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MEMÓRIAS d’ODIANA 2.ª Série Estudos Arqueológicos do Alqueva 4.º COLÓQUIO DE ARQUEOLOGIA DO ALQUEVA O Plano de Rega (2002-2010)

4.º COLÓQUIO DE ARQUEOLOGIA DO ALQUEVA

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MEMÓRIAS d’ODIANA 2.ª SérieEstudos Arqueológicos do Alqueva

4.º COLÓQUIO DE ARQUEOLOGIA DO ALQUEVAO Plano de Rega (2002-2010)

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MEMÓRIAS d’ODIANA - 2.ª Série

TÍTULO4.º COLÓQUIO DE ARQUEOLOGIA DO ALQUEVA O Plano de Rega (2002 – 2010)

EDIÇÃOEDIA - Empresa de desenvolvimentoe infra-estruturas do AlquevaDRCALEN - Direcção Regional de Cultura do Alentejo

COORDENAÇÃO EDITORIALAntónio Carlos SilvaFrederico Tátá RegalaMiguel Martinho

DESIGN GRÁFICOLuisa Castelo dos Reis / VMCdesign

PRODUÇÃO GRÁFICA,

IMPRESSÃO E ACABAMENTOVMCdesign / Ligação Visual

TIRAGEM500 exemplares

ISBN978-989-98805-7-3

DEPÓSITO LEGAL356 090/13

FINANCIAMENTO EDIA - Empresa de desenvolvimentoe infra-estruturas do AlquevaINALENTEJOQREN - Quadro de Referência Estratégico

NacionalFEDER - Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional

Évora, 2014

FICHA TÉCNICA

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9 INTRODUÇÃO

11 PROGRAMA

15 LISTAGEM DOS PÓSTERES APRESENTADOS

17 CONFERÊNCIAS

19 “Alqueva – Quatro Encontros de Arqueologia depois...”. António Carlos Silva

34 “O património cultural no Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva: caracterizar, avaliar, minimizar, valorizar …”. Miguel Martinho

45 “O Acompanhamento no terreno do Projecto EFMA na área da Extensão de Castro Verde do IGESPAR”. Samuel Melro, Manuela de Deus

53 COMUNICAÇÕES

55 “Um mundo em negativo: fossos, fossas e hipogeus entre o Neolítico Final e a Idade do Bronze na margem esquerda do Guadiana (Brinches, Serpa)”. António Carlos Valera, Ricardo Godinho, Ever Calvo, F. Javier Moro Berraquero, Victor Filipe e Helena Santos

74 “Intervenção arqueológica em Porto Torrão, Ferreira do Alentejo (2008-2010): resultados preliminares e programa de estudos”. Raquel Santos, Paulo Rebelo, Nuno Neto, Ana Vieira, João Rebuje, Filipa Rodrigues, António Faustino Carvalho

83 “Contextos funerários na periferia do Porto Torrão: Cardim 6 e Carrascal 2”. António Carlos Valera, Helena Santos, Margarida Figueiredo e Raquel Granja

96 “Intervenção Arqueológica no sítio de Alto de Brinches 3 (Reservatório Serpa – Norte): Resultados Preliminares”. Catarina Alves, Susana Estrela, Eduardo Porfírio, Miguel Serra

103 “Caracterização preliminar da ocupação pré-histórica da Torre Velha 3 (Barragem da Laje, Serpa)”. Catarina Alves, Catarina Costeira, Susana Estrela, Eduardo Porfírio, Miguel Serra, António M. Monge Soares, Marta Moreno-Garcia

112 “Questões e problemas suscitados pela intervenção no Casarão da Mesquita 4 (S. Manços, Évora): da análise intra-sítio à integração e comparação regional”. Susana Nunes, Miguel Almeida, Maria Teresa Ferreira, Lília Basílio

119 “Um habitat em fossas da Idade do Ferro em Casa Branca 11, na freguesia de Santa Maria, concelho de Serpa”. Susana Rodrigues Cosme

125 “Poço da Gontinha 1 (Ferreira do Alentejo): resultados preliminares”. Margarida Figueiredo

132 “Currais 5 (S. Manços, Évora): diacronia e diversidade no registo arqueoestratigrá<co”. Susana Nunes,; Mónica Corga, Miguel Almeida, Lília Basílio

