A ANTROPOLOGIA NO BRASIL - UM ROTEIRO por J. C. MELATTI

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Srie Antropologia

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A Antropologia no Brasil: Um RoteiroJulio Cezar Melatti

Fascculo escrito originalmente para integrar a coleo Curso de Introduo Antropologia, pelo Convnio Fundao Universidade de Braslia/Open University, que no chegou a ser publicada. Republicado no Boletim Informativo e Bibliogrfico de Cincias Sociais (BIB), n 17, pp. 1-92, Rio de Janeiro, ANPOCS, 1984, com poucas modificaes. Novamente republicado em O que se Deve Ler em Cincias Sociais no Brasil, vol. 3, pp. 123-211, So Paulo: Cortez e ANPOCS, 1990. Esta nova digitao da Srie Antropologia, feita em 2007, inclui as modificaes do BIB e umas poucas correes.

Braslia 1983

ndice1. Cronistas ...............................................................................................................3

2. Etnologia ...............................................................................................................4 2.1. At os anos 30 ...................................................................................................5 2.1.1. Transio para a Etnologia ...................................................................5 2.1.2. A predominncia alem na Etnologia indgena ....................................8 2.2. Dos anos 30 aos 60..........................................................................................11 2.2.1. Interpretaes gerais do Brasil ...........................................................12 2.2.2. Os estudos de mudana social, mudana cultural ou aculturao ......13 2.2.3. Predominncia do funcionalismo no estudo das culturas e sociedades indgenas ........................................................................15 2.2.4. Os estudos de comunidade .................................................................17 2.2.5. A abordagem funcionalista do folclore ..............................................19 2.2.6. Relaes sociais entre negros e brancos .............................................19 2.3. A partir dos anos 60 ........................................................................................21 2.3.1. Frico intertnica e etnicidade ..........................................................22 2.3.2. As sociedades indgenas como totalidades socioculturais..................25 2.3.3. Mitologia e ritual como sistemas ativos .............................................26 2.3.4. Estudos regionais e estudos em comunidades ....................................28 2.3.5. Antropologia Urbana ..........................................................................31 2.3.6. Artes e artesanato................................................................................33 3. Arqueologia .............................................................................................................34 3.1. At os anos 50 .................................................................................................34 3.2. A partir dos anos 50 ........................................................................................35 4. Lingstica .............................................................................................................38 4.1. At os anos 50 .................................................................................................39 4.2. A partir dos anos 50 ........................................................................................40 5. Antropologia Fsica ...................................................................................................41 5.1. De 1860 a 1910 ...............................................................................................42 5.2. De 1910 a 1930 ...............................................................................................43 5.3. De 1930 a 1950 ...............................................................................................44 5.4. A partir de 1950 ..............................................................................................45 6. Ensino, intercmbio e divulgao ............................................................................47 7. Bibliografia .............................................................................................................50

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Talvez a melhor maneira de dar conta do desempenho da Antropologia no Brasil seja traar-lhe a histria. Seria, porm, temerrio tentar faz-lo dentro dos limites de espao e de tempo de que aqui dispomos, uma vez que essa tarefa exigiria o exame cuidadoso de um nmero razoavelmente grande de livros e artigos que se vm acumulando por mais de cem anos de atividade. Entretanto, uma vez que vrios antroplogos e cientistas de reas afins tm elaborado, ao longo desses anos, avaliaes, comentrios sobre perodos, orientaes, temas, autores, relacionados ao desenvolvimento da Antropologia em nosso pas, optamos por organizar um roteiro, curto, provisrio e inevitavelmente cheio de falhas, em que procuramos encadear e aproveitar esses j numerosos trabalhos crticos e bibliogrficos, cuja consulta recomendamos, arrolando-os no final deste trabalho. O leitor notar que um maior espao dedicado Etnologia. Isso decorre de duas razes: a existncia (pelo menos esta a nossa impresso) de um maior nmero de trabalhos e um mais amplo leque de temas etnolgicos explorados do que de temas referentes a outros ramos da Antropologia; e por ser este roteiro elaborado para um Curso que tem um interesse mais forte na Etnologia.

1. Cronistas comum entre os antroplogos brasileiros chamar de cronistas aqueles autores que, apesar de no serem cientistas sociais, seja porque as Cincias Sociais ainda no existissem, seja porque eles se dedicassem a outros misteres, deixaram relatos em que registram suas experincias com a populao de determinados locais ou regies do Brasil e suas observaes a respeito dela. So, pois, cronistas, numerosos navegadores, missionrios, diplomatas, empresrios, militares, naturalistas, que, desde o momento em que Cabral tocou o litoral brasileiro at o presente sculo, visitaram o Brasil, ou aqui moraram temporariamente, ou mesmo chegaram a se estabelecer, deixando o registro de seus contatos com a populao. Por conseguinte, a conhecida carta de Pero Vaz de Caminha teria sido a primeira dessas crnicas. Se tais autores no foram propriamente antroplogos, porque tratar deles neste roteiro? que, na inexistncia ou ausncia do cientista social, eles nos deixaram registros de observaes diretas, espontneas, ainda que no controladas. Somente os naturalistas tinham sido educados de maneira a manter uma certa disciplina em suas observaes, mas, de qualquer maneira, ao lidar com fenmenos sociais, deparavam com um objeto cujas peculiaridades no permitem o mesmo tratamento que os fenmenos fsicos e biolgicos. O socilogo Florestan Fernandes, que escreveu duas excelentes monografias sobre os Tupinambs, povo indgena que se extinguiu no sculo XVII, teve o cuidado de procurar demonstrar num artigo (Fernandes, 1949) como rica a informao que os cronistas deixaram sobre esse povo e como possvel fundamentar sobre ela uma reconstituio do sistema social Tupinamb, como ele fez, utilizando-se, no caso, do mtodo funcionalista. Para mostrar a consistncia do contedo etnogrfico do relato dos cronistas, Fernandes se demora no exame das informaes e descries que deixaram sobre a situao do prisioneiro no grupo local inimigo. Seu artigo reforado por duas grandes tabelas em que assinala a presena ou no de informaes, no relato de cada cronista que tratou dos Tupinambs, sobre tpicos do sistema guerreiro desse povo e o nmero de aspectos tratados em cada tpico. Outra interessante crtica dos cronistas foi a que Thekla Hartmann escreveu a respeito dos desenhos feitos por eles, ou por desenhistas que os acompanharam, no final 3

do sculo XVIII ou no decorrer do sculo XIX, em que se representam indivduos ou cenas indgenas. A etnloga (Hartmann, 1975) examina: o grau de habilidade dos artistas em achar as propores corretas e as caractersticas somticas dos ndios de cada grupo; sua capacidade em captar os traos individuais; a utilizao de adornos e marcas culturais tribais para acentuar diferenas que os artistas no conseguiam ver ou reproduzir nas caractersticas biolgicas, at casos extremos de utilizao de um manequim nico, decorado e marcado diferentemente segundo o grupo tribal; se os desenhos foram realizados por observao pessoal, ou se a memria, a imaginao, a informao de terceiros, tambm serviram como recursos; se a informao etnogrfica foi filtrada pela orientao tcnica, idias preconcebidas e imagens pr-formadas. Assim, fica-se sabendo da fidedignidade de Hrcules Florence, ou do pouco valor documentrio de Debret, que desenhou no Rio de Janeiro cenas indgenas que nunca viu, s vezes baseado na descrio de terceiros e em artefatos do acervo do Museu Nacional. Alm disso, repara Hartmann que, devido s modificaes que sofriam os desenhos nas mos dos gravadores que os preparavam para publicao, torna-se necessrio conhecer os originais e no apenas as reprodues publicadas. Enfim, o livro de Hartmann nos ensina que os desenhos, uma vez passados por severa crtica, podem vir a ser uma valiosa fonte etnogrfica. No faremos aqui uma longa enumerao dos nomes dos cronistas. Nos dois trabalhos citados (Fernandes, 1949, e Hartmann, 1975) h referncia e bibliografia concernentes aos cronistas que foram objeto de crtica. Estvo Pinto (1958) tambm escreveu uma apreciao dos cronistas do sculo XVI. Embora zologo, C. de MelloLeito, em trs livros publicados na conhecida coleo Brasiliana (Mello-Leito, 1934, 1937 e 1941), descreve as viagens e contribuies de vrios cronistas e, nos dois livros mais antigos, sobretudo, alude a suas observaes concernentes aos fenmenos sociais. Lus da Cmara Cascudo, numa antologia sobre o folclore brasileiro (Cmara Cascudo, 1971), precede os textos selecionados de breves informaes sobre seus autores, sendo quase um tero do volume dedicado aos que aqui estamos chamando de cronistas. Sobre aqueles que trataram do Brasil desde a chegada da Famlia Real at o final do Imprio, h um trabalho dos antroplogos Egon Schaden e Joo Baptista Borges Pereira. Trata-se de um captulo da conhecida Histria geral da civilizao brasileira, dirigida por Srgio Buarque de Holanda. Nesse captulo (Schaden & Borges Pereira, 1967), alm dos cronistas, esto includos os primeiros antroplogos propriamente ditos, bem como intelectuais brasileiros que lidaram com temas antropolgicos. Sem dvida, se fosse feito um levantamento geral dos dados que os cronistas nos puseram disposio, certamente se poderiam distinguir perodos mais ricos em informaes de outros mais pobres, podendo-se fazer o mesmo com diferentes regies do Brasil ou diferentes tpicos. Temos a impresso de que a partir da chegada da Famlia Real que o nmero de cronistas aumenta, certamente devido abertura dos portos e transferncia da capital de Portugal para o Brasil, que logo depois se torna independente. Por outro lado, o sculo XVIII, pelo menos no que tange informaes sobre indgenas, foi um perodo pobre. isso pelo menos que nos diz Herbert Baldus, na Introduo sua to til Bibliografia crtica da etnologia brasileira (Baldus, 1954/68, vol. 1, p. 11), onde faz um breve histrico dos estudos sobre ndios do Brasil e que inclui tambm os cronistas.

2. EtnologiaNo Brasil atual no raro ouvir-se falar de Etnologia quando se trata de estudos referentes a sociedades indgenas, excluindo-se da classe rotulada por esse termo 4

aquelas pesquisas referentes a temas urbanos ou rurais. Tomando o termo com esse sentido que Schaden (1980c) escreveu um valioso trabalho sob o ttulo A Etnologia no Brasil. Mas no nessa acepo que aqui tomamos a palavra Etnologia. Tambm no no sentido que lhe foi atribudo por Radcliffe-Brown, que considerava como Etnologia aqueles estudos voltados para a busca das origens das instituies ou para a reconstituio das linhas de difuso dos traos culturais, contrastando-os com as pesquisas que considerava como tarefas da Antropologia Social, estudos geralmente de carter sincrnico em que se procuram relacionar tcnicas, costumes, instituies, crenas, valores de uma mesma sociedade, ou encontrar princpios que valham para todas as sociedades, pelo menos as de um mesmo tipo. Vamos aqui tomar Etnologia num sentido mais amplo, como parte da Antropologia Cultural ou Social que abrange os estudos em que o pesquisador entra em contato direto, face a face, com os membros da sociedade, ou segmento social estudado, contrastando-a com a Arqueologia, que abarca as pesquisas apoiadas em vestgios deixados por sociedades desaparecidas ou por perodos passados de sociedades que continuam a existir. 2.1. At os anos 30 Nesse perodo no existe a formao acadmica de etnlogo no Brasil. Os estudiosos brasileiros que do contribuies nessa rea so mdicos, juristas, engenheiros, militares ou de outras profisses. Mesmo os etnlogos que vm do exterior so formados em centros de pesquisa de criao recente, pois a Antropologia era ento ramo novo das cincias, mesmo na Europa. Alguns deles so tambm de outras reas acadmicas e que, tendo-se interessado pela Etnologia, procuraram aperfeioar-se nos centros que a cultivavam. Tanto os brasileiros como os estrangeiros desse perodo nem sempre eram puramente etnlogos, mas sim antroplogos gerais, lidando indistintamente com problemas etnolgicos, arqueolgicos, lingsticos ou de Antropologia Fsica.2.1.1. Transio para a Etnologia

