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Janeiro de 2008 • Ano 5 • nº 39 desafios Exemplar de Assinante do desenvolvimento desafios Delfim Netto O papel do Estado é igualar oportunidades PAC da Saúde A presença do BNDES é o elo que faltava Melhores práticas Cidadãos fazem outra cidade em São Paulo, Rio e Ilhabela Janeiro de 2008 • Ano 5 • nº 39 www.desafios.ipea.gov.br Perspectivas para 2008 O presidente e os diretores do Ipea, em textos inéditos, analisam os últimos acontecimentos e apresentam as perspectivas para este ano 1 A - 01/22/2008 14:41:16

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no 5 • nº

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desafios

Exemplar de Assinante

do desenvolvimentodesafios

Delfim NettoO papel do Estado é igualar oportunidades

PAC da SaúdeA presença do BNDES é o eloque faltava

Melhores práticasCidadãos fazem outracidade em São Paulo,Rio e Ilhabela

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Perspectivaspara 2008

O presidente e os diretores do Ipea, em textos

inéditos, analisam os últimos acontecimentos e

apresentam as perspectivas para este ano

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4 Desafios • janeiro de 2008

As razões para o otimismo com relação a 2008 e quais são as ações prioritáriaspara o novo ano, na interpretação do presidente e dos diretores do Instituto dePesquisa Econômica Aplicada (Ipea), estão na reportagem de capa desta edição da revista Desafios do Desenvolvimento.

A partir da página 16, o leitor encontrará diversos textos sobre as perspectivas para o novo ano, voltados a previsões macroeconômicas, como sobre a estabilidade de preços; a assuntos sociais, como educação, saúde,previdência social e transferência de renda; às questões regionais e urbanas;à cooperação internacional e relações com outros países; e à política industrial,inovação tecnológica e arranjos produtivos locais.

Esta edição traz também uma reportagem sobre o Relatório da Unctaddivulgado ao final do ano, um documento que estimula os países emdesenvolvimento a intensificarem um tipo de regionalismo que extrapola oconceito de vizinhança e aproxima países que têm interesses comuns, emboraestejam geograficamente distantes, como os da América Latina, da África e daÁsia. Complementando essa reportagem, publicamos uma importante entrevistacom o experiente diplomata e ex-ministro da Economia Rubens Ricupero.

A revista contém ainda uma extensa entrevista com outro ex-comandante da economia brasileira, o ex-ministro e ex-deputado Antonio Delfim Netto,que agora é um dos membros do novo Conselho de Orientação do Ipea. Ele falasobre o papel do Estado na economia e discorre, com sua costumeira inteligênciae tendência a provocar polêmica, sobre as diversas questões econômicas e sociaisda atualidade.

Outra reportagem desta edição retrata a cooperação entre o Ministério daSaúde e o BNDES no sentido de fortalecer a base industrial no setor farmacêuticoe detalha a estratégia de utilizar o poder de compra do governo para impulsionara produção e o desenvolvimento das indústrias nacionais.

Um panorama das agências reguladoras em nosso país é delineado em maisuma reportagem desta edição. E, na parte dedicada às melhores práticas, estaedição mostra como as cidades de São Paulo, Ilhabela e Rio de Janeiro estãoconstruindo movimentos de cidadãos para monitorar a gestão municipal e gerar meios para os eleitores cobrarem do próximo prefeito uma administraçãopor resultados.

Boa leitura.

Jorge Abrahão de Castro, diretor-geral

Carta ao leitor

Cartas ou mensagens eletrônicas devem ser enviadas para: desaf [email protected] de redação: SBS Quadra 01, Edifício BNDES, sala 906 - CEP 70076-900 - Brasília, DFVisite nosso endereço na internet: www.desaf ios.ipea.gov.br

Governo FederalMinistro Extraordinário de Assuntos EstratégicosRoberto Mangabeira UngerNúcleo de Assuntos Estratégicos da Presidênciada República

PRESIDENTE Marcio Pochmann

URL: http://www.ipea.gov.brOuvidoria: http://www.ipea.gov.br/ouvidoria

www.desafios.ipea.gov.br

DIRETOR-GERAL Jorge Abrahão de CastroASSESSOR-CHEFE DE COMUNICAÇÃO Estanislau MariaCOORDENADORA EDITORIAL Marina NeryCOORDENADORA ADMINISTRATIVA Mary ChengCONSELHO EDITORIAL André Gambier Campos,Estanislau Maria, Jorge Abrahão de Castro, Jorge Luizde Souza, José Aparecido Carlos Ribeiro, Marina Nery,Mary Cheng, Ricardo Amorim e Roberto Müller Filho

RedaçãoEDITOR-CHEFE Roberto Müller FilhoEDITOR-EXECUTIVO Jorge Luiz de SouzaEDITORA DE ARTE Débora de Bem ASSISTENTE DE ARTE Cleber EstevamJORNALISTA RESPONSÁVEL Roberto Müller Filho

ColaboradoresTEXTO Claudia Izique,

Ricardo Wegrzynovski e Yolanda Stein

FOTOGRAFIA Paulo Brasil e José Paulo LacerdaILUSTRAÇÃO Erika OnoderaREVISÃO Mauro de BarrosILUSTRAÇÃO DA CAPA Stockxpert

Cartas para a redaçãoSBS Quadra 01, Edifício BNDES, sala 906 CEP 70076-900 - Brasília, [email protected]

[email protected](061) 3315-5251

ImpressãoCromos – Editora e Indústria Gráfica Ltda.

AS OPINIÕES EMITIDAS NESTA PUBLICAÇÃO SÃO DE EXCLUSIVA EDE INTEIRA RESPONSABILIDADE DOS AUTORES, NÃO EXPRIMINDO,NECESSARIAMENTE, O PONTO DE VISTA DO INSTITUTO DE PESQUISAECONÔMICA APLICADA (IPEA).

É NECESSÁRIA A AUTORIZAÇÃO DOS EDITORES PARA AREPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DO CONTEÚDO DA REVISTA.

DESAFIOS (ISSN 1806-9363) É UMA PUBLICAÇÃO MENSAL DO IPEA,PRODUZIDA PELA SEGMENTO RM EDITORES LTDA.

SEGMENTO RM EDITORES LTDA.RUA CUNHA GAGO, 412 - 4º ANDAR - CJ. 43 - PINHEIROS - SÃO PAULO - SP

CEP 05421-0011 - TEL. (11) 3094-8400

desafiosdo desenvolvimento

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Guilherme Henrique PereiraDiscutir a extensão tecnológica

Alessandro TeixeiraAumentar o comércio na AL e Caribe

Hélio MattarO meu, o seu, o nosso mundo

desafiosdo desenvolvimento

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Entrevista Antonio Delfim NettoEx-czar da economia diz que o papel do Estado é igualar oportunidades

Perspectivas 2008 promete avanços e preocupaçõesPresidente e diretores do Ipea apresentam reflexões sobre o novo ano

Integração A regionalização na globalizaçãoOpção pela aproximação entre os países em desenvolvimento deverá prevalecer

PAC da Saúde O BNDES é o elo que faltavaCooperação fortalece base industrial e desenvolvimento da indústria nacional

Agências reguladoras A regulação está na berlindaSistema regulatório sofre críticas de todos os lados e ainda não encontrou seu caminho

Melhores práticas Cidadãos fazem outra cidadeSão Paulo, Rio e Ilhabela constroem indicadores para monitorar a gestão municipal

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Sumário

Artigos Giro

Circuito

Estante

Indicadores

Cartas

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Seções

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Tradição cultural

Culinária paulista revisitada

6 Desafios • janeiro de 2008

GIRO

A qualidade da mão-de-obra brasileira se equipara à de países desenvolvidos, comoa dos Estados Unidos ou daAlemanha, segundo estudo rea-lizado por pesquisadores daUniversidade Estadual de Cam-pinas (Unicamp), do qual tam-bém participaram grupos daUniversidade de São Paulo(USP) e da Universidade Esta-dual Paulista (Unesp). O pro-blema é que o país apresentaforte escassez de trabalho qua-lificado, o que poderá induzir as multinacionais estrangeiras a transferir ou criar centros depesquisa e desenvolvimento(P&D) em países como a Índiaou a China. O projeto Políticasde Desenvolvimento de Ativi-dades Tecnológicas em FiliaisBrasileiras e Multinacionais teve como objetivo identificaros principais entraves à atra-ção de filiais de empresas es-trangeiras e à realização deP&D no país. Na primeira fase, foram consultadas 88companhias estrangeiras e81,7% consideraram a escassezde mão-de-obra como fatorcrítico. Na segunda fase, entreas 47 empresas consultadas,58,7% destacaram a falta dequalificação.

Mão-de-obra

Falta de qualificaçãoameaça competitividade

O livro Delícias de Sinhá – História e receitas culiná-rias da segunda metade do século XIX e início do séculoXX não é apenas mais um livro de receitas. É resultadode pesquisa realizada pelo Centro de Memória (CMU)da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp),que resgatou, a partir de antigos manuscritos, mais de200 receitas tradicionais de doces da culinária paulista.Desse total, 82 foram testadas, aprovadas e publicadasem dezembro, muitas delas com seu texto original.Além dos segredos da cocada, do bolo da rainha, dobiscoito inglês, entre outros, o livro inclui fotos dasiguarias, descrições dos utensílios utilizados napreparação e serviços, da mobília e dos ambientes dascasas dos barões do café da região de Campinas, nointerior do Estado de São Paulo.A pesquisa foi iniciadaem 2002 e teve como base cadernos de receitas doa-dos por famílias tradicionais que permanecem sob a guarda da Área de Arquivos Históricos do CMU.Uma ressalva: as receitas não aceitam inovaçõestecnológicas. O beijo de clara, por exemplo, exige queas claras de ovos sejam batidas à mão, por três ouquatro horas. A receita não dá certo quando o esforçomanual é substituído pelo de uma batedeira elétrica.

Biólogos da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e daEmbrapa Florestas, em Colombo, no Paraná, estão utilizandoespécies de três gêneros de morcegos frugívoros numa técnicainovadora de reflorestamento de áreas degradadas. Os mor-cegos, que voam por grandes distâncias e se alimentam defrutas, carregam no intestino sementes de espécies pioneiras,consideradas importantes na redefinição da estrutura vegetalde uma floresta e que, por isso, devem ser plantadas antes dequalquer outra espécie. Ao defecar durante o vôo eles fazem oplantio natural das sementes. Óleos essenciais isolados a partirde frutos são utilizados para atrair os morcegos para a tarefa,como também aceleram a dispersão das sementes.O trabalho obteve o primeiro lugar na 11ª edição do PrêmioFord Motor Company na categoria Iniciativa do Ano emConservação, concedido pela empresa Ford Brasil e pela ONGConservação Internacional do Brasil (CI-Brasil).

Foto: Olaf Hirschberg/zefa/Corbis/LatinStock

Ref lorestamento

Morcegos semeiam em áreas degradadasFoto: Theo Allofs/Corbis/LatinStock

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Astronautas

Nova viagem à Lua, via internet

Artigos científ icos

Goiás lança Portal de Periódicos Eletrônicos

Desaf ios • janeiro de 2008 7

A Universidade Federal de Goiás (UFG) lançouo Portal Periódicos Eletrônicos, com 17 revistascom resenha e texto sobre os resultados depesquisas, além de cerca de 2 mil artigoscientíficos. O acesso, por meio de login e senha, égratuito. O portal reúne 233 volumes publicadosem português, inglês, francês e espanhol. A maior

parte é assinada por pesquisadores da própriauniversidade e abrange áreas como geografia,ciência animal, filosofia, biologia, enfermagem,farmácia e cultura.A iniciativa é da Pró-Reitoria dePesquisa e Pós-Graduação e tem como objetivodemocratizar o acesso às pesquisas e qualificar aspublicações de seus professores.

A Organização de Professores Indígenas Sateré-Mawé dos rios Andira e Waikupurapá (Opisma), nooeste do Amazonas, procura revitalizar a língua e as artes sateré-mawé, a segunda maior etnia daAmazônia, com cerca de 8,5 mil indivíduos. Com o apoio do Fundo das Nações Unidas para aInfância (Unicef), ela desenvolve um projeto quetem como objetivo manter vivas as tradições do grupo. Transformaram anciãos – que ainda guar-dam na memória os conhecimentos tradicionais –em professores de três oficinas de arte em cerca

de 50 aldeias ao longo dos dois rios. Cada oficinaoferece 12 vagas a crianças e adolescentes. Ali,os jovens têm aulas de confecção de rede e detecelagem, aprendem a fazer cerâmica e aindaouvem histórias mitológicas. Os objetos de arte,ao mesmo tempo que reafirmam a identida-de, também oferecem aos jovens uma oportunida-de de geração de renda. A iniciativa foi concebidadurante o desenvolvimento de dois projetos depesquisas: o de elaboração de uma gramáticasateré-mawé e o de um dicionário sateré-mawé.

Povos indígenas

Revitalização da língua e das artes

Os pesquisadores que pu-blicarem artigos científicos naNature e na Science, duas dasmais prestigiadas revistas cien-tíficas do planeta, poderão serpremiados pela UniversidadeEstadual Paulista (Unesp). Cadaequipe receberá R$ 15 mil porpublicação, mas o dinheiro sópoderá ser utilizado no custeiode participação em congressosou na própria investigação. Asunidades que tiverem maiornúmero de publicações em re-vistas indexadas no Instituto forScientific Information (ISI),banco de dados que reúne asprincipais publicações do mun-do, e nos periódicos avalizadospela Coordenação de Aperfei-çoamento de Pessoal de NívelSuperior (Capes) receberão R$50 mil, que serão investidos nacompra de equipamentos ou namodernização da infra-estrutu-ra.Com 1.286 artigos publicadosem 2006, a Unesp é a quartauniversidade no ranking da pro-dução de conhecimento científicono país, atrás da Universidade deSão Paulo (USP), UniversidadeEstadual de Campinas (Uni-camp) e Universidade Federal doRio de Janeiro (UFRJ).

Universidade

Esforço será premiado

A Nasa promete retomar suas missões àLua, satélite terrestre que não é visitado porhumanos desde 1972. O objetivo é revelar detalhessobre a anatomia e histórias lunares e buscar informações sobre aformação de corpos rochosos no sistema solar. A missão Grail (dasigla em inglês de Gravity Recovery and Interior Laboratory) fazparte do programa Discovery. O custo estimado do projeto é deUS$ 375 milhões e o lançamento está previsto para 2011. Duasespaçonaves, lançadas do mesmo foguete, orbitarão a Lua por vá-rios meses para medir o seu campo gravitacional. Cada satéliteterá a bordo uma câmera conectada à internet. Essas informaçõestransmitidas serão utilizadas pelos cientistas para conhecer ointerior da Lua, da crosta ao núcleo. Mas também estarãoacessíveis a estudantes e ao público em geral.

Foto: Sxc:hu

Foto: Stockxspert

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8 Desafios • janeiro de 2008

ENTREVISTA Membro do novo Conse l h o d e O r i e n t a ção do I p e a expõe s uas

Delfim Netto

Antonio Foto: Paulo Brasil

O papel

do Estado

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overno faz discurso, quem faz o desenvolvimento é o

empresário, o espírito animal do empresário. Foi isso que o

presidente Luiz Inácio Lula da Silva acordou. Estava

dormindo. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) teve

esse mérito. O PAC na verdade pôs na mesa de volta o problema

do crescimento”

G

op in iões sobre questões econômicas e soc ia is da atua l idade no Bras i l e no mundo

Desafios • janeiro de 2008 9

P o r J o r g e L u i z d e S o u z a , d e S ã o P a u l o

Desafios - O que o aproxima do atual governo?

Delfim - Eu admiro a política do presi-dente Luiz Inácio Lula da Silva. O Lulateve uma intuição correta quando deuênfase para melhorar a igualdade deoportunidade no Brasil. Para o merca-do funcionar, ele tem que ter um míni-mo de moralidade. E a moralidade nomercado vem da igualdade de opor-tunidade. É como uma corrida, e paraque as coisas funcionem é preciso quetodo mundo parta mais ou menos domesmo ponto. Talvez seja o papel fun-damental do Estado: igualizar as opor-tunidades. O governo Lula é a intuiçãodo Lula. Só isso. Na verdade, é o únicosujeito no Brasil que quando fala empobre está falando seriamente. Todosnós somos cínicos...

Desafios - O senhor faz críticas à política econômica?

Delfim - A economia é uma ciênciamoral e está longe de ser uma ciênciaexata. Ser constituída de escolas jámostra que existem múltiplas visõesno mundo. Uns crêem que o mercadoseja capaz de produzir por si mesmo oequilíbrio, e outras, como é o meu ca-

so – nem sei o que eu sou, certamenteeu diria que talvez seja um keynesianode pé quebrado. O certo é que o fun-cionamento da economia depende deum Estado. O mercado exige algumascoisas importantes, a primeira delas é a propriedade privada. Ora, quemgarante a propriedade privada? É oEstado. Quando eu vejo um sujeito dizer que “nunca houve uma inter-ferência do Estado nos programas de industrialização bem-sucedidosdo mundo”, acho isto uma tolice mo-numental, de uma ignorância histó-rica gigantesca. Nunca houve nenhumprocesso de desenvolvimento no mun-do em que o Estado não estivesseatrás, até hoje. Só que de vez em quan-do está bem escondido.

Desafios - Mas a economia planif icada não tem feito

sucesso...

Delfim - Ninguém defende a econo-mia planificada. A tolice daquela eco-nomia era querer planificação sempreço. A vantagem do mercado é queele não foi inventado, ele foi descober-to. E o homem não descobriu ne-

nhum mecanismo mais eficaz do queo mercado para realizar o sistemaprodutivo. Produção é certamenteum problema técnico. Distribuição,não, é um problema político. AdamSmith e Stuart Mill sabiam disto mui-to antes do que Karl Marx. O mercadoé muito compatível com a liberdade,mas obviamente é um produtor dedesigualdades. E para que as desigual-dades sejam aceitas é preciso que elaspartam do mesmo lugar. O homem é naturalmente diferente. Ninguémquer a igualdade no final, nós quere-mos a igualdade no começo. O resul-tado final é diferenciado mesmo. Masessa diferenciação é aceitável porqueeu parti do mesmo lugar, tinha duaspernas, e cansei antes do outro.

Desafios - O papel do Estado é regular o tiro de

partida?

Delfim - É garantir minha posição nomundo, independentemente de on-de eu nasci. Se nasci num lar de reli-gião católica ou protestante, se eu soubranco ou preto ou amarelo, se nascino Morumbi ou no Cambuci. Na ver-dade, isso não se consegue, é uma me-ta, é uma assíntota, que vai se apro-ximando dela à medida que suas polí-ticas sociais são corretas.

Desafios - O exemplo aí inclui a si próprio?

Delfim - Eu sou um exemplo do ensi-no gratuito. Gastei 6 mil réis para fa-zer o curso inteiro na Universidade de São Paulo (USP). Passei no vesti-bular, comprei um selo para colocarno requerimento de matrícula naUSP e lá eu recebi tudo: aula, papel,lápis, borracha, livros, professores,máquinas para calcular, o que preci-sasse. É um processo de igualizaçãode oportunidades. É claro, era paraum número restrito.

Desafios - Hoje ampliou um pouco mais do que na-

quela época.

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10 Desafios • janeiro de 2008

Natural de São Paulo em 1928, com aniversário dia 1º

de maio, o professor Antonio Delfim Netto foi criado no

Cambuci, bairro de classe média baixa da capital paulista.

É economista formado na Faculdade de Economia e Adminis-

tração (FEA) da Universidade de São Paulo (USP), professor

catedrático de Economia Brasileira e de Teoria do Desenvol-

vimento Econômico e professor emérito da FEA/USP.

Foi deputado federal pelo PPB-SP, eleito sucessivamen-

te de 1986 a 2002. Candidato novamente em 2006, pelo

PMDB, não se elegeu. Na Câmara dos Deputados, presidiu

por duas legislaturas as comissões de Finanças e Tributação

e uma vez a de Fiscalização Financeira e Controle. No seu último

mandato, de 2002 a 2006, também foi titular da Comissão de

Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio.

Segundo o político Delfim Netto, “no Congresso a gente

aprende, primeiro, a nunca criticar o voto do outro. Cada um

tem o seu voto, e é tão legítimo quanto o seu. Segundo, que

não tem arrependimento. Uma vez votado, está votado, e ponto

final. Então, cabe ao Executivo respeitar o Legislativo e aos

dois, respeitar o Judiciário. É isso que faz uma nação”.

Ele diz que o episódio da derrubada da Contribuição Pro-

visória sobre Movimentação Financeira (CPMF), em dezembro

de 2007, foi “uma oportunidade extraordinária de demonstrar

que nós realmente estamos em um processo de aperfeiçoa-

mento das instituições políticas. Nós estamos construindo uma

nação de verdade”.

Delfim foi ministro da Fazenda de 1967 a 1974, período

conhecido como do Milagre Brasileiro, quando a economia ex-

perimentou taxas de crescimento médio anual de 9%. Em

seguida, foi embaixador do Brasil na França de 1975 a 1977,

quando retornou ao país com o propósito de entrar na política,

mas não teve êxito. Voltou ao Ministério em 1979, primei-

ramente na pasta da Agricultura e depois como chefe da

Secretaria de Planejamento da Presidência da República, onde

ficou até 1985. Somente então, com a redemocratização,

ingressou na política, elegendo-se deputado federal.

Anteriormente, ocupou a Secretaria da Fazenda do Esta-

do de São Paulo em 1966 e 1967, foi membro do Grupo de Pla-

nejamento do Governo do Estado de São Paulo e da Comissão

Interestadual da Bacia Paraná-Uruguaia e conselheiro do Con-

selho Nacional de Economia. Entre seus livros publicados estão

vários títulos sobre problemas da economia brasileira.

Atualmente, escreve colunas semanais para os jornais Folha de

S. Paulo e Valor Econômico e para a revista Carta Capital. Seus

artigos são também publicados regularmente em cerca de 70

periódicos em todo o país.

Do milagre àcarreira política

Delfim - É claro, muito mais do queera, nem se compara. Mas o que eu di-go é o seguinte: esses mecanismos deigualização são fundamentais porqueeles é que dão moralidade para o mer-cado. Não adianta imaginar, nem Hu-go Chávez nem Evo Morales são pro-dutos do acidente e da vontade. Ocaso do Morales é típico. O plano deestabilização do Jeffrey Sachs em 1985pôs a Bolívia em ordem, o que pareciaimpossível. O que eles tinham esque-cido? O índio. Quando abriu a urna,o índio veio e falou. Então, quando setêm essas duas instituições funcio-nando juntas, o mercado e urna, se o mercado exagera numa direção, aurna corrige. Se exageramos o consu-mo no presente, teremos menos cres-cimento e menos consumo no futuro.Se exageramos no investimento nopresente, tem-se provavelmente umsacrifício que não é aceito na urna.Essa é, na minha opinião, a virtude do Lula. A minha admiração tem ori-gem no fato de que ele intuiu esta cir-cunstância.

Desafios - A urna também contém distorções como o

mercado?

Delfim - Não. O que é a distorção da

urna? Quem é que mede a distorçãoda urna? A do mercado, eu sei. A mãoinvisível do mercado só funcionacom a mão visível do Estado. Agora, aurna reflete os sentimentos das pesso-as. O que falta para os economistas écolocar como modelo a urna. Ela éque permite que uma política virtuo-sa tenha continuidade. Mesmo quehaja sucessão, como tem que havermesmo, há uma continuidade dasvirtudes. Mas quando se tenta ser vir-tuoso demais, a urna vem, acha quenão é, e muda.

Desafios - E como o senhor vê a Venezuela?

Delfim - É um caso típico de um psi-copata que se apropriou de um paísque antes dele foi apropriado por clep-

Foto: Paulo Brasil

Sou um exemplo do ensino

gratuito, gastei 6 mil réis para

fazer o curso inteiro na USP,

em um processo de igualização

de oportunidades, e que hoje é

bem menos restrito

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Desaf ios • janeiro de 2008 11

com a Selic. Houve extensão de prazoporque as instituições melhoraram,há o crédito consignado, uma pers-pectiva de crescimento da economia,do emprego e do salário e, portanto,disposição maior de dar crédito. Oefeito sobre o consumo de uma ex-pansão de prazo é muito superior aode uma redução de juros. O consumi-dor paga 4% de juros ao mês e a Selicestá em 11,25% ao ano. Mexer na Selicnão muda nada no consumo. A ex-pansão de prazo está criando essemercado.

Desafios - Neste caso, a Selic elevada não faz mal?

Delfim - O único mal que ela faz é pa-ra as finanças públicas. O investimen-to também não depende mais da Se-lic. Depende do quê? Da expectativade demanda, que existe. Depende do

tomaníacos. Um psicopata que sucedecleptomaníacos é uma comédia deerros. A urna está corrigindo nos doissentidos. Eu não sei por que as pesso-as estão preocupadas. Vamos ver da-qui a 25 anos um homem novo nasci-do na Venezuela.

Desafios - E o Brasil?

Delfim - O Brasil estava falido em2002, faliu duas vezes entre 1995 e2002. As exportações brasileiras cres-ciam a 3,8% ao ano e a dívida externa,a 6,6%. A trombada estava decidida.Abandonamos o setor exportadordesde 1986, quando se congelou pelaprimeira vez o câmbio, e foi-se repe-tindo o congelamento. A energia ne-cessária para produzir a capacidadede importação que se precisa paracrescer foi dissipada por essas políti-cas erradas. É isto que fez o Brasil cres-cer pouco. Não tem nada que ver coma maioria dos argumentos que estãoaí. O Brasil só deixa de crescer quandotem restrição externa ou então quan-do tem uma restrição de energia.

Desafios - O atual crescimento é sustentável?

Delfim - Em 2002, as pessoas que esta-vam indo embora do governo diziamque “não tem importância porque oLula vai ser Lula o Breve”. Mas o mun-do cresceu, o Brasil expandiu suas ex-portações, melhoraram os preços dosnossos produtos. Mas continuamos aser 1,1% do comércio mundial, comojá éramos em 1984. Corremos e fica-mos no mesmo lugar. A China, em1984, exportava como o Brasil e hoje é9% do comércio mundial. Agora, te-nho a convicção de que crescemos 5%em 2007 e vamos crescer 6% este ano.Eliminamos as duas restrições queabortam o crescimento: a vulnerabili-dade externa e a falta de energia.

Desafios - O que ainda está errado?

Delfim - Acho que a política cambial,sem dúvida. Na política energéti-ca, lentamente estamos superando.O desenvolvimento é um estado de

espírito. Foi isto que o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)acendeu. O PAC já produziu o seuefeito, que foi acender o setor priva-do. Então, hoje eu não tenho nenhu-ma razão para acreditar que isso vaidesaparecer.

Desafios - Há risco de faltar dinheiro?