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137 “A villa romana do Monte da Salsa (Brinches, Serpa): uma aproximação à sua sequência ocupacional”. Javier Larrazabal Galarza

145 “Dados para a compreensão da diacronia e diversidade do registo arqueológico na villa romana de Santa Maria”. Mónica Corga, Maria João Neves, Gina Dias, Catarina Mendes

155 “A pars rústica da villa da Insuínha 2, freguesia de Pedrógão, concelho da Vidigueira”. Susana Rodrigues Cosme

162 “A villa da Herdade dos Alfares (São Matias, Beja) no contexto do povoamento romano rural do interior Alentejano”. Mónica Corga, Miguel Almeida, Gina Dias, Catarina Mendes

171 “A necrópole de incineração romana da Herdade do Vale 6, freguesia e concelho de Cuba”. Susana Rodrigues Cosme

178 “Necrópole romana do Monte do Outeiro (Cuba)”. Helena Barranhão

185 “O conjunto sepulcral do Monte da Loja (Serpa, Beja)”. Sónia Cravo e Marina Lourenço

191 “O sítio de São Faraústo na transição da Época Romana para o Período Alto-Medieval, freguesia de Oriola, concelho de Portel”. Susana Rodrigues Cosme

197 “O sítio romano da Torre Velha 1. Trabalhos de 2008-09 (Barragem da Laje, Serpa)”. Adriaan De Man, Eduardo Porfírio, Miguel Serra

203 “Análise preliminar dos contextos da Antiguidade Tardia do sitio Torre Velha 3 (Barragem da Laje - Serpa)”. Catarina Alves, Catarina Costeira, Susana Estrela, Eduardo Porfírio, Miguel Serra

212 “A Necrópole de São Matias, freguesia de São Matias, concelho de Beja”. Susana Rodrigues Cosme

219 “Xancra II (Cuba, Beja): resultados preliminares da necrópole islâmica”. Sandra Brazuna, Ricardo Godinho

225 “Funchais 6 (Beringel, Beja) – resultados preliminares”. Manuela Dias Coelho, Sandra Brazuna 231 PÓSTERES

233 “Primeiros resultados da intervenção arqueológica no sítio Torre Velha 7 (Barragem da Laje - Serpa)”. Adriaan De Man, André Gregório, Eduardo Porfírio, Miguel Serra

237 “A Torre Velha 3 (Serpa) no espaço geográ<co. Uma abordagem morfológica de um “sítio” arqueológico”. Miguel Costa, Eduardo Porfírio, Miguel Serra

242 “O contributo da Antropologia para o conhecimento das práticas funerárias pré e proto -históricas do sítio de Monte da Cabida 3 (São Manços, Évora)”. Maria Teresa Ferreira

246 “Villa Romana da Mesquita do Morgado (S. Manços, Évora): considerações acerca das práticas funerárias”. Maria Teresa Ferreira

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250 “Monte da Palheta (Cuba, Beja): dados para a caracterização arqueológica e integração do sítio à escala regional”. Mónica Corga, Gina Dias

256 “Aldeia do Grilo (Serpa): contributos para o estudo do povoamento romano na margem esquerda do Guadiana”. Carlos Ferreira, Mónica Corga, Gina Dias, Catarina Mendes

261 “Resultados preliminares de uma intervenção realizada no sítio Parreirinha 4 (Serpa)”. Carlos Ferreira, Susana Nunes, Lília Basílio

267 “Depósitos cinerários em Alpendres de Lagares 3”. Maria Teresa Ferreira, Mónica Corga, Marta Furtado

271 “Workshop Dryas’09: Estruturas negativas da Pré e Proto-história peninsulares – estado actual dos nossos conhecimentos... e interrogações”. Miguel Almeida, Susana Nunes, Maria João Neves, Maria Teresa Ferreira

276 “Intervenção arqueológica na Horta dos Quarteirões 1, Brinches, Serpa”. Helena Santos

280 “A Intervenção Arqueológica no Monte das Covas 3 (S. Matias, Beja): Os contextos romanos de época republicana”. Lúcia Miguel

