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segunda guerra
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Revista Poder & Cultura. Ano 2. Vol. 1. Junho/2015|www.poderecultura.com
OS INTELECTUAIS E AS GUERRAS DE LIBERTAÇÃO NACIONAL:
Reflexões sobre o pensamento de Sartre, Fanon e Guevara
Priscila Henriques Lima
RESUMO: Pretendemos com esse trabalho analisar a lógica do sistema colonial e a função do intelectual no processo de descolonização e, consequentemente, no despertar de uma consciência política dos colonizados, por meio do pensamento de Jean-Paul Sartre, Frantz Fanon e Ernesto Guevara. Para tanto utilizaremos três obras básicas que visam compreender tais questões: “Colonialismo e Neocolonialismo” (1968) de Sartre, “Os Condenados da Terra” (1961) de Frantz Fanon e “Obras Escogidas” (1957-1967) de Ernesto Guevara. PALAVRAS-CHAVE: Intelectual; Descolonização; Consciência Política.
THE INTELLECTUALS AND THE WARS OF NATIONAL LIBERATION: Reflections
on thinking of Sartre, Fanon and Guevara
ABSTRACT: This paper analyzes the logic of the colonial system and the role of the intellectual in the decolonization process and in the wake of a political consciousness of the colonized, by the thought of Jean-Paul Sartre, Frantz Fanon and Ernesto Guevara. For this we use three basic works aimed at understanding these issues, "Colonialism and Neo-Colonialism" (1968) - Sartre, "Les Damnés de la Terre" (1961) - Frantz Fanon and the "Obras Escogidas" (1957-1967) - Ernesto Guevara. KEYWORDS: Intellectual; Decolonization; Awareness Politic.
***
Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Pesquisadora do Laboratório de Estudos Africanos (LEÁFRICA) do Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: [email protected]
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Não basta escrever um canto revolucionário para participar da revolução africana; é preciso fazer essa revolução com o povo. Com o povo, e os cantos virão por si mesmos.
Sékou Touré
o decorrer do século XX um dos episódios mais relevantes foi o fim dos
impérios coloniais das grandes potências europeias, que foram
construídos ao longo do século XIX.
Com a vitória da URSS sobre a Alemanha em 1945, o modelo socialista
pregado pela nova potência mundial passou a ser exemplo de possibilidades para os
países que até então viviam sob as rédeas do capitalismo, e sua influência nos países
europeus acabou por facilitar o desenvolvimento de uma consciência anticolonialista:
Daí em diante, o nacionalismo adquiriu uma forte associação com as esquerdas durante o período antifascista, associação essa que foi reforçada subsequentemente pela experiência da luta antiimperialista nos países coloniais. Pois as lutas coloniais estavam vinculadas às esquerdas internacionais de várias maneiras. Seus aliados políticos em países metropolitanos encontravam-se, quase invariavelmente, nessas áreas. As teorias antiimperialistas há muito tempo era uma parte orgânica do corpo de pensamentos socialistas
1.
Ainda em 1945, Roosevelt e Churchill, por meio de um novo organismo
internacional da manutenção da paz, a ONU, fixaram como princípios básicos do pós-
guerra na Carta do Atlântico: a) a impossibilidade de aquisição de territórios sem o
consentimento da respectiva população; b) o direito à autodeterminação dos povos; c) o
acesso de todos os Estados ao comércio internacional; d) a liberdade dos mares23.
Apesar da união entre EUA e a URSS para o combate ao inimigo comum, era
perceptível às diferenças entre os interesses das duas nações, culminando no ano de
1947 na Guerra Fria, com a divisão dos países em dois blocos distintos: o bloco
Ocidental representado pelos EUA com sua política capitalista, caracterizados por
uma democracia liberal e pelo livre comércio internacional enquanto que o bloco
Oriental representado pela URSS pregava o controle estatal da economia e da
sociedade. Para aqueles países colonizados, os princípios do bloco oriental
1 HOBSBAWM, Eric J. Nações e Nacionalismo: desde 1780 – programa Mito e Realidade. São Paulo:
Editora Paz e Terra, 1990. p.177. 2 LINHARES, Maria Yedda Leite. A Luta contra a metrópole (Ásia e África). São Paulo: Editora
Brasiliense, 1981. p.15 3 HOBSBAWM, Op.Cit., p.177.
N
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representavam um instrumento de luta contra a opressão dos colonizadores, pois
possibilitavam o surgimento de uma nação para além da exploração fomentada pelo
capitalismo:
Desde que Lênin descobrira que a libertação de povos coloniais oprimidos era um argumento potencialmente importante para a revolução mundial, os revolucionários comunistas fizeram o que podiam em favor das lutas de libertação colonial, que, de todo modo, os atraía para afirmações de que qualquer coisa que atrapalhasse os imperialistas metropolitanos deveria ser bem-vinda aos trabalhadores
4.
O neocolonialismo estabelecido durante o século XIX dividiu o continente
africano e asiático entre um pequeno número de países europeus, deixando clara a
divisão entre fortes e fracos, avançados e atrasados.5 Também é possível afirmar que
as duas grandes guerras do século XX tiveram como pano de fundo questões que
envolviam diretamente os países europeus, bem como esta mesma região foi o berço
do capitalismo e da revolução industrial; contudo ao fim da II Guerra, encontramos
uma Europa devastada e o surgimento de novas potências mundiais: EUA e URSS.
