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3º Seminário de Relações Internacionais da Associação Brasileira
de Relações Internacionais (ABRI)
Repensando interesses e desafios para a inserção internacional do Brasil no
Século XXI
AGENDA DE DEFESA E POLÍTICA EXTERNA: O BRASIL NA AMÉRICA DO SUL
(2003-2016)
Autor: Dilceu Roberto Pivatto Junior, Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS)
Área Temática – Segurança Internacional, Estudos Estratégicos e Política de Defesa:
As questões de Segurança na Política Externa
29 e 30 de setembro de 2016, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
Florianópolis
1
Resumo
Agenda de Defesa e Política Externa: o Brasil na América do Sul (2003-2016)
A última década tem sido marcada por visíveis mudanças na distribuição de poder
econômico mundial, incrementadas pelo ativismo político internacional de países
intermediários. Inserido neste cenário, o Brasil pretende ampliar suas margens de
autonomia, especialmente no entorno estratégico regional. Este artigo propõe
compreender a agenda de Defesa do Brasil para a América do Sul, associada a sua
política externa na região. Quatro pontos serão abordados: (1) os modelos de
integração concorrentes sul-americanos – a UNASUL, a ALBA, e o regionalismo
aberto chileno; (2) a importância do Conselho de Defesa Sul-americano, enquanto
espaço multilateral de cooperação e criação de medidas de confiança; (3) o papel de
articulação da UNASUL em geral, e do Conselho de Segurança Sul-americano em
particular, nas questões de Defesa e cooperação; e (4) as políticas de Defesa do
Brasil para a América do Sul, levando em consideração as propostas discursivas,
comparadas com a real implementação das medidas de integração regional. Entende-
se que a política externa brasileira opera mais de acordo com o conceito de
regionalismo, utilizado por Maria Regina Soares de Lima, onde a autora destaca da
necessidade de se fazer uma distinção entre os processos de integração e os de
regionalização. A integração pressupõe a formação de um espaço econômico
integrado e coordenação regional de políticas públicas; já o regionalismo, implica em
objetivos menos ambiciosos, através do processo de cooperação em diversas áreas,
militar, política, econômica, energética, técnica, refletindo em prioridades de política
externa – sendo de relevância a dimensão geoestratégica. Levando em consideração
o conceito de regionalismo, serão utilizados como fontes em especial, os documentos
produzidos pelo Ministério da Defesa, a Política de Defesa Nacional (2005), a
Estratégia Nacional de Defesa (2008), e o Livro Branco de Defesa (2012), onde se
deve identificar se a agenda de Defesa e a política externa são, ou não,
complementares.
Palavras-chave:
Defesa Brasil; Cooperação Sul-americana; Regionalismo.
2
Agenda de Defesa e Política Externa: o Brasil na América do Sul (2003-2016)
Dilceu Roberto Pivatto Junior*
Introdução
A última década tem sido marcada por visíveis mudanças na distribuição de poder
econômico mundial, incrementadas pelo ativismo político internacional de países
intermediários. Neste processo o Brasil, inserido no conjunto de países que procuram
aumentar seu protagonismo internacional – emergência de novos fóruns e articulações
internacionais como o G-20 e os BRICS – pretende ampliar suas margens de autonomia,
especialmente no entorno estratégico regional. Neste cenário dos países "emergentes",
entendidos também como potências regionais, o Brasil procura desenvolver suas
capacidades de projeção política na América do Sul, com o objetivo de garantir a sua
presença na região. No entanto, vários são os fatores limitadores que o Brasil encontra na
região, em propor e desenvolver um modelo político de integração - dadas algumas
características da política externa dos países vizinhos - capaz de diminuir a interferência de
potências centrais. Neste sentido, deve-se destacar também os próprios limitadores
domésticos, como a falta de consenso entre setores da elite brasileira e a disposição
limitada de arcar com os custos da liderança regional brasileira.
Assim, este artigo propõe compreender a agenda de Defesa brasileira na América
do Sul, associada a sua política externa para a região, que por sua vez, pode se deparar
com algumas dificuldades e resistências por parte dos países vizinhos – com atenção ao
Chile e à Venezuela que defendem modelos divergentes de integração, respectivamente
com a ideia de regionalismo aberto, ou então, a ALBA. Quatro pontos específicos serão
abordados: (1) os modelos de integração concorrentes sul-americanos – a UNASUL, a
ALBA, e o regionalismo aberto chileno; (2) a importância do Conselho de Defesa Sul-
americano, enquanto espaço multilateral de cooperação e criação de medidas de confiança;
(3) o papel de articulação da UNASUL em geral, e do Conselho de Segurança Sul-
americano em particular, nas questões de Defesa e cooperação; e (4) as políticas de Defesa
do Brasil para a América do Sul, levando em consideração as propostas discursivas,
comparadas com a real implementação das medidas de integração regional.
Entende-se que as perspectivas do Estado brasileiro podem encontrar limitações
políticas na criação de um bloco de poder regional, que neste texto devem ser destacadas –
incluindo os fatores que afastam o Brasil dos países vizinhos na formulação e
* Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (UFRGS), bolsista CAPES. E-mail: [email protected]
3
implementação de políticas de Defesa na América do Sul. As relações políticas do Brasil
com os países vizinhos sul-americanos compõem os elementos necessários para se
compreender as dinâmicas do processo de integração sul-americano, que em vários
aspectos questionam a liderança do Brasil na região, sua diplomacia e políticas de Defesa –
seja pelo temor de uma alegada pretensão hegemônica, ou, seja pela impossibilidade de
cumprir com suas promessas enquanto líder cooperativo. De toda forma, o apoio dos países
vizinhos sul-americanos ao Brasil pode gerar um processo de interdependência entre os
países da região, necessário para assim se atender as demandas regionais em âmbito
internacional - a vinculação entre a prosperidade do Brasil e a de seus vizinhos, pode ser
entendida como opção de desenvolvimento regional, inclusive no campo da Defesa.
