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A ÁGUA COMO DESAFIO À PERMANÊNCIA NA TERRA: ESTUDO SOBRE O POTENCIAL DE CAPTAR ÁGUA DA CHUVA NO ASSENTAMENTO
ROSELI NUNES – MT
Dayane Pricila Alves Godoi1
INTRODUÇÃO
O Brasil consiste em um país caracterizado por desigualdades sociais e regionais
resultantes da concentração da riqueza (GIRARD, 2008). Os movimentos
socioterritoriais consistem em movimentos de luta pela Terra, marcado por um objetivo
maior, a reforma agrária.
A luta pela terra realizada pelos movimentos socioterritoriais se dá através das
ocupações e a consequente criação de assentamentos rurais, podendo também ocorrer
por meio de arrendamento, meação, parceria ou compra da terra. Mesmo com a
conquista da terra e criação dos assentamentos a luta dos movimentos socioterritoriais
não acaba, pois é preciso conquistar condições para se viver no campo (GIRARD,
2008), sendo uma dessas condições essenciais, à água.
A água é um elemento essencial à vida e sua escassez se encontra presente
principalmente nas áreas rurais caracterizando-se como um problema estrutural na
maioria dos assentamentos rurais existentes por motivos diversos como, por exemplo, a
má distribuição dos lotes em relação ao acesso á água e a falta de estudos no território
onde os assentamentos são consolidados, tornando-a um dos principais desafios para a
permanência na terra.
O Assentamento Roseli Nunes, localizado no estado de Mato Grosso com sede
municipal na cidade de Mirassol D’Oeste e divisa com mais dois municípios,
Curvelândia e São José dos Quatro Marcos, conforme (MAPA 1), é uma regra neste
1 Acadêmica do Programa de Pós-Graduação Mestranda em Geografia – Universidade Federal de Mato
Grosso – UFMT. [email protected] - Bolsista CAPES.
contexto de descaso com as políticas agrárias. Apresentando problemas na distribuição
de água devido a sua litologia, orientados por um sistema cárstico, e ineficiência nos
poços perfurados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária –
INCRA/MT, a água no assentamento, sobretudo na porção sul, tornou-se uma das
principais lutas de permanência na terra para as famílias do assentamento.
Mapa 1: Localização do Assentamento Roseli Nunes - MT. Fonte: SEPLAN – MT 2000 Organização: BARONI, E. K; GODOI, D. P. A. (2013)
Partindo deste contexto o presente artigo tem por objetivo trazer alguns
resultados alcançados durante a pesquisa de Trabalho de Conclusão de Curso - TCC,
sendo este fruto de um projeto de extensão universitária “Territorialidades e
Representação” o qual realizou no ano de 2011 um estudo sobre a demanda por água na
porção sul do assentamento Roseli Nunes/MT e a elaboração de um Dossiê sobre a
distribuição de água, onde um sistema de cisterna foi levantado como proposta urgente
ao assentamento com o intuito de viabilizar o acesso à água e consequentemente a
produção das famílias.
Dando continuidade a esta pesquisa, no TCC foram analisadas as dificuldades
das famílias frente à escassez de água e procurando encontrar possibilidades,
coletivamente pesquisadora-comunidade à elaboração de um projeto de redistribuição
hídrica, foi realizado um breve estudo sobre a viabilidade de implementação de um
sistema de cisterna fazendo um levantamento socioambiental do assentamento.
Metodologicamente a pesquisa foi realizada por meio de mapeamento
comunitário elencando o mapa como instrumento de luta essencial nas ações políticas
(BATISTA, 2011), sendo este realizado através de entrevistas e aplicações de
questionários semi estruturados com perguntas qualitativas e quantitativas ao longo de 3
campos, além de pesquisas bibliográficas e análise de dados coletados em campos
anteriores. Buscou se conhecer o cotidiano das famílias em relação ao problema da
escassez de água na região sul, assim como as características físicas e estruturais que
levam a existência deste problema.
A DISTRIBUIÇÃO DE ÁGUA NO ASSENTAMENTO ROSELI NUNES
O problema da água é um dos principais desafios enfrentados pelos moradores
do Assentamento Roseli Nunes. Esse fato ocorre por que a área onde o assentamento foi
consolidado apresenta uma distribuição desigual em relação ao recurso água, sendo o
“norte rico e o sul pobre” nesta. As dificuldades das famílias em relação ao acesso à
água existem devido à ausência de estudos prévios sobre a rede hidrográfica local e o
respeito dos limites dos lotes e a demanda de água, conforme relata Batista (2012), pois
os cortes dos lotes realizados no processo de assentamento foram feitos de forma
aleatória ocasionando problemas à produção que se tornou desigual no território do
assentamento Roseli Nunes.
