ou obter trabalho remunerado. Os serviços de Seguridade Social serão prestados e administrados pelo Instituto Hondurenho de Seguridade Social, que cobrirá os casos de enfermidade, maternidade, subsídio de família, velhice, orfandade, desemprego, acidentes de trabalho, desocupação comprovada, enfermidades profissionais e todas as demais contingências que afetem a capacidade de

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produzir. O Estado criará Instituições de Assistência e Previdência Social que funcionarão unificadas num sistema unitário estatal com o aporte de todos os interessados e do Estado. Art. 143. O Estado, os patrões e os trabalhadores estarão obrigados a contribuir com o financiamento, melhoramento e expansão do Seguro Social. O regime de seguridade social será implantado de forma gradual e progressiva, tanto no referente aos riscos cobertos como às zonas geográficas e às categorias de trabalhadores protegidos. Art. 144. Será considerada de utilidade pública a ampliação do regime de Seguridade Social aos trabalhadores da cidade e do campo.

México Art. 123. b) Entre os poderes da União, o governo do Distrito Federal e os trabalhadores: [...] A seguridade social será organizada conforme as seguintes bases mínimas: Cobrirá os acidentes e enfermidades profissionais; as enfermidades não profissionais e maternidade; e a aposentadoria, a invalidez, velhice e morte. No caso de acidente ou enfermidade, será conservado o direito ao trabalho pelo tempo que determine a lei. As mulheres, durante a gravidez, não realizarão trabalhos que exijam um esforço considerável e signifiquem um perigo para sua saúde em relação com a gestação; gozarão forçosamente de um mês de descanso antes da data fixada aproximadamente para o parto e de outros dois depois do mesmo, devendo receber seu salário integral e manter seu emprego e os direitos que houverem adquirido pela relação de trabalho. No período de amamentação, terão dois descansos extraordinários por dia, de meia hora cada um, para alimentar seus filhos. Ademais, desfrutarão de assistência médica e obstétrica, de remédios, de auxílio para a amamentação e do serviço de creches infantis. Os familiares dos trabalhadores terão direito a assistência médica e remédios, nos casos e na proporção que determine a lei. Serão estabelecidos centros para férias e para recuperação, assim como lojas econômicas para benefício dos trabalhadores e seus familiares. Serão proporcionadas aos trabalhadores habitações baratas para arrendamento ou venda, conforme os programas previamente aprovados. Ademais, o Estado, mediante os aportes que faça, estabelecerá um fundo nacional da moradia, a fim de constituir depósitos em favor de tais trabalhadores e estabelecer um sistema de financiamento que permita outorgar a estes créditos baratos e suficientes para que adquiram a propriedade de habitações cômodas e higiênicas, ou bem para construí-las, repará-las, melhorá-las ou pagar passivos adquiridos por estes conceitos. Os aportes que se façam no citado fundo serão comunicados ao organismo encarregado da seguridade social, regulando-se em sua lei e nas que correspondam à forma e ao procedimento, de acordo com os quais será administrado o citado fundo e se outorgam e adjudicarão os créditos respectivos.

Nicarágua Art. 61. O Estado garante aos nicaragüenses o direito à seguridade social para sua proteção integral em relação às contingências sociais da vida e do trabalho, na forma e condições que determine a lei. Art. 62. O Estado procurará estabelecer programas em beneficio dos incapacitados para sua reabilitação física, psicossocial e profissional e para sua colocação laboral. Art. 63. É direito dos nicaragüenses estarem protegidos contra a fome. O Estado promoverá programas que assegurem uma adequada disponibilidade de alimentos e uma distribuição eqüitativa dos mesmos.

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Panamá Art. 109. Todo indivíduo tem direito à seguridade de seus meios econômicos de subsistência em caso de incapacidade para trabalhar ou obter trabalho remunerado. Os serviços de seguridade social serão prestados ou administrados por entidades autônomas e cobrirão os casos de enfermidade, maternidade, invalidez, subsídio de família, velhice, viuvez, orfandade, desemprego, acidentes de trabalho, enfermidades profissionais e as demais contingências que possam ser objetos de previdência e seguridade social. A lei proverá a implantação de tais serviços à medida que as necessidades o exijam. O Estado criará estabelecimentos de assistência e previdência sociais. São tarefas fundamentais destes a reabilitação econômica e social dos setores dependentes ou carentes de recursos e a atenção dos mentalmente incapazes, os doentes crônicos, os inválidos indigentes e dos grupos que não hajam sido incorporados ao sistema de seguridade social. Art. 110. o Estado poderá criar fundos complementares com o aporte e participação dos trabalhadores das empresas públicas e privadas a fim de melhorar os serviços de seguridade social em matéria de aposentadorias. A lei regulamentará esta matéria.

