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5. GESTÃO DE RESÍDUOS ORGÂNICOS, INORGÂNICOS E PERIGOSOS

5. GESTÃO DE RESÍDUOS · 2012-05-17 · CAPÍTULO 5 GESTÃO DE RESÍDUOS: ORGÂNICOS, INORGÂNICOS E PERIGOSOS 79 componentes que produzem resíduos em todas as fases: quando de

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5. GESTÃO DE RESÍDUOSORGÂNICOS, INORGÂNICOS E PERIGOSOS

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A destinação adequada do lixo – cada vez mais volumoso e de composição mais complexa – exige tratamentos variados. Em lugar de apenas exportar os resíduos para longe da cidade, é preciso buscar alternativas de redução, reutilização e reciclagem no próprio espaço urbano.

Resíduo é tudo aquilo que não se quer mais, aquilo que não interessa, que não tem mais utilidade. Todos os animais produzem resíduos. A sociedade também produz resíduos, há milênios. A grande diferença está na quantidade e na composição desses resíduos.

Os resíduos de animais são de pouca monta e orgânicos – restos de alimentos, restos de ninhos ou forragem de tocas e dejetos. Os resíduos das comunidades humanas são volumosos, orgânicos, inorgânicos, artificiais, perigosos e/ou poluentes.

A industrialização iniciada no século XVIII ampliou a oferta de novos produtos e a noção de conforto. O volume e os tipos de resíduos aumentaram. O sistema socioeconômico capitalista acelerou a roda da produção e do comércio. No início da era industrial, as quantidades eram pequenas e ninguém percebia os grandes problemas causados pelos resíduos. Eram enterrados, se necessário, apenas para evitar os odores emanados, a presença de moscas, baratas, ratos ou outros animais rondando a área de depósito.

Enquanto as sociedades perceberam rapidamente a importância do controle da qualidade das águas, só no século XX generalizou-se a percepção de que os resíduos precisariam de tratamento adequado. Mesmo nas sociedades mais desenvolvidas, a simples disposição do lixo, de preferência longe dos centros urbanos, foi considerada como uma boa alternativa durante muito tempo.

Porém os mercados cresceram e os itens industrializados se multiplicam. E quando surgiu o conceito de descartável, as quantidades de resíduos produzidas ganharam dimensões bem maiores e mais sérias. Os resíduos não eram mais apenas numerosos ou volumosos: passaram a ser mais persistentes (difíceis de degradar) e poluentes.

Esta residência construída com materiais reciclados, localizada em Reykjavik, na Islândia, pertenceu à artista Björk e hoje é do produtor de cinema Hrafn Gunnlaugsson.

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CADERNO DO PROFESSOR78 XXV PRÊMIO JOVEM CIENTISTA

Um dos exemplos mais evidentes da transformação causada pelo conceito de descartável é o dos frascos de refrigerantes e cervejas. Durante décadas os frascos eram de vidro e retornáveis. Ou seja, o consumidor inicialmente pagava pela bebida e pelo frasco. Após consumir a bebida,

o frasco vazio era devolvido no ponto de venda e o consumidor recebia um vale. Isso lhe dava o direito de comprar novamente a bebida, desta vez sem pagar pelo frasco. Os comerciantes reuniam os frascos vazios e os devolviam ao fabricante, que higienizava as garrafas e tornava a enchê-las. Apenas uma pequena porcentagem deste vidro virava resíduo, quando quebrava. A maior parte permanecia em circulação porque tinha valor enquanto frasco.

Com a substituição das garrafas de vidro por plástico, toda esta operação de reutilização se desmontou. Ficou mais simples para o fabricante e o comerciante, embora mais caro para o consumidor – que hoje paga sempre pelo frasco e pela bebida. Mas o maior impacto foi ambiental: desprovido de valor, o frasco vazio começou a ser simplesmente jogado fora, tão logo acabava a bebida. E rapidamente passou a ser o item mais volumoso dentre todos os resíduos domésticos. Sem contar a dispersão de grandes quantidades de garrafas plásticas por toda parte, dos rios e fundos de vales ao topo das montanhas.