A partir de meados do sculo passado, alguns brasileiros se incumbem de tarefas de carter etnolgico. Esses pesquisadores, quase todos autodidatas em Antropologia, a par de seus levantamentos a respeito de ndios, negros, sertanejos, mostravam na maior parte dos casos um certo interesse no destino das populaes que estudavam e seu lugar na formao do povo brasileiro, cujo futuro era objeto de suas preocupaes. Boa parte desses autores vivem um conflito entre a simpatia que devotavam s minorias que estudavam e a situao de inferioridade em que as colocavam na hierarquia biolgica que supunham existir. Sobre as idias conflituosas a respeito da populao nacional, mantidas pelos intelectuais brasileiros no final do Imprio e da Primeira Repblica, muito til a leitura de Thomas Skidmore (1976). Por outro lado, esses autores j estavam atentos para o problema do contato intertnico, tratado da por diante por todas as geraes de etnlogos brasileiros, naturalmente segundo os recursos tericos de cada poca. Um desses pesquisadores foi o famoso poeta indianista Antnio Gonalves Dias, que participou de uma expedio exploradora s provncias do Brasil setentrional projetada pelo Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro. Essa Comisso Cientfica, tambm apelidada de Comisso das Borboletas, inclua especialistas de vrios ramos. Gonalves Dias foi um etngrafo. A expedio partiu em 1859, demorando-se sobretudo no Cear. Gonalves Dias, porm, rumou para a Amaznia, onde dedicou-se a estudos lingsticos e reuniu colees etnogrficas (Schaden & Borges Pereira, 1967,

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p. 434). Entretanto, parece que o poeta nada deixou publicado de suas pesquisas de campo, pois seus trabalhos etnolgicos so ambos de base bibliogrfica: Amazonas, publicado na Revista do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro (t. 18, 1896, pp. 570), mas datado de 1853, em que discute o problema da existncia das lendrias mulheres guerreiras que motivaram o nome do rio Amazonas, e Brasil e Oceania, divulgado no mesmo peridico (t. 30, 2 parte, 1867, pp. 5-192 e 257-396), longo texto em que, baseado nos cronistas, ainda que de modo no exaustivo, apresenta uma descrio dos ndios do litoral brasileiro, seguida de uma descrio resumida das populaes da Oceania, para finalmente discutir o problema de qual das duas populaes estava mais apta para receber a civilizao crist. No fim do trabalho Gonalves Dias prope que, ao lado do incentivo colonizao estrangeira, haja uma retomada da catequese dos ndios. Gonalves Dias no estava frente das idias de seu tempo: aceitava uma hierarquia das raas e admitia, como Martius, que os ndios estavam em decadncia, no motivada, mas apenas acentuada pelo contato com os brancos. Digna de nota tambm a figura de Jos Vieira Couto de Magalhes, militar que foi presidente das provncias de Gois e de Mato Grosso, empreendeu a navegao regular a vapor do Araguaia e do Tocantins e interessou-se pelo estudo dos indgenas. So muito conhecidos seus trabalhos Viagem ao Araguaia, de 1863, transformado no volume 28 da Coleo Brasiliana (7 ed., So Paulo, Nacional; Braslia, INL, 1975) e O selvagem, de 1876, hoje volume 52 da mesma Coleo (3 ed., So Paulo, Nacional, 1935). O primeiro se refere a uma viagem que realizou em 1863 e contm dados sobre ndios das vizinhanas do Araguaia e Tocantins. No segundo apresenta esboos de classificao das raas, que hierarquiza, e das lnguas indgenas; lendas indgenas, sem dizer exatamente quem narrou cada uma, mas indicando que obteve uma delas em Belm e que coligou outras entre soldados indgenas do Exrcito. Defende a idia de assimilar os ndios, aprendendo-lhes a lngua para se poder ensinar-lhes o portugus, de modo a evitar seu extermnio futuro. Esse cuidado estaria relacionado sua previso de que a seleo natural iria eliminar os ndios, mas aconselhava a se tomar o cuidado de mistur-los com os brancos antes que isso acontecesse, a fim de que estes criassem resistncias ao ambiente fsico do Brasil. O melhor mestio seria o branco com um quinto de sangue indgena. O botnico Joo Barbosa Rodrigues deixou muitas informaes sobre diversos grupos indgenas da Amaznia e, em 1884, fez o contato, que teria sido o primeiro de carter amistoso, com os Krixan, ndios da rea onde hoje vivem os Waimir-Atroar. Interessou-se pelo curare, por lendas e cantigas amaznicas em lngua geral (uma lngua Tupi modificada e usada pelos colonizadores e que perdurou at o presente sculo na Amaznia) e pelos muiraquits. Trabalho digno de admirao so os Estudos sobre a tribo Munduruc, do engenheiro Antnio Manoel Gonalves Tocantins, publicado na Revista do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro (t. 40, 2 parte, 1877, pp. 10-161). uma pequena e comedida monografia sobre vrios aspectos do modo de vida dos Munduruk (famlia, agricultura, guerra, conservao das cabeas dos inimigos, pintura de corpo, feitiaria, mitos etc.), que visitou em 1875, bem como de importantes problemas do contato intertnico, tais como relaes dos ndios com os missionrios, destes com a populao civilizada, o comrcio com os regates. O que impressiona o fato de Gonalves Tocantins estar atento para vrios dos mesmos problemas abordados por etnlogos de hoje.

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Com relao aos ndios da orla ocidental da regio Centro-Oeste se podem citar os trabalhos do Visconde de Taunay e de Joo Severiano da Fonseca; com respeito aos do Brasil meridional, os de Telmaco Borba e de Teodoro Sampaio. Os autores referidos at aqui neste item receberam ateno no j citado trabalho de Egon Schaden e Joo Baptista Borges Pereira (1967). Na monografia de Cmara Cascudo (1971), atrs aludida, h referncia a vrios folcloristas do final do sculo passado e incio do atual que poderiam ser arrolados, tambm, entre os precursores dos etnlogos brasileiros. Dentre eles se destaca Alexandre Jos de Melo Morais Filho, que descreveu festas populares, tipos humanos de rua, cenas do passado, serenatas, cantigas; dirigiu a coletnea Revista da Exposio Anthropologica Brazileira (Rio de Janeiro, 1882), que reuniu trabalhos antigos e modernos sobre Arqueologia, Antropologia Fsica e Etnologia dos ndios brasileiros, entre os quais textos antropolgicos do citado Barbosa Rodrigues (Baldus, 1954/68, texto 1047; Mello-Leito, 1941, p. 315). Outro desses folcloristas foi o crtico Slvio Romero. Alm de suas colees de cantos e contos populares, ele deixou no volume Etnografia brasileira (Romero, 1888) estudos crticos sobre Couto de Magalhes, Barbosa Rodrigues, Tefilo Braga e Ladislau Neto (Cmara Cascudo, 1971, p. 283). Sobre as idias que nortearam os textos de Slvio Romero, convm consultar os comentrios de Dante Moreira Leite (1969, pp. 179-94), de Lus de Gonzaga Mendes Chaves (1971) e de Thomas Skidmore (1976, pp. 48-53, 72-3 e 85). Outra figura de destaque desse perodo foi o engenheiro, militar e jornalista Euclides da Cunha. Os sertanejos de Canudos e os do sudoeste da Amaznia foram retratados em pginas clebres por ele, que teve oportunidade de conhec-los em pessoa. Muitos foram aqueles que comentaram a obra de Euclides da Cunha, sob vrios pontos de vista. Dentre seus crticos se incluem Gilberto Freyre (1941 e 1943), Clovis Moura (1964), Dante Moreira Leite (1969, pp. 203-11), Thomas Skidmore (1976, pp. 120-7). Cabe ainda colocar entre esses autores os dois iniciadores dos estudos sobre o negro no Brasil: o desenhista e arquiteto Manuel Raimundo Querino e o mdico Raimundo Nina Rodrigues. O primeiro, que era ele prprio descendente de africanos, deixou cuidadosas descries de tradies de origem africana. O segundo, que contribuiu no sentido de mostrar a diversidade de culturas que vieram com os escravos e seus locais de origem, na frica, sucumbiu, por outro lado, s noes ento vigentes de superioridade e inferioridade racial. Dante Moreira Leite, que tambm dedica algumas pginas a Nina Rodrigues (Leite, 1969, pp. 215-20), ao examinar sua obra, bem como as de Slvio Romero e de Euclides da Cunha, repara nos trs o conflito entre a realidade que descreveram e a simpatia pelas populaes que estudaram, de um lado, e as teorias de determinismo climtico ou racial que aplicavam em suas interpretaes, de outro. Thomas Skidmore tambm comenta as idias de Nina Rodrigues (Skidmore, 1976, pp. 74-9). Porm Augusto Lins e Silva (1945) que dedica todo um livro figura do famoso pesquisador. Na segunda dcada deste sculo iniciam seus trabalhos dois autores que teriam grande influncia nos meios intelectuais brasileiros: Roquette Pinto e Oliveira Viana. O primeiro, com formao em Medicina, publica em 1917 seu famoso livro Rondnia, hoje volume 39 da Coleo Brasiliana (6 ed., So Paulo, Nacional, 1975), onde apresenta os dados que obteve em sua viagem, que tambm descreve, s terras dos ndios Pares e Nambiquaras em 1912. Pela maneira de apresentar o trabalho, pelos temas que aborda, pelos problemas que levanta, pode-se dizer que o livro de Roquette

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Pinto em nada fica a dever aos trabalhos ento produzidos pelos etnlogos alemes, tratados no item seguinte, que ento percorriam o Brasil. Roquette Pinto tambm se preocupava com a populao brasileira como um todo, mas tratou-a sobretudo do ponto de vista da Antropologia Fsica (ver item 5.2). Dedicou-se tambm Educao, tendo sido um dos pioneiros da radiodifuso com finalidades educativas. Sobre Edgard Roquette Pinto h um breve comentrio de Fernando de Azevedo (1954), elaborado por ocasio de sua morte. H um ensaio bio-bibliogrfico por Castro Faria (1956/58). Thomas Skidmore (1976, pp. 205-9) lhe dedica umas poucas, mas interessantes pginas. Se Roquette Pinto no aprovava as idias relativas superioridade e inferioridade das raas, acalentadas por vrios dos autores brasileiros precedentes, paladino que era de idias mais modernas e atento aos primeiros passos da Gentica, tinha, por outro lado, como seu contemporneo, Oliveira Viana, autor tambm interessado no estudo do povo brasileiro, sobretudo no que tangia ao ento pouco explorado tema do processo de formao da organizao familiar e poltica, detendo-se principalmente nas populaes do Sudeste e do Sul, mas que ainda fundamentava sua interpretao nas idias de hierarquia racial. Contam-se entre as crticas a Oliveira Viana a de Dante Moreira Leite (1969, pp. 220-31), a de Srgio Buarque de Holanda (1979, pp. 37-60) e um interessante texto de Luiz de Castro Faria (1978b).2.1.2. A predominncia alem na Etnologia Indgena