Delfim - O investimento é que produza poupança, e não o contrário. E aidéia de que se está atingindo o limiteda capacidade é isso mesmo. Se nãoatingir o limite e não souber que temdemanda depois da capacidade, nin-guém investe. Foi isso que manteve oBrasil parado por 25 anos, a políticamonetária que está aí por todo estetempo. Felizmente, hoje ela não tem amenor importância. O juro no consu-mo é tão alto que não tem nada a ver

O único mal que a Selic faz é para as finanças públicas.

A capacidade do Banco Central de aportar o crescimento

diminuiu consideravelmente. Podemos até esquecê-lo

Foto: Paulo Brasil

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12 Desafios • janeiro de 2008

Levou ao aumento da dívida interna.Não se fez esforço fiscal nos quatroprimeiros anos do real, só se fez quan-do o país quebrou, recorreu ao Fundo,recebeu um empréstimo e um novoprograma dizendo que era precisoproduzir o superávit primário. E paraisso a solução simples foi aumentarimpostos.

Desafios - E hoje há um esforço f iscal?

Delfim - O governo tem se aproveitadode uma expansão extraordinária, mastem gastado mais do que devia, e, naminha opinião, nem sempre na di-reção correta. Temos que introduzirum teto para as despesas de custeio,que seja inferior ao crescimento doProduto Interno Bruto (PIB), de taljeito que ao longo do tempo se possair fazendo duas coisas: reduzir commais rapidez a relação de dívida/PIB epoder reduzir a carga tributária bruta.Este é o mecanismo pelo qual se vãodiminuir as despesas com juros.Então, eu fiquei muito feliz de ver opresidente responder, em cima desteepisódio da Contribuição Provisóriasobre Movimentação Financeira(CPMF).A primeira coisa que ele dis-se foi o seguinte: “Não vou fazer bes-teira fiscal”.

Desafios - Seria o momento para uma reforma tri-

butária?

Delfim - Eu tenho muitas dúvidas. OBrasil é um país federal. Todas as en-crencas políticas e militares que estepaís sofreu tiveram que ver com pro-blemas fiscais entre províncias, no Im-pério, e entre estados, na República.Então, é preciso procurar um modelofederal para fazer a reforma tributária.E não adianta imaginar que os estadostêm que ter confiança no governo. Eu,por exemplo, não tenho confiança nogoverno nem quando estou nele.

Desafios - O Brasil terá logo o grau de investimento?

Delfim - O simples crescimento é o fa-tor mais importante para o país ir aograu de investimento, porque o Brasil

financiamento interno, que hoje épraticamente 60% a 70% dos inves-timentos. Do capital externo, do Banco Nacional de DesenvolvimentoEconômico e Social (BNDES) e domercado de capitais. Nada disso temnada a ver com a Selic. A capacidadedo Banco Central (BC) de aportar ocrescimento diminuiu consideravel-mente. Podemos até esquecê-lo.

Desafios - O BC deve cuidar apenas da inf lação?

Delfim - É a obrigação dele. O sistemade metas inflacionárias tem umagrande vantagem: obriga o governo adizer qual é a inflação que ele quer.Uma vez dito, tem que deixar o BancoCentral operar. Mas não há nenhumaperspectiva de aceleração da inflaçãopor excesso de demanda. O investi-mento está realmente crescendo. Faltade poupança é um dos maiores equí-vocos que envolveram os economis-

tas. Durante 12 anos nós dizíamosque não podia haver superávit emcontas correntes porque o Brasil nãotinha poupança. De repente, apareceua poupança em 2003. Agora nós so-mos exportadores de capital. Isto de-via acender a luz na cabeça dessa gen-te de que isso era tudo falso, de quenão crescíamos mesmo é pela má po-lítica posta em prática.

Desafios - Quais eram os equívocos?

Delfim - Era toda uma teoria equivo-cada. Nós fizemos um plano brilhantede estabilização. Quando se comparao Plano Real com o plano mexicano, oisraelense e o argentino, vê-se que foimuito mais brilhante do que todos osoutros. Mas, quando se olham as con-seqüências, é o pior de todos eles. OBrasil manteve o câmbio a 20% emtermos reais durante quatro anos.Não há nada no mundo que agüente.

Foto: Paulo Brasil

Fui socialista fabiano quando era ingênuo, mas me

libertei da gaiola lendo um livrinho simples, de

George Stigler, quando aprendi o papel da teoria dos preços

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Desaf ios • janeiro de 2008 13

tinha tudo para ir, só não tinha o cres-cimento. Vai continuar com o equilí-brio monetário, com o equilíbrio ex-terno, mas com um crescimento maisrobusto. Com o mundo indo melhor,as coisas são mais simples. Crescer 2%ao ano era produto de um equívocoque nós não vamos repetir. Mas umacoisa é evidente: o Brasil não pode vi-ver com a atual agenda exportadora.Temos que voltar à agenda industrialexportadora que tivemos no passado.Somos diferenciados, e só se pode seristo ampliando a exportação de ma-nufaturados. Foi assim que o Brasilcresceu no passado, é assim que omundo inteiro cresceu. O Brasil jogoufora a sua oportunidade. Em 1984 ex-portava para os Estados Unidos maisdo que a China.

Desafios - Incentivar a exportação não é hoje ina-

plicável?

Delfim - Inaplicável para quem faltaimaginação. Ou será que a China e to-dos os países fazem exatamente o quea Organização Mundial do Comércio(OMC) decide? E o Brasil está “assim”de imaginação, é só aproveitá-la. Te-mos todas as chances de nos transfor-marmos em um grande exportadorde serviços. A Índia não tem con-dições tão mais favoráveis do que oBrasil. Podemos construir uma plata-forma exportadora de serviços. OBrasil ficou preso à idéia de que o go-verno não tem nada a ver com isso ede que o mercado sozinho gera o cres-cimento. Não, o mercado sozinho ge-ra esta patifaria que está aí. Em todolugar do mundo, a mão invisível dogoverno é que é fundamental. O pior éser dominado por um pensamento re-ligioso de que não se deve fazer nada eesperar que o mercado faça tudo.

Desafios - Como superar os gargalos?

Delfim - Falta energia porque faz 25anos que não pensamos em energia.Faltam estradas porque consumimosas estradas feitas quando pensávamos25 anos à frente. O Brasil jogou fora o

pensar 25 anos à frente e está colhen-do os efeitos. Felizmente, acordou. Re-cebemos de presente a superação davulnerabilidade externa construídano governo Fernando Henrique Car-doso. Ninguém acreditava que o Bra-sil fosse sobreviver em 2003. O Brasilsó deixou de crescer porque faz 25anos que só faz besteira no câmbio. Eagora está fazendo uma política de-sastrosa usando o câmbio oportunis-ticamente para combater a inflação.

Desafios - Mudar esta política provocaria inf lação?

Delfim - Uma parte que nós pensamosque é a valorização do real é simples-mente o espelho da desvalorização dodólar. A única mudança estrutural doBrasil nos últimos anos é a auto-sufi-ciência do petróleo. O excesso de va-

lorização é produzido pelo enormediferencial entre o juro interno e o ex-terno, e pelo mais eficiente sistema fi-nanceiro do mundo, fora os EstadosUnidos e a Inglaterra. O sistema fi-nanceiro brasileiro é muito superiorao europeu, infinitamente superior aoasiático. Isto é que produziu esta su-pervalorização, mas é coisa de 10% a12%. Quer dizer, se tudo estivesse cor-rendo bem, o dólar deveria estar emR$ 2,15 ou R$ 2,10.

Desafios - Além de ajustar o câmbio, o que falta?

Delfim - Cada um de nós podia dizerque gostaria muito que tivesse isto ouaquilo, mas não existe forma de redu-zir as despesas do governo a não ser

com um programa de redução. Não éum choque, é um processo, de fazer adespesa crescer menos do que o PIB.O fundamental é diminuir o nível dedesigualdade. Isto significa o BolsaFamília, a ajuda à gestante, educação esaúde. Estas são as prioridades. E sóse pode resolver esses problemas comcrescimento. A população cresce a1,3% ao ano e se a economia cresce a2,4%, a renda per capita cresce a 1%, edobra a cada 70 anos. Crescendo a5%, e a população a 1,3%, a renda percapita cresce a 3,7% ao ano, dobra acada 18 anos. O que precisava de trêsgerações agora precisa de uma ge-ração. É isto que vai dar para as pes-soas o entusiasmo que elas já tiveram,de que vai ter emprego, que o salárioreal vai crescer.

Desafios - Qual é o papel dos programas de trans-

ferência de renda?

Delfim - Vão diminuir a desigualdadede oportunidades. Agora, não se vairesolver o problema de distribuiçãode renda simplesmente com isso.Quer dizer, não tem simplesmenteque dar suporte, que é necessário, pa-ra o mais fraco. É preciso dar a eletambém as condições de se libertardo suporte que se está dando a ele.Por exemplo, o Bolsa Família é uminstrumento extremamente impor-tante porque ele satisfaz estas duascondições.

Desafios - O senhor na juventude foi socialista

fabiano...

Delfim - Eu fui socialista fabianoquando era ingênuo, antes de ter lidoo livro do George Stigler sobre a teoriados preços. Eu me libertei da gaiolalendo um livrinho simples, quandoaprendi o papel da teoria dos preços.Eu ainda tinha algumas veleidadesquando entrei na USP. Depois, feliz-mente, eu entendi que tudo aquilo ti-nha um defeito fundamental, porqueera incompatível com a liberdade, ain-da que tudo o que eles diziam era sópara serem livres. Na verdade, o mer-

Hoje se fazem concessões

muito melhores do que no

passado porque se obriga o

concessionário a explicitar

realmente o que ele quer;

esta foi a grande mudança

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cado é compatível com a liberdade,mas não é compatível com a igualda-de, a não ser que se dê igualdade deoportunidade.

Desafios - O senhor disse mesmo que o bolo preci-

sava crescer antes de distribuir?

Delfim - Eu, não! Só um sujeito quenão tem noção das coisas poderia di-zer.A única forma de primeiro crescere depois distribuir o bolo era em umregime socialista. Em um regime co-mo nós tínhamos, de economia demercado, isso é impossível, por defi-nição, porque senão o mercado nãocresce. Aquilo foi uma frase de com-bate, de efeito. Esses idiotas deveriamaprender que o crescimento acelera-do, mesmo com uma política que sepreocupa com a distribuição de ren-da, tem uma tendência para aumentara desigualdade, a distância entre aspessoas. Não é a desigualdade deoportunidades, mas a distância entreas pessoas. É o que está acontecendo eo que vai acontecer.

Desafios - Como atenuar isso?

Delfim - É por isso que os programasde correção devem ser focados ca-da vez melhor e continuados. Umaboa parte desses programas foi pro-duzida porque o crescimento nãoaconteceu. Durante 25 anos o Brasilpatinou, o desemprego ficou enorme.O crescimento que estamos vivendoé um novo momento. Desenvolvi-mento é um estado de espírito. Go-verno faz discurso, quem faz o desen-volvimento é o empresário, o espíritoanimal do empresário. Foi isso que oLula acordou. Estava dormindo. OPAC teve esse mérito. O PAC na ver-dade pôs na mesa de volta o proble-ma do crescimento.

Desafios - O principal papel então já está cumprido?

Delfim - Agora está cumprindo commaior eficiência. No momento emque o Estado transfere para o setorprivado através de leilões adequadosas tarefas de infra-estrutura, nós va-

mos ter uma aceleração do cresci-mento. São Paulo está fazendo isso,Minas também, Bahia está entrando evai ter emulação nos outros estados.O aumento dos investimentos em in-fra-estrutura eleva a produtividadedo setor privado. É por isso que nósvamos crescer. O aumento de 1% noinvestimento do setor público em in-fra-estrutura produz em 18 ou 24 me-ses um aumento de 0,24% do PIB. Ogoverno entendeu isso. Saíram os setetrechos de rodovias, a Norte-Sul, aTransnordestina, a hidrelétrica do rioMadeira e já irão sair todos os outros,São Paulo está com treze concessõespara serem feitas. O Brasil acordou etem recursos.

Desafios - Os leilões melhoraram?

Delfim - O governo descobriu queexistem leilões capazes de eliminar a

assimetria de informação entre o po-der concedente e o poder que recebe a concessão. Hoje, estão-se fazendoconcessões muito melhores do que sefizeram no passado, em que se obrigao concessionário a explicitar real-mente o que ele quer. Então, esta é quefoi a grande mudança, na minha opi-nião, introduzida pela ministra DilmaRousseff. Na verdade, a gente atribuíaà ministra Dilma um certo viés ideo-lógico – “ela não quer fazer a privati-zação, ela não quer fazer a concessãoporque acha que é o Estado que devefazer...” –, e hoje eu me rendo. Na ver-dade, ela estava realmente à procurade alguns mecanismos que eliminas-sem essas assimetrias de informação.Eles já existiam e ela chegou neles. E ogoverno chegou neles. Tanto é verda-de que eles estão se estendendo paratodos os outros governos. d

Foto: Paulo Brasil

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Desaf ios • janeiro de 2008 15

G u i l h e r m e H e n r i q u e P e r e i r aARTIGO

modernização da agricultura brasileirade médio e pequeno porte na segundametade do século passado deve muito aosistema de pesquisa e extensão estrutu-

rado pelos governos estaduais, com o importanteapoio do governo federal. Já para os demais seto-res da economia,ainda não se observou uma açãosemelhante no campo da extensão, em âmbitonacional, embora algumas iniciativas mereçam oreconhecimento e sirvam de exemplo.

Não se pretende justificar neste espaço a im-portância da inovação como elemento da dinâ-mica de crescimento das economias de mercado.Busca-se argumentar que a extensão tecnológicano setor industrial, em particular, tem uma fun-ção indispensável no desenvolvimento brasileiro.Também se toma como base a proposição de queo locus da inovação é a empresa que, no entanto,necessita ser estimulada pelo seu ambiente ex-terno. O mercado, os cenários macroeconômicose as políticas de fomento à inovação conformameste ambiente mais ou menos favorável, que épercebido bem mais rápido e com melhor preci-são pelas empresas de maior porte.

Ao contrário, as pequenas empresas são maislentas, ou menos capacitadas, para a percepçãodesses estímulos. A Pesquisa de Inovação Tecno-lógica (Pintec) do Instituto Brasileiro de Geogra-fia e Estatística (IBGE) mostra bem esta correla-ção positiva entre tamanho e taxa de inovação. Amesma pesquisa mostra também que 79,4% dasempresas pesquisadas são pequenas, situadas nafaixa de 10 a 49 empregados, e por tal peso têmampla influência na tendência dos indicadoresglobais do processo de inovação nacional. Estesegmento também tem baixo índice de acesso ecooperação com institutos de pesquisa e de co-nhecimento dos instrumentos da política go-vernamental de fomento.

O Plano de Ação 2007-2010 – Ciência,Tecno-logia e Inovação para o Desenvolvimento Nacio-nal, lançado pelo governo, responde à problemá-tica exposta pela Pintec com a proposição deações que formam um conjunto amplo de ins-trumentos voltados diretamente para a pequena emédia empresa. A capacitação de sócios-gerentespara a gestão do desenvolvimento tecnológico, oincentivo à absorção de pessoal qualificado em

projetos de pesquisa e desenvolvimento (P&D)na empresa, a difusão da cultura da inovação e oapoio à instalação de centros de P&D são os ins-trumentos complementares ao programa que visaestruturar o Sistema Brasileiro de Tecnologia (Si-bratec), voltado para o objetivo de implementar ainovação neste segmento empresarial.

O Sibratec contribuirá para acelerar a mudan-ça dessa realidade mediante o estímulo à implan-tação ou dinamização de ações mobilizadoras,ações de desenvolvimento de produtos e proces-sos, articuladas com a formação empreendedora,ações de prestação de serviços tecnológicos e deextensão tecnológica, enquanto capacitação naspequenas e médias empresas para a absorção detecnologias. Os serviços serão organizados emtrês ações distintas, porém relacionadas, e funcio-narão como estruturantes do sistema.

A primeira é o apoio ao desenvolvimento dosprestadores de serviços tecnológicos que realizamatividades de teste de produtos e calibração deinstrumentos, visando à verificação da qualidadee conformidade às normas e regulamentos exis-tentes.A segunda, o apoio ao desenvolvimento decentros de inovação – dinamizar ou implantar se-tor/atividade em cada instituto tecnológico volta-do para o desenvolvimento de produtos ou pro-cessos, com forte viés de empreendodorismo.Estes centros terão como objetivo transformarconhecimentos em planos de negócios, quer osreferentes ao surgimento de novas empresas, queros referentes a novos produtos ou processos paraempresas existentes.

Por fim, a extensão tecnológica estimulará ademanda por assistência especializada ao pro-cesso de inovação. Será um passo além do Ser-viço Brasileiro de Respostas Técnicas (SBRT),que trata de questões menos complexas. No es-sencial, consistirá na atuação de consultores es-pecializados que realizarão o diagnóstico emcada pequena ou média empresa atendida,conforme plano de trabalho, propondo soluçõespara os problemas encontrados.

Discutir a extensão tecnológica

Assim como a

modernização da

agricultura brasileira

deve muito ao sistema

de pesquisa e extensão

estruturado pelos

governos estaduais,

com apoio federal, a

extensão tecnológica

no setor industrial

tem uma função

indispensável no

desenvolvimento

brasileiro

A

Guilherme Henrique Pereira é secretário de Desenvolvimento Tecnológico e

Inovação do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT)

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PERSPECTIVAS

uito o Brasil tem ainda a caminhar para reduzir suasenormes desigualdades so-ciais, combater a escandalosa

concentração de renda em que vivemos e melhorar a qualidade e o acesso a bense serviços públicos fundamentais, comosaúde, educação e segurança.

Mas os investimentos públicos e pri-vados vêm crescendo a taxas superiores à do PIB, e 2008 desponta como um anode melhor desempenho que 2007, queviu nossa economia crescer 5,2%.

O lançamento do Programa de Acele-ração do Crescimento (PAC), em mar-ço de 2007, representou um ponto de inflexão da política econômica do go-verno do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Após o primeiro mandato,pôde-se incentivar a economia a crescerde forma acelerada, com o governooperando uma política fiscal de gastosem investimentos, sem aumento dodéficit público, da relação dívida/Pro-duto Interno Bruto (PIB) nem inflação.O PAC significou uma mudança posi-tiva de postura do governo perantediversos aspectos da vida nacional, nãosomente econômicos. Boa parte dos in-vestimentos foi contratada no ano pas-sado e tende a deslanchar agora.

Esse crescimento, assim como em2007, deve ser acompanhado do aumen-to do emprego formal, ampliando o as-

M

16 Desafios • janeiro de 2008

2008:mais e melhor

P o r M a r c i o P o c h m a n n

salariamento e as receitas previdenciá-rias. As políticas sociais atingiram signi-ficativamente populações mais pobres,com destaque para o Programa Bolsa Fa-mília, que chegou a mais de 11 milhõesde famílias e já inicia 2008 com a boa no-tícia da ampliação da cobertura tambémpara famílias com filhos de 16 e 17 anos.

Embora a questão do acesso à escolaesteja quase resolvida, há muito que seavançar em termos da qualidade da edu-cação no país, da infra-estrutura das es-colas, da repetência e evasão escolar e,fundamentalmente, da valorização doprofessor. E 2008 trará dois marcos im-portantes: o início da implementação doFundo de Manutenção e Desenvolvi-mento da Educação Básica e da Valoriza-ção dos Profissionais da Educação (Fun-deb), que incorpora a educação infantil eo ensino médio ao núcleo da políticaeducacional e traz consigo a expectativade ampliação de recursos; e o Plano deDesenvolvimento de Educação (PDE),que vai exigir união de esforços entreUnião, estados e municípios.

Na saúde, o desafio será considerável.A área encontra-se protegida pela vincu-lação de recursos determinada pelaEmenda 29, mas o nível atual de investi-mentos (menos de 4% do PIB) coloca oBrasil abaixo da média internacional,que aponta que sistemas do porte doSUS exigem algo em torno de 6% do PIB.

O ano será, portanto, de gestão de crise,ainda mais agora sem os recursos queeram garantidos pela Contribuição Pro-visória sobre Movimentação Financeira(CPMF), extinta pelo Senado.

Na política industrial, vale destacar acontinuidade de dois importantes ins-trumentos: o PAC e a Política Industrial,Tecnológica e de Comércio Exterior –Fase II (Pitce-II). Esses instrumentos fa-zem parte do arcabouço de coordenaçãodas ações estratégicas do governo e deempresas e são fundamentais para apoiare consolidar a atual trajetória de cresci-mento sustentável, acelerado e inclusivo.

Outro aspecto importante diz respei-to à perspectiva de adesão do país, nesteano, ao bloco da Organização para aCooperação e Desenvolvimento Econô-mico (OCDE), que abriga as principaisnações industrializadas. O Brasil deveráainda consolidar sua posição de destaquenas relações Sul-Sul, que em 2008 segu-ramente serão amplificadas.

Marcio Pochmann é presidente do Ins-tituto de Pesquisa Econômica Aplicada(Ipea) e professor licenciado do Institutode Economia da Universidade Estadual deCampinas (Unicamp)

Foto: Gustavo Frôner

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Desaf ios • janeiro de 2008 17

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18 Desafios • janeiro de 2008

A e c o n o m i a b r a s i l e i r a e n t r o u e m t r a j e t ó r i a d e c r e s c i m e n t o c o m q u a l i d a d e ,

ouve durante o ano de 2007 umprocesso positivo de mudançasreais no país. Olhadas de formaisolada, as mudanças quase nada

representaram. Observadas de formacomparativa com o passado recente, re-presentaram quase que revoluções pací-ficas e silenciosas.

H

O crescimento esperadoP o r J o ã o S i c s ú

O lançamento do Programa de Acelera-ção do Crescimento (PAC), em março de2007, representou um ponto de inflexão dapolítica econômica do governo do presidenteLuiz Inácio Lula da Silva relativamente aosanos de 2003 a 2006: entendeu-se, final-mente, após quatro anos de governo, que aeconomia pode crescer de forma acelerada se

o governo operar uma política fiscal de gastosem investimento – e que isto não provocariaaumento do déficit público, aumento darelação dívida/Produto Interno Bruto (PIB)ou inflação.O PAC significou uma mudançapositiva de postura do governo perantediversos aspectos da vida nacional, não so-mente econômicos.

Foto: Stockxpert

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Desaf ios • janeiro de 2008 19

mu i to i n ves t imento, pouca i n f l ação e re l a t i va organ i zação das f i nanças púb l i cas

Foto: Eugênio Novaes

Outros fatos positivos sucederam aoPAC. Rodovias federais foram concedi-das para a administração do setor pri-vado mediante pedágio que representaráa quarta parte do que cobram as conces-sões feitas durante o governo de Fernan-do Henrique Cardoso. O Brasil realizouos Jogos Pan-americanos com sucessoorganizativo e esportivo. O país entrou naera da TV digital, cujos conversores serãovendidos a preço baixo em um ou doisanos. Foi anunciado que a Copa de 2014será no Brasil, o que emula o imaginárionacional desde já. A Petrobras anunciouque o país poderá se tornar na próximadécada um dos dez maiores produtores depetróleo do mundo. E, ao longo do ano,percebia-se um forte crescimento econô-mico, queda drástica do desemprego, au-mento do emprego com carteira, aumentodo investimento e inflação sob controle.

Ademais, o crescimento do ano de2007 foi diferenciado (em relação ao de2000 ou de 2004), porque o investimentocresceu a uma taxa que é mais que o dobroda taxa de crescimento do PIB. Segundoespera o Grupo de Análise e Previsões doInstituto de Pesquisa Econômica Aplicada(Ipea), o PIB deve crescer 5,2% e o inves-timento, 12,3%, no ano de 2007. Espera-se, portanto, mais capacidade de ofertapara os próximos anos, reduzindo o riscode inflação de demanda que caracterizaprocessos de retomada de trajetórias decrescimento acelerado. Muito mais inves-timento significa também que haverá maisinfra-estrutura para escoar a produção – oque por sua vez é outro fator de redução decustos e aumento da produtividade –, oque joga mais oxigênio no processo per-manente de estabilização dos preços. Aleve aceleração da inflação registrada em2007 pode ser explicada em grande partepela alta dos preços dos alimentos advindatanto da quebra de safra agrícola domés-tica (e redução da área plantada para pro-dução de alimentos) quanto da pressãoexterna decorrente da elevação da deman-da por alimentos; ambos são eventos quetendem a desaparecer.

No plano internacional, contudo, agrande novidade foi que crises financeirasemergiram nos países avançados cujodesenlace ainda não é conhecido – po-dendo atingir em algum grau (talvez,significativo) a economia dos países emdesenvolvimento, particularmente a bra-sileira. O estopim foi a incapacidade de as famílias americanas honrarem suasdívidas imobiliárias. E, como se sabe, aeconomia capitalista é uma série de ativose passivos. O ativo de um é o passivo deoutro. Portanto, a economia capitalistafinanceiramente globalizada pode servista como um conjunto internacional e interligado de balanços de famílias,empresas, bancos e governos.

Quando esta cadeia é rompida em al-gum elo, em algum país, a perturbação fi-nanceira é iniciada. Antes que os merca-dos, pelas suas forças internas, transfor-massem graves perturbações em crisesmais agudas, os governos e bancos centraisamericano,europeu e japonês tentaram re-atar os elos perdidos da cadeia injetandorecursos nas economias, reduzindo jurosbásicos e tabelando juros imobiliários paramutuários em dificuldade (tal como anun-ciou o presidente George W. Bush em no-vembro de 2007).

Diante dessa situação, de perdas porvezes consideráveis de instituições dosistema financeiro, e apesar da inter-venção estatal, o volume de crédito ten-de a se reduzir, o que acarretará quedade demanda e redução do crescimen-to da economia americana, em parti-cular. É exatamente o grau do efeito deredução do crédito sobre o circuito pro-dução-consumo das economias avança-das, especialmente a economia ame-ricana, que poderá afetar o crescimentodas economias em desenvolvimento.Um dos canais mais importantes dessacontaminação será a provável reduçãodas exportações dos países em desen-volvimento – o que, no caso brasileiro,será crucial, já que o saldo em tran-sações correntes esperado já é negativopara 2008, mesmo sendo consideradoum cenário internacional positivo.

Outro canal de contaminação poderáser através das expectativas geradas apartir de uma possível desvalorização docâmbio, em um cenário de redução docrescimento internacional e de um sal-do negativo em transações correntes dobalanço de pagamentos brasileiro, o quepoderá provocar uma fuga de capitais.As conseqüências dessa fuga são conhe-cidas: inflação, desânimo empresarial,queda do investimento e aumento do desemprego.

A economia brasileira entrou em tra-jetória de crescimento com qualidade,isto é, com muito investimento, poucainflação e relativa organização das fi-nanças públicas. A caminhada por estatrajetória está, portanto, ameaçada pelodesempenho real e financeiro das econo-mias avançadas e pelas dificuldades queainda persistem de blindagem do ba-lanço de pagamentos brasileiro, de formaespecial a defesa de um saldo positivo emtransações correntes.