Embora questionado em algumas sociedades e até inadmissível em algumas linhas de produtos, o conceito de descartável persiste na sociedade urbana. É associado à noção de higiene (copos, talheres descartáveis e toalhas descartáveis); de esterilização (seringas, luvas e produtos médicos descartáveis); de praticidade (de eletrodomésticos a parachoques de automóveis descartáveis) e mesmo de modernidade (celulares e equipamentos eletrônicos que ficam “antigos” em menos de um ano).

Com o acelerado processo de urbanização, derivado da industrialização, dar destino adequado à crescente – e complexa – produção de resíduos passa a ser um desafio. E continua sendo. As grandes cidades, que no início do século XX tinham dezenas de milhares de habitantes, agora têm milhões, a maioria ainda sem uma educação social adequada, sem uma visão de futuro sobre a sociedade como um todo, preocupada apenas com seu próprio espaço urbano.

O cotidiano das pessoas hoje é preenchido com produtos industrializados e suas embalagens descartáveis, muitas vezes absolutamente dispensáveis e desnecessárias. Também é repleto de serviços e tecnologias acompanhados de ingressos, passes, fichas, folhetos, baterias, pilhas, caixas, peças e outros

O desmonte do sistema de retor-

no dos vasilhames usados gerou

montanhas de lixo plástico.

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componentes que produzem resíduos em todas as fases: quando de sua fabricação, no momento da exposição no comércio, logo após a compra e durante o consumo, ou quando do término do serviço ou substituição da tecnologia.

O destino dos resíduos do passado era simples: como eram quase todos orgânicos, biodegradáveis e pouco volumosos, degradavam-se ou diluíam-se rapidamente. Transformavam-se em adubos, ou voltavam a ser terra e água. As emissões de gases de efeito estufa derivados desses resíduos também eram baixas. A destinação dos resíduos atuais, ao contrário, exige tratamentos variados e nem sempre alcança a necessária degradação: os resíduos permanecem intactos por muitos anos, ou, em alguns casos, para sempre, como alguns plásticos, pneus, vidros e o lixo atômico.

A gestão dos resíduos pode ser extremamente complexa, com potencial para criar muitos problemas ambientais e sanitários. Resíduos hospitalares, químicos e nucleares, por exemplo, podem ser altamente prejudiciais à vida. E mesmo os resíduos mais corriqueiros – como o lixo das ruas – podem ter impactos consideráveis, quando não há limpeza pública ou quando saturam canais de drenagem e impedem a passagem das águas pluviais, agravando enchentes e escorregamentos de encostas onde não deveria haver construções.

Lixões e aterrosA primeira solução para o acúmulo de resíduos urbanos foi levar todo o lixo para fora das cidades e amontoá-lo, eventualmente comprimindo os montes para diminuir seu volume. Os lixões, como são popularmente chamados, ainda são a única alternativa disponível para muitas áreas urbanas, apesar de logo terem se provado inadequados. Além de contaminar solo e água, disseminar agentes causadores de doenças e apresentar mau cheiro, os lixões emitem diversos gases, como o metano, um dos principais gases do efeito-estufa, associado às mudanças climáticas. Moscas,

EM RESUMO

Durante milênios, os resíduos sólidos produzidos nas cidades eram simplesmente queimados, enterrados ou levados para longe dos centros urbanos. Somente no século XX generalizou-se a percepção de que os resíduos precisariam de tratamento adequado, dado o volume crescente (associado ao acelerado processo de urbanização e à disseminação do conceito de descartável) e devido à sua composição, cada vez mais complexa (novos materiais, poluentes, contaminantes).

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CADERNO DO PROFESSOR80 XXV PRÊMIO JOVEM CIENTISTA

baratas, aves e ratos convivem com o lixo livremente nos vazadouros a céu aberto, e pior ainda, crianças, adolescentes e adultos catam comida e materiais recicláveis para vender. Muitos lixões se localizam sobre o mangue, ao alcance da maré, e nas margens de rios, à mercê das cheias, estendendo a contaminação química e biológica por áreas bem mais amplas

A evolução dos lixões é o aterro de resíduos sólidos urbanos, em suas diversas versões: aterro controlado e aterro sanitário, além de aterros industriais e aterros de resíduos da construção civil, que são outras importantes estruturas de tratamento de resíduos das cidades.