284 “O Sítio do Neolítico antigo da Malhada da Orada 2 (Serpa): resultados preliminares”. Ângela Guilherme Ferreira

289 “Intervenção arqueológica nas necrópoles do Monte da Pecena 1 e Cabida da Raposa 2”. Andrea Martins, Gonçalo Lopes, Marisa Cardoso

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Resumo

O sítio Alto de Brinches 3 foi intervencionado pela Palimpsesto – Estudo e Preservação do Património Cultural Lda. no âmbito do Projecto de Minimização de Impactes sobre o Património Cultural Decorrentes da Construção do Reservatório Serpa Norte (Serpa), sendo dono de obra a EDIA S.A. A intervenção arqueológica revelou 224 interfaces negativas, correspondentes em parte a dois momentos de ocupação com contextos habitacionais e funerários, um primeiro do período Calcolítico e um outro da Idade do Bronze, embora neste último caso a ocupação funerária tenha 5cado por con5rmar. As características do registo arqueológico permitem concluir que a área intervencionada corresponderia a um núcleo habitacional ou a um local de apoio a um povoado localizado nas proximidades.

Abstract

Ke Alto de Brinches 3 archaeological site was carried out by Palimpsesto – Estudo e Preservação do Património Cul-tural Lda., under EDIA’ s Project Minimização de Impactes sobre o Património Cultural Decorrentes da Construção do Reservatório Serpa Norte (Serpa). Ke excavation revealed 224 negative interfaces, parcially corresponding to two occu-pation moments, with habitation and funerary contexts, a <rst from the Calcolithic and another from the Bronze Age, although in this late the funerary use did not have been con<rmed entirely. Ke characteristics from the archaeological record showed that the excavated area could address to a habitation nucleus or to a fulcrum scope of a settlement located nearby.

1. Introdução

No decorrer dos trabalhos arqueológicos de acompanhamento da obra para a construção do Reservatório de Serpa – Norte, a cargo da empresa Munis Lda., foram identi5cadas 170 estruturas negativas. Com os trabalhos de escavação da responsabilidade da empresa Palimpsesto Estudo e Preservação do Património Cultural Lda. no âmbito do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva, da responsabilidade da EDIA S.A., o número alcançou as 224 interfaces negativas.

Alto de Brinches 3 localiza-se na Horta do Folgão, freguesia de São Salvador, a cerca de 2 km de distância para Norte de Serpa. Integra-se na peneplanície, unidade fundamental do Alentejo que descreve uma paisagem homogénea, apenas interrompida pelo vale encaixado do Rio Guadiana e por alguns dos seus a<uentes, como a Ribeira de Enxoé, e pelos relevos residuais da Serra de Ficalho (AAVV, 2002, p.87). A cerca de 700 m para Sudeste do sítio corre o Bar-ranco da Retorta, curso de água subsidiário daquela ribeira (Figura 1).

Geologicamente, a área intervencionada de5ne-se pela con<uência de granitos desagregados, com predomínio de carbonatos. Na Serra de Ficalho, a litologia caracteriza-se pela presença de rochas duras, calcários cristalinos e dolomi-tos, frequentemente atravessados por veios de quartzo (FEIO, 1992, p.12-13). O sítio localiza-se no Complexo Gabro-diorítico de Cuba, formação descontínua e com um complexo e heterogéneo conjunto de rochas, que vão dos gabros aos granó5ros, com predomínio dos dioritos (PIÇARRA; OLIVEIRA e OLIVEIRA, 1992, p. 29).

“INTERVENÇÃO ARQUEOLÓGICA NO SÍTIO DE ALTO DE BRINCHES 3(RESERVATÓRIO SERPA – NORTE): RESULTADOS PRELIMINARES”.45

CATARINA ALVES46, SUSANA ESTRELA47, EDUARDO PORFÍRIO48,MIGUEL SERRA49

45 Este artigo foi preparado para publicação em Fevereiro de 2010, tendo conhecido uma actualização pontual em Novembro de 2013. Entre uma e outra datas, foram elaborados outros estudos para determinados aspectos da ocupação de Alto de Brinches 3, entretanto publicados (RODRIGUES et alii, 2012; COSTEIRA, 2013). Os dados e as leituras aqui reproduzidos deverão por estas razões ser lidos à luz da sua data de elaboração.46 UNIARQ47 Independent researcher47 Palimpsesto, Estudo e Preservação do Património Cultural, Lda. Apartado 4078, 3031 – 901 Coimbra.49 Palimpsesto, Estudo e Preservação do Património Cultural, Lda.