De acordo com Maria Yedda Linhares, existe para alguns historiadores, como
por exemplo, Jacques Arnoult, uma conotação eurocêntrica na palavra
“descolonização”. A ideia é que como o processo de colonização foi de origem
europeia, também na descolonização existe a vontade do colonizador de abrir mão
dos seus direitos. Para outros, o eurocentrismo do termo surge do levante contra a
Europa, na figura dos movimentos nacionais.
Para Hobsbawm, o novo modelo de imperialismo compunha uma nova etapa
do capitalismo, onde entre outras características “levava à divisão territorial do mundo
entre as grandes potências capitalistas” 6, e essa expansão econômica e a exploração
ultramarina foram fundamentais para o desenvolvimento dos países capitalistas.
Com as mudanças estruturais, baseadas no keynesianismo e ocorridas nos
países capitalistas europeus no pós-guerra, como a intervenção do Estado na
economia e a participação dos trabalhadores na formulação de práticas que
proporcionasse uma distribuição de renda igualitária, levantou-se a questão de que
estaria surgindo uma nova etapa do capitalismo.
4 HOBSBAWM, Eric J. A Era dos Impérios. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2007, p. 91.
5 HOBSBAWM, 2007, p. 91.
6 Idem, p.93.
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A burguesia francesa mostrou-se relutante em aceitar as reformas no sistema
capitalista, devido á redução nos lucros no momento que o país voltou a se
reestruturar. Com isso, ocorre a ascensão do processo de politização do sindicato,
confrontando os movimentos populares franceses com as “forças de ordem”, tendo
como cerne da discussão o sistema capitalista e, inevitavelmente a independência das
colônias, como fruto da exploração do trabalho pelo capital.
Essa nova etapa do capitalismo alterou a realidade dos países europeus,
entretanto não diminui as desigualdades sociais, já que o Estado não conseguia mais
intervir de fato no desenvolvimento tecnológico que consequentemente peca nos
desperdícios da produção, por outro lado também a agricultura fica totalmente
subordinada à indústria e as redes de comercialização: “A luta pela descolonização não
podia deixar de ser uma luta contra o capitalismo, sem deixar de ser, também, no sentido
político, uma luta contra as Metrópoles”.7
No âmago do processo de descolonização estava o despertar da consciência
dos povos colonizados através do discurso dos intelectuais colonizados e rebeldes,
que faziam parte do movimento antiimperialista do Ocidente. Um dos arautos do
processo de descolonização foi Jean Paul Sartre. Para África Negra temos Franz Fanon
e escritores negros de expressão francesa com seus discursos:
Um dos aspectos fundamentais da negritude é a afirmação de si, após a longa noite de alienação, como aquele que sai de um pesadelo e apalpa o corpo todo para se reconhecer a si próprio, como o prisioneiro libertado que exclama bem alto: Estou Livre! Embora ninguém lhe pergunte nada
8.
A oposição ao colonialismo começou com a crítica marxista e socialista que o
identificavam como instrumento do capitalismo. Coube ao partido Bolchevique,
vitorioso na Revolução Russa em 1917 o primeiro pronunciamento que condenava a
anexação de territórios, caracterizando o imperialismo como “parasitas por
natureza”. Toda a mobilização Russa contra o colonialismo europeu foi refreada a
partir do momento que o nazismo de Hitler tomou força, mas com o término da II
Guerra toda a formulação de pensamento e a propagação dos ideais contra o
colonialismo foram reiniciados.
7 LINHARES, Maria Yedda. A luta contra metrópole. São Paulo: Editora Brasiliense, 1981, p 33.
8 KI-ZERBO, Joseph. História da África Negra - Vol. 2. Viseu: Biblioteca Universitária, 1972, p.276.
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Voltados para a África, os ideais de independência surgiram através do conceito de
Pan-Africanismo, que contava com o apoio de intelectuais africanos de todo o
continente em prol da autonomia da África, bem como de intelectuais
afrodescendentes, principalmente aqueles localizados na América.
Com o lema: “A África para os africanos! Exclamei (...) Um Estado livre e
independente na África. Queremos poder governar-nos neste nosso país sem
interferência externa. (...)”9, firma-se o princípio do Pan-Africanismo por Kwame
Nkrumah, responsável pela independência da Costa do Ouro, chamada
posteriormente de Gana no ano de 1957. Porém, os movimentos a favor da união do
continente africano têm início ainda no século XIX, com Alexander Crummell e a ideia
de que a África seria a pátria negra, sendo somente o quesito racial responsável por
delegar o direito de falar por ela e de pensar o seu futuro:
Crummell sustentava que havia um destino comum para os povos da África – pelo que devemos sempre entender o povo negro -, não porque eles partilhassem de uma ecologia comum, nem porque tivessem uma experiência histórica comum ou enfrentassem uma ameaça comum da Europa imperial, mas por pertencerem a essa única raça. Para ele o que tornava a África unitária era ela ser a pátria dos negros
10.
Com Henry Sylvester William, o conceito de Pan-Africanismo toma um caráter
mais igualitário, sem discriminação de cor, onde os brancos e negros teriam os
mesmos direitos, sem sofrerem discriminação de raça, credo e origem social, tendo o
primeiro reivindicado em 1900 durante a Conferência de Londres, que era necessário
assegurar os direitos civis e políticos dos africanos em todo o mundo; melhorar as
condições de vida de africanos independente de onde eles estejam; encorajar os
povos africanos o desenvolvimento da educação bem como a criação de indústrias e
do comércio; e reafirmar os laços entre três Estados negros: Haiti, Abissínia e Libéria,
ressaltando a necessidade da consolidação dos seus interesses e da combinação dos
seus esforços no campo diplomático.