Nesse primeiro perodo, os etnlogos estrangeiros que procuravam o Brasil eram principalmente alemes e estavam mais voltados para as culturas indgenas. Mantinham-se em nosso pas apenas enquanto duravam suas expedies cientficas. Posteriormente alguns chegaram a se radicar no Brasil (ou em pases vizinhos). Egon Schaden dedicou um trabalho a esses pesquisadores (Schaden, 1980b), sem contar aqueles comentrios em que trata individualmente de alguns deles. Apesar de Martius, como naturalista, sobretudo botnico, poder ser considerado um cronista ao falar de ndios, sua contribuio foi muito grande, tanto para a Etnologia como para a Lingstica. Foi o primeiro a tentar uma viso ordenada das culturas e lnguas indgenas com que entrou em contato em sua viagem pelo Brasil junto com o zologo Spix, pouco antes da Independncia, e procurar uma explicao para a situao em que se encontravam os ndios. A contribuio etnolgica de Martius, publicada nos meados do sculo passado, constituiu um ponto de partida para os etnlogos propriamente ditos, mesmo que no concordassem com algumas de suas idias. Herbert Baldus (1940) comentou a viagem de Spix e Martius; Rosemarie Horch (1969) escreveu um artigo sobre a obra do segundo. Mas o primeiro e talvez o mais famoso desses etnlogos alemes foi Karl von den Steinen, que passou da Psiquiatria para a Etnologia por influncia de Bastian. Em sua expedio de 1884 descobriu os grupos indgenas xinguanos e foi o primeiro a descer o rio Xingu desde seus formadores at a foz. Numa segunda expedio, de 1887 a 1888, voltou a visitar os xinguanos. Sobre sua obra o leitor encontrar dois comentrios que Egon Schaden lhe consagrou exclusivamente (Schaden, 1955b e 1956), apontando a formao evolucionista do pesquisador, que o levava a procurar desvendar no estudo dos xinguanos a origem de uma srie de tcnicas e costumes; Steinen dedicou tambm sua ateno, por outro lado, descoberta do foco de irradiao dos ndios da famlia lingstica Karb, da qual descobriu fazerem parte os Bakair do Xingu. Paul Ehrenreich, sobre quem Schaden escreveu tambm um sucinto, mas substancioso comentrio (Schaden, 1964), esteve primeiro entre os Botocudos do Rio Doce, nos anos de 1884 e 1885; depois participou da segunda expedio de Steinen ao 8

Xingu; em seguida fez pesquisa entre os Karaj, nos anos de 1888 e 1889; e, por fim, visitou, no Purus, os Paumar, Yamamad e Apurinn. Schaden pe em destaque principalmente seu trabalho sobre mitologia, no qual determina a existncia de trs ciclos mticos, cada qual relacionado a um ramo lingstico: Tup-Guaran, Aruk e Karb. Herrmann Meyer, por sua vez, fez duas expedies ao Xingu: uma em 1896-7 e outra em 1898-9. conhecido sobretudo pelo seu estudo da distribuio dos vrios tipos de arcos e flechas no Brasil (Baldus, 1954/68, texto 1026). Em 1900, outro alemo, Max Schmidt, fez sua expedio ao Xingu, visitando em seguida os ndios Guat, em Mato Grosso, Estado ao qual voltou outras vezes para continuar suas pesquisas, chegando a conhecer vrios grupos indgenas. A partir de 1931 passa a ter por base de suas pesquisas o Paraguai, onde acaba por se estabelecer, fazendo estudos sobre a regio do Chaco. Apesar de interessado em vrios temas, destacou-se por seus trabalhos referentes a economia e tecnologia. Ficou famoso seu trabalho a respeito dos ndios do tronco Aruk em geral. A respeito deste pesquisador pode-se consultar seu curriculum vitae comentado que ele prprio redigiu pouco antes de falecer (Schmidt, 1955). Baldus elaborou um comentrio sobre ele e sua obra por ocasio de sua morte (Baldus, 1951) e mais recentemente Verssimo de Mlo fez um outro (Mlo, 1977b). Outro pesquisador digno de nota foi Theodor Koch-Grnberg. Na sua primeira estada no Brasil visitou o Xingu, acompanhando Herrmann Meyer. Nas vindas posteriores dedicou-se ao estudo dos ndios do noroeste da Amaznia, nas terras banhadas pelos rios Japur, Negro e seus tributrios. Deu grande importncia classificao das lnguas. Entre os mitos coletados por ele estavam os do personagem Macunama, que tanta importncia teve depois, transformado que foi pela literatura e o cinema. Koch-Grnberg morreu de malria no mdio rio Branco em 1924 e sobre sua vida e obra Egon Schaden (1953b) redigiu um breve comentrio e Verssimo de Mlo (1978), um outro. Os citados autores alemes, clebres por suas expedies de pesquisa, so contemporneos de outros etnlogos estrangeiros que privilegiaram o trabalho de gabinete. o caso do sueco Erland Nordenskild, que se dedicou ao estudo da distribuio espacial de traos culturais no Continente Americano, Brasil inclusive, e do padre Wilhelm Schmidt, que tentou estender Amrica Meridional seu esquema dos ciclos culturais, atravs dos quais procurava dar conta da difuso dos traos culturais pelo mundo inteiro. Seu trabalho referente ao nosso continente foi traduzido para o portugus como volume 218 da Coleo Brasiliana, com o ttulo Ethnologia sulamericana (So Paulo, Nacional, 1942). Escrito originalmente na segunda dcada deste sculo, esse livro est completamente desatualizado, mas sua leitura um bom meio de se conhecer a maneira de trabalhar dos difusionistas mais radicais. Nas dcadas dos 20 e dos 30, comeam a se notar algumas modificaes no que se refere s pesquisas com ndios: as preocupaes evolucionistas e difusionistas vo sendo pouco a pouco abandonadas; decresce o nmero de pesquisadores alemes, mas a maioria ainda continua a ser de estrangeiros; alguns desses pesquisadores estrangeiros se estabelecem no Brasil ou em pases vizinhos. O j citado Max Schmidt, por exemplo, estabeleceu-se no Paraguai, onde veio a falecer em 1950, o que fez com que vrios de seus trabalhos viessem a ser publicados em espanhol, em peridicos paraguaios ou brasileiros.

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Alfred Mtraux, por sua vez, nascido na Sua, trabalhou no perodo de 1928 a 1934 na Universidade de Tucumn, na Argentina. Tal como seu mestre Nordenskild, tinha interesses continentais e deixou uma extensa obra sobre ndios de vrias regies da Amrica do Sul. No que se refere ao Brasil, talvez seus trabalhos mais importantes sejam os livros sobre a cultura material e a religio dos extintos Tupinambs. Por ocasio da morte de Mtraux, Ruy Coelho (1963a) escreveu um pequeno comentrio sobre sua vida e obra; Baldus (1963) fez outro, com uma bibliografia mais extensa. Talvez o mais notvel pesquisador das sociedades indgenas, pela extenso de seu trabalho e pela dedicao com que se voltou a ele, tenha sido Curt Nimuendaj. Nascido na Alemanha, tinha originalmente o nome de Curt Unkel. Veio jovem para o Brasil, chegando aqui na primeira dcada deste sculo, e no dispunha de formao universitria. Trabalhou inicialmente com os Guaran, dos quais recebeu o nome de Nimuendaj, com o qual passou a assinar seus trabalhos. Alm de suas obras mais extensas sobre os Guaran, os Xernte, os Canelas, os Apinay e os Tukna, Nimuendaj deixou inmeros trabalhos sobre lngua, mitologia, histria, de diversos grupos indgenas, e ainda um mapa etno-histrico dos ndios do Brasil, acompanhado de uma enorme bibliografia consultada (Mapa etno-histrico de Curt Nimuendaj, Rio de Janeiro, IBGE; Braslia, Pr-Memria, 1981). Nimuendaj trabalhou no ento recmcriado Servio de Proteo aos ndios e foi como seu funcionrio que providenciou a fixao dos Guaran em reservas, no Estado de So Paulo, os quais j estudava desde antes do surgimento do referido Servio, quando teve a oportunidade de presenciar suas migraes messinicas. Ainda como funcionrio, participou dos trabalhos de atrao dos ndios Parintintin, sobre a qual deixou interessante relatrio; alis um empreendimento bem-sucedido que serviu de tema ao romance de Ferreira de Castro, O instinto supremo (5 ed., Lisboa, Guimares, s.d.). Manteve extensa correspondncia com o antroplogo Robert Lowie, nascido em Viena, mas radicado nos Estados Unidos, atravs da qual compensou muito da orientao acadmica que lhe faltava. Lowie, que traduziu ele prprio ou providenciou a traduo para o ingls das principais monografias de Nimuendaj, chamando a ateno para a importncia do estudo das sociedades J, chegou a deixar, em sua autobiografia (Lowie, 1959), um Captulo, o 9, sobre essa correspondncia, com o ttulo, talvez algo injusto, de Trabalho de campo realizado distncia (Field work in absentia). Sobre Nimuendaj e sua obra existem os comentrios de Baldus (1945), Nunes Pereira (1946), Schaden (1967/8), Castro Faria (1978c). Neste perodo ainda pode ser includo o valioso trabalho etnogrfico dos missionrios salesianos, que teve incio com Antonio Colbacchini, a quem veio se somar Csar Albisetti, sendo ngelo Jayme Venturelli seu continuador nos dias de hoje. O trabalho desses salesianos tem alguns pontos em comum com o de Nimuendaj: uma descrio cuidadosa; uma ateno para a organizao social, tema at ento bastante descurado; uma ausncia de orientao terica bem definida, embora o evitar os antigos esquemas evolucionistas e difusionistas j constitua uma orientao. Mas diferem em outros aspectos: Nimuendaj estudou vrios grupos indgenas, enquanto os salesianos, por fora de seu trabalho missionrio, se concentraram no estudo dos Borro; os salesianos, pela catequese, modificavam intencionalmente a sociedade indgena que estudavam, enquanto Nimuendaj pautava seu comportamento pelo respeito e defesa das tradies tribais. Sobre Csar Albisetti h uma notcia escrita por ocasio de sua morte (Venturelli, 1978).

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2.2. Dos anos 30 aos 60 Em 1934 se criou a primeira Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras do Brasil, o que ocorreu na Universidade de So Paulo, que ento aparecia. Na mesma poca tambm se fundava a Escola de Sociologia e Poltica. Para fazer frente necessidade de professores, foram contratados vrios mestres estrangeiros. Desse modo, Roger Bastide, Emlio Willems, Claude Lvi-Strauss passaram a trabalhar na primeira, enquanto Herbert Baldus, Donald Pierson, na segunda, onde esteve como professor visitante, por breve perodo durante a Segunda Guerra Mundial, Radcliffe-Brown. Tambm no Rio de Janeiro criava-se a Universidade do Distrito Federal, onde Gilberto Freyre assumiu em 1935, como seu primeiro professor, a ctedra de Antropologia Social e Cultural; ocupou tambm a ctedra de Sociologia, enquanto Arthur Ramos ficava com a de Psicologia Social. Por volta de 1939 criava-se a Universidade do Brasil, que absorveu a Universidade do Distrito Federal. Nela Arthur Ramos ocupou a ctedra de Antropologia e Etnologia. Salvo engano, a Universidade do Distrito Federal, de curta existncia, e sua sucessora, a recm-criada Universidade do Brasil, no chamaram professores estrangeiros para a rea de Cincias Sociais. No entanto, Gilberto Freyre tinha estudado nos Estados Unidos, na Universidade de Baylor e depois na de Colmbia, at 1922, viajando em seguida por Portugal e Inglaterra e, portanto, podia imprimir uma influncia renovadora sobre seus alunos. Mas parece que sua permanncia na Universidade do Distrito Federal foi pequena. J Arthur Ramos teve suas primeiras experincias no exterior a partir de 1940, mas sua prematura morte, aos 46 anos de idade, em 1949, privou a Universidade do Brasil do muito ainda que lhe poderia ter dado. J em Recife, conforme conta Gonalves Fernandes no seu Prefcio segunda edio dos Problemas brasileiros de antropologia de Gilberto Freyre, em 1956 (Freyre, 1943), este ltimo manteve atividades docentes na Escola Psiquitrica do Recife, mantendo intenso intercmbio com seus alunos. O prprio Gilberto Freyre, num artigo que integra o mesmo volume, Um antroplogo brasileiro especializado no estudo de relaes entre raas, a respeito de Ren Ribeiro, que estudou nessa Escola, declara-se como responsvel inicial pela primeira ctedra de Sociologia, no Brasil, em 1928, na Escola Normal do Estado, em Recife. Mas sem dvida foi So Paulo, pelo nmero de professores, pelo nmero de alunos e pelo esprito de renovao, o principal foco de irradiao da Etnologia neste perodo. nessa poca que os primeiros estudantes brasileiros interessados em Cincias Sociais fazem seus cursos de ps-graduao em instituies acadmicas estrangeiras, como aconteceu com Eduardo Galvo, que estudou na Universidade de Colmbia, Ruy Coelho e Otvio da Costa Eduardo, que estudaram na Northwestern, enquanto Antnio Rubbo Mller ia estudar em Oxford. Ainda que a maioria dos professores estrangeiros de So Paulo fossem europeus, talvez a influncia dominante deste perodo seja a norte-americana, que se fazia no s atravs de docentes que aqui ministravam cursos, como pela presena dos primeiros pesquisadores norte-americanos que para c vinham estudar sociedades indgenas, religies afro-brasileiras ou pequenas comunidades, e ainda atravs dos brasileiros que iam estudar nos Estados Unidos. Certamente essa influncia decorria de um nascente e cada vez mais vigoroso interesse de pesquisadores norte-americanos pelos pases da Amrica Latina, inclusive o Brasil, o que parece ser atestado pelo lanamento do Handbook of Latin American Studies (The Library of Congress, 1936/...) em meados da dcada dos 30 e que se vem mantendo at hoje, publicado ano a ano, como importante resenha bibliogrfica no s