Assim, a política externa brasileira estaria operando mais de acordo com o conceito de
regionalismo, utilizado por Maria Regina Soares de Lima, onde a autora destaca da
necessidade de se fazer uma distinção entre os processos de integração e os de
regionalização. A integração pressupõe a formação de um espaço econômico integrado e
coordenação regional de políticas públicas; já o regionalismo, implica em objetivos menos
ambiciosos, através do processo de cooperação em diversas áreas, militar, política,
econômica, energética, técnica, refletindo em prioridades de política externa – sendo de
relevância a dimensão geoestratégica. Levando em consideração o conceito de
regionalismo, serão utilizados como fontes em especial, os documentos produzidos pelo
Ministério da Defesa, a Política de Defesa Nacional (2005), a Estratégia Nacional de Defesa
(2008), e o Livro Branco de Defesa (2012), onde se deve identificar se a política externa e a
agenda de Defesa são, ou não, complementares.
O cenário sul-americano e os modelos de integração regional: a UNASUL como
alternativa
A formação de uma unidade sul-americana gera relativa preocupação aos Estados
Unidos, no que se refere as possibilidades de determinada desestabilização da sua
preeminência na região – que historicamente durante todo século XX foi cenário de diversas
intervenções.1 No contexto regional o Brasil procura agir de forma ativa na tentativa de unir a
América do Sul em um bloco único, que então afastaria a presença norte-americana na
região. Todavia, quando se tratando de unidade sul-americana observa-se que existe - de
forma mais acentuada durante a presidência de Lula - um cenário de enorme
heterogeneidade. Os próprios modelos de integração acentuaram as dificuldades de se criar
1 Sobre a presença dos Estados Unidos no Brasil, ver: CERVO, Amado Luiz; BUENO, Clodoaldo. História da
política exterior do Brasil. 3ª ed. Brasília: UnB, 2008.
4
uma unidade regional que englobe exclusivamente os países sul-americanos – e suas
respectivas necessidades no sistema internacional (LIMA, 2013, p. 172).
Dentro dos processos de integração regional pode-se destacar três modelos
concorrentes: (1) o Regionalismo Aberto pautado pelo Consenso de Washington – que
surgiu na década de 1990; (2) a Alianza Bolivariana para los Pueblos de Nuestra América,
ALBA de 2004; e (3) a União das Nações Sul-Americanas, UNASUL de 2008. O
regionalismo aberto, embora sendo um modelo de inserção internacional característico dos
anos de 1990, permanece sendo defendido por alguns países sul-americanos, a exemplo do
Chile. O modelo de inserção internacional entende que o livre-mercado e os acordos de
abertura econômica – defendidos pelo regionalismo aberto – podem oferecer uma
alternativa para o desenvolvimento da região. Entende-se que tais manobras da política
externa chilena pretendem evitar um excesso de polarização regional, seja através de uma
liderança brasileira, ou então, até mesmo através de uma liderança mais radical
venezuelana anti-liberal (COLACRAI, 2010, p. 49). A criação de uma plataforma de poder
alternativo liberal na região é, para o Chile, um importante mecanismo de equilíbrio de poder
em nível regional, já que o país denomina-se como um país de posição intermediária no
cenário regional e global (LORENZINI, 2010, p. 70).
O modelo de política externa adotado pelo Chile tem um forte conteúdo comercial-
liberal de caráter múltiplo e pragmático. O significado de multilateralismo para o país não faz
da América do Sul uma região prioritária, como se pode destacar a postura chilena sobre a
sua adesão ao MERCOSUL, uma vez que a sua concepção de multilateralismo global
compreende que o MERCOSUL traria riscos à sua política bilateral com atores
extrarregionais, como também, serviria para aumentar as capacidades de projeção
econômica do Brasil na região – sendo o Brasil o país com maior capacidade comercial e
industrial. Atualmente a agenda regional do Chile compreende uma maior integração, nas
relações bilaterais, com a Argentina; entende o Brasil como um parceiro estratégico na
região, buscando desta forma uma maior intensificação dos laços políticos e econômicos
com o país; e procura um maior fortalecimento de seus vínculos comerciais com Peru e
Bolívia (LORENZINI, 2010, p. 83s). Entende-se que a maior aproximação chilena de livre
comércio com o México na organização da Aliança do Pacífico – composta por Chile,
Colômbia, México e Peru – como também, a própria criação e formação da CELAC
(Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos) como instrumento de equilíbrio
nas relações com a UNASUL e a ALBA na região (FLEMES; WEHNER, 2012, p.16ss).
Em contrapartida ao regionalismo aberto, tanto Venezuela quanto Brasil procuraram
tecer um regionalismo alternativo que não seguisse os projetos de integração liberal,
herdados dos anos de 1990. Não atendendo somente as necessidades de mercado,
5
defende-se através da UNASUL e da ALBA, um maior protagonismo do Estado –
coordenação econômica e desenvolvimentismo – no processo de integração regional
através de investimentos em infraestrutura, com ênfase em: maiores capacidades
energéticas; formulação de uma maior identidade regional entre as populações dos países
regionais; implementação de políticas públicas e; revitalização da soberania nacional.