Já com William Edward Burhardt Du Bois, o Pan-Africanismo começa a se
formar da maneira como o foi percebido no período pós Segunda Guerra, tendo como
impulso os processos de descolonização, e essa postura se concretiza no Congresso
9 KWAME, Anthony Appiah. Na casa de meu pai – a África na filosofia da cultura. Rio de Janeiro: Editora
Contraponto, 1997, p.19. 10
KWAME, Op. Cit., p.22.
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de Manchester, realizado na Inglaterra no ano de 1945, onde reivindicava a
independência da Argélia, Tunísia e do Reino do Marrocos.
Temos então dois períodos distintos: o Pan-Africanismo voltado para a
inclusão e igualdade de tratamento, geralmente motivado por afrodescendentes,
americanos, e o segundo momento, caracterizado pelas guerras anticoloniais e com o
envolvimento de nacionalistas africanos ou nascidos na África, tendo como bandeira
a fala “Povos colonizados e subjugados do mundo, uni-vos!”, tornando-se um
movimento de vanguarda.
Para Joseph Ki-Zerbo “o nacionalismo só é justificável quando um povo se
encontra oprimido. Ele concentra então numa aspiração bruta as diversas forças sociais,
igualmente humilhadas e que vivem na esperança”11.
Representante do movimento nacionalista africano Negritude12, Aimé Césaire
afirma em seus estudos que:
Ninguém coloniza inocentemente, nem ninguém coloniza impunemente, que uma nação que coloniza que uma nação que justifica a colonização – portanto, a força – é já uma civilização doente, uma civilização moralmente ferida que, irresistivelmente, de consequência em consequência, de negação em negação, chama o seu Hitler, isto é, seu castigo
13.
O processo de independência das colônias francesas dividiu-se em duas
partes: o processo pacífico de descolonização, tendo seu início em 1958 com a
assinatura da Lei Quadros, que delegava autonomia as colônias africanas, através de
uma proposta de descentralização e o fim da divisão em África Ocidental Francesa e
África Equatorial Francesa, e o processo violento de independência empreendido com
a Argélia.
A Lei-Quadro foi proposta pelo então chefe de estado francês De Gaulle, onde
propunha a criação de uma comunidade francesa, todavia as colônias teriam
11
KI-ZERBO, Joseph. História da África Negra – vol. II. Lisboa: Biblioteca Universitária, 1972. p. 157. 12
Movimento literário de negros francófonos surgido na década de 30 que buscava resgatar a cultura africana tradicional de maneira a definir e afirmar sua própria identidade, combater o eurocentrismo forjado na África pelo processo de colonização europeu e principalmente despertar o sentimento de valorização da cultura negra no mundo, deixando clara a sua contribuição cultural ao ocidente. Para maiores esclarecimentos: DEPESTRE, René. Bom dia e adeus à negritude. Tradução de Maria Nazareth Fonseca e Ivan Cupertino. Bonjour et adieu à la négritude. Paris: Robert Laffont, 1980. pp.82-160. Disponível em http://www.ufrgs.br/cdrom/depestre/depestre.pdf 13
CÉSAIRE, Aimé. Discurso sobre o colonialismo. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 1978. p. 21.
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autonomia através da africanização dos escalões administrativos. Com exceção de
Guiné que escolheu sua independência imediata, todas as demais colônias optaram
por fazer parte da comunidade. Esse sistema durou por dois anos e em 1960 as
demais colônias francesas da África obtiveram sua independência. A Tunísia obteve
sua “interdependência livremente consentida” em 1956.
A história da colonização argelina foi marcada pela utilização constante de
violência por parte da metrópole, visando estabelecer o controle do país, frente à
resistência do povo, e ao contrário das demais colônias, seu processo de
descolonização caracterizou-se por uma longa guerra, culminando na sua
independência em 1962. Foram 120 anos de enfrentamentos entre colônia e
metrópole.
Com o término da Segunda Guerra e a consequente crise pela qual passava a
França, cabia à comunidade de origem francesa e residente na Argélia a posse das
melhores terras e o controle total da economia. Assim sendo, cerca de 75% da
população de origem mulçumana encontrava-se na iminência de total falta de
alimentação. Esse fato somado a inspiração de movimentos de independência, vindo
de todas as partes, acabou culminando em 1954 no início oficial da guerra de
libertação. O processo de independência da Argélia contou com o apoio de grande
parte da opinião mundial. Dentro da França as opiniões divergiam, em alguns casos
com o apoio a Argélia e em outros casos o controle da colônia era fundamental, nem
que para isso fosse necessário utilizar de repressão e violência.
Os apontamentos de Sartre sobre a prática do colonialismo têm como questão
chave o cerceamento da liberdade do indivíduo no aspecto econômico, político,
cultural e social. Com o objetivo de colaborar na criação de uma consciência crítica,
ele visita vários países europeus, americanos, africanos e asiáticos levantando a
bandeira em defesa da liberdade. Entretanto, com o levante das nações colonizadas
em prol de sua soberania, Sartre engaja-se em condenar as guerras da Argélia e do
Vietnã, dedicando-se principalmente à questão argelina por ser a mais importante
colônia francesa.
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Ele observa no conflito entre a metrópole e a colônia um símbolo da luta de
classes entre o campesinato, sendo representado pela Frente de Libertação Nacional
(FLN) contra a burguesia colonialista presente na figura do governo francês.