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Supõe-se que o sítio arqueológico se im-plantava numa suave elevação, enquadrada na típica peneplanície alentejana, a uma altitude de cerca de 190 m. Contudo, o início da obra e provavelmente prévios trabalhos de cariz agrí-cola já haviam des5gurado o relevo, apresen-tando este um aspecto aplanado com evidente destruição do topo das realidades arqueológi-cas, tanto mais que cerca de meia centena des-tas possuía menos de 30 cm de potência estra-tigrá5ca conservada. Assim, e após os primeiros trabalhos de limpeza, o número de estruturas negativas identi5cadas aumentou, totalizando 224 interfaces (Figura 2). Em algumas estrutu-ras negativas surgiram contextos funerários hu-manos (RODRIGUES, 2010 e RODRIGUES et alii, 2012, p. 75).

2. Diacronias de ocupação do espaço em Alto de Brinches 3

Foi possível identi5car dois momentos essenciais na ocupação do sítio: um primeiro de cronologia calcolítica, com 49 registos - entre silos/fossas, possíveis fundos de cabana e de-pressões (cuja funcionalidade se desconhece), alguns deles com enterramentos humanos e inumações de animais; e um segundo datado da Idade do Bronze com 60 estruturas nega-tivas do tipo silo/fossa, uma fossa e duas va-las com características muito especí5cas, num total de 63 interfaces negativas. Registámos ainda um contexto funerário, porventura de época romana, atendendo ao espólio associado

(RODRIGUES et alli, 2012, p. 75-76) e 12 fossas para plantação de oliveiras de cronologia moderna/contemporânea. Foi identi5cado um conjunto de 99 interfaces negativas cuja cronologia não foi possível apurar, incluindo um hipogeu funerário que, atendendo aos paralelos regionais, poderá datar da Idade do Bronze.

Numa apreciação geral, as interfaces são preenchidas por sedimentos compactos de matrizes argilosas, com uma granulosidade mediana e algumas possuem níveis de depósito de densas massas pétreas.

2.1. Calcolítico

Na estrutura negativa [275] registou-se a inumação de um cervídeo, do qual subsistiam em conexão anatómica as hastes, a coluna vertebral e alguns ossos longos. Esta situação ocorre num momento em que a estrutura já estaria preenchida em cerca de 15 cm e merece referência porque, apesar de se conhecerem exemplos no que respeita ao trata-mento do mundo animal em contextos funerários no Calcolítico, a referência a inumações especi5camente de cervídeos mantém-se residual nas publicações cientí5cas disponíveis.

Numa outra situação, junto à parede Sul e ao centro da interface [393] foi registada, já sobre a base escavada no substrato geológico, uma estrutura pétrea em muito mau estado de preservação. Aparentemente terá funcionado aquando da utilização da interface enquanto fundo de cabana, facilitando o acesso ao seu interior pelo topo.

A estrutura [364] destaca-se das demais por descrever um per5l sui generis. Possui paredes irregulares e uma de-pressão com per5l circular, cuja base está cerca de 35 cm abaixo do primeiro nível de geológico identi5cado. A parede desta perfura o geológico em cerca de 54 cm no sentido Norte da estrutura. Ainda que os respectivos enchimentos não o denunciem, a morfologia desta estrutura sugere uma primeira utilização funerária, na sequência de uma tradição

Figura 1 – Localização do sítio arqueológico Alto de Brinches 3 na Carta Militar 1:25 000, folha número 532.

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arquitectónica subterrânea que se vislum-bra já desde o Neolítico Final. Após um esvaziamento da “câmara”, a área teria sido totalmente preenchida por um se-dimento estéril com um único propósito relacionado com o nivelamento da base da interface que permitisse reiniciar o seu processo de preenchimento numa nova utilização. Esta leitura é uma mera hipó-tese, passível de reinterpretação.