A região norte do assentamento não tem tantas dificuldades em relação ao
acesso à água, pois apresenta o Rio dos Bugres e o Córrego Grande, já em relação ao sul
não se pode dizer o mesmo, a maioria dos poços perfurados nessa região não possuem
água e aqueles que com muita sorte a tem, esta é salina e imprópria para o consumo
humano.
A indisponibilidade hídrica na porção sul do assentamento Roseli Nunes, assim
como a salinidade da água pode ser explicada pela presença do calcário no terreno,
principalmente a partir do núcleo 09 (núcleo da escola Madre Cristina) em direção ao
sul. O indicador sobre eventos cárstico nessa porção é a ocorrência de sistemas de
cavernas e sumidouros, conforme se pode observar no Mapa 2 que busca compreender
a abrangência de rocha calcário existente.
Mapa 2: Entrada de caverna e sumidouro no Assentamento Roseli Nunes/MT. Elaboração: GODOI, D. P. A.; SILVA, R. B. Da. Abril, 2013.
Fonte: Planta Geral de Parcelamento – Pranchas 01 e 02 – Escala 1:50.000, meio digital. Mapa confeccionado por intermédio do mapeamento comunitário realizado em Fevereiro de 2013 no Assentamento Roseli Nunes.
No mapa observa-se que dos 126 lotes localizados na região sul do
assentamento, conseguiu-se levantar informações apenas de 58 lotes. Neles observa-se
que a rocha calcária abrange uma área que se estende desde o núcleo de número 09 até o
extremo sul do assentamento, pois nos lotes de número 144, 173, 179, 230, 231, 232,
233, 172, 169, 164 271, 207 e 195 foram registrada presença de sumidouros e nos lotes
de número 179, 174, 175, 180, 172, 171, 170, 169, 161, 144 e 195 foram registrados
presença de entradas de cavernas, elementos estes próprios de sistemas cársticos onde,
devido a esses fatores, é quase impossível adquirir água por meio de perfuração de
poços. Segundo Batista (2012) os possíveis limites do sistema cárstico no assentamento
abrange:
A divisa sudoeste do assentamento, na parte mais alta da serra até o final da divisa tem um pacote de calcário, ao atravessá-los não há disponibilidade de água, retornando no sentido sudoeste para norte, rumo ao núcleo da escola pela estrada do linhão, na medida em que distancia-se da serra nos lotes, aqueles que estão virados para a divisa do assentamento começam a aparecer água [...]
A falta de acesso à água na porção sul do Assentamento Roseli Nunes
desencadeia uma serie de situações extremas, chegando ao absurdo maior de famílias
que moram no extremo sul, terem que comprar água que vem da cidade.
As saídas encontradas pelas famílias, além da compra por água para beber e a
busca de água em lotes vizinhos é também a procura de água doce em alguns poços e
minas existentes no assentamento e o armazenamento de água da chuva em pequenas
represas para os animais e em caixas d’águas para o consumo próprio das famílias. As
situações mais extremas em relação ao acesso a água se configura principalmente no
extremo sul do assentamento onde segundo Batista (2011) os lotes mais do extremo sul
não tem água nem para os animais, todos tem que comprar ou buscar água.
Dando continuidades aos estudos realizados por meio dos mapeamentos
comunitários e da elaboração do Dossiê da água do Assentamento Roseli Nunes, se
discute junto à comunidade do assentamento as possibilidades de adoção de um projeto
de redistribuição hídrica por meio de um sistema de cisterna visando viabilizar o acesso
à água pelas famílias, a criação de animais e a produção para subsistência para que as
famílias do assentamento se consolidem na terra.
POTENCIAL DE CAPTAR ÁGUA DA CHUVA
A proposta de um projeto de redistribuição hídrica através de um sistema de
cisternas foi pensada às famílias do assentamento Roseli Nunes como possibilidades de
serem gestoras de seus próprios recursos, pela captação e o armazenamento de água da
chuva, não ficando a mercê das oscilações do sistema gestor predominante, tampouco
das mudanças de governantes, contribuindo assim para a solidificação de um sistema de
gestão eficaz.