Sartre analisa que o imperialismo se move na necessidade da burguesia financeira-
industrial em criar reservas de mercado para sua produção, bem como garantir o
fornecimento de matérias-primas e controlar os mercados externos visando
resguardá-los para o investimento de capitais excedentes, ou seja, o interesse colonial
francês resguardava-se na exploração da agricultura e das matérias primas que
abasteceriam o mercado e a indústria francesa, visto que devido à abundância de
mão-de-obra na Argélia, e consequentemente seus baixos salários, ter naquela região
a intenção de um mercado consumidor tornava-se inviável.
Diante da impossibilidade de industrialização na Argélia, o sistema colonial
mantém funciona mantendo sua colônia em dependência e subdesenvolvida
economicamente, isto é, o Estado desempenha desenvolve um projeto de
colonização capaz de criar uma estrutura produtiva com o objetivo de atender as
necessidades da metrópole:
Mas a quem, pois, a indústria nova contava vender seus produtos? Aos argelinos? Impossível: onde encontrariam eles dinheiro para pagar? A contrapartida desse imperialismo colonial, é que é preciso criar um novo poder de compra para as colônias. E, bem entendido, são os colonos que vão se beneficiar de todas as vantagens e que se transformarão nos compradores eventuais. O colono é, em princípio, um comprador artificial, criado com todas as peças em além-mar por um capitalismo que procura novos mercados
14.
Visando a sobrevivência desse sistema, o Estado estabelece uma
infraestrutura administrativa que pretende doutrinar os colonizados dentro de
códigos civis e jurídicos, e que é aplicada por meio da violência do exército que
substitui a força policial. Assim, a prática colonial torna-se violenta por meio da
imposição do terror pelo Estado que estabelece uma rotina de massacre a população
autóctone. Todavia, esse processo violento funciona como um núcleo de sabotagem
dentro do próprio sistema colonial, visto que exterminar a mão-de-obra
extremamente barata dos colonizados arruinaria o sistema por si só.
14
SARTRE, Jean-Paul. Colonialismo e Neocolonialismo – Situações, V. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1968, p.25.
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E, diante da prática colonialista, Sartre procura analisar o maniqueísmo dos
colonos, que de acordo com as premissas do neocolonialismo afirmava a existência
de colonos bons e maus. Para ele, existem colonos de maneira geral, pois o sistema
de exploração não se implantou sozinho na colônia. A questão antecede ao confronto
de colonos nas guerras de libertação e do apoio destes as colônias. Em algum
momento o colono participou da implantação desse sistema, foi conivente:
Pois não é verdade que há bons colonos e outros que sejam perversos: há colonos, é tudo. Quando compreendermos isto, compreenderemos porque os argelinos têm razão de se oporem de início politicamente a este sistema econômico, social e político e porque a sua liberação e a da França só podem sair do estilhaçamento da colonização
15.
E, ainda sobre a divisão maniqueísta inadequada dos colonos, cabe destacar o
que Sartre entende como colonialismo enquanto sistema econômico. Ele o
compreende como um sistema racional fruto do Segundo Império francês
caracterizado pela expansão do processo de industrialização e que atua de acordo
com os interesses e as necessidades das empresas coloniais objetivando claramente a
exploração dos recursos sociais e naturais da colônia em benefício da metrópole.
Sendo assim, se o colonialismo é considerado um sistema racional, um produto da
expansão industrial, não cabe afirmar a existência de colonos bons ou maus, existiu a
colonização e isso basta:
Quando falamos de sistema colonial, é preciso compreendermos: não se trata de um mecanismo abstrato. O sistema existe, funciona; o ciclo infernal do colonialismo é uma realidade. Mas essa realidade se encarna num milhão de colonos, filhos e netos de colonos, que foram modelados pelo colonialismo e que pensam, falam e agem segundo os próprios princípios do sistema colonial
16.
Sobre as consequências do colonialismo francês para a Argélia, Sartre aponta
três eixos: primeiro a necessidade de alimentar nove milhões de pessoas, ou seja,
primeiramente seria de natureza econômica. Logo a seguir surge o problema social
com a urgência em aumentar o número de médicos e escolas; e por último um
problema psicológico devido o complexo de inferioridade do argelino face aos
colonos. Neste último ponto Sartre confronta a "obra civilizatória francesa" e seu
projeto de assimilação criado para suprir as necessidades dos argelinos.
15
Idem, p. 23. 16
Idem, p. 36.