O aterro controlado é uma fase intermediária entre o lixão e o aterro sanitário. Costuma ser aceito pelos órgãos ambientais (o que varia de estado para estado) de forma temporária, enquanto o município procura outras formas de destinação. Em muitos casos, é uma célula adjacente ao lixão que foi remediado, ou seja, que recebeu cobertura de argila e grama, e onde foi feita a captação de chorume e gás. Essa célula adjacente é preparada para receber resíduos com uma impermeabilização com manta e tem uma operação que procura dar conta dos impactos negativos, tais como a cobertura diária da pilha de lixo com terra ou outro material disponível, como

forração ou saibro. Tem também recirculação do chorume, que é coletado e levado para cima da pilha de lixo, diminuindo a sua absorção pela terra ou, eventualmente, outro tipo de tratamento, como uma estação de tratamento do efluente. Os aterros controlados são cercados para impedir a entrada de pessoas e animais.

A disposição adequada dos resíduos sólidos urbanos é o aterro sanitário. Antes de iniciar a disposição do lixo, o aterro sanitário tem o terreno preparado com o nivelamento de

Urubus eoutros animais

Lençol freático

Chorume

LIXÃO

Poluição Lixo

ATERRO CONTROLADORemediação

Lençol freático

Chorume

Coberturacom terrae grama

Recirculaçãodo chorume

Lixonovo

Manta de PVC

NOVA CÉLULA DEATERRO CONTROLADO

Coberturadiária

Captação e queimado gás metano

Lixo velho

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terra e o selamento da base com argila e mantas com um material impermeabilizante. Dessa forma, evita-se a contaminação do lençol freático pelo chorume. Este é coletado por drenos e encaminhado para o poço de acumulação de onde, nos seis primeiros meses de operação, é recirculado sobre a massa de lixo aterrada.

Depois desses seis meses, quando a vazão e os parâmetros já são adequados para tratamento, o chorume acumulado é encaminhado para a estação de tratamento de efluentes (ETE). A operação do aterro sanitário, assim como a do aterro controlado, prevê a cobertura diária do lixo, não ocorrendo a proliferação de insetos e ratos, mau cheiro e poluição visual. Além dos sistemas de proteção do solo e do lençol de água, os aterros sanitários também controlam a entrada dos resíduos, não permitem a passagem de animais e pessoas alheias ao serviço e realizam o monitoramento permanente das emissões. Para que os aterros sanitários cumpram seu papel, é importante que operem segundo as práticas de gerenciamento definidas por lei e normas específicas da gestão de resíduos, e que sejam fiscalizados sistematicamente.

Pela diversidade de resíduos produzidos pelas sociedades atuais, o tempo de degradação da massa total, nos lixões e aterros, é extremamente longo. Assim, essas instalações precisam ser controladas e acompanhadas por muitos e muitos anos, após chegarem à sua capacidade máxima, para que as sociedades futuras estejam seguras de que suas emissões, seus efluentes e os demais impactos ambientais se mantenham em níveis aceitáveis.