Os contextos funerários observa-dos em Alto de Brinches 3 relacionam--se tanto com fenómenos de inumação secundária, com dois ossários (RODRI-GUES et alii, 2012, p. 79-80) como com episódios de inumação primária sim-ples e singular ou múltipla e em fossa. A excepção constitui a intencionalidade veri5cada no corte de um sedimento de preenchimento de uma estrutura negati-va para obter uma sepultura em covacho (Figura 3).

Foram registadas quatro inumações de adultos em muito mau estado de con-servação, com a ausência de algumas par-tes anatómicas. Estavam tendencialmen-te colocados em posição lateral e junto às paredes das estruturas negativas. As orientações não oferecem sinais de pa-dronização. Destacamos o enterramento [661], que aparenta corresponder a uma manipulação do corpo, com materiais pe-recíveis, de forma a contraí-lo e forçan-do-o à posição em que foi identi5cado (RODRIGUES et alii, 2012, p. 81-82), provavelmente tão-só para o inserir no interior do espaço disponível, um cova-cho aberto no sedimento preexistente de uma estrutura negativa que pode ser in-terpretada como um fundo de cabana (Figura 3).

De entre as formas cerâmicas presentes nos contextos domésticos deste momento cronológico em Alto de Brin-ches 3 veri5ca-se um grande número de presenças de potes/esféricos, ainda que percentualmente não se superiorizem às contagens do grupo das formas abertas. Nestas, o índice do número de fragmentos de pratos recolhidos é superior ao das taças carenadas. Contudo, esta diferença reside em cerca de 80 fragmentos, o que pode não ser muito expressivo e a nosso ver relaciona-se com a antiguidade do conjunto. Nas formas abertas, os pratos possuem grandes diâmetros bocais, superfícies internas alisadas e por vezes superfícies externas pouco cuidadas, com bordos espessados, alguns almendrados, outros reforçados interna e externamente (Figura 4.1).

O conjunto é dominado pela cerâmica lisa e apenas foram recolhidos dois fragmentos de cerâmica decorada por incisão, (Figura 5) com paralelos em diferentes sítios do actual território português como os povoados do São Pedro, no Redondo (MATALOTO, ESTRELA e ALVES, 2007, p. 134, 5g. 16) ou dos Perdigões, em Reguengos de Monsa-raz, (ODRIOZOLA, 2008, p. 41-44). Trata-se de pequenos círculos incisos organizados no interior de um triângulo, representado igualmente por uma incisão sob a forma de linhas quebradas, com vestígios de preenchimento com pasta branca. Foram ainda identi5cados 6 fragmentos de cerâmica almagrada, 15 de colheres e dois ídolos fálicos.

A ausência de vestígios que datem o sítio de um momento mais tardio na cronologia calcolítica, a presença mar-

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cada das taças carenadas, numa clara sobrevivência de formas tradicio-nais anteriores, pelo menos do Neolítico Final; a quantidade de pesos – placa, num total de 159 fragmentos, aliada à presença residual de um possível crescente e a quantidade de pratos com bordos espessados, no-meadamente os reforçados interna e externamente muito característi-cos, sugere que o sítio tenha sido ocupado durante o Calcolítico inicial.

2.2. Idade do Bronze

Dos contextos da Idade do Bronze destaca-se a identi5cação da fossa [664], na qual foram identi5cados dois momentos de deposição de mamíferos (PORFÍRIO e SERRA, no prelo). As deposições [607] e [642] parecem evidenciar aquilo que se tem vindo a observar nou-tras intervenções arqueológicas deste âmbito: a deposição intencional de animais. Neste caso, trata-se de um canídeo, na u.e. 642 e de vários animais na u.e. 607, na qual se conservaram melhor no registo arqueológico um suídeo (porco, javali?) e um canídeo (Figura 6).

Duas estruturas alongadas, orientadas de Norte para Sul e espacialmente próximas chamaram a nossa atenção. Trata-se de valas com perto de 2,5 m de comprimento, que não ultrapassam os 60 cm de largo e que conhecem mais ou menos a meio da sua extensão um afunilamento da largura. Desconhecemos a sua funcionalidade, embora possamos avançar, de forma algo genérica e sem grandes compromissos, que poderiam ser valas de fundação para estruturas verti-cais delimitadoras de espaços, inde5nidos do ponto de vista espacial e funcional. Parece certa a sua integração na Idade do Bronze, dados os materiais que saíram dos seus enchimentos, o que sublinha o seu funcionamento em uníssono.