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do que se produz no campo da Antropologia como na rea de Humanidades, no que se refere Amrica Latina. possvel que a justaposio das influncias europia e norte-americana que seja responsvel pela unio um tanto hbrida, respectivamente, de funcionalismo com aculturao que caracteriza este perodo. curioso que mesmo com forte influncia norte-americana no florescem no Brasil os estudos que relacionavam cultura com personalidade. Enfim, com as oportunidades que se abrem, para estudar, tanto no Brasil como no exterior, comea a crescer, ainda que de maneira moderada, o nmero de etnlogos brasileiros. Dada a prpria distribuio dos cursos e das disciplinas nas Faculdades de Filosofia, os etnlogos desse perodo tendem a se aproximarem mais dos socilogos do que dos lingistas e antroplogos fsicos. Entretanto, os cultivadores dos diversos ramos da Antropologia reconheceram a existncia de interesses em comum pela criao, em 1955, da Associao Brasileira de Antropologia (ABA), que se mantm em atividade at hoje, com um nmero cada vez maior de membros. O atual estatuto da ABA est publicado na Revista de Antropologia (1981b). Alis, a ABA teve como precursora a Sociedade Brasileira de Antropologia e Etnologia, fundada em 1941, e cujo primeiro presidente foi Arthur Ramos, e que chegou a divulgar em 1942 um Manifesto contra o racismo (Gusmo, 1974, p. 58, e Skidmore, 1976, pp. 209 e 226). Mas essa Sociedade no parece ter deixado muitas notcias e estaria provavelmente extinta quando se criou a ABA. Um acontecimento importante deste perodo foi tambm a realizao, em So Paulo, como parte das comemoraes do quarto centenrio da cidade, do XXXI Congresso Internacional de Americanistas. Tambm so dignos de nota os Congressos Afro-Brasileiros do Recife (1934) e da Bahia (1937). Para uma idia do desenvolvimento da Etnologia neste perodo indispensvel a leitura da avaliao realizada por Florestan Fernandes (1956-7).2.2.1. Interpretaes gerais do Brasil

J no perodo anterior comeam a aparecer autores que se preocupam com a sociedade brasileira como um todo. Tal o caso de Oliveira Viana, cuja atividade se prolonga pelas dcadas de 30 e 40. Mas a mais famosa obra de interpretao do Brasil sem dvida a de Gilberto Freyre, a iniciar-se com Casa Grande & Senzala (Rio de Janeiro, Maia & Schmidt, 1933), seguida de Sobrados & Mocambos, que foi inicialmente volume 64 da Coleo Brasiliana (So Paulo, Nacional, 1936), para chegar a Ordem e Progresso (Rio de Janeiro, Jos Olympio, 1959), a par de uma srie de trabalhos paralelos. Como outros trabalhos de interpretao geral do Brasil, Freyre privilegia certos tpicos, como a famlia patriarcal, e uma regio, o Nordeste. Diversamente de Oliveira Viana, no admite uma hierarquia de raas, mas, por outro lado, defende a tese da maior adaptabilidade dos portugueses aos trpicos, frente a outras populaes europias, dada sua histria biolgica e cultural. Por sua grande divulgao no pas e no exterior, so muitas as apreciaes que se fizeram da obra de Gilberto Freyre. Mas so interessantes suas observaes a respeito de si mesmo e de sua obra (Freyre, 1968), bem como os comentrios de Dante Moreira Leite (1969, pp. 268-85) e de Srgio Buarque de Holanda (1979, pp. 99-124). Como interpretao do Brasil tambm de grande importncia o pequeno livro de Srgio Buarque de Holanda, Razes do Brasil (Rio de Janeiro, Jos Olympio, 1936), de 12

cuja elaborao ele prprio faz um breve relato (Buarque de Holanda, 1979, p. 29-30). Uma crtica deste trabalho tambm se encontra em Dante Moreira Leite (1969, p. 28693). Arthur Ramos, professor da Faculdade Nacional de Filosofia e que era na dcada de 30 um dos mais conceituados etnlogos, baseado em sua experincia pessoal de estudos sobre as populaes de origem africana e em extensa pesquisa bibliogrfica sobre este e demais temas, condensou nos dois grossos volumes de sua Introduo Antropologia brasileira (Rio de Janeiro, CEB, 1943-7) o que ento se conhecia a respeito das populaes formadoras do povo brasileiro, um livro que foi uma obra de consulta por muito tempo e que ainda hoje constitui uma proveitosa leitura. Sobre Arthur Ramos, que nos deixou impresso seu prprio curriculum vitae (Ramos, 1945), existe um pequeno livro que pe em foco mais sua pessoa do que o contedo de sua obra (Gusmo, 1974). Por ocasio de sua morte, trs cientistas sociais divulgaram uma apreciao de seus trabalhos (Fernandes, Costa Eduardo e Baldus, 1950). Tambm Fernando de Azevedo escreveu um nutrido volume sobre A cultura brasileira (Rio de Janeiro, IBGE, 1943). Entretanto, o termo cultura a utilizado no seu sentido mais estrito e tradicional e no naquele mais amplo comumente adotado na Antropologia. Por conseguinte, o livro trata apenas de certos aspectos da cultura brasileira, sobretudo aqueles que dependem de uma formao escolar, acadmica e cientfica. O quinto captulo desse livro foi comentado por Dante Moreira Leite (1969, pp. 293-7).2.2.2. Os estudos de mudana social, mudana cultural ou aculturao

Nos anos 30 tm incio os estudos de mudana social, mudana cultural ou aculturao, termos usados segundo as preferncias de cada autor e no exatamente intercambiveis. Tais estudos tiveram por objeto tanto a populao negra, como os grupos indgenas, bem como imigrantes europeus e asiticos e seus descendentes e ainda a populao de reas de povoamento antigo e economicamente estagnadas. No que tange aos negros, procurou-se estudar sobretudo os vestgios das culturas africanas que continuavam a sobreviver no Brasil, apesar de seu conflito com as crenas e valores das camadas dominantes e da perda de contato com as fontes de origem. De todos os aspectos culturais, foram objeto de maior preocupao as crenas e ritos religiosos, principalmente os oriundos do golfo da Guin. Destacaram-se nestes estudos inicialmente um brasileiro Arthur Ramos , um norte-americano Melville Herskovits , e um francs Roger Bastide. O primeiro faleceu antes dos 50 anos de idade e no parece ter deixado nenhum discpulo direto, mas, por outro lado, seus livros tiveram grande influncia durante largo tempo. O segundo no s realizou pesquisas no Brasil, como teve alunos brasileiros como Ren Ribeiro, Otvio da Costa Eduardo e Ruy Coelho, este ltimo um dos poucos etnlogos brasileiros a fazer pesquisa fora do pas, escrevendo Os Karab Negros de Honduras (Revista do Museu Paulista, N. S., vol. 15, So Paulo, 1964, pp. 7-212). Por ocasio da morte de Herskovits, um breve comentrio sobre sua vida e obra foi publicado por Ruy Coelho (1963b). O terceiro foi professor na USP, onde deixou grande influncia. Autor de uma vasta obra, destaca-se Roger Bastide, no que tange s religies afro-brasileiras, com seu livro O candombl da Bahia, que constitui o volume 313 da Coleo Brasiliana (3 ed., So Paulo, Nacional, 1978), publicado originalmente em francs em 1958. Porm, nesse trabalho Roger Bastide procura mais a coerncia interna do conjunto de crenas e ritos que constituem o candombl do que as origens africanas, ainda que delas se ocupe. Talvez mais voltado mudana cultural seja seu outro livro, As religies africanas no Brasil (2 vols., So 13

Paulo, Pioneira e EDUSP, 1971), de mbito mais vasto e publicado originalmente em francs em 1960. Sobre a vida e obra de Roger Bastide h muitos comentrios, como os de Paul Arbousse Bastide (1978), Henry Desroche (1978), Douglas Teixeira Monteiro (1978a e 1978b), Oracy Nogueira (1978), Maria Isaura Pereira de Queiroz (1974, 1978a e 1978c), quase todos includos na Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, cujo n 20 inteiramente dedicado a ele. Alm deles, ainda se contam muitos outros autores, dentre os quais se destacam os brasileiros dison Carneiro e Nunes Pereira e a norteamericana Ruth Landes. Sobre esses estudos til a consulta ao comentrio de Joo Baptista Borges Pereira, sobretudo o item O negro como expresso de cultura (Borges Pereira, 1971, pp. 19-22). No que tange aos estudos de contato intertnico entre ndios e brancos, talvez tenha sido Herbert Baldus um dos primeiros a ensai-los e acentuar sua necessidade. A dcada dos 40 marcada pelos estudos de James Watson (e tambm de sua esposa, Virginia Watson) sobre os Kayov, um subgrupo Guaran de Mato Grosso (do Sul); de Charles Wagley, da Universidade de Colmbia, e Eduardo Galvo, ento do Museu Nacional (e que tambm acompanhou Watson aos Kayov), sobre os Tenetehra, do Maranho; de Fernando Altenfelder Silva, da Escola de Sociologia e Poltica de So Paulo (e que acompanhou Kalervo Oberg em uma de suas viagens entre tribos de Mato Grosso), sobre os Terna, do atual Mato Grosso do Sul. Na dcada seguinte, destacamse os trabalhos de Robert Murphy sobre os Munduruk do rio Tapajs, os de Eduardo Galvo sobre os ndios do alto rio Negro e o trabalho inicial de Roberto Cardoso de Oliveira sobre os Terna. No final dos anos 50, alguns pesquisadores brasileiros, como Eduardo Galvo, Darcy Ribeiro e Roberto Cardoso de Oliveira, comeam a repensar a orientao que vinha sendo tomada nos estudos de aculturao, sem, porm, abandonar o uso desse termo. o tempo em que Darcy Ribeiro (1957a) chama a ateno para a importncia das frentes de expanso, do carter econmico das mesmas e desloca o interesse das culturas indgenas para o destino das sociedades que as mantm e de seus membros. Nos anos 60, Egon Schaden faz um balano geral sobre os estudos de aculturao realizados at ento, inclusive os seus trabalhos sobre os Guaran, num livro cujo primeiro captulo constitui uma excelente avaliao dos estudos de contato entre ndios e brancos deste perodo (Schaden, 1965). Escreveu tambm um comentrio que cobre os anos 50 e os primeiros anos 60 (Schaden, 1963). Eduardo Galvo examina os estudos de aculturao realizados em anos imediatamente anteriores e, inspirado em Julian Steward, estabelece algumas metas para estudos futuros (Galvo, 1957). Parece que, dentre os cientistas sociais, Emlio Willems foi pioneiro tanto no que se refere ao estudo da aculturao de alemes e seus descendentes no sul do Brasil como no dos japoneses. Egon Schaden, no seu comentrio sobre os estudos de aculturao de alemes no Brasil (Schaden, 1971), em vez de se demorar nos estudos realizados, prefere colocar problemas que esperam por soluo em pesquisas futuras. Hiroshi Saito, por sua vez, redigiu um comentrio sobre os estudos desenvolvidos a respeito dos japoneses no Brasil (Saito, 1971 e 1973) e remete o leitor para a bibliografia que ele e outros pesquisadores levantaram a respeito (Smith, Cornell, Saito & Maeyama, 1967). Admite que, embora haja vrios trabalhos anteriores a 1940, s a partir dessa data que comeam a surgir pesquisas de carter cientfico, citando Herbert Baldus, Emlio Willems, Tavares de Almeida, Vicente Unzer de Almeida e ele prprio como pesquisadores que se ocuparam do tema. Porm, a partir de 1952, chegam sucessivamente trs misses cientficas da Universidade de Tquio para estudar os japoneses e seus descendentes no Brasil em colaborao com pesquisadores brasileiros. O primeiro a chegar, em 1952, foi Seiichi Izumi, que volta outra vez ao Brasil em 1955