Captação e queimado gás metano

Não há urubusou animaisnem mau cheiro

Coberturadiária

Captaçãodo chorume

Lixo novo

Lençol freático

Não há contaminação do lençol freático

Terra virgem

Selação commanta e PVCe argila

Tratamentodo chorume

ETE

ATERRO SANITÁRIO

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CADERNO DO PROFESSOR82 XXV PRÊMIO JOVEM CIENTISTA

O destino dos resíduos no BrasilDe acordo com o Diagnóstico do Manejo de Resíduos Sólidos Urbanos, produzido em 2008 pelo Ministério das Cidades (disponível para consulta em http://www.snis.gov.br/PaginaCarrega.php?EWRErterterTERTer=88), a média brasileira de produção de lixo por habitante por dia é 0,98 quilos, embora algumas cidades estejam bem acima da média, como Brasília (2,37 kg/hab/dia), Boa Vista (2,84 kg/hab/dia) e Angra dos Reis (3,42 kg/hab/dia). Do total de lixo recolhido, 13,5% é encaminhado a lixões, 21,4% a aterros controlados e 65,1% a aterros sanitários. O diagnóstico abrange 91 milhões de brasileiros, habitantes de 72% das cidades com mais de 250 mil habitantes, de todos os estados mais o Distrito Federal. Vale ressaltar, no entanto, que em 2010 registrou-se a tendência de aumento da média, em função do crescimento da renda e do consumo das classes C e D. Além disso, uma parte do lixo não é recolhida e é jogada diretamente em rios e em terrenos vazios. E sobre esta disposição irregular e inadequada de resíduos não há estatísticas.

A Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB) produzida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em agosto de 2010, também reflete este panorama. Mostra que metade dos municípios brasileiros (50,8%) despejam resíduos sólidos em lixões. No entanto, há uma tendência de redução desse índice. Em 1989, o porcentual de municípios que despejavam os resíduos em vazadouros a céu aberto era de 88,2%. Segundo a pesquisa, o Rio de Janeiro é o pior estado da Região Sudeste nesse quesito: 33% dos municípios fluminenses ainda utilizam os lixões. E apenas 27,7% dos municípios brasileiros dão o destino correto, em aterros sanitários.

A pesquisa do IBGE apontou também a existência de catadores de lixo em 27% dos municípios brasileiros. Eles estão presentes em metade dos lixões nas regiões Centro-Oeste e Nordeste. Santa Catarina é o estado com menos catadores em seus lixões ou aterros (cerca de 2%). Já no Distrito Federal, os catadores estão presentes em 100% dos lixões ou aterros.

EM RESUMO

A destinação mais adequada para os resíduos sólidos não recicláveis e não compostáveis é o aterro sanitário, devidamente impermeabilizado e isolado. Porém, no Brasil, somente 27,7% dos municípios têm instalações assim. Os demais ainda destinam os resíduos a lixões (com alto impacto ambiental e sobre a saúde pública) ou aterros controlados (intermediários entre os lixões e os aterros sanitários).

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Reduzir, reutilizar, reciclarA falta de espaço ou de recursos financeiros para construir e monitorar aterros por tanto tempo forçou a busca por novas alternativas. Algumas cidades então descobriram que, embora os resíduos façam parte dos problemas urbanos, se bem gerenciados podem até auxiliar na melhora da qualidade de vida de boa parte da população. E começaram a surgir alternativas para os diferentes tipos de resíduos, num movimento de especialização da gestão.

Os países com menos espaços disponíveis ou com maior valorização do metro quadrado urbano (e, portanto, menos interessados na imobilização de grandes áreas com lixo) passaram a endossar iniciativas e políticas de redução dos resíduos. O primeiro dos três Rs (reduzir, reutilizar, reciclar) levou a Alemanha, a Suécia, a Dinamarca, a Holanda, o Japão, entre outros países, a criarem regras de responsabilização das indústrias por seus produtos e embalagens. A responsabilidade do fabricante já não se restringe mais até momento da compra ou do consumo. Estende-se até a disposição final de todos os resíduos. A regulamentação atingiu inclusive as importações, obrigando países exportadores a repensarem até a logística de proteção e transporte de suas mercadorias.

Muitas indústrias modificaram a forma de apresentar seus produtos ou o tamanho das embalagens ou os materiais utilizados. Outras foram obrigadas a criar mecanismos de coleta e reprocessamento de seus produtos após o consumo, caso dos fabricantes de pilhas e baterias, por exemplo. Mas ainda há um imenso campo para novas soluções, tendo como meta a redução dos resíduos.