João Sicsú é diretor de Estudos Macroe-conômicos do Instituto de PesquisaEconômica Aplicada (Ipea)

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20 Desafios • janeiro de 2008

Implantação do Sistema Único de Assistência Social pode enfrentar di f iculdades para

s políticas sociais que permitemo enfrentamento dos problemassociais no Brasil possuem comouma de suas precondições funda-

mentais a continuidade do crescimentoeconômico e principalmente a recupera-ção do mercado de trabalho. Em 2007, ataxa de crescimento do Produto InternoBruto (PIB) superou 5%, o investimentoreagiu, com a Formação Bruta de CapitalFixo (FBCF) crescendo acima de 10%. Omercado de trabalho teve um ano bastantepositivo: 2007 terminou com o desempre-go próximo de 7%; o grau de formalidadesuperou 55%; e o rendimento médio dotrabalhador cresceu quase 4%.

As expectativas permanecem positivaspara 2008, com crescimento esperado emtorno de 5% e inflação dentro da meta de4,5%. Na medida em que se criem novosempregos de boa qualidade e a inflaçãocontinue em baixa, o rendimento real mé-dio pode se elevar ligeiramente, o quecontribui para expandir a massa salarial.Por outro lado, a retomada de investi-mentos em setores antes estagnados in-crementa a demanda por trabalhadoresqualificados. Não há certeza sobre a mag-nitude desta escassez de trabalhadoresqualificados, mas o governo federal pre-tende ampliar as políticas e os gastos emqualificação profissional. Mas o desafiosupera o âmbito da qualificação profissio-nal, pois suas deficiências estão direta-mente ligadas à educação básica.

A

A problemática das

políticas sociaisP o r J o r g e A b r a h ã o d e C a s t r o

Persistem ainda enormes desafios paraa educação: embora a questão do acesso àescola esteja quase resolvida, há muito quese avançar em termos da qualidade do en-sino, da infra-estrutura das escolas, da re-petência e evasão escolar e, fundamental-mente, da valorização do professor, sem oque nenhuma das outras questões avan-çará. O ano de 2008 trará dois marcos im-portantes: o início da implementação doFundo de Manutenção e Desenvolvimentoda Educação Básica e da Valorização dosProfissionais da Educação (Fundeb), queincorpora a educação infantil e o ensinomédio ao núcleo da política educacional etraz consigo a expectativa de ampliação derecursos; e o Plano de Desenvolvimentode Educação (PDE), que vai exigir umaconcertação de esforços entre União, es-tados e municípios em torno de ações quevisam consolidar o que já se conquistouno acesso e avançar na qualidade do en-sino em seus vários níveis.

Aliás, adquire cada vez mais relevân-cia a necessidade de uma maior interaçãoentre as políticas de cultura e educação:afinal, é na escola que são formados ogosto pelas artes e a valorização dos bensculturais e da produção artística. E o quese constata hoje é um grande descasocom essa formação, com a falta de profes-sores de arte e com a ausência destestemas nos currículos escolares. Na mes-ma linha, uma melhor integração entre a escola e o esporte poderia também ser

citada como desafio importante na cons-trução da cidadania.

No âmbito da seguridade social, umdos fatores condicionantes mais relevan-tes para 2008 refere-se à não aprovação daarrecadação de tributos mediante a Con-tribuição Provisória sobre Movimen-tação Financeira (CPMF). Essa medidaafetará direta ou indiretamente quasetodas as áreas da política social, devido aogrande volume de recursos que o governofederal deixará de contar. Serão neces-sários ajustes, com revisão das metaspretendidas, provavelmente de modotanto mais profundo naqueles setorescujo financiamento contava com impor-tante participação desta contribuição.

Este é o caso da área de saúde, onde odesafio será considerável. Pois, se por umlado esta área encontra-se protegida pelavinculação de recursos determinada pelaEmenda 29, por outro lado a frustração denovos aportes de recursos é um problema,uma vez que não é possível garantir a inte-gralidade e universalidade do atendimentona área de saúde com o nível atual de re-cursos – menos de 4% do PIB, quando acomparação internacional mostra que sis-temas do porte do Sistema Único de Saúde(SUS) exigem algo em torno de 6% do

Foto: Stockxpert

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ampl iar e reorgan i zar a proteção soc ia l se depender de for te apor te de recursos

PIB. A frustração de expectativas certa-mente tornará 2008 um ano de gestão decrise. Isto porque, mesmo que as açõessejam preservadas,os gargalos – sobretudoligados à tabela de remuneração dos servi-ços, ao salário dos profissionais e ao aten-dimento hospitalar – não serão resolvidos,e todos os acréscimos à política, previstosno PAC da Saúde, deverão ser repensados.

Outra área diretamente afetada pelanão-prorrogação da CPMF é a de assistên-cia social. Embora o Programa Bolsa Fa-mília tenha se tornado uma marca do go-verno do presidente Luiz Inácio Lula daSilva, e, deste modo, espera-se que ele sejaprotegido de cortes, mas sua ampliaçãopoderá não acontecer. Além disso, a im-plantação do Sistema Único de AssistênciaSocial (Suas), que pretende ampliar ereorganizar os serviços de proteção socialprestados por União,estados e municípios,pode enfrentar dificuldades se dependerde forte aporte de recursos.

A Previdência Social também perde re-cursos com o fim da CPMF,mas,por outrolado, tem elevado a arrecadação da con-tribuição de trabalhadores e empregado-res, graças ao crescimento econômico egrande formalização do emprego no mer-cado de trabalho. Alguns ajustes na gestão

também têm obtido impactos importan-tes. No âmbito específico da Previdênciado Servidor Público, é necessário lembrarque a reforma da previdência votada noinício do governo Lula,em 2003 – a Emen-da 41 – ainda aguarda a devida regulamen-tação da legislação infraconstitucional.

Mas a grande questão para a Previdên-cia em 2008 consiste na continuidade dasdiscussões iniciadas no Fórum da Previ-dência: serão apresentadas propostas dealteração no sistema? Terão a amplitude deuma reforma propriamente dita, ou serãoapenas alguns ajustes pontuais? E mais im-portante: o que será implementado de mo-do a ampliar não apenas a sustentabilidadefiscal da Previdência, mas principalmenteaumentar a sua sustentabilidade social, ouseja, enfrentar o desafio da inclusão previ-denciária dos hoje excluídos. Nesse senti-do, apenas para ficar em alguns exemplos,devemos acompanhar com atenção espe-cial os impactos do Plano Simplificado dePrevidência Social, que facilitaria a inclu-são de trabalhadores autônomos de baixarenda; e do Super-Simples, que pode im-plicar uma maior formalização na geraçãode empregos. Na mesma linha, aliás, en-contra-se o debate sobre a desoneração dafolha de pagamento.

Em relação a outras áreas acompanha-das pela Diretoria de Estudos Sociais, oquadro geral é de preocupação constante,pois os desafios sempre parecem estarmuito além dos recursos materiais e insti-tucionais envolvidos. Na área de segurançapública, há o receio de que o ajuste orça-mentário que virá – após a não-pror-rogação da CPMF – possa comprometer aimplementação do Programa Nacional deSegurança Pública com Cidadania (Pro-nasci). Os repasses para a modernização eaparelhamento das polícias estaduais po-dem ser reduzidos, bem como os urgentesinvestimentos no sistema penitenciário –estima-se um déficit superior a 100 mil va-gas para detentos.As áreas transversais, co-mo as políticas para a promoção da igual-dade de gênero e da igualdade racialtambém temem frustração de recursos,

pois, embora movimentem um volumepequeno de recursos orçamentários, nãopossuem em sua defesa atores sociais orga-nizados com o mesmo poder de fogo deáreas como saúde e previdência, por exem-plo. A grande novidade da política para2008, o Pacto Nacional pelo Enfrentamen-to da Violência contra as Mulheres, tam-bém corre risco de ser prejudicada, casohaja cortes nas políticas e nos diversos PACssetoriais lançados. O Pacto representa umgrande aporte novo de recursos e umanova forma de gestão desta política – que éa mais consolidada dentre as que integrama área das políticas para as mulheres.

No que se refere ao desenvolvimento daagricultura familiar, as tensões permane-cem. Os conflitos pela posse da terra vêmacumulando novos matizes, como a eleva-ção do preço da terra, os impactos ambí-guos do avanço do etanol e do biodiesel –e isto sem que os focos tradicionais de lutapela reforma agrária tenham sido equacio-nados. A despeito de avanços como o Pro-grama Nacional de Fortalecimento da Agri-cultura Familiar (Pronaf), por exemplo, osrecursos para a reforma agrária têm dimi-nuído, e este tema não mais consta entre asprioridades do próximo Plano Plurianual(PPA), em vigor no período 2008-2011.

Por fim, a perda dos recursos da CPMFpode significar restrições às políticas pú-blicas. No entanto, um forte crescimentoeconômico pode representar um contra-ponto que permita a recomposição dascontas públicas, além, é claro, de todos osefeitos encadeados de incremento no em-prego e na renda. Apesar disso, espera-seque o atual governo continue a garantir adiminuição da desigualdade e promoçãoda segurança social de modo a garantir amanutenção e até a ampliação do atualsistema de proteção social brasileiro, que éum dos mais complexos entre os países emdesenvolvimento.

Jorge Abrahão de Castro é diretor deEstudos Sociais do Instituto de PesquisaEconômica Aplicada (Ipea)

Foto: Divulgação/Ipea

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22 Desafios • janeiro de 2008

A complex idade da questão reg iona l bras i le i ra ex ige uma atuação transesca lar ou

portantes de grupos sociais que não maissuportavam o atraso e o abandono aosquais estavam relegados as suas popu-lações e seus territórios. Um exemplodeste processo é a análise clássica desen-volvida por Chico de Oliveira para his-toriar a constituição da Superintendênciade Desenvolvimento do Nordeste (Sude-ne), em Elegia para uma re(li)gião, publi-cado pela Editora Paz e Terra, em 1977.

Relativamente exitosa, pois promoveuum processo de integração produtiva nopaís. Ou seja, temos uma estrutura pro-

dutiva cujos componentes estão distribuí-dos em diferentes partes do território na-cional. Distribuídos sim, mas de formadesigual, é bem verdade! Assim, o país temuma bela e relativamente exitosa históriade políticas regionais, porém inconclusa.

Inconclusa, em primeiro lugar porqueainda é muito significativo o grau das desi-gualdades regionais brasileiras: a macror-região Nordeste, por exemplo, em 2005,segundo o Instituto Brasileiro de Geogra-fia e Estatística (IBGE), abrigava 28% dapopulação, mas era responsável apenas

o ano em que se comemora 20anos da promulgação da Cons-tituição Federal de 1988, é inte-ressante refletir sobre as perspec-

tivas da questão regional brasileira.Como sabemos, o artigo 3º da Consti-tuição Federal institui a redução das de-sigualdades regionais como objetivofundamental da República.

O Brasil é um dos países que têm umabela e relativamente exitosa história depolíticas regionais. Bela porque pautadae concebida a partir de lutas políticas im-

N

A questão regional e

urbana na ordem do diaP o r L i a n a M a r i a d a F r o t a C a r l e i a l

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mult iescalar, pois as desigualdades maiores ou menores atravessam todas as escalas

superintendências regionais, procura-ram dinamizar as regiões mais pobres dopaís. O êxito, sabemos, foi relativo, mas acoordenação nacional das políticas regio-nais foi abandonada, o que tem se revela-do um erro.

No cerne da questão está a crise dos anos1980, que reduziu a capacidade de finan-ciamento do desenvolvimento brasileiro.Contraditoriamente, porém, a consolida-ção do movimento de redemocratização dasociedade brasileira vai permitir um movi-mento de descentralização política e eco-nômica em direção aos estados e muni-cípios, guindados à posição de entesfederados. O novo pacto federativo brasi-leiro vai encontrar regiões fortemente dife-renciadas do ponto de vista econômico,produtivo, tecnológico, ambiental e social,engendrando capacidades distintas de reagiraos desafios colocados também pelas mu-danças no cenário mundial: globalização,mudanças tecnológicas, maiores exigênciasde sustentabilidade ambiental, mudançasnas naturezas da firma e da concorrência edesregulamentação dos mercados.

Guerra fiscal, primado dos “localis-mos”, abandono da coordenação nacionalde políticas regionais de desenvolvimento,abandono do planejamento e crença exa-gerada na inclusão “redentora” via globa-lização foram os elementos mais relevantesda resposta que regiões, estados, metrópo-les e municípios conseguiram promover.Certamente,agravou-se a complexidade daquestão regional brasileira, exigindo-seagora uma atuação transescalar ou multi-escalar, pois as desigualdades maiores oumenores atravessam todas as escalas.

Universalmente, na análise regional, asescalas maiores, ou seja, as macrorregiões,tendem a revelar menos as diferenças; as-sim é que, no nosso caso, há uma tendên-cia de aproximação entre as rendas dasgrandes regiões. Mesmo assim, a partir dequalquer indicador socioeconômico esco-lhido,renda per capita,Índice de Desenvol-vimento Humano (IDH) ou Produto In-terno Bruto (PIB), é possível estabelecerum corte e definir Norte e Nordeste como

por 13,3% do valor adicionado bruto dopaís, enquanto a macrorregião Sudesteabrigava 42% da população e participavacom 56,6% deste valor. Em segundo lugar,porque a permanência deste grau de dese-quilíbrio regional é impeditiva da consti-tuição efetiva da nação brasileira.

O esforço das políticas de desenvolvi-mento regional nos anos 1960-1980 este-ve assentado num Estado promotor do de-senvolvimento que construiu grandesagências de desenvolvimento regional. ASudene e a Superintendência de Desen-volvimento da Amazônia (Sudam), deformuladoras de políticas de desenvol-vimento transformaram-se em meras exe-cutoras de programas cuja chave centralera a manipulação de incentivos fiscais queprocuravam baratear a formação decapital, facilitar importações ou aindareduzir a carga tributária. O país contouainda com um conjunto de programas(Proterra, Polonordeste, Poloamazônia,Polocentro) que, associados às grandes

as macrorregiões mais atrasadas e maispobres do país.

O ano de 2007 foi marcado por ten-dências muito positivas que apresentamcerto potencial para a retomada de umprocesso mais acelerado de redução des-sas desigualdades.

Em primeiro lugar, a economia brasi-leira teve um excelente desempenho, le-vando o PIB a crescer acima de 5%; ao ladodisto,o comportamento dos investimentosfoi também excepcional, crescendo acimade 10%, insinuando assim a possibilidadereal de continuidade do crescimento eco-nômico brasileiro.

Em segundo lugar, este crescimento foiacompanhado do aumento do empregoformal, ampliando o assalariamento e asreceitas previdenciárias.As políticas sociaisimplementadas pelo governo federal e go-vernos estaduais atingiram significativa-mente populações de regiões mais pobres,“azeitaram”as relações mercantis,multipli-caram esses efeitos e reduziram a pobrezanestes territórios, para além da capacidadeque as rendas do trabalho teriam.

Em terceiro lugar, o governo brasileirolançou o Plano de Aceleração do Cresci-mento (PAC), composto por uma impor-tante carteira de investimentos em infra-estrutura, energia, portos, aeroportos,estradas, habitação, saneamento, amplia-ção da rede de esgotos, usinas hidrelétri-cas, recursos hídricos de distintas nature-zas,incluindo a polêmica integração do rioSão Francisco às bacias hidrográficas noNordeste setentrional.

Este conjunto de ações atende a umadistribuição regional na alocação dos in-vestimentos que, se realizada, vai trazer be-nefícios significativos às regiões mais em-pobrecidas. Os estudos de simulaçãodesses impactos desenvolvidos pelo Cede-plar/UFMG indicam que, a médio prazo,ocorrerá um movimento de desconcentra-ção regional. A curto prazo, porém, dadasas diferenças inter-regionais de estruturaprodutiva, os efeitos mais imediatos se fa-zem mesmo nas regiões mais desenvol-vidas e capazes de atender às demandas de

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as condições de financiamento do desen-volvimento regional brasileiro. Doângulo da renda pessoal, o desafio égarantir que essa reforma tributária sejacapaz de desonerar as camadas popula-cionais de níveis de renda mais baixos,ampliando a justiça social, reduzindo a forte regressividade da tributação dosbens de primeira necessidade e liberandorenda para consumo de outros bens eserviços.

Os desafios colocados para a questãoregional e urbana brasileira residem emgrande parte em como tornar maior aacessibilidade dos homens e mulheresque vivem em qualquer ponto do nossoterritório ao emprego, à renda, à terra, aomeio ambiente saudável, aos serviços pú-blicos (especialmente educação e saúde)de boa qualidade, à mobilidade urbana, àhabitação, à cultura e ao lazer. Esta pos-sibilidade depende em grande medida dacontinuidade do crescimento econômi-co, mas não só.

Cumprir o terceiro artigo da Consti-tuição Federal de 1988 exige que, alémdestes indícios positivos aqui relatados, oBrasil seja capaz de promover rupturas,criando novas oportunidades que trans-formem as estruturas produtivas regio-nais, e de instituir estratégias e instru-mentos de intervenção adequados àsdiferentes escalas (estados, macrorre-giões, metrópoles e municípios com di-ferentes graus de urbanização). Masainda não será suficiente! É tambémimperativo construir políticas de coesãoterritorial, evitando que municípioslocalizados em áreas de baixo dinamis-mo sejam fragmentados. Finalmente, éurgente integrar os diferentes instrumen-tos numa perspectiva e direção únicassob uma coordenação nacional das açõesde desenvolvimento regional. É, de fato,um enorme desafio.

Liana Maria da Frota Carleial é diretorade Estudos Regionais e Urbanos doInstituto de Pesquisa EconômicaAplicada (Ipea)

24 Desafios • janeiro de 2008

O B r a s i l d e v e r á c o n s o l i d a r s u a p o s i ç ã o d e d e s t a q u e p e l o m a i o r f o c o n a s

serviços e bens que a carteira de investi-mento exige. Logo, o PAC pode vir a serum alavancador efetivo do desenvolvi-mento regional brasileiro.

Em quarto lugar, há uma sintonia sig-nificativa entre os diferentes órgãos queplanejam, oferecem os instrumentos eexecutam o desenvolvimento brasileiroem direção à necessidade de promovermais intensamente o desenvolvimentoregional brasileiro.

Em outubro de 2007, o presidente doBanco Nacional de Desenvolvimento Eco-nômico e Social (BNDES), Luciano Cou-tinho, afirmou que o Nordeste é área prio-ritária para a atuação do banco. Emseguida,o BNDES criou uma Secretaria deDesenvolvimento Regional centrada noencaminhamento dos arranjos produtivoslocais. Adicionalmente, o Banco do Brasil,a Caixa Econômica Federal e o Banco doNordeste do Brasil, instituições conheci-das por suas capilaridades, reforçam suaspráticas e instrumentos de promoção dodesenvolvimento regional. Há alguma sin-tonia com as importantes políticas agríco-las e agrárias em andamento, como o Pro-grama Nacional de Fortalecimento daAgricultura Familiar (Pronaf) e o Progra-ma de Territórios em Desenvolvimento doMinistério do Desenvolvimento Agrário(MDA). O Ministério da Integração coor-dena a implementação de algumas ações doPAC e trabalha a partir do Plano Nacionalde Desenvolvimento Regional (PNDR), oqual distingue mesorregiões em diferentesgraus de desenvolvimento no país. O Mi-nistério das Cidades exige e acompanhaplanos diretores municipais e intensificaprogramas de regularização fundiária emimportantes áreas urbanas brasileiras.

O Instituto de Pesquisa EconômicaAplicada (Ipea), por sua vez, transformoua questão regional numa questão estraté-gica para cumprir o seu papel de pensar o desenvolvimento brasileiro a longoprazo. Isto significa que não são suficientesa macroeconomia que favoreça o cres-cimento, as políticas sociais redistributivase a política setorial (industrial, agrícola,

infra-estrutura, etc.) para promover odesenvolvimento econômico de longoprazo. É imperativo que se enfrentem asexigências do desenvolvimento regionalbrasileiro. Para tanto, promoveu umaampliação temática de sua diretoria deestudos regionais e urbanos, preparando-apara responder aos desafios colocados portais questões.

De modo relativamente coeso, algu-mas unidades da federação reconhecem anecessidade de retomar o planejamentode seu desenvolvimento e constroempropostas, planos de desenvolvimento demédio e longo prazos, propondo açõespara além da “guerra fiscal”. Este é o casode Minas Gerais, Paraná, Pernambuco eRio Grande do Norte, entre outros.

Finalmente, no âmbito da sociedade edas instituições, cresce a consciência danecessidade de construção de um outropacto federativo assentado em novasbases. Só assim faz sentido uma reformatributária que construa critérios maisconsistentes de transferência de recursospara os diferentes entes da federação(diferenciando metrópoles e os demaismunicípios), amplie a estatura da esferaestadual e estabeleça com mais precisão

Foto: José Paulo Lacerda

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Desaf ios • janeiro de 2008 25

bloco da Organização para a Cooperação eDesenvolvimento Econômico (OCDE),que abriga as principais nações industria-lizadas. A aproximação do Brasil com aOCDE vem se intensificando nos últimosanos e representa o reconhecimento, porparte daquela organização, de que o paístem ampliado sua importância no contex-to internacional, reforçando, ainda umavez mais, seu papel como grande interlo-cutor representante das nações emergentesou em desenvolvimento.

O Brasil deverá ainda consolidar suaposição de destaque pelo maior foco nasrelações Sul-Sul, que em 2008 segura-mente serão amplificadas. A aproximaçãocom países como a África do Sul, Índia,China, entre outros, faz parte de umaestratégia de ampliação das oportunidadesde intercâmbio e de fortalecimento junto anações que, ainda que não façam parte dorol das nações ditas mais ricas, têm cres-cente significância no contexto internacio-nal. Em suma, 2008 deve consolidar apostura proativa do Brasil e sua crescenteimportância no contexto internacional.

Mário Lisboa Theodoro é diretor de Coope-ração e Desenvolvimento do Instituto dePesquisa Econômica Aplicada (Ipea)

De outro lado,o Brasil terá reforçado seupapel de liderança no bloco dos países emdesenvolvimento, sobretudo nas iniciativasde negociação de algumas agendas impor-tantes como a questão ambiental, assimcomo a questão do comércio internacional.O país deverá, em 2008, manter-se comouma espécie de porta-voz privilegiado dobloco de países emergentes,na interlocuçãocom o chamado Primeiro Mundo.

Outro aspecto importante diz respeito àperspectiva de adesão do país, em 2008, ao

r e l a ç õ e s S u l - S u l , q u e e m 2 0 0 8 s e g u r a m e n t e s e r ã o a m p l i f i c a d a s

Foto: Gustavo Frôner

s expectativas para o Brasil em2008 apontam, de uma maneirageral, para um cenário bastantepositivo. O crescimento do Pro-

duto Interno Bruto (PIB), em face de suatrajetória recente, parece ter se estabilizadoem patamares acima de 5%. O desempre-go em queda, o emprego formal apresen-tando sinais de grande aumento, a inflaçãosob controle, os juros em declínio, tudoisso delineia um panorama verdadeira-mente auspicioso.

No que tange ao cenário internacio-nal, os esforços no sentido da consoli-dação do Mercosul deverão ser inten-sificados em 2008. A incrementação deacordos e projetos de cooperação e de-senvolvimento entre os países do sub-continente consolidará os vínculos eco-nômicos e a integração regional.

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A cooperação

se intensificaráP o r M á r i o L i s b o a T h e o d o r o

Foto: Images.com/Corbis/Latinstock

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26 Desafios • janeiro de 2008

A cont inu idade do PAC e da Po l í t ica Industr ia l , Tecno lóg ica e de Comérc io Ex ter ior

Diretoria de Estudos Setoriaistem concentrado seus esforçosde pesquisa em atividades quesão transversais às análises seto-

riais, como política industrial, inovaçãotecnológica, comércio exterior, inves-timento direto externo e arranjos pro-dutivos locais. Análises setoriais sãoigualmente realizadas em campos comoindústria, serviços, infra-estrutura eagropecuária.As abordagens são de corteproblematizador, tendo como foco ascondições e tendências da competitivi-dade das empresas e do setor. Por exem-plo, no caso da infra-estrutura, o foco éorientado para questões atinentes àpolítica industrial específica, aos mar-cos regulatórios e às políticas de plane-jamento e estímulos a investimen-tos nesses setores, em particular noestabelecimento de Parcerias Público-Privadas (PPPs).

Dentre os inúmeros aspectos depolítica pública no decorrer de 2008,vale ressaltar a continuidade de doisimportantes instrumentos de políticaindustrial, a saber: o Programa de Ace-leração do Crescimento (PAC) e aPolítica Industrial, Tecnológica e deComércio Exterior – Fase II (Pitce-II).Estes instrumentos fazem parte doarcabouço de coordenação das açõesestratégicas do governo e de empresas e,por sua vez, são de fundamental im-portância para apoiar e consolidar aatual trajetória de crescimento susten-tável, acelerado e inclusivo.

De fato, em 2007 a economia exibiuum amplo conjunto de indicadores eco-nômicos positivos, apontando não ape-nas para a perspectiva de aceleração deseu crescimento econômico, mas tam-bém para a manutenção da inflação emníveis baixos. Dentre os principais in-dicadores do crescimento sustentávelvale destacar que o Produto InternoBruto (PIB) do país cresceu 4,4% noprimeiro trimestre de 2007 (diante domesmo trimestre de 2006) e 5,4% no

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A chave do

desenvolvimento

sustentável

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Desaf ios • janeiro de 2008 27

segundo trimestre de 2007 (frente a igualperíodo de 2006) e o investimento, noconceito de Formação Bruta de Ca-pital Fixo (FBCF), nos mesmos inter-valos, cresceu, respectivamente, 7,3% e13,8% – dados extraídos do estudo Vi-são do Desenvolvimento nº 43, do Ban-co Nacional de Desenvolvimento Eco-nômico e Social (BNDES). Os valoresapurados no cálculo do investimentofazem parte de uma importante amostrados setores privado e público e seu totalalcança R$ 1,21 trilhão para o conjuntodo período 2008-2011. Desse total, 37%

correspondem à indústria, incluindopetróleo, extrativa mineral e indústria detransformação (a indústria de transfor-mação representa 13,4% do total desseinvestimento); 19%, à infra-estrutura; e44%, à construção residencial.

O estudo do BNDES acima referidotambém chama a atenção de que oinvestimento vem crescendo à frente doPIB não apenas nos dois primeirostrimestres de 2007, mas por 13 trimes-tres consecutivos. A confirmação dessatendência, em que o investimento cresceà frente do PIB, significa uma impor-

tante contribuição do setor produtivopara a consistência macroeconômica delongo prazo do país. Ou seja, há espaçopara a economia brasileira aproveitar seugrande potencial de expansão, incorpo-rando maior valor agregado às suasexportações e deixando para trás os sur-tos de crescimento de curto prazo (tipo“vôo de galinha”).