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frente de uma equipe; em 1957 chega uma equipe dirigida por Fumio Tada. Ao mesmo tempo em que esses pesquisadores japoneses atuavam, desenvolviam-se os trabalhos de Hiroshi Saito, em colaborao com eles, e, ainda, os de Egon Schaden e de Ruth Correia Leite Cardoso. Na dcada seguinte, se realiza um trabalho sobre aculturao pelos autores da citada bibliografia e ainda o estudo da colnia de Tomau por Philip Staniford e de Francisca Isabel Vieira Keller sobre a regio de Marlia. Sobre os imigrantes italianos existem trabalhos de Altiva Pilatti Balhana, Thales de Azevedo, Eunice Ribeiro Durham e, mais recentemente, Joo Baptista Borges Pereira; sobre poloneses, os de Hiroshi Saito e de Octavio Ianni; sobre os holandeses, o de Hermelinda Maria Pretto; sobre srios e libaneses, o de Clarck Knowlton. No livro de Joo Baptista Borges Pereira, Italianos no mundo rural paulista (So Paulo, Pioneira e USP-IEB, 1974, pp. 3-4, notas 5 e 6) h breve indicao sobre os trabalhos mais representativos realizados sobre imigrantes. Octavio Ianni (1966, pp. 35-8) oferece uma bibliografia sobre o tema. Convm notar que alguns trabalhos sobre a aculturao de imigrantes alemes, japoneses, italianos, tomaram a forma de estudo de comunidade (ver item 2.2.4). Os trabalhos de Manuel Digues Junior nos do uma idia geral dos problemas da aculturao e assimilao no Brasil, seja no que se refere a negros, ndios, portugueses ou imigrantes europeus e asiticos recentes em Etnias e culturas do Brasil, publicado originalmente em 1952 (3 edio, Rio de Janeiro, Letras e Artes, 1963), e Regies culturais do Brasil (Rio de Janeiro, MEC-INEP-CBPE, 1960), seja dedicados especialmente imigrao recente, como Estudos de relaes de cultura no Brasil (Rio de Janeiro, MEC-Servio de Documentao, 1955 Os Cadernos de Cultura, 82) e Imigrao, urbanizao e industrializao (Rio de Janeiro, MEC-INEP-CBPE, 1964). Uma apreciao da obra de Manuel Digues Junior foi realizada recentemente na PUC do Rio de Janeiro, numa Semana de Homenagem que lhe foi dedicada, em outubro de 1983.2.2.3. Predominncia do funcionalismo no estudo das culturas e sociedades indgenas

Dentre os trabalhos deste perodo destacam-se os de Florestan Fernandes sobre A organizao social dos Tupinamb (2 ed., So Paulo, Difuso Europia do Livro, 1963) e A funo social da guerra na sociedade tupinamb (2 ed., So Paulo, Pioneira e EDUSP, 1970), baseados nos cronistas dos sculos XVI e XVII, e escritos e publicados pela primeira vez entre os anos de 1946 e 1952. Tais trabalhos so marcados por uma cuidadosa reflexo sobre a abordagem funcionalista e pela justificao dos mtodos utilizados, em que Fernandes se empenha inclusive em outros textos paralelos. Precursora de monografias sobre totalidades socioculturais que surgiro mais tarde (ver item 2.3.2), a pesquisa sobre os Tupinamb foi objeto de uma apreciao de Mariza Peirano (1983). Por outro lado, apesar de Egon Schaden evitar rotular a orientao que imprimiu a seu livro A mitologia herica de tribos indgenas do Brasil (Rio de Janeiro, MEC, 1959), divulgado pela primeira vez em 1945 e onde relaciona de modo direto as mitologias dos Kadiwu, Borro, Kaingng, Guaran-Apapokuva, Munduruk e ndios do alto rio Negro s suas respectivas organizaes sociais, sem dvida este seu trabalho se desenvolve nas linhas gerais do funcionalismo. O mesmo se pode dizer do trabalho de Darcy Ribeiro sobre a religio e a mitologia dos Kadiwu, recentemente republicado com outro texto seu da mesma poca sobre a arte deste grupo indgena de Mato Grosso do Sul, no volume Kadiwu (Petrpolis, Vozes, 1980). Diferentemente dos autores anteriores, Ribeiro no se demora em reflexes sobre sua abordagem, mas a indica explicitamente como funcionalista na Introduo de sua edio original, em 1950. 15

Ao lado da abordagem funcionalista, h trabalhos que parecem se aproximar dos estudos de cultura e personalidade ou pelo menos concedem uma certa importncia ao nvel emocional. Um deles o do norte-americano Jules Henry, que estudou os Xoklng, de Santa Catarina. Seja por estarem esses ndios, ento, em mudana cultural acelerada, por causa das presses do contato intertnico, seja devido orientao terica do pesquisador, o que o levava a dar muita importncia s diferenas individuais, Henry deixou um retrato dos Xoklng que mais parece o de uma sociedade amorfa. Isso no deixa de ser curioso, quando, na mesma poca, Nimuendaj nos oferece descries de outras sociedades, falantes de lnguas da famlia J, tal como os Xoklng, mostrandonos uma organizao social e uma vida ritual altamente formalizadas, possivelmente por serem sociedades que tinham superado a fase crtica inicial do contato, ou porque Nimuendaj parecia dar mais importncia ao comportamento ideal. Outro norteamericano, Buell Quain, embora possivelmente trabalhasse com esta orientao psicolgica, no deixou pesquisas acabadas, nem a que fez com os Trumi, no Xingu, nem a realizada junto ao Krah, do norte de Gois, onde se suicidou. Robert Murphy organizou e publicou os dados etnogrficos de Quain sobre os Trumi, e Olive Shell fez o mesmo com suas informaes sobre a lngua Krah. Talvez como uma figura que marque a transio entre orientaes tericas do perodo anterior e o funcionalismo se possa tomar Herbert Baldus, nascido na Alemanha, mas radicado no Brasil a partir dos meados da dcada de 30, quando passou a fazer parte, tal como outros professores estrangeiros, do corpo docente da ento recm-criada Escola de Sociologia e Poltica de So Paulo. Baldus, alm das atividades de magistrio, fez pesquisas em vrios grupos indgenas, como os Guaran, os Kaingng, os Terna, os Karaj, os Borro. Antes de trabalhar como professor em So Paulo, Baldus j desenvolvia pesquisas na Amrica do Sul, sobretudo na regio do Chaco. Seu trabalho etnolgico de maior flego foi o referente aos ndios Tapirap, do leste de Mato Grosso, cujos resultados publicou parceladamente, s vindo a divulg-los na monografia Tapirap (So Paulo, Nacional e EDUSP, 1970) no ano de sua morte. Deixou tambm a utilssima Bibliografia Crtica da Etnologia Brasileira (Baldus, 1954/68). A Revista do Museu Paulista (1968/9) divulgou um comentrio sobre sua vida, obra e bibliografia. digno de nota que, apesar da hegemonia da abordagem funcionalista neste perodo, demorou-se a se estabelecer nas pesquisas com povos indgenas do Brasil o longo e intensivo trabalho de campo, prtica cujo florescimento est intimamente ligado com ela. Perduram aqui as expedies por extensas regies, com visitas curtas a vrios grupos indgenas, como faziam os primeiros pesquisadores alemes, ainda que agora voltadas para outros interesses. o caso das expedies de Kalervo Oberg, que trabalhou algum tempo na Escola de Sociologia e Poltica de So Paulo e que coletou dados sobre ndios de Mato Grosso, como Terna, Kadiwu, Umotna, Irntxe, Nambiquaras, Bakair, Kamayur. Mesmo Lvi-Strauss, apesar da grande contribuio terica que viria a dar Antropologia posteriormente, realizou uma expedio desse tipo, que lhe permitiu escrever mais de um trabalho sobre os Nambiquaras. Herbert Baldus e Eduardo Galvo, por outro lado, ao invs das longas e extensas expedies, parecem ter preferido visitas curtas, mas a vrios grupos indgenas. O trabalho de Egon Schaden tambm se baseia em visitas curtas, mas sempre em comunidades Guaran. De um modo geral foram pesquisadores no radicados no Brasil, e talvez por essa razo, que fizeram trabalhos de campo longos e num s grupo, como Jules Henry, Robert Murphy, j citados, ou o norte-americano William Crocker entre os Canelas do Maranho e, marcando a transio para o perodo seguinte, o ingls David Maybury-

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Lewis entre os Xavante. Cabe notar, ainda, que nesse perodo continuavam as pesquisas do notvel Curt Nimuendaj que, alm de suas curtas e muito freqentes visitas a muitos grupos indgenas, permaneceu perodos mais longos em alguns deles.2.2.4. Os estudos de comunidade