Os outros dois Rs também passaram a merecer mais atenção, sobretudo em campanhas de conscientização da população. Recipientes coloridos para papéis, plásticos, vidros e metais tornaram-se equipamentos obrigatórios nos centros urbanos dos países industrializados. Frequentar tais pontos de coleta seletiva e depositar o lixo reciclável, devidamente separado, logo se tornou sinônimo de civilidade, integrando a rotina dos cidadãos bem-educados.

Na cidade suíça de Zurique, de 350 mil habitantes, a separação do lixo doméstico tem regras rígidas. Uma delas trata do saco de lixo: os resíduos só são recolhidos se estiverem em sacos oficiais da cidade, que

Existe coleta se-letiva em 54,4% dos municípios brasileiros com população su-perior a 250 mil habitantes.

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CADERNO DO PROFESSOR84 XXV PRÊMIO JOVEM CIENTISTA

custam caro. A medida visa a evitar o desperdício: quanto mais caro for o saco, melhor o aproveitamento de cada unidade. O sistema de coleta é extremamente organizado. No começo do ano, é distribuído um calendário nas residências com as datas semanais e mensais de recolhimento de cada tipo de resíduo. Os lixeiros examinam o que é deixado na frente das casas e deixam para trás os materiais dispostos erroneamente. As caixas de papelão devem estar dobradas, empilhadas e amarradas com barbante, do contrário, também ficam para trás. Móveis, brinquedos e colchões são retirados uma vez por mês por um bonde especial chamado cargo tram.

Embora tanto rigor seja uma exceção, muitas cidades instituíram a chamada coleta seletiva, feita por caminhões diferenciados, muitas vezes em dias alternados, não coincidentes com a coleta do lixo doméstico não reciclável. O lixo reciclável é entregue direto a grupos ou cooperativas de reciclagem, que fazem a separação por tipo de material e encaminham às respectivas indústrias para reprocessamento.

Esta coleta diferenciada, porém, é onerosa e ainda depende muito do empenho do governo municipal, podendo oscilar da gestão de um prefeito para outro. No Brasil, mais de 83% da população urbana é atendida pela coleta de lixo comum, sendo 27,8% deste total com coleta diária, 69,9% com coleta duas a três vezes por semana e 2,3% com coleta semanal. No entanto, a coleta seletiva de materiais recicláveis abrange apenas 54,4% dos municípios com mais de 250 mil habitantes, sendo que não há informação sobre a abrangência do serviço em cada cidade. Ou seja, estão computadas aí tanto as cidades com coleta seletiva em toda a zona urbana como aquelas somente em um único bairro.

Segundo pesquisa do Compromisso Empresarial para Reciclagem (Cempre), Itabira (MG) está entre as cidades que mais reciclam no Brasil (disponível em http://www.itabira.mg.gov.br/novoportal/index.php/servicos/coleta-seletiva). A coleta seletiva atinge 100% do perímetro urbano e algumas zonas rurais, num total de 28 mil residências, distribuídas em 76 bairros. A Empresa de Desenvolvimento de Itabira (Itaurb) recolhe cerca de 150 toneladas/mês de recicláveis. O material é encaminhado a um centro de triagem da própria empresa, onde trabalham 32 pessoas. Oito são detentos em regime semiaberto, liberados para trabalhar durante o dia em razão de bom comportamento.

EM RESUMO

No Brasil existe algum tipo de coleta seletiva em 54,4% dos municípios com mais de 250 mil habitantes. A separação do lixo facilita a destinação correta e agrega valor à gestão dos resíduos sólidos urbanos. Mas é importante também investir na redução da produção de lixo e nas etapas de reciclagem, posteriores à coleta seletiva.

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Soluções inovadorasMesmo quando incorporada à rotina da população, a coleta seletiva – assim como a coleta diária do lixo não reciclável – implica em aumento do tráfego urbano, quando a necessidade é diminuir o número de veículos em circulação, particularmente veículos de carga. Assim, algumas cidades partiram para outro tipo de solução, que implica no mesmo tipo de separação dos recicláveis em papel, metal, vidro e plástico, mas também alivia os congestionamentos urbanos: os lixodutos.