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O discurso de assimilação foi muito utilizado por todas as metrópoles em seus
processos de colonização. Buscando arregimentar o apoio dos colonizados, os
colonizadores discursavam todos os benefícios de se viver numa colônia,
principalmente por meio da sua missão civilizatória, ou seja, negavam todo o passado
dos colonizados associando-o a barbárie e afirmavam seu posicionamento "salvador",
onde numa preocupação maternal, cuidariam para que seus filhos não cometessem
os mesmos erros do passado, isto é, valorizassem suas raízes. Para isso, deveriam
portar-se como os colonos, vestir-se, proferir o mesmo idioma. Uma réplica indígena
e inferior, e que sempre seria vista dessa maneira, de um colono europeu.17
Outro ponto relevante no sistema colonial para Sartre é a questão da
superexploração dos colonizados que, ao terem seus salários praticamente
equivalentes a zero, possibilita aos colonos a aquisição de matéria prima a um custo
mínimo e a venda dos produtos manufaturados a um preço elevado, favorecendo
desse modo ao comércio colonial com produtos a um preço mais competitivo que
aqueles produzidos pela exploração do operariado na metrópole. Porém, Sartre
observa nessa relação um ponto negativo para o próprio sistema colonial que não
pode desenvolver a industrialização em sua colônia sem arruinar a própria indústria
francesa:
É indispensável que cedo ou tarde ele se arruíne: é o seu destino. Em outros termos, depois de ter servido a economia capitalista (...) e aos próprios assalariados, ele se transforma inelutavelmente em um parasita insaciável que absorve inutilmente todas as forças do país colonizador. (...) Era absolutamente necessário que a miséria dos argelinos crescesse. Nenhuma medida tomada pela metrópole poderia impedir seu empobrecimento. Em primeiro lugar porque a super exploração só pode se fundar lá pelo crescimento ilimitado da mão-de-obra. Em segundo lugar porque as tímidas reformas projetadas pelo governo devem ser sabotadas pelos colonos que estão lá, ou em todo caso, elas se voltam em seu proveito. Enfim, porque a industrialização da Argélia, única solução do problema econômico, não pode mesmo ser tentada sem ameaçar na França as empresas industriais de mesma natureza.
18
Percebemos com o fragmento acima que a manutenção do sistema colonial
consome todas as forças francesas. Sartre demonstra que a guerra gera um custo alto
para a metrópole, e que desse confronto depende a manutenção do sistema, ou seja,
17
Idem, p. 137. 18
Idem, p.97.
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as colônias custam mais do que produzem. Pela perspectiva política o sistema
colonial recusa o igualar o status do colonizado e do cidadão francês a partir do
momento que nega seus direitos em prol da manutenção do lucro, ou seja, caso
fornecessem, por exemplo, a seguridade social, as alocações familiares, auxílio
desemprego e outros benefícios, eles alcançariam um patamar político que
possibilitaria o pleito a condições de igualdade salarial e, assim, ele aponta o projeto
de assimilação como mito.
Assim, os trâmites democráticos aplicados na metrópole não poderiam ter a
mesma função na colônia; de um lado o Estado francês dotado de instituições
democráticas em que predominam a liberdade de expressão, o direito ao voto e o de
livre associação, entretanto o colono não poderia implementar a mesma política na
colônia, pois estaria possibilitando a aplicação de um sistema democrático que
chocaria com a ideia e a prática do colonialismo.
Dessa maneira, Sartre destaca que a contradição do sistema ocorre em dois
níveis: no nível objetivo, ou seja, do sistema como um todo e no nível subjetivo, pois a
miséria argelina produzida pelo colonialismo fomenta uma oposição ao sistema com
o despertar de uma consciência das massas diante das ações desumanas deste, ou
seja, o sistema colonial oferece munição ao seu adversário.
Com o despertar da consciência das massas, Sartre observa o levante do
Terceiro Mundo, que apesar de não ser homogêneo possuem no passado a marca da
opressão colonial. Juntos, eles poderiam triunfar por meio da Revolução Nacional de
cunho socialista contra a burguesia colonizada. 19 Mas a quem caberia o despertar da
consciência das massas, que de tão imersas num complexo de inferioridade,
adormecia?
Para Fanon, o despertar da consciência caberia aos intelectuais colonizados,
visto que o movimento de libertação geralmente se preocupa com a independência.
Para ele seria imprescindível a formação de uma sociedade consciente diante da
despersonalização fomentada pelo sistema colonial através de seus projetos de
assimilação. O processo seria de legitimar a formação da nação argelina e a cultura
cumpriria um papel fundamental nesse processo:
19
Idem, p.140.
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Os partidos políticos partem do real vivido e é em nome desse real, em nome dessa atualidade que pesa sobre o presente e sobre o futuro dos homens e mulheres, que eles nos convidam à ação. O partido político pode falar em termos comoventes da nação, mas o que lhe interessa é que o povo que escuta compreenda a necessidade de participar do combate, se simplesmente quiser existir
20.
Visando estagnar os movimentos de libertação, o sistema colonial utiliza de
economismo, ou seja, reconhece toda a exploração cometida pela metrópole com
uma “humildade ostensiva” e formula um discurso voltado para o
subdesenvolvimento da região, disponibilizando novos projetos de crescimento.
Essas medidas a princípio podem atrasar o surgimento da consciência nacional,
porém o próprio sistema conclui a inviabilidade de projetos socioeconômicos tão
ousados para satisfazer a massa colonizada. A metrópole percebe que confrontar os
movimentos de libertação no campo econômico equivale uma ação nem mesmo
utilizada no Estado francês. Assim, Fanon destaca que a conscientização do povo
deve surgir através do reconhecimento da incapacidade do colonialismo de
proporcionar condições básicas de vida.21
Cabe ao intelectual colonizado conscientizar o povo a partir da sua realidade
atual, ou seja, de sua situação como explorados. Para Fanon, aos homens da política
destina-se a ação no real, enquanto que os homens da cultura se situam no quadro
histórico. Corresponde a esse homem da cultura o intelectual colonizado que se
coloca em confronto com o sistema colonial e que, por compartilhar de um discurso já
proferido por especialistas na metrópole, conta com uma resistência menor por parte
dos colonizadores.