O extenso grupo dos silos/fossas encontra nas u.e.s 572 e 573 a excepção à regra (Figura 7). Estas estruturas negativas encontravam-se geminadas, ou adossadas, como assim foram designadas pela equipa que escavou no Casarão da Mesquita 3 (SANTOS et alii, 2008, p. 64). Ao registo arqueológico chegou o momento de abandono, com enchi-mentos coevos, à excepção de um depósito localizado entre o enchimento mais antigo e o enchimento mais recente, o que nos leva a assumir que as duas estruturas negativas terão sido construídas e usadas ao mesmo tempo. Desconhe-cemos a sua funcionalidade original, embora nos pareça que possam ter sido utilizadas como silos para armazenagem de alimentos. No entanto, é certo que o que chegou até nós se refere ao momento 5nal de utilização destas estruturas enquanto lixeiras/fossas.

O mesmo pode ser dito para o restante universo dos silos/fossas da Idade do Bronze deste sítio. Apresentavam secções e potências muito diversas, com predomínio dos per5s rectangulares e das profundidades que não ultrapassa-vam os 60 cm.

Figura 4 – 4.1 – Pratos de bordo espessado de cronologia calcolítica; 4.2a – Taças da Idade do Bronze; 4.2b – Taças carenadas da Idade do Bronze; 4.2c – Taça tipo Odivelas. Tintagens: Edgar Lopes.

Figura 3 – Estrutura negativa do tipo fossa [689]

Figura 5 – Fragmento de cerâmica decorada exu

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O universo cerâmico da Idade do Bronze caracterizava-se pelo predomínio dos potes, muitas vezes com mamilos como elementos de preensão e de decoração, seguido pelas taças e taças carenadas, em peças com bons acabamentos das superfícies, alisadas ou brunidas e com pastas depuradas (Figura 4.2-a e 4.2-b).

Destaca-se a identi5cação de formas cerâmicas típicas do Bronze do Sudoeste e geralmente associadas a contex-tos funerários em cistas. No sítio de Torre Velha 3, também intervencionado por nós, estas formas cerâmicas associa-vam-se também a contextos funerários, mas desta vez a hipogeus (ALVES et alii, 2010). No sítio de Alto de Brinches 3 foi identi5cado um fragmento de uma taça tipo Odivelas, no interior de uma estrutura negativa do tipo silo/fossa e claramente em contexto devoluto. Mas a sua presença é sinal de que poderá ter sido utilizada em contextos que não os funerários (Figura 4.2-c).

2.3. Cronologia Indeterminada

Foram ainda escavadas estruturas negativas cuja cronologia e funcionalidade não foi possível de5nir. Estes dois aspectos cruzaram-se a maior parte das vezes em estruturas compósitas em forma de “osso”, que mais não são do que valas que têm associadas a si e numa relação de corte, silos/fossas em cada uma das suas extremidades (Figura 8). Encontravam-se estéreis ou não possuíam espólio que permitisse uma classi5cação cronológica rigorosa.

Foi identi5cado o hipogeu [439] – [440] constituído por uma pequena câmara, arrasada pela passagem da má-quina da obra e por uma antecâmara em poço (ou em fossa). Entre ambas foi encontrado o derrube da pedra de fecho da câmara, formado por dois blocos que se encontravam tombados para o interior desta. No interior da câmara foi identi5cado um esqueleto infantil em decúbito lateral direito e <ectido (RODRIGUES et alli, 2012), sem qualquer espólio associado (Figura 9). Foi precisamente por esta razão que não foi possível datar este hipogeu, apesar de para ele se terem identi5cado paralelos, por exemplo, no sítio de Torre Velha 3, onde surgiram espólios do Bronze Pleno (ALVES et alii, 2010).