Uma das primeiras experiências é a da cidade de Barcelona, na Espanha, onde vivem 4,2 milhões de habitantes. Por ocasião da realização dos Jogos Olímpicos, em 1992, foram instalados coletores especiais na vila dos atletas, um para cada tipo de lixo, nas mesmas cores usadas na coleta seletiva. Os coletores são ligados a tubos e sugadores subterrâneos, a cerca de 5 metros da superfície. De hora em hora, os sugadores formam um vácuo, que aspira todo o lixo jogado, alcançando velocidades de até 70 quilômetros por hora. O material vai direto para centros de separação e reciclagem, localizados na periferia da cidade.

A experiência deu tão certo durante os Jogos que o sistema foi estendido a toda Barcelona, e também às cidades vizinhas. Hoje, aproximadamente 40% de todo o lixo residencial é encaminhado para reprocessamento desta forma. É quase dez vezes mais que a taxa de reciclagem de São Paulo. E sem o transtorno dos caminhões. Diversas outras cidades europeias estão adotando o sistema, com grande adesão da população.

Nos Estados Unidos, na cidade costeira de Eastham (Cape Cod), o estímulo ao reaproveitamento sai do Centro de Reciclagem e Estação de Transferência, uma espécie de lixão transformado em central de trocas. Quem tem produtos, roupas, equipamentos, móveis ou objetos que não quer mais, leva para lá. Ao entrar, cada usuário paga US$ 20 e então pode deixar o resíduo trazido, seja qual for o volume. Depois, pode circular à vontade para escolher qualquer outro item disponível. A única condição é se encarregar de levar a mercadoria para casa por conta própria. Se não quiser, não precisa levar nada.

Inovações tecnológicas também transformam resíduos em matéria-prima e ajudam a tirar grandes volumes do circuito de coleta e aterro. É o caso das embalagens de leite e sucos tipo longa-vida, constituídas de papel, plástico e alumínio. Por serem mistas, elas não eram separadas na coleta seletiva comum, sendo destinadas a aterros, até que a própria empresa fabricante (Tetrapak) passou a promover a reciclagem, separando o papel e encaminhando a mistura de plástico e alumínio para pequenas empresas locais fabricantes de telhas, painéis e outros produtos.

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CADERNO DO PROFESSOR86 XXV PRÊMIO JOVEM CIENTISTA

Telhas feitas com embalagens

longa-vida reci-cladas são mais

duráveis e isolam melhor o calor.

O novo material substitui as antigas telhas de amianto com mais durabilidade, vantagens ambientais (pois o amianto é considerado um poluente perigoso) e conforto térmico (a mistura de plástico e alumínio funciona como isolante).

Outro caso interessante é o de uma empresa de Pelotas (RS), que transforma pneus radiais usados em tubos pré-tensionados para uso em drenagem, condução e tratamento de esgotos. Pneus usados são resíduos muito persistentes: ficam amontoados aos milhares em aterros e lixões, quando não são dispensados de forma indevida em rios e represas. O Brasil produz aproximadamente 40 milhões de pneus por ano e descarta metade disso no mesmo período. Se fosse transformado em tubulações, este total daria para 4 mil quilômetros de dutos para esgotos por ano. Os pneus ainda são reciclados por indústrias de calçados, servindo para o solado, sobretudo de botas de trabalho e sandálias de caminhada.

No Ceará, um programa conhecido como Ecoelce concede descontos na conta de eletricidade para os cidadãos dispostos a separar o lixo reciclável. O programa é realizado pela empresa concessionária de energia (Edesa) e, desde 2007, recebeu a adesão de 220 mil usuários. A soma dos descontos concedidos equivale a R$ 1 milhão, tendo resultado na reciclagem de 8.500 toneladas de materiais, entre latas de bebida, copos e garrafas plásticos, apostilas, livros velhos e óleo de cozinha, entregues em 29 postos de coleta da região metropolitana de Fortaleza e no interior do estado. Os materiais recolhidos são entregues às cooperativas de reciclagem assistidas pela empresa. Em 2008, o Ecoelce foi premiado pela Organização das Nações Unidas (ONU) por contribuir para as metas de Desenvolvimento do Milênio (World Business and Development Awards, disponível em http://180graus.com/geral/cearenses-trocam-lixo-reciclavel-por-creditos-de-energia-302004.html).