Diferente do regionalismo aberto, que procura desenvolver uma liberalização da economia
com atores extrarregionais - inclusive com Canadá e Estados Unidos - a ALBA e a UNASUL
procuram afastar a presença das potências centrais da região sul-americana por questões
estratégicas (FAJARDO, 2013, p. 38-43) – para poder desenvolver maior autonomia e
capacidade dos países sul-americanos, não pretendendo concorrer assimetricamente com o
livre mercado dos países desenvolvidos.
Mesmo existindo pontos em comum entre os modelos de integração elaborados
pela Venezuela e pelo Brasil, respectivamente a ALBA e a UNASUL representam uma
constante concorrência entre os dois países, que procuram exercer maior influência na
região. A ALBA surgiu originalmente em 2001, como Alternativa Bolivariana de las Américas,
servindo como oposição direta a ALCA (Área de Livre Comércio para as Américas) proposta
pelos Estados Unidos. Posteriormente denominada como Alianza Bolivariana para los
Pueblos de Nuestra América, a ALBA tornou-se um projeto de liderança regional proposto
pela Venezuela devido a limitada disposição do Brasil para efetivamente liderar na região. A
partir de então, a cooperação política e social proposta pela ALBA perpassa pelas
capacidades energéticas venezuelanas baseadas no petróleo – que em sua comercialização
internacional produziria os recursos necessários para investimentos em áreas como
infraestrutura, comunicações, saúde e educação (FAJARDO, 2013, p. 51s).
A partir de 1999 a Venezuela, com Hugo Chávez no poder, tem revisto as suas
capacidades de poder nos níveis regional e global. Através da “Petro-diplomacia” a
Venezuela assinou vários acordos energéticos, economicamente favoráveis com países de
menores capacidades de atuação, gerando assim determinada assimetria e dependência
econômica com os seus parceiros. Nos anos de 2007-2009 a ALBA expandiu contando com
mais seis estados-membros – além de Cuba e Bolívia que já faziam parte do acordo – tendo
como principais membros Bolívia e Equador. Paralelamente a sua aspiração de líder
regional, a Venezuela procurou criar parcerias extrarregionais: com países caracterizados
anti-imperialistas através de coalizões com o Oriente Médio – Irã e Síria – e também,
parcerias com países asiáticos a exemplo da China – sendo esta uma manobra
venezuelana para criar determinado equilíbrio de poder na região, uma vez que os acordos
extrarregionais interferem direta ou indiretamente nos interesses do Brasil, fazendo com que
6
o país redefinisse sua agenda política para a região segundo sua posição regional
(FLEMES; WEHNER, 2012).
A UNASUL conseguiu em 2008 incorporar todos os 12 países sul-americanos
através da liderança brasileira – que na sua agenda de política externa destaca a
importância da América do Sul nas dinâmicas Sul-Sul, como também, procura estabelecer
maior equilíbrio e cooperação através dos fóruns multilaterais (SARAIVA, 2007, p. 58). A
UNASUL dispõe de uma estrutura institucional de caráter intergovernamental, visando uma
maior cooperação horizontal entre os países da região, contando com a criação de
conselhos que visam atender demandas específicas como: desenvolvimento social,
educação, ciência e tecnologia, saúde, infraestrutura e planejamento, questões energéticas
e, Defesa. Feita uma comparação, pode-se destacar que as finalidades da UNASUL se
aproximam e muito do modelo de integração da ALBA proposto pela Venezuela, porém a
grande diferença encontra-se na forma que os processos de cooperação e desenvolvimento
regional acontecem (FAJARDO, 2013, p. 55) – além da existência de uma competição entre
Venezuela e Brasil para exercer o papel de líder regional.
A Venezuela interpreta a UNASUL como um mecanismo institucional que visa
atender os interesses do Brasil, estando assim o país agindo de forma hegemônica na
região. A ALBA prevê um maior desenvolvimento de infraestrutura regional utilizando
somente recursos estatais – originários das riquezas geradas pela exportação de petróleo –
com o objetivo de limitar a influência de organismos financeiros privados regionais e
internacionais; ao contrário do Brasil que prevê investimentos em infraestrutura com o uso
de capitais públicos e privados (FAJARDO, 2013, p. 53). Dentro da UNASUL a IIRSA2
(Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana) é o instrumento de
geração de infraestrutura preocupado com a integração física regional – melhorias nos
transportes, comunicação e, energia – que conta com capitais do BNDES, pertencente ao
Brasil, para o financiamento de seus projetos. Outro ponto questionado pela Venezuela é a
prestação dos serviços feitos por empresas brasileiras entre elas: Odebrecht, Andrade
Gutiérrez, Queiroz Galvão e Camargo Correa. (FAJARDO, 2013, p. 56s).
Entende-se que os países sul-americanos estão dispostos a uma maior integração
regional, aprofundando assim os laços não somente políticos e econômicos, mas também,
os laços intersociais culturais e educacionais (LIMA; HIRST, 2009, p. 59) – formação de uma
identidade própria. A defesa do multilateralismo para solucionar questões regionais
apresenta-se como um elemento presente na política externa da maioria dos países da
2 Substituída a partir de 2009 pelo Cosipan – Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e Planejamento. Ver:
LIMA, Marina Regina Soares. Relações interamericanas: a nova agenda sul-americana e o Brasil. Lua Nova,
São Paulo, 90: 167-201 2013, p. 183.