O discurso da intelligentsia colonizada pauta-se pelo resgate ao passado ante-
colonial almejando suscitar o orgulho de suas raízes:
Inconscientemente talvez, os intelectuais colonizados, não podendo fazer amor com a história presente do seu povo oprimido, não podendo maravilhar-se com a história de suas barbáries atuais, decidiram ir mais longe, descer mais baixo e é – sem dúvida alguma – com um júbilo excepcional que eles descobriram que o passado não era de vergonha, mas de dignidade, de glória e de solenidade.
22
20
FANON, Frantz. Os Condenados da Terra. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2010, p. 240. 21
Idem, p.242. 22
Idem, p.243.
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Esse caminho à memória busca reverter á ação colonizadora que criou nos
indígenas a ideia de um passado de barbárie. O colonizado crê em um passado
violento onde o negro é um preguiçoso. O colonizador traria os benefícios para essa
sociedade tornar-se civilizada atuando, como diz Fanon, “como uma mãe que
monitora seus filhos para que não cometam nenhum delito ou falta grave”.23 Com esse
processo civilizatório de europeizar a sociedade, sonhava-se com a retirada dos
indígenas das sombras e do atraso em que viviam, guiando-os para a luz, num
processo de alienação cultural. O objetivo do colonialismo era despertar a
dependência nos indígenas onde a saída do colono de suas terras acarretaria a volta
da degradação, da animalização.
Entretanto, para que a ação do intelectual colonizado consagre-se vitoriosa,
torna-se imprescindível que ele opte por uma de suas nações. Ele deve posicionar-se
no dilema de “argelino e francês”, mergulhando nas raízes de uma dessas nações.
Todavia, é importante destacar que, de acordo com Fanon, esse intelectual nunca
será aceito plenamente como um cidadão francês; ele sentir-se-á como um membro
não pertencente aquela massa, rejeitado, e é exatamente essa sensação que o
despertará para a sua opção de fato, ou seja, um retorno desesperado em direção do
lugar de origem, de seu povo. 24
O intelectual que optar por assumir a matriz europeia percebe-se como um
estranho, visto que a história ocidental construída é direcionada para sua própria
sociedade, fazendo com que ele se volte para sua matriz de origem, onde abandona
por completo qualquer resquício europeu, pois reencontrar seu povo é fazer-se negro,
o mais indígena possível. O retorno desse intelectual colonizado ao seu povo
contabiliza uma grande perda para o colonizador.
O processo de engajamento do intelectual pode ser compreendido em três
etapas: 1) o intelectual é assimilado e sua produção é voltada para a metrópole; 2) ele
produz somente lembranças de sua época de inserção no povo; 3) ele entra no
combate de libertação produzindo uma literatura engajada que vise o despertar do
povo.24 Toda a produção política desse intelectual, por mais que se apresente em
23
Idem, p.244. 24
Idem, p.256.
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confronto com o colonialismo, acaba utilizando dos mecanismos do colonizador para
fazer-se valer. Um exemplo claro seria a utilização do idioma para a sua produção.
Outro ponto a se destacar são as questões abordadas nessa literatura que, apesar de
algumas vezes fazer valer-se de dialetos específicos, levantam questões que foram
pensadas de fora da colônia.
O fato do intelectual não conseguir desvencilhar-se de todo da influência da
metrópole, serve como parâmetro também para a análise dos efeitos da prática
colonial, no sentido que para Fanon, apesar das produções literárias dos intelectuais
estarem imersas nas raízes indígenas, não poderia de maneira alguma se deixar de
lado o momento que essas raízes foram tiradas do seu povo. A alienação cultural a
que foram submetidos cumpre um papel importante na formação da identidade
daquela nação. A produção desse intelectual deve direcionar-se para o momento de
mudança da identidade do seu povo. Não basta olhar para as raízes daquela
sociedade, mas sim para o momento que essas raízes foram tiradas do povo.
Fanon considera a produção intelectual desses escritores como uma literatura
de combate, a partir do momento que ela clama pela participação do povo na luta em
prol da construção de sua nação. Ela é peça fundamental na formação de uma
consciência nacional porque abre ilimitadas perspectivas, “porque é vontade
temporalizada”.
Dessa maneira, caberia ao intelectual despertar a sociedade para o modelo
desumano de exploração empregado pelo colonizador durante o processo de
assimilação:
[...] o primeiro dever do poeta colonizado é determinar claramente o sujeito povo da sua criação. Só podemos avançar resolutamente se tomamos, primeiro, consciência da nossa alienação. Tomamos tudo do outro lado. Ora, o outro lado não nos dá nada sem, através de mil rodeios, curvar-nos para sua direção; sem, através de dês mil artifícios, cem mil astúcias, atraírem-nos, seduzir-nos, aprisionar-nos.
25
Assim, para Fanon, o homem colonizado que escreve para o seu povo deve
utilizar de suas raízes para descortinar o futuro, clamar pela luta de todos em prol da
libertação. Deve dedicar-se de corpo e alma a ação de combate nacional. Seu
comprometimento não é com a cultura nacional, mas sim com a nação de maneira
25
Idem, p.261.
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global, na qual a cultura é apenas uma parte. “Combater pela cultura nacional, é
primeiro combater pela libertação da nação, matriz material a partir da qual a cultura se
torna possível”26.
Fanon prossegue dizendo que o combate via cultura e o combate popular atua
de maneira conjunta, pois a cultura nacional desenvolve-se durante os
enfrentamentos, na prisão, no confronto direto entre argelinos e militares franceses.