As dcadas dos 40 e 50 foram marcadas pela realizao dos chamados estudos de comunidade, isto , fundamentados na observao direta de pequenas cidades ou vilas com as tcnicas desenvolvidas pela Etnologia no estudo das sociedades tribais. No Brasil se fez um nmero significativo dos mesmos. Em 1953, por exemplo, havia dezoito deles, entre publicados, realizados ou em andamento (Nogueira, 1955, pp. 96 e 103, nota 2). Em 1960 havia quinze desses trabalhos publicados (Mousinho Guidi, 1962, p. 52). Dentre os estudos de comunidade que chegaram a ser publicados se contam o de Emlio Willems sobre Cunha (Uma vila brasileira, 2 ed., So Paulo, Difuso Europia do Livro, 1961), antiga cidadezinha perto do Vale do Paraba, em So Paulo; sendo o primeiro desses estudos a serem realizados no Brasil em meados da dcada de 40, foi sucedido por um outro, de Robert Shirley (O fim de uma tradio, So Paulo, 1977), na mesma localidade; o de Lucila Hermann, sobre a Evoluo da estrutura social de Guaratinguet num perodo de trezentos anos (Revista de Administrao, vol. 2, n 5 e 6, So Paulo, USP, 1948), tambm no Vale do Paraba, no mesmo estado; o de Emlio Willems e Gioconda Mussolini sobre uma comunidade caiara da ilha de Bzios, no litoral paulista; o de Aziz Simo e Frank Goldman sobre o desenvolvimento econmico e social de Itanham (So Paulo, USP-FFCL, Boletim 226, 1958), tambm no litoral paulista; o de Oracy Nogueira, com o tema Famlia e comunidade, estudo sociolgico de Itapetininga (Rio de Janeiro, CBPE, 1962), uma cidade do interior de So Paulo; o de Antonio Candido (Os parceiros do Rio Bonito, 2 ed., So Paulo, Duas Cidades, 1971), um tanto difcil de se considerar como um estudo de comunidade, por se referir a vrias localidades do interior de So Paulo, mas sobretudo Bofete; o de Donald Pierson, tambm sobre uma vila no interior de So Paulo, e um dos primeiros a ser realizados, com finalidade de treinamento de estudantes (Cruz das Almas, Rio de Janeiro, Jos Olympio, 1966); o de Stanley Stein sobre Vassouras, no perodo de 1850 a 1900 (Grandeza e decadncia do caf no Vale do Paraba, So Paulo, Brasiliense, 1961); o de Marvin Harris sobre uma comunidade na antiga regio de minerao da Bahia; o de William Hutchinson sobre uma vila do Recncavo Baiano; o de Fernando Altenfelder Silva, que fez uma Anlise comparativa de alguns aspectos da estrutura social de duas comunidades do Vale do So Francisco (Curitiba, I. P., 1955); o de Alfonso Trujillo Ferrari sobre Potengi: encruzilhada do Vale do So Francisco (So Paulo, Ed. Sociologia e Poltica, 1960); o de Luiz Fernando Raposo Fontenelle sobre Aimors: anlise antropolgica de um programa de sade (Rio de Janeiro, DASP, 1959) na fronteira Minas Gerais-Esprito Santo; o de Kalervo Oberg sobre Chonin de Cima (Rio de Janeiro, USOM, 1956), uma comunidade rural de Minas Gerais e Toledo (Rio de Janeiro, USOM, 1957), na fronteira ocidental do Paran; o de Altiva Pilatti Balhana sobre Santa Felicidade (Curitiba, Tip. Joo Haupt, 1958), uma comunidade italiana perto da capital paranaense; o de rsula Albersheim sobre Uma comunidade teuto-brasileira (Rio de Janeiro, MEC-CBPE-INEP, 1962) de Santa Catarina; o de Charles Wagley sobre Uma comunidade amaznica (Coleo Brasiliana, vol. 290, 2 ed., So Paulo, Nacional, 1977); o de Eduardo Galvo sobre a mesma comunidade, que fica no Par (Santos e visagens: um estudo da vida religiosa de It, baixo Amazonas, Coleo Brasiliana, vol. 284, 2 ed., So Paulo, Nacional, Braslia: INL, 1976); o de Barruel de Lagenest sobre Marab: cidade do diamante e da castanha (So Paulo, Anhembi, 1958), no rio Tocantins, Par. Alguns estudos de comunidade no

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chegaram a se completar. Outros, apesar de terminados e redigidos, no vieram at agora a ser publicados; o caso de O papel da mulher numa comunidade rural do Brasil, de Maria Las Mousinho Guidi, a respeito de uma vila no Estado do Rio de Janeiro. Ao que parece, com os estudos de comunidade pretendia-se chegar a uma viso geral da sociedade brasileira, atravs da soma de muitos exemplos distribudos pelas diversas regies do Brasil. Alm desse objetivo geral, tais estudos estavam quase sempre voltados para objetivos especficos, como mudana cultural, persistncia da vida tradicional, problemas de imigrantes, educao e vrios outros. Alguns desses estudos fizeram parte de projetos que objetivavam a realizao de vrios deles. Por exemplo, Thales de Azevedo, Luiz de Aguiar Costa Pinto e Charles Wagley elaboraram um projeto em que o Estado da Bahia foi dividido em seis zonas ecolgicas, selecionandose para estudo em cada uma duas comunidades, uma de cultura tradicional e outra progressista. As pesquisas foram patrocinadas pela Secretaria de Educao e Sade do Estado da Bahia e pela Universidade de Colmbia, mas parece que apenas os resultados de duas delas foram publicados, isto , os citados trabalhos de Marvin Harris e de William Hutchinson. Donald Pierson projetou o estudo de cinco pares de comunidades do Vale do So Francisco, patrocinado pela Comisso do Vale do So Francisco, pela Escola de Sociologia e Poltica de So Paulo e pela Smithsonian Institution; porm, apenas os trabalhos citados de Fernando Altenfelder Silva e Alfonso Trujillo Ferrari foram publicados, sem contar aquele que, de carter comparativo, fundamentado em suas prprias observaes e nas de cerca de duas dzias de pesquisadores que trabalharam em seu projeto, Donald Pierson publicou em trs alentados volumes: O homem no Vale do So Francisco (Rio de Janeiro, SUVALE, 1972). Darcy Ribeiro elaborou um projeto referente Educao atravs do estudo de cidades-laboratrio, partilhando sua direo com Oracy Nogueira. Chegaram a ser previstos estudos em quatorze comunidades, mas talvez apenas uns dois vieram a ser publicados, sendo um deles de rsula Albersheim. As pesquisas eram patrocinadas pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, Campanha de Erradicao da Malria, UNESCO, Summer Institute of Linguistics, Centro Regional de Pesquisas Educacionais do Recife, Universidade de So Paulo e Conselho Nacional de Geografia. Os estudos de comunidade foram comentados por vrios autores (Wagley, 1954 e 1955; Nogueira, 1955; Gomes, 1956; Ianni, 1958 e 1961; Mousinho Guidi, 1962; Franco Moreira, 1963 e 1972; Fontenele, 1971; Woortmann, 1972; Buarque de Holanda, 1979, pp. 125-40). Desses comentrios se destaca o de Maria Las Mousinho Guidi (1962) por realizar um levantamento pormenorizado das informaes, catalogadas por assunto, fornecidas pelos estudos de comunidade publicados at ento. Comentrios como o de Oracy Nogueira (1955) e o de Maria Sylvia Franco Moreira (1963) propem aprimoramentos nessa maneira de abordar a sociedade brasileira, de modo a alcanar determinados objetivos. Mas apreciaes como as de Octavio Ianni (1961) e Klaas Woortmann (1972) levantam objees bastante severas viabilidade desse mtodo. Entre as crticas que se fizeram aos estudos de comunidade est a de que desdenham a documentao histrica, deficincia para a qual chamou a ateno Srgio Buarque de Holanda (1979, pp. 125-40), referindo-se ao estudo de Cunha, de Emlio Willems, de que no enfrentam a realidade social como processo, a no ser nuns poucos exemplos. Outra crtica a do desprezo pelas relaes da comunidade estudada com a sociedade mais ampla, tratando-a artificialmente como uma totalidade isolada, fazendo o pesquisador perder de vista certas conexes fundamentais.

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2.2.5. A abordagem funcionalista do folclore

O termo folclore tem designado tanto o tema como a disciplina que o estuda. Entende-se por folclore um corpo orgnico de modos de sentir, pensar e agir peculiares s camadas populares das sociedades civilizadas, diz dison Carneiro na Dinmica do folclore (Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira, 1965, p. 1). Neste caso, o folclore faz parte da cultura e, como tal, pode ser objeto de estudo da Etnologia. Florestan Fernandes, cuja concepo do que seja folclore, como tema de estudo, difere da definio acima, no concebe a atividade de seus estudiosos como uma cincia social tal como a Etnologia ou Sociologia, mas admite ser o Folclore uma disciplina humanstica (Fernandes, 1958b, p. 270). Desde o sculo passado o folclore vem sendo estudado no Brasil por pesquisadores os mais diversos, tanto de formao acadmica, a mais variada, como por pessoas que no dispem da mesma, tanto por nomes de reconhecimento nacional como por estudiosos de mbito local. Boa parte dos trabalhos sobre folclore so de carter descritivo; quando chegam interpretao, ela tende a tomar um cunho difusionista, no esforo de localizar regies e continentes de origem dos costumes, ritos, mitos, tcnicas estudados. A especial concepo que Florestan Fernandes mantm da disciplina Folclore permite-lhe dizer que os pesquisadores do passado que se dedicaram a temas folclricos seriam mais precursores dos etnlogos do que propriamente folcloristas (Fernandes, 1958b, p. 267). Seja como for, neste perodo alguns cientistas sociais, mais freqentemente socilogos do que etnlogos, abordaram temas at ento explorados pelos folcloristas, dando-lhes uma interpretao funcionalista com que procuram dar conta da persistncia e mudana social. o caso de Florestan Fernandes, que faz um trabalho intermitente e publicado em artigos esparsos sobre a cidade de So Paulo, que posteriormente rene no volume Folclore e mudana social na cidade de So Paulo (2 ed., Petrpolis, Vozes, 1979). Maria Isaura Pereira de Queiroz tambm se interessa pelo tema, escrevendo Sociologia e folclore: a dana de So Gonalo num povoado bahiano (2 ed., Salvador, Progresso e Fundao para o Desenvolvimento da Cincia da Bahia, 1958). Nessa linha tambm trabalha Octavio Ianni no artigo O samba de terreiro em Itu (Ianni, 1966, cap. 9). Seria possvel acrescentar a tais trabalhos tambm o de Osvaldo Elias Xidieh sobre as Narrativas pias populares (So Paulo, USP-IEB, 1968). Apesar de esses trabalhos terem sido desenvolvidos por socilogos, so de importncia para os etnlogos, porque neles as atividades folclricas foram abordadas segundo tcnicas de contato face a face com os informantes e com uma interpretao que era compartilhada tanto por uns como pelos outros. Alis, um trabalho sobre danas populares no Estado de So Paulo foi apresentado como tese de doutoramento, na Cadeira de Antropologia da USP, em 1945, por Lavnia Costa Raymond. O etnlogo Edison Carneiro, por sua vez, ao tratar de folclore no seu livro j citado, tentou faz-lo atravs de uma pouco elaborada interpretao marxista. Alm dos trabalhos de Florestan Fernandes (1945, 1946, 1948, 1958b, 1959, 1960a, 1960b e 1961) a respeito do Folclore, convm consultar a bibliografia que Cristina Argenton Colonelli elaborou, arrolando 4.919 trabalhos (Colonelli, 1979).2.2.6. Relaes sociais entre negros e brancos

Ao mesmo tempo em que alguns pesquisadores deste perodo se dedicam ao estudo da herana cultural africana (ver item 2.2.2), outros procuraram averiguar como se davam de fato as relaes entre negros e brancos na vida cotidiana. Donald Pierson,