7
região. A própria Colômbia que firmou acordos bilaterais de livre mercado e relutou em
participar da UNASUL – interpretando-a como uma plataforma de poder resistente aos
Estados Unidos e ao Plano Colômbia durante a presidência de Álvaro Uribe (2002-2010) – a
partir da presidência de Juan Manoel Santos (2010-2014) começou a apresentar traços de
uma política externa pragmática e multilateral, aproximando-se do Brasil no que se refere a
assuntos comerciais e de Defesa (FLEMES; WEHNER, 2012, p. 19ss). Sendo assim, as
maiores resistências para a integração regional encontram-se na possibilidade do Brasil
aumentar seu poder e presença na região, através de sua capacidade econômica, gerando
consequentemente, maior dependência dos países vizinhos.
O Conselho de Defesa Sul-americano: espaço multilateral de cooperação e
transparência para o aumento das medidas de confiança
Preocupado com os assuntos de Defesa, em 2008, o governo Lula elaborou um
plano para o equipamento das Forças Armadas envolvendo maiores investimentos na
indústria militar e pesquisa tecnológica. (CERVO, 2008, p. 504). A publicação da END –
Estratégia Nacional de Defesa – prevê a reestruturação das três Forças Armadas,
investimentos pesados no desenvolvimento doméstico de capacidades e a reativação da
indústria de Defesa.3 As Forças Armadas por serem um instrumento do Estado brasileiro
estão subordinadas ao poder político, que determina as suas estratégias de inserção
internacional. A elevação da estatura internacional do Brasil no século XXI passa a ser uma
realidade, e a isso, associa-se a necessidade de sua maior capacidade militar dissuasória,
como também, maior envolvimento na realização de missões humanitárias e de manutenção
da paz - sob mandato da ONU. Consequentemente, a agenda sobre os assuntos de Defesa
começa a ficar mais ampla, uma vez que se inicia um aumento considerável das discussões
envolvendo a construção de confiança mútua entre o Brasil e os seus países vizinhos.
O governo de Dilma Rousseff, desde 2011, herdou do governo Lula (2003-2010) as
estratégias definidas de política externa, colocando-se como representante dos países do
Sul global, seguindo uma orientação proativa para a dimensão sul-americana –
permanecendo no interior do Itamaraty os quadros autonomistas. Todavia, os cenários
internacional e nacional enfrentados pelo governo Dilma Rousseff foram mais áridos,
marcados por uma maior centralidade do G 7 e, redução dos espaços de atuação dos
países emergentes. Associado a isso, gradualmente se tem a redução da proatividade da
diplomacia presidencial, uma vez que a Presidente Rousseff direcionou as suas
3 Ver: BRASIL. Ministério da Defesa. Estratégia Nacional de Defesa – END – Paz e segurança para o Brasil.
2ª ed. Ministério da Defesa, dezembro de 2008.
8
preocupações pela solução de problemas internos que o Brasil passava. Para a América do
Sul, manteve-se as estratégias de política externa de Lula, em transformar a região em um
espaço geopolítico separado da América Latina (SARAIVA, 2014).
A UNASUL continuou sendo referência, para a atuação brasileira frente a situações
de crise na região, durante o governo de Dilma Rousseff. Os debates a respeito dos
modelos de integração concorrentes acabaram diminuindo, com a UNASUL se
apresentando como o modelo mais dinâmico de integração – capaz de apontar maiores
possibilidades de cooperação entre os países na região, inclusive no setor de Defesa.
Mesmo existindo algumas diferenças entre os governos de Lula e Dilma, destacando a
diminuição de interesses da presidente Dilma em construir um consenso e projetar o Brasil
como líder na América do Sul - devido os altos custos políticos e econômicos que o governo
não se mostrou disposto a atender (SARAIVA, 2014, p. 32) - o Brasil teve alguns avanços
referentes as políticas de Defesa para a região.
Segundo Héctor Luis Saint-Pierre (2014), as questões de Defesa estão se tornando
uma das prioridades no processo de integração sul-americano. Assinala-se o aumento das
preocupações sobre inovações da transparência e criação de medidas de confiança na área
da Defesa, através da criação do Conselho de Defesa Sul-americano (CDS) que compõe
um dos conselhos vinculados à UNASUL. A partir de então a América do Sul – influenciada
pela diplomacia brasileira na criação de um consenso regional – procura desenvolver
mecanismos multilaterais de cooperação em Defesa, para assim evitar efeitos, ou então,
percepções negativas naquilo que se refere a modernização das Forças Armadas na região.
Como efeitos negativos entende-se as possibilidades de: corridas armamentistas,
militarização de regiões de fronteira, incursões armadas e violações de soberania territorial
dos Estados por parte das Forças Armadas estrangeiras.
Um evento relevante e que geriu preocupação para a segurança regional foi o
ataque das Forças Armadas colombianas sobre um acampamento guerrilheiro no território
equatoriano da Angostura, em março de 2008. A morosidade da Organização dos Estados
Americanos (OEA) para a crise e cobrança do governo Uribe de garantias de que não
voltaria a violar a soberania territorial de seus vizinhos, impulsionou o governo de Luis Inácio
Lula da Silva - por intermédio de seu ministro da Defesa, Nelson Jobim - a proposta de
criação do Conselho de Defesa Sul-americano no âmbito da UNASUL. Resolver as
situações de crise de segurança de maneira autônoma e sem intervenção extrarregional,
passa a ser uma das necessidades para se criar medidas de confiança que possibilitem o
surgimento de uma comunidade de segurança regional. O próprio uso de bases militares
colombianas por militares norte-americanos, através do Plano Colômbia (2000), passou a
ser observado de forma diferenciada, fazendo com que tanto a Colômbia quanto os EUA
9
agissem de maneira mais cautelosa com a divulgação do teor de seus acordos militares
(SAINT-PIERRE; PALACIOS, 2014, p. 24).