Esse combate compõe primordialmente a criação de uma identidade nacional por
meio da resistência. Dessa forma não basta retornar as raízes dos indígenas em busca
de elementos que corroborem a luta; é necessário trabalhar, lutar na mesma cadência
que o povo, a fim de preparar o futuro. Para ele, “a cultura nacional é o conjunto dos
esforços feitos por um povo no plano do pensamento para descrever, justificar e cantar a
ação através da qual o povo se constituiu e se mantém”27.
Podemos analisar Fanon como “interprete”; de acordo com o conceito de
cultura política, como um porta-voz de uma realidade, como representação de sua
sociedade.
Ao escrever “Os Condenados da Terra” ele falava para os colonizados, não para
os colonizadores, e entende-se aqui colonizados não só da Argélia, mas de todo o
Terceiro Mundo. 28 A obra funcionaria como um manifesto a ser seguido por aqueles
que por tanto tempo se subjugaram aos mandos e desmandos de uma Europa “cínica
e violenta”.
Para tanto, ele clama pela união das novas nações, pois “o jogo europeu está
definitivamente terminado, é preciso achar outra coisa. Podemos fazer tudo hoje, com a
condição de não imitar a Europa, com a condição de não ter a obsessão de alcançar a
Europa”29. Assim, torna-se compreensível a influência que tal obra suscitou por todos
os movimentos de libertação, servindo como bíblia para os militantes
anticolonialistas da década de 60.
É importante ressaltar um ponto fundamental de convergência entre o
pensamento de Fanon e Sartre: a legitimação da revolta e da luta armada. Esse apoio
26
Idem, p.265. 27
Idem, p.268. 28
Idem, p.364. 29
Idem, p.362.
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justifica-se na possibilidade dos colonizados alcançarem a vitória frente ao massacre
e torturas cometidos pelo poder militar visando à manutenção do “estatuto colonial”
que reduzia a população argelina a condições desumanas e a segregação racial. Era
necessário ser ouvido. E, indo além, para Sartre a luta armada era consequência do
próprio sistema colonial. “É a hora do bumerangue, o terceiro tempo da violência: ela
volta para nós, ela nos golpeia, e, como das outras vezes, não compreendemos que ela é
a nossa”.30 Fanon também apresentava a violência dos oprimidos como uma reação
necessária e proporcional, embora às vezes descontrolada, contra a violência
empregada pelos opressores colonialistas, pois para ele “o colonialismo não é uma
máquina de pensar, não é um corpo dotado de razão. É a violência em estado de
natureza e não pode inclinar-se senão diante de uma violência maior”.31
Assim, Fanon e Sartre estavam do mesmo lado que Ernesto Guevara no que
tange o apoio à luta armada e pelo despertar do Terceiro Mundo. Não seria possível
alcançar a vitória se não por meio da luta armada:“Nosotros décimos: frente a la fuerza
bruta, la fuerza ya la decisión; frente a quienes quieren destruirnos, no outra cosa que la
voluntad de luchar hasta el último hombre por defendernos”32.
Também concordavam que a solução dos problemas sociais não poderia partir
do pensamento capitalista. Para ele, diante do histórico da região as medidas cabíveis
para a construção de uma sociedade justa encontram-se na contramão dos interesses
de sobrevivência da classe dominante e, sobretudo do interesse do imperialismo e
neste caso, principalmente o norte-americano. Assim, o confronto entre a população
oprimida e os inimigos colonialistas seria inevitável, principalmente pelos últimos
estarem dispostos à utilização de força militar para a aniquilação de possíveis
insurgentes. Dessa forma a luta armada seria inerente à libertação do controle
colonialista.
Com base nessa afirmação, Guevara aponta a importância da conscientização
política dos povos para a luta militar contra as classes dominantes e neste aspecto
afirma que a revolução deveria acontecer por meio da união do campesinato, da
30
SARTRE, Jean-Paul. Prefácio à edição de 1961. In: Os Condenados da Terra. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2010, p.37. 31
FANON, Frantz. Os Condenados da Terra. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2010, p.54. 32
GUEVARA, Ernesto. Obras Escogidas (1957-1967). Habana: Editorial de Ciencias Sociales, 2001, p.501.
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classe operária e dos intelectuais revolucionários, e não através da liderança de uma
burguesia nacional. Portanto, o campesinato por caracterizar-se pelo isolamento
deveria ser instruído politicamente e revolucionariamente pela classe operária e pelos
intelectuais, pois dessa articulação desponta a vitória na luta contra o imperialismo.
E o êxito no confronto só ocorreria através da ação guerrilheira. Ele reforça essa
afirmação em dois pontos específicos:
1) o inimigo lutará sempre para manter o seu poder e para isso utiliza de todo o
seu potencial bélico. Frente a isso, para alcançar a vitória, seria necessário destruir o
exército opressor, arregimentando um exército 33 popular;
2) a luta é de âmbito continental, e neste caso todas as nações que sofrem
com a opressão colonial devem unir-se em prol do objetivo comum: alcançar sua
liberdade.
3) Devido à importância dada por Che ao confronto armado, sua lógica atuava
no campo político-militar, onde a guerra funcionava como uma continuação da
política e reciprocamente. Seu desejo era de que o poder político, e neste caso
também militar, fosse tomado por um novo homem capaz de construir uma nova
sociedade.