Entretanto, o ajuste a um ciclo de lon-go prazo não prescinde de instrumentose mecanismos de coordenação entre as esferas pública e privada, represen-tados pelo planejamento, regulação e

é f undamenta l para conso l i da r o c resc imen to su s ten táve l , ace l e rado e i n c l u s i vo

P o r M a r c i o W o h l e r s d e A l m e i d a

Foto: Construction Photography/Corbis/Latinstock

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28 Desafios • janeiro de 2008

Promover o conhecimento e inovação da estrutura produtiva e de serv iços é a chave

financiamento adequados para induzir e expandir os investimentos. Dentreesses mecanismos, como foi ressaltadono início desta nota, encontram-se oPAC e a Pitce-II.

Lançado no início de 2007, o PACenvolve recursos orçados em R$ 503,9bilhões para todo o período 2007-2010.Constitui importante instrumento paraaumentar o investimento público em in-fra-estrutura, incentivar o investimentoprivado e remover obstáculos buro-cráticos, administrativos, normativos,jurídicos e legislativos ao crescimento.Asmedidas do programa estão organizadasem cinco blocos: (i) investimento eminfra-estrutura; (ii) estímulo ao crédito eao financiamento; (iii) melhora do am-biente de investimento; (iv) desoneraçãoe aperfeiçoamento do sistema tributário;e (v) medidas fiscais de longo prazo.Seus fundamentos econômicos estão ba-seados na estabilidade monetária, res-ponsabilidade fiscal e baixa vulnerabili-dade externa.

A Pitce fase I foi lançada ao final de2003, estabelecendo uma estratégia dedesenvolvimento produtivo em que fo-ram definidas as diretrizes para elevar acompetitividade industrial do país. Seufoco foi centrado na inovação de setoresintensivos em tecnologia e na expansãoacelerada das exportações.

Na prática, a Pitce representa a recu-peração da capacidade de formulação ecoordenação do Estado, onde novas ins-tituições foram constituídas, a exemploda Agência Brasileira de Desenvolvi-mento Industrial (ABDI) e do ConselhoNacional de Desenvolvimento Industrial(CNDI), e instrumentos como os fórunsde competitividade foram reativados.

Conforme tem sido anunciada pordiversas fontes governamentais, a fase IIda Pitce pretende aumentar a potênciada política industrial, adequando-se aonovo ciclo de desenvolvimento em que oinvestimento e a inovação são de funda-mental importância para a sustentaçãode longo prazo desse processo. Espera-se

o lançamento oficial da nova fase no iní-cio de 2008 e, dentre as várias novidades,já foi antecipado que os benefícios a se-rem concedidos ao setor privado deve-rão contar com temporalidade limitada eestar associados às respectivas contra-partidas.

A ampliação da taxa de investimentosdo País significa não apenas o aumentoda capacidade produtiva, mas tambémnovos investimentos em modernização emais recursos para as distintas áreas depesquisa e desenvolvimento (P&D).Dado que o foco hoje está na trans-formação da base produtiva rumo a ummaior valor agregado, introduzindo co-nhecimentos que permitam a melhoriade qualidade, a inovação e diferenciaçãode produto, espera-se que o novo ciclode desenvolvimento amplie a taxa deinovação da economia brasileira. Essataxa atualmente situa-se em torno de33%, valor bastante inferior ao verifi-cado em economias desenvolvidas,como a alemã, em que esse índice é decerca de 60%.

A busca de padrões produtivos ca-pazes de promover o desenvolvimentosustentável, de fato, requer não apenas

elevadas taxas de investimento, mastambém uma adequada reconfiguraçãoinstitucional capaz de conceber e efeti-var uma agenda de desenvolvimentovoltada para o longo prazo. As ins-tituições – bancos de desenvolvimento,agências, aparato regulatório, formas de cooperação entre firmas e centros de pesquisa – foram concebidas para umtipo de desenvolvimento dos anos1950/1970, quando o foco era a cons-trução de fábricas.

Não obstante os importantes avanços(PAC e Pitce), há que se reconhecer queas instituições estão pouco preparadaspara lidar com temas tão diversos comosoftware, marcas, internacionalização deativos e influência na divisão interna-cional do trabalho.

E, como o Brasil não está sozinho nomundo, uma rápida panorâmica daspolíticas de inovação em países impor-tantes – dos Estados Unidos à Coréia doSul – mostra que, apesar da direçãocorreta, há muito para se fazer aqui. Porexemplo, em todos os países pesqui-sados, inovação é assunto tratado dire-tamente pelo gabinete do maior manda-tário (primeiro-ministro ou presidente),acima de ministérios e agências. É polí-tica de Estado voltada para o crescimen-to e para manter ou aumentar a hegemo-nia dos países em segmentos decisivosda economia mundial. O jogo é comple-xo e envolve muitos recursos no caso dospaíses centrais. No Brasil, é necessárioimplantar uma política integral de ino-vação e competitividade de modo que ocrescimento brasileiro diminua a distân-cia existente em relação aos países maisdesenvolvidos.

Promover o conhecimento e inova-ção da estrutura produtiva e de serviçosé chave para o desenvolvimento susten-tável do país.

Marcio Wohlers de Almeida é diretor deEstudos Setoriais do Instituto de Pes-quisa Econômica Aplicada (Ipea)

Foto: José Paulo Lacerda

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A l e s s a n d r o T e i x e i r aARTIGO

ntegração. Esta foi a motivação principal doPrimeiro Encontro de Instituições de Pro-moção de Comércio e Investimentos daAmérica Latina e Caribe, realizado em

dezembro no Rio de Janeiro.A convite da Agên-cia Brasileira de Promoção de Exportações e In-vestimentos (Apex-Brasil), essas instituiçõesdiscutiram estratégias conjuntas para ampliar ointercâmbio econômico-comercial entre os paí-ses da região.

Por séculos, nos mantivemos praticamentealheios às possibilidades econômico-comer-ciais existentes na vizinhança.A região tem des-pertado atenção de investidores estrangeiros detoda parte do mundo e voltado suas energiaspara realizar investimentos em outros pólos daeconomia mundial. Isto mostra que existem re-cursos e oportunidades dentro da América La-tina (AL) e do Caribe e que, portanto, é impor-tante que os países da região percebam todasessas potencialidades de fazer negócios com osvizinhos e passem a dedicar mais esforços paraaproveitá-las.

Este potencial fica claro quando observamoso recente crescimento na corrente de comérciointra-regional, que, contudo, ainda está muitoaquém da performance ideal para a região. De2002 para cá, a corrente de comércio intra-regio-nal aumentou 144%, registrando em 2006 umtotal de US$ 280 bilhões. O aumento em relaçãoa 2005 foi de 26%. A proporção do comércio in-tra-regional no total do comércio dos países daregião também vem aumentando considera-velmente, passando de 16% em 2001 para 20,5%em 2006, e há ainda muito espaço a ser ocupado.

Como estimular o crescimento desses fluxosde investimento e como consolidá-los em pa-tamares elevados foram questões centrais do encontro realizado no Rio. Ele serviu para que essas agências fizessem um diagnóstico das difi-culdades para aumentar o comércio intra-regional e apontassem caminhos para resolveros gargalos. Um deles foi a forma como se uti-lizam as informações e se analisam mercados noplanejamento das ações, no auxílio às empresas,na identificação de oportunidades comerciais ena realização de negócios. As agências da regiãopuderam conhecer novas formas de tratar a

informação como fomento da competitividadede seus clientes.

Neste mesmo cenário em que se produzeminformações constantemente, as agências de pro-moção também têm de estar atualizadas em seusinstrumentos e estratégias de mercado. Assim,couberam a discussão e o compartilhamento denovas ferramentas de promoção, que vão alémdas tradicionais feiras e missões comerciais.Além de conhecerem direções inovadoras emestratégias de inserção em mercados, as agênciastiveram acesso a práticas para transmitir o pró-prio conceito de inovação ao setor privado, per-mitindo não apenas que ingressem no mercadoglobal, mas também que permaneçam nele comsucesso. Neste contexto, foi abordado ainda oprocesso de internacionalização das empresas,que é um passo além da exportação.

O evento ainda serviu para que os países daAmérica Latina e do Caribe conhecessem as me-lhores práticas de promoção de negócios de seusvizinhos. O caso da Colômbia na criação demarcas fortes para café e flores, a experiência doMéxico no apoio à internacionalização de em-presas, o caso do Chile na atração de investi-mentos e o da Argentina na promoção do turis-mo são exemplos do que se pode aprender comhistórias de sucesso reais e próximas. A reuniãodessas agências foi ainda catalisadora para a for-mação de parcerias entre os países da região paraa atuação em terceiros mercados. Na Carta doRio, o documento final do evento, os participan-tes se comprometem a trabalhar para um au-mento de 80% na corrente de comércio inter-re-gional e para a elevação dos investimentos nospróximos cinco anos.

Observando os resultados desse encontro, épossível concluir que a integração entre asagências é estratégica para a intensificação dosvínculos que unem as economias e para o pró-prio desenvolvimento econômico da região. Eessa agenda será seguramente enriquecida nospróximos encontros anuais já programados pa-ra El Salvador, Jamaica e Nicarágua.

Aumentar o comércio na AL e Caribe

Por séculos, nos

mantivemos

praticamente alheios

às possibilidades

econômico-comerciais

existentes na

vizinhança.

A região tem

despertado atenção

de investidores

estrangeiros de toda

parte do mundo

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Alessandro Teixeira é presidente da Agência Brasileira de Promoção de

Exportações e Investimentos (Apex-Brasil)

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INTEGRACÃO

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Relatório da United Nations Conference on Trade and Development

(Unctad) estimula os países em desenvolvimento a intensif icarem

um tipo de regionalismo que não necessariamente reúne países

que estão em uma mesma região, mas entre países que têm

interesses comuns, embora estejam geograf icamente distantes,

aproximando a América Latina da África e da Ásia

P o r J o r g e L u i z d e S o u z a , d e S ã o P a u l o

O novoregionalismo

Ilustração: Erika Onodera

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Pa í s em desenvo l v imen to que ace i t a acordos b i l a te ra i s fa z concessões ma i o res

que parece não funcionar bem é uma re-gionalização ‘a la’ Área de Livre Comérciodas Américas (Alca). Na regionalização ‘a la’ Alca, os países em desenvolvimentosão obrigados a renunciar a uma série deflexibilidades de que eles ainda dispõem,especialmente nas regras de comércio. AAlca é o que nós chamamos de umaOMC-Plus, porque as regras vão maisalém da Organização Mundial do Co-mércio (OMC). Nesses processos de in-serção de países em desenvolvimento epaíses desenvolvidos com acordos de li-vre comércio, o balanço não é tãosatisfatório assim. Acordos de livre co-mércio com o Norte de maneira geral nãotêm mostrado resultadostão favoráveis assim”.

O professor ex-plica também queoutra novidade

da regionalização é que “algunspaíses do Sul (países em desen-volvimento) acumularam reservas consi-deráveis, como é o caso do Brasil, porexemplo, aqui na América do Sul, e agorapodem ter planos mais ambiciosos deintegração econômica porque dispõem decerta capacidade de autofinanciamento,independentemente das instituições mul-tilaterais. Podem tirar partido dessas re-servas elevadas financiando infra-estru-tura e o comércio exterior. Abre-se espaçode manobra no plano monetário, finan-ceiro. Enfim, há iniciativas das quais o

nisso, ele faz concessões maiores noacordo bilateral do que ele faria em acor-dos multilaterais e, então, fica mais vul-nerável. Chegam a abrir mão, por exem-plo, de vários pontos ainda não fechadosnas rodadas multilaterais”.

“O que a Unctad sempre promoveu fo-ram acordos entre países em desenvolvi-mento, entre países que pertencem maisou menos a um nível comparável de com-petitividade. A Unctad nunca viu combons olhos acordos do tipo Norte-Sul(entre países desenvolvidos e países emdesenvolvimento), sejam bilaterais, sejamregionais”, atesta o ex-secretário geral daUnctad, o diplomata brasileiro RubensRicupero, atualmente diretor da Faculda-de de Economia da Fundação ArmandoAlvares Penteado (Faap), de São Paulo.Ele acrescenta que “nesse tipo de assime-tria a tendência é que o parceiro mais fra-co tenha menos benefícios e seja obrigadoa fazer maiores concessões”.

“O comércio Sul-Sul (entre países emdesenvolvimento) passou a ser uma reali-dade muito importante. O relatório daUnctad mostra que o comércio entre paí-ses em desenvolvimento já atingiu um vo-lume muito respeitável, sobretudo graçasao enorme desenvolvimento do comércioda China e dos países asiáticos em geral.O que está faltando, inclusive para nós doMercosul, é estabelecer as pontes com osprocessos de integração de outros conti-nentes. Por exemplo, entre o Mercosul e aAssociação de Nações do Sudeste Asiáti-co (Asean), entre o Mercosul e a Comuni-dade de Desenvolvimento da África Aus-tral (SADC), que inclui a África do Sul,Moçambique e outros países. Esse vai sero desafio a partir de agora, de estabelecermecanismos entre países em desenvolvi-mento, mas de continente a continente”,acrescenta o diplomata.

ALCA Segundo o professor Mario FerreiraPresser, do Instituto de Relações Inter-nacionais (Irel), da Universidade de Bra-sília (UnB), “percebe-se que há uma va-riedade de regionalizações, mas uma

anto os países em desenvolvi-mento quanto os países desenvol-vidos estão frustrados com a len-tidão das rodadas de negociações

multilaterais sobre comércio e integração,e isto tem levado a um crescimento semprecedentes de acordos paralelos. Serãoesses acordos uma solução? Não, diz umadversário poderoso. A Comissão das Nações Unidas para Comércio e Desen-volvimento (Unctad – em inglês, UnitedNations Conference on Trade and Deve-lopment), em seu relatório anual de 2007(Trade and Development Report – TDR),qualifica como perigosos os acordos bila-terais que têm sido firmados crescente-mente entre Estados Unidos e países me-nores, ou entre países desenvolvidos epaíses em desenvolvimento.

“Os acordos bilaterais, na abordagemdo TDR, são tentativas dos países desen-volvidos de firmarem acordos em áreasque interessam a eles. É possível que atra-palhem os processos de integração do ti-po Mercosul. Essa é a posição do relató-rio”, diz a pesquisadora Luciana Acioly,do Instituto de Pesquisa EconômicaAplicada (Ipea), acrescentando que odocumento “chama a atenção para a pos-sibilidade de essa estratégia, no longoprazo, não ser a melhor”. Por outro lado,diz, “o trabalho coloca uma gama dequestões relacionadas à integração regio-nal, especialmente quanto ao que se cha-ma de novo regionalismo, que não ne-cessariamente se faz entre países queestão em uma mesma região, mas entrepaíses que têm interesses comuns, em-bora estejam geograficamente distantes”.

A pesquisadora explica que, nessesacordos bilaterais, “o país desenvolvidooferece a vantagem do acesso ao seu mer-cado, como contrapartida a um acordo,por exemplo, com relação à propriedadeintelectual ou acesso a serviços. Mas oacesso ao mercado não é certo por causade políticas protecionistas que o país po-de lançar mão quando achar necessário –basta um lobby interno. Do ponto de vistado país em desenvolvimento que aposta

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d o q u e e l e f a r i a e m a c o r d o s m u l t i l a t e r a i s e , e n t ã o , f i c a m a i s v u l n e r á v e l

Brasil está participando, como é o Bancodo Sul, que vão nessa direção. Se elas vãodar certo ou não, o tempo dirá. Mas essa éuma opção que não existia antes”.

Segundo a pesquisadora Luciana Acio-ly, “como existem países com níveis dedesenvolvimento diferentes e graus deengajamento no circuito financeiro inter-nacional também diferenciado, essas dife-renças vão causar, no processo de integra-ção, uma assimetria. Daí o relatório daUnctad enfatizar a necessidade de se fazeruma cooperação para compensar essasassimetrias. Os níveis de desenvolvimen-to diferentes também podem representaruma oportunidade e fortalecer relações decomplementaridade. O relatório reco-menda uma integração mais profunda

no caso dos países em desen-volvimento, para ganhar

escala de produção(principalmente nocaso de países me-

nores) e capaci-dade de finan-

ciamento, além de uma série de medidaspositivas para que os países com níveisdiferentes de desenvolvimento firmemuma cooperação mais efetiva e apro-fundem a integração”.

TRÊS PONTOS Luciana Acioly afirma que“o processo mais perfeito que conhece-mos é o de unificação europeu, mas,quando foi iniciado, o contexto era mui-to diferente, não havia globalização fi-nanceira, era possível negociar barreirasao comércio. Agora, são outros desafios.

O principal é criar uma blindagem para as crises, como as que caracterizaram ofinal dos anos 1990. O segundo é criaruma infra-estrutura física e energética,porque sem isso não há integração. E ooutro é para compensar desigualdades derenda. O relatório está baseado nessastrês considerações”.

Detalhando um pouco mais, ela diz que o relatório da Unctad recomenda “acoordenação das políticas macroeconômi-cas com o objetivo de estabilizar o câmbio.Países que já se submeteram a uma libe-ralização maior são mais sujeitos à volati-lidade do mercado de capitais. O própriomovimento do comércio tem efeito sobre ocâmbio, que é a medida de competitivi-dade frente aos preços internacionais”. Osegundo ponto, diz ela, é “a cooperaçãopara o financiamento do desenvolvimen-to, o que permite acesso ao crédito sem en-dividamento em moeda forte”, e, por fim,a criação de um “fundo de convergên-cia, para compensar os países econômica e socialmente mais frágeis e ampararaqueles que ficam fora do mercado detrabalho, com função de resgate social”.

“Para a Unctad, o critério de um bomacordo de um processo de integração éque ele promova uma mudança estrutu-ral, aumente a participação de bens demaior valor agregado na pauta de expor-tação, e não que considere o comércio co-mo um fim em si mesmo. Nesse sentido, ocrescimento do comércio não se confundenecessariamente com desenvolvimento.Pode haver crescimento do comércio semavanço econômico à exportação de bensindustrializados, que agregam valor aoproduto final, e não ter mudança estrutu-ral, isto é, mantém-se a estrutura produ-tiva intacta e as forças produtivas não sãoestimuladas a ponto de mudar a compo-sição do Produto Interno Bruto (PIB) emfavor das atividades de maior intensidadetecnológica”, diz Luciana.

AGRICULTURA Para o professor Mario Pres-ser,“os assuntos que nos interessam juntoaos Estados Unidos e à União Européia

são multilaterais – é a agricultura, e elanão é negociada à parte. Por isso, a Alca eum acordo de livre comércio do Merco-sul com a União Européia não nos tra-zem benefícios substanciais no momen-to. Isso deve ficar para depois da RodadaDoha. O Brasil deve se concentrar agoraem acabar a Rodada Doha. Nós temosnegociações muito difíceis em áreas deagricultura. Se nós fizermos, antes, con-cessões em áreas fora da agricultura deforma bilateral, vamos nos enfraquecerem Doha. Eu diria que estrategicamente éimpossível. Nem que quiséssemos, oproblema é que a dinâmica da negocia-ção multilateral nos obriga a esperar.Nem é uma questão ideológica, mas éuma questão de estratégia de negociação.Você não ceder antes de ter asseguradoque a agricultura vai ter uma negociaçãomultilateral favorável. Se nós acenarmospara eles que vamos fazer em separado, éaí mesmo que eles recuam na negociaçãomultilateral”.

O professor relata que “por volta desetembro de 2007, fiquei com muito re-ceio a partir de declarações de setores dogoverno brasileiro de que a negociação,tal como estava colocada naquele mo-mento, em agricultura e produtos não-agrícolas, fosse ser aceita pelo Brasil. Eramuito desfavorável para nós em produ-tos industriais, em relação a uma propos-ta digamos moderada em agricultura.Aparentemente, a proposta em agricul-tura é o máximo que nós vamos levar, enão conseguiremos avançar muito alémdela. É uma proposta modesta, cautelosa,de longo prazo, que contempla muito osinteresses defensivos dos países desen-volvidos. Mas nos favorece porque esta-belece regras de longo prazo mais favo-ráveis na agricultura, embora os ganhosimediatos não sejam muitos. Como nóssomos competitivos na agricultura, al-guns ganhos imediatos teremos, masestão longe dos sonhados. Ora, esse ti-po de proposta, a dos países desenvol-vidos quererem barganhar uma grandeliberalização em indústria e serviços

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Unc t ad p re fe r e aco rdos en t r e pa í s es com n í ve l c omparáve l d e compe t i t i v i d ade

por essa liberalização extremamentecautelosa em agricultura, fica compli-cado aceitar”.

Segundo o professor, “o governo bra-sileiro tem posições muito divididas so-bre isto, e especialmente o Ministério daAgricultura passou a defender, sem serquestionado pelo presidente da Repúbli-ca, que o Brasil devia aceitar a propostade produtos não-industriais e serviços.O fato expunha uma posição divididadentro do país, que nos enfraquece nasnegociações. Os outros países estão todosolhando e, se eles sabem que o Ministérioda Agricultura,que tem muita importâncianas negociações, está defendendo a pro-posta deles, eles jogam duro. Cheguei aacreditar que a posição do presidente era afavor dessa negociação, mas ainda bemque eu estava errado.Acabou por prevale-cer uma posição mais sensata de que oque estava na mesa na agricultura nãojustificava a ambição dos países desenvol-vidos em indústria e serviços. É por isso

que há um impasse. O impasse é um bomsinal, de que desta vez os países em desen-volvimento em seu conjunto estão nego-ciando para valer, estão querendo fazervaler os seus interesses”.

CRESCIMENTO O professor Presser assi-nala também que o documento da Unc-tad mostra que o período de 2003 a 2007foi marcado por um forte crescimentoentre os países em desenvolvimento, “edesta vez o crescimento foi generalizado,atingindo até os países africanos. É a pri-meira vez na globalização que se pode di-zer que todos os barcos estão subindocom a maré montante. Mesmo para osadversários da globalização fica difícil derefutar que desta vez os países em desen-volvimento estão sendo favorecidos, aoinvés da tendência anterior, em que ospaíses desenvolvidos eram os mais favo-recidos”. Mas ele destaca o caso do Brasil:“Nós não participamos da mesma ma-neira dessa conjuntura favorável”.

“Na verdade, o documento da Unctadmostra que o Brasil adotou políticas eco-nômicas que não são exatamente as polí-ticas econômicas adotadas pelos paísesque tiveram sucesso. Um conjunto de po-líticas macroeconômicas, uma políticafiscal restritiva, uma política monetáriatambém restritiva e uma valorização dataxa de câmbio devido a esses dois fato-res, que não são as políticas adotadas pe-los demais países. E o resultado foi des-favorável para o Brasil, se medirmos oresultado em termos de crescimento.Os países em desenvolvimento estãosendo bastante beneficiados agora noinício do século 21 pelo crescimento,inclusive os países africanos. As receitasde sucesso da inserção da globaliza-ção dos demais países em matéria depolíticas econômicas não correspondemàquelas adotadas pelo Brasil. E o Brasil de certa forma foi punido por não teradotado políticas econômicas tão restri-tivas”, diz o professor. d

Ilustração: Erika Onodera

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Desafios • janeiro de 2008 35

utor de um livro intitulado A Alca – e se posicionando contra –, o embaixador aposentado

Rubens Ricupero, ex-secretário geral da Comissão das Nações Unidas para Comércio e

Desenvolvimento (Unctad – em inglês, United Nations Conference on Trade and Development),

e ex-ministro da Economia no governo Itamar Franco, durante a implantação do

Plano Real, tem posições muito def inidas sobre a integração internacional e a cooperação para

o desenvolvimento. A seguir, algumas dessas opiniões

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Contra a AlcaINTEGRACÃO

P o r J o r g e L u i z d e S o u z a , d e S ã o P a u l o

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agências governamentais que ditamregras nessas áreas. Os países da Amé-rica Latina, África e Ásia se incorpo-raram à economia mundial no regimedas colônias e não é de admirar que a relação comercial se faça no senti-do Norte-Sul. O Brasil comemoraagora os 200 anos da abertura dosportos. Até 1808, a metrópole, que era Portugal, tinha legalmente o mo-

nopólio do comércio e da navegaçãocom o Brasil. O comércio entre o Bra-sil e Buenos Aires era consideradocontrabando e foi durante séculos se-veramente reprimido.

Desafios - A independência não resolveu isso?

Ricupero - Quando esses países se tor-naram independentes, já estava con-solidada uma direção Norte-Sul tantodo comércio quando das vias de nave-gação e dos financiamentos.Ao se criarum acordo regional, tentamos voltarao curso natural inibido pelo colonia-lismo. O Brasil tem dez vizinhos ter-ritoriais e 17 mil quilômetros de ex-tensão de linhas fronteiriças, mas sótemos ligação por terra razoável, emesmo assim recente, com dois outrês desses vizinhos. Espanhóis, por-tugueses, ingleses e holandeses nãotinham interesse em fazer as estradas.Nunca conseguimos integrar por es-trada de rodagem o Amapá com aGuiana Francesa porque a Legião Es-trangeira terminou a estrada a 50quilômetros da nossa fronteira, emSaint-Georges. Quem usa o argumen-to de que Mercosul está promovendoartificialmente vantagens de comérciose esquece de que o padrão atual foicriado pelo colonialismo. Quando sefaz um acordo com os Estados Unidos,

36 Desafios • janeiro de 2008

nha menos benefícios e seja obrigado afazer maiores concessões. Ultimamen-te, mesmo o Banco Mundial (BM) co-meça a acompanhar a Unctad e a mos-trar que esses acordos Norte-Sul, se-ja com os Estados Unidos, seja com a União Européia, são muito duvido-sos, do ponto de vista de países em de-senvolvimento, uma vez que eles vãoalém do terreno puramente comercial.

Em geral os parceiros mais desenvol-vidos fazem exigências em matéria de propriedade intelectual, de investi-mentos e de serviços, e acabam com is-so criando muitas limitações ao desen-volvimento posterior do parceiro maisfraco. Quando o acordo bilateral é en-tre dois países em desenvolvimento,não perturba a integração regional.

Desafios - A Alca também é um exemplo de acordo

com enorme assimetria?

Ricupero - Sou totalmente contrário àAlca, que é a posição da Unctad. OBrasil fez muito bem em não ter acei-tado o acordo. Não teria sido viávelmanter o Mercosul, teria sido engoli-do em pouco tempo. Quando se falaem simetrias, é preciso não imaginaruma igualdade aritmética. Como emum campeonato de futebol, em que hásérie A e série B. Em cada série os ti-mes têm força comparável. Todos po-dem aspirar a disputa, enquanto umque está numa série abaixo é tão fracoque não tem a menor chance. Paísesdesenvolvidos, como Estados Unidos,os europeus e o Japão, têm um nívelde desenvolvimento industrial e co-mercial incomparavelmente superiorao dos outros, e também em capaci-dade regulatória, serviços, proprie-dade intelectual, e de presença de

Desafios - Mudou o conceito de regionalismo?