A política de Defesa brasileira, passa a ter como principal objetivo para a região, a
garantia da supremacia militar regional. É evidente que isso não pode ser declarado nos
documentos como a Estratégia Nacional de Defesa (2008) e o Livro Branco de Defesa
(2012). Para tanto, a inovação reside em acoplar a isso uma integração da Base Industrial
de Defesa com os vizinhos, conforme ressaltam os documentos indicados. Como estratégia,
tem-se: a) a diluição dos custos de desenvolvimento e produção, pela ampliação da
demanda; b) a alavancagem do desenvolvimento industrial e tecnológico; c) a construção da
confianca mútua; e d) pela via da integração, evitar o balanceamento das capacidades
militares. É por isso que, se bem sucedida, essa estratégia não deverá desencadear uma
corrida armamentista na região. Apesar das preocupações a respeito do Plano Colômbia, o
Brasil apoia formalmente a presença norte-americana na região, uma vez que o próprio
governo brasileiro procura evitar que, nem o conflito entre as FARCs e as Forças Armadas
Colombianas, nem os cartéis criminosos sejam transferidos para território brasileiro. Assim,
a proteção da Amazônia continua sendo um dos principais elementos da agenda de Defesa
brasileira – na busca de se evitar a utilização dela por traficantes e outros criminosos, e a
depredação de seus recursos naturais. (SILVA, 2014, p. 76s).
De toda forma, pode-se destacar que a criação do Conselho de Defesa Sul-
americano, subordinado à UNASUL, resultou na institucionalização de um espaço de debate
e cooperação em Defesa sem a presença de atores externos – como anteriormente
mencionado, a exemplo dos Estados Unidos. Essa convergência decorre de um longo
processo de criação de laços de confiança entre os países da América do Sul, dedicados à
cooperação em diversas áreas, e não somente à execução de operações militares
(SVARTMAN, 2014, p. 60). No que se refere à UNASUL, o processo de construção e
consolidação pode ser dividido em duas etapas: (i) de criação do CDS em 2008 até a
inauguração do Centro de Estudos Estratégicos da Defesa (CEED) em 2009; e (ii) a partir
de 2009, com a promoção de uma série de Seminários sobre "modernização dos ministérios
de Defesa", até 2012 com as tentativas do CEED em criar uma metodologia comum para a
aferição dos gastos em Defesa na região. (SAINT-PIERRE; PALACIOS, 2014, p. 29).
Em janeiro de 2009, a delegação argentina na UNASUL elaborou uma proposta de
criação de um Centro Sul-americano de Estudos Estratégicos para a Defesa (CEED) sob a
órbita do CDS. Formalizada na primeira Reunião de Ministros e Ministras da Defesa do
CDS, em Santiago do Chile nos dias 09 e 10 de março de 2009, a CEED estabeleceu
algumas ações prévias à criação do Centro: (i) elaborar um registro das academias e
centros de estudos de Defesa e de seus programas, ou seja, criar uma rede sul-americana
10
interligando os centros de capacitação e formação em Defesa; (ii) constituir o CEED e
encarregar a um grupo de trabalho a elaboração do estatuto do Centro; (iii) realizar durante
novembro de 2009, no Rio de Janeiro, o Primeiro Encontro Sul-americano de Estudos
Estratégicos (SAINT-PIERRE; PALACIOS, 2014, p. 29s). A formação de uma série de
Seminários em Defesa com funcionários de governo, de Estado e acadêmicos foi um dos
resultados positivos promovidos pelo CDS para instigar o debate sobre a modernização dos
ministérios da Defesa e avançar nas medidas de confiança.
No que se refere a formulação de programas de modernização das Forças
Armadas brasileiras e o desenvolvimento de capacidades autônomas da indústria nacional,
reafirma-se a existência de determinado descompasso entre as afirmações do discurso
diplomático e de Defesa. A limitada capacidade da indústria de Defesa dos demais países
da América do Sul tende a limitar a participação destas, em um eventual processo de
integração das cadeias produtivas desse setor - enfraquecendo assim o discurso brasileiro
de desenvolvimento de uma indústria de Defesa com os demais países sul-americanos. Os
próprios gastos militares na região, feitos pelos países que efetivam maiores investimentos
(Colômbia, Chile e Venezuela) se referem à aquisições junto a outros países, sendo Estados
Unidos e Rússia os principais fornecedores. Destaca-se as dificuldades de captação de
investimentos e consolidação de uma integração da base industrial de Defesa,
permanecendo esta mais no plano simbólico do que efetivo (SVARTMAN, 2014, p. 61).
Por outro lado, a divulgação dos "gastos de defesa", é considerada uma medida de
confiança, um mecanismo de transparência entre os países membros da UNASUL - que de
certa forma revelou dados alarmantes sobre o destino dos gastos em Defesa na região.