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com o seu Brancos e pretos na Bahia, traduzido como volume n 241 da Coleo Brasiliana (2 ed., So Paulo, Nacional, 1971), foi o pioneiro nesse tipo de estudo, que realizou no incio dos anos 40. Tal gnero de pesquisa teve forte estmulo ao ser promovido pela UNESCO, aps o final da Segunda Guerra Mundial, partindo-se da suposio da existncia de uma exemplar democracia racial no Brasil. Apoiadas por esse rgo foram realizadas as pesquisas de Thales de Azevedo, que resultaram no trabalho As elites de cor, que veio a ser o volume n 282 da Coleo Brasiliana (So Paulo, Nacional, 1955); de Luiz de Aguiar Costa Pinto, que publicou O negro no Rio de Janeiro como volume n 276 da Coleo Brasiliana (So Paulo, Nacional, 1953); a pesquisa de Charles Wagley, Marvin Harris, Harry Hutchinson e Ben Zimmerman sobre raa e classe no Brasil rural; e ainda a pesquisa de Roger Bastide e Florestan Fernandes, que redundou no livro Brancos e negros em So Paulo, tambm como volume da Brasiliana n 305 (2 ed., So Paulo, Nacional, 1959). Tais pesquisas vieram constatar a existncia do preconceito racial no Brasil, as barreiras impostas ascenso social dos negros e as brechas atravs das quais eles procuravam escal-las. Numa segunda fase desses estudos, os pesquisadores se voltam para o prprio sistema escravocrata, procurando nele e na ideologia racial que a ele sobreviveu parte da explicao para os problemas das relaes raciais na atualidade. Fernando Henrique Cardoso escreve Capitalismo e escravido no Brasil meridional (2 ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977), sobre o escravismo no Rio Grande do Sul, procurando simultaneamente mostrar a legitimidade do uso de uma abordagem marxista num trabalho acadmico. Octavio Ianni usa a mesma abordagem em As metamorfoses do escravo (So Paulo, Difuso Europia do Livro, 1962), sobre a escravido no Paran. Ambos os citados autores ainda escrevem um trabalho residual sobre a escravido e relaes raciais atuais em Santa Catarina. Outros autores, na mesma poca, analisam tambm o sistema escravocrata: Emlia Viotti da Costa, em Da senzala colnia (So Paulo, Difuso Europia do Livro, 1966), aborda a regio cafeeira; Vicente Salles estuda O negro no Par (Rio de Janeiro, FGV; Belm, UFPa, 1971). Retomando a pesquisa que realizara com Roger Bastide, Florestan Fernandes escreve A integrao do negro na sociedade de classes (3 ed., So Paulo, tica, 1978), onde examina a situao do negro na cidade de So Paulo a partir da abolio da escravatura. Contrastando com os estudos iniciados nos anos 40, voltados apenas para o presente, Fernandes d a seu trabalho um tratamento histrico, distinguindo o desenvolvimento da situao racial em pelo menos duas fases que se relacionam: a primeira, marcada pela competio que os negros sofrem dos imigrantes europeus agravada pela ideologia das grandes famlias proprietrias de terras; a segunda, com o incremento da industrializao e ascenso de uma nova elite. Ainda que de grande importncia para a Etnologia, as relaes sociais entre negros e brancos foram exploradas sobretudo por socilogos. Dentre os poucos antroplogos que a elas se dedicaram destaca-se Joo Baptista Borges Pereira que no seu livro Cor, profisso e mobilidade (So Paulo, Pioneira e EDUSP, 1967) examina o meio radiofnico de So Paulo como um recurso de ascenso social do negro. Solange Martins Couceiro, sob a orientao de Borges Pereira, realizou o mesmo tipo de pesquisa, mas com relao televiso. Sobre esses estudos deve-se ler a avaliao de Joo Baptista Borges Pereira (1971), especialmente o item O negro como expresso social. Roque Laraia (1979a) tambm faz uma avaliao geral dos estudos sobre o negro no Brasil. Octavio Ianni (1966, pp. 31-5) apresenta uma bibliografia dos textos mais importantes, tal como

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Laraia. Mas Solange Martins Couceiro (1971) elaborou uma bibliografia que abrange 881 textos. As avaliaes e bibliografias aqui citadas no se limitam ao gnero de estudos focalizados neste item, mas s pesquisas sobre negros desde o final do sculo passado. H um comentrio que trata especificamente das pesquisas promovidas pela UNESCO (Beiguelman, 1953). 2.3. A partir dos anos 60 Nos anos 60, a Etnologia comea a passar, no Brasil, sob vrios aspectos, por significativas modificaes. J nos meados da dcada de 50 o Rio de Janeiro passava a emular com So Paulo como um novo centro de atividade etnolgica, para o que concorreram os cursos criados e ministrados, em parte, por pesquisadores formados na segunda dessas cidades. De fato, em 1955 se instalava o Curso de Aperfeioamento em Antropologia Cultural (Castro Faria, 1957) no Museu do ndio, rgo do ento Servio de Proteo aos ndios, onde foi ministrado pelo menos por dois anos. Criado por Darcy Ribeiro, que tivera sua formao na Escola de Sociologia e Poltica de So Paulo, contou com a colaborao docente, entre outros, de Roberto Cardoso de Oliveira, formado na Universidade de So Paulo. Em 1957, tambm por iniciativa de Darcy Ribeiro, criou-se o Curso de Formao de Pesquisadores Sociais no Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE), que pretendia ser uma continuao e ampliao do anterior, conforme notcia veiculada no peridico deste rgo (Educao e Cincias Sociais, 1957). Numa notcia posterior chamado de Curso de Aperfeioamento de Pesquisadores Sociais (Educao e Cincias Sociais, 1958). Neste curso, Ribeiro contou com a colaborao de Oracy Nogueira, tambm formado pela Escola de Sociologia e Poltica de So Paulo, e continuou a ter o apoio de Roberto Cardoso de Oliveira, aos quais se somou Amadeu Lanna, formado pela Universidade de So Paulo. Os cursos do CBPE eram patrocinados pela CAPES. Em 1960, por iniciativa de Roberto Cardoso de Oliveira, instalou-se no Museu Nacional o Curso de Teoria e Pesquisa em Antropologia Social; nos dois anos seguintes, com a denominao de Curso de Especializao em Antropologia Cultural, teve a colaborao de Luiz de Castro Faria. Os cursos do Museu Nacional tinham o apoio financeiro do Instituto de Cincias Sociais da UFRJ (ento chamada Universidade do Brasil). O primeiro teve a durao de nove meses e os dois seguintes, de um ano cada. De carter intensivo, em dedicao exclusiva, com aulas e seminrios e ainda um perodo de treinamento em pesquisa de campo, aceitando apenas alunos com graduao completa mediante um exame de seleo, os cursos do Museu Nacional eram na poca considerados como que de ps-graduao, embora no se regessem pela regulamentao que se consolidou posteriormente. Para uma idia dos cursos ministrados no Museu Nacional deve-se ler a notcia que deles faz Cardoso de Oliveira (1962). Enfim, essas trs sries sucessivas de cursos (do Museu do ndio, do CBPE e do Museu Nacional) formaram vrios dos antroplogos brasileiros atuais e foram precursoras do Programa de Ps-Graduao em Antropologia Social que se instalou no Museu Nacional em 1968, ainda por iniciativa de Roberto Cardoso de Oliveira. Com a criao de mais outros cursos de ps-graduao, que vieram se acrescentar a este e ao que, havia muito, se mantinha na Universidade de So Paulo, como o da Universidade de Braslia (Cardoso de Oliveira, s.d.), o da UNICAMP e outros mais recentes, o nmero de etnlogos comeou a crescer rapidamente, fazendo com que esses profissionais deixassem de constituir um velho grupo de amigos em que todos se conheciam. Alm disso, um nmero maior de jovens, vrios deles aps cursarem o mestrado no Brasil, procuram completar sua formao nos Estados Unidos, Inglaterra ou Frana. Esse crescimento encorajou a ABA a permitir a criao de sees regionais, cujos regimentos, de pelo 21

menos duas delas a de So Paulo e a de Braslia , esto publicados na Revista de Antropologia (1981c). Certos temas perdem o interesse, como os estudos de comunidade, substitudos por pesquisas de carter mais regional, nas quais se examinam determinados problemas como o do campesinato, o dos assalariados rurais, dos trabalhadores urbanos, das frentes de expanso e pioneiras. A Antropologia Urbana se desenvolve, tratando primeiramente da migrao rural-urbana e da vida nas favelas, para em seguida avanar no sentido das camadas mdias, o comportamento desviante e as instituies totais. Comea a se formar interesse em torno da Antropologia Mdica ou da Sade. As orientaes tericas se modificam. Os estudos de contato intertnico, antes voltados para as modificaes culturais, atentam agora mais para o conflito entre interesses, regras e valores das sociedades em confronto. Preocupaes de carter estruturalista e etno-cientfico substituem as interpretaes funcionalistas. O prprio marxismo se torna um importante instrumental de interpretao, porm matizado por uma tendncia que pouco a pouco vem caracterizando cada vez mais os trabalhos deste perodo: levar em conta os diversos pontos de vista a partir dos quais se pode ver e interpretar a realidade. Relacionado com ela est o cuidado que se vem dando ao exame do papel do prprio pesquisador frente sociedade estudada. O crescimento do nmero de etnlogos com boa formao se reflete nos cursos de graduao, onde passam a lecionar, e, conseqentemente, no movimento editorial. Na dcada de 60 as editoras brasileiras comeam a traduzir manuais estrangeiros de Antropologia, alguns j ento bastante antiquados, que vm se somar a O homem, de Ralph Linton (So Paulo, Martins, 1943), at ento o nico que circulava em portugus. Na dcada de 70, as editoras comeam a traduzir outros tipos de livros, como algumas monografias clssicas e textos tericos sobre tpicos especficos; nesta mesma dcada, cresce muito o nmero de ttulos de autores brasileiros, quase sempre edies de dissertaes de mestrado ou teses de doutoramento. Sobre os novos rumos tomados pela Etnologia neste perodo, o jornal Movimento (1977) dedicou matria em dois de seus nmeros. Otvio Guilherme Velho (1980) tambm faz um depoimento a respeito. Eunice Ribeiro Durham (1982) examina o presente perodo e a metade final do anterior, relacionando o desenvolvimento e as dificuldades dos estudos etnolgicos com os problemas polticos e sociais por que tem passado a sociedade brasileira. O primeiro trabalho de grande flego sobre a Etnologia no Brasil, o de Mariza Gomes e Souza Peirano (1980), pe em foco sobretudo a obra e as idias de alguns pesquisadores (Florestan Fernandes, Antonio Candido, Darcy Ribeiro, Roberto Cardoso de Oliveira, Roberto da Matta e Otvio Velho), cuja atividade comea no incio ou no final do perodo anterior, continuando a influir ou a se desenvolver no atual.2.3.1. Frico intertnica e etnicidade

A partir do projeto Estudo de reas de frico intertnica no Brasil, de Roberto Cardoso de Oliveira (1964, Apndice), iniciou-se uma nova maneira de abordar, no Brasil, as relaes entre as sociedades indgenas e os civilizados. Esse projeto nasce de um crescente descontentamento com a noo de aculturao, sobretudo por no levar em conta as posies de dominao e de subordinao que tomam os membros das sociedades em contato, nem o conflito entre as tcnicas, regras, valores das mesmas sociedades. Alm do mais, o emprego da noo de aculturao em alguns trabalhos implicava em conceder ao conceito de cultura atributos que contribuam mais para obscurecer do que esclarecer as situaes estudadas, seja considerando-o como 22