Ricupero - Ficou muito mais amplodevido ao avanço da globalização, emtermos de comércio, de investimentose também de fluxos financeiros. Maspermanece válida a idéia de que osacordos regionais são cada vez maisuma opção preferida por muitos paí-ses para procurar explorar suas vanta-gens comparativas e também as van-tagens de vizinhança, proximidade ecomplementaridade. É importante as-sinalar que os Estados Unidos, o paísque mais se beneficiou com a globali-zação comercial, até os anos 1980 seopunham como princípio a qualqueracordo que não fosse multilateral noâmbito do Gatt (o Acordo Geral sobreTarifas e Comércio – em inglês, Gene-ral Agreement on Tariffs and Trade), e só tinham aberto uma exceção ao casoda Europa por razões estratégico-mili-tares, devido a problemas como a ame-aça comunista. Então, assinaram acor-do de livre comércio com Israel, com oCanadá, e passaram a ter uma políticadeliberada de acordos regionais.

Desafios - Os acordos bilaterais atrapalham os acor-

dos regionais?

Ricupero - A Comissão das NaçõesUnidas para Comércio e Desenvolvi-mento (Unctad) faz distinção de acor-dos entre parceiros que não têm entresi uma grande assimetria. A Unctadsempre promoveu acordos entre paísesem desenvolvimento, países que per-tencem mais ou menos a um nívelcomparável de competitividade. Masnunca viu com bons olhos acordos dotipo Norte-Sul, sejam bilaterais, sejamregionais.Advertiu os países em desen-volvimento de que acordos como ospromovidos pelos Estados Unidos – aÁrea de Livre Comércio das Américas(Alca) ou o Tratado Norte-Americanode Livre Comércio (Nafta – em inglês,North American Free Trade Agree-ment) – com o Canadá e o México têmembutido um conteúdo muito grandede assimetrias e desigualdades. A ten-dência é que o parceiro mais fraco te-

Acordos bilaterais ou regionais como a Alca ou o Nafta têm

embutido grande conteúdo de assimetrias e desigualdades,

e o parceiro mais fraco tende a ter menos benefícios

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existem incidem sobre 6% ou 7% dototal dos produtos. Na imensa maioriados casos, a integração tem avançadomuito. O aspecto do investimento nosúltimos anos se desenvolveu muito.Começa a haver integração no níveldas empresas.Antes, não havia empre-sas brasileiras, argentinas e mexicanasproduzindo em todos esses países, sóhavia multinacionais. E elas influíampara que fizéssemos acordos de inte-gração setorial, e determinavam quesuas filiais no México, na Argentina eno Brasil se especializariam em deter-minados produtos e exportariam pa-ra os outros. Na época, não havia ou-tro caminho. Hoje, a integração nãopode ser só comercial, é também noterreno produtivo.

Desafios - E a vulnerabilidade do Mercosul?

Ricupero - O grande ponto fraco doMercosul e em geral desses acordosentre países em desenvolvimento éque eles muitas vezes não consegui-ram dar aos parceiros menores umimpulso para que eles pudessem mudar sua estrutura produtiva. Hácerta razão na queixa de países co-mo o Uruguai e o Paraguai, que,

apesar de estarem há muitos anos no Mercosul, não conseguem ampliaro acesso ao mercado. Isso acaba sen-do um ponto fraco. Se não houver um ganho para todos, os menoresacabam desenvolvendo esse senti-mento de que não estão tendo os benefícios esperados. Eles têm umcerto fundamento em se queixar por-que não houve um esforço delibera-do para ajudá-los nesse particular.É mais com o Uruguai. Isto explicamuito esse problema que tem havidocom as papeleras.

Desaf ios • janeiro de 2008 37

apenas se reforça essa tendência. Porisso, a Unctad promove a idéia deacordos entre os africanos, os asiáti-cos, entre os países latino-americanos,para começar a explorar a vantagemda contigüidade.A integração regionalé o primeiro passo para fazer aquiloque os europeus têm desde a IdadeMédia, que é uma rede de estradas, deintegração, de infra-estrutura.

Desafios - A politização do Mercosul cria algum obs-

táculo adicional?

Ricupero - Nós temos alguns países quejá se integraram ao espaço econômiconorte-americano – México, AméricaCentral, países do Caribe.Agora, os Es-tados Unidos assinaram acordos tam-bém com o Peru e a Colômbia. Então, oespaço que existe para a integração ge-nuinamente sul-americana são os paí-ses que não estão nesse grupo. Não soucontrário à integração da Venezuela. Aressalva que eu faço é sobre a necessida-de de essa integração ter um compo-nente comercial efetivo. Para entrar emqualquer acordo regional, é precisoaceitar o conjunto de regras daqueleacordo e assinar um cronograma de re-dução de suas tarifas em relação àquelespaíses. No caso da Venezuela, esse pro-cesso ainda está um tanto atrasado por-que se deu atenção preferencial para olado político da discussão. Mas eu achoque, desde que eles aceitem esse crono-grama de redução de tarifas e se inte-grem ao conjunto de acordos, eu nãovejo nenhum obstáculo à entrada delese de nenhum outro país.

Desafios - O Chile também fez acordo com os Esta-

dos Unidos...

Ricupero - O Chile negocia muitopragmaticamente e não abre mão decertas preferências. Protege muito seumercado agrícola. Então, nada impedeque o Mercosul faça o mesmo. Quan-do criticam o Mercosul, se esquecemde que o acervo que ele realizou é gi-gantesco, muito maior do que essesproblemas que ainda persistem. Bastaolhar os números. Os problemas que

Desafios - O relatório da Unctad fala de uma frus-

tração com a lentidão dos acordos multilaterais...?

Ricupero - Dos multilaterais e tambémdesses acordos entre países em desen-volvimento, que têm um grau de eficá-cia menor. O próprio Mercosul até hojepouco fez na área de serviços,que é umaárea quase virgem, e no entanto é im-portante.São acordos pouco agressivos.Por exemplo, as últimas reuniões doMercosul têm se perdido em discussõespolíticas, quando se tem um campomaravilhoso aí. Só no caso de serviços,abriria toda uma nova área de inte-gração. Na área de mão-de-obra,comparando com a União Européia,estamos muito lentos.Uma das razões,eo Brasil tem uma certa responsabili-dade, é que não se dotou o Mercosul de um secretariado permanente, comoa União Européia tem desde o início.O que mais ajudou o processo europeufoi a criação de um Executivo em Bru-xelas – a Comissão Européia. O Merco-sul só fez isso muito tardiamente, e temum secretariado, de tão poucos recur-sos, que é quase como que não existisse.

Desafios - O Uruguai tinha uma explícita candidatura

a sediar o secretariado...

Ricupero - A vantagem de um Execu-tivo forte é que ele tende a ver as coisasde um prisma mais coletivo, e não doângulo individual de cada país. A faltadele e de um órgão efetivo para resol-ver controvérsias – nós temos um,mas é muito fraco – explica o avançolento do Mercosul. Na Comissão Eu-ropéia, em Bruxelas, cada país nomeiaum comissário, que não tem poderacima de cada governo, recebe instru-ções do seu governo, mas é bastanteativo, tem muito poder de iniciativa.Nesse ponto, o Mercosul e a maioria

O ponto fraco do Mercosul e de acordos entre países em

desenvolvimento é não conseguir dar aos parceiros menores um

impulso para que eles possam mudar sua estrutura produtiva

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38 Desafios • janeiro de 2008

dos acordos entre países em desenvol-vimento são muito débeis como es-trutura de funcionamento.

Desafios - E quanto à relação de integração com pa-

íses não contíguos?

Ricupero - O comércio Sul-Sul passoua ser uma realidade muito importan-te. O relatório da Unctad mostra que ocomércio entre países em desenvolvi-mento já atingiu um volume respeitá-vel, sobretudo graças ao enorme de-senvolvimento do comércio da Chinae dos países asiáticos em geral. O queestá faltando, inclusive para nós doMercosul, é estabelecer pontes com osprocessos de integração de outroscontinentes. Por exemplo, estabelecerligações entre o Mercosul e a Associa-ção de Nações do Sudeste Asiático(Asean), acordos entre o Mercosul e aComunidade de Desenvolvimento daÁfrica Austral (SADC), que inclui aÁfrica do Sul e Moçambique, entreoutros países. Eles têm seus acordosregionais, mas não tem havido pontesentre os continentes. Esse vai ser o de-safio a partir de agora, de estabelecermecanismos entre países em desen-volvimento, mas de continente a con-tinente, de preferência de acordos aacordos, como é o caso de Mercosul-Asean, Mercosul-SADC, etc.

Desafios - E o viés do desenvolvimento?

Ricupero - Através do comércio é quese amplia a escala do mercado. Porexemplo, o Uruguai é um país de 3milhões de habitantes. Reduzido aoseu próprio mercado, a possibilidadede alavancar investimentos para aprodução é muito pequena. Ele nuncaterá uma escala de produção suficien-te. Mas, se ele tiver acesso a um merca-do de 200 milhões de consumidores,aumenta muito. Com a ampliação dasfronteiras vai haver um impulso aodesenvolvimento industrial. E temque ser na base, é claro, de certas van-tagens comparativas. Alguns paísesvão se tornar melhores do que outrosem determinados produtos.

Desafios - E se esses países não têm como um ala-

vancar investimento no outro?

Ricupero - Era o sistema que nós tí-nhamos antes, de um mercado pura-mente nacional. Mas hoje em dia,mesmo um país como o Brasil, elesozinho não tem escala para mui-tos produtos, sobretudo produtosmais sofisticados, que exigem umaenvergadura muito maior. Só a in-tegração é que pode dar essa esca-la. Uma das vantagens de o acordo de integração ser entre países simila-res é que é uma maneira de fazer oaprendizado para depois compe-tir em termos globais. A competiçãoé um jogo que tem regras, tem ár-bitros, mas precisa ter treinamento.E é melhor treinar com países do

seu tamanho do que tentar compe-tir diretamente com o Japão, de saí-da. É muito difícil. Como se ganha na escala e no aprendizado, daí a vantagem de dar certos benefíciosàqueles que são do seu tamanho.

Desafios - Quais são as perspectivas para os próxi-

mos anos?

Ricupero - Apesar de todo o ceticismoque há aqui no Mercosul, ele é uma re-alidade irreversível. O que ele precisaé ganhar em eficácia e profundidade:entrar com decisão em áreas como a de serviços e de investimentos, tratarmelhor os parceiros pequenos. Em segundo lugar, o futuro do comércioSul-Sul, tanto com os países asiáticosquanto com os africanos, é muito pro-missor, e nós vamos ter que criar es-ses acordos entre os continentes. E, ter-ceiro, eu sou cético com relação aosacordos com os países do Norte. Como tempo, vai-se ver que esses acor-dos são limitados. Já se vê isso no ca-

so do México, que tem esse acordo do Nafta, com os Estados Unidos, hámuitos anos. É claro que foi benéfi-co em certo sentido, porque atraiu as indústrias “maquiladoras”, amplioua exportação, mas não mudou a si-tuação de inferioridade.

Desafios - A União Européia é um exemplo melhor?

Ricupero - A União Européia nesse sentido foi muito eficaz, porque um pa-ís como a Espanha, que era muito atra-sado, está hoje cada vez mais pareci-do aos mais altos. Nem todos, é cla-ro, têm o mesmo desempenho. Porexemplo, dentro da União Européia,a Espanha e a Irlanda tiveram um de-sempenho muito bom. Já Grécia e Portugal, não. Mas a tendência daque-

les que entram é de melhorar sua pro-dução, renda per capita, etc. No caso do México com os Estados Unidos,o México tem crescido a metade do que crescem os Estados Unidos, quan-do ele deveria ter crescido duas ou três vezes mais, para poder reduzir a di-ferença. Então, verifica-se com o tem-po que esses acordos assimétricos nãosão satisfatórios. A não ser como é o caso da Europa, que é diferente.A grande diferença entre a União Eu-ropéia e o Nafta ou a Alca é que a UniãoEuropéia aceitou fazer transferências financeiras maciças. Espanha, Irlanda,Portugal e Grécia receberam bilhões ebilhões de dólares, que é o que alavan-cou a infra-estrutura e o crescimentodeles. Os americanos nunca aceitaramnada parecido. Os acordos americanossão exclusivamente em comércio. Otempo vai mostrar que eles são de umpotencial limitado. Eles não vão servircomo instrumento de desenvolvimen-to, ao contrário dos outros. d

O comércio entre países em desenvolvimento já atingiu um

volume respeitável, sobretudo graças ao enorme desenvolvimento

do comércio da China e dos países asiáticos em geral

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H e l i o M a t t a rARTIGO

ara o homem sobreviver, ele tem obriga-toriamente de consumir. É inexorável.Sobre o fato de consumir, não há esco-lha. Mas há escolha, ou melhor, muitas

escolhas, na qualidade e na intensidade desseconsumo. Todos os nossos atos impactam oambiente, os recursos naturais, a sociedade enós mesmos. Toda e qualquer atividade huma-na ligada ao consumo sempre exige energia,água e recursos naturais, além de deixar rejeitossólidos, líquidos ou gasosos no ambiente.

No ritmo atual de exploração do planeta, ahumanidade caminha para um beco sem saída.Atualmente os mais de 6 bilhões de habitantesda Terra já consomem 25% a mais de recursosdo que o planeta é capaz de renovar. Nessa toa-da, em um século, não haverá fontes de água oude energia, reservas de ar puro nem terras paraagricultura em quantidade suficiente para amanutenção da vida.

E isso ocorre apesar de, devido à impressio-nante desigualdade global na distribuição dasriquezas, apenas 1,7 bilhão de pessoas consu-mirem de forma expressiva no planeta. O res-tante da população vive à margem do acesso abens e serviços, beirando a linha da pobreza ouabaixo dela.

Se toda a população do mundo passasse aconsumir como os habitantes mais ricos, seriamnecessárias quatro Terras para saciar tão eleva-do nível de demanda por água, energia, recursosnaturais e alimentos. Segundo medições astrofí-sicas, já há indícios de um planeta muito pare-cido com a Terra fora do sistema solar, mas sãoapenas indícios, e o suposto “gêmeo” está a 20anos-luz daqui ou algo em torno de 190 trilhõesde quilômetros de distância. Viajando em fo-guetes ultra-sônicos que alcançassem dez vezesa velocidade do som, a viagem duraria mais de1,5 milhão de anos. Portanto, é bom cuidarmosdo único lugar que temos para viver...

Isso quer dizer que nem os ricos poderãocontinuar com o mesmo modelo de consumo,nem a população mundial poderá adotá-lo. Éurgente não só redistribuir o acesso às riquezas,mas passar a produzi-las e consumi-las de ma-neira radicalmente diferente. Não significa pa-rar de consumir, mas adotar padrões susten-

táveis, como, por exemplo, procurar fontes deenergia menos poluidoras, diminuir a produçãode lixo e reciclar o máximo possível, além de re-pensar quais produtos e bens são realmente ne-cessários para alcançar o bem-estar.

Aos países pobres e aos chamados “em de-senvolvimento”, que têm todo o direito a crescereconomicamente, cabe o desafio de não repetiro modelo predatório dos ricos. Desde a Revo-lução Industrial, os países ricos emitiram 80%do carbono que causa o efeito estufa na atmos-fera. Cabe às economias que ainda precisam sedesenvolver buscar alternativas para gerar ri-quezas sem destruir florestas nem contaminar oar e as fontes de água.

Nesse processo, o consumidor conscientetem um papel fundamental. De um lado, esco-lhendo produtos e serviços de empresas quecumpram com suas responsabilidades social eambiental, valorizando as melhores empresas e incentivando assim os demais fornecedores de produtos e serviços a adotar processossustentáveis.

De outro lado, como usuário individual, pla-nejando suas compras, economizando água eenergia, repensando seus hábitos, reduzindo oconsumo, reutilizando tudo o que for possível ereciclando o lixo.

Dessa maneira, com o crescimento do nú-mero de consumidores conscientes, de suas redes de informações e pressão e com seu for-talecimento nos fóruns de mediação – organi-zações governamentais e não-governamentais,meios de comunicação e internet –, será pos-sível criar uma cultura da sustentabilidade doplaneta, cujos negócios devem contribuir paraum mundo com três qualidades: ser econo-micamente viável, ambientalmente sustentável e socialmente justo.

O meu, o seu, o nosso mundo

Se toda a população

do mundo passasse a

consumir como os

habitantes mais ricos,

seriam necessárias

quatro Terras para

saciar tão elevado

nível de demanda

por água, energia,

recursos naturais

e alimentos. Portanto,

é bom cuidarmos

do único lugar que

temos para viver...

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Helio Mattar é fundador e diretor-presidente do Instituto Akatu pelo Consumo

Consciente

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SAUDE

O BNDES é o

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ate um coração esperançoso em meio ao luto do setor desaúde no Brasil, anunciado como desabafo pelo minis-tro da Saúde, José Gomes Temporão, depois de o SenadoFederal decretar a morte da Contribuição Provisória so-

bre Movimentação Financeira (CPMF). O termo de cooperaçãofirmado em dezembro de 2007 entre o Ministério da Saúde(MS) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e So-cial (BNDES), para irrigar a frágil indústria de produtos far-macêuticos e de equipamentos médico-hospitalares, pode ser opontapé para a formação de um complexo industrial da saúdeno país. A balança comercial do setor vem apresentando déficitde US$ 5 bilhões por ano, dos quais mais de US$ 3 bilhões refe-rem-se a medicamentos e farmoquímicos.

O fortalecimento de uma base industrial – um dos pilares doPAC da Saúde – faz parte da estratégia do governo de aliar desenvol-vimento da produção com política social, criando um elo entre aspolíticas industrial e de saúde. Este elo, representado por uma linhade financiamento de apoio a projetos no setor, aberta em maio de

2004, acaba de ganhar nova roupagem com a ampliação e reno-vação do Programa de Apoio ao Desenvolvimento do ComplexoIndustrial da Saúde (Profarma), em outubro de 2007. O programado BNDES, com orçamento de R$ 3 bilhões para utilização até ju-lho de 2012, passa a incluir, além dos produtos farmacêuticos, ossegmentos de equipamentos médicos, materiais, reagentes e dispo-sitivos para diagnóstico, hemoderivados, imunobiológicos, inter-mediários químicos e extratos vegetais para fins terapêuticos.

ALINHAMENTO ASTRAL Para o chefe do Departamento de Produ-tos Intermediários Químicos e Farmacêuticos do BNDES, PedroPalmeira, a ampliação do escopo do Profarma deu-se num mo-mento positivo, de integração entre o MS e o BNDES. O bancopassou a ver o gasto em saúde como investimento, com retornopara a economia como um todo.“Existe um alinhamento astralfavorável que nos permitiu desenvolver uma parceria com o MSe formar um grupo de trabalho para discutir a ampliação doProfarma”, diz.

P o r Y o l a n d a S t e i n , d o R i o d e J a n e i r o

elo que faltava

B

Cooperação entre o Ministério da Saúde e o banco de fomento fortalece a base

industrial no setor farmacêutico e viabiliza a estratégia de utilizar o poder de compra

do governo para impulsionar a produção e o desenvolvimento das indústrias nacionais

Desafios • janeiro de 2008 41

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Se to r p r i v a d o t em b o a ex p e c t a t i v a , ma s ac h a q u e n ã o s e fo rma uma g r a n d e

“Esta parceria com o BNDES é o eloque faltava”, constata Carlos AugustoGadelha, vice-presidente de Produção eInovação em Saúde da Fundação Os-waldo Cruz (Fiocruz). Ele também vis-lumbra uma “convergência dos astros,de forma que o braço econômico estávendo a saúde como uma oportunidadede desenvolvimento e o braço da saúdevê a indústria como fator essencial paraviabilizar os programas de saúde”. Aidéia do complexo industrial, explicaGadelha, é que o MS sinalize o que é im-portante para o setor e que o BNDESentre financiando empresas que quei-ram desenvolver produtos essenciais pa-ra a saúde.

“Desde 2004, o BNDES colocou aárea da saúde como prioridade. O avançohoje é que esta ligação é muito mais orgâ-nica, ou seja, a lógica econômica começaa incorporar a lógica social e vice-versa.Isso é totalmente inovador. Trata-se deum salto de qualidade”, analisa. Ele argu-

menta que, se o país não avançar na baseprodutiva, a política de saúde pode nãose concretizar.“Como estender o acesso àpopulação se não há capacidade de pro-dução e inovação? Não se pode ter umsistema de saúde forte com uma baseprodutiva frágil”, afirma Gadelha.

NOVA POLÍTICA O secretário de Ciência,Tecnologia e Insumos Estratégicos doMS, Reinaldo Guimarães, acrescenta, aoexplicar as bases da nova política: “Ocomplexo industrial da saúde é o compo-nente estrutural da política da saúde e doSistema Único de Saúde (SUS). Se por al-gum motivo o setor produtivo perde seudinamismo, isso torna o SUS vulnerável.A proposta é de uma nova relação entre oMS e a indústria da saúde”.

Seria este um remédio eficaz indicadopara salvar o doente crônico que é o setorde saúde no Brasil. Uma das principaismetas do Programa Mais Saúde, conhe-cido como PAC da Saúde, é utilizar o

grande poder de compra do MS, cerca deR$ 10 bilhões por ano em medicamen-tos, vacinas, equipamentos, materiais,próteses, etc., como ferramenta para im-pulsionar o aumento da capacidade pro-dutiva e de desenvolvimento das indús-trias nacionais.

“Para isso, estamos trabalhando narevisão das normas legais e sanitárias e naalteração de outras normas, visando di-minuir as assimetrias existentes nospregões públicos entre produtos nacio-nais e estrangeiros. O objetivo é aumen-tar a competitividade dos produtos na-cionais nas compras do MS. Outra meta éelevar a fatia de genéricos de 15% para25%, em quatro anos”, diz Guimarães.

Atualmente, os produtos importa-dos têm vantagem tributária em com-paração aos nacionais. O que está sendoproposto é a desoneração de impostosnão apenas sobre o produto acabado,mas também sobre todo o processoprodutivo. O MS trabalha também em

42 Desafios • janeiro de 2008

Exportação Importação Saldo

Déficit ainda é elevado

Balança comercial do

complexo da saúde

no Brasil

(em US$ milhões)

1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

Fonte: Dados elaborados por Carlos Augusto Gadelha/Revista Saúde Pública 2006, a partir de levantamento efetuado junto à Secex/Mdic - Rede Alice

3.870

613

-3.257

4.475 4.403

4.0374.289

3.3073.113

696 670 603 590 586 669822

-3.779 -3.733-3.434

-3.699

-2.721-2.445

-2.872

3.694

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Em sua primeira fase, o Programa de Apoio ao Desenvolvimento doComplexo Industrial da Saúde (Profarma), de 2004 a 2007, liberou fi-nanciamentos para 50 projetos, no valor de R$ 1 bilhão, o que repre-senta um total de R$ 2 bilhões, considerando a contrapartida das em-presas. A maior parte dos projetos é de expansão e modernização decapacidade produtiva para a produção de medicamentos. Alguns sãosomente de adequação das empresas às novas exigências regulató-rias da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Em algunscasos, as mudanças eram tantas que os empresários optaram porconstruir novas fábricas, como foi o caso da Eurofarma, um dos cin-co maiores fabricantes nacionais de medicamentos. Outras duas em-presas do setor, a Libs Farmacêutica e a Cristália, também montaramfábricas novas com apoio do programa. Das 50 operações realizadas,46 são de empresas de capital nacional.

“Esse conjunto de projetos é uma contribuição significativa dobanco para dotar de mais competitividade o parque farmacêutico ins-

talado no país.As empresas de capital nacional têm hoje plantas indus-triais para produzir medicamentos em igualdade de competição comprodutores estrangeiros e capazes de concorrer em mercados maisexigentes, como Estados Unidos e Europa, e algumas já o fazem”, cons-tata Pedro Palmeira, chefe do Departamento de Produtos Intermediá-rios Químicos e Farmacêuticos do Banco Nacional de Desenvolvimen-to Econômico e Social (BNDES).

Ele vê um avanço importante no setor, uma vez que hoje as empre-sas de capital nacional participam com cerca de 40% do valor da pro-dução de medicamentos no país, ficando 60% com as estrangeiras. Em2004, essa proporção era de apenas 25%, o que significa que existemhoje cinco empresas de capital nacional entre as dez maiores.

“O que se questiona nesse caso é se isso significa apenas a com-petência das empresas de capital nacional em buscar espaço, ou cer-ta ausência das estrangeiras no mercado nacional. O crescimento daprodução (cerca de 25% ao ano) dos medicamentos genéricos possi-bilitou essa maior inserção das empresas de capital nacional. Cercade 80% da produção de genéricos está concentrada em torno de cin-co empresas, quatro nacionais (EMS,Aché, Eurofarma e Medley) e a in-diana Ranbaxy, com uma participação pequena. Mas até quando as em-presas estrangeiras ficarão observando esse crescimento para entrarnesse mercado?”, indaga.

Pilar estratégico da política nacional de fortalecimento do segmentofarmacêutico,altamente intensivo em ciência e tecnologia, a inovação es-

tá na ordem do dia das empresas que querem se modernizar. Grande par-te do faturamento é gasta com atividades de pesquisa, desenvolvimento einovação. O BNDES tem apoiado projetos de atividades inovadoras dentrodo setor farmacêutico. São R$ 150 milhões (cerca de 15% do total) des-tinados a empresas de capital nacional, como, por exemplo, a Nortec Quí-mica, do Rio de Janeiro, que produz farmoquímicos e está desenvolvendoprojetos de melhoria de processos de 30 itens.

Além desse, há um projeto aprovado de grande porte para o desen-volvimento de genéricos não existentes no mercado brasileiro; outro naárea de nanotecnologia; e um terceiro está sendo negociado no mon-tante de R$ 100 milhões. Na área de equipamentos, a Opto Eletrônica,de São Carlos, no interior de São Paulo, desenvolve uma lente especialpara equipamento médico-hospitalar.

Além das fases de ampliação e expansão da atividade produtiva e dainovação, o Profarma atua em uma terceira via, que é o apoio a inicia-tivas de fusão e aquisição entre empresas, linha essa restrita ao capi-

tal nacional. Foram duas operações realizadas. Uma de grande porte,que foi a compra da Biosintética pelo laboratório Aché, no valor de R$300 milhões, e outra de pequeno porte, a aquisição do laboratório Bar-rene pelo laboratório Farmasa, no valor de R$ 40 milhões.

Essas operações justificam-se pela necessidade de formação deempresas de maior porte, que possam destinar uma quantia significa-tiva de recursos para pesquisa e desenvolvimento.“O BNDES acreditaque uma concentração criteriosa nesse setor pode ser benéfica paraa indústria farmacêutica nacional. E, por isso, o banco está voltado pa-ra costurar parcerias estratégicas entre empresas de capital nacionalque possam redundar numa fusão ou aquisição, com eventual partici-pação minoritária do banco”, diz Palmeira.