Entre 2006 a 2010 o gasto total em Defesa na América do Sul foi de US$ 126 bilhões - 44%
correspondem aos gastos do Brasil, 17% da Colômbia, 10,7% da Venezuela, 9% do Chile,
8,3% da Argentina, 4,5% do Equador e 4% do Peru. Outro elemento alarmante, refere-se à
desproporção em investimentos de pessoal, e a baixa quantia investida em ciência e
tecnologia (59% dos gastos são referentes a pagamento de pessoal, 23,5% são de
operações militares, 17,3% de investimentos e outros, 0,5% são de pesquisas na área de
Defesa). No Brasil, segundo informações levantadas pelo Sistema Integrado de
Administração Financeira do Governo Federal (SIAFI) no ano de 2011, em média 75,3% do
seu orçamento em Defesa foi destinado para pagamento de pessoal e outros encargos
sociais - o restante ficou dividido em 10,6% para investimentos, 13,2% para custeio e 1% de
dívidas (SAINT-PIERRE; PALACIOS, 2014, p. 32s).
A UNASUL, de toda forma, se tornou uma instância de representação regional
desempenhando funções semelhantes à OEA – que representa maior importância para os
Estados Unidos e México enquanto espaço multilateral (LIMA, 2013, p. 172). Sobre as
11
questões de segurança e Defesa na região, ao contrário daquilo que se entende como uma
extensão do controle brasileiro na região, a UNASUL tornou-se um mecanismo multilateral
usado inclusive para balancear o poder do Brasil, uma vez que o Conselho de Segurança
Sul-americano encontra-se sob controle do Chile e da Argentina através de uma liderança
dual por parte dos dois países. O próprio Chile na sua agenda de política externa considera
a UNASUL como uma importante instituição para resolver conflitos regionais, e também,
para atender seus interesses no cenário internacional. Durante o primeiro ano enquanto
presidente do Chile em 2010, Sebastian Piñera, compreendeu que maiores interesses
chilenos poderiam ser atendidos através do suporte da UNASUL, e a não participação no
conjunto da união resultaria no isolacionismo chileno na região (FLEMES; WEHNER, 2012).
As políticas de Defesa do Brasil para a América do Sul: descompasso entre as
propostas discursivas e a implementação da real integração
A política externa do Brasil para a América do Sul está inserida em uma nova matriz
de inserção internacional, utilizada por Luiz Inácio Lula da Silva a partir de 2003. André Luiz
Reis da Silva (2015) definiu esta nova matriz como sendo multidimensional – operando
através da intensificação de arranjos políticos, alianças e parcerias estratégicas mais
flexíveis nas dimensões bilaterais, multilaterais e, regional – e de geometria variável na
formação de blocos e coalizões com países em desenvolvimento. Através desta nova
matriz, identifica-se um maior aprofundamento da integração regional, somada à retomada
da tradição multilateral do Brasil, com um novo perfil crítico das relações assimétricas entre
os Estados. A partir de então, os princípios da reciprocidade e da cooperação passam a ser
incorporados nas agendas de política externa e Defesa do Brasil para a América do Sul,
associada a criação de uma zona de paz e segurança para a região.
Apesar de muito criticado pelos seus opositores em 2002, a candidatura e eleição
de Luiz Inácio Lula da Silva, inaugurou a partir do início do seu mandato, novas e positivas
relações com os Estados Unidos. A ascensão no Brasil de um governante antiamericano era
algo com que os EUA temiam, sendo o Brasil considerado uma nação com grande poder de
negociação e peso regional – elemento de equilíbrio na América do Sul. Por outro lado, é
importante destacar, que as relações entre os dois países foram marcadas em alguns
momentos por divergências, na medida em que crescia a presença do Brasil no cenário sul-
americano, com a não disposição por parte dos EUA em perder mais espaço na região. A
reativação da Quarta Frota dos EUA em 2008, que opera no Atlântico Sul, talvez seja um
dos principais assuntos que alertam os militares brasileiros sobre os interesses norte-
americanos: o argumento do país do Norte foi que a reativação se tratava apenas de uma
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garantia à estabilidade regional diante dos riscos do terrorismo e tráfico de drogas, e que
não se referia ao elemento energético com as descobertas de petróleo e gás pelo Brasil e as
exportações da África (PECEQUILO, 2013).
A capacidade do Brasil, e dos demais países da América do Sul, de se contrapor à
agenda norte-americana é limitada, por duas funções: (i) em virtude da dependência
material em relação à potência; e (ii) em função dos interesses ainda divergentes e até
conflitantes entre alguns países sul-americanos - a exemplo da integração das indústrias de
Defesa na América do Sul, ou então, a preferência de aquisição de material bélico de países
extrarregionais. Ainda assim, a baixa prioridade que a América do Sul recebe nas políticas
de segurança internacional dos EUA e a pouca frequência de guerras na região, dão
margem para que exista espaço para a construção de uma agenda própria, que não
necessariamente vem a colidir com a estadunidense. O reconhecimento, por parte dos EUA,
da liderança brasileira na região se alicerça naquilo que se definiu como "defesa
cooperativa" através de parcerias flexíveis, mas isso não significa que a posição
estadunidense não implique em algumas contradições: na medida em que os EUA inclina-se
em apoiar o Brasil, as questões securitárias se mantém sob enfoque e abordagem distintas
daquelas assumidas pelo Brasil (SVARTMAN, 2014, p.54).