Pensando nisso foram levantados em mapeamento comunitário na porção sul
questões referente à qualidade da água dos poços, a existência de algum membro da
família que já ficou doente pela ingestão da água salobra dos poços, o conhecimento
que as famílias possuem em relação ao que seria uma cisterna e o interesse na instalação
da cisterna como mecanismo de obtenção e armazenamento de água da chuva.
Os resultados observados nos 58 lotes de um total de 126 localizado na região
sul do assentamento onde o problema da água é mais grave, 72% das famílias utiliza
água salobra proveniente de poços, 11 lotes disseram já ter tido algum membro da
família que ficou doente por beber água salobra dos poços, 53% sabiam o que é uma
cisterna e depois de explicado para as famílias o que seria uma cisterna 79% disseram
ter interesse na instalação da mesma em seu lote em que 31% já armazenam água da
chuva, esta utilizada para diversos fins, inclusive consumo humano por se tratar de água
doce. Os dados registrados nos levam as estimativas de que aproximadamente 42% das
famílias que armazenam água da chuva a utilizam para consumo humano, ou seja, para
beber e cozinhar, além de que 24% utilizam nas plantações, seguida de 20% para uso
animal e 14% para usos domésticos.
Todo esse contexto pensado na possibilidade e no porquê de se implantar um
projeto de redistribuição hídrica no assentamento Roseli Nunes é possível de ser
visualizado no Mapa 3 que retrata o Interesse das famílias do Assentamento Roseli
Nunes na implementação de um projeto de redistribuição hídrica através de um sistema
de cisterna, onde são demonstrados os lotes onde já se capta água da chuva, onde já
houve casos de famílias doentes por beber água salobra dos poços e as famílias que
gostariam de implantar uma cisterna em seus lotes.
MAPA – 8: Viabilidade de implementação das cisternas no Assentamento Roseli Nunes Fonte: Planta Geral de Parcelamento – Pranchas 01 e 02 – Escala 1:50.000, meio digital. Mapa confeccionado por intermédio do mapeamento comunitário realizado em Fevereiro de 2013 no Assentamento Roseli Nunes.
Elaboração: GODOI, D. P. A. Abril, 2013.
Para se pensar na viabilidade de implementação das cisternas no Assentamento
Roseli Nunes, também foram realizadas análises sobre o regime de chuvas da região de
Mirassol D’Oeste/MT, município sede do assentamento, para compreender a média
anual de chuva além dos meses mais chuvosos da região. Sendo realizados cálculos das
médias de chuva dos anos de 2000 a 2011, conforme Gráfico 1 observa-se que os
meses mais chuvosos vão de Setembro a Abril com média mensal de 90 mm a 250 mm
de chuva/mês.
243,6264,7
181,2
92,5
37,716,6 13,3
43,3
90,4
148,8
50
100
150
200
250
300
Ch
uv
a (
mm
)
Média dos meses mais chuvosos (2000 - 2011) Mirassol D'Oeste-MT
Estação PONTE CABAÇAL MT - 125 (código:1558001)
Gráfico - 1: Média dos meses mais chuvosos de 2000 a 2001 – Mirassol D’Oeste/MT. Fonte: Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos – SNIRH Agencia Nacional de Águas – ANA. Adaptado: GODOI, D. P. A. em 19 de Fevereiro de 2013.
As médias anuais de chuva dos últimos 11 anos no município de
Mirassol D’Oeste variam de 1.200 mm a 1.600 mm de chuva, onde a máxima
foi alcançada no ano de 2006 com aproximadamente 1.600,00 mm de chuva
naquele ano, conforme Gráfico 2.
0,00
200,00
400,00
600,00
800,00
1.000,00
1.200,00
1.400,00
1.600,00
1.800,00
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Ch
uv
a (
mm
)
Anual
Chuvas - Total de Precipitação Anual (2000 - 2011)Mirassol D'Oeste-MT
Estação PONTE CABAÇAL MT - 125 (código:1558001)
Chuva (mm)
Gráfico - 2: Média anual de chuva no município de Mirassol D’Oeste/MT. Fonte: Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos – SNIRH Agencia Nacional de Águas – ANA. Organização: GODOI, D. P. A. em 19 de Fevereiro de 2013.