Por 5m, foram identi5cadas duas estruturas negativas em forma de “ferradura”, com características muito distin-tas. A primeira, [681], possuía 10 metros de diâmetro, perto de 100 cm de largura, cerca de 16 metros de perímetro e não atingia os 60 cm de profundidade. Encontrava-se aberta ou interrompida pelo lado de Este (sendo que a primeira hipótese nos parece ser mais plausível) e cortava um silo/fossa de cronologia também ela inde5nida. Era ainda cortada por uma série de buracos de poste, mais ou menos disseminados pela área do seu “arco” e que devem ter funcionado com ela (Figura 10). A outra “ferradura” era de muito menor dimensão: 2,5 metros de diâmetro, com quase 4 metros de perí-metro, cerca de 40 cm de largura e uns escassos 30 cm de profundidade. A sua forma era descrita por uma abertura pelo lado de Sul. Ambas se encontravam nas proximidades do limite setentrional da área intervencionada e espacialmente próximas. Uma e outra parecem ter funcionado como fossos delimitadores de recintos para os quais desconhecemos a funcionalidade. Poderão delimitar espaços habitacionais e/ou o5cinais, como cabanas, ou terem funcionado como corta-ventos de espaços descobertos (sem cobertura).

Figura 7 – Estruturasnegativas do tipo silo/fossa geminadas [572] e [573].

Figura 6 – Estrutura negativa do tipo fossa [664] com inumação de mamíferos [607] e [642].

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3. Considerações Finais

Os contextos identi5cados caracterizam comunidades humanas pré-históricas agro-pastoris, que usavam e ex-ploravam as condições naturais do local, e, no caso do Calcolítico, procediam ainda ao enterramento de indivíduos em estruturas negativas que haviam tido outro tipo de usos, de cariz habitacional. É possível ainda que na Idade do Bronze se tenha procedido também ao uso do local enquanto espaço funerário, embora os dados arqueológicos não sejam categóricos.

Do acervo artefactual destacam-se elementos que caracterizam actividades relacionadas com a agricultura, com a pastorícia, com a caça e a pesca, bem como com a tecelagem. Um dos elementos mais interessantes é a existência de uma intencionalidade em depositar os restos mortais de animais, durante o Calcolítico e na Idade do Bronze.

Facto assente é o de se estar perante um núcleo habitacional e/ou de apoio a um núcleo habitacional (e, neste caso, localizado certamente nas imediações). Os dados resultantes da nossa escavação deverão, por esta e por outras razões, ser articulados com os resultados de outras intervenções arqueológicas efectuadas por outras equipas nas imediações. Só assim se poderá entender melhor as nuances de uma ocupação humana do local, até porque poderão providenciar informações relativamente à cronologia e à funcionalidade daquelas estruturas negativas para as quais pouco ou nada podemos acrescentar, a não ser informações de ordem morfológica.

Neste campo em particular, as estruturas em forma de “osso” poderão considerar-se genericamente enquadráveis na Pré-História Recente, não pelo espólio que forneceram mas pelo facto de se conhecerem resultados recentes saídos de outras intervenções arqueológicas efectuadas no âmbito do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva, como as estruturas identi5cadas em Montinhos 6, intervenção a cargo da empresa Arqueologia e Património, Lda. Outras estruturas negativas, que designámos em forma de “ferradura” permanecem ainda menos de5nidas do ponto de vista funcional e cronológico, embora nos pareça que as interpretações que delas fazemos se coadunam, de alguma forma, com os recintos em fosso identi5cados, por exemplo, em Outeiro Alto 2 (VALERA e FILIPE, 2010, p. 49-56).

As estruturas negativas do Calcolítico e da Idade do Bronze de Alto de Brinches 3 permitem preencher algumas das lacunas apontadas e sentidas desde sempre no conhecimento daqueles períodos pré-históricos no Baixo Alentejo interior, autorizando, ao mesmo tempo, uma revisão dos dados até agora conhecidos e discutidos.

Figura 8 – Exemplo de estruturas negativas em forma de “osso”.

Figura 9 – Pormenor do hipogeu [439] e [440].

Figura 10 – Estrutura negativa em forma de “ferradura” [681].

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AAVV, (2002) - Contributos para a identi<cação e caracterização da Paisagem em Portugal Continental – Grupos de unidades de paisagem – Alentejo Central a Algarve, Colecção Estudos 10. Lisboa: Direcção Geral do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano. Vol. V.

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