Assim, o Brasil pode ser classificado como um país que exerce determinada
autonomia na região, mantendo um diálogo estratégico com os EUA. O ponto a ser
destacado é que os esforços para a criação de uma zona de paz e segurança estariam
associados - direta ou indiretamente - aos interesses dos EUA em manter o Brasil como
interlocutor e mediador nos conflitos regionais, sem o elemento do antiamericanismo. A não
eliminação dos EUA como um parceiro estratégico do Brasil nos assuntos de Defesa pode
ser destacada no Livro Branco de Defesa, onde se prevê a diversificação de parceiros,
visando fortalecer as relações entre países em desenvolvimento, sem descuidar das
relações tradicionais com parceiros desenvolvidos (Brasil, 2012). O Brasil não deseja um
real distanciamento dos EUA, como também, acaba atendendo as necessidades de
segurança para a região. Em outro importante documento publicado pelo Ministério da
Defesa em 2008, a Estratégia Nacional de Defesa se destaca: a importância da
manutenção da estabilidade regional e da cooperação nas áreas de fronteira, a
intensificação de parcerias estratégicas com nações sul-americanas e africanas nas áreas
cibernética, espacial e nuclear, e o intercâmbio entre as Forças Armadas (BRASIL, 2008).
Na última década pode-se destacar três documentos produzidos pelo Estado
brasileiro que se referem ao desenvolvimento de políticas de Defesa: (i) a Política de Defesa
Nacional (PDN), aprovada em 2005, que prevê o planejamento de Defesa do Brasil; (ii) a
Estratégia Nacional de Defesa (END), que busca definir como operacionalizar as
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determinações da PDN; e (iii) o Livro Branco de Defesa Nacional, publicado em 2012, que
tem por objetivo permitir o acesso à informação sobre o setor de Defesa brasileiro. (SILVA,
2014, p. 72). A PDN de 2005, considera que a Defesa do país está intimamente ligada à
maior projeção do Brasil no cenário internacional e ao fortalecimento da sua posição em
processos decisórios internacionais. Defende-se o fortalecimento do multilateralismo e o
reforço da interação sul-americana, pela busca de soluções pacíficas de controvérsias e
pela consolidação da paz e segurança internacionais (BRASIL, 2005) – aqui pode-se
destacar a posterior criação da UNASUL, e no âmbito da Defesa, a criação do Conselho de
Defesa Sul-americano.
Em relação à inserção internacional do Brasil, a END destaca a atuação do
Ministério da Defesa, em conjunto com outros ministérios – onde o Ministério das Relações
Exteriores teria papel relevante nos assuntos de Defesa do país. Entende-se que as
políticas externa e de Defesa são complementares e indissociáveis, a própria manutenção
da estabilidade regional seria favorecida, segundo a END, pela ação conjunta dos
Ministérios da Defesa (MD) e das Relações Exteriores (MRE). Se tratando da América do
Sul, pode-se destacar que a política externa e de Defesa devem ser complementares,
através da participação articulada de diplomatas e militares em fóruns, a exemplo do
Conselho de Defesa Sul-americano (SILVA, 2014, p. 73). No conjunto destas políticas de
Defesa, o Livro Branco de Defesa soma-se ao esforço regional de criar instrumentos de
transparência e confiança mútua no campo da Defesa, onde se afirma o desejo brasileiro de
criação de uma multilateralidade cooperativa – visando o surgimento de uma comunidade de
segurança na América do Sul – capaz de propor esforços para se garantir determinada
estabilidade regional (SVARTMAN, 2014, p. 58).
Embora o Brasil defenda uma maior cooperação política e militar na região, existem
algumas contradições entre o discurso e a prática – um descompasso entre as afirmações
do discurso diplomático e de Defesa. Há uma decisão estratégica do Estado brasileiro de
construção de um espaço político capaz de se converter em um polo do sistema
internacional multipolar, sendo a cooperação o principal mecanismo com o qual o Brasil
gerenciaria os custos do processo de integração regional. A construção de um consenso
regional resultaria em três aspectos positivos para o Brasil: (i) a construção de um espaço
sul-americano capaz de superar a desconfiança dos vizinhos; (ii) a relativa limitação sobre a
movimentação norte-americana na região; e (iii) a demonstração à comunidade
internacional, da capacidade do Brasil de gerenciar as instabilidades da região. Por outro
lado, ocorreria também a atração dos países vizinhos, que buscariam a associação com o
Brasil como forma de aumentar suas próprias capacidades de poder – estabelecendo, desta
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forma, uma espécie de plataforma regional conectada ao Brasil, e consequentemente
representada no sistema global. (COUTO, 2013, p. 204s).
Os três documentos que se referem às políticas de Defesa do Brasil – PDN, END e,
LBD – atendem várias necessidades no que se refere ao debate sobre o reaparelhamento
progressivo das Forças Armadas, e o desenvolvimento da indústria de Defesa. Mas, quando
se tratando do discurso nos meios militares, estes não se apresentam familiarizados à ideia
de integração das Forças Armadas sul-americanas: no próprio Livro Branco, no tópico
concernente à visão estratégica da Marinha, não há qualquer referência ao tema integração.
Quanto ao Exército, no “Processo de Transformação do Exército” – documento produzido
pelo Estado Maior em 2010 e que orienta os projetos da Força – enfatiza a soberania sobre
a Amazônia brasileira e identifica na região a possibilidade de se formar um “arco de
instabilidade” que venha a dificultar a ascensão econômica do país. A Força Aérea
tampouco aborda os temas da cooperação ou da integração, embora esteja em curso o
desenvolvimento conjunto entre países da UNASUL de uma aeronave militar de treinamento
básico, o Unasul-1, prevista para 2017 entrar em operação (SVARTAMN, 2014, p. 60s).