EM RESUMO

Há muito espaço para inovação na gestão de resíduos sólidos, desde soluções criativas para o transporte, como os lixodutos, até o desenvolvimento de produtos e novos materiais, como as telhas de alumínio e plástico feitas de embalagens longa-vida e as tubulações feitas de pneus usados.

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87CAPÍTULO 5 GESTÃO DE RESÍDUOS: ORGÂNICOS, INORGÂNICOS E PERIGOSOS

Desafios e oportunidadesA reciclagem mais bem-sucedida no Brasil é a do alumínio: 98,2% de todas as latinhas de refrigerantes e cervejas produzidas em 2010 voltaram à indústria para reciclagem após o consumo. O maior crédito é dos catadores, presentes em eventos, em bares e em qualquer localidade pública onde haja consumidores. Eles estão sempre a postos porque as latinhas de alumínio têm um bom preço no mercado de reciclagem e compensa fazer a coleta. Mas é importante também a colaboração dos consumidores, no sentido de não misturar as latinhas ao lixo comum, para não sujar, nem usá-las como cinzeiro, por exemplo.

O papel é o segundo tipo de resíduo mais valioso e a reciclagem chega a 50% do total produzido no país. Cooperativas de catadores de papel são muito organizadas em grandes centros urbanos e chegam a disputar o resíduo limpo, fornecido por comerciantes e escritórios. Tais exemplos demonstram como é possível avançar no tratamento do lixo mesmo sem deslocar os resíduos para fora da cidade. Para a sociedade, a importância da reciclagem e reutilização supera a dimensão econômica e entra no contexto de reorganização das comunidades urbanas, com o objetivo de tornar as cidades mais sustentáveis. Por isso, deveriam ser incentivadas pelo poder público de forma organizada e sistemática.

Há algum apoio governamental à separação dos materiais recicláveis. Mas separação não é reciclagem, é apenas o estágio inicial. Para que a reciclagem ocorra é necessário, na maioria dos produtos, colocar para funcionar um sistema organizado, industrializado, como ocorre no caso do alumínio e do papel. Não apenas como assistência social, mas como negócio propriamente dito, sobretudo no esforço de incorporar e estimular inovações tecnológicas.

Entregar resíduos recicláveis de qualidade, limpos e sem misturas aumenta o valor de toda a cadeia e ajuda a melhorar os índices de rea-proveitamento.

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CADERNO DO PROFESSOR88 XXV PRÊMIO JOVEM CIENTISTA

Paralelamente, campanhas objetivas e contínuas de educação ambiental devem ser desenvolvidas, de forma a motivar a participação de todos os setores da sociedade e, em especial, as escolas. Entregar resíduos recicláveis de qualidade, limpos e sem misturas aumenta o valor de toda a cadeia e ajuda a melhorar os índices de reaproveitamento.

Também no que se refere ao tratamento dos resíduos orgânicos temos muito por fazer. Processos de compostagem em cidades pequenas são relevantes, uma vez que os resíduos orgânicos representam mais de 60% do total. Orientação à população que mora em casas para uma compostagem caseira seria uma importante alternativa de redução do lixo.

Novos procedimentos, como fermentação anaeróbia de resíduos orgânicos com geração de energia, certamente podem ser desenvolvidos e implantados, a exemplo das alternativas desenvolvidas nos países industrializados. Tais soluções podem se tornar mais interessantes quando atreladas à venda de créditos de carbono. O processo de venda desses créditos ainda é complicado, mas já existem experiências positivas para servir de exemplo, como os nove projetos aprovados no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), sendo seis de aterros localizados em São Paulo e os demais no Rio de Janeiro, no Espírito Santo e na Bahia. Só o projeto de recuperação do biogás do aterro do Jardim Gramacho, no município de Caxias (RJ), deve corresponder a 12 milhões toneladas de carbono equivalente até 2020 (disponível em http://www.consultormunicipal.adv.br/novo/admmun/0035.pdf). Metade do valor pago por estes créditos de carbono deverá ser usada pela Prefeitura de Caxias para recuperação do bairro Jardim Gramacho, onde vivem 40 mil pessoas.