Voltando sua análise para todo o Terceiro Mundo, Guevara afirma a
necessidade de união dos três continentes: América, Ásia e África, pois os
movimentos de independência deveriam ir além de seus colonizadores direto. Neste
caso, Guevara faz um alerta sobre o perigo do imperialismo norte-americano para os
continentes que até aquele momento ainda não estava sob seu jugo. Aos explorados
das três regiões caberia o papel de atacar incessantemente e duramente todos os
pontos de confronto com o imperialismo:
El panorama del mundo muestra una gran complejidad. La tarea de la liberación espera aún a países de la vieja Europa, suficientemente desarrollados para sentir todas las contradicciones alcanzarán en los próximos años carácter explosivo, pero sus problemas u, por ende, la solución de los mismos son diferentes a la de nuestros pueblos dependientes y atrasados económicamente
34.
33
Idem, p.504. 34
Idem, p.588.
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Para ele, tomar consciência de que os três continentes sofrem as agruras do
imperialismo é ponto chave para o êxito as lutas de independência, e que apesar dos
países possuírem características próprias, seus continentes apresentam pontos em
comum.
Especificamente no caso do continente africano, suas observações se voltam
para a questão do neocolonialismo norte-americano, enfatizando que neste aspecto a
África até aquele momento (1967) encontrava-se praticamente intocável. 35 Mesmo
que tenham ocorrido mudanças nessas nações a partir de sua independência, para
Che esse continente não estava preparado para a prática imperialista econômica dos
Estados Unidos. Despertar a consciência política nessa região era extremamente
necessário, pois como os norte-americanos não possuíam colônias nesta região
aproveitaram da saída e da imagem deixada pelos europeus para se apresentarem
como a solução eficaz diante de um cenário pós-guerra. E neste ponto mais uma vez
enfatizava a união de todo o Terceiro Mundo visando um aprendizado mútuo a partir
da troca de experiência. Só assim seria possível construir nações socialistas.
Corroborando com o pensamento de Guevara, Sartre afirma a importância do
Terceiro Mundo se descobrir, mesmo com todas suas particularidades:
Sabe-se que ele não é homogêneo e nele ainda se encontram povos escravizados, outros que adquiriram uma falsa independência, outros que se batem para conquistar a soberania, outros, finalmente que conseguiram a plena liberdade, mas que vivem sob a ameaça constante de uma agressão imperialista. Essas diferenças nasceram da história colonial, o que quer dizer da opressão
36.
Assim, a partir da leitura das obras “Colonialismo e Neocolonialismo” de Sartre,
“Os Condenados da Terra” de Fanon e “Obras Escogidas” de Guevara, consideramos
que os três possuem opiniões convergentes no que concerne à prática do sistema
colonial, sendo:
A necessidade do posicionamento no confronto. Ou confronta o sistema ou
omite-se, e a omissão caracteriza apoiar a prática colonialista. Não existe um bom
colonialismo ou um colono bom, ou até mesmo um colono mau. Esse maniqueísmo
não deve ser analisado a partir do sistema colonial já implantado e a aceitação de seus
35
Idem, p.590. 36
SARTRE, Jean-Paul. Colonialismo e Neocolonialismo – Situações, V. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1968, p.140.
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ditames. É importante perceber que até na efetivação do colonialismo caberia
movimentos de discordância e ao aceitar a prática da metrópole, o colono se abstém
de qualquer posicionamento.
A revolução de cunho socialista e a criação de novas identidades nacionais
ocorreriam por meio da luta armada, num movimento fomentado pela própria
violência exercida pela manutenção do sistema colonialista. Manter todos sob seu
jugo exigia que o poder militar controlasse os colonizados através da desumanização
dos mesmos e assim o combate a essa ação se daria por reflexo.
A consciência das massas ocorreria em âmbito intercontinental, ou seja, era
necessário o despertar do Terceiro Mundo e isso aconteceria através da troca de
experiência entre seus movimentos de independência.
Os discursos anti-imperialistas continuam em todos os continentes. O cenário
se modificou, entretanto alguns atores permanecem. As disputas ideológicas entre
Estados Unidos e alguns países da América do Sul mudaram o tom, tomando novas
formas. Hoje os blocos que visam integração da região atuam de maneira sutil nesse
sentido; protegem seus mercados por meio de acordos econômicos. No que tange o
continente africano, após as guerras de libertação o que encontramos são países com
estruturas precárias, governos autoritários e estruturas administrativas estatais que
reproduzem o modelo colonialista. E a pergunte que cabe neste caso é: de fato são
países livres? Neste sentido a importância dos apontamentos de Sartre, Fanon e
Guevara funciona como um livro de memória que colaboram sistematicamente no
processo de reflexão da sociedade atual.
Bibliografia
CÉSAIRE, Aimé. Discurso sobre o colonialismo. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 1978.
FANON, Frantz. Os Condenados da Terra. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2010. GUEVARA, Ernesto. Obras Escogidas (1957-1967). Habana: Editorial de Ciencias
Sociales, 2001. HOBSBAWM, Eric J. Nações e Nacionalismo: desde 1780 – Mito e Realidade. São Paulo:
Editora Paz e Terra, 1990. KI-ZERBO, Joseph. História da África Negra - Vol. 2. Viseu: Biblioteca Universitária,
1972.
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KWAME, Anthony Appiah. Na casa de meu pai – a África na filosofia da cultura. Rio de Janeiro: Editora Contraponto, 1997.
LINHARES, Maria Yedda. A luta contra metrópole. São Paulo: Editora Brasiliense, 1981.
SARTRE, Jean-Paul. Colonialismo e Neocolonialismo – Situações, V. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1968.
Artigo recebido em: 29 de Março de 2015 Artigo aprovado em: 25 de Abril de 2015