Atualmente, das 50 operações de financiamento em carteira no âm-bito do Profarma, quatro foram realizadas de forma mista, uma parte emfinanciamento, outra em participação acionária.“Foram operações comempresas de pequeno porte, nas quais a única forma possível é o apoiocom a entrada de capital, assumindo o risco total no negócio da empre-sa”, explica. Essas participações variam de 20% a 35% do capital. Sãoelas: a Nanocore, no pólo tecnológico em Campinas (SP); a LifeMed, deequipamentos médicos; a Bioinnovation, empresa de biomateriais para osetor odontológico; e a Genoa, de biotecnologia, voltada a pesquisas devacinas terapêuticas contra câncer.

Segundo Pedro Palmeira,“esse conjunto de ações representa maisdo que a gente esperava e menos do que se pode realizar”.

e m p r e s a b r a s i l e i r a d a n o i t e p a r a o d i a e q u e o p r o c e s s o v a i l e v a r t e m p o

Desafios • janeiro de 2008 43

Profarma financia 50 projetos

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O B N D E S p a s s o u a v e r o g a s t o e m s a ú d e

nal. Ao mesmo tempo, temos a forte pre-sença do BNDES com linhas diversas definanciamentos, inclusive com a possibi-lidade de não reembolso em casos espe-ciais”, elogia o presidente da entidade,Franco Pallamolla.

“A Abimo entende que o Mais Saúdeé um importante e poderoso instru-mento de política industrial induzida.Estamos aguardando, ainda, a definiçãodos programas e subprogramas queserão mantidos e os que serão posterga-dos”, afirma. Em carta aos associados,Pallamolla destaca como pontos positi-vos: inclusão de mecanismos de finan-ciamento adequados, definição de pro-dutos prioritários, uso do poder decompra do Estado, política de incentivoà inovação focada no setor e articuladacom o Ministério da Ciência e Tecnolo-gia (MCT) e a Financiadora de Estudose Projetos (Finep), além de um expres-sivo aumento de recursos em diversasáreas do MS.

INOVAÇÃO A renovação do Profarmadetermina a continuidade da moderni-zação, expansão e inovação, previstasna primeira fase, com ênfase a que asempresas possam se adequar às normasinternacionais para poder competir emmercados mais exigentes, como o euro-peu e o americano. Também sugere umaatitude proativa do banco em relaçãoaos processos de fusões e aquisições, jáem andamento.

Mas a maior aposta nessa segunda faserecai sobre a inovação, informa PedroPalmeira, do BNDES. Do orçamento deR$ 3 bilhões em cinco anos, a metade des-tina-se a projetos de inovação. A expecta-tiva é de que as empresas sejam atraídaspelo financiamento a juros de 4,5% fixos eprazos de pagamento de até 15 anos.

No âmbito do apoio à inovação, a ce-reja do bolo é o incentivo ao desenvolvi-mento e capacitação de empresas para afabricação de produtos considerados es-tratégicos, com garantia de compra pelogoverno, observa Palmeira. Seria uma ar-

um conjunto de ações programadas naárea de pesquisa e desenvolvimento emuniversidades, institutos de pesquisa e em parcerias com empresas, para amelhoria da rede de laboratórios debioequivalência, pesquisa clínica, cen-tros de toxicologia e biotérios.

O secretário diz que, em 2007, o MSfoi parceiro permanente do BNDES naformulação do segundo Profarma. “Emcertos aspectos do programa, dará chan-cela a algumas operações do banco. Mas,antes, precisa definir quais os produtosestratégicos para o SUS que ganharãoprioridade. Esta lista deve estar prontaem fevereiro”, assegura.

CETICISMO A articulação entre a políti-ca industrial e a política nacional de sa-úde é vista com bons olhos pelo empre-sariado, que, no entanto, apontaalgumas dificuldades. A FederaçãoBrasileira da Indústria Farmacêutica(Febrafarma) considera que o pontoforte é a atuação do BNDES, através doProfarma, mas mostra ceticismo em re-lação aos resultados. “A expectativa éboa, mas estamos conscientes de quenão se forma uma grande empresa bra-sileira da noite para o dia. O processovai levar tempo. É possível que se ten-ham várias consultas e tentativas deoperações, e até algumas concretizadas.Mas, no curtíssimo prazo, não vai seformar uma grande multinacional nemo grande conglomerado de empresasbrasileiras”, avalia o presidente da ins-tituição, Ciro Mortella.

Segundo ele, o setor necessita de pe-sados investimentos, além dos recursosdo BNDES. E está à espera de um con-junto de fatores, como um marco regu-latório menos restritivo e mais favorável

ao negócio. Alerta que o PAC da Saúdecontém um conjunto de medidas volta-das para o desenvolvimento da área pú-blica, que precisa ser bem articulado,para não criar mecanismos concorren-tes com o setor privado.

“Um enquadramento estratégico naárea pública é extremamente importantepara evitar a concorrência. Na área defarmoquímicos, que são os insumos,existe um longo caminho a percorrer. Te-mos capacidade de produção, mas nãode absorção da produção, porque os me-canismos de utilização desses insumosainda não estão definidos, nem do ladoprivado nem do público. Do lado públi-co, as normas que regem a concorrênciaprecisam de uma revisão de forma a esti-mular os produtos nacionais; na área pri-vada falta regulação para poder havercompetitividade com os importados”, re-sume Mortella.

“É preciso uma articulação das me-didas para evitar fogo cruzado entre opúblico e o privado, o regulamentadocom o não regulamentado. No setorfarmacêutico, é necessário incentivar ainiciativa privada a investir, além deconsiderar que a simples oferta da linhade crédito pode não ser determinanteem muitos casos. Tem de haver con-dições de colocar os produtos no mer-cado. Como concorrer com os produ-tos indianos, por exemplo, que têmmuito mais incentivos?”

A Associação Brasileira da Indústriade Artigos e Equipamentos Médicos,Odontológicos, Hospitalares e de Labo-ratórios (Abimo), que tem participadodo processo de discussão com o MS so-bre a elaboração de políticas no setor, te-me pelo impacto que o fim da CPMF tra-rá ao PAC da Saúde. “No programalançado no Palácio do Planalto, a indús-tria nacional estava contemplada em vá-rias facetas. Desde a definição, por partedo MS, de quais produtos e tecnologiassão estratégicos para o sistema de saúdeaté a utilização do poder de compra doEstado para alavancar a produção nacio-

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c o m o i n v e s t i m e n t o , c o m r e t o r n o p a r a a e c o n o m i a c o m o u m t o d o

desenvolver uma linha de produçãomais competitiva”.

O ponto de partida do trabalho con-junto do MS e do Ipea foi a constataçãode que os elevados custos dos medica-mentos ofertados pelo SUS, no final dogoverno Fernando Henrique Cardoso,estavam pressionando muito o orçamen-to do Ministério, afetando também mu-nicípios e estados que distribuem remé-dios considerados essenciais. “Isso vinhacomo herança do processo de desregula-mentação não articulada da indústriafarmacêutica, que ocorreu nos anos 90,com a abertura comercial, atingindo di-retamente a indústria de farmoquímicos,que ficou numa situação precária”, afir-ma o economista.

Segundo ele, as empresas estrangeiras– e também as nacionais – tendem a in-vestir mais em processos de moderni-zação na ponta, na fabricação de medica-mentos, e não o fazem na área de síntesequímica. “Há, portanto, um descompas-so no processo da indústria nacional desuprir insumos básicos. Ao mesmo tem-po aumenta a pressão da sociedade paraque o governo forneça novos medica-mentos para alguns tipos de doença, co-mo Aids e câncer. O resultado é o elevadodéficit da balança comercial, em funçãodo crescimento das importações de far-moquímicos, vacinas e mesmo de medi-camentos prontos, na contramão de ou-tros países como China e Índia.”

Magalhães bate na tecla de que a asso-ciação entre financiamento, poder decompra do governo e um programa in-tenso de investimento em inovação tec-nológica abrirá uma boa perspectiva pa-ra a indústria farmacêutica.

Paralelamente, defende a criação deum grande laboratório nacional de bio-logia molecular, que poderia funcionarcom linhas de pesquisa própria, bem co-mo operar em rede com laboratórios li-gados a universidades e outros grupos depesquisas. Seria uma instituição capaz deorganizar o esforço de pesquisa científicade forma sistemática.

ticulação entre empresas, MS e BNDES,em que a empresa interessada tem seu ris-co duplamente abrandado.

De um lado, o governo garante a com-pra e, de outro, o banco participa do ris-co do projeto e só recebe um percentualda receita que a empresa terá com o pro-duto se o empreendimento for bem- su-cedido. A operação dirige-se a empresasde capital nacional, com porte e capaci-dade de pesquisa e tecnologia para de-senvolver os produtos em questão.

Essa estratégia faz parte do termo decooperação assinado durante o anúnciodo PAC da Saúde, em dezembro passado.Para torná-lo efetivo, foi proposto umcomitê gestor com membros do MS, quedefinirá a lista dos produtos considera-dos estratégicos, e do BNDES, que entra-rá com os recursos.

GARANTIA DE COMPRA A importânciade o governo garantir a compra de me-dicamentos é destacada também peloeconomista do Instituto de PesquisaEconômica Aplicada (Ipea), atualmentecedido à Câmara dos Deputados, LuizCarlos Magalhães, que em 2001/2002participou, junto com técnicos do MS,de um amplo diagnóstico sobre o setor,com enfoque voltado para a indústriafarmacêutica. O documento elaboradona época pela equipe (Diretrizes parauma política industrial na área de medi-

camentos e farmoquímicos) já tinha co-mo foco a utilização da política de com-pras por parte do governo, como estra-tégia para induzir investimentos nasáreas de tecnologia e de produção defarmoquímicos e medicamentos.

Segundo Magalhães, essa estratégia éfundamental para acelerar o processo deinvestimento em inovação tecnológica,sem a qual a indústria nacional perdecompetitividade e permanece fragilizadaem sua capacidade de produção.“É o quefaltou na política já iniciada de incentivoà produção, apesar do fortalecimentoproporcionado pelas linhas de financia-mento do Profarma e do aumento na fa-bricação de genéricos”, observa.

“É preciso articular a política indus-trial com o poder de compra do gover-no, mesmo que isso, num primeiro mo-mento, implique absorver preços maisaltos, com aumento do custo fiscal”,pondera. E explica:“A presença das mul-tinacionais no mercado brasileiro demedicamentos é muito acentuada, elasestão em constante processo de ino-vação e possuem grande capacidade depesquisa, além de marketing avançado,enquanto as empresas nacionais se de-frontam com essa concorrência e com orisco de ver seus investimentos fracassa-rem. Portanto, podem até ofertar produ-tos mais caros inicialmente, mas com agarantia de compra serão incentivadas a

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Mercado dependente do exteriorOferta e demanda de farmoquímicos em 2006

(em US$ bilhões)

Fonte: BNDES

Importações

Exportações

Produção local

Mercado aparente 1,3

0,5

1,1

0,3

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SETOR PÚBLICO Foi também criado osubprograma Profarma Produtores Pú-blicos, que se destina a apoiar a estruturapública do complexo industrial da saúde,composta por laboratórios públicos pro-dutores de medicamentos, vacinas, he-moderivados e reagentes e dispositivospara diagnóstico. Poderão ser utilizadosfundos não reembolsáveis do banco.

O apoio, no entanto, estará condicio-nado a projetos que se adequem ao planode ação a ser executado em 2008, apósum amplo estudo sobre a atual estrutura

Foto: Alexandre Campbell/Folha Imagem

A Fiocruz atua no lado frágil do sistema de inovação em saúde, que é a base produtiva

46 Desafios • janeiro de 2008

Maior produtora de vacinas da América Latina, a Fundação OswaldoCruz (Fiocruz), desde sua criação, trabalha dentro da perspectiva dealiar o alto conhecimento científico e o potencial de inovação com oatendimento das necessidades sociais, afirma Carlos Augusto Gadelha,vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz. A empre-sa vem sendo o pilar estratégico da política nacional de fortalecimentodo segmento farmacêutico. Em vista do seu reconhecido trabalho nessecampo, tem desempenhado papel importante na formulação e implemen-tação de políticas de Estado.

Na área de vacinas, o Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos(Bio-Manguinhos) responde por mais da metade da demanda nacional,com uma produção de 90 milhões de doses por ano de vacinas e kits pa-ra diagnóstico de doenças infectoparasitárias. O Instituto de Tecnologiaem Fármacos (Farmanguinhos) tem destaque na produção de medica-mentos contra a Aids e outras doenças virais. Com isso, permite a regu-lação de preços dos medicamentos anti-retrovirais, gerando significati-va economia aos cofres públicos. De suas linhas de produção saem,anualmente, mais de dois bilhões de comprimidos, cápsulas e frascos de

O papel estratégico da Fiocruz

de produção pública de medicamentosno Brasil, com o objetivo de torná-lamais eficiente.

Hoje, observa-se uma competiçãopredatória entre esses produtores públi-cos, com vários deles fazendo a mesmacoisa e desrespeitando as vocações regio-nais. Os cerca de 20 laboratórios públicosexistentes respondem por 70% da quan-tidade ofertada ao governo, mas por ape-nas 30% do valor.

O fortalecimento dos produtores pú-blicos é parte do PAC da Saúde. Para se

enquadrar nesse processo, diz o secretá-rio do MS, Reinaldo Guimarães, os labo-ratórios precisam deixar de competir en-tre si e trilhar quatro caminhos: busca devocações, aumento do patamar tecnoló-gico através de parcerias entre o setor pú-blico e o privado, atuação como regula-dores de mercado e melhoria de gestão.

Também foi criada nova linha para oapoio ao capital de giro de empresas ex-portadoras, visando sua inserção inter-nacional. Pode beneficiar empresas pe-quenas que tentam ganhar mercados lá

E s t r a t é g i a d o p r o g r ama é a c e l e r a r o p r o c e s s o d e i n v e s t im e n to em i n o v a ç ã o

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fora e também grandes empresas, dis-postas a viabilizar alguns negóciosmaiores a partir do Brasil, incluindo fi-liais de multinacionais.

“O compromisso da saúde é com asociedade brasileira, o atendimento domercado interno, mas a concorrência nomercado internacional é benéfica, prin-cipalmente para que as empresas pos-sam desenvolver e internalizar com-petências tecnológicas e regulatórias,que vão resultar em melhor desempe-nho”, opina Palmeira. d

Desaf ios • janeiro de 2008 47

pomadas. Produz medicamentos para combater doenças como tuberculo-se, malária, hanseníase, hipertensão e diabetes, entre outras.

Gadelha cita a produção de insulina como um projeto emblemático.“Ameta é atender a 50% da demanda do país, hoje totalmente dependentedo oligopólio internacional, sem qualquer capacidade de barganha e denegociação. É um processo de alta tecnologia, por engenharia genética.Os primeiros produtos começarão a ser ofertados já em 2008, com con-dições em 2010 de atender a uma boa parte da demanda”, diz. Um acor-do com a Ucrânia, fechado em 2007, representa um processo importan-te de transferência tecnológica e garantirá a entrega de insulina aoMinistério da Saúde (MS).

“Tudo é tecnologia de ponta. Os produtos da área de saúde ficam nafronteira tecnológica. O déficit da balança comercial do setor saúde, quepassou de US$ 700 milhões no final dos anos 80 para US$ 5 bilhõesatualmente, não é o principal problema. Mais que este déficit, o problemaestá no déficit de capacidade de inovação e de conhecimento numa áreaestratégica para a política social. O Brasil é forte em pesquisa de saúde,tem uma base científica sólida e um sistema que, apesar dos problemas,conta com ações de grande amplitude, mas não tem o meio de campo, queé a base industrial de inovação”, constata Gadelha.

Mas ele vê uma luz brilhando no fim do túnel,seguindo em direção ao gapexistente entre pesquisa e produção no país. Uma luz que se traduz nos pro-jetos do Centro de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CDCT) e doCentro Integrado de Protótipos Biofármacos e Reativos (CIPBR), ambos daFiocruz.“O objetivo desses dois centros é dar suporte ao setor produtivo pú-blico-privado na absorção de tecnologias de fronteira e participar mais ati-vamente da estratégia nacional, que envolve estados, outras instituições euniversidades, para atacar o elo frágil do sistema de inovação em saúde, queé a base produtiva. O alvo é transformar a produção que está em escala delaboratório em produção industrial”, diz o vice-presidente da Fiocruz.

O Centro de Protótipos, previsto para entrar em operação em 2009, éum laboratório piloto para a formulação de lotes experimentais de vaci-nas e de medicamentos estratégicos para a saúde pública, utilizados notratamento de doenças como câncer, Aids, hepatites B e C e anemias li-gadas à insuficiência renal crônica.A planta vai desenvolver tecnologiasem fases mais avançadas, até a pesquisa clínica, e viabilizará a produçãode substâncias em pequena escala. Haverá, assim, a passagem da etapado desenvolvimento tecnológico para a produção do medicamento.

Segundo Gadelha, parte dos medicamentos produzidos é compradadiretamente pelo MS e outra parte é descentralizada, sendo compras fei-tas por estados e municípios. A idéia é desconcentrar o desenvolvimentotecnológico, com a criação de pólos regionais.

Um exemplo de descentralização é a criação da Empresa Brasileira deHemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás), que está sendo construída nomunicípio de Goiana, em Pernambuco, com investimentos estimados em US$65 milhões.Trata-se de uma empresa pública que tornará o país auto-sufi-ciente na produção de quase todos os hemoderivados, usados no tratamentoda hemofilia, com custo muito inferior ao atualmente praticado pelas multi-nacionais.O país gasta cerca de US$ 200 milhões por ano com importações.Além disso, aproveitará as doações de sangue feitas no Brasil como matéria-prima, inclusive com o uso de material biológico de difícil obtenção, como éo caso do plasma, presente no sangue coletado.

As unidades produtivas que surgirem em cada estado poderão se arti-cular ao setor privado para alavancar as economias regionais em torno dasaúde.“É uma estratégia de Estado, requer tempo, mas agora encontrouum ambiente propício para se tornar realidade. Existe todo um ambienteconformado para articular a política industrial com a política social naárea da saúde no país. O processo está em andamento e a perspectivaagora é que se multiplique”, diz o vice-presidente de Produção e Inovaçãoem Saúde da Fiocruz.

t e c n o l ó g i c a , s e m a q u a l a i n d ú s t r i a n a c i o n a l p e r d e c o m p e t i t i v i d a d e

Supremacia dos grandesCarteira atual de f inanciamentos do Profarma

Dados de agosto de 2007 (em unidades e R$ milhões)

Fonte: BNDES

Porte das empresas Nº de projetos Total financiado

Grande 27 938

Média 11 50

Pequena 7 32

Micro 4 6

Total 49 1.026

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AGÊNCIAS REGULADORAS

A regulação está

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P o r R i c a r d o W e g r z y n o v s k i , d e B r a s í l i a

Em alguns casos, falta regulação, como para a convergência digital, que une televisão, celular, jornal

e outros em um só meio de comunicação, mas em geral os entes reguladores são questionados por

interferirem demais, por suas ligações com o governo e até por falta de qualif icação técnica

Desafios • janeiro de 2008 49

na berlinda

las estão em todos os cantos da vida cotidiana. De certaforma tentam regular nossa sociedade. Seja na conta deluz ou de água, nos alimentos, em nossas viagens porterra, ar ou água. Entre os papéis das agências reguladoras

está o de fiscalizar áreas que em muitos casos interferemdiretamente na economia do país, como é o caso do petróleo,transportes e outros. As polêmicas são tantas que um casoacabou transformado em tema de “samba enredo” no carnaval2008. O bloco de carnaval “Nós que nos amávamos tanto”, deBrasília, questiona em versos a falta de qualidade dos serviços de aviação. Por trás da questão está a Agência Nacional deAviação Civil (Anac). Mas não só os sambistas se indignaram.Pesquisadores e estudiosos em regulação apontam diversosproblemas. Dos céus para o fundo do mar, outras questõestambém envolvem as agências.

Livros, teses, casos, modelos, bons e maus exemplos nãofaltam. No Brasil, onde as agências começaram há menos de 20 anos, as polêmicas são grandes, como a provocada pelaretirada inesperada dos 41 blocos exploratórios do leilão orga-nizado pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Bio-combustíveis (ANP) em novembro do ano passado.

A problemática das agências se dá tanto na exploração depetróleo e seus derivados como também na regulamentação dasnovas formas de acesso às telecomunicações, como telefonar ou assistir televisão pela internet. Para Márcio Wohlers deAlmeida, diretor de Estudos Setoriais do Instituto de Pesqui-sa Econômica Aplicada (Ipea), em tempos de convergênciatecnológica, por exemplo, com diversos meios de acesso àinternet, são necessárias mudanças. “Temos que compatibilizara incorporação dessas novas tecnologias de telecomunicações

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maior integração institucional para quehaja a convergência não só tecnológi-ca mas também entre as reguladoras, jáque o sistema todo ainda é bastantefragmentado”, diz Wohlers.

O advogado Carlos Ari Vieira Sund-feld, especialista em regulação, diz que aLei Geral de Telecomunicações, de 1997,contém soluções para a “comunicaçãoeletrônica”, porém é preciso fazer novasmudanças. Segundo Sundfeld, a conver-

gência não é só tecnológica, mastambém de “negócios”, porque envol-ve lucro, empregos, impostos, além deque muitas empresas são veículos decomunicação, o que pode envolverconcessões. O especialista defende,por exemplo, que os serviços de ra-diodifusão sejam regulados pela Ana-tel – hoje, a regulação é do Ministé-rio das Comunicações (MC), “pois a

à estrutura regulatória do setor. No en-tanto, a regulação tem de ser dinâmicasem se tornar instável”, diz.

A defasagem entre tecnologia e re-gulação, segundo ele “é até natural.Afinal, a Agência Nacional de Telecomu-nicações (Anatel) foi criada na mesmaépoca em que ocorreram os processos de privatização e liberalização de mer-cados, em meados na década de 1990,quando cada um dos meios de comuni-cação tinha a sua tecnologia própria. Eraa fase de pré-convergência”.

Com a digitalização e a convergên-cia é possível a transmissão de sinais de voz e imagem de te-levisão pela internet embanda larga, inclusive pa-ra aparelhos móveis, co-mo o telefone celular.“Em todo o mundo,a convergência tec-nológica abriu umacomplexa discus-são sobre reno-vação das regrasdas telecomunica-ções, incluindo atelevisão”, afirmaWohlers.

Outro problema éa falta de coordenaçãoentre as agências e ór-gãos do governo fede-ral, “que se tornaram afinsdevido à convergência”, dizWohlers, citando como exemplo“a necessidade de coordenar e regula-mentar temas de ordem tecnológica eeconômica, com os vinculados ao con-teúdo, que envolvem diferentes formasde incentivo e proteção à produçãocultural brasileira”.

O diretor do Ipea cita em seus estudosque uma das administrações eficientesde concessões e fiscalização dos sistemasmultimídia aconteceu em 2003 na Ingla-terra, por intermédio da fusão de cincoagências envolvendo telecomunicações etelevisão. “No Brasil, há necessidade de

Un s d e fe n d em a n e c e s s i d a d e d e uma n o v a l e i g e r a l d a s a g ê n c i a s e o u t r o s ,

50 Desafios • janeiro de 2008

convergência de serviços exige conver-gência de regulador”.

AUTO-REGULAÇÃO Entre as polêmicasestá o fato de o governo regular a sipróprio. A pesquisadora do Ipea LúciaHelena Salgado e Silva questiona a reti-rada dos 41 blocos exploratórios dos 271ofertados no mês de novembro passadopor meio de leilão. Segundo a pesquisa-dora, a ANP teria privilegiado seu par-ceiro, no caso, ele próprio – o governo.

“Depois da descoberta pela Petrobrasde uma série de campos de potencial

de exploração muito grande, logoem seguida a agência regula-

dora toma uma decisão, emcima de um pacto que já

estava colocado no lei-lão de poços naquela

região?”, questionaela, para emendar:“O consumidor fi-ca na dúvida se aagência regulado-ra de fato tomouuma decisão quevisa ao interesse

geral ou se ela levouem consideração, de

uma maneira, os in-teresses da Petrobras”.

Por outro lado, a pes-quisadora também elogia

o trabalho da agência. “AANP vem fazendo o acompa-

nhamento da conduta de postosde combustíveis e ajudando o sistema

de defesa da concorrência a verificar ca-sos de cartel. Com relação a esses doisaspectos, ela vem operando bem. Umponto mais frágil é quando ela tem quelidar com interesses e eventualmente terque contrariar sua principal reguladaque é a Petrobras”, pondera.

O questionamento da pesquisadoraatualiza o documento que ela escreveuem 2003. Segundo o texto, o termo téc-nico para o fenômeno é “captura regu-latória”, quando o regulado tem relação

AneelAgência Nacional de Energia Elétrica

ANPAgência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis

AnatelAgência Nacional de Telecomunicações

AnvisaAgência Nacional de Vigilância Sanitária

ANSAgência Nacional de Saúde Suplementar

ANAAgência Nacional de Águas

AntaqAgência Nacional de Transportes Aquaviários

ANTTAgência Nacional de Transportes Terrestres

AncineAgência Nacional do Cinema

AnacAgência Nacional de Aviação Civil

Agências Reguladoras

São dez as atuais agências reguladoras na esfera federal:

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Desaf ios • janeiro de 2008 51

m a i s m o d e r a d o s , p r e t e n d e m a p e n a s f a z e r a d a p t a ç õ e s n a s r e g r a s a t u a i s

com o regulador. “Sempre discutimos isso, como montar uma agência regula-tória, tendo uma regulada tão poderosacomo é a Petrobras. Uma forma parasolucionar seria que uma fosse totalmen-te desligada da outra, desvinculada comrelação à regulada.A gente percebe que asduas caminham muito juntas”, aponta.

O advogado especialista Sundfeldtambém critica esse tipo de ação. Segun-do ele, “no setor em que empresas esta-tais também são reguladas há dois ele-mentos vitais: o órgão regulador tem deser independente de verdade, inclusiveem relação aos interesses do Poder Exe-cutivo, o que exige muita clareza da lei nafixação da missão do órgão; e a lei devedefinir com o máximo de precisão pos-sível o limite das competências do Exe-cutivo para fixação das políticas seto-riais, evitando confusão entre política eregulação. Se não for assim, ou a agêncianão servirá para nada ou o choque ins-titucional será permanente”, diz.

INTERESSES Seguindo essa corrente depensamento, na relação com as empresasdo governo, as agências perdem em flexi-bilidade e potencialidade ao contrariarinteresses. “Os regulados, num jogo sim-ples, não podem gostar do regulador. Éda natureza dele cessar, cortar interesses,até porque visa ao longo prazo da socie-dade e não ao interesse imediato de umou outro setor. Precisaria ter total inde-pendência, é por isso que as agênciaspossuem, nos seus presidentes, pessoasque detêm um mandato, assim não po-dem ser afastados do cargo se eles even-tualmente contrariarem algum interessepolítico”, diz Lúcia Helena.