Paraguai Art. 95. Da seguridade social. O sistema obrigatório e integral de seguridade social para o trabalhador dependente e sua família será estabelecido pela lei. Será promovida sua extensão a todos os setores da população. Os serviços do sistema de seguridade social poderão ser públicos, privados ou mistos, e em todos os casos serão supervisionados pelo Estado. Os recursos financeiros dos seguros sociais não serão desviados de seus fins específicos e estarão disponíveis, para este objetivo, sem prejuízo das inversões lucrativas que possam acrescer seu patrimônio.

Peru Art. 10. O Estado reconhece o direito universal e progressivo de toda pessoa à seguridade social, para sua proteção frente às contingências que determine a lei e para a elevação de sua qualidade de vida.

República Dominicana

Art. 8º. Se reconhece como finalidade principal do Estado a proteção efetiva dos direitos da pessoa humana e a manutenção dos meios que lhe permitam aperfeiçoar-se progressivamente dentro de uma ordem de liberdade individual e de justiça social, compatível com a ordem pública, o bem-estar geral e os direitos de todos. Para garantir a realização desses fins se fixam as seguintes normas: O Estado estimulará o desenvolvimento progressivo da seguridade social, de maneira que toda pessoa chegue a gozar adequada proteção contra o desemprego, a enfermidade, a incapacidade e a velhice. O Estado prestará sua proteção e assistência aos anciãos, na forma que determine a lei, de maneira que se preserve sua saúde e se assegure seu bem-estar. O Estado prestará, por si mesmo, assistência social aos pobres. Tal assistência consistirá em alimentos, vestuário e, até onde seja possível, alojamento adequado.

Uruguai Art. 46. O Estado dará asilo aos indigentes ou carentes de recursos suficientes que, por sua inferioridade física ou mental de caráter crônico, estejam inabilitados para o trabalho. O Estado combaterá, por meio da lei e das Convenções Internacionais, os vícios sociais. Art. 67. As aposentadorias gerais e os seguros sociais serão organizados de forma a garantir a todos os trabalhadores, patrões, empregados e operários, aposentadorias adequadas e subsídios para os casos de acidentes, enfermidade, invalidez, desemprego, etc. A suas famílias, em caso de morte, a pensão

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correspondente. A pensão à velhice constitui um direito para quem atingir a limite da idade produtiva, depois de grande permanência no país e careça de recursos para suprir suas necessidades vitais.

Venezuela Art. 55. Toda pessoa tem direito à proteção por parte do Estado através dos órgãos de seguridade cidadã, regulados por lei, em relação a situações que constituam ameaça, vulnerabilidade ou risco para a integridade física das pessoas, suas propriedades, o desfrute de seus direitos e o cumprimento de seus deveres [...]. Art. 86. Toda pessoa tem direito à seguridade social como serviço público de caráter não lucrativo, que garanta a saúde e assegure proteção em contingências de maternidade, paternidade, enfermidade, invalidez, doenças catastróficas, incapacidade, necessidades especiais, riscos laborais, perda de emprego, desemprego, velhice, viuvez, orfandade, moradia, despesas derivadas da vida familiar e qualquer outra circunstância de previdência social. O Estado tem a obrigação de assegurar a efetividade deste direito, criando um sistema de seguridade social universal, integral, de financiamento solidário, unitário, eficiente e participativo, de contribuições diretas ou indiretas. A ausência de capacidade contributiva não será motivo para excluir as pessoas de sua proteção. Os recursos financeiros da seguridade social não poderão ser destinados a outros fins. As contribuições obrigatórias que realizem os trabalhadores e as trabalhadoras para cobrir os serviços médicos e assistenciais e demais benefícios da seguridade social poderão ser administradas somente com fins sociais sob a direção do Estado. Os remanescentes líquidos do capital destinado à saúde, à educação e à seguridade social se acumularão ao final de sua distribuição e contribuição nesses serviços. O sistema de seguridade social será regulado por uma lei orgânica especial.

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