Importante também é lembrar do resíduo da construção civil, material de, até certo ponto, fácil reaproveitamento, mas que por hábito das empresas nacionais e falta de incentivos fiscais ainda são descartados de forma inadequada. Conforme o Diagnóstico do Manejo de Resíduos Sólidos Urbanos, de 2008, apenas 54,4% dos resíduos de construção são recolhidos e, em muitos casos, o material coletado é contaminado por resíduos orgânicos indevidamente dispostos pela população nas caçambas próprias para entulho inerte (incluindo carcaças de animais mortos, em geral, atropelados). Centrais de Reciclagem de Resíduos, recentemente construídas, já contam com procedimentos de reciclagem dos resíduos da construção industrial, mas ainda são poucas para o montante produzido.

A par do reaproveitamento do entulho, a construção civil ainda tem muita margem para a redução na produção dos resíduos, seja substituindo procedimentos que implicam na utilização de andaimes e escoras temporários, seja capacitando a mão de obra, de maneira a ter mais precisão e menos desperdício.

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O que diz a lei

Após tramitar durante 20 anos no Congresso Nacional, foi aprovada, em agosto de 2010, a Lei Federal no 12.305, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos no Brasil e fornece “diretrizes relativas à gestão integrada e ao gerenciamento de resíduos sólidos, incluídos os perigosos, às responsabilidades dos geradores e do poder público e aos instrumentos econômicos aplicáveis”. A política só não se aplica aos resíduos radioativos, controlados por legislação específica.

Esta lei prevê a gestão sistêmica e integrada dos rejeitos, considerando os aspectos ambientais, econômicos, culturais, técnicos e de saúde pública. Seu texto define como disposição de resíduos sólidos “ambientalmente adequada” a “distribuição ordenada de rejeitos em aterros, observando normas operacionais específicas de modo a evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança e a minimizar os impactos ambientais adversos”, o que inclui, quando possível, a reutilização, a reciclagem, a compostagem, a recuperação e o reaproveitamento energético.

Um dos destaques é a regulamentação da logística reversa, instrumento que impõe ao setor empresarial nacional e aos importadores a responsabilidade sobre a coleta, a recuperação e a destinação adequada de seus produtos ou embalagens, tanto as usadas para exposição no comércio com as empregadas no transporte das mercadorias. Tal regulamentação é especialmente importante no caso de produtos perigosos ou contaminantes até hoje dispensados no lixo comum, como pilhas e baterias, lâmpadas, pneus, óleo combustível usado, tintas e solventes, dentre outros.

Outro mérito do texto é a introdução do conceito de responsabilidade compartilhada entre sociedade, empresas, prefeituras e governos (estaduais e federal) na gestão dos resíduos. Ao cidadão cabe acondicionar, de forma adequada, o lixo para a coleta. Aos catadores de material reciclável coube o papel oficial de coletores, e eles agora podem receber incentivos governamentais. Os municípios receberam a incumbência de elaborar planos de gestão, e só estão aptos a receber dinheiro do Governo Federal para projetos de limpeza pública e manejo de resíduos sólidos depois de aprovados estes planos. A lei ainda favorece a criação de consórcios intermunicipais para a gestão do lixo.

CONSULTE O KIT PEDAGÓGICO

ESTE CAPÍTULO SE COMPLEMENTA COM O ROTEIRO DE TRABALHO 4 E A FICHA 10.

+ PARA SABER MAIS

• Reciclagem lixo – Curso on line: http://www.reciclagemlixo.com/• Compromisso Empresarial para a Reciclagem (Cempre): http://www.cempre.org.br/• Blog Brasil – Dicas para reduzir e reutilizar o lixo: http://www.blogbrasil.com.br/dicas-para-reduzir-e-reutilizar-o-lixo/