independente das mentes dos membros das sociedades consideradas, agindo segundo leis prprias, seja confundindo-o com o conceito de sociedade. Fundados na noo de frico intertnica se realizaram, entre outros, o trabalho do prprio Cardoso de Oliveira (1964) sobre os Tukna da fronteira Brasil-Colmbia-Peru, o volume que reuniu o trabalho de Roque Laraia sobre os Suru e os Akuwa e o de Roberto da Matta sobre os Gavies, todos grupos do Par (ndios e castanheiros, 2 ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978), o de Julio Cezar Melatti sobre os Krah do norte de Gois (ndios e criadores, Rio de Janeiro, UFRJ, 1967, e O messianismo Krah, So Paulo, Herder e EDUSP, 1972), o de Slvio Coelho dos Santos sobre os ndios de Santa Catarina (A integrao do ndio na sociedade regional, Florianpolis, UFSC, 1970; ndios e brancos no Sul do Brasil, Florianpolis, Edeme, 1973), o de Ceclia Vieira Helm sobre os Kaingng do Paran, o de Edson Soares Diniz sobre Os ndios Makuxi do Roraima (Marlia, FFCL de Marlia, 1972). A experincia de campo gerada por esses trabalhos levou a tomar certos grupos tribais como camponeses, e foi como tal que Paulo Marcos Amorim estudou os Potigura da Paraba em ndios camponeses (Revista do Museu Paulista, n.s., vol. 19, 1970-1, pp. 7-96). Alm disso, uma considerao mais atenta da prpria populao civilizada que envolve as sociedades indgenas estudadas, indispensvel para os estudos de frico intertnica, contribuiu para conduzir o interesse para o campesinato noindgena e as frentes de expanso e pioneiras. Os estudos de frico tambm se voltaram para o exame do conflito de interesses entre determinadas populaes indgenas e certas frentes no propriamente de carter econmico, como misses e escolas. o caso do trabalho de Roberto Cortez de Souza sobre a misso franciscana entre os Tiriy do norte do Par, o de Ana Gita de Oliveira sobre a misso salesiana entre os Tarina do noroeste do Amazonas, o de Eneida Corra de Assis sobre a escola entre os Galib e Karipna do Amap. Uma outra tendncia desses estudos foi a de examinar a vida poltica interna dos grupos indgenas em conexo com as relaes de contato com os brancos, levando em conta que o confronto entre faces indgenas envolve a manipulao e disputa de recursos colocados disposio dos ndios pelos brancos. o caso do trabalho de Joo Pacheco de Oliveira Filho sobre os Tukna, no qual prefere a noo de situao histrica de frico intertnica, do de Jos Reginaldo Santos Gonalves sobre os Apinay do norte de Gois e do de Maria Helena Barata sobre os Pukoby do Maranho. Se os estudos de frico intertnica focalizam sobretudo os aspectos econmicos, sociais e polticos do contato, a face ideolgica do mesmo passou a ser examinada segundo as noes de identidade tnica, grupo tnico, etnia, que, embora vislumbradas no primeiro trabalho de Cardoso de Oliveira sobre os Tukna, passaram a ser sistematicamente examinadas por ele aps 1970, tarefa de que exemplo seu volume Identidade, etnia e estrutura social (So Paulo, Pioneira, 1976). Entre os trabalhos que, alm da noo de frico intertnica, deram bastante ateno etnicidade, esto os de Terri Valle de Aquino sobre os Kaxinaw do Acre e de Edir Pina de Barros sobre os Bakair de Mato Grosso. No mbito dos estudos de frico intertnica e etnia se conta o recente projeto de Roberto Cardoso de Oliveira sobre ndios citadinos na Amaznia, que inclui pesquisas sobre os Apurinn, Tukno e Maw, realizadas respectivamente por Marcos Lazarin, Leonardo Fgoli e Jorge Romano. Anteriormente o problema do ndio na cidade tinha sido tratado pelo mesmo Cardoso de Oliveira em Urbanizao e tribalismo (Rio de 23

Janeiro, Zahar, 1968), sobre os Terna, e por Yara Brum Penteado, a respeito tambm dos Terna e de uma populao em Mato Grosso do Sul oriunda da Bolvia. Tais estudos certamente estabelecem uma ponte entre a Etnologia indgena e a Antropologia urbana (tratada no item 2.3.5). A noo de etnia e aquelas que lhe so associadas implicam como que numa etnosociologia do contato intertnico, ou seja, uma classificao dos grupos ou categorias sociais segundo os membros dos grupos em confronto e no a partir de uma classificao apriorstica do pesquisador. Por isso, a familiaridade com estudos de classificao desenvolvidos pelo estruturalismo ou pela etnocincia so de grande valia para o desempenho do pesquisador. Quando dois grupos tnicos se distinguem um do outro, apontam diferenas entre si em alguns aspectos culturais, psicolgicos ou mesmo raciais. A seleo que fazem desses aspectos no a mesma que faria um etnlogo, um psiclogo ou um antroplogo fsico. Em outras palavras, um grupo tnico no se confunde com cultura, personalidade bsica ou raa, tal como so vistas pelos cientistas competentes. Possivelmente, a noo de etnia talvez possa vir a fazer a ponte que no existia entre os estudos de aculturao, que envolviam ndios e civilizados ou brasileiros e imigrantes, e os estudos de relaes raciais, que contrapunham negros e brancos. Alis, estes ltimos estudos nem mesmo conseguiam se entrosar com aqueles voltados para o exame da herana cultural africana. Uma notvel tentativa de enfrentar as at ento consideradas relaes raciais como relaes tnicas foi realizada por Carlos Rodrigues Brando em Pees, pretos e congos (Braslia, Ed. UnB; Goinia, Oriente, 1977), trabalho a respeito dos negros da cidade de Gois. Estudos fundamentados na noo de etnia tambm tm sido desenvolvidos no que tange a relaes de grupos tribais entre si. Um bom exemplo o volume organizado por Alcida Rita Ramos, Hierarquia e simbiose (So Paulo, Hucitec; Braslia, INL, 1980), que rene estudos de Alcida Rita Ramos e Ana Gita de Oliveira sobre as relaes entre os Sanum e os Mayongng do Roraima; as relaes entre os Mak e os ndios de beira de rio, estudadas por Peter Silverwood-Cope e Ana Gita de Oliveira no noroeste da Amaznia; e as relaes entre os Guaran e os Kaingng, estudadas por Maria Lgia Moura Pires, no Paran. Os anos 70 foram marcados por um esforo, que continua a vigorar, de alguns etnlogos em colaborarem com os povos indgenas, pelos quais se interessam academicamente, na obteno de solues para seus problemas mais urgentes, como demarcao de terras, assistncia mdica, instruo, administrao direta pelos ndios de sua produo para mercado e outros. Dentre os etnlogos que trabalharam ou trabalham nesta linha podem-se citar Peter Silverwood-Cope com os Mak, Kenneth Taylor e Alcida Ramos com os Yanoma, Joo Pacheco de Oliveira Filho com os Tukna, David Price com os Nambiquaras, Lux Vidal com os Xikrn, Iara Ferraz com os Gavies do Par, Gilberto Azanha, Maria Elisa Ladeira e Vilma Chiara com os Krah e vrios outros. Para essa Antropologia da Ao, como a chamou Cardoso de Oliveira, tambm so importantes os estudos voltados para a etnicidade, mormente quando no prprio seio do rgo protecionista governamental alguns funcionrios resolvem distinguir ndios de no-ndios a partir da quantificao de critrios tomados a priori e em desacordo com o estado atual dos conhecimentos etnolgicos. Deve-se registrar que os estudos de relaes intertnicas tm sido realizados tambm com outras orientaes, como aquela que sublinha o primado das relaes econmicas e lida com a noo de modo de produo, como o caso do estudo de Mrcio Pereira Gomes sobre os Tenetehra ou o de Edgard de Assis Carvalho, As

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alternativas dos vencidos (Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979) sobre os Terna do Estado de So Paulo. Por sua vez Paul Aspelin estuda o comrcio de artefatos Mamaind, um subgrupo Nambiquara. H que registrar tambm a abordagem ecolgica do contato, como o caso do estudo dos Patax da Bahia por Maria Rosrio de Carvalho ou a pesquisa coordenada por Daniel Gross, na qual se comparam alguns grupos do Brasil Central: Borro, Xavnte, Canelas e Menkranot.2.3.2. As sociedades indgenas como totalidades socioculturais

Neste perodo ganharam impulso os estudos sobre a estrutura social das sociedades indgenas. Essa nova fase se deve, em parte, ao trabalho de pesquisa que David Maybury-Lewis desenvolveu entre os Xavnte, a partir do final da dcada de 50, segundo os tpicos de interesse e de metodologia da Antropologia Social inglesa. Com base nessa experincia inicial, esse pesquisador desenvolveu um projeto referente aos ndios do Brasil central, sobretudo da famlia lingstica J, para ser realizado por seus alunos de Harvard e, acoplado ao projeto Estudo comparativo das sociedades indgenas do Brasil, de Roberto Cardoso de Oliveira, por pesquisadores do Museu Nacional. Desses projetos resultaram os trabalhos de Terence Turner e Joan Bamberger sobre os Kayap, de Jean Carter Lave e Dolores Newton sobre os Krinkat, de John Christopher Crocker sobre os Borro, de Roberto da Matta sobre os Apinay (Um mundo dividido, Petrpolis, Vozes, 1976) e de Julio Cezar Melatti sobre os Krah. Trabalhos em linha semelhante dos citados projetos foram realizados na Universidade de So Paulo, por Lux Vidal sobre os Xikrn, Renate Viertler sobre os Borro, Maria Aracy Lopes da Silva sobre os Xavnte e, na Unicamp, por Maria Manuela Carneiro da Cunha sobre os Krah. Enfim, se no perodo anterior tinham sido as sociedades do tronco Tupi as mais estudadas, neste agora eram as da famlia J que recebiam inicialmente mais ateno. Uma das contribuies de alguns desses trabalhos referentes aos J e grupos assemelhados foi a averiguao de que a noo de pessoa que mantm de fundamental importncia para a compreenso de sua estrutura social, como nos mostra A construo da pessoa nas sociedades indgenas, ttulo de um Boletim do Museu Nacional (Nova Srie, Antropologia, n 32, 1979), que rene trabalhos de Roberto da Matta, Anthony Seeger, Eduardo Viveiros de Castro, Maria Manuela Carneiro da Cunha e Renate Viertler. Ainda como trabalhos paralelos ao projeto Harvard-Museu Nacional ou dele derivados se podem citar o de William Crocker sobre os Canelas, iniciado no final da dcada de 50, o de Robert Hahn sobre os Erikptsa, o de Zarco Levak sobre os Borro, o de Richard Heelas sobre os Panar, isto , os Kren Akarre, o de Simone Dreyfus sobre os Kayap, iniciado no final da dcada de 50, o de Gustaaf Verswijver sobre os Menkranot, o de Gregory Urban sobre os Xoklng, de Santa Catarina, o de David Price sobre os Nambiquaras. Nos anos 70, alm de continuar o interesse pelos J, retoma-se a ateno por mais trs reas, o alto Xingu, o alto rio Negro e Roraima, sendo que as duas primeiras tinham sido estudadas no perodo anterior, nas suas caractersticas mais gerais, por Eduardo Galvo. No alto Xingu temos os trabalhos de George Zarur sobre os Awet (Parentesco, ritual e economia no alto Xingu, Braslia, FUNAI, 1975), de Thomas Gregor sobre os Mehinku (So Paulo, Nacional, 1982), de Ellen Basso sobre os Kalaplo, de Pedro Agostinho sobre os Kamayur, de Carmen Junqueira tambm sobre os Kamayur (Os ndios de Ipavu, So Paulo, tica, 1975), de Eduardo Viveiros de Castro sobre os Yawalapit, de Patrick Menget sobre os Txiko, de Anthony Seeger sobre os Suy (Os ndios e ns, Rio de Janeiro, Campus, 1980) e o j citado trabalho sobre os Kren

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Akaror de Richard Heelas. Os trabalhos sobre esses dois ltimos grupos, que so do tronco Macro-J, sobretudo os Suy, por serem nitidamente J e estarem instalados h muito tempo no Xingu, podem se constituir numa interessante conexo entre a etnografia dos cerrados do Planalto Central e a do alto Xingu. No alto rio Negro, as pesquisas tm incidido principalmente no outro lado da fronteira, na Colmbia, mas so de muita importncia para se compreender os ndios do lado brasileiro, pois vivem segundo as mesmas duas grandes tradies: a dos ndios das florestas (Mak) e a dos ndios dos grandes rios (Tukno Orientais e alguns Aruk). Enquanto pesquisadores, sobretudo ingleses e franceses, se ocupam dos ndios dos rios no lado colombiano, Howard Reid se dedicou aos Mak-Hpda do lado brasileiro. Peter Silverwood-Cope, que trabalhou entre os Mak-Bar no territrio colombiano (Os Mak, Braslia, FUBCIS, trabalhos de Cincias Sociais, Srie Antropologia, n 27, 1980), passou a dedicarse posteriormente aos Mak do lado brasileiro. No Roraima, bem como do outro lado da fronteira, na Venezuela, concentram-se populaes Yanoma e Karb. No lado venezuelano se tm realizado pesquisas sobre grupos de ambas as famlias lingsticas, mas no lado brasileiro elas parecem se ter concentrado ultimamente sobr