O advogado Sundfeld também sugereum possível problema: “A sociedadeentre Estado e particulares no controlede empresa concessionária é um modeloem tese possível, inclusive do ponto devista jurídico, de Parceria Público-Pri-vada (PPP) em sentido amplo. Mas seuuso deve ser limitado, pois ele tem difi-culdades operacionais nada desprezí-

veis. Uma delas é a de isonomia naprópria licitação, entre o consórcio deque participe empresa estatal e os outrosconcorrentes”.

LA GARANTIA As agências reguladorasmantêm os preços de mercado nos cha-mados “monopólios naturais”, que sãoaqueles setores com pouca ou nenhumaconcorrência, a exemplo de distribuiçãodo abastecimento de água, telefonia, gáse energia elétrica.Ai começa outro pontoemblemático. Em alguns casos o gover-no está dos dois lados do balcão: fiscalizae também é o fiscalizado.

A questão pode remeter à velha ane-dota “La garantía soy yo” (a garantia soueu). A pesquisadora Lúcia Helena recla-ma: “Longe da intenção de levantar dú-vidas sobre a ética dos encarregados de fiscalizar, mas há no mínimo umcontra-senso”.

Outro problema, segundo Lúcia He-lena, é que a forma de angariar recursospara as privatizações traz um capitalprivado que geralmente pouco participa“sozinho” da compra das empresasestatais. É mais que comum os consór-cios envolvendo empreendimentos go-vernamentais, com significativa parcela

de participação financeira. Há tambémcasos da participação do governo, deforma indireta, nos financiamentos.

Um dos exemplos é a parceria que ar-rematou o leilão da usina hidrelétrica deSanto Antônio, do Complexo do Rio Ma-deira, ocorrido no dia 10 de dezembropassado, com participação da empresa es-tatal Furnas Centrais Elétricas. A proble-mática está que a própria Agência Nacio-nal de Energia Elétrica (Aneel) foi quemaprovou a minuta do edital de licitação.Com a mistura entre iniciativa privada e odinheiro público, a ambigüidade está for-mada.“Como pode o governo fiscalizar eregular seus próprios serviços,sua própriaparticipação?”, questiona.

Sundfeld também coloca em xeque aisonomia das agências reguladoras. E opesquisador José Feres, do Ipea, citandoo caso do rio Madeira, diz que “a parti-cipação das estatais nos leilões de ener-gia elétrica é como a reestatização”.

QUALIFICAÇÃO Outro ponto que podeengessar as agências reguladoras é a faltade pessoal especializado, tanto no staffoperativo (quadro técnico) quanto nosdirigentes. Para a pesquisadora LúciaHelena, os cargos de indicação nem

A regulação dos serviços de saúde complementar ainda é pouco conhecida no Brasil

Foto: Renata Ursaia/Conteúdo Expresso

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52 Desafios • janeiro de 2008

P r o j e t o p r o í b e q u e d i r i g e n t e s exe r ç am a t i v i d ad e s i n d i c a l , p o l í t i c o - p a r t i d á r i a

gás e energia elétrica é uma mostra da tímida presença do capital privado nodesenvolvimento desses setores no país.“A gente vê isso em qualquer ocasiãode investimento. Os processos deprivatização geraram essas relaçõesambíguas. Por exemplo, na privatizaçãodo Sistema Telebrás, aquilo foi umconsórcio com capital estatal, com apresença dos fundos de pensão e doBanco Nacional de DesenvolvimentoEconômico e Social (BNDES). A gente vê isso acontecer correntemente”, diz apesquisadora Lúcia Helena. Ela define a questão como “perpetuação do capita-lismo associado”.

O advogado Sundfeld discorda. Paraele, “o banco oficial que financia o ad-quirente do controle de empresa priva-tizada não se torna controlador da em-presa nem corre diretamente os riscos

sempre seguem critérios como conhe-cimento técnico. “Foi o que aconteceurecentemente com a Anac. Muitos car-gos eram preenchidos por escolhas po-líticas e não técnicas, daí houve boa partedos problemas”, diz.

Segundo a pesquisadora, o preenchi-mento dos cargos nas agências regula-doras deveria seguir somente critériostécnicos. “Não sei se isso vem acon-tecendo, mas é uma questão de se avaliar.Muitas agências ainda não têm um qua-dro técnico e contam com pessoas con-tratadas para cargos temporários, ou tra-zidas de outros órgãos”, assinala. Elarelembra que recentemente o MinistérioPúblico Federal entrou com uma ação vi-toriosa para que fossem feitos concursospúblicos para contratação de pessoaltécnico nas agências. Desde então foramrealizados alguns concursos. Na Anac,por exemplo, o corpo técnico ainda estásendo formado “e muitos dos aprovadosainda não foram chamados”, alerta.

Lúcia Helena Salgado aborda ampla-mente sua argumentação no Texto pa-ra Discussão (TD) do Ipea, intitulado“Agências Regulatórias na experiênciabrasileira: um panorama do atual dese-nho institucional”, que está disponívelno site do instituto.

O advogado Sundfeld é mais rígidoainda nos questionamentos: “O maiorproblema das agências não está nelas, esim no Poder Executivo, cuja organiza-ção precisa ser repensada, e no sistemapolítico, que sabota o caráter técnico doprocesso regulatório”. O advogado afir-ma haver também falta de clareza legal na definição da missão e competênciasdas agências.

Por outro lado, na opinião de MárcioWohlers, “qualquer profissional regula-dor, além da competência técnica, temcrenças e valores, além de ser dotado deconvicções políticas, alinhadas ou não aogoverno”. O diretor do Ipea também citaa experiência internacional na regulaçãoeconômica de energia e telecomunica-ções, como a dos Estados Unidos, que

possuem forte cultura regulatória. “Elesmostram que é possível trabalhar comautonomia mesmo quando há indicaçãodos conselheiros proporcional ao peso da representação político-partidária noCongresso. A legislação é que garanteisenção”, afirma.

Segundo Lúcia Helena Salgado, defato, as leis brasileiras garantem que aspessoas “tanto indicadas pelo Executivoquanto aprovadas pelo Senado tenhamnotória especialização na matéria quevão regular.A questão é se isso vem sendoobservado ou não. A lei é bem clara: épreciso qualificação para exercer o cargo.Isso é fundamental para que eles venhama tomar decisões que eventualmente sãoantipáticas”, dispara.

CAPITALISMO Em muitos casos, a forçado capital estatal nos leilões de petróleo,

Três agências atualmente regulam o setor de transportes no país: uma para o transporte terrestre; outra…

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Desaf ios • janeiro de 2008 53

o u d e d i r e ç ã o emp r e s a r i a l , e v i t a n d o d e s t a fo rma a p o l i t i z a ç ã o d a s a g ê n c i a s

do negócio. Por isso, é exagero falar emfalso capitalismo”. Quanto à participa-ção do banco, o advogado também écontundente: “A participação do BNDESna privatização brasileira foi positiva,permitindo a criação de um setor pri-vado forte e capitalizado de que o paísprecisava”.

LEI GERAL Um dos entraves à maiorconsistência e efetividade da regulaçãono seu todo é a ausência de base legalabrangente e homogênea. No CongressoNacional tramita há vários anos o Projetode lei nº 2.633, de 2003, de autoria do ex-deputado Ivan Ranzolin, que está prestesa ser votado em plenário. São várias asmudanças sugeridas pelo projeto, desde acelebração e gerenciamento de contratosde concessão, controle, acompanhamen-to e revisão das tarifas até a consulta pú-

blica no caso de revisão de tarifas. Outroponto diferencial será a fixação de metase de fiscalização.

O cargo de ouvidor, com mandatofixo de quatro anos, exercendo suasfunções sem subordinação hierárquica eacumulação de funções, será estendido atodas as agências. O ouvidor será esco-lhido e nomeado pelo presidente da Re-pública, após aprovação pelo SenadoFederal, prevê o projeto de lei, cujo re-lator no Congresso é o deputado Leo-nardo Picciani (PMDB-RJ).

“A Lei Geral das Agências está vindoda forma ideal, porque nada como oprocesso democrático, de discussão, deembates com proposições. A lei foi bas-tante aprimorada, acabou caindo o con-trato de gestão, que era um ponto que aspessoas que estudam e acompanham aárea batiam muito contra. Esse contrato

previa que as agências firmariam com-promissos com os ministérios aos quaisestavam vinculadas, definindo metas dedesempenho e de gestão, e, uma vez nãoatingidas, os seus dirigentes poderiam serafastados. Isso iria afetar a autonomia dasagências”, comemora a pesquisadoraLúcia Helena.

Segundo o texto do relator, a leideverá garantir liberdade às agências em relação à administração públicafederal. Teriam ainda total isonomia. Se-gundo informa a assessoria do deputadorelator, o que realmente vai assegurar aisonomia é a proibição de que os mem-bros do Conselho Diretor, incluindo opresidente, exerçam atividade sindical,político-partidária ou de direção em-presarial, evitando desta forma a poli-tização das agências, além do conflito de interesses. d

…para o aéreo; e a terceira, para o aquaviário

Foto: Márcio Lima/Conteúdo Expresso

A qualidade da regulação no BrasilComparação com outros países – 2006

(em %)

Fonte: Daniel Kaufmann, Aart Kraay e Massimo Mastruzzi (Banco Mundial) – 2007

Reino Unido

Canadá

Estados Unidos

Chile

Alemanha

Japão

França

Itália

México

Colômbia

Brasil

Índia

China

Rússia

Argentina

0 25 50 75 100

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MELHORES PRATICAS

As cidades de São Paulo, Ilhabela e Rio de Janeiro

constroem indicadores de qualidade de vida para monitorar a

gestão municipal e gerar meios para os eleitores cobrarem

do próximo prefeito uma administração por resultados

o dia 10 de dezembro de 2007,vinte dias antes de encerrar seumandato, o prefeito de Bogotá, naColômbia, Luis Eduardo Garzón,

submeteu-se à última avaliação de seusquatro anos de governo. Em sessãopública promovida pelo projeto Bogotácomo Vamos, um grupo de especialistascomparou os resultados da administraçãocom os compromissos firmados no iní-cio do mandato. Concluiu-se que, emalgumas áreas, o balanço tinha sidopositivo: Garzón cumpriu, por exemplo,98% das metas estabelecidas para a áreade educação, atendeu praticamente atodas as expectativas do programa Bogo-tá sem Fome e ainda conseguiu reduzir

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Cidadãosfazem outra cidade

P o r C l a u d i a I z i q u e , d e S ã o P a u l o

o número de homicídios, de 30 para 17,9por 100 mil habitantes.Apesar do desem-penho insatisfatório na atenção integral à saúde e na alfabetização de jovens e adultos, sua gestão foi considera-da transparente e responsável. Garzóndeixou o governo com nota 3,38, numaescala de 1 a 5.

O modelo de administração por re-sultados e de acompanhamento periódi-co e sistemático da gestão municipalcom base em indicadores de qualidadede vida, patrocinados pelo projeto Bogo-tá Como Vamos, começa a ser replicadono Brasil. A Câmara Municipal de SãoPaulo deverá votar nos próximos mesesuma proposta de alteração da “Consti-

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56 Desafios • janeiro de 2008

“ É um d i r e i t o d e o e l e i t o r v e r c ump r i r a s p r o p o s t a s q u e f o r am d i v u l g a d a s

tuição” municipal para obrigar os próxi-mos prefeitos da capital a cumprirem umprograma detalhado de governo para to-do o mandato. O projeto foi aprova-do por unanimidade pela Comissão deConstituição, Justiça e Legislação Partici-pativa da Câmara Municipal e está sobanálise das comissões de AdministraçãoPública e de Finanças, antes de seguir pa-ra a votação em plenário. A expectativa éque o prefeito eleito no pleito municipalde outubro deste ano assuma o cargocomprometido com um plano de metascujos resultados serão avaliados a partirde seu impacto sobre os principais indi-cadores de qualidade de vida da cidade.

O projeto teve origem no movimentoNossa São Paulo: Outra Cidade, do Insti-tuto São Paulo Sustentável (ISPS) – enti-dade constituída em 2007, inspirada naexperiência colombiana –, que reúnecerca de 30 empresas e 393 organizaçõesda sociedade civil com o objetivo de re-cuperar a confiança da população nosprocessos políticos, valorizar a democra-cia participativa e promover o desenvol-vimento sustentável da cidade.“O movi-mento tem como eixo a mudança naforma de fazer política e nossa estratégiaé comprometer o governo municipalcom um programa de metas que envolvadesde a transparência na gestão públicaaté mudanças nos indicadores sociais”,diz Oded Grajew, membro da secretariaexecutiva do ISPS.

O que está sendo avaliado pela Câma-ra Municipal paulistana é uma “adap-tação” da legislação colombiana, explicao advogado Paulo José Villela Lomar, es-pecialista em direito urbanístico e autorda proposta. Apesar de a Constituiçãobrasileira não contemplar o voto progra-mático – que, no caso da Colômbia, per-mite aos eleitores destituir do cargo oprefeito ou vereador que, durante o man-dato, revelar-se infiel ao seu programa degoverno –, há brechas na legislação doPlano Diretor dos Municípios para mu-danças. “Embora não funcione plena-mente, a Lei do Plano Diretor fixa objeti-

avaliação dos bens e serviços oferecidospela administração pública não devemter limites. “O futuro caminha paragestões cada vez mais democráticas etransparentes, com decisões colegiadas.Não poderemos fugir disso.”

O movimento Nossa São Paulo: OutraCidade aposta na aprovação do projeto ejá prepara um conjunto de indicadoresde qualidade de vida que, na expectativade Grajew, será uma espécie de “agenda”para os candidatos à prefeitura do muni-cípio e um gabarito para a avaliação dodesempenho de sua gestão. “Estamostrabalhando na coleta dos dados paracompor um quadro amplo de indicado-res”, adianta.

vos, diretrizes e define ações estratégicaspara um período de dez anos.A nossa in-tenção é vincular o prefeito a esse plano,complementando a legislação do PlanoDiretor”, diz. Em termos jurídicos, trata-se de um projeto de lei que altera a LeiOrgânica do Município e que tramitacom o nº 08/2007.

A própria Prefeitura de São Paulonão se opõe. “É um direito de o eleitorver cumprir as propostas que foram di-vulgadas na campanha eleitoral”, afir-ma o secretário de Participação e Parce-ria do município de São Paulo, RicardoMontoro. “O político-gestor, no entan-to, também deve ter o direito de infor-mar ao público que determinadas pro-postas não podem ser implantadas porserem impraticáveis no emaranhadoorçamentário”, ressalva. Ele diz que adivulgação de indicadores de desem-penho por parte da prefeitura – nosmoldes do projeto colombiano – “nãorepresenta necessariamente algo fora dapossibilidade”. Mas considera que aanálise da evolução desses indicadoresdeveria ser atualizada anualmente e noâmbito de um amplo processo de dis-cussão com a sociedade.

O secretário municipal informa quetambém conhece de perto a experiênciade Bogotá. “O movimento colombianopropõe o desenvolvimento da cidade pormeio do viés da qualidade de vida e datransparência na divulgação das propos-tas de governo, assim como das ações euso do dinheiro público”, sublinha. Masdiz que ainda tem dúvidas quanto à“ade-quação”desse modelo de participação ci-dadã numa cidade como São Paulo, que,segundo ele, é marcada pela diversidade.“Aqui, tudo é múltiplo e pluralista e re-quer ações que valorizem a integraçãodessas muitas comunidades. Não esta-mos numa cidade linear. Há uma neces-sidade premente de valorização e in-clusão das diversas minorias que tornama cidade esse palco multifacetado”, anali-sa Montoro. Reconhece, no entanto, quea transparência e o exercício constante de

A primeira iniciativa no Rio foi construir indicadores…

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n a c amp a n h a e l e i t o r a l ” , a f i rm a a p r ó p r i a P r e fe i t u r a d e S ã o Pa u l o

…para monitorar a gestão municipal em áreas como violência, segurança e orçamento público

Esses indicadores serão analisados edebatidos por diversos grupos de traba-lho no Fórum Nossa São Paulo, a ser rea-lizado entre os dias 15 e 18 de maio, como objetivo de elaborar sugestões para osdiversos desafios sociais, econômicos,políticos, ambientais e urbanos. As pro-postas serão apresentadas à sociedade,aos poderes públicos e aos partidos polí-ticos que disputarão as próximas eleiçõesmunicipais. Ainda no primeiro semestreserá lançada uma pesquisa qualitativa so-bre a percepção dos cidadãos em relaçãoaos principais problemas da cidade –educação, saúde, corrupção, segurançapública, assistência social, desigualdade,entre outros.“Os resultados serão o mar-

co zero para a construção de uma SãoPaulo mais justa, mais segura, mais boni-ta e sustentável”, diz Grajew.

ILHABELA São Paulo provavelmente nãoserá a única cidade brasileira a contarcom uma legislação que comprometerá opróximo prefeito com seu programa degoverno. Em novembro de 2007, o movi-mento Nossa Ilha Mais Bela encaminhouà Câmara de Ilhabela, município do lito-ral paulista, anteprojeto de emenda à LeiOrgânica que obriga o administradormunicipal a apresentar um plano de me-tas baseado em indicadores, em até 90dias após assumir o mandato. Tambémno caso de Ilhabela, o objetivo é aumen-

tar a transparência dos diversos setoresdo governo, garantir compatibilidade dasações do prefeito com o programa eleito-ral e permitir o acompanhamento públi-co dos investimentos, obras, projetos eserviços realizados pelo poder público.

A equipe coordenadora do movi-mento trabalha na coleta de dados e naconfecção de indicadores de qualidadede vida para formar um banco de dadosque ficará à disposição dos poderes Exe-cutivo e Legislativo e acessível a toda apopulação. A pesquisa que avalia a re-lação dos cidadãos com a cidade ficoupronta em outubro. Ilhabela é percebidacomo um lugar privilegiado, com vo-cação econômica para o turismo, mascom graves problemas estruturais – co-mo, por exemplo, na área de saneamento–, cuja solução deverá ser cobrada dopróximo prefeito.

RIO DE JANEIRO A experiência de Bogotátambém foi fonte de inspiração do RioComo Vamos, um movimento de cidada-nia em prol da qualidade de vida. A pri-meira iniciativa foi reunir informaçõesque permitissem diagnosticar os princi-pais problemas da cidade e construir in-dicadores para monitorar o avanço dagestão municipal em áreas como violên-cia, segurança e orçamento público.

Com base nos dados da Pesquisa Na-cional por Amostra de Domicílio(Pnad), do Instituto Brasileiro de Geo-grafia e Estatística (IBGE), e de outras es-tatísticas disponíveis, constatou-se, porexemplo, que, apesar de a violência ser amaior preocupação dos cariocas, a taxaestá menor que a de meados dos anos1990, enquanto, por exemplo, Belo Hori-zonte, Curitiba e Recife apresentam taxascrescentes. Em compensação, o Rio deJaneiro registra o pior índice de acesso àmatrícula no ensino fundamental da redepública dos últimos dez anos, compara-do a dez regiões metropolitanas. E mais:o único serviço básico de acesso univer-sal na cidade do Rio é o fornecimento deenergia elétrica.

Foto: Ricardo Azoury/Pulsar Imagens

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E n t r e v i s t a s r e v e l a m b a i x a p a r t i c i p a ç ã o d o s c i d a d ã o s n a v i d a d a s c i d a d e s

Foto: Armando Catunda/Pulsar Imagens

O segundo passo foi realizar umapesquisa de percepção pública sobre avida na cidade, utilizando metodologiade grupos focais, apresentada em no-vembro do ano passado.“Essa técnica éadequada para estudos exploratóriosque visam obter percepções, conceitos-chave e idéias que organizam o pensa-mento em torno de fatos e eventos”,justifica Samyra Crespo, uma das fun-dadoras do Rio Como Vamos e inte-grante do Instituto de Estudos da Reli-gião (Iser).Violência, saúde pública,sujeira e má conservação da cidade fo-ram os problemas mais recorrentes. Asentrevistas revelaram uma baixa parti-cipação dos cidadãos na vida da cida-de. Segundo Samyra, poucos se lem-bravam em quem haviam votado nasúltimas eleições municipais e atribuíamao prefeito a responsabilidade de toda asua insatisfação.

Esse conjunto de informações subsi-diará a construção de uma cesta de in-

Pesquisa avaliou que Ilhabela é percebida como um lugar privilegiado, de vocação para o turismo,

mas com problemas estruturais como o saneamento

O projeto Bogotá como Vamos, criado du-rante a campanha eleitoral de 1997, na capi-tal da Colômbia, é uma experiência bem-suce-dida de cidadania participativa. O seu objetivoé a construção da cultura democrática em Bo-gotá e seu principal aporte consiste em forne-cer elementos aos eleitores para avaliar o pa-pel desempenhado por seus representantesna prefeitura e na Câmara de Vereadores e, aomesmo tempo, desenvolver um projeto com-partilhado de cidade.

O movimento – que ganhou a sigla BCV– organiza-se em torno de duas estratégiascentrais: a de avaliação sistemática dagestão pública, com foco no conceito dequalidade de vida, e a de divulgação e co-municação, para dar transparência aos re-sultados.

O processo de avaliação da adminis-tração pública e o acompanhamento de pro-

blemas sociais são realizados com base emindicadores técnicos para dar conta do im-pacto da gestão na qualidade dos serviços ebens públicos, devidamente validados porespecialistas. Isso significa que, para mediro avanço dos indicadores de educação, porexemplo, o BCV avalia a evolução do númerode matrículas e não o número de escolasconstruídas pela administração municipal.Da mesma maneira, os indicadores de trans-portes não consideram a extensão das viaspavimentadas, mas o tempo médio de deslo-camento urbano. A grande maioria das infor-mações que alimentam os indicadores temorigem em pesquisas oficiais realizadas pe-lo governo distrital.

Essa estratégia de avaliação por meio deindicadores vem sendo utilizada desde 1998.A partir de então, os índices de pobreza porrenda caíram quatro pontos percentuais, entre

1998 e 2004, e a taxa de acesso à educaçãofundamental e ao ensino médio na cidade deBogotá cresceu de 88% para 92,1%, no mes-mo período. O número de pessoas que tiveramacesso aos serviços de saúde também cres-ceu cerca de 50% e o de ligações ao sistemade distribuição de água aumentou 93%. Essesresultados contribuíram para a melhora do Ín-dice de Desenvolvimento Humano (IDH) de0,820 para 0,8333.

O projeto também utiliza indicadores depercepção para conhecer a opinião dos ci-dadãos em relação às áreas avaliadas e qua-lificar a administração municipal, assim co-mo seus principais programas. Em 2000,apenas 29% da população da capital colom-biana percebia melhorias introduzidas na ci-dade como decorrência do trabalho da enti-dade. Em 2006 esse percentual chegou a53% e continua subindo.

O exemplo participativo do movimento Bogotá como Vamos

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e p o u c o s s e l e m b r a m e m q u e m v o t a r a m n a s ú l t i m a s e l e i ç õ e s m u n i c i p a i s

Foto: Jose Gomez/Reuters

dicadores englobando treze temas: saú-de, educação, segurança pública eviolência, pobreza e desigualdade, meioambiente, lazer e esportes, cultura, habi-tação e saneamento, inclusão digital,trabalho, emprego e renda, orçamento evereadores. “Ainda falta definir os indi-cadores para algumas áreas, como a decultura, por exemplo”, ressalva RobertaOliveira, coordenadora técnica do RioComo Vamos. A idéia é, a partir dessesindicadores, mapear áreas mais carentesda cidade e identificar os setores da ad-ministração que necessitem de maisatenção e investimentos. O passo se-guinte será cobrar ações do Executivo edo Legislativo municipais.

UTOPIAS As pesquisas de opinião fun-cionam como uma espécie de bússolapara as ações e as campanhas dessesmovimentos. No ano passado, o NossaSão Paulo: Outra Cidade encomendouao Ibope uma pesquisa qualitativa para

conhecer as expectativas e frustraçõesdos paulistanos. Depois de consultargrupos de diferentes faixas etárias e clas-ses sociais e de ouvir lideranças comu-nitárias e representantes de movimentossociais, concluiu que a população temsentimentos dúbios em relação à cidade.A grande maioria dos entrevistados de-fine São Paulo como “caótica”, desta-cando problemas de trânsito, carênciasde transporte público e dificuldades deacesso aos serviços e bens disponíveis.Muitos, no entanto, declararam-se“apaixonados” pela cidade e confessa-ram que têm um sonho, qualificado co-mo “utopia”: o de resgatar o orgulho deser paulistano.

A análise dos resultados levou à con-clusão de que a priorização da agendaeconômica, em detrimento do “capitalhumano”e da sustentabilidade da cidade,acabou por provocar um distanciamentoentre os cidadãos e o acirramento das di-ferenças sociais. Nesse fosso instalaram-

se a violência, o apartheid social e a desi-gualdade de oportunidades.

Para mudar esse quadro e construiruma cidade sustentável e justa, além dosprogramas de indicadores e metas e doacompanhamento cidadão da gestãomunicipal, o movimento Nossa SãoPaulo quer fortalecer a cultura cidadãpor meio da revalorização do espaçopúblico, da melhoria da auto-estima dospaulistanos e do sentimento de “perten-cimento a uma cidade que deveria ser detodos”. Também estão previstas açõesde promoção de parcerias entre empre-sas, organizações sociais e órgãos daprefeitura; a constituição de fóruns dedebate em todas as regiões da cidade; oapoio à constituição de movimentos se-melhantes em outras cidades; e a for-mação de grupos de trabalho e redes so-ciais em todo o país.

SEM CARRO Em defesa da cultura cidadã,por exemplo, o movimento aderiu à cam-panha do Dia Mundial Sem Carro, ini-ciativa adotada pela primeira vez naFrança em 1997 e comemorada em SãoPaulo desde 2005, sob a coordenação daSecretaria Municipal do Verde e do MeioAmbiente (SVMA). No ano passado, adata escolhida foi o dia 22 de setembro,um sábado. Ainda assim, a adesão da po-pulação foi baixa: a Companhia de En-genharia de Trânsito (CET) registrou pi-cos de 5 km de congestionamento e aSVMA declarou estado de atenção paraos níveis de ozônio no Parque do Ibira-puera e na região da Universidade de SãoPaulo (USP).

Para Grajew, o mais importante foi a“mensagem passada”, já que o objetivo dacampanha é ampliar a participação dapopulação no debate sobre novas pers-pectivas para São Paulo. Visto por esteângulo, o Dia Mundial Sem Carro foi umsucesso: o Ibope ouviu 850 paulistanosna semana seguinte ao evento e constatouque a campanha teve alta visibilidade,com índices entre 60% e 70% de apro-vação entre os entrevistados. d

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Descentralização

Pesquisa cresce mais no Norte,Nordeste e Centro-Oeste

60 Desafios • janeiro de 2008

CIRCUITOciência&inovação

A Financiadora de Estudos eProjetos (Finep), do Ministério daCiência e Tecnologia (MCT), apro-vou investimentos de R$ 20 mi-lhões em um fundo de private equi-ty para o setor sucroalcooleiro.Batizado com o nome de Terra Vi-va, o fundo será administrado pelaDGF Gestão de Recursos, que vaiaplicar R$ 300 milhões em atédez empresas, nos próximos qua-tro anos. É o primeiro fundo de pri-vate equity apoiado pela Finep,uma modalidade de investimentodirigido a empresas de médio por-te, já consolidadas no mercado,

Cresce a tendência de des-centralização dos grupos de pes-quisa no Brasil. O novo censo di-vulgado pelo Conselho Nacionalde Desenvolvimento Científico eTecnológico (CNPq) identificou 21mil grupos em atividade em 403instituições, em 2006. Deste total,50,4% estavam no Sudeste; 23,6%no Sul; 15,5% no Nordeste; 6,1%no Centro-Oeste; e 4,4% no Norte.