Para se alcançar o resultado da média anual de chuva, optou-se por realizar
cálculos da média dos últimos 5 anos, chegando ao resultado de uma média de 1.266,38
mm de chuva por ano para o município de Mirassol D’Oeste.
Os dados alcançados nos leva a compreensão de que as condições naturais da
região com um estudo mais aprofundado podem ser favoráveis à implantação de sistema
de cisterna, ou seja, a captação de água da chuva.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ignorados por muitos na lógica do discurso da água como mercadoria as famílias
localizadas nas zonas rurais não são lembradas neste contexto e nunca foram. Criados
por intermédio de um discurso de “reforma agrária”, os assentamentos rurais, por
exemplo, em quase todas suas totalidades tem problemas com a falta de água. As
políticas para soluções implantadas na dialética das perfurações de poços como soluções
são ineficientes, fazendo com que famílias sintam de perto esse contexto de escassez da
água, difundidas no mundo inteiro, em uma conjuntura contraditória se comparada ao
consumismo dos países de primeiro mundo.
Desta forma, devido à má estruturação dada às famílias localizadas nos
assentamentos rurais, estas buscam alternativas para sanar o problema da escassez de
água, sendo a água da chuva uma das soluções viáveis a essas famílias.
A proposta de um projeto de redistribuição hídrica através de um sistema de
cisternas foi pensada às famílias do assentamento Roseli Nunes como possibilidades de
serem gestoras de seus próprios recursos, por meio da captação e do armazenamento de
água da chuva tendo em vista que a luta para a permanência na terra pelas famílias do
Assentamento Roseli Nunes, em relação ao acesso a água, as induz a atitudes onde em
último caso compreende a venda ou abandono dos lotes.
É importante ressaltar que este estudo realizado durante a graduação servirá de
base a um objetivo maior da pesquisa em andamento em nível de Mestrado e em fase
inicial, que é fazer um estudo que possibilite entender a luta pela permanência na terra
em assentamentos rurais a partir do debate da água, buscando compreender a água
politicamente e economicamente, pensa-la na sua relação com a permanência na terra a
partir da autonomia do trabalho e da produção camponesa além de um maior
aprofundamento no que se refere ao uso e distribuição da água no Assentamento Roseli
Nunes e da viabilidade de captar água da chuva através de analises a ser realizada por
dentro da climatologia geográfica pensando as relações sociais de produção.
BIBLIOGRAFIA
BATISTA, C. Cartografia geográfica comunitária: a distribuição da água no assentamento Roseli Nunes - desafios e possibilidades. In: XXI Encontro Estadual de Geografia, Associação dos Geógrafos Brasileiros – AGB Porto Alegre, Maio de 2012. Rio Grande - RS. 14p. ____________; SUERTEGARAY, D. M. A. Mapeamento Comunitário: Da escala do império à escala da ação? In: XVII Encontro Nacional dos Geógrafos, Belo Horizonte /MG, 2012. ___________A distribuição da água no Assentamento Roseli Nunes: Desafios e Possibilidades. Grupo de Pesquisa Territorialidades e Representações. Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá 2011.
GIRARDI, E. P.; FERNANDES, B.M. A luta pela terra e a política de assentamentos rurais no Brasil: A reforma agrária conservadora. In: AGRÁRIA, São Paulo, no 8, pp. 73-98, 2008. Disponível em: <http://www.geografia.fflch.usp.br/revistaagraria/revi stas/8/Texto5_girardi.pdf>. Acesso em: 29 de Junho de 2012. GODOI, D. P. A. A demanda por água no Assentamento Roseli Nunes: A viabilidade de implementação de um sistema de cisterna. Trabalho de Conclusão de Curso – MT, 2013. ____________Analise da eficiência de experiências com captação de água da chuva em propriedades rurais. In: XIV Encuentro de Geógrafos de América Latina - EGAL . Abril, 2013. GOGOI, D. P. A.; SINTHIA, C. B. Terra sem água, “terra sem vida”. A distribuição da água no Assentamento Roseli Nunes: desafios e possibilidades - proposta de um projeto de cisterna. In: XVII Encontro Nacional de Geógrafos - ENG. Belo Horizonte/MG. Julho, 2012. ____________Viabilidade de implantação de um projeto de cisternas no Assentamento Roseli Nunes – MT. In: 8º Simpósio Brasileiro de Captação e Manejo de Água de Chuva. Campina Grande – PB. Agosto, 2012.