Em consideração aos fatores anteriormente destacados, deve-se ponderar alguns
aspectos, para que se avalie as possibilidades da agenda brasileira ser concretizada em
termos de política efetiva. Primeiro, não se deve esperar uma mudança muito significativa
da parte de Washington para a região, a respeito de temas como narcotráfico, terrorismo e
não proliferação de armas de destruição em massa - temas considerados sensíveis. A
própria disposição dos EUA em se fazer presente militarmente na região, ou de monitorar as
comunicações de empresas brasileiras e autoridades brasileiras é uma realidade a ser
avaliada. Um segundo ponto a ser considerado, é a necessidade de se corrigir importantes
contradições entre discurso e prática. Observa-se um limitado grau de cooperação das
Forças Armadas brasileiras com as dos demais países da América do Sul - os documentos
das Forças devem rever como descrevem as Forças Armadas dos vizinhos, assim como o
papel que a cooperação militar deverá ter na Defesa brasileira (SVARTMAN, 2014, p. 63).
Considerações finais
O aumento do protagonismo brasileiro no sistema internacional, acabou refletindo
no seu sistema de poder regional nos últimos anos. A partir de então, os países vizinhos
acabaram por perceber o Brasil, em vários momentos, como sendo uma possível ameaça
hegemônica na região. Por ser um país de dimensões continentais, a América do Sul
acabou sendo compreendida pelo Brasil como sendo uma região estratégica, um polo de
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poder importante para a consolidação de seus interesses em nível global. Todavia, as
maiores capacidades de projeção - econômicas e militares - do Brasil na América do Sul não
garantiram a criação de um bloco de poder homogêneo, capaz de sustentar os seus
interesses, sobretudo econômico-comerciais. O cenário sul-americano sempre foi um
cenário heterogêneo, marcado nas muitas vezes por rivalidades entre os países vizinhos,
que por sua vez compreendiam diferentes formas de inserção internacional .
A primeira década do século XXI, especialmente durante os dois mandatos do
governo Lula, foi marcada por disputas intrarregionais, determinadas nas muitas vezes por
modelos divergentes de integração dos países sul-americanos. Somente a partir de 2008,
através da criação da UNASUL, que pode-se observar significativos graus de convergência
dos países por uma maior integração regional - com o aprofundamento não somente dos
laços políticos e econômicos, mas também, da esfera militar de Defesa. O multilateralismo
passa a ser uma das pautas de política externa defendidas pelos países sul-americanos -
convergente às propostas da nova matriz de política externa brasileira - para solucionar os
problemas regionais. Associado a isso, as questões de Defesa, gradativamente se tornam
uma das prioridades no processo de integração sul-americano, onde procurou-se a não
criação de um ambiente militarizado com corridas armamentistas - a divulgação dos gastos
em Defesa pode ser compreendida como uma importante medida de confiança na região.
Os esforços da diplomacia brasileira, neste sentido, acabaram sendo importantes
para o início da criação de um consenso regional - que ainda não poder ser considerado
como processo concluído. No setor de Defesa, a UNASUL elevou suas capacidades de
consolidação através da criação, em 2008, do Conselho Sul-americano de Defesa, e
associado a ele a inauguração do próprio do Centro de Estudos Estratégicos da Defesa
(CEED) em 2009. A partir de então, os assuntos relacionados à Defesa acabaram por
receber maior atenção nos círculos de debates governamentais e acadêmicos, inclusive
sobre a modernização dos ministérios de Defesa, e o avanço de medidas de transparência e
confiança entre os países sul-americanos. Neste processo, pode-se observar algumas
deficiências, referentes a efetivação de algumas perspectivas até então existentes somente
nos planos discursivo e simbólico: a exemplo das aquisições de equipamentos bélicos por
parte dos maiores investidores em Defesa da região - Colômbia, Chile e Venezuela - que
compram dos EUA e Rússia.
Apesar da incorporação dos princípios de reciprocidade e de cooperação, pelas
agendas de Defesa e de política externa do Brasil para a América do Sul, algumas
limitações de efetivação dos programas a serem desenvolvidos podem ser detectadas. O
Brasil e os demais países da América do Sul encontram-se incapazes de se contrapor a
agenda de Defesa e de política externa dos EUA para a região, onde observa-se a
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dependência material em relação à potência. Embora exista determinado reconhecimento
da liderança brasileira na região, reconhecida pelos EUA através do princípio de "defesa
cooperativa", vários são os contrapontos entre Brasil e EUA no que se refere as suas
respectivas agendas de Defesa para a região. De toda forma, o Brasil acaba sendo
importante para a potência central, quando se delegam algumas responsabilidades
securitárias regionais à potência regional - a exemplo da criação de uma zona de paz e
segurança com poucos níveis de militarização entre os Estados, e o mais importante, sem o
elemento antiamericanista.
No campo discursivo, defende-se a atuação conjunta do Ministério da Defesa com o
Ministério das Relações Exteriores - classificada como sendo complementar e indissolúvel.
No entanto, existe um descompasso entre as perspectivas destacadas pelos setores
diplomáticos, que se diferenciam das propostas desenvolvidas pelos círculos militares. Ao
passo que a diplomacia brasileira empenha-se para uma maior cooperação multilateral e
integração regional, as Forças Armadas brasileiras não incrementam nas suas formulações
estratégicas o componente da integração com os países na região, como observado nos
principais documentos produzidos pelo Estado brasileiro - PDN, END e Livro Branco de
Defesa. Assim, destaca-se a necessidade das três Forças brasileiras em rever suas
discrições a respeito das Forças Armadas dos países vizinhos, para que se possa avançar
no processo de cooperação e integração regional no campo da Defesa, e
consequentemente criação efetiva de uma zona de paz e segurança regional.
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