A Vale (ex-Companhia Vale doRio Doce) e o Banco Nacional deDesenvolvimento Econômico e So-cial (BNDES) anunciaram a cria-ção da Vale Soluções em EnergiaS.A (VSE). A nova empresa vai tra-balhar no desenvolvimento deprocessos de produção de ener-gia de fontes renováveis a partirde pesquisas nas áreas de gasei-ficação de carvão térmico, debiomassa e da construção deturbinas a gás e motores pesadosmulticombustíveis. A mineradora

quer utilizar as novas tecnologiaspara garantir seu abastecimentode energia. A Vale terá 51% docapital, a BNDESPar ficará com44% e a empresa Sygma Tecnolo-gia, Engenharia, Indústria e Co-mércio participará com 5%.A VSEvai operar o Centro de Desenvol-vimento Tecnológico em Energia,com investimento inicial de R$220 milhões num período de trêsanos. O Centro será instalado noParque Tecnológico de São Josédos Campos, em São Paulo.

Energia

BNDES e Vale desenvolvem fontes renováveis

Foto: Sxc.hu

Etanol

Surge o primeiro fundo de privateequity apoiado pela Finep

Parques tecnológicos

Novo sistema começa a deslanchar em São Paulo

O Sistema Parque Tecnológicodo Estado de São Paulo começa adeslanchar. O vice-governador esecretário de Desenvolvimento, Al-berto Goldman, assinou três convê-nios no valor total de R$ 5,8 mi-lhões, destinados aos parques deSão José dos Campos,São Carlos eSão Paulo. Em São José dos Cam-pos, os recursos vão financiar a

implantação de um condomínio em-presarial e uma incubadora; emSão Carlos, serão utilizados nacompra de equipamento de prototi-pagem rápida, para apoiar o de-senvolvimento de micro e peque-nas empresas de base tecnológica;e na capital do estado, permitirão aexpansão do Centro Incubador deEmpresas Tecnológicas (Cietec).

No entanto, em comparação com2004,a taxa de crescimento do nú-mero de grupos de pesquisa nasregiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste ficou em torno de 17%, anteum aumento de 5% nas regiõesSul e Sudeste, no mesmo período.Foram registradas 76.719 linhasde pesquisa, principalmente nasáreas de medicina, agronomia,educação, química e física.

mas que ainda não estão prontaspara abrir capital na bolsa de va-lores. Desde 2001, a Finep já com-prometeu cerca de R$ 112 milhõesem 12 fundos de venture capital ecapital semente que beneficiaram,até agora,31 empresas.Entre 2008e 2010, a Finep vai destinar R$330 milhões para cerca de 25 fun-dos de investimentos em empresasinovadoras, o triplo do total aplica-do nos últimos seis anos.A expecta-tiva é que seja alavancado mais deR$ 1,6 bilhão junto a investidorespara beneficiar aproximadamente300 empreendimentos.

Foto: Divulgação/Vale

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Angra 2

Combustível com maior eficiência energética

Um convênio firmado pela In-dústrias Nucleares do Brasil (INB) ea Financiadora de Estudos e Proje-tos (Finep) prevê a aplicação de R$8,5 milhões no projeto de desenvol-vimento de novos combustíveis nu-cleares, materiais e peças paracombustíveis nucleares, por umprazo estimado de três anos. A in-tenção é desenvolver um novo com-

bustível para Angra 2 e outras cen-trais nucleares, com maior eficiên-cia energética, ou seja, maior rea-tividade e menor quantidade deurânio enriquecido com redução daquantidade de resíduos radioativos.A INB já desenvolveu projeto seme-lhante em 1999, quando, em parce-ria com as empresas KNFC e Wes-tinghouse, desenvolveu um novo

combustível para Angra 1 – o 16NGF (new generation fuel), que se-rá incorporado ao núcleo do reatorna próxima recarga, prevista paraagosto de 2008. O projeto, que se-rá iniciado ainda neste ano, tem avantagem de promover a nacionali-zação dos componentes metálicosdo novo elemento combustível, co-mo mola, grade, bocais e filtros.

Desaf ios • janeiro de 2008 61

Espaço

Cientista brasileira descobreestrelas órfãs

Duilia Mello, cientista do Cen-tro Goddard de Vôos Espaciais, daNasa, descobriu um conjunto de es-trelas órfãs – aglomeradas na for-ma de bolhas azuis – entre duas ga-láxias. Por se tratar de estrelasjovens, com menos de 30 milhõesde anos – o que explicaria sua co-loração azul –, suspeita-se que elastenham sido geradas ali, no espaçoentre galáxias, no meio do nada.Normalmente, a formação estelarocorre em zonas de alta densidadede gases que só existem dentro dasgaláxias.Alguns astrônomos acredi-

tam que as duas galáxias podem terpassado perto de colidir uma com aoutra, há 200 milhões de anos, oque criou uma zona de turbulênciana área de gás rarefeito, e pos-sibilita que algumas estrelas nas-cessem na região menos densa.Isso explicaria por que o universo está “poluído” com nuvens de ele-mentos mais pesados que o hidro-gênio e hélio, produzidos nos nú-cleos das estrelas velhas eexpelidos na sua morte. Quando is-so ocorre dentro da galáxia, a “su-jeira”fica contida pela gravidade.

Endopróteses

Novos métodos para reparação de órgãos

Um grupo de pesquisadoresnorte-americanos utilizou cam-pos magnéticos e nanoesferascontendo óxido de ferro para en-viar células saudáveis a locaisespecíficos em vasos sangüíne-os. Eles introduziram endopróte-ses (stents) de aço inoxidável nasartérias carótidas de ratos e uti-lizaram campos magnéticos paraconduzir as células para o inte-

O Programa Ibero-Americanode Ciencia y Tecnología para el De-sarrollo (Cyted), em parceria com oConselho Nacional de Desenvolvi-mento Científico e Tecnológico(CNPq), aprovou a formação da Re-de Ibero-Americana de Biofabri-cação:Materiais,Processos e Simu-lação (Biofab), com duração atédezembro de 2010. A rede foi cria-da para reunir centros de pesquisacom competência científica e par-ceiros privados para a investigaçãosobre biofabricação, como síntese,processamento de novos processos,desenvolvimento de softwares paramatrizes de suporte de engenhariade tecidos, entre outros. A Biofab éformada por Portugal, Brasil, Espa-nha, Argentina, Cuba, Venezuela eMéxico, em um total de 19 grupos e158 pesquisadores.

Biofabricação

Rede unecompetência de sete países

rior das estruturas. O campo mag-nético uniforme criou regiões dealta força magnética tanto nasnanopartículas – com 290 nanô-metros de diâmetro – como nosstents, aumentando a atração en-tre o óxido de ferro e seu alvo. Oestudo, realizado em animais, po-de levar a novos métodos de repa-ração de órgãos humanos lesadosou doentes.

Foto: Divulgação/NASA

Foto: Divulgação

Foto: Divulgação

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A Raiz das Coisas: Rui Barbosa, o Brasil no MundoCarlos Henrique CardimEditora Civilização Brasileira, 2007, 350 páginas

62 Desafios • janeiro de 2008

Rui Barbosa, diplomata

ESTANTElivros e publicações

patrono incontestável da diploma-cia brasileira é o “sacrossanto” Ba-rão do Rio Branco, que deve figu-rar num pedestal do Itamaraty, à

direita de Deus Pai, sem qualquer concor-rente à sua esquerda (e nenhum iconoclastase apresentou até hoje). No entanto, JucaParanhos (seu apelido familiar) atingiu acategoria de mito mais por ter protagoni-zado algumas bem-sucedidas negociaçõesde fronteiras, numa fase de consolidaçãodos limites geográficos da pátria,do que porter formulado, propriamente, as bases con-ceituais da moderna diplomacia brasileira.Por certo, ele sempre é referido quando setrata da escolha sábia de procurar manterboas relações com o gigante hemisférico, aomesmo tempo que se buscava cultivar, nu-ma boa barganha de equilibrista, nossa in-teração com a Europa, de maneira a preser-var o rico patrimônio histórico trazidopelos novos imigrantes da fase pós-escra-vidão. Isso tudo, alertava o Barão, sem alie-nar nosso capital de altos e baixos com a Ar-gentina, que ele pretendia o mais altopossível, desde que garantida a “relaçãoespecial” com os Estados Unidos da eraTeddy Roosevelt, que recomendava falarmacio, mas carregar um porrete para con-vencer os recalcitrantes.Rio Branco nunca odesaprovou, pelo menos explicitamente.

Poucos se dão conta de que Rui Barbosa,o primeiro ministro da Fazenda da Repú-blica, deveria ser considerado o “pai intelec-tual” da moderna diplomacia brasileira: eledeixou um legado de posições, hoje devi-damente constitucionalizadas nos primei-ros artigos da Carta de 1988. Rui nunca foium diplomata profissional, mas, se o fosse,

poderia facilmente se acomodar, com suafigura esguia e franzina, à esquerda de Deusitamaratiano, como um legítimo comple-mento ao redondo Barão. Esta monografiado embaixador Cardim comprova que Ruifoi muito maior do que o registrado na lite-ratura da nossa política externa, mesmosem ter deixado alguma grande obra cen-trada nessa problemática das relações inter-nacionais. Aliás, parece incrível, mas Ruinão deixou nenhum livro publicado, sobrequalquer tema, a despeito de suas “obrascompletas”– na verdade, coletâneas de arti-gos e textos diversos – perfazerem 160 volu-mes. Foi nelas que Cardim mergulhou paraescrever a mais completa obra sobre o “di-plomata”Rui Barbosa, um orador exímio.

Sua obra de ativo “internacionalista” estádispersa em artigos, pareceres, discursos,orações e preleções jurídicas, tendo sidojurisconsulto, consultor e advogado dasboas causas: defendeu, por exemplo, odireito da primeira mulher que passou noconcurso do velho Ministério das RelaçõesExteriores (MRE) a ingressar na carreira di-plomática, numa fase de misoginia explícitacontra as poucas e corajosas candidatas.Suamais importante ação diplomática está con-tida em telegramas, na condição de chefe dadelegação à segunda conferência interna-cional sobre a paz mundial, realizada emHaia em 1907. Ele fez uma “dobradinha” dealta qualidade com o Barão,que trocava fre-qüentes impressões com ele, em telegramascifrados,sobre os rumos dessa conferência eas posições que o Brasil deveria mais conve-nientemente adotar, em face do verdadeiromonopólio que as grandes potências exer-ciam sobre a agenda internacional. Cardim

selecionou os expedientes e organizou umdossiê abrangente sobre a atividade e o pen-samento de Rui em temas internacionais.

Sua importância não parece ter sido re-conhecida na diplomacia brasileira até re-centemente. Curioso é que, a despeito dapreeminência do Barão nos anais da Casa,nenhuma de duas pesquisas recentes sobreas grandes personalidades da história brasi-leira colocou Juca Paranhos entre os cincoprimeiros. Em ambas, figura Rui; numa de-las em primeiro lugar, um justo reconheci-mento pelo seu mérito de verdadeiro mo-dernizador do Brasil, desde cedo umopositor da tutela militar que insistiu empreservar o poder moderador durante amaior parte da República. Cardim nos trazaqui não exatamente o tribuno civilista edefensor da legalidade democrática, mas odefensor da igualdade soberana das nações,que ocupa lugar de destaque na modernadiplomacia brasileira. Poucos são os textosconhecidos dessa vertente diplomática dofamoso jurista baiano, que aqui aparecempela primeira vez resumidos e interpretadospor um diplomata bibliófilo, que também éum acadêmico exemplar e um dos grandeseditores de livros acadêmicos.

O livro ainda traz belas imagens deépoca – fotos e uma saborosa iconografiacom charges dos mais famosos humoristasbrasileiros de um século atrás – e anuncia,além de tudo,novos volumes sobre Rui Bar-bosa, internacionalista brasileiro, que aFundação que leva o seu nome publicará.Mas este já é um livro de coleção...

Paulo Roberto de Almeida

O

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Trabalhadores pobres e cidadaniaNair Heloisa Bicalho de SousaEditora da Universidade Federal de Uberlândia,2007, 258 páginas, R$ 30,00

Operário em construção

solados pelos tapumes dos canteirosde obra e carentes de fiscalização dascondições de trabalho, os operáriosencaravam “aquela moça” como uma

novidade: seria repórter, assistente social,detetive ou fiscal do trabalho? Marginali-zados dos produtos do conhecimento cien-tífico,dada a baixa escolaridade,não sabiamque estavam diante da professora NairHeloisa Bicalho de Sousa, pesquisadora doInstituto de Pesquisa Econômica Aplicada(Ipea), hoje conhecida por sua qualidadeacadêmica no doutorado de Sociologia daUniversidade de São Paulo (USP) e que nosbrinda com o livro Trabalhadores pobres e ci-dadania – a experiência da exclusão e da re-beldia na construção civil. A obra vai muitoalém da crítica panfletária e nos leva paraum cenário muitas vezes descrito com liris-mo sem perder o rigor da análise científica.

Nair fez sua pesquisa de 1989 a 1992 en-tre operários da construção civil do DistritoFederal (DF) e entorno e das cidades de Na-tal, João Pessoa, Belo Horizonte, Rio de Ja-neiro e São Paulo. “Esse trabalho trata doprocesso de formação desse sujeito coletivoatravés de mediações distintas relacionadascom o mundo da família,do trabalho e a es-fera da cidadania”,apresenta ela a certa altu-ra. Só que o estudo nos conquista aindamais por “um sabor inconfundível de reali-dade à flor da pele,sociologia que prima porsua utilidade pública”. Encontramos socio-logia, história e prosa poética extraída darealidade cotidiana.

A pesquisadora mostra as condições es-poliativas do canteiro de obra (longas jor-nadas, alta rotatividade, relações de tra-balho opressivas, disciplina rígida doprocesso de trabalho, irregularidades nocumprimento da legislação trabalhista,trabalho clandestino, falta de higiene e

segurança nos canteiros de obra e ali-mentação precária). Para Nair, os operáriosem construção experimentam uma situa-ção de exclusão que os isola nos tapumesdos canteiros de obra, sob o trato rude dosadministradores da produção, onde par-tilham de situações humilhantes e injustasde forma coletiva, que provocam a sen-sação de aprisionamento das condições detrabalho. O forte sentimento de exclusãosocial constituído pela condição operáriaem que predominam práticas autoritáriasdas chefias, longas e pesadas jornadas,insalubridade, alto risco de vida e baixossalários situa os trabalhadores em umpatamar-limite de sobrevivência e injetanessa identidade a categoria pobre comoparte integrante de sua configuração. Aautora promove um resgate histórico deuma época marcada pelo nascimento dosconflitos sociais e uma espiral inflacionária,sobretudo dos preços de gêneros de pri-meira necessidade, que ocasionava perdado poder aquisitivo da classe trabalhadora.

Contudo,tal qual a poesia de Vinicius deMoraes, chegou uma hora em que “o ope-rário disse não!”. A experiência de não-cidadania ensejou a estratégia espontâneade luta deste setor de classe, uma resposta ainjustiças vivenciadas no cotidiano. De iní-cio, as reivindicações eram básicas, em ummomento histórico pré-tíquete alimenta-ção. Por incrível que pareça, as primeirasinsurreições foram causadas por fatores co-mo a má qualidade da comida das cantinasna obra. Nair nos conta que, ao contráriodos quebra-quebras de ônibus e trens su-burbanos de propriedade pública, o alvodos quebra-quebras da construção é a pro-priedade privada, materializada nas depen-dências do canteiro e na obra em constru-ção, como expressão da riqueza que marca,

em nossa sociedade altamente hierarquiza-da, o trabalho diferenciado a pobres e ricos.

A autora se concentra no espaço socialdo “canteiro de obra”,que,segundo ela,mis-tura produção, sociabilidade, submissão eresistência, que às vezes se encontra latente,mas uma hora explode.“Não se combate adesigualdade sem confronto”, sentencia.Bebida, brigas e roubos, sabotagem, entupi-mento dos vasos sanitários, construção deparedes tortas, são essas as armas dosoperários indignados com suas condições.

A obra mostra uma trajetória em cons-trução do sujeito coletivo, um novo sujeitosocial e histórico naquele momento. Eclodea cidadania de protesto, que é analisadapelo livro, com as várias greves operárias,quebra-quebras do metrô do Rio de Ja-neiro em 1978, além de duas greves ope-rárias em Brasília (1979 e 1998). Em meio àanálise sócio-histórica, Nair dá voz aRaimundo, vigia da empresa “D”, a Her-menegildo, pedreiro da empresa “B”, eassim por diante. Mostra a gestação dacidadania, o operário construído, e nãoapenas o operário em construção.

Marina Nery

I

“É, nós somos perto de analfabeto, porque a obra é um serviço grosseiro, um serviço que a gente trabalha sujo, érasgado, é queimando no sol, é se agarrando em cima do pau (...) Ah! ‘Peão de obra, aquilo é um peão de obra’. Querdizer (que) num tem valor, é a classe que mais trabalha, é quem constrói e não tem direito a nada, o pessoal da obra.”

(Raul, 54 anos, carpinteiro da empresa “A”, em depoimento para o livro Trabalhadores pobres e cidadania)

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INDICADORES

Por Jorge Luiz de Souza

64 Desafios • janeiro de 2008

O que é?

Evolução do IDH do Brasil

Índice de Desenvolvimento Humano do

Brasil 1975 e a 2007

Fonte: Pnud

PIB X Investimentos

Taxa de crescimento acumalada em quatro trimestres (%)Elevado Médio

Análises e previsões

A nova Carta de Conjuntura, elaborada pelo Grupo de Análise e Previsões (GAP) do Instituto dePesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que começou a ser publicada trimestralmente a partir dedezembro de 2007, introduziu uma nova sistemática de apresentação das publicações sobre aconjuntura para ampliar o debate sobre os rumos da economia brasileira. A Carta traz uma análisedos principais temas econômicos dos três meses precedentes, acompanhada de projeções deimportantes indicadores macroeconômicos.

Junto dela, na página do Ipea na internet (www.ipea.gov.br), estão as Séries EstatísticasConjunturais. Uma vez por ano, em maio, será publicado o Observatório do Desenvolvimento, comtrabalhos de pesquisa sobre a economia brasileira. Além disso, mensalmente, o Indicador Ipeaapresenta a projeção para os resultados da Pesquisa Industrial Mensal (PIM) do Instituto Brasileirode Geografia e Estatística (IBGE), que antecipa em cerca de três semanas a variação da produçãoindustrial calculada pelo IBGE.

O Índice de DesenvolvimentoHumano (IDH) compara indicadoresde países nos itens riqueza,alfabetização, educação, esperançade vida, natalidade e outros, com ointuito de avaliar o bem-estar de umapopulação, especialmente dascrianças. Varia de zero a um e édivulgado pelo Programa das NaçõesUnidas para o Desenvolvimento(Pnud) em seu relatório anual. Nadivulgação feita em novembro de2007, com dados referentes a 2005,o Brasil pela primeira vez alcançou onível 0,80, passando a integrar ogrupo de países com IDH elevado.Países com IDH até 0,499 sãoconsiderados de desenvolvimentohumano baixo, e os com índices entre0,50 e 0,799 são considerados dedesenvolvimento humano médio.

IDH

A nova Carta de Conjuntura

Font

e: S

ecex

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oraç

ão: I

pea/

Dim

ac

Exportação e Importação – Média Diária Mensal

Dados dessazonalizados (em US$ bilhões)

16

14

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6

4

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Exportação Importação

Font

e: IB

GE. E

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Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) PIB

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Desaf ios • janeiro de 2008 65

PIB – Contribuição ao Cresicmento no Trimenstre

(Em relação ao mesmo trimestre ano anterior, %)

Taxa de desemprego

(Em %)

9

7

5

3

1

-1

-3

Produção Física da Indústria de Transformação:

Bens de Capital Versus Bens de Consumo Duráveis

(Variação acumulada em 12 meses, em %)Demanda Externa Demanda Interna

4,6

2,6

4,6

5,6 5,3 5,9

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18

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6

4

2

0

Indústria de Transformação

Nível de Utilização da Capacidade Instalada –

Indústria da Transformação

(Em %)

84

83

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81

80

79

78

77

76

Spread X Inadimplência

Em %

Estados Unidos – Taxas de Juros Libor e Tesouro

3 meses – em %

876543210

TesouroLibor

Font

e: IB

GE/P

IM-P

F. Ela

bora

ção:

Ipea

/Dim

ac

PIB

7,9

-0,6-1,0

-0,2 -0,4 -0,8 -0,4

-2,2

4,0

1,5

4,45,1

4,55,6 5,7

Font

e: IB

GE. E

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7

Bens IntermediáriosConsumo Duráveis Bens de Capital

Font

e: IB

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Maio

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Font

e: C

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Evolução da Dívida Líquida do Setor Público Consolidado e da

Dívida Líquida e Bruta do Governo Geral – 2002–out/2007

Em % do PIB31

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Spread

Font

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Inadimplência

5,5

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Dívida Líquida do Setor Público Consolidado

Font

e: F

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Achei excelente a reportagemde capa da última edição (nº 38)da revista Desafios, sobre a novaTV Pública. Tenho grande admi-ração pelo ministro FranklinMartins e confio que ele, de fato,fará a nova rede de emissorasprestar um grande serviço àcidadania.

Pedro CorreiaAtibaia/SP

No artigo da edição nº 36 darevista Desafios do Desenvol-vimento intitulado “A Susten-tabilidade das Pessoas Simples”,as artesãs de Alto Alegre, cujashistórias foram transformadaspelo comércio solidário, me fize-ram lembrar das muitas famíliasno sertão paraibano que tam-bém estão podendo planejar eproduzir seu futuro, “afastado o imperativo diário de pensarunicamente na sobrevivência”.Através de tecnologia social pre-miada recentemente, estas famí-lias têm acesso à água tratada,que não só lhes permite sobrevi-ver, mas também produzir e vi-rar protagonistas de suas histó-rias, finalmente.

O Centro de Educação Populare Formação Sindical (CEPFS),

cuja liderança foi reconheci-da com o Prêmio Von Martius de Sustentabilidade, torna este trabalho possível por meio desua genialidade na criação eimplementação de sistemas fa-miliares de captação, armazena-mento e tratamento de água dachuva, a baixo custo, para con-sumo humano e irrigação nosertão da Paraíba.

O Prêmio Von Martius deSustentabilidade, apresentadopela Câmara de Comércio e In-dústria Brasil-Alemanha, re-conhece o mérito de iniciati-vas que promovem o desenvol-vimento econômico, social ecultural com respeito socioam-biental. O CEPFS dividiu oPrêmio na área Humanidadecom o Instituto O Boticário eGlobo Ecologia.

Gostaria de propor, neste mo-mento tão pontual, uma matériaou entrevista que conte o tra-balho do CEPFS na criação edisseminação de tecnologias so-ciais que permitem a agricul-tores e agricultoras do sertãoparaibano captar água da chuvae resgatar a cidadania.

A proposta começou em1994, a fim de desenvolver,juntamente com agricultores dosemi-árido, várias tecnologiassociais adaptadas à sua rea-lidade. Hoje, já beneficiou maisde 900 famílias, que antes nãotinham acesso à água tratada emsuas próprias casas, através daconstrução de cisternas e capa-citação para o manejo adequadoda água e gestão financeira. Oimpacto deste trabalho incluimaior produtividade, redução eprevenção de doenças.

É importante destacar que ainovação principal está na formade trabalhar. Para o CEPFS, atecnologia não é um fim, masum meio. Seu uso permite um

despertar das famílias comoproprietárias, como consumido-ras e também como gestoras domeio ambiente, que necessita sertrabalhado e utilizado sob umaperspectiva sustentável.

O CEPFS também capacita eempodera os agricultores e agri-cultoras familiares da região pa-ra gerenciarem seus recursosatravés da metodologia de Fun-dos Rotativos Solidários. Nesseprocesso as famílias recebemapoio para o desenvolvimentode tecnologias de convivênciacom a realidade semi-árida, deacordo com a necessidade e ade-quação de suas propriedades e secomprometem a devolver esseapoio para um Fundo RotativoSolidário objetivando o desen-volvimento comunitário. O Fun-do Rotativo Solidário é umapoupança comunitária, formadaa partir de apoios externos ou da contribuição das famílias quedesejam se organizar na comu-nidade.

O CEPFS tem sido reco-nhecido por entidades nacio-nais e internacionais pela suacapacidade de desenvolver tec-nologias inovadoras, a partir docontexto e conhecimento da rea-lidade local, e usá-las como fer-ramenta para o empoderamen-to e a autogestão dos agricultorescom quem trabalha. Em 2006, aBrazil Foundation, organização

que gera recursos nos EstadosUnidos para investir em ações dasociedade civil no Brasil, finan-ciou este trabalho e continua aapoiá-lo até hoje.

Alice do Valle,Comunicação

Brazil Foundation/CEPFS

Rio de Janeiro/RJ

Numa próxima oportunida-de, se houver, gostaria de ver publicado na revista Desafios do Desenvolvimento algumamatéria, estudo, argumentação,crítica, a respeito do Impostosobre Grandes Fortunas, cons-tante de nossa Constituição.Não consigo entender por que o assunto está parado há 20 anos,sem que ninguém toque noassunto, ainda mais agora,quando se ensaia (novamente,e provavelmente mais uma veznada se fará) uma reforma tri-butária. Será que o presidenteLuiz Inácio Lula da Silva é a favorou contra esse imposto? Por en-quanto, só apareceram os queatacam (e conseguiram parar odebate em torno do assunto).Será que ninguém é favorável?Por que funciona em váriosoutros países?

Antonio do ValeSão Paulo/SP

CARTAS A cor r e s pond ê n c i a p a ra a r e d a ç ão d e ve s e r e n v i ad a p a ra d e s a f i o s@ip e a . g ov. b r

ou para SBS Quadra 01 - Ed i f íc io BNDES - Sala 906 - CEP: 70076-900 - Bras í l ia - DF

Repr

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ão

66 Desafios • janeiro de 2008

Acesse o conteúdo da revista Desaf ios do Desenvolvimento no endereço:

www.desafios.ipea.gov.br

Aos leitores,Desafios do Desenvolvimento agradece as pautas sugeridaspor diversos leitores que escreveram. Todas aquelas que aten-derem à linha editorial da revista serão analisadas e apuradaspela equipe de reportagem no devido tempo.

32 B - 01/22/2008 16:25:29